papel temático: conhecer e entusiasmado atribuem o papel temático de experienciador a
Pedro.
218
Pode-se dizer que os dados discutidos evidenciam que os verbos estativos
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, quando
combinados com adjetivos descritivos, geralmente vão implicar uma relação de causa que
resulta uma ordenação específica entre essas duas eventualidades, como já demostrado. No
entanto, essa leitura pragmático-discursiva de causa, em alguns casos, como em (27a) pode
ser facilmente cancelada por um complemento, mas, em outros casos, o cancelamento parece
não funcionar, como em (27b):
(27)
a- Paula esperava o lanche irritada com os gritos do menino da
mesa ao lado...
b- ?João admirou a beleza da moça encantado com a paisagem.
Dessa forma, na estrutura em (27a), a conexão entre os predicados primário e
secundário passaria a ser de outra natureza: PARTE_DE. Seguindo Rothstein (2003), assume-
se que PARTE_DE é uma relação não-transitiva que identifica uma eventualidade atômica
como parte de outra.
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Então, estruturas, como as em (27a), em contextos específicos, podem
assumir uma representação do tipo de (28):
(28) a- [esperar (Paula, o lanche) PARTE_DE [SER (Paula,
irritada)]]
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Na literatura, encontram-se algumas tentativas de tratar certas restrições das construções com predicado
secundário levando em conta a atribuição de papéis temáticos. Contudo, tanto Jackendoff (1990) como Rapoport
(1993) acreditam que, na maioria das vezes, essas tentativas são, no mínimo, inconsistentes, uma vez que tais
papéis são analisados apenas sob uma perspectiva diacrítica, isto é, o conteúdo semântico dos papéis temáticos
particulares não tem relevância gramatical, pois o que interessa é a sua (in)existência, o que é percebido como
mero índice da estrutura argumental de natureza sintática. Porém, levando em conta a proposta de Franchi
(2003), chega-se à conclusão de que esse panorama se altera, já que é possível compreender algumas restrições
das construções com predicado secundário a partir da atribuição de papéis temáticos, uma vez que o que tem
estatuto teórico, nessa abordagem, são as propriedades semânticas acarretadas pela relação dos predicadores e
seus argumentos. Para mais detalhes, ver Franchi (2003).
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Excluem-se dessa análise os verbos copulares, por exemplo, em estruturas como João é insuportável bêbado.
Para detalhes de uma análise desses verbos copulares, ver Foltran (1999).
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Como já explicado anteriormente, Rothstein (2003) compara tal relação via analogia a dois elementos; João e
a mão de João. Ela afirma que, no domínio dos indivíduos, a mão de João é parte de João. Entretanto, ela
argumenta que, apesar de a mão de João ser parte de João numa forma fundamental, a relação entre esses dois
elementos não é PARTE_DE comum, pois, se a mão de João é parte dele e João é parte de uma classe
(homens), isso não significa que a mão de João é parte dessa classe. Ou ainda, a mão de João é parte de João no
sentido de que eles compartilham ‘substâncias’. Não se pode tirar uma parte da mão de João sem tirar uma parte
de João, mas apesar dessa relação entre eles, João e sua mão permanecem indivíduos atômicos, e a gramática
deve tratá-los como tais.