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FÁTIMA REGINA MIBACH DO NASCIMENTO
ADIAMENTO DO PROJETO PARENTAL:
Um estudo psicológico com casais que
enfrentam a esterilidade.
PUC-Campinas
2009
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FÁTIMA REGINA MIBACH DO NASCIMENTO
ADIAMENTO DO PROJETO PARENTAL:
Um estudo psicológico com casais que
enfrentam a esterilidade.
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia do Centro de Ciências da
Vida PUC-Campinas, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Mestre em Psicologia: área de
concentração como Profissão e Ciência.
Orientador: Prof. Dr. Antonios Térzis
PUC-Campinas
2009
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
FÁTIMA REGINA MIBACH DO NASCIMENTO
t618.178019 Nascimento, Fátima Regina Mibach do.
N244a Adiamento do projeto parental: um estado psicológico com casais
que enfrentam a esterilidade / Fátima Regina Mibach do Nascimento. -
Campinas: PUC-Campinas, 2008.
170p.
Orientador: Antônios I. Térzis.
Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Centro de Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Infecundidade - Aspectos psicológicos. 2. Infecundidade. 3. Casais
sem filhos. 4. Reprodução humana. 5. Psicanálise de grupo. I. Térzis,
Antônios. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Centro de
Ciências da vida. Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
22.ed.CDD - t618.178019
ADIAMENTO DO PROJETO PARENTAL:
Um estudo psicológico com casais que
enfrentam a esterilidade.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Presidente: Prof. Dr.: Antonios Térzis
_______________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
Vera Lúcia Trevisan
_______________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a.
Maria Yolanda Makuch
PUC-Campinas
2009
i
O Filho Que Eu Quero Ter
É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar um sonho lindo de morrer
Vejo um berço e nele eu me debruçar com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar o filho que eu quero ter
Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho de tanto amor que ele tem
De repente o vejo se transformar num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde vim
Um menino sempre a me perguntar um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem e a quem diga que sim
Dorme, menino levado, dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado, de tanta dor que ele tem
Quando a vida enfim me quiser levar pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar no derradeiro beijo seu
E ao sentir também sua o vedar meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar num acalanto de adeus
Dorme, meu pai, sem cuidado, dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado com o filho que ele quer ter
Vinicius de Moraes
ii
Para meu marido Gustavo e minha filha Beatriz,
pelos momentos que não vivemos...
e por aqueles que viveremos...
iii
AGRADECIMENTOS
Ao Prof
o.
Dr. Antonios Térzis, pela oportunidade de desenvolvimento e
aprendizado pessoal e profissional, através da orientação, do apoio e do
incentivo oferecidos.
À minha querida amiga, Carla Pontes Donnamaria, pela amizade, a mão
sempre estendida nos momentos turbulentos e pelas valiosas contribuições do
começo ao fim dessa jornada.
À CAPES pela bolsa de apoio concedida a esta pesquisa.
Aos casais participantes pela confiança de compartilhar suas histórias e
permitir a realização desse trabalho.
A Prof
a.
Dr
a.
Dayse Borges e Prof
o.
Dr. Mauro Martins Amatuzzi pelas sugestões
e contribuições, por ocasião da qualificação do projeto de pesquisa.
A Prof
a.
Dr
a.
Vera Trevisan e Prof
o.
Dr. Leopoldo Fulgêncio de Souza pelas
aulas do primeiro ano de mestrado.
À Prof
a
Lizette Weissman pelas supervisões e discussões dos casos sob a
perspectiva da Psicanálise das Configurações Vinculares.
Ao Dr. Antonio Rocha, por ajudar-me a manter o equilíbrio necessário para que
pudesse finalizar este trabalho.
Aos meus irmãos Fernando e Isabel, meus cunhados Débora e Marcos, e
minha sobrinha Fernanda pelo total apoio e suporte em Florianópolis/SC, por
ocasião das entrevistas com os casais.
Às amigas Letícia Westphal e Maria Isabel Caminha, pelo afeto e incondicional
amizade.
Às amizades feitas ao longo do caminho, especialmente Cybele, Cíntia e
Daniela e Letícia pelos momentos inesquecíveis.
Aos funcionários da Secretaria da Pós-Graduação da PUCCAMP pela
paciência e colaboração.
iv
SUMÁRIO
RESUMO v
ABSTRACT vi
APRESENTAÇÃO 01
1. INTRODUÇÃO 04
1.1 - O projeto parental 04
1.2 - Desejando filhos no contexto da infertilidade 07
1.3 - A tecnologia da reprodução humana assistida - TRHA 17
1.4 - O estudo do casal na teoria psicanalítica grupal 27
2. OBJETIVOS 33
3. MÉTODO 34
3.1 - Participantes 35
3.2 - Local da Pesquisa 38
3.3 - Instrumentos 38
3.4 - Procedimentos 40
3.5 - Análise do Material 41
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 42
5. CONCLUSÃO 95
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 98
7. ANEXOS 104
v
RESUMO
Nascimento, F. R. M. - ADIAMENTO DO PROJETO PARENTAL: um estudo
psicológico com casais que enfrentam a esterilidade. Campinas/SP, 170 pp.
Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas - PUCCAMP.
O objetivo deste estudo era investigar o adiamento do projeto parental,
enfatizando aspectos psicogicos e sociais que o determinaram, as
repercussões da esterilidade para o vínculo conjugal e a vivência dos
tratamentos reprodutivos. Participaram 03 casais, heterossexuais, acima de 30
anos, sem filhos biológicos e de níveis socioeconômicos variados, que
realizaram tratamentos de reprodução assistida. Os conteúdos obtidos através
da Entrevista Psicológica Aberta foram analisados de acordo com técnica de
Análise de Conteúdo proposta por Mathieu e discutidos conforme o referencial
teórico da Psicanálise e da Grupalidade. Resultados revelam: condições
sociais específicas (acesso aos recursos biotecnológicos, influências familiares,
sociais, econômicas e religiosas) associadas às condições inconscientes
(conflitos, resistências, ambivalências, fantasias e angústias) interferiram na
realização do projeto parental; comprometimento do vínculo conjugal
(diminuição da espontaneidade e interesse sexual; dificuldades para
reformulação do projeto vital e interferências no cotidiano); prejuízos à
convivência familiar e social; regressão aos estágios iniciais do funcionamento
mental desencadeando angústias persecutórias e depressivas e uso de
defesas primitivas (negação, ilusão, projeção, deslocamento e racionalização).
Houve identificação dos casais com tema da pesquisa e comprovação da
eficácia do dispositivo grupal para coleta, análise e interpretação dos
fenômenos psíquicos envolvidos.
Palavras-chave: casal, parentalidade, esterilidade, psicanálise grupal.
vi
ABSTRACT
Nascimento, F. R. M. - THE POSTPONING OF THE PARENTING PROJECT:
a psychological study with couples fighting sterility. Campinas/SP, 170 pp.
Master’s Dissertation. Psychology Institute Master of Science Program
PUCCAMP.
The aim of this study was to investigate the postponing of the parental project,
emphasizing the psychological and social aspects that interfered, the sterility
repercussion on the couple involvement and their experience with the aided
reproductive treatments that were made. Participated in the research three
couples, straight, over 30, no biological child and different social and economic
life, which underwent treatment of assisted reproduction. The contents obtained
through Opened Psychological Interview were analysed using the Content
Analysis technique proposed by Mathieu as well as discussed according to the
theoretical referential of Psychoanalysis and the Group Psychoanalysis. Results
shows: specific social conditions (access to biotechnology resources, familiar,
social, economic and religious influences), as well as unconscious factors
(conflicts, resistances, ambivalence, fantasies and anguish) interfered on the
parental project completion; damage on the wedlock (decrease in the
spontaneity and sexual interest; difficulty on reorganizing the vital project and
interference in daily life); lost in familiarity with relatives and friends; decreasing
movement to the early stages of the psychological work, characterized by the
persecuting and depressive anguish and the use of primitive ways to deal with it
(refusing, illusion, projection, displacement and rationalization). The couple’s
identification with the research theme and the effectiveness prove to collect
data, analysis and phenomenon interpretation to touch the couples were
surpassed.
Keywords: Couple, parentally, sterility, group psychoanalysis
APRESENTAÇÃO
______________________________________________________
APRESENTAÇÃO
A escolha do tema dessa pesquisa foi motivada inicialmente pela
experiência pessoal com os tratamentos de reprodução humana assistida,
onde tive a oportunidade de, ainda que na condição de paciente, conhecer os
impactos físicos, psicológicos e sociais causados pela esterilidade. Em virtude
de minha formão e experiência profissional, vivenciei esta situação com um
olhar diferenciado, mais atento aos aspectos emocionais envolvidos e constatei
a grande lacuna existente entre o nível de aperfeiçoamento e sofisticação
tecnológicos e a atenção que se às repercussões psicológicas dos
tratamentos de reprodução humana assistida para os indivíduos, os casais e
suas famílias.
A carência de literatura ou pesquisas na área da psicologia, voltadas à
realidade brasileira, contemplando o estudo do casal e não apenas da mulher,
revelou a necessidade e intensificou o meu desejo de realizar um estudo
sistematizado sobre as repercussões do adiamento do projeto parental para o
vínculo conjugal, com ênfase na situação de esterilidade e seus tratamentos.
A queda nas taxas de fecundidade no Brasil e no mundo vem
assinalando a influência das transformões socioeconômicas e culturais que
revolucionaram o contexto familiar e exigiram uma reformulação sem
precedentes, no desempenho de papéis masculinos e, mais notadamente, no
feminino. Essas reformulações repercutiram em maior diversidade nos
contratos matrimoniais, na busca por relacionamentos qualitativamente mais
satisfatórios, aumentando a incidência de re-casamentos e o surgimento de
novas configurações familiares (famílias uniparentais, homoparentais,
reconstituídas, multi-famílias, casais optando por não ter filhos, etc.).
Homens e mulheres, em mero crescente, têm adiado para cada vez
mais tarde a constituição de suas famílias postergando a vinda do primeiro
filho, contando com o substancial apoio das tecnologias de reprodução humana
assistida.
Embora esses avanços tenham re-significado a paternidade e a
maternidade, o projeto parental ainda é socialmente valorizado e esperado,
sendo, inclusive, considerado como parte do processo evolutivo e evidência
concreta de maturidade do indivíduo adulto. A importância do projeto parental
parece resistir, apesar dessas mudanças. De acordo com Makuch (2006),
“estimativas revelam que apenas uma minoria, cerca de 5% da população
mundial, decide voluntariamente não ter filhos, e, portanto, não escolher o
papel de pais como desejável” (p. 22).
Entretanto, existem muitos equívocos ou desconhecimento por parte dos
indivíduos acerca dos assuntos relativos à sua capacidade reprodutiva. Apesar
das mulheres, tradicionalmente, dispensarem um maior cuidado e atenção aos
seus corpos e à sde em geral, muitas ainda ignoram que significativo
decréscimo em sua fertilidade com o passar dos anos. Mesmo quando
tentativa por parte dos médicos em alertar sobre os riscos do adiamento da
gravidez, a maioria das mulheres, e também seus companheiros, evitam o
assunto, sentindo-se invadidos, pressionados ou mesmo despreparados para
tomar decisões quando confrontados com essa questão (Scharf e Weinshel,
2002).
Todos esses fatores desencadearam alguns questionamentos sobre o
desejo de ter filhos e os aspectos psicológicos e sociais que interferem na sua
realização, levando ao adiamento da maternidade/paternidade. Interessei-me
por investigar quais as forças que atuam nessa decisão, sejam elas na
dimensão subjetiva ou ligadas à trama familiar e cultural. Tendo em vista um
grande número de casos de esterilidade estar diretamente relacionado à
postergação da gravidez, concentrei minha atenção nos impactos do
diagnóstico da esterilidade e seus tratamentos para a dinâmica e nculo
conjugal.
A busca por norteadores para a compreensão do fenômeno do
adiamento do projeto parental e a situação de esterilidade enfrentada pelos
casais, me levou a estabelecer como pontos de partida para essa pesquisa,
primeiramente um breve recorte hisrico que permitisse acompanhar a
evolução da parentalidade, verificando sua importância ao longo do tempo. Em
seguida apresento algumas considerações tricas sobre o desejo de ter filhos
no contexto da esterilidade. Posteriormente, na intenção de favorecer a leitura
e compreensão dos casos analisados, apresento alguns conceitos de medicina
reprodutiva, os tratamentos disponibilizados e suas repercussões. No item final
da Introdução, são contempladas algumas das teorias da psicanálise da
grupalidade que fundamentaram o estudo do grupo casal.
Na seqüência, apresento os Objetivos da pesquisa e o Método utilizado
para atendê-los. Os Resultados e a Discussão são apresentados a partir da
análise e interpretação dos conteúdos obtidos nas entrevistas, realizados de
acordo com o referencial da psicanálise e da grupalidade. A Conclusão traz os
principais temas encontrados em cada um dos objetivos, bem como algumas
sugestões e reflexões suscitadas ao longo deste trabalho. Na parte final da
pesquisa encontram-se as Referências Bibliográficas e os Anexos da pesquisa.
Cabe esclarecer o uso dos termos esterilidade e infertilidade nesta
pesquisa. Conforme Olmos (2003), estes termosm significados tecnicamente
diferentes daqueles que lhes são atribuídos coloquialmente. A esterilidade é a
situação do casal que não consegue a gravidez por um período superior a dois
anos de tentativas regulares, seja qual for a causa. Já a infertilidade, trata-se
do aborto habitual, uma recorrente interrupção da gravidez logo no seu início, a
mulher consegue engravidar mas a gestação não evolui. Em se tratando de
um estudo não-médico, optamos por utilizar estes termos como sinônimos, ou
seja, tanto o termo infertilidade quanto esterilidade o considerados aqui como
uma incapacidade do casal de engravidar e de conceber, seja por questões
masculinas ou femininas.
INTRODUÇÃO
______________________________________________________
4
1. INTRODUÇÃO
1.1- O projeto parental
Analisando o projeto parental sob uma perspectiva histórica, vemos que
o desejo de ter filhos, a procriação e a noção de família foram sofrendo
profundas modificações ao longo do tempo. “Da época romana à Idade Média,
o desejo de ter filhos parece apoiar-se não somente sobre motivações
individuais, mas também sobre as razões coletivas” (Solis-Ponton, 2004, p. 29).
O casamento e a descenncia tinham, primordialmente, a finalidade de
estabelecer uma aliança que garantia ao homem, além da afirmão de sua
virilidade, o controle e segurança da transmissão do poder, bem como a
conservação e ampliação de suas riquezas. O matrimônio e a maternidade
eram as únicas perspectivas para as mulheres. Enquanto a falta de filhos
reduzia a herança de uma mulher, a maternidade, ao contrário, incrementava-
a. Os filhos também tinham um valor relativo. Se por um lado eram desejados
por garantirem a durabilidade da família paterna, de outro, um pai podia decidir
se ficava ou não com um filho para o dividir os bens da família entre muitos
descendentes, reduzindo assim a riqueza individual dos membros da próxima
geração (Tubert, 1996).
Relatos históricos sugerem o predomínio de uma conduta de indiferença
e certa ambivalência em relação à parentalidade na sociedade medieval.
Diferentemente da idéia que temos hoje acerca da família, não havia o
sentimento de individualizão, tampouco o estabelecimento de relações
afetivas, pelo menos o nos parâmetros que observamos nas famílias atuais.
“As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas fora da família,
num meio composto de vizinhos, amigos, amos e criados, criaas e velhos,
mulheres e homens, onde as famílias conjugais se diluíam(Ariès, 1973/1981,
Prefácio).
O amor cortês dissemina-se no século XII e modifica as relações entre
homens e mulheres. Embora a mulher seja exaltada, faz-se uma distinção
entre as mulheres dignas de serem amadas ou de serem mães em potencial.
Nos séculos XIV e XV a maternidade aparece essencialmente vinculada ao
5
sofrimento e a dor, como forma de expiação de pecados. E, ao final da Idade
Média, percebe-se uma valorização da procriação e da representação social da
maternidade, influenciados, sobretudo, pela devastação causada pela “Peste
Negra”. Culminando, enfim, com os discursos médicos e teológicos
renascentistas, que estabeleciam o sexo como finalidade procriativa (Ariès,
1973/1981).
Badinter (1980/1985) relata que na Europa do fim do século XVI até o
início do século XVII predominava o costume, nas famílias burguesas, de
confiar o recém nascido a uma ama-de-leite, que amamentava e cuidava da
criança durante os primeiros anos de vida. Conforme os recursos financeiros,
ou a instalavam na residência da família, ou lhe mandavam a criança. Mais
tarde essa prática se generaliza para todas as camadas sociais urbanas.
Os freqüentes casos de infanticídio, embora omitidos sob a forma de
acidentes, e o número expressivo de crianças abandonadas, fizeram com que
surgissem na Europa do início do século XVII, as primeiras instituições
destinadas a acolher essas crianças (Maldonado, 1989).
No final do século XVIII, na classe média européia, as famílias
comaram a ter características de família nuclear, exaltando-se o amor
materno, a preocupação com o desenvolvimento individual e a educação da
criança, através dos discursos filosóficos, médicos e políticos. Lins (2007)
observa que houve neste período uma verdadeira revolução das mentalidades,
em que a imagem da mãe, papel e sua importância modificaram-se
radicalmente: “o sentimento de amor materno sempre existiu, não em todas as
mulheres, mas em todas as épocas e lugares. A exaltação desse amor como
valor natural é que constitui novidade” (p. 123). Badinter (1980/1985), em sua
crítica à idéia do amor materno como uma constante transistórica”, reconhece
que “em todos os tempos houve es amantes e que o amor materno não é
uma criação ex-nihilo do século XVIII ou do século XIX. Isso, porém, não prova
de modo algum que tenha sido uma atitude universal” (p. 86).
No século XIX passou-se a ressaltar a importância da presea da mãe
na transmissão de conhecimento e de instrução religiosa, criando-se o costume
de colocá-la como principal responsável pelos filhos até completarem sete
anos, época em que ingressavam no mundo dos adultos. O culto à
maternidade ampliou o lugar da mãe e da criança na sociedade, incentivado
6
pelas novas condições de vida que levaram o homem a se distanciar da vida
doméstica, tornando-se necessário delegar à mulher a função de educadora
(Ariès, 1973/1981).
No século XX, com o surgimento da psicanálise, reforçou-se a tendência
de responsabilizar a mãe pelos problemas dos filhos. Porém, mais
recentemente, comaram a surgir estudos e pesquisas que consideram a
dinâmica familiar como um todo e sua inter-relação com fatores sociais e
econômicos no entendimento dos problemas e bloqueios do desenvolvimento
emocional (Maldonado, 1989). mais de duas décadas, Badinter
(1980/1985) já anunciava o início de outra revolução familiar “o projeto desloca-
se de novo para o lado do pai, não para devolver a mãe à obscuridade, mas
para melhor iluminar, pela primeira vez em nossa história, o pai e a mãe ao
mesmo tempo” (p. 239).
A escolha da maternidade foi se consolidando no decorrer do século XX.
O avanço da industrialização e da urbanização ampliou o acesso das mulheres
à educação formal e à formação profissional, permitindo sua presença no
espaço público e no mercado de trabalho. No Brasil, não obstante às profundas
desigualdades sociais, a experiência da maternidade passa por um processo
de transição, ocorrendo uma padronização do tamanho da família equivalente
ao das sociedades industriais avançadas, ou seja, redução no número de
filhos, uma escolha mais reflexiva da maternidade e a valorização da criança,
variando em intensidade, de acordo com as condições sócio-econômicas e
culturais de cada mulher. O rompimento com o determinismo biológico da
maternidade levou a separação definitiva da sexualidade com a reprodução,
primeiro pela contracepção medicalizada e em seguida pelas tecnologias
reprodutivas. Sob os impactos da biotecnologia e o desenvolvimento do
conceito de parentalidade, a sociedade moderna vai construindo novas
tendências de relações parentais e relações de gênero, refletindo as mudanças
no interior da família e sociedade. A escolha pela maternidade (paternidade ou
parentalidade) constitui um elemento deste período de transição. Quanto maior
a possibilidade de acesso à informação, à cultura e ao conhecimento
especializado, tanto mais reflexiva será esta escolha (Scavone, 2001).
A parentalidade, portanto, não está unicamente atrelada à questão
reprodutiva de homens e mulheres e sim articulada com uma série de
7
discursos ideológicos dominantes e suas variantes ao longo do tempo. Para
Tubert (1996), a elaboração histórica de uma rede de significantes na cultura
ocidental produz efeitos de sentidos relativos ao fato humano da maternidade,
e, em nosso entendimento, da paternidade também. São esses efeitos,
herdados da cultura, que vão colorir “as relações intersubjetivas (situadas num
sistema de parentesco) que nos constituem como sujeitos” (p. 122).
As novas articulações das funções parentais passam a exigir que
consideremos os desejos masculinos e femininos e suas mais diversas
significações. Para tal, faz-se necessário a compreensão dos elementos
constitutivos do desejo de ter filhos. Para muito além das influências sócio-
históricas, religiosas, políticas e econômicas, os aspectos narcísicos, edípicos
e de gênero atuam no complexo processo decisório quanto à realização ou não
do projeto parental.
1.2 - Desejando filhos no contexto da esterilidade
Na contemporaneidade, tem sido cada vez mais comum o adiamento do
projeto parental, sendo possível observarmos, inclusive, o aumento no número
e casais que decidem o ter filhos. Essa possibilidade era inimaginada
poucas décadas. Homens e mulheres não tinham o direito de escolher se
queriam ou não ter filho e muito menos o momento ideal para tê-los.
Os casamentos ocorriam ainda na juventude, geralmente bem antes dos
trinta anos de idade. Os filhos vinham em seguida e a gravidez acontecia
quantas vezes fosse possível a o final do ciclo reprodutivo das mulheres,
sinalizada pela entrada na menopausa. Nesse mesmo período, o casal que não
pudesse ter filhos conformava-se com a situação ou optava pela adoção. Na
eventualidade de recasamentos, seja pela viuvez ou separação, aos novos
njuges cabia somente o papel de padrastos e madrastas, caso tivessem
ultrapassado seu ciclo reprodutivo (Feitosa e Jorge, 2003; Serafini e Motta,
2004).
Com o advento da pílula anticoncepcional e dos demais dispositivos
contraceptivos, aliados ao aperfeiçoamento da biotecnologia, foi possível
dissociar a sexualidade da procriação. No entanto, paradoxalmente, mais livres
8
das convenções e dos limites do corpo, muitos casais se vêem hoje limitados
por suas expectativas e desejos, pressionados no sentido de fazer com que
suas escolhas os levem à plena satisfação, revertendo numa busca
desenfreada por um ideal de felicidade. Se antes, ter filhos era uma questão de
possibilidade, hoje implica num processo decisório, envolvendo uma
complexidade de aspectos psíquicos, mobilizando sentimentos conflitantes e
gerando profunda angústia para os casais.
Essa nova realidade nos levou a refletir sobre a questão do desejo de
ter filhos, as diversas motivações presentes na construção do projeto parental e
os fenômenos intra e intersubjetivos que permeiam as decisões conjugais no
tocante aos modos de realização desse projeto.
Do mesmo modo que a união do casal se dá por uma gama de motivos
conscientes e inconscientes, tamm a busca do filho pode estar subordinada
às mais variadas motivações e significados para um casal. Além do aspecto
imaginário, que socialmente lhe é conferido como importante e aceitável, as
particularidades da história de cada sujeito e de cada casal devem ser
considerados, pois são determinantes do significado do projeto parental.
(Maldonado, 1989; Modelli e Levy, 2006).
Farinati, Rigoni e Müller (2006), analisam a formação do contexto
reprodutivo a partir da constelação de significantes inconscientes, de
acontecimentos simbólicos, de elementos imaginários e reais que caracterizam
a singularidade e a subjetividade de cada indivíduo. Para estas autoras, antes
mesmo da concepção, o sujeito humano tem, nos desejos maternos e
paternos, uma marca simlica fundamental para sua futura constituão.
E qual seria a origem dos desejos de maternidade e paternidade?
Encontramos no artigo “Feminilidade” (Freud, 1933) uma das primeiras
tentativas de compreensão para o desejo de maternidade, considerado como
uma etapa importante do desenvolvimento feminino. Segundo a visão
freudiana, meninos e meninas atravessam as fases iniciais do desenvolvimento
libidinal de forma muito semelhante. Para ambos, a mãe representa o primeiro
objeto de seu amor. Porém, quando a menina se percebe desprovida de pênis,
essa distinção anatômica traz como conseqüência psíquica a inveja. Desse
modo atribui-se às mulheres um complexo de castração. A decepção com a
mãe faz com que a menina se volte para seu pai na expectativa de reparação
9
dessa falta, abrindo o caminho para o complexo de Édipo feminino. Freud
(1933) observou, ainda, que as primeiras manifestações do desejo das
meninas em ser mãe ocorrem na fase pré-edípica, referindo às brincadeiras de
boneca como uma identificação com a sua mãe. E depois, na fase edípica,
quando a menina deseja ter um filho do pai, onde filho, simbolicamente,
equivaleria ao pênis. Após a descoberta da castração, a menina teria, então,
três caminhos possíveis de serem percorridos para o desenvolvimento
psicossexual: a inibição sexual ou frigidez, o complexo de masculinidade e a
maternidade. Porém, somente um deles, a maternidade, foi apontado por Freud
(1933) como sendo viável à feminilidade: a substituição do desejo de ter um
pênis pelo desejo de ter um filho.
Badinter (1980/1985) pontua que a interpretação freudiana, relativa às
questões femininas e maternas, acabou por gerar representações da mulher
normal e da mulher desviante (anormal ou doente), onde a inveja do pênis,
sublimada pela maternidade, é o que determinaria a mulher sadia. Segundo a
autora, com o intuito de descrever a natureza feminina, Freud acabou
limitando-se a reproduzir a mulher de seu tempo. Mansur (2003) complementa
essa observação atribuindo à vulgarização de textos freudianos sobre a
feminilidade o aumento da importância atribuída à mãe e a medicalização da
maternidade ocorrida na primeira metade do século XX, sem, no entanto,
neutralizar a “ideologia moralizadora do século anterior” (p. 35). Roudinesco
(2003) discute os abalos à vio freudiana sobre a maternidade e feminilidade,
contextualizada dentro de um modelo de família patriarcal, provocados,
sobretudo, pela inversão da ordem procriadora que se deu com o progressivo
domínio das técnicas reprodutivas, que permitiu às mulheres não a recusa
voluntária à fecundação como o direito ao prazer, dissociado do dever de
procriar. Chodorow (1978/2002) e Tubert (1996) juntam-se à corrente de
pensamento psicanalítico que questiona o caráter instintivo do desejo de
maternidade, diminuindo o aspecto biológico e a função natural de ser mãe.
Chodorow (1978/2002) faz uma reinterpretação psicanalítica do
desenvolvimento masculino e feminino, onde a reprodução da maternação das
mulheres se através de diferentes experiências relacionais objetais e
diferentes ocorrências psíquicas em mulheres e homens. Nessa compreensão,
a conseqüência de terem sido cuidadas por uma mulher torna as mulheres
10
mais propensas que os homens a buscar serem mães, a obter satisfação no
relacionamento maternante e ter capacidades psicológicas e relacionais para a
maternação.
Tubert (1996) afirma que o fato da procriação ser um processo natural e
muito tempo ser concebido como algo instintivo, fez com que o fenômeno
fisiológico de concepção e gestação correspondesse ao desejo de ter um filho
bem como determinasse atitudes em relão a esse filho. No entanto, para a
autora, a identificação da maternidade social com a reprodução biológica é um
produto de um sistema de representações, ou seja, uma ordem simbólica,
definida pela cultura, que cria a ilusão de naturalidade.
Sobre o desejo de ter filho no homem, novamente sob uma perspectiva
psicanalítica clássica, evidenciam-se similaridades ao percurso feminino.
Na fase genital, meninos e meninas se vêm às voltas com seus
conteúdos corporais (descoberta dos órgãos genitais, fezes, urina) e as
emoções desencadeadas, que posteriormente irão determinar os significados
atribuídos ao filho enquanto produto do corpo. Durante a infância, o menino
coma a se identificar com a mãe e com sua capacidade de gerar e criar um
filho. Ao longo de seu desenvolvimento, ele passa do desejo de ser fecundado
pelo pênis do pai ao desejo e necessidade de penetrar e fecundar uma mulher.
Devido às exigências do mundo externo para que assuma papéis que
marquem a diferença de sexo com a mulher, o menino se vê forçado a reprimir
tendências homossexuais e junto com essas tendências, acaba reprimindo
também o desejo do filho. De acordo com essa descrição, a paternidade teria
sua origem, então, num desejo de maternidade, origem que se torna
incompatível com seu papel de varão e seu desenvolvimento normal. Faz-se
necessário que o menino renuncie ao desejo de ser como a mãe e de gerar um
filho com ela. Esta renúncia oferece ao desejo destinos diversos, com a
sublimão, o recalque ou a formação reativa. Além disso, este desejo também
seria influenciado pela rivalidade edípica, pois, o fato de ter um filho permite se
igualar ao próprio pai, e até superá-lo em sua tarefa de criar um filho.
(Aberastury e Salas, 1984; Calixto, 2000).
Apesar de aparentemente ter havido certa evolução em termos de
desempenho de papéis, nossa sociedade ainda é predominantemente
machista. Nesse sentido, a paternidade, para além da cobrança de fertilidade,
11
adquire os significados de poder, masculinidade e virilidade no psiquismo
masculino, ainda mais quando os homens são expostos ao desejo e a
necessidade de ter um filho (Feitosa e Jorge, 2003).
Chatel (1995) considera que o desejo de filho para o homem é, na
maioria das vezes, o desejo de encarnar o símbolo do dom criador para aquela
que ele encontra” (p. 19). Para Tubert (1996), o desejo de pai deve ser tomado
em seu sentido subjetivo e objetivo, ou seja, “o desejo do homem de ter um
filho e o desejo da mulher por este homem que pode ser pai do seu filho” (p.
141). Dumézil (citado por Nazar, 2008) refere que “o desejo de filho é
atravessado pela questão do desejo de um homem e/ou uma mulher de ter
uma criança incluída (ou não) no amor que esse homem tem por essa mulher
reciprocamente” (p. 64). Do mesmo modo, Szejer e Stewart (1997) afirmam
que uma criança é inicialmente o encontro do desejo de um homem e do
desejo de uma mulher, que possibilitará o nascimento de um terceiro desejo: o
desejo de vida incorporado no filho. Sem esses três desejos não haverá
nascimento porque cada um depende dos outros dois. Do desejo inicial do
homem e da mulher nascerá um projeto que fará parte da pré-história do filho.
Para Makuch (2006) as questões de gênero e sua associação com as
relações de poder são cruciais para se compreender as experiências sociais
distintas para homens e mulheres, que permeiam as relações de casal e
familiares, no desenvolvimento do projeto parental e nas vivências vinculadas à
reprodução.
Seja para os homens ou para as mulheres, o desejo de ter um filho pode
ser entendido também como o desejo narcísico de continuidade, ou, como
refletiu Freud (1900), a possibilidade de acesso à imortalidade.
Ribeiro (2006) retoma a descrição de Freud (1914) sobre o narcisismo
enquanto algo atribuído a toda criatura viva e parte regular do desenvolvimento
sexual humano para articulá-lo com o tema da reprodução humana assistida.
Segundo a autora, tal descrição torna possível pensar o conceito de narcisismo
fora do campo da patologia. Nesse sentido, afirma que o projeto de ter um filho,
independente da forma como é concebido, é carregado de investimentos
narcísicos e a sua não concretização provoca um rompimento da cadeia de
gerações, gerando intenso sofrimento e reativando antigas feridas narcísicas:
12
A ferida narcísica, decorrente do fato de não poder satisfazer o desejo de ter um filho,
como seus pais, é compensada na vida adulta, com a realização da maternidade e da
paternidade com os substitutos das figuras parentais - marido e esposa. Quando o
sujeito se impossibilitado novamente (como na infância) de satisfazer tal desejo, é
antiga ferida que se reabre (Ribeiro, 2006, p. 96).
Ribeiro (2006) complementa, afirmando que desejar conceber e ter um
filho é poder ver partes de si mesmo em outro ser (o filho), e perceber também
traços do outro (amado/amada). Assim, o desejo relativo de imortalidade do Eu
estende-se para o desejo de imortalidade do par. A esterilidade representa uma
ameaça ao projeto narcísico de imortalidade do Eu e do casal.
E como fica o desejo de ter filhos ante a constatação da esterilidade? A
resposta para essa questão precisa incluir o contexto da esterilidade, seus
significados e as repercussões desse diagnóstico na vida do casal.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera um casal infértil após
dois anos de tentativas de gravidez frustradas. Para alguns especialistas, no
entanto, a investigação deve começar após um ano de tentativas sem êxito.
Embora a literatura médica estime que entre 15% a 20% da população tenha
dificuldades de gravidez, acredita-se que este número seja subestimado, pois,
devido ao desconhecimento e/ou dificuldade de acesso aos serviços de saúde
especializados, muitas pessoas com o problema acabam não obtendo ajuda
médica (Collucci, 2003).
A infertilidade também aumenta com a idade, atingindo um em cada
quatro casais com mais de 35 anos. A idade da mulher está diretamente
relacionada ao sucesso em alcançar a gravidez por ciclo e a sua capacidade
conceptiva começa a declinar de forma mais acentuada após os 35 anos. Nos
casos de gravidez não assitida, as estatísticas apontam que a partir dessa
idade, as chances de sucesso ficam em torno de 15% a 20%. Aos 45 anos, de
3% a 5% de sucesso por ciclo. Para os homens, por mais que esta queso do
limite biológico o seja tão fundamental, ao adiarem a vinda do filho para
depois dos 40 ou 50 anos, a vitalidade para criá-lo é um aspecto que deve ser
levado em consideração nessa decisão (Schaffer e Diamond, 1994; Scharf e
Weinshel, 2002; Ribeiro, 2004).
13
Quanto às diferentes reações de homens e mulheres ao encarar o
diagnóstico da esterilidade, Olmos (2003) observa que a mulher geralmente
sofre muito, enfrentando mais de frente o problema, sendo que é comum ela
assumir uma responsabilidade que não lhe cabe individualmente. O homem
tende a negar ou minimizar a gravidade do problema, buscando refúgio no
trabalho ou demonstrando excessiva confiança nos tratamentos, como
estratégias para neutralizar as angústias e ansiedades próprias e da parceira.
O distanciamento agrega-se como uma dificuldade extra para o casal ante
essas diferenças no modo de lidar com a situação. No entanto, é importante
que o casal tenha tempo para assimilar a nova situação, pois, dependendo da
qualidade da relação, a crise poderá ser revertida.
Os casais que enfrentam a esterilidade geralmente possuem aumentado
sentimento de inadequação social, tendo em vista a quebra das expectativas
de concretização do projeto parental e do asseguramento da continuidade da
família, caracterizando um descompasso em relação a um mundo onde
predomina a fertilidade (Makuch, 2006; Papp, 2002).
Dentre os fatores que contribuem para essa sensação de inadequação
que acomete os casais que enfrentam a esterilidade, é importante destacar que
ao longo dos séculos a fertilidade sempre foi considerada uma benção, um
prêmio e a esterilidade como maldição divina ou como castigo. A noção de
esterilidade como castigo faz parte de mitos e crenças populares das mais
variadas épocas e lugares. Muitos povos antigos e primitivos, temendo a
esterilidade das mulheres e da terra, desenvolveram uma rie de complexos
rituais visando mitigar a ira dos deuses e pedir fertilidade (Maldonado, 1989).
Observamos também no discurso religioso, em especial na cultura
judaico-cris e seus textos sagrados, uma significativa contribuição para a
construção do estigma da esterilidade como castigo divino, levando muitos
casais a se questionarem sobre o que podem ter feito de errado para
receberem tal punição. Para Olmos (2003) este tipo de questionamento revela
uma crise espiritual, pois, “não há resposta para essas questões e não se pode
buscá-las a não ser projetando-as em um plano metafísico. Ou, ainda, como
tentativa de materializar o sentimento de culpa por meio de qualquer fato
ocorrido” (p. 43).
14
Ao analisar os determinantes socioculturais da valoração da fertilidade,
Gondin (2002) observa que, devido às profundas raízes na tradição judaico-
cristã, tendemos a construir teorias e interpretar nossas experiências sob forte
influência dos textos sagrados:
Desde o Antigo Testamento, quando Deus estabelecia aliança com os patriarcas,
inevitavelmente, como prova de terem sido abençoados, prometia-lhes uma numerosa
descendência. A fertilidade se tornava sinal de qualificação de todo um grupo. (. . .)
Assim, vai sendo construída uma identidade entre ser abençoado e fertilidade”. Ou
seja, a reprodução passa a adquirir uma determinação moral valorativa positiva ou
desqualificadora (Gondin, 2002, pp. 315 - 317).
Serger-Jacob (2006) acrescenta um dado interessante a essa questão,
observando que, ao mesmo tempo em que há essa noção de castigo da
providência divina, são raros os casais que buscam apoio ou se sentem
confortáveis em dividir as questões relativas à esterilidade e aos processos de
tratamento com um representante religioso. Isto talvez possa ser
compreendido, conforme nos revela Melamed (2006), pelo fato de alguns dos
dogmas religiosos influenciarem negativamente na escolha pelos tratamentos
de reprodução humana, visto que estes podem ser conotados como uma
desobediência e mesmo uma agressão à vontade de Deus.
A impossibilidade ou dificuldade de ter um filho biológico de forma
natural pode ser vivenciada também como uma perda, mesmo que temporária,
do controle sobre a própria vida. Em nossa cultura ocidental, acredita-se que
tudo que se quer será conseguido se houver empenho e trabalho. Subitamente,
surge uma condição em que isso não se aplica, gerando sentimentos de
frustração e impotência” (Passos, 2007, p. 85).
D’Andrea (2002) argumenta que a dificuldade procriativa pode ser
apenas o início de um período de sofrimento e provações na busca da
superação dos limites biológicos. Além de toda a tecnologia oferecida para o
enfrentamento da esterilidade, o casal precisará lidar com a inserção da figura
de um técnico (o médico) e certamente toda sua equipe na relação. Essa
intrusão com a aparente função de solução aos desejos do casal, no entanto,
pode diminuir o valor da troca e da recíproca doação que caracteriza a relação
amorosa. O casal, imerso numa cultura de urgência, pragmática e utilitária,
muitas vezes abandonado a si próprio - decide “fazer” e “agir”, em vez de parar
para pensar e refletir, alimentado por falsas esperanças ou frustrado por não
15
ter conseguido derrotar o limite biológico, mas também por não o ter aceitado e
elaborado.
A pressão familiar e social entra nesse cenário, amplificando os conflitos
e angústias do casal, tornando essa situação tão insuportável que muitos
casais saem em busca dos tratamentos em clínicas especializadas, mesmo
prescindindo do desejo genno de ter filhos e/ou independente das vidas
quanto a essa possibilidade. No entanto, Olmos (2003) argumenta que muitas
vezes é mais fácil atribuir às pressões externas o sentimento de cobrança que
o casal experimenta em um tratamento demorado de infertilidade do que
percebê-lo em si mesmo. Por não conseguirem lidar com a frustração do
intenso desejo de serem pais, alguns casais atribuem esse sofrimento às
cobranças familiares, chegando até mesmo à separação como forma de fugir
dos problemas. Segundo o autor, o elevado índice de abandono dos
tratamentos por pessoas que não têm problemas financeiros é representativo
do quanto uma preocupação financeira com o tratamento pode estar
encobrindo outras angústias. Para essas pessoas, lidar com o problema
financeiro, dando um peso exagerado ao custo do tratamento, que é um
problema socialmente aceito, é menos conflitivo do que enfrentar suas
limitações pessoais.
A infertilidade pode significar a perda da sexualidade espontânea, da
experiência da gravidez, do filho e da continuidade genética (Apfel e Keylor,
2002).
Podemos incluir, ainda, a perda da qualidade de vida e da saúde do
casal como um todo:
A Organização Mundial de Saúde define saúde como bem-estar bio-psico-social. É,
portanto, fácil de entender que o casal estéril não se enquadra nesta definição, pois
es longe de apresentar o bem-estar psicológico e social, além de muitas vezes
apresentar doenças que afetam a fertilidade e que também devem ser tratadas
(Abdelmassih, 1994, p. 11).
Pelo fato da procriação ser considerado um evento esperado para a
idade adulta, a esterilidade acaba por surpreender muitas pessoas,
caracterizando-se como a primeira grande crise pessoal e conjugal. Essa
sensação de surpresa resulta da falta ou do equívoco na informação que chega
aos indivíduos, bem como a ausência de programas preventivos em relação à
16
saúde e capacidade reprodutiva. Há uma preocupação em alertar os jovens
sobre a necessidade de evitar uma gravidez indesejada, instruí-los quanto ao
funcionamento de seus corpos na reprodução, incluindo a possibilidade de
adiarem ou descartarem o projeto de ter filhos. Porém, estes mesmos jovens
não são preparados para a possibilidade de serem inférteis ou de terem que
lidar com a esterilidade do parceiro escolhido. O cerne dessa questão pode
estar no fato da esterilidade jamais ter sido considerada um problema de saúde
que possa ser prevenido e ainda não fazer parte das questões discutidas no
cotidiano das consultas ginecológicas (Olmos, 2003; Collucci, 2003).
Podemos compreender que a ausência de programas preventivos à
esterilidade no âmbito público, deva-se em parte ao fato de que isso acarretaria
ao governo a obrigatoriedade de democratização e acessibilidade aos seus
tratamentos. Segundo Barbosa (2003), a existência e ampliação de serviços
públicos voltados para o tratamento da infertilidade, encontram dificuldades
estruturais que vão desde aspectos éticos e legais (responsabilidade quanto à
conservação e guarda de material genético) até o acesso e qualidade da
atenção à saúde integral da mulher, que sabemos, ainda não existe de forma
igualitária para toda população.
A esterilidade, como uma crise de vida, às vezes pode prosseguir por
anos, deixando a vida dos casais paralisada devido à ambigüidade quanto aos
limites que acabam por comprometer ou complicar as transições normais do
ciclo de vida pelas quais a família deve passar. Por causa da criança
fantasiada’, que está psicologicamente presente, mas fisicamente ausente tais
casais podem adiar decisões importantes, como mudanças na carreira
profissional, compra de residência e viagens” (Schaffer e Diamond, 1994,
p.121).
Essa idéia de estagnação também se faz presente nas observações de
Olmos (2003) ao referir que o sofrimento de quem não vai ter filhos e admite
isso, dando novos direcionamentos à sua vida é diferente do daqueles que
continuarão buscando o be e ficarão parados na própria existência. “O
próximo passo na vida, na cabeça desse casal, é a gravidez. Então o se
mais nenhum passo antes que ela aconteça” (p. 66).
Quanto aos aspectos intergeracionais da infertilidade de um casal,
Schaffer e Diamond (1994), analisam que a mesma pode evitar uma mudança
17
na lealdade da família de origem para uma nova família. O nascimento do
primogênito freqüentemente é visto como rito de passagem do casal para a
idade adulta e o fracasso nessa diferenciação mantém as famílias fundidas. As
emoções e pensamentos despertados pela esterilidade envolvem todos os
membros da família. Assim como os casais sentem-se frustrados em seus
esforços para se tornarem pais, seus próprios pais e seus irmãos podem
igualmente se sentirem frustrados em seus esforços para se tornarem avós e
tios, respectivamente. No entanto, na maioria das vezes a frustração
permanece secreta e não declarada. O que representa também uma lealdade,
uma vez que esse silêncio pode ser uma tentativa, por parte dos familiares, de
proteger o casal e evitar o acréscimo de mais sofrimento a essa situação.
D’Andrea, (2002) amplia essa discussão ao afirmar que o desejo de ter
um filho coloca os membros da família inteira em espera, acrescentando que a
esterilidade do casal também faz se sentirem estéreis os diversos ramos
afetivos dos quais o casal faz parte, ameaçando o surgimento daqueles papéis
que o filho teria provocado.
Compondo o cenário, as avançadas técnicas de reprodução humana
assistida se fazem presentes, interferindo na vida dos casais. Com vistas a
solucionar e superar os obstáculos à fertilidade e permitir a realização do
desejo de ter um filho, a biotecnologia comporta profundos dilemas de cunho
ético e moral, o para os casais que dela usufruem, mas extensivos aos
filhos, à família e a sociedade como um todo.
Sendo assim, consideramos relevante apresentar alguns conceitos
sobre esterilidade e seus tratamentos disponibilizados pela medicina
reprodutiva, bem como algumas das repercussões psíquicas decorrentes, que
se revelam úteis o só à leitura e compreensão dos casos analisados nesta
pesquisa, mas contribuem para uma reflexão mais ampla sobre seus impactos.
1.3 - A tecnologia da reprodução humana assistida - TRHA
Trata-se do conjunto heterogêneo de técnicas reunidas em torno de um
eixo - tratamento médico paliativo para situações de in/hipofertilidade humana,
visando à fecundação (Corrêa, 2001).
18
As TRHA foram desenvolvidas, a princípio, com o intuito de superar os
impedimentos ao encontro entre espermatozóides e óvulos em casais estéreis,
mas rapidamente essas técnicas foram se ampliando e dando origem a novas
técnicas mais sofisticadas e complexas como, por exemplo, a doação de
material reprodutivo (doação de óvulos, espermatozóides, embriões). Esse
incremento e evolução pida estão intrinsecamente relacionados às
transformões no contexto familiar. O adiamento do projeto parental por parte
dos casais contemporâneos gerou um aumento na demanda por tratamentos
que permitissem àqueles homens e mulheres, próximos ao final de seu ciclo
reprodutivo, realizar o sonho de serem pais de um filho biológico. Para muitos
deles, tais técnicas representam uma nova esperança e talvez sua última
chance de realizar esse sonho e, com freqüência, procuram esta ajuda médica
após um longo período de tentativas por meio de outros recursos (Corrêa,
2001; Borlot e Trindade, 2004).
De acordo com Passos (2007), embora historicamente a infertilidade
tenha sido atribuída à mulher, ela é multifatorial e pode envolver ambos os
parceiros. Estima-se que entre as causas da infertilidade, 40% sejam
femininas, 30% masculinas e 20% decorram de uma combinação dos dois. De
10% a 15% são de causa desconhecida.
Os fatores determinantes da esterilidade masculina podem ser divididos
em quatro grupos:
1. defeitos de espermatogênese: causados por varicocele, uma
dilatação anormal das veias que drenam o sangue dos testículos
(semelhante às varizes, encontrada em 15% da população masculina
em geral), distúrbios hormonais, temperatura alta (febre ambiental)
estresse, infecção, uso de drogas, medicações, entre outros. Podem
ocorrer alterações qualitativas e quantitativas: diminuição da
motilidade (astenozoospermia), diminuição da concentração
(oligozoospermia) e a ausência de espermatozóides (azoospermia).
2. defeitos no transporte: ausência ou obstrução dos canais por onde
passam os espermatozóides;
3. fatores seminais: anticorpos anti-espermatozóide, infecções;
19
4. fatores coitais (relação sexual): impotência, ejaculação precoce, e
outras (Abdelmassih, 1994).
O estilo de vida reflete na capacidade reprodutiva masculina, podendo
comprometer o mero e a função dos espermatozóides, sendo que o abuso
de substâncias como álcool, maconha, cocaína, heroína e/ou nicotina, por
serem tóxicas para os testículos, reduzem a produção de espermatozóides ou
alteram suas propriedades, especialmente quanto à morfologia (Collucci,
2003).
Abdelmassih (1994), baseado em estudos mundiais, justifica a queda da
fertilidade masculina através de fatores como estresse e das agressões ao
meio ambiente: efeitos ionizantes das experiências atômicas de russos e
americanos nos anos 60; certos agroxicos, hoje proibidos na agricultura, que
provocaram danos espermáticos importantes; efeitos de hormônios
anabolizantes ministrados para melhorar a qualidade da carne consumida pela
população, que afetaram a qualidade da produção seminal; ambientes muito
quentes, ou empregos sedentários que impedem o homem de arejar seus
testículos, às vezes comprimidos em apertadas calças jeans, contribuem para
elevar a temperatura dos tesculos acima da ideal. Na maioria dos casos,
basta o afastamento desses ambientes ou condições de trabalho que já ocorre
uma melhora nesse quadro e uma normalização na produção dos
espermatozóides.
Os fatores de maior ocorrência na determinação da infertilidade feminina
podem ser divididos em disfunções ovulatórias, obstruções tubárias, alterações
genéticas, abortos de repetição e endometriose.
A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é uma das maiores
responsáveis pelas disfunções ovulatórias. Ocorre quando no ovário houver
dez ou mais cistos de 2 - 8 mm de diâmetro, gerando sintomas e sinais como
irregularidades menstruais, ovários com policistos, obesidade e alterações
hormonais. Segundo Olmos (2003) a SOP afeta o eixo dos hormônios sexuais
que interfere na reprodução promovendo desvio na descarga de um hormônio
que aciona a liberação do óvulo, impedindo, assim, que ela ocorra(p. 81).
A Endometriose é a presença de focos do tecido endometrial
(revestimentos do útero) fora do útero e em localizações anormais tais como
20
ovários e trompas de Falópio e cavidade abdominal, que pode causar dor,
aderências (tecidos fibrosos) e infertilidade. Sua prevalência na população
feminina é de aproximadamente 5 a 15%, afetando 40% das mulheres inférteis.
É considerada pelos médicos como a doença da mulher moderna, devido ao
aumento do número dos ciclos menstruais que tem hoje a população feminina
em idade fértil. Antigamente as mulheres tinham muito mais filhos e
amamentavam por um período maior, além de viverem menos. Hoje em dia, ao
contrário, vivem mais, amamentam menos, chegando a menstruar até 400
vezes em média (Serafini e Motta, 2004; Passos, 2007; Collucci, 2003).
Cabe ressaltar que quanto maior a idade da mulher, menores são as
chances de gravidez, uma vez que os ovários não respondem
satisfatoriamente à estimulação medicamentosa da ovulação, além de impor
um risco maior de ocorrências de malformações fetais.
Esterilidade Sem Causa Aparente (ESCA) é o termo utilizado para
denominar aqueles casos de esterilidade que permanecem sem um
diagnóstico, ou quando a investigação convencional resultou normal. Por ser
um diagnóstico de exclusão, é importante que a investigação tenha sido
completada antes de se classificar o casal como tal. Embora nos casos assim
classificados não haja o que tratar, não necessariamente significa que não
tenham uma solução, pois geralmente significa uma subfertilidade do casal. É
comum, com um pouco mais de tempo, em média dois anos, a gravidez
acontecer naturalmente (Abdelmassih, 1994).
Existem outros aspectos que podem interferir na capacidade reprodutiva
e que acabam sendo incluídos na ESCA erroneamente ou por falta de uma
investigação apurada. É fundamental que se leve em consideração, por
exemplo, alguns hábitos sexuais: relações sexuais freqüentes, diárias, ou o
contrário, esporádicas; masturbação compulsiva, o uso de lubrificantes, óleos,
saliva etc., que interferem na sobrevida e motilidade dos espermatozóides no
ambiente vaginal. Outro hábito sexual peculiar aos casais que estão ansiosos
para engravidar é a concentração de relações sexuais somente no período
fértil, ainda mais pela própria dificuldade de se estabelecer ao certo o período
fértil, visto a dificuldade pela variação individual não de mulher para mulher,
mas de ciclo para ciclo, na mesma mulher (Collucci, 2003).
21
Após esta breve descrição dos fatores mais comuns associados à
infertilidade masculina e feminina, passaremos a apresentar algumas das
técnicas de reprodução humana assistida, disponibilizadas pela medicina
moderna para o tratamento dos mesmos.
Corrêa (2001) separa as TRHA em dois grupos, em fuão do ato da
fecundação ocorrer dentro ou fora do corpo da mulher. No primeiro grupo
incluem-se as técnicas de inseminação artificial. O segundo grupo é conhecido
genericamente como fertilização in vitro. Existem ainda práticas
complementares aos dois grupos de técnicas que envolvem a troca de material
reprodutivo (doação de óvulos, espermatozóides, embriões) e o uso de útero
de substituição (conhecida popular e inadequadamente como "barriga de
aluguel"). Outra técnica coadjuvante no conjunto da reprodução assistida é o
congelamento de embriões, gametas (óvulos e espermatozóides) e tecido
ovariano.
Dentre as tecnologias reprodutivas mais utilizadas, destacamos:
- indução de ovulação: é uma técnica relativamente simples, onde a mulher
toma medicamentos para estimular os ovários a produzir mais de um óvulo por
ciclo. “É base de todas as técnicas de reprodução assistida. A diferença estará
na quantidade de hormônios recomendada para cada caso e na associação de
outros remédios coadjuvantes(Collucci, 2003, p. 89).
O aparecimento dos indutores de ovulação representou uma verdadeira
revolução no tratamento da infertilidade. Através da técnica de reprodução
humana mais simples: a indução da ovulação com datação do coito (o casal
mantém relações sexuais nos dias de maior fertilidade), a gravidez poderia
ocorrer por meios quase naturais. Logo a indução foi sendo associada às
novas tecnologias dando origem a praticamente tudo o que se conhece
atualmente em termos de reprodução assistida (Olmos, 2003).
- inseminação intra-uterina ou artificial (IAIU): consiste na introdução do sêmen
no canal cervical - como se fora um coito artificial (Abdelmassih, 1994). Trata-
se de um procedimento de média complexidade, onde os espermatozóides são
depositados através de um cateter que transpassa o colo do útero. É feito um
controle de ovulação com uso de medicamentos para determinar o dia da
22
ovulação e aumentar as possibilidades de sucesso. Pode ser homóloga (com o
men do parceiro da paciente) ou heteróloga (com sêmen de doador).
- fertilização in vitro (FIV): é uma técnica utilizada desde 1978, quando se
mostrou bem sucedida após o nascimento de Louise Brown na Inglaterra. Seis
anos depois, em 1984, nasceria o primeiro “bebê de proveta” brasileiro. A FIV
tradicional é um procedimento onde os óvulos são retirados da mulher e
colocados juntamente com os espermatozóides do seu parceiro para fecundar
em laboratório. Após a fecundação, os embriões são mantidos em uma estufa,
até que cheguem ao mero ideal de células para que possam ser colocados
dentro do útero. A FIV foi desenvolvida inicialmente para o tratamento de
mulheres com obstruções nas tubas uterinas (local onde normalmente ocorre a
fertilização dos óvulos), mas hoje, além da obstrução tubária, ela é utilizada
para solucionar outros problemas que levam à infertilidade, como endometriose
moderada ou severa; baixa contagem de espermatozóides; ovários policísticos,
esterilidade sem causa aparente; ou amesmo casos de mulheres que não
conseguem a gravidez após o uso de cnicas mais simples de reprodução,
como a inseminão, por exemplo.
Segundo Corrêa (2001), as inovações técnicas na reprodução assistida
têm ocorrido principalmente neste grupo das fertilizões in vitro (FIV) ou como
técnicas associadas a ela. As modificações são, por um lado, variações do
local de introdução do embrião no corpo da mulher e, por outro, variações da
FIV que implicam na manipulação de células reprodutivas, as chamadas
microtécnicas.
- injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI): trata-se de um
procedimento de maior complexidade. O procedimento básico desta técnica é
conhecido como micro-manipulação e começou a ser desenvolvido no início
dos anos 90, com o objetivo de resolver a questão dos espermatozóides com
pouca força de locomoção. Com o auxílio de um microscópio especial e de
uma micro-agulha, o espermatozóide é injetado diretamente no interior do
óvulo. Com essa técnica, basta que se tenha um único espermatozóide
saudável para a fertilização tornar-se possível.
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- assisted hatching (micro-assistência para implantação do embrião): é uma
técnica que visa facilitar a implantação do embrião no útero. Quando a camada
que protege o embrião (zona pelúcida) é muito resistente, faz-se uma micro-
cirurgia dessa cápsula embrionária, através de meios químicos, mecânicos ou
raio laser, com o objetivo de abrir uma passagem para o embrião na zona
pelúcida (Serafini e Motta, 2004). Algumas mulheres com mais de 40 anos
podem apresentar esta membrana mais espessa (Caetano, Marinho e Moraes,
2000).
Existem práticas complementares a essas técnicas, que consistem na
troca de material reprodutivo:
- doação de men: quando o sêmen do parceiro não apresenta boas
condições para a reprodução pode ser usado sêmen de doadores. Existem
bancos de sêmen com amostras congeladas de diversos tipos de doadores. A
técnica usada é a chamada inseminação intra-uterina com sêmen de doador ou
heteróloga. Os procedimentos e a estimulação são realizados normalmente na
mulher. No dia da inseminação, os espermatozóides do doador são
descongelados e preparados em laboratório. A seguir são colocados em um
cateter para inseminação intra-uterina. Se houver necessidade de uso de
men de doador para casais que precisam de outros procedimentos como
FIV, os passos do tratamento para a mulher são os mesmos descritos,
porém sendo usada a amostra de doador. A identidade do doador não é
revelada pelo banco de sêmen.
- doação de óvulos: em alguns casos as mulheres que necessitam de um
procedimento de reprodução assistida não apresentam uma boa resposta
durante o uso de medicamentos para estimulação. Casos como esses, ou de
mulheres que não possuem ovários por alguma doença prévia ou uma cirurgia,
ou mesmo após quimioterapia, que tenha afetado a função dos ovários, podem
ser solucionados com o uso de óvulos de doadoras. Assim, essas mulheres
podem ser mães de embriões formados por esses óvulos e pelo
espermatozóide de seu parceiro. A doação é anônima e sem benefício
econômico. Tamm pode ocorrer a ovodoação compartilhada onde as
doadoras, geralmente pacientes da clínica que estão em tratamento de
24
fertilização in vitro e que apresentam alta resposta à estimulação ovariana, se
dispõem espontânea e anonimamente a doar seus óvulos de baixa qualidade
(Collucci, 2003).
- congelamento de embriões: os embriões excedentes de uma FIV, de boa
qualidade, poderão ser congelados e conservados em crio-câmaras (tanques
de nitrogênio líquido a -196˚C). Embora ainda não existam estudos científicos
conclusivos que comprovem um limite seguro de tempo para a conservação
desses embriões, estima-se que eles possam permanecer congelados por
décadas, mas o consentimento deverá ser renovado anualmente pelo casal. As
chances de gravidez com embriões congelados são em torno de 10% a 20%
por transferências. Segundo os médicos, quanto melhor a qualidade do
embrião, melhor será a sobrevida e as chances de gravidez da mulher. A
grande vantagem do congelamento de embriões está em sua utilização para
nova tentativa de gravidez, dispensando a necessidade da mulher se submeter
a novos estímulos hormonais e nova coleta de óvulos; aumentar as chances de
gravidez, tornando possível a transferência de embriões saudáveis em tempos
diferentes; diminui o risco de gravidez múltipla; além da possibilidade de
estender o relógio biorreprodutivo da mulher (Abdelmassih, 1994; Collucci,
2003; Serafini e Mota, 2004).
- congelamento de óvulos (oócitos): cnica em que os óvulos ou pequenos
fragmentos do ovário são congelados para serem usados futuramente. Para o
congelamento de óvulos é necessário que a mulher seja submetida à
estimulação ovariana para punção dos folículos ovarianos. Os fragmentos do
tecido ovariano para congelamento são obtidos através de laparoscopia. Essa
técnica é indicada às mulheres cuja reserva ovariana não mais lhes permite
engravidar espontaneamente, pacientes jovens que teo que se submeter à
quimioterapia para tratamento de ncer e aquelas que desejam postergar a
maternidade.
- congelamento de sêmen: o men coletado pode ser congelado para uso
futuro. É um procedimento indicado para homens com câncer que irão se
25
submeter à quimioterapia ou radioterapia, para prevenir a infertilidade
decorrente desses tratamentos (Passos, 2007).
Apesar das taxas de fertilização e gestação após descongelamento
ainda serem consideradas baixas, o congelamento de gametas vulos e
espermatozóides) e tecido ovariano, implicam em questões éticas e legais mais
simples, do que no caso dos embriões humanos (Passos, 2007; Caetano,
Moraes e Marinho, 2000). Recentemente acompanhamos a comão
provocada pelas discussões no âmbito da bioética e biossegurança, sobre a
manipulação de material genético, desencadeando profundas questões
filosóficas e religiosas.
Como podemos verificar, a partir do exposto, são muitos os recursos
hoje disponibilizados pela bio-tecno-ciência. No entanto, igualmente são as
implicações psicológicas e as repercussões trazidas pela biotecnologia.
Para Scharf e Weinshel (2002) os avançados desenvolvimentos
tecnológicos na área de reprodução, combinados à idéia de que o único limite
o nossos próprios defeitos, fez a gravidez parecer algo ao alcance de
qualquer um” (p. 142).
Antigamente, quando um casal se via diante da impossibilidade de ter
filhos biológicos, tinha suas opções limitadas à adoção ou a aceitação da vida
sem filhos. Hoje, com a concepção assistida, novas variáveis psíquicas são
colocadas para uma questão fundamental para os seres humanos: a
capacidade de reproduzir-se e dar continuidade à cadeia de gerações. Vale
lembrar, no entanto, que a medicina procriativa apenas ampliou as
possibilidades técnicas, visto que não uma garantia de êxito nos
procedimentos. Mesmo quando bem sucedidos, com a ocorrência da gravidez,
tal processo não prescinde de sofrimento psíquico, pois a forma como o filho é
concebido sela definitivamente a história de toda uma cadeia de gerações
(Ribeiro, 2004; Gasparini, 2006).
Bastos (1995) entende que a geração de vida humana mediante
técnicas sofisticadas não pode ser considerada ingenuamente apenas como
um avanço científico, exigindo que se façam reflexões e debates ante esta
nova perspectiva, tendo em vista que “remexe no que de mais mitológico no
homem: sua origem. É a origem a essência de todos os mitos(p. 914). Noção
26
essa compartilhada por Sigal (2003) que considera que os avanços
biotecnológicos “vão ao fundamento da nossa relação com a vida e com a
morte, impondo importantes mudanças nos referenciais simbólicos de nome,
filiação, paternidade, maternidade e sexuação” (p. 254).
Chatel (1995) apresenta uma visão crítica sobre as procriações
artificiais, afirmando que estas representam o descarte oficial do desejo sexual,
o apagamento dos traços de origem e da diferença entre os sexos. A autora
refere que, se antes a criança era o resultado somático de um encontro sexual
fecundante repleta de sentido simbólico, o discurso médico a transformou em
resultado do encontro de gametas, reduzindo a gravidez à entrada em
funcionamento de substâncias hormonais, e a paternidade uma decisão de
adoção concernente a um objeto feito de substâncias (p. 110).
Chatel (1995) afirma, ainda, que o desejo de filho passou a ser uma
demanda do médico e de seu desejo de ser bem sucedido:
(. . .) Quando uma gravidez sobrevém a partir de uma fecundação in vitro faço como
hipótese de que algo do desejo do médico ou dos técnicos se articulou ao desejo
recalcado dos parceiros, futuros pais, de tal modo que a implantação do embrião
funcionou e uma gravidez se desenvolveu (pp. 111 e 112).
Discordando desse posicionamento, Sigal (2003) alerta para o cuidado
de não se substituir a onipotência dica pela onipotência psicanalítica: “cada
uma querendo defender verdades absolutas, quando na realidade estamos
diante de uma multideterminação interatuante(p. 255). Propõe, então, que as
novas articulações entre o desejo inconsciente da maternidade e o emprego da
tecnologia, independente das modalidades de concepção, sejam
cuidadosamente analisadas, evitando-se os juízos de valor:
É necessário pensar que o sujeito é mais do que o funcionamento somático. É
necessário considerar o corpo erógeno e as determinações fantasmáticas que
produzem essas intervenções. Do mesmo modo, é necessário pensar que o mundo
fantasmático e pulsional tem uma ancoragem no soma. É na sua inter-relação que
encontramos o caminho da subjetivação (. . .) A separação entre o ato sexual e
fecundação não fala necessariamente de uma fecundação sem sexo, mas de uma
outra articulação possível, já que esta articulação é simbólica e não natural (pp. 256 e
257).
Aludindo às novas figuras parentais e os novos modos de filiação,
Ribeiro (2004) compara o impacto dos métodos contraceptivos dos anos
sessenta aos métodos conceptivos atuais, visto que ambos provocaram uma
27
grande revolução nas relações humanas e na constituição da família. A autora
ressalta que o fato dessas técnicas de reprodução assistida serem de uso
relativamente recente, ainda não é possível prever os impactos emocionais que
essa situação pode promover nos casais e nas novas gerações advindas das
mesmas.
Para muitos, estamos diante de um “admirável mundo novo”. Devendo-
se, porém, acrescentar um duplo sentido para o admirável: o fascínio das
novas possibilidades da bio-tecno-ciência e a conseqüente superação dos
limites biológicos, de um lado; e de outro, o medo, a insegurança e toda a
gama de especulações sobre os usos possíveis a partir dessa tecnologia.
Controvérsias e polêmicas à parte, o fato é que se trata de uma situação
irreversível. Porém, como sugere Gomel (2004), se o podemos prescindir
das evoluções tecnológicas e das suas ambigüidades, podemos, por outro
lado, o perder de vista nossa capacidade de refletir sobre seus alcances e
reflexos.
Nesse sentido, a escolha pelo estudo do casal, também marca o nosso
desejo de contribuir para o resgate do protagonismo de homens e mulheres em
relação às decisões sobre seus corpos, sua sexualidade e a concepção.
1.4 - O estudo do casal na teoria psicanatica grupal.
Para situar o estudo específico do casal dentro da teoria psicanalítica
grupal, apresentamos, a seguir, os trabalhos iniciais sobre o grupo e a
psicologia grupal que o fundamentaram.
Freud, no contexto de sua obra, favoreceu o surgimento de uma
psicologia dos grupos e instituições. Citamos como exemplo seu trabalho As
perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica” (1910), onde previa que “o
sucesso que o tratamento pode ter com o indivíduo, deve ocorrer, igualmente,
com a comunidade” (p.154). Posteriormente, em “Psicologia de grupo e análise
do Ego” (1921), um dos mais importantes para a compreensão da
psicodinâmica grupal, afirmou que “a psicologia individual (. . .) é ao mesmo
tempo também, psicologia social” (p. 81), descrevendo, neste mesmo trabalho,
as forças que unem e separam os indivíduos de um mesmo grupo.
28
Freud demonstrou considerar a influência do grupo familiar e da cultura
na determinação da estruturação psíquica do indivíduo, permitindo a
construção dos fundamentos da teoria da grupalidade, ora de forma implícita,
ora mais explicitamente em trabalhos como “Totem e Tabu(1913), “O futuro
de uma ilusão” (1927) e “O Mal - estar na civilizão” (1930).
Käes (1977) localizou, no artigo de Freud (1921) “Psicologia de Grupo e
Análise do Ego”, formações grupais inconscientes (tamm o inconsciente es
estruturado como grupo), assim como a noção segundo a qual os membros de
um grupo constituem, juntos, um sistema de relações e operações de caráter
transicional, que ele denomina “Aparelho Psíquico Grupal”, dotado das
mesmas instâncias que o individual, porém, não dos mesmos princípios de
funcionamento. Propôs, ainda, que se considerassem, nos grupos, os
investimentos, desejos e representações do objeto grupo como elementos
fundamentais do seu processo e da sua organização, insistindo que a
investigação deveria sempre considerar o intercâmbio entre o universo
intrapsíquico e o universo social. Para investigar este intercâmbio, ele define
dois sistemas de representação: os organizadores psíquicos (a imagem do
corpo, as fantasias originárias, os complexos familiares e as imagos parentais e
a imagem do aparelho psíquico individual; e os organizadores socioculturais
(códigos e normas de uma determinada cultura)
Através do estabelecimento de uma analogia entre o grupo e o sonho,
Anzieu (1967/1993) desenvolve o conceito de Ilusão Grupal. Assim como no
sonho, ilusão individual por excelência, a reunião de grupo seria uma forma de
colocar a realidade exterior entre parênteses, gerando assim um super
investimento do grupo em si mesmo, como objeto libidinal, em detrimento à
realidade. O grupo, então, preencherá as necessidades de cada um e do todo.
Foulkes (1967) foi o fundador da primeira Sociedade Analítica de Grupo.
Entendia o grupo como uma nova totalidade social, mais do que uma soma das
partes e, assim, as interpretações do grupoanalista deveriam estar voltadas à
totalidade grupal. Juntamente com Anthony (1967), desenvolveu a idéia de
matriz grupal, onde eso emaranhados todos os membros do grupo. Dentre
suas contribuições originais encontramos: o grupo como principal vculo e
instrumento terapêutico; o processo de ressonância (cada membro do grupo
traz um fato que ressoa nos demais) e o grupo como uma rede de
29
comunicação. Além disso, Foulkes transpôs para o grupo os principais
referenciais psicanalíticos (transferência, associação livre, fantasias
inconscientes, mecanismos de defesa, interpretações).
Bion (1961/1975) estabeleceu uma aproximação da psicanálise
clássica, individual, da dinâmica de grupo, direcionando sua atenção para os
veis mais primitivos da vida mental. O autor refere à mentalidade grupal”,
onde os participantes do grupo entram numa regressão, cuja característica
principal é a de por em primeiro plano os aspectos mais primitivos do
funcionamento mental.
Bion (1961/1975) compreende o comportamento grupal em dois níveis
fundamentais: 1) o nível da tarefa comum ou grupo de trabalho, que opera no
plano do consciente, racional visando à realização da tarefa; 2) o nível latente
ou grupo de pressupostos básicos, que intervém caracterizado pela
predominância dos processos psíquicos primários do pensamento. O autor
aponta três classes principais de fantasias que caracterizam os supostos
básicos:
- dependência: o grupo se reúne a fim de ser sustentado por um líder, de
características carismáticas, a fim de ser protegido e sustentado, tanto
material quanto espiritualmente. Trata-se de uma regressão à situação da
primeira infância, onde o lactente está a cargo de seus pais, e onde a ação
sobre a realidade é da conta deles, não da sua.
- acasalamento/pareamento: o grupo aguarda o surgimento de um messias,
que será o redentor de todos: uma pessoa, uma nova idéia, utopia que virá
salvá-los e eliminar todas as dificuldades, assumindo as responsabilidades e
iniciativas.
- luta e fuga: o inconsciente grupal, repleto de ansiedades paranóides, faz com
que o grupo se defenda (lute), rejeitando qualquer coisa ou situação nova de
dificuldade psicológica, ou, fuja dela. O grupo cria um inimigo externo,
atribuindo-lhe todos os males e contra quem se unem.
30
Esses três supostos de base que constituem o sistema protomental,
não surgem ao mesmo tempo, sendo que um mascara os outros, que
permanecem potenciais.
Assim, nos grupos como nos indivíduos existem dois níveis de funcionamento psíquico,
inter-relacionados: o nível consciente e o nível inconsciente. Os dois níveis do
funcionamento mental se colocam em instâncias presentes e antanicas. Para Bion, não
pode existir um verdadeiro crescimento sem a coexistência do aspecto evoluído (nível
consciente) com o aspecto primitivo (nível inconsciente). Somente quando o aspecto
evoluído entra em ressonância com o primitivo, tirando-o do seu isolamento, é que ocorre
o verdadeiro desenvolvimento do grupo (rzis, 2007, p. 245).
Puget e Berenstein (1993), fundamentados nas teorias de grupo de
Käes (1977), Anzieu (1967/1993) e Bion (1961/1975), construíram um
consistente trabalho sobre as estruturas vinculares inconscientes, dentre as
quais o vínculo do matrimônio. Trata-se de um tipo de estrutura multipessoal
que possui certa estabilidade e apresenta uma composição vincular mínima,
permite que os fenômenos vinculares sejam observáveis pelo método
psicanalítico. Não é a única, pois assim também o são a família e os grupos.
O casal e a família, no entanto, possuem uma característica definitória
peculiar por estarem indissoluvelmente unidas pelo parentesco. Do ponto de
vista evolutivo e convencional, é considerado como a origem da família,
porém, o casal se desprende da família, de onde se originam seus modelos.
Apesar de aparentemente fechada, a estrutura vincular complexa de casal
possui uma capacidade virtual de abertura para o sociocultural, possibilitando
o desdobramento do vínculo com os filhos, passando a ser uma estrutura
familiar.
O vínculo do casal se distingue dos demais a partir de certos elementos
constantes e pressupostos que definem o permitido e o proibido. Cada vínculo
diádico tem parâmetros definitórios que designam o enquadramento, seu
sentido e os significados circulantes naade. São eles:
- Cotidianidade: estabilidade temporal-espacial, caracterizada pelos
intercâmbios diários, organizando os ritmos de encontros e não-encontros do
casal, suscetíveis de se transformarem em desencontros.
31
- Projeto vital compartilhado: é a ação de unir, e no casal, re-unir
representações de realizações e conquistas futuras. O primeiro projeto vital do
par conjugal é compartilhar de um espaço-tempo vincular. Seu modelo
paradigmático de projeto futuro, passa pela criação de filhos, reais ou
simbólicos, pressupondo a necessidade de um enquadramento, uma dada
estabilidade para poder suportar a concretização do projeto, a crise ante sua
não realização e a renovação ou reformulão de um novo. Dizendo de outro
modo, tanto realizar quanto o realizar o projeto vital pode gerar uma crise,
pela impossibilidade do casal em renová-lo.
Nesse sentido, pensando na questão da parentalidade, temos que o
projeto por excelência, na vida de um casal, é o filho real. Sobre esse modelo é
possível conceber os filhos simlicos, que possibilitam aos pais imaginar um
futuro para ele, compartilhando (ou o) a fantasia de promessa de
continuidade no tempo, mediante as trocas, que, ao longo de sua vida, o filho
irá realizar. Este filho tamm pode representar os desejos das figuras
parentais, podendo adquirir a qualidade de mandato.
- Relações Sexuais: são aquelas com as quais o casal se inter-relaciona,
através dos órgãos genitais. Outras zonas corporais intervêm como
preliminares, e se acrescentam à atividade genital propriamente dita, servindo
à finalidade sexual.
- Tendência Monogâmica: ligação matrimonial com um só njuge, conotando
preferência.
Com o objetivo de melhor compreender a dinâmica do vínculo conjugal,
Puget e Berenstein (1993) propõem a tipologia do vínculo conjugal, a partir do
reconhecimento de emoções básicas que circulam na semantizão dos
parâmetros definitórios e o lugar do terceiro. O eixo da indiscriminação-
discriminação indica, desde o menor vel de diferenciação entre dois egos,
como é a fusão, até o maior nível de complexidade, como é a autonomia. No
funcionamento dual de investimento o predomínio do vínculo de tipo fusão,
tanto em relações de simetria quanto de assimetria estável, ou
complementaridade. Na estrutura de terceiridade limitada, o vínculo é ainda
dual indiscriminado, mas o auto-suficiente. O terceiro ocupa um lugar de
32
excluído em diferentes posições. Na estrutura de terceiridade ampla existem
duas mentes discriminadas, a comunicação é valorizada, assim como o
compartilhar e os acordos. Os projetos não permanecem localizados somente
na presença do filho concreto, seja para ser negado, como na estrutura do tipo
fusão, ou para ser tomado como aliado na terceiridade limitada, mas evoluem
para o aparecimento dos sucessos, resultados da combinação e fecundação
mental dos integrantes desse vínculo.
Embora as tipologias vinculares remetam às estruturas patológicas para
definir o tipo de interação e funcionamento vincular, em nossa pesquisa
estamos utilizando-as apenas como descritoras da dinâmica conjugal dos
casais que vivenciam a situação de esterilidade. Não intencionamos
“patologizar” o vínculo do casal, mas sim compreender as interferências no
mesmo, frente a uma situação de crise como é o enfrentamento da esterilidade
e seus tratamentos.
Como nos lembra Osório (2002), a dinâmica das relações conjugais
modifica-se em virtude da influência dos fatores culturais e socioeconômicos e
do momento do processo civilizatório em que se inserem. Não resta dúvida que
os avanços científicos e tecnológicos deste último século, em especial os
relacionados à reprodução humana, reverteram em profundas transformações
no relacionamento conjugal, “modificando significativamente o perfil das
necessidades e desejos, bem como o das expectativas de vida dos seres
humanos em geral” (p. 47).
Assim, reafirmamos a importância de se analisar quais as repercussões
do adiamento do projeto parental e da situação de esterilidade para a dinâmica
do casal que deseja ter filhos e tem que recorrer às modernas tecnologias da
biomedicina. Os conceitos e teorias expostos até aqui nos permitirão
compreender as principais experiências emocionais dos casais entrevistados.
OBJETIVOS
______________________________________________________
33
2. OBJETIVOS
Objetivo Geral
Estudar o fenômeno do adiamento do projeto parental, com ênfase na
situação de esterilidade enfrentada pelos casais.
Objetivos Específicos
Descrever, a partir da experiência dos casais participantes, os aspectos
psicogicos e sociais de maior ocorrência nas entrevistas, que interferiram na
realização do desejo de ter filhos;
Analisar as repercussões do diagnóstico e tratamento da esterilidade
para o vínculo do casal (sexualidade, projeto vital compartilhado,
cotidianidade), bem como para suas relações (família, rede social);
Compreender como o casal está vivenciando, no aqui e agora, os
procedimentos de reprodução humana assistida, investigando os sentimentos
mobilizados e sua interfencia na intersubjetividade do casal.
MÉTODO
______________________________________________________
34
3. MÉTODO
A presente pesquisa é de cunho qualitativo, orientada pelo método
psicanalítico, que tem por objeto de estudo o inconsciente.
O método da psicanálise apresenta-se, de um lado, pela associação livre
- a oferta de material sem crítica ou intenção determinada; e, de outro, a
atenção flutuante - captação de material sem crítica ou intenção pré-
determinada, caracterizando-se pela abertura, construção e participação (Silva,
1993).
Anzieu (1967/1993) nos informa que não nenhum campo de
manifestação dos efeitos do inconsciente ao qual não seja aplicável o método
psicanalítico. No entanto, existem condições para que esses efeitos se tornem
cientificamente tratáveis: as que fundamentam um método de pensamento
psicanalítico diante de um fenômeno de grupo (as hipóteses que analisam e
justificam os fatos clínicos devem ser coerentes com a psicanálise geral); as
que permitem estabelecer um processo psicanalítico numa situação de grupo
(as regras fundamentais de não-omissão e abstinência, bem como a clara
definição do tempo, do espaço e da tarefa); e as que regulam a interpretação
psicanalítica nessa situação.
De acordo com Kaës (1982), o trabalho de interpretação num enquadre
grupal é a análise intertransferencial, ou seja, a elaboração dos processos
transferenciais e contratransferenciais múltiplos que se articulam num grupo.
Inda (1992) informa que os conteúdos manifestos no setting grupal -
aquele constituído de um grupo de pessoas (em nossa pesquisa o casal e a
pesquisadora), intercambiando palavras, olhares, gestos, movimentos,
mostram e ocultam as fantasias latentes. A interpretação neste contexto e
outras intervenções psicanalíticas indicarão hipóteses que terão associação
com situações do aqui e agora, anunciando angústias, defesas e desejos
inconscientes do momento atual. O que é distintivo no enquadre grupal é a
presença dos ‘outros’ que também interpretam, explícita e voluntariamente, ou
atuam, respondem, confirmam, interferem, opinando, aconselhando, propondo,
criticando ou aplaudindo, sobre os cursos de ações.
Conforme Bleger (1964/2007), transferência e contratransferência são
fenômenos que aparecem em toda relação interpessoal e, por isso mesmo,
35
também ocorrem na entrevista. A diferença estaria no manejo dos mesmos: “na
entrevista devem ser utilizados como instrumentos técnicos de observação e
compreensão(p. 23). Sendo assim, cabe esclarecer que, no caso específico
de nossa pesquisa, a interpretação foi desenvolvida na análise dos resultados,
ao invés de dirigida aos casais participantes.
Käes (1997) dedicou-se a estabelecer as condições em que o grupo
pode se constituir um paradigma metodológico, apropriado à análise dos
conjuntos intersubjetivos. Segundo o autor, enquanto dispositivo metodológico
“o grupo é uma construção, um artifício; es regulado por um objetivo preciso
que não poderia ser atingido de outra maneira com os mesmos efeitos” (p. 19).
Ao estudar o processo associativo no campo grupal, Käes (1985)
explicita que cada enunciado (elemento da cadeia associativa grupal) adquire
sentido em relação aos outros, e lhes dá sentido, seja no que se refere ao
sujeito singular, seja no conjunto grupal, em um ponto de enlace característico.
O processo associativo grupal permite o acesso a significados perdidos,
ocultos que provavelmente o apareceriam no processo associativo do sujeito
singular. São justamente esses elementos do processo associativo grupal,
descritos por Käes, que podemos identificar na formação do pensar livre
interdiscursivo constituído na configuração vincular do casal.
3.1 - Participantes
Foi realizado um estudo com três casais, de orientação heterossexual,
casados, acima de 30 anos de idade e sem filhos biológicos.
Como cririos para inclusão na pesquisa, consideramos aqueles casais
que tivessem realizado ou ainda estavam realizando tratamentos de
reprodução humana assistida, sem, no entanto terem obtido êxito em suas
tentativas para engravidar e que ambos os membros do casal aceitassem, de
livre e espontânea vontade, participar da pesquisa.
Não foram considerados para fins desta pesquisa os casais que não
tinham filhos em decorrência de diagnóstico médico sobre a impossibilidade de
concepção biológica, o passível de solução através dos tratamentos
atualmente disponibilizados pela medicina reprodutiva, descritos anteriormente
nesta pesquisa, caracterizando, assim, a irreversibilidade da situação, bem
36
como, aqueles casais em que um dos parceiros ou os dois já possuíssem filhos
de relacionamentos anteriores. Não foram delimitados aspectos como classe
social e local de residência.
Todos os casais entrevistados o brasileiros, residentes nas
localidades de Campinas/SP e Florianópolis/SC. Apresentamos, a seguir,
algumas informações mais detalhadas sobre cada um dos casais
entrevistados. Os casais são identificados pelas letras (A), (B) e (C). Os nomes
dos membros do casal são ficcios para preservar a identidade dos
participantes.
Casal (A)
Ana, 34 anos, assistente administrativa e Alex, 40 anos, desenhista autônomo,
ambos com nível médio de escolaridade. Declaram-se evangélicos. Estão
casados dez anos e desde o terceiro ano de casamento vêm tentando
engravidar. O espermograma de Alex apontou baixa contagem de
espermatozóides, com diminuição contínua, sendo que um dos testículos
apresenta-se inativo. O marido informou que aos sete anos de idade foi
submetido a uma cirurgia, conseqüência, segundo ele, de grave infecção na
bexiga e acredita que isto tenha colaborado para sua dificuldade reprodutiva
atual. O casal realizou tratamentos de baixa complexidade: uso conjunto de
medicação (hormônios) para estimular a produção de espermatozóides e
melhorar a resposta ovariana, associado ao coito programado. Nos últimos seis
anos, procuraram algumas clínicas e consultórios médicos, especializados em
reprodução humana, onde foram sugeridos tratamentos de maior complexidade
como a inseminação artificial utilizando sêmen de doador, ovodoação
compartilhada e fertilizão in vitro. Porém, até a época da realização da
entrevista não haviam aderido a nenhum.
Casal (B)
Betina, 39 anos e Bruno, 38 anos, estão casados onze anos. São
funcionários públicos, atuando na área policial. Têm vel de escolaridade
superior. Seguem a religião católica. cerca de três anos iniciaram as
37
tentativas de engravidar naturalmente. Ao procurarem ajuda especializada em
reprodução humana, o espermograma de Bruno apresentou índices
satisfatórios. O primeiro tratamento realizado pelo casal foi uma indão da
ovulação, através de estimulação medicamentosa dos ovários. Neste período o
casal relata a ocorrência de uma gravidez em fase inicial, mas que não chegou
a evoluir. A esposa realizou uma vídeolaparoscopia
1
e após este procedimento
foi identificado e tratado foco de Endometriose. Foram detectados ainda,
obstrução tubária e problemas em um dos ovários. Em outubro de 2007
realizaram uma inseminação artificial. Após a falha neste segundo tratamento,
foi recomendada a realizão de uma fertilização in vitro, que chegou a ser
iniciada, mas acabou suspensa, em virtude de uma crise no casamento que
resultou numa separação de dois meses. À época da realizão desta
entrevista o casal ainda buscava um terceiro diagnóstico.
Casal (C)
Eva, 31 anos, empresária e Fábio, 35 anos, servidor público, estão casados
oito anos. Ambos com nível superior de escolaridade. Declaram-se católicos.
sete anos iniciaram as tentativas de uma gravidez natural. Após o primeiro
ano de tentativas sem êxito, Eva realizou exames médicos que evidenciaram a
Endometriose. No ano de 2003 ela realizou uma primeira vídeolaparoscopia
para “cauterização” dos focos da doença. Em 2004 novos exames detectaram
obstrução tubária, contornada através de histerossalpingografia
2
. Uma nova
vídeolaparoscopia foi realizada em 2005, devido ao aparecimento de novos
focos de Endometriose. Em 2007 o casal realizou duas fertilizões in vitro, nos
meses de setembro e dezembro, sem sucesso. Por ocasião da entrevista o
casal estava planejando uma nova tentativa de fertilização in vitro.
_______________________________________________________________________
1. Exploração cirúrgica abdominal que emprega um laparospio (sistema óptico, telescópio)
para olhar as trompas de Falópio, os ovários e o útero e outros órgãos da cavidade abdominal
(Serafini e Motta, 2004, p. 141).
2. Exame radiológico em que um líquido contrastado é injetado no interior da cavidade uterina,
devendo preenc-la e percorrer o trajeto das tubas uterinas (Passos, 2007, p. 17).
38
3.2 - Local da Pesquisa
O local das entrevistas sofreu variações em função das localidades em
que foram realizadas. Foi oferecido aos casais a opção de uma sala/consultório
ou a possibilidade de realizar as entrevistas em suas residências, guardados os
devidos cuidados éticos e ambientais.
A primeira entrevista, com o casal (A) ocorreu nas instalações de uma
clínica escola de Campinas/SP, que disponibilizou uma sala com mobiliário
(mesa e três cadeiras), iluminação e ventilação adequados, preservando-se a
privacidade e sigilo necessários.
As duas outras entrevistas ocorreram na cidade de Florianópolis/SC e
foram realizadas em locais e horários escolhidos pelos casais: a entrevista
com o casal (B) ocorreu em um consultório psicológico cedido por uma colega
da pesquisadora. O casal (C), optou por realizar em sua própria residência,
sendo que, no momento da entrevista, apenas o casal estava presente no
horário combinado com a pesquisadora. Em ambas as entrevistas também
foram preservadas as condições ambientais e de sigilo.
3.3 - Instrumentos
3.3.1 Entrevista Psicológica
Elegemos a Entrevista Psicológica Aberta (Bleger, 1964) por tratar-se de
um instrumento fundamental ao método psicanalítico, tendo em vista sua
flexibilidade e a liberdade que ao entrevistador para perguntas e
intervenções, favorecendo a investigação psico-diagnóstica da situação do
casal, ao mesmo tempo em que permite configurar o campo da entrevista,
pelas varveis que dependem da intersubjetividade dos entrevistados.
Para Bleger (1964), sendo o entrevistador parte do campo, cabe
observar que a xima objetividade pode ser alcançada quando se
incorpora o sujeito observador como uma das variáveis do campo, visto que ele
condiciona o fenômeno que observa, ou seja, não o estuda tal como ele é, mas
sim em relação à sua presença. Nesse sentido, nosso papel foi o de
39
“observador participante” (p. 14), incentivando a fala, a reflexão e a expressão
dos sentimentos, mediante nossa disponibilidade, observação e atenção para
com os casais entrevistados, objetivando a investigação dos fenômenos
psíquicos, sem incorrer em preconceitos.
Em nossa pesquisa, a questão disparadora de todas as entrevistas foi:
Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de reprodução humana
assistida para realizar o projeto parental?
Embora priorizando a escuta, fizemos algumas intervenções ao longo
das entrevistas, sob forma de perguntas complementares ou clarificações,
sempre visando à verificação dos conteúdos, sua melhor compreensão, bem
como o incentivo à participação dos entrevistados e a boa evolução das
entrevistas.
Como observado anteriormente, os participantes foram identificados
com nomes fictícios para que fosse preservado o sigilo sobre a identidade dos
mesmos. Todos os dados que permitissem a identificação tamm foram
alterados. A pesquisadora/psicóloga foi identificada pela letra “P” e os casais
o identificados pelas letras (A), (B) e (C).
Adotamos sempre o mesmo modelo de transcrição nas três entrevistas:
as falas foram identificadas em itálico e numeradas em ordem crescente para
facilitar a localização. Os conteúdos são apresentados de maneira sucinta,
omitindo as falas que não estão sendo analisadas através de parênteses com
reticências (. . . ) para facilitar a compreensão do leitor. O registro incluiu
algumas observações realizadas durante as entrevistas e registradas após seu
término, contemplando os aspectos não verbais (silêncios, risos, emoções,
etc.).
3.3.2 Suporte Material
O material utilizado foi um gravador digital de áudio (Panasonic RR-US
450) e um computador (da pesquisadora).
40
3.4 - Procedimento
Foram realizados contatos iniciais com clínicas de reprodução humana
assistida, consultórios de obstetras e ginecologistas; sites, comunidades e
associações de casais que enfrentam a esterilidade, para a apresentação da
pesquisa, divulgação junto aos casais e encaminhamento às entrevistas. Além
de contatos com a rede social e profissional da pesquisadora.
Posteriormente, foram estabelecidos contatos telefônicos com quatro
casais que manifestaram interesse em participar da pesquisa, para as
explicações sobre o trabalho, ou seja, que se tratava de uma pesquisa sobre
casais que desejam filhos e ainda não realizaram esse desejo devido a
problemas ou dificuldades para tê-los de forma natural, sendo necessário
recorrer às tecnologias de reprodução humana assistida para obter a gravidez.
Após a verificação dos critérios de inclusão/exclusão dos participantes,
procedeu-se ao agendamento das entrevistas. Embora a pesquisadora tenha
se disponibilizado a conversar tamm com os maridos, todos os contatos
telefônicos foram efetuados com as esposas.
Dos casais convidados, com os quais tivemos contato direto, um desistiu
devido a recusa do marido em participar da entrevista justificando tratar-se de
um assunto muito doloroso e sobre o qual ele ainda não estava preparado para
falar. Portanto, três casais participaram voluntariamente desta pesquisa, em
horários e locais agendados previamente.
A etapa seguinte foi a da entrevista presencial, com cada um dos casais
participantes, com duração de uma hora e trinta minutos cada uma. No início
da entrevista foram reiteradas as explicações sobre a pesquisa. O Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I) foi lido e as dúvidas esclarecidas
pela pesquisadora e assinado pelos casais.
As entrevistas foram gravadas, a fim de propiciar uma maior
fidedignidade aos registros das falas dos participantes, bem como o fácil
acesso aos conteúdos obtidos, recorrendo à sua fonte, sempre que necessário.
As entrevistas foram transcritas na íntegra, incluindo os demais aspectos
observados no decorrer do encontro.
41
3.5 - Análise do Material
A análise do material obtido nas entrevistas teve como referência os
critérios de Análise de Conteúdo proposta por Mathieu (1967), que a define
como um conjunto de temas recorrentes e comuns aos membros do grupo, em
nosso caso, ao grupo casal.
De acordo com Mathieu (1967), os temas recorrentes ou a estrutura de
base constituem, de certo modo, o código genético do relato, que lhe confere
um sentido e um significado, justificando assim a escolha do sistema temático
para orientar a interpretação. O sistema temático abre caminho para a
interpretação do mesmo modo que as associações o fazem para a
interpretação do sonho. A estrutura do relato grupal (arranjo de seus elementos
e temas) e o modo como o inconsciente satisfaz seus próprios desejos
reprimidos, constituem o duplo registro (manifesto e latente) que valida o
trabalho de interpretação.
Foi realizada uma leitura de cada uma das entrevistas, com a
participação do orientador e de uma supervisora/psicóloga, ambos com
formação e experiência no referencial teórico-metodológico psicanalítico grupal,
para a evidenciação do conteúdo latente dos discursos. Seguimos os critérios
de relevância, confiabilidade (registros literais das fontes) e as evidências de
saturação (Gaskel e Bauer, 2000) para a captação dos contdos recorrentes.
Os temas foram apresentados a partir de recortes das falas transcritas. Os
conteúdos evidenciados no processo de leitura e análise das entrevistas foram
articulados com o referencial teórico escolhido, visando à fundamentação dos
resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
______________________________________________________
42
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
CASAL (A)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
ALEX (f1) _ (...) Foi um choque. Não esperava que eu tivesse algum problema.
Nós, na realidade, adiamos nossa tentativa, porque a gente não queria ter filho
logo depois do casamento. Queríamos dar um tempo. Um ano, dois anos. (...)
É um sonho que eu tenho em ser pai, né? E o sonho da Ana é ser mãe
também. (...) E aí quando nós decidimos: “agora vamos!” Nós interrompemos o
uso do anticoncepcional, que era o método que a gente usava. E aí, no
primeiro mês, aconteceu. Talvez pela ansiedade, né? Aconteceu um atraso na
menstruação. Eu comprei o kit na farmácia. É a primeira coisa que a gente
pensa. O primeiro resultado deu positivo. Nossa! Deu uma emoção. As
lágrimas vieram. Fizemos o exame de laboratório, de sangue, e deu negativo.
Daí veio aquela frustração! Mas pensamos: “Não, mês que vem vai vir!” E nisso
já se passaram sete anos, oito anos.
O casal manifesta o desejo de ter um filho, justificando que o adiamento
do projeto parental ocorreu, a princípio, pela vontade de ambos em usufruir da
fase inicial do casamento apenas os dois. Além disso, como afirmou Alex, não
imaginavam que teriam problemas futuros. Quando finalmente decidem pela
gravidez, surgem esperanças e expectativas. O atraso na menstruação faz com
que Alex e Ana sejam invadidos por sentimentos de euforia ante a
possibilidade da realização do seu desejo de terem um filho. Apesar da
frustração pela não confirmação da gravidez, o casal manteve as esperanças
de uma gravidez natural, mesmo tendo passado tanto tempo desde que
iniciaram suas primeiras tentativas.
Essa reação do casal pode ser compreendida pelo fato da procriação ser
considerada como algo comum a todo ser vivo. Quando um casal resolve ter
filhos, dificilmente imagina ter que enfrentar a situação de esterilidade.
Geralmente os casais acreditam que o férteis e esperam que possam
conceber tão logo suspendam o método contraceptivo em uso. Conforme o
tempo vai passando e a gravidez não acontece, sentimentos de ansiedade e
preocupação invadem o casal. Dado o inesperado da situação, é comum a
negação, num estágio inicial, quando acreditam que o problema vai se resolver
por si só (Avelar, Moraes, Marinho e Caetano, 2000).
43
ALEX (f3) _ (...) no meu primeiro exame o médico disse que a minha chance de
ser pai era quase zero. (...) E então o meu médico me receitou uma medicação,
para tomar por três meses, para fazer com que subisse a taxa de
espermatozóides ao nível em que se tinha chance para fecundação.
...
ALEX (f7) _ Um médico faria com que minha curva desse ascendente. Pelas
estimativas dele, seriam três meses de tratamento. Quando chegasse ao pico,
aí eles fariam com que a Ana também tivesse um pico de fertilidade prá
tentar... Prá d ter a maior chance possível.
Devido à baixa taxa de espermatozóides, Alex recebe a informação de
que não poderá ter filhos da forma como imaginava. Quando fala do momento
em que recebeu o primeiro diagnóstico, o marido imediatamente começa a dar
detalhes do tratamento, como se buscasse uma saída na medicina e seus
procedimentos para minimizar a angústia da perda da capacidade reprodutiva,
evitando, assim, entrar em contato com a dor.
ALEX
(f21) _ Na Clínica Beta, que me falaram que era uma referência, o
médico foi claro e falou assim: Rapaz, você nunca vai ser pai. Para isso tem
banco de esperma e a gente faz o procedimento todo e ela fica grávida.”
Exatamente dessa forma.
A medicina oferece outra possibilidade, ou seja, sua mulher ficaria
grávida com a ajuda do médico e de um doador. Alex é ferido em sua
masculinidade, pois, teria que assumir sua realidade, aceitando o fato de que
sozinho não conseguiria dar um filho à sua esposa. Além de ter que lidar com
essa questão internamente, há um sofrimento adicional, pois, em nossa
sociedade existe uma tendência cultural a ver a paternidade não apenas como
um sinal de fertilidade, mas ainda associada à masculinidade e virilidade. A
própria identidade masculina é colocada em cheque.
ALEX (f18) _ (...) Teve ainda outro médico que...
ANA (f16) _ Que foi pior ainda (...) até a gente comentou isso...
...
ALEX (f22) _ (...) É: “você não vai engravidar mulher nenhuma na face da
terra”. Ainda bem que apesar de ser filho de italianos, eu sou um cara que
44
demora prá explodir. (...) Pensei em virar a mesa... Essas coisas. (...) No
momento eu não senti decepção pelas palavras dele não. Senti raiva. E aí eu
não sei se a raiva era de mim, mas querendo descarregar nele pelas palavras
que ele usou que para mim foram muito agressivas. E, a partir daí eu, como se
diz, eu deixei. Agora vamos embora, não vamos falar mais com ninguém.
A comunicação com as equipes médicas pode influenciar na forma como
o casal lida o diagnóstico e vivencia os tratamentos propostos, interferindo em
suas decisões quanto a continuar ou a interromper os tratamentos, e a
mesmo buscar alternativas para a realização do projeto parental (Serger-Jacob,
2006; Melamed, 2006). Porém, independente de como a informão foi
transmitida pelo médico consultado, chama a atenção a maneira como Alex a
recebeu. A reação do marido revela a dificuldade em reconhecer sua limitação.
Ele sente raiva ao ouvir uma verdade, que nos parece até então ter sido
negada. Talvez por isso a raiva de si mesmo. Ao invés do diagnóstico trazer
alívio por finalmente saber o porquê de sua dificuldade e, assim, partir para
outros métodos, Alex sente-se agredido.
A reação de Alex nos parece resultante de antigas feridas narcísicas que
a infertilidade atualiza. Ribeiro (2004) refere que ver um pouco de s mesmos
em nossos filhos é uma importante realização narcísica. Quando somos
privados desta realização, tão primordial e tão comum, o projeto narcísico de
imortalidade do Eu e do par é ameaçado. O casal adulto se vê numa posição
de inferioridade diante de sua comunidade e de seus familiares, pois, assim
como as crianças, não pode conceber nem gerar o filho desejado.
O diagnóstico dado a Alex reedita a angústia de castração,
desencadeada originalmente pela ameaça e o medo que o menino sente da
perda do pênis, em resposta aos seus desejos sexuais. Ao perceber a
diferença anatômica dos sexos, o menino confirma seus temores de castração
como realizão de uma amea paterna por causa de seus sentimentos em
relação à mãe. Embora as angústias de castração remetam aos órgãos
genitais, simbolicamente podem ser localizadas e reavivadas em outras
experiências traumatizantes (La Planche e Pontalis, 1982/2001). Como é a
infertilidade de Alex.
45
ALEX (f4) _ Eu interrompi o medicamento, apesar de meu médico falar para eu
não interromper, né? Eu interrompi por decepção...
...
ANA (f6) _ Então, eu acho que até mesmo porque a medicação, na época
acabava sendo um pouquinho cara (...) a gente parou também pela decepção.
Por ter sido falado que a gente não ia conseguir. Resolvemos parar.
...
ALEX (f8) _ O médico disse para continuar porque tinha tido um resultado até
animador, do ponto de vista dele. Ele adisse que a quantidade que eu tinha
tomado, teria chance da fertilização in vitro. A natural ele até me disse: Basta
um”. Mas a chance de fecundação natural era praticamente zero.
...
ALEX (f11) _ (...) da última vez que vimos um tratamento desses, era
exatamente dezesseis mil reais. E ainda falaram prá gente que as chances de
dar resultado (...) seria de menos de 50%. Então a gente deu uma pausa para
tentar por a cabeça no lugar e ver o que a gente faz.
Mesmo após uma melhora em sua condição reprodutiva promovida pelo
uso de medicação, o casal decide interromper o tratamento. A ausência de
garantias de êxito nas próximas tentativas e o alto custo dos tratamentos mais
complexos recomendados influenciaram nessa decisão do casal. A desistência
nos parece relacionada à dificuldade de Ana e Alex de enfrentarem a realidade,
ou seja, correr o risco de fazer o tratamento e não dar certo. Nesse sentido, a
preocupação com a questão financeira estaria encobrindo a angústia
fomentada pela possibilidade do casal confirmar a fantasia de que nunca
poderão ter filhos, caso o tratamento não o resultado esperado. A dúvida
talvez seja uma opção menos conflitiva do que a certeza de o poderem
concretizar o seu desejo.
ANA (f9) _ Ts anos atrás a gente foi na Clínica Alfa e um dos recursos que
eles ofereceram, prá pagando o valor do tratamento, que a gente acha
altíssimo, é que eu podia estar doando óvulos para uma mulher que não tem.
...
ANA (f11) _ (...) depois, a médica me ligou: “Olha, apareceu uma pessoa
com as suas características, tal..., se você quiser optar ainda, você pode falar,
46
e a gente faz o processo”. Eu não ia pagando nada, só essa pessoa que
tava ganhando o óvulo. (...) a gente conversou e a gente decidiu por não
fazer. Até o Alex falou assim prá mim: Olha eu não acho legal... Que você vai
sabendo que em algum lugar do mundo existe uma filha ou um filho seu,
com as suas características. Então... eu não acho legal.”
ALEX (f13) _ (...) Veio esse pensamento na minha cabeça. Não proibindo, não
bloqueando esse processo, ? (...) Teoricamente, a criança que fosse nascer
de outro casal, teria o mesmo código genético dela. Se fosse possível fazer o
DNA, seria filho ou filha dela. E aí, se no nosso caso não desse certo, como
fica? Porque falaram, que a gente tinha 50% de chance de vingar.
ANA (f12) _ Concordei. Concordei normal. Mesmo porque a médica falou que
se a gente mudasse de idéia, que se eu quisesse ligar prá ela, poderia
continuar...
A preocupação com a questão financeira e as justificativas sobre os
altos custos dos tratamentos/medicamentos são apresentados pelo casal como
um impedimento para sua a realizão. No entanto, ante a proposta que
receberam de ovodoação compartilhada, onde não haveria custo financeiro
para o casal, outros conflitos que estavam latentes começam a aparecer.
O dinheiro representa poder e Alex não tem como usar este poder. Ana
é que tem óvulos que podem ser trocados pelo tratamento. Nesse sentido, ela
tem mais potência que Alex. A esposa, então, fica fálica: tem óvulos para ela e
para outras mulheres. Entretanto, um aspecto comum ao casal é que ambos
vivenciam essa proposta como algo persecutório. Os questionamentos de Alex
ressoam em Ana. Quando seu marido levanta a possibilidade de outra mulher
engravidar e ela o, essa escolha fica mais perturbatória ainda. Além da
perda por não ter o filho, tem a perda do óvulo, e de uma possível criança
nascida de outra mulher.
Percebemos a ambivalência do casal, pois, não conseguem abrir mão
das suas coisas sem ter certeza do que irá acontecer. Doando o óvulo não
gastam dinheiro, mas os óvulos m maior poder que o dinheiro. Não querem
abrir mão do dinheiro, nem da vida de outra criança. As inseguranças e
fantasias despertadas pelos tratamentos de infertilidade se sobrepõem à
realidade. Como no momento eles eram perturbados com as fantasias da
inveja, se defenderam relaxando, deixando o tratamento para outro momento,
47
mesmo porque não se perdeu totalmente essa possibilidade, visto a médica ter
mantido a proposta em aberto.
ANA (f6) _ (...) a gente acredita que se Deus quiser dar, Ele de uma forma
natural.
...
ALEX (f12) _ (...) A questão da religião ajuda, ? Porque a gente sabe que
tem uma força maior que se tiver nas mãos d’Ele que a gente tenha filhos, nós
vamos conseguir. Mas isso o impede que a gente busque também ajuda na
medicina. A medicina também foi criada por Deus. Então não é nada errado
nesse ponto.
...
ANA (f64) _ (...) Acho que é um sonho tão grande, é uma coisa tão... Que
parece mais difícil, que a gente também que vai ser um milagre né?
ALEX (f62) _ A consciência que nós temos é que, se realmente vingar, na
mão de Deus nos dar (...).
A fantasia de onipotência religiosa parece desviar o casal de enfrentar
um processo real com todos os riscos, custos (emocionais, sicos, financeiros,
etc.) e benefícios inerentes. O sentimento exagerado de esperança não
respeita a realidade, prevalecendo o princípio de prazer
3
, ou seja, toda a sua
atividade psíquica visa evitar o desprazer (enfrentar os tratamentos reais) e
proporcionar o prazer (ter um filho através de um milagre, uma benção).
ALEX (f36) _ (...) Nós fomos numa clínica... Até a Ana começou a falar do
médico dela, uma pessoa muito boa, que aconselha muito, incentiva a gente.
Ele falou assim: “Ó, chega de vocês ficarem fazendo exames... chega.” (Risos)
“Vocês vão combinar agora, e vai dar certo, vai dar certo. Vocês o ter o filho
de vocês. E vão trazer aqui prá mim. Ai, eu vou fazer o pré-natal.Ele é uma
pessoa bem positiva.
ANA (f37) _ Ele chegou a falar que no final do ano, meu presente de “Papai
Noel” prá ele seria que eu engravidasse. (Risos)
...
_______________________________________________________________
3. Um dos dois princípios que, segundo Freud, rege o funcionamento mental: a atividade
psíquica no seu conjunto tem por objetivo evitar o desprazer e proporcionar o prazer (La
Planche e Pontalis, p. 364, 1982/2001).
48
ANA (f46) _ (...) A gente viu recentemente na internet. É que saiu um novo
tratamento p engravidar. É como uma cápsula. (...) onde se coloca o
espermatozóide dentro dessa psula e coloca dentro de mim. Sou
acompanhada e, uns três dias depois, colocam essa cápsula... Eu vou para um
médico para tirar a cápsula e deixar os espermatozóides...
ALEX (f43) _ (...) É uma coisa muito nova. Quem sabe, né? Ajuda. É uma
coisa que acende de novo a esperança. Apesar da fé, quando a gente algo
mais concreto, mais... Essas evoluções da medicina que vão nos ajudar.
Frente ao sofrimento desencadeado pelos diagnósticos e as propostas
de tratamento, o casal parece entrar no estado mental definido por Anzieu
(1967/1993) como Ilusão Grupal. Assim como acontece no sonho, que é a
ilusão individual produzido no estado de sono, no estado mental da Ilusão
Grupal, a realidade exterior é suspensa em função da realização do desejo.
Alex e Ana mantêm suspensa a realidade (seu problema reprodutivo
diagnosticado), geradora de angústias. Como a situação da infertilidade gera
sentimentos insuportáveis, toda vez que o casal entra em contato com a
realidade, vivenciada como frustração, recorre imediatamente à ilusão.
Alex e Ana acreditam que seus problemas e necessidades atuais serão
atendidos ou solucionados por um acontecimento futuro ou por um salvador,
um messias, aqui representado pelo médico, o tratamento descoberto na
internet, um milagre ou o próprio filho. Reconhecemos aqui, também, o
pressuposto sico do acasalamento, descrito por Bion (1961/1975), onde
prevalece a esperança messiânica no futuro promissor, esperançoso. Este
estado corresponde à necessidade de negar a realidade e diminuir as
angústias e inseguranças que o enfrentamento da situação de esterilidade
provoca, sendo importante para manter a integridade psíquica do casal.
Todavia, consideramos que a permanência nesse funcionamento seja um
impedimento para o casal vivenciar uma etapa imprescindível para que possam
avançar em sua busca por um filho, ver outros caminhos, planejar o que será
feito, estabelecer vínculo de confiança entre eles e com as equipes médicas,
enfim, buscar os meios na realidade e não através de formas mágicas.
No transcorrer da entrevista, observamos como o casal vivencia a
pressão da família e da rede social.
49
ALEX (f24) _ (...) Essas coisas chegam através de amigos, familiares. “Olha,
tem um hospital na cidade tal...”. Então, parece que quando a gente quer deixar
o barco correr (...). É duro comigo. Tio, amigos todo dia ali falando que tem
tratamento com custo reduzido na cidade tal. Falam: “Alex vai atrás disso.
Você ficado velho. ficando com o cabelo branco. Vai atrás disso. Não fica
enrolando.” (...) Então as pessoas começam, a lembrar, lembrar. (...) Em
relação aos amigos, (...) aconteceu uma brincadeira que até a pessoa, eu acho,
foi infeliz em fazer. Inclusive no lugar em que tava, né? No velório da mãe de
um dos meus amigos da época de solteiro. Ô, você não vai arrumar filho não?
Não sabe fazer filho?” Deram risada, né? eu falei claramente prá ele: “Não”.
Eles não sabiam do problema. eles ficaram sem graça, mas eu também,
porque vai reativando aquela sensação. Até eu tô me emocionando... (Voz
embargada/forte emoção). A minha irmã teve uma filha e apesar de saber que
eu sou o tio, apenas o tio, aquilo que eu queria dar pro meu filho eu tô dando
para minha sobrinha. Então eu brinco com ela (Choro/tosse). Eu sou um cara
brincalo, né Ana?
ANA (f20) Confirma com a cabeça, também emocionada.
...
ANA (f31) _ (...) Quando eu tava tentando engravidar, eu tinha uma amiga no
trabalho que tava grávida. (...) Essa amiga do trabalho judiava muito de mim.
(...) Ela era uma grávida muito bonita, tinha uma barriga linda. Então ela vinha,
passava a mão na barriga, ficava perto. Ficava falando coisas da gravidez.
Então prá mim foi bem difícil.
Constatamos nas falas acima, que uma intensificão das angústias
de perda em função do contexto familiar e social no qual o casal esinserido.
Como foi dito anteriormente, a situação de esterilidade parece comprometer
todos os ramos afetivos do casal. Os sentimentos de inveja, diferenciação e
inferioridade, geraram o isolamento e a sensação de descompasso e
inadequação social. O choro de Alex e Ana ilustra o estado deprimido em que
se encontram, revelando todo o seu sofrimento psíquico. O casal entra em
contato com sua realidade interna, revelada pelas anstias depressivas.
Reconhecem a falta do filho não concebido. Querem dar um tempo para se
reconstruírem, ganharem força, mas são pressionados pelo mundo interno e
externo. Para amenizar, deslocam seu afeto para a sobrinha.
ALEX (f27) _ (...) Às vezes eu vejo minha sobrinha com algum probleminha, eu
fico preocupado. Eu quero, mas eu sei que eu o posso interferir na minha
irmã e no meu cunhado em relação à filha deles. Eu o posso falar: “Ó ela
com um problema, vocês não tão vendo?” (Risos) “Tem que levar no médico”.
50
(Risos). Eu não posso. Eu sei que o correto é eles. Mas aquela questão de
brincar, de fazer graça (...) tudo eu tive com ela.
ANA (f27) _ (...) quando a minha cunhada engravidou todos os enxovais eu ia
com ela comprar. E isso prá mim, por um lado foi bom e por outro não. Eu
falava prá ela tudo que o be ia precisar com o tempo, com o passar dos
meses. Saía prá comprar tudo. Escolhi tudo. (...) chegou a vez de dar a
primeira frutinha, uma pêra. A minha cunhada foi raspar a fruta e tirou um
pedaço grande, e eu disse: "Não, não! Cuidado ela vai engasgar. Toma
cuidado!” (Risos) “Tem que ir raspando pdar prá ela”. Sabe?
Alex e Ana preocupam-se em demonstrar o quanto são mais cuidadosos
que os pais de sua sobrinha, o que nos parece uma forma de mostrar que,
como casal, são aptos para cuidar de uma criança. Ana dá ênfase à sua
competência, diminuindo assim a diferença que sente em relação às outras
mulheres e outros casais. Ao falar do erro da cunhada, a crítica aparece como
uma defesa para minimizar sua dor psíquica.
ANA (f27) _ (...) depois de três anos de idade, criou certo ciúmes do Alex com
a menina. Não ciúmes dele com a menina, mas ciúmes da atenção. (...) tava
sobrando mais tempo prá menina do que pmim. Eu ficava enciumada. Eu
pensava: Poxa vida, né”? Com a sobrinha você brinca, perde tempo, mas
comigo não pode. (...) porque ela é sobrinha, não é filha.
...
ANA (f45) _ (...) O Alex é uma pessoa muito família. Ele já até falava prá mim
que ele foi criado assim e que eu tenho que tolerar. Mas acho que tudo tem um
consenso. (...) Eu acho que já tolerei bastante. (...) A mãe dele é extremamente
curiosa em tudo. (Risos) Às vezes eu costumo brincar que ela deve saber até o
número de relações sexuais que a gente tem. Ela sabe de tudo, tudo, tudo,
tudo. Eu acho até que ela faz uma provocação... Tipo, falar algo da vida dele
que eu não saiba né? (...) mostrar que por dentro de tudo, todos os
assuntos. É isso que eu sinto.
Nesse momento da entrevista observamos que Ana
entra em contato
com sua
realidade. Demonstra-se insegura quanto ao amor de Alex, mostrando
como se sente ameaçada de perder o marido, seja por não ter o filho ou por
não ter intimidade com ele. Reclama da excluo: ao invés de “brincar” com
ela, o marido brincava com a sobrinha. Em sua fantasia, o marido possui
uma filha (a sobrinha) e talvez não precise ter filhos com ela.
51
ANA (f28) _ Eu já sofri muito (...) de tá vivendo essa situação. De saber que eu
não tenho filho. Tipo, meu pai (emoção) que eu queria muito dar um neto prá
ele. (...) Meu pai que dizia que eu era a filha que ele mais (...) falava que o
casamento que ele mais gostou foi o meu, que ele mais se orgulhou, foi o meu,
né? Que as outras filhas casaram grávidas e sofreram com os maridos. Que o
genro que ele mais gostou foi o Alex... E o meu pai faleceu sem que eu
pudesse dar a ele o neto que ele sempre quis. Isso doeu muito prá mim
(emoção/choro). Eu queria muito, sabe? E depois foi a minha mãe (choro).
fazendo seis meses que minha mãe morreu. Aquilo foi muito prá mim. Eu
falava muito pela que eu queria ser mãe. (...) Eu sinto muito porque eu não
pude proporcionar isso prá ela. Porque ela sabia que era o sonho maior meu.
ANA (f29) _ Não é à toa que eu tô tomando antidepressivo.
Ana fala da preferência que seu pai demonstrava ter, ou ela imaginava,
por ela, e da necessidade de mostrar que merecia esse privilégio. Em sua
fantasia, ela precisava dar algo em troca, agradar ao pai, devolver o que
recebeu. A sua fantasia de ter um filho e dar um neto parece acrescentar mais
uma preocupação, mais uma perda para ela. A morte, ainda recente, de sua
mãe, soma-se a todas as outras perdas, reais ou imaginárias com as quais Ana
tem que lidar. O fato de estar tomando medicação antidepressiva sustenta
nosso argumento sobre a profunda tristeza que sente. Houve uma avaliação
psíquica que comprova isso.
A análise desses fragmentos permite verificar que no vínculo do casal há
uma atualização, no aqui e agora, da triangularidade encontrada no conflito
edípico, corroborando com o que nos diz Käes (1977) acerca dos complexos e
imagos familiares descritos como um dos organizadores psíquicos grupais. De
acordo com Käes (1977), o casal está representado através das relações
constituídas dentro do grupo primário que é a família. A repetição das relações
infantis deve-se às identificações determinadas pela natureza dos conflitos e
angústias vividos e elaborados no grupo familiar. A imago, enquanto um
protótipo inconsciente de personagens, orienta o modo com que o sujeito capta
o próximo, a partir das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasmáticas
da criança com seu meio familiar e social (Laplanche e Pontalis, 1982/2001).
Alex e Ana ainda estão ocupados com as questões de sua infância e
não conseguem se colocar no lugar de adultos. Eles não conseguem achar
esse lugar, pois ainda permanecem no lugar de filhos edípicos. Questionamos
52
qual o espaço do filho, uma vez que este espaço parece já estar sendo
ocupado pelas parcerias anteriores: Ana quer dar um filho/neto para seus pais;
Alex não se desprende da mãe controladora nem do ambiente familiar de
origem.
Sob a perspectiva da psicanálise das configurações vinculares,
propostas por Puget e Berenstein (1993), as repercussões para o vínculo
matrimonial podem ser analisadas a partir das transformações desencadeadas
nos parâmetros definitórios da cotidianidade, sexualidade e projeto vital
compartilhado.
ANA (f27) _ (...) eu sou muito sozinha! Ele trabalhava de segunda a
segunda, eu fico em segundo plano. (...) prá perder tempo prá sair comigo não
podia: “Ah eu não posso agora, tenho que correr para o serviço, arrumar o
serviço, tenho que trabalhar”. Nós quase sempre almoçávamos de pé não dava
tempo. Eu levantava cedo prá tomar café com ele: “Você toma café comigo?”
Não!
ANA (f45) _ (...) Ele sempre junto da família. Ele trabalha lá, traz os
problemas de lá. Daqui prá e de pcá. (...) eu fico muito só. (...) Quero
puxar o Alex pficar mais em casa. Eu não faço mais nada na minha casa.
Ele fica sempre lá, sempre lá. (...) é um ponto que me chateia.
A situação de esterilidade enfrentada trouxe importantes repercussões
para o cotidiano, gerando uma desorganização na rotina de encontros do casal.
Percebemos uma perda da qualidade do vínculo, com evidências de
distanciamento gradativo. Ana parece esforça-se para resgatar esse espaço
cotidiano do casal, deixando claro como se sente só.
ANA (f7) _ (...) A gente vai ter uma relação sexual e vai pensando em ter um
filho. Então a gente só pensa nisso.
...
ANA (f48) _ (...) eu acho o Alex um pouco desinteressado de relação sexual.
(...) Não tive outra experiência, então não sei se isso tem a ver. Eu ouço as
amigas falarem: ...“Ah meu marido... eu não agüento mais” Nem todas, mas...
Alex é uma pessoa muito desinteressada e isso me afeta, porque eu penso:
“Será que eu bem?” Eu penso em vestir alguma coisa prá ver se, ? Não
sei se é o trabalho dele que deixa ele um pouco estressado, cansado. Ele
chega em casa cansado... Todo dia cansado. Fico chateada, né? Como é
que a gente vai ter filhos desse jeito? Eu não sou uma pessoa muito assim
53
também, não. Eu sou uma pessoa calma. que (...) como a gente tem na
mente aquilo de que quer ter filho, eu tento procurar mais ele.
ALEX (f44) _ (...) Eu acho que quando a gente soube que existia o problema
teve um esfriamento da nossa parte. (...) Do lado dela não. Acho que isso
ajudou um pouco prá eu me desvalorizar. Sei lá, pela falta da capacidade
reprodutiva, talvez eu tenha me sentido menos homem, né?
O relacionamento sexual do casal foi afetado, perdendo sua
característica espontânea. Obter uma gravidez passou a ser a finalidade
primordial de sua vida sexual. Apesar de tentar justificar pelo cansaço de Alex,
Ana deixa transparecer o conflito que existe entre eles, expresso pela ausência
de intimidade, a falta de interesse sexual do marido por ela, o que parece
despertar dúvidas quanto ao seu valor como mulher e agregar mais perdas.
Alex, por sua vez, entra em contato com a dor e fala de como se sente
perseguido. Ele foge da mulher para não ter relacionamento sexual. Como tem
a fantasia de ser menos homem, ele se defende através do trabalho e
permanecendo na casa dos pais.
ALEX (f45) _ (...) a gente passou a ter um “tempo sexual” quase que
programado prá ter um filho. (...) usava até o período mais fértil. (...) Sempre
em cima do pensamento da fecundação. (...) E acredito que isso também afeta
por não ter tido o resultado até hoje. Assim, fracasso, né? Vamos falar a
palavra correta... Ela reclama com razão. (...) Eu abraço o meu trabalho prá
tentar esconder de mim mesmo o problema. Isso está me prejudicando.
ALEX (f48) _ (...) Eu tô sempre olhando pro lado oposto desse problema. (...)
eu mergulho no trabalho. E ai eu fico devendo na parte do relacionamento
sexual, fico devendo na parte do relacionamento afetivo, companheirismo, tudo
isso. Então, a gente conversando aqui, eu começo a(Risos)... Começo a ver
que esse problema está me gerando um leque de problemas.
Contra a angústia da perda do desejo, Alex dedica-se excessivamente
ao trabalho, como uma defesa maníaca (negação onipotente da realidade): se
apega ao trabalho para negar a angústia. No trabalho ele pode desenvolver, na
gravidez o tem certeza, o tem poder. Compensa no trabalho, gerando,
produzindo e afirmando sua potência, enquanto que na fecundação, ao
contrário, sente-se impotente. Ficar com Ana é ter que entrar em contato com a
54
frustração e a dificuldade de ter um filho. O pouco que ficam juntos, Alex
parece não suportar.
ANA (f17) _ (...) O Alex chorou e chegou a me dizer que queria se separar de
mim porque ele não tinha condições de me dar um filho e eu queria um filho. Aí
eu pensei: “Não é bem assim também, né?”. Eu quero um filho, mas... Nós dois
juntos, né? É que tem que ser (Emão de ambos). Então a gente pensou
sobre um monte de coisas, em adoção (...). Mas eu queria poder gerar, poder
sentir o coração. Sentir mexer a criança, tudo aquilo que é normal numa
gravidez. Mas eu não sei se um dia eu vou conseguir. Eu espero que sim...
(Risos)
...
ALEX (f48) _ (...) no futuro, se eu não conseguir realizar o sonho de ser pai, eu
acho que vou ter uma cobrança muito maior de mim mesmo (...) daqui uns
dez, vinte anos, eu já não vou mais conseguir ser pai mesmo. (...) E ai como
vai ser a minha vida?
...
ANA (f52) _ (...) quando ele comentou comigo (...) dos tratamentos que tinha
feito, eu falei prá ele: “Mas será que você vai poder ter filho?” (...) Ele falou:
“Olha, (...) depois de todos os tratamentos, eu fiz exames e o espermograma
deu normal.” (...) eu o sei se ele falou a verdade na época. (...) Mas eu tinha
algo em mente. Parecia que o, sabe assim? Mas isso não interferiu porque
eu gostava dele.
Ana revela que desde antes do casamento tinha dúvidas quanto à
possibilidade de Alex poder ter filhos. Apesar da desconfiança, prevaleceu a
escolha pela união, pelo amor. Essa escolha é confirmada, renovando-se
mesmo quando Ana se depara com a confirmão de suas suspeitas sobre as
dificuldades reprodutivas de Alex. O marido, entretanto, parece ter mais
dificuldades para acreditar na manutenção do vínculo sem filhos, chegando a
propor a separação por não suportar a situão de esterilidade. Talvez pelo
problema reprodutivo localizar-se nele, Alex sente seu futuro ameaçado,
comprometido pela o existência do filho em sua vida. Teme que a
impossibilidade de ter um filho desencadeie outros problemas, revelando
angústias de caráter persecutório.
Embora Alex e Ana tenham considerado a adoção como forma
alternativa de realização do projeto parental, a redefinição deste o nos
parece possível neste momento. O casal ainda não consegue abrir mão do filho
55
biológico, nem se organizar em torno de outros projetos compartilhados.
Percebemos uma estagnação no processo evolutivo vincular. De acordo com
Puget e Berenstein (1993) o projeto vital compartilhado é o que ao casal a
perspectiva de vinculação futura, da importância de analisarmos o risco que
a situação de esterilidade e a dificuldade do casal em reformulá-lo representam
para a integridade do vínculo matrimonial.
Ainda segundo a psicanálise das configurações vinculares (Puget e
Berenstein, 1993) podemos observar que o vínculo matrimonial constituído pelo
casal (A) caracteriza-se pela tipologia terceiridade limitada, onde o terceiro
ocupa lugar de excluído, em diferentes posições, dentre as quais, a que melhor
se aplica ao casal analisado, está o funcionamento enciumante-ciumento.
Nesse funcionamento há uma erotização de uma situação a três, na qual um
dos dois egos do casal está situado no excluído e pendente da relação do outro
ego, fundido com um terceiro. Um dos dois ou ambos são foados na posição
de ciumento. O outro é imaginado numa relação de fusão dual, “maravilhosa”,
com um terceiro. Uma forma de se incluir pode levar a adotar o lugar de
excluído ciumento, como quando Ana fala dos ciúmes da relação do marido
com a sobrinha. Percebemos que o casal troca de lugar nesse movimento de
exclusão. Num momento Ana fica excluída e o marido escom alguém/algo
(sobrinha, mãe, família de origem, trabalho, etc.), ora é Alex que fica nessa
posição de excluído, como nos casos da proposta de ovodoação, a sugestão
do médico quanto ao banco de esperma, etc., onde o marido é excluído do
processo de concepção do filho. Cada momento um dos dois parece estar fora
do vínculo.
Ao longo da entrevista, outras variáveis que interferiram na realizão do
seu desejo foram evidenciadas, revelando qual a representação que o casal
tem de seu problema de esterilidade, ao que associam e o que desencadeia na
afetividade, no financeiro e no social.
ANA (f51) _ (...) Alex não se cuida muito. Gosta de comer. A obesidade ajuda
na infertilidade.
ALEX (f48) _ É prejudica. A gente tá toda hora procurando na internet. Hábitos
de vida, dormir pouco, comer demais, faltam exercícios, são fatores que
contribuem para um problema que eu já tenho. Prá aumentar o problema.
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ALEX (f51) _ (...) Ah, falaram que tinha uma história, um tipo de maldição...
Que meu pai tinha que perder tudo. E que todos os descendentes iriam passar
por essa maldição. Coisa de antigo, né? (...) Foi uma praga. Mas daí como a
turma se apega muito a essas coisas... Isso não tem nada de... Mas existe,
né? A minha mãe falou prá Ana: Vocês não o casar agora. Espera mais um
pouco. Eu não quero ver gente cobrando na porta da casa de vocêsE, não
aconteceu isso, mas quase.
ALEX (f52) _ (...) Nosso começo foi assim bem ruim mesmo. Ana perdeu o
emprego de uma hora prá outra. A minha empresa entrou em colapso
praticamente. Eu tive que vender quase toda a estrutura da empresa prá sanar
dívidas. Então, talvez até por causa desse momento difícil...
Com esses argumentos Alex e Ana tentam achar inimigos que atuam
nessa situação da infertilidade (a gordura, a falta de exercícios ou os hábitos de
vida). A maldição é mais uma das justificativas para negar a falta, a impotência.
Além de tudo havia uma questão mística na família: uma praga”, uma
“maldição”. O casal atribui uma força superior à mãe/sogra (fantasias
onipotentes) quando esta os confronta com sua realidade e sugere que
aguardem melhores condições para se casar. Alex e Ana, no entanto, evitam a
angústia que esta realidade representa, valendo-se do pensamento mágico e
mecanismos primitivos para lidar com suas dificuldades.
Nas falas a seguir, podemos identificar alguns significados associados
ao desejo de ter filhos.
ANA (f65) _ Vai ser tudo, né?
ANA (f66) _ (...) Tanto como um sonho concretizado, como no lugar da mãe
que eu perdi. Uma companhia por eu estar só. Primeiro por mim, depois pelo
vazio, pela mãe. Mas eu também acho que eu tendo um filho do Alex ele talvez
fosse mais presente. Eu o sinto muito ausente.
Para Ana, a chegada do filho parece vir carregada de expectativas
quanto à renovação do vínculo amoroso, maior convivência e intimidade com
seu marido e uma compensação pela perda dos pais, sugerindo um
hiperinvestimento nesse filho, ou, como refere Tubert (1996), uma fetichização
da criança imaginária. Segundo a autora, se historicamente o filho era visto
como capital econômico, atualmente ele é um capital afetivo e narcisista.
57
Observações da Psicóloga
A entrevista transcorreu num clima emocional agradável e tranqüilo. O
casal parecia bastante interessado em participar da entrevista por considerar
ser esta uma oportunidade para falarem de sua experiência e ajudar, de algum
modo, outros casais que estejam passando pela mesma situação. Embora Alex
e Ana tenham se emocionado, ou seja, entrado em contato com sua dor em
vários momentos da entrevista, havia um constante movimento de fuga dos
assuntos mais conflitivos, como que para evitar um sofrimento maior. Quando
ocorria, começavam a falar de detalhes dos tratamentos e procedimento, ou
iniciavam outro assunto. No entanto, apesar dessas observações, acreditamos
ter sido possível ao casal vivenciar no aqui e agora, alguns importantes
conflitos psíquicos e sua interferência no enfrentamento da situação de
esterilidade. A entrevista sensibilizou o casal, tanto a entrar em contato com
sua realidade psíquica, como também a procurar meios ou soluções para seu
problema. Alex reflete sobre a maneira como está conduzindo seu problema,
percebendo que refugiar-se no trabalho não tem sido suficiente e eficaz para
lidar com a pressão interna. As fantasias assustam, geram sentimentos de
perda, ambivalência, desconfiança, complicando ainda mais a situação do
casal. Quando não elaboradas podem comprometer, inclusive, todo o processo
de tratamento de reprodução assistida.
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CASAL (B)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
BETINA (f1) _ Por enquanto tem sido muito frustrante. Porque nada deu
resultado, não é? Então eu vejo assim como um processo bem frustrante.
BRUNO (f1) _ Eu vejo o seguinte. A gente faz uma coisa ela pode dar certo,
pode não dar certo. Então eu vejo como uma coisa que nós fizemos e que
infelizmente não deu o objetivo que nós queríamos. (...) Eu sofro bem menos
do que ela. Eu acho que eu sou mais racional nesse ponto.
O casal inicia a entrevista falando sobre as falhas nos tratamentos
realizados até o momento, evidenciando as diferenças no modo como cada um
lida com a situação. A esposa demonstra toda sua frustração e desânimo, pois,
as técnicas de reprodução humana assistida não suprem seu desejo. Bruno por
sua vez, tenta minimizar a frustração e se mostrar mais adaptado, usando da
racionalização para não entrar em contato com a dor.
Os impactos da situação de esterilidade e das vivências dos tratamentos
atingem profundamente tanto homens quanto mulheres, mas a forma como
cada um expressa seu sofrimento adquire diferentes contornos devido aos
aspectos biológicos e anatômicos, a história de vida de cada um e, sobretudo,
à socialização do papel sexual. A maioria das mulheres encara essa situação
com uma carga dupla de sofrimento, pois, são mais exigidas, física e
psiquicamente, do que os homens. Além disso, o intenso e prolongado
envolvimento da mulher nos procedimentos, seja na fase de diagstico ou do
tratamento propriamente dito, a torna propensa aos pensamentos
desanimadores e ao desenvolvimento de quadros depressivos. Os homens,
como pode ser observado no casal (A), tendem a negar ou minimizar a
gravidade da situação, buscando refúgio no trabalho ou demonstrando
excessiva confiança nos tratamentos, como forma de neutralizar as angústias e
ansiedades, próprias e da parceira. Como despendem menos tempo para
pensar na questão, m menos pensamentos desencorajadores. Isso não
significa, no entanto, que o desejo e o comprometimento com projeto de ter um
filho sejam necessariamente inferiores aos da mulher/esposa (Ladvocat, 1996;
Olmos, 2003; Weiss, 2006; Melamed, Ribeiro e Serger-Jacob, 2006).
59
BETINA (f3) _ É porque no nosso caso o Bruno não faz muita questão de ser
pai. Então eu acho que é por isso que eu sofro mais, porque eu quero muito.
Então eu percebo até que foi esse um dos motivos que a gente adiou a
gravidez. Foi porque ele nunca mostrou muita vontade.
BETINA (f5) _ (...) Ai ele diz: “Ah, não sei por que gastar tanto dinheiro. Não sei
por que sofrer por uma coisa assim. Ah, se não vier não veio!” Então, pmim,
ele dizendo assim: “Vamos tocar prá frente que o tem problema se não
tiver filho.” Pele, né?
BRUNO (f6) _ É. É esse mais ou menos o meu pensamento.
BRUNO (f7) _ Viver a vida, se engravidar engravidou. Se não engravidar fazer
o quê? (...)
BRUNO (f8) _ (...) Em tese, meu desejo é bem inferior ao dela. (...) Eu gostaria
de ter um filho, mas o acima de qualquer coisa. Claro que se tivesse vindo
naturalmente, eu ia adorar o meu filho, ia amar o meu filho. De repente também
me realizar.
A maneira como Betina e Bruno expressam seu desejo de ter um filho
evidencia as diferenças entre eles. Betina manifesta mais intensamente seu
desejo de ter um filho. Já em Bruno o desejo aparece de maneira contida e, por
vezes, ambivalente. Ele minimiza a importância do filho em sua vida e, talvez
por isso, não consiga compreender e/ou acolher o sofrimento da esposa.
Essas falas do casal nos levam a questionar se um desejo dos dois,
ou seja, se o filho é de fato um projeto vital compartilhado (Puget e Berenstein,
1993). Não nos parece claro até que ponto se trata de um desejo vincular ou
um desejo pessoal (da esposa). A impressão inicial é de cada um por si,
sugerindo uma quebra ou mesmo a inexistência do projeto vincular.
BRUNO (f3) _ (...) o nosso planejamento era primeiro nos estabelecermos
financeiramente, tudo. Ter uma condição prá posteriormente ter o filho. que
o tempo foi passando e a gente foi adquirindo umas coisas. Mas ao mesmo
tempo (...) gerava a necessidade de adquirir outras. Então, entramos num
processo em que a gente ia ter cem anos e não ia dá prá ter o filho nunca, né?
...
BETINA (f10) _ Eu por mim, eu já teria tido filho muito tempo, ? Eu
tenho a “sineta” batendo tempo. que eu não sentia vontade nele de
ser pai. Ele deixou sempre assim bem claro pmim. Eu acho isso até positivo.
60
Pior seria se ele tivesse mentido p mim que quisesse ser pai, p me
agradar.
BRUNO (f11) _ (...) Não, espera aí! s estamos desviando... Não é que eu
não queira ser pai.
BETINA (f11) _ Não é isso? Tu sempre dizias: “Não, agora não. Daqui uns dois
anos”.
BRUNO (f12) _ Tá mais aí...
BETINA (f12) _ Mas aí, quando passavam aqueles dois anos, eu voltava a
falar. Aí ele dizia assim: “Não, agora não. Daqui uns dois anos”.
Bruno justifica o adiamento do projeto parental no âmbito das questões
econômicas e na preocupação com aspectos materiais. Betina, por sua vez,
argumenta que a decio de ter filhos sempre esteve condicionada ao desejo
do marido. Esses desencontros parecem provir de uma desorganizão
psíquica do casal, da dificuldade em estabelecerem prioridades comuns e se
organizarem mentalmente para ter um filho. Cada um tem seu próprio projeto
de vida e eles parecem incompatíveis no momento.
BETINA (f14) _ (...) eu entrei numa crise bem ruim que foi um monte de coisas
assim. Eu não estava feliz, estava sempre chateada, estava ruim no
casamento. Eu comecei a querer. eu insisti. Eu vi que aquilo estava me
faltando.
BRUNO (f15) _ Eu não percebi nada disso. Eu entendi que uma hora ela disse
que já tava com certa idade e (...) que íamos tentar ver se engravidava. Foi isso
que aconteceu. Nós esperamos um ano. todo mundo dizia que um ano era
normal o engravidar, tal. (...) Depois de um ano de nós termos
relacionamentos normais... Ou dois anos. Chegou a dois anos de
relacionamentos normais...
BRUNO (f16) _ (...) se ela não dissesse: “Ah, agora vamos procurar um
auxílio”, eu também continuaria da mesma forma. o houve um sofrimento
não. Eu tava tranqüilo.
Percebemos nas falas acima que o mal-estar talvez não esteja
relacionado à ausência do filho e sim à ausência de compreensão, de
entendimento entre o casal. Betina agora parece ter se dado conta do
esvaziamento do vínculo e talvez a motivação psíquica para ter o filho seja a de
suprir esse vazio e, assim como no caso da esposa (A), renovar o contrato
61
afetivo. Bruno, no entanto, demonstra ter dificuldade em perceber o estado
emocional de sua mulher, ficando numa posição mais defensiva.
BETINA (f14) _ (...) eu digo: o, eu não vou abrir mão por tanto tempo.”
Nem posso por causa da minha idade, né? Daqui a pouco não tem mais filho.
Isso era o que eu pensava.
...
BETINA (f22) _ (...) eu fiquei esperando que viesse esse desejo dele e não
veio. eu disse: Não, eu com 37 anos e não vai dar prá esperar esse
desejo dele vir, né?” Senão eu não vou ser mãe.
...
BETINA (f85) _ (...) Ai, o outro médico vai pedir todos os exames de novo. É
isso? Mais três anos da minha vida? Quer dizer, tô com 39... 40, 41,42 anos?
Embora desde o início da entrevista Betina declare de forma objetiva seu
desejo de ter um filho, ela parece ter contribuído, ainda que inconscientemente,
com a demora em decidir pela vinda do mesmo. Por ts da aparente
passividade, é possível que ela tenha se mantido afastada de seus próprios
conflitos, inseguranças e ambivalências quanto à maternidade. Esse caráter
de urgência que agora se impõe ao desejo decorre da proximidade dos 40
anos, o que implica em uma drástica redução da capacidade reprodutiva da
mulher. Trata-se de um componente amplificador das pressões internas,
fazendo com que Betina desperte para o risco da perda definitiva da
capacidade de gerar filhos. Surgem anstias de caráter persecutório (ameaça
de fragmentação interna), agora que a possibilidade da não-realização do seu
desejo de ter filho torna-se cada vez mais concreta.
Cabe ressaltar que mesmo com toda a biotecnologia disponível, o
avanço da idade da mulher representa um obstáculo à obtenção de uma
gravidez, uma piora na resposta às medicações estimulantes da ovulação,
aumento dos riscos de má-formação fetal e, inclusive, a perda da vitalidade
para criar os filhos. Esses dados de realidade certamente intensificam a
fomentação das angústias.
BETINA (f16) _ (...) eu também fiz rios exames com o Dr. Ben. Então assim,
não é muito bom, ? Ficar tipo: “Vamos vasculhar a mulher prá descobrir o
defeito que ela tem. O defeito de brica, porque algum defeito de fábrica ela
62
tem que ter. Porque não tá engravidando. Porque homem nunca tem nada, né?
Pediram um exame de espermograma p ele e deu. O espermograma dele
deu bom uma vez, uma única vez, então bom. Não precisa repetir, não
precisa fazer nada. A mulher não. Tem que virar a mulher do lado do avesso,
porque ela tem que ter algum defeito, claro! Então porque que não reviram o
homem do avesso também, porque, de repente, encontra outra causa. Às
vezes o cara tem tudo de bom, mas não acontece.
BRUNO (f17) _ Mas se o espermatozóide é bom, ele é apto a gerar um filho, tá
feito... Tu tais querendo achar uma coisa que não tem.
BETINA (f18) _ É porque a mulher fica sozinha nesse processo. Dói, machuca.
Nas falas de Betina, dois aspectos nos chamam a atenção. O primeiro
deles se refere a como ela se sente e de como vivencia o processo clínico
operacional. Antes de procurar os tratamentos, ela demonstrava estar
bastante sensibilizada, seja por não conseguir ter um filho naturalmente, seja
pela pressão do avanço da idade. Talvez por esse motivo, os exames
representem um acréscimo de sofrimento, pois reforçam suas angústias
persecutórias: confirmam que um defeito em seu corpo a ser encontrado.
Betina vivencia os exames e todo o processo do tratamento como uma
violência física e psicogica. Talvez se ela conseguisse transferir
positivamente esse processo operatório, como algo crucial para curar, ajudar,
enfim, a relação com o marido e a equipe médica ficaria mais confiante e
fortalecida, isso certamente amenizaria o sofrimento inerente a essa situação.
O segundo aspecto fala das diferenças nesse processo de tratamento
contra a esterilidade. Como mencionamos anteriormente, a mulher sofre
mais que o homem, pois, seu desgaste físico e psicogico é maior. Os
procedimentos de reprodução humana assistida requerem importantes
intervenções nos corpos femininos. Segundo Makuch (2006), a desconfortável
rotina de procedimentos (injeções diárias para estimulação e controle da
ovulação, ultra-sonografias, medições hormonais, exames de sangue, etc.), e a
preocupação com a resposta do organismo ao estímulo medicamentoso, ou
seja, se have ou não óvulos (qualidade/quantidade) adequados para dar
continuidade ao procedimento, intensificam a responsabilidade da mulher na
concretização do desejo do casal de ter um filho biológico.
A ausência do marido (pelo menos é assim que Betina percebe) contém
outro importante fenômeno psíquico que, em nossa análise, interfere na
63
concretização da gestação, visto afetar negativamente o estado emocional de
sua esposa.
BRUNO (f19) _ De qualquer maneira, uma responsabilidade dessa invasão
a minha pessoa, ao marido. Então assim: “Eu passando por isso tudo e tu
tais aí no bem bom”. Dá essa sensação às vezes.
BRUNO (f20) _ Como ela falou: “Ah, tu fosse lá, fizesse o espermograma e não
pediram mais nada. Prá mim eles querem fazer isso, aquilo, aquilo outro.”
Como se prá mim tivesse sido fácil e prá ela bem mais complicado, não é?
BETINA (f19) _ Mas foi!!!
BRUNO (f22) _ Eu falando é que ela me culpa por isso. Por ela sofrendo
e, (...) por eu não passar por isso.
A exclusão de Bruno dos procedimentos é considerada por sua esposa
como uma vantagem da qual ela parece se ressentir.
Durante os procedimentos de diagnóstico e em quase todo o processo
de tratamento de reprodução humana assistida, o papel dos homens quase
sempre é o de prestar apoio à sua esposa ou se ocupar de questões de cunho
prático. Sua presença é requerida na hora da coleta do sêmem, obtido através
de masturbação, em dia e horário pré-fixados. O exame do espermograma e a
coleta do mem para a realizão dos procedimentos de reprodução
assistida, para a grande maioria dos homens é algo desconfortável e
freqüentemente constrangedor. É comum ocorrer o aumento da ansiedade,
pois, se o sêmem o for obtido na hora necessária, pode comprometer todo o
processo de tratamento do casal, visto que a mulher também está passando
por procedimentos médicos para a obtenção dos óvulos, e o ciclo corre o risco
de ser interrompido. A pressão em corresponder a essa exigência pode
acarretar, ainda que temporariamente, em episódios de impotência (Makuch,
2006).
Os relatos do casal (B) sobre as diferenças nas intervenções inerentes
aos procedimentos de reprodução humana assistida tamm podem ser
compreendidos como representações psíquicas das fantasias originárias, que
se manifestam, aqui e agora, no grupo casal. Trata-se do que denominou Käes
(1977), do segundo organizador psíquico grupal. Remonta às fantasias da cena
primária e a resposta ao enigma da diferença anatômica entre os sexos. Betina
64
parece reviver as angústias de castração, suscitadas pela atual situação de
esterilidade, sentindo-se em desvantagem em relação, não só ao seu marido,
mas a todos os homens.
BETINA (f20) _ Eu acho que os médicos falham um pouco. Deviam cobrar
estimular a participação dos homens nisso.
BETINA (f21) _ Ah, nem que junto fazer os exames. Ao menos prá saber o
quanto a mulher ali sofrendo. E não esperar a mulher chegar em casa e
perguntar: “Tá, e daí, o teu dia foi bom?” Não, não foi. Os caras passaram o dia
enfiando um monte de coisa dentro de ti, que machucam, doem.
BETINA (f30) _ (...) Até os médicos. Eles ficam pesquisando a mulher,
pesquisando, e param de pesquisar o homem. Eu o sei. Se que só o
espermograma bom é suficiente? Será que não existe outra causa? Eu não sei
se foi feito esse tipo de exame, mas eu já ouvi casos de casais que, quando o
homem ejacula dentro do corpo da mulher, a mulher tem uma coisa que mata
todos os espermatozóides do homem.
BRUNO (f32) _ s já fizemos. É que o homem é mais simples. (Risos)
A mesma medicina que cura, também amea. Betina transfere seus
sentimentos persecurios, localizando o “mal” nos médicos que também são
homens. Não consegue perceber que fazem tudo isso para ajudá-la a ter o
filho. Transfere o sentimento negativo no aqui e agora, nesse processo de
investigação. Quer que Bruno sinta também, talvez para que ela seja
reconhecida na doença e na dor. O maior sofrimento, no entanto, não nos
parece ser só o da invasão operatória e sim do psiquismo de Betina, invadido
constantemente por idéias fixas.
BETINA (f29) _ (...) Bruno dizia prá todo mundo: “Não, meu espermograma é
ótimo! O médico disse que eu engravido até se gozar fora.” Então dai todo
mundo ria. “Ele não tem problema, então o problema é dela.
BRUNO (f33) _ (...) No nosso meio é uma coisa bastante comum. Dos meus
dez amigos, que eu freqüento, uns cinco ou seis conhecem a Dra. Bela e
tiveram filhos através da Dra. Bela. Então começa ser um papo normal, dentro
do nosso meio (...) eu digo que se ela cheirar a minha cueca ela engravida.
Mas é uma forma de brincadeira e eu trato isso dessa forma, né? Mas a Betina
já (...) leva mais pro lado sério, né? (...) Eu já entro no rolo do grupo.
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BETINA (f37) _ E é muito ruim, né? (...) Todo mundo perguntando, o tempo
todo se metendo. (...) Na família, eu tenho duas irmãs e a minha mãe. Acham
que alguma coisa tem. Que não pode ser assim. Na casa dele também. A mãe
dele, a madrinha dele, o pai dele, a irmã dele: “Não. Tem que ter alguma
coisa.”
BETINA (f40) _ (...) a irmã dele agora grávida novamente. Então é bem
chato a gente ficar ouvindo tipo: “Ah eu não posso ficar sem tomar o
anticoncepcional, por que eu já engravido na hora. Tu não consegues?!!” É
uma indelicadeza tremenda das pessoas. (...) Assim: “como eu sou boa, como
eu sou boa mulher, sou boa mãe, como eu sou perfeita”. Eu acho chato isso.
Os comentários dos amigos e parentes ressoam no casal. Bruno e
Betina demonstram preocupação com suas imagens, e as defesas de que se
utilizam contra essa ameaça parecem acentuar o distanciamento entre eles.
Bruno tende a amenizar a situação, porém, fica evidente em suas falas o
quanto ele também se sente preocupado, perseguido e ameaçado na sua
identidade/imagem de homem. Talvez por isso insista em valorizar seus
atributos e tenha que se justificar perante os amigos, afastando dele a imagem
de incapacitado. Seu narcisismo com qualidade exibicionista e a necessidade
de afirmar sua potência reprodutiva, confirmam a nossa análise. Betina parece
sentir-se ignorada em seu sofrimento, uma vez que, ao invés de ser continente,
o marido a expõe perante todos.
BETINA (f40) _ (...) Quando eu fiz a minha vídeolaparoscopia (...). Quando eu
acordei já tava a família inteira sabendo o diagnóstico (...).
BETINA (f42) _ Tudo que a médica falou prá ele, ele falou prá todo mundo.
Daí: “Ah, encontraram!!!” Ai, a última frase ele não disse em primeiro lugar.
Quem teve que dizer a última frase prá família foi eu, quando comaram a
insistir: “Ah, mas tua trompa é assim” (...) Eu tive que insistir rias vezes prá
pessoas me escutarem. A médica disse (...) que a trompa é assim, que o ovário
é assado, e eu tenho um pouco de Endometriose, maaaassss, nada disso
impede uma gestação, uma concepção. Nada disso impede uma concepção.
Faltou essa frase... Prá mim muito importante.
BETINA (f48) _ O Bruno, na época, também entendeu que (...) esses
problemas seriam a causa. Ele também teve um problema de infância num
testículo, né? (...) Ficou no abdômen. Depois é que fizeram a cirurgia e
retiraram. (...) Eu tive que lembrá-lo: “Tu tens um problema no testículo e teu
espermograma é normal. Então, quer dizer, tu não tens problema nenhum.” Se
a médica dizendo que, mesmo com essas falhas que eu tenho, no meio do
66
caminho, seria normal engravidar, porque que no meu caso é um problema e
no teu não? Ai ele se convenceu um pouco e parou de dizer que a culpa era
minha. Porque foi dito assim que eu fiz a “vídeo”, ficou claro prá família que a
culpada era eu. Agora fica aquela coisa assim, ninguém fala porque “Tadinha,
ela não gosta” (Risos) É chato, é bem chato. Tu vês que as pessoas não tão
convencidas e ainda te tiram por meio doida, sabe? (Risos)
Em nossa análise observamos que Alex e Betina sofreram prejuízos à
sua economia narcísica, com aumentado sentimento de inferioridade. Ao
atribuir defeitos um ao outro, parecem querer justificar sua sensação de
fracasso. A situação de esterilidade desencadeia o uso de defesas primitivas
para defenderem-se dos sentimentos negativos (culpa rejeição, inferioridade,
inveja, etc.). O uso de defesas primitivas pode, num primeiro momento, ajudar
o casal (B) a suportar as pressões internas e externas. Pom, enquanto não
compreenderem sua realidade e permanecerem nesse nível de funcionamento,
as angústias de perseguição e perda continuarão a ser fomentadas,
acarretando maiores danos ao vínculo tão empobrecido e impedindo que se
fortaleçam e busquem novas saídas para suprir o seu desejo de ter um filho ou
até mesmo de renunciarem a esse sonho.
BETINA (f58) _ (...) É cobrado sim da mulher (...). Que ela tenha filhos, que ela
crie os filhos, que ela cuide da casa. (...) eu sinto essa cobrança. Da minha
mãe, das minhas tias, da tua família, da parte feminina (...).
BRUNO (f56) _ (...) Eu não me julgo por ser produtivo, por ser reprodutor ou
não. A sociedade já evoluiu dessa maneira há muito tempo. Hoje a gente é
avaliado pelo conhecimento, pelo caráter. (...) “Ah, porque não é reprodutor,
não é uma boa pessoa.” Isso prá mim tá bem claro. E prá ela parece que não.
BRUNO (f104) _ (...) Quando meus familiares ou os familiares dela perguntam
como ela está? Se ela grávida ou não, não é que queiram dizer: “Ah, tu é
boa ou tu é ruim.” (...) Estão preocupados conosco e querendo saber como é
que tá a situação. O que tá sendo feito, se a gentevendo isso. Eu vejo nesse
sentido, não vejo maldade nisso. Euvejo o lado positivo.
Além dos aspectos individuais e vinculares que atuam no desejo de
procriação, existe a interferência do mandato sócio-cultural. A sociedade
outorga um lugar ao casal, assegurando em troca a continuidade de seus
valores e ideais através da descendência. O cumprimento desse compromisso
outorga pertinência, variável intrínseca à condição humana (Cincunegui,
67
Kleiner e Woscoboinick, 2004). O casal analisado demonstra desacordos com
relação a corresponder ou não a um mandato cultural. Ao menos para Betina,
nos parece que a marca do social predomina, dissociando o desejo de ter um
filho (marca do relacionamento, do vincular), do desejo de ter uma criança
(marca do narcisismo, plano do social).
BRUNO (f64) _ (...) nos dias que ela tava tomando o hormônio, andou
atrasando a menstruação (...). E ela fez um teste que deu um valor médio
que (...) até concluímos que ela teria ficado grávida durante esse período.
BETINA (f62) _ A Dra. Bela é que falou que foi uma gravidez em fase muito
inicial, mas ocorreu, né?
BETINA (f64) _ (...) no quarto dia eu fiz o exame de sangue e peguei o
resultado à noite. (...) deu resultado inconclusivo. Eu nunca tinha escutado isso.
BETINA (f67) _ (...) quando eu cheguei em casa, eu falei prá ele que eu estava
grávida. “Vamos ligar ptodo mundo”, ele assim (Risos). Como gosto de
ser mais na minha, disse: “Não. Vamos esperar. Eu quero ter certeza. Vamos
com calma”.
BETINA (f68) _ Ainda bem que eu não deixei ele ligar prá ninguém porque não
foi, né?
O casal fala sobre suas primeiras tentativas de tratamento contra a
esterilidade. A necessidade de Bruno em anunciar a todos a gravidez de sua
esposa, mesmo sem ter certeza, nos leva a pensar que a espera pelo filho não
é algo tão tranqüilo como ele faz transparecer. No entanto, ainda não fica claro
se sua ansiedade é em função do próprio desejo, negado/latente, ou da
necessidade de dar satisfação ao meio social e familiar, como forma de aplacar
a angústia e sentimentos de inferioridade.
BETINA (f59) _ Depois da “vídeo”, a Dra.Bela achou que, a inseminação,
devido a minha idade e tudo...
BRUNO (f62) _ Não adiantaria...
BETINA (f60) _ Era perda de tempo. (...) que, em virtude dela ter dito que
nada impediria... Que apesar de ser assim, assado, nada impediria a
concepção (...) decidimos fazer mesmo assim.
BETINA (f61) _ A diferença de custo em primeiro lugar e em segundo lugar, um
método um pouco mais natural, né? Somos católicos.
68
BRUNO (f63) _Nós somos calicos e ai tem aquela questão da religião.
Porque, queira ou não, o óvulo ali, depois de fecundado, alguns são
descartados. No caso dos embriões da fertilização in vitro, né?
BRUNO (f71) _ (...) como tomando só o hormônio ela já chegou praticamente a
ficar grávida, nós achávamos que se fizéssemos só a inseminação artificial, no
qual o esperma é tratado, é preparado lá (...) Nós achamos que tinha uma
probabilidade grande de ter sucesso. E ai nós fizemos uma inseminação
artificial.
Após a falha na primeira tentativa com a medicação estimulante e da
realização de uma vídeolaparoscopia, o casal parte para outro procedimento,
um pouco mais complexo: a inseminação artificial, mesmo contrariando a
opinião da médica. Vemos aqui a interferência da religião sobre a escolha do
tratamento. Como vimos anteriormente, algumas técnicas reprodutivas podem
ser conotadas como desobediência aos dogmas religiosos e a vontade divina.
BRUNO (f76) _ (...) eu tenho um amigo que é médico. Que ele disse o
seguinte, que não existe “não diagnóstico”. Que tem que ter alguma coisa, tem
que ter alguma coisa.
BRUNO (f77) _ Ele diz que o médico, se pode fazer por quinze mil, ele não vai
fazer por cem reais. E que era prá eu pegar todos esses exames nossos e
levar prá ele que ele vai dar uma olhada com calma nisso, né? E que, conforme
o caso ele tem contato com o Hospital de Curitiba, que parece que é um
grande Centro de Reprodução, é um dos melhores. Não sei se é ou não. E ai
ele disse que se fosse o caso ele nos encaminharia prá essa ajuda. (...)
BETINA (f81) _ Eu não boto muita fé porque ele é muito “papudo”. Esse
médico. Muito! Ele sempre vai resolver tudo, vai fazer tudo e não resolve nada,
não faz nada. Entendeu?
BRUNO (f84) _ (...) ele vai me dizendo as coisas: “Ó Bruno, prá engravidar tem
vários exames. (...) De repente tu tá indo na outra etapa, fazendo a FIV, e
de repente (...) um exame mais simples (...) poderia resolver de uma forma
mais barata prá ti.” Mas os médicos não têm interesse nisso. De repente a
médica não tem interesse.
Frustrados e decepcionados com a realidade, o casal passa a
experimentar angústias persecutórias. Bruno passa a questionar o diagnóstico
e o encaminhamento médico para o caso, apresentando forte desconfiança
quanto à exploração financeira por parte das clínicas. Ante o fracasso em sua
segunda tentativa, as incertezas começam a rondar o casal, que se vê às
69
voltas com a possibilidade de ter que realizar um tratamento de maior
complexidade: a fertilização in vitro. Há uma intensificação da angústia do casal
e eles parecem buscar argumentos para não enfrentarem tal situação.
A busca por diferentes diagnósticos, as queixas e desconfianças com
relação às atitudes médicas, nos levam a pensar que o casal vivia o
pressuposto básico da dependência elaborado por Bion (1961/1975), isto é, a
convicção que o casal tem de que alguém possa satisfazer todas as suas
necessidades e desejos. Betina e Bruno sentiram-se frustrados e inseguros,
pois, os dois primeiros especialistas que os atenderam não corresponderam às
suas expectativas. Partem em busca de um terceiro profissional (amigo de
Bruno), mesmo admitindo não estarem tão confiantes.
BRUNO (f91) _ Eu tenho um limite e a Betina eu não sei. (...) Porque se não
der certo ali, tem que se conformar de uma maneira ou de outra. Sob pena de a
gente estar fazendo esse círculo não ter fim nunca. E mesmo, daqui a pouco já
não tem mais patrimônio.
BETINA (f89) _ Eu pensei nisso algumas vezes. Mas eu tenho medo de
dizer: “Tá, tudo bem, meu limite é esse.” E ai a gente faz as três fertilizações e
não dá. E aí? Como é que eu vou saber? Como eu vou ficar? E depois? O
tamanho da frustração que vai ser? Porque, dependendo do tamanho da minha
frustração, eu vendo sim. Vendo apartamento, vivo de aluguel. Vendo cachorro
quente na esquina prá ter um filho. (Risos)
De acordo com Seibel (2006), admitir o fim dos tratamentos constitui um
difícil processo de resolução para o casal, e em especial para a mulher.
Segundo a autora, é muito freqüente, logo depois de uma tentativa frustrada,
as mulheres quererem reiniciar imediatamente outra, apesar de todo o
sofrimento, desgaste físico e psíquico, possivelmente porque se sentem mais
tranqüilas, visto que estão ao menos tentando, fazendo alguma coisa para
resolver seu problema. No intuito de não interromper o tratamento, ante uma
limitação financeira, muitas vendem seus bens (casa, carro, etc.), obstinadas
em fugir da sensação de vazio interior, na ilusão de que o filho concreto irá
preencher este espaço.
BETINA (f79) _ Meu pai tinha se proposto a pagar. que devido à crise no
nosso casamento, eu também comecei a me questionar um monte de coisas.
70
BETINA (f80) _ Eu não sei. Volta tudo aquilo, toda aquela situação da época
dele não querer. De eu achar que ele não quer e eu quero. De eu me sentir
muito sozinha nesse processo e cobrar dele uma situação financeira melhor.
Porque a gente acaba cobrando, né? Justamente porque a sociedade cobra
que ele seja provedor financeiro e que eu seja provedora de filhos, né? Então
eu cobro: já que eu vou prover um filho, ele que prove o dinheiro, né? (Risos) E
assim... Cobrei muito dele numa época, que ele melhorasse a situação
financeira. Até pajudar a ter um filho, aprá poder pagar o tratamento do
filho. E ai volta tudo aquilo, toda aquela época...
A proposta de ajuda financeira por parte de seu pai, aparentemente uma
solução, parece ter reforçado a percepção de Betina sobre a falta de
envolvimento de Bruno na situação, pois, havia uma expectativa e declarada
cobrança, de que ele provesse financeiramente. Pensamos que, no vel
simbólico, essa atitude poderia representar para a esposa uma demonstração
de atenção, interesse, desejo, enfim, um investimento não só no filho, mas nela
própria, no casamento, no vínculo. Além de uma compensação para seu
sofrimento físico e psicológico, uma vez que os procedimentos médicos são
operados em seu corpo: “já que eu vou prover um filho, ele que prova o
dinheiro”.
Além disso, de acordo com Silva (2008), quando uma união se mantém
pela perspectiva idealizada da constituição familiar, a partir do momento em
que esta se inviabiliza, os problemas que sempre estiveram latentes vêm à
tona e passam a ser percebidos como desagradáveis. Os casais, então,
passam a se cobrar detalhes, em outros campos da vida a dois, que não eram
significantes, entendidos pela autora como transferências de suas
incapacidades na ação de seus papéis reprodutivos.
BRUNO (f38) _ (...) Eu não acho que isso seja um elemento fundamental no
relacionamento. Eu não ia deixar de amá-la, ou amá-la mais ou menos porque
ela não pode ter filho ou tenha uma dificuldade. (...) isso prá mim o é um
elemento muito importante.
...
BETINA (f52) _ E assim, eu não entendo também outra coisa que pro Bruno é
fácil assim. Ele fala em adoção, fácil. Se ele não quer ter um filho dele próprio,
como é que ele quer criar filho de outra pessoa?
71
Bruno parece tentar ver a situação de uma forma mais realista, tentando
encontrar outros caminhos (adoção) caso eles não consigam ter filhos e
reafirmando sua opção pela manutenção do vínculo, independente do que
venha a acontecer. Já Betina parece mais resistente à reformulação do projeto
vital.
A afirmação de Bruno de que o filho não é fundamental para o
relacionamento, parece não surtir efeito em Betina. Para ela, ao contrário, ter
um filho biológico parece algo extremamente importante e ela tem dificuldade
para compreender porque seu marido não pensa do mesmo modo.
BETINA (f69) _ (...) em janeiro a gente teve um desentendimento conjugal
grave. Foi um prá cada lado.
BRUNO (f73) _ Quase nos separamos. E, então, voltamos.
A separação do casal nos parece uma evidência dos danos que as
discordâncias e a permanente frustração representam para a integridade do
vínculo conjugal. Para Puget e Berenstein (1993), embora não se possa
compreender porque esse tipo de vínculo é mantido, uma possível explicação é
que ambos os egos o aqueles que mais podem administrar a frustração e
compreender o seu significado, para alcançar uma estabilidade interna, em si e
no outro. Como nos lembra Silva (2008), pelo menos, enquanto a relação
subsistir, a permanência os faz parceiros, ainda que no infortúnio. Talvez por
isso, apesar do mal-estar evidente, eles não tenham conseguido ficar
separados por muito tempo.
Sob a perspectiva da psicanálise das configurações vinculares, a análise
dos fragmentos acima, nos permite observar no casal (B) a tipologia vincular da
gemelaridade tanática (Puget e Berenstein, 1993). Neste vínculo, predomina o
funcionamento narcisista. Para estes casais, o terceiro, tanto o outro ego como
algum outro, externo, é um perseguidor. Ante o projeto de ter um filho, a
angústia atinge níveis intoleráveis. Quando da concretizão de tal projeto,
esta proviria mais de um mandato cultural do que uma criação vincular,
aumentando sua qualidade persecutória. O que parece aqui se aplicar ao casal
analisado. Identificamos na comunicação do casal (B) certo desprezo, com
censuras e críticas constantes. Parece que o vínculo se fortalece nas
72
depreciações. Além disso, nessa tipologia vincular o compartilhar é algo
persecutório. Daí talvez a necessidade de corrigir tudo que o outro fala,
procurando instaurar uma única versão de certos acontecimentos. O casal
tende a escutar somente para destruir ou desqualificar.
Observações da Psicóloga
O clima emocional do casal era tenso, com hostilidade constante,
condizente com a modalidade vincular descrita acima: gemelaridade tanática.
De acordo com Puget e Berenstein (1993), trata-se de um vínculo
impenetrável, fundido como se fosse um enamoramento em negativo, gerando
mal-estar no terceiro, que tem espaço como um expectador do negativo. A
sensação de impotência me acompanhou durante a entrevista. Ao fazer uma
colocação ou intervenção, o pareciam escutar ou levar em consideração.
Grande parte das falas não era concluída, como se o casal não pudesse tolerar
a contribuição de outra pessoa. Assim era tamm entre eles.
Esses sentimentos despertados nos fizeram reconhecer a configuração
contratransferencial do tribunal referida por Puget e Berenstein (1993), onde,
no nosso caso, o entrevistador é instalado no lugar de juiz e cada entrevistado
é o defensor de si mesmo. O litígio será proposto em torno de opostos: bom-
mau, verdade-mentira, teus pais-meus pais, etc.” (p.134). Essa configuração se
apóia na tentativa de dirimir desacordos, decorrendo do reconhecimento da
incapacidade de se fazer entender pelo outro. A ferida narcísica que a perda da
ilusão de fusão acarreta, poderia curar-se, se um “juiz” obrigasse um dos
integrantes a aderir a um código de significados único.
73
CASAL (C)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
EVA (f1) Eu sempre tive vontade de ter filho e o Fábio também. (...) desde o
primeiro beijo, a gente falava em ter filho. Muito antes de pensar em casar a
gente já queria (...). Em 2001 é que a gente começou a tentar (...), amor?
...
EVA (f3) _ A gente falou: “Se vir ótimo!” Nós dois queríamos. Daí é que a gente
começou a ver que não era tão fácil assim. (...) Em 2003 a gente fez a primeira
vídeolaparoscopia, com Dra.
Glória. Na primeira “vídeo” tinha um pouco de
Endometriose no útero, nas trompas, e a médica cauterizou. (...) a gente
começou a tentar de novo. Daí o deu, o deu, não deu... Em 2005 a gente
fez (...) outra “vídeo”, com o Dr. Henrique, em maio ou coisa assim. Daí ele
falou que tinha focos ainda, mas não tantos...
O casal inicia a entrevista manifestando seu desejo de ter um filho.
Assim que são informados sobre suas dificuldades, Eva e Fábio tomam
medidas práticas, buscando viabilizar os meios para a realizão do seu
desejo. Nesse primeiro momento, observamos que o casal agiu pelo princípio
da realidade
4
, realizando todos os exames e procedimentos necessários.
EVA (f8) _ (...) Fiz a histerossalpingografia. (...) Até me falaram que tem muita
gente que engravida depois desse exame. (...) Mas nunca aconteceu, né?
(Risos) A gente ouviu vários casos. Apesar de nunca acontecer, a gente
sempre teve esperança. Até hoje a gente tem, né? Se atrasa um dia ou dois, a
gente: “ Ah, será que foi dessa vez?”
FÁBIO (f5) _ A gente, e o médico, achava que ia prá engravidar
naturalmente.
Os exames realizados geraram a expectativa de uma gravidez natural.
Isso se justifica, em parte, por que tanto a vídeolaparoscopia quanto a
histerossalpingografia são exames que além de possibilitarem o diagnóstico
dos problemas de infertilidade feminina (endometriose, cistos, miomas,
aderências, obstruções tubárias, etc.), permitem, muitas vezes, que os mesmos
____________________________________________________________________________
4. Forma par com o princípio de prazer e modifica-o, na medida em que consegue impor-se
como princípio regulador, a procura de satisfação já não se efetua pelos caminhos mais curtos,
mas faz desvios e adia o seu resultado em função das condições impostas pelo mundo exterior
(La Planche e Pontalis, p. 364, 1982/2001).
74
sejam tratados simultaneamente (Passos, 2007), o que parece ter acontecido
no caso de Eva. Após esses exames e os cuidados terapêuticos, é comum a
ocorrência de uma gravidez esponnea (Caetano, Marinho e Moraes, 2000).
A melhora na condição reprodutiva, no entanto, parece ter fomentado no
grupo casal o estado mental da Ilusão (Anzieu, 1967/1993), onde, como num
sonho, a realidade fica suspensa e o investimento libidinal é voltado para a
realização imediata do desejo: ter um filho. Mesmo algum tempo após a
realização dos exames, Fábio e Eva ainda mantêm a esperança de que uma
gravidez natural possa ocorrer. Neste segundo momento, o casal parece ter
vivenciando o pressuposto básico do acasalamento (Bion, 1961/1975), cuja
peculiaridade revela-se na esperança messiânica de que um fato futuro irá
resolver sua situação de esterilidade e lhes dar o filho tão esperado. Sustentam
essa fantasia/ilusão argumentando que o médico tamm acreditava numa
gravidez natural e que havia casos, dos quais ouviram falar, que confirmariam
essa possibilidade.
EVA (f7) _ (...) Em 2005 a gente viajou. Foi morar fora. Ficamos quase um ano
fora. a gente até brigou, se desentendeu. Eu não queria filhos, ele queria.
Depois eu queria e ele que o queria. A gente ficou um ano, os dois, sem
falar em filho, sem querer...
FÁBIO (6) _ Mas tentando... Exercitando. (Risos)
EVA (f8) _ (...) No ano passado é que a gente resolveu. (...) Porque, querendo
ou o, sempre tem aquela pressãozinha, né? A família, os amigos: “E ai?
Quando vocês vão ter filho?”
A não realização do desejo de ter um filho da maneira como esperavam
traz a desilusão. Fábio e Eva têm que lidar com a decepção e os sentimentos
de perda. A decisão de morar fora do ps, os desentendimentos quanto a ter
ou não o filho, revelam a necessidade do casal em se afastar, “dar um tempo” e
assim, minimizar a angústia que a esterilidade provoca.
O retorno ao Brasil e a proximidade da família e amigos, parecem ter
favorecido o resgate do projeto parental, adiado involuntariamente. Novamente
o casal parte em busca de solões para sua dificuldade, desta vez recorrendo
às técnicas reprodutivas de maior complexidade.
75
FÁBIO (f10) _ A gente fez duas fertilizações com uma médica daqui da cidade,
a Dra. Glória. (...)
...
EVA (f13) _ Na primeira vez Fábio o queria... Tinha quatro embriões bons,
né?
...
EVA (f14) _ Ele queria dois, a princípio. Eu conversei isso na mesa de
cirurgia, na hora do cateter (implantação dos embriões), eu falei: Não. Três,
três, três”. Aí foi três.
FÁBIO (f12) _ Eu acho o seguinte, botar mais do que três embriões é um risco
grande prá mulher. Não é: “Ah, eu quero ter filho... É muito egoísmo meu:
“Bota três aí! Quero nem saber.” “Bota seis.” Imagina dar os seis? morre a
mulher e fico eu com seis filhos. Eu não quero! (Risos). Então é complicado.
...
FÁBIO (f16) _ A gente fez a primeira com três embriões e a segunda com um.
EVA (f18) _ É foi bem seguida. Depois eu queria fazer de qualquer jeito. Não
foi difícil convencer o Fábio porque parecia um vício. Não um vício, mas uma
vontade incontrolável de fazer outra: Não, vai dar, vai dar” (Risos). E foi bem
em seguida, né? Foi Setembro e Dezembro.
O casal relata como vivenciou os tratamentos de reprodução humana
assistida a que se submeteram. Vemos as importantes e complexas decisões
que Fábio e Eva têm que tomar nesse processo de tratamento contra a
esterilidade e o sofrimento psíquico inerente. Ante o pragmatismo da
biomedicina, o casal se vê às voltas com suas fantasias e angústias que não
podem ser acolhidas. Fábio mostra-se mais cauteloso e preocupado com as
conseqüências dos tratamentos, mas os apelos da esposa parecem suplantar
suas questões subjetivas.
Como abordamos anteriormente, na análise do casal (B), estabelecer
limites ou mesmo admitir o fim dos tratamentos é algo muito difícil para os
casais, e especialmente para as mulheres, levando a uma busca incessante
por novas tentativas a cada falha. O sofrimento, o desgaste físico e psíquico,
não as impede de fazer tudo novamente, pois, isso parece ser melhor do que
não fazer nada e ver o tempo corroer suas chances de ter um filho. Desse
modo, minimizam sua angústia.
76
Sobre essa questão, Modelli e Levy (2006), argumentam que a demanda
às vezes pode estar servindo para desviar do desejo. Nesse sentido, o querer
ocupa o lugar de necessidade imperativa, transformando-se em algo que
extrapola o desejo e subverte a castração, caracterizando uma busca, que por
mais que se mostre impossibilitada, mais parece ser desejada. Transforma-se,
como diz Eva, num verdadeiro “vício”.
FÁBIO (f22) _ (...) a Dra. Glória falou que era prá botar um, nessa última vez.
Ela deixou prá gente escolher. A gente escolheu: “Vamos botar.” Claro, a gente
queria, né?
EVA (f24) _ É. Esse vai dar! É ele...
FÁBIO (f23) _ E ia dar mesmo. Um , né? Vai dar um. É o que a gente quer:
um. Não quer mais de um.
O casal parece ter reunido todas as suas esperanças em torno dos
tratamentos. Esse otimismo, por vezes irreal, é comum aos casais na fase que
antecede à implantação dos embriões. Serger-Jacob (2006) denomina
“pequeno-viver” a esse período de acentuada felicidade do casal frente à
possibilidade da gravidez se concretizar, ocorrendo um decréscimo durante a
espera pelos resultados.
EVA (f21) _ (...) Vo muda toda a tua vida, mas na verdade a vida não muda,
né? Porque não deu certo. Mas você mudou.
FÁBIO (f23) _ (...) A gente fica bem ansioso, aguardando, numa expectativa
muito grande.
FÁBIO (f24) _ Só que no final é uma decepção. Uma decepção bem grande.
EVA (f26) _ (...) Na primeira vez a menstruação veio antes do exame. (...) Na
segunda vez, o vinha, não vinha, não vinha. A gente ficou com mais
esperança. Atrasou quase dez dias. Eu fiz duas vezes o exame (...) deu
negativo. No fim era a medicação que eu tava tomando e que tava alterando,
tava segurando.
O fracasso nas tentativas de tratamento provocou frustração e decepção
no casal. Uma vez mais, a esperança de finalmente obter a gravidez tão
desejada não se concretizou. Fábio e Eva se dão conta de que a realização de
seu desejo não depende só deles. Não podem controlar os resultados. A
77
medicina dispõe dos meios, mas não existem garantias. As fantasias
onipotentes são confrontadas com as limitações próprias à condição humana.
EVA (f27) _ Eu digo assim que, quando a pessoa tem um problema é mais
fácil. Quando se sabe: “Ah, o homem tem esse problema.” Ai resolve né?
Agora a mulher... A gente tenta achar aonde o problema, até achar, é mais
complicado.
EVA (f28) _ Todo mundo pergunta: “Mas o que é que tem?”
FÁBIO (f25) _ “Não, não tem nada.” Ah, tem varicocele, endometriose, baixa
contagem de espermatozóides...” “Ah, ela tem isso, ele tem isso. Vamos tentar
o dela, vamos tentar o dele... Quem sabe vai dar certo
EVA (f29) _ Mas se não tem nada, vai tentar o quê?
FÁBIO (f26) _ Vai tentar o quê? Não sabe o que tratar, não sabe o que fazer?
A falta de um diagnóstico preciso, ou seja, a esterilidade sem causa
aparente (ESCA) dificulta ainda mais a elaboração dessa situação, pois, não há
uma explicação da medicina para as falhas nos procedimentos. Sentimentos de
impotência parecem invadir o casal. Essa questão nos remete ao que diz
Serger-Jacob (2006) sobre o avio que representa o diagnóstico de um fator de
esterilidade, identificado pelos dicos. A ansiedade, a sensação de culpa e a
angústia que são geradas nesse processo fazem com que muitos prefiram
carregar o estigma de uma doença física do que não ter uma causa aparente.
Pensamos que a ausência de um fator orgânico intensifique a sensação de
impotência, pois, como conclui Gasparini (2006), ao retirar esse componente,
o sofrimento psíquico, que não consegue ser deslocado para o corpo, se
destaca.” (p.124). No entanto, Modelli e Levy (2006) alertam que, mesmo após
uma grande rotina de exames e tratamentos em busca de um resultado que
justifique a dificuldade para engravidar, pode ser possível que se encontre uma
resposta, mas esta o é certeza de que haverá um tratamento que garanta a
gravidez.
FÁBIO (f7) _ A Eva se preocupa muito porque ela acha que velha. Ela acha
que trinta anos já é velha prá ter filho. Mas na verdade não é, né?
EVA (f9) _ Não é que eu acho! É que também... A Dra. Glória, falou na tua
frente, que daqui prá frente... E agora, nesse médico que eu fui também...
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Falou que o útero não era excelente. Tem um orio meu que não produz
bons óvulos, mesmo com a medicação. Na segunda fertilização in vitro a
medicão foi dobrada. E mesmo assim deu um embrião só.
FÁBIO (f8) _ Um óvulo!
EVA (f10) _ É. Um óvulo só. Então, na segunda foi bem ruim. E eu tenho
sentido cólicas, de dois meses p cá (...) no meio do ciclo. Eu fiquei
preocupada. (...) Tomei a antiinflamatório. (...) E daí que eu procurei esse
outro médico, no começo do mês em Curitiba. Ele tinha me examinado
quatro anos, antes de eu ir para a Dra. Glória. Ele é um médico amigo da
família e já tinha feito na época um desenhinho do meu útero. Ele examinou de
novo e fez uma comparação e disse assim que meu útero estava se
comprometendo cada vez mais. E que por questões imunológicas ou até de...
Como é que se diz? Heredirias, o útero perdendo a melhor fase dele. E ele
mesmo disse: “Ó, se quiser tentar a hora é agora.”
...
EVA (f52) _ Na verdade a gente não tava pensando... Fábio, principalmente,
não queria nem ouvir falar. Eu também não queria. (...) teve um dia que eu
passei mal na rua. Tive um pequeno desmaio. (...) Eu fiquei um pouco
preocupada. (...) E com o diagnóstico dele, de que meu útero estava se
comprometendo, que tem uma mancha... Ele me explicou tudo e me
convenceu a fazer outra fertilização.
EVA (f53) _ (...) A minha mãe foi na consulta e também ficou assustada porque
o médico disse (...) que era prá fazer fertilização o quanto antes. Mais por uma
questão de tratamento do que de ter filho.
A saúde reprodutiva de Eva está se complicando e o diagstico médico
estabelece uma condição de urgência, que parece sobrepor-se ao desejo do
casal. O resultado da estimulação (má resposta) é um indício de que a
capacidade reprodutiva de Eva está declinando com o passar do tempo. Além
disso, durante o processo de diagnóstico, outros problemas comaram a
aparecer (mancha no útero, questões relacionadas à imunidade e
hereditariedade). A esposa agora tem problemas de saúde reais e mostra sua
preocupação e ansiedade, pois, a amea de não realizar o desejo de ter um
filho torna-se cada vez mais concreta. O casal tem que tomar decies sob
forte pressão: do tempo, do médico, dos problemas de saúde, etc.. Instala-se o
conflito entre o tempo e os problemas orgânicos e, do outro lado, o desejo. Ao
procurar o médico da família, nos parece que a esposa tenta minimizar os
79
sentimentos de desconfiança em relação à ciência, uma vez que ela e o marido
já estavam desgastados pelos resultados dos tratamentos anteriores.
FÁBIO (f10) _ (...) eu tranqüilo. Eu quero muito ter um filho, coisa e tal, mas
seo vier, tudo bem. Eu sei que a gente vai poder ter mais tarde. Agora a Eva
não. Mexe muito com o psicológico dela. (...) Eu acho que não é prá gente se
desesperar prá procurar isso ai. Ficar fazendo mil vezes, não. Daqui a pouco a
gente faz outra vez (FIV), ou vamos tentando normalmente. (...) eu acho que
mesmo se não vier, a gente tem tempo ainda prá ter. Agora a Eva fica muito
abalada no psicológico.
FÁBIO (f47) _ Eu mais assim, é... Tô querendo fazer de novo por causa da
Eva. Ela quer e eu acho assim, que se é por questão de saúde, da saúde dela,
eu acho importante. Não vou deixar ela na mão e dizer: Não, meu
espermatozóide eu não dou.” (Risos)
FÁBIO (f55) _ Mas eu sinto que ela mais preocupada em nunca poder ter
filho.
Fábio percebe o sofrimento da esposa. Tenta mostrar confiança e
tranqüilidade, o que nos parece uma forma de preservar o vínculo amoroso.
Percebemos o quanto ele é acolhedor e continente, mostrando capacidade de
suportar as angústias da esposa. Apesar das evidências contrárias, o marido
insiste em sustentar a ilusão de que poderão ter um filho mais tarde. A
racionalização surge como defesa psíquica para abrandar a angústia.
EVA (f56) _ Eu acho que ele não acredita mais no processo.
FÁBIO (f49) _ É... Talvez não seja por ai.
EVA (f57) _ Eu falei prá ele que se ele não acreditar é pior.
FÁBIO (f50) _ (...) A questão é o desgaste psicológico, físico, tais entendendo?
Tomar hormônio... Mais psicológico...
FÁBIO (f53) _ (...) Não é a questão financeira. (...) A gente tem condições de
fazer outra, e mais uma, e mais uma. que eu acho que vai ser... Coisas
jogadas fora.
FÁBIO (f54) _ Vai gastar mais de 20 mil? Vamos pegar os 20 mil e vamos fazer
uma viagem prá espairecer, curtir, esquecer. Talvez ajude, não sei...
80
A resistência de Fábio a uma nova tentativa revela o quanto a
experiência dos tratamentos anteriores o afetou negativamente, e ainda não
parece ter sido suficientemente elaborada. Fábio perdeu as esperanças nos
processos de tratamento contra esterilidade e ênfase ao sofrimento pquico
e físico que o casal passou durante os mesmos.
Nas falas a seguir, alguns aspectos do vínculo estabelecido entre o
casal e os médicos que os atenderam, vêem à tona.
FÁBIO (f10) _ (...) s dois somos leigos no assunto e a Dra. Glória deixou na
nossa mão p decidir: “Faz a fertilização com um ou não?” Como é que
uma pessoa que não sabe nada de fertilização vai decidir se faz com um ou
não? Outros médicos com que a gente conversou, eles falaram que de maneira
nenhuma, com o histórico da Eva eles fariam com um óvulo só. Porque é jogar
o procedimento fora. (...) a Dra. Glória devia ser enfática em dizer assim: “Eu
não vou fazer isso. Eu vou guardar esse óvulo. Vou congelar durante um mês.
Mês que vem vocês fazem de novo. Se der mais um, daí a gente bota dois.”
O discurso do casal denota dúvidas e desconfianças no vínculo com a
médica. O casal não possui o conhecimento técnico-científico para tomar as
decisões necessárias e atribuem à médica tal responsabilidade.
FÁBIO (f58) _ (...) Ela não é imparcial. (...) Eu até entendo o lado dela ser
otimista e passar o otimismo dela para as pessoas, mas errado. Tá errado
porque ela cria falsa esperança e as pessoas têm uma deceão muito grande.
...
FÁBIO (f59) _ A decepção é maior do que a esperança. Quando vem a
decepção é muito maior. (...) A esperança te dá uma reavivada: “Agora vai dar,
né?” Ela bota isso na nossa cabeça: (...) “O embrião agora ‘A+++, com
estrelinhas(...) São palavras que o botando na nossa cabeça prá gente se
sentir bem. Só que depois disso vem o se sentir mal, muito pior.
FÁBIO (f60) _ (...) Daí terminou e ela falou assim: “Da próxima vai dar.” Ai eu
falei assim pela: “A próxima não vai ter.”
Fábio sente-se desiludido pela dica que, segundo ele, alimentou suas
esperanças. Seu discurso nos remete ao pressuposto sico da luta-fuga
descrito por Bion (1961/1975). As falhas ocorridas nos tratamentos
reprodutivos fazem com que o casal vivencie angústias do tipo persecutório.
81
Observamos a convicção de Fábio em afirmar que existe um inimigo externo
(projetado na figura da médica), do qual o casal deve se defender.
FÁBIO (f10) _ (...) eu acho errado o jeito que os médico tratam (...) eles ficam
vendendo o sonho dizendo que “agora vai dar, agora vai dar”, mas o que eles
querem mesmo é fazer o procedimento e ganhar o dinheiro. Essa que é a
verdade.
...
FÁBIO (f57) _ Por exemplo, esse último, que apesar de ser amigo da família e
tudo, ele falou: “Se tu queres engravidar, tem que ser agora, tem que ser
agora.” Então, todo médico que tu vai, tem que ser agora. Porque agora? É a
hora que eles querem ganhar o dinheiro.
...
FÁBIO (f60) _ No método deles faltando uma orientação psicológica. Prá
eles, os médicos. (...) A gente poderia ter feito essas duas e mais duas até. Se
eles tivessem falado comigo diferente (...) talvez eu estivesse fazendo a quarta
ou quinta vez agora.
Fábio mantém sua argumentação, agora enfatizando a falta de preparo
psicogico das equipes dicas e considerando ser este um fator
determinante para a continuidade dos tratamentos. Serger-Jacob (2006) nos
fala da ambigüidade sobre a responsabilidade pela gravidez que permeia a
relação médico-paciente, gerando relações transferenciais e
contratransferenciais que modificam a estrutura do relacionamento e podem
dificultar o atendimento. Segundo a autora, atribuir ao médico propriedades
onipotentes ou transferir negativamente sentimentos de desconfiança e
irritação, certamente afetará a condução do caso. Do mesmo modo, a
transferência positiva pode promover uma maior colaboração da paciente
(mulher) e do casal.
FÁBIO (f61) _ Partindo do ponto da ciência (...) é físico. Pegou, juntou o
espermatozóide com o óvulo, ok! Não tem problema psicológico. O psicológico
que eu digo é na decepção de não ter dado certo.
EVA (f61) _ O corpo reage da forma que você sente. Ninguém tem a “cola”. A
“cola” eu acho que é o psicológico.
FÁBIO (f62) _ Eu aacredito que o psicológico não afete assim, por exemplo,
ia dar certo se tu não tivesses nessa pressão psicológica. Isso eu não acredito.
Eu acredito na ciência. Agora, a decepção de não ter dado certo, por um fato
82
científico, normal, natural, que o tem nada a ver com o psicológico... É essa
decepção que traz uma carga psicológica muito grande ppessoa.
As falas do casal revelam a importância de se levar em consideração os
aspectos emocionais antes, durante e depois dos tratamentos, pois isto
certamente contribuiria para o enfrentamento da situação da esterilidade e seus
tratamentos.
Os tratamentos contra a esterilidade trouxeram algumas importantes
repercussões para a cotidianidade, sexualidade e projeto vital compartilhado,
parâmetros estes considerados por Puget e Berenstein (1993), definidores do
vínculo matrimonial.
EVA (f22) _ Ah, tu não dorme. Dorme encucado”. O Fábio me lembrava das
medicões...
FÁBIO (f21) _ Na empolgação! Tudo certinho, direitinho.
EVA (f23) _ Era oito horas a injeção? Oito horas tinha que tá em casa.
...
EVA (f26) _ Na segunda vez eu tive mais cuidado nessa fase da implantação.
O bio não queria nem que eu levantasse da cama. Ele me levava no colo.
Foram mais cuidados.
Desde o diagnóstico até os tratamentos houve grande empenho e
envolvimento do casal. As alterações no dia-a-dia do casal, nos hábitos e
horários, mostram que ambos estavam bastante envolvidos nessa busca por
um filho, confirmando tratar-se de um projeto vital compartilhado (Puget e
Berenstein, 1993). Quando Fábio leva a esposa no colo, sustenta
simbolicamente a fantasia do filho. Ele participa naquilo que pode, e vive
intensamente cada etapa.
EVA (f49) _ O desejo sexual diminui. Na época da fertilização é meio chato,
né? (...). Às vezes pode, outras não pode (...) Eu falava prá ele: Agora é prá
fazer filho, não fazer amor.” Agora pode, é hoje”. (...) E depois da fertilização
também. Não sei se foi por causa da medicação, deu uma secura vaginal. Eu
sentia muita dor na relação sexual (...). Daí atrapalhou durante, atrapalhou
depois. Agora é que tá melhorando esse lance da dor, por causa da secura,
disso, daquilo. Do estresse, inclusive...
...
83
EVA (f50) _ É. Teve uma época que eu falava: “Vamos fazer amor que depois
eu não levanto mais.” Você começa a botar um monte de regras prá fazer.
FÁBIO (f46) _ Acabou de fazer amor, tem que botar ela de cabeça prá baixo.
(Risos)
EVA (f51) _ Por um travesseirinho. (Risos) E chá. Eu fiz até cirurgia espírita,
lá no Centro Espírita... (...) Só que a gente viajou logo na seqüência e tinha que
tomar (...) aquela “aguinha” que eles fazem. E eu não tomei (...). Daí eu já acho
que pode ter isso que o deu, porque eu não tomei ao fim. A gente tentou
isso também...
O enfrentamento da situação da esterilidade e os tratamentos realizados
acarretaram perdas à espontaneidade sexual, corroborando o que diz Silva
(2008) sobre os danos ao relacionamento sexual após meses de expectativas
quanto à gravidez. O clima erótico, o aconchego e o prazer, dão lugar a
objetividade, imediatismo, tornando a relação sexual diretamente vinculada à
penetração e ejaculação, focada exclusivamente na fertilidade.
Percebemos nas falas do casal uma tendência a amenizar os danos à
sexualidade. Fábio e Eva ironizam e desviam rapidamente do assunto, como
se quisessem evitar o acréscimo de angústias a essa etapa dos tratamentos
tão delicada. Serger-Jacob (2006), refere que as dificuldades sexuais e
conflitos no relacionamento conjugal que possam aparecer, principalmente
quando diante de inúmeros fracassos ou ao final das tentativas, são encarados
como algo natural e inerente à situação de enfrentamento da esterilidade.
Ladvocat (1996), no entanto, ressalta que o prazer do sexo acaba sendo
afetado pela dor e o vazio, uma vez que sexualidade, gravidez e infertilidade
tornam-se uma coisa só.
Quanto ao projeto vital compartilhado, este nos parece ser o parâmetro
mais afetado em todo esse processo de enfrentamento da esterilidade.
Entretanto, é o que mais revela a capacidade de transformação e
enriquecimento do vínculo matrimonial do casal em questão.
FÁBIO (f10) _ (...) Agora a gente comprou nosso negócio. Estamos pensando
em outras coisas. A cabeça está em outro mundo. Talvez agora venha.
...
FÁBIO (f32) _ Teve uma amiga nossa que ofereceu a “barriga de aluguel”.
(útero de substituição)
84
EVA (f36) _ Minha irmã... Maluca! (Risos)
FÁBIO (f33) _ E é uma saída realmente. Esse problema dela de útero (...) É
uma saída, ué! Fazer a fertilização in vitro e botar no útero da outra.
...
FÁBIO (f68) _ De repente a gente pega ai uma barriga de aluguel. Cheio de
amiga se oferecendo... (tom provocativo)
EVA (f70) _ Não é assim também. (Risos)
Segundo Puget e Berenstein (1993), o modelo paradigmático de projeto
futuro de um casal passa pela criação de filhos, reais ou simbólicos. Porém,
este projeto vital tem como característica a passagem permanente à
cotidianidade, o que leva o casal a formular novos projetos. O casal requer um
enquadramento, uma dada estabilidade para poder suportar a concretizão do
projeto, a crise e a renovação e reformulação de um novo.
No casal analisado, o projeto do filho biológico parece ir perdendo apoio
libidinal e tentam se reorganizar em torno de outros projetos: negócio próprio,
adoção, “barriga de aluguel”, sugerindo a possibilidade de renovação dos
projetos compartilhados. A dificuldade de abrir mão do filho biogico, não
anula ou impede que o casal siga em frente em sua vida. uma
possibilidade de maior complexidade e conseqüente enriquecimento do
vínculo.
EVA (f31) _ A gente falou sobre adoção. A gente conversa. Tem hora que a
gente começa a falar mais. (...) O Fábio queria até mais do que eu no começo,
mas não quer agora.
FÁBIO (f27) _ (...) A gente sempre pensou em adotar, se não desse. Até
porque eu sempre achei que depois de adotar a gente ia acabar tendo filho.
EVA (f32) _ Eu já falava que não queria adotar por causa disso.
FÁBIO (f28) _ Daí ela: Não, não! Eu quero ter o meu, eu quero é ter o meu.”
Ela decidiu e daí eu concordei, porque ela quis fazer as duas fertilizações. (...)
Depois disso a gente acabou comprando nosso negócio, que é outro problema
na nossa vida. É outra situação que fez a gente mudar o nosso foco, né? A
iia de ter filho por um necio. (...) Então, é bom né? Porque sai um pouco
da cabeça. (...) a Eva veio querendo entrar com a documentação prá adotar.
Daí eu falei que não era o momento, eu acho. (...) antes eu queria e ela preferiu
85
fazer outra coisa (FIV). E a gente fez. Gastou um monte de dinheiro, gastou
tempo, emoção, tudo. (...) Daí eu decidi, eu desisti.
...
FÁBIO (f29) _ Tem o irmão de um amigo meu que tava tentando também a
fertilizão in vitro e ele decidiu adotar. Em três, quatro meses ele tava com o
filho na mão.
...
FÁBIO (f31) _ (...) Diz que a criança é bem parecida com eles.
A adoção, embora considerada como uma possibilidade de realização
do projeto parental, ao menos para Fábio, esvinculada à fantasia de que o
filho adotivo poderia liberar a vinda do filho biológico. Fábio parece querer
resolver logo a situação, minimizando a complexidade das alternativas para a
resolução dos problemas do casal (adoção/cessão temporária de útero). Eva,
por sua vez, parece hesitante em relação a essa possibilidade de adoção,
possivelmente porque não se trata neste momento de uma opção e sim uma
forma de compensação para a esterilidade.
Cabe aqui uma reflexão sobre as motivações psíquicas para a adoção,
especialmente naqueles casais que passaram pelos tratamentos contra
esterilidade. Zibini e Vasconcelos (2006) nos falam que algumas pessoas vêem
na adoção a possibilidade de evitar o contato com a dor provocada pela
constatação de sua esterilidade. Na tentativa de apagarem o estigma da
esterilidade, muitos casais optam pela adoção. A não elaboração do luto,
provocado pela esterilidade, no entanto, pode transformar a criança adotada no
filho do fracasso, simbolizando simultaneamente a possibilidade e a
impossibilidade de se tornarem pais. Sendo assim, alertam as autoras, a
adoção o pode ser pautada na resolução de uma história de insucessos. Ela
não apaga a marca da esterilidade, muito ao contrio, é a sua prova viva.
Desse modo, os lutos não elaborados poderão interferir negativamente na
relação que será estabelecida com o filho adotivo.
FÁBIO (f43) _ (...) não sou desesperado prá ter filho. Sei que requer vários
cuidados e priva de várias coisas. Então, como a gente gosta muito de viajar, a
gente provavelmente ia se privar muito disso, então...
EVA (f47) _ É! Porque a gente tem uma vida ótima...
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FÁBIO (f44) _ Eu não vejo assim, um lado ruim, péssimo de o ter filho. Tipo
assim, ah, frustração total... A gente faz um monte de coisas que com o filho
não daria.
...
EVA (f64) _ Às vezes eu até penso se faço questão de ter filho. A gente é tão
feliz sem. Será que a gente quer mesmo ter filho? Muitas vezes a gente até se
questiona, né?
EVA (f65) _ Isso fica na cabeça da gente: “Cadê a insatisfação, cadê? Faz
falta?” É estranho isso...
FÁBIO (f64) _ Eu pessoalmente já falei que eu quero muito ter filho também por
uma questão cultural, de família, coisa e tal.
FÁBIO (f65) _ Mas eu sei que vai ser complicado por que a gente vai se privar
de muita coisa. Talvez depois a gente até se arrependa. (Risos)
Para aliviar o sofrimento, o casal parece querer diminuir a
importância/relevância do filho em suas vidas, o que analisamos tratar-se de
um esforço para preservar a integridade do vínculo conjugal. Nesse sentido, a
aparente ambivalência constitui-se como uma alternativa para elaborar essa
situação da dor que a falta do filho impõe ao casal. Assim, Fábio e Eva não
ficam expostos, o tempo todo, ao sofrimento e frustração (luto), ou somente na
esperança (ilusão).
EVA (f66) _ Mas é porque a gente gosta também. A gente se bem com os
filhos dos nossos amigos. Eles gostam da gente. A gente gosta deles...
EVA (f67) _ Todo mundo diz que pesa tal, mas eu tenho na minha mente... Eu
falo prá ele que eu não vou deixar de fazer nada do que a gente faz. O máximo
que vai acontecer é que a gente vai gastar mais passagem, porque a gente vai
levar nosso filho prá onde a gente for. (...) A gente prefere pensar que vai ser
assim, e só na hora mesmo é que a gente vai saber.
EVA (f68) _Ah, eu procuro pensar que a gente vai ter filho. Eu imagino sempre
com o filho.
FÁBIO (f67) _Se a gente o tiver a gente vai adotar. Daqui uns cinco anos,
talvez.
EVA (f69) _ (...) A gente quer ter um filho. O método que vem não importa. De
repente não importa nem tanto quando, mas que a gente vai ter, a gente vai.
87
Imediatamente após os “desabafos” de Fábio, das falas do casal
minimizando a importância do filho ou que o filho pode atrapalhar sua rotina,
tentam resgatar o projeto original novamente e voltam a pensar no futuro com
filhos.
Vemos que o casal vive momentos distintos nessa vincia da
esterilidade e os tratamentos de reprodução assistida. Suas falas oscilam entre
tristeza, revolta e desânimo, e, por outro lado, esperança, manifestada nas
tentativas de não deixar o projeto do filho se perder totalmente.
Além das repercuses para o vínculo conjugal, o casal comenta como o
ficou o relacionamento com a família e a rede social.
EVA (f37) _ Depois dessa última fertilização, ninguém mais tocou no assunto.
...
EVA (f38) _ (...) A gente foi dos amigos, o primeiro casal a casar. Tem gente
que até hoje agradece porque muitos casaram porque a gente casou. E daí,
como conseqüência, vêm os filhos né? Então, querendo ou o, todo mundo
pergunta: “E vocês?” Daí todo mundo começou a engravidar. Quem casou
depois ou que nem casou ainda. E durante o processo, embora a gente não
quisesse comentar com ninguém, a gente acabava falando p todo mundo.
Quem não sabia soube.
FÁBIO (f37) _ Dos irmãos dela, a gente foi o primeiro da decidir ter filhos. E a
gente ainda avisou: “Ó, vamos ter filho”. Anunciamos. Daí a gente demorou e a
irmã dela “pá”! Fez o filho antes.
FÁBIO (f38) _ Daí o irmão dela, que também é mais velho, planejou direitinho,
daí teve também. Então, a gente acabou ficando pra trás, né? (Risos)
FÁBIO (f39) _ Acho que, como a gente chegou nesse ponto de ter que fazer a
fertilizão, as pessoas...
EVA (f44) _ Elas vêem que é mais delicado, né?
FÁBIO (f40) _ Não tocam muito no assunto, assim, tipo cobrando, não.
EVA (f45) _ Claro que sempre tem aquilo: “Vocês não o fazer filho prá
brincar com meus filhos?” Meus cunhados brincam assim.
EVA (f46) _ Principalmente os avós, nunca fizeram muita questão não. Os
avós?! (Risos). Os futuros avós, ?
88
FÁBIO (f42) _ (...) Já me deparei várias vezes... Com amigos que não são tão
próximos, tão chegados e que não estão sabendo que a gente fez fertilização e
às vezes perguntam: “E aí? Quando é que vêm os herdeiros? Quando é que
vai vir o filho?”
FÁBIO (f43) _ Na hora da pergunta eu me recordo, né? Eu me recordo das
tentativas, da fertilizão, tal. Mas assim, eu não fico chateado de falar, nada.
Eu falo normalmente: “Estamos tentando, diariamente.” Aquela coisa, né?
O casal demonstra lidar bem com as pressões familiares e sociais,
deixando entrar as cobranças externas, sem se deixar invadir por elas. Fábio e
Eva foram dando indícios para o meio familiar e social para não continuarem
perguntando e, ao que parece, foram respeitados nesse sentido. O projeto,
para o social, parece ser o de ter um filho biológico, a cultura impõe isso.
Pensamos que o abandono dessa imposição é justamente o que permitiu ao
casal criar outros projetos.
Ainda sob a perspectiva da psicanálise das configurações vinculares,
reconhecemos na dinâmica do casal (C), a estrutura vincular do tipo
terceiridade ampla, descritos por Puget e Berenstein (1993) como aquela em
que existem duas mentes discriminadas, onde cada um possui uma
representação interna do outro e a comunicação privilegia a linguagem. Como
percebemos na comunicação do casal analisado, há uma articulação das
diferenças e o compartilhar se dá sem receio de perder o vínculo. A exclusão é
admitida e elaborada, permitindo que o vínculo conjugal possa ser renovado. O
projeto vital inclui o aparecimento do terceiro, que pode ser o filho ou outro
projeto, resultante da combinação mental do par. As prováveis dificuldades,
inerentes ao processo vital e vincular, são resolvidas por concessões e
acordos, que servem de estímulo à evolução do processo vincular.
Observações da Psicóloga
O clima em que se deu a entrevista foi pautado pela cordialidade e
tranqüilidade, uma representação da modalidade de interação da terceiridade
ampla (Puget e Berenstein, 1993). Apesar do sofrimento evidente pela
ausência do filho desejado e as pressões que agora se configuram, devido às
questões reprodutivas de Eva, o casal parece estar conseguindo manter sua
integridade e equilíbrio. A aceitação, reciprocidade e interesse pelo outro,
89
caracterizam este vínculo amoroso. O casal busca uma solução para seus
problemas de forma conjunta. Quanto a mim, senti-me acolhida e respeitada.
Houve uma dificuldade inicial para marcar as entrevistas, justificados pela
inauguração de sua empresa/comércio e, tamm, como revelado na
entrevista, por que Eva estava em viagem para realizar uma consulta em outra
cidade. Apesar dessas justificativas, ficou claro para mim que havia uma
resistência do casal em participar da entrevista, algo comum a todos os casais
convidados, visto tratar-se de um tema doloroso e que refere a uma situação
em andamento, geradora de muita angústia por ainda não ter sido solucionada.
Vencida essa barreira inicial, o casal colaborou com a pesquisa e
demonstraram interesse e curiosidade pelo tema.
90
A análise e discussão dos conteúdos obtidos nas entrevistas com os
casais participantes e sua interlocução com o levantamento bibliográfico
realizado, permitiram algumas reflexões acerca dos objetivos dessa pesquisa.
Todos os casais expressaram o desejo de ter filhos, porém, a
intensidade variou de casal para casal, bem como em cada um dos cônjuges.
Em todos os casais os problemas reprodutivos estavam localizados em
um dos parceiros: Alex (Casal A), Betina (Casal B) e Eva (Casal C) e,
especialmente neles, observamos que o desejo de ter um filho foi expresso de
forma mais intensa. A responsabilidade pelo problema reprodutivo do casal
acarretou um sofrimento extra para esses indivíduos. No entanto, sentimentos
de culpa, inferioridade, baixa auto-estima, foram comuns a todos, confirmando
a profunda ferida ao narcisismo individual e do par que a esterilidade
representa.
Verificamos que cada cônjuge lidou com o sofrimento do parceiro de
forma peculiar. Ana (Casal A) mostrou-se solidária e compreensiva em relação
ao problema reprodutivo do marido. Bruno (Casal B) e Fábio (Casal C) tendiam
a minimizar o problema através da negação, racionalização, deslocamento e
ilusão, como uma tentativa de preservação do vínculo, evitando o acréscimo de
sofrimento e tensão à situação o difícil para o casal. Os discursos
contraditórios e ambivalentes dos maridos (B) e (C) em relação ao desejo de
ter filhos, à situação de esterilidade e aos tratamentos reprodutivos,
evidenciaram a dificuldade de entrar em contato com a dor que a ausência do
filho provoca.
Nos casais em que os parceiros demonstraram maior capacidade para
lidar com as próprias angústias e conflitos, e as do cônjuge, a reação à
situação de esterilidade e seus tratamentos foi mais satisfatória. Do mesmo
modo, foi possível observar que os conflitos psíquicos individuais e do casal
que estavam latentes, vieram à tona ou foram intensificados. No casal (C), por
exemplo, percebemos que houve o fortalecimento do vínculo afetivo,
possibilitando vivenciarem a experiência do diagnóstico e tratamentos contra a
esterilidade de forma continente e acolhedora. No casal (B), por outro lado, as
divergências quanto ao desejo de ter um filho, os conflitos preexistentes e a
dificuldade de entendimento, chegaram a níveis intoleráveis. O rompimento
acabou sendo inevitável, ainda que temporário, provocando assim o
91
cancelamento do tratamento que havia sido iniciado. Apesar das evidências
sobre o quão desgastante para o vínculo conjugal pode ser a experiência da
esterilidade, podemos constatar em contrapartida, que o incentivo,
compreensão, colaboração e apoio entre os parceiros podem minimizar seus
efeitos tornando-os menos devastadores.
As justificativas para o adiamento do projeto parental mantiveram-se no
âmbito da busca por estabilidade financeira, priorização dos aspectos
materiais, construção do patrimônio, dedicação aos projetos individuais e do
par (viagens, abertura de negócio próprio, compra de residência), ou mesmo o
desejo de usufruir da vida a dois por mais tempo. Esses dados ilustram
modelos de casamento pós-modernos cujas prioridades vão além das questões
domésticas, do desejo de filiação e constituição de uma família, própria dos
casamentos tradicionais.
Nos casais (A) e (B), constatou-se a opção consciente pelo adiamento
do projeto parental ao menos num primeiro momento. No casal (C), este
adiamento parece ter sido influenciado, em parte, pelo aparecimento precoce
dos problemas de saúde reprodutiva de Eva, agravados pela demora da
gravidez. No entanto, ambivalências e inseguranças quanto ao desejo de filhos
e às formas de realizão do projeto parental apareceram nos três casais, em
maior ou menor grau, dificultando a comunicação, a busca de alternativas para
a realização do projeto parental ou mesmo sua renúncia e elaboração; e o
estabelecimento de vínculo de confiança entre os casais e as equipes médicas,
impedindo a resolução satisfaria do problema.
No tocante à decisão pela vinda do filho e a busca de tratamentos, foi
possível observarmos que houve diálogo, acordos e concessões entre os
membros dos casais (A) e (C) embora os maridos tenham mostrado maior
resistência quanto a essa decisão. Nos três casos analisados partiu das
esposas a iniciativa de buscar ajuda especializada. Para os maridos, inclusive
para Alex, que apresentava o comprometimento reprodutivo e parecia motivado
a buscar uma solução, essa decisão não prescindiu de conflitos.
Verificamos a correlação entre a intensificação do desejo de ter um filho
e ao avanço da idade das esposas, tendo em vista o declínio na capacidade
reprodutiva. A diminuição das chances de gravidez, seja de forma natural ou
mesmo através das técnicas de reprodução humana assistida, desencadearam
92
ansiedade e anstia nas esposas entrevistadas. No caso de Ana e Betina o
desejo de ter um filho biológico continha expectativas de renovação do contrato
afetivo, respostas às questões edípicas e narcísicas e afirmação da identidade
e papel feminino. Betina demonstrou, ainda, a preocupação em corresponder
às pressões familiares e ao mandato sociocultural. Essas representações do
filho biológico acrescentaram perdas às esposas, aumentando seu sofrimento
psíquico.
Foi evidenciada a perda da espontaneidade e a diminuição do desejo
sexual. Os procedimentos médicos, em sua maioria, invasivos, e o uso de
medicação (hormônios), alteraram a libido e os estados de humor, provocando
intenso desgaste sico e psicológico, principalmente nas mulheres. Houve uma
diminuição da erotizão e a mecanização do processo conceptivo. A
necessidade de controle da medicação, a datação do coito, posições para o
sexo, e o pensamento constante na obtenção da gravidez, comprometeram o
prazer e a finalidade lúdica do relacionamento sexual.
Quanto ao projeto vital compartilhado, constatamos que existe uma
dificuldade de renovação e reorganização do mesmo. Os ts casais
demonstraram o conseguir abrir mão totalmente do projeto original: o filho
biológico. O casal (C) demonstrou maior flexibilidade nesse sentido, partindo
em busca da realização de outros projetos comuns (abertura de negócio
próprio, viagens, etc.). Todos os casais cogitaram a adoção como uma
possibilidade de realização do projeto parental, no entanto, ela ainda está
associada à idéia de fracasso ou mesmo ao desejo de resolver logo a situação.
Além disso, a opção pela adoção não foi consensual entre os cônjuges, sendo
que as mulheres se mostraram mais resistentes a essa idéia, justificando o
desejo de passar pela experiência da gravidez (sensações e transformações
físicas), confirmando esta experiência como um importante referencial de
identificação feminina.
As transformações no cotidiano dos casais (A) e (C) apareceram de
forma distinta. Enquanto que a situação de esterilidade e seus tratamentos
resultaram em desencontros, afastamentos e diminuição da intimidade do casal
(A). No casal (C), ao contrário, parece ter ocorrido uma maior aproximação e a
participação intensa de ambos em todas as etapas do processo. No casal (B),
embora esse aspecto não tenha sido abordado diretamente, percebeu-se a
93
falta de envolvimento do marido e sua ausência em algumas etapas dos
tratamentos sugerindo assim, um distanciamento entre o casal.
As pressões internas e externas desencadearam sentimentos de
inferioridade, inveja, irritação, descompasso e isolamento social, prejudicando a
convivência com familiares, amigos e colegas de trabalho. Nos casais (A) e (B)
os conflitos foram mais evidentes devido em parte à postura de cada um dos
njuges frente à situação do casal: a indiscrição, a falta de cuidado, o
acolhimento ao sofrimento do parceiro, o desrespeito à privacidade do casal e
laços mal elaborados com as famílias de origem. A presença desses conflitos
desencadeou angústias persecutórias e depressivas assim como o uso de
mecanismos primitivos de defesa (negação, deslocamento, ilusão e projeção).
Cada casal teve seu modo próprio de vivenciar e reagir ao diagnóstico
de esterilidade, aos tratamentos e seus resultados. Um ponto comum a todos
foi a surpresa em relação à constatação das dificuldades reprodutivas. Como
afirmado anteriormente, a concepção é considerada como um evento
normativo/presumido para a vida adulta. A esterilidade é uma situação
inesperada e, talvez por esse motivo, haja uma tendência a ser negada, num
primeiro momento.
Observamos que, mesmo quando já haviam sido submetidos à avaliação
médica, ou seja, sabiam das dificuldades reprodutivas, perdurou a
expectativa de uma gravidez natural em todos os casais, evidenciando as
fantasias onipotentes e o estado de ilusão no grupo casal. No caso de Eva e
Betina em que esses problemas foram parcialmente superados por
procedimentos e intervenções cirúrgicas, as falhas nos tratamentos geraram o
sentimento de impotência intensificado pela falta de um diagnóstico preciso que
as justificassem.
Houve uma grande expectativa e idealização quanto ao profissional e/ou
tratamentos por parte dos casais analisados. A excessiva confiança depositada
nos tratamentos, ao menos num primeiro momento, contrastava com a limitada
ou distorcida informação sobre as tecnologias reprodutivas, seus alcances e
impactos. Como exemplos, temos o interesse e esperança demonstrados pelo
casal (A) com um novo tratamento descoberto via internet mesmo sem que
este tenha sido testado, aprovado ou mesmo disponibilizado para o uso no
Brasil. O casal (C), por sua vez, teve que tomar uma difícil decisão sobre a
94
utilização de apenas um óvulo num procedimento de fertilizão in vitro, sem
ter a noção exata do que isso significava em termos de riscos e/ou resultados.
Em todas as vivências relatadas pelos casais foi possível observar que houve
um misto de esperança e desamparo em cada uma das etapas dos
tratamentos.
No contato entre os casais e os especialistas dicos, observamos a
ocorrência dos pressupostos básicos de Bion (1961): a dependência, quando
os casais partiram em busca de um médico que atendesse sua demanda do
filho biológico e tomassem as melhores e mais acertadas decisões quanto aos
tratamentos, assumindo a total responsabilidade pelas mesmas; o
acasalamento, em especial, na esperança messiânica de que o filho, o médico,
a técnica ou mesmo um milagre, pudessem livrá-los do problema reprodutivo; e
a luta-fuga, projetando o “mal” nos médicos, nos tratamentos e na exploração
financeira. Os procedimentos, as atitudes e as decisões dos médicos foram
questionados pelos três casais entrevistados, especialmente quando os
diagnósticos o correspondiam ou contrariavam as expectativas do casal, e
mais ainda quando os tratamentos falhavam. A frustração, decepção e revolta
fomentavam as angústias persecutórias levando os casais a desistirem ou
partirem em busca de novos profissionais, clínicas e/ou tratamentos.
As queixas quanto à exploração financeira, o caráter comercial dos
tratamentos e o estilo de abordagem dos médicos, foram aspectos ressaltados
pelos maridos como determinantes para a continuidade ou o dos
tratamentos. Essas observações reforçam a importância do vínculo
estabelecido entre o casal e equipes médicas, tendo em vista sua interfencia
decisiva na vivência dos tratamentos contra esterilidade e, inclusive, podendo
repercutir positiva ou negativamente em seus resultados.
Em relação às observações sobre o clima emocional nas entrevistas, e
verificamos que cada casal lidou com a presença da psicóloga e a situação da
entrevista de modo distinto: nos casais (A) e (C) houve a disponibilidade, o
interesse pela pesquisa e o acolhimento à pesquisadora. No casal (B) o contato
foi prejudicado pela dificuldade de comunicão, conflitos e desentendimentos
existentes entre Betina e Bruno. No entanto, a riqueza do material obtido nas
entrevistas revela que todos os casais se identificaram com o tema da pesquisa
confirmando assim, sua relevância.
CONCLUSÃO
______________________________________________________
95
5. CONCLUSÃO
Nesse estudo concluímos que, embora todos os casais entrevistados
tenham demonstrado o desejo de ter filhos, as condições sociais espeficas
como o acesso aos recursos biotecnológicos, a vivência de casamentos pós-
modernos, influências familiares, sociais, fatores econômicos e religiosos, bem
como os aspectos emocionais inconscientes: resistências, ambivalências,
fantasias e angústias, interferiram na realização do projeto parental.
O diagnóstico e o tratamento da esterilidade acarretaram prejuízos ao
vínculo conjugal destacando-se: a perda da espontaneidade e interesse sexual
bem como a diminuição da erotização com a mecanização do processo
procriativo; a dificuldade de reorganização do projeto vital compartilhado,
gerando a estagnação ou empobrecimento do vínculo conjugal; as
interferências no cotidiano, promovendo os desencontros, o afastamento e os
desentendimentos entre o casal.
A dificuldade ou impossibilidade da realização do desejo de ter filhos de
forma natural repercutiu em perdas ao narcisismo individual e do casal,
ameaçando o desejo de continuidade do Eu e do par.
As pressões e cobraas internas e externas, por não corresponderem
ao esperado, ou seja, tornarem-se pais, desencadearam nos casais
entrevistados sentimentos de inferioridade, frustração, inveja e irritação. A
convivência com familiares, amigos e colegas de trabalho foi comprometida,
visto a sensação de descompasso e isolamento social.
A vivência dos tratamentos reprodutivos provocou nos entrevistados um
movimento regressivo aos esgios iniciais do funcionamento mental,
caracterizado pela fomentação de angústias persecutórias e angústias de
perda, a reedição das angústias de castração e pelo uso de defesas primitivas
como a negação, projeção, deslocamento e racionalizão.
A ilusão grupal e as fantasias inconscientes compartilhadas
(dependência, esperança messiânica e a luta-fuga), prevalentes na
mentalidade dos casais analisados, dificultaram a busca de soluções efetivas
para seus problemas reprodutivos.
A expectativa e a idealizão quanto aos especialistas e tratamentos
interferiram na tomada de decisões, na persistência nos tratamentos, no
96
estabelecimento do vínculo de confiança entre os casais e os médicos, sendo
determinante para a continuidade ou não dos procedimentos.
O modo peculiar como os maridos e as esposas vivenciaram os
procedimentos de reprodução humana assistida, evidenciaram as diferenças
relacionadas ao gênero no enfrentamento da situação de esterilidade e seus
tratamentos. As mulheres mostraram maior iniciativa e persistência em relação
aos tratamentos, assim como maior desgaste físico e psicológico provocado
pelos exames e procedimentos médicos avaliados por elas como invasivos e
desconfortáveis.
O avanço na idade e os conseqüentes prejuízos à capacidade
reprodutiva feminina intensificaram o desejo de ter filhos nas esposas
entrevistadas e ampliaram os sentimentos de impotência a cada falha nas
tentativas. Houve uma maior resistência das esposas à idéia de adoção
justificada pelo desejo da experiência da gravidez, reafirmada como um
importante referencial de identificação feminino.
As reações emocionais dos maridos frente ao diagnóstico e às
propostas de tratamento contra a esterilidade foram marcadas por resistências,
desconfianças, pelo uso predominante dos mecanismos da racionalização e
deslocamento para evitar o contato com a dor pelo filho não concebido e o
acréscimo de pressões ao vínculo conjugal.
A experiência com os casais mostrou-se eficiente para a verificação da
dinâmica conjugal, das reações emocionais dos njuges em presença um do
outro e a instauração do processo associativo grupal, permitindo a escuta e a
reflexão conjunta sobre os fenômenos psíquicos envolvidos na situação de
esterilidade e seus tratamentos. Todos os casais se identificaram com o tema
da pesquisa, confirmando sua relevância. O dispositivo grupal mostrou-se
eficaz para o estudo, a análise e a interpretação dos fenômenos psíquicos
envolvidos na situação de esterilidade, possibilitando a sensibilização dos
casais.
Para além das conclusões, a partir do exposto, propomos algumas
sugestões e considerações que foram suscitadas ao longo de nosso estudo.
Consideramos fundamental a participação do profissional da área da
psicologia em todas as etapas dos tratamentos de reprodução humana
97
assistida, tendo em vista a importância e as peculiaridades do desejo de ter
filhos, as repercussões das limitações ou impossibilidade de concretização
desse desejo e os conteúdos psíquicos envolvidos nas escolhas e decisões
dos casais.
A psicoterapia, enquanto uma opção anterior ao atendimento imediato
da demanda do casal por um filho através da biotecnologia possibilita o acesso
aos significados dos impedimentos à fertilidade, evita que o pragmatismo e a
urgência se sobreponham às questões subjetivas, levando os casais a
refletirem para além das intervenções imediatas e, sobretudo, permite o
resgate do protagonismo do homem e da mulher em relação às decisões sobre
seus corpos, sua sexualidade e às formas de concepção.
A atuação do psicólogo deve incluir, ainda, o atendimento e apoio
psicogicos aos médicos e demais profissionais que compõem suas equipes
uma vez que, conforme observado em nossa pesquisa, esses profissionais se
em submetidos a uma série de demandas dos casais, às dificuldades dos
mesmos em aceitar diagnósticos e resultados desfavoráveis, além de, em
casos extremos, a revolta e frustração serem direcionados a eles. Alertamos
para o cuidado às formas de abordagem aos casais e a importância da
informação quanto às possibilidades e riscos dos tratamentos, a fim de
dimensionar as expectativas do casal para níveis mais realistas.
Tendo em vista que, na maioria das vezes, os médicos são os primeiros
a entrar em contato com os casais, é importante que levem em consideração
os fatores emocionais envolvidos na situação de esterilidade, incluindo o
encaminhamento para o atendimento psicológico na rotina dos tratamentos.
A realização e publicação de pesquisas com essa temática, o trabalho
com grupos de casais e grupos de apoio multidisciplinares, parcerias com
clínicas de reprodução humana, participação no debate acadêmico e blico
visando contribuir para o maior esclarecimento à sociedade, são alguns dos
caminhos que, sob o viés da psicologia, podemos fazer a diferença.
É importante lembrar que, independente dos motivos para o adiamento
do projeto parental, a esterilidade e as propostas tecnológicas para solucioná-
la, sempre um indivíduo ou um casal que sofre. Devemos garantir que haja
sempre o espaço para a reflexão, acolhimento e elaboração desse sofrimento.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
______________________________________________________
98
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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ANEXOS
______________________________________________________
104
ANEXO (I)
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(aos Casais Participantes - quatro vias)
Este termo é o consentimento de duas partes envolvidas em um
processo de pesquisa científica. De um lado, a pesquisadora Fátima Regina
Mibach do Nascimento, aluna do curso de Mestrado em Psicologia, da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP/SP, RA 07504764,
que está realizando uma pesquisa de mestrado intitulada: ADIAMENTO DO
PROJETO PARENTAL: um estudo psicológico com casais que enfrentam a
esterilidade”, com casais que estão se submetendo ou que tenham se
submetido às técnicas de reprodução assistida em instituições médicas,
representando, este grupo, a outra parte envolvida.
Trata-se de uma investigação que busca estudar o adiamento do projeto
parental, com ênfase na situação da esterilidade, descrevendo alguns aspectos
psicogicos e sociais que levaram o casal a não ter filhos; analisando as
repercussões do diagnóstico e tratamento da esterilidade para o vínculo do
casal e suas relações; compreendendo como o casal está vivenciando, no aqui
e agora, os procedimentos de reprodução humana assistida.
Para tal, iremos realizar uma entrevista com cada casal. Os conteúdos
das entrevistas serão gravados e a análise dos mesmos será feita de acordo
com o método interpretativo psicanalítico.
A pesquisa não oferece riscos aos casais participantes. O sigilo quanto à
identificação será mantido e somente os dados obtidos serão analisados e
divulgados na dissertação de Mestrado.
Esperamos, desta maneira, ampliar a compreensão das vivências
emocionais sobre o tema do adiamento do projeto parental, a esterilidade e os
tratamentos de reprodução assistida. A partir dos dados obtidos nessa
investigação será possível propor práticas de prevenção e intervenção, o que
trará benefícios tanto à ciência da Psicologia, quanto as atividades na
comunidade. A participação é totalmente voluntária, e vocês poderão se
recusar a participar ou retirar o consentimento a qualquer momento da
pesquisa, sem penalizões ou prejuízos.
Informamos que o projeto em questão foi analisado e aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade, que
poderá ser contatado para quaisquer esclarecimentos.
Atenciosamente
Fátima Regina Mibach do Nascimento
(019) 8199 4626
105
Eu (nome completo do participante)
Declaro estar ciente dos objetivos e métodos desta pesquisa, assim como
declaro minha participação voluntária nela, autorizando a inclusão de minha
entrevista no material da investigação, respeitadas as condições de sigilo,
privacidade, e o direito de avaliar o material transcrito, nos termos acima
descritos. Também estou ciente de que poderei me retirar da pesquisa a
qualquer momento, sem quaisquer ônus a minha pessoa.
Declaro, ainda, ter recebido uma via deste termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, na íntegra e por mim assinado.
Nome/assinatura: data:
Em caso de dúvidas ou queixas, dirija-se ao Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos Rodovia Dom Pedro I - Km 136 - Parque das Universidades
13.086-900 - Campinas - SP
Telefone: (0xx19) 3343 6777 e.mail: comitedeetica@puc-campinas.edu.br
106
ANEXO (II)
ENTREVISTAS NA ÍNTEGRA
ENTREVISTA CASAL (A)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
ANA (f1) _ Pode falar...
ALEX (f1) _ Bom... É... Foi um choque. Não esperava que eu tivesse algum
problema. Nós, na realidade... Nós adiamos nossa tentativa, porque a gente
não queria ter filho logo depois do casamento. Queríamos dar um tempo. Um
ano, dois anos... E quando nós decidimos: agora vamos! Nós interrompemos
o uso de anticoncepcional, que era o método que a gente usava e aí, no
primeiro mês, aconteceu. Talvez pela ansiedade, né? Aconteceu um atraso na
menstruação. Daí eu comprei o kit na farmácia. É a primeira coisa que a gente
pensa. O primeiro resultado deu positivo. Nossa! Deu uma emoção, as
lágrimas vieram. É um sonho que eu tenho em ser pai, né? E o sonho da Ana é
ser mãe também. Então foi assim. Daí, fizemos o exame de laboratório, de
sangue. E deu negativo. Daí veio aquela frustração! Mas pensamos: “Não, mês
que vem vai vir!” E nisso já se passaram sete anos, oito anos.
P (f2) _ Então vocês casaram dez anos e esperaram dois anos. Depois
iniciaram as tentativas de engravidar, é isso?
ALEX (f2) _ Eu não me lembro exatamente agora quanto tempo a gente... Vo
lembra Ana? Quanto tempo depois que a gente falou: Vamos ao médico para
ver se há algum problema?”
P (f3) _ Vocês não m uma noção de quanto tempo começou, comaram
a...
ALEX (f3) _ Não tenho idéia. Eu o me lembro. E no meu primeiro exame o
médico disse que a minha chance de ser pai era quase zero. O meu dico, o
urologista, que inclusive estava fazendo tratamento comigo em parceria com o
ginecologista da Ana, né? Os médicos trabalhavam juntos. Eles são amigos. E
então o meu médico me receitou uma medicação, para tomar por três meses
para fazer com que subisse a taxa de espermatozóides ao nível em que se
tinha chance para fecundação.
P (f4) _ Então, houve uma melhora...
ALEX (f4) _ Eu interrompi o medicamento, Apesar de meu médico falar para eu
não interromper né? Eu interrompi por decepção... Interrompi. E ai...
P (f5) _ Você chegou a tomar por quanto tempo?
107
ALEX (f5) _ Três meses. Três meses todo o dia.
ANA (f2) _ Era como se fosse um anticoncepcional. Todo o dia no mesmo
horário e não podia interromper.
P (f6) _ Não ficou muito claro prá mim quando iniciaram e quando pararam as
tentativas através da medicação, vocês podem esclarecer? Vocês estão
casados há dez anos, ficaram dois anos sem filhos, depois tentaram durante
um ano naturalmente. No ano seguinte foram buscar ajuda. Até aqui temos
quatro anos de casado. A medicação foi tomada por três meses. Temos então
seis anos...
ALEX (f6) _ O medicamento eu parei faz mais tempo...
ANA (f3) _ Prá mais de seis anos. Eu também tomei uma medicação na
mesma época. Só que uma só vez.
P (f7)_ Pelo mesmo período, três meses?
ANA (f4) _ o era uma vez só. Depois tinha que tomar uma injeção também,
no décimo primeiro dia do ciclo. Eu esqueci, não sei dizer o que... Qual.
ALEX (f7) _ Quem comprava era o médico dela. Um médico faria com que
minha curva desse ascendente. Pelas estimativas dele, seriam três meses de
tratamento. Quando chegasse ao pico, eles fariam com que ela também
tivesse um pico de fertilidade prá tentar... Unir o pico meu com o pico dela
(Risos). Prá daí ter a maior chance possível.
P (f8)_ E você Alex interrompeu por opção própria?
ALEX (f8) _ Por decepção. Opção própria. O médico disse para continuar
porque tinha tido um resultado até animador, do ponto de vista dele. Ele até
disse que a quantidade que eu tinha tomado, teria chance da fertilização in vitro
(FIV). A natural ele até me disse: Basta um”. Mas a chance de fecundação
natural era praticamente zero.
P (f9) _ Na FIV vocês poderiam utilizar um espermatozóide, é isso?
ALEX (f9) _Com o medicamento, o médico passou que aquela quantidade tinha
chance in vitro. Depois que teve uma melhora, né? Porque no vel que tava
antes do medicamento, ele disse que o havia suficiente. E para minha
situação, sem essa melhora que eu tive, ele disse que tem que ser aquela
fertilizão a, a... “icsis”.
P (f10) _ ICSI.
ALEX (f10) _ Que é aquela que é... É... Como...
ANA (f5) _ O espermatozóide é “injetado”.
108
P (f11) _ É “injetado” no óvulo...
ALEX (f11) _ basta um só. Um só sadio né? Mas tem outros detalhes, né?
Que é da ordem financeira, Porque da última vez que vimos um tratamento
desses, daí era exatamente dezesseis, dezesseis mil reais. E ainda assim...
Ainda falaram prá gente que as chances de dar resultado, dar certo seria de
menos de 50%. Então a gente deu uma pausa para tentar por a cabeça no
lugar e ver o que a gente faz. Bom até essa parte aí... Têm outras coisas,
outros fatores. Que aí euo sei. Você me pergunta (dirigindo-se à P).
P (f12) _ Vocês fiquem à vontade prá falar o que quiserem. O importante é
ouvir o que vocês dois sentem, quando estão falando, revendo essa história.
ANA (f6) _ Então, eu acho que até mesmo porque a medicação do Alex, na
época era... Acabava sendo um pouquinho caro, porque na época, também
me lembrando, era vinte e sete reais uma caixinha com dez. Todos os dias dez.
Então, assim, a gente parou também pela decepção. Por ter sido falado que a
gente não ia conseguir. Resolvemos parar. Pelo fato também da religião a
gente... Acreditamos muito que com um espermatozóide a gente consegue
né? Então a gente acredita que se Deus quiser dar, Ele dá de uma forma
natural. Então, que tem que parar... Vamos esperar mais um pouco. que
esse tempo tem corrido. Agora em... Este ano eu faço 35 anos. Então acredito
que fica mais difícil ainda. E assim... eu sou uma pessoa extremamente
ansiosa, extremamente ansiosa mesmo. Então, prá mim, quando atrasava a
menstruação um dia, eu queria fazer um exame. Eu já fiz muito Beta HCG.
fiz muito, muito, me decepcionando cada vez mais. Daí eu decidi que agora
pode atrasar dez dias e mais ainda. Eu vou esperar. Hoje em dia eu posso
dizer que melhorou a minha ansiedade. Relaxou mais. Relaxei.
ANA (f7) _ E também que a gente tem que mudar. Hoje eu acredito que
atrapalha também. A gente vai ter uma relação sexual e já vai pensando em ter
um filho. Então a gente só pensa, pensa nisso. Então a gente tem que ter
calma. A gente precisa conversar de modo assim... Bases mais claras, mais
normal... De modo que... Uma vida comum, né?
P (f13) _ Quando Alex decide parar a medicação, vocês conversaram, foi um
consenso? Você Ana interferiu nessa decisão?
ANA (f8) _ A minha interferência foi maior, a maior parte.
ALEX (f12) _ É, foi ela. Eu vou dizer que... Você pode até me corrigir (dirigindo-
se à Ana) se eu estiver falando algo. A questão da religião é... Ajuda, né?
Porque a gente sabe que tem uma força maior que se tiver nas mãos d’Ele que
a gente tenha filhos, nós vamos conseguir. Mas isso não impede que a gente
busque também ajuda na medicina. A medicina também foi criada por Deus.
Então não é nada errado nesse ponto.
109
ANA (f9) _ Ts anos atrás a gente foi á uma clínica. Fomos a um centro de
reprodução humana e um dos recursos que eles ofereceram, prá pagando o
valor (do tratamento), que a gente acha altíssimo, é que eu podia estar doando
óvulos para uma mulher que não tem.
P (f14) _ Ovodoação? Doação compartilhada?
ANA (f10) _ Isso. Existe essa condição. Eu teria que estar tomando remédios
para estimular. o médico estaria acompanhando naquele período. Nesse
período lá, o óvulo... Faz o ultra-som... Ai, eu concordando, nós concordando
em estar doando óvulos, ? que eu não teria contato com a pessoa. É
anônima. Tanto é que a gente viu isso. Ela, a outra mulher, receptora dos
óvulos, não falaria comigo, nem com o Alex. Apesar de a gente ter feito tudo
junto, nesse dia, tudo tal... Direitinho... Ela só falaria comigo. Só comigo que ela
falava.
P (f15) _ Ela quem, a receptora ou a clínica/médica?
ANA (f11) _ A médica, daí. A médica. que isso faz três anos. Eu digo isso
porque a gente tava de mudança na época. Fizemos o cadastro, concordamos.
Até então... Fizemos o cadastro. Aí depois, a médica me ligou: “Olha, apareceu
uma pessoa com as suas características, tal..., mas assim, se você quiser,
enfim, optar ainda, você pode falar, e a gente faria o processo. Eu não ia
pagando nada, essa pessoa que tava ganhando o óvulo. Então, não tem
que pagar. Aí, naquela correria da mudança e tal, eu não tava com a cabeça
pensando nisso. Mesmo assim a gente conversou tudo. E a gente decidiu
por não fazer. Até o Alex falou assim prá mim: “Olha eu não acho legal. Vo
vai sabendo que em algum lugar do mundo existe uma filha ou um filho seu.
com as suas características”.
ALEX (f13) _ É. Eu tenho... Veio esse pensamento na minha cabeça e...
Mesmo porque eu disse para ela... Não proibindo, não bloqueando esse
processo, né? É não sei se isso... Quer dizer... Representa um egoísmo da
minha parte. Às vezes esse pensamento de que ela estaria dando um óvulo
dela, né? o... Teoricamente, a criança que fosse nascer de outro casal, teria
o mesmo código genético dela. Se fosse possível fazer o DNA, seria filha ou
filho dela. E aí, se no nosso caso o desse certo, como fica? Porque falaram,
que a gente tinha 50% de chance de vingar.
P (f16) _ Então, sobre a ovodoação, houve um questionamento...
ALEX (f14) _ Foi mais meu. Será que você não vai ficar com esse
pensamento... Saber que teria um filho ou filha dela no mundo. Ter um filho
seu.
110
ANA (f12) _ Concordei, concordei normal. Mesmo porque a médica falou que
se a gente mudasse de idéia, que se eu quisesse ligar prá ela, poderia
continuar...
ALEX (f 15) _ Tipo assim: mudamos de idéia...
ANA (f13) _ Ela deixou a gente super à vontade
ALEX (f16) _ Eu reforço, a questão não é, o problema maior não é... Claro que
é um problema a falta de dinheiro. Mas, embora a gente não tenha 16 mil reais
agora prá bancar. Essa própria médica falou que seria tudo gratuito prá gente.
A gente não entraria com nada.
ANA (f14) _ A gente já... Eu falo que... Assim... Eu cansei de fazer exames,
exames, ultra-sonografia transvaginal sabe? Então, eu tenho uma sacola
enorme cheia, cheia de exames em casa. Aquelas coisa, de tanto querer
saber como é que tava. Porque teve uma época, logo no como, em que nós
começamos a tentar engravidar... Eu tinha o controle do exame da Prolactina
5
.
Então quando ele tava alto, ele oscilava... Daí.
ALEX (f17) _ Coisa boba, né?
ANA (f15) _ É, mas interfere, né? Quando tem o outro lado (referindo-se ao
problema de Alex). Então, eu tinha que fazer uma série de exames porque
também tinha o PH
6
. Não tem o PH da vagina tal? Que também é... É... Não
prá engravidar. Então, mil coisas assim que a gente já chorou a gente já chorou
muito, muito, muito. Teve uma época, assim... Que a última vez em que
estivemos lá nessa clínica prá levar os exames de laboratório para o
tratamento, apesar de que falaram que pgente o tratamento era a metade,
oito mil (reais), mas em cinco ou seis vezes... E pelo exame último que o Alex
fez o espermograma, também assim... O médico falou p mim que ele era
totalmente estéril: “Não vejo como mexer nesse exame.” Com essas palavras.
ALEX (f18) _ Não... Teve ainda outro médico que...
ANA (f16) _ Que foi pior ainda... Então olha... Depois até a gente comentou
isso. Então o médico falou prá mim que não tem jeito: “O único exame em que
eu confiaria seria por punção.” Aí eu... Nossa! Alex já sofreu tanto desde
pequeno com isso.
_______________________________________________________________
5 Hormônio produzido pela glândula hipófise, que estimula a produção de leite materno pelas
glândulas mamárias (Olmos, 2003). Quando elevada, pode causar a ausência de ciclos
menstruais e anovulação (Serafini e Motta, 2004)
6. PH, ou potencial hidrigeniontico: mede o grau de acidez ou alcalinidade da vagina.
111
ALEX (f19) _ É teria que “puxar” o espermatozóide de dentro do tesculo.
ANA (f17) _ diz o doutor assim: “Não, é uma anestesia local”. que daí
custa mil e quinhentos reais, além dos oito mil reais. Então, nós saímos de lá
mais decepcionados ainda. Os dois chorando, né? (Se olham emocionados).
Sentamos... O Alex chorou e chegou a me dizer que queria se separar de mim
porque ele não tinha condições de me dar um filho e eu queria um filho. eu
pensei: “Não é bem assim também, né?”. Eu quero um filho, mas... Nós dois
juntos, né? É que tem que ser. (Emão de ambos). Então a gente pensou
sobre um monte de coisas, em adoção, monte de coisas. Mas eu queria poder
gerar, poder sentir o coração né? Sentir mexer a criança, tudo aquilo que é
normal numa gravidez, né? Mas eu não sei se um dia eu vou conseguir. Eu
espero que sim... (Risos).
ALEX (f20) _ Nós passamos por tantos médicos. Eu falei agora, né? Até prá
ver opiniões de outros profissionais. Num deles, não sei, precisa citar o nome?
Acho que nem deve né?
P(f17) _ Se você quiser, fique à vontade. Os dados o sigilosos, mas o
necessidade. Só se você achar relevante.
ALEX (f21) _ Na Clínica Delta, que me falaram que era uma referência na
área... O médico foi claro e falou assim: “Rapaz, você nunca vai ser pai. Para
isso tem banco de esperma e a gente faz o procedimento tudo e ela fica
grávida.” Exatamente dessa forma.
ANA _ Com essa quantidade de esperma você o vai engravidar mulher
nenhuma mulher na face da terra.
ALEX (f22) _ Exatamente. É “você não vai engravidar mulher nenhuma na face
da terra”. ... Ainda bem que sou, apesar de ser filho de italianos, eu sou um
cara que demora prá explodir. Eu não cheguei ao ponto né? Pensei em virar a
mesa... Essas coisas. Mas ainda bem que meu lado assim tipo... Prevaleceu.
E. Saímos de lá. No momento eu não senti decepção pelas palavras dele não,
senti raiva. E aí eu já não sei se a raiva era de mim, mas querendo descarregar
nele pelas palavras que ele usou que para mim foram muito agressivas. E, a
partir daí eu, como se diz, eu deixei. Agora vamos embora, não falar mais com
ninguém. De vez em quando aparece a idéia de um tratamento, surge um
hospital...
ANA (f19) _ Pérola Biyngton...
ALEX (f23) _ rola Biyngton que vai ter um tratamento, né? Essas coisas
chegam através de amigos, familiares. Ligam lá de Brasília, de Barretos: “Olha,
tem um hospital em São Paulo”. Então, parece que quando a gente quer deixar
o barco correr... Quem sabe a gente vai fazer o ICSI... o sei, né? É duro!
Comigo, né? Tio, amigos todo dia ali falando que tem tratamento com custo
112
reduzido em São Paulo ou Ribeirão. Falam: “Alex vai atrás disso. Você
ficado velho. ficando com o cabelo branco. Vai atrás disso. Não fica
enrolando.” Porque eu sou um cara assim que vive dezoito horas por dia para o
trabalho. Então, realmente, realmente, essas coisas que a gente tenta, tenta,
até... Sabe... Esconder embaixo do tapete. Acho que é assim que eu
fazendo. Sabe... Eu, às vezes, quero ignorar isso ai, esquecer... Talvez seja
isso, né? Então as pessoas começam, a lembrar, lembrar. Então ficam
trazendo. Em relação aos amigos... Até tem um caso que foi... Aconteceu uma
brincadeira que até a pessoa, eu acho, foi infeliz em fazer a brincadeira.
Inclusive no lugar em que tava, né? No velório da mãe de um dos nossos, dos
meus amigos, amigos da época de solteiro. É: “Ô, vonão vai arrumar filho
não? Não sabe fazer filho?” Deram risada, né? eu falei claramente prá ele:
“Não”. Eles não sabiam até ai, do problema. Aí eles ficaram sem graça, mas eu
também, porque vai reativando aquela sensação. Agora eu a comentei
com Ana uma coisa. Talvez eu usando como um remédio para esse sonho
de ser pai, porque o sonho eu não deixei de ter. Eu não deixei de ter. Apesar
de ter todos esses... Eu tento esconder de mim mesmo essa, esse problema,
essa vontade de ser pai, tento esconder de mim mesmo. Eu procuro pensar em
outras coisas. Aquele prazer de pegar uma criança, né? Até eu me
emocionando... É... (Voz embargada/forte emão) A minha irmã teve uma filha
e apesar de saber que eu sou o tio, apenas o tio, aquilo que eu queria dar pro
meu filho eu dando para minha sobrinha. Então eu brinco com ela.
(Choro/tosse) É... Eu sou um cara brincalhão, né Ana?
ANA (f20) Confirma com a cabeça, também emocionada.
ALEX (f24) _ Eu sempre me dou muito bem com as crianças e a os sobrinhos
do lado de Ana. Todos gostam de mim. E, até eu não vou muito com alguns
sobrinhos, mas eles gostam de mim. E a minha sobrinha, no caso é filha da
minha irmã. Até que... É uma questão... Meu escritório hoje, onde eu trabalho
com meu irmão... Tenho um escritório, que foi montado um mês antes de
casar. É dentro de uma “sala escritóriona casa dos meus pais. E então, no
começo, a minha irmã levava prá casa da minha mãe, da avó no caso. E a Ana
cuidava dela no começo.
ANA (f21) _ Ficava o dia todo lá.
ALEX (f25) _ A gente morava perto. Não! Na época a gente nem morava perto
no começo.
ANA (f22) _ Na minha sogra tinha um quarto, e eu ficava lá...
ALEX (f26) _ A Ana ficava lá. E como eu trabalhava ali perto, no mesmo
imóvel eu ia muito lá dentro. Então eu via muito a Ana com ela. Essa condição,
eu acho que me ajudou nessa questão de aliviar esse sofrimento, né? Aliviou
porque mesmo com a consciência sempre de que ela era minha sobrinha e não
113
minha filha. Às vezes eu vejo minha sobrinha com algum probleminha, eu
fico preocupado. Eu quero, mas eu sei que eu o posso interferir na minha
irmã e no meu cunhado em relação à filha deles. Eu o posso falar: “Ó ela
com um problema, vocês não tão vendo?” (Risos) “Tem que levar no médico”.
(Risos). Eu não posso. Eu sei que o correto é eles. Mas aquela questão de
brincar, de fazer graça, às vezes então... Tudo eu tive com ela. Então eu acho
que isso teve uma... Virou um remédio, um Analgésico.
P (f18) _ E prá ti Ana? Como era?
ANA (f23) _ No começo sim! Quando ela era bebê, né? Por cuidar dela eu
tinha, assim, aquele amor, né? Aquela sensibilidade com criança. Tanto que é
assim, a gente passou algumas coisas, eu disse que na minha época não
acontecia isso. (Risos) Eu cuidava bem dela. Mas, assim, a gente, de lá prá cá,
depois de três anos de idade, criou um certo ciúmes do Alex com a menina.
Não ciúmes dele com a menina, mas ciúmes da atenção. Como eu sou muito
sozinha, eu sou muito sozinha! Ele trabalhava lá de segunda a segunda, eu fico
em segundo plano. O tempo que eu queria prá mim, o tempo prá gente
conversar, comer junto, sair. Tava sobrando mais tempo prá menina do que prá
mim. Então, eu percebi que a atenção dele estava se voltando mais para a
menina do que prá mim. Eu ficava enciumada. Eu pensava: "Poxa vida, né?
Com a sobrinha você brinca, perde tempo, mas comigo não pode. Agora
quando eu quero um tempo prá mim, não pode.” Eu fiquei meio bloqueada, não
com a menina. Agora, eu fiquei chateada porque queria atenção prá mim e não
prá ela, porque ela é sobrinha, o é filha. Então assim, criou uma certa, sabe,
distância. melhorou agora, já melhorou. Porque é assim, prá perder tempo
prá sair comigo não podia: “Ah eu não posso agora, tenho que correr para o
serviço, arrumar o serviço, tenho que trabalhar”. (Imitando Alex). Nós quase
sempre almoçávamos de porque ele... o dava tempo. Eu levantava cedo
prá tomar café com ele: “Vo toma café comigo?” Mas perder dez minutos,
meia hora com a criança podia. Então, foi criando certo... Fui ficando chateada.
Eu falava com ele...
ALEX (f27) _ Ela falava sim.
ANA (f24) _ Não adiantava nada. (Risos)
ALEX (f28) _ Eu achava até legal quando ela tava cuidando porque fatalmente
eu tava perto. (Risos)
ANA (f25) _ E agora... A única coisa que eu acho que acabou ficando um
tempo tendo que parar de cuidar dela. Era que ela ficava muito na minha sogra.
Depois que a gente mudou prá um bairro lá perto, quando eu tinha alguma
coisa prá fazer, eu levava ela prá minha casa. Posso ficar à disposição,
porque eu aqui, ela vai dormir. Eu posso fazer as minhas coisas, tal. Mas
a irmã dele não gostou. Acho que mais a minha sogra. Eu acho. Não aceitaram
114
a sugestão. Tanto a minha sogra quanto minha cunhada. Eu senti uma falta de
confiança. E isso me chateou um pouco. Então, não vou mais cuidar.
ALEX (f29) _ Isso talvez seja porque onde a gente mora é um sobrado. Tem
escadas e a minha sobrinha adorava, gostava de explorar.
ANA (f26) _ Toda criança é assim, né?
ALEX (f30) _ É.
ANA (f27) _ Mas eu ficava em cima, ? Claro! Cuidando dela. Eu fiquei muito
chateada. Poxa eu cuidei um ano, nunca teve problema. Até, a primeira frutinha
foi eu quem deu. Ou seja, quando a minha cunhada engravidou, todos os
enxovais eu ia com ela comprar. E isso pmim, por um lado foi bom e por
outro não. Eu falava p ela tudo que o bebê ia precisar com o tempo, com o
passar dos meses. Saía pcomprar tudo. Escolhi tudo, o beo, protetor de
berço, tudo, tudo. Tanto é que a moça da loja perguntou: “Você é mãe?” “Não,
não sou.” Então ela (cunhada) não sabia de nada. Tudo eu fui passando prá
ela. O que nós vamos comprar, o que o. Tudo. Sabe aqueles
macacõezinhos, tão lindos de plush, amarelinho, bordadinho? Ai que lindo!
(Faz o gesto de abraço). Eu queria tanto poder comprar prá mim. Mas como
não dava pcomprar prá mim, a gente comprava prá ela, ? Prá poder ter o
bebê. Então você vê né? Da minha parte, desde quando ela engravidou, eu
ajudei. Ai, chegou a vez de dar a primeira frutinha, uma pêra. A minha cunhada
foi tirar, raspar a fruta e tirou um pedaço grande, e eu disse: "Não, não!
Cuidado ela vai engasgar. Toma cuidado!” (Risos) “Tem que ir raspando prá
dar prá ela sabe?”
P (f19) _ Você Ana falou de um sentimento ambíguo. Estava envolvida com os
cuidados do bebê, mas elao era sua...
ANA (f28) _ Eu sofri muito viu. Por que... De vivendo essa situação. De
saber que eu o tenho filho e... Tipo, meu pai (Emão/Choro) que eu queria
muito dar um neto prá ele. Eu não sei se isso o faz parte. Meu pai que dizia
que eu era a filha que ele mais... Falava que o casamento que ele mais gostou
foi o meu, que ele mais se orgulhou foi o meu, né? Que as outras filhas
casaram gvidas, elas sofreram com os maridos. Que o genro que ele
gostou... E o meu pai faleceu sem que eu pudesse dar a ele o neto que ele
sempre quis. Isso doeu muito prá mim. (Choro). Eu queria muito sabe? E
depois foi a minha mãe (Choro). Tá fazendo seis meses que minha mãe
morreu. Aquilo foi muito prá mim. Eu falava muito prá ela que eu queria ser
mãe. Ela dizia: “Se você soubesse o quanto é bom, não ia querer ter.” Ai eu
dizia prá ela: “Você teve oito, mãe.” (Risos) Ela chegou a ter nove filhos, mas
um morreu. “Você teve oito, oito, e eu quero ter um, só um. Então ela falava:
“Então Deus vai te dar um.” Eu sinto muito porque eu não pude proporcionar
isso pela. Porque ela sabia que era o sonho maior meu. Então esse dia das
115
mães agora vai ser muito especial. O primeiro sem... Eu até falei prá ele Alex
que nesse dia das mães ele tem que avisar... Porque sempre a gente ta na
família dele, final de ano, dia das mães. Tem que avisar que nesse ano eu
queria passear, fazer alguma coisa, porque eu preciso. o Alex disse que
teria que falar com a mãe dele. Então, quando chegar o dia mais próximo, eu
preciso que ele fale com a mãe dele porque eu preciso sair. Deixa prá falar
mais perto do dia que ela vai entender. Porque esse é um dia triste em que eu
não tenho mãe e nem sou mãe! Por mais que eu falasse alguma coisa do Alex
a minha mãe sempre ficava do lado dele. “Não fica do lado dele mãe” Eu dizia.
(Risos)
P (f20) _ Havia uma expectativa por parte do teu pai em relação ao casamento
de vocês, a vinda de um neto.
ANA (f29) _ Não é à toa que eu tô tomando antidepressivo.
P (f21) _ Tá tomando há quanto tempo?
ANA (f30) _ Eu tomando há três meses. Eu vou ter que voltar lá agora prá
tirar, mas eu tô me sentindo ótima. Tá tão bom! (Risos)
P) (f22) _ Vocês fazem algum tipo de terapia, acompanhamento?
ANA (f31) _ Eu comecei com a psiquiatra. Por causa dessas coisas, da morte
da minha mãe. Eu acho que sendo ótimo, que eu tô dormindo demais,
né? (Risos). Quando eu comecei a tentar engravidar. Até então eu não sabia
que eu não poderia... Que a gente teria esse problema. Até tem uma coisa.
Quando eu tava tentando engravidar, eu tinha uma amiga no trabalho que tava
grávida. A gente chama de Penina
7
, que era uma mulher da Bíblia. Ela tinha
uma barriga linda. Essa amiga do trabalho judiava muito de mim. Ela era uma
Penina na vida da gente. Então essa amiga ela ficava no serviço... Ela era uma
grávida muito bonita, tinha uma barriga linda. Então ela vinha, passava a mão
na barriga, ficava perto. Ficava falando coisas da gravidez. Então prá mim foi
bem difícil.
ALEX (f31) _ Ela sentiu como uma provocação.
ANA (f32) _ Uma provocação, como se fosse uma provocação prá mim.
_______________________________________________________________
7. Penina é uma personagem bíblica do Antigo Testamento, mencionada no livro de I Samuel
como uma das esposas de Elcana que foi o pai do profeta Samuel. Segundo o texto Bíblico,
Penina era fértil e tinha filhos enquanto a outra esposa, Ana não gerava descendentes para
Elcana. No entanto, Ana era mais amada do que Penina. Num determinado momento da
história dessas duas mulheres, Deus cura a esterilidade de Ana e ela passa a gerar filhos
tornando-se a mãe de um dos mais grandiosos heróis da história de Israel.
116
P (f23) _ Essa colega sabia do teu desejo de ter filhos, da tua dificuldade?
ANA (f33) _ Sabia até demais.
ALEX (f32) – Inclusive ela sabia até demais. Sabia demais...
P (f24) – Como assim sabia demais?
ALEX (f33) Muitos detalhes, que eu acho que ela não deveria saber. Até
aquele problema que eu tinha. Não devia falar disso. Porque tem algumas
coisas que a gente não precisa revelar pros outros. A gente até concorda aqui
porque é um trabalho importante, ? Então, mas tem alguns detalhes que a
gente... Fora aquele episódio com meus amigos, a gente não fica comentando
com todo mundo né? Apesar de...
P (f25) – Poucas pessoas sabem, então?
ALEX (f34)Apesar de que, os familiares sabendo, (Risos) quase todo mundo
sabendo, mas é, é uma... A Ana tinha muita consideração por essa colega
de trabalho. Essa pessoa usou, acho que, essa consideração, de forma
agressiva, de forma, e ela... Como a Ana falou né? Passar a mão perto dela
não é provocativo, pode ter acontecido. Até a Ana chegava em casa do
trabalho e começava a falar quase chorando que quando ela estava num lugar
que podia fazer isso essa colega acariciava e falava prá Ana: “Olha que
barriga linda”. Sabendo que a Ana queria também e que nós... Não é... No caso
ela sabia que eu tinha problema.
P (f26) – Ana comentava com ela...
ANA (f33) _ Sim!
P (f27) _ Você Ana chegou a falar prá ela como se sentia?
ANA (f35) _ Não, não. Eu guardei prá mim.
ALEX (f35) _ Guardou prá ela.
ANA (f36) _ Eu não seria capaz de falar uma coisa assim, porque sou muito
preocupada com as pessoas. Então eu não falo. Por exemplo: se eu falo com
você e você de um jeito e depois de outro, diferente, eu vou logo
perguntando: “Tá chateada com alguma coisa? Eu fiz alguma coisa?”
ALEX (f36) _ Então foi assim, um período de tortura para Ana, creio eu né?
Acaba atrapalhando também com a gente em casa. No momento, apesar de eu
agradecer a Deus porque a Ana nunca brigou comigo por causa da minha
situação. Choramos juntos, a gente tem esperança junto... Às vezes não
entramos muito em acordo em relação aos tratamentos (Risos) não é? Porque
teve um das vezes, nós fomos numa clínica, que até a Ana começou a falar do
médico dela, uma pessoa boa, uma pessoa muito boa, que ele aconselha
117
muito, incentiva a gente. Ele falou assim: “Ó, chega de vocês ficarem fazendo
exames... chega.(Risos) “Vocês vão combinar agora, e vai dar certo, vai dar
certo. Vocês vão ter os filhos de vocês. E vão trazer o filho de vocês aqui prá
mim. Ai, eu vou fazer o pré-natal.” Né, Ana? Ele é uma pessoa, bem assim,
positiva.
ANA (f37) _ Ele chegou a falar que o final do ano, meu presente de Papai Noel
prá ele seria que eu engravidasse. (Risos)
P (f28) _ Isso foi recente?
ANA (f38) _ Não já faz uns dois anos. Só que o presente tá demorando né?
P (f29) _ Você continua indo nele?
ANA (f39) _ Continuo.
P (f30) _ Então vocês estão dizendo que da rede social, profissional, família...
Enfim... Essas coisas chegavam a vocês como provocão, uma pressão, um
sofrimento a mais?
ANA (f40) _ É até mesmo quando eu vejo uma reportagem de uma mulher que
jogou uma criança no rio, que não quer a criança, eu falo: “Meu Deus, como é
que pode, eu quero tanto um, prá mim, né? pmim.” Como é que têm
pessoas que fazem isso, né? Não é possível! Ah! Sinto um... Acho que uma
revolta muito forte. Revolta o é a palavra, mas assim... Não sei, não sei qual.
Como é que pode a pessoa fazer isso e eu quero tanto um e não posso?
ALEX (f37) _ Não compreende.
ANA (f41) _ Incompreensão... Essa palavra é melhor. Acho que revolta...
(silêncio). Já passei noites chorando, madrugada, orando a Deus, prá Deus nos
dar essa criança porque, prá eu preencher o vazio que eu tenho. Até o ponto
que eu ia falar... A minha e que faleceu... Até... Como Alex falou: “Ela
perdeu a mãe”. E com o filho eu poderia esquecer um pouco da dor.
P (f31) _ Como assim?
ANA (f42) _ Não... Assim, como eu queria dar esse neto prá ela e isso não
aconteceu, então, hoje... Que melhorasse o sentimento. A perda da mãe eu ia
podendo preencher com o filho. Porque tá dicil prá gente ver tanto bebê,
tanta criança. Até, minha cunhada tem um bebê que vai fazer um aninho agora
dia três de maio.
P (f32) _ Por parte da tua família, do teu lado...
ANA (f43) _ Da parte minha. E ele é bem loirinho, igual a Alex assim, de olho
azul. Eu falo assim prá minha cunhada que “vou roubar o seu nenê”. Porque
ele é loirinho do olho azul, branquinho, lindo. Igual ao nosso bebê.
118
ALEX (f38) _ então é um aspecto interessante, né? Esse sobrinho não
teve o mesmo efeito que a minha sobrinha. Não sei...
ANA (f44) _ É. Quando a gente vai lá, ele não é de pegar, de brincar, não é
muito. Só com os outros, adolescentes que ele brinca, conversa. Com os
menores não.
ALEX (f39) _ São os outros irmãos dela, né? Sobrinho do lado de tem um
monte. É eu acho, não sei se isso é importante, mas eu não sei por que esses
outros sobrinhos, até por ter a idade parecida com a da minha sobrinha... Não
teve a mesma afinidade que eu tive com ela. Talvez isso seja um problema
(Risos). Parece que eu querendo ficar... Ele lá eu aqui. Não éo é
antipático, chato. Mas isso é só uma observação... Não sei.
ANA (f45) _ É. Eu falei pro Alex que a gente tinha que comprar um presente
para esse meu sobrinho menor que vai fazer aniversário. Ele é que... Eu não
trabalho. Então... Sei lá, alguma coisa, né? A gente não comprou nada, fica
chato! Eu sinto... Não sei. Eu tenho dois pontos ainda... Não sei se é
importante. Tenho dois pontos... Que o Alex é uma pessoa muito família. Ele
é... Ele até falava prá mim que ele foi criado assim e que eu tenho que
tolerar. Mas acho que tudo tem um consenso. Tem que ver. Eu acho que
tolerei bastante. Ele sempre junto da família. Ele trabalha lá, traz os
problemas de lá. Daqui prá lá e de prá cá. A mãe dele é extremamente
curiosa em tudo. (Risos) Às vezes eu costumo brincar que ela deve saber até o
número de relações sexuais que a gente tem. Ela sabe de tudo, tudo, tudo,
tudo. Eu acho até que ela faz uma provocação... Tipo, falar algo da vida dele
que eu não saiba né? Tipo assim, mostrar que tá por dentro de tudo, todos os
assuntos. É isso que eu sinto. Então assim, ele muito lá, muito e eu fico
muito só. Então eu... Ele fala: “Ó eu vou almar lá na mãe.” Então, isso prá
mim... Hoje eu não tenho muita vontade. Que eu queria fazer algo diferente,
sair um pouco. Quero puxar o Alex prá ficar mais em casa. Eu não faço mais
nada na minha casa. Ele fica sempre lá, sempre lá. Então é um ponto que me
chateia. Talvez até... Eu fico chateada com essa história dos meus sobrinhos,
porque é lá, só lá. Chegou até uma vez que eu viajei... Todo o final de ano,
muitos finais de ano eu viajei pcasa dos meus pais, que o o... que não
eram daqui, sozinha porque ele não queria ir comigo.
ANA (f46) _ Agora outra parte que eu queria falar... A gente viu recentemente,
quando eu tava na Internet. É que saiu um novo tratamento prá engravidar. É
como uma cápsula. Porque antes teria que tirar os espermatozóides, separar
os bons dos ruins, colocar com o óvulo e levar para o laboratório, e, depois de
um tempo, colocar dentro... E agora é uma cápsula onde se coloca o
espermatozóide dentro dessa psula e coloca dentro de mim. Sou
acompanhada e, uns três dias depois, colocam essa cápsula... Eu vou para um
médico para tirar a cápsula e deixar os espermatozóides...
119
ALEX (f40) _ A gente te manda... Informações pela Internet.
ANA (f47) _ Eu te mando e.mail.
P (f33) _ De qualquer maneira, ainda não está disponível, ainda não se tem
acesso.
ALEX (f42) _ Surgiu uma esperança, mais uma, né?
P (f34) – Vocês chegaram a conversar com um médico sobre isso, esclarecer...
ALEX (f43) _ o porque ainda não ... É uma coisa muito nova. Quem sabe,
né? Ajuda. É uma coisa que acende de novo a esperança. Apesar da fé,
quando a gente algo mais concreto, mais... Essas evoluções da medicina
que vão nos ajudar.
P (f35) _ E pás tentativas pelos métodos naturais? Como ficou o
relacionamento sexual?
ANA (f48) _ Eu..., como eu já falei né? Acho que a gente pensa só em ter filho,
em ter filho. Nós só pensamos nisso. Só que assim, eu, eu acho o Alex é um
pouco assim, desinteressado de relação sexual. Eu acho super estranho isso.
Apesar de eu não ter... Não tive outras relações sexuais, então o sei né?
Não tive outra experiência, então não sei se isso tem a ver. Eu ouço as amigas
falarem: ...“Ah meu marido... Eu não agüento maisNem todas, mas... Ele é
uma pessoa muito desinteressada e isso me afeta, porque eu penso: “Será que
eu bem?” Eu penso em vestir alguma coisa prá ver se, né? Não sei se é o
trabalho dele que deixa ele um pouco estressado, cansado. Ele chega em casa
cansado. Isso eu digo, todo dia cansado. Fico chateada, né? Pôxa, será
que... Como é que a gente vai ter filhos desse jeito? Eu o sou uma pessoa
que... Muito assim também, não. Eu sou uma pessoa calma. que assim eu
acho que... Como a gente tem na mente aquilo de que quer ter filho, eu tento
procurar mais ele.
ALEX (f44) _ Mas eu acho que quando a gente passou a saber que existia o
problema, eu acho que teve um esfriamento da nossa parte. Não da parte dela,
vamos supor... Do lado dela não. Acho que isso aí ajudou um pouco eu mesmo
me desvalorizar. Sei lá, pela falta da capacidade reprodutiva, talvez eu tenha
me sentido é... Menos homem, né? Isso aí é uma coisa que eu acredito porque,
como ela Ana até falou... No meu trabalho eu... Como eu quero fugir desse
problema... Porque eu quero ser pai. (Emoção) Quando eu começo a falar que
quero ser pai, eu começo a me emocionar. Então eu procuro colocar um monte
de terra em cima desse problema. Nisso entra o meu trabalho, eu uso isso...
ANA (f49) _ Fala o nome da sobrinha.
120
ALEX (f45) _ Diversas coisas prá tentar enterrar. Então eu procuro, quando a
gente... Como a Ana falou, a gente passou a ter um “tempo sexual” quase que
programado prá ter um filho. Então usava até o período mais fértil. Dessa forma
fez com que toda a parte do relacionamento do casal... Sempre em cima do
pensamento da fecundação. Ficou em segundo, terceiro, quarto plano. E
acredito que isso também afeta por causa de não ter tido o resultado até hoje.
Assim, fracasso, ? Vamos fala a palavra correta... Talvez tenha feito assim...
Da minha parte. Ela reclama com razão. Esse excesso de trabalho... Como eu
falei prá você, eu trabalho por conta. Algumas pessoas falam: “Ah você
trabalha por conta, pode fazer seu horário, você não tem chefe.” Imagina! Eu
tenho vinte, trinta chefes e cada um deles acha que tem razão. E eu tenho que
administrar todos para eles não entrarem em conflito e eu ser bombardeado.
Então a pressão é alta no meu trabalho. Eu abraço o meu trabalho prá tentar
esconder de mim mesmo o problema. Isso esme prejudicando. Aumenta o
problema porque prejudica o relacionamento sexual, também com relação à
atenção, companheirismo, com a minha esposa que eu tenho que ter. Estou
devendo né? Então, aquele problema que é a infertilidade que o médico falou
prá mim, que eu nunca vou ser pai... Tudo isso gerou, está gerando outros
problemas. Porque se eu nunca conseguir resolver, ou com tratamento de
fertilizão... Conseguir o filho, talvez eu vá ter outros problemas maiores.
P (f36) _ Quais?
ALEX (f46) _ Ah, acho que...
ANA (f50) _ A obesidade, né?
ALEX (f47) _ o, eu não ia dizer a obesidade, que eu acho que é de eu ficar
tanto tempo sentado na frente do computador, trabalhando. Não faço
exercícios... É natural engordar, pelo menos eu acho. Eu não tenho tempo de
fazer exercícios.
ANA (f51) _ Mas, assim, ele não se cuida muito. Gosta de comer. A obesidade
ajuda na infertilidade.
ALEX (f48) _ É prejudica, prejudica. A gente tá toda hora procurando na
Internet. Hábitos de vida, dormir pouco, comer demais, faltam exercícios, são
fatores que contribuem para um problema que eu tenho. Prá aumentar o
problema. E eu acho que no futuro, se eu não conseguir realizar o sonho de ser
pai, eu acho que vou ter uma cobrança muito maior de mim mesmo, comigo
mesmo: “porque eu não consegui ser pai?”. E ai eu vou, sei lá... Daqui uns dez,
vinte anos, eu não vou mais conseguir ser pai mesmo. Pelo menos é a
minha idéia. E ai como vai ser a minha vida? Como é que eu vou me cobrar em
relação a isso. Então, prá não explodir aquilo, prá mim uma bomba, eu enterro.
que eu enterro onde não podia. A pressão vai aumentando, aumentando.
Eu procuro o olhar. Eu sempre olhando pro lado oposto desse problema.
121
Então o lado oposto, eu mergulho no trabalho. Graças a Deus eu não tenho
nenhum vício de beber, fumar, usar drogas. O meu vício... Vamos falar assim,
é o trabalho. Eu mergulho nele, naquele ambiente de trabalho. E ai eu fico
devendo na parte do relacionamento sexual, fico devendo na parte do
relacionamento afetivo, companheirismo, tudo isso. Então, a gente
conversando aqui, eu começo até (Risos) começo a ver que esse problema
está me gerando um leque de problemas. Eu me vejo assim, tipo numa
encruzilhada e eu preciso pegar um caminho, tomar um rumo. Não posso ficar
esperando aquela panela de pressão explodir. O que fazer? eu também não
tenho uma resposta. Continuar? Ir atrás dos tratamentos? Mesmo sabendo que
a um custo elevado e que eu tenho poucas chances, conforme foi falado prá
mim: “Não é que você vai fazer um tratamento que vai ser pai.
Silêncio
P (f37) _ Agora que estamos chegando ao final da entrevista, vocês gostariam
de acrescentar algo mais sobre o que os levou a adiar a vinda do filho, a
experiência da infertilidade, sobre os tratamentos, enfim?
ANA (f52) _ A gente namorou cinco anos. Engraçado que quando ele
comentou comigo, na época em que a gente namorava dos tratamentos que
tinha feito, eu falei pele: Mas será que você vai poder ter filho?” sabia da
história dele. eu falei assim: “Será que vo não vai poder ter filho?”. Ele
falou: “Olha, quando eu fiz os exames, depois de todos os tratamentos, eu fiz
exames e o espermograma deu normal.” Ele falou, mas eu não sei se ele falou
a verdade na época. Se o. Não sei se pode ou não. Então tá. Mas eu tinha
algo em mente. Parecia que não. Sabe assim? Parece que... Mas isso não, não
interferiu porque eu gostava dele, sabe assim? Eu gostava dele. Normal.
Naqueles dois anos que nós esperamos, a gente queria ter filhos, mesmo
porque eu gosto muito de criança. que eu acho que, eu acho que era até
questão financeira.
ALEX (f49) _ É. No começo do casamento a gente teve uma turbulência que a
gente não esperava...
ANA (f53) _ Exatamente. Problema financeiro. A gente casou e, as coisas que
estavam indo tão bem... Bastou a gente casar que a coisa desabou.
ALEX (f50) _ Meu trabalho deu uma mudada. A gente estava subindo, de
vento em polpa”. Até o ponto de eu sair p fazer os pagamentos, depósitos.
“Ah sobrou dinheiro. Acho que vou ver um carro.” Acabei comprando um carro.
Na época, sem planejar. Eu fui lá na concessionária, escolhi o carro e comprei.
Não à vista, prestações. Deu prá comprar. Isso porque a agência era na frente
do banco, a concessionária era na frente do banco. Atravessei a rua e comprei
o carro né? E eu tava indo super bem, bem próspero. Mas assim que a gente
casou... Falaram até em maldições...
122
P (f38) _ Maldições?
ALEX (f51) _ Ah! Falaram que tinha uma história, um tipo de maldição... Que
meu pai tinha que perder tudo. E que todos os descendentes iriam passar por
essa maldição, né? Coisa de antigo. Foi uma praga. Mas daí como a turma se
apega muito a essas coisas... Isso não tem nada de... Mas existe, né? A
minha mão falou prá Ana: “Vocês não vão casar agora. Espera mais um pouco.
Eu não quero ver gente cobrando na porta da casa de vocês” E, não aconteceu
isso, mas quase.
ANA (f54) _ Parecido, né? Parecido.
ALEX (f52) _ A situação... Nós casamos... Até no começo a Ana falava prá mim
que a gente tinha ficado naquela situação até pelas palavras da minha mãe.
Então, tipo... Nosso começo foi assim bem ruim mesmo. Ana perdeu o
emprego que ela tinha. Ela perdeu o emprego de forma inesperada. Ela atuava
em outra área, administrativa, e tinha um emprego muito bom mesmo. Ela
perdeu o emprego de uma hora prá outra. Eu, a minha empresa entrou em
colapso praticamente. Eu tive que vender quase toda a estrutura da empresa
prá sanar dívidas. Dez anos atrás eu tava devendo 50 mil reais, em dívidas.
Então foi bem difícil, né? Então, talvez até por causa desse momento difícil... E
também, também porque a gente queria curtir um pouco os dois... Mas
também foi mais pela parte financeira mesmo.
P (f39) _ Então vocês namoraram cinco anos, falavam em ter filhos...
ALEX (f53) _ Sim, sempre foi meu sonho ter filhos.
P (f40) _ E foi em seguida ao casamento que aconteceu tudo isso?
ALEX (f54) _ Às vésperas do casamento. Antes da cerimônia. Até meu pai
falou assim: “Vamos adiar o casamento”. “Como adiar pai? tudo feito,
convite, sicos, padre”. O meu sonho era casar e ter uma orquestra, né?
Desde pequeno... Esse negócio de ter um toca disco lá, isso eu não quero não,
né? Eu não tinha nem dinheiro prá viajar. Com a viagem paga, a viagem paga,
nós não tínhamos dinheiro prá levar. Foi assim bem... Mas deu tudo certo. A
gente não levou muito dinheiro, mas deu prá consumir um pouco. Demorou uns
dois anos prá gente se recuperar né?
ANA (f55) _ Foi aquando nós saímos do primeiro lugar onde s moramos,
logo que nós casamos. Lá era ótimo
ALEX (f55) _ A gente morava num lugar bom. Saímos dali e...
ANA (f56) _ As coisas foram melhorando...
ALEX (f56) _ Devagar, devagar. Agora, graças a Deus, parece que...
123
ANA (f57) _ É. Eu perdi o emprego, né? Na época era o bom quanto o dele.
Fiz esse curso de enfermagem. Agora acho que... Estamos nos recuperamos,
com sacrifício, mas mesmo assim dando prá manter.
ALEX (f57) _ Agora eu acho que a maior razão prá gente adiar filho foi por
causa dessa situação que a gente passou. Mas aí, como a gente te falou
antes... Logo no primeiro mês que a gente tentou atrasou. No primeiro mês.
Quer dizer, criou uma expectativa: “Meu Deus, já?!” Não esperávamos que
fosse acontecer no primeiro mês.
ANA (f58) _ Uma coisa que a gente deseja há tanto tempo...
ALEX (f58) _ não era ainda, não era... Ai foi um mês, dois meses, três
meses, seis meses, até um ano eu ficava ansioso: “E aí? Já? Não, ?” Aí ela:
“A menstruação veio.”
ANA (f59) _ Prá gente é mais difícil, né? Prá quem é mulher... É um sinal.
Silêncio
ANA (f60) _ Outra coisa que eu me esqueci de mencionar, que desde... Acho
que faz dois anos... Nossa passa o rápido que a gente... Que eu fiz exame e
eu descobri que eu tenho um mioma. Ele é pequeno, mas ele o médico falou
que isso não vai influenciar: “Porque no lugar em que ele está não vai te
influenciar”. Mas na cabeça da gente, a gente coma a pesar: Ai! Mais um
impedimento.” Não é assim?
ALEX (f59) _ Inclusive o foi esse mioma que ele... Você foi fazer um ultra-
som e o médico ficou preocupado, achando que poderia ser até uma gravidez.
Você falou que...
ANA (f61) _ Não, é que eu tava com uma dorzinha, uma dorzinha, e... Dor, dor,
dor. E o médico foi ver. Ele disse que o ovário tava maior que o normal, que
eu não tinha menstruado. Que podia explodir tal, por que...
ALEX (f60) _ Passar mal na gravidez, né?
ANA (f62) _ Tava oscilando. Num mês ovulava, noutro mês não. Daí, como
isso me ocorreu... Podia obstruir. Eu menstruava, e outro mês não... Mas o
mioma reduziu, naturalmente.
Silêncio
P (f41) _ E daqui prá frente o que pretendem, como se imaginam?
ANA (f63) _ Que eu tenha um filho, né? (Risos)
ALEX (f61) _ É.
124
ANA (f64) _ E feliz, porque eu acho que isso é um sonho, acima de qualquer
outra coisa prá nós. Uma prioridade. Mais do que ter algo próprio prá gente,
que a gente ainda não tem. Eu acho que, talvez pela emoção de estar grávida,
ter um filho é algo maior do que ter um imóvel. Acho que é um sonho tão
grande, é uma coisa tão... Que parece mais dicil, que a gente também vê
que vai ser um milagre né?
ALEX (f62) _ A consciência que nós temos é que, se realmente vingar, na
mão de Deus nos dar esse nosso...
ANA (f65) _ Vai ser tudo, né?
M1) (f63) _ Esse é o maior sonho nosso hoje.
ANA (f66) _ Tanto como um sonho concretizado, como no lugar da mãe que eu
perdi. Uma companhia por eu estar só. Primeiro por mim... Depois pelo vazio,
pela mãe. Mas eu também acho que eu tendo um filho ele Alex talvez fosse
mais presente. Eu sinto o Alex muito ausente.
ALEX (f64) _ Prá mim, ser pai... Indescritível! Eu não consigo te explicar, não
sei. Se você (dirigindo-se à P) me fizer pensar muito vai ser... Eu vou chorar.
Não sei, acho que vai ser uma forma de extravasar amor, não sei. Acho que eu
vou ser o pai mais bobo do mundo. Eu vou querer ser o mais amigo também.
Vai ser algo precioso na vida da gente. Eu não tenho palavras prá falar... É
indescritível! Comprar... Como a Ana deu o exemplo de comprar uma casa, que
a gente não tem ainda... Em breve, se a gente tiver, vamos ter. Algo que...
Normal. o tem nada em comparação a filhos, em alegria. Não tem! Não tem
comparação a isso. Nada!
ANA (f67) _ Hoje tem o cachorro, o é filho, mas... Ajuda... (Risos)
125
ENTREVISTA CASAL (B)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês, ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
BETINA (f1) _ Por enquanto tem sido muito frustrante, né? Porque nada deu
resultado. Então, eu vejo assim como um processo bem frustrante.
Silêncio
BETINA (f2) _ E p ti? (Dirigindo-se ao marido e batendo a mão na perna
dele.)
BRUNO (f1) _ Eu vejo o seguinte. A gente faz uma coisa ela pode dar certo,
pode não dar certo. Então eu vejo como uma coisa que nós fizemos e que
infelizmente não deu o objetivo que nós queríamos. Mas eu acho que eu trato
isso de uma forma mais... Eu sofro bem menos do que ela. Eu acho que eu sou
mais racional nesse ponto e ela... Eu acho que a carga, o problema psicológico
fica bem mais com ela.
P (f2) _ Ela demonstra mais?
BRUNO (f2) _ Demonstra não, ela... Ela...
BETINA (f3) _ É porque no nosso caso o Bruno não faz muita questão de ser
pai. Então eu acho que é por isso que eu sofro mais, porque eu quero muito.
Então eu percebo até que foi esse um dos motivos que a gente adiou a
gravidez. Foi porque ele nunca mostrou muita vontade. Era sempre: “Ah, daqui
a dois anos a gente..., daqui a dois anos, daqui a dois anos, daqui a dois anos
e eu 37, né? Eu disse: “Não, peraí! Eu não tenho mais idade pficar daqui
dois anos, e engravidar, né? Aí começamos a correr atrás.
BRUNO (f3) _ Nós nos conhecemos em 94. Na época s fazíamos Academia
da Polícia Civil. Nós começamos a namorar ali. E namoramos uns dois anos e
meio, depois noivamos e casamos em 97. Na época a Betina tinha 28 e eu
tinha 27. E aí o nosso planejamento era primeiro nos estabelecermos
financeiramente, tudo. Ter uma condição prá posteriormente ter o filho. que
o tempo foi passando e a gente foi adquirindo umas coisas. Mas ao mesmo
tempo em que a gente adquiria algumas coisas, gerava a necessidade de
adquirir outras. Então, entramos num processo em que a gente ia ter cem anos
e não ia dá prá ter o filho nunca, né? E a Betina também tava chegando... E prá
mim, particularmente, não é que eu não queira ter filho, mas não é uma
necessidade... Eu não me... Não seria um objetivo de vida ter um filho. Se
acontecesse dela engravidar eu ia ficar feliz da vida. Tudo bem. Ia ter o filho.
Mas eu não paro e fico pensando: “Meu Deus eu não tenho um filho! Ai que
falta me faz um filho!!” Não é um algo, como se fosse assim..., físico, uma
necessidade física, né? É como...
126
BETINA (f4) _ E nem psicológica, né?
BRUNO (f4) _ E nem psicológica. Não há necessidade física, nem psicológica.
BETINA (f5) _ Ai eu interpreto como: “ele não quer ser pai”, né? Porque quando
tu queres uma coisa, tu sentes uma necessidade psicológica e física da coisa.
Porque tu queres, tu desejas aquilo, ? Eu entendo assim. Quando eu
percebo (o desejo dele) é de forma assim negativa. Ele dizendo que não quer.
Ai ele diz: “Ah, não sei por que gastar tanto dinheiro. Não sei por que sofrer por
uma coisa assim. Ah, se não vier não veio!” Então, prá mim, ele dizendo
assim: “Vamos tocar prá frente que o tem problema se não tiver filho.” Prá
ele, né?
BRUNO (f6) _ É, é esse mais ou menos o meu pensamento.
BETINA (f6) _ Só que prá mim...
BRUNO (f7)_ Viver a vida, se engravidar engravidou. Se o engravidar...
Fazer o que? Vamos vivendo o que...
BETINA (f7) _ Mas ai eu tento convencê-lo de que se ele pensa assim é porque
ele não deseja ter um filho. Então eu digo: “Tu até dizes que queres ser pai,
mas tu não desejas ser pai.” Quer ser pai se acontecer...
BRUNO (f8) _ Não, eu discordo dela no seguinte sentido: eu quero ter, mas eu
não disposto também a... Em tese, o meu desejo é bem inferior ao dela. Mas
não é que eu não queira. Pode ser que tu queiras uma coisa, mas o que tu
disposto a dar por essa coisa, desprender tempo ou forças prá isso, não seja...,
Seja menos do que outra, daquele que vai desprender mais tempo p isso.
Não é que eu não queira, mas não é meu objetivo de vida, a princípio, isso. Eu
gostaria de ter um filho, mas não acima de qualquer coisa. Digamos assim.
Claro que se tivesse vindo naturalmente, eu ia adorar o meu filho, ia amar o
meu filho. De repente também me realiza... Mas como não veio... eu não fico...
Eu não chego em casa e fico pensando: “Meu Deus eu não tenho um filho
ainda. Meu Deus que bom seria se eu tivesse um filho. Ai, eu sinto tanta falta
do meu filho, de uma pessoa prá tá do meu lado.” Não é uma coisa que...
BETINA (f8) _ Mas eu não entendo assim... Ele tem tanto carinho pelas
crianças. Ele tá o tempo inteiro com as crianças, brincando com elas. Então, eu
não sei, eu não...
BRUNO (f9) _ Eu gosto muito de crianças. Eu me dou muito bem com elas. As
crianças geralmente gostam muito de mim. Mas o que eu digo prá Betina é o
seguinte...
BETINA (f9) _ É uma dualidade prá mim assim que eu não entendo...
127
BRUNO (f10) _ o é... Essa questão do desejo, tu não podes fabricar o
desejo, né? Ela vem contigo. Tu o dizes assim: Agora com fome, vou
comer!” Não. Tu deixas vir a fome. Então, assim... Eu tô dizendo a verdade. Eu
não sentindo o desejo de uma maneira forte. Agora, prá trabalhar isso?
Eu tenho que me programar prá ter desejo prá isso? Não me parece que é uma
coisa racional isso. Eu quero agora, a partir de hoje vai ser meu objetivo acima
de tudo, mas, no fundo, ele não é. Faz parte do meu ser. E prá agradá-la eu
vou dizer: “Não, agora eu quero acima de tudo ter um filho”, quando na verdade
não é o que meu interior, minha consciência, minha razão e minha emoção
esperando.
P (f3) _ Quando namoravam vocês falavam em ter filhos?
BRUNO (f11) _ Nosso planejamento era ter filhos. Todo momento a gente
falava: “Ah, quando...”. Mas era uma coisa bem longe. A gente vai planejando a
vida e quando a vidanos atropelando. Nós vamos ter filho, nós vamos ter
filhos, só que...
BETINA (f10) _ Eu por mim, eu já teria tido filho muito tempo, ? Eu
tenho a sineta batendo tempo. que eu não sentia vontade nele de ser
pai. Ele deixou sempre bem claro prá mim. Eu acho até positivo isso. Pior seria
se ele tivesse mentido prá mim que quisesse ser pai, só prá me agradar.
BRUNO (f11) _ Não, peraí! Nós estamos desviando... Não é que eu não queira
ser pai. Eu não...
BETINA (f11) _ Não é isso? Tu sempre dizias: “Não, agora não. Daqui uns dois
anos”.
BRUNO (f12) _ Tá mais ai...
BETINA (f12) _ Mas ai, quando passavam aqueles dois anos, eu voltava a
falar. Ai ele dizia assim: “Não, agora não. Daqui uns dois anos”.
BRUNO (f13) _ Mas faz uns três anos que ela parou de tomar: “Ah, vou parar
de tomar o, o... remédio (pílula anticoncepcional)
BETINA (f13) _ É depois de um tempo, nós tentamos.
BRUNO (f14) _ Nós fazíamos o coito interrompido e, queira ou não queira, o
coito interrompido é um baita de um risco prá engravidar. Começamos assim
uma coisa... Tá liberado.
BETINA (f14) _ Foi porque eu comecei... Eu entrei numa crise bem ruim que
foi um monte de coisas assim... Eu não tava feliz. Tava sempre chateada. Tava
ruim no casamento. Eu comecei a querer... eu insisti. Eu vi que aquilo tava
me faltando. Ai eu digo: “Não, eu não vou abrir mão por tanto tempo.” Nem
128
posso por causa da minha idade, né? Daqui a pouco não tem mais filho. Isso
era o que eu pensava. Daí eu...
BRUNO (f15) _ Eu não percebi nada disso. Eu entendi que uma hora ela disse
que tava como uma certa idade e que ia parar... Vamos parar de fazer o
coito anal, o coito interrompido (riem do engano). E que íamos tentar ver se
engravidava. Foi isso que aconteceu. Nós esperamos um ano. Ai todo mundo
dizia que um ano era normal não engravidar, tal. E: “nós vamos esperar”. Dai
deu um certo prazo. Depois de um ano de nós termos relacionamentos
normais, ou dois anos... Chegou a dois anos de relacionamentos normais.
BETINA (f15) _ Dois anos.
BRUNO (f16) _ Por mim, se ela não dissesse: “Ah, agora vamos procurar um
auxílio”, eu continuaria da mesma forma. o houve um sofrimento não. Eu
tava tranqüilo. Ai ela disse: “Vamos procurar uma ajuda de um profissional.” Ela
começou indo no Dr. Ben. Começou a consultar esse médico. E dai
começamos..., Tanto é que eu fui fazer exames. Ela também fez todos os
exames. Não deu nada. Esse médico queria fazer uma vídeolaparoscopia. Daí
a Betina achou melhor trocar de profissional. Ai nós fomos na Dra. Bela. Ai...
BETINA (f16) _ É porque eu também fiz vários exames com o Dr. Ben. Então
assim, o é muito bom, né? Ficar tipo: “Vamos vasculhar a mulher prá
descobrir o defeito que ela tem. O defeito de fábrica. Porque algum defeito de
fábrica ela tem que ter. Porque não tá engravidando, né? Porque homem
nunca tem nada, né? Pediram um exame de espermograma prá ele e deu. O
espermograma dele deu bom uma vez, uma única vez, então bom. Então
bom. Não precisa repetir, não precisa fazer nada. A mulher o. Tem que virar
a mulher do lado do avesso, porque ela tem que ter algum defeito, claro! Então
porque não reviram o homem do avesso também? De repente, encontra outra
causa. Às vezes o cara tem tudo de bom, mas não acontece.
BRUNO (f17) _ Mas se o espermatozóide é bom, se ele é apto a gerar um
filho, tá feito. Tu estais querendo achar uma coisa que não tem.
BETINA (f17) _ De repente ele não acha o caminho. (Risos)
BRUNO (f18) _ Mas ai eles vêem a mobilidade, tudo isso ai é analisado.
P (f4) _ Me parece que ela está falando de uma coisa mais profunda...
BRUNO (f19) _ É, é mais profundo.
P (f5) _ O corpo da mulher é mais investigado...
BETINA (f18) _ É porque a mulher fica sozinha nesse processo. Dói. Machuca.
129
BRUNO (f19) _ De qualquer maneira, de uma certa forma, uma
responsabilidade dessa invasão a minha pessoa, ao marido. Então assim: Eu
tô passando por isso tudo e tu tais ai no bem bom”. Dá essa sensação.
P (f6) _ Como uma cobrança?
BRUNO (f20) _ É. Como ela falou: “Ah, tu fosses lá, fizesse o espermograma e
não pediram mais nada. Prá mim eles querem fazer isso, aquilo, aquilo outro.”
Como se prá mim tivesse sido fácil e prá ela bem mais complicado, não é?
BETINA (f19) _ Mas foi!!!
BRUNO (f21) _ É, foi. Eu o dizendo que não é, mas é a vida que é assim.
Ou a gente aceita as coisa como elas são, ou..., né?
P (f7) _ Comparativamente, os exames femininos são mais invasivos, mais
dolorosos...
BRUNO (f22) _ Isso eu sei, mas eu falando é que ela me culpa por isso. Por
ela tá sofrendo e por eu não passar por isso.
BETINA (f20) _ Eu acho que os médicos falham um pouco. Deviam cobrar,
estimular mais os homens... A participação dos homens nisso...
BRUNO (f23) _ Participação como?
BETINA (f21) _ Ah, nem que junto fazer os exames. Ao menos prá saber o
quanto a mulher ali sofrendo. E não esperar a mulher chegar em casa e
perguntar: “Tá, e daí, o teu dia foi bom?” Não, não foi. Os caras passaram o dia
te enfiando um monte de coisa dentro de ti, que machuca, que dói...
BRUNO (f24) _ Mas quando tu ias na Dra. Bela, fazer o ultra-som, eu tava ali
contigo. Ora!
BETINA (f22) _ Durante um bom tempo, e ele sabe disso, eu falei várias vezes
que eu não queria imputar um filho a ele. Eu queria que ele desejasse. Então
eu fiquei esperando que viesse esse desejo dele e não veio. Aí eu disse: “Eu já
com 37 anos e não vai dar prá esperar esse desejo dele vir, né?” Senão eu
não vou ser mãe.
BRUNO (f25) _Mas eu observo isso ai... Todos os procedimentos que ela dizia
prá fazer, eu fazia. “Ah, vamos na Dra. Bela?” “Vamos”. Eu ia lá na Dra.
Bela.
BETINA (f23) _ Mas isso só depois dos 37 anos, ? Antes disso nada. A
gente nunca fez nada. Eu falava de ter filhos e sempre ficou prá um segundo
plano.
130
BRUNO (f26) _ Pode ser. Mas a partir do momento que ficou marcado que era
prá ir, eu fui. Fiz os exames. Quando era prá ir lá na “vídeo”, eu fui e fiquei com
ela lá. Dormi lá...
BETINA (f24) É, mas ele deixa bem claro assim: “Ah, então...” Prá ele,
sendo tranqüilo.
BRUNO (f27) _ Não é que eu tô sendo claro. Eu tô sendo o que eu sou. Não
sendo falso de dizer assim: Meu Deus tu não ficasse grávida? Será que tu vai
ficar grávida? Se não é isso que eu sentindo. Eu tô externando aquilo que
eu...
BETINA (f25) _ Tá, mas é isso que eu falando. Tu achas ruim que eu fale
isso. Que eu aponte que tu reages dessa maneira. É só isso que eu tô falando.
Que tu ages dessa maneira. Então, tens que assumir que tu ages assim.
BRUNO (f28) _ Eu tô assumindo.
BETINA (f26) _ É que tu achas ruim que eu falo. Eu vou falar como? Que tu
ficasses triste? Não posso falar. Eu falo que tu ficasses numa boa. Que tu não
estavas assim tão interessado em saber...
BRUNO (f29) _ É. O meu interesse... Não é o objetivo da minha vida. Não é
que eu não tinha interesse na situação, mas não era uma coisa que me
preocupava.
P (f8) _ A intensidade talvez...
BRUNO (f30) _ A intensidade era diferente e chegava prá ela como descaso.
BETINA (f27) _ Eu acho assim que... Fica aquela coisa: “Vamos descobrir o
defeito de fábrica da mulher”. Porque ela tem que ter um defeito de fábrica.
P (f9) _ Você fala o tempo todo em defeito...
BETINA (f28) _ Eu acho. Os médicos pesquisam a mulher demais, focam só a
mulher. A família quer que tenha alguém. A família o aceita infertilidade
conjugal”. Não. Um dos dois tem que ter algum problema. Ou ele ou eu. Porque
não existe essa coisa de “infertilidade conjugal”. Prá sociedade não existe.
BRUNO (f31) _ E ai como eles viram que meu espermograma deu bom, eles
iam prá cima da Betina. (Risos)
BETINA (f29) _ Aí quando Bruno chegava, ele dizia prá todo mundo: “Não, meu
espermograma é ótimo! O médico disse que eu engravido até se gozar fora.”
Dai todo mundo ria... Então: “Ele não tem problema? Então o problema é dela.”
P (f9) _ Voltavam-se as atenções prá você...
131
BETINA (f30) _ Eno vinha: “E tu? Qual é o teu problema? Qual teu ‘defeito de
fábrica’? Vai ter filho ou não? Qual é o teu? (Risos) É chato. Até os médicos.
Eles ficam pesquisando a mulher, pesquisando, e param de pesquisar o
homem. Eu não sei. Será que só o espermograma bom é suficiente? Sabe?
Será que não existe outra causa? Eu não sei se foi feito esse tipo de exame,
mas eu ouvi casos de casais que, quando o homem ejacula dentro do corpo
da mulher, a mulher tem uma coisa que mata todos os espermatozóides do
homem.
BRUNO (f32) _ s já fizemos. É que o homem é mais simples. (Risos)
Silêncio
P (f10) _ Vocês estão falando das pressões, familiares, sociais, dos
tratamentos...
BRUNO (f33) _ Eu acho que a pressão começa porque, a partir de uma certa
idade... A gente tava casado também. As pessoas ficam: “E daí? Vocês não
o ter filhos? Não vão ter filhos?” Os meus pais, os pais dela, os irmãos dela,
os meus, meus amigos. E a gente tem um rol de amizades... Comam a falar:
“Ah, o fulano tá tentando com a Dra. Bela porque tem um problema. Tão
fazendo inseminação artificial, tal.” No nosso meio é uma coisa bastante
comum. Dos meus dez amigos, que eu freqüento, uns cinco ou seis conhecem
a Dra. Bela e tiveram filhos através dela. Então começa a ser um papo normal,
dentro do nosso meio, que nós vivemos. E a Betina tem uma característica
bem diferente da minha. Eu até acho que é um defeito meu. Eu exponho muito
a minha vida e a nossa vida. Eu exponho muito. Até ingenuidade a minha
forma de ser, né? Eu sou de falar com as pessoas, embora eu não as conheça
ou conheça pouco tempo. Eu sou de dizer coisas que talvez tivesse que
ter mais uma intimidade prá falar. E a Betina gosta bem mais de preservar a
intimidade dela e a nossa. De ser mais discreta, digamos assim. Então, até
essa minha questão, eu trato melhor. Porque senão... As pessoas: “Ah, tu não
tens problema?” Vamos supor, meus amigos... “Eu não! Meus exames, meus
exames, não dão nada. Qualquer coisa, se ela cheirar... eu digo que se ela
cheirar a minha cueca ela engravida. Mas é uma forma de brincadeira e eu
trato isso dessa forma, ? Mas a Betina já trata com mais, leva mais pro lado
sério, né? E eu já vejo uma coisa assim... Eu já entro no rolo do grupo.
BETINA (f31) _ tem pessoas conhecidas ali, junto. Ou então amigos que a
gente só passa e diz oi. Eu não gosto de expor minha vida assim. Ele tem esse
defeito. Nós discutimos algumas vezes, de eu chegar brava em casa com
ele, indignada dele sair expondo a nossa vida assim. Eu brincava que, depois
de cinco minutos de conversa, ele perguntava p pessoa quanto que ela
ganhava. Ele é assim: “Ah, tu ganhas quanto?” A pessoa ficava até meio
assim, sabe? Cinco minutos p ele já basta. Já sabe tua vida inteira.
132
BRUNO (f34) _ Prá Betina esse é um assunto muito delicado, a questão do
salário, quanto tu ganha. E que tu tens que ter um nível de intimidade altíssimo
prá poder fazer uma pergunta desse quilate. E eu, dentro da minha... Nos meus
relacionamentos eu... (Risos) Ah, pergunto na maior... (Risos) Ah, dá prá tirar
quanto fazendo isso? Sei : “Qual é o teu salário como procurador?” Eu
pergunto, mas ela ficava horrorizada. (Risos)
P (f11) _ Parece que o problema maior está no fato de que, ao falar de ti para
os amigos, ela acaba se sentindo exposta.
BRUNO (f35) _ Não. É porque no nosso meio de homens ali, que todo mundo,
quase todos, tiveram esses problemas de não engravidar, então fica uma
brincadeira de: “Tu é falhado. Tu és um falhado. Tu só faz menina...”
BETINA (f32) _ Prá ele ficou muito cômodo. E eu ficava chateada porque ele
dizia assim: “em casa o falhado não sou eu”. Então quer dizer, sou eu. E ai
ele acha que eu interpreto tudo, não sei o que. Eu digo: “Não sou eu. Tu
deixasses claro.” Ai ele fica bravo: “Tu tá toda vida achando as coisas” Que eu
ainda é que tô errada. Mas se ele diz: “Ah, em casa o falhado não sou eu...”
Quem é então? Se nós somos duas pessoas? Quem é eno?
BRUNO (f36) _ E nem ela... Mas eu... Sei lá...
BETINA (f33) _ Mas tu não falas isso pros teus amigos.
BRUNO (f37) _ As pessoas não perguntam ora.
BETINA (f34) _ “Ah, eles não perguntam”. Mas eles também não perguntaram
se tu eras “falhado”. Tu não tinhas nada que falar, fazendo propaganda.
BRUNO (f38) _ Mas talvez seja por isso. Eu não acho que isso seja um
elemento fundamental no relacionamento. Eu não ia deixar de amá-la, ou amá-
la mais ou menos porque ela não pode ter filho, ou o tenha filho, ou tenha
uma dificuldade. Não é. Isso p mim não é um elemento muito importante.
BETINA (f35) _ Eu tive bastante dificuldade prá aceitar isso, da sociedade
cobrar que um dos dois tenha falha. Tem que ter. Não pode. Eu escutei
bastante. Por que eu ouvi várias vezes assim... É: “Tá, mas tu fizesses
todos os exames?” Sabe? “Já, fiz todos os exames. “Tá, mas não
encontraram nada?” “Não, não encontraram nada” “Mas tem que ter alguma
coisa.” Porque tem que ter alguma coisa? É difícil sabe? a hipótese é assim:
“Se ele não tem nada, tem que ter alguma coisa”. Eu digo: Não, mas nosso
caso é um caso em que nenhum dos dois tem nada”. “Ah, então relaxa. Relaxa
que acontece!” (Risos) Então bom.
BRUNO (f39) _ Ela tem dificuldade de lidar com esse tipo de situação com a
qual eu não me importo tanto. Essa também seria uma situação. No caso lá
133
dos meus amigos eu nem era o foco principal. Tinha gente lá em situação bem
pior que a minha. Tem uns quatro cinco na mesma situação, ou seja...
BETINA (f36) _ O problema era deles. Nos outros casais, o “defeito” era no
homem, não na mulher. A mulher era... Ele tava “bem na fita”.
BRUNO (f40) _ Esse é o momento em que a gente aproveita a oportunidade
prá pisotear em cima do colega que em maior dificuldade. Quando outro
assunto me desfavorece eu crio um mecanismo de defesa contra eles. E assim
vai, né?
BETINA (f37) _ E é muito ruim, né? Tu ficar assim. Todo mundo perguntando, o
tempo todo se metendo. Porque tem que ser assim? Na família, eu tenho duas
irmãs e a minha mãe. Acham que alguma coisa tem. Que não pode ser assim.
Na casa dele também. A mãe dele, a madrinha dele, o pai dele, a irmã dele:
“Não, tem que ter alguma coisa.” Eu sou filha do meio.
BRUNO (f41) _ Eu sou mais velho.
BETINA (f38) _ Ele é o mais velho. Eu sou a filha do meio de cinco irmãs.
Então têm duas abaixo de mim e duas acima. Todas elas já têm filho.
BRUNO (f42) _ Menos a mais nova.
BETINA (f39) _ Menos a mais nova. A cula ainda não tem filhos, mas as
outras têm.
BRUNO (f43) _ E na minha casa também. São quatro. Eu sou o mais velho e
depois tem dois. E um menino de 22 anos. Esses dois aqui já tiveram filho.
BETINA (f40) _ Os dois do meio. Já tiveram filhos e a ir dele agora
grávida novamente. Então é bem chato assim a gente ficar ouvindo tipo: “Ah eu
não posso ficar sem tomar o comprimido (anticoncepcional), por que eu
engravido na hora. Tu não consegues?!” É uma indelicadeza das pessoas.
Tremenda. E ai o Bruno acha assim que eu sou muito sensível demais. Mas
pôxa, eu falando prá pessoa, a pessoa me perguntando se tem algum...:
“Ah, mas tem que ter” Ai insiste que tem que ter um problema. Tipo a irmã dele.
Adoro a irmã dele, mas quando é nesse assunto, ela é indelicada. “Não. Tem
que ter alguma coisa. Esse médico de certo o fez todos os exames”. Ai,
aquilote dá uma coisa. Então tá. Tá tudo bem. Se prá ti eu tenho um defeito,
então bom. Se eu tenho um problema, tudo bem. Ai assim: “Ah, eu sou
assim, eu tenho certeza que eu o posso parar o comprimido eu engravido.
Eu engravido na hora”. Assim: “Como eu sou boa, como eu sou boa mulher,
sou boa mãe, como eu sou perfeita”. Eu acho chato isso. E quando eu fiz a
minha vídeolaparoscopia... Foi até uma situação que nós... Eu fiquei chateada
com ele na época. E nós tivemos uma discussão. Nós tivemos duas discussões
a respeito disso. Eu levei anestesia geral e a média fez a “vídeo”. Quando eu
134
acordei, já tava a família inteira sabendo o diagnóstico da vídeo”. Eu falei
que eu ia fazer a “vídeo”...
BRUNO (f44) _ Ela ficou internada dois, três dias. As pessoas foram visitar.
E quando chegavam perguntaram: “Sim, o que é que deu?” A médica dela
tinha me falado o que tinha acontecido. Daí eu reproduzi prás pessoas o que
tinha acontecido.
BETINA (f41) _ A médica tinha passado pele tudo o que tinha acontecido.
Ele foi e disse prá todo mundo: “Ah, ela tem um pouco de Endometriose, a
trompa dela não é muito bonita, o ovário é meio opaco, etc.” A trompa não é
muito bonita é ótimo, né?
BRUNO (f45) _ Mas foi ela (a médica) que falou.
BETINA (f42) _ Foi a médica quem falou. Tudo que a médica falou prá ele, ele
falou ptodo mundo. Daí: “Ah, encontraram!!!” Ai, a última frase ... Ele não
disse a última frase, em primeiro lugar. Quem teve que dizer a última frase prá
família foi eu. Quando começaram a insistir: “Ah, mas tua trompa é assim...” Ai
eu disse: “Tá, a médica falou isso tudo...” Eu tive que insistir várias vezes prá
pessoas me escutarem.. A médica disse isso tudo: “A trompa é assim, que teu
ovário é assado, e tem um pouco de Endometriose”, maaaassss, (eleva o tom
da voz) “nada disso impede uma gestação, impede uma concepção. Nada
disso impede uma concepção.” Faltou essa frase, prá mim muito importante.
BRUNO (f46) _ Eu falei prá eles isso ai.
BETINA (f43) _ Todo mundo achou... A madrinha dele, uma semana depois:
“Ah, pois é, né? Com Endometriose é muito difícil” Ai eu digo: Mas a minha
Endometriose não impede a gravidez”. Ela: Não impede?” Ai ela ficou sem
graça.
BRUNO (f47) _ Ela não falou...
BETINA (f44) _ Falou! No shopping...
BRUNO (f48) _ Ah, ... ela (madrinha). A médica não falou nada de
Endometriose.
BRUNO (f48) _ É. A médica não falou.
BETINA (f45) _ As pessoas guardaram só o negativo.
BRUNO (f49) _ Ela disse que a Betina tinha... Como é aqueles caminhozinhos,
canalzinho?
BETINA (f46) _ O canal vaginal. Canal não. A trompa?
135
BRUNO (f50) _ A trompa. São duas trompas e dois ovários. Que uma trompa é
muito sinuosa. E que não é uma trompa, diríamos, não muito bonita prá
reprodução. E que esse ovário é um ovário bom. Perfeitinho assim, ideal. E que
o outro, o caminho é melhor, mas que o ovário jáo tem a qualidade do outro
ovário.
BETINA (f47) _ Já é um ovário mais fibroso, ela falou.
BRUNO (f51) _ Ou seja, um caminho é melhor, e o final é pior. E o outro
caminho é pior, e o final é melhor. Nada que impossibilite a gravidez, mas, em
tese...
BETINA (f48) _ O Bruno, na época, também entendeu que teria esses
problemas. Que esses problemas seriam a causa. Ele também teve um
problema de infância num tesculo, ? Ele teve. Ficou no abdômen. Depois é
que fizeram a cirurgia e retiraram. Eu disse prá ele... Eu tive que lembrá-lo: “Tu
tens um problema no testículo e teu espermograma é normal. Então, quer
dizer, tu não tens problema nenhum.” Se ela (a médica) tá dizendo que, mesmo
com essas falhas que eu tenho, no meio do caminho, seria normal engravidar,
porque que no meu caso é um problema e no teu não? Ai ele se convenceu um
pouco e parou de dizer que a culpa era minha. Porque foi dito assim que eu fiz
a “vídeo”, ficou claro prá família que a culpada era eu. Agora fica aquela coisa
assim, ninguém fala porque “Tadinha, ela não gosta” (Risos) É chato, é bem
chato. Tu que as pessoas o tão convencidas e ainda te tiram por meio
doida, sabe? (Risos)
BRUNO (Risos)
BETINA (f49) _ Eles: “Coitada, não vamos falar a verdade prá ela porque ela
não aceita, ela não gosta.” Sabe?
BRUNO (f52) _ (Risos) “Não vamos falar nada porque esse assunto, eh!
BETINA (f50) _ Não é porque é a verdade, não. Entendes? “Vamos poupá-la,
tadinha. Ela não aceita a verdade.” Sabe? o me fazendo um favor. É
duplamente chato.
BRUNO (f53) _ Mas as pessoas não falam nada disso.
BETINA (f50) _ Não falam, mas fica subentendido.
BRUNO (f53) _ É, mas aí também...
BETINA (f51) _ Porque assim que eu fiz a vídeo todo mundo: Ah tadinha, ela
tem Endometriose, tem um ovário ruim, então o vai engravidar. Por isso não
engravida. Tadinha?” O “tadinha” é bom, né?
Silêncio
136
BETINA (f52) _ E assim, eu não entendo também outra coisa que pro Bruno é
fácil assim. Ele fala em adoção, fácil. Se ele não quer ter um filho dele próprio,
como é que ele quer criar filho de outra pessoa?
BRUNO (f54) _ Mas ai... Em nenhum momento eu disse que eu não queria ter
filho próprio.
BETINA (f53) _ Tu tá sendo contraditório, porque se tu dizes que não é teu
sonho, que tu não sente falta, tu não queres.
BRUNO (f55) _ Eu acho que há uma distância muito grande.
BETINA (f54) _ (Risos) Bom, ai nós vamos entrar numa linha que discutimos
algumas vezes e não chegamos a ponto nenhum.
BRUNO (f56) _ Eu acho o seguinte, eu vejo que, eu o tenho problema em
lidar... Eu não tenho constrangimento em lidar com os meus problemas. Se eu
tivesse que ter algum problema que o pudesse ter filho, prá mim, a minha
vida ia continuar normal. Não teria nenhum problema isso. Não deixaria mudar
a minha forma de ser. Eu não me julgo por ser produtivo, por ser reprodutor ou
não. A sociedade evoluiu dessa maneira muito tempo. Hoje a gente e
avaliado pelo conhecimento, pelo caráter. Não por ser... Ah, porque não é
reprodutor, não é uma boa pessoa.” Isso prá mim bem claro. E prá ela
parece que o. Ela vê... E se ela tivesse Endometriose e o pudesse nunca
ter filho? Tá. É uma situação que acontece...
BETINA (f55) _ Seria ruim, seria ruim. Horrível para uma mulher isso.
BRUNO (f57) _ É ruim, mas é uma situação que acontece. É ruim. Mas que
independe dela. Eu não posso fazer nada prá mudar o quadro, nem ela poderia
fazer. E, ou a gente se conforma com isso, ou a gente vai sofrer pro resto da
vida...me parece essa situação.
BETINA (f56) _ Mas é que é assim ó, ter a Endometriose que impeça a
gestação, é ruim... Horrível. A pessoa ter que assumir isso. É pior ainda ela
não ter e todo mundo julgar que é ela tem a Endometriose e não pode...
BRUNO (f58) _ Mas ai assim, se a gente for começar a ver o que os outros
falam, a gente vai entrar numa ciranda que é muito complicada. Eu acho que
a gente tem que saber diferenciar bem...
BETINA (f56) _ É que também ele tem uma idéia de que o mundo muito
moderno. Eu não. Não concordo muito com ele. Eu acho que a sociedade
ainda cobra sim. Que o homem seja o provedor dentro de casa,
financeiramente. Que esteja sempre ali prá defender a sua esposa. E cobra sim
da mulher que lave, que ela passe, que ela cozinhe, que ela cuide dos filhos.
137
Eu vejo assim ainda a sociedade. Que ela tenha filhos. A sociedade cobra isso
da mulher e cobra isso do homem. Ele acha que não.
BRUNO (f59) _ Então a cobrança em cima de mim não tá sendo suficiente.
P (f11) _ Não tá te atingindo suficiente ou talvez não no mesmo nível que a ela.
BRUNO (f60) _ Talvez sim.
BETINA (f57) _ Eu acho que a sociedade cobra sim. Cobra! As pessoas
querem saber. Se uma mulher trabalha fora, não tem problema nenhum. Agora
pensa num homem não trabalhando fora. Ninguém ia aceitar. Ai chega pti:
“O que? Tu sustentas o teu marido? Ele fica em casa e tu que vai trabalhar?
Que absurdo!!!” Então não tão moderna a sociedade como ele acha que tá.
Não tá. No meu entender não está.
Bruno tenta argumentar, mas não é possível entender o que diz por que Betina
fala por cima.
BETINA (f58) _ E também não tá tão moderna na questão da mulher, da
cobrança da mulher em ter filhos. É cobrado sim da mulher que ela tenha
filhos. Que ela tenha filhos, que ela crie os filhos, que ela cuide da casa. É
cobrado da mulher isso. Então eu sinto essa cobrança. Da minha mãe, das
minhas tias, da tua família, da parte feminina, que eu tenha filhos sim. De que
eu possa ter filhos, que eu possa criar os filhos, que eu possa cozinhar... Existe
essa cobrança.
BRUNO (f61) _ Pois é, mas se a gente o conseguindo engravidar dentro
de todos... Bem, eu procuro ser objetivo. Nós estamos tendo o relacionamento
sexual, sem nenhuma precaução, nada. Não estamos engravidando. O que
mais poderíamos fazer? procuramos uma profissional especializada. Daí
entra num foro, numa área que tu falasses anteriormente, né? As coisas
começam a se tornar caras. Nós não estamos falando de valores baixos. Nós
estamos falando de valores altos, né? Sem garantia nenhuma de que vai
haver... Da segurança do resultado. Do êxito. As coisas não são assim simples,
né?
P (f12) _ Vocês poderiam falar um pouco sobre o que vocês fizeram, que
tratamento vocês fizeram?
BETINA (f59) _ Depois da “vídeo” a Dra. Bela achou que, a inseminação,
devido a minha idade e tudo...
BRUNO (f62) _ Não adiantaria...
BETINA (f60) _ Era perda de tempo. A inseminação. que, em virtude dela
ter dito que nada impediria... Que apesar de ser assim, assado, nada impediria
a concepção... Então fizemos, decidimos fazer mesmo assim.
138
BRUNO (f63) _ E a diferença de custo era...
BETINA (f61) _ A diferença de custo em primeiro lugar e em segundo lugar, um
método um pouco mais natural assim, né? Somos católicos...
BRUNO (f64) _ E nós somos católicos e ai tem aquela questão da religião...
Porque, queira ou não, o óvulo ali, depois de fecundado, alguns são
descartados. No caso da... Os embriões da fertilizão in vitro, né? Tanto é
que isso ai até em discussão ai no Supremo (Tribunal Federal), essa
questão das células-tronco. E também entrou na pauta... Eu tava lendo, eu tava
assistindo, a questão da fertilizão in vitro, que eles acharam que era
semelhante à questão embrionária. Então nós achamos melhor, achamos que
dava... E como no caso... Nos dias que ela tava tomando esse hormônio,
andou atrasando a menstruação. Ela fez um teste que deu um valor médio que
nós até concluímos que ela teria ficado grávida durante um período desse.
BETINA (f62) _ A Dra. Bela é que falou que foi uma gravidez em fase muito
inicial, mas ocorreu, né?
BRUNO (f65) _ Ocorreu. Nós achamos e ela...
BETINA (f63) _ É porque atrasou quatro dias a minha menstruação e nunca
atrasa.
BRUNO (f66) _ E tava tudo regulado, regulado...
BETINA (f64) _ E no quarto dia eu fiz o exame de sangue e peguei o resultado
à noite. Quando eu peguei o resultado de “inconclusivo”. Eu nunca tinha
escutado isso.
BRUNO (f67) _ O normal daquela coisa lá, o índice, é cinco mil e a gravidez
era acima de cem mil.
BETINA (f65) _ o. É assim: de zero a cinco é negativo. De cinco a cem é
inconclusivo. Acima de cem é positivo.
BRUNO (f68) _ E tava cinqüenta.
BETINA (f66) _ Ai tava... (Risos) Então, mas a Dra. Bela falou assim que
aquele valor ali era uma gestação sim e que tava... Mas foi assim, eu peguei o
resultado e não deu nem tempo de eu...
BRUNO (f69) _ Ela falou que achava que tava, aí foi no banheiro...
BETINA (f67) _ Fui ao banheiro e eu tava menstruada. Então, quando eu
cheguei em casa, eu falei pele que eu estava grávida, ele: “Vamos ligar prá
todo mundo”, ele já assim (Risos).Eu, como gosto de ser mais na minha, disse:
“Não, vamos esperar. Eu quero ter certeza. Vamos com calma
139
BRUNO (f70) _ Ai quando ela foi ao banheiro, saiu a menstruação.
BETINA (f68) _ Ainda bem que eu o deixei ele ligar prá ninguém porque...
não foi, né?
BRUNO (f71) _ E ai, como tomando só o hormônio ela chegou praticamente
a ficar grávida, nós acvamos que se fizéssemos a inseminação artificial,
no qual o esperma é tratado, é preparado lá... Nós achamos que tinha uma
probabilidade grande de ter sucesso. E ai nós fizemos uma inseminação
artificial. Ai, logo depois nós passamos por uma crise. Em Outubro, ?
BETINA (f69) _ É.
BRUNO (f72) _ Do ano passado. Ai nós pensamos numa... Ai s tínhamos
acertado que nós íamos passar...
BETINA (f69) _ Que tinha que fazer uma FIV. Que meu pai ia nos ajudar a
pagar uma FIV. Agora em Dezembro.que ia cair bem no dia do Natal. Ai eu
liguei prá Dra. Bela prá ver se ela ia trabalhar né? Ela disse que não, que era
prá eu continuar tomando os hormônios até Janeiro. Mas ai em janeiro a gente
teve um desentendimento conjugal grave. Foi um prá cada lado.
BRUNO (f73) _ Quase nos separamos. E, então, voltamos...
BETINA (f70) _ Em Março. E ai agora nós estamos assim. Não sabemos
ainda...
P (f13) _ Em processo de reconcilião...
BETINA (f71) _ Isso.
P (f 14) _ Então a questão da FIV ficou em suspenso?
BETINA (f72) _ Ficou.
P (f 15) _ E como vocês se imaginam...
BRUNO (f74) _ Concomitante a isso tem uma questão que é o seguinte: nós
compramos um apartamento aproximadamente dois anos atrás e esse
apartamento agora prá... E nós tínhamos um apartamento antigo, nosso. Ai
nós vendemos e compramos outro. E lá quando nós fomos comprar esse
apartamento, eles não aceitaram o nosso antigo como forma pagamento.
Então...
BETINA (f73) _ Nós vendemos o nosso.
BRUNO (f75) _ Então nós tínhamos que dar o dinheiro correspondente à venda
do nosso apartamento, nas chaves, vamos supor. Que é agora em agosto,
setembro. Quando chegou Abril do ano passado eu disse prá ela: “Vamos
140
vender esse apartamento porque a gente não sabe se vai demorar um mês, um
ano, ficar aqui...
BETINA (f74) _ Vendeu rápido e até agora nós estamos assim acampados,
entende?
BRUNO (f76) _ Vendemos em Outubro. Ai, nós fomos morar lá na casa do meu
pai. E ai nós ficamos... Deu essa situação toda de que nós acabamos nos
separando. Ela entrou em depressão, tal. Ai quando nós voltamos, s fomos
morar na casa da mãe dela, com os pais dela. Então agora, na verdade, assim
todas as nossas economias e tudo, nós estamos tratando na questão da
mobília, na questão de... As nossas remunerações, que não são muito altas,
de certa forma estão sendo canalizadas p esse fim. Mas, ai eu tenho um
amigo meu que é médico. Que ele disse o seguinte, que não existe “não
diagnóstico”. Que tem que ter alguma coisa, tem que ter alguma coisa. E que...
BETINA (f75) _ Mais um ano, né?
BRUNO (f77) _ E ele diz que o médico, se ele pode fazer por quinze mil, ele
não vai fazer por cem reais. E que era prá eu pegar todos esses exames
nossos e levar prá ele que ele vai dar uma olhada com calma nisso, né? E que,
conforme o caso ele tem contato lá como Hospital Metodista,... É isso? Hospital
Metodista em Curitiba... Metodista?... Evangélico... Hospital Evangélico de
Curitiba, que parece que é um grande Centro de Reprodução lá, é um dos
melhores. Não sei se é ou não. E ai ele disse que, se fosse o caso, nos
encaminharia prá esse, p essa ajuda. O problema agora está em localizar
esses exames porque, como nós estamos em eterna mudança... Nós achamos
que na praia. Mesmo assim a Betina tem que passar na Dra. Bela prá
pegar a “vídeo”, né? Que me parece, pelo que ele me falou é o que mais
importa é ele analisar essa “vídeo”. A análise da “vídeo”.
P (f14) _ Voltou prá Betina.
BRUNO (f 78) _ Voltou prá ela. E ele quer ver os exames e o principal exame
que ele quer ver e quase disse que é o único, era a questão da “vídeo”.
P (f15) _ Então nesse momento vocês estão indo atrás desses
documentos/exames, empenhados nisso...
BRUNO (F79) _ E ai nós chegamos à seguinte conclusão... Ele é um médico
legista, amigo meu ali do serviço. É uma pessoa que a Betina conhece. Mas
não é assim uma pessoa... Mas eu disse prá Betina que já que não vai ter ônus
nenhum, não custa nada, né? Na verdade agora nós estamos num processo...
Agora vamos ver se a gente vai esse final de semana lá na praia prá ver o que
tem e depois a Betina tem que pegar com a Dra. Bela... Na verdade o principal
exame que é a “vídeo”, prá levar prá ele. Vamos ver o que ele vai dizer ou não.
Se ele vai conseguir abrir esse canal em Curitiba. Por que senão, pelo que
141
gente viu... A gente numa situação complicada, com quase todo
orçamento comprometido na casa, né? Então a gente teria que vender o carro.
Praticamente nós teríamos que vender carro prá poder fazendo uma FIV. Eu
sei que a Dr. Bela falou que ela estaria fazendo três por quinze mil, não é isso?
P (f 16) _ Três o que? Três FIV’s?
BRUNO (f 80) _ Três FIV’s, por quinze mil reais.
BETINA (f 76) _ Só a parte dela, né? Sem os hormônios.
BRUNO (f 80) _ Sem os hormônios.
BETINA (f 77) _ Cada vez que vai comprar os hormônios é cinco mil. Ela faz
um “pacote”. Se tu engravidar na primeira...
BRUNO (f 81) _ Tudo bem. Se ela engravidar na segunda tudo bem. Se ela
engravidar na terceira, tudo bem. Se não engravidar na primeira, na segunda e
na terceira...
BETINA (f 78) _ Se tu engravidar na primeira, mesmo assim tu pagas os quinze
mil. É um “pacote”.
P (f16) _ Esse é um valor que neste momento não é possível, está fora de
questão?
BETINA (f 79) _ Meu pai tinha se proposto a pagar. que devido à crise no
nosso casamento, eu também comecei a me questionar um monte de coisas.
Se eu queria e... É um...
BRUNO (f 82) _ Como é que nós vamos colocar um filho no mundo agora, prá
botar dentro de uma situação que... A gente entende que o filho... Eu entendo e
a Betina também...
BETINA (f 80) _ Eu não sei. Volta tudo aquilo, toda aquela situação da época
dele não querer. De eu achar que ele não quer e eu quero. De eu me sentir
muito sozinha nesse processo e cobrar dele uma situação financeira melhor.
Porque a gente acaba cobrando, né? Justamente porque a sociedade cobra
que ele seja provedor financeiro e que eu seja provedora de filhos, né? Então
eu cobro: já que eu vou prover um filho, ele que prove o dinheiro, né? (Risos) E
assim... Cobrei muito dele numa época, que ele melhorasse a situação
financeira. Até pajudar a ter um filho, aprá poder pagar o tratamento do
filho. E ai volta tudo aquilo, toda aquela época... Não sei. É muito ruim,
retornando, né?
P (f16) _ Vocês estão vivendo todo esse momento de transição, mas parece
que surgiu esse médico, esse amigo que demonstra querer ajudar, fazer um
encaminhamento a um hospital...
142
BRUNO (f 83) _ Ele não é legista, ele é ginecologista. Mas ele, em tese, não é
muito confiável não. Ele é muito...
BETINA (f 81) _ É. Eu o boto muita porque ele é muito “papudo”. Esse
médico. Muito! Ele sempre vai resolver tudo, vai fazer tudo e não resolve nada,
não faz nada. Entendeu? Então eu não tô muito assim: “Ah, tá?”
P (f17) _ Não estais tão mobilizada com essa oferta p ir atrás...
BETINA (f 82) _ Não, não. Por que eu não acredito muito nele, assim. Ele tem
muito papo...
P (f18) _ Nem arriscarias?
BETINA (f 83) _o... Vamos arriscar sim. Nós até conversamos. que...
BRUNO (f 84) _ É que eu ando muito com ele. Então ele vai me dizendo as
coisas: “Ó Bruno, prá engravidar tem vários exames. E ele disse que primeiro
tem que ver o Ph vaginal, se é compatível, aquilo, aquilo outro. Então o
seguinte: de repente tu indo na outra etapa, fazendo a FIV. Se de
repente o Ph ou outro... Tu o vês um exame mais simples, que poderia
resolver de uma forma mais barata pti. Mas os médicos o têm interesse
nisso. De repente a médica não tem interesse. Ela quer o... Se ela pode
ganhar...Não sei nem quanto é o lucro dela nesses quinze mil, mas alguma
coisa ela vai ganhar, né?
P (f19) _ É um serviço...
BRUNO (f 85) _ Se ela pode ganhar quinze mil. Se ela pode receber quinze
mil, que tire as despesas, dez mil vai prá ela. Porque ela vai fazer um
procedimento desses quase de graça. O que eu te falando é o seguinte:
quando tu vais comprar um imóvel, de repente uma quitinete pti bom, vai
te resolver. Mas o corretor vai querer te empurrar um três quartos, com
dependência de empregada, no bairro mais caro. Vamos dar um exemplo. Com
quatro vagas de garagem. Ou seja, se tu tens o dinheiro, tu vais pagar nesse
bairro caro, embora... Então, nós queremos um filho. De repente, no Ph
prá prá resolver, dá prá tomar um remédio que resolveria. Mas a Dra.
Bela vai no final. Lá. Queima etapas. E o que ele (o amigo médico) tinha
me dito era isso. Então, dentro de uma relação ele quer que a gente leve todos
os exames lá prá ele, prá ver se todos os itens estão sendo supridos, prá que
no final ele: Não, realmente tudo o que a Dra. Bela falou, o encaminhamento,
tá correto. Agora realmente tem que fazer a inseminação. Porque até... Tu te
143
lembras, Betina? Nós fizemos aquele hormônio, CLOMID
8
por três meses.
Não poderíamos estar fazendo isso mais vezes? Porque que o pode? Por
que custa duzentos reais?
BETINA (f 84) _ Porque fica desperdiçando óvulos. A mulher tem um número
“x de óvulos, na vida. E se eu ficar tomando, ovula muito. Ai vai
desperdiçando óvulos, né?
BRUNO (f 86) _ É o lado reativo e o lado positivo. O lado reativo é o lado ruim
das coisas. E o lado positivo é o lado bom das coisas. (Risos) Não é muito
menos invasivo? Não é muito mais simples, muito mais barato e não deu
resultado?
P (f20) _ A Betina fala de desperdício, de jogar fora...
BETINA (f 85) _ É! s vamos tá desperdiçando os óvulos. Vamos começar de
novo. Ai o cara (outro médico) vai pedir todos os exames de novo. É isso? Mais
três anos da minha vida? Quer dizer, tô com 39... 40, 41,42 anos?
BRUNO (f 87) _ Não é isso. O que eu falo é que... Não é que eu te fazendo
um pedido. Estou só te fazendo uma colocação em relação à Dra Bela. Porque
a que Dra. Bela não falou assim prá nós: “Vocês não tem condições ainda de
fazer... Não tem condições financeiras? Então é o seguinte, vocês vão fazendo
essa...” Eu não sei se isso é possível... “tomem hormônios mais um tempo...”
BETINA (f 86) _ Não, não dá. Tanto é que o Dr. Ben nem queria fazer os
hormônios três meses antes da minha cirurgia, por isso já. Ele disse: o, eu
não quero desperdiçar óvulos teus, sem antes fazer a vídeolaparoscopia. Daí
foi onde eu desisti dele. Porque eu disse: “Não, meu Deus, eu quero ao menos
tentar alguma coisa antes, né?
P (f21) _ Mas ficou a fala do desperdício...
BETINA (f 87) _ Ficou, ficou. E a Dra. Bela também falou prá mim. Ela disse:
“Nós podemos arriscando. Perdendo um pouco de qualidade.” Ao menos e
entendi isso, que quanto mais hormônios eu tomo, eu tô desperdiçando...
P (f22) _ Por mais que a medicina tenha avançado, ainda é um processo que
apresenta falhas, incertezas quanto as reais chances de obter sucesso...
BRUNO (f 88) _ As chances são de 50%.
BETINA (f 88) _o! 30%.
_____________________________________________________________________
8. Estrogênio sintético geralmente prescrito por médicos para provocar a ovulação nas mulheres. O
medicamento mais comumente usado na indução da ovulação é o citrato de clomifeno, que é utilizado
durante os primeiros dias do ciclo. Nomes comerciais: Serophene, Clomid, Indux.
144
BRUNO (f 89) _ A inseminação é 30% e a fertilizão é 50%. Ela falou isso e
eu sou bem em meros. Eu tenho certeza. Tem evoluído muito, antes era
outra estatística.
P (f23) _ É, tem evoluído, sem dúvida. Mas ainda não garantias, certezas.
Existem riscos e benefícios nesse processo.
BRUNO (f 90) _ Outra coisa que eu digo é que talvez eu seja muito prático e a
Betina não. Não é que eu esteja dizendo que eu sou o bom e ela ruim. Eu
penso: “Vamos fazer? Então . Betina nós vamos fazer o seguinte: vendemos
o carro. Vamos fazer essa inseminação, esse pacote da Dra. Bela. que a
gente tem que estar consciente que depois, se por um acaso... Se deu certo,
tudo bem! Mas se não deu certo, ali vai ser nosso limite financeiro, né? Porque
daqui a pouco nós vamos ter que... Ai não certo, nós estamos vendendo o
apartamento. E daqui a pouco... chega um ponto que eu não estaria mais
disposto a tanta... entendeu?
P (f24) _ Tens um limite...
BRUNO (f 91) _ Eu tenho um limite e a Betina eu o sei. Ela não vê por essa
ótica, né? Eu sou objetivo, digo o seguinte: a gente tem trinta e cinco mil. É
vinte e cinco mil que a gente vai gastar no negócio lá? Quinze mil mais os
remédios, né? A medicação tá fora disso. Então vamos gastar em torno de
vinte e cinco mil. Vamos botar os vinte e cinco mil ali, mas esse dinheiro vai ser
o nosso limitador. Porque se não der certo ali, tem que se conformar de uma
maneira ou de outra. Sob pena de a gente estar fazendo esse círculo não ter
fim nunca. E mesmo, daqui a pouco já não tem mais patrimônio. Assim,
objetivando: ela pode até ter limite, mas ela nunca falou prá mim assim: “Ô
Bruno, eu quero ter um filho nem que eu venda o carro, que a gente venda a
casa e a gente vai viver de aluguel.” Ela nunca me falou isso. Ela poderia falar
né?
BETINA (f 89) _ Eu pensei nisso algumas vezes. Mas eu tenho medo de
dizer: “Tá, tudo bem, meu limite é esse.” E ai a gente faz as três fertilizações e
não dá. E aí? Como é que eu vou saber? Como eu vou ficar? E depois? O
tamanho da frustração que vai ser? Porque, dependendo do tamanho da minha
frustração, eu vendo sim. Vendo apartamento, vivo de aluguel. Vendo cachorro
quente na esquina prá ter um filho. (Risos)
BRUNO (f 92) _ Não vende nada. Ai é que tu (P) vai ver como vai ser a
cobrança prá cima de mim.
BETINA _ (Risos)
BRUNO (f 93) _ Essa é a questão. “Que eu nunca tenho nada. Que a gente
não sei o que...”
145
P (f27) _ O importante é que vocês estejam se ouvindo também... Parece que
um complementa o outro na preocupação. Talvez fique mais fácil negociar
esses limites se conseguirem prestar atenção no que um fala pro outro, cada
um cedendo um pouco, refletindo sobre as escolhas do casal...
BRUNO (f 94) _ Mas aassim... Vamos supor... Se ela chegasse pra mim e
dissesse: “Vamos viver de aluguel”...
BETINA (f 90) _ Porque eu me questiono assim ó: qual é o pai que não daria
tudo por um filho?
BRUNO (f 95) _ Certo! que não dá... Tu darias tudo por teu filho. Mas não
por um filho. Pelo filho vivo, materializado. Que tá aqui, que tá andando.
BETINA (f 92) _ É pela materialização de um filho teu!!
BRUNO (f 96) _ É mas...
BETINA (f 93) _ Eu daria tudo prá ter um filho, né? Se desse um problema. É
isso que eu penso, assim. E o meu desejo é tanto que é esse. Que eu daria
tudo por um filho.
P (f 28) _ Tu não consegues dar esse limite agora e o Bruno parece precisar
desse limite prá seguir em frente... Paralisam.
BRUNO (f 97) _ O que eu digo é o seguinte: ela tem que estar consciente das
conseqüências de que cada escolha tem um lado bom e do outro ruim. Então
não pode acontecer dela: “Bruno vamos vender o apartamento e vamos
gastar na Dra. Bela” Vamos supor que não certo nessa primeira etapa.
Depois, ela não pode vir cobrar de mim: “Sim Bruno, mas nós moramos nesse
apartamento de aluguel, nós já temos quarenta e cinco anos e tu não vais fazer
nada? Tu não vais fazer nada? Nós temos que mudar esse quarto, precisamos
comprar um apartamento”.
BETINA (f 94) _ Mas eu gostaria que ele também pensasse nesse filho...
BRUNO (f 98) _ Sim, mas tem que ter consciência que o investimento foi feito
num outro lado. E que não se compra um apartamento por ano. Eu o tenho
condições de comprar um apartamento por ano. Nem a cada dez anos. A
nossa condição financeira é outra.
P (f 29) _ Tu estais falando das escolhas... Pode escolher até não ter o
patrimônio e ir até o fim nessa busca por um filho... É isso?
BRUNO (f 99) _ Das escolhas. Pode ser, mas ter a consciência disso: “Eu
morando aqui nesse apartamento simples, mas eu fiz uma opção. Nós fizemos
uma opção. E agora o é justo eu cobrar do Bruno que reverta o quadro,
afinal de contas eu tinha consciência disso. Por que ai, depois: “Ah, que o
146
apartamento é pequeno, que não tem piscina, que não tem quadra de esportes,
que a criança quer brincar...” (Risos) Tem que ter consciência disso.
P (f 30) _ Tu estais falando do que tu podes dar prá essa família...
BRUNO (f 100) _ Por mais que tu sejas Juiz, Desembargador... tudo. Quem
ganha salário tem um limite.
BETINA (f 95) _ Tá, mas é um limite maior, né?
BRUNO (f 101) _ Um pouco, mas não muito também.
Silêncio
P (f31) _ A gente vai finalizando a entrevista. E o que prá ver é que são
tantos “se”, “se”... Viver com o “se” é difícil mesmo. o muitas negociações a
fazer, até sobre o re-casamento, reconcilião. Depois sobre as propostas de
tratamento. Mais adiante sobre a criação dos filhos, etc. Vocês é que vão tomar
as decisões...
BRUNO (f 102) _ Tem que estar preparado prá ganhar e prá perder, né?
P (f32) _ Não sei se pse “preparar”, mas acredito que podemos tentar
reagir melhor às coisas, às imprevisibilidades da vida. Existe a possibilidade de
não ter filhos. E, mesmo ao tê-los, quantas decisões vocês terão que tomar em
conjunto, né? Tu tens tua preocupação de provedor e ela de ser mãe...
BRUNO (f 103) _ Quem não tem útero o entende. (Risos) A mulher tenta
entender o homem? Tenta mas também não consegue. Porque não é homem.
BETINA (f 96) _ Mas tem muito homem que quer muito ser pai. Mais até do que
muitas mães, mais do que a ppria mulher até.
P (f33) _ Talvez o que tenham que pensar, agora que falaram como se
sentem, é de que forma podem se proteger ou reagir ante essas pressões
todas, tanto individualmente, se fortalecendo um pouco mais; e também
enquanto casal. E mesmo que vivenciem de forma diferente, talvez um prestar
mais atenção ao outro.
BETINA (f 97) _ Mas. Se eu peço esse tipo de coisa prá ele, ele acha que é
besteira. Porque ele não lida com as coisas assim. Daí ele diz: “Ai, que
besteira. Pelo amor de Deus, tu vais dar bola prá isso?”
BRUNO (f 104) _ Mas chega uma hora que não tem como defender, porque
vamos supor, se reúnem as mulheres e os homens vão fazer um churrasco,
tomando cerveja. Quando a gente vai lá na casa do pai dela, as mulheres ficam
lá embaixo e os homens ficam conversando do outro lado. Então, naquele
momento ali em que ela está sendo “perguntada” eu não tenho como defendê-
la. Quando meus familiares ou os familiares dela perguntam como ela está?
147
Se ela grávida ou não, não é que queiram dizer: Ah, tu é boa ou tu é ruim.
Estão preocupadas e querendo saber... A minha visão é essa. Estão
preocupados conosco e querendo saber como é que a situação. O que
sendo feito, se a gente tá vendo isso... Eu vejo nesse sentido, não vejo
maldade nisso. Eu já vejo o lado positivo.
BETINA (f 98) _ Ai, nós vamos começar tudo de novo, né? Chega! (Risos)
BRUNO (f 104) _ É, é... (Risos)
148
ENTREVISTA CASAL (C)
PSICÓLOGA (P) (f1) _ Como é para vocês ter que recorrer às técnicas de
reprodução humana assistida para realizar o projeto parental?
EVA (f1) A gente se conheceu em 2000. No carnaval de 2000. Eu nunca me
adaptei à pílula. Então a gente cuidava, mais ou menos. Mas desde que a
gente se conheceu, desde o primeiro beijo a gente falava em ter filho. Eu
sempre tive vontade de ter filho e ele também. Muito antes de pensar em casar
a gente queria ter filhos. Em 2001 é que a gente começou a tentar ter filho,
né amor?
FÁBIO (f1) _ Que a gente deixou livre, né?
EVA (f2) _ É. Assim. Com um ano de namoro a gente liberou.
FÁBIO (f2) _ Sem nenhum método contraceptivo.
EVA (f3) _ Daí a gente falou: “Se vir ótimo!” Nós dois queríamos. Daí é que a
gente começou a ver que não era tão fácil assim. Porque a gente liberou,
passou esse ano e nada. E em 2002 também. Em 2003 a gente fez a primeira
vídeolaparoscopia. Até então eu nunca havia ouvido falar em Endometriose. Eu
sempre tive muita cólica. E ai, em 2002... Eu tinha 25 anos na época. Ainda
tava nova, né? Não imaginava, nem conhecia nada da Endometriose. Daí
começou aquilo de ir à ginecologista. Comecei a falar que eu queria engravidar.
Fui fazendo os exames aos poucos. E daí a gente chegou na
vídeolaparoscopia. Na primeira “vídeo” tinha um pouco de Endometriose no
útero, nas trompas. E a médica cauterizou. Ela até perguntou se eu queria
fazer aquele tratamento, prá ficar sem menstruar ou partir prá engravidar logo
na seqüência. E, como a gente queria, a gente começou a tentar de novo. Daí
não deu, não deu,o deu... Daí, em 2005 a gente fez de novo outra “vídeo”.
FÁBIO (f3) _ Antes dos exames (...)
EVA (f4) _ Antes dos exames. Em Maio ou coisa assim. E daí a mesma coisa.
Ele perguntou se queria tomar o remédio. A gente falou que não, que queria
engravidar. Daí ele falou que tinha focos ainda, mas não tantos... Mas não foi
tão claro quanto a isso ai...
FÁBIO (f4) _ Ele falou que o canal da entrada do espermatozóide era meio
estreito e daí deu uma alargada assim...
EVA (f5) _ Ele falou que deu uma liberada no caminho. E...
FÁBIO (f5) _ A gente e ele achava que ia dá prá engravidar naturalmente.
EVA (f6) _ É. Daí a gente fez essa do CLOMID, com as “assistidas” (referindo-
se às fertilizões in vitro).
149
P (f2) _ Você fez sempre com um mesmo médico? Porque você falou elae
depois “ele” referindo-se ao médico.
EVA (f7) _ Não. Fui a vários, vários. Cada vez com um.
P (f3) _ Então, no primeiro foi recomendado a “vídeo” ou tentaram outros
tratamentos antes?
EVA (f8) _ Foi direto prá “vídeo”. Fiz a histerossalpingografia. Umas duas vezes
eu fiz. É um exame bem chatinho. Até me falaram que tem muita gente que
engravida depois desse exame, porque desobstrui as trompas. Mas nunca
aconteceu, né? (Risos) A gente ouviu vários casos. Apesar de nunca
acontecer, a gente sempre teve esperança. Até hoje a gente tem, né? Se
atrasa um dia ou dois, a gente: Ah, será que foi dessa vez? Em 2005 a
gente viajou. Foi morar fora. Ficamos quase um ano fora. Lá a gente até
brigou, se desentendeu. Eu não queria filhos, ele queria. Depois eu queria e ele
que não queria. A gente ficou um ano, só os dois, sem falar em filho, sem
querer...
P (f4) _ Deram um tempo...
FÁBIO (6) _ Mas tentando... Exercitando. (Risos)
EVA (f9) _ É (Risos). Liberado! No ano passado é que a gente resolveu. Daí
todo mundo: Ah...” Porque, querendo ou não, sempre tem aquela
pressãozinha, né? A família, os amigos: “E ai? Quando vocês vão ter filho?
FÁBIO (f7) _ E a Eva se preocupa muito porque ela acha que velha. Ela
acha que trinta anos já é velha prá ter filho. Mas na verdade não é, né?
EVA (f10) _ Não é que eu acho! É que também... A médica, a Dra. Glória, falou
na tua frente, que daqui prá frente... E agora, nesse médico que eu fui
também... Falou que o útero já o era excelente. Tem um ovário meu que não
produz bons óvulos, mesmo com a medicão. Na segunda vez a medicação
foi dobrada... tal. E mesmo assim deu um embrião só.
FÁBIO (f8) _ Um óvulo!
P (f5) _ A resposta ovariana...
EVA (f11) _ É. Um óvulo só. Então, na segunda foi bem ruim. E eu tenho
sentido licas, de dois meses prá cá. Certinho. E dque eu procurei esse
outro médico, no começo do mês em Curitiba. Porque agora essa lica o é
mais no período menstrual. É no meio do ciclo. Depois eu fiquei preocupada.
Achei que estivesse acontecendo alguma coisa. Fui numa médica aqui. Tomei
até antiinflamatório Ela até suspeitou de uma gravidez nas trompas, né?
Porque estava bem inchado. Daí que eu fui nesse último médico agora esse
mês. Ele me examinou de novo. Ele tinha me examinado há quatro anos, antes
150
de eu ir para a Dra. Glória. Ele é um médico amigo da família e tinha feito na
época um desenhinho do meu útero. Ele examinou de novo e fez uma
comparação e disse assim que meu útero tava se comprometendo cada vez
mais. E que por questões imunológicas ou até de... Como é que se diz?
Hereditárias, o útero perdendo a melhor fase dele. E ele mesmo disse: “Ó,
se quiser tentar, a hora é agora.” Ai o Fábio nem queria ouvir falar, né?
FÁBIO (f9) _ Nem quero ainda!
P (f6) _ Falar do que?
EVA (f11) _ Da fertilizão. (Risos)
FÁBIO (f10) _ Porque na verdade é assim... A gente fez duas vezes com uma
médica daqui da cidade, a Dra. Glória. Eu acho que eles vendem um sonho prá
gente, tá? Colocam muita “pilha” nisso. Eu nem tanto porque eu tô tranqüilo. Eu
quero muito ter (filho), coisa e tal, mas se não vier, tudo bem. Eu sei que a
gente vai poder ter mais tarde. Agora a Eva não. Mexe muito com o
psicológico dela. Então eu acho errado o jeito que os médico tratam: “Não!
Agora vai dar certo! Vai dar certo sim!” Ai, deu um óvulo , ela falou : “Vou
botar uma cola ‘bonder’ lá... Tipo assim ó, eles ficam vendendo o sonho
dizendo que agora vai dar, agora vai dar”, mas o que eles querem mesmo é
fazer o procedimento e ganhar o dinheiro. Essa que é a verdade. A grande
verdade é essa. Esse é o trabalho deles. Então, deu um óvulo só... s dois
somos leigos no assunto e a Dra. Glória deixou na nossa mão prá decidir: Faz
a fertilização com um só ou não?” Como é que uma pessoa que não sabe nada
de fertilização vai decidir se faz com um ou não? Outros médicos com que a
gente conversou, eles falaram que de maneira nenhuma, com o histórico da
Eva eles fariam com um óvulo só. Porque é jogar o procedimento fora. Então,
eu fiquei meio chateado com isso. Eu acho que o é p gente se desesperar
prá procurar isso ai. Ficar fazendo mil vezes, o. Daqui a pouco a gente faz
outra vez (FIV), ou vamos tentando normalmente. Agora a gente comprou
nosso negócio. Estamos pensando em outras coisas. A cabeça está em outro
mundo. Talvez agora venha. Eu acho isso. E eu acho que mesmo se o vier,
a gente tem tempo ainda prá ter. Agora a Eva fica muito abalada no
psicológico. Então, eu acho... Eu fiquei meio bravo, né? Não gostei da atitude
dos médicos, que é essa de querer ganhar dinheiro, querer fazer o
procedimento. Tudo bem. É o negócio deles. que nesse caso, por exemplo,
de um óvulo , a Dra. Glória devia ser enfática em dizer assim: “Eu não vou
fazer isso. Eu vou guardar esse óvulo. Vou congelar durante um mês. Mês que
vem vocês fazem de novo. Se der mais um, da gente bota dois. Porque se
botar um só...
EVA (12) _ Foi prá um lado muito comercial.
151
P (f7) _ Esse processo de fato envolve muitas questões, escolhas. Deve ser
tão difícil decidir fazer com um, quanto com quatro, pois, é possível que se
tenha que decidir por reduzir o mero de embriões por queses de
preservação dos demais, por exemplo. São riscos inerentes e dilemas que se
impõem nesse processo.
EVA (13) _ Na primeira vez Fábio não queria... Tinha quatro bons, né?
FÁBIO (f11) _ Eu falei que...
EVA (14) _ Ele queria dois, a princípio. Eu conversei isso lá na mesa (de
cirurgia), na hora do cateter (implantação dos embriões), eu falei: “Não. Três,
três, três”. Aí foi três.
FÁBIO (f12) _ Eu acho o seguinte, botar mais do que três é um risco grande
prá mulher. Não é: “Ah, eu quero ter filho...É muito egoísmo meu: bota três
ai! Quero nem saber. Bota seis.” Imagina dar os seis? morre a mulher e fico
eu com seis filhos. Eu não quero! (Risos). Eno é complicado. Acho que tem
muito comércio envolvido nisso ai, tá? Um procedimento muito caro aqui no
Brasil, hoje em dia. Então os médicos estão aproveitando prá ganhar dinheiro.
Esse é o momento prá eles ganharem dinheiro, porque daqui a pouco isso ai
vai baratear, como é nos Estados Unidos. Lá qualquer um faz isso. Vai
baratear e deles não vão perder de ganhar o filão deles. Daqui a pouco o
SUS vai tá fazendo.
EVA (f15) _ A gente até tentou comprar medicação (EUA), mas é bem
complicado.
FÁBIO (f13) _ Tem um comércio forte nisso ai. É um comércio forte e eu acho
que é muito cruel para as pessoas que querem ter filhos, né? Se submeter a
isso ai. Apesar de a ciência estar ajudando e coisa e tal, é cruel porque a gente
que, muitas vezes, os médicos estão interessados mesmo é em fazer o
procedimento. Se der ou não der... Às vezes até eles querem que não
certo, porque eles sabem que o...
EVA (f16) _ Tu achas isso, né?!
FÁBIO (f14) _ Às vezes eles sabem que o cliente tem uma condição financeira
boa... Então eles não tão muito preocupados: Ah, se o der certo a gente vai
fazer de novo, vai fazer de novo.” Vai ser bom prá clínica.
P (f8) _ A FIV vocês fizeram uma vez?
FÁBIO (f15) _ Duas vezes.
P (f9) _ Então apesar de toda essa sensação de que é tudo muito comercial...
FÁBIO (f16) _ A gente fez a primeira com três embriões e a segunda com um.
152
EVA (f17) _ A gente fez em Setembro.
P (f10) _ Foi uma seguida da outra?
FÁBIO (f17) _ E depois em Dezembro.
EVA (f18) _ É foi bem seguida. Depois eu queria fazer de qualquer jeito. Não
foi difícil convencer o Fábio porque parecia um vício. Não um vício, mas uma
vontade incontrolável de fazer outra: Não, vai dar, vai dar” (Risos). E foi bem
em seguida, né? Foi Setembro e Dezembro.
P (f11) _ De que ano?
EVA (f19) _ Do ano passado. A gente até pediu um desconto na segunda (FIV)
e ela deu uns quinhentos reais de desconto. A medicação é muito cara e
aumentou. Então ficou elas por elas como da primeira vez.
FÁBIO (f18) _ Eles dão um desconto simbólico, porque na verdade...
EVA (20) _ Com recibo é um preço, sem recibo é outro, né?
FÁBIO (f19) _ o desconto sem recibo, ou seja, o desconto que eles dão é
menos do que eles vão deixar de pagar ao imposto de renda. Então a gente vê
que tem um tino muito comercial.
P (f12) _ Como foi essa experiência dos tratamentos?
FÁBIO (f20) _ Ficar esperando é uma ansiedade né?
EVA (21) _ Muda. Você muda toda a tua vida, mas na verdade a vida não
muda, né? Porque não deu certo. Mas você mudou.
P (f13) _ Vocês poderiam me falar um pouco mais sobre como vocês
vivenciaram esse procedimento da FIV. Existe toda uma preparação, as
injeções, controles, horários, enfim. Como foi prá vocês passar por isso tudo?
EVA (22) _ Ah, tu não dorme. Dorme “encucado”. O Fábio me lembrava das
medicões...
FÁBIO (f21) _ Na empolgação! Tudo certinho, direitinho...
EVA (23) _ Era oito horas a injeção? Oito horas tinha que tá em casa.
FÁBIO (f22) _ Inclusive a Dra. Glória falou que era prá botar um, nessa última
vez. Ela deixou prá gente escolher. A gente escolheu: “Vamos botar.” Claro, a
gente queria, né?
EVA (f24) _ É. Esse vai dar! É ele...
153
FÁBIO (f23) _ E ia dar mesmo. Um só, né? Vai dar um. É o que a gente quer:
um. Não quer mais de um. A gente fica bem ansioso, aguardando, numa
expectativa muito grande.
EVA (f25) _ No dia do exame...
FÁBIO (f24) _ Só que no final é uma decepção. Uma decepção bem grande.
EVA (f26) _ Na segunda vez eu tive mais cuidado nessa fase da implantação.
O bio não queria nem que eu levantasse da cama. Ele me levava no colo.
Foram mais cuidados. Na primeira vez a menstruação veio antes do exame. A
gente nem chegou a fazer o exame. Na segunda vez, não vinha, não vinha,
não vinha. A gente ficou com mais esperança. Atrasou quase dez dias. Só que
o exame deu negativo. Eu fiz duas vezes o exame porque ainda não vinha. No
fim era a medicação que eu tava tomando que tava alterando, que tava
segurando.
P (f14) _ Me parece que vocês fizeram muito por esse filho, se dedicaram ao
tratamento...
EVA (27) _ Eu digo assim que, quando a pessoa tem um problema é mais fácil.
Quando se sabe: “Ah, o homem tem esse problema.” Ai resolve, né? Agora a
mulher... A gente tenta achar aonde o problema, até achar, é mais
complicado.
P (f15) _ Quando não se tem um diagnóstico preciso parece que fica mais
difícil para o casal...
EVA (28) _ Todo mundo pergunta: “Mas o que é que tem?”
FÁBIO (f25) _ “Não, não tem nada.” “Ah, tem varicocele, Endometriose, baixa
contagem de espermatozóides...” “Ah, ela tem isso, ele tem isso. Vamos tentar
o dela, vamos tentar o dele... Quem sabe vai dar certo
EVA (f29) _ Mas se não tem nada, vai tentar o que?
FÁBIO (f26) _ Vai tentar o que? Não sabe o que tratar, não sabe o que fazer?
EVA (f30) _ Até a gente foi num outro médico, depois da Dr. Glória... A
segunda vídeolaparoscopia foi com o Dr. Henrique. Foi outro médico que deu
aquele crossmatch”, que é um exame prá ver a compatibilidade dos nossos
cromossomas. Custa 750 reais. Tem que fazer em São Paulo. A gente nem
chegou a fazer porque estávamos pagando os cheques dos
medicamentos/hormônios ainda. Daí eu falei prá ele: “Vou segurar. Não vou
fazer estes exames porque nem temos condições de fazer”.
154
P (f16) _ Vocês se empenharam mesmo, né? Dentro do que foi possível,
procuraram seguir os tratamentos recomendados. Alguma vez chegaram a
pensar em alternativas para realização do projeto parental?
EVA (f31) _ A gente falou sobre adoção. A gente conversa. Tem hora que a
gente começa a falar mais. O Fábio quer. Ele queria a mais do que eu no
começo, mas não quer agora.
FÁBIO (f27) _ É o seguinte, a gente queria. A gente sempre pensou em adotar
se não desse. Até porque eu sempre achei que depois de adotar a gente ia
acabar tendo filho.
P (f17) _ Havia essa expectativa então?
EVA (f32) _ Eu já falava que não queria adotar por causa disso.
FÁBIO (f28) _ Daí ela: “Não, não, eu quero ter o meu, eu quero é ter o meu.”
Ela decidiu e daí eu concordei, porque ela quis fazer as duas fertilizações.
Fizemos as duas fertilizações. Foi um desgaste emocional, financeiro, tudo.
Depois disso a gente acabou comprando nosso negócio, que é um outro
problema na nossa vida. É outra situação que fez a gente mudar o nosso foco,
né? A idéia de ter filho por um negócio. Ficamos focados no negócio. Cheios
de problemas lá, como nossos funcionários. Então, é bom né? Porque sai um
pouco da cabeça. Logo depois disso a Eva veio querendo entrar com a
documentação prá adotar. Daí eu falei que não era o momento, eu acho.
Porque a gente com o negócio, que é uma coisa nova. Estamos com vários
problemas lá. Então não. Agora eu não a fim. Então, antes eu queria e ela
preferiu fazer outra coisa (FIV). E a gente fez. Gastou um monte de dinheiro,
gastou tempo, emoção, tudo. Agora, fazer de novo outro processo de adoção,
que era prá ser antes daquele ali... Eu acho que não é o momento. Daí eu
decidi, eu desisti.
P (f18) _ A adoção é um processo que também exige uma preparação. Leva
um tempo relativamente longo prá ser efetivada.
EVA (f33) _ Por isso que eu falei pele. Quando eu insisti prá que a gente
iniciasse o processo tudo de novo. Vamos iniciar, vamos pesquisar.
FÁBIO (f29) _ Tem o irmão de um amigo meu que tava tentando também a
fertilizão in vitro e ele decidiu adotar. Em três, quatro meses ele tava com o
filho na mão.
EVA (f34) _ Ele foi pegar a criança lá longe, no interior do Paraná.
FÁBIO (f30) _ sei que ele registrou no nome dele a criança. A criança
nasceu lá numa idade do interior. Eles foram lá, pegaram a criança na hora que
nasceu. Nasceu e ele pegou ali, bebê.
155
EVA (f35) _ Ele tá feliz da vida.
FÁBIO (f31) _ Ela é registrada. Diz que a criança é bem parecida com eles.
P (19) _ Tudo depende do que é ter um filho p cada casal, cada um né?
Penso que um filho biológico também precisa ser adotado. É adotado todo dia,
no sentido da aceitação, do conhecimento, da confiança, enfim... Na
reprodução humana também existem situações de adoção: de embrião, de
óvulo, espermatozóide...
FÁBIO (f32) _ Teve uma amiga nossa que ofereceu a “barriga de aluguel”.
P (20) _ Útero de substituição.
EVA (f36) _ Minha irmã... maluca! (Risos)
FÁBIO (f33) _ E é uma saída realmente. Esse problema dela de útero e coisa e
tal. É uma saída ué! Fazer a fertilização in vitro e botar no útero da outra.
P (21) _ É importante que vocês estejam podendo ver alternativas. Vejo que se
dedicaram aos procedimentos, se empenharam, mas que não perderam a
perspectiva de outras possibilidades, até uma forma de lidar com as pressões
internas e externas, ?
EVA (f37) _ Depois dessa última fertilização, ninguém mais tocou no assunto.
P (22) _ Quem sabe dessa situação de vocês?
EVA (f38) _ Tem. Querendo ou não, todo mundo sabe. A gente foi dos amigos,
o primeiro casal a casar. Tem gente que até hoje agradece porque muitos
casaram porque a gente casou. E daí, como conseqüência, vêm os filhos né?
Então, querendo ou o, todo mundo pergunta: E vocês?” Daí todo mundo
começou a engravidar. Quem casou depois ou que nem casou ainda. E
durante o processo, embora a gente não quisesse comentar com ninguém, a
gente acabava falando prá todo mundo. Quem o sabia soube. Todo mundo
sabe, família... Temos três irmãos, alguns sobrinhos, mas...
FÁBIO (f34) _ Da família dela, a gente foi o primeiro a decidir ter filho. Dos
casais... Os irmãos dela.
EVA (f39) _ De todos os netos, ? Já tem três, bem na frente. (Risos)
FÁBIO (f35) _ Três não. Tem dois.
EVA (f40) _ Tem agora o da Ivana.
FÁBIO (f36) _ Ah! Tá!
EVA (f41) _ Tá, dos filhos, tem dois.
156
FÁBIO (f37) _ Dos irmãos dela, a gente foi o primeiro da decidir ter filhos. E a
gente ainda avisou: “Ó, vamos ter filho”. Anunciamos. Daí a gente demorou e a
irmã dela “pá”! Fez o filho antes.
EVA (f42) _ É a mais velha.
FÁBIO (f38) _ Daí o irmão dela, que também é mais velho, planejou, direitinho,
daí teve também. Então, a gente acabou ficando pra trás, né? (Risos) Do meu
lado, o meu irmão mais velho só que tem filho. Tem dois.
P (f23) _ “Ficaram prá trás”? Como é isso? Alguma cobrança da família? Como
se sentem?
EVA (f43) _ Dos pais o,...
FÁBIO (f34) _ Acho que, como a gente chegou nesse ponto de ter que fazer a
fertilizão, as pessoas...
EVA (f44) _ Elas vêem que é mais delicado, né?
FÁBIO (f35) _ Não tocam muito no assunto, assim, tipo cobrando, não.
EVA (f45) _ Claro que sempre tem aquilo: “Vocês não o fazer filho prá
brincar com meus filhos?” Meus cunhados brincam assim. Mas...
FÁBIO (f36) _ Brincam assim...
EVA (f46) _ Principalmente os avós, nunca fizeram muita questão não. Os
avós... (Risos). Os futuros avós, né?
FÁBIO (f37) _ Assim... me deparei várias vezes... Com amigos que não são
tão próximos, tão chegados e que não estão sabendo que a gente fez
fertilizão e às vezes perguntam: “E aí? Quando é que vêm os herdeiros?
Quando é que vai vir o filho?
P (24) _ E como era isso prá ti?
FÁBIO (f38) _ Na hora da pergunta eu me recordo, né? Eu me recordo das
tentativas, da fertilizão, tal. Mas assim, eu não fico chateado de falar, nada.
Eu falo normalmente: “Estamos tentando, diariamente.” Aquela coisa, né?
Como eu te falei antes, eu tô tranqüilo em relação a isso. Eu me preocupo mais
é com a Eva. Eu tô tranqüilo. Sinceramente, eu poderia ter tido filho quando eu
tinha 22 anos. Eu sempre gostei de criança e quis ser pai novo. Prá poder ter o
meu filho, me acompanhar, ir ppraia junto, né? Mas assim, tamm não sou
desesperado prá ter filho. Sei que requer vários cuidados e priva de várias
coisas. Então, como a gente gosta muito de viajar, a gente provavelmente ia se
privar muito disso, então...
EVA (f47) _ É! Porque a gente tem uma vida ótima...
157
FÁBIO (f39) _ Eu não vejo assim, um lado ruim, péssimo de o ter filho. Tipo
assim, ah, frustração total... A gente faz um monte de coisas que com o filho
não daria.
EVA (f48) _ Quanto tempo depois a gente viajou? Deu o resultado... “Vamos
esquecer, vamos prá Disney. Vamos para um lugar bem alegre” Foi mais
simples do que eu pensava. Tem uma amiga minha que fala: “Pô, tu é forte,
né?” Dá aquela choradeira tal, mas passa.
FÁBIO (f40) _ Psicologicamente, eu acho que a gente lida bem com isso, por
causa desse lado ai. A gente não parou no tempo: “Ah, frustrou. ra de fazer
tudo” A gente não parou de fazer tudo.
P (f25) _ Vocês perceberam alguma mudança no relacionamento de vocês?
EVA (f49) _ Na época da fertilização é meio chato, né? Fica dolorida. Às vezes
pode outras não pode, não sei o que. O desejo sexual diminui. Eu falava prá
ele: “Agora é prá fazer filho, o fazer amor. Agora pode, é hoje”. Atrapalhou
né? E depois da fertilizão também. Não sei se foi por causa da medicão,
deu uma secura vaginal. Eu sentia muita dor na relação sexual, muita dor. Daí
atrapalhou durante, atrapalhou depois. Agora é que melhorando esse lance
da dor, por causa da secura, disso, daquilo. Do estresse, inclusive...
P (f26) _ Houve uma perda da espontaneidade sexual?
EVA (f50) _ É. Teve uma época que eu falava: “Vamos fazer amor que depois
eu não levanto mais.” Você começa a botar um monte de regra prá fazer.
FÁBIO (f41) _ Acabou de fazer amor, tem que botar ela de cabeça prá baixo.
(Risos)
EVA (f51) _ Por um travesseirinho. E chá. Eu fiz acirurgia esrita, no
Centro Espírita... Fiz o tratamento, fiz a cirurgia. que a gente viajou logo na
seqüência e tinha que tomar uma “aguinha”. Aquela aguinha” que eles fazem.
E eu o tomei a “aguinha”. Daí eu acho que pode ter isso que não deu,
porque eu não tomei até o fim. A gente tentou isso também...
P (f27) _ Às vezes, precisamos encontrar alguma justificativa para os
acontecimentos, as tentativas que não deram certo. Vocês pensam em novas
tentativas? Tem falado sobre isso?
EVA (f52) _ Na verdade a gente não tava pensando... Eu também não queria.
Ele principalmente que não queria nem ouvir falar. Daí, mês passado teve esse
problema de cólica que eu tive. Durante o período menstrual teve um dia assim
que eu passei mal na rua, tive um pequeno desmaio. Fui ao pronto socorro do
local aonde eu tava trabalhando. O pessoal do trabalho socorreu, me pegou no
colo, tal. Eu fiquei um pouco preocupada. Começaram as cólicas fora de
158
época, fora de hora, que me levaram a voltar nesse médico que eu fui
quatro anos. E com o diagnóstico dele, de que meu útero estava se
comprometendo, que tem uma mancha. Ele me explicou tudo. Ele me
convenceu a fazer outra (FIV).
P (f28) _ Ele falou do que se trata essa mancha?
EVA (f53) _ Não. Não sei exatamente. Não sei explicar. Mas foi minha mãe...
Minha mãe que me pegou pelo bro e me levou até lá. Ela que marcou o
médico. Foi em Curitiba. Foi agora no dia primeiro de Julho. Daí ele me
examinou e inclusive a gente só o fez dia primeiro mesmo, porque ele tinha
um seminário na Europa e ele tava indo viajar e achou que podia cair bem no
dia. Daí eu falei com o bio. A minha mãe foi na consulta e também ficou
assustada porque o médico disse com todas as letras que meu útero estava se
comprometendo e que era prá fazer (FIV) o quanto antes. Mais por uma
questão de tratamento do que de ter filho. Se eu quisesse ter filho, ele falou
assim que era prá eu fazer agora. Praticamente assim, em outras palavras. Ele
foi bem menos comercial do que a Dra. Glória, no sentido de... Ele não
levantou nenhuma esperança. Enquanto que ela falava que era 60%, ele disse
que era 40% de chance. De maneira nenhuma criticou o trabalho dela. Disse
que: “O que aconteceu com ela pode acontecer comigo da mesma forma. É
uma tentativa. Eu vou fazer o meu melhor”. Ele já é amigo da família, assim. Da
primeira vez ele falou inclusive que não ia cobrar a parte dele. Nessa segunda
vez ele o falou. Dessa vez ele deu o preço dele, que é um pouco mais
caro que o da Dra. Glória. que da parte dele ele falou que a gente poderia
estar utilizando bem menos medicamentos. Da parte dele seria praticamente a
metade do preço do da Dra. Glória.
EVA (f54) _ Eu tava comentando com o Fábio, a gente com esse problema
lá no nosso necio. Eu falei pro médico e prá minha mãe também que: ”Não,
não! Não tem condições, nesse momento não tem condições. Eu não tenho
nem coragem de falar pro Fábio” Daí ela e minha avó se prontificaram a ajudar.
Emprestar ou ajudar, sem compromisso, a princípio, prá fazer. Daí nessas
condições o Fábio topou. Então a gente vai tentar entrar ai com a medicação.
P (f29) _ Então assim, a parte financeira parece que foi resolvida, ai nesse
ponto...
EVA (f55) _ Tá ai!
P (f30) _ E como é que vocês estão prá enfrentar esse processo novamente?
O Fábio falava anteriormente sobre a questão comercial, a sensação de
exploração, de ilusão...
FÁBIO (f42) _ Eu mais assim, é... querendo fazer de novo por causa da
Eva. Ela quer e eu acho assim, que se é por questão de saúde, da saúde dela,
159
eu acho importante. Não vou deixar ela na mão e dizer: Não, meu
espermatozóide eu não dou.” (Risos) E anessa questão financeira não é só
financeiro. É financeira, aliada a uma parte psicológica.
P (f31) _ Tens algum receio?
FÁBIO (f43) _ Eu acho que a gente pode gastar muito dinheiro por uma coisa
que de repente não...
EVA (f56) _ Eu acho que ele não acredita mais no processo.
FÁBIO (f44) _ É... Talvez não seja por ai.
EVA (f57) _ Eu falei prá ele que se ele não acreditar é pior. Mas eu acho que
ele já não tem mais... Ele... Eu acho...
FÁBIO (f45) _ Como tem esse irmão do meu amigo que trabalha comigo. Ele
gastou mais de 200 mil reais e o teve filho ainda. Então, pô, tu fica... Não é
o dinheiro. Ele gastou 200 e tudo bem p ele. Ele tem dinheiro prá isso.
Não é esse problema. Ele tem bastante dinheiro prá isso. Não é a questão. A
questão é o desgaste psicológico, físico, tais entendendo? Tomar hormônio,...
Mais psicológico...
EVA (f58) _ Dá uma engordadinha, né?
FÁBIO (f46) _ E essa esperança que... No final eles vendem um sonho, um
sonho que nunca chega.
P (f32) _ Isso é o que parece ser o mais importante...
FÁBIO (f47) _ É o que pega mais. Tais sempre acreditando numa coisa,
pagando por isso e nunca vem. Inclusive, uma vez, um amigo meu que é
advogado falou: “Ah, vamos abrir um processo.” Eu disse: Não, não pode,
porque a gente assina um documento, dizendo que sabe que pode não
acontecer.” Não mais isso o tem validade nenhuma”, ele falou. Mas ele é
advogado e quer também abrir o processo, né? Mas eu acho que assim
muito comercial, a venda de um sonho muito... É um sonho muito grande,
muito importante na vida de cada um. Então mexe muito com as pessoas. Eu
acho que é complicado mexer nessa parte da vida das pessoas.
P (f33) _ Antes você falou que faria pela Eva porque agora viu que tem uma
questão de saúde envolvida, que pode comprometer o futuro, e por esse
motivo tu até abre mão dessa posição...
FÁBIO (f48) _ Isso, eu falei prá ela até que ajudaria nos remédios. Falei até prá
ela que se a mãe dela pagasse os outros custos eu pago o resto, não tem
problema. Não é a questão financeira. Não é problema financeiro. A gente tem
160
condições de fazer outra, e mais uma, e mais uma. que eu acho que vai
ser... Coisas jogadas fora.
P (f34) _ Já não está tão confiante, tão animado quanto antes...
FÁBIO (f49) _ É. Vamos pegar ai,... Vai gastar mais de 20 mil? Vamos pegar
20 mil e vamos fazer uma viagem prá espairecer, curtir, esquecer. Talvez
ajude, não sei...
EVA (f59) _ (Suspiro) Ah, então! Eu acho que aquela história da “esperança é
última que morre” é bem verdade, porque, apesar de tudo isso, a gente ainda
tem... Há esperança.
FÁBIO (f50) _ Mas eu sinto que ela mais preocupada em nunca poder ter
filho.
P (f35) _ É um risco, uma possibilidade...
FÁBIO (f51) _ É real, sim.
EVA (f60) _ Com certeza.
FÁBIO (f52) _ Mas o jeito que os médicos colocam... Por exemplo, esse último,
que apesar de ser amigo da família e tudo, ele falou: “Se tu queres engravidar,
tem que ser agora, tem que ser agora.” Então, todo médico que tu vai, tem que
ser agora. Porque agora? É a hora que eles querem ganhar o dinheiro. Não
nem falando... Esse médico eu nem conheço. Não posso nem falar dele...
P (f36) _ Tu já ficasses com essa imagem, essa impressão...
FÁBIO (f53) _ Exatamente, essa imagem. É forte. Eu fui na Dra Glória,
acertar o pagamento. A primeira vez a secretária me mostrou um bolo de
cheques sustados. Não foi nem que voltou sem fundo. Foram sustados mesmo.
As pessoas ficam... Isso é uma coisa que mexe com a vida das pessoas e elas
ficam irritadas com isso. Afeta muito eles, tanto que eles mandam sustar os
cheques. Porque? Porque não receberam aquilo que foi prometido. E a Dra.
Glória tem muito a promessa disso. Ela sempre promete. Ela diz assim: “Não,
dessa vez vai dar.” Ela não é imparcial. Ela não é assim: “Olha, eu não posso
prometer nada prá vocês. É igual a da outra vez. Pode não dar e pronto.” Ela
não fala assim. Ela fala que vai dar. Eu até entendo o lado dela ser otimista e
passar o otimismo dela prás pessoas, mas tá errado. Tá errado porque ela cria
falsa esperança e as pessoas têm uma decepção muito grande.
P (f37) _ É proporcional à esperança...
FÁBIO (f54) _ A decepção é maior do que a esperança. Quando vem a
decepção é muito maior. Pesa muito mais do que... A esperança te uma
reavivada: “Agora vai dar, né?” Ela bota isso na nossa cabeça: “Não dessa vez
161
vai dar. Eu vou botar uma ‘cola bonder’.” Vai fazer não sei o que... “O embrião
agora A+++, com estrelinhas” Sabe? o palavras que vão botando na
nossa cabeça prá gente se sentir bem. que depois disso vem o se sentir
mal, muito pior.
P (f38) _ Percebo que a tônica da nossa conversa tem sido, não tanto a
pressão para ter um filho (social, familiar). Vocês parecem administrar bem
essa parte, mas sim os tratamentos, o aspecto comercial, a própria
comunicação com a equipe médica. No entanto penso que quando acreditamos
no que estamos fazendo, é importante, ajuda a encarar uma situação
desgastante como essa.
FÁBIO (f55) _ Essa parte ai de vender o sonho... No método deles faltando
uma orientação psicológica. Prá eles, os médicos. Se eles tivessem... A gente
poderia ter feito essas duas e mais duas até. Se eles tivessem falado comigo
diferente: “Olha Fábio, eu o sei se vai dar. É uma coisa difícil. o 60%
dentro dos 20% que uma pessoa normal...” Porque uma pessoa normal tem
20% de chances de engravidar de forma natural. Então: “dentro desses 20% tu
tens 40% de chance que tu consigas. O negócio não é fácil, é complicado,
demora e pode ser que não dê.” Se eles falassem isso prá mim, talvez eu
estivesse fazendo a quarta ou quinta vez agora. Mas não. A Dra. Glória, em
especial, falou de um jeito: “Vai dar, vai dar. Dessa vez vai dar.” Daí terminou,
ela falou assim: “Da próxima vai dar.” Ai eu falei assim pela: “A próxima não
vai ter.” Quando ela falou que da próxima ia dar, eu falei que não ia ter
próxima. Não vai ter.
P (f39)_ Tem todo o aspecto psicológico de vocês também, envolvido...
FÁBIO (f56) _ Partindo do ponto da ciência. Prá ciência é... É físico. Pegou,
juntou o espermatozóide com o embrião, ok! Não tem problema psicológico. O
psicológico que eu digo é na decepção de o ter dado certo. Que é uma coisa
científica... Se dá ou não dá....
EVA (f61) _ O corpo reage da forma que você sente. Ninguém tem a “cola”. A
“cola” eu acho que é o psicológico.
FÁBIO (f57) _ Eu até acredito que o psicológico não afete assim, por exemplo,
ia dar certo se tu não tivesses nessa pressão psicológica. Isso eu não acredito.
Eu acredito na ciência. Agora, a decepção de não ter dado certo, por um fato
científico, normal, natural, que o tem nada a ver com o psicológico... É essa
decepção que trás uma carga psicológica muito grande prá pessoa. E esse
jeito deles o falarem a verdade desde o início: “Olha o negócio é difícil,
complicado e é bem difícil de dar certo.” Muito mais fácil falar isso.
P (f40) _ Vocês buscaram alguma ajuda psicológica?
EVA (f62) _ A Dra. Glória me encaminhou. Eu fui só numa entrevista.
162
FÁBIO (f58) _ Um terapeuta sexual.
EVA (f63) _ Eu fiz essa entrevista. Adorei ele. sei que era bem caro, bem
junto com essa situação dos remédios, tal. Marcamos o tratamento. No começo
eu não ia fazer o. Relutei um pouco p fazer. Depois: “Ah, vou fazer.
Cheguei a ir na psicóloga do trabalho do bio, que era gratuito, mas não deu.
Ai eu fui ao terapeuta sexual. No dia de ir, na frente do consultório dele eu
liguei pro Fábio e falei: “Não vou. me sentindo tão bem. (Risos) tão feliz.
Vou pro shopping comprar uma calça.” Me lembro que eu falei prá ele isso.
P (f41) _ Você foi sozinha? Era atendimento individual ou casal?
EVA (f64) _ Era eu, não era casal. Eu tinha visto uma calça no shopping
que eu gostei. (Risos) Daí eu não fui. Nunca mais voltei lá. Assim, eu me
considero uma pessoa bem feliz. Tipo, têm algumas pessoas que falam assim:
“Ah, que depressão atrapalha, que não sei o que atrapalha, clausura, falta
disso, falta daquilo, não sei o que mais...” Desse mal eu não sofro. (Risos) Me
considero... Eu, nunca pensei que fosse precisar de psicólogo na vida. (Risos)
Por que sei que sou equilibrada, e feliz. Às vezes eu até penso se faço queso
de ter filho. A gente é tão feliz sem. Será que a gente quer mesmo ter filho?
Muitas vezes a gente até se questiona, né?
P (f42) _ É importante que vocês estejam podendo refletir sobre isso. Às vezes
o pragmatismo e a urgência da busca, não permitem pensar sobre o desejo...
EVA (f65) _ Isso fica na cabeça da gente: “Cadê a insatisfação, cadê? Faz
falta?” É estranho isso...
P (f43) _ Talvez pensar um pouco mais sobre essa escolha, as motivações
pessoais, sociais, familiares...
FÁBIO (f59) _ Eu pessoalmente já falei que eu quero muito ter filho também por
uma questão cultural, de família, coisa e tal.
EVA (f66) _ Mas é porque a gente gosta também. A gente se bem com os
filhos dos nossos amigos. Eles gostam da gente. A gente gosta deles...
FÁBIO (f60) _ Mas eu sei que vai ser complicado por que a gente vai se privar
de muita coisa. Talvez depois a gente até se arrependa. (Risos)
EVA (f67) _ Todo mundo diz que pesa tal, mas eu tenho na minha mente... Eu
falo prá ele que eu não vou deixar de fazer nada do que a gente faz. O máximo
que vai acontecer é que a gente vai gastar mais passagem, porque a gente vai
levar nosso filho prá onde a gente for. “Ah, mas tu vai chegar não é bem
assim: tem o “sacolão”, o carrinho, a banheirinha, lalalalala...” A gente prefere
pensar que vai ser assim, e só na hora mesmo é que a gente vai ser ou não
163
vai. Tenho amigas que sofrem: “Ah, a gente se acaba, não sei o que... Mas
quando eu vejo o sorriso da minha filha ali: ah que gostoso” Então é assim, né?
P (f44) _ Bom, em tudo na vida, se perdem e se ganham coisas. Cada escolha
implica numa renúncia, num acordo, na aceitação dos limites. O importante, e
talvez o mais difícil nisso tudo, é justamente buscar o equilíbrio.
FÁBIO (f61) _É exatamente assim que eu penso.
P (f45) _ Então, a entrevista esterminando e eu gostaria de saber se vocês
têm algo a acrescentar, a dizer sobre essa situação que vocês estão
vivenciando...
EVA (f68) _Ah, eu procuro pensar que a gente vai ter filho. Eu imagino sempre
com o filho.
FÁBIO (f62) _Se a gente não tiver a gente vai adotar. Daqui a uns cinco anos,
talvez.
EVA (f69) _ Pois é, mas o que a gente quer... A gente quer ter um filho. O
método que vem não importa. De repente não importa nem tanto quando, mas
que a gente vai ter, a gente vai.
FÁBIO (f63) _ De repente a gente pega ai uma barriga de aluguel. Cheio de
amiga se oferecendo... (tom provocativo)
EVA (f70) _ Não é isso também. (Risos)
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