APOLINÁRIO (Entrando e sentando-se em uma cadeira que deve estar no meio da cena.) - Não se
incomode Vossa Senhoria. Estou muito bem. Vossa Senhoria como tem passado?
CARDOSO - Bem, obrigado. O que pretende o senhor?
APOLINÁRIO - Sua senhora tem passado bem, senhor subdelegado?
AMÁLIA - Bem, obrigada. O senhor o que pretende?
APOLINÁRIO - Ah! estava aí, minha senhora? Os meninos estão bons?
AMÁLIA - Que meninos, senhor?
APOLINÁRIO - Os seus filhos, minha senhora.
AMÁLIA - Não os tenho. E esta!
APOLINÁRIO - Pois levante as mãos pra o céu e dê graças a Nosso Senhor Jesus Cristo!(Sinais de
impaciência em Cardoso e Amália.) Eu tenho três, três! Todos três machos, felizmente. Mas que consumição!
Que canseira! Quando não está um doente, está outro; quando não está outro, está outro; quando não está
nenhum, está a mãe; quando não está a mãe, está o pai. Às vezes estão, filhos e pais, todos doentes. É preciso
chamar a vizinha para dar-nos qualquer coisa. É uma lida, minha rica senhora! Peça a Deus que lhe não dê
filhos. Olhe...(Mostra a cabeça.) Não vê?
AMÁLIA - O quê? o quê?
APOLINÁRIO - Já estou pintando... Ainda anteontem... Anteontem não... Quando foi, Apolinário?
Segunda... terça... Foi anteontem mesmo... Eu tinha acabado de tomar o meu banhinho e de ouvir minha
missinha...
CARDOSO (Interrompe-o.) - Meu caro senhor, tomo a liberdade de preveni-lo que temos muita
pressa e não, podemos perder tempo. Íamos saindo justamente quando o senhor entrou...
APOLINÁRIO (Erguendo-se.) - Nesse caso, senhor doutor...
CARDOSO - Perdão, não sou doutor.
APOLINÁRIO - Fica para outro dia... Eu vinha dar minha queixa, mas... (Cumprimenta.) Senhor
doutor... minha senhora... (Vai saindo.)
CARDOSO - Venha cá, senhor: já agora diga o que pretende.
APOLINÁRIO (Voltando-se e preparando-se como para um discurso, com força.) - Senhor
subdelegado...
CARDOSO - Não é preciso gritar tanto...
APOLINÁRIO - Esta noite fui roubado.
CARDOSO - Diga.
APOLINÁRIO - Dezoito cabeças de criação... dezoito ou dezenove... Ontem esteve em nossa casa
um cunhado meu, irmão de minha mulher, empregado no Arsenal de Guerra, e não tenho certeza de que ele
levasse alguma galinha consigo, mas creio que não. Em todo caso, foram dezoito ou dezenove cabeças, não
falando em um bonito galo de crista, que comprei no mercado, não há quinze dias.
CARDOSO - Muito bem. O senhor chama-se...
APOLINÁRIO - Apolinário, um criado de Vossa Senhoria.
CARDOSO - Apolinário de quê?
APOLINÁRIO - Apolinário da Rocha Reis Paraguaçu (Dando um cartão) Olhe, aqui tem Vossa
Senhoria meu nome e morada.
CARDOSO - Bem; pode ir descansado, que serão dadas as providências que o caso exige.
APOLINÁRIO (Preparando-se outra vez para um discurso e elevando muito a voz.) - Ainda não
fica nisso, senhor doutor!
CARDOSO - Já tive ocasião de dizer-lhe, primeiro, que não é preciso gritar tanto; segundo, que não
sou doutor.
APOLINÁRIO (Com a mesma inflexão, porém baixinho.) - Não fica nisso. Eu conheço o gatuno!
CARDOSO - E por que estava calado?
AMÁLIA (Não se podendo conter.) - Com efeito, Senhor Paraguaçu!
APOLINÁRIO (Atarantado.) - Hein! (Falando com cada vez mais descanso.) Não conheço eu outra
coisa! Chama-se Jerônimo de tal, um ilhéu, um vagabundo, que foi há tempo cocheiro de bondes e agora não
sai da venda de seu Manuel Maria, ao qual dizem que vende por um precinho de amigo, o que ... (Ação de
furtar.) Vossa Senhoria sabe qual é a venda de seu Manuel Maria? É a que fica mesmo em frente à casa do
meu cunhado, do mesmo que esteve ontem em nossa casa, e sobre o qual estou em dúvida se levou ou não
alguma galinha. (A Amália.) Mas que bonito galinho, senhora! Vossa Senhoria dava oito mil réis por ele com
os olhos fechados... Era branco, branquinho, como aqueles patinhos do Passeio Público. Uma crista escarlate!
Que bonito galo!