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Juliana Jerônimo Costa
AS RELAÇÕES SUL-SUL NA POLÍTICA
MULTILATERAL BRASILEIRA (1961-2002)
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
(PUC-SP/UNESP/UNICAMP)
São Paulo - 2009
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Juliana Jerônimo Costa
AS RELAÇÕES SUL-SUL NA POLÍTICA
MULTILATERAL BRASILEIRA (1961-2002)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais
(UNESP/UNICAMP/PUC-SP) sob orientação do
Professor Doutor Clodoaldo Bueno.
Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais (PUC-SP/UNESP/UNICAMP)
São Paulo - 2009
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DEDICATÓRIA
A Deus, aos meus pais, Domingos e Nadir.
AGRADECIMENTOS
Aproveito este espaço para agradecer a todos que, de alguma forma, contribuíram
para a realização deste trabalho.
Primeiramente, agradeço ao meu orientador, professor Clodoaldo Bueno, pela
cordialidade, amizade, apoio e críticas. Foi um grande aprendizado trabalhar com um
pesquisador de sua natureza, que sempre me deixou livre para fazer as minhas colocações e
pesquisas.
Agradeço aos meus pais, Nadir e Domingos, e à minha irmã, Vanessa, que, em
todos momentos, me apoiaram e me incentivaram a seguir na carreira acadêmica. A eles
dedico todo o meu afeto, pois sempre confiaram em minha capacidade e foram
fundamentais para que eu chegasse até aqui.
A todos os professores do Programa San Tiago Dantas, agradeço pelos
ensinamentos transmitidos no curso de mestrado. Em especial, agradeço à Professora Flávia
de Campos Mello, ao Professor Henrique Altemani de Oliveira e ao Professor Shiguenoli
Miyamoto, por todas as sugestões dadas durante o processo de feitura dessa dissertação.
À secretária do Programa San Tiago Dantas, Giovanna Vieira, pela cordialidade e
pela atenção dispensada em todos momentos que necessitei de sua ajuda.
À CAPES, pelo apoio financeiro.
Aos meus colegas de sala do mestrado, pela “gigantesca” amizade, pelas conversas
e pelo apoio. Aprendi muito com todos vocês.
À Fecap, pela oportunidade dada ao me contratar como membro de seu corpo
docente. Em especial, aos coordenadores do curso de Relações Internacionais, Cláudia e
Glauco, por sua amizade, confiança e apoio nesses anos em que trabalhamos juntos.
Por fim, agradeço a todos os meus amigos e familiares que me apoiaram e
entenderam as minhas ausências ao longo desse estudo.
RESUMO
Esse trabalho analisa os momentos de inflexão nas relações do Brasil, nos foros
multilaterais, com os países do Sul durante a segunda metade do culo XX, à luz dos
momentos de redefinição das diretrizes de atuação internacional do País no tocante as suas
ações em relação aos países em desenvolvimento. Buscamos apresentar, a partir da análise
das modificações no sistema internacional e na história da Política Externa Brasileira, ao
longo do período analisado, como o Sul era visto pela diplomacia brasileira como
plataforma de atuação internacional, delineando, dessa maneira, os condicionantes que
levaram, em determinados momentos, à aproximação ou ao afastamento do Brasil em
relação aos países em desenvolvimento, em foros multilaterais como GATT/OMC e ONU.
ABSTRACT
This work analyses the circumstances of inflection in Brazilian relations, at multilateral
forums, with South nations during the second half of the 20
th
century, relating the
redefinition moments of international performance lines of direction with his actions related
with development countries. We aimed to show, starting from the analysis of changes in
international system and in history of Brazilian Foreign Policy, alongside the analyzed
period, how South was seen by brazilian diplomacy like international performance
platform, drawing, thus, the conditions that carry Brazil, in certain moments, to approach or
to distance with development countries, at multilateral foruns, such as GATT/WTO and
UN.
SUMÁRIO:
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO......................................................................................................................1
CAPÍTULO I A ABERTURA PARA O SUL NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
(1960-1979).............................................................................................................................6
1.1. O início e a consolidação do Sul como categoria de países no Sistema
Internacional............................................................................................................................6
1.2. As diretrizes de política externa do período...................................................................11
1.2.1. A Política Externa Independente (1961-1964)...................................................12
1.2.3. Um passo fora da cadência: governo Castelo Branco (1964-1967)...................15
1.2.4. A Diplomacia da Prosperidade: governo Costa e Silva (1967-1969)................17
1.2.5. A Diplomacia do Interesse Nacional: governo Médici (1970-1974).................20
1.2.6. O Pragmatismo Responsável: governo Geisel (1974-1979)..............................25
1.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: o desenvolvimento
como vetor da aproximação .................................................................................................30
Capítulo II CONTINUIDADE DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO
PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO: AVANÇOS E RECUOS EM RELAÇÃO AO
SUL (1980-1990)..................................................................................................................56
2.1. A crise do Sul no Sistema Internacional........................................................................56
2.2. As diretrizes de política externa do período...................................................................64
2.2.1. O Universalismo: Governo Figueiredo (1980-1985).........................................65
2.2.2. Governo Sarney (1985-1990).............................................................................69
2.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: as vulnerabilidades do
modelo de política externa associada ao Modelo econômico...............................................73
Capítulo III O BRASIL FRENTE AOS DESAFIOS DE UMA NOVA ORDEM
INTERNACIONAL (1990-2006).......................................................................................109
3.1. A reestruturação do Sul na nova ordem internacional (1990-2002)............................109
3.2. As diretrizes de política externa do período.................................................................119
3.2.1. Governo Collor (1990-1992)............................................................................120
3.2.2. Governo Itamar Franco (1992-1994)...............................................................128
3.2.3. Os governos FHC (1995-2002)........................................................................131
3.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: a retomada gradual da
aproximação........................................................................................................................139
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................206
FONTES E BIBLIOGRAFIA.............................................................................................216
LISTA DE ABREVIATURAS
ADC – Advanced Developing Country
AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas
ALALC – Associação Latino-Americana de Integração
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALCA – Área de Livre Comércio das Américas
ALCSA – Área de Livre Comércio da América do Sul
AMS – Medida Agregada de Apoio
ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático
ASM – Ajustamento Sistemático de Mercado
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDH – Comissão de Direitos Humanos
CEE – Comunidade Econômica Europeia
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
CTBT – Tratado para o Banimento Total de Testes Nucleares
Ecosoc – Conselho Econômico e Social
ECOWAS – Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
ESG – Escola Superior de Guerra
EUA – Estados Unidos da América
FMI – Fundo Monetário Internacional
G-7 – Grupo dos 7
G-8 – Grupo dos 8
G-9 – Grupo dos 9
G-10 – Grupo dos 10
G-15 – Grupo dos 15
G-20 – Grupo dos 20
G-77 – Grupo dos 77
GATS – Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
GNS – Grupo Negociador sobre Serviços
GT – Grupo de Trabalho
ITA – Acordo de Tecnologia da Informação
MCE – Mercado Comum Europeu
MEA – Acordos Multilaterais sobre Meio Ambiente
MONUA – Missão de Observação da ONU em Angola
MRE – Ministério das Relações Exteriores
MTCR – Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis
MTO – Organização Multilateral de Comércio
NCMs – Negociações Comerciais Multilaterais
NIC’s – Newly Industralized Countries
NOEI – Nova Ordem Econômica Internacional
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial de Comércio
OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONG – Organização Não-Governamental
OPEP – Organização dos Exportadores de Petróleo
ONU – Organização das Nações Unidas
ONUMOZ – Operação da ONU em Moçambique
OSC – Órgão de Solução de Controvérsias
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
OUA – Organização da União Africana
PAC – Política Agrícola Comum
PD – País Desenvolvido
PED – País em Desenvolvimento
PEI – Política Externa Independente
PMDR – País de Menor Desenvolvimento Relativo
PNB – Produto Nacional Bruto
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RFA – República Federal da Alemanha
RU – Rodada Uruguai
RVE – Restrição Voluntária à Exportação
SAARC – Associação do Sudeste Asiático para a Cooperação Regional
SADC – Comunidade Econômica para o Desenvolvimento da África Austral
SELA – Sistema Econômico Latino-Americano
SGP – Sistema Generalizado de Preferências
SGPC – Sistema Global de Preferências Comerciais
TNP – Tratado de Não-Proliferação Nuclear
TRIMS – Trade-Related Investment Measures
TRIPS – Trade-Related Aspects of Intellectual Property Right
UE – União Europeia
UNAVEM – Missão de Verificação da ONU em Angola
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
1
INTRODUÇÃO:
O plano Sul-Sul do sistema internacional surge em contraposição ao plano Norte-
Sul, oposto ao plano Leste-Oeste, característico do sistema internacional da Guerra Fria.
Neste plano, estariam as relações entre países em desenvolvimento com vistas à redução da
dependência em relação aos países desenvolvidos que, de certa forma, forneceriam as
diretrizes das relações internacionais.
O relacionamento entre os países em desenvolvimento (PEDs) começou a progredir
a partir da segunda metade da década de 50, com a rearticulação de forças no cenário
internacional, que a dinâmica Leste-Oeste dava sinais a seus articuladores EUA e
URSS - de que não mais refletia a realidade, sendo necessário, portanto, um novo modelo
para o convívio entre os Estados.
Diante desta perspectiva, os PEDs apontavam que as relações internacionais
deveriam ser encaradas sob o viés desenvolvimentista e não o ideológico, vigente à época.
Sendo assim, o sistema internacional deveria estar calcado na clivagem Norte-Sul, ou seja,
na divisão entre os países desenvolvidos (PDs) do Norte e aqueles em desenvolvimento do
Sul e na busca da superação das assimetrias, entre estes países, como forma de se atingir
um sistema internacional mais justo e igualitário, que fosse ao encontro de seus anseios.
A partir dessa visão, surgem iniciativas de congregação das demandas dos PEDs
como o Movimento dos Não-Alinhados, o Grupo dos 77 (G-77) e a Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o que demonstraria que o
Sul seria um novo grupo a ser considerado nas relações internacionais.
Com isso, nos anos 70, ocorreu, concomitante a outras mudanças estruturais,
principalmente econômicas, uma ampliação das possibilidades de manobra dos PEDs,
iniciando um ciclo de expansão das relações Sul-Sul.
Na década de 80, questões como a crise da dívida
1
e o recrudescimento do
protecionismo por parte dos países do Norte desencadearam um processo de erosão política
e econômica nos países do Sul, adiando o projeto de fortalecimento das relações entre os
países em desenvolvimento, iniciado na década anterior.
1
A crise da dívida externa iniciou-se a partir do aumento das taxas de juros norte-americanas para conter a
inflação interna, fazendo com que os juros das dívidas externas dos países em desenvolvimento crescessem
vertiginosamente, iniciando um ciclo de recessão nesses países.
2
Com o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80, o sistema internacional passou por
um processo de reestruturação de seus pólos de poder, gerando certa indefinição quanto aos
rumos da ordem internacional substituta. No imediato pós-Guerra Fria, acreditava-se que,
com o fim do comunismo, a cooperação entre as nações seria possível. O Sul passou a ser
visto, pela comunidade internacional, como a fonte dos problemas internacionais, sendo
que, para acabar com tais problemas - perturbadores do sistema internacional - dever-se-ia
adotar as medidas prescritas pelos países do Norte, considerados modelos de valores, idéias
e desenvolvimento.
Após o momento de euforia, emergiu, devido a acontecimentos como o fim da
URSS e o conflito iugoslavo, uma postura mais cética em relação à possibilidade de
cooperação entre as nações no sistema internacional, resultando, no enfraquecimento do Sul
como bloco reivindicatório, o que levou a sua desagregação em diversos grupos de
interesses, pois as suas diferenças tornavam-se cada vez mais intensas, revelando a falta de
um elemento aglutinador e coerente.
O Sul, na história das relações internacionais, vem mudando o seu caráter, o seu
papel e suas formas de inserção no sistema internacional, devido a alterações na estrutura
da ordem internacional, nos âmbitos interno e regional que, em determinados momentos,
favorecem ou rechaçam a aproximação entre os países menos desenvolvidos. Devido a esse
papel, cada vez mais relevante no sistema internacional, torna-se importante aos estudos de
Relações Internacionais analisar a construção das relações entre o Sul.
Um país como o Brasil. apontado como uma das potências intermediárias do mundo
devido a sua economia diversificada e integrada ao sistema global, vasto território e grande
população, vem, ao longo de sua história, como integrante do Sul, se relacionando com os
PEDs. Essa dissertação tem por objetivo analisar as relações do Brasil com o Sul nos
organismos multilaterais, a partir da década de 60, à luz dos desdobramentos domésticos e
da ordem internacional que fizeram com que o País, em determinados momentos, se
afastasse ou se aproximasse desse grupo, conforme seus interesses.
Este estudo, portanto, analisa os momentos de inflexão do relacionamento brasileiro
com os PEDs a partir da década de 60, com a Política Externa Independente (PEI), partindo
do pressuposto de que esta teria iniciado o processo de universalização das relações
internacionais do Brasil, por meio da aproximação com esses os países.
3
Em um estudo da política externa de um país em um período tão largo, como é o
caso dessa dissertação, deve-se levar em conta que o ambiente internacional e as
características de um país modificam-se ao longo do tempo. Entretanto, a escolha do
período em questão justifica-se pelo objetivo de identificação de um determinado padrão
histórico de política externa, orientador da conduta do país em relação ao Sul, e de
avaliação do peso dessas relações frente às diretrizes tradicionais de condução da política
externa brasileira. Com isso, será possível realizar uma análise empírica do processo de
formulação de política exterior e de escolha de parceiros, à luz das transformações nos
cenários doméstico e internacional.
Para se levar a cabo esse projeto, fez-se necessário definir a natureza dos problemas
diplomáticos do Brasil em diferentes conjunturas, sendo que, no caso dessa pesquisa, toda a
análise foi permeada pela premissa da associação da política externa ao desejo de
desenvolvimento e, exatamente, devido a isso, o componente utilizado foi o exame das
posturas da diplomacia brasileira nos foros multilaterais, em relação a esse tema e a
utilização de outros temas presentes na agenda internacional para a discussão desse
objetivo-síntese, pois seria nessas organizações que um país angaria aliados à consecução
de seus objetivos.
A atuação nos foros multilaterais revela aspectos essenciais da política externa de
um país. Primeiramente, a atuação multilateral define as linhas gerais de sua política
externa, pois é o momento em que o nacional relaciona-se com o estrangeiro, mostrando
sua identidade às outras nações. Em segundo lugar, devido à necessidade de relacionar-se
com diferentes Estados, de posições ideológicas e níveis de poder diversos, por meio da
política multilateral, é possível perceber aquilo que um país considera como mais
importante para si, pois, de certa maneira, os objetivos são hierarquizados. As relações
multilaterais também permitem perceber o modo como o país recebe e lida com as
alterações no sistema internacional, que, a maioria destas são levadas aos foros
multilaterais.
A fim de analisar as relações do Brasil com o Sul, nos organismos multilaterais, à
luz do contexto internacional e das diretrizes de política externa, essa dissertação está
dividida em três capítulos.
4
No primeiro, à luz do pressuposto de que na década de 60 e 70 houve, no sistema
internacional, a emergência e o fortalecimento do Sul e suas demandas e, no plano interno,
a universalização da política externa brasileira com vistas a promover o desenvolvimento
nacional, buscou-se demonstrar a emergência do Sul no cenário internacional e sua
proposta de uma nova segmentação da ordem internacional - o diálogo Norte-Sul - e suas
conseqüências, fornecendo, portanto, as características do sistema internacional com as
quais o Brasil lidaria em sua política externa.
Num segundo momento, apontarei as principais diretrizes da política externa
brasileira no período, condicionadas, fortemente, pelo modelo de desenvolvimento
implantado, e a maneira como o Sul era visto e como a cooperação com tais países poderia
contribuir ao projeto de inserção internacional do Brasil. Com isso, apontarei se o País se
considerava parte do Sul e como entendia que os PEDs poderiam contribuir à consecução
de seus objetivos.
Num terceiro momento, será analisado o relacionamento brasileiro com o Sul, tendo
como vetor de aproximação o desenvolvimento. Para isso, analisar-se-á a postura do Brasil,
nos foros multilaterais, principalmente na Assembléia Geral da ONU (AGNU), no Acordo
Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e na Unctad, onde eram discutidas as questões
relacionadas ao desenvolvimento, como a proposta de uma Nova Ordem Econômica
Internacional (NOEI), apontando o papel do Sul na estratégia de inserção internacional
brasileira.
No segundo capítulo, delineado de forma semelhante ao primeiro, primeiramente
apontarei o contexto internacional da década de 80 em relação ao Sul, fortemente marcado
pelas transformações no sistema econômico internacional, que levaram à chamada crise da
dívida e o início da fragmentação do Sul.
Na segunda parte, serão expostas as diretrizes de política externa dos dois governos
do período - Figueiredo e Sarney - que, de certa forma, deram continuidade às diretrizes do
período anterior, mas que, naquele momento, tinham a sua frente o fracasso do modelo de
desenvolvimento implantado no Brasil e uma conjuntura internacional desfavorável, já que
o País seria um dos mais afetados pela crise da dívida.
Na terceira parte, serão analisadas as relações do Brasil com o Sul, a partir da
constatação de que o modelo econômico brasileiro estaria em decadência e, com isso, o
5
modelo de política externa associado a ele. Dessa maneira, analisar-se-ão as posturas
brasileiras, nos foros multilaterais supracitados, acerca da questão do comércio e
desenvolvimento que, no período, estarão fortemente influenciadas pela crise da dívida.
No terceiro capítulo, apontarei como o Brasil posicionou-se face aos desafios da
nova ordem internacional, que a Guerra Fria e, com ela, a bipolaridade, havia acabado,
modificando a estrutura do sistema internacional e, conseqüentemente, o papel
desempenhado pelo Sul, apontado como a fonte dos problemas internacionais e que, por
isso, terá que, no novo milênio, encontrar novas formas de superação de seus problemas.
Na segunda parte, serão apontadas as diretrizes de política externa que marcaram os
governos brasileiros na década de 90 e os primeiros anos do século XXI, à luz de questões
internas como a primeira eleição direta e o impeachment do presidente Collor. Também
nesta seção, será apontada a maneira pela qual o Brasil via o Sul e se caso considerava-se
parte deste grupo.
Na terceira parte, serão analisadas as relações do Brasil com o Sul, a partir de novas
modalidades de aproximação que surgirão nos foros multilaterais, relacionados ao comércio
e desenvolvimento.
Por fim, as considerações finais acerca do trabalho realizado em que será possível
delinear o padrão de relacionamento do Brasil com os países do Sul, a partir da segunda
metade do século XX.
6
CAPÍTULO I A UNIVERSALIZAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA:
A ABERTURA PARA O SUL
1.1. O início e a consolidação do Sul como categoria de países no Sistema
Internacional (1960-1979)
A partir da metade da década de 50, os países do Sul, considerados menos
desenvolvidos, passaram a questionar a distribuição do poder econômico e político
mundial, considerando-a injusta e instável devido à ênfase nas questões de segurança.
Naquele momento, a independência de países africanos e asiáticos gerou a expectativa de
que por meio da atuação conjunta, esses novos países - à margem do jogo de poder
internacional - pudessem alterar a ordem internacional em benefício do mundo em
desenvolvimento. Imbuídos por esse otimismo, ocorreu, em 1955, em Bandung, na
Indonésia, a Conferência Afro-Asiática com vistas a tornar o desenvolvimento a questão-
chave a ser tratada pela comunidade internacional.
A Conferência de Bandung marcou o início da tentativa conjunta dos países do Sul
de alteração da ordem internacional vigente. Para esses países, um mundo mais seguro seria
aquele onde todos vivessem em melhores condições, ou seja, estas nações buscavam uma
ordem internacional alternativa que atendesse melhor aos seus anseios nacionais e
desenvolvimentistas crescentes (CRUZ, 2005, p. 48). Por ser um movimento restrito, do
ponto de vista geográfico e temático – a descolonização – seu alcance teria sido limitado.
Em 1961, na Conferência de Belgrado, ocorreu uma nova tentativa de estruturação
do bloco de países do Sul, com o lançamento do Movimento dos Não-Alinhados, contando
com a adesão da maioria dos países menos desenvolvidos. Com o grupo, ultrapassou-se a
limitação geográfica e politizou-se a ação conjunta no plano internacional. O Movimento
tinha como preocupações centrais: a luta contra o colonialismo e o imperialismo, a proteção
da soberania e dos direitos dos Estados pequenos e menos desenvolvidos, bem como o seu
desenvolvimento em liberdade (ALTEMANI, 2005, p.89).
Com o movimento, aprofundaram-se as idéias de coexistência pacífica, apoio aos
movimentos de libertação e, sobretudo, de não alinhamento a qualquer um dos dois blocos
7
existentes à época, ou seja, era uma declaração contra a estrutura bipolar e a dominação das
grandes potências.
O final da crise dos mísseis cubanos, em 1962 quando as duas superpotências
negociaram com vistas a evitar um confronto nuclear direto bem como o processo de
descolonização alteraram o sistema internacional, ao aumentar substantivamente o número
de atores.
Estes fatos, ao ampliarem o alcance diplomático das reivindicações do Sul,
permitiam a materialização da percepção de que o problema do desenvolvimento dever-se-
ia aos padrões de relacionamento Norte-Sul, exigindo, portanto, uma atenção global,
abrindo espaço, dessa forma, ai surgimento de temas como a assimetria entre países
desenvolvidos (PDs) e não-desenvolvidos, a insuficiência crônica e básica de recursos e a
deterioração dos termos de troca
2
Ocorreu, como desdobramento de todas as mudanças e iniciativas supracitadas, uma
movimentação intensa no seio da ONU, culminando na formalização do Diálogo Norte-Sul,
por meio da criação, em 1964, da Unctad, foro que permitiu a repercussão e a realização de
estudos acerca das necessidades de desenvolvimento econômico e social dos países
periféricos
3
Ainda na primeira reunião da Unctad, em 1964, ocorreu a formação do G-77,
composto por países subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina, com o objetivo de
discutir os mecanismos e as relações comerciais internacionais e exigir dos PDs
pagamentos mais justos por seus produtos.
Na II Unctad, realizada em 1968, na cidade de Nova Délhi, foi criado o Sistema
Generalizado de Preferências (SGP), no qual os países do Norte concediam um tratamento
2
O termo deterioração dos termos de troca, cunhado pelo economista argentino, Raúl Presbisch, para designar
a baixa nos preços dos produtos primários, prejudicial aos PEDs. Pois estes teriam menores possibilidades de
importar máquinas equipamentos, necessários a sua industrialização e, portanto, ao seu desenvolvimento. Para
maiores informações consultar as seguintes obras do autor: Uma Nova Política Comercial para o
Desenvolvimento (1964); Transformação e Desenvolvimento (1965); Capitalismo Periférico, Crise e
Transformação (1981).
3
A Conferência tinha como objetivos promover o desenvolvimento e o comércio, favorecer a cooperação
econômica entre os países em desenvolvimento e ajudar a corrigir as assimetrias nas relações econômicas
Norte-Sul. Para atingir tais metas, a Unctad angariaria ajuda e financiamentos especiais, estimularia o
comércio internacional de modo a favorecer as exportações dos países não-desenvolvidos e promoveria
acordos sobre produtos primários, para evitar a queda de seus preços. (Disponível em:
http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=3358&lang=1. Acesso em: 12 de novembro de 2007.
8
aduaneiro preferencial de produtos industrializados selecionados do Sul. Entretanto, devido
a tantas restrições e exceções, este teria tido um impacto apenas marginal.
A Unctad refletiu, portanto, a consciência da necessidade de reformas estruturais no
sistema do comércio internacional com vistas a torná-lo indutor de um rápido processo de
desenvolvimento no Sul. Contudo, rapidamente constatou-se que os países do Norte
estavam dispostos a aceitar somente alterações marginais nos acordos comerciais.
A década de 60, portanto, foi sintomática da constituição de um discurso articulado
entre os PEDs, marcando o início da estruturação do conceito de Sul como bloco e da
articulação de um novo grupo nas Relações Internacionais.
O padrão de enfrentamento da Guerra Fria dos anos 60 deu, no início da década de
70, lugar a um sistema internacional mais complicado, com considerações de poder mais
diversificadas, permitindo oportunidades de manobras político-diplomáticas a diversos
Estados e com reflexos sobre o processo de tomada de decisões internacionais, aumentando
a relevância do Sul no sistema internacional (ALTEMANI, 2005, p. 131).
A coexistência pacífica e a “détente” alteraram as relações entre os países, já que a
segurança deixa de ser o único tema da agenda internacional, pois as duas superpotências
tinham um melhor relacionamento e estava afastada a hipótese de uma guerra total, como
nas fases anteriores da Guerra Fria
4
.
Essa nova configuração fez com que a segurança deixasse de ser qualificada, pelos
Estados, apenas em termos estritos de guerra e paz, passando a abranger valores como bem-
estar econômico e social, autonomia política e prestígio. Em relação ao Sul, a nova
qualificação da segurança viu-se facilitada pelos resultados do processo de descolonização
que, em função do aparecimento de novos Estados, tornou mais complexa a gestão
oligárquica da ordem mundial, prevalecente até então (LAFER, 1982, p. 152).
Observou-se, também, nesta década, um processo de multipolarização do sistema
internacional, com a emergência competitiva dos Estados da Europa Ocidental e do Japão
4
A Guerra Fria pode ser dividida em 5 fases, baseadas nas alterações na natureza da Guerra Fria ou nas
relações entre as 2 superpotências:
- a 1ª fase, de 1945 a 1953, correspondente ao período em que a Guerra Fria se desenvolve;
- a 2ª fase, de 1953 a 1963, correspondente a um período de crises e mudanças na ordem da Guerra Fria;
- a fase, de 1963 a 1971, correspondente ao período da coexistência pacífica e o advento da
multipolaridade;
- a 4ª fase, de 1972 a 1980, correspondente à era da distensão, baseada no equilibro no terror;
- a 5 fase, de 1981 a 1989, correspondente à confrontação entre os dois blocos rivais e o colapso do bloco
comunista. Para maiores informações consultar: YOUNG; KENT, J, 2004.
9
reconstruídos, prenunciando uma certa relativização da hegemonia econômica, mantida até
então pelos EUA e a necessidade de uma conformação de posições entre os PDs.
A crescente importância dos países do Sul, como os países produtores de petróleo
organizados em torno da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e dos
chamados NIC’s (Newly Industrialized Countries, em inglês), como México e Brasil,
fizeram com que a diferenciação entre Norte e Sul não fosse mais tão nítida, pois alguns
países do Sul passaram a produzir produtos manufaturados e a competir com o centro por
mercados, gerando, no âmbito dos diálogos Norte-Sul
5
, demandas por uma NOEI mais
favorável aos interesses dos países menos desenvolvidos. O aparecimento de novos países
influentes do Sul, ao mesmo tempo, refletiu a diferenciação interna e a heterogeneidade
econômica do conjunto dos países periféricos e propiciou substância política à coalizão
terceiro-mundista, impedindo possíveis efeitos de fragmentação oriundos da própria
diferenciação econômica entre eles (LIMA, 2000, p. 70).
Essas alterações além de fortalecerem, politicamente, o bloco dos países do Sul,
ampliaram as suas margens de manobra no campo econômico, pois podiam “jogar” com as
divergências e rivalidades proeminentes num contexto de disputa por poder econômico
entre República Federal da Alemanha (RFA) e EUA, bem como entre este último e o Japão.
Outras modificações como o fim do padrão-ouro e do sistema de Bretton-Woods,
que levaram à adoção de taxas flutuantes em 1971, bem como as crises do petróleo
6
obrigaram à reestruturação parcial do sistema econômico internacional e à formação do
sistema monetário internacional. Entretanto, tal reestruturação não se constituiu num
processo de transformação do arcabouço sistêmico, principalmente para os países do Sul.
Como consequencia às relações internacionais, pode-se citar a histórica decisão da
Opep, em 1973, que salientou uma circunstância clara e contribuiu para a aceleração da
conscientização acerca desse novo estado de coisas.
Por um lado, a concentração de recursos monetários, em especial nos países
produtores de petróleo - os “petrodólares” - e, de forma abrangente, a ausência de projetos
5
Os diálogos Norte-Sul correspondem às discussões internacionais sobre os problemas do
desenvolvimento/subdesenvolvimento iniciadas na Conferência para a Cooperação Econômica Internacional
(dezembro de 1975), realizada por iniciativa francesa.
6
As crises do petróleo, em 1973 e em 1979, foram situações decorrentes dos sucessivos aumentos nos preços
do petróleo decretados pelos integrantes da OPEP, que tinham como objetivo principal controlar a produção e
distribuição de petróleo e defender seu preço no mercado internacional.
10
nacionais de desenvolvimento, induziram ao seu empréstimo aos bancos privados
internacionais. Por outro, os países procuravam reduzir suas importações do produto, em
virtude da brusca elevação da conta petróleo ou compensá-la pela ampliação de suas
exportações (FURTADO, 1987, p. 219-245).
Os PEDs, portanto, tiveram acesso, pela primeira vez, a capitais para seus
programas de desenvolvimento, sem precisar recorrer a instituições financeiras
internacionais e sujeitar-se as suas condições, ampliando sua importação de bens de capital,
necessários à industrialização, ocorrendo, portanto, um ciclo de satisfação geral.
Os anos 70 presenciaram uma expansão considerável do fluxo de comércio, de
tecnologia e de capital entre o Sul. A procura crescente de importações pelos membros da
OPEP e os seus elevados excedentes da balança de pagamentos estimularam, fortemente, a
Cooperação Sul-Sul, gerando expectativas de que, no longo prazo, poder-se-ia chegar a
uma combinação de capitais, tecnologia e mercados suficientes ao incremento dessa
cooperação.
As transformações na ordem mundial acarretaram uma internacionalização e
interdependência na economia mundial, em relação a mercados e à produção, pois a
expansão do comércio internacional ocorreu de forma mais rápida que a expansão das
respectivas economias nacionais e dos mercados monetários, que as transferências
financeiras transfronteiriças tornaram-se um assunto rotineiro para as instituições
financeiras internacionais.
A abundância de recursos representou, também, um crescimento impressionante em
quase todos os países até o final dos anos 70, resultando em um dinâmico processo de
acumulação de capital
7
(COMISSÃO SUL, 1990, p. 42).
As décadas de crescimento célere levaram a mudanças econômicas e a realizações
sociais importantes em muitos países do Sul, com a queda no número relativo de pessoas
vivendo na pobreza; melhoria nos métodos agrícolas tradicionais e no bem-estar público,
por meio de investimentos nos serviços públicos de saúde e educação e de políticas
governamentais progressistas (COMISSÃO SUL, 1990, p. 43).
Essas alterações, proporcionadas pela industrialização, com as companhias
transnacionais desempenhando um importante papel, foi promovida ativamente pelo
7
O investimento interno cresceu de 18% nos anos 60 para 24% nos anos 70 (COMISSÃO SUL, 1990, p. 42).
11
Estado, por meio de medidas de planejamento industrial, de proteção ao comércio, de
desenvolvimento financeiro e de investimento público em indústrias estratégicas. Na
maioria desses países, tal modificação refletiu-se no crescimento da produção de bens de
consumo para o mercado interno. Em países de maior dimensão, como Brasil, Índia e
China, a transformação foi acompanhada pelo desenvolvimento de indústrias produtoras de
bens de capital.
Nos anos 70, com a desestruturação da hegemonia norte-americana, das relações
econômicas internacionais ocorreu uma desestruturação da ordem bipolar da Guerra Fria, já
que as mudanças apontavam para uma relativa perda de liderança por parte de um dos
pólos de poder: os EUA. A ampliação do número de Estados do Sul e sua atuação conjunta
em busca de interesses particulares levaram a uma politização das negociações econômicas
e políticas nos organismos internacionais. Esse novo estados de coisas - o surgimento do
conceito de Terceiro Mundo
8
, do Movimento dos Não-Alinhados, do G-77,
concomitantemente com as pressões dos novos Estados reconstruídos da Europa Ocidental
- colocaram a diplomacia norte-americana na defensiva, assim como colocaram em xeque a
ordem mundial da Guerra Fria, já que os dois pólos de poder tinham que levar em
consideração as demandas de novos atores e, portanto, não podiam decidir sobre a ordem
internacional sozinhos como ocorreu até então.
1.2. As diretrizes de Política Externa Brasileira nas décadas de 60 e 70:
Ao se estudar a política externa brasileira, verifica-se que, nas décadas de 60 e 70,
ocorreu a universalização das Relações Internacionais do Brasil, pela emergência do
paradigma universalista ou globalista
9
em oposição ao paradigma Rio Branco
10
.
Apesar de outras concepções mais atuais acerca da periodização da política externa
brasileira
11
, utilizarei, nesta dissertação, a periodização tradicional que aponta que a Política
8
A Teoria dos Três Mundos divide o mundo a partir dos estágios de desenvolvimento. Dessa forma, o
primeiro mundo seria composto pelos EUA e URSS, o segundo pelos países desenvolvidos da Europa, mais
Japão, Austrália e Canadá e o terceiro seria composto pelos PEDs.
9
Para maiores informações sobre esse paradigma consultar os artigos de Rubens Ricupero, Hélio Jaguaribe e
Gelson Fonseca in ALBUQUERQUE (org.),1996 e LIMA,1994.
10
Segundo esse paradigma, o caminho natural para o Brasil em suas relações externas, no começo do século,
seria a aliança especial com os Estados Unidos, deslocando-se de eixo Londres para o eixo Washington
(LAFER, 2004, p. 36, 42-48).
12
Externa Independente (PEI) de Jânio Quadros e João Goulart teria sido o antecedente do
paradigma universalista, consolidado posteriormente, enquanto que o imediato pós-64, ou o
governo Castelo Branco, teria sido um passo fora da cadência, com um retorno ao
paradigma de alinhamento aos EUA, e que, a partir do governo Costa e Silva, em 1967,
teriam sido retomadas as orientações da PEI, aprofundadas e consolidadas, posteriormente,
com o Pragmatismo Responsável, do governo Geisel.
Além disso, devido às mudanças estruturais no sistema internacional, apontadas
anteriormente, a PEI iniciará uma aproximação com os países do Sul, principalmente com o
continente africano e asiático. Apesar de um certo recuo nesse processo, durante o governo
Castelo Branco, a aproximação com os países do Sul desempenharia um relevante papel no
modelo de desenvolvimento implantado pelos governos militares, como consumidores de
produtos manufaturados, e serviria reforçar as reivindicações brasileiras
internacionalmente, que, conforme detalhado no subcapítulo anterior, os países do Sul
ganhavam destaque, permitindo, ao Brasil, uma inserção internacional mais autônoma.
A aproximação do Brasil com o Sul, nas décadas de 60 e 70, era, portanto,
propiciada tanto pela ordem internacional, que se tornava cada vez mais complexa, com a
emergência de novos Estados, quanto pelo momento da economia nacional, que trazia
importantes reflexos sobre os interesses nacionais e a atuação internacional do Brasil.
1.2.1. Política Externa Independente:
A Política Externa Independente (PEI), implementada durante os governos Jânio
Quadros e João Goulart no período de 1961 a 1964, estaria baseada em 5 princípios. O
primeiro, de caráter econômico, estaria baseado na ampliação dos mercados externos dos
produtos primários e, em menor escala dos manufaturados brasileiros, com vistas à
elevação do produto nacional bruto (PNB), para, com isso, sustentar a expansão
demográfica do país, a ser alcançado por meio da intensificação dos contatos comerciais
com todas as nações, independente de seus regimes políticos e ideológicos. Dessa forma, o
incremento das exportações brasileiras passa a ser visto como uma necessidade, que o
Brasil ainda carecia de um mercado interno amplo e esse aumento permitiria, ao País,
11
Acerca dessa nova periodização consultar: CERVO, 2008, p. 61-90.
13
aumentar as importações de bens de capital e tecnologia, enquanto que a exportação de
bens primários aos países do Sul superaria a limitação do mercado interno e forneceria as
bases para uma liderança política do Brasil em relação aos países menos desenvolvidos.
O segundo princípio estaria baseado na premissa de uma formulação independente
dos planos de desenvolvimento nacional e da aceitação de ajuda internacional a tais planos,
significando a utilização da cooperação internacional para objetivos nacionais por meio do
controle do país em relação a esses recursos, a serem aplicados conforme as necessidades
brasileiras.
A ênfase na necessidade de preservação da paz, por meio da prática da coexistência
pacífica e do apoio ao desarmamento geral e progressivo constituiria o terceiro princípio
norteador da PEI, visando converter o isolacionismo em uma coexistência competitiva que,
ao colocar os dois pólos em contato e em competição, exporia ambos à influência dos
modelos e realizações do outro, sendo benéfica aos regimes democráticos ocidentais, já que
pois ofereciam maior liberdade as suas populações. Essa visão de coexistência competitiva
buscava desviar os recursos gastos em armamentos para os projetos de desenvolvimento
dos países do Sul e permitiria ao Brasil atuar de forma mais autônoma com vistas a alcançar
uma posição mais favorável dentro da aliança ocidental, da qual fazia parte.
O quarto princípio seria a reafirmação e o fortalecimento dos princípios de não
intervenção e autodeterminação dos povos, acreditando-se que a transformação de regimes
dentro de um país seria parte de um processo histórico próprio, baseado na vontade
nacional que, de forma alguma, deveria ser perturbado por qualquer tipo de ingerência
externa. Ao defender tais princípios, o Brasil conseguiria aumentar sua influência política
junto aos novos países oriundos do processo de descolonização bem como construir um
novo mercado para suas exportações e acabar com as práticas comerciais distorcivas
advindas do sistema colonial.
O apoio à emancipação dos territórios não-autônomos, independente da forma
jurídica utilizada para sujeitá-los à metrópole constituiria o quinto e último elemento
norteador da PEI. Esta postura anticolonial derivaria de motivos éticos e econômicos.
Aqueles de ordem ética resultariam da autenticidade da política brasileira de emancipação
econômica e de autodeterminação dos povos. os motivos econômicos adviriam da
necessidade de que os países competidores do Brasil no comércio de produtos tropicais
14
produzissem em um regime de trabalho livre e com o objetivo, semelhante ao brasileiro, de
assegurar melhores condições de vida as suas populações. A postura anticolonial, portanto,
permitiria ao Brasil ampliar a sua esfera de atuação internacional, chegando a agir como
uma espécie de potência intermediária, mais livre dos constrangimentos advindos do
controle norte-americano do hemisfério (DANTAS, 1962, p.45-102).
Apesar da passagem de cinco chanceleres pela pasta do Ministério das Relações
Exteriores (MRE)
12
e das turbulências internas, a PEI manteve uma certa continuidade,
havendo apenas mudado a ênfase dada a cada elemento, se adaptando às visões de cada
chanceler, tendo passado por três fases (VIZENTINI, 1995, p. 178).
A primeira, durante o governo Jânio Quadros, tendo como chanceler Afonso Arinos
de Mello, marcada por um neutralismo moderado, com vistas a dar ao Brasil uma maior
participação nas questões mundiais.
A segunda fase, de agosto de 1961 ao final de 1962, fortemente marcada pela gestão
de San Tiago Dantas, apresentou certa continuidade. A crise política interna que levou à
instauração do parlamentarismo no Brasil e a polarização ideológica, no âmbito doméstico,
em conjunto com questões internacionais como a crise dos mísseis em Cuba e a
necessidade de melhorar o relacionamento com os EUA fizeram com que a PEI ganhasse
relevância no debate nacional e concretizasse algumas promessas da fase anterior, como o
reatamento de relações diplomáticas com a URSS e a aproximação com a Argentina.
A terceira fase, de 1963 ao primeiro trimestre de 1964, notadamente influenciada
pelo chanceler à época, Araújo Castro, centrou-se nos temas ligados ao desenvolvimento
econômico, com a reafirmação dos princípios da PEI. Nas duas últimas fases, a dimensão
Norte-Sul e o questionamento da estrutura do sistema econômico-financeiro internacional
tomaram formas mais nítidas (VIZENTINI, 1995, p. 178, 182-183, 196-199).
Portanto, a PEI marca o início de um paradigma na política externa brasileira em
que o país buscará uma atuação autônoma e independente no cenário internacional, com o
objetivo de prover as bases para o desenvolvimento econômico brasileiro. Com isso, como
será mostrado a seguir, o Brasil, ainda de forma um pouco tímida, tentará construir laços
12
A saber: Afonso Arinos de Mello Franco durante a presidência de Jânio Quadros; San Tiago Dantas (set. de
1961 a jul. de 1962), Afonso Arinos de Mello Franco (jul. a set. de 1962), Hermes Lima Sobrinho (set. de
1962 a jun. de 1963), Evandro Cavalcanti Lins e Silva (jun. a ag. de 1963), João Augusto de Araújo Castro
(ag. de 1963 a Março de 1964), (durante a presidência de João Goulart).
15
com os países menos desenvolvidos para, por meio dessa estratégia, aumentar suas
exportações e seu peso dentro da comunidade internacional.
1.2.2. Um passo fora da cadência: governo Castelo Branco (1964-1967)
13
Com a ascensão dos militares ao poder em 1964, ocorre uma mudança na visão
acerca das possibilidades de inserção internacional do Brasil, que deveria estar
completamente atrelada aos EUA, que o País necessitava, para o seu desenvolvimento,
de auxílio econômico e técnico e a superpotência ocidental seria a única fonte concebível
para tais necessidades, pois era a líder do mundo livre e guardiã dos valores essenciais da
civilização ocidental, da qual o Brasil fazia parte (LAFER, 1967, p. 109-111).
Acreditava-se, portanto, no governo de Castelo Branco, que a Guerra Fria seria o
elemento central da história contemporânea e, portanto, a principal preocupação deveria ser
a segurança internacional, por meio da eliminação da ação comunista dentro do território
nacional, e a redefinição da política externa com vistas a garantir a segurança externa do
País (ALTEMANI, 2005, p. 108-9).
Frente a essa visão de que as lutas seriam locais, mas vitórias ou derrotas
transcenderiam o espectro local, que afetavam a própria sobrevivência do bloco
ocidental, a única defesa plausível, no momento, era a defesa coletiva, para que uma derrota
local o colocasse em xeque o bloco ocidental como um todo, e integral, devendo ser
desenvolvida em todos os planos, militar, político, econômico e ideológico (ALTEMANI,
2005, p. 108-9; MARTINS, 1975, p. 58-59).
Acreditava-se que os EUA, em troca das contribuições brasileiras nos campos
político, militar e ideológico, comprometer-se-iam a assumir novas obrigações nos campos
econômico e financeiro e no setor de auxílio técnico-científico. O Brasil, portanto, ao
alinhar-se aos EUA, esperava a transferência de recursos para a promoção de seu
desenvolvimento, já que, para o governo brasileiro, a aliança continental pressupunha
sacrifícios e concessões do lado norte-americano, como a alteração nos termos de troca,
13
A qualificação do governo Castelo Branco como sendo um passo fora da cadência foi concebida por Cervo
para demonstrar que o primeiro governo militar teria sido uma “exceção”, pois logo no governo seguinte
foram retomadas as tendências da política externa brasileira de utilização da política externa como
instrumento para o desenvolvimento nacional. Para maiores informações, consultar (BUENO; CERVO, 2002,
p. 367-374).
16
com vistas à composição de um arcabouço mais favorável ao comércio brasileiro; o recuo
relativo por parte das matrizes, para garantir que as filiais tivessem uma participação maior
nos mercados latino-americanos; e a abertura do aliado central às exportações tradicionais e
modernas do País, onde o mercado norte-americano assumiria o compromisso de absorver
parte significativa da produção norte-americana gerada no exterior (MARTINS, 1975, p.
61).
Para garantir a segurança coletiva, o conceito de soberania nacional deveria ser
revisto, para que os princípios de autodeterminação dos povos e o-ingerência se
adaptassem ao conceito de segurança coletiva, surgindo o conceito de interdependência,
considerado prioritário nas relações internacionais do Brasil. Frente àquela conjuntura de
confrontação de poder bipolar, com profundo divórcio político-ideológico entre as
superpotências, a preservação da independência pressupunha a receptividade a um certo
grau de interdependência, nos mais diversos campos, em que o País deveria optar por uma
íntima cooperação com o bloco ocidental, já que em sua preservação assentar-se-ia a
própria sobrevivência das condições de vida brasileira e da dignidade humana (MARTINS,
1975, p. 60; SCHILING, 1981, p. 23). A interdependência, portanto, era entendida sob dois
aspectos: a aceitação de limitações reais ao exercício da soberania nacional e como
condições da independência nacional (ALTEMANI, 2005, p. 110).
Alguns autores apontam que os aspectos da defesa coletiva e integral, bem como a
idéia de interdependência, tendiam a pré-determinar as opções brasileiras no campo
internacional (MARTINS, 1975, p. 64). Entretanto, Ferreira critica a suposição de que o
conceito de interdependência teria induzido a política exterior do período a restringir
contatos com parceiros econômicos de sistemas diferentes, ao buscar uma
complementaridade com os EUA, pois cada situação específica seria analisada com base no
interesse nacional, tendo um espaço para a aproximação comercial, técnica e financeira
com países do bloco socialista desde que tais países não visassem obstruir a opção
brasileira, de alinhamento ao bloco ocidental (FERREIRA, p. 77-86, 1977).
Para a atuação do Brasil nas relações com os outros países, o então chanceler, Vasco
Leitão da Cunha, teria definido os círculos concêntricos de solidariedade, colocando, em
ordem de prioridade as regiões que seriam alvos do interesse brasileiro. Segundo essa
formulação, a primeira e mais natural região de atuação do Brasil seria a do Rio da Prata e
17
da América do Sul, em segundo seria os Estados Unidos, em terceiro a Comunidade
Ocidental e, por fim, a África (O Estado de S. Paulo, 31/03/197).
O regime militar, portanto, em um primeiro momento, teria restaurado o paradigma
de aliado especial como eixo da política exterior por motivações de convergência
ideológica entre o governo militar e a política externa norte-americana, tendo como
referencial comum questões relacionadas ao conflito Leste –Oeste, que o motivo dado
para o golpe era a necessidade de afastar a “ameaça comunista”, representada pelo governo
anterior, e por motivações pragmáticas, pois o governo esperava obter vantagens
econômicas por sua contribuição à manutenção da segurança hemisférica (LIMA, 2000, p.
68-69).
1.2.3. A diplomacia da Prosperidade: governo Costa e Silva (1967-1969)
As expectativas criadas em torno de um aporte significativo de capitais estrangeiros,
especialmente norte-americanos, e de consequente aumento das exportações brasileiras para
os países investidores, conforme proposto pela doutrina de segurança coletiva e integral de
Castelo Branco, não se concretizaram, que o capital estrangeiro não se interessou pelo
Brasil devido à falta de oportunidades e à baixa rentabilidade a ser obtida no País
(CAMPOS, 1967, p. 199).
Tal frustração ocorreu devido a uma contradição de objetivos entres as políticas
exteriores dos dois países, pois os EUA tinham como prioridade a manutenção da
segurança americana e internacional, enquanto a prioridade brasileira era o
desenvolvimento. Essa contradição ocorria devido à crença, por parte dos norte-
americanos, de que o desenvolvimento traria consigo, a curto e médio prazos, a
instabilidade, incompatível com a maximização da segurança militar norte-americana,
que este traria profundas transformações na economia e na sociedade como um todo
(LAFER, 1967, p. 111).
Ao perceber que a política externa do governo anterior não havia obtido os
resultados esperados, devido à não-convergência dos interesses das políticas externas de
Brasil e Estados Unidos e ao crescimento da percepção de que a potência norte-americana
estaria em um processo de perda relativa de sua liderança no bloco ocidental, houve um
18
relativo retorno aos princípios da PEI, do governo anterior ao golpe de 1964 (ALTEMANI,
2005, p. 121-122; BUENO; CERVO, 2002, p.380-381; MARTINS, 1975, p. 69). Essa
inflexão deveu-se à percepção dos seguintes aspectos:
a) a détente teria trazido consigo o enfraquecimento do conflito Leste-Oeste,
revelando a divisão internacional no sentido Norte-Sul. Sendo assim, a questão-chave a ser
solucionada pela política externa seria a desigualdade econômica entre os países
desenvolvidos e os subdesenvolvidos;
b) a segurança coletiva, nesse mundo dividido entre pobres e ricos, não
proporcionava os elementos necessários à superação de tal assimetria;
c) a interdependência militar, política e econômica não respondia aos objetivos
brasileiros, que uma política externa assertiva dever-se-ia pautar pelos interesses
nacionais, e não por motivações de caráter ideológico;
d) o ocidentalismo seria criador de uma série de alinhamentos que tolhiam as
possibilidades de ação externa do País num mundo cada vez mais interdependente
(BUENO; CERVO, 1992, p. 382; MARTINS, 1975, p. 69-70).
Ao livrar-se das preocupações relativas à dinâmica da Guerra Fria, o governo de
Costa e Silva, por sua vez, também via-se livre dos conceitos de defesa coletiva e soberania
limitada do governo anterior, podendo ficar à vontade para implantar a diplomacia da
prosperidade, com ênfase no setor externo para a consecução de seus objetivos
(MARTINS, 1975, p. 70). Dessa maneira, a política externa do país estaria baseada na
convicção de que o desenvolvimento seria uma responsabilidade nacional a ser exercida,
principalmente, por meio de instrumentos internos, em que o governo reconhecia o caráter
estratégico do setor externo, em termos de comércio, capital e técnicos (COSTA e SILVA,
1968, p. 131).
O redirecionamento da política externa buscava resultados em três vertentes. A
primeira seria a reformulação do comércio internacional e, consequente ampliação das
pautas e mercados para os produtos brasileiros. A segunda seria a aquisição, via cooperação
internacional, de ciência e tecnologia necessárias à independência econômica do País. A
última seria a expansão dos fluxos financeiros, para empréstimos e investimento, de fontes
diversas, em melhores condições de pagamento ou em igualdade de tratamento com o
capital nacional (BUENO; CERVO, 2002, p. 382).
19
Ao colocar o desenvolvimento como a principal prioridade para a diplomacia
brasileira, buscou-se reverter, de um lado, o “alinhamento automático” em relação aos EUA
e, de outro, construir alianças políticas e comerciais que possibilitassem a arrancada
brasileira rumo a esse objetivo, fazendo com que o País procurasse estabelecer o diálogo
com os países desenvolvidos com vistas a reestruturar o comércio internacional de forma
mais equânime para os países em desenvolvimento (ALTEMANI, 2005, p. 122).
Dessa forma, o Brasil iniciou uma aproximação com os países do Sul. Na I Reunião
Ministerial do G-77, em Argel, o embaixador brasileiro, Azeredo da Silveira, afirmou que o
ponto crucial e o denominador comum que os unia seriam a condição de
subdesenvolvimento, esclarecendo que a solidariedade do grupo não partiria de
contingências econômicas, sendo que o grupo tornar-se-ia homogêneo, a partir da
identificação de suas estruturas sociais e econômicas. Portanto, a política do Terceiro
Mundo deveria ser projeção e reflexo da situação sócio-econômica desses países, ou seja,
uma política fundada nas necessidades destes, tendo por tarefa histórica, o estabelecimento
coletivo da “diplomacia da prosperidade”, deixando de lado as divergências estranhas aos
objetivos comuns (MARTINS, 1975, p. 74).
Outro embaixador brasileiro, Araújo Castro, quando representante do Brasil na
ONU, tinha uma visão bem mais complexa acerca do eixo Norte-Sul do que a tradicional
que, habitualmente, reduzia tais relações a um “diálogo” de caráter apenas econômico.
Conforme avançava-se no eixo Leste-Oeste do sistema internacional, Castro acreditava
tornar-se mais necessário ao Sul identificar mais claramente não apenas seus interesses
econômicos, mas também políticos. Para a identificação dessa temática comum,
primeiramente, era necessário o engajamento parlamentar dos países do Sul no esforço
anticolonialista e anti-racista. Esta seria a base nima para que os países do Terceiro
Mundo pudessem reforçar o conhecimento mútuo e contribuir para a superação das
desfavoráveis estruturas internacionais
14
.
O governo Costa e Silva, portanto, optou pela via integracionista, pois acreditava
que a saída para a situação de subdesenvolvimento dependia, a nível internacional, da união
entre os pequenos, pobres e fracos contra os grandes, ricos e poderosos, reassumindo,
14
SARDENBERG, Ronaldo Mota. O pensamento de Araújo Castro. Palestra pronunciada na Universidade de
Brasília em 24/04/1979, p. 7-8 apud ALTEMANI, 2005, p. 125-6.
20
assim, uma posição de relativo confronto com os países industrializados e de solidariedade
com os subdesenvolvidos (MARTINS, 1975, p. 71-72).
A partir de 67, portanto, o Sul passou a ter funções complementares em relação ao
Norte, que apoiava o desenvolvimento como indutor, enquanto o Sul desempenhava o papel
de receptor dos produtos brasileiros, preenchendo, dessa maneira, os requisitos para a
sustentação do crescimento brasileiro (BUENO; CERVO, 2002, p. 416).
A política externa de Costa e Silva, apesar de ter alcançado resultados modestos
15
,
contribuiu por imprimir à política externa brasileira uma via nacionalista e integracionista,
fornecendo coesão entre política interna e política externa, podendo ser entendida pelos
problemas do subdesenvolvimento e pelas possibilidades de superação do mesmo.
1.2.4. A Diplomacia do Interesse Nacional: governo Médici (1969-1974)
Além das alterações na ordem internacional, apontadas anteriormente, ocorreram
transformações no plano interno que fundamentariam a política externa implementada
durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. A primeira dessas alterações seria uma
mudança na estrutura interna de poder, devido ao Ato Institucional nº 5, que deu ainda mais
poderes aos militares.
Ainda no plano interno, houve um reordenamento da posição relativa ocupada pelos
três eixos em torno dos quais o processo produtivo era articulado, a grande empresa
nacional, o setor público da economia e o capital nacional não-associado. A partir de 1969,
a burguesia estatal intensifica o seu papel de norteadora das decisões privadas de produção,
por meio de suas decisões de política econômica, e de principal indutora do
desenvolvimento, por meio dos investimentos estatais, conseguindo mais independência e
influência sobre o processo de acumulação do capital privado, passando também a impor às
demais classes a sua concepção de mundo e da história (MARTINS, 1975, p. 77-76).
No campo econômico, o Brasil também obteve êxitos, passando a entrar no estágio
do chamado milagre econômico, no qual a economia nacional entrou em fase de expansão
15
Tais resultados dever-se-iam a certas ambigüidades como o comprometimento da aliança terceiro-
mundista, devido à exclusão de diversos países subdesenvolvidos, como China, Coréia, Vietnã, Cuba e
colônias portuguesas e a defesa da empresa nacional misturada com uma política de cooperação sem reservas
com o FMI e com os EUA nos planos monetário e financeiro (BUENO; CERVO, 2002, p. 76).
21
acelerada, mantendo-se essa tendência de crescimento do PIB real por aproximadamente
sete anos, impulsionada pelas altas taxas de crescimento da indústria, setor que mais
cresceu no período
16
.
Dessa maneira, estabeleceu-se e consolidou-se, no Brasil, um modelo econômico e
político caracterizado pela busca de um aprofundamento de uma certa forma de capitalismo
associado, apoiado por um sistema político autoritário. Tal modelo, frente às mudanças no
cenário internacional, produziu um projeto de potência emergente, com vistas a obter
melhores condições ao desenvolvimento econômico nacional e uma parcela maior de poder
no sistema internacional, buscando transformar o Brasil em uma potência (LIMA;
MOURA, 1982, p. 351). Essa crença no “destino manifesto” baseava-se em fatores como
extensão territorial, elevada taxa demográfica, diversidade étnica, ordenamento sócio-
econômico e, principalmente, desejo de progresso e desenvolvimento (CASTRO, 1972, p.
30).
Com vistas a alcançar tais objetivos é apresentado, em 1970, o projeto Brasil
Potência, chamado de Metas e Bases para a Ação do Governo com o objetivo-síntese de
conduzir o Brasil ao mundo desenvolvido até o final do século XX (PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 1970, p. 15). No campo das relações exteriores, as metas para o período de
1970-1973 seriam: a programação e execução, no âmbito internacional, de atividades
diretamente relacionadas ao desenvolvimento do país, expansão do valor das exportações a
um nível que correspondesse ás necessidades do desenvolvimento brasileiro; promoção,
disciplinamento e orientação do fluxo de investimentos externos, públicos e privados;
aceleração do processo de transferência e incorporação de tecnologia; maior participação da
bandeira brasileira no transporte dos seus produtos e contenção de dispêndios nos serviços
e invisíveis do balanço de pagamentos; e medidas de reformulação dos instrumentos
administrativos e de programas internos que seriam incorporados para a realização de ações
concretas como o projeto para a criação de um centro de processamento de dados acerca
das exportações brasileiras; o projeto para modernização do Itamaraty; o projeto para a
coleta e divulgação de informações técnico-científicas (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
1970, p. 249-256).
16
BAER, W. “O crescimento brasileiro e a experiência do desenvolvimento: 1964-1974”. In: ROETT,
Riordan. O Brasil na década de 70. p. 73, 1978 apud ALTEMANI, 2005, p. 141.
22
Com tais mudanças nos planos externo e interno, obviamente, a política exterior do
Brasil também teria que ser modificada. Esta modificação ocorreu não apenas no nome,
mas também em sua forma e conteúdo, ocorrendo a diferenciação entre política exterior
brasileira e política internacional do Brasil, em que a primeira seria orientada pelos
princípios tradicionais defendidos pelo País ao longo de sua história como a igualdade entre
as nações, a preferência pela solução pacífica das controvérsias internacionais, os princípios
da autodeterminação dos povos e da não-ingerência nos assuntos internos de outros
Estados. A política internacional do Brasil, por sua vez, seria a definição dos padrões de
conduta a serem seguidos pelo país no campo internacional, onde haveria a predominância
dos critérios de racionalidade, o cálculo dos custos e benefícios, o valor instrumental das
iniciativas e das omissões tendo em vista o objetivo básico de projetar o poder nacional no
sistema internacional (CASTRO, 1972, p. 8-9).
O Brasil frente a todas essas mudanças teria passado a crer em si mesmo,
abandonando os sonhos multilateralistas e as ilusões terceiro-mundistas, descobrindo uma
via separada, a do interesse nacional, por meio da qual seria possível realizar, ao mesmo
tempo, os dois objetivos principais do País: a superação dos impasses criados pela fase de
subdesenvolvimento e a salvaguarda das leis estruturais da acumulação capitalista a nível
mundial (MARTINS, 1975, p. 83).
Como o país estava experimentando um momento de crescimento dentro da
estrutura de acumulação capitalista, acreditava-se que nada, na ordem internacional vigente,
precisava ser modificado desde que o País pudesse participar ativamente da mesma,
ocupando os merecidos lugares à medida que fosse desenvolvendo-se como nação e
economia, procurando aproveitar, da melhor forma possível, as brechas e desequilíbrios que
fossem surgindo no sistema internacional (MARTINS, 1975, p. 84-85).
Os formuladores da política exterior de Médici rejeitavam, também, a idéia de que a
divisão internacional do trabalho, vigente à época, seria algo permanente, ou seja,
recusavam a perpetuação da bissegmentação Norte-Sul (SOUTO, 2003, p. 35).
A diplomacia brasileira e, principalmente, seu chanceler, Mário Gibson Barboza,
questionavam a existência da categoria de Terceiro Mundo, pois acreditavam que tal
conceito teria sido forjado pelos países desenvolvidos. E, exatamente, devido a isso, seria
um conceito estático e paternalista, útil apenas para legitimar a ordem internacional vigente,
23
em que apenas os ricos eram beneficiados. O Brasil, segundo o chanceler, recusava-se a ser
colocado como membro desta categoria, precisamente, por não reconhecer a existência da
mesma. Para o chanceler fazia-se necessária a construção de um mundo solidário, com
responsabilidades compartilhadas igualmente por todas as nações. Esta seria a base do
conceito de segurança econômica coletiva aventado na época da PEI e que
consistiria, em última análise, na revisão das normas regentes do sistema internacional, de
forma a propiciar as condições favoráveis de comércio aos países em desenvolvimento
(DPE, v. 8, 1973, p. 37-40).
Mário Gibson Barboza classificou de ilusória a possibilidade de que o Terceiro
Mundo pudesse ter qualquer papel positivo como força política autônoma no cenário
internacional, sendo que o Brasil não faria parte do grupo de ativistas dessa categoria de
nações que buscariam a perpetuação de uma segmentação mundial estranha e inaceitável
entre aqueles países que fazem a História e aqueles que sofrem as conseqüências da mesma
(MARTINS, 1975, p. 79). O objetivo da crítica à idéia de Terceiro Mundo era a rejeição a
uma categorização que classificava parte dos países em uma espécie de “terceira classe” e
do Brasil, um país diferenciado, como parte desta classe (SOUTO, 2003, p. 35).
O congelamento do poder mundial, portanto, era visto como um elemento
desfavorável aos interesses nacionais, pois obstruiria a abertura do sistema, impedindo a
penetração e a construção de um espaço brasileiro. O País, dessa maneira, solicitava uma
maior parcela de poder, no sistema internacional, para usá-lo em proveito de seu
desenvolvimento. Portanto, ao condenar o realismo político com que as grandes potências
criavam novos mecanismos para manter congelada a estrutura de poder no sistema
internacional, o Brasil conferia certo apoio às demandas do Terceiro Mundo por uma nova
ordem internacional (CERVO, 1994, p. 45).
Além de rejeitar o congelamento do poder mundial em um clube de potências
responsável pelas questões internacionais relevantes, a política externa de Médici também
rejeitava os alinhamentos automáticos e o modelo subimperialista, implantados no governo
anterior. Acreditava que o alinhamento aos EUA não seria proveitoso ao Brasil, que,
anteriormente, não se obteve a reserva de mercado pretendida naquele país mercado e a
estreiteza das relações previstas no pacto teriam levado o país a passar de um
subimperialismo a um pré-imperialismo. O Brasil não almejava a função de zelador, por
24
procuração, da América Latina sob os auspícios dos norte-americanos, mas sim um papel
relevante, não na região, mas também no sistema internacional como um todo (SOUTO,
2003, p. 36).
Negava-se também a noção de que o desenvolvimento seria um processo gradual,
conforme aventado pelas grandes potências. O Brasil, por meio do Plano de Metas para a
Ação do Governo e do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), acreditava que o
desenvolvimento poderia ocorrer de forma acelerada, tanto que estes planos previam que, a
partir do novo milênio, o País faria parte do grupo de países desenvolvidos (SOUTO,
2003, p. 36).
O bilateralismo nas relações internacionais também seria uma outra característica da
política externa de Médici, pois acreditava-se que quando os países do Terceiro Mundo
negociavam, como um bloco homogêneo, com as grandes potências, as possibilidades de
sucesso de nações diferenciadas, como o Brasil, viam-se diminuídas. Tal postura, no
entanto, não significaria o abandono do discurso de apoio às reivindicações terceiro-
mundistas, pois o País continuou a apoiar as plataformas de luta desse grupo e a prestigiar
as iniciativas de integração regional na América Latina
17
(SOUTO, 2003, p. 38).
Esta opção seria pragmática, pois o Brasil necessitava de novos mercados e, por
razões históricas e geográficas, teria condições de maximizar as suas “vantagens
comparativas” (LIMA; MOURA, 1982, p. 352). O pragmatismo nas relações internacionais
induziria, portanto, à adequação dos reais interesses nacionais às possibilidades fornecidas
pelo sistema internacional vigente, com vistas ao prevalecimento do resultado sobre o
conceito, os ganhos concretos e materiais sobre os valores políticos e ideológicos, as
oportunidades sobre o destino, a liberdade de ação sobre os constrangimentos do
compromisso, o universalismo sobre as camisas de força das particularidades, a
aquiescência sobre a resistência aos fatos (CERVO, 1994, p. 27).
O governo Médici, portanto, aproveitou as discordâncias entre os poderosos e
brechas para a ação no concerto dos fracos, e do fato de que tais possibilidades poderiam
ser convenientemente utilizadas pelo País para obter mais poder no cenário internacional,
que poderia ser revertido em favor do principal objetivo do País: o desenvolvimento.
17
Como parte dessa ofensiva, foram realizadas viagens à América Latina, em 1971, e à África, no ano
seguinte, onde foram assinados diversos acordos entre o Brasil e os países visitados (SOUTO, 2003, p. 38).
25
1.2.5. O Pragmatismo Responsável: governo Geisel (1974-1979)
O governo do general Geisel, de 1974 a 1979, representou, em termos de política
externa, a implantação decisiva da universalização das relações internacionais do Brasil,
por meio do que foi chamado, pelo próprio governo, de pragmatismo responsável,
caracterizado pelo esforço contínuo de implementação de um projeto de inserção
internacional de viés autonomista.
O pragmatismo responsável pautar-se-ia por uma visão realista do ordenamento
internacional, pois o presidente Geisel não concordava com a visão de Médici de que, ao
Brasil, cabia uma parcela maior de poder no sistema internacional, pois acreditava que o
poder seria algo que se exerce de fato, de acordo com as possibilidades disponíveis,
segundo os padrões de convergência, coincidência e contradições, característicos das
relações internacionais (BUENO; CERVO, 2002, p. 398).
Essa visão realista do sistema internacional de poder dever-se-ia a alguns
condicionantes externos e internos. Do ponto de vista externo, conforme apontado em
maiores detalhes anteriormente, ocorria uma erosão da Guerra Fria e apresentavam-se
novas dinâmicas no sistema internacional como a redefinição das alianças de poder, devido
ao declínio relativo do poder hegemônico norte-americano e à emergência da Europa
Ocidental; à crescente liquidação dos impérios coloniais e à ascensão de potências
intermediárias; ao papel crescente de novos atores, além do Estado, bem como à
emergência de novos temas na agenda internacional e à progressiva integração do sistema
capitalista mundial (LIMA; MOURA, 1982, p.350).
Internamente, o Brasil vivia uma situação delicada, devido ao início do processo de
abertura política do País e a uma situação econômica vulnerável, complicada pelo aumento
vertiginoso dos preços do petróleo no mercado internacional. Ao assumir, Geisel tinha, à
sua frente, problemas estruturais significativos, pois o modelo de desenvolvimento
brasileiro implantando até então baseava-se na importação de energia barata, dependente,
fortemente, do aporte de capitais estrangeiros e da utilização de tecnologia importada, o que
não era mais possível em um cenário de queda geral dos investimentos internacionais e
encarecimento das importações, gerando, internamente, a redução do mercado consumidor
e colocando em xeque a produção e comércio brasileiros.
26
Para fazer frente a esse processo, o governo, em setembro de 1974, lança o II PND,
plano de aprofundamento do modelo de industrialização brasileiro - baseado na substituição
de importações - com os objetivos de tornar o Brasil autossuficiente em insumos básicos e,
se possível, energia, por meio da diversificação dessas fontes; de intensificar a capacitação
tecnológica do País em áreas como informática e petroquímica por meio do estímulo do
Estado, que passaria a ser o maior agente produtivo; de manter as taxas de crescimento
econômico entre 5% e 10%; de criar novos empregos; de incrementar as exportações e a
tributação; e de aumentar dos empréstimos externos (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
1974, p. 28-29).
Portanto, a combinação da variável interna o aumento da capacidade política e
econômica do Estado brasileiro com as varáveis externas, daria, ao Brasil, a possibilidade
de um papel internacional mais autônomo, explicando, assim, uma política externa voltada
à promoção dos interesses nacionais (LIMA; MOURA, 1982, p. 350).
A partir desses condicionantes e de sua visão do sistema internacional, Geisel
buscaria implantar uma política externa decorrente dos princípios que norteavam,
internamente, as realizações do governo, na definição dos objetivos nacionais básicos de
desenvolvimento e segurança (RPEB, v. 8, 1976, p. 7), procurando interpretar as aspirações
nacionais não à luz das necessidades imediatas, mas também daquelas futuras e de agir
para a consecução dos objetivos intermediários de natureza tática e estratégica (RPEB, v.
15, 1977, p. 88).
Segundo o presidente, a política externa, sob o seu governo, estaria baseada no
pragmatismo responsável, no ecumenismo e no princípio de não-intervenção nos assuntos
internos de outros Estados. Esta política seria pragmática, segundo ele, porque o Brasil
considerava a realidade internacional tal como ela era e seria responsável por ser ética. O
ecumenismo significaria a repulsa a todas as formas de hegemonia e a prática de uma
interdependência real e dinâmica (RPEB, v. 4, 1975, p. 7, 39-40).
A escolha do rótulo “pragmatismo responsável” era uma forma sutil de mostrar uma
certa descontinuidade em relação à política externa anterior que teria sido “ideológica” e
levado a alinhamentos e posturas embaraçosas em questões regionais que custaram,
politicamente, o isolamento relativo do Brasil nos foros multilaterais. Por meio do adjetivo
“responsável” Geisel queria desligar-se do passado, abandonar a Doutrina da Segurança
27
Nacional em todas as suas conseqüências práticas e derivações (RPEB, v. 8, p. 7, 1976.
FONSECA, 1996, p. 317; RPEB, v. 8, 1976, p. 7)
De acordo com estas idéias, tanto no plano interno quanto externo, a política externa
do governo Geisel estaria orientada pelas seguintes premissas:
a) a modernização capitalista no Brasil havia atingido um estágio que permitiria ao
País definir e perseguir objetivos próprios no plano internacional, tendo o Brasil
um peso específico no mundo, o que possibilitaria uma atuação com perfil
próprio;
b) alguns desses interesses não seriam negociáveis, mesmo naqueles casos em que
isso implicasse um confronto com a potência hegemônica, leia-se, EUA;
c) como potência intermediária, o Brasil teria à disposição meios limitados para a
ação externa, logo a definição dos objetivos de política externa deveria guardar
uma estreita relação com os meios disponíveis;
d) as alianças seriam instrumentos legítimos para aumentar o poder de um país,
mas estas seriam contingenciais, devido a questões em jogo e de como estas
poderiam afetar os interesses brasileiros, sendo, portanto, formadas em função
de interesses concretos
18
.
O governo imaginava que o país possuía a capacidade de valorizar, ao máximo, a
autonomia ao definir os interesses nacionais, buscando aumentar a integração do Brasil à
comunidade internacional, tanto em intensidade como em extensão, aprofundando a
participação brasileira em todos os veis possíveis, redefinindo, constantemente, os
campos de interesse (RPEB, v. 18, 1978, p. 46).
À época, acreditava-se em dois tipos de conflito em andamento no sistema
internacional: o conflito Leste-Oeste
19
que não será tratado em profundidade, pois foge
ao escopo deste trabalho - e o conflito Norte-Sul. Como o conflito Leste-Oeste tornava-se
18
LIMA, M.R.S. Interesses e solidariedade: o Brasil e a crise centro-ameticana. Trabalho apresentado no XI
Encontro Anual da ANPOCS. Águas de São Pedro, outubro de 1987, p. 3 in: ALTEMANI, H. 2002, p. 167.
19
Em relação ao conflito Leste-Oeste, a diplomacia brasileira buscou, em relação aos diversos temas da
disputa característica da Guerra Fria, uma interpretação própria e, ao mesmo tempo, posicionar-se naquelas
configurações que pudessem vir a afetar o Brasil de forma mais direta, tanto que, ao reconhecer o Movimento
Popular de Libertação de Angola, de caráter socialista, como governo legítimo daquele país, o fez devido ao
interesse em expandir as suas relações com aquele país e com o continente africano (FONSECA, 1996, p.
307).
28
mais frouxo, abria-se a possibilidade, para as potências médias, de aumento de sua
capacidade de influência sobre a dinâmica internacional, que as próprias superpotências
começavam a aproximar-se, mas não dever-se-ia ter uma visão ingênua da “détente”. Para
Azeredo da Silveira, a distensão seria um método precário e inadequado, por meio do qual
as superpotências procurariam encaminhar as questões de guerra e de paz. Segundo o
chanceler, era um método inadequado porque supunha a concentração permanente de poder
decisório nas mãos das superpotências. Era precário, pois poderia ser revogado a qualquer
instante, sendo evidente a correlação negativa entre a paz e o crescente armamentismo
nuclear (FONSECA, 1996, p. 318-319).
Com relação ao conflito Norte-Sul, o Brasil via esta nova dimensão como mais
promissora que o conflito Leste-Oeste, que comportaria interesses divergentes e, por
conseguinte, a atuação em esferas reservadas apenas aos blocos hegemônicos. Entretanto,
por ser uma visão, também, baseada na estrutura bipolar, ainda guardaria certos vícios da
mesma, pois mesmo que passasse a reconhecer a possibilidade, por parte de um país, de
desempenhar um papel mais relevante nas Relações Internacionais, continuaria a possuir
uma visão estática do sistema internacional e a interpretar a posição relativa de cada país
nos dois conflitos como um dado constante (FONSECA, 1996, p. 321-322).
Assim como em relação ao conflito Leste-Oeste, Silveira apontou que a
categorização de países desenvolvidos e subdesenvolvidos também se mostrava
inadequada, pois poderia ser modificada conforme os critérios utilizados, ou seja, se fossem
levados em conta apenas os aspectos puramente econômicos, deixando de lado aqueles
sociais e políticos, alguns países poderiam mudar de categoria. Além disso, dentro dos dois
blocos ocorreriam mudanças profundas nos países integrantes, o que impediria uma
classificação mais exata de tais países, ficando difícil a aceitação de blocos fechados com
tendências nítidas (FONSECA, G., 1996, p. 321-322).
Portanto, a diplomacia brasileira colocará em vida tanto a sua condição de país
ocidental como de país pertencente ao Terceiro Mundo, pois possuía valores ocidentais,
mas tal coincidência valorativa não poderia limitar a atuação brasileira no cenário
internacional (RPEB, v. 7, 1975, p. 54). Em relação ao Terceiro Mundo, também assumia a
existência de diversos pontos de coincidência com outros países do Sul, mas isso também
29
não implicava em decisões automáticas em relação a grupos como o G-77 e o Movimento
dos Não-Alinhados (RPEB, v. 4, 1975, p. 42).
Quanto à sua posição em relação aos dois conflitos que permeavam o sistema
internacional da época, o Brasil dizia-se do Primeiro e do Terceiro Mundos,
concomitantemente, pois possuía características particulares no tocante ao
desenvolvimento. O País, dessa forma, pertenceria ao Terceiro Mundo, pois compartilhava,
com este grupo, das aspirações por uma maior influência nas decisões internacionais e da
oposição a qualquer tentativa de congelamento da distribuição de poder e de riqueza, à
época (RPEB, v. 7, 1975, p. 54). Ao mesmo tempo, fazia parte do Primeiro Mundo, por
partilhar de seus valores e por possuir vínculos com este grupo.
Entretanto, tal caracterização a respeito da posição ocupada pelo Brasil dentro do
conflito Norte-Sul não significava que o País teria intenções de ser considerado diferente do
restante dos países Sul, pois, isto, ao mesmo tempo, retoricamente, elevava a condição
brasileira e também impossibilitava o acesso a certas modalidades de cooperação
internacional, preferindo, portanto, ser considerado atrasado em relação ao Norte do que
adiantado em relação ao Sul (RPEB, v. 7, 1975, p. 67).
Dessa maneira, a diplomacia brasileira defendia um Sul unido, uma nova ordem
econômica internacional, pois, nessas questões, como parte do Terceiro Mundo, o Brasil
teria a habilidade de liderança, inovação diplomática, o que não ocorria em relação ao
conflito Leste-Oeste, onde cabia ao País apenas reagir a uma crise que não teria sido gerada
por ele (FONSECA, 1996, p. 308). Ainda com relação ao Terceiro Mundo, o País defendia
o diálogo e a negociação como os meios mais eficazes para a solução dos problemas
internacionais (FONSECA, 1996, p. 322).
O pragmatismo responsável marcou, dessa maneira, uma profunda mudança nas
relações internacionais do Brasil, ao enfatizar o estreitamento de relações econômicas e
políticas com os PEDs (FONSECA, 1996, p. 325; LIMA; MOURA, 1982, p. 358).
No período analisado até o momento, portanto, houve uma gradual transformação
da política externa brasileira que, foi, aos poucos se deslocando do eixo Leste-Oeste para o
eixo Norte-sul, que, num mundo dividido entre as duas superpotências, o Brasil não
conseguiria emergir como ator relevante no sistema internacional. Dessa forma, devido ao
30
processo de industrialização, ocorre a identificação de que a universalização das relações
externas do País seria o melhor caminho para os planos nacionais.
As variações, na política externa brasileira, ao longo do período analisado,
decorriam, portanto, dos condicionantes dos sistemas internacional e nacional que
permitiam, por meio de novas realizações, chegar ao objetivo principal: a emancipação
nacional (BUENO; CERVO, 2002, p. 367-368). Esse deslocamento do eixo Leste-Oeste
para o eixo Norte-Sul dava a potências intermediárias, como o Brasil, a possibilidade de se
mover com maior desenvoltura e autonomia internacionalmente, escapando às armadilhas
impostas pelo sistema bipolar que impedia a atuação autônoma das potências
intermediárias, pois as decisões eram tomadas pelas grandes potências, apenas.
Durante as décadas de 60 e 70, portanto, exceto pelo interregno do governo Castelo
Branco, houve um projeto de universalização das relações internacionais do Brasil,
aproveitando-se das oportunidades abertas pelo sistema internacional para promover o
desenvolvimento nacional e, com isso, alcançar uma atuação mais autônoma e de acordo
com os interesses nacionais no cenário internacional.
1.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: o
desenvolvimento como vetor da aproximação:
Conforme apontado anteriormente, a questão do desenvolvimento econômico vai,
aos poucos, tornando-se a principal questão para a política brasileira e, devido a isso, a
política externa do país trabalharia com vistas ao alcance desse objetivo-chave, buscando a
ampliação de mercados aos produtos brasileiros e o aumento das exportações do país,
devendo, portanto, assumir posições próprias acerca das principais questões do sistema
internacional.
Ao longo desse período, o eixo Norte-Sul ganha cada vez mais espaço na política
externa brasileira, principalmente no que tange à diplomacia econômica multilateral, na
qual o Itamaraty tentaria contribuir para as políticas nacionais de desenvolvimento
empreendidas pelo governo (MELLO, 2000, p. 33). Dessa forma, o Brasil, agindo
conforme o seu principal interesse o desenvolvimento defenderia, nos foros
multilaterais, a questão do desenvolvimento econômico como o principal problema a ser
31
enfrentado pela comunidade internacional e ampliaria as suas relações externas,
independentemente de constrangimentos ideológicos oriundos da estrutura bipolar do
sistema internacional, empreendendo, portanto, uma política de aproximação e defesa do
Sul, conforme será exposto a seguir por meio das posturas brasileiras frente ao comércio e
desenvolvimento, questões caras ao Sul, no período em questão.
O desenvolvimento econômico, ao longo da vigência da PEI, ganhará, cada vez
mais, importância no discurso diplomático brasileiro
20
, que enfatizaria, cada vez mais, que
a divisão do mundo não estaria baseada nas questões advindas da problemática Leste-
Oeste, mas sim nas questões econômicas que dividiriam o mundo entre as nações
desenvolvidas do Norte e as menos desenvolvidas do Sul e estas deveriam ser os principais
problemas a serem superados pela comunidade internacional. O Brasil, portanto, assumiu,
cada vez mais, a defesa de reformas nas estruturas econômicas internacionais como forma
de superação do subdesenvolvimento e da desigualdade mundiais, o que garantiria um
sistema internacional mais seguro a todos os seus membros, enfatizando os seguintes
pontos:
a) a existência de um alto grau de correlação entre as taxas de desenvolvimento
econômico e os níveis do comércio internacional;
b) o comércio internacional como condição, senão capaz, mas necessária, de
acelerar o crescimento econômico brasileiro baseado na livre concorrência;
c) as forças e tendências do mercado internacional à época contribuiriam para a
diminuição de exportações e importações dos países do Sul;
d) propensão, por parte dos grandes blocos econômicos, como o Mercado Comum
Europeu (MCE), ou de subgrupos internos a eles, a medidas institucionais,
economicamente desnecessárias, que operariam em detrimento do comércio internacional
dos países subdesenvolvidos (POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE: UM BALANÇO,
1965, p.82).
20
Tal fato pode ser percebido ao se analisar os discursos de posse dos chanceleres brasileiros, em que são
expostas as diretrizes gerais da política externa. Tanto que, em seu discurso de posse, o ministro Afonso
Arinos ainda baseia seu discurso nas questões oriundas da bipolaridade; no discurso de posse de San Tiago
Dantas, a ampliação de mercados com vistas ao desenvolvimento econômico do país aparece como o terceiro
ponto principal da PEI; enquanto que com Castro, o desenvolvimento ganha ainda mais importância, como se
pode perceber pelo seu célebre discurso dos 3 D’s nas Nações Unidas.
32
Nas sessões da Assembleia Geral da ONU (AGNU), nos anos de 1961, 1962 e 1963,
a delegação brasileira defendeu que a estrutura institucional do comércio internacional
deveria ser repensada e reformada de forma a garantir um sistema mais justo
21
.
Na 16ª Sessão da AGNU, no final de 1961, os temas ligados ao desenvolvimento
econômico ganharam força, com as discussões acerca do papel da ONU na industrialização
dos países menos desenvolvidos; do estabelecimento de um fluxo de capitais e de
assistência técnica para as nações em desenvolvimento; de questões relativas ao comércio
internacional, particularmente aos bens primários, à proteção aos países dependentes da
exportação de matérias-primas e de produtos não-industrializados; da melhoria dos termos
do comércio entre as nações industrializadas e as subdesenvolvidas; do desenvolvimento e
de cooperação do Fundo Especial das Nações Unidas (RBPI, v. 5, n. 17, 1962, p. 132-133).
O Brasil assumiu, durante a reunião, um discurso de defesa dos PEDs, reafirmando
a divisão Norte-Sul e defendendo que tal divisão seria superada por meio da ajuda dos
países do Norte aos países do Sul
22
. Nesta reunião, o Brasil apóia a criação do Fundo
Especial das Nações Unidas para o financiamento do desenvolvimento, por meio da
Resolução 1706 e da Agência Especializada para o Desenvolvimento Econômico e do
Programa de descentralização das atividades da ONU em questões econômicas (Resolução
1709) (BUENO, 1994, p. 80).
A 18ª Reunião da AGNU, em 1963, foi marcada pelo discurso dos 3 D’s
desarmamento, desenvolvimento econômico e descolonização do chanceler Araújo
Castro, que apontou que, a ONU, no que tange ao desenvolvimento econômico, deveria
atender às seguintes áreas essenciais: a industrialização, a mobilização de capital para o
desenvolvimento e o comércio internacional. Reafirmou a estrutura do comércio
internacional desfavorável ao Sul, contribuindo, muitas vezes, para o empobrecimento
deste devido à redução dos preços dos bens primários, principais produtos de exportação
dos países do bloco, e ao aumento do preço dos bens industrializados do Norte. A
delegação brasileira também apontava que a segurança coletiva não deveria ser pensada
21
A preocupação com o desenvolvimento econômico, dentro do Itamaraty, fez com que se separasse, no
ministério, a Divisão Econômica da Comercial, sendo que a primeira ficaria responsável pela formulação das
orientações de política econômica nos organismos multilaterais, enquanto a segunda ficaria encarregada de
promover o comércio dos produtos brasileiros no mundo (BUENO, 1994, p. 77).
22
Dentro desta perspectiva, o Brasil conseguiria a aprovação da Resolução 1713 que enunciava que as
patentes estrangeiras criavam obstáculos ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos (BUENO,
1994, p. 80).
33
isoladamente, mas sim em conjunto com a segurança econômica coletiva, dando assim uma
abrangência maior ao conceito de segurança (RBPI, v. 6, n.23, 1963, p. 518-535).
O Brasil, portanto, apoiava a criação, no seio da ONU, de uma agência voltada ao
desenvolvimento industrial. Dentro da estrutura institucional da organização também
deveria ser criado um Fundo de Capitais, composto por todos os seus países-membros e
agências, onde os capitais adviriam de um desarmamento geral e completo. A delegação
brasileira também defendeu, durante a reunião, a realização de uma conferência
internacional para solucionar, de forma definitiva, os problemas enfrentados pelos países
exportadores de bens primários (BUENO, 1994, p. 80-81).
Os membros do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) reuniram-se de 13
de novembro a 09 de dezembro de 1961, fortemente influenciados pelas demandas dos
países do Sul. Os debates destinaram-se, principalmente, à análise do comércio de produtos
agrícolas, às trocas internacionais relacionadas aos países subdesenvolvidos e ao exame do
impasse criado a muitos desses países, principalmente os latino-americanos, com a
implantação do Tratado de Roma, pois suas discriminações tarifárias e comerciais que
beneficiavam os territórios não-autônomos dos países europeus, membros do MCE,
prejudicariam as exportações latino-americanas (RBPI, v. 5, n. 17, 1962, p. 132-133).
A 19ª Sessão do GATT trouxe alguns avanços para o Sul. Em primeiro lugar,
reconheceu-se a existência de outros obstáculos como quotas de importação, subsídios,
preferências, comércio estatal, colocação de excedentes agrícolas e legislação fiscal que
contribuiriam para dificultar o desenvolvimento do comércio internacional de bens
primários. Deliberou-se também que o GATT, em futuras negociações, deveria considerar o
nível de desenvolvimento dos países. Por fim, instituiu-se uma comissão com o objetivo de
analisar a questão do comércio internacional de produtos agrícolas, notadamente os
subtropicais, produzidos tanto por países do Norte como do Sul, e cujos excedentes
deveriam ser colocados segundo normas estabelecidas pelo GATT.
A Nigéria também apresentou a proposta, apoiada pelo Brasil, de isenção tarifária,
nos países industrializados, dos produtos tropicais. Estabeleceu-se, em decorrência dessa
proposta, um grupo de trabalho para sua análise que, se convertido em realidade, tornaria
ineficaz as discriminações tarifárias impostas pelo MCE aos produtos tropicais latino-
americanos.
34
Como o GATT ainda era um organismo que privilegiava as demandas dos PDs,
havia uma inadequação de suas normas às demandas do Sul, notadamente em relação à
questão do comércio de bens primários. Portanto, os ideais da PEI acerca do Comércio e
Desenvolvimento teriam fornecido as bases teóricas e práticas da I Unctad, realizada em
Genebra, no ano de 1964, como uma frente dos PEDs com vistas a proteger os preços de
bens primários e forçar o sistema econômico-financeiro internacional a dar respostas
satisfatórias à questão da industrialização, tratada de maneira irregular pelo acordo
(ALTEMANI, 2005, p. 95).
Durante os trabalhos preparatórios à I Unctad, o Brasil exerceu um importante papel
de liderança, possibilitando a coesão dos países latino-americanos
23
. Exatamente, devido à
atuação conjunta dos latino-americanos com os países africanos e asiáticos, os chamados
3As (África, América Latina e Ásia) surgiu, pela identificação de reivindicações comuns, o
G-77, o que facilitou o encaminhamento das negociações no decorrer da reunião. A
delegação brasileira obteve apenas resultados de natureza mais conceitual do que medidas
concretas, entretanto, o trabalho conjunto permitiu que as reivindicações desses países
ganhassem mais força e visibilidade dentro do conclave (BUENO, 1994, p. 101).
Houve, dessa maneira, uma aproximação em relação ao Sul, ao entender que tais
países compartilhavam o estágio de subdesenvolvimento, as desigualdades internas, os
desequilíbrios sociais e econômicos e suas condições intrínsecas, geradas por um sistema
internacional injusto.
Como parte da estratégia de aproximação com os países do Sul, o Brasil fez-se
presente na Conferência do Cairo sobre os Problemas do Desenvolvimento Econômico,
realizada entre os dias 9 e 18 de julho de 1962, na capital egípcia
24
, concentrada na questão
23
A coesão entre os países latino-americanos foi conseguida graças à Carta de Alta Gracia, assinada pelos
países da região na Argentina, entre 24 de fevereiro e 07 de março de 1964, em que se propunham a uma ação
conjunta dentro da Unctad.
24
Dentre os temas que seriam discutidos na reunião estavam: 1) estudos dos problemas econômicos internos
enfrentados pelos países em desenvolvimento; 2) exame de meios adequados para a promoção da cooperação
econômica, técnica e comércio entre tais países; 3) supressão dos obstáculos que desencorajavam as
exportações dos países em desenvolvimento e que os impediam do acesso aos mercados dos países
desenvolvidos e estudo dos problemas relativos ao comércio de matérias-primas e a utilização dos excedentes
agrícolas; 4) aumento da ajuda técnica e financeira concedida aos países do Terceiro Mundo, mediante a
diminuição dos orçamentos militares das grandes potências e o financiamento de projetos de desenvolvimento
nos países subdesenvolvidos; 5) discussão de uma proposta que recomendaria a realização, no começo de
1963, de uma conferência econômica sob os auspícios da ONU, com o objetivo de desenvolver a cooperação
internacional (RBPI, v. 5, n. 19, set. de 1962, p. 561-562).
35
da baixa nos preços dos bens primários no mercado mundial, o que afetaria os PEDs,
apontando para a adoção de medidas que impedissem o agravamento de tal situação.
Além disso, tratou-se da questão da formação de grupos econômicos, como o MCE
que, por meio de sua política discriminatória ameaçariam as exportações dos PEDs ao
conceder isenções tarifárias aos territórios associados às grandes potências pertencentes ao
bloco. Percebeu-se que tal política viria a aumentar a complexidade dos problemas que
dificultavam a aceleração do crescimento econômico dos países menos desenvolvidos,
ressaltando que a Conferência representava a oportunidade de intensificação da colaboração
internacional entre os países que enfrentavam tais problemas.
Em comunicado final, considerou-se que a expansão do comércio entre os países do
Sul, principalmente no âmbito regional, poderia ser útil ao desenvolvimento econômico dos
mesmos, recomendando-se medidas para a consecução de tal objetivo. Para isso,
aconselhou-se, aos participantes, a promoção da colaboração recíproca no tocante aos
seguintes problemas de interesse mútuo: a realização de um trabalho de investigação
geológica, melhorias agrícolas, formação de centros de capacitação técnica, criação de
programas regionais e possibilidades de financiamento mediante recursos nacionais ou
internacionais. (RBPI. v. 5, n. 19, set. de 1962, p. 565-566).
Com relação aos problemas inerentes ao comércio internacional, a Conferência
incitou os países industrializados a adotarem medidas para abolir as barreiras tarifárias e
não-tarifárias bem como todas as outras barreiras discriminatórias das exportações dos
PEDs. A Conferência recomendou, ainda em relação ao assunto, o estabelecimento de um
sistema internacional de financiamento compensatório, convidando o Fundo Monetário
Internacional (FMI) a examinar a adoção de medidas para um equilíbrio melhor nas
balanças de pagamentos dos países do Sul (RBPI. v. 5, n. 19, set. de 1962, p. 566-567).
No tocante aos agrupamentos econômicos regionais, apontou que o comércio
internacional deveria desenvolver-se baseado na igualdade entre os países e a necessidade
de medidas para redução do impacto desses grupos de países industrializados sobre a
economia dos países menos desenvolvidos e sobre o comércio mundial. Tal atitude deveria
partir dos países do Norte, por meio da adoção de medidas contínuas e positivas que
assegurassem o aumento das exportações do Sul, destinadas a seus mercados sobre uma
base não-discriminatória (RBPI. v. 5, n. 19, set. de 1962, p. 565-567-568).
36
A Conferência ainda apontou a insuficiência de ajuda internacional, destacando que
tal fato aumentaria as assimetrias entre o Sul e o Norte, afetando o volume comercial, a
atividade e o progresso mundiais.
Dessa maneira, conforme apontado anteriormente, o Brasil, nos foros multilaterais,
no tocante à questão do desenvolvimento econômico e do comércio internacional, apontou,
durante a vigência da PEI, as desigualdades de desenvolvimento econômico entre os PDs e
os PEDs, defendendo a reestruturação do sistema internacional de comércio e suas
instituições, com vistas ao estabelecimento de um sistema mais igualitário, que levasse em
conta o desenvolvimento dos países. A postura assumida pela diplomacia brasileira,
portanto, visava priorizar o eixo Norte-Sul do sistema internacional como forma de
inserção internacional autônoma para o País.
Após a ascensão dos militares ao poder, em 1964, o Brasil, nos foros multilaterais,
de alcance internacional, como Unctad, GATT e ONU, assim como em relação às
instituições financeiras multilaterais, como FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), afastou-se do discurso terceiro-mundista de oposição à ordem
internacional vigente, atuando de encontro às posições ocidentais e apoiando os interesses
estratégicos norte-americanos, com o objetivo de obter, em contrapartida, compensações no
plano regional (VIZENTINI, 1998, p. 68-69).
Na 21ª Sessão da AGNU, em 1966, o chanceler brasileiro, Vasco Leitão da Cunha,
alertou, às nações desenvolvidas, que não fechassem os olhos à questão do
desenvolvimento econômico e que a ONU teria um papel fundamental no acesso, por parte
de todos os países-membros, aos mercados mundiais e aos recursos tecnológicos e
financeiros disponíveis, à época. Os PDs deveriam trabalhar, ativamente, para que a
prosperidade e o poder aquisitivo dos PEDs fossem elevados, pois, com isso, todos
ganhariam (TEXTOS E DISCURSOS DE POLÍTICA EXTERNA – doravante TDPE,
1966, p. 31)
Na primeira reunião da Unctad, entre 23 de março e 16 de junho de 1964, ou seja,
em meio ao processo revolucionário brasileiro, a diplomacia nacional não chegou a reverter
37
totalmente suas posições na conferência, limitando-se a esvaziar sua participação em
questões de maior relevância política
25
(VIZENTINI, 1998, p. 69).
Ao longo da reunião, o Brasil apresentou as necessidades dos países do Sul e
criticou, duramente, os países do Norte, reclamando que, no lugar da retórica e discursos de
boas-intenções, era necessária a adoção de medidas concretas a favor de um novo
ordenamento nas relações comerciais internacionais (TDPE, 1965, p. 42).
Na ocasião, o Brasil também fez duras críticas ao GATT que, apesar da revisão, no
ano de 1964, ainda não havia solucionado os problemas relativos ao comércio
internacional, como, por exemplo, a questão das tarifas preferenciais de comércio
(BUENO, 1994, p. 100).
A delegação brasileira também voltou a defender a criação de uma Organização
Internacional de Comércio e Desenvolvimento, com vistas a promover o impulso-chave à
aceleração do crescimento econômico dos PEDs, por meio de uma reformulação do
conceito de divisão do trabalho e de uma diversificação e industrialização das regiões
periféricas do sistema capitalista mundial (VIZENTINI, 1998, p. 69).
A I Unctad, com resultados apenas conceituais, representou um importante avanço
no diálogo Norte-Sul, pois, acatou-se a idéia de que eram necessárias mudanças no sistema
internacional de comércio, para, dessa maneira, serem superados as assimetrias os países
desenvolvidos e em desenvolvimento (BUENO, 1994, p. 101).
Entre 24 de agosto e 15 de setembro de 1965, durante a II Sessão da Junta de
Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas
26
, o Brasil defendeu que as suas
aspirações, reconhecidas durante a I Unctad, como a melhoria dos preços relativos dos
produtos de base, a expansão e diversificação das exportações de manufaturas e
semimanufaturas oriundas dos PEDs, ampliação do acesso aos mercados internacionais,
tanto de produtos primários como de produtos industrializados e o alcance de uma
adequada política de cooperação financeira internacional, deveriam passar a ser cumpridas.
Segundo a diplomacia brasileira, deveria haver uma ação simultânea em três direções: a
25
Durante a reunião, o Itamaraty chamou de volta ao país diversos diplomatas brasileiros presentes à reunião,
por considerar que estes estariam comprometidos com o ideário da PEI, da qual o novo governo discordava
profundamente, reduzindo de sobremaneira o peso do Brasil na reunião (VIZENTINI, 1998, p. 69).
26
A II Sessão da Junta de Comércio e Desenvolvimento da ONU, criada a partir da IX AGNU tinha por
objetivo tratar das questões relacionadas ao comércio internacional que tivessem correlação com o
desenvolvimento dos países não-industrializados, cabendo a esta, em reuniões semestrais, dar continuidade
aos trabalhos da Unctad e preparar a próxima Conferência.
38
estabilização e o aumento das receitas tradicionais originárias da exportação de produtos
primários, o incremento, o mais rápido possível, das exportações de produtos
manufaturados, como maneira de incentivar a indústria nascente dos PEDs; e, como parte
desse esforço, o máximo aproveitamento do fluxo de capital e ajuda financeira para tais
países (RBPI, n. 33-34, 1966, p. 276-279).
Para o governo brasileiro, a Sessão da Junta teve um saldo positivo, pois contribuiu
para que os países de maior participação no comércio internacional reconhecessem suas
responsabilidades em relação aos compromissos assumidos na Ata Final da I Unctad, à qual
a comunidade internacional e, especialmente, os países do Sul, atribuíam importância
fundamental (RBPI, n. 33-34, 1966, p. 279).
Ainda como parte da preparação para a II Unctad, o Brasil participou da II Sessão
do Comitê dos Produtos de Base, reunida em Genebra, durante o mês de maio de 1967,
orientando-se por quatro princípios: impedir a deterioração ainda maior dos termos de troca
entre produtos primários e industrializados; ampliar o acesso dos PEDs aos mercados
consumidores; constatar que os estoques reguladores complementares aos acordos
poderiam influenciar no mercado assim como receber financiamentos; a diversificação da
economia não deveria restringir-se à produção de produtos primários e à sua exportação,
mas também abarcar a economia como um todo e receber financiamentos internacionais
27
(BUENO, 1994, p. 101). Ao longo da preparação para a II Unctad e em todos os seus
comitês, o Brasil continuou a defender a doutrina da segurança econômica coletiva
(BUENO; CERVO, 2002, p. 401).
A Rodada Kennedy, do GATT, antecipou os temas relacionados ao comércio e
desenvolvimento a serem discutidos na II Unctad, que ocorreria imediatamente após a
Rodada
28
. O Brasil, nessas discussões, não modificou as suas reivindicações durante os
regimes militares, buscando, no âmbito multilateral, uma célere reforma nos organismos
comerciais multilaterais, com vistas a assegurar a expansão e diversificação das
exportações brasileiras a preços estáveis, crescentes e compensatórios e à promoção de uma
27
A preparação da II Unctad ainda possuía outros comitês como o de transportes marítimos, de invisíveis e
financiamento, peritos, preferências e manufaturados.
28
O Acordo passou por um processo de renovação após a realização da I Unctad, pois o comércio e
desenvolvimento dos países do Sul passaram a receber maior atenção por parte do organismo, principalmente
com a assinatura do protocolo, em 1965, que emendava a Parte IV do Acordo, de assuntos relacionados em
que os países em desenvolvimento foram favorecidos por meio de medidas como melhores tarifas e vantagens
comerciais, além da criação de um Comitê de Comércio e Desenvolvimento (BUENO, 1994, p. 105).
39
densa revisão das políticas disciplinadoras das trocas comerciais mundiais, com vistas ao
estabelecimento de uma divisão internacional do trabalho mais justa e igualitária (BUENO,
1994, p. 105).
Neste momento, o governo diferenciou a diplomacia econômica, responsável pelos
aspectos macroeconômicos determinantes da demanda, de função mais ligada à questão
negociadora, da diplomacia comercial, responsável pelos aspectos microeconômicos, mais
fortemente ligada à proteção dos interesses de comércio específicos de seu país
(VALENTINO SOBRINHO, 1985, p. 53). Dessa maneira, com a expansão da participação
do Itamaraty em questões relacionadas ao comércio exterior, são criadas as condições para
que as relações comerciais do Brasil fossem conduzidas com base apenas em aspectos
econômicos e/ou comerciais, e que se levasse em conta, nas negociações das quais o País
fosse parte, os seus interesses públicos e/ ou diplomáticos (ALTEMANI, 2005, p. 113-114).
Ao notar que as duas superpotências haviam atingido um elevado grau de
entendimento em diversos assuntos na AGNU, principalmente em questões relacionadas ao
desenvolvimento econômico e social e institucional, Araújo Castro, representante do Brasil
entre 1968 e 1970, descartou a aliança com os países socialistas, que esses, comandados
pela URSS, tinham uma postura liberal dentro da ONU (BUENO, 1994, p. 96).
Os países da América Latina, da Ásia e da África os chamados três As -,
formavam, na Assembléia Geral, o G-77, principalmente no que dizia respeito às questões
relacionadas ao desenvolvimento, já que em outras esferas a coesão não era possível
29
.
Em relação aos temas econômicos, o Brasil continuou a enfatizar o papel das nações
mais desenvolvidas na promoção do desenvolvimento econômico e social mundial. A
comunidade internacional, em conjunto, deveria encontrar soluções adequadas aos
problemas de comércio internacional de produtos primários, do qual a maioria dos PEDs
dependia. Deveriam ser adotadas medidas de cooperação internacional que possibilitassem
o aumento da exportação de tais produtos, sendo esta condição indispensável ao
crescimento econômico desses países. O financiamento internacional, por meio de um
incremento no volume e nas condições, deveria ser, por sua vez, incrementado. Dessa
forma, a vontade política, já expressa em reuniões como a I Unctad, dever-se-ia traduzir em
29
Os latino-americanos, por exemplo, sempre tendiam a apoiar a superpotência hemisférica em questões
relacionadas à segurança, devido tanto ao TIAR como a interesses semelhantes em relação à segurança
hemisférica (BUENO, 1994, p. 96).
40
medidas concretas e não na reiteração de boas intenções (DOCUMENTOS DE POLÍTICA
EXTERNA – doravante DPE, v. 1, p. 23).
Na II Unctad, realizada em Nova Déli, em fevereiro de 1968, a delegação brasileira
recebeu instruções para que “virasse a mesa” e decretasse o fim da Conferência, pois
considerava que a I Unctad havia tido efeitos decepcionantes, devido à resistência dos PDS
em ceder às reivindicações dos PEDs (MARTINS, 1975, p. 63).
Ao tratar dos resultados da I Unctad, o chanceler brasileiro, Juracy Magalhães, em
discurso no plenário da II Unctad, apontou que a primeira Conferência teria tido o mérito
de ter permitido uma profunda tomada de consciência acerca do desequilíbrio existente nas
relações comerciais Norte-Sul, revelando que, em questões econômicas unir-se-iam, por
interesses semelhantes, de um lado, os países industrializados, e de outro, os
subdesenvolvidos, independentemente de razões de cunho ideológico. O comércio
internacional seria, portanto, um elemento de extrema importância à superação do
subdesenvolvimento, pois as nações mais pobres não poderiam continuar a alimentar a
acumulação de riqueza nos países industrializados (RBPI, v. 43.44, 1968, p. 91).
O Brasil, dessa maneira, estaria interessado, durante a Conferência
30
, em impelir os
PDs a agirem por meio da remoção das barreiras que obstruíam o comércio entre os PEDs e
do auxílio financeiro e técnico aos esforços de integração empreendidos por tais países,
devendo concentrar suas forças nas preferências desfrutadas pelos desenvolvidos em
mercados de países em desenvolvimento; nas restrições veladas de acesso dos produtos
produzidos pelos países do Sul; nas condições de assistência financeira aos países de menor
desenvolvimento relativo (PMDRs); nas medidas financeiras de apoio aos processos de
integração promovidos pelos países em desenvolvimento (RBPI, v. 43-44, 1968, p. 80-83).
Ao discursar, ao fim da II Unctad, o chefe da delegação brasileira, Azeredo da
Silveira, escolhido pelos países africanos, asiáticos e latino-americanos presidente do G-77
– mostrando a força do Brasil entre os PEDs apontou que a Conferência havia se tornado
30
A posição do Brasil, durante a Conferência deveria se basear nas seguintes idéias:
a) o comércio entre países em desenvolvimento, ao menos no curto prazo, não poderia nem deveria ser
considerado como uma alternativa ao comércio maior e mais importante com os países desenvolvidos;
b) dever-se-ia enfatizar a integração regional como a maneira mais eficiente para a expansão do comércio
entre países em desenvolvimento;
c) os países em desenvolvimento estariam mais preparados para vencer os empecilhos à expansão do
comércio entre si caso, em um número específico de casos, pudessem contar com o auxílio dos países
industrializados e dos organismos internacionais para seus esforços (RBPI, v. 43-44, 1968, p. 77).
41
uma fonte de frustração e desencantamento, já que os PDS teriam bloqueado todas as
iniciativas significativas dos países do Sul. Dessa maneira, os PEDs deveriam, cada vez
mais, confiar em si mesmos (RBPI, v. 43-44, 1968, p. 98).
O embaixador ainda mencionou que deveria haver um reforço nas relações entre os
países do Sul de maneira a dar uma organicidade maior as mesmas. Silveira também
apontou que a II Unctad teria visto a consolidação do G-77, apontando para a convocação
de uma nova Reunião Ministerial do grupo com o objetivo de avaliar os resultados da
Conferência para os PEDs. Na ocasião, o embaixador chegou a recomendar que, durante
aquela reunião, fosse estabelecida um organismo permanente de países do Sul, nos moldes
da OCDE em relação às nações desenvolvidas, com objetivos como a proposição de
medidas para incrementar o comércio e as relações econômicas entre as nações do mundo
em desenvolvimento (RBPI, v. 43-44, 1968, p. 99-100).
Dessa maneira, no que tange à questão do desenvolvimento econômico, o Brasil
estava, cada vez mais, aproximando-se do Sul com vistas à consecução de seu objetivo de
reformulação da estrutura do comércio internacional vigente, pois percebia, cada vez mais,
que tal demanda não seria, prontamente, atendida pelo Norte, cabendo aos PEDs países
lutarem, em conjunto, para que tais medidas fossem implementadas assim como reforçar
suas relações econômicas como estratégia para diminuir a sua dependência em relação aos
países industrializados do Norte.
O governo Médici continuou a apoiar, nos foros multilaterais, as plataformas de luta
contra a dominação do sistema internacional por parte dos PDs, que o vetor da política
externa brasileira teria continuado o mesmo, a saber, o desenvolvimento.
A discordância do Brasil em relação às regras do comércio internacional, instituídas
pelos PDS países desenvolvidos, que bloqueavam a possibilidade do País colocar, no
mercado mundial, seus produtos a preços competitivos, caracterizou boa parte da atuação
da diplomacia brasileira em foros internacionais que tratavam da temática do
desenvolvimento e comércio internacional, como Unctad e GATT
31
. Países como o Brasil,
necessitavam que as normas do comércio internacional fossem alteradas de forma profunda,
sendo que o ponto de partida para tal reformulação deveria ser um conjunto de princípios e
31
Para maiores informações acerca da postura do Brasil nestes foros consultar TRINDADE, 1981.
42
recomendações de caráter declatório, a serem transformados em mecanismos operativos
(DPE, v.4, 1969/1970, p. 61).
Como apontado anteriormente, as relações e conquistas substanciais da
diplomacia brasileira, à época de Médici, davam-se no plano bilateral. Entretanto, no
período, o Brasil teve uma atuação intensa e ativa nos foros multilaterais.
Em 10 de julho de 1970, o chanceler brasileiro, Mário Gibson Barboza, durante
reunião do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), fez uma crítica às “falácias”
ligadas ao desenvolvimento. A primeira delas seria a “falácia do desenvolvimento
autogênito”, que tomaria os PEDs como uma unidade que existiria em seu próprio interior,
e que apenas convivia com os PDs, sem que houvesse, entre as duas categorias de países,
qualquer inter-relação. A segunda seria a “falácia paternalística” que apontava que o
desenvolvimento poderia ser alcançado por meio dos laços existentes entre certos países em
desenvolvimento e desenvolvidos. A terceira seria a “falácia gradualística” que apontava o
desenvolvimento como um processo de longo prazo e que, portanto, o melhor a fazer seria
aumentar, progressivamente, a receita por um período razoavelmente longo (DPE, v. 4,
1969-1970, p. 145-146).
O Brasil, durante a 25ª Sessão da AGNU, no ano de 1970, reiterou a necessidade de
reforço do papel da ONU, principalmente em relação à assimetria entre ricos e pobres no
cenário mundial. Aproveitando-se do fato de que a segurança internacional ainda era o
assunto mais premente nas discussões da organização, a delegação brasileira, em nome dos
países latino-americanos, apresentou um projeto de Resolução, aprovado após negociações,
em que se reconhecia a ligação direta entre o fortalecimento da segurança internacional, o
desarmamento e o desenvolvimento econômico (BUENO, 1994, p. 97). Resgatando-se,
mais uma vez, as teses da segurança econômica coletiva, aventadas na PEI
32
.
Ainda na mesma sessão, o Brasil voltou a fazer parte do Ecosoc, com um mandato
de três anos, sendo reeleito em 1972 para um novo mandato trienal. À época, o conselho
era um órgão de pouco destaque no tratamento de questões econômicas, funcionando,
apenas, como um intermediário no encaminhamento desse tipo de questões à Assembleia
Geral, o que não desagradava ao Brasil, pois, desde a década anterior, o Ecosoc era
32
Barboza ainda insistiu no que a segurança econômica fundamental para uma paz duradoura no sistema
internacional, sendo que esta não deveria significar a manutenção da estrutura vigente, mas a modificação
desta (DPE, v. 5, 1971, p. 98).
43
dominado pelas grandes potências. O País entendia que fazia-se necessária uma reforma
naquele conselho, para que este tivesse atribuições claras da Assembleia Geral e, dessa
maneira, recuperasse a sua credibilidade (BUENO, 1994, p. 100).
Na 49ª Sessão, em julho de 1970, durante os preparativos para a III Unctad, os
países do Sul tiveram divergências tanto com os países socialistas, pois não concordavam
com o viés político que tais países desejavam imprimir às discussões, que consideravam
o desenvolvimento uma questão que ia além das fronteiras ideológicas, como com os países
industrializados, pois estes queriam enfatizar o desenvolvimento social e, portanto, debater
políticas que não agradavam muitos dos PEDs como educação, controle de natalidade e
meio ambiente (BUENO, 1994, p. 102).
Na mesma Assembleia Geral, os PEDs conseguiram uma vitória ao obterem a
ratificação, pela 25ª AGNU, do SGP
33
, representando a aceitação pelo Norte do princípio
de que as regras internacionais de comércio baseadas na cláusula da Nação mais
Favorecida
34
seriam essencialmente aplicáveis ao comércio entre as nações desenvolvidas,
mas não necessariamente ao comércio entre países em estágios de desenvolvimento
díspares, substituindo-a pelo princípio de preferências tarifárias não-recíprocas para as
manufaturas e semimanufaturas dos últimos nos mercados das primeiros.
Durante a chamada II Década do Desenvolvimento da ONU, o Brasil, no Ecosoc,
atuou conjuntamente com os demais PEDs com o objetivo de promover alterações no
arcabouço do comércio internacional da época e de captar recursos públicos e privados aos
projetos desenvolvimentistas. Os países do Sul reivindicavam, naquele conselho, regras que
facilitassem o acesso de seus produtos aos mercados desenvolvidos, uma maior
participação nos fretes internacionais, uma mobilização de capitais para os projetos dos
PMDRs e oportunidades de acesso e transferência de tecnologia. Na ocasião, o Brasil
defendeu a necessidade de uma conciliação do progresso econômico e do bem-estar social
com o desenvolvimento nacional (TRINDADE, 1981, p. 183-184).
33
O Sistema Geral de Preferências, instituído pela I Unctad, em 1964, tinha por objetivo conceder às nações
menos desenvolvidas a possibilidade de práticas preferenciais e não-recíprocas, como a importação, sem
taxas, de produtos enquadrados no programa, com vistas a estimular as exportações dos países em
desenvolvimento e, assim, permitir uma maior inclusão desse grupo de nações no comércio internacional.
34
A Cláusula da Nação Mais Favorecida é a cláusula existente nos tratados comerciais, mediante a qual dois
países estabelecem vantagens mútuas entre si, diferenciando-se em relação a todos os demais países.
44
O conceito de solidariedade econômica coletiva em benefício dos PMDRs,
defendido pela diplomacia brasileira desde a década de 50, voltou a ser reafirmado e
enriquecido durante a 26ª AGNU, no ano de 1971, onde o Brasil repudiou, fortemente, o
chamado “realismo político” por meio do qual se buscava a instauração de novas maneiras
de congelamento do poder, assim como a instituição, implícita ou explícita, de zonas de
influência, por parte dos países mais desenvolvidos (RBPI, n. 55/56, 1971, p. 123-124).
Devido à constante obstrução dos PDs em relação às demandas dos PEDs por um
sistema de comércio internacional mais equilibrado, a delegação brasileira chegou à III
Unctad, realizada em 1972, na cidade de Santiago, no Chile, um tanto pessimista (BUENO,
1994, p. 102), devido à cristalização de tendências como a verticalização do comércio
internacional, o aumento de barreiras tarifárias e o protecionismo
35
.
A delegação brasileira defendeu a necessidade de uma reforma institucional da
Unctad, com vistas à consecução de três objetivos fundamentais: a possibilidade de traduzir
em ação os princípios aceitos durante as conferências, por meio de um instrumento de
negociação continuada; o incremento do grau de normatividade das decisões acordadas; a
integração ou harmonização das decisões e recomendações adotadas com relação aos
diferentes setores das relações econômicas (RBPI, n. 57/58, 1972, p. 53).
A III Unctad teve resultados modestos, avançando, em manufaturas, em três grandes
setores: preferências
36
; barreiras não-tarifárias
37
; e práticas comerciais restritivas. Além
desses avanços, foi incluído na agenda da Conferência, devido ao grande esforço
empreendido pelo Brasil em conjunto com os países do Sul, o tema dos seguros e foram
aprovadas medidas especiais em favor dos vinte e cinco países que haviam sido
identificados como de menor desenvolvimento relativo (VELLOSO, 1972, p.17).
Entretanto, pouco foi alcançado em relação às reivindicações do G-77 devido à falta
de vontade política dos PDS em alterar a estrutura de comércio internacional vigente, com
discordâncias, entre os dois grupos, em temas como as projetadas negociações comerciais
35
Essas tendências, segundo a delegação brasileira deviam-se, principalmente, ao fato de que, até aquele
momento, o SGP ainda não havia sido implementado por diversos países desenvolvidos e aqueles que o
implementaram modificaram seus esquemas de forma unilateral, minando, de certa forma, os avanços que os
países em desenvolvimento acreditavam que poderiam obter com o novo sistema. (RBPI, n. 57/58, 1972, p.
52).
36
Neste setor foi criado um comitê permanente para o tema.
37
Em relação a este setor de manufaturados, foi aprovada uma resolução que dava à Unctad o mandato para
estudar e propor soluções para o problema.
45
de 1973, para as quais os PEDs desejavam a fixação de princípios, visando estender a
participação a todas as etapas de negociação (BUENO, 1994, p. 103).
Apesar dos poucos resultados, a III Unctad, segundo avaliação do MRE, apresentou,
ao Brasil, um país, à época, mais avançado que muitos dos países do Sul, resultados, até
certo ponto, favoráveis, principalmente, no tocante à reforma monetária internacional,
transportes marítimos, seguros e transferência de tecnologia. A Unctad, à época, adquiriu
para o Brasil, bem como para os demais PEDs, uma importância indispensável,
principalmente em relação aos objetivos de curto e médio prazos, pois o setor externo era
fundamental no modelo de desenvolvimento brasileiro e fazia-se necessário, ao País, a
modificação da estrutura do comércio internacional vigente para que fossem incrementadas
a sua exportação de produtos primários, manufaturados e invisíveis, o financiamento
internacional e o acesso à tecnologia, demandas comuns a outros PEDs que, na Unctad,
conseguiam, ao menos, discutí-las com os PDS (BUENO, 1994, p. 103).
Em relação à sua ligação com o Sul, o Brasil continuou participando, como
observador, das reuniões do G-77 e do Movimento dos Países Não-Alinhados. A partir da
IV Conferência de Cúpula do Movimento, realizada em Argel, conforme o Brasil se
afirmava como potência intermediária com interesses diversos, sua postura foi tornando-se,
cada vez mais contraditória, fazendo com que a diplomacia brasileira tivesse uma postura
independente conforme seus interesses iam colidindo com os de algum grupo (SOUTO,
2003, p. 48).
Segundo Wayne Selcher, as principais diferenças entre o Brasil e a maioria dos
PEDs, entre os anos de 1970 e 1977, nos foros terceiro-mundistas seriam: um governo
conservador pró-capitalista, com reservas a posições radicais; postura moderada em relação
ao nacionalismo econômico, com ampla aceitação de investimentos estrangeiros e empresas
multinacionais; pouco interesse em questões coloniais marginais como as Ilhas Malvinas,
Porto Rico e Canal do Panamá; reduzida importância aos temas de segurança política que
não afetassem diretamente o País; denúncias de violações aos direitos humanos no Brasil;
acusações de imperialismo por parte dos países latino-americanos; oposição a um confronto
Norte-Sul direto, e ênfase no pragmatismo; importância à questão do tratamento dado aos
produtos manufaturados dos países do Sul; postura mais moderada em relação ao bloco
ocidental; rejeição explícita do rótulo e dos ideais do não-alinhamento; maior ênfase nos
46
meios para incrementar a riqueza global do que preocupações com reparações, por parte
dos desenvolvidos, por erros cometidos no passado (SELCHER, 1978, p. 282-283).
Esse quadro demonstra que o Brasil era pragmático nos temas econômicos e fugia
de temas de caráter político, explicando, portanto, a maior convergência do país com o G-
77 do que com os Não-Alinhados, que o primeiro era mais concentrado nas questões
econômicas, com processos negociadores mais pragmáticos, logo mais próximo aos
interesses brasileiros no sistema internacional.
Outro tema que começou a emergir no cenário internacional, na cada de 70, foi o
meio ambiente. Até aquele momento, o governo brasileiro havia tido pouca preocupação
com os prejuízos ambientais causados pelos processos de industrialização e
desenvolvimento pelos quais o Brasil passava. Dessa maneira, nas discussões acerca do
tema, a delegação brasileira posicionava-se contrária a limitações de caráter ecológico ao
seu crescimento, ligando, portanto, o tema ambiental à questão do desenvolvimento.
Embora reconhecesse a existência de problemas ecológicos graves e urgentes, o
governo Médici via a preservação ambiental e o desenvolvimento como conceitos opostos,
sendo esta visão responsável pelas posturas tomadas pelo Brasil nos organismos
multilaterais que tratavam do tema ambiental (BUENO, 1994, p. 109).
Para o representante do Brasil na ONU, Araújo Castro, era inaceitável a volta, em
pleno século XX, da teoria do “selvagem feliz”, de que a destruição ambiental seria uma
das conseqüências do processo de industrialização e que, portanto, os PEDs deveriam ser
responsáveis por proteger o meio ambiente dentro de seus Estados. Os países do Sul,
segundo o embaixador, viam com preocupação mais essa demonstração da política de
estabilização do poder (BUENO, 1994, p. 109; SILVA, 1987, p. 58-59).
O ambientalismo era visto, portanto, como mais uma das faces das tentativas, das
grandes potências, de congelamento do poder mundial e extremamente prejudicial a países
como o Brasil que registravam altas taxas de crescimento econômico e buscavam ter maior
poder no sistema internacional.
Dessa maneira, o Itamaraty, nos primeiros anos da década de 70, procurou formular
e fortalecer a posição brasileira na questão ambiental, como sendo própria de um país em
desenvolvimento, não aceitando, portanto, as teses defendidas pelos PDS. Em agosto de
1970, nos documentos do Itamaraty, se apresentava o entendimento de que, aos PEDs,
47
não caberia a diminuição de seu processo de industrialização, para que o meio ambiente
fosse conservado, pois a maior parcela de responsabilidade pela poluição ambiental cabia
aos PDs que, portanto, deveriam ser responsáveis pela solução do problema (DPE, v. 4,
1969-1970, p. 196). Ao Sul, caberia considerar o desenvolvimento econômico como o
caminho mais adequado para solucionar os problemas ambientais ligados à pobreza, que
seria um problema mais grave que o ambiental (DPE, v. 6, 1972, p. 111). Rejeitando,
durante a reunião do G-77, em 1971, a teoria de que os PEDs deveriam desempenhar o
papel passivo de reserva de pureza ambiental, uma espécie de filtro compensatório da
atividade industrial dos PDS, recusando, dessa forma, soluções oriundas de uma visão
unilateral que não contemplava os interesses dos países do Sul e não levava em conta que
estes últimos possuíam apenas uma responsabilidade residual no processo poluidor
(BUENO, 1994, p. 110).
Na I Conferência do Meio Ambiente, realizada na cidade de Estocolmo, em 1972,
os PEDs julgavam que sob a “capa” da proteção ambiental os PDs “mascaravam” o
objetivo de impor barreiras à industrialização dos países do Sul, reafirmando, na
conferência, o seu desejo de desenvolvimento e de que, como os desenvolvidos, desejavam
pagar a conta pela destruição ambiental mais tarde, a não ser que os países industrializados
financiassem um desenvolvimento limpo e ecológico (BUENO, 1994, p. 110).
Mais uma vez, durante os trabalhos da Conferência, a delegação brasileira buscou
vincular a questão ambiental ao desenvolvimento, apontando que aqueles países que ainda
não haviam atingido um nível satisfatório de desenvolvimento deveriam preocupar-se,
primeiramente, em melhorar as condições de vida de suas populações, apontando que a
deterioração ambiental ia muito além da poluição industrial, pois o subdesenvolvimento
acarretaria outras formas de degradação ambiental tanto em áreas rurais como urbanas.
Portanto, os problemas ambientais deveriam ser discutidos de forma vinculada ao
desenvolvimento econômico, incluindo assim, a questão das matérias-primas e produtos de
base que seriam de responsabilidade eminentemente nacional, que o Estado deveria
decidir sobre o aproveitamento de seus recursos naturais (DPE, v.4, 1972, p. 167-172).
A Conferência ficou fortemente marcada pela oposição entre os países do Norte e
do Sul, sendo que os PEDs tentaram, a todo custo, culpar a política colonial implantada
pelos PDs pelo desequilíbrio ecológico mundial, que essa política nunca teria respeitado
48
os recursos naturais dos países colonizados (TRINDADE, 1981, p. 197). Devido a esse
impasse, os PEDs conseguiram aprovar a proposta brasileira de resolução, que apontava
que o problema ambiental seria uma responsabilidade dos PDs e que estes deveriam arcar
com os custos da recuperação ambiental (BUENO, 1994, p. 110-111).
No início do governo Geisel, havia uma certa descrença da diplomacia brasileira em
relação à eficiência dos organismos multilaterais e eram tomadas medidas para atingir as
metas externas do país por outras vias, que não tais organismos. Como a possibilidade de
um acordo geral entre o Norte e o Sul não foi à frente, a diplomacia brasileira retornou,
com o pragmatismo responsável, aos padrões realista e oportunista, com vistas a conquistas
concretas nos organismos multilaterais (BUENO; CERVO, 2002, p. 402-403).
Essa descrença ocorria porque os PDS fizeram poucas concessões às demandas dos
PEDs, dentre eles, o Brasil. Como reação, os países do Norte criaram novas modalidades de
protecionismo, ao perceber que as concessões que estavam sendo feitas colocavam em risco
seus sistemas produtivos, arrefecendo, portanto, a luta do Sul, provocando o
desengajamento dos primeiros ao diálogo Norte-Sul (BUENO; CERVO, 2002, p. 403).
A partir do governo Geisel, o Brasil buscará, na ONU, ampliar a sua influência, mas
isso não significava o comprometimento automático com blocos de países. A diplomacia
brasileira, ao ver o País como uma potência emergente no sistema internacional, procurava
diminuir as suas divergências com o Sul, mas descartava qualquer possibilidade de
alinhamento automático com esse grupo (BUENO, 1994, p. 98).
Com a crise do petróleo e suas conseqüências, as relações econômicas
internacionais passaram, a partir de 1973, por um profundo processo de reestruturação,
refletido nas discussões da ONU, que a questão do desenvolvimento ganhou relevância
com a necessidade de uma reformulação do sistema econômico internacional. Frente a tal
necessidade, surge, durante a Assembleia Especial da ONU, no ano de 1974, a ideia de uma
NOEI, com vistas a tornar os sistemas comercial, financeiro e monetário internacionais
promotores do desenvolvimento econômico.
Na preparação da VII Assembleia Especial da ONU, destinada ao desenvolvimento
e cooperação internacional, a delegação brasileira atuou de forma a evitar impasses entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento, propondo uma matriz político-jurídica para
negociações específicas, que não interferisse nos trabalhos de foros existentes como o
49
GATT, enquanto que as organizações de produtos de base poderiam continuar a operar,
embora no quadro doutrinário de tal Acordo (RPEB, v. 6, 1975, p. 31).
A postura protecionista, adotada pelos PDs, era vista, pelo Brasil, como um jogo de
soma zero em que os ganhos obtidos pelos PEDs representariam, na mesma medida, perdas
aos países industrializados (RPEB, v. 6, 1975, p. 31). Tal tendência protecionista era,
portanto, considerada, altamente prejudicial ao Brasil que, como potência emergente,
encontrava sérias dificuldades ao exercício de seu papel no cenário internacional.
Para o chanceler brasileiro, Azeredo da Silveira, as posições dos países acerca da
economia internacional estariam fortemente condicionadas pelos problemas gerados pela
crise do petróleo, apontando que a crise teria evidenciado o potencial desestabilizador da
divisão internacional do trabalho vigente, e os riscos, à economia mundial como um todo,
da estrutura vigente das relações econômicas, no âmbito da segmentação Norte-Sul (RPEB,
v. 6, 1975, p. 38).
Em palestra proferida na Escola Superior de Guerra (ESG), no ano de 1977, o
chanceler apontou que o projeto nacional de desenvolvimento via-se obstaculizado pelas
seguintes características da economia mundial, à época: a má distribuição do produto
econômico, a concentração de recursos de capital e tecnologia, a discriminação nas
oportunidades de acesso aos mercados, a exclusão de quase todos os países do processo
decisório, favorecendo o monopólio da riqueza mundial por um pequeno número de países.
Para ele, as crises do petróleo trariam problemas que só agravariam a posição dos PEDs,
dentre eles, a possibilidade de recessão mundial, o aumento do protecionismo dos países
industrializados, combinado com pressões para que os países do Sul acabassem com as
barreiras que protegiam as suas indústrias nascentes, o caráter seletivo e excludente do
processo decisório sobre as regras da economia internacional, e os esforços para partir o
grupo dos países do Sul, com a criação de certas categorias como dos ADC’s (Países em
Desenvolvimento Avançados, em inglês), que perderiam certas vantagens obtidas nas
reuniões da Unctad (FONSECA, 1996, p. 321).
O Brasil, durante 31ª Sessão Ordinária da ONU, em 29 de setembro de 1979,
mostrou-se cético em relação à transferência líquida de recursos dos países desenvolvidos
aos menos desenvolvidos, chegando até a caracterizá-la como um mito, apontando que,
dentro de pouco tempo, esse fluxo aconteceria do Sul para o Norte, antecipando o que
50
ocorreria durante a década de 80, quando os PEDs, devido ao pagamento da dívida externa,
transfeririam os recursos para o Norte (FONSECA, 1996, p. 321).
Para a superação desse cenário desfavorável, a proposta brasileira estaria construída
em algumas etapas. A primeira delas seria a constituição de uma base jurídico-filosófica
para a solução, via negociações diplomáticas, dos problemas econômicos internacionais,
baseada na ideia de que o desenvolvimento econômico era um direito de todos os povos. A
segunda seria a definição de uma base econômica, fundamentada na ideia de que o
crescimento dos países do Sul contribuiria, positivamente, ao crescimento dos países do
Norte. A terceira estaria baseada na ideia de que o controle da economia serviria a bons
propósitos e que, naquele momento, a questão era utilizar a experiência acumulada ao
longo do tempo para evitar as consequências das crises econômicas ou para atenuar a
desigualdade econômica (FONSECA, 1996, p. 323-324).
Segundo o chanceler brasileiro, os países do Norte possuíam uma estrutura
normativa relativamente eficaz, capaz de disciplinar a evolução global com vistas ao
desenvolvimento harmônico. Entretanto, nas relações Norte-Sul, não haveria tal regulação,
sendo necessário, portanto, o estabelecimento de um conjunto de normas de regulação, que
respeitassem as diferenças entre os países. Sendo assim, a proposta brasileira de um Acordo
Norte-Sul significava um acordo negociado, baseado em concessões recíprocas, em que os
dois lados receberiam benefícios, embora as vantagens não fossem semelhantes, já que se
encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento, indo ao encontro de um ponto
crucial do projeto dos países do Sul, a modificação da ordem internacional via negociação
política (FONSECA, 1996, p. 324-325).
Portanto, as discussões nas sessões da AGNU, durante o governo Geisel, foram
fortemente marcadas pela possibilidade de estruturação de uma NOEI, sendo que o debate
acerca da reformulação das relações Norte-Sul deveria levar em conta os diversos estágios
de desenvolvimento dos países.
Essas questões também foram apontadas pela delegação brasileira durante a IV
Unctad, realizada no ano de 1976, na cidade de Nairóbi. O chefe da delegação brasileira,
embaixador Álvares Maciel, apontou, na ocasião, que o Norte estava encarando as
negociações com o Sul a partir de uma perspectiva estreita e ortodoxa, abordando caso a
51
caso, produto a produto, sendo que a fórmula não deveria ser esta, mas sim uma regra geral
que valesse para todas as áreas a serem negociadas (TRINDADE, 1981, p. 186-187).
Como preparação à IV Unctad, os PEDs, o Grupo Latino-Americano e o G-77,
realizaram reuniões, sendo que dentro do G-77, devido ao seu maior poder de barganha, a
diplomacia brasileira adotou uma posição mais moderada e conciliadora, reconhecendo, na
conferência a impossibilidade de atender às demandas de cada um dos países do grupo,
devido à peculiaridade dos mesmos
38
.
Devido aos avanços obtidos em seu processo de industrialização, a delegação
brasileira buscou discutir, na conferência, questões relacionadas à liberalização e expansão
do comércio internacional e à transferência de tecnologia. Além disso, devido ao déficit em
sua balança comercial, em boa parte condicionado pela importação de petróleo, o
Itamaraty, durante as discussões, também não descuidou da questão do comércio de
produtos de base e da crise mundial do petróleo, reivindicando, em conjunto com os demais
PEDs, a correção dos desequilíbrios no mercado internacional de produtos primários
39
.
Após a IV Unctad, o Brasil passou a ter uma postura mais pragmática, encarando
seus esforços de negociação de forma mais positiva, ao ver que a fase reivindicatória da
Conferência havia sido ultrapassada, buscando uma postura mais flexível, até nas
negociações com os PDs e evitando o confronto, sempre que possível (BUENO, 1994, p.
104-105; TRINDADE, 1981, p. 189). Essa postura também se devia à crença de que o país
ocupava uma posição intermediária, por encontrar-se em um estágio de desenvolvimento
mais avançado do que dos países mais pobres do G-77, tendo, portanto, interesses
divergentes dos últimos.
Essa visão também se manifestava nas reuniões do GATT, onde a delegação
brasileira buscava atuar de forma flexível e pragmática, buscando negociar tanto com os
países em desenvolvimento quanto com os desenvolvidos.
Em 1976, o Brasil apresenta, no GATT, e consegue, a aprovação da formação do
Grupo de Reforma do GATT, com o objetivo de promover uma reavaliação das regras de
38
A postura do Brasil no G-77 devia-se ao fato de que muitos países em desenvolvimento do grupo ainda
tinham como prioridade o Programa Integrado para Produtos de Base e a questão da dívida externa (BUENO,
1994, p. 104).
39
Na conferência conseguiu-se a aprovação do Programa Integrado de Produtos de Base, por meio do qual os
PDs e os PEDs comprometiam-se a examinar medidas de estabilização para o comércio internacional de tais
produtos (BUENO, 1994, p. 104).
52
comércio (BUENO, 1994, p. 106). Para Silveira, para que as Negociações Comerciais
Multilaterais (NCMs) tivessem resultados concretos era necessária, no âmbito do GATT, a
reformulação e revisão sobre direitos compensatórios e salvaguardas que faziam com que o
mundo em desenvolvimento ficasse exposto a medidas protecionistas injustificáveis,
impostas pelo mundo industrializado (RPEB, v. 5, 1975, p. 73).
Para o Brasil, era fundamental a aplicação do princípio de tratamento diferenciado
aos PEDs, o que significaria o fortalecimento e a consolidação do SGP, única forma que
colocaria um fim às distorções nocivas ao desenvolvimento econômico e social dos países
pobres (RPEB, v. 5, 1975, p. 73). Entretanto, as NCMs, no âmbito do GATT, não se
desenrolaram de forma satisfatória, apontando já para o fato de que o diálogo Norte-Sul não
estava tendo resultados importantes.
Em 1979, chegou ao fim a Rodada Tóquio
40
, de importância fundamental para os
PEDS como o Brasil, devido à negociação de códigos e à reforma do sistema do GATT.
Dentre os códigos mais importantes estava o referente aos subsídios negociado
principalmente entre a CEE e os EUA que aos signatários do código, a aplicação de
direitos compensatórios teria de basear-se em prova de dano à industria doméstica, algo
vital nos EUA, o grande mercado para as exportações brasileiras de produtos
manufaturados (ABREU, 1994, 327-328).
As resistências dos negociadores brasileiros em concordar com o código sobre
subsídios, negociado entre a CEE e os EUA, foram vencidas graças à avaliação do
Ministério da Fazenda de que a postura brasileira frente aos EUA, no âmbito bilateral,
tornar-se-ia insustentável, devido à pressão norte-americana por uma flexibilização da
posição brasileira
41
.
Em relação à reforma do sistema do GATT, a contribuição brasileira foi de grande
relevância, que as negociações, no grupo responsável, foram iniciadas a partir de uma
proposta brasileira que tinha como pontos principais a provisão de uma arcabouço legal ao
40
A Rodada Tóquio marcou uma nova etapa nas negociações do GATT, pois, até então, os países em
desenvolvimento, de certa forma, possuíam um papel residual, desempenhando sistematicamente a função de
caronas (free riders), já que as concessões acordadas entre os desenvolvidos eram universalmente aplicáveis
devido à cláusula da nação mais favorecida, sendo que seus interesses eram levados em conta, apenas de
forma marginal.
41
Frente às pressões norte-americanas, o Brasil concordou em descontinuar os créditos-prêmio às exportações
até o final de 1983 e com o congelamento dos níveis de subsídio, fazendo com que o Brasil fosse o primeiro
PED a assinar o código de subsídios (ABREU, 1994, p. 327-328).
53
SGP, para que as preferências fossem legalmente consolidadas e sua retirada sujeita à
compensação; uma maior flexibilidade no uso do artigo 18
42
para fins de balanço de
pagamentos e de desenvolvimento; a modificação do sistema de solução de controvérsias; e
a definição do direito à não-reciprocidade por parte dos PEDs (ABREU, 1994, p. 328).
Ao final, a Rodada Tóquio encerrou-se com a assinatura de quatro acordos sobre a
consolidação da derrogação que relegava a não-reciprocidade baseada em tratamento
especial e diferenciado, sobre medidas de comércio para fins de balanço de pagamentos,
como concessão dos PDs, estabelecendo o princípio da graduação dos PEDs, que, uma vez
atingido níveis maiores de desenvolvimento (não definidos) partilhariam, de maneira mais
plena, das obrigações ligadas ao GATT; sobre salvaguardas para fins de desenvolvimento,
facilitando o recurso ao artigo 18, em termos de condições e prazos, tanto no caso de
dificuldades de balanço de pagamentos, quanto em relação a objetivos de desenvolvimento;
sobre notificação, consulta, solução de controvérsias e fiscalização (ABREU, 1994, p. 328;
MACIEL, 1986, p. 84).
A delegação brasileira contribuiu, na Rodada Tóquio, principalmente, com a
elaboração dos textos dos acordos de subsídios e direitos compensatórios, barreiras
técnicas, avaliação aduaneira e quadro jurídico para conduta do comércio internacional.
Também por iniciativa brasileira, abriu-se uma exceção ao artigo I do GATT
43
, permitindo,
simultaneamente e sem necessidade de waiver
44
específico, que qualquer país concedesse
tratamento preferencial e mais favorável aos PEDs, sem fazê-lo em favor dos PDs
(MACIEL, 1986, p. 84 e 86).
No assunto mais interessante ao Brasil - o comércio de produtos agrícolas - foram
elaborados acordos especiais de carne bovina e laticínios, mas a situação continuava
obscura e prejudicial aos PEDs, principais exportadores de produtos primários (MACIEL,
1986, p. 86).
Parece consensual que as concessões recíprocas entre Norte e Sul, acordadas na
Rodada Tóquio, foram, de certa forma, equivalentes, que o objetivo inicial de buscar
compensar o desequilíbrio inerente ao poder de retaliação das partes contratantes, devido a
42
Este artigo do GATT trata da assistência governamental ao desenvolvimento econômico.
43
O Artigo I do GATT refere-se à Cláusula da Nação Mais Favorecida.
44
O termo waiver significa a permissão garantida pelas partes do Acordo admitindo a outra parte o não
cumprimento dos compromissos padrões. Essa suspensão de obrigações tem tempo limitado e as possíveis
extensões têm de ser justificadas.
54
diferentes graus de desenvolvimento econômico, foi freado pelas contrapropostas dos PDS
(ABREU, 1994, p. 328-329).
O desenvolvimento continuou a nortear a postura brasileira, nos foros multilaterais,
em temas como o meio ambiente, não ocorrendo profundas alterações em relação ao
governo anterior. Em relação à questão, o Brasil, mais uma vez, colocava-se ao lado dos
PEDs, denunciando o fato de que a preocupação ambiental, dos países industrializados, era
mais uma forma de obstaculizar o processo de industrialização do Sul, reiterando em
diversas ocasiões, como a III Sessão do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Unep),
em Nairóbi, no ano de 1975, de que a preocupação com o meio ambiente não deveria
prejudicar o desenvolvimento.
Na abertura dos debates da 31ª Sessão Ordinária da ONU, em 27 de setembro de
1976, o chanceler brasileiro (RPEB, v. 10, 1976, p. 74) colocava-se contrário à posição
defendida pelos países industrializados de que, por motivações ecológicas, o
desenvolvimento econômico dos subdesenvolvidos tornava-se impossível, apontando que o
preço pago pela conservação ambiental não deveria ser a estagnação dos países mais
pobres, advogando, mais uma vez, a necessidade de uma reorganização da economia
mundial, que pudesse corrigir as desigualdades, tanto na distribuição dos meios de
produção quanto dos meios de consumo. Denunciando, mais uma vez, que a invocação de
motivos ecológicos para obstaculizar o desenvolvimento dos outros, nada mais seria do que
uma nova e inaceitável forma de dominação
45
.
Portanto, a diplomacia brasileira, procurava nos diversos temas tratados nos foros
multilaterais, a conciliação entre estes e o desenvolvimento nacional, defendendo princípios
como a não-intervenção nos assuntos internos de cada Estado e denunciando a tentativa dos
PDs, seja em questões comerciais seja em temas como o meio ambiente, de deixar
inalterado o status quo no sistema internacional, impedindo que os PEDs alcançassem
estágios mais avançados de desenvolvimento.
45
Ao conciliar o desenvolvimento e meio ambiente, o Brasil foi contrário, durante a Reunião do Grupo
Intergovernamental de peritos do Unep, à aprovação da resolução que possibilitava a interferência em
assuntos internos dos Estados, já que Estados vizinhos poderiam formular diretrizes que viessem a ter impacto
sobre recursos compartilhados por mais de um Estado. Entretanto, em conjunto com a maioria dos países em
desenvolvimento, o Brasil conseguiu a não aprovação do projeto de resolução oriundo do grupo do Unep, na
Assembleia Geral de 1976 (BUENO, 1994, p. 112).
55
De uma maneira geral, no período analisado até o presente momento, em relação à
questão do comércio internacional, a diplomacia brasileira lutou pela reformulação de suas
regras, buscando, em conjunto com o restante dos países Sul, obter medidas políticas,
dentre as quais um sistema de preferências que fosse universal, geral, não-discriminatório e
não-recíproco que beneficiasse os produtos manufaturados dos PEDs, conseguido em 1970.
Além do comércio, o Brasil empreendeu uma defesa, em conjunto com outros
países do Sul, do direito ao desenvolvimento, denunciando a ordem econômica
internacional, considerada injusta, e repreendendo qualquer tentativa dos PDs em limitar o
desenvolvimento dos países mais pobres, por meio da inserção de novos temas como meio
ambiente, apontando, em relação a esse tema, uma concordância entre as posições do Brasil
e do restante dos PEDs. Portanto, por terem posturas semelhantes, em relação ao
desenvolvimento, o Brasil irá apoiar e, por vezes liderar, os países do Sul, utilizando-se
desse movimento de conformação do Sul para dar mais voz às suas demandas
internacionais, principalmente, de continuação do processo de desenvolvimento.
56
CAPÍTULO II CONTINUIDADE DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO
PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL: AVANÇOS E RECUOS
EM RELAÇÃO AO SUL (1980-1989):
2.1. A Crise do Sul no Sistema Internacional
Como conseqüência de acontecimentos como a crise do petróleo, dentre outros,
citados no capítulo anterior, verifica-se que, enquanto nos anos 70, o contexto internacional
tinha sido mais favorável ao Sul, a década seguinte, por sua vez, encaminhar-se-ia para
uma degeneração de suas potencialidades devido a questões como a crise da dívida, que
atingiria a maioria dos PEDs, e a adoção de posturas mais rígidas por parte do Norte, a
partir da Reunião de Cúpula de Cancún (1981), nas negociações Norte-Sul. Em razão de
uma série de fatores políticos e econômicos, que serão explicitados neste subcapítulo, para
a maioria dos países do Sul, os anos 80 revelaram-se uma década perdida para o
desenvolvimento.
Os desequilíbrios nos PDs e as medidas adotadas pelos mesmos para os corrigir
levaram a uma deterioração severa do comércio e do contexto internacionais durante a
década de 80. Ao final dos anos 70, os governos desses países decidiram que a questão
fundamental seria a contração da inflação, introduzindo políticas macroeconômicas
recessivas, apoiadas primeiramente, ainda que não exclusivamente, em instrumentos de
política monetária. Tais medidas acarretaram, de um lado, um abrandamento substantivo da
atividade econômica dos países industrializados ocidentais, conduzindo a uma queda
acentuada nos preços internacionais das matérias-primas, ao reduzir a sua procura e, de
outro lado, a uma alta sem precedentes nas taxas de juros internacionais, fazendo crescer,
exponencialmente, os serviços da dívida e baixando ainda mais os preços dos produtos
primários, ao encarecer os custos de armazenagem.
Com efeito, grande parte do custo das políticas de contração da inflação e da
introdução de mudanças estruturais no Norte foi suportado pelo Sul. Os PEDs viram-se
obrigados a pagar cada vez mais pelos serviços de suas dívidas, ao mesmo tempo em que
recebiam cada vez menos pelas suas exportações. Estes movimentos agravaram as
dificuldades desses países, fazendo com que os bancos comerciais suspendessem o
57
empréstimo de dinheiro, resultando na crise da dívida internacional dos anos 80, em que
muitos países não tiveram condições de honrar seus compromissos.
Por volta de 1983, os PDs começaram a dar sinais de recuperação e, entre 1983 e
1988 as suas economias cresceram a uma taxa média anual de 3,5%, com o volume de
exportações expandindo cerca de 8% a cada ano (COMISSÃO SUL, 1990, p. 65),
mantendo a inflação sob controle
46
.
Paralelamente ao impacto da alta nas taxas de juros sobre os serviços da dívida, os
países do Sul ainda tiveram que lidar com uma dura redução dos empréstimos da banca
comercial internacional. A partir de 84, portanto, os sentidos das transferências
relacionadas à dívida, regularmente do Norte para o Sul, inverteu-se.
A inversão e o declínio de outros fluxos financeiros privados advindos do Norte,
combinados com a estagnação dos fluxos financeiros oriundos dos fundos oficiais para o
desenvolvimento, na década de 80, causaram uma severa queda das transferências
financeiras líquidas globais ao Sul, a partir de 1982. Para muitos países, principalmente da
América Latina, as transferências líquidas foram negativas, a partir de 1983 (COMISSÃO
SUL, 1990, p. 66).
Houve, a partir de 1984, uma queda drástica nos preços reais das matérias-primas,
principal produto de exportação da maioria dos PEDs. Como conseqüência, ocorreu uma
deterioração nos termos de troca, assunto que será a principal reivindicação por parte do
países do Sul em relação aos países do Norte, durante a década de 80.
Além disso, os PDs empreenderam um protecionismo crescente às exportações de
especial interesse aos países do Sul, como produtos agrícolas e tropicais transformados,
têxteis, aço, petroquímica, peças para automóveis e eletrônica. Esta tendência protecionista
contribuiu para agravar ainda mais as dificuldades relativas ao contexto externo com que
debatiam os países em desenvolvimento. O neoprotecionismo, sob a forma de Restrições
Voluntárias à Exportação (RVE), Ajustamentos Sistemáticos de Mercado (ASM) e outras
medidas afins, surtiu o efeito devastador de impedir a entrada nos mercados até aos
produtores mais eficientes do Sul (COMISSÃO SUL, 1990, p. 67).
46
Os PDs aclamaram tal recuperação como o começo de uma nova era de ouro da economia mundial,
contudo, essa recuperação não foi acompanhada por uma melhora significativa no cenário econômico
internacional, para a maioria dos PEDs.
58
A maioria dos países do Sul experimentou, no período, profunda crise de
desenvolvimento. As deficiências dos padrões de desenvolvimento do passado podem ter
sido um fator dessa crise; mas de qualquer forma, a severa deterioração do contexto
econômico internacional, descrita acima, teve papel decisivo.
Verificou-se, no período, por conta desses acontecimentos, uma erosão geral da
eficácia econômica e política dos Estados e governos do Sul; os detentores do poder viram-
se encurralados pela combinação de pressões internas e externas que, muitas vezes,
atuavam em sentidos contraditórios e opostos. Os cortes forçados nas despesas públicas
abalaram a capacidade de atuação dos governos, ao mesmo tempo em que a deterioração
das condições de serviço dos funcionários públicos minou a moral e integridade da classe.
Este estado de coisas fez com que as políticas governamentais se tornassem ainda menos
eficazes, agravando a perda de apoio e de legitimidade experimentada por estes governos.
A crise econômica, particularmente a questão da dívida, e a forma como os credores
a trataram contribuíram para a desestabilização política e social nos países do Sul. A
mistura explosiva de tensões e contradições e, muitas vezes, a dependência externa daí
resultantes ameaçaram a independência de muitos países do Sul bem como sua segurança;
com isso a paz e a segurança internacionais viram-se também comprometidas, com a
eclosão de diversos distúrbios nesses países.
Os retrocessos dos anos 80 evidenciaram a debilidade estrutural do Sul e
demonstraram a necessidade de políticas macroeconômicas adequadas que fornecessem
uma base estável para as tomadas de decisões. A crise demonstrou, ainda, a necessidade de
reformas estruturais com vistas ao fortalecimento do desempenho do setor público e de sua
capacidade de geração de recursos, à melhoria do sistema fiscal e à criação de um cenário
previsível para que o setor privado pudesse desempenhar o seu papel conforme as
prioridades de cada nação (COMISSÃO SUL, 1990, p. 74).
Contudo, tais reformas foram deixadas de fora do processo de ajuste implantado à
época, devido a uma abordagem que obedecia apenas às condições prescritas pelas
instituições financeiras internacionais. As políticas macroeconômicas principalmente as
políticas fiscal e cambial – impostas aos países do Sul como parte de programas de
estabilização e de ajuste, foram idealizadas com vistas a uma melhoria rápida na balança de
pagamentos. A preocupação principal era atender aos interesses dos bancos comerciais
59
internacionais, mesmo ao custo de uma grave recessão econômica, conforme ficou
confirmado.
Os programas de estabilização e ajuste propostos aos PEDs não foram dotados de
apoio financeiro externo suficiente ao ajustamento sem o estrangulamento de seu
crescimento. Tais programas assentaram-se em percepções otimistas no tocante à
velocidade com que os males estruturais pudessem ser corrigidos. Por outro lado,
baseavam-se na crença de que as forças de mercado e as políticas monetaristas resolveriam
o problema, sem a necessidade de maiores recursos financeiros (COMISSÃO SUL, 1990,
p. 74).
Essa combinação de prioridades e políticas afetou fortemente as economias e
populações do Sul. A receita de cortes nos gastos públicos e de alterações nos preços
relativos tiveram efeitos devastadores em serviços públicos básicos, com conseqüências
ainda mais graves aos grupos menos favorecidos dessas nações, agravando ainda mais o
problema da distribuição de renda, ao mesmo tempo em que o impacto positivo nas
finanças públicas era insignificante (COMISSÃO SUL, 1990, p. 75).
Em inúmeros casos, a contração de recursos gerou um aumento do desemprego e a
subutilização da capacidade produtiva. Em combinação com a ênfase na redução do crédito
interno, tal política procurava gerar excedentes no comércio exterior, com vistas a gerar
divisas para honrar os compromissos com os serviços da vida. Como a capacidade de
obtenção de fundos por meio das exportações estava fortemente restrita, os excedentes
comerciais foram, em grande medida, obtidos por meio de medidas restritivas às
importações.
Portanto, após vários anos de políticas de ajuste, identificaram-se danos pesados às
economias desses países, com o comprometimento de suas possibilidades de crescimento;
os níveis de poupança pública continuaram a financiar os investimentos essenciais
responsáveis pela retomada do caminho do crescimento, comprometida pelas políticas
adotadas para alcançar o ajuste fiscal. Como conseqüência, mesmo que tivesse ocorrido
uma redução da dívida, os recursos liberados por tal redução eram, em muitos PEDs,
insuficientes para elevar os níveis de investimento demandados após um período tão
prolongado de retração (COMISSÃO SUL, 1990, p. 75-76).
60
Em relação às políticas industrial e comercial, os PEDs, num momento em que a
escassez de moeda estrangeira era o principal obstáculo ao desenvolvimento econômico,
foram impelidos a adotar, rapidamente, a liberalização de seus mercados, resultando na
importação de produtos desnecessários ao bom funcionamento da economia, sendo que as
contas externas foram equilibradas por meio de desvalorizações maiores do que o
necessário (COMISSÃO SUL, 1990, p. 76).
Em economias semi-industrializadas mais diversificadas, a combinação de taxas de
câmbio depreciadas, salários reduzidos e contração econômica acarretaram exportações
tornadas possíveis devido ao desvio de recursos econômicos das necessidades internas de
consumo e de investimento. Contudo, como o rendimento oriundo dessas exportações não
ficava disponível para pagar importações adicionais, pois tinha que ser aplicado no
pagamento do serviço da dívida, o esforço de exportação não forneceu os meios
necessários ao crescimento sustentado e de base alargada impulsionado pelas exportações
(COMISSÃO SUL, 1990, p. 76).
A insistência na exportação de bens primários em muitos PEDs acarretou uma
depreciação extraordinária no valor de suas exportações primárias; para aqueles
dependentes quase que exclusivamente da exportação de um ou dois produtos agravou
ainda mais a sua frágil posição cambial. O excesso de oferta contribuiu, ainda mais, para
a depressão prolongada dos preços das matérias-primas e para uma piora ainda maior da
capacidade de ganho por parte dos países do Sul. Para muitos países, os resultados das
políticas de ajuste foi uma década perdida para o desenvolvimento e um agravamento das
possibilidades de desenvolvimento no futuro.
As esperanças de fortalecimento das relações Sul-Sul dos anos 70 não se realizaram
na década seguinte. A crise de desenvolvimento havia desorganizado e enfraquecido as
iniciativas de cooperação entre os países do Sul. Os programas sub-regionais e regionais
ficaram subordinados a uma grande pressão, e muitos tornaram-se inoperantes. A baixa dos
recursos cambiais constituiu uma barreira adicional ao comércio entre o Sul, que poucos
países estavam em condições de conceder créditos, enfraquecendo suas possibilidades
materiais de apoiar a institucionalização de projetos conjuntos, mesmo quando a vontade
política manteve-se forte, sendo adiado o fortalecimento das relações Sul-Sul.
61
Devido à falta de solidariedade entre os países do Sul, houve dificuldades, entre
eles, para acordar uma plataforma conjunta de negociação para a Rodada Uruguai (RU),
por exemplo. Esta interrupção na solidariedade ocorreu num momento em que o Sul mais
necessitava fazer com que sua voz fosse ouvida de forma decisiva e consistente.
No Norte, mudanças políticas levaram a uma postura menos benevolente e
permissiva ao Sul. Como conseqüência, houve uma concentração de poder no nível
internacional, em que um pequeno número de PDs agia como administrador da economia
(ALTEMANI, 2005, p. 174).
Impelidos pela crescente complexidade e interdependência de suas economias
nacionais, o Norte aceitou a necessidade de um certo grau de coordenação em suas políticas
individuais, surgindo daí as reuniões do G-7
47
. A evolução de suas reuniões deste grupo e
estruturas de suporte os incentivou a se considerarem protetores da economia. O poder e o
peso econômico de seus países-membros eram tão grandes que as suas decisões
impactavam, fortemente, o restante do mundo.
Deste grupo originou-se a noção de que a crise do Norte poderia ser atribuída a
políticas internas pouco prudentes seguidas pelo Sul. Os PDs utilizaram-se das instituições
financeiras internacionais para impor seu modelo aos PEDs, ao passo em que exigiam que
tais países endireitassem suas economias por meio de políticas contracionistas. As receitas
prescritas pelo Banco Mundial e pelo FMI foram, contudo, desequilibradas, pois não
previam qualquer ajuste das economias desenvolvidas.
O Norte, portanto, impôs ao Sul todo o peso do ajustamento de uma economia
enfraquecida, enquanto continuou a crescer. A debilidade dos PEDs, resultante da crise da
dívida e da deterioração dos termos de troca, foi utilizada pelos PDs como oportunidade
para influenciar suas escolhas internas e para impor-lhes valores, políticas, concessões e
padrões de desenvolvimento importados do exterior.
47
O G-7, como ficou conhecido, é formado pelos dirigentes das sete mais importantes potências econômicas
do mundo e se reúne anualmente para coordenar as políticas econômica, monetária e financeira mundial. Tal
grupo compreende a Alemanha, Japão, França, Itália, Grã-Bretanha, Canadá e EUA. Devido à importância
política e militar da Rússia, esta vem sendo convidada a participar das reuniões, dando lugar à denominação
G-7+1, que passou a ser G-8.
62
Com a ascensão de Reagan à presidência dos EUA, em 1981, houve a tentativa de
reconstrução da hegemonia norte-americana enfraquecida nos planos econômico
48
e
estratégico-militar
49
, buscando mudar o centro de suas atenções da Europa Ocidental para o
Sul, assumindo os desafios colocados pelo agressivo expansionismo soviético. Com isso,
apresentavam-se novos centros-chaves ao equilíbrio geopolítico internacional em regiões
da África, do Oriente Médio e da América Latina, obrigando a mudança do eixo Norte-Sul,
predominante nos anos 70, pelo Leste-Oeste, nos anos 80.
Consequentemente, os EUA colocaram em prática uma política externa agressiva,
construída a partir de um forte esforço militar com vistas a assegurar à superpotência
ocidental, baseada em uma liderança ativa diante dos demais parceiros capitalistas do
mundo desenvolvido e em uma política de sinais claros aos PEDs com vistas a submetê-los
às diretrizes norte-americanas de inserção internacional
50
.
Os EUA, na agenda para a RU do GATT, estavam interessados nos chamados novos
temas serviços, propriedade intelectual (TRIPS)
51
, medidas relativas a investimentos com
implicações sobre o comércio (TRIMS)
52
e bens de alta tecnologia (ABREU, 1994, p. 329).
Antes da reunião ministerial do GATT, de 1983, os PEDs, em torno do G-10,
assumiram uma postura defensiva em relação à inclusão de novos temas a serem objeto de
regulação internacional, tentando obstruir a inclusão destes na agenda provisória da nova
rodada. Os países do Sul acreditavam que as negociações relativas aos serviços, no marco
do GATT, tenderiam a reduzir a importância da discussão de temas tradicionais pendentes,
como agricultura, têxteis e acesso a mercados, que poderiam beneficiá-los
consideravelmente (ABREU, 1994, p. 329).
As longas negociações entre o final da Rodada Tóquio e Uruguai foram marcadas
pela contínua exposição de posições divergentes em relação aos novos temas e, em
48
Nesse plano, os EUA enfrentavam a concorrência europeia e japonesa, o rompimento do Acordo de
Bretton-Woods, a consolidação da Opep.
49
Nesse plano, os EUA enfrentavam questões como a retirada do Vietnã, a ocupação da embaixada norte-
americana em Teerã, o colapso de muitos governos aliados, a militarização da Polônia e a invasão do
Afeganistão pela União Soviética.
50
Durante a Reunião Internacional sobre Cooperação e Desenvolvimento, conhecida como Cúpula Norte-Sul
e realizada em outubro de 1981, a administração Reagan não fez nenhuma concessão às demandas dos países
do Sul, deixando clara a sua visão de que os problemas dos países em desenvolvimento seriam resolvidos
mediante a aplicação do livre-comércio, a atuação das forças de mercado, o aumento do investimento externo
e o aumento das exportações (ALTEMANI, 2005, p. 173).
51
Trade-Related Aspects of Intellectual Property Right.
52
Trade-Related Investment Measures.
63
particular, aos serviços. A oposição mais forte à inclusão deste tema originava-se no G-10,
de PEDs, no qual Brasil e Índia desempenharam um papel de liderança.
53
A declaração ministerial concorrente a do G-10 era a do G-9
54
, composto de PDs.
Em junho de 1986, um G-20, composto por PEDs que não concordavam com a posição do
G-10, passou a reunir-se com o G-9. Desses encontros emergiu a minuta suíço-colombiana
apresentada em Punta Del Este, para a RU, resultando num isolamento do G-10 e
apontando para a dificuldade, dos PEDs, em chegar a uma posição conjunta quanto à
agenda a ser discutida (ABREU, 1994, p. 331).
Portanto, na RU não apenas a agenda passou a ser mais ampla e complexa, como
também ocorreu uma modificação na própria estrutura do processo negociador. Levando-se
em conta os interesses negociadores dos países do Sul, houve as seguintes modificações:
a) mudança na estrutura das negociações que passam a ir além das medidas
clássicas de fronteira (agenda negativa e concessões tarifárias mútuas), implicando em
compromissos ativos de políticas governamentais com repercussões no âmbito doméstico;
b) formação de novas coalizões de PEDs e PDs, como o Grupo Cairns;
c) crise do G-77 e divisão política entre os PEDs: o G-10 liderado por Índia, Brasil
e Egito, impedindo a introdução dos novos temas e de disciplinas normativas e
concentrando-se na agenda tradicional do GATT, versus o G-20, com a participação de
países desenvolvidos e em desenvolvimento, mais favorável a aceitar o trade-off entre a
velha e a nova agenda (SENNES, 2001, p.174, 214).
A partir de 1988, portanto, os PEDs flexibilizaram suas posições negociadoras
devido à crise em seus modelos de desenvolvimento. A pulverização política do G-77 e o
efeito bandwagoning ilustravam o limite de antigas posturas, baseadas apenas em
princípios, sendo que as coalizões teriam que ir além destes e deveriam estar calcadas em
interesses concretos.
53
O G-10, como ficou conhecido, era formado por Argentina, Brasil, Cuba, Egito, Índia, Nicarágua, Nigéria,
Peru, Tanzânia e Iugoslávia. O grupo acreditava que era inadequado tratar dos novos temas no âmbito do
GATT, devido ao desconhecimento técnico em relação aos mesmos e à limitada experiência em sua
negociação. Acreditava que concessões feitas em relação aos novos temas seriam prejudiciais ao
desenvolvimento da capacidade competitiva dos países do Sul, devido à concentração das vantagens
comparativas nos países do Norte. Nas propostas iniciais também não figuravam os temas de maior interesse
dos PEDs como movimentos internacionais de mão-de-obra, acesso à tecnologia e regulação das atividades de
empresas transnacionais (ABREU, 1994, p. 330).
54
O G-9 era composto pelos países da Associação Europeia do Livre Comércio, Austrália, Canadá e Nova
Zelândia
64
O cenário internacional, na década de 80, portanto, encaminhou-se para uma
deterioração das possibilidades de atuação do Sul, em virtude da crise da dívida e, em
particular, da adoção de posturas mais gidas pelo Norte, a partir da Cúpula de Cancun, no
processo de negociação das questões econômicas entre o Norte e o Sul.
Independentemente das razões econômicas e/ou comerciais, a nítida reversão nas
relações Norte-Sul derivou, principalmente, de uma atitude política por parte dos PDs em
interromper o diálogo. O modelo de crescimento pelo endividamento mostrou-se, porém,
vulnerável à crise do começo da década de 80, com a queda nas taxas de crescimento
mundiais, a reação neoprotecionista dos países do Norte e o rompimento das regras
normativas das relações dos países devedores com o sistema financeiro internacional.
No plano político, os PDs também mostraram posturas desfavoráveis às nações
periféricas: a articulação do G-7 em contraposição aos esforços de modificação da ordem
econômica internacional esvaziaram o Diálogo Norte-Sul. Além disso, acentuaram-se as
tentativas de recuperação de espaços hegemônicos e de recriação de “dependências
verticais” pelo governo Reagan (MOURA, 1992, p. 128).
Nesse sentido, a década de 80 representou para o Sul uma década perdida para o
desenvolvimento, em que a maioria viu a sua economia estagnar e, muitas vezes,
retroceder, gerando graves problemas políticos e sociais. Devido a isso, houve um
rompimento da unidade dos PEDs e movimentos como o dos Não-Alinhados perderam
relevância, já que cada país estava preocupado, primordialmente, em resolver suas questões
internas, congelando assim o processo, das cadas anteriores, de aproximação entre os
países do Sul. Esse desconcerto foi aproveitado pelo Norte, que passou a adotar posturas
mais rígidas em relação ao Sul, com vistas a recuperar a sua supremacia em ditar as regras
econômicas e políticas nas relações internacionais.
2.2. As diretrizes de política externa (1980-1990)
Nos estudos acerca da história da política externa brasileira, a maioria dos analistas
aponta que os governos Figueiredo e Sarney mantiveram as linhas gerais da política
externa, ou seja, o paradigma universalista, iniciado com a PEI e aprofundado no
Pragmatismo Responsável.
65
Entretanto, devido a mudanças nos cenários internacional citadas no início deste
capítulo e no cenário interno com a retomada do regime democrático no País, houve
alguns ajustes da política externa a esses condicionantes.
2.2.1. O Universalismo: Governo Figueiredo (1980-1985)
O presidente Figueiredo e seu chanceler, Ramiro Saraiva Guerreiro, mantiveram as
linhas básicas que sustentaram a política externa dos governos militares anteriores, a partir
de Costa e Silva, ou seja, uma política externa voltada aos objetivos de desenvolvimento
econômico, pois não houve mudanças significativas nos esquemas político e econômico
que os sustentavam (LIMA; MOURA, 1982, p. 351).
Apesar da tentativa de manutenção das linhas gerais de política externa, os
contextos interno e externo, ao longo do governo, foram deteriorando-se cada vez mais.
Internamente, o governo levava a cabo o processo de redemocratização “lenta, gradual e
segura”, iniciado no governo anterior, enfrentando crescentes manifestações da oposição,
intensa mobilização nacional e reações dos setores da direita ao processo de distensão, no
âmbito nacional (VIZENTINI, 1998, p. 272).
Em suas palestras na ESG, o chanceler apontava a crescente instabilidade no
sistema internacional, chegando até a apontar o momento como sendo de crise
55
.
No plano econômico, a deterioração do cenário internacional, apontada
anteriormente, começou a indicar as vulnerabilidades do modelo de desenvolvimento
brasileiro e a dar seus primeiros sinais de crise. O governo Figueiredo, no ambiente
econômico externo, enfrentou a crescente dificuldade das exportações, devido à crescente
deterioração dos termos de troca, à queda no aporte de capitais externos e ao aumento dos
pagamentos da dívida externa, devido à elevação das taxas de juros pelo governo norte-
americano. Todas essas dificuldades trouxeram conseqüências à economia interna, como o
55
Dentre os focos de perturbação, Guerreiro apontava a invasão do Afeganistão pela URSS, vista como uma
violação do princípio de não-intervenção; o aumento das tensões no Oriente dio, após a frustração das
tentativas de Camp David; os conflitos no Sudeste Asiático; a continuidade da instabilidade em países como a
Namíbia e África do Sul, mesmo após a transição negociada no Zimbábue; o recrudescimento do terrorismo
na Europa; o desaparecimento da figura do general Tito, que trazia ainda mais incertezas com relação ao
destino do Leste Europeu; as disputas no interior da OTAN; e os conflitos na América Central, marcando um
cenário de deterioração das Relações Internacionais (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 15-16).
66
aumento da inflação, com uma forte recessão nos anos de 1982 e 1983, o aumento do custo
de vida e a generalização de movimentos grevistas (VIZENTINI, 1998, p. 273).
Frente a tais condicionantes, a política externa do governo aprofundou ainda mais a
diversificação das relações internacionais do Brasil, por meio do chamado universalismo,
orientado, segundo Sardenberg, por três premissas operacionais. A primeira seria a
convicção de que o Brasil não era satelitizável, rejeitando, portanto, qualquer forma de
hegemonia, assim como não a reclamava para si, ou seja, desejava desempenhar, nas
relações internacionais, um papel que fosse ao encontro dos seus interesses e aspirações,
falando por si mesmo e não como representante de outros países
56
.
A segunda premissa estava na recusa ao automatismo na política externa, pois
concebia a existência de vertentes distintas Ocidente, Terceiro Mundo, América Latina,
África, etc. o que abria a possibilidade de tomadas de decisões próprias, defendendo,
portanto, uma política de não-intervenção, exigindo o mesmo respeito dos demais Estados.
A terceira premissa era a consciência de que o Brasil tinha, à sua disposição, recursos
limitados e rejeitava, portanto, alinhamentos automáticos, preferindo um campo
permanente de negociação e ajustamento recíproco de posições
57
.
Além do universalismo, a dignidade nacional e a vocação brasileira à boa
convivência eram os elementos essenciais para a definição da política externa brasileira
(RPEB, v. 21, 1979, p.9; v. 22, 1979, p. 29-30). O universalismo, conforme definido pelo
presidente, não seria uma simples aposta na quantidade de contatos e de números de
intercâmbios, mas sim a tomada de consciência de que a variedade de tendências e
propostas deveria fundamentar a “estrutura democrática de convivência internacional” e,
por isso mesmo, deveria ser antiintervencionista, promotora da dignidade nacional, pois
propunha o pleno respeito às individualidades nacionais, ou seja, a ampla aceitação da
igualdade soberana dos Estados como modelo da organização da vida internacional (RPEB,
ed. suplementar, 1984, p. 20).
56
SARDENBERG, R.M. “A política externa do Brasil nas duas últimas cadas” In: Curso de Introdução às
Relações Internacionais. Unidade IV Problemas Contemporâneos das RI. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília, 1983, p. 75 apud ALTEMANI, 2005, p. 181.
57
SARDENBERG, R.M. “A política externa do Brasil nas duas últimas cadas” In: Curso de Introdução às
Relações Internacionais. Unidade IV Problemas Contemporâneos das RI. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília, 1983, p. 75 apud ALTEMANI, 2005, p. 181.
67
Os dois elementos restantes - a dignidade nacional e a regra da boa convivência -
seriam fundamentos de uma ética de comportamento, apoiada na não-intervenção, na busca
de soluções pacíficas e na preocupação com o equilíbrio de compromissos nos negócios
concretos, sempre com vistas à projeção da paz e do desenvolvimento (RPEB, ed.
suplementar, 1984, p. 20).
Um dos objetivos da política externa, guiada pelos vetores supracitados, seria
garantir maior participação no progresso mundial, por meio do fortalecimento da segurança
internacional e do respeito à igualdade entre os Estados, para que o quadro internacional
não fosse ainda mais agravado. O Brasil, com isso, buscaria uma ordem internacional mais
justa, que tornasse possível a todos os países atingir o caminho do progresso e trabalharia,
em conjunto com as nações, para o desenvolvimento de novas forças dentro do sistema
internacional (RPEB, v. 26, 1980, p. 37 e 85).
Portanto, a política externa de Figueiredo partiu de uma reflexão crítica acerca da
realidade brasileira e de sua posição no sistema internacional, conseguindo, portanto,
identificar os interesses do Brasil no sistema internacional. A diplomacia brasileira via o
País como uma nação de Terceiro Mundo, com problemas internos típicos do
subdesenvolvimento má distribuição de renda, grandes deficiências em setores como
saúde, educação e moradia e, em relação ao sistema econômico internacional, como
dependente, pois era importador de capitais e tecnologia; como um grande exportador de
produtos primários e manufaturados, que necessitava incrementar, rapidamente, as suas
receitas oriundas das exportações para frear o déficit na balança de pagamentos; como parte
da comunidade ocidental, por compartilhar valores como a democracia, o pluralismo e a
ideia de que as chances do progresso deveriam ser igualitárias, entretanto, com interesses
cada vez mais distantes daqueles da superpotência ocidental; uma nação com reduzido
poder militar em relação à amplitude de seus interesses internacionais, tendo escassas
possibilidades de influenciar, por meio força, de forma profunda, o cenário internacional;
uma nação que ainda vivia a transição à democracia, empenhada na organização de
instituições que garantissem a participação e a superação da injustiça e das desigualdades
58
.
58
PONTUAL, J. “Política externa brasileira precisa de abertura de abertura política” Jornal do Brasil,
Especial, 27/09/1981, p. 2 apud ALTEMANI, 2005, p. 180.
68
O Brasil, portanto, deveria reforçar as suas relações econômicas com o Sul e o
Norte, sem atribuir a qualquer um deles prioridades que fossem incompatíveis, sem se
impor opções excludentes (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 60). A relação de
complementaridade entre Ocidente e Terceiro Mundo não estaria restrita somente à busca
de novos mercados, mas representava uma vontade de mudança no cenário internacional,
viável, apenas, por meio do estabelecimento de políticas comuns (LAFER, 1984, p. 121-
128).
Os condutores da política externa esforçavam-se por um relacionamento
preferencial com o Sul para, com isso, obter maior poder no sistema internacional, sem, no
entanto, introduzir modificações estruturais nas suas relações com o Norte (ALTEMANI,
2005, p. 188-189), dizendo-se do Ocidente e do Terceiro Mundo (RPEB, ed. suplementar,
1984, p. 7). Entretanto, apesar de sua herança ocidental, reconhecia que não fazia parte,
totalmente do Ocidente, que, do ponto de vista sócio-econômico, era um país em
desenvolvimento
59
. A ideia da dupla inserção poderia ser rotulada como “omissão
pragmática”, representando, em diversos momentos, muito mais moderação e equilíbrio
que transformação e modernidade (PINHEIRO, 1986, p. 600).
À luz dos princípios básicos do universalismo, com os conceitos de dupla inserção,
aceitação da diversidade, solidariedade entre os PEDs, dentre outros, foi reservado ao Sul
um espaço privilegiado no relacionamento externo do Brasil (ALTEMANI, 2005, p. 185).
Tal direcionamento devia-se não a possibilidade de uma maior margem de manobra do
País no cenário internacional, com vistas à conformação de uma NOEI, mais favorável ao
Sul, mas também devido ao fato de que os países desse grupo havia adquirido relevância na
balança comercial brasileira
60
.
Portanto, nas relações Sul-Sul, a diplomacia brasileira propunha um maior
entendimento e cooperação para fazer um conjunto de reivindicações ao Norte, tendo como
desafio o estabelecimento de uma configuração própria ao Terceiro Mundo, e não como
resultado das diferenças entre PEDs e PDs. O Brasil vislumbrava que a crise deveria ser
59
SARDENBERG, R.M. 1980, mimeo, p. 8 apud MYAMOTO, S. 1987, p. 199.
60
As exportações nacionais para os países do Terceiro Mundo representavam 12,8%, no ano de 1967, e
passaram a representar, no ano de 1981, 35,7% das mesmas. No período de 1979 a 1981, a média de
crescimento das exportações brasileiras para os PEDs (13,4%) superou a mesma média para os PDs (8,3%)
(RPEB, v. 37, 1983, p. 66-67).
69
aproveitada para fortalecer a unidade do Sul com vistas a uma revisão dos termos de suas
relações com o Norte (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 52).
A diplomacia brasileira, portanto, no governo Figueiredo, enfatizou as relações Sul-
Sul, principalmente em direção à América Latina e à África Meridional, regiões em que o
Brasil, por razões históricas e geográficas poderia maximizar as suas “vantagens
comparativas”, no plano econômico, e angariar apoio às suas reivindicações de mudanças
da ordem econômica mundial, no plano político (LIMA; MOURA, 1982, p. 352).
A tentativa de maior identificação com o Sul, proveniente tanto dos problemas
oriundos do cenário de recessão econômica mundial, que atingiam, fortemente, a balança
comercial e de pagamentos brasileira, como dos limitados instrumentos de pressão
disponíveis à atuação externa do País, com a crescente incorporação do destaque às
relações Sul-Sul à tese do não-alinhamento automático, ter-se-ia dado, de forma simultânea,
a uma tentativa de evitar-se, ao máximo, que tal ênfase pudesse provocar futuros choques
com os EUA; de aprofundar as bases de cooperação no âmbito latino-americano e no Sul,
também como forma de fortalecer a posição brasileira e o não-alinhamento à superpotência
ocidental, o que legitimava as posturas brasileiras junto aos PEDs; de substituir a relação
especial com os EUA por um relacionamento amplo e diversificado com os países
capitalistas avançados (PINHEIRO, 1986, p. 598).
2.2.2. O governo Sarney (1985-1990):
Na literatura de história da política externa brasileira é consensual que o governo
Sarney manteve as linhas mestras centrais da política exterior que vinha sendo
implementada desde o governo Geisel (ALTEMANI, 2005, p. 202; LIMA, 1994, p. 38;
MELLO, 2000, p. 50). Os traços de continuidade com os governos militares durante o
período de transição seriam marcantes, apesar da tentativa da elite política - militar e civil -
em consonância com a mídia, em apresentar a recuperação da democracia como uma
conquista social, sendo saudada por alguns setores da sociedade como uma política que
abandonaria o terceiro-mundismo e retomaria a teoria dos círculos concêntricos de Castelo
Branco (ALTEMANI, 2005, p. 202; PEREIRA, 2003, p. 28). Entretanto, não são
70
detectados fatores que possam ser definidores de alterações fundamentais na política
externa da Nova República (ALTEMANI, 2005, p. 202).
O governo brasileiro tinha, à sua frente, uma ampla agenda política e pressões
internas e externas para soluções no curto prazo, tendo que lidar com a responsabilidade de
reincorporar, plenamente, o Brasil aos foros internacionais como Estado de Direito capaz
de diálogo e harmonia com todas as nações, sem inibições ou exclusões (CORRÊA, 1996,
p. 361; PEREIRA, 2003, p. 30).
Portanto, o governo teve que conviver com diversas variáveis como um país em
busca de reencontrar sua identidade democrática; um mundo marcado por uma ordem
internacional instável e em transição; um cenário de crise econômica, desencadeada pelo
esgotamento do modelo de crescimento baseado no Estado e na substituição de
importações; um mundo em crise de crescimento, envolvido pelas contradições entre os
diferentes modelos econômico-político-sociais implantados até então; e uma América
Latina sob as conseqüências danosas da “década perdida”, tendo de gerenciar complicados
processos de transição democrática em meio a dificuldades econômicas de toda sorte e
incapaz de idealizar e implantar uma política coerente (CORRÊA, 1996, p. 361).
Impunha-se, portanto, ao novo governo, a correção de algumas linhas da política
praticada sob a preeminência das percepções de inspiração militar, destacando-se o fator
positivo representado pela recuperação do regime democrático no País. Entretanto, não era
possível, devido aos constrangimentos da transição política
61
, romper radicalmente com o
passado, sendo necessário encaminhar as correções de rumo com uma mistura adequada de
ousadia e equilíbrio (CORRÊA, 1996, p. 363-364).
61
No caso brasileiro, a transição à democracia foi conduzida pelos próprios militares. Apesar do movimento
das Diretas Já, em 1984, por eleições diretas para Presidente, o governo militar manteve a eleição indireta, via
Colégio Eleitoral, que deveria assegurar maioria ao candidato do governo. Com a escolha de Maluf como
candidato do governo, muitos apoiadores, insatisfeitos, dentre eles José Sarney, retiraram seu apoio, formando
um novo partido, o Partido da Frente Liberal (PFL), que em acordo com a o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), de oposição, formou a Aliança Democrática com vista à constituição de
uma frente para governar o Brasil, durante o período de transição política, tendo como candidato Tancredo
Neves. Com um novo governo formado por uma coalizão de partidos, liderados por PMDB e PFL, os
militares, discretamente, permaneciam como mantenedores e auxiliares no processo de transição política, para
garantir os limites da democracia a ser estabelecida. Devido à inesperada doença de Tancredo Neves, Sarney
ficou, precariamente, à frente da presidência com um ministério formado por políticos de oposição ao regime
militar e outros recém saídos do mesmo. Após a morte de Tancredo e de uma série de conflitos entre o
presidente e os ministros, Sarney formou um novo ministério, onde, parte dele tinha uma história política
semelhante a sua, ou seja, eram oriundos da antiga UDN, que havia apoiado o golpe e participado dos
governos militares.
71
O governo Sarney, portanto, movimentava-se para consolidar a sua legitimidade em
diversos âmbitos. O primeiro, político, seria a condução da reforma legislativa, com a
convocação da Assembleia Nacional Constituinte, eleita em novembro de 1986. O
segundo, econômico, dizia respeito aos grandes esforços de ajuste, nos quais, o Plano
Cruzado
62
que, de certa forma, abriu caminho para que se pensasse que, finalmente, teria
ocorrido uma alteração qualitativa dos termos do relacionamento econômico-financeiro
entre países credores e o maior devedor entre os PEDs. O governo Sarney, por conseguinte,
mover-se-ia entre duas linhas mestras: de um lado, a reforma política, em um esforço
complexo de construção e implantação de uma estrutura política e de uma ordem jurídica;
de outro, o ajuste econômico, ousado e heterodoxo, limitado, de certa maneira, pelos
contornos da transação possível entre os agentes econômicos e sociais frente ao
esgotamento do modelo econômico e dos constrangimentos da inserção internacional do
Brasil (CORRÊA, 1996, 366-367).
A chamada “diplomacia para resultados” nome dado pelo chanceler Olavo
Setúbal – teria por diretriz fundamental a ideia de que toda diplomacia teria um viés
indubitavelmente político. Portanto, seria uma política externa criativa, flexível e realista,
tendo como ponto de partida a explicitação dos interesses concretos do País em relação à
retomada do crescimento e à redução da vulnerabilidade externa brasileira nos níveis
financeiro, tecnológico e comercial (RPEB, v. 45, 1985, p. 134).
Com isso, o Brasil buscava uma presença mais efetiva nos debates multilaterais e
nas negociações bilaterais, por intermédio de uma atuação que propiciasse a ampliação da
liberdade brasileira na condução de sua política econômica e, por conseguinte, do controle
sobre o seu rumo, consciente de que as disputas por poder e riqueza tinham, em todas as
esferas do sistema internacional, um caráter hobbesiano, ou seja, que não haveria valores
absolutos por trás da luta pelo produto mundial e que conceitos como justiça e paz seriam
vagos e indeterminados, sendo determinados pelas pressões recíprocas e pelo conflito, pela
cooperação e pela conquista de consenso entre os Estados (RPEB, v. 45, 1985, p. 133-134).
62
O Plano Cruzado foi um conjunto de medidas de contenção do processo inflacionário caracterizadas por um
choque heterodoxo e implementadas a partir de 1986. Dentre as principais medidas estavam o congelamento
de preços e salários, a alteração da unidade do sistema monetário. Após as eleições de novembro de 1986, a
inflação voltou a atingir altos índices, agora acompanhada de um claro processo de recessão (SANDRONI,
2000, p. 468).
72
Portanto, o objetivo global da política externa brasileira, no governo Sarney, seria
negociar, de forma digna e eficiente, a inserção do Brasil no sistema internacional, sem
abrir mão da soberania e da independência. No campo político, continuaria a defender os
princípios de autodeterminação dos povos, de não-ingerência nos assuntos internos de cada
Estado, de solução pacífica de controvérsias, especialmente na América Central, da ação
conjunta dos países latino-americanos para a condução das dificuldades comuns, e do
respeito aos direitos humanos. No campo econômico, guiar-se-ia pelo amplo anseio da
retomada do crescimento e da recuperação dos níveis de emprego e de renda e pela solução
da questão da dívida externa. No curto prazo, neste campo, buscaria emprestar a sua
experiência negociadora, em conjunto com os ministérios da área econômica, na execução
das políticas para conquistar novos mercados aos produtos brasileiros e à discussão, em
bases mais realistas, de formas de amortização da dívida externa e, no médio prazo, a
mobilização para uma enérgica atuação multilateral nas instituições em que houvesse
interesse direto para o Brasil, e para um acompanhamento preciso dos demais organismos,
sempre não perdendo de vista a modernização de seus procedimentos decisórios e a
ampliação da representatividade de sua direção (RPEB, v. 45, 1985, p. 14).
No tocante ao Diálogo Norte-Sul, o Brasil apresentava uma postura cética,
acreditando que devido à rebipolarização da ordem mundial e da insensibilidade do Norte
aos problemas sócio-econômicos do Sul, o mundo caminhava para os “círculos minguantes
da negociação” expressão de Araújo Castro ou seja, à relativização do multilateralismo
nas relações internacionais, pois as superpotências quando não dificultavam a presença das
nações menos desenvolvidas na tomada de decisões fundamentais, terminavam por
ameaçar retirar suas ações da jurisdição formal dos organismos multilaterais (RPEB, v. 45,
1985, p. 15).
O Brasil ainda continuava vendo-se como tendo uma dupla inserção, ou seja, como
parte integrante do Ocidente, com quem compartilhava concepções institucionais e
culturais e como país em desenvolvimento com setores avançados, mas que ainda sofria
graves insuficiências econômicas e sociais, devendo, portanto, refletir, em sua diplomacia,
de forma equilibrada e coerente, essas realidades. Portanto, não cabia ao País escolhas
parciais e excludentes, que favorecessem esse ou aquele segmento do sistema internacional.
Buscava-se um relacionamento universal, com um espírito nacional que se inclinava,
73
instintiva e inovadoramente, para a conciliação. Dessa forma, o relacionamento íntimo com
os PDs não inibia nem dificultava o relacionamento com os PEDs, pois o interesse
nacional, nos planos político, econômico, tecnológico e cultural, estaria melhor atendido
pela opção que, sem conotações ideológicas, abrisse ao País todos os caminhos, sem fechar
nenhum (RPEB, v. 45, 1985, p.15).
No tocante às relações Sul-Sul, a diplomacia brasileira via que face ao quadro
pouco alentador das relações Norte-Sul, a cooperação entre os PEDs apresentava-se como
uma das alternativas mais viáveis à reversão, em seu favor, das tendências negativas da
economia internacional. Cabendo, portanto, ao Sul concentrar esforços para participar
ativamente da elaboração de uma NOEI, procurando reforçar o G-77 e a Unctad, no sentido
de desobstruir os canais do Diálogo Norte-Sul (RPEB, v. 123-124, 1988, p. 90).
A atuação do MRE, no governo Sarney, pode ser resumida, portanto, pela denúncia
do imobilismo no Diálogo Norte-Sul nos organismos internacionais; pela não-resignação
ao protecionismo das potências industrializadas; pela busca de tratamento político para a
dívida externa; pela manifestação de que o atendimento das obrigações financeiras
internacionais do País carecia do seu crescimento e da participação justa no comércio
internacional; pela busca de saldos comerciais e expansão das exportações brasileiras
(BUENO, 1994, p. 118).
2.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: as vulnerabilidades
econômicas como obstáculos à aproximação
Conforme apontado, a política externa do Brasil, até o final da década de 70, estava
fortemente ligada ao modelo de desenvolvimento econômico empreendido pelos militares,
baseado na substituição de importações e na alta dependência de petróleo. Entretanto, não
foram feitos os ajustes necessários, que o governo continuou dedicando-se apenas a
manter os níveis, considerados satisfatórios, de suas importações de petróleo.
O Brasil equacionou a questão por meio da aproximação política e econômica com
exportadores de petróleo do Sul como Nigéria, Angola e Arábia Saudita, numa relação em
que o País garantia o seu fornecimento do produto, ao passo que vendia a esses países
74
produtos e serviços que, por sua vez, diminuíam a sua dependência em relação aos PDs,
gerando, conforme apontado, um ciclo de satisfação no relacionamento entre os PEDs.
Internamente, o governo, logo após a primeira crise do petróleo, em 1973, realizou
investimentos em fontes energéticas alternativas, como a elétrica e o álcool, e na
prospecção de petróleo, fazendo com que, no início da década de 80, a crise no
fornecimento de petróleo tivesse sido, relativamente superada (SENNES, 2003, p. 90).
Entretanto, o modelo utilizado para superar a crise do petróleo e manter as altas
taxas de crescimento econômico tinha sido feito por meio de empréstimos externos que, na
época, tinham juros muitos baixos, fazendo com que o Brasil recorresse a esse tipo de
modalidade financeira com certa freqüência e aumentasse o seu endividamento externo.
Com o aumento das taxas de juros, por parte dos EUA, a dívida externa brasileira e
os serviços decorrentes, na década de 80, superaram, muito, a capacidade de pagamento
nacional, mostrando que o modelo de desenvolvimento implantado nos governos militares
dava sinais claros de seu esgotamento. Com isso, a principal vulnerabilidade do País, no
período, passou a ser o cumprimento de suas obrigações financeiras, oriundas do acúmulo
de enormes estoques de dívida com bancos públicos e privados internacionais, que
venceriam nos curto e médio prazos (JAGUARIBE, 1985, p. 11; SENNES, 2003, p. 91).
O alto grau de vulnerabilidade do Brasil, no período, devia-se, no tocante à questão
do endividamento externo, ao montante da dívida, cuja proporção em relação ao PIB
ultrapassou os 40% entre 1984 a 1986, chegando a um nível crítico; ao perfil do
endividamento, com crescentes parcelas com vencimento no curto prazo, chegando a
atingir, entre 1981 e 1989, mais de 15% da vida total; e ao peso do pagamento dos
serviços vinculados ao estoque da dívida, que chegou a representar, em 1982, mais de 56%
das exportações brasileiras (SENNES, 2003, p. 92).
Com isso, a economia brasileira via-se condicionada por dois fatores externos, a
necessidade de gerar superávits comerciais e de adotar políticas ad-hoc, gerando grandes
distúrbios nos processos políticos e econômicos internos, que estes objetivos colocaram
em xeque ou se sobrepuseram a vários outros objetivos estabelecidos anteriormente.
Portanto, a crise da dívida será o ponto central da política externa brasileira, na década de
80, pois impossibilitou a capacidade do Estado de continuar mantendo sua política
protecionista de desenvolvimento industrial e conduzir, ao mesmo tempo, a uma política
75
externa de viés independentista, levando o Brasil a adotar medidas, no campo das relações
exteriores, contraditórias com o perfil autonomista e independente que vinha sendo adotado
até o momento (SENNES, 2003, p. 93).
Esses novos condicionantes, externos e internos, criaram dificuldades para a
continuidade da estratégia de estabelecer novos mercados, ampliar ou manter aqueles que
haviam sido conquistados no Sul, que a crise econômica afetou, fortemente, os PEDs,
principalmente da América Latina e da África. O cenário obrigou o Brasil a incrementar
seus fluxos comerciais com os PDs, principalmente os EUA (SENNES, 2003, p. 98).
Portanto, em sua atuação multilateral, a questão da dívida externa marcou, em boa medida,
a diplomacia brasileira do período.
Até o final de 1984, o Brasil manteve a orientação de ressaltar a identidade do
programa de ajuste brasileiro e de negação do tratamento global da questão, tanto que, o
País, diante da tentativa de articulação, por parte dos países latino-americanos, de uma ação
conjunta baseada na tese de que a crise do endividamento era um problema político do
conjunto de países, apenas, comprometeu-se com tese da necessidade de enfoque político
nas negociações – o que faria em seus discursos nas NCMs mas, descartou, a proposta da
Argentina, Venezuela e Equador, de constituição de um “clube de devedores”, ao mesmo
tempo em que sempre afastou a possibilidade de pedido de moratória coletiva, evitando,
portanto, o conflito com os países credores (CAMARGO; OCAMPO, 1988, p. 159).
Frente a esse cenário, ao Itamaraty, de certa forma, alijado das discussões a respeito
da negociação da dívida, coube a defesa, nas organizações internacionais multilaterais, da
modificação da estrutura comercial e financeira internacional, prejudiciais aos PEDs, como
o Brasil, persistindo na estratégia de diversificação do intercâmbio econômico com vistas a
pressionar por uma redução do protecionismo nos PDs (RPEB, n. 24, 1980, p. 30).
Portanto, os foros multilaterais foram os locais privilegiados para o governo expor e
defender suas concepções a respeito da dívida, para enfatizar a necessidade do crescimento
sem recessão, que, a partir do governo Sarney
63
, havia a decisão de não submeter o País
63
Inicialmente, o governo Sarney não tomou medidas de rompimento com os credores internacionais, sendo
que, em julho de 1986, fechou um acordo com o FMI para reescalonar o pagamento do principal e aportar
empréstimos de emergência ao País. Com uma sensível redução no nível de suas reserva, o governo, em
fevereiro de 1987, suspendeu os pagamentos aos credores comerciais externos. Após não obter o respaldo dos
demais devedores e resposta dos setores oficiais dos credores, acordou, com os bancos, um esquema de
retomada de pagamentos, assinado em novembro de 1987. Em novembro de 1988, o governo conseguiu
76
a ajustes recessivos e apontar para a necessidade de uma reestruturação profunda do
sistema econômico internacional (RBPI, v. 111-112, 1985, p. 171-179). O presidente
brasileiro defendia um tratamento político à questão do endividamento externo dos países
latino-americanos, cuja solução demandaria um esforço conjunto de credores e devedores
64
(BUENO, 1994, p. 122).
No governo Sarney, manter-se-ia essa posição, tendo até a aprofundado, após a
posse de Abreu Sodré e a declaração de suspensão de pagamentos. Segundo o chanceler, a
crise da dívida deveria ser compartilhada entre credores e devedores, já que em parte
advinha da política recessiva e do aumento de taxas de juros implantados pelos PDs, que
estariam transferindo aos PEDs boa parte do custo do ajuste levado a cabo em suas
economias. O crescimento, portanto, deveria ter prioridade sobre o pagamento da dívida,
que deveria ser tratado politicamente, pois pagar sem crescer trazia consigo contradições,
inclusive morais, que o País estaria financiando sociedades ricas. Portanto, o governo
brasileiro acreditava que o pagamento da dívida, da forma como estava sendo exigido, e o
crescimento eram auto-excludentes (RPEB, v. 52, 1987, p. 25-29).
No fim de seu mandato, durante a 44ª Sessão da AGNU, o presidente brasileiro
denunciou a transferência de recursos da região latino-americana para o exterior, apontando
que esta funcionaria como uma espécie de “Plano Marshall às avessas”, lembrando ainda
que a dívida externa colocava os PEDs numa situação de vulnerabilidade e os obrigava a
adotar um modelo de ajuste que os PDs pouco praticavam. Ademais, argumentava que a
obtenção de saldos comerciais para o pagamento dos juros da dívida obstaculizava
qualquer forma de crescimento do Brasil, afirmando que os organismos internacionais
propunham políticas de ajuste inadequadas e que estas eram prejudiciais aos líderes civis,
tornando explosiva a crise social, além de ameaçar as instituições, comprometer a ordem e
prejudicar as estruturas democráticas (A PALAVRA DO BRASIL NAS NAÇÕES
UNIDAS, 1995, 445).
A diplomacia brasileira, no período, terá uma intensa atuação multilateral,
seguindo, três idéias básicas, oriundas do período anterior.
reescalonar sua dívida de médio e longo prazo, mas mesmo com uma série de características inovadoras
primeiro acordo a contemplar um cardápio de títulos e um título com taxa fixa de juros o acordo não teve
condições de prosperar (PAIVA, 1996, p. 66-67).
64
A tese da co-responsabilidade não era idéia do governo Sarney, pois fazia parte dos resultados do Consenso
de Cartagena e da reunião de Mar del Plata, ambas realizadas no ano de 1984.
77
A primeira seria a consideração de que o Brasil, no sistema internacional, era uma
potência intermediária, tendo alcançado certo poder, em termos políticos e econômicos
que, somado à sua posição geopolítica privilegiada, na América do Sul e no Atlântico Sul,
e à sua alta densidade demográfica, lhe conferiam recursos de poder necessários a uma
projeção independente e condições à consecução de objetivos próprios, assim como o
estabelecimento de uma área de influência direta, principalmente sobre os países latino-
americanos e do Sul (SENNES, 2003, p. 39).
A segunda era o alinhamento com os países do Sul, advogando, nestes foros, a
transformação das estruturas obsoletas e injustas da economia internacional, com vistas a
beneficiar os PEDs (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 48), chamando a atenção para a
realidade brasileira de Terceiro Mundo, tendo, em foros como a ONU, uma postura
anticolonialista, de denúncia do neoprotecionismo do Norte e da dívida externa dos PEDs.
A terceira era o ativismo político calcado em alianças e coalizões com vistas a
reforçar a presença brasileira nos organismos multilaterais, ou seja, participar de coalizões
terceiro-mundistas e latino-americanas, como o G-77, o Pacto Amazônico, o Grupo de
Cartagena e o Grupo de Contadora, e das negociações nos órgãos multilaterais, como
ONU, GATT, Unctad e OEA (SENNES, 2003, p. 40).
Ao posicionar-se como país do Sul, o Brasil obtinha vantagens nas negociações
comerciais via GATT e Unctad, pois beneficiar-se-ia do SGP, conseguindo as concessões
tarifárias feitas pelos PDs.
Entretanto, as posturas multilaterais do Brasil, no período, não teriam sido tão
lineares e bem definidas, conforme o discurso diplomático poderia parecer à primeira vista,
pois houve uma série de atitudes, declarações e posicionamentos de forte caráter reticente
e, por vezes, ambíguo, que tais posturas não teriam advindo de uma opção ideológica,
mas pelo país ter se visto atraído a elas devido à inviabilidade de seu projeto de fazer parte
do seleto “clube” dos PDs, construído no período anterior (LIMA; MOURA, 1982, p. 352-
353).
Com isso, a atuação brasileira, via coalizões, e a ênfase nas negociações
multilaterais, tiveram um caráter seletivo e limitado, pois o Brasil atuava apenas nos fóruns
e negociações econômicas e tecnológicas, não filiando-se a coalizões como o Movimento
dos Não-Alinhados, que a sua conotação política de conflito mais amplo com os PDs ia
78
muito além do viés econômico, mantendo, com este, apenas contatos informais e enviando
observadores a suas reuniões. Esta devia-se ao fato de que, embora fizesse parte de grupos
e fóruns que tratavam dos conflitos Norte-Sul, o Brasil lançava mão de iniciativas bilaterais
e até unilaterais para negociar parte de seus interesses (SENNES, 2003, p. 41).
Portanto, o Brasil estaria envolvido nas coalizões Sul-Sul até o ponto em que estas
não viessem a trazer prejuízos econômicos e políticos ao País (SENNES, 2003, p. 41-42).
Também não estava disposto a abrir mão das possibilidades de utilizar-se, diretamente, de
seu poder de influência e barganha, seguindo critérios e interesses próprios, sempre que
necessário ou vantajoso, tanto que procurou incrementar relações econômicas e políticas
com países produtores de petróleo, como México, Venezuela, Nigéria, Iraque e Angola,
pois com estes podia, de um lado, garantir o fornecimento daquele combustível e, de outro,
exportar diversos produtos que estavam tendo restrições, cada vez maiores, no Norte
(LIMA, 1996, p. 228). Ao Brasil interessava, portanto, não apenas tornar-se líder do Sul,
mas, antes, utilizar-se dos laços com essas nações como motor para atingir à elevação
definitiva do País à categoria de nação desenvolvida (ROETT; PERRY, 1977, p. 303).
O envolvimento brasileiro nas alianças terceiro-mundistas seria mais voltado a
manter desobstruídos os canais de contatos com esses países do que um engajamento real
com as suas reivindicações, tanto que, no plano regional, envolveu-se em diversas alianças
como o Pacto Amazônico, a ALADI, o Grupo de Apoio à Contadora
65
, mais como forma de
impedir o seu insulamento regional do que para investir e implementar tais acordos
(SENNES, 2003, p. 43).
A um país como o Brasil, de recursos de poder ainda limitados - o que não permitia
a ação unilateral nem a projeção e negociação com as grandes potências - o terceiro-
mundismo, as ações via coalizões e a ênfase nas negociações multilaterais teriam sido uma
espécie de segunda melhor opção estratégica. Com isso, a prática de uma política externa
que visava, mais do que um alinhamento internacional, ideológico e solidário, com os
países do Sul e da América Latina nas coalizões e nos foros multilaterais, iniciada no
65
Em 1983, em oposição à via de pacificação pela força, proposta pelos EUA como forma de solucionar os
problemas políticos na América Central, criou-se o Grupo de Contadora, formado por xico, Colômbia,
Panamá e Venezuela. Em 1985, o Grupo recebeu o reforço das jovens democracias da Argentina, Brasil, Peru,
e Uruguai, o que passou a ser chamado de Grupo de Apoio à Contadora. Em 1987, o grupo de países
comprometidos com a questão da pacificação da América Central passou a ser chamado de Grupo dos Oito
que, nos anos 90, viria a ser conhecido como Grupo do Rio, cuja agenda passou a ser mais abrangente e a
incluir temas latino-americanos em geral.
79
governo Geisel e mantida até o governo Sarney, mas sim uma área de ação que
possibilitasse, ao País, a maximização de sua capacidade de negociação e projeção
internacional (SENNES, 2003, p. 43).
Portanto, na década de 80, o Brasil engajou-se e reforçou suas ações nas coalizões e
foros multilaterais de forma substancial, tendo significativas contribuições,
particularmente, em foros relacionados ao comércio, como a Unctad, o G-77 e o GATT.
Em coalizões e foros regionais, como o Grupo de Cartagena
66
e a OEA, a atuação da
diplomacia brasileira foi muito mais discreta e formal. Dessa forma, a atuação multilateral
brasileira, no período, comportou variados graus e formas de relacionamento com os
organismos multilaterais e com as alianças e coalizões internacionais, alterando-se
conforme as avaliações acerca da maneira mais conveniente de alcançar determinados
campos de ação e de manter certas margens de manobra, ou seja, um multilateralismo
seletivo (SENNES, 2003, p. 44).
Na ONU, o Brasil, no governo Figueiredo, denunciava a chamada crise do
multilateralismo”, originada na inadequação do próprio sistema de segurança coletiva,
construído com base na confrontação de blocos de poder, que não aceitaria as formas
parlamentares como mecanismo de limitação de suas ações, levando à utilização
sistemática do dispositivo do veto e à virtual paralisia da organização. Além da face
política, o fracasso das negociações para a construção de uma NOEI também era um sinal
dessa crise que, segundo o chanceler brasileiro, Ramiro Saraiva Guerreiro, também
manifestava-se no próprio imobilismo das reuniões e burocracias internacionais. Esse
cenário agravava-se, ainda mais, com o desinteresse das superpotências em relação ao
multilateralismo, apontando como exemplos a recusa norte-americana em assinar a
convenção do Direito do Mar
67
, a ameaça de retirada, da UNESCO, por parte de alguns
PDs (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 73 e 98).
66
Entre os dias 21 e 22 de junho, os chanceleres e ministros da Fazenda de Argentina, Brasil, Bolívia,
Colômbia, Chile, Equador, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela se reuniram para
formar o Grupo de Cartagena, com o objetivo de criar um mecanismo, de alto nível, para uma atuação
conjunta nas negociações da dívida externa dos países latino-americanos. Entretanto, conforme apontado
anteriormente, o Brasil deu apenas apoio formal a esse mecanismo, continuando a negociar sua dívida
externa, unilateralmente, por meio das Cartas de Intenção, com o FMI.
67
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, na Jamaica, em
1982, é um tratado multilateral que, entre outras coisas, define conceitos como mar territorial, zona
econômica exclusiva, plataforma continental, e estabelece os princípios gerais à exploração de recursos
naturais marítimos. A Convenção consagrava a tese, defendida pelo Brasil, que fixava em 200 milhas
80
Como parte da importância atribuída à ONU, o Presidente João Figueiredo
compareceu e discursou na abertura dos debates da 38ª Sessão da AGNU, realizada em 26
de setembro de 1982, onde dentre outras coisas, criticou, duramente, as barreiras
comerciais e a política protecionista dos PDs, apontando, mais uma vez, para a ineficácia
dos organismos multilaterais para solucionar a crise econômica e as crises políticas, como a
crise no Oriente Médio e a invasão do Afeganistão pela URSS (RPEB, ed. suplementar,
1984, p. 99).
No governo Figueiredo, o Brasil dedicou-se, na ONU, principalmente, à questão do
desenvolvimento econômico, tendo participação ativa nas reuniões da Unctad e do Ecosoc,
sendo eleito, em 1983, presidente daquele conselho (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 99).
Com a emergência do governo civil, houve um estreitamento ainda maior dos laços
com os países do Sul, nos foros multilaterais, devido a uma redefinição nas relações com os
EUA, decorrente do declínio nas relações em termos de comércio exterior, investimentos
estrangeiros e endividamento externo, além do fortalecimento das relações com a Europa
Ocidental (PEREIRA, 2003, p. 84).
Nos foros internacionais, a diplomacia brasileira, no governo Sarney, criticaria as
políticas do Norte em relação ao Sul, além das “injustiças” do sistema com os países que
procuravam avançar a partir de suas próprias bases político-econômicas (PEREIRA, 2003,
p. 84).
Sarney, ao discursar na abertura dos debates da 40ª Sessão da AGNU, em setembro
de 1985, denunciando a assimetria nas relações Norte-Sul, denotava a importância dos
organismos multilaterais como perspectiva para a reconstrução de uma ordem internacional
em que pudesse ser resguardada a soberania. Portanto, a participação brasileira em foros
multilaterais tinha como objetivo imediato a denúncia, a discordância e o protesto contra as
desigualdades no sistema internacional, além de garantir o respeito a vários Estados no
debate acerca da superação das dependências e das mudanças no contexto internacional
(PEREIRA, 2003, p. 84-85). O governo brasileiro utilizava-se dos organismos multilaterais
para expor e defender suas concepções sobre os problemas centrais pelos quais o País
atravessava e seu posicionamento no sistema internacional (PEREIRA, 2003, p. 87).
marítimas a zona exclusiva econômica, permitindo a exploração de recursos e a pesquisa científica na
plataforma continental e fundos marinhos.
81
No discurso, buscando demonstrar a mudança ocorrida na política brasileira, Sarney
apresentou-se como chefe de um país livre de constrangimentos devido ao retorno do
governo civil e da reafirmação da democracia
68
, tendo como ponto mais importante a
questão do endividamento externo que, segundo o governo brasileiro, deveria ter
tratamento político de forma a não torná-la obstáculo ao desenvolvimento econômico e
social. O presidente brasileiro ainda pediu um programa para a revitalização da ONU, que
deveria trabalhar a favor da superação de tensões, da condução de soluções de conflitos
regionais do Sul, da redução, controle e eliminação de armamentos e contribuir para a
superação das dificuldades dos PEDs, principalmente no tocante à dívida externa. (RBPI, n.
111-112, 1985, p. 171-179).
O discurso proferido teve grande impacto entre os PEDs, entretanto, afetou o
relacionamento brasileiro com os centros de poder nos pontos de maior relevância, para o
País, ou seja, nas dificuldades relacionadas à política comercial, desenvolvimento
tecnológico e o tratamento da dívida externa (PEREIRA, 2003, p. 84-85).
No ano seguinte, em discurso na AGNU, o chanceler brasileiro, Abreu Sodré, mais
uma vez, criticou a maneira como o sistema econômico internacional estava sendo
conduzido, apontando que, no âmbito comercial, prevaleciam regras que refletiam
prioritariamente os interesses das nações industriais mais poderosas. Segundo o chanceler,
em termos de cooperação, as medidas do Sul esbarravam no imobilismo e na hostilidade do
Norte, refletidas no protecionismo, sendo necessária, portanto, uma NOEI, destacando que
a América Latina não podia continuar exportando capital e que o Brasil estava trabalhando
por uma maior integração do continente (PEREIRA, 2003, p. 86-87).
No ano seguinte, logo após a suspensão do pagamento da dívida externa, o
chanceler brasileiro, em discurso na 42ª Sessão da AGNU, continuava a apontar os
desequilíbrios e obstáculos lançados pelos PDs nos campos das finanças, do comércio de
bens e serviços e na transferência de tecnologia de ponta. O chanceler denunciava uma
divisão internacional do trabalho, caracterizada por uma forte tentativa do Norte, mais
perversa e prejudicial aos interesses brasileiros por impedir o seu legítimo direito aos
avanços científicos e ao domínio das tecnologias de ponta (RPEB, v. 54, 1987, p. 67-72).
68
Sentindo-se mais à vontade devido ao fim do regime militar, o Brasil assinou, na 4Sessão da AGNU, a
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes e submeteu, ao
Congresso Nacional, os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos (BUENO, 1994, p. 121).
82
Cabe ainda ressaltar que, no governo Sarney, à luz do desejo de participar das
discussões dos temas relacionados à paz e segurança internacional, o Brasil apresentou sua
candidatura ao Conselho de Segurança (CSNU), em 1987
69
, depois de longa ausência
(BUENO, 1994, p. 121-122). Esse retorno dava ao Brasil a oportunidade de participar de
importantes decisões que prenunciavam o papel de destaque que seria desempenhado por
aquele órgão no desenvolvimento da nova ordem internacional, sendo decisivo para o
início, no País, de um processo de avaliação sobre as possibilidades de promoverem-se
alterações na composição do Conselho, de forma a abrí-lo à participação permanente de
novos países
70
(CORRÊA, 1996, p. 380).
No governo Figueiredo, ao longo das duas reuniões da Unctad
71
, o Brasil manteve a
sua solidariedade em relação ao Sul. Na V Unctad, a delegação brasileira defendeu o
desenvolvimento econômico desses países, protestando contra as salvaguardas unilaterais
ao comércio internacional e o protecionismo e propondo um código de transferência de
tecnologia entre o Norte e o Sul (BUENO; CERVO, 2002, p. 429).
Na V Reunião da Unctad, a delegação brasileira reconheceu-se parte integrante do
G-77, observando a validade, moral e política deste como grupo de pressão que visava à
promoção da aceitação de certos princípios fundamentais da cooperação internacional para
o desenvolvimento econômico, ou seja, uma NOEI. Na ocasião, o Brasil apontou duas
áreas fundamentais que ainda encontravam-se em aberto nas negociações da Rodada
Tóquio do GATT: as negociações tarifárias bilaterais e a negociação do projeto do código
sobre salvaguardas, pois, ao País, interessava um acordo que regulamentasse a adoção de
medidas restritivas ao comércio, coibindo, dessa forma, o recurso a ações multilaterais e
arbitrárias, utilizadas, principalmente, pelo Norte (RPEB, v. 21, 1979, p. 68).
Ao constatar que os resultados das NCMs haviam ficado aquém do esperado, a
delegação brasileira apontava para um desafio duplamente complexo: propiciar a expansão
do comércio mundial e descobrir os meios que permitiriam aos países altamente
69
Na 4Sessão da AGNU, o Brasil é eleito, em vaga latino-americana, por 151 dos 159 votantes, para o
biênio 1988-1989.
70
Essa visão, a partir de então, tornou-se um elemento importante na estratégia multilateral brasileira e
determinaria a decisão de voltar a buscar, seguidamente, sempre que possível, um assento não-permanente no
CSNU.
71
No governo Figueiredo, realizaram duas reuniões da Unctad. A V Unctad foi realizada na cidade de Manila,
capital das Filipinas, em maio de 1979 e a VI Unctad aconteceu em Belgrado, capital da Sérvia, em maio de
1983.
83
industrializados a readaptação à nova divisão internacional do trabalho e aos imperativos
de industrialização dos PEDs (RPEB, v. 21, 1979, p. 69).
Para vencer esse desafio, fazia-se necessária a transferência de tecnologia, a curto e
médio prazos, pois permitiria ao Sul o aumento de suas taxas de desenvolvimento
econômico. Com isso, o governo brasileiro reconhecia a importância do código de
transferência de tecnologia e a importância da próxima Conferência das Nações Unidas
sobre Ciência e Tecnologia, em Viena, reconhecendo a Unctad como foro de negociação,
fonte de estudos e assistência técnica à criação de infra-estrutura tecnológica ao progresso
do potencial dos PEDs (RPEB, v. 21, 1979, p. 70).
Portanto, na V Unctad, interessava, ao Brasil, evitar que as complexas relações
econômicas internacionais permitissem a implementação de medidas excludentes ou
discriminatórias, que não considerassem os interesses do Sul e a crescente diversidade de
suas relações com o Norte, apontando que os PEDs desempenhavam um papel essencial no
bem-estar econômico, pois eram mercados para bens e serviços, fornecedores de recursos
importantes e produtores crescentemente competitivos (RPEB, v. 21, 1979, p. 70).
A reunião seguinte da Unctad também obteve resultados modestos, sendo que o
chanceler brasileiro reconheceu que as iniciativas daqueles últimos dezoito meses – o
Encontro Norte-Sul, em Cancun; a reunião do FMI, em Toronto; e a reunião do GATT, em
novembro de 1982 não teriam sido satisfatórias, apontando o recuo do Norte e
argumentando a favor da cooperação Norte-Sul (BUENO; CERVO, 2002, p. 430).
Na reunião, a delegação brasileira, solidária aos anseios do Sul, vinculou a questão
do endividamento à crise geral do sistema econômico internacional, onde faltava a
cooperação do Norte, mostrando-se contrária a medidas duras de ajuste econômico interno
(BUENO, 1994, p. 105). Também mostrou-se favorável, em conjunto com outros PEDs, a
medidas de solução para a grave crise de liquidez, pois acreditava que, no horizonte, não
haveria soluções a curto prazo, que além da recuperação econômica mundial, faziam-se
necessários a baixa dos juros, os recursos ao financiamento do desenvolvimento, a melhora
nos preços dos produtos de base e a ampliação dos mercados dos manufaturados no Norte
(RPEB, v. 37, 1983, p. 45-49, 97-101).
Ao avaliar os resultados da VI Unctad, em discurso proferido na abertura da 38ª
AGNU, em setembro de 1983, o chanceler brasileiro apontou que aquela reunião
84
exemplificava, muito bem, as frustrações que vinham sendo as NCMs, pois a posição
moderada e construtiva do Sul não teria sido capaz de fazer com que o Norte adotasse uma
postura mais flexível. Nas negociações, os PDs e os PEDs, na avaliação do chanceler,
haviam perdido valiosas oportunidades de diálogo e entendimento, restando, naquele
momento, apenas a aposta, incerta e arriscada, nas ações tópicas e de emergência como
resposta a problemas estruturais e duradouros (RPEB, v. 38, 1983, p. 7-8).
Segundo Guerreiro, as duas reuniões da Unctad realizadas no período de sua gestão
não teriam sido capazes de produzir resultados significativos frente à grave crise
econômica internacional. Para o chanceler, os resultados decepcionantes da VI Unctad
contrapunham-se à cuidadosa preparação e ao espírito construtivo do Sul, que chocaram-se
na atitude intransigente do Norte (RPEB, ed. suplementar, 1984, p. 103).
O Brasil na Unctad, após a emergência do governo civil, continuou a denunciar a
assimetria nas relações entre Norte-Sul e a reafirmar a sua solidariedade com os PEDs.
Na VII Unctad, realizada em julho de 1987, na cidade de Genebra, Abreu Sodré
apontou os desequilíbrios fiscais, monetários, financeiros e comercias como causas para
que a década de 80 se tornasse o primeiro período de retração do processo de
desenvolvimento no Sul, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sendo que a saída seria
as propostas elaboradas pelo G-77, de criação de um novo sistema de comércio
internacional (RPEB, v. 54, 1987, 39-42).
Quanto às posições brasileiras, em relação à questão ambiental, houve poucas
alterações, no governo Figueiredo. O Brasil participou dos trabalhos do Conselho de
Administração do Unep, obtendo maior receptividade a propostas de ação, em nível
internacional, na área da proteção ambiental (RPEB, v. 41, 1984, p. 77-78).
No governo Sarney, houve certa continuidade em relação ao tema, sendo que a
alteração ocorreu mais em sua forma do que em sua essência. O governo brasileiro passava
a aceitar a discutir a questão ambiental, graças, também, à emergência de uma consciência
ecológica interna, consequencia das tendências mundiais. A sua postura, portanto,
continuava baseada na ideia de que o consumismo e o desperdício do Norte seriam as
causas das alterações ambientais, além dos riscos advindos dos arsenais nucleares mantidos
por esses países (BUENO, 1994, p. 118-119).
85
Na XV Sessão do Conselho Administrativo do Unep, em maio de 1989, o Brasil
reafirmou os termos das conclusões dos países latino-americanos em seus encontros
regionais, repudiando a interferência externa; reafirmando o direito soberano dos Estados
na administração de seus recursos naturais; apontando para a necessidade de conciliar a
proteção ambiental às exigências do desenvolvimento econômico e social; o crescimento da
cooperação internacional em questões ambientais; a importância de atingir-se uma solução
duradoura à questão da dívida externa. O País também requisitava a cooperação
internacional na transferência de tecnologia e canalização de recursos destinados aos
projetos ambientais sem que fossem condicionados às exigências das instituições
financeiras internacionais (BUENO, 1994, p. 119).
Ademais, o governo brasileiro continuava a rejeitar a idéia de que o Sul seria
responsável por manter reserva natural para o Norte (BUENO, 1994, p. 119). Sendo assim,
em relação à questão, o Brasil discutia multilateralmente o tema e possuía uma atitude
cooperativa, mas não aceitava a imposição, por parte dos PDs, de uma ordem ecológica
mundial.
Como parte da intensificação de suas relações com o Sul, o Brasil participou da
Reunião Ministerial do G-77, em 26 de setembro de 1984, preparatória à 39ª Sessão
AGNU. Na ocasião em que o grupo completava 20 anos de existência, o chanceler
brasileiro reconheceu que o maior significado daquele grupo era ter produzido um impacto
político sadio no debate acerca das questões econômicas internacionais, ao defender o
reconhecimento da interdependência entre o Norte e o Sul e a consequente necessidade de
redefinição do marco das relações internacionais em diferentes campos. Segundo
Guerreiro, a força do grupo estava no consenso, pois os ideais e objetivos comuns estariam,
naquele grupo, acima de eventuais e momentâneas divergências, já que possuíam interesses
semelhantes, devido ao fato de terem papéis correlatos na economia internacional, ou seja,
eram importadores de capitais e tecnologia e exportadores, em diferentes graus, mas
expressivo, de produtos primários (RPEB, v. 42, 1984, p. 140).
No governo Sarney, o Brasil fez-se representar nas duas reuniões do grupo. Na
reunião de Nova Délhi, em julho de 1985, o chanceler brasileiro, Olavo Setúbal, encarou
com otimismo o novo SGPC, gestado no grupo e restrito às relações Sul-Sul, em resposta
às dificuldades que este encontrava em suas relações com o Norte (BUENO; CERVO,
86
2002, p. 430). Em 1988, o ministro do Planejamento compareceu à reunião ministerial,
realizada em Belgrado, para assinar o Acordo Constitutivo do SGPC. Entretanto, a crise
econômica dos PEDs dificultava o andamento da cooperação Sul-Sul (BUENO, 1994, p.
129).
Para o Brasil, os PEDs enfrentariam situações adversas, sofrendo as conseqüências
indiretas de decisões tomadas no âmbito interno das economias desenvolvidas, construídas
e implementadas, na maioria das vezes à revelia dos interesses e preocupações brasileiras
(RPEB, v. 50, 1986, p. 58).
Na reunião de Nova York, em setembro de 1986, o chanceler brasileiro acusou os
países do Norte de repassarem ao Sul os custos de seus reajustes internos, de absorverem os
saldos comerciais do último com os serviços da vida, de terem sugado dos países latino-
americanos US$ 100 bilhões nos quatros anos anteriores, sendo este um quadro absurdo do
ponto de vista econômico e moral. Registrou, ainda, a vitória dos PEDs, na reunião do
GATT, em Punta del Este, quando o Norte e o Sul concordaram em regulamentar o
comércio de serviços naquela instituição para atender ao desenvolvimento dos povos
atrasados, e propôs ir além do diálogo Norte-Sul, para garantir a transferência de ciência e
tecnologia (BUENO; CERVO, 2002, p. 430-431).
No período, o GATT foi o organismo multilateral onde a diplomacia brasileira teve
postura mais atuante. No ano de 1981 - pouco tempo após o fim da Rodada Tóquio - as
Partes Contratantes do Acordo decidiram que, no ano seguinte, haveria uma reunião
ministerial com o objetivo de examinar o sistema de comércio multilateral e reforçar os
esforços comuns para o apoio e aprimoramento do sistema em benefício de todos os países,
representando algo inédito na história do GATT, que as reuniões ministeriais,
normalmente, eram dedicadas ao lançamento de uma nova e ambiciosa rodada,
evidenciando, dessa forma, o processo de retração generalizada das atividades econômicas
internacionais (MELLO, 1992, p. 53; SENNES, 2003, 107).
A reunião ministerial baseou-se nos interesses norte-americanos de discutir as
questões pendentes da Rodada Tóquio, como comércio de produtos agrícolas, criação de
um código de salvaguardas e aprimoramento dos mecanismos de solução de controvérsias,
devido ao protecionismo generalizado, ademais a inclusão dos chamados novos temas
72
e
72
Os novos temas eram serviços, alta tecnologia, investimentos estrangeiros e propriedade intelectual.
87
de uma nova base à participação dos PEDs no sistema comercial internacional, visando a
implementação de critérios de graduação a estes países, de forma a fazê-los assumir
maiores compromissos no sistema (MELLO, 1992, p. 54).
No início, a diplomacia brasileira foi contrária à própria convocação da reunião,
assumindo, desde então, ao lado da Índia, a liderança da oposição, pois acreditava que a
inclusão dos novos temas tenderia a reduzir a prioridade que estes países davam à
discussão dos temas tradicionais pendentes de seu especial interesse, como o comércio de
produtos agrícolas, têxteis e acesso a mercados, enfatizando que os problemas básicos do
sistema comercial internacional advinham da falta de comprometimento dos PDs com o
marco legal do GATT. Estes países temiam que os novos temas propiciassem ao Norte um
mecanismo de barganha adicional para obter concessões do Sul, por meio de barganhas
cruzadas entre temas tradicionais e novos. Ademais, duvidavam, assim como alguns PDs,
da conveniência de tais temas serem tratados no âmbito do GATT, devido às peculiaridades
dos temas em questão e à existência de agências internacionais, tradicionalmente,
especializadas em alguns destes temas (MELLO, 1992, p. 55-57).
Ao final, na Declaração Ministerial
73
, devido à intensa pressão bilateral norte-
americana sobre alguns PEDs, como o Brasil, e à sua situação financeira vulnerável, os
serviços e a propriedade intelectual foram incluídos
74
, tendo o governo brasileiro
concordado com a proposta estadunidense de que fossem iniciados, no GATT, estudos
sobre o comércio em serviços, embora enfatizasse a manutenção de sua postura a respeito
73
O Programa de Trabalho, estabelecido pela Declaração, tinha 17 mandatos separados para os seguintes
temas: salvaguardas, regras e atividades do GATT relativas aos PEDs, solução de controvérsias, comércio de
produtos agrícolas, produtos tropicais, restrições quantitativas e outras barreiras não-tarifárias, tarifas, acordos
e arranjos multilaterais, ajuste estrutural e política comercial, comércio de produtos falsificados, exportação
de produtos domesticamente proibidos, créditos à exportação de bens de capital, xteis e vestuário, comércio
de produtos baseados em recursos naturais, flutuações cambiais e seus efeitos comerciais, “dual pricing” e
regras de origem, e serviços (GATT, documento L/5424 de novembro de 1982).
74
Como parte das pressões norte-americanas à aceitação da inclusão dos novos temas, na Declaração
Ministerial, o Brasil conseguiu um empréstimo-ponte do Tesouro norte-americano, enquanto o FMI
examinava a conjuntura brasileira. Além disso, os EUA concordaram com a extensão, por dois anos, do prazo
pelo qual o Brasil havia se comprometido a acabar com o seu sistema de crédito-prêmio às exportações,
restabelecido com a deterioração do balanço de pagamentos.
88
dos novos temas
75
. A questão agrícola teve seu mandato limitado, criando-se apenas um
grupo de trabalho para emitir recomendações à reunião de 1984
76
.
Os debates subsequentes acerca de novas negociações apresentaram as seguintes
características: uma agenda profundamente ampla e complexa; uma vertente Norte-Norte,
marcada pelo conflito entre EUA e CEE acerca dos subsídios agrícolas; e uma vertente
Norte-Sul, advinda da proposta norte-americana de introdução de novas bases à
participação dos PEDs e de regulação dos novos temas, com vistas a integrar tais países
numa economia mundial reorganizada, preservando, dessa forma, as vantagens
competitivas dos países industrializados (MELLO, 1992, p. 59-60).
Até 1985, os debates, no GATT, estavam fortemente marcados pela clivagem
Norte-Sul, sendo que os PEDs opunham-se ao lançamento de uma nova rodada
77
, por crer
que tal iniciativa seria prematura até a resolução das questões, ainda pendentes, da Rodada
Tóquio. Para estes países, uma nova rodada sem a prévia solução destas questões parecia
oferecer poucos atrativos e apresentava riscos de perdas potenciais na área dos novos temas
e na questão de uma possível nova condição a estes no GATT (MELLO, 1992, p. 60).
As posturas brasileiras, portanto, estariam fundamentadas em dois interesses
distintos. O Brasil era tanto um país exportador de produtos agrícolas e, portanto,
interessado na liberalização desse setor, em relação aos EUA e à CEE, bem como um de
industrialização recente, ávido pelo aprofundamento de seu desenvolvimento, sendo
interessante, dessa forma, o bloqueio de qualquer discussão acerca dos novos temas
(BARROS NETO, 1989, p. 62-63).
Com isso, o Brasil, ao lado da Índia, como articulador e líder do Sul, apresentou três
documentos básicos acerca de suas posições sobre a nova rodada. No primeiro, de maio de
1984, apresentado pela delegação uruguaia, enfatizou que a deterioração da situação
econômica internacional, prejudicada, ainda mais, pela intensificação, por parte dos PDs,
das medidas comerciais restritivas, havia produzido uma situação intolerável aos PEDs,
reclamando a imediata suspensão de todas as medidas incompatíveis com o arcabouço legal
75
Esta mudança de atitude, por parte do Brasil, provocou efeitos sobre a coesão dos PEDs contrários aos
novos temas (MELLO, 1992, p. 57-58).
76
Este mandato limitado deveu-se ao fato de que, entre os PDs, não chegou-se a um consenso, pois EUA,
Austrália mais alguns países pressionavam por uma iniciativa efetiva contra o protecionismo agrícola,
enquanto a CEE recusava-se a assumir qualquer compromisso neste sentido (MELLO, 1992, p. 58-59).
77
Em 1983, o Japão apresenta, no GATT, a primeira proposta forma de lançamento de uma nova rodada.
89
do GATT e plena implementação do Programa de Trabalho de 1982. Ao fim, apontava que
antes do cumprimento daquelas medidas qualquer iniciativa no sentido de uma nova rodada
não teria credibilidade nem relevância (GATT, documento L/5647 de 04/05/1984).
Após alguns meses, essa oposição seria levemente relativizada, tanto que em
novembro do mesmo ano, a delegação indiana apresentou um documento, subscrito pelo
Brasil, apontando que caso os PDs cumprissem os compromissos de congelamento e
desmantelamento das medidas protecionistas, os PEDs estariam dispostos a propor novas
negociações, restritas ao comércio de bens, cujo objetivo principal seria a ampliação do
acesso de seus produtos de exportação aos mercados desenvolvidos (GATT, documento
L/5744 de 23/11/1984).
Na Sessão Anual das Partes Contratantes, em novembro de 1984, a estratégia
brasileira, assim como dos demais PEDs, de bloquear qualquer tipo de avanço na questão
dos serviços, por meio do questionamento dos procedimentos para seu encaminhamento
78
,
chegou ao fim quando a reunião determinou que caberia ao Presidente das Partes
Contratantes organizar a troca de informações a respeito do tema, dentro da estrutura do
GATT e com o apoio de seu Secretariado, marcando o início do progressivo
enfraquecimento da postura de obstrução dos PEDs (MELLO, 1992, p. 62-63).
No início de 1985, ficava claro que essa posição perdera a sua eficácia, que
vários PEDs haviam abandonado suas restrições a uma nova rodada. O documento
apresentando pela delegação indiana
79
, assinado por vinte e dois países, dentre eles o
Brasil, demonstrava, claramente, a quebra de unidade dentro do Sul, já que os países
78
Os PEDs argumentavam que as discussões sobre serviços não poderiam ocorrer dentro da estrutura do
GATT, e que segundo o mandato da Declaração de 1982, poderiam ser iniciadas quando um número
significativo das partes contratantes tivesse finalizado seus estudos nacionais (MELLO, 1992, p. 61-62).
79
Segundo o documento, a discussão dos novos temas estaria paralisando o Programa de Trabalho de 1982,
que continha temas caros aos PEDs, enfatizando, mais uma vez, a necessidade de restauração da credibilidade
do GATT e da remoção da assimetria das relações comerciais entre o Norte e o Sul, resultado do não
cumprimento das regras do Acordo Geral, como condição prévia para que apoiassem a lançamento de uma
nova rodada, que deveria estar restrita ao comércio de bens, com especial atenção para uma liberalização
substancial do comércio agrícola, sendo que, caberia aos PDs se comprometerem nas seguintes áreas:
aplicação dos dispositivos do GATT ao comércio de produtos têxteis e conseqüente eliminação do Acordo
Multifibras; calendário para a liberalização das restrições quantitativa e outras barreiras não-tarifárias sobre
produtos tropicais, e redução da escalada tarifária incidente sobre estes produtos; estrito cumprimento das
regras sobre subsídios, especialmente, quando concedidos a produtos que competiam com as exportações dos
PEDs; limitação do recurso aos procedimentos anti-dumping e de direitos compensatórios contra produtos de
PEDs; acordo amplo sobre salvaguardas, baseado nas disposições do GATT; fortalecimento dos mecanismos
de solução de controvérsias para melhor proteção dos interesses comerciais dos PEDs. Ademais, referia-se à
necessidade de assegurar a aplicação do princípio de tratamento diferenciado e mais favorável aos PEDs, e à
relação entre as questões comerciais e financeiras (MELLO, 1992, p. 63-64).
90
asiáticos, com economias fortemente baseadas no comércio externo, altamente dependentes
dos mercados desenvolvidos, especialmente o norte-americano, não se consideravam em
condições de oferecer resistências às pressões norte-americanas (MELLO, 1992, p. 63). No
segundo semestre de 1985, apenas Argentina, Brasil, Egito, Índia, Iugoslávia e Nigéria
ainda mantinham a postura apresentada pela declaração indiana.
Em julho do mesmo ano, o Brasil apresentou sua proposta (GATT, documento
C/W/479 de 18/07/1985), explicitando sua posição sobre serviços, onde uma eventual
negociação não era totalmente rejeitada, desde que fossem previamente atendidas as
reivindicações das propostas anteriores. Portanto, pela primeira vez, um dos principais
opositores à nova rodada e aos novos temas exibia uma postura mais construtiva e
formulava alguma proposta ao seu encaminhamento, apresentando como condições para
fornecer seu apoio: o haveria qualquer paralelismo entre uma possível iniciativa
multilateral em relação aos serviços e às negociações do GATT sobre comércio de bens;
não poderia haver troca de concessões ou inter-relação entre os dois processos; as regras e
princípios do GATT não aplicar-se-iam a uma possível iniciativa multilateral em serviços;
o apoio do secretariado a essa possível iniciativa deveria ser conjunto a outros organismos
internacionais a serem determinados
80
.
Em novembro de 1985, durante a Sessão Anual das Partes Contratantes, foi
convocado um Comitê Preparatório para formulação, até julho do ano seguinte, de
recomendações ao programa de negociações a ser adotado na reunião ministerial de Punta
del Este, de novembro de 1986, e decidiu-se também que o exame dos novos temas seria
preparado no âmbito dos mecanismos previstos no GATT
81
, demonstrando que os PEDs
haviam perdido a batalha procedimental, apesar de ainda manterem-se firmes na substância
(MELLO, 1992, p. 67).
80
A idéia brasileira, de que as negociações sobre serviços ocorressem de forma independente e sem
paralelismo com as negociações tradicionais, ficaria conhecida como abordagem “dual track”, que apesar de
não contar com a anuência da maioria dos PEDs, foi fortalecida pela postura da CEE, que apoiou
formalmente a necessidade de negociação do comércio de serviços, em março de 1985, defendendo o
estabelecimento de negociações independentes aos dois temas (GATT, documento L/5835 de julho de 1985).
81
Estas decisões foram possíveis após um acordo informal entre os principais personagens da questão da
nova rodada (EUA, CEE, Brasil e Índia), cujo conteúdo nunca foi revelado, mas certamente deverá ter sido
bastante ambíguo, já que a questão da inclusão dos serviços nas negociações continuou a gerar debates
extremamente polarizados e foi decidida nas últimas horas da reunião de Punta del Este. In: LOW, P.
United States Trade Policy and the Future of the Multilateral Trading System. Mimeo, 1990 apud MELLO,
F. de C. 1992, p. 67.
91
O ano de 1986, até o lançamento da RU em setembro, foi marcado pela crescente
rivalidade em relação aos novos temas, sem que qualquer parte iniciasse qualquer
movimento conciliatório. Os EUA continuavam a pressionar pela adoção de uma
abordagem “single track” e intensificava seus ataques ao grupo liderado por Brasil e
Índia
82
, enquanto o G-10 mantinha a recusa à inclusão dos novos temas e o questionamento
do início de uma possível rodada sem que fossem obtidos maiores compromissos (MELLO,
1992, p. 69).
Com a manutenção desta posição radical e ao abster-se de buscar qualquer apoio
dos demais países do Sul, o G-10, que na prática seria apenas um G-2, que suas ações
eram determinadas, em boa medida, por Brasil e Índia
83
, estava cada vez mais isolado.
Devido a esse isolamento, surgem diversos outros grupos de PEDs, dentre eles o Grupo
Cairns, do qual o Brasil, em conjunto com mais treze nações exportadoras de produtos
agrícolas
84
, faria parte, lutando contra o protecionismo neste setor. O grupo representava,
pela primeira vez, uma coalizão efetivamente focada em uma questão específica e,
principalmente, de caráter Norte-Sul. A participação brasileira justificava-se por interesses
econômicos concretos na liberalização do comércio internacional de produtos agrícolas,
além de importantes fatores políticos como o estreitamento de relações com a Argentina, a
partir do acordo de integração de 1985, que incluía previsões de coordenação das posições
multilaterais dos dois parceiros e o fortalecimento da proposta “café com leite”
85
, evitando,
portanto, um isolamento total e possibilitando uma atuação mais positiva, pelo menos em
um dos temas em negociação (MELLO, 1992, p. 70-71).
No início da Reunião Ministerial de Punta del Este, o G-10 via-se fortalecido
devido à iniciativa europeia, como estratégia para contrabalançar os ataques norte-
americanos à sua política agrícola, de negociar informalmente com Brasil e Índia, voltando
a apoiar o estabelecimento de negociações separadas aos serviços, abrindo caminho para a
82
Por vezes, os EUA ameaçaram se retirar das negociações caso a agenda não incluísse os novos temas,
chegando também a sugerir que poderiam dificultar a renovação do SGP aos PEDs (MELLO, 1992, p. 68).
83
Após a formação do G-10, os demais PEDs afastaram-se, definitivamente, da liderança indiano-brasileira,
cuja intransigência já vinha causando ressentimentos, especialmente por parte da Colômbia, que assumiria a
liderança do grupo que apoiaria os PDs (MELLO, 1992, p. 69).
84
Além do Brasil, faziam parte do Grupo Cairns: Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji,
Filipinas, Hungria, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Tailândia e Uruguai.
85
A proposta “café com leite” era a proposta apresentada, em julho de 1986, pela Colômbia e pela Suíça,
incluindo os três novos temas nas negociações, com o apoio dos EUA, CEE, Japão e demais PDs, além de 20
PEDs.
92
superação do impasse neste tema, sendo que, por fim, acabou-se adotando a abordagem
“dual track” (MELLO, 1992, p. 71-72).
A Declaração Ministerial, portanto, representou uma solução de compromisso entre
as partes, abrindo NCMs no comércio de bens
86
, sob os auspícios do GATT, e negociações
separadas ao comércio de serviços, fora da estrutura legal do GATT, mas aplicando seus
procedimentos e práticas. Tal entendimento foi interessante para todas as partes, pois os
EUA conseguiram fazer com que as negociações acerca de bens e serviços aparentassem
ser parte de um mesmo empreendimento, enquanto que, para o G-10, era imperativo
separar, legal e explicitamente, as negociações de bens no GATT daquelas sobre serviços
para inviabilizar a troca de concessões cruzadas. A questão fundamental de se as
negociações levariam a uma ampliação do GATT para incluir o comércio de serviços
posição defendida pelos EUA ou originar-se-iam um acordo fora do Acordo Geral
posição defendida pelo G-10 foi deliberadamente evitada na Declaração Ministerial e
adiada para a conclusão da Rodada (MELLO, 1992, p. 72-73).
Os PEDs conseguiram a inclusão de um compromisso de congelamento e
desmantelamento das medidas protecionistas (seção C)
87
, o reconhecimento do tratamento
especial e diferenciado (seção B)
88
, referências aos problemas do sistema financeiro
internacional (seção A)
89
, e a adoção do “dual track”
90
.
Com isso, o resultado concreto da posição de obstrução, por parte das delegações
brasileira e indiana, entre 1982 e 1986, ficou limitado à separação meramente formal das
86
Na primeira parte, estabeleceram-se 14 temas de negociação: tarifas, barreiras não-tarifárias, produtos
baseados em recursos naturais, têxteis e vestuário, agricultura, produtos tropicais, artigos do GATT, acordos e
arranjos multilaterais, salvaguardas, subsídios e medidas de direito compensatório, direitos de propriedade
intelectual, medidas de investimento relacionadas a comércio, solução de controvérsias e funcionamento do
GATT. Enquanto que, em relação aos novos temas, decidiu-se, nesta parte, que seriam enfatizados apenas
seus impactos diretos sobre o comércio (GATT FOCUS. Declaração Ministerial da Rodada Uruguai.
Outubro de 1986).
87
A seção C, na prática, era o único compromisso concreto da Declaração que deveria ter sido imediatamente
aplicado, mas cuja formulação não garantiu seu cumprimento efetivo, não tendo sido implantada, apesar do
estabelecimento do Órgão de Vigilância.
88
Neste ponto, a Declaração apenas repetiu o conteúdo dos acordos da Rodada quio, e enfatizou,
novamente, o princípio de graduação.
89
Nesta seção, a Declaração apenas referiu-se à necessidade de melhoria nos fluxos de recursos aos PEDs,
sem maiores considerações sobre o tema que, ao longo da rodada, voltaria a ser tratado por meio de
pressões dos PDs para que os PEDs abandonassem a exceção por motivo de balanço de pagamentos.
90
A fórmula adotada foi diferente da proposta brasileira que, embora não excluísse a possibilidade de que as
negociações sobre serviços fossem realizadas na sede do GATT, recusando a aplicação de suas regras e
procedimentos a este setor, e principalmente a interdependência e o paralelismo com as negociações de bens,
que certamente não foram evitadas (MELLO, 1992, p. 73-74).
93
negociações acerca dos serviços, sendo que, a partir de 1985, este teria sido o único
objetivo consistentemente defendido por tais países, podendo-se concluir que o G-10
atingiu, ao menos de forma parcial, o seu objetivo principal. Entretanto, pode-se questionar
se este resultado não poderia ter sido alcançado a custos menos elevados, ou se o poder de
barganha demandado, por tais países, não poderia ter sido maximizado nesta questão e,
principalmente, nos outros temas de seu interesse.
Em avaliação posterior, o embaixador Paulo Nogueira Batista, à época
representante brasileiro no GATT, apontou que a atuação brasileira teria sido acertada,
sendo que a única demonstração de entendimento acerca das verdadeiras consequências da
RU teria sido dada por Brasil e Índia, por ocasião da definição, em Punta del Este, do
mandato inicial de negociações em relação aos novos temas, sendo que, graças a esses
países, teria sido possível dar ao tema dos serviços um tratamento que não prejulgava a
decisão final sobre a inclusão de eventuais resultados no arcabouço legal do GATT e
delimitar os termos das negociações sobre propriedade intelectual e sobre investimentos
91
.
Na opinião do embaixador Rego Barros, interessava, ao Brasil, manter o sistema
multilateral de comércio, entretanto, a aceitação, a qualquer custo, da rodada não traria
qualquer benefício, mas sim o risco de promover apenas a liberalização nos novos temas
(BARROS, 1987, p. 9).
Ao analisar-se a estratégia brasileira parece que, esta, ao contrário, visava à
exclusão dos novos temas a qualquer custo, prejudicando, inclusive, o objetivo de buscar o
fortalecimento de seus interesses fundamentais no sistema GATT. A maneira pela qual se
constituiu o G-10, abstendo-se de uma proposta mais negociável e construtiva que pudesse
ter atraído o apoio de outros PEDs, fez com que tal coalizão ficasse circunscrita a um
pequeno grupo de países que mantinham-se seguros de que seus interesses nacionais
estariam mais bem atendidos pela exclusão, a qualquer custo, dos novos temas e,
especialmente, dos serviços, dando uma ênfase quase que exclusiva na questão. Dessa
forma, pouca atenção foi dispensada às reivindicações clássicas dos PEDs
92
que,
praticamente, foram deixadas de lado na Declaração, bem como de suas áreas de interesse
91
BATISTA, P.N. Perspectivas da Rodada Uruguai” Programa de Política Internacional e Comparada
Série Política Internacional I, USP, 1991, p. 8 apud MELLO, 1992, p. 75.
92
A saber: tratamento especial e diferenciado, melhor acesso aos mercados desenvolvidos por meio do
desmantelamento das medidas protecionistas ilegais aplicadas por estes, etc.
94
específicos como produtos têxteis, tropicais, salvaguardas, medidas antidumping e direitos
compensatórios, solução de controvérsias, para os quais os mandatos da Declaração foram
pouco incisivos (MELLO, 1992, p. 75-76).
Ademais, também foram relegados a segundo plano os dois outros novos temas
incluídos na Parte I - serviços e propriedade intelectual - que ao longo da rodada tornar-se-
iam objeto de oposição por parte dos PEDs, levando os norte-americanos a pressionarem,
bilateralmente, os países mais desenvolvidos deste grupo
93
. Com a centralização de sua
estratégia na obstrução dos serviços e por ter recusado qualquer abordagem mais
conciliatória, o G-10 permitiu o fortalecimento das propostas dos PDs nos demais temas,
pois sua postura intransigente levou ao seu afastamento do processo de formulação da
agenda da rodada, que foi, em grande medida, desenvolvida antes da reunião de Punta, em
torno do grupo “café com leite” (MELLO, 1992, p. 77).
A inclusão, mesmo que limitada, de questões caras ao Sul, numa rodada convocada
pelos EUA com o objetivo de incluir, no GATT, a regulação dos novos temas já poderia ser
considerada uma vitória dos PEDs, pois teria aberto caminho a uma participação mais ativa
destes países nas negociações, sem precedentes nas rodadas anteriores, sendo fundamental
o papel desempenhado pelo G-10. Portanto, os argumentos utilizados pelo grupo em sua
oposição aos serviços e, posteriormente, as qualificações apresentadas pela delegação
brasileira, no início da rodada, contribuíram, positivamente, ao avanço das discussões deste
tema (MELLO, 1992, p. 77-78).
O isolamento do G-10 representou uma grande derrota ao Brasil, que ficou na
delicada situação de ter sido vencido pelos PDs e por uma grande parte dos PEDs
(ABREU, 1994, p. 336). Com o argumento de que a inclusão dos novos temas poderia
inviabilizar as negociações e as novas definições acerca do SGP para os PEDs, ficou
patente o antagonismo de interesses entre esse países e, consequentemente, a quebra de sua
unidade política (MELLO, 1992, p. 68). Tal rompimento ocorreu, basicamente, devido a
diferentes prioridades, sendo que a desarticulação do movimento terceiro-mundista
provocou um efeito imediato nas negociações e alinhamento político no GATT,
93
Na década de 80, esta questão geraria um dos principais conflitos nas relações Brasil-Estados Unidos, onde
seriam impostas sobretaxas penais de 100% sobre várias exportações brasileiras, como forma de pressionar o
País a adotar uma legislação mais gida na questão da proteção à propriedade intelectual (MELLO, 1992, p.
76-77).
95
evidenciando a capacidade de atração dos PDs em relação a uma parcela expressiva dos
PEDs, isolando politicamente, os recém-industrializados (SENNES, 2003, p. 105).
A partir de 1987, ocorreu uma flexibilização da postura brasileira perante as
negociações do GATT, devido a mudanças no sistema internacional, como a ofensiva dos
PDs sobre os PEDs, nos foros multilaterais, e a desestruturação do Sul, a partir da
diferenciação de interesses e posturas políticas entre países com graus diferentes de
industrialização. Portanto, o Brasil sofreu as consequências desses dois processos,
intensificados por sua condição frágil e vulnerável, ao mesmo tempo em que via-se isolado
politicamente nas negociações do GATT e em outros fóruns, sendo obrigado a dar resposta,
em meio à sua crise, às pressões bilaterais e multilaterais por reformas em seu modelo
econômico e industrial.
A expectativa por um envolvimento mais intenso e decisivo, por parte do Brasil,
poderia ser explicada não apenas pelo aspecto econômico, decorrente do maior grau de
exposição dos produtos brasileiros e sua maior participação no mercado internacional, mas
também devido ao papel desempenhado nas rodadas anteriores, na apresentação e defesa de
propostas caras ao Sul e, fundamentalmente, em função de sua posição de liderança no G-
10 (MELLO, 1992, p. 81-82).
Segundo o documento preparado pela Divisão de Política Comercial do MRE, em
novembro de 1987, a posição brasileira estaria baseada na manutenção dos princípios que,
tradicionalmente, teriam norteado a atuação brasileira no GATT, como também as
reivindicações expressas nas declarações conjuntas dos PEDs no período anterior ao
lançamento da RU. Sendo assim, os seus fundamentos estavam baseados no fortalecimento
do multilateralismo, do GATT e de seus princípios básicos, e na recusa a novas formas de
discriminação e condicionalidades, na melhoria do acesso a mercados aos PEDs, por meio
da liberalização nos setores de seu interesse, com vistas a corrigir a assimetria de direitos e
obrigações do sistema vigente e no reconhecimento das interligações entre os sistemas
comercial, monetário e financeiro, com ênfase na resolução do endividamento externo
(MELLO, 1992, p. 83-84).
Ainda segundo o documento, as prioridades brasileiras seriam a valorização dos
temas tradicionais de negociação, buscando reduzir a ênfase nos novos temas, com vistas a
obter melhores condições de acesso a mercados e uma efetiva aplicação das regras e
96
princípios do GATT, que deveria ser iniciada com o cumprimento dos compromissos de
“congelamento” e “desmantelamento” das barreiras comerciais incompatíveis com tais
princípios. Ademais, o documento continha somente linhas gerais de orientação para cada
tema, apontando ausência de uma definição sólida de objetivos concretos, prioridades e
demandas específicas para a atuação nas negociações (MELLO, 1992, p. 84-85).
O Brasil teria, portanto, uma posição ativa em relação às negociações referentes a
acesso a mercados, ou seja, em temas como tarifas, barreiras não-tarifárias, produtos
tropicais e temas normativos, como salvaguardas, acordos multilaterais, subsídios e direitos
compensatórios, tendo apresentado declarações em quase todos os grupos referentes a estas
questões e formulado propostas às negociações sobre tarifas e salvaguardas. Em relação aos
novos temas, o governo brasileiro teria uma posição defensiva, tendo como principal
objetivo a preservação de sua margem de manobra em termos de regulamentação nacional,
por meio da insistência em delimitar claramente o alcance das negociações, baseado no
estrito cumprimento do mandato negociador acordado em Punta del Este (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1987, p. 5, 39-40).
Em relação ao setor têxtil e agricultura, o governo brasileiro, no início da rodada,
possuía uma posição ambígua. As negociações acerca do setor não seriam prioritárias ao
Brasil, interessado em uma liberalização gradual, pois a indústria nacional necessitava
reequipar-se para enfrentar a competição dos grandes produtores asiáticos
94
(MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1987, p. 17).
Nas negociações agrícolas, o Brasil, segundo o documento, apoiaria a posição do
Grupo Cairns, de acordo com certos parâmetros
95
, sendo fundamental, nesta questão, o
pleno reconhecimento da situação diferenciada do Sul e, portanto, a incorporação do
princípio do tratamento diferenciado às propostas do Grupo. Esta posição evoluiu, no
decorrer da rodada, para uma participação mais ativa no grupo, em decorrência,
94
Essa postura brasileira em relação ao setor estaria baseada na avaliação de que a indústria nacional era
insuficientemente competitiva. Portanto, por ter uma participação pouco relevante na pauta de exportações
brasileiras de produtos manufaturados, a proposta brasileira de liberalização gradual no setor seria uma
alternativa interessante ao Brasil, podendo garantir-lhe, em outros temas de negociações, o apoio dos países
que tinham grande interesse na negociação, como os indianos (MELLO, 1992, p. 86-87).
95
Esta posição devia-se ao fato de que o Brasil não era um grande exportador de produtos agrícolas
temperados centro da negociação agrícola e onde estavam localizados os principais interesses da maioria do
Grupo – e por ter diversos interesses na rodada, levando o Brasil a recusar qualquer tipo de aliança automática
com os EUA contra a CEE e também a considerar avanços em agricultura com sacrifícios nas novas áreas
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1987, p. 20, 89-90).
97
aparentemente, de avaliações táticas, conforme ia enfraquecendo-se a posição de obstrução
em relação aos novos temas (MELLO, 1992, p. 90-91).
No tocante aos novos temas, o Brasil, assim como a maioria dos países do Sul, tinha
uma posição de “demandante”, apesar de já, naquela época, possuir certa competitividade
internacional em engenharia civil e construção, e potencial crescente nos setores
aeronáutico e turístico (MELLO, 1992, p. 93).
Ao Brasil, portanto, país em desenvolvimento de industrialização recente,
interessava, praticamente, todos os grupos de negociações, situação muito própria de um
país do Sul, que, além do Brasil, apenas a Índia possuía interesses tão diversificados,
refletindo, portanto, a sua condição de país em desenvolvimento mais avançado com uma
pauta de exportações bem mais diversificada que a maioria dos demais e o seu peso
específico no cenário internacional, consideravelmente maior ao da grande maioria dos
países do G-77, acarretando também um maior interesse e envolvimento nas negociações
quanto ao funcionamento e à estrutura do sistema multilateral de comércio (MELLO,
1992, p. 95).
Portanto, o Brasil assemelhava-se aos NIC’s e possuía convergências com a maioria
dos países do Sul, por ser um importante exportador de produtos manufaturados e de
commodities e matérias-primas; concorrente dos PDss, por ser exportador de alguns
produtos temperados; ademais do alto constrangimento provocado pela questão da dívida
externa, fazendo com que o tema das exportações adquirisse importância crucial.
Esse quadro de interesses diversos abria, ao Brasil, possibilidades muito
diversificadas de coalizões, tanto com o Norte quanto com o Sul. Entretanto, as
possibilidades de formação de coalizões de caráter terceiro-mundista, estariam limitadas,
no GATT, pela diversidade de interesses entre os PEDs, sendo que o G-77 poderia
manter-se unido em relação a orientações de caráter geral e algumas posições de princípio;
pelo reduzido poder de barganha individual do Sul, incapaz, politicamente, de exercer
qualquer tipo de reciprocidade ou retaliação como forma de pressão nas negociações, ainda
mais enfraquecido por sua vulnerabilidade financeira externa; e pelo acesso aos mercados
desenvolvidos que, no caso dos produtos manufaturados, a maioria das barreiras não-
tarifárias não era uma peculiaridade do comércio do Sul com o Norte, sendo que, no
98
GATT, a clivagem Norte-Sul não seria tão clara quanto em outros organismos multilaterais
(MELLO, 1992, p. 95-99).
A aliança com os PEDs, portanto, poderia ocorrer nos casos em que seriam
“demandantes”, ou seja, nas negociações sobre têxteis, agricultura e temas normativos
relativos à questão de acesso a mercados e em assuntos em que estavam em posição
defensiva, como os novos temas. Nesse ponto, no decorrer da rodada, embora tenha
participado, de forma ativa, dos quatro temas supracitados, a atuação brasileira manteve-se
a nível individual, sem envolvimento em iniciativas conjuntas (MELLO, 1992, p. 99, 102).
Em relação aos novos temas, muitos países do Sul possuíam interesses defensivos,
principalmente, os mais avançados, como o Brasil, que para os países menos
desenvolvidos os riscos potenciais da liberalização e maior regulamentação nestes setores
teriam pouca relevância. O Brasil, em conjunto com Índia e Egito, foi um dos países que
manteve uma postura reticente por mais tempo, até flexibilizá-la (MELLO, 1992, p. 103-
104).
Frente a isso, a única novidade na formação de coalizões para o Brasil, após o
lançamento da rodada, teria sido a crescente importância adquirida pelo Grupo Cairns,
exitoso em posicionar-se como terceira força nas negociações agrícolas, que apresentou
uma posição razoavelmente coesa na questão, tendo o País conseguido a incorporação das
reivindicações de tratamento especial e diferenciado aos PEDs (MELLO, 1992, p. 105-
106).
Em serviços, houve um enfraquecimento da estratégia de bloqueio dos PEDs mais
avançados, que passaram a tentar influir sobre o ritmo e a direção das negociações por
meio do argumento da insuficiência de conhecimento e de consenso acerca do tema
96
(MELLO, 1992, p. 110). Estes países consideravam fundamental que as negociações
fossem iniciadas apenas com a discussão acerca da definição dos serviços e de seu
comércio, e sobre os conceitos gerais e sua negociação, e que somente a partir de um
96
Segundo o plano negociador, aprovado em janeiro de 1987, as negociações estariam centradas nos
seguintes elementos: definição dos serviços e aperfeiçoamento dos aspectos estatísticos; definição dos
conceitos gerais sobre os quais poderiam ser estabelecidos os princípios e normas para comércio de serviços,
inclusive possíveis disciplinas a setores individuais; elaboração da cobertura, ou seja, setores a serem
incluídos, do quadro jurídico multilateral ao comércio de serviços; exame das disciplinas e acordos
internacionais já existentes sobre o tema; e identificação dos obstáculos ao comércio de serviços e de
possíveis medidas para a promoção de uma liberalização progressiva (GATT FOCUS, jan.-fev. 1987).
99
acordo em tais questões é que se poderia encaminhar a discussão de uma estrutura
multilateral ao comércio de serviços (MELLO, 1992, p. 111).
Segundo a declaração brasileira, centrada no argumento da insuficiência de
conhecimento dos PEDs no setor de serviços, o congelamento das regulamentações
nacionais significaria a cristalização das disparidades Norte-Sul, sendo que alguns
acabariam por assumir mais obrigações que outros devido à estrutura de regulamentação
mais avançada nos PDs, buscando, portanto, demonstrar a complexidade das questões
envolvidas na adaptação dos princípios fundamentais do GATT a este setor (GATT,
documento MTN.GNS/W/3 de 24/02/1987).
Em relação ao princípio do tratamento nacional aos produtos importados que, no
caso dos serviços, envolvia a presença local do fornecedor e, portanto, conceitos como
direito de estabelecimento para as empresas estrangeiras, o que, para o Brasil, contradizia
o direito de os Estados regulamentarem a entrada de investimentos estrangeiros e as
condições de estabelecimento das empresas estrangeiras, direito este expressamente
reconhecido pela comunidade internacional (GATT, Documento MTN.GNS/W/3, de
24/02/1987, p. 14). Ademais, o conceito de que o capital deveria ter um direito de acesso
também fazia surgir a questão, difícil e complexa, do direito da mão-de-obra à livre
migração (GATT, Documento MTN.GNS/W/3, de 27/02/1987, p. 16), o que não seria
interessante aos PDs.
Com relação à questão do tratamento especial e diferenciado aos PEDs, a
declaração brasileira apontou que este deveria ser concebido posteriormente ao acordo, e
que, no caso dos serviços, o objetivo do desenvolvimento a todas as nações, conforme
enunciado na Declaração de Punta del Este, deveria ser parte integral das negociações.
Sendo assim, a posição inicial dos países do Sul, dentre eles o Brasil, estava
centrada na promoção do desenvolvimento econômico como princípio básico às
negociações, ao lado do argumento do conhecimento insuficiente e da insistência, no
início, de uma ampla definição do comércio de serviços, na qual cada setor de atividade
poderia posteriormente ser incluído nas negociações, ao invés de elaborar uma lista prévia
de setores a serem incluídos nas mesmas. Esta postura inicial dos PEDs teve o mérito de
fazer com que os PDs reconhecessem, ao menos, que alguns dos princípios do GATT não
100
poderiam ser aplicados diretamente aos serviços sem qualificações ou modificações
(MELLO, 1992, p. 112-113).
Ao longo de 1987, ficou clara a total inexistência de diálogo entre o Norte e o Sul,
já que este último continuava a insistir basicamente nas questões de definição de princípios
e no desenvolvimento como objetivo fundamental das negociações, conforme as diversas
declarações brasileiras no período, que foram perdendo força no decorrer daquele ano.
Portanto, no fim daquele ano, a tática de obstrução dos PEDs havia perdido grande parte
de sua eficácia, conforme demonstrado pela avaliação do encerramento do ano, na qual
suas posições foram desconsideradas e prevaleceu a visão dos PDs, que consideravam que
havia se alcançado progressos significativos com relação à discussão dos conceitos que
poderiam fundamentar a estrutura das negociações, ignorando os argumentos obstrutivos
dos PEDs, e decidindo pelo avanço dos itens de discussão (MELLO, 1992, p. 116).
Frente à derrota, as declarações brasileira e indiana, no início do ano seguinte, se
concentraram na questão da estrutura ao acordo, propondo uma abordagem com regras
específicas para cada setor que, conforme a declaração brasileira, deveriam também
impedir a troca de concessões entre setores (GATT, Documento MTN.GNS/W/34 de
30/03/1988). O Brasil ainda tentou argumentar, com relação à cobertura do acordo, que
deveriam ser incluídos apenas os serviços transfronteiras, ou seja, aqueles que não
envolviam o estabelecimento de fornecedor no país (MELLO, 1992, p. 116).
No segundo semestre daquele ano, com o início da preparação do relatório para a
Reunião de Meio Período, a ser realizada em dezembro de 1988, as divergências
acentuaram-se ainda mais, impedindo o consenso para a elaboração do texto. O Brasil, em
declaração de outubro de 1988, continuava centrando a sua posição nos mesmos aspectos,
mas também procurava destacar o papel dos acordos e organismos setoriais já existentes na
área, sendo que qualquer acordo acerca dos serviços deveria contemplar uma cláusula
explícita estabelecendo a aplicação do acordo de forma compatível com os instrumentos
internacionais já existentes (MELLO, 1992, p. 117).
Ao final, frente à impossibilidade de consenso, o texto elaborado para a Reunião de
Meio Período, acerca dos serviços, deixou entre colchetes
97
todas as questões substanciais,
97
Nos documentos do GATT, os colchetes indicavam versões alternativas ou trechos sobre os quais ainda não
teria havido consenso.
101
pendentes de decisão ministerial em Montreal, vencendo, portanto, a posição dos PDs que
preferiram um texto com muitos colchetes, mas com questões mais relevantes ao invés de
um entendimento com pouca substância, que esperavam que, na reunião de todos os
grupos de negociação, fosse mais fácil vincular concessões em outras áreas ao avanço das
negociações sobre serviços (MELLO, 1992, p. 117-118).
Nos temas agrícolas houve um fortalecimento da participação brasileira no Grupo
Cairns que, inicialmente, teve uma posição reservada, decorrente da particularidade de seus
interesses agrícolas em relação aos demais membros e também da recusa de uma maior
aproximação com a posição norte-americana, o que poderia impedir uma barganha cruzada
com a negociação dos novos temas (MELLO, 1992, p. 119).
Conforme as negociações avançavam e à medida que a posição brasileira em
relação aos novos temas, principalmente os serviços, deteriorava-se, delineando um quadro
de poucas possibilidades para concessões equilibradas nesta área, a questão da liberalização
agrícola foi assumindo uma posição de destaque na agenda brasileira, por ter tornado-se um
dos principais temas da rodada e, portanto, uma questão relevante na qual o Brasil não
poderia atuar como “demandante” (MELLO, 1992, p. 119).
Na primeira fase da Rodada, o governo brasileiro não apresentou nenhuma
declaração individual, limitando-se a subscrever as propostas conjuntas do Grupo Cairns
que, em grande medida, buscava uma modificação substantiva nas políticas agrícolas
globais, propondo a eliminação virtual de todas as barreiras à importação, subsídios à
exportação e subsídios domésticos que tivessem qualquer efeito sobre o comércio
(MELLO, 1992, p. 120).
O Grupo Cairns, frente ao impasse entre os EUA, desejosos da total liberalização do
setor, e a CEE, que buscava manter os mecanismos básicos de seus sistemas agrícolas,
procurou, no início, posicionar-se como fiel da balança entre os dois grandes. Em sua
primeira proposta, de outubro de 1987, o Grupo propunha três fases bem definidas às
negociações agrícolas, relativas ao alívio a curto prazo congelamento imediato dos níveis
de subsídios e restrições e compromissos quanto à administração dos estoques a um
programa de reforma redução gradual dos subsídios, tarifas e barreiras não-tarifárias e a
previsão de medidas transitórias – e a uma estrutura de longo prazo – proibições definitivas
de medidas não-autorizadas pelo GATT e do recurso a “waivers” e protocolos e a redução
102
das tarifas a zero ou níveis muito próximos a isso (GATT, Documento MTN.GNS/W/21 de
26/10/1987).
Devido à atuação brasileira, que condicionou seu apoio efetivo às posições
conjuntas, foi incorporada, à proposta, a questão do tratamento diferenciado aos PEDs, a
ser concedido por meio de prazos mais longos e exceções no cumprimento das medidas
(MELLO, 1992, p. 122).
Na segunda proposta, de julho de 1988, à medida que eram iniciados os trabalhos
preparatórios à Reunião de Meio Período, o Grupo procurou reduzir as divergências entre o
enfoque de curto prazo da CEE e as preocupações de longo prazo dos EUA
98
e manteve o
tratamento diferenciado aos PEDs, que seriam isentos das medidas iniciais às reformas de
longo prazo (MELLO, 1992, p. 123).
No início da Revisão de Meio Período, na reunião de Montreal, em dezembro de
1988, apenas seis dos quinze grupos de negociações apresentaram relatórios relativamente
claros e consensuais
99
, entretanto, em muitos casos e, especialmente, no grupo sobre
barreiras não-tarifárias e investimentos, os textos eram apenas uma reiteração dos objetivos
da Declaração de Punta, reconhecendo também as divergências de posições e assumindo
compromissos de dar encaminhamento às negociações (MELLO, 1992, p. 125).
As questões mais difíceis a serem resolvidas no decorrer da reunião eram
agricultura, serviços e propriedade intelectual, sendo que, ao longo da reunião, as
salvaguardas e os têxteis tornar-se-iam questões conflituosas, demonstrando, exceto no
caso da agricultura, que os problemas encontravam-se em divergências Norte-Sul
(ABREU, 1997, p. 333-334; MELLO, 1992, p. 126).
Em relação ao impasse agrícola, após quatro dias de discussões estava claro que
nenhum dos dois grandes atores antagônicos EUA e CEE estavam dispostos a
relativizar suas posições e que o Grupo Cairns não estava conseguindo alcançar um
entendimento entre essas duas posições.
Frente à sugestão da CEE de que a questão agrícola permanecesse em aberto e que
suas negociações prosseguissem posteriormente em Genebra, o Brasil, com os membros
98
No curto prazo, propunha-se o corte de 10% na política de apoio ao setor agrícola já para os anos de 89 e 90
e, no longo prazo, propunha-se o início de uma melhoria do acesso a mercados, com a redução dos preços
administrados, mas mantendo os controles de produção e estoques (MELLO, 1992, p. 123).
99
Estes grupos eram os relativos a barreiras não-tarifárias, recursos naturais, artigos do GATT, acordos e
arranjos multilaterais, subsídios e medidas de investimento relacionadas ao comércio.
103
latino-americanos do Grupo Cairns – Argentina, Chile, Colômbia e Uruguai – iniciou
gestões, bem-sucedidas, para que os resultados atingidos em onze dos grupos de
negociação fossem colocados on hold, sujeitos a acordos em todos os grupos de negociação
a serem alcançados por meio de um processo de consultas e negociações a serem
desenvolvidas até abril de 1989 (ABREU, 1997, p. 333-334).
Nas negociações sobre serviços, houve avanços, embora a rivalidade Norte-Sul
ainda obstaculizasse a consecução de resultados concretos, já que as duas partes dedicaram-
se a bloquear as propostas alheias. O documento aprovado não mencionou a questão do
direito de estabelecimento, não chegou a nenhuma decisão sobre a inclusão da mobilidade
de mão-de-obra, definiu, de forma vaga, os princípios da transparência e da não-
discriminação e, em relação ao tratamento diferenciado, apenas apontava que seus
interesses específicos deveriam ser contemplados com base no reconhecimento da
assimetria entre os níveis de regulamentação nos PDs e PEDs (GATT, Documento
MTN.TNC/7 (MIN) de 09/12/1988).
Dentre as menções do documento sobre serviços, a inclusão do princípio de
tratamento nacional de fornecedores estrangeiros teria sido um avanço significativo nas
negociações e importante concessão dos PEDs mais relutantes, dentre eles o Brasil, que
enfatizou sua objeção a esta inclusão em suas primeiras declarações (ABREU, 1997, p.
334; MELLO, 1992, p. 128).
Ao final, o objetivo dos PDs de obter previamente o acordo-quadro ao comércio de
serviços, antes da definição dos princípios, defendida pelos PEDs, foi flexibilizado, no
texto de Montreal que, antes de serem finalmente acordados os conceitos, princípios e
regras que compunham o acordo-quadro ao seu comércio, deveria ser examinada a sua
aplicabilidade a setores específicos e tipos de transação a serem cobertos pelo acordo-
quadro multilateral (GATT, Documento MTN.TNC/7 (MIN) de 09/12/1988).
Nos demais temas, os principais resultados para o Sul foram obtidos no grupo sobre
produtos tropicais, onde, pela primeira vez, vários PEDs, inclusive o Brasil, também
anunciaram medidas de liberalização na área, como resultado das pressões pela aplicação
da reciprocidade (MELLO, 1992, p. 129-130).
No grupo sobre o funcionamento do GATT, aprovou-se um novo sistema de
vigilância periódica das políticas comerciais nacionais, além da previsão de fortalecimento
104
dos nculos do GATT com outras organizações multilaterais como Banco Mundial e FMI
para alcançar maior coerência na formulação de políticas econômicas globais bem como
maior envolvimento de nível ministerial no seu trabalho (GATT, Documento MTN.TNC/7
(MIN) de 09/12/1988).
Nos grupos sobre salvaguardas, produtos têxteis e propriedade intelectual ainda não
havia acordo, que as negociações continuaram marcadas pela rivalidade Norte-Sul. Em
relação às salvaguardas o impasse estava no desejo do Norte de poder aplicar salvaguardas
de forma seletiva, o que, segundo o Sul, violaria a cláusula de nação mais favorecida, sendo
apresentada como pré-condição para que se dispusessem a rever sua utilização das
“medidas de área cinzenta”
100
(MELLO, 1992, p. 130).
Na questão têxtil, não havia nenhum entendimento quanto às modalidades e prazos
à integração deste setor ao GATT. Nas negociações sobre propriedade intelectual, persistia
o impasse entre o grupo liderado por EUA, Brasil e Índia, que continuava a argumentar que
o foro adequado para a negociação de novas regras na área seria a OMPI e não o GATT, e
o grupo dos países da ASEAN disposto a aceitar um entendimento (MELLO, 1992, p. 130).
Após a reunião de Montreal, foi marcada, para abril de 1989, uma reunião para
avaliar o andamento das negociações e tentar se chegar a um entendimento nas áreas onde
ocorriam impasses, pois as negociações haviam avançado apenas nos temas caros aos PDs
(BUENO, 1994, p. 126).
Na reunião, superou-se o impasse agrícola, pois os EUA demonstravam-se mais
dispostos a aceitar que a CEE evitasse um compromisso de eliminação dos subsídios, e esta
última, por sua vez, demonstrava maior flexibilidade quanto à manutenção dos níveis de
proteção a curto prazo, tendo o bloqueio promovido pelo Grupo Cairns contribuído, ao
menos, a um primeiro entendimento (MELLO, 1992, p. 131).
Devido a isso, as atenções voltaram-se aos três grupos de maior divergência entre
Norte e Sul, ou seja, salvaguardas, têxteis e propriedade intelectual, sendo que, no primeiro,
houve uma solução rápida, sem especificações a respeito do ponto central das divergências,
a seletividade, resultando apenas em um grupo de trabalho para a continuidade das
negociações (MELLO, 1992, p. 131-132).
100
Ações de restrição a importações tomadas fora do marco GATT, que geralmente assumiam a forma de
restrição voluntária à exportação.
105
As pressões, portanto, foram transferidas para os PEDs, que nos outros dois
temas havia uma clara polarização Norte-Sul (ABREU, 1997, p. 335). No caso dos têxteis
predominou, claramente, a posição dos PDs , pois o acordo limitou-se a estabelecer que as
modalidades para a integração do setor ao GATT seriam decididas no decorrer da rodada,
evitando assim qualquer compromisso imediato quanto ao prazo de desmantelamento do
Acordo Multifibras (GATT, Documento MTN.TNC/11 de 21/04/1989).
Em relação à propriedade intelectual, havia brechas muito amplas entre as posições
opostas do Norte, defensor da criação e reforço das regras e disciplinas no âmbito do
GATT e do aprimoramento dos mecanismos de sua aplicação e de solução de
controvérsias; e do Sul, liderado por Brasil e Índia, que acreditava que a OMPI era o foro
adequado para tratar da questão
101
(ABREU, 1997, p. 335).
A flexibilização da posição brasileira, portanto, tornava-se visível na Reunião de
Meio Período com as concessões nos temas dos serviços e propriedade intelectual e na
importância fundamental atribuída à questão agrícola.
Na segunda fase das negociações, a partir de 1989, as declarações sobre os novos
temas muitas vezes apresentadas em conjunto com outros PEDs permaneceram na
defensiva, continuando a enfatizar a necessidade de atendimento aos objetivos nacionais de
desenvolvimento, mas as objeções foram nitidamente atenuadas e, conforme será
demonstrado mais adiante, no decorrer de 1990, o Brasil abandonaria a oposição mais
frontal, atuando na tentativa de reduzir os compromissos a serem assumidos (MELLO,
1992, p. 136).
Em serviços, as negociações, em 1989, voltaram-se, no início, ao exame das
implicações e aplicabilidade das regras e princípios a setores específicos
102
. Nas discussões
setoriais, exceto em relação aos transportes marítimos e aéreos - onde decidiu-se que o
setor deveria ser objeto de anexos ao acordo-quadro - as principais divergências ocorreram,
mais uma vez, entre o Norte e o Sul, sendo que a questão da mobilidade do trabalho gerou
um debate acirrado acerca dos serviços de engenharia e construção, por ser considerada de
101
Essa divergência esmoreceu após o colapso da posição indiana, prevalecendo, portanto o ponto de vista
dos PDs de que as negociações deveriam continuar no GATT e que, ao final da Rodada, seria decidida a
organização internacional que controlaria a implementação das decisões relevantes (ABREU, 1997, p. 335).
102
Esse exame tinha como base a lista de referência elaborada pelo Secretariado do GATT, que contemplava
os setores de telecomunicações, engenharia e construção, transporte, turismo, serviços financeiros e seguros, e
serviços profissionais (MELLO, 1992, p. 137-138).
106
vital importância pelo Sul e um problema extremamente delicado aos PDs, devido às suas
leis de imigração (MELLO, 1992, p. 138-139).
No setor financeiro, as dificuldades de liberalização encontravam-se no fato de que
eram serviços altamente regulados, por representarem instrumentos de gestão da economia
nacional e internacional, de política monetária, de gestão da dívida externa e de política
fiscal, sendo que o Sul enfatizou a importância destas atividades às suas necessidades de
desenvolvimento (MELLO, 1992, p. 138-139).
Nos últimos meses de 1989, o foco voltou-se para os temas mais gerais, pois o
programa de trabalho sobre serviços previa a apresentação, em dezembro daquele ano, de
uma versão preliminar do acordo-quadro. Frente a esse condicionante, os EUA
apresentaram uma versão praticamente completa para o acordo
103
, gerando críticas,
principalmente dos PEDs, devido à ausência de qualquer referência à situação particular
desses países e do amplo escopo previsto às exceções (MELLO, 1992, p. 139-140).
Segundo a declaração brasileira, o acordo deveria ter como princípios básicos o
respeito aos objetivos da política nacional, a consistência com relação aos objetivos de
desenvolvimento, o equilíbrio de benefícios entre os membros, e as exceções, voltando a
definir o comércio de serviços como movimentos transfronteiras de serviços, consumidores
e fatores de produção, excluído o investimento direto permanente (MELLO, 1992, p. 140).
Ao final, chegou-se a um documento
104
contendo mais de 160 trechos entre
colchetes, indicando, assim, a persistência de mais diferenças que acordos e que os
participantes mantiveram as suas posições tradicionais.
Na questão agrícola, com a superação do impasse na Reunião de Meio Período, os
participantes voltaram a afirmar que, no geral, não havia diferenças substanciais de suas
posições iniciais, mas que buscavam adequar-se ao programa de trabalho estabelecido na
reunião de abril, prevendo a discussão de diversas questões
105
.
103
Segundo essa versão, cada signatário poderia incluir exceções quanto a cláusulas e serviços específicos, e a
previsão para a entrada em vigor foi marcada para janeiro de 1992, que seria seguida, posteriormente, de
novas negociações para fortalecer suas obrigações e reduzir o número de exceções (MELLO, 1992, p. 139).
104
O documento estava dividido em três seções, com previsão de uma quarta acerca dos aspectos
institucionais do futuro acordo, sendo que a primeira tratava da estrutura do acordo e definição do comércio
de serviços; a segunda tratava de conceitos e regras a serem incorporados; e a terceira sobre abordagens para a
cobertura do acordo, modalidades para a liberalização progressiva e anexos setoriais para interpretar ou
esclarecer o acordo (MELLO, 1992, p. 140-141).
105
Essas questões seriam: o uso de uma AMS para avaliar o nível de apoio concedido por cada país ao setor
agrícola; o fortalecimento das regras do GATT; as modalidades para o tratamento especial e diferenciado dos
107
Neste instante, frente à intransigência da CEE em relação à eliminação dos
subsídios, o Grupo Cairns abandonou a sua posição de mediação e aproximou-se da
posição norte-americana - base da proposta de novembro de 1989 que apresentava um
prazo de 10 anos à eliminação dos subsídios à exportação e enfatizava a importância da
agricultura para os PEDs, mencionando, portanto, a questão do tratamento especial e
diferenciado a esses países, tão cara ao Sul
106
(MELLO, 1992, p. 150).
Ao final de 1989, as divergências entre a CEE e o Grupo Cairns ainda se
mantinham, mesmo após a apresentação de uma nova proposta europeia, defendendo a
possibilidade de que a redução dos subsídios e da proteção a certos produtos fosse
acompanhada de um certo aumento a outros, desde que no cômputo global se verificasse
uma redução. Tal proposta afetaria fortemente o Brasil, principalmente, as suas exportações
do “complexo soja”, fazendo com que o impasse entre os dois grupos permanecesse e
fosse solucionado posteriormente.
Portanto, pode-se perceber, na atuação multilateral brasileira que, à medida em que
esta perdia força decorrente da inviabilidade de grande parte de suas estratégias, o governo
buscava reforço em outras esferas de cooperação. O Brasil, portanto, ia, aos poucos,
abandonando o ideário terceiro-mundista e, consequentemente, o entendimento da
dinâmica internacional baseada no confronto Norte-Sul que, conforme será demonstrado,
posteriormente, será quase que totalmente abandonado na década seguinte.
Essas atitudes refletiam um novo padrão de relacionamento com as coalizões Sul-
Sul, o que não produzia efeitos apenas retóricos nem contrariava os interesses nacionais,
que a intimidade com esses países agia, apenas, na esfera da consciência política, criava
condições à iniciativa regional, influía em certas decisões multilaterais e situava o
universalismo da diplomacia brasileira, do período, na solidariedade. Sendo assim, o
PEDs; a harmonização dos regulamentos sanitários e fitossanitários; as formas de adaptação do apoio e da
proteção, como a tarifação (conversão de barreiras não-tarifárias em tarifas) e a desvinculação do pagamento
direto aos produtores com relação ao apoio à produção; e as medidas para levar em conta os possíveis efeitos
negativos do processo de reforma sobre os países em desenvolvimento importadores de alimentos (MELLO,
1992, p. 149).
106
Em relação à questão, Brasil e Colômbia apresentaram uma proposta separada, centrada na concessão de
maiores prazos e flexibilidade ao Sul nos compromissos a serem assumidos, contemplando também a
manutenção de algumas restrições quantitativas para assegurar suas necessidades de desenvolvimento
econômico e social, marcando a orientação brasileira de voltar-se, essencialmente, à questão do tratamento
diferenciado. (MELLO, 1992, p. 150-151).
108
discurso refletia o ambiente de tomada de decisões com o objetivo de superar dependências
e reforçar a autonomia nos setores energético, de comércio exterior, de defesa de tecnologia
avançada ao Brasil, de cooperação e integração em geral (BUENO; CERVO, 2002, p. 431).
109
CAPÍTULO III O BRASIL FRENTE AOS DESAFIOS DE UMA NOVA ORDEM
INTERNACIONAL (1990-2002):
3.1. A reestruturação do Sul na nova ordem internacional:
O período de 89 a 91, do colapso da Cortina de Ferro ao desmantelamento da
URSS, em dezembro de 1991, representou um ponto de ruptura na ordem internacional, até
então vigente, em três aspectos. Primeiro, marcou o fim da estrutura bipolar do sistema
internacional, baseada na rivalidade Leste-Oeste. Segundo, no nível estatal, pois os ex-
Estados comunistas experimentaram graves problemas de transição, que foram desde o
colapso econômico à desintegração estatal. Mesmo aqueles que não estavam no centro da
transição pós-comunista foram forçados a redefinir seus interesses nacionais e papéis frente
a uma radical mudança na balança de poder internacional.
Por fim, modificou o papel das organizações internacionais, que passaram a ter um
peso mais relevante em relação a assuntos importantes como comércio, segurança e direitos
humanos, pois não estavam paralisadas em virtude da lógica da Guerra Fria.
O período pode ser caracterizado como um período de polaridades indefinidas em
que o embate entre dois paradigmas clássicos das Relações Internacionais, apontando
para forças de sentido oposto. De um lado, estariam os analistas adeptos de realismo
107
,
focados em analisar as Relações Internacionais a partir dos pólos de poder - os Estados - e a
forma como tais pólos interagiriam no cenário internacional. Do outro lado, estariam os
adeptos do liberalismo
108
, que apontariam como característica principal do sistema
internacional a erosão da soberania estatal.
107
O realismo, grosso modo, é uma teoria de segundo a qual os principais e únicos atores das Relações
Internacionais seriam os Estados, cujas questões centrais são a segurança e a integridade territorial. Segundo
os realistas, a dinâmica da interação internacional seria pautada pelo poder e a rivalidade, ou seja, os Estados,
buscariam maximizar ou manter poder. O resultado seria um sistema anárquico, onde não haveria
possibilidade para mudanças e o conflito seria inevitável.
108
O liberalismo, nas Relações Internacionais, acredita, grosso modo, que, ao contrário do realismo, existam
outros atores além dos Estados como Organizações Internacionais, Organizações Não-Governamentais e
transnacionais. Segundo os liberais, haveria uma agenda diversificada, não ligada a questões de segurança,
mas a temas como economia, meio ambiente e direitos humanos. Os liberais crêem que a dinâmica da
interação internacional estaria baseada na barganha, na negociação e na cooperação e não no conflito.
Devido a essa crença na cooperação, os liberais acreditam que seja possível haver mudanças nas Relações
Internacionais.
110
Entretanto, estes dois paradigmas são insuficientes para explicar e caracterizar com
profundidade o sistema internacional do período. Por acreditar em tal fato, utilizarei o
esquema adotado por Celso Lafer e Gelson Fonseca que, ao examinar o sistema
internacional no pós-Guerra Fria, buscou identificar as forças profundas retomando as
idéias de Renouvin e, posteriormente, indicar as tendências formadoras do sistema
internacional do período
109
.
Para analisar esses dois movimentos contraditórios o pós-Guerra Fria foi dividido
em dois períodos (FONSECA JR; LAFER, 1994. p. 55-56). O primeiro, marcado pela
queda do muro de Berlim e pela primeira Guerra do Golfo e o segundo, marcado pela
fragmentação da URSS e pela decomposição da Iugoslávia.
Os acontecimentos do primeiro período criaram um ambiente de otimismo no
sistema internacional, no qual estariam se formando novos valores a serem compartilhados
por toda a comunidade internacional.
Este clima de otimismo devia-se a diversos fatores. Havia a crença de que,
finalmente, valores liberais, como democracia e livre mercado, se propagariam. No campo
econômico, as forças de mercado ajudariam na construção de um mundo de paz e
desenvolvimento, em que a cooperação contribuiria para a solução de todos os problemas.
Devido a processos como globalização econômica e democratização, haveria a diluição das
fronteiras entre o interno e o internacional e as diferenças se converteriam em pontes de
aproximação e harmonização entre os Estados. As democracias se entenderiam
naturalmente; a abertura dos mercados traria benefícios a todos. A formação de uma nova
ordem internacional, antes de uma reivindicação do Sul, seria construída com a
participação de todos mesmo que as grandes potências ainda estabelecessem os modelos
ideais de democracia e mercado. Estaria, dessa forma, sendo criado um discurso único que
atenderia a todos. Chegava-se, para citar Fukuyama, ao “fim da História”, em que as
109
Dentro deste esquema, conviveriam, no cenário internacional do pós-Guerra Fria, duas tendências
contraditórias. A primeira, em direção à globalização, apontaria para uma homogeneidade no sistema
internacional, onde haveriam maiores possibilidades de cooperação geradas pelo avanço do comércio
internacional e um fortalecimento das organizações internacionais, impulsionado por forças centrípetas. A
segunda tendência contraditória, iria no sentido da desagregação do sistema internacional, alimentado por
forças centrífugas. O sistema internacional, naquele momento, portanto, estaria vivenciando um momento de
equilíbrio entre tais forças contraditórias, onde tais tendências seriam simultâneas e coexistiriam, gerando,
dessa forma, um sistema internacional de “polaridades indefinidas” (FONSECA JR; LAFER, 1994. p. 58).
111
nações não mais entrariam em conflito, mas compartilhariam crenças e valores comuns
(FONSECA JR; LAFER, 1994. p. 56).
No campo da segurança, a derrota de Saddam Hussein, por meio de uma ação
multilateral rápida e eficaz, reforçava a idéia de que o modelo de segurança coletiva
funcionava, que a comunidade internacional, imbuída de crenças e valores semelhantes,
estaria unida contra o agressor, perturbador da ordem internacional.
A ação multilateral por meio de uma coalizão formada no seio da ONU e baseada
nos princípios de sua Carta também demonstraria o fim da ordem internacional anterior em
que os mecanismos internacionais ficaram bloqueados devido aos impasses entre as duas
superpotências dentro do CSNU. Acreditava-se que, com as inovadoras resoluções do
Conselho a respeito do Kuwait, estavam lançados os alicerces à construção de um consenso
sobre quais seriam violações à paz e segurança internacionais, condição necessária para
ativar os instrumentos de punição. A ONU, a partir daquele momento, funcionaria
plenamente e cumpriria todas as funções para as quais foi formada.
Neste momento, emergem também temas como direitos humanos e meio ambiente,
acreditando-se na possibilidade da unanimidade em todos os âmbitos, que em segurança
havia se alcançado o consenso. Supunha-se que o mecanismo de segurança coletiva, que
punia o agressor, violador das normas internacionais estabelecidas, poderia valer para
outras situações que ameaçassem a consciência moral da humanidade e os bens ecológicos
das gerações futuras
110
.
E o Sul frente a essas transformações? O processo de enfraquecimento do poder dos
do Sul, iniciado na década de 80, intensificou-se durante essa primeira fase. Este passou a
ser considerado, pela opinião pública ocidental, um local de ameaças e descontrole. A força
do movimento de descolonização perdeu-se na história, após a independência desses
países; o Sul passou a ser exemplo de ineficácia econômica, de violação dos direitos
humanos, de destruição ambiental, de origem do narcotráfico e, finalmente, de ameaças à
segurança internacional, a partir do momento em que buscavam o reforço e a modernização
de seus aparelhos militares. Essa imagem negativa reforçaria a legitimidade do novo
110
Com este intuito, ocorrem, neste período, as conferências multilaterais da ONU em que as necessidades da
comunidade internacional ultrapassariam a noção de soberania, em nome do bem comum (FONSECA JR;
LAFER, 1994. p. 57).
112
modelo hegemônico, trazendo a seguinte condicionante política: o Sul resolveria os seus
problemas na medida em que se tornasse mais semelhante ao Norte.
111
A queda da URSS, centro do socialismo, reforçou, imediatamente, os
nacionalismos, em uma situação de crise severa. Esses nacionalismos emergiram em
economias desestruturadas e a implantação, incipiente e inconsistente, de práticas
capitalistas acabaram por criar distorções e conflitos; os modelos democráticos sugeridos
pareciam não solucionar os diversos conflitos reprimidos nessas sociedades e que, naquele
momento, abriram a porta à eclosão de problemas de origem ideológica e étnica; os Estados
não conseguiram estabelecer relações abrangentes; havia ainda indefinições quanto às
políticas externas das novas nações mais poderosas – Rússia e Ucrânia.
O esfacelamento da Iugoslávia demonstrou a exacerbação das rivalidades étnicas a
um ponto crítico. À violência e injustiça dos conflitos associaram-se a teoria de limpeza
étnica, de tratamento discriminatório e violento de minorias e a resistência a quaisquer
esforços de mediação. Baseados na reivindicação da autodeterminação das novas
identidades nacionais ganham força os fundamentalismos e proliferam os riscos de
separação. As esperanças de segurança, preconizadas durante a primeira fase, não teriam se
materializado.
A comunidade internacional também percebeu que seus instrumentos de ação eram
limitados para lidar com tais situações. A adaptação da Rússia ao sistema capitalista exigia
recursos de grande envergadura e uma complexa gerência econômica. Por outro lado, a
dificuldade em reverter, por meios de conciliação ou de imposição, as situações de conflito
em países como Iugoslávia, Ruanda e Somália revelaram que os mecanismos de
intervenção, utilizados durante a primeira Guerra do Golfo, eram limitados, ficando claro
que esta intervinha conforme interesses próprios, oportunidades, cenários favoráveis e
outros fatores internos.
A afirmação dos nacionalismos não estava ligada apenas às questões étnicas, mas
também a questões econômicas, como as dificuldades de unificação da moeda na UE e a
111
Da mesma forma, o Norte se sente mais livre, menos contestado, para, por exemplo, ampliar o escopo de
condicionalidades ao aprovar empréstimos para programas de ajuste econômico, desenvolvimento de
programas ecológicos, etc.; nesse processo, as condicionalidades se estendem ao mundo da política,
especialmente, à área dos direitos humanos (FONSECA JR; LAFER, 1994. p. 57).
113
finalização da Rodada Uruguai, demonstrando o choque entre valores de integração e
interesses nacionais.
Portanto, se delineavam duas situações relacionadas ao processo de globalização,
que se intensificava. De um lado, a dinâmica integradora da economia, dos temas
universais e, de outro, movimentações de resistência a tal processo. O sistema
internacional vigente poderia ser caracterizado como transitório, instável e desarticulado, já
que não se sabia como seria a sua evolução (FONSECA JR; LAFER, 1994. p. 62).
Diante deste contexto, o segundo pós-Guerra Fria retomou, intensamente, os limites
da alienação do Sul no cenário internacional. Frente à incapacidade das grandes potências
no encaminhamento de uma solução realmente agregadora, nos âmbitos econômico,
ambiental
112
e humanitário, acreditava-se que o Sul pudesse retomar o diálogo Norte-Sul,
esquecido desde os anos 80.
As transformações ocorridas com o final da Guerra Fria levaram ao questionamento
do termo “Terceiro Mundo”, aplicado à maioria dos países do Sul, colocando em xeque a
causa dos não-alinhados e tornando sem sentido a idéia de Mundo, válida apenas em um
sistema internacional bipolar. O termo também não era mais válido, pois incluía países
muito diferentes como Botsuana e México, continentes diversos como a África e América
Latina, e regiões separadas economicamente e culturalmente, como os ricos produtores de
petróleo do Oriente Médio e co-dependentes de petróleo do sub-continente asiático.
Entretanto, nos anos 90, as condições básicas de vida da maioria da população
mundial continuava igual, já que o mundo permanecia dividido entre o Norte desenvolvido,
e o Sul pobre. Para alguns críticos essa situação teria se tornado ainda pior, pois ao colocar
os países menos desenvolvidos sob o controle do Ocidente e de suas diversas instituições
econômicas e levar a uma redução drástica na ajuda internacional, diminuiu as
possibilidades de manobra que esses Estados tinham durante a rivalidade bipolar.
Portanto, com o descrédito do ideal revolucionário e as enormes disparidades
econômicas entre os PEDs, refletidas nas assimetrias internas dos países do Sul e,
sobretudo, pela obviedade de que todos os Estados, fossem do Norte ou do Sul,
independentemente dos seus sistemas político e cultural, desejavam se inserir de forma
112
Como exemplo, basta lembrarmos da recusa do governo norte-americano em assinar a Convenção sobre
Biodiversidade durante a Rio-92.
114
sólida e vantajosa na economia globalizada, o vínculo aglutinador do G-77 praticamente
desfez-se.
Desunidos na esfera econômica, os países do G-77 procuraram coordenar-se em
outros campos para o enfrentar multilateralmente o Norte, assemelhando-se ao Movimento
dos Não-Alinhados - essencialmente político – cuja lógica perdeu-se no fim da Guerra Fria.
O final da Guerra Fria, portanto, modificou a agenda internacional de modo tênue,
pois não teria introduzido novos temas, mas sim os libertou da camisa de força da dinâmica
bipolar. Tais temas tornaram-se globais e o mundo da segurança foi substituído pelo do
comércio, promotor da riqueza, enquanto a governança global enfraquecia o Estado
nacional (CERVO, 2006, p. 7).
Tais processos, do início dos anos 90, resultaram na emergência de uma ordem
internacional em transição, que o fim da Guerra Fria não teria provocado uma ruptura,
mas teria dado lugar a uma ordem transitória cujos contornos seriam destituídos da
estabilidade capaz de lhe conferir permanência. Dessa forma, o desmoronamento da
bipolaridade tanto poderia favorecer o surgimento de uma nova disputa hegemônica,
compatível com uma nova polarização, como conduziria a uma ordem hegemônica, ou
ainda, resultaria em uma ordem em equilíbrio (ALBUQUERQUE, 2006. p. 38).
Portanto, estar-se-ia diante de cinco processos: a despolarização, a dissociação
hegemônica, a transnacionalização, a descontenção e nova vulnerabilidade do Estado. Ao
fim da bipolaridade, não teria sido criada uma polarização substituta nem, conforme
apregoado no otimismo do primeiro pós-Guerra Fria, uma nova ordem internacional,
baseada na igualdade entre os Estados e em princípios e regras universais. A ordem que
emergiu teria sido uma ordem despolarizada, devido à inexistência de uma potência ou
coalizão de potências que pudesse ser considerada um pólo oposto aos EUA, em termos de
sistema econômico, regime político, de liderança ou de objetivos militares.
A conseqüência da Guerra Fria, portanto, foi a sobrevivência de apenas uma
superpotência com recursos globais de liderança política e de supremacia militar - os EUA
- sem nenhum outro pólo rival. Contudo, a superpotência já não possuía a liderança no
plano econômico, mas a vinha compartilhando com um grupo, como UE e Japão,
dependente de sua cooperação para a continuidade de sua liderança, o que aponta para a
inexistência de um sistema unipolar em que os EUA seriam hegemônicos.
115
Esse processo de hegemonia dissociada corresponderia a dois aspectos do processo
de despolarização. O primeiro seria a perda da supremacia econômica absoluta por parte
dos EUA, restringindo a sua capacidade de transformar liderança política e capacidade
militar em hegemonia. Concomitantemente, a liderança política e militar limitaria, devido a
seus compromissos globais decorrentes, a autonomia doméstica dos norte-americanos para
a retomada da supremacia econômica. O segundo seria o fato de que as potências em
condições de competir com os EUA nas dimensões comercial e financeira não estariam
interessadas em assumir os custos da liderança política e da capacidade de decisão militar,
envolvidos em uma disputa pela hegemonia global, havendo, portanto, a dissociação entre
os planos político, militar e econômico.
Frente a esse cenário, estar-se-ia diante de um sistema unimultipolar, para citar
Huntington. Este seria multipolar em suas dimensões econômica e política, que os EUA
não seriam capazes de, sozinhos, impor regras e valores; e unipolar na dimensão militar,
que a capacidade militar dos norte-americanos seria muito superior a das outras potências.
Em terceiro lugar, haveria o processo de transnacionalização, em que determinados
acontecimentos projetariam seus efeitos para além das fronteiras nacionais, afetando,
profundamente, as prerrogativas dos Estados nacionais como atores únicos das Relações
Internacionais.
Haveria ainda a transnacionalização dos processos de formação de opinião pública e
de organização de interesses, de trânsito de idéias, sobre os quais, os Estados também não
teriam controle, perdendo, portanto, a sua capacidade de definir a agenda internacional
sozinhos. Esses processos afetariam diretamente o Estado-nação que adquiriria novas
funções e instrumentos e, cujo papel seria mais ligado à regulação da sociedade.
O quarto processo a descontenção - seria o otimismo de parte das lideranças e da
opinião pública internacional que não acreditariam mais na possibilidade de um confronto
em escala global, como no período anterior.
O último processo seria a inversão da vulnerabilidade entre Estados e atores sociais.
Neste processo, apesar de o Estado ainda possuir uma grande capacidade de violência e
constrangimento, indivíduos, grupos e organizações diversas, passariam a possuir uma
capacidade de destruição desproporcional à capacidade da sociedade, e mesmo do Estado,
de se defender, provocando, concomitantemente, o aparecimento de novos atores e temas.
116
Nessa ordem internacional em transição, o Sul, enfraquecido como bloco
negociador, praticamente se fragmentou em grupos de interesses e, pressionados por suas
duras realidades e pelo imobilismo diplomático do Norte, viu desgastada sua capacidade de
negociação, enquanto os próprios termos desta se modificaram de forma radical. Ao
mesmo tempo, as diferenças entre os próprios países do Sul intensificaram-se, proliferando
situações críticas freqüentemente interpretadas, pelo Norte, como núcleos de contestação
ou fontes de anarquia e desagregação internacional.
A nova dimensão do diálogo Norte-Sul, nos anos 90, seria muito diferente, pois
teria desaparecido a própria confrontação Norte-Sul assim como arrefecido o diálogo e se
perdido a possibilidade da interação entre as nações mais ricas e pobres, sem a solução dos
problemas no campo Norte-Sul.
O Norte conseguiu manter-se razoavelmente unido em torno do G-8 e da OCDE
sem, contudo, ter alcançado a fase de coordenação das políticas macroeconômicas, ao
mesmo tempo, em que se evidenciavam, cada vez mais, as disparidades entre os países do
Sul e se diversificavam as formas de relacionamento com o Norte. Essas modificações
trouxeram, ao Sul, maiores dificuldades de dar um tratamento universal aos seus
problemas.
Portanto, o diálogo Norte-Sul passou a estar cada vez mais ligado à alteração das
normas e práticas internas nos países em desenvolvimento, no sentido da liberalização
econômica e comercial e menos à mudança das regras globais que regiam a economia e a
sociedade internacional, faltando aos países do Sul, nesse contexto, um cimento aglutinador
e coerente, o que impediria que as declarações de intenções se convertessem em medidas
efetivas.
Neste cenário, surge uma série de programas de cooperação regional em várias
esferas, abrangendo países da África, Caribe e América Latina, Sul e Sudeste Asiáticos
113
.
113
Mercosul, união aduaneira formada por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela e Comunidade
Andina de Nações, bloco ecomico formado por Bolívia, Equador e Peru, na América do Sul; Associação
das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, em inglês) formada Brunei Darussalam, Camboja, Indonésia, Laos,
Malásia, Birmânia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnam, com o objetivo de acelerar o crescimento
econômico e fomentar a paz e a estabilidade regionais e a Associação do Sudeste Asiático para a Cooperação
regional (SAARC, em inglês), formada por Afeganistão, Bangladesh, Butão, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri
Lanka com objetivo de promover a cooperação entre os países da região, na Ásia; Comunidade Econômica
dos Estados da África Ocidental (ECOWAS, em inglês), formada por Benin, Burkina Faso, Cabo Verde,
Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e
Togo, com o objetivo de fortalecer a integração econômica e política dos países da região, tendo um
117
Esses programas regionais refletiriam as influências de histórias, culturas e populações
semelhantes, especialmente na África e América do Sul. Estes também reconheceriam as
realidades concretas de geografia e topografia compartilhadas, desafios climáticos e
ambientais, e recursos naturais comuns como florestas, planícies, rios e lagos, águas
oceânicas e costeiras. Ademais, esses países estariam ligados por meio de relações
comerciais formais e, até mais extensivamente, por meio de fluxos comerciais informais ao
longo das fronteiras, assim como movimentos e migrações populacionais.
Ao longo dos anos 90, fosse baseada em princípios elevados, necessidades práticas
e pragmatismo, a cooperação transfronteiriça aumentou e se estendeu a um número cada
vez maior de áreas e setores, chegando a níveis elevados devido a adversidades e
circunstâncias locais e a pressões político-econômicas regionais e globais. Esses programas
regionais de cooperação comercial seriam importantes à construição das respectivas
economias locais e nacionais. Ademais, o crescente comércio inter-regional seria uma
estratégia significativa para reduzir as vulnerabilidades desses países em relação às
instabilidades e flutuações do comércio internacional, e os impedimentos planejados e as
contra-pressões competitivas objetivas que enfrentariam nos mercados externos
114
.
Os grupos regionais, portanto, poderiam atingir um desenvolvimento mais amplo e
profundo e altos níveis de auto-confiança econômica, podendo gerar maior capacidade
econômica e segurança e reduzir sua dependência e vulnerabilidade externa. Um maior
grau de auto-suficiência combinado poderia, por sua vez, permitir aos países-membros o
importante papel na solução de conflitos regionais, União Africana, formada por África do Sul, Argélia,
Angola, Benin, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Camarões, República Centro-Africana, Chade,
República Democrática do Congo, República do Congo, Costa do Marfim, Djibuti, Egito, Eritréia, Etiópia,
Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Lesoto, Libéria, Líbia, Madagascar, Malauí,
Mali, Maurícia, Mauritânia, Moçambique, Namíbia, Níger, Nigéria, Quênia, Ruanda, Saara Ocidental, São
Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Somália, Suazilândia, Sudão, Tanzânia, Togo, Tunísia,
Uganda, Zâmbia, Zimbábue, com o objetivo de promover a democracia, os direitos humanos e o
desenvolvimento na África, Comunidade Econômica para o Desenvolvimento da África Austral (SADC, em
inglês) formada por África do Sul, Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar,
Malauí, Maurícia, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, mbia e Zimbábue, com o objetivo de
fomentar a integração econômica dos países da África Austral, na continente africano.
114
Dentre as vantagens desses agrupamentos estariam menores custos de transporte, a abertura de
oportunidades de comércio e estímulo aos produtores locais, sendo que a economia de escala em projetos
regionais de infra-estrutura contribuiria, além do mais, para a expansão econômica e o desenvolvimento.
Além disso, vantagens similares de escala poderiam ser ganhas por meio de programas de produção
complementares, ou até conjuntas, trazendo consigo os respectivos recursos e vantagens comparativas dos
parceiros regionais, baseados na necessidade de uma maior diversificação produtiva e capacidade de
distribuição dentre e entre esses países.
118
engajamento dentro, ou com, ou contra, a economia global por meio de bases econômicas
muito mais fortes do que qualquer país atingiria sozinho.
Além das vantagens econômicas, existiriam vantagens políticas na criação de tais
blocos regionais Sul-Sul. Esses forneceriam bases políticas mais fortes a todos os seus
Estados-membros, seja em combinação ou individualmente, a um engajamento mais
efetivo aos desafios do sistema econômico global e ao regime institucional global e, contra
forças políticas externas de poder. Por meio desses blocos, poderiam ser formulados,
negociados e implementados, em conjunto, meios políticos, econômicos, sociais e
ambientais, para lidar com problemas internos / nacionais e intra-regionais.
Dessa forma, a partir da década de 90 ocorre o fortalecimento desses programas de
cooperação regionais, com iniciativas como o Mercosul, a SAARC
115
e a SADC
116
. Tais
países passaram a atuar, no jogo diplomático internacional, como intermediários entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Nessa nova configuração de poder, os países intermediários poderiam ser
caracterizados como Estados de grande população e de grande território, com estrutura
industrial e mercado interno significativos, com potencialidades para promover maior
desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, capacidade militar, competitividade
ampla e diversificada em nível internacional, tendo diante de si um duplo desafio: superar
os obstáculos impostos pelo atual sistema internacional e, ao mesmo tempo, promover uma
ordem menos assimétrica (MAIOR, 2003, p. 26-48).
Os países menores, neste cenário, teriam poucas possibilidades de modificar a
ordem internacional vigente, restando-lhe, talvez, apenas duas opções: se alinhar às grandes
potências e, com isso, aceitar o ordenamento internacional ou fazer parte de grupos
comandados pelos países intermediários com vistas a uma inserção mais autônoma.
Dessa forma, a partir da segunda metade da década de 90, emergiram,
principalmente no campo comercial, alianças entre países do Sul, com o objetivo de
defender seus interesses e desafiar os constrangimentos impostos pelo regime global de
115
Área de Cooperação Regional do Sul da Ásia.
116
Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral.
119
comércio e investimentos. Existem diversas novas e, muitas vezes, sobrepostas alianças
formadas dentro de organizações como a OMC.
117
A partir da década de 90, portanto, os governos do Sul, em diversas combinações,
teriam começado a colocar desafios efetivos aos países do Norte dentro das instituições
econômicas internacionais que tinham sido, quase sempre, totalmente dominadas pelas
potências e interesses dos países mais desenvolvidos.
Como se pode perceber, na década de 90, o Sul vinha modificando o seu caráter, o
seu papel e suas formas de inserção no sistema internacional. Isto se deve, conforme foi
apontado, por alterações tanto na estrutura da ordem internacional quanto nos âmbitos
interno e regional, favorecendo a formação de novas coalizões de países em
desenvolvimento, de caráter distinto daquelas formadas nos anos 60 e 70, que a ordem
internacional, à época também encontrava-se em mutação, não podendo, os países do Sul,
fugirem desse processo. Devido a essas mudanças, as alianças entre países em
desenvolvimento ganharão cada vez mais importância no sistema internacional,
principalmente no início do novo milênio.
3.2. As diretrizes de Política Externa do Período (1990 -2002):
Frente a mudanças tão complexas na ordem internacional vigente, a política externa
brasileira, no período, também sofrerá algumas mudanças, sendo que alguns analistas
chegam a apontar que o Brasil teria imprimido, desde a década em questão, orientações
confusas, até mesmo contraditórias (BUENO; CERVO, 2002, p. 456).
Dessa forma, a política externa brasileira teria experimentado uma certa tentativa de
retorno ao paradigma de aliança especial com os EUA, no início do governo Collor, e
começado um processo de retomada do paradigma globalista, no final deste governo
Collor, na gestão de Celso Lafer no MRE, por meio da idéia do Brasil como global trader,
mantendo o conceito de diversificação de parceiros internacionais caro ao paradigma
globalista como eixo da política externa. No governo Itamar, com a gestão de Fernando
117
Tais alianças incluiriam o G-22 dos grandes exportadores agrícolas, focado em contestar o protecionismo
do Norte; o G-33, em defesa dos pequenos agricultores contra o dumping provido pelos países desenvolvidos;
o maior grupo dentro da OMC, o G-90, que insistiria, nas negociações, em um tratamento especial e
diferenciado aos países menos desenvolvidos e uma moratória.
120
Henrique Cardoso no Itamaraty, esse processo se intensificaria, por meio da idéia de global
player de que o Brasil deveria manter em aberto suas opções internacionais. Sendo assim,
como presidente da República, FHC, reintroduziria, na atuação internacional do Brasil, o
conceito de autonomia, agora visualizado em termos de participação nas decisões
internacionais, e não como distanciamento, conforme ocorria nas décadas anteriores
(MELLO, 2000, p. 197-198).
Com isso, pode-se apontar que a política externa brasileira do período ter-se-ia
orientado por três linhas de força: a afirmação da democracia brasileira e seus
desdobramentos no sistema internacional, a tentativa de inserção competitiva na economia
mundial por meio da assimilação da lógica do livre mercado como elemento propulsor do
desenvolvimento nacional e a reiteração da compatibilidade entre os valores nacionais e as
premissas da ética cosmopolita relacionada ao respeito aos direitos humanos, à conservação
do meio ambiente e o combate ao crime organizado. Em suma, as linhas mestras seriam
Democracia, Mercado e Direitos Humanos (ALSINA JR., 2003, p.4).
3.2.1. O Governo Collor (1990-1992):
O governo Collor, analisado a partir da história da política externa, é apontado por
alguns analistas como uma ruptura na história recente das relações internacionais do Brasil,
pois teria retornado, por pouco tempo, ao paradigma de aliança especial com os EUA,
conforme ocorreu após o golpe de 64. Entretanto, os dois momentos teriam sido diferentes,
pois a retomada do paradigma de aliança especial, em 1964, teria ocorrido, principalmente,
por motivações de caráter doméstico, enquanto que no governo Collor, o resgate desse
paradigma teria ocorrido tanto devido às orientações políticas do novo governo quanto
pelas fortes restrições do cenário internacional, que teriam levado o Brasil a buscar uma
agenda positiva com os norte-americanos (LIMA, 1994, p. 32).
Entretanto, outras interpretações tendem ao oposto, pois as mudanças propostas, por
Collor, para a política internacional do Brasil, não teriam alterado um dos aspectos
principais implantado desde 1974, que seria a estreita vinculação da política externa
brasileira ao desenvolvimento (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 7). Portanto, Collor teria
definido apenas estratégias específicas para as questões consideradas prioritárias,
121
principalmente, no campo econômico, tendo mantido, portanto, as premissas básicas de
atuação internacional do Brasil (HIRST, 1996, p. 203, 216).
Outros autores ainda consideram que o governo Collor teria implementado uma
política externa de “baixo perfil”, marcada por incoerências nos discursos oficiais, tendo
mantido referências a princípios tradicionais da política externa brasileira – soberania,
universalismo e multilateralismo com ausência de um padrão definido, combinando uma
variedade de políticas externas (CRUZ JR; CAVALCANTE; PEDONE, 1993, p. 121).
Com a introdução no debate político interno, a política externa do Governo Collor
utilizaria os motes da modernização competitiva ou da modernização via
internacionalização como ponto de partida para sua política externa (ALTEMANI, 2005, p.
240).
A política externa do governo Collor poderia ser dividida em duas fases, sendo a
primeira, de janeiro de 1990 a abril de 1992, em que ocorreria um distanciamento da
política exterior consolidada desde o governo Geisel, centrada no objetivo de alinhar-se às
posições e valores do Primeiro Mundo, e a segunda, após a reforma ministerial de 1992,
quando Celso Lafer assume o MRE, com a retomada da política de não-alinhamento
automático, conforme as tradições do paradigma globalista, idealizado por Dantas e Araújo
Castro (JAGUARIBE, 1996, p. 32).
A primeira fase, durante a gestão do ministro Francisco Rezek no Itamaraty, teria
por objetivo, em primeiro lugar, a busca por uma inserção crescente e competitiva do Brasil
na economia internacional, como parte integrante de um processo de reformas estruturais
da economia brasileira que iriam além de um plano de estabilização econômica, pois
conduziriam à modernização do parque industrial brasileiro, ao saneamento das finanças
públicas, à retração do papel do Estado, ao enxugamento da máquina administrativa, à
desregulamentação, à liberação das forças de mercado e ao estímulo à livre iniciativa e à
capacitação tecnológica como molas propulsoras da retomada do crescimento. Sendo
assim, o governo conferia papel fundamental à cooperação e intercâmbio externos, sob
diferentes formas, como a atração de capitais; o acesso à tecnologia estrangeira e sua
aquisição e transferência ao Brasil; e a liberalização do comércio mundial, com ampliação
da participação brasileira em outros mercados e com a exposição paulatina do País à
concorrência internacional, visando não apenas a redução dos preços praticados
122
internamente, mas também o incentivo à modernização e competitividade das empresas
brasileiras (AZAMBUJA, 1991, p. 1-2).
Collor, portanto, rendia-se à filosofia neoliberal do Consenso de Washington
118
,
após ter fracassado em sua política macro-econômica
119
, sendo obrigado a se ajustar à
estratégia dos credores e do FMI e a subscrever o Consenso, em seus objetivos e meios,
tendo que admitir que as metas de política macro-econômicaa passariam a ser definidas a
partir das condições estabelecidas pelos credores externos à renegociação da dívida externa
(BATISTA, 1993, p. 109).
Em segundo lugar, o Brasil estaria disposto a não assumir, no plano internacional, a
parcela de responsabilidade que lhe cabia por suas dificuldades internas, reconhecendo as
limitações e constrangimentos que lhe tinham sido impostos pelo cenário externo, mas não
culpava o mundo pelo seu subdesenvolvimento, resultante de um processo no qual os
brasileiros também tinham tido um papel relevante (AZAMBUJA, 1991, p. 2-3).
Em terceiro lugar, o Brasil, no pleno exercício da democracia, teria passado a
acolher as críticas construtivas em assuntos que preocupavam vastos setores da
humanidade e que também seriam ideais compartilhados pelos cidadãos e pelo governo
brasileiro, como a proteção dos direitos humanos e a preservação ambiental, sendo que o
País, diferentemente dos períodos anteriores, não via as preocupações da comunidade
internacional como uma ameaça, e sim como um elemento que, mediante o diálogo maduro
e equilibrado, poderia contribuir à superação de problemas, no território brasileiro e nos
demais países; tampouco invocava a soberania para proteger-se de críticas, pois o novo
governo não teria nada a esconder (AZAMBUJA, 1991, p. 4).
Em quarto lugar, o Brasil estaria disposto a assumir, no plano externo,
compromissos aos quais pudesse cumprir integralmente e que não comprometessem a
retomada do crescimento econômico (AZAMBUJA, 1991, p. 5).
118
Conjunto de trabalhos e resultado de reunião de economistas do FMI, do Bird e do Tesouro dos Estados
Unidos com recomendações dos países desenvolvidos para que os demais, principalmente aqueles em
desenvolvimento, adotassem políticas de abertura de seus mercados e o “Estado Mínimo”, ou seja, um Estado
com um mínimo de atribuições e, portanto, com um mínimo de despesas como solução para os problemas
decorrentes da crise fiscal, como alta inflação, déficits em conta corrente no balanço de pagamentos,
crescimento econômico insuficiente e distorções na distribuição de renda.
119
O Plano Collor, anunciado no primeiro dia de governo, em 15 de março de 1990, com mudanças profundas
nas áreas monetário-financeira, fiscal, de comércio exterior, câmbio e de controle de preços e salários,
buscava por meio de medidas de choque, de violenta intervenção do mercado, buscando liquidar a inflação
com um único tiro certeiro.
123
Por último, a sua política exterior partia da premissa de que a imagem internacional
do país e, portanto, a sua credibilidade, elemento fundamental a qualquer negociação,
dependia essencialmente da realidade interna. O governo brasileiro, portanto, buscaria
restaurar a imagem internacional do Brasil, desgastada, no início, em setores como o da
dívida externa, do meio ambiente e dos direitos humanos, intentando colocar o País no eixo
das tendências dominantes do cenário internacional vigente (AZAMBUJA, 1991, p. 6).
Todas essas características representariam, ao chanceler, uma política externa
madura e confiável, que levaria em conta o patrimônio da tradição diplomática brasileira,
como a vocação para a universalidade nas relações exteriores, o empenho na construção de
uma ordem internacional justa e pacífica, a disposição permanente ao diálogo e ao
entendimento e a defesa intransigente dos princípios de convivência entre as nações e das
regras do Direito Internacional (AZAMBUJA, 1991, p. 7).
A política externa do governo Collor, portanto, nessa primeira fase, teria como
objetivos atualizar a agenda internacional conforme as novas questões e a nova conjuntura
internacional, abandonando uma postura defensiva em relação a temas como meio
ambiente e direitos humanos; construir uma agenda positiva com os EUA, por meio de uma
negociação rápida acerca da legislação sobre propriedade intelectual; e descaracterizar o
perfil terceiro-mundista do Brasil, ao elaborar um discurso que interpretava o fim da
bipolaridade como uma fonte de oportunidades e não de aprofundamento da clivagem
Norte-Sul (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 6-7).
Esses objetivos que, na sua essência, buscariam renovar a política externa brasileira
por meio de uma certa retomada do paradigma de aliança especial com os EUA, estariam
ligados a impulsos ideológicos e pragmáticos. As motivações ideológicas relacionar-se-iam
ao campo de valores como a afirmação das possibilidades da modernização por meio da
adoção dos padrões e práticas dos países desenvolvidos. As de caráter pragmático associar-
se-iam à remoção de todos os campos de atritos e divergências nas relações do Brasil- EUA
informática, propriedade intelectual e não-proliferação nuclear com vistas a restaurar a
imagem brasileira frente a atores e agências internacionais, e sensibilizar a superpotência
nas negociações da dívida externa brasileira com os bancos norte-americanos (LIMA,
1994, p. 40).
124
As metas estabelecidas à política externa representavam uma ruptura abrupta com
relação ao marco conceitual anterior da diplomacia brasileira e, efetivamente,
conformariam um novo projeto, nítido e abrangente, para a inserção internacional do
Brasil, tendo como eixo básico de seu quadro de referência exterior a melhoria das relações
bilaterais com os EUA, com vistas a conquistar um aliado à nova inserção internacional do
País, voltada aos centros da economia internacional (MELLO, 2000, p. 83).
Após a fase inicial de dinamismo, com a implementação das medidas liberalizantes,
a capacidade de ação do presidente Collor viu-se limitada pela crise política deflagrada no
primeiro ano de mandato. Do amplo pacote de reformas econômicas proposto, no início do
governo, envolvendo medidas como abertura comercial, liberalização de investimentos,
privatizações de empresas estatais e renegociação da dívida externa, somente foi possível
manter as mudanças no campo do comércio exterior (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 7).
No plano externo, a crise política brasileira reverteu as expectativas de
modificações no perfil de atuação internacional do país, apesar da tentativa do Itamaraty
em manter o curso da política externa de forma independente da crise política interna,
sendo impossível evitar a deterioração da imagem brasileira na comunidade internacional,
principalmente junto aos países desenvolvidos (HIRST;PINHEIRO, 1995, p. 7-8).
Frente a um cenário interno desfavorável, o presidente Collor, promoveu uma
reforma ministerial, nomeando figuras notáveis da cena interna. Na pasta das relações
exteriores foi nomeado o professor Celso Lafer que, mediante a permissão presidencial,
promoveu uma revisão paradigmática na política externa de Collor, restaurando elementos
de análise internacional claramente identificados com a tradição diplomática global do
Itamaraty (VIEIRA, 2001, p. 273-274).
A gestão Lafer, portanto, teria sido permeada pelos mapas cognitivos tradicionais
da diplomacia brasileira (VIEIRA, 2001, p. 267-268). Lafer acreditava ser de vital
importância, a um modelo de política externa, a mistura entre inovação e tradição. Essa
visão significava que a autoridade histórica da corporação diplomática, essencial em tudo
que havia sido feito para valorizar e reinterpretar a identidade nacional e a particularidade
do Brasil no mundo, teria a função estratégica demarcar o espaço qualitativo da inovação,
mediante o controle da admissão de idéias e interesses nos aparelhos decisórios
125
institucionalizados, sendo que o gestor desse processo, o chanceler, seria responsável por
traduzir as necessidades internas em possibilidades internas (LAFER, 1993, p. 43-44).
O novo chanceler, portanto, propunha-se a ser um “administrador da tradição”,
agregando qualidade e inovação ao arcabouço conceitual tradicional da corporação
diplomática (LAFER, 1993, p. 45). Com isso, Lafer objetivava atualizar a agenda externa
do Brasil, atendendo às mudanças oriundas do fim da Guerra Fria e à crise do modelo de
desenvolvimento brasileiro (VIEIRA, 2001, p. 268).
Os dois conceitos estruturais básicos da proposta de Lafer seriam a visão de futuro,
semelhante à política exterior para Castro, que seria a utilização dos mapas cognitivos
tradicionais da ação diplomática brasileira, ou seja, a defesa de certos princípios como não-
ingerência nos assuntos internos dos Estados e autodeterminação dos povos, e a adaptação
criativa, semelhante à política internacional de Castro, com vistas a buscar alternativas
possíveis ao Brasil numa ordem internacional em transição, sendo, portanto, necessária
uma resposta adequada e criativa da diplomacia brasileira às essas transformações que
alteravam, fortemente, a balança de poder mundial (CASTRO, 1972, p. 8-9; VIEIRA,
2001, 269-270). Celso Lafer buscava, portanto, aproveitar o repertório de princípios e
orientações do passado diplomático presentes no paradigma globalista do Itamaraty, de
forma a adaptá-lo a uma realidade mais interdependente e menos conflituosa,
características do otimismo do imediato pós-Guerra Fria, supramencionada.
Pode-se dizer que após um momento de interrupção dos conceitos tradicionais da
diplomacia brasileira, ou seja, do paradigma globalista que permeou toda a política externa
brasileira a partir da década de 60, com a PEI, há, na segunda fase, na gestão de Celso
Lafer no MRE, uma retomada do paradigma universalista, tradicional aos olhos da
corporação diplomática brasileira, tendo esta retomado o seu papel de protagonista na
condução da política externa brasileira
120
.
Em relação ao Sul, a tática de aproximação, que vinha se enfraquecendo desde o
início da década de 80, não resistiu ao otimismo gerado pela vitória do liberalismo sobre o
comunismo soviético, dando lugar a uma diplomacia mais voltada, na primeira fase, a uma
120
Na primeira fase, o Itamaraty não teria tido participação direta na proposta de política externa de Collor,
buscando manter certa autonomia. As diferenças entre o presidente e a corporação diplomática estavam no
fato de que esta última seria tradicional representante da perspectiva terceiro-mundista que Collor buscava
abandonar (LIMA, 1994, p. 32; VIEIRA, 2001, p. 261).
126
aproximação com os países do Norte, principalmente os EUA
121
(VIEIRA, 2001, p. 246). A
aproximação com os países em desenvolvimento, elemento-chave do paradigma globalista,
implantado até então, era vista, pelo novo governo, como responsável pelo retrocesso e
pela perda dinamismo político da inserção internacional do Brasil (ARBILLA, 1997, p. 60-
63).
Entretanto, essas novas orientações não teriam chegado a envolver um anti-terceiro-
mundismo explícito, que não houve nenhum gesto simbólico de ruptura com o Sul, pois
o Brasil continuou a participar de coalizões terceiro-mundistas como o G-77 e o G-15, nem
teria abandonado a sua condição de observador no Movimento dos Não-Alinhados
(MELLO, 2000, p. 84-85).
Com a posse de Lafer, e sua proposta de relativa retomada dos marcos conceituais
do paradigma globalista, criaram-se as condições para a recuperação da identidade
tradicional do país como membro do Sul, entretanto, capaz de se adequar às novas
demandas da agenda internacional e, conseqüentemente, alcançar graus mais elevados no
sistema internacional em consolidação após o fim da bipolaridade (VIEIRA, 2001, p. 254).
Esse projeto de retomada da tradição diplomáticas brasileira, principalmente em
relação ao Sul, gravitava, em sua gestão, em torno do conceito de “desenvolvimento
sustentável”
122
, tendo como palco a ECO-92, em que a diplomacia brasileira buscou
relegitimar a perspectiva sulista por meio da articulação desses países em torno de tal
conceito que, em muito, lembra o conceito de segurança econômica coletiva, cunhado por
Araújo Castro na década de 60. Entretanto, tal tentativa mostrou sua fragilidade, na
conferência, onde, apesar do surgimento desse conceito como sustentáculo às
reivindicações tradicionais do Sul, prevaleceu, nas negociações, a fragmentação e a falta de
consenso entre os países menos desenvolvidos (VIEIRA, 2001, p. 271, 277).
As razões pelas quais o paradigma de aliança especial não teria vencido como
marco referencial da política externa seriam diversas, independentemente do desfecho
político do governo Collor. Primeiro, o modelo de modernização via internacionalização
não estaria de acordo com os valores dos detentores do poder político, que as tentativas
121
O presidente Collor sempre deixava claro que, exceto os vizinhos do Cone Sul, as novas prioridades
brasileiras estariam situadas nas relações com países desenvolvidos, que os países mais pobres tinham
pouco a oferecer ao Brasil (MELLO, 2000, p. 85).
122
O conceito de desenvolvimento sustentável está relacionado ao desenvolvimento econômico de um país ou
região, sem que este, em seu processo não esgote os recursos naturais nem danifique o meio ambiente.
127
anteriores de modernização do Brasil concebiam o desenvolvimento como um projeto
vinculado à independência nacional econômica e política, e o modelo proposto por Collor
aceitava, claramente, uma submissão, pelo menos parcial, da soberania nacional nos
âmbitos político, econômico e cultural (LIMA, 1994, p. 40-41).
Segundo, as reformas orientadas para o mercado e a política de controle da
capacidade bélica e tecnológica das Forças Armadas brasileiras não teriam agradado os
setores empresarial, sindical e militar, já que o modelo anterior tinha a anuência de todos os
setores, tornando, portanto, mais difícil a manutenção da estabilidade institucional da
política de convergência com os EUA na área militar e de segurança (LIMA, 1994, p. 42).
Nos anos 90, portanto, a convergência de valores e razões pragmáticas do Poder
Executivo para a retomada do paradigma da aliança especial não encontrava contrapartida
no plano dos valores e dos interesses das forças políticas e sociais internas relevantes
(HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 8; LIMA, 1994, p. 42).
As condições internas, portanto, teriam sido insuficientes ao relançamento do
paradigma de aliança especial, buscado na primeira fase do governo Collor, e a total
retomada do paradigma universalista, na gestão Lafer no Itamaraty, pois a modificação de
algumas posições tradicionais da diplomacia brasileira durante o governo Collor, teria
fragmentado a coalizão globalista, quebrando o consenso em torno de questões político-
ideológicas dos anos anteriores (LIMA, 1994, p. 42).
Ademais, as transformações ocorridas no sistema internacional do início da década
de 90 teriam induzido a corporação diplomática a repensar o quadro referencial da política
externa, particularmente o eixo Norte-Sul, devido não somente à diminuição dos recursos
de poder da coalizão sulista para reformar a ordem internacional como também ao colapso
economicamente generalizado e o desaparecimento da expressão dos interesses dessa
coalizão nas arenas diplomáticas clássicas, reforçando a idéia da erosão da “superioridade
ética” do discurso terceiro-mundista (LIMA, 1994, p. 42-43).
Ocorre, portanto, um rompimento da idéia clássica de que continuidade e consenso
seriam elementos invioláveis da política internacional do Brasil, pois tornou-se mais difícil
apresentar o consenso como dado, sendo que, pela primeira vez, a política externa teria sido
“desencapsulada”, devendo ampliar suas condições de transparência e accountability, e a
128
agenda externa não mais resultava da vontade do Estado, passando a incluir questões
suscitadas no âmbito da sociedade civil.
3.2.2. Governo Itamar Franco (1992-1994):
Após o impeachment do presidente Collor, os dois chanceleres, Fernando Henrique
Cardoso e Celso Amorim, que passaram pelo governo de seu sucessor, Itamar Franco, não
alteraram, de forma substantiva, a política externa reintroduzida por Celso Lafer,
caracterizada pela relativa retomada dos princípios do paradigma universalista.
Naquele momento, tanto as condições do cenário doméstico quanto do contexto
internacional eram desfavoráveis ao Brasil. No plano interno, o novo governo defrontava-
se com a herança deixada pelo trauma advindo do processo de impeachment do governo
Collor, além de ter de lidar e solucionar uma prolongada crise econômica, marcada por um
processo inflacionário descontrolado, e uma agenda política fortemente carregada, onde os
choques entre o Executivo e o Legislativo haviam se tornado permanentes (HIRST;
PINHEIRO, 1995, p. 10).
No plano internacional, além das condições supracitadas, o Brasil recebia pressões
crescentes por parte dos Estados Unidos com relação à implementação das reformas
liberalizantes e especialmente com relação à aprovação da nova legislação de propriedade
intelectual (MELLO, 2000, p. 117). Além disso, em comparação com outros países,
principalmente da região, o Brasil mostrava-se atrasado no tocante ao processo de
estabilização monetária e às reformas econômicas. Ademais, a nova ordem internacional
mostrava seus primeiros sinais de desgaste, suscitando dúvidas acerca da viabilidade de um
sistema internacional realmente multipolar, sem controle hegemônico, e temores de que as
potências ocidentais direcionassem seus recursos para a recuperação político-econômica
dos países do antigo Leste Europeu em detrimento do restante dos países do Sul (HIRST;
PINHEIRO, 1995, p. 10-11).
A comunidade internacional, naquele momento, temia que o Brasil retornaria a uma
postura de caráter nacionalista, resultado da crença de que não apenas o novo presidente
necessitava diferenciar-se de seu antecessor, mas, igualmente, devido aos seus próprios
antecedentes políticos (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 10-11).
129
Inicialmente, o presidente dedicou pouca importância à agenda externa, sendo que a
política externa foi delegada a atores de reconhecido prestígio, tanto de fora como de
dentro do Itamaraty (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 10). A reduzida iniciativa presidencial
devia-se a fatores como as urgências na agenda política e econômica do país, o que
sobrecarregava o Poder Executivo; as próprias características pessoais do presidente que
demonstrava-se pouco afeito ao exercício de uma diplomacia presidencial; e a indicação de
FHC ao MRE, nome de destaque na política brasileira e de grande prestígio internacional,
apontando para um menor envolvimento do presidente na condução dos assuntos
internacionais do País (MELLO, 2000, p. 118).
No governo Itamar Franco, portanto, a corporação diplomática teria um alto grau de
autonomia em relação ao Poder Executivo, não apenas na gestão da política externa, mas
também na continuidade do processo de reformulação do marco conceitual da atuação
internacional do Brasil, mantendo, por conseguinte, políticas iniciadas anteriormente, em
paralelo à adoção de um posicionamento marcado pela condição de país em
desenvolvimento (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 11; MELLO, 2000, p. 119).
Em sua gestão no MRE, Fernando Henrique Cardoso iniciou um processo de
reflexão interna, na corporação diplomática, acerca das prioridades de política externa, com
uma reafirmação incisiva de boa parte dos conceitos do paradigma globalista, ou seja, da
recusa a opções excludentes, da necessidade de manter opções abertas e de escolhas que
propiciassem o maior número de opções ao país, pois estas dariam maiores possibilidades
de angariar vantagens políticas (MRE, 1993 (b), p. 132).
Exatamente devido ao rótulo de “opção universalista”, atribuído por FHC a sua
política externa, é que se reconhecia os EUA como principal parceiro, entretanto, a
integração privilegiada com esse parceiro era vista como inviável, que as exportações
brasileiras ao mercado norte-americano enfrentavam muitas restrições. Com isso, a
prioridade seria a consolidação do Mercosul, não só no aspecto de curto prazo, mas
também como plataforma por meio da qual o Brasil reforçaria sua articulação com outros
centros da economia mundial, baseada na necessidade de manter abertas as opções
brasileiras, não podendo limitar-se a parcerias excludentes ou critérios reducionistas de
atuação internacional. O Brasil deveria atuar em diferentes tabuleiros, lidar com diferentes
parcerias, estar em diferentes foros (CARDOSO, 1993(c), p. 9).
130
Sua gestão, portanto, seria orientada pelo respeito à tradição, mas com a revisão,
nos momentos necessários, das prioridades da política externa, adaptando-as às
transformações do país e do mundo, sendo que a tradição e a experiência passada não
deveriam inibir as mudanças necessárias (CARDOSO, 1993(c), p. 3-4).
Com a substituição de FHC por Celso Amorim na pasta das Relações Exteriores,
propôs-se uma política externa livre de rótulos, de forma a não gerar expectativas
excessivas, mas ao mesmo tempo voltada ao desenvolvimento e à democracia. Uma
política externa de sentido universalista, onde não caberiam alinhamentos que não
estivessem ligados à ética e aos interesses do Brasil (AMORIM, 1997, p. 16).
O tema do desenvolvimento, formulado com vistas a reintroduzir, nos foros
internacionais, o debate sobre condições mais favoráveis aos países do Sul e sobre a justiça
social na sociedade global, tornou-se o lema principal dos discursos diplomáticos
brasileiros.
Em diversos discursos, do chanceler e do secretário-geral, o tema, formulado em
termos da necessidade de reintrodução, na agenda internacional, do debate acerca de
condições mais propícias aos países do Sul e acerca da justiça social na sociedade global,
tornou-se lema central da diplomacia brasileiras. Em discurso na AGNU, Amorim resgatou
o clássico discurso dos 3 D’s, de Araújo Castro, substituindo a Descolonização pela
Democracia e mantendo os outros dois termos – Desarmamento e Desenvolvimento –
como lemas para a atuação internacional brasileira (AMORIM, 1997, p. 21).
Nesse novo contexto, a democracia seria a reafirmação do novo compromisso
brasileiro com o tema dos direitos humanos, ao mesmo tempo em que se estabelecia uma
vinculação com o tema da democratização das relações internacionais, com destaque para a
reforma do CSNU (MELLO, 2000, p. 123).
Teria sido no contexto da perspectiva de ampliação do Conselho de Segurança que
a política externa, durante a gestão de Amorim, teria expressado, de forma mais nítida, seu
objetivo de promover uma atuação internacional destacada ao Brasil, propondo
formalmente, na ONU, a complementação da “Agenda para a Paz” por uma “Agenda para
o Desenvolvimento” (MELLO, 2000, p. 123-124).
Com o objetivo de promover essa atuação internacional destacada ao Brasil, a
gestão de Amorim criou o conceito de “global player” em complementação ao conceito de
131
“global trader”, formulado por Celso Lafer. O Brasil, portanto, não descartaria nenhum tipo
de parceria e buscaria influenciar nas decisões internacionais, tornando-se um importante
ator a ser ouvido nos mais diferentes temas e mais diferentes esferas. Com isso, as
possibilidades de parcerias seriam amplas, tendo como escala de prioridade, em primeiro
lugar, a América do Sul, em segundo os países com os quais havia afinidades naturais, em
especial os de língua portuguesa, em seguida, os países desenvolvidos, com vistas à
diminuição ou eliminação das restrições às exportações e ao acesso à tecnologia, além da
perspectiva de novos relacionamentos, por meio da intensificação das relações com os
países da Ásia e do Pacífico, em especial com Índia, Rússia e China (AMORIM, 1997, p.
17-18).
A agenda externa de Itamar teria como objetivos a reafirmação da não-proliferação
nuclear, o aprofundamento da integração regional e o lançamento do projeto ALCSA, a
aproximação com possíveis parceiros como China, Rússia, Índia e África do Sul, ativismos
nos foros multilaterais, com vistas a coordenar a agenda do desenvolvimento com a agenda
da paz e a melhoria das relações com os EUA (BERNAL-MEZA, 2002, p. 57-58).
Em termos gerais, portanto, o balanço entre continuidade e mudança na política
externa, durante o governo Itamar, teria envolvido, de um lado, a aceitação de uma nova
agenda internacional e a adesão a suas normas e regimes e, de outro, a afirmação de que tal
adesão não significaria a renúncia à busca de espaços de autonomia, e muito menos
significaria qualquer tipo de alinhamento. Sendo assim, pode-se dizer que, ao final do
governo Itamar, a reformulação do quadro de referência conceitual da política externa
brasileira já havia sido concluída (MELLO, 2000, p. 127).
3.2.3. Os governos Fernando Henrique Cardoso (1994-2002):
Conforme apontado anteriormente, em sua passagem pelo MRE, Fernando
Henrique Cardoso teria dado continuidade ao processo de reformulação do marco
conceitual da política externa brasileira, iniciado pela gestão Lafer, no governo Collor. No
governo FHC, portanto, teria ocorrido um aprofundamento e implementação de maneira
mais específica das principais diretrizes desse marco conceitual, mantendo a combinação
entre continuidade e mudanças com relação ao paradigma universalista, estruturado no
132
governo anterior, sendo que os conceitos e diretrizes fundamentais do Pragmatismo
Responsável continuaram a ser atualizados e reafirmados (MELLO, 2000, p. 153).
Por manter uma política externa voltada ao desenvolvimento do País, o objetivo
principal da política exterior de FHC seria a consecução do intercâmbio de elementos
externos úteis à realização dessa meta prioritária, ainda que este objetivo, naquele
momento, passasse a estar vinculado à agenda de valores hegemônicos universalmente
aceitos (BERNAL-MEZA, 2002, p. 58). Sendo assim, manteve-se a adesão do Brasil aos
regimes internacionais assim como, no discurso diplomático, a diplomacia brasileira
continuou a propagar a convergência da política externa brasileira com o “mainstream”
internacional, especialmente após a adesão ao TNP, em 1997 (MELLO, 2000, p. 143).
A política externa dos governos FHC pode ser dividida em 2 momentos,
coincidentes com os dois mandatos do presidente, sendo que de um período a outro teria
ocorrido uma mudança na percepção acerca do processo de globalização, principalmente a
partir do fracasso da Conferência Ministerial da OMC em Seattle, em 1999, quando a
diplomacia brasileira passaria a ter uma posição mais assertiva em relação à crítica ao
sistema econômico internacional vigente. Tal inflexão teria sido motivada pela percepção
da injustiça presente nas normas da OMC, que favoreceriam aos PDs, e pelo protecionismo
das economias centrais, especialmente em relação aos produtos agrícolas (ALSINA JR.,
2003, p. 5).
Ademais, as diversas crises financeiras dos países emergentes a partir de 1997
123
teria demonstrado a posição frágil dessas economias diante dos efeitos potencialmente
nefastos dos fluxos de capitais internacionais. No plano político, também ocorreu, de um
mandato a outro, um crescente esvaziamento da ONU, patrocinado pelos EUA
124
, a
acomodação, por parte das grandes potências, das explosões de artefatos nucleares por
Índia e Paquistão, introduzindo, portanto, uma certa dose de cautela em relação à
possibilidade de que o sistema internacional estivesse passando por uma modificação
estrutural tão profunda a ponto de reduzir as clivagens e as assimetrias (ALSINA JR., 2003,
p. 5).
123
Entre 97 e 99, o mundo conviveu com as crises da Tailândia, asiática, da Rússia e do Brasil.
124
Como parte desse processo, pode-se citar a substituição de ações baseadas na aprovação multilateral pelo
Conselho de Segurança por ações de instituições sobre as quais os EUA tinham mais controle, como a ação da
OTAN na Bósnia e a não-ratificação pelo senado norte-americano do Tratado para o Banimento Total de
Testes Nucleares (CTBT).
133
Sendo assim, o presidente FHC teria que percorrer, ao longo de seus dois mandatos,
contextos domésticos e externos complexos, onde o grau de incerteza se sobrepunha
claramente ao que já havia sido conhecido e mapeado (ALSINA JR., 2003, p. 6).
Em seus primeiros pronunciamentos, acerca da política externa de seu governo,
FHC reafirmou a necessidade de mudanças, com vistas a garantir uma participação mais
ativa do Brasil no cenário internacional, com vistas a influenciar a construção de uma nova
ordem internacional (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1996, p. 137).
Acreditava-se, no momento de sua posse, que o sistema internacional vigente seria
favorável ao Brasil por fatores como: a retomada do crescimento no Norte; o crescimento
experimentado na América Latina, via abertura comercial e estabilidade econômica; o fim
da bipolaridade e, com ela, a solução de antigos conflitos em regiões e países
potencialmente ricos, como Oriente Médio, Angola e África do Sul; a presença, de valores
caros ao Brasil, como democracia, liberdades individuais e respeito aos direitos humanos,
apontando ao fato de que a comunidade internacional estaria engajada em um processo de
crescimento da civilização e da melhoria das relações internacionais; o final profícuo da
Rodada Uruguai do GATT, com a criação da OMC, consolidando o multilateralismo no
comércio de bens e serviços bem como atualizando e universalizando regras fundamentais
a um relacionamento comercial leal, transparente e eficaz, em uma economia cada vez mais
globalizada e competitiva; e a criação e operação de novos foros e coalizões internacionais,
não mais pautada em clivagens fixas como a Leste-Oeste e a Norte-Sul (LAMPREIA,
1999, p. 35-36).
Sendo assim, frente a esses fatores, os meios de inserção internacional do Brasil
seriam a competitividade, o acesso a mercados, o acesso livre à tecnologia de ponta, a
abertura aos investimentos, o nível educacional e técnico da mão-de-obra, o investimento
em ciência e tecnologia, a capacidade de promover no exterior a qualidade de sua
produção, a habilidade de estar à frente na criação e comercialização de novos produtos. A
estas estratégias somar-se-iam a formação de novas parcerias operacionais, principalmente
com países como Índia, Rússia e China, que ultrapassassem o diálogo político para
situarem-se na esfera dos resultados práticos em termos de comércio, investimentos,
geração de empregos, ampliação da escala das economias, transferência de tecnologia e
conhecimento (LAMPREIA, 1999, p. 36).
134
A política externa do primeiro mandato, portanto, teria como objetivos: ampliar a
base externa para a consolidação da estabilidade econômica e a retomada do
desenvolvimento de maneira sustentável e socialmente eqüitativo, abrindo mais e melhores
acessos aos mercados, ajudando a proteger a economia brasileira de práticas comerciais
desleais, atraindo investimentos e tecnologia, melhorando as condições de acesso ao
conhecimento; melhorar o padrão das relações do País com seus parceiros, alargando a
abrangência dessas parcerias operacionais e diversificando o relacionamento; enfatizar a
cooperação internacional, permitindo que esta melhorasse a competitividade e
produtividade brasileiras e auxiliasse, o Brasil, a progredir no tratamento de temas como
direitos humanos, proteção ambiental, combate ao narcotráfico e ao crime organizado;
perseguir uma maior e mais adequada participação no processo decisório regional e
mundial, tanto nos foros políticos como nos foros econômicos (LAMPREIA, 1999, p. 37).
Com isso, os temas de maior relevância seriam: o processo de consolidação do
Mercosul e sua eventual ampliação com a incorporação de novos parceiros; as relações
com os vizinhos latino-americanos e o processo de integração hemisférica, especialmente a
partir do aprofundamento das relações com a América do Sul; as relações com o centro dos
três pólos de poder econômico mundial EUA, UE e Japão; as relações com a região da
Ásia-Pacífico, especialmente com os novos parceiros emergentes, integrantes da Asean; as
relações com os parceiros econômicos tradicionais da África, somadas à África do Sul pós-
apartheid; a OMC e a operacionalização dos resultados da RU; a reforma da ONU; os foros
políticos e econômicos de consulta e concertação dos quais o Brasil fazia parte ou tinha
interesse em integrar, como o Grupo do Rio, a OCDE, a Conferência Ibero-Americana e a
CPLP
125
; o desenvolvimento das relações fronteiriças com os vizinhos; (LAMPREIA,
1999, p. 38).
No seu primeiro ano de mandato, FHC teria, portanto, destacado o objetivo de
aprofundar a dimensão inovadora do novo quadro conceitual da política externa brasileira,
estruturado entre 1992 e 1994, conforme demonstravam os constantes discursos proferidos
125
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada em 17 de julho de 1996, composta por Angola,
Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, com os
objetivos de reforçar a presença de seus membros no cenário internacional, por meio da concertação político-
diplomática; de cooperação em todos os âmbitos; de materializar projetos de promoção e difusão da língua
portuguesa (Disponível em: http://www.cplp.org. Acesso em 06 de dezembro de 2008). Desde a sua fundação,
a CPLP vinha sendo usada pelos governos brasileiros Itamar e FHC como ponte de aproximação em
relação ao continente africano, denotando a seletividade da política africana do Brasil.
135
membros do governo acentuando a importância da tradição e da continuidade na condução
da política externa (LAMPREIA, 1999, p. 30).
No período, a tendência, muito forte, de descrever o processo de globalização
como algo inevitável, irreversível, que estabelecia vultosas limitações à capacidade de
atuação estatal. Nesse âmbito, ocorrem certas flutuações, até mesmo certas ambigüidades,
em relação à margem de manobra do Brasil em um sistema internacional em transição,
pois, embora o presidente tenha criticado, em diversas oportunidades, a ausência de normas
que permitissem aos Estados-nação controlarem, por exemplo, os efeitos potencialmente
perniciosos dos fluxos internacionais de capitais, estaria presente, em seu primeiro
mandato, um alto nível de cautela em relação ao aumento do perfil da crítica aos efeitos
negativos da globalização (ALSINA JR., 2003, p. 7).
Ademais, acreditava-se na possibilidade de que, ao menos durante um período
razoável de tempo, a supremacia norte-americana seria um aspecto estrutural do sistema
internacional e, com essa preponderância, os valores defendidos pelos EUA democracia,
livre mercado e direitos humanos seriam crescentemente compartilhados em escala
global, relegando à marginalidade os resistentes, cabendo ao Brasil evitar ou minimizar o
confronto com aquele país (ALSINA JR., 2003, p. 7; MELLO, 2000, p. 158).
À luz dessa visão, manteve-se e intensificou-se o processo de adesão do País aos
regimes internacionais como pré-requisito para que alcançasse um papel de relevância nos
processos decisórios internacionais
126
, pois acreditava-se que os custos da desconformidade
seriam extremamente altos e prejudicariam a pretensão brasileira de aumentar o seu espaço
propositivo nos debates acerca da nova ordem internacional. (ALSINA JR., 2003, p. 8;
MELLO, 2000, p. 157).
Seria, em grande parte devido às percepções supracitadas, acreditava-se que o
momento abriria oportunidades a uma nova inserção internacional do Brasil, o impulso em
direção à chamada “autonomia pela participação”
127
. A partir desse conceito, Lampreia,
126
Como parte dessa visão, logo no início de seu primeiro mandato, em fevereiro de 1994, FHC promoveu a
adesão brasileira ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), objetivando não somente a
retirada do Brasil da lista negra dos EUA de países com restrições no acesso a tecnologias sensíveis, como
também busca por uma participação mais ativa no reordenamento das estruturas internacionais. Baseado
nesses mesma concepção, FHC empreendeu a adesão brasileira ao TNP, em setembro de 1998.
127
A “autonomia pela participação”, conceituada por Gelson Fonseca, seria uma autonomia que, no pós-
Guerra Fria, deveria traduzir-se por “participação”, pelo anseio de influenciar a agenda aberta com valores
136
chanceler brasileiro, teria formulado o conceito de “autonomia pela integração”, norteador
da política externa de FHC, sendo esta uma autonomia integrada ao meio internacional, ou
seja, a manutenção de um comportamento de mainstream, mas com atenção à
especificidade brasileira, tanto nos seus condicionamentos, quanto nos seus objetivos e
interesses (LAMPREIA, 1999, p. 89).
Segundo o chanceler, a substituição de “participação” por “integração” manifestava
o papel do regionalismo e, especificamente, do Mercosul, nessa estratégia, sendo, ao lado
da adesão brasileira ao TNP, o principal exemplo apontado por Lampreia para ilustrar o
alcance desse conceito (LAMPREIA, 1999, p. 91).
Ao ser redefinido e ampliado, o conceito de autonomia, nos marcos da história da
política externa brasileira, teria passado a contemplar não apenas a dimensão da
continuidade, expressa na recusa a uma maior proximidade dos EUA, mas também a
dimensão da mudança, evidente na adesão brasileira a normas e regimes internacionais,
como condição para a atuação global do país (MELLO, 2000, p. 161).
Apesar das mudanças ocorridas no cenário internacional entre os dois mandatos,
dentro da corporação diplomática, o segundo mandato era percebido como a continuação
de uma obra coletiva que vinha transformando a realidade do Brasil, sob a liderança do
presidente FHC, sendo, aquele, o momento de mobilização de forças, de renovação de
vontades, que a reeleição era percebida como uma aprovação, por parte do eleitor, da
política externa implementada por FHC (DISCURSO DO EMBAIXADOR LUIZ FELIPE
LAMPREIA, MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, POR OCASIÃO DA POSSE
DO EMBAIXADOR LUIZ FELEIPE DE SEIXAS CÔRREA NO CARGO DE
SECRETARIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1998, p. 96-97).
A política externa, segundo o chanceler, não teria mudado o seu vetor principal - o
desenvolvimento - sendo que o Brasil deveria procurar exercer um papel ativo e universal
na defesa de uma ordem internacional, de um sistema econômico e comercial, de instâncias
e processos decisórios mais abertos, justos e favoráveis ao Sul. Entretanto, essa busca não
deveria significar alimentar visões de projeção global de poder político-militar, que as
deficiências brasileiras não permitiria a mobilização dos vultosos recursos necessários a um
que exprimiriam tradição diplomática e capacidade de ver os rumos da ordem internacional com olhos
próprios, com perspectivas originais (FONSECA, 1998, p. 368).
137
projeto de tal natureza (DISCURSO DO EMBAIXADOR LUIZ FELIPE LAMPREIA,
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, POR OCASIÃO DA POSSE DO
EMBAIXADOR LUIZ FELEIPE DE SEIXAS CÔRREA NO CARGO DE
SECRETARIO-GERAL DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1998, p. 97).
Sendo assim, o objetivo da política externa brasileira seria aumentar os contatos e o
relacionamento com toda a comunidade internacional, atuar nos diversos foros, agir nos
mais diferentes temas, nas mais diversas frentes de trabalho, de forma realista e sóbria
(DISCURSO DO EMBAIXADOR LUIZ FELIPE LAMPREIA, MINISTRO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES, POR OCASIÃO DA POSSE DO EMBAIXADOR LUIZ
FELEIPE DE SEIXAS CÔRREA NO CARGO DE SECRETARIO-GERAL DAS
RELAÇÕES EXTERIORES, 1998, p. 99).
Com o retorno de Celso Lafer ao MRE, em 2001, não teria ocorrido alterações nos
rumos da política externa brasileira de FHC, ainda baseada nos seguintes fatores:
- dado geográfico da América do Sul como a circunstância diplomática do Brasil;
- um relacionamento positivo e pacífico com os vizinhos;
- a experiência de um povo novo”, resultado da confluência de várias matrizes e
tradições, amalgamada pela unidade de língua portuguesa;
- o componente latino-americano da identidade cultural brasileira;
- a escala continental que daria, ao Brasil, um papel na estruturação da ordem
internacional;
- a relativa distância dos focos de maior tensão no sistema internacional;
- o desafio do desenvolvimento e o imperativo do resgate da dívida social, que seria
o passivo da história brasileira (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR CELSO
LAFER NO CARGO DE MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2001, p. 177).
Conforme transparece pelos discursos dos dois chanceleres, o vetor de orientação
da política externa brasileira continuava sendo, assim como nas décadas anteriores, o
desenvolvimento. Entretanto, uma certa modificação na estratégia de inserção
internacional do País, que a região ganha maior importância, ou seja, a inserção
internacional brasileira passaria a ser pensada por meio do maior protagonismo brasileiro
em sua própria região, com destaque ao Mercosul. Também, por meio desses discursos,
pode-se apreender que, no governo FHC, além da integração regional, a estratégia de
138
inserção internacional brasileira estaria pautada, primeiramente, por um fortalecimento das
relações com os paises mais desenvolvidos e, posteriormente, com os países em
desenvolvimento, principalmente, aqueles considerados, como o Brasil, potências médias,
como China, Rússia e África do Sul. Com isso, o Brasil retomaria, nos foros multilaterais, a
defesa de uma ordem internacional mais favorável ao Sul, baseada em interesses concretos
e de forma realista com relação às perspectivas de mudanças de tais foros.
Para FHC, a política externa seria um mecanismo capaz de atrair capitais e inserir o
Brasil nos mercados internacionais, ou seja, detectar oportunidades que propiciassem ao
País melhor acesso aos mercados e aos fluxos de capitais e tecnologia (MIYAMOTO,
2000, p. 127).
Outro ponto importante, no governo FHC, seria a ênfase
128
na diplomacia
presidencial
129
, utilizada como instrumento de promoção dos interesses nacionais, sendo
que neste governo, os objetivos tradicionais da ação diplomática persuadir, pressionar e
vincular os diversos atores internacionais com os interesses nacionais teriam sido
perseguidos por meio de uma ação internacional baseada na diplomacia presidencial,
colocando esse estilo de fazer política externa no centro das atenções da mídia brasileira e
internacional.
Fernando Henrique, portanto, teria colocado a política externa sob um foco de
atenção, ocupando um vazio da diplomacia presidencial e fazendo com que, cada vez mais,
a dia internacional voltasse seus olhos ao Brasil, o que teria ampliado o campo da
diplomacia brasileira, já que uma diplomacia presidencial consistente e funcional seria uma
alternativa, justificada e relevante, aos problemas políticos internos, tendo FHC
consolidado a sua imagem de competência e conhecimento como condutor da política
externa (SALES, 2007, p. 92).
128
Essa ênfase dever-se-ia a dois fatores: a intensidade da agenda de política externa do presidente e a figura
do próprio FHC, cujo prestígio internacional como sociólogo e a experiência como chanceler teriam
favorecido a atividade da diplomacia presidencial. Para o presidente, as viagens internacionais seriam um
instrumento de valer-se dos mecanismos dos encontros de cúpula, com sua capacidade única de mobilizar os
meios governamentais, a imprensa e opinião pública, para promover uma atualização da presença brasileira
no cenário internacional, funcionando como um catalisador de iniciativas para o fortalecimento da cooperação
e do diálogo político, além de representarem uma alternativa política à crescente interação direta de agentes
econômicos privados (DANESE, 1999, p. 37).
129
Segundo Danese, a diplomacia presidencial seria a condução pessoal de assuntos de política exterior, fora
da simples rotina ex officio, pelo presidente (DANESE, 1999, p. 51).
139
Entretanto, segundo Bernal-Meza, apesar do dinamismo presidencial, teria faltado,
nos governos FHC, iniciativas políticas de grande projeção no âmbito da política externa,
sendo que a sua diplomacia presidencial teria buscado, portanto, resolver retoricamente o
vazio criado pela crise do projeto nacional em política externa. Em suma, a política externa
de FHC poderia ser caracterizada como um retorno a uma política mais pragmática e de
menor perfil político (BERNAL-MEZA, 2002, p. 59, 61).
Ao avaliar a política externa implantada durante os dois governos FHC, Cervo
aponta que a diplomacia presidencial intensificada pelo presidente teria enfraquecido o
processo decisório em política externa, já que haveria elementos de discordância interna em
relação à política externa implantada
130
bem como a prevalência do pensamento externo à
corporação diplomática
131
.
Em resumo, a política externa implantada nos dois governos de Fernando Henrique
Cardoso teria tido uma forte articulação com a política econômica aplicada pelo governo,
de internacionalização econômica do País via implantação do modelo neoliberal. Sendo
assim, a política exterior seria a plataforma à atração de investimentos, empresas e
tecnologia e tais fatores de produção viriam ao Brasil caso este estivesse em
conformidade às normas e aos regimes internacionais vigentes.
3.3. O relacionamento do Brasil com o Sul nos foros multilaterais: a retomada gradual
da aproximação
Apesar das mudanças experimentadas pela política externa brasileira no período, a
diplomacia brasileira continuou a manter forte presença nos órgãos internacionais, mas a
partir de então buscou influenciar a definição de seus parâmetros, e não mais como antes
para substituir a ordem internacional vigente (BUENO; CERVO, 2002, p. 463). O Brasil
estaria voltado para a perspectiva de atuar no sistema ao invés de reformá-lo, atuando,
nesses foros, no sentido de fazer valer os interesses nacionais, devido à concepção dos
130
Segundo Cervo, nomes importantes no Itamaraty discordavam da política externa que vinha sendo
implantada, dentre eles, estariam Rubens Rícupero, Celso Amorim, Luiz Felipe de Seixas Côrrea e Samuel
Pinheiro Guimarães (CERVO, 2002, p. 5-6).
131
Como demonstração desse pensamento externo ao Itamaraty, Cervo aponta que a corporação teria perdido
força conforme as decisões nas áreas da alfândega, das finanças externas e da abertura comercial teriam sido
deslocadas para as autoridades econômicas, que aplicavam as medidas de acordo com o receituário neoliberal
(CERVO, 2002, p. 6).
140
dirigentes brasileiros de que o mundo da interdependência global faria brotar um
ordenamento de regras justas, transparentes e benéficas a todos, a disciplinar a conduta
externa dos governos e de outros agentes das relações internacionais (CERVO, 2008, p.
102).
O Brasil, nos foros multilaterais, foi, aos poucos abandonando o ideário terceiro-
mundista e, conseqüentemente, o entendimento da dinâmica internacional baseado na
clivagem Norte-Sul. A diplomacia brasileira continuou mantendo as posturas de
questionamento frente a diversos elementos da ordem internacional, mas deixou de fazê-lo
de uma perspectiva de porta-voz do Sul e de um ponto de vista globalizante, sendo que
cada negociação e argumentação passou a se voltar a sua lógica própria, não representando
mais uma das faces da política de congelamento do poder mundial por parte dos países do
Norte, abandonando, portanto, a sua postura anti-sistema (SENNES, 2003, p. 119).
Essa mudança ocorreu na imagem que o Brasil fazia de si mesmo, enquanto nas
décadas anteriores posicionava-se, no sistema internacional, como país ocidental e de
Terceiro Mundo, na década de 90, procuraria acentuar sua diferença em relação ao restante
do Sul, utilizando classificações como “país com alguns padrões de Primeiro Mundo” e
“país desenvolvido, mas injusto” (SENNES, 2203, p. 119).
Ademais, a diplomacia brasileira também abandonou o questionamento global à
ordem econômica internacional, dos períodos anteriores, apesar de continuar criticando
aspectos injustificáveis da mesma como o protecionismo comercial do Norte e as restrições
à difusão de tecnologia de ponta. Entretanto, tais críticas, a partir desse momento,
passariam a ter uma orientação objetiva e tópica, isentas de qualquer conotação de uma
clivagem Norte-Sul (ABDENUR, 1994, p. 43).
Logo no início da década de 90, o Brasil inaugurou um processo de “limpeza de sua
agenda internacional”, equacionando problemas relacionados a diversos temas, antes tidos
como delicados, como Direitos Humanos, Meio Ambiente, tecnologia nuclear, informática.
Com isso, buscava empreender uma imagem de país confiável e estável, dois elementos de
grande valor em um mundo globalizado e de forte competição por acesso a mercados,
investimentos produtivos e tecnologia. Dentre os assuntos mais importantes estava a adesão
aos regimes de caráter econômico, principalmente aqueles relativos à abertura econômica,
investimentos estrangeiros, protecionismo e subsídios (SENNES, 2003, p. 120-121).
141
Entretanto, persistiram alguns comportamentos, como reforço da estratégia de
buscar a consecução de determinados objetivos pela via multilateral, como maneira de
incrementar a presença e a capacidade negociadora do país, insistindo, assim, na reforma
da ONU no sentido de ajustar sua representatividade às novas realidades do pós-Guerra
Fria e, nas articulações, desde o governo Sarney, para que o Brasil fosse indicado a um dos
assentos permanentes do CSNU (SENNES, 2003, p. 121).
Também como forma de incrementar seu poder de barganha, o Brasil manteve a
atuação por meio de alianças, insistindo em negociar com os EUA assuntos relativos à
integração hemisférica por meio do Mercosul, via acordos 4+1, ou em foros mais amplos
onde todos os desenvolvidos participavam, além da formação do G-15, conformando os
países de desenvolvimento mais avançado (SENNES, 2003, p. 122).
As posturas multilaterais do Brasil, no período, portanto, misturaram posições
típicas de Grandes Mercados Emergentes, cujo traço principal seria a visibilidade como
estratégia para atração de investimentos e negócios internacionais, e recorrentes de uma
Potência Média, adotando estratégias de maximização de sua capacidade de negociação por
meio de ações coletivas e de reforço do multilateralismo (SENNES, 2003, p. 122).
no governo Collor, o Brasil defendia uma participação mais ampla do Brasil no
processo decisório internacional, por meio do apoio ao multilateralismo para a solução dos
problemas internacionais. Essa postura, segundo Azambuja, via-se reforçada pela maior
abertura brasileira à cooperação externa e por sua determinação de inserção crescente na
economia mundial (AZAMBUJA, 1991, p. 17-18).
No entanto, essa postura não significava conseguir, ao Brasil, uma vaga no Primeiro
Mundo, conceito que, aliás, havia perdido muito de força com o fim do socialismo real e
com a diversificação dos países em desenvolvimento, mas sim sustentar que o País o
poderia ficar à margem de discussões que lhe diziam respeito. O Brasil deveria,
exatamente, participar para que as questões de seu interesse fizessem parte da agenda e
fossem tratadas de forma equilibrada (AZAMBUJA, 1991, p. 18).
Os chamados novos temas, que o Brasil também abraçava, não poderiam servir,
segundo a diplomacia brasileira, para relegar a segundo plano, conforme estaria ocorrendo,
os problemas econômicos e sociais dos países em desenvolvimento bem como o esforço da
comunidade internacional para resolvê-los (AZAMBUJA, 1991, p. 18).
142
O Brasil via que, com o fim da bipolaridade, teria emergido um mundo
interdependente, no qual nenhum país estaria imune aos seus riscos, nem poderia furtar-se a
aproveitar as amplas oportunidades de cooperação abertas por este, crescendo, portanto, a
importância da diplomacia para todas as nações (AZAMBUJA, 1991, p. 1991). Reforçando
esta idéia, o novo chanceler, Celso Lafer, em discurso na AGNU, reafirmou a vocação
brasileira ao diálogo e à cooperação, desejando, o Brasil, contribuir à empreitada comum
de dar forma coerente e eqüitativa à nova ordem internacional (LAFER, 1993, p. 97).
Nas questões econômicas, a diplomacia brasileira, durante o governo de Itamar
Franco, praticamente, fez desaparecer de seu discurso o termo “inserção competitiva”
lema fundamental do governo anterior além de fazer poucas referências de natureza mais
específica acerca das relações econômicas externas do país. Essa cautela dever-se-ia não
somente à necessidade de considerar as incertezas internacionais, mas também as da
conjuntura política e econômica doméstica e, principalmente, da indefinição acerca dos
rumos do projeto de desenvolvimento nacional. Além disso, o MRE perdeu um pouco de
suas prerrogativas na condução de temas econômicos (MELLO, 2000, p. 122).
Ao longo do período, em questões econômicas, o Brasil estaria abandonando sua
tradição de negociações externas setoriais limitadas, cuja maior expressão teria ocorrido no
âmbito da ALALC e da ALADI, para passar, a partir do processo de liberalização
comercial preferencial, a uma participação mais destacada no âmbito multilateral
(BERNAL-MEZA, 2002, p. 46-47).
No campo político, poder-se-ia definir a participação brasileira como contraditória,
que o País era, ao mesmo tempo, membro pleno de um sistema de segurança coletiva e
crítico do sistema de poder na ONU; e também partidário de uma postura rígida de não-
intervencionismo, adotando uma política de avaliação, caso a caso, da conveniência do
direito à autodeterminação ou do dever de ingerência (BERNAL-MEZA, 2002, p. 47).
Nos governos FHC, o Brasil voltou-se aos novos temas da globalização, num
cenário em que o livre comércio e o livre fluxo de capitais depreciavam a segurança, sendo
que a agenda brasileira, nos foros multilaterais, estaria focada no liberalismo econômico,
ecologia, direitos humanos, segurança, multilateralismo comercial e fluxo de capitais
(CERVO, 2002, p. 10).
143
O Brasil, portanto, por suas credenciais, desejava continuar a desempenhar um
papel ativo nas negociações multilaterais relativas aos temas globais. O desenvolvimento
de uma atuação mais destacada e participativa nesses temas, particularmente na ONU,
deveria estar de acordo com o peso específico e as responsabilidades do País no sistema
internacional (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR CELSO LAFER NO CARGO
DE MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2001, p. 179).
Na ONU, a década de 90 ficou marcada como a década das grandes conferências
132
,
exemplo da crença no multilateralismo que permeou, principalmente, o imediato pós-
Guerra Fria. O otimismo, com o fim da bipolaridade, deu lugar, na esfera multilateral, a
uma mobilização dos foros multilaterais para encarar os problemas mundiais
133
(ALVES,
2001, p. 31).
Com o fim da Guerra Fria, portanto, certos assuntos seriam globais, exigindo
tratamento coletivo e colaboração universal, sendo que, a partir daquele momento, não
recorrer-se-ia apenas aos governos nacionais, na formulação de proposta ao enfrentamento
desses problemas, mas também a diferentes agentes sociais, como as organizações o-
governamentais (ALVES, 2001, p. 34).
As conferências do período teriam sido fundamentadas, de forma sistêmica, pelos
conceitos-chaves de desenvolvimento sustentável, definido e consagrado pela Rio-92 por
meio da atuação da delegação brasileira, conforme veremos adiante, e de direitos humanos,
com as características legitimadas pela Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, no
ano de 1993, onde estes direitos passaram a ser entendidos como um conjunto indissociável
de características fundamentais das quais seriam titulares todas as pessoas pelo simples fato
de serem humanas (ALVES, 2001, p. 35).
Os países do Sul, como o Brasil, aproveitar-se-iam das grandes conferências para,
ao mesmo tempo, fazer da instituição alvo de intensos debates acerca da necessidade de sua
reforma, principalmente de seu órgão máximo, o CSNU. Esses países buscavam, com isso,
132
As conferências sociais foram as seguintes: criança, em 1990; meio ambiente, em 1992; direitos humanos,
em 1993; população, em 1994; desenvolvimento social, em 1995; mulher, em 1995; assentamentos humanos
ou habitat, em 1996; e alimentação, em 1996.
133
Como demonstração dessa crença, no âmbito da ONU, houve um aumento extraordinário no número de
operações de paz, além da série de conferências no campo social, legitimando a presença na agenda
internacional de “temas globais”, antes sob a responsabilidade das jurisdições nacionais (ALVES, 2001, p.
31).
144
institucionalizar multilateralismo, a despeito da presença desproporcional da superpotência
norte-americana no sistema internacional e suas reservas em aceitar um processo
compartilhado de exercício de poder (ARRAES, 2006, p. 7).
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
134
, realizada entre 03 e 21
de junho de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, foi vista pela diplomacia brasileira como
uma oportunidade para reafirmar o novo caráter do Brasil no cenário internacional, como
país que aceitava discutir e solucionar os mais diferentes temas, como direitos humanos e
meio ambiente.
Na Rio-92 se percebia uma certa reversão do clima otimista do imediato pós-
Guerra Fria, demonstrada certas repreensões ao Sul e de reservas deste em relação ao
Primeiro e ao ex-Segundo Mundo, tendo tudo para que ser apenas mais um capítulo do
conflito Norte-Sul. Isso não teria ocorrido, em grande medida, devido aos esforços
brasileiros, que, ao sediar a conferência, por convicção própria e até por necessidade de
autodefesa, estaria interessado em assegurar o êxito do evento, com o apoio de muitos
outros atores, governamentais e não-governamentais, desde o processo de preparação para
o encontro (ALVES, 2001, p. 67).
Um dos grandes méritos da conferência teria sido a conscientização de que, se por
um lado a superpopulação era voraz, a pobreza poderia ser poluidora, e a miséria tendia a
ser catastrófica ao meio ambiente, por outro a maior responsabilidade pela destruição
ambiental planetária advinha de padrões insustentáveis de produção e consumo do Norte.
Tais méritos seriam incorporados pelos setores “avançados” dos países do Sul, com efeitos
igualmente predatórios e mais dificilmente solucionáveis devido à escassez de recursos.
134
A Conferência também recebe outras siglas como Eco-92, Rio-92 e Cúpula da Terra. Dentre os temas a
serem discutidos pela Conferência, segundo a Resolução 44/228 de 22 de dezembro de 1989 estariam:
a) a proteção da atmosfera por meio do combate à mudança do clima, ao desgaste da camada de ozônio e à
poluição transfronteiriça do ar;
b) proteção da qualidade do suprimento de água-doce;
c) proteção das águas oceânicas, marítimas e zonas costeiras e conservação, uso racional e
desenvolvimento de seus recursos vivos;
d) proteção e construção dos solos por meio, inter alia, do combate ao desmatamento, à desertificação e á
seca;
e) conservação da diversidade biológica;
f) controle ambientalmente sadio da biotecnologia;
g) controle de dejetos, principalmente químicos e tóxicos;
h) erradicação da pobreza e melhoria das condições de vida e de trabalho no campo e na cidade;
i) proteção das condições de saúde (Disponível em:
http://daccessdds.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/549/87/IMG/NR054987.pdf?OpenElement. Acesso
em 17 de novembro de 2008).
145
Frente a esses fatores, as responsabilidades pela degradação ambiental seriam comuns, mas
diferenciadas, sendo que a luta pela conservação ambiental não poderia ocorrer pela
simples abstenção, nem pela renúncia do Sul aos objetivos de desenvolvimento, mas sim
por meio de esforços generalizados e cooperativos com vistas à promoção, nacional e
internacional, de um modelo de desenvolvimento sustentável (ALVES, 2001, p. 67-68).
A noção de desenvolvimento sustentável
135
, fortemente apoiada e defendida pelo
Brasil, teria sido a principal inovação conceitual promovida pela Rio-92 ao tratamento
global do tema ambiental. O conceito de desenvolvimento sustentável, para o governo
brasileiro, poderia unir ricos e pobres, grandes e pequenos, para que todos pudessem
prosperar e diminuir as distâncias que separavam os países (RPEB, n. 70, 1992, p. 148).
O governo brasileiro acreditava que, por meio da realização da Conferência,
pudesse criar a primeira grande negociação multilateral universal do pós-Guerra Fria,
esperando que esta proporcionasse o início de uma nova fase de grandes conferências
normativas, que redefinissem e redesenhassem as regras da cooperação internacional
(MRE, 1993, p. 11).
A posição do governo brasileiro, tanto no processo preparatório quanto na
realização da Rio-92 estaria fundamentada nos seguintes princípios:
- os problemas ambientais globais eram relevantes e deveriam ser tratados
prioritariamente pela comunidade internacional;
- existiam responsabilidades diferenciadas pela causa e pelas correspondentes
soluções dos problemas ambientais globais, sendo que os países desenvolvidos deveriam
assumir um custo fortemente maior (VIOLA, 1998, p. 11).
Para o Brasil, a comunidade internacional deveria proceder a uma avaliação
criteriosa do estado do meio ambiente e das condicionalidades socioeconômicas
relacionadas ao processo de degradação ambiental; demarcar os padrões à promoção do
135
Esse conceito teria sido oriundo do Relatório Brundtland, publicado em 1987, onde o desenvolvimento
sustentável é colocado como aquele “que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade
das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. O Relatório propõe uma série de medidas a serem
tomadas pelos países para garantir, internamente, tal objetivo. Internacionalmente, as metas propostas seriam:
- adoção da estratégia de desenvolvimento sustentável pelas organizações de desenvolvimento (órgãos e
instituições internacionais de financiamento);
- proteção dos ecossistemas supranacionais como a Antártida, oceanos, etc., pela comunidade
internacional;
- implantação de um programa de desenvolvimento sustentável pela ONU. (Disponível em:
http://www.worldinbalance.net/pdf/1987-brundtland.pdf. Acesso em 17 de novembro de 2008).
146
ideal do desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio; e discutir, como prioridade,
a questão do direcionamento de recursos financeiros novos e concessionais ao Sul, bem
como a adoção de mecanismos de acesso desses países, sob condições favoráveis, às novas
tecnologias ambientais (AZAMBUJA, 1992, p. 61).
O Brasil, conforme avaliações de membros do governo, teria assumido posição de
liderança nos esforços nacionais e internacionais em prol da preservação ambiental, que
as aspirações em torna da necessidade de respeito à natureza representavam amplo
consenso no País
136
. Ter-se-ia passado a encarar as preocupações da comunidade
internacional não como uma ameaça, mas como elemento que, encaminhado de forma
madura e equilibrada, se mostrava imprescindível à superação de problemas, nacionais e
internacionais, estando aberto à cooperação internacional por meio da conclusão de
entendimentos com os mais diferentes parceiros (AZAMBUJA, 1992, p. 62-63).
Em avaliação acerca da postura do governo brasileiro, Bertha Becker apontou que o
Brasil teria tido uma atitude concreta ao aceitar o desafio ambiental, do desenvolvimento
sustentável, para tentar obter recursos e exercer um papel de mediador das relações Norte-
Sul, o que teria fortalecido a sua posição de país semiperiférico, reforçada pela capacidade
de organização da Conferência, mostrando ser capaz de gerir o território e seus recursos
(ECO-92: PRIMEIRA AVALIAÇÃO DA CONFERÊNCIA, 1992, p. 42).
Para Azambuja, a Conferência teria reafirmado a viabilidade do multilateralismo de
participação universal, um dos principais objetivos do Brasil. Além disso, ao adicionar a
sustentabilidade ao desenvolvimento, este conceito ter-se-ia universalizado, já que não
haveria nenhum país que não partilhasse dessa idéia, e ao unificar meio ambiente e
desenvolvimento teria retirado do primeiro a idéia de que o homem seria apenas uma
espécie dentre milhares, não tendo, portanto, uma posição central na natureza (ECO-92:
PRIMEIRA AVALIAÇÃO, 1992, 45). O Brasil, segundo o embaixador, teria, durante a
conferência, procurado o consenso, não querendo afastar-se do G-77 e do Sul, mas, ao
mesmo tempo, mostrar que possuía outras cartas e outros tabuleiros para jogar, tendo feito
136
Segundo o governo brasileiro, o Brasil teria se empenhado na defesa ambiental por meio de medidas como
a prioridade para interromper a devastação de florestas e o garimpo em áreas proibidas; lançamento de um
projeto de reflorestamento; criação de reservas biológicas, áreas de relevante interesse ecológico e áreas de
proteção ambiental; decisões para o ordenamento territorial da região amazônica; disposição de cumprimento
da lei, por meio da fiscalização das atividades predatórias ou poluidoras; reestruturação do sistema nacional
de meio ambiente e criação da Secretaria de Meio Ambiente, como órgão de assistência direta do presidente
(O BRASIL E A CONFERÊNCIA DO RIO, 1992, p. 62-63).
147
uma política que não se separava dos pobres, apenas se aproximava dos demais (ECO-92:
PRIMEIRA AVALIAÇÃO DA CONFERÊNCIA, 1992, 46).
Segundo Nogueira, essa postura teria convertido o Brasil numa espécie de refém do
sucesso do encontro, percebido como o consenso a qualquer preço, ainda que no nível de
um denominador comum muito baixo. O governo brasileiro pareceu dar-se por satisfeito
em deixar de ser o grande alvo das críticas internacionais, em particular dos EUA, em
relação à queima de Floresta Amazônica, demonstrada pela disposição de Collor em
colaborar com um projeto de monitoramento internacional da exploração da Amazônia
(BATISTA, 1993, p. 117).
A delegação brasileira, segundo Nogueira, apesar do isolamento dos EUA, teria
feito de tudo para acomodar a posição norte-americana
137
. O Brasil também teria se
conformado com a aprovação da Agenda 21, um documento cujas cláusulas seriam simples
declarações de intenções para os desenvolvidos, mas que poderiam transformar-se em
obrigações efetivas aos países em desenvolvimento à medida que sua observância pelos
mesmos tornasse condição para a concessão de cooperação financeira por parte do Norte
que se dispuseram a fazê-lo (BATISTA, 1993, p. 118).
O governo brasileiro teria, portanto, apesar de, nos discursos e avaliações oficiais,
demonstrando abertura ao diálogo com o Norte e que não abandonaria a sua solidariedade
ao Sul, desprezado qualquer possibilidade de negociação direta com a CEE, em articulação
com países de peso na questão ambiental, como Índia e China, em torno de padrões mais
efetivos de combate à poluição e de compromissos mais legítimos de cooperação financeira
e tecnológica, não chegando sequer a tentar uma coordenação com os países do sudeste
asiático e da Bacia Amazônica a respeito das florestas tropicais (BATISTA, 1993, p. 118).
No ano seguinte, em junho, realizou-se, em Viena, a Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos. Devido à sua postura em relação aos direitos humanos, a delegação
brasileira teve um papel de destaque como presidente do Comitê de Redação, buscando um
137
Dentre as demonstrações de tal postura estariam o empenho na reabertura do texto da Convenção sobre
Biodiversidade, por meio da fórmula que, caso tivesse sido aceita, enfraqueceria o direito do acesso dos
países do Sul à tecnologia desenvolvida a partir de material colhido nesses países e a disposição, sem sucesso,
a acatar a idéia de converter a Declaração sobre Florestas Tropicais numa Convenção, pela qual, sem
nenhuma contrapartida do Norte, o Brasil assumiria obrigações jurídicas em relação à exploração da
Amazônia. Ademais, todas essas concessões teriam sido feitas sem que os EUA tivessem aceito
compromissos firmes de redução das emissões de gás carbônico na Convenção sobre Clima, o que teria
transformado a convenção em mero acordo-quadro, inócuo de compromissos com metas quantitativas e
temporais (BATISTA, 1993, p. 118).
148
conceito que conciliasse as duas diferentes visões acerca do tema
138
(ARRAES, 2006, p.
13).
Assim como a maioria dos países latino-americanos, o Brasil não se mostrava
contrário à criação de um novo organismo vinculado à ONU para monitorar a situação dos
direitos humanos em diversos países, pois, para o País, a Comissão de Direitos Humanos
(CDH) teria como uma de suas funções auxiliar os Estados a reforçar-se
administrativamente com vistas à valorização dos direitos humanos (ARRAES, 2006, p.
15).
Como parte de sua política externa voltada, no âmbito multilateral, ao
desenvolvimento, a delegação brasileira apontou que este estaria intrinsecamente vinculado
aos direitos humanos e à democracia e que, portanto, superariam toda as especificidades
culturais, aproveitando para demonstrar as medidas, implementadas, pelo governo, na área
(ARRAES, 2006, p. 15; TRINDADE, 2006, p. 224-225).
Em 1995, a ONU realizou, em Copenhague, Cúpula Mundial sobre o
Desenvolvimento Social. Os países do Sul chegaram à conferência receosos de que as suas
resoluções pudessem ser utilizadas como condições para futuros acordos de cooperação
internacional, que na preparação havia sido constatada a gestão de recursos
financeiros, humanos e naturais. Esta constatação, para esses países, nada mais seria do que
uma maneira de ocultar as restrições sistêmicas oriundas da difusão da nova ordem
internacional, baseada no otimismo antiestatal e, conseqüentemente, favorável a uma
diminuição do Estado de Bem-Estar Social (ARRAES, 2007, p. 18).
Como parte de sua política externa transparente, o Brasil, pela primeira vez,
oficializou, à ONU, seus dados relativos à desigualdade social
139
, mostrando-se como país
injusto, mas não subdesenvolvido, apontando para a forte interação entre governo e
sociedade civil, que caracterizou o processo preparatório e se manteve durante o evento,
dentro da delegação brasileira, de composição mista, assegurando legitimidade e solidez às
posições brasileiras defendidas durante a cúpula (ALVES, 2000, p. 207). Com uma posição
sólida, a delegação brasileira chegou a aventar a possibilidade de criação de instrumentos,
138
Esse debate estaria baseado na possibilidade ou não de que princípios abstratos devessem estar submetidos
à primazia dos interesses nacionais, históricos, religiosos, econômicos e culturais.
139
Segundo esses dados, o Brasil teria a pior situação da América Latina, com cerca de 42 milhões de
habitantes considerados pobres e indigentes, ou seja, quase 27% da população, além de taxas significativas de
analfabetismo e de trabalho infantil e crescente concentração de renda (ARRAES, 2007, p. 19).
149
por meio das instituições multilaterais, de controle de capitais de curto prazo (ARRAES,
2007, p. 19-20).
A Conferência tinha como objetivo principal a superação da idéia de que o
crescimento econômico e a industrialização por si mesmos forneceriam os instrumentos
necessários ao desenvolvimento social, em que a riqueza gerada seria repartida de forma
mais equânime. O desenvolvimento social, portanto, seria um elemento primordial à
consecução e manutenção da paz intra e internacional (ALVES, 2000, p. 190-193).
Também ficou patente, a pouca vontade política internacional, principalmente dos
do Norte, em destinar recursos ao abrandamento do abismo socioeconômico internacional,
tanto que, em relação à dívida externa, apenas os países considerados extremamente pobres
poderiam ter sua dívida, com o Clube de Paris, perdoada (ARRAES, 2007, p. 19-20).
Em relação às coalizões sulistas, a Cúpula apontou para a falta de articulação
política do G-77 em relação as suas reivindicações tradicionais, acarretando divergências
iniciais acerca da formulação e execução de políticas desenvolvimentistas, sendo que o
Brasil e outros países latino-americanos tiveram fortes discordâncias com os demais países
do grupo, principalmente aqueles não-democráticos
140
(ARRAES, 2007, p. 19-20).
Apesar desses pontos negativos, a Cúpula chegou ao final com resultados positivos,
pois teria contribuído para a afirmação do desenvolvimento social, em uma nova
concepção, na agenda internacional do final do século XX como um dos mais importantes
temas globais, ao qual estariam vinculadas a paz e a possibilidade de progresso no milênio
seguinte (ALVES, 2000, p. 210).
Ainda no âmbito das ONU, o Brasil continuou a participar das reuniões da Unctad.
Na VIII Reunião, realizada em fevereiro de 1992 em Cartagena de Índias, a delegação
brasileira apontou que o fim da Guerra Fria constituía-se em excelente oportunidade para
140
Na fase final das negociações, o G-77, em um momento de ausência do Brasil e de outros países latino-
americanos, aprovou um novo parágrafo para os compromissos a serem assumidos pela cúpula, estabelecendo
que a “formulação e a implementação de estratégias, políticas, programas e ações em favor do
desenvolvimento social” eram de responsabilidade de cada país e deveriam levar em conta a diversidade
econômica e social das respectivas condições, com pleno respeito aos diversos valores religiosos e éticos,
contextos culturais e convicções filosóficas de suas populações Com vistas a evitar um retrocesso nos
resultados obtidos nas conferências anteriores, a delegação brasileira comunicou ao grupo de trabalho
responsável pelo assunto que, sem a menção aos direitos humanos, o parágrafo em questão não poderia mais
ser encarado como proposta coletiva do Grupo, que não o apoiava. Devido a essa intervenção brasileira, o
texto final dos compromissos de Copenhague não deixou de mencionar que a formulação e execução de
políticas desenvolvimentistas deveriam respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais (ALVES,
2000, p. 202-203).
150
que a Conferência recuperasse a sua credibilidade, como geradora de idéias inovadoras
para a cooperação internacional ao desenvolvimento. Uma nova parceria entre os governos
e outras organizações internacionais deveria basear-se na percepção de que as negociações
e eventual adoção de decisões em assuntos específicos seriam o resultado natural de um
processo de construção gradual de consenso (BOLETIM DE DIPLOMACIA
ECONÔMICA, n. 10, 1992, p. 55-56).
O Brasil, na oportunidade, reforçou o seu compromisso com o G-77, no sentido de
superar a confrontação cega com o Norte e engajar-se em um diálogo construtivo. A
delegação brasileira ainda apontou que as atenções deveriam ser voltadas aos aspectos
sociais do desenvolvimento, de forma a evitar que o processo de crescimento levasse a
assimetrias sociais ainda maiores, com a marginalização de amplos segmentos da
população. Percebia que uma nova parceria para o desenvolvimento deveria estar baseada
no reconhecimento de que o crescimento e bom funcionamento dos mercados eram as
bases nas quais o caminho para o desenvolvimento deveria ser construído (BOLETIM DE
DIPLOMACIA ECONÔMICA, n. 10, 1992, p. 56).
No governo seguinte, do presidente Itamar Franco, teria sido nos foros multilaterais,
particularmente na ONU, onde melhor foi possível perceber uma atuação internacional do
Brasil no sentido de reverter o quadro de passividade e, principalmente, de imprimir maior
visibilidade ao país frente à comunidade internacional. Este esforço de imprimir maior
visibilidade, a partir de então, estaria conjugado ao objetivo de garantir voz e voto no
processo de reforma institucional da ordem internacional vigente (HIRST; PINHEIRO,
2005, p. 11).
A diplomacia brasileira, neste governo, teria intensificado a ação diplomática com
vistas a descobrir um vetor de inserção no debate internacional que possibilitasse, ao País,
uma participação mais ativa e menos defensiva. Destacar-se-iam os esforços de realizar, no
âmbito da ONU, a proposta brasileira de que uma Agenda para o Desenvolvimento fosse
acrescentada à Agenda para a Paz, fundamentada na visão de que a agenda internacional se
estruturaria em torno da democracia, do desenvolvimento e do desarmamento, com
conseqüências sobre direitos humanos, meio ambiente e segurança internacional, e de que
pobreza e subdesenvolvimento seriam ameaças importantes à paz e segurança
151
internacionais, buscando, com isso, comprometer a ONU com o esforço de superação do
subdesenvolvimento e da pobreza (HIRST;PINHEIRO, 1995, p. 11).
A idéia de uma “Agenda para o Desenvolvimento” em complemento à “Agenda
para a Paz” estaria baseada, portanto, na visão de que o debate das questões de paz e
segurança tendia a ser privilegiado pelas grandes potências, o que não poderia suplantar o
debate acerca do desenvolvimento econômico e social (CARDOSO, 1993(c), p.9).
O Brasil procurou garantir uma posição no debate de questões globais, como
direitos humanos, meio ambiente, narcotráfico e terrorismo, opondo-se, francamente, aos
novos conceitos de caráter intervencionista que, ao lado de novos princípios, como
soberania compartilhada e intervenção humanitária, reivindicavam à comunidade
internacional o dever de intervenção, assistência e interferência em situações nas quais os
direitos humanos ou a democracia estivessem ameaçados
141
.
Para o governo brasileiro, os temas globais, reflexos de responsabilidades
compartilhadas pela comunidade internacional, desafiariam desafiavam as modalidades
clássicas de atuação internacional, centrada em conceitos de soberania absoluta ou não
ingerência e reclamavam a crescente cooperação internacional, em bases realistas e
transparentes (CARDOSO, 1993(c), p. 9).
Um dos principais focos da diplomacia brasileira, na ONU, a partir de então seria o
debate, naquela organização, acerca da ampliação e democratização de seus órgãos, sendo
que o projeto de expansão do CSNU passou a ser considerado decisivo para ampliar a
legitimidade e conferir maior eficácia ao órgão, garantindo sua adequação à nova realidade
internacional. A partir de então, o governo brasileiro, inicia a campanha, continuada pelos
governos posteriores, como candidato da América Latina, a um assento permanente no
Conselho, preparando-se para defender uma antiga demanda brasileira, oriunda da época da
Liga das Nações.
A reivindicação basear-se-ia na tese de que o CSNU teria passado a ter uma
importância estratégica nas relações internacionais e que, portanto, o Brasil deveria fazer
parte da discussão acerca de uma maneira de se democratizar o processo decisório naquele
órgão (CARDOSO, 1993(c), p. 5).
141
O governo brasileiro temia que tais reivindicações pudessem voltar-se contra o Brasil, devido a episódios
como a chacina de menores de rua na cidade do Rio de Janeiro, em julho de 1993, o massacre dos índios
ianomâmis, em agosto de 1993, e as freqüentes denúncias de destruição ambiental na Amazônia.
152
O Brasil, dessa maneira, reforçava a sua crença nas virtudes do multilateralismo,
acreditando que a construção de uma nova ordem internacional deveria passar,
necessariamente, pelo seu fortalecimento, em bases democráticas e não-discriminatórias,
sendo que, devido ao seu peso específico, o Brasil estaria credenciado a uma participação
cada vez mais ativa (CARDOSO, 1993(c), p. 9). O reforço do multilateralismo, fosse no
plano político, na ONU, no desarmamento, na CDH, fosse no econômico, na OMC, seria
uma prioridade indispensável da política externa brasileira (AMORIM, 1997, p. 18).
A aspiração a uma cadeira permanente no CSNU, por parte do Brasil, significaria
uma tentativa de modificar, ao lado da participação nas conferências, a imagem recente do
País, projetada de modo depreciativo em relação à questão da Amazônia
142
, direitos
humanos e escândalos políticos. Essa aspiração também refletiria a busca por mais
prestígio, ou seja, o reconhecimento, por parte da comunidade internacional, visando, com
isso, obter legitimidade, a posteriori, da aplicação de determinadas medidas, políticas e
econômicas, que tiveram por objetivo, a princípio, a estabilização monetária e,
posteriormente, a modificação do perfil estatal, ao integrar mais o País à economia
internacional (ARRAES, 2006, p. 26).
À diplomacia brasileira valores como democracia, pacifismo, legalismo e
multilateralismo, defendidos, a partir da década de 90, credenciariam o Brasil a uma
presença formal mais relevante na nova estrutura internacional (ARRAES, 2006, p. 28).
Na gestão Franco, portanto, a prioridade brasileira na ONU seria ampliação do
CSNU, em que países como Alemanha, Japão, Índia, Nigéria ou Egito pudessem figurar
como membros permanentes do Conselho, ainda que sem direito ao veto, num primeiro
momento.
Entretanto, essa aspiração brasileira não encontraria consenso no plano regional,
que os países da região posicionar-se-iam favoravelmente à ampliação daquele órgão, mas
não indicariam o representante latino-americano para a vaga, sendo que o principal parceiro
brasileiro na região - a Argentina - defenderia a rotatividade de uma eventual vaga latino-
americana (ARRAES, 2006, p. 28).
142
Como parte do projeto de proteção da Amazônia, o governo brasileiro implantou um sistema de vigilância
da Amazônia, o chamado SIVAM, para reprimir a prática de atos ilegais na região, como tráfico de drogas e
contrabando de recursos minerais, assim como incentivar o controle ambiental e das áreas indígenas por meio
do monitoramento do uso das terras e das águas; e garantir um povoamento ordenado na área baseado em um
projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.
153
O chanceler brasileiro, Celso Amorim, enfatizaria, em discurso na abertura da
AGNU, o fortalecimento do papel daquele órgão e a ampliação do Conselho, por meio de
uma maior participação do Sul em todas as categorias de membros, sendo que estes
configurariam passos importantes na direção da democratização e legitimidade da
instituição. Na ocasião, apontou que o Brasil estaria participando, de forma ativa, do debate
acerca da ampliação do CSNU, deixando clara sua disposição a assumir todas as
responsabilidades inerentes aos países que se credenciassem assentos permanentes na nova
configuração daquele órgão
143
(ARRAES, 2006, p. 28).
Além disso, a partir da década de 90, o Brasil, cada vez mais, irá mostrar-se como
porta-voz dos interesses latino-americanos, principalmente do Grupo do Rio, apontando a
passagem de uma atuação individualizada para outra mais coordenada com os demais
países da região e com outros fora dela, demonstrando uma posição política mais ativa,
que esse tipo de atuação, de forma geral, implica maior compromisso e articulação política
do que as intervenções individuais do período anterior, baseadas somente na reafirmação
dos princípios gerais da Carta da ONU (SENNES, 2001, p. 110-111).
Portanto, na ONU, durante o governo Franco, a prioridade máxima do Brasil estava
concentrada na reformulação dos órgãos daquela instituição, principalmente do CSNU. Os
argumentos adotados com vistas à obtenção de um assento permanente no Conselho
estariam fortemente ligados a uma mesma linha de raciocínio, cuja raiz estaria na criação
da ONU, sendo reforçada na década de 70 e retomada na década de 90, ou seja, a crença de
que o País possuía determinados atributos que o credenciavam a um lugar de destaque no
sistema internacional, seja por meio da avaliação de matriz geopolítica ou de poder
relativo, seja pelas credenciais conquistadas via atuação diplomática, percebida como
coerente, confiável e baseada em fortes princípios.
Na “era” FHC, a diplomacia brasileira continuaria a defender uma reforma na
estrutura institucional internacional, ou seja, a reformulação da ONU, a revisão de sua
Carta e a ampliação do CSNU para dar, à instituição, maior representatividade,
racionalidade e eficácia; a adequação de seus organismos econômicos aos condicionantes
143
Como maneira de demonstrar essa mudança de postura em relação ao Conselho, o Brasil não alteraria
apenas retoricamente suas posturas e objetivos, mas também o seu nível de participação e comprometimento
com aquele órgão, incrementando a sua participação em operações de peacekeeping, peace enforcement e
missões de paz e observação (SENNES, 2001, p. 109).
154
da globalização e da regionalização; e o fortalecimento das missões de paz (BARBOSA,
1996, p. 77-78).
Com a proximidade do 50º da ONU, emergem estudos acerca de um
remodelamento da organização, incluindo, naturalmente, o CSNU
144
. Aproveitando-se do
clima favorável, o governo brasileiro delineou as condições gerais para atuação brasileira
no debate acerca da reforma institucional que, segundo Celso Amorim, embaixador
brasileiro para a ONU, deveria levar em conta, prioritariamente, três atributos básicos: a
representação eqüitativa, a eficiência e a efetividade do Conselho (AMORIM, 1995).
Visando desmistificar a idéia propagada pela imprensa brasileira de que a
candidatura a uma vaga permanente seria a prioridade máxima da diplomacia nacional, a
qual estariam subordinadas todas as outras vertentes de política externa, o chanceler, Luiz
Felipe Lampreia, na sessão de abertura da 50ª Sessão da AGNU, utilizou seu discurso para
“baixar a bola” em relação ao assunto, colocando-o em sua devida perspectiva, ou seja, a
de que o Brasil defendia uma reforma que tornasse aquele órgão mais eficaz ao aumentar a
sua legitimidade, o que seria alcançado por meio do aumento de sua representatividade
(LAMPREIA, 1999, p. 333).
O chanceler apontava, ainda, que a questão ou não do ingresso do Brasil neste
CSNU remodelado, seria uma questão futura, pois o que seria relevante seria a
demonstração, por parte do País, de um empenho real em contribuir para uma boa
reformulação, estando disposto a aceitar a convocação da comunidade internacional caso
esta fosse julgada útil e oportuna (LAMPREIA, 1999, p. 333). Naquele momento, o
presidente advertiria que não seriam cabalados votos, ou seja, ou o país se credenciava ao
posto ou não, acreditando que o Brasil teria as credenciais para tal posto, posição que seria
mantida ao longo de todo o primeiro ano de governo (ARRAES, 2007, p. 29-30).
Ao argumentar que a representatividade estaria ligada à emergência de novos
atores, principalmente de países em desenvolvimento que haviam ganhado projeção global
poder-se-ia apontar que o Brasil mudou a sua postura em relação à questão, que não a
144
A Comissão para a Governança Global, grupo independente formado por 28 líderes e intelectuais de
diversos países, aconselhou, em 1995, no relatório “Our Global Neighborhood”, a ampliação do Conselho de
Segurança, por meio da criação de nova categoria, sem direito a veto, com 5 países fixos: 2 industrializados e
um da Ásia, um da América Latina e um da África, além de outros 3 membros que se somariam às vagas
alternativas, elevando o total de membros para 23 (http://www.libertymatters.org/chap7.htm, acesso em 10 de
nov. de 2008).
155
atrelava a um nível regional, conforme no governo anterior em que seria necessário um
assento permanente a um país da América Latina e Caribe, mas sim ao aumento da
relevância dos países em desenvolvimento no sistema internacional (OLIVEIRA, 2005,
117).
Além de sair do espectro regional onde encontrava reticências por parte da
Argentina, o Brasil também conseguia aliados ao seu pleito dentre os países do Sul, que
abria possibilidades para que outros países de nível de desenvolvimento semelhante, como
a Índia, por exemplo, pleiteassem tal vaga, bem como o apoio do mundo em
desenvolvimento que poderia ver no Brasil um representante do Sul, aumentando ainda
mais a visibilidade e credibilidade brasileiras, objetivos-chaves de FHC.
No ano seguinte, os debates acerca da reforma do CSNU arrefecem, que a ONU
convivia com os atrasos no pagamento das quotas dos seus maiores contribuintes, o que
deixava uma mistura de incerteza e frustração, de insegurança em relação ao futuro da
organização e, portanto, de apreensão.
Em seu discurso na 51ª AGNU, em 1996, Lampreia, reconheceria essa paralisação
nos debates acerca da reforma, apontado que aquele seria, exatamente, o momento para a
definição do rumo do processo de ampliação do CSNU, que naturalmente redundaria em
um fortalecimento da organização, pois permitiria uma maior participação de países com
capacidade de atuação global e disposição em arcar com as responsabilidades inerentes a
esse papel
145
(LAMPREIA, 1999, p. 356).
Ademais, essa abordagem acerca da segurança internacional iria ao encontro, no
âmbito interno, da Política de Defesa Nacional, apresentada por FHC, em 07 de novembro
de 1996, em que mais da metade das 20 diretrizes do documento estavam relacionadas à
esfera diplomática e, pelo menos, cinco afetavam diretamente a atuação brasileira em um
foro como o CSNU
146
.
145
Como parte da apresentação das credenciais brasileiras, o chanceler, listaria as realizações brasileiras no
campo da segurança internacional, como os compromissos em desarmamento e não proliferação nuclear,
chegando a anunciar que o Brasil suspenderia a importação de minas terrestres e assinaria o Tratado de
Proibição de Testes Nucleares, em conjunto com outros 65 países e a participação brasileira na força da ONU
em Angola (LAMPREIA, 1999, p; 356).
146
Essas 5 diretrizes seriam:
a) contribuir para a construção de uma ordem internacional baseada no estado de direito, que propiciasse a
paz universal e a regional e o desenvolvimento sustentável da humanidade;
b) participar crescentemente dos processos internacionais relevantes de tomada de decisão;
c) aprimorar e aumentar a capacidade de negociação do Brasil no cenário internacional;
156
Após o relativo retrocesso no pleito brasileiro, no início do ano seguinte, a reforma
do CSNU voltou à baila devido a três fatos principais. O primeiro seria a boa repercussão
da “proposta Razali”, de 20 de março de 1997
147
, que dava maiores possibilidades aos
países em desenvolvimento, que contemplava 7 assentos a essa categoria, dando-lhes a
possibilidade de defender posições conjuntas acerca dos principais assuntos em pauta no
Conselho. O segundo seria a posição favorável dos EUA à candidatura japonesa e alemã e
à criação de dois ou três assentos permanentes a PEDs, incentivando estes a fortalecerem
suas candidaturas. O terceiro seria a posição argentina de defesa da rotatividade de novos
membros permanentes, apesar de o chanceler brasileiro apontar que os critérios à escolha
de membros permanentes não deveriam basear-se em consensos regionais, mas sim na
projeção global dos candidatos (OLIVEIRA, 2005, p. 119-121).
O Brasil, naquele momento, via-se como importante ator nas articulações na ONU;
como país capaz de ser fator de equilíbrio e ponte entre desenvolvidos e em
desenvolvimento; país de diplomacia segura, tradição pacífica, ações refletidas e coerentes,
não afeita a impulsos ou gestos extravagantes. Devido a isso, era um dos países mais
procurados para consultas; sua liderança, discreta e equilibrada, era bem vista dentro e fora
de sua região. Sendo assim, o País não abriria mão de algo que seria natural, objetiva e
universalmente reconhecido, ou seja, caso uma vaga permanente tivesse de ser preenchida
por um latino-americano, o Brasil teria os elementos legítimos a aspirar a essa função
(ARRAES, 2006, p. 30-31).
Ao longo de 1997, o “projeto Razali” foi perdendo a força, entretanto às vésperas
da realização da 52ª Sessão da AGNU, o recém empossado Secretário Geral, Kofi Annan,
divulgou o relatório “Renovação das Nações Unidas: um programa de reforma”
148
,
revigorando a idéia da reforma do CSNU.
d) participar de operações internacionais de manutenção da paz, de acordo com os interesses nacionais;
e) intensificar o intercâmbio com as Forças Armadas das nações amigas
(https://www.defesa.gov.br/pdn/index.php?page=diretrizes, acesso em 10 de novembro de 2008).
147
A proposta, submetida pelo embaixador Ismail Razali, sugeria a criação de mais nove cadeiras para o CS,
sendo que 5 para membros permanentes sem poder de veto e 4 para membros não-permanentes, totalizando
24 membros.
148
Em seu relatório, Kofi Annan destacava a necessidade de reestruturação dos órgãos de direção e gestão da
ONU, reduzindo a sua burocracia por meio da eliminação de cargos e chamava atenção para as dificuldades
financeiras da organização. Ademais, propunha, prioritariamente, o fortalecimento da Assembléia Geral e do
Secretariado, uma melhor interface da ONU com as ONGs, a criação de mecanismos para dar maior rapidez e
efetividade às operações de manutenção da paz e à promoção do desenvolvimento sustentável, ao combate ao
crime, ao narcotráfico e ao terrorismo (Disponível em:
157
No mesmo mês, para angariar a simpatia de outros países da região, o presidente
FHC apresentaria a hipótese de inclusão de dois países sul-americanos – Brasil e Argentina
que a Europa teria quatro representantes e a Ásia teria três (ARRAES, 2006, p. 31).
Aproveitando-se do clima favorável, Lampreia, em seu discurso na 52ª Sessão da AGNU,
fez da reforma um grande tema do discurso brasileiro (LAMPREIA, 1999, p. 360).
O chanceler afirmaria que o Brasil, sob a administração FHC, teria melhorado e
ampliado as suas credenciais de credibilidade e autoridade para a atuar na ONU, pois teria
ingressado no MTCR e no Grupo de Supridores Nucleares, tido papel de destaque na
negociação do CTBT e anunciado a intenção de aderir ao TNP.
Afirmou ainda que o Brasil recebia com entusiasmo o relatório do secretário-geral,
pois acreditava que a ONU precisava resgatar o sentido original da Carta, concentrando-se
em suas missões essenciais: manutenção da paz e segurança internacionais, a promoção da
justiça e do direito internacional, a cooperação para o desenvolvimento sustentável, a
promoção dos direitos humanos e a prestação de ajuda humanitária (LAMPREIA, 1999, p.
368).
Na ocasião, o chanceler defenderia uma reforma voltada ao fortalecimento do
CSNU e da ONU e o ao atendimento do interesse individual de um ou outro país,
desejando, portanto, um Conselho que representasse melhor as realidades internacionais.
Defenderia, portanto, a ampliação dos membros permanentes, com vistas as contemplar o
mundo industrializado e em desenvolvimento, e dos não permanentes, com vistas a
oferecer uma participação mais freqüente aos países interessados. Também repeliria a
criação de uma terceira ou quarta categoria de membros, pois isso enfraqueceria ou
desvalorizaria a participação do Sul e da América Latina no processo de reforma ou no
futuro de um Conselho ampliado (LAMPREIA, 1999, p. 368).
A identificação dos novos membros permanentes deveria ser feita a partir de um
processo democrático de seleção que, sem prescindir do apoio regional, conduzisse a uma
representação legítima e universalmente reconhecida. O chanceler brasileiro afirmou que o
Brasil estaria pronto a aceitar as responsabilidades advindas da condição de membro
permanente, se fosse chamado pela comunidade internacional, desempenhado a função de
http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N97/189/82/IMG/N9718982.pdf?OpenElement, acesso em 11 de
novembro de 2008).
158
membro permanente como representante da América Latina e do Caribe (LAMPREIA,
1999, p. 368-369).
Entretanto, frente às restrições regionais, principalmente da Argentina, também
apontaria que estar-se-ia encaminhando para a construção, senão de um consenso, de uma
expressiva maioria a favor de algumas noções básicas acerca da reforma do Conselho,
como a ampliação do número de membros permanentes, com vistas a contemplar o mundo
em desenvolvimento, sendo que a prioridade deveria ser a definição do formato ideal de um
Conselho ampliado (LAMPREIA, 1999, p. 369).
Pode-se, portanto, constatar uma mudança relativa no tocante ao discurso brasileiro
em relação à reforma do CSNU, não mais partia de um discurso generalista, no qual
destacava a representatividade do Sul, mas sim do nível regional.
A partir de 1998, percebe-se uma inflexão em relação à candidatura brasileira a uma
vaga de membro permanente do CSNU ampliado, fato que teria se arrastado pelos anos
seguintes, devido a diversas questões.
A primeira seria que com o convite para participar do G-8 e o processo repentino de
enfraquecimento da moeda brasileira bem como as crises no Sul, a diplomacia brasileira
passaria a indicar a ampliação do G-8 como alvo diplomático, ou seja, trocaria segurança
pela economia, devido a coordenadas das políticas macroeconômicas (ARRAES, 2006, p.
32). A mudança de tal atitude pode ser comprovada pelo discurso do chanceler na 53ª
Sessão da AGNU, em setembro de 1998, em que a ênfase estava na necessidade de que os
governos buscassem fórmulas para evitar que o sistema financeiro se transformasse em
uma ameaça ao desenvolvimento dos países e ao funcionamento da economia mundial,
sendo necessário o abandono do caminho da globalização excludente – nos processos
decisórios e na divisão dos benefícios e a busca de uma globalização solidária em ambas
a dimensões (LAMPREIA, 1999, p. 376, 381).
No tocante à reforma da ONU, o chanceler apontaria que, para o Brasil, reforma
significaria a atualização do funcionamento e da composição do Conselho, com vistas a
corrigir deficiências fundamentais de legitimidade, representatividade e eficácia, ou seja, a
reforma como meio para transformar o sistema internacional em um ambiente de
convivência pacífica, estável e construtiva (LAMPREIA, 1999, p. 381).
159
A segunda seria a falta de um consenso regional, principalmente com a Argentina,
sendo que o processo regional, conforme ganhava importância dentro dos objetivos da
política externa de FHC.
A terceira seria a resistência dos EUA à reforma nos moldes dos projetos
apresentados, mantendo a posição de oposição a um Conselho com mais de 20 membros,
além de da indefinição em relação aos seus candidatos a membros permanentes. Por último,
havia a possibilidade de imposições de sobretaxas ao orçamento regular de operações de
paz para futuros membros permanentes, o que pressionaria economias em desenvolvimento
que desejavam ingressar no Conselho (OLIVEIRA, 2005, p. 130).
A Samuel Pinheiro Guimarães, parecia haver, no Brasil, uma oscilação de opiniões
acerca da importância relativa do ingresso no CSNU. Para o diplomata, a participação
brasileira no Conselho seria mais importante que a participação em qualquer outro
organismo internacional ou a amizade de qualquer país, que ao tornar-se membro
permanente, o Brasil teria maiores possibilidades de tornar-se membro do G-7, além de que
contaria, certamente, com a amizade e o respeito das demais nações. Tal modificação
ocorreria, pois o poder de veto faria com que o seu poder político, no sistema internacional,
aumentasse e pudesse defender e promover melhor os interesses nacionais (ARRAES,
2006, p. 33-34).
Dessa forma, entre 1999 e 2001, a questão da reforma do CSNU desapareceu dos
discursos presidenciais e ministeriais, tanto que Lampreia afirmaria, em entrevista à Folha
de São Paulo, que o programa Brasil potência mundial” estaria arquivado, já que, para tê-
lo seria necessário ter dimensão militar, ou seja, capacidade de atuação militar em conflitos
fora de sua fronteira. E, com os desafios sociais que tinha e as graves carências populares
não poderia gastar os recursos necessários ao desenvolvimento de tal projeto (ARRAES,
2006, p. 34).
Ademais, em agosto de 2000, em resposta ao embaixador norte-americano na ONU,
Richard Holbrooke, acerca da maior participação brasileira em missões de paz como
maneira de reforçar sua candidatura a uma vaga permanente, o Brasil apontaria a falta de
recursos financeiros e a visão de que a reforma estaria realmente fora das prioridades das
160
grandes potências como justificativa a sua pouca participação em missões de paz
149
(ARRAES, 2006, p. 34).
No ano de 2001, com os atentados terroristas nos EUA, há uma reversão do declínio
da aspiração brasileira a um assento permanente, que a segurança volta a ser prioritária
nas agendas internacionais e o Brasil vislumbrava, novamente, a possibilidade de reforma
na ONU
150
.
Em discurso na 56ª Sessão da AGNU, em 2001, logo após os atentados, FHC
afirmaria que a força da ONU passava por uma Assembléia mais atuante e prestigiada, e
por um CSNU mais representativo, cuja composição não poderia continuar a refletir o
arranjo entre os vencedores de um conflito ocorrido mais de meio século. Assim como
os que pregavam a democratização das relações internacionais, o Brasil também reclamava
a ampliação do Conselho e considerava ato de bom senso a inclusão, na categoria de
membros permanentes, de países em desenvolvimento com credenciais ao exercício das
responsabilidades impostas pelo sistema internacional vigente (CARDOSO, 2001).
Aproveitando-se do momento favorável, o Brasil articulou, em janeiro de 2002, o
apoio russo à candidatura brasileira, bem como o alemão no mês seguinte, em que, por
ocasião da visita do então primeiro ministro alemão, Gerard Schröder, os dois países
emitiram um plano de ação comprometendo-se a apoiar mutuamente o ingresso de seus
países em um CSNU ampliado (ARRAES, 2006, p. 36; CARDOSO, 2002).
149
Exatamente devido a essas deficiências, o Brasil concentraria suas contribuições a missões de paz mais nas
modalidades de observadores militares, políticos e eleitorais do que com tropas propriamente ditas,
participando da UNAVEM III, em Angola, de agosto de 1995 até julho de 1997, MONUA, em Angola, de
julho de 1997 a fevereiro de 1999, ONUMOZ, em Moçambique, de janeiro de 1993 a dezembro de 1994,
UNOMUR, em Uganda-Ruanda, de junho de 1993 a setembro de 1994, UNCRO, na Croácia, de maio de
1995 a janeiro de 1996, UNMOP, em Prevlaka, na Croácia, de 1996 a dezembro de 2002, UNPROFOR, na
ex-Iugoslávia, de agosto de 1992 a março de 1995, UNTAES, na Eslovênia Oriental, de janeiro de 1996 a
janeiro de 1998, das missões, encerradas, em Timor Leste (UNAMET, INTERFET, UNTAET,
UNMISET), MINUGUA, na Guatemala, de novembro de 1994 a janeiro de 1997, MOMEP, no Peru, março
de 1995 a junho de 1999. Neste período também iniciou participação nas seguintes missões de paz em
andamento: MINURSO, no Saara Ocidental, UNFICYP, em Chipre, desde 1995, MARMINCA, na América
Central, desde 1996 (Disponível em http://www.exercito.gov.br. Acesso em 11 de novembro de 2008).
150
Em outubro, em viagem à Espanha e França, Fernando Henrique clamaria por uma ordem internacional
que pudesse ser querida por todos e não temida, realçando itens como a reforma financeira e a reformulação
das instâncias decisoras dos organismos multilaterais. Dessa forma, FHC afirmaria, na França, que se
justificaria a campanha pela democratização dos mecanismos decisórios de poder, incluindo o CS da ONU,
que deveria ser ampliado e reformado com vistas a refletir melhor a realidade, pois havia chegado o momento
de atualização dessas instituições às condições do século XXI. No mesmo ano, em reunião com o presidente
norte-americano, George W. Bush, defenderia o fortalecimento da ONU e a entrada do Brasil no CS,
entretanto, o norte-americano não revelaria sua posição (ARRAES, 2006, p. 35).
161
Apesar desses esforços, o principal obstáculo à candidatura brasileira, em âmbito
regional, não seria a Argentina - desmobilizada e às voltas com a crise interna após
desgaste do modelo econômico implantado - mas sim o México, que devido à aproximação
com os EUA e ao fortalecimento econômico, sentia-se, naturalmente, um representante da
América Latina, em uma possível reformulação do Conselho.
No ano seguinte, em discurso na abertura da 57ª Sessão da AGNU, o chanceler
brasileiro, Celso Lafer, continuaria a defender a reforma do CSNU de forma a aumentar a
sua legitimidade e criar bases mais sólidas à cooperação internacional na construção de
uma ordem internacional justa e estável, sendo que parte essencial da reforma deveria ser a
expansão no número de membros do Conselho, tanto permanentes quanto não-permanentes
(LAFER, 2002).
Segundo documentos da Divisão da ONU do MRE do Brasil, as discussões
encontravam-se entre a persistência do impasse da reforma e a volta de um índice
relativamente alto do número de países que participavam das deliberações do Grupo de
Trabalho (GT) responsável pela discussão do tema
151
. Segundo o documento, o Brasil
demonstrava não estar tão engajado nesta discussão, especialmente no segundo semestre de
2002, tendo mostrado um certo grau de ceticismo em relação à proposta japonesa feita ao
Brasil, Índia e África do Sul, em novembro de 2002, com vistas à promoção de encontros
entre Estados-membros da ONU de forma a discutir a questão e propor uma resolução na
58ª AGNU, buscando acomodar o princípio de expansão do Conselho nas categorias de
membros permanentes e não-permanentes. Os três países em desenvolvimento relacionados
na proposta mostraram-se céticos em relação a mesma, em grande medida devido à posição
do coffee club
152
, resistente à discussão do assunto fora do GT (OLIVEIRA, 2005, p. 133-
134). Sendo assim, o Brasil não estaria disposto a empreender esforços amplos junto a
esses países, pois isto poderia comprometer o bom relacionamento com os países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Ademais, também, devido às eleições presidenciais
daquele ano, a questão da modificação da estrutura dos organismos internacionais ficaria
151
Em 1999, faziam parte desse GT, cerca de 60 países, em 2000, esse número subiu para 93, com uma queda
no ano seguinte, com cerca de 67 países e, aumentando, em 2002, para 90 países (OLIVEIRA, 2005, p. 133).
152
Este grupo seria formado por países que se opunham à entrada de Alemanha, Brasil, Índia e Japão como
membros permanentes de um possível CSNU reformado, principalmente por rivalidades de cunho regional
regional. Faziam parte do grupo: Paquistão opositora à entrada indiana; Coréia do Sul contrária à entrada
japonesa; Argentina – contrária à entrada brasileira e; Itália – contrária à entrada alemã.
162
em segundo plano, apesar do fato de que a política externa ensejou fortes debates na
campanha presidencial.
Pode-se avaliar que a postura do Brasil em relação à questão da ampliação e
reformulação do CSNU não manteve uma continuidade ao longo dos mandatos
presidenciais de FHC, já que, ora o Brasil se mostrava como representante latino-
americano ora como representante do Sul, buscando alianças não com os menos
desenvolvidos, mas também com desenvolvidos de mesma aspiração.
Segundo Lampreia, as posições brasileiras se movimentavam conforme as correntes
internacionais (OLIVEIRA, 2005, p. 135). Para o ex-ministro Celso Lafer, havia a
percepção, no governo FHC, de que a voz do Brasil, como potência média, nas discussões
do tema, tinha impedimentos para obter um reconhecimento formal nos planos multilateral
e da legitimidade, sendo que o reconhecimento dificilmente ocorreria por meio de uma
atribuição a priori, pela comunidade internacional, de uma categoria como de membro
permanente do Conselho (GARCIA, 2006, p. 19-20).
Portanto, a questão da ampliação do CSNU, influenciou, apenas de forma marginal,
a sua aproximação com o Sul, tendo até, em alguns momentos, sido fonte de
desentendimentos, principalmente no plano regional e, exatamente devido a isso, a sua
postura em relação ao tema, durante o período FHC foi marcada por avanços e recuos,
mesmo na busca pelo apoio do Sul à candidatura brasileira a membro permanente em um
CSNU reformado.
Outro assunto que, ao lado das conferências mundiais da ONU, marcou a
diplomacia multilateral brasileira, no período, foram as negociações da Rodada Uruguai do
GATT.
Conforme já apontado, no final da década de 80, já se tornara visível, na Reunião de
Meio Período, uma reorientação da posição brasileira na Rodada Uruguai (RU), percebida
por meio da flexibilização quanto às concessões em serviços e propriedade intelectual, e da
importância atribuída à questão agrícola (MELLO, 1992, p. 136).
Essa reorientação teria sido condicionada por fatores conjunturais externos e
internos. No plano externo, a quase paralisação das negociações, entre os anos de 1988 e
1991, devido, principalmente, ao impasse na agrícola, levou à concentração das
negociações no Norte e à marginalização, e até esvaziamento, das esferas multilaterais do
163
GATT. Além disso, em conjunto a processos anteriores como a desarticulação do G-77, a
crise econômica de vários países do Sul, a RU passou a ter um desdobramento bastante
desfavorável a países como o Brasil, na medida em que seu poder de barganha e de
presença significativa, no foro, viu-se fortemente reduzida (SENNES, 2001, p. 194).
Internamente, essa reorientação dever-se-ia à orientação geral da política econômica
externa de Collor, para qual a remoção de áreas de atrito bilateral com os EUA havia se
tornado objetivo prioritário, num contexto marcado pela liberalização comercial unilateral,
ao lado da desregulamentação e tentativa de estabilização econômica, buscando restaurar a
credibilidade externa do Brasil (MELLO, 1992, p. 136-137).
Portanto, principalmente a partir do governo Collor, o Brasil passou a definir
objetivos mais pragmáticos, principalmente junto ao Grupo Cairns, abandonando, assim
como outros países do Sul como a Índia, definitivamente, sua postura resistente aos novos
temas, incorporando-os em suas pautas conforme seus lentos e graduais avanços na
Rodada. Entretanto, o governo brasileiro apoiou o México na reivindicação por mais
espaço nas negociações na condição de país “em processo de rápida abertura econômica”
ou com relevo em alguns setores comerciais, mantendo também a reivindicação pela
manutenção do tratamento especial e diferenciado aos PEDs (SENNES, 2001, p. 195).
Em relação aos serviços, logo no início de 1990, o Brasil, em conjunto com os
membros do SELA
153
, apresentou sua proposta
154
, defendendo que o acordo deveria
englobar todos os serviços comercializados, centrando-se na identificação das necessidades
específicas dos países em desenvolvimento (MELLO, 1992, p. 141).
Neste tema, ao longo da década de 90, a estratégia do Sul, dentre eles, o Brasil,
estava focada quase que exclusivamente na tentativa de obter condições mais flexíveis e na
ênfase em suas necessidades específicas. Esses países tiveram uma participação
circunscrita, essencialmente, a uma postura favorável à cobertura universal do acordo e à
incondicionalidade do tratamento de nação mais favorecida (MELLO, 1992, p. 142).
153
A Argentina, apesar de fazer parte do SELA, nesse momento, já havia se afastado dos países em
desenvolvimento, mostrando-se disposta a fazer concessões nos novos temas, visando exclusivamente seus
interesses na questão agrícola.
154
Além da proposta latino-americana, outros 7 PEDs, liderados pela Índia, apresentaram sua proposta,
prevendo também a cobertura para todos os serviços comercializados. Entretanto, a proposta excluía o
estabelecimento e o investimento direto permanente, e destacava que a liberalização progressiva deveria ser
iniciada com concessões apenas por parte dos PDs (MELLO, 1992, p. 141).
164
Em maio do mesmo, devido ao fato de que as maiores dificuldades à negociação
decorriam, principalmente, da posição do Norte, estabeleceram-se grupos de trabalho
setoriais específicos
155
para determinar as necessidades e as especificidades a serem
consideradas em anexos setoriais (MELLO, 1992, p. 142).
Na reunião do Comi de Negociações Comerciais, em julho de 1990, para
examinar projetos dos grupos negociadores, a delegação brasileira, em nome do Sul,
declarou-se frustrada e desapontada pela ausência de resultados substanciais, devido à falta
de vontade política da maioria dos principais atores para debater os problemas substantivos
em áreas-chave, como agricultura e têxteis. Em serviços, o chefe da delegação brasileira,
Celso Amorim, procurou demonstrar uma postura mais conciliadora, apontando que o
grupo havia avançado consideravelmente, destacando que a delegação brasileira teria
empreendido todos os esforços possíveis para contribuir à elaboração do acordo-quadro,
convicta de que um maior grau de liberalização no comércio de serviços poderia ser
benéfico a todos, desde que se levassem em consideração as necessidades e interesses dos
PEDs (MELLO, 1992, p. 144).
Em outubro do mesmo, na reunião do Grupo Negociador sobre Serviços (GNS),
com vistas a identificar as principais dificuldades à elaboração do projeto de acordo que
deveria ser apresentado em novembro
156
, os participantes foram surpreendidos pela
proposta norte-americana defendendo a eliminação da cláusula de nação mais favorecida
que havia sido incorporada ao projeto do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
(GATS), passando a propor que o tratamento de nação mais favorecida fosse aplicado
setorialmente, ou seja, apenas aos países que se comprometessem com regras liberalizantes
aplicadas setorialmente. Tal proposta foi recusada por todos os países participantes.
(MELLO, 1992, p. 146).
Ao final, o texto apresentado à reunião de Bruxelas possuía duas versões
alternativas à cláusula da nação mais favorecida, pelas quais seria aplicada como obrigação
155
Além dos setores examinados no ano anterior, foram criados dois grupos, um para tratar da mobilidade
do trabalho e outro para a questão dos serviços audiovisuais.
156
Nesta reunião foram discutidas as possibilidades de derrogação setorial e horizontal para a cláusula da
nação mais favorecida, sendo que a derrogação horizontal contou com menor grau de consenso entre os
países, pois não se admitia a derrogação limitada no tempo. Dentre os setores candidatos a algum tipo de
derrogação, estavam: transportes aéreos, marítimos e terrestres, telecomunicações, serviços audiovisuais e
serviços profissionais, defendendo-se que, para alguns setores, como os transportes marítimos, a aplicação da
cláusula da nação mais favorecida somente em relação a acordos futuros (MELLO, 1992, p. 145-146).
165
geral ou condicional; a elaboração dos anexos teria sido baseada na sua aplicação
incondicional, não tomando nenhuma decisão acerca da questão de derrogações
específicas; e a questão dos serviços financeiros continuava sem solução, que não teria
havido acordo quanto aos seus objetivos e conteúdo (GATT, Documento MTN.TNC/W/35
de 26/11/1990, p. 328).
Os países do Sul, dentre eles, Brasil e Índia, opuseram-se fortemente ao texto sobre
serviços financeiros, apontando que este havia sido elaborado por um pequeno grupo de
países do Norte, considerando que o texto previa um nível demasiadamente elevado de
liberalização, além de defenderam a inclusão, neste anexo, de salvaguardas por motivo de
dificuldades de balanço de pagamentos (MELLO, 1992, p. 147).
Embora as negociações no grupo sobre serviços tivessem avançado, as questões
mais substantivas continuavam sem solução; e, na Reunião de Bruxelas, no final de 1990, o
impasse nos serviços somar-se-ia ao tradicional impasse agrícola (MELLO, 1992, p.
148-148).
Na questão agrícola, após terem sido superados os impasses da Reunião de Meio
Período, os principais atores voltaram a apresentar propostas que, em sua essência, não
apresentavam grandes diferenças de suas posições iniciais, mas que buscaram adequar-se
ao programa de trabalho estabelecido na reunião de abril, que previa a discussão das
seguintes questões: o uso de uma AMS para avaliar o nível de apoio concedido ao setor; o
fortalecimento das regras do GATT; as modalidades ao tratamento especial e diferenciado
aos países em desenvolvimento; a harmonização dos regulamentos sanitários e
fitossanitários; as formas de adaptação do apoio e da proteção, bem como a tarifação
(conversão de barreiras não-tarifárias em tarifas) e a desvinculação do pagamento direto
aos produtores com relação ao apoio à produção; e as medidas para levar em conta os
possíveis efeitos negativos do processo de reforma sobre os países em desenvolvimento
importadores de alimentos (GATT, Documento MTN.TNC/11 de 21/04/1989).
No primeiro semestre de 1990, o impasse foi cristalizado, e vendo que as conversas
informais não demonstravam qualquer possibilidade de diálogo, o presidente do grupo
negociador sobre agricultura decidiu elaborar, por conta própria, uma versão preliminar
166
para um acordo
157
, que pudesse permitir a obtenção de algum entendimento a ser
apresentado na reunião do Comitê de Negociações Comerciais, em novembro daquele ano
(MELLO, 1992, p. 152).
A reunião dos ministros da agricultura do Grupo Cairns considerou que, embora
contivesse diversas insuficiências e imprecisões, o texto poderia ser considerado um ponto
de partida às negociações. Em comunicado final, o Grupo renovou sua determinação de que
a rodada não poderia nem seria concluída sem um resultado significativo na agricultura,
indicando que, ao menos, alguns países do grupo estariam dispostos a bloquear a rodada
caso não fossem obtidos progressos na questão (MELLO, 1993, p. 153-154).
Na reunião do Comitê de Negociações Comerciais, a posição brasileira estaria
orientada pela ênfase na firme posição favorável a uma substancial redução dos subsídios à
exportação e sua eventual eliminação; pela convicção de que as negociações somente
teriam resultados positivos se o conceito de rebalanceamento fosse recusado, pois tendia a
anular os benefícios da liberalização; e pelo fato de que como potência comercial de porte
médio, o Brasil teria interesse em praticamente todas as áreas de negociação, e gostaria de
ver um conjunto equilibrado de resultados ao final dos trabalhos (BOLETIM DE
DIPLOMACIA ECONÔMICA, n. 5, p. 19).
O Grupo Cairns estaria identificado com a proposta norte-americana
158
em seus
pontos cruciais, não apoiada pelo Canadá, cuja posição, desde o início, mais reservada, foi
então explicitada
159
, rompendo pela primeira vez a unidade da coalizão (MELLO, 1992, p.
155).
157
No documento, os problemas a serem considerados foram agrupados em três categorias: apoio interno
(prevendo a redução progressiva de medidas como sustentação de preços e pagamentos diretos aos
produtores, contemplando a possibilidade de exceções, e propondo a implementação dos compromissos
baseados em uma medida agregada de apoio); proteção na fronteira (prevendo a tarifação e posterior redução
de tarifas); e competição nas exportações (propondo a redução progressiva dos subsídios às exportações, com
possíveis exceções) (Documento MTN.GNG/NG5/W/170 de 11/07/1990).
158
A proposta apresentada, pelos EUA, defendia o corte nos subsídios às exportações em 10 anos, conforme
proposta anterior do Grupo Cairns; a redução dos subsídios internos em 75% também no prazo de 10 anos; e
na questão do acesso a mercados, contemplou a exigência europeia quanto à introdução de um “fator de
correçãoà proteção dos agricultores contra oscilações abruptas dos preços ou taxas de câmbio, prevendo a
possibilidade de imposição de uma sobretaxa caso o preço de um produto importado caísse abaixo de seu
preço médio de importação dos três anos anteriores (MELLO, 1992, p. 154-155).
159
O Canadá apresentou proposta separada, apontando que, embora concordasse com o Grupo Cairns quanto
aos subsídios às exportações, defendia uma redução de apenas 50% ao apoio interno que fosse distorcivo ao
comércio agrícola internacional (MELLO, 1992, p. 155).
167
Neste momento, já estava descartada, para a reunião final de Bruxelas, uma possível
conclusão efetiva da rodada, e esperava-se que fosse permitido, ao menos, a adoção de
compromissos políticos que garantissem um quadro geral à continuidade das negociações
específicas após dezembro de 1990 (MELLO, 1992, p. 156).
Os EUA buscaram estimular seus aliados latino-americanos, na questão agrícola, a
recusarem-se, assim como na reunião de Montreal, a firmar qualquer acordo em Bruxelas
caso não se chegasse a um resultado mais substancial na questão. Entretanto, a orientação
brasileira, antes da reunião de Bruxelas, centrou-se, fundamentalmente, na questão do
rebalanceamento, tema que mais afetaria o País a curto prazo, levando o representante
brasileiro, embaixador Rubens Rícupero, a declarar que seria assinado um acordo na
agricultura caso esta questão fosse retirada da proposta da CEE (MELLO, 1992, p. 157).
Chegou-se à reunião final de Bruxelas, em dezembro de 1990, com um projeto de
Ata Final
160
com inúmeros pontos, em muitos casos essenciais, ainda pendentes de decisões
a nível ministerial, sendo que o principal impasse ainda encontrava-se na questão agrícola.
Devido a esse impasse, que impedia maiores avanços nos demais grupos de
negociação, a evolução da reunião acabou sendo marcada pela esperança de que os
europeus reconsiderassem sua posição como maneira de evitar o fracasso da rodada, pois
os norte-americanos haviam conseguido debitar o malogro das negociações à postura
intransigente da CEE (MELLO, 1992, p. 158).
No terceiro dia, Argentina, Brasil e Estados Unidos, apoiados por vários países,
principalmente aqueles em desenvolvimento, frente à impossibilidade de qualquer avanço
na questão agrícola, pediram a suspensão da reunião. Tentando salvar as negociações o
presidente do grupo de trabalho em agricultura apresentou uma nova proposta
161
, rejeitada
pela CEE, que a classificou de monstruosa e muito deficiente, além da oposição de Japão e
Coréia do Sul (MELLO, 158-159).
O Brasil declarou que, frente a tais declarações, não havia sentido dar continuidade
aos trabalhos do demais GTs, instruindo a retirada de sua delegação, atitude seguida por
160
O projeto para a Ata Final continha cerca de 400 páginas, sendo que, aproximadamente, 4000 trechos
encontravam-se entre colchetes.
161
A proposta do presidente previa um corte de 30% no apoio doméstico (número proposto pela CEE), em 5
anos (prazo menor do que 10 anos propostos pelos EUA), com cortes paralelos nas restrições de acesso a
mercados, tendo como base o período de 89-90 (ao invés de 1986, como era defendido pela CEE), e
reduzindo em 90% os subsídios às exportações, segundo proposta norte-americana, rejeitada pela CEE.
168
vários outros países. Além de demonstrar novamente a importância adquirida pela questão
agrícola em seus interesses ativos nas negociações e atender aos apelos norte-americanos
por uma postura mais explícita na área, a posição favorável à suspensão das negociações, O
Brasil, baseava-se na avaliação das possíveis conseqüências de um acordo global assinado
às pressas ao final da reunião, pois assim como outros PEDs, o Brasil temia que os EUA e
a CEE chegassem a um consenso na área agrícola e, posteriormente, passassem a tentar
impor um pacote pronto aos demais temas, sob a alegação de que esta seria a única forma
de salvar a rodada (MELLO, 1992, p. 161).
Essa preocupação foi externada pela declaração do grupo informal dos PEDs do
GATT, chefiado por Rubens Rícupero, que enfatizou a preocupação, desses, com a falta de
atenção à negociação dos pontos específicos e com a falta de transparência no processo
negociador, fortemente circunscrito em disputas bilaterais, afirmando que os países do Sul
estariam dispostos a resistir a um pacote pronto de último minuto numa base de “pegar ou
largar”. Para o Brasil, poderia ser preferível não se chegar a nenhum acordo do que correr o
risco da anuência a uma negociação rápida sobre pontos que ainda necessitariam de uma
discussão mais profunda, como o caso dos serviços, em que o País havia se oposto à
aceitação da última proposta norte-americana, que condicionava a inclusão da cláusula de
nação mais favorecida no acordo-quadro à obtenção de compromissos substanciais de
liberalização (MELLO, 1992, 161-162).
Em propriedade intelectual, apresentou-se um projeto de acordo, embora sem
consenso ou compromisso de aceitação até mesmo quanto à organização internacional
responsável por sua implementação. Brasil, Índia, Egito e Tanzânia, dentre outros PEDs,
continuavam a opor-se a sua inclusão nos marcos do GATT, pela qual os desenvolvidos
pressionavam intensamente (MELLO, 1992, p. 162-163).
Em têxteis, os PDs continuavam reticentes em relação à implementação da
liberalização, e condicionavam seus resultados à aceitação, por parte dos PEDs, de suas
propostas em outros temas, como a introdução de salvaguardas seletivas (MELLO, 1992, p.
163).
Em acesso a mercados, as ofertas continuavam condicionadas ao resultado global
das negociações, e substancialmente muito modestas. As iniciativas de liberalização
169
unilateral, empreendidas por diversos países do Sul, dentre eles, o Brasil, não foram
reconhecidas como concessões no processo de negociação (MELLO, 1992, p. 163).
Nas negociações sobre os artigos e funcionamento do sistema GATT, os países do
Sul ainda não tinham sido atendidos em um aspecto tradicional de suas reivindicações, pois
os países do Norte continuaram a insistir no objetivo de eliminação do artigo XVIII-B, que
permitia ao Sul restringir suas importações em períodos de dificuldades de balanço de
pagamentos
162
. A questão assumiu relevância nas declarações brasileiras, demonstrando
que reivindicações tradicionais do Sul ainda faziam parte da agenda brasileira. Entretanto,
em 1991, o Brasil abandonaria tal reivindicação, tanto que, no escopo do processo de
abertura econômica de o Collor, deixou de invocar o artigo em questão, cessando a
aplicação de restrições com base nessa cláusula, apesar de não ter renunciado,
definitivamente, ao direito de recorrer à sua utilização, sendo interpretado como uma
iniciativa de autograduação e uma medida relevante para levar o País em direção ao
Primeiro Mundo (MELLO, 1992, p. 163-164).
Nas discussões acerca do fortalecimento institucional do GATT, os PDs
propuseram a criação de uma Organização Multilateral de Comércio (MTO, em inglês).
Brasil e Índia viam com certa reserva a proposta, mas estavam propícios, a princípio, a
discutir a questão após a conclusão da Rodada e não durante a mesma. Esta postura devia-
se ao fato de que, esses países, receavam que a instituição deixasse de fora temas caros ao
desenvolvimento, como o acesso à tecnologia, acordo amplo sobre commodities. Tais
países também viam com reservas a articulação de tal organização com outros órgãos
econômicos, com o objetivo de aumentar o grau de coerência entre as medidas adotadas
nos vários âmbitos da política econômica de cada país (BOLETIM DE DIPLOMACIA
ECONÔMICA, n. 4, 1990, p. 31).
Aceitou-se, acerca da estrutura institucional à futura implementação dos acordos
sobre serviços e propriedade intelectual assunto que o Sul continuou a querer excluir da
estrutura do GATT, como forma de impedir a possibilidade de barganhas cruzadas –
devido à pressão dos PEDs, que a futura organização incorporaria o GATT, reformulado e
162
Além dessa questão, ainda continuava pendente, nesse grupo, a definição dos aspectos relacionados ao
objetivo de obter maior coerência no estabelecimento de políticas econômicas globais, por meio do
fortalecimento das relações do GATT com organismos internacionais responsáveis por assuntos monetários e
financeiros, como Banco Mundial e FMI, no âmbito do qual deveriam ter sido considerados as relações
comércio/dívida externa, de extrema importância a PEDs, como o Brasil (MELLO, 1992, 164).
170
acrescido dos códigos da Rodada Tóquio, e dos acordos sobre serviços e propriedade
intelectual (MELLO, 1992, p. 164-165). Desde então, o Brasil, bem como outros países do
Sul, requeriam certa cautela, para que o tema não avançasse sem que questões cruciais não
tivessem sido solucionadas (BOLETIM DE DIPLOMACIA ECONÔMICA, n. 4, 1990, p.
49).
Com relação à atuação brasileira nas negociações da RU, sob Collor, existem
opiniões divergentes. Para Abreu, a reunião teria marcado a consolidação da transição
brasileira rumo a uma pauta positiva nas NCMs, pois o Brasil, apesar do fracasso da
reunião, teria obtido, um prolongamento do tempo disponível à reorientação de sua
diplomacia econômica multilateral rumo à discussão substantiva da agenda, além de ter
desempenhado importante papel nas negociações relacionadas à agricultura temperada
(ABREU, 1997, p. 348-349).
Batista aponta que, sob Collor, a representação brasileira que, segundo o autor,
havia se retraído consideravelmente ao final do governo anterior, teria deixado
marginalizar-se, resvalando, de forma gradual, à posição de virtual observador. O Brasil
teria preferido, claramente, o alinhamento aos EUA, cujas principais reivindicações Collor
teria se mostrado disposto a atender bilateralmente, antes mesmo que a Rodada chegasse ao
fim, por meio da legislação interna em setores como informática e patentes. Além disso, o
Brasil também teria passado a apoiar os EUA em suas controvérsias com a CEE acerca dos
produtos agrícolas temperados, que não possuía maiores interesses, sendo que, por tal
postura, não obteve qualquer contrapartida de acesso dos produtos brasileiros ao mercado
norte-americano, além do que, tal apoio, teria dificultado o estabelecimento de um
relacionamento mais profundo com os países-chaves daquela região, que, para aqueles
governantes a questão agrícola tinha importância vital em termos de sobrevivência política
pessoal (BATISTA, 1993, p. 114-115).
Segundo avaliação deste autor, as autoridades brasileiras teriam continuado, talvez
devido à inércia, a torcer, de forma discreta e resignada, sob a invocação de preocupações
com a preservação do sistema multilateral de comércio, pelo sucesso, a qualquer preço da
Rodada, esperando que um entendimento entre os EUA e a CEE pudesse ser mais benéfico,
ou menos prejudicial, aos seus interesses, que um desentendimento. Tais posturas não
teriam contribuído para uma inserção inteligente e vantajosa do Brasil na economia
171
mundial, com base em investimentos e tecnologia estrangeiros (BATISTA, 1993, p. 115-
116).
Refutando tais argumentos, Abreu aponta que a convergência de interesses entre o
grupo Cairns e os EUA teria representado um fator vital para que a coalizão lograsse êxito,
mesmo que modesto. Para o autor, que as divergências, em Bruxelas, ficaram
concentradas em agricultura, seria inevitável a aproximação com os EUA, em detrimento
da CEE, que, ao contrário de 1986, teria sido colocada na defensiva, não oferecendo
qualquer contrapartida ao Sul que pudesse arrefecer o entusiasmo liberalizante em relação à
questão (ABREU, 1997, 348-349).
Virtualmente deslocado da condição de atores relevantes capazes de influenciar,
decisivamente, o desfecho do impasse criado, devido à crise de credibilidade, coube ao Sul
explicitar de várias maneiras o caráter concentrador ainda exibido pelo GATT, frente ao
sinal de que os dois atores estariam, isoladamente, impedindo o avanço das negociações
multilaterais das quais participariam mais de 100 países. O Brasil, portanto, viu suas
capacidades de barganha e de presença, na Rodada, fortemente reduzidas, tendo de buscar
uma postura mais pragmática, procurando influenciar nos temas em que possuía interesses
concretos, e a presença no Grupo Cairns representou uma importante via para que o País
pudesse continuar a ter um papel de relevância nas negociações.
O governo Itamar, na RU, manteve a estratégia de atuação anterior, endossando a
alteração da postura brasileira, no sentido de uma flexibilização de sua oposição à inclusão
dos novos temas, tornando-se vigoroso arauto da institucionalização de um regime de
comércio multilateral (HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 13).
O Brasil, assim como outros países do Sul, frente à bilateralização entre EUA e
CEE, concentrou-se em objetivos pragmáticos de seu interesse, que não havia mais
espaço para temas de caráter mais político. Como estratégia para transpor o cenário
desfavorável, lançou mão de iniciativas de caráter regional, por meio de pronunciamentos
conjuntos com o Grupo do Rio e o Mercosul. Entretanto tal estratégia teve baixo impacto
real nas negociações (SENNES, 2001, p. 199).
172
O ambiente fortemente politizado, a partir da substituição do secretário-geral do
GATT
163
, perturbou as demandas e pontos de vista do Sul, reduzindo, por conseguinte, o
espaço político e a viabilidade de modificações substantivas em favor deste. Ademais, teria
gerado um ambiente mais adverso à já desgastada capacidade de barganha de países
médios, como Brasil e Índia, restando a eles a negociação e a realização de ajustes seletivos
e pontuais nos drafts já negociados anteriormente (SENNES, 2001, p. 198).
Para o ex-chefe da delegação brasileira, o Brasil teria aceitado uma abertura de
mercado onde teria mais a oferecer do que a receber, como por exemplo, em temas como
serviços, propriedade intelectual e investimentos, em contrapartida à garantia de que um
sistema jurídico de solução de controvérsias fosse implementado e de um reforço dos
acordos em agricultura (SENNES, 2001, p. 198).
Segundo avaliação do então representante da Malásia e coordenador do Grupo
Informal dos PEDs, a RU teria significado uma redução no comprometimento dos
principais países com o tratamento especial e diferenciado aos PEDs; acordos frágeis em
relação ao acesso aos mercados de têxteis, produtos tropicais e pesca; limitada atenção a
esses países na questão agrícola; e uma redução da proteção no setor de serviços (SENNES,
2001, p. 201-202).
Como balanço da RU, Brasil e Índia, líderes do Sul, mantiveram uma postura
relativamente constante nos novos temas, com alterações da postura e da tática de
negociação. Em conjunto com boa parte dos PEDs, a delegação brasileira recusava-se a
discutir investimentos e propriedade intelectual em outros termos que não aqueles definidos
pela Declaração de Montevidéu, segundo a qual, apenas a parte diretamente vinculada ao
comércio entraria na mesa de negociações. Ademais, o Brasil manifestou-se pela
necessidade de incrementar a capacidade do secretariado da instituição para levantar e
organizar informações relevantes ao bom andamento das propostas (SENNES, 2001, p.
203-204).
Em relação à criação de mecanismos de política comercial, inicialmente, esses
países a enxergavam com reservas, pois poderia significar um monitoramento do Norte da
163
O novo secretário-geral do GATT, Peter Sutherland, adotou uma estratégia de mobilização de atores extra-
GATT e além-governos no sentido de criar um clima favorável à conclusão da Rodada, mobilizando OCDE,
BIRD, think thanks, a imprensa e grupos privados interessados, com o objetivo de reverter o impasse entre
CEE e EUA.
173
política comercial do Sul. Entretanto, como, ao mesmo tempo, seriam também aplicadas
nos países desenvolvidos e, desse modo, tenderiam a explicitar suas políticas em diversos
setores obscuros, a desconfiança era atenuada, levando tais países a apoiarem as medidas
(SENNES, 2001, p. 205).
No tocante às modificações nas Regras de Consenso para a Solução de
Controvérsias, Brasil, Índia e outros PEDs, posicionaram-se favoravelmente, pois o
fortalecimento dos mecanismos de solução de controvérsias sempre foi uma bandeira dos
países de menor desenvolvimento relativo (SENNES, 2001, p. 206).
Ao final da Rodada, o Brasil aprovou o Draft Final que, embora não atendesse boa
parte de suas demandas, assegurava acesso mais diversificado ao sistema de comércio
internacional. Apesar de ter obtido vitórias substanciais na área de exportação de metais,
café, chá, cacau, açúcar e óleos vegetais, o País abriu seu mercado de serviços sem uma
contrapartida de redução substancial dos subsídios agrícolas, por parte dos desenvolvidos
(HIRST; PINHEIRO, 1995, p. 13).
Na Rodada Uruguai, portanto, observou-se uma trajetória de crescente
comprometimento do Brasil com vários dos aspectos centrais do regime comercial, paralelo
a uma forte reforma econômica no âmbito doméstico (SENNES, 2001, p. 211-212).
Após a conclusão da Rodada, em 1994, os países-membros da recém criada OMC,
voltariam a reunir-se, em nível ministerial
164
, de 19 a 13 de dezembro de 1996, em
Cingapura. Por ser a primeira, a reunião, estava cercada de expectativas, que, em certa
medida, os resultados a serem alcançados determinariam a própria credibilidade da nova
organização como marco regulatório do sistema multilateral de comércio. A expectativa
ocorria devido ao fato de que, após várias semanas de negociação preparatória, em
Genebra, verificou-se a impossibilidade de levar, a Cingapura, um conjunto de textos
previamente acordados, suscitando dúvidas sobre como uma reunião com 127 ministros
chegaria a uma declaração consensual sobre temas diversos e politicamente sensíveis.
Ademais, as principais economias buscavam inserir novos temas ainda não disciplinados
multilateralmente (DORNELLES, 1997, p. 127-128).
164
Segundo o Acordo Constitutivo da OMC, as reuniões ministeriais, bienais, seriam a instância decisória
máxima na estrutura da nova organização. Estas teriam como papel central a avaliação da implementação dos
diversos acordo multilaterais de comércio regidos pela organização.
174
O Brasil defendia, desde as reuniões preparatórias, em conjunto com o Grupo de
Cairns, a antecipação das negociações agrícolas, o que, como era de se esperar, encontraria
forte oposição da UE (DORNELLES, 1997, p. 128).
Na reunião, conforme as instruções do chanceler, Luiz Felipe Lampreia, a
delegação brasileira deveria concentrar as suas energias na abertura dos mercados agrícolas
posição apoiada pelo Mercosul e simpática ao Grupo Cairns. A abertura de mercados
seria a chave para aumentar as exportações e, com isso, conter o déficit recorde da balança
comercial naquele ano, que poderia produzir resultados de forma rápida e eficiente
(MARQUES, 1997, p. 131-132; WTO, Documento WT/MIN(96)/ST/8 de 09/12/1996).
A insistência na questão seria uma cobrança justa de compromissos não cumpridos
que as nações haviam acordado na RU em troca de importantes concessões feitas pelos
países do Sul, como a extensão das regras internacionais do comércio em temas como
serviços, investimentos e proteção da propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, a
demanda apresentar-se-ia como escudo contra as demandas do Norte por uma acelerada
liberalização do comércio de bens (MARQUES, 1997, p. 132).
Desde a fase preparatória, bem como durante a Conferência, a delegação brasileira
defenderia o início, em 1997, das discussões preliminares acerca da redução de barreiras ao
comércio de produtos agrícolas, previstas, na agenda da OMC, conforme acordado durante
a RU, para 1999. Entretanto, no primeiro dia ficava claro que a reivindicação não seria
atendida, pois contava com a oposição da UE, cujo comissário, Leon Brittan, avisou que
bloquearia qualquer iniciativa de antecipação das negociações agrícolas (MARQUES,
1997, p. 132).
Além disso, o Grupo Cairns não mostrou muito entusiasmo pela proposta brasileira,
pois teria outras prioridades. Os EUA, potenciais aliados brasileiros, teriam preocupações
mais urgentes, chegando a Cingapura com objetivos bem definidos e uma estratégia para
transformar a reunião num sucesso, o seu próprio sucesso
165
(MARQUES, 1997, p. 132-
133).
165
A delegação norte-americana estaria concentrada em 3 negociações importantes: abertura dos serviços
básicos de telecomunicações, a eliminação de tarifas para produção tecnologia de informação e a liberalização
dos serviços financeiros, com vistas à construção de uma infra-estrutura para uma economia global, mais
interconectada (MARQUES, 1997, p. 132-33).
175
A delegação norte-americana foi bem-sucedida em seus propósitos, já que suas
propostas dariam a tônica e a substância da reunião, já que após o encerramento, as
negociações sobre serviços de telecomunicações estavam na reta final de um acordo
166
. O
Brasil, na questão, teria sido relegado à condição de quase observador, anunciando que o
Mercosul não teria condições de aderir ao Acordo de Tecnologia da Informação
(Information Technology Agreement ITA em inglês)
167
, o que tornaria o isolamento do
País ainda mais evidente, levando a delegação brasileira a contestar a substância e a própria
legitimidade
168
do resultado que garantiria um dos grandes resultados positivos da
Conferência (MARQUES, 1997, p. 133).
Outra questão polêmica - a cláusula social - que daria ao Norte o direito de colocar
tarifas alfandegárias específicas se fosse constatado a exploração de trabalho infantil ou
escrava, por exemplo, nas importações oriundas de países menos desenvolvidos. Mais
próximo de outros países do Sul, o Brasil teria salientado sua preocupação sobre a
possibilidade de que a proteção aos direitos trabalhistas, objetivo desejável por todos,
pudesse transformar-se, no âmbito do comércio multilateral em pretexto para,
indiretamente, atenuar o problema do desemprego estrutural no Norte, tratando do assunto
de forma cautelosa e equilibrada, ressaltando a competência específica da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre o tema, e ainda o trabalho construtivo que
continuaria a ser desenvolvido entre a OMC e a OIT (WTO, Documento
WT/MIN(96)/ST/8 de 09/12/1996).
No tocante à correlação entre comércio e meio ambiente, o Brasil defendia que o
Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente deveria continuar analisando as
complementaridades entre comércio, desenvolvimento econômico e proteção ambiental.
166
40 países responsáveis por cerca de 90% do comércio mundial de bens de telecomunicações assinaram o
Acordo de Tecnologia da Informação (ITA, em inglês) e concordaram em reduzir a 0 suas tarifas sobre tais
bens, em 4 etapas iguais entre julho de 1997 e janeiro de 2000 (ABREU, 2001, p. 101).
167
O Mercosul não teria condições de aderir, pois possuía um acordo especial sobre tarifas de bens de
tecnologia de informação, fora da Tarifa Externa Comum (TEC). Sendo assim, caso o acordo fosse mantido,
no de 2006 os países-membros cobrariam uma média de 16% de composto alfandegário sobre tais bens. O
Brasil não teria aderido ao ITA em virtude dos próprios propósitos da liberalização global do comércio do
setor, pois o acordo seria um método de exportações de empregos, de outros países para os EUA, principais
geradores de empregos naquele setor (MARQUES, 1997, p. 133-134).
168
José Alfredo Graça Lima, chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, sugeriu que o ITA não deveria
sequer ter sido tratado na reunião, pois representava “um furo no sistema multilateral”, porque, a rigor, um
acordo setorial só deveria ser negociado numa rodada ampla, onde os países pudessem barganhar com ofertas
de abertura em diferentes setores (MARQUES, 1997, 1997).
176
Para a delegação brasileira, em razão da complexidade dos temas envolvidos, o programa
de trabalho do GT deveria continuar a enfatizar a questão da coordenação entre as políticas
ambientais e de comércio, contribuindo para alcançar o desenvolvimento sustentável
(WTO, Documento WT/MIN(96)/ST/8 de 09/12/1996). A postura obstrucionista entre o
Sul era bem menos homogênea do que em relação à questão dos direitos trabalhistas,
havendo dificuldades em relação à harmonização de políticas relativas a externalidades
globais geradas pela emissão de gases oriundos do consumo de combustíveis e do
desmatamento, o que colocava economias maiores, como o Brasil, em posição delicada
(ABREU, 2001, p. 109-110)
O Sul defendia que o fato de um dano ambiental relativamente maior, por unidade
de produção, resultar da atividade econômica de PEDs não seria argumento suficiente à
adoção de políticas destinadas à minimização geral do impacto ambiental, não resultante de
acordos multilaterais. Para esses países, um sistema eficaz de incentivos com vistas à
diminuição, multilateral, da poluição não poderia incluir a criação de empecilhos ao
comércio. A solução, necessariamente, deveria incluir recompensas, sobretudo financeiras,
por parte do Norte, para incentivar a preservação de recursos que estariam se esgotando em
ritmo acelerado, além do desejado (ABREU, 2001, p. 110).
Os novos temas, de grande interesse a países como o Brasil, devido ao seu
tradicional perfil de país recipiente de tais recursos, foram objetos de prolongadas
negociações. A delegação brasileira acreditava que a questão dos investimentos teria
adquirido um peso suficiente para que fosse incluído na Declaração Ministerial, e para a
criação de 2 GTs; um para analisar a relação entre comércio e investimentos e outro para
examinar, em contrapartida, a relação entre comércio e política de concorrência. Ademais,
também salientava o papel a ser desempenhado pela Unctad, apontando que a cooperação
entre as duas organizações poderia contribuir para um melhor entendimento das
conseqüências de um acordo negociado na OMC, permitindo que os membros da
organização tomassem a decisão apropriada acerca do futuro tratamento ao tema (WTO,
Documento WT/MIN(96)/ST/8 de 09/12/1996).
Apesar de a Conferência não ter sido satisfatória nas negociações agrícolas,
principal tema de interesse do Brasil, a reunião teria permitido avanços e abordagens
positivas a maior parte de seus interesses, confirmando a importância do processo de
177
consolidação da OMC para os objetivos brasileiros em termos de comércio exterior
(DORNELLES, 1997, p. 130).
Também, a partir da Conferência, ficou claro o dilema que as mudanças das regras
do jogo, acordadas na RU, colocavam ao país, não dando muito espaço para a postura
defensiva que o Brasil teria tido no GATT. Dentre as novas regras, estariam o aumento do
campo de atuação no qual os países passaram a participar de diferentes tabuleiros, o
aumento da velocidade e complexidade do comércio internacional, exigindo melhor
preparo dos países competidores, além do desaparecimento de preferências antes garantidas
aos países mais pobres e do surgimento de um mecanismo para investigar e punir aqueles
países que desobedecessem tais regras
169
(MARQUES, 1997, p. 136).
Em maio de 1998, ocorreu mais uma Reunião Ministerial na OMC, em Genebra,
oportunidade em que seria comemorado o cinqüentenário do GATT, em que seria avaliado
o desempenho da organização desde a sua criação e decidir-se-ia sobre a agenda de
trabalho da organização nos próximos anos.
O Brasil, representado pelo presidente FHC, teria, na reunião, como potência
média, diversos interesses comerciais, fosse em termos da imensa variedade e grau de
elaboração dos produtos exportados, fosse em termos do destino das exportações brasileiras
e da origem de suas importações, acreditando que um sistema de regras estáveis e
respeitadas por todos seria a melhor segurança de que esses interesses estariam sendo
atendidos (LAMPREIA, 1999, p. 270).
Naquela ocasião, via-se que apesar dos diversos acordos de comércio negociados na
RU serem extremamente inovadores, muitos governos ainda adotariam as suas medidas de
forma tímida. Ademais, acreditava-se que havia pouca disposição, de alguns parceiros,
principalmente desenvolvidos, de avançar na liberalização do comércio de produtos
tradicionais como têxteis, calçados e produtos intensivos em mão-de-obra e de particular
interesse dos PEDs.
A pauta da reunião previa negociações de alguns acordos em diversas áreas, sendo
que as principais, seriam a agrícola, relações entre comércio e meio ambiente; relações
entre padrões trabalhistas e comércio.
169
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), criado pelo Tratado de Marrakesh, no qual estabeleceu-se a
estrutura da OMC, teria função de solucionar possíveis controvérsias, entre países, acerca das regras
estabelecidas pela OMC.
178
Na questão agrícola, o Brasil defendia a retomada de negociações sobre comércio
internacional de produtos agrícolas, incluindo tarifas de importação, subsídios à produção e
à exportação. O presidente brasileiro apontaria que para países como o Brasil, com uma
agricultura eficiente e grandes possibilidades de expansão, os subsídios distorceriam a
concorrência no mercado internacional de produtos agrícolas. Os subsídios, aplicados
principalmente pelo Norte, impediam que esses produtos fossem submetidos às mesmas
regras válidas ao comércio internacional de produtos industriais (CARDOSO, 1998;
LAMPREIA, 1999, p. 271-272).
Em relação ao lançamento de uma nova Rodada, o Brasil estaria disposto a estudar
a ampliação dos temas de negociação previamente acertados, auxiliando na configuração
de um arcabouço equilibrado de itens na agenda, sendo que os novos temas não poderiam
interferir nas negociações, acordadas, para agricultura nem permitir a escolha de setores
específicos de interesse de alguns países, excluindo outros. Ademais, uma nova Rodada
não poderia ocorrer antes da conclusão do programa de implementação dos acordos da RU
(LAMPREIA, 1999, p. 272).
Dentre os novos temas em negociação para sua possível inclusão, os de maior
polêmica eram as questões ambientais e trabalhistas em sua interligação com comércio. Em
relação ao primeiro, compartilhando de uma visão muito próxima a outros PEDs, o Brasil
acreditava que a OMC estaria tratando do tema, pois um Comitê de Comércio e Meio
Ambiente, presidido em seu primeiro ano pelo próprio ministro das relações exteriores
brasileiro, vinha discutindo o assunto de maneira aprofundada, com ativa participação
brasileira (CARSOSO, 1998; LAMPREIA, 1999, p. 272-273).
Em relação ao segundo, o Brasil não acreditava ser justo, devido à própria filosofia
do sistema multilateral de comércio, a busca por garantias de aperfeiçoamento das
condições de trabalho por meio de garantias comerciais punitivas, que só viriam a agravar a
questão social, um desafio fundamental à cooperação internacional, que exigia ação
ampliada e direta nos foros apropriados (CARDOSO, 1998). Ademais, o Brasil apontava
que a questão teria sido equacionada, com a decisão adorada na primeira Reunião de
Cingapura, na qual ter-se-ia apontado a primazia da OIT na discussão da questão
(LAMPREIA, 1999, p. 272-273).
179
Para o Brasil, portanto, o principal desafio da OMC era a promoção da integração
do Sul tanto as economias emergentes como as de menor desenvolvimento relativo aos
fluxos internacionais de comércio, de uma maneira que lhes permitisse alcançar os
objetivos de estabilização e crescimento econômico, em um mundo globalizado que, muitas
vezes, apresentava graves riscos e obrigava a um ajustamento com profundas
conseqüências sociais. Os países da OMC teriam que esforçar-se para corrigir as
assimetrias e promover o desenvolvimento econômico de maneira equânime (LAMPREIA,
1999, p. 273).
Em 1999, a severa crise no balanço de pagamentos brasileiro não afetaria,
permanente, os seus objetivos na OMC bem como as expectativas de outros membros da
organização quanto as suas políticas a serem ali apresentadas, mesmo com o claro
comprometimento do poder de negociação e influência do Brasil (ABREU, 2001, p. 108).
O Brasil continuaria a tentar agir via Grupo Cairns que, desde o fim da RU,
procurou manter-se unido, monitorando a implementação do Acordo de Agricultura e
mantendo uma posição crítica em relação às distorções do comércio agrícola mundial.
Na preparação à Reunião Ministerial da OMC, a ser realizada no fim de 1999, na
em Seattle, onde buscar-se-ia lançar a Rodada do Milênio, o Grupo procurou articular o seu
principal objetivo em uma nova rodada de negociações, que seria a extinção de todos os
subsídios distorcivos ao comércio agrícola, bem como a melhoria no acesso aos mercados
da UE, Japão e Coréia, e de outros países protecionistas, por meio, por exemplo, do corte
de tarifas que se encontravam em média de 40% e com picos tarifários que chegavam a
70% (VIZENTINI, 2006, p. 163).
Entre os anos de 1998 e 1999, o Brasil, em conjunto com Grupo Cairns, passou a
concentrar seus esforços na definição de uma nova agenda agrícola para a Reunião de
Seattle, formalizando várias propostas ao Conselho Geral da OMC, voltadas para a
completa eliminação dos subsídios à exportação e o fim do protecionismo agrícola.
Na XIX Reunião Ministerial do Grupo Cairns, entre os dias 28 e 29 de agosto de
1999, para avaliar o impacto da evolução do comércio agrícola internacional, a reforma do
setor e a implementação do Acordo Agrícola, decidiu-se quais seriam os principais pontos
a serem discutidos em uma nova rodada, a saber: fim dos subsídios à exportação; melhoria
das condições de acesso aos mercados; política diferenciada ao Sul; redução ou eliminação
180
do apoio interno aos produtores; aplicação das mesmas regras dos produtos industriais aos
produtos agrícolas; e garantia de que as medidas sanitárias e fitossanitárias não seriam
utilizadas como barreiras não-tarifárias (VIZENTINI, 2006, p. 164).
O grupo recebeu o apoio dos EUA contra os subsídios agrícolas fato saudado por
Lampreia - embora os praticassem extensivamente, como estratégia de pressão adicional
sobre a Europa e grandes importadores de produtos agrícolas, bem como para desviar a
atenção sobre os temas de serviços e investimentos, cuja discussão os norte-americanos
procuravam evitar (LAMPREIA, 1999 (b); VIZENTINI, 2006, p. 164). Entretanto, antes
da reunião de Seattle se observava um vácuo entre as posturas do Norte e do Sul, no
tocante às prioridades a serem consideradas em uma nova rodada, situação mantida até as
vésperas da reunião, não permitindo, portanto, o avanço significativo das negociações
(ABREU, 2001, p. 108; AMORIM, 2000, p. 103).
O Brasil, durante as reuniões preparatórias à Conferência Ministerial de Seattle,
marcada por fortes clivagens entre as posições e por pouca ou nenhuma flexibilidade de
diversos membros, apoiou a iniciativa de uma nova rodada, com três considerações. A
primeira seria a convicção de que a rodada colaboraria ao aperfeiçoamento do sistema
multilateral de comércio, corporificado na OMC, equilibrando e discutindo determinadas
iniciativas regionais, ou mesmo inter-regionais, sendo que o Brasil, por ter uma estrutura de
comércio exterior geograficamente equilibrada, teria extremo interesse na preservação e
fortalecimento deste sistema (AMORIM, 2000, p. 109-110).
Em segundo, percebia que uma rodada ampla contribuiria para tornar mais
significativa, e conducentes a uma real liberalização, as negociações mandatadas em
agricultura, setor em que o País era forte competidor. Por fim, um novo ciclo de
negociações poderia, em tese, propiciar modificações em determinados setores dos acordos
da rodada, que não davam um tratamento justo aos interesses brasileiros, como o acordo
sobre medidas antidumping (AMORIM, 2000, p. 109-110).
A delegação brasileira teria tido uma participação ativa nas reuniões preparatórias,
em Genebra, bem como nas reuniões formais e informais do Conselho Geral, nas reuniões
dos demais conselhos e dos grupos que se formaram para negociar os temas da nova
181
rodada, além de ter sido membro ativo nas reuniões do chamado green room
170
,
apresentando propostas e sugestões que buscavam aproximar as posições extremadas e
contribuir para o consenso (AMORIM, 2000, p. 109).
Em agricultura, em conjunto com grandes exportadores de produtos agrícolas, como
os membros do Grupo Cairns, o Brasil apresentou propostas
171
em alguns casos,
complementadas por propostas submetidas pelo Mercosul - com o objetivo de liberalizar o
comércio agrícola em mercados fortemente protegidos, como UE e Japão, e eliminar ou
reduzir o impacto de medidas distorcivas ao comércio, sobretudo os subsídios às
exportações (AMORIM, 2000, p. 104).
Um dos conceitos polêmicos, introduzido pela CEE, foi o de “multifuncionalidade”,
segundo o qual a agricultura deveria ser entendida não apenas como atividade econômica,
mas também como instrumento para proteger o meio ambiente, preservar as características
da vida do agricultor no campo e assegurar o bem-estar dos animais. Os membros do
Grupo Cairns perceberam, na iniciativa, uma tentativa de garantir de forma permanente, um
tratamento aos produtos agrícolas diferente do recebido pelos industriais, legitimando e
perpetuando o protecionismo agrícola.
Em serviços, de maior interesse aos desenvolvidos, a nova etapa de liberalização
deveria ampliar, entre outros, os setores de finanças, telecomunicações, serviços de
consultoria e transportes, assim como o início das negociações da área de transporte
marítimo, cujas modalidades e a data de início das negociações seriam determinados em
Seattle. Neste tema, ao Sul interessaria manter a gradualidade e o arcabouço flexível do
GATS oriundo da RU (AMORIM, 2000, p. 104-105).
Neste tema, o Brasil, defendendo os seus interesses como país do Sul, fez uma
proposta na qual procurou condicionar os objetivos de liberalização progressiva à
170
São reuniões de pequenos grupos de países, requisitadas pelo Diretor-Geral, para formar consenso acerca
de determinados temas. Normalmente, incluem o quarteto de PDs (EUA, UE, Canadá e Japão) e outros países
que tenham interesse vital pela discussão.
171
A proposta brasileira tentava equiparar o tratamento agrícola àquele dispensado aos bens industriais.
Buscava reduzir os picos tarifários e a escalada tarifária por meio de fórmula adequada que evitasse a
diferença existente entre os produtos pouco processados e os produtos de maior valor agregado, eliminar as
quotas tarifárias e a permanência das taxas de importação vigentes durante o último período em que havia
cotas; eliminar a cláusula de salvaguarda especial para a agricultura, incorporar à agricultura as regras de
subsídios às exportações; definir critérios para disciplinar as operações de crédito agrícola, assim como existia
para os bens industriais; reduzir os apoios internos ao setor (WTO, Documento WT/GC/W/334,
WT/GC/W/335, WT/GC/W/336, de 23/09/1999).
182
observação da flexibilidade aos países em desenvolvimento e enfatizar a importância de
finalizar o trabalho normativo – salvaguardas e subsídios para que se pudesse dar
continuidade a negociações equilibradas
172
(AMORIM, 2000, p. 110).
Na questão do acesso a mercados de bens industriais, de especial interesse dos PDs,
que viam numa nova etapa de redução das barreiras tarifárias uma oportunidade à expansão
de suas exportações de produtos industriais. Os PEDs tinham restrições, pois acreditavam
ser necessário preservar certa margem de proteção à produção doméstica por meio de
tarifas. Nesse ponto, ao mesmo tempo em que defendeu um texto que contemplasse a
redução dos picos tarifários e da escalada tarifária pelos PDs, o Brasil procurou evitar o
estabelecimento de uma agenda de negociação excessivamente ampla, com vistas a
assegurar a possibilidade de manutenção de níveis de proteção tarifária compatíveis às
necessidades da indústria brasileira, evitando-se um segundo “choque de liberalização”,
impulsionado de fora. O País, assim como outros PEDs, estava em um processo de
adaptação de suas indústrias às reduções impostas pela RU, a qual havia limitado
consideravelmente a possibilidade de recursos a outros instrumentos de política industrial,
como TRIMS e subsídios (AMORIM, 2000, p. 105, 110).
Nos novos temas, o Brasil manteve uma posição de “cautelosa abertura”,
procurando influenciar nas negociações, dentro de suas possibilidades limitadas, que tais
temas contrapunham os “dois grandes”, procurando tomar as decisões mais importantes
quando tinha mais claro o panorama nos temas de seu maior interesse
173
(AMORIM,
2000, p. 110-111).
No tema relacionado ao antidumping, o Brasil procurou a melhor definição de
certas regras mais permissivas, para limitar a aplicação arbitrária do instrumento, que seria
172
Baseada nessa idéia, a proposta brasileira destacava a importância de negociar salvaguardas emergenciais,
subsídios, compras governamentais e regulamentos nacionais de serviços. Sempre sob o princípio do single
undertaking, recomendava dividir a negociações em 2 fases: na 1ª, complementar a regulamentação do GATS
e, depois, iniciar nova rodada de liberalização, sendo que esta deveria respeitar os objetivos de política
doméstica e reconhecer as especificidades dos PEDs (WTO, Documento WT/GC/W/333 de 23/09/1999).
173
Na ocasião, o Brasil chegou a sugerir, com boa chance de que fosse aceito, se as discussões tivessem
evoluído de maneira favorável em outras áreas, que os temas de investimento e concorrência pudessem ser
objeto de uma “semeadura tardia” (uma referência, de sentido contrário, ao conceito de “colheita precoce”,
frequentemente defendido pelos EUA e outros em áreas prioritárias para eles). Neste sentido, o tema
continuaria a ser discutido, sem prejulgamento se o mesmo se integraria ou não à agenda negociadora, o que
seria decidido na Revisão de Meio Período, que deveria realizar-se na IV Conferência Ministerial (por volta
de um ano e meio depois de Seattle), caso tudo tivesse corrido bem (AMORIM, 2000, p. 111).
183
isento de exame substancial pelo sistema de solução de controvérsias
174
(AMORIM, 2000,
p. 110).
Em relação aos subsídios
175
e TRIMS
176
, a delegação brasileira buscou introduzir
um grau mais elevado de flexibilidade aos acordos e atender aos interesses do Sul. Para o
Brasil, no tocante aos subsídios, a experiência do contencioso com o Canadá tornara clara a
insuficiência dos mecanismos sobre tratamento especial e diferenciado do respectivo
acordo e deixara evidente outros aspectos que colocavam os países em desenvolvimento
em desvantagem material face aos desenvolvidos (AMORIM, 2000, p. 110).
O tema ambiental ainda estava no estágio de análise. Os PDs, maiores interessados,
procuravam satisfazer as pressões de setores da opinião pública, fazendo com que cada
acordo da OMC passasse a refletir a preocupação ambiental, enquanto que alguns PEDs
percebiam as tentativas de aprofundamento do tema como uma maneira de aumentar a
margem para medidas protecionistas, em detrimento da importação de produtos em que
esses países seriam competitivos (AMORIM, 2000, p. 106). A delegação brasileira
encontrava-se aberta à discussão, desde que tal fato não significasse um pretexto a medidas
discriminatórias, inconsistente com as normas multilaterais (AMORIM, 2000, p. 111).
Outro tema caro aos PDs - os padrões trabalhistas - ardorosamente defendido pelos
seus sindicatos, que alegavam que o não cumprimento de direitos trabalhistas básicos por
partes dos PEDs seria uma ameaça aos postos de trabalho nos países ricos. Os PMDRs, por
sua vez, viam o tema com desconfiança e até hostilidade, percebendo a inclusão deste na
OMC como mais uma maneira de justificar medidas protecionistas (AMORIM, 2000, p.
106). O Brasil, mais próximo ao Sul, mantinha a posição de que a OMC não seria o foro
apropriado à discussão do tema, que deveria ser tratado na OIT (AMORIM, 2000, p. 111).
174
A proposta brasileira, na questão, solicitava modificações nos critérios de imposição e cobrança de
sobretaxas, na metodologia de cálculo e nos procedimentos de revisão, bem como na definição da margem de
dumping da cláusula sobre “cumulação”. Também requeria mudanças no sistema de solução de controvérsias,
de maneira a possibilitar a contestação de qualquer parte do Acordo que tratava de antidumping (WTO,
Documento WT/GC/W/269 de 29/07/1999).
175
Em subsídios e medidas compensatórias, o Brasil reivindicava a inclusão de ressalvas no acordo em vigor
no tocante à implementação de políticas com o objetivo de desenvolvimento regional, pesquisa tecnológica,
diversificação da produção e implantação de métodos de produção mais limpos e de alta tecnologia no Sul.
Ademais, solicitava a revisão da lista de subsídios para que fosse possível a concessão de financiamentos às
exportações no Sul, com vistas a tornar compatíveis as condições internas àquelas vigentes no mercado
internacional ou em PDs (WTO, Documento WT/GC/W/270 de 29/07/1999).
176
A proposta brasileira pleiteava mecanismos que permitissem a implementação de políticas de
desenvolvimento social, regional, econômico e tecnológico no Sul (WTO, Documento WT/GC/W/271 de 29
de julho de 1999).
184
Chegou-se a Seattle com uma posição muito rígida por parte dos principais atores,
havendo divergências quanto à amplitude e a substância das negociações, não apenas entre
os países ricos e pobres, mas também entre os ricos.
Segundo Celso Amorim, embaixador-chefe da delegação permanente do Brasil em
Genebra, de 1991 a 1993 e de 1999 a 2001, certos fatores teriam sido decisivos para que as
perspectivas para a reunião fossem pouco animadoras. Dentre esses fatores, havia a atitude
ambivalente por parte dos EUA, relutantes em relação a uma rodada ampla
177
; a postura
desconfiada e relutante de um número significativo de PEDs, como Índia, Paquistão e
Egito, bem como de vários centro-americanos, africanos e asiáticos, que consideravam
inoportuna uma nova rodada, no memento em que ainda estavam adaptando suas
economias às regras negociadas na RU, ao passo que não percebiam ganhos consideráveis
de uma empreitada semelhante
178
, sendo que a idéia de uma nova rodada encontrava
apoio ativo - no Sul - entre os membros de Cairns e México e nos países relativamente
avançados, como Coréia do Sul e Cingapura. Ademais, havia a atitude contraditória da UE,
que, apesar de ter sido o grande arauto de uma nova rodada e dos novos temas, passou a
demonstrar, em cada fase preparatória, uma posição de profunda rigidez na área agrícola,
com repercussões negativas sobre o conjunto das discussões
179
(AMORIM, 2000, p. 107-
108).
Seria irreal esperar que poucos dias de negociação, mesmo em nível ministerial,
permitissem superar divergências tão amplas e profundas, envolvendo temas particulares, a
natureza (abrangente ou não) da rodada e, até mesmo, a conveniência de seu lançamento.
177
Ao mesmo tempo em que defendiam uma temática restrita (basicamente, negociações mandatadas, acesso
a mercados e alguns temas pontuais, como facilitação do comércio, compras governamentais e comércio
eletrônico), advogavam a inclusão de temas de forte conteúdo político como padrões trabalhistas e meio
ambiente. Essa postura talvez ocorresse devido ao fato de que a iniciativa do lançamento de uma nova rodada
foi da CEE, sendo que determinados setores da administração norte-americana vislumbraram na possibilidade
de os EUA sediarem a Conferência como parte de uma estratégia para engajar o governo num processo
contínuo de liberalização comercial, sob os auspícios da OMC, realçando o perfil do tema perante seu público
interno (AMORIM, 2000, p. 107).
178
Esses países concentraram suas propostas nos temas de implementação e no cumprimento das cláusulas de
tratamento especial e diferenciado existente nos acordos estabelecidos pela RU, evitando, tanto envolver-se
numa nova rodada (AMORIM, 2007, p. 107).
179
Além da postura resistente em relação à eliminação dos subsídios à exportação, a CEE, sob o nome geral
de preocupações não-comerciais, procurou ampliar os motivos para exceções à liberalização, com conceitos
como segurança e qualidade dos alimentos, bem-estar animal e, sobretudo, com o de multifuncionalidade
(AMORIM, 2000, p. 107-108).
185
Na Conferência, a delegação brasileira manteve a postura das reuniões
preparatórias, ou seja, uma atitude construtora, convencida de uma nova rodada colaboraria
para o fortalecimento do sistema multilateral de comércio, podendo tornar mais relevante
as negociações agrícolas e permitiria modificações nas regras e disciplinas da organização
que conflitavam com os interesses nacionais, como o acordo antidumping, os subsídios e
medidas compensatórias e as alterações no acordo sobre TRIMS (LAMPREIA, 1999 (c)).
Quando ficou patente que o tempo disponível não viabilizaria uma conclusão dos
trabalhos, chegou-se a aventar que os ministros presentes apenas referendassem o início de
negociações apenas para os temas mandatados nos acordos da RU como agricultura e
serviços, além das revisões dos artigos de certos acordos (AMORIM, 2000, p. 113).
Frente à rigidez das posturas dos maiores parceiros - EUA
180
e CEE
181
- a solução
encontrada foi “suspender” os trabalhos da Conferência e encarregar o Diretor-Geral de
realizar consultas sobre a forma e a substância de eventuais futuras negociações, sendo que
uma nova convocação para reunião ministerial seria feita quando as discussões
estivessem amadurecidas, gerando, ao mesmo tempo, frustração para alguns e satisfação
para outros, além de críticas à organização dos trabalhos, especialmente à ausência de
transparência dos green rooms (AMORIM, 2000, p. 112-113).
Ao Brasil, o fracasso das negociações era preocupante, representando, no mínimo,
um adiamento na plena integração da agricultura às normas multilaterais de comércio e na
elaboração de regras que impedissem o abuso do antidumping. Além disso, mais
profundamente, refletia a força do protecionismo e o enfraquecimento da OMC. Esse
fracasso, segundo o chanceler brasileiro, também teria efeitos em outras frentes de
negociação, nas quais o Brasil estaria inserido (LAMPREIA, 1999 (d)).
182
A partir do ano seguinte, ocorreu, na OMC, uma série de reuniões, para avaliar a
conjuntura do sistema multilateral de comércio bem como negociações com vistas à
superação do impasse gerado anteriormente e à recondução da entidade a uma nova etapa
180
Os EUA não queriam encerrar a conferência sem a inclusão de padrões trabalhistas.
181
A CE não desejava consagrar formalmente o início de uma nova rodada de negociações agrícolas sem a
inclusão de novos temas.
182
Dentre os efeitos estariam a desaceleração das negociações para o estabelecimento da Alca e para a criação
de uma zona de livre comercio entre o Mercosul e a UE, condições desfavoráveis à canalização de esforços e
recursos para o fortalecimento do Mercosul e de seus laços comerciais com os demais vizinhos sul-
americanos, sendo que o desapontamento com o impasse em Seattle, transformar-se-ia, na região, em ânimo
renovado à integração regional (LAMPREIA, 1999 (d)).
186
de atividades. Os trabalhos iniciaram-se em diversas frentes, sendo elas, as negociações
mandatadas nos setores agrícola e de serviços; as negociações de revisões mandatadas dos
acordos existentes em setores específicos; negociações sobre a implementação dos acordos
existentes; e negociações de um pacote de fortalecimento da confiança no sistema
183
(THORSTENSEN, 2000, p. 124).
Na questão de maior acesso a mercados aos PMDRs, o objetivo seria negociar
medidas para dar acesso preferencial aos mercados dos PDs e PEDs para as exportações
desses países, medidas negociadas como voluntárias, autônomas e não recíprocas, a serem
notificadas ao Comitê de Comércio e Desenvolvimento. Ao final, alguns PDs concordaram
em dar maior preferência às importações via isenção de tarifas ou de cotas não para todos,
mas para essencialmente todos os produtos, que seria uma liberalização cautelosa de seus
produtos sensíveis, o que decepcionou os PMDRs e foi alvo de pedido de monitoramento
por parte de alguns PEDs, preocupados com os resultados de desvio de comércio que tais
medidas pudessem causar nos fluxos comerciais dos países não beneficiados
(THORSTENSEN, 2000, p. 124-124).
Em TRIMS, de interesse de rios países do Sul, que solicitavam a extensão dos
períodos de eliminação dessas medidas, decidiu-se, em maio de 2000, que o Conselho de
Bens deveria considerar, positivamente, os pedidos dos PEDs, e responder
individualmente; que as preocupações dos países que ainda não haviam notificado ou que
ainda não tivessem pedido a extensão fossem levados em conta; que deveria ser analisada a
postura de vários membros que demonstraram a necessidade de se preservar o cunho
multilateral do processo; e que o presidente do Conselho de Bens deveria prosseguir com
consultas para fortalecê-lo
184
(THORSTENSEN, 2000, p. 128-129).
Em TRIPS, EUA e CEE vinham pressionando os países do Sul para que
reforçassem os seus controles sobre a proteção dos direitos de propriedade intelectual,
183
Os principais pontos discutidos nas reuniões, coordenadas pelo Conselho-Geral, para fortalecer a
confiança no sistema, a saber: maior acesso a mercados para os países de menor desenvolvimento relativo
(PMDRs); capacitação técnica na área de política comercial entre os PMDRs; medidas para aumentar a
transparência interna da organização e permitir a participação mais efetiva dos membros no processo
decisório; e novos prazos de transição para a adoção de dispositivos estabelecidos em certos acordos, como
Valoração, TRIMS e TRIPS (THORSTENSEN, 2000, p. 124).
184
Para o Brasil, a questão afetava o Mercosul, que Argentina e Uruguai, que haviam notificado medidas
em 1995, pediram extensão de suas TRIMS, mas o Brasil havia se comprometido a encerrar as suas em 1999
(THORSTENSEN, 2000, p. 129).
187
principalmente contra pirataria e a contrafação
185
enquanto os PEDs vinham solicitando a
extensão dos prazos de implantação do Acordo sobre TRIPS. Ademais, a questão havia se
tornado ainda mais complicada, pois os EUA, desrespeitando o acordo de “due restraint”,
entraram em consultas sobre práticas consideradas incompatíveis com o Acordo com o
Brasil e a Argentina (THORSTENSEN, 2000, p. 129).
Nas negociações sobre a implementação dos acordos existentes, grande interesse
aos PEDs e um dos mais discutidos nos trabalhos preparatórios. Por decisão do Conselho
Geral, em maio de 2000, foi criado um mecanismo para discutir e propor recomendações
sobre pontos específicos dos acordos ligados ao tema, a saber: Sessões Especiais do
Conselho Geral, com uma agenda e um plano de trabalho já definido, e que deveria
apresentar resultados para a Conferência seguinte (THORSTENSEN, 2000, p. 130).
Os PEDs, inclusive o Brasil, acreditavam que o exercício visava corrigir os
desequilíbrios entre direitos e obrigações gerados com a implementação dos acordos da
RU, e deveria levar à negociação de entendimento sobre os acordos, com vistas à
eliminação dos desequilíbrios existentes. Por sua vez, os PDs acreditavam que os
problemas de implementação não poderiam representar novas obrigações e deveriam ser
vistos como um exercício para melhor se interpretar os acordos e definir formas de
assistência e capacitação técnica que ajudassem os PEDs a solucionar os seus problemas de
implementação (THORSTENSEN, 2000, p. 130-131).
Os temas discutidos nas Sessões Especiais foram: agricultura; medidas sanitárias e
fitossanitárias; têxteis; barreiras técnicas; antidumping; subsídios; regras de origem;
TRIMS e TRIPS. Ao Brasil, interessava a liberalização agrícola e a revisão de alguns
acordos existentes, como antidumping e subsídios (LAFER, 2001).
Em Agricultura, as discussões ocorreriam acerca dos seguintes temas: cumprimento
das medidas destinadas aos PEDs no tratamento especial e diferenciado; cumprimento das
medidas relevantes às preocupações não-comerciais dos países importadores de alimentos e
PMDRs; ampliação das medidas destinadas ao desenvolvimento e flexibilização do
conceito de caixas verde
186
; ampliação das medidas destinadas ao desenvolvimento e
185
Falsificação de produtos com vistas a iludir a sua autenticidade.
186
Medidas consideradas de efeito mínimo ou nulo no comércio. Incluem medidas de apoio como pesquisa,
extensão, estoques alimentares de segurança, pagamentos por calamidades e programas de ajuste estrutural.
Tais medidas não estariam sujeitas a compromissos de redução segundo o Acordo sobre Agricultura.
188
flexibilização do conceito de caixa verde de subsídios permitidos; discussão sobre crédito à
exportação que estariam substituindo os subsídios à exportação e afetando o comércio de
produtos agrícolas; e maior transparência na administração das cotas tarifárias
(THORSTENSEN, 2000, p. 131).
Nesta questão haveria três grupos de interesse: o primeiro, formado por UE, outros
países não membros na época e o Japão, que taxava a questão como sensível, devido a sua
política de proteção ao setor; o segundo, formado grandes exportadores agrícolas, reunidos
no Grupo Cairns, defensor da liberalização, principalmente a extinção dos subsídios à
exportação; e o terceiro, de países importadores de alimentos, como Índia e vários PEDs,
como Paquistão e Egito, defensor do aprofundamento das cláusulas de tratamento especial
e diferenciado do Acordo sobre Agricultura (THORTENSEN, 2000, p. 135).
O Brasil, na Sessão Especial do Comitê de Agricultura, teria participado
ativamente, com propostas ora sozinho, ora com o Grupo Cairns, ora com outros PEDs, ora
com o Mercosul
187
.
O Grupo Cairns, incluindo o Brasil, apresentou sua proposta, em 21 de dezembro de
2000, na qual defendia a redução do apoio doméstico, incluindo medidas agregadas e da
caixa azul
188
; com o estabelecimento de prazos para revisão das medidas da caixa verde e
ampliação, com fórmulas diferenciadas, aos PEDs; fortalecimento da cooperação
internacional e assistência técnica; corte de tarifas de importação de bens agrícolas;
simplificação dos regimes tarifários; eliminação dos mecanismos de salvaguarda; disciplina
a empresas estatais que tivessem o monopólio para exportação ou importação; e a relação
entre queda na redução de restrições às exportações e a melhoria de acesso ao alimento,
garantindo segurança alimentar (WTO, G/AG/NG/W/93 de 21/12/2000).
187
Devido ao escopo desse trabalho, serão tratadas, aqui, apenas as propostas apresentadas em conjunto com
o Grupo Cairns e outros PEDs, a saber: G/AG/NG/W/104/Corr. 1 de 14/02/2000; G/AG/NG/W/11 de
16/06/2000; G/AG/NG/W/38 de 27/09/2000; G/AG/NG/W/47 de 14/11/2000; G/AG/NG/W/54 de
10/11/2000; G/AG/NG/W/54/Corr. 1 de 30/11/2000; G/AG/NG/W/54/Corr. 1 de 30/11/2000;
G/AG/NG/W/54/Corr. 1 de 30/11/2000; G/AG/NG/W/54/Corr. 1 de 30/11/2000; G/AG/NG/W/93 de
21/12/2000; G/AG/NG/W/93 de 21/12/2000; G/AG/NG/W/93 de 21/12/2000; G/AG/NG/W/93 de
21/12/2000; G/AG/NG/W/140 de 23/01/2001; G/AG/NG/W/104 de 23/01/2001; G/AG/NG/W/104 de
23/01/2001; G/AG/NG/W/139 de 20/03/2001; G/AG/W/50 de 20/03/2001; G/AG/NG/W/104/Corr. 1 de
14/02/2001.
188
Medidas referentes a pagamentos efetuados pelo governo a título de apoio, diretamente vinculadas ao uso
da terra ou ao número de animais na produção agrícola. Incluem esquemas de limitação da produção mediante
a imposição de cotas de produção ou a exigência de que os produtores reservem parte de suas terras. Essas
medidas constituem isenções da regra geral de que todos os subsídios vinculados à produção devam ser
reduzidos ou mantidos em níveis mínimos definidos.
189
O Brasil, por meio do Mercosul, apoiado por Índia e Malásia, também apresentou
proposta sobre crédito à exportação de produtos agrícolas, com vistas a trazer ao âmbito
multilateral as discussões de regras acerca da concessão (WTO, G/AG/NG/W/139 e
G/AG/NG/W/50 de 20/03/2001). Diferentemente do Brasil, a EU defendia que a questão
deveria ser tratada na OCDE.
Os PEDs que não faziam parte do Grupo Cairns, em suas propostas, defendiam a
agregação de todos os subsídios domésticos na caixa verde em uma única categoria geral;
permissão à utilização de um percentual variável, como subsídio permitido, conforme o
nível de desenvolvimento do país; eliminação da cláusula de devido comedimento ou
“cláusula da paz” no caso de imposição de direitos anti-subsídios para subsídios notificados
no apoio doméstico. Ademais, procuravam criar uma caixa de desenvolvimento que
permitisse fortalecer a sua capacidade de produção quando destinada à geração de
empregos rurais e à segurança alimentar (THORSTENSEN, 2000, p. 136).
Os EUA, devido a pressões domésticas protecionistas, preferia guardar para os
governos nacionais a solução de problemas como segurança alimentar, proteção ambiental,
desenvolvimento rural, etc, apresentando uma proposta ampla nos pontos que lhe
interessavam, principalmente salvaguardas e subsídios
189
.
A UE insistia na multifuncionalidade, solicitando tratamento especial, livre acesso,
para quase todas as exportações dos PMDRs. Ademais, procuravam aumentar o acesso a
mercados de produtos com especificação garantida pela proteção de nome de bebidas e
alimentos. Continuava, em relação a acesso a mercado, preferindo as metodologias da RU
(THORSTENSEN, 2000, p. 137).
Em serviços, as clivagens entre o Norte, interessado em sua exportação e no
aprofundamento do processo de liberalização, e o Sul, com menores vantagens
189
Os EUA defendiam: a redução substancial das tarifas, da escalada tarifária; a eliminação das salvaguardas
especiais; aumento substancial das cotas tarifárias; eliminação dos direitos exclusivos das estatais
importadoras e exportadoras; eliminação dos subsídios à exportação; proibição do uso de taxas sobre
exportação; negociação de um acordo sobre programas de crédito à exportação na OCDE; redução substancial
dos apoios domésticos; simplificação das disciplinas com a criação de 2 categorias de apoio: a) isentos a
apoios de efeitos pouco distorcivos; b) não isentos, sujeitos à redução; tratamento especial e diferenciado aos
PEDs por meio de redução tarifária; maior flexibilidade na utilização de apoio doméstico e assistência
técnica; revisão dos compromissos sobre segurança alimentar com revisão das disciplinas sobre ajuda
alimentar e crédito à exportação e a criação de um sistema de monitoramento às transações internacionais de
grãos; e negociação zero-por-zero para setores específicos (THORSTENSEN, 2000, p. 136).
190
competitivas ou técnicas, que temiam pelos custos da abertura de seus segmentos de
serviços, eram mais claras.
O Brasil, em conjunto com mais 24 PEDs, apresentava-se favorável à liberalização
progressiva, de acordo com o GATS, respeitando políticas domésticas e com negociação de
salvaguardas (THORSTENSEN, 2001, p. 447).
Dentre as propostas, estaria a da República Dominicana e outros países do caribe
que desejavam a liberalização do setor de turismo e a avaliação do impacto de sua
expansão à economia dos PEDs, apontando para práticas anticompetitivas existentes na
prestação de serviços conexos, que impediam que seus benefícios permanecessem nesses
países, defendendo a adoção de um anexo ao Acordo para a área de Turismo, da mesma
forma que os anexos da área financeira e de telecomunicações (THORSTENSEN, 2000,
139).
Os EUA, UE e Japão apresentaram propostas sobre a utilização do conceito de
agrupamento
190
de serviços inter-relacionados, para garantir a coerência dos compromissos
específicos no processo de liberalização, argumentado que apenas a liberalização do núcleo
do agrupamento, mas não a dos serviços conexos poderia inviabilizar o exercício
(THORSTENSEN, 2000, p. 139).
Com as pressões do Norte, que gostaria de avançar rapidamente com a liberalização
de serviços, os integrantes do Grupo Cairns, grandes interessados na liberalização agrícola,
insistiam no paralelismo das negociações e no avanço das liberalizações dos produtos
agrícolas e de serviços. A aceitação de novos compromissos e obrigações em um setor
dependeria do progresso do outro setor, e, de uma maneira mais abrangente, condicionava
o lançamento de uma nova rodada.
Em barreiras técnicas, buscava-se operacionalizar as medidas destinadas ao
tratamento especial e diferenciado; assegurar a participação dos países em desenvolvimento
nos organismos internacionais de normatização; tornar mandatória a obrigação de prestação
de assistência técnica sobre produtos originários dos PEDs (THORSTENSEN, 2000, p.
131). O Brasil apresentou propostas unilateralmente, entretanto, estas e seus comunicados
190
Como exemplo de negociações por agrupamento teríamos: turismo, energia, construção, finanças,
telecomunicações e meio ambiente.
191
iam ao encontro das posturas dos demais PEDs, desejosos de maior regulação da
questão
191
.
Outra negociação, ao lado de agricultura e serviços, que o Brasil participou mais
ativamente foi a de TRIPS que buscava estender o escopo de proteção dos casos de
indicação geográfica além de vinhos e medidas espirituosas; incluir na lista de exceções de
patentabilidade a lista de medicamentos essenciais elaborada pela OMS; assegurar que a
cooperação técnica e a transferência de tecnologia previstas no Acordo de TRIPS fosse
efetivada; esclarecer os conceitos de patentabilidade de microorganismos e processos não
biológicos ou microbiológicos; e assegurar que os conhecimentos tradicionais das
populações indígenas fossem também patenteáveis (THORSTENSEN, 2000, p. 132).
Entretanto, as propostas brasileiras foram apresentadas unilateralmente e tratavam apenas
de revisão de alguns artigos do Acordo de TRIPS.
Sobre o lançamento de uma nova rodada, UE, Japão e outros países europeus
desenvolvidos continuaram a defender uma rodada ampla, incluindo não agricultura e
serviços, como revisões mandatadas e aprofundamento das regras existentes, mas também a
inclusão de novos temas como concorrência, investimentos, meio ambiente e cláusulas
sociais. Seu argumento relacionar-se-ia à sensibilidade das negociações agrícolas, que
provocava grande incerteza aos grupos ligados a estas atividades, sendo que a compensação
entre os setores agrícola e de serviços seria insuficiente, explicando a defesa de uma rodada
mais ampla (THORSTENSEN, 2000, p. 140).
No lado oposto estaria os EUA, defensores de uma negociação mais restrita a uma
agenda que contemplasse agricultura, serviços, redução de tarifas de bens industriais e
regras de facilitação do comércio (THORSTENSEN, 2000, p. 130).
Entre o Sul, as posições estavam divididas. De um lado estariam os defensores,
liderados por Índia, Paquistão e Egito, de que uma nova rodada só ocorreria após os
resultados das negociações sobre implementação dos acordos existentes, recusando-se a
discutir o lançamento de uma nova rodada, principalmente sobre novos temas, uma vez que
ainda não haviam tido demonstrações concretas acerca das vantagens do acesso a mercados
prometidos na RU. De outro, estariam PEDs, como Brasil, Argentina e México, com fortes
191
Para maiores informações consultar os seguintes documentos: G/TBT/W/140 de 28/07/2000;
G/TBT/W/151 de 07/11/2000.
192
interesses na liberalização agrícola, mas cautelosos em relação a uma nova fase de
liberalização em serviços, focados, portanto, nas negociações sobre implementação e
revisão dos acordos existentes, mas receosos da negociação de novos temas que
acreditavam sensíveis, pois poderiam ocultar medidas protecionistas (THORTENSEN,
2000, p. 140).
A IV Conferência Ministerial de Doha, capital do Catar, em novembro de 2001,
representou um novo momento, já que foi lançada uma nova rodada de negociações
multilaterais, a Rodada do Desenvolvimento, o que reforçou a imagem a OMC que, devido
ao impasse em Seattle, havia ficado a idéia de que a instituição havia sido paralisada. O
texto acordado seria o guia aos trabalhos seguintes, visando a conclusão de novos acordos,
revisões das normas existentes e outras decisões sobre o comércio internacional,
representando um compromisso entre os interesses de diversos atores: PDs, como UE e
Japão, defensores de uma rodada abrangente com a introdução de diversos temas novos, ou
como os EUA, interessados em fazer valer a sua “margem tecnológica” em áreas como
comércio eletrônico e tecnologia da informação, e PEDs, defensores da correção de
determinadas distorções da RU, com ênfase em temas voltados ao desenvolvimento ou
ainda países que, como os do Grupo Cairns em agricultura, se articulavam em coalizões
específicas.
Em relação às posturas nas reuniões preparatórias, os EUA, devido aos ataques
terroristas, passaram a ter uma postura mais flexível em temas como negociações da
Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública; antidumping que, anteriormente, não queriam
reabrir; padrões trabalhistas, objeto de menção apenas no preâmbulo da Declaração
Ministerial; facilitação do comércio, que ficou vinculada a uma decisão futura; e
implementação, onde foram incluídos temas caros aos PEDs que os EUA, até aquele
momento, resistiam em negociar (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 60-61).
A UE continuou a defender uma nova e ampla rodada, não podendo desempenhar a
função de mediadora, que teria ficado limitada pela necessidade de defender a Política
Agrícola Comum (PAC), em razão de interesses de alguns de seus membros,
principalmente a França, do “assalto liberalizante” do Grupo Cairns. Ademais, desejava
novos acordos em áreas como investimentos e concorrência e comércio e meio ambiente
(AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 61).
193
Japão e Coréia do Sul estavam interessados na proteção de seus setores agrícolas,
mas também defendiam a reabertura de regras como antidumping e medidas
compensatórias (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 61).
A Índia, líder de diversos PEDs insatisfeitos com os resultados da RU, como Egito,
Paquistão e membros da Asean, defendia o tema da implementação e se opunha fortemente
à inclusão de novos temas na OMC, como meio ambiente, investimentos e concorrência
(AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 61-62).
Os PMDRs compartilhavam com outros PEDs o interesse por tornar mandatório o
tratamento especial e diferenciado na OMC, de forma permitir-lhes flexibilidade no
cumprimento de determinadas regras e, principalmente, facilidade de acesso a mercados,
enfatizando a necessidade de maiores recursos à capacitação técnica. Ademais, temiam a
introdução de novos temas e o estabelecimento de novas obrigações. Um fator interessante
foi que esses países, tomados em conjunto, passaram a ter, com certas limitações, um certo
destaque nas negociações (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 62).
O Brasil, por sua vez, teria interesses bem definidos em relação a quase todos os
temas, mas estaria especialmente interessado na liberalização agrícola por meio de
melhores condições de acesso a mercados e disciplinas que cerceassem os subsídios
concedidos pelos PDs; na revisão das regras antidumping para restringir o seu uso como
instrumento protecionista; na reabertura do tema subsídios, principalmente com vistas a
obter regras mais equilibradas sobre créditos à exportação, à época baseados nos
mecanismos da OCDE, da qual o Brasil não fazia parte; na possibilidade de rediscussão de
certos acordos da RU, como subsídios e TRIMS, visando permitir maior flexibilidade a
políticas de desenvolvimento. Em conjunto com outros PEDs, como Índia e países
africanos, estava fortemente interessado em uma declaração política sobre as normas de
propriedade intelectual e questões de saúde pública, de maneira a preservar a possibilidade
de utilização, com certa flexibilidade, de instrumentos como a licença compulsória à
fabricação doméstica de medicamentos a preços acessíveis (AMORIM; THORSTENSEN,
2002, p. 62).
Em suma, os principais pontos da posição brasileira seriam:
- fortalecimento do sistema multilateral de comércio;
- liberalização do setor agrícola;
194
- correção dos desequilíbrios e iniqüidade das normas da OMC que afetavam os
PEDs;
- revisão do acordo antidumping com vistas a impedir o seu uso para proteção do
mercado doméstico;
- autorização da OMC para quebra do acordo de propriedade intelectual para a
proteção da saúde pública;
- multilateralização do tratamento de créditos à exportação e revisão dos acordos
sobre subsídios e medidas compensatórias;
- redução dos picos e escalada tarifários nos PDs (LAFER, 2001 (b)).
Ao final, foram aprovados três documentos: a Declaração Ministerial
192
; a Decisão
sobre Temas e Questões sobre Implementação, referente a acordos negociados na RU; e a
Declaração sobre o Acordo de TRIPS e Saúde Pública (AMORIM; THORSTENSEN,
2002, p. 63).
A Declaração de Doha, portanto, reconhecia a importância do sistema multilateral
de comércio para o crescimento da economia mundial, do desenvolvimento e do emprego,
apontando que a maioria dos membros da organização era do mundo em desenvolvimento e
a importância de incluir seus interesses na agenda de trabalho, representando uma excelente
oportunidade a PEDs, como o Brasil.
O programa de trabalho para a nova rodada, lançado era bastante ambicioso.
Os temas relacionados à implementação eram tratados na Decisão sobre
Implementação
193
e no parágrafo 12 da Declaração Ministerial. Com o impasse em Seattle,
os PEDs, liderados por Índia, Egito e Paquistão, com crescente apoio brasileiro,
conseguiram transformar o tema em um assunto tão importante quanto as negociações
mandatadas em serviços e agricultura.
O Brasil estaria interessado, principalmente, na reabertura dos temas de
antidumping, subsídios, créditos à exportações, e TRIMS, buscando a flexibilização de
certas obrigações excessivamente onerosas aos PEDs e o reforço das disciplinas e
192
A Declaração Ministerial estabelecia o programa de trabalho para a OMC e tinha como objeto central o
lançamento de negociações sobre uma ampla agenda, determinando que as negociações sobre temas nela
presentes deveriam ser iniciadas em 2002 e estar concluídas até 01 de janeiro de 2005, consagrando o
princípio do single track (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
193
Para maiores informações consultar: WTO, Documento WT/MIN (01)/W/10.
195
fechamento das lacunas utilizadas, principalmente, pelos PDs (AMORIM;
THORSTENSEN, 2002, p. 64-65).
A Decisão sobre Implementação incluía pontos de aplicação imediata e pontos
enviados a novas discussões nos comitês e conselhos responsáveis, relacionados a
interpretação e detalhamento de temas como: artigos do GATT 94; agricultura; medidas
sanitárias e fitossanitárias, têxteis, barreiras técnicas, medidas sobre investimentos;
antidumping; subsídios e medidas compensatórias; valoração aduaneira; regras de origem;
propriedade intelectual e tratamento especial e diferenciado (AMORIM;THORSTENSEN,
2002, p. 65).
Outros 60 pontos, onde estavam os maiores interesses do Brasil, cujos esforços
diplomáticos fizeram com que fossem incluídos no parágrafo 12 da Declaração Ministerial,
por meio do qual os ministros decidiram que deveria ser parte integral do Programa de
Trabalho da nova rodada
194
(AMORIM; THORTENSEN, 2002, p. 65; WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
Os PEDs, dentre eles o Brasil, interessavam-se, nesta questão, em pontos como
revisão do artigo 18
195
sobre balanço de pagamentos, agricultura, barreiras técnicas,
antidumping, subsídios, salvaguardas, valoração, propriedade intelectual e TRIMS. Muitos
desses pontos estavam relacionados à maior flexibilização de regras quando usadas Poe
esses países, como no caso de subsídios em geral, e TRIMS, em outros, a questão era obter
maior equilíbrio nas obrigações existentes, como créditos à exportação, ou de garantir que a
interpretação de determinados dispositivos não possibilitasse a manutenção de práticas
protecionistas, como nas questões de antidumping e subsídios. Ademais, ainda existiam
pontos que buscavam esclarecer a relação entre as normas da OMC e as de outros acordos,
mais favoráveis aos PEDs, como relação entre propriedade intelectual e biodiversidade
(AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 66).
194
Para evitar manobras obstrucionistas, na Declaração Ministerial, foi feita distinção entre os pontos sobre os
quais havia mandato específico (antidumping, subsídios, dentre outros), que seriam tratados nos respectivos
órgãos negociadores e os demais, que deveriam ser tratados nos comitês e conselhos da OMC, e seriam objeto
de relatório ao Comitê de Negociações Comerciais, até o final de 2002 (AMORIM; THORSTENSEN, 2002,
p. 65).
195
A Seção B do artigo 18, relacionada a exceções para que governos, principalmente de PEDs, pudessem
restringir importações para efeitos de balança de pagamentos, segundo esses países não deixava muito claro
as condições a tais exceções (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
196
Portanto, o tema implementação adquiria grande importância à maioria dos
membros da OMC, formada PEDS, que jogariam boa parte de suas fichas na rodada.
Outro de grande importância ao Brasil, a agricultura, na Declaração Final, os
ministros relembravam os objetivos de longo prazo constantes do Acordo sobre
Agricultura, de instituir um mecanismo justo e orientado pelo mercado, mediante um
programa de reforma profunda que levasse em consideração regras reforçadas e
compromissos específicos sobre apoio e proteção, com vistas a prevenir as restrições e
distorções no mercado agrícola mundial. À luz dos trabalhos realizados, sem prejulgar
os resultados das negociações os ministros se comprometiam a uma abrangente negociação,
com vistas a um avanço significativo no acesso a mercados; redução, objetivando a
eliminação progressiva de todas as modalidades de subsídios à exportação; e redução
substancial nos apoios domésticos distorcivos ao comércio (WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
O texto final também confirmou que as questões não-comerciais seriam
consideradas, conforme previsto no Acordo sobre Agricultura, mas não seriam, como
desejavam alguns membros, como UE e Japão, um novo “pilar” das mesmas (WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
ficava claro, para a rodada, que as negociações agrícolas seriam das mais
complexas, pois PDs, como UE e Japão, tentariam produzir interpretações que
restringissem o alcance do exercício. Devido a isso, o Brasil e outros PEDs do Grupo
Cairns, pois Austrália e Canadá possuíam interesses diversos dos brasileiros em outros
temas, teriam a dura missão de garantir que a agricultura ditasse o ritmo de outras
negociações, evitando-se avanços muito rápidos em outras áreas, sem que o mesmo
ocorresse nas negociações agrícolas. Além disso, o Grupo Cairns deveria ampliar suas
alianças com outros PEDs, já que alguns importadores líquidos de produtos agrícolas
tinham potencial exportador, sendo limitados, pelo protecionismo das grandes economias
196
(AMORIM; THORTENSEN, 2002, p. 68).
Neste contexto, a posição norte-americana seria de grande importância, que eram
grandes subsidiadores, mas desejavam a diminuição do protecionismo europeu, tendo
196
Esta questão aponta para uma mudança de perfil que ocorrerá no governo seguinte, quando o Brasil
deixará de lado o Grupo Cairns, devido à liderança australiana e formará outro bloco, o G-20, em conjunto
com os PEDs exportadores agrícolas, para atuar na Rodada Doha.
197
oscilado entre uma postura agressiva e manifestações conciliadoras, sendo que sua postura
global dependeria tanto de fatores políticos internos quanto da conjuntura do comércio
agrícola, no momento da negociação.
Em serviços, a reunião ocorreu sem maiores controvérsias. O mandato aprovado
reconhecia o trabalho realizado e reafirmava as diretrizes e procedimentos de negociação
adotados, como gradualidade e atenção especial aos PEDs, tendo como novidade o
estabelecimento de junho de 2002 aos pedidos sobre compromissos específicos, e março de
2003 às ofertas iniciais (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
A questão do paralelismo entre negociações agrícolas e de serviços continuava
importante, entretanto o viés exclusivamente bilateral da ligação entre serviços e
agricultura ficava atenuado, devido à decisão de lançar uma rodada ampla, com diversos
temas (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 68).
Em acesso a mercados, foram deixados de lado certos aspectos mais incômodos
como as negociações “zero por zero”, de caráter setorial, sendo que o mandato definido
pela Declaração Final apontava as negociações teriam o objetivo de reduzir ou, quando
apropriado, eliminar tarifas, inclusive redução ou eliminação dos picos tarifários, tarifas
altas e escalada tarifária, bem como barreiras não-tarifárias, em especial, sobre produtos de
interesse dos PEDs, sendo que a cobertura deveria ser ampla e sem exclusões (WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
A novidade encontrava-se na introdução do conceito de tarifas altas ao lado dos
picos tarifários, pois desde a RU o pico tarifário vinha sendo entendido como cobrindo
tarifas acima de 15%, restando apenas definir acima de que valor uma tarifa deveria ser
considerada “alta”. O primeiro ponto a ser considerado seria a definição das modalidades
de negociação, ou seja, conceitos básicos, formas de apresentar propostas, possibilidade de
uso de fórmula etc., sendo que uma questão importante seria definir se reduções mínimas
estariam incluídas ou não na área agrícola e na área industrial, ou apenas uma média seria
determinada como alvo (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 69).
Os PDs estariam interessados na redução das tarifas dos parceiros em
desenvolvimento de forma ampla, enquanto que PEDs buscavam reduções nos picos e
escalada que ainda protegiam setores importantes como alimentos e têxteis naqueles países.
Ademais, Brasil e outros PEDs interessar-se-iam em assegurar que a base das negociações
198
fosse dada pelas tarifas consolidadas e não as aplicadas, de forma a preservar um
determinado colchão amortecedor” que evitasse um novo choque de liberalização na área
industrial (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 69).
Em TRIPS, o aspecto mais importante e polêmico que tratava da relação entre o
Acordo de TRIPS e Saúde Pública foi tratado por uma Declaração separada da qual a
Declaração de Doha se limitava apenas a tomar conhecimento, de maneira positiva
(AMORIM; THORTENSEN, 2002, p. 69).
A Declaração Ministerial afirmava o compromisso da RU, de negociar o
estabelecimento de um sistema multilateral de notificação e registro de indicação
geográfica para vinhos e bebidas espirituosas até a V Reunião Ministerial, sendo que a
extensão da proteção a outros produtos seria tratada no Conselho de TRIPS, dentro do tema
implementação (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
Essa era uma área em que o Brasil ainda não tinha bem definidas as suas
prioridades, sendo que a maioria dos seus parceiros do Grupo Cairns, assim como os EUA,
temiam uma onda de ataques a denominações correntes de produtos alimentícios por parte
da UE
197
.
Os ministros também orientaram o Conselho de TRIPS a dar continuidade à revisão
do artigo sobre patenteabilidade de microorganismos e seu processo de produção.
Reiterava-se o compromisso, dentro do tema implementação, de examinar a relação entre o
Acordo de TRIPS e a Convenção de Biodiversidade, a proteção ao conhecimento
tradicional (plantas medicinais indígenas) e o folclore, sendo uma vitória ao Brasil e outros
PEDs que, conjuntamente, defenderam tais pontos na fase preparatória (AMORIM;
THORTENSEN, 2002, p. 70).
Em relação antidumping, subsídios e medidas compensatórias, os ministros
decidiram negociar com o objetivo de esclarecer e aperfeiçoar suas regras, embora
preservando os conceitos básicos, princípios e efetividade dos acordos, bem como de seus
mecanismos e objetivos, considerando as necessidades dos PEDs, sendo que, na fase
inicial, os membros deveriam indicar os instrumentos, incluindo regras sobre práticas
197
Por outro lado, havia, no Brasil, um movimento de proteção a certas indicações, como cachaça de São
Paulo ou queijo de Minas (AMOTIM; THORSTENSEN, 2002, p. 69-70).
199
distorcivas ao comércio, que buscariam esclarecer e aperfeiçoar na fase posterior (WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
No tema “regras”, os ministros concordaram com negociações visando o
esclarecimento e melhora de disciplinas e procedimentos nos dispositivos da OMC sobre
acordos regionais (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 74).
Em solução de controvérsias muito interessante ao Brasil que enfrentava disputas
com outros países a Declaração Ministerial apontava que as negociações sobre o
aperfeiçoamento e esclarecimento do Entendimento de Solução de Controvérsias, à luz do
trabalho já realizado e das propostas dos membros, visava a um acordo até maio de 2003,
quando seriam tomadas as medidas necessárias para que os resultados entrassem em vigor
o mais cedo possível (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
O tema ambiental, de grande interesse da UE, foi utilizado para que esta aceitasse o
mandato agrícola, estabelecendo-se uma dupla trilha, ou seja, de imediato negociação de
alguns itens e estudos, que poderiam vir a ser objeto de negociação, de temas que
vinham sendo considerados no Comitê de Comércio e Meio Ambiente
198
(AMORIM;
THORSTENSEN, 2002, p. 75).
Ao satisfazer as pretensões europeias, a “venda” interna de um mandato em
agricultura mais ambicioso poderia ser facilitada. Por sua vez, os PEDs conseguiram
postergar, pelo menos até a V Reunião Ministerial, a decisão acerca das negociações sobre
rotulagem, que poderia vir a introduzir normas não apenas aos produtos mas também aos
processos de proteção, com forte potencial protecionista (AMORIM; THORTENSEN,
2002, p. 76).
198
Decidiu-se, com vistas ao reforço da relação entre comércio e meio ambiente, negociações sobre: 1)
relações entre as regras da OMC e as obrigações específicas estabelecidas nos Acordos Multilaterais sobre
Meio Ambiente (MEAS, em inglês), sendo que tais negociações estariam limitadas em abrangência à
aplicabilidade de tais regras aos signatários de cada MEA, e não deveriam prejulgar os direitos dos membros
da OMC que não seriam membros do MEA em questão; 2) procedimentos para a troca de informações entre
os secretariados dos MEAs e os Comitês da OMC, bem como critério para administração de observadores; e
3) a redução ou eliminação, quando conveniente, de tarifas e barreiras não-tarifárias para bens e serviços
ambientais (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001). Também orientavam o Comitê de Comércio e
Meio Ambiente a continuar seu trabalho em todos os itens de sua agenda, dando especial atenção: 1) aos
efeitos das medidas ambientais sobre acesso a mercados e para ocasiões em que a eliminação ou redução das
restrições e distorções pudessem beneficiar o comércio, a ambiente e o desenvolvimento; 2) aos dispositivos
do Acordo de TRIPS; e 3) às exigências de rotulagem com fins ambientais, sendo que o relatório do Comitê
deveria ser apresentado à V Reunião Ministerial (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
200
O Brasil, em conjunto com os seus parceiros do Mercosul, conseguiu introduzir no
texto a mesma linguagem cautelosa exigida pela EU em agricultura, segundo a qual os
ministros acordavam em negociar, sem prejulgar os resultados das negociações, criando,
um paralelo, a favor do Brasil e dos PEDs, entre agricultura e meio ambiente (AMORIM;
THORTENSEN, 2002, p. 76).
Devido aos crescentes apelos, tanto da mídia quanto da sociedade civil à exclusão
de muitos países dos benefícios do comércio internacional e das conseqüências daí
oriundas em termos de crescimento e combate à pobreza, boa parte da Declaração dedicou-
se ao desenvolvimento, já que todos os parágrafos dedicados aos temas de negociação
referiam-se ao desenvolvimento (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 77).
Além disso, a Decisão sobre Implementação e o parágrafo 12 da Declaração
Ministerial
199
solucionavam questões pontuais ou conferiam mandato negociador a muitas
das preocupações dos PEDs. O Programa de Trabalho também considerou uma série de
temas de interesse direto desses países dos países, como pequenas economias, dívida e
finanças, transferência de tecnologia, PMDRs e tratamento especial e diferenciado. Por fim,
confirmava-se a prioridade que a OMC, em coordenação com outros organismos
internacionais, deveria dedicar à cooperação técnica e capacitação (WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001)
Acerca do tratamento especial e diferenciado - de interesse brasileiro - os ministros
reafirmaram que os respectivos dispositivos eram partes integrantes dos Acordos da OMC
e concordavam com sua revisão, visando seu fortalecimento, tornando-os mais precisos,
efetivos e operacionais, endossando o programa de trabalho estabelecido na Decisão sobre
Implementação (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001). Os PEDs, com isso, viam
fortalecidos os seus desejos de que as disputas emergentes da aplicação de tal cláusula (ou
199
Conforme expresso no parágrafo 12 da Declaração Ministerial, os ministros reiteravam a importância dos
temas e preocupações relacionados à implementação manifestados e estariam determinados a encontrar
soluções apropriadas a eles. Ligado a isso, adotavam a Decisão sobre Questões e Preocupações relacionadas à
Implementação para solucionar problemas de implementação enfrentados por diversos membros.
Concordavam que negociações sobre implementação deveriam ser parte integral do Programa de Trabalho e
os acordos alcançados nos estágios iniciais deveriam ser tratados conforme às provisões do artigo 47, devendo
proceder da seguinte forma: a) onde fosse concedido, na declaração, um mandato de negociação específico, os
assuntos relacionados à implementação deveriam ser levados em conta, sob esse mandato; b) o restante dos
assuntos sobre implementação deveriam ser encarados como prioridade pelos principais órgãos da OMC, que
deveriam reportar ao Comitê de Negociações Comerciais, conforme estabelecido pelo parágrafo 46, até o fim
de 2002 para ação apropriada (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
201
falta de aplicação) pudessem ser submetidas ao OSC (AMORIM; THORSTENSEN, 2002,
p. 78).
O Brasil também desempenhou um papel de líder dos PEDs na questão da relação
entre o Acordo de TRIPS, em especial a proteção das patentes, e a exigências das políticas
de saúde pública, inclusive em relação ao suprimento de medicamentos à população em
condições acessíveis, sendo que o documento final foi considerado uma vitória dos países
em desenvolvimento
200
(AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 78-79).
O Brasil, líder dos países em desenvolvimento, fez da questão uma de suas
prioridades em Doha, indo à reunião disposto a conseguir uma declaração política que
reforçasse a liberdade dos governos de produzir medicamentos mais baratos em casos
relacionados à saúde pública (AMORIM; THORSTENSEN, 2002, p. 79-80).
O texto aprovado foi saudado como uma vitória dos PEDs, que enfrentaram até o
penúltimo dia pressões por parte dos PDs. Os ministros reconheceram a seriedade dos
problemas de saúde pública, e a necessidade de que o Acordo de TRIPS considerasse tais
questões. Também reconheciam a importância da proteção ao desenvolvimento de novos
medicamentos, além de acordarem que o Acordo de TRIPS não impedia e não deveria
impedir os membros de tomarem medidas para proteção da saúde pública. Ao mesmo
tempo, reiteraram o compromisso com o Acordo de TRIPS, afirmando que este poderia e
deveria ser interpretado com vistas a apoiar os direitos dos membros da OMC de usar, de
forma plena, os seus dispositivos que ofereciam flexibilidade para tal finalidade
201
(WTO,
WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
200
Havia uma clara clivagem de interesses. De um lado, as grandes multinacionais produtoras de produtos
farmacêuticos, desejosas em garantir o que receberiam, por meio de patentes, dos ganhos que apontavam
como necessários à cobertura dos custos com a pesquisa e desenvolvimento de produtos que, segundo os
PEDs seriam lucros extraordinários, desproporcionais aos custos de produção, vendas e despesas com P&D.
Do outro lado, estavam PEDs, com sérios problemas de saúde pública, como epidemias e outras situações que
necessitavam de atenção especial, carentes de instrumentos de barganha para negociar os valores dos
medicamentos. Um desses instrumentos, previsto no Acordo, era a licença compulsória - direito, de cada
membro da OMC, de determinar os casos de emergência nacional ou outros de extrema urgência, reduzindo o
preço dos medicamentos, mas que vários PDs, pressionados por suas indústrias farmacêuticas, tendiam a
interpretá-lo de forma restritiva, retirando, na prática, seu valor como elemento de barganha (AMORIM;
THORSTENSEN, 2002, p. 79).
201
Conforme, a Declaração, as flexibilidades ao Acordo de TRIPS incluíam que: 1) cada dispositivo do
Acordo deveria ser lido à luz do objetivo e propósito expresso no mesmo, em especial, seus objetivos e
princípios; 2) cada membro tinha o direito de conceder licenças compulsórias e a liberdade de determinar as
razões segundo as quais tais licenças eram concedidas; 3) cada membro tinha o direito de determinar o que
seria uma emergência nacional ou outras situações de extrema urgência; e 4) o efeito dos dispositivos do
202
Em conjunto, os acordos de Doha abriram perspectivas razoavelmente promissoras
em várias áreas de interesse dos PEDs, desde as mais tradicionais, como agricultura, até a
busca de flexibilização e revisão de disciplinas que haviam se revelado desequilibradas ou
de difícil cumprimento, em áreas como antidumping, subsídios e TRIPS.
O Brasil, portanto, na reunião, defendeu os interesses de liberalização de seu setor
econômico mais competitivo, a agricultura; o tratamento especial aos PEDs; tendo postura
cautelosa em relação à liberalização de serviços; avaliação e revisão de alguns aspectos dos
acordos da RU e contrário aos temas que relacionavam comércio e meio ambiente e
comércio e padrões trabalhistas. Tais interesses eram muito semelhantes aos de outros
PEDs, sendo que o País procurava desempenhar um papel de líder destes em temas de forte
convergência, conforme demonstrado pela questão da relação entre TRIPS e saúde pública.
Entretanto, a postura menos defensiva fazia com que se afastasse de alguns desses países,
totalmente contrários a uma nova rodada, expondo, portanto, dentre os próprios países do
Sul uma certa divisão, o que impedia a formação de grandes coalizões.
Outro fator a ser levado em consideração acerca da postura brasileira na OMC
deve-se ao fato de que desde a RU, o Grupo Cairns vinha se enfraquecendo, recebendo
críticas em relação a sua timidez em condenar o protecionismo dos PDs
202
. Sentindo-se
desconfortável com a posição moderada do Grupo, pois se encontrava em uma posição
intermediária, entre os PDs e os PEDs, no tocante à competitividade de sua agricultura, o
Brasil era um dos poucos em condições efetivas de denunciar as políticas de subsídios
consolidadas na Farm Bill dos EUA e na PAC europeia
203
(VIZENTINI, 2006, p. 164).
Outro fator a tal modificação na estratégia brasileira, ao longo da década de 90, no
tocante ao seu posicionamento nas NCMs, seria, em certa medida, o fato de que a política
Acordo que eram relevantes para a exaustão dos direitos de propriedade intelectual era deixar cada membro
livre para estabelecer seu próprio regime (WTO, WT/MIN/(01)/DEC/W/1 de 14/11/2001).
202
Em certa medida, aponta-se que tal enfraquecimento teria ocorrido sob a liderança da Austrália, vista
como bastante conservadora em seu ataque às práticas distorcivas dos dois principais blocos agrícolas
mundiais. Ademais, os interesses no Grupo tornaram-se cada vez mais díspares, sendo difícil o consenso,
que seus membros têm posições muito divergentes entre si, pois se encontravam em níveis diferentes de
desenvolvimento (VIZENTINI, 2006, p. 164).
203
Como estratégia, o Brasil passou a denunciar as violações ao sistema da OMC por parte dos PDs,
recorrendo ao OSC em situações específicas, como da soja e do algodão, acionando os EUA e a UE, apesar da
determinação da Cláusula de Paz que impedia, até o fim de 2003, qualquer recurso contra medidas de defesa
comercial tipo antidumping e/ou medidas compensatórias na área agrícola, a não ser que os países não
estivessem respeitando ao menos o Acordo sobre Agricultura, como teria sido as disputas nas questões da soja
e do algodão (VIZENTINI, 2006, p. 164-165).
203
de comércio exterior nacional passou a ser encarada, cada vez mais, como uma questão
estrutural, generalizando-se a percepção de que a posição do País no cenário internacional
dependeria, cada vez mais, do profissionalismo e das condições dos produtos brasileiros em
si mesmos. Além disso, a margem para a adoção de medidas que pudessem compensar as
deficiências estruturais e falta de competitividade, no acionamento dos instrumentos de
solução de controvérsias para as disputas específicas e nas rodadas mais gerais e de caráter
mais político, vêm diminuindo, consideravelmente, desde então (SATO, 2006, p. 153).
Portanto, percebe-se, no período em questão, que a diplomacia brasileira foi
abandonando aos poucos, devido a mudanças em seu modelo econômico-comercial e a
transformações no seio do próprio GATT/OMC, a sua postura terceiro-mundista nas
NCMs, sendo que afasta-se gradualmente dos PEDs, exceto em temas de seu interesse,
definindo, portanto, uma pauta diversificada que combinava temas caros a esses países com
temas próprios à sua condição de potência média recém-industrializada.
Em relação às coalizões Sul-Sul, em novembro de 1992, o Brasil participou da III
Reunião de Cúpula do G-15
204
, coalizão de PEDs com vistas à cooperação em áreas como
investimentos, comércio e tecnologia. Na ocasião, o presidente em exercício, Itamar
Franco, reafirmou o apoio brasileiro a essas coalizões e à cooperação Sul-Sul, como forma
de superar as dificuldades que vinham sendo enfrentadas por esses países, desde a década
anterior (BOLETIM DE DIPLOMACIA ECONÔMICA, n. 13, 1992, p. 7-10).
Em 10 de fevereiro de 1999, durante a IX Reunião de Cúpula do G-15, o vice-
presidente brasileiro, Marco Maciel, reiterou que o grupo seria um mecanismo para dar
maior coesão às posições comuns de seus membros. O vice-presidente apontou que a
globalização havia lançado desafios de escala mundial, gerando no Sul um certo sentimento
de desconfiança, devido a formas irracionais de competição e à volatilidade de capitais
(MACIEL, 1999).
Como tônica da mudança de perfil entre o primeiro e o segundo mandato no tocante
às visões da globalização, devido principalmente às crises financeiras nos principais PEDs,
Maciel apontou a assimetria entre a crescente interdependência financeira mundial e
capacidade dos mecanismos internacionais existentes, à época, para corrigir seus distúrbios,
204
Fazem parte do G-15, além do Brasil, Argélia, Argentina, Chile, Egito, Índia, Indonésia, Irã, Jamaica,
Quênia, Nigéria, Malásia, México, Peru, Senegal, Sri Lanka, Venezuela e Zimbábue.
204
demonstrando que esses países, apesar das medidas liberalizantes implantadas na década de
90, ainda pareciam mais vulneráveis ao contágio da crise, com grave impacto sobre seu
crescimento (MACIEL, 1999).
Apesar do quadro desfavorável, Maciel acreditava que era preciso partir para a
ação, nas questões financeiras e comerciais. Na primeira, fazia-se necessário um
esclarecimento acerca dos interesses entre PDs e PEDs em assegurar adequado
funcionamento aos mercados financeiros mundiais, ou seja, uma modernização do processo
decisório que propiciasse um real tratamento intergovernamental das questões que se
colocavam. Em relação à segunda, dever-se-ia continuar fortalecendo o sistema multilateral
de comércio, de maneira a torná-lo benéfico a todos, não apenas às grandes potências
(MACIEL, 1999).
Os países ali reunidos, portanto, deveriam levar em conta não apenas as
conseqüências financeiro-comerciais da globalização assimétrica”, mas também os efeitos
sociais negativos - principalmente o desemprego - mais graves nos PEDs (MACIEL, 1999).
Em 30 de outubro de 2000, o Brasil participou da XXI Reunião de Chanceleres do
G-15, na Cidade do México, na qual o embaixador brasileiro, Luiz Felipe de Seixas Corrêa,
apontou que o grupo ainda estaria longe dos objetivos propostos quando da sua formação,
sendo que seus membros deveriam discutir formas de incrementar o nível de consistência
interna no grupo de maneira a transformá-lo num fator efetivo de dinamização e
revitalização do sistema internacional vigente (CÔRREA, 2000).
O embaixador apontava que aquele seria um momento favorável aos PEDs, já que
vinha ganhando terreno a percepção de que as assimetrias da globalização, que operavam
contra esses países, deveriam merecer maior atenção e ser objeto de medidas criativas,
citando a reunião de Seattle como um momento no qual ter-se-ia cristalizado uma nova
atitude em relação à globalização (CÔRREA, 2000).
Apesar do cenário favorável, o diplomata brasileiro indicava que ainda faltava, aos
países do Sul, uma melhor concertação, a apresentação de propostas comuns e a ação
conjunta, sendo que o G-15, por sua própria composição, poderia ser o condutor de um
processo de reconciliação e de redirecionamento das demandas dos PEDs, que ainda se
encontravam à margem da globalização. Para o Brasil, portanto, o G-15 deveria, em sua
atuação, priorizar o fortalecimento de sua identidade como grupo de consulta sobre temas
205
de interesse mútuo, aproveitando a projeção externa de seus membros para dar maior
visibilidade, na agenda internacional, a determinados temas, principalmente às questões do
desenvolvimento, sendo que o País estaria disposto a contribuir na consecução de tal
objetivo (CÔRREA, 2000).
Na XI Reunião de Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos Países do G-15,
em nome dos países da América Latina e do Caribe, o vice-presidente brasileiro, Marco
Maciel, enfatizou a questão do acesso ao conhecimento, apontando que o acesso equânime
ao conhecimento poderia ser uma excelente ferramenta ao desenvolvimento daqueles
países, bem como para habilitá-los à competição do mundo globalizado, visando assim a
superação das assimetrias que separavam os PDs dos PEDs (MACIEL, 2001).
Como parte da superação das assimetrias entre o mundo desenvolvido e o em
desenvolvimento, o vice-presidente defendeu uma ordem internacional mais equilibrada e
harmoniosa por meio de uma maior participação dos PEDs nas instâncias decisórias mais
relevantes, ressaltando os avanços que vinham sendo promovidos na América Latina e
exortando os países do Norte a um diálogo mais profícuo com o Sul, a promover e
aprofundar a coordenação de políticas macroeconômicas, a possibilitar o acesso dos
exportadores do Sul aos seus mercados e a contribuir para a solução de crises financeiras
geradas no exterior (MACIEL, 2001).
Ao fim, o vice-presidente brasileiro urgia a retomada do diálogo Norte-Sul em
novas bases, sem confrontações estéreis, com caráter construtivo e disposição para
abandonar posições maximalistas, que dificultariam o consenso, sendo que o G-15 não
admitiria rigidez nem excluiria interlocutores (MACIEL, 2001).
Percebe-se, portanto, que no âmbito multilateral, no período, o Brasil vai tendo,
cada vez mais, uma postura pragmática, ou seja, de acordo com os seus próprios interesses,
aproximando-se dos PEDs quando isso, de alguma forma, ia ao encontro de seus interesses,
abandonando a postura totalmente otimista em relação à nova ordem internacional e à
globalização, do início da década de 90, para uma postura mais crítica desses processos,
procurando quando possível influenciar na construção de tais processos de maneira a torná-
los mais favoráveis ao País.
206
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tratar do relacionamento brasileiro com o Sul nos foros multilaterais bem como
em foros reivindicatórios, como o G-77 e o G-15, a idéia que permeou todo o trabalho foi
de que a política multilateral de um país, por ser o momento em que o nacional entra em
contato com o estrangeiro, está fortemente influenciada pelo contexto internacional, ou
seja, pela ordem internacional vigente, que esta, de certa maneira, impõe determinadas
opções aos formuladores da política externa de um Estado.
Conforme demonstrado, apesar de certas modificações, principalmente nos
governos Castelo Branco e Collor, com a tentativa de retomada do paradigma de
alinhamento especial aos Estados Unidos, a política externa brasileira sempre teve como
vetor-chave o desenvolvimento nacional, ou seja, seu objetivo seria apoiar o
desenvolvimento do Brasil, construindo parcerias que permitissem a inserção internacional
do País de forma autônoma. Dessa forma, as alianças com os países do Sul seriam
interessantes para que o País pudesse aumentar o seu poder de barganha com vistas à
construção de uma ordem internacional que fosse ao encontro desse objetivo-síntese, ou
seja, que não obstaculizasse o desenvolvimento nacional.
A Política Externa Independente, implementada nos governos Quadros e Goulart,
aproveitando-se do cenário internacional favorável devido à conformação de grupos de
países em desenvolvimento de questionamento da ordem internacional vigente como o
Movimento dos Não-Alinhados e a Unctad e da relativização da bipolaridade com o
entendimento entre as duas superpotências após o fim da crise dos mísseis em Cuba e do
processo de reconstrução dos países da Europa Ocidental, iniciou o processo de
universalização das relações internacionais do Brasil ao empreender a aproximação com os
países do Sul, principalmente do continente africano e asiático.
Ademais, a economia do País crescia, após a industrialização empreendida no
governo de Kubitschek, necessitando de novos mercados para os produtos brasileiros e
condições mais favoráveis à comercialização desses produtos no mercado internacional,
sendo muito mais interessante ao País que a ordem internacional estivesse baseada na
clivagem Norte-Sul do que na Leste-Oeste, que na segunda os problemas de segurança
seriam os norteadores da política internacional e não o desenvolvimento econômico, como
207
na primeira. Dessa forma, o Brasil assumiu cada vez mais, ao longo da década de 60, a
defesa de reformas estruturais na economia mundial.
A partir de então, portanto, nos foros multilaterais, o Brasil aproximar-se-ia, cada
vez mais do Sul e de seus grupos, defendendo que os países do Norte deveriam, naquele
momento, passar a contribuir para o desenvolvimento do Sul, com a transferência de
capitais e tecnologia.
Com a emergência do governo militar, em 1964, ocorre um certo retrocesso na
aproximação do Brasil com o Sul, devido, principalmente, a questões ideológicas. Como o
principal objetivo para realização do golpe teria sido afastar o Brasil da “ameaça
comunista”, o novo governo acreditava que a dinâmica internacional estava baseada na
clivagem Leste-Oeste e, portanto, o País deveria, internacionalmente alinhar-se à
superpotência capitalista, ou seja, aos Estados Unidos. Dessa forma, para Castelo Branco, o
desenvolvimento nacional teria continuidade caso houvesse esse alinhamento, que os
Estados Unidos seriam a única fonte capaz de fornecer o auxílio econômico e tecnológico
que o País necessitava.
À luz dessa visão acerca do sistema internacional e das possibilidades de inserção
do Brasil no mesmo, ocorreu um abandono do discurso terceiro-mundista de contestação da
ordem internacional vigentes. Entretanto, a diplomacia brasileira continuou a defender as
demandas dos países do Sul como melhores condições para a exportação de produtos
primários base das economias em desenvolvimento e acesso aos mercados
desenvolvidos, passando a cobrar do Norte o cumprimento das decisões tomadas em foros
como a Unctad.
Dessa forma, na política multilateral, nas questões relativas ao desenvolvimento,
não ocorreram, no discurso, mudanças significativas, apesar de as diretrizes gerais da
política externa de Castelo Branco apontarem para o alinhamento especial aos Estados
Unidos. Esta contradição aponta que o alinhamento seria relativo, que nestas questões,
como as comerciais, por estar em situação semelhante aos demais países do Sul, o Brasil
não abandonou tais demandas, apenas evitou alinhar-se a esses grupos, mas, no discurso,
continuou, nesses temas, a defender as mesmas questões que os demais países em
desenvolvimento.
208
À medida que se percebeu que o aporte de capitais e tecnologia da superpotência
norte-americana não seguiu conforme o esperado, a diplomacia brasileira foi se afastando,
gradualmente, dos Estados Unidos e aproximando-se do Sul, adotando, nos foros
multilaterais um discurso cada vez mais próximo das demandas deste e de denúncia da
ordem internacional vigente, que o Sul passou a ser visto como essencial ao crescimento
brasileiro como receptor dos produtos nacionais.
Essa aproximação também é facilitada pelo cenário internacional, com a
coexistência pacífica e o aprofundamento da multipolarização do sistema internacional,
com a descolonização, a emergência competitiva dos Estados da Europa Ocidental, do
Japão e dos NICs, que os países do Sul tiveram suas margens de manobra ampliadas,
favorecendo o alargamento das relações e da cooperação entre os países em
desenvolvimento e, por conseguinte, o seu desenvolvimento.
Frente a esse cenário, o governo do presidente Costa e Silva, viu-se livre das
limitações de caráter ideológico da Guerra Fria, empreendendo uma política voltada ao
desenvolvimento. Dessa forma, a diplomacia brasileira buscará, no plano multilateral, a
reformulação das regras do comércio internacional, o acesso à tecnologia e ao capital.
Sendo assim, neste governo, o Brasil retomou a aproximação com os países do Sul,
tentada na PEI, participando de foros de países em desenvolvimento como o G-77, nos
quais aponta as suas semelhanças com os demais países daquele grupo, buscando, portanto,
angariar aliados para as suas demandas por um sistema de comércio multilateral mais justo
que levasse em conta as necessidades de países como o Brasil, carentes de maior abertura
dos mercados desenvolvidos e de condições mais favoráveis às exportações de produtos
primários, que ficava cada vez mais claro que as demandas do Sul não seriam
prontamente atendidas pelos países desenvolvidos, devendo os países do Sul estruturarem-
se não apenas como bloco reivindicatório em relação ao Norte, mas também como uma
alternativa às relações Norte-Sul.
Entretanto, aproximação não queria dizer alinhamento ao Sul, pois a diplomacia
brasileira via tal aproximação como uma das dimensões de suas relações internacionais, já
que buscava manter as opções em aberto, empreendendo alianças de acordo com o contexto
e os interesses internacionais.
209
No governo de Médici, auge do milagre econômico brasileiro, em que o País passa
a crer mais em seu próprio potencial e a enfatizar as relações bilaterais, acreditava-se que a
ordem internacional vigente não seria o problema, mas sim a posição ocupada pelo Brasil
na mesma, sendo que o ingresso no mundo desenvolvido seria uma questão de tempo, à
medida que se desenvolvesse e aproveitasse as oportunidades abertas pelo sistema
internacional, apostando, portanto, na idéia de que o Brasil começava a ter um perfil
diferenciado do restante dos países do Sul.
Com vistas a demonstrar esse perfil, a diplomacia brasileira questionou a validade
de alguns conceitos relacionados ao Sul, criticando e rejeitando a idéia de Terceiro Mundo,
que por considerá-la estática e paternalista, impedia que os países em desenvolvimento
pudessem influenciar a ordem internacional. Ao criticar e rejeitar tais conceitos, o Brasil
buscava, com isso, diferenciar-se no sistema internacional e, por conseguinte, uma maior
parcela de poder no mesmo, emprestando, portanto, apoio às demandas do Sul por uma
nova ordem internacional na qual o Brasil pudesse exercer, por completo, seu poder de
potência intermediária.
Ao questionar, exatamente, a tentativa de congelamento do poder mundial, por
parte dos países do Norte, a diplomacia brasileira, nos foros multilaterais, enfatizou a
crítica ao sistema de comércio multilateral, com vistas a obter condições mais favoráveis à
comercialização de seus produtos no mercado internacional, principalmente nos mercados
desenvolvidos, altamente protecionistas, afastando-se, portanto, de temas de caráter
político. Em foros como Unctad e ONU, denunciou a assimetria entre o Norte e o Sul,
retomando a defesa do conceito de segurança econômica coletiva, criado à época da PEI,
de que a superação de tais assimetrias contribuiria, fortemente, para um mundo mais
seguro. Neste sentido, o Sul obteve vitórias substanciais como a aceitação, por parte dos
países desenvolvidos, do SGP, aprovado na I Unctad, em 1964.
A denúncia do congelamento do poder mundial e a busca por um desenvolvimento
autônomo permearam, portanto, a política externa de Médici, fato que pode ser
comprovado pela utilização do tema ambiental como plataforma para a tentativa das
grandes potências de obstaculizarem o desenvolvimento dos países Sul por meio da idéia
de que esses seriam uma espécie de “reserva” ecológica mundial, devendo permanecer
intocados.
210
No governo seguinte, os dois vetores supracitados continuariam iluminando a
conduta multilateral brasileira, entretanto, condicionantes externos, como a crise do
petróleo, e internos, como o processo de redemocratização e os primeiros sinais de
deterioração do modelo econômico, fizeram com a diplomacia aprofundasse, ainda mais, a
sua aproximação com os países do Sul, não nos organismos multilaterais, mas também
no plano bilateral.
Naquele momento, o governo brasileiro acreditava que o Brasil, devido a sua
posição na economia e no sistema internacionais, poderia construir uma política externa
baseada em seus próprios interesses, aproveitando-se das oportunidades que se
apresentavam, não mais tendo que se alinhar a determinados grupos ou países.
Devido a essa visão, Geisel e seus formuladores de política externa compartilhavam
com o governo anterior a visão de que a categorização de países, fosse no sentido Leste-
Oeste ou Norte-Sul, seria inadequada, pois não comportaria as diferenças. Dessa forma, o
Pragmatismo Responsável adotou o conceito de dupla inserção, ou seja, de que o Brasil
pertenceria tanto ao Primeiro Mundo, por compartilhar dos valores e ideais ocidentais,
quanto do Terceiro Mundo, por ainda conviver com algumas assimetrias internas e, assim
como outros países dessa categoria, por desejar maior parcela do poder mundial.
Com o conceito de dupla inserção, portanto, o Brasil deixava todas as opções
abertas em seu relacionamento internacional, não necessitando alinhar-se a qualquer grupo
de países a priori, podendo aliar-se de acordo com seus próprios interesses e prioridades,
implementando, dessa maneira, uma política externa autônoma e pragmática.
A visão pragmática acerca das possibilidades brasileiras nos organismos
multilaterais, ainda paralisados pela dinâmica bipolar e comandados pelo Norte, fez com
que o Brasil adotasse uma postura mais flexível em relação ao Sul. Entretanto, continuou,
em diversas oportunidades e foros, a criticar o protecionismo dos países desenvolvidos,
fortalecido, ainda mais, após a crise do petróleo, sendo necessária, portanto, a construção
de uma Nova Ordem Econômica Internacional que levasse em contas as modificações
recentes na economia mundial e as novas categorias de países.
Dessa forma, pode-se dizer que nas décadas de 60 e 70, o Brasil, devido às
condições favoráveis do sistema internacional vigente e do progresso de seu modelo de
desenvolvimento econômico, se aproximou dos países do Sul, nos foros multilaterais, com
211
vistas a conquistar parceiros em sua luta por uma ordem internacional que fosse ao
encontro de seus anseios, ou seja, que permitisse a continuidade de seu desenvolvimento,
por meio de regras mais justas, favoráveis à comercialização dos produtos brasileiros, fosse
com o Sul ou com o Norte. Essa aproximação no âmbito multilateral, não se pode esquecer,
também teria o objetivo de conquistar mercados para os produtos brasileiros, que com a
diversificação de sua economia, o Brasil necessitava de consumidores para a sua produção
industrial, desempenhando o Sul, portanto, uma função complementar no modelo de
desenvolvimento implantado.
Na década de 80, com a desagregação do Sul, devido ao recrudescimento da Guerra
Fria e à deterioração do cenário econômico internacional, e com questões internas, como o
processo de redemocratização e o esgotamento do modelo desenvolvimento econômico,
ocorreu uma reorientação no tocante ao relacionamento com o Sul. Dessa forma, o Brasil
adotou, nos foros multilaterais, uma postura ainda mais pragmática em relação às demandas
dos países em desenvolvimento, procurando, em relação à questão da dívida externa
principal assunto da política externa no período mostrar um caráter diferenciado em
relação ao restante do Sul, chegando até, em alguns momentos, a descartar a possibilidade
de tratar a questão de forma multilateral ou por meio de alianças com outros países,
principalmente latino-americanos.
Entretanto, na esfera multilateral, houve continuidade no tocante à aproximação
brasileira em relação ao Sul, pois acreditava-se que este grupo poderia ser interessante ao
atendimento das demandas brasileiras, nesses foros, continuando a denunciar o
protecionismo do Norte, atuando, cada vez mais, por meio de alianças e coalizões com
esses países, adotando, dessa forma, um multilateralismo seletivo, que atuava apenas nas
negociações econômicas e tecnológicas, ou seja, aquelas que poderiam trazer benefícios
para a superação da condição de subdesenvolvimento que o Brasil se encontrava.
No período em questão, nos organismos internacionais, a diplomacia brasileira,
utilizando-se desses organismos para expor e defender as suas concepções acerca dos seus
problemas e daqueles enfrentados pelo sistema internacional, denunciou a “crise do
multilateralismo”, que as potências do Norte demonstravam-se cada vez menos
interessadas nas instâncias multilaterais, buscando, até, em alguns momentos, esvaziar
esses foros, apontando para a estrutura antidemocrática da ordem internacional vigente.
212
Contudo, a sua postura terceiro-mundista, ao longo da década, foi se flexibilizando,
conforme demonstraram as negociações da Rodada Uruguai do GATT, nas quais o Brasil
foi abandonando, gradualmente, as plataformas tradicionais do Sul, devido à ofensiva dos
países do Norte e à maior exposição dos produtos brasileiros no mercado internacional
diversificando os interesses brasileiros e, portanto, afastando-o do Sul. Nesse sentido, a
participação brasileira no Grupo Cairns, composto por países desenvolvidos e em
desenvolvimento, demonstra essa mudança, já que o Brasil filiou-se ao grupo não por
questões ideológicas, mas sim pragmáticas, pois o grupo estava interessado na liberalização
do principal setor exportador brasileiro o agrícola que, a partir de então, seria um dos
principais focos do Brasil nas negociações comerciais multilaterais.
Dessa forma, a década de 80, representou, no marco da política multilateral
brasileira em relação ao Sul, o momento de ajustamento da política externa brasileira à
realidade e às potencialidades nacionais no cenário internacional, com o afastamento de
coalizões e foros de caráter apenas retórico, concentrando nos foros nos quais poderia
superar a sua situação econômica deficiente.
Na década seguinte, o pragmatismo em relação ao Sul e suas coalizões intensificou-
se, devido a mudanças internas e externas. No cenário internacional, com o fim da Guerra
Fria, emergiu uma ordem internacional mais complexa, onde não seria possível caracterizá-
la como unipolar, que a superpotência vencedora os Estados Unidos não teria a
supremacia em todos os campos de atuação ou como multipolar, que as outras potências
não rivalizariam com os Estados Unidos no campo militar, onde esta seria bem superior aos
seus rivais.
Ademais, houve uma diversificação da economia internacional, com diversos países
intermediários com papel de destaque na mesma, impedindo, portanto, uma caracterização
homogênea acerca do que seria o Sul, pois este passou a conformar interesses diversos,
como de países exportadores de produtos agrícolas como o Brasil, de países exportadores
de serviços, como a Índia, de países exportadores de produtos industrializados, como a
China, além dos países menos desenvolvidos da África que ainda não haviam conseguido
inserir-se.
213
No plano interno, houve a consolidação da democracia brasileira, a diversificação
da economia nacional e a retomada do crescimento interno, com o Plano Real e negociação
da dívida externa brasileira.
Com todas essas mudanças, a política externa também passou por modificações e,
em certa medida, tendo postura, por vezes, confusas e, até mesmo, contraditórias. No
período, a política externa brasileira teria experimentado a tentativa de retomada do
paradigma de alinhamento especial à superpotência vencedora da Guerra Fria, no início do
governo Collor, e o resgate do paradigma universalista, já no fim do governo Collor, sendo
que os governos seguintes mantiveram as linhas mestras desse paradigma, mas tentaram
atualizá-lo, com a introdução de conceitos como global trader e global player, conceitos
esses que buscavam apontar para o novo perfil do Brasil que, a partir de então, teria
interesses diversificados.
Entretanto, pode-se dizer que, apesar dessas mudanças, a política externa brasileira,
no período em questão, ter-se-ia orientado pelos objetivos de afirmação da democracia
brasileira no sistema internacional e, por conseguinte, a democratização da ordem
internacional, a tentativa de inserção do Brasil na economia mundial por meio da
assimilação dos valores da globalização, ou seja, defesa do livre mercado e respeito aos
direitos humanos e meio ambiente.
Neste sentido, por meio da análise da política multilateral brasileira foi possível
demonstrar a linha de continuidade em relação aos vetores norteadores da política externa
brasileira, no período, e as mudanças de ênfase de cada governo, buscando, a partir de
então, não mais substituir a ordem internacional vigente mas sim influenciar na construção
de seus padrões.
Devido ao desejo, cada vez mais crescente, de fazer parte do mainstream
internacional e por considerar-se uma potência intermediária de economia emergente, o
Brasil abandonou, ao longo do período, o ideário terceiro-mundista, procurando ganhar, por
meio de sua atuação multilateral, prestígio internacional que reconhecesse essa sua auto-
imagem.
Como exemplo dessas considerações, pode-se apontar a campanha brasileira por um
assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, ganhou força a partir da
gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty. Neste sentido, portanto, ficou
214
demonstrado que o Brasil não queria mudar a ordem internacional vigente, mas sim poder
influenciar nos seus desdobramentos, utilizando-se da sua condição de membro do Sul para
tal objetivo, conforme ficou demonstrado durante a campanha em questão, na qual, em
determinados momentos, para conseguir a anuência da comunidade internacional buscou o
apoio do Sul e apresentou-se como representante do mesmo.
Devido a diversificação cada vez maior de sua economia, também houve mudanças
no tratamento das questões comerciais, conforme fica patente na atuação brasileira no
sistema GATT/OMC, onde abandonou a sua resistência aos novos temas, concentrando-se
nos temas em que possuía maior interesse e possibilidade de influenciar as decisões como a
questão agrícola, via Grupo Cairns. Entretanto, a partir do momento em que percebeu que
este grupo estaria dominado pela Austrália, com interesses mais próximos dos países
desenvolvidos, a diplomacia brasileira procurou o apoio de outros países em
desenvolvimento, principalmente em temas como meio ambiente e padrões trabalhistas,
fortemente sensíveis aos países do Sul e que contavam com a defesa conjunta por parte dos
países do Norte, atuando em determinados momentos via Mercosul.
Por meio dessa dissertação, portanto, foi possível verificar que a aproximação entre
países em desenvolvimento, nos organismos multilaterais, ocorre não apenas por vontade
desses países, mas sim pelos condicionantes do sistema internacional que, em determinados
momentos, favorece tal aproximação, principalmente naqueles momentos de relativização
da ordem internacional, nos quais ocorre uma diversificação nos seus pólos de poder.
No que tange à política externa brasileira, também ficou claro que em determinados
momentos, por mais que houvesse vontade política, essa aproximação não era possível,
como ocorreu na década de 80, em que ficou impossível aos governos brasileiros, apesar de
sua vontade, aprofundar as relações com os países em desenvolvimento, que, naquele
momento, os foros multilaterais eram fortemente dominados pelos países desenvolvidos.
Ademais, também foi possível apreender que, ao longo de sua atuação multilateral,
devido a questões internas como processo de redemocratização, a crise do modelo de
desenvolvimento econômico e a inserção na economia globalizada, o Brasil foi, cada vez
mais, buscando uma atuação própria, livre de qualquer alinhamento com blocos de países,
atenta aos interesses nacionais, denotando a mudança da posição relativa do País no sistema
de poder internacional, que passou a se considerar e, principalmente, ser considerado por
215
seus pares, uma potência intermediária de economia diversificada. Essa mudança ficou
clara ao se ver, nesta dissertação, a quantidade de temas nos quais o Brasil foi se inserindo
ao longo do período analisado, bem como a sua importância cada vez maior nos padrões
construídos para os mesmos.
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