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1
Universidade Candido Mendes.
UCAM
Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio
de Janeiro - IUPERJ
A ORDEM DOS ADVOGADOS
E O ESTADO DEMOCRÁTICO NO BRASIL
D
OUTORANDO: AURÉLIO WANDER BASTOS.
ORIENTADOR: LUIZ WERNECK VIANNA
2007
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2
AURÉLIO WANDER BASTOS
A ORDEM DOS ADVOGADOS
E O ESTADO DEMOCRÁTICO NO BRASIL
____________________________________
César Guimarães (Presidente).
_____________________________________
Luiz Werneck Vianna (Orientador).
_____________________________________
Renato Boschi
______________________________________
Orides Mezzaroba.
_______________________________________
Antonio Celso Pereira
Rio de Janeiro
2007
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do titulo de Doutor em Ciências
Humanas: Ciência Política.
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3
AGRADECIMENTOS
Agradeço muito especialmente aos Ex-presidentes do Conselho Federal da
OAB, Roberto Busato, pelo apoio ao desenvolvimento da pesquisa, nas suas horas mais
difíceis e decisivas, e a Rubens Approbato Machado, que autorizou a pesquisa em suas
fontes primarias.
A realização desta Tese deveu-se muito especialmente ao apoio de Candido
Mendes de Almeida, Reitor da Universidade Candido Mendes, que viabilizou o
desenvolvimento da pesquisa, compreendendo o seu alcance, bem como Agradeço a
Wanderley Guilherme dos Santos que nos ajudou a identificar o seu efetivo objeto.
Agradeço aos meus companheiros, conselheiros do Conselho Seccional da
AOB do Rio de Janeiro, que, no contexto das seções, compreenderam os meus esforços
para produzir um estudo sistemático sobre a evolução da OAB, simbolizados pela
dedicação corporativa e pelo exemplo profissional de Celso Fontenelle.
Por um compromisso de vida, e unidos nos nossos próprios ideais, agradeço aos
meus companheiros históricos do Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito,
especialmente representados pelo seu Presidente Álvaro Iglesias, que acompanharam a
avaliação e o desenvolvimento de muitas hipóteses da pesquisa.
Agradeço aos membros da Banca Examinadora da Tese de Doutorado, que tive
a oportunidade de defender no IUPERJ, muito especialmente a Renato Boschi, que
contribuiu para a definição da metodologia da organização da Tese e a Cesar Guimarães,
Orides Mezzaroba da UFSC e a Antonio Celso Pereira pelas inestimáveis contribuições
criticas.
Agradeço especialissimamente a Edson da Silva Augusta, companheiro
inseparável na escavação e organização das informações e dados e a meus colegas de
Escritório Nilton Campos Filho, Ariostho Faleiro e Flora Stronzenberg pela compreensão
de minhas ausências e Marcela Mesquita que, com afinco e dedicação, trabalhou a
preparação dos originais.
4
Em quadro especialíssimo e diferenciado, pretendo que esta Tese simbolize os
meus agradecimentos aos médicos Daniel Taback e Cláudio Domenico que, na reta final da
Tese, ajudaram-me a confiar na recuperação e significado da própria vida.
Os meus agradecimentos são também muito especiais para Rosalina Araujo,
Decana do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro – UniRio, que não apenas acompanhou o cotidiano da pesquisa e redação,
como me incentivou a escrevê-la, assim como, agradeço a Paulo Mendonça, Diretor da
Escola de Ciências Jurídicas e a Luis Otavio, chefe do departamento de Estudos Jurídicos
Fundamentais.
Agradeço, finalmente, ao meu filho David Araujo Bastos, que, na ingenuidade
dos desafios futuros de sua própria vida, transmitiu-me o sentimento de que era muito
importante que eu deixasse para meus colegas de advocacia e magistério e a meus filhos
André e Ana Carmem Wander Bastos o exemplo da solidariedade e da dedicação como
pressuposto das difíceis horas do destino.
5
D
EDICATÓRIA
Dedico esta Tese aos ex-Presidentes do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, Raymundo Faoro, Eduardo Seabra Fagundes, José Bernardo Cabral,
Hermann de Assis Baeta e ao Professor Doutor Luiz Werneck Vianna, que não mediram
esforços para fazerem de suas idéias e de seu trabalho a base construtiva da democracia no
Brasil.
6
INDICE GERAL
TÍTULO I
A ADVOCACIA E O ESTADO PATRIMONIALISTA
SUMÁRIO -------------------------------------------------------------------------------------- 17
INTRODUÇÃO GERAL------------------------------------------------------------------------- 20
CAPÍTULO I
O
ESTADO BRASILEIRO E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
I
NTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 33
1 Preliminares Históricas----------------------------------------------------------------- 38
1.1. A Criação do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB -------------------- 42
2 Ideologia e o Ideário Profissional dos Advogados---------------------------------- 45
2.1. Repressão e Direito ---------------------------------------------------------------- 52
2.2. A Escola de Frankfurt e a Ideologia Jurídica----------------------------------- 56
2.3. Esperança e Utopia ---------------------------------------------------------------- 61
3 – A Formação do Ideário Profissional -------------------------------------------------- 63
3.1. Periodização e Ciclos Formativos da OAB------------------------------------- 63
3.2. Origens do Ideário Profissional -------------------------------------------------- 67
3.3. Advocacia e Estado de Direito --------------------------------------------------- 75
4 – A Ordem dos Advogados e o Corporativismo Revolucionário ------------------- 81
4.1. O Instituto da Ordem dos advogados do Brasil – IOAB e a Revolução de
1930 --------------------------------------------------------------------------------- 81
4.2. A Criação da OAB----------------------------------------------------------------- 92
4.2.1. Esclarecimentos preliminares sobre as Corporações de Ofício------- 92
4.2.2. Patrimonialismo e Anticorporativismo ---------------------------------- 98
4.2.3. A Instalação do Conselho Federal---------------------------------------- 110
4.3. Advocacia e Corporativismo ----------------------------------------------------- 112
4.4. Corporativismo e Estado Nacional ---------------------------------------------- 118
4.5. A Crise Constitucional e o Estado Novo---------------------------------------- 127
C
ONCLUSÕES PROSPECTIVAS --------------------------------------------------------------- 130
7
CAPÍTULO II
O
REGULAMENTO DA OAB E A CRISE DO ESTADO NOVO
I
NTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 135
1 –Ideário Profissional dos Advogados e a Ordem Revolucionária de 1930 -------- 136
1.1. O IOAB e a Estrutura Organizativa da OAB----------------------------------- 146
2 – A OAB e o Constitucionalismo Constituinte de 1933/34 -------------------------- 150
3 – A Crise Política e a Renúncia do Presidente Levi Carneiro ----------------------- 155
4 A OAB e a Segunda Guerra Mundial ------------------------------------------------ 162
5 A OAB e a Crise do Estado Novo ---------------------------------------------------- 167
C
ONCLUSÃO PROSPECTIVA------------------------------------------------------------------ 175
TÍTULO II
A OAB E O ESTADO DE DIREITO
CAPÍTULO III
A
OAB E O LIBERALISMO DEMOCRÁTICO
I
NTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 183
1 – A Advocacia e o Liberalismo Ideológico -------------------------------------------- 185
2 A Função Político-Ideológica das Conferências da OAB-------------------------- 192
2.1. A Evolução da Ideologia Jurídica e do Ideário Profissional------------------ 192
2.2. A Representação Ideológica das Conferências--------------------------------- 198
3 – A Primeira Conferência e o Profissionalismo Liberal------------------------------ 202
3.1. Preâmbulo Republicano----------------------------------------------------------- 202
3.1.1. A Proto-História das Conferências--------------------------------------- 204
3.2. O Dilema Liberal-Trabalhista ---------------------------------------------------- 208
3.3. A Instalação da Primeira Conferência dos Advogados------------------------ 212
3.4. Retórica e Destino (da OAB)----------------------------------------------------- 220
4 – A II Conferência e a Missão do Advogado ------------------------------------------ 228
4.1. Missão e Profissão ----------------------------------------------------------------- 228
8
4.2. Observações Introdutórias à Segunda Conferência---------------------------- 233
4.3. A Segunda Conferência e a Advocacia dos Tribunais ------------------------ 238
C
ONCLUSÃO PROSPECTIVA------------------------------------------------------------------ 249
CAPÍTULO IV
A
NOVA CAPITAL E AS RESISTÊNCIAS CORPORATIVAS DA OAB
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 255
1 – Advocacia e Mudança da Capital Federal-------------------------------------------- 259
2 – Brasília e a Crise das Elites no Poder------------------------------------------------- 273
3 – A OAB e a Instalação dos Tribunais Superiores em Brasília---------------------- 283
4 – A Ordem dos Advogados e as Políticas de Estado---------------------------------- 292
Conclusão------------------------------------------------------------------------------------- 296
CAPÍTULO V
O
ESTATUTO DA OAB E O FIM DO ESTADO PATRIMONIALISTA
INTRODUÇÃO HISTÓRICA -------------------------------------------------------------------- 300
1– O Anteprojeto de Estatuto no Conselho Federal------------------------------------- 303
1.1. Preliminares Históricas------------------------------------------------------------ 303
1.2. O Presidente da República no Conselho Federal da OAB-------------------- 310
2 O Projeto de Estatuto da OAB na Câmara dos Deputados ------------------------ 318
2.1. Os Atos Formais Preliminares ao Projeto de Lei ------------------------------ 318
2.2. O Projeto nº 1751, de 22 de agosto de 1956------------------------------------ 319
2.2.1. OAB: Corporação Profissional ou Corporação de Ofício------------- 320
2.2.2. A Advocacia: a Reação Anti-Patrimonialista
e as Incompatibilidades e Impedimentos ------------------------------- 330
2.2.2.1. Colocação Histórica do Problema------------------------------ 330
2.2.2.2.
Advocacia e Formação do Novo Estado Brasileiro ---------- 336
2.2.3. Os Advogados e os Juízes ------------------------------------------------ 343
2.2.4. Rábulas e Solicitadores ---------------------------------------------------- 353
9
2.2.4.1. A Agonia dos Rábulas e dos Velhos Solicitadores----------- 356
2.2.4.2. Os Solicitadores e os Estagiários------------------------------- 361
2.2.4.3. Os Quadros Profissionais da OAB ----------------------------- 367
2.2.5. Advocacia e Disciplina Profissional ------------------------------------- 371
2.2.5.1. Origens do Ideário Disciplinar---------------------------------- 371
2.2.5.2. Novo Estatuto, Nova Política Disciplinar --------------------- 376
2.2.6. A Assistência Judiciária e a Advocacia no Brasil---------------------- 378
3 – O Projeto de Estatuto da OAB no Senado Federal --------------------------------- 385
3.1. Tramitação Preliminar no Senado ----------------------------------------------- 385
3.2. Atos Privativos do Advogado na Administração Púbica --------------------- 388
3.2.1. História e Futuro Remoto ------------------------------------------------- 396
3.3. As Incompatibilidades e Impedimentos como Reação
Antipatrimonialista ---------------------------------------------------------------- 401
3.3.1. Advocacia e Ministério Público------------------------------------------------ 406
3.4. Honorários de Advogados -------------------------------------------------------- 410
3.5. Tribunal de Ética------------------------------------------------------------------- 412
3.6. A Sanção Presidencial do Novo Estatuto---------------------------------- 413
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 418
CAPÍTULO VI
A
OAB E A CRISE DA LIBERAL DEMOCRACIA
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 423
1 – Preliminares Compreensivas----------------------------------------------------------- 424
2 – A OAB e o Trabalhismo Getulista ---------------------------------------------------- 432
2.1. A OAB e a Crise da Renuncia---------------------------------------------------- 436
3 – Novo Estatuto, Novos Rumos --------------------------------------------------------- 443
4 – A OAB e o Golpe (Cívico) Militar (Revolucionário) ------------------------------ 450
C
ONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 456
10
TÍTULO III
A OAB E O ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL
CAPÍTULO VII
A
OAB E O DILEMA IDEOLÓGICO DE 1968
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 460
1 – Preliminares Históricas----------------------------------------------------------------- 461
2 – Os Documentos sobre Direitos Humanos-------------------------------------------- 467
2.1. Recuperação Histórica------------------------------------------------------------- 467
2.1.1. A Carta das Nações Unidas ----------------------------------------------- 469
2.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos-------------------------------- 472
3 – A OAB e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ---------------- 475
4 – Os Direitos Humanos e a III Conferência da OAB --------------------------------- 479
4.1. O Temário da III Conferência da OAB ----------------------------------------- 483
5 – A Restauração Conservadora Autoritária -------------------------------------------- 497
5.1. O Estado de Exceção -------------------------------------------------------------- 501
6 – O Pacifismo Institucional -------------------------------------------------------------- 505
6.1. A Abertura da IV Conferencia --------------------------------------------------- 513
6.2. A Relação Direito e Desenvolvimento ------------------------------------------ 515
6.3. O Direito e o Desenvolvimento como Provocação Jurídica ------------------ 518
7– Os Pronunciamentos de São Paulo: contrastes e confrontos ----------------------- 524
C
ONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 532
CAPÍTULO VIII
O
S ADVOGADOS E OS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DE SEGURANÇA
NACIONAL
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 534
1 – Preliminares Históricas----------------------------------------------------------------- 535
11
1.1. A Eleição do Fidalgo -------------------------------------------------------------- 536
2 – O Silêncio do CDDPH------------------------------------------------------------------ 540
3 – Eleição e Perseguição a Advogados -------------------------------------------------- 546
4 – OAB e o Ministério do Trabalho------------------------------------------------------ 550
5 – Os Direitos dos Homens e a Advocacia ---------------------------------------------- 557
6 Direitos Humanos e Ideologia Jurídica----------------------------------------------- 561
7. – Eleições: Moderação e Radicalização ----------------------------------------------- 575
7.1. O Dilema da Vinculação ao Ministério do Trabalho -------------------------- 577
8 A OAB e a Retomada da Dogmática Jurídica --------------------------------------- 580
8.1. Dogmática e Reforma do Direito Positivo-------------------------------------- 583
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 596
CAPÍTULO IX
O
ESTADO AUTORITÁRIO E A ABERTURA DEMOCRÁTICA
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 598
1 – Preliminares Históricas----------------------------------------------------------------- 599
2 A OAB e a Estratégia da Abertura---------------------------------------------------- 604
3 O Estado de Direito e a VII Conferência--------------------------------------------- 612
3.1. Observações Preliminares--------------------------------------------------------- 615
3.2. Legitimidade e Representatividade ---------------------------------------------- 618
3.3. A Gênese da Proteção Jurisdicional dos Direitos Humanos------------------ 620
3.4. Judiciário e Direitos Políticos ---------------------------------------------------- 626
4 – A Carta de Curitiba --------------------------------------------------------------------- 632
5 - A OAB e a Anistia----------------------------------------------------------------------- 636
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 645
12
TÍTULO IV
A OAB E A REDEMOCRATIZAÇÃO
CAPÍTULO X
A
TRANSIÇÃO POLÍTICA E O TERROR PARAESTATAL
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 648
1 – Preliminares Eleitorais------------------------------------------------------------------ 650
1.1. As Eleições Presidenciais da Abertura ------------------------------------------ 654
2 – A Liberdade: Fundamento da Democracia------------------------------------------- 656
2.1. O Ambiente Circunstancial da VIII Conferência ------------------------------ 656
2.2. O Temário da VIII Conferência-------------------------------------------------- 661
2.3. A Carta de Manaus----------------------------------------------------------------- 687
3 – A Marcha dos Atentados --------------------------------------------------------------- 693
3.1. A OAB na Mira do Terror -------------------------------------------------------- 697
3.2. A Criação da Comissão dos Direitos Humanos da OAB --------------------- 698
4 – OAB: Eleição e Moderação ----------------------------------------------------------- 705
5 – O Terror Paraestatal Confronta a Juventude----------------------------------------- 709
6 – A Justiça Social: a fórmula da conciliação------------------------------------------- 716
6.1. Preliminares Conjunturais -------------------------------------------------------- 716
6.2. Justiça Social, o Dilema da Justiça Formal ------------------------------------- 723
6.2.1. O Influxo dos Direitos Complexos--------------------------------------- 734
6.3. A Carta de Florianópolis ---------------------------------------------------------- 743
7 – Eleições e o Caminho para a Esquerda----------------------------------------------- 748
Conclusão------------------------------------------------------------------------------------- 754
13
CAPÍTULO XI
O
DILEMA DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DIRETA E DA ASSEMBLÉIA
CONSTITUINTE.
INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------ 756
1. – Recuperação Histórica ------------------------------------------------------------- 758
2 – A OAB e as Eleições Diretas------------------------------------------------------- 763
2.1. Preliminares Conceituais Comparadas--------------------------------------- 763
2.2. A Emenda Constitucional das Diretas e a OAB ---------------------------- 769
3 – A OAB e a Democratização-------------------------------------------------------- 782
3.1. Legitimidade e Democracia na X Conferência ----------------------------- 782
3.2. Democratização e Interdisciplinaridade ------------------------------------- 788
4 Estado, Sociedade Civil e Nação--------------------------------------------------- 797
5 – A OAB e as Reformas -------------------------------------------------------------- 803
6 – Carta do Recife----------------------------------------------------------------------- 808
7 As Eleições Rumo à Esquerda ----------------------------------------------------- 814
8 As Conclusões Constituintes da OAB -------------------------------------------- 818
8.1. Preliminares Conjunturais -------------------------------------------------------- 819
8.2. O Conceito de Assembléia Constituinte ---------------------------------------- 824
8.2.1. Do Conceito----------------------------------------------------------------- 825
8.2.2. Da Constituinte na História Brasileira----------------------------------- 826
8.2.3. Da Assembléia Constituinte Exclusiva ---------------------------------- 832
8.2.4. Da Constituinte Exclusiva e a Constituição de 1988 ------------------ 833
8.3. A Emenda Constitucional Constituinte------------------------------------------ 836
9 – Constituição Novo Esquema Temático -------------------------------------------- 849
14
9.1. Organização do Estado ------------------------------------------------------------ 857
9.1.1. O Poder e a Sociedade ----------------------------------------------------- 857
9.1.2. Federação e Organização Tributária ------------------------------------- 858
9.1.3 Poder Judiciário ------------------------------------------------------------- 859
9.2. O Sistema de Propriedade--------------------------------------------------------- 861
9.2.1. Propriedade e Poder-------------------------------------------------------- 861
9.2.2. Reforma Agrária------------------------------------------------------------ 862
9.2.3 Reforma Urbana------------------------------------------------------------- 862
9.3. Direitos do Homem ---------------------------------------------------------------- 866
9.3.1. Direitos da Pessoa Humana ----------------------------------------------- 866
9.3.2. Família, Educação, Saúde e Cultura ------------------------------------- 866
9.3.3 Direitos do Trabalhador ---------------------------------------------------- 867
9.4. Teses Avulsas----------------------------------------------------------------------- 869
10 A Carta de Belém ---------------------------------------------------------------------- 874
11 Ata de Encerramento ------------------------------------------------------------------ 881
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 882
TÍTULO V
A OAB E O ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO
CAPÍTULO XII
A
OAB E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
I
NTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------- 887
1 – O Sistema de Governo------------------------------------------------------------------ 891
1.1. Presidencialismo e Parlamentarismo -------------------------------------------- 891
1.2. A Democracia Representativa---------------------------------------------------- 894
1.2.1. Preliminares Históricas ---------------------------------------------------- 894
1.2.2. Novos Partidos, Velha Representação Política ------------------------- 897
1.2.3. A OAB e a Elegibilidade dos Juizes ------------------------------------- 900
2 – A Organização Federativa do Estado------------------------------------------------- 902
2.1. Preliminares Históricas------------------------------------------------------------ 902
2.2. O Projeto Federativo da OAB ---------------------------------------------------- 906
2.2.1. A Questão das Regiões Metropolitanas --------------------------------- 907
2.2.2. A Questão Tributaria------------------------------------------------------- 910
15
3 – A Organização Judiciária--------------------------------------------------------------- 914
3.1. Preliminares Históricas------------------------------------------------------------ 914
3.2. O Poder Judiciário nas Propostas Constituintes da OAB --------------------- 917
3.2.1. A OAB e a Estruturação Judiciária -------------------------------------- 917
3.2.1.1. A OAB e a Corte Constitucional ------------------------------- 923
3.2.1.2. O Moderno Papel do Superior Tribunal de Justiça----------- 925
3.2.1.3. O Tribunal do Júri------------------------------------------------ 927
3.2.2. Justiça Agrária -------------------------------------------------------------- 929
3.2.3. A OAB e o Acesso ao Judiciário ----------------------------------------- 933
3.2.4. Os Advogados nos Tribunais --------------------------------------------- 936
4 – A Estrutura da Propriedade ------------------------------------------------------------ 941
4.1. Observações Introdutórias -------------------------------------------------------- 941
4.2. A Reforma Agrária ---------------------------------------------------------------- 944
4.2.1. Terras Indígenas ------------------------------------------------------------ 948
4.2.2. Áreas Quilombolas--------------------------------------------------------- 950
4.3. A Reforma Urbana----------------------------------------------------------------- 950
4.4. O Abuso do Poder Econômico --------------------------------------------------- 953
5 – A Proteção dos Interesses Difusos------------------------------------------------- 958
5.1. Origens--------------------------------------------------------------------------- 958
5.1.1. Revolução Processual no Direito ------------------------------------- 963
5.2. O Direito de Terceira Geração------------------------------------------------ 966
6 – Os Direitos do Homem ----------------------------------------------------------------- 973
6.1. Recolocação Histórica------------------------------------------------------------- 973
7 Ideologia Jurídica e Direitos Humanos----------------------------------------------- 982
O
BSERVAÇÕES CONCLUSIVAS -------------------------------------------------------------- 991
CAPÍTULO XIII
A
CONSTITUIÇÃO E A MUDANÇA SOCIAL
Diagnóstico Introdutório-------------------------------------------------------------------- 996
1
Contrição e Constituição --------------------------------------------------------------- 998
2 A OAB e a Nova Democracia Constitucional --------------------------------------- 1006
16
2.1. A OAB e as Aberturas Discursivas---------------------------------------------- 1013
3 A Crítica Sociológica da Constituição------------------------------------------------ 1016
3.1. A Organização Temática da XII Conferencia ---------------------------------- 1016
3.2. O Mestre e o Discípulo: críticas precursoras ----------------------------------- 1021
3.2.1. Os Sociólogos e a OAB--------------------------------------------------- 1030
4 – Novos Rumos, Novo Ideário----------------------------------------------------------- 1034
4.1. Os Advogados e o Direito Constitucional Processual------------------------- 1039
4.2. O Poder Judiciário e as suas Resistências--------------------------------------- 1044
5 – A Carta de Porto Alegre --------------------------------------------------------------- 1049
6 – As Propostas Constitucionais e o Novo Estatuto de 1994 ------------------------- 1052
6.1. Advocacia e Constituição --------------------------------------------------------- 1054
6.1.1. Advocacia e Ideologia Jurídica Constitucional ------------------------ 1056
6.1.2. O Advogado no Estado --------------------------------------------------- 1059
6.1.3. Emendas Constitucionais e o Novo Judiciário------------------------- 1062
6.2. A Advocacia e o Novo Estatuto da OAB --------------------------------------- 1068
6.2.1. Preliminares Teóricas ----------------------------------------------------- 1068
6.2.2. As Novas Dimensões Estatutárias--------------------------------------- 1072
6.2.3. O Novo Pacto Eleitoral Corporativo ------------------------------------ 1078
CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 1081
CONCLUSÃO GERAL-------------------------------------------------------------------------- 1085
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------- 1106
F
ONTES PRIMÁRIAS -------------------------------------------------------------------------- 1122
Í
NDICE REFERENCIAL DOS PALESTRANTES E PALESTRAS CITADAS --------------------- 1138
Í
NDICE CRONOLÓGICO DAS CARTAS DE CONCLUSÃO DAS CONFERÊNCIAS ------------ 1151
O
BRAS E ARTIGOS DO DOUTORANDO REFERENCIADOS NA TESE ----------------------- 1152
REFERENCIAL LEGISLATIVO ---------------------------------------------------------------- 1155
Í
NDICE ONOMÁSTICO ------------------------------------------------------------------------
17
SUMÁRIO
Esta Tese é um estudo sobre a participação da Ordem dos Advogados do Brasil
na construção do Estado de Direito a partir de suas lutas contra o patrimonialismo
estamental até a construção do Estado Democrático de Direito. Para alcançar os resultados
pretendidos, subdividimos a Tese em 5 (cinco) títulos gerais, organizados em capítulos,
itens e subitens. Os diferentes títulos evoluíram da discussão sobre as origens históricas da
OAB e da formação do seu ideário profissional, para em seguida identificar a sua criação
como ato da Revolução de 1930. Os seus primeiros regimentos, editados imediatamente
após, 1931, não apenas regulamentaram a sua estrutura disciplinar e de poder, como
também contribuíram para a desconstrução do Estado patrimonial e oligárquico brasileiro.
As circunstâncias históricas dos movimentos políticos introdutórios, que sucederam à
Constituição de 1937, aproximaram a evolução da OAB de um projeto de construção de um
Estado de Direito influenciado pela liberal-democracia, que decisivamente marcou o
Estatuto de 1963 e a sua historia de confrontos e resistências com o trabalhismo
nacionalista e estatista, herdado dos anos trinta. Estas variantes históricas contribuíram para
aproximar a OAB de movimentos cívico-militares, entre 1964/69 influenciados por forças
econômicas conservadoras ascendentes, que resistiam ao modelo desenvolvimentista-
estatista implementado pelo Poder Executivo em crescente aliança com forças
progressistas. Esta paradoxal aliança da OAB, que evoluiu para a construção do Estado de
Segurança Nacional, uma variante do legitimismo autoritário, deslocaram os seus rígidos
compromissos com o liberalismo democrático, aproximando-a de forças políticas
conservadoras. Esta ruptura com a sua ideologia histórica, no contexto da ascensão de
novas forças políticas e novas dimensões perceptivas do direito, levaram a OAB, não
propriamente a se definir como uma entidade da sociedade civil, mas com um ideário
político mais aberto comprometido com o projeto do Estado Democrático de Direito,
instrumento de viabilização da temática essencial de suas conferências: o humanismo social
liberal. Finalmente, após a fundamentação bibliográfica dos capítulos introdutórios,
desenvolvemos um significativo esforço de recuperação de fontes documentais primárias,
base construtiva de toda a Tese, o que deu ao trabalho uma dimensão de originalidade e,
inclusive, uma certa força de compreensão prospectiva dos estudos críticos da nova
Constituição (já) elaborada. Neste sentido, o esforço de pesquisa permitiu verificar, nas
linhas conclusivas da Tese, as diferentes tendências da atual Constituição brasileira (em
vigência) e as emergenciais propostas de mudança social, a partir da nova estrutura
democrática, a sua influência sobre o novo ideário da advocacia e o papel social do novo
Estatuto da OAB no contexto da nova ordem constitucional.
18
ABSTRACT
This doctoral thesis consists on a study about the Brazilian Lawyers Order role regarding
the construction of the rule of law taking as a start the fight against the stratified estatelism
until getting to the construction of the so-called democratic rule of law. In order to achieve
our goals, we divided this thesis in five general titles, organized in chapters, items and sub
items. The different titles have been developed beginning from the discussion on the
historical origins of the Brazilian Lawyers Order and the formation of its professional ideal,
so that the following topic is the identification of its creation as an act of the 1930
Revolution. Its first regulations, edited immediately after 1931 its foundation, not only
regulated its disciplinary and power structures, but also contributed to the deconstruction of
the estatelist-oligarchic Brazilian state. The historical circumstances of the political
movements after the Constitution of 1937 approached the development of the Order to the
project of building a rule of law government influenced by liberal-democracy which has
definitely marked the organic statute of 1963 and its history of confronting and resisting the
statist and nationalist labor movement model of the thirties. These historical variants have
contributed to bring the Order closer to civilian and military movements of 1964/69
influenced, on their turn, by economical ascending forces that resisted to the
developmental-statist model implemented by the Executive Power in a growing alliance
with progressive forces. This paradoxical alliance of the Order with conservative forces,
that evolved to the construction of a National Security State, a variant of the authoritarian
legitimism, have misplaced the rigid commitments of the institution with the liberal
democracy. This rupture with its historical ideology, taken in the context of the ascent of
new political forces and new perceptive dimensions in the law field, have led the institution
not to define itself as an entity of the civilian society, but as one with a political ideal that is
more open and committed with the project of the democratic rule of law, an instrument to
make the essential theme in its conferences viable, namely, the social liberal humanism. In
addition, the effort on researching has allowed us to verify, on the very conclusion of this
thesis the different approaches of the Brazilian Constitution (in effect) and the emerging
proposals of social change, from the democratic structure, its influence on the new ideal of
working within the law filed and the social role of the new Order’s organic statute taken
into the context of the new constitutional order. Methodologically, after the bibliographical
grounding of the introductory chapters, we have developed a significant effort of
recovering primary documental sources, i.e., the constitutive basis of the whole work, what
ended up giving this thesis its character of originality, as well as a certain force of
prospective comprehension of the critical studies on the new Constitution (already)
constructed.
19
SOMMAIRE
Cette thèse est une étude sur la participation de l´Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB, Ordre des Avocats du Brésil) dans la construction de l´État de Droit, à partir de ses
luttes contre le patrimonialisme étatiste jusqu´à l´édification de l´État de Droit
Démocratique. Pour objectiver les résultats, la Thèse a été divisée en 5 (cinq) titres
généraux qui ont été organisés en chapitres, ceux-ci en articles et sous-articles. Les titres
ont évolués de la discussion sur les origines historiques de l´OAB et de la formation de son
régime professionnel jusqu´à identifier, par la suite, sa création en tant qu´acte de la
Révolution de 1930. Ses premiers réglements, édités immédiatement après, 1931, n´ont pas
seulement réglementer sa structure disciplinaire et de pouvoir, mais ont aussi contribués
pour la déconstruction de l´État patrimonial oligarchique brésilien. Les circonstances
historiques des mouvements politiques introducteurs, après la Constitution de 1937, ont
rapproché le développement de l´OAB d´un projet de construction d´un État de Droit
influencé par la démocratie libérale qui a décisivement marqué le Statut de 1963 et son
histoire de conflits et de résistances avec le travaillisme nationaliste et étatiste hérité des
années trente. Ces variables historiques ont contribué pour rapprocher l`OAB des
mouvements civico-militaires, de 1964/69, influencés par des forces économiques
ascendantes, qui résistaient au modèle de développement-etatisté implanté par le Pouvoir
Exécutif en une croissante alliance avec les forces progressistes. Cette alliance paradoxale
entre l´OAB et les forces conservatrices qui évoluèrent vers la construction de L’état de
Sécurité Nationale, une variable de la légitimation autoritaire, a déplacé les engagements
rigides de l´OAB avec le libéralisme démocratique. Cette rupture avec son idéologie
historique, dans le contexte de l´ascension de nouvelles forces politiques et de nouvelles
dimensions perceptives du droit, menèrent l´OAB, non pas exactement à se définir en tant
qu´une entité de la société civile, mais avec un régime politique plus ouvert, engagées dans
le projet de l´État de Droit Démocratique, instrument pour rendre viable la thématique
essentielle de ses conférences : l´humanisme social liberal. L´
effort de recherche a permis
de vérifier, dans les lignes de conclusion de la Thèse, les différentes tendances de la
Constitution brésilienne actuelle (en vigueur) et les propositions de changements sociaux
émergents, à partir de la nouvelle structure démocratique, de son influence sur le nouveau
régime professionnel du barreau et le rôle social du nouveau Statut de l´OAB dans le
contexte du nouvel ordre constitutionnel.Finalment, après le fondement bibliographique des
chapitres introducteurs, nous avons développé un effort significatif de récupération des
sources de documents primaires, base de construction de toute la Thèse, ce qui a donné au
travail une dimension d´originalité et, aussi, une force de compréhension prospective des
études critiques de la nouvelle Constitution.
20
Introdução
Esta Tese é um estudo sobre o papel da Ordem dos Advogados do Brasil
OAB na construção do Estado Democrático de Direito no contexto dos desdobramentos
políticos do quadro evolutivo da história brasileira contemporânea. Para demonstrar esta
especial proposição dividimos o trabalho em cinco grandes Títulos:
- A Advocacia e o Estado Patrimonialista;
- A OAB e o Estado de Direito;
- A OAB e o Estado de Segurança Nacional;
- A OAB e a Redemocratização e, finalmente,
- A OAB e o Estado Democrático de Direito
Os Títulos estão subdivididos em diferentes capítulos, com o objetivo de
demonstrar o papel da OAB na construção do Estado democrático brasileiro, a partir da
desconstrução do Estado patrimonialista e da construção do Estado de Direito que foi
interrompido pela ação do Estado de Segurança Nacional. No contexto evolutivo dos
diferentes capítulos estão concentrados os dados e informações de pesquisa que
contribuíram para a análise e a comprovação da hipótese central da tese e subsidiaram as
linhas hipotéticas complementares.
Os capítulos dos diferentes títulos, estão entre si articulados procurando evitar
que os argumentos dos capítulos dos títulos antecedentes indiquem qualquer ruptura
temática com o título anterior, evoluindo assim em linha de significativa coerência. Desta
forma, procuramos fazer com que o cerne conclusivo de cada Capítulo, viesse a se
desenvolver como pressuposto introdutório dos capítulos subseqüentes, reforçando sempre
as linhas de conexão histórica como resultado da pesquisa documental e bibliográfica,
tomando também como referência o saber de experiência feito no dizer de Camões na
clássica obra Os Lusíadas.
Estes diferentes capítulos estão também esquematicamente itenizados, o que
não era o propósito inicial da Tese, mas tornaram-se imprescindíveis, não apenas para
ampliar as linhas de coerência, evitando lacunas episódicas ou descritivas, mas, também,
para fortalecer os diagnósticos de recuperação histórico-documental. Neste sentido, a
21
analise documental influenciou decisivamente no estudo do papel da OAB, na construção
do Estado de Direito e da democracia no Brasil, a partir de sua criação em 18 de novembro
de 1930 até a promulgação da Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988, que definiu
que a República Federativa do Brasil [art. 1º], constitui-se em Estado Democrático de
Direito (...).
Obedecendo esta sistemática de organização estrutural, o desenvolvimento
descritivo e analítico da obra ocorreu essencialmente a partir de pesquisa em fontes
primárias e, apenas, subsidiariamente, em fontes secundárias e bibliográficas mesmo
porque, estas são parcas e dispersas, e, na sua maioria, guardadas as importantes exceções,
os livros que tratam especificamente da OAB, seja histórica ou institucionalmente, são
livros ou artigos de leituras comprometidas com estudos de natureza retórica ou que não
evoluíram de conjuntos documentais sistematizados ou de preocupações essencialmente
experimentais o que não se lhes subtrai o mérito, mas pouco fortalece os objetivos
conclusivos desta Tese. Esta opção metodológica não desconhece, todavia, a importância
de qualquer outra fonte de informação e de dados, ou mesmo descritiva, mas, tendo em
vista os próprios objetivos da Tese, privilegiou documentos primários como especial forma
de se demonstrar a sua importância para a (re)construção teórica compreensiva das
instituições políticas e jurídicas brasileiras, muitas vezes de força demonstrativa
convincente alternativa às leituras tradicionais e, muito especialmente da OAB, cujas fontes
primárias sobreviviam infensas à pesquisa e à investigação, quando não, também
acadêmica.
Esta Tese, por conseguinte, concentra um grande esforço de pesquisa em fontes
primárias, não apenas se dedicando ao grande volume de informações quantitativas
concentradas nas atas das reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho Federal da
OAB, mas, também, no grande volume de material qualitativo, especialmente concentrado
nos Anais das Conferências dos Advogados entre 1958 e 1988, ano terminal referencial da
pesquisa. Esta opção de pesquisa permitiu, com certeza, que as hipóteses e as suas
conseqüentes análises evoluíssem de informações transcritas em atos oficiais, evidenciando
uma forte adesão à comprovação fáctica, principalmente porque, pela sua própria natureza
de documentos de colegiados têm uma estrutura dialética que permite alcançar, num a
mesma ata ou relatório, posições controversas sobre um mesmo problema.
22
Por estas razões, o conjunto da obra está metodologicamente apoiado na leitura
(dispersa) das Atas do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB (1843/1889), do Instituto
da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB (1889/1930) e, predominantemente, da
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, entre os anos de 1930 e 1988 e, também, nos
pronunciamentos no Parlamento Imperial entre os anos de 1851 e 1889; e na Assembléia
Constituinte 1933/34 e na Câmara dos Deputados entre 1934/37, bem como nos debates
constituintes de 1946 e de 1988. Por outro lado, apoiamo-nos nos textos das Constituições
brasileiras e num vasto repertorio legislativo, incluindo Leis, Decretos e todos os Estatutos,
Regulamentos e Regimentos da OAB entre 1931 e 1994, inclusive do período proto-
histórico da criação do IAB entre 1843 e 1888, que, principalmente, discutiram os projetos
de criação da OAB no Império e na Primeira República.
Foram, também, consultados os relatórios e debates legislativos, que, de uma
forma, ou de outra, discutiram a criação da OAB a partir de 1957/58, essencialmente
concentrados na discussão do Anteprojeto da OAB, na Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, que resultou no Estatuto da OAB de 1963, assinado pelo Presidente da República
João Goulart. Para efeitos deste trabalho, tomamos, também, como fonte primária, os
depoimentos dos ex-presidentes do Conselho Federal da OAB consolidados no
documentário A OAB na voz dos seus Presidentes, coordenado por Herman de Assis Baeta
e prefaciado por Rubens Approbato Machado, acentuadamente esclarecedor na
compreensão interna dos fatos.
Por estas razões, neste trabalho, as fontes históricas primárias são as bases
referenciais do método de análise, caminho que nos permite compreender e comparar,
conclusivamente, situações antecedentes com situações subseqüentes, rastreando as
diferentes flutuações ideológicas dos atores e o fluxo de suas opções políticas. O
documento político, por conseguinte, ou mesmo o documento administrativo ou jurídico
(eles são), nesta pesquisa, referências históricas não apenas pontuais, mas também, gerais.
Foi a partir da mútua correlação ou comparação documental que elaboramos as nossas
hipóteses de pesquisa, de tal forma que podemos afirmar que os documentos não são a
Tese, mas foram o suporte para a construção da análise política e ideológica das hipóteses
elaboradas com base na leitura compreensiva dos documentos. Por isto, para aumentar a
autenticidade analítica do trabalho procuramos evitar uma postura teórica a priori, muito
23
embora, é sempre necessário afirmar, que, no desenrolar do trabalho, é impossível manter
uma postura absolutamente neutra ou que despreze, devido mesmo à força documental das
evidências conclusivas, posicionamento de valor, mas, de qualquer forma, esta não era a
regra.
Ressalte-se que a identificação das tendências e de suas posições políticas e
ideológicas da OAB, e, inclusive, as opções de orientação técnica, foram essencialmente
colhidas nas palestras realizadas durante as Conferências da OAB a partir de 1958 até 1988,
quando transcrevemos, como destaque relevante, o inteiro teor das cartas de conclusão das
conferências sempre relacionadas à cidade de realização do evento. Por outro lado, não
podemos, também, desconhecer que a legislação brasileira sobre organização da OAB, bem
como a própria legislação eleitoral e os tantos dispositivos constitucionais e as emendas
constitucionais, assim como os Atos Institucionais, foram a base referencial da
hermenêutica política e sociológica (inclusive muitas vezes jurídicas), que presidiu algumas
das principais linhas conclusivas da Tese.
Não foi esquecido também, como fonte primária, as cartas de conclusão das
conferencias, transcritas no seu inteiro teor realizadas em diferentes cidades brasileira,
possivelmente a fonte política mais esclarecedora dos destinos da OAB. As cartas foram
decisivamente marcantes para se reconhecer o diagnóstico que a OAB produziu(ra) do
quadro político brasileiro, assim como as Conferências, palestras e seminários foram a base
essencial para se identificar as grandes tendências do pensamento ideológico, que no
tempo, se esvaziaram, ou se transformaram em propostas constituintes, ou se consolidaram,
mesmo em dispositivos constitucionais ou legislativos.
Os dados e informações históricas, jurídicas ou políticas não foram, todavia,
tratados aleatoriamente, muito ao contrário, fizemos um grande esforço de compreensão
analítica do material de pesquisa a partir da leitura e de pontos referenciais dos livros de
Raymundo Faoro, Os donos do poder; de Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto;
de José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil; de Luis Werneck Vianna A
transição – da Constituinte à sucessão presidencial, e de Guilherme O´Donnell (e outros)
Transições do regime autoritário. Raymundo Faoro e Vitor Nunes Leal classificam-se
entre os autores que subsidiaram criticamente o reconhecimento e as linhas de construção
do Estado patrimonialista e, José Honório Rodrigues, está entre aqueles que, pioneiramente,
24
desenvolveram mecanismos teóricos compreensivos da conciliação como estratégia para
alcançar reformas que tivessem efeitos de sustentação na sobrevivência do Estado
conservador brasileiro, orientação subsidiada, nesta Tese, pelo estudo de Paulo Mercadante
em O pensamento conservador no Brasil. Luiz Werneck Vianna e Guilherme O´Donnell
identificaram e avaliaram as estratégias de desconstrução do Estado de Segurança Nacional,
assim como Wanderlei Guilherme dos Santos, precursoramente contribuiu para se
definirem os novos fundamentos de legitimidade da moderna legalidade democrática.
Todavia, a discussão sobre os fluxos e refluxos dos movimentos ideológicos dos diferentes
períodos do Estado brasileiro o fizemos com base no desenvolvimento conceitual, das
abordagens gerais desenvolvidas por Leandro Konder, sem que se dispensasse a leitura de
alguns dos textos originais, que principalmente privilegiou a posição de Max Horkheimer.
De qualquer forma, pela natureza da produção da Tese, em muitas
circunstancias, mesmo que subsidiariamente, recuperamos artigos e livros que serviram
para (nossos) estudos acadêmicos pessoais, procurando, desta forma, assegurar uma certa
continuidade intelectual no reconhecimento de temas que o tempo aproximou. Este esforço
recuperativo, todavia, teve a exclusiva preocupação de integrar à Tese trabalhos dispersos,
que, pela sua modéstia, poderiam se perder no tempo, mas foram úteis, senão à formulação
de hipóteses, à definição de pressupostos analíticos ou metodológicos, principalmente
servindo de apoio bibliográfico, histórico ou jurídico.
Neste sentido, as principais hipóteses do trabalho foram elaboradas não
propriamente, a partir de especulações intelectuais, mas a partir do domínio organizado e
sistematizado dos documentos e fontes consultadas, sendo, todavia, importante observar
como já o fizemos, os autores supra-indicados e os seus textos referenciais citados nesta
Tese, assim como a bibliografia correlata, foram essencialmente utilizados na demarcação
teórica do desenvolvimento analítico do conjunto documental, fáctica e cronológicamente.
Isto significa, que, não propriamente, os documentos foram utilizados para demonstrar as
hipóteses, mas que procuramos nos esforçar para que as hipóteses evoluíssem da
compreensão teórica destes próprios documentos, evitando, todavia, que nas tantas
situações identificadas, os fatos ou os dados de informação, não fossem prejudicados na sua
força reveladora pelo excessivo comprometimento teórico. Assim, a Tese se desenvolveu
procurando incentivar as aberturas fácticas ou de informação a partir de posições teóricas,
25
e, também, evitando que as posições teóricas não ficassem sensíveis ao disclosere dos fatos
ou dos dados informativos.
Genericamente, tomando como referência de partida o primeiro título
Advocacia e o Estado patrimonialista, para alcançar os objetivos desejados, no primeiro
Capítulo intitulado O Estado Brasileiro e a Ordem dos Advogados, procuramos estudar a
criação do Instituto dos Advogados Brasileiros em 1843 e os primórdios doutrinários do
ideário estatutário no contexto dominante dos estamentos burocráticos do Estado
patrimonialista. Posteriormente, no fluxo ascendente do corporativismo ideológico, e da
Revolução de 1930, marcado pelas lutas anti-oligarquicas, procuramos mostrar a criação da
OAB, não apenas como ato do Estado revolucionário, mas também como reflexo do
corporativismo ideológico, não tanto pelas suas causas, mas pelos efeitos constitucionais,
que durante o Império e a Primeira República, impediram a criação da OAB. No Capítulo
imediatamente subseqüente, neste mesmo Título, a partir da leitura analítica dos primeiros
estatutos, procuramos demonstrar a evolução conflitiva interna na OAB entre o
corporativismo ideológico, que adquiriu feições políticas nacionais, e o liberalismo jurídico
ascendente após 1937/38, que contribuiu decisivamente para o desmonte do Estado Novo e,
concomitantemente, para a construção do estado liberal democrático de 1946, com incisiva
participação da OAB e seus lideres, num quadro de incipiente influência do movimento
comunista e das ideologias de defesa da “civilização ocidental”.
Os capítulos seguintes agrupados no Título II A OAB e o Estado e Direito,
concentram-se, exatamente, os estudos sobre a influência constitutiva do liberalismo como
ideologia da construção do Estado (formal) de Direito e, também, sua influencia sobre o
ideário profissional dos advogados. Neste contexto, a Tese procurará demonstrar, ainda no
Capítulo III, conectando com os argumentos conclusivos dos capítulos anteriores, a relação
entre ideologia (geral) com a ideologia jurídica e o ideário estatutário (profissional), para,
finalmente, nos dois capítulos seguintes, a partir das discussões sobre a construção e a
transferência dos tribunais para Brasília e a resistência corporativa da OAB, avaliar a
elaboração do novo Estatuto dos advogados e seus efeitos sobre o desmonte jurídico dos
resíduos do Estado patrimonialista e a reprojeção das elites jurídicas no quadro de alianças
com os militares que resultou no movimento militar de 1964, politicamente aprofundado
em 1968, e na definitiva crise da liberal-democracia.
26
A pesquisa, neste sentido, procurou demonstrar, também, os paradoxais
momentos históricos em que a Ordem dos Advogados, se desviou do projeto democrático,
na expectativa de resguardar a própria democracia, a democracia liberal. Não há como
desconhecer esta realidade, que, em tudo, e por tudo, fica evidente no trabalho, assim como,
apesar dos esforços sucessivos de pesquisa, o liberalismo ideológico é a marca do ideário
profissional, que ronda os anseios e projetos dos advogados. Muitos, não são poucos os
momentos, inclusive, na reta final das decisões constituintes de 1987/88, em que a tese
principal dos debates é sobre as condições de sobrevivência da advocacia excluído o
liberalismo como projeto constitucional.
Este contexto de preocupações permitiu, principalmente a partir do estudo
detalhado das teses apresentadas nas Conferências Nacionais da OAB, definir os padrões
referenciais da evolução da ideologia jurídica, imprescindível ao ideário profissional,
inicialmente marcada pelo individualismo iluminista e pela defesa do Estado de Direito.
Neste sentido, antes de se iniciar no Título III, procuramos no Capítulo VI A OAB e a
Crise da Liberal Democracia, desmontar o seu dilema diante da pressão trabalhista-
sindicalista e do projeto revolucionário (cívico) militar que levou ao Estado de Segurança
Nacional. O enfrentamento do Estado autoritário, que não ocorre exatamente após a sua
instalação em 1968/69, mas, na verdade, a partir de 1974/76, como procuraremos
demonstrar, foi marcado, especialmente a partir da VII Conferência, pelo desdobramento de
uma proposta mais aberta comprometida com os direitos humanos, enquanto expressão dos
novos direitos existenciais e dos direitos de cidadania coletiva e difusa, o que permitiu
demonstrar, por outro lado, as grandes dificuldades dos advogados com os projetos
ideológicos, que, de uma forma ou de outra, podem influenciar transformações sociais
estruturais.
Para demonstrar estas hipóteses, os títulos e capítulos sucessivos da Tese
procurarão insistir não apenas na definição e no desenvolvimento do ideário estatutário, e
nos regulamentos e regimentos, mas também na influência dos projetos políticos e
ideológicos sobre o seu próprio ideário profissional, sem se esquecer, é claro, que o ideário
profissional em muitas ocasiões funciona(va) como base referencial de segurança para a
ação dos advogados, e, em outros momentos, como base de resistência ideológica de
projetos de mudanças mais ousados ou mais avançados, que ameaçassem a dinâmica
27
interna da evolução dos institutos jurídicos. Alias, do ponto de vista político, e corporativo,
fica sempre demonstrado que o compromisso dos advogados é com o direito instituído e,
com a sua mudança, apenas no espaço possível de transformação endógena. Tal posição,
pelo que se verifica do estudo que elaboramos, em tantas circunstâncias, coloca os
advogados à frente da ordem estabelecida, quando ela foge dos parâmetros gerais da
ideologia jurídica, e, na sua retaguarda, quando, da perspectiva corporativa, a dinâmica
ideológica da vida política ameaça os institutos jurídicos consolidados.
Neste sentido, a parte mais substanciosa e robusta da Tese concentra-se nos
estudos do temário das Conferências, e nas cartas de encerramento dos respectivos
encontros, muito especialmente a partir de 1968, quando a OAB evolui da Carta
Constitucional de 1967, que procurava uma composição entre liberalismo e segurança
nacional, que sucumbiu com a Emenda nº 1/69, para um projeto de abertura do liberalismo
para a defesa dos direitos humanos, através de uma participação mais ativa no Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, criado em 1964, e alterado em 1968. O
CDDPH no entanto, foi, finalmente, acuado e constrangido nos seus propósitos, ante o
escamoteamento das apurações e dos atos que adquiriram dimensão processual e o
vertiginoso crescimento das ações paraestatais. O encerramento da fase de convivência fez
das conferências o grande palco de novas idéias, o fórum de construção de um novo projeto
de democracia para o Brasil.
As conferências, no seu conjunto, evoluíram, tematicamente, no grande espaço
aberto das discussões sobre direitos humanos, a linha de convivência entre o velho
liberalismo iluminista e o socialismo, mas que evoluiu para significativas reavaliações do
ideário profissional com profundos efeitos sobre uma futura ideologia jurídica. As palestras
nas Conferências, como mostraremos, procuram preservar o essencial dos institutos
jurídicos e políticos, neste momento, numa temática restauradora do Estado de Direito,
presidido pelo humanismo solidarista, mais que liberal. Não há como desconhecer, de
qualquer forma, que as discussões sobre os direitos humanos, reaproximaram os advogados,
os transformou, também, senão apenas em vitimas como profissionais limitados nos seus
direitos de ação, em vítimas políticas conduzidas de cárcere em cárcere, até que a própria
OAB Federal viesse a ser incluída na escalada do terror.
28
Este quadro de enfrentamentos, todavia, não impediu, como mostraremos, que,
a OAB, constrangida, inclusive, nos seus direitos estatutários, silenciada no CDDPH, e
submetida aos órgãos de governo, por força de decretos autoritários, como aconteceu em
1974, na tentativa de subtrair sua autonomia, não encontrasse espaço para forçar a primeira
Lei de Anistia, em 1979, forçando, também, a ruptura das leis autoritárias para viabilizar
seus novos projetos e idéias. Neste período ampliaram-se as teses sobre a liberdade e a
justiça social, mas, avolumaram-se as teses sobre o direito ambiental, os direitos das
minorias, os direitos difusos e coletivos e os direitos existenciais que vieram a fortalecer a
tese especialíssima do Estado de Direito Democrático, como inicialmente se denominou, o
que a Constituição de 1988 reconheceu como Estado Democrático de Direito.
As crises institucionais internas neste período, exceto pontual e residualmente,
são transposições das crises de ordem política geral, sendo que, poucas, foram, as situações
em que a OAB esteve mergulhada em crises, que dificultassem a sua atuação, ou o seu
posicionamento interno ou externo, evidenciando-se, todavia, que o radicalismo nunca foi a
regra de seus atos, que contra o autoritarismo e o terror, sempre foi reativo, gerando fatos
novos apenas nas propostas de novas idéias ou nas indicações constituintes. Alias, a Tese
ao longo de suas demonstrações deixa evidente a repulsa continuada ao radicalismo e a
qualquer projeto que fugisse da lógica possível de mudar a ordem pela ordem.
Neste sentido, para demonstrar tais situações, muito concentramos a nossa Tese
na crise provocada internamente pelo processo de transferência da Capital Federal para
Brasília ainda na fase pré-revolucionária, que, aparentemente, era uma nova questão
geográfica, mas, nos seus efeitos traduzia a ruptura do pacto possível entre o liberalismo
udenista e o trabalhismo getulista, apoiado, em estranha fórmula de composição com os
conselheiros pessedistas. A crise interna provocada posteriormente com a carta-bomba
dirigida ao Presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra que abrirá a temporada da
resistência institucional administrada pelo Presidente Bernardo Cabral, mais demonstrará a
imprescindível e necessária cautela para se fazer dos mandatários do regime autoritário
instrumento para intimidar o desespero do terror paraestatal, da máquina repressiva em
desagregação.
O Conselho Federal se conduziu com habilidade nos tortuosos caminhos,
marcados pelo movimento das “Diretas Já”, de iniciativa política e partidária, mas, que, não
29
exatamente traduzia o seu projeto precursor da Assembléia Nacional com plenos poderes
constituintes. Este movimento político teve alto significado corporativo de grande
importância e a decisiva presença na história interna da OAB, especialmente porque
colocou em cheque a questão estatutária do envolvimento político e partidário, mas, no
equilíbrio das posições não provocou divisões internas irreconciliáveis, demonstrando, no
entanto, que a OAB não estava infensa às lutas ideológicas nos graves momentos de
mudanças históricas.
De qualquer forma, a Tese efetivamente demonstra que a OAB nasceu como
instituição corporativa preocupada com a definição dos direitos e deveres do advogado,
mas que, nas diferentes condições históricas, evoluiu nos seus compromissos políticos e
ideológicos para legitimar as mudanças e modificações dos direitos e deveres dos
advogados, juridicamente instituídos nos seus estatutos ou em norma de ordem geral, como
especial forma de resguardar a ordem jurídica instituída. Neste sentido, a Tese percorre um
amplo período histórico para demonstrar os fluxos e refluxos da vida profissional do
advogado, procurando identificar as razões das resistências imperiais e republicanas à
criação da OAB até o seu decisivo papel na convocação da Assembléia Constituinte de
1945/46, que elaborou a Constituição de 1946, que implantou o Estado de Direito e na
convocação da Assembléia Constituinte que elaborou a Constituição de 1988, criando o
Estado Democrático de Direito.
No Título IV “A OAB e a Redemocratização”, depois de avaliar as
conseqüências da derrota das “Diretas Já”, e seus efeitos sobre o Conselho Federal, assim
como as frustrações da convocação da Assembléia Constituinte, com poderes limitados,
convivendo, com frações remanescentes do poder autoritário, e com base na própria
Constituição de 1967/69, mutilada pelas emendas de segurança nacional, procuramos
desenvolver, no Capítulo X, o grande paradoxo da transição política na relação
concomitante entre a Lei de Anistia de 1979, que mostrava a disposição para a convivência
política, e o terror paraestatal, que afetou os mais diferentes âmbitos da vida política
brasileira, transformando, em verdade irrecusável, o projeto constituinte que evoluiu
marcado pelo ideal de uma “democracia econômica”. No Capítulo XI, que ainda se
constitui como parte integrante do Título IV, procuramos analisar o dilema constituinte
frente ao projeto de eleições presidenciais diretas, que, se não teve sucesso enquanto tal,
30
muito bem serviu para a tomada nacional de uma consciência política radical e divergente
do modelo autoritário. A Conferencia de Recife marcou o inicio destas novas posições,
permeadas por um certo radicalismo ideológico que influenciará, de qualquer maneira, as
conferencias que seguirão até a Carta de Porto Alegre.
No Título V A OAB e o Estado Democrático de Direito a Tese
fundamentalmente se concentra, na sua primeira parte, no estudo comparado entre as
conclusões constituintes da OAB e o Anteprojeto da Comissão Arinos, assim como alguns
aspectos essenciais do texto constitucional de 1988. Na verdade o Capítulo XII é uma
leitura política de textos constitucionais comparados, procurando identificar os pontos de
recuo e avanço entre as diferentes propostas. Reconhecemos que este foi um dos aspectos,
da Tese, mais difíceis de se desenvolver, mas de qualquer forma, ele permitiu um estudo
pioneiro entre o projeto da OAB, marcado por uma proposta de “democracia econômica”, e
o Projeto Arinos, de forte influencia social-liberal.
Na verdade, nos estudos finais procuramos demonstrar, que, evoluindo de sua
tradição liberal, clássica, o Projeto Constituinte da OAB, contribui para consolidar o Estado
Democrático de Direito, mas não conseguiu avançar além do humanismo social-liberal,
contrastando-se com as frações que propunham uma democracia econômica desde a X
Conferência, em Recife, e da XI Conferência em Belém, transformada em ideologia crítica
da nova Constituição, na Conferência e na Carta de Porto Alegre. A proposta constituinte
da OAB, de qualquer forma, foi marcante para a história brasileira moderna e permitirá que
os estudiosos do tema identifiquem, nas suas conclusões, um grande esforço para provocar
reformas estruturais que rompessem com as matrizes do atraso e do desenvolvimento.
A Conferência de Porto Alegre, neste sentido, foi um marco referencial na
história da crítica ao constitucionalismo brasileiro de 1988, deixando transparecer que
estávamos evoluindo para duas linhas propositivas: o Estado Democrático de Direito, como
parâmetro institucional para alcançar novas mudanças sociais que expressassem as
expectativas da sociedade civil e, como instrumento para se alcançar as posições mais
radicais que viam, apenas, nos movimentos sociais, a força suficiente para provocar
mudanças matriciais estruturais. Estas duas linhas de ação, que foram ressaltadas, não
apenas na Conferência, mas na Carta de Porto Alegre, demonstram, que o país promulgava
a sua nova Constituição mergulhado no dilema dos caminhos alternativos para a mudança,
31
que demonstrou o tempo, mais evoluiu para desmontar a ordem econômica estatista da
Constituição e reestruturar a ordem econômica numa perspectiva neoliberal, que não estava
no quotidiano dos debates constituintes e nem muito menos estava imerso no projeto do
Estado Democrático de Direito.
Não podemos deixar de observar, todavia, que o estudo das conferências e das
próprias atas das reuniões do Conselho Federal da OAB, permitiram-nos identificar a elite
da representação política ou corporativa da vida jurídica brasileira, que, em geral, também
se reproduzia nos órgãos do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
Não há tendências predominantes, nem muito menos há evidências de que a OAB tenha
sustentado posições de movimentação no cenário político geral para as suas lideranças
internas, mas, de qualquer forma, não podemos desconhecer este fenômeno, assim como,
que, na OAB, estavam algumas das mais expressivas representações do pensamento
jurídico, e, muitas vezes, da intelectualidade brasileira.
Finalmente, este trabalho permitirá não apenas confirmar, senão absolutamente,
significativamente, as itemizações das hipóteses traduzidas no índice geral, e de sua
conseqüente leitura e análise, mas também comprovar que a Ordem dos Advogados do
Brasil contribuiu, para resguardar, no tempo histórico, o Estado de Direito, mais
decisivamente para constitucionalizar o humanismo jurídico como objetivo fundamental do
Estado e pressuposto do Estado Democrático de Direito, como projeto constitucional. Estes
novos parâmetros democráticos presidiram a última das Conferências que analisamos (XII),
que se encerrou na data de promulgação da nova Constituição brasileira, onde se teceram
algumas das mais precisas construções críticas das matrizes da sociedade, do Estado, do
direito e da democracia no Brasil, mas, ao mesmo tempo, não teve a eficácia política
necessária para transformar o Estado Democrático de Direito em instrumento para
viabilizar o projeto de aprofundamento das mudanças sociais. Nos estudos conclusivos do
último Capítulo As Propostas Constitucionais e o Novo Estatuto de 1994 – , assim como
na conclusão geral da Tese, abordaremos as causas e os efeitos que repuseram a OAB no
projeto de mudança da ordem pela ordem e que viabilizaram, constitucionalmente, a mais
profunda, senão a única, contra-revolução institucional da ordem através da ordem.
32
TÍTULO I
A ADVOCACIA E O ESTADO PATRIMONIALISTA
33
Capítulo I
O ESTADO BRASILEIRO E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Introdução
Raymundo Faoro, jurista e intelectual, ex-presidente do Conselho Federal da
OAB, no período difícil de marchas e contra marchas da abertura do regime autoritário,
escreveu um dos mais importantes e significativos estudos da história política e
institucional sobre as origens e a formação do Estado patrimonial brasileiro, especialmente
concentrando a sua análise nos movimentos internos do estamento burocrático governante,
a sua capacidade de reprodução e a sua força hegemônica no Estado brasileiro: Os donos do
poder.
1
Por outro lado, Victor Nunes Leal, jurista, intelectual e ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal, que decisivamente influenciou na modernização do seu processo de
decisão, ex-conselheiro do Conselho Federal da OAB, escreveu outro dos mais importantes
livros da história política e institucional brasileira sobre as elites no poder e a força de
dominação das oligarquias republicanas, através de mecanismos eleitorais (legais) e de fato,
intitulado: Coronelismo, enxada e voto.
2
A compreensão estratégica da sobrevivência do Estado patrimonialista,
originariamente patriarcalista e, posteriormente oligárquico, deveu-se, em muito, ao
meticuloso estudo de José Honório Rodrigues sobre as políticas de conciliação como
políticas de composição entre as diferentes frações que se acomodavam nos diferentes
segmentos do estamento burocrático: Conciliação e reforma no Brasil
3
. O seu meticuloso
trabalho recupera, com clarividência, este fenômeno por vasto período da histórica colonial
e imperial brasileira, procurando, de qualquer forma, demonstrar que a liderança
conciliatória não tinha, como prática, desrespeitar o regime representativo, mesmo com
1
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. (revista). São
Paulo: Globo, 2001.
2
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
3
RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
34
suas fraudes e insuficiências legislativas, evitando, sempre, os excessos, atraia os liberais
exaltados, acalmava os radicais procurando diminuir os antagonismos sociais adiando os
conflitos de caráter social. Estas práticas na arguta leitura de José Honório impediam a
renovação do país
não promovia as reformas tornava lento o processo histórico e o progresso que não
respondesse aos interesses instamentais. A conciliação, que domina essencialmente toda
a política brasileira (...) [tinha como pressuposto] acomodar para salvar o essencial,
defendendo a grande propriedade (e a escravidão) os grandes proprietários, os
potentados do interior como os viu Nabuco de Araújo, de um povo dominado por
latifundiários só se poderia esperar a rejeição das reformas sociais e econômicas.
4
O mesmo José Honório analisando o fenômeno da conciliação no período
republicano consegue distinguir a força impulsiva de Floriano Peixoto, que sucedeu a
Deodoro, preocupado em consolidar a República, mesmo enfrentando o predomínio inglês
na economia brasileira e os republicanos históricos como Rodrigues Alves e o lúcido
representante do espírito conciliador civilizado Rui Barbosa, dominado pelas preocupações
urbanas e pelo intelectualismo jurídico. Apesar das posturas diferenciadas entre o
florianismo militarista intolerante e o intelectualismo jurídico conciliador de Rui Barbosa
fracassaram ambos ante a força conciliadora do patrimonialismo estamental, que marca os
estudos essenciais deste Capítulo.5
Estes autores marcaram os modernos estudos sobre a compreensão do estado
brasileiro, assim como definiram os limites imprescindíveis à sua modernização. Da mesma
forma, em leitura aberta e genérica, identificaram os grandes limites do sistema estatal de
dominação política e, ao mesmo tempo, a natureza atávica do Estado comandado pelo
estamento burocrático presidido pelos pactos do baronato imperial com o Poder Moderador
e pelos pactos dos “coronéis” com o poder político controlado pela oligarquia, nas ambas
4
RODRIGUES, op. cit., p. 60 e 64.
5
Ver, também, p. 75 a 80, onde está que as políticas de conciliação de qualquer forma em muitos momentos
estiveram ameaçadas, mas sempre privilegiavam o processo de decisão do grupo político que melhor se
conciliava com os grandes interesses econômicos latifundiários e cafeeiros. Neste contexto destaca-se a
posição de Arthur Bernardes que para manter os pactos de conciliação reforçou o poder de polícia, muito
embora a sua reforma constitucional de 1926 viesse a demonstrar que o patrimonialismo oligárquico estava
esgotado. Ver, também, Mauro Santayana. In: Coisas da Política. Jornal do Brasil, 9.3.07. p. A2. Sugerimos
também a leitura de Frederico de S. (Pseudônimo de Eduardo Prado) Fastos da ditadura militar no Brasil.
São Paulo: Martins Fontes, 2003, conjunto de artigos publicados na Europa (Portugal) sobre as dificuldades e
os faustas do militarismo republicano no Brasil (1889/1891).
35
dimensões comprometidos com a economia agrária exportadora e com os seus agentes
privados no exercício de funções de interesse público.
Na verdade, o Estado patrimonialista, na história política brasileira, foi o
herdeiro dos pactos privados no poder público que se projetou no tempo histórico como
uma rígida estrutura política insensível à dinâmica da sociedade e às ideologias
compreensivas do Estado moderno, bem como ao conseqüente ideário de fracionamento
das funções públicas e privadas exercidas cumulativamente por órgãos e agentes do Estado.
Esta especialíssima postura tornou o Estado brasileiro, não apenas resistente à
modernização burocrática, mas muito especialmente a qualquer projeto que procurasse
implementar mecanismos de funcionamento democrático. Observa Raymundo Faoro que:
De Dom João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-
social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à
travessia dos oceanos largo. O capitalismo politicamente orientado
o capitalismo
político, ou pré-capitalismo
, centro da aventura, da conquista e da colonização
moldou a realidade estatal, sobrevivendo e incorporando na sobrevivência o
capitalismo moderno, de índole industrial, racional na técnica e fundado na liberdade
do individuo (...). A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios,
como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois (...). Dessa
realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num
tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo
assim é porque sempre foi.
6
Por outro lado, Victor Nunes Leal, sem que especificamente se concentre no
estudo do Estado patrimonialista, mesmo (patriarcalismo do) poder dos (coronéis) oligarcas
sobre os municípios, exponencializou, não apenas a sua representação federativa, mas a sua
força no interior do Estado. Neste sentido, observa Victor Nunes, identificando a variável
patrimonialista determinante:
O coronelismo apresenta-se, desde logo, como certa forma de incursão do poder
privado no domínio político (...) significando o isolamento, ausência ou rarefação do
poder político. Daí a tentação de o considerarmos puro legado ou sobrevivência do
período colonial, quando eram freqüentes as manifestações de hipertrofia do poder
privado a disputar atribuições próprias do poder instituído (mas o coronelismo não é
um mero patriarcalismo colonial) que alcançou sua expressão mais aguda na primeira
República (...) chegamos assim ao ponto que nos parece nuclear para à conceituação:
6
Op. cit., p. 819 e 820.
36
este sistema político é dominado por uma relação de compromisso entre o poder
privado decadente e o poder público fortalecido.
7
Foi exatamente neste contexto da dominação patriarcalista (imperial) e
oligárquica (republicana) do Estado patrimonialista que se desenvolveram as lutas pela
criação da OAB, primeiramente com a criação do Instituto Brasileiro dos Advogados
IAB, em 1843, que tinha como finalidade precípua a criação da Ordem dos Advogados,
como organização disciplinar dos advogados e, posteriormente, a sua transformação (na
República) em Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros IOAB, que evoluiu na crise
da oligarquia republicana para a criação da própria Ordem dos Advogados dos Brasileiros
(do Brasil) OAB, por ato revolucionário de Estado em 1930. O Regulamento de 1931,
construiu o primeiro catálogo do ideário disciplinar e os regulamentos sucessivos
definitivamente consolidados em 1933 definiram os postulados doutrinários centrais do
ideário profissional dos advogados que viriam a presidir a sua história: a advocacia como
exercício privado de função pública relevante, a separação funcional entre o exercício de
funções públicas e o exercício da advocacia, a definição do catálogo disciplinar de deveres
e prerrogativas profissionais, como compromisso de defesa daqueles que estivessem
privados ou ameaçados de perder os seus direitos e, finalmente, a organização da Ordem
dos Advogados, como serviço público autônomo e independente.
A identificação destes postulados doutrinários do ideário central dos advogados
permitiu que os itens centrais deste Capítulo se concentrassem em importante e
indispensável estudo sobre o conceito pragmático de ideário profissional (dos advogados),
mas muito especialmente sobre a sua evolução no contexto dinâmico das ideologias
políticas que influenciam a vida política do Estado. Imprescindível, para a efetiva
inteligência, não apenas do Capítulo, mas da Tese, embora não sendo este seu objetivo,
analisamos as principais vertentes modernas do conceito de ideologia e a sua adaptação aos
7
Op. cit., p. 275/6. Para maior elucidação ver também, recentemente reeditado, de VILAÇA, Marcos Vinícios
e A
LBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. Coronel, coronéis: apogeu e declínio do coronelismo no nordeste.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. Os autores traçam um lúcido e interessante perfil dos coronéis como
especial figura da vida política e social nordestina (e brasileira), destacando sua ostensiva presença no
comando das prestações dos serviços públicos (p. 65), bem como a sua presença autocrática e as suas decisões
autoritárias e passiva aceitas (p. 65). De qualquer forma, a compreensão prospectiva das oligarquias na
história brasileira pode ser medida pelo excepcional artigo de Furtado, Celso. De L´oligarchie à L´Etat
militaire, publicado em Les H Temps Modernes, Paris, out. 1967.
37
documentos jurídicos essenciais como ideologia jurídica, que, em tantas circunstâncias,
influem sobre o ideário profissional dos advogados e, em tantas outras, como
demonstramos, encontram resistência no próprio ideário corporativo, num fluxo de tensões
que resultaram sempre em mudanças estatutárias.
Neste primeiro Capítulo, a partir destes itens centrais, o objetivo da Tese foi
exatamente identificar o processo histórico das flutuações de relacionamento entre o Estado
brasileiro e a Ordem dos Advogados, procurando, demonstrar, que, ao contrário da
hermenêutica parlamentar imperial, e republicana, que rejeitou os sucessivos projetos de
criação da OAB, inclusive o de Montezuma (Francisco Gê de Acayaba, 1794/1870),
primeiro e histórico presidente do IAB, os advogados não tinham qualquer resistência à
abolição das corporações de ofício e ao livre exercício das profissões, mas, muito ao
contrário, pretendiam criar uma organização profissional corporativa com a finalidade de
disciplinar o livre exercício profissional, para evitar desvios e compromissos espúrios de
profissionais (bacharéis e provisionados) e, ao mesmo tempo, impedir que agentes do poder
público, conselheiros de Estado, ministros de Estado, juízes e desembargadores,
promotores, procuradores, funcionários do fisco e aduanas, delegados de polícia, o
estamento burocrático do estado na linguagem de Raymundo Faoro, e, até mesmo
parlamentares, exercessem, cumulativamente, a advocacia ou se reservassem poderes para
provisionar “rábulas” e “solicitadores”.
Na verdade, a história da criação da OAB, e seu desenvolvimento subseqüente,
são a história da luta contra o patrimonialismo estamental, no Império, dominado pelos
barões e muitos de seus quadros de elite originários das próprias Academias de Direito de
São Paulo e Olinda/Recife, e, na República, dominado pelos oligarcas representados,
(quase) sempre, pelos bacharéis no poder (e na advocacia).8 Por isto, de certa forma, a tese,
que assumimos neste Capítulo demonstra o ato de criação da OAB, em 1930, como ato
(revolucionário) de Estado, como uma vitória contra o patrimonialismo oligárquico cujos
estamentos burocráticos resistiram (e impediram) a sua criação (ou transformação
8
Recente catálogo de dados biográficos atualizado por Pedro J. X. Maltoso, sobre ex-ministros do Supremo
Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal (1828/2001), originariamente organizado por Laurênio Lago,
prefaciado por Carlos Velloso, permite a elaboração de interessantes cruzamentos biográficos sobre a origem
e a formação dos ministros do Supremo, confirmando a tendência desta afirmação. LAGO, Laurênio.
Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, 2001.
38
legislativa), através dos mais diferenciados mecanismos políticos e judiciosos, por mais de
100 (cem) anos. As circunstâncias históricas que presidiram a Revolução de 1930,
especialmente os seus desdobramentos dilemáticos, no contexto da expansão do
corporativismo ideológico e do autoritarismo getulista em visível contradição com o
passado liberal iluminista das lutas dos advogados no IAB e no IOAB, e, também, no
Parlamento republicano, não deixaram de influir no ato histórico de criação da OAB e nos
primeiros anos de seu funcionamento. O fato, todavia, mais relevante, é que prevaleceu na
sua história a força determinante do projeto, o apenas como projeto de criação de uma
corporação, que, disciplinando, o exercício da advocacia, provocou (gradualmente) o mais
importante fenômeno do Estado brasileiro moderno: a desconstrução do patrimonialismo
estamental que interceptou, por anos sucessivos, o funcionamento do Estado de Direito e a
construção dos fundamentos democráticos do Estado brasileiro.
Finalmente, nos últimos itens deste Capítulo, procuramos, não apenas analisar a
crise do quadro revolucionário que viabilizou a criação e instalação do Conselho Federal da
OAB, mas, também, procuramos, nas próprias conclusões do Capítulo, fazer uma releitura
da análise desenvolvida para abrir os caminhos dos capítulos subseqüentes como espaços
de estudo do papel da OAB na construção do Estado de Direito e da Democracia no Brasil.
1 – Preliminares Históricas
A moderna compreensão do papel da Ordem dos Advogados do Brasil na
sociedade brasileira exige a sua exata localização no tempo histórico e a exata definição do
exercício da advocacia como pressuposto da interligação entre os interesses individuais (e
sociais) e o funcionamento dos poderes de Estado, muito especialmente, do Poder
Judiciário. Por estas razões, a compreensão do papel que a OAB desempenhou na história
brasileira depende da efetiva demonstração da capacidade representativa dos advogados
enquanto procuradores de interesse e do seu exato papel na representação de interesses
conflitivos nas diferentes órbitas do poder público, o que forma a sua estrutura
extremamente sensível aos efeitos (coercitivos) das ideologias sobre o seu ideário
39
estatutário e, ao mesmo tempo, por conseguinte, na prestação judicial dos serviços jurídicos
à sua hermenêutica.
Para a localização do papel da OAB, no tempo histórico, é imprescindível o
reconhecimento de duas especialíssimas linhas de pesquisa sobre e as atividades dos
advogados e da própria corporação: a influência interna das experiências internacionais de
criação dos organismos corporativos de advogados e a evolução institucional da advocacia
e dos seus institutos protetivos no Brasil, a partir da criação do Instituto dos Advogados
Brasileiros IAB, em 7 de agosto de 1843. A primeira linha de estudo está intimamente
associada à influência européia, acentuadamente marcada pela Ordem dos Advogados de
Paris, e, a segunda linha, está marcada pela evolução de nossa própria experiência interna, a
partir dos sucessivos projetos de lei que visaram organizar a Ordem dos Advogados do
Brasil como objetivo estatutário do IAB.
No que se refere à primeira linha, alguns estudos sobre as origens da OAB no
Brasil tendem a vincular a sua origem e evolução ao Decreto Francês de 1810, promulgado
por Napoleão Bonaparte, que, após sucessivas e tantas resistências, onde enquadrou mesmo
os advogados como ideólogos, restaurou a Ordem dos Advogados, e reconheceu a sua
importância no contexto da defesa dos direitos e do funcionamento do Estado
9
. Não
podemos, todavia, ser exatamente taxativos no reconhecimento da influência do estatuto
napoleônico sobre a construção da Ordem dos Advogados no Brasil, mesmo sobre as
incipientes experiências brasileiras, assim como a compreensão da segunda linha evolutiva
exige uma exata percepção do quadro constitucional e legislativo vigente entre os anos de
1824 (1843) e 1930.
Nenhuma leitura do texto legal (inaugural) francês pode indicar exatas
similaridades com os projetos legislativos brasileiros, mas, não é de todo impossível
afirmar que o projeto pioneiro de criação da OAB, elaborado por Francisco Gê Acayba de
Montezuma, primeiro presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, discutido no
Parlamento Imperial (......) teve como parâmetro a organização dos advogados de Paris,
especificamente o Décret Imperial contentenant Réglement sur l’exercice de la Profession
d’Avocat, et la discipline du Barreau (Decreto Imperial contendo Regulamento sobre o
9
Bulletin des Lois, nº 332. Décret Impérial contenant Réglemente sur l’exercice de la Profession d’Avocat, et
la discipline du Barreau (nº 6177). Au palais des Tuileries, le 14 Décembre 1810.
40
exercício da profissão do Advogado e a disciplina do Barreau) de 14 de dezembro de
1810.
10
Muitos afirmavam, na Câmara dos Deputados, como o deputado Figueira de
Mello,
11
que o projeto brasileiro
12
era uma cópia do Decreto francês de 14 de dezembro de
1810,
13
o que projeto legislativo de Montezuma não confirma. No Senado, afirmações
semelhantes, também eram difundidas pelos senadores. O senador Dantas referindo-se ao
dispositivo que trata das medidas disciplinares, quando analisava a redação do §5º do art.
4º,
14
afirmava:
(...) Esta disposição foi tirada da lei do instituto dos advogados de França, mas lá vem
acompanhada de declarações indispensáveis. Como está aqui é perigosa; os advogados
entendem que ficam com um juízo privativo para os seus crimes, entendem que em vista
deste artigo nenhum tribunal, nenhum juízo lhes pode impor penas. A lei do instituto dos
advogados de França dá estas mesmas atribuições aos conselhos quanto às penas, mas
tem um artigo que diz: ‘Estas penas disciplinares não prejudicam qualquer pena que em
10
Bulletin des Lois, nº 332. Décret Impérial contenant Réglemente sur l’exercice de la Profession d’Avocat,
et la discipline du Barreau (nº 6177). Au palais des Tuileries, le 14 Décembre 1810, pp. 569 a 577. Mais tarde
foram publicadas mais três textos legislativos que tratam do mesmo assunto, comentando, completando ou
modificando este Decreto. O primeiro texto tem a data de 20 de novembro de 1822, Rapport au Roi sur
l’ordre des avocats (Informe do Rei sobre a Ordem dos Advogados); o segundo texto é de 10 de setembro de
1830, Ordonnance du Roi contenant les dispositions sur l’exercice de la profession d’avocat (Ordem do Rei
contendo as disposições sobre o exercício da profissão de advogado); o terceiro e último texto é de 22 de
março de 1852, N. 3839 – Décret relatif aux Élections du Barreau (Decreto relativo as Eleições do Barreau).
O texto de nossa tradução (sem o rigor estilístico formal) está anexo no livro: B
ASTOS, Aurélio Wander.
História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e resistências (coordenação Herman de Assis
Baeta e Prefacio de Rubens Aprobatto). Brasília: Conselho Federal da OAB, 2003, ver pp. 256 a 265.
11
Ver pronunciamento do deputado Figueira de Mello, In: Annaes do Parlamento Brazileiro – Camara dos
srs. Deputados. Terceiro anno da Oitava Legislatura. Sessão de 1851. Colligidos por Antonio Pereira Pinto.
Tomo segundo. Rio de Janeiro. Typographia do H. J. Pinto. 1878. Sessão de 27 de agosto de 1851: Discussão
do projecto do senado sobre o Instituto dos Advogados, vol. II, pp. 710 e 714.
12
CD-ROM Câmara dos Deputados: Centro de Documentos e Informações – COARQ: Seção de Documentos
Históricos. “Proposição do Senado criando em cada uma das Relações do Império o ‘Instituto da Ordem dos
Advogados’. 5 de julho de 1851”. Brasília, abril de 2003.
13
Ibid.
14
Art. 4º. São atribuições dos Conselhos Disciplinares e Administrativos: (...) §5º. Aplicar as medidas
disciplinares autorizadas pela lei e regulamentos do governo, a saber: além de quaisquer outras, a
advertência, a repreensão, e bem assim o interdito geral ou local, e a expulsão da ordem, ou da classe dos
procuradores judiciais, precedendo nestes dois últimos casos deliberação do instituto em sessão para esse
fim convocada, e dando recurso suspensivo para a relação do distrito. (Anais do Senado do Império, pp. 41 a
45. Sessão em 3 de julho de 1850. Presidência do Sr. Barão de Monte Santo. Sumário – Ordem do dia. –
Loterias. Aprovação. – Estatutos para os cursos jurídicos, e para as escolas de medicina. Discursos dos Srs.
Baptista de Oliveira, Manoel Felizardo, Hollanda Cavalcanti, Costa Ferreira, e Saturnino. – Bancos
provinciais. Ratificações. Aprovação. – Pretensão das convertidas do recolhimento do Rego. Discurso dos
Srs. Maya, e Hollanda Cavalcanti.).
41
virtude das leis se possa impor ao advogado que ultrajar as partes, que atacar o
governo representativo, que injuriar o juiz, etc’, porque os advogados entenderam que
em virtude da anterior disposição não havia tribunal algum que lhes pudesse impor
penas.
15
A simples leitura do texto inaugural da Ordem dos Advogados da França,
promulgada por Decreto Imperial, nitidamente associa a atividade dos advogados com a
nova organização judiciária francesa, traduzindo, sem qualquer resistência ao antigo
Barreau, o importante papel destes profissionais para alcançar a justiça e obter os
instrumentos de equilíbrio entre os fortes e os fracos e oprimidos. Este documento histórico
da França dispõe preliminarmente:
Napoleão, imperador dos franceses, rei da Itália, protetor da confederação do Reno,
mediador da Confederação Suíça, &c. &c. &c. a todos os presentes e aos que virão,
saúda: Quando nós nos ocupamos da organização da ordem judiciária, e dos meios de
assegurar às nossas cortes a alta consideração que lhes é devida, uma profissão da qual
o exercício influi com poder sobre a distribuição da justiça fixada à vista; nós temos em
conseqüência ordenada, pela lei do 22 ventôse ano XII, o restabelecimento do quadro
dos advogados, como um dos meios mais próprios a manter a probidade, a delicadeza, o
desinteresse, o desejo da conciliação, o amor da verdade e da justiça, um zeloso
esclarecimento para os fracos e os oprimidos, bases essenciais de seu estado. Retraçando
hoje as regras desta disciplina salutar das quais os advogados se mostraram tão felizes
nos belos dias do Barreau, convém assegurar ao mesmo tempo à magistratura a
vigilância que deve naturalmente lhes pertencer sobre uma profissão que tem tão íntimas
ligações com ela: nós teremos assim garantido a liberdade e a nobreza da profissão de
advogado, pousando nos limites que a devem separar da licença e da insubordinação.
Por esses motivos, Sob direção de nosso grande juiz-ministro da justiça; Nosso Conselho
de Estado entendeu, Nós decretamos e decretado está:
16
No que se refere à experiência brasileira independentemente dos projetos de
regulamentos e estatutos que se sucedem na nossa história, que veremos adiante, na
verdade, o processo de resistência à criação da OAB, dominantemente se apoiou nos
incisos XXIV e XXV do artigo 179 da Constituição Imperial. O texto imperial dispunha,
respectivamente, que: Nenhum gênero de trabalho, de cultura, de industria, ou commercio
póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, à segurança, e
15
Anais do Senado do Império, p. 66 a 80. Sessão de 5 de junho de 1851: Presidência do sr. Cândido José de
Araujo Vianna. Sumario: Segunda discussão do projeto creando institutos da Ordem dos Advogados.
Discursos dos srs. Limpo de Abreu, D. Manoel Maya, Lopes Gama, Cavalcanti de Lacerda, e Dantas.
16
Op. cit. Ver nota 4.
42
saúde dos Cidadãos e, ainda: Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juízes,
Escrivães, e Mestres. Como se pode facilmente concluir, o texto imperial, fora promulgado,
ainda, no calor do combate aos institutos corporativos medievais,
17
que, monopolizavam os
ofícios colocando sobre o controle centralizado o trabalho, especialmente o trabalho
artesanal.
1.1. A Criação do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB
Estes dispositivos constitucionais, todavia, não impediram a criação do IAB,
seguida de árdua luta de Montezuma, com a finalidade de criar a Ordem dos Advogados.
De forma magistral, no discurso de Montezuma (de inauguração do IAB), podemos
observar a diretriz e a justificativa da organização dos advogados que, claramente, diverge
das corporações de ofício:
Senhores, Bacon, com a eloquencia que lhe é própria, disse: ‘O Espírito é o homem’. Eu
direi – O Cidadão é a Lei: a Lei é sua execução: Esta depende da intelligencia que se lhe
dá. Como desconhecer a importância da organização da classe, cuja profissão tem por
objecto determinar a intelligencia da Lei (...). Os vindouros dirão o que houver de ser um
instituto. Por ora e sua utilidade que nos cumpre provar
18
17
Diz Huberman (1979) que essas corporações eram uma espécie de irmandade e que muitas começaram,
provavelmente, com o objetivo de se ajudarem mutuamente em épocas de dificuldades: ...é interessante notar
que a assistência ao desempregado e a aposentadoria, que constituem notícias hoje, eram proporcionadas
pelas corporações artesanais a seus mestres há quase seiscentos anos! Afirma também na mesma célebre obra,
que as corporações em seu início eram regulamentadas de modo a estabelecer a fraternidade entre seus
membros e não a concorrência, como mais tarde aconteceu. Huberman (1979) dá um exemplo, entre outros,
de como funcionava esses privilégios nas corporações de ofício: Assim, na cidade de Amiens os estatutos das
corporações dos pintores e escultores, no ano de 1400, exigiam do aprendiz um curso de três anos,
apresentar sua obra prima e pagar 25 libras, mas se ‘os filhos dos mestres desejarem iniciar e continuar sua
atividade na referida cidade, poderão faze-lo se tiverem experiência, e pagarão apenas a soma de 10 libras’.
Esse exclusivismo foi levado às últimas conseqüências nos estatutos dos fabricantes de toalhas e
guardanapos de Paris, onde se estabeleceu que ‘ninguém pode ser mestre-tecelão, se não for filho de um
mestre’.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 15. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 66, 73, 74.
18
Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros (Edição fac-similar da Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros – ano I e II – 1862, 1863), ano XI – 1977, número especial. Ver também L
E GOFF, Jacques. Os
intelectuais na Idade Média. Tradução de Marcos de Castro, Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. p. 98-113.
43
O Aviso de 7 de agosto de 1843, aprovando os Estatutos do Instituto dos
Advogados Brasileiros foi publicado com o seguinte teor, sob os auspícios do Supremo
Tribunal de Justiça,
19
e assinado pelo Imperador Pedro II:
20
Sua Magestade o Imperador, deferindo benignamente ao que lhe representarão diversos
advogados d’esta côrte, manda pela secretaria de Estado dos Negocios da Justiça,
approvar os estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros, que os supplicantes
fizeram subir á sua Augusta Presença, e que com esta baixão assignados pelo
Conselheiro Official-maior da mesma Secretaria de Estado; com a clausula porém de
que será tambem submetido á Imperial approvação o regulamento interno, de que tratão
os referidos estatutos.
Palácio do Rio de Janeiro, em 7 de agosto de 1843. Honorio Hermeto Carneiro Leão.
João Gualberto de Oliveira
21
, ao comentar os atos preliminares de implantação do
IAB, afirma que nas primeiras reuniões, Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (primeiro
presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros) argumentava que ainda não era o
momento de se criar a Ordem, tendo em vista que o País acabava de proclamar sua
Independência. Acreditava que a Ordem só seria plenamente eficaz quando o país se
organizasse e se regulamentasse, sistematizando os serviços públicos. Por esta razão, dentre
outras, segundo Oliveira, Teixeira de Aragão propôs criar uma organização que facilitasse a
instalação de uma futura Ordem dos Advogados do Brasil, idéia que já vigorava no Estatuto
da Associação dos Advogados de Lisboa
22
. O Conselheiro assim observou na Gazeta dos
Tribunaes:
19
O processo de fundação do IAB se inicia com uma convocação dos advogados da capital em 1843 pelo
Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, Francisco Alberto Teixeira de Aragão (Veja Carta do Dr. Antonio
Pereira Pinto de 18 de julho de 1870 ao Dr. José da Silva – acerca da fundação do Instituto da Ordem dos
Advogados. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados, tomo 8º, anno 1871, pp. 212 a 214. Veja também:
Gazeta dos Tribunaes, 1º anno – 22 de agosto de 1843, p. 4), em sua resincia para fundarem o Instituto dos
Advogados Brasileiros. Nesta ocasião, o Conselheiro pronunciou as seguintes palavras: Temos a maior satisfação
de poder annunciar aos nossos leitores que há poucos dias houve uma reunião de distinctos advogados
brasileiros nesta corte, com o fim de organisarem uma associação, como outr’ora alguns delles tinham
projectado (...) (Gazeta dos Tribunaes, 1º anno, 9 de junho de 1843, nº 41, p. 1).
20
Este tribunal foi criado em 1828. BASTOS, Aurélio Wander. A Criação e Organização do Supremo
Tribunal de Justiça no Brasil. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa/Câmara dos Deputados, 1978.
21
OLIVEIRA, João Gualberto de. História dos Órgãos de Classe dos Advogados. São Paulo, Industria
Gráfica Bentivegna Editora Ltda., 1968, pp. 221 e 222.
22
Este Estatuto pode ser consultado em BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do
Brasil: Luta pela criação e resistências (coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubem Aprobatto). Brasília:
Conselho Federal da OAB, 2003, pp. 266 e 267, tendo sido publicado na Gazeta dos Tribunaes, 1º anno, 16 de
maio de 1843. Typ. Imperial de F. de Brito.
44
...Nessa reunião foi nomeada uma commissão, composta de tres illustrados advogados
para que, tomando por base os estatutos da Associação dos Advogados de Lisboa (que
ja publicámos no n. 35 da gazeta) fizessem nelles as alterações indispensaveis para se
poderem adoptar como estatutos interinos: até que uma prudente experiencia indique o
que melhor convier para o referido effeito.
23
O artigo 1º do referido Estatuto da Associação dos Advogados de Lisboa, assim
dispunha: O objecto da Associação é conseguir a organização definitiva da ordem dos
advogados, e auxiliarem-se os associados mutuamente, tanto para consultas, como para
manutenção dos seus direitos.
24
Em 15 de maio de 1844, por ato do Imperador, o Regimento Interno do IAB foi
aprovado e, semelhantemente ao Estatuto português, no seu artigo segundo, muito
claramente dispunha: o fim do instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito
geral da sciencia e da jurisprudência. Como se pode verificar a criação do IAB teve como
finalidade política e estratégica buscar a criação da Ordem dos Advogados, mas a direta
inspiração foi da Associação dos Advogados de Lisboa.
25
Criado o Instituto dos Advogados Brasileiros, os dispositivos constitucionais,
todavia, influenciaram negativamente os debates parlamentares sobre os projetos de criação
da OAB, inclusive o projeto do próprio Montezuma, que, dentre tantos, merece especial
destaque. Todavia, como todos os projetos discutidos à época, o projeto Montezuma não
teve sucesso e inaugurou uma longa e proficiente história sobre a resistência do Estado
imperial ainda em consolidação, bem como de extensos grupos políticos e parlamentares, à
criação da OAB.
26
23
Gazeta dos Tribunaes, 1º anno, 9 de junho de 1843, nº 41, p. 1.
24
Gazeta dos Tribunaes, nº 35, 1º anno – 16 de maio de 1843, pp. 3 e 4. Em ARAGÃO, Francisco Alberto
Teixeira de. Gazeta dos Tribunaes, 1º ano, nº 64, 12 de setembro de 1843. Lê-se que a instalação do IAB foi
effectuada no salão do collegio de Pedro II, que para esse fim fora facultado por aviso de 31 de agosto
proximo passado, expedido pela secretaria de estado dos negocios do imperio. O primeiro presidente do IAB
fez um discurso primoroso (veja Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, ano I, Tomo I, nº 1,
jan./fev./mar. 1862, parte quarta, pp. 67 a 116), onde conta a história da advocacia do Egito até a época em
que vivia, evidenciando a antiguidade da profissão e sua importância para a sociedade civilizada, assim
como, a importância de uma instituição como a que presidiria: Os vindouros dirão o que houver de ser o
Instituto. Por ora é sua utilidade, que nos cumpre provar.
25
Gazeta dos Tribunaes, nº 35, 1º anno. 16 de maio de 1843, pp. 3 e 4.
26
O Projeto de Montezuma está integralmente transcrito nos Anais do Senado do Império, pp. 41 e 45. Sessão
em 3 de julho de 1850. Ver, também, B
ASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil:
Luta pela criação e resistências (coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubem Aprobatto). Brasília:
45
Com o fim do Império, e a proclamação da República, promulgado o texto
constitucional republicano de 1891, sobre esta mesma matéria passou a dispor no parágrafo
24 do artigo 72 e no parágrafo 14 do artigo 141 respectivamente: É garantido o livre
exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial e, ainda: É livre o exercício
de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer.
Identificadas as tendências hermenêuticas imperiais, a posição republicana, aparentemente
mais aberta, ficou interpretada, no cotidiano parlamentar, à luz da experiência
argumentativa do próprio Parlamento Imperial, demonstrando, que, exatamente, não havia
maiores divergências entre os grupos de resistências à OAB no Império e na República.
27
Foi exatamente a hermenêutica destes dispositivos que inviabilizou no correr do tempo os
projetos de lei que tramitaram na Câmara dos Deputados e no Senado Federal com a
finalidade de criar a Ordem dos Advogados do Brasil, sendo que no Capítulo sucessivo
desenvolveremos análise mais profunda destas resistências.
2 – Ideologia e o Ideário Profissional dos Advogados
Os estudos brasileiros sobre as ideologias e suas influências sobre o ideário
corporativo das profissões, assim como sobre os efeitos da resistência do ideário
Conselho Federal da OAB, 2003, pp. 60/65. Outros tantos projetos vieram a ser apresentados no Parlamento
Imperial brasileiro e debatidos como o Projeto de Nabuco de Araújo e o Projeto de Saldanha Marinho. Na
República outros tantos foram apresentados podendo-se destacar o Projeto Barão de Loreto, o Projeto Celso
Bayma, o Projeto Nogueira Jaguaribe, os substitutivos Aurelino Leal e Alfredo Pinto. B
ASTOS, Aurélio
Wander. op.cit., pp. 128/153 e 193/212 e, também, Mauricio Lacerda.
27
A objeção à criação da OAB é visível quando lembramos que, na Constituinte de 1891, existiu uma grande
discussão em torno do artigo que tratava da liberdade profissional (art. 72). O objeto da discussão era se o
texto constitucional deveria exigir ou não a diplomação necessária para se exercer uma dada profissão. Estas
discussões geralmente evoluíam para novas emendas como exemplo podemos citar as propostas de aditivos
do constituinte Demétrio Nunes Ribeiro ao art. 72, § 24, que já tinha a redação do texto que entraria em vigor,
ou seja: “É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. A ele o
Constituinte propunha que se acrescentasse o seguinte: “Independente de titulos ou diplomas de qualquer
natureza, cessando desde já todos os privilégios que a elles se liguem ou deles dimanem” E essa não é uma
reivindicação solitária, com o constituinte Demétrio estão declaradamente juntos, defendendo a mesma idéia:
Moniz Freire, Alexandre José Barbosa Lima, Nelson de Vasconcellos Almeida, fora os não declarados ou que
não se manifestaram. Entretanto, todos foram votos vencidos e o dispositivo se consolidou como nós o
conhecemos (Câmara dos Deputados – Annaes do Congresso Constituinte da Republica, 1891 – 2º edição,
revista, vol. II, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926).
46
corporativo às ideologias, estão numa fase, ainda incipiente, o que limita a utilização
sistemática de consultas bibliográficas, mas incentiva as pesquisas voltadas para o
levantamento e análise documental, como fonte privilegiada de informação. A
compreensão, por conseguinte, do efetivo papel ideológico da OAB, na construção das
instituições políticas e jurídicas brasileiras, exige uma acentuada cautela metodológica, e,
ao mesmo tempo, exige leitura compreensiva de fontes primárias, como anais, atas,
relatórios e legislação como especiais formas de sistematização de documentos.
No presente estudo, por conseguinte, a percepção diferencial entre o conceito
de ideologia e o conceito de ideário, que não são muito utilizados no contexto
compreensivo da evolução das corporações e de seu papel no Estado e na sociedade, foram
identificados, a partir de leitura aberta de alguns pensadores no contexto de documentos
que traduzem o quotidiano do ideário profissional. Esta forma de abordagem nos permitiu,
para efeitos operacionais, diferenciar o conceito de ideário profissional do conceito de
ideologia, demonstrando que, entre si, não se excluem, mas têm uma mútua influência de
efeitos bilaterais, de tal forma que o ideário profissional filtra os princípios ideológicos para
resguardar a sua própria natureza, assim como as ideologias têm profundos efeitos sobre a
dinâmica do ideário profissional.
Este fenômeno não é simplesmente identificável em toda e qualquer situação
onde se avalia o papel histórico das corporações, mas exige uma profunda compreensão dos
documentos que traduzem a sua dinâmica interna e as suas especiais formas de
engajamento político, por um lado. Por outro lado, em se tratando de estudo sobre os efeitos
da ideologia sobre as corporações de advogados, a questão toma uma dimensão maior de
complexidade à medida que eles são agentes formais da própria ideologia de estado, o que
complica profundamente o papel de suas associações corporativas nos momentos de
mudança social ou, mesmo, institucional.
As nossas observações, por conseguinte, deixam evidente que um conceito não
é sinônimo do outro, nem muito menos são entre si substituíveis, muito embora, na
linguagem retórica cotidiana, o ideário é sempre utilizado como um conceito mais
facilmente assimilável do que o conceito de ideologia, em geral marcado pelas grandes
linhas do pensamento doutrinário (filosófico). Neste sentido, o conceito de ideário, para
efeitos deste trabalho, está circunscrito aos princípios e postulados que viabilizam o
47
exercício de uma determinada profissão ou de uma organização corporativa, mesmo que
não seja profissional, geralmente traduzido em estatutos, regulamentos e, quase sempre, no
código de ética profissional, diversamente do conceito de ideologia, enquanto conceito
aberto, infenso a restrições de natureza corporativa, como estudaremos.
De qualquer forma, para melhor compreender a interconexão entre estes dois
conceitos, ao nível da atividade profissional do advogado, e de suas corporações,
principalmente a sua importância para a compreensão dos documentos corporativos
referenciais, e, principalmente, para que se tenha uma exata percepção da influência do
conceito de ideologia sobre o conceito de ideário, é muito importante reconhecer a
evolução da discussão sobre o conceito de ideologia e, o conseqüente espaço, que, no seu
âmbito, ocupa o conceito de ideologia jurídica, especialíssima dimensão conceitual desta
Tese, exatamente porque a ideologia jurídica é que torna harmônica a convivência entre o
mundo aberto das ideologias e a codificação legislativa. Na verdade, as ideologias jurídicas
são uma espécie de tradução das ideologias das constituições, leis e normas em geral, que,
exatamente, tornam as ideologias genericamente aplicáveis como (restritos) deveres de
todos assimiláveis pelo ideário profissional corporativo dos advogados, quando não
absolutamente rejeitadas(veis).
Para facilitar a compreensão evolutiva deste item, imprescindível à
compreensão da Tese como um todo, dividiremos o quadro conceitual dos estudos sobre
ideologia
28
em duas grandes linhas: o conceito intelectualista, que evolui a partir do
reconhecimento das ideologias como disfarce (argumentativos) sobre o real, e o conceito
pragmático, que, apesar das críticas intelectualistas, vêem-na como linguagem expressiva
de interesses, sejam particulares sejam globais. No primeiro grupo estão pensadores como
Karl Marx e Karl Mannheim, precursores incontestáveis da discussão, já, no segundo grupo
estão pensadores que evoluíram criticamente do pensamento marxista e assumiram uma
posição mais realista, aliás, imposta pelo quotidiano compreensivo, que a linguagem
marxista não conseguiu sufocar para explicar a sua própria postura.
Michael Löwy, que, efetivamente, estudou o conceito de ideologia, numa
perspectiva de distinção do próprio objeto, teoricamente, sem desconhecer as suas
28
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sergio M. Santeiro; ver conf. tec. César Guimarães. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1968. p. 81 e segs.; ver também p. 286 e 287.
48
diferentes variações, chegou a afirmar que: existem poucos conceitos na história da ciência
social moderna que sejam tão enigmáticos e polissêmicos como este de ideologia
29
.
Ideologia, ao mesmo tempo que é um termo simples e leve, porque fácil de manipular no
quotidiano da linguagem, é um termo carregado e complexo, porque traduz formas
especialíssimas e conflitivas de ver a vida: as relações humanas, nos seus diferentes níveis e
desníveis e o poder na sua obscuridade cênica (e na cínica obscuridade) do Estado.
Esta posição se torna mais complexa, à medida que este nosso trabalho, procura
aplicadamente trabalhar o tema, principalmente, no contexto evolutivo, não de
organizações ou lutas políticas abertas, como, por exemplo, os partidos políticos, mas de
organizações corporativas fechadas, engajadas em lutas políticas específicas, muitas vezes
de interesse profissional. Assim, mais que polissêmica e enigmática a discussão aplicada do
tema, pode adquirir, pragmaticamente, dimensões paradoxais e ambíguas. No caso
específico deste trabalho, mais grave, ainda, porque, o tema ideologia não se incorporou ao
quotidiano da advocacia e tem um efeito pejorativo de altíssimo grau de rejeição, quando
aplicado no reconhecimento do Direito.
Karl Mannheim, sem fugir do conceito de que a ideologia seria um disfarce do
real, a identifica numa dimensão particular que traduz uma postura cética em relação ao
discurso e uma dimensão total que se refere à ideologia e uma época de um grupo histórico-
social concreto. Ambas as posições, todavia, guardam como elemento comum, ou seja, que
o discurso ideológico tem significado e intenção real; são disfarces retóricos para alcançar
objetivos (subjetivos).
30
Paradoxalmente, a posição originária de Karl Marx, precursor da
posição de Mannheim, evoluindo por caminhos diferentes, não desenvolveu uma linha
conceitual muito diferente, especialmente, porque, para ele, a ideologia é um discurso
alienado da realidade, uma realidade que não é a sua própria realidade, mas que procura
fazer do projeto das classes dominantes as expectativas das classes dominadas.
29
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. Tradução de Juares
Guimarães e Suzanne Felice. São Paulo: Busca Vida, 1987, p. 9. Ver, também, ZIZEK, Slavoj, (Org.). O
mapa da ideologia. Theodor W. Adorno (et all). Rio de Janeiro:Contraponto, 1996. Neste livro diversos
autores comentam a evolução do pensamento sociológico, permitindo concentra-lo em duas grandes linhas,
como a forte variante pós-moderna, mas que não consegue se livrar das discussões introdutórias de Karl
Marx. Dentre eles podemos destacar o próprio Adorno, Lacan, Althusser, Bourdieu.
30
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Tradução de Sergio M. Santeiro; ver. conf. téc. César Guimarães. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1968, p. 81 e segs. Ver também p. 286 e 287.
49
Neste sentido, o conceito marxista (originário) de ideologia está também
determinado pelo conceito de disfarce, de apresentação alienada da realidade como forma
de controle e dominação daqueles que não produzem os cânones ideológicos.
31
Todavia
numa paradoxal ironia da história, que nasceu não apenas da crítica marxista, mas também,
do seu quotidiano discursivo, o conceito marxista de ideologia ficou politicamente
assimilado como discurso propositivo de transformação social, como conjunto de idéias
expressivas dos interesses (prospectivos ou defensivos) de grupos, classes ou categorias
sociais.
Por outro lado, permitindo uma posição mais confortável e infensa às
sucessivas dúvidas semióticas, historicamente
32
antecedentes à própria discussão conceitual
de Michael Löwy, o conceito apareceu e evoluiu como um sistema de idéias e princípios
que permite compreender (e analisar) a dinâmica da vida social e política e, inclusive, fixar
parâmetros de ações estratégicas. Esta linha conceitual, todavia, não é exclusiva,
permitindo reconhecer que a ideologia pode, também, se definir como conhecimento
conscientemente perfunctório e de alta perceptividade da realidade (e do seu inconsciente
coletivo), ampliando não apenas a capacidade de percepção circunstancial, mas o próprio
domínio das circunstâncias.
Nesta obra (especialmente neste item), muito embora seja impossível excluir a
influência intelectualista, visivelmente optamos por acompanhar a evolução pragmática do
conceito, por um lado, exatamente para tornar a pesquisa mais compreensível, diminuindo
o grau de ambigüidade e paradoxalidade e, por outro lado, para mais facilmente identificar
a posição e a opinião dos atores corporativos na construção do Estado brasileiro moderno:
dirigentes e conselheiros, juristas, advogados, conferencistas em palestras e seminários no
contexto histórico interno da OAB e de sua participação na história brasileira.
31
MARX, Karl; ENGELS, F. Ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1984.
32
O termo pela primeira vez foi usado durante a Revolução Francesa (entre 1789 e 1801) no livro de Destut
de Tracy (Elementos de ideologia) e pretendia ser uma espécie de ciência da idéias o que se lhe comprometeu
desde muito cedo com um certo materialismo naturalista divergente do teologismo medieval.
Interessantemente, tanto quanto os advogados, os ideólogos, inicialmente partidários de Napoleão, foram
excluídos e rejeitados por Napoleão Bonaparte, embora ele tenha se notabilizado como o instituidor do
Direito burguês e do Estado a serviço da burguesia. O termo voltou a ser usado por Augusto Comte em seu
Curso de Filosofia Positiva, mas efetivamente ocupou o seu espaço no âmbito do conhecimento com Karl
Marx.
50
O primeiro conceito, intelectualista, todavia, perceptível com mais facilidade,
possivelmente atribuível na sua formatação a Karl Marx, não foi utilizado na sua
manifestação simples e leve, na linguagem de Michael Lövy, pelo próprio Karl Marx, que,
procurou, trabalhar, não propriamente, com sua aplicação direta, nascida dos confrontos de
opiniões políticas, mas como conceito que reconhecia na ideologia uma percepção
deformada, que desvirtuava as situações reais para manipular interesses de baixa (ou nula)
capacidade de compreensão da(s) realidade(s) como fenômeno total, contribuindo para
alienar e distorcer a dinâmica do objeto da própria investigação. Assim, na percepção
conceitual originária para Karl Marx (e Friedrich Engels)
33
ideologia é um sistema de idéias
e princípios que conduzem para uma visão (percepção) deformada da realidade orientando
estratégias e projetos divergentes da dinâmica (natural) da própria história, no que com ele
(Marx) concordará o próprio Karl Mannheim.
34
Por isto mesmo, apesar das posições polares, ambos os autores reconhecem nas
ideologias uma leitura compreensiva da sociedade a serviço das classes dominantes,
interessadas em fomentar uma leitura desviante da vida social, como estratégia de
durabilidade de seu próprio poder. É, exatamente neste sentido, que as ideologias, fazendo-
se em Direito, tanto para Marx, quanto para Mannheim, fazem da ordem jurídica (posta), e
de seu aparato funcional aplicativo, instrumento de controle social da perspectiva da ordem
posta, reconhecendo, sempre, nas ideologias “pressupostos” a da contra-ordem.
É nesta linha argumentativa que o conceito marxista de ideologia, como saber
de dominação (posto) das classes dominantes, confunde-se, ou não consegue desvencilhar-
se do próprio conceito de ideologia como saber de libertação (pressuposto) das classes
oprimidas, permitindo, que, no tempo histórico, na dimensão de sua própria práxis,
reconheça-se, também, como a teoria que identifica as contradições internas da classe
33
O conceito marxista de ideologia não é matéria de uma única obra, mas ainda de nossas leituras de
juventude, os resíduos tópicos de os Manuscritos Econômicos e Filosóficos e da Ideologia Alemã, ou mais,
ainda da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, que via no Direito a pura ideologia. Ver, também, B
ASTOS,
Aurélio Wander. Teoria do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, especialmente o item 5, do
Capítulo I, sobre Conceito de Direito, pp. 41 a 51.
34
MANNEHEIM, Op. cit., p. 295. No Capítulo Mannheim denomina de Sociologia do Conhecimento (p. 286
a 328) a especial leitura da dinâmica das palavras Volksgeist e Zeitgeist como expressão de realidades
circunstanciais, ele insiste nos fatores existenciais ou de interesse sobre o discurso ideológico, mesmo quando
procura exprimir o próprio interesse.
51
dominante e, não apenas, os seus nódulos vulneráveis, mas as próprias estratégias para
exponencializá-las.
Neste sentido, o que Karl Marx pretendeu, efetivamente, foi contrapor a leitura
ideológica da história e da sociedade, como um conhecimento anticientífico, divergente,
por conseguinte, da epistemologia (científica) desenvolvida nos seus clássicos trabalhos.
Marx negou, também, à ideologia (originariamente) a dimensão de teoria do conhecimento,
para reconhecer, no materialismo dialético, senão a própria ciência, a metodologia das
ciências sociais, subtraindo-lhe a percepção deôntica e jusnaturalista, por uma percepção
dialética (devir) da realidade material (ôntica) que se desdobra historicamente nos tempos
futuros como compreensão dos tempos passados, o que a práxis marxista reconheceu como
a própria ideologia (ou, uma lógica ideológica). O conceito de ideologia evoluía, por
conseguinte, do mero reconhecimento de ordenações de idéias para justificar a vida e a
realidade (opressiva ou de classe) para se transformar, diferentemente do que pretendeu a
teoria classista, nos albores do materalismo-dialético, num instrumento de compreensão,
senão apenas da transformação social, também da conservação institucional.
Esta especial postura permite que se veja no Estado, a encarnação da ideologia
da classe dominante, alienada e deformante, que faz das leis (o direito escrito) um
instrumento de dominação e de controle das classes sociais dominadas, que (dominados)
inconscientemente (classe em si), aderem e admitem a ordem de valores instituídos como
seus próprios valores, o que, não impede, todavia, que a classe dominada ou frações das
classes dominantes e, em muitas circunstâncias (ou quase sempre) intelectuais e políticos,
resistam à própria ordem de valores instituídos, e, reajam, senão à própria ordem, à sua
radicalização iníqua, como manifestação propositiva de uma nova ordem ideológica.
A postura de Karl Marx, como demonstramos, evoluiu, todavia, da radicalidade
de gênese de suas formulações,
35
para propostas mais abertas, não apenas na dimensão
conceitual, mas, também, na própria formulação metodológica, ideologicamente
35
Ver estudiosos do tema como Celso Lafer (USP), Tercio Sampaio Ferraz Junior (USP, PUC.SP), Fabio
Konder Comparato (USP), Dalmo Dallari (USP), Luis Werneck Viana (IUPERJ), Luis Alberto Warat (UnB),
Orides Mezzaroba (UFSC) e tantos outros. Ver, também, de BASTOS, Aurélio Wander. Teoria do Direito,
op.cit., p. 59, especialmente o Capítulo com o título: Modernas Tendências do Pensamento Jurídico, onde se
toma o tema das perspectivas dos autores internacionais: Niklas Luhmann, Herbert Hart, Ronald Dworkin,
John Autin. Na linha argumentativa desta nota, ver o recente livro de COMPARATO, Fábio Konder. Ética,
direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, especialmente p. 115 e
116 sobre “Método de Criação do Direito”.
52
reconhecendo que a síntese das contradições históricas não necessariamente evoluem para a
“afirmação da negação”, mas podem, também, institucionalizar-se como “afirmação da
afirmação” e, que, se, em tantas circunstâncias, o aparelho repressivo do Estado, pode fazer
da ordem jurídica instrumento de dominação de classe, em tantas outras a ordem jurídica
instituída pode evitar que a ação repressiva do Estado ultrapasse os limites da própria
legalidade.
36
Todavia, muitos foram os caminhos que permitiram uma formulação mais
aberta do conceito de ideologia, assim como outros tantos foram significativos para
reconhecer no Estado, não apenas um agente repressivo das classes dominantes, mas,
também, um agente propositivo de mudança. Os textos que seguem procuram, exatamente,
analisar os diferentes veios que conduziram a uma mais harmoniosa convivência entre o
radicalismo originário do conceito marxista de ideologia e as suas modernas aberturas para
o Estado ou a ordem jurídica prospectiva.
2.1. Repressão e Direito
Nesta linha discursiva, muito embora sejam frágeis e dispersos os estudos
marxistas sobre o tema, a ordem jurídica (vulgarmente traduzida como Direito) é
reconhecida como superestrutura (metáfora de efeito diminutivo que a descreve como
simples reflexo do mundo real, a infraestrutura, termo que, muitos afirmam, não foi usado
por Marx) destinada a reproduzir, articuladamente com os “aparelhos repressivos do
Estado” (exército, polícia, tribunais, prisões) a pluralidade dos aparelhos ideológicos
(escolas, igrejas, partidos, empresas, famílias, jornais, etc.). Althusser,
37
que formulou esta
sistemática, não propriamente faz uma indicação da ordem jurídica, ou dos conteúdos
36
LOSURDO, Domenico. Gramsci: do liberalismo ao comunismo crítico. Tradução Tereza Ottoni, revisão da
tradução Giovanni Semeraro. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 238, onde especialmente discute se Marx,
efetivamente, fez a necessária distinção dos dois diferentes e opostos tipos de crítica (de seu próprio) conceito
de ideologia.
37
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do estado. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura
Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p 70 e segs.
53
substantivos (ideológicos) impostos pelos “aparelhos ideológicos do estado” permitindo-
nos, reconhecer, que, na verdade, estes aparelhos ideológicos impõem, para resguardar a
estabilidade, uma determinada ideologia de classe, expressas como religião, educação,
representação política, organização, comunicação, etc., deixando aos tribunais, ao que se
presume, enquanto aparelho (repressivo) do Estado, a imposição da lei (conversão formal
restrita do Direito).
Neste sentido, a ordem jurídica seria, para Althusser, o efeito repressivo do
Tribunal, o que nos parece um excesso, ou, demonstra mesmo o desprezo de amplas
vertentes do marxismo pelos estudos jurídicos. Neste trabalho, busca-se, exatamente o
contrário, ou seja, demonstrar que os institutos jurídicos (ideológicos) não apenas se
definem como “conteúdo repressivo”, mas, significativamente, também, como conteúdos
(valores) de libertação, muitas vezes, assimiláveis, independentemente de rupturas
profundas do Estado.
É claro que esta é uma discussão conceitual complexa e profunda porque ela
coloca os advogados, não no seio da contradição, mas a serviço mesmo dos valores
instituídos ou como agentes da “afirmação” da ideologia do Estado. Todavia,
modernamente, muitos juristas têm questionado esta postura, senão como uma
inconveniência hermenêutica, como uma displicência perceptiva do, também, papel social
do advogado, embora este não seja o objeto de seu quotidiano, mas, principalmente, da
sociologia jurídica em convivência epistemológica com a sociologia geral e com a ciência
política ou mesmo com a moderna filosofia do direito.
38
Estas disciplinas, quando premidas pelas variáveis marxistas que fazem uma
relação direta entre o Direito instituído (a Lei) e a ideologia, o que não é absolutamente
verdadeiro: em primeiro lugar, porque a lei é o Direito filtrado, que, dependendo de sua
produção, em algumas ocasiões, instituem o espectro comezinho e perverso dos princípios,
mas, em outras, traduzem o seu espectro mais aberto e magnânimo; em segundo lugar
porque a dimensão fragílima ou grandiosa da lei está vinculada à funcionalidade
democrática do estado. A estrutura democrática do Estado é que permitirá que as ideologias
ou seus especiais segmentos convertidos em lei traduzam as dimensões restritivas ou
38
Ver nota 36.
54
abrangentes do Direito. Estes segmentos ou fragmentos ideológicos transformados em
norma (lei geral) é que complementam o conceito de ideologia jurídica e, por conseguinte,
tornam as ideologias mais assimiláveis ao ideário profissional dos advogados. As
ideologias que não tem aberturas de alcance jurídico encontram profundas resistências no
ideário estatutário dos advogados porque elas podem converter a estrutura de ofícios
corporativos em estruturas de classe (ou de nação).
O pressuposto da ordem jurídica (a lei), por conseguinte, é o direito e, o direito,
no tempo histórico, é uma ideologia, específica, reduzida ao pragmatismo dos interesses,
um conjunto sistemático (específico) de idéias, no quadro (geral) das idéias, que muda e
transmuda-se em função dos valores humanos essenciais. O compromisso do ideário
corporativo, muitas vezes instituído como prerrogativa ou dever do advogado, é como o
Direito, enquanto pressuposto aberto da lei, e não como a lei, enquanto redução dos valores
essenciais do homem.
Neste sentido, sendo frágil a democracia, fica frágil o princípio (jurídico),
fazendo com que as órbitas positivas de alcance legal fiquem reduzidas (cada vez mais) a
grupos privilegiados. Por outro lado, todavia, sendo forte a democracia, as órbitas positivas
de alcance dos princípios instituídos se dilatam e restringem a força dos grupos
privilegiados de poder pelo poder ou de poder pela força econômica (ou prestígio social). É,
exatamente, neste quadro que se define o papel dos advogados, não propriamente, apenas,
como advogados isoladamente, mas, também, advogados no contexto da corporação
estatutária.
A ordem jurídica frágil, comprimida pela sua própria natureza constitutiva, ou,
pela imposição de forças (políticas) de exceção (ou de excepcionalidade), limita o alcance
aplicado do Direito (da ideologia jurídica), mas, sendo a ordem jurídica aberta, amplia-se,
significativamente, o alcance dos princípios que presidem a ideologia jurídica, favorecendo
a ideologia jurídica: o princípio de justiça, o princípio da liberdade, o princípio da isonomia
(mesmo no seu sentido amplificativo) e o princípio da equidade (evitando a sua
transmutação em variantes da iniqüidade), o princípio da inviolabilidade física e o princípio
da liberdade de consciência incluindo-se o princípio do devido processo legal (o direito de
pedir) mesmo na ausência de suporte legal, como, aliás, até recentemente aconteceu no
Brasil.
55
O papel do advogado, enquanto profissional, isoladamente, neste contexto, pelo
menos em tese, fica(ria) reduzido a comportar-se na forma da ordem legal, seja aberta ou
fechada, no espaço de suas prerrogativas e direitos, daí o seu dilema, mas, enquanto
corporação, e, quem sabe, por isto mesmo, se justifique as resistências históricas à
autonomia da Ordem dos Advogados, o seu papel não se reduz ao estrito reconhecimento
da lei, mas à imprescindível aplicação da ideologia jurídica enquanto direito. É neste
sentido que a organização corporativa toma vulto, por que ela pode fazer do exercício
público de suas funções ou atividades privadas o espaço de defesa de funcionalidade dos
poderes públicos.
Por conseguinte, se os limites de ação do advogado, enquanto tal, podem estar
(são) restritos, à corporação, por força de seus compromissos com a própria ideologia
jurídica, não o impedem de reforçar o processo de descompressão dos princípios
normativos instituídos restritivamente. Este processo pode acontecer no âmbito
exclusivamente hermenêutico dos tribunais ou, mesmo, através de procedimentos
legislativos, mais abertos, dependendo, é claro, da ordem constitucional vigente, ou através
de processos políticos de engajamento e mobilização mais visível, muitas vezes, contra a
própria ordem constitucional compressiva.
Não necessariamente está é uma correlação coordenada ou historicamente
rotinizada, em que uma fase sucede ou antecede à outra, mas sempre as novas aberturas
constitucionais poderão permear o ideário estatutário, subsidiar, nos limites da demanda
(seja ela qual for) o advogado ou a corporação na defesa do próprio ideário estatutário ou
para restaurar ou romper com as estruturas que inviabilizam a vivência do próprio direito
enquanto Direito ou como ideologia jurídica. A grande questão que se coloca, todavia, e a
resposta seria a redenção dos advogados, é sobre o conceito de ideologia jurídica, no
contexto do conceito de ideologia, especialmente considerando o intelectualismo conceitual
como classificamos, e o pragmatismo conceitual, como efeito da própria práxis histórica.
56
2.2. A Escola de Frankfurt e a Ideologia Jurídica
Antonio Gramsci, e os pensadores da Escola de Frankfurt, como Horkheimer,
Adorno, Benjamin, Habermas bem como Herbert Marcuse e o já estudado Althusser,
contribuíram, decisivamente, para abrir, senão alterar, as posturas referenciais das
ideologias e, ao mesmo tempo, tendo em vista suas posições, quebrar o dogmatismo
jurídico tradicional influenciado pelo romanismo histórico. Esta evolução dicotômica entre
a hermenêutica jurídica, premida pela dogmática romana, e a hermenêutica jurídica, aberta
às novas dimensões do conhecimento jurídico, repuseram a questão da ideologia jurídica
em nova dimensão e abriram os estudos jurídicos para as sociedades futuras.
Assim como Karl Marx qualificou, conceitualmente, o objetivo da ideologia
burguesa, identificando-a como a percepção alienada da própria sociedade transmudada em
direito e deveres de todos, Karl Mannheim contribuiu para esvaziar, senão a periculosidade
desta concepção, para torná-la permeável como ato à consciência projetiva ou construtiva.
Esta especial formulação facilitou a reformatação conceitual desenvolvida por Max
Horkheimer, que desenvolveu uma concepção (positiva) de ideologia como sistema
profundo de idéias e valores que sobrevivem, prospectivamente, recuperados do passado e
inseridos em determinada época,
39
concepção muito próxima do que nesta Tese se adotou
como conceito de ideologia jurídica.
Em Horkheimer
40
a ideologia perdeu o seu caráter classista, destinado apenas a
falsear a verdade, mistificar ou desmistificar situações, para viabilizar o exercício (muitas
vezes inconsciente) da dominação ou políticas (conscientes) de intervenção social para se
transformar em um sistema coerente de idéias perceptíveis pela inteligência, não apenas
39
Neste Capítulo, procuramos discutir o papel da ideologia como instrumento legitimador dos mecanismos
de dominação social a partir do livro de István Mészaros, que faz uma leitura bastante aberta da questão
ideológica sem que, todavia, faça uma leitura da relação ideologia direito. Nesta Tese o esforço construtivo
desta relação desenvolveu-se a partir dos livros citados neste item e em item dispersos, mas nos preocupou
essencialmente distinguir ideologia, como leitura compreensiva dos mecanismos de dominação social e
ideário, como regime ou conjunto de princípios compreensivos da advocacia, procurando relacionar, sempre
que possível, a sua capacidade de reproduzir ou confrontar-se com as ideologias socialmente dominantes ou
ascendentes. MÉSZAROS, István. O Poder da Ideologia. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora
Ensaio, 1996. Ver também a tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo. 2004.
40
HORKHEIMER, Max. Origens da filosofia burguesa da História. Lisboa: Editorial Presença, 1984.
57
filosófica, mas politicamente sensível a determinados grupos, que não se confundem com
classes sociais, que fazem-na ponta de lança de uma nova proposta ou (até) de nova ordem.
A superação da preocupação classista do caráter conceitual das ideologias facilitou a
implementação, não por grupos ou profissionais acima das classes, mas pela inteligência
“política”, de valores essencialmente comprometidos com a sobrevivência da pessoa
humana, altamente resistente à sua degeneração pelo Estado (ou por ações de indivíduos ou
por grupos criminosos, que possam enfrentar estes valores).
Estes valores humanos essenciais não são imutáveis, são circunstanciais e
históricos, mas, no contexto destas circunstâncias, são resfriados ou amplificados e, no
tempo sobrevivem como sobrevive o próprio homem. O Direito, por conseguinte, a
ideologia jurídica, é uma forma de compreender o homem na sua subjetividade e nas suas
relações intersubjetivas, não apenas nos limites da lei, mesmo que esta lei, e é fato esta
situação, guarde em si mesma a sua própria e específica subjetividade. A ideologia jurídica
poderá se opor sempre a outro e alternativo sistema de idéias e valores, mais profundo que
o próprio direito subjetivo (instituído) de exigir (de terceiro) o cumprimento do dever: o
direito de lutar pelo direito, apesar do próprio direito.
41
Neste sentido, os estudos sobre ideologia e linguagem, mas muito
especificamente, os de Jürgen Habermas,
42
quando incentivou a dicotomia conceitual entre
(a velha) “razão instrumental”, que na forma de sua concepção (nunca desenvolvida porque
este não era seu terreiro) seria (o velho) Direito (dogmático), e (a nova) “razão
comunicativa”, abriram significativos espaços, para a compreensão etimológica das
palavras, e para que a inteligência jurídica, incentivando uma hermenêutica (de dúvida)
desconstrutiva dos dogmas, para reencontrar, muitas vezes, na própria dogmática, o bom
senso do “velho” “senso comum”, enquanto valores essenciais do próprio homem. Para
Habermas, a razão instrumental se desenvolve em função das necessidades do sistema,
porém a razão comunicativa pode se abrir para a inesgotabilidade da vida, permitindo que
41
VON IHERING, Rudolph. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. Ver também o prefácio de
Aurélio Wander Bastos sobre o “Homem Jurídico”.
42
HABERMAS, Jurgen. La technique et la science comme idéologie. Tradução francesa Jean-René Ladmiral.
Paris: Gallimard, 1973, p. 44, 45, 87, 90. Ver, muito especialmente, KONDER,
Leandro. A questão da
ideologia. São Paulo: Companhia. das Letras, 2002, p. 128 a 135.
58
o sistema consiga (consegue) legitimar formas constrangedoramente antidemocráticas de
desigualdades e de dominação.
43
Esta construção permite-nos, observar, que, cada vez mais, a ordem jurídica não
se apresente como a consciência “restrita” de uma classe (dominante), mas como, senão a
consciência “ampla” de todos, como a consciência da luta pelos valores comuns
(universais) a todos os homens, abrindo extensos espaços para uma “razão” (ideológica)
pragmática, que, apesar da ideologia jurídica instituída, pragmaticamente, evolui para
ideologias (jurídicas) alternativas à própria ordem. Esta evolução resulta sempre de fatores
exógenos à dogmática dominante, mas, também, e quase sempre de fatores endógenos, que
traduzem a decomposição pontual ou genérica da ideologia juridicamente instituída.
Walter Benjamin, no quadro das memoráveis contribuições da Escola de
Frankfurt, senão numa linha cronológica de evolução, trouxe nova colaboração para a
discussão deste tema, evoluindo, na sua leitura da questão ideológica, para sugerir a sua
interconexão com a ação, recuperando o conceito de práxis, um conceito marxista que se
perdera no intelectualismo, como engajamento político ideologicamente comprometido.
Leandro Konder, recuperando o pensamento do emblemático pensador de Frankfurt,
observa que:
Na introdução de seu livro sobre a Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin
explicava: as idéias se relacionavam uma com as outras como constelação, sem o sangue
da empiria, tornavam-se anêmicas, os fenômenos, caso lhes faltasse a organização
promovida pelas idéias, dispersar-se-iam, perder-se-iam. Ao conceito cabia a função de
viajar constantemente de um pólo ao outro, pondo as idéias em contacto com os
fenômenos e os fenômenos em contacto com as idéias (...).
44
Na compreensão desse tema, especialmente para sua compreensão
sistematizadora, não podemos deixar de citar o livro de István Mészáros
45
intitulado Poder
da ideologia, não só pelo seu estudo sobre a natureza e necessidade da ideologia, vendo
nelas o seu potencial emancipador, como também procurando identificar o seu caráter
construtivo. Este autor, dentre todos que tivemos oportunidade de consultar com maior
43
HABERMAS, op. cit.
44
KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 95.
45
MÉSZÁROS , István . Poder da ideologia. São Paulo: Boitempo editorial, 2004. p.57. Para melhor compreensão
da escola de Frankfurt sugerimos o especialíssimo livro de WIGGRSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: historia,
desenvolvimento teórico, significação política. Tradução Vera Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: Difel. 2002.
59
profundidade, “mergulha” com nítida clareza na questão das relações entre a ideologia e a
política, sem se esquecer do indispensável consenso entre as idéias e os mecanismos
institucionais de mudança. A recuperação histórica que faz do tema se lhe redimensiona a
discussão sobre as teorias de Adorno e Habermans, principalmente preocupada com a
mediação entre a práxis intelectual e a práxis política, encontrando nesta última o caminho
da realização das ideologias, como projeto que subtrai magistralmente da leitura crítica de
obras e romances sobre a vida cotidiana dos homens.
Esta leitura de István Mészáros, da mesma forma, lhe permite um estudo
comparado que não podemos desenvolver nesta Tese, sobre a influência weberiana sobre
Raymond Aron
46
, um dos grandes críticos das ideologias de esquerda como antiideologia,
que possuía uma concepção de democracia extremamente conservadora, influenciada pela
fórmula do bismarkismo alemão. O autor, todavia, introduz na discussão da questão
ideológica as posturas socialistas mais críticas, que marcaram autores como Rosa
Luxemburgo
47
, no ponto de sua tragédia, assim como deixa em aberto a discussão sobre o
“beco sem saída” do pensamento de Bernstein. É nesses autores, todavia, que ele encontra,
no conceito de solidariedade, a abertura para rediscutir o papel do Direito como
instrumento de mudança e contribuição para a construção de uma nova ordem aberta às
posturas ideológicas radicais do início do século passado. Esta postura
48
abre seu
pensamento para a compreensão do conceito de “senso comum”, não propriamente como
queria Gramsci, entendendo-o “como elemento amorfo da massa”, mas como ponto médio
da práxis cotidiana construtiva da vida.
Ficava demonstrada, nesta leitura, esta característica impar das idéias jurídicas
fecundarem o fenômeno (empírico) fáctico (juridicamente relevante), evitando a anemia
das idéias, para que o fenômeno evitasse a liberdade extrapolativa da idéia. A ideologia,
como o mundo das sombras (de Platão), estava mergulhada na “luz da vida”, encontrando,
no Direito, a interconexão da convivência entre a ideologia e a(s) realidade(s) do(s)
homem(s). Estava aberto o caminho para se reconhecer no Direito as vertentes nítidas da
46
Idem, p.146 e segs.
47
Ibid., p. 376 e 389.
48
Ibid., p. 478.
60
ideologia, assim como, na ideologia, as dimensões íncitas do Direito, como conjunto de
idéias presididas por valores comuns comprometidos com a essência do homem. O Direito,
enquanto conjunto de valores humanos essenciais, estava infiltrado nas ideologias, mas as
ideologias, aprenderam a abrir caminhos no mundo (circunscrito) do Direito, rompendo o
corpo hermético da dogmática, que fechara o Direito (a Lei) para o próprio Direito, como
compromisso com a dinâmica da vida social.
Neste contexto, os advogados encontraram os espaços para reconhecer, no seu
próprio ideário profissional, as aberturas de convivência ideológica, filtradas
imprescindivelmente pelos valores humanos essenciais, que o tempo histórico identificará
nas democracias o solo onde viceja e o âmbito em que se realiza. Fora do contexto jurídico
discursivo, mas fazendo para o seu contexto, como procuramos aqui fazer, estas posições se
fortaleceram significativamente à medida que Antonio Gramsci, reconhecendo que as
ideologias arbitrárias devem ser desqualificadas, conceitua as ideologias historicamente
orgânicas como aquelas que reconhecem na realidade os valores universais imprescindíveis
para a sobrevivência do homem, independentemente de interesses especificamente
particulares de grupos ou classes.
49
Finalmente, reforçando a conversão ideológica, Gramsci faz uma importante
abertura para reconhecer (também) na superestrutura uma certa unidade de valores
históricos do conhecimento aberto à criatividade do sujeito humano, permitindo-se
reconhecer a sua autonomia relativa, mas insuprimível, quando se tratar de preservar, não a
lei, enquanto consciência para si do poder político instituído, ou de consciência em si
(alienado da ideologia de poder) dos excluídos, mas o Direito, enquanto consciência dos
valores humanos essenciais, muitas vezes, circunstancialmente subtraídos na formatação
superestrutural da ordem jurídica.
49
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999-2002. Edição de
Carlos Nelson Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. p. 1456.
Recente publicação de Losurdo destaca este papel de Gramsci na democratização do conceito de ideologia se
lhe atribuindo fundamental papel na compreensão marxista do Estado democrático. Cf. LOSURDO,
Domenico. Gramsci: do liberalismo ao comunismo critico. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 237- 286.
61
2.3. Esperança e Utopia
Este parágrafo, deste último subitem, sobre as circunstâncias evolutivas da
ideologia jurídica, deveria se encaminhar para fechar a discussão no espaço jurídico do
ideário profissional, mas, como o próximo item tratará amplamente desta questão,
preferimos que ele se abrisse, não retomando a temática de Mannheim, sobre a utopia no
contexto das ideologias, mas sim sobre a discussão similar proposta por Von Ihering que
nós próprios ressaltamos no Prefacio da edição brasileira de A luta pelo direito
50
vendo na
utopia a esperança que sucede ao esgotamento do próprio direito subjetivo (escrito). Não é
da tradição jurídica a discussão quotidiana da ultrapassagem do direito subjetivo pela
esperança de construir o homem e a sua sociedade alem da própria ordem imposta, mas a
Von Ihering coube se não definir e conceituar o homem jurídico, pelo menos identificar o
ambiente de compromisso e solidariedade que permitiu o seu aparecimento social e o seu
desenvolvimento histórico. Lutar pelo Direito (independentemente do Direito posto) é o
pressuposto subjetivo (existencial) do homem jurídico, assim como transmudá-lo em
realidade é o seu dever jurídico (enquanto o homem que luta por uma sociedade que está
além da sociedade que o oprime)(...)A literatura contemporânea concebeu, desta forma, o
‘homo faber’ como aquele que transforma a natureza pelo trabalho e ‘homo economicus’
como aquele que se forja na luta socialmente desenvolvida conta a escassez, prenunciando
o ‘homo sapiens” como figuração do homem que sabe, conhece o seu trabalho e o
ambiente das relações sociais e produtivas. Mas foi a obra de Von Ihering que permitiu
identificar o homem que (não apenas) pensa (valora) sobre o que sabe, sobre o que faz,
assim como opta pelos valores que presume devam ser os valores de todos (quando o
direito subjetivo posto, perdeu o alcance do próprio homem)
51
Na verdade, no tempo histórico, a OAB, representou este projeto de alcançar o
homem a partir das limitações impostas ao próprio homem, pelas circunstancias do poder
ou pelo exclerosamento da própria ordem procurando identificar as sucessivas fórmulas que
50
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Prefácio Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
2003.
51
Ver cap. I, item 2.3.
62
se lhe permitiram buscar o direito sem deixar o direito, na certeza de que as restrições às
esperanças legislativas são as restrições das esperanças do próprio homem jurídico, onde
está guardado o direito que haverá de sobrepor-se ao direito subjetivo, muitas vezes posto,
ou esgotado pelas forças da repressão ou pelo desgaste do próprio instituto.
O papel da OAB tem sido, exatamente, formatar o seu ideário profissional no
contexto dinâmico das circunstâncias históricas, em que, a ideologia jurídica, inserida na
constelação das idéias, enquanto idéias comprometidas com as esperanças do homem
inserido na história e do advogado inserido no quotidiano da prática profissional. É,
exatamente, todavia, esta variável que mostra o compromisso da Ordem (OAB) com a
ordem jurídica (e política) instituída, que representa os indicadores de resistência, alguns
porque traduzem o exercício da própria profissão outros, porque, as circunstâncias do
exercício profissional. A sensibilidade das circunstâncias às novas idéias e movimentos de
ação é que ponderam a tensão entre ideário, ideologia jurídica (instituída) e ideologia
jurídica (como esperança).
52
A história da advocacia no Brasil é a história da formulação corporativa da
ideologia jurídica como pressuposto do seu ideário estatutário, assim como o ideário
estatutário é a evolução e transformação pragmática da ideologia jurídica que articula
compromissos corporativos com a organização jurídica e democrática do Estado. A
construção do ideário profissional permeia toda a história corporativa da Ordem dos
Advogados e influi, decisivamente, na sua requalificação ideológica e no avanço dos
compromissos corporativos com as expectativas da sociedade moderna e com a
estruturação do Estado brasileiro.
Finalmente, é o tempo histórico que vai definindo e explicitando os valores
humanos essenciais como valores inerentes à defesa judicial dos direitos individuais e do
Estado de Direito. Não, necessariamente, no tempo, estes valores inerentes à ideologia
jurídica foram e são (ou serão) os mesmos, assim como a sua compreensão substantiva
sofre acomodações históricas. Mas, de qualquer forma, há uma evidência, como veremos,
que a OAB, enquanto corporação de advogados, no tempo histórico buscou a realização
destes princípios jurídicos, muito embora os reconheçamos como princípios jurídicos
52
BASTOS, Aurélio Wander, op. cit (Prefácio).
63
vazios de conteúdo, historicamente variável, sendo que, todavia, em todos os tempos, a
preocupação central foi a proteção do homem, enquanto titular de direitos individuais
originariamente e, na seqüência dos fatos, como procuraremos demonstrar, enquanto agente
protetivos de direitos humanos, na dimensão social ou existencial.
53
3 – A Formação do Ideário Profissional
3.1. Periodização e Ciclos Formativos da OAB
A história da advocacia no Brasil, basicamente, pode ser estudada em dois
especiais períodos: o primeiro período se caracteriza pelo processo de definição, evolução e
53
Ainda, sobre o conceito de ideologia, é preciso observar que para certos autores contemporâneos,
identificados com os discursos ditos pós-modernos e pós-estruturalistas, o conceito de ideologia como
representação do real (falsa ou não) é radicalmente questionado. A ideologia, para estes autores, seja qual for
a sua compreensão (marxista, althusseriana, frankfurtiana, etc.) está sempre em contraponto a uma suposta
verdade. Entretanto, verdade é uma noção difícil e plural. O que é verdade para um é uma não-verdade
(ilusão) para o outro. Essa contraposição é, também, explicita na idéia de que a teoria científica é o oposto da
ideologia, de que a teoria desvela a realidade ou de que ela espelha a realidade. Mas o que é real, o que é a
realidade? Observe, ainda, que as teorias científicas (as supostas representações verdadeiras do real) são
múltiplas e muitas vezes não coincidem em suas explicações, mostrando, talvez sem o desejar, que o real é
também múltiplo. Assim a noção de ideologia (como representação do real) traz com ela a idéia de
essencialidade, a de que um algo verdadeiro (fixo, único, imóvel) existe fora do mundo e de que a teoria
(científica) teria como tarefa desvelar. Esta compreensão não é de todo estranha aos autores que se dedicaram
ao termo/conceito ideologia (como já foi exposto, anteriormente, nesta Tese), contudo, a solução encontrada
pelos autores pós-modernos/pós-estruturalistas e significativamente inovadora. Foucault Michel, em
Microfisica do poder. (11ª reimpr. Rio de Janeiro: Graal, 1995), por exemplo, equaciona a questão da seguinte
forma: aquilo por que se luta na nossa sociedade é o discurso, o discurso é uma forma de prática, de ação
efetiva e não de representação de uma dada prática, ou ainda, o discurso é, também, uma ação. E esta ação é
poder, ou seja, todos os discursos (científicos, religiosos, estatais, institucionais, da nossa mãe, do nosso
amigo, etc.), estabelecem uma relação de poder. E isto é conseguido porque os discursos criam regimes de
verdade, daí a proposição riquíssima de Foucault de que o poder e a verdade estão sempre unidos, poder
implica saber e vice e versa: o poder produzindo a verdade (discursos) e a verdade institucionalizando e
sancionando o poder. Mas o poder, para o filósofo, não se encontra unicamente nas máquinas do estado, o
poder é difuso, disperso e não tem essência, não é algo que se possui, ele é exercido, é operativo e está
presente em toda e qualquer relação humana. O mais inovador em Foucault é a idéia de que o poder, na nossa
sociedade, antes, muito antes de querer reprimir ele quer produzir, ele quer construir coisas e construir
saberes. Esta compreensão foucaultiana não é desconsiderada nesta obra; entretanto, continuaremos a usar o
termo ideologia. Este, junto com o termo/conceito ideário, não deixa de significar, nesta Tese, um discurso
que quer estabelecer um regime de verdade, uma “política discursiva” que funciona como verdadeira, ou seja,
que diz quais são os enunciados verídicos e quais os falsos, que sanciona um e descarta o outro; que diz quais
os processos que devem ser usados para a obtenção da verdade; que diz quem e/ou quais têm o encargo de
anunciar o que funciona como verdade etc. (Sobre este assunto veja, também, A
UGUSTA, Edson da Silva.
Educação e escola no mundo tecnocientífico: uma perspectiva heideggeriana. Rio de Janeiro: Papel Virtual,
2004).
64
de consolidação do ideário corporativo, que, fundamentalmente, ocorre entre a criação do
Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, em 1843, e a criação (e não a transformação
interna do IAB em IOAB) da Ordem dos Advogados Brasileiros (do Brasil) – OAB, em
1930, o segundo período pode ser classificado entre a criação da Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB (em 1930) e a sua participação nas lutas (políticas e sociais) pela construção
da democracia, com sensíveis manifestações após 1937
54
até a promulgação da atual
Constituição brasileira de 1988. Os dois grandes períodos podem ser subdivididos em 7
(sete) ciclos históricos, sendo que, para subdividir o primeiro período, trabalhamos com os
referenciais utilizados no reconhecimento cronológico da própria história brasileira, e, para
subdividir o segundo período, utilizamos os critérios referenciais de evolução institucional
e política da própria Ordem dos Advogados. A periodização, por conseguinte, obedeceu aos
seguintes critérios:
O primeiro período está subdividido em dois grandes ciclos:
55
o ciclo do
período imperial, marcado pelos projetos parlamentares (frustrados) de transformação do
IAB em OAB, entre 1843 a 1888, e o ciclo republicano, marcado pela transformação do
IAB em Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB, entre 1888 e 1930. O
segundo período pode ser subdividido em cinco ciclos: o ciclo de criação da OAB e a
promulgação dos decretos regulamentares, entre 1930/33 e 1937, o ciclo das lutas contra o
Estado Novo, entre 1937 e 1945; o ciclo das iniciativas internas (no Conselho Federal) e
Congresso Nacional pela autonomia estatutária, entre 1945 e 1963, o ciclo da ilusão
autoritária, entre 1964 e 1969 (1974) e o ciclo das lutas pela criação do Estado Democrático
de Direito, entre 1974 e 1988, estudado os dois grandes períodos e respectivos ciclos serão
no correr da Tese.
Esta periodização, repetimos, que obedeceu, na primeira parte, aos critérios
exclusivamente históricos, na segunda parte procurou demonstrar, através dos diferentes
ciclos, as condições efetivas de realização do processo de evolução interna da OAB no
quadro político geral circunstancial. Inicialmente, como se vê, optamos por uma
periodização de natureza histórica, usual nos estudos brasileiros, como forma de se conectar
54
Cf. Atas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de 1937/38.
55
Para efeitos dessa obra, ciclos históricos têm natureza exclusivamente metodológica e se destinam a
subdividir, para melhor compreensão, os períodos da obra, que em geral guardam alguma conexão entre si,
apesar de marcarem novas fases de movimentação política e institucional.
65
a evolução institucional e a evolução política no contexto geral da história brasileira e,
posteriormente, concentramos a análise nos desdobramentos políticos circunstanciais sobre
as aberturas e transmutações ideológicas dos anos que sucederam à criação da OAB até a
promulgação da Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988. Neste período procuramos
identificar e privilegiar o estudo, observando as variáveis internas e externas que influíram
(decisivamente) nas políticas corporativas.
Por conseguinte, a preocupação central deste trabalho, foi correlacionada entre
os fenômenos políticos que presidiram a história brasileira com a evolução institucional da
OAB e as conseqüentes flutuações e adaptações do ideário estatutário ao fluxo das
ideologias. Foi, no contexto, destes fenômenos, especialmente aqueles de alcance
modificativo da ordem jurídica, e do papel social do Estado, que os advogados agiram, em
circunstâncias especiais, como força política corporativa crescente e transformaram a OAB
numa corporação comprometida, não apenas com atividades profissionais dos advogados,
mas também com a defesa e proteção das instituições jurídicas, guardados os seus
diferentes níveis de evolução histórica.
Como se verificará, a partir da própria periodização, o envolvimento individual
dos advogados no processo político brasileiro, é um fenômeno que remonta aos primórdios
de sua atividade profissional e à própria formação do estado nacional, mas a sua
participação organizada na construção do Estado nacional e, coincidentemente, nas
engrenagens burocráticas e judiciosas do Estado é um fenômeno relativamente recente, que
sucede a criação da OAB em 1930 e à consolidação do ideário profissional após a
Constituição de 1934. Foi o envolvimento da OAB nas lutas políticas que sucederam a
1937, mais precisamente após o envolvimento do Brasil com a 2ª Guerra (1942), no
entanto, que ampliaram o dilema conflitivo não propriamente com o ideário profissional
estatutário, mas com as ideologias políticas emergentes e invasivas do Estado em
decadência, radicalizando o seu envolvimento na transformação política do Estado Novo.
Esta especial linha de estudo demonstrará que a evolução corporativa da
participação do advogado nas lutas políticas é um desdobramento dos compromissos
profissionais com a defesa de direitos
56
e, não propriamente, traduzem qualquer integração
56
É deste período, como veremos no item preliminares históricas e nos itens 3 e 4 do Capítulo VII, a
marcante posição de F. H. Sobral Pinto, que o projetará na história dos advogados para a história da OAB e do
Brasil.
66
ou participação em organismos políticos do Estado ou de natureza partidária, assim como a
resistência ideológica é um desdobramento dos postulados periféricos do ideário
profissional. Neste sentido, a própria formação histórica do ideário corporativa e da Ordem
dos Advogados do Brasil – OAB, mais traduzem os anseios de delimitação dos âmbitos de
atuação profissional dos advogados, do que propriamente uma ideologia ou um conjunto de
princípios e convicções comprometidos com a implementação de políticas de Estado, assim
como a assimilação de novos postulados ideológicos instituídos, quase sempre
constitucionalmente, mais demonstraram a imprescindível adaptação do ideário profissional
à ordem jurídica constituída.
Assim, o primeiro período que imediatamente antecede e sucede à criação do
Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, em 1843, no Império, e sucede à transformação
do IAB em Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB (1888/1889), na
República, traduz as expectativas de definição do ideário profissional e a necessária
regulamentação legislativa do exercício da advocacia no Brasil, no Parlamento Imperial, no
Congresso Nacional e na Primeira República (até 1930). Estes foram os anos de lutas
frustradas, mas que marcaram a formação e a definição do ideário profissional e
corporativo, assim como o reconhecimento dos deveres, direitos e prerrogativas dos
bacharéis e advogados.
57
O segundo período que sucede à 1930, muito especialmente por razões
institucionais específicas, pode ser subdividido, cronologicamente, em cinco ciclos como já
observamos, sendo que o marco cronológico, não necessariamente, encerra o movimento de
idéias e ações corporativas. Estes diferentes ciclos, de qualquer forma, estiveram marcados
por cinco textos constitucionais: a Constituição social (de representação corporativa e
popular) de 1934, a Constituição do Estado Novo de 1937, denominada, em referência
pejorativa à radical constituição autoritária polonesa de Pilswdisk, de polaca, a
Constituição liberal democrática de 1946, a Constituição dividida (entre o liberalismo e a
segurança nacional) de 1967/69 e a Constituição cidadã de 1988, marco referencial desta
Tese. O período entre o Estado Novo e a Constituição de 1946 foi entrecruzado por vários
atos de exceção, que provocaram sucessivas manifestações da OAB, assim como o período
57
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências.
Coord. Herman de Assis Baeta. Brasília: OAB Editora, 2003. v.2, p.256-292.
67
que antecede à Constituição de 1988, recuando até 1964, foi também marcado por vários
atos institucionais de natureza política interventiva, sendo que, a OAB, não teve uma
posição de restrição ostensiva a estes atos interventivos até a edição do Ato Institucional nº
5, em 13 de dezembro de 1969.
Assim, a evolução geral dos capítulos constitutivos desta Tese não
propriamente obedeceu à periodização prefixada, mas dentro dela privilegiamos os aspectos
políticos que mais decisivamente contribuíram para as transmutações ideológicas da OAB e
as conseqüentes e sucessivas modificações do seu ideário. Na verdade, a estrutura geral da
Tese, não está apoiada na periodização, mas nos temas referenciais de cada período, por
isto, trabalhamos não com marcos temáticos interruptivos, mas procuramos identificar as
linhas de conexões entre os diferentes temas, que, muitas vezes, se interconectam com os
próprios períodos.
3.2. Origens do Ideário Profissional
A luta pela formação do ideário profissional ocorreu e se desenvolveu no
âmbito do IAB ou do IOAB, marcados por uma especial vertente: a prestação de serviços
jurídicos por profissionais provisionados genericamente denominados de rábulas, embora,
dentre eles se encontrassem bacharéis originários de áreas não jurídicas, alternativamente a
prestação de serviços jurídicos por profissionais formados na Faculdade de Direito Civil de
Coimbra, em Portugal (originariamente), e, posteriormente, nas academias oficiais de
Direito de Olinda/Recife e de São Paulo. Estes últimos, mais diretamente, contribuirão para
a formação da consciência corporativa dos advogados (ideário) no Império e na Primeira
República (inclusive até 1915), quando foi criada no Rio de Janeiro, a Faculdade Nacional
de Direito.
58
Neste sentido, até o fim da Primeira República, a história do exercício da
advocacia no Brasil, é a história do confronto (e da convivência) entre os rábulas,
58
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998, p. 1 a 80 e p.
170 a 173.
68
provisionados pelo Estado Imperial (Poder Moderador, Executivo e Judiciário) e pelo
Estado republicano, e os bacharéis, formados pelas escolas oficiais de Direito. Estes
confrontos entre os rábulas provisionados e a ascendente advocacia de bacharéis pela
ocupação dos espaços institucionais e judiciais levou à organização corporativa dos
advogados a evoluir mais em função dos enfrentamentos práticos da profissão, do que,
propriamente, sob a inspiração dos ideais iluministas e das conquistas dos advogados
franceses com a promulgação do Decreto de 1810, de Napoleão Bonaparte,59 que restaura
e reorganiza a velha corporação francesa dos advogados (Barreau).
O Estatuto francês ilustrou muitos debates no IAB e no Parlamento Imperial e
Republicano,60 e, inclusive ampla e vasta literatura sobre o tema, mas, na verdade, o
ideário da advocacia evoluiu, no Brasil, como já observamos não das disputas das suas
elites pela ocupação de espaços no Estado, mas do confronto entre rábulas e bacharéis pelo
exercício da advocacia como serviço de suporte de demandas privadas remuneráveis. Esta
situação, permitiu, que, muitos bacharéis, por um lado, viessem a constituir a elite política
do Estado, mas procurando se lhes assegurar, também, o exercício da advocacia privada em
detrimento, por outro um lado, do exercício profissional independente, muitas vezes
exercida por provisionados.
Esta hipertrofia funcional, dentre outras causas, e fatores, que passaremos a
estudar, permitia o exercício cumulado de funções públicas relevantes por advogados
privados, assim como, que a advocacia fosse também exercida por servidores do estado, o
que favoreceu, mesmo, o mais importante fenômeno da formação institucional brasileira: o
estado patrimonial. Esta especialíssima circunstância, que, por um lado, envolveu os
59
O Estatuto da Advocacia de Paris, de 1810, estava presidido pelos ideais do liberalismo clássico, que
vieram a influenciar a retomada da advocacia na França a partir dos novos estudos do Renascimento sobre os
próprios padrões da advocacia romana, muito embora sejam inegáveis as suas históricas conexões de origem e
compromisso com o absolutismo pós-medieval. Numa leitura atenta e analítica do Estatuto de 1810 verificam-
se visíveis compromissos da advocacia com as organizações de estado e com o poder público, que a
radicalização revolucionária francesa rompeu, provocando os atos também radicais de Napoleão Bonaparte
que suspenderam seu exercício, posteriormente restaurado. Ver, também, BASTOS, Aurélio Wander. História
da Ordem dos Advogados do Brasil, coord. Herman Baeta, Luta pela criação e resistências, ver
especialmente tradução livre e de uso restrito de BASTOS, Aurélio Wander, anexo I do Estatuto da
Advocacia de Paris (Estatuto dos Advogados de Paris – Decreto de 14 de dezembro de 1810- Boletim das
Leis n 332), pp.256 e 265.
60
Ver tradução citada – Bulletin des Lois, n 332. Décret Impérial contenant Réglement sur l` exercise de la
Profession d`Avocat, et la discipline du Barreau (n 6177). Au Palais des tuileries, le 14 Décembre 1810, p.
569 a 577.
69
bacharéis com a formação do Estado (patrimonialista) nacional e, posteriormente,
transformou-os em atores da oligarquia republicana, provocou o projeto de criação do IAB,
em 1843, com a finalidade de criar a Ordem dos Advogados, posteriormente esvaziada pelo
bacharelismo oligárquico.
Este quadro circunstancial demonstra, por outro lado, que a criação da OAB,
inclusive, na finalidade precípua regimental do IAB, mais do que um projeto imperial para
os advogados, e esta a causa geral das resistências à sua criação, foi um projeto de definição
dos direitos e deveres profissionais dos advogados, como pressuposto de sua independência
face ao patriarcalismo do emergente Estado patrimonialista (imperial) e da necessária
proteção na luta pelos direitos civis de sua clientela. A República, todavia, foi mais radical
que o Império, no reconhecimento corporativo dos advogados ao transformar o IAB em
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB excluindo do Regimento o objetivo
estatutário de se criar a Ordem dos Advogados. Assim dispunha o artigo 1º e 2º,
respectivamente, do Estatuto do IOAB aprovado nas sessões de 27 a 18 de maio de 1899,
demonstrando que o bacharelismo61 era a verdadeira, paradoxalmente, resistência da
criação da OAB.
O Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros constituído em 7 de agosto de 1843 e
instalado um mês depois nesta capital, é uma associação de advogados graduados em
ciências jurídicas (...). O IOAB tem por fim o estudo do direito no seu mais amplo
desenvolvimento, nas suas aplicações praticas e comparação com os diversos ramos da
legislação estrangeira; (...) [e] a assistência judiciária.
62
Este fenômeno “vicioso” do Estado, por outro lado, estava marcado pelo
quotidiano de enfrentamentos entre rábulas e bacharéis, provocado, não propriamente, por
61
O bacharelismo foi um fenômeno do estado brasileiro dominado por bacharéis descendentes das oligarquias
rurais. Burocraticamente era um empreguismo marcado pelo nepotismo. Vários são os estudos brasileiros
sobre o tema, poucos, todavia, o associam aos vícios do Estado patrimonialista e refescimento do fenômeno as
lutas antioligárquicas e ao papel da própria OAB.
62
O primeiro ato modificativo do Estatuto de 1843 foi praticado ainda em 1888 quando era presidente do IAB
Joaquim Saldanha Marinho no Regulamento de 27 de setembro de 1888, que criava o Instituto da Ordem dos
Advogados do Brasil, muito embora não haja evidência de sua publicação oficial. A redação do artigo 1º e do
artigo 2º é praticamente a mesma sendo que no artigo 1º o termo “capital” antecede o termo “corte” e aos
termos “graduados em ciências jurídicas” antecedeu “graduados em direito”. No que se refere ao objeto após
a palavra o estudo do direito estava: na sua história.
70
um Estado comprometido com a defesa dos direitos individuais, apesar da dimensão
exemplar da Constituição de 1824, guardadas as proporções do tempo histórico e a
Constituição de 1891,63 mas com a burocracia dos procedimentos judiciais que constrangia
a hermenêutica discursiva das acusações e das defesas da clientela e favorecia o beletrismo
inconseqüente, retórico e vazio. Por estas razões a formação do ideário corporativo dos
advogados nunca esteve permeada pelos grandes debates de idéias, mas, dominantemente,
pela definição do papel e das prerrogativas dos bacharéis no exercício da advocacia em
contraposição aos efeitos institucionais remanescentes da prestação de serviços jurídicos
pelos rábulas.
De qualquer forma, estes sucessivos anos de confrontos com o Estado Imperial
e, posteriormente, de contraposição e composições com a velha República, não impediram,
que, a cada reforma dos Estatutos do IAB (ou do IOAB), mais se ampliassem, formalmente,
as garantias da advocacia, muito embora, tivesse esmaecido, no tempo republicano, o
objetivo de se criar a Ordem dos Advogados, como instituição corporativa,64 com
evidentes efeitos sobre a formatação do ideário corporativo. O Instituto, todavia, não
podemos desconhecer, através de seus presidentes ilustres,65 todos de alta representação na
vida política e intelectual do Império, e da República, cumpriu o seu papel postulando no
Parlamento e nos órgãos de Estado a criação da Ordem dos Advogados Brasileiros, mas
não obtiveram sucesso no seu empenho, muito embora, de qualquer modo, pelo menos em
principio, procuraram transformar os ideais metropolitanos (europeus) em ideais de
projetos do Império e da República, que, de qualquer forma, foi uma grande abertura para o
ideário externo de advocacia.
A luta dos advogados na França foi uma luta pelos ideais de liberdade e pela
restauração da Ordem dos Advogados de Paris, que havia sido suspensa imediatamente à
63
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891. Sofreu grandes
influências do Federalismo Americano, mas, a sua implementação, fundamentalmente, sofreu influência de
pensadores e militares brasileiros, adeptos de Augusto Comte (cours de droit positive).
64
BASTOS, Aurélio Wander. As eras do direito no Brasil. Revista da ACAT. Rio de janeiro, ano I, n. 1, janeiro
a junho de 2006.
65
Durante o Império, a personalidade de maior destaque foi Francisco G. de Acayaba Montezuma, podendo
se destacar ainda Thomaz Nabuco de Araújo. Na República, podemos destacar Augusto Álvares de Azevedo,
João Evangelista Sayão de Bulhões de Carvalho e Herculano Marcos Inglês de Souza, Rui Barbosa e Levi
Fernandes Carneiro, seu último Presidente e primeiro presidente da OAB.
71
Revolução Francesa, sem que assumisse qualquer compromisso com os modelos
econômicos corporativistas absolutistas remanescentes. Todavia, no Brasil, a luta dos
advogados pela sua organização profissional e pela institucionalização dos ideais de
liberdade foi rejeitada pelas elites imperiais e pelas oligarquias republicanas como uma luta
corporativa inspirada nas corporações medievais de ofício, por força de esdrúxula e
sucessiva interpretação de dispositivos constitucionais sobre liberdade profissional66 e a
imposição restritiva de dispositivos regulamentares pelo Estado Imperial e pelo Estado
Republicano.67
Neste contexto, a criação do IAB não evoluiu da luta por ideais profissionais
abertos, mas na luta pela ruptura das limitações que o Estado Imperial e Republicano
impunham ao exercício da profissão, reduzindo-se lhe o espaço profissional pelos próprios
rábulas provisionados, inclusive, nos âmbitos do Poder Judiciário comprimido pelo Poder
Moderador, no Império, e pelo poder oligárquico, na República. Neste paradoxal contexto o
ideal da organização profissional foi transmudado em luta pela criação de uma corporação
de oficio contra a liberdade de exercício profissional, não restando aos advogados senão a
luta pela definição de seus direitos, prerrogativas e deveres, não tanto, inicialmente, perante
os poderes públicos, mas junto aos seus clientes, e ao Poder Judiciário, incipiente e
acautelado ante o Estado moderador (poder real)68 e autoritário e o subseqüente estado
oligárquico.
O Estado Imperial, apesar do ato que criou o IAB em 1843, com a finalidade de
criar a Ordem dos Advogados, mas que não viabilizou sua funcionalidade e,
posteriormente, as oligarquias republicanas, dentro delas frações dos próprios bacharéis
formados, sempre foram resistentes à organização dos advogados como categoria
profissional. Estas resistências podem ser identificadas em várias dimensões
compreensivas, que, coordenadamente, explicam os fundamentos históricos das
dificuldades encontradas para se criar a Ordem dos Advogados. Estas resistências,
66
Ver art. 179 da Constituição Imperial e arts. 72, § 24, e art. 141, § 14, da Constituição Republicana. Ver,
também, neste mesmo Capítulo, item 1, p. 18 e 19 e também p. 24.
67
BASTOS, art. cit..
68
CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Organização e introdução de Aurélio Wander
Bastos. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1988.
72
basicamente, podem ser resumidas em 4 (quatro) especiais tipos: a resistência econômica, a
resistência política, a resistência profissional.
A resistência econômica se manifestou através das elites agrárias, monocultoras
e exportadoras comprometidas com o sistema fundiário-escravista, no Império, e, servil, na
República, contrários ao livre comércio e às regras civis de organização da sociedade e da
propriedade comercial moderna. Por outro lado, as elites políticas tradicionais sempre
foram acentuadamente resistentes às interferências e cognições jurídicas voltadas para abrir
o sentido hermenêutico dos institutos políticos fechados pré-definidos, dominantes na
legislação metropolitana (portuguesa, especialmente as ordenações) remanescentes e
comprometidos com um projeto de construir o Estado Nacional como o estado da realeza
nas suas relações com os políticos (e seus acordos), especialmente parlamentares.
Neste contexto, estava sempre visível a resistência dos “profissionais”
provisionados para prestar serviços de advocacia, rábulas sempre envolvidos com a
burocratização das demandas e com questiúnculas praxistas, assim como, com os interesses
de grupos associados a funcionários do Estado em alianças com bacharéis em Direito que
controlavam o poder público para reproduzir os seus interesses atávicos.
69
Coroava a
resistência jurídica ou a hermenêutica a serviço dos interesses instituídos, que, como já
observamos, manifestavam a interpretação de dispositivos constitucionais para fazer do
conhecimento da ordem jurídica o conhecimento dos interesses dominantes. As críticas aos
provisionados, todavia, nem sempre são assim tão radicais.
70
69
Miguel Seabra Fagundes, que fora Desembargador no Rio Grande do Norte, por mais de 20 anos, e mais
tarde, Presidente da OAB, após observar as diferentes conexões dos bacharéis formados com as oligarquias da
republica, conclui que o homem ilustrado do interior que lá chegava como juiz ou advogado sempre se
destacava como humanista, como latinista, historiador e político. Nestes locais o advogado sempre se
defrontava com o prático provisionado. O provisionado teve uma presença importante também na civilização
brasileira, porque ele ia exatamente para as comarcas mais distantes, onde não havia sequer um atrativo
para que um bacharel formado ali se instala[sse]. O provisionado era essa presença, às vezes muito lúcida[.]
[Eu] conheci provisionados muito capazes que ocupavam certo status nas comarcas onde foram pioneiros e
onde às vezes chegavam depois advogados que competiam com eles em pé de igualdade, nem sempre
conseguindo igualá-los. Tudo isso foi parte de contribuição do bacharel porque o provisionado, embora
ingratamente tratado pelo bacharel o provisionado não era senão um bacharel prático e foram civilizadores
do interior do Brasil. (Anais da XII Conferência Nacional da OAB,
A Profissão do Advogado e a OAB na
Sociedade Brasileira, 2 a 6 de outubro de 1988, Porto Alegre, p. 102).
70
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências.
Coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubens Approbato. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2003.
73
Este argumento, enquanto tal, ressaltava-se, dentre todos, especialmente,
porque ele desviava as questões centrais para uma discussão retórica e interpretativa, assim
como traduzia as resistências jurídicas à criação da Ordem dos Advogados como uma luta
contra a restauração do passado e preservação do presente que adviera com a formação do
Estado nacional, que o futuro criticará como o Estado agrarista exportador dos barões e
oligarcas. Na verdade, estas três linhas de resistência traduziam os interesses do Estado
patrimonialista cuja natureza híbrida não distinguia funções e posições do estado com
funções e posições privadas, favorecendo e viabilizando o nepotismo e o tráfico de
influências como especiais formas de incentivar as resistências econômicas e profissionais
conservadoras.
71
Para estas elites, ou para suas específicas frações, o Estado no Brasil, seria, uma
construção jurídica, como todos os estados (coloniais), construído pelas metrópoles, que
deve(ria) ser politicamente (re)conhecido (desvendado) apenas pelos que dominavam o
processo de sua construção. Para as elites metropolitanas, e sua reprodução imperial, o
Estado não é uma construção política que deva ser juridicamente (re)conhecida
(identificada), diferentemente do Estado burguês francês, originário da Revolução, que foi,
(pelo menos em tese), politicamente construído para ser juridicamente compreendido como
Estado de Direito. Na verdade, este (precursor) Estado de Direito no Brasil evoluiu para um
Estado legalista e positivista, mas, que, diferentemente do Estado nacional (brasileiro),
tornou como imprescindível a contribuição jurídica dos advogados, como titulares do
múnus publico atores essenciais aos poderes públicos, não apenas isoladamente, mas,
também, organizadamente, conforme o documento francês de 1810.
72
Os princípios jurídicos que presidem as relações éticas entre os advogados e o
seu comportamento na defesa dos constituintes, bem como as relações entre os advogados e
as autoridades de Estado são a base compreensiva do Estado de Direito, diversamente do
Estado autoritário, politicamente construído e/ou juridicamente formalizado na
71
MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil: contribuição ao estudo da formação
brasileira. Rio de Janeiro: Top Books/Univercidade Editora, 2003. Ver especialmente p. 185 a 239 onde
permeia a discussão histórica do tema com várias de suas manifestações sobre as leis e realização prática da
conciliação. Veja, também, S
OUZA, Nelson Mello. Apresentação da Nova Edição. 4ª ed., onde criticamente
conclui: A conciliação necessariamente não se mostra positiva, do ponto de vista do avanço do homem, pois
também existe compromisso com os valores da banalidade (p. 46).
72
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e resistências, ed.
cit.
74
Constituição Imperial do Brasil de 1824.
73
Estes princípios, essenciais ao Estado de Direito,
se definem em uma vertente substantiva, comprometida, originariamente, com a garantia e
a defesa dos direitos individuais, sufocados durante o período medieval e, numa dimensão
organizativa, comprometida com a predefinição das competências das autoridades estatais,
constrangidas pelo absolutismo monárquico após o período medieval e, antes das
revoluções burguesas, pelos modelos políticos centralistas.
O Estado imperial brasileiro era a exata tradução do estado politicamente
construído para os políticos da realeza, enquanto o Estado republicano, de 1889/1891
transformou-se na construção jurídica para os políticos governarem. Enquanto o primeiro
estava influenciado pelos contornos remanescentes do absolutismo, traduzidos de Poder
Moderador, que se reproduziu na história brasileira nos modelos políticos autocráticos,
sempre resistentes ao seu conhecimento hermenêutico, o segundo, embora juridicamente
construído, estava tomado pela oligárquica fundiária descendente do Império e resistente à
compreensão jurídica do funcionamento político. Nestas ambas situações, se o advogado,
enquanto advogado, tinha um papel representativo, qualquer estrutura corporativa de
advogados provocaria o confronto entre o aparato ideológico do Estado de origens
republicana e liberal e as suas práticas políticas autocráticas, especialmente devido à
natureza autóctone do ideário profissional, mesmo que incipiente.
A exata compreensão do insucesso das lutas pelo ideário corporativo está
diretamente associado ao insucesso das lutas parlamentares pelos projetos de lei voltados
para a institucionalização do catálogo dos direitos e deveres da advocacia. Por outro lado,
por sua vez, estão diretamente relacionados à natureza patrimonialista e à força endógena
atávica dos seus autores, inicialmente comprometidos com o escravismo agrário exportador
e no desdobramento republicano, com a documentação oligárquica que dificultavam a
construção efetiva do Estado de Direito e a proteção dos direitos individuais.
73
Muitos autores discutem esta questão do Estado autoritário e o poder moderador como poder remanescente
do absolutismo. Sugerimos a leitura de Princípios políticos constitucionais de Benjamin Constant, muito
especialmente o Prefácio de Aurélio Wander Bastos, que estuda comparativamente as teses de Benjamin
Constant sobre organização do Estado e o Poder Moderador na Constituição Imperial brasileira. C
ONSTANT,
Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Introdução de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Liber
Juris, 1988.
75
Finalmente, as demandas institucionais e legislativas ficaram restritas à
definição dos espaços corporativos e das prerrogativas e deveres profissionais nos
regimentos do IAB e/ou IOAB, que não alcançaram, até 1930/33, dimensão legislativa e
estatutária como propunha o Decreto de criação do IAB, em 1843, esvaziado em 1888/89
com a criação do IOAB. No fundo, por conseguinte, um especial conjunto de fatores
políticos e institucionais entre cruzados contribuiu para as sucessivas rejeições dos
anteprojetos de criação da Ordem,
74
deixando os advogados, cerceados nas suas
prerrogativas nos limites possíveis da restritíssima ação do IAB/IOAB, que, por isto
mesmo, não se transformou nem criou a OAB, muito embora tenha decisivamente
contribuído para a elaboração e aprovação dos Estatutos que vieram a ser decretados em
1931/33 e para a edição do primeiro Código de Ética e Disciplina em 1934.
3.3. Advocacia e Estado de Direito
O Estado de Direito no Brasil evoluiu como uma tênue e incipiente construção
jurídica significativamente marcada (e ameaçada) pelos tantos anos do absolutismo
moderador, que antecederam e sucederam à independência, com repercussões na própria
história republicana. É muito difícil afirmar, e os dados históricos não são suficientes, que
os advogados, enquanto categoria, se envolveram nas lutas pela desconstrução da estrutura
autoritária originária do Estado brasileiro, assim como, é também difícil concluir que a
expansão do Estado de Direito, principalmente após a República, tenha contribuído para
fortalecer o IAB, que aliás perdeu estatutariamente a finalidade de criar a OAB, vindo a se
denominar IOAB (já em 1888/1891) como organização disciplinar de direitos e deveres.
75
74
Sobre os projetos apresentados durante o Império e a Primeira República, ver item 3.2. neste mesmo
Capítulo.
75
Aliás, este modelo não foi de todo estranho à história moderna. Bismark, por exemplo, implementou uma
política de direitos sociais na Alemanha, antes mesmo da promulgação do Código Civil Alemão, em 1900,
que esteve mais sensível aos interesses dos junkers do que propriamente à questão dos direitos individuais. De
certa forma, este Código Alemão, mais influenciou o nosso direito de propriedade que a própria tradição
civilista francesa. Sobre a evolução constitucional e dos direitos sociais na Alemanha, ver KOCH, Eberhard.
A History of Prússia. London: ROUTLEDGE. 1992 e, também, A Constitucional Hirtory of Germany. New
76
O Estado brasileiro moderno, muito embora tenha evoluído do desmonte
moderador e oligárquico, não propriamente se institucionalizou, na evolução das lutas pelos
direitos individuais e pela consagração do Estado de Direito, mas na projeção de se criar
um estado social modernizador. Na verdade, o Estado brasileiro moderno, mais se definiu
como um desarranjo endógeno das estruturas centralizadas, onde o papel da luta pelos
direitos individuais ficou tênue e frágil, assim como frágil foi o papel dos advogados como
postulantes políticos dos direitos individuais e das garantias democráticas na sua
construção, apesar do alcance formal, pelo menos do Estado Republicano, comprimido na
(re)tomada oligárquica.
Todavia, e por estas razões, entre os anos que antecederam e sucederam à
independência, apesar da sua crescente participação individual no Parlamento Imperial,
numa visível substituição aos padres católicos,
76
um importante indicativo da laicização da
vida política brasileira, e a proclamação da República, que sucedeu à abolição da
escravatura, e à queda da monarquia, os advogados mais estavam vinculados às causas
políticas da ordem imperial, do que, propriamente, à luta pelos ideais federativos e
republicanos, muito embora, muitos sejam os indicativos do envolvimento do IAB nas lutas
abolicionistas
77
. Durante a Primeira República, a evolução da contribuição política dos
advogados, organizadamente, até porque os estatutos do IOAB eliminaram o próprio
objetivo de colaborar para a criação da OAB, foi muito restrita, também, reduzindo-se,
como ao fim do Império, às ações individuais que traduziam, mais os seus interesses e
vontades pessoais do que um ideário corporativo.
O envolvimento dos advogados bacharéis no quotidiano forense, contrapondo-
se ao ativismo dos rábulas, comprometidos com as práticas imperiais e oligárquicas do
estado, que se lhes garantia legalmente o provimento para “advogar”, foi um fenômeno
retardatário, especialmente devido aos seus compromissos diretos com as funções de
Estado voltadas para a judicatura, para a legislatura e para os órgãos executivos. O
York: Longman. 1984. p. 81 e segs. Ver, ainda. KENT. George. Bismark e seu Tempo. Brasília. UNB. 1982.
p. 17 e segs.
76
BASTOS, Ana Marta Rodrigues. Católicos e Cidadãos - A Igreja e a Legislação no Império. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 1997.
77
ALKMIM, Ivan. O advogado e sua identidade profissional em risco. Rio de Janeiro: Ed. Destaque, 2004.
77
exercício formal da advocacia, apesar das evoluções construtivas consolidadas no fim do
Império, e no correr da velha República, por ilustres juristas brasileiros, como Teixeira de
Freitas (1816/1883), J. Thomaz Nabuco de Araújo (1813/1878), Clóvis Bevilacqua e Rui
Barbosa (1849/1923), não viabilizavam, exatamente, a imprescindibilidade da colaboração
do bacharel formado.
Miguel Seabra Fagundes, prócer da história da OAB, observa que
a primeira república, oferece um exemplo admirável da presença do advogado na
construção da ordem jurídica. E esse advogado se sintetiza em Rui Barbosa, que é hoje
uma figura omitida até mesmo pelos advogados. Porque foi Rui Barbosa, por sua
grande tenacidade e sua grande lealdade aos ideais que encarnava, que arrancou do
Supremo Tribunal (...) a teoria brasileira do ´habeas corpus´, que foi a conversão do
´habeas corpus´ que daria origem ao Mandado de Segurança e classicamente sempre
foi um instrumento para assegurar a liberdade de ir e vir arrancando a teoria do vetusto
instituto da conotação de um instrumento que servisse para assegurar qualquer direito
que dependesse da locomoção (...). [A construção do] ´habeas corpus´ representa uma
das conquistas maiores e mais admiráveis da história do direito brasileiro.
78
Como se verifica, desta citação, a ordem jurídica, exatamente, estava em
construção, e, por outro lado, os princípios clássicos da concepção jurídica do individuo, da
sociedade e do estado poderiam ameaçar a ordem ou os acordos politicamente
sedimentados, evoluindo no seu próprio contexto, ou no seu processo interno, senão, nos
últimos anos do Reino Unido (1808/1822) e do Império (1822/1889) do tempo total da
velha República. A iniciativa de Rui Barbosa, neste sentido, como observou Miguel Reale,
é a manifestação histórica da inventividade jurídica, que, do habeas corpus, em momento
subseqüente, evoluiu para o instituto do Mandado de Segurança, como especial forma de
diferenciar a proteção da liberdade pelo Estado das ações abusivas do Estado contra direitos
individuais.
79
Todo estado juridicamente organizado é um estado politicamente organizado,
mas, nem todo estado politicamente organizado é um estado juridicamente organizado. O
espaço da ação endógena do advogado ocorre no primeiro caso, no segundo caso, a sua
ação é exógena. Na primeira situação o ideário profissional fica sintonizado com a(s)
78
Anais da XII Conferência Nacional da OAB. A Profissão do Advogado e a OAB na Sociedade Brasileira, 2
a 6 de outubro de 1988, Porto Alegre, p. 100.
79
FUNDAÇÃO CASA RUI BARBOSA. Mandado de Segurança e sua Jurisprudência. Rio de Janeiro:
MEC/FCRB, 1959, T. 1 e 2. Ver, especialmente, prefácio de Caio Tácito e Arnoldo Wald.
78
ideologia(s) de estado, mas no segundo caso, o fortalecimento do ideário profissional é
imprescindível para a recomposição jurídica do Estado. A história da advocacia no Brasil
flutua entre estas especiais situações históricas, assim como a história corporativa dos
advogados tem evoluído para, substancialmente, contribuir com a construção jurídica do
Estado.
O Estado que despreza os suportes jurídicos despreza a democracia, assim
como o Estado que despreza as regras de articulação política despreza a democracia como
suporte do Estado de Direito. O moderno papel da corporação de advogados (e dos
intelectuais), está exatamente, em criar estas condições de funcionalidade plural, onde o
poder vivifica a ordem jurídica e a ordem jurídica subsidia o poder.
A grande revolução da advocacia moderna organizada ocorre exatamente, nesta
significativa mudança de paradigmas: os advogados evoluem na sua ação intra-sistêmica,
endógena, para uma ação exógena. É exatamente, neste contexto que o ideário da
advocacia, comprometido com a conservação do Estado de Direito, enquanto ordem
instituída, evolui para buscar convicções nos argumentos que justificam os fundamentos
democráticos do estado, não apenas como legalidade, mas como ordem legal legítima.
Frágil o Estado de Direito, frágeis as garantias civis dos cidadãos, por sinal de
diversas ordens, especialmente no contexto eleitoral censitário do Império, e nas
excludências eleitorais da República.
80
Os advogados, desconstituídos corporativamente,
ficam, fragilmente, articulados, não têm o seu próprio projeto e, por conseguinte, não é de
se estranhar que seus projetos individuais (ou políticos) fossem o projeto (se é que tinham
projeto) das frações de elite, que (eles próprios) integravam. Os advogados, politicamente,
eram advogados da elite e, por muito tempo, da elite agrária-exportadora, o que é possível e
razoável enquanto profissionais individuais, mas o compromisso com a ordem jurídica,
enquanto ordem jurídica, só se define como regra enquanto regra de organização
corporativa.
A luta pela criação da Ordem dos Advogados, neste contexto, era a luta pela
definição de seu ideário profissional, permeado por várias vertentes do liberalismo
ideológico, independente e autônomo do projeto nacional das elites brasileiras, mas
80
BASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral do Estado Brasileiro (mímeo). São Paulo: USP-FFLCH,
1979.
79
essencialmente comprometido com a articulação de interesses profissionais e a sua
conseqüente delimitação formal. Os advogados, antes de se constituírem em corporação
profissional, não tinham um projeto nacional de Estado de Direito, no tempo histórico, na
linha do tempo, o projeto da consciência jurídica nacional de Montezuma,
81
Teixeira de
Freitas, Thomaz Nabuco de Araújo e de todos os outros que estiveram envolvidos com os
projetos parlamentares, era o projeto de consolidação da Ordem dos Advogados como
instituição comprometida com o ideário de direitos e deveres profissionais.
Este projeto, todavia, devido às tantas resistências políticas e parlamentares não
ultrapassou a precária estrutura regimental do IAB/IOAB e, não se firmou, senão, apenas,
como um sistema de princípios e convicções, na dimensão dos ideais de liberdade que
presidiram a Revolução Francesa e influíram na restauração em 1810 do Bateaux, também
como uma organização profissional corporativa. Estas insuficiências da dinâmica do
próprio projeto, senão absolutamente, impediram que, construindo-se como corporação, o
Instituto, também não ofereceu contribuições decisivas para a construção do Estado
nacional.
Neste quadro embrionário influenciado pela composição heterônoma das elites,
e/ou de suas frações, seria impossível, mesmo, originariamente, que o Instituto dos
Advogados Brasileiros (IAB) e, posteriormente, o Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros (IOAB), conseguissem costurar a sua transformação em Ordem dos Advogados
Brasileiros (posteriormente, do Brasil),
82
comprometida, não propriamente, com uma
ideologia de estado ou da vida social e política, mas com um específico e coeso ideário
profissional. No próprio Instituto conviviam representantes das diferentes frações da elite e
das frações que prestavam assistência jurídica, rábulas e bacharéis, assim como, não apenas
o próprio Instituto desempenhava o seu papel no cenário do Estado patrimonial imperial,
como também, no seu interior, e, mais significativamente, ao fim da velha República,
81
Para Miguel Seabra Fagundes a Ordem dos Advogados era uma aspiração da elite celente do primeiro e do
segundo reinado. A Ordem na forma de Instituto dos Advogados Brasileiros em 1843 na sua fundação foi
presidida por um homem de cor, Montezuma uma das grandes figuras da história do país. Todavia, ela só
veio a ser instalada em 1930 com um decreto do governo, depois da revolução (1930), quando da deposição
do governante que fora eleito à bico de pena (...) Pois bem, a Ordem veio por este caminho, era o caminho do
momento e em 1933 houve a aprovação de uma consolidação do Regulamento da Ordem dos Advogados do
Brasil, que ficou vigente até 1963 (Anais da XII Conferência, op. cit., p. 103).
82
Ver Capítulo I, item 4.2.
80
desenvolveram resistências à sua transformação em Ordem dos Advogados e,
conseqüentemente, avolumaram-se, entre os seus membros, as teses anticorporativas.
Por outro lado, todavia, apesar de muitos advogados, não apenas bacharéis
formados, mas, também, profissionais provisionados, vinculados às frações da elite
oligárquica, mesmo dentro do Instituto, cada vez mais, ficavam comprometidos com os
novos e incipientes interesses urbanos da classe média aproximando-se dos setores
revoltosos antioligárquicos que incentivavam o processo revolucionário que deságua em
1930.
83
Este fenômeno, no entanto, mais se representa pelos compromissos de advogados
individualmente com o movimento revolucionário de 1930, como foi o caso de Levi
Carneiro, presidente do IOAB, motivados pelas idéias de construção de uma nova ordem
jurídica e pela necessidade de se reconstruir o Estado brasileiro, minado pelos pactos,
acordos e resistências oligárquicas, do que propriamente através de compromissos
institucionais.
Esta situação nos permite afirmar, por conseguinte, que, se os advogados, (se)
não se envolveram diretamente nos movimentos políticos e revolucionários que
antecederam a 1930, foram, enquanto corporação, atendidos num dos primeiros atos
revolucionários de 1930, com a criação da Ordem dos Advogados na forma do artigo 17 do
Decreto nº. 19.408, de 18 de novembro de 1930. Assim a criação da Ordem dos Advogados
no bojo de uma revolução institucional, demonstra, exatamente, que ela não se criaria por
transformação do IOAB, porque as frações de elite, no interior do Instituto, com amplos
vínculos de conexão com o Poder Legislativo, e no interior do Poder Executivo, resistiam
ao cumprimento de seu pressuposto estatutário imperial, já esvaziado na República: criar a
Ordem dos Advogados, mas por ato de poder (do Estado).
Conseqüentemente, os advogados, enquanto organização ou instituição de
profissionais, ingressaram na história brasileira contemporânea, não propriamente lutando
pelos direitos civis ou pelas garantias individuais ou pela democratização do Estado ou,
83
Não temos os exatos elementos para a identificação das posições dos advogados no IOAB, o que exigiria
vasta e especial pesquisa em seus arquivos, neste momento histórico, mas o Presidente do IOAB, Levi
Carneiro, posterior primeiro Presidente da OAB, não apenas envolveu-se com a Revolução de 1930, mas
ajudou na sua consolidação, assim como foi o autor intelectual do Decreto que veio a criar a OAB, e tantos
outros, e, muito especialmente o Código de Ética Profissional. Muitas e promissoras indicações podem ser
identificadas. GUIMARÃES, Lúcia; BESSONE, Tânia; MOTTA, Marly. História da Ordem dos Advogados
O IOAB na Primeira Republica. Coordenação Herman de Assis Baeta. Brasília: Conselho Federal da OAB,
2003.
81
mesmo, pela reacomodação política de interesses econômicos, mas lutando pela
institucionalização de suas prerrogativas profissionais, ainda dispersas e difusas, mas,
pontualmente, explicitadas nos projetos de lei apresentados, anteriormente a 1930, no
decorrer do Império e da Primeira República, no Parlamento e no Congresso, que, apenas,
subsidiariamente, influíram nas lutas pelos direitos civis e políticos. Neste sentido, as elites
oligárquicas, muito bem reconheciam, que, a institucionalização do ideário de prerrogativas
e deveres dos advogados, significaria um profundo óbice às políticas de Estado e à abertura
potencial da militância corporativa engajada, o que efetivamente ocorreu no futuro.
4 – A Ordem dos Advogados e o Corporativismo Revolucionário
4.1. O Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil – IOAB e a Revolução de
1930
A bibliografia sobre os estudos históricos referentes à Revolução de 1930 são
bastante amplos e significativos, sejam aqueles de natureza acadêmica, sejam aqueles de
natureza jornalística. Ocorre, todavia, que estudos comparados entre os ciclos
revolucionários ou sobre o papel das instituições públicas ou civis, ou mesmo da
intelectualidade neste processo, diferentemente dos estudos sobre os militares,
principalmente os tenentes
84
são quase que absolutamente escassos.
Neste sentido, no enfoque especifico desta pesquisa, fica sempre uma
significativa lacuna quando pretendemos comparar as efetivas e diferenciadas causas que
provocaram o confronto entre os novos titulares do poder chefiados por Getulio Vargas e a
84
SILVA, Hélio. O ciclo de Vargas 1931 – os tenentes no poder. v. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1966.
82
flutuação dos aliados, e os militantes da contra revolução paulista
85
, assim como quando
pretendemos verificar a efetiva influencia de instituições civis e seus quadros na Revolução
de 1930, muito embora identificar a participação de intelectuais paulistas (ou fluminenses e
cariocas em 1930), em 1932 não seja de todo impossível.
Por estas especiais razões, os estudos sobre papel o das instituições durante e
após o processo revolucionário, principalmente no contexto de confronto entre os
revolucionários vitoriosos em 1930 e a contra-revolução paulista em 1932, e, mesmo dos
seus lideres secundários e pensadores, exceto aqueles que assumiram posições políticas
ostensivas, na verdade, são estudos, ainda, pioneiros, extremamente dependentes das fontes
primarias ou de coletâneas de fontes primarias, o que não dá ao nosso estudo a certeza das
informações incontroversas. Todavia, não há que se questionar, na forma de literatura
dominante, que a revolução de 1930 tenha um caráter anti-oligárquico, assim como
genericamente se afirme que a contra-revolução paulista tenha um caráter de recuperação
oligárquica, embora sejam visíveis muitos dos seus veios de proposições modernizadoras.
Na verdade, não há como desconhecer, todavia, que a contra-revolução paulista
estava visivelmente marcada como uma contraposição política às presumíveis
características ditatoriais que dominavam o governo provisório, aparentemente resistente
aos movimentos democráticos, o que, pelo menos em tese, e na sua formulação literária,
divergia da expectativa paulista de se convocar imediatamente uma Constituinte. Para os
paulistas, agrupados no novel Partido Democrático, mas com o indireto apoio do Velho
Partido Republicano Paulista, o que mostra a natureza desta aliança, que se sentia alijada do
governo provisório ocorria que o governo dos estados deve ser entregue aos estados, venha
a Constituinte e estaremos salvos. O Partido Democrático (...) conclama a energia de seus
conterrâneos e patrícios (paulistas) para a defesa da Constituinte
86
85
SILVA, Hélio. O ciclo de Vargas 1932 – a guerra paulista. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1967.
86
Ver Manifesto in Correio da Manhã de 16 de janeiro de 1932. In NOGUEIRA FILHO, Paulo. Idéias e lutas
de um burguês progressista. V. 2. São Paulo: Anhembi, 1958. p. 541. Antoine de Saint-Exupéry, afirmava
que uma guerra civil não é uma guerra, é doença e nestes especiais acontecimentos a doença mais se
manifestou através de uma intensa troca de correspondência e artigos em jornais onde se expunham as
opiniões e provocavam as flutuações de aliança do que propriamente através de um profundo conflito armado.
No fundo, as preliminares que antecederam aos combates demonstram, que, tanto como uma guerra intestina,
ela foi antecedida por uma verdadeira guerra de correspondências entre os homens do Governo Provisório,
principalmente dirigidas a Getulio Vargas e os quadros que integravam o governo central, o governo paulista
e os militantes políticos e da imprensa.
83
De qualquer forma, o nosso objetivo neste trabalho, não é, todavia, aprofundar
o estudo destas questões, mas, muito especialmente, senão preencher, fazer ainda que uma
superficial leitura do papel do IOAB, no período que imediatamente antecedeu e sucedeu a
novembro de 1930, especialmente entre 3 de outubro e 3 de novembro, inclusive ao periodo
que precedeu à criação da OAB (em 18.11.1930), e circundaram os acontecimentos contra-
revolucionários de 1932 historicamente marcados pela data de 9 de julho, contra-revolução
paulista.
87
Todavia, mesmo no contexto da questão revolucionária os fatos demonstram
que a relação do IOAB com a questão revolucionária evoluiu, principalmente, a partir das
relações com o Supremo Tribunal Federal à época presidido pelo Ministro Godofredo
Cunha, conforme se verifica em comunicado que o Presidente fizera em 27 de outubro
88
.
As informações documentais indicam que a literatura jornalística da época insistentemente
procurava demonstrar que não havia uma reação positiva à orientação que o STF vinha
atribuído às suas decisões ao que parece se radicalizaram com o comunicado da Junta
Provisória
89
, que informava ao STF que com o amparo político das classes armadas,
assumiu o exercício das funções do Poder Executivo e Legislativo
90
, ficando implícito que
estava também o Tribunal suscetível de avaliação.
87
SILVA, Hélio. ed.cit.
88
Estava o STF na ocasião composto pelos ministros Bento de Faria, Germiniano da Franca, Rodrigo Otavio,
Firmino Whitaker Filho, Cardoso Ribeiro, Pedro dos Santos, Hermenesildo de Barros, Muniz Barreto, artur
Ribeiro, Pedro Mibieli e, ainda, Leoni Ramos, Edimundo Lins e Soriano de Souza.
89
A Junta Provisória ficou formada pelos generais Augusto Tasso Fragoso, João de Deus Mena Barreto e
Almirante Isaias Noronha (e Gabriel L Bernardes, Ministro Interino da Justiça e Negócios Interiores). Ver
Comunicação de Instalação da Junta Provisória do STF de 25 de outubro de 1930. In COSTA, Edgard.
Efemérides Judiciárias. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1961. p. 556-558..
90
Na seção de 6.11.1930, ver Edgard Costa. ed.cit. p. 572-574, há uma indicação do IOAB de que o Supremo
Tribunal Federal concedera hábeas corpus, ainda em outubro, a dois deputados que foram presos por ordem
revolucionaria, sem que partisse do Congresso, ainda em funcionamento, qualquer protesto, muito embora já
estivesse a revolução empolgando o país e, ao que consta, decretado o estado de sitio. Nesta mesma seção,
segundo informação da seção do IOAB estes desencontros, segundo palavras de Levi Carneiro, não são
suficientes para dissolver o próprio Tribunal. Os homens que ali se reúnem não têm o mérito da infalibilidade.
Para ele não se deveria desprestigiar “a jóia das instituições republicanas”, na expressão de Rui Barbosa e
até mesmo o conjunto dos magistrados que a compõe, ainda que, individualmente possam ter errado esses
homens, ou algum deles, possam merecer criticas, talvez mesmo, em parte pela influencia, até certo ponto
inevitável do ambiente político...
84
Levi Carneiro, então, ainda, presidente do IOAB, e quem sabe por isto mesmo,
em carta ao Jornal do Commércio (de 9.11.1930), reagindo à noticiário de que o IOAB se
solidarizara com o Presidente Washington Luis, “dias antes do desfecho revolucionário”
votando “moção de solidariedade” ao Presidente em exercício procurou reverter qualquer
interpretação neste sentido, ficando no assunto do Poder Judiciário, procurando esclarecer
que o Instituto tem competência (ao menos competência) para opinar sobre o problema de
tanta relevância como o da reorganização do Poder Judiciário (...). Todavia, apenas eu
expendi a minha opinião individual – acorde com as que sempre e sempre expendi, e com
todos os antecedentes de minha obra jurídica tendo, aliás, a felicidade de lograr o apoio de
todos os meus colegas presentes à sessão (...).
O Instituto no dia 9 de outubro, votou, exprimiu apenas a confiança absoluta no
restabelecimento da ordem pública (...) no mesmo ideal de grandeza das instituições
democráticas, na concepção da nacionalidade una e forte, (sem qualquer preocupação
partidária) não se referiu ao governo nem ao então Presidente, nem exprimiu
solidariedade a ninguém (...). Nenhuma comunicação foi feita ao governo, também
manifestação alguma fez o Instituto ao governo atual (...). O presidente do IOAB continuou
no mesmo artigo de jornal: a essa mesma preocupação obedeciam os pronunciamentos ali
havidos na ultima sessão, sobre a dissolução do Supremo Tribunal Federal, todos no
mesmo sentido do meu – e até, salvo erro de imprensa, no das declarações que o eminente
Chefe do Governo Provisório, Sr. Getulio Vargas, fez na tarde do mesmo dia
91
Esta carta é bastante emblemática no sentido da compreensão histórica do papel
de Levi Carneiro como Presidente do IOAB, e como político, porque também assim o
admitia na emissão de suas opiniões individuais. Por outro lado, este texto citado e outros
que se seguem, demonstram que a ascensão política de Levi Carneiro está no bojo de uma
presumível crise do Supremo Tribunal Federal, facilmente detectada no contexto desta
revolução de cartas que procurava esclarecer opiniões ou reposicionar-se no contexto
revolucionário
Nesta mesma linha da guerra de missivas através da Imprensa, em documento
intitulado Carta a Esquerda, de 11 de novembro de 1930, o Presidente do IOAB volta a
informar sobre seu pronunciamento anterior, novamente destacado no leading do Jornal do
91
CARNEIRO, Levi. O livro de um advogado. Rio de Janeiro: A Coelho Branco Filho, 193. p. 189-1930.
85
Commércio: a propósito do discurso que proferi na última sessão do Instituto dos
Advogados sobre a dissolução do STF (...) havia acusação ao próprio Instituto, fundada
em errônea suposição (...), opondo-lhes a contestação devida (...). Não me inspirou
qualquer sentimentalismo, ao proferir o discurso aludido, ao menos na acepção que teria
sido atribuída àquela palavra. Porque me referi ao Supremo Tribuna em si mesmo, ao seu
“conjunto de magistrados” furtando-me a apreciações individuais, que seriam descabidas
e para as quais não tenho nenhum pendor. Pronunciei-me no mesmo sentido porque
sempre o fiz, com a mesma sinceridade e a mesma serena convicção do cumprimento do
meu dever, não só do meu cargo, como de advogado, e até de simples cidadão (...).
Inspirei-me apenas nas tradições da cadeira (...) sobre a qual paira a sombra augusta de
Rui Barbosa (...) procurando evitar o desprestígio da mais alta de nossa instituições
constitucionais, não penso só na sua atuação política, atento também, a que esse mesmo
Tribunal, tal como é agora constituído, tem cabido decidir os mais altos difíceis e valiosos
pleitos (...). Permita-me confessar (...) que consideraria vergonhoso para todos nós, que
esse Tribunal fosse tudo o que se tem dito de mau. Seria até motivo para reclamar a
recisão sistemática de todos os seus julgados
92
.
Independentemente destas tantas divergências, mais de natureza verbal, mais
expressivas do volume que as contradições políticas tomariam no novo quadro de
circunstancias, o Decreto n°. 19.398, de 11 de novembro de 1930
93
, que passou a funcionar
como instrumento jurídico governativo, deu efetiva forma ao Governo Provisório da
Republica dos Estados Unidos do Brasil, sem que, todavia, estivesse nos seus propósitos
proposições de alcance estrutural ou mesmo excetuadas as situações pontuais de exceção
propostas que visassem mudanças institucionais profundamente corretivas, sendo que,
inclusive, no seu art. 1° manifestasse os propósitos de que o Governo Provisório exerceria,
discricionariamente, os seus poderes em toda a sua plenitude as funções do Poder
Executivo e do Poder Legislativo não atacou diretamente o Poder Judiciário e
comprometeu-se em convocar a Assembléia Constituinte para a reorganização
constitucional do país que ficava na obrigação de manter a forma republicana federativa.
92
CARNEIRO, Levi. ed. cit. p. 191-192.
93
Assinaram este Decreto do Chefe do Governo Provisório Getulio Vargas, Oswaldo Aranha, José Maria
Whitakr, Paulo de Moraes Barros, Afrânio de Mello Franco, José Fernando Leite de Castro e José Isaias de
Noronha.
86
Estes atos, é claro, que provocaram a dissolução do Congresso e das demais representações
legislativas do país tiveram efeitos sobre o afastamento dos velhos representantes do
Partido Republicano, normalmente comprometidos com as políticas oligárquicas, mas,
mesmo assim manteve em vigor as constituições Federais e Estaduais e todo o sistema
legislativo que no tempo futuro o Governo Provisório foi progressivamente alterando e
ampliando os seus espaços de ação e intervenção, inclusive a nomeação de interventores
federais nos estados que tinham também poderes de nomear os dirigentes municipais.
No que se refere ao Poder Judiciário, que na verdade foi o foco das crises com o
IOAB e com uma grande parcela da advocacia da época, o Ato Revolucionário, muito
embora tenha suspenso a apreciação judicial dos decretos e atos do Governo Provisório, e
o Tribunal Especial para processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros,
suspendeu as garantias constitucionais, mas, sem que alterasse as garantias individuais de
1891 mantendo em seu inteiro teor e plenamente obrigatórias todas as relações jurídicas
entre pessoas de direito privado, constituídas na forma da legislação respectiva e
garantidos os respectivos direitos adquiridos (art. 6°), assim como não provocou rupturas
dos contratos de concessões ou de outorgas assinados com os poderes públicos, salvo os
que sob revisão, contravenham o interesse público e a moralidade.
Na verdade, como já observamos, este decreto não traduz propriamente uma
proposta de revolução estrutural, apesar de que, no tempo, os efeitos da Revolução de 30
até 1945 tenham deixado profundas marcas na alteração das relações econômicas na
historia brasileira, fortalecendo a burguesia nacional e o poder empresarial do Estado, os
seus propósitos originários eram de natureza essencialmente institucional, e mostravam a
visível presença dos advogados com agentes modificativos da superestrutura jurídica,
buscando sempre fórmulas que evitassem rupturas profundas com situações jurídicas
passadas e, ao mesmo tempo, abrissem espaços para novos projetos que representassem
alterações jurídicas modificativas do Estado e dos padrões de convivência formal entre os
cidadãos e as empresas. Neste sentido, a documentação que consultamos para a organização
deste item não traduzem propriamente preocupações de alcance infraestrutural, mas muito
mais, forma as novas formas do exercício ostensivo do poder para inviabilizar a presença
dos velhos grupos dominantes no Estado.
87
Por estas razões, as personalidades jurídicas e aquelas institucionalmente
vinculadas, tiveram um destaque especialíssimo e contribuíram decisivamente para a
implantação da nova ordem institucional, o que demonstra as sucessivas explicações
jornalísticas de juristas, não sobre a Revolução, ou suas preocupações ideológicas, mas
sobre os seus efeitos sobre o Supremo Tribunal Federal, cujo o funcionamento passado e
atos praticados imediatamente à tomada do poder em outubro e a sua formalização em 11
de novembro exatamente onde as questões jurídicas de Estado à época tomavam maior
expressão e relevo. Foi neste quadro que Levi Carneiro, sempre muito próximo dos últimos
anos da advocacia da Republica decadente e, também, pelas circunstancia históricas
também relacionadas aos advogados e pensadores anti-oligárquicos, comprometidos com
projetos de desmonte do velho estado patrimonialista foi deslocado para o centro dos
acontecimentos, passando a representar, não propriamente, a exata desconexão entre o
IOAB e a conexão com a OAB, velha esperança de lutas dos advogados desde o Império.
As inseguranças do Supremo Tribunal Federal em relação a nova ordem
revolucionaria e os seus velhos compromissos com o estado patrimonialista, fugindo,
inclusive, da proposta originaria de Rui Barbosa em 1891, que o pretendia independente do
próprio Supremo Tribunal de Justiça criado (1828) no Império, o que não aconteceu,
deixaram-no inteiramente ameaçado, apesar das cautelas do Decreto 19.398/1930. Todavia,
o quadro político da época e a guerra das correspondências resultou em Carta de Levi
Carneiro, expressivo representante de juristas em ascensão na nova ordem revolucionaria
ao 1° Vice-presidente do IOAB, Moutinho Dória, onde, explicitamente observa: venho
depor em vossas mãos a presidência do Instituto da Ordem do Advogados, a que o voto de
nossos colegas me elevou em novembro de 1928, e em que me reconduziu em novembro de
1929 (...)
94
, principalmente considerando que aceitei o alto cargo de confiança do
governo, de Consultor Geral da República, que receio se possa entender de algum modo,
restringidas a independência e a dedicação com que sempre exerci o meu difícil e honroso
mandato. Sei que foi ao Instituto que o governo distinguiu e honrou, elevando-me a
Presidente, posição que (por mim mesmo) não atingiria.
94
CARNEIRO, Levi. ed.cit. p. 195.
88
A efetiva demonstração dos novos propósitos do governo vieram logo após o
Decreto anteriormente citado, quando o Governo Provisório instituiu Comissão Legislativa
para reelaborar a estrutura geral da ordem jurídica brasileira, onde reconhece que o
Consultor Geral da Republica (Levi Carneiro), funcionaria como Delegado especial do
governo para organizar e acompanhar os trabalhos da comissão provendo-lhes a eficiência,
solicitando a colaboração dos componente, especialmente das faculdades de Direito,
tribunais e juizes e institutos de advogados
95
dando ciência ao governo dos anti-projetos
elaborados (art. 3°). A comissão legislativa, com sede na Capital Federal ficou constituída
sob a presidência de honra de Francisco Campos, Ministro de Estado da Justiça para
elaborar os projetos de revisão ou reforma da legislação civil, comercial, penal e
processual, da Justiça Federal e do Distrito Federal (em cujo artigo 17, de Decreto
posterior, como veremos) ficava criada a Ordem dos Advogados Brasileiros.
Imediatamente seguindo a este decreto, iniciou-se a discussão para a
implementação de reforma da justiça, sem que efetivamente o Decreto de 11 de novembro
de 1930 viesse a ser derrogado, sobrevivendo, por conseguinte, as restrições que foram
impostas ao Poder Judiciário
96
. Esta postura não pode ser dispensada do ponto de vista das
causas jurídicas que provocaram a sucessão de reações ao Governo Provisório, ruptura de
aliados e, inclusive, a mobilização de alianças que passaram a resistir à unidade getulista
como liderança revolucionaria provocando, principalmente, a reação das elites paulistas que
viam na continuação revolucionaria um visível projeto ditatorial, o que na verdade
expressava um sentimento latente e anterior mesmo à vitória revolucionaria intensificou-se
uma ampla mobilização de liderança dicidentes e de velhas lideranças que não embarcaram
95
LOPES, Américo. Atos do governo provisório dos Estados Unidos do Brasil. Jacinto Ribeiro dos Santos:
s/c, 1930. p.153-155.
96
A cúpula do Poder Judiciário foi atingida em 3 de fevereiro de 1931, o Decreto-Lei n 19.656, em seus 24
artigos reorganizou a egrégia Corte, reduzindo para 11 o numero de seus membros. O seu artigo 2°
determinava “não serão preenchidas as vagas que se verificarem até que o numero de juizes deste Tribunal
fique reduzido ao deste Decreto” (...) Oswaldo Aranha, Ministro da Justiça, pronunciando-se sobre a matéria
observou o Tribunal, quando tiver que se reunir após as férias será somente com 11 membros de sua
organização. É que, naturalmente, os quatro restantes vão pedir suas aposentadorias e o Tribunal não
perderá com tal ausência (...) todavia, apesar das cautelas de Oswaldo Aranha o governo baixou o Decreto
19.711/1931 que dispunha no art. 1°são aposentados com as vantagens que lhe assegura a legislação vigente,
dispensado o exame de sanidade, os ministros Godofredo Cunha, Edmundo Muniz Barreto, Antonio C. Pires
e Albuquerque, Pedro Afonso Mibielli, Pedro dos Santos e Geminiano da França. SILVA, Hélio. (o ciclo de
Vargas – v.4). 1931. Os tenentes do poder. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1966. p. 148.
89
no projeto revolucionário identificando, não apenas nos atos de Getulio, mas também, no
Tribunal Especial, atos de vocação e destino ditatorial, o que significa que a resistência
paulista, na verdade, era uma resistência que tomou corpo ainda nos anos de 1931.
Exemplo histórico desta situação foi o Manifesto Renuncia aos paulista do
Governador (ex) Interventor Laudo Ferreira de Camargo, que procurara conciliar o Estado
de São Paulo, após as ações interventivas do Coronel (Tenente) João Alberto, mas que
aproveitara para mostrar a fragilidade das forças políticas especialmente diante da força
pública paulista comandada pelo General Miguel Costa, efetivo agente revolucionário em
São Paulo com poderes especialíssimos para efetivamente agir em nome do Governo
Provisório procurando obter na estrutura do Estado e na vida econômica as providencias
que mais parecessem convenientes à nova ordem.
O historiador Hélio Silva reconhece que diagnosticar e definira a Revolução
paulista
97
como um ato contra-revolucionário é um ato de ousadia, porque enquanto guerra,
é uma guerra de “intrigas políticas” em um celeiro de vaidades. Não existem propriamente
ideais para serem defendidos e a bandeira da luta pelo constitucionalismo não está muito
longe da proposta preliminar do primeiro Decreto revolucionário de 11 de novembro de
1930, que estabelece que o limite do uso descricionario do poder estava vinculado à eleição
de uma Assembléia Constituinte que estabeleça reorganização constitucional do país.
Exceto em situações pontuais, o projeto geral apoiava-se na convocação de
Assembléia Constituinte para promulgar nova Constituição. Na verdade. Qualquer dos
fatores dependia da eleiminaçao do outro, o que foi evoluindo em inexplicável guerra, onde
as forças paulistas estavam em visível desvantagem em relação as forças federais que
concentravam inclusive, o poder político de nomear interventores. Esta situação deixava os
paulistas em sua guerra de 90 (noventa) dias consecutivos, porque nos demais foi uma
guerra panfletária em situação militar desfavorabilíssima, muito embora, não se possa
esquecer que muitos dos novos ideais democráticos foram forjados no novel Partido
97
Para efeitos formais a Revolução paulista iniciou-se no dia 9 de julho, na faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, que fora transformada em praça de guerra, onde o jornalista Júlio de Mesquita Filho procurou
trazer para os atos de rebelião da juventude aliados como Borges de Medeiros e Raul Pila do Rio Grande do
Sul mas, ao mesmo tempo, encontrou reações de solidariedade dos interventores estaduais dente eles Juraci
Magalhães, da Bahia, Magalhães Barata, do Pará, o que finalmente acabou resultando na demssao do
Interventor paulista Pedro de Toledo. Em data imediatamente subseqüente Francisco Campos, Ministro da
Justiça, solicitou a Levi Carneiro que indicasse um representante do Instituto dos Advogados para elaborar
um anti-projeto de Constituição em 13 de junho de 1932, sendo indicado Astoufo Resende.
90
Democrático (paulista)
98
que viera influir na Constituinte de 1993 contrabalançando o peso
proporcional dos votos estaduais com o peso corporativo dos votos profissionais, que
frutificaram especialmente, entre pensadores do Rio de Janeiro no período pré-
revolucionário, e na própria Constituinte, e militantes do positivismo gaúcho que se
opunham aos modelos políticos parlamentares principalmente liderados por Raul Pila (do
Partido Libertador).
No que se refere ao âmbito especifico de nosso estudo, juristas paulistas de
vinculação institucionalizada poucos podemos destacar como Laudo Ferreira de Camargo,
que foi Governador Interventor em São Paulo e mais tarde Ministro do STF, e Vicente Rao,
que aparecem dentre aqueles que, não tendo carreira política especifica fizeram uma grande
advocacia. No plano federal, todavia, ou especialmente no Distrito Federal, outros tantos
juristas se destacaram, como Levi Carneiro, que foi uma referencia jurídica exponencial da
revolução, assim como Oswaldo Aranha e Francisco Campos, não podendo deixar de se
destacar, entre aqueles em ascensão, Hermes Lima e San Tiago Dantas. De qualquer forma,
a guerra paulista pouco interessa neste nosso estudo, exceto para demonstrar que as
lideranças organizadas do Partido Democrata representaram uma alternativa constituinte
que, se não inviabilizou, significativamente dificultou a elaboração de uma Carta
Constitucional de tendências acentuadamente corporativistas, o que não impediu, todavia,
que o documento constitucional de 1934 absorvesse na sua estrutura jurídica, após a
convocatória Constituinte de 3 de maio de 1933, aspirações democráticas, na form do voto
proporcional, nacionalistas e corporativistas, na forma do voto profissional, destacando-se,
inclusive, a criação da Justiça Eleitoral em 1932.
Finalmente, no contexto geral do acordo que colocou fim à Revolução paulista,
no quadro deste trabalho, é muito importante destacar a Carta de Levi Carneiro, já
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e Consultor Geral da Republica, ao
Presidente Getulio Vargas, onde expõe: apresento a Vossa Excelência congratulações
98
O programa do Partido Democrata na verdade foi um programa modelar para programas partidários futuros
no Brasil, principalmente porque procurava esclarecer programaticamente, conceitos obscuros na prática
política brasileira como por exemplo os indicativos constitucionais do que é uma democracia, o federalismo, o
presidencialismo, declaração de direitos, sufrágio popular e universal, equilíbrio de poderes, governo do povo
e pelo povo, assim como, voto secreto, representação proporcional e outros tantos conceitos que não estavam
incorporados à modernidade política brasileira. Este documento programático foi assinado por Vicente Rao, J.
A. Marrey, Cardoso de Mello Neto, Henrique Bayma e Vicente Pinheiro. SILA, Hélio. ed.cit. p. 267-277
91
muito cordiais por motivo da terminação do movimento revolucionário de São Paulo, com
tanto maior serenidade o faço, quanto sei que a serenidade e o patriotismo provados de
V.Exa. constituem garantias da elevação com que se há de processar, agora, a obra de
pacificação política, acaso mais difícil que a vitória militar, já conseguida pelo valor e
pela lealdade das forças armadas. Com as desculpas e cautelas que cabem neste tipo de
correspondência sobre a manifestação de Getulio Vargas, referentes à promulgação de uma
Constituição provisória, Levi carneiro observa que: tem sido haventado varias vezes, em
meio à campanha pela reconstitucionalização do país, a (edição de uma Constituição
Provisória) (...) com a devida vênia, porém, considero-o inaceitável(...) este governo
traçou, na sua chamada Lei Orgânica, os primeiros rumos da reconstitucionalização,
V.Exa. sabe que tive a fortuna de ser o autor de quase todos os dispositivos deste atos – e
lembrar-se-á de que nele, ficou prevista a Assembléia Constituinte e, ressalvado,
expressamente o principio federativo (...) a promulgação de uma Constituição Provisória
porém, seria, uma inflexão noutro sentido (...) o que se tem a fazer é apenas ampliara a
ação judiciária na defesa dos direitos individuais de ordem constitucional – excluídas as
questões meramente políticas, que, aliás, em boa doutrina sempre escapam à apreciação
do judiciário (deve-se) reintegra ou outro Poder Constitucional subsistente, isto é, o Poder
Judiciário, na plenitude das garantias e das funções que lhe cabem (...) queira V.Exa.
aceitar a segurança de minha mais alta estima e distinta consideração (Rio, 5 de outubro
de 1932).
99
99
Arquivo de Getulio Vargas. In SILVA. Hélio
92
4.2. A Criação da OAB
4.2.1. Esclarecimentos preliminares sobre as Corporações de Ofício
O insistente posicionamento dos textos constitucionais do Império e da
República sobre as corporações de ofícios, a liberdade de exercício profissional e a criação
da OAB, pressupõem, para uma compreensão mais lúcida da hermenêutica dos
parlamentares e dos tribunais, que associava a criação da OAB, à criação de uma
corporação de ofício, o que exige, todavia, uma rápida recuperação histórica e conceitual
sobre as corporações de ofícios e o seu papel, muito especialmente, na sociedade medieval.
A atividade artesanal ditou, na evolução econômica da Idade Média, padrões muito
específicos de relacionamento entre os artesãos que trabalhavam em atividades (quase
sempre manuais e apoiadas em instrumentos precários de trabalho) essenciais à
sobrevivência produtiva e à vida doméstica levando à estruturação das corporações como
unidades de treinamento profissional, presididas pelo espírito do aprendizado, da hierarquia
e da solidariedade. Semelhantemente as entidades que se desenvolveram, muito
especialmente na prestação de serviços, como as universidades, a advocacia e a própria
medicina organizavam-se, também, na forma corporativa, o que dava uma certa unidade na
definição dos padrões éticos e de relacionamento entre os profissionais.
100
Organizadas como entidades de direitos exclusivos as corporações de ofício
estabeleciam o monopólio das indústrias artesanais, impedindo que profissionais
independentes da corporação exercessem aquela mesma profissão. Conta-nos Franco Júnior
(2001)
101
que na Europa ocidental-medieval, a indústria era artesanal, ou seja, de produção
caseira, feita pela própria família que necessitava de um determinado utensílio: roupa,
móvel, panela etc. eram produtos cujo único propósito era satisfazer necessidades
100
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na idade média. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2003, p. 98-113.
101
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Brasiliense, 2001.
93
domésticas imediatas. Alguns artesãos se especializavam, em certos ofícios, mas não havia
ainda mercado para eles. Mais tarde, diz-nos Huberman (1979)
102
, nos meados do século
XIV/XV, o mercado começou a crescer dando oportunidade aos artesãos de viver do ofício
em que se especializaram. Se um certo artesão ficava famoso pela qualidade de suas obras
era então mais procurado, precisando, portanto, de auxiliares. Este auxílio era realizado
pelos ajudantes/aprendizes e os jornaleiros. Os ajudantes eram jovens que não só aprendiam
com o seu mestre-artesão, mas com ele moravam e viviam o dia-a-dia sob a sua tutela.
Esse aprendizado durava alguns anos ou, muitos anos, dependendo do ofício.
Terminado o período de aprendizagem, havia um exame e, se aprovado, o aprendiz poderia
tornar-se mestre abrindo uma outra oficina. Caso não tivesse recursos para tanto,
continuava na oficina com seu mestre, agora na categoria de jornaleiro, recebendo um
salário. Se poupasse seu salário, em alguns anos, abriria sua própria oficina, já que não
eram necessários na época grandes recursos para fazê-lo.
103
Com o crescimento dos
negócios os artesãos começaram a formar corporações. Diz Huberman que essas
corporações eram uma espécie de irmandade e que muitas começaram, provavelmente, com
o objetivo de se ajudarem mutuamente em épocas de dificuldades: ...é interessante notar
que a assistência ao desempregado e a aposentadoria, que constituem notícias hoje, eram
proporcionadas pelas corporações artesanais a seus mestres há quase seiscentos anos!
104
.
Afirma, também, o autor, da célebre obra, que as corporações, em seu início,
eram regulamentadas de modo a estabelecer a fraternidade entre seus membros e não a
concorrência, como mais tarde aconteceu. As corporações que começaram como uma
forma de mútua ajuda entre os companheiros, evoluíram como organizações que
estabeleciam a competição, a hierarquia e a exclusividade. No início de sua organização, o
aprendiz de artesão, no seu caminho de aprendizagem, quase que certamente abriria mais
tarde sua própria oficina, tornando-se mestre, mas com a consolidação das corporações, o
aprendiz, muitas vezes, tornava-se, não mestre, mas assalariado.
102
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 15. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
103
Ibid. Veja especialmente o Capítulo VI, que tem o seguinte título: E nenhum Estrangeiro Trabalhará...
104
Ibid., p. 66.
94
No começo das corporações, da mesma forma, um mestre de um dado ofício se
equiparava a outro em prestígio e poder, ao fim, todavia, aqueles mais bem sucedidos, e
que se enriqueceram, subjugavam e menosprezavam os outros, resultando na criação de
corporações superiores e inferiores. Desta forma, aprendiz ou jornaleiro, poucas vezes
chegava ao seu terceiro elemento, sendo que poucos conseguiam ascender à condição de
mestre:
Passar de empregado a patrão tornava-se cada vez mais difícil. À medida que um
número sempre maior de pessoas procurava as cidades, os mestres tentavam preservar
seu monopólio, tornando mais difícil a ascensão, exceto a uns poucos privilegiados. A
prova necessária para tornar-se mestre ficava cada vez mais rigorosa, e a taxa em
dinheiro que era necessária pagar para isso foi elevada – exceto para uns poucos
privilegiados. Para a maioria, aumentaram as obrigações sendo mais difícil galgar a
posição de mestre.
105
A compreensão evolutiva deste quadro geral tem suas bases pioneiras num
estudo histórico realizado por Luis Werneck Vianna, intitulado Os intelectuais da tradição
e a modernidade: os juristas-políticos da OAB, onde o autor em estudo de alcance
perfunctório perpassa aspectos que nesta Tese detalhamos a partir da pesquisa em fontes
primarias
106
evidentemente impossível em seu texto de origem, onde prestigia, todavia, o
nosso trabalho sobre Os cursos jurídicos e as elites políticas brasileiras (Câmara dos
Deputados. 1978) e autores que na mesma época procuraram reconhecer neste tema um
importante caminho para se alcançar discussões sobre modelo de abertura. Na verdade, os
estudos gerais desta nossa Tese não se inspiraram neste trabalho, mas encontraram nele
significativo esforço para se demonstrar que, no tempo histórico, a OAB teria o seu papel
significativo e, inclusive, na estrutura corporativista
107
da constituinte de 1933/34
alcançando, inclusive, as tantas e sucessivas crises que abalaram o estado brasileiro a partir
do envolvimento direto da OAB.
105
Ibid., p. 73.
106
Este Capítulo originalmente foi publicado em Os intelectuais nos processos políticos da América Latina.
Maria Suzana A Soares (org), Porto Alegre, Editora da Universidade CNPQ 1985
107
Destaque-se que o autor, referindo-se a construção da ordem corporativista brasileira, relaciona a sua
construção a outras entidades de profissionais liberais na mesma época, como o fortalecimento da ABI em
1931 a criação do CREIA (1933) e da Academia Nacional de Medicina (1931). VIANNA, Luiz Werneck.
Travessia : da abertura a constituinte. Rio de Janeiro: Livraria Taurus, 1986, p. 79 a 109.
95
Renato Raul Boschi, em recente estudo sobre o corporativismo, observa que:
Corporativismo, no sentido mais abrangente refere-se a uma modalidade de
representação de interesses definida em torno de categorias sociais especificas
geralmente a partir de atividade ocupacional organizadas coletivamente para a defesa
ou realização de seus interesses. O termo tem suas origens nas corporações de oficio
surgidas ao longo dna Idade Media em algumas áreas da Europa – como as guildas dos
paises baixos – que constituíam em grupos organizados, em função de suas categorias
profissionais, para o exercício de atividades produtivas e comerciais. Ao longo do
tempo, com a transformação da ordem feudal para o modo de produção capitalista a
organização corporativa de interesses adquiriu também uma conotação de classe social,
separando de um lado capitalista e de outro trabalhadores.
108
Huberman dá um exemplo, entre outros, de como funcionava esses privilégios
nas corporações de ofício:
Assim, na cidade de Amiens os estatutos das corporações dos pintores e escultores, no
ano de 1400, exigiam do aprendiz um curso de três anos, apresentar sua obra prima e
pagar 25 libras, mas se ‘os filhos dos mestres desejarem iniciar e continuar sua
atividade na referida cidade, poderão faze-lo se tiverem experiência, e pagarão apenas
a soma de 10 libras’. Esse exclusivismo foi levado às últimas conseqüências nos
estatutos dos fabricantes de toalhas e guardanapos de Paris, onde se estabeleceu que
‘ninguém pode ser mestre-tecelão, se não for filho de um mestre’.
109
.
Renato Boschi, como outros tantos autores, independentemente destas relações
desenvolvidas por Huberman, mas sem especular sobre os efeitos dos movimento
corporativo sobre as ciências liberais, observa que:
A noção de organização de interesses corporativos foi apropriada pelo pensamento
autoritário, tendo encontrado expressão formal na carta Del Lavoro e aplicada, na
prática, com a ascensão do fascismo ao poder na Itália. Esta foi a versão do
corporativismo que acabou se difundindo e que foi implantada em alguns paises por
governos de propensão autoritária.
110
Atraindo intelectuais, advogados e profissionais, muitas vezes, herdeiros do
positivismo de A. Comte e de outros intelectuais que abraçaram o cientificismo
sociológico.
108
Ver BOSCHI, Renato. Corporativismo. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTÁCIA, Fática (Org). Reforma
política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 116.
109
Ibid., p. 73-74.
110
Ibid.
96
Como se verificou, nesta mesma Tese, nós chegamos a observar que estes
modelos interventivos, tendo em vista alcançar o desenvolvimento econômico, adquiriram
um formato bismarquista onde o Estado atua decisivamente sobre a ordem econômica para
alcançar resultados positivos de desenvolvimento. No Brasil este formato, ainda para
Boschi, permitiu a incorporação política dos trabalhadores sobre o controle do Estado,
bem como, organização do empresariado e a sua inclusão em alguns órgãos consultivos.
111
Alias, mais do que consultivos, porque esta participação consertada também aconteceu na
composição do próprio parlamento e na estruturação da justiça do trabalho e na formulação
da legislação trabalhista e da CLT.
112
Essa situação se intensificou criando fossos de diferenças entre os que
ascendiam na hierarquia corporativa e os que se transformavam em seus empregados,
pobres. Os ricos, permitindo que as estruturas de fabricação doméstica se capitalizassem, o
que ocorreu na última metade do século XIV,
113
comprometeram as corporações de ofícios
com a história da indústria européia. Na verdade, no tempo histórico, as corporações de
ofício cederam o seu papel social organizativo para o modo capitalista de produção e a
relação harmônica entre mestres, jornaleiros e aprendizes tomou a forma de relação entre
patrões e empregados.
De qualquer forma, as entidades que congregavam profissionais de ofícios
burocráticos, institucionais, intelectuais (como nas universidades)
114
ou de medicina (mais
tarde reconhecidos como profissionais liberais), não se organizavam nestes estritos e
radicais padrões corporativos. Os advogados, como já demonstramos no início desta Tese, e
111
Ibid.
112
Em estudo anterior, em colaboração com Maria Regina Soares de Lima, o mesmo autor evolui em posições
bastante avançadas admitindo mesmo que os novos modelos regulatórios podem contribuir para a restauração
de possíveis arranjos corporativos na intermediação entre o privado e o publico (...). A estrutura corporativa,
enquanto mecanismo de organização e representação de interesses, subsiste em parte no contexto pós-
reformas, embora operando sob o marco de incentivos institucionais distintos. Neste estudo, como um todo,
os autores desenvolvem significativo volume sobre as relações entre o publico e o privado no cenário pós
reformas, especialmente sobre os novos arranjos institucionais, num visível esforço de demonstrar as novas
dimensões de um novo corporativismo no cenário globalizado. Ver de BOSCHI, Renato R; LIMA, Maria
Regina Soares de. O executivo e a construção do Estado no Brasil : do desmonte da Era Vargas ao novo
intervencionismo regulatório. In: VIANNA, Luiz Werneck (org). A democracia e os três poderes no Brasil.
Belo Horizonte: Editora UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. p. 210-211 e 220.
113
Ibid., p. 77.
114
LE GOFF, Jacques, op. cit., p. 98-113.
97
mesmo neste item, apesar dos reveses anticorporativos da Revolução Francesa, e das tantas
e sucessivas manifestações jocosas de Napoleão Bonaparte sobre os advogados,115 em
1810, ele próprio (re)publicara o Decreto que reconhecia a Ordem dos Advogados de Paris
e admitia o seu papel de regulamentação da advocacia como munus público.
116
O discurso de Montezuma na inauguração do IAB, em 1843, sobre as
diretrizes que justificam a organização dos advogados não evoluiu numa linha
apologética das corporações de oficio, como resumidamente apresentamos. Muito ao
contrário a sua posição via no exercício da advocacia uma atividade aberta e
exponencial, que, de certa forma influiu no discurso histórico que presidiu o processo de
criação da OAB. Veja-se as palavras do presidente Montezuma na inauguração do IAB
(1843), sobre o papel da advocacia: Senhores, Bacon, com a eloquencia que lhe é [era]
própria, disse: ‘O Espírito é o homem’. Eu direi – O Cidadão é a Lei: a Lei é sua
execução: Esta depende da intelligencia que se lhe dá. Como desconhecer a
importância da organisação da classe, cuja profissão tem por objecto determinar a
intelligencia da Lei
117
.
Finalmente, no seu esforço reconstrutivo, para Boschi, o corporativismo foi
objeto de diferentes interpretações, tanto nos momentos iniciais de sua implantação, como,
mais recentemente, quando se observa a desconstrução das instituições que presidiram
todo o período do Estado desenvolvimentista. Aliás, um paroxismo, porque a construção
deste Estado também buscou na força corporativista formas de construção (...) mas, de
115
Autores como BALZAC, Honoré de, que produziu Máximas e pensamentos de Napoleão Bonaparte, Porto
Alegre: L&PM, 2005, transcreve frases irônicas sobre os advogados (“interpretar a lei é corrompê-la, os
advogados matam as leis ou uma lei ruim aplicada presta mais serviços que uma lei boa interpretada” etc).
Outro autor também reconhecido que se dedicou a estudar atos de Napoleão sobre o mundo jurídico foi
DUMAS, Alexandre: Napoleão: uma biografia literária. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2004, onde destaca a sua
importância na edição do Código Civil Francês e outros tantos trabalhos que sobreviveram até muito
recentemente. Em nosso livro Introdução à Teoria do Direito, p.11 e segs, estudamos a sua contribuição ao
direito moderno, principalmente a sua importância na Consolidação do Direito Civil Burguês. Dentre os
Presidentes da OAB que melhor destacaram as suas frases sobre o direito e a lei, temos Nehemias Gueiros,
que fez um dos mais interessantes estudos sobre as contradições entre este imperador que teve que desmontar
o Barreau, desarticulado pelos jacobinos para reconstruir a Ordem dos Advogados de Paris infensa ao
cotidiano da Revolução francesa.
116
Ver de BASTOS, Aurélio Wander, Regulamento da Ordem dos Advogados do Brasil de 1810.
117
Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros (Edição fac-similar da Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros – ano I e II – 1862, 1863), ano XI – 1977, número especial.
98
qualquer forma, não há como desconhecer que no período das reformas orientadas ao
mercado (a busca da) completa superação (imperativa) das instituições da era Vargas, o
que alias, analisamos em muitos dos aspectos sucessivos sobre as Emendas Constitucionais
neta Tese, o que o autor reconhece, afirmando mesmo, que o cenário institucional
resultante ainda se encontra indefinido em termos de um regime produtivo mais
tipicamente coordenado por instituições de mercado sem que, todavia, se aprofunde numa
critica indispensável ao novo papel das agencias regulatórias na estrutura do novo Estado
brasileiro, numa visível vivencia conflitiva com o Estado herdado de 1967/69. O quadro
institucional que se apresenta para o futuro não é um quadro de absoluta tranqüilidade,
onde estão visíveis os confrontos entre a legalidade formal e a imprescindível efetividade
das decisões, sejam de natureza executiva, legislativa ou judiciária.
118
4.2.2. Patrimonialismo e Anticorporativismo
O anticorporativismo das nossas elites, por conseguinte, apoiado no falacioso
imbróglio hermenêutico dos textos constitucionais do Império e da República, na verdade,
procuravam entender os seus dispositivos como dispositivos contrários à liberdade do
exercício profissional e que restauravam as corporações de ofício.
119
O reconhecimento
compreensivo desta hermenêutica mais demonstra que ela era, na verdade, uma defesa do
patrimonialismo oligárquico para resguardar os mecanismos organizativos dos Estados,
apoiados no clientelismo e no favoritismo político. A reação antipatrimonialista, como as
próprias alianças oligárquicas, se desenvolveram principalmente, numa forma, também,
esdrúxula de alianças entre o caudilhismo de origem positivista, que saia do Pacto de
Pedras Altas em 1923,
120
derrotado fraudulentamente nas eleições de 1930, pela oligarquia
118
BASTOS, Aurélio Wander. Política Brasileira de Concessão de Serviços Públicos. In Revista Magister.
Vol 1 Fev/mar Porto Alegre 2005. Bimestaral Vol. 10 (ago/set 2006) pp 66 e segs.
119
Ver Cap. I, item 3.2. desta Tese.
120
A História deste Pacto confunde-se com os últimos tempos do Império e com os tempos da Primeira
República no Rio Grande do Sul tendo como protagonista pioneiros o monarquista (restaurador) liberal (e
99
paulista (de cafeicultores), com as dissidências oligárquicas de Minas (pecuaristas) e do
Nordeste (canavieiros), com os militares em ascensão política desde os anos de 1920
(tenentes) e os grupos urbanos de classe média comerciais e industriais.
121
Estes grupos, devido às especiais circunstâncias da época, sofriam de uma
visível influência anti-oligárquica, permeada, em vários escalões, não pelas ideologias de
esquerda, ou mesmo pelo metropolitano corporativismo, mas pelo nacionalismo positivista,
de grande influencia no Rio Grande do Sul, como desenvolvemos em nota, mas
superficialmente sensível à moderna retomada do corporativismo como ideologia
(presumível) da harmonização profissional entre patrões e empregados, como projeto de
construção econômica e social de frações da intelectualidade, mas, em posição, no Brasil,
ainda, confusa em relação ao esquerdismo comunista. Este quadro de idéias estava
absolutamente confuso nos anos 30 mas, estes grupos, especificamente os intelectuais, que
sofriam a influência corporativista, comum em todo o mundo europeu, aproximaram-se, até
pela natureza de suas idéias, do remanescente positivismo brasileiro e, mais facilmente,
influíram institucionalmente, nos primeiros anos da Revolução de 1930, permitindo que ela
evoluísse, de um simples movimento anti-oligárquico, para uma proposta diferenciada de
Estado, que não contou (institucionalmente) com o apoio dos esquerdistas comunistas, já
parlamentarista) Silveira Martins (Conselheiro Gaspar de) e Julio de Castilhos, republicano (florianista)
mesmo durante os fins do Império na Academia de Direito de São Paulo. Proclamada a República fizera-se
um “iminência parta” que conseguiu fazer da Constituição da Província do Rio Grande do Sul (14 de julho de
1891) uma Constituição dos ideais “ultra positivistas” eleito governador, posteriormente também com a
mesma Constituição governou o seu sucessor Borges de Medeiros (o papa verde) que teve forte influência na
formação da pratica política de Getúlio Vargas. Julio de Castilhos, todavia, e os que lhe sucederam,
enfrentaram desde sua posse os Federalistas liderados pelo (habilidoso) Silveira Martins contra a ditadura
positivista (da Constituição) gaúcha. Republicanos (os chimangos) e federalistas (maragatos) enfrentaram-se
até 1923 quando se firmou o Pacto de Pedra Altas articulado pelo governo de Artur Bernardes (1922/26) cuja
principal característica foi proibir as reeleições permitidas na Constituição do Rio Grande do Sul.
Imediatamente antes de 1922 e depois do Pacto em 1924 iniciaram-se os ciclos das rebeliões que desaguaram
na Revolução de 1930. CRUZ Costa. Pequena Historia da República (coleção Temas, Problemas e Debates).
Vol. XIII, ed. Ed Civilização Brasileira, 1968, p. 76 e segs. Ver também, ABRANCHES, Dunshee de. Atas e
Atos do Governo Provisório. Rio de Janeiro: s/e, 1907 e também DANTAS, F. C. San Tiago. Dos Momentos
de Rui. Rio de Janeiro, s/e, 1951, pp. 38 e 39.
121
Interessantemente não existem destaques neste quadro de alianças dos revoltosos da Coluna Prestes, uma
força autônoma que, pouco mais tarde, se juntará, com a liderança de Carlos Prestes, ao Partido Comunista
Brasileiro, criado em 1922. Na verdade, a proposta antioligarquica da esquerda comunista corria por fora da
estrutura de poder do estado. Os comunistas não eram uma fração de poder estatal, mas tinham uma proposta
alternativa ao Estado de classe ou das classes dominantes mesmo ente si conflitivas na luta pelo poder, como
ocorreu imediatamente antes de 1930 e imediata e mediatamente após.
100
naquela época de vários matizes, mas manteve os brasões que marcaram a Republica
Positivista.
122
Neste contexto, voltamos a insistir, muitas das lideranças intelectuais, dentre
elas, a elite dos advogados do IOAB, incluindo seu presidente Levi Carneiro,
confrontaram-se historicamente com a contumaz resistência dos oligarcas e de sua
representação política no combate à criação da OAB, que, efetivamente, representava um
projeto de desconstrução do patrimonialismo oligárquico, em muitas ocasiões travestido de
ilustrado bacharelismo. Aquelas resistências tornaram as frações revolucionárias
Victoriosas, sensíveis ao corporativismo como ideologia anti-oligárquica com profundas
conexões com o intelectualismo autoritário, onde destacaram-se Oliveira Viana, Alberto
Torres e também, com projetos educacionais progressistas como as propostas de Anísio
Teixeira, na Associação Brasileira de Educação, da qual Levi Carneiro fora, também,
Presidente (1929).
Estes intelectuais preocupados com a remodelação do velho Estado de natureza
patrimonialista, dominado pelos oligarcas (e coronéis), seus adversários históricos na luta
pela criação da OAB, advogados militantes do IOAB aproximaram-se das lideranças
revolucionárias, muito especialmente, Oswaldo Aranha, para criar a Ordem dos Advogados
Brasileiros (depois do Brasil).
123
O sucesso do empreendimento comprometeu a OAB com
as políticas de Estado, fazendo com que o seu presidente funcionasse até 1938,
inicialmente, como parlamentar e, posteriormente, como consultor jurídico.
122
Augusto Comte nasceu em Montpellier, França em 1798. Foi um estudante brilhante e é considerado o
fundador da sociologia como uma ciência que poderia ser tão positiva como positiva era a física e a
matemática como referenciais de reflexão. Para Comte só há uma máxima absoluta de que nada é absoluto e
que tudo é relativo, e só isso é absoluto (p 9 e segs.). Para o desenvolvimento desta Tese fizemos uma
releitura superficial do seu livro Discurso sobre o espírito positivo, na expectativa de identificar conexões
mais evidentes com o corporativismo ideológico, o que efetivamente só pode ser identificado no projeto
autoritário de Estado. O pensamento positivista de Augusto Comte teve grande influência na virada
republicana brasileira, impondo-se, simbolicamente, com mais força do que o próprio federalismo
republicano. Benjamim Constant não pode ser esquecido entre estes nomes, especialmente o seu papel de
liderança decisiva, assim como Miguel Lemos e Teixeira Mendes. A força positivista era tão grande na queda
imperial que o dístico Ordem e Progresso positivista sobrevive como dístico da Bandeira Nacional até hoje.
123
O Regulamento de 1931 organiza o que denomina de Ordem dos Advogados Brasileiros, depois, no
Regulamento de 1933, altera a nomenclatura para Ordem dos Advogados do Brasil, denominação que
permanece até hoje dando seguimento ao ato de criação da OAB em 1930 pelo Decreto n° 19.408, de 18 de
novembro de 1930.
101
Este quadro de articulações torna impossível dissociar a criação da OAB da
Revolução de 1930: historicamente porque a luta contra os representantes do
patrimonialismo oligárquico procurou no passado vincular a OAB aos modelos medievais
de corporações de ofício e, politicamente porque o corporativismo ideológico ascendente
em 1930, com muitos sinais do ideário profissional medieval, influenciou, marcantemente,
momentos revolucionários, que, se não tiveram a adesão funcional da OAB, contaram com
a colaboração, senão institucional, de Levi Carneiro, com sua liderança exponencial: o
modelo representativo do Código Eleitoral de 1932, a Constituinte de 1933/34 e a
construção da Constituição de 1934, enquanto vigiu até 1937
124
Na verdade, a luta pela
criação da OAB, em 1930, convergiu para as lutas anti-oligárquicas e antipatrimonialistas,
numa visível demonstração que a luta pela institucionalização do ideário profissional dos
advogados caminhou no sentido de se construir um estado que desmontasse as alianças de
sustentação do patrimonialismo oligárquico.
Pensadores e juristas como Victor Nunes Leal,
125
Raymundo Faoro,
126
e Paulo
Mercadante,
127
dentre tantos outros, diagnosticaram e estudaram em profundidade a questão
do Estado patrimonialista no Brasil, sem que o observassem, ou pelo menos efetivamente
assumissem, na sua crise interna a força intelectual do corporativismo como (nova) teoria
do estado e o papel da criação da OAB no desmonte de sua natureza jurídica e práticas
consuetudinárias. Por isto, no Brasil, não temos, propriamente, por um lado, uma literatura
que relacione a onda intelectual corporativista como reação anti-oligárquica e, nem muito
menos, como crítica política ao patrimonialismo.
Para os autores citados, fica, todavia, absolutamente, visível, que uma das
características essenciais do Estado patrimonialista, é a superposição das funções públicas
do Estado com interesses privados, que, se não provoca a estatização de decisões privadas,
com certeza influi decisivamente na privatização de interesses e decisões públicas. Todavia,
124
BASTOS, Aurélio Wander. Fundamentos Eleitorais do Estado Brasileiro – 1889/1950, op. cit.
125
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5ª ed.
São Paulo: Alfa-Omega, 1986.
126
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre:
Globo, 1958.
127
MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1965.
102
estes autores, e muitos que os seguiram, mesmo dispersamente, não atentaram para o fato,
aliás, quem sabe, muitos, também, que estiveram envolvidos na redação dos próprios
regulamentos da OAB, que os seus regulamentos, que o ideário profissional dos advogados,
era a antítese do estado patrimonialista, a abertura imprescindível para a construção de um
estado de novo tipo no Brasil, que dissociasse a ação jurídica pública da ação jurídica
privada.
No que se refere especificamente à advocacia, como ela é um munus publicus,
“mais do que um direito, um dever de servir a quem busca o seu direito”, imprescindível à
administração da justiça, historicamente, ela nasce e se desenvolve, senão diretamente,
comprometida com o estado, como um serviço prestado a ele diretamente, ou mesmo pelo
advogado, ou terceiros provisionados (por ele), tornava, quase impossível, que suas
atividades específicas se confundissem com o próprio Estado (patrimonialista) que levou à
República dos bacharéis.
128
O seccionamento do embricamento funcional entre o público e
o privado tornou-se imprescindível, por conseguinte, à sobrevivência da própria atividade
funcional da advocacia, objetivo central das lutas para viabilizar a independência e a
autonomia da advocacia. Assim, a luta pela construção da OAB foi a luta historicamente
desenvolvida pelo Estado de Direito contra a acumulação de funções públicas e privadas
inerentes ao estamento burocrático patrimonial.
Os estados, quando assumem uma natureza absolutista, concentrando
excepcionais poderes no Monarca, ou no Imperador, normalmente confundem-se com os
interesses privados. Inicialmente os interesses privados do monarca e os interesses públicos
e, posteriormente, os interesses públicos, como se fossem interesses do próprio Monarca. A
conexão íntima entre estas funções, em geral, se complica, porque o monarca absoluto tem
todos os poderes inerentes ou imanentes ao Estado. Neste sentido, ele toma decisões
128
Bacharelismo é o fenômeno típico da Política Republicana Brasileira, onde os administradores bacharéis
mais demonstravam amor às letras e ao humanismo. Segundo o dicionário de Ciências Sociais, FGV, 1986, 1
ed., o termo é originário da palavra francesa antiga bacheler ou bachelelier, aquele jovem que aspira a
cavaleiro, sua origem seria do latim baccalau . Os bacharéis tiveram grande influência na política brasileira,
geralmente ocupando cargos de estado sob a influência patriarcal dos oligarcas. O termo nunca foi bem
aceito, no Brasil o anti bacharelismo veio na crista de um movimento eivado de desconfianças anti humanistas
e anti clericais. E seu anti idealismo desfechou no realismo do Estado Novo, objeto de estudo nesta Tese. José
Arthur Rios foi o autor do extrato publicado no dicionário citado com muito mais extensão e demonstrando
seu puro conhecimento do tema quando principalmente estuda o livro de
VIANA, Oliveira – Idealismo da
Constituição. (2.ed.). São Paulo: Nacional. 1939 que viera futuramente a ser reconhecido como um dos grandes
críticos do Estado oligárquico brasileiro, também objeto desta Tese.
103
executivas, administrativas, legislativas e judiciais que envolvem interesses públicos (ou de
Estado) ou privados, que, como não poderia deixar de ser, têm uma natureza muito própria,
porque, elas mesmas, são concessões ou franquias imperiais, assim como, e por isto
mesmo, exerce todas as funções de Estado.
Neste contexto, o advogado (bacharel formado), ou qualquer “cidadão”
provisionado, exerce(ria) uma função fundamental para intermediar, junto do aparato
burocrático monárquico, interesses privados, muitas vezes superpostos com interesses
públicos ou, mesmo, interesses públicos que favorecem o particular. Esta natureza ambígua
do Estado fortalece os poderes autocráticos e, quase sempre, os poderes do advogado
(ficaram) muito reduzidos, deixando fortalecidos os poderes dos “rábulas” ou
provisionados em geral, enquanto profissionais (advogados) que o são (profissionais) por
interesse ou delegação exclusiva do próprio Estado patrimonial, viciando e comprometendo
a natureza do Estado.
O fortalecimento do papel do advogado, na verdade, é um fenômeno recente
associado ao advento do Estado moderno, após a Revolução francesa, especialmente com a
implantação do sistema de poderes pensado por Montesquieu
129
e Benjamin Constant,
130
e a
constitucionalização do Estado, mesmo que, ainda, acanhadamente, reconheçam no livro
Autoridade da Lei a funcionalidade do Estado, nas palavras do jurista napoleônico
Blandeau.
131
Neste novo contexto, todavia, ficaram mais claras as funções dos advogados
(e dos juízes), no específico espaço do Poder Judiciário, assim como, com a promulgação
dos Códigos (no caso específico brasileiro, com o sucessivo esvaziamento das Ordenações
Filipinas), mesmo que os demais poderes ainda resguardassem algumas funções
contenciosas e judiciosas.
Apesar da especificidade da evolução institucional brasileira a situação foi
relativamente semelhante e, de certa forma, mais grave, devido à estruturação
constitucional imperial de 1824, que, mais ao modelo de Benjamin Constant, do que de
129
MONTESQUIEU, Charles Louis de. O espírito das leis. São Paulo: Abril, 1983.
130
CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Prefácio e organização de Aurélio Wander
Bastos. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1989.
131
MACHADO NETO, A. L. Compendio de Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1973. Onde
Blondeau defende um estritivíssimo positivismo legal, doutrinando que a sentença é um mero conclusivo da
Lei. Veja de Blondeau. Académie de Sciences Morales e Politiques. “L’autorité de la loi” ,1841, p. 20 e 21.
104
Montesquieu, criou o Poder Moderador, como quarto poder, que concentrava as funções
reais e, também (nos juízes, nas relações e no STJ),
132
tantas funções judiciais, executivas,
legislativas e administrativas.
133
É, exatamente, esta situação política da relação entre os
poderes que favoreceu, considerando inclusive, os antecedentes coloniais e do período do
Reino Unido, a sobrevivência dos resíduos absolutistas do poder, por um lado, e, por outro,
na forma do patrimonialismo pragmático do Império e da República Velha.
A Ordem dos Advogados Brasileiros (posteriormente, do Brasil), foi criada no
contexto do quadro revolucionário de 1930, marcado pela luta antioligárquica e pelas
expectativas de reformatação do Estado brasileiro. No projeto revolucionário, todavia, de
reformulação do Estado brasileiro não podemos desconhecer, que, dentre os seus propósitos
centrais, como vertente eleitoral alternativa à políticas oligárquicas dominantes, estava o
objetivo de se modificar o corrompido sistema distrital de representação parlamentar,
controlado pelos oligarcas, para se viabilizar a representação proporcional por estado
federado combinadamente com a representação profissional de empresários, operários e
profissionais liberais
134
. Esta abertura para um novo modelo de representação política,
alternativo ao sistema de representação distrital, controlado pelos oligarcas, é, que,
permitirá, exatamente, uma reversão absoluta, não apenas dos dispositivos constitucionais-
eleitorais dominantes durante o Império e a República, mas dos próprios grupos de elite no
poder.
135
Os dispositivos eleitorais, imperial e republicano, que resguardaram a
permanência dos grupos tradicionais de poder no Brasil, transportando dos barões do
Império para os oligarcas da República a representação de interesses similares no
Parlamento, também, como conseqüência, inviabilizaram a organização corporativa dos
advogados, rejeitando sucessivos projetos de lei com base numa paradoxal hermenêutica
132
BASTOS, Aurélio Wander. O Legislativo e a criação do Supremo Tribunal no Brasil - 1826/1828. Pesquisa e
Elaboração do Plano Geral. Co-edição da Câmara dos Deputados e da Fundação Casa de Rui Barbosa - 1978.
133
Ibid.
134
Ver Decreto nº 21076, de 24 de fevereiro de 1932 primeiro Código Eleitoral brasileiro que extensamente
analisamos. Ver, também, B
ASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral, op .cit. e destacamos as suas tantas
contribuições para a modernização política brasileira, tais como: a criação da Justiça Eleitoral, a criação do
voto feminino a introdução do voto profissional, o hábeas corpus para crimes eleitorais, etc.
135
BASTOS, Aurélio Wander. “Leis e Poder: a experiência de dominação eleitoral na Primeira República”. In:
BRASIL, Olavo (org.). O Balanço do Poder. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1983.
105
constitucional, que entendia que os dispositivos constitucionais sobre liberdade profissional
impediam a criação da Ordem dos Advogados como instituição corporativa.
136
A Revolução de 1930 tinha como principal escopo, a realização de uma ampla
reforma institucional, que, principalmente, corrigisse os vícios do passado e reequilibrasse
as condições de poder, esvaziando o domínio dos “coronéis” oligárquicos e recompondo
uma nova aliança dos fatores reais de poder
137
mais abertos às novas movimentações
sociais e urbanas.
138
As propostas reformistas, neste contexto, se desenvolviam em duas
grandes vertentes: em primeiro lugar, a vertente liberal democrática, originaria de antigas
posições federativas de Rui Barbosa, que defendia o saneamento do sistema político através
do voto universal, do voto secreto e da criação da Justiça Eleitoral e, em segundo lugar, a
vertente social-corporativista, especialmente formulada por intelectuais nacionalistas, que
propunham a criação de um sistema de representação, composta por deputados eleitos
diretamente, na forma proporcional estadual, e de deputados classistas escolhidos
diretamente por sindicatos profissionais, patronais e operários.
139
O Instituto dos Advogados, não se envolveu diretamente, com estes
movimentos sociais corporativistas que pleiteavam a representação parlamentar profissional
136
Neste mesmo Capítulo e dispersamente nos imediatamente posteriores estudamos esta questão mais
detalhadamente, procurando demonstrar que a hermenêutica oligárquica tinha uma finalidade defensiva e
visava evitar que um estatuto oficial da OAB pudesse desarticular os seus arranjos internos do poder, como
demonstramos, reconheciam o exercício cumulado de funções públicas e privadas.
137
O mais expresso autor sobre esta questão das relações entre os “fatores reais de poder” e sua influência
sobre as constituições foi LASSALE, Fernand . A essência da Constituição. 7. ed. Prefácio de Aurélio
Wander Bastos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Ver especialmente o Prefácio de Aurélio Wander Bastos,
p. 5-17.
138
O Governo Provisório de 1934 apresentou muitos ganhos positivos dentre elas a reforma eleitoral de 1932
(com voto secreto, representação proporcional, o sufrágio feminino, o regime de partido e a justiça eleitoral,
muito embora discutamos longamente a questão do voto profissional) o Código do Trabalho, que estava na
plataforma de 1930 (incluindo a estabilidade e o amparo ao trabalho das mulheres e dos menores, a adesão ao
burreau internacional do trabalho de Genebra), criação do Ministério do Trabalho Industria e Comércio, a
decretação da legislação trabalhista, previdenciária e a justiça do trabalho em 1934 (nascida com as comissões
mistas de conciliação e julgamento. A Revolução, todavia, marcou-se pelo projeto de emancipação econômica
de base nacionalista foram editado o Código das Águas, nacionalizadas progressivamente as minas e jazidas
minerais e as fontes de energias tornaram-se propriedade nacional inalienável, vários contratos internacionais
na área de mineração foram anulados e implementaram-se as comissões de planejamento de petróleo e
siderurgia. A estrutura agrária, todavia, não foi alterada apesar das ostensivas políticas de liquidação do
coronéis).
139
Não propriamente podemos afirmar os compromissos políticos e ideológicos destes autores com esta linha
de pensamento, mas neste contexto devem ser analisados e compreendidos.
106
e classista, até mesmo pelas origens liberais de seus compromissos e pelos profundos
vínculos dos advogados com o velho e decadente estado oligárquico. Todavia, os fatos
históricos sucessivos, demonstraram, que, não é de todo improvável, que, lideranças do
IOAB, envolvidas com a intelectualidade que apoiou o movimento revolucionário tenham
influído na criação da OAB, ainda nos albores da revolução, quando veio a ser editado o
Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, em cujo art. 17 dispunha:
Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de seleção e disciplina dos
advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros, com a colaboração dos institutos dos estados, e aprovados pelo
governo.
140
À época de criação da OAB, era Presidente do IOAB o advogado Levi Carneiro
(1928-1930), que fora, também, anteriormente conselheiro do Instituto no conturbado ano
de 1922 e, logo após, candidato derrotado para a gestão de 1926/28 por Rodrigo Otávio
Langard Menezes, Presidente entre 1916/18 e 1926/28. A especial posição de Levi
Carneiro, na Presidência do Instituto, lhe permitiu, na forma do Decreto de criação, exercer
vastíssima influência política corporativa contribuindo para elaborar o primeiro estatuto da
OAB, colocando-o em votação, e, externamente inclusive, representar a OAB na
Assembléia Constituinte de 1933, eleito na forma do Código Eleitoral de 1932, como
deputado profissional, um especial modelo sempre questionado na história brasileira
recente.
Todavia, o desdobramento dos fatos, nas circunstâncias históricas que ocorrem
nem sempre são lídimos o suficiente para traduzirem a sua exata compreensão, exigindo as
aberturas metodológicas para se obter a convicção compreensiva. Assim em Ata do
Conselho Federal da OAB encontra-se carta de André de Faria Pereira que faz o seguinte
esclarecimento de relevância
141
histórica, senão para elucidar, para obscurecer:
140
O Decreto nº 22478, de 20 de fevereiro de 1933, que consolidou diversos decretos regulamentares
modificativos do Decreto nº 20.784, de 14 de dezembro de 1931, passou a denominar Ordem dos Advogados
Brasileiros de Ordem dos Advogados do Brasil.
141
Haroldo Valladão, Carta transcrita na Ata da 607º Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF/OAB de 5 de
dezembro de 1950. Ver, também, nota referente à Ata da 353ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do
CF.OAB de 18 de julho de 1944, em que André de Faria Pereira, juntamente com outros conselheiros, reagem
a atos de repressão praticados contra o líder liberal ascendente Pedro Aleixo.
107
Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 1950.
Exmo. Sr.
Professor Haroldo Valladão
M.D. Presidente do
Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil
Nesta.
Saudações atenciosas.
Distinguido por V. Excia., como convidado de honra, para assistir à
sessão comemorativa do 20º aniversário da creação da Ordem dos Advogados do
Brasil, tive a grande satisfação de comparecer a essa solenidade, prestigiada pela
presença de representantes dos altos Poderes da República e pelos expoentes máximos
da Magistratura e da advocacia. Os eloqüentes discursos proferidos, salientando o
prestígio conquistado pela Ordem, nesses vinte anos de profícua existência, fixaram os
traços fundamentais da sua história e os nomes dos beneméritos advogados que,
durante longos anos, lutaram pela sua creação. Notei, entretanto, uma certa imprecisão
dos oradores na fixação da verdadeira origem do artigo 17 do decreto nº 19.408, de 18
de Novembro de 1930, que creou a Ordem dos Advogados e, melhor esclarecendo,
julguei do meu dever trazer o meu testemunho pessoal, para que a história traduza a
verdade inteira dos factos. Surpreendido com a minha reintegração, por decreto da
Junta Governativa de 30 de Outubro de 1930, no cargo de Procurador Geral do Distrito
Federal, de que fora ilegalmente exonerado pelo Presidente Washington Luiz, sugeri à
Oswaldo Aranha, logo que ele assumiu o cargo de Ministro da Justiça, do Governo
Provisório, a necessidade de se modificar a organização da então Corte de Apelação,
visando normalizar os seus serviços e aumentar a produtividade de seus julgamentos.
Concordando com a idéia, pediu-me o Ministro organizasse um projeto de decreto e eu,
conhecendo bem, como antigo sócio do Instituto dos Advogados, a velha aspiração dos
advogados e as baldadas tentativas para sua realização, bem como, impressionado com
o desprestígio a que descera a classe, preparei o projeto e inclui nele o dispositivo do
art. 17, creando a Ordem dos Advogados, e o submeti à crítica de um único colega, hoje
respeitado Ministro do Supremo Tribunal Federal – Edgard Costa, que sugeriu algumas
medidas, que foram adotadas, entre elas, a da supressão do julgamento secreto, na
Corte de Apelação, antes introduzida na legislação. Levei o projeto a Oswaldo Aranha,
que lhe fez uma única restrição, exatamente ao artigo 17, que creava a Ordem dos
Advogados, dizendo não dever a Revolução conceder privilégios, ao que ponderei que a
instituição da Ordem traria, ao contrário, restrição aos direitos dos advogados e, que,
se privilégio houvesse, seria o da dignidade e da cultura. Discutimos, o Ministro e eu,
esse ponto, do projeto, quando chegou Solano Carneiro Cunha, como eu, depositário da
amizade e confiança de Oswaldo Aranha, que, felicitando-me pela oportunidade da
idéia, reforçou meus argumentos, aceitando o Ministro, integralmente, o projeto,
levando-o na mesma tarde, ao Chefe do Governo Provisório, que o assinou,
imediatamente, sem modificação de uma vírgula. Trazendo meu testemunho a respeito
daquele dispositivo, que creou a Ordem dos Advogados do Brasil, não viso reivindicar
glórias para meu nome, desde que a minha intervenção resultou de mero acidente na
minha vida profissional, isto é, encontrar-se na pasta da Justiça – ao voltar eu ao cargo
de que fora esbulhado e cuja reintegração estava pleiteando em Juízo – Oswaldo
Aranha, a quem me ligavam laços de família e velha amizade e a cujo espírito público e
inteligência se deve a assinatura daquele decreto com o dispositivo creando a Ordem
dos Advogados do Brasil. Os serviços que a Ordem tem prestado, – saneando,
disciplinando e defendendo a classe dos advogados e punindo seus membros faltosos –
são notáveis e já proclamados pela consciência coletiva, e o seu crescente prestígio
constitui motivo de orgulho para todos que trabalharam para sua creação e colaboram
na realização de seus patrióticos objectivos.Queira V. Excia. receber a segurança do
alto apreço e distinta consideração do colega, que se orgulha de pertencer à classe dos
108
advogados brasileiros, depois de haver ocupado elevados cargos da Magistratura e do
Ministério Público, Amo. Admor. André de Faria Pereira.
142
Na mesma linha, Armando Vidal, que já realizara estudos sobre a criação da
OAB,143 em 1915, encaminhou ao Conselho Federal da OAB, documento lido na sessão
de 5 de dezembro de 1950, comemorativa dos 20 anos de sua criação, que, também,
historia, a origem do art. 17 do Decreto 19.408, de 18 de novembro 1930. No citado
documento, na verdade, artigo publicado no Boletim do IAB declara:
que a proposta [do art. 17] fora do Dr. André de Faria Pereira ao Ministro da Justiça,
Osvaldo Aranha, que fizera objeções em face da liberdade profissional então vigente no
Rio Grande do Sul. O Dr. Solano Carneiro da Cunha, presente ao debate, apoiou a
opinião do Dr. André de Faria Pereira e o dispositivo do art. 17 foi incluído no projeto
de reforma da Corte de Apelação submetido ao Chefe do Governo Provisório Getúlio
Vargas, que aprovou a criação, ficando o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros
com a atribuição de organizar o regulamento que seria submetido ao Governo para
aprovação.
144
Como se verifica, remanesceram críticas, ou semeou-se a dúvida, sobre a
ostensiva posição de Levi Carneiro no processo de criação da OAB, devido à participação
de André de Faria na reunião que decidiu colocar no art. 17 no Decreto nº 19.408/30 que
142
Ata da 1334ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de novembro de 1975, informa que
naquela data se comemoravam os 45 anos de criação da OAB. Na ocasião, Nehemias Gueiros, antigo
Battonier, pronunciou palestra onde observou que a iniciativa de incluir o art. 17 no Decreto nº 19.408/30
partiu do Desembargador André de Faria Pereira e teria tido o apoio do grande advogado Oswaldo Aranha,
então Ministro da Justiça. Finalmente, destacou a personalidade de Levi Carneiro, primeiro Battonier da
entidade, que, em erudito Parecer, proferido em 15 de novembro de 1931, como Consultor Geral da
República, justificou a necessidade de se baixar o Decreto (Decreto-Lei na verdade) nº 20.784, de 14 de
dezembro de 1931, que criou o primeiro regulamento da OAB, obedecendo a orientação do art. 17 do Decreto
nº 19.408/30.
143
Ver VIDAL, Armando. A creação da Ordem dos Advogados (collectada dos principaes trabalhos relativos a
esse assumpto, organizada pelo Dr. Armando Vidal, 2º Secretário do Instituto). Boletim do Instituto da Ordem
dos Advogados Brasileiros, n. 2, 1. v., 1925.
144
Ficou designado como relator do anteprojeto de Regulamento Armando Vidal, que, após, encaminhou a
sua redação em 4 de dezembro e iniciou a sua avaliação com Levi Carneiro, presidente do IOAB, inclusive,
através de correspondência, recebendo o apoio de infraestrutura de Letácio Jansen, Oscar Saraiva, Moutinho
Doria, Gabriel Bernardes, Arnaldo Medeiros, Candido Mendes de Almeida e seus colegas de Comissão Ribas
Carneiro, Gabriel Bernardes e Miranda Jordão, que também recebeu contribuições do Club dos Advogados. O
projeto não foi detalhadamente discutido em todos os Institutos estaduais, mas obteve parecer de Vicente Ráo
e de Antonio Moraes Barros e Cardoso de Melo Neto. O Estatuto veio a ser publicado pelo Decreto nº 22.039
de 19.12.31. Armando Vidal foi eleito membro do primeiro Conselho da OAB e revisor do Decreto anterior
modificado pelo Decreto nº 22.039, de 1° .12.1932 (o Boletim da Ordem, p. 12, 17, 23 e 33, noticia aspectos
desta necessária revisão)
. Este Estatuto veio a ser regulamentado pelo Regimento Interno de 13.03.1933.
Estes decretos vieram a ser consolidados pelo Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933.
109
criou a Ordem dos Advogados Brasileiros, o que não ocorre, todavia, com o primeiro
Decreto regulamentar de 1931, elaborado pelo IOAB, na forma do referido Decreto do qual
Levi Carneiro era presidente. De qualquer forma, diga-se, a partir da prática e experiência
legislativa, que, dificilmente, principalmente em período revolucionário, se citaria, em
qualquer ato ou decreto, uma entidade histórica de advogados, se lhe atribuindo a grave
responsabilidade de disciplinar a advocacia, sem que o seu presidente ou os seus
conselheiros não fossem consultados e, mais, admitimos mesmo que este foi o pacto do
IOAB com o governo revolucionário.
145
Da mesma forma, foi de Levi Carneiro, nomeado Consultor Geral da
República, em 1931, o parecer que justificou o Decreto nº 22039, de 12 de dezembro de
1931 que definiu os poderes disciplinares da OAB em relação ao quadro de advogados, na
verdade, o primeiro catálogo expositivo do ideário profissional. Vencida esta etapa o IOAB
indicou os seguintes membros para o primeiro Conselho do OAB: Presidente Levi
Carneiro, Conselheiros: Justo Moraes, Miranda Jordão, A. Moutinho Doria, Armando
Vidal, Nilo C. L. de Vasconcelos, Zeferino de Faria, Antonio Pereira Braga, Gabriel
Bernardes e Candido Mendes de Almeida. Posteriormente, da mesma forma, em
contribuição impar, Levi Carneiro conseguiu aprovar o Código de Ética e Disciplina em 25
de julho de 1934, pelo Conselho Federal, imediatamente após a promulgação da
Constituição de 16 de julho de 1934, do qual fora deputado Constituinte (de representação
profissional).
Finalmente, estas narrativas documentais enriquecem o contexto histórico, mas,
de qualquer forma, há que se considerar que foi colocado no art. 17 do Decreto,
exatamente, o que convinha ao IOAB e ao seu presidente Levi Carneiro, que, não por
coincidência, viria também a ser o primeiro presidente da OAB e o relator do primeiro
Decreto regulamentar, enquanto Consultor Geral da República, que definiu os poderes
disciplinares da OAB; exemplares, inclusive para as reformas futuras, e, pelas
circunstâncias da época, e se lhe definiu como serviço público federal, vinculado ao poder
público; como veremos, a questão crítica que presidirá os seus propósitos de organização
futura.
145
Ver Ata da 607º Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF/OAB de 5 de dezembro de 1950, e, ainda, Jornal
do Comércio de 06.12.1930, 18.12.1930, 10.12.1931.
110
4.2.3. A Instalação do Conselho Federal
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados foi, solenemente, instalado, no
dia 9 de março de 1933,146 na sede do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros,
localizada no edifício Silogeu,147 pelo seu presidente Levi Carneiro, presentes os
presidentes e delegados das seções da Ordem, já organizadas,148 com a presença do
representante do chefe do governo provisório o Ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, do
presidente da Corte de Apelação do Distrito Federal Elviro Carrilho e representantes dos
ministros da Justiça, do Trabalho e das Relações Exteriores e da Marinha, interventores
estaduais, inclusive representante do Interventor do Rio Grande do Sul, Carlos
Maximiliano, magistrados e advogados, quando, também, foram lidas cartas de
congratulações de diferentes interventores de estados brasileiros, inclusive São Paulo.
146
No dia 6 de março de 1933 foi realizada a primeira sessão preparatória da instalação do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a presidência de Dr. Levi Carneiro, presidente do Conselho do
Distrito Federal, eleito na forma do disposto nos artigos 84 e 106, do Decreto nº 22.4478, de 20 de fevereiro
de 1933 (Decreto que veio a alterar, dentre outros, o primeiro Decreto regulamentar em 1931) na segunda
Sessão Preparatória da instalação do Conselho Federal realizada na sede o IOAB no Edifício do Silogeu
Brasileiro, no dia 9 de março de 1933, mediante escrutínio secreto. Assumiu a presidência dos trabalhos por
aclamação geral. Foi também eleito naquela ocasião o Secretário Geral Atílio Vivacqua. Recebeu também um
voto para presidente contra 8 (oito) votos do eleito, Azevedo Marques e para Secretário Geral com 1 (um)
voto contra 7 (sete) votos do eleito os Drs. Arnaldo Medeiros e Luiz Gallotti. Ver Ata da 2ª Sessão
Preparatória para Instalação do CF/OAB em 9 de março de 1933.
147
O Silogeu foi uma construção do início do século XX (1903/4) e abrigava o IOAB e o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, a Associação Nacional de Medicina e a Academia Brasileira de Letras. Demolido no
início dos anos 70, no local foi construído o atual IHGB, onde, ainda, se encontram instalações do IAB.
148
Na Sessão de Abertura e na 1º e 2º Sessões preparatórias estiveram presentes presidentes e representantes
dos estados, tais como: de São Paulo, professor Azevedo Marques; de Minas Gerais, Estevão Pinto; do Rio
Grande do Sul, Arnaldo Medeiros; do Amazonas, Leopoldo Cunha Melo, que foi designado pelo presidente
secretário da reunião, representando o desembargador Sá Peixoto, presidente do Conselho do Amazonas; do
Maranhão, João de Matos, sendo que o presidente do Conselho do Distrito Federal (Levi Carneiro) indicou
como seus representantes Armando Vidal Leite Ribeiro, Gabriel Loureiro Bernardes, Augusto Pinto de Lima
e Edmundo Miranda Jordão. Representou Santa Catarina o Dr. Nereu Ramos, estando, também, presente:
Luiz Callotti, Arnaldo Tavares, vice-presidente da Sessão do Rio de Janeiro. Nesta sessão discutiu-se o
projeto de Regimento Provisório de Conselho Federal elaborado pelo Dr. Levi Carneiro. A sessão encerrou-se
com discussões protocolares sobre a instalação do Conselho Federal. Ver Ata da Sessão de Instalação do
CF/OAB de 6 de março de 1933 e da 2ª Sessão Preparatória de Instalação na mesma data.
111
No pronunciamento de posse,149 em 9 de março de 1933 o presidente Levi
Carneiro proferiu
notável discurso, em que historiou a fundação e organização da Ordem salientando que
nenhuma instituição se criou, ainda, entre nós, por uma colaboração tão intensa, tão
larga, de tantos e tão conspícuos homens da mesma profissão e focalizando o seu
alcance e significado, como órgão de seleção, de disciplina, de cultura e de
aperfeiçoamento moral, enquadrado pela revolução entre as reformas destinadas a
remodelar a nacionalidade.
Como se verifica, não deixou, Levi Carneiro, de ressaltar dentre os propósitos
do ideário da OAB, que a instituição criava-se dentre as reformas da revolução para
remodelar a nacionalidade.
Muito embora, o pronunciamento de Levi Carneiro, não seja distintivo de
posicionamentos e opiniões sobre a situação político-constituinte, os discursos, que se
seguiram, muito bem traduzem as relações de reconhecimento do papel de Levi Carneiro na
construção da Ordem e dos documentos jurídicos que sustentaram a sua criação. Ribas
Carneiro, que foi muito aplaudido após o discurso do presidente, justificou a homenagem
dos advogados brasileiros ao Dr. Levi Carneiro, pelos seus relevantes serviços prestados à
iniciativa de criação da Ordem, o qual disse o orador com aplausos gerais foi o principal
orientador e cooperador de sua organização,
150
enfraquecendo as teses críticas que
procuraram subtrair do primeiro Presidente o mérito articulativo.
Os pronunciamentos que ocorreram na solenidade de instalação da OAB, bem
como nos atos preparatórios, não denunciam qualquer compromisso de natureza ideológica
com o governo revolucionário, muito embora, Levi Carneiro, como observamos, em seu
pronunciamento, reconheça o significativo papel da OAB enquadrada pela revolução para
149
Ata de Instalação do CF/OAB de 9 de março de 1933, sob a presidência de Levi Carneiro (documento
avulso).
150
Arnaldo Medeiros aplaudindo a moção de Ribas Carneiro fundamentou, também, em brilhantes palavras,
uma homenagem aos presidentes do Instituto da Ordem dos Advogados que, desde Montezuma se esforçaram
para a criação da Ordem. Levi Carneiro agradeceu as homenagens prestadas à sua pessoa, agradeceu ao
Conselho Federal e a todos que estiveram presentes na solenidade. A primeira reunião do Conselho Federal
realizou-se no próprio dia 9 de março de 1933 (Ata da 2ª Sessão Preparatória para a Instalação do CF/OAB de
9 de março de 1933), sob a presidência do Dr. Levi Carneiro imediatamente à sessão solene de instalação da
OAB. Sendo que nesta sessão foram discutidos assuntos burocráticos referentes a direito de provisionados
(rábulas) convalidação de diplomas, assassinato de advogados, rejeição de bacharéis formados em escolas
livres, todos originários da sessão do Paraná.
112
remodelar a nacionalidade, uma expectativa dos movimentos antioligárquicos. Por outro
lado, Levi Carneiro: destacou a presença de Oswaldo Aranha e também à circunstância de
ter sido S. Exa. quem, quando titular da pasta da Justiça referendou o Decreto de 14 de
dezembro de 1931,[que aprovou o Regulamento da Ordem dos Advogados Brasileiros]
justificando [a sua] brilhante exposição de motivos e frisando o alto concurso de sua
excelência para a realização da grande e velha inspiração dos advogados do Brasil.
4.3. Advocacia e o Corporativismo
O social-corporativismo foi um movimento europeu que basicamente,
prosperou após a Primeira Guerra, na Itália, como proposta ideológica preocupada em
conter o grande avanço das organizações sindicais, influenciadas pelos partidos socialistas e
de esquerda, e, ao mesmo tempo, viabilizar condições de equilíbrio entre as sociedades
patronais e sindicais blocos políticos reacionários, e o operariado crescente
151
. Não é pois
de se surpreender que, entre os estudiosos se tenha despertado um novo interesse pelo
corporativismo (...) (ascende-se) o século do capitalismo orientado ou dirigido pelo
Estado. Excelente esforço neste sentido foi realizado por Philippe C. Schmiter (...) (que
procurou) descrever os subtipos de corporativismo como modo de intermediação de
interesse. O corporativismo poderia ser definido, conforme este autor, como um sistema de
intermediação de interesses em que as unidades constituintes são organizados em numero
limitado de categoria singulares, compulsórias, não competitivas, ordenadas
hierarquicamente e funcionalmente diferenciadas reconhecidas ou licenciadas (se não
criadas pelo Estado). A estas unidades são conferidas um monopólio representacional de
suas respectivas categorias em troca da observância de certos controles na seleção de seus
lideres e na articulação de suas demandas e apoios
152
.
151
GRAMSCI, Antonio. L´Ordine Nuovo (1919-1920). Torino: Einaudi, 1954, p. 164. Ver também GRAMSCI,
Antonio. Quaderni del Cárcere. Torino, Einaudi, 1975, 4 v. In Trento, Ângelo op. cit., pp. 55 e 94.
152
GUIMARAES, César. Expansão do Estado e Intermediação de Interesses no Brasill. (Relatório de
Pesquisa. Vol. 2. Pesquisadores VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck e CRUZ, Sebastião Carlos Velaco
e). Rio de Janeiro: SEMOR/IUPERJ. 1979. p.171/172.
113
No caso brasileiro o movimento corporativista, que não estava longe desta
estrutura conceitual, obteve a adesão de muitos intelectuais e técnicos que passaram a
colaborar com a gestão fascista
153
do estado italiano, mas não necessariamente podemos
afirmar que a ideologia corporativista era a ideologia fascista, especialmente porque muitos
eram as resistências do fascismo ao modelo corporativista de estado. No corporativismo
medieval, todavia, conviviam, em relação de trabalho, mestres e aprendizes, mas inspirou o
sindicalismo fascista, que, politicamente, ultrapassou os limites das propostas de
estruturação econômica do estado e, mais do que uma terceira via, que suplantaria o
capitalismo e o comunismo permitiria a superação da luta de classes entre os operários e
patrões, segundo as teorias marxistas,
154
organizados em corporações distintas, por setor de
atividade, se converteram numa proposta autoritária e fechada de organização do estado,
eliminando radicalmente o seu próprio projeto de substituir o Parlamento e a gestão de
interesses por novas estruturas políticas corporativas
155
implantando verdadeiras ditaduras
personalizadas.
153
Este sistema de organização do trabalho esteve sempre vinculado às entidades de ofício de um compagmon
(companheiro, artesão que não é mais aprendiz, mas ainda não é mestre, que ainda esta em compagnonnage,
estagio de aprendizado). As corporações foram extintas do cotidiano do trabalho pelas famosas leis de Le
Chapelier, editadas em 1791 durante a Revolução Francesa, que excluiu também os jurandes (membros
corporativos que as representavam e defendiam os seus regulamentos).
Destas corporações evoluíram, com o
desenvolvimento do sistema fabril, entidades de natureza sindical comprometidas com um estatuto de
definição de deveres profissionais, semelhantemente às próprias corporações de oficio que influiria também
sobre o Barreau, corporação dos advogados que funcionavam, também, na linha destes pactos de
solidariedade que foram eliminados nos momentos radicais da Revolução Francesa, mas restaurado por
Napoleão Bonaparte, como já observamos nesta obra (nota 86, p. 61). Incluíam-se entre estes ofícios
carpinteiros, alfaiates, sapateiros, ourives, ébanistas (Mémuisiers-ébénistes), joalheiros, relojoeiros, todos
defendiam as suas idéias através de jornais específicos. C
OORNAERT, Emile. Les compagnonnages em France
du Moyen Age à non jours, Paris: Les Editions Ouvrières, 1966.
155
O documento historicamente mais relevante do corporativismo foi a Carta del Lavoro, de 1927, que muito
influiu na legislação trabalhista brasileira, inclusive na composição classista da Justiça do Trabalho. O modelo
corporativista nacionalista e intervencionista só se desenvolveu na Itália a partir de 1934, quando foram
criadas 22 (vinte duas) corporações com composição paritária de empresários e trabalhadores. O fracasso
desse modelo deveu-se as resistências do empresariado devido a idéia de se limitar o seu poder, bem como as
resistências do próprio partido fascista, que não queria grupos concorrentes, e do próprio Benito Mussolini
preocupado que alguma instituição lhe tirasse o prestígio e a atenção. Todavia, na Itália, incentivou a
diminuição da jornada de trabalho, a melhor proteção do trabalho do menor, a regulamentação do trabalho
noturno e perigoso, o seguro contra acidentes de trabalho, doença profissional e a velhice, muito embora na
prática tenha colaborado para subordinar a mão-de-obra ao Estado e aos empresários. T
RENTO, Ângelo
(pesquisador da Universidade de Macerata, Itália). Fascismo italiano. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993. p. 45-47.
Dentre as ditaduras fascistas personalizadas a ciência política tem reconhecido as ditaduras de Mussolini, na
Itália, o precursor do modelo, Hitler, na Alemanha, que exponenciou no nazismo o fascismo e Franco na
Espanha, e Salazar, em Portugal, que burocratizaram o modelo.
114
Os documentos históricos sobre a influência do fascismo no Brasil,
principalmente do movimento integralista,
156
sobre as políticas de estado, basicamente,
ocorreram após a frustrada intentona de 1935, já na antevéspera do golpe getulista de 1937,
quando, ainda, não se identificava o destino político do estado brasileiro, organizado a
partir da Constituição de 1934, enfrentava o seu maior dilema: sobreviver como um
bismarkismo desenvolvimentista
157
ou ceder à expansão integralista. Getúlio optou pelo
primeiro, evitando a influência fascista e resguardando a convivência social-liberal com
Roosevelt, titular do Welfare State e do continuísmo eleitoral nos Estados Unidos.
158
O
maquiavelismo maniqueísta de Getúlio Vargas custou o Estado Novo, mas livrou-se do
determinismo comunista e do espantalho integralista, ganhando no tempo para a mensagem
democrática de pós-guerra. A influência corporativista, no entanto, viveu dois momentos: o
período da frágil adesão intelectualista e o período de mobilização política. O primeiro
período antecedeu 1930, mas influenciou o Código Eleitoral, de 24 de fevereiro de 1932,
quando se criou a representação profissional e classista, e durante a Assembléia
Constituinte de 1933, que promulgou a Constituição de 1934, que institucionalizou,
também, uma estrutura parlamentar mista composta de deputados eleitos pelo voto
proporcional, e de deputados profissionais, representantes sindicais. O segundo período, de
maior mobilização política, foi marcado pelo movimento integralista, que, apesar de amplas
e vastas pretensões, reduziu-se a caricatas representações dos seus similares internacionais
sem alcançar efeitos políticos positivos.
Assim podemos aventar duas hipóteses: a influência da ideologia corporativista
sobre os intelectuais, que direta ou indiretamente contribuíram para a formatação dos ideais
antioligárquicos, que marcaram a Revolução de 1930, e, a institucionalização do
corporativismo ideológico (em alguns aspectos) na Constituição de 1934, também, e por
isto mesmo com grandes aberturas para o Estado social, que se definiu como um
autoritarismo sindical-trabalhista. Na primeira hipótese, o que se verifica, é que a ideologia
156
Ver Archivio Storico Ministero Affari Esteri, ser. Pol. (1931-1945). Brasile, b. 4. In TRENTO, Ângelo,
op.cit., p. 78-79.
157
JAGUARIBE, Hélio. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967.
158
JENKINS, Roy. Roosevelt. Prefácio Fernando Henrique Cardoso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
p.154 e 198.
115
corporativista não teve as mesmas características do corporativismo, como já observamos,
fascista italiano, mesmo porque, paradoxalmente, no Brasil, mais serviu para justificar as
ações políticas antioligárquicas e incentivar as organizações sindicais de patrões,
empregados, funcionários e profissionais liberais do que para controlar o movimento
operário ou defender a velha ordem, não propriamente aristocrática, como acontecera na
Itália, mas oligárquica. No segundo caso, Getúlio Vargas, fortalecido com o insucesso do
movimento comunista, articulado pela Aliança Nacional Libertadora, e pela derrota da
Intentona Comunista, cujos militantes resistiram à evolução política e constitucional de
1934, serviu-se dos veios corporativistas da Constituição de 1934, para, aliado com o
corporativismo integralista nacional, promover o golpe do Estado Novo, de 10 de
novembro de 1937 e, posteriormente, astuciosamente, se livrar da militância integralista,
que, promoveu, frustrada nas suas expectativas de poder, o inusitado ensaio golpista de
1938.
A primeira hipótese indicada ganha um corpo mais extensivo, à medida que,
não apenas, identificamos, na literatura crítica ao federalismo republicano e das práticas
eleitorais oligárquicas, muito especialmente, após 1922,
159
pensadores de expressão
nacional que propugnaram por um governo autoritário (uma elite enérgica e acima das
classes) e centralista, de corte nacionalista, que fortalecesse a União em detrimento dos
estados federados, sempre irresignados com as políticas de subtração de seus poderes
constitucionais pelos poderes locais dos coronéis.
160
Dentre estes pensadores estavam
159
É também desta data marcada pela rebelião tenentista do Forte de Copacabana, a Semana de Arte Moderna
e a fundação do Partido Comunista do Brasil, influenciada pelo sucesso da Revolução Russa, em 1917, cujas
marcas na intelectualidade brasileira eram ainda tênues, destacando-se, no entanto, Astrogildo Pereira, sendo
que, no ano anterior fora criado o Centro Dom Vital, núcleo de organização do pensamento católico
conservador, onde especialmente, se destacou Jackson de Figueiredo, Celso Vieira, Antonio Nogueira, Nuno
Pinheiro, Ronald Carvalho, Tasso da Silveira e Tristão de Athaide e o próprio Licínio Cardoso, que faz uma
especial leitura do pensamento de Benjamim Constant, positivista, prócer da República e primeiro ministro da
Instrução Pública (e Correios), em cujo texto se vê a sombra do autoritarismo corporativista.
160
LEAL, Victor Nunes, op. cit., especialmente p. 127 e segs. O livro de Victor Nunes é o primeiro grande
ensaio sobre municipalismo no Brasil como fenômeno político que permeava a federação e confeccionava
regras de permanência no poder. Em nosso estudo sobre Formação eleitoral do Estado brasileiro (Mímeo
São Paulo: USP – FFLCH, 1979) procuramos, exatamente, demonstrar que não apenas, como analisa Victor
Nunes, o domínio oligárquico tinha uma ampla rede de leis que se exprimiam como a clara consciência da
dominação política.
116
Oliveira Vianna, que ganhou maior notoriedade, Pontes de Miranda,
161
que viria a se
consagrar como um dos grandes juristas brasileiros, Alberto Torres, uma espécie de líder
intelectual, sem se esquecer, também, de Gilberto Amado
162
e de Miguel Reale, que
repensando seus primeiros livros consagrou-se como jurista e intelectual, influente,
inclusive, na OAB.
Genericamente, estes todos pensadores, lançaram grandes dúvidas sobre a
transmutação da República, que nascera com os militares, positivista e federalista
(descentralizada) com os juristas, com forte viés liberal que predominou na construção
constitucional, em oligarquia de coronéis e bacharéis continuistas entranhadas no Estado.
As tantas dificuldades que sucederam à Constituição Republicana de 1891, isolaram os
liberais, principalmente com o fortalecimento dos oligarcas, que continuavam controlando a
vida econômica, afastaram os militares, que foram procurar novas revoltas, e os pensadores
autoritários e nacionalistas, que, na verdade, herdeiros do positivismo republicano foram
embainhados pelo getulismo pós-castilhista,
163
berço positivista do trabalhismo
corporativista, que, originariamente, não apenas pensaram, mas apoiaram a Revolução de
1930.
A segunda hipótese, tomando, inclusive, como referência os indicadores da
primeira, não há como desconhecer, por todas as circunstâncias que cercam a Revolução de
1930, e os seus primeiros atos formais, que a OAB foi criada na expansão do espaço
ideológico corporativista e, evoluiu, exatamente, no contexto da luta antioligárquica. Este
envolvimento pode ser verificado em dois aspectos: por um lado, as oligarquias
republicanas resistiram, como temos demonstrado, ferrenhamente, aos propósitos de
criação da OAB, como corporação profissional, repetindo as tendências imperiais, o que
significa, senão, diretamente, pelo menos indiretamente, que os propósitos corporativistas
(de alguns) dos revolucionários contribuíram para a institucionalização do ideário dos
advogados, por outro lado, ilustres personalidades que atuaram na ação revolucionária, tais
161
BASTOS, Aurélio Wander. Pontes de Miranda - A Escola do Recife:O Direito moderno. Revista Curso de
Direito, Fortaleza, jul./dez. de 1980, p. 27 e 28. Ver também Folha de São Paulo. Folha ilustrada, p. 1
162
À época foi editado um livro síntese do pensamento autoritário renovador. CARDOSO, Vicente Licinio
(org.). À margem da História da República. Brasília: UnB, 1981.
163
COSTA, Cruz. Pequena História da República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
117
como, Levi Carneiro (que foi, inclusive, Consultor Geral da República, entre 1930/37 e
deputado profissional constituinte em 1933/34)
164
e Oswaldo Aranha (Ministro da Justiça e
da Fazenda), estiveram diretamente relacionados com o ato formal de criação da OAB e
com os sucessivos decretos regulamentares.
Na verdade, esta linha de análise, não demonstra, exatamente, o entrelaçamento
entre os propósitos de criação de uma entidade corporativa de advogados e o
corporativismo, que permeou a questão da representação profissional, ou de classe, no
Código Eleitoral de 1932, e na própria Constituinte de 1933, que elaborou a Constituição
de 1934,
165
mas deixa evidente que o corporativismo antioligárquico foi a ideologia, senão
constitutiva, propulsora da criação da ordem dos Advogados. Todavia, não há elementos
suficientes para relacionarmos o ideário corporativo dos advogados, em germinação desde
os primeiros anos do Império, especialmente após 1843, com a ideologia corporativista que
evoluiu alternativamente à revolução socialista russa e aos confrontos ideológicos que
sucederam à Primeira Guerra Mundial,
164
Na Ata da 1º Sessão da 2º Reunião Ordinária do CF/OAB de 11 de agosto de 1933 podem ser identificados
sinais dos debates sobre esta representação profissional no Conselho Federal quando o presidente Levi
Carneiro dá notícia de oficio que encaminhara ao Ministro do Trabalho pleiteando para a Ordem o direito de
eleger os representantes dos advogados na Assembléia Constituinte. Em manifestação conseqüente o
conselheiro professor Estevão Pinto fez diversas considerações sobre o sistema de representação profissional
adotado pelo Código Eleitoral de 1932, concluindo que à OAB deveria caber a eleição do seu representante
político, alegando, inclusive, que o desejo geral da classe recaiu(ia) na escolha do Dr. Levi Carneiro, que
declarou nunca ter pretendido esta eleição, mas se submeterá à escolha feita à sua revelia e contra os seus
mais sinceros desejos. Ressalte-se, ainda, apenas para ilustrar, que diferentemente do que veio a acontecer nos
anos sucessivos, muito embora os cursos jurídicos tenham sido criados na data desta sessão, em 11 de agosto
de 1827, não se fez qualquer menção ao tema.
165
Na prática as iniciativas do Código Eleitoral de 1932 e da própria Constituição de 1934 seriam formas de
viabilizar a representação parlamentar de patrões e empregados em detrimento de um presumível e hipotético
estado classista proletário, como vinha ocorrendo na região Norte da Europa, a partir de 1917, em intenso
processo de organização nacional através do Partido Comunista do Brasil (mais tarde brasileiro) e da Ação
Nacional Libertadora, assim como, não se deve desconhecer o risco que representava a Constituição de
Weimar promulgada em 1919, num amplo acordo entre social-democratas, comunistas, liberais e católicos,
posteriormente comprimida pelas ações do nazismo, especial forma de manifestação do fascismo alemão.
118
4.4. Corporativismo e Estado Nacional
O quadro circunstancial da influência corporativista na OAB, não se confunde,
todavia, com a sua influência no processo de desarticulação oligárquica e desconstrução do
Estado patrimonial, mesmo reconhecendo que os regimentos da OAB tiveram papel
determinante, mas no conjunto de outros fatores amplíssimos. A influência institucional
(eleitoral, constitucional e administrativa) entre 1930/1945, marcou, muito especialmente,
toda a legislação da época,
166
mas, não há como desconhecer no corporativismo social e
autoritário o sêmen do getulismo bismarkista. Todavia, ressalte-se, que não há evidencias,
no Brasil, de que, o corporativismo, mais do que uma provocação, fora, a ideologia do
getulismo e, mesmo na Europa, especialmente no fascismo italiano, marcado pelo
personalismo autoritário que impediam a convivência com qualquer racionalismo.
Concomitantemente, por interessante, à instalação da OAB, em 9 de março de
1933, foi editado o Decreto nº 22.621, de 5 de abril de 1933, do governo provisório que
convoca e define, na forma do Código Eleitoral (Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de
1932) o número de deputados populares e profissionais para a Assembléia Constituinte,
167
sendo que, como demonstramos, já na sua instalação estava a OAB representada dentre os
deputados corporativos, pelo Presidente do Conselho Federal Levi Carneiro,
168
que
participou intensamente de seus debates, tendo indicado mais de 76 proposições
169
que
166
O bismarkismo, analisado por Hélio Jaguaribe, em obra específica citada nesta Tese, mais se caracteriza
pelo desenvolvimento econômico como iniciativa do Estado ao modelo que ocorreu na Alemanha dos anos de
1970 como forma de se alcançar a unificação e progresso econômico. Diferentemente do bonapartismo, que
na leitura marxista, é um fenômeno de Estado que se caracteriza por movimentos golpistas que visam a
resguardar interesses da ordem econômica burguesa estabelecida.
167
A Lei nº 22.653, de 20 de abril de 1933, fixou o modo de escolha dos representantes das associações
profissionais (40 no seu total), focando 20 (vinte) dos empregados e 20 (vinte) dos empregadores, sendo que,
nestes últimos 3 (três) por parte dos profissionais liberais e naqueles 2 (dois) por parte dos funcionários,
ficando todos equiparados em direitos e regalias aos representantes sufragados através do voto popular e
partidos políticos.
168
Ver Anais da Assembléia Constituinte. 1934, p. 4 a 7, vol. 10, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.
Reunião deste mesmo período da notícia das reações da OAB contra o exercício da advocacia por profissional
estrangeiro domiciliado no Brasil e não inscrito na Ordem (o Attorney at law não pode anunciar-se como
advogado). Ata da 6º Sessão do CF.OAB de 15 de agosto de 1933.
169
Documentos do Conselho Federal da Ordem que tratam da representação profissional dão notícia que
ofícios ao Ministério do Trabalho pleiteavam que a Ordem elegesse o seu próprio representante político cuja
119
influíram na Carta de 1934,
170
não apenas sobre questões de interesse profissional ou sobre
organização judiciária, mas também, sobre a dilemática questão da representação de
deputados corporativos.
171
Sobre a específica participação do deputado Levi Carneiro nos trabalhos
constituintes, Carlos Maximiliano, Presidente da Comissão Constitucional, fez a seguinte
observação, na reunião de instalação da Comissão, discordando da posição do ilustre
bâtonnier em assumir a sua vice- presidência por entendê-la inútil:
Não concordo com o pedido do Dr. Levi Carneiro. Em primeiro lugar, porque acho
necessário o cargo – não sou eterno; em segundo lugar, porque a matéria é regimental,
está na nossa lei interna, e não temos o poder para suprimir um cargo, sobretudo depois
que houve esta idéia felicíssima de colocar á frente dele o presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil. (Muito bem.).
O conjunto dos debates constituintes de 1933/34 permite observar que os
pronunciamentos sobre representação corporativa, onde estava a OAB representada,
estavam tomados por duas grandes linhas: os discursos sobre a representação corporativa de
compromissos sindicais, como alternativa ao poder dos chefes políticos oligárquicos, e as
discussões sobre o caráter da composição corporativa, como representação profissional
alternativa, não democrática. Esta última proposta se manifestava em duas formas
alternativas: a criação e instalação de uma Câmara de organização mista com deputados
populares e profissionais ou a criação e instalação de conselhos econômicos ou técnicos,
escolha ficou com o doutor Levi Carneiro, segundo os seus mais sinceros desejos à sua revelia. Ver Ata da
Sessão da 2ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1933 e Anais da Assembléia Constituinte.
1934, vol. 10, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936, pp. 607 a 613. Estas propostas de Levi Carneiro pela
sua extensão e importância mereciam um estudo especial porque, senão da OAB, de seu presidente, indicam
uma especial sugestão de dispositivos constitucionais.
170
Ressalte-se que a participação – não só individual, mas enquanto profissionais organizados – dos
advogados na feitura da Constituição de 1934 foi bastante significativa. Nas discussões constituintes podemos
encontrar o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros remetendo aos constituintes pareceres ...de vários
relatores da sua Comissão, incumbida de acompanhar os trabalhos legislativos da Assembléia Constituinte
Ver Anais da Assembléia Constituinte, op. cit. vol. VIII, 1935, p. 158, ainda o Instituto da Ordem dos
Advogados Mineiros ...pedia sejam as eleições presidenciais por sufrágio direto, ibid., vol. XX, 1936, p. 261.
O Clube dos Advogados do Rio de Janeiro, também, envia ofício à Assembléia Constituinte com várias
conclusões sobre teses de matéria constitucional votadas por eles, entre elas a opção pelo parlamentarismo
como o sistema de governo mais conveniente ao Brasil, ibid., vol. IX, 1936, pp. 281 a 284.
171
Documentos do Conselho Federal da Ordem que tratam da representação profissional dão notícia que
ofícios ao Ministério do Trabalho pleiteiam que a Ordem eleja o seu próprio representante político cuja
escolha ficou com o doutor Levi Carneiro, segundo os seus mais sinceros desejos à sua revelia (ver Ata da 1º
Sessão da 2ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1933).
120
com a participação de empregados e empregadores, juntos ao próprio parlamento e órgãos
públicos.
Nestes debates, independentemente de seus vínculos, muitos participaram,
dentre eles Abelardo Marinho, profissional liberal, vinculado ao Club 3 de Outubro, que,
especialmente, se destacou, Ranulfo Pinheiro Lima, paulista, também da bancada dos
profissionais liberais, e Euvaldo Lodi, mineiro da bancada dos empregadores. Em geral,
todos foram uníssonos nas alegações sobre a importância da representação classista para
desagregar o poder dos chefes políticos sobre os interesses (renda agrária) de caráter
regional, procurando fazer do interesse econômico (capital e trabalho) ou das propostas de
progresso, senão absolutamente, o cerne das preocupações da representação política. Por
outro lado, os debates procuravam, também, demonstrar a nova face da proposta política,
confrontando o projeto de corporativismo classista com o liberalismo parlamentar
republicano, viciado pelos tantos desvios oligárquicos que corroeram a estrutura
republicana.
172
Na primeira linha de importância da representação classista, o sindicato
corporativo seria o grande instrumento da reforma política, viabilizando a substituição dos
“caciques”, ou seus títeres, como representantes do povo, por representantes de entidades
que sirvam por dever e não na qualidade de benfeitores interessados.
173
No que se refere à
segunda linha, o caráter democrático de uma câmara corporativa, a questão também se
apresenta numa dimensão técnica, mas com efeitos políticos, e numa dimensão teórica, mas
com efeitos ideológicos. Na primeira dimensão, politicamente, os opositores da
172
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3ª
impr. São Paulo: Alfa-Omega, 1997, que estuda o domínio oligárquico da perspectiva da manipulação de fato.
Alberto Venâncio Filho no Prefácio desta 3ª edição, a par de suas tantas apreciações indica tantos outros
autores que, modernamente, sob os seus diferentes ângulos, estudaram o fenômeno analisado pioneiramente
por Victor Nunes, dentre eles os livros de VILAÇA, Marcos Vinicius e ALBUQUERQUE, Roberto
Cavalcanti de. Coronel, Coronéis, Eul – 500 Pang: Coronelismo e Oligarquia (1889-1974) e QUEIROZ,
Maria Isaura Pereira de. O Mandarismo na Vida Política no Brasil. Deve-se ressaltar, também, o estudo
realizado no IUPERJ, por José Murilo de Carvalho, Louvor de Victor Nunes, em 1980, quando da
inauguração do doutorado. LEAL, Victor Nunes, op. cit., prefácio, pp. 21 a 37. Ver, ainda, síntese de trabalho
publicado de doutorado de B
ASTOS, Aurélio Wander. “As Leis e o Poder: a experiência eleitoral brasileira in
O Balanço do Poder, Olavo Brasil (org.),Op, cit.
173
Anais da XII Conferência, v. 3. Historicamente a representação classista teria o decisivo papel de eliminar
as políticas oligárquicas para viabilizar uma nova ordem, pp. 345/350. Na verdade, demonstrou o tempo que
veio a ocorrer uma nova reacomodação, como veremos entre as novas elites, quando não eles próprios e os
herdeiros remanescentes da velha ordem.
121
representação profissional defendiam a tese política de que a Câmara não deveria ter caráter
deliberativo, mas apenas o caráter técnico e consultivo; por outro lado, na segunda
dimensão, teoricamente, os opositores da Câmara partiam do pressuposto que o sistema
distrital de representação estava falido e, não necessariamente, a democracia, tinha uma
exata correspondência com a representação direta apoiada no sufrágio universal, como
expressão da vontade geral, defendendo uma representação alternativa apoiada nos
interesses corporativos patronais e operários.
Estes não foram, todavia, as únicas proposições, pois os paulistas, da Revolução
de 1932, e os liberais, mesmo que em posição de expectativa, promoveram o projeto de
representação proporcional, alternativo ao voto distrital controlado pelos coronéis e ao
próprio projeto corporativista. Esta posição tomou força como mecanismo destinado a
desagregar os “currais” eleitorais dispersando modificações institucionais estruturais,
transformando os círculos de controle eleitoral dos oligarcas em sufrágio de extensão
eleitoral estadual. Este movimento pretendeu, desta forma, também enfraquecer o localismo
oligárquico, mas evitando profundos constrangimentos em modificações de profundidade
no Estado.
De qualquer forma, não há como desconhecer, que os movimentos constituintes
referentes aos modelos de representação política evoluíram da situação fática criada pelo
Código Eleitoral (Lei nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932), que no conjunto de seus
tantos outros avanços, inclusive a introdução do voto proporcional, também, ficou marcada
pela representação profissional, de influência corporativista. Todavia, a natureza mesma do
Código Eleitoral, bem como os debates constituintes de 1933, não traduzem uma questão
ideológica mais profunda ou de visíveis aproximações com modelos políticos europeus, de
influência fascista, até mesmo pelas circunstâncias históricas de cada país, o que não
impediu, mobilizações político-ideológicas de alcance retórico pára-fascistas e amplas
articulações partidárias e diplomáticas. O fascismo, enquanto fascismo, não chegou a ser
um fenômeno de estado no Brasil, mas de grupos nacionalistas, enquanto integralismo,
preocupados em formatar uma identidade nacional autóctone, muito embora, a defesa
constrangida de posições semelhantes não significou qualquer alinhamento direto com
regimes europeus.
122
Ao nível de Estado o corporativismo foi, simplesmente, uma tentativa
pragmática do governo revolucionário de Getúlio para definir o perfil da própria revolução:
no primeiro momento, para combater a dominação oligárquica, no segundo momento para
reformatar o modelo representativo (oligárquico) apoiado no voto distrital e nos currais
eleitorais; no terceiro momento para enfrentar a revolução constitucionalista paulista
restauradora; em quarto lugar para enfrentar o avanço dos movimentos comunistas,
principalmente a partir das rebeliões de 1935, sensíveis às influências internacionais e, em
quinto lugar, instituído o Estado Novo, transmudado em getulismo, enfrentou a própria
Ação Integralista Brasileira, que buscara aproximações internacionais (especialmente na
Itália), a partir de 1936, com vistas à ação golpista de 1938
174
De qualquer forma, não cabe
desconhecer, que, neste novo e especial quadro político, que refletia, inclusive, a
diversidade ideológica internacional conflitiva, o liberalismo (histórico) brasileiro, estava
em refluxo, como também no mundo europeu, mas, sobreviveria, ainda, como força
remanescente, à ação dos grupos sociais da classe média civil e, no curto prazo, mesmo
militar(es).
Neste sentido, o social-corporativismo no Brasil,
175
e não o fascismo, não foi
além do empenho político para viabilizar uma representação eleitoral alternativa que
reconhecesse o novo papel dos agentes econômicos (empregados e empregadores),
176
integrados à nova vida urbana, como a grande força renovadora da vida social, do que,
propriamente, uma ideologia corporativa de classes. O corporativismo, assim, se, num
primeiro momento, foi a ideologia que procurou articular as forças econômicas
174
TRENTO, op. cit., p. 78 a 88 faz observações sobre esta aproximação especialmente com o fascismo
italiano, destacando, inclusive, personalidades do governo italiano, assim como personalidades brasileiras que
se interessaram e se articularam para estes apoios, como, Hermes da Fonseca, descendente do militar ex-
presidente oligárquico da República, Plínio Salgado e Gustavo Barroso e, inclusive, o incipiente papel de
Miguel Reale, futuro consagrado jurista brasileiro. Este foi um período de águas divididas que provocou uma
profunda chaga na história do país cujo tempo cicatrizou marcando os novos rumos da constituição nacional.
175
VARGAS, Getúlio. Nova política do Brasil. v.1. Rio de Janeiro: José Olympio 1938 . v. 1. p. 109-128.
176
BASTOS, Aurélio Wander. Balanço do Poder. Op, cit. Onde, especialmente, demonstramos que as
políticas oligárquicas para eleições tinham um viés visivelmente antiempresarial cerceando em muitas
situações, senão a sua alistabilidade sua inelegibilidade. Assim, em muitas circunstâncias ficavam impedidos
de participar de mesas eleitorais (como, por exemplo, o Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1989) ou mesmo
de se candidatar (como, por exemplo, o § 1º do art. 31 da lei nº 35, de 1891 e, também, no Decreto nº 184 de
23 de setembro de 1893, que, aliás, dá seguimento ao espírito constitucional).
123
concorrentes no processo produtivo, foi, também, a força alternativa às ideologias de
esquerda, como ideologia da classe operária exclusivamente.
A mensagem (ideológica) de Getúlio, já se manifestara, em 04 de maio de
1931, quando do discurso de instalação dos trabalhos da Comissão que elaborou o projeto
do Código Eleitoral,
177
pouco antes da promulgação da Lei de Sindicalização, de 19 de
março (também) de 1931, quando prenunciou a estruturação corporativa e sindical da
sociedade, antes por conseguinte da edição do Decreto 20.784, de 14 de dezembro de 1931,
que aprovou o primeiro Regulamento da OAB.
178
Não há que se fazer uma correlação
direta entre um fato e outro, mas, há que se reconhecer, que, se o segundo, não justifica o
primeiro, o primeiro fortalece as hipóteses da criação da OAB como entidade, senão
diretamente envolvida, pelo menos, por um lado, como instituição importante na
formatação do novo modelo parlamentar, assim como, por outro lado, desmontava-se o
tradicional argumento anticorporativista das antigas oligarquias, agora, circunscritas por
uma revolução antioligárquica.
Na verdade, conclua-se, para completar os argumentos anteriores, a inclusão da
representação classista do Código Eleitoral (de 24 de fevereiro de 1932) foi a grande vitória
deste princípio e das correntes revolucionárias agrupadas no Clube 3 de Outubro, do qual
faziam parte Pedro Ernesto, Góes Monteiro Juarez Távora, Abelardo Marinho, Augusto do
Amaral Peixoto, João Alberto, Osvaldo Aranha e José Américo. Estes nomes, vistos no
conjunto dos demais citados, se, em algum momento, evoluíram para posições ideológicas
mais visíveis, naquele tempo histórico, não há como se lhes identificar com posições
políticas corporativistas. Eram, apenas, revolucionários que o tempo revestiria ou
deslocaria para tantas posições.
De qualquer forma, o Clube 3 de Outubro foi o grande defensor da idéia da
representação corporativista, ao qual, mais tarde, se somou a União Cívica Nacional, criada
em março de 1933, onde estiveram presentes Luis Aranha, Juarez Távora, José Américo e
muitos interventores estaduais, exceto os de Minas Gerais, São Paulo e outros grandes
177
Essa comissão era constituída por: Assis Brasil, João Crisóstomo Cabral, Mário Pinto Seva e Maurício
Cardoso, Presidente da Comissão e Ministro da Justiça.
178
Verificar, no próximo Capítulo, estudo comparativo e hermenêutico deste Regulamento e dos demais que
imediatamente se lhe sucederam, que, efetivamente, consolidaram as formulações do ideário profissional.
124
estados. As grandes dificuldades para se definir o que seria uma representação classista,
assim como o reconhecimento que a proposta feria o princípio da igualdade do sufrágio
universal, levaram os próprios integrantes da Comissão encarregada de elaborar o
anteprojeto da carta constitucional a excluírem do projeto a proposta de criarem a
representação de classes, que, todavia, foi derrubada por Temístocles Cavalcante
(secretário-geral), João Mangabeira, Osvaldo Aranha, José Américo, Góes Monteiro e,
também, Afrânio de Melo Franco (presidente), Antônio Carlos de Andrada, Carlos
Maximiliano, Prudente de Morais Filho, Agenor Roure, Oliveira Viana e Artur Ribeiro.
O projeto de criação da representação classista acabou evoluindo para uma
representação de associações profissionais, conforme o Regimento Interno da Constituinte,
de 5 de abril de 1933 e na forma do Decreto nº 22.653, de 20 de abril de 1933 que
estabeleceu que a Assembléia Constituinte tivesse 40 representantes classistas, sendo 17
dos empregados, 18 dos empregadores, 3 dos profissionais liberais e 2 dos funcionários
públicos. Como se verifica, muitos eram os advogados que participavam dessas comissões,
nenhum deles, todavia, tinham conexão direta com a direção da OAB, exceto Levi Carneiro
que não fora membro destas comissões, mas o Consultor Geral da República, sendo,
também, como já observado, deputado constituinte com representação da categoria dos
profissionais liberais: Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Por maior que seja o esforço analítico, o material pesquisado e a literatura sobre
a matéria, inclusive, o importante trabalho de Evaristo de Morais Filho,
179
não permitem
identificar diretamente, senão indiretamente, uma relação entre o projeto de representação
classista da constituinte e o corporativismo (italiano), muito embora se possa reconhecer,
por um lado, que o Estado corporativista, historicamente, foi pensado como uma estrutura
conciliadora dos agentes produtivos alternativos ao estado classista (ditadura do
proletariado) e, por outro lado, é sempre demonstrável, como veremos, que este foi o
núcleo ideológico do novo autoritarismo do Estado com Getúlio Vargas. De qualquer
forma, se é parca a literatura política brasileira para um exato diagnóstico desta situação,
179
MORAIS FILHO, Evaristo de. “A Experiência Brasileira na Representação Classista na Constituição de
1934”. In: Carta Mensal, nº 258, setembro de 1976.
125
mais frágeis são os documentos parlamentares e internos da OAB que demonstrem o seu
efetivo envolvimento político na questão daqueles tempos.
180
Por estas especiais razões não podemos dissociar a Constituinte de 1933/34,
convocada na forma do Código Eleitoral de 1932,
181
que, sugeria uma Assembléia
Constituinte de deputados representativos dos estados, eleitos pelo voto proporcional, e
deputados profissionais indicados pelas associações profissionais de âmbito federal, onde
estava presente o representante da Ordem dos Advogados do Brasil, último presidente do
IOAB, (antes da criação da OAB) onde ainda presidiu a elaboração do Código de Ética
aprovado pela OAB em 1934 (após a Constituição), e primeiro presidente da OAB, Levi
Carneiro. Como deputado profissional constituinte de destaque (ele), apresentou diversos
projetos sobre a própria representação profissional na Câmara dos Deputados, onde
podemos destacar o seguinte dispositivo proposto:
Arts. Depois do artigo 127, acrescentem-se os seguintes: (...) § 2º As Câmaras
Municipais poderão ser, no todo ou em parte, constituídas mediante representação
profissional. Delas farão parte, sempre, os dois maiores contribuintes de impostos
municipais, de nacionalidade brasileira, que não tenham impedimento e aceitem os
cargos.
182
Nesta mesma linha constituinte Abelardo Marinho, ligado ao Club Três de
Outubro, como veremos, propõe, ainda, mais:
Onde convier: Toda pessoa maior de 18 anos que exercer uma profissão legalmente
reconhecida deverá pertencer a uma associação profissional.
§ 1º A associação profissional será, em regra, municipal e constituída de pessoas da
mesma profissão. §2 º As associações profissionais de patrões serão distintas das
associações de empregados
183
.
180
Como se poderá verificar foram consultadas as Atas do Conselho Federal deste período, indicações de
jornal e bibliografia que não ofereceram maiores subsídios (ver, por exemplo, nota 48 deste Capítulo), exceto
tópicos de pronunciamentos parlamentares mais expressivos no período constituinte de 1933.
181
BASTOS, Aurélio Wander. Fundamentos Eleitorais observa que um importante indicador dos fundamentos
anti-distritais do Código de 1932 é o seu sistema de representação proporcional estadual para a Constituinte
Nacional, p. 25.
182
Anais da Assembléia Constituinte. 1934, vol. 18, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934, p. 354.
183
Anais da Assembléia Constituinte, 1934, vol. 18. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934, p. 388.
126
E justifica:
Argumentam alguns que não se pode adotar a representação profissional porquê, no
país, as profissões, na sua generalidade, não estão organizadas. Quem se oporia á
realização de eleições, sob o fundamento de ainda não existir eleitorado organizado?
Antes de fazer eleições, promove-se o alistamento eleitoral.Da mesma forma,
organizaremos as profissões, o que, além das vantagens decorrentes da representação
profissional, será grandemente benéfico para a economia e cultura do país e da massa
trabalhadora. É o que visam às emendas acima. Sala das Sessões, 13 de abril de 1934. –
Abelardo Marinho.
184
A proposição da representação profissional finalmente foi instituída na
Constituição de 1934, como podemos constatar nos dispositivos seguintes:
Art. 23. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos
mediante sistema proporcional e sufrágio universal igual e diretos e de representantes
eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar.
§ 4º - O total dos Deputados das três primeiras categorias será no mínimo de seis
sétimos da representação profissional, distribuídos igualmente entre elas, dividindo-se
cada uma em círculos correspondentes ao número de Deputados que lhe caiba, dividido
por dois, a fim de garantir a representação igual de empregados e de empregadores. O
número de círculos da quarta categoria corresponderá ao dos seus Deputados.
§ 5º - Excetuada a quarta categoria, haverá em cada círculo profissional dois grupos
eleitorais distintos: um, das associações de empregadores, outro, das associações de
empregados.
§ 6º - Os grupos serão constituídos de delegados das associações, eleitos mediante
sufrágio secreto, igual e indireto por graus sucessivos.
§ 7º - Na discriminação dos círculos, a lei deverá assegurar a representação das
atividades econômicas e culturais do País.
§ 8º - Ninguém poderá exercer o direito de voto em mais de uma associação
profissional.
§ 9º - Nas eleições realizadas em tais associações não votarão os estrangeiros.
Art 24 - São elegíveis para a Câmara dos Deputados os brasileiros natos, alistados
eleitores e maiores de 25 anos; os representantes das profissões deverão, ainda,
pertencer a uma associação compreendida na classe e grupo que os elegerem.
Esta Constituição teve uma durabilidade limitada, todavia, a influência
institucional (eleitoral constitucional e administrativa) entre 1930/42 do corporativismo
marcou muito especialmente toda a legislação da época, podendo-se ressaltar a legislação
trabalhista (CLT), a contracena brasileira do Estado social e a própria legislação
educacional, marcadamente voltada para incentivar o ensino técnico. Todavia, ressalte-se
que não há evidências no Brasil de que o corporativismo, mais do que uma provocação,
184
Anais da Assembléia Constituinte, 1934, vol. 18. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934, p. 388.
127
influenciara em várias dimensões do getulismo, assim como, se nas suas origens ambientou
as condições políticas para a criação e implantação da OAB (no tempo histórico, o
getulismo trabalhista convertera-se no alvo do liberalismo ascendente nos anos finais e
subseqüentes à 2ª Guerra).
Finalmente, como veremos em capítulos seguintes, a Constituição de 1946
restaurou o modelo representativo republicano, excluído o tipo de voto distrital, optando
pela eleição proporcional direta dos deputados e eliminando também a discutível
representação parlamentar corporativa.
185
Por outro lado, esta mesma Constituição, abriu o
espaço legislativo, como mostraremos logo a seguir, para o Congresso Nacional legislar
sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, o que permitiria a
ultrapassagem dos regulamentos decretados, permitindo que a representação parlamentar
debatesse e votasse, não apenas o disciplinamento dos advogados, mas, também, o papel
dos advogados e da OAB na sociedade brasileira.
4.5. A Crise Constitucional e o Estado Novo
A Constituição de 1934 aprovou uma fórmula híbrida de organização
unicameral do Parlamento (Câmara dos Deputados) que não propriamente excluía o
Senado, mas se lhe reconhecia apenas como de órgão de colaboração com funções residuais
onde os paulistas são vencidos (mas não convencidos),
186
ficando 2/3 (dois terços) com a
representação popular e proporcional estadual e 1/3 (um terço) constituída de deputados
profissionais representantes dos empregadores, dos empregados, dos profissionais liberais e
185
A Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, que restaurou a funcionalidade representativa, dentre seus
tantos dispositivos, que revogou, inclusive, uma ampla gama de artigos da Constituição de 1937. Aliás, nesta
Constituição já não se reveria a representação profissional, dispondo que os representantes do povo seriam eleitos
mediante sufrágio indireto conforme seu art. 46 que dispunha: A Câmara dos Deputados compõe-se de
representantes do povo, eleitos mediante sufrágio direto proporcionalmente à população de cada Estado (art. 48). A
Lei Constitucional nº 9/45 alterou, também, o Conselho Federal, como fora denominado o antigo Senado Federal
(1891), em 1937, composto de representantes dos estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República
(art. 50), dispondo que se comporia de 2 representantes de cada estado e Distrito Federal eleitos por sufrágio direito.
A Constituição de 1946 restaurou a denominação republicana de Senado Federal (art. 60 e segs.).
186
Ver Emendas nº. 1772 e 1773 de Abelardo Marinho In Anais da XII Conferência, op. cit., vol. 17, p. 464.
128
dos servidores públicos. Na verdade, o efeito constitucional final traduziu,
semelhantemente, o Código Eleitoral outorgado em 1932 e, da mesma forma, o decreto que
provocou a composição parlamentar constituinte, demonstrando a efetiva força da
Revolução Vitoriosa em 1934.
Este posicionamento constitucional colocou em cheque o tradicional modelo de
representação parlamentar distrital, dominante no Brasil, apenas com as adaptações ou
excludências circunstanciais, desde 1824, suportes ou mecanismos para viabilizar este
ajuste institucional. Este encaminhamento constitucional de representação híbrida, no
quadro circunstancial de uma época conturbada pelas convulsões políticas, mais contribuiu
para o desequilíbrio interno do Parlamento, num quadro geral de radicalização, do que para
a reacomodação dos fatores reais de Poder. Neste quadro de desequilíbrio interno, o poder
central originariamente revolucionário evoluiu, para o golpe que implantou, com o
Presidente da República, Getúlio Vargas, eleito, indiretamente, pelo Parlamento unicameral
da Carta Constitucional de 1934, o Estado Novo.
187
O processo de radicalização, tanto se manifestou à esquerda, com a Aliança
Nacional Libertadora – ANL, em 1935, especialmente nos quartéis, onde estavam militares
(muitos, originários do tenentismo) e membros do Partido Comunista do Brasil, liderados
por Carlos Prestes, comandante da famosa Coluna Prestes, de 1927, como, também, à
direita, com a crescente organização da Ação Integralista Brasileira – AIB, onde estavam
intelectuais de expressiva representação, grupos conservadores remanescentes das frações
oligárquicas e militares (também originários do tenentismo) e, ainda, descontentes com a
Constituição outorgada de 1937. A incipiente estrutura política do Parlamento cindiu-se
colocando Getúlio Vargas como líder governante no quadro desta volumosa fenda histórica,
que, por um lado, reprimiu os comunistas, e as suas expectativas de poder, e, por outro,
definitivamente, catapultou para o getulismo ou para a direita organizada os grupos
políticos e parlamentares ligados à Ação Integralista.
187
O fato de a Assembléia Nacional Constituinte ter sufragado o Chefe de Governo Provisório Getúlio Vargas
para o primeiro período presidencial do novo regime, apesar de obedecer à lógica de uma situação política
reconhecida, fortaleceu a sua posição como autoridade central com especialíssimos poderes para enfrentar,
internamente, os efeitos do confronto ideológico internacional e as dificuldades que adviriam com a retomada
da movimentação bélica na Europa.
129
Guardadas as diferenças históricas, a mobilização pela criação do instituto
parlamentar da representação profissional (ou corporativa), que, politicamente, viabilizou a
criação da OAB, mas, como observaremos, não influiu no seu ideário, exceto na criação da
Ordem como um serviço federal paraestatal, nem era seu propósito, como ideologia
jurídica, não significou, inicialmente, uma mobilização à direita, mas contra o coronelismo
e o caciquismo oligárquico. Os apoios de profissionais liberais ou as suas associações,
empregadores ou empregados, ou mesmo de intelectuais de expressão, não representou,
naquele momento histórico, até 1937, uma adesão a um projeto de direita, mas a uma
proposta de construção de um parlamento de novo tipo, que, excluiria o tradicional modelo
de eleição parlamentar distrital, controlado pelos oligarcas e as expectativas de construção
de um estado uniclassista de esquerda infenso às influências liberais. Este trágico momento
representou, de qualquer forma, senão a desvinculação direta da OAB do Estado, devido as
restrições legais imediatas, o seu afastamento (político) do governo Getúlio Vargas, com o
sucessivo ato de renúncia, como veremos, de Levi Carneiro, em 1938, da presidência e os
subseqüentes movimentos internos pela sua autonomia profissional.
Neste sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (Brasileiro) não teve um
envolvimento direto com o movimento revolucionário (embora criada na expectativa de
atender os anseios inovadores da Revolução de 1930) e efetivamente se realizou na
elaboração de seus estatutos e regimentos, que tiveram efeitos incisivos no esvaziamento do
poder oligárquico, principalmente na desconstrução do patrimonialismo republicano, que
fazia do Estado o grande cartório dos interesses privados. Neste sentido, o que marcará a
história futura da OAB, não será a participação em acontecimentos políticos, ou de
conotação ideológica, mas apenas, como demonstramos, na desconstrução do
patrimonialismo do estado brasileiro, na luta pelo deslocamento da advocacia, como
atividade privada, a serviço do interesse público, do poder público.
Neste sentido, é que se deve compreender o interesse revolucionário de 1930
em incentivar a sua criação e defini-la como organismo disciplinar dos advogados,
exatamente porque, a sua organização corporativa provocaria a dissociação entre as funções
públicas exercidas pelo bacharel em direito e as funções privadas exercidas pelo advogado,
o vício atávico do patrimonialismo de estado. A OAB cresceu neste projeto, e as
resistências que enfrentou para desmontar o Estado patrimonial, cuja essência, evoluira,
130
exatamente, contra a essência do ideário profissional dos advogados: o seccionamento entre
a defesa pública (judicial) do interesse privado do exercício de funções públicas como
funções privadas.
Finalmente, os efeitos revolucionários de 1930, não influenciaram nem
afetaram ideologicamente a OAB, nem os seus pressupostos, mas influíram decisivamente
na institucionalização do ideário das prerrogativas e deveres dos advogados. Ressalte-se,
todavia, por outro lado, que, juridicamente, a OAB, conforme se verifica nos estatutos de
1931/33, vigente até 1963, apesar de seus compromissos com a separação entre o exercício
privado de funções privadas e o exercício privado de funções públicas, estava vinculada à
estrutura administrativa do Estado brasileiro, no modelo das Cartas constitucionais de
1934/37.
Esta específica vertente, observe-se, historicamente, se transformou no foco de
ataque do incipiente movimento liberal democrático que desmontou, mais tarde, a estrutura
autoritária getulista do Estado Novo e contribuiu para a construção da Constituição
brasileira, de 16 de setembro de 1946 bem como influiu parlamentarmente, para que
anteprojeto de Estatuto elaborado pelo Conselho Federal da OAB (1957) viesse a ser
aprovado pelo Congresso Nacional, e sancionado pelo Presidente da República como
efetivamente aconteceu, em 1963.
Conclusões Prospectivas
Foi a definição e a consolidação histórica das prerrogativas profissionais dos
advogados, incipientes e embrionárias entre os anos de 1823/1843 a 1930 (107 anos da
Independência do Brasil e 87 anos da criação do Instituto), mas sempre traduzidas, nos
projetos parlamentares, sejam do Império ou da República Velha, que, de qualquer forma,
viabilizaram permitiram a criação da Ordem dos Advogados Brasileiros (depois do Brasil)
por ato de Estado em 1930. A Revolução de 1930 permitiu que o retrocesso do Regimento
do IOAB da velha República, omitindo nos Estatutos os objetivos preliminares do IAB – a
criação da OAB –, fossem retomados como propósitos de Estado. Este fato evidenciou,
131
historicamente, que a OAB não foi criada por transformação do IOAB (comprometido com
os interesses de Estado), nem pelo Parlamento republicano (também envolto pelos mesmos
interesses), mas por ato do governo provisório de uma revolução antioligárquica.
A discussão teórica da natureza política da Revolução de 1930 não está entre os
objetivos deste trabalho, todavia, não se deve desconhecer, que, embora resulte da
desagregação do pacto oligárquico brasileiro, as frações oligárquicas do Rio Grande do Sul
e Minas Gerais, que vieram a comandá-la, embora tenham se recomposto em 1932 com a
oligarquia paulista, originariamente aliaram-se com as novas frações urbanas do
empresariado, dos profissionais liberais e funcionários públicos e militares e da ascendente
classe operária.
188
Não houvesse a Revolução de 1930, as possibilidades de criação da
OAB, seriam muito remotas, porque dependeria do cruzamento histórico de duas variáveis
determinantes: a definição e a consolidação do ideário das prerrogativas profissionais nos
debates parlamentares e no Instituto ao longo de 87 (oitenta e sete) anos (1843 a 1930) e,
especialmente, nos últimos anos da década de 1920, e a crise de ruptura do tradicional
Estado Patrimonial em 1930 e nos anos que imediatamente antecederam. A Revolução de
1930 rompeu os pactos e acordos oligárquicos e patrimoniais, permitindo, na forma de seus
próprios atos, quando eles prenunciavam a modernização do Estado brasileiro, a criação da
OAB. A Ordem dos Advogados foi criada na derrocada revolucionária das oligarquias
agro-exportadoras, apoiadas nos fragmentos da ordem política originária da Constituição
Republicana de 1891, ainda quando não se antevia a Assembléia Constituinte de 1933 e,
nem ao menos, a Constituição de 1934.
Neste sentido, os fatos históricos é que prevalecem, sendo impossível dissociar
a criação da OAB do contexto revolucionário e antioligárquico de 1930. As pessoas,
individualmente, como sempre, são muito importantes, mas, se contribuem para fazer a
história, só a fazem enquanto seus atos estão historicamente engajados. Todas as
personalidades, que, de uma forma, ou de outra, contribuíram para a criação da OAB, são,
politicamente, importantes, mas o que faz a história é o acontecimento que fica como fato
histórico, o seu autor, isoladamente, é apenas um ator neste cenário, alguns atores
principais outros coadjuvantes e, outros, ainda, meros escudeiros. Neste sentido, se o IOAB
188
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Constituição 1934: Getulismo e modernidade. Revista Justiça e
Cidadania, n. 49, 2004, p.36.
132
não se transformou em OAB, Levi Carneiro, seu presidente, durante o processo
revolucionário, foi eleito presidente da OAB, ficando ao Instituto, todavia, com
significativa e reconhecida força, a constituição estatutária e regimental da OAB.
Na forma dos documentos históricos, por conseguinte, não há como
desconhecer que a OAB surgiu no contexto de uma Revolução antioligárquica e, os homens
políticos, seus atores criadores, que, na forma de suas idéias, ou, apesar delas, praticaram o
ato político de sua criação e instalação. Por isto, não há como desconhecer a colaboração
articulada de Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha e Levi Carneiro que praticaram os atos
históricos que envolveram a criação formal da OAB assim como, a sua criação não pode ser
dissociada das lutas pela institucionalização de seu ideário profissional.
Politicamente o ideário profissional dos advogados esteve marcado pelas lutas
contra o Estado Patrimonial, que, apoiado em esdrúxula e paradoxal hermenêutica de
dispositivo constitucional, no Império (inc. XXIV e XXV, art. 179), que abolia as
corporações de oficio e, posteriormente, na República (§ 24, art. 72 cc, § 14, art. 141), que
garantia o livre exercício de qualquer profissão, impediam o disciplinamento do exercício
da advocacia para resguardar o seu próprio vício endógeno (do Estado Patrimonial). O
exercício de funções públicas administrativas e judiciais e, até legislativas, cumuladamente
com funções privativas da advocacia, o que justificava, também, a liberalidade dos
provisionamentos de rábulas, mais afáveis e dependentes do poder. Esta especial postura
custou aos advogados quase 100 (cem) anos de luta, inicialmente personificados nos barões
imperiais da economia agro-exportadora, representada no Parlamento Imperial, e,
posteriormente, personificada nos oligarcas republicanos da mesma economia agro-
exportadora, representada no Parlamento (Congresso) e na administração por frações
significativas de bacharéis (daí o bacharelismo como fenômeno de estado) interessados em
cumular cargos públicos e atividades jurídicas privadas.
O posicionamento dos advogados, todavia, pode ser sistematizado em períodos
e momentos diferenciados, mas que, no seu conjunto, embora presidido muitas vezes por
circunstâncias políticas e ideológicas conflitivas, evoluiu (tem evoluído) na linha de se
consolidar políticas de funcionamento do estado que evitem qualquer superposição entre o
público e o privado, pressuposto, primeiro, do Estado de Direito, depois do Estado
Democrático. Estas variáveis, no tempo histórico, e que indicam as linhas de confluência
133
que propiciam as condições de convivência entre o ideário profissional e a dinâmica das
ideologias jurídicas.
Neste contexto, o primeiro período se caracteriza pela institucionalização e
consolidação corporativa da OAB com a indelével marca de Levi Carneiro e pela
subseqüente oposição de advogados militantes ao Estado Novo, instalado em 15 de
novembro de 1937, caracterizado pelo autoritarismo getulista e pelas teorias do estado
social; o segundo período se define pelos anos de qualificação do ideário corporativo pelos
princípios e ideais liberais, marcados pelas discussões internas no Conselho Federal da
OAB e pelos debates parlamentares que antecederam à Constituição liberal-democrática de
1946 e a promulgação do novo Estatuto dos Advogados em 1963, pelo Presidente João
Goulart (.....), assim como por uma interferente discussão sobre os efeitos da mudança da
capital para Brasília e suas conseqüências sobre o funcionamento dos tribunais e da OAB e,
finalmente, o terceiro período, que sucede a 1964, ou especificamente após 1968/1969 e se
dilata até 1988, essencialmente marcado pelo envolvimento da OAB nas lutas pela defesa e
reconstrução do Estado de Direito e pela democracia, assim como pela proteção dos direitos
humanos, que sofreram todos forte influência das idéias sociais-democráticas e do
renascimento humanista que sucedeu à Segunda Guerra Mundial (1939/45).
Esta última época (1964/1988), do segundo período (1930/1988), na verdade,
está marcada por duas grandes vertentes: as lutas pela defesa da liberal-democracia
(1946/1968.69) e as lutas pela reconstrução do Estado de Direito e da democracia
(1974/88). A primeira vertente foi gestada nos anos que sucederam à oposição ao Estado
Novo e formatada na Constituição de 1946, concentrando-se na luta pela restauração formal
do Estado de Direito e pela garantia dos direitos individuais. O quadro ideológico originário
de 1946, marcado pelo liberalismo democrático, que subsidiou ideologicamente a luta
contra o Estado Novo, estava comprometido com a concepção liberal e clássica de proteção
aos direitos individuais e à defesa Estado de Direito que evoluiu para a institucionalização
estatutária das garantias das prerrogativas do advogado e influenciou, decisivamente, o
Estatuto de 1963, mas não impediu, que, significativas frações do Conselho Federal (e dos
Conselhos Seccionais da OAB) se aproximassem do movimento militar de 1964/69,
permeado, politicamente, pelo autoritarismo centralista.
134
A segunda vertente, que, sucede, mais especificamente, à edição do Ato
Institucional nº 5/69, e se dilata (cronologicamente) até 1988, está marcada por uma
profunda compressão do ideário corporativo liberal da OAB ante o impacto político das
ações do Estado de Segurança Nacional, instaurado em 17 de outubro de 1969, com a
Emenda Constitucional nº 1/69, que desmontou a (nati-morta) Constituição de 24 de janeiro
de 1967, último dos suspiros liberais conservadores, o que provocou, ao mesmo tempo, as
demandas emergentes dos novos direitos na sociedade brasileira.
189
No contexto destes
movimentos, identificam-se os primeiros indicadores da evolução do ideário profissional
apoiado no liberalismo individualista (clássico e democrático) para um pragmatismo
ideológico influenciado pelas primeiras lutas em defesa dos direitos humanos e pelo Estado
de Direito Democrático permeados pelos emergentes propósitos de justiça social.
A intensa atividade da OAB na luta pela defesa dos direitos humanos, a partir
do reconhecimento da violação dos direitos individuais pelo Estado de Segurança Nacional
e pelo funcionamento democrático do Estado, durante estes anos de governo autoritário e
centralizado, contribuiu, decisivamente, para a (re)qualificação ideológica (doutrinária) do
ideário corporativo da OAB, permitindo-lhe evoluir de uma instituição (exclusivamente)
corporativa para uma instituição comprometida com as demandas pelos direitos civis,
resguardados os seus limites estatutários. Conseqüentemente, foi no contexto da
radicalização política autoritária que a OAB se abriu para novas dimensões do
conhecimento social e ao mesmo tempo reconheceu o seu papel como instituição da
sociedade civil.
189
Norberto Bobbio, no seu livro A era dos direitos (Rio de Janeiro: Campus, 1992), fala dos direitos de
primeira, segunda e terceira gerações, permitindo reconhecer que dentre estes últimos se identificaram, pelas
suas especificidades, os direitos de natureza coletiva e difusa. Ver, também,de BASTOS, Aurélio Wander.
Eras do Direito no Brasil. Revista ACAT. Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas, ano I, n. 1 p. 46-
65. jan./jun. 2006.
135
CAPÍTULO II
O
REGULAMENTO DA OAB E A CRISE DO ESTADO NOVO
Introdução
Este Capítulo está principalmente voltado para as relações da recém criada
Ordem dos Advogados e a evolução institucional da Revolução de 1930. A base referencial
do Capítulo é um estudo comparado dos efeitos concomitantes entre os estatutos da OAB e
a movimentação política revolucionária representada pela Assembléia Constituinte, a
Constituição de 1934 e, finalmente, a promulgação da Carta Constitucional de 1937, que
resultou no Estado Novo.
Interessantemente, como demonstraremos, embora sem que possamos
identificar qualquer articulação entre advogados e os propósitos das lideranças
revolucionárias, o fato é que, enquanto as lideranças políticas getulistas caminharam para
construir um Estado nacional desenvolvimentista, a Ordem dos Advogados, com os seus
regulamentos promulgados pelo governo revolucionário e, posteriormente, implementados,
desmontou os velhos e corruptos pactos internos da Velha República. Todavia, pelas suas
próprias circunstâncias, este período foi um período de profundos confrontos ideológicos,
onde, efetivamente, a OAB evoluiu para um projeto liberal-democrático visivelmente
influenciado pela democracia-liberal norte-americana, que cresceu na crítica ostensiva ao
Estado Novo cujos líderes vinham evoluindo para uma proposta trabalhista fortemente
influenciada pelo sindicalismo e com sensíveis sintomas de aproximação com as vítimas de
seus cárceres os comunistas.
Finalmente, após demonstrarmos os efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre a
desagregação interna do Estado Novo e sobre a dinâmica interna do próprio Conselho
Federal, ambientando uma verdadeira divergência alternativa entre o autoritarismo estatista
remanescente, de coloração corporativo-sindical, e o liberalismo democrático suscetível,
inclusive, às alianças “defensivas” com os militares da Segunda Guerra, preocupados com
as políticas de segurança nacional, procuramos discutir o processo de desagregação do
136
Estado Novo e o processo eleitoral, onde as lideranças da OAB atuaram firmemente. Este
quadro geral de tendências, finalmente, nos permite, na conclusão, a partir de rápida
recuperação histórica, fazermos uma abertura prospectiva dos rumos subseqüentes dos
próximos capítulos, e da Tese, no seu conjunto, com o intuito de justificar e explicar a
interposição dos capítulos que intermedeiam os estudos históricos introdutórios e a fonte
referencial das hipóteses desenvolvidas nos títulos finais, na forma dos diferentes capítulos,
itens e subitens, as conferências dos advogados realizadas entre 1964 e 1988.
1 – Ideário Profissional dos Advogados e a Ordem Revolucionária de 1930
A edição do Decreto (revolucionário) nº 19.408, de 18 de novembro de 1930,
assinado por Getulio Vargas, Chefe do Governo Provisório, e Oswaldo Aranha, Ministro da
Justiça, que na forma do seu artigo 17, criou a Ordem dos Advogados Brasileiros – OAB,
sucedeu a imediata edição do Decreto nº 20.784, de 14 de dezembro de 1931, primeiro
regulamento da OAB, que foi alterado pelo Decreto de nº 21.582, de 1º de julho de 1932,
pelo Decreto nº 22.089, de 1º de novembro de 1932 e pelo Decreto nº 22.266, de 28 de
dezembro de 1932, que viabilizaram a institucionalização de seu ideário profissional na
forma de seus objetivos disciplinares e as prerrogativas dos advogados e, mais ainda,
vincularam a OAB à estrutura de Estado como serviço federal paraestatal. Dentre as tantas
conquistas, também herdadas das frustradas experiências parlamentares, mas que
contribuíram decisivamente para formatar o corpo disciplinar e amadurecer o incipiente
ideário profissional, a vinculação à estrutura de Estado da OAB, que significativamente
poderia interferir na sua independência, transformou-se, no tempo histórico, com efeitos
institucionais, inclusive sucessivos, no grande objeto de questionamento das frações
democráticas e liberais que, após 1942, passariam, mais incisivamente a atuar na OAB-
Conselho Federal, sediado no Rio de Janeiro. Estes decretos foram consolidados no Decreto
nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, e foram o fundamento do Código de Ética
Profissional, assinado pelo Presidente Levi Carneiro, em 25 de julho de 1934, após uma
longa expectativa dos advogados.
137
Todos estes decretos antecederam à instalação da Assembléia Nacional
Constituinte de 1933, exceto o Código de Ética que a sucedeu, inclusive a promulgação da
Constituição de 16 de julho de 1934. Independentemente do Código de Ética Profissional,
que foi por ele próprio elaborado, todos estes documentos tiveram a intensa participação do
Presidente Levi Carneiro, não apenas o articulador da estruturação jurídica da Ordem, mas
também o seu Presidente até 1938, quando renunciou, imediatamente, à decretação do
Estado Novo, em 10 de novembro de 1937.
190
Esta seqüência histórica documental,
finalmente, demonstra que os atos constitutivos disciplinares e organizativos da OAB foram
atos (revolucionários) de Estado que permearam o formato original do ideário profissional,
muito embora, como já observamos, no contexto circunstancial da época.
O Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, assinado pelo chefe do
Governo Provisório Getúlio Vargas e pelo Ministro da Justiça, Francisco Antunes Maciel,
consolidou os decretos que instituíram e/ou alteraram o Regulamento da OAB de 1931, que
fora assinado pelo Ministro da Justiça, Oswaldo Aranha, à época. O Regulamento de 1931,
suas alterações, e a subseqüente consolidação pelo Decreto nº 22.478/33, no seu conjunto,
não apresentam, entre si, diferenças profundas, muito embora aquele tenha sido um período
de sucessivas flutuações legislativas, o que se justifica, inclusive, numa fase inicial, pelas
necessárias acomodações de orientação e políticas. Todavia, na verdade, mesmo com estas
tantas alterações, não há como negar que ali estavam institucionalizadas as grandes linhas
do ideário profissional e a recuperação de muitas sugestões parlamentares, anteriores a
1930, apresentadas no Parlamento Imperial e na Primeira República, e, inclusive, daquelas
provenientes de outros tantos documentos internacionais.
De qualquer forma, institucionalmente, as normas estatutárias da época, devido
ao espírito político do período revolucionário definiram que a Ordem seria um serviço
público federal, órgão vinculado ao poder público, o que cerceava os projetos originários de
uma instituição disciplinar, porém, autônoma e, não apenas autárquica, conforme o
190
Assim está no preâmbulo da Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937: Atendendo às legítimas
aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de
desordem, que a propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes (com) a extremação de
conflitos ideológicos (tendentes a transformar-se em violência) com a apreensão criada no país pela
infiltração comunista (...) colocando a nação sob a funesta influência da guerra civil (...) com o apoio das
forças armadas à nação a sua unidade (e as condições necessárias as condições de segurança do povo
brasileiro) seu bem estar e a sua prosperidade. D
IÁRIO OFICIAL 10 de novembro de 1937, republicado em 11,
18 e 19 de novembro de 1937, por ter saído com incorreções.
138
conceito prevalente à época. Assim dispunha o artigo 2º do Regulamento de 1931, o que se
repetiu nas reedições estatutárias até 1933: A Ordem constitui serviço público federal,
ficando, por isso, seus bens e serviços e o exercício de seus cargos, isentos de todo e
qualquer imposto ou contribuição. Como se verifica, a Ordem não foi criada como uma
entidade autônoma e independente, traduzindo, exatamente, o espírito da vinculação
corporativa ao Estado que presidiu o processo revolucionário de 1930/34, acentuadamente
centralizador, aliás uma reação à descentralização oligárquica descentralista que se refletia
a nível federativo e de todos os poderes.
Não há como se desconhecer, por conseguinte, que a definição estatutária dos
deveres e direitos dos advogados, voltamos a observar, ficava restrita ao poder interferente
e interveniente do Estado que nasceu revolucionário e, até 1945, continuou centralista e,
ainda, autoritário, excetuado o curto período de 1934 a 1937, que, aliás, muito embora, foi
o gérmen do autoritarismo de 1937, que cresceu como reação à Intentona Comunista de
1935,
191
que reproduzia, com mudanças qualitativas as quantitativas, rebeliões militares que
antecederam a 1930, e como ação preventiva à tentativa “golpista” da Ação Integralista,
entre 1937/38. O getulismo, neste sentido, cresceu como força moderadora entre estes
extremos, autoritário pelas circunstâncias da época, o que não impediu, todavia, que,
mesmo neste quadro ambiental, se desenvolvesse, no espaço interno da OAB, o
pensamento liberal e conservador, herdeiros do liberalismo republicano que fora isolado
pelos oligarcas e ficaram deslocados, aliás, também, como os comunistas, na Revolução
antioligárquica de 1930.
Na verdade, o Estado brasileiro, resguardou o seu veio autoritário
historicamente formado como poder moderador até 1946, mesmo porque, o
constitucionalismo que sucedeu a 1930, especialmente após 1932 (ano de promulgação de
191
O ano de 1935 foi marcante para a história brasileira, mas as atas da OAB não se dedicam extensivamente
ao tema político, exceto quando veio à tona a restrição imposta aos advogados no Estado do Rio Grande do
Norte, núcleo ativo da Intentona Comunista, quando se discuti a atmosfera de insegurança dos advogados no
estado, onde não se lhe permitem desempenhar a sua missão, evitando envolverem-se pelas paixões
partidárias. O presidente Levi Carneiro lembra[rou] que nunca faltou ao seu dever, mesmo na época de
agitação política mais intensa porque o país acaba de passar, amparando sempre os membros da Ordem,
como aconteceu em vários estados, mas acha que não deve colher retaliações partidárias. À época o
conselheiro Pedro Aleixo procura(rou) mostrar que a Ordem não deve reagir mediante alegações precipitadas
que efetivamente não ocorreram, deve se aguardar a constitucionalização do estado. (Ata da 1º Sessão da 4º
Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1935).
139
nosso primeiro Código Eleitoral) e 1933 (ano da Assembléia Constituinte), foi um
constitucionalismo de influência corporativista, que, se, por um lado, reconheceu o papel
político da OAB, por outro, traduziu, como um raio, projetos do corporativismo autoritário,
muito embora permeados por políticas e influenciados pelas concepções do Estado social.
O Estado brasileiro, até 1930, não passava, ainda, de tênues veios de competências formais
no contexto geral da ordem jurídica, que, fragilmente, implementava as garantias
individuais, superficiais no Império e dispersas na Velha República. Fortes as autoridades,
apoiadas em sólidos poderes de fato, e frágeis direitos civis. O papel do advogado, bacharel
em leis, ficava, facilmente, permeável, deixando aos rábulas, de maior desempenho
burocrático, papel judicial de maior destaque, assim como a corporação profissional ficava
facilmente manipulada e longe de alcançar seus desígnios e ideário.
Os direitos civis no Brasil, como componentes do ideário dos advogados, só
vieram a se formalizar em 1916/17, com a promulgação do Código Civil, depois de um
longo reinado das Ordenações Filipinas (que se iniciou em 1643 e sobreviveu na República
após a Constituição de 1891), enquanto o processo civil, como definição de canais judiciais
de competências e de demandas, só veio a se definir, organizadamente, em 1939.
Possivelmente, estes veios, tenham se manifestado no Direito Penal (a partir de 1830 e, na
República, só em 1942) e no Processo Criminal, assim como no Direito Comercial, muito
embora os institutos de defesa de direitos individuais, como o habeas corpus, tenham se
institucionalizados desde a Constituição Imperial de 1824 e do Código Criminal de 1830.
O Mandado de Segurança, como instrumento da garantia contra abusos e
violências de autoridade pública, só inicia sua evolução durante a República, quando se
destacou o especial papel de Rui Barbosa,
192
tendo se constitucionalizado, todavia, somente
em 1934,
193
e se definido como instrumento processual legal em 1952.
194
Este quadro de
192
Fundação Casa de Rui Barbosa, op. cit.
193
Dispôs o art. 133, item 33 daquela Constituição de 16 de julho de 1934: Dar-se-á mandado de segurança
para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional
ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a
pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.
194
Ver Lei nº 1533 de 12 de dezembro de 1951 (Altera disposições do Código do Processo Civil, relativos ao
Mandado de Segurança). Aparentemente, a criação (1934) e regulamentação (1952) do Mandado de
Segurança têm efeitos políticos pouco expressivos, todavia, historicamente, este é o principal instrumento
processual indicativo do respeito aos direitos individuais adquiridos e os excessos da autoridade, o que fica
muito bem demonstrado no próprio interregno ente sua criação constitucional e sua regulamentação legal. Na
140
parcos direitos, com certeza, contribuía para a fragilidade da advocacia, assim como o
ensino de Direito crescia sobre um obscuro quadro jurídico que mais estava apoiado num
insubsistente pântano hermenêutico, do que, propriamente, numa eficiente construção
legislativa nacional, mais uma vez demonstrando que o reconhecimento corporativo do
papel do advogado dependia da construção do Estado de Direito enquanto ordem jurídica e,
não apenas, enquanto ordem política juridicamente definida.
A realização destes direitos civis, todavia, só se tornam, efetivamente,
possíveis, à medida que os regulamentos da OAB definem as garantias mínimas para o
exercício da profissão e o funcionamento da organização corporativa, sem as quais o
advogado ficava suscetível ao arbítrio das autoridades, da mesma forma que o eram seus
clientes. No entanto, estas garantias, não foram, também instituídas em aberto, sem que se
definissem as prerrogativas e deveres, assim como as conseqüências punitivas, em muitos
casos judiciais, e, na sua maioria, disciplinares internas, aplicadas pela própria corporação,
cuja direção se constituía de advogados eleitos.
Para uma percepção mais visível desta estrutura indicamos, a seguir, na forma
do Regulamento(s), o quadro genérico que define o ideário profissional estatutário, que, no
tempo, como veremos no correr do trabalho, sofrerá alterações constitutivas de
aprimoramento, principalmente no que se refere aos impedimentos e incompatibilidades
para advogar. Este ideário, fundamentalmente constituído pelas prerrogativas e direitos dos
advogados, tem, também, a sua contrapartida em deveres, assim como as conseqüências
disciplinares aplicáveis pela corporação, em tese, com o objetivo de resguardar os
princípios jurídicos essenciais, no tempo histórico de sua manifestação: os direitos
individuais e o Estado de Direito, os parâmetros (liberais) da ideologia jurídica
historicamente referencial. É neste quadro de direitos e restrições, que, na explicitação do
ideário profissional o(s) próprio(s) estatutos são incisivos na indicação das restrições para o
exercício de funções públicas, essencialmente de natureza jurídica, pelos advogados no seu
mister privado, como variável interveniente no ideário profissional.
A grande conquista do ideário profissional, na forma do Estatuto de 1931,
independentemente, ainda, da fragilidade dos direitos civis, essencialmente traduzidos nas
verdade, reconhecido o hábeas corpus e os dados históricos demonstram a ação interventiva do advogado na
defesa de direitos individuais com repercussões na segurança do Estado de Direito altamente significativos
para a consolidação jurídica do Estado Nacional.
141
garantias de direitos individuais, na forma histórica juridicamente assimilável, fortalecida,
posteriormente, com a redação do Estatuto de 1933, foi a definição dos direitos
(prerrogativas) e deveres dos advogados, no exercício da profissão e as primeiras limitações
para o exercício cumulado da advocacia com funções públicas, o que contribuiu,
decisivamente, para o amadurecimento efetivo de seu papel social (e judicial). Os artigos
22 e 25, respectivamente, dos estatutos citados, dispunham:
Art. 22. Em qualquer juízo, contencioso ou administrativo, civil ou criminal, salvo
quanto a "habeas-corpus", o exercício das funções de advogado, provisionado ou
solicitador, somente será permitido aos inscritos no quadro da Ordem e no gozo de
todas os direitos decorrentes, de acordo com este regulamento. § 1º No foro criminal,
sempre, o próprio acusado se poderá defender pessoalmente. § 2º Serão assinados por
advogado, ou provisionado, inscrito nos quadros da Ordem, todas as petições iniciais e
de recurso, articulados e arrazoados, competindo-lhes a sustentação oral em qualquer
instância. § 1º Na primeira instância das justiças estaduais, é facultada a advocacia aos
provisionados segundo a legislação local, depois de inscritos no quadro da Ordem. § 4º
Compete aos solicitadores, inscritos no quadro da Ordem, a assistência das causas em
juízo, recebendo as intimações para andamento dos feitos, assinando os termos de
recursos e os escritos não enumerados no § 2º, e praticando os atos de audiência e
cartório. § 5º É lícito aos advogados e aos provisionados praticar todos os atos
permitidos aos solicitadores.
Este dispositivo definia essencialmente as bases concretas do exercício
profissional reconhecendo aqueles que poderiam exercer a profissão sem romper os direitos
adquiridos e predefinindo os espaços do exercício profissional. Neste sentido, como se
verifica, os primeiros estatutos não excluíram o exercício da advocacia pelos rábulas
(provisionados e solicitadores) e, nem muito menos, os impediam de se inscreverem na
Ordem; circunscreviam apenas as suas competências (atividades profissionais); estratégia
que sobrevivera até o constrangimento absoluto das atividades destes profissionais que não
portavam o título de bacharel.
Os artigos sucessivos dão a exata dimensão do exercício destes direitos e as
imposições de deveres.
Art. 25. São direitos dos advogados: I. exercer os atos de sua profissão, de
conformidade com as leis e os regulamentos aplicáveis;
195
II. comunicar-se livremente
195
Ata da 1º Sessão da 3º Reunião Ordinária do CF.OAB, de 11 de agosto de 1934, que também não se
referiu à criação dos cursos jurídicos, na mesma data consta que, após uma consulta da Seção de São Paulo, o
relator Targino Ribeiro entendeu que os advogados não podem usar o título de doutor em cartões, impressos,
placas, anúncios, etc., mas indicar-se apenas como advogado, salvos os que tiverem legitimamente colado o
grau de doutor. Nesta mesma sessão o professor Azevedo Marques levantou a questão das confusões
142
com seus clientes, sobre os interesses judiciais destes, ainda quando se achem em
prisão; III. guardar sigilo profissional; IV. ingressar os cancelos dos Tribunais e Juizos;
V. tomar assento à direita dos juizes de primeira instância; falar sentados; requerer
pela ordem de antiguidade, e retirar-se das sessões e audiências, independente de
licença; VI. receber autos com vista ou em confiança, na forma das leis de processo;
VII. contratar, verbalmente ou por escrito, honorários, de acordo com as praxes e taxas
habituais no local, sendo, porem, vedado estipular, a título de honorários, a
participação em bens; VIII. não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em
julgado, senão em sala especial de Estado Maior; IX. usar vestes talares; a) aos
membros do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros é facultado o uso das vestes
talares privativas, outorgadas pelo decreto n. 393, de 23 de novembro de 1844. § 1º Aos
provisionados e aos solicitadores aplica-se o disposto em os ns. I a III, VII e VIII. § 2º
Nas audiências os provisionados e solicitadores tomarão assento à esquerda dos juizes,
falarão e requererão de pé.
196
Art. 26. São deveres dos advogados, provisionados e
solicitadores: I. velar pela existência e fins da Ordem e cumprir as obrigações
decorrentes deste Regulamento, exercendo sua profissão com zelo, probidade,
dedicação e espírito cívico; II. observar os princípios de ética profissional, nos termos
do Código respectivo; III. dar conhecimento ao presidente do conselho da incidência em
qualquer dos casos dos arts. 10 e 11; IV. aceitar e exercer, com desvelo, os encargos
cometidos pela Ordem, pela Assistência Judiciária ou pelos juizes competentes. Art. 27.
Constitui falta no exercício da profissão, pelos advogados, provisionados ou
solicitadores: I. facilitar, por qualquer meio, o exercício da profissão aos proibidos ou
impedidos de procurar em juízo; II. não prestar, no prazo determinado, as informações
ou esclarecimentos requisitados pelo conselho ou pela diretoria da Ordem ou por seu
presidente; III. faltar, de modo inequívoco e injustificado, aos deveres de
confraternidade com os demais advogados; IV. não observar o tratamento respeitoso
habitualmente prestado aos membros da magistratura, ministério público e às
autoridades em suas funções; V. prejudicar, por dolo ou culpa, interesse confiado a seu
patrocínio; VI. acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade
do processo em que funcione; VII. exercer a advocacia não estando habilitado na forma
deste Regulamento; VIII. locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da
parte adversa, por si ou interposta pessoa; IX. estabelecer entendimento com a parte
adversa, sem autorização ou prévia ciência do cliente ou do advogado ex-adverso; X.
recusar injustificadamente prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou do
terceiro por conta dele; XI. aceitar honorários, ou qualquer recompensa, quando
funcionar pela Assistência Judiciária ou nos casos de nomeação pelo juiz, do ofício,
salvo se a parte contrária tiver sido condenada a satisfazê-lo, por decisão Judicial; XII.
receber provento da parte contrária, ou de terceiro, sem prévia e expressa aquiescência
do seu cliente; XIII. ou aceitar do cliente qualquer importância para aplicação ilegal ou
desonesta: XIV. assinar parecer, articulado, arrazoado ou qualquer escrito, destinado a
processo judicial, que não tenha feito ou em que não haja colaborado; XV. advogar
dolosamente contra literal disposição da lei; a) Entender-se-á, sempre, de boa fé, todo
requerimento ou alegação, com apoio em julgado anterior. XVI. revelar, oralmente ou
por escrito, negociação, para acordo ou transação, entaboladas com a parte contrária
ou sem advogado, desde, que envolvam fato de natureza confidencial; XVII. prestar
concurso ao cliente ou a terceiro, para a realização de acordo contrário à lei ou
provocadas pela designação Instituto da Ordem dos Advogados (que não tinha competências disciplinares) e
que estaria provocando confusão com a própria Ordem dos Advogados, numa efetiva demonstração que
IOAB esta perdendo o seu papel histórico.
196
Aparentemente, pouco significativo, mas disposto em lei que os advogados teriam assento à direta do juiz,
falar sentados e requerer pela ordem de antiguidade, ao contrário dos rábulas que tinham assento à esquerda
do juiz e falam e requerem de pé tem um significativo efeito distintivo na consolidação da advocacia
profissional.
143
destinado a iludí-la; XVIII. reter abusivamente ou extraviar, autos recebidos com vista
ou em confiança; XIX. Solicitar, direta ou indiretamente, o patrocínio de qualquer
causa para auferir remuneração; XX. infringir qualquer preceito do Código de ética
profissional ou deste regulamento. Parágrafo único. As faltas serão consideradas
graves, leves ou excusaveis, conforme a natureza do auto e as circunstâncias de cada
caso.
O Regulamento de 1933, como o anterior, explicitava, agora, a lista geral de
direitos e deveres dos provisionados e solicitadores com as conseqüentes diferenças de
direitos, em relação ao advogado bacharel formado,
197
prefixando que o exercício de
prerrogativas corresponde sempre aos conseqüentes deveres, o que efetiva o princípio do
ideário profissional que não existe direito sem o correspondente dever e que a violação de
qualquer deles implica ações punitivas, anteriormente pelo próprio Estado, mas com a
criação da OAB, essencialmente pela entidade corporativa. Ressalte-se, ainda, que, nestes
conturbados anos que antecederam às conquistas da proteção efetiva dos direitos
individuais, com a instalação do Estado de Direito, em 1946, a tônica central de qualquer
dos documentos regulamentares da OAB, que formataram o ideário institucional dos
advogados, estavam essencialmente preocupados, num reflexo das lutas históricas, em
evitar o exercício cumulado da advocacia com funções públicas, definindo aqueles
profissionais que estavam “proibidos” e os que estavam “impedidos” de “procurar em
juízo”.
Os artigos 10 do(s) Regulamento(s) de 1931/33, exatamente, dispõe sobre esta
linha de preocupações do ideário profissional. Assim vejamos:
Art. 10. São proibidos de procurar em juízo, mesmo em causa própria:
I – os juizes federais ou locais, inclusive de tribunais administrativos e militares ou
especiais, excluídos, porém, os juizes suplentes que não percebam vencimentos dos
cofres públicos, ressalvado o disposto no art. 11, n. III;
197
Ata da 12º Sessão da 2ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 11 de julho de 1934, na lista ainda de
prerrogativas, indica que Levi Carneiro comunicou dois recentes decretos do Governo Provisório de grande
interesse para a classe dos advogados: um facultando a inscrição dos membros da Ordem como sócios do
Instituto Nacional de Previdência,[o que era possível enquanto entidade autárquica vinculada] expedido por
iniciativa do Ministro Salgado Filho, e outro modificando de acordo com as sugestões do Conselho Federal,
o Regulamento da Ordem destacando, entre as novas providencias garantidoras do exercício da advocacia, a
do Hábeas Corpus para fazer cessar qualquer constrangimento, ou coação ilegal, ou ameaça de
constrangimento, contra o exercício da profissão pelos inscritos na Ordem.
144
II – os membros do Ministério Público, federal ou local, em processos contenciosos ou
administrativos, cuja matéria, direta ou indiretamente, incida ou possa incidir, nas
funções de seu cargo;
198
III – os funcionários e serventuários de justiça – salvo os que exercerem cargos
periciais, nos juízos em que não funcionarem;
IV – as autoridades e funcionários policiais em geral, em matéria criminal;
V – os funcionários de Fazenda, exatores ou fiscais, em geral;
VI – os inibidos de procurar em juízo ou de exercer cargo público, em virtude de
sentença judicial transitada em julgado;
VII – os corretores de fundos públicos, de mercadorias ou de navios, os agentes de
leilões, trapicheiros e empresários ou administradores de armazéns gerais;
VIII – as pessoas não habilitadas na forma deste regulamento;
IX – as demais pessoas proibidas por lei.
Da mesma forma dispõe o artigo 11:
Art. 11. São impedidos de procurar em juízo:
I – os chefes do Poder Executivo, ministros ou secretários de Estado, da União, dos
Estados e do Território do Acre;
II – os chefes do Executivo Municipal, ou território respectivo;
III – os juizes suplentes referidos no art. 10, n. I, quando no exercício pleno da
jurisdição ou, em qualquer caso, perante o juízo a que pertençam;
IV – os funcionários públicos administrativos, e, bem assim, os membros do Poder
Legislativo federal, estadual ou municipal – todos, como procuradores de empresa
concessionária de serviço público, subvencionada pelos cofres públicos ou da qual a
Fazenda Pública seja acionista ou associada, e, ainda, em toda e qualquer causa contra
a Fazenda Pública;
V – as pessoas declaradas impedidas pelas leis e regulamentos federais, estaduais ou
municipais, de modo geral ou em casos determinados. (Código Civil, art. 1.325,
números V e VI.)
Estes especiais dispositivos são a mais evidente demonstração que a
institucionalização do ideário corporativo objetava, profundamente, as práticas do (velho)
Estado patrimonialista, que vinha sobrevivendo, na Primeira República, reproduzindo os
mecanismos (e procedimentos) imperiais, que comprometiam a independência do Estado e
viciavam o seu funcionamento. Vê-se, neste contexto, que a construção corporativa da
OAB, traduzida nestes decretos, mais do que uma listagem de incisos de disposições legais,
não apenas mais do que impedirem o exercício cumulado de funções jurídicas públicas e
privadas, ou, o exercício da advocacia por servidores públicos, efetivamente, são incisivos
atos de interceptação do Estado patrimonialista, interrompendo, à medida que disciplina o
198
Como se verifica, já, naquela época, ficavam ressalvadas as limitações do Ministério Público Federal ou
local de exercer a advocacia, reconhecendo-se estas proibições apenas para os casos referentes ao seu próprio
exercício profissional.
145
exercício da advocacia, as práticas, interesses e o modus governandi das velhas oligarquias
republicanas, que, continuavam reproduzindo, através do estamento burocrático, o
comprometido patrimonialismo (patriarcalista) imperial, representando, para o estado
brasileiro, uma postura institucionalmente inovadora, mesmo com seus percalços
(ideológicos) e dificuldades políticas.
Por outro lado, de qualquer forma, apesar das intenções e históricas lutas, os
primeiros estatutos, como se verifica, não impediam a inscrição na OAB de provisionados e
solicitadores, velhos rábulas, mas, agora, circunscritos aos estatutos sobre o controle da
OAB. O artigo 97 do Estatuto de 1931, completando dispunha:
As secções instaladas nas capitais dos estados e do território do Acre organizarão e
manterão a relação geral dos advogados, provisionados e solicitadores da respectiva
circunscrição territorial, inclusive das subseções do mesmo estado ou território,
indicando nomes, residências atuais e anteriores, datas de formatura ou de habilitação,
mencionando a faculdade de Direito ou Tribunal, pena disciplinar aplicada. Assim
iniciou o processo de cadastramento dos advogados.
199
O Estatuto de 1933, já, interessantemente, pré-definindo a evolução futura,
dispõe no art. 14, que: os alunos das Faculdades de Direito reconhecidas pelo governo
federal, depois de concluírem o 3º ano do Curso Jurídico, poderão, mediante simples
requerimento, obter carta de solicitador. Este mecanismo de natureza legislativa, esvazia o
“velho” solicitador provisionado, um tipo especial de rábula, criando, como veio a dispor o
Estatuto de 1963, o solicitador (estagiário), em do bacharelando de direito que exercia
funções de acompanhamento judicial nos dois últimos anos do curso, figura que as
legislações posteriores identificaram (no “futuro” e nos nossos dias) como “estagiário”.
200
Completando esta mesma linha, ficava visível, que, o ideário institucional, para o exercício
profissional, a partir de 1933, na forma remanescente de 1931:
em qualquer juízo contencioso ou administrativo, civil ou criminal, salvo quanto a
habeas corpus, o exercício da função de advogado ou solicitador, somente será
199
O Decreto de 1933 definia que a OAB se organizaria em secções (22) e subseções, respectivamente nos
Estados e no antigo território do Acre, e nas várias comarcas do país, orientações que sobreviverão até 1963,
com a promulgação do novo Estatuto.
200
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil e suas personalidades históricas. In: Ensino
Jurídico OAB – 170 anos de Cursos Jurídicos no Brasil. Distrito Federal: Conselho Federal da OAB. Brasília,
1997 (ver também Revista Científica das Faculdades de Barra Mansa, n. 1, 1996). Ver, também, BASTOS,
Aurélio Wander. Estágio profissional e advocacia. Revista da OAB, Rio de Janeiro, ano VI, v. 7, 1980.
146
permitido aos inscritos no quadro da Ordem e no gozo de todos os direitos decorrentes,
de acordo com este regulamento.
1.1. O IOAB e a Estrutura Organizativa da OAB
Independentemente destas preocupações, essencialmente voltadas para
estabilizar o exercício da advocacia, definindo, por um lado, as proibições e impedimentos
para advogar e, por outro, as prerrogativas e deveres do advogado, constitutivas do ideário
institucional, o Estatuto de 1931/33, procurou, também, definir a estrutura política da
organização corporativa dos advogados. Esta estrutura, como veremos, se apoiava,
essencialmente, nos quadros e personalidades do IAB, influência que sobreviveu até muito
recentemente, demonstrando, que, se a OAB, não representou para sua história uma
transformação do (IAB) IOAB, de qualquer forma, teve forte influência na composição
estrutural do Conselho Federal e influiu, mesmo, não apenas com seus quadros, mas
também com suas formulações jurídica e políticas.
O artigo 4º de ambos os estatutos citados dispunha que a Ordem exercerá suas
atribuições em todo o território nacional, pelo Conselho Federal, pelo Presidente e pelo
Secretário Geral, em cada sessão, pela Assembléia Geral, pelo Conselho e pela Diretoria, e,
em cada subseção, pela diretoria e assembléia geral. O artigo 5º, ainda dispunha que, para
facilitar a instalação da OAB: os governos federal e estaduais proverão a instalação
condigna da Ordem e seus arquivos, demonstrando, nesta última indicação, que ficava a
OAB instalada fisicamente dentro da própria estrutura de poderes. Completando, dispõe o
inciso I do artigo 84: Ao Conselho Federal compete: I. eleger o presidente e o secretário
geral da Ordem. Finalmente, dispõe o § 2º, do art. 84, de ambos os estatutos: Na ausência
ou falta do Conselho Federal, as atribuições deste poderão ser, em caso urgente,
exercitadas pelo Conselho da secção do Distrito Federal, submetida, porém, qualquer
resolução adotada por este, à aprovação daquela, em sua primeira reunião.
O artigo 67, dos mesmos Regulamentos, completa: Dos 21 (vinte e um)
membros do Conselho Federal 10 (dez) serão eleitos pela Assembléia Geral (...) e os
restantes pelo Conselho do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. O artigo 102 das
147
disposições transitórias dispunha: Logo que publicado este regulamento, o Conselho
Superior do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros elegerá 11 membros do
Conselho [a que] se refere o artigo 67, e estes, escolhendo dentre si, o presidente
provisório, organizarão o quadro do foro do Distrito Federal.
O Conselho Federal se constituiria(rá) de 21 membros sendo que 11 (onze)
deles (a maioria, por conseguinte), eleitos (indicados) pelo Instituto dos Advogados e 10
(dez) outros eleitos em Assembléia Geral. Por outro lado, é importante destacar duas linhas
conclusivas: a primeira que o poder corporativo estava com os advogados associados ao
IOAB (IAB), juristas de expressão e, quase sempre, destacadas personalidades da elite
intelectual e, a segunda, na ausência de funcionamento do Conselho Federal as suas
atribuições são (seriam) exercidas pelo Conselho (seccional) do Distrito Federal, o que
fortalece(ia), essencialmente, a elite da advocacia da cidade do Rio de Janeiro, que, senão
dominantemente, eram os advogados dos tribunais superiores, especialmente junto ao
Supremo Tribunal Federal STF.
Ainda nesta mesma linha, dispõe o artigo 88 com superficial diferença em
relação ao Regulamento anterior: O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil será
eleito pelo Conselho Federal dentre os presidentes efetivos dos Conselhos, e o secretário
geral, do mesmo modo, dentre os demais membros do Conselho Federal. Isto significa que
os presidentes de seccionais, em tese, por conseguinte, profissionais militantes, é que
seriam os presidentes do Conselho Federal, de novo, por um lado, transformando os
membros originários do IOAB em eleitores majoritários (privilegiados) na eleição do
Presidente e de Secretário Geral, e, por outro lado, devido às dificuldades de locomoção, e
por força do próprio estatuto, privilegiando a elite intelectual dos advogados do Distrito
Federal, que se organizavam no IOAB,
201
o que pesou significativamente, embora em
menor
201
O Estatuto da OAB de 1963 mostra por conseguinte que não houve propriamente uma ruptura com as elites
jurídicas anteriores, tanto é fato que a presença formal dos membros do IOAB era decisiva no Conselho
Federal da OAB, ficando mais evidente à medida que Levi Carneiro, presidente do IOAB, se fez presidente da
recém-criada OAB, dando uma impressão de transformação interna do instituto por ato de estado em ordem
dos advogados. O que de certa forma ocorreu porque, na forma da lei, o próprio instituto ficara responsável
pela elaboração dos documentos regimentais complementares.
148
grau, até os anos de vigência dos estatutos de 1963.
202
Assim, devido às excepcionais
condições geopolíticas do Conselho do Distrito Federal, não apenas o seu peso decisório
era altíssimo, como, também, a advocacia da cidade do Rio de Janeiro, então capital
federal, principalmente a prestigiada advocacia dos Tribunais Superiores, tinha
significativo peso no processo de decisão e orientação de posições corporativas e políticas.
Como se pode verificar, do contexto geral destes dispositivos, esta foi uma
grande lição de política, em que, não tendo a OAB sido criada por ato de transformação do
IOAB, o processo de acomodação, na nova estrutura de poder, ficou razoavelmente
equilibrada, resguardando, para o Instituto, não apenas parcela substantiva de participação
na organização e no controle do processo de implantação e instalação do Conselho do
Distrito Federal.
203
Por outro lado, sobre a formatação (do futuro) Conselho Federal, ambos
os Regulamentos (1931 e 1933) dispõem no art. 83:
Anualmente, em data previamente fixada, os Conselhos de todas as seções, reunir-se-ão,
em conselho federal, para apresentação do relatório das principais ocorrências do ano
em cada secção, e deliberarão sobre providencias a tomar ou medidas a sugerir aos
poderes públicos.
Completando, por conseguinte, esta linha discursiva, os próprios estatutos se
encarregaram de definir as penalidades corporativas, sendo que, a este tempo,
remanesciam, ainda, penalidades judiciais. Definindo os deveres e faltas disciplinares dos
advogados e provisionados, o Estatuto fixou, também, as penalidades aplicáveis a cada
situação variando de advertência, suspensão e cancelamento e aos advogados inscritos,
resguardou, também, ainda, significativo poder para os juízes no controle das faltas e
condutas dos advogados em audiência.
204
Assim, o Regulamento de 1931, assim como o de
202
Ver Lei 4.215, de 27 de Abril de 1963 (Estatuto da OAB), que, como veremos, alterou significativamente
esta sistemática.
202
O artigo 68, resguardou, também, para o IOAB a competência para elaborar o Código de Ética, como
podemos verificar no art. 84 do Regulamento de 1931, como já narramos O Código de Ética foi aprovado por
ato do próprio Conselho em 25 de julho de 1934 veio assinado por Levi Carneiro que fora Presidente do
IOAB, por ocasião da criação da OAB e, posteriormente, fora eleito presidente da primeira diretoria da OAB,
como já estudado.
204
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 4.215 de 27 de abril de 1963, o Capítulo VII (Das
infrações disciplinares, art. 103 a 104) e o Capítulo VIII (Das penalidades e sua aplicação, art. 105 a 131), que
alterou esta orientação, como veremos.
149
1933, davam competência à Assembléia Geral, dentre outras tantas (art. 59) competências,
para eleger, bienalmente, por escrutínio secreto, voto pessoal e obrigatório, os membros do
Conselho da Ordem (redação de 1931) das seções e subseções:
205
206
Estes dispositivos, de natureza exclusivamente formal, nos permitem observar
que a Constituição do Conselho Federal da OAB
207
era uma estrutura organizativa
derivada, conseqüente, e a sua constituição era uma cumulação temporária dos Conselhos
seccionais, cujas funções, no interregno, eram exercidas pelo Conselho do Distrito Federal
(no Rio de Janeiro, Capital Federal). Esta especial situação, possivelmente, devido às tantas
dificuldades de locomoção física, à época, num país de extensões continentais, fez com que
o Conselho Federal funcionasse com uma estrutura executiva precária, onde existiam,
apenas, de Presidentes, o que, mais tarde (1951/62), foi matéria de amplas discussões sobre
sua reestruturação administrativa, e Secretário Geral, sendo que, neste caso, em geral não
houver exceções, seria sempre o Secretário do Conselho do Distrito Federal.
208
205
Em relação à primeira diretoria ver nota 115 e nota 117 desta obra.
206
No artigo 64, ainda, dispunha: No Distrito Federal, o Conselho da Ordem compor-se-a de 21 membros, e
estes, dentre si, elegerão aqueles que, durante o mandato, constituirão a diretoria, composta dos seguintes
cargos: Presidente, Vice-Presidente, 1º e 2º secretários, tesoureiro e bem assim as comissões de sindicância e
disciplina, com três membros cada uma. Os membros do Conselho, não escolhidos para qualquer dos cargos
acima mencionados, serão vogais. Estando o Presidente da Seccional do Distrito Federal na presidência do
Conselho Federal respondia pela seccional o vice-presidente.
207
O art. 85 do anterior Regulamento (1931) dispunha que: Presidirá o Conselho Federal o Presidente da
Ordem tendo como secretário o secretário-geral.
208
É interessante ressaltar que o item 7º do art. 89 do Regulamento de 1933 dispunha: Ao Presidente da
Ordem compete: promover nas secções da Ordem, a organização de institutos de advogados, que visem fins
semelhantes aos do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, numa efetiva demonstração do
funcionamento articulado entre ambos, evidenciando-se, mesmo, uma dominância do Instituto que o tempo
diluirá. Ainda nesta linha, de reforço do IOAB dispunha o art. 98: O Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros e os institutos de advogados a ele filiados, têm qualidade para, por seus representantes legais,
promover, perante o Conselho da Ordem, o que entenderem a bem dos interesses dos advogados em geral ou
de qualquer de seus membros.
150
2 – A OAB e o Constitucionalismo Constituinte de 1933/1934
A compreensão segura, como temos insistido, do envolvimento político da
OAB entre os anos de 1930 e 1937, na crise que sucedeu à Constituinte/Constituição de
1934 exige um conhecimento mais cauteloso do papel institucional dos advogados, após
1930, muito especialmente, porque, à criação da Ordem, neste ano, sucederam-se mudanças
políticas que influíram no Código Eleitoral de 1932. Estas mudanças viabilizaram a
importância dos advogados na composição corporativa da Assembléia Constituinte, de
1933, e na composição da Câmara dos Deputados, após 1934, assim como, e este dado é
significativo, na composição dos tribunais por advogados originários da militância forense.
Esta última questão – participação dos advogados na composição dos tribunais,
independentemente dos espaços de representação corporativa na Constituinte e na Câmara
dos Deputados, questões importantíssimas para a contextualização política e ideológica da
OAB, foi levantada no Conselho Federal da Ordem pelo conselheiro Haroldo Valladão, em
1933, da mesma forma que o fizera no Conselho Universitário da Universidade do Brasil,
sugerindo:
à Assembléia Nacional Constituinte, a fim de serem consignados na futura Constituição
do país dispositivo assecuratório dos interesses e direitos da classe dos advogados
apresentando as seguintes sugestões: estabelecer garantias para a profissão do
advogado considerado como trabalhador intelectual e assegurar aos advogados
militantes um determinado número de vagas no quadro da magistratura, nas nomeações
de acesso, para os cargos de juizes singulares e de membros dos tribunais superiores.
209
Independentemente do obreirismo não absorvido, como reflexo final destas
posições muito discutidas na Constituinte, o §6º do artigo 104, da Constituição de 1934
passou a dispor que: Na composição dos Tribunais superiores serão reservados lugares,
correspondentes a um quinto do [seu] número total, para que sejam preenchidos por
209
O presidente Levi Carneiro propôs uma Comissão para tratar da matéria, assim como Nereu Ramos e
outros entenderam que os prazos de emendas constitucionais estavam esgotados sobre este tema muito
embora ainda coubesse o seu enquadramento no projeto de Constituição sugerido pelo Conselho Federal.
Segundo este tema também a sugestão de Levi Carneiro no sentido de assegurar à classe dos advogados
participação nas comissões para vagas na magistratura. Ata da 1º Sessão da 2ª Reunião Extraordinária do
CF.OAB de 16 de abril de 1934.
151
advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação
ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3º.
210
Neste sentido, estava
definida, senão a mais importante, uma das mais significativas conquistas dos advogados
evitando o domínio exclusivo de juízes (e membros do Ministério Público) na composição
dos tribunais, mas ficando, também, visível que esta era um expressivo objetivo do projeto
corporativista de Estado, dentre tantas outras até os nossos dias que têm adquirido força
democratizadora.
Levi Carneiro, que participou intensamente da Constituinte de 1933, como
Deputado corporativo, representando a OAB, com referência ao dispositivo ante transcrito,
sugeriu o seguinte texto:
Os Ministros da Corte Suprema serão nomeados pelo Presidente da República, dentre
cinco cidadãos (...) indicados, na forma da lei sucessivamente, em escrutínios secretos,
um pelas congregações dos professores catedráticos das Faculdades de Direito oficiais
ou reconhecidos oficialmente, um pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, um
pelos juízes federais de 2ª instancia, ou, se os não houver, pelos juízes federais de 1ª
instancia, e dois pela própria Corte Suprema. Quando se tratar de Juiz Federal, de
instancia, ou dos tribunais inferiores, ressalvado o disposto nos artigos... (Justiça
Militar e Eleitoral), as indicações, na forma determinada pelo § 1º, serão feitas pelas
Congregações das Faculdades de Direito, pelo Conselho da Seção da Ordem dos
Advogados, pelo tribunal local, do território sob a jurisdição do juiz a ser nomeado, e
pela Corte Suprema.
211
É interessante ressaltar que essa discussão de dispositivos constitucionais que
abriam o acesso de advogados (e membros do Ministério Público) ao Poder Judiciário é
reivindicado pelo constituinte Lacerda Pinto, em sessão de 10 de abril de 1934,
212
que, em
certo momento de sua justificação de emenda substitutiva, afirma:
Quanto á nomeação de dois terços de juízes, que possam vir da magistratura de todo o
país, foi esta a minha justificação, quando oferecida emenda semelhante, em 1º turno:
‘A emenda teve por fito assegurar o aproveitamento principalmente dos juízes, que os
há, em todo o país, dignos por todos os títulos, de figurar na Côrte Suprema. É, além
disso, um incentivo aos magistrados, cuja maior aspiração deve ser a de subir ao mais
alto cimo da sua nobre carreira em nossa Pátria, muito embora pouco importe o grau
210
Dispunha o respectivo § 3º - Para promoção por merecimento, o Tribunal organizará lista tríplice por
votação em escrutínio secreto.
211
Anais da Assembléia Constituinte. 1934, vol. 18, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. 221.
212
Anais da Assembléia Constituinte. 1936, vol. 10, Emenda Substitutiva nº 743/33, Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, p. 219 a 220.
152
da magistratura, para que ela só ceda o passo, em dignidade, ao ofício dos altares. Por
outro lado, fica assegurado aquilo que tem sido uma tradição no Brasil: a escolha de
juristas que, conquanto não sejam magistrados, têm levado e hão de levar para o
Supremo Tribunal Federal a seiva da sua cultura e a larga visão da sua experiência’.
213
A essa abertura seletiva de acesso de advogados ao Poder Judiciário, inovação
da Constituição de 1934, como não seria de se estranhar, teve quem se manifestasse
oficialmente contra, especialmente Alfredo Mascarenhas que afirmava:
A admissão de advogados, pessoas completamente estranhas à magistratura é, a nosso
ver, inconveniente. Além de outros motivos que pretendemos da tribuna expor, colide
ela com os processos de seleção adotados pelo substitutivo e prejudica o
aperfeiçoamento da magistratura, de vez que diminui o estímulo, o entusiasmo do
magistrado de categoria inferior para que, pelo seu esforço, pela sua distinção, alcance,
ou melhor, conquiste, um lugar no Tribunal Superior. Tal diminuição é determinada
pela redução das probabilidades, motivo que não deixará de influir no ânimo do
magistrado de valor real, que terá de certo o ideal de alcançar o mais alto posto na
carreira que abraçou.
214
O transcrito acima é uma manifestação individual, mas, houve, também, os que,
organizadamente, se declararam contrários ao dispositivo, com o acréscimo inusitado de ser
uma organização de advogados. O Club dos Advogados do Rio de Janeiro, em ofício à
Assembléia Constituinte, entre outras ponderações e posicionamentos, numa redação
evasiva se declara contra o dispositivo da seguinte forma:
Quanto á organização do Poder Judiciário, o Club dos Advogados do Rio de Janeiro
dissentiu da corrente da opinião particularista que patrocina a multiplicidade de
judicaturas e de leis processuais. Deseja que se ofereça remédio seguro a uma situação
que desprestigia a toga e impede a uniformidade da jurisprudência nacional. O Club
dos Advogados é pela unidade de justiça e de processo. Não quer ele tão somente a
independência da magistratura. Acha que esta reclama também autonomia na sua
composição.
Apesar das oposições, inclusive desta esdrúxula posição assumida pelo Club
dos Advogados que, a pretexto da uniformização jurisprudencial, rejeitava o princípio do
quinto constitucional, texto da Constituição de 1934, na forma da redação do inciso V,
213
Ibid.
214
Sala das Sessões da Assembléia Nacional Constituinte, 12 de abril de 193. (sic.) – Alfredo Mascarenhas.
Anais da Assembléia Constituinte. 1934, vol. 18, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934, p. 268.
153
artigo 124, que abriu o Poder Judiciário à inclusão do advogado nos seus quadros
superiores:
Na composição de qualquer tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por
advogados e membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação
ilibada, com dez anos, pelo menos, de prática forense. Para cada vaga, o Tribunal, em
sessão e escrutínio secreto, votará lista tríplice. Escolhido um membro do Ministério
Público, a vaga seguinte será preenchida por advogado.
215
Como se verifica, imediatamente à criação da OAB, batalha de significativa
importância, foi incorporar ao Poder Judiciário a participação do advogado, que passava,
desta forma, a compor a própria estrutura do Poder Judiciário, diferente do passado onde o
exercício da advocacia privada, muitas vezes, se superpunha e acumulava com funções
próprias e específicas do Estado. Os debates não são elucidativos sobre as razões, mas,
facilmente, se percebe o teor reivindicativo da participação. Este dispositivo, não
propriamente traduz o ideário profissional de influência liberal, mas o projeto corporativo
de composição mista que o tempo tornou suscetível de absorção pelas ideologias jurídicas,
não propriamente pelas razões originárias, mas porque praticamente reconhece a
importância de se compreender e decidir as demandas, não apenas da perspectiva dos
juízes, mas, também, a partir do “saber de experiência feita” (como Camões se referia aos
grandes navegadores) dos advogados.
215
É interessante observar que durante a Assembléia Constituinte de 1946, o Sindicato dos Advogados do Rio
de Janeiro, enviou um anteprojeto de Constituição onde em seu art. 74 e art. 75 dispunha: Art. 74. Os
advogados com mais de dez anos de exercício da profissão poderão ingressar como juizes de direito,
desembargadores ou ministros. Art. 75. Os tribunais terão pelo menos, em sua composição, um terço de
advogados (ver Anais da Assembléia Constituinte. 1946, v. 7, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947, p.
391). O texto constitucional de 1946 ficou com a seguinte redação no inciso V do art. 124, que na composição
de qualquer Tribunal (trata-se de tribunais de direito comum) será um quinto dos lugares preenchido por
advogados (...) de notável conhecimento e reputação ilibada, com dez anos pelo menos de prática forense,
escolhido em lista tríplice, e a Emenda Constitucional nº. 16, de 26 de novembro de 1965, acresceu: que
estiverem no efetivo exercício da profissão. A Constituição de 1988, referente ao tema, manteve a mesma
posição, todavia, mais explicitamente que as anteriores, numa visível diferenciação entre a natureza do Estado
de Direito e do Estado Democrático de Direito, entendeu que estes profissionais seriam indicados pelos
órgãos de representação das respectivas classes. Assim dispõe o art. 94 da citada Constituição: Um quinto dos
lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Território será
composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogado de notório
saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em
lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. Esta mesma orientação não foi seguida
pelos Tribunais Regionais e Superior Eleitoral, muito embora tenha sido preservado o quinto do advogado na
sua composição.
154
De qualquer forma, por outro lado, os debates parlamentares e os
acontecimentos futuros não nos dão qualquer indicativo de que absorção deste postulado do
corporativismo ideológico com a participação do advogado na composição dos tribunais
tenha traduzido interesses profissionais, bastando recordar que os primeiros textos
constitucionais deixaram a escolha da composição não à OAB, cujas indicações passou a
fazer no futuro, mas ficava na competência dos Tribunais.
216
Faltam estudos sobre os
efeitos das deaisões de juízes originários do quinto na compreensão e hermenêutica dos
acórdãos nos tribunais, sendo fato, todavia, que no tempo histórico, o que se esperava (e
espera) é que os advogados traduzissem uma leitura mais aberta e humana de dispositivos
sempre hermenêuticos da lei, o que, visualmente, tem sido comprimido pelo volume das
decisões dogmáticas.
Neste especial contexto histórico, a dinâmica evolutiva da vida corporativa
começou a sofrer profundas e significativas influências ideológicas, que, visivelmente,
incidiam sobre a dinâmica do ideário profissional, que, por sua vez, historicamente
retroalimentou a influência dos sistemas de idéias. Este processo de retroalimentação
ideológica do ideário profissional esteve essencialmente marcado pelo pensamento liberal
antes de 1930 e após 1937, o ideário profissional foi fertilizado pela imprescindível defesa
dos direitos individuais e pela luta pelo Estado de Direito, confluindo para a liberal
democracia de 1946 em confronto com o trabalhismo nacionalista (de certa forma herdeiro
do sindicalismo estatista dos anos de 1930/40). Posteriormente a 1968, houve uma altíssima
resistência corporativa à ideologia da Segurança Nacional seguida de uma significativa
retomada adesista do humanismo jurídico convertido na luta pelos direitos humanos e pelo
Estado Democrático de Direito.
Todavia, o entendimento da participação dos advogados na constitucionalização
da liberal-democracia em 1946 e dos seus efeitos sobre o Estatuto de 1963 exige uma
especial compreensão, não apenas das circunstâncias históricas que envolveram a criação
da OAB, em 1930, e sua implantação, mas, muito especialmente, do papel político de Levi
216
Esta posição ainda prevalece em relação à indicação de advogados para a composição dos tribunais
eleitorais, para posterior nomeação do Presidente da República, conforme inc. III, § 1º do art. 120 da vigente
Constituição, assim como o sistema é essencialmente político quando se trata da escolha de ministros do STF,
conforme art. 101 e Parágrafo único da Constituição vigente, escolhidos pelo Presidente da República, dentre
cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, após escolha por maioria absoluta do Senado Federal.
155
Carneiro como constituinte e deputado profissional (corporativo), também, o seu papel na
OAB até 1938, quando, definitivamente, se afastou da Presidência.
3 – A Crise Política e a Renúncia do Presidente Levi Carneiro
As atas das diferentes sessões da OAB, entre os anos de 1931 e 1937,
efetivamente, têm um caráter, essencialmente, burocrático, até mesmo porque ela
funcionava como serviço federal paraestatal, obrigando-nos a reconhecer que as
manifestações políticas do Conselho Federal, mesmo nas fases posteriores à sua instalação,
são pontuais. Assim, por exemplo, quanto à crise institucional de 1935, denominada
Intentona Comunista, não existem manifestações, exceto um comunicado lateral de Levi
Carneiro envolvendo prisões políticas e o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1935,
fugindo aos limites constitucionais de 1934. Assim está em atas:
O presidente Levi Carneiro em 31 de maio de 1937 (...), deu conhecimento ao Conselho
do telegrama que recebera de diversos professores e advogados do país, sobre o
tratamento de presos que estão sendo julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional. E
comunicou o procedimento que tivera, o que foi plenamente aprovado, sugerindo ainda
em face da carta que recebera do advogado dos principais acusados, que se
comunicasse toda a correspondência ao Ministro da Justiça.
217
Reconhecendo-se que a OAB era um serviço público federal vinculado, é
compreensível esta posição, mas os incidentes indicados nas Atas demonstram as
dificuldades de Levi Carneiro, à frente de um órgão de Estado, há 7 (sete) anos
consecutivos, desde a sua criação, no exato momento em que o poder central se radicalizara
frente ao avanço dos movimentos de esquerda, em 1935, liderados pela Aliança Nacional
217
Ata da 2º Sessão da 5º Reunião Extraordinária do CF.OAB de 31 de maio de 1937. Ver, também, carta de
Sobral Pinto a Targino Ribeiro, Presidente da Seccional da OAB-DF e vice-Presidente do Conselho Federal
(12 de janeiro de 1937) onde observa: A minha designação, pelo Conselho da Ordem, ao Tribunal de
Segurança Nacional, para defender os acusados Luis Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger,
de que me dá notícia no seu ofício nº 20 (vinte) de 8 do corrente, somente ontem recebido, eu aceito como
dever indeclinável de nossa nobre profissão (...). E termina: penso, meu caro presidente, que poderei
trabalhar para manutenção entre nós das tradições de desinteresse e amor as liberdades públicas (...). Sobral
Pinto, H. F. Porque Defendo os Comunistas. (introdução, notas e organização de Ary Quintella). Rio de
Janeiro: UCMG/Ed. Comunicação, p. 40.
156
Libertadora ANL, e de extrema direita, em 1938, lideradas pela Ação Integralista
Brasileira, herdeiros do corporativismo ideológico da Constituinte de 1933, da qual o
Presidente da OAB participara, como já observamos, como ativo deputado profissional.
Aparentemente, a evolução conflitiva não deveria influir sobre a OAB, e as
posturas de seu presidente, mas, em princípio, há que se considerar as seguintes situações
entre si conexas das políticas internas: a OAB era uma autarquia imersa no próprio Estado,
sensível, por conseguinte, às próprias avarias internas do poder. O Presidente da OAB fora
deputado constituinte, que, em várias ocasiões, assumira a defesa da composição do
Parlamento corporativista, assim como, o fora, também, Consultor Geral da República, do
governo de Getúlio Vargas, na sua primeira fase, quando ainda estavam visíveis os traços
corporativistas de frações revolucionárias. Por outro lado, neste contexto, de interconexão
entre o Estado getulista e os conflitos externos resultantes da pressão de esquerda e da
pressão de direita era absolutamente impossível que a OAB e a sua condução presidencial
não fossem afetadas.
Os efeitos dos acontecimentos políticos externos sobre a OAB, e, por isto
mesmo, acabaram provocando o pedido de renúncia de Levi Carneiro, em 4 de maio de
1938, comprimido pelo golpe do Estado Novo e pelas expectativas golpistas integralistas,
já que os grupos de esquerda (ANL) estavam liquidados e os democratas sufocados. Neste
quadro, ficava visível a ampliação da crise institucional onde se aprofundavam as
divergências entre o emergente getulismo-trabalhista, como ideologia de estado, e a Ação
Integralista Brasileira, como movimento político de direita, que buscava maiores contatos
com o fascismo italiano,
218
apesar do desprezo que as autoridades italianas (aparentemente)
mantinham pelas lideranças nacionais.
219
Todavia, não restou ao presidente outro caminho: permanecendo na OAB
subsumia o Estado Novo autoritário; opondo-se, enquanto presidente da OAB, ao Estado
Novo, rompia com as estruturas hierárquicas do Estado; aderindo ao movimento integralista
218
A Ação Integralista Brasileira, liderada por alguns expoentes da intelectualidade e da política nacional tais
como Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Hermes da Fonseca e tantos outros tentou um golpe de estado no dia
11 de maio de 1938 numa visível ação de enfrentamento com o getulismo autoritário consolidado em 10 de
novembro de 1937, apesar de suas vãs tentativas de fazer de Plínio Salgado, Ministro da Educação. TRENTO,
Ângelo op. cit., p. 86.
219
TRENTO, Ângelo. Fascismo Iitaliano. 2º ed., São Paulo: Ática, 1993, pp. 7, 8 e segs.
157
comprometia politicamente a OAB e contrapunha-se hierarquicamente ao Estado, aderindo
ao Integralismo, naquele momento, poderia conectar o ideário da OAB com o
corporativismo ideológico e, definitivamente, afetar a difícil luta da OAB pela
institucionalização de seu ideário profissional, que, àquele tempo, já buscava novas
dimensões devido às restrições impostas pelo Estado Novo.
Levi Carneiro apresentou a sua renuncia em documento
220
dirigido ao
Conselho Federal da OAB donde se pode extrair o seguinte:
(...) sou dos poucos que restam do primeiro grupo de obreiros. Há mais de sete anos,
sirvo continuamente esta obra. Tenho-a vista crescer ante meus olhos maravilhados.
Presidente do Instituto dos Advogados, quando o Governo Provisório, logo nos seus
primeiros dias, em novembro de 1930, criou a Ordem dos Advogados, tive a honra de
colaborar no projeto de Regulamento, que a nossa tradicional associação de classe
organizou. Tive, depois, como Consultor Geral da República, de considerar esse projeto
e outros, oferecidos pelos vários Institutos dos Estados, refundindo-os, organizando o
Regulamento que veio a ser decretado. Eleito presidente da secção do Distrito Federal,
logo que instalada, participei dos primeiros e difíceis trabalhos de organização dos
quadros, do Regimento Interno, das eleições para o Conselho, que atraíram logo mais
de mil advogados.... Eleito presidente deste Conselho Federal, quando se instalou,
também aqui participei de todos os trabalhos da primeira organização – para orientar,
coordenar, ajustar, animar os esforços que se desenvolviam em todos os Estados do
Brasil, para formação das várias secções da Ordem. Mantive-me, simultaneamente no
exercício desse dois cargos (...). Agora, porém, estou [convencido] que tenho o direito –
e até o dever – de retirar-me. Recordei o que fiz, não por jactância, que seria
imperdoável, mas para mostrar que, não tendo podido fazer quanto desejava fiz tudo o
que podia, mas circunstâncias eu me encontrei e no limite restrito da minha capacidade.
Isto porque somente nessa condição permite a nossa lei orgânica que o membro da
Ordem decline do encargo que lhe foi cometido. Entendi que deveria retribuir à minha
classe, aos homens da minha profissão – tudo o que esta me proporcionara, todos os
bens, todas as alegrias, todas as honras da minha vida – que tudo proveio dela, tudo me
deu ela em muito mais larga escala do que eu merecia e do que almejava – servindo-a
devotadamente, cooperando, apaixonadamente, na organização, que, a meu ver, lhe
dará maior prestigio e a habilitará a exercer, em toda a plenitude, a ação social que lhe
compete. (...) Agora, a Ordem dos Advogados está organizada, triunfante, prestigiada
em todo o país. Seu prestígio cresce dia a dia – e crescerá, enquanto soubermos manter-
lhe a feição própria, excluindo-a do torvelinho da agitação política e das competições
pessoais, votando-a sempre ao serviço dos interesses coletivos dos advogados, que
envolvem interesses do nosso próprio Brasil. (...) Mas, a Ordem dos Advogados poderia
ser o sonho, ou o capricho, de um pequeno grupo de profissionais, si os seus servidores
fossem sempre os mesmos. (...) Ora, também este cargo supremo, a que a vossa
generosidade me elevou, deve ter outro ocupante. Não só porque de mim nada mais vos
poderei dar. Também porque outros merecem ocupá-lo. E para mostrar o que a Ordem
tem de impessoal e de eterno. (...) Deixo-vos alguma coisa de mim mesmo; levo comigo
alguma coisa de todos vós – a recordação inapagável dos vossos obséquios e atenções.
220
Ver anexo da Ata da 114º Sessão da 6º Reunião Extraordinária do Conselho Federal da OAB de 4 de maio
de 1938.
158
Nada prende mais que o trabalho em comum – máxime em uma grande obra, como esta,
de idealismo. Permiti-me que personalise a minha gratidão por esse motivo – na
impossibilidade de enumerar tantos e tão dedicados representantes das secções
referindo-me apenas, nominalmente, ao nosso eminente Secretário Geral, Sr. Atílio
Vivacqua, que foi um colaborador prestimosíssimo (....).
A Ata do Conselho Federal de 18 de agosto de 1938, informa, que,
imediatamente após renúncia, em 4 de maio de 1938, iniciou-se uma ampla articulação para
que Levi Carneiro continuasse no exercício da presidência, alegando-se, principalmente, os
inconvenientes que adviriam. Levi Carneiro aceitou a reinstalação da missão e presidira
(segundo aquela ata) a Sessão de 6 de maio de 1938, vindo a permanecer no cargo com o
apoio do Conselho até 18 de agosto do mesmo ano, o que significa que ele atravessou na
presidência os tempos que antecederam e imediatamente sucederam a 11 de maio, data
referencial do movimento integralista.
Neste contexto, quando o senhor Baptista Bittencourt, presidente da Sessão do
Distrito Federal, em exercício da presidência do Conselho Federal, como mandava o
Estatuto, deu conhecimento ao Conselho Federal do oficio datado de 11 de agosto de 1938,
em que Levi Carneiro lhe transmitiu a presidência da Ordem, por estar findo o respectivo
mandato, assim também deu conhecimento de oficio, à mesma data que Attilio Vivacqua,
Secretário Geral, passara a secretaria ao Sub-Secretário dr. Francisco Sales Malheiros.221
Consta, ainda, da supra referida Ata que nesta mesma sessão o presidente Levi Carneiro
solicitara a leitura de pronunciamento de sua autoria. Todavia, atendendo ao conselheiro
Armando Vidal, de Pernambuco, foi sugerido que o próprio Levi Carneiro viesse ao
Conselho fazer a leitura do seu discurso, o que efetivamente não ocorreu, porque o
Conselheiro Nilo Vasconcelos, do Ceará, sugeriu a imediata eleição, na forma regimental, o
que foi aceito. As delegações das 15 sessões presentes, providenciada a eleição sufragaram
novamente o nome de Levi Carneiro para o biênio que terminaria em agosto de 1940.
222
221
Ata da 129º Sessão da 7º Reunião Ordinária do CF.OAB de 18 de agosto de 1938.
222
Ata da 129º Sessão da 7º Reunião Ordinária do CF.OAB de 18 de agosto de 1938. Foi também eleito como
Secretário Geral Atílio Vivacqua.
159
No entanto, apesar desta vigorosa manifestação de solidariedade, na sessão de
25 do agosto de 1938, o presidente em exercício, Baptista Bittencourt leu a seguinte carta
do Presidente Levi Carneiro:
223
Exmo. Sr. Dr. A. Baptista Bittencourt, D. D. Presidente em exercício da Ordem dos
Advogados do Brasil. Tendo recebido, de uma ilustre comissão [Justo de Moraes,
Armando Vidal, Nillo Vasconcellos, Taques Horta, Mario Casasanta, Ruy Buarque, Luiz
Rollemberg e Lineu de Albuquerque Mello] de membros do Conselho Federal na sua
reunião atual, notícia da minha reeleição para o alto cargo de presidente do mesmo
Conselho – venho comunicar a V. Excia., como já fiz àqueles nossos distintíssimos
colegas, que, agradecendo, profundamente penhorado, a prova inexcedível de
consideração com que fui assim honrado, não posso, contudo reassumir o cargo
aludido, pelos motivos expostos anterior e reiteradamente. Peço, portanto, ao Egrégio
Conselho Federal que se digne dispensar-me de voltar à sua tão honrosa presidência,
alegando-me, definitivamente, substituido. Valho-me do ensejo para reiterar a V. Excia.,
os protestos da minha alta estima e distinta consideração. a) Levi Carneiro.
224
Nestes termos o Conselho Federal aceitou a renúncia de Levi Carneiro
marcando novas eleições,
225
sendo que, anteriormente, leu-se discurso de Levi Carneiro
donde identificam-se os seguintes extratos:
(...) Exerci a presidência do Conselho da Secção do Distrito Federal – a que couberam,
inicialmente, as atribuições do Conselho Federal, ainda não organizado – desde 1932
até 1935. Instalado o Conselho Federal fui eleito seu presidente em 1933 e reeleito em
1934 e 1936. Recordo essas datas, para justificar a renuncia, que, em maio último, vos
apresentei. Recusada, então, por vossa deliberação insistente – a ela me submeti,
comprometendo-me a preencher o meu mandato até o termo regulamentar. Agora se
torna, pois, inadiável minha substituição neste alto cargo. E por ele permiti-me que
insista, menos por motivo de comodidade pessoal, que pelo interesse da própria Ordem
dos Advogados. Uma instituição como esta, não se pode identificar com qualquer
personalidade, nem com um grupo ou uma camarilha. Ela é impessoal, abrange toda
uma classe, uma multidão de 14.000 homens de elite; é acentuadamente nacional. O
rotativismo nos seus cargos de direção há de acentuar esses traços de sua índole. (...)
Presidente do Instituto dos Advogados, quando, em 1930, o governo provisório a criou,
dirigi os debates para elaborar o ante-projeto do regulamento respectivo; Consultor
Geral da República, formulei o projeto definitivo, que veio a ser decretado; Presidente
do Conselho Federal e do Conselho da Secção do Distrito Federal, participei, devotada
e seguidamente, desde os primeiros dias cheios de incertezas e de vaticínios sinistros até
hoje, da organização da Ordem em todo o país, do preparo dos primeiros regimentos
internos, da solução de todas as dúvidas e dificuldades surgidas, da formação da
jurisprudência que pudemos constituir, promovi e ultimei duas largas revisões do
regulamento primitivo; deputado federal, encaminhei os projetos, que havia
apresentado ao Conselho Federal, tendentes a alterar o regulamento e a restringir e
223
Ata da 130ª Sessão da 7ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de agosto de 1938.
224
Ibid.
225
Ibid.
160
regular a expedição de títulos e cartas de provisionados e solicitadores. Recordo tudo
isso, sem jactância, para lembrar-vos que fiz quanto pude e porque bem sei que não fiz
quanto desejava. Mesmo em matéria legislativa, lamento que não tenha logrado
converter em lei o projeto sobre Assistência Judiciária, que há pouco remeti, para esse
fim, ao Sr. Ministro da Justiça, conforme deliberação deste Conselho, em sua última
reunião. Tudo o que foi feito se deve ao apoio do Governo Federal (quanto à
elaboração do regulamento e suas modificações ulteriores e, agora, quanto às
instalações da Secção do Distrito Federal e deste Conselho) (...) Permiti que mencione
[os presidentes de secções] dentre os que, ainda hoje, estão a seu serviço – os srs.
Azevedo Marques em S. Paulo, Estevão Pinto em Minas Gerais, Joaquim Amazonas em
Pernambuco, Henrique Castrioto no Rio de Janeiro, e, dentre os que já deixaram a
primeira linha, os srs. Ernesto Sá, da Bahia, Ubaldo Ramalhete, do Espírito Santo,
Pamphilo de Assumpção do Paraná, Leonardo Macedônia do Rio Grande do Sul. (...) O
prestigio atual da Ordem dos Advogados precisa crescer mais e mais, consolidar-se em
longos e longos anos. Nem nos iludamos: dele se podem querer valer, em seu próprio
interesse, os que conspurcavam a nossa profissão. Precisaremos ser cada vez menos
transigentes, mais rigorosos e severos. (...) Tantos somos acusados, os advogados, pela
feição egoística e interesseira, que assume, aparentemente, grande parte de nossas
atividades – que havemos de nos orgulhar de haver criado a Ordem como uma
restrição, uma norma de disciplina, de ética, de habilitação profissional, um esforço
para elevar o nível cultural e moral da advocacia. Ela nunca visou o patrocínio de
interesse, ou de direitos individuais – senão e apenas, o prestigio de toda a nossa classe
e de nossa profissão. Por isso mesmo se caracteriza como um organismo de Direito
Público, uma entidade paraestatal. (...) Todos temos sentido que recai sobre nós, neste
recinto, o peso de uma verdadeira magistratura, tão alta que exige o sacrifício de
nossos próprios sentimentos pessoais de afeição ou de camaradagem. O prêmio desse
esforço só o recebe, cada um de nós, quando encerra sua tarefa. Sempre me pareceu
verdadeira a observação do Visconde de Taunay: o que mais importa é acabar bem. (...)
Nunca senti posta em dúvida a autoridade moral necessária para desempenhar o cargo
a que me elevastes. (...) Eu a verei, [nossa instituição, do lado de fora], ainda, com
profundo, indestrutível sentimento de gratidão.
226
Este ato de Levi Carneiro, de uma forma ou de outra, se não marca o início, é
um definitivo indicativo, por um lado, dos sucessivos pedidos de intervenção da OAB para
prestar assistência judiciária a presos políticos e, por outro, a ascensão de lideranças liberais
que se destacarão no futuro, não apenas na defesa da profissão, mas, também, na defesa dos
direitos individuais e do Estado de Direito. Não presenciaremos, a curto e médio prazo
radicalismo, mas a lenta confecção de novas alternativas para a OAB como organismo livre
e independente, e não mais paraestatal.
227
226
Anexo a Ata da 130ª Sessão da 7ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de agosto de 1938.
227
Este foi um dos momentos mais graves da própria história da OAB, exatamente porque o seu discurso
aparente encobre “possivelmente” situações ideológicas conflitivas e os nossos documentos consultados não
são suficientes para indicar no contexto interno da OAB conflitos de natureza ideológica que mostrassem uma
nítida versão entre a ascensão do integralismo militante e o exercício das funções de Estado e as funções de
Estado de Levi carneiro como Consultor da República ou na sua função paraestatal de Presidente do Conselho
Federal da OAB.
161
Numa leitura restritiva do Regulamento à época vigente, a OAB somente
poderia atuar como órgão de seleção, defesa e disciplina da classe (veja-se “classe” e não
indivíduo) sendo, também, que, na mesma forma regulamentar, a diretoria do Conselho e a
Assembléia não poderiam discutir, nem se pronunciar sobre assunto imediatamente não
atinente aos seus objetivos. Sendo uma instituição pública federal, qualquer posicionamento
divergente da estrita legalidade fugiria de seus fins e colocaria a instituição numa posição
de insubordinação. Todavia, a radicalidade dos acontecimentos políticos vinha exigindo
uma postura mais ativa e defensiva de direitos, ao que parece, no julgamento do Presidente
Levi Carneiro, impossível de se realizar na defesa de direitos individuais.
228
Fernando de Mello Viana, Conselheiro representante de Minas Gerais, foi eleito
presidente
229
em sucessão a Levi Carneiro, ficando Atílio Vivacqua reeleito como
Secretário Geral. O novo Presidente na sessão de 2 de setembro de 1938 pronunciou o
seguinte discurso:
Fui chamado a suceder ao ilustre e digno colega dr. Levi Caneiro, protótipo de bondade
e de fidalguia no trato conosco, disfarçando, sempre, a energia serena, em que
orientava os nossos trabalhos com aquele sorriso amável, tão peculiar aos espíritos da
eleição. Seus serviços à Ordem, na sua frase mais delicada e melindrosa, são notáveis e
palavras não serão, aqui, pronunciadas em demasia, para proclamar a gratidão dos
advogados brasileiros (...). Largos anos exerci a advocacia no meu querido estado natal
e, por vezes, nesta capital, até que ingressei na magistratura vitalícia mineira, de que
me afastei com saudade [atendendo] ao apelo de dois dignos amigos, dos quais um
furtado ao serviço do Brasil pela mão inexorável da morte: o dr. Raul Soares, nobre
caráter, talento fulgurante, figura moral imaculada. O destino, na sua fatalidade
irremovível, levou-me à política, e me proporcionou a oportunidade de pretender fazer
alguma coisa de utilidade ao impulsionamento do progresso de Minas Gerais. Na vice-
presidência da República, tive a honra de presidir o Senado brasileiro, que freqüentei,
sem brilho, mas com assíduo devotamento e independência. Afastado da política,
retomei o ritmo de minha vida profissional, a que devo tudo que fui, e o pouco que tenho
e que sou.
228
Ver, respectivamente, os arts. 1º e 8º do Decreto nº 22478/33 (Regulamento da OAB). O Estatuto de 1963
adotou uma posição mais avançada reconhecendo que a OAB poderia, na defesa dos direitos individuais de
advogado no exercício da profissão, dispondo, ainda, nas suas Disposições Gerais e Transitórias, que a Ordem
constitui serviço público federal, como estava em 1933.
229
Ata da 131ª Sessão da 7º Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de agosto de 1938. Ata da 197ª Sessão da
9º Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de agosto de 1940, dá notícia da reeleição do conselheiro Mello
Viana e Attilio Vivacqua para o período de 1940/41 de novo reeleitos em 11 de agosto para o período de
1942/43 permanecendo Secretário Attilio Vivacqua, bem como a notícia da aprovação em concurso para a
faculdade nacional de direito dos professores: Lineu de Alburquerque Melo (RJ), Demosthenes Madureira de
Pinho, Haroldo Valadão (RJ), Nestor Macena (RJ) e o catedrático Arnoldo Medeiros da Fonseca.
162
Este período de passagem ficou essencialmente marcado pelo início das ações
da OAB na defesa de presos políticos, destacando-se em Ata do Conselho Federal a
anotação do seguinte fato expressivo [A] frente Socialista [pede] a intervenção da Ordem
no sentido de prestar assistência judiciária a Carlos Prestes no processo que acaba de ser
condenado. O sr. Presidente informou que a defesa estava a cargo de um dos mais ilustres
advogados, o Dr. Sobral Pinto,
230
designado pela Ordem; personalidade que pela sua ativa
presença marcou as principais ações da OAB até a Constituição de 1988.
231
4 – A OAB e a Segunda Guerra Mundial
Aparentemente, os acontecimentos que envolvem uma guerra, mesmo que de
grande extensão, não teriam qualquer relação direta com uma instituição corporativa de
advogados. No entanto, o quotidiano das sessões da OAB foi tomado por vivas e loquazes
manifestações sobre a Segunda Guerra Mundial, que envolveu o Brasil em circunstâncias
230
H. F. Sobral Pinto era membro militante da juventude cristã e foi Procurador Criminal da República
durante o governo Arthur Bernardes. Foi, também, advogado (do agente comunista internacional) Harry
Berger. Ficou conhecido com a citação na defesa de Berger do Decreto nº 24645, de 10 de julho de 1934, que
dispunha: Todos os animais existentes no país são tutelados do Estado. S
OBRAL PINTO, H. F. Porque Defendo
os Comunistas (org. Ary Quintella). Rio de Janeiro: Universidade Católica de Minas Gerais/Editora
Comunicação, 1979. Neste livro se encontram vários documentos de época produzidos por Sobral Pinto,
inclusive requerimento no TSN à defesa prévia de Harry Berger, Exposições de Motivos, inclusive ao próprio
presidente Getúlio Vargas (p. 73), cartas, Apelação de Luis Carlos Prestes de 24 de maio de 1937. Neste livro
consta, também, o Auto de Declaração prestadas pelo Capitão Luis Carlos Prestes em 9 de março de 1936 e a
Defesa Prévia de Harry Berger de 29 de janeiro de 1937 e, ainda, carta de Agamenon Magalhães e a Francisco
Campos, também, Ministro da Justiça, após 4 de janeiro de 1938 e ao, também, Ministro da Justiça Negrão de
Lima de 14 de março de 1938 e vários requerimentos do início de 1937 a Raul Machado, Juiz do TSN.
Encontram-se, também, apensas cartas a Leocádia Prestes de 12 de março de 1937 e datas seguintes. Assim
como e, também, carta de Sobral Pinto ao próprio Carlos Prestes de 15 de janeiro de 1938. Ver, também,
PINTO, H. F Sobral. Lições de Liberdade, Direitos do Homem no Brasil (apresentação de notas de Ary
Quintella). Rio de Janeiro: Universidade Católica de Minas Gerais/Editora Comunicação, 1977. Neste livro,
também, se encontram cartas a personalidades brasileiras desde 1945, de Carlos Prestes a Castelo Branco,
Arthur da Costa e Silva, Ernesto Geisel, Garrastazu Médici, Ribeiro de Castro (ex-presidente da OAB, em
1973) e a própria OAB.
231
Ata da 210ª Sessão da 9º Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de novembro de 1940 dá noticia destas
informações lidas em sessão plenária estando como presidente em exercício Justo de Moraes (DF).
163
emergenciais,
232
muito especialmente porque a sua radicalidade despertou, pó um lado,
debates sobre direitos, mas por outro, impôs discussões sobre a democracia e as ideologias
totalitárias, como que permitindo que a OAB refletisse sobre seu passado, seu presente e
seu futuro.
Nestas especiais circunstâncias o Conselheiro Demósthenes Madureira de
Pinho e Nelson Carneiro, em 28 de agosto de 1942, apresentaram a seguinte moção,
aprovada por unanimidade, para ser entregue pessoalmente ao Presidente da República pelo
Presidente do Conselho, pelo Secretário Geral, e outros membros, justificada pelo primeiro,
a qual foi aprovada por aclamação:
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados, certo de representar o pensamento
unânime dos advogados do Brasil, vem testemunhar a V. Excia., como chefe supremo da
Nação, o seu caloroso apoio à atitude do governo da República, desagravando a honra
e a soberania nacionais, quando feridas pela brutal, inopinada e injustificável agressão
das nações entregues à cegueira, ao vandalismo e ao ódio. Esperam os advogados do
Brasil lhes seja concedido o privilegio de formarem, entre os primeiros, a servir à
Pátria, onde quer que sejam necessários o seu entusiasmo, a sua dedicação e o seu
sacrifício.
233
Nesta mesma linha de manifestação, o Conselho Federal da Ordem, em 6 de
junho de 1944, em sessão presidida por Augusto Pinto Lima substituindo Fernando de
Mello Viana, já em sua terceira presidência, aprovou a seguinte moção:
Em nome da liberdade, do direito, da justiça e paz proponho, no entusiasmo da
minh´alma sonhadora, um voto de graças a Deus, por ter dado forças e alento as
heróicas Nações Aliadas e Unidas, para o esforço hercúleo de atacar, nas suas
fundações a tirania hitlerista, que domina a Europa martirizada. O mundo inteiro vibra
nas cordas mais sensíveis, pela libertação dos povos escravizados, pela vil ambição de
um vesânico que se guindou ao poder supremo, apoiado na voz brutal dos canhões, a
serviço dos mais baixas sentimentos animais. Glória a Churchill, a Roosevelt, a
Eisenhowers condutores admiráveis e constantes, da grande jornada da vitória. Sala
232
Como se vê o Conselho Federal da Ordem dos Advogados não se omitiu ante os acontecimentos que
provocaram o envolvimento do Brasil na 2º Guerra Mundial. Ata da 282ª Sessão (Sessão de Instalação) da 11ª
Reunião Ordinária de 11 de agosto de 1942 nesta 11º Reunião onde está anexo um abaixo assinado datado de
18 de agosto de 1942 em que o Conselho Federal da OAB repele o novo e gravíssimo ultrage praticado
contra o Brasil, confiando nas enérgicas providencias do governo para o pleno desagravo da honra,
bandeira e dependência nacional. Encabeça o texto Haroldo Valladão, que pronunciou vibrante alocução,
aprovada na Ata da 283º Sessão da 11º Reunião Ordinária do CF.OAB, de 18 de agosto de 1942. Ainda nesta
mesma 283º Sessão foi comunicado que o Presidente Getúlio Vargas em comemoração a fundação dos Cursos
Jurídicos editou o Decreto-Lei nº 4563, de 11 de agosto de 1942 que criou a Caixa de Assistência dos
Advogados que deveria ser posteriormente regulamentada, uma luta do Dr. Francisco de Sales Malheiro.
233
Ata da 284ª Sessão da 11ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de agosto de 1942.
164
das Sessões do Conselho Federal, que se rejubila com o Brasil, pela data de 6 de junho
de 1944. ass. Augusto Pinto Lima, do Conselho do Distrito Federal.
234
O envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial e a sua aproximação
com as forças aliadas, especialmente com o governo de Franklin Delano Roosevelt,
235
presidente dos Estados Unidos da América, fortaleceram, no âmbito interno da OAB, novas
lideranças comprometidas com o liberalismo democrático em flagrante oposição ao
trabalhismo getulista ainda marcado pela influência do corporativismo ideológico nos
sindicatos. O crescimento destas novas lideranças resultou, por conseguinte, no crescimento
das contestações às políticas, essencialmente de natureza estatista, resistentes ao capital
estrangeiro,
236
executadas pelo governo de Getúlio Vargas, líder inconteste do Estado
Novo. Estava posta para a OAB a nova contradição do cenário político: democracia e
abertura para o capital estrangeiro e autoritarismo e desenvolvimento estatista.
Em especial pronunciamento ainda nas contingências da Guerra, mas antepondo
o conflito futuro, o conselheiro Dario de Almeida Magalhães
237
condenou as agressões
policiais ao senhor Adolfo Bergamini (DF) que pronunciara conferência (sobre a questão
petrolífera) no Instituto dos Advogados da Bahia, onde se concentrava forte fração
favorável a estatização da exploração petrolífera. Almeida Magalhães afirma que os
234
Ata da 346ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 30 de maio de 1944. Assunto que
retornou a ser discutido na Ata da 347º sessão da 12º Reunião Extraordinária do CF.OAB de 6 de junho de
1944.
235
Franklin Delano Roosevelt (1882/1945) marcou a história moderna dos Estados Unidos da América pela
sua longa gestão como presidente e pela sua posição decisiva na Segunda Guerra Mundial, quando esteve no
Brasil em conversações com o Presidente Getúlio Vargas, mas também pelas políticas de incentivo ao welfare
state através do New Deal (1933), um pioneiro liberalismo social. Quando faleceu, em 12 de abril de 1945,
tinha sido eleito para o seu 4º (quarto) mandato (1944) e preparava-se para vencer a guerra, após ser eleito e
ter governado por rês períodos consecutivos (12 anos: 1932/1936/1940). A guerra estava por terminar,
ficando as gestões finais com o seu sucessor, vice-presidente Harry Truman. Nesta reta final de passagem
foram criados o Fundo Monetário Internacional, a Carta das Nações Unidas (que deveria ter sido por ele
assinada). As bombas de Hiroshima e Nagasaki que puseram fim à guerra já ocorreram após a sua morte. Ver
JENKINS, Roy. Roosevelt. Tradução Gleuber Vieira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. Obra completada
por Richard E. Neusta at, 211 pp. Ver, também, SHERWOOD, Robert E. Roosevelt e Hopkins: uma História
da Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro/Brasília: Editora Nova Fronteira/Faculdade da Cidade/Editora da
UnB, 1998. e, ainda, Trigwell, G. Rexford. Democratic Roosevel. Doubleday, New York, 1957.
236
Exemplo inconteste desta posição foi a edição da Lei Malaia (Decreto-Lei nº 7666, de 22 de julho de 1945)
de autoria de Agamenon Magalhães, que fora Ministro da Justiça de Getúlio restritiva ao capital estrangeiro e
volta para a repressão da concorrência abusiva. O Decreto-Lei 7666/1945 foi revogado cinco meses depois
pelo decreto-lei 8167, de 9 de novembro de 1945.
237
Ata da 347ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 6 de junho de 1944.
165
deveres dos advogados não se esgotam na posição de postulante ou de defensor de direitos
e interesses privados, o regulamento da Ordem garante que os advogados exerçam o seu
ministério com espírito cívico inspirando-se nos princípios de direito, nos preceitos legais
e no bem comum. Apesar da especificidade deste pronunciamento, ele demonstra, do ponto
de vista das preocupações deste trabalho, o início da reavaliação do ideário corporativo da
perspectiva do liberalismo democrático em ascensão, contrapondo-se aos rígidos limites do
Estatuto vigente.
Nesta mesma ocasião Heráclito Sobral Pinto, advogado que defendera Carlos
Prestes em julgamento no Tribunal de Segurança Nacional,
238
como já observamos, foi
impedido de publicar no Jornal do Commercio
239
artigo de apoio às palavras de Dario de
Almeida Magalhães e críticas à internacionalização de bases estratégicas instaladas no
Brasil.
240
Neste mesmo período começa a destacar-se a liderança de Pedro Aleixo (OAB-
MG) sofrendo sucessivas restrições em seus pronunciamentos.
241
238
O Tribunal de Segurança Nacional foi criado em condições especialíssimas depois da Comissão de Justiça
e Constituição da Câmara se negaram a assinar parecer favorável a requerimento do Ministro da Justiça
Vicente Rão propondo, em 14 de julho de 1936, a criação de Tribunal Especial. Como a Constituição de 1934
(§ 25 do art. 113) não admitia foro privilegiado nem tribunal de exceção reconhece o princípio do juiz natural,
garantia de imparcialidade do julgador (art. 63, 76 e 78). No entanto, a Câmara aprovou e entrou em vigor a
Lei nº 244 que criava o Tribunal de Segurança Nacional (ver Diário Oficial de 12 de setembro de 1936). A
composição inicial do TSN ficou com Frederico de Barros Barreto (Presidente), Carlos da Costa Neto
(Coronel), Alberto de Lemos Bastos (Capitão-de-Mar-e-Guerra), Antonio Pereira Braga e Raul Campelo
Machado, sendo Procurador Honorato Hymalaya Virgulino. Paradoxalmente foi instalado, após a aprovação
de seu regimento em novembro de 1936, que reconhecia o cabimento de recursos ao STM na escala Alberto
Bastos.
239
Advogados sofreram restrições no exercício da profissão como aconteceu no passado no Congresso
Jurídico Nacional. Ver Ata da 351ª Sessão da 12º Reunião Extraordinária do CF.OAB de 4 de julho de 1944 .
Em anexo a esta Ata encontra-se amplo documento produzido, manualmente, por Sobral Pinto datado e
assinado em 18 de julho de 1944 sobre esta manifestação do Conselheiro citado. Amplamente apoiado na
literatura cristã – Riquet, Enquête sur les droits du droit et sur la majesté de la loi;1927, pag. 36; Lacordaire
in Conference de Notre Dame de Paris, vol. 2, pp. 261/262, Monsenhor de Solages e Abade Cl. Mauriès
christianisme dans la vie publique, 1936, pág. 45;Pio XII in La documentation catolique, vol. 41, cols
103/104
240
A opinião de Sobral Pinto foi contra artigo de Assis Chateaubriand publicado no Jornal O Globo de 16 de
julho de 1944, onde o jornalista defendia para a América do Sul a assistência do capital e da técnica
americanas para resolver alguns dos seus problemas de base. Ver Ata da 352ª Sessão da 12º Reunião
Extraordinária do CF.OAB de 11 de julho de 1944, também anexo documento publicado no Correio da
Manhã de 6 de julho (e também no jornal O Globo de 17/07/1944) assinada pela Liga de Defesa Nacional
documento de protesto contra a pretensão de candidato ao governo dos Estados Unidos fazer a manutenção
das bases militares instaladas nos países durante a guerra A instalação estratégica de base americana em
nosso território foi com o objetivo de colaborar na defesa comum dos povos oprimidos pelos nipônicos nazi-
fascistas, no mundo devastado pelo regime de agressão e tirania. (Esta permissão jamais poderá servir de
166
Outros tantos nomes, dentre eles, interessantemente, o próprio Osvaldo Aranha,
ex-ministro de Getúlio, destacaram-se, na OAB, neste período de reordenação das
oposições, ora denunciando agressões policiais, ora promovendo mobilizações
antiamericanas ou denunciando as suas ambições agressivas. O certo, todavia, é que se
formava na OAB uma nova elite comprometida com os novos tempos, aberta a um novo
ideal de compreensão democrática e preocupada em transformar a natureza paraestatal da
OAB numa estrutura mais aberta e independente.
Na sessão de 26 de março de 1945 o Presidente submeteu ao Conselho Federal
a seguinte moção, aprovada por unanimidade:
‘O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na sua primeira sessão
extraordinária, após a libertação política do país, que se verificou no glorioso dia 22 de
fevereiro último, reafirma os seus sentimentos liberais e democráticos, apoiando as
moções das Faculdades Superiores, dos Institutos de Advogados e, especialmente, do
Conselho Seccional do Distrito Federal, acompanhando com entusiasmo a ressurreição
da alma jurídica, em todo o vasto território nacional, como sempre foi, a intérprete
máxima dos eternos princípios do Direito, da Justiça e da Liberdade. S. S. em 26 de
março de 1945. (as) Augusto Pinto Lima (presidente em exercício).
242
Não por júbilo, mas por homenagem, em manifestação de reconhecimento, na
Sessão de 17 de abril de 1945, Dario de Almeida Magalhães pediu que o Conselho de pé
homenageasse com um minuto de silêncio o profundo pesar pelo falecimento do grande
estadista Franklin Delano Roosevelt. Na ocasião o Presidente do Conselho Federal eleito
Raul Fernandes, após dar conhecimento das prisões sofridas por Adauto Lucio Cardoso,
Austragésimo de Athaide, o próprio Dario de Almeida Magalhães, Raphael de Oliveira e
Virgilio de Melo Franco e infomar as providências que foram tomadas,
243
aprovou a moção
seguinte extratada, assinada por Augusto Pinto Lima:
pretexto para atentado a nossa soberania). Vários artigos e pronunciamentos foram feitos na ocasião
destacando-se Sobral Pinto, Osvaldo Aranha, Demóstenes Madureira de Pinho e outros.
241
Na 353ª Sessão da 18ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 18 de julho de 1944 os conselheiros Dario
de Almeida Magalhães, Augusto Pinto Lima, Justo de Moraes e André Faria Pereira discursaram que o Dr.
Pedro Aleixo (OAB-MG) foi notificado pela polícia que não poderia proferir palestra na Faculdade de São
Paulo, assim como várias publicações foram impedidas de circular.
242
Ata da 380ª Sessão da 13ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 26 de março de 1945.
243
Ata da 381º Sessão da 14ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 17 de abril de 1945. Na Ata de 383º
Sessão da 14ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 2 de maio de 1945 noticiou também violências policiais
praticadas contra o advogado do Rio Grande do Norte Dr. Jocelyn Villar. Na Ata de 392ª Sessão da 14ª
167
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil nesta campanha do bem contra
o mal tem se mantido, na primeira linha, empunhando as armas da palavra, a fim de
convencer a alma democrática nacional da necessidade da vitória contra as forças
organizadas da prepotência, encarnada nos governos totalitários, dominantes, mesmo,
em terras americanas. A perda, pois, de incomparável paladino da liberdade, do
cidadão do mundo, do homem dínamo da democracia – Franklin Delano Roosevelt –
estendeu sobre todo o universo, um manto espesso de trevas, que só a luz poderosíssima
do seu gênio consegue transformar numa via-láctea de estrelas de primeira grandeza.
Roosevelt, Churchill e Stalin são os artífices da estupenda queda do regime nazi-fascista
com todas as suas benéficas conseqüências das quais, graças a Deus, participa o nosso
amado Brasil.Foi a Águia da América que fixou a democracia tão profundamente no
coração humano, que obra da sua energia sobreviverá ao lutador, cuja fibra os séculos
vindouros ainda celebrarão, como a imagem viva da coragem de uma raça de gigantes,
que encheu o seu tempo de entusiasmo e de assombro. Não medrará nas terras de Santa
Cruz a erva daninha arrancada a tiros de canhão pelos homens, que juraram a paz,
como sendo o resultado do sangue dos heróis derramado nos campos de batalha,
verdadeira semente da democracia, pondo fim a tragédia da guerra. (....) Franklin
Delano Roosevelt (...) [foi o] maior vulto da história contemporânea, porque reunia em
si mesmo todas as qualidades inerentes aos gênios da humanidade. Paz à sua alma,
gloria ao seu nome e à sua pátria.
244
5. – A OAB e a Crise do Estado Novo
Os acontecimentos que sucederam à 2ª Guerra Mundial, ou mesmo ao final do
processo bélico, fortaleceram a posição crítica dos advogados no Conselho Federal, onde se
destacaram novas lideranças abertas para as questões da democracia e resistentes aos
estigmatizados modelos autoritários e personalistas, assim como, os militares cresceram em
prestígio e começaram a adaptar às condições internas à doutrina de segurança nacional,
que, essencialmente mais tinha uma coloração anticomunista, do que propriamente
Reunião Extraordinária do CF.OAB de 26 de junho de 1945 protestam contra a edição do Decreto-Lei nº 766
que atenta contra a ordem jurídica da nação impedindo que decretos e leis sejam revistos previamente pelo
Consultor Geral da República, Ministério da Justiça e do Trabalho. Foi, todavia rejeitado pelo plenário. Ata
da 402ª Sessão da 15º Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de agosto de 1945, o presidente em exercício
Pinto Lima comunicou ao Conselho cenas deprimentes que se passaram quando um bando político aos gritos
de queremos Getúlio, apedrejou uma faculdade de Direito, situada à Rua do Catete (...) que já sofreu a
repulsa pública pela imprensa livre. Ata da 403ª Sessão da 15º Reunião Ordinária do CF.OAB de 4 de
setembro de 1945 dá noticia através do Conselheiro de Sergipe, Melchisedeck Monte e Daniel de Carvalho
(DF) de violências praticadas contra os advogados, bem como violências praticadas pelo poder público contra
intelectuais e jornalistas e também violências e a prisão praticadas contra o presidente do Conselho Seccional
de Alagoas comunicada pelo Conselheiro Sanelva Rohan.
244
Sala das Sessões, 17 de abril de 1945. ass. Augusto Pinto Lima. Ver Ata da 381ª Sessão (Sessão de
Instalação) da 14ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 17 de abril de 1945.
168
democrática. Estas vertentes, bem diferenciadas nas suas origens e formação intelectual,
mutuamente, confluíram, todavia, para o mesmo projeto: afastar o ditador Getúlio Vargas e
desmontar o autoritarismo remanescente do Estado Novo.
245
Por outro lado, no entanto, apesar da convocação das eleições presidenciais e
parlamentares pela Lei Constitucional nº 9, de 2 de dezembro de 1945,
246
os movimentos e
partidos getulistas, com a paradoxal participação dos comunistas, inclusive do líder Carlos
Prestes, que estivera, com outros tantos companheiros detidos nos cárceres do Estado
Novo, iniciaram amplo movimento pela convocação de uma Assembléia Constituinte, sob
alegação que as eleições parlamentares não teriam poderes constituintes, e ao fim, e ao
cabo, teria efeitos protelatórios das eleições presidenciais (e parlamentares).
247
245
Em 20 de outubro de 1943, na comemoração do 13º aniversário da Revolução de 1930, como prova
ostensiva de articulação dos liberais, dos próprios advogados e de atuante grupo mineiro foi divulgado,
mesmo ainda clandestinamente, o Manifesto dos Mineiros cujas linhas gerais de redação foram elaboradas por
Luiz Carlos de Oliveira Neto, sendo que, mantendo a sua essência, mas fazendo alterações meramente
formais, Nilton Campos, Afonso Arinos, Afonso Pena Júnior, Virgilio de Mello Franco, Fausto Alvim e
Feliciano Pena. O manifesto conclamava pela mobilização política liberal e pela restauração do Estado de
Direito, contestando o regime excepcional do Estado Novo. Dentre os seus parágrafos mais expressivos esse
documento que foi considerado um libelo antifascista destaca-se: desejamos retomar o bom combate em prol
dos princípios das idéias e das aspirações que, embora contidas e contestadas haveriam de nos dar a federação
e a república, não como criações artificiais de espíritos românticos e exaltados, mas, sim, como iniludíveis
imposições de forças históricas profundas (...). Queremos afirmar peremptória e lealmente, que não nos
movemos contra pessoas nem nos impele qualquer intuito de ação investigante ou julgadora de atos em gestos
que estejam transitoriamente compondo o presente Capítulo dos nossos anais. Não foi este o estilo de vida
que aspiramos no passado e não é o que almejamos para o futuro (...). A democracia por nós preconizada não
é a mesma do tempo do liberalismo burguês. Não se constitui pela aglomeração de indivíduos de orientação
isolada, mas por momentos de ação convergentes. Preconizamos uma reforma democrática que, sem esquecer
a liberdade espiritual, cogite, principalmente, da democratização da economia. (REF. Manifesto dos Mineiros.
Ver de SANTAYANA, Mauro. Coisas da Política. In: Jornal do Brasil, p. A2, 20 de setembro de 2004.
246
Ver nota 153 do cap. I.
247
Ata da 407ª Sessão da 15ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 2 de outubro de 1945 comunicado do
Conselheiro Haryberto Jordão sob aplausos gerais. Na mesma linha a moção apresentada por Augusto Pinto
Lima, admitiu que o Decreto-Lei nº 8063/45 contraria a Lei Constitucional nº 9 porque subverte o processo
eleitoral vigente e visa objetivos partidários incompatíveis com a sincera orientação democrática, reduzindo
a convocação para a eleição de presidente da republica a simples e supérflua convocação de um Assembléia
Constituinte já prevista com a eleição também de um parlamento no dia 2 de dezembro próximo (...). A
coalizão das forças preservadoras do direito e da ordem jurídica, bem superiores ás meras fórmulas e
aparências de legalidade impediram, porém que este subversivo propósito fosse então atingido e na Ata da
409ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 16 de outubro de 1945. O Conselheiro Pinto Lima
apresentou moção contrária ao Decreto-Lei 8.063 de 10 de outubro, que alterava substancialmente a lei
eleitoral vigente considerando este ato injustificado e gerador da anarquia e do tumulto na obra de restauração
das instituições democráticas do Brasil.
169
O movimento não teve sucesso, até porque as forças liberais democráticas,
amplamente apoiadas pela OAB, que defendiam a tese do Congresso Constituinte,
248
alcançaram amplo apoio na estrutura do Estado, especialmente do Poder Judiciário que terá
posição definitiva no afastamento próximo futuro de Getúlio Vargas, mas, por outro lado,
teceu-se, nesta mesma época, a rede de articulação entre o (velho) sindicalismo
corporativista, transmudado na sua feição trabalhista com o Partido Comunista de pós-
guerra.
As reações no Conselho Federal da OAB, principalmente de suas novas
lideranças, foram extensivas e, mesmo conservando a sua estrutura de serviço público
federal, provocaram amplas manifestações, concentrações e discursos dos advogados, em
geral, chamando à composição os militares e a própria Igreja.
249
Nesta mesma ocasião o
Supremo Tribunal Eleitoral aceitou a tese defendida pelo Conselho Federal sobre a
competência constituinte do Parlamento convocado independentemente da necessidade de
modificação da legislação vigente.
Reforçando esta linha de argumentos em 18 de setembro de 1945, o Conselho
Federal aprovou a seguinte moção com intensos aplausos e o Conselheiro Sobral Pinto
propôs que o texto votado fosse encaminhado aos chefes militares, ao clero, às
congregações e operários, todavia, por sugestão de Nelson Carneiro, o texto foi (apenas)
publicado na imprensa dirigido às classes sociais, especialmente às Forças Armadas,
responsáveis pela execução das leis. A redação final do texto apresentado tem a seguinte
forma extratada:
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que tem inscrito dentre os seus
mais altos objetivos, o de lutar em defesa dos princípios fundamentais da ordem
jurídica, não poderia permanecer indiferente à sua responsabilidade, no momento em
que a preservação das leis e do direito corresponde à própria conservação da paz
pública (...) Reclama essa inconsiderada campanha de publicidade a convocação de
uma assembléia constituinte, com o implícito adiamento da eleição do presidente da
248
Interessantemente, cerca de 40 (quarenta) anos depois, a mesma OAB, agora sob a liderança de frações que
conviviam com as frações ideológicas derrotadas entre 1945 objetavam a tese do Congresso Constituinte e
defendiam a tese da Constituinte exclusiva em 1985/88 que como veremos, não logrou êxito. Ver cap. XIII,
Diagnóstico Introdutório, p.816
249
Ver Anexo à Ata da 418ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de dezembro de 1945. Nesta
mesma sessão Sobral Pinto procurou também demonstrar que este Decreto contraria a Lei Constitucional nº 9
e Nelson Carneiro propôs a realização de comícios para mobilizar a opinião da classe.
170
República,
250
marcada para o dia 2 de dezembro de 1945, como se o Parlamento, que
nessa mesma ocasião se deverá formar pelos sufrágios da Nação, não possa e não deva
funcionar como verdadeira Assembléia Constituinte. (...) Manifesta, pois o Conselho a
sua segurança de que o processo de redemocratização do país não sofrerá interrupções
nem delongas e que, na data marcada [2 de dezembro de 1945], serão realizadas, sem
coações nem temores, as eleições que assegurem ao Brasil o restabelecimento do poder
público em bases legitima, a restauração da confiança e a fundação de um regime
político de justiça social em que se harmonizam a autoridade e a liberdade. Espera o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que os órgãos representativos de
todas as classes sociais, atuem, com firmeza inflexível, para que seja cumprida fielmente
a vigente Lei Eleitoral, cuja observância [é a] garantia [da] paz pública e do retorno do
país ao regime da Lei. Está posta sob a fiança da honra das classes armadas, segundo a
espontânea e formal declaração do Sr. Ministro da Guerra.
251
No contexto geral destas moções justifica-se a transcrição do texto seguinte de
23 de outubro de 1945, demonstrando, que, efetivamente, já estava o país em campanha
eleitoral e a OAB tinha seu próprio candidato, saído das fileiras militares:
O Conselheiro Augusto Pinto Lima manifestou a sua satisfação pelo brilho da
homenagem prestada ao candidato à Presidência da República, Brigadeiro Eduardo
Gomes, por numerosos advogados brasileiros (...)
252
Como se vê no texto abaixo extratado em anexo à Ata:
250
Na mesma linha de nota anterior veja-se que nesta ocasião, ao que constam as frações trabalhistas e
esquerdistas se opunham à eleição direta, o caminho liberal-democrático reconstitucionalizado, mas, em 1984,
juntamente os trabalhistas, esquerdistas e os liberais apeados no autoritarismo promoveram o movimento das
diretas já para presidente da república, contra as frações conservadoras, aliadas dos militares que, aliás,
impediram a aprovação da emenda das diretas. Ver cap. XI, item 3.1., p.658.
251
Ata da 405ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 18 de setembro de 1945. Na Ata da 406ª
Sessão, da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de setembro de 1945, consta diversas manifestações de
seccionais e advogados divergentes da nota da OAB, assim como foi aprovada transcrição de carta de Sobral
Pinto contra a matéria publicada no jornal O Globo por um grupo de pessoas que se intitularam operários
contra a atitude assumida pelo Conselho Federal. Nesta mesma Ata estão anexos vários documentos contra a
ditadura Argentina e também se encontram vários documentos publicados na imprensa de manifestações
contra a ditadura daquele país e também elogiosos ao general Góes Monteiro que declarara que garantiria as
eleições para presidente da república através de Ato Adicional. Refere-se também a várias comissões pro
alistamento. Nesta mesma sessão os conselheiros resolveram juntar todas essas anotações de jornal sobre a
alegação de que são documentos que ficarão históricos, para salvaguarda da Ordem dos Advogados do
Brasil, quando se a acusar de fazer política, de ser tendenciosa ou rebelde. O que o Brasil e a Argentina
querem é que os dois paises vivam e prosperem dentro da ordem constitucional, livres e respeitados (...)
afastando o tétrico fantasma da tirania, do despotismo, da ditadura, dos governos unipessoais, apoiados nas
forças armadas inconscientes. Na Ata da 407ª Sessão da 15ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 2 de
outubro de 1945 consta também documento da Associação Brasileira de Educação, OAB-RJ e IAB-MG
aprovando moção de solidariedade ao Conselho Federal a propósito da redemocratização.
252
Ata da 410ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de outubro de 1945.
171
Snr. Presidente. Nobres Conselheiros. Congratulo-me com a Ordem pela brilhante
manifestação dos Advogados Cariocas ao ilustre Major Brigadeiro Eduardo Gomes, no
Teatro Municipal, gentilmente cedido à comissão organizadora, pelo Prefeito do
Distrito Federal, na tarde de sexta-feira, 19 do corrente mês, a fim de ser entregue ao
candidato nacional à Presidência da República o manifesto da nobre classe subscrito
por mais de mil e quinhentos cultores do direito, militando no foro local. Foi ofertante o
Dr. Adaucto Lucio Cardoso cuja oração cívica foi um hino entusiástico à restauração
da ordem jurídica tão contrária à ditadura reinante, infelizmente, nas terras livres do
Brasil.Ouviu-se, nesse cenáculo onde se não sabia que mais admirar, se a eloqüência
dos oradores, a justeza dos conceitos, a elevação dos princípios, se a eletrizante
atmosfera de aplausos de uma assistência tão seleta como numerosa, a palavra oracular
de Eduardo Gomes, que se vem revelando o maior auscultador da alma brasileira nos
assombrosos discursos, que vem pronunciando, na campanha memorável de sua
predestinada candidatura, que é o combate do bem contra o mal, da lei contra o
arbítrio, da honra contra o opobro. Foi, senhores uma tarde magnífica, a formidável
vitória da verdade, levando a fé viva dos crentes ao organismo depauperado de uma
nação que se ergue heroicamente, para a liberdade, após longos quinze anos duríssimos
de cativeiro imerecido. (...) [Os] nossos aplausos aos advogados cariocas, aos
promotores da jornada cívica, e, especialmente aos oradores da manifestação, Snrs.
Plínio Barreto, na pessoa de Targino Ribeiro, Milton Campos, representado por
Monteiro de Castro e Adauto Lucio Cardoso, todos inexcedíveis na elevação do
pensamento e na elegância de verbo, insuperáveis na nobreza das atitudes tomadas, em
defesa de uma causa, agora, a causa nacional do direito, da justiça e da liberdade.
253
O Conselheiro Pinto Lima expressou ainda em Ata:
(...) ´o regozijo da classe pelas provas de respeito, apreço e admiração prestadas, no
mesmo ensejo ao Cons. Sobral Pinto, pela sua atitude inflexível em defesa do
restabelecimento da ordem jurídica, acima e fora de quaisquer divergências
partidárias´ (...) Depois de agradecer a decisão do Conselho a seu respeito [o Snr.
Sobral Pinto] procede[u] a leitura de carta que enviou ao Ministro da Guerra em
resposta aos comentários da S. Excia. à deliberação deste Conselho sobre o Decreto
[nº] 8.063, tendo o Presidente agradecido a defesa feita pelo Cons. Sobral Pinto da
decisão adotada. Os Conselheiros Haryberto de Miranda Jordão e Alcino Salazar
declararam-se solidários com a atitude do Conselho na reunião de 16 do corrente a que
não puderam comparecer.
254
No dia 30 de outubro de 1945, sob a presidência de Raul Fernandes, a gestão da
transição do regime autoritário getulista para a democracia constitucional, trazendo a
Ordem de suas funções corporativas, atreladas ao ideário de sua criação e organização, para
um projeto de constitucionalização, onde o liberalismo democrático teve forte influência,
apesar da retórica campanha dos comunistas e o queremismo político dos getulistas, leu-se
253
Ver Anexo à Ata da 410ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de outubro de 1945.
254
Ata da 410ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de outubro de 1945.
172
a seguinte moção congratulatória pelo término do regime ditatorial, durante a sessão do
Conselho Federal:
O Presidente Raul Fernandes leu moção congratulatória pelo término do regime
ditatorial verificado com a entrega do Governo ao Presidente do Supremo Tribunal
Federal (na madrugada de hoje), sendo a moção recebida com aplausos por todos os
conselheiros, de pé (...). A Ordem dos Advogados saúda com profunda emoção a
entrega do Poder Executivo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal [José
Linhares], ocorrida esta noite.
255
É um primeiro passo para a reentrada do Brasil na
ordem e na legalidade;
256
mas este primeiro passo foi dado com tal firmeza, com tanto
decoro, sob a inspiração tão patente do mais puro e desinteressado devotamento aos
interesses nacionais, que justifica a mais confiante segurança de que outros hão de
seguir para recompor a verdadeira fisionomia de nossa Pátria, grosseiramente
deformada pelo regime execrado sob o qual temos vivido, oprimidos e humilhados,
desde o golpe noturno de 10 de novembro de 1937. Honra às forças armadas que, ainda
uma vez, no curso da história, se mostraram compartes do nosso destino e servidoras da
comunidade. A Ordem dos Advogados se associa ao júbilo nacional, consciente de não
haver faltado aos seus deveres durante os anos atormentados do regime ditatorial, e
exprime os mais ardentes votos a Divina Providência para que, sob a épide da lei, a paz
e a fraternidade reinem sobre os brasileiros.
257
A sucessão destes tantos fatos é suficiente para demonstrar a efetiva
participação da OAB na entrega do Poder Executivo a José Linhares, Presidente do STF,
258
255
O Secretário da Presidência da República agradeceu, em nome do Presidente Linhares, a moção
congratulatória do Conselho Federal da OAB pela entrega do Governo ao Presidente do Supremo Tribunal
Federal. Efetivamente não há como desconhecer que Getúlio Vargas resistia a realização de eleições
presidenciais, o que provocou a sua deposição por militares, sendo o poder presidencial entregue ao
Presidente do Supremo, dado que a Câmara dos Deputados estava fechada, funcionando, apenas, dentre os
poderes o STF, criado em 1891, com o decisivo apoio do Conselho Federal da OAB.
256
Esta citada frase é uma reversão lógica, compreensível entre liberais, da reconhecida afirmação do jurista
alemão que antecedeu e sucedeu à 2ª Guerra Mundial Carl Schmitt é preciso deixar a legalidade para reentrar
na legalidade, em Schmitt, Carl. Legalidad y Legitimidad. (Tradução para o espanhol de José Diaz Garcia).
Aguilar, S.A. de Ediciones, Madrid (Espanha), 1971. que mais tarde (1964) inspirou o preâmbulo do Ato
Institucional nº 1/64, que fundamentou o futuro desmonte pelos militares aliados a frações do liberalismo da
Constituição de 1946, que os próprios liberais promulgaram.
257
Este documento foi assinado pelos conselheiros: Raul Fernandes, Presidente; Augusto Pinto Lima; A. P.
Soares de Pinho, Sub-Secretário Geral; Athur Ferreira da Costa, Santa Catarina; Luiz Lopes de Souza, Rio
Grande do Norte; Braz Felício Panza, Rio de Janeiro; Dario de Almeida Magalhães, Minas Gerais; Décio de
Bastos Coimbra, Paraná; Justo de Moraes, São Paulo; Aristeu Borges de Aguiar, Espírito Santo; J. N. Mader
Gonçalves, Paraná; Arnoldo Medeiros, Rio Grande do Sul; Mario de Vasconcellos, E. Rio de Janeiro;
Francisco Gonçalves, Espírito Santo; Edson de Oliveira Ribeiro, Sergipe; Hariberto de Miranda Jordão,
Distrito Federal; Maurílio Fleury, Goiaz; Daniel de Carvalho, Distrito Federal; Heráclito Sobral Pinto,
Distrito Federal; Alcino Salazar, Minas Gerais; Olimpio Carvalho, Distrito Federal; José Marcello Moreira,
Mato Grosso; Melchisedeck Monte, Sergipe. Não se identificou o nome de Atílio Vivacqua que vinha
ocupando a Secretaria Geral desde a instalação da OAB em 1931. Ata da 411ª Sessão da 15ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 30 de outubro de 1945, no Rio de Janeiro.
258
Ata da 413ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de novembro de 1945.
173
assim como tantos outros fatos demonstram o seu efetivo empenho na extinção do Tribunal
de Segurança Nacional
259
e tantas outras manifestações promovidas pelas unidades
seccionais da OAB.
260
Efetivamente, não há como desconhecê-la com a portadora dos
princípios que negaram o Estado Novo e influíram na ideologia jurídica que sucedera a
1946, influenciando decisivamente o ideário profissional que consolidará, a partir de 1963,
o golpe final no patrimonialismo estamental remanescente no Estado brasileiro.
O texto acima é indicativo dos rumos que a OAB veio a assumir nos debates
que antecederam, acompanharam e sucederam o período constituinte que elaborou a
Constituição de 18 de setembro de 1946. Esta Constituição esteve extremamente marcada
pelo pensamento liberal democrático e, na verdade, é, dos nossos textos constitucionais, o
que mais intensamente traduziu as idéias e ideais dos advogados militantes no Conselho
Federal da OAB envolvidos com a crítica ao Estado Novo, muito embora não tenha sido o
que mais fortaleceu constitucionalmente os advogados. O compromisso dos advogados e da
OAB com os princípios constitucionais de 1946 esteve tão profundo, que, em muitas
circunstâncias fizeram efetivas composições políticas com os militares, que não apenas
objetaram o Estado Novo, após sucessivos rompimentos com governantes, mas também
colaboraram para a desconstrução da ordem autoritária, todavia, já naquela ocasião,
envolvidos com a viabilização de estudos sobre a segurança nacional, o que efetivamente
ocorreu com a criação em 1949 da Escola Superior de Guerra – ESG.
261
Estas especiais alianças entre os advogados e militares antigetulistas, tiveram
uma natureza exclusivamente pragmática, com efeitos conjunturais de curto prazo, mas de
efeitos antinômicos a médio e longo prazo, mesmo porque, a origem das idéias e dos ideais
dos advogados, historicamente, não nascera no mesmo remanso das idéias e ideais dos
259
Ainda durante a 15ª Reunião Ordinária: foi lido telegrama do Cons. Nelson de Souza Carneiro, pedindo
[que se incluísse] a delegação da Bahia em todas as manifestações de regozijo do Conselho Federal pelo fim
do regimem ditatorial [e também]; do Conselho Seccional do Pará, [chegou mensagem] congratulando-se
pela investidura do Ministro José Linhares na Presidência da República e apresentando solidariedade ao
Conselho Federal pelas suas atitudes em defesa da Ordem Jurídica. Ata da 412ª Sessão da 15ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 6 de novembro de 1945.
260
Na 15ª Reunião Ordinária, o Cons. Haryberto de Miranda Jordão congratulou-se com o Conselho Federal
da OAB pelos seus esforços pela extinção do Tribunal de Segurança Nacional.Ata da 414ª Sessão da 15ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de novembro de 1945.
261
A ESG é criada pela Lei 785 de 20 de agosto de 1949.
174
militares. O pensamento político dos militares no Brasil sempre esteve marcado pelo
autoritarismo positivista,
262
inclusive até os anos recentes, enquanto o pensamento político
dos advogados esteve marcado, da perspectiva constitucional, e guarda ainda estas
tendências, pela liberal democracia, apesar do dogmatismo positivista herdado da
hermenêutica romanista de vocação privatista.
263
Esta aliança circunstancial, por isto mesmo, se, no curto prazo, teve efeitos
políticos na desagregação do Estado Novo, no médio prazo, incentivou sucessivas alianças
dos advogados na OAB contra a retomada getulista de 1950, que, todavia, governara no
contexto constitucional de 1946. É claro que o prócer do nacional-trabalhismo Getúlio
Vargas teve profundas dificuldades para governar com a hermenêutica liberal democrática,
incentivada pelos advogados da OAB na construção da Constituição de 1946, produzindo
conflitos que repercutiram consecutivamente na história brasileira, especialmente pela
cumulada resistências dos militares à retomada getulista.
264
Estes acontecimentos relacionados ao fim da 2ª Guerra Mundial, bem como ao
afastamento de Getúlio Vargas e a sucessiva eleição presidencial que elegeu o General
Eurico Dutra, candidato do getulismo, agrupados no partido conservador, Partido Social
Democrático – PSD e no Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, sendo o Brigadeiro Eduardo
Gomes derrotado o candidato das forças liberais-democráticas, recém organizadas na União
Democrática Nacional – UDN, quando foram eleitos vários conselheiros da OAB, para o
Congresso Nacional, fortaleceram a discussão, não apenas sobre a constitucionalização do
262
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798/1857) influenciou pensadores como Marx (na sua
fase seminal), John Stuart Mill, George Eliot, George Leves e Thomas Hardy, sendo que no Brasil influenciou
Miguel Lemos e o líder republicano Benjamin Constant e toda sua geração de militares. Auguste Comte
cunhou a palavra “Sociologia” como espécie de conhecimento científico que estuda a realidade social,
permitindo o desenvolvimento do “positivismo sociológico”, que não se confunde com o positivismo jurídico
que não tem nada de sociológico e evoluiu da leitura dogmática dos institutos jurídicos. Seu principal livro foi
Curso de Filosofia Positiva (1830/42). Emile Durkheim, que imediatamente o sucedeu, aprimorou a sua teoria
de “consciência coletiva”, que tem influenciado o direito brasileiro de terceira geração, voltado para a
proteção processual e substantiva de interesses coletivos e difusos.
263
Aliás, epistemologicamente, está é a grande contradição do pensamento liberal brasileiro, juridicamente,
pouco estudado. Os advogados que seguem por esta orientação são liberais nos seus propósitos
constitucionais, mas a hermenêutica da Constituição sempre foi permeada por grandes linhas do direito
privado, o que, ao fim e ao cabo, privatiza a hermenêutica constitucional esvaziando o alcance público das
normas constitucionais. A Constituição de 1988, provocou profunda reversão nesta prática.
264
Ver sobre tema NOGUEIRA, Octaviano. Constituinte de 1946, Getúlio. O Sujeito Oculto. São Paulo: Ed.
Martins Fontes. 2005.
175
Brasil, mas, também, sobre a autonomia e independência da OAB, que, formalmente
continuava a funcionar conforme o Regulamento de 1931/33, como serviço público federal,
paraestatal, reduzida na sua autonomia e independência. Os anos que se seguem serão
exatamente marcados pela transmutação constitucional do liberalismo democrático em
ideologia jurídica que influenciará na futura conversão do ideário estatutário, aprofundando
o projeto de autonomia e independência da OAB, assim como de subtrair das funções
públicas o advogado que exerça o seu ministério privado contribuindo para a construção do
Estado de Direito em prejuízo do (velho) decadente Estado patrimonialista.
Conclusão Prospectiva
Os novos compromissos assumidos diretamente junto aos poderes do Estado e,
indiretamente, colaborando com deputados originários de seus quadros para a composição
do novo Congresso Nacional, com poderes constituintes, aproximaram a OAB,
indefectivelmente das idéias da liberal-democracia, procurando fortalecer os seus
compromissos com o Estado de Direito e a defesa dos direitos individuais. Por outro lado,
as discussões internas sobre os novos estatutos, a partir de 1957, abriram o seu ideário para
novos horizontes que passaram a ser avaliados nas conferências nacionais da OAB de
novas perspectivas ideológicas.
Nos capítulos seguintes, por estas razões, nos dedicamos ao estudo das
primeiras conferências, abrindo um significativo espaço sobre o cenário da construção
discursiva da ideologia jurídica e os efeitos interconexos de sua influencia sobre o ideário
profissional. Vencida esta etapa, a Tese mais se aprofunda nas dimensões conexas e
convexas da ideologia a partir do grande laboratório de confrontos que foi o projeto da
construção de Brasília, devido aos seus paradoxais efeitos constitutivos e políticos no
Conselho Federal, para, em seguida, tomarmos em profundidade a discussão do
Anteprojeto de Estatuto da OAB no Conselho Federal e do consecutivo Projeto no
Congresso Nacional.
Neste mesmo estudo, já tivemos a oportunidade de observar, que, a criação da
OAB e a regulamentação do ideário estatutário, foram atos circunstanciais, historicamente
176
marcados com as ideologias que justificaram e institucionalizaram a Revolução de 1930,
assim como, influíram nas transmutações internas do Estado, até a proclamação do Estado
Novo, que se estendeu até 1945, ante a insistente reação liberal-democrática que adquiriu
maior legitimidade após a especial aproximação do Brasil com o governo americano de
Franklin Delano Roosevelt. Ocorre que antes destes desdobramentos finais, tiveram os
advogados, agrupados no IAB (do Império) ou no IOAB (da República), que enfrentar
sérias e significativas lutas internas e parlamentares para definir os espaços de atuação
profissional, a definição dos ideais profissionais e as reações negativas do estamento
burocrático do Estado patrimonialista em compromisso com a elite imperial conservadora e
a oligarquia dos coronéis, e dos bacharéis nos cargos de estado, na República.
A construção do ideário profissional, por conseguinte, basicamente evoluiu no
contexto de 1930/33, onde se viveu o ambiente profissional, não apenas circunstancial, mas
também próprio do seu florescimento. Por outro lado, de qualquer forma, não podemos
desconhecer, que, após a consolidação do ideário, retomou-se, significativamente, o
ambiente das idéias, inclusive de influência liberal e iluminista, que presidiram os debates
parlamentares sobre os tantos projetos que pretenderam criar a OAB, ainda no Império e na
República.
Esta especial situação demonstra, exatamente, o funcionamento interconexo ou
de verdadeiro embricamento entre a OAB nascente, especialmente o Conselho Federal, e o
IOAB, histórico sucessor do IAB. Na verdade, a tomar-se por estas indicações legislativas,
a OAB não desconheceu, historicamente, o IOAB, muito ao contrário, nele apoiou a sua
organização política e corporativa, permitindo, afirmar, que, se não houve uma
transformação institucional, a OAB recuperou, no tempo histórico, a história do IOAB/IAB
e funcionou na forma de sua infraestrutura.
Na verdade, foi desta acomodação simbiótica, entre as lutas históricas do
Instituto para criar a OAB, e a sua criação por ato de Estado em 1930, que evoluíram, dos
princípios profissionais do passado, debatidos no Parlamento imperial e republicano, o
corpo de postulados profissionais comprometidos com as prerrogativas e deveres dos
advogados e que definiram o papel da OAB na vida institucional brasileira. Estes
postulados profissionais, e estes pressupostos essenciais para o exercício da profissão,
foram, por conseguinte, definidos no tempo histórico em função das exigências do
177
exercício profissional, mais do que de princípios e projetos políticos, pautados pelo
corporativismo, na sua origem, e não pelo liberalismo democrático no curso intermediário.
De qualquer forma, o ideário profissional nem sempre traduz doutrinas ou
princípios consagrados em obras políticas, ideológicas ou científicas, mas, quase sempre,
são sistematizados (ou vêm sistematizados) em documentos estruturais – em Estatutos,
Regulamentos e Regimentos, em peças judiciais de longo alcance e no quotidiano retórico
das conversações. O ideário corporativo é um verdadeiro catálogo de direitos e deveres um
conjunto de postulados pragmáticos que pautam isonomicamente a ação de integrantes de
uma mesma corporação, não é um conjunto de idéias inflexíveis, mas é uma postura de
convicção: todos têm direito de defesa e aqueles que defendem precisam de prerrogativas
para fazê-lo, senão a liberdade sucumbe e a justiça fenece.
Geralmente estes postulados estatutários e regimentais têm significativos
efeitos hermenêuticos na compreensão das políticas de Estado, no caso dos advogados,
muito especialmente, também, sobre o papel do Poder Judiciário e das relações com seus
constituintes (clientes). Mas, na verdade, eles são parâmetros perceptivos da dimensão
dolorosa da vida pelos advogados no exercício privado de seu ministério como função
pública, infensos, necessariamente, às forças estamentais do Estado.
Neste período histórico das origens da definição dos regulamentos precursores
do ideário profissional dos advogados brasileiros não podemos (ainda) falar de uma
ideologia dos advogados, como as próprias circunstâncias deste estudo o demonstram. Por
outro lado, não podemos desconhecer, como já indicamos, que, nas circunstâncias políticas
da sua criação, não há como desconhecer que a OAB cumpriu, para institucionalizar seu
ideário, um papel político, não apenas na construção constitucional de 1930/34, mas no
interior do próprio estado, como órgão vinculado, limitado, por conseguinte, nas suas ações
políticas.
Mas, com certeza, em qualquer das situações deste período, a linha evolutiva
demarcatória é a proteção dos direitos individuais e a defesa do Estado de Direito,
pressupostos referenciais de sua origem histórica, negação radical de qualquer confusão
entre o público e o privado. Neste sentido, o compromisso com a defesa dos direitos
individuais e com o Estado de Direito caminha paralelamente com as lutas pelos direitos e
prerrogativas do ideário corporativo no seu primeiro momento, e, como mostraremos, com
178
a democracia e os direitos complexos numa etapa posterior. Foram as futuras, sucessivas a
1937, após o Estado Novo, lutas marcadas pela reação antiautoritária
265
e pela
redemocratização que culminaram, em 1946, na interconexão entre o ideário corporativo e
o liberalismo iluminista, permeados pela proteção aos direitos individuais apoiados na
liberdade, na propriedade e no Estado de Direito comprometidos com o Hábeas Corpus e o
Mandado de Segurança.
As aberturas de compromissos evoluíram para as propostas de ampliação das
prerrogativas e deveres profissionais, mesmo que, ainda, marcadas pelos remanescentes
diretos dos rábulas e solicitadores provisionados, e de fortalecimento e autonomia da OAB
em relação ao Estado, restringindo os seus vínculos de subordinação autárquica. Estas
especiais perspectivas colocaram a OAB no patamar das exigências não apenas de
acompanhar a ordem constitucional, mas também de movimentar as aberturas de
convivência com as novas idéias, muitas vezes traduzidas em ideologias juridicamente
assimiláveis, outras tantas refratárias ao ideário profissional. Neste quadro de convivência e
aberturas intelectuais é que evoluíram as conferências, o grande laboratório de idéias da
OAB, a partir de 1958, sem perder o compasso das circunstâncias.
As conferências realizadas entre 1970 e 1988, após as dificuldades políticas da
Conferência de 1968, decisivamente, influenciaram para a definição de novos temários de
discussão interna e externa. Independentemente da importância institucional que tiveram as
conferências que foram inauguradas em 1958, mais se conectavam com a
institucionalização do Estatuto de 1963 e com as prerrogativas da advocacia. Neste sentido,
tiveram um papel relevantíssimo na formatação do pensamento ideológico da OAB, sem
que viessem a afetar o núcleo histórico da defesa do Estado de Direito e da proteção e
garantia dos direitos individuais, foram, assim, o foco de abertura da OAB, contribuindo
para o estudo das novas questões constitucionais e jurídicas interconectando os advogados,
não apenas às questões políticas emergentes, mas às novas teorias do estado e da sociedade.
265
Em recente publicação de artigo (BASTOS, Aurélio Wander. “Constituição de 1934: getulismo e
modernidade”. In: Revista Justiça e Cidadania, nº 49, Rio de Janeiro, agosto/2004, pp. 36/37) indicamos que
podemos falar em um getulismo revolucionário e democrático, especialmente entre os anos de 1930/1937,
presidido pelo Código Eleitoral de 1932, continuado pela Constituinte de 1933 e consolidado pelo modelo
constitucional de 1934, que sobreviveu até novembro de 1937, com a promulgação do Estado Novo, que
marcará a tendência autoritária do getulismo, recuperado criticamente do pensamento autoritário brasileiro,
marcado, às vezes, pelas vertentes de direita e outras tantas pelas vertentes de esquerda, um inviabilizando o
outro, mas em muitas atuações, entre si se acomodando.
179
Este novo formato das novas posições da OAB, que, significativamente, se
demonstra no estudo hermenêutico da temática das conferências, permite que as suas
manifestações públicas contestem o conteúdo autoritário, antidemocrático e os limites
formalistas do tradicional Estado de Direito, bem como apóiem as demandas sociais pelos
novos direitos como moderna expressão das demandas de justiça social, que fermentavam
no bojo da sociedade brasileira, comprimida pelo regime autoritário. Estas idéias,
fundamentalmente, discutidas nas conferências e na imprensa, estavam influenciadas pela
discussão dos direitos humanos, na sua dimensão política e na dimensão ideológica
envolvida com as teses referentes à inclusão aos direitos existenciais como direitos da
personalidade inerentes à natureza do próprio homem, assim como estavam também a
defesa dos direitos sociais coletivos e difusos novos e importantíssimos paradigmas dos
novos direitos ou direitos de terceira geração.
266
Estas posições, influenciaram
decisivamente os movimentos pré-constituintes e, muito especialmente, a Constituição de
1988, muito embora não sejam exatamente identificados nos documentos produzidos para
as propostas constituintes da OAB.
267
É exatamente neste período que o ideário profissional e corporativo da OAB
transmuda-se, lentamente, nos seus propósitos liberais e democráticos, após uma incomoda
convivência autoritária (1964/68), num humanismo de novo tipo, solidário, não apenas
individualista, juridicamente possível a partir do reconhecimento de direitos subjetivos
judicialmente implementados, sem que viesse a perder a dimensão corporativa do ideário e
da consciência profissional, aberta às lutas políticas e sociais, sem que assumisse
compromissos de natureza partidária. Aparentemente esta transmutação da dimensão
ideológica do ideário corporativo, do individualismo clássico para o pragmatismo solidário
comprometido com os direitos e deveres dos advogados, teria pouco significado histórico e
baixa repercussão teórica, se os advogados não tivessem reconhecido, no processo de
elaboração da nova Carta, a sua significância e importância para a organização democrática
do Estado de Direito e para a sociedade brasileira moderna.
266
Ver item 9 do Capítulo XI.
267
Não podemos afirmar que haja uma exata sintonização entre os textos de sugestões constituintes dos
Congressos pré-constituintes da OAB (ver Capítulo XII) e as teses, conferencias e conclusões das
conferências. Genericamente, as primeiras mais estavam dominadas pelas teses políticas e as segundas pela
viabilização jurídica possível das novas ideais.
180
Esta evolução do ideário profissional para uma ideologia pragmática,
comprometida com os direitos humanos e os novos direitos, traduz, exatamente, a
transformação da corporação liberal (democrática), que contribuiu para construir a
Constituição de 1946, e elaborou o pré-projeto do Estatuto da OAB promulgado em 1963,
em uma corporação, embora determinada por seus deveres e direitos, comprometida, não
apenas, com a funcionalidade da ordem jurídica, mas com o Estado Democrático de
Direito, como seu pressuposto sistêmico e fundamento epistemológico. Esta evolução,
todavia, não se caracteriza por uma institucionalização ideológica, mas está determinada
pelo fluxo das contradições internas e do exercício da advocacia na vida social e judiciária
brasileira.
Da mesma forma, que o ideário corporativista que determinou os debates
parlamentares até 1930 e, inclusive, até a promulgação do Estatuto de 1963, não se deixou
influenciar pelo estatuto corporativo da França, originariamente, a recente transmutação
ideológica da OAB, nos anos que precederam e sucederam a 1988, não evoluiu de
ideologias ou sistemas formatados de idéias ou da influência partidária das diferentes
ideologias políticas e filosóficas, mas do pragmatismo profissional juridicamente sensível
aos movimentos de fermentação social, determinados pelas demandas civis e existenciais
apoiadas no novo humanismo e nas imprescindíveis aberturas do Estado para os problemas
de natureza complexa.
Neste sentido, tanto o ideário corporativo como o pragmatismo ideológico dos
advogados mais refletem a evolução circunstancial dos projetos organizativos e das lutas
pela definição regulamentar dos direitos e prerrogativas profissionais, assim como de seus
constituintes, na defesa de seus direitos, do que propriamente as mobilizações políticas (ou
sociais) de interesse geral. O pragmatismo ideológico é, por conseguinte, por um lado, uma
evolução endógena do ideário corporativo e da consciência política dos advogados na
defesa dos direitos de seus constituintes individuais, originariamente, empresariais e
trabalhistas, após (direitos sociais) os anos da industrialização, e, por outro lado,
combinadamente, com a corporificação dos novos direitos e o desenvolvimento das ações
judiciais como instrumento de garantia de expectativas personalíssimas, enquanto
demandas existenciais civis e sociais, e de direitos coletivos e difusos, enquanto
fundamentos indicativos da complexidade da sociedade e do Estado moderno.
181
Finalmente, nos capítulos subseqüentes, antes que penetremos no efetivo
objetivo dos títulos II, III, IV e V, estudaremos a reformatação da ideologia jurídica no
contexto da liberal democracia e sua influência no futuro projeto estatutário no contexto da
I Conferência de 1958 e da transferência da nova capital, marco efetivo da federalização da
OAB e do esvaziamento das lideranças notórias do litoral do atlântico-sul.
182
Título II
A OAB e o Estado de Direito
183
CAPÍTULO III
A OAB E O LIBERALISMO DEMOCRÁTICO
Introdução
No Título I desta Tese procuramos demonstrar que a ação corrosiva das
oligarquias extenuou o modelo constitucional de 1891, comprometido com o velho Estado
Patrimonial herdeiro do patriarcalismo imperial e dominado pelo estamento burocrático
republicano, e, também, procuramos indicar a criação e a implantação da Ordem dos
Advogados no conjunto circunstancial dos esforços reconstrutivos do Estado pelas forças
revolucionárias de 1930, nos seus diferentes matizes, inclusive os excessos do Estado
Novo. A OAB, criada nos albores da Revolução de 1930, também implantada na sua fase
de constitucionalização (1931/34) e, por isto mesmo, não poderia ser de outra forma,
padeceu dos reveses ideológicos e autoritários circunstanciais, até que os excessos do
Estado Novo levaram o Presidente Levi Carneiro ao impasse corporativo, especialmente,
devido ao crescimento das demandas sobre defesa de presos políticos e às articulações pela
construção do Estado de Direito, como seu especial (novo) projeto de Estado (nacional).
Neste Título, dando seqüência a construção hipotética anterior, estudaremos,
essencialmente, não a influência do liberalismo na desconstrução do Estado Novo, que já o
fizemos anteriormente, mas, principalmente a influência pragmática dos ideais liberais na
construção do Estado de Direito e os seus conseqüentes efeitos sobre a evolução da
ideologia jurídica (de estado) e do ideário profissional. Este quadro de movimentos,
envolvendo flutuações ou correções entre o Estado de Direito, o liberalismo e a advocacia,
na verdade, evoluiu para definir, o que será objeto de nossas especulações, o advogado
como profissional liberal.
Por esta razão, este Capítulo está essencialmente subdividido em duas grandes
partes: a primeira parte, onde procuramos estudar a aproximação epistemológica do
pensamento liberal, em seus diversos matizes, com o exercício da advocacia, no fracasso
fluente do corporativismo e as resistências da OAB ao social trabalhismo influente no
184
Estado e, na segunda parte, onde, diagnosticando os rumos das Conferências de 1958 e
1960, procuraremos identificar as futuras vertentes do ideário profissional de influência
liberal, que resultaram no Estatuto de 1963, que, definitivamente, esvaziou os resíduos dos
pactos e acordos patrimoniais. Aparentemente, as duas partes, entre si, estão desconexas,
mas, na verdade, elas estão permeadas pela nova ideologia liberal, como ideologia da
profissão de advogado (daí profissional liberal) e, pelo novo profissionalismo, como
dimensão pragmática do ideário liberal.
Não se pretendeu, neste Capítulo, desenvolver um estudo doutrinário, como
antes fizéramos sobre as variações conceituais de ideologia e ideário, mas, antes de tudo,
mostrar a realização prática da ideologia jurídica como espaço de convivência possível
entre as ideologias gerais e sua realização normativa (especialmente constitucional) para,
então verificar as condições suficientes e a capacidade de interação entre ideologia jurídica
e ideário profissional.
A primeira Conferência (Convenção), como veremos, realizada no Rio de
Janeiro, procurou retomar questões tradicionais da vida jurídica, como a questão do ensino
jurídico, mas, no fundo, extensivamente, a sua contribuição foi muito significativa sobre as
necessárias providências de curto prazo para se eliminar, no futuro Estatuto, os resquícios
estamentais do exercício cumulado de funções públicas por advogados que exerciam
assistência privada. De qualquer forma, o ponto alto da Conferência, foi o discurso de
encerramento do Presidente Nehemias Gueiros, que, não identificamos, como a retórica do
destino da OAB, onde o battonier, não apenas destaca a “missão do advogado”, mas
desenvolve como preocupação central, um belo texto sobre as relações entre advogados e
juizes, catalogando e parafraseando os diferentes patamares das relações de convivência
entre “aqueles que pedem”, os advogados, e “aqueles que concedem”, os juízes.
Na II Conferência procuraremos mostrar que ela está marcada por duas
especiais variáveis, que não foram (seu) objeto de discussão, mas influíram nos seus rumos:
por um lado, politicamente, a efetiva demonstração de que o social-trabalhismo, como aliás
observamos na primeira parte, apesar de sua influente participação no controle do poder
político, não tinha penetração visível no corpus da OAB, porque os liberais objetavam (na
OAB) as políticas de governo, por outro lado, juridicamente, a Conferência, apesar de ter
aprofundado a tese da resistência ao bacharelismo estamental, especialmente na palestra de
185
Theophilo de Azeredo Santos, evoluiu, não propriamente na linha de reconhecimento, mas
deixou passar as palestras que aprofundavam a questão da redução romanista (como efeito
hermenêutico do direito privado) da Constituição
268
. Uma e outra das variáveis, como se
verá, contribuirá, no futuro próximo, para a consolidação de posturas liberais de forte
influência conservadora e altamente suscetíveis ao anticomunismo.
Finalmente, como se poderá observar, as conclusões deste Capítulo são
suficientemente indicativas, não apenas do amplíssimo leque de sugestões que a OAB
oferecerá a partir de sua II Conferência, para o melhor funcionamento do Estado brasileiro,
como também, ficam visíveis as acomodações de forças divergentes que evoluem do
governo Juscelino Kubitscheck, especialmente depois da mudança da Capital para Brasília.
1 – A Advocacia e o Liberalismo Ideológico
A crise do Estado novo, como Estado autoritário, de formação legitimista e não
representativa nos no remete, direta e necessariamente para o exme atento de, Orides
Mezzaroba sobre a noção de representação política do projeto liberal de estado, onde a
idéia chave de que a representação se constitui como instrumento de organização da
vontade coletiva e só adquire este sentido à medida que (...) “o Estado Liberal nasceu da
luta contra as monarquias absolutistas, e, ao mesmo tempo, da luta pelas metas e
concepções dos extratos burgueses ascendentes. No projeto liberal de estado estavam
presentes, desde o inicio, quatro elementos básicos: a defesa da liberdade, da igualdade,
da segurança e da propriedade. No entanto, o fator primordial entorno do qual gravitavam
os demais é a valorização e proteção da propriedade, que sem duvida de transformou no
268
Anais da II Conferência Nacional da OAB realizada em São Paulo entre os dias 4 e 8 de agosto de 1960.
Sobre o tema Ingresso na Advocacia de Magistrados, Promotores, Delegados de Polícia quando aposentados
ou em disponibilidade. A questão da influencia positivista no processo de decisão e na argumentação
judiciária foi muito tratada pelo conferencista devido, especialmente, à nossa tradição na área. O próprio
liberalismo ideológico não tomou corpo discursivo, de certa forma, o que também não aconteceu nos
tribunais, até porque a sua retomada se deu exatamente no processo de consolidação institucional da
Revolução Francesa com os códigos editados por Napoleão, que se não tiveram decisiva influencia no Brasil,
o tiveram no tempo histórico como estudamos nesta Tese, nas próprias discussões dos projetos de estatuto do
IAB/OAB. Ver Cap. I, subitem 3.2.
186
vetor essencial do modelo político liberal.
269
Neste sentido o pensamento ideológico da
Ordem dos Advogados do Brasil, como requalificação de seu ideário profissional, se
manifestou com a crise do Estado Novo e com o fortalecimento do liberalismo democrático
na construção da Constituição de 1946, mas, fundamentalmente evoluiu das conferências
organizadas a partir de 1958. A nova Constituição na sua primeira fase, provocou ascensão
do ideal democrático influenciado pelo liberalismo social do New Deal, de Roosevelt em
contraposição aos autoritarismos de influência soviética e ao decadente e derrotado
fascismo, após a Segunda Guerra, assim como, numa segunda fase, devido ao dispositivo
constitucional explícito
270
sobre a mudança da Capital Federal para Brasília (1957/60),
paradoxalmente, provocou profundas clivagens internas no seio do Conselho Federal e das
próprias seccionais
Na verdade, a primeira fase não está, propriamente, desvinculada da segunda,
mas ambas entre si se explicam, especialmente, porque, as Conferências que deveriam
evoluir no quadro das conquistas constitucionais de 1946, influenciadas pela ideologia
liberal democrática, e contribuíram decisivamente para inviabilizar qualquer alternativa
continuísta com Getúlio Vargas,
271
bloquearam no Conselho Federal da OAB o
desenvolvimento de influência trabalhista e invernista que decisivamente se ancorou na
construção de Brasília como meta-síntese do Plano de Metas de Desenvolvimento.
272
269
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris,
2003. p. 47 e segs. Neste Capítulo, o autor se estende sobre especial analise comparada sobre John Locke, o
primeiro grande pensador liberal, e Thomas Hobbes, teórico do absolutismo, permitindo-lhe interessante
estudo sobre a representação política e sobre a teoria da soberania que foge ao objeto de estudo deste nosso
trabalho, mas que conduz a observações significativas sobre Montesquieu (Do Espírito da Leis) que
subsidiam algumas passagens de nossas preocupações, principalmente quando abordamos alguns aspectos
sobre a conversão das ideologias em ideologias jurídicas o quadro circunstancial das nossas essenciais
preocupações introdutórias pp. 51-53.
270
Dispõe o Art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e §§: A Capital da União será
transferida para o planalto central do país. Ver cap. IV desta Tese.
271
A demonstração mais efetiva deste quadro dilemático foi a eleição do general Eurico Gaspar Dutra pelo
getulismo petebista e sua aliança pecedista e os seu futuro governo de feições udenistas, já organizados com
um projeto político alternativo para o Brasil. Todavia, mesmo com as composições que veio a favorecer,
evidenciando o crescimento do pensamento militar contra o trabalhismo getulista, o Brigadeiro Eduardo
Gomes veio a ser derrotado na eleição de 1950 por Getúlio Vargas, que recompôs o seu projeto nacionalista e
trabalhista, isolando os udenistas liberais, que, num acirrado confronto de denuncias levou Getúlio ao suicídio
em 24 de agosto de 1954, o que, todavia, não foi suficiente para desmontar os seus pactos políticos.
272
Ideologicamente a nova Constituição criava as condições necessárias à rediscussão do novo ideário da
OAB, que evoluiu em ambiente de harmonia e cordialidade, mas, politicamente, o Plano de Metas ambientava
187
A Conferência de 1958, neste sentido, embora tenha evoluído no contexto
político social da antecedente vitória política da aliança PSD (dos conservadores agraristas)
e PTB (dos sindicalistas de trabalhadores getulistas), elegendo como Presidente Juscelino
Kubitschek e vice João Goulart, na OAB organizavam-se as lideranças da advocacia (e
políticas) que contribuíram para desarticular o pacto getulista e o seu próprio afastamento
do poder. Esta situação não contribuiu, é claro, para uma evolução tranqüila do
relacionamento entre as duas grandes vertentes políticas: o trabalhismo e o liberalismo, que
eclodiu em significativo conflito com a mudança da capital para Brasília, exatamente
porque o projeto deslocava o núcleo, o fluxo de poder no Brasil e, ao mesmo tempo,
incorporaria novos espaços agrícolas às elites rurais tradicionais.
As diferentes conferências, todavia, nas suas diferentes fases, na verdade, foram
o terreno de frutificação política dos advogados, enquanto advogados, assim como foi no
seu ambiente, que se redefiniram os princípios liberais-democráricos da profissão, que,
retroalimentaram o ideário corporativo, marcado pelo corporativismo da criação e
instalação, como especial forma de se fortalecer o Estado de Direito e as garantias
individuais e, ao mesmo tempo, resguardar as prerrogativas profissionais dos advogados.
Diferentemente do corporativismo paraestatal que buscara espaços formais para o advogado
no interior do estado, compensando o inicio das políticas de exclusão do exercício
cumulado da advocacia privada com funções públicas, o que se buscava, agora, eram
maiores garantias para o advogado e independência para a OAB, como forma de se
equilibrar a convivência entre o ideário profissional e a dinâmica das ideologias.
Inicialmente, as conferências prosseguiram na linha de discussão avaliativa do
quadro de consolidação corporativa e em linhas mais visíveis de compromissos com os
ideais liberais-democráticos da advocacia, que, posteriormente qualitativamente, evoluíram
até 1988, para propósitos ideológicos mais humanistas, mais democráticos e mais abertos à
transformações sociais Esta evolução de idéias, como veremos, neste Capítulo, influenciou
significativamente, o ideário estatutário futuro, mas nunca ultrapassou os limites
institucionais de resistência, ou melhor, de resistência dos institutos jurídicos vigentes,
evitando, senão absolutamente, porque sempre se identificou espaços abertos para a
a sobrevivência do continuista (desenvolvimentista-estatista), o alvo preferido e essencial da liberal-
democracia em que se buscava políticas de maior fortalecimento da livre iniciativa.
188
expansão do próprio instituto, mas nunca foi suficientemente aderente a qualquer
redimensionalização de efeitos estruturais. Na verdade, estas aberturas modificativas,
mesmo no tempo futuro, muito romperam, a partir de posturas internas da OAB, com os
limites institucionais de alcance hermenêutico, convencendo-se, quase sempre, que a
mudança da ordem deve ocorrer dentro da ordem, que, quase nunca tem mecanismos que
permitam alcançar mudanças estruturais.
273
Neste sentido, não há como desconhecer, que a construção do humanismo
jurídico e democrático, no tempo histórico, como ideologia jurídica pragmática, define-se
com a realização das conferências nacionais que se iniciaram com os eventos de 1958 (4 a 8
de agosto), no Rio de Janeiro, e de 1960 (5 a 11 de agosto), em São Paulo; marcadas,
sempre, por influências ideológicas e doutrinárias, não exatamente sintonizadas, mas
filtradas, senão pelas rígidas regras estatutárias, pela influência da ideologia jurídica liberal-
democrática na formatação hermenêutica do ideário profissional emergente (mas de fato
influente desde 1946). Neste sentido, a ideologia jurídica é uma hermenêutica que
reconhece (ou desconhece) as ideologias a partir dos pressupostos essenciais indispensáveis
para o exercício profissional, reduzindo o seu alcance discursivo ou ampliando o ideário
estatutário. Nunca ou quase nunca, elas têm força suficiente, mesmo com amplos suportes
de legitimidade, para ampliar (ou amplificar) o sistema (aberto) de idéias, o que significa,
que, quase sempre, elas se manifestam como redutor epistemológico, devido aos seus
compromissos com a ordem, e não como indutor político ou institucional de sistemas
abertos de idéias, exceto, como veremos, nos momentos de profundas crises institucionais,
quando o fluxo de idéias emergentes contrapõe-se as ideologias instituídas, tornando, quase
sempre, impossível os pactos de acomodação de forças e frações.
274
273
Nos capítulos dos Títulos III e IV procuraremos demonstrar o esforço das Conferências em suas diversas
palestras para alcançar estes resultados, mas, ao mesmo tempo, discutiremos as tantas dificuldades impostas
aos projetos estruturais modificativos.
274
Em vários momentos desta Tese tomamos como fonte bibliográfica referencial o livro de RODRIGUES, José
Honório. Conciliação e reforma no Brasil: um desafio histórico-político. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1965, onde essencialmente aborda as políticas de acomodação entre frações sociais muitas vezes
diferenciadas. Em nosso estudo de doutorado originariamente apresentado como pré-tese na FFCHL-USP
Fundamentos eleitorais do Estado brasileiro, orientado por Braz José de Arjo, cuidamos de aplicar esta
abordagem na decadência do Império e à ascensão republicana na crise oligárquica e na ascensão
revolucionária (1930/37/45). Nesta tese, temos procurado, a partir deste historiador e cientista político
compreender a questão da crise da liberal democracia (1964/68) e a institucionalização autoritária. Em várias
189
Apesar da evolução histórica da OAB, a partir do ambiente circunstancial do
corporativismo ideológico, internamente, nas pioneiras edições estatutárias ele se confundiu
com seu próprio ideário profissional, até mesmo como reação à compressão corporativa que
sofrera por cerca de 100 (cem) anos, como já estudamos nos capítulos anteriores, tendo
como base os estatutos de 1931/33. Foi a partir da crise do Estado Novo, com as idéias que
vieram a se constitucionalizar em 1946, com as discussões no quotidiano do Conselho
Federal, que o liberalismo (democrático) ascende como o novo espectro da ideologia
jurídica, recupera os seus padrões históricos referenciais, sufocados pelo patrimonialismo
político e pelas práticas excludentes do estamento burocrático imperial-republicano
permitindo que evoluísse como crítica (ideológica) do modelo corporativista e se impusesse
como linguagem modificativa do velho ideário.
O período sucessivo à Constituição de 1946 caracteriza-se por significativa
pujança democrática e por acentuado desenvolvimento industrial, vencido o interregno do
estigmatizado governo Eurico Gaspar Dutra (1946/1950), seguido da restauração do
governo de Getúlio Vargas (1951/1954)
275
apoiado em propósitos nacionalistas extensivos,
inaugurou-se a era Juscelino Kubstcheck (50 anos em 5 anos) que provocou importante
crescimento urbano, marcado pela ampliação de oportunidades para a classe média e
migrações nordestinas para o centro-sul, devido à industrialização e à construção de
Brasília, bem como pela acentuada dinâmica da indústria automobilística e metal
ocasiões, da mesma forma, tomamos esta leitura como referência na transição autoritária para a democracia
constitucional de 1988. Ver cap. XI, item. Recuperação Histórica.
275
Getúlio Vargas, não concluiu o seu governo, vindo a se suicidar (deixa o governo para entrar na história)
em 24 de agosto de 1954, sob forte pressão, não das forças conservadores, mas da liberal democracia
organizada (como força reacionária) na UDN. A aliança social-conservadora voltou a ganhar as eleições em
1955 com Juscelino Kubitschek, que garantiu a posse com o ato (golpe) militar preventivo do general
Henrique Lott, Ministro da Guerra, em novembro de 1955, após o afastamento do vice Café Filho e
sucessivas manobras de Carlos Lacerda com o, embora pessedista, presidente da Câmara do Deputados Carlos
Luiz, sucedido na Presidência da República por Nereu Ramos, presidente do Senado que passou a faixa a
Juscelino. Nereu Ramos foi posteriormente nomeando Ministro da Justiça por Juscelino, que articulou,
juntamente com Miguel Seabra, Presidente da OAB e ex-Ministro da Justiça de Café Filho, em 1957, a visita
do Presidente Kubitschek à OAB, quando foi assinado o Anteprojeto de novo Estatuto. WILLIAN, Wagner. O
Soldado Absoluto uma biografia de Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 67. Ver
Capítulo V desta Tese.
190
mecânica
276
que, inesperadamente, provocou, como veremos, profundos impasses
corporativos, interessantemente excepcional marco na história da advocacia no Brasil.
277
Juscelino, que vencera em eleições presidenciais, concorrendo com o general
Juarez Távora, da UDN, foi um homem sem fronteiras, um visionário, com base em amplo
Plano de Metas, cujo objetivo síntese era a construção de Brasília,
278
apoiou-se na infra-
estrutura industrial criada por Getúlio para promovê-la, ao contrário do que a própria
oposição udenista esperava. Politicamente, neste aspecto, realizou o próprio discurso de
seus opositores, provocando intensos investimentos estrangeiros na indústria
automobilística e de transformação, bem como incentivou o aporte de capitais nacionais na
indústria de construção e aberturas de grandes vias rodoviárias, ampliando os espaços de
trabalho para a mão de obra, buscou atender trabalhadores e incentivando uma proposta
liberal-trabalhista e aproximando-se, inclusive, dos liberais anti-trabalhistas, conselheiros
da OAB, nas suas reivindicações anticorporativas (embora nem sempre muito claros, como
veremos) por novo estatuto e maior independência funcional.
Os advogados, todavia, não fizeram do quadro desenvolvimentista que seguiu
ao período de 1946/1954, objeto de seus debates nas conferências de 1958 e 1960, nem
muito menos das dificuldades políticas dos liberais em campanhas parlamentares e
presidenciais, mesmo porque a Constituição liberal democrática estava sintonizada com
seus valores políticos, muito embora, e ai estava o cerne da crise futura, o plano de metas,
apesar da Constituição, refletia um pacto desenvolvimentista entre o trabalhismo (do PTB)
e os conservadores (do PSD agrarista) com sintomáticas aberturas para o capital
estrangeiro, em princípio uma esdrúxula proposição para a tradição nacional estatista, mas
que respondia ao projeto dos liberais.
276
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Brasília: revolução nacional. In: Correio Brasiliense, Brasília,
fevereiro de 1992, p.3.
277
Ver Capítulo IV desta tese.
278
O Plano de Metas foi dividido em vários setores com o objetivo de ultrapassar as linhas básicas de
produtividade de cada setor: Energia, Transporte, Alimentação, Indústria de Base e Educação. A Celso
Furtado deve-se decisivo papel na sua execução e implementação, contando também com a colaboração de
Lucas Lopes e Sebastião Dayrell de Lima. BOJUNGA, Cláudio. JK: artista do impossível. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001, p. 297 e segs. e especialmente anexo, p. 755/757.
191
O liberalismo, todavia, por isto mesmo, pelo seu amplo espectro político – até
porque o seu projeto migrara para as mãos do hábil JK – , influiu e contribuiu para as crises
políticas e institucionais de 1953/54 (remanescentes do período de 1937/1945), mas não se
empenhou num projeto de desenvolvimento para o Brasil; ao contrário, fizeram de suas
resistências ao desenvolvimentismo uma crise continuada de efeitos políticos e
institucionais instabilizadores. O liberalismo constitucional, de qualquer forma, sucumbiu
aos seus próprios movimentos defensivos, após a retomada trabalhista em 1962/64, com a
posse de João Goulart, eleito vice-presidente pelo PTB, como Presidente da República
sucessivamente à renúncia do presidente Jânio Quadros, eleito pela UDN.
279
Finalmente, é indubitável que a construção do Estado de Direito de 1946,
sobrevivente nos anos das Conferências de 1958/1960, favoreceu as posições da Ordem
(construída no contexto da Revolução de 1930 e nos anos de 1931/1934), assim como o
ambiente de euforia dos anos dourados incentivou a sua ação e ampliaram a sua disposição
para os debates e a discussão dos novos rumos de advocacia e da OAB. As divergências
concomitantes, contudo, sobre a construção de Brasília provocaram, no Conselho Federal,
sob a hegemonia dos ideais de 1945, no tempo histórico, um relativo fracionamento
institucional que influiu na promulgação do novo Estatuto, em 1963, e nos destinos da crise
institucional que afetou o Brasil entre os anos 1964/68 e 1988.
279
A Constituição de 1946 permitia, juridicamente, a eleição do Presidente por uma chapa e o vice por outra,
muito embora, em 1946, Dutra fora eleito com seu vice e em 1950 Getúlio, também, com o seu vice Café
Filho em 1955, Juscelino com o seu vice João Goulart, o que não ocorreu com Jânio Quadros (UDN), pois o
seu vice, Milton Campos, que fora o relator dos Estatutos da OAB no Congresso (ver Capítulo V), perdera a
eleição sendo eleito João Goulart, getulista do PTB, candidato a vice na chapa do general Henrique Lott. Os
acontecimentos, que sucederam a este episódio, como veremos, foram marcantes, senão desastrosos para a
história futura do Brasil.
192
2 – A Função Político-Ideológica das Conferências da OAB.
2.1 A Evolução da Ideologia Jurídica e do Ideário Profissional
As lutas de enfrentamento do Estado Novo, implantado em 1937 (a 1945),
foram francamente favoráveis à discussão político-ideológica que influenciou na
elaboração da Carta Constitucional de 1946 e serviu de base jurídica ideológica para que
nas conferências de 1958 e 1960, fossem abordadas as questões profissionais que
determinariam a revisão do velho regulamento e a projeção do futuro estatuto. Estas
conferências, todavia, não foram uma avaliação do quadro político institucional, até mesmo
porque Juscelino Kubitschek acabara de visitar a OAB e endossar o Anteprojeto de Estatuto
encaminhado à Câmara dos Deputados,
280
mas detiveram-se nas questões de formação
acadêmica, teórica e prática, dos bacharéis e na rediscussão do ideário imanente à
advocacia: as prerrogativas, direitos e deveres dos advogados e os seus parâmetros éticos
para o relacionamento com o cliente, com o advogado ex-adverso e com os poderes
públicos concentrando-se na questão da definição da OAB como serviço público federal
vinculado. Na verdade, as posturas políticas e ideológicas da OAB, até 1964/68, a par do
debate nas conferências, mais se definiram em função do posicionamento de seus aliados
representantes no Parlamento, muitos, também, conselheiros do que nas sessões do
Conselho Federal ou nas Conferências.
De qualquer forma, como veremos, não há como desconhecer que as
conferências nacionais da Ordem dos Advogados do Brasil, decisivamente, influíram na
evolução do ideário profissional e na definição da consciência política e ideológica dos
advogados como consciência afirmativa, contribuindo para a realocação social do papel
institucional da OAB, no contexto da vida política brasileira. O ideário profissional,
originariamente, ficou marcado pela institucionalização dos princípios que definiram os
deveres, direitos e prerrogativas dos advogados, mas o seu desdobramento em ações
280
Ver pesquisa e estudo detalhado no Capítulo V desta Tese.
193
políticas reativas (após 1937) e, subseqüentemente, afirmativas, após a Constituição de
1946, provocou o desenvolvimento de clivagens ideológicas com um viés sensivelmente
jurídico, comprometido com o Estado de Direito e as idéias de liberdade individual e livre
iniciativa, permeados pelos compromissos institucionais imprescindíveis ao exercício
profissional.
Este processo de formação da ideologia jurídica, na linha de evolução da OAB,
pode ser reconhecido em 4 (quatro) momentos formativos específicos: a formação do
ideário corporativo que permeia o Império (1822/1889) e a República (1889/1930); a
criação e a implementação da OAB sob a égide do corporativismo profissional
(1930/1938); o desenvolvimento da consciência política reativa ou de definição dos
pressupostos da ideologia jurídica e a formação do humanismo jurídico. No primeiro
momento os espaços de luta se deram no Parlamento, na forma de projetos de lei muitas
vezes influenciados pelo iluminismo jurídico; no segundo momento, as lutas corporativas
se confundem com as lutas contra o autoritarismo getulista e pela democracia
representativa, entre os anos de 1940 e 60 e o seu último esforço liberal-conservador no
interregno de 1964/67 e, no terceiro momento, identificamos, por fim, o liberal-conservador
anos de resistência ao estado de segurança nacional e de formatação de uma ideologia
marcada pelo humanismo jurídico (1968/1988). As condições de desenvolvimento destas
diferentes etapas, não nos permitem, propriamente, seccionar, para efeito de análise, uma
fase da outra, exatamente, porque a evolução de uma se explica em função da evolução da
outra, assim como, em qualquer dos momentos encontramos sintomas mútuos de épocas
futuras ou passada. Este longo período, todavia, se caracteriza pela tessitura do ideário
corporativo e profissional em conseqüentes manifestações de adesão e reação a influência
das ideologias jurídicas.
De qualquer forma, é interessante esclarecer, o corporativismo profissional,
enquanto ideologia ou confecção híbrida de ideologias, embora tenha marcado, ou
permeado, a evolução do ideário da OAB, nas circunstâncias históricas de sua criação, não
marcou a ideologia jurídica, da mesma forma que o social trabalhismo, assim como, o
próprio socialismo (marxista ou em tantos outros matizes), pois nunca prosperaram como
ambiente intelectual profissional do advogado. Muito ao contrário, o ideário profissional ou
o ambiente ideológico circunstancial dos advogados, sempre foi refratário ao social-
194
trabalhismo, como demonstram, os desdobramentos fáticos desta tese e, o socialismo (e não
como democracia econômica, na linguagem de alguns expositores) só conseguiu conviver
ideologicamente com o ideário jurídico enquanto humanismo.
281
Por estas razões, o último momento de formatação da ideológia, quem sabe, se
identifique com tênues linhas de abertura social e de contração econômica (estatista), mas
são tênues linhas, que não se lhe atribuíram o colorido das ideologias, mais refletem o
vicejante humanismo dos anos que seguem a 1960 e se fortaleceram institucionalmente
com a crise do regime autoritário, imediatamente antes de 1988. Na verdade, e nesta Tese
procuramos demonstrar, o humanismo jurídico, nas suas dimensões existenciais e sociais, é
a nova grande abertura do liberalismo jurídico e, não propriamente, de abertura para
projetos de mudança social e/ou econômica.
Estes seccionamentos temporais, de formação da ideologia jurídica,
epistemologicamente, são interconexos, mutuamente se fortalecem, permitindo-se afirmar
que a consolidação profissional ou corporativa pode contribuir para ampliar o projeto
político, que, por sua vez, subsidia as formulações ideológicas, assim como estas reforçam
as ações políticas que requalificam a ação corporativa. Estes movimentos, na verdade, são
fluxos e refluxos das mutações complexas dos direitos individuais que se consolidam no
tempo como direitos humanos, como veremos, nas suas diversas feições.
Muitos autores,
282
principalmente aqueles que estão envolvidos nesta discussão
temática, permitem afirmar que a própria confecção conceitual do ideário guarda uma
significativa conotação ideológica, ou seja, o ideário está impregnado de ideais e idéias que
se lhe justificam e explicam, assim como é sempre conveniente entender que o ideário
corporativo é uma redução disciplinar da ideologia jurídica, assim como a ideologia
jurídica é uma redução ideológica quase sempre eclética e pragmática. Assim, da mesma
forma que a bibliografia clássica relaciona as ideologias, (muitas vezes) diretamente, à
posição de grupos sociais e classes na sociedade (ou mesmo no processo produtivo), o
281
Ver, muito especialmente, os últimos capítulos desta Tese (capítulos XI, XII e XIII), quando a influência
do pensamento de esquerda ficou mais visível nas conferências e nos encontros constituintes.
282
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. 2. ed., Rio de Janeiro: Graal, 1985. ADORNO,
Theodor W; H
ORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. Entre outras
inúmeras abordagens sobre o tema, ver, também, ANSART, Pierre. Ideologia, conflito e poder. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985. C
ASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1982.
D
URAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1964.
195
ideário está sempre vinculado a categorias profissionais e, no seu conjunto, sintonizado
com o contexto profissional geral, é um filtro de idéias na sua tradução normativa.
283
Para efeitos deste trabalho, todavia, mesmo porque este não é seu objetivo, só
abordamos, como temos analisado, o conceito de ideologia enquanto discussão sobre a
influência do flutuante fluxo (sempre mais presente na formulação de leis ou regulamentos)
das idéias e ideais expressivos ou não de grupos sociais, sem, contudo, desconhecer que o
ideário corporativo sempre, também, é, possivelmente, uma tradução eclética de outras
experiências profissionais. Não podemos, propriamente, falar em ideário puro como
podemos falar em norma pura,
284
mas é sempre possível reconhecer o ecletismo estatutário
das corporações em relação aos projetos ideológicos. Este, por conseguinte, não é um
estudo sobre idéias puras, mas um estudo que traduz o contraditório das dificuldades
argumentativas dos próprios advogados, muito especialmente nos momentos de crises e
mudanças, quando as ideologias efluem e o ideário reflui ou, como não é de todo
impossível, na história, quando o ideário contem (incorpora) os fluxos das ideologias.
285
Neste sentido, não é de todo improvável, ou epistemologicamente desprezível,
afirmar, que, independentemente dos sistemas de idéias puras e coerentes, existe uma
ideologia jurídica que se realiza pragmaticamente no contexto da ordem (ou da
desordem)
286
projetos e prognósticos políticos suportáveis pelo ideário corporativo. No
tempo, este mesmo ideal corporativo transmuda-se absorvendo e acomodando as novas
283
Ver cap. V, itens 1.2. e conclusão desta Tese.
284
Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, hoje um clássico do pensamento jurídico apesar de
desenvolver uma teoria formal (pura) de compreensão do Direito, não trabalha com o conceito de norma (em
si ou para si) pura. A sua teoria pura trata do conjunto articulado das normas válidas e não de cada uma delas
que são plenas. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armenio Amado, 1962, Capítulo I, p.5.
285
Muitas vezes, as novas idéias são a negação do ideário profissional, enquanto afirmação normativa, mas
não é de todo impossível que no confronto prevaleça a tese afirmativa como síntese e não a negação
ideológica sobrevivendo o velho quadro de idéias, embora inesperadamente. B
ASTOS, Aurélio Wander. Teoria
Classista do Direito: tema do direito. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
286
Na bibliografia jurídica geral não temos estudo sobre direito e desordem, mesmo porque o seu objeto é a
ordem e a desordem um crime. Obra, de qualquer forma sempre citada é o trabalho de THOREAU, Henry
David. A desobediência Civil. (Tradução Sérgio Karam). Porto Alegre: L&PM. 1999 mas, até muito
recentemente, as teorias criticas, dentre elas o próprio direito alternativo, como veio a se denominar, e a
sociologia jurídica sofreram profunda compreensão hermenêutica. Muito dos seus institutos críticos foram
absorvidos pela Constituição Brasileira de 1988 e têm influenciado uma releitura do Direito Civil, com
grandes efeitos sociais sobre a velha dogmática no contexto da nova ordem.
196
idéias que resistirão a outros tantos e novos projetos para se engajarem, novamente, em
outras tantas proposiåões. A ordem jurídica é a alma (a essência) do ideário profissional,
287
mas é a ideologia jurídica que define a hermenêutica de sua implementação enquanto
ordem e enquanto ideário. É exatamente neste circuito epistemológico fechado que podem
ocorrer as anomias, as falhas do sistema, os curtos-circuitos, que viabilizam o seu
(re)conhecimento ou a sua nova compreensão
Na verdade, este é o dilema dos sistemas fechados, mas ao mesmo tempo é o
fenômeno que permite a redução (política) das ideologias ao ideário profissional e a seu
subseqüente desdobramento ideológico, mas, ao mesmo tempo, demonstra, que a ação dos
grupos profissionais (e o advogado dentre eles se enquadra exemplarmente) está
comprometida com o ideário profissional, o que impede uma ação ideológica aberta, mas
sedimenta um certo pragmatismo ideológico (ideologia jurídica) que dificilmente rompe
com os limites do próprio ideário, exceto quando as aberturas são provocadas pelo próprio
pragmatismo da ideologia jurídica. Por estas razões, a ideologia dos advogados, quando se
manifesta, se mostra como uma ideologia pragmática, permeada pelos próprios valores
éticos da profissão e, rompê-los, pode ser uma ruptura profissional com uma transmutação
conseqüente do grupo profissional em grupo político ou partidário ou sindical, ou, até
mesmo, a sua eliminação, uma negação senão da OAB,
288
do exercício profissional.
Por conseguinte, enquanto podemos identificar a tomada da consciência
política, como reconhecimento da “missão” do advogado (do profissional), nas palavras de
Ruy Barbosa, a ideologia jurídica se define como uma adesão a um sistema de idéias
(jurídicas) voltadas para a compreensão crítica ou defensiva da ordem a partir da própria
ordem (vigente) ou da sua capacidade de traduzir idéias (novas) ou fatos sociais (novos).
Por isto, toda hermenêutica jurídica, é uma ideologia jurídica permeada sempre pelo
287
No prefácio, diferentemente desta leitura aplicada, que escrevemos para o livro clássico de Ferdinand
Lassale (LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 7º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005)
abordamos esta questão analisando comparadamente a teoria da “Norma Fundamental” de Hans Kelsen e a
teoria dos “fatores reais de poder” de Lassale, para demonstrar a diversidade das posições e o confronto entre
as ambas teorias sobre a origem das constituições.
288
Este mesmo fenômeno pode ser observado no Brasil recente, na contracena histórica da ação dos militares
como corporação de estado e dos clérigos religiosos no fim do Império e no fim dos anos de 1970. Mas, o
fenômeno fica mais visível, quando o Direito não subsidia a ação do Estado que faz dos seus parâmetros de
ação os exclusivos parâmetros políticos. Tome-se, como exemplo, as ditaduras de esquerda ou de direita.
197
pragmatismo compreensivo da ordem jurídica e pelo discurso sobre a sua capacidade de
traduzir idéias e valores sociais emergentes ou decadentes na dimensão possível das
resistências e aberturas do ideário profissional.
Neste sentido, uma mesma ideologia jurídica, pode criticar uma determinada
ordem, nos seus diferentes matizes e nos seus fundamentos sociais ou superestruturais,
289
assim como, a partir dela, propor a construção de uma nova ordem, assim como esta
postura ideológica não impede, todavia, que as mesmas idéias e ideais que serviram à
crítica e a construção da ordem, prestem-se para defender a sua conservação ou
sobrevivência. As ideologias são sistemas de idéias que justificam e explicam a Ordem,
assim como a criticam nos seus deferentes patamares ou no seu todo, mas as ideologias
jurídicas são construções hermenêuticas pragmáticas (e por isto muitas vezes ecléticas),
que, da mesma forma, prestam-se, principalmente no tempo histórico, para a construção da
(des) ordem ou desconstrução da ordem.
Finalmente, todas as profissões comprometidas com determinado ideário
corporativo têm os seus princípios específicos (muitas vezes, exclusivamente, éticos)
inerentes à essência (vida) da própria profissão, que, em geral, traduzem ideologias
dominantes na perspectiva de seu trabalho. Os advogados, todavia, têm um ideário mais
complexo, exatamente porque o objeto da própria profissão, a norma (o direito escrito) é
(ou pode ser) uma redução normativa da ideologia (geral) dominante ou o fato jurídico,
enquanto realidade normativa ou conhecimento do fato (juridicamente) relevante. Por isto,
esta posição sempre paradoxal: reconhecer na norma instituída os limites do próprio ideário
e no ideário o âmbito de alcance (abertura) modificativa (hermenêutico) da própria norma.
Estes limites e aberturas são a própria ideologia jurídica que flui e evolui no contexto das
circunstancias políticas.
289
BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à Teoria do Direito. 3ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
198
2.2. A Representação Ideológica das Conferências
As Conferências, excetuado o período proto-histórico do Império, e da Primeira
República, reformataram o projeto corporativo da OAB, sem que deixassem aqueles anos,
de inspirar o futuro, a partir dos pronunciamentos parlamentares com sensíveis efeitos
sobre o seu envolvimento na ação política após os anos 40 (quarenta), assim como nas
formulações político-ideológicas, independentemente da conotação clássica e carregada do
termo, que contribuíram para a implementação de novo projeto (corporativo) de Estatuto
com os debates no Conselho Federal da OAB e no Congresso Nacional, entre os anos de
1956/63, que, por sua vez, fortaleceu as suas ações políticas e ideológicas futuras nas
conferências. As conferências não foram, desta forma, uma iniciativa espontânea,
evoluíram nas circunstâncias do próprio envolvimento da OAB com questões políticas de
Estado, todavia, principalmente na luta contra os seus vínculos de subordinação ao estado
como entidade paraestatal (como serviço público federal), e na luta pela sua autonomia e
independência estatutária, quando sofreu grande influencia liberal democrática.
As conferências começaram a se organizar a partir de 1958, como já
observamos, no contexto político do governo Juscelino Kubistchek, imediatamente, após o
controle do Estado e, inclusive, rebeliões militares, demonstrando por parte do político
mineiro grande disponibilidade para uma maior aproximação com aqueles que fizeram
objeção ao seu projeto eleitoral.
290
As suas diferentes linhas temáticas no tempo histórico
refletirão os primeiros sintomas da evolução político-ideológica da OAB a fuga do
corporativismo estrito, e seus efeitos sobre o ideário estatutário, enquanto concepções
agregadas voltadas para alcançar objetivos pontuais que definem os deveres, os direitos e as
prerrogativas e, conseqüentemente, as restrições disciplinares, imprescindíveis ao exercício
da profissão de advogado. Por outro lado, são estas concepções pontuais agregadas que
fortalecem a entidade e permitem a avaliação das flutuações ideológicas circundando a sua
continuidade ao sentido vital da relação do ideário profissional e da ideologia jurídica,
muito embora, incentivar os seus vínculos de subordinação ao Estado possa significar a
290
Ver Capítulo IV, Introdução.
199
limitação da realização do seu ideário, circunscrevendo o seu espaço de captura de novas
idéias.
Foi no contexto do fortalecimento de sua autonomia corporativa, e de
redefinição do ideário profissional, que sucederam à Constituição liberal democrática de
1946, que ocorrem(ram) os embates para a realização da Conferência de 1958 e os
desdobramentos institucionais para a elaboração do anteprojeto de novo estatuto (a partir de
1956), bem como as discussões emocionalmente carregadas sobre a transferência da capital
federal para o Planalto Central. A discussão articulada destas questões, marcadas pelos
problemas judiciários provocados pela transferência do Distrito Federal para Brasília, criou
as condições necessárias para que frutificassem, endogenamente, as questões ideológicas
que influíram sobre a estrutura corporativa da OAB, permitindo a abertura dos pressupostos
do ideário corporativo histórico, que, por sua vez, afetaram as discussões sobre o papel
político da OAB no contexto da democracia liberal.
Os pronunciamentos nas Conferências da OAB, que sucedem(ram) a 1958, até
a promulgação da Constituição de 1988, limite temático do nosso trabalho, são exatamente,
a demonstração desta evolução combinada, desta conexão entre a transmutação do ideário
de direitos e deveres em ideologia e da ideologia em ideário estatutário, em quaisquer das
situações projetos ecléticos e permeados por indefinições e incoerências epistemológicas.
Estas transmutações sucessivas, todavia, têm três especialíssimas vertentes, que, o tempo
histórico, em qualquer dos cortes de evolução política, confirmará: o compromisso
preliminar com a liberdade do exercício profissional, ínsito à advocacia, e os compromissos
com os direitos individuais, com a liberdade e com a propriedade bem como com os
fundamentos do Estado de Direito, bases referenciais da evolução futura da ideologia
jurídica, que o foram, também, embrionariamente, nas suas manifestações antecedentes
(proto-históricas).
O discurso inaugural de Montezuma, assim, em 1843, na instalação do Instituto
dos Advogados está impregnado destes parâmetros gerais que recuperaram no futuro esta
inspiração conotativa do passado:
Ao Advogado, intérprete leal da legislação, (...) órgão indefectível da justiça, e das leis,
jamais é licito, seja qual for o motivo, ou consideração, empregar a sua voz prestigiosa
contra os grandes interesses sociais, ou em detrimento da ordem publica, ou contra a
dignidade, o decoro, os interesses reais do seu cliente, a quem plenamente representa
200
em Juízo. (...) O ministério do advogado é fazer triunfar a justiça, e não a iniqüidade, a
verdade e não a mentira, a boa fé e nunca o dolo.
291
As conferências, finalmente, demonstrarão que não existe na história da OAB,
propriamente, uma consciência epistemológica das diferenças entre ideário e ideologia
jurídica, que, no tempo, se distinguirão, fazendo desta, instrumento argumentativo daquele
e do outro a circunscrição útil ou pragmática daquela. A tomada da consciência política, ou
o fortalecimento de opiniões críticas ou conservadoras internamente na OAB, muito
especialmente sobre a ordem política, mas, também sobre a ordem jurídica, como um todo,
é um momento de passagem, de intercomunicação de idéias que podem afetar o ideário das
instituições corporativas, positiva ou negativamente, assim como, podem representar um
avanço ou um recuo em relação à ideologia jurídica circunstancial, representativo da ordem
ou da desordem (no sentido apenas de antítese).
Neste sentido, se, originariamente, a OAB, ou o próprio Instituto dos
Advogados, não esteve impregnado por ideologias, nos seus diferentes sentidos
conotativos, mas dominado pela construção do ideário, os personagens historicamente
símbolos da advocacia, tais como, Montezuma, Teixeira de Freitas, Rui Barbosa, Joaquim
Nabuco, Levy Carneiro, Miguel Seabra, Nehemias Gueiros, Ribeiro de Castro, Raimundo
Faoro e os presidentes que os antecederam e sucederam, até presentemente, entre outros,
legitimados pela sua competência, pelo seu trabalho em prol da advocacia e (do
IAB/IOAB) da OAB, representam propósitos dos advogados no presente mediato, não
estão apenas comprometidos, na sua própria história, com o ideário profissional de direitos
e deveres, mas, também, e, relevantemente, com princípios e ideologias que ilustraram o
seu tempo, muitas vezes entre si conexas outras tantas entre si desconexas,mas sempre
transmutáveis em ideologia jurídica.
José Cavalcanti Neves (presidente da OAB no período de 1971/73) bem
observa, no seu discurso de posse, a relação interconexa entre a luta profissional e a luta
291
MONTEZUMA, Francisco Gê Acayaba de. Discurso de Fundação do IAB. In: Revista do Instituto dos
Advogados Brasileiros, ano I, tomo I, nº 1, jan./fev./mar. 1862, parte quarta, pp. 67 a 116. Veja-se que ele se
refere ao advogado como “órgão”, um termo de acentuada conotação funcional (estatal), linguagem, ainda
utilizada para designar, por exemplo, o promotor, o procurador e o juiz e não apenas o órgão do Estado,
Ministério Público ou as varas e tribunais.
201
pelos direitos fundamentais do homem, o que permite ampliar a faixa epistemológica do
raciocínio. Assim, vejamos:
Cabe-nos, decerto, pugnar pela defesa da classe, aperfeiçoar a sua disciplina e seleção,
aprimorar o seu nível cultural e disputar a garantia do livre exercício da profissão. Mas
nada disso teria sentido e razão se, acima e além, não fizéssemos tema de nossa
corporação o que é tema dos nossos pleitos como advogados, isto é, o resguardo dos
direitos fundamentais do homem, as garantias da liberdade, da igualdade e da justiça.
Se não estiverem asseguradas essas bases estruturais do Estado de Direito, será vã a
advocacia, será inócuo o órgão de classe dos advogados.
292
Esta linha de raciocínio, mostra uma posição que rompe a estrita postura de Levi
Carneiro, seu fundador, vendo, na OAB, apenas, a instituição de classe, a instituição do
ideário profissional restrito e fechado e não a instituição que faz de seus compromissos
abertos, juridicamente assimiláveis, também, dimensão postural do ideário. Esta é a grande
mudança da fase corporativa de criação e implantação para a fase subseqüente. As
conferências historicamente funcionaram como este aríete.
292
José Cavalcanti Neves, como representante da classe, teve valorosa atuação no Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana - CDDPH. O caso Rubens Paiva, de conhecimento público, é um dos exemplos
típicos. Defendeu intransigentemente a apuração do caso. Votou contra o arquivamento do processo,
chocando-se, por conseqüência, com os membros do CDDPH que seguia a orientação governamental à época.
Ver de NEVES, José Cavalcante. A Fala do Presidente “Discurso do Doutor José Cavalcante Neves ao
Tomar Posse do Cargo de Presidente da OAB em 01 de abril de 1971”. In Revista do Conselho Federal da
OAB, 1971, nº 5. p. 140.
202
3 – A Primeira Conferência e o Profissionalismo Liberal
293
3.1. Preâmbulo Republicano
As Conferências da OAB, no seu continuado tempo histórico, permitiram,
exatamente, que as discussões temáticas, próximas dos temas próprios do ideário
profissional, evoluíssem para discussões, que, se não definiram, aprofundaram as questões,
sobre a inserção política e ideológica dos advogados, no quadro geral da ordem política,
enquanto ordem jurídica. As Conferências, neste sentido, contribuíram para que o
positivismo legalista, do discurso profissional formal, fosse permeado por posturas críticas,
ou defensivas, muitas vezes independentes dos limites das discussões jurídicas, o que
contribuiu, decisivamente, para o seu engajamento em demandas não especificamente
comprometidas com o ideário profissional, permitindo a evolução qualificada dos
fundamentos epistemológicos do exercício profissional.
Historicamente, ainda organizados no IAB, do Império, sem as garantias
estatutárias dos fundamentos básicos do exercício profissional, os advogados estiveram
tímidos e, muitas vezes, omissos na crítica aos institutos jurídicos e políticos, vindo a fazê-
la, pessoalmente, nos anos de sua decadência, especialmente, na luta pelo abolicionismo e
pelo federalismo. Da mesma forma, as posturas dos advogados não foram muito diferentes
nas críticas à dominação oligárquica da Primeira República, inclusive, pessoalmente, o que,
se não se explica, se justifica, por um lado, por seu envolvimento e participação direta no
estamento burocrático republicano
294
e, por outro, contraditoriamente, pelo significativo
293
O profissionalismo liberal no Alto Império Romano evolui do patronato judiciário, controlado pelos
clientes dos advocatus, para uma profissão liberal, onde os vínculos de subordinação foram sendo substituídos
por vínculos de solidariedade e de reconhecimento honorífico, o que, de certa maneira, desgastou a velha
advocacia de elite (Brutus, Crasso etc...). A moral romana que igualava o trabalho livre ao trabalho escravo
foi sendo, lentamente, substituída pelo reconhecimento honorífico do trabalho livre, permitindo que a
advocacia se consolidasse como uma profissão liberal, onde o advogado livremente definia as suas condições
de trabalho com o seu cliente. Ulpiano reconheceu inclusive uma certa organização de classe com capacidade
postulatória e a advocacia como atividade profissional, não havia uma descriminação explicita entre os
profissionais da advocacia, mas havia o compromisso da presença nas causas. TAMASSIA.. Avvocato e
milícia nell’Impero Romano scriti di Historia giuridica. Padova: Sedam, 1964. v. 1.
294
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo: 150 anos de ensino jurídico no Brasil. São
Paulo: Perspectiva, 1982.
203
papel, senão dos advogados organizadamente, ou mesmo pessoalmente, pela importância
do governo revolucionário a partir de 1930 na criação e institucionalização corporativa da
OAB.
Na verdade, como anteriormente já observamos, o bacharelismo,
295
enquanto
manifestação do estamento burocrático do Estado patrimonial na Primeira República foi um
fenômeno governativo (administrativo) em que bacharéis sustentavam a máquina de
funcionamento do próprio Estado em resistência articulada com rábulas provisionados
contra os bacharéis advogados, mobilizados para necessária criação da OAB. O
bacharelismo (estamental) foi uma resistência tácita, daí sua natureza de fenômeno do
Estado, não apenas para a dominação burocrática do Estado e a reserva de poderes para
provisionar rábulas e solicitadores, mas, especialmente, para resguardar o vício congênito
do Estado patrimonial. O exercício de funções públicas, quase sempre de natureza jurídica,
com o exercício cumulado da advocacia privada, posicionavam-se exatamente pela
reversão da natureza estamental do Estado patrimonial através dos projetos parlamentares
que propunham a criação da OAB.
No entanto, como neste trabalho temos demonstrado, o bacharelismo
estamental não foi quebrado (através das vias parlamentares) pelo liberalismo dos
militantes do IAB/IOAB, mas pelo momento corporativista da Revolução de 1930, que
vinha influindo na intelectualidade brasileira (inclusive juristas) que contribuíram para os
atos legais sucessivos que definiram o ideário disciplinar da OAB e o conseqüente Código
de Ética Profissional em 1934, após a Constituição de 1934. De qualquer forma, não havia
qualquer compromisso do liberalismo do IAB/IOAB com o bacharelismo estamental, muito
embora, o liberalismo democrático que sucedeu ao Estado Novo contribuira,
dominantemente, para a Constituição de 1946 e o sucessivo Estatuto Profissional de 1963,
295
Muitos estudos brasileiros foram desenvolvidos sobre a questão do bacharelismo na vida política brasileira
dentre eles, todavia, sempre destacamos o trabalho de Pedro Paulo Filho, não apenas pela sua linguagem
simples, como também pelo alcance da obra. Não é um livro critico, mas consegue fazer uma leitura do papel
dos bacharéis perpassando toda a historia brasileira e, inclusive, no próprio Estado novo, mostrando o papel
dos bacharéis a serviço da ordem, onde destaca o papel de Francisco Campos, como também o papel dos
novos bacharéis, advogados militantes, na desconstrução do Estado novo e na construção da nova ordem
autoritária, onde não se esqueceu de citar juristas que se destacaram na construção de uma ordem jurídica
fechada. Para uma visão conjunta da mudança qualitativa do bacharelismo na história brasileira como
profissionais tomados pelo Estado patrimonialista, este livro merece um reconhecimento jurídico profundo
porque não esquece do fenômeno sociológico e político dos bacharéis advogados na política como das
personalidades que se destacaram na advocacia militante e na sua liderança. PAULO FILHO, Pedro. O
bacharelismo brasileiro: da colônia à República. Campinas (SP): Bookseller, 1997.
204
que, definitivamente (e formalmente), quebrou o bacharelismo estamental, que, todavia,
ainda, guarda seus resquícios no nepotismo de estado, apesar das sucessivas investidas do
temário das conferências sobre o moderno papel não apenas do advogado dos poderes
públicos.
3.1.1. A Proto-História das Conferências
As conferências, antes mesmo que assumissem um caráter continuado de fórum
de discussões formativas (jurídicos) e de formação da consciência política dos advogados,
antes, inclusive, da criação da OAB, em 1930, realizou-se em 1908 (11 a 20 de agosto), por
ocasião das festividades comemorativas do centenário da “Abertura dos Portos”, dentre
tantos outros eventos, o primeiro Congresso Jurídico brasileiro.
296
O presidente do IOAB,
Herculano Marcos (1906/10), Inglez de Souza, na abertura, onde estava presente o
Presidente da República Afonso Pena, fez a seguinte observação: Já que é impossível
separar o direito da política (...) busquemos nas tradições nacionais (...), morais,
científicas, econômicas e sobretudo políticas, [as condições] para imprimir às nossas leis
alguma coisa de novo.
297
Como se conclui, estava a tradição, como fundamento do novo,
assim como, na conexão entre política e direito, o atavismo do “progresso” ou das
mudanças.
Interessantemente, as seções do encontro foram organizadas em função das
áreas das disciplinas jurídicas, destacando-se, apenas como tema geral, a questão do ensino
jurídico, cuja seção foi presidida por Pedro Lessa, cujo debate ficou mergulhado nas causas
de sua desqualificação: as faculdades livres ou o ensino preparatório sem que qualquer
acusação fosse atribuída às academias oficiais, ainda, somente as de Recife (Olinda) e São
296
O Congresso Jurídico, na sua organização inspirou-se no Congresso Jurídico Americano realizado em
1900 (a iniciativa de sua realização foi do IOAB, na época presidido por J. E. Sayão de Bulhões Carvalho,
1900/1906). Presidiu a sessão inaugural o Ministro da Justiça, Dr. Tavares de Lira, o que, também, ocorreu
em 1973, na III Conferência, em Recife, cuja abertura foi presidida pelo Ministro da Justiça Gama e Silva.
297
Relatório do Primeiro Congresso Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, pp. 9 a 48.
205
Paulo.
298
Por outro lado, como indicação denotativa da linguagem de época não se faziam
afirmações a base (conclusivas) das conferências, as conclusões terminavam como
perguntas, sendo que, em qualquer contexto, se colocou em discussão a questão da criação
da OAB e da profissionalização do advogado, mesmo porque estava o Estado presente na
pessoa de seu próprio Presidente da República.
Posteriormente, em 1922, após algumas frustradas tentativas em anos
anteriores, no bojo das comemorações do centenário da Independência, mas, também, no
calor das grandes pressões sociais que advinham da incipiente industrialização (que
substituía as importações), e a conseqüente urbanização, foi realizado um outro Congresso
(científico) Jurídico (16 a 31 de outubro) em que se retomou a idéia do positivismo jurídico
como positivismo científico,
299
ante a frustração das políticas republicanas e a crise em que
se aprofundava as oligarquias brasileiras. Na verdade, dentre tantos assuntos, ao que tudo
indica, todavia, com superficial envolvimento do IOAB (e presidia Alfredo Bernardes da
Silva, 1920/22), as principais teses fizeram em profundas críticas ao modelo federalista de
1891, propondo o fortalecimento da União contra os poderes locais
300
e privilegiando o
direito administrativo com direito interventivo na realidade social, isto tudo, no contexto da
crise eleitoral provocada pela eleição do mineiro Arthur Bernardes (1922/1924), contestada
por Nilo Peçanha, do Estado do Rio de Janeiro.
301
Na verdade, este congresso, não conseguiu evoluir, nem mesmo como
diagnóstico da crise jurídica e política ficando, mesmo, difícil identificar as personalidades
298
BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, pp. 145
e segs. sobre as faculdades livres. Ver quadro 3.1,p. 141 e, também, pp.145 e segs.
299
O Congresso se organizou na mesma forma do anterior, privilegiando as disciplinas jurídicas, com
aberturas para temas mais novos indicativos de preocupações financeiras, administrativas, operarias,
judiciária (antigo processual), etc. Ver nota do cap.II que se refere à relação entre positivismo científico e
jurídico, afastando qualquer semelhança.
300
Na verdade, o federalismo jurídico de 1891, não fortalecia os poderes locais, mais fortalecia os estados,
que, todavia, como ente fictício, submeteu aos poderes locais dos coronéis oligarcas, que fizeram do Estado
nacional, um pacto (político) de governadores (estaduais) que representavam os poderes locais. L
EAL, Vitor
Nunes, op. cit. Foi a desagregação deste pacto localista de sustentação do Estado Patrimonial de sustentação
localista que viabilizou a Revolução de 1930 e, por vias de conseqüência, a criação da OAB. Ver Capítulo I,
item 4.2 desta Tese.
301
COSTA, Cruz. Pequena História da República. São Paulo: Brasiliense, 1988.
206
jurídicas que nele se destacaram, além do orador oficial: Dr. Eugenio de Barros.
302
Fato,
todavia, importante, é que o Instituto, mergulhado em discussões periféricas, e dividido,
como o país, após 1922, entrou em profunda crise institucional, na evidência da fragilidade
dos institutos jurídicos e da própria Constituição, para conter o aumento avassalador e as
tantas tendências políticas que evoluíam no país, respondendo ao quadro ideológico
internacional e à própria fragilização dos pactos da política de governadores, constrangido
pelo inesperado movimento operário crescente e o fortalecimento da classe média urbana
mais a ebulição ideológica entre as tantas frações políticas e sociais.
Ambos os congressos, todavia, além de não se deixarem marcar pela questão
central dos advogados: a regulamentação das atividades profissionais, evoluíram, apenas,
nas discussões sobre as disciplinares (matérias) curriculares, como se faz nas academias
jurídicas, assim como não conseguiu evitar que o IOAB mergulhasse na crise republicana,
sem que, todavia, buscasse internamente alternativas para o exercício independente da
advocacia. Todavia, o Congresso programado para 1929/1930, Presidido por Clovis
Bevilacqua,
303
após a eleição de Levi Carneiro, incluiu no Estatuto a competência para
“difundir a cultura jurídica”, trazendo para o cenário do IOAB temas de relevância para
aquele especial momento de passagem da história brasileira. Na sua abertura, Levi
Carneiro, observou que o IOAB deixava de ser, apenas uma associação de profissionais
para acolher todos os juristas brasileiros, objetivo que acabou preponderando com a criação
da OAB em 1930, mas, que, no entanto, se transformou, como veremos, com a
promulgação do Estatuto de 1931/33 (e, inclusive de 1963) na referência de sustentação
intelectual da corporação de profissionais (inclusive, até 1994).
302
Informações sumuladas, porém apoiadas em pesquisa documental sistemática podem ser encontradas em
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal; B
ESSONE, Tânia Maria Tavares; MOTTA, Marly Silva da. História da
Ordem dos Advogados: O IOAB na Primeira República (coord. Herman Assis Baeta), Brasília: Conselho
Federal da OAB, 2003, pp. 91 a 102.
303
A longa e continuada programação do evento (2 anos) manteve a categoria mobilizada para os grandes
novos temas jurídicos com palestras de juristas de renome à época que, no longo prazo, influíram no direito
brasileiro: Primeiro grupo: Direito Subjetivo (Clovis Bevilacqua), Contratos Coletivos de Trabalho (Sá
Freire), Codificação Penal na Espanha e na União Soviética (Evandro de Moraes), O Direito Familiar na
União Soviética (Vicente Rao), Sociedade Anônimas (Carvalho Mendonça), A Constituição de 1891 e a
Negativa do Direito de Revolução (Ernesto Leme). Segundo grupo (radiofonados): concentraram-se nos
temas do Código Civil, destacando-se direito das sucessões (Jorge Fontenelle), Direito Industrial (Arnaldo
Medeiros), Direito Internacional Privado (Haroldo Valadão), Sistema Penitenciário (Candido Mendes),
Direito Administrativo (Figueira de Melo).
207
Finalmente, não há como desconhecer, que, definitivamente, o IAOB mantendo
o nível de grandes discussões jurídicas, não se envolveu no processo revolucionário, e,
todos os atos de Levi Carneiro, ainda, na Presidência do IOAB, encaminharam-se para
justificar que os advogados não deveriam se envolver no processo político que acabou por
se radicalizar em novembro de 1930. Todavia, na antevéspera da tomada do poder, pelos
revolucionários de 1930, Levi Carneiro fez o seguinte pronunciamento:
Creio bem que se podem conciliar nos momentos excepcionais da vida (...) os dois
princípios que me tenho empenhado: nortear a ação deste Instituto (evitando o
envolvimento político partidário) e [incentivar] o interesse desvelado pelos altos
problemas políticos de que depende a felicidade de nosso povo e o progresso de nossa
pátria.
304
O que significa que, se de alguma forma, as idéias das conferências foram
recuperadas do IOAB, não o foi o liberalismo republicano, que, na verdade, sucumbiu ao
neutralismo político-partidário explicitado teoricamente nos últimos anos do IOAB e
instituído como regra estatutária em 1931/33 da OAB.
305
Na verdade, e no fundo, esta é a
questão: a neutralidade político-partidária, se não apenas justificou uma certa omissão em
relação aos problemas nacionais, exceto na sua leitura jurídica (confundida com o
cientificismo positivista), envolveu, também, o reconhecimento da representação
corporativista (1932/33/34) como representação infensa a compromissos políticos-
parditários. Esta postura, no fundo, facilitou a aproximação, senão absolutamente do IOAB,
com o governo revolucionário, de Levi Carneiro, que, como já observamos se destacou em
funções de relevância na nova ordem política.
306
304
Ata do IOAB de 30 de novembro de 1930.
305
Ver cap. II, item 1, desta Tese.
306
Ver cap. I, item 3.3., desta tese.
208
3.2. O Dilema Liberal-Trabalhista
A interferência política dos advogados organizados na OAB para a reconstrução
da ordem jurídica, apoiados, essencialmente num projeto liberal-democrático para o Brasil,
só começa a dar demonstrações visíveis a partir da crise da ordem autoritária de 1937/45,
num visível confronto com o centralismo político e os seus próprios propósitos
econômicos, marcados pelo nacionalismo intervencionista e pelo trabalhismo sindicalista,
guardando as diferenças organizativas, que sucederam ao Estado Novo, herdeiros da
estrutura corporativista dos anos 30. Na verdade, a reacomodação de forças, neste período,
é muito interessante, porque, como já observamos, os advogados liberais democráticos da
OAB, na ostensiva defesa da democracia de Roosevelt, vitoriosa no Ocidente, após a
Segunda Guerra, se aproximaram dos militares, combatentes da Segunda Guerra, que
levaram seu impulso final à participação ostensiva dos Estados Unidos da América, e se
afastaram dos militantes comunistas do PCB, cujas lideranças deixavam os cárceres do
Estado Novo, mas, eram uma fração partidária, também, ascendente, internamente, devido
às suas relações com a URSS que compunha, juntamente com os EUA, a Inglaterra e a
França, as forças aliadas vitoriosas.
Neste quadro, os militares estavam mais interessados no desenvolvimento e
aplicação da doutrina de segurança nacional, de contornos anticomunistas, fortalecida com
as novas questões internacionais
307
da antevéspera da guerra fria nas suas lutas partidárias
(pelo menos neste momento) para uma aliança getulista, que, paradoxalmente, os
perseguira durante o Estado Novo, apoiadas numa proposta de aliança com a denominada
burguesia nacional. A OAB não foi propriamente levada a um dilema, mas, devido ao fluxo
natural de suas alianças de oposição ao Estado Novo, aproximou-se das outras frações de
oposição conservadora agrupadas na União Democrática Nacional UDN, que, acabou por
levá-la a uma composição com os generais que estiveram na Guerra, mais suscetíveis à
doutrina da segurança nacional, enquanto política de enfrentamento dos antigos (recentes)
307
Ver Conferência de Hans Kelsen pronunciada em 1949 na FGV-RJ sobre as novas questões do Pacto
Atlântico e a criação da ONU onde estiveram presentes Bilac Pinto, Levi Carneiro, Afonso Arinos, Osvaldo
Aranha e Hermes Lima. Veja BASTOS, Aurélio Wander. Hans Kelsen: Tradução e Adaptação. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Pqjuris. 2004, pp. 95 a 115.
209
aliados comunistas, que, ao contrário, se mobilizavam por uma ampla política de reformas
estruturais, aproximando-se do getulismo e do sindicalismo, agora transmudado em Partido
Trabalhista Brasileiro PTB.
308
Este quadro político demonstra, exatamente, que a aliança das forças vitoriosas
na Guerra, cindiu-se, imediatamente, antes e durante o processo eleitoral de sucessão de
Vargas, por ele próprio convocado na forma da Lei nº 9 de 28 de fevereiro de 1945.
309
Os
liberais, e inclusive um grupo de intelectuais socialistas, organizados na UDN mantiveram
a aliança com os militares mobilizados para criar a Escola Superior de Guerra, e o
getulismo trabalhista, em aliança tática, com os comunistas, pretenderam incentiva um
projeto constituinte (com Getúlio) mais extenso que a mera convocação eleitoral para a
eleição do Presidente da República e deputados constituintes. O projeto não alcançou
sucesso dado a resistência liberal e a conseqüente eleição do general Eurico Dutra, em
1945, candidato que fez a campanha em aliança conservadora-trabalhista, mas governou na
forma dos propósitos udenistas do candidato derrotado Eduardo Gomes, dos deputados dos
constituintes, que fizeram a Carta Constitucional de 1946, que institucionalizou o voto
majoritário para Presidente e Senador e o voto proporcional para a eleição de deputados,
apesar da trágica lacuna que deixou em seu texto; pretexto para as crises que se sucederam:
até 1964.
310
Este sistema permitiu que o voto majoritário das eleições presidenciais, a partir
de 1946, favorecesse, sempre, a eleição do candidato populista ou que tivesse apoio popular
e, fez com que o voto proporcional, introduzido em 1932, com o Código Eleitoral, e
308
WILLIAM, Wagner. O soldado absoluto: uma biografia de Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro:
Record, 2005.
309
Em vários momentos da Tese fizemos referências a esta Lei que, na verdade, usando os poderes ditatoriais
do Presidente, sensibilizado com a própria opinião publica, quebrou os seus próprios poderes abrindo o
processo de democratização. Interessantemente, no seu art. 4° estava disposto: “dentro de 90 dias contados
desta data, serão fixadas em lei na forma do art 180 as datas das eleições pra o 2° (segundo) período
presidencial (veja-se) e governadores dos estados, assim como, as primeiras eleições para o Parlamento e
Assembléias Legislativas (...)” o que acabou acontecendo após tantas crises intermediarias. Ver Cap.II, item
5, desta tese.
310
A Constituição de 1946 deixou em aberto algumas questões políticas essenciais à estabilidade do Estado
democrático, dentre elas admitia que o Presidente e o Vice fossem eleitos em chapas diferenciadas e
concorrentes, e, inclusive, não deixou explicito o quorum da eleição presidencial, o que terminou em profunda
crise institucional e no suicídio de Getulio Vargas, também resultando, inclusive, a eleição, a posse e os
primeiros anos do governo Juscelino Kubitschek.
210
sucessivamente utilizado nas eleições parlamentares, após 1946 (e com o Código Eleitoral
de 1950), fracionassem o voto popular, permitindo a formação de maiorias não populistas
no Congresso, mas partidários, quase sempre, impedindo a exata sintonização do poder
legislativo com o poder presidencial. Este fato político-eleitoral, acrescido à ausência de
quorum para as eleições presidenciais e a desvinculação entre a eleição do Presidente e do
Vice, se transformaram no foco das crises institucionais brasileiras permitindo, na grande
maioria dos casos, que o Parlamento, sempre estivesse de prontidão para limitar os poderes
presidenciais e inviabilizar a capacidade governativa presidencial.
Por conseguinte, o que se verificou, é que o poder central, em geral, tinha um
projeto para o Brasil, que, evoluía dentro dos propósitos de desenvolvimento. Neste período
(de 1946 a 1964) de vocação nacional-trabalhista, enquanto o poder parlamentar, tomado
pelos tantos acordos eleitorais, evoluiu, no mesmo período, num projeto de vocação
democrático com pequenos veios liberais-sociais, onde muitos dos conselheiros da OAB
eram ou vieram a ser parlamentares (de vocação liberal-democrática) sempre em oposição
ao nacional-trabalhismo do Executivo.
Por estas razões, o desenvolvimento da consciência política da OAB, como
entidade da sociedade civil é um fenômeno relativamente recente, inclusive, também,
porque a participação de conselheiros e presidentes do IAB/IOAB no parlamento imperial e
republicano era também, visível, que ampliou, após 1946, vencido o interregno de 1933/37
quando a representação era formalmente corporativista. As mais visíveis manifestações
deste fenômeno não ocorrem, como já estudamos, senão com a ação pessoal, no período
que antecede à criação do Estado Novo, mas ocorrem como fenômeno político-parlamentar
no período constituinte e imediatamente à promulgação da Constituição de 1946, influindo
na discussão do Estatuto (1958/63) passando pela especial coincidência da mudança da
Capital Federal para Brasília, onde a questão central para a elite dos advogados era a
transferência dos Tribunais.
Esta intensa participação política, contribuiu, todavia, para marcar este período,
com a ampliação das garantias profissionais, que advieram do novo Estatuto de 1963, como
veremos, que deu a OAB maior autonomia e independência desvinculando-a
funcionalmente da estrutura do Estado, fortalecendo a “missão” profissional do advogado,
mas se lhe restringiu os espaços que gozaram os próprios autores da Carta de 1946, em
211
visível contradição com os limites estatutários de 1933/31. Esta radicalização, como
veremos no Capítulo próprio, ultrapassando as próprias restrições de 1931/33 inibiu, por
longo tempo, uma ação política mais ofensiva da OAB, até identificar o seu espaço com
entidade representativa, também, da sociedade civil, abrindo o sentido restrito do ideário
para novos aspectos pontuais a defesa da dignidade da pessoa humana, o respeito à ordem
pública, o reconhecimento da democracia como pressuposto do Estado de Direito, muito
especialmente a luta pela proteção dos direitos humanos, com a aprovação do projeto de lei
de criação do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, CDDPH em 1964, comprimido
pelos atos que sucederam a Revolução de 1964, como estudaremos.
Este projeto, também, de vocação liberal-democrática, permeara os debates no
Congresso Nacional, conjuntamente com o Projeto de novo Estatuto para a OAB, mas, ao
mesmo tempo, disputaram os espaços de pauta com os projetos desenvolvimentistas
apoiados no trabalhismo (paradoxalmente aliado ao PSD agrarista) e foram discutidos no
bojo dos conflitos que envolveram a mudança da Capital Federal e dos Tribunais
Superiores para Brasília (1960), a renúncia de Jânio Quadros (25/07/1961) e a instalação
parlamentarista (1961/62). Este exato contexto demonstra as preocupações essencialmente
jurídicas dos projetos liberais, que vieram a ser promovidos e sancionados pelos
Presidentes da aliança PSD e PTB, assim como, a natureza desenvolvimentista dos projetos
implementados a partir do Plano de Metas, onde estava, como meta-síntese, a construção de
Brasília que não teve a colaboração dos liberais da UDN e, devido a seus efeitos sobre o
exercício da advocacia, principalmente nos Tribunais Superiores, não teve o apoio da OAB.
As Conferências da OAB instalaram-se exatamente neste quadro de
convivência entre o liberalismo parlamentar e o trabalhismo presidencial, que, se
inicialmente contribuiu para a consolidação do ideário profissional e o fortalecimento das
aberturas políticas e ideológicas, de forte conotação jurídica da OAB, num segundo
momento, evoluiu para um profundo quadro de confrontos entre os liberais e seus aliados
militares e o social-trabalhismo, com sua esdrúxula aliança com os conservadores do PSD.
É no contexto desta relação dinâmica que foram elaborados os temários, definidos os
palestrantes, e redigidas as Cartas de encerramento e de conclusões. O conjunto destes
documentos, nas suas linhas de flutuação, e definição, é que, permitirão, a exata
possibilidade de se identificar as condições de sedimentação das novas idéias que
212
influenciarão o ideário e a ideologia dos advogados, enquanto instituição corporativa
autônoma.
3.3. A Instalação da Primeira Conferência dos Advogados
Em 1957, no alvorecer das conferências, o Presidente Nehemias Gueiros, na 27ª
Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, colocou em
discussão Resolução que propunha que o Conselho Federal estudasse a possibilidade de se
reunir, no próximo ano, 1958, a Primeira “Convenção” da Ordem dos Advogados do
Brasil
311
. Na Ata da 28ª reunião ordinária consta que a proposta do Presidente foi aprovada,
por unanimidade, com a seguinte redação:
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil havendo aprovado a resolução
do presidente Nehemias Gueiros no sentido de realizar-se nos dias 4 a 11 de agosto de
1958, a Primeira Convenção Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil e
considerando, a necessidade de promover as iniciativas para a sua realização designou
muitos e ilustres conselheiros para constituir a Comissão organizadora
312
A Comissão, constituída por ilustres juristas, foi composta por advogados e
representantes da vida acadêmica e intelectual brasileira. Muitos deles, no futuro, vieram a
ser os presidentes da OAB e dirigentes de organizações de advogado, e, outros tantos,
vieram a ser parlamentares de destaque e ministros de governo.
313
Todos, todavia,
311
Ata da 848ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de maio de 1957. Sobre as iniciativas
precursoras destas conferências sem que haja uma exata similitude, ver item anterior desta tese, neste mesmo
Capítulo.
312
Ata de 887ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 de abril de 1958.
313
Entre outros encontram-se os nomes de: Nehemias Gueiros, presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil; Levi Carneiro, primeiro presidente da OAB; Haroldo Valadão; Miguel Seabra Fagundes, ex-presidente
da OAB; Alcino de Paula Salazar, Corintho de Arruda Falcão, Carlos Povina Cavalcanti, conselheiro da
OAB; Milton Campos; Afrânio Lages, presidentes dos conselhos secionais da OAB; Otto Gil, presidente do
IAB; Pedro Calmon, reitor da Universidade do Brasil; Demósthenes Madureira de Pinho, diretor da Faculdade
Nacional de Direito; San Tiago Dantas, presidente da Comissão Jurídica Interamericana; Herbert Moses,
presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Helly Outeiro, presidente do Sindicato dos Advogados do
Distrito Federal e José Joaquim Marques Filho, presidente do Club dos Advogados Ata de 887ª Sessão da 28ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 de abril de 1958.
213
independentemente de suas origens e destinos, estiveram nas lutas pela redemocratização
sucessiva ao Estado Novo e comprometida com o projeto da OAB pela consolidação do
ideário corporativo: os direitos, prerrogativas e deveres do advogado como pressuposto da
defesa dos direitos individuais e do Estado de Direito, ângulos de abertura da ideologia
jurídica, enquanto corpo de idéias conectivas entre o ideário e os grandes temas políticos.
Nesta mesma 8º reunião do Conselho Federal da OAB ficou resolvido que
denominar-se-ia a “Convenção”, originariamente proposta, de Primeira Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, atendendo à sugestão do conselheiro Carlos
Bozano, bem como foram aprovados os temas e seus respectivos relatores.
314
Nesta reunião
do Conselho, realizada em 17 de junho de 1958, foi comunicado que estava concluído o
regimento da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, elaborado pelo conselheiro
Carlos Povina Cavalcanti, definindo-se, também, que, a primeira Conferência seria
realizada na primeira quinzena de agosto do mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, então
Distrito Federal.
O artigo primeiro do Regimento da Conferência dispunha que:
A Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, a se realizar
periodicamente, tem por objetivo a aproximação e a comunicação dos advogados de
todo o Brasil, para estudo e debate das questões e problemas vinculados ao interesse
cultural e profissional da classe.
O parágrafo primeiro do mesmo artigo dispunha que
A conferencia nacional não exclui a possibilidade da reunião de conferências regionais,
promovidas por uma ou mais sessões da Ordem dos Advogados do Brasil, mediante
prévio conhecimento do Conselho Federal.
315
Por outro lado, como reprodução das preocupações históricas, o Regimento da
Conferência tratou de restringir eventuais posicionamentos nas conferências sobre política e
314
Ata da 894º Sessão da 28º Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de maio de 1958.
315
Ver art. 24. do supra referido Regimento que dispunha, também, que o Conselho Federal poderia reunir-se
extraordinariamente para escolher o local da conferência seguinte, dar posse à nova diretoria e conferir o
premio Medalha de Ouro Rui Barbosa. Naquele Regimento, também, ficava resolvido que as conferências
seriam bienais, mas não ficara definido que esta regra seria sucessivamente utilizada como critério de
periodicidade das conferências.
214
religião, resguardando o caráter de suas preocupações corporativas e fortalecendo o
ambiente discursivo sobre os temas profissionais e sobre a temática jurídica, imprescindível
à sua consolidação e à defesa de direitos, que, na linha do tempo, se traduzirão em
rigorosos dispositivos que proibiam o envolvimento e o comprometimento (político)
partidário.
316
Vale destacar, que, este mesmo Regimento da Conferência, criou a Medalha
de Ouro Rui Barbosa, transformando o eminente jurista e homem público brasileiro em
patrono da OAB e figura histórica referencial pelas liberdades públicas no Brasil.
A preocupação central da Primeira Conferência Nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil, realizada no Rio de Janeiro, de 4 a 8 de agosto de 1958,
317
na
Associação Brasileira de Imprensa, presidida por Nehemias Gueiros, foram as garantias da
formação de profissionais qualificados, que possuíssem um espírito culto e investigador,
capazes de conciliar os aspectos técnicos e acadêmicos de seu ofício. Por estas razões, o
tema indicativo da Conferência foi O Ensino Jurídico, que oferecia condições de se
verificar a dimensão da correlação entre ensino jurídico e advocacia, pressuposto do
exercício profissional.
Os contornos temáticos da Primeira Conferência, no quadro seguinte, dão a
exata dimensão dos indicadores que presidirão a definição do futuro evolutivo da advocacia
no Brasil, o alcance de seu ideal corporativo (ideário) bem como os limites pragmáticos de
suas possibilidades ideológicas e políticas (ideologia jurídica). Os efeitos que se esperavam
da Primeira Conferência eram tão significativos que o Presidente Nehemias Gueiros
convidou para presidir a sessão de encerramento o Presidente da República Juscelino
Kubistchek de Oliveira, que, 2 (dois) anos antes, havia encaminhado ao Congresso
Nacional o Anteprojeto de Estatuto da OAB, elaborado pelo Conselho Federal,
318
e para
presidir a sessão de abertura o seu Ministro da Justiça Carlos Cirilo Junior.
319
316
O Estatuto de 1931/33, ainda vigente à época, dispunha nos seus arts. 8º e 9º, respectivamente: A diretoria,
o Conselho e a Assembléia, não discutirão, nem se pronunciarão, sobre assunto imediatamente não atinente
aos objetivos da Ordem.
317
Ata da 901ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB, de 15 de julho de 1958.
318
Ver Capítulo V desta obra, onde, aprofundadamente, se discute a tramitação deste projeto no Congresso e,
inclusive, as suas definitivas implicações com o desmonte do Estado patrimonialista.
319
Ata da 901ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 15 de julho de 1958.
215
QUADRO TEMÁTICO I
TEMA CONFERENCISTA
1 – Reforma do Ensino Jurídico – Ensino Prático. Orlando Gomes
2 – A Advocacia e a Organização Judiciária – posição do
Advogado no Aparelho da Justiça – Relação com os Juízes.
Miguel Seabra Fagundes
3 – Execução das Decisões Judiciais – Resistência e
Desrespeito ao Cumprimento dos Julgados. – Solução
Legislativa do Problema.
Mayr Cerqueira
4 – O Problema da Multiplicação das Faculdade de Direito –
Requisitos para o Acesso aos Cursos Jurídicos e sua
Repercussão no Nível Profissional.
Rui de Azevedo Sodré
5 – Criação da Cadeira de Deontologia e Ensino Prático do
Direito.
Orlando Gomes
6 – A Advocacia como Arte – Consciência Profissional e
Amadorismo.
J. Guimarães Menegale
7 – A Arte de Advogar. Waldemar Ferreira
8 – Jurisdição Disciplinar e Poder Corregedor da Ordem –
Decisões Cogentes de Ordem Pública e Direitos Adquiridos.
Alcino Salazar
9 – Oralidade e Celeridade do Processo – Experiência do
Sistema Profissional Vigente – Vícios e Sestros do Foro.
Mário Guimarães de Souza
10– Proibição e Impedimentos ao Exercício da Advocacia –
Posição dos Membros do Ministério Público, das Polícias
Civis e Militares, das Forças Armadas e dos Funcionários
Fiscais:
Paulo Malta Ferraz
11 – Honorários de Advogados – Obrigatoriedade de sua
Condenação nos Pleitos Judiciais.
Alcy Demillecamps
12 – Direitos e Deveres do Advogado em Relação à Ordem –
Meios eficazes para a realização dos fins desta – Aumento das
contribuições Obrigatórias.
Alberto Barreto de Melo
13 – Assessoria a Parlamentares e às Comissões Técnicas do
Congresso – Legitimidade do Lobbying.
Nehemias Gueiros
216
As palestras realizadas, como se verifica, estão concentradas em linhas
temáticas: o ensino jurídico e seu quadro circunstancial, o exercício da advocacia no quadro
institucional e questões referenciais de implementação de decisões judiciais, sendo que
predominaram as conferências do segundo grupo, seguidas do primeiro e do terceiro,
núcleo embrionário das temáticas futuras e de abertura para as novas questões do Direito e
do Estado. Interessantemente, as questões, que, principalmente, envolvessem as relações
Direito e Sociedade, só, muito mais tarde, após significativas aberturas políticas e
ideológicas, se incorporarão, na sua vertente jurídica, ao quotidiano das Conferências e das
reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho.
De qualquer forma, deste quadro geral, deve-se ressaltar as conferências que
procuraram continuar enfrentando as questões que envolvem o exercício da advocacia por
servidores públicos, como se nota nos pronunciamentos de Miguel Seabra, de Alcino
Salazar e de Paulo Malta Ferraz, e as questões que procuram enfrentar a problemática do
ensino jurídico como as conferências de Orlando Gomes e Rui Sodré. No primeiro caso, a
linha determinante é a preocupação de se evitar que os interesses públicos se confundam
com interesses privados avançando no projeto de negação ou intercepção do Estado
patrimonialista.
Nos debates sobre o ensino jurídico, como se depreende das teses expostas,
predominou a orientação de que o ensino jurídico deveria seguir os pressupostos da unidade
entre e a teoria e a prática,
320
ressaltando que as Faculdades de Direito jamais poderiam
proporcionar plenamente a aprendizagem profissional, sem o necessário contato do
advogado com a realidade social que o circunda. Orlando Gomes, na sua palestra inaugural
observa que:
320
Esta, todavia, tem sido uma questão controversa na formação dos advogados. Na verdade, quando se fala
em formação teórica fala-se do ensino retórico e discursivo como simples leitura dos Códigos, com
excepcionalíssimas referências a doutrina, não se está falando, por conseguinte, em excesso de aulas sobre
filosofia, ética ou economia, mas no ensino dos códigos sem a prática. Ao contrário, as aulas de reflexão
teórica eram escassas e periféricas, assim como hoje em dia. À época quando se falava em um ensino prático,
assim como hoje também, o que se espera é que os alunos aprendam a peticionar, fazer uma peça judicial,
freqüentem audiências em tribunais e que reflitam sobre o problema posto em relação ao caso ou fato. Só
mais tarde, todavia, é que aparecerão aulas práticas (1972), e os escritórios de estágio e prática, alternativos e
concomitantes com os Exames da Ordem, são uma iniciativa relativamente recente e, mais recente, ainda, o
Exame da Ordem obrigatório.
217
O pensamento médio dominante na atualidade não é o de [se] sobrepor o ensino prático
ao teórico, mas, sim, o de entrosá-los, pondo termo ao teoricismo exagerado que
caracteriza o ensino do Direito. Para realizar esse programa, tem sido sugerida a
adoção de certas medidas que, como se supõe, permitiram às Faculdades o exercício da
função de formarem bacharéis que sejam homens cultos e técnicos do Direito.
321
Semelhantemente às discussões dos dias atuais foi muito debatida na
Conferência a questão da proliferação desordenada das Faculdades de Direito e os seus
efeitos sobre a qualidade do ensino, pois a estas alturas dos anos de 1958, já tínhamos
superado o ciclo das 2 (duas) faculdades oficiais instaladas em São Paulo e Recife (1827
até os fins do Império e o início da República) e o ciclo das Faculdades Livres, muitas
criadas no Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, enfrentando os problemas
que resultariam do ciclo de oficialização das escolas livres, especialmente de Direito. Por
outro lado, paralelamente à oficialização das escolas livres, as faculdades particulares já
eram uma realidade, principalmente as confecionais, também instaladas principalmente nas
capitais.
Naquele momento, os advogados não estavam voltados para questões
curriculares, mesmo porque as questões desta natureza foram enfrentadas com a reforma de
1931, e de 1935, e as questões de método ainda não estavam postas como modelos
alternativos de ensino jurídico, apesar das já difundidas lições de Santiago Dantas de
1955.
322
Os problemas da OAB concentravam-se nas questões de fiscalização, exame de
Ordem e, nem ao menos se cogitava da questão da interveniência direta da OAB em
assuntos curriculares e organizativos.
323
Nesta linha, o Conselho Seccional de São Paulo apontou os danos causados
pela ausência de uma fiscalização no processo de seleção do corpo docente dos cursos de
Direito, reivindicando a comprovação de formação acadêmica por meio de concursos de
títulos e provas, conforme estava disposto na Constituição. Não havia, por conseguinte,
321
GOMES, Orlando. Sobre o tema Reforma do Ensino Jurídico – Ensino Prático. In Anais da I Conferência
Nacional da OAB realizada no Rio de janeiro entre os dias 4 e 8 agosto de 1958.
322
DANTAS , F. C. Santiago. Dos Momentos de Ruy. Rio de janeiro: s.e., 1951.
323
O Estatuto à época vigente (de 1933), nem mesmo o Estatuto de 1963 trataram da questão do
envolvimento, mesmo indireto, com a questão do ensino jurídico, somente o Estatuto de 1994, que não é
objeto de nosso estudo disporá sobre este tema no inc. XV do art 54 com a seguinte redação: Compete ao
Conselho Federal (...) colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos
pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses
cursos.
218
qualquer interferência em questões diretas de ensino, mas o que preocupava era uma
interferência direta na fiscalização. A preocupação com a qualidade profissional dos
advogados formados levou a OAB a assumir propostas exclusivamente voltadas para o
processo seletivo e para examinar aqueles que estivessem preparados para o exercício da
profissão: ...devemos cerrar, cautelosamente, as [portas] da Ordem, selecionando, no seu
limiar, as verdadeiras vocações.
324
Por outro lado, como não poderia deixar de ser, esta Conferência, nos albores
da formação da consciência profissional da advocacia, também discutiu e avaliou questões
de relevância prática para a advocacia como as questões referentes às decisões judiciárias e
de natureza processual como o desrespeito ao cumprimento de julgados. Neste contexto,
foram levantadas questões, ainda, que envolviam as relações entre advogados e juízes e,
muito especialmente, sobre a celeridade do processo judicial, sem que se deixasse de
considerar o papel do advogado neste contexto.
325
Foram também intensivos os debates sobre a formatação, definida as
prerrogativas, dos direitos e deveres do advogado, sobre honorários, contribuições
obrigatórias para a OAB, que, na verdade, retomam as históricas discussões sobre o
catálogo de prerrogativas, deveres e posturas disciplinares. Por outro lado, a clássica
discussão sobre os impedimentos para advogar, influenciara as palestras que procuravam
evitar as acumulações da advocacia, mas, de certa forma, não se retornou com a questão
dos rábulas e provisionados, que já vinham sendo enfrentadas no anteprojeto de novo
Estatuto.
326
Esta Conferência, como se pode notar, pelo seu temário, não foi propriamente
uma Conferência sobre questões ou princípios políticos e ideológicos que influíam na vida
dos advogados, mas uma conferência sobre a advocacia e as restrições impostas pelos
324
As discussões em torno deste assunto tiveram início em 1952, como sugestão do Conselheiro Paulo
Barbosa Campos Filho que pleiteou, junto ao Congresso Nacional, a criação de uma lei que fizesse depender a
inscrição nos quadros da Ordem ou de habilitação em exames perante os Conselhos respectivos, ou – o que
seria melhor – em exames perante bancas oficiais constituídas de juízes, promotores e advogados. Ata da 660
Sessão da 21ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da OAB de 24 de junho 1952.
325
Anais da I Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 04 e 08 de agosto de
1958.
326
Anais da I Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 4 e 8 de agosto de
1958.
219
estatutos de 1931/33 à OAB como serviço público federal vinculado ao poder público e as
dificuldades para a formação adequada dos advogados. De qualquer forma, neste especial
contexto, muitas foram as discussões sobre o ensino jurídico e o seu papel na formação dos
advogados, transformando esta questão numa variante importante do ideário profissional, à
medida que a Conferência propunha a criação da disciplina Deontologia Jurídica ou seja, o
estudo dos deveres e direitos estatutários. Assim, pela primeira vez, no contexto geral
destas discussões, foi colocada a questão do ensino prático do Direito, assim como do
ensino da deontologia jurídica,
327
como pressuposto da formação do advogado.
De qualquer forma, apesar desta abertura para a questão do ensino jurídico, a
Primeira Conferência foi um encontro voltado para a reavaliação das prerrogativas dos
advogados conquistadas em cerca de 100 (cem) anos de lutas e resistências, postas, agora,
ainda na forma dos estatutos dos anos de 1931/33 e, também, na forma do antigo Código de
Ética. Na verdade, e no fundo, mesmo com as profundas transformações que sucederam à
crise do Estado Novo e levaram a 1946, os estatutos da advocacia remanesceram como
nasceram: fechados à autonomia e independência corporativa, só efetivamente mudando a
sua base conceptiva em 1963.
Nesta Conferência destacaram-se nomes da maior relevância para a advocacia e
o pensamento jurídico no Brasil, sendo muito importante reforçar o papel de Orlando
Gomes, exatamente porque procurou fazer da reforma do ensino jurídico e da necessidade
do ensino prático do Direito, um tema relevante, que, também, no passado fora objeto de
preocupações na definição dos objetivos do IOAB, especialmente no Encontro de 1908
328
aliás o que se reproduzia no tempo. Todavia, o IAB nem o IOAB não definiram entre suas
competências acompanhar o ensino jurídico, permitindo que este tema só viesse a ser
tratado, como já observamos, com a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.
329
Em tese, pelos
327
O estudo da deontologia jurídica geralmente se define como estudo da ética profissional que informa e
subsidia suas prerrogativas, direitos e deveres dos advogados. Mais recentemente o ensino da deontologia
ficou vinculado ao ensino pratico e, também, com item tópico da filosofia do direito, reforçando a tese de uma
ética para a advocacia.
328
Ver nota 33 deste Capítulo.
329
Em nosso livro O ensino jurídico no Brasil, ed. cit. não estudamos a evolução da questão na OAB e suas
conferências, mas enquanto os parlamentares brasileiros concentravam seus debates na questão dos currículos
e métodos jurídicos, a questão central da OAB estava voltada para o ensino prático e para os estágios.
220
menos, ficando esta questão adstrita na legislação brasileira, às competências dos órgãos de
educação (ministérios e secretarias),
330
deixou a OAB, e mesmo o IAB, de funcionarem
como entidades interessadas nas políticas de ensino jurídico, exceto, formalmente, a partir
de 1994, como veremos no Capítulo final desta Tese.
Visto no tempo, facilmente podemos observar que a Conferência de 1958 não
fez indicações críticas ao quadro político nacional, nem ao menos levantou questões
analíticas para sua compreensão, mas definiu as duas variáveis centrais que presidirão o
ideário profissional: a formação acadêmica do bacharel em Direito, permeada pelo ensino
prático e teórico, pela deontologia como ensino dos direitos e deveres do advogado em
relação ao cliente e à própria Ordem.
3.4. Retórica e Destino (da OAB)
331
Advocacia e Retórica sempre foram temas associados à democracia, aqueles
como expressão destes e estes como expressão daqueles, todavia, o tema da democracia,
historicamente, não fora o tema das Conferencias e quotidiano das reuniões do Conselho
Federal e, por isso mesmo, a discussão conceitual sobre a democracia e o seu
funcionamento irá adquirir força discursiva apenas a partir da ultimas conferencias, muito
embora, o tema tenha estado presente na movimentação política, como já analisamos, que
afastou Getulio Vargas. Para Fernando Henrique Cardoso, apoiando-se no cientista social
Albert Hirschman, democracia é um processo do qual os cidadãos querem participar, não
330
BASTOS, Aurélio Wander, O Ensino Jurídico no Brasil, op. cit. Ver, também, do mesmo autor:
Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
331
A Retórica é o instrumento comunicativo do Direito e foi aperfeiçoada pelos sofistas. Platão condenava a
persuasão pela indução, e propunha a dialética interlocutória como o caminho da busca da verdade.
Aristóteles fortaleceu o papel do Juiz no processo interlocutório e prestigiou o estilo forense como gênero que
busca resultados. Na evolução dos recursos retóricos o romano Mario Túlio Cícero, todavia, é que soube
absorver das formulações gregas a grande retórica do estoicismo (romano), o período em que lês avocats
gouvernement lê monde. Alias, vale recordar que vem de Cícero a formula do contrapeso do exegetismo e
Napoleão dura lex, sede lex, do direito posto para a grande abertura moderna do summus jus, summa injuria,
quando os advogados, na defesa, mais apelam pelos ideais de justiça e equidade, do direito natural e do bom
senso, ou os juizes nas decisões do direito alternativo, como modernamente se tem falado. David. Lê Patronat
Judiciaire au Dernirsiède de la Republique romaine. Roma. Ècole Français de Roma, 1992, p 951, 952.
221
somente no ato de votar, ou mesmo de aprovar, (como por exemplo, em um plebiscito) mas,
de deliberar.
332
Interessantemente, apesar da diferença temporal, Fernando Henrique
trouxe, no seu livro A Arte da Política, esta discussão da correlação entre a retórica e a
democracia, que não tiveram, é claro, qualquer influencia sobre o discurso de Nehemias
Gueiros, mas mostra uma certa semelhança conceitual entre o que herda de Hirschman e o
que o próprio Nehemias e a tradição jurídica brasileira busca no grande tribuno romano
Marco Túlio.
Para Cícero, a característica essencial do discurso seria a sua capacidade de
persuasão, no ato de sua própria produção e, para as democracias modernas, na linguagem
do autor citado, as opiniões não se formam antes, mas durante o processo de discussão e
deliberação. Para Cícero, o modo de vida mais nobre era a devoção virtuosa ao serviço
público. A amizade entre os homens, a boa vontade, permite que o bom governo se baseie
na cooperação livre dos cidadãos. Para que esses valores sustentem a Republica é
necessário que existam leis e que as pessoas estejam convencidas de sua validade, o que
requer que aos homens públicos sejam capazes de usar a razão e a emoção. O jogo entre
essas duas qualidades se desenvolve por meio do que se chamara de Retórica,
333
pressuposto do convencimento. O público segue o orador, não pelo medo, ou pela
coerção, como pretendera Hobbes, e sim pela adesão à razão persuasiva.
O discurso de encerramento, da primeira Conferencia, proferido pelo Presidente
Nehemias Gueiros intitulado: A advocacia em nova era, assinala os marcos fundamentais
do que se pretendia fosse a advocacia do futuro, que transcrevemos integralmente pela sua
força construtiva na definissão do ideário profissional, mas principalmente, porque ele
permite que se veja à luz do presente, os fundamentos retóricos do passado. Assim, o
pronunciamento de Nehemias Gueiros sobre a Missão do Advogado, no contexto da época,
mostra a importância da utilização dos recursos retóricos, identificados os problemas do
tempo, da mesma forma, dos indicativos herdados de Cícero, sem que isso signifique
qualquer adesão ou correlação conceitual direta com os textos citados, mas deixa antever
que a força persuasiva do discurso é o pressuposto dos objetivos do orador.
332
CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política: A História que vivi. Cood. Ed. Ricardo A. Sett. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira. 2006. p. 63.
333
O Livro citado de Fernando Henrique, em nota, aproveitando-se desta discussão sobre a retórica, faz
também, uma interessante correlação entre a relação subordinado e súdito, que fundamenta a teoria da
legitimação do poder desenvolvida por Max Weber. Op. cit.. p. 62.
222
Esta 1ª CONFERENCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL,
que hoje se encerra, (*) assinala-se por marcos fundamentais de uma nova era da
advocacia entre nós: a) Constituiu o inicio da prática do exame e debate dos problemas
e aspirações da classe, em termos de assembléia nacional, promovida pelo seu órgão
máximo; b) realizou uma verdadeira tomada de consciência em relação ao caráter
profissional da advocacia, como “munus público”, como dever antes que direito, em
oposição ao amadorismo diletante; c) demonstrou o alto nível moral e cultural a que já
chegou a advocacia no Brasil, pela inspiração dos mais elevados padrões éticos e pela
compreensão da necessidade de renovação dos processos e instrumentos técnicos
através dos quais ela se exerce; d) revelou a união e a solidariedade da classe em
relação às reivindicações indispensáveis ao exercício pleno da profissão, nos novos e
mais amplos setores em que a advocacia passou a se praticar.
No que se refere à OAB como Instituição permanente, observa, inicialmente
O longo temário debatido, verdadeiro corte cirúrgico na intimidade dos problemas da
profissão, postos no seu contato com os diversos poderes públicos, com os institutos de
ensino jurídico, com a ética profissional e a jurisdição disciplinar, com o exercício e a
defesa das próprias atividades, com a experiência do sistema processual vigente, com a
necessidade do seguro social e da justa retribuição do trabalho, trouxe à discussão teses
que constituem, no seu conjunto, uma monografia valiosa para o estudo da conjuntura
da advocacia no Brasil, enriquecida pela ampla critica a que foram submetidas. Como
frisamos na abertura dos trabalhos, a experiência destes dois anos em que nos coube a
honra insigne de presidir a Ordem dos Advogados do Brasil, pela confiança generosa
dos seus delegados de todo o País – sem dúvida o mais alto galardão de toda a nossa
carreira – fez-nos sentir a necessidade de uma aproximação e comunicação dos
advogados das diversas Seções, em campo raso, fora das implicações hierárquicas dos
limites de competência entre o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais, cada um
trazendo o depoimento e a experiência das peculiaridades regionais, e todos buscando e
encontrando, afinal, um denominador comum para as soluções e recomendações que o
debate propiciaria.
Posteriormente, encaminha para concluir que:
Assim nasceu esta nossa idéia, assim o Conselho Federal a acolheu, fazendo da
CONFERENCIA NACIONAL uma instituição de caráter permanente, dando-lhe
regimento próprio para regular-lhe o funcionamento periódico, e assim nós a acabamos
de realizar, com um êxito que excedeu a todas as expectativas, quer pelo número das
delegações presentes, pelo calor intelectual e pelo entusiasmo cívico com que as
discussões se processaram, como pela eficiência com que as contribuições e
recomendações se produziram. E a semente germinou. A última reunião plenária
aprovou, com palmas de aclamação, a recomendação para que a 2ª CONFERÊNCIA
NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL se realize em agosto de 1960
na cidade de São Paulo, atendendo ao honroso convite do Instituto dos Advogados, da
Associação dos Advogados e do Conselho Seccional da Ordem naquele Estado.
Sobre o Processo Social de Garantia, continua:
223
Os advogados brasileiros acabam de dar um grande exemplo de espírito público, de
disciplina, de dedicação ao estudo dos problemas da classe, e, pois, de patriotismo, na
compreensão do quanto esse estudo importa para a manutenção do elevado padrão
profissional a que já atingiram, e que os Anais da CONFERÊNCIA vão revelar e fixar.
Na hora em que o mundo já parece entorpecido pela crise das instituições políticas,
falando-se da decadência do direito já não mais como tese para discussões técnicas ou
acadêmicas, mas como realidade de difícil superação, tão submetidas e intoxicadas se
encontram as novas gerações nos países em que a concepção do poder do Estado
absorveu a própria noção da personalidade humana – o social excluindo, senão
negando, o próprio indivíduo que o compõe – é bem que os advogados, em assembléia
pública, façam, como fizeram, a sua profissão de fé nas instituições jurídicas, e que,
como parte necessária do mecanismo da Justiça pública, ou como assessores privados
na adequação das leis às atividades sociais, encontrem no direito que as inspira, o
único processo social de garantia às liberdades e interesses que defendem. Mas é bem,
outrossim, que façam as suas queixas contra as praxes e contra os vícios forenses,
contra os maus sestros próprios e contra os alheios, buscando na denúncia e na
correção dos próprios a autoridade para a emenda dos alheios.
A parte mais ilustrativa de seu pronunciamento encaminha-se para relação
Juízes e Advogados, constante, também, em outros itens:
Queixamo-nos muito dos juízes. Queixam-se eles de nós outros. É como se fossem duas
classes opostas, cada qual fechada na convicção da supremacia das suas prerrogativas,
quando uma e outra têm a mesma missão social de realizar a vontade da lei, os
advogados pedindo, os juizes concedendo, mas nem os primeiros implorando por favor,
nem estes dando como graça a Justiça, que é o objetivo do sistema a que todos servem,
insusceptível de constituir patrimônio ou monopólio de castas ou hierarquias.Qual,
então, o motivo das recíprocas e seculares cerimônias? Que é o que afasta ou indispõe,
como regra, enriquecendo um inesgotável anedotário, o Juiz que decide, do advogado
que postula?
E, continua, sobre Fecundação do Espírito pela Humildade:
Nada, nenhuma razão histórica ou sociológica, nenhuma oposição ou contradição de
planos ou de fins, nada que não seja defeito próprio de certos advogados ou de certos
juizes, como simples criaturas humanas: a agressividade audaciosa de uns, a suficiência
atrevida de outros; a submissão excessiva de uns, a indiferença desdenhosa de outros; o
eruditismo pedante de uma, a ignorância completa de outros; a impertinência
desrespeitosa de uns, o amor-próprio exasperado de outros; o egoísmo tremendo de uns,
a vaidade imensa de outros; em suma, a transferência, consciente ou inconsciente, para
as lides do ministério de cada um, dos defeitos do caráter, das susceptibilidades morais
e dos complexos da personalidade, que o deslumbramento das posições e das
circunstâncias pode acarretar, quando o espírito não se deixa fecundar pela humildade
que nasce da verdadeira sabedoria e do bom senso, humildade necessária para
compreender, para tolerar, para respeitar, e até para relevar ou perdoar.
Nehemias, procurando traduzir a flama interna que move o advogado observa,
no que chama de Apanágio e Flama do Clamor:
224
Sem nos corrigirmos dos próprios defeitos, que todos carregamos para as nossas tarefas
– muitos deles, em harmonioso equilíbrio com as virtudes, constituindo o vinco dos
estilos e da personalidade – não podemos ganhar autoridade para condenar os dos
juizes, tão defeituosos e humanos como nós. Se não nos querem ouvir, instemos para
que nos ouçam, mas examinemos primeiro se falamos em termos de ser ouvidos. Se
ainda assim não nos ouvem, ou se ouvindo não nos atendem, clamemos porque não nos
ouvem ou porque não nos atendem, mas clamemos sempre, esgotando todas as
possibilidades e todas as oportunidades do nosso clamor, que é o nosso apanágio e a
nossa flama. ‘Clama ne cesses’. Eis o lema que inspira a nossa pugnacidade, e que
exige, como implicação do próprio direito de clamar, o respeito próprio e o respeito
alheio. O elevado padrão da linguagem, assim no esmero gramatical e do estilo, como
no asseio das maneiras, sem que nos devemos dirigir aos juizes e tribunais – ainda
quando seja necessário carregar na ênfase sobre o erro ou sobre a injustiça, criticando
impiedosamente a decisão recorrida – é que nos dará o mesmo elevado padrão de
respeito, para nós próprios e para a dignidade dos auditórios onde postulamos.
Sobre independência dos compromissos do advogado em Autoridade e
Independência, fala, voltando ao tema advogados e juízes
A incompreensão entre advogados e juizes decorre, assim, da dificuldade de conciliar a
independência necessária daqueles, como predicamento ao exercício da defesa, com a
autoridade jurisdicional destes, a exigir respeito e acatamento. Mas nem a
independência profissional precisa de chegar ao desacato, nem a exigência do respeito
à autoridade pode determinar a submissão passiva, numa atividade em que a bravura é
condição para conduzir, a despeito da autoridade, a queixa ou a especulação dos que
têm sede de justiça. A independência necessária do advogado é a mesma independência
indispensável do Juiz. A bravura necessária de um tem a mesmas razões e os mesmos
fundamentos da bravura indispensável do outro. Se não nos entendermos, advogados e
juizes, na conciliação dessas virtudes, postas diante do poder – seja do poder público,
como do poder privado, do poder político, como do poder econômico – se nos
perdermos em disputas ou querelas, em exageros de amor-próprio ou de
susceptibilidade à flor da pele, para vindicarmos, reciprocamente, graus de
subordinação e de hierarquia, incompatíveis com a grandeza e a independência do
nosso ministério, então iremos dar eco ao grito bárbaro que já começa a pregar, em
nosso derredor, não apenas a decadência do direito, mas a incapacidade do Poder
Judiciário para a manutenção e a preservação do regime. Seremos, então, advogados e
juizes, instrumentos suicidas de um sistema político em crise, que só essa independência
– que por vezes nos atrita e nos separa, por incompreensão ou por vaidade, mais do que
por despeito ou por capricho – bem entendida e conciliada na órbita de ação de cada
um, será capaz de fazer subsistir.
Este tema da relação com os juízes completa em Culto à Indulgência Recíproca:
Essa a compreensão que buscamos, esse o estilo de convivência que predicamos,
descoroçoados, algumas vezes, pelos tropeços do caminho, mas estimulados, sempre,
pelo exemplo e pela disciplina de grandes juízes contemporâneos, penetrados, na sua
expressiva maioria, da noção do respeito que se devem, a si próprios e aos advogados, e
do culto que devem a esse respeito necessário. Pois é, ainda, a independência que assim
os inspira, ajudando-os a compreender e respeitar a independência dos advogados.
Nem é preciso que, para essa indulgência recíproca, haja amizade ou intimidade entre
225
ambos. ‘A amizade pessoal entre o Juiz e o advogado – escrevia CALAMANDREI – não
é, ao contrário do que julgam os leigos, um elemento que possa ajudar o cliente; porque
se o juiz é escrupuloso, tem tanto receio de que a sua amizade possa, inconscientemente,
levá-lo a ser parcial em favor do amigo, que pode ser naturalmente levado, por reação
talvez inconsciente, a ser injusto contra ele. Para um Juiz honesto, que deva decidir uma
causa entre um amigo e um indiferente, é preciso maior força de ânimo para dar razão
ao amigo do que para negá-la; é preciso maior coragem para ser justo, arriscando-se a
parecer injusto, do que para ser injusto, a fim de que sejam salvas as aparências da
Justiça’.
Voltando a citar, Calamandrei, no seu habilíssimo trabalho sobre estas relações
que este jurista
escreveu os seus deliciosos epigramas [carregados] de certo sarcasmo e [pontilhados]
com a verve e a ironia sobre as relações dos juízes com os advogados, não exclui a
possibilidade de manterem, juizes e advogados, sem suspeição nem impedimento, e com
o alto respeito que o brio moral e intelectual de cada um exige, a amizade que resulta
da afinidade espiritual e da admiração recíprocas. E, então, só o foro íntimo do Juiz lhe
ditará a conveniência da suspeição ou a bravura de manter-se no oficio, não se devendo
confundir as razões de suspeição legal, estabelecidas em relação às partes, com razões
eventuais, nem sempre lógicas, para estendê-las à pessoa do advogado, sempre
impessoal diante do Juiz.
Finalmente, numa posição visivelmente tática, pois evoluiriam os estatutos para
uma radical posição sobre o exercício da advocacia faz o (9) Agradecimento aos Juízes
No momento em que dou por encerrado o meu mandato de Presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil, quero manifestar de público, na hora do encerramento deste
conclave, em que também as relações dos advogados com os juizes foram objeto de um
magnífico estudo elaborado por SEABRA FAGUNDES, o meu agradecimento a todos os
juizes junto aos quais, em nome da Ordem, ou em nome de colegas, precisei intervir,
pela alta compreensão com que ouviram e atenderam os apelos que lhes foram
formulados, na defesa de prerrogativas profissionais. A praxe tem estabelecido que em
discursos como este, o Presidente que sai presta contas do que fez, e dê posse ao novo
Presidente, eleito para sucedê-lo. Foi tão pouco o que fiz, nada tendo feito que não fosse
obra de colaboração com todos vós, que não me receio de quebrar a praxe, para
simplesmente pedir que me escusem pelo muito que não pude fazer. E agradeço, ainda
uma vez, a confiança que me pusestes, a honra que me conferistes, o titulo que me
concedestes. Eu o guardo como o mais alto, e mais valioso, de toda a minha vida,
esperando poder dignificá-lo sempre, porque é difícil apartar de mim a
responsabilidade de havê-lo um dia merecido, ainda que pela generosidade do coração
dos que mo conferiram.
Concluindo, sobre o novo Presidente Alcino Salazar:
Agora, é a vez de ALCINO DE PAULA SALAZAR, a quem entregamos, orgulhosos, os
destinos da classe dos advogados. Ele se impôs à Presidência da Ordem dos Advogados
226
do Brasil, para merecer a consagração dos sufrágios das delegações de todo o País,
através de uma carreira brilhante, que lhe deu projeção nacional, transfundindo no
advogado as virtudes do mestre de Direito, e dando a este a experiência do advogado no
trato das hipóteses, para ilustrar as teses do magistério onde doutrina e pontifica. (...)
Do seu prestígio como mestre de Direito, diz bem a eloqüente homenagem que lhe foi
prestada pelos bacharéis da turma de 1957, inscrevendo o seu nome em placa de
bronze, no saguão da Faculdade Nacional de Direito. Do seu merecimento como
advogado e como líder da classe, fala agora, nesta solenidade, a sua posse no cargo de
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a que ascendeu, pela unanimidade dos
nossos votos, ‘par droit de conquête’, numa justa consagração ao jurista e ao advogado,
honra da sua geração e orgulho dos seus companheiros que, comigo, de pé, saúdam o
novo Bâttonier. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1958.
334
O eloqüente pronunciamento de Nehemias Gueiros, a par de suas indicações de
imprescindível convivência harmoniosa, traz para o cenário da vida jurídica nacional alguns
importantíssimos temas que irão penetrar, no futuro, o quotidiano da vida jurídica.
Nehemias Gueiros ressalta com insistência a necessidade de se evitar, para a eficiente
aplicação da lei, para se alcançar os padrões equilibrados da justiça, que os conflitos e
divergências entre advogados e juízes sejam pólos da mesma relação: se os advogados são
fundamentais para pedir, os juízes, o são, para decidir. Qualquer desequilíbrio nesta relação
afeta o equilíbrio do sistema e, com certeza, repercute sobre as partes demandantes e sobre
a sociedade.
Por outro lado, o pronunciamento de Nehemias Gueiros pela primeira vez em
documento oficial se refere à decadência do direito já não mais como tese para discussões
temáticas ou acadêmicas, mas como realidade de difícil superação. Neste texto, o
Presidente relaciona que o fato do poder do Estado absorver a noção da personalidade
humana, permitindo que o social negue o indivíduo que o compõe, deteriora as bases
jurídicas das instituições. Para o orador, os advogados têm o compromisso com a defesa das
instituições jurídicas porque, desta forma, estaria resguardado o único processo social de
garantia às liberdades (...).
335
Esta Conferência, muito especialmente, o pronunciamento de Nehemias
Gueiros é o diagnóstico de uma época, mas, principalmente, o reconhecimento das
específicas aspirações de classe dos advogados, a definição extensiva do seu ideário como
334
Anais da I Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 04 e 08 de agosto de
1958, pp.673-684.
335
Ibid.
227
missão e, por isto mesmo, o reconhecimento, assim como a tomada da advocacia como
munus públicus, como dever antes que direito, como serviço a serviço dos desfavorecidos, a
preliminar possível da consciência política. Estas duas vertentes se explicam,
complementarmente, com precisão, como princípios gerais do ideário da advocacia, que, no
próprio texto do discurso, se define comprometidamente com a profissão de fé nas
instituições jurídicas, na garantia da liberdade como pressuposto da Ordem.
Na Reunião do Conselho Federal da OAB de 7 de abril de 1959, sobre a
presidência do professor Alcino Salazar, o secretário geral Alberto Barreto de Melo na
leitura da Ata, fez o seguinte relatório que, por todos, foi aprovado:
(...)O encontro dos advogados que militam nas grandes Capitais e nas Comarcas mais
remotas do interior representou um contacto coletivo da comunidade profissional com
os assuntos que entendem com o nosso ofício e, que, pela transcendência de alguns, nos
assoberbam e afligem (...). A Conferência equacionou problemas do ensino jurídico, de
reestruturação dos cursos jurídicos; do estágio como instrumento para a elevação do
nível profissional; da dinâmica do exercício da profissão através [da] constituição de
sociedade civil para o trabalho em equipe; das interferências da deontologia na arte de
advogar; da jurisdição disciplinar e corregedora da Ordem; do direito e dever de
advogar; das relações entre a advocacia e os Poderes Legislativo, Judiciário e
Executivo; da instituição do regime de previdência ao advogado; das relações e
convivência da Ordem com as demais entidades da classe (...)
Finalmente, conclui o texto da ata
quero registrar, ao cabo da Presidência NEHEMIAS GUEIROS, uma grande realização
com que marcou sua passagem: a realização da 1º Conferência Nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil. Presto meu depoimento de testemunha presencial: Só a audácia
de NEHEMIAS GUEIROS somada à sua versatilidade, à sua capacidade de improvisar
e à sua infatigabilidade tornaram possível a realização da Conferência com a escassez
de tempo e de meios que nos limitava. Êle concebeu a Conferência, traçou as diretrizes
do temário com os Companheiros de Comissão Executiva, providenciou recursos,
coordenou atividades, desdobrou-se e esmerou-se em confeccionar detalhes de horário
e programa. – Outro serviço marcante prestado à classe por NEHEMIAS GUEIROS,
não como Presidente da Ordem, mas como Conselheiro, foi sua atuação, na qualidade
de Relator, no Conselho, do Ante-Projeto do Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil, durante a Presidência SEABRA FAGUNDES,
336
na qual se elaborou trabalho
tão relevante para a advocacia e que atualmente se encontra em trânsito na Câmara dos
336
Miguel Seabra Fagundes exerceu a presidência da OAB no período de 1954 a 1956, um dos mais graves
períodos da história do Brasil, marcado pelo trágico suicídio de Getúlio Vargas em 1954, que levou o vice-
presidente Café Filho a assumir a presidência, nomeando-o Ministro da Justiça, no curto espaço de seu
governo. O seu significativo papel no Conselho Federal permeará os capítulos imediatamente seguintes e
muitos itens do desenvolvimento deste trabalho.
228
Deputados, constituindo o Projeto de Lei nº 1.751, oriundo de mensagem
governamental.
337
Finalmente, com este discurso de encerramento, Nehemias Gueiros não
propriamente deu por encerrada a sua missão, mas abriu novos espaços para uma efetiva
política de respeito mútuo entre juízes e advogados, assim como marcou a história futura da
OAB com seu Anteprojeto de Estatuto que se converterá em lei, definitivamente
seccionando as múltiplas funções jurídicas do Estado da advocacia, como exercício privado
de uma função pública relevante.
4 – A II Conferência e a Missão do Advogado
4.1. Missão e Profissão
No tempo que imediatamente antecedeu à Primeira Conferência, e a sucedeu,
dois assuntos estiveram presentes no quotidiano do Conselho Federal: a construção e a
conseqüente transferência da Capital Federal para Brasília, com 2 (dois) efeitos finais, a
conseqüente transferência dos Tribunais Superiores e a permanência da sede da OAB na
cidade do Rio de Janeiro, numa visível divisão da localização geográfica das elites jurídicas
do estado (Brasília) e da sociedade (Rio de Janeiro). Estes seccionamentos, no médio prazo
teve grandes efeitos sobre a composição e os destinos das elites jurídicas brasileiras, bem
como sobre a elaboração do novo estatuto, que fora encaminhado ao Congresso
Nacional,
338
mais aberto, que deu maior autonomia à corporação, e, ao mesmo tempo,
ampliou o poder dos advogados na conflitiva relação com os juízes.
339
Num mesmo ângulo
o primeiro tema adquiria relevância muito especialmente porque fortalecia a transferência
337
Ata da 923ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária CF.OAB de 7 de abril de 1959.
338
Ver cap. V, item 2.1.
339
Ver pronunciamento de Nehemias Gueiros neste Capítulo, item 3.4.
229
dos Tribunais Superiores para Brasília e o deslocamento da elite jurídica de Estado, com
certeza dificultando a relação direta de advogados do Rio e São Paulo com seus processos,
clientes e juízes dos Tribunais Superiores e, o segundo, pela relevância na modificação da
estrutura de organização, fortalecendo o ideário profissional e ampliando os poderes da
cúpula dirigente da OAB federal.
Pareceu-nos, todavia, mais conveniente, que, anteriormente à descrição e
análise da questão da transferência da Capital Federal para Brasília, e a extratação e análise
dos pronunciamentos parlamentares sobre o novo estatuto, dedicar o trabalho ao
reconhecimento da segunda Conferência, por duas razões: os efeitos da transferência da
capital sucedeu ao período da realização da Conferência e, ainda, da mesma forma, os
estatutos somente serão aprovados após a Conferência com o Congresso instalado em
Brasília. De qualquer forma, ainda na linha destas razões, a II Conferência melhor delimita
a vocação profissional do ideário da advocacia e suas conexões diretas com o
funcionamento judiciário, imprescindível para se reconhecer o papel político da nova
capital na produção jurídica de última instância, distante dos tradicionais centros editoriais
(Rio e São Paulo) e melhor identifica a importância estatutária das prerrogativas como
pressuposto do advogado na sua relação com os juízes, inclusive, dos Tribunais Superiores,
que, transferidos para Brasília, influiriam na formação de novas elites jurídicas, como de
fato ocorreu, inclusive, no seu alocamento.
Os primeiros entendimentos para a realização da II Conferência da OAB
ocorreram, exatamente, no contexto do conflito interno, entre os conselheiros do Conselho
Federal da OAB sobre a mudança do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores
para Brasília, conjuntamente com o conflito entre eles próprios sobre a transferência da
sede do Conselho Federal para nova Capital Federal. Estes fatos adquiriram tamanha
relevância conflitiva que direta e indiretamente influíram na renúncia e no conseqüente
retorno de Alcino Salazar à presidência do Conselho Federal, muito embora, no temário da
Conferência, não se identifique, como seria de esperar, que estas questões tenham influído
nos rumos da OAB.
Estas questões, todavia, como advirão dos estudos subseqüentes, não apenas
influíram na redefinição do ideário estatutário, como também reinstalaram os não tão
velhos litígios entre o trabalhismo desenvolvimentista e o liberalismo democrático. Na
230
verdade, estas questões, sobreviveram, subjacentes ao conflito político e intelectual do
período e, mais que elas, contribuíram parar a divisão das forças, que, em prazo
recentíssimos (2 anos), removerão o quadro político brasileiro.
Os entendimentos para a realização da II Conferência da Ordem dos Advogados
foram promovidos em São Paulo pelo presidente Alcino Salazar em reunião conjunta com o
Conselho Secional de São Paulo, quando especialmente, definiram-se os temas relativos a
sua organização. A Conferência Nacional, realizou-se entre 5 e 11 de agosto de 1960,
conforme decisão da reunião ordinária do Conselho Federal de 3 de maio de 1960,
340
imediatamente após a transferência da Capital Federal para Brasília. Tomaram parte,
juntamente com o Presidente do Conselho Federal, Alcino Salazar, nestes primeiros
entendimentos, o Presidente do Instituto dos Advogados, José Barbosa de Almeida e o
Presidente da Associação dos Advogados, Theotonio Negrão, além dos professores Noé
Azevedo, Presidente, Ruy Sodré e o Vice-Presidente Leôncio Ribas Marinho e o Secretário,
Emílio Hippólito da seccional de São Paulo.
341
O conjunto deles constituíram-se em
Comissão para organizar e definir o calendário da Segunda Conferência, bem como alterar
o Regimento da Conferência antecedente,
342
constituindo, também, a Comissão, o
secretário geral do Conselho Federal Alberto Barreto de Mello e os conselheiros federais
Miguel Seabra Fagundes, Temísthocles Marcondes Ferreira e Corintho de Arruda Falcão.
343
340
Ata da 967ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 de maio de 1960. Anteriormente a
realização da Conferência conforme Ata da 978ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de julho
de 1960 o Conselheiro Carlos Bernardino de Aragão Bozano manifestou a sua perplexidade diante do silêncio
do temário sobre o assunto da mais alta importância e gravidade qual seja a transferência do Supremo
Tribunal Federal e do Tribunal Federal de Recursos para Brasília e sua implicação na ordem jurídica do
país, assim como chamou atenção que da agenda não constava a solenidade de posse do novo presidente da
Ordem dos Advogados José Eduardo Prado Kelly, que fora eleito na sessão de 26 de julho de 1960 juntamente
com o secretário geral Alberto Barreto de Mello (Ata da 979ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de
26 de julho de 1960). Existem informações na Ata anterior que o Conselheiro José Maria Maia relataria uma
tese sobre a transferência e funcionamento dos Tribunais Federais para a nova Capital, assim como o
presidente tomaria posse na sessão de encerramento, conforme artigo 24 do Regimento, tendo a matéria
ficado esclarecida como definição da posse para o dia 11 de agosto de 1960, na mesma Conferência conforme
está na Ata da 979ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de julho de 1960.
341
Ata da 962ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de abril 1960.
342
Ata da 976ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de julho de 1960.
343
Ata da 967ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 de maio de 1960.
231
O tema geral da Conferência foi o Exercício da Profissão de Advogado –
Problemas de interesse geral, visando ao aperfeiçoamento das normas e instituições
jurídicas, assim como dos órgãos encarregados da sua aplicação, evoluindo das indicações
pontuais da Conferência para concentrar-se, essencialmente, na discussão das questões
profissionais anteriores balizando indicativos para as ações futuras dos advogados.
Interessantemente, apesar desta Conferência ter acontecido durante o período de
avaliação do Anteprojeto de Estatuto, nas comissões da OAB, e no Congresso Nacional,
quando estava como relator o Deputado Milton Campos, e, ainda, estavam no bojo das
discussões as questões sobre a transferência dos tribunais superiores para a nova Capital
Federal, tais assuntos não foram formalmente debatidos ou tratados. Estas questões
cingiram-se aos debates internos no Conselho Federal, mas, como analisaremos no Capítulo
sobre a transferência da Capital, assim como nos capítulos seguintes, sobre projeto de novo
estatuto, estes temas foram exatamente as variantes que demonstram a interferência de
questões políticas nacionais no contexto interno da Ordem, por um lado, e das questões
conceituais da Ordem nos debates sobre a sua natureza e objetivos políticos.
Qualquer leitura comparada entre o teor dos documentos que subsidiam estes
debates demonstram exatamente a diferença das tonalidades discursivas, da mesma forma a
diferença entre o ambiente de avaliação prospectiva das conferências e o tenso ambiente
interno das reuniões do Conselho, conforme se verifica das Atas. Na abertura da
Conferência, não exatamente abordando esta questão, mas procurando situar a exata
questão da advocacia enquanto profissão, o conselheiro Ruy de Azevedo Sodré alertou para
a necessidade de se combater a exploração comercial da advocacia, salientando o caráter
sociocultural da profissão, afirmando que a advocacia e a atividade comercial são
profissões antagônicas que entre si não se harmonizam: ...o nosso objetivo [acrescentou]
não é negociar com a justiça, visando lucro. O nosso trabalho deve ser remunerado, mas
não pode ser inspirado por um espírito de mercantilismo.
344
344
Anais da II Conferência, realizada entre os dias 5 e 11 de agosto de 1960, pp. 9-15. A questão dos direitos
dos advogados aos seus honorários não foi tão simples na historia da advocacia e, mesmo após a Republica
(romana), o Imperador Augusto exigiu que os advogados patrocinassem a causa sem exigir pagamentos,
mantendo-os submetidos ao velho instituto do honos, ou seja, a “honrosa” prestação de serviços à justiça.
Historicamente este instituto evoluiu para “honorários”: honrosa forma de se remunerar os serviços (jurídicos)
prestados à justiça. Ulpiano (D 50, 13, 1, 5, Ulpianus 8 de omm. Trib) e Pescani. Honorarium Studi sue
lavoro nel diritto, Triesti Universitá Degli Studi, 1991, p. 71 e outras.
232
Por outro lado, os debates que se seguiram durante a Conferência deram a exata
dimensão de que a corporação de advogados tem uma função autônoma e independente,
infensa a interesses políticos e partidários, o que, todavia, procuraremos demonstrar na sua
evolução política e doutrinária. Aliás, na verdade, a isenção político-partidária marcará
profundamente o ideário profissional, exatamente, procurando demonstrar, pela negativa da
ação, que a ação da OAB transcorre em nível exclusivamente profissional. Esta, todavia, é
uma questão dificílima e ela aparece sempre nos momentos cruciais indicativos do dilema
corporativo, interessantemente, mesmo, ainda, na República, antes que viesse a OAB a ser
criada. Na verdade, esta é a questão dilemática do ideário, mas, ao mesmo tempo, a questão
que, nos seus exatos momentos, permite que se seccione ação partidária de ação política e
se reconheça, nesta última, o dever profissional de defesa do interesse público, o
cumprimento da missão do advogado, enquanto superação da negação do próprio ideário a
“missão” do advogado.
Estas posições subsidiarão e informarão a atuação futura dos advogados,
balizando os parâmetros do exercício profissional, mais como missão ou dever na prestação
do serviço jurídico, do que como atividade de natureza comercial ou partidária. Assim, o
ideário corporativo reconhece que não é um comércio a advocacia, não é uma profissão que
visa a dividendos, mas uma “missão”, uma “missão” a serviço da justiça e do bem comum,
e, o cumprimento desta “missão”, na percepção corporativa, não é política, mas é um
compromisso com a defesa e a proteção do bem comum, sempre que o bem comum estiver
ameaçado. Qualquer comportamento que fuja destes padrões e parâmetros foge dos padrões
e parâmetros éticos da profissão, que não pode, repetindo, ser presidida por interesses
comerciais ou partidários.
345
Este tipo de orientação é muito importante de ser ressaltado porque evidencia
uma certa concepção de uma ordem jurídica infensa aos valores partidários, neutra no
contexto dos confrontos axiológicos e paradigmáticos do Estado. Todavia, não é de se
estranhar esta linha de pensamento, porque as gerações históricas de advogados, mesmo os
345
Interessantemente, do ponto de vista do ideário estatutário, diferentemente da ação político-partidária a
ação política, enquanto política, é a arte do bem comum, recuperando o substancioso conceito aristotélico.
A
RISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2002. Ver, também, A Política. Tradução de Silveira
Chaves. São Paulo: Atena (Biblioteca Clássica). V. XXXIX, esp. Livro Primeiro, p. 9-29 e Livro Sexto, p.
205-248.
233
liberais, por questões contingências de sua formação, não viam nos fundamentos
constitucionais hermenêuticos da ordem jurídica pressupostos políticos-partidários, mas
sim, mais um documento amplo e magno, sensível à compreensão dogmática
infraconstitucional,
346
quase sempre dominada e sempre permeada pelo privatismo
romanista, enquanto hermenêutica do caso comum e não da percepção geral.
Até 1988 a história da hermenêutica constitucional e a história de sua redução
ao pragmatismo romanista, onde o direito público, principalmente o Direito Constitucional,
não se destacou com relevância, como aliás, também o Direito Administrativo e o próprio
Direito Penal. Esta redução romanista da Constituição que perpassou os tempos até 1988,
em muitas ocasiões históricas sofreu resistências significativas, principalmente dos grupos
políticos desenvolvimentistas e trabalhistas, mas o sucesso contra-argumentativo, àquele
tempo, era quase impossível, devido a esta desconexão paradoxal entre o liberalismo
constitucional e o praxismo romanista do quotidiano da advocacia.
É sempre muito difícil encontrar, juridicamente, crises nestes dilemas ínsitos da
ordem jurídica brasileira, mas, politicamente, é, também, sempre muito difícil desconhecer
que a redução compreensiva da dinâmica do Estado à hermenêutica romana não se repita
como sucessivas negações do Direito Constitucional, como direito geral. Os anos das
primeiras conferências estiveram, todavia, condicionados, ainda, à convivência paradoxal
entre o liberalismo constitucional e o seu agente asfixiante o praxismo da interpretação
fechada.
4.2. Observações Introdutórias à II Conferência
Os debates históricos sobre a criação da OAB, especialmente traduzidos no seu
Estatuto de 1931/33 e, posteriormente, no Estatuto de 1963, não passam diretamente por
estas questões que envolvem a Constituição com a redução romanista, mas dão-nos as
346
A primeira espécie de democracia é aquela que tem a igualdade por fundamento. Nos termos da lei que
regula esta democracia, a igualdade significa que os ricos e pobres não têm privilégios políticos, que tanto um
como outro não são soberanos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente na mesma proporção
(ver p. 216).
234
exatas indicações das absolutas restrições ao exercício de qualquer atividade comercial pelo
advogado, assim como vincula a questão do envolvimento político da OAB, enquanto
corporação, às proibições de vinculação partidária, o que não impede, evidentemente, que
se manifeste em assuntos de relevância para o cumprimento de sua “missão”. Esta postura,
por conseguinte, induz a reconhecer que os compromissos com o Estado de Direito (e, mais
tarde, com o Estado democrático de direito) não seriam compromissos que traduzem
vínculos de natureza política aberta e voltada para o bem comum, mas apenas vínculos que
se recompõem como garantias do exercício profissional.
Os debates durante a II Conferência (e em todas a demais), por outro lado,
oferecem todos os indicativos para afirmarmos que uma das principais missões do
advogado no mundo contemporâneo, o que não necessariamente se articula com a história
passada, é a preservação do cunho liberal da advocacia, e a abertura para o humanismo
filosófico, mais de natureza social e existencial do que ideológico, devendo o profissional
assumir posição ativa e vigilante no momento da feitura das leis e no processo de decisão
dos objetivos de seus propósitos. Por outro lado, o advogado deve empenhar-se contra o
formalismo jurídico e os excessos do positivismo jurídico (uma boa técnica para se referir
ao dogmatismo romanista), facilitando a adequação do direito à vida social, procurando
evitar que o Estado ou as empresas comprometam as liberdades fundamentais do cidadão.
O desenvolvimento não deve ser apesar do homem, mas em função do homem e da
sociedade, um caminho para o homem encontrar-se a si mesmo e com a sociedade e,
encontrando a sociedade encontrar-se a si mesmo.
A II Conferência, ainda, procurando superar os excessos burocráticos da
atuação dos provisionados, para advogar, dedicou-se, também, à questão da qualificação
profissional, voltando a considerar a necessidade de se radicalizar nas posições contra os
rábulas, o que não ocorrera com a Primeira Conferência reconhecendo na sua práxis o
exercício inadequado à profissão, de tal forma que o exercício profissional adquira as
dimensões éticas imprescindíveis à defesa de direitos. Considerando as tantas e sucessivas
discussões históricas, que procuravam evitar que profissionais não habilitados bacharéis
advogassem, demonstrou esta Conferência grande preocupação com o exercício ilegal da
advocacia, remanescente, ainda, nos estatutos de 1931/33 e em debate no projeto de
estatuto em tramitação no Congresso Nacional. Os conferencistas concluíram que esta
235
prática deveria ser considerada crime contra a Administração da Justiça, e, não apenas
como já o era, contravenção, como vinha ocorrendo, dando uma dimensão mais adequada à
questão e abrindo possibilidades para uma regulamentação mais severa.
347
A radicalização no tratamento do exercício irregular da advocacia, já, agora,
sem qualquer proteção legal (extirpadas as competências estatais que reconhece o
provisionamento) demonstra, exatamente, que os advogados bacharéis formados estavam
dispostos a transformar uma tradicional questão (apenas) corporativa, ou tratada como
(simples) contravenção, em específica questão penal, tipificada no Código Penal de 1940,
promulgado há 20 (vinte) anos, ainda no Estado Novo, após a criação da OAB. A
Conferência de 1960, neste aspecto, demonstrou que as práticas remanescentes da
advocacia por “provimento” estavam conturbando o quadro profissional, mas, por outro
lado, também demonstra, que, nos anos 60 (sessenta), continuava esta situação como um
problema corporativo central.
Neste sentido, ficava agora visível que o estatuto de 1931/33, que reconhecia na
OAB serviço público federal relevante, remanescia, ainda, como um documento
intermediário entre as velhas práticas patrimonialistas e o ideário profissional,
comprometido com a independência e autonomia da profissão, fazendo com que
sobrevivesse a luta pelo ideário corporativo como objetivo central do projeto-OAB. Muito
embora, a temática da Conferência de 1960, não tratasse diretamente desta questão, estava,
agora, evidente, que se tornara imprescindível a elaboração de um novo estatuto que
traduzisse o ideário da advocacia, retomado e reconstruído no embate com o Estado Novo,
reconhecendo as conquistas do Regulamento de 1931/33, em relação ao tempo obscuro do
passado, mas estirpadas as suas limitações, um estatuto que traduzisse as novas
perspectivas da ordem democrático-liberal instalada em 1946, com intensa contribuição da
própria OAB, apesar das restrições estatutárias (de 1931/33), reconhecendo, inclusive,
tantos dos ideais pontuais dos projetos do IAB/IOAB.
347
Estas especiais condutas poderiam ser alcançadas na forma do art. 296 Código Penal (Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940): Falsificação do selo ou sinal público; do art. 297: Falsificação de
documento público; do art. 298: Falsificação de documento particular; do art. 300: Falso reconhecimento de
firma ou letra; do art. 301: Certidão ou atestado ideologicamente falso e Falsidade material de atestado ou
certidão; do art. 302: Falsidade de atestado médico; do art. 303: Reproduzir ou alterar selo ou peça filatélica
que tenha valor para coleção; do art. 304: Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se
referem os arts. 297 a 302; do art. 305: Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou
em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor.
236
Os Estatutos de 1931/33 representaram um grande avanço na advocacia, mas,
na verdade, eles traduziam o ideal corporativo como corporação (autarquia de estado),
como representação profissional integrada ao próprio serviço público, divergente, inclusive,
dos ideais dos projetos parlamentares imperiais e republicanos, como aliás, aconteceu,
também, com as estruturas sindicais,
348
um projeto conceptivo dos intelectuais (autoritários)
que influíram no Código Eleitoral de 1932, na Constituinte de 1933 e na Constituição de
1934. Este modelo, todavia, que evoluiu da conformação (corporativista) política
autoritária, sofreu grandes resistências das frações políticas liberais e democráticas que
contestaram o Estado Novo, como já observamos,
349
e influíram decisivamente na
Constituinte de 1945 e nas legislaturas que sucederam à Constituição de 1946, e, que, na
verdade, viabilizou a aprovação no Congresso Nacional do Estatuto dos Advogados de
1963.
350
A II Conferência, realizada no clima do franco otimismo nacional
desenvolvimentista, após o encaminhamento do Anteprojeto de Estatuto da OAB, com a
adesão do Governo Kubitschek, vitorioso nas urnas, com o apoio da (esdrúxula) aliança dos
conservadores e trabalhistas,
351
que compunham o pacto getulista, em disputa com os
liberais da UDN e ressentidos do getulismo, já na antevéspera da transferência da Capital
348
A Constituição de 1934 evoluindo do Código Eleitoral à medida que contemplou os deputados
corporativos ou profissionais como componentes da representação profissional na Câmara dos Deputados
provocou a edição de várias leis que procuravam organizar os sindicatos para viabilizar a representação
profissional (a se realizar em janeiro de 1935) na Câmara dos Deputados juntamente com os Deputados
Profissionais. O Senado Federal foi esvaziado e prevaleceu apenas o Conselho Federal com funções de
coordenação dos poderes. Esse sistema influenciado pelo corporativismo europeu sobreviveu ao restrito
espaço de tempo, mas o modelo de organização sindical remanesceu como estrutura de organização dos
trabalhadores, com influências até muito recentes do direito trabalhista brasileiro.
349
Ver, nesta obra, cap.II, item 5.
350
Ver, nesta obra, cap. V, item 2.2.2.2..
351
Ver de CARDOSO, Fernando Henrique. In: entrevista ao Jornal O Globo em 4 de setembro de 2004 (2º
edição), 1º Caderno, p. 10, onde está explícito: Não conheço outro caso na história de um presidente com
dois partidos que socialmente eram tão diferentes (antagônicos). O PSD, com os velhos caciques, e o PTB a
partir dos sindicatos e depois continuou assim com JK e Jango (.) Getúlio teve aspectos positivos ao
incorporar ao Estado as classes trabalhadoras, hoje o problema é o oposto, é valorizar a sociedade e ter um
estado mais universal. Acresça-se, também, fato interessante, que foi, por outro lado a formação do Partido
Socialista Brasileiro, enquanto socialismo democrático, por João Mangabeira, Hermes Lima, Evandro Lins,
etc., como a fração de esquerda da UDN. Recuperando o precioso nacionalismo de Fernando Henrique vale
observar que a composição do PT no processo eleitoral com o PL, do Vice-Presidente José Alencar e, para
governar, com o PTB e com o PP, e, também, o PL, não reproduzem projetos semelhantes, a grande diferença,
foram os fins alcançados.
237
para Brasília, todavia, e semelhantemente à conferências anteriores, não se discutiram
questões de natureza política, nem ao menos conjunturais. Os advogados estavam voltados
para a definição das regras do exercício profissional, para as questões que envolvessem a
celeridade processual e, subsidiariamente, para a regulamentação dos estágios profissionais
dos bacharelandos, ainda na linha das preocupações iniciais da Conferência anterior sobre
ensino jurídico. A temática da II Conferência, neste sentido, cruzou questões do exercício
da advocacia e do funcionamento judiciário, assim como questões recorrentes a muitos
aspectos do Código de Processo Civil.
Nesta II Conferência, como na anterior, estiveram presentes nomes de grande
destaque e relevância na advocacia e no magistério jurídico brasileiro, também, presentes
em tantas conferências do futuro. Dentre eles podemos destacar Miguel Seabra Fagundes e
Nehemias Gueiros, que estiveram presentes na conferência anterior, e, dentre outros,
Miguel Reale, Theophilo de Azevedo Santos, Ruy de Azeredo Sodré, Theotonio Negrão, C.
A. Dunshee de Abranches, Nelson Carneiro, Otto Gil e Alfredo Buzaid que pronunciaram
destacadas palestras.
Os conferencistas convidados, àquelas alturas, a verdadeira elite da advocacia
brasileira, todavia, não tinham um perfil trabalhista, ao contrário, estavam, em geral,
predominantemente, marcados pelo compromisso liberal-democrático, de grande influência
na incipiente formatação ideológica dos advogados organizados. De qualquer forma, em
tese, o fato não é de todo inesperado num tempo político dividido pela força trabalhista
remanescente do getulismo, que dominava a Presidência da República, e pelas forças
liberais e liberais radicais influentes no Parlamento, mas que se opuseram ao
intervencionismo estatista desenvolvimentista, que sucedeu aos anos de 1950 (e sobreviveu
enquanto força política até 1964).
Finalmente, deste item, o que se antevê, é que a construção do ideário
profissional e a definição dos parâmetros gerais da missão do advogado não sofreram
qualquer influência direta do social trabalhismo (ou desenvolvimentista) mesmo que
reconheçamos, que o corporativismo ideológico tenha sopesado sobre a gênese do Estado
revolucionário (e constitucional) de 1930/34 e influído na articulação da OAB com este
próprio estado, senão pela extensa influência institucional, pela mútua colaboração entre
líderes, personalidades e juristas.
238
4.3. A II Conferência e a Advocacia dos Tribunais
A estrutura temática da Segunda Conferência, realizada, em São Paulo, entre 5
e 11 de agosto de 1960 sob a presidência de Alcino Salazar, observou as seguintes grandes
linhas expositivas:
TEMÁRIO TÍTULO CONFERENCISTA
Tese n 1 A Missão do advogado no mundo
contemporâneo.
Miguel Reale
Tese n.º 2 A colaboração dos órgãos de classe na feitura
das leis.
Otto Gil
Tese n.º 3 A Dimensão da Advocacia – advocacia
extrajudicial.
Barreto de Mello
Tese n.º 4 A participação do Advogado em todos os
tribunais judiciários e administrativos e as
medidas legislativas que essa participação
impõe.
Miguel Seabra Fagundes
Tese n.º 5 Juizado de instrução no crime. Noé Azevedo
Tese n.º 6 A regulamentação e disciplina do exercício
profissional nos Tribunais Superiores e de 2.ª
Instância.
Bartolomeu Bueno de
Miranda
Tese n.º 7 O Advogado no inquérito policial Basileu Garcia.
Tese n.º 8 A Advocacia nos processos de natureza
administrativa.
Barreto de Araújo
Tese n.º 9 Pagamento de honorários ao patrono e ao
advogado dativo pelo poder público.
José Osório de Oliveira
Azevedo
Tese n.º 10 A Comissão de prerrogativas e a defesa do
exercício profissional.
Manoel Pedro Pimentel
Tese n.º 11 Sanções penais para coibir o exercício ilegal Francisco Emygdio
239
da advocacia. Pereira Neto
Tese n.º 12 Ingresso na advocacia de Magistrados,
Promotores, Delegados de Polícia, quando
aposentados ou em disponibilidade.
Theophilo de Azeredo
Santos
Tese n.º 13 Honorários de Advogado no Código de
Processo Civil.
Roger de Carvalho
Mange
Tese n.º 14 A Previdência social dos advogados. Aguinaldo Miranda
Simões
Tese n.º 15 A instituição do estágio e o problema de sua
regulamentação.
Ruy de Azevedo Sodré
Tese n.º 16 Do julgamento sem recurso, em instância
única.
Theotonio Negrão
Tese n.º 17 O julgamento colegiado em primeira instância,
para desafogo dos Tribunais Superiores.
José Barbosa de
Almeida
Tese n.º 18 Medidas destinadas a facilitar o exercício da
Advocacia nos Tribunais Superiores.
José Motta Maia
Tese n.º 19 A crise do Supremo Tribunal Federal. Nehemias Gueiros
Tese n.º 20 A crise do Tribunal Regional Federal. C. A. Dunshee de
Abranches
Tese n.º 21 Sugestões para o aperfeiçoamento do sistema
de recursos no Código de Processo Civil.
Thomás Pará Filho
Tese n.º 22 Sugestões para a maior celeridade do processo
judicial.
Nelson Carneiro.
Tese n.º 23 Ampliação do objeto do despacho saneador. Alfredo Buzaid.
Neste encontro, foi ainda realizada, pela primeira vez, na Ordem dos
Advogados, Sessão Comemorativa da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil 11 de agosto
de 1827. A Conferência de Miguel Reale sobre A Missão do Advogado no Mundo
Contemporâneo,
352
onde reconstrói o papel histórico “dos legistas”, muito especialmente
352
REALE, Miguel. In: Anais da II Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. 5 a 11 de
agosto de 1960. São Paulo, SP, p. 39 a 51.
240
comparando, dissertando sobre as opiniões de Luiz Pereira Barreto, com base nas idéias
mestras de Augusto Comte, essencialmente apoiadas nos males do bacharelismo, mas
ressaltando que o filosofo de Montpellier não teve uma compreensão plena e segura do
mundo jurídico, pois ele o enclausurara no silogismo formalista de inspiração racionalista e
abstrata distante do fenômeno social.
353
Foi todavia para Miguel Reale após a Revolução de 1930 que
se exacerbou a crítica aos bacharéis em Direito, como se eles, com o seu apego aos
sistemas normativos fossem um impecilho ao desenvolvimento da nacionalidade. Em
certos círculos chegou se mesmo a contrapor o “bacharel”, símbolo urbano da
republica velha ao “tenente” ardoroso desbravador de uma nova era republicana
voltada para a realidade brasileira, como antes havia sido contraposto ao “coronel
expressão da mentalidade rural e tradicionalista.
354
Em tese, não há qualquer reparo ao texto de Reale, ocorre, todavia, que ele
analisou a questão do bacharelismo na forma de seu apego ao “legismo”. Ocorre que, na
forma de seu próprio texto reforça-se a tese do “bacharelismo” como a forma degenerada
da advocacia enquanto estamento burocrático do Estado oligárquico, enquanto beneficiário
do Patrimonialismo de Estado, que admitia, contra o projeto (que veio a ser) histórico da
OAB, o exercício de funções jurídicas públicas com o exercício da advocacia de interesse
privados.
Para Miguel Reale, ainda, todavia,
nenhuma profissão, como a do advogado, está tão ligada aos problemas existenciais do
homem. Se o direito não é tudo é condição primordial (...) para que se desenvolvam as
353
Interessantemente, todavia, os pensadores nacionalistas brasileiros que objetaram a República oligárquica
entre os anos de 1920 e 1930, sofreram uma remota influência positivista, possivelmente, inclusive, uma
dentre as razões que o aproximaram, senão do corporativismo (como já observamos), das frações positivistas,
castilhistas, que, vieram do sul, no caudal da Revolução de 1930. Ver, nesta Tese, Capítulo II, subitem 1.1. O
positivismo cientificista de Augusto Conte teve larga influencia no pensamento político (e filosófico)
nacional, sobrevivendo, inclusive, como inspiração de símbolos republicanos. O corporativismo intelectual
cresceu nos espaços abertos de convivência social do positivismo e, inicialmente, evoluíram em linhas de
proximidade. Os trágicos anos 30 feriram o corporativismo transmudado em integralismo partidário (PRP)
que não se consolidou no tempo deixando ao liberalismo a reconstrução política. Leitura mais tradicional
sobre a filosofia positivista ver em Conte; Discurso sobre o Espírito Positivo (Trad. Antonio Geraldo da
Silva), São Paulo. Ed. Escola s/d. Ver moderna discussão temática sobre o tema in Renato Raul Boshi
Corporativismo in Reforma Política no Brasil Avritzer Leonardo e Anastácia, Fátima (org). Belo Horizonte,
Ed. UFMG,PNUD 2006
354
REALE, Miguel. Ibid., p. 39.
241
mais diversas atividades,(...) sociais, econômicas e políticas (...). No domínio da práxis
políticas [sempre haverá] um dado momento em que se deva plasmar em leis as
conquistas alcançadas. Toda revolução técnico cientifica, espelha, mais cedo ou mais
tarde num sistema de normas jurídicas. (...) O direito só tem sentido na concretude do
processo histórico, ou por outras palavras, quando considerada em função do sistema
global da formas em que se insere e com as quais se conjuga (...). O primordial dever
dos juristas é situar-se no sistema integral das forças de seu tempo sem perda da visão
harmonizadora do conjunto (...). Aos advogados cabe travar esta batalha decisiva em
prol de um direito que, respeitando os valores inalienáveis da certeza e da liberdade
assegure uma efetiva correspondência entre a norma vivida e as exigências sociais
concretas.
355
Finalmente, Miguel Reale encaminha-se por concluir afirmando que a
estatização da vida social fez dos advogados a primeira vítima ao enquadrá-lo no sistema
do Estado classista ou em função de exigências burocráticas, onde se desconhece
os direitos subjetivos, por considerá-los um conceito ou categoria da cultura burguesa
não resta papel aos advogados comprometidos com os interesses juridicamente
individualizados e concretos. Não é sem motivo que já se apontou uma intima ligação
entre Advocacia e Democracia (...). O advogado deve atuar no mundo contemporâneo
com a plena consciência de que só há um regime político compatível com sua profissão:
o que assegura aos indivíduos e aos grupos as liberdades civis e políticas.
356
Este pronunciamento é a exata tônica da conferência de 1960 realizada no pleno
contexto da euforia democrática e desenvolvimentista, liderada por Juscelino Kubitchek, e,
na verdade, se desenvolveu em vertentes, que, de uma forma ou de outra, foram dominadas
por temas referentes ao exercício da advocacia e à discussão sobre questões processuais
originárias do Código de Processo de 1939 (promulgado no auge do autoritarismo
getulista),
357
inclusive, seus reflexos judiciários, que fortaleceram as bases discursivas do
ideário dos advogados. De qualquer forma, todavia, fez da temática política nacional,
principalmente permeada pela questão da transferência da Capital Federal para Brasília,
tema de seus debates e conferências, muito embora as conferências de Nehemias Gueiros e
C.A. Dunshee de Abranches tenham, especificamente, tratado da crise dos tribunais
355
REALE, Miguel. Ibid., p. 45.
356
REALE, Miguel. Ibid., p. 46. Ver, também, nesta obra p.89.
357
Este ato não fica, também, muito longe da promulgação do Código de Processo Civil de 11 de janeiro de
1973, promulgado no auge do Estado de Segurança Nacional.
242
superiores em conseqüência da transferência para Brasília e a de Miguel Seabra Fagundes
tenha abordado a necessidade de medidas legislativas que garantam a participação de todos
os advogados nos tribunais judiciários e administrativos.
358
No temário da Segunda Conferência, não especificamente se identificam
palestras e debates sobre as dificuldades formais e substantivas dos estatutos de 1931/33,
mas não há como desconhecer que ela foi um cenário de opinamentos sobre o Projeto nº
1751, de 22 de agosto de 1956, que tramitava no Congresso Nacional.
359
É bem provável,
inclusive, que a Conferência de 1958, assim como esta agora de 1960, se justifique,
exatamente, não apenas em função do ambiente democrático que reinava no país, mas
muito provavelmente, devido à proposição do novo estatuto em debate na Câmara dos
Deputados e no Senado Federal, apesar da ausência de palestras e discussões específicas
sobre o tema. Esta especial observação demonstra, exatamente, que, mesmo no contexto
político interveniente, a questão central que se colocava para os advogados não era a
questão política ou ideológica, mas a consolidação do ideário profissional. Aliás, neste
contexto evolutivo, como poderemos verificar, o “velho” ideal corporativo, que fazia (fez
em 1931/33 até 1962) da OAB uma instituição de estado, praticamente, evoluía, cada vez
mais, para uma instituição profissional autárquica, autônoma e independente, livre da
estrutura conceptiva corporativa que dificultou-lhe a criação entre os anos do Império e da
Primeira República e facilitou-lhe a criação, em 1930, na forma dos requerimentos do
mesmo período.
360
No contexto da evolução do ideário profissional, que buscava novos parâmetros
para o seu exercício, na forma do projeto em discussão no Congresso Nacional, podemos
agrupar manifestações e conclusões na II Conferência, no seguinte esquema de tendências:
1. redefinição do quadro de direitos, deveres e prerrogativas dos advogados;
358
Ver, respectivamente, pp. 86-96 dos Anais da II Conferência, op. cit.
359
As Atas da 799ª Sessão à 816ª Sessão do ano de 1956, quando era Presidente do Conselho Federal, Miguel
Seabra Fagundes, dão exata dimensão dos trabalhos realizados por Nehemias Gueiros, como Relator da
Comissão de Elaboração do Anteprojeto de Estatuto.
360
Ver cap. I, item 3.1. desta obra. Também o Capítulo VIII, item 4 desta obra, as iniciativas do governo de
Segurança Nacional com o objetivo de vincular a OAB ao Ministério do Trabalho.
243
2. incentivo ao papel da OAB como colaboradora legislativa na formulação técnico-
jurídica de projetos de lei e na reelaboração do direito positivo (Códigos);
3. definição das atividades de pareceres jurídicos e de consultoria e assessorias
como ato privativo do advogado perante os órgãos do Judiciário, Legislativo
e o Executivo;
4. imposição de proibição de propaganda para o exercício da advocacia.
No quadro geral dos direitos, deveres e prerrogativas dos advogados a
Conferência evoluiu para a imprescindibilidade de se definir as seguintes linhas de
atividades dos advogados, ampliando e especificando o quadro geral de seu ideário:
1. a representação privativa de advogados em feitos de natureza administrativa;
2. a regulamentação do direito de petição na forma do § 36, art. 141 CF/46;
361
3. o pagamento de honorários ao patrono e ao advogado do poder público;
4. a consagração necessária do princípio da sucumbência;
5. a criação nas Seccionais da OAB das comissões de prerrogativas;
6. a necessidade de se incentivar a formalização dos processos disciplinares;
7. a formalização dos processos contravencionais referentes ao exercício ilegal
da advocacia, inclusive, incentivar a aplicação de sanções penais;
8. a transformação do crime de contravenção pelo exercício ilegal da advocacia
em crime contra a administração pública;
9. a vedação precária para juizes, promotores e delegados de polícia
aposentados ou em disponibilidade que pretendam exercer a advocacia;
10. a criação da Casa do Advogado, na Capital Federal;
11. a necessidade de se incentivar a política de previdência social dos
advogados, assim como, a manutenção da Caixas de Advogado.
361
Art 141. Esta Constituição assegurava aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) § 36 - A lei assegurará: I - o rápido andamento dos processos nas repartições públicas; II - a ciência aos
interessados dos despachos e das informações a que eles se refiram; III - a expedição das certidões
requeridas para defesa de direito; IV - a expedição das certidões requeridas para esclarecimento de negócios
administrativos, salvo se o interesse público impuser sigilo.
244
Estes itens significam a absorção de um amplo leque de demandas tradicionais
dos advogados para o seu corpo regimental, em relação a 1931/33 demonstrando,
exatamente, a sua linha de formatação definitiva do ideário profissional, não propriamente
como ideário corporativo, mas organizativo ou institucional. Independentemente dos
diferentes itens indicativos desta gênese profissional, o leque geral dos itens apresentados
têm 3 (três) indicadores importantes:
. a transferência para a OAB do tratamento disciplinar dos advogados (que
estava residualmente nos tribunais);
. a penalização do exercício irregular da profissão, na forma do Código Penal,
suspendendo as práticas compassivas e compreensivas e, finalmente,
. a definição do embrião da política previdenciária dos advogados.
Por outro lado, na linha geral das preocupações dos advogados, são bastantes
incisivas as suas sugestões com relação à adaptação legislativa da ordem jurídica, judiciária
e processual, o que denota a sua exata sintonização com o exercício da advocacia. No que
se refere, por conseguinte, às questões da funcionalidade judiciária, os advogados fazem as
seguintes sugestões à época subdivididas, respectivamente em.
A – Organização Judiciária:
1. participação dos advogados militantes e da OAB na composição dos
Tribunais de Justiça, inclusive no Tribunal Federal de Recursos e no
Supremo Tribunal Federal;
2. nomeação dos membros do STF, TFR, TST, STM pelo Presidente da
República ad referendum do Senado Federal e Tribunais de Justiça,
mediante indicação da OAB e IAB;
3. julgamento colegiado em Primeira Instância para desafogar os tribunais;
4. medidas destinadas a facilitar o exercício da advocacia nos tribunais
superiores;
5. colaborar para a superação da chamada crise do Supremo Tribunal Federal e
de Recursos, criando regiões (Brasília, Recife e São Paulo);
6. providências para maior celeridade do processo judicial;
245
7. oficialização da justiça;
8. instituição de concurso para serventuários e escreventes;
9. criação dos Tribunais de Alçada;
10. criação do quadro de juizes substitutos na 2º instância;
11. criação de juizados de instrução criminal.
B – Estruturação Processual:
1. sigilo nos casos de necessidade em processos penais e inquéritos policiais
que devem ser presididos por delegados e assistidos por advogados e pro-
motores públicos;
2. processo especial para causas de pequeno valor;
3. revisão do sistema de recursos no Código de Processo Civil;
4. disciplinar o recurso constitucional ordinário;
5. prazos do Ministério Público;
6. prazos judiciais dos magistrados.
Por outro lado, deve-se ressaltar as duas significativas propostas, que
diretamente afetaria(m) os advogados;
C – Organização Administrativa
1. participação dos advogados e da OAB nos conselhos administrativos do
poder público;
2. elaboração de lei geral do processo administrativo.
Vale ressaltar este último item como uma reivindicação geral, que, só muito
recentemente, foi reconhecida, o que permitia que vulgarmente se afirmasse que no Brasil
não existia direito administrativo processual.
362
362
Ver Lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999, que dispõe sobre as normas básicas para o processo
administrativo no âmbito da administração federal direta e indireta. (DOU – Seção 1, 1º/02/1999).
246
Finalmente, é interessante notar que a questão do ideário profissional do
advogado tem sempre despontado a questão do ensino jurídico, muito especialmente o
ensino da prática profissional. Nesta especial Conferência a questão evoluiu nos seguintes
tópicos temáticos:
D – Ensino Jurídico
1. necessidade de se implementar cursos de especialização para complementar a
formação jurídica;
2. necessidade de se incentivar a especialização em Direito Administrativo;
363
3. a necessidade de se reconhecer como competência do solicitador-acadêmico
a prática de atos judiciários não privativos de advogados, inclusive os atos
praticados nos cartórios;
4. a importância de se regulamentar o estágio tendo em vista as peculiaridades
regionais;
5. a necessidade de se desconhecer o estágio como relação de emprego;
6. a necessidade de se criar os seminários de prática jurídica nas Faculdades de
Direito.
Estes diferentes itens indicam, em primeiro lugar, a importância do ensino
prático, que, na verdade, foi o embrião dos escritórios acadêmicos de advocacia gratuita,
que vieram a eliminar definitivamente a figura do (velho) solicitador, e, também, o
solicitador acadêmico, que, como veremos, remanesceu no Estatuto de 1963, não como um
tipo especial de “provisionado”, como fora no passado, mas como atividade própria do
bacharelando auxiliar do advogado, podendo, inclusive, obter carteira da OAB (de
solicitador), nos últimos 2 (dois) anos do Curso de Direito. O estagiário atual, na verdade,
vinculado ao sistema curricular de ensino, presta serviços auxiliares, na forma legalmente
363
O ensino do Direito Administrativo, efetivamente, precisa sofrer maior dedicação curricular,
principalmente com o objetivo de se ampliar o estudo das regras de organização do Estado, considerando suas
novas e especiais reformas, embora não se deva desconhecer a força dos institutos jurídicos administrativos
remanescentes do Decreto-Lei n/ 200/67.
247
prescrita, como fora reconhecido em 1963 ao (novo) solicitador, bacharelando em Direito,
que definitivamente eliminou esta porta antiga dos “rábulas” e provisionados.
O estudo comparado destas vertentes do ideário profissional do advogado
demonstra a preocupação da Ordem em definir o seu processo de formação acadêmica, os
seus direitos, deveres e prerrogativas para definir o seu espaço social e institucional e,
muito especialmente, o seu espaço no Poder Judiciário, nas formas e garantias do Direito
processual. As regras processuais, na verdade, são, não apenas as garantias formais dos
direitos substantivos subjetivos, os fluxos sistêmicos das demandas, mas, muito
especialmente, dos advogados, como seus agentes de implementação.
Este quadro sistematizado dos temas tratados pelos advogados, muito bem
demonstra que na virada dos anos 60 (sessenta), portanto, após, a apresentação do Projeto
nº. 1751/56, que reformula o Estatuto/Regulamento da OAB de 1931/33, na Câmara dos
Deputados, os advogados estavam ainda discutindo, apenas, as questões de importância
central para o exercício profissional: deveres, direitos e prerrogativas, organização e
funcionamento dos tribunais e órgãos administrativos judiciosos e ensino jurídico,
prioritariamente o ensino prático. De qualquer forma, este conjunto temático demonstra a
sua preocupação, na exclusiva dimensão do exercício profissional do advogado, com a
organização da ordem jurídica enquanto Estado de Direito.
Este conjunto de itens legislativos sistematizados, discutidos e avaliados
durante a II Conferência, soma uma série de providências legislativas indicadas pela OAB
como imprescindíveis ao Estado de Direito. Especificamente nesta Segunda Conferência
colhemos muitas e diversas sugestões que evoluíram no quadro crítico das leis e códigos
remanescentes do período getulista autoritário.
As indicações legais que seguem, muitas delas, foram destinadas a remover os
“entulhos” remanescentes do período getulista e que inviabilizavam a plena vigência da
Constituição de 1946, outros da própria Constituição de 1946 em geral sobre Tribunais.
364
364
Dentre as tantas sugestões para modificar dispositivos de leis federais, estaduais ou projetos de lei em
andamento, na referida conferência organizamos o seguinte quadro: 1. § 36, do art. 141 da Constituição de
1946, que trata do direito de petição; 2. art. 105 da Constituição de 1946, que trata da organização dos
Tribunais Federais de Recurso; 3. § 6º do art. 104, da Constituição de 1934 e art. 103 da Constituição de 1946
que dispõe sobre a participação representativa dos advogados na composição dos tribunais; 4. art. 257 do
Código de Processo Civil, referente à prova parcial; 5. substituição dos arts. 63 e 64 do Código de Processo
Civil, referentes a honorários de sucumbência; 6. parágrafo único do art. 833 do Código de Processo Civil,
sobre a modificação dos embargos infringentes; 7. arts. 14 e 20 do Código de Processo Penal, sobre sigilo no
248
Neste contexto, é muito importante recordar, que, desta fase autoritária, advieram, aliás
ainda sobrevivem, muitas significativas leis (códigos, inclusive) que, senão, até hoje como
a Consolidação das Leis do Trabalho (1937), o Código Penal de 1940 e outros que regulam
a vida jurídica brasileira.
Estas tantas leis e dispositivos em discussão na II Conferência, todavia,
especificamente não são uma reação política às leis autoritárias em geral remanescentes,
após 1946, mas são leis e dispositivos indicativos de que, discutindo a profissão, o
Judiciário e o processo judicial e o ensino jurídico, os advogados estão discutindo a sua
posição corporativa no Estado de Direito, indicador político-ideológico de seu ideário
profissional e a abertura para os temas que envolvem, preliminarmente, a Teoria do Estado,
e, sucessivamente, a proteção de direitos civis (pelo Estado). De qualquer forma, os itens de
indicação legislativa, demonstram, exatamente, que as preocupações reformistas dos
advogados estão vinculadas às questões que diretamente se vinculam à profissão.
Neste contexto, para os advogados, o caminho conceitual do Estado de Direito
passa pela específica questão profissional, demonstrando, que, neste especial momento, o
ideário corporativo não está permeado por qualquer preocupação política ou ideológica, ao
contrário, o caminho das idéias abertas está circunscrito à questão legislativa profissional.
Não existe evidências argumentativas para se falar, neste momento, em ideologia de
advogados, mas em direitos, deveres e prerrogativas circunscritas ao universo das questões
do cliente, quando muito das questões burocráticas judiciárias que interrompem uma
avaliação final das demandas. Este quadro é o quadro da consolidação do ideário
profissional, que, todavia, foi o pré-requisito histórico do reposicionamento político e
ideológico da OAB no tempo histórico futuro.
Vale ressaltar, que nesta Conferência, aparecem as indicações sobre a
necessidade de se agilizar o Projeto nº 1751/56 (novo Estatuto da OAB), coordenadamente
como questões sobre restrições estaduais ao exercício da advocacia, contrato de honorários,
inquérito policial; 8. Lei nº 623/49, sobre embargo no STF; 9. interpretação do art. 76 do Regulamento da
Ordem de 1931/33 que dispõe sobre as competências do Conselho Federal. 10. reforma da Lei nº 1606
referente a remuneração de advogado patronos, 11. item I, seção VIII do Código de Ética Profissional sobre
Contrato de Honorários, 12. interpretação do inc. XIV e § 3º do art. 37 do Regimento Interno da Secção da
Guanabara referente ao exercício da advocacia; 13. modificação do Decreto SP. nº 33558/1958, sobrei
inquérito policial; 14. Projeto de Lei nº 4.078-A/58, referente à desistência com relação a verba de honorários;
15. Projeto de Lei do Senado Federal nº 6/60, referente a fusão de Caixas; 16. agilização do Projeto de Lei nº
1751-B, novo Estatuto para a OAB; 17. Projeto de Lei S.P. nº 56/59, sobre honorários.
249
inclusive honorários propriamente ditos, e, de honorários de sucumbência. Estas questões
são prioritárias e, de qualquer forma, não prenunciam o leque futuro das grandes discussões
políticas, mas como já observamos, deram à OAB a estabilidade institucional que lhe
permitiu, não propriamente influir em questões de estado, mas representar interesses sociais
que vieram a ultrapassar a mera defesa judicial de interesses individuais ou litisconsorciais,
para se institucionalizarem como interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos.
Conclusão Prospectiva
O processo de definição da ideologia dos advogados, por conseguinte, como
vimos, passa necessariamente pela questão de seu ideário profissional centralizado nas
questões de seus deveres e direitos, na questão da organização judiciária, processual e,
supletivamente, na organização do contencioso dos colegiados administrativos e na questão
do ensino jurídico. Na verdade, originariamente, a ideologia dos advogados, ainda nesta II
Conferência, realizada em São Paulo, foi muito mais um pano de fundo das questões
profissionais e profissionalizantes, do que, propriamente, o debate sobre um conjunto de
princípios e convicções visíveis que informam a vida e a atuação profissional do advogado.
Somente com o tempo, na dimensão em que o Estado ameaça (ameaçou) a
funcionalidade de seu ideário, é que se desenvolverá a sua ideologia profissional, permeada
pelo pragmatismo e pelo reducionismo institucional e jurídico, uma ideologia da
superestrutura, pela superestrutura e para a superestrutura e, mesmo assim, voltada, no seu
primeiro momento, para os específicos aspectos da defesa dos direitos individuais e do
Estado de Direito. A adesão da OAB às lutas sociais, especialmente para a sua formulação
jurídica, é um fenômeno recente que sucede à compressão de seus espaços profissionais
pelos atos políticos originários da efetiva suspensão da Constituição de 1967, pelo Ato
Institucional nº 5/68 e pela Emenda Constitucional nº 1/69, como veremos.
Este atavismo ideológico dos advogados, inerente à própria profissão,
comprometida com a ordem jurídica, e não propriamente com a mudança social, naquele
momento histórico, subtraiu-lhe a capacidade interventiva e, da mesma forma, no tempo
250
histórico, comprometeu os advogados com as políticas de conciliação, no passado de
visíveis efeitos conservadores. De qualquer forma, este é um fenômeno que permeou a ação
individual dos advogados, especialmente o seu papel no plano político, mas, a história
presente tem demonstrado, como veremos, que as políticas de conciliação não têm tido a
mesma repercussão qualitativa no quadro corporativo.
Finalmente, na Segunda Conferência, muito bem identificamos a incipiência,
ainda, deste conjunto de princípios e convicções, que são (estão) definidos como missão do
advogado,
365
quando a Conferência vem por concluir que:
1. O advogado deve preservar, contra tudo e contra todos, o cunho liberal e humanista de sua
profissão liberal porque fundada na liberdade de convicção científica; humanística, porque
tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a livre afirmação das infinitas
tendências e inclinações do homem;
2. O advogado deve travar, sem desfalecimento, a luta contra o formalismo jurídico para a
captação autêntica do Direito, não só graças ao supedâneo filosófico e sociológico da
experiência jurídica, como, também, pela atualização dos elementos categoriais e técnicos
peculiares ao pensar jurídico;
3. O mundo contemporâneo exige cada vez mais a contribuição do advogado para a solução
dos problemas da organização das atividades científicas e econômicas, a fim de que o
Estado ou as empresas privadas, ao propiciarem os meios materiais indispensáveis à
pesquisa científica, não comprometam as liberdades fundamentais do homem;
4. O advogado deve atuar no mundo contemporâneo com a plena consciência de que só há um
regime político compatível com a sua profissão: o que assegura aos indivíduos e aos
grupos as liberdades civis e políticas;
5. O advogado deve, acima de tudo, conscientizar-se de que a sua profissão não se exaure(a)
num círculo restrito de interesses pessoais, mas constitui um elemento substancial da
comunidade concreta dos homens que trabalham e realizam os valores sociais.
A missão completa o ideário e, como tal, se lhe dá a dimensão prospectiva do
projeto apoiado num sistema de idéias. Esta missão, na verdade, é o envoltório político-
ideológico do ideário profissional do advogado e, se destina, fundamentalmente, em
primeiro lugar, à construção do Estado de Direito, a partir de suas propostas de definição
dos direitos e deveres dos advogados e, à organização do Poder Judiciário e do processo,
em segundo lugar, bem como, em terceiro lugar, a resguardar os compromissos do
advogado com a dignidade e as liberdades fundamentais do homem, as liberdades civis e
políticas e, ainda, em quarto lugar, à resistência ao formalismo jurídico para garantir a
autêntica captação do direito e dos valores sociais.
365
Anais da II Conferência, p. 51.
251
Este contexto evolutivo muito bem se caracteriza quando o Conselheiro Miguel
Seabra Fagundes, em sessão de 23 de agosto de 1960, imediatamente após a realização da
Conferência, procurou esclarecer matéria do Correio da Manhã, de 19 de agosto de 1960,
sobre algumas de suas opiniões incidentemente expressadas em debates sobre a criação de
dois novos Tribunais de Recursos no Brasil, em fins de período presidencial, o que poderia
permitir a repetição deplorável de provimentos políticos (menos felizes) dos cargos criados.
O professor Miramar da Ponte, que estivera presente durante aqueles debates, observou,
que a manutenção desta tradição de inventários políticos só se justificaria se estivéssemos
diante de um funcionamento patológico do regime e, ao que consta da Ata, o Conselheiro
Miguel Seabra, afirmou, que do ponto do vista jurídico, os poderes da República estavam
enfermos, mas não afirmara que presenciávamos um momento em que ‘[o] Congresso
delibera sem voto’ ao em vez de ‘sem quorum’.
366
Estava posta a questão política no
contexto das discussões da OAB sobre a organização do Estado brasileiro.
Este cruzamento entre o ideário profissional e a missão do advogado é que
permitirá a frutificação futura, com as conferências que seguirão a 1968, de uma ideologia
dos advogados, fundamentalmente, como se verifica dos textos indicados, permeada pela
questão dos direitos fundamentais e pela necessária garantia dos direitos civis e políticos.
Neste contexto, está, por conseguinte, a missão do advogado, como a força frutificadora de
seu ideário profissional, a abertura de seus compromissos com a sociedade e a dignidade e a
felicidade da pessoa humana.
Estava posta, no contexto das conferências, a questão da ideologia dos
advogados, mas a grave crise política que sucedeu a 1961, com a renúncia de Jânio
Quadros, em 25 de agosto de 1961, e que se aprofundou com a adoção do regime
parlamentarista, aprovado pelo Congresso, em 2 de setembro do mesmo ano, para viabilizar
a posse do vice-Presidente João Goulart como Presidente da República, apenas com
poderes de Chefe de Estado, e posteriormente, na Presidência da República, como Chefe de
Estado e de Governo, após o Plebiscito de 6 de janeiro de 1963, levou o país a uma situação
de absoluto transtorno institucional.
367
Com o golpe militar de 1º de abril de 1964,
366
Ata da 978ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de julho de 1960.
367
BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e parlamentarismo no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1993. p.48 e segs.
252
conhecido como Revolução ou Movimento Militar de 31 de março de 1964,
interromperam-se, até 1968, as conferências dos advogados como forum de formulação de
políticas e idéias de reconhecimento jurídico da sociedade e do estado brasileiro.
A suspensão das conferências inauguradas pelos liberais da OAB, neste
período, denuncia a excepcionalidade do envolvimento do Conselho Federal, em
pronunciamentos explícitos com o movimento militar de 1964. O pacto político de 1945,
entre liberais ativistas e antitrabalhistas com os militares (agora tomados pela ideologia da
segurança nacional), que derrubou o getulismo do Estado Novo, se repete, em 1964, para
inviabilizar as alianças de João Goulart com a esquerda e o sindicalismo, na expectativa de
conter as “reformas de base” no jargão populista. Estava a ordem autoritária na iminência
de ser instalada pelos mesmos atores, guardadas as diferenças pessoais, que em nome da
liberdade é da democracia afastara o autoritarismo do Estado Novo e construíram a
República liberal-democrática de 1946, que não conseguiram governar devido à força
mobilizadora do populismo trabalhista na sua paradoxal aliança com os caciques
conservadores.
Paradoxalmente, todavia, as 2 (duas) primeiras conferências de profunda
vocação liberal democrática, ocorreram no quadro político nacional (social-conservador)
dominado pelo governo desenvolvimentista de Juscelino, e se interromperam com o
vitorioso golpe de março de 1964 quando os aliados militares das mais fervorosas frações
da OAB tomaram o poder violentamente.
368
As conferências somente voltaram a ocorrer
368
O preâmbulo do Ato Institucional nº 1 de 9 de abril de 1964, assim anuncia: À NAÇAO. É indispensável
fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu
futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes
armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A revolução se distingue de outros
movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o
interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se
manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder
Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o
governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa,
inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade
anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio
inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o
único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e
da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase
totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de
reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto
e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio
internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua
253
quando as desilusões com a Constituição (desconstituída) de 1967 tinham tomado a
consciência liberal atemorizada com o iminente autoritarismo do Estado de Segurança
Nacional implantado em 1968/69, como veremos.
Finalmente, antes que o Brasil imergisse na mais profunda crise de sua história
moderna, o Congresso Nacional aprovou em 1963 e o Presidente João Goulart sancionou o
“novo” Estatuto da Ordem dos Advogados, originário de Projeto de Lei preparado pelo
Conselho Federal da OAB.
369
Para Miguel Seabra Fagundes o
Estatuto que veio a ser aprovado em 1963 é um dos mais importantes, não só na vida da
Ordem, como na história cultural e social do Brasil, este estatuto, por inspiração da
Comissão que o elaborou, (no exato período) em que eu era o presidente da Ordem, foi
entregue a Juscelino Kubitschek no dia em que eu deixava a presidência e a transmitia a
Nehemias Gueiros.
370
Todavia, apesar da avançada reestruturação legal deste Estatuto, esta Tese
procurou concentrar-se nos efeitos finais de sua redação sobre a estrutura do Estado
patrimonial, que já fora desmontado pelas iniciativas regulamentares de 1931/33 e, tomava
institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe. O presente Ato institucional só
poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que
respondem, no momento, pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a
impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se
dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de
constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o
exercício do Poder no exclusivo interesse do País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o
processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na
parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar
no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão
comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências
administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa,
resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes,
constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se
através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder
Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito
de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um
governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado
pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte.
369
Especificamente, sobre o Anteprojeto no Conselho Federal e os debates na Câmara dos Deputados, ver
Capítulo V, desta Tese onde detalhadamente recuperamos a discussão dos institutos corporativos e sua
evolução, bem como as suas conseqüências para a organização do Estado brasileiro.
370
Súmula publicada no Jornal do Brasil em data imediatamente posterior à edição do estatuto da OAB de
1963, Caderno I, p. 10.
254
agora, corpo legislativo mais amplo na definição do Estado de Direito. Da mesma forma,
neste mesmo período, foi, também, aprovado pelo mesmo Congresso, e assinado pelo
mesmo Presidente João Goulart, o Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana –
CDDPH, temas que respectivamente influirão no curso desta Tese e da historia dos anos de
convivência autoritaria.
Como veremos nos próximos capítulos, as discussões sucessivas, na Câmara
dos Deputados e no Senado Federal para aprovação deste novo Estatuto, marcarão as novas
dimensões do ideário dos advogados, o que abrirá as perspectivas futuras para a construção
de uma ideologia pragmática que procura compreender a sociedade, a partir de suas
referências de legalidade no contexto dinâmico da flutuação das idéias expressivas dos
movimentos de acomodação dos fatores reais de poder. Por isto mesmo, este Estatuto de
1963 garantiu a ação dos advogados na defesa da liberdade e na restauração do Estado de
Direito, mesmo após 1968, com tantas e sucessivas perseguições, assim como permitiu que
a OAB contribuísse para que o Brasil identificasse as condições essenciais para que a
legalidade reencontrasse os fundamentos essenciais de legitimidade do Estado: a sociedade.
255
CAPÍTULO IV
A
NOVA CAPITAL E AS RESISTÊNCIAS CORPORATIVAS DA OAB
Introdução
A idéia de transferir a Capital Federal para o interior do país está ligada à
própria idéia de construção do Estado nacional. Possivelmente caiba a Hipólito da Costa,
criador do Correio Braziliense (Londres, 1808), a primeira sugestão, a que se seguiu a
proposta de José Bonifácio de Andrade e Silva, o Patriarca da Independência, no seu livro
Idéias sobre a Organização Política do Brasil,
371
de 1821. A sugestão formal do Patriarca,
ainda na Constituinte de 1823, em sessão de 9 de junho, foi construí-la em Paracatu (hoje
Minas Gerais) com o nome de Petrópole ou Brasília, passando, posteriormente, pelo sonho
de Dom Bosco (30/08/1883), que antevia uma cidade em latitude semelhante à de Brasília,
advento de uma nova civilização “onde correrão leite e mel”, interessantemente
eqüidistante da área demarcada em 1955, antes da eleição de Juscelino Kubitschek.
Antes, todavia, Francisco Adolfo Varnhagen tratou do tema no seu clássico
História Geral do Brasil,
372
inclusive defendendo a mudança da Capital para o centro do
país, onde se localizavam chapadões elevados, que viria visitar em 1877, sendo que, após
esta viagem publicou sua última obra: A questão da Capital: marítima ou no interior.
373
Esta posição de Varnhagen, por conseguinte, não apenas deixou Brasília como o primeiro
grande projeto nacional, mas também colocou a transferência da capital do litoral para o
371
José Bonifácio idéias sobre a Organização política do Brasil: quer como reino unido a Portugal, quer
como estado independente. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: v. 51, n. 1,
p 79-85, 1888.
372
VARNHAGEN, Francisco Adolpho. Historia Geral do Brazil, isto é, do descobrimento, colonisação,
legislação e desenvolvimento deste Estado. Rio de Janeiro: Laemmert, 1854.
373 VARNHAGEN, Francisco Adolfo (visconde de Porto Seguro). A questão da capital: marítima ou no
interior? Apresentação de E. D´Almeida Vitor. Ed. fac-similada.Brasília: Thesaurus, 1978. 64 p. (Col.
“Memória do Brasil”, 5).
256
interior do planalto no centro da historiografia brasileira, o que fortaleceu futuras posições
da própria administração pública.
Assim, a Constituição republicana de 24 de dezembro de 1891, dispôs,
claramente, sobre a demarcação da área da futura capital no planalto central da República,
entendendo, inclusive, que passaria a se constituir em Distrito Federal. Pedro Américo e
Machado de Assis se pronunciaram sobre a iniciativa positivamente. Em 1892, foi criado
no governo Floriano a Missão (Louis Floriano) Crulz para demarcar a área. Após a
iniciativa constitucional, todavia, que vigiu durante a Primeira República, a questão não se
colocou dentre as prioridades do período revolucionário que seguiu e antecedeu o Estado
Novo. A Constituição de 1934 nas Disposições Transitórias dispôs que a Capital Federal
será transferida para ponto central do Brasil e, ao que consta, Getúlio Vargas, não
fortaleceu a idéia, embora tenha se manifestado sobre a necessária cruzada rumo a oeste
(Goiânia, 7 de agosto).
374
Durante a Constituinte de 1945/46, o deputado mineiro Arthur Bernardes, ex-
presidente da República (1922/26), nacionalista, que governou no contexto do pacto
político dos governadores, sugeriu a retomada do dispositivo da Constituição de 1891,
apresentando várias hipóteses de localização, que foram estudadas, inclusive a área de
Uberaba, no Triângulo Mineiro, prevalecendo, mesmo, por fim, a idéia do Planalto Central.
Dispunha o art. 3º da supra referida Constituição: Fica pertencendo à União, no Planalto
Central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será
posteriormente demarcada, para nela estabelecer-se a futura capital federal. Efetivada a
mudança da capital o atual Distrito Federal passara a constituir um Estado.
O artigo 40 das Disposições Transitórias da Constituição de 1946 regulamentou
a matéria e o Presidente Eurico Dutra cumpriu rigorosamente o artigo sobre a transferência
da capital da União para o Planalto Central e definiu a área que hoje se encontra Brasília.
Após sucessivos estudos no Congresso, a Lei nº 1803, de 5 de janeiro de 1953, sancionada
374
A idéia de localização da localização da área no Triangulo Mineiro da Capital Federal data de maio de
1892, quando Floriano Peixoto criou a Comissão Exploradora do Planalto Central e entregou seu comando a
Louis Cruls, para dar cumprimento ao texto constitucional de 1891. Uberaba, era o ponto final da Estrada de
Ferro Mogiana, mas dali a comissão seguiu para Pirenopólis, GO, mais próxima de sua atual localização.
Antes Vanhargen fizera esta viagem, ainda em condições bem mais precárias, sendo que muitos na
historiografia brasileira se lhe atribuem a concepção estratégica da mudança. Couto, Ronaldo Costa. Brasília
Kubitschek de Oliveira. RJ. SP. Record. 2006. p.45 e segs.
257
por Getúlio Vargas, autorizou os estudos para a sua implantação na área atual do Planalto
Central.
A Comissão de localização da nova capital foi criada, a seguir, pelo Presidente
Vargas, na forma do Decreto nº 32.976/53, presidida pelo general Aguinaldo Caiado de
Castro e os trabalhos foram implementados pela Comissão do Vale do São Francisco e pela
empresa norte-americana Donald J. Belcher and Associates Incorporated. Os trabalhos
desta Comissão permitiram que as mais importantes providências legais viessem a ser
tomadas, o que efetivamente passou a ocorrer com a eleição e posse de Juscelino
Kubitschek, que durante a campanha se comprometera com a realização da grande obra.
Esta Lei foi assinada no Palácio do Catete e estavam presentes Herbert Moses, Amaral
Peixoto, Apolônio Sales, Emival Caiado, Renado Azevedo, Afrânio Farias, Israel Pinheiro
e Ernesto Silva.
Na verdade, os tantos fatos que antecederam e sucederam à instalação de
Brasília, dentre eles a própria eleição de Juscelino Kubtischek, não permitem, que se
credite, apenas ao compromisso assumido em campanha, em praça pública na cidade
goiana de Jataí (4 de abril de 1955) a opção para construir Brasília, como se fosse um ato
espontâneo. Brasília não foi uma decisão aventurosa, resulta de uma proposta estratégica de
força histórica, era, senão o primeiro, um projeto de Estado para um novo Brasil. JK
cumpriu a missão, possivelmente por livre vontade, mas também, pelas tantas
circunstâncias que envolviam o processo de transferência e, quem sabe mesmo, uma
decisão madura, daqueles que viam na interiorização política, uma porta de redenção para
um país mergulhado em profunda crise desde 1918, com as rebeliões militares indicativas
da corrosão interna do Estado patrimonial controlado pelo estamento burocrático
oligárquico.
As tantas oposições que advieram, não advieram como fato conjuntural, mas
nas linhas históricas de resistência ao projeto estratégico, muito embora as resistências à
modernização nacional, onde o papel do líder udenista, Carlos Lacerda, não apenas foi vivo
e marcante, mas representava uma posição que contaminou a ampla frente liberal que se
apoiava na classe média e objetou a ascensão getulista, com reações episódicas nos anos 30
e continuadas após o Estado Novo, que se reproduziu na própria objeção política aos seus
herdeiros trabalhistas, progressistas e conservadores que inauguraram Brasília. As tantas
258
reações à campanha presidencial de Juscelino, as tantas resistências à sua posse
375
e ao seu
governo
376
foram resistências dos liberais-democratas que afastaram Getúlio do poder em
1945, levaram-no à morte em 1953, resistiram à eleição de Juscelino e Jango em 1955 e
inviabilizaram o governo Jango a partir de 1964.
A Ordem dos Advogados, dirigida pelos liberais-democratas, naquele momento
histórico, cujos principais líderes estavam articulados com a intelectualidade militar da
Escola Superior de Guerra – ESG (Sorbonne), não teve como evitar a aproximação com a
reação oposicionista de transformar o sucesso do desenvolvimento industrial do litoral em
interiorização e incorporação dos grandes espaços territoriais brasileiros à vida econômica e
política do país. Neste sentido, a resistência oposta à transferência da capital, como
procuraremos demonstrar neste Capítulo, não era uma mera resistência conjuntural ou
circunstancial, não estava apenas afeitas às precárias condições de vida na nova capital,
mas era uma reação ao projeto que não fora desarticulado em 1945/1946, com a nova
Constituição,
377
ao contrário retomara força e dinâmica em 1950/53 e, por fim, teve a força
de fazer de Brasília meta síntese no ramo de Metas de Juscelino Kubitschek, a idéia que
florescera na Inconfidência Mineira (1788/89).
Neste Capítulo, por conseguinte, procuraremos estudar as razões de resistência
da OAB à transferência para Brasília a pretexto da inviabilidade da transferência dos
Tribunais Superiores, assim como os seus efeitos mesmo de curto prazo, não apenas de
médios e longos prazos, sobre a composição das elites jurídicas brasileiras, que, não
apenas, exerciam a advocacia no Rio de Janeiro e São Paulo, assim como compunham os
tribunais superiores, assim como, não se constituíam a própria elite jurídica, tinham
375
WILLIAN, Wagner. O Soldado Absoluto uma biografia de Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro:
Record, 2005. Este livro narra minuciosamente as tricas e intrigas que envolveram o General Henrique Lotte,
sua ascensão a Ministro da Guerra do Vice Presidente, que assumiu a presidência com o suicídio de Getúlio
em agosto de 1964. General reconhecido pelo seu comportamento estritamente técnico, atravessou com
sabedoria o quadro das intrigas palacianas e foi efetivamente a peça política chave do governo Juscelino. Ver
Cap I a VII
376
Idem. Lott, em principio era um militar partidário, mas seus contatos políticos eram bastante amplos e
dentre eles estavam Carlos Lacerda e Sobral Pinto, Alceu Amoroso Linha e José Maria Alkimin. Não se lhe
reconhecer o mérito na transição político getulista é uma falta histórica grave, na verdade ele é que deu
sustentação e garantias à sobrevivência das constituições de 1946 e a sua derrota para a eleição presidencial é
uma variável que pesou na crise cívica militar de 1964.
377
NOGUEIRA, Octaviano. Constituinte de 1946, Getúlio o sujeito oculto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
259
significativa força política e econômica sobre ela. Na verdade, esta é a mais ostensiva das
razões, mas, ao mesmo tempo, resistir, por longo tempo, no Rio de Janeiro, principalmente
após a desarticulação das forças militares que fizeram a Revolução de 1964/68 com o apoio
da OAB, significou, também, a reversão qualitativa com a sua crescente ebulição da
sociedade civil e a conseqüente aproximação do projeto de redemocratização e, na reta
final, exatamente nos anos da sua transferência para Brasília e de instalação da Assembléia
Constituinte, o significativo avanço à esquerda, o que redundou em críticas profundas,
também, ao seu ideário consolidado com o Estatuto de 1963.
Finalmente, senão especificamente, neste Capítulo, mas dando seqüência aos
capítulos anteriores e abrindo, inclusive, para os posteriores capítulos, a transferência da
Capital para Brasília, independentemente dos tantos outros problemas que advieram, foi o
mais forte ato, que não apenas federalizou o controle da máquina política de comando da
União, mas provocou as iniciativas enfrentando o nepotismo patrimonialista no Poder
Executivo, com posteriores efeitos nos outros poderes. Tal postura abriu as condições finais
para que o novo Estatuto da OAB de 1963, discutido no Congresso, instalado em Brasília,
definitivamente, desvinculasse o exercício das funções jurídicas públicas do exercício
cumulado da advocacia e, ao mesmo tempo, precursoramente, em relatório do Conselheiro
Carlos Bernardino Bozano, de Minas Gerais, dentre todos, excetuando-se o conselheiro
Carlos Dunshee de Abranchee e Miguel Seabra Fagundes, se manifestou favorável à
transferência para Brasília.
1 – Advocacia e Mudança da Capital Federal
A Constituição brasileira de 1946, no art. 4º do ADCT, dispõe: A Capital da
União será transferida para o planalto central do país. Seguem-se, os seguintes
parágrafos:
§ 1º Promulgado este Ato, o Presidente da República, dentro em sessenta dias nomeará
uma comissão de técnicos de reconhecido valor para proceder ao estudo da localização
da nova capital. § 2º O estudo previsto no parágrafo antecedente será encaminhado ao
Congresso Nacional, que deliberará a respeito, em lei especial e estabelecerá o prazo
para o início da delimitação da área a ser incorporada ao domínio da União. § 3º Findo
260
os trabalhos demarcatórios, o Congresso Nacional resolverá sobre a data da mudança
da Capital. § 4º Efetuada a transferência, o atual Distrito Federal passará a constituir o
Estado da Guanabara.
Esta questão remanesceu adormecida nos tantos anos que sucederam à
promulgação da Carta Constitucional nas reuniões do Conselho Federal, apesar das
sucessivas providências na órbita do governo federal,
378
com a eleição de Juscelino
Kubstichek (com mandato para 1956/1960) e com as conseqüentes iniciativas a partir do
projeto nº 1234/56 encaminhado ao Congresso Nacional. A Lei nº 2874, de 19 de setembro
de 1956, aprovou a transferência e definiu a área do novo Distrito Federal, e, pela primeira
vez, o nome Brasília constou em Lei, o que provocou não apenas a mobilização do país,
mas mobilizaram-se os interesses no Conselho Federal da OAB, devido aos imediatos
efeitos sobre a vida administrativa e jurídica. A Lei nº 3273, de 1º de outubro de 1957 (Lei
Emival Caiado), um ano após, fixou a mudança da Capital Federal para Brasília que seria
no dia 21 de abril de 1960.
379
Os anos que antecederam e sucederam à presidência de Nehemias Gueiros,
imediatamente à Segunda Conferência, durante a gestão de Alcino Salazar (1958 a 1960), o
Conselho Federal da OAB esteve, acentuadamente, mobilizado para o fato Brasília, como
378
O Presidente General Eurico Dutra, como já observamos, procurou cumprir rigorosamente a Constituição
definindo que a área seria aquela onde hoje se encontra Brasília, o que significa, e as fotos assim
demonstraram, que os militares, enquanto cúpula corporativa, não objetavam o projeto estratégico nacional,
possivelmente, o que efetivamente não queriam é que este projeto fosse executado pelos getulistas, o que não
representou maiores problemas porque 3 (três) anos após a inauguração da capital estavam com o controle do
país e da capital, o que o próprio Juscelino pretendeu com a indicação do general Henrique Lott para a
presidência, derrotados em 1960 por Jânio Quadros, apesar da inesperada vitória do vice João Goulart que
eles afastaram da Presidência. Após sucessivos estudos no Congresso da Lei nº 1803, de 5 de janeiro de 1953
sancionada por Getúlio Vargas, definitivamente autoriza os estudos de implantação na área atual do Planalto
Central. A Comissão de Localização da Nova Capital foi criada, a seguir, por Vargas, na forma do Decreto nº
32.976/53, presidida pelo general Aguinaldo Caiado de Castro. Os trabalhos foram implementados pela
Comissão do Vale do São Francisco e a empresa norte-americana Donald J. Belcher and Associates
Incorporated. Os trabalhos desta Comissão permitiram que as mais importantes providências legais viessem a
ser tomadas, o que efetivamente passou a ocorrer com a eleição e posse de Juscelino Kubitschek, que durante
a campanha se comprometera com a realização da obra.
379
Esta Lei foi assinada no Palácio do Catete e estavam presentes: Herbert Moses, Amaral Peixoto, Apolônio
Sales, Ernival Caiado, Renato Azevedo, Afrânio Farias, Israel Pinheiro e Ernesto Silva. Na verdade, os tantos
fatos que antecederam e sucederam à instalação de Brasília, dentre eles a própria eleição de JK, não permite
que se credite, apenas, ao compromisso assumido em campanha em praça pública, na cidade goiana de Jataí
(04/04/1955), a opção para construir Brasília, Brasília não foi uma decisão aventurosa, Brasília era, senão o
primeiro, um dos projetos de Estado no Brasil. JK cumpriu a missão, possivelmente por livre vontade, mas
também, pelas tantas circunstâncias que envolviam o processo de transferência e, quem sabe, mesmo uma
decisão madura daqueles que viam na interiorização política uma porta de redenção nacional.
261
ficou designada nas Atas do Conselho a questão da mudança da Capital Federal para o
Planalto Central. Esta questão, acentuadamente controversa no quadro político brasileiro,
assumiu uma dimensão significativamente polêmica no Conselho Federal da OAB, muito
especialmente porque envolvia as transferências do Conselho Federal e dos tribunais
federais do Rio de Janeiro para Brasília.
Aparentemente, esta questão poderia cingir-se a uma mera questão geográfica,
mas adquiriu grande significado geopolítico, exatamente, por causa de seus efeitos sobre o
funcionamento institucional brasileiro, muito especialmente devido aos seus extensos
reflexos sobre os poderes essenciais do Estado: o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o
Poder Judiciário. Estes efeitos, se, num primeiro momento, pouco afetariam a composição e
mobilização das elites parlamentares, judiciais e funcionais, imediatamente afetariam a elite
da advocacia, como atividade profissional, que faz a conexão das questões conflitivas da
sociedade com os organismos de Estado, e, particularmente, o Poder Judiciário, através dos
diferentes tipos de demandas administrativas e judiciais.
Na verdade, esta questão da transferência da Capital Federal vinha sendo
colocada para o Conselho Federal da OAB desde 1957, despertando preocupações e
dissimulados desinteresses. Nesta linha, em sessões de 1º e 8 de outubro de 1957 conforme
se verifica em Atas das respectivas datas, lê-se
o Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano comunicou que o Senhor Presidente
da República acabava[ra] de sancionar lei fixando para 21 de abril de 1960 a
[mudança] da Capital da República para o planalto goiano e que esta transferência
importaria em se deslocar a séde do Conselho Federal, pelo que encarecia a
necessidade de ser o problema considerado pela Presidência.
380
O senhor Presidente
disse que iria considerar o assunto e oportunamente traze-lo ao conhecimento e
deliberação do Conselho (...).
381
(...). [O Conselheiro, voltou a insistir], data venia,
sôbre a necessidade e urgência de serem tomadas providências, frente à lei que
determinou a data de 21 de abril de 1960 para a mudança definitiva da capital do País.
Essa presidência e a secretaria geral do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil
deverão, segundo [o conselheiro], sem perda de tempo, estudar o momentoso assunto,
esquematizando, para a prévia e indispensável aprovação do plenário, as medidas que
julgarem oportunas. Como é fácil compreender, inúmeros problemas humanos e de
ordem material derivarão da apontada mudança, não nos cabendo, neste passo, outra
atitude se não a de cumprir a lei, salvo se a Ordem dos Advogados do Brasil pretender
conservar aqui, na cidade do Rio de Janeiro, sua sede, isto é, a sede do seu órgão
380
Estava presidente da OAB nesta data Nehemias Gueiros.
381
Ata da 866ª Sessão da 27ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de outubro de 1957.
262
máximo. Ainda assim, porém, há providências que se impõem, especialmente no terreno
legal.
382
O assunto, todavia, não mereceu dos conselheiros apreciação imediata, o que
levou o Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano, em 2 de setembro de 1958, a
apresentar a indicação do teor seguinte:
‘Sr. Presidente, em duas oportunidades, na sessão ordinária do ano pp., lembrei a
conveniência a O.A.B., pelo seu Conselho Federal, estudar as prováveis modificações
conseqüentes à transferência da capital do País para Brasília, o que ex vi legis, se
concretizará em abril de 1960. – Agora, o ‘O Globo’, de sexta-feira, dia 29 de agôsto, à
página 6, publica notícia do ocorrido em sessão realizada pela ‘Comissão de Senadores
e Deputados encarregada de estudar medidas legislativas que regulem a organização
política, administrativa, legislativa e judiciária da futura Capital da República’. A essa
reunião compareceu, convidado, o Sr. Ministro da Justiça, que, em sua dissertação, se
referiu expressamente à O.A.B. Reiterando, ainda uma vez, o pedido de providência,
requeiro a V. Excia. se digne informar a êste Conselho Federal, com a possível
brevidade, qual o ponto-de-vista dessa ilustrada Presidência [sobre esta relevante
questão da mudança da capital e seus reflexos sobre os destinos da OAB]. – Sala das
sessões, 2 de setembro de 1958. (as.) Carlos Bernardino Aragão Bozano.
383
Na sessão de 4 de abril de 1959, dando início aos trabalhos, o novo Presidente
Alcino Salazar disse que convocou Sessão Extraordinária para examinar ofício da
Comissão Parlamentar Mista solicitando audiência do Conselho sobre o problema da
transferência da Capital da República para Brasília, acatando a indicação do Conselheiro
Carlos Bernardino e, ele próprio, o Presidente, assumindo a relatoria.
384
Esta especial
posição do Relator assumida pelo Presidente da OAB, como veremos, prenunciava a força
potencial das futuras controvérsias.
O Presidente Alcino Salazar entendia que a mudança da capital estava
relacionada a alguns aspectos da reforma constitucional e fez um amplo relatório opinativo,
oferecendo, inclusive, emendas à Constituição,
385
dispondo sobre a organização do Distrito
Federal e a instalação do Estado da Guanabara. Reconheceu, no entanto, o Presidente-
382
Ata da 867ª Sessão da 27 ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 de outubro de 1957.
383
Ata da 906ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 2 de setembro de 1958.
384
Ata da 924ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 10 de abril de 1959.
385
Ver Processo OAB.CF nº 603/58 onde estão apensas estas sugestões de Emendas Constitucionais e outros
tantos pareceres e relatórios sobre a matéria.
263
Relator que a mudança da capital, quanto ao seu mérito, é assunto ultrapassado: há Lei
determinando a sua transferência;
386
o problema, no entanto, é a reforma legislativa
decorrente do fato da mudança e suas conseqüências. Mais do que Lei, a Lei tornara-se a
realização da vontade política que deu execução aos dispositivos constitucionais.
Dentre os tantos e ilustres conselheiros presentes à sessão do Conselho Federal
de 10 de abril de 1959, foram, levantadas várias questões que poderiam ser assim
destacadas, conforme está na conseqüente Ata:
O Conselheiro Themístocles Marcondes Ferreira suscitou a questão (...) da competência
do Conselho para examinar a matéria, dado que (...) [o] art. 8º do Regulamento,
387
entende que o Conselho deve se abster de manifestar-se sôbre matéria que não seja
atinente aos seus objetivos. [Reconheceu, no entanto] a transcendência do assunto, [e],
sem transigir com suas convicções, dava pela competência do Conselho. O (...)
Presidente [Alcino Salazar] obtemperou que a transferência da Capital era tema
imediatamente atinente à Ordem, pois o Conselho Federal tem sede na Capital do País
e nela devem residir, durante seus mandatos, o Presidente e [o] Secretário Geral do
Conselho. O Conselheiro Miguel Seabra Fagundes levantou (...) [que], [o] problema em
foco, [era] um assunto essencialmente vinculado à advocacia, qual seja a transferência
dos Tribunais Federais para a nova Capital, (...) que, devido à escassez de tempo, se
desse preferência à discussão e votação dessa matéria. O Conselheiro Nehemias
Gueiros fez indicação no sentido do Conselho adotar, em princípio, o parecer Alcino
Salazar (...) [e] o Conselheiro Adaucio Lucio Cardoso pediu preferência para [esta]
indicação (...) que foi deferida. O Conselheiro Clovis Ferro Costa propôs um
substitutivo da indicação Nehemias Gueiros, no sentido do Conselho aprovar, em bloco,
o parecer Alcino Salazar, votando, separadamente, a matéria para a qual seja
requerido destaque [o que] (...) foi aprovado. Os Conselheiros Carlos Alberto Dunshee
de Abranches, Renato Cantidiano Vieira Ribeiro, Arthur Porto Pires e Carlos
Bernardino Aragão Bozano, [Miguel Seabra Fagundes, Nehemias Gueiros e Clovis
Ferro Costa], pediram destaque para o Art. 2º, § único da Emenda Constitucional
Alcino Salazar (...) referente à permanência, no Rio de Janeiro, dos Tribunais Federais,
até disposição em contrário de lei ordinária (...).
388
Imediatamente após foi a matéria colocada em votação conforme se verifica na
Ata da sessão de 10 de setembro de 1959, de onde se subtrai a seguinte conclusão:
Em votação, o Conselho aprovou o art. 2º, § único da Emenda Constitucional do
Parecer Alcino Salazar, [sobre a permanência dos Tribunais no Rio de Janeiro] pelos
386
Ver Lei nº. 3273 de 1º de outubro de 1957. Fixa a data da mudança da Capital Federal, e dá outras
providências.
387
Art. 8º A diretoria, o Conselho e a Assembléa não discutirão, nem se pronunciarão, sobre assunto
imediatamente não atinente aos objetivos da Ordem.
388
Ata da 924ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 10 de abril de 1959.
264
votos das Delegações da Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio
Grande do Norte, Secretário Geral e Presidente. Manifestaram-se pela supressão do
artigo em referência as Delegações do Maranhão, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe.
389
No entanto, a aprovação da proposta do Presidente e Relator Alcino Salazar
provocou a imediata reação do Conselheiro Bernardino Aragão Bozano que, justificando
seu voto, ratificado pelo Conselheiro Arthur Porto Pires, apoiou-se nos seguintes
argumentos:
‘(...) Com a autoridade que me empresta a circunstância de haver, reiteradamente,
desde o ano de 1957, procurado, através de sucessivas intervenções, alertar êste
Conselho Federal para o ‘fato Brasília’, não posso concordar, ‘data vênia’, com a
proposta Nehemias Gueiros [de permanecerem os Tribunais no Rio de Janeiro] (...)
sôbre o [relatório] do Prof. Alcino Salazar (...). [Há] um ponto (...) [a] respeito do qual
somos intransigentes: é a mudança do Supremo Tribunal Federal para Brasília, dentro
do prazo fixado em lei. Tribunais existem, como o Federal de Recursos, que poderão
adiar sua transferência, ou até mesmo evita-la, bastando que se organize, dentro, na
faculdade constitucional, outro ou outros, conforme a necessidade o aconselhe. O
Supremo Tribunal Federal, cúpula do Poder Judiciário, entretanto, não poderá aqui
permanecer, assistindo à partida dos poderes Legislativo e Executivo.
Os argumentos que justificariam a proposta do ex-Presidente da OAB
(Nehemias Gueiros) e do Presidente Alcino Salazar seriam:
a) a inamovibilidade dos Ministros daquela Corte, e
b) a ameaça de aposentadoria em massa com as conseqüências apontadas.
Quanto ao primeiro argumento, Carlos Bernardino rebate afirmando que a
Constituição Federal é taxativa quando determina que o Supremo Tribunal Federal, com
sede na Capital da República, e jurisdição em todo território nacional, compor-se-á de
onze Ministros. Esse número, mediante proposta do próprio Tribunal, poderá ser elevado
por lei. Quanto à segunda justificativa, o Conselheiro Bernardino Bozano afirmou que ela
merece ser repelida com veemência: data vênia. Estava, desta forma, instaurada a divisão
interna entre as posições que refluiriam, no tempo, e na vida política, dos próximos anos do
Conselho Federal.
389
Ata da 924ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 10 de abril de 1959. Ver, também, Processo
OAB.CF nº 603/58.
265
A aposentadoria em massa
significaria uma ameaça que não se ajustaria às excelsas qualidades exigidas pela
Constituição para a investidura (nos cargos de Ministro do STF) e, por isso mesmo, não
autoriza acolhimento. As respeitáveis razões de ordem pessoal não podem justificar o
desrespeito à lei ou o incentivo a exceção. Se Brasília não oferecer, no tempo previsto,
acomodação compatível, o problema é do Legislativo, que, frente ao fato comprovado,
deverá tomar as providências que o tirocínio e o patriotismo dos seus membros indicar.
Salvo imprevisto, portanto, o Supremo Tribunal Federal deverá instalar-se em Brasília
à data da lei. Se houver o afastamento em massa, pela aposentação, que terá em
qualquer caso os seus proventos calculados proporcionalmente ao tempo de serviço, o
Presidente da República, com o ‘placet’ do Senado Federal, promoverá a recomposição
do Pretório Excelso.
390
Retomando a sua linha argumentativa, que passará a delinear uma nítida
divisão, senão de interesses, de posições, no Conselho Federal, o Conselheiro Bernardino
Bozano observa: junto ao Presidente Alcino Salazar, que, procurara, ainda, justificar em seu
próprio relatório a procrastinação da transferência da capital pelo avizinhamento das
eleições para Presidente da República.
391
Assim observa:
Não procede, ‘vênia concessa’, o temor aludido no relatório de V. Exa., Prof. Alcino
Salazar, porque a proximidade das eleições de 1960 só poderá diminuir a fôrça do
Chefe do Executivo tanto mais que S. Exa. o Presidente da República sai e os Srs.
Senadores continuam. Mas, se o receio expresso por V. Exa. se consumar e a qualidade
dos novos integrantes do Supremo Tribunal com a responsabilidade do Chefe da Nação
e do Senado da República deixasse a desejar, perguntaríamos em que a resistência ao
cumprimento da lei pelos atuais Ministros serviria para beneficiar o País? – Só pela
educação poderemos aspirar modificações para melhor em muitos setores da vida
pública. O trabalho educativo exige, porém, afora o decurso do tempo, os bons
exemplos que devem vir de cima. Ora, convenhamos em que seria um mau, um péssimo
exemplo, se o mais alto Tribunal de Justiça resistisse, sem motivo plausível, ao
cumprimento da lei ou reivindicasse, atendendo a interesses pessoais, embora
390
Ata da 924ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 10 de abril de 1959.
391
Dentre outros candidatos concorreram para estas eleições presidenciais pelo governo JK o general
Henrique Ferreira Lott (do PSD), Ministro da Guerra e para Vice, João Goulart (PTB), que fora, também, vice
de JK, e Jânio Quadro (UDN.PTN), o governador de São Paulo, e Milton Campos (UDN), ex-governador de
Minas Gerais, futuro relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Estatuto da OAB (aprovado em 1963).
Foram eleitos, na forma do permissivo constitucional de 1946 (art. 81) e Código Eleitoral de 1950. Por outro
lado, a mesma Constituição dispunha que o vice-Presidente exerceria as funções de Presidente do Senado
Federal, onde só teria voto de qualidade (art. 61) ficando a linha sucessória no impedimento do Presidente e
Vice, respectivamente com o Presidente da Câmara dos Deputados, o vice-Presidente do Senado Federal e o
Presidente do STF. A eleição, em separado, de concorrentes em chapas diferenciadas, permite que o
Presidente fosse de uma chapa e o vice de outra, o que efetivamente veio a ocorrer em 1946, com as trágicas
conseqüências que sucederam à renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, renuncista militante, que
pretendeu que seu gesto, como na campanha, tivesse os mesmos efeitos das renúncias, também tão comuns,
de presidentes da OAB, contrariados nos seus atos.
266
respeitáveis, uma posição excepcional. – Só um motivo de fôrça maior justificaria a
exceção e êsse não foi mencionado até agora. O interêsse dos advogados residentes no
futuro Estado da Guanabara, ao qual aludiu o Conselheiro Miguel Seabra Fagundes,
deve harmonizar-se com o interêsse dos outros advogados brasileiros, estes e maior
número, como acentuaram, entre outros, os Conselheiros Renato Cantidiano, Nehemias
Gueiros e Themístocles Marcondes Ferreira (...)’
392
Finalmente, o Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano
declarou que desde muito tempo vem encarecendo ao Conselho e à Presidência a
necessidade de serem tomadas as providências necessárias para a instalação do
Conselho Federal na nova Capital do País, em Brasília, ou a alteração da lei referente
ao assunto. Se a administração federal não contemplou o Conselho Federal entre as
entidades a serem localizadas na futura Capital, a culpa cabe, em grande parte, ao
próprio Conselho Federal. O Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano disse que
fazia tal declaração sem espírito de crítica, mas tão sòmente sob o impulso de se
espírito de justiça; (...).
393
Esta posição dos Conselheiros Carlos Bernardino Aragão Bozano e Arthur
Porto Pires teve profundas e rápidas reações do Presidente-relator Alcino Salazar, que,
redimensionando o pronunciamento, na sessão seguinte,
394
fez indicação propondo que o
Conselho Federal se dirigisse ao Supremo Tribunal Federal solicitando parecer daquela
Alta Corte sobre a mudança da Capital Federal para Brasília. A questão não foi
propriamente acertada pelos conselheiros presentes, pelo contrário, aprofundou as
divergências. Neste quadro, a presidência da sessão foi transferida para o Conselheiro José
Eduardo do Prado Kelly, dado que o Presidente optara pela posição de debatedor do tema
no plenário.
A Ata desta sessão oferece algumas novas posições que permitem reconhecer o
ambiente de crise crescente no Conselho:
392
Ata da 924ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 10 de abril de 1959. – (as.) Carlos Bernardino
Aragão Bozano.’ – ‘De acôrdo. (as.) Arthur Porto Pires. Esteve também presente nesta sessão o “Senador
Jefferson Aguiar [que agradeceu] ao Sr. Presidente e ao Conselho a acolhida que lhe foi dispensada e tece
considerações sôbre a transferência da Capital da República para o Planalto Central, que reputa obra da
maior importância para o futuro do País, dado que a interiorização do centro político e administrativo da
nacionalidade vai acelerar o desenvolvimento de nosso ‘hinterland’.”
393
Ata da 942ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 agosto de 1959. Nesta mesma Ata consta:
a) Ofício do Diretor do Departamento Administrativo do Serviço Público, comunicando haver encaminhado
à direção da NOVA CAP expediente deste Conselho, solicitando providências para sua instalação [do
Conselho Federal da OAB] em Brasília. Ata da 953ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de
outubro de 1959.
394
Ata da 958ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 24 de novembro de 1959.
267
(...) Após (...) o Presidente [em exercício] José Eduardo do Prado Kelly submeteu a
votação o requerimento preliminar oferecido pelo Conselheiro Luiz Lyra, a fim de que o
Conselho só se pronunciasse sôbre o assunto após ouvir as Seções Estaduais. A referida
emenda foi rejeitada, pelo pronunciamento das delegações do Acre, Alagoas, Amazonas,
Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Sul, São Paulo,
Secretário ad-hoc e Presidente; vencidas as delegações do Rio Grande do Norte e
Espírito Santo. Submetida a votos a proposta oferecida pelo Conselheiro José Telles da
Cruz, [foi] aprovada, unanimemente, consistindo no seguinte: ‘Voto por que êste
Conselho atenda à indicação do eminente Senhor Presidente Alcino Salazar, mas,
apenas, para o efeito de autoriza-lo a continuar tomando empenhos junto aos Poderes
Públicos no sentido de precatar os altos interêsses da Justiça no que diz, sobretudo, com
a missão dos advogados no novo Distrito Federal (Brasília), impossibilitados que ficam,
não sòmente êles advogados, mas, também, êste Conselho, bem como o da futura Seção
de Brasília, de se instalarem na nova Capital Federal, quando se afirma que inexistem
condições de habitabilidade, inclusive, para os altos Órgãos Judiciários que já se
pronunciaram sôbre a matéria.
395
As manifestações de apoio ao Presidente Alcino Salazar, no entanto, não foram
suficientes para tranqüilizá-lo, ao contrário, encaminharam para a sua desestabilização na
condução do problema referente às conseqüências da transferência da capital sobre a vida
jurídica do país, muito especialmente, a transferência dos Tribunais Superiores, inclusive, o
STF e o Conselho Federal da OAB. Visivelmente, o ambiente interno do Conselho estava
conturbado pela divergência de opiniões, não apenas sobre uma presumível transferência do
Conselho Federal, mas, principalmente, sobre a instalação imediata do STF em Brasília.
Nesta ocasião, os ânimos se radicalizaram a tal ponto que o Presidente Alcino Salazar, na
evidência de que sua indicação para ouvir os Ministros do STF, fora rejeitada, na sessão de
1º de dezembro de 1959, presidida por José Eduardo Prado Kelly apresentou sua renúncia à
Presidência do Conselho Federal da OAB, nos seguintes termos:
(...) ‘Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1959. Meu caro e eminente amigo Dr. Prado
Kelly: A solução dada, na sessão de hoje, pelo Conselho Federal, à minha proposta no
sentido de se provocar um pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sôbre sua
questionada transferência para a nova Capital, leva-me, natural e irremediàvelmente , a
renunciar o alto e honroso pôsto de Presidente da Ordem. Esta atitude que aqui, depois
de pausada reflexão, com grande pesar, lhe comunico, pedindo que a transmita ao
Conselho, como fato consumado, pois o ato é, por sua própria natureza, unilateral, vem,
como conseqüência irreprimível, dos termos em que ficou posta a questão e do desfêcho
que teve ela. O simples fato de uma divergência consistente na desaprovação de uma
sugestão do presidente do Conselho não teria, sem dúvida, maior relevo. Dada, porém,
395
Ata da 958ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 24 de novembro de 1959: O Conselheiro Carlos
Bernardino Aragão Bozano propôs que a aprovação da conclusão Telles da Cruz fôsse saudada de pé e sob
aplausos, como renovação de confiança ao Sr. Presidente. O Sr. Presidente agradeceu, sensibilizado, a
demonstração de confiança.
268
a natureza da questão discutida e decidida, a meu vêr fundamental, no que toca à
orientação do Conselho em face do problema que considero grave e premente, o
ocorrido tem outra significação e outras conseqüências. Da minha parte, manifestei a
firme convicção de que será profundamente prejudicial ao serviço da Justiça, e aos
altos e respeitáveis interêsses que dela dependem, a transferência do Supremo Tribunal
Federal e dos demais altos Tribunais do país agora, na época já prevista em lei, para a
remota cidade, ainda em fase inicial de construção, que deverá ser a Capital da
República. Invoquei manifestações do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior
Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e de eminentes Ministros do próprio
Supremo Tribunal no sentido da inoportunidade daquela transferência. Fiz sentir as
dificuldades invencíveis que teriam os advogados em participar dos trabalhos dos
tribunais em Brasília, ocasionando, praticamente, a dispensa ou a falta de sua
colaboração na tramitação de dezenas de milhares de processos e de julgamentos.
Entendeu, porém, o Conselho que êsse problema, crepitante no seio dos tribunais e nos
círculos forenses, não o deveria levar a apelar para o mais alto Tribunal no sentido de
um pronunciamento formal que dirimisse dúvidas e desfizesse perplexidades. Acato e
respeito o entendimento dos prezados colegas e companheiros que fizeram prevalecer
solução contrárias à proposta por mim submetida ao exame do Conselho, preferindo
uma atitude abstencionista. O certo, porém, é que, em face do resolvido, não tenho
condições, nem me sinto à vontade, para continuar à frente do alto colégio que tanto me
distinguiu e honrou elegendo-me seu Presidente; e especialmente para representá-lo
perante os poderes públicos a respeito da transferência em causa. Afigura-se-me inútil
mesmo o contacto, nos termos indicados pelo substitutivo aprovado, com o próprio
Supremo Tribunal Federal, visando à solução, que o Conselho já aprovou, da
permanência provisória dos tribunais superiores nesta cidade.
E prossegue o Presidente:
Creio, e digo-o, respeitosamente, e com pesar que o colendo Supremo Tribunal tem
sido omisso e irresoluto diante do grave e delicado problema, mostrando-se desatento
aos legítimos interêsses e aos respeitáveis direitos que a malsinada mudança
inapelavelmente sacrificará. Por isto mesmo parece-me que ao Conselho cumpria
intervir objetivando a solução que seria a decorrente já das declarações veementes dos
Ministros Gallotti e Ribeiro da Costa feitas em sessão do Supremo Tribunal e
amplamente divulgadas. O argumento, por demais simplista, de que não há sôbre que
deliberar porque se trata apenas de lei a ser cumprida não resiste à óbvia consideração
de que muitas vezes, como no caso ocorre, as leis pressupõem necessariamente
condições, instrumentos ou meios materiais sem os quais não pode operar, não se
transpõe para o plano da realidade. Sinto que estas convicções, assim sumariadas,
refletem apenas minha opinião pessoal, mas o pensamento generalizado de nossos
colegas de profissão, principalmente os que mais direta e freqüentemente atuam nos
tribunais superiores. Como quer que seja, o Conselho, apesar de se ter pronunciado já
contra a mudança imediata dos Tribunais, ditou outro rumo que não posso seguir sem
incoerência e constrangimento.
E, ainda, continua:
Entendo, pois, que sirvo ao Conselho agora com a solução desta renúncia assim como
creio ter servido até aqui no exercício da presidência ora renunciada com o esforço e a
boa vontade que lhe pude dedicar. Rogo ao distinto colega e generoso amigo a bondade
de transmitir esta renúncia ao Conselho que tanto tem honrado, com a afirmação não só
269
do meu respeito por suas soberanas decisões como a expressão viva da gratidão, do
apreço e da inalterável estima que dedico a cada um dos excelentes e prestimosos
colegas que o compõem. Pedindo, ainda, que na sua qualidade de presidente do
Conselho do Distrito, assuma desde logo, plenamente, a presidência do Conselho
Federal da qual nesta data me afasto, reitero aqui a amizade, a simpatia e a admiração
do colega e amigo grato (as) Alcino Salazar’.
396
Este fato, em si inédito, possivelmente um dos mais significativos na história da
advocacia e da transferência da Capital Federal para Brasília, finalmente veio a ser
contornado, mas, antes que viesse a ocorrer
os Conselheiros Miguel Seabra Fagundes e Francisco Elias da Rosa Oiticica
apresentaram a seguinte moção que, submetida a votos, foi unanimemente aprovada
397
:
‘O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tomando conhecimento do
pedido de renúncia do seu ilustre Presidente Professor Alcino Salazar, manifesta a Sua
Excelência sua integral confiança, ratificando, nesta oportunidade, os poderes que lhe
foram outorgados pelo Conselho, em sessão de 24 de novembro próximo passado no
sentido de que Sua Excelência adote as providências que julgar acertadas junto às
autoridades competentes a fim de demonstrar as inconvenientes repercussões sôbre a
postulação de direitos dos jurisdicionados dos tribunais federais que resultarão da
mudança dêsses tribunais para a nova capital, dentro do exíguo prazo de quatro (4)
meses como programado.’
398
Na sessão de 15 de dezembro de 1959, já sob a presidência de Alcino Salazar,
foi lida a seguinte nota, após a manifestação de confiança e apreço dos conselheiros:
(...) Volto hoje à presidência dêste Conselho obediente à deliberação unânime com que,
em sessão de 1º do corrente mês, novamente se pronunciou sôbre o objeto de indicação
minha relativa à transferência do Supremo Tribunal Federal para a nova Capital da
República, distinguindo-me com honrosa reafirmação de sua confiança. Agradeço a
cativante demonstração embora convencido de que o colega e companheiro que me
substituísse no mandato, exerceria com mais eficiência e proveito para o Conselho êste
alto e dignificante cargo. Convencido estou, como o Conselho, de que a mudança dos
altos tribunais federais para Brasília acarretará grave prejuízo para o serviço da
Justiça, sacrificando profundamente os altos interêsses dependentes desses órgãos
dominantes do Poder Judiciário. Considero, por isso mesmo, que é de lamentar tenha se
mantido o egrégio Supremo Tribunal Federal indiferente ao grave problema e às
insuperáveis dificuldades resultantes da precipitação e do açodamento com que foi
396
Ata da 960ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 1º de dezembro de 1959.
397
Ata da 960ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB 1º de dezembro de 1959.
398
O Presidente da Seccional do Distrito Federal, Presidente [em exercício do Conselho Federal, Eduardo
Prado Kelly] designou uma Comissão integrada por ele, o Secretário Geral [Alberto Barreto de Melo] e os
Conselheiros Miguel Seabra Fagundes, Francisco Elias da Rosa Oiticica, Carlos Povina Cavalcanti para
levar ao conhecimento do Presidente Alcino Salazar a moção aprovada, assim como o desejo de que ele
retire sua renúncia.
270
deliberada e se pretende processar aquela transferência. Êste Conselho encarou em
tempo a questão com a atenção que ela reclama, tendo sugerido adequado adiamento
da mudança dos tribunais para o longínquo Planalto Central; e invocou nesse sentido
autorizados pronunciamentos do Tribunal Superior do Trabalho, do Superior Tribunal
Militar, do Tribunal Superior Eleitoral e mesmo de eminentes Ministros do Supremo
Tribunal Federal. Mais uma vez agora se dirigirá o Conselho ao egrégio Supremo
Tribunal sôbre o assunto, e é bem certo que assim se fixam as responsabilidades pelo
que vier a suceder. É certo, sem dúvida, que há lei determinando a questionada
mudança; não é menos certo, entretanto, que faltam condições e meios materiais para a
execução da lei’.
399
O fato é, todavia, que as opiniões internas no Conselho da OAB não estavam,
exatamente, sintonizadas, apesar das manifestações de confiança em Alcino Salazar. Tendo
estado em Brasília, em dias sucessivos, o Presidente fez circunstanciada exposição
referente à transferência da Capital para Brasília e suas conseqüências em relação à Ordem
dos Advogados e ao exercício da advocacia,
400
tendo comunicado que: em janeiro último
estive em Brasília, visitando as obras da cidade, para verificar as condições de instalação
e funcionamento dos serviços da Justiça e da Ordem, bem como as de acomodações para
advogados.
401
O conselheiro Washington de Almeida, ouvido o minucioso relatório sôbre o
assunto, usou
da palavra [na supra referida sessão] para solicitar ao Conselho que se dirija ao
Presidente do Supremo Tribunal Federal,
402
encarecendo de que constituirá um grande
risco para a ordem jurídica e uma denegação de justiça aos jurisdicionados do país
inteiro a transferência atropelada do mais alto Tribunal da República para a nova
Capital, com ameaça de recesso dos trabalhos judiciários. O Conselheiro Miguel
Seabra Fagundes justificou a proposição do Conselheiro, que foi aprovada à
399
Ata da 961ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 15 de dezembro de 1959.
400
Ata da 962ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de abril de 1960.
401
Ata da 963ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 abril de 1960. Nesta reunião foi lido o
telegrama do Doutor Noé Azevedo, Presidente da Seção de São Paulo, comunicando que o Conselho Secional
deliberou reiterar o apêlo feito pelo Conselho Federal ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, no sentido de
sòmente transferirem seus serviços para Brasília quando puderem os mesmos ser continuados, uma vez que a
paralização por tempo indeterminado equivaleria denegação da justiça; [e, ainda o] telegrama do Doutor
Aderson Ferro congratulando-se com o Conselho Federal pela reabertura de seus trabalhos e formulando
votos para que seja encontrada uma pronta solução, que atenda ao exercício normal da classe dos
advogados, face ao grave problema da transferência apressada dos Tribunais para Brasília.
402
Estava como Presidente do STF naquela ocasião o Ministro Laudo Ferreira de Camargo
271
unanimidade, delegando o Conselho poderes ao senhor Presidente para dirigir ofício ao
Supremo Tribunal Federal.
403
As dificuldades que se opunham à transferência dos tribunais para Brasília, na
verdade, estavam vinculadas, por um lado, à permanência da OAB no Rio de Janeiro e, por
outro, os altos custos e o acompanhamento dos processos em Brasília. Buscando achar o
ponto comum da solução, evoluindo para o impasse
o Conselheiro Letácio Jansen comunicou que o Doutor Carlos Medeiros Silva,
Procurador Geral da República, havia lhe informado que o Conselho poderá obter, em
Brasília, área construída, para sua instalação, assim como terreno para construção de
escritório de advogados. O Presidente [Alcino Salazar] esclareceu que o assunto já foi
objeto de exaustiva informação ao Conselho, constante de seu relatório sôbre a visita a
Brasília(...).
404
Todavia, não apenas esta questão atropelava as decisões, mas a posição adotada
por Alcino Salazar, assumiu-se de radicalidade absoluta, colocando-o numa posição de
confronto com o Supremo Tribunal Federal, que, já se decidira pela mudança, cumprindo o
mandamento constitucional, entendendo mesmo que estava o Tribunal omisso e irresoluto,
apesar de manifestações isoladas dos Ministros Gallotti e Ribeiro, como também, e,
possivelmente, este argumento tenha pesado em grande parte, mas também, em irresoluta
posição, dos conselheiros do Conselho Federal. É verdade, todavia, que o Conselho Federal
sentiu-se constrangido em procurar o STF para se posicionar em assunto de tamanha
responsabilidade institucional, mas que efetivamente se alterou depois do radical ato de
renúncia.
No fundo, por outro lado, o que se verificava é que naquele momento, os
estatutos da OAB, ainda vigentes, senão explicitavam o local da sede da OAB, favoreciam
e até mesmo obrigavam o governo federal a apoiar o funcionamento da OAB, ao que se
presume melhor aprouvesse ao governo, mas estava já, em fase avançada de discussão o
Projeto de Estatuto na Câmara dos Deputados que propunha a suspensão dos vínculos
formais da OAB com o Estado, o que, deixava o Conselho numa posição dilemática: ou a
autonomia e a independência, e os apoios para instalação em Brasília, seriam inseguros, ou
403
Ata da 962ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de abril de 1960.
404
Ata da 963ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 abril de 1960.
272
mantinham-se os vínculos de subordinação, e os apoios de instalação seriam mais sólidos e
visíveis.
405
As divergências internas na OAB a tal ponto evoluíram que, Alcino Salazar,
reconduzido ao cargo de Presidência, como demonstrado, após renúncia provocada pelo
fato Brasília, pelo esforço, também, de Miguel Seabra Fagundes, que fizera manifestação
em carta sobre a mudança da Capital, reagiu, conforme consta em ata, com as seguintes
palavras, sobre pesquisas e observações referentes à transferência, do Distrito Federal após
missão designada pelo próprio Presidente da OAB:
O senhor Presidente declarou que aceitava, com pesar, a renúncia do Conselheiro
Miguel Seabra Fagundes, pôsto que fôra colocada no campo dos impedimentos
subjetivos, os quais sòmente poderão ser aferidos pelo próprio resignatário. Declarou,
ademais, parecer-lhe mais convinhável a designação, para o delicado cometimento, de
uma comissão composta de três Conselheiros e pediu ao Conselho o autorizasse a
nomear comissão relatora para a indicação, ao invés de relator singular. Obtendo
autorização expressa e unânime do Conselho, o senhor Presidente designou comissão
composta dos Conselheiros Alberto Americano, Gil Soares de Araújo e José Motta Maia
para substituir o Conselheiro Miguel Seabra Fagundes.
406
As tantas posições e negociações não influirão sobre o animus governamental,
entendendo como não poderia deixar de ser o assunto como questão de Estado, e, no que se
refere à OAB, o animus interno também não mudou, mas pelo menos, serviu para se
colocar em pauta assuntos emergentes de uma realidade que se impunha às discussões
cotidianas, tais como a instalação e sede do Conselho Federal em Brasília e a criação da
seccional do Distrito Federal. De qualquer forma, o desdobramento dos fatos efetivamente
demonstrou que Alcino Salazar ostensivamente se opunha não apenas à transferência dos
tribunais superiores para Brasília, como também da própria sede do Conselho. Por outro
lado, não deixou de designar provisoriamente Nehemias Gueiros, seu antecessor na gestão
do Conselho Federal,
407
para a organização da seccional da Guanabara
408
como nova
denominação da antiga seccional do Distrito Federal, após 21 de abril de 1960.
405
Ver Regulamento de 1933, especialmente art. 5º sobre prover instalação e arts. 89, § 1º, 88, § único e 90,
que explicitamente não dispõem sobre o local da sede do Conselho Federal da OAB.
406
Ata da 983ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 6 de setembro de 1960.
407
(...) O Presidente Alcino Salazar comunicou que, em cumprimento à decisão do Conselho, nomeava
Diretoria Provisória para a nova Seção do Distrito Federal, em Brasília, assim constituída: Presidente: Dr.
Nehemias Gueiros; Vice-Presidente: Dr. Colemar Natal e Silva; 1º Secretário: Dr. Leopoldo César de
273
Estes tantos fatos, todavia, provocaram a redefinição da forma estatutária que
fazia do Presidente da Seccional do Distrito Federal substituto eventual do Presidente do
Conselho Federal nas suas ausências e impedimentos. Por outro lado, apesar da fórmula
intermediária que designara para a Presidência temporária da seccional da OAB do Distrito
Federal (Brasília), Nehemias Gueiros, esta seccional
409
tomou corpo e evoluiu
independentemente do Conselho Federal que permaneceu no Rio de Janeiro no mesmo
edifício sede que a (nova) seccional da Guanabara, mais tarde, após a fusão com o Estado
do Rio de Janeiro, seccional do Rio de Janeiro.
2 – Brasília e a Crise das Elites no Poder
Esta discussão sobre a transferência da Capital Federal, para Brasília foi a
antevéspera da profunda crise institucional, que, em breve espaço de tempo, mergulharia o
país envolvendo os liberais democratas da UDN no Congresso Nacional, aliados aos
militares e os trabalhistas na presidência. Brasília, do ponto de vista histórico, não apenas
deslocaria, em curto prazo, o centro histórico das decisões políticas administrativas e
judiciais brasileiras, como também, em breve espaço de tempo, provocaria uma alteração
profunda no perfil das elites brasileiras e na sua própria localização geográfica, com efeitos
sobre a composição dos quadros dirigentes da advocacia. Numa visão mais ampla da
questão, do ponto de vista jurídico, muitos fatores sopesavam sobre esta questão, e, tantos
outros, afetaram os destinos do papel da OAB para o Brasil, envolto no contexto político do
próprio país. Dentre tantas questões observa-se:
Miranda Lima; 2º Secretário: Dr. Jayme Landim; 3º Secretário: Dr. Renato Ribeiro. (Ata da 963ª Sessão da
30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 abril de 1960).
408
Ocuparam a Diretoria da primeira seccional da Guanabara.
409
Esta especial situação ficou esclarecida em entrevista realizada com Celso Fontenelle, ex-Presidente da
OAB-RJ no dia 15 de junho de 2006 a Edson da Silva Augusta, pesquisador do PqJuris.
274
criou-se o Estado da Guanabara que recompôs novos espaços da organização
de poderes e abrigou as elites políticas da velha capital, ideologicamente próximas das
elites jurídicas;
estruturou-se o Poder Judiciário estadual da Guanabara, e os demais poderes,
permitindo-se uma reordenação das carreiras judicas e maior abertura de trabalho para a
advocacia;
criou-se a seccional da OAB do Estado da Guanabara, reacomodando espaços
de poder para a advocacia do novo estado e da velha capital, e, finalmente,
criando-se o Estado, e a nova seccional, abrigou-se os projetos políticos das
elites cariocas, que, tradicionalmente, se opunham aos pactos trabalhistas, assim como,
abriram-se espaços corporativos para os advogados cariocas em suas seccionais.
Estes fatores, combinadamente, contribuíram para que permanecesse na cidade
do Rio de Janeiro, em sede local, dentro da própria seccional da Guanabara, antes do
Distrito Federal o Conselho Federal, suscetível às elites dominantes e aos seus projetos na
cidade do Rio de Janeiro. A permanência do Conselho Federal na cidade do Rio de Janeiro
fortaleceu a posição das frações internas mais conservadoras, que, sucessivamente se
aproximaram de grupos e movimentos conspirativos que não apenas se opunham a
construção de Brasília e a conseqüente transferência da capital, mas, também, à aliança de
forças que viabilizaram Brasília como o apogeu de uma era que só pôde ser porque
transformaram em estratégia de Estado o espírito do tempo histórico brasileiro.
Assim, o Conselho Federal não participou deste projeto, ao contrário, como
observamos, objetou à transferência dos tribunais para Brasília e, mais do que esta objeção,
contribuiu para o fortalecimento das forças políticas que resistiram à movimentação que
priorizara a interiorização geopolítica. Por outro lado, todavia, não fosse a permanência na
cidade do Rio de Janeiro não teria a OAB se articulado com os organismos da sociedade
civil e forças de oposição que se mobilizaram pela redemocratização através de uma
Assembléia Constituinte.
Naquele contexto, de transferência da capital, os conflitos internos na Ordem
dos Advogados, não apenas apontavam para os transtornos no processo de decisão nos
Tribunais Superiores, mas indicavam, visivelmente, que os atores judiciais nos tribunais
275
superiores: ministros (juízes) e advogados (em geral vinculados à grande advocacia),
sofreriam, no médio prazo, alterações significativas. Neste sentido, não se pode
desconhecer, que a composição dos tribunais superiores ficaria suscetível a reacomodações
com efeitos colaterais de amplo alcance social. O tempo histórico demonstrou a efetividade
destes argumentos, transformando Brasília num marco referencial das mudanças
institucionais brasileiras, com profundos reflexos na vida política e econômica,
410
independentemente da reversão de lideranças provocadas pelo movimento cívico-militar de
1964.
De qualquer forma, aquelas candentes questões, como efetiva demonstração
desta linha conclusiva, ainda turvaram as sessões do Conselho de 12 de abril de 1961,
mesmo na antevéspera do dia 21 de abril, data programada (e realizada) da instalação da
Capital Federal, em Brasília, principalmente porque ficavam, agora, em posições
diferenciadas a instalação do STF e dos Tribunais Superiores em Brasília e permanência do
Conselho Federal da OAB. Naquela sessão o Conselheiro Nehemias Gueiros, após relatório
de Carlos Bernardino Bozano, favorável à transferência do Conselho,
(...) ponderou que hoje o Supremo Tribunal Federal irá decidir, em sessão pública,
sôbre sua transferência para Brasília, pelo que era de se indagar da conveniência do
Conselho reservar-se para decidir a transferência de sua sede após a deliberação do
Supremo Tribunal Federal.
411
O Presidente ponderou, naquela ocasião, que o problema da transferência do
Supremo Tribunal Federal diferia da mudança da sede do Conselho Federal, cada um
apresentando suas peculiaridades. O Conselheiro Carlos Bernardino deu o seu parecer, com
o seguinte teor:
Manifestando-nos sôbre a transferência do Conselho Federal para Brasília, em face da
disposição do Regulamento e da viabilidade ou não dessa transferência, devemos
410
Em março de 1993 tive oportunidade de publicar na imprensa de Brasília artigo intitulado Brasília,
Revolução Nacional, onde, principalmente, procurei demarcar os efeitos da mudança com efeitos de
transformação não apenas geopolítica, mas de estruturas na vida econômica e nas dimensões geopolíticas do
Brasil. Brasília foi um novo pacto nacional que nem ao menos os militares reverteram, pelo contrário,
aceitaram e que sobreviveu como monumento urbano do desenvolvimentismo. Ver Correio Brasiliense.
Caderno, p. 3 e Jornal de Brasília. 1º Caderno, p. 5.
411
Ata da 998ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de abril de 1961.
276
salientar, desde logo, que inexiste qualquer disposição literal de lei que designe a sede
do órgão supremo da classe. Pode-se inferir da exigência constante do § 1º do artigo 89
do Regulamento e do que dispõe o § único do artigo 88, e do art. 90, que o Conselho
deva estar localizado na capital do País, mas literalmente não foi marcada a sua sede.
Penso, entretanto, que o Conselho Federal, pela própria constituição da Ordem dos
Advogados do Brasil sob o caráter federativo e à vista das suas atribuições específicas,
deva estar localizado na capital da República. É indispensável, porém, o atendimento
prévio de condições mínimas, para que o Conselho Federal possa, com dignidade e
eficiência, exercer as suas altas funções. Assim, o governo federal, na forma do disposto
no artigo 5º do Regulamento, deverá prover a instalação condigna do Conselho
Federal, e seus arquivos, de preferência no edifício do Tribunal Superior; deverá dispor
a cidade de meios de comunicação e transporte rápidos, inclusive com o resto do País;
deverá apresentar a possibilidade efetiva de abrigar, mesmo provisòriamente, os
interessados em assuntos da alçada do Conselho; deverá contar com um número de
advogados capaz de atender à representação de todos os Estados da União, Territórios
e novo Distrito Federal, sendo que tal número deverá ser acrescido dos que vão compor
o Conselho local; deverá possuir meios de divulgação, para a publicação de atas,
pautas, editais, etc., valendo notar que os meios de divulgação mencionados deverão
realmente levar aos interessados no resto do País as notícias e intimações. Eis, a nosso
juízo, o mínimo dos mínimos.
Como se verifica a posição do Conselheiro prima-se pela prudência e, como já
observamos, define as responsabilidades na forma do Regulamento: não está mesmo
explicito onde deveria ser a sede da OAB, não há uma obrigação estatutária de ser na
Capital Federal, ao contrário do expresso no dispositivo constitucional sobre o Supremo
Tribunal, por outro lado, estava claro no texto regulamentar o apoio que a União deveria
prestar ao seu funcionamento. No quadro geral das dificuldades, o caminho que se
avizinhava seria o cumprimento da ordem jurídica, o que, como já indicamos, agravaria a
divisão geopolítica do país: a elite administrativa (e política) em Brasília e as elites
jurídicas e econômicas no Rio e São Paulo. Estas mesmas elites, social-trabalhistas, em
Brasília, com suas bases no Rio e São Paulo, e as elites liberais e anti-trabalhistas com suas
cúpulas administrativas em Brasília. A OAB resistirá a este modelo, que, no curtíssimo
prazo, a deslocará da adesão autoritária à crítica e militância contra o autoritarismo.
Continua o conselheiro relator Carlos Bernardino:
Há, para mais, uma preocupação, que, pela sua natureza, mereceu-nos referência
especial: mudança do Conselho Federal. Como resolver êsse problema? A correta e
minuciosa exposição do Prof. Alcino Salazar, Presidente do Conselho, trouxe-nos a
certeza de que, embora as suas providências, desde 1958, nenhuma atenção foi dada,
pelos poderes competentes, à situação dos advogados, vale dizer à distribuição da
justiça. Não há, em conseqüência, local, em Brasília, para a instalação do Conselho
Federal, nem para o Conselho Secional a ser criado. Promessas sòmente; nada de
concreto, no entanto. A única resposta escrita, até agora, foi a do Ministro da Justiça,
dizendo que encaminhara ao ‘grupo de trabalho’ de Brasília o ofício da presidência
277
deste Conselho. Entre as promessas do responsável pela NOVACAP, consta a da cessão
de um terreno com alusão a um possível financiamento para a construção da sede do
Conselho Federal. Promessa apenas, mas, assim mesmo de difícil aceitação, porque
corresponderia a uma transigência, eis que a lei é bem clara: o governo federal deverá
prover a instalação condigna do Conselho Federal (artigo 5º citado).
412
.
413
(...) Sòmente
1,1% dos funcionários que servem nos Ministérios despede-se do Rio; enquanto isso, os
Tribunais Superiores, com o Supremo Tribunal à frente, seguem para o planalto, onde
inexistem condições para a distribuição da justiça.. Sabido que não há lugar para
advogados, mesmo transeuntes, na capital nova, não compreendemos como possam
legìtimamente funcionar os Tribunais. Quê se pretente? Quê se premedita? Afastar,
deliberadamente ou não, os advogados significa lançar o País no cáos , na anarquia. O
advogado não é apenas um auxiliar da justiça, como da expressão legal.
Carlos Bernardino, no seu detalhado relatório, não deixou de buscar uma das
grandes lições da história do Direito, para justificar a importância do advogado para a
funcionalidade judiciária; no entanto, o fez contra a mudança para Brasília enquanto novo
pacto da vida social brasileira, de certa forma demonstrando a vulnerabilidade dos
brocardos que subsidiam a dogmática positivista.
Conclui, finalmente, o Conselheiro Relator, que, sob tais prismas, a mudança
412
Os interessados em assuntos da alçada do Conselho Federal não encontrarão em Brasília, por muito
tempo ainda, salvo as exceções que confirmam a regra, alojamento, nem comida. É pitoresca a informação
de Colega apresentado a êste Conselho pelo seu Presidente, na sessão de têrça-feira pp.: para dormir e
trabalhar um ´trailler´, para comer o favor do grupo de trabalho de Brasília, que, pensa o Colega, não se
negará à prática da caridade bíblica. O número de advogados com exercício profissional em Planaltina, de
acordo ainda com o aludido Colega, anda em torno de 50, dos quais a metade, mais ou menos, serve à
NOVACAP. Constata-se, pois, que também sob tal aspecto é irrealizável a instalação do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil, por enquanto, em Brasília. A futura capital não dispõe de meios de
divulgação. A distância entre a atual capital e Brasília é de 1.200 quilômetros. Basta enunciar essas duas
verdades para se verificar sob tais primas também, que a mudança do Conselho Federal deve ser adiada. A
futura capital não possui ainda rêde telefônica, nem oferece meios de comunicação com o resto do País
acessível aos particulares. Instalou um sistema de micro-ondas com 120 canais, 28 dos quais sòmente
estarão funcionando nas próximas semanas: As distâncias em Brasília são grandes, da ordem de 16 a 30
quilômetros entre a zona residencial e a praça principal, onde se situa o edifício não terminado do Supremo
Tribunal Federal. Não dispõe a cidade de meios de transporte entre os seus bairros, a não ser menos de cem
carros de aluguel que, por corrida, cobram 500 cruzeiros. Para o resto do Brasil, só o avião, meio de
transporte limitado, pelo número de lugares que oferece, pelo prêço e pelas decorrências naturais às viagens
aéreas. Ata da 998ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de abril de 1961.
413
Para que o Egrégio Conselho, [citou o Conselheiro Bernardino Bozano] faça uma idéia de como se vai
processar a mudança do Executivo, citaremos alguns números, que dispensam comentários: MINISTÉRIOS:
– Aeronáutica possui 7.940 funcionários – seguirão, agora, para Brasília, 130; Agricultura 4.857 – 51;
Educação 6.412 – 55; Fazenda 8.195 – 180; Guerra 8.463 – 202; Justiça 11.461 – 58; Marinha 10.804
109; Exterior 1.514 – 40; Saúde 8.918 – 50; Trabalho 4.364 – 50; Viação 13.543 – 50. – Servem nos
diferentes Ministérios aqui, no Rio, 86.471 funcionários; seguirão, brevemente, para Brasília 975
funcionários. São dados trazidos a público pelo ´O Estado de São Paulo´, um dos maiores jornais do mundo
e que trouxe completa reportagem sôbre a nova capital, em 12 números sucessivos. Ata da 998ª Sessão da 31ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de abril de 1961.
278
´L´Avvocatura é lo strumento critico della funzione giudiziaria e la creatrice stessa Del
diritto: accanto allo ius civile, nacque e si aviluppo nel Foro ‘ius honorarius’ e dalloro
insieme, dalla loro fusione, nacque la gloria Del ‘corpus iures civilis’´.
414
Mais adiante, com suas próprias palavras afirma:
´O advogado é elemento essencial à distribuição da justiça; sem ele faltaria à Nação a
ordem jurídica; sem ela desapareceria a segurança dos direitos, base das instituições
vigentes. Não é possível a administração da justiça sem os advogados. A presença deles
é considerada indispensável até mesmo pelos países totalitários, muito embora, entre as
ditaduras passageiras ou crônicas, a advocacia sofra limitações incríveis. Mas, sempre
aparece a figura do advogado. É como que uma ‘homenagem do vício à virtude’.
415
Só a
ignorância ou a má fé podem prescindir do advogado para a distribuição da justiça.
Mas, já é tempo de estabelecer um limite para a ignorância e aplicar um corretivo à má
fé. Não existe motivo confessável que explique o plano inferior a que se pretende relegar
o advogado, em um Estado de Direito. O que, com a cumplicidade ativa ou passiva da
quase totalidade, se anuncia para breve, no Brasil, é uma coisa inqualificável: mudança
simbólica. Repugna aos advogados a idéia de que possa o Conselho Federal fazer a sua
transferência em caráter simbólico – modalidade que se vem insistindo em divulgar
como meio de compatibilizar a impossibilidade material da transferência com a
disposição legal que a determina – por isso que a transferência simbólica é um
reprovável exemplo de simulação, isto é, de aparentar o que, na verdade, não ocorre,
esquecido e vulnerado o princípio geral de direito: ‘ad impossibilia nemo tonetur’.
416
[Entendemos, por isto, que] o Conselho Federal da OAB deve transferir-se para o novo
Distrito Federal, tão logo a futura capital do País ofereça condições para a mudança, e
os poderes competentes, pelo exato cumprimento da lei, embora tardiamente,
possibilitem o pleno exercício das altas funções do advogado, inseparáveis da
distribuição da justiça, base e fundamento da ordem jurídica. Deve o Conselho Federal,
por intermédio de seu Presidente, a quem é renovada a confiança da classe, perseverar
nas suas providências junto aos poderes competentes, objetivando a mudança no menor
prazo possível. Que cada um assuma a responsabilidade das suas ações ou omissões’.
417
414
Ata da 998ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de abril de 1961.
415
Ver Processo OAB.CF: C. 543-1956.
416
A Universidade de Brasília – UnB, foi criada em período imediatamente subseqüente, e estes debates
procurando criar as condições mínimas para o crescimento intelectual e cultural da nova capital (ver Lei nº
3.998 de 15 de dezembro de 1961. Ver p. 238, op. cit.), após manifestações de resistência à criação de uma
Universidade na Capital Federal, coincidentemente como ocorreria à época de criação da Faculdade de
Direito Civil, na Corte Imperial, Rio de Janeiro (B
ASTOS, Aurélio Wander, op. cit.) Em Brasília, em
condições emergenciais foi criado o Curso de Direito (Departamento de Ciências Jurídicas) já implantado em
21 de abril de 1962, com sede no prédio do MEC, na Esplanada dos Ministérios, com cerca de 50 alunos, a
grande maioria funcionários públicos e seus filhos ou filhas de políticos. O currículo do curso, ainda hoje,
com as adaptações gerais, e aquelas próprias realizadas na UnB, é o currículo referencial do ensino jurídico no
Brasil. B
ASTOS, Aurélio Wander. Ensino jurídico no Brasil. ed. cit.
417
Os Conselheiros Nehemias Gueiros e Miguel Seabra Fagundes apresentaram emendas de redação
adotadas pelo Conselheiro Relator. Em votação, é unanimemente aprovado o voto do Conselheiro Relator,
com a emenda de redação do Conselheiro Miguel Seabra Fagundes. O aditamento Nehemias Gueiros é
aprovado por maioria, tenho votado contrariamente as delegações do Acre, Ceará e Goiás. – Por proposta
do Conselheiro Washington de Almeida ficou deliberado a publicação, na imprensa, e integralmente, do voto
do Conselheiro Relator. – Fizeram justificação de voto os Conselheiros Carlos Alberto Dunshee de
279
O parecer de Carlos Bernardino Bozano, que desde o início promovera a
questão no Conselho Federal e acompanhou favoravelmente a questão da transferência do
Supremo Tribunal, mais foi, finalmente, um pronunciamento ambíguo, e os seus principais
argumentos têm força protelatória, apóiam e subsidiam as posições do presidente Alcino
Salazar. Na verdade, o Conselho Federal, enquanto Conselho, não estava engajado no
Projeto da mudança da Capital, não estava mobilizado, pelas tantas razões apresentadas no
processo de transferência.
Não são evidentes nos documentos citados linhas gerais de convicções políticas
ou confrontos com a posição ofensiva do governo Juscelino engajado na mudança, mas o
texto, interessantemente, a par dos argumentos sobre a inviolabilidade de sobrevivência no
Planalto, deixa visível que as convicções contrárias a uma mudança de curto prazo apóiam-
se nas verdades da práxis romanista (ad impossibilia nemo tonetur) e na recusa à
transferência do núcleo central do poder e da burocracia. Não ficava evidente que esta
mudança seria um processo que o tempo demonstrou conveniente, mas, que, demonstrou,
no médio prazo que teríamos uma reacomodação das elites no poder e na própria Ordem.
O Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches presente a esta sessão
imediatamente ao posicionamento de Bernardino Bozano fez a seguinte declaração de voto:
(...) A Ordem dos Advogados não pode esquecer a grandiosidade do momento histórico
que a Nação está vivendo quando se vai concretizar essa tarefa ciclópica que é a
interiorização da capital, mediante a construção de uma metrópole em pleno planalto
goiano e [a] abertura de estradas que a ligam ao resto do país. É preciso que os
advogados não esqueçam o risco de que algumas das razões apresentadas em defesa de
nossas prerrogativas e da nossa comodidade, venham parecer pequeninas aos olhos dos
pósteros. Por todas essas razões voto pelas seguintes conclusões: 1) Transferida a
capital da República para Brasília para lá deverá transferir-se o Conselho Federal. 2)
em face das informações constantes do relatório do nosso Presidente, não há ainda
condições materiais para a transferência do Conselho Federal, na sua Secretaria e
respectivos funcionários para o novo Distrito Federal, nem existem, atualmente, locais
de trabalho e alojamento para os advogados que precisem ir a Brasília no exercício de
seus mandatos, perante o STF, o TFR e demais tribunais superiores, depois de para lá
transferidos. 3) o Conselho Federal resolve condicionar a sua transferência para
Brasília à ocorrência dessas condições materiais, no menor prazo possível,
comunicando-se essa resolução ao Poder Executivo e ao STF. 4) O Presidente do
Conselho Federal, pessoalmente ou pelas comissões que designar, deverá insistir junto
aos poderes competentes para a obtenção das condições materiais acima referidas´.
Abranches e Miguel Seabra Fagundes, nos seguintes termos. Ata da 998ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 11 de abril de 1961.
280
Da mesma forma o Conselheiro Miguel Seabra Fagundes fez a seguinte
declaração de voto:
´Que se deixasse expresso restringir-se a permanência do Conselho Federal na cidade
do Rio de Janeiro, ao prazo estritamente indispensável à verificação das condições
mínimas indispensáveis à sua composição e ao seu funcionamento na cidade da
Brasília´.
418
Estes votos e declarações, efetivamente, demonstram ao Conselho Federal da
OAB, que ficava impossível resistir à transferência dos tribunais superiores e do STF para o
Distrito Federal, até mesmo pela força dos dispositivos constitucionais, mas, por outro lado,
ficou mesmo impossível a transferência do Conselho Federal, para Brasília, não apenas em
função dos tantos dados negativos, mas, também, a ausência de vontade política. Os
argumentos explicativos, como já vimos, têm vários ângulos, mas, de qualquer forma,
abordagens cognitivas são imprescindíveis para se detectar os efeitos da mudança da
Capital sobre o exercício da advocacia:
em primeiro lugar, ao que se presume, as resistências da OAB à mudança da
Capital levaram, também, no curto e médio prazo, o poder público federal a evitar a
ambientação física da instalação de sua sede em Brasília, de tal forma, que, a longo prazo,
as condições de transferência ficaram acentuadamente difíceis, o que, também, no tempo,
aumentou os custos da transferência;
a promulgação do novo Estatuto fortaleceu a autonomia e a independência da
OAB em relação ao poder público na redefinição de seu papel na vida política brasileira;
a demora na transferência provocou a reformatação das elites da advocacia,
que, no longo prazo, passou a ter quadros amplamente regionalizados e desvinculados da
advocacia da antiga Capital federal, fortalecendo, inclusive, em Brasília, uma nova elite da
advocacia, que, rapidamente, também, ocupou as carreiras jurídicas de Estado;
a dilatação dos prazos de permanência da OAB no Rio de Janeiro,
fortaleceram, num primeiro momento o espaço interno das lideranças liberais (e
conservadoras) e das reações contra os ideais simbolizados por Brasília;
418
O senhor Presidente nomeou uma Comissão constituída dos Conselheiros Miguel Seabra Fagundes,
Carlos Povina Cavalcanti e Carlos Alberto Dunshee de Abranches para estudar as medidas necessárias à
efetivação da transferência do Conselho Federal para Brasília Ata da 998ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária
do CF.OAB de 11 de abril de 1961.
281
e o fortalecimento do poder presidencial, em Brasília a OAB encontrou no
pacto ou aliança udenista e uma forte influência das elites militares, principalmente
instaladas na Escola Superior de Guerra – ESG, o que ampliou as condições de resistência,
não apenas à radicalização janguista, que sucede à atormentada renúncia de Jânio Quadros,
mas ampliou a esperança política de se ganhar o poder presidencial e buscar um modelo
econômico mais comprometido com a livre iniciativa, o mercado e o capital internacional;
Esta política de alianças, que se consolidou na crise da transferência para
Brasília, foi a moderna tragédia da OAB, longe da Capital Federal, longe do centro de
poder que avançava à esquerda e dos tribunais superiores infenso às suas pressões
quotidianas perto das forças reacionárias do pensamento liberal-conservador, que
objetavam, e se opunham, não apenas ao aparato de poder, interessado numa transformação
social de base (estrutural), mas à própria história do modelo estatista-nacionalista, não teve
outro caminho senão o confronto com o projeto de reformas de bases, que, no médio prazo,
poderia dar sustentação interna ao projeto brasileiro de desenvolvimento no seu viés
populista (1964), não foi uma aliança paradoxal (heterodoxa) de frações entre si conflitivas
(liberais e autoritárias), mas o próprio doxa (doxo) das frações ameaçadas pela doxa
(ortodoxa) histórica de seu inimigo comum: o esquerdismo nas suas diferentes (manifesta)
ações) e/ou o pensamento de esquerda.
Todavia, imediatamente, aos anos de 1968/69, a OAB, a partir de ações iniciais
do IAB,
419
aproximou-se das entidades da sociedade civil e dos movimentos populares de
resistência ao governo militar, e efetivamente evoluiu de seu ideário permeado pelo
liberalismo jurídico, restritivamente comprometido com a defesa dos direitos individuais,
com o Estado de Direito e com a liberdade de iniciativa para maiores compromissos com a
defesa dos direitos humanos, não apenas como direitos sociais ou do bem estar social, uma
419
Depoimentos colhidos por Edson da Silva Augusta, pesquisador do PqJuris com Ivan Alkimin, ex
Presidente da OAB em julho de 2005, e com Teophilo de Azeredo Santos, Conselheiro do IAB e
representante da categoria dão mostras que as primeiras reações ao governo autoritário evoluíram do IAB e
ambos destacam a posição de H. F. Sobral Pinto, posições pioneiras na defesa dos direitos humanos e
protestos contra os atos de agressão.
282
conquista dos trabalhadores (empregados), mas como direitos existenciais, e com a
organização democrática do Estado, como pressuposto do Estado de Direito.
420
De qualquer forma, não há como desconhecer que todos estes fatos que
envolveram a mudança da Capital para o planalto central, tiveram efeitos de uma grande
mudança na história moderna brasileira,
421
por outro lado, como também verificamos, a
mudança exerce profundos efeitos na recomposição das elites jurídicas e efeitos que
efetivamente ocorreram como reversão da mudança, não propriamente da Capital, mas da
doxa que presidiu a transferência, fortalecendo os quadros seccionais, com profundos
reflexos na formatação da elite corporativa. Este fato, visto no tempo histórico, é altamente
significativo para a compreensão do Brasil e, demonstra, não apenas, o reposicionamento
das elites, mas, muito especialmente, como o “candango” foi envolvido (incognitamente)
no cenário da nossa mais arrojada movimentação geopolítica, com profundos efeitos
institucionais, políticos, urbanos e arquitetônicos e, inclusive, na corporação dos
advogados, da história brasileira moderna, que poderá ser reconhecido como o mais extenso
movimento civilizatório contemporâneo.
Estes efeitos, no que se referem à Ordem dos Advogados podem ser
subdivididos em dois grandes movimentos: o deslocamento da liderança do Conselho
Federal para posturas ideológicas mais abertas, com a permanência do Conselho Federal na
cidade do Rio de Janeiro (a partir de 1971, Capital do Estado do Rio de Janeiro que adviera
da fusão do (modernoso) Estado da Guanabara com o Estado (a velha província) do Rio de
Janeiro e a interiorização corporativa que contribuiu para o fortalecimento das questões
seccionais e das subseções da OAB comprometidas com o quotidiano profissional. O
primeiro movimento está diretamente ligado ao desgaste dos liberais com o avanço
autoritário, viabilizando, no médio prazo, uma influência maior das grandes questões (e
movimentos) políticos que dominaram a cidade do Rio de Janeiro, onde permanecia a sede
420
O Estatuto de 1963, não recepciona qualquer dispositivo sobre o advogado-empregado ou mesmo, sobre
direitos previdenciários. Somente com o Estatuto de 1994, a questão veio a ser regulamentada na forma de seu
Capítulo V do título I.
421
Dispensável em Tese como esta destacar estes aspectos, mas independentemente dos seus efeitos sobre a
historia brasileira (BASTOS, Aurélio Wander. Brasília Revolução Nacional. op. cit.) eles marcaram a historia
de nossos tribunais superiores e da OAB. Como demonstramos, permanecer no Rio aproximou a OAB dos
movimentos populistas, afastando-a das elites liberais e dos movimentos de criação das sociedades civies que
se articularam para a queda e a crescente ilegitimidade de regime político autoritário.
283
da OAB (ainda à época) o maior centro político brasileiro e, o segundo movimento,
permitiu que os ideais políticos que influíram no segundo período seccional do Estado do
Rio de Janeiro, vencida a primeira fase da fusão, se deslocassem, através do Instituto dos
Advogados, (todos) localizados no mesmo espaço físico, com representação nata no
Conselho Federal,
422
para o Pleno do Conselho, deixando o embate corporativo para as
seccionais.
No fluxo e refluxo de todo movimento político, organizava-se no Conselho
Federal a nova elite corporativa, mais crítica aos exageros do poder político autoritário e,
intelectualmente sensível, estava acostumada ao quotidiano dialético das idéias no IAB e
com amplas conexões com os advogados ligados à defesa de militantes políticos e com os
movimentos e lideranças de oposição, essencialmente mobilizados na cidade do Rio de
Janeiro, onde a liderança udenista tradicional, pelos seus tantos desencontros, perdera
espaço para lideranças engajadas nas lutas anti-autoritárias. Na verdade, vale o audacioso
argumento: a OAB em Brasília, naqueles tempos, não teria representado para o Brasil o
papel que efetivamente representou na abertura democrática.
3 – A OAB e a Instalação dos Tribunais Superiores em Brasília
Ao mesmo tempo em que os poderes públicos se instalavam em Brasília em
1960 e o governo JK distribuía convites para os atos de inauguração, já se identificavam em
todo o Brasil os atos de resistência e inconteste negação aos novos rumos do país. Veja-se o
seguinte extrato da Sessão do Conselho Federal realizada na antevéspera da instalação da
nova Capital:
423
(...) O Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos convidados para a
instalação daquelas entidades em Brasília, nos dias 21 e 22 de abril, respectivamente,
na impossibilidade material de comparecer, por falta de alojamento naquela cidade, o
422
Ver Lei nº. 4215, de 27 de abril de 1963.
423
Ata da 965ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária CF.OAB de 19 de abril de 1960.
284
senhor Presidente designou o Doutor Leopoldo César de Miranda Lima, que, no
momento, lá se encontra, para representa-los nas referidas solenidades.
Por outro lado, veja-se a reação do Conselho Federal à decisão do STF que se
decidiu pela mudança quando do exato período de transferência da capital:
O senhor Presidente [Alcino Salazar] formulou ao Conselho [a OAB] o seguinte
protesto: ´O Supremo Tribunal Federal, em sessão de 12 do corrente mês, deliberou
transferir-se para Brasília no próximo dia 21. A decisão foi tomada por maioria de
votos, tendo votado vencidos os Ministros Barros Barreto, Presidente Luiz Galloti, Ary
Franco e Ribeiro da Costa. O Ministro Presidente, que regressava naquele mesmo dia
de uma viagem de inspeção pessoal às obras da nova capital, informou que nela não
havia condições para a instalação e funcionamento dos serviços daquele alto Tribunal
bem como para alojamento condigno dos senhores Ministros, exatamente como
constava de laudo oferecido pelo engenheiro Ademar Marinho, escolhido pelo próprio
Tribunal para vistoriar a cidade em construção. Apesar dessa informação autorizada e
do laudo em referência o Tribunal deliberou a mudança imediata, suspendendo por
prazo indeterminado os seus trabalhos. Essa deliberação foi acompanhada pelo
Tribunal Federal de Recursos.
E continua, ainda, o Presidente Alcino Salazar:
Na discussão do assunto não foi considerada nem foi objeto de referências a
representação deste Conselho apontando fatos e expondo argumentos no sentido do
adiamento da mudança, a não ser da parte do Ministro Luiz Gallotti que mencionou e
encareceu aquele documento com que esta Casa procurou colaborar na solução do
problema. Houve mesmo argüição de um dos eminentes Ministros do Tribunal no
sentido da desnecessidade da participação dos advogados no julgamento dos recursos
sob a alegação de que o Tribunal conhece o direito. Não estão, portanto, funcionando
no país, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Federal de Recursos. E êste recesso
não tem tempo certo. – Estão, assim, e permanecerão assim, sem amparo possível até
não se sabe quando todos os direitos e interêsses cuja proteção depende desses altos
Tribunais. É a própria estrutura do Estado de Direito que entra em recesso, com a falta
de funcionamento dos Tribunais que julgam os atos do Presidente da República e seus
Ministros, e dos quais cabe a defesa das instituições jurídicas e das garantias dos
cidadãos. Já agora, esgotados todos os esforços no sentido de evitar o colapso, o
Conselho só se poderá manifestar em termos de protesto, para bem fixar as
responsabilidades pelo que está acontecendo e pelo que virá a acontecer. A Ordem dos
Advogados não pode ficar indiferente ao impacto que a ordem jurídica sofre com a
atitude do colendo Supremo Tribunal Federal. Daí o protesto que proponho ao
Conselho’.
424
424
O protesto apresentado pelo senhor Presidente foi debatido pelos Conselheiros Aldo Prado, Clovis Ferro
Costa, Nehemias Gueiros, Letácio
Jansen, Luiz Lyra, José Telles da Cruz, Antônio Carvalho Guimarães. Em
votação, foi unanimemente aprovado. Anulado, por empate, o voto da delegação do Ceará
.
Ata da 965ª
Sessão da 30ª Reunião Ordinária CF.OAB de 19 de abril de 1960. Nesta mesma Sessão o Conselheiro Letácio
Jansen apresentou indicação referente ao funcionamento do Conselho Federal em Brasília, tendo o senhor
Presidente designado relator o Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano.
285
No esfriamento do assunto, sem demonstrar, todavia, que qualquer das
convicções tivessem sofrido alterações:
o Presidente [Alcino Salazar] fêz as seguintes comunicações [ao Conselho]: 1º) O
problema da transferência do Supremo Tribunal Federal e demais tribunais federais
para Brasília foi objeto, há dias, de pronunciamentos de eminentes Ministros daquela
alta Côrte e do Instituto dos Advogados no sentido do adiamento de tal transferência. A
êsse propósito é oportuno lembrar que êste Conselho Federal, logo no início de suas
atividades do corrente ano, aprovou proposta de seu presidente no sentido de aqui
permanecerem aqueles órgãos do Poder Judiciário até que o legislador ordinário
determinasse a mudança, quando para tanto se verificassem as necessárias condições
tornando-a praticável. Tal deliberação foi tomada em sessão a que estiveram presentes
os Senadores Cunha Melo e Jefferson Aguiar, aquele presidente e êste relator da
Comissão Parlamentar Mista incumbida do assunto, que chegou a aceitar o ponto de
vista do Conselho, embora mais tarde houvesse reconsiderado sua conclusão. Os
pronunciamentos agora verificados coincidem pois com antiga deliberação do Conselho
sôbre a questão (...)
425
Os documentos citados, na verdade, demonstram, efetivamente, que houve uma
significativa resistência à mudança da Capital Federal para o Planalto Central, mormente
por parte do Conselho da OAB e, com a prudência exigida, dos Tribunais Superiores. Não
basta reconhecer que esta resistência se apoiava nas precárias condições de vida e
comunicação em Brasília, o que afetaria as condições e os níveis de vida vividas no Rio de
Janeiro, o que aliás não impediu a instalação do Congresso Nacional, mas, é importante,
também, reconhecer, que não houve um engajamento da elite jurídica brasileira,
principalmente instalada no Rio, neste grande movimento geopolítico.
Interessantemente, deve-se ressaltar que o Conselho Federal, diante da posição
adotada pelo STF e TRF, transferindo-se, mas por prazo indeterminado, suspendendo seus
trabalhos,
426
diferentemente do Tribunal Superior do Trabalho, que se instalou sem que
suspendesse as suas atividades, entendeu que o Estado de Direito estava ameaçado com a
interrupção do processo decisório nestas instâncias, na sua tradicional linha argumentativa.
Todavia, não anteviu que a permanência do Conselho no Rio de Janeiro contribuiria para
afetar o quadro geral da correlação das forças políticas: num primeiro momento na
retomada de suas alianças com as elites militares de 1945, que, também, (parcialmente)
425
Ata da 954ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária CF.OAB de 27 de outubro de 1959.
426
Os trabalhos do STF foram reinstalados em Brasília no dia 15 de junho de 1960. Ata da 971ªª Sessão da
30ª Reunião Ordinária CF.OAB de 30 de maio de 1960.
286
resistiram à interiorização da Capital,
427
ou pelo menos não as mobilizou no curto prazo,
muito embora, pouco mais tarde, reconheceram, a mudança da Capital como iniciativa
geopolítica altamente significativa. Ressalte-se, todavia, que, o governo militar instalado no
poder em 1964 passou a contribuir para o projeto Brasília, coincidente com a
desmobilização da aliança com a OAB, que cresceu politicamente no eixo da resistência
autoritária: a cidade do Rio de Janeiro, sede da OAB, e a cidade de São Paulo, sede da
brutal repressão da burocracia armada. Estes poucos argumentos podem, ainda, não serem
suficientes, mas a história provará a relação senão direta, imediata, entre 21 de abril de
1960 (a transferência efetiva da Capital) e 31 de março/1º de abril de 1964 (o movimento
“cívico” militar), com todas a nuances e justificações ideológicas.
Vencidas esta etapas relativas à transferência dos tribunais,
428
mesmo que em
condições precárias, no todo, agora, irreversível, o Conselho Federal intensificou as
negociações sobre a transferência do Conselho Federal e a conseqüente instalação da
Ordem dos Advogados do Distrito Federal – OAB.DF. Assim,
(...) O Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches comunicou que esteve em
Brasília nos dias 20, 21 e 22 [de abril] e, atendendo à solicitação feita pelo Presidente,
como membro da Comissão designada para auxiliá-lo nas providências destinadas a
possibilitar a transferência do Conselho Federal e o exercício regular da advocacia na
nova capital, procurou entrar em entendimentos com as autoridades das quais
dependiam a consecução dos meios indispensáveis àqueles fins. Idêntica solicitação
recebeu do Conselheiro Nehemias Gueiros, presidente da diretoria provisória da Seção
da Ordem, criada no novo Distrito Federal, e que também, depende de sede para a sua
instalação. No desempenho dêsses mandatos procurou inicialmente o Dr. Felinto
Epitácio Maia, membro do Grupo de Trabalho da Mudança da Capital, que, apesar do
esgotamento físico decorrente do intenso trabalho dos últimos dias, mantinha-se no seu
gabinete no andar térreo de um dos edifícios destinados aos Ministérios e atendeu
cordialmente o representante do Conselho Federal, promovendo imediatamente uma
conferência com o Dr. Irineo Joffily, sub-chefe do Gabinete do Ministro da Justiça.
427
A história brasileira ainda não se aprofundou neste tema, mas não temos indicativos, nem mesmo dos
militares da ESG, que eles eram contra o projeto Brasília, até porque estavam nas comissões precursoras,
inclusive a comissão getulista. As conseqüências da guerra, quem sabe, não tenham contribuído para os
incluir no projeto, principalmente porque desviaram o projeto estratégico da interiorização para a defesa
externa. De qualquer forma, o tempo da ditatorial de Brasília não reverteu seus rumos, o que esperavam,
mesmo quem sabe, era o idealismo político para virar o eixo que muito contribuiu para os ideais do exército
brasileiro.
428
Processo C. 650/60. Ver: Ordem do Dia: Indicação formulada pelo Conselheiro Alcy Demillecamps a fim
de que o Conselho se dirija aos Tribunais Federais que se transferiram para Brasília, no sentido de serem
adotadas providências que preservem os interêsses das partes e de seus procuradores no que concerne a
prazos, ingressos de recursos e publicação de julgados. Ata da 967ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária
CF.OAB 3 de maio de 1960.
287
Informaram êles que o Gôverno se dispunha a conceder ao Conselho Federal um andar
no edifício nos quais estavam sendo instalados o Tribunal Federal de Recursos, o
Tribunal Superior Eleitoral e a Justiça local do novo Distrito Federal, oferecendo-se o
Dr. Joffily para acompanhar o representante do Conselho Federal ao referido edifício,
no qual se iriam realizar, pouco depois, as sessões solenes de instalação dos dois
referidos tribunais.
Após essas sessões continua:
o Dr. Joffily e o Dr. Abranches procuraram o Ministro Nelson Hungria, presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, em companhia da Drª Maria Rita, 3º Vice-Presidente do
Instituto dos Advogados, que havia ido a Brasília em idêntico objetivo. A todos declarou
o Ministro Hungria que o Executivo havia destinado os 7º, 8º e 9º pisos do bloco 6
(Edifício Ministerial) ao Tribunal Superior Eleitoral, mas que êle, prazeirosamente,
cederia o 7º piso à Ordem e ao Instituto, como reiteradamente já havia declarado,
inclusive em voto no Supremo Tribunal Federal. Acrescentou o Ministro Hungria que,
sendo muito amplo o referido andar, a Ordem poderia utilizar parte dêle para a
instalação provisória de escritórios de advogados dos Estados, que precisassem ir a
Brasília, no exercício da profissão e mesmo para um alojamento de emergência, até a
existência de hotéis ou habilitações onde os advogados pudessem se hospedar nessa
oportunidades. O representante do Conselho Federal visitou, com os seus
acompanhantes e alguns outros advogados presentes, o referido andar, verificando que
êle estava de fato concluído e comportava as soluções alvitradas, faltando, no entanto,
os móveis para as instalações sugeridas. Foi procurado, então, o encarregado desse
setor, Dr. Jaime de Almeida, também presente na ocasião, que declarou iria tomar as
providências necessárias, a fim de serem fornecidas mesas e cadeiras, únicos móveis
disponíveis.
Nesta mesma linha:
O Dr. Abranches, ponderando que a Ordem aguardava um solução concreta para
mudar-se, solicitou ao Ministro Hungria que oficiasse ao Conselho Federal,
autorizando-o a instalar-se, bem como a nova Seção no referido pavimento, no que S.
Exciª acedeu, pedindo que os representantes da Ordem e do Instituto o procurassem à
tarde em sua residência, quando faria entrega do aludido ofício. Declarou mais o
Ministro Hungria que iria, em seguida, entrevistar-se com o Prefeito do Novo Distrito
Federal, Dr. Israel Pinheiro, e que aproveitaria o ensejo para tratar da cessão de
terreno e financiamento para construção da sede definitiva dos órgãos da Ordem e do
Instituto dos Advogados, conforme seu oferecimento anterior, quando Presidente da
NOVACAP. Procurado em sua residência o Ministro Hungria escusou-se de não ter em
mãos o ofício prometido, por não estarem ainda completamente instalados os serviços
burocráticos do Tribunal Superior Eleitoral, mas escreveu uma carta do seu próprio
punho aos representantes da Ordem e do Instituto, confirmando os oferecimentos supra,
tanto para a instalação provisória, como para a instalação definitiva das duas
instituições. Quanto aos contactos com os demais membros da diretoria provisória da
nova Seção da Ordem [Nehemias Gueiros] nada pôde ser feito, por não terem êles sido
encontrados, ignorando mesmo se estavam em Brasília. Declarou o Conselheiro
Dunshee de Abranches que recebeu preciosa colaboração do Dr. Inezil Pena Marinho,
tendo oportunidade de constatar pessoalmente o padrão ético e a boa organização do
escritório dêsse colega, que, pelas suas qualidades, poderá ser de grande utilidade para
a instalação da Ordem em Brasília.
288
Finalmente,
concluiu informando ter estado presente com outros colegas também à sessão de
instalação do Supremo Tribunal Federal, fazendo em seguida um relatório da situação
de carrência em matéria de polícia e justiça local que ocorria em Brasília, nos dias 20 e
21 pelo fato de não se acharem em exercício as respectivas autoridades, tendo cessado
na véspera a jurisdição das que exerciam tais funções, o que constitui mais um motivo
para que a Ordem apressasse sua transferência para o novo Distrito Federal’; d) O
Conselheiro Nehemias Gueiros comunicou ao Conselho que viajou para Brasília no dia
22 do corrente, na qualidade de Presidente da Diretoria Provisória nomeada para
criação da Seção da Ordem dos Advogados do novo Distrito Federal, não tendo,
entretanto, podido fazer contacto com os demais companheiros de Diretoria para o fim
de tomar as providências preliminares da instalação da nova Seção da Ordem;
429
e) O
senhor Presidente comunicou que o Conselheiro Adaucto Lúcio Cardoso pediu
transmitisse ao Conselho que tranferiu sua residência para Brasília e que estava à
disposição dos colegas de Conselho naquela cidade; f) O Conselheiro Washington de
Almeida comunicou ao Conselho que o Tribunal Superior do Trabalho decidiu sòmente
tranferir-se para Brasília quando na nova Capital existirem instalações cabais para o
Tribunal, sem que seja necessário, ao tempo da mudança, que o Tribunal entre em
recesso.
Nestas condições,
(...) o Conselheiro Washington de Almeida [propôs] que o Conselho envie ao Tribunal
Superior do Trabalho a seguinte moção: ‘ Proponho ao Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil que apresente ao Egrégio Tribunal Superior do Trabalho as
suas congratulações por não ter decretado o recesso de seus trabalhos, tendo
assegurado, assim, o funcionamento daquela alta Corte de Justiça especializada, sem
solução de continuidade’. Em votação, é a mesma aprovada, contra os votos dos
Conselheiros Claro Augusto Godoy e Jorge Botelho. O Conselheiro Carlos Alberto
Dunshee de Abranches fez a seguinte declaração de voto: ‘Voto inicialmente contra a
indicação do Conselheiro Washington de Almeida. Dou, porém, meu apôio a que se
manifeste ao Superior Tribunal do Trabalho que, não entrando em recesso por tempo
indeterminado, assegurou êle a continuidade da proteção jurisdicional que lhe incumbe
e do exercício da advocacia’; g) O Conselheiro Alcy Demillecamps apresentou
indicação no sentido do Conselho dirigir-se aos Tribunais Federais que se transferiram
para Brasília, no sentido de serem adotadas providências que preservem os interêsses
das partes e de seus procuradores no que concerne a prazos, ingresso de recursos e
publicação de julgados. O Conselheiro Gil Soares apresentou indicação com idêntico
objetivo, do teor seguinte: ‘Sugiro que o Conselho Federal se dirija aos Tribunais, em
429
b) O Conselheiro Nehemias Gueiros comunicou que foi instalada a Ordem dos Advogados, Seção do
Distrito Federal, em Brasília, em solenidade à qual compareceram cêrca de 40 advogados, magistrados,
Procurador Geral da República, sendo a sede da nova Seção no 7º pavimento do edifício 6 da Esplanada dos
Ministérios, sede do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Federal de Recursos. O pavimento referido
tem espaço que permite a instalação da Seção do Distrito Federal e do Conselho Federal, quando êste se
transferir para a nova Capital. O senhor Presidente agradeceu a comunicação e declarou que irá a Brasília
no dia 15 de junho, para assistir à reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal, ocasião em que
visitará a sede da Seção do Distrito Federal. Ata da 971ªª Sessão da 30ª Reunião Ordinária CF.OAB de 30 de
maio de 1960
289
Brasília, no sentido de que, até ulterior deliberação, as audiências de publicação de
acórdãos só se realizem no primeiro dia útil de cada mês’. (...)
430
Ainda no que se refere à mudança do Conselho Federal para Brasília:
(...) d) Em Brasília, visitou o prédio do Supremo Tribunal Federal, que continua
inacabado, sem condições de funcionamento a contento do Tribunal. O ritmo das obras,
em Brasília, caiu consideràvelmente e os serviços judiciários, na nova capital,
continuam funcionando precàriamente. Visitou o local pôsto à disposição da Ordem dos
Advogados, pelo Ministro Nelson Hungria; é um amplo salão, sem qualquer instalação.
Manteve conversações com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Barros
Barreto, a respeito das providências sugeridas pelo Conselho, para defesa dos
interêsses da partes e da atuação dos advogados, dadas as dificuldades verificadas na
nova Capital, tendo o presidente do Supremo Tribunal admitido a possibiilidade da
adoção de algumas delas, mas nada ficou assentado em definitivo.
431
Prosseguindo, observou
O senhor Presidente,
432
[acentuou] de forma objetiva, que crescem as dificuldades para
o exercício da advocacia nos Tribunais Federais sediados em Brasília, não sòmente em
virtude da carência de acomodações e de transportes na nova Capital, como pela
precariedade das comunicações entre Brasília e o resto do país. Relatou que o “Diário
de Justiça” publicado em Brasília chega ao Rio com 15 dias de atrazo, quando os
prasos (sic) para os recursos das publicações de acórdãos já estão consumados; que as
pautas do Supremo Tribunal Federal continuam sendo muito numerosas, do que resulta
a impossibilidade do julgamento, numa sessão, dos processos em pauta; que vêm sendo
publicadas em pautas até com a extravagância de 329 processos para uma sessão; que
os julgamentos estão se dando à revelia dos advogados, pois raro é o processo julgado
com a presença do advogado, segundo se vê das notícias de julgamentos publicadas no
‘Diário de Justiça (...)
Estavam, agora transferida a Capital, visíveis as dificuldades de funcionamento
dos tribunais, que eram, no entanto, dos advogados militantes nos tribunais superiores. O
430
Ata da 966ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária CF.OAB 26 abril de 1960.
431
Ata da 975ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária CF.OAB 28 junho de 1960. O Conselheiro Oswaldo de
Souza Valle propôs que conste da presente ata a entrevista prestada ao ´Correio da Manhã’ pelo senhor
Presidente Alcino Salazar sôbre o funcionamento da justiça em Brasília, tendo sido aprovada.(...) e, ainda, o
Conselheiro Alcy Demillecamps sugeriu que se expedisse telegrama ao presidente do Supremo reiterando a
adoção de medidas sugeridas pelo Conselho. Debateram a matéria os Conselheiros José Maria Mac-Dowel
da Costa e Miguel Seabra Fagundes. Deciciu-se expedir telegrama solicitando ao presidente do Supremo
Tribunal Federal medidas que tornem possível a participação dos advogados nos julgamentos do Tribunal
432
Ata da 976ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 julho de 1960, onde consta: O Presidente
Alcino Salazar disse que, cumprindo deliberação do Conselho, expediu telegrama ao Presidente do Supremo
Tribunal Federal, encarecendo a necessidade de serem adotadas providências que assegurem a participação
do advogado nos julgamentos do referido Tribunal.
290
retardamento das decisões da OAB, todavia, procrastinando a transferência complicava o
fato e subtraía do Conselho Federal as condições de negociação direta de soluções. Esta
posição, como não poderia deixar de ser, em curtíssimo prazo transferiria para a advocacia
local a negociação das condições de funcionamento judicial, esvaziando a cúpula localizada
no Rio de Janeiro nas tramitações em Brasília, ampliando o seu desinteresse pela instalação
dos serviços jurídicos na Capital e, ao mesmo tempo, como aconteceu no médio prazo,
deslocou a do próprio cenário dos acontecimentos judiciários.
O Conselho Miguel Seabra Fagundes, em atinência às considerações do senhor
Presidente sobre as dificuldades no exercício da advocacia em Brasília, observou que:
deve o Conselho enfrentar o problema com ânimo resoluto, pois está em jogo a função
precípua do órgão da classe, que é assegurar o exercício efetivo da advocacia perante
os juízos e tribunais e com maior razão perante os mais altos tribunais, quais o Tribunal
Federal de Recursos e o Supremo Tribunal Federal. Declarou que o Conselho deve
divulgar pela imprensa, para informar o país, que os advogados não podem exercer a
profissão perante os Tribunais Federais em Brasília; que se deve insistir, junto aos
Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Federal de Recursos, no sentido
de serem adotadas as medidas conducentes a obviar as dificuldades ao exercício da
advocacia, sugeridas pelo Conselho; que no caso de serem vãos os esforços do
Conselho, dirigir a Ordem manifesto à opinião pública fixando as responsabilidades
pela subversão da ordem jurídica objetivada no cerceamento da advocacia perante os
Tribunais Federais.
433
Seguindo na mesma linha argumentativa, o Conselheiro Washington de
Almeida acentuou:
que é da maior gravidade para os advogados o fato de não terem meios de tomar
conhecimento, ràpidamente , das publicações dos acórdãos o que os impossibilita de
manifestar os recursos cabíveis no tempo hábil.
434
O Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches, que vinha enfrentando a
questão sempre com perspicaz compreensão, fez a seguinte declaração:
Entendo que é dever do Conselho Federal tomar tôdas as medidas necessárias para
obter a normalização, mais rápida possível, das atividades dos Tribunais Superiores,
após a mudança para Brasília. 2. Entre os pontos focalizados na exposição do nosso
433
Ata da 976ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de julho de 1960.
434
Ibid.
291
eminente Presidente alguns são inconvenientes antigos, a saber: a) Publicação de
pautas no mesmo dia do julgamento ou na véspera, sem tempo para que os advogados
preparem a sustentação oral, quando fôr necessária; b) Elaboração de pautas com duas
e até três centenas de processos, o que força o inútil comparecimento dos advogados,
durante várias semanas e até meses, a tôdas as sessões do tribunal, antes de chegar a
vez do julgamento no qual deverá intervir; c) Julgamento de seis e até mais dezenas de
processos, em uma única sessão, o que dá, para cada feito, pouco mais de dois minutos
para o tempo médio dentro do qual deverão ser feitos a chamadas do processo, o
relatório, a sustentação oral pelos patronos das partes, a colheita dos votos e a
proclamação do resultado, afetado iniludívelmente a boa distribuição da Justiça pelo
Pretório Excelso, de cujas decisões não cabe mais recursos; d) Apezar da operosidade
de seus Ministros e do seu corpo de servidores, tornou-se urgente dar solução à crise do
Tribunal Federal de Recursos, cujo déficit, entre os processos entrados e os julgados,
aumenta cada ano. 3. Para os males indicados nas alíneas a e b, considerado inútil a
repetição das inúmeras gestões feitas pelo douto Presidente Alcino Salazar e seus
antecessores junto à Presidência do Supremo Tribunal Federal. É conhecida a opinião
dos que têm passado pela Chefia do Judiciário, em contrário às limitações de prazo e
publicação das pautas e do número dos processos em pauta, ante o receio de que tais
medidas possam reduzir o rendimento dos trabalhos da alta corte. 4. Parece-me, por
isso, que a única solução eficaz, ainda que a longo têrmo, seria a regulamentação da
matéria por meio de lei, complementando o Capítulo do Código de Processo Civil sôbre
a ordem do processo na superior instância, como já propus. 5. Quanto ao inconveniente
aludido na alínea c, deve o Conselho Federal insistir pela emenda constitucional que
reduza a competência do Supremo Tribunal Federal, eliminando pelo menos, os
recursos, de terceira instância, em casos de habes-corpus e mandado de segurança e os
recursos extraordinários em matéria trabalhista, salvo quando fôr argüida
inconstitucionalidade. 6. Finalmente, no que toca ao Tribunal Federal de Recursos há
ante-projeto de nossa autoria, sôbre a criação do II Tribunal Federal de Recursos, com
sede no Rio de Janeiro, ante-projeto êsse pendente de apreciação do Conselho Federal,
já tendo o relator, Conselheiro Seabra Fagundes, pedido a inclusão em pauta. 7. Assim,
a meu vêr, os problemas antigos devem ser nìtidamente destacados dos problemas
novos, surgidos com a transferência da capital, de modo que ambos possam ser
enfrentados, de modo objetivo, colocando o órgão máximo da classe a salvo de críticas
injustas, pois todos temos cumprido o nosso dever.
435
O pronunciamento do Conselheiro deve ser reconhecido em duas dimensões:
primeiramente, no fortalecimento das posturas para enfrentamento das questões
burocráticas, que o tempo resolverá, mas, em segundo lugar, precursoramente, neste
momento crucial indicou providências indispensáveis, que marcariam o início das
discussões sobre a Reforma Judiciária: a primeira para eliminar recursos que
dispensavelmente têm subido do STF, provocando excessos nos trabalhos dos ministros; a
segunda para criar o II Tribunal Federal de Recursos no Rio de Janeiro e, a terceira com
relação às pautas e número de processo a questão não é da transferência, mas de mudanças
no tratamento de matéria no CPC. Estas três iniciativas, demonstravam e abriam o segredo
435
Ibid. Este documento está assinado por Alberto Dunshee de Abranches, Delegado do Maranhão, no
Conselho Federal.
292
dos procedimentos judiciário explicitando que o congestionamento dos tribunais tornara-se
já de muito uma questão a se enfrentar para melhor jurisdicionar.
436
4 – A Ordem dos Advogados e as Políticas de Estado
No próprio Conselho Federal, todavia, as posições não foram unânimes, apesar
das incisivas posições do Presidente, na questão da transferência para Brasília, muito foram
os opinamentos críticos à posição do próprio Conselho, assim como muitas foram as
pressões para que o Presidente tomasse as providências de transferência sugeridas. Veja-se,
novamente, a opinião de Bernardino Bozano:
O Senhor Presidente comunicou que, cumprindo decisão do Conselho Federal, esteve
com o Ministro Barros Barreto, Presidente do Supremo Tribunal Federal, para
encarecer a necessidade da adoção de medidas que facilitem o exercício da advocacia,
em Brasília. Declarou que o Ministro Barros Barreto prometeu estudar, com os demais
Ministros do Supremo Tribunal Federal, as sugestões oferecidas. Assinalou ademais o
senhor Presidente, que voltará ao assunto em nova exposição aos Srs. Ministros do
Supremo Tribunal Federal. O Conselheiro Miguel Seabra Fagundes louvou a diligência
do senhor Presidente, encarecendo a necessidade da Presidência usar seus bons ofícios
para fazer alguma coisa em favor dos advogados que hajam de pleitear perante o
Supremo Tribunal Federal em Brasília. O Conselheiro Dario Delio Cardoso ofereceu os
seus préstimos no sentido de encarecer dos Ministros que se encontram em Brasília, o
apoio para as sugestões do Conselho Federal.
437
Da mesma forma, a opinião de Carlos Dunshee de Abranches,
438
quando já
ocupava a Presidência do Conselho Federal José Eduardo do Prado Kelly:
439
436
Ata da 978ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 julho de 1960, consta: Carta do Doutor
Otto Gil manifestando irrestrito apôio à entrevista concedida pelo Presidente Alcino Salazar ao matutino
‘Correio da Manhã’, na qual o Presidente da Ordem dos Advogados observa as dificuldades insuperáveis
que estão sendo criadas aos advogados, quanto ao funcionamento dos Tribunais Superiores em Brasília (...)
O Conselheiro Miguel Seabra Fagundes declarou que regressava de Brasília, onde fôra a serviço
profissional, e lá verificou dificuldades de tôda ordem ao exercício da advocacia, a notar pela escassez de
acomodações na nova Capital; as grandes distâncias na cidade; a falta de ‘quorum’ para o funcionamento
das Turmas dos Tribunais Federais.
437
Ata da 983ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 6 de setembro de 1960.
438
Ver Processo OAB C. 660/60, que especialmente trata da transferência da OAB para Brasília.
439
Ata da 978ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 julho de 1960.
293
Indicação formulada pelo Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de Abranches sugerindo
providências para a instalação provisória e definitiva do Conselho Federal e dos
Advogados em Brasília. – Relator, Conselheiro Miguel Seabra Fagundes. Proferido o
relatório e o voto do Relator, o Conselheiro Carlos Bernardino Aragão Bozano
apresentou o seguinte substitutivo: ‘O Conselho Federal decidiu remeter ao seu
Presidente o processo em causa, para que, no caso das suas atribuições e em
decorrência dos poderes que lhe foram conferidos, providencie sôbre a transferência
dêste Conselho para o atual Distrito Federal, no menor prazo possível, desde que as
autoridades competentes ensejem as condições indispensáveis, na forma do resolvido
unânimemente, no Processo nº 649/60’.
440
441
O Conselheiro Miguel Seabra Fagundes
dirigiu apêlo ao [novo] Presidente José Eduardo do Prado Kelly [recém empossado]
para que use seus bons ofícios, junto aos Tribunais sediados em Brasília, para que
sejam adotadas medidas que facilitem o exercício da advocacia perante os Tribunais
Federais. O Presidente José Eduardo do Prado Kelly disse que era seu propósito
continuar o empenho do Presidente Alcino Salazar a fim de que os Tribunais que
funcionam no Distrito Federal propiciem condições que permitam aos advogados o
pleno exercício da profissão na nova Capital.
442
O quadro de depoimento apresentado demonstra efetivamente que a mudança
para Brasília teve significativos efeitos sobre o funcionamento imediato dos tribunais
superiores, excetuado o Tribunal Superior do Trabalho que evitou a interrupção de suas
decisões. Ao que parece, da mesma forma, pelo visível papel do Ministro Nelson Hungria,
o Tribunal Superior Eleitoral, manteve, se não o seu funcionamento regular, ficava regular
a presença de seu Presidente em Brasília.
É impossível, todavia, desconhecer as dificuldades para a instalação do
Conselho Federal, que se traduzem pela a sua própria vontade, e pela ausência de condições
físicas favoráveis, como de todo temos demonstrado, mas, é, também, muito provável, que
tomado pela forte resistência parlamentar, especialmente da UDN, de deputados antigos
conselheiros, e advogados de renome, o Presidente Juscelino Kubstichek, inclusive pelas
440
Ata da 994ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de dezembro de 1960, ainda nesta Sessão:
Ordem do Dia: – Processo C. 660/60 – Indicação formulada pelo Conselheiro Carlos Alberto Dunshee de
Abranches sugerindo providências para a instalação provisória do Conselho Federal e dos advogados em
Brasília. – Relator, Conselheiro Miguel Seabra Fagundes. Em seguida, o Conselheiro Luiz Lyra pediu vista
do processo e declarou que iria aguardar o parecer da Comissão designada para examinar, em Brasília, o
funcionamento dos Tribunais Federais, para, em seguida, emitir seu voto. O Conselheiro Carlos Bernardino
Aragão Bozano declarou que a matéria objeto desse processo já fôra julgada em processo anterior. Ver Ata
da 995ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de dezembro de /1960. Ainda nesta Sessão o
Presidente determinou a apensação do processo aos de números 603/58, 645/59, 648/60, 649/60, 650/60 e
668/60.
441
Ata da 995ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de dezembro de /1960. Ainda nesta
Sessão: ...o senhor Presidente comunicou a ausência do Conselheiro José Motta Maia, relator da Comissão
incumbida de examinar as condições do exercício da advocacia em Brasília, passando a ler a seguinte carta.
442
Ata da 981ª Sessão da 30ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de agosto de 1960.
294
sucessivas objeções e dificuldades criadas pelo Conselho Federal, para evitar a
transferência dos Tribunais Superiores para Brasília, inclusive, o STF, cumprindo
disposição constitucional (o Chefe do Poder Executivo federal) não tinha demonstrado
efetivo empenho na transferência da OAB, Juscelino Kubstichek, em 1956, todavia, antes,
por conseguinte, das resistências oferecidas pelo Conselho Federal, em evidente apreço à
OAB, compareceu em 1956 à transferência do cargo de Presidente da OAB de Miguel
Seabra Fagundes a Nehemias Gueiros sendo o primeiro e único Presidente da República
que assim fez (até 1988).
Naquela ocasião, e encaminhou, inclusive através da própria Presidência da
República ao Congresso Nacional, o Anteprojeto de Estatuto elaborado pela própria OAB
com suas principais reinvidicações, inclusive, autonomia em relação ao poder central,
443
como estudaremos no próximo Capítulo. Tudo indica, embora sejam, as fontes escassas,
mas vale a lógica compreensiva das relações políticas, que não houve contrapartida da
OAB em reconhecimento e apoio político ao processo de transferência da Capital, ao
contrário, houve sim resistências e dificuldades institucionais. Por outro lado, não se pode
desconhecer que a elite da advocacia, instalada no Rio de Janeiro, como temos observado,
essencialmente tomada pelo pensamento liberal-conservador, com amplos vínculos no
udenismo e no lacerdismo, como sua manifestação extremada, politicamente estava numa
linha de confronto com o governo de aliança do PSD, do Presidente Juscelino
Kubistchek,
444
com o PTB do Vice-Presidente getulista, João Goulart, que não demonstrou
mágoas, quando, em 1963, sancionou o novo Estatuto da OAB, senão idêntico, muito
semelhante ao Projeto promovido pelo Conselho Federal.
Efetivamente, não podemos desconhecer que as questões que envolveram a
transferência da capital, e que viabilizaram a transferência precária dos Tribunais
Superiores para Brasília e impediram a transferência da OAB, sejam um ato de fisiologismo
e oportunismo. É claro, que, todas estas razões, dificultaram as providências para as
transferências, mas tudo demonstra que as resistências tinham um forte viés, senão
443
Ver Capítulo V desta obra.
444
JK, iniciou o seu governo em 31 de janeiro de 1956, tendo suspendido o estado de sítio, decretado por Nereu Ramos,
enquanto presidente interino, após o contra golpe do general Henrique Lott em novembro de 1955, em 26 de janeiro. JK
era contra a legalização do Partido Comunista do Brasil e quando deputado federal no período que sucedeu a Constituinte
de 1946, em 1947, votou pela sua cassação. Ver O Globo, 1º Caderno, em 7 de janeiro de 1956.
295
ideológico, político e fortemente comprometido com a grande advocacia do litoral. O
trabalhismo, enquanto ideologia de estado, no Brasil, pelas suas próprias circunstâncias
históricas, nunca foi um movimento de advogados, ao contrário, de natureza sindical,
sempre foi bastante agressivo com os modelos legalistas de legitimação, mais optando pelo
legitimismo carismático, seja de natureza pessoal, seja de natureza partidária ou
organizativa.
Por outro lado, o liberalismo jurídico sempre mais esteve voltado para a
subjetividade dos direitos e sua garantia formal do que para a coercitividade impositiva das
ideologias de classe, sejam trabalhistas, sejam burguesas, embora não faltem pensadores
que vêem, na legalidade formal, nada mais que a positivação do subjetivismo burguês.
445
Este quadro compreensivo, com certeza, contribuiu para demonstrar que a resistência da
OAB em se aproximar das políticas federais de cunho desenvolvimentista, não foi apenas
circunstancial, foi também ideologicamente presidida pelos interesses que seus dirigentes
centrais representavam nos Tribunais Superiores, o que contribuiu para fortalecer os seus
vínculos de alianças com frações (já) tomadas pela orientação anticomunista da ideologia
da segurança nacional, em aperfeiçoamento na ESG e divulgada nos quartéis, opondo-se ao
trabalhismo e ao sindicalismo.
Na verdade, a geopolítica da ESG, para o momento histórico brasileiro,
centrava-se na luta contra o sindicalismo e o trabalhismo getulista muito embora a OAB
sempre tenha se oposto, desde as suas lutas contra o Estado Novo, que, também, por seu
lado, o reprimia. Neste quadro de contradições, as possibilidades de composição política
eram mínimas, prenunciando condições efetivas de aprofundamento das contradições
políticas, onde os liberais da UDN, e os militares, procuravam recuperar o poder retomado
pelo getulismo em 1950, depois do interregno Dutra, assim como o pacto getulista
procurava avançar no seu projeto para o Brasil: interiorização e desenvolvimento.
Finalmente, como demonstramos, todas estas resistências e flutuações de
posição e opinião ocorrem no período em que a OAB funcionava como serviço público
federal, vinculada ao estado brasileiro, na forma do Regulamento de 1931/33, subsidiado
pelo corporativismo estatista. Mas, todos estes atos de resistência, enfim, paradoxalmente,
ocorreram, no contexto da subordinação hierárquica, que, desde o fim do ano de 1930, dava
445
BASTOS, Aurélio Wander. Teoria do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. Especialmente
Positivismo e Teoria Clássica do Direito, p. 41 e segs.
296
evidentes sinais de enfraquecimento e demonstrações de lutas pela autonomia e
independência da OAB, subsidiadas pelo liberalismo democrático, que, efetivamente, se
consolidou com a Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963 (novo Estatuto). Este Estatuto,
aprovado depois da transferência da Capital e dos Tribunais para Brasília, transformou em
obrigação legal à transferência do CF.OAB para Brasília. Assim dispunha o art. 11 do
referido Estatuto: A transferência do Conselho Federal para Brasília será efetivada logo
que ali se achem funcionando os Tribunais Superiores, o que efetivamente só foi
cumprido
446
nos albores da Constituição de 1988, num quadro político circunstancial
absolutamente diferenciado do social trabalhismo dos anos 1950/60 e do autoritarismo dos
anos 1960/80.
Conclusão
Este Capítulo, efetivamente, demonstrou a desarticulação entre as paradoxais
forças aliadas, herdeiras do getulismo, vitoriosas nas eleições presidenciais de 1955, apesar
das sucessivas manifestações de boa vontade do Presidente eleito, Juscelino Kubitschek, e
sua visita à sede da OAB no Rio de Janeiro, logo após a sua posse (acompanhado de Nereu
Ramos, ex-Presidente da República interino e seu Ministro da Justiça) com o visível intuito
de mostrar a sua abertura política para tantas das idéias liberais-democratas dos
advogados.
447
O novo projeto de Estatuto preparado por Nehemias Gueiros, um advogado
de conhecidas conexões conservadoras, que estava assumindo a Presidência da OAB,
arrefeceu os carregados ânimos para criar canais de conversação e as forças políticas de
oposição, derrotadas com o general Juarez Távora, numa aliança de militantes udenistas
com ampla inferência na elite jurídica e militares, principalmente da Sorbonne,
446
As discussões sobre a transferência para Brasília, efetivamente, não se esgotaram neste período. As Atas
das sessões das reuniões do Conselho Federal dão sucessivas notícias da insistente posição dos conselheiros
representantes do Distrito Federal, no Conselho Federal, especialmente de seu Presidente (1970/73), Moacyr
Belchior.
447
Nesta mesma ocasião o Presidente Juscelino apoiou a realização, no Rio de Janeiro, da I Convenção
(Conferência) dos Advogados em 1958, que veio a marcar, como já observamos, a história futura da Ordem e
a evolução do seu pensamento.
297
inviabilizaram a adesão da OAB à transferência da capital para Brasília e motivaram as
frustradas reações dos integrantes dos Tribunais Superiores.
Esta especialíssima situação, na verdade, levou a OAB a priorizar questões
essencialmente circunstanciais relacionadas à precariedade das condições de vida no
Planalto Central, em detrimento da histórica movimentação que envolveu a questão desde a
Inconfidência Mineira, e as iniciativas constitucionais e legais que, senão explicitamente,
demonstravam que a marcha pela interiorização era uma política de estado. Na verdade,
apesar da representativa influência que os liberais e os democratas tiveram na construção
do Estado nacional, muito especialmente nos fluxos de abertura (quando do ato adicional
no Império, 1834), na movimentação parlamentarista no Império, na proclamação da
República, principalmente como federalistas e anti-escravistas, na Carta de 1891, onde este
dispositivo sobre a transferência da Capital (na redemocratização anti-getulista e na
construção da Constituição de 1946), equivocaram-se com relação ao movimento militar de
1964/68 e com relação à transferência da Capital para Brasília, sobre o que os militares
rapidamente se recompuseram, muito especialmente devido ao alcance geopolítico de sua
formação.
O conselheiro Presidente Alcindo Salazar (1959/61) na verdade, não teve a
imediata percepção da questão como questão de Estado e, contou com a adesão da
inconteste liderança de Nehemias Gueiros, que somente viria a desiludir-se com o
movimento militar em 1969, quando esgotaram-se as possibilidades dos advogados
militantes na OAB ocuparem posições no Estado, francamente reduzidos, pelos desvios da
adesão liberal, ao autoritarismo, formalizado no Estado de Segurança Nacional, que
definitivamente os deslocou do cenário político instituído. Por outro lado, outros tantos
conselheiros, envolveram-se, diretamente, no projeto, ficando com o Conselheiro Carlos
Bernardino Aragão Bozano as posições, mais insistentemente defensivas, da transferência
da Capital, nos primeiros embates e, posteriormente, com Carlos Alberto Dunshee de
Abranches e, das sempre intermediárias posições assumidas, também, pelo ex-presidente
Miguel Seabra Fagundes, sendo, todavia, muito importante a posição que veio a adotar o
conselheiro Prado Kelly, Presidente da Seccional do Distrito Federal (e, por conseguinte,
vice-presidente de Alcino Salazar) e, posteriormente, ele próprio Presidente do Conselho
Federal e, de todos, o único que fora feito Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF.
298
As posições de lideranças da OAB, de certa forma, colocou a entidade na contra
mão da história, principalmente a partir do momento em que a sua sede ficou no Rio de
Janeiro e o processo de transferência da Capital se consolidou como projeto dos próprios
militares.
448
Paradoxalmente, de qualquer forma, os liberais não se comprometeram com a
criação em 1930/33 da OAB, assim como não se engajaram no projeto brasileiro de
desenvolvimento implementado à base dos modelos intervencionistas de 1937/54, mas
estiveram comprometidos com as aberturas democráticas de 1945/6 e 1985/88, apesar do
equívoco autoritário de 1964/68, que, não apenas afastaria os liberais da OAB, mas
enquanto segmento liberal-democrático do projeto histórico da construção de Brasília, mais
do que um intervencionismo, um grande empreendimento que impulsionou a iniciativa
empresarial no Brasil, inclusive a presença capital estrangeira, e, também do próprio
desenvolvimentismo estatista dos militares.
De qualquer forma, mesmo resistindo ao intervencionismo estatista, as
circunstâncias parlamentares favoráveis, reconhecida a iniciativa de Juscelino Kubitschek,
a OAB conseguiu aprovar o seu Estatuto de 1963, acentuadamente marcados pelo
liberalismo democrático, que, definitivamente, eliminou, na forma do ideário disciplinar, as
condições de sobrevivência dos profissionais provisionados e, principalmente, com o novo
catálogo de deveres e prerrogativas as oportunidades recorrentes do Estado patrimonial
como mostraremos no próximo Capítulo. Esta iniciativa, em geral pouco associada à vida
político-institucional foi essencial à construção do moderno e democrático estado
brasileiro, apesar dos desencontros provocados pelos excessos no liberalismo ortodoxo ou
pelos personalismos, nem sempre ausentes, que marcaram o elitismo das primeiras gestões
liberais democráticas da OAB.
Finalmente, as insistentes posições pela permanência da sede da OAB no Rio
de Janeiro, cenário das grandes convulsões políticas do passado, que antecederam a
Brasília, retomadas como grandes concentrações de resistência aos governos militares, após
os anos de 1968/69, converteram, a partir da presidência José Ribeiro de Castro (1974/76),
mas muito especialmente da presidência de Raymundo Faoro, o comprometido discurso
liberal-formal, um discurso voltado para a redemocratização do Estado brasileiro, não
448
Ver neste mesmo Capítulo nota 51 e 57.
299
apenas como Estado liberal-formal, mas como Estado de Direito e democrático, aberto à
proteção dos direitos humanos.
300
CAPÍTULO V
O ESTATUTO DA OAB E O FIM DO ESTADO PATRIMONIALISTA
Introdução Histórica
Historicamente, como já tivemos a oportunidade de observar, as resistências à
criação da Ordem dos Advogados, dominantemente, apoiavam-se nos argumentos imperiais
e republicanos sobre a inconstitucionalidade das corporações de ofícios, tendo em vista os
dispositivos constitucionais que regulavam a liberdade profissional. Os diferentes capítulos
anteriores desta Tese demonstram que tais argumentos tinham uma natureza falaciosa e,
mais do que demonstrar a verdade constitucional, escondiam hermeneuticamente os
interesses “viciosos” do Estado patrimonial.
449
Durante o Império os argumentos fundamentalmente apoiavam-se no inciso
XXIV do artigo 179 da Constituição Imperial, que, de certa forma, subsidiavam as
oposições e, se não impediam a votação dos projetos, provocaram o seu esquecimento ou
arquivamento. Na República Velha a situação não era diferente, apoiando-se os argumentos
numa estranha interpretação do § 80 do art. 72 da Carta Constitucional de 1891. Este artigo
era uma paradoxal recuperação hermenêutica da interpretação imperial, historicamente
ambígua, mas, circunstancialmente, conveniente àqueles que, comprometidos com o
patrimonialismo funcional, eram contra a criação da Ordem dos Advogados.
450
O § 24 do art. 72 da Constituição de 1891 dispunha sobre a matéria da seguinte
forma: É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial.
O § 14 do art. 141 da mesma Constituição dispunha: É livre o exercício de qualquer
profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer. Como se verifica,
o texto republicano não expõe qualquer linha interpretativa que proíba estritamente a
449
Ver cap. I, item 4.1, subitem 4.2.1.
450
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e resistências.
Coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubens Approbato. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2003.
301
criação da OAB, mas a sua leitura à luz do artigo imperial ficava obscurecido e ambíguo.
Assim dispunha o inciso XXIV do art. 179 da Constituição Imperial: Nenhum gênero de
trabalho, de cultura, de industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se
opponha aos costumes públicos, à segurança, e saúde dos Cidadãos. Todavia, a este inciso
seguia o inciso XXV do mesmo artigo que dispunha: Ficam abolidas as Corporações de
Officios, seus Juízes, Escrivães, e Mestres, uma verdadeira “guildada” nos propósitos
liberais profissionais do que viria ser a OAB e os textos dos projetos imperiais e
Republicanos de sua criação.
Como se pode facilmente concluir, o texto imperial, fora promulgado, ainda, no
calor do combate do constitucionalismo europeu aos institutos corporativos medievais que
monopolizavam os “ofícios”, colocando, sobre o controle centralizado (das guildas) o
trabalho, especialmente o trabalho artesanal. Por outro lado, a posição republicana,
aparentemente mais aberta, ficou interpretada, no cotidiano parlamentar, à luz da
experiência argumentativa do Parlamento Imperial, demonstrando, que, exatamente, não
havia maiores divergências entre os grupos de resistências à OAB no Império e na
República.
451
Mesmo depois da criação da Ordem dos Advogados, na forma do Decreto nº
19.408, de 18 de novembro de 1930, a acusação, comparando a OAB às corporações
medievais, ainda perdurava, prosperando inclusive dentro próprio Instituto. Ou seja, quando
o IOAB elaborava o Regulamento, que veio a ser promulgado em 1931, depois de sua
criação, conforme a determinação legal, o Conselheiro Eurico de Sá Pereira deu o seguinte
voto: “Voto contra o projeto que institui e organiza, como corporação de officio
451
A objeção à criação da OAB é visível quando lembramos que na Constituinte de 1891, existiu uma grande
discussão em torno do artigo que tratava da liberdade profissional (art. 72). O objeto da discussão era se o
texto constitucional deveria exigir ou não a diplomação necessária para se exercer uma dada profissão. Estas
discussões geralmente evoluíam para novas emendas como exemplo podemos citar as propostas de aditivos
do constituinte Demétrio Nunes Ribeiro ao art. 72, § 24 que já tinha a redação do texto que entraria em vigor,
ou seja: “É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. A ele o
Constituinte propunha que se acrescentasse o seguinte: “Independente de titulos ou diplomas de qualquer
natureza, cessando desde já todos os privilégios que a elles se liguem ou deles dimanem” E essa não é uma
reivindicação solitária, do constituinte Demétrio pois estavam declaradamente juntos, defendendo a mesma
idéia: Moniz Freire, Alexandre José Barbosa Lima, Nelson de Vasconcellos Almeida, fora os não declarados
ou que não se manifestaram. Entretanto, todos foram votos vencidos e o dispositivo se consolidou como nós o
conhecemos. CÂMARA DOS DEPUTADOS – Annaes do Congresso Constituinte da Republica, 1891 – 2º
edição, revista, vol. II, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926.
302
‘disciplinadora’ e ‘selecionadora’, a Ordem dos Advogados”
452
. Ao fim de sua exposição,
concluindo conclama:
...e é por todas essas razões que voto contra o projecto e, confiando no bom senso dos
cidadãos prestantes que hoje governam a Republica, espero para breve a revogação do
dispositivo de lei que criou a Ordem, porque não posso conceber que a mantenham
homens que inscreveram na bandeira do seu partido a liberdade espiritual, da qual
decorre a profissional, como dogma inatacável por ser a base do regime, e no entanto a
infrinjam com a criação da Ordem dos Advogados.
453
Esta atitude, historicamente recorrente, marcou a história da OAB no Brasil,
mas, apesar dela, a Ordem foi criada no apagar da Constituição Republicana de 1891, em
1930, quando o Estado patrimonial sofreu o seu mais violento golpe político, a que
sucederam iniciativas jurídicas (e constitucionais) permeadas pelo corporativismo
ideológico e, finalmente, o ato que decepou-lhe as forças: o Estatuto da OAB influenciado
pela liberal-democracia da Constituição de 1946. Estas especiais dificuldades, justificaram
a criação da OAB no espaço intermediário que sucedeu à derrocada da Constituição de
1891 e à promulgação da Constituição de 1934, marcado pelo corporativismo profissional,
assim como a definição de seu efetivo ideário, em 1963, ficou marcado pelo liberalismo
democrático que absorveu e ampliou as conquistas dos regulamentos de 1931/33 que
desconstruiu o Estado patrimonialista.
Finalmente, com este Capítulo, não pretendemos apenas, transcrever os debates
parlamentares que instruíram a formatação legal do Estatuto de 1963, mas, a partir de suas
próprias origens e evolução das emendas ao projeto e à sua discussão no Congresso
Nacional (1957/63), retomar a influência do liberalismo iluminista na consolidação da
OAB. Para alcançar estes resultados o presente Capítulo esta subdividido em 4 (quatro)
itens essenciais, que, lidos e compreendidos politicamente, muitas vezes, a partir dos
próprios pronunciamentos parlamentares, nos permitirão compreender a fase intermediária
das contribuições da OAB para construir a democracia brasileira:
452
Boletim do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, nº 5, vol. VIII, dezembro de 1930 – publicado
em abril de 1931 – Typog. do Jornal do Commercio – Rodrigues & C., 1931.
453
Ibid.
303
O Anteprojeto de Estatuto no Conselho Federal;
O Projeto de Estatuto na Câmara dos Deputados;
O Projeto de Estatuto no Senado Federal, e, finalmente;
A Sanção Presidencial do (Novo) Estatuto da OAB, em 1963
Os diferentes itens deste Capítulo estão divididos em subitens explicativos dos
temas gerais, onde estão indicadas as principais hipóteses e a citação documental ou
bibliográfica que subsidia a análise.
1– O Anteprojeto de Estatuto no Conselho Federal
1.1. Preliminares Históricas
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados, imediatamente à promulgação
da Constituição de 1946, procurando superar as frustradas iniciativas parlamentares do
Instituto dos Advogados durante o Império e a Primeira República, bem como os estatutos
outorgados do início dos anos 30, elaborou um Anteprojeto de Estatuto para ser discutido e
avaliado pelo Congresso Nacional com o objetivo de adaptar o ideário corporativo às novas
dimensões constitucionais, de influência liberal democrática. Esta iniciativa, todavia,
diferentemente das anteriores, não sofreu dos mesmos percalços das resistências históricas
e, muito ao contrário, contou com procedimentos parlamentares favoráveis, recuperando
aspectos esquecidos do ideário dos projetos imperiais e Republicanos, inclusive, e suas
aberturas institucionais.
Na linha protetiva desta orientação o § 14 do art. 141 da Carta Constitucional
de 1946, dispunha que é livre o exercício de qualquer profissão. Na seqüência as primeiras
iniciativas, todavia, que demonstram o interesse da OAB em alterar os seus Estatutos
ocorrem a partir de 1947 e, fundamentalmente, dirigiam-se, não propriamente para questões
de ampliação de direitos ou redefinição de deveres, ou mesmo para maiores aberturas
304
institucionais, mas para alterar disposições regulamentares, que, resguardavam, o crônico
problema dos “rábulas” provisionados
454
ou admitiam, ainda, o direito de se exercer
cumulativamente a advocacia e determinadas funções públicas.
A Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949,
455
que antecedeu ao novo Estatuto,
dispôs sobre a expedição de novas provisões para advogar e cartas de solicitadores com
caráter permanente provocando um amplíssimo debate no interior da Ordem dos
Advogados. Na discussão da matéria envolveram-se conselheiros notáveis como Sobral
Pinto, Miguel Seabra, Prado Kelly e tantos outros, e as discussões, basicamente, giravam
em torno da limitação temporária e espacial das provisões e cartas de solicitadores ou em
posição mais radical, contra as suas renovações, desde que os serviços forenses
dispensassem a presença de solicitadores e provisionados
456
.
454
Sobre o tema, ver art. 101 e § único do Regulamento de 1933. Ver tb. Lei nº 161, de 21 de dezembro de
1935 e Leis nº 510, de 22 de setembro de 1937, bem como o Decreto Lei nº 2407 de 15 de junho de 1940,
que, em tese, teria revogado a lei anteriormente citada. Estas matérias foram tratadas em vários acórdãos do
Supremo Tribunal Federal e Tribunais Estaduais, remanescendo, todavia confusa a orientação. Apreciando os
relatórios dos ministros Aníbal Freire e Phiiladelfo de Azevedo e Laudo Camargo no Recurso Extraordinário
nº 7434 o secretario geral da OAB, declara que, embora reconheça que a advocacia deveria ser defesa a todo
os funcionários policiais e aos membros do Ministério Público, não podia acompanhar a orientação dos
ministros o que se cogitava era a aplicação do Decreto-Lei nº 2407/40, que revogou a Lei nº 510/37. A Ata da
482ª Sessão da 17ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 7 de outubro de 1947 e a Ata da 528ª Sessão da 18ª
Reunião de 7 de dezembro de 1948 dão notícias na discussão da questão dos provisionados e dos
impedimentos para advogar com bases nestas leis para funcionários do Tribunal de Contas da União, dos
delegados e comissários de polícias nas circunscrições que exerçam suas atividades, assim como membros do
Ministério Público. A Ata da 494ª Sessão da 17ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de dezembro de 1947
assim como a Ata da 510ª Sessão da 17ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 agosto de 1948, também dão
notícias dos impedimentos para advogar, restrições e incompatibilidades dos juízes dos Tribunais Eleitorais,
na forma do art. 48 da Constituição de 1946, assim como sobre as limitações dos juízes aposentados mesmo
em causa própria advogarem contra a Fazenda Pública. A Ata da 494ª Sessão da 17ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 23 de dezembro de 1947 e a Ata da 510ª Sessão da 17ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 de
agosto de 1948,
também, exaustivamente, do tema.
455
O artigo 1º desta Lei dispõe que aos que hajam tido provisão para advogar antes de publicada esta lei, ou
no momento desta publicação sejam solicitadores, é assegurado a inscrição nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil, para que exerçam permanentemente a profissão nos termos e com a extensão
constantes das respectivas cartas, devendo estes limites ser determinados nas suas carteiras profissionais.
Várias discussões judiciais sucederam a essa Lei o que demonstra a intranqüilidade da comunidade de
advogados com a permissão dos provisionado e dos solicitadores para advogar. Ata da 739ª Sessão da 24ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de julho de 1954, não apenas informa que esta Lei não foi iniciativa da
Ordem, como também descreve diferentes posicionamentos judiciais sobre a matéria, que, todavia, só veio a
sofrer uma regulamentação mais efetiva com a promulgação do novo estatuto.
456
Ata da 621ª Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 15 de maio de 1951. A Ata da 759ª Sessão da
24ª Reunião Ordinária do CF.OAB 14 de dezembro de 1954 dá notícia que o Ministro da Justiça solicita o
pronunciamento do Conselho Federal sobre o projeto de Lei nº 4.228/1954 em curso na Câmara dos
Deputados, o qual pretende a revogação parcial de artigo da Lei nº 794/49, muito embora parecer do
Conselheiro Nehemias Gueiros tenha sido unanimemente aprovado concluindo que o referido projeto de lei
305
Na verdade, ainda remanescia, mesmo após a criação da OAB, aliás devido às
aberturas dos regulamentos iniciais, que, mesmo os estatutos revolucionários, não
conseguiram interromper direitos adquiridos dos solicitadores e provisionados, ditos
rábulas, assim como, definitivamente quebrou as garantias do patrimonialismo oligárquico
para muitos bacharéis advogados e titulares de funções públicas. Mantendo a linha de
leitura, que, até agora, mantivemos, isto significa que o viés patrimonialista, a confusão
entre o exercício da advocacia e funções públicas, no âmbito do Poder Judiciário,
sobrevivera, mesmo após a Revolução de 1930, e, se manterá até a votação do Projeto no
Congresso Nacional para ser a questão final do veto/sanção/revisão em abril de 1963, pelo
Presidente da República e, de novo, pelo Congresso.
Muitos foram os debates neste período que trataram da matéria, sendo que, em
algumas situações, o tema da reforma do Regulamento de 1931/33, foi discutido,
abrangentemente, inclusive, no sentido de não apenas modificá-lo, mas também o próprio
Regimento do Conselho Federal da Ordem. Por outro lado, na linha institucional, dentre as
propostas que mais se destacaram, seguidamente à questão dos provisionados, e às
prerrogativas dos advogados, várias indicações enveredaram-se para discutir a
inelegibilidade, para o período subseqüente ao que servirem do presidente, do Vice-
presidente (cargo que ainda não fora formalmente criado)
457
e do secretário da Ordem,
inclusive estendendo-se os debates aos conselhos seccionais.
458
Alias, neste período, as
não atende o interesse público. A Ata da 779ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do CF.OAB, de 30 de agosto
de 1955 consta que o presidente conselheiro Miguel Seabra comunicou que o Presidente da República (....)
vetou o projeto de Lei nº 38/1955 da Câmara dos Deputados, que derrogava o artigo 3º de Lei nº 794/1949,
atendendo à decisão unânime contrária do Conselho Federal.
457
Indicação constante da Ata da 522ª Sessão da 18ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de outubro de 1948
do Conselho Federal observa que a Ordem pleiteara junto ao Poder Legislativo a criação do lugar de Vice-
presidente do Conselho Federal. Ata da 595ª Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de setembro
de 1950 do Conselho Federa indica que o Conselheiro Luiz Lira, que assumira temporariamente a presidência,
devido do Conselho, devido ao licenciamento do presidente efetivo, faz apelo ao Conselheiro Edgar de
Toledo para que no projeto de reforma do Regimento em elaboração, seja cogitada a criação do cargo de
Vice-presidente da Ordem.
458
Neste período muitas foram as discussões sobre as competências de comissões internas da OAB para tratar
desta matéria, assim como do papel dos tantos conselheiros-deputados o que demonstra o alto índice de
conselheiros que eram também parlamentares que atuavam no encaminhamentos destes processos internos.
Ata da 528ª Sessão da 18ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 7 de dezembro de 1948. Neste mesmo período a
Ata da 660ª Sessão da 21ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de junho de 1952 indica que o presidente
Aroldo Valadão interessado na discussão do anteprojeto de reforma do Regulamento da Ordem estendia os
prazos para as manifestações das seccionais.
306
seccionais da OAB, principalmente São Paulo, Rio Grande Sul e Minas Gerais vinham
tendo uma intensa participação nas discussões do Conselho Federal, a ponto de solicitarem
sucessivas interferências nas matérias de interesse nacional,
459
inclusive na apreciação do
projeto de reforma do Regimento Interno
460
e do Estatuto.
461
No ano de 1955, o Conselho Federal da Ordem, sob a presidência de Miguel
Seabra Fagundes, eleito em 11 de agosto de 1954,
462
já estava com um anteprojeto de
Estatuto basicamente elaborado por Comissão composta pelos Conselheiros Edgar de
459
Ata da 621ª Sessão da 20ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 15 de maio de 1951. Ver também Ata da
594ª Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de setembro de 1950 e Ata da 652ª Sessão da 21ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de abril de 1952.
460
As avaliações sobre o Anteprojeto de reforma do regimento interno do Conselho Federal da OAB foram
elaboradas pelos Conselheiros Themitocles Marcondes Ferreira, Edgar de Toledo e Alberto Barreto e a
discussão tramitou do Conselho basicamente no ano de 1951 e 1952, quando ocupava a presidência o
conselheiro Haroldo Valadão, contando, inclusive, com a participação de personalidades que vieram a ter
importante papel na história brasileira, podendo se destacar Ulisses Guimarães (que especialmente se
envolveu na tramitação do projeto nº 1093 na Câmara dos Deputados originário do Senado Federal que fixava
as normas de colaboração da Ordem dos Advogados com os Tribunais de Justiça para a realização dos
concursos de juízes), Prado Kelly, Jorge Dyott Fontenele, Miguel Seabra Fagundes e Candido de Oliveira
Neto e outros. O Conselheiro Edgar Toledo concluiu o Regimento em 19/12/1950, destacando-se neste
período a proposta de criação das Procuradorias Seccionais e da Procuradoria Geral, a diferença dos votos dos
delegados e voto das seções (ver parágrafo único do art. 83 do Regulamento). Interessantemente considerando
a superposição destes debates o Conselheiro Olimpio Carvalho, na seção de 30/09/1952 obtemperou a
inoportunidade da discussão e votação do Regimento Interno do Conselho, quando se cogitava da reforma do
Regulamento, sendo que o Regimento deve ser espelhado naquele, para evitar que a superveniência do
Regulamento se torne obsoleto. O motivo alegado para essa inversão de procedimentos seria o fato de que o
Regulamento (Estatuto) é obra legislativa e demandaria muito tempo para sua conversão em lei e o
Regimento poderia ser discutido e votado internamente. Apesar disto, a votação do Regimento Interno foi
aprovada conforme se verifica na Ata da 685ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 16 de
dezembro de 1952 e promulgada na mesma data pelo presidente Attilio Vivacgua que também cumprimentou
os conselheiros relatores. Ata da 673ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de setembro de
1952, Ata da 674ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de setembro de 1952, Ata da 672ª
Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 16 de setembro de 1952, Ata da 681ª Sessão da 22ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 18 de novembro de 1952, Ata da 682ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB
de 25 de novembro de 1952, Ata da 684ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB 9 de dezembro de
1952, e Ata da 685ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 16 de dezembro de 1952. É deste
período, também, a discussão sobre o anteprojeto de reforma do regulamento das caixas de assistência dos
advogados em que ficara como relator o Conselheiro Francisco Martins de Almeida.
461
O processo C 411 organizado no Conselho Federal da OAB não apenas estava constituído de um
Anteprojeto de Regulamento da Ordem, como também consolidava posicionamentos e avaliações sobre a
matéria. Ver Ata da 619ª Sessão da 20ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de abril de 1951.
462
Miguel Seabra, natural do Rio Grande do Norte, eleito 13 dias antes do suicídio de Getúlio Vargas em 24
de agosto de 1954, segundo o seu próprio depoimento (ver item 1.2. deste Capítulo, p.262) fora militante da
Aliança Liberal para as eleições regulares de 1930 que tinha como candidato o gaúcho (riograndense do sul)
Getúlio Vargas, a Presidente e o (potiguar riograndense do norte) João Pessoa, a Vice-Presidente. O insucesso
eleitoral da Frente Liberal levou à Revolução de 1930, cujas conseqüências no processo de criação da OAB
tem sido amplamente estudada nesta Tese.
307
Toledo (que fora também relator do Regimento Interno), Evandro Lins e Silva e
Demóstenes Madureira de Pinho, que tomaram em consideração várias emendas enviadas
pelos Conselhos Seccionais, pelos Conselheiros Federais e os esboços dos Conselheiros J.
M. Mac-Dowell da Costa e Carlos Alberto Dunshee de Abranches.
As linhas gerais da reforma estatutária apoiavam-se na seguinte orientação:
- a natureza jurídica, assinalada como associação profissional, e não autarquia,
o que [firmaria a] independência [da OAB], característica fundamental da
profissão;
- ampliação do campo da advocacia, que [passaria] a compreender o
procuratório administrativo e o trabalho de consultor e assessor jurídico;
- a diminuição do quadro da Ordem, para excluir aqueles que exercem funções
incompatíveis com a advocacia, e os que não [possuíssem] os requisitos
elementares, independência e tempo.
463
Estas linhas gerais da proposta de reforma do Estatuto demonstram,
exatamente, que se pretendia uma conversão dos propósitos institucionais da OAB,
contribuindo para que à sua natureza autárquica, subordinada ao Poder Executivo,
sucedesse uma situação estatutária autônoma e independente que viabilizasse o exercício de
uma profissão cujo pressuposto figurativo seria a autonomia e a independência. Por outro
lado, como não poderia deixar de ser, este novo Estatuto deveria estar essencialmente
voltado para a questão das excludências do exercício profissional, muito especialmente dos
provisionados, dos solicitadores autônomos e dos funcionários públicos (especialmente de
carreira jurídica), que exerciam cumuladamente atividades na advocacia, voltando a
destacar a necessidade de se modernizar o Estado, eliminando os resíduos do atavismo
patrimonialista.
Nas atas do Conselho Federal do ano de 1955, período da presidência de
Miguel Seabra, interessantemente, verifica-se que, definitivamente, o projeto de novo
regulamento para a OAB, evoluía, exatamente, para um Anteprojeto de Lei sobre o Estatuto
da Ordem dos Advogados do Brasil, que, não apenas dispusesse sobre a OAB, mas,
também, regulasse o exercício da profissão de advogado, sem esquecer, é claro, sobre os
463
Ata da 761ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de abril de 1955, presidida pelo Dr.
Oswaldo Gurgel de Rezende, na ausência justificada o Dr. Miguel Seabra Fagundes.
308
consecutivos efeitos sobre a organização do Estado brasileiro. Aliás, esta questão, nunca
estava explicitamente exposta, mas não se pode desconhecer a sua força na desconstrução
dos resíduos patrimonialistas do Estado, que, todavia, ainda naquele tempo, não alcançou
aspectos essenciais do corporativismo autoritário de 1930/45, principalmente, no que se
refere à máquina executiva e autárquica.
Apesar dos sucessivos transtornos na impressão do material gráfico do estatuto,
sempre comunicados pelo (agora) Conselheiro (relator) Nehemias Gueiros, o Anteprojeto
foi nacionalmente distribuído e discutido em todas as seccionais, que opinaram sobre o seu
conteúdo.
464
Sobre esta questão assim se manifestou o
Conselheiro Nehemias Gueiros, em nome da Comissão de Reforma do Regulamento da
Ordem (Processo C. 411) fez a leitura da Exposição de Motivos da Comissão que
apresenta o [Anteprojeto] de Estatuto da Ordem dos Advogados, esclarecendo que não
fosse um acidente tipográfico que inutilizou a composição de várias páginas, seriam na
própria sessão distribuídos os impressos contendo o trabalho da comissão.
Consecutivamente, o conselheiro Nehemias Gueiros, após leitura da Exposição
de Motivos, fez aprovar resolução do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, conforme as atribuições conferidas pelo art. 84, inciso VI e VII do Decreto-Lei nº
2248, de 20/02/1933, que passaria a regular e disciplinar a discussão e votação do
Anteprojeto de estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, elaborado pela Comissão
especial composta dos conselheiros Nehemias Gueiros, Themistocles Marcondes Ferreira e
Alberto Barreto de Melo.
465
Destacaram-se na apresentação de emendas os conselheiros
Carlos Bernardino de Aragão Bozano, Alberto Dunshee de Abranchees e José Maria
MacDowell que foram designados para se constituírem em Comissão especial para
avaliação dos diferentes artigos em discussão.
466
464
Ata da 781ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de setembro de 1955.
465
Ata da 785ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de outubro de 1955, onde constam
também os diferentes dispositivos e procedimentais referentes ao funcionamento das sessões extraordinárias
para discussão do anteprojeto, especialmente sobre a apresentação de emendas, inclusive os advogado ou
juristas estranhos ao conselho ou mesmo instituições culturais e a discussão e a redação final.
466
Ata da 796ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do CF.OAB 6 de dezembro de 1955. Ver também Ata da
812ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 10 de julho de 1956 onde consta oficio do presidente do
sindicato dos advogados do Rio de Janeiro, Helly Magalhães Olteral solicitando que o projeto aprovado no
dia 28 de maio do corrente ano, em vias de ser remetido ao Congresso Nacional, fosse enviado ao Sindicato
309
Durante o período de tramitação final do Anteprojeto no Conselho Federal
desenvolveram-se extensos entendimentos com o Ministro da Justiça Nereu Ramos sobre a
forma mais conveniente de se enviar o projeto ao Legislativo, especialmente procurando
esclarecer a possibilidade de se remeter o projeto de estatuto como projeto governamental.
Envolveram-se diretamente nestas discussões o presidente Miguel Seabra Fagundes e o
conselheiro Aragão Bozano e o relator Nehemias Gueiros.
467
Estes conselheiros concluíram
que, se o Presidente da República tomasse a iniciativa o sucesso da tramitação congressual
seria maior e mais amplo.
Finalmente, após sucessivos contatos governamentais e internos para
encaminhamento do processo foi programada uma sessão do Conselho Federal sob a
presidência do Conselheiro Miguel Seabra Fagundes, inicialmente, que se despedia da
presidência, e, posteriormente, de Nehemias Gueiros, no dia 11 de agosto de 1956, que
estava por assumir a presidência do Conselho Federal. Para a ocasião programou-se a
presença do Presidente da República Juscelino Kubitschek no Conselho Federal e
Anteprojeto de estatuto foi encaminhado à Câmara dos Deputados na forma de Projeto de
Lei.
468
Miguel Seabra Fagundes, em depoimento pessoal, com a peculiar linguagem
que caracteriza suas exposições, narra a sua exata movimentação política para justificar a
presença do Presidente Juscelino Kubitschek naquela prestigiada solenidade:
No dia da posse de Nehemias Gueiros, por desejo do próprio Nehemias, o Presidente
Juscelino foi convidado a ser presente. E eu fui, eu sou muito antiprotocolar, mas fui
obrigado a ir ao Catete para fazer um convite ao Presidente da República, e ocorreu-me
que daria um grande brilho ao ato [da posse] a presença dele na Ordem, assinar como
mensagem do governo o projeto que a Ordem tinha elaborado para o Estatuto. Eu fui ao
ministro Nereu Ramos, que era o Ministro da Justiça e a ele transmitiu essa idéia. Digo,
Ministro, quem sabe, se o Presidente da República, não poderia amanha, na Ordem dos
para que possamos tomar conhecimento do mesmo e empregar nossos esforços em prol de sua aprovação
pelo Poder Legislativo e a conseqüente sanção pelo Poder Executivo.
467
Pelo seu esforço o relator foi cumprimentado, conforme Ata da 782ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 20 de setembro de 1955 pelo presidente (em exercício) Joaquim José Fernandes Couto na
ausência justificada do Senhor Miguel Seabra Fagundes, o mesmo tendo acontecido através do telegrama das
seccionais do Rio Grande do Sul, Espírito Santos, Rio Grande do Norte e Maranhão.
468
O anteprojeto, que se transformou em Projeto nº 1751, de 22 de agosto de 1956, foi publicado no Diário do
Congresso e nos Avulsos da Câmara. Ver Ata da 820ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de
agosto de 1956.
310
Advogados, assinar o nosso projeto ou o nosso Anteprojeto como um Projeto de
governo. O ministro então aceitou imediatamente a sugestão e o Presidente Juscelino,
mais ainda, porque era um homem que gostava muito dessas coisas, novidade desse
gênero (...). Pois bem então, no dia em que eu encerrava a minha gestão o Presidente
Juscelino sentado, assinava como mensagem do governo, esse Projeto, Anteprojeto da
Ordem, que se convertia então em projeto do governo, para mandá-lo a Câmara dos
Deputados, onde frutuosamente teve como relator o então deputado Milton Campos.
Pois bem este Estatuto, aqui eu quero fazer um comentário, este ato do Presidente da
República e do seu Ministro da Justiça, em concordar em assinar um projeto feito pela
Ordem dos Advogados sem se quer abrir o Projeto, é um testemunho de civilização
magnífico. Houve uma tal confiança nos advogados do seu país, que o Presidente da
República e o Ministro da Justiça assinaram de olhos fechados, o projeto que os
advogados tinham elaborado e isto parece que não se repetirá tão cedo, pelo menos não
vejo uma coisa desse gênero, com perspectiva de se repetir.
469
1.2. O Presidente da República no Conselho Federal da OAB
O Presidente da República, Juscelino Kubitschek, recentemente empossado na
Presidência (31 de janeiro de 1956)
470
e o Ministro da Justiça, Nereu Ramos, estiveram
presentes no ato da transferência e posse do cargo de Presidente do Conselho Federal da
OAB pelo Presidente Miguel Seabra Fagundes para Nehemias Gueiros, na sessão de 11 de
agosto de 1956,
471
data comemorativa da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil.
472
Na ocasião da transmissão do cargo o batonnier Miguel Seabra Fagundes, após
reconhecer que a presidência da Ordem é o galardão da vida de um advogado, pronunciou
as seguintes palavras sobre a nova proposta de estatuto:
469
Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da OAB de 11 de agosto de 1956.
470
Juscelino sofrera antes e depois da campanha presidencial ostensiva oposição dos liberais democratas,
derrotados com o general Juarez Távora, organizados na UDN e liderados pelo deputado federal e jornalista...
A posse de Juscelino deveu-se ao decisivo apoio do Ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott, do Vice-
Presidente empossado João de Campos Café Filho, do qual Miguel Seabra fora ministro da Justiça e de Nereu
Ramos, Vice-Presidente do Senado Federal; com o afatamento de Café Filho foi posteriormente empossado
presidente interino o general Lott, que ante as sucessivas ameaças a posse de Juscelino em 11 de novembro de
1955 promoveu contra-golpe vitorioso que assegurou a normalidade democrática e garantiu a posse do
presidente eleito em 31 de dezembro de 1956. W
ILLIAN, Wagner. O soldado absoluto: uma biografia de
Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro: Record, 2005.
471
A eleição de Nehemias Gueiros ocorreu no dia 11 de agosto, sendo, na mesma ocasião, eleito o secretário-
geral Alberto Barreto de Melo. Ver Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto
de 1956.
472
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil. ed. cit.
311
Na continuidade de uma instituição como esta sempre haverá muito o que fazer, que se
não confunde com os responsáveis eventuais pelo seu destino, senão com a classe
mesmo dos advogados, e o interesse nacional, valores perpétuos da vida de um país. É
grato sem dúvida encaminhar à discussão uma lei orgânica para a advocacia – o
denominado regulamento da Ordem – cuja reforma total a muito tempo se impõe, obra
de pioneiros nunca demais louvados pelo seu idealismo na construção dos princípios e
pela objetividade no concretizá-lo. A partir da colaboração de todos, das contribuições
anteriores, inclusive das sugestões dos conselhos seccionais, pôde ultimar-se um
anteprojeto de estatuto valioso por todos os títulos. (...) tem-se pretendido apontar na
instituição, cuja lei lhe comete a ‘seleção, defesa e disciplina da classe dos advogados
(ver Decreto nº 22478, de 20 de fevereiro de 1933, art. 1º’) uma omissão do dever de
defesa da classe e, até, estranha afirmativa uma deturpação desse dever quando se
entrega ao exercício da disciplina dos inscritos nos seus quadros. É um juízo inexato.
(...) Também se defende a classe pela seleção expungi-la pelos elementos que a
deslustram, é defende-la aprimorando o seu quadro e ganhando cada vez mais o
apresso público para o advogado. Não há porque ver no exercício disciplinar, que
inspirou primordialmente a criação da Ordem, nada que a diminua, principalmente
[porque] se impunha banir do fórum os que nelas se aventuravam, incompetente e
inidôneos (...). Não há razão alguma para contemporizar com os que comprometem a
profissão, malbaratando interesses de clientes, sacrificando a lisura do lucro, ferindo os
cânones éticos em que repousa o alto sentido social e espiritual da advocacia. [Tais
escrúpulos são tão acentuado] que no Bureau de Paris tem-se ido ao extremo de tornar
duvidoso o direito de colocar placa à entrada do edifício onde se situa o escritório de
advocacia.
473
Finalmente o Presidente Miguel Seabra destacou
a honrosa tarefa [de transferir a presidência do Conselho OAB] ao seu novo batonnier,
Nehemias Gueiros, advogado de brilhante carreira construída pelo talento e por
aptidões raras, a docência na secular faculdade do Recife dentre tantas razões que o
credenciam para a mais alta investidura de nossa classe. Mas, além disso, e não sei se o
possa dizer, acima disto tem vossa excelência presidente Nehemias Gueiros, como titulo
maior à sua investidura, o da contribuição prestada à Ordem na feitura do Anteprojeto
de Estatuto do Advogado. Agradeço a todos os meus velhos companheiros, alguns já de
6 anos de convívio neste Conselho especialmente pela comovedora unanimidade do
sufrágio das seções da Ordem (...). Não quero deixar de assinar, no entanto, que a
oportunidade em que pela primeira vez, o Presidente da República honra a instituição
com a sua presença constitui um marco feliz na sua história. Pelo que exprime em si
mesmo e, muito especialmente por se haver reservado, Vossa Excelência, assinar aqui a
473
Em prosseguimento ao seu pronunciamento, Miguel Seabra Fagundes destacou a sua relação com
Nehemias Gueiros que vinha a sucedê-lo na direção da OAB, lembrando que foram colegas na Faculdade de
Direito de Recife, assim como que ambos eram naturais da província do Rio Grande do Norte, de cujas
paisagens caminhos e emoções, alegrias, convívios e sofrimentos ninguém que nasceu na terra comum pode
esquecer. A diversidade temperamental, que o tempo inverteu não impediu que fossem debatedores
contumazes, mas cordiais e ardentes pela idade, mas presidido pelo respeito recíproco. Lembrou da mesma
forma da Revista Agitação que Nehemias e um grupo de colegas editavam para elevar o nível intelectual
estudantil, de outro lado falando da sua própria história mostrou o seu compromisso com a aliança liberal no
entusiasmo das reformas políticas que por fim espocaram na Revolução de 30. Ata da 817ª Sessão da 26ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1956.
312
mensagem, que converterá em projeto e lei do Executivo, o Anteprojeto de Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil, elaborado pelo Conselho Federal.
474
O pronunciamento do ex-Presidente, na verdade, foi uma recuperação histórica
marcada pela emotividade e a importância de se reformar o estatuto da OAB, mais centrado
na idéia dos valores éticos inerentes à profissão e na defesa das punições disciplinares do
estatuto de 1933 que expungia do fórum os profissionais inidôneos e aventureiros para
grandeza futura da profissão. O pronunciamento do novo presidente Nehemias Gueiros,
todavia, é um texto técnico, marcado pelas novas diretrizes que presidirão o exercício da
advocacia, mas, ao mesmo tempo, permeado pela visão conservadora que influirá na
formatação, não apenas do ideário profissional, mas representará, também, os primeiros
sintomas das suas aberturas para a nova ideologia jurídica traduzida no novo texto
constitucional.
Este é o texto inaugural do discurso de Nehemias Gueiros:
Esta é a Ordem dos Advogados do Brasil. Uma corporação de profissionais da
advocacia, ao um tempo sob a disciplina do direito público e do direito privado sem
‘numerus clausus’ sem privilégios de nobreza ou de hierarquia, que recebemos da
tradição francesa, mas que tem raízes plantadas nas ordens monásticas e de cavalaria,
sem o formalismo litúrgico e o caráter sagrado daquelas, porém com o mesmo ‘esprit de
corps’, o mesmo objetivo de seleção e solidariedade e a mesma alma cavalheiresca e
pugnaz. É uma corporação de ofício. Somos os mosteirais que nos agrupamos para a
manutenção e o aperfeiçoamento de uma técnica artesanal que a advocacia é também
uma arte e uma arte difícil. Temos um estatuto corporativo, que estabelece condições
para o nosso ingresso, regula as nossas relações de trabalho e as nossas relações
sociais e disciplina a nossa conduta. E só não somos o ‘minores’ como os antigos
artesãos das antigas corporações medievais, porque já não existem os ‘maiores’ da
grande burguesia organizada, nem os ‘nobres’ que a Republica extinguiu. Somos todos
iguais: nós, os artesões do Direito os clientes aos quais servimos os juízes perante os
quais postulamos, e as autoridades, cujos atos pomos diante da justiça para o exame de
sua legitimidade. Mas não temos instrumentos iguais nem podemos ter o mesmo
temperamento. O espírito religioso e guerreiro da sociedade feudal, que fez das ordens
de cavalaria o reduto de defesa dos mais fracos, é o mesmo espírito que inspira e
comanda o herói cavalheiresco em que o advogado tem de se encarnar.
Mantendo a mesma linha discursiva que dá a seu pronunciamento um caráter
especial, continua o novo Presidente Nehemias Gueiros:
474
Ata cit., de 11 de agosto de 1956.
313
A nossa transposição do caráter sagrado para o militar, imposta ao cavaleiro da idade
média é prescrita também ao advogado: faz o culto da lei, mas esgrime a espada
transformando os seus instrumentos de paz em arma de guerra para conquistar a
justiça. Para a disciplina desse ‘élam’, para conter os excessos e os ardores da paixão
profissional, para pregar as regras de convivência para aperfeiçoar o instrumento de
trabalho, para manter em alto nível os padrões éticos, para recrutar os eleitos da
vocação e para a defesa solidária de todos, é que se criou a Ordem. Um corpo de
mosteirais ao mesmo tempo de cavalaria e de ofício. Esta a nossa flama, este o nosso
ministério. Mas um ministério público, sem dúvida. É nisto que nos distinguimos do
simples mandatário ‘ad negotia’. Embora de caráter privado em relação ao mandato
recebido do particular, do indivíduo, o nosso ministério é de caráter público como
função judicial, toda vez que suplicamos justiça, sempre que estabelecemos um
contraditório ou o contencioso, para que a autoridade decida entre a acusação e a
defesa, entre as razões de pedir e as razões de negar ou de conceder. Por isso a Ordem
se dimensiona no direito público e no direito privado, não sendo apenas uma associação
profissional, mas uma corporação criada pelo Estado, que lhe delegou o seu poder de
polícia, para que a disciplina se fizesse pelos seus próprios membros, fazendo dela, ao
mesmo tempo, órgão de classe e órgão de Estado.
475
As palavras introdutórias e conceituais de Nehemias Gueiros são, exatamente,
aquelas que não poderiam ser ditas e afirmadas nos difíceis anos de luta do IAB no Império
e do IOAB na República, pela criação da OAB. Naqueles anos de confrontos com o
Império e a oligarquia republicana, tudo que se afirmava para rejeitar o projeto de criação
da OAB apoiava-se exatamente na sua associação e vinculação com as corporações
medievais, fossem elas de ofício, monásticas ou cavalheirescas. A Revolução Francesa
abolira as corporações, mas o discurso de Nehemias Gueiros restaura o propósito
corporativo e, mais do que isso, procura justificá-lo, vendo no advogado o artesão de ofício,
o escriba monástico e o quixote dos fracos e oprimidos. Conceitualmente o texto
introdutório de Nehemias Gueiros não evoluiu exatamente na mais moderna linha
conceptiva da OAB, mas, de qualquer forma, o Projeto de Estatuto relatado por ele próprio,
não exatamente, tem uma estrutura fechada e, nem muito menos, está dominada por uma
concepção corporativista brasonada com características medievais.
Muito ao contrário, os projetos de criação da OAB evoluíram de uma natureza
conceitual corporativa, para uma concepção formalmente aberta e privada; evoluíram de
uma personalidade jurídica paraestatal, como instituição do serviço público, para uma
proposta institucional independente e infensa ao poder público. Mesmo, no que se refere ao
modelo institucional da OAB, que dominou os documentos regimentais que instituíram-na
475
Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1956.
314
em 1931/33, não guardou qualquer semelhança com o modelo medieval de natureza
essencialmente econômico e social, tinha ela, uma natureza institucional paraestatal, por um
lado destinada a disciplinar a prestação dos serviços jurídicos pelos advogados e, por outro,
destinada à representação político parlamentar. O projeto de Nehemias evoluiu, muito mais
para a independência corporativa, o projeto mais traduziu a privatização da autarquia
pública do que a submissão ao Estado.
De qualquer forma, como se poderá verificar neste Capítulo, e das próprias
posições nos capítulos antecedentes, este é o dilema de nossos liberais conservadores ou
conservadores liberais (já se disse, sobre eles no Império: nada mais conservador que um
liberal no poder), a antinomia entre o discurso e o projeto, entre as idéias e a ação. Na
verdade, o discurso fechado presta-se à proteção das idéias abertas e o discurso aberto à
impenetrabilidade das idéias fechadas. Possivelmente, por isto mesmo, que o liberalismo
tem sido a chave (para Benjamin Constant 1836/1891) de abertura do autoritarismo
conservador e, Vice-versa, também, a chave da fechadura das democracias.
No período de discussão do projeto de estatuto muito se argumentou sobre o
seu caráter corporativo, exatamente, pela sua presumível personalidade mista – entidade
estatal e corporativa, principalmente contra a sua constitucionalidade como que
recuperando a discussão histórica, devido a disposição do § 14 do art. 141 da Constituição
Federal de 1946.
476
Nehemias Gueiros entende que estes são argumentos ad terrorem
porque há uma confusão entre corporativismo com corporativismo político. Estas
indagações históricas e argumentos de autoridade não inibem a sua natureza mista, basta
citar o inciso III do art. 124 da Constituição de 1946
477
que inscreveu a OAB como órgão
auxiliar do Poder Judiciário, na alta missão de recrutamento da magistratura vitalícia, para
se lhe afiançar uma forma de organização federativa com personalidade jurídica própria,
coordenada pelo Conselho Federal, e existência como instituição, dando lhe função
necessariamente constitucional, além da função corporativa.
478
476
Dispunha, o supra citado parágrafo, como que repetindo textos anteriores: É livre o exercício de qualquer
profissão, observado as condições de capacidade que a lei estabelecer.
477
Dispõe o supra referido inciso: o ingresso na magistratura vitalícia dependerá de concurso, de provas,
organizado pelo Tribunal de Justiça com a colaboração do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do
Brasil (...).
478
Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1956.
315
De qualquer forma, do pronunciamento de Nehemias Gueiros, fica bastante
claro que os conselheiros da Comissão de redação estavam essencialmente preocupados em
definir e assegurar os direitos e prerrogativas da profissão, onerando, inclusive, o múnus
público da atividade, aumentando a tábua de deveres, o elenco das infrações e agravando as
conseqüentes penas disciplinares, evitando liberalizar qualquer privilégio e regalias
individuais, voltados, todavia, para garantir a independência e a liberdade de defesa como
princípio e direito natural e estimular a consciência profissional. As elites, para Nehemias
Gueiros, as elites já não precisam da multiplicação de tantos bacharéis formando-os em
número excessivo às suas necessidades.
Nesse sentido, o Presidente da OAB em seu pronunciamento destacou a
necessidade de se incentivar o
aprendizado no estágio ou o Exame de Ordem (‘bar examination’), (como especial
forma) de ‘tornar exeqüível o poder de seleção da Ordem, meramente teórico até agora
indispensável para a inscrição no quadro de advogados a partir do quarto ano do curso
jurídico de modo a assegurar ao candidato a sua conclusão simultaneamente à sua
diplomação universitária. O Exame de Ordem será obrigatório apenas para os
candidatos à inscrição que não tenham feito o estágio profissional ou para os que não
tenham comprovado satisfatoriamente o seu exercício e resultado. Para não acrescentar
ao currículo do candidato a advogado adotou esta fórmula transacional ao sistema
dominante nos Estados Unidos e na Europa sem dúvida ainda mais rigoroso do que o
estabelecido no Anteprojeto.
479
Especialmente posicionando-se sobre a qualificação profissional, Nehemias
Gueiros observa que:
479
Foi adotado na proposta do Estatuto para facilitar a adaptação ao novo critério que os novos bacharéis
candidatos a advogados durante cinco anos a partir da data de vigência da lei estavam facultados ao
cumprimento da exigibilidade do estado e do exame de ordem (...) é verdade que não se pode prestar ao
estágio o único meio de formar advogados. Mas ele é condição do aprendizado indispensável, assim como
ninguém é escritor sem aprender a escrever, de nada vale aptidão pessoal, nem o talento, se, como nas
demais artes, ela se envenenar no nascedouro pelos vícios da indisciplina, que só a técnica pode impedir ou
remediar. Há que dar ao advogado, nas escolas, a formação humanística e jurídica, mas há que se lhe
ministrar a experiência do saber fazer, porque só se aprende a saber fazer fazendo. A teoria e a técnica têm
que se associar, uma alimentando a outra, em perfeita simbiose para não incidirmos naquela censura de
Robert Jackson Ministro da Corte Suprema dos Estados Unidos, quando assinalava em 1950 ‘If the wekness
of the apprentice system was to produce advocates without scholarship, the weakness of the law schol system
is to turn out scholars with no skill at advocay’ ´Se a deficiência do sistema do aprendizado era produzir
advogados sem cultura (formação escolar), a ineficácia do sistema das escolas de direito é lançar bacharéis
sem aptidão para a advocacia’ (tradução nossa). Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de
11 de agosto de 1956.
316
Num país em que desce[cai] o nível da advocacia, como profissão, desce[cai],
igualmente, o nível do mecanismo judiciário de que os advogados são partes
indispensáveis e desce[cai] a autoridade e a grandeza da própria justiça. Juiz e
advogado são termos necessários na solução dos problemas jurídicos confiados ao
Poder Judiciário
480
(...) Não tem razão de ser, por isto, a velha parêmia: ‘advocati
nascuntur judices fiunt’. (...) Para que o Poder Judiciário se mantenha em grandeza,
instruído e animado pela sensibilidade humana pelo entusiasmo profissional e pela
cultura dos advogados, tornar-se instante fazer a revolução do sistema de recrutamento
destes, suplementando na teoria que as escola lhes ensina, o tirocínio da experiência
pratica, que a improvisação e a iniciativa autodidata estão longe de ministrar. Não
basta preparar e selecionar bem, é mister, também, disciplinar e regulamentar.
Esta especialíssima lição de Nehemias Gueiros muito bem demonstra o
importante papel do advogado no contexto da sociedade, especialmente na implementação
judicial dos problemas humanos. Para alcançar esta síntese conclusiva Nehemias Gueiros,
não apenas, definiu o arcabouço do ideário profissional dos advogados, consolidado na
disciplina e no regulamento, como também mostrou os parâmetros gerais da formação
escolar (sholarship) e pratica (estágios) imprescindível ao exercício profissional (skill at
advocay). A sua linha argumentativa, todavia, e o arcabouço geral do Estatuto, como
procurou demonstrar, não exatamente pela dimensão aberta das suas colocações, coincidem
com os seus argumentos introdutórios sobre as circunstâncias históricas que antecedem à
formação da OAB, mas, de qualquer forma, numa percepção eclética do papel do
advogado, e dos vínculos estruturais da OAB, reconhece a grandeza da profissão.
Encaminhando o seu discurso para as observações finais concluiu:
Ao espírito público e à compreensão patriótica do senhor Juscelino Kubstschek,
Presidente da República e o senhor Nereu Ramos, Ministro da Justiça, devemos a festa
cívica com que a presença de ambos neste ato vai assinalar, da data de fundação dos
cursos jurídicos de Olinda e São Paulo, assinatura e remessa ao Congresso Nacional,
da Mensagem que encaminha o Projeto de Lei dispondo sobre o Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil e regulamentando o exercício da profissão, resultado da larga
revisão empreendida no antigo estatuto.
481
(...) Na obra que hoje o Presidente da
480
Dentre as suas tantas observações dizia Calamandrei em livro que é uma bela sátira escrita exatamente
entre relações entre juiz e advogado. Não é possível apreciar serenamente as virtudes e os defeitos dos juízes,
se não considerando que são, na realidade, a reprodução, num outro plano, das virtudes e defeitos
correspondentes dos advogados, isto é, a sua sombra deformada pela distancia. (Interlocutores recíprocos e
cotidianos a conduta deles é) uma sucessão de respostas e reações dialéticas à conduta dos advogados.
CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por nós, os advogados. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003 e do
mesmo autor Eles, os Juízes, vistos por um advogado. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2000.
481
Nehemias Gueiros faz observações de que os trabalhos da Comissão em que foi relator levaram dois anos
para se concluir. Participaram da Comissão Themistocles Marcondes Ferreira, Alberto Barreto de Melo,
Carlos Alberto Dunshee de Abranches, Carlos Bernardino Aragão Bozano, José Maria McDowell. Tudo foi
feito com paixão da causa pública. Ata da 817º Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto
317
República encaminha ao Congresso Nacional, a disciplina e a regulamentação ocupam
um papel fundamental, de par com a definição das incompatibilidades e dos
impedimentos para o exercício da profissão de advogado, com a qual, sem chegar ao
rigor existente na França, em que o exercício da profissão é incompatível com qualquer
função pública atividade comercial, industrial ou simplesmente civil. Estabelecemos sua
implicação com qualquer função que reduza a independência profissional ou
proporcione captação de clientela. [Respeitamos] as inscrições vigentes que constituem
um direito adquirido, mas aponta um caminho novo para as novas gerações de
advogados, a beneficiar-se pela melhor seleção e pela melhor qualificação (...).
Finalmente, conclui o Presidente Nehemias Gueiros:
Resta-nos agora, contar com a colaboração do Poder Legislativo, no exame e no debate
do projeto encaminhado para que ele se venha tornar em Lei (...). Confiamos no regime
e confiamos na justiça. Para recebê-la, sem a fome e a sede que apenas nos faz bem
aventurados para ganhar o reino dos céus é preciso jurar-lhe fidelidade e dar-lhe culto.
É no reino deste mundo que temos que ministrá-la, embora tenhamos que prestar contas
no mundo atemporal, todos somos seus ministros e ao mesmo tempo seus fieis. Que cada
um de nós encha de azeite a sua candeia e cumpra a sua religiosa tarefa.
482
O Presidente da República Juscelino Kubitschek, após assinar a Mensagem que
enviaria o Anteprojeto de Estatuto dos Advogados ao Congresso Nacional, como projeto do
governo, com palavras de emoção exaltou a figura do advogado e agradeceu o convite que
lhe fora formulado, prestigiando o eminente jurista Miguel Seabra Fagundes e
congratulando-se com a classe pela eleição e posse de novo presidente Nehemias
Gueiros.
483
de 1956. Nesta mesma Sessão, em seu pronunciamento, Nehemias Gueiros também se referiu ao ex-
presidente Seabra Fagundes observando que dele se orgulhava como companheiro de geração, da mesma terra
natal e da mesma academia, pelas suas altas virtudes de jurista e cidadão da pátria. Grande juiz que fora e
grande advogado que é, que muito contribuiu para a doutrina jurídica e para os modelares padrões da ética
profissional.
482
Ata da 817º Sessão da 26ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1956.
483
Nehemias Gueiros, enumerando os nomes dos que compuseram a comissão da OAB que elaborou o
Anteprojeto, conta que um dos componentes, Edgard de Toledo: defendia (...) a concepção inovadora de
transformar a Ordem em associação profissional de ingresso facultativo (artigo 159 da Constituição) mas
criada mediante organização e estatutos impostos por lei, declarando-se, incompatibilizado com o critério da
maioria, que manteve a categoria jurídica tradicional da instituição, como entidade paraestatal de natureza
corporativa. Anais da Câmara dos Deputados, vol. XXV, op. cit., p. 579. Anais da Câmara dos Deputados,
vol. XXV. 119º Sessão em 22 de agosto de 1956. Exposição de Motivos da Ordem dos Advogados do Brasil
– Conselho Federal, pp. 579 a 593. O art. 159 da Constituição de 1946 dispõe: É livre a associação
profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas
convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público.
318
2. – O Projeto de Estatuto da OAB na Câmara dos Deputados
2.1. Os Atos Formais Preliminares ao Projeto de Lei
Após o encaminhamento formal do Anteprojeto de Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil pelo Presidente da Ordem dos Advogados, Nehemias Gueiros, ao
Ministro da Justiça, Nereu Ramos, este foi enviado ao Presidente da República,
acompanhado da seguinte Exposição de Motivos do Ministério da Justiça e Negócios
Interiores:
484
Excelentíssimo Senhor Presidente da República
O Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou a este Ministério
anteprojeto de Estatuto da Ordem, solicitando o seu encaminhamento ao Poder
Legislativo, como projeto do Governo, dada a relevância da matéria e o interesse
público nele versado. 2. Na Exposição de Motivos, a fls. 83, Vossa Excelência, por
despacho de 26 de junho findo, houve por bem autorizar a remessa do anteprojeto,
como projeto do Governo, conforme fora solicitado ao Congresso Nacional. 3. A vista
do exposto, tenho a honra de submeter à consideração de Vossa Excelência, a fim de ser
encaminhado ao Congresso Nacional, o anteprojeto de lei, acompanhado de mensagem
e da cópia da Exposição de Motivos da Ordem dos Advogados do Brasil, elaborada por
eminentes juristas, a qual, com muito brilho, justifica a matéria incluída no aludido
anteprojeto. Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência protestos de
profundo respeito. – Nereu Ramos.
485
Posteriormente, o Presidente da República Juscelino Kubitschek, enviou aos
membros do Congresso Nacional a seguinte Mensagem nº 413, [de 18 de agosto] de 1956:
Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional. Tenho a honra de
encaminhar á deliberação de Vossas Excelências, acompanhado de Exposição de
Motivos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o anteprojeto de lei que dispõe
sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e regula o exercício da profissão
de Advogado. Aproveito a oportunidade para renovar a Vossas Excelências os protestos
484
DIJ/DJ/SL/P. 24.654-56 – Nº 1.853 – Em 9 de agosto de 1956.
485
Anaes da Câmara dos Deputados, vol. XXV. 119º Sessão em 22 de agosto de 1956.Exposição de Motivos
do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, p. 578.
319
de minha alta estima e mais distinta consideração. Rio de Janeiro, em 18 de agosto de
1956. – Juscelino Kubitschek.
486
2.2. O Projeto nº 1751, de 22 de agosto de 1956.
O Anteprojeto enviado ao Congresso, pelo Presidente da República, tramitou na
Câmara dos Deputados como Projeto nº 1751, de 22 de agosto de 1956, tendo sido
designado seu Relator o deputado federal da UDN de Minas Gerais, Milton Campos.
487
O
Projeto recebeu várias emendas que trouxeram à baila temas e propostas debatidos no
Parlamento em períodos anteriores, inclusive, à Revolução de 1930, restaurando velhas
questões dos projetos liberais da OAB e reacendeu antigos debates anticorporativos.
Todavia, esta restauração discursiva aconteceu num contexto político
absolutamente diferente, porque, tratava-se, agora, não de se criar a Ordem dos Advogados,
mas de se adaptar o Estatuto promulgado na forma do Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro
de 1933 (que consolidara os Decretos de nº. 20.784, de 14 de dezembro de 1931; nº 21.582,
de 1º de julho de 1932; nº 22.089, de 1º de novembro de 1932 e nº 22.266 de 28 de
dezembro de 1932) aos pressupostos da ordem constitucional de 1946 e às novas
concepções da advocacia no Estado de Direito e numa sociedade democrática que pretendia
incentivar a livre iniciativa como pressuposto da vida econômica. As preocupações
modificativas essenciais eram dar à OAB, como serviço público federal, a autonomia e
independência que não gozava como órgão paraestatal, na forma de sua criação, assim
486
Anais da Câmara dos Deputados, vol. XXV. 119º Sessão em 22 de agosto de 1956. Mensagem nº 413, de
1956, p. 578.
487
Milton Soares Campos (1900/1972) teve uma longa carreira política toda ela permeada pelos
compromissos com os ideais liberais (radicais). Ex-presidente da seccional da OAB-MG, foi deputado
estadual e federal sendo 2 (duas) vezes candidato a Vice-Presidente pela UDN. Opositor destacado do
getulismo trabalhista foi Ministro da Justiça entre 1964/65, depois de ter colaborado na redação do Manifesto
do governador Magalhães Pinto de Minas Gerais contra o governo João Goulart. Renunciou, todavia, com a
edição do Ato Institucional nº 2/65, após radical discussão no dia 22 de março de 1965 (ainda Ministro) na
Câmara dos Deputados em defesa das eleições diretas. Após a exoneração foi eleito Senador por Minas
Gerais. Carlos Drummond de Andrade dizia que “Milton Campos foi o homem que a gente gostaria de ser” e
Nelson Carneiro dizia que “de todos nós, ele era o melhor”. Dentre seus trabalhos publicados destacam-se
Compromisso Democrático, A Evolução da Civilização Mineira e O Pensamento Político Contemporâneo.
Ver, também, S
ALLES, José Bonifácio Teixeira. Milton Campos – uma vocação liberal. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 2000.
320
como ampliar o quadro de prerrogativas, deveres e conseqüências disciplinares como
especial forma de inibir a participação do advogado no estamento burocrático do Estado.
Para alcançar resultados mais visíveis dos procedimentos e debates na Câmara
dos Deputados subdividimos este item, deste Capítulo, em 6 (seis) partes, que, por sua vez,
são explicitados descritivamente para facilitar a recuperação histórica do ideário
profissional, a compreensão dos posicionamentos discursivos e viabilizar a análise no novo
contexto político-ideológico e jurídico que se definiu a partir de 1946. As partes estruturais
dos debates são: OAB: corporação profissional ou de ofício; as incompatibilidades e os
impedimentos para o exercício da advocacia; os advogados e os juízes; os rábulas e os
solicitadores; a advocacia e disciplina; a Assistência Judiciária e a advocacia. A
compreensão conjunta destes itens facilitará comparar as linhas modificativas,
principalmente as linhas de sustentação da autonomia e independência autárquica, na
Câmara dos Deputados e o encaminhamento dos debates no Senado Federal, de onde o
Projeto sairá para a Presidência da República.
2.2.1. OAB: Corporação Profissional ou Corporação de Ofício
O Desembargador Alexandre Delfino de Amorim Lima, presidente do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, em 12 de novembro de 1958, dois anos após a
apresentação na Câmara dos Deputados do Anteprojeto (Projeto) de Estatuto da Ordem, fez
um Relatório relativamente extenso e minucioso sobre o seu conteúdo, declarando-se,
frontalmente, contra o mesmo, procurando recuperar os velhos e tradicionais argumentos
contra a criação da OAB. Referindo-se aos dispositivos que tratavam da natureza jurídica
da Ordem
488
afirma o Desembargador: Diga-se, embora de passagem, que a Constituição
Federal não permite as corporações de ofício, por serem contrárias ao cânon que assegura
o livre exercício das profissões.
489
E, continua:
488
Esta matéria está regulada no arts. 77/83 do Projeto (cap. III).
489
Anais da Câmara dos Deputados, 139º Sessão em 12 de novembro de 1958, v. 20, p. 631 a 717. Ofício do
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, Observações ao Projeto de Número 1.751– 1956, p. 689.
321
Os membros da Ordem, isto é, os seus diretores; os componentes dos Conselhos Federal
e Seccionais; os diretores das Subseções, a quem o art. 134,
490
assegura o direito de
público desagravo no caso de ofensa no exercício da profissão, regalia que não é
assegurada nem ao Presidente da República, nem aos mais altos representantes dos
Poderes políticos da nação (...). A preocupação discriminatória do projeto, o afã
protecionista, que culmina com esses inomináveis excessos, levaram a essa absurda
situação. Êsse direito, se é que assim se pode denominar, de raízes medievais, não pode
ser exercido, simplesmente porque os beneficiários não podem exercer a profissão
advocatícia, incapacidade que em si é um absurdo, mas que resulta claramente do
artigo 79, número VI,
491
tendo em vista a categoria jurídica que se pretende emprestar à
Ordem, à natureza do serviço, que além de público é relevante, por êles prestado, lhes
proporcionando situação, não só propícia à captação de clientela, como também
eliminação de concorrência (...)”.
492
Ressaltando os aspectos históricos das resistências à OAB, se compararmos os
argumentos do Desembargador (1958), acima citado, e os argumentos do deputado imperial
Araújo Lima (1851), abaixo transcritos, poderemos constatar que os seus fundamentos
argumentativos são muito semelhantes, passados mais de cem anos do pronunciamento
deste:
Presto inteiro assenso o que está fora da alçada dos Srs. Deputados estabelecer a
ordem dos advogados (...). Porque a liberdade profissional é garantida na
Constituição,
493
quando pelo projecto ninguem póde exercer a advocacia sem que seja
filiado no Instituto dos Advogados. Concordo facilmente em que sendo o advogado o
depositario dos segredos das familias, sendo encarregado de defender a fortuna dos
particulares, a lei deve exigir garantias de instrucção e moralidade, mas a lei não pode
490
Está proposição sobreviveu aos estatutos e práticas recentes resguardam o advogado de ofensas de
autoridades ou de terceiros, classificando-se como um de suas prerrogativas. O art. 134 do projeto que trata da
matéria dispõe: No caso de ofensa a membro da Ordem no exercício da profissão, por magistrado, membro
do Ministério Público, ou por qualquer pessoa, autoridade, funcionário, serventuário ou órgão de
publicidade, o Conselho Secional, de ofício ou mediante representação, ouvida a Comissão de Ética e
Disciplina, promoverá o público desagravo do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que
incorrer o ofensor (art. 86, Inciso XX).
491
Art. 79. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades, funções e
cargos: (...) VI – Presidentes, superintendentes, diretores, secretários, delegados, tesoureiros, contadores,
chefes de serviço, chefes de gabinete e oficiais ou auxiliares de gabinete de qualquer serviço da União, do
D.F., dos Estados, Territórios e Municípios, bem como de autarquias, entidades paraestatais, sociedades de
economia mista e empresas administradas pelo Poder Público.
492
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, pp. 631 a 717, vol. XX, p. 689.
493
O inciso XXIV do art. 179 da Constituição Imperial dispunha o seguinte: Nenhum genero de trabalho, de
cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, á
segurança, e saude dos cidadãos.
322
dizer que para se exercer a profissão de advogado deve-se fazer parte de uma
corporação...
494
Ao estudarmos os projetos enviados para o Congresso desde 1850/51,
495
pudemos constatar que a idéia ou o preconceito ou, ainda, o interesse dos provisionados e
daqueles que superpunham a advocacia com funções públicas em manter a advocacia sem a
devida regulamentação, por cerca de 87 anos, apoiava-se no tradicional e recorrente
argumento (um tanto falacioso), de que uma Ordem dos Advogados estabeleceria
privilégios semelhantes àqueles das corporações de artesãos. Estas questões, levantadas,
todavia, no curso das discussões sobre o Projeto nº 1751/56, juntamente com as
observações críticas do Desembargador Alexandre Delfino de Amorim Lima, foram
excelentemente superadas com o Parecer de Milton Campos, relator da comissão da
Câmara, responsável pelo Projeto.
496
No Relatório de apreciação do Projeto, Milton Campos enfrenta a velha
acusação, recorrente, de inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados valendo-se da
própria Constituição de 1946, com o seguinte argumento:
Não admira que a constitucionalidade da própria instituição tenha sido posta em
dúvida. Em face da Constituição sem restrições e a influência positivista lutava por
prevalecer, justificava-se a reação contra qualquer preceito restritivo do princípio de
liberdade no exercício das profissões. Mas as Constituições que se seguiram foram mais
prudentes e permitiram à lei estabelecer as condições de capacidade e os princípios
reguladores do exercício das profissões.
497
O Relator se cita aos artigos 141, § 14 e art. 161 da Constituição de 1946, em
vigor na época,
498
com a seguinte redação:
494
Annaes do Parlamento Brazileiro – Camara dos srs. Deputados. Terceiro anno da Oitava Legislatura.
Sessão de 28 de agosto de 1851: Summario. Expediente – Instituto da ordem dos advogados. Discursos dos
Srs. Zacharias, Maciel Monteiro, Araújo Lima e Silveira da Motta. Vol. II, pp. 729 a 733. .
495
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e resistências,
op. cit.
496
Ver pronunciamento de posse de Nehemias Gueiros, nesta obra.
497
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 12 de novembro de 1958, pp. 631 a 717, vol. XX, p. 699.
498
É interessante observar que a citada Constituição, teve como uma das proposições inspiradoras um
anteprojeto elaborado pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – IOAB, em que o então ilustre ex-
323
Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e
à propriedade, nos termos seguintes(...) § 14 – É livre o exercício de qualquer profissão,
observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer.
Art. 161. A lei regulará o exercício das profissões liberais e a revalidação de diploma
expedido por estabelecimento estrangeiro de ensino.
499
Todavia, há que se ressaltar que o § 14º do dispositivo anteriormente citado não
deve ser conhecido isoladamente, mas no contexto do texto do art. 141 e do supra citado
art. 161. Estes dois últimos artigos criam, na verdade, o ambiente para a executabilidade do
parágrafo combinando a inviolabilidade de direitos com a liberdade de exercício de
qualquer profissão, na forma que a lei estabelecer, e o exercício de qualquer profissão
liberal, na forma que a lei regular, ficando, todavia, explícito que diplomas expedidos no
exterior não garantem o exercício profissional no Brasil, senão após sua revalidação, o que
significa, por conseguinte, que não estava a advocacia aberta, preliminarmente, a titulados
no exterior.
O Relator do Projeto nº 1751/56, Milton Campos, continuando sua Exposição,
tendo como base a Constituição vigente, lembra que a própria Constituição não considerava
a OAB inconstitucional, já que no artigo 124 reconhecia sua existência. Dispõe o referido
artigo 24:
Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts. 95500 a 97501 e
também dos seguintes princípios: (...) III – o ingresso na magistratura vitalícia,
presidente da OAB, Levi Carneiro, participou da elaboração até a 6º reunião, como esta relatada nos Anais do
Congresso. Anais da Assembléia Constituinte, 1947, vol. 5. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, pp. 146 a 178.
499
O teor deste parágrafo em nada se diferencia do dispositivo do § 14 do art. 141 da Constituição de 1891,
todavia, padeceram de hermenêutica diferente que reconheceram diferentemente a mesma situação jurídica,
no caso anterior, para inviabilizar a criação da OAB, no supra referido caso para resguardar a sua criação e
organização.
500
Art 95 - Salvo as restrições expressas nesta Constituição, os Juízes gozarão das garantias seguintes: I -
vitaliciedade, não podendo perder o cargo senão por sentença judiciária; II - inamovibilidade, salvo quando
ocorrer motivo de interesse público, reconhecido pelo voto de dois terços dos membros efetivos do Tribunal
superior competente; III - irredutibilidade dos vencimentos, que, todavia, ficarão sujeitos aos impostos
gerais. § 1º - A aposentadoria será compulsória aos setenta anos de idade ou por invalidez comprovada, e
facultativa após trinta anos de serviço público, contados na forma da lei. § 2º - A aposentadoria, em qualquer
desses casos, será decretada com vencimentos integrais. § 3º - A vitaliciedade não se estenderá
obrigatoriamente aos Juízes com atribuições limitadas ao preparo dos processos e à substituição de Juízes
julgadores, salvo após, dez anos de contínuo exercício no cargo.
501
Art 97 - Compete aos Tribunais: I - eleger seus presidentes e demais órgãos de direção; II - elaborar seus
Regimentos Internos e organizar os serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei; e bem
324
dependerá de concurso de provas, organizado pelo Tribunal de Justiça com a
colaboração do Conselho Secional da Ordem dos Advogados; (sic.) do Brasil, e far-se-á
a indicação dos candidatos, sempre que for possível, em lista tríplice.
Assim, concluindo o seu argumento, diz o Relator:
É certo que a Constituição, no dispositivo citado, não pretendeu dirimir dúvidas que
acaso se pudessem suscitar sobre êsse ou aquêle aspecto secundário da organização
profissional dos advogados. Mas, com a referência que fez, mostrou, pelo menos que a
instituição em si, nas suas linhas gerais como órgão congregador, disciplinador e
defensor da classe, não repugna aos fundamentos liberais da Carta Magna. E isto se
confirma pela jurisprudência pacifica dos tribunais. Operando desde 1931, a Ordem
dos Advogados foi examinada, na sua legalidade institucional, em face de duas
Constituições democráticas – a de 1934 e a de 1946. E sempre os tribunais decidiram
pela sobrevivência da instituição, por entenderem que sua existência e funcionamento
não afetavam o princípio de liberdade profissional, nos termos em que fora exarado.
502
Numa segunda parte de seu texto sobre a natureza jurídica da Ordem, o Relator
Milton Campos observa que o relatório do Desembargador Alexandre Delfino levanta
suspeita sobre o § 1º do art. 143 do Projeto nº 1751/56, dando elementos para detratores da
Ordem afirmarem que era ela entidade assemelhada às corporações de ofício. Assim estava
no citado artigo do Projeto: Dada a sua natureza corporativa e a peculiaridade de suas
funções, não se aplicam à Ordem as disposições legais referentes às autarquias ou
entidades paraestatais. Para o Relator, o texto afirmando que a Ordem tem natureza
corporativa cria confusão, mas a Ordem pode ser considerada uma corporação profissional,
e não uma corporação de ofício nos moldes do corporativismo medieval.
Para fortalecer seu argumento recorre, então, a uma sui generis definição de
corporação do Archives de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique, que assim
entende:
O regime corporativo é o modo de organização que terá como base o agrupamento dos
homens segundo a comunhão de seus interêsses e de suas funções sociais, e como
coroamento necessário à representação pública e distinta desses diferentes organismos.
O restabelecimento das corporações profissionais é uma das aplicações parciais dêsse
assim propor ao Poder Legislativo competente a criação ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos
vencimentos; III - conceder licença e férias, nos termos, da lei, aos seus membros e aos Juízes e serventuários
que lhes forem imediatamente subordinados.
502
Ver p. 699-700 do Relatório.
325
sistema (Bréthe de la Gresaye, La Corporation et l’État, in Archives de Philosophie du
Droit et de Sociologie Juridique, nº 1 – 2 de 1938, p. 78)
503
Mas, procurando evitar transtornos assim sugere a redação do citado artigo:
A Ordem dos Advogados do Brasil constitui serviço público federal, gozando os seus
bens, rendas e serviços, de imunidade tributária total (art. 31, inc. V, letra a da
CF/1946) e tendo franquia postal e telegráfica
.
504
Assim redigido a natureza jurídica da OAB distancia-se do conceito (jurídico)
de corporação do Anteprojeto, muito radical para os novos tempos, e mais se aproxima do
conceito de autarquia, sem que o seja efetivamente semelhante à Lei de 1931/33, sem
perder, todavia, os benefícios de entidade apoiada pela União.
505
A redação para os que
estão fora do convívio legislativo-institucional pode se assemelhar a uma mera filigrana,
mas, é uma filigrana que lhe permite resguardar os benefícios de serviço público federal,
protegido pelo texto constitucional, mas com autonomia e independência, infensa à
subordinação hierárquica estatal, que lhe custou, inclusive, investidas do poder central
506
e
insistentes tentativas de subordinar a verificação de suas contas ao Tribunal de Contas da
União – TCU.
507
O caráter da Ordem não é a busca de um exclusivismo de mercado, como
caracterizavam-se as corporações medievais em certa época da sua história, mas organizar
a categoria profissional para efeitos de defesa, seleção e disciplina. Daí a desnecessidade
503
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 12 de novembro de 1958, p. 631- 717, v. 20, p. 701.
504
Esta redação foi aprovada em 1963, mas, com pequena diferença no Regulamento de 1931/33 no seu art. 2ª
dispunha: A Ordem constiui (sic) serviço público federal, por isso seus bens e serviços e o exercício de seus
cargos são isento de qualquer imposto ou contribuição.
505
De qualquer forma, a leitura comparada dos dois dispositivos demonstra que ficou excluído do novo texto
a referência a “isenção de impostos e contribuições sobre o exercício de seus cargos”, incluindo-se, todavia,
“o direito a franquias postais e telegráficas”. De qualquer forma, este dispositivo se completa pelo que veio a
dispor o artigo 1º do novo Estatuto de 1963: A Ordem dos Advogados do Brasil (...) tem personalidade
jurídica e forma federativa, é o órgão de seleção disciplinar e defesa de classe dos advogados em toda a
República.
506
Ver Decreto nº 74.000 de 1º de março de 1974 (Dispõe sobre a vinculação de entidades, a administração
direta e indireta, inclusive OAB e dá outras providências)
507
Recentemente, por iniciativa do TCU, em contexto exclusivamente contábil este tema voltou a ser o ojeto
de questionamento mas não prosperou técnica nem juridicamente..
326
do termo natureza corporativa, que só contribuía para confundir, que o Relator procurou
redirecionar. O Relator observa, ainda, que parte do texto em questão do § 1º do art. 143
(Dada a sua natureza corporativa e a peculiaridade de suas funções) se fazia desnecessária
também porque era simplesmente um motivo de determinação:
...a lei é um comando e não um raciocínio, um postulado e não um teorema, uma ordem
e não uma demonstração. Pode-se, pois, eliminar do dispositivo a parte da motivação,
conservando-se tão-sòmente a parte imperativa.
508
Ainda na linha de discussão sobre a natureza da OAB, o desembargador
Alexandre Delfino de Amorim Lima, no seu Relatório, fazendo uma leitura imperativa,
principalmente considerando que o art. 64 do Projeto nº 1751/56 que dispunha que, no seu
ministério privado, o advogado presta serviço público, constituindo, com os juízes e
membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da Justiça,
entende que
o exercício da profissão, por ser liberal e, por isso mesmo, independente, não pode ser
considerado serviço público, que é exercido pelos funcionários em geral, segundo
competência, direitos, obrigações e deveres prèviamente estabelecidos em lei. Serviço
público é o que decorre do regular funcionamento dos poderes do Estado, para a
consecução dos seus objetivos, por intermédio dos seus representantes, ou agentes. Se o
ministério do advogado é privado conforme declara o art. 64 e, de fato o é, não presta
ele serviço público. O dispositivo é contraditório consigo mesmo. Também não é
indispensável à administração da justiça. O próprio projeto prevê a colaboração de
pessoas estranhas ao quadro dos advogados.
509
Esta leitura é (será) a antítese da compreensão que os advogados (e sua própria
hermenêutica) terão de sua corporação e de sua profissão. Sobre esta questão, o Relator,
Milton Campos, afirma que ela está como mero assunto de nomenclatura, afirmando, que,
quanto à classificação jurídica da Ordem, nada foi alterado substancialmente desde sua
508
Ibid. Esta interessante forma de conceituar a Lei, como comando imperativo, por derivação, permite
também conceituar hermenêutica como raciocínio sobre a lei, em tese, ou como teorema referente ao
postulado, como demonstração (da ordem), variáveis imprescindíveis à compreensão do conceito de ideologia
jurídica, como parâmetros possíveis de reconhecimento dos institutos jurídicos (e do próprio ideário) dentro
de seu próprio âmbito descritivo. Está claro, por conseguinte, que a lei, como o ideário, principalmente diante
de situações concretas, tem um certo âmbito interpretativo, que depende do raciocínio, da teorização e da
demonstração: âmbitos ideológicos da compreensão.
509
Ibid., p. 684.
327
criação, pois prevaleceram as legislações até aquele momento promulgadas: Esta posição
suscitou, na Câmara dos Deputados, vivo debate, como vimos, sobre a natureza jurídica da
Ordem dos Advogados: ela é uma autarquia, ou uma corporação de ofício, ou uma
corporação de disciplina, ou um serviço público vinculado ou autônomo, ou, ainda, é uma
pessoa jurídica de direito público ou de direito privado ou uma pessoa jurídica de direito
público com natureza privada ou uma entidade paraestatal?
510
O tema ficou bem resolvido por decisão do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados, ao aprovar unanimemente, em reunião de 2 de maio de 1950, o brilhante
parecer do Conselheiro Dario de Almeida Magalhães,
511
O parecerista mostrou que o
legislador pode criar, além dos existentes, novos tipos de entidades que executem serviços
públicos ou que tenham finalidades ligadas ao interesse público. Ou, pode, também, surgir
da lei, entidades atípicas, não classificadas na própria lei, mas em condições de existir e de
cumprir os seus objetivos. Cremos ser análoga, afirma o parecer sobre a natureza da nossa
Ordem: corporação investida de funções e poderes públicos, reclamando um NOMEN JURIS
adequado ao seu regime peculiar. Pouco importa a nomenclatura, a etiqueta, desde que
esta não lhe desnature a índole ou lhe altere a substância.
512
E, desta forma, foi feito na emenda de número 28 (vinte e oito) da Comissão de
Constituição e Justiça, o texto tomou a forma, que, no Estatuto de 1963, passou a ser o § 1º
do art. 139: Não se aplicam à Ordem as disposições legais referentes às autarquias ou
entidades paraestatais.
Por fim, o Relator Milton Campos observa:
Depois disso, se se quiser considerar a Ordem uma corporação, não será no sentido
político, pois é possível haver corporações sem corporativismo, como há sindicatos sem
sindicalismo e parlamentos sem parlamentarismo.
513
510
Ibid., p. 700.
511
Ver de MAGALHÃES, Dario de Almeida. Ordem dos Advogados do Brasil. Natureza jurídica, poderes,
funções e encargos. Conceito de autarquia em face da doutrina e da lei. Prestação de contas ao Tribunal de
Contas (Parecer). Revista de Direito Administrativo, FGV, v. 20, p. 340-351.
512
Ibid, p. 700.
513
Ibid.
328
No que se refere à esta específica questão, nos permite a história exatamente
comparar as posições de Levi Carneiro e Milton Campos, que, muito embora tenham
convivido em período comum de tempo, especialmente à época da Constituinte de 1945/46,
e nos períodos subseqüentes, pontificaram em momentos diferentes de nossa história
institucional. Neste sentido, não há como desconhecer que as idéias na história podem estar
a serviço dos ideais dos agrupamentos humanos (profissionais), assim como, senão os
ideais, as idéias, a serviço das instituições na história.
Levi Carneiro, num especial contexto político, no quadro internacional de
ascensão das idéias corporativistas (ideologia), como proposta de convivência institucional
harmônica entre patrões e empregados, inclusive profissionais (liberais), com efeitos sobre
o Brasil dos anos de 1930, viabilizou os primeiros decretos da criação e organização da
OAB, vencendo as resistências, paradoxalmente, oligárquicas, e do próprio “bacharelismo
estatista”, contrárias às corporações de ofício, dominantes na obscura argumentação do
parlamento brasileiro, como já estudamos. Neste sentido, o corporativismo, mais do que um
explícito contrapeso reativo às idéias (ideologias) proletárias, apoiadas no marxismo-
leninismo, e, inclusive, no próprio liberalismo que inspirara 1891, antes que resvalasse no
seu próprio extremismo, e, internamente, evoluísse para o sindicalismo trabalhista e o
nacionalismo estatista, foi uma especialíssima força anti-oligárquica.
Milton Campos, no contrapeso do tempo, no contexto político da
redemocratização de 1946, no quadro internacional de (re)ascensão liberal democrática, no
mundo ocidental, e da ideologia marxista, no leste europeu, e de conseqüências
significativas para o Ocidente, também, com efeitos políticos internos, na argumentação
equilibrada e prudente de seu Relatório, conseguiu demonstrar o ranço das reações
anticorporativas à criação da OAB e viabilizar a organização e a votação do Estatuto liberal
democrático de 1963, antes que o liberalismo político evoluísse na aliança paradoxal com o
extremismo autoritário do poder revolucionário de 1964/68.
514
514
Milton Campos foi derrotado como candidato a Vice-Presidente nas eleições presidenciais de 1955, na
chapa vitoriosa de Jânio Quadros, quando foi eleito o candidato a Vice João Goulart, da chapa derrotada do
general Henrique Lott, o condestavel do governo Kubitschek. Nomeado Ministro de Estado da Justiça do
governo “revolucionário” de 1964, veio a renunciar ao cargo com a edição do Ato Institucional nº 2/65, para
muitos, influenciado por Nehemias Gueiros. Estado que prorrogou o mandato do primeiro Presidente
“revolucionário” Humberto Castelo Branco, provocou pouco antes o pedido de exoneração de Milton Campos
após discurso pronunciado na câmara em 22 de março de 1965, seguindo a mesma orientação em discurso
329
História paradoxal esta dos homens e de suas instituições que num determinado
tempo fizeram do conceito medieval das corporações de ofício uma reação negativa à
criação da OAB, noutro fizeram com que o projeto corporativista de frações que
compuseram a aliança revolucionária de 1930 se revertesse na iniciativa que criou a OAB,
em novembro de 1930, assim como, por outro lado, fizeram do liberalismo, que fracassou
na luta anti-oligárquica para criar a OAB, a ideologia que enfrentou o Estado Novo,
herdeiro do viés corporativista até 1945 para, posteriormente, sucumbir ao movimento
revolucionário de 1964. A OAB, no entanto, como instituição preocupada em defender os
pressupostos do liberalismo político: o Estado de Direito e a defesa dos direitos individuais,
como nova proposta de construção do Estado democrático, num movimento estratégico
diferenciado facilitou, todavia, no tempo histórico, a implantação do estado autoritário de
1969.
Finalmente, como mais efetivamente demonstrarão os subitens seguintes, os
debates sobre o conteúdo do novo Estatuto, mais do que uma defesa do corporativismo
profissional foi uma reação do Estado patrimonial que sobrevivia, principalmente,
impregnando as acomodações distorcidas do Estado. As reações anticorporativistas, a
pretexto da resistência à criação de uma corporação (de ofício) de advogados, como se
verificou, era uma forma de se evitar que, reformando os estatutos da OAB, como já
acontecera com as profissões jurídicas (de Estado), as elites administrativas (do Estado) não
advogassem, o que, efetivamente (ainda), não aconteceu, mesmo com a ampliação dos
impedimentos e incompatibilidades para a advocacia.
pronunciado no Senado quando do impedimento de Pedro Aleixo em 1968. Salles, José Bento de Teixeira.
CAMPOS, Milton – uma vocação liberal. Imprensa oficial de Minas Gerais. 3ª Ed. BH. 2000. p.273 e 277.
330
2.2.2. A Advocacia: a Reação Anti-Patrimonialista e as incompatibilidades e
Impedimentos
2.2.2.1. Colocação Histórica do Problema
O estudo sobre as incompatibilidades (e impedimentos) para advogar,
paralelamente à questão da estrutura corporativista da OAB, na verdade, no contexto de sua
história institucional, é o estudo das variáveis que presidem as políticas patrimonialistas do
velho Estado brasileiro. Por isto, o exercício independente da advocacia está, exatamente,
marcado pelas lutas contra as interconexões entre o exercício de funções públicas,
inicialmente, apenas, judiciárias, e, posteriormente, também, executivas e legislativas e o
exercício de atividades jurídicas privadas um dos principais embricamentos do Estado
patrimonialista no Brasil. Este embricamento ampliava a porosidade administrativa dos
poderes públicos, o que facilitava a intercomunicação entre os interesses públicos e os
interesses privados “privatizando” a funcionalidade e o processo de decisão do Estado ou
colocando o Estado a serviço de interesses particulares.
Na verdade, o “bacharelismo”
515
era a manifestação republicana, do
patrimonialismo, ou seja, o domínio da máquina administrativa do Estado (estamento
burocrático) pelos bacharéis (em Direito) que, circunstancialmente, também, mas, nem
sempre, advogavam, ou, mais encaminhavam a advocacia como advocacia administrativa, a
partir de posições na máquina do Estado, de prestígio ou relacionamento. Esta situação, na
verdade, transformava o pressuposto do ideário corporativo em vício de Estado, na medida
em que subsumia o ministério privado do advogado como obtenção de vantagens pela
ocupação de cargo público ou contatos privilegiados, desvirtuando o ideário profissional.
515
Vários estudos brasileiros cuidam de estudar “o bacharelismo como fenômeno político, poucos, todavia,
sobre a sua natureza patrimonialista. O “bacharelismo”, na verdade, e o “patrimonialismo ilustrado” tanto
resistiu à criação da OAB como a velha burocracia imperial e oligárquica. V
ENÂNCIO FILHO, Alberto. Das
Arcadas ao Bacharelismo: 150 Anos de Ensino Jurídico no Brasil. 2º ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
331
O Projeto nº. 1.751/56 procurou não propriamente restaurar, porque nunca fora
instaurado, mas instaurar, como prática profissional proibida, que, no exercício de seu
ministério privado, o advogado não poderia exercer função pública ou tirar vantagem de
quem a exercesse.
Por estas razões, a questão da incompatibilidade de certas profissões ou funções
públicas ou privadas cumuladas com o exercício da advocacia foi objeto de todos os
projetos de criação e organização da OAB, desde o Império, assim como, historicamente, o
desmonte desta hipertrofia funcional, enquanto ideário corporativo, foi, senão a mais
decisiva, a primeira grande, contribuição dos estatutos da OAB para a construção do Estado
Republicano democrático (transparente). Por outro lado, esta confusão funcional, por muito
tempo, dificultou a definição do arco das prerrogativas do advogado, exatamente, porque,
exercendo outras atividades, cumulava com a advocacia privilégios ou fazia das
prerrogativas estatutárias privilégios para distorcer o exercício profissional da advocacia.
O próprio Decreto francês de 1810 consagrava o princípio da incompatibilidade
funcional regulando o exercício da advocacia em Paris. Mais especificamente no seu art.
18, Título II, que enumerava as funções e profissões incompatíveis com a advocacia
dispunha: A profissão de advogado é incompatível: 1º com todos os cargos da ordem
judiciária, exceto aquele de suplente; 2º com as funções de prefeito e de sub-prefeito; 3º
com aquelas de oficial, de notário e de procurador judicial; 4º com os empregos de
penhores e aqueles de agente contábil; 5º com todas as espécies de negócio. São excluídas
quaisquer pessoas que fizerem trabalho de agente de afazeres.
516
No Brasil não foi muito diferente, ou seja, muito antes da criação da OAB, as
incompatibilidades vinham sendo, dispersamente, contempladas por atos normativos, como
podemos constatar no Aviso nº 62, do Ministro da Justiça ao Presidente de Minas Gerais,
de 28 de agosto de 1843, que declara que o cargo de juiz é incompatível com o de
advogado.
517
De qualquer forma, apesar do seu caráter pontual, esta postura provincial
516
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências.
Coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubens Approbato. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2003.
Anexo II. (Tradução nossa do Bulletin des Lois, nº 332. Décret Impérial contenant Réglemente sur l’exercice
de la Profession d’Avocat, et la discipline du Barreau (nº 6177). Au palais des Tulleries, le 14 Décembre
1810, pp. 569 a 577).
517
Ibid., item 1.4.4. com o título: “As incompatibilidades e os impedimentos para o exercício da advocacia”.
332
indica que sempre houve uma resistência a tais práticas patrimonialistas, muito embora,
exceto nos projetos que tramitaram no Parlamento (1843/1930), esta posição estivesse
muito longe das expectativas do ideário mesmo do documento francês.
Esta orientação, no Brasil, desde a Colônia, e até mesmo nas Ordenações,
inicialmente, tinha uma natureza essencialmente administrativa, só muito excepcionalmente
preocupada em desvincular o exercício profissional da advocacia das funções de Estado.
Por isto, podemos ver que o texto legislativo citado, foi completado com uma ressalva,
depois de mais de uma década, exarada em um outro Aviso de nº 453, do Ministro da
Justiça ao Presidente da Província do Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1857,
afirmando que o Aviso anterior só se referia aos juízes municipais, sendo que os juízes de
paz estavam livres para advogar, pequena amostra da inconsistência legislativa sobre a
matéria, mas que, ao mesmo tempo, nos permite reconhecer a importância dos juízes de paz
na construção do Estado brasileiro nas províncias, como agente civil e eleitoral, numa outra
efetiva demonstração do patrimonialismo municipalista.
518
Essa inconsistência funcional é, visivelmente, constatável, no decorrer do
Império, com a expedição dos muitos Avisos, Decisões e Decretos proibindo a acumulação
do exercício da advocacia com certos cargos ou funções, sem, contudo, delimitar, com
clareza e sistematicidade, a questão. Entretanto, o fato demonstrava a gradativa
conscientização de que certos cargos, profissões e funções, ou mesmo atividades privadas,
eram prejudiciais aos interesses públicos quando acumuladas com a advocacia,
especialmente porque ficava mais claro que aquele que pede e demanda, o advogado, não
deve responder e decidir. Esta hipertrofia funcional entre o que pede e o que decide tem,
também, por qualquer circunstância, poder de corromper a natureza do Estado viciando
seus meios legais para alcançar fins legítimos. Este fenômeno acaba por se tornar mais
grave quando as competências do Poder Judiciário estão limitadas pela natureza estrutural
518
Senador Candido Mendes. Pronunciamentos Parlamentares – 1871/73. Aurélio Wander Bastos. (Org.).
Brasília: Senado Federal, 1981. Os estudos do Senador sobre o papel do Juiz de Paz durante o Império
Brasileiros, incluem-se sobre os seus amplos estudos sobre a Reforma Judiciária, especialmenta a pp. 91, 131,
189 e 223, onde estão incluídas as suas principais opiniões sobre o papel dos Juizes Paz na formação do
Estado brasileiro e na articulação da sociedade civil, inssistindo sempre no seu papel como verdadeiros juizes
e não presidentes de mesas eleitorais.
333
do Estado, como acontecia no Império,
519
ou pela intervenção Executiva no Judiciário,
como geralmente ocorre(ia) nos Estados autoritários.
520
Historicamente, todavia,
a dispersa e imprecisa legislação contribuía, assim, para a manutenção das vantagens e
benefícios daqueles que acumulavam funções públicas com o exercício da advocacia,
muito embora existam exemplares atitudes, como a de Montezuma, que, renunciou,
temporariamente, ao exercício da advocacia, quando nomeado Conselheiro de Estado:
Assim,
[Montezuma] havendo sido nomeado Conselheiro d’Estado extraordinario, [julgou]
impossibilitado para continuar a exercer o nobre officio de advogado, e por conseguinte
também o encargo honroso de Presidente do Instituto, visto entender, que, é
incompatível esse exercício com o do novo emprego referido; (...) [ofereceu] a sua
demissão de Presidente, e pedia que se lhe nomeasse sucessor.
521
Semelhante atitude teve, também, o seu substituto na presidência do Instituto,
Carvalho Moreira, quando communica, ao Plenário do IAB, que se acha[va] nomeado
Ministro Plenipotenciario nos Estados-Unidos, e assim teria de se ausentar do Instituto em
quanto o Governo se dignasse de conservá-lo no serviço do Imperio.
522
Esse comportamento, contudo, não parecia ser a tônica dominante. A
superposição entre as funções públicas e privadas e, por conseqüência, a confusão entre as
duas instâncias, privatizando as funções públicas era o mais comum. A justificativa do
deputado Araújo Lima, diante do primeiro projeto de criação da Ordem (em 1851) (e seus
dispositivos que tratavam da questão, de forma um pouco mais completa e sistemática que
as legislações da época) mostra exatamente, o que estava em jogo:
519
Ver Prefácio de Aurélio Wander Bastos. In CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Rio
de Janeiro: Liber Juris, 1989.
520
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. O Poder Judiciário e modernas tendências do modelo político
brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 5, 1986.
521
Ver Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros (Edição fac-similar da Revista do Instituto dos
Advogados Brasileiros – ano I e II – 1862, 1863), ano XI – 1977, número especial. Montezuma saiu da
presidência do IAB em 23 de janeiro de 1851.
522
Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros (Edição fac-similar da Revista do Instituto dos Advogados
Brasileiros – ano I e II – 1862, 1863). Ano XI – 1977, número especial. Mais recentemente, referido neste
próprio Capítulo, Miguel Seabra pede licença da Presidência da OAB para exercer o cargo de Ministro do
governo Café Filho, Vice-Presidente (1954/55), empossado Presidente, com o suicídio de Getúlio Vargas.
334
O systema das incompatibilidades que o projecto estabelece, Sr. presidente, é
detrimentoso ao serviço publico. É mister que a Camara saiba o que se passa nas
diversas localidades do Imperio: em certas provincias o ordenado dos promotores
publico é limitadissimo, por exemplo, no Ceará é de 400$; os presidentes de provincias
achão individuos para exercerem semelhante emprego, porque estes podem accumular o
exercício da advocacia; mas se acaso o projecto fôr adoptado, esses administradores
por certo se hão de ver collocados em graves embaraços por não ser possível que hajão
bachareis que queirão servir semelhante emprego vencendo 400$ somente, vedado o
exercício simultaneo de sua profissão. Portanto, digo eu, o projecto é inteiramente
inexequivel, se a camara dos Srs. Deputados o adoptar resultará que, ou elle será letra
morta, papel borrado, como são muitas das nossas leis, ou então que daqui a um anno
ou antes os proprios presidentes de provincias serão os primeiros a reclamar a
revogação de uma semelhante lei.
523
Continua o mesmo Deputado:
O argumento do deputado Araújo Lima, como podemos constatar, justificando a
superposição da advocacia com outros cargos ou profissões incompatíveis, eram os
vencimentos. Entretanto, o que não alcançou o deputado é que, no contexto desta
necessidade, estava, não apenas a melhoria remunerativa, a ampliação de poder e de
prestígio, mas o cerne do patrimonialismo funcional, com os conseqüentes efeitos
deletérios de longo prazo sobre a construção do Estado nacional. Não obstante, aqueles
que desejavam um país organizado sabiam dos efeitos degenerativos desses discursos
que não apenas refletiam, mas mantinham o atraso organizacional, político e jurídico
do país aliás, identificável desde o estatuto francês. Todavia, os autores do projeto
parlamentar desejosos da organização social, política e jurídica do Estado brasileiro,
sabiam da imprescindibilidade de separar a advocacia das funções e cargos do Estado
desde que a autonomia da profissão fosse imprescindível à funcionalidade do poder
público, inclusive para criar e organizar a OAB.
O Projeto de 1851
524
não passou pela Câmara dos Deputados, contudo, a
questão das incompatibilidades foi ao longo do Império e da República objeto de vários
textos legislativos, definindo e redefinindo quais eram e quais não eram as profissões,
cargos ou funções públicas incompatíveis com a advocacia. Essa inconsistência não era
somente pela característica confusão da legislação brasileira da época, ainda atrelada às
legislações coloniais, mas, também, porque, claramente, não havia interesse dos próprios
legisladores, em explicitar a questão já que a legislação afetava suas economias, assim
como a possibilidade de acumularem poder e prestígio.
523
Annaes do Parlamento Brazileiro – Camara dos srs. Deputados. Terceiro anno da Oitava Legislatura.
Sessão de 28 de agosto de 1851: Summario. Expediente – Instituto da ordem dos advogados. Discursos dos
Srs. Zacharias, Maciel Monteiro, Araújo Lima e Silveira da Motta. V. 2, p. 729-733.
524
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências,
ed. cit.
335
Na República Velha estas práticas, como verificamos, continuaram se
sobrepondo, ao mesmo tempo em que os projetos de criação da OAB se lhes continuavam
combatendo, assim como os discursos parlamentares. No fundo, as políticas de
aproximação entre os revolucionários de 1930, que vieram na maré-montante das reações
às práticas oligárquicas patrimonialistas, com a elite da advocacia militante no IOAB, que
busca uma definição regulamentar para a profissão negada pelos governos oligárquicos,
deram-se, principalmente, por esta especial similaridade: os liberais, envolvidos com os
projetos de criação da OAB, estavam mobilizados para que a legislação definisse as
atividades incompatíveis com o exercício da advocacia, geralmente funções judiciárias,
executivas ou legislativas que eram exercidas (circunstancialmente) por ocupantes do
“estamento burocrático patrimonial”. Por outro lado, os revolucionários de 1930 estavam
mobilizados para combater o Estado patrimonialista que evoluiu do patriarcalismo do
Império para a velha República dos coronéis oligarcas como práticas de favores,
acumulação de funções, nomeações de familiares (nepotismo), de fraudes eleitorais e
corrupção administrativa, que ocorria no Poder Executivo e nos demais poderes em todos
os níveis federativos.
Este é o paradoxal segredo desta paradoxal coincidência: a luta dos militares do
IOAB (IAB) para definir as funções incompatíveis com a advocacia, as prerrogativas e
deveres corporativos dos advogados, imprescindíveis para o exercício profissional,
historicamente os aproximou dos revolucionários de 1930, que, lutando contra os favores e
fraudes do Estado (patrimonial) oligárquico, permitiram que as dimensões “de suas
esperanças” convergissem para a construção do mesmo Estado. Os advogados, lutando pelo
corporativismo profissional, não lutavam por uma corporação de ofício, nem muito menos
as frações “corporativistas ideológicas” engajada no processo revolucionário lutavam por
definição das funções públicas incompatíveis com a advocacia, mas as partes, ambas,
precisavam desmontar o Estado patrimonial. Permanecem juntas até 1938, e Levi Carneiro
foi o artífice deste “tácito” pacto.
336
2.2.2.2. Advocacia e a Formação do Novo Estado Brasileiro
Os projetos de criação da Ordem, apresentados ao Parlamento Imperial e
Republicano somente prescreviam, as incompatibilidades para o exercício da advocacia (ou
seja, aqueles que são proibidos de procurar em juízo) iniciativa preliminar, mas, que,
mesmo assim, não teve sucesso, demonstrando, todavia, o interesse dos advogados na
proibição do exercício cumulados de atividades públicas e privadas. Foi, todavia, com a
edição do Regulamento de 1931/33, que traduzem politicamente os ideais
antipatrimonialistas dos advogados, que se explicitou, extensiva e incisivamente, as
incompatibilidades e também os impedimentos para o exercício da advocacia. Ampliava-se,
por conseguinte, o espaço das proibições e limitações,
525
mas as cautelas conceituais só
vieram a ser tomadas com o Estatuto de 1963.
Aparentemente, no Estatuto de 1931/33 estavam, apenas, dispositivos de leis,
numa leitura superficial, mas não, nestes simples dispositivos estavam as mais sensíveis
proibições para se exercer cargo público e, ao mesmo tempo, representar em juízo, ou em
qualquer dos poderes, interesses privados, inerentes à advocacia. Mesmo que tenham sido
estas (aquelas) providencias, naquele momento histórico, atos do poder revolucionário, o
foram, não apenas como ato de criação da OAB, mas de definição de seu ideário
profissional. De qualquer forma, foram estas providências que permitiram os significativos
avanços que vieram a se consolidar com a aprovação do Projeto nº 1751/56 como Estatuto
dos Advogados em 1963.
Por outro lado, vencida a barreira das primeiras indicações de
incompatibilidades, também o Regulamento de 1931/33, definiu como impedimentos
limitações parciais para o exercício da advocacia àqueles que ocupassem cargos ou
funções, que, por tempo delimitado, se tornavam inconciliáveis com o exercício da
advocacia. Estes cargos e funções em geral estavam vinculados ao exercício de funções
temporárias, muito embora dentre eles ainda permanecessem as permissões para o exercício
da advocacia para os membros do Ministério Público, federal e local, e os juízes e
525
Ver Cap. II, item 1, onde se verifica as primeiras proibições formais para se procurar em juízo ao mesmo
tempo e que se exercia função pública relevante.
337
funcionários dos tribunais eleitorais, em processos contenciosos, ou administrativos, que
direta ou indiretamente incidam, ou possam incidir nas funções de seu cargo; bem como os
os funcionários públicos administrativos, e, bem assim, os membros do Poder Legislativo
federal, estadual ou municipal, todos, como procuradores de empresa concessionária de
serviço público, subvencionada pelos cofres públicos, ou da qual a Fazenda Pública seja
acionista ou associada, e, ainda, em toda e qualquer causa contra a Fazenda Pública, ou em
que tenha interesse, principal e direto, o ramo da Fazenda Pública, a que, por seus cargos,
se acham ligados.
526
Como se vê, o Regulamento consolidado de 1931/33 foi o gérmen legal da
separação entre as funções públicas e específicas das atividades do Estado e as funções
próprias da advocacia, claramente demonstrando a sua evolução para desprender-se do
Estado patrimonial no bojo do qual, se não nasceu, vinha sobrevivendo. De qualquer forma,
o Regulamento de 1931/33 e o Regulamento consolidado de 1933, ao reconhecer a OAB
como “serviço público federal” (art. 2º), mais se lhe reconhece uma corporação profissional
estatal, do que como corporação de ofício, que não eram corporações do estado, aliás,
historicamente elas evoluíram importantes segmentos que se definiram como segmentos
industriais burguesas que contribuíram para o desmonte do estado medieval.
527
No
discernimento claríssimo do relator do Projeto nº 1751/56 na Câmara dos Deputados,
deputado Milton Campos, mais tarde.
528
Nesta linha, é interessante observar que a questão da incompatibilidade dos
legisladores para o exercício advocatício foi matéria de breve debate na Comissão
Constituinte que redigiu a Carta de 1934, mesmo após o Regulamento outorgado. Uma
emenda ao dispositivo foi proposta com a seguinte redação: Nenhum Deputado, desde a
526
Ver Cap. II Item 1, onde detalhadamente se transcreveu e se analisam os primeiros dispositivos do
Regulamento da OAB que enfrentaram diretamente a essência legal e prática do Estado patrimonialista.
527
TIGAR, Michael E; LEWY, Madeleine R. O Direito e a Ascensão do Capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar,
1978.
528
Ressalte-se, que, como temos demonstrado, que a OAB foi criada, também, para fazer a representação
parlamentar corporativa, em 1933/34, o que influiu na recuperação da discussão sobre atividades políticas
partidárias da OAB, como veremos, o que não tem qualquer relação com o exercício cumulado de funções
públicas, dizendo o Regimento de 1931/33 que o presidente da Ordem a representa nas solenidades internas e
externas, perante os poderes públicos, em juízo, em todos as relações com terceiros ativa e passivamente
(inc. I do artigo 89).
338
expedição do diploma poderá: aceitar o patrocínio de causas contra a União, ou contra os
Estados e Municípios por que tenham sido eleitos. O Sr. Medeiros Neto propôs subemenda
que destacava e criticava a frase ... por que tenham sido eleitos. Diz o Constituinte:
Sr. Presidente, a emenda proíbe ao Deputado aceitar o patrocínio de causas contra a
União ou contra os Estados e Municípios por que tenham sido eleito. Pedi o destaque
das palavras finais, afim de que ficasse, como regra, a proibição geral.
Ou seja, o legislador (advogado) deveria estar proibido de defender causas
contra qualquer instituição pública, como disse o deputado Pedro Aleixo
529
(àquela época,
1933):
...não [se] trata unicamente do patrocínio de causas perante a justiça, mas – e
principalmente – que se proíba aos Deputados a defesa de interesses patrimoniais
perante as repartições públicas (...) afim de que nunca no segredo dos gabinetes, possa
um representante da Nação, onde quer que esteja, advogar interesses patrimoniais (...).
Esta proposta, de qualquer forma, deixa em aberto o exercício da advocacia
pelos deputados profissionais, que não eram eleitos nem pela União, nem pelos estados,
nem pelos municípios, mas pelas corporações sindicais, o que justifica a oposição corretiva
do Deputado Pedro Aleixo.
O dispositivo na Constituição de 1934 sobre esta matéria ficou apenas
redigitado: Art. 33. Nenhum Deputado, desde a expedição do diploma, poderá: (...) 4)
patrocinar causas contra a União, os Estado ou Municípios.
530
Essas definições e redefinições podem, também, ser constatadas nos projetos de
criação da Ordem (tanto na época do Império, quanto na República) com o detalhe de que é
possível verificar um processo de aprimoramento entre os projetos ao longo do tempo, da
mesma forma que há efetivo aprimoramento (ou um amadurecimento) entre o Regulamento
de 1931/33 e o Projeto nº. 1.751/56, transformado no subseqüente Estatuto de 1963.
529
Pedro Aleixo estava entre os políticos brasileiros que se destacaram como militantes da UDN de
convicções liberais e democráticas, contemporâneo de Milton Campos no processo revolucionário de 1964,
tendo sido, inclusive Vice-Presidente do Presidente revolucionário Costa e Silva, em substituição ao, também,
político mineiro do PSD, José Maria Alkmin no mesmo cargo, na gestão do Presidente Castelo Branco,
quando ocupou, também, a Presidência do Senado Federal por força de dispositivo da Carta Constitucional.
530
Na Constituição de 1937 o dispositivo (item “e” do art. 44) não alterou redação de 1934, mudando só o
caput: Art. 44. Aos membros do Parlamento nacional é vedado. E na Constituição de 1946 a redação é
alterada da seguinte forma: Art. 48. Os Deputados e Senadores não poderão: (...) e) patrocinar causa contra
pessoa jurídica de direito público.
339
Todavia, como temos procurado observar, estas questões estão no Brasil vinculadas à
especial natureza organizativa do Estado patrimonialista, enquanto formatação atávica do
Estado brasileiro. A dominação patrimonial, diferentemente da dominação racional-legal,
não estabelece diferenças entre as esferas públicas e privadas, apropriando-se de cargos
administrativos e monopolizando-os, confundindo as situações políticas e econômicas com
os seus interesses arbitrários e pessoais.
531
Conclua-se, por conseguinte, que os primeiros regulamentos da OAB, até
mesmo pelos sucessivos decretos, são a evidência de que a construção da OAB está
indissociavelmente ligada a construção do (moderno) Estado de Direito no Brasil, mesmo
que num segundo momento ele tenha sofrido um impacto autoritário. Aliás, impacto
autoritário que viabilizou a onda liberal-democrática de acentuados efeitos sobre a
democracia e a proteção dos direitos individuais que sucedeu o Estado Novo até a
Constituição de 1946, e sobreviveu com o Estatuto da OAB de 1963, até as desconstruções
jurídicas do Estado de Segurança Nacional.
Diferentemente dos textos anteriores (projetos de criação da OAB e
Regulamento de 1931/33), o Projeto nº 1751/56, que veio a se transformar no Estatuto de
1963, explícita a fórmula geral das incompatibilidades e impedimentos numa visão muito
mais ampla e extensiva do que a simples indicação de 1931/33 que dispunha, apenas, sobre
as incompatibilidades de poder e os impedimentos parciais para procurar em juízo. Não há
como desconhecer a semelhança de propósitos, mas também não podemos desconhecer o
alcance propositivo do novo projeto, mesmo porque ele não estava apenas avançando na
desconstrução do autoritarismo de viés originariamente corporativista antipatrimonialista e
antioligárquico, mas construindo a democracia.
As proposições do Anteprojeto, que tratam das incompatibilidades profissionais
do advogado e os impedimentos são, realmente, uma criação sistemática inovadora que cria
uma especialíssima proteção para o advogado no exercício de suas prerrogativas
profissionais
532
em juízo, o que não estava posto em 1931/33. Por outro lado,
531
WEBER, Max. Economia e sociedade. México, 1944. v.4.
532
Ver Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto de 1963) que regulou a matéria com o seguinte texto do
art. 130: No caso de ofensa a membro da Ordem no exercício da profissão, por magistrado, membro do
Ministério Público ou por qualquer pessoa, autoridade, funcionário, serventuário ou órgão de publicidade, o
Conselho Secional, de ofício ou mediante representação, ouvida a Comissão de Ética e Disciplina,
340
convenientemente (Capítulo III) o Anteprojeto nos permite reconhecer o exato conceito de
conflitos totais incompatibilidade (que o regulamento de 1931/33 “falava proibido de
procurar em juízo) e de impedimentos no exercício da advocacia e as diferentes funções
públicas e correlatas. Neste sentido, considera-se incompatibilidade o conflito total e o
impedimento, o conflito parcial de qualquer atividade, função ou cargo público, com o
exercício da advocacia mesmo que seja função delegada exercida em comissão ou por
serviços de entidade a quem o poder público a tenha cometido por lei ou contrato (art.
82/83/84). Assim o exercício de advocacia é incompatível com qualquer atividade, função
ou cargo público que reduza a independência do profissional ou proporcione a captação de
clientela e o impedimento tem caráter e circunstâncias especiais.
533
O Projeto nº 1751/56, que antecedeu a estas firmadas posições
independentemente de diferenciar incompatibilidade (proibição total para exercer a
advocacia) de impedimento (proibição parcial), (absorvido integralmente pelo Estatuto de
1963 como já observamos, evoluiu na linha que já estamos por indicar: separar as funções
públicas das atividades de advogado, reconhecendo, que, em alguns casos, esta proibição é
apenas impeditiva em determinados órgãos, o que resguardou (até recentemente) o direito
do Ministério Público advogar,
534
535
assim como, define as oportunidades de retorno à
advocacia de servidores públicos após a aposentadoria.
536
De qualquer modo, a forma final
do texto do Estatuto de 1963, foi um grande e definitivo avanço no seccionamento entre os
promoverá o público desagravo do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorrer o
ofender (artigo 89, inciso XXI).
533
Tradicionalmente os estudos jurídicos concentram esta discussão no seu caráter exclusivamente técnico,
mas a leitura política da questão das incompatibilidades e impedimentos para divulgar dão a exata dimensão
da modernização do Estado procurando distinguir com clareza a questão das atividades jurídica do Estado,
exercidas por advogados ou bacharéis em direito e o papel do advogado como agente da sociedade civil que,
tecnicamente, discute os diferentes patamares de conflitos sociais. Esta distinção técnica teve um profundo
efeito na formatação do estado brasileiro moderno e, como temos demonstrado, definitivamente contribuiu
para distinguir as estruturas patrimonialistas do passado das estruturas liberais e democráticas que sucederam
à ruptura radical promovida em 1930 e anos seguintes.
534
Ver Estatuto da OAB de 1963 (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963).
535
Esta matéria esta tratada nos arts. 82/86, cap. III do Estatuto de 1963.
536
Na lei que veio a ser aprovada excluem-se destas funções delegadas os servidores de entidade sindicais de
qualquer grau e das entidades assistenciais e de localizações de aprendizagem mantidas pelas classes
empregadoras (§2º). Interessantemente, é uma significativa demonstração da separação entre funções e cargos
públicos e funções sindicais.
341
interesses remanescentes do Estado patrimonialista e a construção do estado liberal formal
a partir de 1946, ficando, definitivamente, esclarecido, que, a OAB, evoluiu, para se
transformar numa corporação de profissionais, desvinculando-se do Estado, evidenciando,
cada vez mais, que os argumentos recorrentes que se lhe atribuía semelhanças com as
corporações de ofício a finalidade de resguardar o patrimonialismo, que, resguardava para
si mesmo o próprio monopólio de autorizar através de provimentos profissionais e ofícios,
do que propriamente objetar o corporativismo profissional ou a liberdade de iniciativa
profissional.
O relatório Milton Campos, que foi enviado ao Senado e, finalmente, resultou
na Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963, terminou por assim regulamentar no Capítulo III as
incompatibilidades e os impedimentos:
537
No que se refere às incompatibilidades, assim se posicionou no
Art. 84. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes
atividades, funções e cargos: I - Chefe do Poder Executivo e seus substitutos legais,
Ministros de Estado, Secretários de Estado, de Territórios e Municípios; II - membros
da Mesa de órgão do Poder Legislativo federal e estadual, da Câmara Legislativa, do
Distrito Federal e Câmara dos municípios das capitais; III - membros de órgãos do
Poder Judiciário da União, do Distrito Federal, dos Estados e Territórios bem como
dos Tribunais de Contas da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e
Municípios e do Tribunal Marítimo; IV - Procurador-Geral e Subprocurador-Geral da
República, bem como títulares de cargos equivalentes no Tribunal Superior Eleitoral,
no Superior Tribunal Militar, no Tribunal Supepior do Trabalho e nos Tribunais de
Contas da União, dos Estados, Territórios e Municípios, e do Tribunal Marítimo; V -
Procuradores Gerais e Subprocuradores Gerais, sem distinção das entidades de direito
público ou dos órgãos a que sirvam; VI - Presidentes, Superintendentes, Diretores,
Secretários, delegados, tesoureiros, contadores, chefes de serviço, chefes de gabinete e
oficiais ou auxiliares de gabinete de qualquer serviço da União, do Distrito Federal,
dos Estados, Territórios Municípios. bem como de autarquias, entidades par estatais,
sociedades de economia mista e emprêsas administradas pelo Poder Público; VII -
servidores públicos, inclusive de autarquias e entidades paraestatais e empregados de
sociedades de economia, mista e emprêsas concessionárias de serviço público, que
tiverem competência ou interêsse direta ou indireta, eventual ou permanentemente no
lançamento, arrecadação e fiscalizaação de impostos, taxas e contribuições de caráter
obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas relacionadas com essas
atividades; VIII - tabeliães, escrivães, escreventes, oficiais dos registros búblicos e
quaisquer funcionários e a serventuários da Justiça; IX - corretores de fundos públicos,
de café de câmbio, de mercadorias e de navios; X - leiloeiros, trapicheiros,
537
O último projeto de criação da Ordem, apresentado ao Congresso em 1916 e que tramitou até mais ou
menos 1925 sem ser aprovado, tinha um dispositivo que parecia uma tentativa de se precaver desta limitação
que a simples enumeração tinha: “Art. 3º. Paragrapho único. Essas incompatibilidades não vedam que outras
possam ser estabelecidas em lei ou regulamentos especiaes.” (Projeto nº 26, de 14 de novembro de 1916.
Veja v. 2 desta obra.).
342
despachantes e empresários ou adminstradores de armazens-gerais; XI - militares,
assim definidos no seu respectivo estatuto, inclusive os das Policias Militares, do
Distrito. Federal dos Estados, Territórios e Municípios; XII - Policiais de qualquer
categoria da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e Municipios.
Parágrafo único. Excetuam-se da incompatibilidade referida no inciso III - os juízes
suplentes não remunerados e os juízes eleitorais e os que não façam parte dos quadros
da magistratura ou não tenham as prerrogativas desta.
No que se refere aos impedimentos assim se posicionou no
Art. 85. São impedidos de exercer a advocacia, mesmo em causa própria: I - juízes
suplentes, não remunerado, perante os juízos e tribunais em que tenham funcionado ou
possam funcionar; II - juízes e suplentes nomeados nos têrmos das arts. 110, inciso II,
112, inciso II e 116 da Constituição Federal, em matéria eleitoral, bem como juízes e
suplentes nomeados nos têrmos do artigo 122, § 5º, in fine, da Constituição Federal, em
matéria trabalhista; III - membros do Poder Legislativo, contra ou a favor das pessoas
jurídicas de direito público, das entidades paraestatais, das sociedades de economia
mista ou de emprêsas concessionárias de serviço público; IV - membros do Ministério
Público da União, do Distrito Federal, dos Estados e Territórios, contra as pessoas de
direito público em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais, que tenham relação,
direta ou indireta, com as funções do seu cargo ou do órgão a que servem; V -
Procuradores e Subprocuradores do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos
Municípios nos mesmos têrmos do inciso anterior; VI - servidores públicos, inclusive o
magistério, de autarquias e entidades paraestatais e empregados de sociedade de
economia mista contra as pessoas de direito público em geral; VII - advogados,
estagiários ou provisionados em processos em que tenham funcionado ou devam
funcionar como juiz perito
A nova Lei da Advocacia (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963) utilizou para
fixar esta “política” de impedimentos critérios mais diretamente relacionados com a
natureza de organização do estado procurando ater-se aos espaços judiciários executivos e
legislativos e funções delegadas e entidades delegadas, assim como trabalhou, também,
com critérios ligados a estrutura federativa. Assim, não fica difícil compreender que as
funções de comando nos poderes e na federação tinham (têm) incompatibilidade absoluta
para o exercício da advocacia, inclusive alcançando o pessoal de cartórios e de setores
financeiros, ficando os impedimentos para funcionários com o exercício temporário de
cargos ou funções (como suplentes) ou que não estejam no comando direto das atividades
do estado ou de órgão estatal.
De qualquer forma, deve-se ressaltar a posição adotada para os Procuradores
Gerais e Sub-Procuradores que ficaram com incompatibilidade absoluta para advogar,
deixando os procuradores em geral com impedimentos dirigidos. A lei da mesma forma foi
compreensiva com os juízes suplentes e até os juízes trabalhistas, sendo que, em geral em
343
qualquer circunstância não existem indicações de proibições absolutas para advogar para os
membros do Poder Legislativo e magistério público.
Finalmente, o que efetivamente nos interessa é a existência estatutária que as
leis da advocacia efetivamente é que desconstruíram os pactos do Estado patrimonial, nas
suas ambas dimensões, imperial e republicana, deixando por evidente que os estatutos ou o
ideário estatutário dos advogados traduzem ideologicamente o processo jurídico de
modernização e democratização do Estado brasileiro.
538
2.2.3. Os Advogados e os Juízes
Paralelamente aos atavimos do Estado patrimonialista, traduzida nos estudos
sobre as incompatibilidades e impedimentos para advogar, a relação entre juízes e
advogados sempre foi extremamente difícil, em primeiro lugar porque no tempo histórico,
como já indicamos, os juízes, em circunstâncias especiais, também, advogavam, em
segundo lugar, porque os juízes, tradicionalmente, exerciam o poder disciplinar sobre os
advogados; em terceiro lugar, porque os juízes, em muitas circunstâncias, provisionavam
rábulas e, em quarto lugar, porque, num quadro geral de rábulas provisionados (e
solicitadores) afirmar o direito era sempre privilégio dos juízes. Neste quadro, uma Ordem
dos Advogados, fortalecida nas suas posturas disciplinares, enfraqueceria, em muito, o
poder dos juízes, mesmo porque, na contramão do tempo, a Ordem passou a reivindicar o
direito do advogado ao “desagravo”, especialmente, quando o juiz exorbitasse nos seus atos
no trato com o advogado ou ferisse a ética do relacionamento, o que o deixava (o
advogado) em posição constrangedora no corpo da judicatura.
Neste contexto, a relação entre juízes e advogados sempre foi uma relação da
maior delicadeza, não apenas pelo caráter especial das personalidades, mas muito
especialmente pela complexidade dos problemas humanos que mútua e comumente entre si
538
O Estatuto de 1994 mais avançou nestas posições procurando ampliar os espaços das incompatibilidades
absolutas, mas deixou como impedimento a advocacia para membros do poder legislativo e deixou em aberto,
até mesmo pelo exercício da atividade funcional os advogados públicos nas suas diferentes categorias. Ver
art. 131 da Constituição de 1988 e arts 27 a 30 do Estatuto de 1994.
344
tratam. Por outro lado, a posição hierárquica e disciplinar, inclusive punitiva, que os juízes,
historicamente, tinham em relação aos advogados, colocava-os numa posição privilegiada,
deixando o advogado, que sempre lutou pelo ideal da autodisciplina e quase sempre os
provisionados, num servilismo ostensivo, sempre negativo para a imagem da profissão,
além do que, podendo advogar, os juízes ficavam em posição de privilégio disciplinar em
relação às partes.
A resultante final deste processo foi a efetiva autonomia estatutária dos ambos e
essenciais autores do processo judicial, os advogados em relação ao juiz, principalmente
resguardando-se nas suas prerrogativas, e os juízes, resguardando-se nos princípios do
estado de Direito: vitaliciedade a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos,
539
sendo que, complementarmente, a Constituição vigente dispõe que aos juízes é vedado,
ainda que em disponibilidade, exercer outro cargo ou função, “salvo uma de magistério”.
540
O advogado, bacharel em direito, neste quadro de conquistas, rapidamente assumiu uma
postura mais sólida que os velhos “rábulas”, que, muitas vezes, e quase sempre, advogaram
em função de atos e provimentos dos próprios juízes. No fundo, estas tantas variáveis no
seu conjunto contribuíram, decisivamente, para a maior independência dos advogados, mas
descarregaram, também, os juízes do peso da arbitrariedade.
Esta situação de tensão não propriamente deixou de existir, mas, o
Regulamento de 1931/33, e, posteriormente, com a autonomia adquirida com o Estatuto de
1963, que resultou do Projeto nº 1.751/56, ficou mais nítida e visível, reconhecendo os
advogados, inclusive, como já observamos, o seu direito de desagravar corporativamente os
atos ofensivos ou gravosos do juiz. Aparentemente, este ato, é pouco significativo, mas ele,
da mesma forma, é indicativo que os juízes são o estado, não são partes nas relações
conflitivas, e devem julgar com independência: com sua “ciência” e consciência, enquanto
os advogados representam interesses privados (mais tarde de entidades públicas, inclusive,
539
Estas garantias dos juízes estão nos artigos. 95 e incisos da Constituição de 1988 e se completam,
independentemente da legislação específica no Estatuto da Magistratura: art. 93, inc. VIII, art. 37, inc. XI, art.
150, inc. II, e art. 153, § 2º, inc. I. Este mesmo artigo no parágrafo único, além do disposto no inc. I (citado no
texto) dispõe, ainda, no inc. II que aos juízes é vedado receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou
participação em processo e no inc. II, dedicar-se a atividade político partidária.
540
Parágrafo único do art. 95, inc. I.
345
mas divergentes em relação a outra parte), sendo o seu papel representar interesses em
demandas.
541
Assim, neste contexto, contudo, antes das considerações presentes nos debates
parlamentares sobre o Projeto nº 1.751/56, é interessante destacar que, em documento
anterior à criação da OAB, o que mostra a historicidade da evolução do ideário, impossível
de não se recuperar neste tipo de pesquisa, o Anteprojeto (Substitutivo) Aurelino Leal
(1914),
542
ao fim da Primeira República dispunha, confirmando a linha de orientação
historicamente derrotada:
Art. 27. Os juízes e tribunaes continuarão a exercer o poder disciplinar sobre os
advogados e solicitadores quando as faltas forem commettidas em audiencia. Em taes
casos, o Conselho da Ordem não poderá proferir outra pena pelo mesmo facto.543
O Regulamento de 1931/33 que guardava, ainda, um viés estatista, mantinha,
ainda, posturas hierárquicas em relação à advocacia, que favoreciam os juízes na relação
com os advogados. Assim, vejamos:
Art. 9º Nos Estados, ou nas comarcas, em que se não formar, ou não funcionar a secção
ou sub-seção da Ordem, o juiz togado de mais alta hierarquia e mais antigo, que aí
tenha séde, si houver, exercerá, na forma do presente regulamento, todas as atribuições
que caberiam ao Conselho da secção, ou à diretoria da subsecção.
Na forma deste texto regulamentar, é claro, os magistrados teriam esta
prerrogativa sobre o advogado por força de circunstâncias: a ausência de funcionamento da
seccional da OAB no Estado ou subseção no município. Contudo, ter todas as atribuições
541
O estado é bem ordenado e forte em si mesmo quando o interesse privado dos cidadãos se une ao fim geral
do estado, quando o interesse privado e o objetivo do estado mutuamente se encontram, para satisfação de um
e realização do outro. Esta unificação, todavia, só é real se o estado consegue ter a consciência do fim geral e
permitir a criação de instituições conforme seus objetivos. A época desta unificação é de virtude, o que nunca
ocorre no início da história, mas após longas lutas intelectuais de floração. H
EGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
La Raison dans l´Histoire (de Kostas Papaioamou). Paris: Libraire Plon, 1965, p. 35-38.
542
Este Anteprojeto é fruto de amplo debate em cima do Anteprojeto, de 1904, em que teve como Relator o
Barão de Loreto. Essa ampla discussão, quinze anos antes, e que frutificou no último Projeto de Criação da
Ordem enviado ao Congresso (Projeto nº 26/1916, Projeto Alfredo Pinto), nos faz acreditar que este texto
influiu no Regulamento de 1931/33. BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do
Brasil: Luta pela criação e resistências, op. cit, pp. 197 e 205
543
BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências.
Coord. Hermann Assis Baeta. Brasília: OAB-Ed., 2003. v. 2.
346
que caberiam ao Conselho da Secção, ou à diretoria da subsecção é fazer da judicatura um
Conselho da Secção da Ordem dos Advogados, com poder, ainda, de punição sobre os
advogados. Veja-se, assim, o art. 30 dos Regulamentos de 1931/33 que dispunham: Os
juízes e tribunais exercerão a polícia das audiências e correção de excessos verificados em
escrito nos autos, o que, razoavelmente, se justifica, porque trata-se, do policiamento dos
próprios autos, mostrando-se, ainda, o lento desdobramento da questão.
O § 1º, do mesmo artigo, referindo-se à relação entre os advogados e os juízes
nos tribunais, dispunha (muito embora dispondo, em outra linha, no § 2º, respectivamente):
§ 1º Pelas faltas disciplinares cometidas em audiência os juízes e tribunais poderão
sómente aplicar as penas disciplinares de advertência e exclusão do recinto.§ 2º Se as
faltas em audiência forem graves deverá o juiz ou o tribunal competente leva-las ao
Conselho da Ordem, que procederá nos termos deste regulamento, demonstrando-se, assim
a evolução dos procedimentos disciplinares.
De qualquer forma, este Regulamento fez uma profunda alteração das políticas
disciplinares, transferindo, dos tribunais imperiais, e da primeira República, o poder
disciplinar e punitivo sobre os advogados, exceto em casos excepcionalíssimos, para os
conselhos seccionais da Ordem, esvaziando esta outra vertente judiciária do
patrimonialismo que não reconhecendo a corporação transferia a ação disciplinar para os
juízes, quase sempre politicamente alocados (à época) e quase sempre premidos pela
“força” impositiva dos oligarcas (coronéis locais).
Estas posições, todavia, no tempo histórico, como verificamos, foram sofrendo
uma verdadeira revolução, deixando, aos juízes, o Poder Judiciário e, aos advogados, a
interferência corporativa disciplinar da OAB, bem como a defesa da ordem jurídica
enquanto conjunto de normas protetivas dos direitos dos cidadãos enquanto representantes
dos interesses privados no âmbito espacial da sociedade civil. Na verdade, a separação das
relações entre advogado e juiz foi (e o é) tão significativa para a construção do Estado de
Direito, na desconstrução patrimonialista, quanto à clara definição entre as
incompatibilidades e impedimentos para advogar,
544
mais uma vez reforçando a
544
Ver sobre o tema pronunciamento de Nehemias Gueiros neste Capítulo, item 2.2.3.
347
importância dos regulamentos e estatutos da OAB na desconstrução do patriarcalismo e da
ordem oligárquica de dominação.
O Projeto nº 1751/56 no seu art. 121, dispunha sobre o poder disciplinar da
OAB, em relação aos advogados da seguinte forma: Art. 121. O poder de punir
disciplinarmente os advogados, estagiários e provisionados compete ao Conselho da Seção
onde o acusado tenha inscrição principal. Esta mesma orientação prevaleceu no Estatuto
aprovado em 1963 (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963), na exata forma do art. 118, sendo
que o seu art. 69, completava, na mesma redação do anterior art. 65 do Projeto nº 1751/56:
Art. 69. Entre os juízes de qualquer instância e os advogados não há hierarquia nem
subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíproco.
545
O Regulamento de 1931/33, é imprescindível reconhecer, deu um grande
avanço procurando fixar regras compatíveis para os diferentes e especiais atos do processo
judicial de argumentação (defesa/acusação) e decisão. Assim, por exemplo, o artigo do
Projeto, sobre a mesma matéria manteve no artigo 87, do Estatuto de 1963, a seguinte
redação:
Art. 84. São deveres do advogado: I – defender a ordem jurídica e a Constituição da
República, pugnar pela boa aplicação das leis e rápida administração da justiça e
contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas. (...) IX – Velar pela
dignidade da magistratura, tratando as autoridades e funcionários com respeito e
independência, não prescindindo de igual tratamento.
546
No que se refere ao primeiro inciso os debates e relatórios na Câmara dos
Deputados não identificam maiores resistências, mas sobre o inciso IX, o Desembargador
Alexandre Delfino de Amorim Lima, uma espécie de “defensor” da organização dos
tribunais ao modelo patrimonial (patriarcalista) não reconhece na advocacia dimensões que
lhe permita a defesa explícita da advocacia em suas Observações ao Projeto de Número
545
É interessante ressaltar o ofício da OAB à Comissão de Constituição de 1934 documento que nos parece
ser uma amostra, entre outras, do posicionamento da nova organização dos advogados diante o Judiciário:
EXPEDIENTE. Ofício: Do Sr. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, de 19 do corrente,
apresentando á futura Constituição as seguintes sugestões: 1ª Assegurar-se a intervenção da Ordem dos
Advogados nas indicações para preenchimento das vagas da magistratura e do Ministério Público em todo o
País, e nas comissões especiais dos concursos realizados para o mesmo fim; 2ª reservar-se, para o advogado,
o preenchimento de certa percentagem das vagas abertas nos tribunais judiciários. Á Comissão
Constitucional”. Anais da Assembléia Constituinte, 1934, vol. XV, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.
546
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 22 de agosto de 1956, pp. 550 a 578, vol. XXV, p. 565.
348
1.751 – 1956, anexado ao Projeto e apresentado a Comissão de Análise do Projeto. O
Ofício do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 28 de fevereiro de 1957, assinado
pelo Ministro da Justiça Nereu Ramos, apesar de seu empenho na promoção do
Anteprojeto, apreciando esta matéria, faz uma exame restritivo sobre o dispositivo citado:
O dispositivo que impõe ao advogado o dever de velar pela dignidade da magistratura é
tão extravagante quanto o correspondente nas leis de organização judiciária que
impusesse aos juízes o dever de velar pela dignidade dos advogados (...). Essa tutela,
merecia justa repulsa. Pela própria dignidade da profissão ou da magistratura compete
zelar o profissional [advogado] ou magistrado. Quanto à magistratura, constitui ainda
atribuição dos órgãos superiores, como sejam os Conselhos Superiores e Disciplinar, os
Tribunais de Justiça e a Corregedoria-Geral. A Ordem exerce essa função,
relativamente aos advogados.
547
O Desembargador Alexandre Delfino de Amorim Lima, em seu Relatório,
referindo-se ao art. 65 do Projeto que dispõe que: Entre os juízes de qualquer instância e os
advogados não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito
recíproco), faz a seguinte observação:
Êsse dispositivo é estravagante (sic.), inexplicável. O juiz de qualquer instância é um
órgão do Poder Judiciário, com a função específica de aplicar a lei aos casos concretos,
dentro da alçada e nos limites de sua competência. Os órgãos superiores são
colegiados. O advogado exerce uma profissão liberal, desde que legalmente habilitado e
regularmente inscrito na Ordem. De um lado, há um órgão de um dos poderes políticos
da Nação, no exercício de sua função jurisdicional; de outro lado, um profissional,
exercendo um ministério privado. A necessidade de declarar que entre ambos não existe
hierarquia nem subordinação não corresponde e deslustra a nossa cultura jurídica. O
dispositivo é excrescente e inútil. A cláusula final, não merece sequer comentários.
548
O Relator do Projeto nº 1751/56 na Comissão de Constituição e Justiça,
Deputado Milton Campos, no seu Parecer não deixa de tratar deste assunto, assim se
posicionando: Não podia o projeto deixar de dispor sobre as relações entre advogados e
juízes, pois aí está um dos pontos principais do comportamento profissional e social do
advogado.
549
Mesmo, porque, efetivamente, numa proposta democrática, à subordinação do
advogado ao juiz equivale a subordinação de interesses privilegiando a autocrática posição
547
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 12 de novembro de 1958, pp. 631 a 717, vol. XX, p. 690.
548
Ibid., p. 685.
549
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit., p. 706.
349
patrimonial, enquanto, por outro lado, seria sofismático admitir que a todos compete velar
pela dignidade da magistratura, inclusive, também, e, incisivamente, os advogados, que,
buscam, na sua respeitabilidade, a respeitabilidade de sua própria profissão.
Como se respondesse diretamente ao Desembargador, o Relator Deputado
Milton Campos, antes de atacar diretamente o dispositivo (art. 84), afirma:
(...) o preceito tem o mais alto e nobre sentido, significando a posição militante do
advogado na defesa de uma instituição, como é a magistratura, que vive do acatamento
e do respeito de todos e principalmente dos que perante ela pleiteiam e com ela
colaboram na obra da justiça. Não se insinua aí uma tutela, mas enuncia-se um alto
dever, que, na base da independência, envolve um conceito institucional.
550
Ainda em sua introdução a este assunto, o Relator, parecendo procurar atenuar
suscetibilidades entre o papel do advogado e dos juízes a uma relação fraterna diante o
ofício de distribuir a justiça ao fim explica porque denominou o assunto de a quadratura do
círculo:
Advogados e juízes são, em última análise, irmãos do mesmo ofício – o ofício de
promover e de distribuir a justiça. Mas exercem ambos atividades intelectuais, e nestas
há sempre um demônio turbulento como fonte de atritos – o demônio da vaidade. O
advogado, muitas vezes, cultiva mais as aparências do que o seu mundo interior e sente
que precisa brilhar, deslumbrando o juiz, o cliente, o público e sobretudo a si mesma. O
juiz, por sua vez, encarna, mais do que ninguém, a autoridade. O que dele emana, na
linguagem tradicional e persistente, tem a forma de mandado, de ordem, de segurança,
de império. Os que a ele requerem costumam chamar-se a si mesmo ‘suplicantes’. Se a
tanto poder se soma, como por isso mesmo às vezes acontece, a vaidade, as fontes de
atrito se multiplicam e o convívio se dificulta. Daí dizer o velho Matias Aires, ao abrir a
famosa página das suas ‘Reflexões sobre a Vaidade dos Homens’, a respeito do
julgador prudente: ‘A ciência de fazer justiça é donde a vaidade é mais perniciosa.
Quem dissera que também há vaidades em se dar o que é seu a cada um!’. Ora, o
convívio das vaidades é sempre difícil, e formular-lhe as normas foi, por isso,
comparado à quadratura do círculo.
551
Finalizando sua conciliatória introdução à questão, Milton Campos afirma:
Desse modo se o juiz procedesse com o pensamento na consideração devida ao
advogado e se o advogado agisse com o espírito voltado para o acatamento devido ao
juiz, a harmonia da vida forense seria perfeita e os textos poderiam ser dispensados.
552
550
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit.
551
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit., p. 706.
552
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit.,p. 707.
350
Por fim, conclui “sentenciando”: Mas, como assim não acontece, seria
necessário afastar os pretextos de desentendimento, os quais existem no projeto e podem
ser removidos sem maior prejuízo.
Segundo o Relator, na questão relativa aos direitos e deveres dos advogados,
553
a prática revelara muitos pontos de controvérsias e atritos, sendo por isto o Projeto muito
detalhista na questão, incluindo certos dispositivos que eram...mais pròpriamente regras de
processo que de comportamento profissional.... O Relator cita então os itens IX a XV do
artigo 86 do Projeto que dispunham sobre o comportamento do juiz e do advogado durante
as audiências onde explicita os direitos dos advogados perante o juiz:
(...) IX – interromper a sustentação oral descontado o tempo respectivo se o juiz não
lhe der a atenção devida; X – recusar a participação no julgamento do juiz ou juízes ou
não prestarem atenção a defesa oral; XI – fazer juntar os autos em seguida a
sustentação oral, o esquema ou resumo da sua defesa; XII – ter a palavra, pela ordem,
durante o julgamento em qualquer juízo ou Tribunal, para mediante intervenção
sumária, esclarecer equívoco ou dúvida do julgador em relação a fatos, documentos ou
afirmações que influam ou possam influir no julgamento; XIII – ter a palavra, pela
ordem, perante qualquer juízo ou Tribunal, para replicar a acusação ou censura que lhe
sejam feitas durante ou por motivo do julgamento; XIV – reclamar, em qualquer
momento, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo ou tribunal, contra a
inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; XV – tomar assento à
direita dos Juízes de primeira instância, falar sentado ou em pé em juízos e Tribunais e
requerer pela ordem de antiguidade.554
O Relator justifica o dispositivo, seguindo
Não apenas por tenção e civilidade, mas pela compostura no cumprimento do dever,
cabe ao juiz ouvir a defesa oral do advogado por se tratar de uma formalidade
processual que deve ser cumprida como as outras. Há, entretanto, juízes que não
apreciam a defesa oral que não estimam a eloqüência forense, que não acreditam em
subsídios que lhes possam trazer os advogados; e raciocinam: se a defesa expõe
questões de direito, dispensamos a lição (jus novit curia) se se refere aos fatos, já os
conhecemos pelos autos ou o relator os comunicará com isenção e assim se distraem da
defesa oral ora conversando, ora lendo, ora sonhando amenas fugas para Cítera ou
para Pasárgada. Ou às vezes dormem, considerando o debate oral intervalo para
repouso...
555
553
Capítulo VI do Projeto nº 1751/56 e onde se encontra o art. 84.
554
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit., p. 567.
555
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, op. cit., p. 708.
351
Ainda que contundente com a questão posta acima, o Relator se mostra – como
se mostrará em outras análises dos dispositivos do Projeto e como demonstram as trinta
emendas da Comissão em que foi Relator – que não era favorável a muitos dos dispositivos
do texto original, incluindo o item XII do art. 86, citado acima:
...parece perturbador do bom andamento dos trabalhos permitir-se que o advogado
obtendo a palavra pela ordem intervenha nos julgamentos para esclarecer equívocos ou
dúvidas do julgador. Seria isso fazer participar o advogado, não do processo do
julgamento mas da própria elaboração da sentença.
556
Estes dois específicos incisos comentados pelo relator foram excluídos do texto
final do Estatuto de 1963, muito embora, no conjunto, o texto final aprovado, fosse um
gigantesco avanço mesmo em relação ao Regulamento de 1931/33. Este avanço é visível,
por exemplo, quando o Projeto (no § 3º do art. 86) e o Estatuto de 1963 (no § 3º do art. 89),
dispunham, inovadoramente, garantindo a inviolabilidade do domicílio e do escritório
profissional do advogado, muito embora não se lhe estenda a proteção para asilo. Assim
está no texto da lei: A inviolabilidade do domicílio e do escritório do profissional advogado
não envolve o direito de asilo e somente poderá ser quebrado mediante mandato judicial,
nos casos previstos em lei. Nada mais importante, no contexto geral desta fase, do que a
garantia da inviolabilidade profissional do advogado, porque, sem ela, violáveis tornam-se
os direitos das partes, amesquinhando, por conseguinte, a força e a independência da
magistratura.
A evolução do ideário profissional durante o Estado Novo passou por este
estreito desfiladeiro, e, foi, na sua esteira, que evoluiu a importância do instituto (da
inviolabilidade profissional) para a construção democrática, como garantia de direitos das
partes, e, por isto mesmo, foram as normas estatutárias de 1963, que viabilizaram a
resistência da OAB à marcha acelerada contra a democracia que se iniciou na violação de
escritórios de advogados e terminou nos atentados de terror, como mostramos em Capítulo
desta Tese, como atos desesperados contra a inviolabilidade profissional que viabilizou a
mobilização contra o arbítrio, que jogara(ão) suas armas contra o princípio (liberal)
essencial do ideário profissional.
556
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 708.
352
Foi nesta mesma linha da garantia de direitos profissionais que os
Regulamentos de 1931/33, inc. III, do artigo 25, e o projeto de 1956 (no inc. V, do art. 86)
e, posteriormente, no inc. V do artigo 89 do Estatuto de 1963, dispuseram que são direitos
dos advogados não serem recolhidos presos, antes da sentença transitada em julgado,
senão em cela especial do Estado-Maior. Este dispositivo, embora nos anos de 1960/70,
tenha sido violado, foi, juntamente com o anterior, de importância significativa para
enfrentar os anos da repressão que sucederam a 1964 e, não significam, como atualmente,
se pretende um tratamento desigual da lei quanto ao advogado, mesmo porque, o que se
espera é que esta regalia seja uma garantia do exercício profissional e não do
comportamento extensivamente ilícito. No exercício da profissão não é justificável a
exceção estatutária para crimes comuns.
Finalmente, o Estatuto, que resultou do Projeto nº 1751/56, de qualquer forma,
foi um grande avanço em relação às omissões prescritivas anteriores, que mesmo assim,
manteve os direitos para provisionados e solicitadores. Vale, assim, observar, que,
mantendo a orientação do Projeto, remanesceu no Estatuto de 1963, as disposições
regulamentares, não para os estagiários (e solicitadores), mas, se reconheceram e
prefixaram, ainda, direitos para os (antigos) provisionados (rábulas e antigos solicitadores),
o que significa, que, indica, ainda, a sobrevida de fato (e de direito) dos rábulas, limitados,
todavia, na sua liberdade de manifestação forense, como se verifica nos parágrafos do
artigo 89 do Estatuto de 1963.
557
De qualquer forma, todavia, esta pressuposição não estava
557
Assim dispõe o art. 89 e seus parágrafos: São direitos do advogado:I - exercer, com liberdade, a profissão
em todo o território nacional "(art. 56) na defesa dos direitos ou interêsses que lhe forem confiados; II - fazer
respeitar, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profisional, a inviolabilidade do seu domicílio, do seu
escritório e dos seus arquivos; III - comunicar-se, pessoal e reservadamente com os seus clientes, ainda
quando êstes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, mesmo incomunicáveis; IV -
reclamar quando prêso em flagrante por motivo de exercício da profissão, a presença do Presidente da Seção
local para a lavratura do auto respectivo; V - não ser recolhido prêso, antes da sentença transitada em
julgado, senão em sala especial do Estado-Maior; VI - ingressar livremente; a) nas salas de sessões dos
Tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados; b) nas salas e
dependências de audiências, secretarias, cartórios tabelionatos, offcios de justiça, inclusive dos registros
públicos, delegacias e prisões; c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial,
policial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colhêr prova ou informação útil ao
exercício da atividade profissional, dentro do expediente regulamentar ou fora dele, desde que se ache
presente qualquer funcionário; VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de qualquer dos locais
indicados no inciso anterior, independentemente de licença; VIII - dirigir-se aos juízes nas salas e gabinetes
de trabalho, independentemente de audiência préviamente marcada, observando-se a ordem de chegada; IX -
fazer juntar aos autos, em seguida à sustentação oral, o esquema do resumo da sua defesa; X - pedir a
palavra, pela ordem, durante o julgamento, em qualquer juízo ou Tribunal para, mediante intervenção
sumária e se esta lhe fôr permitida a critério do julgador, esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação
353
mais como questão central, porque, deslocara-se com o tempo para a questão da formação
do novo estado brasileiro escoimado dos vícios remanescentes do patrimonialismo pela
construção (formal) do Estado de Direito e a conseqüente reabertura das dimensões
institucionais do ideário dos advogados na forma de seus regulamentos, regimentos e
estatutos.
2.2.4. Rábulas e Solicitadores
A exclusão de rábulas e solicitadores, profissionais provisionados com
autorização para advogar, por órgãos do Poder Executivo e, mais tarde, apenas, por órgãos
a fatos, documentos ou afirmações que influam ou possam influir no julgamento; XII - ter a palavra, pela
ordem, perante qualquer juízo ou Tribunal, para replicar a acusação ou censura que lhe sejam feitas,
durante ou por motivo do julgamento; XII - reclamar, verbalmente, ou por escrito, perante qualquer juízo ou
tribunal, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; XIII - tomar assento à, direita
dos Juízes de primeira instância, falar sentado ou em pé, em juízos e Tribunais, e requerer pela ordem de
antigüidade; XIV - examinar, em qualquer Juízo ou Tribunal, autos de processos findos ou em andamento,
mesmo sem procuração, quando os respectivos feitos não estejam em regime de segrêdo de justiça, podendo
copiar peças e tomar apontamentos; XV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração,
autos de flagrante de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade podendo copiar
peças e tomar apontamentos; XVI - ter vista, em cartório, dos autos dos processos em que funcione, quando,
havendo dois ou mais litigantes com procuradores diversos, haja prazo comum para contestar, defender,
falar ou recorrer. XVII - ter vista fora dos cartórios, nos autos de processos de natureza civil, criminal
trabalhista, militar ou administrativa, quando não ocorra a hipótese do inciso anterior; XVIII - receber os
autos referidos no inciso anterior, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias, quando se tratar de autos
findos, e por quarenta e oito horas, quando em andamento, mas nunca na fluência de prazo; a) sempre que
receber autos, o advogado assinará a carga respectiva ou dará recibo; b) a não devolução dos autos dentro
dos prazos estabelecidos autorizará o funcionário responsável pela sua guarda ou autoridade superior a
representar ao presidente da Seção da Ordem, para as sanções cabíveis (artigos 103, inciso XX, e 108, inciso
II): XIX - recusar-se a depor no caso do art. 87, inciso XVI, e a informar o que constitua sigilo profissional;
XX - ser pùblicamente desagravado quando ofendido, no exercício da profissão (art. 129); XXII - contratar
préviamente e por escrito os seus honorários profissionais; XXIII - usar as vestes talares e as insígnias
privativas de advogado. § 1º Aos estagiários e próvisionados aplica-se o disposto nos incisos I ( com as
restrições dos arts. 52, 2º; 72, parágrafo único in fine; e 74 ) II, III, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XXI. §
2º Não se aplica o disposto nos incisos XVIII e XVII: I - quando o prazo fôr comum aos advogados de mais
de uma parte e êles não acordarem nas primeiras vinte e quatro horas sôbre a divisão daquele entre todos,
acôrdo do qual o escrivão ou funcionário lavrará têrmos nos autos, se não constar de petição subscrita pelos
advogados; II - ao processo sob regime de segrêdo de justiça; III - quando existirem, nos autos, documentos
originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no
cartório secretaria ou repartição reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício,
mediante representação ou a requerimento da parte interessada; IV - até o encerramento do processo, ao
advogado que houver deixado de devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de
intimado. § 3º A inviollabilidade do domicílio e do escritório profissional do advogado não envolve o direito
de asilo e sómente poderá ser quebrado mediante mandato judicial, nos casos previstos em lei.
354
judiciários, é um dos mais longos capítulos da história da advocacia, não apenas no Brasil.
Este fenômeno da vida jurídica prática é um dos mais complexos e profundos episódios da
história da advocacia no Brasil, não apenas devidos aos seus efeitos judiciários como,
também, sobre a própria qualificação profissional. Mais do que a redução característica da
advocacia, como se tem tratado a questão,
558
o fenômeno tem explícitas explicações para a
história brasileira e para o contexto do exercício da profissão. Em primeiro lugar, porque
estes profissionais representam os frágeis suportes da construção do Estado nacional e da
defesa de direitos no Brasil e, em segundo lugar, porque frágeis traduzem a força
impositiva do Estado constituído da elite de bacharéis formados em todos os poderes e,
terceiro, porque representam uma concepção superada de que a formação prática dispensa a
formação jurídica escolar.
Todos estes fatores se enfraqueceram, no tempo, mas, de qualquer forma,
deixaram a sua marca no Estado e na advocacia brasileira, mas, muito especialmente,
demonstraram as tantas dificuldades articulativas dos institutos tradicionais. Questão
recorrente, sucessivamente, se sobrepõe no processo de definição do exercício da advocacia
e, especialmente, traduz a força política e judiciosa dos rábulas numa disputa de contrastes
e confrontos com os bacharéis formados, que compunham os quadros de elite, mas, como
aqueles, amalgamados nos espaços do Estado patrimonial.
O deslocamento da elite política de bacharéis para a advocacia é um fenômeno
relativamente recente e se ampliou com a institucionalização das incompatibilidades e
impedimentos para a advocacia, inicialmente, após a 1930/33, e, posteriormente, com o
fortalecimento das atividades empresariais que seguiram aos anos de 1960, o que não pode,
também, ser dissociado da transferência da capital para Brasília. De qualquer forma, este
fenômeno não pode ser dissociado da extinção dos profissionais provisionados e as novas
exigências de conhecimento especializado mais acessíveis a intelligentzia jurídica.
Os esforços para ampliar os processos de seleção dos advogados para ingresso
no mercado de trabalho através dos Exames de Ordem e para regulamentação das
atividades provisionadas nos projetos que pretenderam criar a Ordem dos Advogados,
ficaram uma constante, assim como foram as questões reguladas desde o Regulamento de
1931/33, (consolidado pelo Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933) nas legislações
posteriores à criação da Ordem, inclusive no Estatuto de 1963. Este esforço estava
intimamente relacionado com o pouco ou nenhum preparo técnico (e/ou acadêmico) dos
558
Ver Miguel Seabra Fagundes, nesta obra.
355
práticos em advocacia, embora de experiência feita, assim como na preparação escolar, o
que levou a OAB, através de sucessivas manifestações, a procurar evitar que continuasse
proliferando novas autorizações para a atividade de práticos (rábulas) que, quase sempre,
evoluíam de solicitadores para provisionados ou provocavam confusões nas ambas
situações.
Essa última preocupação fica flagrante nos projetos que o Congresso recusou de
1851 a 1930,
559
onde, insistentemente, procurava-se conter os provisionamentos de práticos
por atos de autoridades políticas centrais, por desembargadores de tribunais ou, até mesmo,
por juízes de instância comum. Contudo, as legislações deste período oscilavam mantendo
os provisionados (rábulas e/ou solicitadores) e/ou controlando a sua proliferação, por outro
lado, o despreparo acadêmico acabou levando à reforma educacional do ensino jurídico, em
1931, com as iniciativas legislativas de Francisco Campos.
560
Ambas as posições revelaram-se sempre difíceis porque não se tratava de um
fenômeno apenas profissional, mas de um fenômeno do Estado nacional, profundamente
comprometido, com os arranjos judiciais e acomodações “praxistas”, na ausência visível de
direitos, inclusive do direito processual.
561
A sobrevivência dos rábulas no tempo,
inclusive, o seu reconhecimento estatutário, desde os primórdios do IAB (1843) até a
extinção (por falecimento) dos últimos rábulas, após o Estatuto de 1963, são a marca visível
da longa agonia do patrimonialismo no estado brasileiro.
562
No que se refere às figurações dos rábulas, o solicitador e provisionado, eram
preocupação constante nos Projetos de criação da OAB durante o Império e a República
Velha, e, mesmo depois, de sua criação, em 1930, os provisionados, como temos
demonstrado, foram objeto de preocupação do Regulamento de 1931, consolidado em
1933, e em tantas leis seguintes; mas, no tempo os argumentos de discussão pouco
mudaram. As razões eram visíveis, por um lado, o exercício de funções de advocacia, sem
559
BASTOS, Aurélio Wander (Org.). Os Cursos Jurídicos e as Elites Políticas do Brasil. Brasília:
CD/FCRB, 1978. Veja, também, BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil:
luta pela criação e resistências. ed. cit.
560
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico. ed. cit.
561
O primeiro Código Processual Civil Brasileiro é o Decreto-Lei de 1939, que apesar das aberturas da
Constituição de 1891, admitia competência dos estados para legislar sobre processo.
562
Remanesciam, ainda, vestígios, especialmente nos tribunais deste patrimonialismo, principalmente nas
políticas nepotistas e, mais do que isto, nas tantas demandas em que servidores da elite do estado, nas áreas
jurídicas e de auditoria, reivindicaram exercício cumulado da advocacia privada.
356
o devido preparo acadêmico, exigia tratamento diferenciado, por outro lado, os espaços
profissionais de prestação de serviços ficavam tumultuados, dificultando, inclusive, o
alcance uniforme da regulamentação dos serviços profissionais. Podemos dizer que este foi
um dos aspectos positivos da evolução da organização dos advogados, pois, gradualmente
foram extintas as duas figuras: o provisionado e o solicitador, tipos diferenciados de
rábulas muito embora tenham decorrido cerca de 140 anos para uma solução definitiva.
2.2.4.1. A Agonia dos Rábulas e dos Velhos Solicitadores
Todas as proposições legislativas anteriores ao Projeto de Lei nº 1751/56, que
resultou no Estatuto de 1963, tratavam de uma forma ou de outra do exercício da advocacia
por provisionados, mantendo provisoriamente os seus direitos após a criação da OAB ou
suspendendo-os. O primeiro projeto de criação da Ordem, apresentado a Câmara dos
Deputados no ano de 1851,
563
no seu art 14, em certa parte da redação, declara: (...)Os que
não podem ser advogados também não podem ser solicitadores, salvo em seu feito próprio
ou dos seus ascendentes e descendentes, e de afins nos mesmos graus.
564
O Sr. Henriques (Antonio José Henriques), deputado que se destacou pelo
combate ao projeto de 1851 de criação da Ordem, reclama:
(...) O art. 14, Sr. Presidente, não póde também merecer o meu assentimento, porque diz
na segunda parte que os que não podem ser advogados também não podem ser
solicitadores (...) O advogado é um jurisconsulto que aconselha e auxilia de direito as
partes litigantes, e o solicitador é apenas um procurador que se limita a diligenciar; seu
563
Anaes do Parlamento Brasileiro. Annaes do Senado do Império, Sessão de 3 de julho de 1850, pp. 41 e 45.
Esta sessão foi presidida pelo Barão de Monte Santo. Rio de Janeiro: Typografia Imperial e Constitucional de
J. Villeneuve e C. 1850. Ver, também, BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do
Brasil: Luta pela criação e resistências op. cit., p. 60 e segs.
564
Anaes do Senado do Império, pp. 41 a 45. Sessão em 3 de julho de 1850. Presidência do Sr. Barão de
Monte Santo. Sumário – Ordem do dia. – (...) – Estatutos para os cursos jurídicos, e para as escolas de
medicina. Discursos dos Srs. Baptista de Oliveira, Manoel Felizardo, Hollanda Cavalcanti, Costa Ferreira, e
Saturnino.
357
mesmo nome está indicando o que elle é: qual a razão pois por que o projecto nivelle o
advogado com o solicitador ?
565
Essa confusão hierárquica é recorrente em muitos dos projetos de criação da
Ordem, assim como a preocupação em delimitar qual a posição de um em relação a outro.
Quanto ao caso acima, apontado pelo Sr. Henriques, em 1851, o Regulamento de 1931/33
dispõe satisfatoriamente, como podemos constatar, sobre a matéria, no § 5º do art. 22: É
lícito aos advogados e aos provisionados praticar todos os atos permitidos aos
solicitadores.
Basicamente tal oscilação legislativa se dava por dois motivos, como já
observamos: o primeiro devia-se à ausência de bacharéis formados em certas localidades do
interior do país (essa era a justificativa dos textos legislativos para novos
provisionamentos), e o outro era por força dos direitos conquistados pela prática continuada
e ininterrupta da advocacia ao longo dos anos (o que se poderia chamar de direito
adquirido). O segundo motivo, senão o primeiro, contribuía para se evitar a criação de
novas faculdades de Direito (até 1920 existiam apenas duas faculdades oficiais, criadas em
1827, a Academia de São Paulo e a Academia de Olinda),
566
por conseguinte, mantendo
forte a posição dos práticos provisionados no interior do país e, ao mesmo tempo,
facilitando o exercício da advocacia pelos próprios juízes e funcionários do Estado.
Ocorre, todavia, que esta situação não perdurou, transformando-se com a
proliferação das faculdades livres do direito, provocando, não obstante, conflitos de
sobrevivência entre o profissional provisionado e os novos bacharéis, aumentando a
imprescindibilidade de um estatuto disciplinador ou, pelo menos, de maior controle
profissional, como se pode observar na seguinte Decisão nº 326, do Ministério da Justiça de
15 de novembro de 1870
, que
565
Annaes do Parlamento Brazileiro – Camara dos srs. Deputados. Terceiro anno da Oitava Legislatura.
Sessão de 1851. Colligidos por Antonio Pereira Pinto. Tomo segundo. Rio de Janeiro. Typographia do H. J.
Pinto. 1878. Sessão de 27 de agosto de 1851: Discussão do projecto do senado sobre o Instituto dos
Advogados, vol. II, pp. 710 e 714.
566
BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil, ed. cit.p. 175-178. A Faculdade Nacional de
Direito evoluiu de iniciativas pioneiras de faculdades livres criadas na cidade do Rio de Janeiro por Fernando
Mendes de Almeida e Carlos Antonio de França Carvalho, após 1879. O Decreto n° 11.530 de 18 de março de
1915 viabilizou a fusão das ambas as faculdades livres. A 29 de março de 1920, após estudos de Fernando
Mendes de Almeida as congregações sob a presidência do Conde Afonso Celso declaram que estava
definitivamente realizada a fusão, que resultou no Decreto n° 14.163 de 12 de maio de 1920, transformando-a
na 3ª faculdade de Direito oficial do Brasil.
358
Declara irregular a concessão de provisão a pessoa não formada para advogar
indistintamente em qualquer dos termos do distrito da Relação. (...) Foi presente a
[S.M.] o imperador o ofício dessa presidência, de 2 de setembro do ano passado,
remetendo a representação de Joaquim Ferreira de Souza Jacarandá, advogado
provisionado do distrito da Relação dessa Província [do Maranhão], na qual consulta
se é regular conceder-se provisão geral a pessoa não formada para advogar
indistintamente em qualquer dos termos do distrito. E o [Imperador], tendo ouvido a
seção de Justiça do Conselho de Estado, houve por bem decidir, por sua imperial
Resolução de 9 do corrente, que irregular é semelhante concessão; porquanto
importaria isso uma habilitação que só a formatura pode dar, sendo a atribuição
conferida ao Presidente da Relação pelo art. 7º, § 5º do Regulamento de 3 de janeiro de
1833 [que assim dispõe: compete aos presidentes das Relações provisionar cidadãos
como advogados], excepcional e dependente de condição de falta de bacharéis e da
conveniência do serviço da administração da Justiça (...)
.567
Percebe-se numa leitura crítica da decisão, que, na verdade, proibindo-se, da
forma legal esperada, evolui o despacho, exatamente, para excetuar a permissão: o
Imperador diz o que é irregular, mas a competência é do Presidente da Província (ou do
Tribunal de juízes, etc.) se houver falta de bacharéis e/ou for conveniente à administração
judiciária. Acontece que, na falta de lei específica, o “praxismo” da necessidade constrói a
ordem, fazendo, destes mecanismos uma forma de construção do Direito.
O Regulamento de 1931/33, esclarece, finalmente, quais as competências de
cada uma das três figuras que podiam exercer a advocacia, no seu Capítulo IV, que trata do
exercício da advocacia, podemos ler a seguinte redação no:
Art. 22 Em qualquer juízo, contencioso ou administrativo, civil ou criminal, salvo
quanto a hábeas-corpus o exercício das funções de advogado, provisionado, ou
solicitador, somente será permitida aos inscritos no quadro da Ordem e no gozo de
todos os direitos decorrentes, de acordo com este regulamento.
No §2º identificamos:
Serão assinados por advogado, inscritos nos quadros da Ordem, todas as petições
iniciais e de recurso, articulados e arrazoados, competindo-lhes a sustentação oral em
qualquer instância. E ainda, no § 3º: Na primeira instância das justiças estaduais é
facultada a advocacia aos provisionados segundo a legislação local depois de inscritos
no quadro da Ordem.
Finalmente, no § 4º está:
567
Coleção das Leis do Império do Brasil. Decisões, 1870, pp. 402-403.
359
Compete aos solicitadores inscritos no quadro da Ordem, a assistência das causas em
juízo, recebendo as intimações para andamento dos feitos assinando os termos de
recurso e os escritos não enumerados no § 2º, e praticando os atos de audiência e
cartório.
Como se verifica o Regulamento distribui as competências para o exercício da
advocacia, reconhecendo aos advogados os poderes plenos e absolutos, mas facultando nos
estados as atividades jurídicas aos provisionados (rábulas) e o acompanhamento judicial
aos solicitadores. Por outro lado, a Lei nº 161, de 31 de dezembro de 1935, que regulava a
expedição de cartas de provisionados e solicitadores e o exercício dessas profissões,
justificava, ainda, as novas provisões, mesmo após o Regulamento de 1931/33, devido à
falta de profissionais habilitados. Assim está no
Art. 2ºA concessão de novas provisões, ou cartas de provisionados e solicitadores, se
fará, na vigência desta lei; somente para comarcas, termos ou districtos judiciários, em
que, por deficiência do numero de advogados em exercício, a Corte de Appellação
568
do Estado o admittir, depois de ouvido o Conselho da Ordem dos Advogados, no mesmo
Estado. § 1º A Corte de Appellação fixará o numero maximo de provisionados e
solicitadores admittidos na mesma comarca.
Entretanto, podemos constatar, no texto citado, a preocupação com a
proliferação dos provisionados, colocando, não só a Corte de Apelação do Estado para
avaliar a necessidade de provisionamento, mas também a Ordem dos Advogados do Brasil.
O artigo ainda tem um primeiro parágrafo significativo, controlando e limitando o
provisionamento, que, de qualquer forma, era indicativo de um grande avanço. Essa
preocupação é ainda mais explícita e presente na Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949. Veja-
se o
Art. 3º. Após a publicação desta Lei, só serão concedidas novas provisões para a
advocacia e cartas de solicitador, quando a profissão tiver de ser exercida em
comarcas, termos, ou distritos judiciários onde não sejam domiciliados mais de três
advogados diplomados. Parágrafo único. A concessão, em cada caso, dependerá de
autorização da Ordem dos Advogados, que, se a admitir, fixará o número das cartas
possíveis
Veja-se, que, mesmo depois da criação da OAB (1930/33), que resistiu sempre
a estas posturas, estava, ela, agora, procurando nas justificativas para estas iniciativas, por
568
A OAB foi criada em Decreto revolucionário (art. 17) que reorganizou esta Corte de Apelação.
360
dois motivos: falta de bacharéis formados e direito adquirido de provisionados (ou
perpetuação da função), os mesmos motivos do passado continuavam presentes, fazendo
com que os textos legislativos continuassem oscilando entre a propagação dos
provisionados e o seu controle. A Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949 (que assegurava a
inscrição dos provisionados no quadro da OAB) tinha como justificativa a obediência ao
direito adquirido, assim dispondo:
Art. 1º Aos que hajam tido provisão para advogar antes de publicada esta Lei ou no
momento dessa publicação sejam solicitadores, é assegurada a inscrição nos quadros
da Ordem dos Advogados do Brasil, para que exerçam permanentemente a profissão
nos termos e com a extensão constantes das respectivas cartas, devendo esses limites ser
determinados nas suas carteiras profissionais.
Desta forma, é visível a tensão nos textos legislativos entre a proliferação e o
controle dos provisionados, inclusive depois da criação da OAB em 1930. Como já
observamos, o Regulamento de 1931/33, tratou, amplamente, desta questão. Vários e
extensos dispositivos dispuseram sobre a matéria, limitando os provisionamentos e
ampliando a faixa de faltas que pudessem ser praticadas pelos solicitadores e provisionados
(art. 27). O Regulamento consolidado de 1931 dispunha no inciso I:
Art. 14 Para a inscrição no quadro dos provisionados e solicitadores da Ordem, é
necessário, além dos requisitos legais de capacidade civil: I, ter a provisão respectiva,
com prazo legal, passada pela autoridade judiciaria federal, ou local, competente, e
registrada na Secretaria da Ordem.
Este dispositivo se completava pelas exigências do inciso II, deste mesmo
artigo, que prescrevia, como condição, sine qua, da inscrição no quadro de provisionados,
ser brasileiro nato ou naturalizado, não estar proibido de exercer a advocacia, não ter sido
condenado por sentença que não caiba recurso, por incêndio e outros perigos como,
prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, abuso de autoridade e uma
diversificada gama de outros delitos prescritos legalmente, inclusive contra a independência
e a dignidade da pátria (interessante indicativo de proibição para os casos de crimes
políticos), assim como, e, também, ser imprescindível ter boa conduta.
O Regulamento de 1931/33, quase três décadas antes da proposição do Projeto
1751/56, alcançou vários objetivos importantes que consolidaram conquistas futuras, como,
361
por exemplo, a criação do “solicitador acadêmico”, dispositivo exarado no mesmo inciso I,
do artigo 14, na forma do Regulamento (consolidado em 1933) que acrescia: Os alunos das
Faculdades de Direito reconhecidas pelo Governo Federal, depois de concluírem o
terceiro ano do curso jurídico, poderão, mediante simples requerimento, obter a carta de
solicitador, disposição legal que procurou ocupar com o bacharelando o espaço dos
“solicitadores provisionados”, servindo, inclusive, à sua formação prática.
Esse dispositivo (art. 14 do Regulamento (consolidado) de 1933), está
reproduzido com o mesmo sentido, mas com a redação modificada na Lei nº 161, de 31 de
dezembro de 1935 (o que significa que estes poderes ultrapassavam o âmbito da OAB) que
dispõe sobre as cartas dos provisionados como competência do Presidente da Corte de
Apelação, mais tarde transferida às seccionais da OAB:
Art. 3º § 2º Aos alumnos matriculados no 4º anno da Faculdade de Direito, mantida ou
reconhecida pelo Governo Federal, será concedida carta de solicitador mediante
simples requerimento ao Presidente da Corte de Appellação, provado o requisito da
lettra a, supra.
A Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949, que assegura a inscrição dos
provisionados no quadro da OAB, também reproduz o dispositivo do Regulamento
consolidado de 1933. A redação é parcialmente diferente, mas mantém o mesmo espírito
antecedente, mas, agora, na nova redação, na competência do presidente do Tribunal de
Justiça. Assim dispõe seu
Art. 2º Aos alunos do quarto ano das faculdades de direito mantidas pela União
equiparadas a estas ou reconhecidas na forma da lei federal, será concedida a carta de
solicitador, desde que a requeiram ao Presidente do Tribunal de Justiça, provando que
são brasileiros e têm a quitação do serviço militar. Parágrafo único. A carta será
também inscrita na Ordem dos Advogados, mas não vigorará por espaço de mais de três
anos, nem poderá ser renovada.
2.2.4.2. Os Solicitadores e Estagiários
O dispositivo do Regulamento da OAB, consolidado em 1933, seguido das
legislações citadas, foram, desta forma, uma preparação para a extinção da figura do
362
solicitador. Sobre esta matéria também dispôs o Projeto nº 1751/56 quando da discussão na
Câmara dos Deputados, guardada a longa diferença cronológica, todavia, embora se deva
considerar, que, estes mecanismos sobreviveram no tempo, através de garantias postas em
documentos intermediários, como vimos no Art. 158 do Projeto. Fica extinto o quadro de
solicitadores, ressalvado o direito dos que exerciam a profissão, com o seu limite de
tempo.
569
Este mesmo Projeto favoreceu a criação da figura do estagiário que substituiria,
na prática, as funções daquele. O Relator do Anteprojeto ainda na OAB, Nehemias Gueiros,
demonstra, com habilidade, os fundamentos desta transformação, que substituiria, na
prática, funções de direito adquirido: Com a instituição do estágio profissional e a
conseqüente criação do quadro de estagiários, tornou-se inteiramente inútil a profissão de
solicitador de causas...
570
O mesmo conselheiro-relator ainda afirmava:
A fim de tornar exeqüível o poder de seleção da Ordem meramente teórico até agora,
assegurando a manutenção de uma verdadeira consciência profissional e elevando, ao
mesmo tempo, o nível cultural da classe e a sua eficiência técnica, estabeleceu-se a
exigência do estágio profissional, como requisito para a inscrição no quadro dos
advogados...
O dispositivo, comentado pelo Relator Nehemias Gueiros, provocou,
novamente, o Desembargador Alexandre Delfino de Amorim Lima:
Não basta o diploma para que o bacharel ou laureado possa se inscrever no quadro de
estagiário (...). Após a conquista de um grau superior, com a idade mínima de vinte e
três anos, fica reduzido à condição de ‘office-boy’, entregador de petições, moço de
recados.
571
E continua:
O servilismo é total e irremediável, uma vez que sòmente lhe é permitido receber
procuração em conjunto com advogado, ou por subestabelecimento deste. (art. 68,
parágrafo único).
572
Providencia o projeto para que não tenha nenhuma oportunidade,
569
Projeto nº 1.751, de 22 de agosto de 1956. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão 22 de agosto de 1956,
vol. XXV.
570
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 22 de agosto de 1956, vol. XXV, p. 587-588.
571
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 681 e 688.
572
Art. 68. Os estagiários poderão praticar os atos judiciais não privativos de advogado, (art. 67, § 3º) e
exercer o procuratório extrajudicial. Parágrafo único. Ao estagiário sòmente é permitido receber procuração
363
fulminando de nulidades, declarando nulos os atos privativos de advogados praticados
por pessoas não inscritas na Ordem ou por inscritos impedidos, com a cominação de
pesadas sanções. (cfr. Arts. 71, 109 a 119).
573
Se se atrever a usar vestes ou insignias
privativas de advogado, incorrerá nas penas do artigo 47
574
da Lei das Contravenções
Penais.
575
Incisivo, o magistrado prossegue:
Após longos anos de estudos e duras penas, o bacharel ou doutor em direito estagiário
terá conquistado posição inferior à do provisionado, cuja provisão é obtida, mediante
simples exame de suficiência (art. 483
576
(sic.) que o habilita a advogar em primeira
instância. (artigo 69
577
).
578.
O Desembargador, continuando, cita artigos do Projeto que tratam do estágio e
do exame e exsurge extensamente contra eles, até que por fim conclui:
Se de fato, objetivasse o projeto a defesa da classe, como consta do artigo 1º, outros
seriam os rumos a tomar. A Ordem dos Advogados do Brasil, com os recursos de que
dispõe, provenientes não só de contribuições dos inscritos nos seus quadros, como
também pela contribuição particular, arrecadada gratuitamente em selos pelos escri-
em conjunto com advogado, ou por subestabelecimento dêste, e para atuar, sendo acadêmico, no Estado ou
circunscrição territorial em que tiver sede a Faculdade em que fôr matriculado.
573
Art. 71. São nulos os atos privativos de advogados praticados por pessoas não inscritas na Ordem ou por
inscritos na Ordem ou por inscritos impedidos ou suspensos, sem prejuízo das sanções civis ou penas em que
incorrerem (artigos 61, § 2º, 128 e 132). Art. 109. Constitui infração disciplinar: (itens de I a XXX, veja
anexo .....). Art. 119. A pena da eliminação acarreta ao infrator a perda de direito de exercer a profissão em
todo o território nacional.
574
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições
a que por lei está subordinado o seu exercício: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa,
de quinhentos mil réis a cinco contos de réis. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de Outubro de 1941 (Lei das
Contravenções Penais).
575
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 631-717, v. 20, p. 681.
576
Art. 48. Para obter a provisão o candidato fará prova perante o Presidente do Conselho Seccional em que
pretende exercer a profissão, de habilitação sobre as seguintes matérias: I – organização e princípios
constitucionais do Brasil; II – organização judiciária federal e local; III – direito civil, comercial, criminal e
de trabalho; IV – processo civil e penal. § 1º O exame de provisionado será feito perante comissão composta
de três advogados inscritos há mais de cinco anos, na forma regulada no Regimento Interno da Seção (art.
27, inciso III, letra H). § 2º As provisões serão dadas pelo prazo de quatro anos para exercício em três
comarcas no máximo, onde haja somente três advogados, podendo ser renovadas, a critério do Conselho
Seccional, se o provisionado houver exercido ininterruptamente a advocacia.
577
Art. 69. Os provisionados só poderão exercer a advocacia em primeira instância.
578
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, v. 20, p. 681.
364
vães e vigilância dos juízes, contada em todos os processos, deveria ser compelida e
esta é a ocasião oportuna, a instalar e manter cursos de orientação profissional, de
ensino especializado de preparo técnico. (...) Se essa idéia não for viável, convinha
então que nas faculdades de direito fosse criada mais uma cadeira de prática forense e
ética profissional.
579
O Relator da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados ,
Milton Campos, parece concordar, em seu Parecer, com algumas críticas do
Desembargador. Entretanto abre a questão elogiando o dispositivo:
São os mais louváveis os intuitos do projeto. O estágio e o exame de ordem destinam-se
a assegurar, maior competência técnica ao advogado, que, por essa forma, já se
inscreveria em condições de relativa familiaridade com as peculiaridades da prática
profissional, e, além disso, já teria a consciência da classe mediante o noviciado de
integração nela. Talvez por aí se evitasse a inscrição da generalidade dos bacharéis,
nem todos verdadeiros advogados, que só esporadicamente praticam atos da profissão,
sem participar realmente do seu espírito e do seu destino.
580
Colocada sua posição a favor do dispositivo, o Relator, no parágrafo seguinte,
expõe o que acha que precisa ser consertado no mesmo:
Entretanto, tal como se planeja, o estágio pode oferecer inconvenientes ponderáveis. O
primeiro deles é constranger o diplomado em direito a pleitear uma situação (a de
auxiliar) perante colegas mais antigos, perante os governos e suas agências e perante
empresas privadas. Não afetaria isso o princípio de independência, que é fundamental
no exercício da profissão?
581
E completa:
Atualmente, o diplomado em direito pode obter sua inscrição sem depender de ninguém.
Habilita-se, por si mesmo, à prática da advocacia, levando para ela o sentimento de
independência e altivez que ela ao mesmo tempo requer e facilita. Pelo projeto, terá o
jovem bacharel, antes de iniciar o exercício da profissão, de bater a algumas portas.
582
.
579
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, v. 20, p. 683. A posição do resistente
desembargador, todavia, demonstrou o que no futuro se implantaria com especial importância nos cursos de
Direito.
580
Ibid., p. 703.
581
Ibid., p. 703.
582
Ibid.
365
E lança, finalmente, ainda, uma dúvida quanto à execução digna do dispositivo
que se quer texto estatutário da OAB:
Praticamente, tendo-se em vista o número dos bacharéis que anualmente se formam, é
fácil concluir que não haveria no país escritórios e departamentos jurídicos que
bastassem para os estágios corretamente cumpridos. Além disso, as facilidades para os
estagiários seriam maiores nas grandes cidades e escassas no interior, o que agravaria
a concentração das massas de profissionais nos centros maiores.
583
Como não poderia deixar de ser, no Senado, a questão dos advogados provisionados
pretendeu-se resolver na forma da redação do art. 152, do Projeto nº 1751/56,
emendado pela Câmara (no Anteprojeto do Conselho Federal estava no art. 153). 584
O texto do Projeto na Câmara ficara com o seguinte:
Art. 152. É ressalvado aos advogados não diplomados inscritos no atual quadro B da
Ordem dos Advogados do Brasil por força do regime constitucional de liberdade de
profissão, o direito ao exercício da advocacia em igualdade de condições com os
advogados diplomados.
585
O Relator Aloysio Carvalho, no Senado, criticou o artigo 152 do Projeto, e,
especificamente, o trecho “advogado não diplomado”. Para o Senador não existe a figura
“advogado sem diploma”, mas “advogado provisionado”, tal qual está estipulado no art.
63586, do mesmo Projeto, ou seja, quadro de provisionados e não o de advogado não
diplomado. Alega:
Impertinente, por seu lado, é a invocação a ‘regime constitucional de liberdade de
profissão’, regime que jamais vingou, nem mesmo na vigência da Constituição de 1891,
na latitude em que alguns o quiseram entender... (...) a disposição conclui com a
enfática declaração de que a esses ‘advogados não diplomados’, com inscrição atual na
Ordem (inscrição de ‘provisionados’, note-se bem) fica assegurado o exercício da
advocacia ‘em igualdade de condições com os advogados diplomados’, o que significa,
583
Ibid.
584
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 22 de agosto de 1956, p. 550-578, v. 25, p. 577.
585
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, p. 274-318, vol.22, p. 302.
586
Ver do Projeto Art. 63. O exercício das funções de advogado, estagiário e provisionado somente é
permitido aos inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, e na forma desta lei (art. 52).
Parágrafo único. A denominação de advogado é privativa dos inscritos no quadro respectivo (art. 43, inciso I
e 132).
366
afinal, conceder-lhes a lei o que nunca alcançaram, nem poderiam alcançar nem antes
de se instaurar, no Brasil, a Ordem dos Advogados.
587
Os argumentos do Relator são fortes e evidenciam contundentemente o vício
remanescente do dispositivo do Projeto da Câmara. A emenda então proposta foi a de
suprimir-se o art. 152 do Projeto da Câmara e resgatar o art. 153 do Anteprojeto do
Conselho Federal da OAB, assim argumentando:
O abandonado artigo 153 do Ante-Projeto, no invés, mantinha na situação em que
atualmente se encontram advogados e provisionados, com as suas inscrições perfeitas e
acabadas. Não dá nem tira nada a ninguém. Em favor do seu restabelecimento no
projeto, (...), temos, ademais, o acatável pronunciamento do Conselho Federal da
Ordem o dos Conselhos Seccionais de São Paulo, de Pernambuco e da Bahia.
588
Contudo, apesar desta posição do Relator no Senado, admitindo a redação do
Anteprojeto da OAB e discordando do Projeto da Câmara, o texto do art. 152 do Projeto
não foi excluído como pretendeu a Comissão do Senado e seu Relator. Concluindo os
debates no Senado, e após a apreciação das emendas pela Câmara dos Deputados ficou a
matéria com a seguinte redação: Art. 150 [anteriormente 152]. E’ ressalvado aos advogados
não diplomados inscritos no atual quadro B da Ordem dos Advogados do Brasil, por força
do regime constitucional de liberdade de profissão, o direito ao exercício da advocacia em
igualdade de condições com os advogados diplomados,589 sendo, todavia, que dispunha o
Art. 155. Fica extinto o quadro de solicitadores ressalvado o direito dos que exerciam a
profissão, sem limite de tempo.
Esta matéria, como se verifica, foi povoada de longos e interessantes debates
que bem direcionam a questão no Brasil, mas, apenas por curiosidade, vale ressaltar que, na
defesa do status vigente dos provisionados e dos solicitadores (à antiga), aqueles que mais
se manifestam em pareceres são desembargadores, e não deputados, relatores ou
personalidades executivas. A posição mais conservadora, neste caso, ficou com membros
do Tribunal, que, ainda preliminarmente, retiveram o poder de reconhecer estagiários-
587
Parecer nº 284, de 1962, p. 32.
588
Ibid., p. 33.
589
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 22 de agosto de 1956, p. 550-578, v. 25, p. 225.
367
solicitadores. Tal debate, aparentemente simples, nos permite concluir que os Tribunais
lutaram para manter, mesmo após a Constituição de 1946, esta variante do Estado
patrimonialista, ou seja, nomear, resguardar o poder de designar pessoas que atuavam nos
próprios tribunais,
590
mas, mesmo com as parciais concessões, o Estatuto no médio prazo
alcançou seus objetivos, mesmo porque os velhos rábulas e provisionados foram vencidos
pelo tempo.
2.2.4.3. Os Quadros Profissionais da OAB
Finalmente, seguindo a linha diretiva do Projeto, o Estatuto de 1963 (Lei nº
4.215, de 27 de abril de 1963) dispôs, em seu art. 47, que: a Ordem dos Advogados
compreende os seguintes quadros: I. advogados; II. estagiários; III. provisionados.
Remanescia a figura do provisionado, agora, rábulas solitários, mas ainda atuantes, e os
solicitadores, extintos na forma originária, redefiniram-se na figura do estagiário. Todavia,
a mais importante conquista foi a formalização não apenas de exigências civis para o
exercício da advocacia, mas também o Exame de Ordem, que somente veio a ser aplicado
aos bacharelandos que viessem a se matricular no Curso de Direito após a promulgação do
novo estatuto (prazo posteriormente prorrogado e suspenso, depois, com as exigências de
criação dos Escritórios de Estágio nas faculdades).
Por outro lado, sem entrar no mérito desta questão ficava, também definida uma
política de treinamento prático preparatório para o futuro exercício profissional, atendendo
a uma tradicional preocupação da OAB sobre o ensino prático. Completando, para o pleno
exercício da advocacia o (novo) Estatuto exigia:
Art. 48. Para inscrição no quadro dos advogados é necessário: I – capacidade civil; II –
diploma de bacharel ou doutor em Direito, formalizado de acôrdo com a lei (art, 57);
III – certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação
no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "'b" e 53); IV – título de eleitor e
quitação do serviço militar, se fôr brasileiro: V – não exercer cargo função ou
590
Muito recentemente decisão do Conselho Nacional de Justiça tratou de efeitos remanescentes desta questão
como uma última manifestação patrimonialista na forma de nepotismo. As reações da OAB foram positivas
no sentido de desclassificar estas práticas em forma diferenciada.
368
atividades incompatíveis com a advocacia, (arts. 82 a 86); VI – não ter sido condenado
por sentença transitada em julgado em processo criminal, salvo por crime que não
importe em incapacidade moral; VII – não ter conduta, incompatível com o exercício da
profissão (art. 110, parágrafo único); Parágrafo único. Satisfazendo os requisitos dêste
artigo, o estrangeiro será admitido à inscrição nas mesmas condições estabelecidas
para os brasileiros no seu país de origem, devendo exibir diploma revalidado, quando
não formado no Brasil, [e o] Art. 53. E’ obrigatório o Exame de Ordem para admissão
no quadro de advogados, aos candidatos que não tenham feito o estágio profissional ou
não tenham comprovada satisfatoriamente o seu exercício e resultado (arts. 18, inciso
VIII, letras "a" e "b"; 48, inciso III, e 50). § 1º O Exame de Ordem consistirá, em provas
de habilitação profissional, feitas perante comissão composta, de três advogados
inscritos há, mais de cinco anos, nomeados pelo Presidente da Seção na, forma e
mediante (...) provimento especial do Conselho Federal (art. 18. inciso VIII, letra b). §
2º Serão dispensados do Exame de Ordem os membros da Magistratura e do Ministério
Público que tenham exercido as respectivas funções por mais de dois anos, bem como,
nas mesmas condições, os professores de Faculdade de Direito oficialmente
reconhecidas.
Este § 2º final, todavia, foi acrescido, devido à seguinte observação do
Desembargador Amorim observara que:
Não prevendo o projeto qualquer ressalva, um ministro do Supremo Tribunal, um
desembargador, um juiz de direito ou promotor de Justiça e membros dos demais
tribunais do País, depois de aposentados, só poderiam ser estagiários ou então
deveriam submeter-se ao denominado exame de Ordem, a ser disciplinado e regulado
pelo Conselho Federal, nos termos do art. 18, nº VIII, letras ‘a’ e ‘b’.
591
Isto significa que, em algumas circunstâncias, o Desembargador apontara
lacunas ou obscuridades no Projeto nº 1751/56, que foram reconhecidas (e corrigidas pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados). Veja-se, neste texto, que é
muito importante ressaltar porque criou uma excepcionalidade para os juízes, procuradores
da República e professores de faculdade de Direito oficialmente reconhecidas que, não
eram, aquelas alturas, apenas as faculdades públicas. Este dispositivo não prosperou,
todavia, após 1994,
592
muito embora ficasse resguardado aos advogados, em qualquer
circunstância, o exercício do magistério.
591
Assim dispõe o Estatuto no mesmo citado art. 18, inc. VIII, letras “a” e “b”: “Compete ao Conselho
Federal: (...) VIII – regular e disciplinar, em provimentos especiais: a) o programa e processo de
comprovação do exercício e resultado do estágio da advocacia (art. 48, inciso III); b) o programa e a
realização do Exame da Ordem (art. 52)”. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de
1958, op. cit., p. 680.
592
Ver art. da Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994. Ver inc. II, art. 28, que dispõe que a advocacia é
incompatível para membros de órgãos do Poder Judiciário do Ministério Público, dos Tribunais e Conselhos
369
Ao observar e ratificar a nova figura do estagiário de advocacia, o Projeto
1751/56, ainda que extinguindo a figura do solicitador, na formatação autônoma antiga,
transformando-a em solicitador bacharelando (estagiário), retoma a questão hierárquica e a
problemática de suas competências. O Desembargador Alexandre Delfino de Amorim Lima
assim aborda a questão: O projeto coloca em absoluta condição de igualdade os bacharéis
ou doutores em direito e os estudantes. Os demais requisitos para a obtenção da carta são
os mesmos, e em nada difere o exercício da advocacia
593
O Desembargador Amorim Lima entende que os dispositivos que tratam da
inscrição no quadro da Ordem,
594
colocam em condições de igualdade as três figuras
profissionais: o Advogado, o Provisionado e, agora, não mais o Solicitador, mas o
“estagiário”. O Desembargador, contudo, complica um pouco sua crítica, pois reclama da
falta de distinção e, ao mesmo tempo, reclama da distinção que fazem os dispositivos do
Projeto nº 1751/56:
A distinção entre advogado e estagiário, bacharel ou doutor em direito é
manifestamente inconstitucional, tanto quanto absurda é a equiparação dêstes últimos
aos estudanteq de direito. De um lado, faz-se uma discriminação não permitida pela
Constituição; de outro lado, iguala-se um profissional, devidamente habilitado pelas
leis do País, aos que ainda se preparam para êsse fim.
595
Para que se obtivesse a Carta de Estagiário, dispunha o
Art. 49. Para inscrição do quadro de estagiários é necessário: I – capacidade civil; II –
carta passada, pelo Presidente do Conselho da Seção; III – preencher os requisitos dos
incisos IV a VI do art. 48, e o
Art. 50. Para obter a carta de estagiário o candidato
exibirá, perante o Presidente do Conselho da Seção em que pretende fazer a prática
profissional, prova de: I – ter diploma de bacharel ou doutor em Direito, formalizado de
acordo com a lei (art. 53) ; ou II – estar matriculado no 4º ou 5º ano de Faculdade de
Direito mantida pela União ou sob fiscalização do Govêrno Federal; III – estar
matriculado em curso de orientação do estágio ministrado pela Ordem ou por
Faculdade de Direito mantida pela União ou sob fiscalização do Govêrno Federal; ou
IV – haver sido admitido como auxiliar de escritório de advocacia existente desde mais
de cinco anos, de Serviço de Assistência Judiciária e de departamento juridicos oficiais
de Contas, etc. Ver, também, ADIN nº 11278 do STF, que exclui de sua abrangência os membros da Justiça
Eleitoral e os juízes suplentes não remunerados.
593
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 680.
594
No Projeto 1751/56 está como cap. X, arts. 43 a 61 e na Lei 4.215/63, continua como cap. X, arts. 47 a 66.
595
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 680.
370
ou de emprêsas idôneas, a juízo do Presidente da Seção. Parágrafo único. O estágio
para a prática, profissional terá a duração de dois (2) anos, sendo o programa e
processo de verificação do seu exercício resultado regulados por provimento do
Conselho Federal (artigo 1º inciso VIII, letra a).
596
Na verdade, faltou ao Desembargador uma postura mais aberta, que, neste caso,
se exerceu, pois a ele interessava, isto sim, manter o sistema dos privilégios patrimoniais
que resguardava, ainda, aos tribunais a designação de provisionados (rábulas) e
solicitadores, o que efetivamente vinha sendo desmontado.
Como já dissemos, o Desembargador é contra a não distinção e contra a
distinção, paradoxo que ele esclarece mais a frente. Ou seja, ele é contra o estágio, pois
acredita que este estabelece o servilismo de profissionais de grau superior, tornando-os
Office-boy, entregador de petições, moço de recados
597
. Sem os excessos verbais, essa
posição é acolhida pelo Relator da Comissão da Câmara Milton Campos, entretanto, os
dispositivos permaneceram sem grandes adaptações na forma do texto aprovado, abaixo,
transformado, como ficou, do Estatuto da OAB (arts. 49 e 50). Assim, observa o relator:
No que se refere aos provisionados [sobreviventes] o artigo 52 resguardou o
provisionamento anterior obtido, mas o Estatuto seguindo a orientação do Projeto de
Lei nº 1751/56 proibiu definitivamente o exercício da advocacia por solicitadores [e
hipóteses de provisionados, futuros] procurando interceptar as permissões e as
continuadas atividades dos popularmente denominados “rábulas”, viabilizando o
quadro de solicitadores-bacharelandos em 1963, futuramente estagiários que veio a
inviabilizar a sobrevivência dos moribundos solicitadores e instituir os Exames da
Ordem, que, mais tarde, poderia ser alternativamente substituído pelos estágios
acadêmicos.
No entanto, reconheceu o Estatuto, que, na iminência de se precisar designar
provisionados dever-se-ia seguir o dispositivo no artigo seguinte:
Art. 52. Para obter a provisão, o candidato fará prova, perante o Presidente do
Conselho Secional em que pretende exercer a profissão de habilitação em exame sôbre
as seguintes matérias: I – organização e princípios constitucionais do Brasil; II –
organização Judiciária federal e local; III – direito civil, comercial, criminal e de
trabalho; IV – processo civil e penal. § 1º O exame de provisionado será feito perante
comissão composta de três advogados inscritos há mais de cinco anos, na forma,
regulada no Regimento Interno da Seção (art. 27, inciso IV, letra h) ; § 2º As provisões
596
Sobre as futuras conexões das atividades de estágio com a prestação de serviços gratuitos de advocacia ver,
neste mesmo Capítulo: Assistência Judiciária e Advocacia no Brasil.
597
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, p. 681.
371
serão dadas pelo prazo de quatro anos, para exercício em três comarcas no máximo, em
cada uma das quais não advoguem mais de três profissionais podendo ser renovadas, a
critério do Conselho Secional, se o provisionado houver exercido ininterruptamente a
advocacia.
E, ainda, o art. 74 Os provisionados só poderão exercer a advocacia em
primeira instância.
Finalmente, o que se verifica é que os providenciamentos para esvaziar as
antigas práticas foram lentos e graduais, sempre partindo do pressuposto da diversidade
regional brasileira e as diferentes especificidades de cada localidade ou situação. Por outro
lado, este longo assunto, aparentemente árido e técnico, na verdade, historicamente,
significou a mais expressiva interferência legal sobre o Estado patrimonialista, seus
estamentos e sua obra.
2.2.5. Advocacia e Disciplina Profissional
2.2.5.1. Origens do Ideário Disciplinar
A luta pela construção do ideário profissional do advogado esteve
essencialmente marcada pela instalação de um sistema autodisciplinar que deixasse com a
categoria a definição de suas práticas infrativas e punições do advogado infrator libertando-
se da ação interventiva dos juízes e de seu poder disciplinar. Esta, historicamente, foi uma
das questões mais discutidas no processo de criação da OAB, especialmente para se
identificar o seu poder disciplinador sobre os advogados, de certa forma, ao mesmo tempo,
reconhecendo a isonomia de tratamento entre eles e os juízes, o que, se por um lado,
fortalecia os advogados, estabelecendo-se, inclusive, desagravos resultantes de atos
ofensivos dos juízes quando se excedessem no relacionamento.
O artigo 54 do Regulamento de 1931/34 sobre esta matéria dispôs:
Em caso de ofensa a membro da Ordem, no exercício de sua profissão, ou em juízo, por
magistrado, membro do Ministério Público, ou qualquer funcionário, serventuário ou
372
auxiliar da Justiça, o Conselho, sob representação do ofendido, apreciará
sumariamente o caso, e poderá designar um, ou mais, de seus membros, para proceder
á investigação necessária, promovendo, conforme o resultado desta, as providencias
que entender cabíveis.
Anteriormente, todavia, como se verifica, o primeiro Projeto de Criação da
Ordem de 1851 (de Montezuma) tinha um único dispositivo tratando especificamente deste
assunto, como se vê no seu
Art. 9º São atribuições dos Conselhos Disciplinares e Administrativos: (...)§ 5º Applicar
administrativamente as seguintes medidas disciplinares, quando autorizadas por Lei, e
Regulamentos do Governo, a saber: Advertência, reprehenção, multa até duzentos mil
reis, interdicto geral ou local, e expulsão da Ordem, ou da classe dos solicitadores,
precedendo nos dous ultimos casos, e no de multa por mais de cincoenta mil reis,
audiencia dos denunciados ou arguidos, e deliberação do Instituto em Sessão para esse
fim convocada; e havendo recurso suspensivo para a Relação.
598
O Deputado Henriques (Antonio José Henriques),
599
manifestou-se criticamente
sobre esta posição entendendo que privilegiava a pena de multa que mais funcionava como
retribuição em pagamento do que como resgate ético do profissional, sendo necessário
reverter este quadro. Para ele
A multa deixou de constituir pena autônoma, passando a ser aplicada sempre
conjuntamente com outra, a fim de evitar que as transgressões disciplinares possam ser
resgatadas com dinheiro, critério definitivamente burguês, incompatível com o fundo
ético e a teologia da disciplina corporativa.
600
Na oportunidade, o Senador Dantas (Antonio Luiz Dantas de Barros Leite),
601
referindo-se ao dispositivo
602
que tratava das medidas disciplinares, afirma criticamente:
598
Interessantemente, todavia, como se verifica, em caso de recurso, o punido busca o órgão de 2ª Instância
judiciária imperial as Relações, ao fim do Império em número de sete.
599
Ver BASTOS, Aurélio Wander. In: História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e
resistências. Org. Herman de Assis Baeta. ed. cit. Cap. II, item 2.3.1, “As Reações Parlamentares ao Projeto
Montezuma”.
600
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 9 de agosto de 1956, p. 587.
601
Anaes do Parlamento Brasileiro. Anaes do Senado do Império. Sessão de 5 de julho de 1851. Presidência
de Candido José de Araújo Vianna. Ver depoimento completo, pp. 66 a 80. Ver, também. B
ASTOS, Aurélio
Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e resistências, op. cit., p. 69.
602
§ 5º do art. 9º do Projeto citado anteriormente. Cfr. Vol. II desta obra, op. cit.
373
(...) Esta disposição foi tirada da lei do Instituto dos Advogados de França, mas lá vem
acompanhada de declarações indispensáveis. Como está aqui é perigosa; os advogados
entendem que ficam com um juízo privativo para os seus crimes, entendem que em vista
deste artigo nenhum tribunal, nenhum juízo lhes pode impor penas. A lei do instituto
[Ordem] dos advogados de França [de Paris] dá estas mesmas atribuições aos
conselhos quanto às penas, mas tem um artigo que diz: ‘Estas penas disciplinares não
prejudicam qualquer pena que em virtude das leis se possa impor ao advogado que
ultrajar as partes, que atacar o governo representativo, que injuriar o juiz, etc’, porque
os advogados entenderam que em virtude da anterior disposição não havia tribunal
algum que lhes pudesse impor penas.
603
Já no Projeto seguinte (1866) do Ministro da Justiça (Thomaz) Nabuco de
Araújo, o dispositivo reclamado pelo Senador está presente, permanecendo nos projetos
seguintes formulados pelo IAB, assim como no Regulamento de 1931/33 e no Projeto nº
1751/56 e no futuro Estatuto de 1963.
604
Nestes projetos seguintes, os dispositivos sobre a
penalização de conduta dos advogados foi gradativamente explicitando as práticas
disciplinares passíveis de punição pela OAB, assim como, a respectiva pena. No
Regulamento de 1931/33 é dedicado um Capítulo
605
inteiro com 29 artigos (do art. 28 ao
art. 56) e os seus respectivos parágrafos às condutas puníveis e respectivas penas.
Genericamente o Regulamento de 1931/33 dispõe no seu art. 28 que:
O poder de punir disciplinarmente os advogados, provisionados e solicitadores,
compete exclusivamente ao Conselho da Secção, em que estiverem inscritos no tempo do
fáto punível, ou em que ocorreu, nos termos do art. 20, § 3º e ainda, no Art. 29, A
jurisdição disciplinar, estabelecida neste regulamento, não derroga a jurisdição comum
quando o fáto constitua crime punido em lei.
No que se refere à questão mais candente, ou seja, a relação disciplinar entre
juízes e advogados, o art. 30 dispunha que:
Os juízes e tribunais exercerão a policia das audiencias e correção de excessos
verificados em escrito nos autos. § 1º Pelas faltas disciplinares cometidas em audiencia
603
Anais do Senado do Império, p. 66-80. Sessão de 5 de junho de 1851: Presidencia do sr. Cândido José de
Araujo Vianna. Sumario: Segunda discussão do projeto creando institutos da Ordem dos Advogados.
Discursos dos srs. Limpo de Abreu, D. Manoel Maya, Lopes Gama, Cavalcanti de Lacerda, e Dantas.
604
O Estatuto de 1963 procurou explícitar esta relação entre a falta disciplinar profissional e o crime
dispondo: Art. 3º São atribuições do conselho: (...) § 12. A jurisdicção disciplinar que esta lei estabelece não
deroga [sic] a jusrisdicção commum quando os factos por sua natureza constituem crimes previstos pelo
codigo criminal.
605
Capítulo VI: Das Penalidades e sua Aplicação.
374
os juízes e tribunais poderão sómente aplicar as penas disciplinares de advertencia e
exclusão do recinto. § 2º Se as faltas em audiencia forem graves, deverá o juiz ou
tribunal, competente; levá-las ao conhecimento do Conselho da Ordem, que procederá’
nos termos dêste regulamento.
Assim, ainda, conforme, o Art. 31:
Os juízes devem representar a qualquer orgão da Ordem, competente para conhecer do
caso, dêsde que tenham conhecimento do fáto, que colida ou atinja dispositivo dêste
regulamento.
E, ainda dispõe o Art. 32:
O Conselho da Ordem poderá deliberar sobre falta grave cometida em audiência, ainda
quando as autoridades judiciárias respectivas, ou os interessados, não representem ao
Conselho, e independente das penalidades impostas em juízo.
Por outro lado, ainda se lê
Art. 33, § 2º do: A deliberação do Conselho precederá, sempre, audiência do acusado,
notificado para, dentro de cinco dias, apresentar defesa, que poderá ser sustentada
oralmente por ocasião do julgamento. O prazo para defesa poderá ser prorrogado por
motivo relevante, a juízo do presidente do Conselho.
Sobre a mesma matéria veja-se, ainda, o
Art. 34: Da decisão condenatória, assim como da absolutoria no caso de queixa, ou
representação, caberá ao interessado, e ao autor da representação, o recurso de
embargos, para o próprio Conselho, dentro de 10 dias após a ciência da decisão.
No conjunto geral ao Regulamento de 1931/33 as penas poderiam ser de
advertência e censura aplicadas, sem publicidade, verbalmente, ou por oficio do presidente
da Secção da Ordem, e em caso de nova falta, aplicar-se-á a pena de censura, quando com
a advertência se haja punido a primeira falta. No caso da terceira falta, infligir se á a pena
de multa, e, finalmente, a de suspensão. Neste sentido, genericamente, as penas comináveis
a condutas irregulares de advogados eram as penas de advertência, censura, multa e
suspensão, por prazo determinado ou indeterminado, dependendo da gravidade da falta,
admitindo-se, inclusive, nos casos de retenção prolongada dos autos depois da suspensão a
375
instauração pelo juiz da ação criminal (sendo que) da sentença condenatória, se houver,
enviará ao presidente da seção da Ordem, que, por sua vez, deverá agir como de direito.
O Regulamento de 1931/33 admite, também, no art. 39:
A pena de cancelamento será imposta aos que, provadamente houverem perdido, ou não
tiverem algum dos requisitos dos arts. 13 e 14, para fazer parte da Ordem, inclusive aos
que forem convencidos, perante a Ordem, ou em Juízo, de incontinência pública e
escandalosa, ou de embriagues habitual, e aos que, por faltas graves, já tenham sido
três vezes condenados definitivamente, ainda que em seções diversas á pena de
suspensão.
Finalmente, no art. 44 está disposto que:
Todas as penas impostas a membros da Ordem serão anotadas na respectiva carteira de
identidade, assim como no art. 45. Em caso de suspensão, ou de cancelamento, o
membro da Ordem restituirá á secretaria a sua carteira de identidade, sob pena de
responsabilidade civil e criminal. O Regulamento reconhece no art. 50 que das decisões
do Conselho (caberá recurso que) serão recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo,
exceto o de revisão do processo, que não terá efeito suspensivo.
No que se refere especificamente ao uso irregular do titulo de advogado a forma
possível de se inviabilizá-lo na forma do Regulamento de 1933 foi:
Art. 53: Incorrerá nas penas do art. 379 [359] do Código Penal,
606
quem, sem o ser,
usar do titulo de advogado, de provisionado ou de solicitador, em anúncios na
imprensa, ou em avulso, em palavras ou dísticos no escritório, na residência, ou em
qualquer outro local ou por qualquer outra forma; ou de, vestes, sinais ou símbolos,
instituídos para os advogados legalmente habilitados; ou sem o poder, nos termos deste
regulamento, da carteira de identidade a que se refere o artigo 20.
606
O Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal, ainda vigente). Desobediência a decisão
judicial sobre perda ou suspensão de direito. Art. 359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou
múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou
multa.
376
2.2.5.2. Novo Estatuto, Nova Política Disciplinar
Apesar do significativo avanço na penalização de condutas irregulares do
Estatuto de 1931/33 ele não foi suficientemente incisivo na tipificação das condutas ou
práticas antidisciplinares, que efetivamente demonstrassem maior autonomia em relação
aos tribunais. O Anteprojeto de 1956 procurou ser mais incisivo, definindo uma verdadeira
política disciplinar. O presidente da OAB, que presidira a Primeira Conferência de 1958,
Nehemias Gueiros, assim opinou sobre a questão no Anteprojeto de 1956 que, na Câmara,
como já se observou veio a ser o Projeto nº 1751/56. (...). Foi aumentado o elenco das
infrações disciplinares, considerando-se como faltas puníveis várias práticas que antes
escapavam à disciplina corporativa.
Nehemias Gueiros, desta forma, na sua linha argumentativa, enumera ainda
novos trinta itens daquilo que o Anteprojeto propunha como infração disciplinar:
1) transgredir preceito do Código de ética Profissional; 2) exercer a profissão quando
impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos ou
impedidos; 3) manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos
na lei; 4) valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a
receber; 5) angariar ou captar causa, com ou sem a intervenção de terceiros; 6) assinar
qualquer escrito destinado a processo judicial ou para efeito extrajudicial, que não
tenha feito (...), ou em que não tenha colaborado; 7) advogar contra literal disposição
da lei, presumida a boa-fé e o direito de faze-lo com fundamento na
inconstitucionalidade, na justiça da lei, ou em pronunciamento judicial anterior; 8)
violar sigilo profissional; 9) prestar concurso a clientes ou terceiros para a realização
de ato contrário à lei ou destinado a frauda-la; 10) solicitar ou receber do constituinte
qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta; 11) receber provento da
parte contrária ou de terceiro, relacionado com o objeto do mandato, sem expressa
autorização do constituinte; 12) aceitar honorários, quando funcionar por nomeação da
Assistência Judiciária, da Ordem ou do Juízo, salvo nos casos enumerados na Lei; 13)
estabelecer entendimento com a parte adversa, sem autorização do cliente, ou ciência
ao advogado contrário; 14) locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da
parte adversa, por si ou por interposta pessoa; 15) prejudicar, por culpa grave,
interesse confiado ao seu patrocínio; 16) acarretar, conscientemente, por ato próprio, a
anulação ou a nulidade do processo em que funcione; 17) fazer requerimento temerário
de férias; 18) abandonar a causa sem motivo justo, ou antes de decorridos dez dias da
intimação ao mandante para constituir novo advogado, salvo se antes desse prazo for
junta aos autos nova procuração; 19) recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência
gratuita aos necessitados no sentido da lei, quando nomeado pela Assistência
Judiciária, pela Ordem, ou pelo Juízo; 20) recusar-se, injustamente, a prestar contas
aos clientes de quantias recebidas dele, ou de terceiros por conta dele; 21) reter,
abusivamente ou extraviar, autos recebidos com vista ou em confiança; 22) fazer
publicar na imprensa as causas pendentes; 23) revelar negociação confidencial para
acordo ou transação, entabulado com a parte contrária ou seu advogado, quando tenha
377
sido encaminhada com observância dos preceitos do Código de Ética Profissional; 24)
deturpar o teor de dispositivo da lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de
depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, tentando confundir o
adversário ou iludir o Juiz da causa; 25) fazer imputação a terceiro de fato definido
como crime, em nome do constituinte sem autorização escrita deste; 26) praticar, no
exercício da atividade profissional, qualquer ação ou omissão definida como crime ou
contravenção; 27) não cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada de órgão
ou autoridade da Ordem, em matéria de competência desta, depois de regularmente
notificado; 28) deixar de pagar à Ordem, pontualmente, as contribuições a que está
obrigado; 29) praticar o estagiário ou o provisionado, ato excedente da sua
habilitação; 30) faltar a qualquer dever profissional imposto na lei (artigo 109).
607
E continua no que se refere as penalidades, sem que muito se estenda em
relação ao Regulamento em processo de revogação: O Anteprojeto sistematizou a aplicação
das penalidades (arts. 110 a 122), consistentes em 1) advertência; 2) censura; 3) multas;
4) exclusão do recinto; 5) suspensão do exercício da profissão; 6) eliminação dos quadros
da Ordem.
Como se pode observar os debates e pareceres sobre o Projeto nº 1751 na
Câmara dos Deputados sobre o Anteprojeto discutido na OAB, quando relator o presidente
Nehemias Gueiros, demonstram, exatamente, o processo evolutivo da profissão que não
cessou até recentemente. Assim, a questão das práticas disciplinares das penalidades e suas
conseqüentes aplicações sofreu uma visível evolução no tempo histórico, indicando,
exatamente, que para a perfeita autonomia profissional era imprescindível um Estatuto que
organizasse a profissão para o seu pleno exercício nas condições éticas que lhe permitissem
defender da abusividade de seus próprios associados que lidam com a liberadade, a
propriedade e a honra de seus clientes como interesse privado, mas em dimensão pública,
junto ao poder público, especialmente ao Judiciário, muitas vezes sigilosos. Este especial
papel dá ao advogado uma especial posição na sociedade, principalmente, na intermediação
entre os interesses sociais e o Estado, o que lhe coloca em posição altamente suscetível que
exige, por um lado, a atenção disciplinar corporativa, em defesa da profissão, mas, por
outro lado, lhe resguarda prerrogativas especiais de defesa na eventual abusividade do
poder.
Finalmente, embora aparentemente de alcance reduzido, são as normas
disciplinares que não apenas resguardam os advogados frente aos poderes, especialmente,
ao Judiciário, mas são também elas que subtraíram dos tribunais o poder de usar recursos
607
Anais da Câmara dos Deputados. 119º Sessão em 22 de agosto de 1956 (Exposição de Motivos da Ordem
dos Advogados do Brasil – Conselho Federal), v. 25, p. 579 a 593.
378
disciplinares contra representantes de partes que divergem sobre interesses que o juiz, como
funcionário do estado decide. As normas disciplinares, neste sentido, ampliaram o poder
dos advogados sobre eles mesmos e, ao mesmo tempo, dos últimos flancos patrimoniais do
Poder Judiciário, que como poder, ainda, resguarda até recentemente, sem os efeitos e
conseqüências do passado, vícios patrimoniais.
2.2.6. A Assistência Judiciária e a Advocacia no Brasil
Historicamente, a questão da Assistência Judiciária prestada pelos advogados e
que foi um marco importantíssimo na evolução da profissão no Brasil, principalmente
porque ela evoluiu como atividade corporativa apesar das resistências corporativas.
608
A
Assistência Judiciária sempre fora um dos objetivos estatutários do Instituto dos
Advogados Brasileiros – IAB. O seu Estatuto de 30 de junho de 1883, quando enumerava,
como um dos objetivos do Instituto inc. II, do §1º do art. 1º acrescera: A defesa dos réus
desvalidos.
609
Com a transformação do IAB em IOAB (Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros), no Regulamento de 27 de fevereiro de 1888, a matéria foi classificada como
um dos seus próprios objetivos: A assistência judiciária.
610
Lamentavelmente, todavia,
apesar desta importante reforma da antevéspera republicana, ela eliminou dos objetivos
estatutários do IAB (de 1843) o objetivo de criar a OAB.
O Instituto assumira, assim, estatutariamente, o papel de assistir judicialmente
os pobres, antes mesmo do Decreto nº 2.457, de 8 de fevereiro de 1897, que tinha a
seguinte ementa: Organisar a Assistência Judiciária no Districto Federal. Este Decreto,
editado no alvorecer da República, todavia, não encontrou no IOAB imediato apoio, ao
608
A assistência judiciária foi um tema amplamente discutido na Constituição de 1946 com visíveis
concordâncias dos parlamentares que propuseram significativos dispositivos que compôs o texto estatutário.
609
Revista do Instituto dos Advogados Brazileiros. Contendo: Doutrina – Legislação – Jurisprudência – Actas
das Conferencias do Instituto sob a Redação da Respectiva Commissão. Rio de Janeiro: Typographia União,
1884, p. 231-244. Rio de Janeiro, 30 de junho de 1883. Presidente: Saldanha Marinho e Secretário Dr. Silva
Costa.
610
Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brazileiros, tomo XII, 1888, p. 264 a 275.
379
contrário, mais ficavam visíveis as resistências, mesmo porque o IOAB passava a
colaborador da política de Estado. Assim dispunha o
Art. 4º A Assistência Judiciária aos pobres consistirá na prestação de todos os serviços
necessários para a defesa de seus direitos em Juizo, independentemente de sellos, taxa
judiciaria, custas e despezas de qualquer natureza, inclusive a caução ‘judicatum solvi
(...) Art. 5º A Assistência Judiciária se exercida por uma commissão central e varias
commissões seccionaes. (...) Art. 7º Cada uma das commissões de que trata o artigo
antecedente se comporá de tres membros, dos quaes um servirá de presidente. § 1º Pelo
Ministro da Justiça será livremente nomeado o presidente da commissão central; os
outros dous membros dessa commissão serão eleitos pelo Instituto da Ordem dos
Advogados Brazileiros.
611
O substitutivo ao Anteprojeto de criação da OAB do Barão de Loreto (1904),
ou seja, o Substitutivo Aurelino Leal (1914), que não chegou a ir para o Congresso,
propunha em seu art. 30, demonstrando o potencial evolutivo da questão:
Art. 30. A legislação vigente sobre a Assistência Judiciária, que será prestada também
perante a justiça federal, passará toda para a Ordem dos Advogados, incumbindo á
respectiva Assembléa Geral eleger, ao mesmo tempo os seus funccionarios, aquelles a
que se referem os arts. 5 e 7 do decreto n. 2.457, de 8 de fevereiro de 1897.
Entretanto, ainda que tal atribuição viesse a estar no Estatuto do Instituto dos
Advogados Brasileiros em 1883, o Decreto francês de 1810, no qual se inspirou
Montezuma para redigir, junto com os seus, o Primeiro Projeto de Criação da Ordem,
apresentado ao Senado em 1850 (1851), que não obteve sucesso, todavia, tinha
explicitamente o referido dispositivo:
[Art.] 24. O conselho de disciplina fará o necessário para a defesa dos pobres, pelo
estabelecimento de um escritório de consultoria gratuita, que se formará uma vez por
semana. As causas que esse escritório acreditará justas, serão por ele enviadas, com o
seu parecer, ao conselho de disciplina, que as distribuirá aos advogados, por turno de
função.Queremos que o escritório tenha a maior atenção a essas consultorias, afim de
que elas não se tornem um assunto vergonhoso que impeça seu reembolso das despesas
da instância. Os jovens advogados admitidos no estágio deverão comparecer
pontualmente as assembléias do escritório de consultoria. Encarregamos expressamente
nossos procuradores de velar especialmente pela execução deste artigo, e indique, ele
mesmo, as junções necessárias àqueles advogados que devotadamente participem das
assembléias do escritório, em observação, entretanto, que se poderá manter os
advogados em torno da questão.
612
611
Revista LEX, Actos do Poder Executivo, Decreto nº. 2.457, de 8 de fevereiro de 1897, p. 84 a 90.
612
Bulletin des Lois, nº 332. Décret Impérial contenant Réglemente sur l’exercice de la Profession d’Avocat,
et la discipline du Barreau (nº 6177). Au palais des Tuileries, le 14 Décembre 1810, p. 569 a 577. BASTOS,
380
Esta inspiração histórica demonstra, por conseguinte, que a prestação da
Assistência Judiciária era uma função ínsita da OAB, como aliás demonstra o Anteprojeto
de 1914 em seu art. 30. Aurelino Leal, justificando o dispositivo, afirma:
Não existindo a Ordem essa interferência do poder publico se comprehende bem. Mas
regulamentada a profissão e instituída a Ordem brasileira, é justissimo que seja ella,
obedecendo á magistratura, a encarregada normal de um serviço que faz honra á
solidariedade social, como a de defender os direitos dos pobres.
613
Esse entendimento foi irrestritamente aceito pelo Instituto, como podemos
constatar nos Regulamentos da OAB de 1931/33 que assim dispõe sobre a matéria:
Art. 91. A Assistência Judiciária no Distrito Federal, nos Estados e no
Território do Acre, fica sob a jurisdição exclusiva da Ordem. Parágrafo único. A
Assistência Judiciária será prestada também perante ás justiças federal e militar e os
estrangeiros, independente de reciprocidade internacional. Art. 92. Salvo a designação do
presidente e demais membros da comissão diretora, que serão eleitos (na forma do art. 76,
n. 9), competirão ao presidente do Conselho todas as atribuições conferidas pela legislação
anterior ao ministro da Justiça e Negócios Interiores ou a autoridades estaduais. Parágrafo
único. Os membros da comissão diretora elegerão entre si o respectivo presidente. Art. 93.
Nos Estados e no Território do Acre, a Assistência Judiciária se regulará pelas leis e
dispositivos em vigor, ou que venham a ser expedidos, observadas as leis aplicáveis, ás
convenções internacionais e ás disposições deste regulamento.
No que se refere à estrutura da Assistência Judiciária, o Regulamento de
1931/33, absorveu, para a OAB as anteriores competências do Ministro da Justiça e
Negócios Internos, assim como dispunha, no art. 76, em seu item 9, que, ao Conselho da
Ordem competia: eleger a Comissão diretora da Assistência Judiciária, procurando,
anteriormente, explicitar, na forma do art. 74, que: Os cargos do Conselho são
Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: luta pela criação e resistências. ed. cit., p. 65 e
66.
613
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Parecer da Commissão de Justiça e Legislação sobre o
Projecto de Creação da Ordem dos Advogados. Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues
& C., 1914, p. 13 a 16.
381
incompatíveis com os da Comissão Diretora da Assistência Judiciária. Definitivamente se
estabelecia, como competência exclusiva da OAB, a prestação deste relevante serviço
social, assim como, a defesa de direitos de despossuídos ou desvalidos.
Esta posição adotada pelo Regulamento de 1931/33 é compreensível, dados os
compromissos dos governantes com a garantia dos direitos sociais, ficando, assim, como
ônus corporativo. Tudo indica, todavia, que estas discussões não obtiveram sucesso mais
intenso, em primeiro lugar, porque faltava estrutura e um corpo de advogados para a
prestação destes serviços e, em segundo lugar, à medida que a ordem distanciava-se da
hierarquia estatal, também, distanciou-se das obrigações que o tempo aproximou do Estado.
O Anteprojeto originário da OAB de 1956, amplamente avaliado, na Câmara
dos Deputados, também dispusera sobre a Assistência Judiciária, alterando, no entanto, a
exclusividade na prestação destes serviços pela OAB, mas definindo que, a ela, caberia,
indicar o advogado, que haverá de prestar a assistência judiciária, nos estados onde não
houver o serviço destinado à defesa judicial dos necessitados, na forma da lei e das
convenções internacionais, dispondo ainda que o serviço é irrecusável pelo advogado
indicado para a Assistência Judiciária pela Ordem ou pelo Juiz, devendo patrocinar a causa
gratuitamente.
O texto do Projeto nº 1751/56, contudo, sugere significativas modificações em
relação ao Regulamento. Em parte pelo detalhamento e organicidade que o caracteriza,
como anunciou Nehemias Gueiros. Desta forma, enquanto o Regulamento, em Capítulo
específico, contém o tema assistência judiciária em três artigos e dois parágrafos, o Projeto,
também em Capítulo específico, desdobra-o em seis artigos como seus respectivos
parágrafos e incisos. Contudo, a diferença é ainda mais significativa. Enquanto o
Regulamento abre o assunto definindo que a assistência judiciária era assunto exclusivo da
OAB, como está no art. 91, o Projeto nº 1751/56 abre o Capítulo dispondo no: Art. 94. A
assistência judiciária, destinada à defesa judicial dos necessitados no sentido da lei,
regular-se-á, por legislação especial, observadas as disposições desta lei e as convenções
internacionais.
O Projeto, no entanto, no art. 95 (com redação que trata do mesmo assunto do
art. 91 do Regulamento de 1931/33) parece alterar significativamente o disposto pelo
Regulamento e desabonar a antiga justificativa do Conselheiro Aurelino Leal, que entendia
382
que a Assistência Judiciária deveria ser própria da OAB, encarregada normal dos serviços
de solidariedade social e defesa do direito dos pobres. O art. 95 dispunha: No Estado onde
houver serviço de Assistência Judiciária mantida pelo Governo caberá à Seção ou
Subseção da Ordem a nomeação de advogados para o necessitado, depois de deferido o
pedido em juízo, mediante a comprovação do estado de necessidade.
614
De qualquer forma, o Anteprojeto, como as próprias discussões na Câmara
privilegiaram a questão corporativa recuperando-se a discussão sobre a assistência
judiciária gratuita como uma questão recorrente na advocacia desde os primeiros projetos
e regulamentos: atender demandas de carentes e oprimidos, o que não impedira, é claro,
posições futuras sobre estas questões. Por isto, não há como desconhecer que, se no
passado, a assistência judiciária gratuita era um propósito ostensivo de ação do IOAB
para a ação dos advogados não se firmou efetivamente, como se definiram os
compromissos pela defesa do Estado de Direito e pela proteção dos direitos individuais.
O Vice-Presidente da seccional da OAB de São Paulo, à época, através de seus
artigos,
615
Rui de Azevedo Sodré, procurou trazer esta questão para o âmbito dos
honorários dos advogados e influenciou diretamente a Comissão do Senado, nesta matéria,
com o seguinte argumento: Uma tabela de honorários, organizada pelos Conselhos
Seccionais, seria, no entanto, aconselhável na hipótese de remuneração de serviço aos
advogados nomeados para a defesa de réus pobres, em processos criminais.
616
O Relator no Senado cita, literalmente, o texto do Conselheiro e Vice-
Presidente da OAB de São Paulo, que afirma:
‘Há comarcas,’ – depõe com a sua autoridade e experiência o dr. Rui de Azevedo Sodré
– ‘em que o número de advogados é reduzido e os juízes se vêem constrangidos a
614
O artigo deixa também entender que o Regulamento de 1931/33 e seu art. 91, não foram levados a termo e
que a Assistência Judiciária, estava tal qual ou semelhante ao determinado pelo Decreto nº 2.457, de 8 de
fevereiro de 1897. Esta redação, que era a do Anteprojeto Nehemias Gueiros é a mesma do Projeto nº 1751/56
e manteve-se no que veio a ser o novo Estatuto da OAB.
615
Assim disporá o novo Estatuto de 1963 no art. 90: A assistência judiciária, destinada à defesa judicial dos
necessitados no sentido da lei, regular-se-á, por legislação especial, observadas as disposições desta lei e a
convenções internacionais. E, também, assim no art. 91 No Estado onde houver serviço de Assistência
Judiciária mantido pelo Govêrno caberá à Seção ou Subseção da Ordem a nomeação de advogados para o
necessitado, depois de deferido o pedido em juízo, mediante a comprovação do estado de necessidade.
Complementado pelo 93: Será, preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar, com
declaração escrita de que aceita o encargo.
616
Ibid., p. 18.
383
nomear seguidamente os mesmos advogados, certos de que estão prejudicando
profundamente a vida profissional de inúmeros colegas.
O Relator Aloysio de Carvalho corroborando, também, argumenta:
...tais serviços não podem continuar a título gratuito, tantas vezes sobrecarregando,
injustamente, no interior do país profissionais que tiram da advocacia a sua
subsistência individual; que sobre alguém – União, Estado, Município, sejam quem for
– deve recair o ônus dessa remuneração modesta embora, são deduções que se vão
tornando pacíficas.
Em cima de tais argumentos propõe dispositivo que estipule a remuneração
pelos serviços de Assistência Judiciária. Assim foi redigido o artigo proposto:
Art. (...) O advogado, quando indicado para defender réu pobre, em processo criminal,
terá os honorários fixados pelo juiz, no ato de sua nomeação, segundo tabela
organizada, bienalmente, pelos Conselhos Seccionais, e pagos pela forma que as leis de
organização judiciária estabelecerem.
617
O dispositivo foi aceito e entrou no texto do art. 30 do Projeto. Esta matéria,
finalmente, tomou a forma do Capítulo VII (Da Seção e do Conselho Secional), no novo
Estatuto no que se refere à Assistência Judiciária, transcrevemos os arts. 30 e 31 e 90/95
que tratam especificamente da Assistência Judiciária na Lei nº 4.215/1963:
A Lei nº 4.215/1963,
618
de qualquer forma, embora com resistências
localizadas, aprovou o Estatuto com os dispositivos sobre assistência judiciária, adaptando,
apenas, as antigas tendências regimentais. A orientação central geral, todavia, estava nos
seguintes artigos:
Art. 90 A assistência judiciária, destinada à defesa judicial dos necessitados no sentido
da lei, regular-se-á, por legislação especial, observadas as disposições desta lei e a
convenções internacionais. Art. 91: No Estado onde houver serviço de Assistência
Judiciária mantido pelo Govêrno caberá à Seção ou Subseção da Ordem a nomeação de
advogados para o necessitado, depois de deferido o pedido em juízo, mediante a
comprovação do estado de necessidade. Art. 92: O advogado indicado pelo serviço de
617
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 4 de setembro de 1962, pp. 405 a 441, vol. XIX, p. 435.
618
A Lei foi primeiramente publicada com vários erros de naturezas diversas, desde ortográfica a equívocos
de remissão, mas a Comissão do Anteprojeto, agora denominada “Comissão de Implementação do Estatuto”,
tomou a tarefa de fazer as retificações necessárias e assim o fez (cfr. G
UEIROS, Nehemias. A Advocacia e o
seu estatuto. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964).
384
Assistência Judiciária, pela Ordem, ou pelo Juiz, será obrigado, salvo justo motivo, a
patrocinar gratuitamente a causa do necessitado até final, sob pena de censura e multa,
nos têrmo desta lei (art. 103, inciso XVIII, 107 e 108). Parágrafo único. São justos
motivos para a recusa, do patrocínio: a) ser advogado constituído pela parte contrária
ou pessoa a ela ligada, ou ter com estas relações profissionais de interêsse atual; b)
haver dado à parte contrária parecer verbal ou escrito sôbre o objeto da demanda; c)
ter opinião contrária ao direito que o necessitado pretende pleitear declarada por
escrito; d) ter de ausentar-se para atender a mandato anteriormente outorgado ou para
defender interêsses próprios inadiáveis. Art. 93. Será preferido para a defesa da causa o
advogado que o interessado indicar, com declaração escrita de que aceita o encargo.
Art. 94. A gratuidade da prestação de serviço ao necessitado não obsta ao advogado a
percepção de honorários quando: I – fôr a parte vencida condenada a. pagá-los; II –
ocorrer o enriquecimento ou a recuperação patrimonial da parte vencedora; III –
sobrevier a cessação do estado de necessidade do beneficiário. Art. 95. Os estagiários
auxiliarão os advogados nomeados para a assistência judiciária, nas tarefas para as
quais forem designados. Art. 96 (inc. I) Quando o advogado for nomeado pela
Assistência Judiciária, pela Ordem ou pelo Juiz, salvo no caso do art. 94 (citado) não
estão assegurados os honorários.
Finalmente, complementando, dispõe o art. 91, alterando razoavelmente o
Projeto:
O advogado, quando indicado para defender o réu pobre, em processo criminal, terá, os
honorários fixados pelo Juiz, no ato de sua nomeação segundo tabela organizada
bienalmente, pelo Conselho Seccionais, e pagos pela forma a que as leis de organização
judiciária estabelecerem.
Como se verifica, a posição adotada pelo Estatuto de 1963, fugiu da
obrigatoriedade dos anos iniciais da OAB e evoluiu em dois sentidos: primeiro
predefinindo que a defesa judicial dos necessitados regular-se-ia por legislação especial e,
em segundo lugar, definiu que as seccionais da ordem é que designariam o advogado
responsável pela causa, comprovado o estado de necessidade do requerente e deferido o
pedido pelo juiz. Na verdade, aparentemente, esta é uma simples questão de assistência
judiciária, mas, no fundo, é uma das questões essenciais da advocacia, considerando,
principalmente, a fragilidade econômica dos necessitados e as modernas discussões sobre o
acesso ao Judiciário na expectativa de justiça.
Os estudos sobre tal questão têm-se ampliado significativamente,
principalmente, diante do avassalador contingente de pessoas necessitadas que procuram o
Judiciário e dos organismos de atendimento jurídico gratuito. Todavia, as dificuldades para
se compatibilizar o formalismo das demandas e do processo decisório e a efetividade das
385
decisões são muito difíceis; difíceis para os que têm recursos e quase inverossímil para
aqueles que precisam deste especial tipo de assistência judiciária.
619
Finalmente, assume a Lei claramente que o objetivo da Assistência Judiciária é
a organização destes serviços pelo Estado, embora caiba à OAB, seccional ou subseccional,
indicar o advogado para a prestação do serviço. Assim como, independentemente da
política fixada nos dispositivos anteriores, tornou-se muito importante para o ensino
jurídico, principalmente, o ensino prático, a inteligente medida que incorporou os
estagiários nas atividades de prestação de Assistência Judiciária, especialmente permitindo
implementar os escritórios de estágio nas universidades como unidades de apoio jurídico a
carentes, necessitados e desvalidos.
3 O Projeto de Estatuto da OAB no Senado Federal
3.1. Tramitação Preliminar no Senado
O texto do Projeto aprovado na Câmara dos Deputados foi encaminhado ao
Senado Federal onde se transformou no Projeto de Lei nº 126, de 1961, tendo sido
designado seu relator na Comissão de Constituição e Justiça o Senador Aloysio de
Carvalho. O Parecer nº 287, de 1962, do Relator no Senado Federal, apresentou várias
emendas, que, essencialmente, consideraram artigos publicados pelo Vice-Presidente da
OAB de São Paulo, Rui de Azevedo Sodré, que, na Revista da OAB/São Paulo, analisando,
(ainda), o Projeto nº 1751/56
620
da Câmara. A este Parecer de Aloysio de Carvalho sucedeu
o Parecer nº 344, de 1962, tendo como Relator (do Plenário) o Senador Afrânio Lages,
621
619
BASTOS, Aurélio Wander. Legalidade e Efetividade, paradoxos da decisão judicial. Magister. Porto
Alegre: n. 2.
620
SODRÉ, Rui de Azevedo. A tramitação legislativa do Estatuto da Ordem dos Advogados. Revista
OAB/São Paulo, n. 2, janeiro de 1962.
621
Estas emendas apresentadas pelo Senador ao projeto, que, na verdade, eram recuperação de debates ainda
realizados no período imperial ou da velha república.
386
que fez várias emendas apresentadas por Senadores em Plenário. Muitas destas emendas
eram, na verdade, releituras do primeiro Relatório, ou recuperação dos velhos debates (no
Parlamento Imperial e no Congresso da República) de força exclusivamente residual para
os novos debates.
Todavia, para maior alcance deste Capítulo, ressaltaremos algumas das emendas
apresentadas pelo Senador Aloysio de Carvalho, bem como algumas outras do Senador
Afrânio Lages que ele próprio entendeu dispensáveis de maiores comentários. Para ficar no
contexto da obra, adotamos, das emendas, como critério seletivo às discussões sobre o
ideário corporativo como força divergente do Estado patrimonial e a sua relevância, para a
advocacia (à época em que foram elaborados os Pareceres), desprezando, assim de certa
forma, os argumentos recorrentes e repetitivos.
Neste sentido, para uma mais visível compreensão dos interesses centrais do
Senado Federal, concentramos nos subitens seguintes, todos complementares aos debates
na Câmara dos Deputados (1956/61) em pronunciamentos e emendas sobre: Atos
Privativos do Advogado na Administração Púbica, e Incompatibilidades para o Exercício
da Advocacia. Insistimos na releitura destes aspectos, exatamente porque, menos
burocráticos, ou de interesse específico, fortaleciam a orientação dominante sobre a força
do (futuro) Estado na desconstrução do Estado patrimonial, como iniciativa central da
Revolução de 1930 e atos sucessivos e a construção do Estado de Direito, efetivamente
visibilizado com a Constituição de 1946.
Os debates e o relatório final permitiam-nos as seguintes observações
conclusivas e introdutórias aos debates no Senado Federal:
1. Os debates parlamentares institucionalizaram o conceito da Ordem dos
Advogados como corporação profissional, significativamente diferente do conceito das
antigas corporações de ofício, desvinculado, da mesma forma, influência corporativista que
influiu, originariamente, na teoria da representação parlamentar, predominante no Código
Eleitoral de 1932, e na Constituição de 1934.
2. Os debates parlamentares permitiram, também, o fortalecimento da OAB
como serviço público federal, independente dos órgãos de Estado, diferentemente da
orientação de 1931/33, gozando os seus bens, na forma do artigo 31, inciso V, letra “a” da
387
Constituição de 1946 de imunidade tributária e franquia postal e telegráfica, muito embora,
em efeito paradoxal, os funcionários da OAB ficaram sujeitos ao Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis da União e normas complementares.
3. Os debates parlamentares, também, desenvolveram, com maior clareza, a
teoria das incompatibilidades e impedimentos para o exercício da advocacia, práticas
profissionais e funcionais, em alguns casos remanescentes, do velho Estado patrimonialista,
assim como ficou mais visível, e transparente, o seccionamento entre as funções de estado e
as atividades jurídicas privadas.
4. Os debates parlamentares definitivamente contribuíram para subtrair dos
tribunais o poder disciplinar dos juízes sobre os advogados definindo as condutas
anticorporativas e respectivas sanções aplicáveis pela OAB.
5. Os debates parlamentares, neste novo e especial contexto, admitiram,
todavia, a sobrevivência, dos rábulas provisionados e solicitadores, em reconhecido quadro
de extinção, sendo, reconhecidos, este último, como bacharelandos em estágio nos 2 (dois)
últimos anos do Curso de Direito, ficando as suas atividades sob o controle da OAB,
subtraindo dos tribunais esta prática, ainda recorrente, do patrimonialismo estatista.
6. Os debates parlamentares, por razões semelhantes, permitiram a criação
do quadro de estagiários da OAB, assim como a prefixação dos Exames de Ordem para
ingresso na profissão, excetuados os professores de estabelecimentos oficiais, membros da
Magistratura e do Ministério Público, como única e exclusiva forma de ingressar na
advocacia.
7. Os debates na Câmara abriram significativamente o leque de direitos e
deveres dos advogados, especialmente no que se refere à sua movimentação burocrática nos
cartórios, gabinete dos juízes e tribunais.
Neste sentido, o relatório de Milton Campos chegou ao Senado Federal bastante
amadurecido nos seus essenciais propósitos, mesmo porque, genericamente, todas as
questões centrais foram tratadas à luz dos projetos históricos que guardavam, também, a
influência liberal passada que, após 1937, comprometeu o projeto da OAB com a defesa do
Estado de Direito e a defesa dos direitos individuais, e, em linha de maior alcance
ideológico, com o projeto econômico da livre iniciativa. Efetivamente, os novos
388
compromissos da OAB, que vinham se consolidando com os debates e relatórios sobre o
Projeto de novo estatuto, definitivamente contribuíram para quebrar os vícios
patrimonialistas que remanesciam na estrutura judiciária.
3.2. Atos Privativos do Advogado na Administração Púbica.
A advocacia, na Administração Pública, como ato privativo de advogados, é
uma velha prática da advocacia brasileira, que implantou-se na incipiente estrutura unitária
do Estado imperial centralizado, permeado pelo Poder Moderador e reacomodou-se na
descentralização oligárquica do Estado Republicano, ilustrado pelo bacharelismo (de
estado). Fenômeno quase que reduzido à estrutura altamente centralizada do Estado
imperial de manifestação (quase que exclusiva) na Corte, com o advento Republicano e a
forte influência dos poderes locais proliferou-se por toda a extensão territorial brasileira
com a maior autonomia dos poderes executivos estaduais (e locais). Por outro lado, ao
contrário do que pretendeu a Constituição da República, as velhas relações (tribunais
intermediários) do Império transformaram-se, com o tempo, em Tribunais estaduais,
multiplicando as práticas da Corte em práticas federativas.
622
Os Regulamentos da OAB de 1931/33, apesar de seus significativos esforços,
reconheceram formalmente, em muitos aspectos, não apenas o exercício da advocacia junto
à Administração Pública, como atividade jurídica específica, muito embora não se lhe tenha
reconhecido como atividade exclusiva de advogados (bacharéis), admitindo-as, na ausência
do advogado, que poderiam ser exercidas por rábulas provisionados ou solicitadores,
embora, a partir de 1931, devessem sempre ser inscritos na OAB.
623
Por outro lado, como
622
ARAÚJO, Rosalina Corrêa, op. cit.
623
O art. 22 do Estatuto de 1933 dispunha: Em qualquer juízo, contencioso ou administrativo, civil ou
criminal, salvo quanto o hábeas corpus o exercício da função de advogado, provisionado ou solicitador
somente será permitida aos inscritos no quadro da Ordem e no gozo de todos os direitos decorrentes, de
acordo com este regulamento. Segue o art. 23: É licito, entretanto, as partes defenderem seus direitos, por si
mesmas ou por procurador, mediante licença do juiz competente; I – não havendo, ou não achando presente
advogado (...); II – recusando-se o advogado (...) aceitar o patrocínio da causa (...); III – não sendo o
advogado de confiança da parte (...), etc., etc.
389
se deduz do estudo comparado, por largo período, muitas atividades de estado
sobreviveram, ainda, como atividades que poderiam ser exercidas cumulativamente com a
advocacia, o que mais restringiu-se com a promulgação do Estatuto de 1963, como
veremos.
O Anteprojeto da OAB de 1956, no entanto, para não contrariar a todos os
advogados que se beneficiavam da advocacia na Administração Pública, foi mais radical e
extensivo, procurando defini-los como atos privativos de advogados embora tenha
amplificado as incompatibilidades e impedimentos para advogar. De qualquer forma, o
exercício de atos administrativos privativos dos advogados, admitido em 1931/33 e
reformatado em 1963, não deixa de representar a força recorrente dos práticos.
A matéria não foi, com profundidade, debatida na Câmara dos Deputados, mas,
apesar da posição divergente do relator Deputado Milton Campos, encontrou manifestações
de simpatia no Senado e alguns Senadores inclinaram-se favoravelmente pela sobrevivência
estatutária desta velha prática patrimonialista que, em verdade, nem mesmo o tempo futuro
esvaziou. Todavia, a advocacia administrativa, exercida por advogados (ou servidores) que
ocupavam funções públicas passou a enfrentar dificuldades disciplinares por seus efetivos
excessos profissionais e, mais do que prerrogativas, eram garantias de privilégios
injustificáveis que a legislação funcional criminalizou.
O Senador Aloysio de Carvalho, atos privativos do advogado em seu Parecer,
abriu um título denominado. A Advocacia na Via Administrativa onde discutiu a postura
adotada no Anteprojeto Nehemias Gueiros, que já passara pela Câmara dos Deputados na
forma do Projeto nº 1751/56, e estava no Senado (na forma do Projeto nº 126/61). Dispunha
especificamente o Anteprojeto no
Art. 67. A advocacia compreende, além da representação em qualquer juízo ou tribunal,
mesmo administrativo, o procuratório extra-judicial, assim como os trabalhos jurídicos
de consultoria e assessoria, e as funções de diretoria jurídica. (...) § 4º Os contratos,
atos constitutivos, estatutos e compromissos de sociedade civis e comerciais, e suas
alterações, só serão admitidos a registro e arquivamento no Departamento Nacional da
Indústria e Comércio, Juntas Comerciais e Registros Públicos, quando elaborados e
visados por advogados. § 5º Perante a Administração Pública, o próprio interessado
poderá requerer e defender-se. § 6º Além do próprio interessado, são privativos de
advogado a interposição e o acompanhamento de recursos perante: a) o Presidente da
República, os Ministros de Estado, os Governadores e Secretários dos Estados e
Territórios, e os Prefeitos das Capitais; b) o Conselho de Segurança Nacional; c) o
Tribunal de Contas da União; d) o Departamento Nacional de Indústria e Comércio; e)
o Departamento Nacional de Propriedade Industrial; f) o Serviço do Patrimônio da
390
União; g) o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica; h) o Conselho de Terras
da União; i) o Departamento Nacional da Produção Mineral; j) o Conselho Nacional
do Petróleo; k) os Conselhos de Contribuintes; l) o Conselho Superior de Tarifas; m) o
Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito; n) o Departamento Federal de
Segurança Pública; o) os órgãos similares ou equivalentes aos constantes dos incisos
anteriores, da própria União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e
Municípios
.
624
Esta proposta do Anteprojeto, que fora rejeitada pelo relator Milton Campos na
Câmara dos Deputados, demonstra, que, mesmo entre os liberais, não havia uníssona
sintonia que refletia a diferença de leituras ideológicas do tema. Nehemias Gueiros, no
Anteprojeto, mais ficou, na conexão liberal-conservadora, que, neste caso, estava muito
próximo do ideário corporativista que influenciou os albores da criação da OAB,
625
que,
diferenciava-se da proposta anti-estatista da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
CCJ. Para Milton Campos, não estava no âmbito privado da advocacia o exercício da
advocacia no âmbito do Estado, mas, ficava ela restrita ao âmbito do Poder Judiciário e
relações conexas, deixando transparente o âmbito do espaço profissional.
A Comissão da Câmara dos Deputados chegou a propor a supressão do
parágrafo 4º (supra citado) justificando o Relator Milton Campos que esta supressão
atenderia às reclamações de moradores do interior do País em localidades onde muitas
vezes não tinha advogado. Para o Deputado, o parágrafo tratava de um ato muito simples e,
portanto prescindia de um advogado, além de ser praticado com freqüência e em
localidades, onde, por muitas vezes, não é fácil encontrar advogados, criando obstáculos
para as pessoas simples da região ou, nas palavras do Deputado/Relator: embaraçaria
injustamente as modestas iniciativas e os pequenos negócios que ocorrem no interior.
626
A posição do Senado, seguindo a trilha de Nehemias Gueiros, ficou, todavia,
diferenciada, pois o Senador Aloysio de Carvalho, explicitamente baseado no artigo de Rui
de Azevedo Sodré,
627
embora considerasse os argumentos/justificativas do deputado Milton
624
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 18 de fevereiro de 1960, p. 469 a 502, v. 4, p. 486.
625
Ver encerramento da II Conferência, nesta obra, cap. III, item 4.3.
626
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de novembro de 1958, pp. 631 a 717, vol. XX, p. 713.
627
Parecer nº 284, de 1962 da Comissão de Constituição e Justiça sobre o Projeto de Lei da Câmara nº
126/1961 (nº 1.751-E, de 1956, na Câmara), que dispõe sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
e regula o exercício da profissão de advogado. Relator Senador Aloysio de Carvalho. Senado Federal, Sala
das Comissões, em 1 de junho de 1962.
391
Campos procedentes, propôs o restabelecimento (manutenção) do parágrafo. Para não
divergir, absolutamente, do deputado-relator, reconheceu, ou, melhor, propôs que se
suprimisse, apenas, no texto o § 4º, a palavra alterações, porque, este sim, era um ato
ordinário, que pode prescindir de advogado, assim como a referência a registros públicos.
Com a supressão dessas duas referências, por sugestão do Vice-Presidente da seção paulista
da OAB, Rui de Azevedo Sodré,
628
acreditava o Senador que seriam atendidas as
reivindicações do interior do país e superadas as resistências do relator-deputado Milton
Campos.
629
O Relatório do Senador Afrânio Lages, acolheu as propostas de emendas dos
Senadores no Plenário, referindo-se, no entanto, à duas emendas do Senador Arlindo
Rodrigues, que, em concordância com a CCJ da Câmara, sugere suprimir todo o parágrafo.
Estas emendas, no Senado, por conseguinte, assumiram uma excessiva dimensão
corporativista, que, paradoxalmente, transferiam para o advogado as novas dimensões
modernizadoras do novo Estado brasileiro (que vinha se construindo sobre os escombros do
velho Estado patrimonialista), fonte e origem das dificuldades de relacionamento entre o
liberalismo radical, do Relator na Câmara dos Deputados, e o liberalismo conservador (ou
de um ecletismo corporativista) do Relator no Senado, do Senador Arlindo Rodrigues e de
Rui de Azevedo Sodré. As próprias palavras do Relator no relatório traduzem a posição:
... retirar do profissional a prerrogativa de exercer a advocacia na esfera administrativa
e o procuratório extra-judicial, além de não ressalvar o disposto no art. 791 da
Consolidação das Leis do Trabalho,630 que permite que empregados e empregadores
628
SODRÉ, Rui de Azevedo. A tramitação legislativa do Estatuto da Ordem dos Advogados. Revista
OAB/São Paulo, nº 2, janeiro de 1962.
629
Com a sugerida emenda parcialmente supressiva ficou o § 4º com a seguinte redação: Art. 67 (...). § 4º Os
contratos, atos constitutivos e estatutos das sociedades civis e comerciais só serão admitidos a registro e
arquivamento no Departamento Nacional da Indústria e Comércio ou nas Juntas Comerciais com sede no
Distrito Federal e nas capitais dos Estados quando elaborados e visados por advogados devidamente
inscritos na Ordem dos Advogados. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 17 de janeiro de 1963, pp.
121 a 129, vol. I, 1962/63, p. 128.
630
Ver Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943 (Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho). Art. 791.
Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e
acompanhar as suas reclamações até o final. § 1º Nos dissídios individuais os empregados e empregadores
poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na
Ordem dos Advogados do Brasil. § 2º Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por
advogado.
392
possam reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar suas
reclamações até o final.
631
Vai muito além do relatório oriundo da Câmara dos Deputados, com base no
Relatório anterior do Senador Aloysio de Carvalho, embora, excessivamente corporativista,
como argumento suficiente, o Senador Afrânio Lages, colocando a matéria em votação,
anunciou que a reivindicação do seu colega não fora negada, permanecendo, portanto, a
redação do § 4º do art. 67, conforme fora sugerida. Entretanto, como exigia a Constituição,
na reapreciação da Câmara o § 4º foi suprimido, atendendo, assim a primeira emenda (de nº
1) da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, orientada pelo
Deputado Pedro Aleixo.
632
O Deputado Pedro Aleixo, Relator da Comissão que reapreciou as emendas
oferecidas pelo Senado, na Câmara dos Deputados, de 16 de novembro de 1962,
633
justifica, em seu Parecer, a recusa da emenda do dispositivo (§ 4º, art. 67) do Senado, que
seguia a orientação de Nehemias Gueiros e Rui de Azevedo Sodré, que aliás, contrariava
também o interesse dos tabeliões conforme transcrito na ata da supra citada sessão:
... não consideramos que seja sempre indispensável, para resguardo do interesse dos
contraentes, que só advogado esteja em condições de elaborar o documento pelo qual se
organiza uma sociedade civil ou comercial (...) A advocacia abrange trabalhos jurídicos
de consultoria e assessoria. Mas as funções de notário são tradicionalmente confiadas a
tabeliães. Fazer que o registro, nas repartições competentes, dos documentos indicados
na emenda (número 9) fique na dependência da participação, na elaboração deles, de
advogado inscrito na Ordem, quer nos parecer a criação de um privilégio que o
interesse público não justificaria, nem o interesse das partes estaria a reclamar
.
634
631
Parecer nº 344, de 1962 da Comissão de Constituição e Justiça, sobre o P.L.C. nº 126, de 1961, que dispõe
sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e regula o exercício da profissão de advogado. Relator
Senador Afrânio Lages. Senado Federal, Sala das Comissões, em 13 de julho de 1962.
632
A Lei nº 4215/63 (Estatuto da Ordem dos Advogados) no Titulo II quando trata “Do Exercício da
Advocacia”, reconhece que o advogado com procuração ad judicia está habilitado a praticar todos os atos
judiciais, além de estar habilitado para praticar todos os atos extra-judiciais necessários à especifica
representação e defesa do procuratório (§ 3º e 4º do art. 70). Dispõe, também, o referido Estatuto que a
advocacia compreende a representação em qualquer juízo ou Tribunal, mesmo administrativo o procuratório
extrajudicial, assim como os trabalhos de consultoria e assessoria e as funções de diretoria jurídica (art. 71).
633
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, pp. 274 a 318, vol. XXII, p. 316.
634
Ibid.
393
Antes, todavia, que esta questão retornasse à Câmara o CCJ do Senado, ainda
discutindo o art. 67 propusera a restituição dos parágrafos 5º e 6º do Projeto nº 1.751/56,
que admitia, como ato privativo do advogado, requerer, especialmente em 2ª Instância, na
Administração Pública. O Relatório do Senador Aloysio de Carvalho, apreciando a matéria
anteriormente excluída na Câmara dos Deputados, fundamenta-se nos seguintes
argumentos:
... ao interessado não se deve negar o direito de postular e defender-se pessoalmente
perante a Administração Pública, ainda que na segunda instância; mas nessa instância,
afora, como está dito, a interferência pessoal do próprio interessado, devemos firmar
como atos privativos de advogado a interposição e o acompanhamento de recursos. É
essa uma decorrência lógica do sistema do Estatuto no sentido de vitalização e
valorização da profissão de advogado, além de que se é fácil apresentar em primeiro
grau uma pretensão, tão fácil não será conduzi-la na instância superior, quando razões
de parte a parte já transformaram o pleito numa questão contraditória, envolvendo
aspectos jurídicos que nem sempre um leigo poderá enfrentar
.
635
O Relator revela que seus argumentos se baseiam nos argumentos do Senador
Alberto Barreto de Melo,
636
que, acredita, subsidia sua emenda:
É uma ilusão’ – afirmava, então – ‘supor-se que as questões de direito substantivo, e
inclusive de direito adjetivo, não específicas da postulação judicial, de forma a se
deferir aos advogados, exclusivamente, o procuratório perante Juízos e Tribunais’. E
pleiteava, com razão, que passem a ser privativos dos advogados as postulações perante
a Administração, tais como as judiciais, ‘para maior correção técnica em seu
enquadramento
.
637
O Relator cita o, também, conferencista Paulo Barreto de Araújo, que
afirmara:
638
...ressalvado o direito da parte requerer pessoalmente, a representação ‘ad-
635
Parecer nº 284, de 1962 da Comissão de Constituição e Justiça sobre o Projeto de Lei da Câmara nº
126/1961 (nº 1.751-E, de 1956, na Câmara), que dispõe sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
e regula o exercício da profissão de advogado. Relator Senador Aloysio de Carvalho. Senado Federal, Sala
das Comissões, em 1 de junho de 1962, pp. 8 e 9.
636
Tese do advogado Alberto Barreto de Melo, Secretário Geral do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, que na II Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em São
Paulo em agosto de 1960, defendeu no tema Dimensão da Advocacia.
637
Parecer nº 284, de 1962, op. cit., p. 9.
638
Ibid., nota 15, tese sobre Advocacia nos Processos de Natureza Administrativa.
394
processum’ nos feitos de natureza administrativa deve ser privativa de advogado...
639
,
deixando evidenciada a tese de se institucionalizar o exercício da advocacia por advogados
privativamente na Administração Pública.
Por fim, o Relator citou um trecho de uma Resolução da II Conferência,
indicativa das teses dos advogados Alberto Barreto de Melo e Paulo Barreto de Araújo. O
texto da Resolução da II Conferência da OAB, segundo o Relator, é o seguinte:
‘1º) – A representação ‘ad-processum’, nos feitos de natureza administrativa, deve ser
privativa dos advogados, sempre que, pelo indeferimento da pretensão formulada
diretamente pelo interessado, a matéria se torne quase contenciosa. 2º) Para maior
realce desse postulado a efetividade do exercício profissional perante a administração,
além de reafirmados os dispositivos, a respeito, do anteprojeto do Estatuto da Ordem
dos Advogados, recomenda-se a promulgação de uma lei geral do processo
administrativo’.640
E termina o Relator, concluindo e anunciando a emenda (nº 9) da CCJ do
Senado:
Concordamos em que a configuração, na via administrativa, de atos que sejam
privativos de advogados, responde a um ideal da classe e a um imperativo de
circunstâncias que a vida contemporânea torna cada vez mais irrecusáveis pela
crescente complexidade de que se revestem os fatos sociais. Opinando, assim, pelo
integral restabelecimento dos antigos parágrafos 5º e 6º do ante-projeto da Ordem
.
641
Todavia, por força das normas regimentais, como já observamos, houve
modificação do Projeto originário da Câmara, no Senado, a matéria retornou à apreciação
da Câmara dos Deputados, e, não obstante, o esforço argumentativo do Relatório do
Senador Aloysio de Carvalho, na tramitação do Projeto no Senado, voltou a prevalecer, na
Câmara, a proposta Milton Campos de supressão das competências privativas do advogado
para requerer perante a Administração Pública.
639
Ibid.
640
Ibid. Ver, tb. Anais da II Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. São Paulo, 1961, pp.
77-140-345, possivelmente, uma das primeiras colocações sobre uma lei do processo administrativo que teria
um grande efeito sobre os excessos do poder discricionário na administração. Apesar das tantas tentativas
tivemos na Lei Estatutaria de 1963 de orientação semelhante, mas que tem tido muito baixa eficácia,
especialmente pelas divergências de sua orientação com leis setoriais sobre tema semelhante.
641
Ibid
395
O deputado Pedro Aleixo, autor do novo Parecer da CCJ da Câmara,
642
sobre a
matéria relata justifica o veto à emenda do Senado, assim se pronunciando:
(...) Está reconhecido, e nem poderia deixar de sê-lo, ao próprio interessado o direito de
requerer e defender-se perante a Administração Pública, direito que envolve,
necessariamente, o de interpor ele mesmo os recursos e de pessoalmente acompanhá-
los. Não nos parece necessário que, quando o interessado entender que deve se fazer
representar por outrem para a interposição e o acompanhamento dos recursos, há de
obrigatoriamente, outorgar poderes a um advogado. Fá-lo-á, se o quiser. Deve ser ele o
juiz único da conveniência de fazê-lo. Por certo que o fará, se verificar que sua
pretensão ou quiçá seu direito será melhor defendido por um especialista. Mas, muitas
vezes, o especialista não será o advogado, ou pelo menos o advogado que ele pode
encontrar ou o advogado ou accessível à solicitação dele. A larga relação dos órgãos
indicados nas letras ‘a’ a ‘o’ do parágrafo 5º [§ 6º, sic] do artigo 67 impõe a
consideração de que são complexos os assuntos e ao mesmo tempo, extremamente
diversificados para que possam ser entendidos pela generalidade dos advogados. Abrir-
se-ia ensejo a que, em muitos casos, o interessado seria obrigado a assinar o trabalho
de outrem, enquanto, em casos diversos, o advogado constituído ver-se-ia na
contingência de subscrever alegações elaboradas por terceiros.
Finalmente, como se verifica, nos debates na Câmara e, mais especialmente, no
Senado, se antevia que, aqueles “liberais” que vieram a divergir em 1965,
643
quando da
edição do Ato Institucional nº 2/65, Milton Campos, Pedro Aleixo, Nehemias Gueiros e
Ruy Sodré, já, no que ficara no passado, o debate sobre o Estatuto da OAB, discordando
profundamente quanto aos âmbitos privados do exercício da advocacia, vindo a prevalecer
a posição moderada da advocacia como exercício exclusivo ou privativo de advogados
junto ao Poder Judiciário e opcional ou alternativo junto à Administração Pública, uma
postura excessivamente corporativista.
644
642
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, p. 274 a 318, v. 22, p. 317.
643
Ver cap. IX, Preliminares Históricas, nesta Tese
644
Os arts. 70 e 71 do novo Estatuto, como indicado em nota anterior, não fez qualquer reserva de espaços
administrativos para advogados, prevalecendo a tese, que, para fazê-lo, necessita de procuratório específico.
Para completar e esclarecer dispôs o § 3º do art. 71: Compete privativamente aos advogados elaborar e
subscrever petições iniciais, contestações, réplicas, memórias, razões, minutas e contra-minutas nos
processos judiciais, bem como a defesa em qualquer foro ou instância.
396
3.2.1. Histórica e Futuro Remoto
Este especial debate no Senado Federal, apesar da simplicidade aparente da
linguagem, trouxe ao Parlamento uma profunda e discutível questão da advocacia: a origem
e a formação do Estado. O Estado não nasce seccionado em três poderes, harmônicos e
independentes como pretendeu Montesquieu, no Espírito das leis, ou, em quatro poderes,
coordenado pelo (interventivo) poder real (ou moderador), como pretendeu Benjamin
Constant, nos Princípios políticos constitucionais, mas os poderes que entre si se
confundiam nas atribuições, muitas vezes, de uma mesma autoridade: o rei, o imperador, o
seu corpo de ministros ou conselhos de estado, ou os burocratas, numa estrutura muito
semelhante à que hoje remanesce na Igreja Católica Romana, ou em modestos parlamentos
onde o Judiciário estava sempre subordinado à autoridade central.
Historicamente, esta posição adotada no Senado tem suas origens na advocacia
exercida nas estruturas concentradas, onde os advogados pediam, demandavam,
peticionavam ou requeriam, nesta unidade heterodoxa, no contexto do absolutismo estatal,
herdado de Roma (e dos estados antigos, inclusive a Grécia), vivido na Idade Média e
sobrevivido no contexto do despotismo monárquico do Estado uno e indivisível em que não
havia distinção entre as órbitas de poder, que antecedeu à revolução francesa, ainda nos
albores da história moderna. Na verdade, a divisão de poderes do Estado, é um fenômeno
recente, mas, que, muito lentamente influiu sobre a delimitação de espaços específicos das
ações e atribuições do advogado, que, distribuía suas petições em todas as órbitas do poder,
mormente no Poder Executivo, também, onde estava submetido e acomodado o serviço
(Poder) judiciário.
No Brasil histórico este fenômeno não foi diferente e as funções de Estado entre
si se sobrepunham, quase, que, absolutamente, até a promulgação da Constituição de 1824.
Mesmo assim, como não adotamos um modelo puro de divisão de poderes, mas, optando o
Imperador, na Constituição outorgada, pela distribuição de poderes a Benjamin Constant,
645
o Poder Moderador ficava com uma excepcional competência interventiva (ou supressiva
645
CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1989. (Veja
especialmente o Prefácio de Aurélio Wander Bastos).
397
do) no Poder Judiciário (especialmente porque os poderes de Corte de Cassação eram do
Imperador), no Poder Legislativo (cujo Senado era de designação imperial) e o seu próprio
poder se confundia com os poderes do Poder Executivo, que, formalmente, não era um
gabinete. Neste contexto, o Poder Moderador funcionava como efetiva instância recursal do
Poder Judiciário, que não possuía a 3ª instância (apesar do Supremo Tribunal de Justiça ter
sido criado em 1828),
646
assim como o Conselho de Estado, órgão de aconselhamento do
Imperador, funcionava como efetivo contencioso administrativo. Da mesma forma, no
âmbito dos ministérios, muito especialmente do Ministério da Justiça, funcionaram muitas
atividades de relevância jurídica (ou judicial) e não apenas as administrativas, onde
atuavam os advogados e provisionados.
Em todos estes âmbitos (administrativo) a ação dos advogados era de especial
destaque, sobressaindo-se, principalmente, no Conselho de Estado e no Ministério da
Justiça, assim como em tantas outras unidades administrativas do Império. Relevantemente,
inclusive, como o Estado tinha poderes para provisionar como advogados (principalmente
através do Judiciário, como já observamos) estes profissionais tinham intensa atividade no
interior dos poderes públicos (da administração), o que se justifica, inclusive, pela
extensividade dos não letrados no conjunto da população, inclusive, da população com
destaque econômico.
Na primeira República, este quadro não sofreu grandes alterações, muito
embora, seja visível a requalificação organizativa do Estado, o que não inibiu, todavia, a
ação administrativa (dos advogados e) “rábulas”, que, tinham, muitas vezes, delegação
específica para prestar seus serviços em órgãos da administração. Foi com a promulgação
do Código Civil (de Bevilácqua), em 1916, que este quadro começou a sofrer alterações
mais profundas, especialmente porque as Ordenações Filipinas, remanescentes do período
histórico em que as funções de Estado se superpunham, deixou (definitivamente e em toda
sua extensão) de ser aplicada. A promulgação do Código de Processo Civil, em 1939, por
646
BASTOS, Aurélio Wander (Org.). A criação e organização do Supremo Tribunal de Justiça. Brasília: DF:
CD/FCRB, 1978, onde se demonstra a partir, também, de revista e alçada, o que foi radicalmente modificado
com a criação, em 1891, do Supremo Tribunal Federal STF. O STF, que na sua composição já reconhecera
como ministros os antigos ministros do STJ imperial, todavia, como já observamos, reconheceu, como
estrutura judiciária republicana, a estrutura judiciária das Relações Imperiais como tribunais estaduais,
desviando significativamente o projeto constitucional republicano de criação de uma justiça federal uma. Ver,
também, ARAÚJO, Rosalina Correa de, op. cit.
398
outro lado, contribuiu para rebalancear os poderes do Judiciário e da Administração
Pública, o que não impediu, todavia, que estas práticas remanescentes do Estado
patrimonialista, exercida tradicionalmente por profissionais de área jurídica, buscassem a
sua sobrevivência, não apenas na virada dos anos revolucionários radicais de 1930 a 1945,
mas, também, mesmo após a Constituição de 1946.
A modernização do Estado brasileiro, que seguiu a 1930, mesmo com suas
profundas reações anti-oligárquicas, buscou um modelo autocrático, e não apenas inibiu o
Poder Judiciário, reposicionando no Poder Executivo muitas demandas de direitos, não
apenas políticos, mas também civis, como também ao implementar novos códigos e seus
órgãos executivos no projeto de modernização do Estado, abriu espaços, no Executivo, para
a advocacia, principalmente em áreas como propriedade industrial, patrimônio histórico,
águas e energia, produção mineral, petróleo e conselhos de contribuintes mais tarifas e
reestruturação dos cartórios. Os advogados, neste sentido, apesar da compressão aplicada
ao patrimonialismo, mas, principalmente, considerando a ausência de profissões superiores
alternativos à advocacia, ocuparam estes novos espaços de demandas, que, na verdade,
refugiam dos âmbitos judiciários do exercício da profissão e passaram a alimentar
expectativas de formalização do exercício privativo da advocacia nestes novos âmbitos do
“moderno” estado, o que ficou efetivamente demonstrado no Anteprojeto.
Compreende-se, por conseguinte, que, comprometido com a funcionalidade do
estado, no exercício de funções inerentes ao próprio estado, enquanto estado, senão
absoluta, pelo menos relativamente, os advogados sempre exerceram funções, não apenas
no contencioso judicial, mas, também, administrativo, assim como na administração, e nos
seus órgãos conexos. Isto é verdadeiro, senão explicitamente, na forma dos provimentos
dos conselhos pelo menos implicitamente, acompanhando as práticas e costumes do estado
centralizado, que antecederam ao seccionamento de poderes no Estado Moderno,
647
no caso
brasileiro, após a proclamação da República.
Todavia, se mudar é preciso, resistir é a regra, isto significa, que, se, por um
lado, os advogados consolidaram suas prerrogativas e definiram suas faixas de prestação de
647
A modernização do Estado brasileiro foi um fenômeno tipicamente republicano, quando maior força
adquiriu os propósitos federalistas e republicanos. Ver Prefacio de Aurélio Wander Bastos in CONSTANT,
Benjamin. Princípios políticos constitucionais. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1879 (obra comemorativa dos 200
anos da Revolução Francesa).
399
serviços, não absolutamente sobreviveram com as tantas atribuições para advogar, nas
tantas esferas do poder. Neste sentido, a luta pela institucionalização corporativa resultou,
também, em restrições dos seus espaços de ação, quase que, (exceto compartilhamente, em
contenciosos administrativos específicos) exclusivamente se reduzindo aos âmbitos do
Poder Judiciário na defesa de interesses e, enquanto corporação, na defesa da ordem
jurídica enquanto ordem jurídica. A Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Ordem
dos Advogados do Brasil) assim, finalmente, optou pela forma mais circunscrita dos
poderes e, definitivamente, rejeitou fazer prática privativa (exclusiva) do advogado a defesa
de interesses na Administração Pública, o que contribuiu, significativamente, para a
redução (ainda, redução) do exercício da advocacia administrativa (pelo advogado) na
Administração Pública, assim como, no contraponto da atividade, também, não reconheceu
no âmbito de seu ideário, a defesa de interesses na Administração Pública como ato
privativo do advogado.
Assim ficou, finalmente, a redação definitiva da matéria no Estatuto de 1963,
consolidando o que fora indicado em notas para facilitar a descrição e análise do tema:
Art. 67: O exercício das funções de advogado (...) somente é permitido aos inscritos nos
quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (...). Art. 68 No seu ministério privado o
advogado presta serviço público, constituindo, com os juízes e membros do Ministério
Público, elemento indispensável à administração da justiça (...). Art. 69 Entre os juízes
de qualquer instância e os advogados não há hierarquia nem subordinação, devendo-se,
todos consideração e respeito (...). Art. 71 A advocacia compreende, da representação
em qualquer juízo ou tribunal mesmo administrativo o procuratório extrajudicial, assim
como os trabalhos jurídicos de consultoria e assessoria e, as funções de diretoria
jurídica (...) § 3º Compete privativamente aos advogados elaborar e subscrever petições
iniciais, contestações, replicas, memoriais, razões, minutas e contra minutas nos
processo judiciais, bem como a defesa em qualquer foro ou instância.
As pretensões não propriamente extensivas, mas de institucionalização, no
contexto do estado moderno (burguês) das amplas e diversificadas competências originárias
dos estados absolutistas, protegidos pelo “corporativismo de ofício”, estavam na contramão
da história, se é que efetivamente elas poderiam estar, mesmo que por mera “reserva de
mercado”, para ficar com a terminologia mais comprometida com algumas das últimas
razões do Estado patrimonialista, visto que, outras, persistiram, até muito recentemente,
ainda, permitindo o exercício cumulado de funções públicas com a advocacia, mesmo que
restritivamente. O que se verifica, é, que, nesta especial questão, não podemos afirmar que
400
estavam sintonizados os liberais (conservadores ou corporativistas) do Conselho Federal e
do Senado, e os liberais (radicais ou iluministas) da Câmara dos Deputados; os primeiros,
quem sabe, premidos pelos próprios advogados, receosos de limitarem seu espaço de
trabalho, e os segundos, como legisladores e homens públicos, preocupados em evitar que
prerrogativas profissionais transmudassem em privilégios (de ofícios ou corporativos),
648
ou, numa leitura política mais objetiva, que os novos âmbitos de reconhecimento de direitos
(especialmente públicos, como concessão de serviço, licitações, abuso do poder econômico,
contencioso fiscal, etc.) restassem como atos privativos de advogados, fechando ou
restringindo as aberturas do Estado (executivo) moderno.
Ainda nesta linha argumentativa, é, interessante, observar, que, pelo menos,
aparentemente, os autores do Anteprojeto originário da OAB, Nehemias Gueiros e outros, e
o Vice-Presidente Seção paulista da OAB, Rui Azevedo Sodré, assim como os expositores
da Segunda Conferência, realizada em São Paulo, em 1960, Paulo Barreto de Araújo e
Alberto Barreto de Melo, encontraram apoio nos relatores do Senado, especialmente do
Senador Aloysio de Carvalho e Afrânio Lages e a prudente, mas vitoriosa objeção do
deputado-relator Milton Campos e, no reexame na Câmara do deputado Pedro Aleixo, da
UDN, deputados, que anteriormente, contribuíram para a construção da Constituição
liberal-democrática de 1946. Estes mesmos, no caudal conservador dos liberais da OAB,
naquela faixa histórica sob forte influência de Nehemias Gueiros e Alcino Salazar, e do
lacerdismo udenista, sucumbiram ao movimento revolucionário cívico-militar de 1964:
Milton Campos, veio a ser Ministro da Justiça em 1964, mas deixou o Ministério com a
edição do Ato Institucional nº 2/65, e Pedro Aleixo, que veio a ser Vice-Presidente da
República general Costa e Silva e, na forma da Carta de 1967, também, Presidente do
Senado Pedro Aleixo,
649
ficou impedido de assumir a Presidência,
650
quando do
afastamento do Presidente Costa e Silva, imediatamente antes da promulgação do Ato
Institucional nº 5/68, que resultou na Emenda Constitucional nº 1/69 e que inaugurou o
648
Ver cap. V, item 1, pronunciamento de Nehemias Gueiros.
649
Ver nota 66 deste Capítulo.
650
Teixeira. Milton Campos. Op. cit.
401
Estado de Segurança Nacional, deixando evidente, que, as suas convicções liberais e seus
propósitos e ações não interrromperam a nova marcha autocrática.
Finalmente, pelos tantos ângulos que a questão vem, nesta Tese, levando,
caberia avaliar os efeitos dos movimentos que resultaram no Estado de Segurança Nacional
em relação aos enfrentamentos da OAB ao Estado patrimonialista. Ocorre, todavia, duas
questões, em primeiro lugar, o movimento militar não cresceu na negação do estado
(tradicional) patrimonialista, mas, também, não cresceu no montante do Estado liberal
formal, mas isto sim, em primeiro lugar, podemos falar que o movimento militar cresceu
como reação conservadora à ascensão trabalhista-sindicalista que se apoiava na
modernização do Estado brasileiro, instaurada com a decomposição do Estado
patrimonialista. Este, diferentemente, daqueles que favorecem a criação, implantação e
consolidação da OAB, vencida a fase inicial, dominada pelo discurso de defesa da ordem
constitucional, ameaçada pelos “inimigos internos aliados das forças anti-democráticas”,
assumiram os seus propósitos autoritários
651
e enfrentaram o Estado de Direito e seus
principais institutos de defesa dos direitos individuais, a inviolabilidade do Poder Judiciário
e independência hierárquica da OAB.
3.3. As Incompatibilidades e Impedimentos como Reação Antipatrimonialista.
Os debates na Câmara dos Deputados não foram suficientes para esgotar a
questão das incompatibilidades e impedimentos fazendo com que o tema voltasse a ser
debatido no Senado como cerne histórico da criação da OAB e como projeto de efeitos
desconstrutivos do Estado velho oligárquico, e, ao mesmo tempo, núcleo dos debates
parlamentares, como crítica (tácita) ao patrimonialismo judiciário, espaço de alcance
651
Um movimento militar que depusera um Presidente eleito que estava no exercício democrático do governo
dificilmente não evoluiria para o radicalismo. Homens de aspiração autoritária, comprometidos com o Estado
de exceção, ampliaram seus espaços no Estado e, em reunião do Conselho de Segurança, cresceram em poder
e espaço. Dentre eles são citados Jayme Portella, Burnier, Marcio Melo Fiúza, Coelho Neto e o jurista Gama e
Silva mais Jarbas Passarinho, que, no desvelo do poder, permitiu que a história registrasse a frase ocasional,
porque estava a questão em discussão, queo traduz as posturas que adotou fora do poder: a ética, ora a
ética, as favas com a ética e nem muito menos nos seus últimos anos de vida pública. CONTREIRAS, Hélio.
AI-5. A Opressão no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 25 a 66.
402
remanescente do patrimonialismo de Estado. Por outro, discutiu-se, também, no Senado a
desprivatização do exercício das funções públicas como forma de se modernizar o Estado,
mas, muito especialmente, a extensão formal das competências do advogado para exercer,
privativamente, o direito de demandar no Executivo, interesses de partes, especialmente
empresariais. Na Câmara dos Deputados, retomando a questão deste item, a matéria foi
profundamente discutida, sendo que, no que se referia às incompatibilidades, ambos os
casos ficaram em posição, mas o Senado fez ponderações que pretenderam que os
impedimentos não alcançassem funções executivas o que, todavia, não teve sucesso final.
Esta postura demonstrava, exatamente, que, muito embora houvesse resistências na OAB
ao intervencionismo desenvolvimentista, inaugurado com o getulismo anti-patrimonialista,
que favoreceu a criação e instalação da OAB, pretenderam os advogados que os atos
constitutivos dos novos agentes (empresariais), fossem atos privativos da profissão, ao
mesmo tempo que as demandas administrativas nos novos órgãos de Estado. O novo
Estatuto não consagrou esta posição.
652
Esgotada, assim, a questão da advocacia na Administração Pública como ato
privativo dos advogados, remanesceu, na pauta do Senado, como um dos temas mais
debatidos e essenciais ao Estado moderno a questão da “incompatibilidade” (total) do
exercício da advocacia para certas funções, cargos ou atividades públicas, às quais se
acresceu a discussão dos “impedimentos” (parciais).
653
O Projeto nº 1751/56 na Câmara
dos Deputados não esgotado o tema vindo do art. 80 do referido Projeto, o que provocou a
sua reavaliação no Senado, que, aliás, como já observamos, vinha tratando a questão de
uma perspectiva mais corporativista e conservadora.
652
Ver subitem 3.2.1 deste Capítulo.
653
O Estatuto da Advocacia aprovado em 1963 manteve, sobre “incompatibilidade” a mesma redação do texto
final do projeto após distingui-la conceitualmente de “impedimentos” conforme se verifica: Art. 82.
Considera-se incompatibilidade o conflito total; o impedimento, o conflito parcial, de qualquer atividade,
função ou cargo público, para o exercício da advocacia. § 1º Compreende-se, entre as funções públicas que
podem determinar a incompatibilidade ou o impedimento, qualquer função delegada exercida em comissão
ou por serviços de entidade a quem o poder público a tenha cometido por lei ou contrato. § 2º Excluem-se
das disposições do § 1º os servidores das entidades sindicais de qualquer grau e das entidades assistenciais e
de aprendizagem administradas e mantidas pelas classes empregadoras. § 3º A incompatibilidade determina
a proibição total (arts. 83 e 8:4) e o impedimento a proibição parcial (artigo 85) do exercício da advocacia.
A compreensão exata deste dispositivo exige a leitura combinada deste artigo com o artigo 83 da mesma Lei
(Estatuto), sobre a proibição total para advogar, que, aliás, manteve a redação do art. 73 do Anteprojeto e 78
do Projeto, assim redigido: Art. 83, O exercício de advocacia é incompatível com qualquer atividade, função
ou cargo público que reduza a independência do profissional ou proporcione a captação de clientela.
403
O Relator Senador Aloysio de Carvalho, na Comissão de Constituição e Justiça
do Senado, destacou do conjunto geral das indicações de impedimentos especificamente do
artigo 80 do Projeto nº 1751/56 que:
São impedidos de exercer a advocacia, mesmo em causa própria: (...) V – servidores
públicos inclusive de autarquias e entidades paraestatais e empregados de sociedade de
economia mista, contra as pessoas de direito público a que estiverem vinculados,
excluídos os professores de direitos (...).
654
Na sua argumentação justificativa observou que
nunca nos pareceu fundado o princípio distintivo de Fazenda Federal, ou Estadual, ou
Municipal, para o efeito [de definir os impedimentos], princípio consagrado nas
disposições [do projeto originário da Câmara]. Ainda que provimentos de órgãos de
advogados ou pronunciamentos judiciais possam inclinar-se para tese oposta, o certo é
que as razões morais do impedimento não se circunscrevem à entidade de direito
público a que esteja diretamente vinculado o funcionário, porque dos seus cofres, e não
de outros, recebe ele o estipêndio pelo seu trabalho.
Segundo observou o Relator:
A questão não é saber apenas quem paga ao servidor e dispõe, portanto, dos elementos
para anular-lhe ou diminuir-lhe a independência de ação. A par de tal consideração,
está, iniludivelmente, a da semelhança e afinidade de interesses, fonte da semelhança e
afinidade de postulados jurídicos, objeto de demandas que se propõem contra a União,
o Estado ou o Município. O funcionário federal que não pode erguer contra o interesse
da União a pretensão individual que lhe seria confiada, só porque a União é que lhe
paga os vencimentos de burocrata, poderia, em plena consciência, defender a
mesmíssima pretensão contra o mesmo interesse do Estado, só porque o Estado não é o
seu patrão ?
Por mais que busquemos o apoio dos suplementos dos doutos, nunca pudemos dar
resposta afirmativa a essa indagação
.
655
E, prossegue, colocando outra questão divergindo da prerrogativa reconhecida
aos professores de universidades oficiais, referente ao inciso V do art. 80:
pelo mesmo [raciocínio por] conseguinte, nunca pudemos compreender como sendo os
professores de direito funcionários como os outros, quando se trata de usufruir
vantagens, pecuniárias ou não, embora regidas por lei especial nas suas condições de
trabalho, não o sejam, todavia, quanto aos impedimentos que contra os outros
654
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, p. 274-318, v. 22, p. 289.
655
Parecer nº 284, de 1962, ed. cit., p. 11 e 12.
404
sumariamente prevalecem. As mesmas implicações que a estes reduzem
presumidamente, a liberdade de ação para o exercício da advocacia, subsistem, não há
contestar, em relação aos integrantes dos quadros do magistério superior de direito.
Talvez em números menor ou por forma menos grave, mas subsistem.
Concluindo, o Relator expõe a emenda previamente justificada:
Em decorrência desse entendimento, que pode não ser o certo, mas é o que sempre
sustentamos, oferecemos emenda (...) pela qual o inciso V do artigo 80 passa a proibir
[não apenas] ao servidor público, inclusive de autarquias, entidades paraestatais, e
sociedades de economia mista, advogar contra as pessoas de direito público (...) [mas]
sem exclusão dos professores de direito, [a proibição deve ser do] exercício de
advocacia contra qualquer pessoa de direito público, não somente a pessoa a que
estiver vinculado.
Ratificando seus argumentos e a emenda da CCJ do Senado, o Relator ainda
recorre ao Regulamento de 1931/33:
Com isso, voltamos às fontes da regulamentação da Ordem no Brasil, quando o
impedimento era extensivo a ‘toda e qualquer causa contra a Fazenda Pública’ ou em
que tivesse ‘interesse, principal e direto, o ramo da Fazenda Pública’ a que por seu
cargo, se achasse ligado o funcionário. (art. 11, inciso V do Reg.).656
A emenda proposta para o inciso V do art. 80 do Projeto nº 1751/56 (na
Câmara) e ao Projeto nº 126/61 (no Senado) ficaria com a seguinte redação: São impedidos
de exercer a advocacia, mesmo em causa própria: (...) V – servidores públicos, inclusive
do magistério, de autarquias e entidades paraestatais e empregados de sociedade de
economia mista contra as pessoas de direito público em geral.
657
Retornado o Projeto à Câmara para reapreciação o deputado Pedro Aleixo, em o
seu Parecer, dizendo que só comentaria as emendas do Senado (quando) rejeitadas pela
C.C.J. da Câmara faz, contudo, uma exceção, comentando esta emenda favoravelmente ao
Senado. Destacando-a, diz o deputado:
656
O dispositivo do Regulamento da Ordem dos Advogados do Brasil consolidado pelo Decreto nº 22.478, de
20 de fevereiro de 1933 a que se refere o Relator tem a seguinte redação: Art. 11. São impedidos de procurar
em juízo, mesmo em causa própria: (...) V, os funcionários públicos administrativos, e, bem assim, os
membros do Poder Legislativo federal, estadual ou municipal – todos, como procuradores de empresa
concessionária de serviço público, subvencionada pelos cofres públicos, ou da qual a Fazenda Pública seja
acionista ou associada, e, ainda, em toda e qualquer causa contra a Fazenda Pública, ou em que tenha
interesse, principal e direto, o ramo da Fazenda Pública a que, por seus cargos, se acham ligados; Ibid.
657
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 17 de janeiro de 1963, v. 1, p. 123.
405
Para as emendas [seguintes (16 e 17)], pedimos especial atenção dos ilustres membros
desta Comissão. (...) A emenda proposta [16] faz que o impedimento venha a abranger
maior número de casos. Isto não obsta a que nos manifestemos favoráveis à sua
aprovação. A emenda número 17 evita que se ampliem os casos de incompatibilidades
além dos expressamente indicados.
658
Esta discussão merece destaque especial, porque o Relator no Senado Senador
Aloysio de Carvalho, o mesmo que defendera a inclusão estatutária do direito exclusivo do
advogado demandar na Administração Pública, como atividade (privativa) dos advogados
inscritos na OAB, objeta, agora, o mesmo texto proposto, ainda, no Anteprojeto da OAB,
em 1956, e no Projeto nº 1751/56, na Câmara dos Deputados, com redação idêntica, o que,
demonstra a heterodoxia das posições. Interessantemente, como se verifica, o Relator final,
na Câmara o Deputado Pedro Aleixo, concordou com o novo teor da emenda que evoluiu
para uma posição mais extensiva, definindo, que, ficavam impedidos de advogar, também,
contra as pessoas de direito público em geral, os servidores públicos, os professores
(inclusive) de autarquias e entidades paraestatais e empregados de sociedade de economia
mista, pretendendo restaurar-se a posição de 1931/33.
No que se refere ao impedimento parcial para advogar imposto a servidores do
magistério público remanescia uma aparente contradição, mesmo porque não ficavam
explícitas nas emendas as sensíveis razões que reconheciam no magistério jurídico, fonte
especulativa ou criativa, no processo de interpretação. A Lei nº 4.215, aprovada pelo
Presidente da República, em de 27 de abril de 1963, (Estatuto da OAB) acatou a orientação
extensiva da emenda do Senado, dispondo no art. 85, que: são impedimentos de exercer a
advocacia, mesmo em causa própria (...): Servidores públicos, inclusive do magistério, de
autarquias e entidades paraestatais e empregados de sociedade de economia mista contra
as pessoas de direito público em geral. Ficavam, assim os professores de Direito sem esta
especial prerrogativa, o que, só foi modificado mais tarde.
659
658
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, p. 274-318, v. 22, p. 317 e 318. Ver
art. 79 do Relatório CCJ/CD seguiram a mesma orientação.
659
Esta fora a época sugerida pelo Anteprojeto 1956/57 e acatada pelo Relator na Câmara em primeira
discussão. Foi rejeitada no Senado e aceita em 1962 pelo Relator na Câmara Pedro Aleixo. A Lei nº 8906, de
4 de julho de 1994 (novo Estatuto da Advocacia e da OAB) explícita que não estão impedidos de advogar, em
qualquer circunstância os docentes dos cursos jurídicos (§ único, inc. II, art. 30). Esta postura pode significar,
no tempo, maior espaço hermenêutico e interpretativo nos tribunais, assim como, por outro lado, amplia o
contacto universitário com a prática forense.
406
3.3.1. Advocacia e Ministério Público
Mereceu atenção dos Senadores, também, o texto que tratava da
incompatibilidade (limite total) para advogar e dos impedimentos (limite parcial) para
advogar dos membros do Ministério Público, questão que já estava na agenda interna da
OAB desde 1931.
660
O texto do Projeto originário da Câmara dispunha no artigo e inciso
abaixo, sem contrariar a redação do Anteprojeto, exatamente:
Art. 79. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria com as seguintes
atividades, funções e cargos: (...) V – Procuradores-Gerais, Subprocuradores-Gerais,
Procuradores e Subprocuradores do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos
Municípios
.
661
Por outro lado, propunha no inciso IV do art. 80 que ficassem “impedidos” de
advogar:
(...) mesmo em causa própria com as seguintes funções e cargos: (...) IV – membros do
Ministério Público da União, do Distrito Federal, dos Estados e Territórios, contra as
pessoas de direito público em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais que
tenham relação direta ou indireta com as funções do seu cargo ou do órgão a que
servem; (...)
662
Como se verifica, os ocupantes de funções de direção do Ministério Público
tinham “incompatibilidade total” para advogar e os membros do Ministério Público tinham
apenas “impedimento” para advogar causas que tivessem relações diretas ou indiretas com
a sua função ou cargo. Não houve, por conseguinte, um enfrentamento frontal, admitindo-
se que, fora as exceções indicadas, poderia o Ministério Público advogar, mormente quando
660
Ver § 3º, art. 82 do Estatuto da OAB de 1963 (Lei 4.215, de 27 de Abril de 1963).
661
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, pp. 274 a 318, vol. XXII, p. 288 e
289.
662
Esta redação confere exatamente com a redação do Anteprojeto da OAB, encaminhado à Câmara dos
Deputados pelo Presidente Juscelino Kubitschek, em 18 de agosto de 1956, e também com o Estatuto
sancionado em 1963.
407
fazia a advocacia de interesses privados ou de órgãos de diferentes órbitas da federação. No
tempo histórico, todavia, prevaleceu a incompatibilidade geral para a advocacia.
Os seguintes argumentos embasaram a discussão, sabendo-se, inclusive, que
estes, na forma do inciso IV, dos mesmos artigos, aqueles que estavam “incompatíveis”
para a advocacia, Procurador-Geral e Sub-Procurador-Geral da República e os cargos
equivalentes nos tribunais, inclusive, no Tribunal de Contas e no Tribunal Marítimo,
estavam, também, “impedidos”. Assim está no Parecer do Senado:
Não atinamos para a distinção que se estabelece entre os membros do Ministério
Público e os procuradores e sub-procuradores, estes, muitas vezes, com funções de
Ministério Público. Que sobre um Procurador-Geral e sobre os sub-procuradores
gerais, que os substituem nas faltas e impedimentos, recaia a proibição terminante de
advocacia, compreende-se e plenamente se justifica. São funções de alta relevância e
responsabilidade no aparelhamento administrativo, requerendo dos seus titulares o
máximo de cuidado pelo andamento dos negócios que lhes são afetos com o máximo de
independência para que possam conduzi-los sem submissão a outros interesses. Mas em
relação aos procuradores e sub-procuradores, sua situação se nos afigura
legitimamente semelhante à dos órgãos [membros] do Ministério Público, para o fim
das mesmas condições restritivas de exercício da advocacia, sem que isso signifique
considerarmos idênticas as atribuições dos respectivos cargos.663
Finalmente, os dois dispositivos foram aprovados na exata redação do Projeto
pelo Senado e pela Câmara, vindo a definirem-se como dispositivos do Estatuto de 1963. O
primeiro como inciso IV e V do art. 84 e o segundo como inciso IV e V do art. 85. Assim,
dispõem os incisos IV e V do art. 84:
A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades,
funções e cargos: IV – Procurador Geral da República, bem como titulares de cargos
equivalentes ao Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal Militar, no Tribunal
Superior do Trabalho e nos Tribunais de Conta da União, dos estados, territórios e
municípios e Tribunal Marítimo; V – Procuradores Gerais e Subprocuradores Gerais,
sem distinção das entidades de direito público ou dos órgãos a que sirvam; (...)
Por outro lado, dispõe os incisos IV e V do art. 85:
São impedidos de exercer a advocacia, mesmo em causa própria: IV os membros do
Ministério Público da União, do Distrito Federal, dos Estados e Territórios, contra as
pessoas de direito público em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais que
tenham relação direta ou indireta com as funções do seu cargo ou do órgão a que
663
Parecer nº 284, de 1962, p. 13.
408
servem.; V – Procuradores ou Subprocuradores do Distrito Federal, dos Estados, dos
Territórios e dos Municípios nos mesmos termos do inciso anterior.
Na verdade, este posicionamento, que evoluiu desde o Anteprojeto, deixou aos
membros do Ministério Público (lato sensu) o direito de exercer (cumulativamente) a
advocacia privada que não tenha qualquer relação direta ou indireta com as funções de seu
cargo ou do órgão a que servem, exceto os quadros dirigentes que ficaram
incompatibilizados para a advocacia latu senso, os membros do Ministério Público, no
entanto, ficaram, por conseguinte, na forma do novo Estatuto, ainda, com poderes para
advogar, impedidos, apenas, parcialmente. Esta posição, adotada em Lei, no tempo
histórico, não se demonstrou a mais conveniente, para o exercício autônomo das funções
essenciais do Estado, à medida que superpunham, na prática, riscos do exercício acumulado
de funções públicas e privadas, um vício recorrente do patrimonialismo estatal. Diferenciá-
las no exercício de atividade por um grande avanço.
Os membros do Ministério Público, no entanto, deram à OAB grandes
contribuições, inclusive, na redefinição dos parâmetros do enfrentamento ao autoritarismo,
durante o processo de abertura democrática. O recente seccionamento absoluto das
atividades com certeza foi uma das últimas heranças, o epílogo mesmo, do patrimonialismo
de estado é um sólido indicador das lutas pelo Estado de Direito e do futuro Estado de
Direito democrático.
664
Os anos que sucederam à edição do Estatuto de 1963, evoluíram, todavia, em 3
(três) especialíssimas linhas com significativos efeitos sobre a moderna advocacia: em
primeiro lugar o crescimento do número de advogados-empregados, com o grande
crescimento empresarial;
665
em segundo lugar a definição da advocacia pública, com a
664
Ver inc. II do art. 28 da Lei nº. 8.906 de 4 de julho e 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB). Ver,
também, Lei do MP.
665
Ver Capítulo V (Do Advogado Empregado), arts. 18 a 21 do Estatuto de 1994, que procurou, na sua
redação evitar, senão a autonomia do advogado, resguardar-lhe a isenção técnica e evitar a redução de sua
isenção profissional. Estes temas, relevantíssimos para a advocacia moderna, embora em alguns aspectos
tratados nesta tese. O assunto, todavia, foi sobejamente tratado em, Advocacia e Modernas Empresas (coord.
Aurélio Wander Bastos) RJ.FCRB. Esta pesquisa realizada entre os anos de 1979/82, apoiada pela FINEP,
não foi publicada. Artigos dispersos foram, todavia, publicados em FERREIRA FILHO, Zafer e
CONSTANÇA, Pereira de Sá. Advocacia e Empresa. Rio de Janeiro: OAB-RJ. 1982. Ver, também, de
B
ASTOS, Aurélio Wander. Advocacia e Mercado de Trabalho. In Instituto dos Advogados de São Paulo, 1982.
409
criação, na Constituição de 1988, da Advocacia Geral da União
666
e, em terceiro lugar, a
definição constitucional da Defensoria Pública
667
De qualquer forma, apesar da diversidade de prismas, estas questões da virada
de 1963/1988 referentes à incompatibilidade e impedimentos continuam remanescentes na
discussão profissional contemporânea, muito especialmente sobre o alcance das atividades
profissionais de advogados da União, inclusive, Procuradores da Fazenda Nacional,
Defensores Públicos e Procuradores assessores e consultores dos Estados, Distrito Federal,
municípios e das autarquias e fundações da administração direta fundacional, sendo que,
todavia, a posição do Estatuto de 1994 foi certeiramente impeditiva com relação aos
membros do ministério público para que estejam em atividade no bojo executivo ou judicial
da maquina estatal, são resíduos de outras alterações no sentido de definir prerrogativas de
advogados empregados e, muito recentemente, na nova categoria a advocacia pública.
668
Finalmente, pode-se antever, desta análise geral, que, no tempo futuro, o projeto
democrático de direito evolui para rompimento definitivo entre as atividades dos juízes e do
ministério público com os de advogado, sendo que para o próprio advogado público,
impedido para o exercício de toda e qualquer atividade jurídica privada. Assim, mesmo que
se reconheça, que, no seu ministério privado, o advogado presta serviço público, a moderna
orientação do estado democrático não reconhece que ele exerça, senão como advogado
666
Ver arts. 131 sobre Advocacia Pública e 133 sobre Advocacia e Defensoria Pública da Constituição de
1988, ainda o § 1º do art. 3º da Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB). O parágrafo deste
dispositivo, reconhece que os membros da AGU exercem atividade de advogado, assim como outras
categorias de advogados públicos que postulam em juízo, porém, está controverso o direito de exercerem a
advocacia privada. O mais razoável, acompanhando a evolução do estado brasileiro é que ficarão
classificados na estrutura das incompatibilidades como já esta definindo em leis dispersas, decretos e normas
de serviço.
667
Ver § 2° acrescido pela Emenda Constitucional 45/04.
668
Tema interessante, embora não esteja no cerne das preocupações deste tese, seria, ainda, que para o Relator
os dispositivos sobre férias de advogados demonstram facilmente que são imensos para o funcionamento
normal dos pleitos judiciais os prejuízos, e seria fonte de aborrecimento e desconfiança entre advogados,
especialmente porque para interromper o andamento dos processos de um advogado é imprescindível que se
interrompa, também, de outros. Veja-se, a observação seguinte ainda no mesmo Parecer do Senador: Quer
isso dizer que se os advogados de autor e réu não combinarem as férias de trinta dias no mesmo tempo,
teremos, pelo menos, sessenta dias de suspensão do feito no período de um ano, isso sem prejuízo dos
feriados, dias santificados, e ainda muitos outros em que o brasileiro, ‘sponte sua’, julga desairoso trabalhar
(...). A matéria foi suprimida do CCJ do Senado e da forma final do Estatuto aprovado em 1963. Anais da
Câmara dos Deputados. Sessão de 16 de novembro de 1962, p. 274 a 318, vol. XXII, p. 293. Ver também,
Parecer nº. 284, de 1962, ed. cit., p. 15.
410
público, funções públicas, constituindo, juntamente com os juízes e membros do Ministério
Público, elemento indispensável à administração da justiça.
669
3.4. Honorários de Advogados
Os Estatutos/Regulamentos de 1931/33, no inciso VII do art. 25 (de ambos)
explicitamente dispõem que são direitos dos advogados: contratar, verbalmente, ou por
escrito, honorários de acordo com as praxes e taxas habituais no local, sendo porém,
vedado estipular, a título de honorários, a participação em bens. O anterior § 3º do art. 23
daquele regulamento dispunha: Os procuradores (provisionados), sic, licenciados não
poderão cobrar honorários além dos previstos nos regimentos de custas (...). Estas
disposições demonstram, como se verifica, que não havia uma política de honorários que
flutuavam entre práticas e costumes e normas precárias. Foi o Projeto nº 1751/56 da
Câmara, que, pela primeira vez, procurou definir as diretrizes sobre o assunto, tomando
como base o Anteprojeto a questão essencialmente ressaltada no Projeto nº 126/61
numeração adquirida no Senado.
As disposições excessivamente amplas dos projetos evoluíram, todavia, para
propostas mais realistas e mais condizentes com a primeira experiência escrita de definição
de uma política para honorários, tendo que levar em conta a efetiva prestação dos serviços,
os serviços de assistência judiciária, os substabelecimentos, os contratos de honorários, as
tabelas fixadas pelas seccionais e, inclusive, as específicas infrações que poderiam, nestes
casos, ocorrer genericamente. Todavia, os debates na Câmara não foram muito incisivos,
sendo, apenas no Senado ressaltados alguns aspectos, especialmente sobre as tabelas de
honorários e arbitramentos, assim como foi na Câmara Alta que melhor se abordou a
669
Ver Lei nº. 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Ordem dos Advogados), art. 68 e ainda, a
Constituição de 1988, cap IV, arts. 127/133, (Do Ministério Público), 131 (Da Advocacia Pública) e 133 (Da
Advocacia e Defensoria Pública) e, ainda, Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), art. 20 que dispõe: O advogado é indispensável à administração da
justiça, numa posição mais extensiva que a de 1963, citada no texto supra desta obra.
411
questão da Assistência Judiciária gratuita conforme está no Parecer nº 126/61 do Relatório
da CCJ do Senado.
No que se refere aos honorários, a Comissão
670
propôs duas emendas, a
primeira foi a supressão do art. 102 do Projeto, que assim estava redigido: Os Conselhos
Seccionais poderão fixar tabelas de honorários sujeitando-as à homologação do Conselho
Federal. Essas tabelas prevalecerão, na falta de estipulação por escrito. O Relator Aloysio
de Carvalho, afirma em seu Parecer
que os dispositivos acima citados poderiam ser elementos perturbadores do convênio
entre as partes ou do arbitramento judicial (...) e que o preceito sobre tabela de
honorários, assim inserto no Projeto, não se compatibiliza, de certo modo, com o
sistema que o mesmo Projeto preconiza para a cobrança, em geral, desses honorários
de advogado671 Isto porque se houver acordo escrito entre o cliente e o advogado é
este acordo que prevalecerá, se não houver acordo escrito será o arbitramento judicial
em percentagem sobre o valor da causa que decidirá.
Em qualquer das hipóteses, de que servirá a tabela, senão como pura orientação,
a ser seguida ou desprezada. Com estes argumentos, sua emenda pela supressão do artigo
102, foi aceita pelo Senado e pela Câmara, onde o Projeto voltara a se discutido,
resolvendo-se, finalmente, subtrair do Projeto que veio a se transformar em Lei.
672
Como inicialmente apresentamos a contrapartida do recebimento de honorários,
num quadro mais amplo, reconhecendo-se, no contexto geral da profissão está a assistência
judiciária gratuita como política afirmativa da ação social dos advogados da OAB.
670
Parecer nº 284, de 1962, op. cit., p. 16 a 18.
671
Ibid., p. 17.
672
Na Lei nº 4215 esta matéria veio a ser regulamentada na forma dos artigos 96/1002, mantendo a orientação
que prevaleceu nos entendimentos entre os membros e relatores na Câmara e no Senado. A Lei nº 8906, de 4
de julho de 1994 (novo Estatuto da Advocacia e da OAB) em essência manteve a mesma orientação,
procurando, todavia, ser mais explícita nos casos de honorários de sucumbência (êxito), orientação suspensa,
todavia, pela ADin nº 1.194.4, do STF. Acrescente-se, ainda, que foi este recente Estatuto que, pela primeira
vez, tratou da regulamentação dos direitos e deveres dos advogados empregados, especificamente
reconhecendo a relação de emprego de advogados, fugindo ao tradicional reconhecimento liberal da profissão,
mas atraindo-os para a órbita corporativa da OAB, definindo que sentença normativa fixará, e necessário
salário profissional e jornada de trabalho, inclusive honorários de sucumbência, limitados a situações
específicas na forma da ADin citada.
412
3.5. Tribunal de Ética
Na forma dos regulamentos anteriores, as questões ético-profissionais estavam
sob os cuidados de comissões, mas o Projeto de Estatuto, definitivamente no Senado,
evoluiu para se criar órgão específico de aplicação das medidas disciplinares, objetivo
essencial da defesa do ideal estatutário, cabendo, às seccionais a definição de seu
funcionamento.
O Instituto dos Advogados de São Paulo, ainda no correr dos debates de
emendas ao Projeto no Senado, sobre a presidência de José Barbosa de Almeida, mandou,
segundo o Relator Aloysio de Carvalho, um Ofício (de 4 de abril de 1962) ao presidente da
Comissão de Constituição e Justiça do Senado, sugerindo (a criação) a manutenção do
Tribunal de Ética Profissional, de que cogita o atual Regulamento da Ordem.
673
Nas
seccionais as sugestões com o teor abaixo indicado, foi acatada com visível entusiasmo
pelo Relator e sua Comissão:
(...) Onde couber. Acrescente-se um artigo com a seguinte redação. Art. Os Conselhos
Seccionais poderão constituir, pela forma determinada nos respectivos regimentos
internos, um Tribunal de Ética, com atribuição de orientar e aconselhar sobre ética
profissional os inscritos na Ordem, cabendo-lhe conhecer concretamente, da imputação
feita ou do procedimento susceptível de censura, – desde que não constituam falta
disciplinar definida em lei.674
Levada a matéria à votação ficou com a seguinte redação que veio a ser
instituída no novo Estatuto de 1963:
Os Conselhos Seccionais poderão constituir pela forma determinada nos respectivos
regimentos internos, um Tribunal de Ética, com atribuição de orientar e aconselhar
sobre ética profissional os inscritos, na Ordem, cabendo-lhe conhecer, concretamente
da imputação feita ou do procedimento suscetível de censura, desde que não constituam
falta disciplinar definida em lei.
Neste sentido, o Estatuto dispôs no:
673
Ibid., p. 34.
674
Anais da Câmara dos deputados. Sessão de 4 de setembro de 1962, pp. 405 a 441, vol. XIX, p. 441.
413
Art. 31 Os Conselhos Seccionais poderão constituir pela forma determinada nos
respectivos regimentos internos um Tribunal de Ética, com atribuição de orientar e
aconselhar sobre ética profissional. Os inscritos na OAB, cabendo-lhe conhecer
concretamente da imputação feita ou do procedimento suscetível de censura, desde que
não constituam falta disciplinar definida em lei.
Como se verifica, ficou a redação supra na forma da redação ipsis literis da
última fase do Projeto.
675
Finalmente, de qualquer forma, estavam definidas as bases do mais importante
mecanismo de defesa do ideário disciplinar, referenciado historicamente no Código de
Ética e Disciplina, que regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente e
os demais profissionais, bem como as regras gerais de urbanidade e procedimentos.
676
3.6. A Sanção Presidencial do Novo Estatuto
O Deputado Milton Campos, relator do Projeto nº 1751, de 22 de agosto de
1956, apresentou a seu relatório final à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados em 26 de novembro de 1959, ao qual estavam anexados na forma do Ofício nº
211-59 de 20 de novembro de 1959, assinado por Oliveira Brito, os seguintes projetos que
tratavam de assuntos correlatos:
1) Projeto número 1.025-59, do Senhor Anísio Rocha, que revoga a Lei número
794, de 29-8-49, que dispõe[unha] sobre a inscrição de provisionados na Ordem dos
Advogados do Brasil; 2) Projeto número 1.242-56, do Senhor Antônio Carlos, que
regula[va] o exercício da profissão de advogado pelos solicitadores com mais de vinte anos
de atividade; 3) Projeto número 4.078-58, do Senhor Gurgel do Amaral, que dispõe[unha]
sobre a cobrança de honorários dos advogados; 4) Projeto número 660-55, do Senhor
675
Anteriormente, dispunha: Art 29 Ao Conselho Seccional cumpre exercer, na falta do Tribunal de Ética, as
atribuições a estes conferidas (art. 31).
676
Foi o Estatuto de 1994 (Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994) que, todavia, definiu o corpo de funcionamento
do Tribunal de Ética e Disciplina resguardando, todavia, exclusivamente, ao conselho seccional, o poder de
punir disciplinarmente os advogados, cabendo recurso ao Conselho Federal.
414
Campos Vergal, que dá nova redação aos artigos 10, 11 e 4 do Regulamento da Ordem dos
Advogados do Brasil
677
(Decreto número 22.478, de 20-2-33).
678
Na sessão de 18 de fevereiro de 1960,
679
o Projeto nº. 1751/56 foi votado em
primeira discussão no plenário da Câmara dos Deputados, conjuntamente com os projetos
apensos ao Relatório de Milton Campos. Na sessão de 29 de agosto de 1961, foi
apresentada para votação a redação final do Projeto de Lei nº 1751/56, com mínimas
alterações com relação ao documento da CCJ, da mesma forma, também, muito semelhante
ao Anteprojeto da OAB, embora com alterações significativas em alguns poucos casos.
As discussões na Comissão de Justiça da Câmara e, muito especialmente, o
Relatório Final do Deputado Milton Campos, contribuíram decisivamente para o
amadurecimento substantivo e formal do ideário profissional dos advogados, permeando,
sem deixar de reconhecer as tradicionais conquistas, o Regulamento de 1931/33, pelos
postulados liberais que influíram na Constituição de 1946, sem, todavia, fortalecer a prática
assistencialista herdada do IOAB da República, e, de certa forma, também, já
menosprezada em 1933. As diferentes partes deste Capítulo dão provas suficientes que a
questão da natureza da Ordem, digamos mesmo, da natureza política (e jurídica), se não
estava, definitivamente superada avançou à medida que se redefiniu o conceito de
corporação profissional não estatal, ser-lhe admitindo maior autonomia e independência,
embora como serviço público federal.
No que se refere ao específico exercício da profissão ficavam cada vez mais
definidas as limitações para o exercício profissional dos “rábulas” (como categoria) sempre
acumpliciados com as estruturas de poder que ainda retinham competências para nomear
provisionados, mas que, gradualmente, os regulamentos de 1931/33 e o Estatuto de 1963,
foram suspendendo. Por outro lado, estabeleceram-se políticas de preparação dos
bacharelandos, abrindo espaço para a sua respectiva formação prática como solicitadores
ampliando o processo formativo dos futuros advogados.
677
Estes artigos tratam respectivamente das proibições e impedimentos para procurar em juízo, assim como
sobre as atribuições do Conselho Federal da OAB em todo território nacional, das seccionais e subseccionais
(ou sobre a inscrição no quadro de provisionados e solicitadores).
678
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 26 de novembro de 1959 (extraordinária noturna), vol. XXVII,
p. 235.
679
Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 18 de fevereiro de 1960, pp. 469 a 502, vol. IV e Sessão em 29
de agosto de 1961, pp. 99 a 128, vol. XX.
415
De outro lado, foram enormes os avanços na proposta final do Relator em
relação aos direitos dos advogados na defesa das partes e no exercício de suas próprias
funções, em relação aos juízes, se lhes reconhecendo uma verdadeira autonomia na
prestação de seus serviços substituindo os poderes punitivos e interventivos dos tribunais
na advocacia pelos poderes disciplinares da Ordem dos Advogados, especialmente das
seccionais com a criação dos tribunais de ética. Por outro lado, fortalecendo-se as políticas
de definição dos impedimentos e incompatibilidades para o exercício da advocacia abriram-
se novos espaços no estado ampliando a autonomia do exercício de importantes funções
públicas, o que, contribuiu para o fortalecimento da sociedade civil em relação ao estado e
do advogado como procurador de partes (civis) em demandas.
O Projeto nº. 1.751/56, assim que tramitara no Senado como Projeto nº 152/61,
foi remetido, após novas apreciações das emendas do Senado, pela Câmara dos Deputados,
no cumprimento das disposições regimentais, ao Presidente da República, na forma de sua
redação final, que incorporou, como já verificamos, em parte, algumas sugestões do
Senado. O Presidente João Goulart, todavia, vetou o art. 149, que dispunha: É ressalvado,
aos atuais inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, o direito do exercício
da profissão, nos termos da inscrição em vigor, na forma da Mensagem nº 64, de 1963 (nº
82 de 1963 na Origem), também, assinada pelo Ministro da Justiça João Mangabeira:
Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal (...) A supressão do art. 149 se justifica porque
não se deve manter sob regimes jurídicos diferentes uma mesma categoria profissional.
Os motivos que inspiraram o referido art. 149 teriam visado a garantir aos servidores
públicos suposto direito adquirido a advogar perante os Tribunais contra a Fazenda
Nacional. Nessa matéria deve ser mantido um critério uniforme em relação aos antigos
e aos novos profissionais da advocacia, uma vez que todos de ora em diante terão a sua
atividade profissional regulamentada pelo Projeto de Lei que estou tendo a honra de
sancionar, com exclusão dessa única disposição. São estas as razões que me levaram a
vetar, parcialmente, o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos
Senhores Membros do Congresso Nacional. Brasília, 27 de abril de 1963. João
Goulart.680
Na evidência do veto presidencial o Presidente da OAB de Pernambuco, José
Cavalcanti Neves, endereçou ao Congresso Nacional um memorial com o título “Um Veto
Inconstitucional e Discriminatório”. A seguir transcrevemos alguns trechos do documento:
680
GUEIROS, op. cit., p. 301.
416
(...) O Sr. Presidente da República vetou o art 149 sob a alegação de que estabelecia
diversidade de tratamento entre advogados atuais e os que futuramente exercerem a
profissão, já então enquadrados nas proibições do novo Estatuto. Enquanto isso,
manteve o art. 150, que adota idêntico critério em relação aos provisionados. (...)
Inconstitucional resultaria a aplicação da lei, tal como sancionada sem a ressalva, que
nela se quis acentuar e o veto [que] se propõe minimizar, de que fiquem resguardadas
as situações jurídicas constituídas em relação ao âmbito de exercício profissional dos
atuais integrantes da classe dos advogados.
Continua José Cavalcanti Neves, futuro Presidente do Conselho Federal:
Desnecessário será, por certo, insistir na conceituação de direito adquirido como
limitação anteposta pelo art. 141, § 3º, da Lei Maior681 à incidência da lei ordinária.
(...) De um lado, o veto repudiou o princípio e a configuração de um direito adquirido,
inquestionável na tradição jurídica, recomendado por uma razão de justiça e indicado
pelo propósito de estabilidade e segurança das situações, fim primordial de todo o
direito. De outro lado, deixa intocada a norma que não apenas sublinha o mesmo
princípio, mas dele extravasa, para acrescentar vantagens que inexistiam, concedendo
aos provisionados um novo status, acima do que lhes é atualmente atribuído. (...) Ao
formular este apelo a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Pernambuco, reafirma
sua confiança no Congresso Nacional que, em sua alta sabedoria e conhecimento da
realidade brasileira, há de, considerando a valia dos argumentos aqui expostos, rejeitar
o veto presidencial aposto ao art. 149 do Projeto de Lei nº 1.751, não só em respeito à
Constituição Federal, mas também por imperativo dos altos interesses da administração
da Justiça. Recife, 20 de maio de 1963. José Cavalcanti Neve. Presidente. Seção de
Pernambuco.682
Com o apoio dos advogados e com a sanção da OAB Federal à iniciativa da
OAB de Pernambuco, o Congresso Nacional rejeitou o veto presidencial, ficando o texto da
Lei retificado pelo Presidente da República conforme transcrito na Lei nº 4.215 de 27 de
abril de 1963 (parte vetada pelo Presidente da República e mantida pelo Congresso
Nacional, do Projeto que se transformou na Lei nº 4.215, de 27.4.63 que dispõe sobre o
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e regula o exercício da profissão de
Advogados)
681
Dispõe o art. 141 do C.F. de 1946. “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade,
nos termos seguintes”.
682
GUEIROS, op. cit., pp. 303, 305 e 306.
417
O Presidente da República,
Faço saber que o Congresso Nacional manteve e eu promulgo, nos têrmos do art. 70, §
3º, da Constituição Federal,
683
o seguinte dispositivo da Lei nº 4.215, de 27 de abril de
1963: Artigo 149 E’ ressalvado, aos atuais inscritos nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil, o direito ao exercício da profissão, nos têrmos da inscrição em
vigor”. Brasília, 7 de junho de 1963; 142º da Independência e 75º da República. JOÃO
GOULART [Presidente da República] JOÃO MANGABEIRA [Ministro da Justiça]
Aparentemente esta discussão é uma simples firula jurídica, no entanto, ela
traduz aspectos históricos da maior significância para a constituição da OAB e para a
construção do Estado brasileiro. É claro que a discussão em si põe em confronto alguns
princípios jurídicos essenciais ao funcionamento do Estado, como o (princípio do) direito
adquirido e o princípio da isonomia, denotando, na mesma Lei, a opção circunstancial por
um por outro dos princípios pelas autoridades legislativas e executivas. Mas, o mais
obscuro, todavia, é que estas opções traduzem opções políticas e ideológicas, muitas vezes
difíceis de serem identificadas ou, até mesmo, identificáveis.
Esta Lei da Advocacia tramitou no Congresso Nacional em fase dificílima de
nossa história, muito facilmente permitindo-nos identificar a derrocada do modelo
estrutural corporativista nos debates, ou até a incorporação de dispositivos dos
Regulamentos de 1931/33. Por outro lado, são nítidas as aberturas da Lei para uma
concepção liberal do Estado brasileiro (da época) e do próprio Estatuto da OAB,
viabilizando uma paradoxal convivência, assim como nos últimos meses da tramitação do
Projeto, especialmente quando da sanção, já ficam visíveis as influências trabalhistas,
principalmente, na radicalização contra os sintomas patrimonialistas remanescentes na Lei
nº 4215, de 27 de abril de 1963.
Finalmente, recupere-se: esta Lei iniciou sua tramitação no Governo Juscelino
(1956 a 1960), evoluiu no rápido Governo Jânio Quadros (1961.1 a 1961.8), prosseguiu,
após sua renúncia (25.8.61), durante a solução parlamentarista com João Goulart Presidente
(Chefe de Estado) e como primeiro-ministro (Chefes de Governo): Tancredo Neves,
683
Assim dispõe o art. 70 da CF/46: Nos casos do art. 65, a Câmara onde se concluir a votação de um
projeto enviá-lo-á ao Presidente da República, que, aquiescendo, a sancionará. E, respectivamente, o § 3º:
Comunicado o veto ao Presidente do Senado Federal, este convocará as duas Câmaras para, em sessão
conjunta, dele conhecerem, considerando-se aprovado o projeto que obtiver o voto de dois terços dos
Deputados e Senadores presentes. Nesse caso, será o projeto enviado para promulgação ao Presidente da
República.
418
Hermes Lima, Brochado da Rocha (2.9.61 a 6.1.63).
684
Foi sancionada 4 (quatro) meses
após a restauração presidencialista, pelo Presidente João Goulart (6.1.63 a 1º.4.64), 15
(quinze) meses após o golpe militar de 31 (1º) de abril de 1964, onde estiveram aliados no
movimento “cívico” militar, a OAB, grupos conservadores religiosos e militares,
comprometidos com o projeto do Estado de Segurança Nacional.
Conclusão
Aparentemente, este Capítulo poderia ter (tido) uma estrutura mais concisa e de
menor extensão. No entanto, optamos por manter uma estrutura mais extensiva como
especial forma de fazer dos pronunciamentos parlamentares e relatórios na Câmara dos
Deputados e Senado as nossas próprias linhas descritivas, reservando-nos os opinamentos
críticos e hermenêuticos, inclusive, sobre a legislação citada, como especial forma de
desvendar os seus próprios objetivos e sentidos. O Capítulo evoluiu em função de 4
(quatro) vertentes que procuramos classificar em grandes itens (e seus diferentes subitens):
os relatórios sobre os Anteprojetos de Estatuto no Conselho Federal da OAB; o Projeto de
Estatuto na Câmara dos Deputados; o Projeto de Estatuto no Senado Federal e a sanção
presidencial. Esta subdivisão nos permitiu com mais rigor metodológico identificar as
razões ideológicas que presidiram a lógica dos compartimentos políticos que trabalharam o
Projeto, assim como as razões históricas que deram a este debate parlamentar a sua
dimensão política moderna, contribuindo para sobrepor o Estado de Direito ao velho
patrimonialismo estamental.
Este Capítulo ficou, por isto mesmo, essencialmente marcado pelas discussões
que envolveram as análises do relatório do Anteprojeto de Nehemias Gueiros, no Conselho
Federal da OAB, e seu encaminhamento e conseqüentes debates no Congresso Nacional,
até a sanção pelo Presidente da República. Por outro lado, o Capítulo deixa evidente a
684
Este período ficou marcado pela rejeição do nome do deputado trabalhista (por Minas Gerais) F.C. San
Tiago Dantas, que, à época, reconhecido como esquerdista pela UDN, procurou, distinguir como esquerda
positiva (o que em tese ele próprio integrava) e esquerda negativa, possivelmente constituída pelos socialistas
e comunistas em todos seus matizes.
419
ascensão da ideologia liberal democrática, como ideologia jurídica, com a promulgação da
Constituição de 1946, e o conseqüente desmonte (dos resíduos do autoritarismo do Estado
Novo e) dos resquícios estamentais da burocracia do Estado patrimonialista, assim como,
pelo esfacelamento da própria liberal democracia, que mergulhou em crise profunda,
especialmente, a partir de 1965, coincidentemente com a exoneração de Milton Campos,
Ministro da Justiça, ex-Relator do Estatuto da OAB, na Câmara dos Deputados, após a
edição do Ato Institucional nº 2/65, influenciado por Nehemias Gueiros, o que se
aprofundou com o impedimento de Pedro Aleixo, revisor do Estatuto na Câmara dos
Deputados, para assumir a Presidência da Republica com a “doença” de Costa e Silva,
quase que imediatamente após o Ato Institucional nº 5/68.
A tramitação do Projeto de Estatuto viveu momentos diferentes, não
propriamente divergentes, mas com situações pontuais contraditórias, entre o texto do
Conselho Federal, e a sua tramitação, provocada por Juscelino Kubitschek, em 1957, na
Câmara e no Senado, e sua sanção, em 1963, com o veto parcial do Presidente João
Goulart, revisto na Câmara e, posteriormente, por ele próprio promulgado. Estas
divergências, todavia, não impediram a sua continuação articulada, conseguindo alcançar
seus objetivos finais, especialmente concentrados na definição da autonomia da OAB e na
definição das incompatibilidades e impedimentos para advogar e exercer atividades
públicas, o fulcro referencial de resistência ao Estado patrimonialista ao novo Estado de
Direito.
Os relatórios no Conselho Federal, liderados pela posição de Nehemias Gueiros,
na verdade, mais se classificam como uma rebelião política (expositivamente conservadora)
aos regulamentos outorgados pelo período revolucionário (de 1930 a 1933) e, inclusive,
imediatamente após a promulgação da Constituição de 1934 (Código de Ética). Todavia,
tomando como referência o pronunciamento de Nehemias Gueiros, relator do Projeto, na
presença do Presidente da República Juscelino Kubitschek, em agosto de 1956, na verdade,
verifica-se que, paradoxalmente, ele pretendeu impedir a interferência dos juízes no
exercício da advocacia e ampliar as incompatibilidades e impedimentos para servidores e
funcionários advogarem, procurou ainda recuperar a natureza (ou um conceito) corporativo
da OAB fortemente fechada, influenciada pelo conceito de corporação de ofício e da
420
cavalaria medieval, o que, efetivamente, não se formou na evolução da discussão do texto
geral do Anteprojeto e do Projeto na Câmara e no Senado.
O Anteprojeto mais se concentrou na definição compreensiva da OAB como
corporação, mas evoluiu na redefinição das incompatibilidades e impedimentos para
advogar, na exata linha reativa ao Estado patrimonial e oligárquico, o que efetivamente
influenciou as posições do Relator Milton Campos, na Câmara dos Deputados, que,
inclusive, se esmerou na construção hermenêutica da natureza jurídica da OAB. Milton
Campos procurou esvaziar a confusa sugestão conceitual corporativista originária e mais se
aproximou da posição de Miguel Seabra, como se verifica em seu discurso de despedida da
presidência da OAB, que, a reconhecia, mais como serviço público federal, na exata forma
do regulamento anterior (1933), mais prudente e funcionalmente mais hábil, que, todavia,
em 1994 sofrerá, como veremos, transformação radical e profunda.
Assim, não há como desconhecer que o Relatório de Milton Campos não
evoluiu em linhas díspares dos regulamentos anteriores, muito embora deixe visível que a
opção pela natureza jurídica da OAB, como serviço público federal, demonstrar que os
Regulamentos de 1931/33, também não fizeram uma opção (jurídica) que reconhecesse na
OAB uma natureza corporativista, como pretendeu Nehemias Gueiros. As dificuldades que
nasceram desta divergência conceitual foram, todavia, saneadas pela habilidade do
Relatório de Milton Campos, que não evoluiu para o radicalismo conceitual do Anteprojeto
e aperfeiçoou os regulamentos anteriores, definindo que a OAB teria personalidade jurídica
própria e seria independente da União, ao mesmo tempo que se organizaria federativamente
fortalecendo, também, a proposta que estava no Anteprojeto, no que se referia à eliminação,
na forma de incompatibilidade e impedimentos, do exercício de funções públicas e privadas
por advogados, fortalecendo a concepção (liberal formal) de Estado de Direito. Na verdade,
tanto o Anteprojeto do Conselho, como o Projeto na Câmara, tramitaram na linha de se
colaborar para a descontrução do Estado patrimonialista com o objetivo de se construir um
Estado de Direito infenso a qualquer objetivo ou natureza corporativista, aliás, sem que
haja qualquer conexão de meios, continuar fazendo o que se fizera em 1930/34.
Os pronunciamentos e relatórios no Senado, coordenados pelos Senadores
Aloysio de Carvalho e Afrânio Lages, não se restringiram a essa linha argumentativa
demonstrando grande resistência a alguns aspectos do Relatório Milton Campos,
421
procurando recuperar, genericamente, sob a influência do Vice-Presidente da Seccional de
São Paulo, Rui de Azevedo Sodré, uma posição muito próxima da resistência ao
patrimonialismo no que se refere ao catálogo de incompatibilidades e impedimentos para
advogar, paradoxalmente, numa posição conceitual, também, corporativista, próxima do
conceito institucional de Nehemias Gueiros, acentuadamente conservador e fechado. Os
debates sobre o Estatuto, por conseguinte, no Senado, mostraram que os documentos
anteriores não exploraram as divergências entre as posições liberais mais abertas à questão
democrática do Estado de Direito e de correntes conservadoras de vocação corporativista.
A posição adotada pelo Senado não obteve, todavia, sucesso na ação revisora, na Câmara
dos Deputados, comandada por Pedro Aleixo e foi ao Presidente João Goulart na marcante
posição da Câmara dos Deputados.
De qualquer forma, ao nível da sanção presidencial, a tramitação foi
harmoniosa, apesar do já manifesto contraste político entre os trabalhistas no Poder
Executivo, em regime presidencial pleno, e os udenistas, no Congresso Nacional. João
Goulart sancionou o projeto, no seu alcance histórico, mais pelo seu antipatrimonialismo do
que pelo seu comprometimento com o (formalismo) do Estado de Direito, frágil nas suas
tênues linhas. Vetou, no entanto, o dispositivo que transpunha direitos adquiridos no
estatuto anterior, conforme pretendida Nehemias Gueiros, para o tempo de vigência do
novo Estatuto, o que foi corrigido na revisão, constitucionalmente imposta, pela Câmara
dos Deputados. Exceto este fato, em si meramente circunstancial, não se identifica maiores
desencontros na reta final, entre liberais e trabalhistas, exceto, é claro, como indicador de
grande crises passadas (a crise do Estado Novo, o desastre getulista de agosto de 1954, a
transferência da Capital para Brasília) e a grande crise institucional futura.
Na verdade, os liberais da OAB, apesar da contribuição no texto constitucional
de 1946, não conseguiram efetivamente contribuir para a consolidação do Estado de Direito
no Brasil, devido às tantas lacunas do texto constitucional. Estas lacunas deixaram espaços
abertos para a mais coercitiva (coativa) das hermenêuticas: a ação militar, e as mais
esdrúxulas alianças, seja entre os militares e liberais udenistas, seja entre os trabalhistas e
pessedistas conservadores, para sustentar uma frágil ordem constitucional, apoiada, ora na
retórica (ilustrada) trabalhista, ora no peleguismo sindical em continuado confronto com as
armas (ensarilhadas). O fracasso do Estado de Direito (formal), que os próprios liberais
422
ajudaram a desmontar, não era uma convicção de estado, ou melhor não era uma convicção
da intelligentzia política brasileira, estivesse em que posição estivesse.
Por estas razões, finalmente, não se construiu propriamente um Estado de
Direito sobre os escombros do Estado patrimonialista, após a tentativa do autoritarismo
positivista (getulista), mas retomou-se o projeto de um novo autoritarismo: o Estado de
Segurança Nacional, que provocará as reações e ações futuras da OAB.
423
CAPÍTULO VI
A OAB E A CRISE DA LIBERAL DEMOCRACIA
Introdução
Este Capítulo estuda a desarticulação da ordem constitucional de 1946, a partir
do processo de sucessão presidencial liderado pelo governador Juscelino Kubitschek, de
Minas Gerais ,e as tantas resistências que se lhe foram opostas pelo lacerdismo militante e
por grupos militares seccionistas. Pelas razões específicas do processo político, ficará,
também, a primeira parte do Capítulo, marcada pela posição assumida pelo Ministro da
Guerra General Teixeira Lott, que, efetivamente, foi o condestável da presidência
Juscelino, que, teria sido vítima, de incalculável revés, não fosse o contra-golpe de 11 de
novembro de 1955.
O Capítulo, no fundo, evoluiu para completar, com diferenciação própria, o
Capítulo antecedente marcado pela análise do Estatuto da OAB de 1963, influenciado pela
ascensão liberal-democrática, que, por sua vez, influenciou na construção do Estado de
Direito, mas não viabilizou o governo presidencial dos liberais, nem muito menos
contribuiu para a consolidação da Constituição de 1946. Esta Constituição, todavia, mais
favoreceu o pacto getulista, que, sucessivamente elegeu os presidentes Eurico Dutra, o
próprio Getúlio Vargas, Juscelino e Jânio Quadros, que, renunciando, devolveu o poder aos
petebistas (e pessedistas) como João Goulart, vice-Presidente eleito na chapa presidencial
do candidato a Presidente derrotado Henrique Teixeira Lott. Como observamos,
anteriormente, as tantas lacunas políticas da Constituição de 1946, muito especialmente não
definindo o quorum da eleição presidencial, e admitindo a eleição em separado dos
candidatos a Presidente e Vice-Presidente, mais contribuiu para a instabilidade do regime
do que para o seu sucesso.
A participação da OAB, neste período, em específico, foi analisada em
capítulos anteriores, principalmente quando estudamos a I e a II Conferências e a
transferência da Capital Federal para Brasília, mas, de qualquer forma, a crise da liberal
democracia ou do Estado de Direito, como alternativa histórica ao autoritarismo, provocou
424
o envolvimento político da OAB, além dos seus limites internos e muito além de suas
expectativas estatutárias. Assim, a pretexto de resguardar o estado constitucional liberal
democrático, que estaria sofrendo “novas” escaladas autoritárias (e golpistas),
685
os
advogados militantes da OAB, em paradoxal manobra, aderiram à “marcha cívica” que
levou ao mais radical dos autoritarismos modernos: o Estado de Segurança Nacional.
Por isto, finalmente, mesmo que incidentalmente, porque este é um Capítulo de
passagem, no especial rito de transição, as observações dos itens finais não apenas
destinam-se a avaliar, comparadamente, as novas perspectivas estatutárias, mas também o
imediato envolvimento da OAB no movimento cívico-militar de 1964, que acabou por
levar sua liderança liberal-radical e conservadora ao constrangimento de desambientar,
sendo dela a sua própria criação, a Constituição de 1946, frente à expansão ascendente do
Estado de Segurança Nacional.
1 – Preliminares Compreensivas
As alianças políticas que favoreceram a Assembléia Constituinte de 1945/46 e
permitiram a convivência entre liberais e trabalhistas, comunistas, socialistas, e
conservadores, traduzidas em diferentes partidos, dos mais diferentes matizes ideológicos,
liderados por políticos que ascenderam no getulismo, e outros tantos, que o enfrentaram
pela esquerda e pela direita, dissolveram-se, pela força emergente do confronto entre as
duas novas potencias mundiais: os EUA, capitalista, republicano e liberal democrático e a
URSS, socialista e soviética, na sua carga conotativa. As novas dimensões deste confronto,
esboçadas na guerra fria, fragilizaram. A estabilidade liberal-constitucional de 1946,
afastados os comunistas eleitos em eleições populares do Congresso em 1947, marcou a
primeira grande crise política do novo regime, sob a presidência do General Eurico Dutra.
685
João Goulart não tinha uma proposta de ruptura com a legalidade, mas, para alcançar resultados efetivos
nas suas propostas de mudança, determinou a elaboração de Mensagem que enviou ao Congresso por ocasião
da abertura da sessão legislativa de 1964, convocando, para imediatamente após, comício no Rio de Janeiro
no dia 13 de março. A relação de uma coisa com a outra levou as elites de oposição a presumir a articulação
de um putch. A Mensagem foi retirada. BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart: as lutas sociais no
Brasil 1961- 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 162.
425
Neste sentido, o Tribunal Superior Eleitoral TSE, pressionado pelas frações
anticomunistas que se fortaleciam no Congresso, apoiando-se em parte do § 5º (não será,
porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem
política e social, ou de preconceitos de raça e de classe) do art. 141, da Constituição de
1946, baixou a Resolução TSE nº 1841, de 7 de maio de 1947, que cancelou o registro do
Partido Comunista do Brasil PCB, que foi para a clandestinidade, sendo que a Lei nº 648,
de 10 de março de 1949, mandou preencher as vagas do Deputado que tiveram o seu
mandato subtraído.
Neste mesmo período, imediatamente antes, e após, iniciam-se os primeiros
confrontos, na vigência do regime constitucional, senão com a OAB, diretamente com
dirigentes e militantes. Assim, por exemplo, o presidente da seção paraense da OAB, que
era, também, deputado estadual, reivindicou junto do Conselho Federal medidas contrárias
às agressões perpetradas contra a sua pessoa. Nesta mesma trilha, o advogado Aristides
Saldanha, que, em 1948, encontrava-se em Alagoas para defender judicialmente um grupo
de parlamentares comunistas, afirma, como se verifica em Ata, ter sido vítima de um rapto.
Segundo a sua versão, além de amordaçado, amarrado nos pulsos e coberto com um saco na
cabeça, foi também ameaçado de morte e abandonado em uma estrada de Pernambuco,
provavelmente por capangas a mando (porém) do Governador alagoano.
686
Os documentos internos, nestes casos, demonstram que houve o apoio da OAB,
assim como, por exemplo, quando o conselheiro Letácio Jansen passou a ser pressionado
em 1948, como está em Ata de 1957 por uma autoridade policial, que desejava descobrir o
paradeiro de um cliente seu. Aquela autoridade – discípula de Himmler e da G.P.U.,
segundo o conselheiro – queria levá-lo a quebrar o sigilo profissional, o que não conseguiu.
No Conselho Federal, Letácio Jansen justificou a sua atitude e defendeu as prerrogativas
legais da atividade advocatícia com as seguintes palavras: Se o advogado defende o
acusado, insinuam que o favorece. Se lhe aceitou procuração, propalam cumplicidade: é a
686
Ata da Sessão da Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de 27 de
abril de 1948.
426
coação contra o profissional da advocacia, é a solércia, é a incompetência rilhando os
dentes contra a nossa profissão.
687
Superada esta fase, a partir de 1950, com a própria candidatura e eleição do
velho caudilho Getúlio Vargas, em aliança do PTB com o Partido Social Progressista
PSP, onde estava filiado o seu Vice Café Filho, e com as forças pessedistas conservadoras,
mas, também com o tácito apoio dos comunistas, o trabalhismo nacionalista, estatista e
desenvolvimentista recuperou forças políticas com a eleição de Getúlio Vargas para
Presidente da República, em lídima vitória contra a UDN, representada pelo candidato
Brigadeiro Eduardo Gomes, antigo militante do tenentismo e fundador da Força Aérea
Brasileira, apoiado pela classe média urbana, era a mais evidente demonstração que a
Constituição de 1946 e a legislação eleitoral sucessiva (Código de 1950) não produzira
barreiras para deter a força populista do voto majoritário. A vitória trabalhista-getulista
passava a representar alguns significativos problemas: em primeiro lugar, a execução de
uma proposta de governo estatista-nacionalista, no contexto da ordem jurídica
constitucional-liberal, e, em segundo lugar, a crescente resistência do parlamento udenista
com o apoio da OAB, ao projeto nacionalista de Getúlio, que não incentivava a livre
iniciativa com a participação do capital estrangeiro e, por fim, provocara o acirramento da
oposição dos militares que pretendiam implementar um programa de segurança nacional
(anticomunista) sem Getúlio.
O acirramento, todavia, das lutas entre os udenistas e os seus simpatizantes
militares, marcadamente influenciados pelas políticas entreguistas, na palavra conotativa da
época, e os trabalhistas-nacionalistas, em esdrúxula aliança circunstancial com os
conservadores (“invernistas”)
688
e os comunistas, em 1954, levou Getúlio a pagar com sua
própria vida o confronto entre as duas grandes vertentes ideológicas da guerra fria.
Substituído pelo seu Vice-presidente, Café Filho, que após presidir as eleições
presidenciais, em 3 de outubro de 1955, quando foi eleito Presidente Juscelino Kubitschek,
687
Ata da Sessão da Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de 11 de
outubro de 1957, p. 5.
688
A palavra “invernista”, ainda resistente à linguagem histórica e sociológica, é muito comum entre
pecuaristas e agricultores que, com o processo natural da criação extensiva (e do cultivo), necessitam sempre
de novas terras com novas pastagens onde o contacto com a criação (e o plantio) é esporádico, ou a longo
prazo, onde o gado é criado à solta. A invernada sempre foi uma forma de ocupação territorial natural e, ao
fim e ao cabo, acabava provocando a construção de estradas e pontes e novas vilas e cidades.
427
e o Vice João Goulart, numa aliança trabalhista-pessedista, derrotando o candidato
udenista, Juarez Távora, e seu Vice Milton Campos, se afastou, do governo, por motivos de
saúde vindo a ocupar, interinamente, a Presidência da República, conforme a Constituição,
o Presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz, embora do PSD mineiro comprometido
com o lacerdismo direitista, afastado, após tentativa de interromper a posse do Presidente
eleito, pelo contra-golpe preventivo do General Henrique Teixeira Lott, em 5 de novembro
de 1955,
689
então Ministro da Guerra.
Neste quadro de crise assumiu a Presidência o Vice-presidente do Senado
Nereu Ramos, que, respaldado pelo Ministro da Guerra General Henrique Teixeira Lott,
deu posse ao Presidente e o Vice-Presidente eleitos em 31 de janeiro de 1956, em sessão
solene no Congresso Nacional,
690
depois da posse nomeado Ministro da Justiça, assinou
com JK a Exposição de Motivos do novo Estatuto da OAB enviado ao Congresso em 1956.
O Presidente Juscelino Kubstechek manteve no Ministério da Guerra o General Henrique
Teixeira Lott, que, discretamente, acompanhou o mandato presidencial, e teve uma atuação
presente e serena nos atos de insuburdinação militar de Jacareacanga e Aragarças.
691
Vencidas estas dificuldades de instalação, especialmente as resistências udenistas
lacerdistas, inauguradas com o questionamento do quorum constitucional para presidente
689
O General Teixeira Lott foi mantido no Ministério da Guerra para onde fora nomeado em 26 de agosto de
1954 por Café Filho, sendo, na verdade, o agente estabilizador do período que sucedeu ao suicídio de Getúlio,
inclusive durante o próprio período inicial de JK. A sua colaboração para a estabilidade democrática foi tão
marcante que veio a ser candidato a Presidente da República em 1960, tendo como candidato o próprio Vice
de Juscelino, João Goulart, contra Jânio Quadros e Milton Campos (que fora, na Câmara dos Deputados,
relator do processo de estatuto, da OAB), sendo que vieram a ser eleitos Jânio Quadros e João Goulart de
chapas ex-adversas, devido ao permissivo constitucional. WILLIAM, Wagner. O soldado absoluto: uma
biografia do Marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 120-150.
690
Em todo este episódio de especial destaque à época o udenista H. F. Sobral Pinto, futuro líder dos direitos
humanos na OAB, especialmente funcionando como o algodão entre cristais, para evitar a grande crise que se
avizinhava, chegando mesmo a sugerir, na antevéspera da posse de JK, que o General Lott deveria cumprir
sua promessa passando à reserva, o que foi evitado pela ação de Armando Falcão e outros, embora Sobral
Pinto, mais tarde, houvesse reconhecido que cometera um erro, admitindo que o General não agiu por
ambição, mas para garantir a estabilidade política. Ver Diário de Notícias, de 29 de novembro de 1956.
691
Estes acontecimentos estão narrados na obra supracitada, atos do movimento revoltoso de militares da
Aeronáutica conta o governo Kubitschek, todavia dominado, apesar de sua razoável extensão e capacidade de
mobilização. Posteriormente o próprio presidente Kubitschek anistiou os revoltosos que voltaram à vida
militar. WILLIAM, op. cit., p. 173 e segs.
428
da República,
692
o governo buscou definir os seus rumos com a elaboração sucessiva do
Plano de Metas articulado pela meta síntese a “construção de Brasília”.
A habilidade política do Presidente Juscelino e a harmonização do quadro
político interno, viabilizaram uma proposta desenvolvimentista alternativa, compondo,
politicamente, forças (os invernistas) essencialmente ligadas à pecuária e à agricultura, as
conservadoras do PSD (Partido Social Democrático), e as forças sindicalistas do PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro), bem como frações do capitalismo nacional, abertas ao
desenvolvimento interno, inclusive com o apoio do capital internacional. Esta posição de
Juscelino, respaldada pelo condestável do regime, General Lott, venceu o paroxismo
politicamente aparente, abrindo-se para o sertão incorporou à economia novas frentes
agrícolas, demanda dos pecuaristas e agricultores de Minas e Goiás, e, construindo Brasília,
não apenas abriu espaços para a mão de obra nordestina migrante, tanto para dinamizar a
indústria paulista, que passara a receber grandes volumes do capital internacional, na
indústria automobilística e metal mecânica, como também, para a mão de obra que fluiria
para a construção de Brasília e povoaria o Planalto Central.
O Presidente Juscelino Kubitschek, nestes primeiros anos de seu governo,
estabelecera relações com o Presidente Miguel Seabra, Presidente da OAB, ex-
desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte e ex-Ministro da
Justiça de Café Filho, que incentivara a elaboração de anteprojeto de estatuto da OAB,
desde sua posse, ficando como relator Nehemias Gueiros. Em 1956, a partir de sua própria
iniciativa, o encaminhara, como já observamos, na sessão de posse do novo Presidente
Nehemias Gueiros, ao Congresso Nacional, onde ocorreram os efeitos e resultados que já
692
A Constituição de 1946, estranhamente, não dispunha sobre o quorum da eleição do Presidente da
República, nos artigos que especificamente tratam da matéria, o que provocou estes embates pré e pós-
eleitorais, devido ao fato de JK ter obtido, apenas, a maioria simples dos votos, levando o país a seria crise
política, como já observamos. O próprio Carlos Lacerda seguiu para um “doce” exílio nos Estados Unidos e o
Presidente interino, Nereu Ramos governou em estado de sítio que se prolongou até o início do governo JK. A
Emenda Constitucional nº 9, de 22 de julho de 1964, já no período revolucionário, alterou a redação dos
artigos que tratavam de eleição presidencial, fixando, no art. 81 que o presidente seria eleito por maioria
absoluta de votos, excluídos para apuração desta, os em branco e os nulos. No § 1º dispôs que não se
verificando a maioria absoluta, o Congresso Nacional, dentro de 15 dias, após receber a respectiva
comunicação do TSE (etc.), que seria considerado eleito, se, em escrutineo secreto, obtiver mais um dos votos
dos seus membros. Esta mesma emenda definiu que a data para a posse do Presidente da República seria no
dia 15 de março, em sessão do Congresso Nacional.
429
analisamos.
693
O ato de Juscelino, comparecendo ao Conselho Federal, não conseguiu,
todavia, debelar o radicalismo oposicionista infiltrado na OAB, que já se manifestara
imediatamente à sua posse, e, muito menos, alcançou a simpatia da OAB para a
transferência da Capital e dos tribunais para Brasília, núcleo histórico da crise entre a OAB
e o Poder Executivo instituído, o que não impediu, todavia, a tramitação do Estatuto na
OAB, que ficou como matéria dos liberais e conservadores udenistas sem qualquer
envolvimento parlamentar dos trabalhistas.
Politicamente, o Congresso assegurou a sucessão de Juscelino Kubitschek, não
propriamente por ceder ao General Henrique Teixeira Lott, seu Ministro da Guerra e
condestável do regime, mas pelo seu significado (dele) na manutenção da ordem
constitucional, dos resultados eleitorais e na posse de JK que, não podemos negar, evoluíra
na lacuna constitucional que, inexplicavelmente, não definia o quorum eleitoral
presidencial. O General Henrique Lott vinha de uma história de confrontos com os generais
da frente de guerra (2ª Guerra), organizados na ESG, e, historicamente, garantira a eleição,
a posse e o governo da antítese política dos ideais ascedentes de segurança nacional e, ao
mesmo tempo, do liberalismo antitrabalhista e desenvolvimentista. A força das
circunstâncias e o seu militarismo legalista o deslocam para uma posição nacionalista que o
levou a uma aliança com o getulista João Goulart, para Vice-Presidente, que mais o
deslocou dos ideais corporativos ascendentes na cúpula do exército, colocando-o na disputa
presidencial em confronto com o “bruxo” paulista, Jânio Quadros, um esdrúxulo resultado
eleitoral, eleito na legenda da UDN, Jânio Quadros, com apoio da sua própria e futura
contracena, o governador do (ex) Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, que tinha o apoio
presumido dos militares.
Vice-Presidente, o trabalhista João Goulart, derrotou Milton Campos, Vice
udenista de Jânio Quadros, tendo em vista que a Constituição brasileira de 1946 (arts.
78/86) não exigia que os eleitos para Presidente e Vice-Presidente da República,
integrassem a mesma chapa; as eleições de 1960 resultaram nesta esdrúxula situação
eleitoral, o Presidente, eleito pela UDN, partido liberal-conservador, Jânio Quadros, tinha
como Vice o trabalhista João Goulart, uma dentre tantas causas do movimento militar de
693
Ver, neste mesmo Capítulo, itens e subitens antecedentes.
430
1964. O paradoxal cenário eleitoral imediato demonstrava que qualquer instabilização,
mesmo superficial, na estrutura de governo, poderia resultar em profundos e complexos
abalos estruturais, o que, efetivamente, ocorreu com a precipitada renúncia de Jânio
Quadros, dividido entre as forças trabalhistas e esquerdistas ascendentes
694
e a pressão da
direita lacerdista e dos militares. Certo que, renunciando, governaria autoritariamente com
os generais, foi engolido pela crise, cedendo o espaço político ao Vice João Goulart frente
ao crescimento conflitivo do movimento anti-sindicalista e de esquerda com a reação
anticomunista de 1964.
Os anos que sucederam a 1960 foram marcados pela mais profunda crise do
Brasil contemporâneo, os poderes econômicos procuravam o equilíbrio frente ao confronto
alternativo entre os modelos de livre concorrência e os modelos estatistas e socialistas,
assim como os projetos políticos dividiam-se entre os diferentes estatismos, superado o
monolítico modelo fascista, com a sua conseqüente derrota, em 1945, ao fim da Segunda
Guerra Mundial. As instituições políticas ainda não tinham reencontrado o novo modelo de
estado para enfrentar, economicamente, as crises da dependência capitalista e da
democracia liberal no contexto da guerra fria, com a rearrumação internacional das nações
vitoriosas na Guerra, após a afirmação de novas forças políticas e ideológicas, assim como
as disputas ideológico-partidárias no contexto da ruptura das aliaas internacionais com
efeitos internos, num quadro exatamente contrário ao ambiente político que desmontou a
ditadura Vargas e favoreceu o projeto democrático e liberal formalizado na Constituição de
1946.
Finalmente, apesar do significativo avanço da Constituição de 1946 em relação
às antecedentes, não pode mais desconhecer, dentre suas tantas qualidades, algumas
insuficiências políticas que determinaram o quadro crítico que levou a 1964: em primeiro
lugar, como já observamos, ela não definia o quorum eleitoral para a eleição do Presidente
da República; em segundo lugar deixava em aberto a vinculação partidária entre candidato
a Presidente e Vice, e, em terceiro lugar, nem ao menos explicitara o princípio do voto
majoritário como o tipo de voto para a eleição presidencial. O Código Eleitoral de 1950
694
Jânio Quadros procurou acalmar as esquerdas, quando, ainda em campanha, fez histriônica visita a Cuba e,
já no governo, condecorou Ernesto Che (ô meu) Guevara, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, também em
histriônico espetáculo, que deixou o próprio condecorado atônito.
431
(Lei nº 1164, de 24 de julho de 1950) não prestou, também, grandes contribuições na
colmatação destes espaços vazios, aliás deixando antever que as lacunas estavam num
quadro politicamente consciente, cujos espaços abertos mais traduziam intenções, posturas
e tendências conspiratórias.
Neste sentido, a Constituição de 1946, dentro de seu quadro circunstancial, era
um quadro aberto para o golpe, defende-la, era, também, defender, ou as lacunas ou a
instauração de poder que pudesse colmatá-las. Apesar do Código Eleitoral (de 1950)
esclarecer, por exemplo, complementarmente, que Presidente e Vice-Presidente, Senador e
suplente, Governador e Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito, e Juízes de Paz seriam
eleitos na forma do voto majoritário, inclusive, deputados territoriais, não esclareceu o
quorum de maiorias simples ou absolutas para as eleições majoritárias, mormente para
Presidente da República, muito embora seja bastante explícito quanto ao modelo
proporcional para a eleição dos deputados, cujo grande efeito, deixou de ser a
desconstrução distrital do poder oligárquico, para relativizar (ou proporcionalizar) os
resultados eleitorais majoritários.
695
Por outro lado, o Código de 1950 não explícitou, também, a vinculação
partidária entre Presidente e Vice e, mais ainda, promulgado após 1947 (data da suspensão
do Registro do Partido Comunista) do Brasil, vedou a organização e o registro de Partido
cujo programa ou ação contrarie o regime democrático e na garantia dos direitos
fundamentais do homem, assim como dispôs, ainda, que se cancelará o registro de partido
que, no seu programa ou ação vier a contrariar o regime democrático baseado na
pluralidade de partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem (§3º e art. 148),
dispondo, ainda que não podem alistar-se eleitores os que estejam privados temporária ou
definitivamente dos direitos políticos, e, ainda, dispôs: o TSE negará registro a partido que
contrarie os princípios democráticos, fazendo, por conseguinte, os comunistas cassados em
1947, inelegíveis (para sempre). O regime liberal democrático de 1946, funcionou, por
695
As políticas de proporcionalização de resultados eleitorais no Brasil tendo efeito determinante na definição
de políticas majoritárias e seus efeitos são decisões para as coalizões parlamentares quase sempre com
resultados conservadores.
432
conseguinte, não apenas com restrições pluripartidárias, mas também com exclusões
ideológicas.
696
2 – A OAB e o Trabalhismo Getulista
A renúncia de Jânio Quadros, premido pelas “forças ocultas”,
697
nas suas
palavras, após o governo democrático e desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek
(1956/61), em 25 de agosto de 1961 (em princípio o ano em que se realizaria a III
Conferência da OAB), é o mais nítido prenúncio de que o pacto constitucional de 1946, de
coloração visivelmente liberal e democrática, estava na sua reta final, suscetível às pressões
para preencher os espaços constitucionais vazios, (pelo lacerdismo e dos militares da ESG)
e trespassado pelo populismo janista (e ideologicamente inconseqüente) e pelo trabalhismo,
crescentemente tomado pelo sindicalismo oportunista (dos pelegos) e pelos movimentos de
esquerda, fortalecidos no cenário internacional pelos avanços indústriais da URSS, pelos
sucessos da revolução chinesa e pela vitória da revolução cubana em 1959, muito embora
continuasse o Partido Comunista (agora) Brasileiro na ilegalidade, apesar de sua ampla
infiltração nos movimentos e partidos políticos, no próprio estado, quando não nas frações
dissidentes mais radicais.
Os resultados das eleições presidenciais de 1960, denunciavam exatamente este
quadro de tendências políticas dissociáveis, que desarticulou o incipiente quadro partidário
e afetou profundamente o quadro de alianças, tanto da UDN, que decisivamente contribuira
para a eleição de Jânio Quadros, político populista de tendências pessoais autoritárias e
ideologicamente fragmentadas, como do Vice-presidente João Goulart, que ficara sem a
referência do presidenciável derrotado General Lott, consciente de seu papel militar na
696
BASTOS, Aurélio Wander. Fundamentos eleitorais do Estado brasileiro (1889/1950). USP/FFCHL,
1979/83. (mimeo).
697
As “forças ocultas” nunca foram indicadas pelo Presidente “renuncista” Jânio Quadros, mas os
desdobramentos políticos subseqüentes, desestabilização da ordem constitucional, deixou, historicamente, os
militares no trágico papel, principalmente, após a tentativa de impedir João Goulart de assumir
constitucionalmente o governo e, depois, assumindo o poder com o golpe de 31 de março/ 1º de abril de 1964.
433
estabilização política, mas condestável (inconsciente) da interiorização desenvolvimentista,
apoiado pelo trabalhismo getulista, comprometido com a velha máquina sindical, formada,
ainda, na ditadura (1937/45), aliada ao PSD, partido ligado às tradições rurais e
conservadores, profundamente resistente ao projeto das “reformas de base”, mas adepto
incondicional do “invernismo” territorial expansionista.
698
Na verdade, as tantas variáveis que flutuavam no contexto político
circunstancial desde período, desde as lacunas constitucionais, até os transtornos críticos
que envolveram a OAB e a mudança da capital, passando pela radicalização militar, que
levou ao presidencialismo parlamentarista
699
com Jango, em confronto com a crescente
mobilização militar, vistas na distância histórica, mostram que caminhava o país, para uma
profunda crise: estava desmontado o Estado patrimonial e o Estado liberal (formal) não se
segurara, não obtivera sucesso duradouro com o desmonte do Estado getulista (nas suas
multiformes manifestações).
700
Todavia, nas entranhas de ambos crescera o Leviathã como
sua(s) própria(s) negação: os liberais conservadores (organizados na OAB e na UDN, mas
sem espaço executivo) e os militares ressentidos, que não tiveram oportunidade executiva
imediatamente à guerra (organizados na ESG, mas rejeitados por Lott). Enfim, o ovo da
serpente estava na OAB e na ESG, apesar de suas outras tantas ramificações e das próprias
resistências corporativas.
698
O “invernismo” territorial expansionista não tem sido estudado como fenômeno econômico e sociológico
do Brasil dos anos de 1950 e 1960, como “ideário” dos agricultores e pecuaristas, em geral latifundiários de
Minas e Goiás, que viam nas grandes extensões territoriais de Mato Grosso (e do próprio Goiás) aos espaços
de crescimento que permitiriam a reprodução da renda (agrária) e evitariam a pressão ascendente pela reforma
agrária. O projeto Getúlio, no seu último governo, já antevia estas oportunidades quando assinara a Lei
1803, de 5 de janeiro de 1953, seguida do Decreto nº. 32.976, que criava a Comissão presidida pelo General
Aguinaldo Caiado, de família goiana, que localizaria a nova capital. Na área inicial estavam (triangulo do
Congresso) Goiânia, Goiás e Minas. Antes, todavia, ainda, em 1940 (7 de agosto) visitando Goiânia Getúlio
criou a Cruzada Rumo ao Oeste onde fala: O vosso planalto é o miradouro do Brasil. Torna-se imperioso
localizar no centro geográfico do país poderosas forças capazes de irradiar e garantir nossa expansão
futura. COUTO, op. cit., p. 49 e 46, respectivamente.
699
Ver nota 21 do Cap. IV desta obra.
700
Nesta mesma Tese demonstramos a íntima conexão da idéia parlamentarista com o Pacto de Pedras Altas
que, em 1923, para colocar fim às disputas entre chimangos e maragatos, quebrou o presidencialismo
presidencial da Constituição do Rio Grande do Sul, cujo positivismo inspirara Getúlio Vargas, com um certo
parlamentarismo estadual que pouco resistira, mas contribuiu para a formação de alguns políticos do Rio
Grande do Sul, dentre eles Raul Pilla, autor do Projeto de Emenda Parlamentarista que foi votado no
Congresso, após o esforço articulativo do Deputado Tancredo Neves, que garantia a posse de João Goulart na
Presidência da República em setembro de 1961.
434
Este quadro contrastante evoluirá, todavia, no futuro próximo (em curto prazo)
para um quadro de confrontos, que destruirá as instituições políticas e jurídicas brasileiras,
ora suportadas pelas oligarquias conservadoras, ora pelo liberalismo udenista, ora
ameaçadas pelas forças militares emergenciais e emergentes, nos seus diferentes e
sucessivos arroubos: 1922/24/26.27/30/35/45/55/64.68. Esta longa fieira de movimentos
que se desintegraram no tempo para se concentrarem, inicialmente, no getulismo
revolucionário, provocou a grande cisão dos movimentos militares comandada por Carlos
Prestes, que acabou, após a Coluna de 1926/27, no Partido Comunista do Brasil, fundado
em 1922, e, mais tarde, na articulação militar que se iniciou na renúncia de Jânio contra a
posse de João Goulart e se consolidou, inclusive, com alianças civis, arrastando a OAB, na
ocasião presidida por Alcino Salazar, para o movimento cívico-militar de 1964,
essencialmente antigetulista, antitrabalhista, anti-sindicalista, antiesquerdista e
anticomunista, os “ismos” do poder janguista.
Neste quadro de contradições, como prenúncio da posição dos advogados, o
Conselho Federal da OAB, em 29 de agosto de 1961, diante da grave crise da renúncia,
precursora da profunda crise institucional que sucedera a agosto de 1961, aprovou a
seguinte moção:
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, em face dos
gravíssimos acontecimentos que a Nação testemunha, reafirma, ainda uma vez, sua
fidelidade aos verdadeiros princípios da democracia, inscritos na Constituição, contra
os extremismos da esquerda ou da direita, e apela para as autoridades e para as fôrças
armadas, na esperança de que mantenham a ordem material, indispensável à segurança
dos cidadãos, e a ordem jurídica, essencial às liberdades públicas.701
Esta declaração do Conselho Federal somente possível no quadro sobrevivente,
não apenas das lacunas constitucionais de 1946, mas, também, das lacunas regulamentares
herdadas de 1931/33 (o novo estatuto ainda não fora aprovado), que, apesar de impedir que
a ordem se manifestasse em assuntos que não fossem corporativos,
702
estava, politicamente
constrangida pela pressão lacerdista e dos militares e pela obsessão da defesa da ordem
701
Ata da 1017ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de agosto de 1961.
702
Ver Capítulo V, item. 3.2.1. desta Tese.
435
constitucional ameaçada pelo pedido de estado de sítio encaminhado ao Congresso
Nacional pelo Presidente João Goulart.
703
A declaração do Conselho Federal demonstra, exatamente, em primeiro lugar, o
quadro de contradições entre as alternativas dos advogados e as alianças de poder
presididas pelos princípios democráticos liberais defendidos pela OAB e o
intervencionismo demandado pelas forças armadas e, ainda, entre o crescimento das forças
de esquerda, nas diversas colorações do trabalhismo e do socialismo, e a posição defensiva
representada pelo liberalismo em crise, e, em segundo lugar, o quadro de aberturas
ideológicas imprescindíveis à sobrevivência do ideário profissional, colocado
dilematicamente entre o moralismo
704
dos “verdadeiros” princípios da democracia, inscritos
na Constituição e a rejeição aos extremismos de esquerda e direita travestidos de princípios
e formas de garantir a segurança dos cidadãos. Este documento da OAB, compreendido
desta perspectivas de 1961, prenuncia os fundamentos e justificativas ideológicas da futura
703
Ver nota 1 deste Capítulo.
704
A desonestidade classificava-se como um comportamento inadmissível. As autoridades estatais, em
especial, deveriam portar-se de forma inquestionavelmente ilibada. Assim, por exemplo, ao representar a
OAB no Conselho Deliberativo da Legião Brasileira de Assistência (LBA), Alcino de Paula Salazar procurou
seguir fielmente esta premissa. Em 1957, o presidente da Ordem, Nehemias Gueiros, já havia criticado a
ineficácia e a influência dos interesses políticos na administração da LBA, como indicativo da desonestidade
administrativa. Em abril de 1959, o seu sucessor, o Presidente Alcino de Paula Salazar, apresentou ao
Conselho Federal o voto que proferiu no Conselho Deliberativo daquela entidade. Era um voto contrário à
aprovação da proposta orçamentária recém-elaborada. Entre os vários problemas que a afligiam destacava o
aumento das despesas de custeio e pessoal em relação às de assistência propriamente dita. Segundo o relatório
da Comissão de Orçamento da LBA, citado pelo presidente da OAB em seu voto, chegará época que
nenhuma assistência será ministrada, pois as despesas com ´pessoal´ não comportarão outros programas (o
grifo é da própria ata). A parti desta leitura pontual a OAB fazia a leitura geral. Ata da 925ª Sessão da 29ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 14 de abril de 1959. Os conselheiros federais apoiaram enfaticamente a
decisão de seu presidente. Dois meses depois, Alcino de Paula Salazar foi o único a desaprovar a prestação de
contas da LBA. Estas atitudes do presidente da OAB tornaram bastante explícitas as suas divergências com o
Ministro da Saúde, Mário Pinotti, que presidia a LBA, fazendo delas divergências de governo. Alcino de
Paula Salazar chegou a elaborar um projeto de novo regimento para a entidade. Mas a aprovação de tal
projeto daria a impressão de que a entidade realmente possuía sérias deficiências inatacadas durante a
administração de Mário Pinotti. O ministro, então, deixou de convocar o Conselho Deliberativo por vários
meses. Mas não foi possível suportar a pressão até o fim do governo JK. Em 1960, já com Prado Kelly na
presidência da OAB, Mário Pinotti pediu exoneração de seu cargo na LBA, enquanto Alcino de Paula Salazar
era homenageado pelo Conselho Deliberativo da entidade com um voto de congratulações pela sua atuação
naquele órgão. Mário Pinotti, posteriormente, também foi exonerado do cargo de Ministro da Saúde. Em uma
época de pouca transparência na administração governamental e reduzido acesso às contas públicas, fosse
para a opinião pública em geral ou para órgãos de imprensa em particular, o caso da LBA certamente foi uma
oportunidade ímpar, que chamou a atenção para a incúria no trato dos recursos financeiros estatais no Brasil,
que a Ordem repudiava intransigentemente. A OAB, no entanto, também sofreu um revés em tal episódio,
pois perdeu o direito de se fazer representar no Conselho Deliberativo da LBA. O governo federal (governo
JK), assim, afastava daquela entidade a representação nata do Presidente da OAB.
436
e profunda crise institucional brasileira, que, preliminarmente se manifesta com a retomada
presidencialista após a manobra parlamentarista, que, como já tivemos oportunidade de
verificar, não abalaram a tramitação do novo Estatuto dos Advogados, enquanto seu novo
ideário no Congresso, mas, posteriormente, influenciaram o movimento cívico-militar de
1964, este sim, em curtíssimo prazo, reverteu a aliança e o pacto constitucional de 1946.
2.1. A OAB e a Crise da Renúncia
A crise da renúncia, ou a crise institucional, foi emergencialmente solucionada
com a rápida aprovação, no Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 4, de 2 de
setembro de 1961, que instaurou o regime parlamentarista no país,
705
que não afetou a
tramitação do Projeto do novo Estatuto. O pacto presidencialista de governo estava
rompido, viabilizando-se o parlamentarismo como alternativa de governo, seccionando a
presidência na Chefia de Estado, com João Goulart, empossado Presidente, e Tancredo
Neves, articulador pessedista, ex-Ministro de Getúlio, o primeiro presidente do Conselho de
Ministros, de uma sucessão de 2 (dois) outros: Hermes Lima (de tendência socialista) e o
gaúcho Brochado da Rocha (petebista janguista).
706
Dois dias depois de promulgada esta
Emenda (5 de setembro), o Conselheiro federal Wilson Regalado Costa propôs que o
presidente da OAB, José Eduardo do Prado Kelly, ex-Vice-presidente de Nehemias
Gueiros, eleito presidente no período de instalação da capital federal em Brasília, fosse
705
A Emenda Constitucional nº 4, apesar de solucionar em curto prazo a crise institucional não tinha, apesar
de sua engenhosidade conciliadora apelo popular. Entre os advogados não foi diferente. Ao assumir a
presidência da OAB, em 11 de agosto de 1962, Provina Cavalcanti condenou a medida. No início de 1963 (6
de janeiro), um plebiscito restaurou o regime presidencialista. Veja ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL (OAB). Conselho Federal. “OAB; o desafio da utopia.. Brasília:OAB/C.F., 2000, p. 59. Ver,
também, BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e Parlamentarismo no Brasil. Rio de Janeiro: Líber Juris,
1991,
706
Interessantemente, vale ressaltar, que o mesmo Tancredo Neves, que garantiu a “manobra” (razoável
politicamente, mas assim ficou pelo seu fracasso para a história) parlamentarista, tendo (sido anteriormente
derrotado) afastado para se candidatar ao governo de Minas, contra um dos lideres civis (udenistas) do
movimento militar (Magalhães Pinto, que fora eleito governador), viria a ser, exatamente, o candidato
indireto, eleito pelo Congresso, para realizar a transição entre o regime autoritário e a nova democracia
constitucional (1985/89), que, devido ao seu inesperado falecimento, foi realizada pelo seu Vice investido na
presidência - José Sarney. Ver Capítulo 12, item 1.2.1. desta Tese.
437
instituído de poderes para reiterar a fidelidade dos advogados brasileiros aos postulados
constitucionais,
707
agora, parlamentarista e não presidencialista, como o fora entre
1946/61.
708
A proposta encaminhada ao Presidente da OAB, pelo conselheiro Wilson
Regalado a Prado Kelly, futuro Ministro do STF, demonstra, exatamente, que o
compromisso dos advogados, se o era com o liberalismo democrático de 1946, não o era
com o constitucionalismo parlamentarista (de 02/09/1961), que conduziu ao poder, por vias
(Emenda Constitucional) transversas, o trabalhista getulista João Goulart, aberto ao velho
sindicalismo de origem corporativista, assim como à proposta populista trespassada pelo
esquerdismo crescente, diferentemente da OAB, que evoluíra, num projeto liberal, a partir
de 1937, com forte admiração pelo American of way life, após 1945. Todavia, após a
retomada presidencialista com João Goulart, não ocorreram, na OAB, manifestações
favoráveis ao presidencialismo constitucional; o que tivemos foi uma profunda reação ao
janguismo, não propriamente da OAB, mas das forças cívico-militares contra o Presidente
governante João Goulart.
Neste sentido, vale especular, numa dimensão exclusivamente dedutiva, sem
documentação referencial mais visível, que o liberalismo democrático na OAB, evoluiu,
com o corporativismo sindicalista como recuperação do ideário profissional dos projetos
parlamentares republicanos, desde os anos de 1930, com a decadência da Primeira
República, principalmente porque os primeiros regulamentos (1931/33) aproveitaram o seu
arcabouço disciplinar, essencialmente, mas, e após a instalação do Estado Novo (1937) e a
conseqüente Constituição de 1946 impôs novas e profundas modificações estatutárias, que
tomaram forma legal após o Anteprojeto de 1956. Não fica, assim, de qualquer forma,
impossível de se afirmar, que o liberalismo democrático, que, se comprometeu, em 1964,
com o movimento militar, é uma recuperação, após a experiência do New Deal, do
707
Ata da 1.018ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 5 de setembro de 1961.
708
Ver, neste mesmo Capítulo, nota , onde observamos que este período, todavia, ficou marcado pela rejeição,
como primeiro ministro, pela Câmara dos Deputados, de Francisco Clementino San Tiago Dantas (o homem
da esquerda positiva) no contraponto de sua própria observação sobre a esquerda negativa. San Tiago Dantas
foi deputado federal pelo PTB e um dos mais ilustres juristas brasileiros, tendo sido professor da Faculdade de
Direito da Universidade do Brasil, membro da Comissão de Pesquisa da Casa Rui Barbosa e uma das grandes
inspirações do moderno ensino jurídico brasileiro. BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil.
ed. cit..
438
liberalismo que evoluira para o movimento federalista com a crise do Império e a
Constituição republicana e federalista de 1891 e, que ao mesmo tempo, envolveu-se no
movimento que, “constitucionalista”, na linguagem da OAB, e cívico-militar, de 1964, mas
que enquanto corporação, rejeitou em 1968/69, a composição política com o Estado de
Segurança Nacional.
A posse de João Goulart, mesmo sob um regime parlamentarista, todavia, como
já observamos, e por isto mesmo, não deixou de sobressaltar o Conselho Federal da OAB.
No ambiente político cada vez mais radicalizado, os conselheiros alinhavam-se com os
opositores do Presidente (parlamentarista) João Goulart, pouco depois, já com os plenos
poderes presidenciais, que, servira, no entanto, para sancionar o Estatuto da OAB, de 1963,
não, sem antes, vetar o dispositivo, depois revisto e mantido pelo Congresso, que estendia
que os direitos adquiridos, anteriormente na forma do Regulamento de 1933, dos antigos
advogados, dentre eles os dirigentes da OAB, conforme a reação de Nehemias Gueiros,
continuavam vigentes mesmo com a promulgação do novo Estatuto.
709
A defesa da ordem constitucional democrática de 1946, pelo Conselho Federal,
evoluiu, por sua vez, ou evoluiu do discurso antiparlamentarista, para condenar a ofensiva
de esquerda. Em julho de 1962, o conselheiro Gaston Luiz do Rego, com o crescimento da
mobilização sindical, e das forças nacionalistas democráticas, na Câmara dos Deputados,
considerou esta (suposta) ofensiva uma séria ameaça à ordem jurídica e às instituições do
país. Além disso, criticou a intimidação exercida sôbre o (...) Parlamento pelos comandos
grevistas orientados por conhecidíssimos agitadores e, ainda, falou em subversivos
marxistas colocados até em posições de comando e em postos-chaves na administração
pública.
710
No mês seguinte, agosto de 1962, o conselheiro Themístocles Brandão Soares
afirmou que o país passava por uma situação de perigo para a estabilidade da ordem
jurídica e para a vida das instituições democráticas.
711
O cenário político brasileiro estava
tão tenso, que, ao assumir a presidência da OAB, em 11 de agosto de 1962, Carlos Provina
709
Ver cap. II, item 1. desta obra.
710
Ata da 1049ª Sessão da 32ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de julho de 1962.
711
Ata da 1052ª Sessão da 32ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 9 de agosto de 1962.
439
Cavalcanti, alertara: Não nascí com a vocação de Cassandra, mas só os cegos não vêm que
os horizontes estão carregados de maus presságios.
712
Este quadro de contradições, que refletiam as resistências ao intervencionismo
estatista desenvolvimentista, inspiradas do período getulista, que, fundamentalmente,
incentivou a indústria de base e o crescimento da indústria metal-mecânica,
713
do período
Juscelino (1956-1961), associado à construção de Brasília,
714
com base essencialmente em
recursos públicos, demonstravam que os “Brasis” se superpunham: os herdeiros históricos
dos oligarcas dos pampas promoviam a indústria de base e incentivavam o trabalhismo, os
contra-parentes das oligarquias políticas mineiras e dos revolucionários de 1930, seus
aliados, promoviam o desenvolvimento industrial urbano e desbravavam o Planalto Central
em corajosa política de interiorização do Brasil, apoiados pelas novas oligarquias de Goiás,
e o rescaldo das oligarquias paulistas. Fortalecidas com o crescimento da indústria
metalúrgica e automobilística e com a ousadia migratória, evoluíam para um projeto
comprometido com a indústria de transformação e, por outro lado, os movimentos
trabalhistas aproximavam-se das propostas socialistas e de radicalização sindical, assim
como crescia o populismo carismático, transportando da cidade para o campo a vida
política.
As universidades incentivavam os cursos de economia, administração e
sociologia e os professores e intelectuais evoluíam em análises nacionalistas de esquerda,
715
com forte cunho marxista sobre a realidade brasileira,
716
assim como, ficavam
712
Ata da 1.053ª Sessão da 32ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 agosto de 1962.
713
BASTOS, Eduardo Marcos Chaves. Estado e capital estrangeiro na construção do setor de energia
elétrica do Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris. 1995
.
714
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Brasília: revolução nacional. Brasília: Correio Brasiliense, 1992.
715
A Universidade Federal de Minas Gerais, já, neste período, instalara estes cursos, conjuntamente com
Ciências Atuariais, mudando, significativamente o ambiente discursivo e de ensino. Por outro, as Faculdades
de Filosofia abriram-se para o estudo das Ciências Sociais e a Universidade de Brasília estava se construindo
apoiada em inovador projeto de organização estrutural e ensino. BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico
no Brasil, ed. cit.
716
O Instituto Superior de Estudos Brasileros - ISEB foi uma instituição precursora dos estudos relativos ao
desenvolvimento brasileiro. Não agrupou apenas diversas frações nacionalistas, até mesmo de direita, mas,
também, frações marxistas. Entre suas personalidades podemos destacar Candido Mendes de Almeida, Helio
Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieria Pinto, Augusto Frederico Schmidt, Levi Carneiro, Lucas Lopes e
Wanderley Guilherme dos Santos. O ISEB esteve profundamente envolvido com as questões políticas do
período Kubitschek e deu grandes contribuições para a reformatação econômica brasilera. Nelson Werneck
440
desprestigiados os cursos de Direito, o romanismo e o liberalismo jurídico pólos
paradoxais, nesta construção de um estado moderno, sobre os escombros, do velho estado
patrimonial, efetivamente desconstruído pelo processo de construção do ideário profissional
da OAB. Os estudantes, procurando fugir dos acordos e pactos internos do Estado,
especialmente os universitários, inclinavam-se por visível política de esquerda e a União
Nacional dos Estudantes – UNE adquiriu grande capacidade de mobilização com os seus
congressos, cartas de conclusões e com o CPC (Centro Popular de Cultura).
717
Os militares, que, desde 1922, vinham fustigando o poder central,
desmobilizados politicamente pelo governo Getúlio Vargas, mas, imediatamente após a 2º
Guerra Mundial, agruparam-se na Escola Superior de Guerra, procurando elaborar um
projeto de desenvolvimento e poder para o Brasil, que, senão diretamente, indiretamente,
contava com o apoio elitista dos liberais da UDN (larcerdistas) e da classe média urbana em
franco processo de crescimento. Organizados e, politicamente, instruídos, os militares
evoluíram nas alianças cívico-liberais e avançaram na ocupação de espaços no Estado
brasileiro para implementarem um projeto modernizador e anti-comunista, “neo-liberal” e
comprometida com o incentivo à livre iniciativa, onde se destacava a colaboração teórica de
Gustavo Corção e Roberto Campos, mas, que, todavia, sucumbiu ao intervencionismo
estatista, premido pelo circunstancialismo das frágeis disponibilidades dos recursos
privados para investimentos de longo prazo e longo alcance, sendo conveniente observar,
contudo, que vencida a gestão presidencial de Castelo Branco, os militares que seguiram a
Presidência de Arthur da Costa e Silva ampliaram o seu projeto estatista de
desenvolvimento.
Antes, todavia, 1963, com o sistema presidencialista restaurado na forma da
Emenda nº 6, de 23 de janeiro de 1963, após plebiscito de 6 de janeiro de 1963, espocou
um levante de militares subalternos, contra decisão do Supremo Tribunal Federal que não
deu provimento ao Recurso do Sargento Garcia, que, embora eleito para a Câmara dos
Sodré tem um iteressante e sucinto trabalho sobre a história do ISEB e o seu papel na formação da
consciência política nacionalista brasileira, onde disserta sobre o incio de seu funcionamento, em 1956, e a
sua posterior instalação, 1957, na Rua das Palmeiras em Botafogo no Rio de Janeiro. A sua criação foi ato do
governo Café Filho, quando Ministro Candido Mota Filho. O livro inaugural do ISEB foi Introdução aos
problemas brasileiros. Werneck Sodré termina o seu trabalho mostrando a inclinação do ISEB à esquerda no
inicio dos anos 60, o que acabou provocando a sua invasão, a sua desarticulação e um grande IPM sobre as
suas atividades. SODRÉ, Nelson Werneck. A verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.
441
Deputados foi impedido de tomar posse, tendo em vista, as disposições da Constituição
vigente sobre a elegibilidade de militares sargentos, cabos e soldados.
718
Em conseqüência
desta decisão cerca de 600 sargentos da Aeronáutica e da Marinha revoltaram-se em
Brasília, ocupando órgãos públicos, cortando as ligações telefônicas da Capital Federal com
o resto do país, acantonando-se com seus tanques na Esplanada dos Ministérios
719
e
prendendo personalidades. Entre os que foram detidos estava o Ministro do STF, Victor
Nunes Leal, ex-Consultor Geral da República, no governo João Goulart, que se consagraria
como organizador da jurisprudência do STF e formulador jurídico dos hábeas corpus
720
que suspenderiam jovens e militantes de esquerda de prisões do regime militar.
721
Cinco dias depois da Revolta dos Sargentos, sufocada pelo Exercito, mas que
resultou em dois mortos nas escaramuças, o conselheiro Wilson Regalado Costa,
demonstrando a forte reação da OAB ao desrespeito à Constituição, propôs que o Conselho
Federal se solidarizasse com o Supremo Tribunal Federal e parabenizasse o Exército pela
firme postura assumida na desmobilização dos sargentos e suboficiais. Em 1.º de outubro
de 1963 (5 meses após a sanção do novo Estatuto da OAB), os conselheiros aprovaram
718
O art. 132 da Constituição de 1946 dispunha: Não podem alistar-se eleitores: (...). Parágrafo único -
Também não podem alistar-se eleitores as praças de pré, salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais, os
subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior.
719
Permitiu-nos a história comparecer a este local na exata madrugada e manhã da sublevação para conhecer
as exatas dimensões da revolta. Depois de sucessivas conversações, tendo, inclusive, participado de
entendimentos com políticos sobre a rebelião verificou-se que ela tinha um caráter conjuntural e corporativo e
mais se caracterizou como reação gravosa e desordenada contra a decisão do STF, mobilizada pelo
inconformado Sargento Garcia, que, podendo alistar-se, por força de decisão judicial, obteve decisão liminar
que lhe garantiu candidatar-se. Eleito Deputado Federal quis tomar posse, o que o STF entendeu
inconstitucional. Após a desmobilização, os tanques retornaram para os quartéis, que, pouco tempo depois,
veria da área baixa da Candangolandia (Antiga Novacap), transitar pela rodovia de acesso a Brasília de frente
ao Jardim Zoológico, chispando fogo, para ocupar a Esplanada dos Ministérios. Eram, não só sargentos
revoltosos entrando em Brasília, mas os tanques do Exército em 1º de abril de 1964. No dia 9 de abril, a
Polícia Militar de Minas Gerais, aquartelada em Montes Claros, invadiu a Universidade de Brasília, onde era
reitor, o conterrâneo, Darci Ribeiro. Nesta data deu-se a primeira diáspora de professores da UnB, em geral
aqueles mais radicais e de maior visibilidade política. Em seguida assumiu a reitoria o professor Zeferino
Vaz, que dirigira a Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto (São Paulo). BANDEIRA, Moniz.
Op.cit. p. 122
720
Hábeas CORPUS e crime político: as decisões de Vitor Nunes Leal no STF (1963.68), org. Aurélio
Wander Bastos. RJ. Pqjuris, 2005.
721
PINTO, H. F. Sobral. Lições de liberdade: os direitos humanos no Brasil. 2. ed.Belo Horizonte:
Universidade Católica de Minas Gerais. Comunicação, 1977. Devem ser destacadas neste texto, para uma
compreenssão mais extensiva da questão, a carta para Carlos Prestes, Presidentes Castelo Branco, Costa e
Silva, Emilio Garrastazu Medic, Ernesto Geisel e ainda o Ex-Presidente do STF Ribeiro de Castro.
442
proposta repelindo com veemência, as expressões injuriosas dirigidas aos Juízes do
Supremo Tribunal, constituindo, esta manifestação, solene desagravo ao próprio Tribunal.
O Presidente da República, João Goulart, por sua vez, eximiu-se de condenar ou apoiar os
sargentos, provocando descontentamento na OAB e reforçando as suposições de que o
levante havia sido mais um movimento de inspiração (esquerdista) tolerado (ou sustentado)
pelo governo.
722
Foi neste contexto, de profunda instabilidade, fluxos e refluxos de poder, como
demonstramos, depois de prolongados debates na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, que fora aprovada e sancionada pelo Presidente João Goulart a Lei nº 4.215 de 27
de abril de 1963 (Estatuto da Ordem dos Advogados – OAB) relata no Conselho Federal
por Nehemias Gueiros, durante a gestão do Presidente Miguel Seabra Fagundes (1955/56),
tempo em que fora, também, após licenciamento Ministro da Justiça do governo Café Filho
(1954/55). Este Estatuto foi o primeiro documento regulamentar dos advogados, aprovado,
após longos debates na OAB e no Congresso Nacional, mas é o primeiro Estatuto, que,
formalmente, traduz, sistematicamente, o ideário profissional dos advogados, a partir de
propostas e projetos que refletiam o amadurecimento profissional da categoria, expurgado,
inclusive, dos excessos corporativistas, todavia, no contexto de profunda crise do Estado
brasileiro com efetivos efeitos sobre sua inspiração liberal democrática.
Finalmente, é da maior significância política, principalmente pelos seus efeitos
históricos, reconhecer que, foi este Estatuto, na linha de continuidade dos regulamentos de
1931/33, que, efetivamente, desmontou o Estado patrimonial, diagnosticado em Os donos
do poder, por Raymundo Faoro,
723
ex (futuro) Presidente da OAB. Raymundo Faoro,
todavia, preocupado com a pesquisa de recuperação histórica dos institutos do Estado
patrimonial e de seus estamentos burocráticos, bem como os seus efeitos sobre a estrutura
do Estado brasileiro, não estudou nem deslindou o seu lento e gradual desmonte legislativo
722
Outra crise envolvendo os militares de baixa patente se deu em 25 de março de 1964, quando o Almirante
Sílvio Mota ordenou que os fuzileiros navais reprimissem uma manifestação dos praças da Marinha no
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, onde comemoravam o segundo aniversário da sua associação,
considerada ilegal. Os fuzileiros navais, porém, aderiram aos manifestantes, recebendo o apoio do Vice-
Almirante Cândido Aragão. O presidente João Goulart proibiu que o local fosse invadido, gerando
insatisfação na alta oficialidade. Os manifestantes não deixaram de ser presos, mas depois, por iniciativa de
Goulart, foram anistiados.
723
Ver Capítulo I, Introdução, desta Tese.
443
pelos estatutos e regulamentos que foram consolidando o ideário da OAB esvaziando o
poder punitivo dos juízes sobre os advogados, fortalecendo o poder disciplinar da
corporação e diferenciando o exercício privado da advocacia das funções públicas de
natureza jurídica do Poder Judiciário e do Poder Executivo, dominantemente, e do Poder
Legislativo, assim como consolidando a posição do advogado como atividade privada
essencial ao funcionamento do judiciário e aplicação da justiça.
3 – Novo Estatuto, Novos Rumos
O Estatuto da OAB de 1963 (Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963) foi um
significativo marco na história dos advogados e na constitucionalização da liberal-
democracia, como ideologia constitucional de estado. Ao mesmo tempo, o novo Estatuto
(de 1963) deu a OAB um perfil estrutural mais autônomo e independente refletindo, com
superficiais modificações, as propostas da própria organização debatidas e avaliadas pelo
Congresso Nacional, com o envolvimento direto da Presidência da República, no
encaminhamento do Projeto, Juscelino Kubitschek, e na sanção, João Goulart. Estes
avanços constitutivos permitiram que a OAB evoluísse, de uma corporação confinada pelo
Estado, hipoteticamente forte, devido à sua representação corporativista (1933/37), para
uma representação autônoma, que recuperou os ideais liberais, que precederam a 1930, para
enfrentar a própria influência corporativista de sua criação, que, no futuro, se desdobrou em
novos compromissos com a sociedade, a partir de compromissos com a defesa dos direitos
humanos.
Na verdade, os debates parlamentares sobre o futuro estatuto demonstram, que,
se o anteprojeto, efetivamente, pretendia que a OAB tivesse uma natureza jurídica
corporativa, que mais se explicitou na proposta conceptiva de Nehemias Gueiros (1956/57),
do que propriamente nos regulamentos de 1931/32, o projeto na Câmara dos Deputados
adquiriu, numa dimensão conceptiva mais afeita ao direito brasileiro (ainda) vigente, uma
natureza jurídica autárquica na forma de serviço público federal que não estava muito longe
da concepção originária. Apesar desta contradição aparente, de qualquer forma,
444
incompatível com os novos rumos que tomara o Estado brasileiro, com a democratização,
que sucedeu a 1945, o novo Estatuto enfrentou os resíduos estamentais patrimoniais da
perspectiva da construção do Estado (formal) de direito e não do projeto, historicamente
inviável, do (frustrado) Estado corporativista.
Mais extensivamente que os Regulamentos de 1931/33 a Lei nº 4.215/63,
dispôs no seu: Art. 1º A Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17, do Decreto nº
19.408, de 18 de novembro de 1930,
724
com personalidade jurídica e forma federativa, é o
órgão de seleção disciplinar e defesa da classe dos advogados em toda a República.
Diferentemente, como se verifica, o texto de 1963, na forma deste dispositivo, a OAB deu
um grande avanço constitutivo adquirindo personalidade jurídica própria e forma federativa
de organização, podendo se constituir, por conseguinte, em todo o território brasileiro, o
que significa grande ampliação de sua penetração profissional com amplas possibilidades
de influência não apenas a nível da União, mas, também, nos poderes dos estados
federados. Todavia, a este dispositivo, se sobrepôs à prescrição do art. 139 onde está que: A
Ordem dos Advogados do Brasil constitui serviço público federal gozando os seus bens,
rendas e serviços de imunidade tributária total e tendo este franquia postal e
telegráfica
725
e, ainda, que aplica-se aos funcionários da Ordem dos Advogados do Brasil o
regime legal do Estatuto dos funcionários públicos civis da União e leis complementares, o
que, na prática contribuía para, ainda, reforçar a sua natureza autárquica especial com
influência direta sobre sua autonomia.
Ressalte-se, por conseguinte, que a OAB ficara serviço público federal,
organizada na forma federativa de secções e subsecções,
726
com personalidade jurídica
própria, mas seus funcionários regiam-se pelo Estatuto dos servidores da União (pelo
menos ao nível federal). A Ordem, por conseguinte, não é órgão de Estado, diversamente
724
Dispunha o art. 1º do texto consolidado de 1932: A Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17 do
Decreto nº 18.408, de 18 de novembro de 1930, é o órgão de seleção, defesa e disciplina da classe dos
advogados em toda República.
725
O art 31 da Constituição de 1946, dispunha: A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é
vedado: (...) V - lançar impostos sobre: (...) Parágrafo único - Os serviços, públicos concedidos, não gozam
de isenção tributária, salvo quando estabelecida pelo Poder competente ou quando a União a instituir, em lei
especial, relativamente aos próprios serviços, tendo em vista o interesse comum.
726
O art. 11 dispõe: A transferência do Conselho Federal para Brasília será efetuada logo que ali se achem
funcionando todos os Tribunais Superiores (...).
445
do momento de sua criação e nem ao menos é corporação (figura incompatível com o
direito brasileiro), mas, embora, serviço público federal com personalidade jurídica própria
e autonomia decisória, administrativa e financeira (§ 2º do art. 4º). Neste sentido ela ficou
com uma estrutura organizativa própria que representa em juízo e fora dele, os interesses
gerais da classe dos advogados e os individuais, relacionados com o exercício da profissão
(§ único do art. 1º). Por outro lado, ficou o Conselho Federal como órgão supremo da
Ordem dos Advogados do Brasil, na forma do art. 30, com sede na Capital da República, e
se transferirá o (artigo 19) para Brasília logo após que ali se achem funcionando todos os
tribunais superiores, o que significa que não estava a questão superada, prolongando-se por
cerca de outros 23/24 (vinte e três e vinte e quatro) anos.
727
De qualquer forma, independente da redefinição da natureza jurídica da OAB,
grande contribuição do Estatuto de 1963 para a Constituição do Estado de Direito foi a
ampliação das políticas de incompatibilidade e impedimentos para advogar, que, na
verdade, interceptou a sobrevivência dos estamentos patrimoniais, e a transferência
definitiva, para a OAB, das funções disciplinares (e seletiva e defesa da classe) aliviando a
relação com os juízes (que historicamente ficavam neste papel). Por outro lado, foi muito
importante a definição do processo eleitoral interno, abrindo, mesmo que relativamente, os
mecanismos de representação.
O Estatuto de 1963, dentre os temas de mais aguda relevância, modificou
também os dispositivos anteriores que dispunham sobre eleição e composição da diretoria
da OAB, assim dispondo no art. 7º: A Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil é
composta de um Presidente, um Vice-Presidente, um Secretário Geral, um sub-Secretário
Geral e um Tesoureiro, eleitos bienalmente [cuja gestão inicia-se em 1º de abril de cada
biênio, § 4º, art. 7º] pelo Conselho Federal por voto secreto e maioria absoluta das
delegações realizando-se tantos escrutínios quantos necessários para obtenção desse
quorum. Complementando dispunha ainda o Estatuto de 1963 que no:
727
As atas dos anos de 1965 a 1985/86 sucessivamente transcrevem requerimento sobre a questão e, muito
especialmente, a partir de 1975, relatórios do ex-presidente da seccional do Distrito Federal, Moacir Belchior,
posteriormente, e, também, conselheiro federal, alertando para a imprescindibilidade da transferência, dado o
cumprimento do dispositivo estatutário, bem como sobre visitas e contatos realizados com autoridades.
Moacir Belchior foi o primeiro, senão único Presidente da OAB, que, estando em viagem para o exterior para
participar de encontro de advogados, teve o seu Escritório profissional invadido por grupos de repressão, em
1971, período em que trabalhávamos em seu Escritório, no inicio de carreira, juntamente com Sebastião de
Barros Abreu, advogado, jornalista e escritor, histórico dirigente de esquerda na Capital Federal.
446
Art. 13. O Conselho Federal compõe-se de um Presidente, eleito diretamente [§1º do
art. 7º] pelo Conselho Federal dentre advogados de notável saber jurídico e reputação
ilibada, com mais de 10 anos de exercício de advocacia) e de 3 [três] delegados de cada
seção, dentre os quais serão escolhidos os demais membros de sua diretoria [§ 2º do
art. 7º]. O Vice Presidente, o Secretário Geral, o Subsecretario e o Tesoureiro serão
escolhidos dentre os membros do Conselho Federal.
728
Verifica-se, neste conjunto de disposições, que o Presidente do Conselho
Federal poderia ser eleito (diretamente) (escolhido) dentre os quadros da elite jurídica (de
notável saber jurídico e reputação ilibada), e, não necessariamente, dentre os conselheiros
originários das seccionais dos estados, integrantes do Conselho Federal, que, no entanto,
dentre eles próprios escolheram os demais membros da diretoria. O procedimento, não era
uma opção pelas teorias da representação eleitoral direta, até mesmo pelas dificuldades
territoriais e circunstanciais, assim como a escolha do futuro presidente tinha um viés
visivelmente elitista, podendo, inclusive, ser a indicação do candidato alheia ao quotidiano
da convivência no Conselho, ou mesmo da advocacia forense sendo, todavia, que os demais
diretores deveriam integrar como delegados seccionais a estrutura corporativa.
O processo eleitoral, não necessariamente de 1963, era mais aberto e
representativo que os mecanismos de 1931/33, mesmo por que este vinculava a escolha do
Presidente e do Secretário Geral do Conselho Federal à escolha em reunião conjunta dos
Conselhos Seccionais
729
e não a indicação de advogado de notório saber por delegados das
seccionais dentre os presidentes de seccionais, assim o Secretário Geral. Por outro lado, as
atribuições do Conselho Federal, em caso de urgência poderiam ser exercidas pelo
Conselho do Distrito Federal assim como o Presidente da OAB poderia ser “sucedido” pelo
Presidente e Vice da seccional do Distrito Federal. O art. 88 dispunha que o Presidente da
728
Dispõe, ainda, no art. 14 do Estatuto de 1963: Os Conselhos seccionais do Distrito Federal, dos Estados e
Territórios elegerão, por 2 anos, em fevereiro do primeiro ano do seu mandato, os representantes
[delegados] destinados à composição do Conselho Federal:
729
Os Estatutos de 1931/33, respectivamente, em seu art. 83, dispunha que o Conselho de todas as secções da
Ordem reunir-se-ão em Conselho Federal, ao qual compete eleger o Presidente e o Secretário Geral,
conforme inc. I do art. 84. Veja-se, ainda, o que dispunha o art. 64 do Regulamento de 1931/33 sobre o
Conselho do Distrito Federal: No Distrito Federal o Conselho da Ordem compor-se-á de 21 membros e, este,
dentre si elegerão, os que, durante o mandato, constituirão a diretoria composta dos seguintes cargos:
Presidente, Vice-Presidente, 1º e 2º Secretários e Tesoureiro, bem assim as comissões de sindicância e
disciplina com três membros cada uma. Da mesma forma, em ambos os regimentos está no art. 67: Dos 21
membros do Conselho do Distrito Federal, 10 (dez) serão eleitos pela Assembléia Geral [dos advogados
inscritos] (...) e os restantes (onze, 11) pelo Conselho Superior do IOAB.
447
OAB será eleito pelo Conselho Federal, dentre os presidentes efetivos dos conselhos
[seccionais] e o secretário geral do mesmo modo, sendo que, na ausência ou falta do
Conselho Federal, as suas atribuições podem ser, em caso de urgência, exercitadas pelo
Conselho do Distrito Federal (§ 2º do art. 84) e, ainda, o Presidente da OAB em suas faltas
ou impedimentos será sucedido pelo Presidente e o Vice do Distrito Federal (art. 90).
Este complexo mecanismo eleitoral favoreceu no longo e no curto prazo, e,
mesmo no tempo sucessivo, que os presidentes do Conselho Federal ficassem presidentes
da seccional do DF, mais favorável do ponto de vista de custos e políticos, onde, todavia,
havia um grande controle do IOAB. O Estatuto de 1963 mudou este quadro, mas, mesmo
assim, remanesceu a influência, IAB (ex IOAB) até os anos de 1980.
730
O Estatuto de 1963 suprimiu a participação ostensiva do I(O)AB no controle do
Conselho Federal o que evoluiu, no entanto, como se vê no texto, para a escolha de
Presidentes do Conselho Federal desde que tivessem notório saber, e ilibada conduta, mas,
quase sempre eram vinculados ao I(O)AB, independentemente de estruturas organizadas.
Na verdade, substituiu-se o mecanismo institucional tradicional controlado pela IOAB pela
escolha do Presidente dentre advogados de saber notório, não necessariamente ligados ao
IOAB, o que, por muitas gestões, nem sempre aconteceu. As longas distâncias, todavia, e
os altos custos, após 1963 de deslocamento e permanência no Rio, continuaram permitindo,
todavia, que a representação dos estados de difícil comunicação se fizesse através de
conselheiros do Distrito Federal e mais tarde do Estado do Rio de Janeiro.
Na verdade, é na leitura comparada dos estatutos, que se verifica que nenhum
dos processos era democrático, no sentido atual da palavra (também atual àquela época,
pelo menos 1963), mas os procedimentos de 1931/33 estavam mais vinculados à hierarquia,
730
Sobre este tema Paulo Luiz Neto Lobo em Conferência da OAB realizada em 1988, faz significativa
recuperação da matéria onde observa sobre o posicionamento crítico dos advogados com relação a
representação do Instituto no Conselho Federal admitindo que os advogados a reconhecer como ilegítima e
injusta, observando que esta participação compulsória gera atrito entre as duas entidades, causa desprestígio
ao IAB e, muitas vezes, obscureceu as suas próprias funções. No que se refere aos membros natos e expositor
admite a participação no Conselho Federal dos ex-presidentes que têm direitos adquiridos, mas entende que
esta participação perpétua é injustificável afetando a sua representatividade. Discorre ainda sobre os
Conselhos Seccionais e a composição do Conselho Federal, chegando a discutir a eleição direta do Conselho
Federal, posições que não se firmaram absolutamente no próprio Estatuto ao qual veio a ser relator. Outro
tema que tem sido discutido é que o novo estatuto criou para as seccionais o sistema de eleições monolíticas,
permitindo a eleição integral da chapa vitoriosa para executivos e conselheiros, que apesar das sempre
divergências internas exclui a representação minoritária.
448
às seccionais e à força histórica do IOAB/IAB, prevalecendo, como se verificou, grande
influência do Conselho do Distrito Federal, controlado pelo IOAB. Em 1963, transportou-
se o poder para as seccionais, mas o cargo de Presidente ficava escolhido num
especialíssimo e seletivo procedimento elitista.
731
O Estatuto de 1963, como se pode
verificar, evoluiu numa linha de abertura do ideário profissional, fortalecido pela retórica
do liberalismo democrático, procurando manter-se nos estritos limites do projeto
profissional do ideário dos advogados, muito embora não se possa afirmar que seu projeto
da representação diretiva seja aberto e liberal, nem muito menos corporativo; na verdade,
era um mix entre o intelectualismo e o profissionalismo.
Todavia, mesmo nesta linha, algumas aberturas de compromisso técnico, e
jurídico, podem ser assinaladas, modificando profundamente a orientação de 1963, em
relação a 1931/33, que se omitia sobre este tema. Veja-se o que dispõe o seu art. 18:
Compete ao Conselho Federal: I – defender a ordem jurídica e a Constituição da
República, pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da justiça e
contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas (art. 145); II – colaborar
com os Podêres Judiciário, Legislativo e Executivo no estudo dos problemas da
profissão de advogado seu exercício, propondo as medidas adequadas à sua solução; III
– velar pela dignidade e independência da classe e pelo livre exercício das
prerrogativas e direitos dos advogados, estagiários e provisionados; (...)
Por outro lado, todavia, o artigo 45 a seguir transcrito, é um indicativo na
limitação das possíveis aberturas políticas e ideológicas da OAB na forma estatutária de
1963, o que influenciou, em muito, nas dificuldades da mobilização após 1968: Nenhum
órgão da Ordem discutirá nem se pronunciará, sôbre assuntos de natureza pessoal,
731
As seccionais, no modelo de 1963, passaram a ter papel decisivo na estruturação do Conselho Federal,
principalmente considerando que seus membros (12 no mínimo e 24 no máximo) seriam eleitos por 2 (dois)
anos em Assembléia Geral pelos advogados inscritos na sessão, dela também participando os ex-presidentes,
sendo que desta composição tem um percentual de membros eleitos pelo Instituto dos Advogados. A
assembléia destinada a eleições será sempre de comparecimento sucessivo, sendo o voto pessoal, obrigatório
e secreto (ver arts. 32, 38, 40 e 46). As eleições para os Conselhos Seccionais e Diretorias de subseções
realizar-se-ão em Assembléia Geral no mês de novembro do último ano do mandato em data anunciada pela
imprensa local e por comunicação aos Presidentes das Subseções (art. 43), sendo que na forma do art. 32: No
início de seu mandato, a 1º de fevereiro, os membros (eleitos em Assembléia Geral) elegerão, dentre eles, a
sua diretoria composta de Presidente, Vice-Presidente, 1º e 2º Secretários, e Tesoureiro. Parágrafo único: a
diretoria do Conselho é a mesma da Seção respectiva.
449
política ou religiosa ou estranhos, de qualquer modo, aos interêsses da classe dos
advogados.
732
O Estatuto de 1963 foi mais extensivo na “fechadura” da ação política da OAB,
e até pessoal, explicitando, o que, em 1933 era uma omissão ou lacuna, o que permitira aos
liberais da época avançar significativamente na ação política antigetulista, mas, em 1968, e
anos seguintes, já na vigência do Estatuto de 1963, elaborado sob a influência dos liberais
ficava a ação (política) dos dirigentes da OAB fortemente limitada pela restritiva exegese
do ideário estatutário. Foram estas limitações do citado artigo, que, em tantas
circunstâncias, dificultaram a ação (política) da OAB, na abertura política, principalmente
no caso das eleições diretas, como veremos, mas também, no enfrentamento dos próprios
atos de terror, prisões e atentados praticados no Brasil (de 1964/85), o que, inclusive,
dificultou uma ação mais ostensiva, apesar de ter sido incisiva e ruptiva no Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça.
733
À época da promulgação do Estatuto (1963) estava presidente da OAB Carlos
Provina Cavalcante (1962/1964), mas, imediatamente, antes estiveram os presidentes
Alcino Salazar (1958/1960) e José Eduardo Prado Kelly (1960/1962), quando se realizaram
as primeiras conferências, projeto que, como observamos, mesmo interrompido em 1964,
provocou as preliminares da evolução ideológica do ideário consolidado, posteriormente o
1963. Nos triênios sucessivos ao presidente Carlos Provina Cavalcante (1962/1965) foram
presidentes da OAB: Themistocles Marcondes Ferreira (1965/1965)
734
; Alberto Barreto de
Melo (1965/1967) e Samuel Vital Duarte (1967/1969), quando, efetivamente o projeto
liberal-democrático da Constituição de 1946 foi definitivamente desagregado pelo
732
Este dispositivo não exatamente corresponde ao que, sobre o assunto semelhante, dispunha o Regulamento
de 1931/33: Art. 8º A diretoria, o conselho e a assembléia não discutirão, nem se pronunciarão sobre
assuntos imediatamente não atinente aos objetivos da Ordem.
733
Com o advento da Lei nº 8906/94 a matéria deixou de ser tratada pelo Estatuto para se transformar em
matéria do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia (o, agora, também, da Advocacia e da OAB de 16 de
outubro de 1994, baixado pelo Conselho Federal. Dispõe ao art. 151: Os órgãos da OAB não podem se
manifestar sobre questões de natureza pessoal, exceto em caso de homenagem (ação pessoal) a quem tenha
prestado relevantes serviços à sociedade e à advocacia. Ao que tudo indica, existe aqui, numa leitura
comparada, significativa abertura, também para assuntos políticos (e até religiosos) visto que,
hermeneuticamente, o texto evoluiu do dispositivo restritivo de 1963, sem que siga a sua mesma orientação.
734
Faleceu no dia 28 de maio de 1965, tendo sido presidente da OAB durante 58 (cinqüenta e oito) dias.
N
INA, Carlos Sebastião Silva. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado Brasileiro. Brasília: OAB,
Conselho Federal, 2001.
450
arremedo constitucional de 1967, que sucumbiu ao Ato Institucional nº 5, de 13 de
dezembro de 1968 e, definitivamente, à Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de
1969, que instauraram o Estado de Segurança Nacional. Entrava em crise a liberal-
democracia enquanto ideologia do Estado de Direito, com efeitos de curto prazo sobre as
conferências e de longo prazo sobre as práticas e o ideário estatutário da OAB, até sua
definitiva mudança em 1994.
735
4 – A OAB e o Golpe (Cívico) Militar (Revolucionário)
No dia 13 de março de 1964, cerca de 150 mil pessoas assistiram ao comício da
Central do Brasil, em que o presidente João Goulart defendeu as chamadas reformas de
base, com a retomada da discussão sobre o desenvolvimento social brasileiro. Ao seu lado
estavam influentes líderes trabalhistas, nacionalistas e esquerdistas como Leonel Brizola,
Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes e tantos outros. Seis dias após (19 de março), a
oposição promoveu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reunindo centenas de
milhares de pessoas em São Paulo (e, em outras ocasiões em que todo o Brasil), numa
posição francamente hostil à retomada social-trabalhista (de cunho nacionalista contra o
capital estrangeiro e a grande propriedade agrária) e a favor das tradições, da família e da
propriedade, traduzido no lacerdismo
736
e no projeto da União Democrática Nacional –
UDN, de acentuada influência entre os advogados (envolvidos com a OAB desde 1937/8)
comprometidos com o pensamento liberal (conservador) brasileiro e com a restauração de
políticas de mercado.
737
735
Ver Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994 (novo Estatuto da OAB).
736
Força política fragmentaria liderada pelo jornalista político carioca, filho de Maurício Lacerda, que no
passado apresentara no parlamento projeto de criação da OAB, tido como direitista ex-comunista e histórico
opoente de João Goulart. Ata da 1102ª Sessão da 33ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de outubro de
1963.
737
O mais interessante estudo sobre as origens do pensamento conservador no Brasil é de Paulo Mercadante,
op. cit. Todavia, faltam-nos estudos analíticos sobre sua formatação e desenvolvimento mesmo após a
República, e, atualmente, o que não significa que muitos são os pensadores brasileiros comprometidos com
esta orientação, especialmente na sua dimensão econômica. O primeiro ciclo dos governantes do Movimento
Militar de 1964, e alguns que os sucederam, estavam, nesta exata posição, tais como: Gustavo Gorção,
451
O Conselho Federal da OAB, no dia seguinte a esta marcha, (20 de março)
reunido em sessão extraordinária, no contexto de suas garantias estatutárias, debateu a
grave ameaça à ordem jurídica
738
que assolava o país. Prevendo uma crise política
avassaladora, para um futuro próximo, os conselheiros aprovaram uma moção onde
reivindicavam que os poderes constituídos defendessem a ordem constitucional. A moção
foi enviada ao presidente da República, ao Senado, à Câmara dos Deputados, às
Assembléias Estaduais, aos Conselhos Seccionais da OAB, ao Supremo Tribunal Federal,
ao Tribunal Federal de Recursos e a outros tribunais do país. Na verdade, esta posição da
OAB, foi uma evidente manifestação de seus compromissos com o liberalismo-democrático
da Constituição de 1946, que consagrara para a história brasileira recente, o seu mais
importante núcleo político: Afonso Arinos, Aliomar Baleeiro, Adauto Lucio Cardoso,
Dario de Almeida Magalhães, Bilac Pinto e tantos outros, com acentuadas influências no
Conselho Federal da Ordem. Onze dias depois desta reunião na sede da Seccional Rio de
Janeiro, setores da cúpula das forças armadas deram início ao golpe militar que depôs o
presidente João Goulart, com imediatas conseqüências, paradoxalmente, sobre a
programação das conferências (que não estavam nas disposições estatutárias)
739
e sobre o
Projeto de criação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, em
tramitação no Congresso Nacional.
Os documentos consultados não evidenciam acordos diretos entre a OAB,
advogados e grupos ou atores militares e políticos, como, por exemplo, Carlos Lacerda,
mas os movimentos políticos para depor João Goulart os aproximou, senão em pactos
visíveis, como observamos, em acordos tácitos, identificáveis pela semelhança e pelo teor
ideológico dos pronunciamentos, preliminarmente matizados pelo liberalismo e pelo anti-
comunismo e pelas personalidades envolvidas e manifestações na imprensa. De qualquer
forma, vale reafirmar, que, paradoxalmente, a OAB em 1961, na crise da renúncia, insistiu
na defesa do pacto constitucional presidencialista, contra o parlamentarismo; restaurado, no
Roberto Campos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Sobral Pinto, Nehemias Gueiros, Francisco Campos e
Eugenio Gudim, etc. A este grupo sucederam os radicais que, no poder, aliaram-se aos tecnocratas e isolaram,
senão para formalização de documentos de mero apoio técnico, para a redação de códigos, os juristas.
738
Ata da 1114ª Sessão Extraordinária da 34ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 20 de março de 1964.
739
As Conferências só foram incluídas como órgão consultivo da OAB, que deverão se reunir trienalmente
(art. 145/150) com a edição da Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994 (novo Estatuto da OAB).
452
entanto, por plebiscito, o presidencialismo do pacto originário da Constituição de 1946, se,
a ele, não se opuserem, enquanto formato constitucional, objetaram os seus (novos)
propósitos de sustentação ideológica: sindicalismo, trabalhismo, socialismo, sintetizado, em
fim, no janguismo e, na sua forma mais radical, no brizolismo.
Na verdade, o envolvimento dos militares, que inicialmente resistiram à posse
de João Goulart, e, posteriormente, cederam com a manobra parlamentarista, mas voltaram
com maior ímpeto para impedir o “presumível” projeto sindicalista do Presidente da
República, João Goulart, não representou, propriamente, um compromisso com o
liberalismo democrático, mas uma movimentação intervencionista de natureza moderadora
(autoritária, no contexto histórico brasileiro) para resguardar, em 1964, a ordem
constitucional de 1946, que sucumbiu ao próprio autoritarismo no poder, após a tentativa de
reequilíbrio constitucional em 1967 (Constituição Brasileira de 24 de janeiro de 1967). A
satisfação e o alívio sentidos pelos adversários do Presidente deposto foram notadas no
Conselho Federal da OAB. Consumada a ação militar, em 1964, o próprio presidente da
Ordem, Carlos Provina Cavalcante, discursou em defesa dos vitoriosos insurgentes,
regojizando-se com a derrocada das fôrças subversivas, acionadas por dispositivos
governamentais, que visavam, já sem disfarces, à destruição do primado da democracia e
à implantação de um regime totalitário, no qual submergiriam todos os princípios da
liberdade humana.
740
Provina Cavalcante também expressou a convicção generalizada no Conselho
Federal de que a deposição de João Goulart, em vez de constituir-se em ataque à ordem
constitucional democrática, era condição sine qua non para que tal ordem fosse salva:
Mercê de Deus, sem sairmos da órbita constitucional, podemos hoje, erradicado o mal das
conjuras comuno-sindicalistas, proclamar que a sobrevivência da Nação Brasileira se
processou sob a égide intocável do Estado de Direito.
741
Poucos dias depois, o conselheiro
Eurico Raja Gabaglia também se referiu ao sentimento de júbilo de que estão possuídos
todos os bons brasileiros pela recente re-democratização do País.
742
O apoio dado pelos
740
Ata da 1.115ª Sessão de Instalação da 34ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 7 de abril de 1964.
741
Ata da 1.115ª Sessão de Instalação da 34ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 7 de abril de 1964.
742
Ata da 1.116ª Sessão da 34ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 14 de abril de 1964.
453
conselheiros federais à deposição de João Goulart, deixou claro, que, naqueles primeiros
anos da década de 1960, a preocupação em preservar a ordem constitucional liberal-
democrática se confundia com a resistência à uma “revolução esquerdista e/ou sindicalista”
no Brasil. Para evitar tal revolução – certamente antidemocrática e anticonstitucional,
pensavam os conselheiros – até uma intervenção militar poderia ser considerada legítima,
abrindo significativos espaços para ações ou pronunciamentos para-golpistas.
Na verdade, não podemos exatamente afirmar que estavam os advogados na
OAB dominados por uma ideologia anticomunista e anti-sindicalista, mas, historicamente,
é impossível dissociar esta retórica da retórica liberal-democrática do constitucionalismo de
1946, e, muito especialmente, do episódio de suspensão dos direitos políticos dos
comunistas eleitos para o parlamento constituinte.
743
As ideologias de esquerda
representavam, assim, para a militância diretiva da OAB, e mesmo da dimensão de seu
pragmatismo político, uma proposta ideológica que ameaçava, no seu contexto histórico e
conjuntural internacional, o Estado de Direito e os ideais liberais da propriedade, da livre
iniciativa, da liberdade de pensamento e dos direitos individuais comprometidos com a
questão da liberdade religiosa, especialmente simbolizado pelo clericalismo católico, que se
mobilizou para a “grande” marcha cívica.
Finalmente, imediatamente antes dos acontecimentos de 1964 e, imediatamente
após, as manifestações dos advogados foram dispersas e a Ordem dos Advogados, enquanto
organização corporativa, não se envolveu nos debates nacionais, apesar de suas sucessivas
manifestações e de seus dirigentes e conselheiros durante o período pré e pós-
revolucionário, e, nem muito menos, esteve representada ou militou nos movimentos
políticos e partidários nacionais, enquanto corporação seja nas reações à renúncia, na
implantação do parlamentarismo e no plebiscito presidencialista. Na verdade, como se
verifica, não houve uma militância ostensiva da OAB neste período crítico e, como vimos,
a sua presença definiu-se na luta pela ordem constitucional, mesmo em 1964, quando
admitiu a ação militar como ato legítimo para resguardar o pacto de 1946, novamente
ameaçado pelas mesmas forças que resistiram ao pacto-liberal democrático no parlamento
743
BASTOS, Aurélio Wander. Fundamentos e formação eleitoral do Estado brasileiro. São Paulo: USP-
FFLCH, 1979. (mímeo).
454
constituinte e, imediatamente, após, como acreditavam, comprometidos com o
internacionalismo comunista. Este foi o paradoxo dos advogados, mas, no tempo, a sua
força redentora, muito embora, e procuramos demonstrar esta posição, nos capítulos
seguintes, ao lado da defesa da ordem constitucional democrática, lutavam pela preservação
dos princípios éticos considerados fundamentais para o melhoramento da sociedade
brasileira, essencialmente definidos no ideário estatutário.
Este especial desequilíbrio, todavia, influenciará definitivamente as desilusões
da OAB com os militares no poder, a partir de 1968/69, como veremos, inicialmente,
através da manobra de compromissos contra a eleição de Pedro Aleixo para Vice Presidente
(já manifestadas precursoramente com o pedido de exoneração de Milton Campos em
1965) do Presidente marechal Costa e Silva e, posteriormente, com rupturas sensíveis, após
o Ato Institucional nº 5/68 assinado pelo Presidente Costa e Silva e o subseqüente
impedimento da posse do Vice Pedro Aleixo, na Presidência apesar da grave enfermidade
do Presidente Costa e Silva, (que faleceu em 17 de dezembro de 1969) que veio a ser
substituído por uma Junta Militar, composta de generais Augusto Hamann Rademaker
Grunewald, Aurélio Lyra Tavares e Marcio de Souza e Mello, que, após denso manifesto à
nação, em 31 de agosto de 1969, anunciaram sua continuidade no poder,
744
o que se
interrompeu com a eleição pelo Colégio Eleitoral do General Garrastazu Médici, em 1º de
julho de 1976.
Este foi o quadro circunstancial da desagregação, mas não imediatamente ele
provocou a reacomodação de forças ou frações na OAB, que, aliás, somente ocorrerão, não
na forma de lideranças ou figuras emblemáticas, mas depois da intensificação articulada
das conferências de advogados. Assim, a nova evolução de posturas e posições dentro da
744
Na mesma edição do Ato Institucional nº 17, de 14 de outubro de 1969, assinada pela Junta Militar, foi
assinada na Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, à Carta Constitucional de 24 de janeiro de
1967, que a modificou profundamente, quando se interrompeu de qualquer forma a edição de Atos
Institucionais. A partir desta data, o texto constitucional passou a sofrer sucessivas emendas que vinham
assinadas, exceto as Emenda nº 7 e 8 (sobre Reforma do Judiciário e composição do Colégio Eleitoral),
rejeitadas pelo Congresso, mas, em seguida, assinadas pelo Presidente Ernesto Geisel, pelos presidentes e
pelas Mesas da Câmara e do Senado, dentre eles, sucessivamente, Luis Braga e Petrônio Portella; Célio Borja
e Magalhães Pinto; Marco Maciel e Petrônio Portella; Flavio Marcilio e Luiz Vianna, Nelson Marchezam e
Jarbas Passarinho; Flavio Marcilio e Moacyr Dalla, Ulysses Guimarães e José Fragelli estes últimos
assinaram a Emenda nº 26 de 26/11/1985 que convocou a Constituinte e a Emenda nº 27 de 28/11/1985 que
alterou dispositivos constitucionais, já no governo José Sarney, que veio a ocupar a Presidência com o
fortalecimento do Presidente Tancredo Neves, em 21/04/1985, eleito pelo Colégio Eleitoral.
455
OAB, não ocorreu, por conseguinte, na luta por um novo ideário estatutário, para justificar,
apesar de seus dispositivos dificultarem a adesão à luta política, mas na luta por um novo
projeto democrático e constitucional para o Brasil. O novo Estatuto (de 1994) não foi causa,
nem força propulsora, aliás, como também, não o fora o Estatuto de 1963, emergirá,
naturalmente, como resultado das novas conquistas constitucionais que consagraram uma
nova ideologia jurídica.
Neste sentido, apesar das resistências que imediatamente sucederam a 1968 e
antecederam a 1978, ano preambular do compromisso pela Anistia, e revogação
(derrogação) do Ato 5/68, as conferencias da OAB processaram em um novo quadro
ideológico que abriu os “velhos” institutos jurídicos, tomados pelo liberalismo
individualista e pelo dogmatismo romanista, para as novas dimensões da existência humana
e de organização do Estado moderno. Liberdade e Justiça Social
745
presidirão, como linhas
valorativas diretivas as ações da OAB para encontrar os novos parâmetros da reconstrução
democrática do Estado.
Os próximos capítulos desta tese discutirão exatamente a formatação da nova
ideologia jurídica como ideologia constitucional e a nova Constituição como parâmetro do
novo ideário estatutário.
745
A luta pela liberdade é a tônica do enfrentamento das ditaduras. A OAB, apoiou-se neste princípio pra
enfrentar a ditadura anterior, de Getúlio: Na Reunião Extraordinária do Conselho Federal, de 06.06.44, em
face de proposta do Conselheiro Dario de Almeida Magalhães, aprovada por unanimidade, o CF protestava
contra as violências praticadas pela Polícia baiana contra o advogado Adolpho Bergamini, em virtude [do
Conselho Federal] ter proferido conferência, de caráter doutrinário, no Instituto dos Advogados da Bahia. Na
mesma reunião, protestava-se, também, contra a notificação da Política de São Paulo, que impedira o
Conselheiro Pedro Aleixo, da Seccional de Minas Gerais, de proferir conferência na Faculdade de Direito de
São Paulo. Ata da 347ª Sessão da 12ª Reunião do CF.OAB de 6 de junho de 1944 e também B
AETA,
Hermann Assis. “A OAB e a Defesa da Liberdade”. Ver: Tese nº 18. In Anaes da VIII Conferência Nacional
da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Manaus. O tema Justiça Social só muito recentemente foi
incluído na listagem tópica das lutas, mais que de libertação, de emancipação social, estando mais próxima
das preocupações de igualdade entre os socialmente diferentes. A IX Conferência de Curitiba trabalhou este
tema e, pioneiramente, o Estatuto de 1994 dispôs que defender (...) a justiça social é, dentre tantas outras,
inclusive, as liberdades (mas como dispositivo constitucional) finalidade da OAB.
456
Conclusão
Este Capítulo, no conjunto da Tese, não é de grande extensão quantitativa, mas
é qualitativamente expressivo, porque é um texto indicativo da transição da primeira parte
da pesquisa (Título I e Título II) onde estudamos a OAB no contexto da evolução do Estado
patrimonial, passando pela ação interventiva e transformativa do Estado Novo, para o
Estado de Direito (formal), que, pelas tantas circunstâncias estudadas, deixou-se,
paradoxalmente, consumir pelos atos institucionais do regime militar instalado em 1964 e,
posteriormente, consolidado como Estado de Segurança Nacional, após o Ato Institucional
nº 5/68 e a Emenda nº 1/69 à “ajaxiana” Constituição de 1967, que, abrem o espaço
discursivo para o Título III e seus respectivos capítulos.
De qualquer forma, neste Capítulo, sistematizamos opiniões dispersas em
capítulos anteriores sobre o papel de advogados (que foram) militantes na OAB durante o
enfrentamento getulista e que decisivamente contribuíram para a elaboração da
Constituição (liberal-democrática) de 1946, que, no entanto, levou ao poder (presidencial)
os liberais em qualquer de seus matizes, exatamente porque não desmontou o forte
populismo getulista-trabalhista, permitindo que, pelos seus espaços vazios, chegassem
(permanecessem) no poder até 1964, com diferentes presidentes eleitos pelo mesmo pacto.
Esta especialíssima situação gerou profundos conflitos entre os governantes pessedistas-
petebistas (ou Vice versa) e os conservadores da OAB, que, excetuando o período Miguel
Seabra, ocuparam a sua presidência, mesmo na forma do Estatuto de 1963 que revogou os
regulamentos anteriores.
Na verdade, o novo Estatuto evoluiu numa linha que articulava o
corporativismo conservador de seu Relator, embora designado por Miguel Seabra,
Nehemias Gueiros, que, topicamente, encontraram apoio no Senado, e o liberalismo (anti-
corporativista) do Relator, na Câmara dos Deputados, deputado Milton Campos e o
deputado-revisor das emendas sugeridas pelo Senado, Pedro Aleixo. Ao final, não houve
concessões aos tópicos do residual ideário corporativista, mas o novo Estatuto refletiu uma
evolução desestatizante, com avanços liberais, nos Regulamentos de 1931/33, contribuindo,
definitivamente para fazer do regulamento e do estatuto da OAB o documento legislativo
457
essencial à descontrução das práticas do Estado patrimonialista com os seus vícios
patriarcalistas e oligárquicos.
Neste Capítulo, ainda, procurou-se demonstrar a forma de composição do
Conselho Federal e o processo de eleição do Presidente da OAB, que evoluiu, de um
modelo marcado pela ostensiva presença de membros do IOAB, como conselheiros
(seccional) do Distrito Federal (conforme os regulamentos de 1931/33), para um modelo
elitista e intelectualista. Este novo modelo, que seguiu ao Estatuto de 1963, procurava
compor a eleição dos cargos intermediários pelos delegados seccionais no Conselho
Federal sediado no Rio de Janeiro, e a eleição, por eles próprios, de Presidente escolhido
entre advogados notórios e ilibados, numa visível adesão elitista, que, como fórmula legal,
perdurou até 1994. Na virada dos anos 80 (oitenta), todavia, mesmo sobrevivendo a
fórmula estatutária, passou-se a escolher o Presidente dentre os próprios delegados
conselheiros, que, muitas vezes, devido aos custos e às dificuldades de locomoção dos
estados mais longínquos eram representados por advogados (conselheiros) que tivessem
residência na cidade do Rio de Janeiro ou estados contíguos, todos de especial qualificação
intelectual.
Os Presidentes notáveis, nem sempre vinham do quotidiano da advocacia, ou
das atividades do Conselho, ou das seccionais, mas da elite da advocacia, muitas vezes,
apoiados pelo próprio IAB/IOAB (anteriormente), que na República ficara instituto de
cultura jurídica que tinha amplos vínculos com a vida intelectual e política (e empresarial)
do Estado da Guanabara (ex-Distrito Federal) ou do país. A cidade do Rio de Janeiro,
naqueles anos que sucederam à transferência da Capital para Brasília, estava tomada pelo
lacerdismo udenista e por forças conservadoras que sofriam grande influência católica, em
muitas circunstâncias, como demonstramos, pela ostensiva presença de F.H. Sobral Pinto,
advogado humanista que defendeu Carlos Prestes, preso após a Intentona Comunista (em
1935) no Tribunal de Segurança Nacional (T.SN.) (1937), designado pelo Vice-Presidente
do Conselho Federal em exercício da Presidência, na ausência de Levi Carneiro, que viria a
renunciar, logo depois, em 1938.
Finalmente, no contexto destas circunstâncias, os dirigentes da OAB, mesmo
com as restrições de ação impostos pelo novo Estatuto, na verdade, transformaram-se, num
dos elos da resistência “cívico-militar” contra o sindicalismo ascendente de influência
458
comunista, e contra o denominado golpismo janguista, em defesa da Constituição
ameaçada. Organizados no movimento (cívico) militar (revolucionário) contribuíram para o
avanço do movimento “golpista” (contra revolucionário) dos militares que afastou o
Presidente constitucional João Goulart, para, definitivamente, em 1968/1969, aplicarem o
“golpe no golpe” e instalarem o Estado de Segurança Nacional, dispensando a colaboração
dos juristas da OAB. Isolados no quadro político interno, divididos entre o apoio ao
movimento militar “autoritário” e o reconhecimento do Estado de Direito. Os “notáveis”
perderam o comando da OAB para novos quadros dirigentes, que, a partir da segunda
metade dos anos de 1970, redefiniram as estratégias institucionais, comprometendo-as com
a restauração do Estado de Direito e a construção da democracia, quando as conferências
dos advogados passaram a ter papel fundamental para a reformatação da ideologia jurídica
e a redefinição do ideário profissional.
459
Título III
A OAB e o Estado de Segurança Nacional
460
CAPÍTULO VII
A OAB E O DILEMA IDEOLÓGICO DE 1968
Introdução
Este Capítulo, não propriamente, analisa o grande dilema ideológico que
presidia a vida política brasileira nos anos que antecederam e sucederam 1964, entre as
ideologias de esquerda, nos seus diferentes matizes, e de direita, nas suas tonalidades
reacionárias e conservadoras, mas as suas representações no contexto interno da Ordem dos
Advogados, convertidas no projeto humanista como ideologia jurídica, interpretativo dos
tantos tratados internacionais sobre direitos humanos, e no projeto de desenvolvimento com
segurança, como transposição da política defensiva da democracia ocidental, produzida nos
albores da guerra fria. Neste contexto de confrontos, as marcas diferenciais do período
correspondeu às propostas para alcançar maior eficácia na participação da OAB, nas
reuniões do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos CDDPH, com as diversificadas
reações do governo revolucionário frente à promulgação do Ato Institucional nº 5, de 13 de
dezembro de 1968, que preparou o desmonte da Constituição (liberal revolucionária) de
1967, exatamente na data de encerramento da III Conferência.
A III Conferência, realizada em Recife, priorizou a questão da defesa dos
direitos humanos e a IV Conferência, realizada em São Paulo, priorizou a temática das
relações direito e desenvolvimento, até então uma questão alheia ao quotidiano da vida
jurídica institucional, como analisaremos neste Capítulo. As palestras proferidas durante as
conferências, são os mais eficientes indicadores do dilema entre a preservação das tradições
jurídicas, comprometidas com a proteção (substantiva e processual) dos direitos
individuais, e, a reavaliação do Estado de Direito, como agente de implementação do
desenvolvimento e das políticas de segurança nacional. Foi do resultado final destas
palestras e debates que a OAB começou a reavaliar o seu papel, não apenas em relação ao
Estado e à ordem constitucional e jurídica, mas em relação à sociedade brasileira.
461
1 – Preliminares Históricas
Os compromissos da OAB com práticas de defesa de direitos humanos remonta
aos primórdios de sua própria história, sendo que, todavia, o seu envolvimento com
políticas de desenvolvimento não é historicamente visível. Neste opinamento não segue
qualquer posicionamento recriminatório, ele traduz, apenas, uma postura crítica, mesmo
porque os seus projetos sempre priorizaram a definição das prerrogativas dos advogados,
pressuposto essencial de seu ideário, a estabilização do Estado de Direito e a defesa dos
direitos individuais, pressuposto essencial de suas posturas ideológicas.
As primeiras manifestações concretas, neste sentido, senão apenas através de
documentos do IAB, ocorreram na defesa de vítimas da opressão escravagista nos tribunais
do Império e o envolvimento de advogados no processo abolicionista,
746
o que muito
superficialmente ocorre em relação aos movimentos federalista e republicano. As passagens
de envolvimento direto do IAB e advogados, durante a República, em questões, mesmo que
incipientes, de direitos humanos, estão desconhecidas, estudadas ou pesquisadas.
De qualquer forma, estes atos, especialmente nos tribunais, adquiriram grande
visibilidade após a criação do Tribunal de Segurança Nacional,
747
que atuou na repressão
aos insurgentes da Intentona, coordenada pela Aliança Nacional Libertadora, de 1935, e
anos que sucederam, com a proclamação do Estado Novo em 1937. O episódio de relevo
histórico exemplar foi a atuação do humanista e jurista Sobral Pinto na defesa do líder
comunista insurgente Carlos Prestes
748
, militar comandante da marcha (Coluna Preste) de
746
ALKMIM, Ivan. O advogado e sua identidade profissional em risco. Rio de Janeiro: Destaque, 2004.
747
Ver Capítulo II, item 3, desta Tese.
748
Sobral Pinto praticou vários atos de defesa de Luis Carlos Prestes, dentre elas a carta à sua irmã Natalina
(11/01/37), depois Atarquiniu Ribeiro, Presidente do Conselho da OAB (12/01/37), aceitando a defesa de
Harry Berger que foi o ato pioneiro de tantos que solicitavam autorização para penetrar na cela de Carlos
Prestes e tratamento digno a Harry Berger dirigidas ao presidente do TSN, Raul Machado (29/01/37).
Produziu tantas outras cartas sobre temas e defesa destes presos políticos que, efetivamente, se concluíram
com a apelação de Harry Berger (na verdade Arthur Ernest Ewert) de 24 de maio de 1937 e de Luis Carlos
Prestes em 24 de julho de 1937. PINTO, F. H. Sobral. Porque Defendo os comunistas. Belo Horizonte.
UCMG/Editora Comunicações 1979, páginas introdutórias.
462
1927, pelo interior do Brasil,
749
que aderira ao Partido Comunista do Brasil, fundado em
1922, mesmo ano da Revolta 18 do Forte de Copacabana, que inaugurou o movimento
tenentista, onde estivera, também envolvido, juntamente com os tenentes Juarez Távora e
Eduardo Gomes, que vieram a dar sustentação militar à resistência liberal-democrática que
sucedeu aos anos de 1937 e contribuiu para a promulgação da Constituição de 1946.
Os atos e atitudes de F. H. Sobral Pinto, militante católico, de grande
sensibilidade humanista,
750
naquele momento articulado com a resistência liberal,
contribuíram decisivamente para denunciar as precárias condições de prisão de Carlos
Prestes, e outros de seus companheiros, bem como os excessos repressivos no tratamento
de comunistas presos. O Conselho Federal da Ordem, mesmo vinculado aos órgãos de
Estado, na forma do Regulamento de 1931/32, como serviço público federal, denunciou
(com bravura) em suas reuniões e na imprensa, como observado anteriormente,
751
as
violências da ditadura designando representantes advogados para efeitos de serviço de
defesa no TSN e outras instâncias.
752
749
MEIRELLES, Domingos. As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes. 2. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1995. Independentemente deste livro a melhor cronologia sobre a Coluna Prestes pode ser
encontrada no livro de Silva, Hélio e Carneiro, Maria Cecília Ribas. A Marcha da Coluna Prestes 1923/1926.
São Paulo, Editra Três Ltda. 1998. p. 7e 15, onde, inclusive, tem um qualificado arquivo fotográfico.
Genericamente, os autores mostram a evolução do movimento no contexto da crise política brasileira que
evolui da presidência de Arthur Bernardes, que tinha uma personalidade bastante diferente dos montanheses
mineiros. De qualquer forma, o livro oferece interessantes intervenções de Levi Carneiro sobre a tentativa de
se impedir a posse, no Rio de Janeiro, de Raul Fernades, um episodio sempre esquecido na historia brasileira.
Por outro lado, o livro estuda, também, as rebeliões do Sul do Brasil, de onde, efetivamente, vieram, não
apenas os homens, mas muitas das idéias que se somaram ao modernismo do Rio/São Paulo para a construção
de um novo Brasil. Na verdade a Coluna Prestes não tinha uma clara ideologia e a sua própria posição contra
as oligarquias nem sempre está muito visível, apesar de que, a sua marcha pelo interior do Brasil
definitivamente levou-o a tomar conciência do quadro de miséria e opressão do povo do interior do Brasil, o
que aumentou a sua sensibilidade para aproximar-se do pensamento marxicista que o encaminhou para a
militância no Partido Cominista do Brasil (Partido Comunista Brasilero).
750
Heráclito Fontoura Sobral Pinto, nasceu em Barbacena, em 5 de novembro de 1893. Na introdução de Ary
Quintela, ao seu livro citado, observou que Sobral Pinto afirmava que “a paz é o direito obedecido até as
ultimas conseqüência”. O mesmo Sobral afirma que como havia apenas as faculdades de Direito de São Paulo
e de Olinda, estudou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais que funcionava no Colégio Pedro II na Rua
Larga de São Joaquim, transferida para a Escola de comercio dos irmãos Mendes de Almeida, no velho
Edifício da Casa Real, na Praça XV de novembro, “lá fiz o 1° e o 2° anos de Direito, quando os professores
compraram o prédio no catete”. As suas conclusões não fazem observações sobre o bacharelado, mas esta
escola, em 1915, se fundiu com a Faculdade Livre de Direito e criou-se a Faculdade Nacional Direito, em
1915, oficializada em 1920. BASTOS, op.cit. p. 177.
751
Ver nota 61 do Cap. VI deste Tese.
752
Ver nota 28 do Capítulo II e Cap. VI, Conclusão desta Tese.
463
Nos anos que sucederam à promulgação da Constituição de 1946, a OAB estava
essencialmente voltada para as questões de reformatação do ideário estatutário,
transformado na Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963, como analisado em capítulos
anteriores, mas, coincidentemente, foram, também, os anos em que se envolveu nas
discussões e projetos sobre a definição legislativa de políticas para a proteção da pessoa
humana, demonstrando aproximação e identidade com as iniciativas voltadas para o
respeito e defesa da dignidade humana.
Após séculos de escravidão e injustiça social, preocupar-se com a degradação das
condições de vida de grande parte da população brasileira era uma atitude ainda pouco
difundida, mas entre os primeiros a atentar para tal problema estavam os advogados. Por
isso, não é de se estranhar que os conselheiros federais da Ordem se mostrassem tão
abismados com a exibição sensacionalista do sofrimento alheio nos meios de comunicação,
como ocorreu em 28 de abril de 1958, quando uma rede de televisão entrevistou um
presidiário em condições vexaminosas na cidade do Rio de Janeiro.
753
No dia seguinte à sua exibição, a entrevista foi debatida no Conselho Federal e o
Conselheiro Arthur Pôrto Pires disse que assistiu ao programa com estarrecimento e Mayr
Cerqueira propôs que o Conselho enviasse um protesto formal contra procedimento tão
insólito ao Ministro da Justiça. A proposta foi aprovada e o conselheiro Renato Cantidiano
Vieira Ribeiro procurou deixar bem claro que o assunto em discussão era realmente muito
grave, pois tratava-se da utilização da liberdade de imprensa para fixação de aspectos
menos dignos da vida humana.
754
A convicção predominante na OAB era a de que todas as
pessoas, mesmo as mais desafortunadas, deveriam ser tratadas com respeito irrestrito e a
dignidade de todos, sem exceção, deveria ser salvaguardada a todo custo.
Fatos daquela natureza, matizados pelos tantos atos de mais profunda gravidade,
ainda ao período getulista, vivos na consciência jurídica, levaram a OAB a se posicionar
fortemente sobre a necessária criação de organismo destinado à proteção dos direitos
humanos. O posicionamento da OAB tornou-se mais evidente após a aprovação pelo
Senado Federal, em 1962, do projeto de criação, ainda no período parlamentarista de João
Goulart, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) dispondo que
753
Ata da 890ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de abril 1958.
754
Ata da 890ª Sessão da 28ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de abril 1958.
464
um dos seus membros natos (do Conselho) seria o presidente da OAB. No Conselho
Federal, Carlos Alberto Dunshee de Abranches internacionalista, altamente prestigiado na
OAB e em organismos internacionais, mostrou-se satisfeito com a decisão dos senadores e
ressaltou os amplos recursos e poderes da nova entidade, que poderia colocar o Brasil na
vanguarda das legislações internacionais sôbre o assunto.
755
Lamentavelmente, todavia, o
Projeto não veio a ser imediatamente sancionado, mas a OAB, por estas razões, passou a
pressionar o Poder Executivo para que o Conselho viesse efetivamente a ser criado e, por
conseqüência, fosse instalado o mais rapidamente possível.
Estes fatos demonstram o envolvimento da OAB no Projeto de criação do Conselho,
mas, ao mesmo tempo, demonstra, que aprovado o projeto no Senado Federal não foi
sancionado imediatamente pelo Presidente João Goulart, envolvido pelas tantas questões da
restauração presidencialista. Neste período, todavia, interpuseram-se muitas resistências
institucionais, não apenas permeadas pelos veios autoritários do trabalhismo, mas também
pela emergente doutrina de segurança nacional, defendida pela elite militar de pós-
guerra.
756
Todavia, quase 18 meses após a conclusão dos trabalhos parlamentares,
restaurado o presidencialismo, João Goulart promulgou a Lei nº 4319, de 16 de março de
1964, que criou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, somente
15 (quinze) dias antes do movimento militar de 31 de março/1ª de abril de 1964 (golpe) que
encerrou o ciclo nacional-desenvolvimentista, marcado pela paradoxal aliança entre os
conservadores, pessedistas, que, como ruralistas, eram grandes “invernistas”,
757
que se
beneficiariam, territorialmente, com a interiorização que se efetuaria com a construção da
nova Capital Federal, e o trabalhismo-sindicalista.
758
Estas ocorrências confirmam que o
empenho da OAB, se não foi suficiente as forças do Presidente da República, o foram,
755
Ata da 1072 Sessão da 32ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 18 de dezembro de 1962.
756
Estes militares, em geral, orbitavam em torno da Escola Superior de Guerra, inspirada no National War
College, criada nos Estados Unidos em 1946, no governo Dutra, comandada inicialmente por Cordeiro de
Farias, defensora do alinhamento direto com os Estados Unidos (EE.UU) na questão da guerra fria.
757
Em outras notas observamos que a ausência de políticas de implementação agrícola e da reforma agrária, o
crescimento pecuário adquiriu a forma de criação extensiva que interessava aos latifundiários e à
agropecuária, ainda presidia pela política exportadora.
758
A inteligência da aliança do PTB estava exatamente em, exatamente, integrar as forças agrárias e o
trabalhismo com frações de esquerda, visto que a Industria Nacional Paulista não se firmara como força
política, mesmo com o esforço industrialista e populista de Ademar de Barros. Os fatores históricos dão a
entender que o capital internacional estava muito próximo do lacerdismo udenista e da grande advocacia,
especialmente representada, pelos interesses da Cia Light na cidade do Rio de Janeiro.
465
muito embora as forças militares, após o golpe de abril, tenham provocado as ratificações
regulamentares da Lei nº 4319, de 16 de março de 1964 (Cria o Conselho de Defesa dos
Direitos Humanos).
Por estas razões, vistos os fatos como narramos, historicamente, a aprovação
desta Lei, cuja discussão iniciara-se no início dos anos de 1960, imediatamente ao projeto
de Estatuto da OAB, ainda no contexto do governo trabalhista, e tramitou sob o signo da
ordem liberal-democrática de 1946, é o principal indicativo da evolução social-liberal dos
advogados. Vencidos os anos tormentosos da crise institucional de 1964/68 os advogados,
imobilizados na OAB, farão dos direitos humanos o pressuposto de suas lutas políticas
futuras. Todavia, como se pode verificar, este avanço propositivo dos advogados é a mais
lídima tradução dos princípios existenciais, afirmaria, até, que foi marcado pela influência
existencialista que evoluíra no contexto do liberalismo: o respeito à dignidade da pessoa
humana e os princípios éticos, não apenas como pressuposto das relações profissionais, mas
da vida social e política.
759
Estes novos parâmetros discursivos adquirirão força teórica e argumentativa
com a retomada das Conferências da OAB, iniciadas em 1958, fórum do pensamento
institucional dos advogados, interrompidas com as crises dos anos de 1960 (após a
Conferência de São Paulo), o subseqüente período de aprovação do Estatuto até 1963, e os
gravosos acontecimentos que ocorreram entre 1964/68/69. A ação revolucionária dos
militares e a suspensão das conferências, influíram significativamente no futuro papel
político da OAB, apesar de que, neste período, manteve-se a continuidade das eleições no
Conselho Federal e de suas sucessivas reuniões na sede do Rio de Janeiro. Todavia, não há
como desconhecer, que, este interregno, é um significante indicativo das dificuldades
759
Para melhor compreensão do Projeto existencialista, indica-se o livro de Mounier Emmanuel Introdução
aos Existencialismos. (Trad. João Benard da Costa), São Paulo, Livraria duas Cidades. 1963, que alem da
figuração gráfica da arvore existencialista, na verdade, introduziu as primícias fundamentais que vieram a
presidir os princípios referentes à dignidade humana, principio altamente prestigiado na atual Constituição
brasileira. Mounier repassa todo o pensamento existencial cristão e avança, criticamente, sobre o
existencialismo que influenciou o pensamento de Sartre e toda a sua geração. Dentre as suas observações
comparadas está o seu próprio convencimento de que “o homem não pode ser hora livre, hora escravo...a
liberdade é uma totalidade inanalizavel” p. 188, diferente de Sartre, “não somos uma liberdade que escolhe,
não escolhemos ser livres: estamos condenados à liberdade, a liberdade é limitada por aquilo que ela própria é
p. 190. Para Mounier “o homem Sartriano não está perante nada, nem mesmo como o homem do liberalismo,
perante a sua consciência” p. 193. Para ficarmos também entre os esforços do pensamento brasileiro, uma
visão amplíssima do existencialismo está em Giordani, Mario Curtis. Iniciação ao Existencialismo. Rio de
Janeiro, Freitas Bastos. 1976. O autor faz um amplo panorama dos pensadores existencialistas, sem que
prestigie, todavia, Emmanuel Munier, mas aprofunda-se na discussão preferencial dos existencialistas sobre
“o ser e o nada”.
466
institucionais brasileiras, por um lado, e, por outro, do convulsionado quadro das crises que
permearam o regime autoritário, como prática de governo, até a promulgação da
Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988.
A crise que sucedeu a 1968, imediatamente após a Constituição de 1967, que
procurou conciliar os ideais liberais e a nova política de segurança nacional,
760
e seguiu
pelos anos de 1970/85, ficou profundamente marcado pelo engajamento da OAB nas
incipientes políticas de direitos humanos, justificáveis no contexto de sua história passada
sem visível contraste com as propostas do governo autoritário de implementação de uma
ordem jurídica comprometida com o emblemático dístico revolucionário “segurança e
desenvolvimento”. Aparentemente, esta questão teria uma natureza essencialmente política,
mas, na verdade, ela traduz o dilema entre os pressupostos jurídicos tradicionais do Direito
e as possibilidades dos fundamentos jurídicos liberais implementarem políticas de
desenvolvimento (e segurança).
Os fracassos da Constituição de 24 de janeiro de 1967,
761
que procurou
conciliar os pressupostos liberais do Estado de Direito e da defesa dos direitos individuais
com políticas de segurança e desenvolvimento são a exata demonstração de que o
liberalismo não é bem a ideologia da segurança nacional, assim como os fundamentos
clássicos da ordem jurídica não bem traduzem os fundamentos das políticas de
desenvolvimento interventivo. Por isso mesmo, à Constituição de 1967, sucederam as mais
radicais ações do governo militar, especialmente, porque sitiados pelos liberais de forte
representação entre os advogados, especialmente na OAB tiveram que romper a “fogo” o
760
Uma da mais visíveis interferências da teoria da segurança nacional na ordem protetiva dos direitos
individuais e humanos foi a extensão da competência da justiça militar para julgar delitos políticos de civis
especialmente na área de imprensa e segurança nacional. O inciso I do artigo 144 e o artigo 151 da Lei Maior
ultrapassaram o limite razoável do Estado de Direito, e, principalmente são um entrave à dinâmica normal do
sistema democrático. Estes artigos representaram verdadeiros riscos para o sistema do direito e garantias
individuais, na forma da própria Constituição de 1967. Na gravidade da situação a III Conferência chegou a
aprovar um resolução sugerindo a suspensão deste dispositivo e inciso.
761
Em abril de 1964 abriu um período de suspensão parcial do regime de 1946. Em janeiro de 1967, o
Congresso Nacional usou o poder constituinte para votar a Carta que começou a vigorar em 15 de março
seguinte. Interrompeu-se, desta vez, a tradição brasileira que, iniciara-se com a Constituição de 1891
cometendo a uma assembléia o encargo, a tarefa específica de elaborar o estatuto básico. Neste contexto a
Constituição de 1967 ficou presidida por duas características: uma grande concentração de poder e
iniciativa do presidente da república e uma maior extensão do conceito de Segurança Nacional, que se
projetou na dinâmica das instituições. Ver de Samuel Duarte: Suspensão de Direitos Políticos pelo Supremo
Tribunal Federal (art. 151 da Constituição do Brasil). Anais da III Conferência Nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil. Ordem dos Advogados de Pernambuco, Recife, 1970, p. 319.
467
arco de resistência para alcançar seus objetivos, editando o Ato Institucional nº 5, de 13 de
dezembro de 1968 e a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de1969 (DOU de
20/10/69).
A III e a IV Conferências, respectivamente realizadas em Recife (1968) e São
Paulo (1970) e, da mesma forma, respectivamente presididas por Samuel Vital Duarte e
Laudo Almeida Camargo, fundamentalmente, trataram da implementação das políticas de
direitos humanos, no estado autoritário, e da capacidade do ordenamento jurídico
implementar políticas de (segurança e) desenvolvimento. As duas linhas discursivas, entre
si, denotaram as suas divergências conceptivas, mas, visivelmente a OAB, como veremos,
optou pela discussão sobre a importância do Estado de Direito na implementação da defesa
dos direitos da pessoa humana apesar da radical insistência do Estado autoritário buscar o
desenvolvimento econômico, mesmo, apesar, do Estado de Direito, ou seja, apoiado em
rígidas regras e excessivas práticas de segurança nacional.
2 – Os Documentos sobre Direitos Humanos
2.1. Recuperação Histórica
Vários documentos marcaram a história universal da luta pela
institucionalização dos direitos humanos e deles muitos foram o resultado e a consagração
de verdadeiras revoluções. A Declaração de Independência Americana (1776) e a
conseqüente proclamação de que todos os homens foram criados iguais e que são titulares
de direitos inalienáveis, estabelecendo, que, dentre esses direitos, deve-se colocar, em
primeiro plano, a vida, a liberdade e a busca da felicidade e a Déclaration des Droits de
L’Homme et du Citoyen, votada pela Assembléia Nacional da França revolucionária que
declara, no art. 1º, que: Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos e
como mais tarde foi observado na OAB: as distinções sociais não podem fundar-se em
468
nada mais do que na utilidade comum
762
, são evidentes provas referenciais de que os
documentos jurídicos do passado (Códigos, Ordenações e Consolidações), presididos pela
declarações de direito dos príncipes e governantes e deveres dos súditos, estavam por se
subsidiar por declarações de Direitos dos Cidadãos frente ao poder dos reis e em relação
aos outros cidadãos.
Outros documentos igualmente relevantes, historicamente anteriores, indicaram
o despertar do homem para os seus direitos individuais, tais como: a Magna Charta
Libertatum (1215), imposta ao rei João Sem Terra; a Petition of Rights (1628), exigida
pelas comunas a Carlos I para o reconhecimento de antigas liberdades nacionais; a Lei
sobre o Habeas Corpus (1679),
763
que garantia a liberdade física, o direito de ir, ficar e vir;
o Bill of Rights (1689) que limitava o poder real inglês; o Act Settlement (1701) que
dispunha sobre o consentimento prévio do parlamento para as declarações de guerra, assim
como dispunha sobre o impedimento do rei para destituir magistrados. Estes documentos,
historicamente precursores, evoluíram na dimensão suficiente, para gerarem, no tempo
histórico, os documentos revolucionários da modernidade que se transformaram nos
tratados e leis contemporâneas sobre os direitos humanos.
Os anos que sucederam a Revolução Francesa, todavia, é que efetivamente
marcaram os fundamentos e o desenvolvimento dos direitos de primeira geração
764
, que
decisivamente influíram na legislação penal (e processual penal, mais tarde), procurando
evidenciar o espaço e os limites das garantias individuais e da legislação civil (e processual
civil, mais tarde) que procuraram evidenciar os espaços e limites do direito de propriedade
(em muitas situações tido como natural e inalienável). Estes movimentos de codificação
recuperaram, em muitas circunstâncias o velho direito romano, não tanto, ou quase muito,
em razão dos direitos individuais (pessoais), mas muito em razão do direito de propriedade
762
Anais da XII Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. A Profissão do Advogado e a OAB na
Sociedade Brasileira. 2 a 6 de outubro de 1988. Porto Alegre, p. 196.
763
Estes estudos sobre as eras e gerações do direito podem ser verificados em BOBBIO, Norberto. A era dos
direitos (edição ampliada). Rio de Janeiro: Campus, 1992.
764
Ibid. Fernando Henrique Cardoso, comentando lucidamente esta obra de Norberto Bobbio, observa que “a
licença moral que é dada aos poderosos era para que realizassem grandes feitos ou grandes coisas” tema que
perpassa a sua obra (A Arte Política), deixando antever que nem ao menos estavam obrigados a cumprir a
palavra e o pacto em que se empenhava. CARDOSO, Fernando Henrique. A arte da política: historia que
vivi. Coord. Editorial: Ricardo A. Setti. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 p. 45-46.
469
e sucessão, mas,
765
de qualquer forma, na constituição dos códigos, estavam sempre
presentes os novos paradigmas das declarações de direito que o tempo consolidaria nas
constituições ou no direito político e, também, constitucional.
No Brasil, este fenômeno não foi muito diferente, apesar da ação interventiva e
moderada da Constituição Imperial de 1824, mesmo assim estes direitos individuais
precursores da formatação conceitual dos direitos humanos, estiveram sempre em destaque
e proteção em nossas constituições, excetuado os interregnos em que o Estado de Direito
foi trespassado pelos movimentos ou pelo Estado de exceção. Em nosso estudo sobre As
Eras do Direito no Brasil,
766
procuramos mostrar que estes direitos de primeira geração,
imediatamente a primeira guerra, tomando em referência a formatação do
constitucionalismo de Weimar (Alemanha, 1919),
767
iniciou sua etapa de reconhecimento
de direitos sociais que muito se aprofundaram no Brasil e na Europa, com advento dos anos
de 1930 e, inclusive, nos Estados Unidos, com as políticas de Welfare State, após 1929,
abrindo novos espaços conceituais e políticos no reconhecimento dos direitos humanos.
2.1.1. A Carta das Nações Unidas
Nesta linha de ampliação da proteção dos direitos humanos a Carta das Nações
Unidas, aprovada, em Assembléia Geral das Nações na cidade de São Francisco, em 26 de
junho de 1945, no seu preâmbulo:
(...) reafirma[r] a [nossa] fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no
valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim
como das nações, grandes e pequenas; estabelecer as condições necessárias à
765
BASTOS, Aurélio Wander. Teoria do Direito. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1992.
766 Ver de BASTOS, Aurélio Wander. As Eras dos Direitos no Brasil. Rio de Janeiro: In Revista da ACAT –
Associação Carioca de Advogados Trabalhistas, ano 1, n° 1. (jan. jun.) 2006.
767 A República de Weimar, proclamado imediatamente ao término da 2ª Guerra Mundial, no contexto
internacional do Tratado de Versailles, que consagrou a vitória dos aliados (Inglaterra e França) contra a
Alemanha, construiu o mais importante e pioneiro documental constitucional de 2ª geração, que serviu de
base as demais Constituições modernas.
470
manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras
fontes do direito internacional; promover o progresso social e melhores condições de
vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade.
Este documento de inquestionável força, imediatamente promulgado ao término
da 2ª Guerra Mundial, traduz na plenitude possível, para as circunstâncias dos tempos, um
projeto de proteção aos direitos humanos que extrapola aos estritos limites do
individualismo racionalista, ambiente natural dos direitos individuais. Esta Carta marca, nas
histórias da humanidade, o momento referencial da mudança de qualidade nas expectativas
de redefinição dos poderes do estado e dos organismos internacionais alocados no novo
contexto internacional, para evitar, não apenas, as violências contra os indivíduos, mas
contra os grupos humanos e os sentimentos humanos.
A Carta das Nações Unida dispõe, em cumprimento das dimensões de sua
grandeza, vários dispositivos que, direta e explicitamente, se referem aos direitos humanos,
como novo patamar das perspectivas protetivas do Estado e da própria ação afirmativa do
advogado. No reconhecimento desta nova sistematização dos direitos no art. 1º, item 3
dispõe que à ONU compete
realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de
carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o
respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Este artigo, realmente, abre uma nova dimensão na concepção de direito,
fugindo do restrito racionalismo subjetivista, para tomar, como variável conceptiva,
situações objetivas, buscando proteção para os direitos humanos ao nível econômico, social
e político, bem como relacionando direitos humanos com liberdades fundamentais sem
qualquer distinção de raça, sexo, língua ou religião. Estas mesmas posição e orientação
prevalecem na redação seguinte, artigo 13, alínea 1º, letra b: Fomentar a cooperação
internacional no domínio económico, social, cultural, educacional e da saúde e favorecer o
pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, por parte de todos os
povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Como se verifica, a discussão sobre direitos humanos, na verdade, evolui de
duas linhas fundamentais que predefinem o direito e as conseqüências punitivas de seu
471
descumprimento de apoio à proteção das liberdades individuais fundamentais e a punição a
qualquer discriminação de raça, sexo, língua ou religião. Estas duas variáveis,
combinadamente, superpõem ao tradicional papel do Estado de Direito, como agente
intermediador de conflitos, não mais apenas autor promotor da estabilidade social, mas,
também, o papel de agente promotor do bem estar social, comprometido, não apenas, com a
repressão das ações interindividuais, mas também, com a prevenção de condutas anti-
sociais e com a repressão ao abuso de seu próprio poder.
É claro que a discussão colocada neste patamar avança significativamente no
sentido de um novo conceito de direito aberto às situações objetivas da vida, e, não apenas,
intersubjetivas sobrepondo-se ao conceito subjetivista de proteção dos direitos naturais
(racionais) individuais e do direito positivo (escrito) imprescindível à proteção das ações do
Estado contra o próprio indivíduo. Nesta linha discursiva, o que se verifica, na ampliação
do conceito originário de direitos fundamentais individuais, é, que, independentemente do
tratamento isonômico dos indivíduos, o Direito, enquanto ordem jurídica, precisa trabalhar
com o conceito de equidade: ou seja, aquele que pode fazer juridicamente, não pode
ultrapassar os limites de seu próprio (poder ou direito de fazer).
Neste sentido, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, na forma do
art. 62, inciso II, tem funções e poderes para: (Poderá) fazer recomendações destinadas a
assegurar o respeito efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para
todos, abrindo exatamente esta dimensão objetiva do conceito de direitos humanos
definindo no art. 76 como finalidade básica da tutela promovida pelas Nações Unidas
encorajar o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos,
sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, e favorecer o reconhecimento da
interdependência de todos os povos. Nesta mesma linha o art. 55 da Carta das Nações
completa mesmo que estes pressupostos dos direitos humanos são, na verdade, também,
pressupostos do princípio da igualdade de direitos (das nações) e da autodeterminação dos
povos.
472
2.2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Todavia, a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH, de 10 de
dezembro de 1948,
768
aprovado pela Assembléia Geral da ONU, que alcançara com maior
precisão a exata definição conceitual dos direitos humanos, muito especialmente no seu
preâmbulo quando observa:
que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e
de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo, [assim como] que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam
em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um
mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração
do homem comum.
Este texto introdutório, de qualquer forma, toma como referência existencial, do
conceito de direitos humanos, o conceito de dignidade da pessoa humana, como direito
inalienável e fundamento da liberdade da justiça e da paz, assim como reconhece que os
atos de violência e barbárie (praticados em qualquer circunstância, inclusive, pelo Estado)
ferem a consciência da humanidade. Este texto traz para o mundo jurídico uma nova
variável discursiva até aquele momento desprezada pelas constituições, pelos códigos e
pelas leis: o conceito de preservação da dignidade da pessoa humana como pressuposto dos
atos, inclusive repressivos de estado, razão pela qual tornou-se imprescindível a extensão
do conceito de Estado de Direito, para evitar que no seu âmbito se alojasse estados
totalitários e autoritários e/ou de exceção.
Esta linha diretiva, aliás, confirmada no próprio preâmbulo da DUDH ao
observar que é essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito,
768
Ver sobre a influência dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos no Brasil, especialmente,
TRINDADE, Antonio Augusto. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil (1948/1997). 2ª ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2000, pp. 29 e segs. Neste livro estão indicados significativas contribuições de juristas
brasileiros sobre a criminalização de praticas com os direitos humanos, tais como Gilberto Amado (sobre genocídio,
1953), mas, principalmente o ex-presidente da OAB Levi Carneiro (1949) à época consultor jurídico do Itamarati, em
resposta a circulares sobre os travaux préparatoires da DUDH (1948) quando defendeu o estabelecimento de órgão
judicial internacional “autônomo, específico, perante o qual os indivíduos possam recorrer contra os estados para garantia
de seus direitos” (p. 34). Ver, ainda, LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia das Letras, 1988, pp. 170 a 183 e CARNEIRO, Levi. O Direito
Internacional e a Democracia. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco, 1945, pp. 106 a 196.
473
para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e
a opressão (o Estado de exceção). Nesta última observação, todavia, é que vamos
identificar a imprescindibilidade da democracia para o efetivo reconhecimento dos direitos
humanos no Estado de Direito. É exatamente a democracia como antinomia da tirania e da
opressão que torna possível articulação combinada do Estado de Direito como estado
voltado para garantia e proteção dos direitos humanos.
Para alcançar estes fins, podemos identificar nos dispositivos da DUDH as
tendências que resguardam os direitos individuais clássicos, como o direito à vida, o direito
à liberdade e o direito à propriedade, (direitos de primeira geração) bem como por outro
lado, os direitos sociais, força remanescentes de Weimar e de outros documentos da mesma
época, essencialmente preocupados com o trabalho e as condições humanas de
sobrevivência (direito de segunda geração) e, ainda os direitos humanos, que traduzem as
novas inclinações jurídicas que sucedem a 2ª Guerra, basicamente voltados para a proteção
das dimensões da dignidade da existência do homem, assim como, também, estão
presentes, na Declaração, a proteção aos direitos coletivos, enquanto dimensões extensivas
dos direitos individuais, como direitos homogêneos, embora menos evidentes e mais frágeis
na redação do texto, mais se evidenciando como direitos políticos do que, propriamente,
como direitos civis (direitos de terceira geração, enquanto novos direitos civis).
No primeiro caso, basicamente voltado para proteção dos direitos individuais
clássicos encontramos os seguintes dispositivos:
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (Artigo 3º) Todos são
iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei (Artigo
7º). Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio
efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos
pela constituição ou pela lei. (Artigo 8º) Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a
uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para
decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal
contra ele. (Artigo 10) §1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de
procurar e de gozar asilo em outros países. (Artigo 14) Os homens e mulheres de maior
idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de
contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao
casamento, sua duração e sua dissolução. §2. A família é o núcleo natural e
fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. (Artigo
16) §1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. §2.
Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. (Artigo 17) Toda pessoa tem
direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; (Artigo 18)
474
No que se refere aos direitos existenciais de forte tendência para reconhecer a
proteção da dignidade humana, enquanto dimensão interior do homem, a Carta os prioriza
nos seguintes artigos:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
(Artigo 1º). Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas. (Artigo 4º). Ninguém será
submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
(Artigo 5º). Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole
a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. (Artigo 7º).
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. (Artigo 9º). §1º. Toda pessoa
acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua
culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual
lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. §2ª Ninguém
poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam
delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais
forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. (Artigo
11). Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu
lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa
tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. (Artigo 12). §2 ou
§3º. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. (Artigo 26)
Os direitos sociais, que historicamente foram primeiro reconhecidos na
Alemanha (devido às conquistas, paradoxalmente, do período Bismarck, e, posteriormente,
com Weimar), mesmo antes do seu Código Civil de 1900, (em processo diferenciado da
França) tiveram também um vasto leque de proteção na DUDH da perspectiva de proteção
dos direitos políticos e da perspectiva de proteção do trabalho. Dentre tantos podemos
selecionar os seguintes dispositivos:
§1º. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. (Artigo 20).
§2ª Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. §1º. Toda pessoa tem
o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos. §2ª. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao
serviço público do seu país. §3º. A vontade do povo será a base da autoridade do
governo; (Artigo 21). Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança
social (Artigo 22). §1º. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego,
(Artigo 23).
Resta, finalmente, concluir, que, nos anos que sucederam a 1948, a proteção aos
direitos humanos adquiriu novas dimensões, principalmente, no que se refere aos direitos
existenciais e aos direitos coletivos e difusos. As conferências da OAB, neste sentido,
475
foram uma marca referencial na evolução a proteção dos direitos humanos no Brasil,
inicialmente, após a Conferência de 1958, com a criação do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana CDDPH em 1962, cuja lei foi editada em 1964. De qualquer
forma, todos os documentos legais de proteção aos direitos humanos no Brasil, direta ou
indiretamente, sofreram a influência dos documentos históricos, da Carta da ONU e da
Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH, cujos dispositivos estiveram sempre
analisados nas conferências da OAB que trataram da matéria, e particularmente influíram
no Projeto e depois sobre o Conselho dos Direitos da Pessoa Humana DUDH.
3 – A OAB e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana
O Projeto do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH foi
elaborado com base na Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do
Homem, promulgada em Bogotá, em abril de 1948, e na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, após uma série de decisões tomada pela Comissão de Direitos Humanos da
ONU, no biênio 1947/48, promulgada, pela Assembléia Geral da ONU, em Nova York, no
ano de 1948, todos os documentos referenciais da política internacional dos direitos
humanos.
769
O CDDPH tinha como objetivo fazer dos propósitos destes documentos, bem
como do conteúdo do seu próprio texto, as bases de uma efetiva política de defesa dos
homens e das mulheres contra as brutalidades do estado e dos seus agentes públicos ou
pessoas privadas. O conjunto destes documentos representava, exatamente, os novos
parâmetros e novos paradigmas dos direitos humanos, gestados nas assembléias e órgãos
internacionais após a Segunda Guerra Mundial, superando os estritos limites da proteção
intersubjetiva dos direitos individuais como exclusivo propósito do Estado de Direito.
769
A DUDH foi aprovada por 48 dos então 58 países membros da ONU, sendo que 8 se abstiveram, 2
estavam ausentes e nenhum votou contra. O representante brasileiro, no decorrer dos travaux préparatoires
foi Austragésilo de Athayde (Alceu Amoroso Lima, que especialmente se destacou por singularizar o direito à
educação e defender a necessidade de se assegurar a eficácia dos direitos humanos). Ver, especialmente,
ABRANCHES,
C. A Dunshee de. Proteção Internacional dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro/São Paulo:
Livraria Freitas Bastos, 1964, pp. 13 e segs.
476
O CDDPH foi criado no Brasil pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964,
como já observamos, oriundo de projeto do então deputado udenista (UDN), de origem
liberal-conservadora, Bilac Pinto, e sancionada pelo Presidente João Goulart, no mesmo
quadro político circunstancial que aprovou e sancionou o Estatuto da OAB, sendo Ministro
da Justiça Abelardo Jurema, com os seguintes dispositivos, essenciais para a compreensão
desta obra e o papel futuro da OAB:
Art 1º Fica criado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores o Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana. Art 2ª O C.D.D.P.H. será integrado pelos seguintes
membros: Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Presidente do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Catedrático de Direito Constitucional de
uma das Faculdades Federais, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa,
Presidente da Associação Brasileira de Educação, Líderes da Maioria e da Minoria, na
Câmara dos Deputados e no Senado. § 1º O Professor Catedrático de Direito
Constitucional será indicado pelos demais membros do Conselho em sua primeira
reunião. § 2ª A Presidência do Conselho caberá ao Ministro da Justiça e Negócios
Interiores e o Vice-Presidente será eleito pela maioria dos membros do Conselho. Art 3º
(...) Art 4º Compete ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana: 1º
promover inquéritos, investigações e estudos acêrca da eficácia das normas
asseguradoras dos direitos da pessoa humana, inscritos na Constituição Federal, na
Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem (Bogotá no
ano de 1948) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Assembléia Geral da
ONU, em Nova York, no ano de 1948); 2ª promover a divulgação do conteúdo e da
significação de cada um dos direitos da pessoa humana mediante conferências e debates
em universidades, escolas, clubes, associações de classe e sindicatos e por meio da
imprensa, do rádio, da televisão, do teatro, de livros e folhetos; 3º promover nas áreas
que apresentem maiores índices de violação dos direitos humanos: a) a realização de
inquéritos para investigar as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar a
plenitude do gôzo daqueles direitos; b) campanha de esclarecimento e divulgação; 4º
promover inquéritos e investigações nas áreas onde tenham ocorrido fraudes eleitorais
de maiores proporções, para o fim de sugerir as medidas capazes de escoimar de vícios
os pleitos futuros; 5º promover a realização de cursos diretos ou por correspondência
que concorram, para o aperfeiçoamento dos serviços policiais, no que concerne ao
respeito dos direitos da pessoa humana; 6º promover entendimentos com os governos
dos Estados e Territórios cujas autoridades administrativas ou policiais se revelem, no
todo ou em parte, incapazes de assegurar a proteção dos direitos da pessoa humana
para o fim de cooperar com os mesmos na reforma dos respectivos serviços e na melhor
preparação profissional e cívica dos elementos que os compõem; 7º promover
entendimentos com os governos estaduais e municipais e com a direção de entidades
autárquicas e de serviços autônomos, que estejam por motivos poIíticos, coagindo ou
perseguindo seus servidores, por qualquer meio, inclusive transferências, remoções e
demissões, a fim de que tais abusos de poder não se consumem ou sejam, afinal,
anulados; 8º recomendar ao Govêrno Federal e aos dos Estados e Territórios a
eliminação, do quadro dos seus serviços civis e militares, de todos os seus agentes que
se revelem reincidentes na prática de atos violadores dos diretos da pessoa humana; 9º
recomendar o aperfeiçoamento dos serviços de polícia técnica dos Estados e Territórios
de modo a possibilitar a comprovação da autoria dos delitos por meio de provas
indiciárias; 10. recomendar ao Govêrno Federal a prestação de ajuda financeira aos
Estados que não disponham de recursos para a reorganização de seus serviços
policiais, civis e militares, no que concerne à preparação profissional e cívica dos seus
477
integrantes, tendo em vista a conciliação entre o exercício daquelas funções e o respeito
aos direitos da pessoa humana; 11. estudar e propor ao Poder Executivo a organização
de uma divisão ministerial, integrada também por órgãos regionais, para a eficiente
proteção dos direitos da pessoa humana; 12. estudar o aperfeiçoamento da legislação
administrativa, penal, civil, processual e trabalhista, de modo a permitir a eficaz
repressão das violações dos direitos da pessoa humana por parte de particulares ou de
servidores públicos; 13. receber representações que contenham denúncias de violações
dos direitos da pessoa humana, apurar sua procedência e tomar providências capazes
de fazer cessar os abusos dos particulares ou das autoridades por êles responsáveis. Art
5º O C.D D.P.H. cooperará com a Organização das Nações Unidas no que concerne à
iniciativa e à execução de medidas que visem a assegurar o efetivo respeito dos direitos
do homem e das liberdades fundamentais. Art 6º No exercício das atribuições que lhes
são conferidas por esta lei, poderão o C.D.D.P.H e as Comissões de Inquérito por êle
instituídas determinar as diligências que reputarem necessárias e tomar o depoimento
de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, inquirir testemunhas,
requisitar às repartições públicas, informações e documentos e transportar-se aos
lugares onde se fizer mister sua presença. Art 7º As testemunhas serão intimadas de
acôrdo com as normas estabelecidas no Código de Processo Penal. Parágrafo único.
Em caso de não comparecimento de testemunha sem motivo justificado, a sua intimação
será solicitada ao Juiz Criminal da localidade em que resida ou se encontre na forma
do art. 218 do Código de Processo Penal. Art 8º Constitui crime:I - Impedir ou tentar
impedir, mediante violência, ameaças ou assuadas, o regular funcionamento do
C.D.D.P.H. ou de Comissão de Inquérito por êle instituída ou o livre exercício das
atribuições de qualquer dos seus membros. Pena - a do art. 329 do Código Penal. II -
Fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou
intérprete perante o C.D.D.P.H. ou Comissão de Inquérito por êle instituída. Pena - a
do art. 342 do Código Penal. Art 9º No Orçamento da União será incluída, anualmente,
a verba de Cr$10 000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), para atender às despesas de
qualquer natureza do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Art 10. A
presente lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário. Brasília, em 16 de março de 1964; 143º da Independência e 76º da
República.
Como se verifica, os dispositivos gerais desta Lei, representam, um
significativo avanço na definição de políticas de enfrentamento aos atos e violações dos
direitos da pessoa humana com o objetivo de protegê-la, que, foram, essencialmente,
inspirados na imprescindível necessidade dos povos guardarem-se das violências dos
governos autoritários que antecederam e promoveram a Segunda Guerra Mundial. Os
documentos internacionais, neste sentido, produzidos, ainda, sob os horrores da 2ª Guerra
Mundial, decisivamente influenciaram a lei brasileira que criou o CDDPH, especialmente o
art. 8º, inc. I, visando resguardar a sua imprescindível eficácia para viabilizar as condições
pacificas de convivência.
Neste contexto, independentemente de regras de conduta e prefixação de
competências, a Lei cria um catálogo das condutas criminosas, procedimentos de apuração
e sanções punitivas. Assim, por exemplo, na preocupação extrema de resguardar sua
478
própria funcionalidade, o supra referido inciso dispõe que constitui crime impedir ou tentar
impedir, mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento do CDDPH ou
de Comissão de inquérito por ele instituída ou o livre exercício das atribuições de qualquer
dos seus membros. Este dispositivo, como se pode verificar, representava uma visível
contra-ameaça a ações repressivas e violentas do Estado, demonstrando a
imprescindibilidade da organização democrática para se implementar políticas efetivas de
proteção dos direitos humanos.
Mais especificamente, retomando o nosso tema, é impossível desconhecer, por
um lado, o especial propósito da OAB, desde o inicio da discussão do projeto na Câmara
dos Deputados, foi o de implementar uma política nacional de direitos humanos, como
resposta a curva ascendente do autoritarismo institucional no Brasil, vinculado, sempre, às
políticas de compressão dos direitos humanos. Por outro lado, não podemos esquecer, até
mesmo tendo em vista a preocupação central de nosso trabalho, que as políticas de proteção
aos direitos humanos, não estão, tão somente, vinculados ao cumprimento interno das
políticas internacionais de direitos humanos, assim como, não há como desconhecer que,
internamente, este foi um significativo esforço do pensamento liberal-democrático no
Brasil, sob uma visível liderança da OAB e entidades de compromisso jurídico, ao qual
esteve também associado o pensamento político ideológico da esquerda democrática.
Todavia, a natureza epistemológica desta Lei, que se enquadra na evolução do
pensamento de origem liberal democrática, não coincidia com os pressupostos das políticas
de segurança nacional, emergente nos centros de estudos e unidades comprometidas com o
pensamento autoritário moderno, profundamente permeado pelo anticomunismo e pela
concepção teórica de guerra fria. Politicamente, não há como desconhecer, por conseguinte,
que brotam da 2ª Guerra Mundial duas grandes variáveis: os projetos de implementação de
leis de proteção dos direitos humanos, na linha defensiva dos autoritarismos, e os projetos
de construção de leis de segurança nacional, mais agressivos com relação ao autoritarismo.
Esta situação dilemática, de qualquer forma, no curto prazo, colocou em xeque
o liberalismo jurídico, como epistemologia de um projeto de desenvolvimento, e, naquele
momento histórico, no médio prazo, a própria evolução do projeto reconstituinte,
demonstrando a sua fragilidade política para enfrentar o intervencionismo estatista-
trabalhista, e, no quase imediato fracasso do projeto de abertura econômica do governo
479
revolucionário de Castelo Branco, com o economista liberal Roberto Campos, no
Ministério da Economia. O estatismo autoritário e desenvolvimentista dos militares,
convocados como rumos futuros do Brasil, estavam postos entre estas duas vertentes do
intervencionismo; o intervencionismo comprometido com as políticas de direitos sociais e
reformas de base e o intervencionismo comprometido com as políticas de desenvolvimento
com segurança, no contexto conceptivo da guerra fria, que fracassou no seu projeto de
fortalecimento das políticas de mercado, sucumbiu ao mesmo estatismo
desenvolvimentista, apoiado em políticas autoritárias, que, em rapidíssimo prazo,
evoluíram para praticas repressivas aos direitos humanos.
Neste quadro, a III e IV Conferências da OAB, na verdade, a primeira (III) se
concentrou no tema dos Direitos Humanos e a segunda (IV) no projeto (tema) de Direito e
Desenvolvimento,
770
não tanto pelos seus efeitos políticos ou jurídicos, evidenciaram que
qualquer que fosse os rumos futuros do Brasil, as políticas de mudança não se sustentariam,
exclusivamente, no modelo liberal, apoiado no Estado (clássico) de Direito e nas restritas
políticas de proteção aos direitos individuais. Se a IV Conferência deixou demonstrado que
o projeto de desenvolvimento, apoiado nos pressupostos do direito clássico, seria inviável,
a III Conferência, demonstrou, por um lado, que a formatação liberal clássica do direito
estava em crise, e, em segundo lugar, que se tornara imprescindível que a OAB (e a
advocacia) evoluísse nas suas políticas de defesa dos direitos humanos, mesmo que fossem
as suas bases a mobilização do CDDPH e a defesa da aplicação dos instrumentos
processuais de proteção dos direitos individuais aos crimes políticos.
4 – Os Direitos Humanos e a III Conferência da OAB
A III Conferência da OAB foi realizada em Recife, entre os dias 7 e 13 de
dezembro de 1968, após 10 (dez) anos de suspensão das conferências. Ficou marcada, no
770
As palestras realizadas nesta conferência poderão, respectivamente, serem localizadas nos Anais da III
Conferência da Ordem dos Advogados realizada em Recife, em 1968, e nos Anais da IV Conferência da OAB
realizada em São Paulo.
480
seu encerramento, pela edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, o
mais violento dos atos da ditadura militar, que, efetivamente, confrontou o incipiente estado
liberal com as políticas de segurança nacional, como propôs a esdrúxula Carta
Constitucional de 1967 acirrando a repressão aos direitos humanos, que já se manifestara
através das prisões e arbitrariedades desde 1964. Governava o Brasil, à época de sua
edição, o General Arthur Costa e Silva, sendo Ministro da Justiça Luis Antonio da Gama e
Silva, que comparecera e presidira a abertura da III Conferência no auditório da Faculdade
de Direito de Recife.
Este Ato Institucional representou o mais negro momento da história recente do
autoritarismo brasileiro, violentava radicalmente a ordem jurídica instituída em 1967, que
já fizera significativas concessões às políticas de segurança nacional, suspendendo as
garantias individuais e comprometendo, definitivamente a concepção liberal-democrática
do Estado de Direito, pressuposto ideológico do ideário dos advogados. A profunda crise
em que se mergulhou o Estado tomado pelas políticas de segurança nacional, abriu espaço
para discussões sobre a natureza do estado brasileiro moderno, que, muito especialmente
evoluiu de sucessivas discussões sobre o Estado social liberal aberto à proteção dos direitos
humanos sobre o Estado social estatista, no propósito dos movimentos de resistências
socialista e sobre um “estado de novo tipo”, aberto às dimensões protetivas dos direitos
coletivos e difusos, que influirão, significativamente, nos debates internos da Ordem dos
Advogados do Brasil OAB, da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, do Instituto dos
Advogados Brasileiros – IAB, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB e do
partido de oposição oficial – MDB, conforme traduziu a mídia e a literatura acadêmica da
época.
Os sucessivos acontecimentos de relevância política, a violência ostensiva
contra a ordem jurídica ou, mais especialmente, contra os princípios jurídicos clássicos,
apoiados no Estado de Direito, e na proteção dos direitos individuais, a evolução do
autoritarismo político e da arbitrariedade policial provocaram, não uma sutil evolução da
tradicional compreensão formal da ordem jurídica, mas um visível e ostensivo
reposicionamento político. Este reposicionamento sobre os conceitos clássicos de estado,
sempre reconhecidos como ordem formal e ordem de exceção, independentemente de
instaurar uma avaliação jurídica e política sobre a relação entre estado e ordem jurídica
481
(direito escrito) superpôs ao ideário profissional dos advogados, sempre acompanhado dos
ideais do liberalismo jurídico, uma nova e verdadeira ideologia política comprometida,
essencialmente, com a defesa dos direitos humanos, na formatação dos documentos
internacionais e da Lei da CDDPH.
Este especial fenômeno, que sucede aos anos de 1968, permeará a história
recente da OAB, mas, também, demonstrará, que o ideário estatutário, não apenas
preservará, mas garantirá, a sua ação política moderadora, infensa a compromissos
partidários, apesar das exceções repressivas sobre os seus próprios atos e muitos de seus
quadros dirigentes e militantes. Este momento marca o início das reações institucionais da
OAB ao Estado autoritário, como fizera nos anos que sucederam a 1937, e antecederam a
1946 (mesmo enquanto entidade vinculada ao Estado), formatado como estado de
segurança nacional, dominantemente apoiado em atos de exceção convertidos, pela anódina
Câmara dos Deputados, em emendas constitucionais que eram aprovadas na volatilidade
que a própria exceção provocava.
A Conferência de dezembro de 1968, em Recife, não ficou restrita, todavia, ao
seu tema preponderante, a proteção (a questão) dos direitos humanos, de visível efeito
sobre o reposicionamento ideológico da OAB, mas retomou também a questão clássica do
ideário profissional, tais como, o exercício da advocacia na ordem constitucional de
1967/69 e a crise estrutural das instituições judiciárias. Estes temas, como um todo,
procuram, exatamente, demonstrar o quadro de contrastes provocado pela derrocada da
ordem liberal-democrática que tentou sobreviver na forma do arremedo constitucional de
1967, definitivamente violentada pelo autoritarismo intervencionista e repressivo de
1968/1969. Os advogados, muitos deles, de formação liberal de convicção políticas
superficiais, muitos outros, premidos pelo humanismo de suas origens cristãs, tomaram a
bandeira dos direitos humanos, ainda permeada pelo liberalismo democrático, fazendo dela
a sua bandeira de proposições, rapidamente absorvida pela Ordem dos Advogados.
A questão dos direitos humanos, e da proteção e defesa do cidadão contra os
abusos do estado (do poder) e da autoridade, de qualquer forma, como observamos, já
estavam colocadas como a alternativa histórica da ação política dos advogados, na falência
do tradicional modelo liberal formal, e, como paradigma de uma nova ordem democrática,
que tivesse o suficiente fôlego, não apenas para garantir judicialmente a proteção dos
482
direitos individuais, no clássico propósito liberal, mas, muito especialmente, abertura para
as novas manifestações da cidadania coletiva e difusa, sufocadas, no primarismo classista,
pela ação repressiva do Estado de Segurança Nacional, institucionalizado em 1968/69,
especialmente na forma da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969.
771
Na
verdade, como os fatos vieram a demonstrar, a Conferência de Recife evoluiu, exatamente,
para delimitar os espaços divisórios entre as políticas de segurança do estado e as políticas
de afirmação dos direitos humanos, especialmente definidos, ainda, por grupos sociais
organizados.
Neste contexto político, rapidamente, o tema da III Conferência, evoluiu para
discursos e manifestações mais visíveis, inclusive, porque, a proteção dos direitos humanos,
não apenas se firmara como propósito internacional, mas também, estava, agora, ratificado,
desde a promulgação da Lei nº 4319, de 16 de março de 1964, em tempo exatamente
anterior ao golpe militar. Todavia, independentemente das extremas dificuldades para o
funcionamento do CDDPH, em virtude da situação de excepcionalidade e violência que
presidiu as relações entre vencedores e vencidos, após o período que sucedeu a 31 de março
de 1964, a situação nunca demonstrou maior estabilidade. O Decreto nº 63.681, de 22 de
novembro de 1968, editado imediatamente antes da III Conferência, quando, em tese, se
concretizou a instalação do CDDPH, se, por um lado, deu cumprimento, afinal, à Lei nº
4.319/64, provocou, se não inexplicavelmente, coincidentemente, à onda repressiva que
sucedeu aos 13 de dezembro, data de encerramento da III Conferência e da edição do Ato
Institucional nº 5/68, exatos 21 (vinte e um) dias após a publicação do decreto
regulamentar.
772
771
Esta Emenda, na verdade, incorporou o mutilado texto liberal da Constituição de 1967, os propósitos
intervencionistas do Estado de Segurança Nacional, alterando a estrutura essencial da Constituição,
viabilizando, juridicamente, o esdrúxulo Estado (autoritário ou exceção) de direito que viabilizou o “famoso”
golpe no golpe. Com a edição desta Emenda, em 17 de outubro de 1969, pela junta governativa (Augusto
Rademaker, Aurélio Lyra Tavares e Marcio Souza Melo) não sendo, por conseguinte, nem ao menos, como as
outras emendas seguintes (27 ao todo), votada no Congresso Nacional. Com sua edição, todavia, cessaram os
atos adicionais (17 ao todo, sendo o último em 14 de outubro de 1969), o que não impediu a sucessão de
emendas de iniciativa do Presidente da República (inc. II, art. 47). A Emenda de 17 de outubro de 1969 (DOU
de 20/10/1969) republicada em 30 de outubro de 1969, chegou a alterar quase todos os artigos da Constituição
de 1967.
772
Anais da XII Conferência da OAB, op. cit., p. 207.
483
O tema dos direitos humanos evoluiu, se não apenas pelos propósitos da própria
III Conferência, pela radicalização da situação política, transformando-se na tônica central
dos debates, inclusive, porque, para os advogados, a questão do apoio às mobilizações de
1968, tornou-se essencial. Infrutíferas, porém essenciais.
4.1. O Temário da III Conferência da OAB
A III Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil, no momento em que o
governo autoritário preparava o regime de “arrocho”, mesmo na iminência do fracasso,
obedeceu ao seguinte temário:
Tema I – Direitos Humanos
TESES PALESTRANTES
Da liberdade, suas manifestações e suas
garantias.
Sobral Pinto
Aperfeiçoamento da Proteção Jurisdicional
Interna.
Heleno Fragoso
A proteção Internacional dos Direitos
Humanos.
C.A. Dunshee de Abranches
Efetivação Compulsória dos Direitos
Humanos.
Aderbal Meira Matos
Tema II - Desenvolvimento e Imigração no Brasil e na América Latina
TESES PALESTRANTES
Justiça social, desenvolvimento e integração:
repercussões principais sobre o Direito
Haroldo Valladão
484
Brasileiro.
Problemas Jurídicos da Integração
Econômica
Nehemias Gueiros
773
O Desenvolvimento do Nordeste e a sua
Repercussão na Advocacia da Empresa.
Murilo de Barros Guimarães
TEMA III – PROJEÇÕES DA CONSTITUIÇÃO DE 1967 SOBRE O EXERCÍCIO DA
ADVOCACIA
TESES PALESTRANTES
Justiça Federal (Criação de Novos Tribunais
Federais de Recursos; Juízes Federais de
Primeira Instância).
Daniel Coelho de Souza
Nova Conceituação de Recurso Extraordinário Alfredo Buzaid
Suspensão de direitos políticos pelo Supremo
Tribunal Federal (art. 151 da Constituição do
Brasil).
Samuel Duarte
773
Em manifestação, em 1978, Raymundo Faoro, em Ata da 1372ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 26 de setembro de 1978, deu notícias das homenagens prestadas ao bâtonnier Nehemias Gueiros
devido ao seu recente falecimento, o Conselheiro Sobral Pinto fez uso da palavra e se referiu ao artigo que
publicara no Jornal do Brasil com o título Advogado Padrão quando retificou a interpretação que fizera de seu
discurso no túmulo e o presidente autorizou a transcrição da matéria publicada no Jornal do Brasil (1º
Caderno, pág. 12). Assim esta transcrito: Sobral Pinto defende ato de redação do Ato Institucional nº 2 ao
falar no túmulo de Nehemias Gueiros. O equivoco é manifesto: eu não defendi a redação deste Ato, eu
defendi a boa fé do meu extraordinário, pranteado e saudoso amigo, eu reproduzi a explicação que Nehemias
Gueiros me deu quando, surpreso, mas cordial, o interpelei sobre a autoria desse ato ditatorial. Respondeu-
me imediatamente o Ato Institucional (nº 1) de 9 de abril de 1964 foi também ditatorial. Ao que eu saiba o
único jurista que contra ele protestou expressamente foi você. Em geral, todos, no país, aprovaram este ato,
que na opinião geral, habilitava o presidente da república a eliminar a força da indisciplina e da desordem
que se tinham instalado no país sob o governo do sr. João Goulart. A eleição de 3 de outubro de 1965
indicava, no meu entender, que essas forças indisciplinadas e desordeiras estavam retornando à arena
política da nação. Tornava-se assim necessário fortalecer, nesta ocasião como em abril de 1964 o Poder
Executivo (...). Quando Nehemias Gueiros me saudou ao receber a Medalha Rui Barbosa invoquei a lição de
Goethe e de Comte contra a desordem e o desprestigio da autoridade ambos condenaram, as revoluções e as
agitações sociais não era de estranhar, portanto,que Nehemias Gueiros adotasse essa orientação. Nesta
mesma Sessão sobre o mesmo assunto falaram os conselheiros Miguel Seabra Fagundes, José Julio
Cavalcante Carvalho e o conselheiro Sergio Bermurdes em nome da delegação do Espírito Santo, conselheiro
Ivan de Souza de Pernambuco e outros.
485
TEMA IV - CONTRIBUIÇÃO DOS ADVOGADOS PARA REVISÃO DOS CÓDIGOS
TESES PALESTRANTES
A Elaboração e Revisão dos Projetos de
Códigos
Arnoldo Wald
Participação dos Institutos de Advogados e
da OAB na Elaboração dos Códigos.
Thomas Leonardos
Observações sobre o projeto de Código Civil José Paulo Cavalcanti
TEMA V - ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
TESES PALESTRANTES
Proibições e Impedimentos (Regras
genéricas dos artigos 82 e 83)
Paulo Brossard de Souza Pinto
Meios de Assegurar as Prerrogativas
Profissionais.
Orlando Gomes
TEMA VI - ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA ATIVIDADE PROFISSIONAL
TESES PALESTRANTES
Previdência e Assistência Social dos
Advogados
Nélio Pontes dos Reis
Normas sobre Arbitramento de Honorários. Mário Neves Batista
Tabela de Honorários Ruy Azevedo Sodré
TEMA VII - IMPERFEIÇÕES DA ESTRUTURA E DA DINÂMICA DAS
INSTITUIÇÕES JUDICIÁRIAS.
T
ESES PALESTRANTES
O Problema do Valor das Custas e das Taxas Jose Cavalcanti Neves
486
Judiciárias.
As imperfeições da Elaboração Legislativa e
o Exercício da Advocacia.
Miguel Seabra Fagundes
O Sistema de Recursos no Código de
Processo Civil. (1ª Instância)
Torquato de Castro
Uso da Arbitragem para Desafio do
Judiciário.
Caio Mário da Silva Pereira
Da participação da Ordem dos Advogados
nos departamento e serviços auxiliares do
Poder Judiciário.
João Nascimento Franco
Como se pode verificar, do conjunto das palestras, os temas, basicamente,
evoluíram em função de problemas políticos e profissionais conjunturais, concentrando-se
nas seguintes linhas: a efetivação da proteção dos direitos humanos; o exercício profissional
da advocacia e a ampliação da vertente de seus direitos e o Estatuto da OAB; a organização
e funcionamento do Poder Judiciário e a revisão e atualização dos Códigos e,
excepcionalmente, completou-se a pauta com temas sobre integração regional, preliminar
do tema direito e desenvolvimento, que presidirá a conferência de 1970. Fortalecendo,
todavia, a incipiente temática de 1958 e 1960, o temário evoluiu, numa articulação
coordenada, entre as tradicionais questões do ideário corporativo dos advogados e o
reposicionamento da OAB em relação às políticas de Estado, especialmente o Judiciário, e
a questão dos direitos humanos, na verdade, as questões relativas às violências e
arbitrariedades atribuídas ao regime militar, portal jurídico da nova e incipiente abertura
ideológica.
Aparentemente, este temário da III Conferência pode parecer um simples
reposicionamento retórico, como é comum entre os advogados, todavia, analisada a questão
do ponto de vista histórico, representa uma reversão das relações do advogado com o
Estado, evoluindo de uma posição meramente defensiva para uma postura crítica e ativa. O
ideário de advocacia redefinido numa dimensão de maior autonomia e independência
estava abrindo-se para novas características perceptivas, especialmente devido à ação
positiva propiciada pelo Estatuto de 1963.
487
Historicamente elaborado como anteprojeto pela OAB, discutido e aprovado
pela Câmara e pelo Senado como Projeto, e sancionado como Lei pelo Presidente da
República, o Estatuto permitiu que o exercício da advocacia vinculada e dependente de
administração pública, embora em significativo avanço em relação ao patrimonialismo
estatal, se transformasse numa advocacia comprometida com a sociedade na dinâmica de
seus diferentes conflitos, permitindo que a corporação (criada) de natureza estatal evoluísse
para uma autarquia profissional comprometida com a diversidade dos interesses sociais.
Esta especial transformação permitiu que o conceito de múnus publico se redefinisse como
o dever do advogado defender a sociedade, comprometida com o interesse público como
interesse social e não como interesse de Estado. Esta postura colaborou para subtrair do
advogado este veio atávico de suas origens como uma espécie de servidor privado do
Estado, ou servidor público do estado privatizado, fundamento e base do patrimonialismo
profissional.
Assim, para melhor elucidação, como se pode verificar, dos estatutos
originários, inclusive da fundação do IAB (posteriormente do IOAB, na República) os
vínculos, senão de subordinação, de aquiescência explícita ao Estado Imperial e,
posteriormente, à República, eram sempre visíveis, impedindo, sucessivamente, a criação
da OAB pelo Parlamento e o seu desenvolvimento autônomo. Este vínculo de sujeição,
senão do IAB/IOAB ao poder público, do exercício profissional do advogado, radicais e
intensos, fizeram, inclusive, que a Ordem dos Advogados, ao contrário do que
historicamente se esperava, por absoluta indisponibilidade interna do IOAB, viesse, não
propriamente a transformar-se em Ordem dos Advogados do Brasil, mas, em 1930, ser
criada por ato de Estado.
774
É bem verdade, que os regulamentos de 1931/32, dominantemente, e o Estatuto
de 1963, ainda, residualmente, mantiveram, na composição de seu Conselho, representação
do IAB (IOAB). Todavia, não foi o IOAB (IAB) que deixou de existir ou se transformou na
774
Ver Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930), assim como o seu Estatuto de 1931, elaborado ainda
pelo IOAB e também os decretos do Governo Provisório: Decreto nº 20.784, de 14 de dezembro de 1931;
Decreto nº 21.582, de 1º de julho de 1932; Decreto nº 22.089, de 1º de novembro de 1932 e Decreto nº
22.266, de 28 de dezembro de 1932 consolidados pelo Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933.
488
Ordem dos Advogados, mas os estatutos regulamentos da OAB que se lhe reconheceram
força e legitimidade na composição da OAB.
775
Neste sentido, quando da realização da III Conferência descortinava-se para a
OAB uma nova fase, vencido o período patrimonialista das lutas do IAB e do IOAB, pela
definição do ideário profissional. O período corporativista estatista marcado pela criação e
consolidação da OAB, estatutária do ideário profissional, e o período autárquico especial,
marcado pela autonomia e independência corporativa, permeado pelo liberalismo jurídico,
comprometido com a defesa do Estado de Direito e os direitos individuais. A III
Conferência refletiu os primeiros sintomas de um novo corporativismo profissional aberto
às questões da reordenação do Estado e de seus poderes e a redefinição dos parâmetros da
codificação civil, bem como para novos meios de se assegurar as prerrogativas e o ideário
profissionais num sistema político fechado e autoritário.
Finalmente, antes de nossas observações conclusivas, resta indicar que esta
Conferência trouxe para o quadro temático questões, que, todavia, não conseguiram
permear o quadro da retórica ideológica e corporativa dos advogados, como os problemas
relativos à integração latino-americana e mesmo referentes às questões internas do
desenvolvimento regional. Diversamente, as questões jurídicas extensivas ao quotidiano
profissional, mas necessárias ao exercício da profissão, sempre foram reconhecidas no
quadro dos debates técnicos e políticos, tais como os efeitos da Constituição de 24 de
janeiro de 1967 sobre a advocacia e as contribuições dos advogados para reforma dos
Códigos de Processo Civil e para a correção estrutural das instituições judiciárias.
A III Conferência, como já nos referimos, iniciou-se em 07/12/1968,
imediatamente após a edição do Decreto Regulamentar do CDDPH de 22/11/1968, sob a
égide da Constituição de 24 de janeiro de 1967, o último esforço constitucional do
liberalismo jurídico, mas encerrou-se sob a ação interventiva do Ato Institucional nº 5, de
13 de dezembro de 1963, que destruiu a sua fórmula constitucional e preparou a sua
derrocada definitiva com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que,
775
A denominação Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros continuou até a reforma estatutária de
1949, onde podemos encontrar a nota de rodapé com a seguinte redação: Essa denominação, [Instituto dos
Advogados Brasileiros] que era a primitiva, foi depois alterada para Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros e, afinal, restabelecida com a aprovação da presente reforma dos Estatutos. O IAB prosseguiu na
sua história como anteriormente o fora com seus objetivos e competências que não eram as da OAB.
489
efetivamente, instaurou o Estado de Segurança Nacional. A sessão de encerramento da III
Conferência, no dia seguinte à sessão da Câmara que negou a suspensão de imunidade para
o Deputado Marcio Moreira Alves, aplaudiu e reconheceu a votação vitoriosa na Câmara.
Os tempos estavam mudando, e o liberalismo jurídico também mudaria, apesar, ou por isto
mesmo, dos sucessivos enfrentamentos ocorridos nos anos que sucederiam, até a definitiva
constitucionalização do país, em 1988, 20 (vinte) anos após.
De qualquer forma, vale observar, que, se não podemos falar em resistência as
teses da relação direito e desenvolvimento, a epistemologia jurídica, enquanto conjunto de
pressupostos éticos ou filosóficos da ordem jurídica, não se tem mostrado apta o suficiente
como teoria de intervenção econômica e, em muitas circunstâncias como teoria da
intervenção social. Possivelmente, por estas razões, a requalificação epistemológica da
teoria do direito, mais reflita movimentos conceituais de adaptação endógena do que,
propriamente, movimentos de transformação ou mutação exógena,
776
o que contribui
decisivamente, ou facilitou, mesmo assim com muitas resistências, a luta pelo direito
(individual) e evoluir para uma luta pelos direitos humanos, enquanto direito individual,
social, coletivo ou difuso.
Nesta III Conferência, muito se destacou o Presidente da OAB de Pernambuco
Jose Cavalcanti Neves e do seu pronunciamento vale destacar:
O exercício de nossa profissão está vinculado à sobrevivência dos ideais jurídicos,
amadurecidos no curso da história, do Estado Constitucional do Direito e da garantia
dos direitos fundamentais da pessoa humana. Tanto é assim que o reconhecimento e o
valor social do advogado estão estreitamente condicionados à efetiva atuação histórica
dêsses dados fundamentais no ordenamento jurídico positivo. Por isto, os regimes de
fato ao obscurecer esses lineamentos essenciais de uma autêntica ordem jurídica, logo
tentarão afetar o prestígio social da profissão. Mas em contrapartida, o atuante,
dinâmico, tenaz exercício da profissão significa e promove e restaura a plenitude da
ordem jurídica, pela efetivação e defesa dos seus valores.
777
776
Assim, por exemplo, podemos falar de evolução do direito subjetivo individual para direito subjetivo
coletivo ou, até difuso, de evolução da titularidade concentrada para titularidade dispersa, de evolução da
responsabilidade civil subjetiva para responsabilidade civil objetiva, da evolução do ônus da prova para
inversão do ônus da prova, e, a estas alturas, tantos outros institutos. Este quadro permitiria uma ampla e vasta
discussão o que nos permitiria, inclusive, aventar que o crescimento quantitativo destas situações poderia
levar a efetivas reversões qualitativas ou a uma verdadeira revolução jurídica que mudaria a ordem a partir da
ordem. Este, todavia, não é o objetivo deste trabalho. Outras observações sobre o tema emr BASTOS, Aurélio
Wander. Teoria do Direito. 3ª ed. (4ª ed. no prelo) Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000; e Conflitos Sociais e
Limites do Poder Judiciário. 2ª ed. Rio de Janeiro. Lúmen Júris, 2003.
777
Anais da III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados. Ordem dos Advogados de Pernambuco,
Recife, 1970, p. 31.
490
Analisada a documentação originária das comissões técnicas,
778
da III
Conferência, podem ser inferidas as recomendações gerais que alcançaram os seguintes
objetivos conclusivos, assim formulados:
I. A declaração universal dos direitos do homem e a declaração americana dos direitos
e deveres do homem integram o direito positivo brasileiro, impondo-se o efetivo
aperfeiçoamento da proteção jurisdicional. Assim, é dever do advogado promover a
defesa dos direitos humanos e as liberdades fundamentais. II. Deve ser fortalecida e
aprimorada a integração econômico-jurídica latino-americana nos seus vários níveis.
No plano nacional, impõe-se a integração das várias regiões, para o que é
recomendável a manutenção de incentivos fiscais ora assegurados à Amazônia e ao
Nordeste. No atual estágio de desenvolvimento em que se encontram essas regiões, tem
a maior importância a participação do advogado de empresa ao qual devem ser
asseguradas condições indispensáveis ao exercício de sua atividade. III. Deve ser
promovida reforma da Constituição do Brasil de 1967 [na forma da Emenda nº 1/69]
para o fim de suprimir o artigo 181 e seu parágrafo único (...)
779
Outrossim, devem ser
criados os Tribunais Federais de Recursos, da mesma Constituição previstos no art.
116
780
que dispõe sobre: novos cargos de Juiz Federal, estes de acordo com as
necessidades dos Estados. Na interpretação do texto constitucional referente a Recurso
Extraordinário, o conceito de vigência abrange o direito federal nos planos da
existência, da validade e da eficácia. IV. A revisão dos códigos, notadamente de Direito
Privado, deve acelerar-se, com o aproveitamento e aperfeiçoamento dos projetos já
elaborados, sendo inconveniente e desaconselháveis substituir-se esse propósito pelo de
consolidação das leis vigentes, que, além de não atender à necessidade de uma reforma
sistemática, de maior profundidade, não responde aos anseios da consciência jurídica
nacional e retardaria a urgente adequação da lei aos novos impulsos vitais da
sociedade brasileira. V. O Conselho Federal da OAB deve adotar providências
necessárias à defesa das prerrogativas dos advogados, no tocante à privatividade nas
funções de assessoria, consultoria e diretoria jurídicas imperfeitamente asseguradas no
vigente Estatuto. Ao mesmo Conselho compete fixar e emendar outros casos de
incompatibilidade e de impedimento, não lhe cabendo, todavia, baixar normas às Seções
778
A comissão redatora ficou constituída por Agenor Teixeira de Magalhães, Jordão Emereciano, Everardo da
Cunha Lima, Fernando de Vasconcelos Coelho e Syleno Ribeiro, todos advogados de especial renome, onde,
todavia, se destacou a liderança de José Cavalcanti Neves.
779
Art. 81. Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Conselho Supremo da
Revolução de 31 de março de 1964 (...). § único: Se o Presidente da República, em razão de seu cargo, for
atacado por moléstia que o inabilite para o desempenho de suas funções, as despesas de tratamento médico e
hospitalar correrão por conta da União.
780
Art 116 - O Tribunal Federal de Recursos veio a se compor de treze Ministros vitalícios nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo oito entre magistrados e
cinco entre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do art. 113, § 1º: § 1º (da
Constituição de 1967) que assim dispunha: A lei complementar poderá criar mais dois Tribunais Federais de
Recursos, um no Estado de Pernambuco e outro no Estado de São Paulo, fixando-lhes a jurisdição e menor
número de Ministros, cuja escolha se fará com o mesmo critério mencionado neste artigo. § 2ª - É privativo
do Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital da União, o julgamento de mandado de segurança
contra ato de Ministro de Estado. § 3º - Os Tribunais Federais de Recursos, funcionarão, em Plenário ou em
Turmas.
491
Estaduais, modificadoras ou interpretativas dos artigos 84, 85 e 86 do Estatuto,
781
uma
vez que de tais matérias somente pode conhecer em grau de recurso. VI. Deve ser
aperfeiçoado o sistema de previdência e de assistência social ao advogado, bem como
fixadas normas justas sobre arbitramento de honorários. VII. Impõe-se a correção das
imperfeições da estrutura e da dinâmica das instituições judiciárias. Para tanto, é
781
Ver especialmente Capítulo V desta obra, que analisa detalhadamente este tema e seus reflexos sobre os
fluxos de funcionamento administrativo e judiciário do Estado, genericamente, estes artigos tratam das
incompatibilidade e impedimentos para o exercício da advocacia, inclusive no que se refere a magistrados,
membros do Ministério Público e servidores públicos. Art. 84. A advocacia é incompatível, mesmo em causa
própria, com as seguintes atividades, funções e cargos: I - Chefe do Poder Executivo e seus substitutos legai,
Ministros de Estado, Secretários de Estado, de Territórios e Municípios; II - membros da Mesa de órgão do
Poder Legislativo federal e estadual, da Câmara Legislativa, do Distrito Federal e Câmara dos municípios
das capitais; III - membros de órgãos do Poder Judiciário da União, do Distrito Federal, dos Estados e
Territórios bem como dos Tribunais de Contas da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e
Municípios e do Tribunal Marítimo; IV - Procurador-Geral e Subprocurador-Geral da República, bem como
titulares de cargos equivalentes no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal Militar, no Tribunal
Superior do Trabalho e nos Tribunais de Contas da União, dos Estados, Territórios e Municípios, e do
Tribunal Marítimo; V - Procuradores Gerais e Subprocuradores Gerais, sem distinção das entidades de
direito público ou dos órgãos a que sirvam; VI - Presidentes, Superintendentes, Diretores, Secretários,
delegados, tesoureiros, contadores, chefes de serviço, chefes de gabinete e oficiais ou auxiliares de gabinete
de qualquer serviço da União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios Municípios. bem como de
autarquias, entidades para-estatais, sociedades de economia mista e empresas administradas pelo Poder
Público; VII - servidores públicos, inclusive de autarquias e entidades paraestatais e empregados de
sociedades de economia, mista e empresas concessionárias de serviço público, que tiverem competência ou
interesse direta ou indireta, eventual ou permanentemente no lançamento, arrecadação e fiscalização de
impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ou para aplicar multas
relacionadas com essas atividades; VIII - tabeliães, escrivães, escreventes, oficiais dos registros públicos e
quaisquer funcionários e a serventuários da Justiça; IX - corretores de fundos públicos, de café de câmbio,
de mercadorias e de navios; X - leiloeiros, trepicheiros, despachantes e empresários ou administradores de
armazéns-gerais; XI - militares, assim definidos no seu respectivo estatuto, inclusive os das Policias
Militares, do Distrito Federal dos Estados, Territórios e Municípios; XII - Policiais de qualquer categoria da
União, do Distrito Federal, dos Estados, Territórios e Municípios. Parágrafo único. Excetuam-se da
incompatibilidade referida no inciso III - os juízes suplentes não remunerados e os juízes eleitorais e os que
não façam parte dos quadros da magistratura ou não tenham as prerrogativas desta. Art. 85. São impedidos
de exercer a advocacia, mesmo em causa própria: I - juízes suplentes, não remunerado, perante os juízos e
tribunais em que tenham funcionado ou possam funcionar; II - juízes e suplentes nomeados nos termos das
arts. 110, inciso II, 112, inciso II e 116 da Constituição Federal, em matéria eleitoral, bem como juízes e
suplentes nomeados nos termos do artigo 122, § 5º, in fine, da Constituição Federal, em matéria trabalhista;
III - membros do Poder Legislativo, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, das entidades
paraestatais, das sociedades de economia mista ou de empresas concessionárias de serviço público; IV -
membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal, dos Estados e Territórios, contra as pessoas
de direito público em geral e nos processos judiciais ou extrajudiciais, que tenham relação, direta ou
indireta, com as funções do seu cargo ou do órgão a que servem; V - Procuradores e Subprocuradores do
Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios nos mesmos termos do inciso anterior; VI -
servidores públicos, inclusive o magistério, de autarquias e entidades paraestatais e empregados de
sociedade de economia mista contra as pessoas de direito público em geral; VII - advogados, estagiários ou
provisionados em processos em que tenham funcionado ou devam funcionar como juiz perito ou no
desempenho de qualquer serviço judiciário; VIII - os membros dos tribunais administrativos, contra os
órgãos a que pertencerem. Parágrafo único. Todo impedimento original ou superveniente deverá ser
averbado na carteira e cartão de identidade do profissional (art. 63) por iniciativa sua ou pelo Conselho
Secional, de ofício ou mediante representação. Art. 86. Os magistrados membros do Ministério Público,
servidores públicos, inclusive de autarquias e entidades paraestatais e os funcionários de sociedades de
economia mista definitivamente aposentados ou em disponibilidade, não terão qualquer incompatibilidade ou
impedimento para o exercício da advocacia, decorridos dois anos do ato que os afastou da função.
492
recomendável disciplinação genérica, pela União Federal, dos aspectos atinentes às
taxas e custas judiciárias as quais compõem o processo. Por essa via, serão efetivadas
as garantias constitucionais e assegurada uma justiça acessível a todos. Outrossim,
diretrizes gerais e corretas devem orientar o legislador tanto na parte referente à
revisão da legislação vigente no respeito às situações futuras. Merece especial atenção
a disciplina do sistema de recursos no Código de Processo Civil e convém incrementar
o uso da arbitragem, no plano interno como internacional. É imperiosa a participação
da OAB na direção dos departamentos e serviços auxiliares do Poder Judiciário,
visando a colaborar no desejado aprimoramento dos mesmos. A III CONFERÊNCIA
NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS constituiu uma demonstração de unidade
dos advogados brasileiros. Revelou a sensibilidade da classe para os problemas do
presente estágio do processo de desenvolvimento econômico e social do país. Afirmou a
urgente necessidade de adequar o nosso direito positivo às novas realidades políticas,
econômicas e sociais do Brasil. Outrossim, no confronto das conclusões constantes das
teses aprovadas e dos debates que provocaram, identifica-se a existência de uma
posição de vigilante atuação concreta em favor do crescente aperfeiçoamento das
instituições jurídicas. É justo reconhecer que tudo autoriza a concluir que esta reunião
constituiu significativo momento da consciência jurídica nacional que deu prova da
vitalidade e de maturidade. Esta III CONFERENCIA NACIONAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS é encerrada, portanto, com a certeza de que os advogados brasileiros
irão contribuir, cada vez mais, para o efetivo exercício, em nosso país, da Liberdade e
da Justiça.
782
Recife, 13 de dezembro de 1968
Estas orientações conclusivas de 13 de dezembro de 1968 da III Conferência,
quando já se promulgava o Ato Institucional nº 5, antevéspera da futura Emenda
Constitucional nº 1/69, que definitivamente desmontou a Constituição proto-liberal de
1967, e instaurou o Estado de Segurança Nacional, não exatamente exprimem o ambiente
inaugural dos trabalhos, traduzidos no pronunciamento de Sobral Pinto, e, muito
especialmente, no discurso de Abertura da III Conferência Nacional da OAB, proferido
pelo Presidente Samuel Duarte,
783
onde se observa:
Mal se concebe a existência da advocacia fora do Estado de Direito, como dimensões
que se completam. Na extensão desse conceito fundamental – a propriedade com o
atributo de servir socialmente à comunhão; a liberdade em seus desdobramentos
básicos integrando a personalidade humana; a autoridade do Estado limitada em
princípio e a autonomia do indivíduo ilimitada em princípio; o poder sob o livre
consentimento da comunidade;...
784
782
Anais da III Conferência da OAB, op. cit., p. 21.
783
Samuel Vital Duarte substituiu na Presidência da OAB Alberto Barreto de Melo e esteve no cargo entre 7
de abril de 1967 a 1º de abril de 1969.
784
Anais da III Conferência da OAB, op. cit., p. 21.
493
Sobral Pinto concentrou a sua conferência
785
na liberdade como faculdade da
razão humana, dirigindo-o, todavia, para a necessidade de se dar eficácia ao CDDPH, após
análise sobre os diversos “humanismos” como lócus de manifestações inerentes à natureza
humana da razão, a liberdade e a dignidade humana, que não podem ser preteridas, nem
esmagadas pela força organizada do Estado
786
e nas Declarações referentes aos direitos
humanos.
787
Finalmente, aprovaram-se de seu pronunciamento as seguintes conclusões:
a) A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948, e outros textos internacionais da mesma
categoria, constituem expressão de cultura dos povos civilizados e se integram no
Direito Brasileiro, por força do que dispõe o art. 150, § 35 da Constituição Federal e do
art. 4º da Lei 4.319, de 16 de março de 1964.
b) O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
deverá fazer cumprir, na qualidade de membro do Conselho de Defesa dos Direitos
Humanos, a providência prevista no art. 3º da Lei 4.319, de 16 de março de 1964, no
sentido de que, pelo menos, duas sessões mensais sejam realizadas pelo Conselho.
c) O Conselho Federal da Ordem e cada um dos Conselhos Seccionais dos
Estados e do Distrito Federal deverão dirigir-se, imediatamente, ao Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana, para, no limite das suas respectivas jurisdições,
colocarem-se à disposição daquele Conselho, na função da Comissão de Inquérito,
prevista pelo art. 6º da Lei 4.319, de 16 de março de 1964, a fim de o ajudarem,
permanentemente, no exercício das atribuições, que lhe são conferidas por essa lei.
d) Aos advogados, como órgãos da Administração da Justiça, recomenda-se que
se dirijam, através de denúncias, ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana, para que este apure sua procedência e tome providências capazes de fazer
cessar os abusos de particulares ou das autoridades por eles responsáveis.
e) O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, deveria dar também,
maior ênfase à defesa do direito de acesso à propriedade a todos os brasileiros,
principalmente àqueles aos quais estão faltando as condições materiais mínimas de
sobrevivência para que lhes permita o exercício pleno dos demais direitos do Homem,
propugnando, assim, pela rápida efetivação da lei de reforma agrária, e pelo
cumprimento do preceito constitucional que assegura a participação nos lucros da
empresa a todos os trabalhadores.
788
785
PINTO, Heráclito Fontoura Sobral. “Da Liberdade, suas Manifestações e suas Garantias”. In: Anais da III
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados. Ordem dos Advogados de Pernambuco, Recife, 1970, p.
137, pp. 121 a 137.
786
Ibid.
787
Sobral Pinto cita em seu pronunciamento basicamente a Declaração dos Direitos e Deveres do Homem de
janeiro de 1948 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em Nova York pela Assembléia
Geral da ONU em dezembro de 1948 e ainda a Declaração Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais
do Homem promulgada em Bogotá em 1948. Ver notas anteriores.
788
SOBRAL Heráclito Fontoura Pinto,. Da Liberdade, suas Manifestações e suas Garantias. In: Anais da III
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados. Ordem dos Advogados de Pernambuco, Recife, 1970, p.
137, pp. 121 a 137.
494
A Carta conclusiva da III Conferência, todavia, na forma dos supra indicados
documentos, nos permite ressaltar que a discussão central sobre direitos humanos ficou
premida por questões políticas mais concretas, esvaiu-se e cedeu espaços para um
documento anódino, quando muito permeado por questões de caráter profissional. Dentre
estas, destaca-se a necessária reformulação do Código Civil, evitando uma consolidação de
leis esparsas, uma tendência internacional dominante à época, criando-se inclusive, um
código de Direito Privado; a importante reformulação da política de recursos do Código de
Processo Civil, com a contribuição, inclusive, de Alfredo Buzaid, em conferência sobre
Recurso Extraordinário para acentuar sua agilização e, interessantemente, aprovaram-se
sugestões para envolver a OAB na estrutura funcional dos tribunais.
Heleno Fragoso, à época um dos expoentes da resistência ao Estado autoritário,
no seu pronunciamento completa:
Atravessa nosso país, sem dúvida, nos dias que correm, período de crise e inquietação
que remonta aos acontecimentos políticos de um passado recente. Os advogados
brasileiros têm-se empenhado, com a independência e a coragem de sempre, na defesa
de todos os acusados e perseguidos, exigindo o reconhecimento de seu direito de
liberdade, num trabalho constante que se desenvolveu notavelmente a partir de 1964.
Numerosas disposições de nosso direito relacionadas com a tutela jurídica da liberdade
do cidadão puderam ser testadas nestes últimos anos pelos tribunais, em condições nem
sempre favoráveis à reta administração da justiça.
É oportuno, pois, que os advogados de todo o país, por ocasião da Terceira Conferência
de seu órgão representativo, dediquem sua atenção a um dos aspectos fundamentais da
legalidade num país de homens livres em que vigore o primado do direito. Dos
advogados depende, em última análise, o exercício do direito de defesa, que
verdadeiramente constitui princípio geral de direito, inseparável da jurisdição.
789
Finalmente, as seguintes observações de Heleno Fragoso sintetizam os novos
rumos que haverão de presidir o posicionamento futuro da OAB.
Conclusões aprovadas:
789
FRAGOSO, Cláudio Heleno. Aperfeiçoamento da Proteção Jurisdicional Interna. In: Anais da III
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados. Ordem dos Advogados de Pernambuco, Recife, 1970, p.
141, pp. 141 a 163.
495
a) O art. 156 CJM
790
não pode ser aplicado a civis indiciados em crimes políticos. Em
nenhum caso pode ser tal dispositivo legal empregado sem que a prisão seja
imediatamente comunicada à autoridade judiciária competente e sem que se apresentem
as razões que justifiquem a prisão, de modo a excluir o abuso do poder.
b) As policias dos Estados não podem validamente praticar atos de polícia-judiciária
em crimes contra a segurança nacional, salvo quando houver convênio dos Estados com
a União. São nulos os autos de prisão em flagrante feitos em tais crimes pelas
autoridades policiais dos Estados.
c) Estão revogados os atos institucionais e a legislação revolucionária atentatória a
direitos e liberdades de cidadão. Em conseqüência, é ilegal a imposição do domicílio
coacto a cidadãos que tiverem seus direitos políticos cassados.
d) Todo cidadão acusado tem direito a defensor de sua escolha. A condição de foragido
ou asilado não afeta tal direito.
e) Todo cidadão tem direito a defesa efetiva, sendo nulos os processos em que esta
faltar. Isso se aplica também aos casos de defensores escolhidos pelo acusado.
f) A prova ilegalmente obtida não pode produzir efeitos em juízo e deve ser
considerada de nenhum valor. Constituem violência inadmissível na obtenção da prova
os interrogatórios prolongados e a desonra. Todo cidadão tem direito à preservação da
inviolabilidade de sua vida íntima. A prova obtida através de gravações ou
interceptação ilegal de correspondência não pode ser admitida em juízo.
Foram aprovadas também as recomendações constantes na Tese.
791
Por outro lado, observa Samuel Duarte, na sua palestra, rastreada nos
pensadores clássicos como Políbio, Locke (Segundo Tratado do Governo Civil), Hobbes,
São Tomas de Aquino e Montesquieu, na forma do livro de Jellinek (Teoria Geral do
Estado), bem como na Declaração dos Direitos do Homem, da Virginia (1776) e na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), onde, com grande esforço
diretamente desenvolve uma teoria compreensiva do Estado que, procura combinar,
apoiado em Carl Schmitt
792
dois princípios: o da distribuição e o da organização, sendo que
o primeiro defini-se na esfera da liberdade do individuo, ilimitada em tese, como um
dado anterior ao estado e, o segundo, exprime-se na faculdade do estado [limitada em
tese] de invadir a zona [de distribuição] o princípio da distribuição define o elenco dos
chamados direitos fundamentais ou liberdade, e o princípio da organização, [se explica
em função de um sistema de competências circunscritas ao poder do estado]. Como
observa Carl Schmitt que direitos fundamentais e divisão de poderes designam conteúdo
dos elementos típicos do estado constitucional do direito, moderno.
793
790
Dispõe ao art. 156 do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969): Fazer
apologia de fato que a lei militar considera crime, ou do autor do mesmo, em lugar sujeito à administração
militar: Pena - detenção, de seis meses a um ano.
791
Heleno Fragoso, op. cit.
792
Deste jurista, e também cientista político, que esteve vinculado ao Estado nazista alemão, tiveram (e têm)
repercussão no Brasil o seu livro (em espanhol) Legalidad y Legitimidad.
793
Anais da III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Pernambuco, Recife, 1970, p. 318.
496
Mesmo neste contexto discursivo difícil, em que toma como referência teórica
o jurista alemão (dos anos 1930/40) Samuel Duarte observa que
a teoria dos direitos do homem e do cidadão evoluiu do pensamento liberal, a partir,
em larga medida da construção jurisprudencial em paises onde o controle jurisdicional
se foi estabelecendo no confronto entre a Constituição e as leis ordinárias (...) foi
aplicando as garantias instituídas nas diversas emendas a Constituição, que cogitam da
tutela a direito individuais, que a Corte Suprema Norte Americana construiu em
sucessivos julgados uma linha defensiva e ampliada na interpretação dos direitos
individuais. Essa linha permaneceu firme, se não dilatando sua abrangência em torno
dos direitos políticos e do individuo, conservadora, no entanto, em relação aos direitos
econômicos e sociais no início evoluiu após o New Deal, no governo Franklin
Roosevelt.
794
Nos Estados Unidos firmou-se uma tradição de fidelidade às franquias
individuais, mas a sua Corte Suprema nunca hesitou em repudiar a aplicação restritiva da(s)
emenda(s) (XIV) apoiando-se sempre na Cláusula do due proces of law. Neste contexto, o
DPL compreende os princípios fundamentais de liberdade e de justiça que se acham na base
de todas instituições políticas e civis americanas. Confronta-se com a Constituição qualquer
lei que determinar restrições aos direitos individuais quando tais restrições estiver em
desacordo com os princípios do direito americano: expediency, balance of conveniency,
rule of reasonableness, rule conviction (Julien Laferrriére).
Finalmente conclui Samuel Duarte:
No sistema do Estado de Direito não há direito absoluto: os do estado são limitados
pelos do individuo e pelas necessidades imperiosas da própria ordem democrática; os
do indivíduo, pelas liberdades e direitos dos demais indivíduos e grupos, e pelo
interesse geral, nestes se confundindo o interesse social, que comanda determinados
imperativos da ordem econômica.
795
Na Carta de Recife, que súmula, o relatório da III Conferência, tomou corpo a
discussão da reforma do Poder Judiciário e a revisão dos códigos, temas de significativa
importância, porque recolocam o problema da proteção jurisdicional dos direitos, mas fugiu
de seus propósitos e objetivos iniciais. De qualquer forma, na linha de nossas preocupações,
794
Ibid, p. 321.
795
Ibid p. 324.
497
este redimensionamento de posições indica que o esvaziamento da questão dos direitos
humanos deslocou as conclusões para o ambiente circunstancial dos advogados (Poder
Judiciário e Códigos) e para o ideário corporativo dos advogados. Não há como
desconhecer, por conseguinte, que os propósitos da III Conferência defluíram ante a força
autoritária traduzida na inauguração do Estado de Segurança Nacional, historicamente
antinômico aos direitos humanos, senão, quem sobe à própria epistemologia jurídica
embora encaminhasse a discussão da segurança nacional como pressuposto do direito e do
desenvolvimento.
5 – A Restauração Conservadora Autoritária
Não podemos, propriamente, afirmar que o Ato Institucional nº 5, de 13 de
dezembro de 1968,
796
foi apenas uma ruptura com os liberais do constitucionalismo de
1967, mas sim, principalmente, uma reação radical do avanço governamental militar à
política crescente de defesa e proteção dos direitos humanos em processo de discussão
crescente na OAB e em organismos de representação civil, tais como, a Conferência
Nacional dos Bispos CNBB, a Associação Brasileira de Imprensa ABI, e a Associação
Brasileira de Educação ABE. Por outro lado, o Ato 5 está na linha de continuidade das
ações interventivas do governo autoritário, para alterar a ordem instituída, inicialmente
referenciada na Constituição de 1946 e, posteriormente, para criar as condições necessárias
796
Assinaram este Ato o Marechal Artur da Costa e Silva (Presidente da República), Antonio da Gama e
Silva, Augusto Hermann Rademaker Graunewald, Aurélio de Lyra Tavares, José de Magalhães Pinto,
Antonio Delfim Neto, Mario David Andreazza, Ivo Arzuo Pereira, Tarso Dutra, Jarbas Passarinho, Marcio de
Souza e Mello, Leonel Miranda, José Costa Cavalcanti, Edmundo Macedo Soares, Helio Beltrão, Afonso A.
Lima, Carlos F. de Simas. Imediatamente a este período, ainda em 1969 (entre fevereiro e outubro) foram
editados 12 (doze) Atos Institucionais (de nº 6 a 17), assinados pelos ministros supra indicados. Todavia, o
Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, considerando que o Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto
de 1969, no seu artigo 1º, atribui aos ministros militares a substituição do Presidente da República no seu
impedimento temporário, resolveu o seguinte: (...) Art. 3º Enquanto não se realizem eleição e posse do
Presidente da República, a Chefia do Poder Executivo continuará a ser exercida pelos Ministros Militares.
Assinam o Ato: Augusto Hamann Rodemaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares e Marcio de Souza e
Mello.
498
à transformação dos atos institucionais e emendas constitucionais com a edição de Emenda
Constitucional nº 1/69.
A articulação combinada, destes atos, de sucessivas interferências casuístas na
ordem legal, com modificações contínuas dos quoruns constitucionais para obter resultados
estratégicos de permanência no poder, quase sempre seguidos de decretos-leis e decretos
regulamentares, criou uma verdadeira estrutura ordenativa de exceção, alternativa ao
Estado de Direito liberal, na expectativa de se governar, mesmo que normativamente
autoritário, se é que podemos dar ao termo “juridicamente” uma natureza conotativa
politicamente diferente. Os atos institucionais sucederam-se, por conseguinte, como atos
revolucionários infensos aos limites da ordem até a Emenda nº 1/69 que confundiram com a
ordem de exceção, tomaram a dimensão de emendas constitucionais pelo Congresso
Nacional.
797
Na verdade a efetiva filosofia dos atos institucionais surgiu no preâmbulo do
Ato Institucional (que veio a ser conhecido como número 1 (um)) publicado em 9 de abril
de 1964. Dispunha no seu preâmbulo:
A revolução se distingue de outros movimentos armados pelos fato de que nela se traduz
não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A
revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constitucional. Este se manifesta
pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical
do Poder Constituinte. Assim a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte se
legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir
o novo governo. Nela se contem a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela
edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua
vitória.
A se tomar o discurso institucional nos seus limites lógicos a construção
revolucionária é um silogismo jurídico que permite ao “poder revolucionário” construir a
sua ordem a partir de seus próprios atos de força. Não se questiona, é claro, os sofismas da
própria construção, mas, fato é, que, nos limites desta elaboração conceitual, construirão a
ordem revolucionária. Todos os atos foram promulgados neste contexto discursivo e,
quando se pretendeu que a Constituição de 1967, interrompesse a construção perversa dos
atos que violaram a Constituição de 1946 (4 atos institucionais e 20 emendas). O Ato
797
Ver Diário Oficial da União de 9 de abril de 1964, republicado em 11 de abril de 1964. Ver, também,
CIOTOLA, Marcelo. Os Atos Institucionais e o Regime Autoritário no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
1997, pp. 103/129.
499
Institucional nº 5/68 detonou todo o sistema de garantias individuais e judiciárias,
efetivamente provocando um golpe radical na tentativa de se constitucionalizar o golpe de
1964.
Muito embora, o Ato 5 depusesse no seu art. 1º que ficava mantida a
Constituição de 24 de janeiro de 1967, definitivamente, a sua espinha preambular encerrava
o ciclo liberal e instaurava as bases do Estado de Segurança Nacional, como especialmente
se definira, não apenas com este Ato, mas também, com a excessiva Emenda nº 1, de 17 de
outubro de 1969. A desagregação do Estado (liberal) de direito fica efetivamente visível à
medida que o Presidente poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, em estado de sitio ou fora dele,
dependendo do próprio Presidente como está na sua abertura.
No seu art. 5º o Ato 5 dispunha explicitamente sobre a suspensão de direitos
políticos: Cessação de privilégios de foro por prerrogativa de função. Suspensão do direito
de votar e ser votado. Proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza
política e outras tantas medidas.
Depois de admitir, inclusive o confisco de bens, dispunha no seu art. 6º sobre
garantias constitucionais: Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de:
vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade (...) dos juízes. Ficava o Presidente da
República com poderes para demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade
servidores públicos.
E, finalmente, dentre outras tantas medidas dispunha o art. 10: Fica suspensa a
garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a
ordem econômica e social e a economia popular. E, no art. 11: Excluem-se de qualquer
apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este ato institucional, e seus
atos complementares, bem como os respectivos efeitos.
O preâmbulo dos Atos Institucionais, neste período promulgado (entre 13 de
dezembro de 1968 e 14 de outubro de 1967), o tempo de pânico, é a mais efetiva
demonstração da construção do estado de exceção na marcha cadente da força fática contra
a força do direito. No seu conjunto este preâmbulo são atos de vingança, de descontrução
jurídica e intimidação, apoiados em justificativas legitimistas para justificar que a
“revolução” para alcançar seus desígnios superiores, exercerá o poder constituinte, que, não
500
se exauriu na sua plenitude. Por outro, ostensivamente desenvolveu-se o conceito de
“império das normas institucionais”, como normas de eficácia plena, em detrimento de
constituição e da ordem infraconstitucional remanescente.
Por outro lado, os mais lídimos direitos individuais ficaram violados e as
garantias jurídicas tradicionais ameaçadas, como especial forma de se fazer prevalecer a
força “levithânica” das normas de segurança nacional. O princípio federativo e os processos
eleitorais, mesmo em recônditos municipais, ficaram violados, e a república sustentou-se na
força das armas assistindo o povo acuado o desmonte (já) das regras democráticas
elementares. O Poder Judiciário ficou privado de apreciar qualquer ato, mesmo secundário
que se fundamentasse nos atos institucionais e complementares. O país ficou,
juridicamente, desarticulado, os servidores, juízes e legisladores foram levados ao mais
cruel vexame moral, suas cabeças foram abaixadas, não pela conivência da fraqueza, mas
pelo desespero de salvar a própria vida, com a radicalização punitiva que chegou à pena de
morte.
798
Por fim, o Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, seguido do Ato
Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, assumiu a grave enfermidade do Presidente
Costa e Silva, que faleceria em seguida, transferindo-se o poder para os Ministros Militares
Augusto Rademaker, Aurélio Lyra Tavares e Marcio de Souza e Melo, após o Vice-
Presidente Pedro Aleixo, ter sido golpeado no seu “direito” e a declarada vacância do cargo
de Presidente foram convocados as eleições indiretas pelo Congresso Nacional para 25 de
outubro de 1969,
799
para Presidente da República, tendo sido eleito Emílio Garrastazu
Médici em 30 de outubro de 1969.
Neste quadro institucional estava inviabilizada qualquer política de direitos
humanos, assim como as condições de força estavam tão evidentes que a política de
enfrentamento poderia provocar a total desarticulação institucional da OAB. Entendeu-se,
neste contexto, que melhor seria resguardar, no tempo, a sobrevivência corporativa e buscar
798
Passou a dispor o § 11 do art. 150 da Constituição emendada (1967/69) o seguinte por força do Ato
Institucional nº 14, de 5 de setembro de 1969: Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento,
ou confisco, salvo nos casos de guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos
termos que a lei determinar. Estas disporá também sobre o perdimento de bens, por danos causados ao
erário, função ou emprego na administração pública, direta ou indireta.
799
Foi eleito o ex-dirigente central do Serviço Nacional de Informação Emílio Garrastazu Médici que se
manteve na presidência até 1974 com a posse do general Ernesto Geisel.
501
formas e meios possíveis de conviver com o Estado de segurança nacional, preservando a
incolumidade da Instituição.
Fracassada a retomada da questão dos direitos humanos, mergulhada a III
Conferência no caos de seus propósitos, estavam agora evidentes as dificuldades para se
recompor, endogenamente, a marcha política do autoritarismo de Estado, que, reagiu, in
extremis, ao constitucionalismo de 1967,
800
num ousado posicionamento radical no
encerramento da III Conferência,
801
presidida na ocasião por Samuel Duarte. Foram tão
evidentes as reações autoritárias que a própria composição política da diretoria do Conselho
Federal, mutatis mutandis, transferiu-se do udenismo liberal-conservador para juristas e
personalidades com idéias visivelmente comprometidas com as reacomodações do aparelho
de Estado.
5.1. O Estado de Exceção
Normalmente, as literaturas jurídicas e política não dedicam grandes espaços
sobre o desenvolvimento conceitual do Estado de Exceção.
802
Todavia, a literatura clássica
ficou marcada pelas posições divergentes de dois grandes juristas e cientistas políticos:
Hans Kelsen
803
e Carl Schmitt.
804
Interessantemente contemporâneos que viveram na
800
CORREA, Oscar Dias. A Constituição de 1967. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 34.
801
Presidia a III Conferência Samuel Vieira Duarte.
802
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de sítio).
Livro restrito sobre o tema, mas apoiado em excelente bibliografia que subsidia estas linhas introdutórias e
referencia as linhas conclusivas de Sobral Pinto neste item.
803
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 2. ed. Trad. João Batista Machado. Coimbra: Armênio Amado,
1962.
804
Carl Schmitt (1888/1985) teve uma amplíssima produção de direito político, tendo freqüentado seminário
de Max Weber na Escola de Administração de Mônaco (1919-1920), mas através do Von Papen, político
prussiano, católico-conservador, aproximou o historicismo jurídico do nazismo e, no seu clássico estudo
legitimista, Legalidade e legitimidade, sistematiza suas teses na defesa do Reich contra o governo prussiano
na Corte Suprema de Lipsia, baseando-se, inclusive, no expansionismo da doutrina Monrol. Deixou-se
excessivamente marcar quando definiu o soberano como aquele que decide o estado de exceção (1922). Na
verdade, Schmitt comprometeu-se a ponto de ser levado ao Tribunal de Nuremberg, mas as teorias
legitimistas e historicistas não se comprometeram com o nazismo, que em curto período, pensou que se
poderia construir um estado racista e de exceção com base em teorias jurídicas. Cf. S
CHMITT, Carl. Legalidad
502
mesma Alemanha dos anos de 1920/30, sendo que o segundo, detrator de Kelsen,
sobreviveu com audácia ao Estado nazista (1939/45), e o primeiro sobreviveu lúcido no
exílio nos Estados Unidos. Ambos influíram, extemporaneamente, na formação do
pensamento jurídico brasileiro, sendo que Carl Schmitt gozou de precoce reconhecimento à
época de formulação do Estado Novo (1937), que, pela força teórica de Francisco Campos,
chegou ao Ato Institucional de 1964, mas Hans Kelsen só veio a efetivamente encontrar
respaldo acadêmico para seu pensamento nos últimos anos entre os estudiosos que ousaram
desvinculá-lo do positivismo exegético, de influência romanista, para aproximá-lo do
moderno constitucionalismo dogmático.
Na verdade, os fundamentos do Estado de exceção, estão muito longe do
princípio da legalidade como pressuposto da organização política do estado, muito embora,
a sua característica principal esteja sempre ligada à sucessiva preocupação de mostrar o
exercício do poder como poder legal. Neste sentido, o Francisco Campos da Constituição
de 1937, dá a mesma lição, no Ato nº 1 de 1964, quando observa na sua introdução,
respectivamente,
atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro [e] a revolução vitoriosa, como o
poder constituinte, se legitima por si mesma (...). Ela edita normas jurídicas sem que
nisto esteja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. E, ainda,
respectivamente, com o apoio das forças armadas e cedendo às aspirações da opinião
nacional é indispensável fixar o conceito de movimento civil e militar (...) o que houve e
o que continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento de
classes armadas (...) é uma autêntica revolução.
Ficam, assim como se verifica, marcadas estas duas linhas distintivas dos
fundamentos de organização do Estado de Direito a legalidade como fundamento da
legalidade, no mais lídimo espírito kelsiano, e do Estado de exceção a legitimidade como
fundamento da legalidade. Naquele, no Estado de Direito, a legitimidade é a alternativa
construtiva da legalidade corroída, neste, a legalidade é um instrumento de tradução da
legalidade e sempre que fugiu de sua representatividade objetiva deve-se restaurar a
legitimidade, cuja garantia não está na ordem hierárquica legal, como queria Kelsen, mas
na tradução da tradição desconstituída pela razão como queria Schmitt.
ye Legitimidad. Trad. José Diaz Garcia. Madrid: Aguilar, 1971, p. IX-XXXI. Estas páginas se referem à
Introdução de excelente qualidade explicativa e compreensiva.
503
O jurista brasileiro (recentemente falecido) Miguel Reale, não reconhece a
figura jurídica do estado de exceção. Não existe estado de exceção (...) é incabível, mesmo
como figura jurídica da teoria do Direito, não se aplica nem mesmo para exemplos
históricos como o golpe de estado de Hitler, o que no parece excessivo, pois o decreto a
favor do povo de 28/03/1933 suspende por 12 (doze) anos a Constituição de Weimar.
Reale, todavia, reconhece que é possível falar em medidas de exceção pelos governos para
atender as situações complexas para as quais não bastam as providências normais (...), mas
elas não afetam direitos civis, como ocorreria no estado de sítio (ou de defesa)
805
Em linha radicalmente diferente se pronuncia Robert Darnton
806
na fronteira
entre o jurídico e o político, estado de exceção se tornou uma pratica freqüente entre as
nações contemporâneas, atingidas desde o 3ª Reich (até o USA Patrioct Act) e até o Ato nº
5/68 e a Emenda nº 1/69, acrescente-se. E continua: O Estado de exceção, é uma franja
ambígua e incerta na interseção do jurídico e do político (...) logo um ponto de
desequilíbrio entre o direito constitucional e o fato político.
807
Nas obras de Carl Schmitt A
Ditadura (1920) e na Teologia Política (1920) é que se encontra o grande esforço para
teorizar o Estado de exceção no contexto jurídico, assim entende: ao suspender a ordem
jurídica subtrai-se o direito como hermenêutica, mas ele se distingue da anarquia e do
caos, preservado, por conseguinte, o sentido de ordem, que é sempre jurídico, o que torna
possível a ordenação do real.
808
Assim, “as palavras” do ditador adquirem “força de lei”,
sem que seja lei no sentido de seus procedimentos legislativos e executivos. Por isto, o
Estado de exceção é uma espécie de espaço anômico, é um interregno um institium no
Direito Romano, onde a lei serve ou não serve onde o que está em jogo é uma lei sem força
de lei ou uma palavra (ou ditado) que não é lei, mas tem força de lei. É um quadro
paradoxal, onde medidas antijurídicas são compreendidas como se jurídicas fossem e
medidas jurídicas como antijurídicas.
805
Miguel Reale. In: AGAMBEN, Giorgio. A Zona Morta da Lei. Caderno Mais. Folha de São Paulo,
16/03/2003, p. 8.
806
DARNTON, Robert. Edição, sedição e iluminismo como negócio. São Paulo: Companhia das Letras,
1992.
807
AGAMBEN, op. cit., p. 4.
808
ALBANESE, Luciano. Il pensiero político di Schmit. Bari: Laterza, 1996. p. 7-13 e p. 112-115.
504
As manifestações introdutórias da Emenda Constitucional nº 1/69 e os seus
próprios dispositivos, guardadas as diferenças do tempo, sem privilegiarmos o objetivo
central do Estado de exceção, o esvaziamento dos direitos indiretos e os indicadores do
Estado de Direito, no Estado de segurança nacional, não perdeu a oportunidade de desfazer-
se do próprio Vice-Presidente eleito Pedro Aleixo, a pretexto de se resguardar os princípios
revolucionários, e não a ordem por eles próprios prescrita, assim como, suspender as
prerrogativas de foro como desvio de função, a pretexto de tornar vulneráveis os
funcionários no exercício de seus cargos e funções, tais como, a vitaliciedade,
inamovibilidade e estabilidade dos juízes.
No conjunto destes atos, os mais repulsivos, dentre todos que caracterizavam a
excepcionalidade do Estado de Direito, foi exatamente a suspensão do clássico direito de
habeas corpus para os crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular, todos, definidos, não em função do princípio da razão geral,
mas em função das “razões de estado”,
809
modernamente transmutados, via o princípio da
boa razão, ou do senso comum, “colmatabilíssimo” convertido no conjunto do direito anglo
saxônico, como princípio da razoabilidade. Neste conjunto, todavia, a mais esdrúxula,
dentre tantas dos princípios de exceção, a que teve o Estado de segurança nacional, em
dispor que ficaram isentos de apreciação judicial os atos praticados com base em atos
institucionais, ou seja, claramente reconhecia que acima da ordem jurídica estava a
“ordem” (o Estado) de exceção.
Em preciosa e histórica digreção sobre A Natureza, significação e alcance do
Ato 5/68, Sobral Pinto procura responder que no conceito histórico e tradicional:
As ditaduras se definem pela concentração de todos os poderes nas mãos de um só
magistrado (...) há [todavia] quem prefira definição mais sucinta, dizendo que a
ditadura determina que todos os poderes sejam excepcionalmente concentrados em um
só órgão, para superar favoravelmente graves períodos de crise (...) Ambas as
preceituações (estão presas) ao Direito Romano (...). Hoje, e por força da experiência
contemporânea [a ditadura não se concentra nas mãos de um único magistrado ou órgão,
mas] por força da experiência contemporânea, o órgão da ditadura é além de pessoal,
também de natureza colegiada e assume o aspecto de classe (ou categoria) (...).
809
O ataque essencial à idéia liberal, no século XIX, de certa forma partiu do socialismo, principalmente a
compreensão de que a idéia liberal garantia à classe media uma participação nos privilégios do laissez faire
deixando ao proletariado os ônus do trabalho e as aguras de sua sobrevivênciacf LASKI, Harold. Authority in
the Modern State. New Haven: Yale University Press, 1919. cap. III.
505
E continua Sobral Pinto:
É inerente à ditadura a preponderância da vontade do órgão individual ou coletivo que
representa (...) nenhuma vontade [no país pode] se contrapor à sua vontade. As leis num
tal regimen não são normas ditadas por um Poder Legislativo autônomo, independente
e soberano (...) são ordens imperativas emanadas da vontade incontrastável e soberana
do órgão, individual ou coletivo, que encarne a ditadura. A força organizada do Estado
coloca-se à disposição do órgão, individual ou coletivo, da ditadura, para fazer cumprir
todas as ordens dele emanadas (...). [No Brasil de hoje] o órgão que representa a
ditadura é o Presidente da República, e a classe [categoria] que o apóia para exercer e
manter a sua ditadura é a Força Armada (...).
810
Em seguida, o jurista analisa, minuciosamente, na leitura integral do Ato 5/69
estas linhas conceituais que, pontualmente indicamos antes da citação, mas ressalta como
indicativos da (nova) ditadura brasileira: o exercício da função legislativa pelo Poder
Executivo, a excessiva capacidade interventiva, o direito de o executivo decretar o recesso
do legislativo, suspensão de direitos políticos com base em relatório do Conselho de
Segurança Nacional, confisco de bens com dispensa do ônus da prova, suspensão das
liberdades de reunião e associação e censura à correspondência e imprensa, a suspensão da
garantia do habeas corpus em crimes políticos, contra a segurança nacional e a economia
popular e a exclusão da apreciação judicial dos atos praticados de acordo com o Ato
Institucional
811
Estas serão as bases de ambientação das conferências até 1978.
6 – O Pacifismo Institucional
Interessantemente, como verificamos, apesar da III Conferência, encerrada em
13 de dezembro de 1968, ter explicitamente indicado que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
integram o direito positivo brasileiro, nem muito menos contestou, durante ou
810
PINTO, H. F Sobral. Lições de Liberdade
os Direitos do Homem no Brasil. 2ª ed. Aumentada.
UCMG/Ed. Comunicação. B.H, 1977, p. 137 e segs.
811
Ibid.
506
posteriormente à conclusão dos trabalhos, o Ato Institucional nº 5, também de 13 de
dezembro de 1968. Da mesma forma, no seu encerramento, não se referiu à antecedente
criação do Conselho de Defesa e Proteção dos Direitos Humanos CDDPH, projeto
tramitado no Legislativo alguns anos antes, ainda sob a inspiração liberal-democrática de
1946, regulamentado pouco antes à Conferência, pelo regime militar (22/11/1968), com o
intuito de restringir sua abrangência protetiva, o que significava um silencioso protesto
contra a restrição dos poderes do mais importante forum brasileiro de defesa dos direitos
humanos: a IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, realizada em São Paulo,
entre os dias 26 e 30 de outubro de 1970, no quadro das acirradas contradições políticas,
inclusive de efeitos institucionais degenerativos, procurou, programar os seus painéis senão
num ambiente de adesão palaciana de diplomática cordialidade, entre a OAB e a
Presidência da República do regime militar.
Neste sentido, é muito importante reconhecer que a radicalização da ação
político-militar dos governantes, instaurando no país, após o 13 de dezembro de 1968, as
condições institucionais para a implantação do Estado de segurança nacional, um
continuado e permanente estado de sítio (inc. XIV do art. 83 da própria Constituição de
1967).
812
Na recomposição da diretoria do Conselho Federal da OAB, para o período de
1969/1972, não foram eleitos advogados comprometidos com os ideais inaugurais da III
Conferência, voltada para a questão dos direitos humanos, mesmo com as restrições
impostas pelo Decreto nº 63.681, de 22 de novembro de 1968, regulamentar do CDDPH,
mas advogados com maior capacidade de convivência com o poder instituído, garantindo
sobrevivência institucional. A estratégia de se retomar o velho pacto de reconhecimento
tácito da situação, sem manifestações divergentes expressivas, para viabilizar, no “futuro”,
a organização corporativa, funcionou politicamente, todavia, ficando o período marcado
812
Este dispositivo veio a ser modificado pelo inc. XVI do art. 81 da Emenda nº 1 de 17 de outubro de 1969,
assinada pela Junta composta pelos ministros militares Augusto Rademaker (Marinha), Aurélio Lyra Tavares
(Exercito) e Marcio de Souza Mello (Aeronáutica), que efetivamente instaurou o Estado de Segurança
Nacional. O supra referido inciso que dispunha semelhantemente ao anterior, todavia, com a edição da
Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978 passou a dispor que, compete privativamente ao
Presidente da República (art. 81): determinar medidas de emergência e decretar o Estado de sítio e o estado
de emergência. A medida de defesa do estado já não se restringia, por conseguinte, ao “clássico” Estado de
sítio, mas, no dicionário do estado de exceção incluíam-se os novos institutos: “medidas de emergência” e
“estado de emergência”, figuras que os tempos democráticos dissiparam e traduziram em decretar o estado de
defesa e o Estado de sítio (ver inc. IX, art. 84 da Constituição de 1988).
507
por ações ofensivas do governo instituído contra a OAB e, muito especialmente, contra os
direitos humanos.
A gravíssima e instável situação evoluiu em 1º de abril de 1969 para a eleição
do jurista Laudo de Almeida Camargo
813
para a presidência (1969/1971), influenciada pela
vontade conservadora que vinha procurando influir na orientação das conferências e das
diretorias anteriores numa linha visivelmente reacionária de complacência autoritária. A
marca ostensiva deste período foi a renúncia de Sobral Pinto, símbolo das lutas pelos
direitos humanos, que, conforme alegou, fora pressionado a votar no Presidente eleito, o
que provocou dissidências internas no processo de composição do colegiado, agravadas
pela excludência, inclusive, de votantes qualificados, para compor maiorias, praticas, de
qualquer forma, possíveis devido à vulnerabilidade da estrutura estatutária.
814
Exceto por ilação a Ata desta reunião não traduz o quadro dilemático da nova
composição, no entanto, o pronunciamento final do presidente eleito,
815
não apenas mostra
813
Lauro de Almeida Camargo ingressou no Conselho Federal como representante de São Paulo em 1962,
retornou em 1967 e 1969, sendo que em 1966 representou o Mato Grosso na forma do sobrevivente
permissivo estatutário.
814
As Atas do Conselho Federal neste período (1968/70) dão conta que na Ata da 1225ª Sessão Extraordinária
da 38ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 18 de março de 1969 (anterior à eleição), Sobral Pinto agradeceu a
consideração do Conselho Federal como dos advogados de Brasília quando de sua prisão em Goiânia. Ato da
Sessão seguinte da notícia da morte de Nelson Hungria, Ministro do STJ e ainda dá notícia que o Presidente
do Conselho Seccional do Paraná Ruy Ferraz de Carvalho comunicará que os representantes do Paraná
Conselheiros Carlos Alberto Lacombe e Alcy Demille, por discordarem da orientação para eleição do futuro
presidente do CF.OAB estava a “delegação cassada”. Nesta mesma sessão foi relatada a gravosa situação
criada com o novo processo eleitoral onde o Conselheiro Sobral Pinto objetou, na forma de correspondência e
entrevistas interpessoais a movimentação como fato consumado para a eleição de Lauro Camargo, apoiada
por Antonio Carlos Osório, presidente da Seção do Distrito Federal e tantos outros conselheiros. A sessão
anterior, conforme Ata da 1226ª Sessão Extraordinária da 38ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de março
de 1969 colocava em ponto a inadmissibilidade da participação dos ex-presidentes nas eleições do Conselho
Federal que por falta de quorum acabou por ser votada na reunião ordinária posterior de 1ª de abril de 1969
(art. 7º do Estatuto de 1963).
815
Ata da 1227ª Sessão de Instalação da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1969. Nesta
Reunião Ordinária da eleição estão os números indicativos da composição da nova diretoria. O Presidente
Laudo de Almeida Camargo 19 (dezenove) votos e Luis Lyra (candidato conforme se depreende da nova Ata
candidato de Sobral Pinto), 2 (dois) votos. Tiveram, ainda, 1 (um) voto em branco e 1 (um) voto nulo. Para
Vice foi eleito Joaquim Gomes de Norões e Souza: 19 (dezenove) votos contra, Carlos Alberto Lacombe: 1
(um) voto e, ainda, 1 (um) voto em branco e 1 (um) nulo. Para secretário geral foi eleito Alfio Ponzi: 19
(dezenove) votos, vindo a perder o ex-secretário Agenor Magalhães com 2 (dois) votos apenas. Foram eleitos
ainda: subsecretário Raul de Souza Silveira: 22 (vinte dois) votos; tesoureiro Danilo Marcondes de Souza: 19
(dezenove) votos. Empossado os eleitos pelo Presidente Samuel Duarte, Antonio Carlos Osório saudou a nova
diretoria afirmando que o novo Presidente está à altura da função. O Presidente Thomaz Leonardo do IAB
saudou também o eleito Laudo Camargo que trazia o nome impoluto do Ministro Laudo Camargo, seu
progenitor, em cujos exemplos encontraria justos motivos para atuação marcante e exemplar na OAB
508
a erudição do pronunciamento, na certeza prévia da eleição, mas, também, o
reconhecimento da tomada “negociada” de novos rumos. Sumariamente, assim podemos
dar alguns indicativos com os extratos do pronunciamento de posse:
[A] recente obra do filósofo Orlando Vilela, [observa que] ´a pessoa humana no
mistério do mundo´ (pág. 129 e 121), este desdobrar de raciocínio, necessário à boa
conceituação da profissão liberal. Alicerça-se ele, primacialmente, no seguinte passo da
´Note Conjointe sur M. Descartes´ de Charles Péguy: ´Toda a questão consiste nisto: o
que é negociável? O que não é negociável? Toda a questão está em saber o que, num
certo mundo, é negociável e o que não é negociável. Um mundo dado, o mundo antigo, o
mundo cristão, o mundo pagão, o mundo moderno, cada mundo – o mundo será julgado
pelo que ele houver considerado como negociável ou não negociável. Todo o
aviltamento do mundo moderno... decorre disto: o mundo moderno considerou como
negociáveis valores que o mundo cristão considerava como não negociáveis. E dessa
universal negociação se originou o universal aviltamento´. Com efeito, complementa o
filosofo, a profissão não-liberal é um serviço negociável: como princípio, sua lei
primeira é a ´facio ut des, do ut facias´, ao passo que a profissão liberal é um serviço
não negociável: como princípio, sua lei primeira não é o ´facio ut des, do ut facias´; ela
presta serviços que, em si mesmos, não têm preço, não se vendem, não se negociam´.
Essencialmente, pois, a profissão liberal é um modo de vida e não um meio de vida. Só
acidentalmente é que ela é um meio de vida (...). Quanto à nossa inserção no universo
das relações que constituem o fenômeno social, procuraremos defender a ordem
jurídica, como parte substancialíssima e fundamental da ordem moral, segundo as
palavras de João XXIII, no ´pacem in terris´, isto é, ´uma ordem que se funda na
verdade, que se há de realizar segundo a justiça, que há de animar-se e consumar-se no
amor, que há que recompor-se sempre na liberdade, mas sempre também em nosso
equilíbrio cada vez mais humano´.
816
As atas imediatas do Conselho Federal mostraram que as discussões sobre o
CDDPH aprovado no Congresso Nacional em 1962, embora, não viesse imediatamente a
ser sancionado na antevisão das resistências futuras, na forma da Lei nº 4.319/64,
promulgada pelo presidente João Goulart, imediatamente antecedente ao movimento militar
de 31 de março de 1964, e, posteriormente, regulamentado pelo Decreto nº 63681 de 1968,
definitivamente não basearia as políticas futuras da OAB, ficando, as preocupações centrais
voltadas para avaliar os anteprojetos de códigos em andamento. Estavam na imediata pauta
de discussão os anteprojetos de Código Penal Militar (tendo como integrante da Comissão
Ivo D´Aquino); Código Penal Brasileiro (elaborado pelo Ministro Nelson Hungria); Código
de Processo Civil (de autoria de Alfredo Buzaid); Lei de Introdução ao Código Civil
(elaborado por Haroldo Valadão); Código de Navegação (elaborado por Ferreira de Souza).
816
Ata da 1227ª Sessão de Instalação da 39ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (Conselho Pleno) de 1º de abril de 1969.
509
Estavam, ainda, em fase avançada os estudos sobre a Lei do Ministério Público, o
Regimento do STF e o anteprojeto do Código Civil e Processo Penal.
817
Na verdade, estava
em rediscussão a ordem jurídica num lamentável quadro em que a Lei Magna de 1967 já
fora mutilada pelo Ato Institucional nº 5/68 e estava na antevéspera da Emenda
Constitucional nº 1/69. Efetivamente não era o melhor momento para novos Códigos.
Haroldo Valadão, jurista o intelectual, sempre muito perceptivo, ao verificar a
situação da ampla discussão dos códigos, observou que dever-se-ia interferir o Conselho no
andamento dos projetos, antes que fossem transformados em Decreto-Leis,
818
aliás uma
prática brasileira na edição de leis consolidadas, o que veio a ocorrer apenas com o Código
de Processo Civil de Buzaid em 1973.
819
Nesta mesma linha, observou Arnold: se as
finalidades do direito são a justiça e a segurança, é incontestável que a divulgação
adequada e clara dos novos textos legais, com o seu entrosamento preciso, no sistema
legislativo vigente, constitui um importante alivio prestado à coletividade.
820
Por outro
lado, o Conselheiro Carlos de Araújo Lima, nesta primeira sessão após a posse observou: O
Presidente Laudo Camargo deve dar maior impulso à evolução democrática e jurídica,
para a qual devem e precisam contribuir, sem frustrações, todos os advogados do Brasil
821
822
817
Ibid.
818
Ata 1228ª Sessão Extraordinária da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB. Na Ata da 1234ª Sessão da 39ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de julho de 1969 o Conselheiro Clovis Ramalhete propôs que se
representasse ao Presidente sobre conveniência de assegurar independência realizadas no exterior ou em
viagem oficial e a audiência oficial realizada com Marcelo Caetano em Portugal, bem como falou do
programa de sua futura visita ao Brasil. Ata da 1229ª Sessão trata de contactos com M. Desmond Ackner,
Chairman of the general Council of the Bar of England and Wales e com Edmund Sargant, Pres. da Law
Society Paw que sugere que a OAB se representasse na 23ª Conferência da Union Internationale des Avocats
(21/23/07/1969 – Londres), posteriormente foram convidados pelo Presidente M. C. H. S. Blatches. Falou
também do convite de Mr. Claude Russan, Botonier de Paris para o Congresso do Conselho de Lyon em 1970
apoiado pelo Ministro da Justiça. Na VIA, com a participação de 1300 advogados de todo o mundo
comunicou a existência do CDDPH criado em 1964 e instalado em 30 de outubro de 1968 com a participação
da OAB. Ver Ata da 1234º Sessão da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de julho de 1969. Em 3 de
março de 1970, também estiveram por visitar a OAB o advogado português Mario Soares e os juristas
franceses. Ver Ata da 1240ª Sessão da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 21 de outubro de 1969.
819
BUZAID, Alfredo. Rumos Políticos da Revolução Brasileira. Brasília: Ministério da Justiça, 1970.
820
Ata da 1231º Sessão da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de maio de 1969.
821
Muito aplaudido, o presidente disse que estava em consonância com o pensamento expendido. Também
relatou na sessão seguinte os importantes contatos.
510
Finalmente, mesmo neste contexto de dificuldades institucionais, não faltou
tempo para discurso de ampla homenagem pelo Conselheiro Tercio Queiros sobre o
centenário de Mohadmas Gandhi e seu papel no luta pela defesa dos direitos humanos à
qual cedeu na profissão inicial de advogado.
823
Abertura de linguagem que, serviu, todavia,
para especial comunicado de Laudo Camargo sobre sua participação na sessão do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana realizada no dia 2 de dezembro de 1969, no
gabinete do Senhor Ministro da Justiça, bem como, nominou a conclusão da reunião de
presidentes seccionais da OAB
824
pelo restabelecimento do habeas corpus e
restabelecimento da soberania popular do júri e, ainda, a indicação da capital de São Paulo,
para realização em 1970, da Conferência Nacional dos Advogados.
Efetivamente, superada as possibilidades de se fazer do plano de trabalho da
OAB a elaboração e aperfeiçoamento dos Anteprojetos de Código, abertas as diferentes
conexões com entidades internacionais de advogados ficava, agora, evidente as
amplíssimas dificuldades para se superar a questão dos direitos humanos no quotidiano do
822
A Lei que criou o CDDPH, no seu art. 1º dispunha que: Fica criado no Ministério da Justiça e Negócios
Interiores o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e na sua forma original era integrado pelos
titulares dos seguintes órgãos, conforme o art. 2ª: Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Catedrático de Direito Constitucional de
uma das Faculdades Federais, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Presidente da Associação
Brasileira de Educação, Líderes da Maioria e da Minoria na Câmara dos Deputados e no Senado (art. 2ª).
Com a redação da Lei nº 5.763, de 15 de Dezembro de 1971. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana ficou assim constituído: Ministro da Justiça, representante do Ministério das Relações Exteriores,
representante do Conselho Federal de Cultura, representante do Ministério Público Federal, Presidente do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Catedrático de Direito Constitucional e
Professor Catedrático de Direito Penal de uma das Faculdades Federais, Presidente da Associação
Brasileira de Imprensa, Presidente da Associação Brasileira de Educação Líderes da Maioria e da Minoria
na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
823
Ata da 1238ª Sessão da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de setembro de 1969.
824
Esta reunião foi realizada em Belo Horizonte entre os dias 27 e 29 de novembro de 1969. Ver Ata da 1242ª
Sessão da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 9 de dezembro de 1969. Esta mesma reunião ainda decidiu
sobre a fixação do salário profissional para advogados, alocação da contribuição do teto do advogado;
aplicação do princípio da sucumbência, criação do Conselho Federal de comissão de aplicação das
prerrogativas, revogação dos provimentos 28 e 36 do Conselho Federal; prorrogação da lei de solicitadores
face às dificuldades para instalação do estágio e exame da Ordem (ainda na Ata da 1243ª Sessão da 39ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 16 de dezembro de 1968 esta posição estava fortalecida pela manutenção
do provimento dos solicitadores e as dificuldades para se aplicar a Lei nº 5390/68 sobre estágios); revogação
do art. 3º do Decreto-Lei nº 959 de 13/10/69, injusto para o exercício das profissões liberais, também na Ata
da 1244ª Sessão Extraordinária da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 de março de 1970, consta ofício da
Câmara Municipal de Niterói, sobre a campanha promovida pelo vereador César Tinoco a favor do
restabelecimento do Instituto do habeas corpus.
511
plenário, por um lado pelas intensas e sucessivas pressões para que a OAB exigisse o
funcionamento ou a realização das reuniões do CDDPH
825
e, por outro, pelo crescimento
extensivo, neste exato período, das violências contra advogados
826
e contra militantes
políticos presos
827
e, ainda, ações radicais de censura,
828
ferindo expressas disposições aos
825
Em confirmação a esta afirmação o ex-presidente Samuel Duarte sugere que o Presidente da OAB contacte
o Ministro da Justiça para serem ativados os trabalhos do CDDPH. Ata da 1245ª Sessão da 40ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1970. Conforme Ata da 1247ª Sessão da 40ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 26 de maio e 1970 o presidente da OAB ainda não lograra ser convocado para reunião do
CDDPH. Apesar da radicalidade crescente nesta mesma sessão o Conselheiro Araújo Lima, solicitou que
fosse transcrito em Ata o prefácio de José Cavalcanti Neves, da seccional de Pernambuco, empossado
Presidente do IAB daquele Estado, em opúsculo editado do discurso de Miguel Seabra Fagundes em sua
posse, conforme Ata da 1247ª Sessão da 40ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de maio de 1979: ‘(...) É
uma declaração de princípios inspirada no seu saber de jurisconsulto, em um sereno equilíbrio e numa
experiência adquirida como magistrado, advogado e Ministro da Justiça. É uma afirmação da certeza de que
o Estado não pode atingir suas finalidades, nem a legalidade democrática realizar-se sem aplicação, efetiva
e permanente, de um disciplinamento jurídico que valorize, acima de tudo, os direitos e liberdades da pessoa
humana. Divulgado, em publicação especial, o discurso de Seabra Fagundes, a Seção Pernambucana da
Ordem dos Advogados do Brasil presta uma homenagem ao jurista ilustre e estimado, e, sobretudo, endossa
as suas idéias e subscreve a sua declaração de princípios, que, na verdade, é a todos os juristas e advogados
brasileiros’. Recife, maio de 1970. ass. José Cavalcanti Neves.
826
Dentre tais fatos nas reuniões do Conselho consta a situação do advogado Reis Ferreira, preso
incomunicável no Pará. Ver Ata da 1244ª Sessão Extraordinária da 39ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 3 de
março de 1970. Nesta mesma Sessão o Conselheiro Oto Gil se manifestou sobre os vários aspectos do
Decreto-Lei nº 959/69 que ferem o exercício regular da advocacia (ibid.). Na Sessão da 1246ª Sessão da 40ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de abril de 1979 o Juiz Fromeno Rangel do Espírito Santo e denunciado
pelo advogado Presidente da OAB.ES Manoel Camargo, por restrições e violências que lhe impôs. O
Conselheiro Carlos Araújo Lima solicitou informar ao Presidente da Republica Ata da 1247ª Sessão da 40ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de maio e 1970 informa que foi concedido o habeas corpus ao
Presidente da OAB.ES.
827
O Conselheiro Silvio Curado solicita informações a propósito de violências que estariam sendo praticadas
contra presos políticos. Ata da 1246ª Sessão da 40ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de abril de 1970. Em
seguida o Conselheiro Sylvio Curado leu apelo da Seccional da Guanabara solicitando que fossem
asseguradas as garantias individuais dos advogados. Ata da 1247ª Sessão da 49ª Reunião de 26 de maio de
1970 que, em Sessão 1248ª da 40ª Reunião de 9 de junho de 1970 destacou também a inoportunidade da Pena
de Morte implantada com o Ato Institucional nº 14/70, na palavra de Carlos Araújo Lima e do Conselheiro
Ivo D´Aguino contestou o art. 84 da Lei de Segurança Nacional em justiça de exceção.
828
O Conselheiro Provina Cavalcanti, faz apelo para que o Conselho interfira junto ao Ministério da Justiça
para reexaminar medidas de censura prévia prejudiciais ao interesse nacional, assim como solicita que o
Decreto nº 1677, de janeiro de 1976 e a Portaria 11B do Ministério da Justiça, que cerceia a livre expressão do
pensamento e fere as intenções democráticas da Revolução de 1964, assim como são inconstitucionais ferindo
ao art. 153, § 8º da Constituição de 1967 e ainda o art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(idem). Carlos Dunshee de Abranches volta ao tema na Ata da 1249ª Sessão da 40ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 30 de junho de 1970.
512
direitos humanos.
829
O governo militar recrudescia nas suas ações e ficava, quase
impossível à OAB-Federal calar-se diante das ações de violência política do Estado.
830
Na mesma sessão em que se solicita consignar em ato o pesar pelo falecimento
do Presidente de Portugal Antonio de Oliveira Salazar, consta que o Conselheiro Augusto
Sussekind em aditamento à apresentação do advogado Heleno Fragoso pede que se registre
que presos estariam sendo induzidos a prestar declarações contra advogados. O mesmo
conselheiro na Sessão de 1253ª Sessão de 29 de setembro de 1970 pediu que o conselho
apoiasse o projeto do Senador Jasafá Marinho restabelecendo o sursis para condenações em
crimes regulado pela Lei de Segurança Nacional, o que ocorre também na 1254ª Sessão de
13 de outubro de 1970 a pedido de Samuel Duarte.
De qualquer forma, apesar da crescente radicalização contra advogados e os
direitos humanos o Presidente da OAB, Laudo de Almeida Camargo, no esforço extremo
de recomposição em sessão preparativa da IV Conferência em julho de 1970, informou que
convidara o Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, para presidir a sessão de
instalação da IV Conferência Nacional dos Advogados, cujo tema central seria A
Contribuição do Advogado para o Desenvolvimento Nacional,
831
onde caberia a
colaboração do advogado para o aprimoramento da ordem jurídica nacional como
829
Na Ata da 1249ª Sessão da 40ª Reunião do CF.OAB de 30 de junho de 1970 foi rejeitado proposta do
Conselheiro Dunshee de Abranches com base nos arts. 3, 8 e 9 da DUDH, por ofensa a Direitos Humanos, à
ONU. O Conselheiro Benjamin Brange Neto opinou pelo arquivamento. Nesta 1249ª Sessão de 30 de junho
de 1970 o Presidente informou que telegrafara ao Presidente da República por ocasião do seqüestro do
Embaixador Alemão e após o resgate. Samuel Duarte destacou, em seguida ao Presidente, observando que as
reuniões do CDDPH são obrigatórias e automáticas destinadas a projetar a imagem de legalidade. Em 8 de
junho de 1970 na 1250º Sessão o Presidente Lauro Camargo, informou sobre seus ineguivocos esforços e
desejo de ver reunir-se o CDDPH seja por gestões pessoais diretas, seja pela ação de imprensa.
Posteriormente, ressalta o conselho que o CDDPH estaria desconhecendo atos do esquadrão da morte in 1250ª
Sessão de 8 de julho de 1970, quando o Presidente afirma também que está em estado de vigilância
permanente relativamente aos assentos do CDDPH. A 1251ª Sessão da notícias da ação de Helio Bicudo
procurador paulista contra o esquadrão da morte.
830
Ata da Sessão 1250ª de 8 de julho de 1970 num episódio de denuncia pelo Conselheiro Augusto Sussekind
que estaria sendo vítima de manobras insidiosas por autoridades visando intimida-lo no exercício da profissão
lhe atribuindo delitos políticos. O Conselheiro Gastão Pêgo pede que Heleno Fragoso e Sussekind sejam
desagravados.
831
O convite foi realizado em audiência especial no Palácio do Planalto no dia 3 de julho de 1970, onde
também estiveram presentes Antonio Carlos Osório e J. B. Prado Rossio. Ata da 1250ª Sessão da 40ª Reunião
do CF.OAB de 8 de julho de 1970.
513
sustentação necessária ao desenvolvimento, que se realizaria em São Paulo, entre os dias 26
e 30 de outubro de 1970.
832
6.1. A Abertura da IV Conferência
O Presidente da República, Emilio Garrastazu Médici, convidado para aquela
solenidade de abertura da IV Conferência, foi representado pelo Ministro da Justiça,
Alfredo Buzaid, advogado processualista de formação conservadora; não propriamente
tinha uma origem intelectual que se lhe deixasse a vontade para abordar com desembaraço
o tema Direito e Desenvolvimento. No entanto, procurou desempenhar a sua missão da
perspectiva que lhe parecia correta, sem, todavia, atacar o papel do direito como agente de
desenvolvimento, mais se atendo à questão da importância do direito acompanhar as
mudanças tecnológicas e econômicas.
Para o Ministro Buzaid, as nações em desenvolvimento, depois que classificou
as demais como desenvolvidas, e subdesenvolvidas,
estão impacientes de qualquer demora nas lutas [contra] (...) qualquer doença, o
analfabetismo, o baixo nível de renda per capita, o desenvolvimento se tornou, nos dias
que correm, um imperativo obrigatório para as nações que ainda não se compuseram
com o progresso. O desenvolvimento não se cinge apenas ao setor econômico.
O desenvolvimento abrange o social, o político, o educacional e a própria segurança
nacional. Os povos em desenvolvimento aspiram por novas e largas perspectivas. Mas,
não podem limitar-se única e exclusivamente a cavar a terra para dela extrair as
riquezas minerais, mecanizar a agricultura para obter rendosa colheita, intensificar a
industrialização para reduzir a concorrência. O desenvolvimento deve ser também a
capitalização dos valores morais e intelectuais. Por isto se pode dizer que o
desenvolvimento (mítico) é [o] anseio e a proteção de um povo no seu destino histórico.
O direito deve acompanhar lógica e necessariamente os progressos e as conquistas da
tecnologia do desenvolvimento.
833
832
Várias são os atos que dão notícias das negociações para realização doa IV Conferência em São Paulo. A
Ata da 1245ª Sessão da 40ª Reunião do CF.OAB de 1º de abril de 1970 trata das ações preliminares inclusive
de seu esquema preliminar de organização. A 1247ª Sessão da 40ª Reunião do CF.OAB de 26 de maio de
1970 transcreve a manifestação do IAB/SP pela realização em São Paulo da IV Conferência. A 1249ª Sessão
da 40ª
Reunião do CF.OAB de 30 de junho de 1970 fala da disponibilização da Câmara Municipal de São
Paulo para o evento, bem como é dado conhecimento da proposta final de organização. A 1251ª Sessão da 40ª
Reunião do CF.OAB de 25 de agosto de 1970 fala das recepções na Assembléia Legislativa de São Paulo.
833
Anais da IV Conferência Nacional da OAB de 26 a 30 de outubro de 1970. São Paulo. p. 64/65.
514
Buzaid, no seu discurso, paradoxalmente, não conseguiu escapar do modelo que
trata o direito como reflexo, como efeito das conquistas econômicas e tecnológicas, como
um mero resultado regulatório. O Ministro da Justiça fez o seu pronunciamento de uma
perspectiva que não é exatamente a perspectiva conceitual do departamento disciplinar
“direito e desenvolvimento”, que reconhece no direito um instrumento de desenvolvimento,
uma fórmula possível de se incentivar o desenvolvimento a partir dos seus próprios
pressupostos. O discurso Buzaid não propriamente reconhece que seria possível chegar-se
juridicamente ao desenvolvimento, ou seja, que se poderia desenvolver na forma e nos
pressupostos do Estado de Direito, mas avança no reconhecimento de que as instituições
precisam se adaptar aos tempos de “progresso”.
Na segunda parte do seu discurso, como demonstração desta orientação, Buzaid
procura visualizar o interesse governamental em aperfeiçoar
as instituições jurídicas, atualizando-as, pondo-as em dia a fim de que elas
correspondam aos legítimos anseios do progresso nacional. Sob este aspecto é que a
reformulação jurídica se está processando, não só no Ministério da Justiça, como
também nos demais ministérios. Isto quer dizer, portanto, que o desenvolvimento do
Brasil é integrado, unitário, harmonioso e orgânico. Este é o momento decisivo da
história do Brasil, é o momento em que através do seu desenvolvimento tecnológico e o
aperfeiçoamento de seus instrumentos jurídicos nós podemos crer que esta será uma
grande nação.
O clássico jurista não alcançou, no seu discurso, o que se pretendia com o
contexto da conferência: buscar fórmulas possíveis de se desenvolver economicamente a
partir de propostas institucionais juridicamente fundamentadas. Preferiu entender que o
governo brasileiro estava por incentivar reformas e mudanças nos códigos com aliás
aconteceu em 1971, com o Código da Propriedade Industrial, de profunda vocação
nacionalista, resistente aos direitos internacionais de marcas e patentes, com o Código de
Processo Civil de 1973, de sua própria autoria de significativas mudanças na estrutura dos
institutos, mas limitado no seu alcance econômico e social e, essencialmente,
comprometido, como ocorrera com o Código de 1939, com a viabilização, apenas,
processual dos direitos individuais.834
834
Interessantemente na 1249ª Sessão da 40ª Reunião do CF.OAB de 30 de junho de 1970 consta que o
Conselheiro Oto Gil observou que o Código de Processo Civil CPC esta sendo preparado às bolandas, e
totalmente ignorados dos juristas como deste colendo Conselho: (...) o anteprojeto do Código de Processo
515
Na verdade este discurso introdutório da IV Conferência mais serviu para
demonstrar que a vocação clássica do direito brasileiro não está voltada para reconhecê-lo
como um conhecimento na frente dos fatos, capaz de alterar e mudar os fatos, mas como
um conhecimento que sucede e regula os fatos e, quando muda, muda pela força endógena
da discussão teórica ou filosófica dos institutos, quase nunca devido à sua fragilidade no
encaminhamento e solução de problemas. Esta leitura, que se pode fazer do
pronunciamento de Buzaid, sobrevive no tempo, mesmo após a promulgação da
Constituição de 1988, a verdadeira força da hermenêutica dogmática é reconhecê-la nos
limites de suas próprias limitações desprezando o alcance de suas aberturas.
Ao que parece, todavia, o pronunciamento do representante do governo militar
não influiu no conteúdo de orientação da IV Conferência, também, por outro lado, como,
quem sabe, à representação ministerial na abertura, não levou os palestrantes e advogados,
a se debruçarem sobre as conseqüências do regime autoritário, centrando-se nas questões
relativas ao desenvolvimento econômico do país e no desafio que a modernização
tecnológica impunha ao processo formativo e ao exercício da profissão pelos advogados,
propósito ideológico que movia os militares e tecnocratas no governo. Os advogados,
embora, historicamente, infensos a estas questões, assumiram a sua discussão e,
diferentemente, das conferências anteriores, e mesmo das futuras nem ao menos trouxeram
à pauta, como de costume, a temática do ideário profissional da OAB, fugindo de aspectos
essenciais de sua história corporativa.
6.2. A Relação Direito e Desenvolvimento
As conferências, neste encontro, traduziram, exatamente, o conceito da relação
Direito e Desenvolvimento como relação em que os pressupostos da formação jurídica
Civil está sendo elaborado em segredo de estado com desprezo à velha máxima que Teixeira de Freitas
inscreve no seu esboço: Quod omnes tangiti ab omnibus debit aprobari. Ata da 1237ª Sessão da 39ª Reunião
Ordinária de 23 de setembro de 1969 completa-se com a leitura do seguinte telegrama: Agradeço mensagem
solidariedade recebida, relativamente, aos incidentes em que se viu envolvido, nesta capital. Embaixador
Charles Burke Elbrick.
516
poderiam influir na construção do desenvolvimento, mas, com certeza esta tese não tomou
corpo teórico ou epistemológico sobrevivendo a tese da transmutação endógena dos
próprios institutos. Ao que parece, a epistemologia jurídica não seria mesmo uma
epistemologia do desenvolvimento, exceto, é claro, de, alguns ramos muito específicos do
direito econômico, como por exemplo, o abuso do poder econômico, o Direito Tributário e
o Mercado de Capitais, que têm uma natureza interventiva prospectiva e, muitas vezes, com
efeitos premiais.
835
De qualquer forma, as clássicas discussões sobre a reforma dos códigos e o
emergente e pungente tema da questão dos direitos humanos perderam o seu espaço
discursivo para que novas questões referentes à abordagem jurídica do desenvolvimento
fossem privilegiadas. Na verdade, a Conferência encaminhou-se para avaliar ou formatar
uma epistemologia do desenvolvimento urbano, habitacional, transporte, comunicações e,
inclusive, cibernético.
A maioria das teses apresentadas na IV Conferência procurou mostrar que o
homem do Direito deveria exercer sua profissão levando em consideração as demandas
jurídicas, fruto das transformações sociais, políticas e econômicas, muito embora, sem
perder de vista os ideais de liberdade, fraternidade, paz e justiça – uma tênue luz para
aquele, que na sua história profissional, faz destes princípios os seus próprios princípios.
De qualquer forma, não há como desconhecer que a questão da intersubjetividade e da
bilateralidade imprescindível à relação jurídica do direito como formação articulada e
facultativa de vontades, não preside, exatamente, a ação prospectiva e interventiva na
realidade social.
Por outro lado, estas variáveis imanentes aos institutos jurídicos e às suas
realizações, são nitidamente perceptíveis quando falamos em direitos humanos ou violação
835
Sucessivamente a este ano, na mesma quadratura de tempo, advieram importantes modificações no
currículo dos cursos jurídicos, assim como foi criado na PUC.RJ mestrado em Direito com novo perfil
formativo, inclusive tendo área de concentração em Direito e Desenvolvimento. Envolveram-se neste projeto,
à época, professores como Tércio Sampaio Ferraz, Luis Alberto Warat, J.G. Pignet Carneiro, César
Guimarães, Mario Brockman Machado, João Paulo Magalhães, Bruno da Silveira, Joaquim Falcão, dentre
outros. É também, desta época a criação do Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito que evoluiu para
orientação do professor da PUC.SP Álvaro Iglesias e organizou-se, também, o Conselho Latino Americano de
Direito e Desenvolvimento com sede em Lima, Peru, tendo como Presidente Jorge Avendano e, no Brasil,
Carlos Alberto Direito, na sua etapa final, como Secretário Geral Aurélio Wander Bastos. BASTOS, Aurélio
Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 3º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.
517
de direitos humanos, haja vista que remanesce a intersubjetividade da relação entre o
opressor e o oprimido, mesmo porque uma das partes viola a subjetividade protegida da
outra, a bilateralidade mesmo que não tenha uma natureza isonômica, é rompida e a ação
interventiva do Estado visa resguardar os direitos subjetivos. Isto significa, de certa forma,
que o direito, na sua natureza clássica, mas não propriamente atávica, presta-se à mudança
social, mas dominantemente, para a percepção de relações individuais qualitativamente
modificadas ou que adquiram natureza complexa.
836
Estas observações prestam-se, neste sentido, para demonstrar as dificuldades de
se utilizar o Direito, voltamos a repetir, na sua formatação clássica, como instrumento
competente para viabilizar o desenvolvimento, o que não impede, é claro, que se discuta o
redimensionamento epistemológico do conceito de direito, ou, como ocorreu na IV
Conferência, a relação entre o fenômeno econômico, nas suas diferentes manifestações, e o
Direito como expressão sintonizada ou dessintonizada com a realidade. Interessantemente,
de qualquer forma, o conceito interventivo da ação jurídica, não apenas guarda conexões
epistemológicas com a clássica concepção do direito, mas, e, também, embora numa
expressão paradoxal, com os procedimentos estatais autoritários independentemente de sua
origem, objetivos e destino.
A temática da IV Conferência na sua exata forma de evolução, privilegia a
discussão sobre a colaboração do advogado no processo de desenvolvimento nacional que,
de outra forma, se manifestou, residualmente, na Conferência de 1968. Esta Conferência
fugiu, no entanto, como já observamos do quadro tradicional da temática dos advogados,
inclusive das conferências posteriores, ficando, de qualquer forma, visível, que estas
questões de viés desenvolvimentista, pelo menos até muito recentemente, não influíram
(influem) no processo de formatação ideológica dos advogados. Na história de seus ideais e
idéias há uma nítida tendência para reconhecer questões de superestrutura, de
institucionalização de valores (éticos. Neste sentido o pronunciamento de Buzaid foi uma
lição conservadora), e, não propriamente que exijam uma ação direta na infraestrutura
econômica, que, no fundo, seria um desvio de seu ideário, razão pela qual o ideário
836
BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2003.
518
profissional reagiu a 1968/1970, que, da mesma forma, reagiu, guardadas as dimensões
adaptativas às tendências de 1984/85 e, inclusive, à Conferência de 1988.
Por exemplo, e não poderia ser de outra forma, pelo menos historicamente, a
crença fundamental dos advogados está na adesão à lei posta, positiva, no seu cumprimento
pelos cidadãos e pelas autoridades, na realização de seu pressuposto ético, moral ou
cultural, nas idéias ou ideologia que consagra. O seu efeito na transformação social é
conseqüência de seu cumprimento por todos, e não propriamente uma ação interventiva ou
modificativa. O advogado não faz nem cria a lei, ele, interpretando-a na peça judicial,
colabora para sua aplicação pelos tribunais, diferentemente dos órgãos legislativos. Isto não
significa, é claro, que prevaleça uma performance conservadora, mas indica que o seu
processo de alteração legislativa parte do conhecimento interior da norma, mesmo que para
discutir a sua dessintonia social, o seu conhecimento não é um conhecimento
comprometido com rupturas, mas (com “conecturas”), em linguagem mais modesta, infensa
a neologismo, ataduras. Esta singular situação dificulta a implementação corporativa de
políticas de ruptura quase sempre, mesmo que de mera adaptação social, exceto, é claro, em
circunstâncias que envolvam a restauração dos pressupostos de sua ordem: Estado de
Direito.
6.3. O Direito e o Desenvolvimento como provocação jurídica
A temática específica da IV Conferência sobre Ordenamento Jurídico do
Desenvolvimento Nacional, que diferentemente de todas as demais Conferências, inclusive
posteriores, concentrou-se na seguinte organização temática:
1ª Comissão
TESES PALESTRANTES
O Ensino Jurídico e o Desenvolvimento
Nacional
Haroldo Valladão
519
Dimensões da Advocacia num País em
Desenvolvimento
Arnoldo Wald
Missão Ética do Advogado numa Sociedade
em Desenvolvimento
Alberto Gomes da Rocha Azevedo
Humanismo e Técnica do Advogado no
Desenvolvimento Brasileiro
Antônio Carlos Elizalde Osório
2ª Comissão
TESES PALESTRANTES
A Defesa da Vida Humana nas Grandes
Concentrações Urbanas
Adherbal Meira Mattos
Proteção Jurisdicional do Direito numa
Sociedade em Desenvolvimento
Lourival Vilanova
Implicações Jurídicas da Expansão dos
Transportes e Comunicações
Orlando Gomes
Contribuição das Sociedades Plurinacionais
para o Desenvolvimento Econômico e sua
Disciplina Jurídica
João Pedro Gouvêa Vieira
3ª Comissão
TESES PALESTRANTES
Propriedade Industrial e Desenvolvimento Luiz Leonardos
Política Tributária e Desenvolvimento
Nacional
Antônio Roberto Sampaio Dória
Contribuição do Direito Agrário para o
Desenvolvimento Nacional
José Motta Maia
A Política Habitacional e o Processo de
Desenvolvimento Econômico do Brasil
Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva
520
4.ª Comissão
TESES PALESTRANTES
Proteção do Investidor no Mercado de
Capitais
Theófilo Azeredo Santos
Relações Jurídicas e Correção Monetária Otto de Andrade Gil
Direito Social e Desenvolvimento Nacional Edgar Vargas Serra
A Livre Iniciativa e o Desenvolvimento
Sócio-econômico
Modesto Souza Barros Carvalhosa
Aplicação da Cibernética ao Direito e
Administração da Justiça
Carlos Alberto Dunshee de Abranches
Teses Avulsas (coordenação) Gaston Luiz do Rego
Como se verifica do conjunto das teses, não apenas delas participaram
prestigiados juristas brasileiros, como também foram discutidos, originariamente, temas
que vinham adquirindo relevância no contexto das perspectivas do desenvolvimento
nacional. Entre estes temas podemos destacar a própria questão das relações entre o Direito
e o desenvolvimento e os temas específicos de área como: Propriedade Industrial, Direito
Agrário, Direito Habitacional, Mercado de Capitais, Direito Econômico, Direito das
Comunicações, Direitos dos Transportes e outros tantos. Todavia, deve-se destacar, deste
conjunto, que, exceto o pronunciamento de Lourival Villanova, não houve propriamente
uma preocupação como se esperava de se formular uma teoria do direito para o
desenvolvimento, muito embora, haja uma visível preocupação em se estudar o direito
como fenômeno interdisciplinar.
Lourival Villanova, Relator da tese Proteção Jurisdicional dos Direitos numa
Sociedade em Desenvolvimento, que mereceu aprovação, observa com significativa
acuidade intelectual:
O processo do desenvolvimento não justifica restrição à proteção jurisdicional dos
direitos. Não há legitimidade no desenvolvimento que não esteja condicionado pelas
521
linhas do Estado de Direito, com o resguardo permanente dos direitos e garantias
individuais.
837
Neste texto, de aparente simplicidade, estão implícitas duas idéias mater: o
desenvolvimento não é excludente do Direito, ou seja, desenvolver não significa excluir da
proteção jurisdicional os direitos, e, ainda, não é legítimo desenvolver apesar do Estado de
Direito e das garantias individuais.
Estas matrizes de construção teórica, todavia, não integram uma teoria jurídica
do desenvolvimento, mas, apenas, embora seja um grande passo construtivo, entendem que
a legitimidade é pressuposto do desenvolvimento, assim como o Estado de Direito e as
garantias individuais. Por outro lado, todavia, o raciocínio matriciativo de Lourival
Villanova não foge do clássico dualismo legitimidade e legalidade, deixando transparente
que legítimo é o desenvolvimento que se fundamenta ou não fere a legalidade (liberal) ou,
por outro lado, radicalizando na postura, para o jurista pernambucano, toda legalidade é
liberal.
Não há como desconhecer que o discurso de Lourival Vilanova ficou retido nos
parâmetros da ideologia do Estado de Direito, ofereceu menos que sua clássica formação
lógica poderia contribuir. Vários foram os estudos de Lourival Vilanova, que sobreviveram,
e sobrevivem, em que o kelseniano da Universidade Federal de Pernambuco UFPe,
ofereceu excepcionais suportes para a rediscussão da estrutura lógica do comando
legislativo, que, nesta conferência não incentivou, premido pela situação política, para
ceder à lógica ideológica do Estado (liberal) de direito.
838
Este, todavia, não é o exato sentido dos pronunciamentos da IV Conferência,
que, muito embora não tenha se proposto a discutir os fundamentos de legitimidade da
ordem autoritária, nem muito menos os seus fundamentos de legalidade, estabelece como
tema principal a relação legalidade e novos fenômenos econômicos e tecnológicos que
exigem(giam) prescrição normativa. De qualquer forma, o que se discute, como efeito
residual das conferências, é se o pressuposto jurídico do Direito Cibernético, do Direito
837
Cf. Revista da OAB, n. 4, p. 399.
838
VILANOVA, Lourival. Teoria Jurídica da Revolução (anotações à margem de Hans Kelsen). In: As
Tendências Atuais do Direito Público (estudos em homenagem ao professor Afonso Arinos de Melo Franco).
Rio de Janeiro: Forense, 1976.
522
Habitacional, do Direito Agrário, do Mercado de Capitais, do Direito dos Transportes e
Comunicações e, até mesmo, do Direito Econômico, é a epistemologia jurídica liberal.
Neste contexto, como se verifica, estava emergente nas suas manifestações
embrionárias, novas dimensões para os estudos jurídicos, que, de uma forma ou de outra,
representam especiais dimensões do moderno direito, não propriamente em contraponto
com o direito tradicional, mas com ramos novos de sua própria evolução. Estes direitos,
quase todos, evoluíram como estrutura unitária própria, na forma de leis novas dispersas ou
de alteração de dispositivos codificados do Direito Civil, e, muito especialmente, também,
do Direito Administrativo e do Direito Comercial. Na verdade, não se constituíam como
ramos autônomos do conhecimento jurídico, mas indicavam que a ordem jurídica, não
necessariamente precisa estar adstrita à proteção das relações individuais, ou à teoria liberal
do Estado, fora do clássico Direito emergia um novo Direito, que se manifestara, enfim, no
contexto da ordem política autoritária.
Esta questão modernamente tomou novas dimensões e a própria ordem
constitucional de 1988 abriu-se para esta nova e importante vertente do direito: ordem
jurídica não é apenas um reflexo da sociedade ou uma encarnação dos princípios éticos,
mas a Ordem pode ter uma dimensão ético prospectiva, normas que não apenas
institucionalizem princípios, que devam ser conservados, mas, também, e, provavelmente,
uma ética que vise e pretenda resultados. Aliás, nesta linha, a temática foi mais tarde,
retomada nestas conferências, não menos do que por Vitor Nunes Leal, que, se não evoluiu
na linha de se discutir uma teoria jurídica do desenvolvimento reconheceu a necessidade de
se identificar os novos patamares da formação jurídica para resguardar o próprio direito
como princípio organizativo.
839
Na verdade, este grande achado de Max Weber,
840
extensamente desenvolvido
em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
841
abriu para a sociedade moderna esta
839
Ver Capítulo VIII, item 8.1.
840
WEBER, Max Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. (Trad. Regis Barbosa e
Karen Elsa Barbosa) Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 1991e Ver, também, COHN, Gabriel.
Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1999. Ver, especialmente Capítulo VII, onde estão suas
clássicas observações sobre a sociologia jurídica como fundamento hermenêutico do direito moderno, p. 142
e segs que classificam como um dos fundamentos da disciplina.
841
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 6ª ed. São Paulo: Pioneira, 1989. A
primeira parte desta obra foi escrita em 1904 e a segunda em 1905, depois de estudos comparados nos EEUU,
523
caixa de Pandora onde acreditava que toda ética seria uma ética de convicções e, o Direito,
quase nunca mais do que uma construção ética liberal, onde se privilegiava o racionalismo
individualista em detrimento dos resultados (ética de resultados ou oportunidade)
imprescindíveis para se alcançar o bem estar social. É claro, e é verdade, que a IV
Conferência não trouxe, explicitamente para o plenário de advogados este tema, mas,
mesmo nas suas circunstâncias políticas, ela abriu um novo espaço discursivo á questão dos
novos direitos, que foi retomado pela Constituição de 1988, inclusive ampliadamente, sem
que prejudicasse o cerne de sua contribuição criativa para o Estado democrático de direito e
a proteção dos direitos humanos como fundamento existencial dos direitos individuais,
existenciais e sociais fundamentais, dos direitos sociais, coletivos e difusos
842
o que não
ficou de todo explicitado nos propósitos de contribuição constituinte da OAB.
843
Neste sentido, se o temário da IV Conferência sucumbiu à discussão
desenvolvimentista autoritária, não há que se desconhecer, que, por outro lado, ela foi
precursora no enfrentamento do tema desafiante da modernidade: o direito ao
desenvolvimento, que, de certa forma, foge dos padrões liberais clássicos da dogmática
jurídica como uma construção hermenêutica romanista para ceder os espaços ao
conhecimento interdisciplinar como uma construção zetética, na feliz expressão de Tércio
Sampaio Ferraz Jr.
844
Neste sentido, o tempo histórico tem suas hiperbólicas lições, para,
efetivamente, demonstrar, por um lado, os limites do Estado de Direito como limites de
alcance democrático, e, por outro lado, para verificar os limites da dogmática jurídica para
reconhecer as aberturas lógicas essenciais ao processo de mudança social e à efetividade
dos direitos humanos.
sobre a influência da ética religiosa de seitas ascéticas puritanas para o desenvolvimento econômico
capitalista. De certa forma, este seu livro é uma contestação ao economicismo marxista fortalecendo o efeito
do idealismo ético sobre a vida econômica.
842
Ver Constituição art. 5º
843
Ver cap. X, item 2.1. e cap. XI, item 9 desta Tese.
844
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A Reforma do Ensino Jurídico. In: Cadernos da PUC. Rio de Janeiro,
1974. Ver, também, O Ensino Dogmático e o Ensino Zetético. In: Tribuna da Imprensa, ano 1, nº 4, 1973
(Encarte). Ver, também, de BASTOS, Aurélio Wander. Pensar e Saber, Novos Rumos do Ensino Jurídico no
Brasil. In: Legislação Brasileira sobre Ensino Jurídico (org. José Ribamar Garcia e Vitor Marcelo
Rodrigues). OAB/RJ, 2004, pp. 16 a 24.
524
Finalmente, não há como desconhecer, por um lado, que não quiseram os
organizadores da Conferência colocar em pauta o ideário profissional dos advogados e as
sucessivas expectativas de extensão de seus direitos, assim como, a correlação dos
pressupostos ideológicos que tradicionalmente presidiram o ideário e o desenvolvimento.
De qualquer forma, não tendo a conferência fortalecido o seu substrato teórico, deixou,
mesmo que em tímida manifestação de Lourival Villanova, que se reconhece no clássico
Estado de Direito a legitimidade necessária e imprescindível ao desenvolvimento.
7 – Os Pronunciamentos de São Paulo: contrastes e confrontos
Na sessão solene de encerramento, o Presidente Laudo de Almeida Camargo
fez o seguinte pronunciamento, que, se não traduz, exatamente, o propósito da
imprescindível defesa dos preceitos constitucionais da ordem jurídica, do direito e da
liberdade, contribuindo para a reflexão sobre um ordenamento jurídico do desenvolvimento
nacional.
Com efeito, a arte de advogar é, de todas, talvez, a mais nobre, a mais humana, a mais
complexa, a mais exigente, a mais perigosa, porque nela como em nenhuma outra
preleva a tudo o homem. Realmente é a mais nobre, eis que se propõe vindicar o direito
e a liberdade. É a mais humana, posto se condensar, em seu objeto, quase sempre, o
sofrimento alheio, que o advogado lutará por dar fim. É a mais complexa, por exigir
saber, habilidade, erudição, idealismo, conhecimentos os mais diversos, sendo, ao
mesmo tempo, técnica e sacerdócio. É a mais exigente, porque exige, de quem a ela se
entrega, dedicação total e exclusiva, absorvendo-lhe todas as faculdades e energias,
todo o espírito e toda a força do corpo. É a mais perigosa também, porquanto sujeita o
advogado à incompreensão e á ingratidão geral, quando não, a por em risco a própria
vida. Eis a razão de ser conferida, ao homem em si, a primazia da arte da advocacia, e
que jamais encarnará a figura ideal do advogado, mesmo que seja adestrado, erudito e
culto, se lhe faltar caráter, no excelso sentido pleno da personalidade. O tema escolhido
para esta IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil disse claramente
de nossos propósitos. Na justificativa de suas próprias finalidades, ficou registrado que,
entre as funções de nossa entidade, é das mais relevantes – tanto que abre o enunciado
de sua competência legal - a defesa da ordem jurídica, que se traduz na preservação
dos princípios constitucionais, no zelo pela boa aplicação das leis e rápida
administração da justiça e na contribuição para o aperfeiçoamento das instituições. E
foi para bem cumprir essa missão que a Ordem convocou os advogados de todo o
Brasil, atenta ao debate de temas palpitantes e de atual interesse, relacionados com a
idéia inspiradora do conclave: o Ordenamento Jurídico do Desenvolvimento Nacional.
Como prevíramos, do encontro resultaram valiosas sugestões para a estruturação legal
do desenvolvimento, como das concentrações anteriores resultaram profícuas, a seus
525
respectivos objetivos, as indicações então aprovadas. Concretizamos, sem dúvida, mais
um sério esforço em prol da causa pública. A nossa contribuição foi franca e honesta,
valendo pelo cumprimento do dever. Certíssimo, afinal, o nosso entendimento de que só
dentro da ordem jurídica é que é possível o desenvolvimento que tanto almejamos para
a Nação brasileira. E que a integração não é um bem em si mesma, é meio, é
instrumental para o progresso, pois o homem tem que ser o sujeito e o fim de todos os
nossos cuidados e de todas as nossas atividades.
845
Na verdade, este pronunciamento de Laudo de Almeida Camargo, foi uma
discussão conceptiva entre os ideais jurídicos clássicos e o contexto de seus compromissos
circunstanciais. Traduzem, todavia, este flagrante dilema entre a viabilização do
desenvolvimento e as tradicionais limitações dos mecanismos de reflexão jurídica, mais
graves, ainda, nestas circunstâncias, premidos pela ordem autoritária. De qualquer forma, o
pronunciamento demonstra esta inquestionável discussão sobre a historicidade atávica da
dogmática, enquanto reflexão recorrente, e a interdisciplinariedade aberta da zetética,
enquanto reflexão engajada e comprometida.
O quadro perceptivo deste contraste não impede, todavia, que algumas moções
viessem a ser aprovadas procurando reafirmar a importância de alguns institutos jurídicos
imprescindíveis à defesa dos direitos individuais. Assim, por exemplo, na sessão plenária,
foi aprovada relevante Moção de autoria do advogado J.B. Vianna de Moraes e outros, no
sentido de restauração do instituto do Habeas Corpus.
846
Ainda na IV Conferência, foi
firmada, pelos Presidentes das Seccionais presentes, Mensagem dos Advogados Brasileiros
em Favor do Estado de Direito, que, entre outras, declarava a imperiosa necessidade de
que o progresso econômico e social se faça de conformidade com os princípios do Estado
de Direito e o respeito aos direitos fundamentais do homem.
847
Ainda, neste contexto, o Conselheiro Dr. Samuel Duarte, que também se
manifestou na sessão, procurou limitar a dramaticidade da situação visibilizando melhor a
sua compreensão dilemática, com o seguinte pronunciamento extratado:
Como instituição e como órgão de classe, a Ordem está em dia com seus compromissos.
Desde a cobertura dos interesses da profissão, a defesa de suas prerrogativas, o zelo
845
Anais da IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. São Paulo, 1974.
846
Cfr. Revista da OAB – nº 4, p. 412.
847
Cfr. Revista da OAB – nº 6, pp. 335/336.
526
pela ordem jurídica, desde sua participação nas iniciativas ligadas ao aprimoramento
das normas legais; o interesse pela renovação de estruturas e métodos de nossa vida
jurídica, a Ordem marca sua presença na sociedade brasileira, em posições definidas.
Ao encerrar-se a IV Conferência, já não se duvida do significado de sua contribuição ao
progresso técnico e ao desenvolvimento de nossas instituições. (...) Num mundo
submetido a vertiginosas transformações, o imobilismo não tem vez. As idéias voam com
a velocidade das aquisições da técnica. Cabe ao Direito, como processo de adaptação,
descobrir as fórmulas capazes de dar expressão a esse dinamismo. Fácil é perceber a
importância das decisões assumidas pela técnica jurídica ante a interpretação dos
mercados. De uns para outros continentes, multiplicam-se os problemas da
racionalização de um comércio que se projeta sobre as fronteiras nacionais de cada
comunidade. Dia a dia, esses problemas levantam interrogações e desafios, suscitando a
tendência assinalada pelos sociólogos, de se organizar a sociedade humana sobre áreas
geográficas cada vez maiores. Nesse contexto, salientam-se as afinidades entre o
desenvolvimento e a tranqüilidade, como fruto da proteção jurídica. É nas lições de
História que a liderança autêntica vai buscar as inspirações do seu proceder. Cabe
assim exercer aquelas opções que elegeram o processo democrático a partir do uso de
seus métodos, pela certeza de que somente a prática desses métodos realiza o destino
melhor da comunidade. Porque a ordem jurídica não se concilia com a utilização
indefinida de instrumentos que importam na sua negação. Quando nos reunimos para
debater matérias de roteiro profissional, fugimos, por força de nosso Estatuto, a
controvérsias de natureza política. Todavia, a abordagem de um problema como o das
relações entre a conjuntura nacional e a vida do Direito não incide na censura que
afasta de nosso ambiente os atritos partidários. Cogitamos, sim, de apontar os rumos de
uma conduta que interessa ao País, no jogo das instituições fundamentais. Nada mais
coerente com as tradições brasileiras do que proclamar as reivindicações primárias de
uma sociedade aberta. Deixar que essa sociedade procure os caminhos de seu convívio,
baseado no respeito aos direitos da pessoa humana, é a tendência natural dos povos
ocidentais identificados com a ideologia democrática. Está no fundo de nossas
consciências aquele conceito de Rui Barbosa, segundo o qual "somente onde a unidade
humana for livre, a coletividade pode ser consciente". Se a liberdade carrega valores
em função dos modernos deveres do Estado, o intervencionismo, limitando iniciativas,
justifica-se naquelas áreas em que as autênticas liberdades dependem dessas limitações
para sua sobrevivência. Essa temática envolve os diversos aspectos em que a presença
do Poder atua como segurança a uma ordem social mais justa, desde que a verdadeira
liberdade é aliada da justiça. Na ordem econômica, o liberalismo clássico cedeu o
passo à arbitragem do Poder Público, sob a forma de uma atividade de equilíbrio e
eliminação do darwinismo na concorrência dos interesses materiais. Mas essa atividade
limitadora não se transfere para o terreno em que se devem expandir o pensamento e as
faculdades inerentes ao homem como unidade social integradora. Pois o homem não
representa um número nem um dispositivo obediente e rígido de uma máquina
conduzida por forças invisíveis. Está soando a hora de posições conseqüentes, para a
nossa classe. Instrumentos legais ultrapassados reclamam revisão, pela necessidade de
se moldarem outras estruturas, em respostas às mudanças do nosso tempo. Auscultar as
tendências; investigar os fatores de uma evolução cheia de surpresas; descobrir os
rumos adequados ao tipo de nossa comunidade em trânsito da fase agrária para a etapa
industrial; conciliar os interesses do sistema político com as exigências da segurança e
do bem-estar; refundir os padrões do convívio jurídico; oferecer à dinâmica dos
Poderes a capacidade de realizar suas tarefas, sem convertê-los em instâncias rivais;
afastar o tradicionalismo unitário das formas processuais, imposto a regiões, onde se
disseminam, em graus de extrema diversidade, 90 milhões de brasileiros; libertar o
Judiciário dos defeitos de uma organização anacrônica; colocar ao alcance de todas as
classes o poder jurisdicional do Estado, cujo serviço atinge somente os que podem
desembolsar fartos recursos; humanizar a Lei, a fim de que a Justiça não seja a definida
pelo autor de Crainquebille; valorizar o trabalho sem a exaltação de certas categorias
em detrimento de outras igualmente valiosas no tecido das relações do grupo nacional;
527
desafogar os trabalhadores e a classe média de uma tributação dia a dia mais onerosa;
retirar às empresas de utilidade pública o privilégio de impor unilateralmente
obrigações ao usuário em moldes que contradizem as finalidades específicas de cada
serviço, numa ânsia de faturar, sem ver as repercussões sociais dessas imposições;
oferecer ao ensino a aptidão de atrair os jovens e transformar a Universidade em centro
dinâmico onde os compromissos da ciência se situem em plano sobranceiro ao
sectarismo ideológico e ao carrancismo; eis um itinerário árduo, é certo, mas
construtivo, em harmonia com que o País espera de todos. Rendo, neste ensejo, uma
homenagem ao advogado brasileiro que, expondo-se aos riscos da incompreensão,
cumpre religiosamente os compromissos de seu status profissional, em observância aos
princípios da ética e aos mandamentos da ordem jurídica. Cabe aqui uma observação:
enganam-se os que supõem conduzir os problemas da disciplina legal, sem o
assessoramento dos juristas, colocados em suspeição por ótica deformada. Instâncias
prisioneiras de recintos fechados, sem o contato das realidades do dia a dia, afastam a
visão objetiva desses profissionais que, de campo neutro, alcançam o horizonte global
das experiências. Nos setores em que deve falar o jurista habituado ao debate com
empresários, administradores e juízes, interfere, predominantemente a lição do assessor
especializado noutras técnicas. Quando um dia os fatos falarem por si, será a vez de
recuperar-se o que se perdeu, por força dos equívocos cometidos nessa área. E não é
sem tempo. Meus senhores: uma palavra sobre as grandes tarefas que aguardam o
Poder Legislativo em face dos novos Códigos. É todo um movimento de reformulação
visando colocar o País na rota de um desenvolvimento a que não falte uma disciplina
legal modernizada. Para isso, não basta entregar a votações apressadas o que já se fez.
O que se fez, a despeito da categoria dos encarregados da elaboração dos anteprojetos,
merece cuidadoso exame, com a participação de quantos estejam em condições de depor
sobre os novos Códigos. Tal participação condiz com a índole de estruturas
endereçadas a relações de grave interesse, no palco em que atua o nosso grupo
nacional, agitado por problemas de ampla envergadura. Nosso itinerário transcende o
horizonte dos êxitos materiais. Nele se insere um compromisso com os valores
essenciais da civilização. Se nos faltasse essa chama interior, nossa herança histórica
sofreria todos os riscos. Quando sobre essa herança se projetam sombras, ameaças,
violências, normas positivas estão dominando contra as inspirações do Direito Natural,
reflexo da Lei Eterna, segundo professa São Tomás. A lição de Heller é sábia: há no
processo histórico-sociológico certas "constantes", por mais que se tente inovar nas
fórmulas do convívio político. Uma dessas constantes é a existência de uma ordem
normativa que estrutura a sociedade; outra, é a valorização da autoridade na medida
em que realiza o fim intrínseco a todo grupo social, que é obter o bem comum. Nesse
rumo, as palavras importam menos que as ações. Por vezes mesmo a palavra desserve
aos princípios, por efeito de uma semântica sinuosa. O Direito reage pela precisão de
suas fórmulas. Com a clareza de sua terminologia. Por sua consangüinidade com a
Ética. É no Estado de Direito que a Sociedade encontra as garantias de um
desenvolvimento sem sobressaltos, utilizando os melhores métodos para superar as
crises, transigindo sem desonra, surda às sugestões da força mal dirigida, temerosa de
seus próprios excessos.
848
Neste sentido, os dois pronunciamentos finais traduzem o projeto da nova
ordem política para as relações que se pretendem entre o Direito e o Desenvolvimento.
Fundamentalmente, o que se pretendeu foi buscar os indicativos do desenvolvimento à luz
do Direito, o que foge, pelo menos em tese, dos parâmetros tradicionais da formação
848
Anais da IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. São Paulo, 1970.
528
jurídica, mesmo da formação acadêmica, o que não significa, que, no tempo, o tema tenha
sido repensado, é claro, nas dimensões da nova abertura constitucional. Ambos os
pronunciamentos são significativamente cautelosos e traduzem a prudência que exigiam os
tempos, esclarecendo-se, que, para Laudo de Almeida Camargo, somente dentro da ordem
jurídica é possível o desenvolvimento, posição da qual não foge Samuel Duarte afirmando
que é no Estado de Direito que a sociedade encontra as garantias de um desenvolvimento
sem sobressaltos (...). É claro que estas posturas, como se verifica, deixa em aberto uma
especial discussão: a ordem jurídica sempre traduz o Estado de Direito, se o faz, Laudo
Camargo e Samuel Duarte estão juntos, se não o faz, nem sempre a ordem jurídica é um
Estado de Direito.
Para Laudo de Almeida Camargo as funções da OAB devem se definir na
defesa da ordem jurídica, que se traduz na preservação das leis e rápida aplicação da
justiça e na contribuição para o aperfeiçoamento das instituições e, para Samuel Duarte, é
no Estado de Direito que a sociedade encontra as garantias de um desenvolvimento sem
sobressalto (...), deixando-se reconhecer, mesmo que o faça paradoxalmente da perspectiva
escolástica citando, Tomas de Aquino, e da perspectiva sociológica, citando Herman
Heller, o continuum dos institutos imanentes ao Estado de Direito. Ambos concentram-se,
todavia, na questão do direito e do desenvolvimento nacional, impossível de se reconhecer
senão como uma reversão da discussão jurídica clássica que afeta o quadro da formação
jurídica tradicional, ainda infenso a uma avaliação teórica mais profunda.
849
O opinamento de Samuel Duarte, procura, na verdade, recuperar sendo
propriamente teoria jurídica clássica os clássicos institutos jurídicos como institutos
imprescindíveis do desenvolvimento, evitando, da mesma forma, o aprofundamento de
posicionamentos de contrastes. Genericamente, o orador abre novos veios para a discussão
jurídica, tais como a organização da sociedade humana em maiores espaços de integração,
mas reconhece, ante as circunstâncias do mundo moderno, a necessidade de se buscar
alternativas aos instrumentos jurídicos tradicionais e, antevendo, segundo ele, na leitura
sociológica, as políticas globalizantes e de se rever instrumentos legais ultrapassados, o
849
Ata da 1309ª Sessão da 44ª Reunião Extraordinária da CF. OAB, de 10 de maio de 1974, informa que na
reta final da gestão de Laudo Camargo foi pesquisador editado. O Decreto nº 69.700/72, sobre Lei Orgânica
de Profissionais Liberais, enquadrando a OAB, mas tudo indica que o decreto não teve sucesso e eficácia.
529
esvaziamento do liberalismo na ordem econômica e os novos espaços interventivos do
poder público, a necessidade de se libertar o Poder Judiciário dos defeitos de uma
organização anacrônica e também de se transformar a Universidade em um centro que
coloque a ciência em plano “sobranceiro” ao sectarismo ideológico e do carrancismo,
apontando para o país a rota de um desenvolvimento a que não falte uma disciplina legal
modernizadora, e, finalmente, a necessidade de se reconhecer que é no Estado de Direito
que estão as garantias do desenvolvimento sem sobressaltos.
O pronunciamento de Samuel Duarte, ainda mais extensivo que o de Laudo de
Almeida Camargo, traduz numa dimensão mais aberta às idéias discutidas nesta diferencial
Conferência que pretendeu inverter senão os princípios do próprio Direito, ressaltando-lhe a
dimensão de seus compromissos com o desenvolvimento, pioneiramente indicando a
necessidade de se incentivar novas políticas de integração regional e internacional sem
romper com os pressupostos do Estado de Direito, porém reconhecendo a fragilidade do
liberalismo clássico e o imprescindível arbitramento do poder público. Naquele momento
histórico, é claro, todos estes postulados guardavam entre si uma grande confusão,
demonstrando as insuficiências da discussão teórica sobre esta correlação entre direito e
desenvolvimento, o que não impede de se fazer diagnóstico semelhante sobre os próprios
clássicos fundamentos epistemológicos do direito como fundamento dos direitos humanos.
Esta Conferência, todavia, foi um marco diferencial na história das
conferências, uma variante no contexto evolutivo da formação e definição de uma ideologia
corporativa dos advogados, tradicionalmente comprometida com os direitos individuais no
contexto do racionalismo liberal. Por outro lado, a Conferencia permitiu, após os insucessos
da III Conferência, não apenas verificar a fragilidade teórica do racionalismo liberal e do
próprio Estado de Direito para garantir, não apenas os direitos humanos, mas os direitos
individuais, num quadro de desenvolvimento com segurança.
A história moderna não indica grandes disponibilidades jurídicas para estes
projetos de desenvolvimento ao contrário da ostensiva adesão aos projetos sobre direitos
humanos procurando reconhecê-los, sempre no âmbito do desenvolvimento autoritário sem
rupturas, senão com a ordem legal, com o Estado de Direito, que, aliás, não tem sido tema
de preocupação ostensiva dos congressos da OAB, aliás quem sabe pela natureza muito
política da questão. O que lhe prejudica na requalificação ideológica. Este fenômeno se
530
manifestou na arrancada desenvolvimentista dos últimos anos de 1930/40 e, até mesmo, nas
iniciativas dos anos iniciais de 1950/60, reconhecendo-se o interregno de Juscelino que
ainda governou com a máquina do estado getulista. Diferente não foi o fenômeno
desenvolvimentista que se prolongou ao milagre econômico dos anos de 1970/80, com a
participação integrada dos militares e tecnocratas (e juristas) que, não propriamente, se
envolveram nos projetos da OAB.
Aliás, esta questão do envolvimento dos juristas (mais do que os advogados)
com os projetos autoritários de estado e o conseqüente intervencionismo
desenvolvimentista é uma questão teoricamente aberta em nossa literatura (e na literatura
internacional). É bem verdade, que, sempre, são ressaltadas as situações de colaboração
pessoal, embora, também, a resistência das personalidades, no Brasil, tanto nos anos 30
como nos anos de 1960, aliás ambas as situações, embora aparentemente paradoxais,
marcadas pelo papel de Francisco Campos, quase nunca das entidades corporativas ou
associadas. Este fenômeno, todavia, mais demonstra, em todas estas datas históricas,
também, visíveis nos anos 30 europeus, a capacidade do pensamento autoritário permear o
Estado de Direito, mesmo o Estado social, como aconteceu na Alemanha de Weimar (1919
e anos seguintes).
850
De qualquer forma, este é um trágico dilema das sociedades em
desenvolvimento imerso na periferia da sociedade global ou condicionado a romper o cerco
dos estados coloniais ou imperialistas ou mesmo consolidar os estados nacionais. As nações
centrais, todavia, consolidadas no seu poderio, muito pouco sofrem da compreensão
autoritária sobrevivendo o seu estilo em razoáveis condições racionais liberais, quase
sempre impossível dos estados periféricos na expectativa de desenvolver.
O desenvolvimentismo que se pretendeu viesse a ser implementada pelo
Conselho Federal da OAB em 1970, não obteve resultados mais efetivos, mesmo porque,
como o tempo demonstrou, o projeto de autoritarismo desenvolvimentista pretendia
mesmo, como veio a ocorrer, suspender a autonomia autárquica da OAB para subordiná-la
850
Recentemente a literatura tem divulgado depoimentos e memórias autobiográficas desta personalidade,
sendo conveniente relatar o histórico confronto entre Hans Kelsen (1881/1973) e Carl Schmitt (1888/1985)
nos momentos que antecedem à Constituição de Weimar e que antecedeu a 2ª Guerra. B
ASTOS, Aurélio
Wander (tradução e adaptação). Hans Kelsen – Resumo Biográfico 1881-1973. 2ª ed. Rio de Janeiro: PqJuris,
2005.
531
ao poder público restaurando o modelo corporativo de 1930/32. Efetivamente a reversão
temática não eliminou o intervencionismo militar que unilateralmente, em futuro próximo,
subordinaram a OAB ao poder público, contrariando a conquista histórica dos liberais
democratas seus aliados em 1945, com a reconstitucionalização em 1954, com a morte de
Getúlio, em 1955 na tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek, em 1961, com a
imposição parlamentarista a João Goulart e em 1964 com a dita “revolução”.
O quadro evolutivo da IV Conferência mostra, exatamente, que ela estava
dissociada da linha discursiva da III Conferência, comprometida com a questão temática
dos direitos humanos, pressuposto de observação da ordem autoritária em processo de
instalação apesar do seu constrangido recuo final, que, mesmo no quadro das resistências
circunstanciais, sucumbiu às forças impositivas do Ato Institucional nº 5, editado no dia 13
de dezembro de 1968, data de seu encerramento. A V Conferência se realizou no Rio de
Janeiro entre os dias 11 e 16 de agosto de 1974, 4 (quatro) anos após, e não 2 (dois) como
no planejamento costumeiro, após a realização da IV Conferência, em 1970, em São Paulo
sob a presidência do Conselheiro José Ribeiro de Castro Filho, teve um alto significado na
linha de reconfirmação das tendências de um compromisso mais denso e mais robusto com
a questão do Estado de Direito e as novas dimensões das expectativas jurídicas da
sociedade.
A V Conferência, como veremos, procurou retomar o projeto de proteger as
garantias individuais racionais liberais, mas, também, abriu importantes espaços
substantivos para a discussão dos direitos da pessoa humana, apenas na requalificação de
seus direitos individuais interiores, imprescindíveis à sua convivência e sobrevivência
pessoal, mas, também, começou a incentivar os debates de uma gama de mecanismos que
permitiram uma compreensão jurídica mais aberta dos direitos sociais, na forma de
conquistas anteriores, coletivos e difusos, no contexto de um Estado de Direito de novo
tipo, comprometido com os padrões, também, democráticos de organização.
A V Conferência procurou, exatamente, retomar este projeto após o insucesso
temático imediato da IV Conferência e, muito especialmente, as sucessivas incursões do
governo autoritário no “curso” das atividades regulares da OAB e da atividade profissional
de muitos advogados. Nestes especiais momentos de transição ou consolidação autoritária
os limites entre a repressão e a defesa de direitos individuais, politicamente ameaçados, os
532
suportes liberais-democráticos do Estado de Direito, tornam-se tênues e frágeis, assim
como, tornam-se tênues e frágeis as prerrogativas e os direitos dos advogados.
Finalmente, dentre tantas razões, mas por esta especialmente, a OAB, enquanto
corporação, não assumiu no projeto desenvolvimentista e, nem muito menos, renunciou ao
seu ideário estatutário referencial, optando, por contribuir para o projeto de
restabelecimento do Estado de Direito e da democracia, que, no tempo histórico, projetou-
se, na defesa dos direitos humanos como nova abertura conceptiva da proteção existencial
aos direitos e garantias individuais e dos direitos coletivos e difusos, a princípio, pelo
menos, como abertura dos direitos sociais, que influenciarão decisivamente na sua
reformatação ideológica.
Conclusão
Este Capítulo, que, na sua primeira parte, essencialmente, se concentrou no
estudo das flutuações internas da OAB nos períodos que antecederam e sucederam à III
Conferência, na sua segunda parte analisa a IV Conferência no seu esforço de incentivar o
tema alternativo à tradição dos advogados: o direito e o desenvolvimento. Na primeira parte
do Capítulo, demonstra-se, exatamente, que a resposta do governo militar às discussões da
OAB, na III Conferência, sobre uma política de direitos humanos, foi a edição do Ato
Institucional nº 5/68, assinado, por um dos seus principais autores L. A. da Gama e Filho,
que estivera presente à Conferência e a presidir na sua abertura no salão nobre da
Faculdade de Direito do Recife UFP e, a que passara a sediar a mais antiga Academia de
Direito, fundada, juntamente, com a Academia de São Paulo, em 1827. Por outro lado, a
palestra de abertura da IV Conferência foi pronunciada pelo então Ministro da Justiça,
Alfredo Buzaid, que, mais se destacou, pelos seus trabalhos sobre o novo Código de
Processo Civil (que veio a ser editado em 1973), e outros documentos legislativos
importantes, que pela abertura compreensiva do tema da Conferência.
Na verdade, a radicalização revolucionária, tomada, por um lado, pelas
preocupações repressivas, e, por outro, pela obsessão do crescimento econômico, não
533
deixou espaços para o bilateralismo jurídico, que geralmente, busca convergir o universo
dos interesses, prevalecendo as decisões autocráticas que sustentavam as práticas
repressivas e direcionavam o processo de acumulação de riquezas. De qualquer forma,
mesmo neste quadro de recuo, não há como desconhecer, o esforço temático de ambas as
conferências e a habilidade discursiva dos palestrantes no tratamento dos delicadíssimos
temas transformados pelas circunstâncias políticas em temas de estado.
O tempo histórico, todavia, demonstrou que o tema dos direitos humanos
permearia a dinâmica da vida jurídica dos anos que prenunciariam a abertura democrática,
contribuindo para que se destacassem no cenário jurídico personalidades como Sobral
Pinto, assim como o tema do direito e desenvolvimento, mesmo, ainda, sem que o
subsidiasse uma teoria jurídica do desenvolvimento patrocinou a discussão pioneira dos
novos direitos que têm influenciado a organização do Estado moderno.
Lamentavelmente, se a III Conferência ficou, todavia, marcada pelo impacto do
Ato nº 5/68, editado nos momentos finais de seu encerramento, e da IV Conferência,
mesmo com seu projeto de acomodação, não conseguiu impedir, que, imediatamente após,
viesse a OAB a ser subordinada ao Ministério do Trabalho, numa tentativa de se restaurar o
modelo de seus primeiros regulamentos, somente rompida em 1986, na antevéspera da
Constituinte, no governo de transição de José Sarney.
851
Os anos que se seguiram,
especialmente as sucessivas conferências, vão exatamente demonstrar que estava aberto o
período de confronto de idéias propositivas, de sugestões para a retomada do Estado de
Direito e, muito especialmente de refundação da ideologia jurídica.
851
Ver Decreto n°. 9.3617, de 21 de novembro de 1986, e nota 89 do Capítulo seguinte.
534
CAPÍTULO VIII
OS ADVOGADOS E OS DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DE SEGURANÇA NACIONAL
Introdução
Este Capítulo estuda um dos mais conturbados períodos da OAB, em primeiro
lugar porque a Ordem dos Advogados buscou retomar a discussão da proteção dos direitos
humanos, bloqueada, respectivamente com o Ato nº 5/68 e a Emenda nº 1/69, e, em
segundo lugar, porque o poder central autoritário reagiu, ao nível da violência repressiva e
institucional, vinculando a OAB ao Ministério do Trabalho. Definitivamente, os militares
não queriam uma convivência equilibrada com a OAB e, da mesma forma a OAB procurou
demonstrar que não cederia ao seu projeto de autonomia profissional como suporte das
ações pelo Estado de Direito e defesa dos direitos humanos, como veremos neste Capítulo,
estudando a V e VI conferências.
De qualquer forma, mesmo com a violência institucional, que silenciou o
Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana CDDPH e que vinculou a OAB ao
Ministério do Trabalho, a V Conferência, realizada no Rio de Janeiro, em 1974, conseguiu
manter uma temática crítica e aberta, centrada nos direitos humanos, o que, efetivamente, já
não aconteceu na VI Conferência. A VI Conferência, realizada em Salvador, em 1976, no
quadro da radicalização repressiva, ficou na restrita discussão, embora significativa, da
autonomia do advogado e da reforma do Direito positivo, discutindo temas relevantes, sem
conexão direta com a emergente ideologia dos direitos humanos.
O dogmatismo positivista, naquele contexto, demonstrou-se inteiramente
iníquo, mesmo porque reformou a norma positiva na ausência dos parâmetros
constitucionais essenciais e, exatamente, no seu período de mergulho autoritário,
significava renunciar à formação do Estado de Direito. Por outro lado, a temática dos
direitos humanos não será desalojada do contexto formativo da ideologia jurídica em
expansão vindo mesmo a se impor como pressuposto que perpassara todo o futuro projeto
constitucional brasileiro centrado nos direitos humanos.
535
Como veremos, a OAB, premida pelo silêncio do CDDPH, e ameaçada na sua
autonomia, num quadro de radicalização política, apesar da presença de ilustres juristas na
VI Conferência, ficou numa discussão sobre temas voltados para as questões dogmáticas,
difíceis de serem avaliadas, quanto mais de serem criticadas, num quadro constitucional
mutilado por sucessivos atos institucionais e emendas revitalizadoras da proposta política
autoritária de segurança nacional.
1 – Preliminares Históricas
Os fatos que intermediaram a IV e a V Conferências, entre 30 de outubro de
1970 e 11 (a 16) de agosto de 1974, marcaram o aprofundamento da crise institucional que
culminou no desmonte da ordem jurídica (constitucional) com a edição de atos
institucionais (e emendas reparadoras) que agravariam as sucessivas violações, não apenas
dos direitos humanos, mas às próprias prerrogativas (estatutárias) dos advogados. As
conseqüências políticas destes atos inviabilizaram qualquer política de contemporização
entre a OAB e o seu próprio presidente e o Estado autoritário.
A radicalização do confronto, com características de efetiva provocação, num
primeiro momento repercutiu sobre a própria categoria, com a prisão de advogados ligados
ao quotidiano da defesa de presos políticos e, num segundo momento, sobre o próprio
projeto de reeleição do Presidente Laudo de Almeida Camargo, prenunciando que o passo
definitivo seria a restauração da subordinação da OAB aos organismos de Estado. A OAB
entrou numa postura visivelmente defensiva, mergulhando-se no seu quotidiano
administrativo, cessando todas as esperanças de recomposição do pacto de 1964 ou do
simulacro de 1967. Somente no médio prazo, num tempo não inferior a 9/10 (nove/dez)
anos, as diferentes frações internas conseguiram se rearticular para viabilizar um novo
projeto.
O acirramento das violências contra advogados, que marcou o período,
ocorrem, exatamente, com a prisão, e posterior livramento, do Conselheiro Augusto
Sussekind, representante do Paraná no Conselho, o mais antigo militante na advocacia da
536
Justiça Militar no Brasil, Heleno Fragoso, Vice-Presidente do Conselho Seccional da
Guanabara, e o conselheiro George Tavares, expressiva e combativa personalidade. Nesta
ocasião, dada a gravidade e a relevância da situação, o Presidente Laudo de Almeida
Camargo pediu abertura de inquérito, para apurar os fatos (atentatórios à advocacia), no
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, através de representação dirigida ao
Ministro da Justiça Alfredo Buzaid.
852
Da mesma forma, o Presidente do IAB Miguel
Seabra Fagundes encaminhou representação pedindo apuração dos fatos ao CDDPH, na
pessoa do seu Presidente, o Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, onde afirma que atingiu-se
mais do que a pessoa das vítimas, o exercício da advocacia, comprometendo-se o próprio
nome do Brasil.
1.1. A Eleição do Fidalgo
Este conturbado período em que o CDDPH estava acuado frente à prisão
mesma de advogados, em que se confrontou a violência contra advogados e as dificuldades
852
A Ata da 1256º Sessão da 40ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de novembro de 1970 consta a leitura
de ofício do Ministro da Justiça convidando o Presidente da OAB para Sessão do CDDPH a se realizar no dia
27 de novembro de 1970, no gabinete do Rio de Janeiro. Também, nesta sessão da OAB, por outro lado, foi
aprovada a criação do Selo Comemorativo dos 40 (quarenta) anos de criação da OAB, bem como consta
aprovação da iniciativa do Deputado Caruso da Rocha, que assegura entrevista entre o advogado e o preso
incomunicável, desassistido de hábeas corpus. Ata da 1257ª Sessão da 40ª Reunião do CF.OAB de 15 de
dezembro de 1970, imediatamente seguinte, a pretexto de comemoração do centenário do Manifesto
Republicano de 03/12/05 traça longo paralelo sobre a liberdade e a democracia e os compromissos
republicanos contra a violência. Da mesma forma, na 1259ª Sessão da 40ª Reunião Ordinária do CF.OAB de
16 de março de 1971, quando aprova voto de pesar pelo falecimento do Cardeal Jaime de Barros Câmara,
Arcebispo do Rio de Janeiro, realiza pronunciamentos que procuraram relacionar a sua obra e vida à
preservação dos direitos humanos, da liberdade e da justiça social, mostrando o seu empenho na realização
das incíclicas Mater e Magistra e Populorum Progressio. A representação estava apoiada na Lei nº 4319, de
16 de março de 1964 (art. 4º, inc. 13), bem como na violação da Constituição da República (cap. IV do Tit. II)
e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. III, V, VII, IX, X e XI, nº 1) e, ainda na Lei nº 1215,
de 27 de abril de 1963 (Estatuto da Advocacia) (art. 89, inc. I, II, V e VI). A este pedido foram aditados
outros referentes a prisões de advogados em todo o país: Almir Passos, Wilson Barbosa Martins, Mario Edson
Barros, João Pessoa. O requerimento foi seqüenciado de ofícios pela OAB-Paraná, – Londrina, subseção de
Campo Grande, Seccional de São Paulo. Ata da 1244ª Sessão Extraordinária da 40ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 18 de novembro de 1970.
537
para se reaticular a reeleição
853
de Laudo Carmargo, restou visível que a política de
articulação com o poder central estava sem qualquer condição de prosperar, até mesmo
porque o governo autoritário embalava o seu sonho de segurança nacional com
desenvolvimento. O conjunto destes fatores, que ocorreram em fins de 1970, não conseguiu
desmontar (novamente) a candidatura de José Cavalcanti Neves,
854
o “fidalgo
pernambucano”, que permanecera no comando da seccional de Pernambuco por mais 10
(dez) anos e fora o grande articulador da III Conferência, em Recife, mas não tivera, àquela
época, oportunidade eletiva, vencido pelo radicalismo do Ato nº 5/68. Eleito presidente,
José Cavalcanti Neves
855
pronunciou o seguinte discurso, de onde extraímos as seguintes
afirmações, após os compromissos formais:
856
A minha candidatura surgiu, sem dúvida, da retomada e da acentuação do princípio
federativo que plasma a nossa entidade, de uma consciente valorização das bases da
organização, tomadas como critério de escolha. Foram as Seções Estaduais, os quadros
profissionais atuantes desde as mais remotas regiões do País, foram elas, antes de tudo,
que quiseram a oportunidade de ter, na Presidência do Conselho Federal, o
companheiro de lutas cotidianas, em condições de aduzir a contribuição real e vivida do
sentido profissional comum, e de colocar no plano das preocupações da instância mais
alta, a experiência, os problemas e os anseios de advogados de todo o País. (...)
Pensadores e juristas têm se dedicado a indagar e a configurar causas e efeitos de
inusitada inquietude que empolga a atualidade histórica, situando na aguda
convergência dos fatores mais diversos a precipitada mudança de posições e estruturas.
Ainda há pouco, na memorável Conferência da Ordem, em São Paulo, meditamos
longamente sobre as implicações, no corpo social e no fenômeno jurídico, do processo
do desenvolvimento econômico e da progressiva complexidade das descobertas
tecnológicas. Mas, em consonância com esses fenômenos, as modificações espirituais,
que se observam, alteram os motivos e condicionantes da conduta humana. O mundo se
853
A carta do Presidente da Seccional do Rio Grande do Sul, Walter Cintra, sobre a questão que provocou a
renuncia de seus delegados no Conselho Federal, Oto Gil, J. C. Duhá e A. Porto, apoiando José Cavalcanti
Neves, onde consignava já haver sido tomado posição contra reeleição de Laudo Camargo. Carlos Araújo
Lima recordou que fora por ocasião da III Conferência, José Cavalcanti Neves abrira mão de sua candidatura
a favor de Laudo Camargo, não se justificando a repetição do fato.
854
Ata da 1262º Sessão Plenária do CF.OAB de 25 de maio de 1971, informa que José Ccavalcanti Neves
fora Secretário do Interior e Justiça de Pernambuco, Procurador Geral. da Fazenda de Pernambuco após o
golpe e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Ver, também, Ata da 1271ª Sessão
da 41ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1971.
855
Compunham a chapa e foram eleitos Vice-Presidente João Nicolau Mader Gonçalves; Secretário Geral:
Sylvio Curado; Subsecretário: Luis Carlos do Vale Nogueira, Tesoureiro: José Tavares da Cunha Melo. Ver
Ata da 1260ª Sessão de Instalação da 41ª Reunião Ordinária do CF.OAB (Conselho Pleno) de 1º de abril de
1971
856
Ata da 1260ª Sessão de Instalação da 41ª Reunião Ordinária do CF.OAB (Conselho Pleno) de 1º de abril
de 1971
538
divide pelos grandes conflitos ideológicos e os povos amadurecem intelectualmente,
tornando-se exigentes quanto ao valor humano próprio e ao direito de participação nos
benefícios gerais (...) Mas nada disso teria sentido e razão se, acima e além, não
fizéssemos tema de nossa corporação o que é tema dos nossos pleitos como advogados,
isto é, o resguardo dos direitos fundamentais do homem, as garantias da liberdade, da
igualdade e da justiça. Se não estiverem asseguradas essas bases estruturais do Estado
de Direito, será vã a advocacia, será inócuo o órgão de classe dos advogados. Esse
acréscimo de responsabilidade e de participação na vida pública brasileira não é
somente uma decorrência implícita da natureza e das atribuições da ORDEM DOS
ADVOGADOS, pois que ela é também explicitamente convocada, em termos de lei, para
integrar, mediante a participação do Presidente, o Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, órgão inspirado nas mais nobres intenções e rico de potencialidades
de atuação justa e adequada. (...) O funcionamento daquele Conselho interessa,
indiscriminadamente, a todos os cidadãos brasileiros que nele devem ter o instrumento
vigilante que dê o necessário alarme contra todas as formas de opressão e vilipêndio
dos direitos fundamentais do indivíduo. De certo, só a cegueira intelectual e a miopia
política poderiam contestar o interesse do próprio Governo na existência e plena
atuação desse órgão que representa, verdadeiramente, um auxílio inestimável e idôneo
ao Poder Público, na denúncia, no esclarecimento e na punição de abusos que
deturpam, desfiguram e enodoam a dignidade da função pública. Dinamizar,
acentuando os Direitos da Pessoa Humana, na medida em que o permitam as nossas
atribuições e segundo as possibilidades de ação que dela decorrem, significa, a meu ver,
só por si, um programa. Na verdade não é justo que menosprezemos qualquer meio
legítimo de ação para pô-lo a serviço do culto e do primado do Direito. Fugiríamos ao
mais elementar de nosso dever de advogados, de membros deste Conselho Federal, de
Presidente da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, se não caminhássemos
firmemente no sentido das conquistas jurídicas, que não de cada dia, e a cada dia se
renovam, num luta que tem a dimensão e a duração da humanidade.
857
Não propriamente estavam restabelecidas as bases de ação de gestões
anteriores, mas, imediatamente empossado, foi aprovado em Plenário ofício propondo a
plena garantia do exercício das funções dos membros do Poder Judiciário, bem como
fossem comunicadas as prisões ao Poder Judiciário e solicitado o restabelecimento pleno
do hábeas corpus e o livre exercício da profissão de advogado e o eficaz funcionamento do
CDDPH,
858
bem como a revogação das disposições legais que deram à pena de morte
857
Ata da 1260ª Sessão de Instalação da 41ª Reunião Ordinária do CF.OAB (Conselho Pleno) de 1º de abril
de 1971.
858
Na Ata de 1265ª Sessão Plenária do CF.OAB de 27 de julho de 1971, o Presidente do CF.OAB, José
Neves Cavalcanti comunicou que fora ao Encontro sobre Direitos da Pessoa Humana em Porto Alegre.
Consta o ofício do IAB aprovando a proposta do Presidente da OAB de regular o funcionamento do
CDDPH (na 1270º Sessão Plenária Extraordinária do CF.OAB de 16 de novembro de 1971 consta sua
objeção a mudanças na lei que criou a legislação), bem como consta participação do Conselheiro Ivo
D´Aquino como representante do CF.OAB no I Encontro de Faculdades de Direito realizada em Juiz de
Fora, desde 1975 presidido por Álvaro Iglesias, da PUC Campinas (São Paulo). Da Ata da 1268º Sessão
Plenária do CF.OAB de 28 de setembro de 1971, consta que sua primeira parte foi dedicada a
homenagear a memória de Levi Carneiro, falecido no dia 5 de setembro de 1971, com a presença de
várias autoridades, o dr. Cesário Levi Carneiro, Cláudio Levi Carneiro e Belkis Maria Carneiro Coimbra
Bueno, tendo o Ministro do STF J.E. Prado Kelly pronunciado a oração em nome do Conselho Federal.
539
extensão até então inexistente.
859
Estas imediatas indicações reforçam o papel da OAB na
luta pelo retorno à legalidade, assim como, na retomada da luta pela defesa das
prerrogativas estatutárias dos advogados, como já prenunciara o Presidente em seus
pronunciamentos de posse.
860
Ainda na linha de se aproveitar de efemérides para discursos de maior alcance,
H. F. Sobral Pinto pronunciou o seguinte discurso (resumido) em agradecimento à Medalha
Ruy Barbosa que recebeu do Conselho:
861
Esta é a primeira sessão do Conselho Federal a que compareço depois que me foi
entregue, por força da nobre generosidade dos Delegados deste bravo e distinto
Conselho, o PRÊMIO MEDALHA RUY BARBOSA. Sinto-me no dever de agradecer a
este Conselho, aos Delegados de sua escolha, e ao Sr. Presidente, a benemerência de
que fui alvo, apesar de receber, com humildade conformada, o testemunho de minha
consciência, afirmando que não me cabia receber prêmio tão excelente quanto honroso
(...). Não me julgo merecedor de Prêmio tão valioso. Mas, não obstante esta convicção
interior, eu o recebi com agrado, porém sem vaidade, com surpresa, porém sem
orgulho, com senso de responsabilidade, porém com humildade. Nas horas de
hesitação, ante as ameaças dos prepotentes e os riscos inerentes ao patrocínio dos que
respondem com o ódio às investidas poderosas dos que os odeiam, o ideal de Justiça, de
liberdade e de legalidade, que está inscrito na Medalha que oscila sobre o meu respeito,
presa à fita que a sustenta, e que teve em Ruy Barbosa a sua mais alta expressão no
decurso do (sic) Regimem Republicano, reanimará, por certo, as minhas forças
debilitadas, certo de que este Conselho, os seus Delegados e o nosso Presidente estarão,
mais uma vez, a meu lado, para impedir que eu desfaleça na porfia enérgica e vigorosa
por um regimem, que leve cada cidadão brasileiro e cada estrangeiro que reside em
nosso País, a ver e sentir que a vida merece ser vivida, porque o que a anima e a
sustenta é o princípio da dignidade da pessoa humana, que só atua e vigora naquelas
Na mesma data o presidente do Conselho esteve na Escola Superior de Guerra para assistir
palestra do Presidente do STF, Ministro Aliomar Baleeiro, falando também de sua
atuação junto ao
CDDPH. Na 1269ª Sessão Plenária do CF.OAB de 26 de outubro de 1971, voltou a se discutir a perseguição a
advogados na tentativa de se coagidos a revelar segredos profissionais.
859
Ibid.
860
Ibid. Passaram a integrar (ou voltaram ao) o Conselho Federal expressivas figuras da vida jurídica
brasileira que vieram a ter papel relevante tais como Carlos de Araújo Lima (AM), Josophat Marinho (BA),
Carlos Maurício Martins Rodrigues (CE), Evaristo de Morais Filho (DF), Heráclito Sobral Pinto (GB), Caio
Mario da Silva Pereira (MG), Oscar Dias Correa e José Olimpio de Castro Filho (MG), Augusto Sussekind
(PR) e Heleno Fragoso (PR), Jorge Loutt (RJ), Eduardo Seabra Fagundes, José Ribeiro de Castro Filho (GB),
Antenor Bogea (MA), Arioswaldo Campos Pires (MG), Moacyr Belchior (DF), Raymundo Faoro (RS) e os
membros natos: ex-Batonarios Miguel Seabra Fagundes, Provina Cavalcanti e Sammuel Duarte, Haroldo
Valadão, Alberto Barreto de Melo e Clovis Ramalhete (ES). Mais tarde veio a integrar este conselho a
primeira mulher conselheira: Sonia Maria de Oliveira Paredes, delegada seccional do Rio Grande do Sul. Ata
da 1274ª Sessão da 42ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de abril de 1974.
861
Ata da 1272ª Sessão Plenária do CF.OAB de 16 de dezembro de 1971.
540
sociedades em que não é a força que governa os homens, mas a Lei votada e
promulgada pelos representantes de sua escolha em eleições livres e diretas.
O que se verifica, na verdade, é que o Conselho de Direitos da Pessoa Humana
CDDPH estava vivendo os seus mais difíceis e complexos dias, o que repercutia
profundamente nas políticas internas da OAB, seu projeto preferencial desde a passagem
dos anos 60, que mantivera próximos liberais-conservadores, liberais-sociais e, inclusive,
residuais grupos de esquerda. A Lei Bilac Pinto, como instrumento de estado para conter
(eventuais) excessos do poder público, estava comprimida pelo aumento da violência contra
presos políticos e advogados
862
e pela ação repressiva dos poderes instituídos.
O ambiente desfavorável às próprias conquistas tradicionais, apesar das
turbulências da própria instalação do Conselho, provocava efeitos mais deletérios, senão
sobre o Estatuto dos Advogados, sobre a sua prática profissional, com efeitos sobre suas
prerrogativas, no âmbito da defesa dos crimes contra a segurança nacional, e sobre a OAB,
na sua linha de excessos, devidos aos desrespeitos aos fundamentos (inalienáveis) da
dignidade humana. Foi neste contexto que começou a tramitar no Congresso
(politicamente) mutilado o Projeto de Lei de Rui Santos, de alteração do CDDPH, com o
objetivo de, protegendo as pessoas ofendidas pelos excessos da ação repressiva, proteger,
senão apenas os detratores, os agentes que justificavam a ação repressiva com os relatórios
de inconfidências.
2 – O Silêncio do CDDPH
863
O projeto legislativo, de autoria de Ruy Santos, que alterou a Lei do CDDPH de
1964, após várias manifestações contrárias ao seu conteúdo enviadas ao Poderes
Legislativo e Executivo, foi promulgado na forma da Lei nº 5763 de 15 de dezembro de
862
Ata da 1278ª Sessão Plenária do CF.OAB de 25 de julho de 1972 volta a registrar denúncias de prisão de
advogados. Ofícios de 27 do mesmo mês dão notícias de ações junto ao DOI, ex-Operação Bandeirante, sobre
prisões e sucessivos relaxamentos.
863
Ata da 1275ª Sessão Plenária do CF.OAB de 23 de maio de 1972.
541
1971. A nova lei introduziu várias modificações no documento anterior, que
fundamentalmente se concentravam nos seguintes pontos de especial relevância para a
OAB: imposição de sessões sigilosas, alteração da composição do conselho, jeton para
conselheiros e representação majoritária do governo.
O conselho seccional da Guanabara, na evidência de minimização do CDDPH
enviou correspondência ao Presidente do Conselho Federal da OAB.
(...) pugnando [para] que fossem, por Sua Excelência, encontrados meios de se manter
ausente às sessões sigilosas do mencionado colegiado, o qual viera a merecer
pronunciamentos de apoio das Seções dos Estados de São Paulo, do Paraná, do Ceará e
da Bahia, manifestando seu desacordo as Seções de Pernambuco e do Amazonas (...).
864
O Conselheiro Sobral Pinto, apreciando a Lei fez vibrante pronunciamento em
prol da luta pelas liberdades individuais e o Conselheiro (nato) Nehemias Gueiros, lendo,
traçou
...paralelos entre várias nuances do funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana e vários organismos internacionais, inclusive no que concerne ao
sigilo, onde o símile foi por Sua Excelência traçado com os colegiados do Poder
Judiciário e até com este Conselho Federal. [E] acrescentou (...): ‘Entendo mesmo, data
vênia, que o Conselho Federal não tem competência para dizer se o nosso Batonnier,
incumbido por lei de um munis que lhe é pessoalmente atribuído, a ele Presidente –
mesmo que nos fosse lícito, o que contesto, desobedecer à lei (...). Não se falou, na
antiga como na lei nova, em representante do Conselho Federal da O.A.B., como se fez
em ralação ao Ministério das Relações Exteriores e ao Conselho Federal da O.A.B., e
não pode ele, nem deve, submeter-se a conselho, recomendação ou moção de qualquer
natureza deste Conselho Federal ou das Seções locais, que o desvie do cumprimento do
mais elementar dever, que é o de respeito a lei (...). [Acentuando que] as sessões do
C.D.D.P.H. passam a ser, ordinariamente, secretas (...). [esta é a] oportunidade que se
oferece ao representante da classe de conhecer o que pela sua exclusão ou pela omissão
teria de ignorar, omitindo-se, igualmente, nas recomendações e providências que a sua
presença regular terá oportunidade de debater.
865
Usou a palavra naquela mesma ocasião o conselheiro Heleno Cláudio Fragoso:
(...) confessando-se impressionado pelo último argumento do Conselheiro Nato
Nehemias Gueiros, mas do mesmo divergindo quanto aos demais fundamentos de sua
exposição, eis que, a seu juízo, o CDDPH tem se constituído num fracasso no que diz
respeito ao cumprimento de suas altas finalidades, sendo do conhecimento de todos
864
Ata da 1275ª Sessão Plenária do CF.OAB de 23 de maio de 1972.
865
Ibid.
542
quanto militam na advocacia sua total ineficácia no combate às autoridades que violam
a lei executando prisões sem qualquer observância dos preceitos legais, quer de ordem
adjetiva, quer de natureza substantiva, sem qualquer comunicação ao Judiciário, seja
ele civil ou militar (...).
866
Em seguida o Conselheiro Augusto Sussekind declarou-se
... de pleno acordo com toda a situação de fato descrita pelo Conselheiro Heleno
Cláudio Fragoso, mas que divergia [à retirada do Presidente do CDDPH], eis que
entendia dever o Sr. Presidente permanecer como integrante do CDDPH, onde seria
uma sentinela avançada da democracia e do direito, alicerce da verdade quando fosse
escrita a história do citado órgão.
867
O Conselheiro Miguel Seabra Fagundes,
...analisando as comparações formuladas pelo Conselheiro Nato Nehemias Gueiros,
para delas divergir, ressaltando que o conceito de sigilo, in casu, jamais poderia ser
fixado como significando o poder de calar a voz do Sr. Presidente fora do recinto das
sessões do CDDPH. Todavia, concordava com o Conselheiro Nehemias Gueiros em sua
conclusão de que a decisão quanto à permanência ou não do Sr. Presidente como
integrante do citado Conselho era de sua exclusiva competência, se inseria em sua
absoluta soberania de julgamento e ação.
868
O Conselheiro Ivo D´Aquino:
... a investidura do Sr. Presidente como integrante do CDDPH decorria de contingência
personalíssima criada pela lei, que não o fizera mandatário do Conselho Federal,
assemelhando-se tal situação, no âmbito político, à dos Presidentes da Câmara Federal,
do Senado e do Supremo Tribunal, quando chamados à substituição do Presidente da
República. Concordava, portanto, com a tese de que a matéria escapava às atribuições
do Conselho Federal. Seguiu-se com a palavra o Dr. José Ribeiro de Castro Filho,
ilustre Presidente da Seção do Estado da Guanabara, o qual discorreu longamente
sobre o ofício enviado por sua Seção ao Conselho Federal, alinhando casos vários em
que, no seu entender, se patenteara a total ineficiência do CDDPH, onde nem (sic)
sequer se conseguia, como já lembrou o Conselheiro Heleno Cláudio Fragoso, a
informação de quem era o relator deste ou daquele processo ali em andamento.
Entendia o Sr. Presidente da Seção do Estado da Guanabara que, tal como vinha
funcionando, o CDDPH violentava não só os direitos daqueles que o procuravam
clamando por justiça, mas também as prerrogativas dos próprios advogados, e que,
dessa forma, se impunha que a Ordem, por seu Presidente, dele se afastasse.
869
866
Ibid.
867
Ibid.
868
Ibid.
869
Ibid.
543
Finalmente com a palavra o Presidente José Cavalcanti Neves:
...fez detalhada exposição a respeito de seu comparecimento ao Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana após a promulgação da Lei 5.763, de 15.DEZ.1971, e de
seu pensamento no que tange à participação da Ordem dos Advogados do Brasil, por
seu Presidente, no referido Conselho (...). Examinando o problema sobre seus vários
aspectos (...). Findou por afirmar que considerava lamentável a aprovação da Lei
5.763/71, que alterou a composição e cerceou o funcionamento do CDDPH, sendo
louvável a posição contra a sua elaboração, assumida pela Ordem, devendo ser
estimulada qualquer sugestão tendente ao aperfeiçoamento do citado Colegiado, (...)
essa correta posição não deve ser extrapolada a ponto de invadir o terreno em que a
Ordem se encontra jungida ao princípio da legalidade, eis que não é possível
aconselhar ou promover a desobediência à lei, mas sim cumprir o encargo que nela se
impõe, por ser irrecusável, bem como porque o desempenho dessa atribuição não destoa
das altas responsabilidades morais da Ordem, mas representa a continuidade de sua
presença e de sua permanente luta em favor do aprimoramento das instituições
democráticas e das garantias e direitos individuais
.870
Em seguida, o Presidente
(...) fez considerações em torno da carta que havia sido dirigida pelo Conselheiro Clóvis
Ramalhete ao Deputado Geraldo Freire e que havia sido transcrita nos anais do
Congresso e distribuída a todos os Conselheiros, para asseverar que sua não fora a
‘leitura distraída da lei’, nela referida, eis que a norma legal, em textos a cuja leitura
procedeu, se referia expressamente a investigações em torno de violências contra a
pessoa humana e ao desrespeito as suas garantias, como uma das finalidades do
CDDPH, embora sem lhe conferir função judicante ou de autoridade processante.
Pedindo a palavra, o Conselheiro Clovis Ramalhete, elogiando a bravura com que se
tem sempre o Sr. Presidente, Dr. José Cavalcanti , quer no CDDPH, quer onde se tenha
feito necessário a defesa da advocacia, afirmou que não tivera em mente fazer qualquer
agravo a Sua Excelência, mesmo porque tanto equivaleria a agravar o próprio conceito
de justiça. Teceu, a seguir, considerações a respeito do tema em debate, concordando
em que a matéria se situava na soberania do Sr. Presidente, e que, por vários
fundamentos que citou, achava necessária a permanência do Sr. Presidente no
CDDPH.
871
Após os pronunciamentos o Conselheiro Carlos Araújo Lima
...encaminhou à mesa uma proposta escrita, com a qual o Conselho Federal declararia
seu inconformismo com a Lei 5.763, de 1971, pugnaria pelo restabelecimento da
publicidade das sessões do CDDPH como regra e das normas que davam às
representações não governamentais a maioria, permanencendo o Sr. Presidente como
seu interprete, abrindo-se, dessa forma, um crédito de confiança ao CDDPH, mas
conservando-se o Conselho Federal em expectativa, pronto a atender a qualquer
870
Ibid.
871
Ibid.
544
convocação do Sr. Presidente para reexame do assunto, eis que este último não estaria
obrigado a manter sigilo para com a classe dos advogados.
872
Encerrada a discussão: ...o Sr. Presidente colocou em votação a permanência
ou a retirada do Presidente da Ordem do corpo de integrantes do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana.
873
Votaram a favor da permanência 9 (nove) delegações, 5
(cinco) conselheiros natos, houve 2 (duas) abstenções e 2 (duas) delegações votaram contra,
tendo 1 (uma) ausência.
874
Finalmente, lembrou o Presidente
...que no debate havido resultara patente a radical oposição do Conselho ao sigilo
tornado regra na nova lei. Assim sendo, sem prejuízo de sua plena liberdade de opinião
e ação, pedia que o mesmo, por votação, lhe desse seu entendimento quanto a saber se
dito sigilo abrangia ou não as comunicações que, a seu soberano juízo, entendesse
dever fazer a este Conselho Federal. Posta a matéria em votação, entendeu o Conselho
que o sigilo não alcançava as comunicações acima mencionadas.
875
O andamento dos debates e pronunciamentos no Conselho Federal procuram
demonstrar que houve omissão da OAB no acompanhamento e tramitação desta Lei no
Congresso Nacional, mesmo porque, as condições de inverter qualquer inclinação
legislativa eram mínimas, naquele momento, em que o Congresso funcionava mutilado nos
seus poderes. Por outro lado, nestes mesmos extratos, muitas são as indicações de que o
CF.OAB, especialmente, seu Presidente, agiram com cautela preventiva, nos limites de sua
competência, além do que, qualquer omissão teria sido uma omissão em relação ao ideário
da OAB, traduzido, não no Estatuto de 1963, mas no seu projeto legislativo “irmão”, sem
qualquer fundo falso: a Lei Bilac Pinto,
876
um liberal insuscetível de qualquer vinculação
com ideologias alternativas à própria liberal-democracia.
872
Ibid.
873
Ibid.
874
Ibid.
875
Ibid.
876
Ata da 1.278ª Sessão Plenária de 25 de julho de 1972, conta que o Conselheiro Nato Samuel Duarte
solidarizou-se com o Presidente, afirmando que sem prejuízo de continuar nas reuniões do CDDPH, seria
importante pugnar pelo restabelecimento da Lei Bilac Pinto, no que foi acompanhado por Haroldo Valladão.
545
De qualquer forma, as difíceis posições adotadas, muito especialmente, pelo
Presidente da OAB, foram compreendidas pelo Conselho e se explicam pelo princípio da
adesão (liberal-formal) à lei instituída, questionáveis nos fundamentos e na origem, mas
(formalmente) reconhecidos no Estado (formal) de direito. As reações da seccional da
Guanabara, atacadas nas suas políticas e de Heleno Fragoso, e até de Sobral Pinto, que se
absteve na votação, com a sucessiva defesa promovida por Silvio Curado, são incipientes
indicativos da adesão (formal) ao formalismo stricto do Estado de Direito, e de suas
imprescindíveis (e futuras) aberturas substantivas (ideológicas).
O VI Encontro da Diretoria de Presidentes,
877
apreciando a questão da OAB no
CDDPH, que também alcançara o temário da IV Conferência sobre Direito e
Desenvolvimento, publicou (em mimeo) documento onde se pode extrair o seguinte:
(...) considerando que aos advogados compete a defesa da ordem jurídica e da
Constituição da República, entendem de seu dever reafirmar princípios e reiterar
posições, advogando a causa de maior importância para o nosso País, que é a causa do
primado do Direito. Não se verifica a condição primordial para o exercício dos direitos
individuais e o normal funcionamento das instituições democráticas, sem o
restabelecimento das garantias do Poder Judiciário e da plenitude do hábeas corpus,
sendo esta medida imprescindível á harmonia entre a segurança do Estado e os direitos
do indivíduo, na conformidade dos princípios superiores da Justiça. A repressão à
criminalidade – mesmo quando exercitada contra os inimigos políticos – deve fazer-se
sob o império da lei com respeito à integridade física e moral dos presos e com
observância das regras essenciais do direito de defesa, notadamente a comunicação da
prisão à autoridade judiciária competente; o cumprimento dos prazos legais de
incomunicabilidade e sem qualquer restrição ao livre exercício da atividade profissional
do advogado. Não há a mínima razão em que se tenha como necessário o sacrifício dos
princípios jurídicos no altar do desenvolvimento, pois o legítimo progresso econômico e
social só se fará em conformidade com os princípios do Estado de Direito e o respeito
ao direitos fundamentais do homem. Se é verdade que para o desenvolvimento são
indispensáveis paz e segurança, não é menos verdade que não existem tranqüilidade e
paz quando não há liberdade e justiça. Toda a dinâmica da vida nacional e o
funcionamento das instituições deve processar-se sob o crivo do respeito à pessoa
humana, e tanto nas leis como na conduta dos responsáveis é imperativo que se tenham
em contra os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, primado que
os Estados membros da Organização das Nações Unidas, inclusive o Brasil, se
comprometeram a observar, reconhecendo que ‘a dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos, iguais e inalieváveis, é o funcionamento
da Liberdade, da Justiça e da Paz no Mundo’.
878
877
Ata da 1277ª Sessão Plenária do CF.OAB de 20 de junho de 1972.
878
Ata da 1277ª Sessão Plenária do CF.OAB 20 de junho de 1972, transcreve as várias articulações, políticas
e visibilizava os fluxos ideológicos, mas indica, também, que o processo político interno caminhava, senão
para rupturas jurídico-políticas para a definição de um projeto da OAB de oposição ao regime militar e
reconstrução política da ordem constitucional.
546
Estava, por fim, silenciado (formalmente) o CDDPH, que, sobrevivera, de
qualquer forma, desde 1964, senão amordaçado, escusando-se porque não cumpria as suas
finalidades legais. A experiência de funcionamento do CDDPH é a mais evidente
demonstração que o Estado de Segurança Nacional não tinha aberturas para os direitos
humanos e que seu objetivo era buscar o desenvolvimento com o Estado de exceção, mas,
que, o tempo, converteu em repressão pela repressão.
3 – Eleição e Perseguição a Advogados
Os anos que sucederam à gestão de José Cavalcanti Neves na OAB foram anos
de aprofundamento dos conflitos com o poder central e de cerceamento das atividades
corporativas, não apenas no que se refere ao seu projeto de defesa dos direitos humanos,
mas, também de garantia das prerrogativas profissionais dos advogados. Este elo perverso
não impediu, todavia, a eleição de José Ribeiro de Castro Filho, ex-presidente da OAB-RJ,
para a presidência do Conselho Federal, que se notabilizou como o presidente que pautou o
papel da OAB no processo de abertura. A eleição, do novo Presidente da OAB, em 1º de
abril de 1972, transcorreu em absoluta tranqüilidade e a expectativa de reeleição de
Cavalcanti Neves não provocou a cisão corporativa com desdobramentos futuros
significativos.
879
No ato de posse o Presidente Ribeiro de Castro, em abril de 1973, reafirmou os
princípios que lhe nortearam a carreira forense e norteariam seus atos, que, assim resumiu:
[priorizaremos a] defesa da ordem jurídica, a plenitude do hábeas corpus, a
obrigatoriedade da comunicação ao Judiciário e o respeito à dignidade do preso (...).
Estes postulados são compromissos irrenunciáveis inerentes à nossa instituição, a par das
lutas (especialmente profissionais).
880
Esta última indicação do Presidente eleito, apesar de
879
Para Vice-Presidente foi eleito Wilson Egito Coelho, para Secretário Geral: Paulo Barreto de Araújo, para
Subsecretário: Carlos Maurício Martins Rodrigues, para Tesoureiro: Jurandy Santos Silva. Todos foram
eleitos com 13 votos, inclusive, o Presidente, sendo que a outra chapa (encabeçada por J. C. Neves) ficou com
10 votos. Ver Ata 1287ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 2 de abril de 1973.
880
Ibid.
547
sua simplicidade literal, estava por indicar que prevaleceriam as lutas profissionais, mas a
dinamização de seu alcance, identificadas às circunstâncias institucionais, dependeriam,
agora, da restauração irrenunciável do Estado de Direito.
Por outro lado, ficaram os primeiros tempos da gestão do Presidente Ribeiro da
Costa marcados pela intensificação das prisões,
881
a brutalidade da ação repressiva na
prisão do advogado Brandão Monteiro
882
e, da mesma forma, as sucessivas manifestações
881
Ata da 1292ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de junho de 1973 em que se comunica
invasão de escritório de advocacia em Nova Iguaçu pela Polícia Federal. Ver Ata da 1293ª Sessão da 43ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 6 de junho de 1973. Ata da 1296ª Sessão Extraordinária da 43ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 22 de agosto de 1973 dá notícia da prisão de advogados no Paraná por indivíduos
ditos da polícia federal. Ata da 1296ª Sessão Extraordinária da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 22 de
agosto de 1973 informa que o Dr. Elio Narazi Presidente da Seção do Paraná comunica que o advogado
Henrique Cintra F. de Ornellas suicidara na prisão, após ser removido para Brasília. O Presidente da OAB.DF
Antonio Carlos Sigmoringa e o vice Presidente Federal Wilson Egito Coelho foram ao necrotério e não
localizaram o corpo. O Presidente comunicou o fato ao Ministro da Justiça, que se declarou abalado com o
episódio. Ata da 1305ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de dezembro de 1973 retoma a
questão do seqüestro e prisão arbitrária e ilegal de advogados militantes em Maceió comunicado pelo
Presidente da Seccional de Alagoas. Ata da 1306ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 2 de abril
de 1974 informa sobre violências ocorridas contra advogados no Estado da Guanabara, seqüestrados pela
política do exercito e pelo DOP´s e também o pedido de mães aflitas sobre filhos desaparecidos. Ata da 1310ª
Sessão da 44ª Reunião do CF.OAB de 28 de maio de 1973 consta representação ao Procurador Geral da
Justiça contra comandante do DOI/CODI II Exercito (SP) narrando longamente violências e atrocidades e
tortura contra advogados e contra o advogado Wellington Rocha Cantal, obtendo apoio dos conselheiros,
sugerindo inclusive que se leve a matéria ao CDDPH (art. 3º da Lei nº 5.763, de 15/12/1971). Ata da 1311ª
Sessão Extraordinária da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de junho de 1974 consta denúncia de
George Tavares de violências contra advogados emo Paulo que estavam detidos em condições humilhantes
e sem as garantias de advogados. Ata da 1311ª Sessão Extraordinária da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB
de 12 de junho de 1974dá notícias sobre a situação do advogado supra referido e, ainda, que foi lida relação
de nomes de pessoas seqüestradas e desaparecidas, sem que se saiba o destino. Foi sugerida representação por
“abuso do poder”. Posteriormente, ainda, em 1974, a OAB organizara comissão para receber denúncias de
abuso de poder por autoridades policiais contra militantes em todo o país, que estão indicados na Ata da 1313ª
Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de julho de 1974. Ata da 1316ª Sessão da 44ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 24 de setembro de 1974 dá notícia que a OAB recebeu carta do Presidente da Liga
Belga para Defesa dos Direitos do Homem que pede informações sobre o paradeiro do Dr. José Pereira de
Alencar, professor da Universidade do Ceará, sociólogo e antropólogo de renome. Consta da Ata da 1317ª
Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 22 de outubro de 1974 que recebera a OAB comunicado da
mãe de Brandão Monteiro que a residência da família estava sob vigilância policial, tendo a questão sido
negociada pelo Presidente da OAB e Comandante de Exercito General Reinaldo de Almeida. Ata da 1319ª
Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de novembro de 1974 informa sobre greve de fome dos
presos políticos de Fortaleza de Santa Cruz através de Augusto Sussekind, devido à arbitrariedade carcerária.
O fato será comunicado ao comandante do 1º Exercito. Ata da 1321ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 19 de dezembro de 1974 o Presidente volta a se referir à violência que vem sofrendo os
advogados. Ata da 1371ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de setembro de 1978 relata
arbitrariedades cometidas pela polícia federal contra o Conselheiro Luis Alberto da Silva.
882
Independentemente das providências junto ao STM, para promoção do hábeas corpus, sucessivas foram as
manifestações da OAB junto ao Ministro da Justiça e, a Presidência da República condenando os fatos e
exigindo a localização dos presos incomunicaveis. Ver Ata da 1290ª Sessão Extraordinária da 43º Reunião do
CF.OAB de 29 de abril de 1973.
548
para que o Presidente da OAB abandonasse a participação no CDDPH,
883
o que de fato
ocorreu.
884
Este fato, e os antecedentes, provocaram manifestações internas que exigiam
pronto relatório geral da situação de perseguição a advogados e providências judiciais junto
ao STF, como efetiva demonstração do descalabro do Estado (autoritário, dito) de
direito.
885
Sobre o fato, o ex-Presidente [Miguel] Seabra Fagundes, reporta-se à proposta
do Conselheiro Sobral Pinto, na sessão passada,
886
quanto à necessidade de divulgação
[deste especial fato e] de todos [os] outros fatos, em documento formal da Ordem, para
conhecimento da Nação. É providência fundamental, pois a violência contra presos
políticos está institucionalizada no país, com graves efeitos sobre a funcionalidade e os
deveres de ofício de ordem. Indicado para CDDPH em substituição ao Presidente, o
Conselheiro Nehemias Gueiros entendeu que já opinara contra o presidente abandonar a
Comissão, sendo, então, que o Conselheiro Carlos de Araújo Lima apresentou indicação de
urgência (firmada por 17 conselheiros) na qual se preconiza que a Ordem, pelo seu
883
Ata da 1291ª Sessão da 43ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 31 de maio de 1973. Ver também Ata
da 1296ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 22 de agosto de 1973 em que o Presidente Ribeiro
de Castro comunicou na instalação da Conferência Inter-Americana de Advogados, onde pronunciara discurso
oficial o Ministro Alfredo Buzaid, que não compareceria devido à situação dos causídicos paranaenses.
884
Ata da 1292ª Sessão da 43ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 13 de junho de 1973, onde o Presidente
informa que recebeu comunicação do Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça Leonardo Greco a proposito
do seqüestro do advogado Henrique Cintra Ornellas e que marcava entrevista com o Ministro às 15:30 h. A
Ata da 1294ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de julho de 1973 dá notícia que o supra
indicado advogado estava o mesmo seqüestrado por ordem do delegado paulista Sergio Fleury, tendo ficado
detido em prisão comum em São Paulo. Ata da 1296ª Sessão Extraordinária da 43ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 22 de agosto de 1973 informa que o Conselheiro do CDDPH se colocava à disposição da OAB
para colaborar na localização do advogado transferido para Política Federal/DF Henrique Cintra Ornellas
onde era chefe do Departamento de Política Federal o General Antonio Bandeira, morto em Brasília, (que era
pobre e, inclusive, recebera correspondência do Ministro da Justiça e do Professor Roberto Lira sobre
assuntos de natureza jurídica e, literária). Ver, também, Ata da 1297ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 28 de agosto de 1973 onde se reconhece a morte por “auto-eliminação por asfixia” do referido
advogado. Ver sobre a questão, Jornal do Brasil de 24 de agosto de 1973. Ver Ata da 1299ª Sessão da 43ª
Reunião do CF.OAB de 2 de agosto de 1973 sobre hábeas corpus denegado para os referidos presos. Ata da
1301ª Sessão da 43ª Reunião do CF.OAB de 23 de outubro de 1973 comunica a libertação dos presos.
885
Ata da 1296ª Sessão Extraordinária da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 22 de agosto de 1973.
886
Ata da 1297ª Sessão Extraordinária da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de agosto de 1973.
549
Presidente, se abstenha de comparecer ao CDDPH, enquanto perdurarem as
circunstâncias atuais.
887
Nas tantas dificuldades com a implementação interna de uma política de
direitos humanos resolveu o Conselho realizar sessão
888
de homenagem ao 25º Aniversário
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, firmada em Paris no dia 10 de dezembro
de 1945. O orador oficial, Conselheiro Clovis Ramalhete, afirmou que o documento fixou
os destinos da humanidade aos quais os advogados devem jurar fidelidade. Austragesilo de
Athaide, convidado especial, àquela sessão, que fora representante signatário do Brasil na
solenidade de inauguração da DUDH, afirmou, concluindo o seu pronunciamento que a
Carta é uma garantia para os anseios de liberdade e democracia dos povos.
889
Finalmente, apesar do empenho retórico, o quadro político evoluiu, gravemente,
da questão política geral para a questão política interna, de tal forma, que, as ações
governamentais, até aquele momento, restritas à ação da OAB, no plano dos direitos
humanos, voltaram-se contra a sua autonomia e independência estatutária, afetando,
sensivelmente, a consolidação do ideário, redefinido com a Lei nº 4215/63. Historicamente,
no contexto de sua compreensão evolutiva este foi um dos mais trágicos momentos da
887
Ibid. Conforme se verifica da Ata supra citada ficaram a favor da proposta de urgência de Araújo Lima:
Serrano Neves e contra: Eduardo Seabra Fagundes, Nehemias Gueiros, Sobral Pinto, Silvio Curado, José
Olimpio, Jorge Loretti. A proposta foi retirada de pauta para que fosse realizada Comissão Interna de
Inquérito, conforme proposta de George Tavares. Ofício da OAB de São Paulo manifesta-se a favor da OAB
permanecer no CDDPH. Ver Ata da 1298ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de setembro de
1973. A mesma questão na forma do Processo C. nº 1484/73 voltou a pauta e o Conselho voltou a rejeitar a
proposta de abandonar o CDDPH, rejeitando a posição do relator Danilo Marcondes pela abstenção da OAB
naquele colegiado. O assunto retorna na Ata da 1301ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de
outubro de 1973 quando o presidente informa seu interesse em continuar evitando o CDDPH e autoridades,
contra abusos praticados contra prerrogativas dos advogados. Ata da 1311ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária
do CF.OAB de 12 de junho de 1974 sugere criação de Corte Inter-Americana de Direitos Humanos e Corte
Internacional de Direitos Humanos, com distribuição para o Conselheiro Sobral Pinto. Ver Ata da 1321ª
Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de dezembro de 1974 onde o Conselheiro Carlos Lima
propõe que se solicite que se realizem as sessões do CDDPH, providência que deveria caber ao Presidente da
OAB.
888
Ata da 1304ª Sessão da 43ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 10 de dezembro de 1973.
889
Ata da 1321ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de dezembro de 1974 consta
manifestação de Heleno Fragoso pelo 11º Aniversário da Declaração Universal de Direitos do Homem.
Salientou que as nações vencedoras da 2ª Guerra Mundial a promulgaram como corolário da filosofia que
haviam defendido. Salientou o poder da obrigatoriedade internacional das declarações. Lamentou que o Brasil
não tenha ratificado o texto, uma das mais belas páginas da história universal. Finalizou cumprimentando o
Presidente Ribeiro de Castro por ter feito dos Direitos Humanos tema da V Conferência (Rio de Janeiro,
11/16 de agosto de 1974).
550
OAB, reduzida nos seus propósitos aos limites de autonomia e independência que
justificaram as suas intensas lutas, apesar das próprias limitações estatutárias de 1931/33,
que se sucederam entre os anos que seguiram ao Estado Novo em 1937 até a promulgação
do novo estatuto em 1963.
4 – OAB e o Ministério do Trabalho
O Estado de Segurança Nacional, não propriamente ameaçado, mas
constrangido pelas sucessivas atitudes da OAB na luta pelos direitos humanos, pelas
prerrogativas dos advogados e pela liberdade de seu exercício profissional, bem como na
expectativa pela restauração do Estado de Direito no período que sucedeu à IV
Conferência, e antecederam à V Conferência, em ostensiva represália, editou o Decreto nº
74.000, de 1º de maio (ironicamente) de 1974,
890
ainda na gestão de Ribeiro de Castro,
vinculando o Conselho Federal e os conselhos seccionais (e outras entidades corporativas
federais e seccionais) ao Ministério do Trabalho (bem como a entidades autárquicas do
Ministério da Previdência e Assistência Social e ao Ministério das Comunicações). A
finalidade precípua deste ato, que já vinha sendo gestada desde 1970, era restringir a
autonomia da OAB submetendo a entidade de profissionais liberais ao Estado, fugindo do
projeto liberal democrático de garantias civis que livrara da OAB do controle do Estado
Novo, e dos parâmetros de funcionamento do Estado de Direito, para garantir o Estado (de
segurança nacional).
891
890
Ver Diário Oficial da União (DOU) de 2 de maio de 1974.
891
Diferentes atas da OAB anteriormente dão notícias de reuniões no Ministério do Trabalho para criação de
uma Lei Orgânica das Profissões Liberais, assim como, ainda na gestão de Laudo de Almeida Camargo,
editou-se, sem sucesso, o Decreto nº 69.700/72 (Ata da 1309ª Sessão da 44ª Reunião Extraordinária do
CF.OAB de 10 de maio de 1974, ver Capítulo VII, item 7 desta Tese). Naquela ocasião o advogado Dario de
Almeida Magalhães definiu, conforme está na Ata citada, junto ao Tribunal Federal de Recursos, a Ordem
como um organismo sui generis, tese adotada em decisão daquele Colegiado. É de lembrar-se ainda (...) o
parecer do então Consultor Geral da República, Dr. Adroaldo Mesquita da Costa, aprovado pelo Presidente
Costa e Silva no mesmo sentido. A nossa posição é ainda assegurada – disse – pelo Decreto-Lei nº 968/69 e
pela Lei nº 4.215 e não pode ser alterada por Decreto [do] Executivo. [O Presidente da OAB nomeou] para
solicitar uma entrevista com o Sr. Ministro da Justiça e com ele tratar do assunto (...), Comissão composta
dos Conselheiros Wilson Egito Coelho (Vice-Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
551
Lamentavelmente, este Decreto, como não poderia deixar de ser, ainda mais
complicou o quadro de alternativas políticas traduzindo o animus conflitivo que se
avolumava. Por outro lado, imediatamente antes da V Conferência, sucederam-se outros
atos do Poder Executivo, na evidente demonstração de se encontrar uma fórmula para
submeter a OAB aos objetivos do Estado, tais como o Decreto nº 74.296, publicado em 16
de julho de 1974. Decreto nº 74.000, de 1 de maio de 1974, promulgado por ato
revolucionário, tinham o seguinte conteúdo, no que se refere especificamente a OAB:
(...). Dispõe sobre a vinculação de entidades e dá outras providências. O PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, da
Constituição,
892
DECRETA: Art 1º As entidades abaixo relacionadas passam a vincular-
se, para os fins dos artigos 19 e 26 do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,
893
e 3º do Decreto-lei nº 900,
894
de 29 de dezembro de 1969, aos seguintes Ministérios: I -
Brasil); Josaphat Marinho e Antônio Carlos Sigmaringa Seixas (Presidente do Conselho Seccional da OAB
no Distrito Federal) (...). Reagiram negativamente usando da palavra (...) os Conselheiros Carlos de Araújo
Lima, Jayme Mesquita, Manoel Augusto de Godoy Bezerra, Mário Guimarães, José Danir Siqueira do
Nascimento, Ivo d´Aquino, Raymundo Faoro, Jorge Fernando Loretti, Sobral Pinto e o ex-presidente
Haroldo Valladão, todos expressando a sua confiança na ação da Presidência.
892
O correto é art. 83, item II da Constituição vigente à época e conseqüentes emendas. Art 83 - Compete
privativamente ao Presidente: (...) II - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e
regulamentos para a sua fiel execução.
893
Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa
e dá outras providências. O art. 19 do referido Decreto-Lei dispõe: Todo e qualquer órgão da Administração
Federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministro de Estado competente, excetuados
unicamente os órgãos mencionados no art. 32, que estão submetidos à supervisão direta do Presidente da
República. E o art. 26 do mesmo Decreto-Lei, também dispõe: No que se refere à Administração Indireta, a
supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente: I - A realização dos objetivos fixados nos atos de
constituição da entidade. II - A harmonia com a política e a programação do Govêrno no setor de atuação da
entidade. III - A eficiência administrativa. IV - A autonomia administrativa, operacional e financeira da
entidade. Parágrafo único. A supervisão exercer-semediante adoção das seguintes medidas, além de
outras estabelecidas em regulamento: a) indicação ou nomeação pelo Ministro ou, se fôr o caso, eleição dos
dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica; b) designação, pelo Ministro dos representantes do
Govêrno Federal nas Assembléias Gerais e órgãos de administração ou contrôle da entidade; c) recebimento
sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que permitam ao Ministro
acompanhar as atividades da entidade e a execução do orçamento-programa e da programação financeira
aprovados pelo Govêrno; d) aprovação anual da proposta de orçamento-programa e da programação
financeira da entidade, no caso de autarquia; e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente ou
através dos representantes ministeriais nas Assembléias e órgãos de administração ou contrôle; f) fixação,
em níveis compatíveis com os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração;
g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas; h) realização de auditoria
e avaliação periódica de rendimento e produtividade; i) intervenção, por motivo de interêsse público.
894
Altera disposições do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Assim
dispõe o art. 3º do Decreto-Lei nº 900: Não constituem entidades da Administração Indireta as fundações
instituídas em virtude de lei federal, aplicando-se-lhes entretanto, quando recebam subvenções ou
552
Ministério da Previdência e Assistência Social: (...)
895
II - Ministério do Trabalho:
(...)
896
23. Conselho Federal e Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil;(...)
III - Ministério das Comunicações:
897
Art 2º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, salvo quanto ao
disposto no item I do artigo 1º, cuja vigência se dará a partir da instalação do
Ministério da Previdência e Assistência Social. Brasília, 1 de maio de 1974; 153º da
Independência e 86º da República. Assinado: ERNESTO GEISEL. Armando Falcão.
Arnaldo Prieto. Euclides Quandt de Oliveira
Como se não fosse suficiente, como já observamos, imediatamente após a
edição do Decreto nº 74.000/74, baixou-se o Decreto nº 74.296, de 16 de Julho de 1974,
898
mais completo, que confirmou os objetivos do Decreto de 1º de maio, dispondo sobre a
estrutura básica do Ministério do Trabalho (MTb) e dando outras providências. Assim está,
no que especificamente interessa à OAB:
transferências à conta do orçamento da União, a supervisão ministerial de que tratam os artigos 19 e 26 do
Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967.
895
A este ministério vincularam-se as seguintes entidades: 1. Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS); 2. Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL); 3. Instituto de Previdência e
Assistência dos Servidores do Estado (IPASE); 4. Serviço de Assistência e Seguro Social dos Economiários
(SASSE); 5. Legião Brasileira de Assistência (LBA); 6. Fundação de Assistência aos Garimpeiros (FAG); 7.
Fundação Abrigo Cristo Redentor (FACR); 8. Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM); 9.
Central de Medicamentos (CEME);
896
A este Ministério também se vincularam as seguintes entidades: 1. Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI); 2. Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); 3. Serviço Social da
Indústria (SESI); 4. Serviço Social do Comércio (SESC); 5. Fundação Centro de Segurança, Higiene e
Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO); 6. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Assistentes
Sociais; 7. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Biblioteconomia; 8. Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Contabilidade; 9. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis; 10.
Conselho Federal e Conselhos Regionais de Economistas Profissionais; (Decreto nº 74.000, de 1º de maio de
1974. Dispõe sobre a vinculação de entidades e dá outras providências. Publicado no Diário Oficial de 2 de
maio de 1974). RETIFICAÇÃO na página 5.037, na 3ª coluna, no art. 1º, ONDE SE LÊ: 10. Conselho
Federal e Conselhos Regionais de Economistas Profissionais; LEIA-SE: 10. Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Economia). 11. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Enfermagem; 12. Conselho
Federal e Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia; 13. Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Estatística; 14. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Farmácia; 15. Conselho Federal e
Conselhos Regionais de Medicina; 16. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina Veterinária; 17.
Conselho Federal e Conselhos Regionais de Odontologia, 18. Conselho Federal e Conselhos Regionais de
Profissionais de Relações Públicas; 19. Conselho Federal e Conselhos Regionais Psicologia; 20. Conselho
Federal e Conselhos Regionais de Química; 21. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Técnicos de
Administração; 22. Conselho Federal e Conselhos Regionais de Representantes Comerciais; 24. Ordem dos
Músicos do Brasil;
897
Fundação Rádio Mauá.
898
Ata da 1313ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de julho de 1974 informa que o
Presidente da OAB deu noticia do novo Decreto do Plenário do Conselho Federal e que estava de posse de
pareceres de vários juristas acerca da questão, que seguiriam em memórias para os Ministérios da Justiça e do
Trabalho.
553
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando das atribuições que lhe confere o artigo 81,
itens III e V da Constituição, e tendo em vista o disposto no Decreto-lei nº 200, de 25 de
fevereiro de 1967, DECRETA: Art 1º O Ministério do Trabalho (MTB), criado pela Lei
nº 6.036, de 1º de maio de 1974, tem a seu cargo o desempenho das atividades
relacionadas com: I - Trabalho; organização profissional e sindical; fiscalização. II -
Mercado de trabalho; política de emprego. III - Política salarial. IV - Política de
imigração. V - Colaboração com o Ministério Público junto à Justiça do Trabalho.
899
Art 4º São vinculadas ao Ministério do Trabalho as seguintes entidades: I - Para efeito
da supervisão ministerial de que trata o art. 1º parágrafo único, do Decreto-lei nº 968,
de 13 de outubro de 1969:
900
(...) [item] 18 - Conselho Federal e Conselhos Seccionais
da Ordem dos Advogados do Brasil.
899
Dispõe o seu art 2º: As atividades compreendidas na área de competência do Ministério do Trabalho são
exercidas por: I - órgãos da administração direta integrantes da estrutura do Ministério; II - entidades da
administração indireta a ele vinculadas e outras entidades sujeitas à sua supervisão; III - mecanismos
especiais de natureza transitória. E ainda o art 3º A estrutura básica do Ministério do Trabalho compreende:
I - órgãos de assistência direta ao Ministro de Estado: 1 - Gabinete do Ministro (GM); 2 - Consultoria
Jurídica (CJ) 3 - Divisão de Segurança e Informações (DSI); 4 - Coordenação de Relações Públicas (CRP);II
- órgãos setoriais de planejamento, coordenação e controle financeiro: 1 - Secretaria-Geral (SG); 2 -
Inspetoria-Geral de Finanças (IGF); III - órgãos centrais de direção superior: 1 - Secretaria de Relações do
Trabalho (SRT); 2 - Secretaria de Emprego e Salário (SES); 3 - Secretaria de Mão-de-Obra (SMO); 4 -
Departamento do Pessoal (DP); 5 - Departamento de Administração (DA); IV - órgãos colegiados
deliberativos e consultivos: 1 - Conselho Nacional de Política Salarial (CNPS); 2 - Conselho Consultivo de
Mão-de-Obra (CCMO); 3 - Conselho Superior do Trabalho Marítimo (CSTM); 4 - Comissão de Direito do
Trabalho (CDT); V - órgãos geograficamente descentralizados: 1 - Delegacias Regionais do Trabalho (DRT)
2 - Delegacias do Trabalho Marítimo (DTM).
900
Estão sujeitas ainda a supervisão do MTb: 1 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Assistentes
Sociais; 2 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Biblioteconomia; 3 - Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Contabilidade; 4 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis; 5 -
Conselho Federal e Conselhos Regionais de Economia; 6 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de
Enfermagem; 7 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia; 8 -
Conselho Federal e Conselhos Regionais de Estatística; 9 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de
Farmácia; 10 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina; 11 - Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Medicina Veterinária; 12 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Odontologia; 13 -
Conselho Federal e Conselhos Regionais Psicologia; 14 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de
Profissionais de Relações Públicas; 15 - Conselho Federal e Conselhos Regionais de Química; 16 - Conselho
Federal e Conselhos Regionais de Representantes Comerciais; 17 - Conselho Federal e Conselhos Regionais
de Técnicos de Administração; (...) 19 - Ordem dos Músicos do Brasil; II - Para os fins do artigo 183, do
Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967: 1 - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); 2 -
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); 3 - Serviço Social da Indústria (SESI); 4 - Serviço
Social do Comércio (SESC); III - Para atender ao artigo 3º, do Decreto-lei nº 900, de 29 de setembro de 1969,
e à Lei nº 5.161, de 21 de outubro de 1966: 1 - Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina
do Trabalho (FUNDACENTRO). Art 5º São mecanismos especiais de natureza transitória: Comissões
Especiais, Grupos de Trabalho, Grupos Tarefa, Programas, Campanhas e mecanismos similares instituídos
para fins específicos. Art 6º A estrutura básica dos órgãos previstos no artigo 3º será estabelecida em ato
próprio do Poder Executivo. Parágrafo único. A organização, competência e funcionamento dos órgãos
integrantes da estrutura básica de que trata este artigo serão definidos em regimento interno. Art 7º A
Comissão da Ordem do Mérito do Trabalho funcionará diretamente subordinada ao Ministro de Estado. Art 8º
Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário,
especialmente o artigo 1º, item II, do Decreto nº 74.000, de 1 de maio de 1974. Brasília, 16 de julho de 1974;
153º da Independência e 86º da República. Assinam: ERNESTO GEISEL. Arnaldo Prieto. João Paulo dos
Reis Velloso.
554
Nehemias Gueiros, ex-presidente da OAB, nos anos que intermediaram a virada
revolucionária, relator do histórico texto estatutário de 1963, que veio a definir a
independência funcional da OAB, liberando da natureza paraestatal que presidiu os
estatutos de 1931/33 a 1963, na emergência da situação, observou:
Não será, pois, senão por mero equívoco de generalização – sem atentar para a
prerrogativa fundamental da independência do advogado – que um decreto haja
incluído, no seu contexto, a eventual subordinação da Ordem dos Advogados do Brasil,
como corporação de classe independente, ao Ministério do Trabalho. Pois, assim como
este não pode jurisdicionar administrativamente os juízes e os membros do Ministério
Público, também não pode incluir sob sua hierarquia os advogados, componentes
solidários, com estas duas classes, do mecanismo da Justiça em que se compõem o
Poder Judiciário (art. 68 do Estatuto, atrás transcrito). Estamos certos de que o
equívoco será desfeito, na medida em que se deve preservar a prerrogativa da
independência profissional do advogado, sem a qual, deixando de existira defesa plena,
é a justiça que haveria de perecer.
901
Na verdade, como se verifica, estes decretos foram promulgados para
complementar e viabilizar a reformatação da organização administrativa do Estado
brasileiro proposta na forma do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, baixado 1
(um) dia após a entrada em vigência da Constituição de 24 de fevereiro de 1967,
posteriormente emendada (quase que totalmente) pela Emenda nº 1, de 17 de outubro de
1969, que constitucionalizou o Ato nº 5/68, e do Decreto-Lei nº 968, de 13 de outubro de
1969, 4 (quatro) dias antes da Emenda nº 1/69. Estes dois documentos administrativos,
ainda vigentes,
902
estavam voltados para centralizar a estrutura do Estado, na preocupação
de se organizar um novo Estado, cuja funcionalidade, se não se definia revogando uma
estrutura legislativa liberal, até porque não sobrevivera (nem existia) de 1946, instaurava
um modelo autoritário e centralizado de estado com alto poder de intervenção
administrativa nos mais amplos setores da vida social e institucional.
903
901
GUEIROS, Nehemias In: Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11
a 16 de agosto de 1974, p. 140.
902
Em outros capítulos desta Tese nos referimos a estes documentos, mas, em documento citado em nota
seguinte, fizemos estudo minuncioso sobre o tema e seus efeitos ainda sobre as recentes reformas do estado
brasileiro.
903
Sobre as condições de vigência destes documentos e sua disforme recepção pela Constituição de 1988, ver
de BASTOS, Aurélio Wander. Política Brasileira de Concessão de Serviços Públicos. In Revista Magister.
Porto Alegre. n°. 10. 2006.
Na verdade, tomando em consideração o Decreto-Lei nº 200/69, temos um estado “politicamente” de direito
que sufoca a funcionalidade democrática que a Constituição de 1988, não desmontou. O grande volume de
555
Com estes Decretos citados, que absolutamente ignoraram o Estatuto da
Advocacia (Lei nº 4215/63), regulamentares dos decretos-leis, como se verifica, mais do
que enquadrar a OAB, pretenderam submetê-la a uma estrutura de comando absolutamente,
verticalizado e hierarquizado, em tese, mais pretensiosa que a centralização paraestatal de
sua natureza corporativa no governo revolucionário de 1930 e o Estado Novo de 1937.
Estes decretos, finalmente, buscaram contribuir para redefinir, como o fizeram, a estrutura
de funcionamento orgânico das entidades profissionais liberais brasileiras e, no específico,
submeter a recente história de independência da Ordem às transmudadas, mas velhas
práticas, do estado moderador.
No que se refere aos Conselhos Federal e Seccional da OAB (e aos demais
conselhos profissionais) ficava suspensa a independência e a autonomia das políticas
profissionais, de certa forma, traduzindo, com a mais absoluta fidelidade, não o modesto
corporativismo antioligárquico, mas as propostas do corporativismo mais radical, o
fascismo, que não obteve espaços de convencimento em 1933/37 e em 1937/45, ficando
isolado na sua versão do integralismo. Na verdade, os efeitos destes, pretenderam-se mais
desastrosos em relação à OAB por duas específicas razões: em primeiro lugar, o exercício
da advocacia é essencial à funcionalidade do Estado, seja como advocacia privada, seja
como advocacia pública (no caso, principalmente), o que, efetivamente, não interessava ao
sistema mergulhado no arbítrio, tomando como imprescindível, não apenas governar no
risco da ilegalidade, mas também, fora do alcance dos mecanismos de controle da
legalidade e, em segundo lugar, por que não existe prestação jurisdicional sem advocacia e,
ao sistema não interessava que o Poder Judiciário respondesse, positivamente, nas
demandas de proteção de direitos individuais, principalmente reconhecendo no hábeas
corpus o instrumento processual contra o suplício e a manipulação da liberdade física e de
consciência.
Todavia, apesar das esperanças dos advogados, esta não foi uma ação de curto
prazo, mesmo considerando as profundas reações dos grupos sindicais e, muito
emendas que desmontou, após 1995, o cerne jurídico da ordem econômica constitucional de 1988, na verdade,
tornou o quadro mais complexo e os seus tantos desencontros com as leis de licitação e concessão de serviços
públicos mais fragilizou a natureza do estado tornando-o mais vulnerável à corrupção.
556
especialmente, das frações de profissionais liberais
904
sobrevivendo, senão, no médio prazo
as sua práticas, os decretos persistiram vigentes até 1985, na antevéspera da convocatória
constituinte.
905
Finalmente, este Decreto, na opinião geral, por outros caminhos, subordinava a
OAB ao controle de Estado e, com absoluta nitidez, traduzia os propósitos do poder central
de controlar a Ordem, seu destino e suas posições. Esta postura retomou o velho projeto de
se impedir a autonomia e a independência da corporação profissional de advogados, agora,
nesta nova quadra histórica, transformando-a, em, não propriamente, entidade burocrática,
meramente profissional, esvaziada de seu próprio ideário, sujeita, nas suas decisões (de
alcance crítico) às imposições (das políticas) ideológicas externas. Esta ameaça, embora
904
Internamente o Presidente da OAB designou comissão presidida por Josaphat Marinho para tratar dos
efeitos e conseqüências do Decreto referido. Ata da 1310ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28
de maio de 1974 consta que o Presidente informou sobre Parecer de Alfredo Buzaid, quando Ministro, em seu
poder, datado de 11 de outubro de 1971 sobre vinculação da OAB ao poder público. Ata da 1314ª Sessão da
44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de julho de 1974 sobre o mesmo Parecer afirmou que a sua
fundamentação não é suficiente Augusto Sussekind não vê como justificar o Parecer contrário aos interesses
da classe. Sugere interpela-lo. Carlos Araújo Lima sobre o tema informa que ele mandaria carta explicativa à
OAB em Ata da 1314ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de julho de 1974. Ata da 1315ª
Sessão da 44ª Reunião do CF.OAB de 27 de agosto de 1974 dá notícia de que seccionais já estavam sendo
notificadas para cumprir o Decreto. O Conselheiro Samuel Duarte sugeriu contacto com o Presidente da
República para sugerir iniciativas. Ata da 1316ª Sessão da 44ª Reunião do CF.OAB de 24 de setembro de
1974 informa que a OAB recebeu telegrama da Inspetoria Geral Fazendária MF comunicando nomeação de
auditores e pedindo colaboração. Também em Ata da 1312ª Sessão da 44ª Reunião do CF.OAB de 25 de
junho de 1974, consta ofício da Associação dos Advogados de São Paulo AASP contra vinculação da OAB
ao MT, sendo que Miguel Reale, Pontes de Miranda, Orlando Gomes estão preparando parecer sobre o tema.
Também na Ata da 1313ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de julho de 1974 consta ofício
da Sessão de Pernambuco sobre ilegitimidade do Decreto nº 74.000/74 e também do Ceará, Bahia. Consta,
também, que o Presidente e Conselheiro Clovis Ramalhete manifestam-se na OAB junto ao Ministro Prado
Kelly, em visita, sobre o Decreto referido. Ata da 1315ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27
de agosto de 1974 consta que a PUC.RJ manifestou solidariedade ao movimento de repudio à pretendida
vinculação da OAB ao Ministério do Trabalho. Ata da 1316ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de
24 de setembro de 1974 relata que a Comissão composta por Wilson Egito Coelho, Josaphat Marinho e
Sigmariga Seixas entregaram na Presidência da República e no Gabinete do Ministério do Trabalho, que será
também encaminhado ao Conselho Geral da República, memorial sobre a necessária desvinculação da OAB
do Ministério do Trabalho. Ata da 1317ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 22 de outubro de
1974 noticia que no dia 18 do corrente o Conselheiro Paulo Barreto de Araújo foi recebido pelo Ministro da
Justiça Armando Falcão a quem solicitou a intercessão para solução rápida do problema da vinculação da
OAB ao Ministério do Trabalho, matéria de memorial ao Presidente da República em 29 de outubro de 1974.
Ata da 1320ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de novembro de 1974 informa que o
Presidente da OAB terá audiência nesta data com o Ministro do Trabalho Arnaldo Prieto, a quem levará o
problema da vinculação. Ata da 1363ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de abril de 1978, 4
(quatro) anos após a edição do Decreto, o Presidente Raimundo Faoro referiu-se ao desfecho havido na
questão da não vinculação da OAB ao Ministério do Trabalho, enaltecendo o esforço de Caio Mario da Silva
Pereira e José Ribeiro de Castro Filho, bem assim ao brilhante Parecer do Consultor Geral da República, Dr.
Luis Rafael Mayer. Todavia, os resultados finais não foram de curto, nem médio prazo.
557
estendida a outras ordens profissionais, muito especialmente aos advogados, seria um
verdadeiro retrocesso e um confronto propositivo, mas as reações cautelosas e equilibradas
na forma de pareceres de juristas ilustres evitarem a liquidação dos remanescentes ideais
liberais e a submissão do emergente social humanismo, traduzidos nos primeiros
pronunciamentos da III Conferência e retomados na V Conferência.
5 – Os Direitos dos Homens
906
e a Advocacia
A IV Conferência, como verificamos, procurou reverter os propósitos
tradicionais das preocupações liberais clássicas que dominavam o cotidiano político dos
advogados, evoluindo para um temário especialmente voltado para a questão do
desenvolvimento no contexto do “legalismo” autoritário, sem que estivesse definido um
projeto constitucional democrático para o Brasil. Muito especialmente, por estas razões, e a
visível imersão do país no caos antidemocrático, inviabilizou-se o projeto, reabrindo-se as
possibilidades da retomada da discussão da questão dos direitos humanos num novo quadro
político. O liberalismo jurídico democrático, como ideológica jurídica, mesmo com suas
tantas aberturas filosóficas,
907
ficou profundamente ameaçado com as flutuações
906
A história das Declarações de Direitos refletem uma lenta evolução iniciada com a Magna Charta (1215),
a Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1689) e com o Act of Settlement (1701). Vencida esta primeira
etapa vieram a declaração de Independência Americana ou Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), quando ficariam expressos os direitos do indivíduo
frente ao Estado. Não apenas se tratava mais de proteger o indivíduo mais também de limitar o poder absoluto
do Estado. Modernamente podemos falar na Carta do Atlântico de 1941, na carta da ONU de 26/06/1945 que
reafirmam sua fé nos direitos humanos, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade entre o
homem e a mulher. Podemos falar ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem (10/12/1948) e na
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), a Convenção Européia para a Salvaguarda
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, celebrada em Roma em 1950. As declarações de
direitos e garantias individuais nas constituições brasileiras estiveram presentes desde 1824 passando por
todas as constituições republicanas até 1988, sendo que em 1964 foi criada a Comissão de Defesa de Direitos
da Pessoa Humana no Brasil. Hans Kelsen, em especialíssima conferência (única) que realizou no Brasil fez
uma interessante apresentação na FGV, com a presença de Bilac Pinto, Afonso Arinos de Melo Franco,
Oswaldo Aranha, Levi Carneiro e Hermes Lima sobre as questões conflitivas entre o Tratado do Atlântico
Norte e a carta da ONU, traduzida, adaptada em comemoração ao centenário de seu falecimento. BASTOS,
Aurélio Wander. Hans Kelsen
Biografia Resumida e Adaptada. Rio de Janeiro: Pqjuris, 2003.
907
Na verdade, não tivemos, no Brasil, uma experiência social-liberal, como propôs RAWLS John. Uma
Teoria da Justiça. Trad. Almino Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997, pp. 3/122, onde,
especialmente, se destaca os capítulos sobre Justiça como equidade e os princípios da justiça. O
558
ideológicas que sucederam aos anos de 1968/69, com a sua efetiva falência constitucional,
e, no caso específico, mesmo com os rumos da proposta temática da IV Conferência de
1970, realizada em São Paulo.
Na verdade, as primeiras experiências, de se viabilizar uma política de direitos
humanos no Brasil não retumbaram em conseqüentes e imediatos efeitos políticos
908
sendo
que as primeiras conseqüências em política interna vieram com a sanção da Lei nº 4319 de
16 de março de 1964 (Lei Bilac Pinto) que antecedeu imediatamente o movimento militar
de março de 1964; edição do Decreto nº 3681, de 22 de novembro de 1968, regulamentar
desta Lei, que imediatamente antecedeu à edição do Ato Institucional nº 5, de 31 de
dezembro de 1968 e, finalmente, a Lei nº 5763, de 15 de dezembro de 1971, sentenciou o
CDDPH ao silêncio. Neste trágico período da história brasileira as iniciativas internas de
implementação de uma política de Direitos Humanos não foram eficazes e sempre
encontraram profundas reações do poder instituído. O fato de que estas iniciativas tem sido
dominantes até 1968, não são, de qualquer forma, suficientes, porque muitos são os
sintomas de seu reconhecimento, pelo menos, formal (destas políticas) na Lei de “recuo”
protetivo dos direitos humanos de 1971. Interessantemente, de qualquer forma, estes
projetos são projetos de grupos e frações que estiveram aliados, pelo menos, com certeza,
até 1968, e que cindiram, após 1970, com os militares, que, enquanto, governaram, sempre
se opuseram à institucionalização de políticas de direitos humanos.
intervencionismo estatista brasileiro não guarda qualquer semelhança com o social-liberalismo ou com as
incipientes escaramuças social-democratas e o moderno neo-liberalismo, que desmontou o projeto econômico
da Constituição de 1988, não guardando com ele maiores similaridades, a menos que reconheçamos nos
programas sociais dos últimos governos tentativas experimentais de alimentar (e morar) sem distribuição de
renda.
908
De qualquer forma, deve-se ressaltar que a inserção do Brasil no sistema internacional tem sido lenta e
gradual, podendo-se destacar como iniciativas pioneiras as ratificações da Convenção sobre Asilo de 1928
(em 03/09/1929), a Convenção sobre Asilo Político em 1933, (23/02/1937), a Convenção Interamericana
sobre Concessão de Direitos Civis à mulher de 1948 (19/03/1952) e outros tantos que vieram a se seguir.
T
RINDADE, Antonio Augusto Cançado. Op. cit., p. 63.
559
A V Conferência foi realizada entre os dias 11 e 16 de agosto de 1974,
909
na
cidade do Rio de Janeiro, sob a presidência de José Ribeiro de Castro Filho, optando pelo
tema central: O Advogado e os Direitos do Homem, sob coordenação de Paulo
Mercadante,
910
efetiva demonstração da retomada evolutiva dos ideais corporativos no
contexto de novas expectativas de mudanças da ordem autoritária. Esta Conferência
Nacional teve, por conseguinte, um grande significado histórico, firmando, por um lado, a
convicção da impossibilidade de subordinar-se ou vincular-se a OAB ao Ministério do
Trabalho, como pretendiam as autoridades governamentais, evidentemente para reduzir a
sua independência e amortecer a sua capacidade de luta contra o autoritarismo instituído.
Por outro lado, retomando internamente a questão dos direitos dos homens a V Conferência
funcionou como novo parâmetro de uma nova ideologia jurídica em gestação, que
combinado com a extrapolação hierárquica contra a OAB, acelerou a luta pelo
restabelecimento do Estado de Direito e das garantias das liberdades públicas.
Diferentemente das Conferências de 1968 e de 1970, a V Conferência traduziu
a tomada de consciência da OAB na discussão do imprescindível processo de
enfrentamento ao Estado de Segurança Nacional, com vistas a uma efetiva descompressão
política, que, de qualquer forma, não ocorreria no curto prazo. Estes anos em que se
sucederam constantes denúncias de seqüestro, torturas e desaparecimento de presos
políticos, com reflexos corporativos e internacionais, marcaram um dos momentos mais
909
Realizada 4 (quatro) anos após a IV Conferência em São Paulo, 3 (três) meses após o Decreto de
vinculação da OAB ao Ministério do Trabalho e cerca de 30 dias da aprovação da Lei Complementar nº 20,
de 1º de julho de 1974 (DOU 01/07/1974) que trata da fusão do Estado da Guanabara com o Rio de Janeiro.
Esta foi a última Conferência, coincidentemente realizada no Rio de Janeiro, por iniciativa de Ribeiro de
Castro ex-Presidente da OAB.GB (e Presidente do Conselho Federal) que se realizou com conselheiros
representantes da seccional da OAB.RJ e OAB.GB. No período sucessivos as duas seccionais fundiram-se em
uma única.
910
Ata da 1289ª Sessão da 43ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 24 de abril de 1973, conjuntamente
com os debates sobre a realização da 18ª Conferência Interamericana dos Advogados, iniciativa do IAB, a se
realizar no Rio de Janeiro, ainda, em 1973. As primeiras tratativas para realização da V Conferência em 1974
deram-se, ainda, em 1973, ano em que a OAB completava 40 anos de instalação (24/04/1973) e o Estatuto 10
(dez) anos de sua promulgação. Ata da 1311ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de junho de
1974 também dão notícia dos preparativos para a organização da V Conferência no Rio de Janeiro. Ata da
1313ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de julho de 1974, novamente informa sobre a
organização da V Conferência sendo que a abertura e encerramento deveriam ser presididas, respectivamente,
pelo Ministro Eloy da Rocha, Presidente do STF e Armando Falcão, Ministro da Justiça. Ata da 1314ª Sessão
da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de julho de 1974, volta a se referir à organização da V
Conferência, bem como da visita do jurista, na Ata da 1317ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de
22 de outubro de 1974, Tomaso Bucciarelli.
560
difíceis da repressão no Brasil. O liberalismo histórico
911
da formação dos advogados, e o
seu ideário profissional, postaram-se em visível confronto com a ordem política repressiva
que violava o novo paradigma de luta: da Ordem dos Advogados: os direitos humanos,
bandeira emergente novamente desfraldada.
Para a OAB, tornou-se impossível ficar indiferente ou reservar-se passiva na
defesa dos direitos humanos que vinham sendo ofendidos pelo poder central revolucionário,
mesmo porque os atos repressivos feriam diretamente os documentos legais, inclusive as
prescrições do CDDPH, propostas discutidas, votadas e defendidas pelos advogados. Ficara
impossível e a OAB, por vocação histórica, renunciar à força formativa de seu ideário, o
patrocínio da liberdade, dos legítimos interesses individuais do Estado de Direito e da
defesa do cidadão brasileiro contra a ação opressiva do Estado e contra o abuso do poder
político. O compromisso maior do advogado é zelar pelo primado do Direito, tomado na
sua expressão mais alta, não apenas na transcrição legal, mas pelo que deve ser, porque
apoiado na esperança e no ideal de justiça. Em recente prefácio ao clássico de Rudolf Von
Ihering (Aurich/1818 – Göttinguem (1892) jurista alemão, A Luta pelo Direito,
912
insistimos neste aspecto ímpar da advocacia, o direito à esperança como desdobramento do
direito subjetivo (em última instância), mesmo nas situações de esgotamento do direito
positivo resultante de prescrições normativas, reconhecido ou positivado.
Não podemos afirmar que existe uma efetiva conexão entre a proteção dos
direitos humanos e o exercício da advocacia, mas a imprescindibilidade da proteção
judicial, combinada com o exercício impar da advocacia, a partir da defesa e proteção dos
direitos individuais, dá ao advogado um especialíssimo papel na implementação não apenas
dos institutos constitucionais de proteção dos direitos humanos, como também, na
viabilização das declarações internacionais. Para Heleno Cláudio Fragoso, apoiando-se no
911
Na verdade, não existe uma obra ou uma tese que seja intitulada ou possamos intitular liberalismo jurídico.
O liberalismo jurídico é uma construção dos diferentes liberalismos em normas e leis ou decisões judiciais ou
manifestações doutrinárias, como se perpassasse a ordem jurídica que não o traduz literalmente. José
Guilherme Merquior trata brilhantemente dos tantos pensadores liberais, mas inclui, apenas dentre eles, os
juristas Benjamin Constant (p. 82), Hans Kelsen (p. 165), J. Rawls (p. 205) e Bobbio (p. 211), embora deixe
Max Weber (p. 132) entre os liberais conservadores sem que o aproxime do liberalismo sociológico de Ralph
Dahrendorf (p. 196), ambos importantes para a moderna sociologia jurídica. MERQUIOR, José Guilherme
(1941/1991). O Liberalismo
antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
912
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Prefácio. In: IHERING, Rudolf Von.. A Luta pelo Direito, Rio de
Janeiro: Júris, 1997.
561
grande constitucionalista inglês Dicey afirma que proclamar a existência de um direito à
liberdade não é difícil. A real dificuldade consiste em garantir o respeito ao direito. As leis
sobre o hábeas corpus resolveram este problema. Elas certamente fizeram muito mais pela
liberdade dos ingleses do que poderia fazer uma declaração de direitos pode se afirmar, sem
medo, que tais leis têm mais importância, não só do que as declarações gerais de direitos do
homem, proclamadas no estrangeiro, mas mesmo que obras legislativas dão significação da
Petition of Rights e do Bil of Rights (...). A adoção de remédios processuais eficazes é o
elemento primário e fundamental de todo o sistema de garantia jurídica. De nada vale e
declaração e o reconhecimento de direitos, sem os instrumentos processuais que os
assegurem (...). O pacto internacional relativo aos direitos civis e políticos obriga a prover
recurso útil e eficaz contra a violação de direitos.
913
É exatamente neste contexto de natureza processual que o advogado cumpre o
seu papel profissional na defesa dos direitos humanos, razão pela qual, no tempo histórico,
os estatutos da OAB sofreram mudança de adaptação, assim como, na forma do seu ideário
profissional os advogados serão sempre receptivos a essas mudanças.
6. – Direitos Humanos e Ideologia Jurídica
O tema central da V Conferência, apropriadamente, neste contexto, foi Os
Direitos dos Homens, efetivamente demonstrando que ao “velho” liberalismo formal se
superpunha o projeto dos direitos da pessoa humana, mais extenso e mais amplo, que não
desconhecia os direitos individuais, mas se lhe redimensionava existencial e socialmente,
permitindo-se incentivar a construção de uma nova ideologia jurídica desprezando os
pilares referenciais das lutas contra o autocratismo e pelo Estado de Direito.
Neste contexto, abaixo, sistematizamos, a programação geral de Paulo
Mercadante para a V Conferência.
913
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974, p.
120.
562
TESES CONFERENCISTAS
Os Direitos do homem e sua tutela jurídica Heleno Cláudio Fragoso
Direitos do homem e prerrogativas dos
Advogados
Nehemias Gueiros
Direitos do homem, a ordem pública e a
segurança nacional
Miguel Seabra Fagundes
O direito ao trabalho Evaristo de Morais Filho
Os abusos do poder econômico e garantias
individuais
Miguel Reale
Direitos ao bem-estar social Orlando Gomes
Problemas da urbanização da sociedade
brasileira
Clóvis Ramalhete
Direito à manifestação do pensamento Haryberro de Miranda Jordão
Proteção dos direitos do homem diante da
organização judiciária e da administração
pública
Jorge Fernando Loretti
Os partidos políticos e o direito de
participação política do cidadão
Josaphat Marinho
Direito de asilo Heráclito Fontoura Sobral Pinto
O menor e os direitos humanos Esther de Figueiredo Ferraz
Liberdade de associação PauIo Brossard de Souza Pinto
Os direitos do homem concernentes à família Caio Mario da Silva Pereira
O acesso à cultura, como direito de todos Pontes de Miranda
Limitações dos direitos do homem:
legitimidade e alcance
Gervásio Leite
Direitos humanos e a tributação Otto de Andrade Gil
Direitos humanos na área internacional Oscar Dias Corrêa
Da inutilidade do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana
Nelson Carneiro
O direito do trabalho como expressão dos
direitos do homem
Albino Lima
As multas fiscais e os direitos do homem A. Theodoro Nascimento
Direito à vida, o primeiro dos direitos J. Motta Maia
563
humanos
Ombudsman, instrumento de defesa dos
direitos humanos nas democracias modernas
João de Oliveira Filho
Os direitos do homem e a organização
sindical brasileira
Eugênio Roberto Haddock Lobo
A defesa dos direitos humanos e a
independência da Ordem
Justino Vasconcellos
Criminalidade comum e segurança nacional Carlos de Araújo Lima
Viciação do direito do trabalho na reforma
da Previdência Social
Nildo Martini
Direito à propriedade da terra e a reforma
agrária como meio de realizá-la
J. Paulo Bittencourt
Tribunais nacionais e remédios efetivos, para
os atos vinculados à economia agrária do
Brasil
Octávio Mello Alvarenga
A Previdência Social em sentido lato: um
dos direitos humanos fundamentais. O
exercício desse direito
Oswaldo Astolpho Rezende, Horácio da
Silva Pinto, Mário Baptista de Magalhães,
Francisco Costa Netto
O Imposto de Renda sobre honorários de
advogado
Antônio Carlos Nogueira Reis
Do cabimento de mandado de segurança nos
casos de crimes políticos contra a segurança
nacional
Júlio Fernandes Teixeira .
Os direitos do homem rural diante do
tribunal administrativo agrário
Ivo Frey
Direitos humanos e a prestação jurisdicional Osmar Alves de Melo
Direito do trânsito, instrumento de defesa da
vida humana
Abrahim Tebet
O advogado, os direitos humanos e a crise da
justiça criminal
Virgílio Luiz Donnici
Defesa do homem, direitos, garantias
individuais e sociais
Yolanda Mendonça
O sistema penitenciário e os direitos do Francisco Gil Castello Branco
564
homem
Direitos ao bem-estar social Sérgio do Rego Macedo
A defesa dos direitos fundamentais do
homem como dever dos advogados
Fernando Andrade de Oliveira
Esta Conferência, realizada no Rio de Janeiro, aberta no dia 11 de agosto, Dia
dos Advogados e da criação dos cursos jurídicos no Brasil, tem duas especiais linhas de
análise: a articulação de juristas brasileiros que vinham pronunciando-se e atuando na
defesa dos direitos humanos contra atos opressivos do Estado e a identificação pragmática
do conceito de direitos humanos pela OAB, independentemente do desenvolvimento
conceitual antecedente.
Na primeira linha identificamos dois grandes grupos: no primeiro grupo juristas
e advogados que trabalharam o tema no seu sentido amplo, tais como Sobral Pinto, Heleno
Fragoso, Nelson Carneiro, Virgílio Donnici, Osmar Alves de Melo e outros que, direta ou
indiretamente, vinham trabalhando o tema; e, no segundo grupo, juristas e advogados que
estudavam a questão dos direitos humanos em âmbitos disciplinares específicos como:
Eugênio Haddock Lobo, Caio Mario da Silva Pereira, Nehemias Gueiros, Oscar Dias
Correa e Jorge Loretti. Todos eles, de uma forma ou de outra, se envolveram na defesa do
Estado de Direito e/ou da ordem democrática e, dentre eles, muitos, e outros, mais, se
envolveram na defesa de presos políticos, colaborando para a construção de uma das mais
significativas e heróicas páginas da história brasileira da advocacia. H. F. Sobral Pinto,
Augusto Sussekind, Heleno Fragoso, Carlos Araújo Lima, Virgilio Donnicci, dentre os que
(até agora) se envolviam com as políticas e práticas da OAB. Muitos deles estiveram
vinculados à advocacia criminal, como os que estão citados, mas outros militaram na defesa
de direitos trabalhistas, uma outra importante vertente dos direitos humanos ou, mesmo,
trouxeram para o âmbito discursivo dos direitos humanos a questão agrária.
Na outra linha de análise derivada desta Conferência, independentemente das
questões conceituais, podemos concluir, que, topicamente, se enquadravam como temas de
direitos humanos substantivos as questões dos direitos fundamentais (direito à vida, à
liberdade, inclusive de pensamento); do bem estar social (nas suas diversas vertentes:
trabalho e emprego, saúde, moradia, previdência social); criminais e penitenciárias (dos
565
crimes políticos, inicialmente, e comuns); do direito de greve; do direito à terra; do “direito
do consumidor” (como mais tarde se definiu e na sua versão de resistência ao abuso do
poder econômico); do direito à participação político-partidária; do direito de asilo, dos
direitos do menor; da liberdade de associação e direitos de constituição da família. Para
alcançar e proteger estes direitos humanos a Conferência indicou os seguintes organismos
de estado e da sociedade: o Conselho de Defesa da Pessoa Humana CDDPH, a criação do
Ombudsman, Sindicatos Livres, órgãos previdenciários e a Justiça Agrária (como tribunal
administrativo). Para alcançar a defesa dos direitos humanos entendeu-se que seria
importante resguardarem-se as prerrogativas e deveres dos advogados, viabilizar o
funcionamento de partidos políticos, fortalecer a tutela (jurídica) judicial e jurisdicional,
implementar políticas (razoáveis) de tributação, estender o mandado de segurança para
crimes políticos e para a proteção da liberdade de imprensa (não propriamente como
questão temática, mas indicada na conclusão) e não fazer qualquer concessão restritiva ao
direito de habeas corpus.
Como se verifica, estas duas vertentes de palestras sobre os direitos da pessoa
humana, nas suas subdivisões, muito bem demonstram as preocupações da OAB com a
situação nacional, abordando a questão da perspectiva de organização do estado e das
políticas de ação. Alguns temas excedem, até pela novidade da questão. Outros, todavia,
não foram ressaltados como tema de palestras, como, por exemplo: a importância do
habeas corpus, muito embora abordado no pronunciamento de Heleno Fragoso, assim
como não se tratou de instrumentos processuais específicos de defesa dos direitos humanos,
como mais tarde se incentivará a Constituição de 1988, como demonstraremos. Todavia, no
quadro político em que estava imerso o país enfrentar este tema, não apenas era um
indicativo do (futuro) reposicionamento ideológico dos advogados (OAB), como também
de ousadia e luta pela restauração do Estado de Direito.
Esta V Conferência, por conseguinte, diferentemente da anterior, retomou a
discussão temática dos direitos humanos, não apenas da sua perspectiva geral e substantiva,
mas, também, de suas perspectivas políticas e de responsabilidades profissionais dos
advogados, inclusive, o papel dos advogados e do Judiciário nos procedimentos para sua
tutela.
566
Heleno Cláudio Fragoso, na sua conferência inaugural, indicou os seguintes
posicionamentos conclusivos:
Não pode haver efetiva proteção e tutela dos Direitos Humanos, senão no Estado de
Direito, onde o primado da lei ponha as liberdades fundamentais a salvo do arbítrio e
da preponderância dos governantes, através de regime de segurança jurídica. No
aperfeiçoamento, defesa e efetiva realização dos Direitos do Homem, destaca-se a
responsabilidade dos advogados. Essa responsabilidade não pode ser eficazmente
desempenhada senão com respeito às prerrogativas profissionais e independência no
exercício da profissão (...). Não pode haver defesa eficaz dos Direitos do Homem sem
que esteja assegurada a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário. (...) O
Ato Institucional n.° 5 é incompatível com o Estado de Direito. A defesa da ordem
pública e da segurança nacional pode e deve ser realizada sob o império da lei,
inclusive com o exercício de poderes excepcionais em situações de emergência, por
tempo limitado, com as garantias da lei.
914
Deve o governo brasileiro praticar os pactos internacionais relativos aos direitos
econômicos, sociais e culturais e aos direitos civis e políticos com o seu Protocolo
Facultativo (ONU), bem como a Convenção Interamericana dos Direitos do Homem (OEA)
por constituírem instrumentos de maior importância e significação na tutela jurídica dos
direitos humanos, no plano internacional.
Nesta mesma linha concluiu o relator Jorge Lorett:
Os Direitos Humanos estarão tanto mais protegidos quanto menor o conflito entre a
justiça – que tem como essência a igualdade – e o instrumental, representado pelo
Direito positivo e pela organização judiciária, necessários para alcançar-se aquele
objetivo final e superior. A proteção dos direitos humanos impõe, no sistema brasileiro,
a supremacia efetiva do Judiciário, sobre outros poderes estatais e condições que dêem
plena independência ao Juiz. A proteção aos Direitos Humanos, no regime brasileiro,
exige que o sistema judicial seja eficiente, célere e econômico.
915
Semelhantemente, Haroldo Valadão:
O homem tem direito a uma justiça democraticamente organizada nas bases da
descentralização na 1ª e 2ª instâncias, (economicidade) e e comodidade dos
jurisdicionados, da carreira judicial com especialização, estabilidade, tempo integral e
vencimentos correspondentes, acesso mediante cursos de atualização e de
aperfeiçoamento, responsabilidade efetiva e independência, vitaliciedade e
irredutibilidade de vencimentos, na tradição constitucional republicana brasileira. Os
914
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974,
p.p 105-132.
915
Ibid., pp. 269-287.
567
homens tem direito a exigir e obter o controle judiciário da constitucionalidade e da
legalidade dos atos da administração pública e dos abusos de poder.
916
Oscar Dias Correa, observando os mesmos princípios orienta:
A luta pelos direitos humanos começa no próprio âmbito interno dos Estados, com a
oposição multissecular e permanente Estado-cidadão, autoridade-liberdade, onde, pois,
surge o primeiro desafio. Apesar de toda a casuística da legislação interna que os
protege, nem assim se põem a salvo dos abusos. É essencial à defesa dos Direitos
Humanos a existência do Poder Legislativo livre, respeitado e independente, sendo
imprescindível o retorno das imunidades parlamentares para assegurar a livre
manifestação do pensamento, elementar ao exercício de mandato pelos membros do
Congresso. Constitui exigência inadiável a revogação imediata do art. 10 do Ato
Institucional nº 5/68,
917
que suspende a garantia constitucional do habeas-corpus,
instrumento essencial à defesa dos direitos de liberdade contra a prisão ou detenção
arbitrárias. 8. Deve ser fielmente observada a norma da comunicação obrigatória de
toda e qualquer prisão ou detenção, tendo em vista os repetidos e constantes abusos
praticados.
918
Sobre as questões urbanas, nesta mesma Conferência, foi importante o
pronunciamento de Clóvis Ramalhete, onde conclui: A alta concentração demográfica
urbanizada (região Centro-Leste, Industriais) e os imensos vazios do território
recomendam um Planejamento Nacional da Urbanização: o Brasil deve semear cidades;
E sobre a Reforma Judiciária Jorge Fernando Loretti, onde destaca em seu
pronunciamento:
Os quadros da organização judiciária devem crescer paralelamente com a população,
sob pena de congestionamento incontornáveis; as fórmulas, o trabalho e o andamento
dos processos devem ser simplificados, adotando-se, para aumentar, entre outras
medidas, a eficiência e a rapidez:
919
Já sobre a questão agrária Paulo Bittencourt, por exemplo, nas suas
observações, concluiu:
916
Ibid.
917
Assim dispunha o referido artigo: Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus , nos casos de
crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
918
Ibid.
919
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de
1974p.105-132.
568
A terra constitui para o homem que a lavra, a base da sua estabilidade econômica,
fundamento do seu progresso e bem-estar e garantia da sua liberdade e dignidade; e a
Reforma Agrária, consagrada no Estatuto da Terra, é o instrumento da realização desse
direito. Urge ao Governo implantar a Reforma Agrária, procedendo desde logo ao
levantamento, nas regiões já declaradas de prioridade, dos latifúndios, assim como a
formulação dos respectivos projetos de divisão dos primeiros (e reagrupamento dos
minifúndios), com os necessários programas de infra-estrutura e de organização dos
serviços complementares de assistência técnica, creditícia e de mercadeio ou
cooperativas, de modo a poder efetivar o correio assentamento dos parceleiros;
920
De qualquer forma, não há como desconhecer que a elite do pensamento
jurídico brasileiro enfrentou a questão do estado autoritário como uma questão de violação
dos direitos humanos,
921
nas suas diferentes dimensões humanas, nas suas diferentes
dimensões disciplinares, nas não enfrentou a questão como uma nova discussão sobre o
conceito de direito, e seus limites e sobre o conceito de Estado de Direito como Estado
Democrático. A interconexão destes temas, e o seu aprofundamento conceitual, ocorrerão
com o tempo, muito embora desta Conferência se conclua que estava definido o
compromisso dos advogados com os direitos humanos mesmo que se o entenda na sua
segmentação pragmática.
Nesta linha, a V Conferência entendeu como direitos humanos as seguintes
repartições do conhecimento jurídico: garantias individuais, direito do trabalho, direito de
família, urbanização, direito e asilo, participação política, direito dos menores, acesso à
cultura, liberdade de associação, direito à vida, previdência social, liberdade de
manifestação do pensamento, direito agrário, direitos políticos, garantias sociais, direitos
dos presos. Estes direitos para se alcançarem exigiam: pleno funcionamento do CDDPH,
efetiva prestação jurisdicional pelos tribunais, efetiva aplicabilidade do hábeas corpus e do
920
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974, pp
675-685.
921
Efetivamente a demonstração desta afirmação foi a contribuição de Paulo Mercadante na organização do
encontro. Como observa Mario da Silva Brito (no prefácio de M
ERCADANTE, Paulo. Consciência
Conservadora no Brasl. 3ª ed. Rio de Janeiro: Top books Editora, 1980), livro tantas vezes citado nesta Tese:
é um pensador que se vale da história para atuar como sociólogo, citando Salviolli: O presente ainda depois
das mais profundas revoluções morais e sociais liga-se ao passado por vínculos tais que não se poderiam
romper sem torná-lo um enigma. A leitura de Mercadante, permite afirmar que se encontra em seu
pensamento esta característica do elitismo conservador no brasileiro: a conciliação e a característica essencial
do ecletismo político dos conservadores no Brasil. Façamos no governo o que reclama a oposição (p. 291).
Aliás, no prefácio da edição de 1965 (1ª edição) comentando a ação revolucionária de 1964, observa que a
radicalização se fragiliza no momento mesmo que o formalismo [do Ato] começa a absorver a dinâmica da
[ética] revolucionária. Haverá um compromisso que se seguirá à elaboração de um ‘ethos’ legalista,
contendo um novo núcleo de equilíbrio (p. 56).
569
mandado de segurança, reconhecimento efetivo das prerrogativas dos advogados, repressão
ao abuso do poder econômico, partidos políticos organizados, administração pública
eficiente, tribunais agrários e respeito às normas de trânsito.
Finalmente, cabe observar que, dentre as conclusões mais importantes da
diferentes teses pode se destacar as seguintes assertivas organizadas pela Comissão de teses
que:
Reafirmar a responsabilidade dos advogados no aperfeiçoamento, defesa e efetiva
realização dos direitos humanos,
exortando ainda o governo brasileiro a ratificar os pactos internacionais relativos aos
direitos econômicos, sociais, culturais e aos direitos civis e políticos reconhece que o
Ato Institucional nº 5, é incompatível com o Estado de Direito,
afirma que não pode haver defesa eficaz do direitos do homem sem que esteja assegura
a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário, bem como de um poder
legislativo livre, respeitado e independente; e
declara que é inadiável o restabelecimento do hábeas corpus, essencial á defesa dos
direitos de liberdade contra a prisão ou detenção arbitrária
922
Apoiando-se nestas vertentes gerais a Carta da V Conferência não se restringiu,
todavia, à questão dos direitos humanos, mas desenvolveu-se numa linha crítica à ordem
revolucionária, como se pode verificar das conclusões que seguem:
É essencial à defesa dos Direitos Humanos a existência do Poder Legislativo livre,
respeitado e independente, sendo imprescindível o retorno das imunidades
parlamentares para assegurar a livre manifestação do pensamento, elementar ao
exercício de mandato pelos membros do Congresso. O ‘direito à manifestação do
pensamento’ é corolário lógico e indispensável de liberdade de pensar, e essencial à
defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. (Haryberto de Miranda
Jordão). Constitui exigência inadiável a revogação imediata do art. 10 do Ato
Institucional nº 5, que suspende a garantia constitucional do habeas-corpus,
instrumento essencial à defesa dos direitos de liberdade contra a prisão ou detenção
arbitrárias. Deve ser fielmente observada a norma da comunicação obrigatória de toda
e qualquer prisão ou detenção, tendo em vista os repetidos e constantes abusos
praticados. (Os advogados resolvem) propugnar pela compatibilização das medidas
repressivas, adotadas mediante invocação da segurança nacional, com os direitos
individuais consignados na Carta Política do país, ou expressos na "Declaração
Universal dos Direitos do Homem”, assim como com as leis (de processo e materiais)
concernentes aos delitos políticos; denunciar às autoridades superiores do Poder
Executivo, aos órgãos do Ministério Público, ao Poder Judiciário e a todas as entidades
qualificadas para tal, pelas suas atribuições e idoneidades, as violações dos direitos
922
Ibid., pp. 130/32.
570
humanos, quaisquer que elas sejam, resultantes de leis ou medidas para as quais se
invoquem razão de segurança nacional. (Miguel Seabra Fagundes). Condenar o abuso
que se tem feito do conceito de segurança nacional para efeitos repressivos, abrangendo
fatos que não atentam contra o interesse político da nação. A integração das respectivas
normas internacionais na lei nacional é perspectiva que daria maior eficácia à proteção
dos direitos humanos (Miguel Seabra). A liberdade de manifestar o pensamento é
indispensável, um direito que a todos deve ser assegurado, facultando-se-lhes todos os
meios para manifestar o pensamento, que vão desde a palavra até os mais sofisticados
processos que atualmente permitem sua transmissão, a de escritos ou a de imagens. Em
nenhuma hipótese o "direito à manifestação do pensamento" pode ser cerceado e
ilegítimas são todas as medidas nesse sentido tomadas, que, invariavelmente, destinam-
se a impor determinadas idéias, proibindo o livre debate para assegurar a permanência
de espúrios regimes de força. Que somente regimes policiais militares ou os seus
apologistas é que sustentam, pregam e praticam as mais vaticinadas e arbitrárias
restrições ao direito de livre manifestação do pensamento. O direito de livre
manifestação do pensamento é liberdade fundamentai em todos os Estados
democraticamente organizados e só ele dignifica o homem e permite que progrida
através do livre debate de todas as idéias e sem temores de quaisquer espécie ou
natureza. A Segurança Nacional tem sido invocada para estabelecer restrições
ilegítimas e arbitrárias ao direito de manifestação do pensamento. (Haryberto de
Miranda Jordão). (Os advogados exigem a) Restauração da plenitude do exercício do
direito de greve econômica, sem discriminação da atividade do empregador e sem
imposição de excesso de formalidades que impedem ou dificultam o processo de
autorização e deflagração do movimento grevista, cabendo ao executivo tão somente
policiar a finalidade dessa medida legitima, a fim de evitar o seu desvirtuamento, isto é,
a utilização do instrumento da greve para fins políticos, e ao Judiciário Trabalhista
apreciar os requisitos mínimos, ou seja, o aspecto da legalidade, sem, contudo,
sobrestar o movimento, se baldada a negociação, for instaurado dissídio coletivo.
(Eugênio Haddock Lobo).
923
Neste contexto de opiniões muitas foram as posições sobre o CDDPH, criado
em 1964 e regulamentado em 1968, mas destacou-se a posição de Nelson Carneiro,
concluindo:
O Conselho mergulhou numa fase de desinteresse e ninguém sabe, nem por ouvir dizer
de qualquer deliberação que haja punido responsável por infração aos direitos da
pessoa humana. Para ser fiel à verdade, e não deixar que prosperem entre nós,
descabidas ilusões, a V Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil não
pode deixar de clamar pela revisão das leis e decretos relativos ao funcionamento do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a fim de que, deixando de ser um
órgão meramente decorativo, se transforme em um fórum onde tais direitos possam ser
realmente advogados e defendidos. Porque somente isso justifica sua existência. As
Declarações de Direitos, na órbita internacional abrangendo direitos civis, políticos,
culturais, econômicos, sociais evoluíram no sentido não apenas de estender-se a todos
os direitos humanos, como de efetivar-se, com proteção permanente e eficaz. A
internacionalização da proteção dos direitos humanos não impediu, contudo, continuem
as Declarações destituídas de obrigatoriedade jurídica, embora se lhes reconheça valor
jurídico e se acentue o Direito Internacional sobre por-se à competência dos Estados na
923
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974,
p.581-606.
571
matéria. 0 grande problema permanece o da efetividade desses direitos, da asseguração
de sua garantia. A elaboração dos dois Pactos Internacionais referentes aos Direitos
Humanos ainda não lhes deu validade, já que não ratificados por número suficiente.
Impõe-se, por isso, lutar para que sejam ratificados por todos os Governos, a começar
do Brasil.
924
A linha mais insistente, todavia, dos pronunciamentos, foi, exatamente, sobre o
papel da OAB na defesa dos direitos humanos. Podemos destacar os seguintes enxertos de
pronunciamentos:
A V Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil recomenda ao Conselho
Federal examinar a possibilidade de baixar provimento determinando serem incluídos
na Carteira Profissional, além do elenco dos deveres e direitos dos advogados, contido
nos arts. 87, 88 e 89 dos Estatutos, mais os arts. 68 e 69, que os devem preceder como
prerrogativas fundamentais dos membros da classe.
925
A V Conferência Nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil manifesta a esperança de que as autoridades do País,
fiéis aos princípios que presidem aos destinos do Estado de Direito, cumpram e façam
cumprir, na sua plenitude, o elenco dos direitos e das prerrogativas da advocacia, hoje,
sabidamente violado, com freqüência inquietante. (Nehemias Gueiros). A Ordem dos
Advogados do Brasil, no cumprimento de sua missão primordial de defensora da ordem
jurídica, tem o dever de situar-se em posição de vigilância, denunciando todas as ações
ou omissões da Administração Pública, que importem em violação aos direitos
humanos. Cabe aos advogados a defesa dos postulados que se inserem nos artigos VIII,
X e XXI, 1, 2 e 3, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
926
(Jorge Loretti). Os
924
Ibid.
925
Assim dispunha respectivamente os artigos do Estatuto da OAB de 1963: Art. 68. No seu ministério
privado o advogado presta serviço público, constituindo com os juizes e membros do Ministério Público,
elemento indispensável à administração da justiça. Art. 69. Entre os juizes de qualquer instância e os
advogados não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíproco.
926
Assim prescrevem esses dispositivos, respectivamente: Art. 8º Toda pessoa tem direito a receber dos
tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe
sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Art. 10 Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a
uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus
direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. Art. 21. §1º. Toda pessoa tem
o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente
escolhidos. §2º. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. §3º. A vontade do
povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas,
por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Art. 1º
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem
agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Art. 2º Toda pessoa tem capacidade para gozar
os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição
política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um
território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de
soberania. Art. 3º Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (Biblioteca Virtual de
Direitos Humanos da Universidade de São Paulo. Comissão de Direitos Humanos. In:
www.direitoshumanos.usp.br/principal.html).
572
advogados do país devem congregar-se em torno do Conselho Federal, e dos Conselhos
Secionais e das Diretorias das Subseções, em resguardo da independência da advocacia
e da Ordem dos Advogados do Brasil. (Justino Vasconcelos). Mediante decisão do
Conselho Federal, deve ficar expressamente estabelecido, como autônomo dever
profissional do Advogado, o de pugnar, por todos os meios e modos, pela efetiva
observância dos Direitos e Liberdades Fundamentais do Homem, universalmente
consagrados. (Fernando Andrade de Oliveira).
927
Com o crescimento das críticas ao CDDPH e sua imobilidade funcional, muitos
pronunciamentos dirigiram-se para a necessidade de se fortalecer internamente os pactos
internacionais.
928
Dentre estes pronunciamentos, podemos destacar a opinião de Heleno
Cláudio Fragoso:
Deve o Governo brasileiro ratificar os Pactos Internacionais relativos aos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e aos Direitos Civis e Políticos com o seu Protocolo
Facultativo (ONU), bem como a Convenção Interamericana dos Direitos do Homem
(OEA); por constituírem instrumentos da maior importância e significação, na tutela
jurídica dos Direitos Humanos, no plano internacional. A integração das respectivas
normas internacionais, na lei nacional é perspectiva que daria maior eficácia à
proteção dos direitos humanos.
929
Na mesma linha se pronunciou Miguel Seabra Fagundes:
Propugnar pela compatibilização das medidas repressivas, adotadas mediante
invocação da segurança nacional, com os direitos individuais consignados na Carta
Política do País, ou expressos na "Declaração Universal dos Direitos do Homem", bem
como assim com as leis (de processo e materiais) concernentes aos delitos políticos.
Denunciar às autoridades superiores do Poder Executivo, aos órgãos do Ministério
Público, ao Poder Judiciário e às rodas das entidades qualificadas para tal, pelas suas
atribuições e idoneidades, as violações dos direitos humanos, quaisquer que elas sejam,
resultantes de leis ou medidas para as quais se invoquem razão de segurança nacional;
Condenar o abuso que se tem feito do conceito de segurança nacional para efeitos
repressivos, abrangendo fatos que não atentam contra o interesse político da nação.
(Miguel Seabra Fagundes).
930
927
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974.
928
Nesta mesma linha, o Conselheiro Sobral Pinto conforme Ata da 1350ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária
do CF.OAB de 18 de janeiro de 1977 leu manifestação recente de SS. o Papa contra violências e infringência
dos direitos humanos, que vem ocorrendo no mundo.
929
Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de 1974,
pp.105-132.
930
Ata da 1316ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de setembro de 1974 indica que foram
lidos ofícios da Secretaria de Educação e Cultura da Guanabara, da Assembléia Legislativa da Guanabara, das
seccionais do Pará e Goiás e do Comitê Jurídico Interamericano congratulando-se com o êxito da V
Conferência.
573
Ribeiro de Castro, Presidente no biênio abril/73 a abril/75, em toda a sua
gestão, portou-se com independência e coragem, efetivamente restaurando a discussão
sobre os direitos humanos, no contexto de aridez repressiva, base referencial dos novos
políticos que presidirão a ação futura da OAB e, decisivamente influirão na nova (futura)
Constituição. Muitas vezes passou da teoria à prática, da simples manifestação do
pensamento à ação, locomovendo-se, pessoalmente, aos quartéis para exigir garantia e
respeito aos direitos e liberdade para os cidadãos e advogados perseguidos e
desaparecidos.
931
No seu Discurso de encerramento da V Conferência, Ribeiro de Castro foi
veemente:
Nesta noite, que é um fecho de uma jornada que vai ficar na história de nossa Pátria, se
me fosse permitido fazer uma conclamação, eu vos convocaria, a vós, advogados, meus
colegas e companheiros de ideal, para que assumíssemos um compromisso solene. Os
direitos estruturais do homem devem sobrepairar às vicissitudes das controvérsias
políticas e se situar acima do Poder e das maiorias governantes. Essa seria a minha
convocação: o compromisso dos advogados brasileiros no sentido de que não faltem a
essa posição. Se tanto fizermos, muito teremos feito. Os tecnocratas continuarão em
função das máquinas e nós seremos os defensores do homem.
932
Esta V Conferência, na verdade, lançou as bases dos futuros pressupostos de
ação política das diferentes conferências sucessivas e, posteriormente, em grande parte,
debatidos durante o período constituinte (1986-1988) e, posteriormente, institucionalizados
em 1988 pela Constituição de 5 de outubro. Em todos os pronunciamentos ficou visível,
todavia, a firme posição da OAB sobre os excessos do poder central na violação e na
restrição aos direitos humanos, sem que predominasse posições ruptivas. De qualquer
931
Entre outros, dois exemplos são típicos dessa afirmativa. O caso do advogado José Carlos Brandão
Monteiro: este advogado, perseguido por questões políticas, nem sequer podia locomover-se da sua
residência. Ribeiro de Castro o conduziu à presença do então comandante do 1º Exército – General Reinaldo
de Almeida, conseguindo restabelecer sua liberdade. J. Bernardo Cabral, em depoimento pessoal a este
pesquisador (em 11/05/2006) reconhece Cícero, o grande orador e jurista romano, que sem o seu decisivo
papel na resistência não teriam sido tão importante o papel da OAB na abertura. O caso do advogado e
jornalista Jayme Amorim Miranda, seqüestrado em 04.02.75, até hoje desaparecido, sensibilizou Ribeiro de
Castro do I Exército na tentativa de localiza-lo, embora não tenha obtido êxito – Cfr. Desaparecidos Políticos
– Organizadores Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, Edições Opção, p. 64/79, 1979.
932
Cf. Anais da V Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil. Rio de Janeiro, 11 a 16 de agosto de
1974, p. 101.
574
forma, é muito importante ressaltar, que esta Conferência, foi em toda a sua extensão
perpassada pela questão do Estado de Direito, ficando visível, no seu panorama, que aos
advogados cabia a defesa e a luta pelo Estado de Direito e pela consagração jurídica dos
direitos humanos, seja no plano interno, seja no plano internacional.
Finalmente, estiveram presentes nos pronunciamentos opiniões e
posicionamentos sobre a Reforma Agrária, a Reforma Urbana e a Reforma Judiciária, que
remanesceram, na história das conferências, como temas residuais, muito embora, o tempo
venha demonstrando a importância e a relevância da OAB debater estas questões,
pressupostos do Estado de Direito e variáveis dos direitos humanos, significativamente
aprofundadas nas conferências que antecederam a Carta Constitucional de 1988. A V
Conferência, apesar de ter sido realizada no período mais conturbado da OAB, quando, por
um lado, não se conseguiu viabilizar o CDDPH e se enfrentava a violação dos direitos dos
advogados e, por outro, confrontava-se com o poder central que lhe procurava impor a
subordinação ao Ministério do Trabalho, ocorreu em clima de tranqüilidade e restaurou o
projeto prospectivo da OAB: a luta pelos direitos humanos, mesmo reconhecendo o
fracasso do CDDPH.
933
A história das Conferências não demonstra que a questão das reformas,
especialmente estruturais (de base), tenha sido tema de preocupação sistemática dos
advogados, reforçando a tese, de que, pelo menos, até 1988, as suas preocupações estavam
voltadas para apresentar aos problemas nacionais alternativas jurídicas constitutivas do
universo sistemático do Direito. A questão das reformas estruturais, e mesmo da
Democracia, somente foi problema de preocupação conceitual, enquanto questões
constitutivas do Estado de Direito, razão pela qual o caminho da democratização estava
mais realizável, era mais pragmático, do que o caminho das reformas.
De qualquer forma, o tempo histórico demonstrará que a democratização não
necessariamente levaria às reformas estruturais, mas levaria à ampliação dos direitos civis,
coletivos e difusos, assim como o projeto das reformas estruturais poderia afastar a OAB da
luta política, fortalecendo os seus compromissos com o texto constitucional e a defesa da
933
Ata da 1.317ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária de 22 de outubro de 1974, informa que o Conselheiro
Rubens Ferraz apresentou indicação visando ao exame pelo Conselho, do Projeto de Lei nº 2307/74 (D.C.
15/10/1974) que mutila o Estatuto da Ordem em partes essenciais. Foi concedida urgência regimental pelo
Presidente, sendo designado Relator o Conselheiro Heryberto Miranda Jordão (Processo CP nº 1593/74).
575
legalidade. Para a OAB estava conectada a relação constituição sociedade civil, e o
aprofundamento social das demandas representaria a ruptura com a legitimidade
juridicamente suportável. Em 1988 evidenciou, como veremos, que a democracia é um
pressuposto do Estado de Direito, assim como a história vem demonstrando que as
reformas civis e retributivas também o são da democracia, inclusive para viabilizar a
funcionalidade do Estado de Direito, não sendo, todavia, absolutamente verdadeiro que as
reformas distributivistas possam desequilibrar a estabilidade democrática, na ausência de
instrumentos funcionais juridicamente apropriados.
O conceito de Estado de Direito está intimamente associado ao conceito de
democracia, assim como o conceito de democracia está associado ao reconhecimento
efetivo dos direitos humanos que, por sua vez, não pode estar desconectado do conceito de
justiça social, como distribuição equânime da riqueza socialmente acumulada.
7 – Eleições, Moderação e Radicalização
O período que seguiu a V Conferência foi exatamente marcado pela
radicalização política e pelas conseqüentes prisões, invasão de escritórios, vasculhamento e
seqüestros de advogados,
934
o que levou o Conselho Federal a sucessivas reações. Neste
934
Ata da 1322ª Sessão Extraordinária da 45ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 7 de março de 1975. Consta
que o presidente Ribeiro de Castro informou sobre a prisão e violência sofridas pelos advogados Jaime de
Amorim Miranda e Roberto Camargo. Desta Ata também consta amplo relatório sobre os contatos realizados
com autoridades, bem como as violências que foram praticadas no DOPS, inclusive agressões físicas e
torturas. A narrativa do próprio Roberto Camargo que se refere também as prisões de Celso da Silva Soares e
Humberto Jamsen Machado é um dos mais tristes documentos da história da OAB, provocando manifestações
dos ex-presidentes Aroldo Valadão, Nehemias Gueiros e dos conselheiros Susseking de Moraes Rego,
Virgilio Donnicci,. Bernardo Cabral, Jorge Tavares e outros. Da mesma forma a Ata da 1323ª Sessão
Extraordinária da 45ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de março de 1975 consta telegrama de
solidariedade a Seccional do Rio Grande do Sul do presidente Ribeiro de Castro protestando contra a prisão
do advogado Fernando Barcelos de Almeida e José Gay Cunha. Ata da 1329ª Sessão da 45ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 22 de julho de 1975 dá também noticias de contatos realizados pelo novo presidente
com o Ministério da Justiça tendo em vista a prisão de advogados na Bahia. O conselheiro Marcus Heusi
Netto nesta mesma sessão solicita que se faça comunicado público de protesto sobre as sucessivas prisões de
advogados pedindo que se oficie ao presidente da república para cessar a prática ilegal. Inclusive criando-se
comissão para ir até o presidente da república para relatar inclusive o resultado dos exames do corpo de delito
dos advogados José Maria e José Oscar, relatados pelo conselheiro José Luiz Barbosa Clerot. Ata da 1332ª da
45ª Reunião Ordinária comunica prisão do advogado Olavo Perquó.
576
período, todavia, iniciaram-se os procedimentos para a eleição do biênio 1975/1977, antes,
todavia, o presidente Ribeiro de Castro, foi homenageado pela sua condução e posições
adotadas na defesa dos advogados. O Conselheiro Sobral Pinto fez o seguinte
pronunciamento em seu nome e no de toda a delegação do extinto Estado da Guanabara e
de todos os membros do Conselho:
935
.
(...)V. Excia. desempenhou o cargo com inteligência, habilidade, lucidez e bravura,
vigilância e independência realizando, sob todos os aspectos, uma administração
modelar (...). foi um Presidente extraordinário, pelos inestimáveis serviços que prestou
à independência, prestígio e autonomia da nossa classe, e ao exercício livre e amplo da
advocacia.
936
Os trágicos acontecimentos que sucederam à V Conferência, nos últimos
tempos da gestão do Presidente Ribeiro de Castro colaboraram para a eleição do moderado
jurista brasileiro, o civilista Caio Mario da Silva Pereira que obteve 19 (dezenove) votos
para presidente sendo eleito para Vice-Presidente o combativo penalista Heleno Cláudio
Fragoso, para secretário geral Oswaldo Astolpho Rezende e para subsecretário Raul de
Souza Silveira, ficando eleito como tesoureiro Rubens Ferraz,
937
seguindo-se na tarde do
mesmo dia a Sessão solene de posse. O conselheiro tesoureiro Rubens Ferraz veio, logo,
todavia, em seguida, a renunciar, o que foi aprovado pelos conselheiros, sendo em sua vaga
eleito e empossado Ernesto Pereira Borges.
938
935
Ver anexo a Ata da 1335º Sessão da 45ª Reunião Ordinária do C.F.OAB de 9 de dezembro de 1975. Onde
esta a integra do texto.
936
Ata da 1323ª Sessão Extraordinária da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de março de 1975.
937
Ata da 1324ª Sessão de Instalação da 45ª Reunião Ordinária CF.OAB de 1º de abril de 1975.
938
Ata da 1325ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 8 de abril de 1975. Ver anexo da Ata da
1335ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do C.F.OAB de 9 de dezembro de 1975 onde consta o documento
oficial de renuncia. Ata da 1348ª da 46ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 15 de dezembro de 1976, informa
que o tesoureiro Ernesto Pereira Borges renunciara e convocada nova eleição para apreciar o ato foi eleito o
Edgar Gueiros do Vale que foi imediatamente empossado.
577
7.1. O Dilema da Vinculação ao Ministério do Trabalho
Imediatamente a posse da nova diretoria os debates da OAB foram tomados
pela questão do atrabiliário decreto que vinculou a OAB ao Ministério do Trabalho com
sucessivos pronunciamentos que rejeitavam a atitude do governo federal, sendo que foram
repassadas informações no sentido de se esclarecer que o Ministério do Trabalho estava
realizando estudo para total desvinculação da Ordem,
939
as disposições dos decretos
74.000/74 e 74.296/74. Inclusive sobre esta matéria o presidente da seccional do Rio
Grande do Sul informara que o governo estava realmente empenhado em rever o Decreto nº
74.000, muito embora figurasse a idéia de que a Ordem deveria prestar contas ao Tribunal
de Contas.
940
As reações a esta notícia foram as mais radicais que se poderiam esperar,
principalmente porque o Procurador Geral substituto representou junto ao Tribunal de
Contas no sentido de obrigar a Ordem de prestar contas àquela Côrte, cujas razões foram
refutadas pelo conselheiro Sobral Pinto. De qualquer forma, neste contexto, Aviso Circular
(...) [do] Sr. Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Ministro Golbery do
Couto e Silva, atendendo à solicitação do Presidente Ernesto Geisel, [recomendou]
‘providência no sentido de que os órgãos de administração indireta que ainda não
enviaram ao Tribunal de Contas da União os balanços relativos a 1974 e 1975, que
regularizem sua situação perante aquela Corte, no mais curto prazo possível’. Todos
estes fatos, conjugados com as informações que lhe foram transmitidas pelos
Conselheiros Sobral Pinto e Wilson do Egito Coelho, levam a afirmar que existe, de
fato, um processo contra a Ordem dos Advogados, no Tribunal de Contas da União (...).
[Para] o Conselheiro Wilson do Egito Coelho (...) a tendência do Tribunal seria no
sentido de considerar necessária a prestação de contas, ainda que de forma simbólica,
com a remessa direta das mesmas ao Tribunal, após a aprovação pelo próprio
Conselho; que, assim sendo, precisará de uma manifestação do Conselho Federal, pois
considerava o problema grave e que ultrapassa, no seu entender, as atribuições normais
da Presidência. [O Presidente Caio Mario solicitou] (...) que o Plenário se manifestasse
de forma clara como deveria a Presidência agir: negando-se a prestar as contas ou
aceitando a obrigação de prestá-las (...). O Ex-Presidente dr. José Ribeiro de Castro
Filho, mostrou o que tem sido a luta da Ordem pela defesa de sua autonomia, inclusive
contra a aplicação do Decreto 74.000, sustado para um estudo mais acurado dos
939
Ata da 1326ª Sessão da 45ªReunião Ordinária do CF.OAB de 29 de abril de 1975.
940
Ata da 1327ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de maio de 1975, onde consta também
que o conselheiro Raymundo Faoro solicitou que entrevista concedida por Caio Mario ao jornal O Estado de
São Paulo fosse transcrita no órgão de divulgação do Conselho.
578
órgãos governamentais, mas ainda não revogado
941
e terminou por se manifestar de
forma absolutamente contrária a qualquer transigência da Ordem. (...) Colocado a
questão [da] votação [imediata pelo conselheiro Bernardo Cabral] foi, unanimemente,
aprovada [no sentido] de que não deve a Ordem dos Advogados do Brasil prestar
contas ao Tribunal de Contas da União
942
A mais dramática das situações que envolveram presos políticos no Brasil,
lamentavelmente, ocorreu, no exato momento, em que a OAB, buscava uma política de
moderação, por um lado elegendo o presidente Caio Mario e, por outro, prestigiando o
advogado Heleno Fragoso, tradicional defensor dos direitos humanos, com a prisão seguida
de morte por suicídio de Vladimir Herzog, no mesmo local da prisão. Estranhamente este
era o exato momento em que se procurava evitar as visitas de advogados a clientes presos,
o hábeas corpus estava suspenso e a autonomia do Judiciário limitada.
943
Evidentemente, o quadro da convivência política nestes anos da gestão de Caio
Mario foram muito difíceis e, de certa forma, as lutas imediatas dos advogados não tiveram
sucesso. Em primeiro lugar, devido à compressão da OAB, com a sua vinculação ao
Ministério do Trabalho e, posteriormente a tentativa de submeter as suas contas ao Tribunal
de Contas da União transformou-se em sérios indicativos de que as políticas de governo
941
Ver nota 89 neste item deste Capítulo.
942
Ata da 1339ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de maior de 1976. Na Ata da 1343ª da
46ª Reunião Ordinária de 24 de agosto de 1976 consta que a sessão foi transformada em sessão de
homenagem a Juscelino Kubistchek de Oliveira que falecera recentemente. Na ocasião manifestaram-se o
Conselheiro Ribeiro de Castro, Augusto Sussekind. Clovis Ramalhete, Wilson Mirza, Samuel Duarte e
Serrano Neves que lembrou que JK encaminhara ao Congresso Nacional o projeto de estatuto vigente (a
época) da OAB (Lei nº 4215 de 27 de abril de 1963). Ata da 1349ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 15 de dezembro de 1976, o conselheiro Sobral Pinto solicitou um voto de pesar pelo falecimento
do ex-presidente João Goulart que, coincidentemente, sancionara o estatuto da Ordem vigente à época. Nesta
mesma data foi comunicado pelo conselheiro Serrano Neves que as atividades do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana estavam paralisadas a 4 (quatro) anos, o que dava a idéia das condições da luta
por estes direitos no Brasil.
943
Ata da 1333ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do C.F.OAB de 29 de outubro de 1975, consta inclusive que
decreto do Estado do Rio de Janeiro impedia que advogados se entendesse com os seus clientes detidos em
penitenciarias, sucessivamente muitos conselheiros se manifestaram sobre o absurdo da morte de Vladimir
Herzog dentre eles o próprio presidente Ribeiro de Castro, o conselheiro J. B. Viana de Moraes, Silvio Curado
e Heleno Fragoso e ainda Haryberto de Miranda Jordão. Ata da 1336º Sessão da 45ª Reunião Ordinária do
C.F.OAB de 19 de dezembro de 1975 quando foi entregue premio a Medalha Ruy Barbosa ao advogado Dario
de Almeida Magalhães no seu discurso de agradecimento mostrou a gravidade alarmante da crise do poder
judiciário e terminou reafirmando a necessidade da restauração plena das garantias constitucionais, com o
Poder Judiciário em pleno gozo de suas prerrogativas. Ata da 1333ª da 45ª Reunião Ordinária do C.F.OAB de
29 de outubro de 1975, consta, também, Wilson Mirza comunicou que a Secretaria de Segurança Pública já
instaurara inquérito para apurar as responsabilidades de colocação de uma bomba do prédio que funcionava o
Conselho, assim como o atentado a ABI tivera grande repercussão no Conselho.
579
estavam voltadas para impedir a sua autonomia e a expansão política do seu ideário na
defesa não apenas da sua autonomia,
944
mas da liberdade política no país; em segundo lugar
os atentados e prisões de advogados continuaram céleres representando um dos mais
tenebrosos momentos da vida política brasileira, demonstrando que os advogados estavam
sendo constrangidos no exercício de seu próprio ideário profissional, de suas prerrogativas
e direitos para que no exercício delas não defendessem os direitos à liberdade e a
manifestação livre da opinião política dos seus próprios clientes.
No fundo, estes atos, entre si combinados, demonstram que o governo militar
estava mesmo interessado em inviabilizar não apenas a vivência política dos advogados no
cumprimento de sua missão, muito especialmente, na luta pela restauração do Estado de
Direito, mas também o reconhecimento dos seus próprios estatutos. Estes atos de força, no
tempo futuro, resultaram numa intensa mobilização dos advogados para resguardar a sua
própria autonomia, inerente aos seus estatutos, como também para reconhecer as
prerrogativas do exercício profissional, que se estendiam além da defesa dos seus próprios
clientes, na luta pela restauração dos instrumentos essenciais de garantia da liberdade: o
hábeas corpus e funcionalidade regular do Poder Judiciário.
945
Finalmente, remanesceu como movimento de extrema violência judiciária,
como já observamos, a transferência do julgamento de civis envolvidos com a segurança
nacional para a justiça militar, o que se admitia apenas nos períodos de profunda convulsão
social, nunca na amplitude consagrada pela Emenda Constitucional nº 1/69. De qualquer
forma, esta orientação implantada na forma do Ato Institucional nº 5/69, e da Emenda
Constitucional nº 1/69, sofreu sucessivas contestações, não apenas pela sua natureza
944
Diferentes atas e documentos internos da OAB trataram sistematicamente da questão provocada pelo
Decreto 74.000 de 1º de maio de 1974 especialmente o item I do artigo 3º regulamentado pelo Decreto 81683
de 16 de maio de 1978, que vinculou a OAB à estrutura de organização do Ministério do Trabalho e, por
conseguinte, ficariam as suas contas sujeitas ao Tribunal de Contas da União. A questão só foi
definitivamente resolvida na forma do Decreto nº 93.617, de 21 de novembro de 1986, assinado pelo
presidente José Sarney e pelo ministro do trabalho Almir Pazzianoto Pinto que revogou os supras referidos
decretos e dispõe ainda que não será exercida supervisão ministerial sobre as entidades incumbidas da
fiscalização do exercício de profissões liberais, a que se refere o Decreto-Lei nº 968, de 13 de outubro de
1969.
945
A questão da vinculação ao Ministério do Trabalho permaneceu como objeto de informações do Conselho
Federal. Ata da 1363ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de abril de 1978, o presidente
Raymundo Faoro enalteceu os esforços dos ex-presidentes Caio Mario da Silva Pereira e José Ribeiro de
Castro sobre o desfecho da questão, e sobre o brilhante parecer emitido pelo Consultor Geral da República
Dr. Luiz Rafael Mayer [que se manifestou] (...) pela não vinculação da OAB ao Ministério do Trabalho.
580
própria, mas também porque elas integravam o complexo repressivo da segurança
nacional.
946
8 – A OAB e a Retomada da Dogmática Jurídica
As Conferências que antecederam à IV Conferência estiveram sempre marcadas
por temas relevantes do cenário institucional, mas, todas elas, de uma forma ou de outra,
caminharam na discussão da questão dos direitos humanos, exceto a IV Conferência que se
enveredou pela questão das relações entre a ordem jurídica (de segurança nacional) e o
desenvolvimento, o que não impediu a radicalização do regime. A VI Conferência não fez
esta exata opção, mas buscou, numa densa discussão sobre a reforma dos códigos, manter
acesa a luta dos advogados pelos direitos e, muito especialmente sobre sua autonomia
profissional.
Estas posições, todavia, de recuo tático, não favoreceu a retomada dos debates
sobre a restauração democrática, mas, no tempo histórico, podem ter evitado uma
radicalização ostensiva sobre a Ordem ou, mesmo, contribuído para a retomada das
discussões sobre o Estado de Direito e os direitos humanos. O ambiente circunstancial do
período era extremamente desfavorável, mas, nada indica que estes recuos táticos tenham
contribuído para recuos do cronograma da ditadura.
Por outro lado, remanesce sempre a dúvida se as políticas de recuo, em última
instância, na verdade, contribuíram para fortalecer o pensamento dogmático, uma hipótese
constrangedora dos militares e, da mesma forma, do humanismo, que, desde 1962, início
dos debates parlamentares sobre a criação do CDDPH, crescia como parâmetros de uma
nova ideologia jurídica, capaz de influenciar um novo ideário profissional, alternativo ao
liberalismo iluminista (ou jurídico). A dogmática como rediscussão da questão jurídica,
neste quadro compressivo, não foi um recuo político mas um ajuste para se restaurar a
946
Ata da 1367ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de junho de 1978. Nesta mesma Ata se
identificam sucessivas manifestações da gestão de Raymundo Faoro (1977/78) sobre a imprescindível
necessidade de mudar a Lei de segurança nacional, assim como a necessária anistia como forma de pacificar e
reconciliar os brasileiros
581
preocupação com o Estado de Direito acachapado pelo autoritarismo político. Melhor
assim, reconheceu à época.
947
As conferências que antecederam à VI Conferência Nacional da OAB, que se
realizou em Salvador, entre 17 e 22 de outubro de 1976, presididas por Caio Mário Pereira
da Silva, eleito Presidente para o triênio de 1975 a 1977, evoluíram, sempre, neste sentido,
num quadro de opções entre a velha dogmática, como tradução discursiva da ciência do
Direito, sempre comprometendo, paradoxalmente, o romanismo clássico com o liberalismo
iluminista, aliás historicamente justificável,
948
o humanismo jurídico, que se desdobrava do
iluminismo jurídico (ou liberalismo iluminista), procurando ampliar os seus limites
formalistas, e o projeto sempre rejeitado do que poderíamos denominar
“desenvolvimentismo jurídico”, uma tentativa de sobreviver o direito como forma de
pensar o progresso.
As duas primeiras grandes vertentes não propriamente entre si representaram
uma contradição, senão no tempo, com a consolidação ideológica do humanismo jurídico,
todavia, permeado pelos institutos do individualismo liberal. A terceira vertente, todavia,
não alcançou guarida no discurso ou na retórica jurídica, nem ao menos na sua vertente
estatista trabalhista, herdeira moderada e eclética do corporativismo dos anos de 1930, que
sobreviveu até os anos de 1960, que, paradoxalmente, encontrou no esquerdismo
revolucionário pontos comuns de acomodações, nem, muito menos, no reverso da própria
vertente, o estatismo direitista, uma trágica ruptura com os ideais que acionaram a reação,
em 1964 ao estatismo trabalhista.
É claro, nem muito menos este é o objetivo deste intróito esclarecedor, que
eram estas vertentes, tipos puros de manifestação ideológica, mas eram tipos interconexos,
situações flutuantes que, nem sempre se repeliam, mas também, nem sempre entre si se
acomodaram. Nos dois primeiros tipos, na sua própria explicação, está visível que não
evoluíram com autonomia, mas em conexão, assim como o terceiro tipo, nas suas duas
ambas manifestações, apesar da natureza estatista, na prática conviveram com ideais
947
Ibid.
948
Esta espinhosa questão da capacidade de adaptação do liberalismo ao pluralismo jurídico (cultural),
mesmo em situações do pensamento jurídico recorrente está excelentemente presente em Rawls, John. O
Liberalismo Político. 2ª. São Paulo: Ática, ver especialmente § 1º “O Razoável e o Racional”, p. 92 e, ainda,
Capítulo: “A Idéia da Razão Pública”, p. 262 a 298.
582
liberais e, da mesma forma, o estatismo não fora excludente do desenvolvimento com
capital externo.
O que nos preocupa, neste quadro tipológico, por conseguinte, é mostrar,
apenas, que os dois subtipos do terceiro tipo não conviveram harmonicamente com os dois
primeiros tipos que evoluíam, claramente, de clássicas concepções jurídicas. Neste sentido,
a retomada dogmática da Conferência de 1976, foi um tranco nas conferências anteriores
que ficaram marcadas pela profunda cisão entre os propósitos liberais-democráticos, que
sempre influíram no projeto institucional da OAB, e o projeto autoritário e
desenvolvimentista dos militares e tecnocratas governantes. Institucionalmente, não há
como desconhecer, os agentes do projeto político revolucionário vitorioso, não apenas
romperam com seus aliados históricos, o corpo da elite liberal dos advogados, mas, mais do
que isto, impuseram à OAB vínculos de subordinação ao Ministério do Trabalho, como já
observamos, desconhecendo, inclusive, os seus estatutos aprovados em 1963, a grande
conquista da classe como classe de profissionais liberais.
Politicamente, por outro lado, o Brasil, independentemente vivenciava o
polêmico processo da distensão lenta e gradual promovida pelo governo Geisel, que,
todavia, desagradava aos setores mais ortodoxos do Exército, “bolsões sinceros, mas
radicais”, nas palavras do Presidente. Esta política de distenção, incentivada pela figura
emblemática do movimento militar, o antigo chefe dos serviços de informação, agora, chefe
do Gabinete Civil, Golbery do Couto e Silva,
949
provoca uma série de reações ativas que
levaram a atentados da maior gravidade e provocaram, inclusive, o assassinato do jornalista
Wladmir Herzog, em (outubro) 1975,
950
e do operário Manuel Fiel Filho, em janeiro
de1976, ambos mortos nas dependências físicas do DOI-CODI paulista, órgão vinculado à
949
Golbery estagiou nos EEUU no Fort Lea Venworter. Colaborou para desenvolver a doutrina de segurança
nacional e idealizou o Serviço Nacional de Informações criado pela Lei nº 4341, de 1964, como órgão da
Presidência da República para coordenar e superintender atividades de informação e contra informação que
interessem especialmente à Segurança Nacional. O didático livro de Ana Lagoa sobre como funciona e como
se organizava o Serviço Nacional de Informação SNI, indispensável para se reconhecer o papel deste órgão
de informações não apenas para se identificar o seu papel na guerra revolucionária, mas, também, com a
agência de inteligência. LAGOA, Ana. SNI, Como Nasceu, Como Funciona. Rio de Janeiro: Brasiliense,
1983.
950
A lamentável eliminação de Wladimir Herzog (foi e) tem sido objeto de matérias jornalísticas e de livros,
exatamente pelo seu caráter emblemático. Recentemente foi editado de MARKUN, Paulo. Meu Querido Vlado.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. Ver, também, GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Cia. das
Letras. 2003. E, do mesmo autor, Ditadura Encurralada, ibid., 2004.
583
repressão, dando início a uma escalada de violência pontual diferenciada da repressão aos
movimentos de 1968 e da repressão aos grupos de esquerda radical.
A VI Conferência, neste sentido, procurando fugir do impasse entre a proposta
de institucionalização dos direitos humanos, que evoluirá no contexto do compromisso
liberal democrático e do (hipotético) projeto de viabilização jurídica do desenvolvimento
com segurança nacional, preferiu optar por uma temática mais tranqüila, menos
comprometida com as divergências ideológicas e mais voltada para os temas referentes à
independência e autonomia do advogado e a reforma do direito positivo brasileiro, que mais
passavam pelo ideário corporativo e pela velha ideologia jurídica restringindo-se a
discussões intrasistêmicas ou sobre o estado da ordem, para não se afirmar, “estado da
técnica” quando se discute a relação entre o velho e o novo em patentes e tecnologia.
8.1. Dogmática e Reforma do Direito Positivo
Na abertura da VI Conferência, o Presidente Caio Mario da Silva Pereira, não
deixou de se manifestar sobre as dificuldades institucionais vivenciadas pelo país e que
afligiam a Ordem dos Advogados. Assim está no seu discurso inaugural:
Nenhum país do mundo, em tempo nenhum, pode cultivar indefinidamente o poder
autocrático e sem contraste. Muitas vezes as nações, inclusive a Nação Brasileira, se
têm desviado dos quadros democráticos. Quando, porém, tal ocorre, é transitoriamente.
As forças imanentes da consciência cívica transigem com os eclipses da liberdade
quando sensibilizadas pela necessidade de [se] restabelecer a ordem comprometida. Já
se conscientizou (o País) suficientemente para que se lhe reconheça a faculdade mesma
de errar, de encontrar os próprios caminhos, ou de condenar seus próprios erros, sem a
direção todo-poderosa de alguns privilegiados investidos do direito de voto a quaisquer
criações do espírito.
951
Esta manifestação, aparentemente modesta, guarda, na inteligência de seus
arranjos coloquiais, a grandeza compreensiva de seu alcance, para demonstrar, que, no
951
Este atentado se realizou imediatamente após a Conferência de Manaus. Anais da VIII Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Manaus, 18 a 22 de maio de 1980, pp. 39/40.
584
tempo histórico, os regimes autoritários mais se definem como eclipses da liberdade do que
como longas noites intermináveis.
Estes graves fatos, todavia, demonstraram que uma política de distensão
poderia, exatamente, representar, não um recuo do aparato repressivo da segurança
nacional, mas, como se deu, um confronto provocativo com as frações “sinceras e
moderadas” do sistema e intimidativo das organizações da sociedade civil, como se
demonstraria: Seguiram-se os atentados à bomba contra o CEBRAP – Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento – e a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, precursores do fatal
atentado contra a sede do Conselho Federal da OAB no Rio de Janeiro em 1980,
952
típica
reação de desespero que procurava restabelecer a situação antecedente à Anistia (1979) que
viria a ser editada 3 (três) anos após esta Conferência (1976),
953
a partir de intensa
interferência da OAB.
A VI Conferência, todavia, não enfrentou, especificamente, estas questões
dolorosas para o cotidiano da vida brasileira, marcas inesquecíveis da história, preferiu, no
ostensivo cerceamento das lutas, pelos espaços de defesa dos direitos humanos, optar pela
releitura da dogmática, como tradicional ideologia jurídica, e pela questão central do
ideário profissional no seu ambiente tradicional de trabalho através de seus instrumentos
formais de ação: o Poder Judiciário, os códigos e o mercado de trabalho. Isto não significa,
é claro, que a OAB renunciava ao papel (estatutário) de defesa e compromisso da
sociedade, mas retomava seu projeto da perspectiva dogmática, ou seja, não se abria para a
questão (explicita) da democracia e da constitucionalização, mas, também, não aderia ao
tema do desenvolvimento, segurança nacional e direito.
952
Na verdade, os atos agressivos contra as instituições que se projetavam na luta contra o autoritarismo de
estado e pela abertura política, sucederam à anistia numa evidente demonstração da vontade restauradora dos
grupos militares paraestatais que atuavam na expectativa da restauração revolucionária. O General Silvio
Frota, sobre estas organizações de força paraestatal, faz as seguintes observações: “as amargas experiências
do segundo exercito, colidas contra o terrorismo em São Paulo, acrescidas de observações feitas em outras
áreas militares, impunham mudanças drásticas nos processos e estrutura de combate ao comunismo para que
os resultados fossem favoráveis às correntes democráticas. Surgiram, então, o Centro de Operações de Defesa
Interna e o destacamento de operações e informações – mais conhecidos por CODE e DOI – , organizações
adequadas a nova espécie de guerra que enfrentávamos, aquela de caráter mais normativo e esta
rigorosamente executiva. A criação do CODE e do DOI foi uma das mais felizes medidas revolucionarias, só
compatível em importância – logicamente, mantida as devidas proporções – à firme política exterior do
Presidente Castelo. Frota, Sylvio. Ideais Traídos. Rio de Janeiro: Jorde Zahar Editora 2006 p. 651/652
953
Anais da VI Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, de 17 a 22 de outubro de 1976.
585
De qualquer forma, à medida que remanesce o impasse constitucional a
promulgação de qualquer norma infraconstitucional corre o risco de ser questionada em sua
validez e, com certeza, no médio prazo, em sua eficácia.
954
Exceto, é claro, se a elaboração
do código desprezar todos os pressupostos de fundamentação e derivação constitucional,
não impossível, mas pelo menos, em tese, uma opção sujeita, por outro lado, a todos os
riscos das normas que não gozam da correspondente legitimidade social.
Os temas da VI Conferência, neste sentido, concentraram-se em palestras sobre
A Independência e Autonomia do Advogado e a Reforma do Direito Positivo brasileiro,
pressupostos dos meios de ação do advogado que, num ângulo restrito e fechado poderiam
traduzir a plataforma clássica do Estado de Direito.
Tematicamente, assim podemos sistematizar as conferências pronunciadas:
T
EMAS
1 A QUESTÃO DAS PRERROGATIVAS DOS
ADVOGADOS
PALESTRANTE
A Advocacia em face do Poder Público Sobral Pinto
A Advocacia e a Reforma do Poder
Judiciário
Clóvis Ramalhete
Advocacia, Igualdade e Desigualdade na
Administração da Justiça
Heleno Cláudio Fragoso
Advocacia e o Mercado de Trabalho Rubens Requião
Advocacia e Prerrogativas Constitucionais
da Magistratura
Orlando Gomes
Imunidades Profissionais e Defesa dos
Direitos
Serrano Neves
Advocacia e Previdência Social Celso Agrícola Barbi
Advocacia e Perspectiva de Reforma
Institucional
Lourival Vilanova
954
Sobre ambos os conceitos KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998
e, ainda, B
ASTOS, Aurélio Wander. Teoria do Direito. 4ª ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1992.
586
Advocacia e Reforma Penal Raul Chaves
Advocacia, Ensino Jurídico e Prática
Profissional
Ruy de Azevedo Sodré
Advocacia – O direito de recorrer à Justiça J. J. Calmom de Passos
Advocacia e Relacionamento com a
Magistratura e o Ministério Público
Justino Vasconcelos
A Seguridade do advogado João Custódio Rodrigues
Distorções no Mercado de Trabalho e
Seleção para o Exercício Profissional
João Adelino de Almeida Prado Neto
Participação do Advogado no Processo de
Reforma Institucional
Michel Temer e Nélson Schiesari
O Advogado e a Formação Jurídica Ada Pellegrine Grinover
A Inviolabilidade do Domicílio do Advoga-
do
Dione Prado Stamato
O Advogado Perante o Princípio da Igualda-
de
José Afonso da Silva
Dignidade da Advocacia e o Poder Público Thomás Pará Filho
Instrumentos Legais de Seleção Profissional
do Advogado
Ruy Homem de Melo Lacerda
T
EMAS
2 TENDÊNCIAS DA ORDEM JURÍDICA E DO
MERCADO
PALESTRANTE
O Estado de Direito e as Garantias Constitu-
cionais da Magistratura
Eurípedes Carvalho Pimenta
Pressupostos e Objetivos da Lei de Socieda-
des por Ações
Alfredo Lamy Filho
Variações na Quarta Quota do I. S. S. Aliomar Baleeiro
As Empresas Multinacionais e a Economia
Nacional
Nehemias Gueiros
587
• Isenções fiscais concedidas a empresas pú-
blicas mediante lei do Congresso Nacional.
• A incidência tributária e a norma institui-
dora de isenção subjetiva.
• Exegese do inciso VIII do art. 3º da Lei nº
5.861, de 12-12-1972.
955
Thereza Helena S. Miranda Lima
T
EMAS
3
TENDÊNCIAS DO ESTADO
P
ALESTRANTE
Constituição, Democracia e Segurança do
Estado
Paulo Brossard
Problemas Atuais do Federalismo Josaphat Marinho
O Direito de Petição e o seu Exercício René Ariel Dotti
Ombusman, Instrumento de Defesa dos Di-
reitos Humanos nas Democracias Modernas
João de Oliveira Filho
O Júri e a Reforma do Poder Judiciário Ariosvaldo de Campos Pires.
A Conferência de Salvador, realizada num momento crucial da história
brasileira recente, quem sabe, por isto mesmo, não evoluiu numa linha temática sistemática.
Incentivou temas convenientes, relevantes para o momento histórico, mas, dessintonizados,
salvo situações específicas, das circunstâncias e conjuntura política, resultando em diversos
e desconexos temas, o que levou à diversas linhas conclusivas. Importantes personalidades
do mundo jurídico brasileiro, personalidades dentre tantas as mais expressivas, todas
portadoras de importantes e abertos projetos para o país, expuseram temas sobre o papel do
advogado perante o poder público, muito especialmente perante o Poder Judiciário, de
955
Assim dispõe o inciso VIII do art. 3º da Lei nº 5861/1972 (Autoriza o desmembramento da Companhia
Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP, mediante alteração de seu objeto e constituição da
Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP, e dá outras providências.): VIII - isenção de impostos da
União e do Distrito Federal no que se refere aos bens próprios na posse ou uso direto da empresa, a renda e
aos serviços vinculados essencialmente ao seu objeto, exigida a tributação no caso de os bens serem objeto
de alienação, cessão, ou promessa, bem como de posse ou uso por terceiros a qualquer título
588
tendência visivelmente modernizadora, autonomia e as garantias do advogado, bem como a
imprescindibilidade de suas prerrogativas para enfrentar situações de exceção e as práticas
repressivas radicais. A presença de personalidades jurídicas de longo alcance político,
mesmo que numa temática politicamente frágil, mesmo que abordada no estrito limite da
compreensão legalista, representaria, como representou, significativo efeito no cenário
conjuntural circunstancial.
Por outro lado, remanescia, neste período, uma sucessão de atos limitativos da
ação dos advogados, que, somados às restrições dos direitos inerentes à magistratura,
tornava o quadro da funcionalidade institucional acentuadamente precário e politicamente
prejudicial à garantia dos direitos civis, mesmo que na exclusiva órbita dos direitos
individuais, não apenas na dimensão de suas garantias individuais, mas, também, na
dimensão das garantias sociais, coletivas e organizativas. Neste sentido, o tema embrionário
da Reforma do Judiciário em tempos anteriores,
956
e mesmo nas conferências, precisava,
como ocorreu, ganhar corpo, mas de qualquer forma, limitado pela ausência do espaço
constitucional e premido pelo projeto autoritário de reforma do Judiciário.
O crescimento complexo das novas empresas, com novas demandas e
exigências do Poder Judiciário, assim como o vertiginoso crescimento do advogado
empregado, sem qualquer proteção estatutária, colocava para o Estado brasileiro novos
problemas, que, embora fugissem da questão propriamente política exigiam nova
compreensão perceptiva, trazendo para a discussão questões alternativas à justiça estatal,
957
por outro lado, sobre o salário de advogados e a remuneração de sucumbência ou êxito.
Neste quadro, juristas como Rubens Requião, Rui Homem de Melo Lacerda, João Adelino
de Almeida, Prado Neto levantaram a questão do mercado de trabalho para advogados,
nova questão no contexto da advocacia, principalmente com boom de novas escolas, que,
analisados do ponto de vista de suas relações com o ensino jurídico, na forma das
Conferências de Rui de Azevedo Sodré, Ada Pellegrino Grinover, são também um
indicativo dos novos rumos pensados para os cursos de Direito. Aliás esta questão da
956
As Atas de 1974 e 1975 das reuniões do Conselho Federal da OAB vinham carregadas no tema e,
inclusive, foram organizadas comissões de trabalho, dentre elas a que veio a ser presidida por Samuel Duarte.
Ata da 1314ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária de 30 de julho de 1974, mas a confirmação de posições
mostrou-se frágil, diante a força reformista do governo em 1977, como veremos.
957
Ver Prefácio Nazareth Serpa.
589
formação dos bacharéis em Direito sempre foi um tema residual para os advogados, após a
Conferência de 1958, lembrando-se, mesmo, que nesta Conferência trabalhou-se com este
tema agora incorporado com a questão do mercado de trabalho, especialmente com o
crescimento estatístico do advogado-empregado, um novo contorno numa profissão
tradicionalmente autônoma e liberal.
De qualquer forma a VI Conferência enfrentou, como vinha ocorrendo nas
reuniões e plenárias da OAB, a questão da prática forense como questão de ensino jurídico,
sujeita à supervisão da OAB com profundidade. Possivelmente, imediatamente, após o
Estatuto de 1963, que abria a possibilidade do solicitador acadêmico, exercer as atividades
de acompanhamento judiciário, estratégia para definitivamente superar os solicitadores
provisionados remanescentes, a formatação dos estágios acadêmicos, como alternativa à
permanência do próprio solicitador acadêmico foi discutida em profundo grau de
implicação. Esta postura do Conselho Federal efetivamente demonstra que a OAB tomou a
formação prática como uma especial formação, que, se não estava estritamente sujeita às
suas atividades deveriam ser exercidos, comumente, com as Faculdades de Direito.
Historicamente, neste sentido, mesmo nos períodos do envolvimento da OAB,
nos mais duros anos da repressão, paralelamente, se colocava como tema importante a
participação e a atuação do CDDPH, mas esta Conferência introduziu como questão do
ideário corporativo a interveniência da OAB na formatação do estágio profissional e nos
exames da Ordem.
958
Na verdade, a Lei nº 5842, de 6 de dezembro de 1972,
959
em tese
criada para regulamentar os estágios, que deveriam estar não apenas sob a supervisão das
seccionais saiu do controle e transportou para as faculdades de Direito o exercício desta
958
Ver Lei 4215 de 27de abril de 1963 (Estatuto da OAB).
959
As Atas das reuniões do CF.OAB sobre este tema entre 1972/76 estão carregadas de debates, projetos e
provimentos sobre o tema, discussões, também, sucessivas sobre a Lei nº 5.842, de 6 de dezembro de 1972 e o
Provimento 33 do CF.OAB. Ver Ata da 1288ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 10 de abril de
1973, Ata da 1289ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de abril de 1973, Ata da 1291ª Sessão
da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 31 de maio de 1973, Ata da 1292ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária
do CF.OAB de 13 de junho de 1973, Ata da 1293ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 6 de
junho de 1973, Ata da 1294ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de julho de 1973, Ata da
1297ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de agosto de 1973, Ata da 1306ª Sessão da 44ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 2 de abril de 1974, Ata da 1307ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 22 de abril de 1974, Ata da 1310ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de maio de
1974, Ata da 1311ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 12 de junho de 1974. Ver Atas de 1975,
1976 e 1977. A Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994, revogou esta Lei e no art. 9º c.c. artigo dispôs sobre o
Exame de Ordem e, especificamente, no inc. II, do §1º do art. 90 dispôs sobre a questão do estágio.
590
atividade, que, aos advogados, deveria ser conexa com as atividades de assistência
judiciária e formação prática. O resultado, de qualquer forma, mostrava, que, vitoriosos no
isolamento dos provisionados e “velhos solicitadores”, no Estatuto de 1963, apesar dos
volumoso empenho corporativo, perderam o controle da formação prática.
960
É também desta Conferência a retomada da questão previdenciária e securitária
do advogado que evoluíra, significativamente, no contexto da ampliação de suas garantias
profissionais. Sobre este tema destacaram-se Celso Agrícola Barbi e João Custódio
Rodrigues.
961
Aliás, conclusivamente, podemos indicar que esta nova dimensão das
preocupações corporativas crescerá significativamente no contexto profissional permeando
as questões da luta política e/ou ideológica, demonstrando, mesmo, que, no refluxo político,
juntamente com a criação do Fundo dos Advogados, foi o novo patamar das esperanças de
conquistas do ideário profissional.
O conjunto geral destes debates foi permeado, como não poderia deixar de ser,
pela questão judiciária, já numa visível evolução entrópica,
962
e sobre as garantias de
magistratura, num contexto político compressivo do Estado de Direito. Temas como a
garantia do princípio da igualdade na ordem autoritária e a desigualdade na administração
da justiça, ou mesmo, sobre o direito de peticionar e recorrer à justiça fortaleceram,
ideologicamente, os pressupostos liberais (e iluministas) que influíam (e influíram) no
ideário profissional.
Por outro lado, um significativo grupo de conferências, envolvendo
principalmente algumas questões da advocacia empresarial de reflexos sobre o poder
público foram discutidas por Alfredo Lami Filho, Aliomar Baleeiro, Nehemias Gueiros e
960
BASTOS, Aurélio Wander. Estágio Profissional e Advocacia. Rio de Janeiro: Revista da OAB, ano VI,
vol. VII, 1980.
961
Anais da VI Conferência da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador, de 17 a 22 de outubro de 1976,
pp.283-294.
962
Ver da nossa tese de Mestrado defendida na PUC.RJ em 1974, posteriormente, em 1975, editada que trata
da entropia negativa e positiva no fluxo de demandas nos tribunais: Conflitos Sociais e Limites do Poder
Judiciário, recentemente, reeditada, (Lúmen Júris, RJ, 2000). Este trabalho foi em especialíssimo diagnóstico
da moderna questão judiciária brasileira e, muitos autores, especialmente na acadêmia, tem sido classificado
com um estudo pioneiro sobre a requalificação complexa de dissídios individuais e de imprescindibilidade de
se construir modelos processuais de proteção coletiva e difusa.
591
Thereza Miranda.
963
Todas elas muito importantes, todavia, não adquiriram a relevância
esperada, pelas razões de seus compromissos históricos dada a importância sobreposta da
questão política, que não foi abordada diretamente. Mas, de qualquer forma, ali estavam
nucléolos de temas significativos para o emergente capitalismo brasileiro, tais como a
questão das multinacionais, a nova questão tributária, o problema da justiça agrária, todos
próprios de um quadro ideológico reversivo.
Algumas discussões políticas conceituais (para aliviar o quadro político) foram
implementadas, basicamente abordando temas como federalismo e Constituição, onde se
destacaram palestras de Jasaphat Marinho e Paulo Brossaud, podendo-se destacar, ainda, na
linha de modernização do estado as palestras de J. Motta Maia, João Oliveira e Ariosvaldo
Campos Pires. Nenhuma destas palestras, todavia, forçaram o discurso ruptivo da ordem e ,
apenas, a palestra de João Oliveira Filho retomou a questão dos direitos humanos sob a
ótica protetiva de um frágil projeto institucional de criação do ombudsman.
Por unanimidade, pelo plenário da Conferência, das teses aprovadas merecem
destaque duas conclusões formuladas na tese nº. 23, de autoria de Paulo Brossard, que
interferem diretamente sobre o nosso tema da força da discussão ideológica para expandir,
por compressão interna, o ideário profissional.
Nenhuma Nação pode viver indefinidamente sob um regime de exceção e quanto mais
ele se prolonga mais difícil é sua extinção e a correlata submissão ao poder do regime
de legalidade. A outorga de cartas Constitucionais é incompatível com os termos atuais
pela óbvia razão de que os outorgantes, eventuais e nem sempre regulares ocupantes do
poder, não são titulares dos poderes e direitos outorgados.
964
Estas conclusões, apesar das cautelas que elas próprias expressam, demonstram
a fragilidade da resistência, mas ao mesmo tempo, são indicadoras, de que, serão, pela via
liberal, ou também por ela, que as prerrogativas dos advogados serão resguardadas.
Novamente a Ordem se inclinaria para superar o eclipse da liberdade, como afirmara o
presidente Caio Mario da Silva Pereira.
963
Anais da VI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Bahia, Salvador de 17 a 22 de
outubro de 1976, pp.495-512.
964
Anais da VI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Bahia, Salvador de 17 a 22 de
outubro de 1976 p. 53/53v.
592
Este quadro geral, todavia, demonstrou que o liberalismo jurídico como
fundamentação da ação política dos advogados estava definitivamente fragilizado e não
oferecia, pelas razões de seus compromissos históricos e pela insuficiência de seus próprios
institutos condição para enfrentar o estado autoritário. A Conferência de 1976, em
Salvador, significativa pelas presenças ilustres, assinala que os velhos recursos da retórica
liberal e a restrita defesa do ideário profissional estavam ameaçados pelas suas limitações
ideológicas no enfrentamento circunstancial do Estado autoritário, por um lado, e, por
outro, pelas novas dimensões de complexidade econômica e social da sociedade brasileira,
cada vez mais premida pela internacionalização da economia e pela integração regional.
De qualquer forma a leitura compreensiva deste quadro exige algumas
observações de maior profundidade. Em primeiro lugar, a crise do liberalismo jurídico
combina com os primórdios da crise do estado autoritário brasileiro ou de segurança
nacional; em segundo lugar, a crise do liberalismo, juridicamente alternativo, da
Constituição de 1967, coincide com o fortalecimento do modelo estatista da economia
brasileira, e, por outro lado, em terceiro lugar, a crise do estado autoritário não corresponde
à crise da economia estatista que o próprio estado autoritário implementou.
Paradoxalmente, de qualquer forma, a crise do estado autoritário, no reconhecimento de sua
própria gênese, divergente dos propósitos dos militares, políticos e tecnocratas, que
incentivaram o movimento militar de 1964, e que, convergentemente, coincidia com as
expectativas das frações liberais organizadas, como a OAB, e as frações conservadoras,
como a Igreja (oficial) e os setores agrários e, inclusive, setores dinâmicos da sociedade
como as federações industriais e comerciais, sensíveis ao capital internacional, arrastou, as
alternativas constitutivas de sua própria história: o liberalismo jurídico.
1964 representou uma reacomodação dos fatores reais do poder
965
no Brasil;
1967, uma tentativa de se frear o avanço autoritário numa articulação de concessões a
políticas de segurança para resguardar os pressupostos do estado (liberal) formal, é um
definitivo deslocamento do pacto liberal-democrático de 1946, que, como já observamos,
contou com a decisiva contribuição dos advogados e da OAB, que se consolidara com o
965
LASSALLE, Ferdinand: A Essência da Constituição (pref. de Aurélio Wander Bastos). 4º ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, p. 11.
593
Estatuto (liberal) de 1963, desvinculando-a do Estado e ampliando e garantindo as
prerrogativas do advogado na defesa dos direitos individuais e o Estado de Direito.
Todavia, após 1968/69 foi rompido o pacto-liberal conservador para se
implementar o Estado de Segurança Nacional que fez-se algoz de seus aliados e, os seus
aliados, contorceram-se, senão apenas para ceder no seu projeto de implantação de uma
política de direitos humanos, pactuada em 1964 e 1968, mas, também, tiveram que admitir
a subordinação orgânica da OAB ao poder público contrariando o pressuposto essencial do
ideário estatutário de 1963: autonomia e independência da OAB em relação ao Estado. A
VI Conferência, na verdade, foi uma tentativa de se retomar a força dogmática do ideário
profissional como pressuposto para enfrentar o Estado autoritário, a dogmática que o
próprio Estado de Segurança Nacional desarticulou. Neste aspecto, a Conferência obteve
sucesso, numa recuperação dos paradigmas da dogmática como parâmetros do Estado
(formal liberal) de Direito, muito embora, apesar dos esforços do Presidente Caio Mario, e
de presidentes que o sucederam, o Decreto que vinculava a OAB ao Ministério do Trabalho
só tenha sido revogado em 1986.
966
A Declaração de Salvador, que marcou o término da VI Conferência, enfrentou
a radicalização política com cautelas, porém demonstrou efetiva preocupação com a
situação do Estado brasileiro, tomando como imprescindível a sua remodelação
democrática:
À nação carece, devido a seu crescimento, de reformulação substancial na mecânica do
Poder Judiciário, assegurando-se o acesso presto e seguro dos cidadãos aos cancelos
legais. À responsabilidade de Juízes e Advogados deve somar-se a independência, em
toda a sua perfeição, mantido, também, o princípio federativo. É essencial à eficácia da
reforma a devolução das prerrogativas da magistratura e o restabelecimento, em toda a
sua plenitude, do Habeas-Corpus. Salvador, 22 de outubro de 1976
Este texto, apesar de sua estrutura condensada, demonstra exatamente os
parâmetros dos advogados para a restauração do Estado de Direito: a restauração do
princípio federativo, a reformulação do Poder Judiciário, a independência e devolução das
prerrogativas da magistratura e o pleno restabelecimento do habeas corpus. Os advogados,
ainda, neste contexto, não tinham um projeto político-constitucional para o Brasil, mas
966
Anais da VI Conferência, Salvador, p. 179.
594
estava visível a sua resistência à ordem anti-democrática e os seus compromissos com a
restauração do Estado de Direito, pressuposto de seu futuro projeto constituinte, mais que
constitucional, como veremos. Estas orientações conclusivas, como se observa, não estão
desprovidas de conteúdo, mas transmitem, ainda, a convicção dos advogados para com o
modelo liberal da luta pelo direito e pela crença no Poder Judiciário, como bastião da luta
pelo direito, da titulação histórica do livro de Von Ihering,
967
evitando uma discussão mais
profunda sobre a estrutura geral dos poderes permeados pelo autoritarismo e pelas políticas
de exceção, demonstrando a convicção jurídica de que nas democracias liberais o Poder
Judiciário é o poder das garantias individuais e da resistência aos abusos de direito.
Todavia, deste conjunto é impossível observar que o Poder Judiciário
968
é um
Poder frágil quando o poder é o próprio abuso de poder, quando o poder é a ameaça à
própria legalidade ou à clássica concepção do Estado de Direito. Por outro lado, os
momentos de crise radicalizam o conceito de direito e separam as posições na luta pelo
direito, permitindo que, por um lado, evolua o seu conceito como legalidade, por outro que
o seu conceito absorva os novos padrões de legitimidade.
969
Esta clivagem realoca posturas
e redefine posições, impondo, por conseguinte, que a luta pelo direito assuma um visível
caráter político que sempre traduz a luta pelo poder, permitindo que o poder reconstrua o
direito além dos padrões do direito posto.
970
Neste específico caso brasileiro, deixar a legalidade para encontrar os novos
padrões de fundamentação legítima da ordem significou, não apenas romper com o estado
autoritário, mas com o próprio liberalismo, como ideologia do Estado de Direito. As
específicas condições históricas, todavia, demonstraram que as novas expectativas da
sociedade brasileira não apenas ultrapassaram as resistências ou oposições de classes, mas
967
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Prefácio. In: IHERING, Rudolf Von.. A Luta pelo Direito, Rio de
Janeiro: Júris, 1997.
968
ARAÚJO, Rosalina Correa de. O Estado e o Poder Judiciário no Brasil. 2º ed., Rio de Janeiro: Lúmen
Júris. Especialmente as páginas que relacionam o fortalecimento executivo à fragilização (administrativa) do
Poder Judiciário.
969
SCHIMITT, Carl: Legalidad y Legitimidad. op. cit.
970
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Prefácio. In: IHERING, Rudolf Von.. A Luta pelo Direito, Rio de
Janeiro: Júris, 1997.
595
exigiam o reconhecimento de novos e especiais direitos impostos pela modernização
tecnológica e científica.
Sem que estivessem visíveis estas novas aberturas, após a VI Conferência,
dando cumprimento às suas próprias expectativas, o Conselho Federal da OAB encaminhou
ao Congresso Nacional, propostas que abrangiam desde a criação de Tribunal Superior de
Justiça e do processo sumaríssimo com julgamento oral nas causas de pequeno valor, ou
nos crimes e contravenções de pequena gravidade – o que contribuiria para a agilização na
tramitação dos processos – até propostas de proteção e tutela pelo STF, através de recurso
próprio, quando ocorresse violação dos direitos especificados na Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
971
Voltando à tradicional linha de sua evolução ideológica verifica-se
que as sugestões, entretanto, não foram consideradas pelo Congresso Nacional,
comprometido com as políticas de segurança. Imediatamente, após, todavia, o Congresso
acolheu o projeto de Reforma do Poder Judiciário, encaminhado pelo Poder Executivo, que
tramitou de maneira quase sigilosa, causando desamparo e decepção aos advogados,
quando veio promulgada a Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977 (Pacote de
Abril).
O Conselho Federal da OAB manifestou energicamente a sua indignação sobre
o caso, afirmando que a ausência da participação do povo, das escolas e associações de
classe, dos magistrados, membros do Ministério Público e advogados implicava,
necessariamente, na conversão do projeto em peça de limitadas proporções, sem a
possibilidade de alcançar as reais deficiências do aparelho judiciário.
972
Há inadiável necessidade do debate e do diálogo, ouvidos os jurisdicionados e
especialmente as diversas classes diretamente interessadas, particularmente os
advogados representados pela Ordem dos Advogados do Brasil, sem o que a Reforma
Judiciária não corresponderá aos anseios da Nação.
973
971
Estas sugestões, todas, advieram das iniciativas da Comissão de Reforma do Poder Judiciário como se
na Ata da 1314ª Sessão da 44ª Reunião de 30 de julho de 1974 e outras de 1975/76.
972
Sobre este processo a Ata da 1358ª Sessão da 46ª Reunião de 27 de setembro de 1977 registrou: Processo
CP nº 1939/77, contendo indicação do Conselheiro Jo Olimpio de Castro Filho relacionada com a Lei
Complementar da Reforma Judiciária. Sobre o assunto usou a palavra o Conselheiro José de Oliveira Costa,
seguiu-se o voto do relator contrário àquela ao teor geral do Projeto, no que foi acompanhado pela
unanimidade do Plenário.
973
ARAÚJO, Rosalina Correa de. Op. cit., p. 271 a 281 comenta a supra referida reforma (Ec7/77) a partir da
recuperação da EC nº 1/69, que, da mesma forma, influiu sobre o Poder Judiciário.
596
A radicalização dos grupos extremados e as dificuldades políticas para
contornar os “bolsões sinceros, mas radicais” provocaram o avanço político e conceitual da
VII Conferência realizada em Curitiba em 1976 e daquelas que se lhe sucederam até
1987/88. Os advogados, a partir de 1978, redefiniram os seus quadros de propósitos
políticos, o que provocou uma significativa alteração no seu propósito liberal-democrático,
evoluindo do projeto liberal para um projeto, diríamos, social-liberal, preocupado com o
Estado de Direito e a justiça social, voltado para a proteção dos direitos humanos
comprometido com a restauração da democracia representativa, participativa e solidária.
Conclusão
O estudo apresentado neste Capítulo demonstra, exatamente, o dilema que
antecedeu o processo de abertura política: direitos humanos e segurança nacional - o
primeiro, propósito dos advogados, o segundo, projeto dos militares governantes. O
confronto dilemático de idéias encaminhou a temática da V Conferência para os direitos
humanos, mas evoluiu, na VI Conferência, para as reformas de Direito positivo, como
expressão dogmática do Estado de Direito. Superada a ilusão dogmática, ficaram os
advogados convencidos que o projeto autoritário de segurança e desenvolvimento não
passava pela questão juridical conceitual, como meio de alcançar resultados, mas pela
identificação real de objetivos que a alternativa para o Brasil era a alternativa democrática.
A V e a VI Conferências, realizadas nos anos que imediatamente antecederam a 1978,
quando o Ato Institucional nº 5/78, completaria 10 (dez) anos, e a imediata edição da Lei de
Anistia, em 1979, a OAB, na forma dos extratos de Atas transcritas e das palestras dos
Anais das Conferências, reconheceu que o cerne da luta era a luta política pelo Estado de
Direito e pela democracia, pressuposto da reconciliação nacional.
Este período ficou marcado pelos atos políticos do governo revolucionário que
grafaram a sua história: o silêncio do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e
a tentativa subordinação da OAB ao Ministério do Trabalho. As duas iniciativas
597
neutralizaram, por um lado, a sua ação na defesa dos direitos humanos e, por outro,
procuraram intimidá-la no cumprimento de seus próprios estatutos. A segunda iniciativa,
efetivamente não alcançou eficácia plena, devido às tantas formas intermediárias utilizadas
para contemporizar o erro jurídico do Estado e, a primeira, mais serviu para a OAB
engajar-se no projeto de abertura democrática.
Finalmente, ficou demonstrado que os recursos de contemporização estavam
esgotados, as próprias grandes personalidades perderam a sua força persuasiva diante das
resistências de estado, não restando outro caminho senão a definição de seu próprio projeto,
fugindo dos atávicos acordos institucionais, para ampliar os espaços de interconexão com a
sociedade civil. A presidência de Raymundo Faoro será decisiva nesta nova rearticulação.
598
CAPÍTULO IX
O Estado Autoritário e a Abertura Democrática
Introdução
Este Capítulo está essencialmente voltado para a gestão de Raymundo Faoro,
como presidente da OAB, procurando concentrar as suas principais hipóteses na
identificação de uma estratégia da OAB para o processo de democratização no contexto
“hamletiano” no incrível ambiente das relações entre Geisel e Faoro, movimentando-se
sempre no cenário obscuro o “melhor” Golbery, dividido entre a distensão e a compressão
na articulação sincronizada dos atos que permitissem uma abertura gradual e segura, sem
que ocorressem situações políticas que fugissem do controle do poder central. Por outro
lado, a definição do Estado de Direito, como tema central da VII Conferência ao mesmo
tempo, retrospectivo e prospectivo nos seus propósitos, permitiu que se definisse uma clara
estratégia de objetivos, que, apesar das situações conflitivas, permitiu a convivência
temporária entre um amplo projeto de abertura e a abertura lenta e gradual, de certa forma
ficando evidente que havia uma confiança mútua entre a liderança central e o presidente da
OAB, na condução “hamletiana” das ações comuns.
De qualquer forma, o Capítulo demonstra que, exatamente, devido a este
ambiente contextual, a Lei de Anistia não foi promulgada conforme as expectativas da
sociedade civil, o que não impediu que as demandas de sua ampliação frutificassem no
processo de convocação da Assembléia Constituinte, em 1985, assim como não impediu
que a luta contra o entulho legislativo autoritário se multiplicasse. Neste sentido, como
veremos, sendo a Lei de Anistia um documento de “perdão mutuo”, mas que
restritivamente perdoava os vencidos, teve um amplo significado histórico, mas,
politicamente representou, apenas, as preliminares de efetiva anistia no seu imprescindível
alcance pleno, que se manifestara do ato convocatório da Constituinte e nas próprias
disposições transitórias da Constituição de 1988.
599
Finalmente, o Capítulo abre o espaço discursivo para demonstrar, que, se por
um lado, a Anistia, em 1979, veio a contribuir para reconciliar os governantes com frações
políticas moderadas perseguidas, por outro lado provocou cisões nos intestinos do Estado,
que evoluíram para ações terroristas paralelas promovidas por grupos paraestatais
descontentes e ameaçados, receosos dos efeitos da democratização. Os capítulos
imediatamente seguintes vão demonstrar que os anos finais do governo militar, se foram
anos de recomposição política o foram, também, anos em que as frações radicais do estado
transferiram o alvo para as organizações da sociedade civil engajadas no projeto de
redemocratização.
1 – Preliminares Históricas
A longa vigência do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,
974
que,
às alturas do início da VII Conferência, realizada entre os dias 7 e 12 de maio de 1978, em
Curitiba, estava por completar 10 (dez) anos, provocara a alteração, basicamente, integral
da Constituição de 24 de janeiro de 1967,
975
com a promulgação, pelas Mesas das Casas do
Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969 (que entrou
em vigor em 30 de outubro de 1969), que traduzia seus desígnios e objetivos, e outras
emendas, que, não propriamente funcionavam como ato repressivo, mas, através de
mecanismos de fato permitiam a reacomodação constitucional para resguardar a
sobrevivência no poder das frações de poder. Estes 10 (dez) anos foram, politicamente os
mais difíceis da história do Brasil contemporâneo, mas, foram, também, os anos em que a
Ordem dos Advogados consolidou o seu papel político e, ao mesmo tempo, na luta e na
resistência, definiu os seus compromissos com a sociedade civil brasileira, desprendem-se
974
Ver Capítulo IX, item 6 desta obra. A Emenda Constitucional n°. 11, de 13 de outubro de 1978 (que entrou
em vigência em 1 de janeiro de 1979), que alterou dispositivos constitucionais sobre Direitos Individuais e
Medidas de Emergência, no seu art. 3°, revogou os atos institucionais e complementares que contrariassem a
Constituição e, por conseguinte, o Ato Institucional n°.5/68
975
Era presidente, à ocasião da Mesa da Câmara dos Deputados o deputado João Baptista Ramos e vice-
Presidente José Bonifácio Lafayette de Andrada e presidente da Mesa do Senado Federal Auro Soares Moura
Andrade e vice-presidente Camilo Nogueira da Gama.
600
do Estado para implementar os seus compromissos com os direitos humanos no quadro de
lutas pelo Estado de Direito e pela democracia.
As flutuações temáticas das conferências tornaram tão nítidas as dificuldades de
convivência com o poder central, tomado pelos excessos das políticas de segurança, que a
VII Conferência Nacional,
976
presidida pelo jurista Raymundo Faoro, marcou
definitivamente, o compromisso dos advogados com a luta pela restauração do Estado de
Direito, enquanto pressuposto de sua ação profissional e política, assim como com os
direitos humanos, enquanto plataforma conceitual voltada para a implementação de
políticas e práticas de defesa das garantias individuais (e existenciais) e dos direitos
coletivos, naquela ocasião, ainda, conceitualmente incipientes. Por outro lado, foi na
intensificação da luta pela retomada dos princípios do Estado de Direito e pelo
reconhecimento dos direitos humanos que os advogados perceberam, corporativamente, a
imprescindibilidade da democracia como origem e fundamento da ordem jurídica (do
Estado de Direito).
Esta questão, sempre recorrente na doutrina jurídica e política nas assembléias
de advogados, e, até mesmo, em demandas e acórdãos, especialmente do Supremo Tribunal
Federal,
977
e, da mesma forma nos debates constituintes brasileiros, deixava sempre em
aberto a relação Estado de Direito e democracia. Advogados e estudiosos, muitas vezes,
acompanhando o pensamento jurídico (positivista)
978
e clássico, fazem afirmações nem
sempre impossíveis, que todo estado seria Estado de Direito, mesmo o estado de exceção,
bastando que funcionasse normativamente, (porque existem estado de segurança que não
tem estrutura normativa) ou, que, todo Estado de Direito seria estado democrático, o que
provocaria paradoxais silogismos.
Esta é uma longa e vasta discussão de interesse jurídico e político, mas, no caso
brasileiro, bastante visível e compreensível. No estado nazista, por exemplo, à medida que
976
O presidente conforme Ata da 1363ª da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 25 de abril de 1978,
informara que já estavam tomadas as providências para a realização, em Curitiba nos dias 7 a 12 de maio da
VII Conferência dos Advogados quando se comemoraria, também, os 15 anos de promulgação da Lei nº
4215/63 (Estatuto dos Advogados).
977
Ver, especialmente, os acórdãos do Ministro Vitor Nunes Leal, entre os anos de 1965 e 68, no Supremo
Tribunal Federal, sobre hábeas corpus em crimes políticos. Organização Aurélio Wander Bastos (mimeo), em
homenagem aos 20 (vinte) anos de seu falecimento.
978
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
601
não substituiu a Constituição de Weimar, por qualquer outra, o estado de exceção (Estado
Nazista ou República de Nuremberg) foi construído a partir de próprio dispositivo
constitucional votado pelo Reichstag, que autorizava o chanceler a governar
ditatorialmente, sem qualquer limite, em princípio, prescritivo.
979
No Brasil, todavia,
evoluiu-se para uma ordem sui generis, que nos autoriza a reconhecer o estado (autoritário)
de direito: ou seja, a ordem constituída é alterada por ato de força, sendo que,
subseqüentemente, é constitucionalizada, na forma de emenda constitucional, por poderes
constitucionalmente constituídos, constrangidos pelas excepcionalidades do próprio poder
constituído (instituído).
Esta é a mais perversa forma de organização do Estado de exceção, porque, a
pretexto de legitimidade constituinte (revolucionária) mutila-se, na forma de emendas
constitucionais (poder constituinte derivado) o texto constitucional constituído (por
assembléia constituinte eleita) introjetando-se normas “de natureza” revolucionária
(institucionais) no contexto das normas constitucionais. Este perverso mecanismo cria, não
apenas um ambiente de convivência normativa, absolutamente, promíscuo, em que o
constitucional se confunde com o institucional, como também, confundindo o institucional
(revolucionário) com o constitucional, confunde os sentidos de legitimidade com legalidade
e de legalidade com legitimidade.
980
A discussão temática desta questão tomou corpo nos anos que sucederam o Ato
Institucional nº 5/68 e a sua conseqüente constitucionalização com a promulgação da
Emenda Constitucional nº 1/69, que transformou o arbítrio na frágil ordem constitucional
de 1967. Ficava, agora, evidente, que, a ordem jurídica, não poderia se confundir apenas
com o estado (autoritário) de direito, mas a sua gênese estava intimamente associada à
(forma da) produção normativa. Não bastava que houvesse norma regulamentar dos atos de
poder para que vigesse o Estado de Direito, mas, que, estas normas, em primeiro lugar, não
poderiam originar-se de atos ou situações de exceção, mesmo que reconhecidas por
organismos legislativos, e, em segundo, que as normas jurídicas resultassem de
979
Ver item 5.1. do Capítulo VII onde estão sumuladas as bases refenciais desta Tese sobre Estado de
exceção.
980
Ver estudo sobre este tema e os principais recorridos, no item . sobre Estado de exceção no Capítulo deste
Tese.
602
fundamentos legítimos de representação político-eleitoral, próprias, por conseguinte, do
estado (democrático) de direito.
981
É bem verdade que o Ato Institucional nº 1/64 dispunha que a revolução
vitoriosa tinha a legitimidade suficiente para produzir normas, como indicado em nota
982
, o
981
O Ato Institucional nº 1/64 dispunha: Art. 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições
estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato. Art. 2º - A eleição do Presidente
e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será
realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste
Ato, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra
realizar-se-á no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de
empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria. § 2º - Para a eleição
regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. Art. 3º - O Presidente da República poderá remeter ao
Congresso Nacional projetos de emenda da Constituição. Parágrafo único - Os projetos de emenda
constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional,
dentro de trinta (30) dias, a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo máximo de dez (10)
dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos
membros das duas Casas do Congresso. Art. 4º - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso
Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de trinta (30) dias, a
contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado Federal; caso contrário,
serão tidos como aprovados. Parágrafo único - O Presidente da República, se julgar urgente a medida,
poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça, em trinta (30) dias, em sessão conjunta do Congresso
Nacional, na forma prevista neste artigo. Art. 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a
iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses
projetos, em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo
Presidente da República. Art. 6º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na
Constituição, poderá decretar o estado de sítio, ou prorrogá-lo, pelo prazo máximo de trinta (30) dias; o seu
ato será submetido ao Congresso Nacional, acompanhado de justificação, dentro de quarenta e oito (48)
horas. Art. 7º - Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e
estabilidade. § 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias
poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de
serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos
do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por
decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que
tenham tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade da administração pública,
sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. § 2º - Ficam sujeitos às mesmas sanções os
servidores municipais. Neste caso, a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador
do Estado, mediante proposta do Prefeito municipal. § 3º - Do ato que atingir servidor estadual ou municipal
vitalício, caberá recurso para o Presidente da República. § 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-
se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da
sua conveniência ou oportunidade. Art. 8º - Os inquéritos e processos visando à apuração da
responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de
atos de guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente. Art. 9º - A eleição do
Presidente e do Vice-Presidente da República, que tomarão posse em 31 de janeiro de 1966, será realizada
em 3 de outubro de 1965. Art. 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na
Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos
pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a
apreciação judicial desses atos. Parágrafo único - Empossado o Presidente da República, este, por indicação
do Conselho de Segurança Nacional, dentro de 60 (sessenta) dias, poderá praticar os atos previstos neste
artigo. Art. 11 - O presente Ato vigora desde a sua data até 31 de janeiro de 1966; revogadas as disposições
em contrário. Rio de Janeiro-GB, 9 de abril de 1964. Gen. Ex. Arthur da Costa e Silva. Tem. Brig. Francisco
de Assis Correia de Mello. Vice-Alm. Augusto Hamann Rademaker Grunewald.
603
que, em tese, ao que parece, a comunidade jurídica admitiu, a se considerar, não apenas
propriamente, a colaboração de Francisco Campos para este ato, mas a participação de
Milton Campos, expressiva figura do pensamento liberal, relator do projeto de estatuto da
OAB na Câmara dos Deputados (1958/62) no primeiro ministério revolucionário, como
Ministro da Justiça. Todavia, como demonstramos, já em 1965, com o Ato Institucional nº
2/65, já estavam evidentes os sinais de ruptura dos liberais da OAB com o movimento
militar, exatamente porque admitiu-se o rompimento com os legítimos fundamentos do
Estado de Direito.
Como já tivemos oportunidade de demonstrar, os anos que antecederam e
sucederam a 1968/69, não foram anos de lutas burocráticas e corporativas, mas anos de
enfrentamento, muitas vezes desfraldando bandeiras de confronto direto, como foi a luta
pelos direitos humanos, com graves repercussões sobre as prerrogativas dos advogados e
sobre a autonomia da OAB, outras tantas lutas que buscaram nos desvios e entre cortes
argumentativos fazer do discurso jurídico, mais do que reivindicações de mudanças,
discussões sobre o objeto quotidiano da atividade dos advogados, os códigos e o
funcionamento dos Tribunais. No tempo histórico, reconhecido os limites impostos pela
radicalização revolucionária, as movimentações, qualquer que sejam elas, tiveram o seu
papel, principalmente, quando se reconhece, como acontece em qualquer corporação, que,
nos limites da resistência, o mais importante é salvar a instituição.
Presidentes, como Ribeiro de Castro, tiveram um papel excepcionalissimo neste
contexto, durante estes anos difíceis, assim como o próprio Serrano Neves, mas, em geral, a
força compressiva da ditadura, limitou atitudes mais ousadas nas presidências de Laudo
Camargo, José Cavalcanti Neves e Caio Mário da Silva Pereira, que, no entanto, mesmo no
constrangimento das ostensivas dificuldades, enfrentaram, com os recursos da própria
ordem instituída a defesa da ordem. É, por exemplo, de Caio Mário, do discurso (inaugural)
da VI Conferência, que se subtraiu a lapidar afirmação que os regimes autoritários mais se
definem como eclipses da liberdade, do que como nortes intermináveis, permitindo-nos
982
Precedeu-se ao Ato Institucional n° 1 manifesto à nação onde explicitamente está a revolução se distingue
de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo mas o
interesse e a vontade da nação. A revolução vitoriosa não se investe no exercício do poder constitucional,
este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do
poder constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o poder constituinte, se legitima por si mesma.
604
reconhecer que muitas são as formas de enfrentar o terror de estado, principalmente, e,
muitos são os caminhos para reconstruir a liberdade e a democracia.
O próximo presidente do Conselho, Raymundo Faoro, passara a constituir o
Conselho Federal como conselheiro representante do Rio Grande do Sul, como tantos
outros conselheiros, que, na forma estatutária, representavam seccionais que, não
necessariamente, eram as suas seccionais, de inscrição originária. Este sistema, não apenas
fortalecia o princípio da economicidade, num país de longas distancias, como também,
agilizava a mobilização de conselheiros no Rio de Janeiro e, por outro, permitia que
representantes expressivos do mundo jurídico contribuíssem diretamente com o
Conselho.
983
O sistema inaugurado em 1931/33 e que sobreviveu ao Estatuto de 1963,
sofreu interrupções praticas, especialmente após 1988 com a transferência da sede da OAB
para Brasília, mas, só veio a perder a sua eficácia com o Estatuto de 1994.
2 A OAB e a Estratégia da Abertura
A eleição de Raymundo Faoro, intelectual prestigiado, não apenas nos círculos
jurídicos, mas também, na Academia, entre professores e intelectuais, foi uma das mais
difíceis da história contemporânea da OAB, principalmente porque o seu opositor era,
também, o jurista, professor, intelectual e político de renome e reconhecimento: Josaphat
Marinho. Eleição realizada em 2 (dois) turnos, teve, no 1º (primeiro) turno, 1 (um) voto a
menos do quorum estatutário (13 votos); quorum que foi alcançado pelos demais
componentes da chapa, 8 (oito) sendo que, todavia, no 2º (segundo) turno, obteve sucesso,
vindo a ser, historicamente, reconhecido como presidente emblemático da OAB
contemporânea. Raimundo Faoro, foi, dentre todos os presidentes eleitos, o único que
983
Naqueles tempos participaram do Conselho em situação idêntica juristas como Evando Lins e Silva
(Piauí), Vitor Nunes Leal (Amapá) e Sergio Bermudes (Espírito Santo), dentre outros que fortaleciam o
Conselho nesta posição. Já de muito estavam no Conselho: Augusto Sussekind (Paraná), Heleno Fragoso
(Paraná), Wilson Egito Coelho (Piauí), Clovis Ramalhete (Rondonia) compuseram, também, este Conselho,
representando o próprio Distrito Federal José Paulo Sepúlveda Pertence, Marcus Heusi e José Clerot.
Integraram, ainda, na forma de representação direta, Hermann de Assis Baeta (Alagoas) e Eduardo Seabra
Fagundes (R.G. do Norte) que viria ser eleito, Presidentes do IAB. Ver Ata da 1351ª Sessão de Instalação da
47ª Reunião do CF.OAB de 10 de abril de 1977.
605
buscou o resultado final em 2 (dois) turnos; exatamente, porque, em 1º (primeiro) turno,
tivera 1 (um) voto a menos do quorum 13 (treze) alcançado pelos demais componentes da
chapa.
984
Nesta Tese a obra clássica de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder como se
pode verificar, foi expressiva referência dos primeiros capítulos, juntamente com o livro de
Nunes Leal, também, futuro Conselheiro da OAB, Coronelismo, Enxada e Voto e outra
clássica obra de José Honório Rodrigues Conciliação e Reforma no Brasil, que basearam
os estudos introdutórios sobre o papel da OAB na construção do estado brasileiro moderno
exatamente a partir do diagnóstico sobre o Estado patrimonialista e as suas políticas de
conciliação como estratégia de sobrevivência do pensamento conservador como
fundamento “das razões de estado”.
985
Da mesma forma, ao fim deste trabalho, tomamos
como referência, politicamente divisória, o seu livro de Raymundo Faoro sobre A
Assembléia Constituinte, estudo preliminarmente apresentado na IX Conferência realizada
em 1982, em Florianópolis.
986
O discurso de abertura da VII Conferencia Nacional da OAB, pronunciado por
Eduardo Rocha Virmond, Presidente da Seccional da OAB do estado do Paraná, fez o
pronunciamento de praxe, sem deixar de ressaltar que no Paraná ergue-se uma vida de
busca incessante, sem preconceitos raciais, ideológicos ou patriarcais (...) famílias
provenientes de tantos pontos do Brasil e do mundo adquiriram em poucos anos as raízes
definitivas que lhes atribui um titulo imaginário, o de paranaense, fundado nas suas
próprias vontades. Evoluiu depois do seu pronunciamento para destacar a importância, não
apenas das regras formais mas, do Estado de Direito como expressão da vontade de todos.
984
Foram, também, eleitos vice-Presidente: Joaquim Gomes de Novaes e Souza; Secretário Geral: Manoel
Martins dos Reis; Subsecretário: Raul de Souza Silveira; Tesoureiro: Fernando Basadona de Oliveira.
Personalidades outras, que tiveram ou vieram a ter expressão, também, se candidataram nesta eleição dentre
elas Carlos Martins Rodrigues (Presidente, 1 voto), Carlos Araújo Lima (Secretário Geral, 1 voto) e Herman
Baeta (Tesoureiro, 11 votos). Ver Ata da 1351ª Sessão de Instalação da 47ª Reunião do CF.OAB de 10 de
abril de 1977.
985
Como se poderá verificar no correr da Tese, serviu, também, de apoio referencial e retrospectivo o livro de
MERCADANTE, Paulo “A Consciência Conservadora no Brasil: Contribuição ao Estudo da Formação
brasileira. (Apres. Nelson Mello), Top Bools/UniverCidade Editora,.4ª Edição, Rio. 1965, Ver cap. I item
4.2.1,embora, exceto em superficiais referencias, nunca de natureza conceitual, tenhamos tratado da questão
“razões de estado”.
986
Ver parte item I, cap. XII desta Tese.
606
O Estado de Direito é uma exigência da historia em progressão, é antes de tudo liberdade
de cada um e a certeza e a confiança da possibilidade de pensar e se realizar (...). O
Estado de Direito não se quer, em uma linguagem indefinida, ao sabor de interpretações
subjetivas, e divergências impossíveis. As regras consagradas na declaração universal dos
direitos do homem não podem ser abstraídas da discussão em torno do Estado de Direito
para se invocar em troca outros princípios mal definidos de um modelo político ideal, que
foge ao padrão que a civilização e a cultura construíram (...). As escolas de direito são o
mais aperfeiçoado instrumento de civismo, na opinião do orador, que levara os estudantes
de direito a participarem do movimento da independência da Republica e da Revolução de
30 assim como, têm se intensificado as denuncias e manifestações contra o opressivo ato
institucional n° 5, sem que esqueçamos o papel da Ordem que se tornou evidente com o
movimento de restauração das regras do jogo democrático em 1944 (...) para se respeitar
a historia e o povo, a que se deixar fluir, com a sua única perspectiva humana: a totalidade
das garantias fundamentais e do Estado de Direito democrático
987
Raymundo Faoro, Presidente da OAB, fez o seu pronunciamento num quadro
discursivo absolutamente prolixo, apesar de seu prestígio como jurista e intelectual,
reconhecido na Acadêmica. Todavia, apesar da prolixidade retórica, a sua gestão ampliou a
capacidade da OAB, fortalecendo significativamente a respeitabilidade e sua capacidade de
negociação diante de órgãos governamentais, permitindo que evoluísse numa postura
exigente com relação à Anistia de exilados, cassados e aposentados e, ao mesmo tempo, na
restauração do hábeas corpus . O seu pronunciamento está essencialmente marcado sobre a
importância de se restaurar o Estado de Direito, assim como, na mesma linha do orador
antecedente, recuperar como pressuposto essencial da ordem jurídica a declaração dos
direitos do homem que estava por completar 3 (trinta) anos. Posicionou os advogados como
figuras essenciais da luta pelo que denominou de transição e queremos o que está alem da
transição, com o senso de responsabilidade de quem refletirá, no gesto desferido, a
conseqüência do amanhã recomeçado e reconstruído.
Na verdade o texto do pronunciamento de Faoro não está como um texto
coerentemente construído, mas, da sua leitura compreensiva verifica-se que para o
987
Anais da VII Conferencia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Curitiba-Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978 pp. 37/41.
607
Presidente a sociedade civil não pode ficar submetida a sociedade política e devemos
enfrentar esta realidade secular e multi-secular. A sociedade civil sempre foi, no Brasil,
controlada e sufocada pela sociedade política, num contexto estamental que lhe impede as
manifestações de classe, a iniciativa particular turvando lhe, pela rígida condução do alto
a cauculabilidade e a previsibilidade das suas ações. Por outro lado, o pronunciamento,
sem que se apóie em citações, observa que o pressuposto da autoridade se degrada na força
quando foge de seus apelos de legitimidade, conceito que alude a valores, que conferem
autoridade ao sistema jurídico, para que possa ser acatada sem o imediato uso da força. A
legitimidade é um apelo preliminar no exercício do governo, presume-se da fala do orador
pois sem ela quebra-se a aliança entre povo e governo convertida a lei unicamente na
“voluntas” de quem manda sem a “ratia” do equilíbrio do conjunto social a força só teria
justificação se revestida de autoridade, para que o direito não seja apenas a mão do mais
forte, assimilada aquela à violência.
Numa terceira linha discursiva, procurando abrir-se para a questão do Estado de
Direito e sua estrutura, o Presidente orador evolui para manifestar-se sobre o
desaparecimento político da separação dos poderes, alertando para o caso especifico dos
advogados que os tribunais ficariam reduzidos a repartições administrativas quebrando o
principio de sua independência e o pressuposto da igualdade perante a lei. Com esta
seqüela básica a separação dos poderes – a sociedade, desarmada estaria submetida as
medidas individuais do poder, individuais ainda quando dirigidas a uma coletividade, com
o risco de se dissimularem ideologicamente pra ludibriar a maioria.
Finalmente, se o Estado de Direito se volta à contenção da força pelo direito
ele está diante do problema da liberdade, que lhe cumpre guardar e amparar, a partir desta
posição política o Presidente desenvolve uma correlação direta entre o Estado de Direito e o
estado liberal que, pelo que se apriende de suas posições não foi um estado fraco, mas um
estado que expandiu fronteiras e projetou riquezas. O liberalismo de pares, de
privilegiados, de senhores, para a Câmara dos Lords, cedeu lugar ao se desprender do
liberalismo econômico, ao liberalismo retemperado pelo povo, nos novos direitos
chamados sociais, às liberdades voltadas para integrar todo universo da convivência
humana.
608
Nesta linha o orador, sem a absoluta explicitude, convoca os liberais para
banhar-se nas águas às vezes turbulentas, do rio que atravessa e inunda a sociedade
política, abrindo, quem sabe, a discussão sobre o social-liberalismo, que influenciará a
sistemática do projeto Arinos, como discutiremos em capítulos posteriores desta Tese.
Concretamente, após estas tantas digressões políticas, o autor busca concentrar as suas
palavras na importância do restabelecimento do hábeas corpus, permitindo que ele se
converta em estimulo para a causa da liberdade, a causa da democracia, a causa do
Estado de Direito.
988
A gestão de Raymundo Faoro (abril/77 a abril/79) foi o ponto de definição da
luta pelo restabelecimento do Estado de Direito, como propósito político essencial, e,
efetivamente, ficou marcada por inflexões paradoxais: por um lado, as manifestações do
general Presidente Ernesto Geisel de iniciar uma política de distenção,
989
com as primeiras
reavaliações da Lei de Segurança,
990
e, por outro, a promulgação do pacote de abril que
alterava profundamente a estrutura judiciária
991
brasileira. Estas ambas e contraditórias
inflexões não impediram que a presidência da OAB firmasse posições na luta pela
reconstrução do Estado de Direito e pela indispensável anistia, como projeto de reencontro
do país com a democracia e seu próprio destino. Raymundo Faoro foi o homem certo
historicamente no lugar certo. Intelectual com ampla visão compreensiva da história do
estado patrimonial brasileiro tinha o perfil do jurista comprometido, não apenas com o
estudo percuciente das leis, mas reconhecia também os seus fundamentos, os pactos de
988
Anais da VII Conferencia Nacional da OAB pp. 42/51.
989
Ata da 1352ª Sessão da 47ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 19 de abril de 1977 informa que Jorge
Tavares, após relatório sobre o Processo CP nº 1688/75, originário de proposição de Manoel Godoi Bezerra,
ao se referir ao fato que o Presidente da República tinha o propósito de distensão política foi aplaudido, mas
resolveu-se arquivar o processo.
990
Na Ata da 1354ª Sessão da 47ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de junho de 1977 consta que Carlos
de Araújo Lima leu proposição apresentada ao IAB relativa à conveniência da aplicação da Lei de Segurança
Nacional. O Conselheiro Vianna de Moraes entendeu que toda a lei deveria ser examinada e não apenas
alguns artigos.
991
Idem. Processo CP nº 1939/77 discute a Lei Complementar da Reforma Judiciária. O CF.OAB se
manifestou contra imediato posicionamento.
609
poder, o que lhe dava a segurança necessária para afirmar que novos pactos (no caso mais
abertos) poderiam construir instrumentos legislativos mais abertos.
992
Raymundo Faoro adaptou com perspicácia o projeto de democratização do
Estado de Direito ao projeto de “distensão” do estado autoritário. Com certeza a
compreensão da dinâmica interna do patrimonialismo institucional brasileiro, permitiu-lhe,
identificar nos mecanismos de sobrevivência do Estado autoritário a resistência decadente
do patrimonialismo e as especialíssimas condições da OAB para contribuir para sua
desarticulação autoritária, mesmo porque ela fora criada e instalada no contexto da
desagregação do patrimonialismo oligárquico. Da mesma forma, que a OAB cresceu na
reação antioligárquica, entre os anos de 1930/45, também, o Presidente Faoro soube captar,
experiência passada e transmudá-la nas aspirações e nos sentimentos dos advogados
brasileiros. Por outro lado, o paradoxal dilema entre o liberalismo jurídico e o
patrimonialismo oligárquico, mas ao mesmo tempo, vendo no liberalismo conservador o
disfarce autoritário, identificou os exatos limites entre o estado liberal (formal) de direito e
o seu parasita, o estado de (direito) autoritário (de exceção). Na Identificação este
interfluxo estava o segredo estratégico da redemocratização no quadro complexo do
entulho autoritário.
Muito embora, tenha usado na preparação de atos e documentos internos do
Conselho um sistema conciso, de reduzido grau de informação escrita, na sua gestão
definiu objetivos estratégicos de curto e médio prazo, fixando-se em dois objetivos básicos:
restabelecimento do habeas corpus, em sua plenitude, e revogação do art. 185 da Emenda
Constitucional nº 1/69, que afastava da vida política do país, em caráter perpétuo, os
cassados pelos atos institucionais.
993
Estavam nestes dispositivos os absurdos da
excepcionalidade, traduzidos constitucionalmente, porém, efetivamente, demonstrando que
o Estado de Direito pode não ser o estado democrático e que a conquista do Estado de
Direito deve ser, também, uma conquista do estado democrático. A revogação de uma e de
992
Em passado recente escrevera, a mais completa obra sobre o fenômeno do estado patrimonialista no Brasil
Os Donos do Poder – que subsidiou nossos estudos preliminares. B
ASTOS, Aurélio Wander. Historia da
Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela Criação e Resistências. (Coord. Herman Baeta). Brasília:
Conselho Federal da OAB, 2003.
993
Assim dispõe o referido art. 185: A elegibilidade para o exercício de qualquer função pública ou sindical,
além dos cargos previstos nesta Constituição e em lei complementar, vigorará enquanto o cidadão estiver
com seus direitos políticos suspensos.
610
outra das exceções evoluiria para anistia em condições mínimas para se alcançar as
franquias democráticas.
Assim, o Presidente Raymundo Faoro colocou, também, na sua mira de
alcance, a luta renhida pela Anistia ampla e objetou o simplismo da proposta de revisão dos
processos de cassações, apresentada pelos militares, por entender que não contribuiriam de
forma objetiva para a normalidade democrática, pelo contrário, prolongaria a discriminação
e a perseguição e não os reconheceria se não como atos de perseguição, como atos de
estado. Por outro lado, aproveitando-se de sua força e respeitabilidade intelectual preparou
inumeráveis artigos, publicados em jornais e revistas, que constituem uma obra
monumental, na defesa do restabelecimento da ordem democrática incentivando as óbvias
necessidades do país reencontrar seu destino histórico. Ainda em plena gestão publicou,
como observamos, ensaio sobre a Assembléia Constituinte
994
que é um paradigma de
estudo, não apenas para rearticulação interna do país, como, também, tem vasto alcance
reflexivo jurídico e político,
995
que em muito influenciou decisões futuras do Conselho
Federal da OAB.
Como observamos, todavia, as expectativas de uma abertura acelerada, dando
executabilidade à política de distensão, não funcionou nem teve efeitos lineares, muito ao
contrário, aos movimentos de distensão correspondiam sempre incisões interventivas ou de
compressão. Neste sentido, apesar das articulações em contrário, logo no início de sua
gestão, o Presidente da República, Ernesto Geisel decretou o recesso do Congresso
Nacional, apoiado no amplo leque de “normas institucionais” vigentes, e, aproveitando a
reta final do Ato Institucional nº 5/68, editou as Emendas Constitucionais nºs 7 e 8, de 13
de abril de 1977, que ficaram cognominadas de “Pacote de Abril”, como que procurando
resguardar-se com novas alterações constitucionais e leis infraconstitucionais da abertura
política futura, esperada no quadro da “distensão”.
996
994
Ver item 2, texto de abertura da VII Conferencia.
995
Guardadas as proporções e o tempo histórico, este ensaio representa para o Brasil contemporâneo, mesmo
na sua dimensão aplicada o texto clássico de SIEYÈS, J. E. editado com o título A Constituinte Burguesa
(Qu´es ce lê Tiers Etat) organização, preparação de texto e prefácio de Aurélio Wander Bastos. Editora
Lúmen Júris (2º edição) sendo a 1ª edição de 1989, comemorativa dos 200 anos da Revolução Francesa.
996
A demonstração mais efetiva desta cautela prospectiva é, a sobrevivente, ainda, da Lei Complementar nº
35, de 14 de março de 1979, Lei de Organização da Magistratura LOMAN fundamentada nas prescrições
constitucionais do artigo 144 baixada pelo Pacote de Abril.
611
O Conselho Federal da OAB não esmoreceu e, atendendo a requerimento de
vários Conselheiros, avançou nos seus propósitos, decidindo, em 19.04.77, em sessão
presidida por Raymundo Faoro, por unanimidade mudar a qualidade da luta:
Ao reafirmarem a sua crença na necessidade de reimplantação do Estado de Direito, os
advogados brasileiros, conscientes de suas responsabilidade perante a Nação, insistem
na revogação imediata do Ato Institucional nº 5 e numa reformulação constitucional, a
ser empreendida por Assembléia Constituinte integrada de representantes especialmente
eleitos pelo voto popular, direto e secreto.
997
É bem verdade que estes parâmetros não estavam suficientemente concluídos,
nem sistematizados, mas, em 1978, já estava evidente que a restauração da democracia
brasileira passava por uma ampla discussão sobre o Estado de Direito, haja vista que o
governo militar vinha dando, como demonstramos, mostras sucessivas de que não estava
aberto, nem ao menos para permitir a discussão sobre a democracia ou a ilegitimidade do
Estado de Segurança Nacional. Estrategicamente, a discussão temática sobre o Estado de
Direito, na VII Conferência era o caminho possível para se avaliar o autoritarismo do poder
central e para se avançar numa ampla e nova discussão sobre o Estado de Direito e os seus
fundamentos democráticos, procurando superar o agastado modelo liberal formal com
amplas aberturas conservadoras, suscetível aos riscos autoritários.
A VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em
Curitiba, entre os dias 7 e 12 de maio de 1978, pretendeu, também, que, viesse a lume, as
primeiras discussões abertas sobre o (novo) Estatuto dos Advogados, no exato período em
que o Estatuto de 1963 completava 15 (quinze) anos, numa exata demonstração da
imprescindível sintonia entre uma nova e incipiente ideologia jurídica, neste momento
fortalecido pelo humanismo social, e o ideário estatutário.
997
Cfr. Revista da OAB, nº 21, p. 148.
612
3. – O Estado de Direito e a VII Conferência
A VII Conferência, discutindo o tema do Estado de Direito, priorizou o debate no seu
viés de exceção, o autoritarismo, as nuances do Estado de Segurança Nacional. Neste
sentido, o conjunto das palestras, mais do que uma avaliação conceitual do Estado de
Direito, seus desdobramentos jurídicos e históricos, foi uma verdadeira radiografia do
autoritarismo político no Brasil, ao mesmo tempo em que traçou os parâmetros
imprescindíveis à restauração do Estado de Direito e as novas dimensões da advocacia.
A Conferência centrada no tema “O Estado de Direito” fundamentalmente se
desenvolveu com o seguinte temário:
998
TESES
1- ESTADO DE DIREITO E ORDEM POSITIVA
CONFERENCISTAS
Direitos Humanos: Conceito Abstrato e
Realista.
Caio Mário da Silva Pereira
Hábeas Corpus. Pontes de Miranda
Criminalidade e Estado de Direito Virgílio Luiz Donnici
Estado de Direito e Segurança Nacional
999
Bernadette Pedrosa
Estado de Direito e Ordem Política Nelson Nogueira Saldanha
O Estado de Sítio e as Outras Salvaguardas Gofredo da Silva Telles Júnior
998
O resultado conclusivo das teses foi lido pelo Presidente Faoro conforme se verifica na Ata da Sessão
Plenária da VII Conferência realizada conjuntamente com a Sessão Extraordinária nº 1364ª do CF.OAB de 12
de maio de 1978, tendo sido aprovadas cerca de 44 teses.
999
Ata da 1365ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de maio de 1978 fala, também sobre
estas teses, apresentadas que o Processo CP nº 1917/77 entendeu no relatório final que eram subsídios
apreciáveis para subsidiar estudo a ser feito pela Comissão Especial sobre o tema, onde ficou como relator
Heleno Cláudio Fragoso. Compunham também a Comissão Sobral Pinto e J. B. Vianna de Moraes. Ver Ata
da 1367ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de junho de 1978.
613
O Estado de Direito e a Segurança Nacional Alcides Munhoz Neto
O Estado de Direito e Os Direitos da
Personalidade
José Lamartine Correa de Oliveira
O Ensino Jurídico, Instrumento de
Realização do Estado de Direito
Alberto Venâncio Filho
O Direito ao Casamento e a Sua Dissolução
no Quadro das Garantias Fundamentais
Francisco Accioly Filho
A Emergência Constitucional no Estado de
Direito
Oscar Dias Corrêa
Conteúdo Social dos Direitos Humanos e o
Estado de Direito
Darcy Paulilo dos Passos e Fernando
Mendes de Almeida
Estado de Direito: Essência e Circunstância Alcides Abreu
O Estado de Direito como Estrutura Política:
Seu Conceito e Características
Nelson de Souza Sampaio
A Informação Cultural no Estado de Direito René Ariel Dotti
O Réu e o Estado de Direito Flávio Teixeira de Abreu
Estado de Direito, Direitos Humanos e
Necessidade de Anistia
Therezinha Godoy Zerbine
Estado de Direito Limitação que a Nação
Impõe ao Estado
J. Paulo Bittencourt
Proposição sobre Anistia José Frejat
TESES
2
- ESTADO DE DIREITO E PODER JUDICIÁRIO
C
ONFERENCISTAS
Reforma Estrutural do Poder Judiciário
como Garantia dos Direitos do Povo
Evandro Lins e Silva
A Motivação das Decisões Judiciais como
Garantia Inerente ao Estado de Direito
José Carlos Barbosa Moreira
O Poder Judiciário no Estado de Direito Balthazar Gama Barbosa
614
Indicações para uma Reforma Democrática
do Poder Judiciário
Raphael de Almeida Magalhães
A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos Ada Pellegrini Grinover
T
ESES
3 - ESTADO DE DIREITO E DIREITO
PROCESSUAL
CONFERENCISTAS
As Garantias do Processo Penal no Estado
de Direito
Francisco Assis Serrano Neves
O Estado de Direito e o Direito de Ação (A
Extensão de seu Exercício)
Egas Dirceu Muniz de Aragão
Mandado de Segurança e Ação Popular no
Estado de Direito
Arnoldo Wald
Representação de Inconstitucionalidade
Perante o Supremo Tribunal Federal: Um
Aspecto Inexplorado
Victor Nunes Leal
Retorno do Recurso Ordinário no Processo
do Mandado de Segurança
Erasmo Barros de Figueiredo
O Alcance da Ação Penal Face à
Constituição
Luciano S. Caseiro
Estado de Direito e Direito de Petição Sérgio Bermudes
TESES
4 - ESTADO DE DIREITO E DESENVOLVIMENTO
CONFERENCISTAS
As Limitações Constitucionais do Direito
Econômico
Ney Lopes de Souza
A Função Social da Empresa no Estado de
Direito
Rubens Requião
Direito ao Trabalho no Estado de Direito Evaristo de Morais Filho
615
Estado de Direito e Tecnocracia Miguel Reale Júnior
Limites Constitucionais do Decreto-Lei em
Matéria Tributária
Geraldo Ataliba
Estado de Direito e Política Fiscal Joaquim Correia de Carvalho Júnior
TESES
5 ADVOCACIA E ESTADO DE DIREITO
CONFERENCISTAS
A formação Profissional e a Militância
Advocatícia como Garantia do Estado de
Direito
Alberto Gomes da Rocha Azevedo
Previdência Social do Advogado Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira
A Missão do Advogado nas Crises Institucionais Ruy de Souza
As Caixas de Assistência dos Advogados Edgard Moreira da Silva
Previdência Privada Fernandino Caldeira de Andrada
Assistência Médica e Convênios com o
INPS
Paulo Kreitchmann
A Previdência Social e as Caixas de
Assistência dos Advogados
Themístocles Américo Caldas Pinho
Proposições sobre a Criação de uma Federação
das Caixas de Assistência dos Advogados
José Francisco das Chagas
As Prerrogativas do Advogado e o Estado de
Direito
Luiz Cruz de Vasconcelos
O Advogado e o Estado de Direito Márcia Maria Milenar
3.1. Observações Preliminares
Para melhor compreensão da dinâmica do temário o subdividimos em 5 (cinco)
quadros diferenciados, mas que mostram a sua articulação interna: Estado de Direito e
Ordem Positiva; Estado de Direito e Poder Judiciário; Estado de Direito e Direito
616
Processual; Estado de Direito e Desenvolvimento e Advocacia e Estado de Direito. No
primeiro quadro estão alinhados as conferências críticas à ordem (jurídica) autoritária da
perspectiva de reformulação e abertura do Estado; no segundo quadro estão classificadas as
conferências sobre o Poder Judiciário como estrutura imprescindível ao funcionamento
democrático do Estado; no terceiro quadro as conferências sobre a importância dos
instrumentos processuais para a garantia dos direitos fundamentais; no quarto quadro os
tópicos sobre as aberturas necessárias para uma relação estável entre desenvolvimento e
Estado de Direito e, por fim, o clássico tema do ideário profissional no contexto das novas
exigências e das emergências previdenciárias e securitárias.
1000
Este temário muito bem define a estratégia da OAB na sua ação política pela
restauração do Estado de Direito, como projeto corporativo, e pela proteção dos direitos
humanos, proposta indicativa do avanço ideológico do ideário corporativo desde a
promulgação da Lei nº 4319, de 1964, que criou o Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana – CDDPH, no contexto de profundas intempéries e reações do poder
central. Na verdade, o que se verifica, é que a restauração do Estado de Direito, tornou-se
imprescindível para se implementar uma política de defesa e garantia dos direitos humanos
assim como a instauração do Estado de Direito, passaria a exigir uma nova compleição do
Poder Judiciário, uma profunda reformulação (dos códigos de condutas) do direito
substantivo positivo (a ideologia da ordem) nos seus diferentes aspectos e alcance político
e, ainda, uma incisiva restauração dos instrumentos processuais mutilados pelo estado
autoritário, tais como: o hábeas corpus, o Mandado de Segurança e a Ação Popular, cuja
aplicabilidade sofreu compressões duradouras com a promulgação, do Código de Processo
Civil em 1973, num dos piores momentos da vida constitucional brasileira.
1001
1000
As políticas previdenciárias da OAB basicamente se concentraram em iniciativas como a criação da Caixa
de Advogados e o Fundo de Apoio aos Advogados e em algumas leis ou projetos de leis sobre salário
profissional.
1001
Injustificavelmente as conferências não abordaram nem discutiram a questão da vinculação dos crimes
(políticos) contra a segurança nacional aos tribunais militares e à justiça militar, inquestionável desvio do
Estado de Direito, quando se trata de atos praticados por civis, admissíveis nos casos, apenas de sublevação
armada e não de mera mobilização política. Aliás, esta competência foi excepcionalmente fixada no § 1º do
art. 8º do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, exatamente, quando do afastamento de Milton
Campos do Ministério da Justiça. Esta ato acena para o início da ruptura dos liberais udenistas com o
movimento militar, como já tivemos oportunidade de observar em Capítulo próprio. Dispunha o referido
artigo. O §1º do art. 108 da Constituição (no caso de 1946) passa a vigorar com a seguinte redação: ‘§ 1º
Este foro especial (superior Tribunal Militar, conforme art. 7º do referido Ato) poderá estender-se aos civis,
617
Nesta linha de evolução fica, por conseguinte, visível, que as Conferências, ora
criticavam o autoritarismo do Estado de segurança, para demonstrar os contornos do Estado
de Direito, ora predefiniam o Estado de Direito, para contrastá-lo com o Estado de exceção.
A VII Conferência, no seu conjunto, concentrou-se na defesa do Estado de Direito e no
ataque direto ao Estado de segurança, como estado de exceção, o que não ficava
efetivamente reconhecido pela OAB, à medida que taticamente, trabalhava com medidas
contemporizadoras que o tempo demonstrou infrutíferas, mas insubstituíveis diante da força
compressiva do Estado. A tônica, todavia, em todas as Conferências, foi uma única:
demonstrar a imprescindibilidade de se restaurar o Estado de Direito como pressuposto da
garantia dos direitos humanos. Neste sentido, a Conferência manteve um padrão de
coerência nem sempre alcançado nas conferências anteriores e posteriores.
As teses defendidas pelos conferencistas sobre o Estado de Direito evoluíram
em 2 (duas) linhas discursivas: temas conceituais e temas indicativos de providenciamentos
práticos e ações judiciais. As teses sobre direitos humanos, na verdade foram residuais, mas
evoluíram para as discussões finais sobre o conceito de justiça “in abstrato” e concreto. As
discussões sobre uma e outra das linhas temáticas evoluíram solidamente para demonstrar
que as relações entre Estado de Direito e direitos humanos e, conexamente, as prerrogativas
e garantias dos advogados, estão vinculadas aos fundamentos democráticos do estado.
No que se refere às questões conceituais sobre o Estado de Direito o texto de
Alcides Abreu
1002
é bastante explicitativo sobre sua essência e circunstâncias, assim como a
tese de Nelson de Souza Sampaio,
1003
destacando o seu conceito e características. Alberto
Venâncio Filho,
1004
ainda nesta dimensão temática, associa a matéria à questão e ao papel
do ensino jurídico. Todavia, como já observamos, estão indissociáveis ao conceito a sua
nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou instituições militares. §
1º Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual o processo e julgamento dos crimes
previstos na Lei nº 1802, de 5 de janeiro de 1953. §2º A competência da Justiça Militar nos crimes referidos
no § anterior, com as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis
ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis. § 3º Compete originariamente ao STM
processar e julgar os governadores de Estado e seus secretários, nos crimes referidos no § primeiro, e aos
Conselhos de Justiça, nos demais casos.
1002
Anais da VII Conferência, p. 537.
1003
Anais da VII Conferência, p 585.
1004
Anais da VII Conferência, p 787.
618
dimensão política e as garantias fundamentais, bem como e os instrumentos processuais
para sua defesa.
3.2. Legitimidade e Representatividade
O tema da legitimidade do exercício do poder, classicamente estudado como o
fizera Max Weber,
1005
não estava no objeto desta Conferência, voltada para temas típicos,
assim como não estava no seu temário a discussão do Estado representativo. Todavia, a
avaliação do seu conjunto temático, permite, quanto mais nele se aprofunda, identificar, nas
palestras, a preocupação subliminar de se contestar os referenciais de legitimidade
indicativas do governo militar,
1006
para se reencontrar a legalidade como efeito constitutivo
legitimidade, assim como a definitiva preocupação de identificar na representatividade
política os fundamentos do Estado e não na coatividade repressiva.
1007
Na verdade, esta Conferência, não propriamente nos permite demonstrar apenas
o conceito da OAB sobre Estado de Direito, mas, à medida que as palestras se
desenvolveram sobre temas tópicos referentes ao Estado de Direito, como já alertamos
podemos identificar 2 (duas) variáveis muito significativas para seu conhecimento e
configuração: o conceito aplicado de legitimidade legal e o de representatividade
democrática. O primeiro, enquanto fundamento estrutural da ordem jurídica, e o segundo,
enquanto gênese, origem política (ou popular) da democracia (eleitoral). É exatamente
neste sistema articulado que a democracia se define como pressuposto do Estado de Direito,
especialmente considerando que não existe democracia sem representatividade, assim
como, não existe democracia sem legalidade que defina a sua funcionalidade política.
1005
WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. (a partir da 5ª
edição revista, anotada e organizada por Johannes Wincklelmann, 2 vols., São Paulo: UNB imprensa oficial.
2004.
1006
KLEIN, Lucia; FIGUEIREDO, Marcus. Legitimidade e coação no Brasil pós-64. Prefácio de Carlos
Castelo Branco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978, pp. 57 a 59.
1007
BASTOS, Aurélio Wander.
619
Por estas especiais razões, na forma que as Conferências da OAB vieram a
definir, a todo e qualquer Estado de Direito é imprescindível a funcionalidade democrática,
assim como a gênese de toda democracia está na representatividade política eleitoral, nem
sempre, exatamente, definida nos debates, mas sempre vinculada ao voto popular universal
direto e secreto. Foi neste circuito sistêmico que se enredou a fórmula do Estado de Direito
Democrático (como inicialmente se tipificou e como a Constituição de 1988 consolidou):
Estado Democrático de Direito. O conceito, assim, ao que tudo indica, evoluiu da discussão
teórica sobre o Estado de Direito, para Estado de Direito democrático, demonstrando,
exatamente, a necessidade de se superar a formulação clássica, evitando a sua confusão
simplista com estado regido por normas, evoluindo, por conseguinte, para estado regido por
normas representativas da vontade popular, Estado de Direito Democrático. A Constituição
brasileira de 1988 evoluiu na discussão para Estado Democrático de Direito, com isto
priorizando a democracia como fundamento de legitimidade (representativa) da ordem
jurídica
1008
Neste contexto, para os juristas conferencistas da VII Conferência, não basta
que o Estado seja legal, ou, o que dá no mesmo, que haja uma ordem jurídica, mas a ordem
jurídica precisa emergir da representatividade democrática, dos interesses e das
expectativas sociais, enquanto indicação tópica da representação. Esta é a fundamental
razão pela qual o processo eleitoral representativo não pode servir-se para desviar o
interesse, as expectativas e as esperanças sociais, assim como o que se espera é que os
representantes do povo não se desviem das esperanças sufragadas. O aprofundamento
destas questões discursivas, por conseguinte, é, que, permitiu, que, na VII Conferência da
OAB, evoluíssem associados o conceito de Estado de Direito e o conceito de democracia,
ou, em outras palavras, o Estado Democrático de Direito, na forma constitucional, como
única ordem jurídica politicamente possível e como exclusiva fórmula geral de
representação política.
1008
O texto final da Comissão Arinos trata do tema como “Estado Democrático de Direito” (art. 1º). Ver
Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: FGV, v. 30, jan./mar., 1887, p. 12. e os debates constituintes de
1987/88 falam em Estado de Direito democrático assim como as redações preliminares, para se firmar, na
redação final, como “Estado Democrático de Direito (art. 10 do texto final de 5/10/1988).
620
3.3. A Gênese da Proteção Jurisdicional dos Direitos Humanos
Subjacente à questão do Estado de Direito, nesta Conferência, como seu
objetivo estratégico mesmo, estava a discussão temática sobre a proteção aos Direitos
Humanos, que evoluiu em condições muito especiais. Em primeiro lugar, porque a proteção
dos direitos humanos e a sua defesa não prescindem (exigem) do(o) Estado de Direito e
da(a) Democracia, razão pela qual fracassou, não propriamente a criação formal do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, em 1964, mas a sua
implantação, nos albores do regime autoritário e, em segundo lugar, porque os institutos de
proteção, imprescindíveis aos direitos humanos, o são, também, para o Estado de Direito e
para a democracia. Por estas razões, nesta Conferência muitos são os indicativos de debates
conceituais sobre as ações práticas, especialmente judiciais, necessárias à luta pelo Estado
de Direito e pela defesa dos direitos humanos, especialmente no fórum judiciário.
Na verdade, estas ações, traduzidas na imprescindibilidade dos institutos
jurídicos, já, nesta Conferência, nos permitem subdividi-los em institutos destinados à
proteção de defesa dos direitos individuais e dos direitos da personalidade (existenciais) e,
já também, dos institutos de defesa dos direitos coletivos e difusos. Isto significa, que, já
nesta Conferência identificamos as questões da proteção jurisdicional não dos direitos
individuais, como interesse de natureza “simples”, mas, também, os direitos
personalíssimos de natureza existencial e de natureza complexa, que, ao tempo histórico
desta Conferência, juridicamente, traduzem a questão nacional emergente das garantias
processuais para a proteção de direitos subjetivos coletivos, difusos ou mesmo públicos,
ainda no contexto das dificuldades conceituais.
1009
1009
Este tema, ainda restrito aos gabinetes jurídicos, aos seminários e conferências, foi apresentado,
pioneiramente, por Aurélio Wander Bastos, em 1974, no seu livro (e, também, em tese de mestrado na PUC-
RJ), denominado Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Restrito à academia, quando da primeira
edição, posteriormente, reeditado (Lumen Juris, 2000) o trabalho à época teve repercussão localizada, em
grupos jurídicos e intelectuais abrindo a discussão teórica sobre a imprescindível proteção processual e
substantiva dos interesses coletivos e difusos, conforme ficou especialmente nos incisos LXX, LXXI, LXXIII
do art. 5º e III do art. 129 cumulativamente com os interesses e direitos subjetivos individuais, ao que, mais
tarde, se somou a questão da proteção dos direitos da personalidade ou existenciais, como se verifica no inciso
III, X, XLII do arts. 5º da Constituição de 1988 e, em dimensão específica nos arts. 11, (que trata da
intransmissibilidade dos direitos da personalidade e sua irrenuniabilidade. Ver art. 5°, X, da Constituição
Federal de 1998), 12 (trata da ameaça ou lesão ao direito de personalidade e o direito de reclamar perdas e
danos. Ver art. 5°, X e XXXV da Constituição Federal de 1988), 13 (ressalte-se a complementação da lei n°.
621
Por estas razões, as tendências conceituais mais marcantes priorizaram a
questão dos direitos humanos, nestas 3 (três) vertentes: a proteção dos direitos individuais,
na linha inicial da narrativa classificatória, que podem evoluir para direitos individuais
homogêneos; a proteção dos direitos complexos, que poderiam se subdividir, evoluindo dos
direitos individuais homogêneos, em direitos coletivos, próprios de grupos sociais
(juridicamente) organizados, e a proteção dos direitos difusos, socialmente dispersos, sem
titularidade própria ou específica, mas sensíveis à proteção de iniciativas individuais
isoladas de cidadãos, de órgãos do poder público ou da própria sociedade civil. Como
ocorrerão, no futuro no novo formato da Ação Popular e da Ação Civil Pública.
Finalmente, cresceu, também, nesta conferência a questão protetiva dos direitos humanos
referentes à dignidade da pessoa humana, tanto na sua dimensão individual e existencial,
quanto coletiva e difusa.
Nesta mesma Conferência, dentro desta linha temática, vieram a lume a tese de
Egas Dirceu Muniz de Aragão
1010
sobre o Estado de Direito e a extensão do exercício do
Direito de Ação que abriu a discussão sobre o tema da proteção dos direitos complexos e,
ressalte-se, também, o estudo de Darcy Paulilo dos Passos e Fernando Mendes de
Almeida
1011
sobre Conteúdo Social dos Direitos Humanos e Estado de Direito, que colocou
a questão do homem e suas organizações no contexto da sociedade moderna. Até aquele
momento, no contexto das discussões jurídicas oficiais, a questão do Estado de Direito
estava restrita às garantias substantivas e processuais dos direitos individuais,
desconhecendo-se, para efeitos jurídicos, a questão da proteção jurídica do Estado aos
interesses de grupos sociais organizados ou de objetos relevantes à vida social, mas
desprovidos, pela sua natureza dispersa, de titularidade objetiva.
9434 de 04 de fevereiro de 1997 que trata da questão de transporte), 14 (sobre a disposição altruística do
próprio corpo como está na Lei n° 9434 de 04 de fevereiro de 1997), 15 (sobre o direito de intervenção
cirúrgica ou tratamento medico), 16 (direito ao nome, pré-nome e sobrenome), 17 (a proibição de utilização
por outrem do nome civil), 18 (autorização para utilização de nome alheio em propaganda comercial), 19
(direito de uso de pseudônimo), 20 (proteção da honra, da boa fama e da respeitabilidade em documentos de
natureza pública. Ver art. 5°, V, IX, X e XVIII da Constituição Federal), 21 (trata da inviolabilidade da vida
privada da pessoa natural, reconhecidos os poderes do juiz para impedir o ato lesivo). Código Civil Brasileiro.
Rio de Janeiro: Saraiva, 2000.
1010
Anais da VII Conferência p. 335.
1011
Anais da VII Conferencia p. 519
622
Todavia, o mais importante trabalho apresentado, que marcaria (e marcará) a
história da proteção judicial de direitos homogêneos (transindividuais), coletivos e difusos
seria (será) a tese de Ada Pellegrini Grinover sobre Tutela Jurisdicional dos Interesses
Difusos.
1012
A tese de Ada Pellegrini, pioneira na evolução da proteção judicial dos direitos
coletivos e difusos no Brasil, sucessiva ao nosso estudo acadêmico sobre Conflitos sociais e
limites do Poder Judiciário,
1013
reconheceu em direitos civis extensivos a dimensão
protetiva dos direitos subjetivos coletivos no Direito do Trabalho (nesta Conferência,
tratado por Evaristo de Moraes Filho) abrindo espaço para a futura lei brasileira de Ação
Civil Pública,
1014
cuja matéria obteve proteção constitucional em 1988.
1015
A proteção dos direitos subjetivos individuais como direitos humanos, no
primeiro caso de nossa subdivisão sobre vertentes conceituais da conferência, acompanhou
exatamente a tradição dos estudos jurídicos e da ação prática dos advogados. Este foi o
tema mais amplamente debatido, até porque, a eles estavam associados os pressupostos
substantivos tradicionais do Estado de Direito. No contexto desta temática ressaltou-se,
essencialmente, a necessidade de se restaurar o habeas corpus – cerceado, comprimido,
pelos atos ditatoriais desde 1964/68. A tese sobre Hábeas Corpus do jurista Pontes de
Miranda
1016
e, ainda, a tese sobre O Réu e o Estado de Direito, de Flavio Teixeira Abreu
1017
foram amplamente reconhecidas, demonstrando a importância histórica de se resguardar o
1012
Anais da VII Conferência p.691
1013
Este estudo foi preparado em 1974/75 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC.RJ,
como tese de mestrado, tendo sido editado à época e posteriormente reformulado para novas edições. A tese
serviu de texto para diversas reuniões acadêmicas realizadas entre 1977 e 1983, sobre a nova temática da
proteção de direitos complexos ou de grupos ou setores sociais.
1014
Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 – Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos
causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artísticos, estético, histórico, turístico e
paisagístico (vetado) e dá outras providências. Ver, também, a ampla discussão que apresentamos in (junto
com Sérvio Sérvulo).
1015
Ver art. 129 que estabelece que são funções do Ministério Público e o seu inc. III que dispõe: promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos.
1016
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 279 a 289.
1017
Anais da VII Conferencia p. 733
623
direito de defesa do réu como direitos humanos,
1018
onde se destaca, historicamente, o papel
do hábeas corpus. A importância do restabelecimento deste instituto jurídico foi ressaltada
insistentemente em cartas anteriores e, principalmente, na Carta desta Conferência na Carta
de Curitiba de 1978. Nesta mesma linha devemos ressaltar os trabalhos que foram
apresentados contra o cerceamento do Direito de Petição destacando-se a tese de Sérgio
Bermudes e os temas sobre processo penal de Francisco de Assis Serrano Neves, Virgilio
Luis Donnicci e Flavio Teixeira de Abreu e de Luciano S. Caseiro.
Finalmente, ainda na linha de defesa dos direitos humanos individuais foram
profundamente discutidos os temas do Mandado de Segurança e da Ação Popular. Arnoldo
Wald preparou texto na sua área de especialidade sobre Mandado de Segurança e Ação
Popular no Estado de Direito
1019
e Erasmo Barros de Figueiredo sobre o Retorno do
Recurso Ordinário no Mandado de Segurança.
1020
Não há como desconhecer, todavia, que
do ponto de vista substantivo, e, inclusive, processual, a questão dos direitos humanos
evoluiu da questão do direito subjetivo individual, mesmo porque excetuada a proteção
coletiva do trabalho, remanescente do trabalhismo dos anos 30, o nosso direito processual
estava totalmente formatado para proteger direitos individuais. Esta era a tradição
dogmática e positivista, que somente recentemente, por força da hermenêutica apoiada na
sociologia jurídica, vem se abrindo para os direitos subjetivos coletivos e difusos.
1021
De qualquer forma, estes estudos apresentados na VII Conferência, não
chegaram a evoluir até a proposição do Mandado de Segurança Coletivo e a Ação Popular
de novo tipo, como veio a ser consagrado na Constituição de 1988, muito embora a palestra
de Ada Pelegrini Grinover deva ser destacada como informação preliminar, vindo
inclusive, em forma mais ampla a ganhar espaço constitucional. Fica, assim, facilmente
identificável, que estamos por evoluir da defesa do direito subjetivo individual para a
proteção do interesse social ou público ou coletivo, mas, também, para a aplicação dos
1018
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 733 a 748.
1019
Anais da VII Conferência p. 431.
1020
Anais da VII Conferência p.727.
1021
BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro. Lúmen Júris.
1975.
624
institutos processuais coletivos para evitar (prospectivamente) os constrangimentos da
miséria, do desemprego, da fome e da ausência de moradia e de terras.
De qualquer forma, vale ressaltar, que, se estas são expectativas da moderna
sociedade brasileira, não propriamente, naquela Conferência, podemos identificar qualquer
sintoma indicativo deste tipo de preocupação, muito embora, um pouco mais a frente, a IX
Conferência realizada em Florianópolis, tenha começado a pautar-se na linha destas
preocupações. Aliás, como veremos, mesmo com as amplíssimas aberturas que se
identificam na evolução da ação e dos ideais da OAB, os sintomas de seu engajamento com
as questões sociais será sempre superficial, preferindo a abordagem jurídica ou
superestrutural para alcançar resultados concretos, o que a história brasileira nem sempre
confirmou como verdade.
Por outro lado, na linha institucional da Constituição de 1988, nesta
Conferência, foi discutido, precursoramente, o texto de José Lamartine Correa de Oliveira e
Francisco Ferreira Muniz sobre O Estado de Direito e Os Direitos da Personalidade,
1022
muito recentemente absorvido e definido no novo Código Civil.
1023
Nova e especial
abordagem dos direitos subjetivos individuais, que, nas suas dimensões de proteção
adjetiva inspirou o habeas data, como instrumento de acesso e abertura de informações
reservadas ao poder do Estado. Aliás, nesta linha, vale salientar que, se crescia no Brasil a
questão protetiva dos Direitos Coletivos e Difusos, como espaço de reconhecimento de
demandas de grupos e setores, por outro lado, desenvolveram-se também, as reivindicações
para a proteção destes direitos personalíssimos vinculados à proteção da dignidade interior,
da privacidade, da imagem, e da própria honra, todos como direitos humanos existenciais.
Finalmente, foi do conjunto destas variáveis de proteção individual, como
demonstramos, que a leitura jurídica contemporânea evoluiu para o conceito de Direitos
Humanos individuais e sociais e coletivos ou difusas, procurando alcançar não apenas as
suas dimensões do direito subjetivo individual, mas abrindo-se para a questão da proteção
da dignidade da pessoa humana, nas suas dimensões existenciais interiores. O conjunto
destes espaços protetivos exatamente demonstravam as imprescindíveis aberturas do Estado
1022
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 313 a 333.
1023
Ver arts. 11/21 da lei n°. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Cfr. Nota 36, p. 570..
625
de Direito para a proteção destas novas e especiais dimensões do homem e da sociedade
moderna. Esta linha discursiva, em primeiro lugar, abre, significativamente, o conceito de
garantia dos direitos individuais como proteção de direitos humanos e, em segundo lugar,
impõe a discussão sobre ações abusivas do Estado contra os cidadãos (estes em muitas
situações, indefesos) como violação excepcional da proteção política e jurídica inerente ao
Estado de Direito. Assim, é importante concluir que a abertura da questão dos direitos
individuais, como direitos humanos, foi especialmente captada na palestra de Caio Mario
da Silva Pereira, com o título: Direitos Humanos: Conceito Abstrato e Conceito
Realista.
1024
Esta nova abertura de discussão conceitual sobre o direito subjetivo, rompeu os
seus limites individuais, reconhecendo direitos subjetivos de entidades coletivas e até
difusas, influenciando decisivamente as conferências futuras e, como já observamos, da
palestra de José Lamartine Correa de Oliveira, inclusive na nova dimensão existencial do
homem, não apenas protegido na sua racionalidade, mas nos direitos da personalidade, os
direitos existenciais interiores.
A palestra de Caio Mario da Silva Pereira, aliás, palestra introdutória da
Conferencia, que influenciou, como já observamos, trabalhos apresentados na própria
Conferencia, como também em conferencias futuras, está escrito em uma linguagem
bastante simples e evoluiu exatamente para afirmar que na civilização ocidental a ordem
jurídica teve em vista afirmar a existência dos direitos do homem. A existencia de direitos
ligados á pessoa humana, integrantes de sua personalidade, e não subordinados a uma
concessão do estado. Esta construção lhe permitiu, não apenas desenvolver uma leitura
aberta e perfunctória dos principais tratados e autores que têm se dedicado ao estudo
evolutivo dos direitos humanos trazendo para o seu texto contribuição de significativo
alcance jurídico, mas sem deixar transparecer que a legislação, ordinária e constitucional
(concepção abstrata) está em pleno conflito com a realidade objetiva, exatamente porque o
estado, em muitas ocasiões, assume o poder ou a faculdade de suspender temporariamente
as garantias individuais.
Neste sentido, ao fazer as suas observações finais (quando especialmente
destaca que foi Presidente da OAB), o jurista tem o dever de se colocar num plano de
1024
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 123 a 133.
626
afirmação sistemática e absoluta da existência dos direitos humanos. Não pode deixar de
enfocar o mundo das realidades normativas mas, também, o que se não quer, não se
permite, não se aceita é o arbítrio, como pretexto defensivo da segurança estatal (...)
1025
3.4. Judiciário e Direitos Políticos.
Avançando na linha congnitiva do novo Estado de Direito, na sua especial
dimensão política, esteve na pauta, com presença incisiva as discussões sobre os
mecanismos repressivos (coativos) utilizados pelo Estado de Segurança Nacional
(originário da Carta Constitucional de 1967/69) que afetavam as garantias e direitos
individuais. Na verdade, a discussão jurídica destes temas de direito e política abriam,
exatamente, para a necessária conexão entre o Estado de Direito e democracia, pressupostos
da defesa e proteção dos direitos humanos, em todas as suas dimensões: sejam como
direitos individuais, coletivos ou existenciais. Estas discussões deixaram evidentes o
compromisso dos advogados com a construção de uma ordem jurídica democrática e com a
rejeição da concepção do Estado de Direito como estado autoritário e de seus mecanismos
excepcionais de sobrevida.
Na parte do temário, entre os assuntos de direito político, foram acentuadas as
opiniões sobre Estado de Direito e Segurança Nacional, tais como as teses de Bernardette
Pedrosa
1026
e de Alcides Munhoz Neto.
1027
Na mesma linha de discussões, sobre os
fundamentos democráticos do Estado de Direito, cabe ressaltar a tese de Gofredo da Silva
Telles Junior sobre o Estado de Sítio e as outras salvaguardas;
1028
de Oscar Dias Correa
sobre A Emergência Constitucional do Estado de Direito;
1029
de Vitor Nunes Leal sobre
1025
Anais da VII Conferencia Nacional da OAB p. 123 e segs.
1026
Anais da VII Conferência p. 185.
1027
Anais da VII Conferência p. 291.
1028
Anais da VII Conferência p. 237.
1029
Ibid. p. 407
627
Representação de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal
1030
e de Nelson de Souza
Sampaio sobre O Estado de Direito como Estrutura Política.
1031
Genericamente estas teses
ofereceram significativas indicações sobre os desvios do Estado autoritário e, em muitas
circunstâncias, ofereceram alternativas para os problemas mais complexos de sua
organização que afetavam os direitos humanos, especialmente as garantias e direitos
individuais, como já observamos.
Nesta linha merece um especial destaque o texto do ex-ministro do STF, Vitor
Nunes Leal, clássico autor do livro Coronelismo, Enxada e Voto, tão significativo, sobre a
natureza patrimonial brasileira, quanto os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ao abordar
o Recurso Extraordinário como recurso político de última instância para sanear, no STF,
medidas ofensivas ao Estado de Direito. De qualquer forma, na nossa opinião, remanesce
no texto, o reconhecimento implícito das limitações do Poder Judiciário, enquanto poder da
ordem, para enfrentar a própria ordem (autoritária), uma evidente demonstração de que os
poderes de exceção podem coibir a própria “legalidade” excepcionalmente construída.
A promulgação da Emenda nº 7, de 13 de abril de 1977, que afetava
significativamente a organização, a estrutura e as garantias e direitos dos juízes, a VII
Conferência, que terminou a 12 de maio de 1978, realizada cerca de 11 (onze) meses após a
promulgação da Emenda o mais violento ato de reforma institucional produzido no Brasil,
embora não tenha alcançado eficácia plena, transformou uma questão tradicionalmente
avaliada como uma questão técnica, em questão política. Neste sentido, às palestras sobre
as necessárias alterações da estrutura judiciária tornaram-se questões políticas e,
diferentemente do que pretenderam os militares, o modelo proposto na Emenda nº 7/77 foi
colocada como antítese da proposta de adaptação do Poder Judiciário ao Estado de Direito
Democrático, que já se prenunciava como projeto dos advogados, não apenas no contexto
político, mas também, no contexto das exigências para o exercício profissional e garantia
de suas prerrogativas.
Todavia, apesar desta explicita intenção de não se prestigiar a ação interventiva
no Judiciário, Evandro Lins e Silva, eminente jurista brasileiro, recentemente falecido, ex-
1030
Ibid. p. 479
1031
Ibid. p. 585
628
Ministro do STF, e conselheiro da OAB Federal, aposentado por ato revolucionário, como
também o foram Vitor Nunes Leal, também ex-ministro do STF e conselheiro da OAB
Federal e Hermes Lima, eminente professor que pensou o modelo alternativo de ensino
jurídico para a Universidade do Distrito Federal (1935/39)
1032
palestrou sobre Reforma
Estrutural do Poder Judiciário
1033
e José Carlos Barbosa Moreira falou sobre A Motivação
das Decisões Judiciais como Garantia Inerente ao Estado de Direito
1034
e Balthazar Gama
Barbosa falou sobre O Poder Judiciário no Estado de Direito.
1035
A reforma do Poder
Judiciário, pelo poder revolucionário, todavia, foi simplesmente ignorado, como tema da
conferência. Este especialíssimo confronto dificultou entendimentos políticos futuros sobre
a organização judiciária brasileira, cujos resultados, mesmo no texto constitucional de
1988, e nas dispersas reformas subseqüentes, não alcançaram resultados mais profundos,
enredando-se sempre nas questões conjunturais, determinadas pela precária funcionalidade,
e nunca sobre a sua infraestrutura de funcionamento em relação as demandas da
sociedade.
1036
Assim, como já observamos, se uma discussão temática em conferência sobre o
Poder Judiciário na sociedade moderna, sempre inibiu os advogados, o poder
revolucionário não teve este contrangimento e, imeditamente, antes da conferência de
Curitiba (7 a 12 de maio de 1978) baixou a Emenda nº 7/77 (Pacote de abril), efetiva
proposta de confronto com a gestão Raymundo Faoro. Estes fatos encaminharam a VII
Conferência, sobre Estado de Direito para a questão temática da Reforma do Poder
Judiciário, mas não fez da excepcional Lei Complementar, comoo o fizera nas reuniões
ordinárias e extraordinárias objeto de confronto, na certeza que não poderiam seus
dispositivos sobreviveram no quadro das complexas incertezas constitucionais.
1032
BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
1033
Anais da VII Conferência p. 549
1034
Anais da VII Conferência p. 569
1035
Anais da VII Conferência p. 601
1036
De qualquer forma, as recentes reformas provocadas pelas emendas constitucionais, respectivamente as de
n°. 24, de 09 de dezembro de 199 e a de nº 45 de 08 de dezembro de 2004 são demonstrativas dos esforços
modificativos do poder judiciário. A primeira esteve mais para subtrair da Justiça do Trabalho sua
remanescente natureza corporativa e a segunda ,de amplo alcance estrutural, exige um estudo prorprio sobre
os seus efeitos, mas não há como desconhecer a suas conseqüências também sobre a justiça do trabalho.
629
No fundo, estas questões têm as suas razões para remanescerem residuais. A
questão da reforma judiciária, apesar de interesse dos advogados, respeitosamente tem
sobrevido como uma questão dos juizes, senão política, por um lado, e, por outro, como
questão que representaria envolvimento direto nas questões políticas do poder. As questões
agrária e urbana, o que no passado foram classificados como reformas de base,
1037
representariam o envolvimento direto, não apenas no projeto de mudança da ordem
jurídica, mas também, nas questões de infraestrutura ou de estrutura da propriedade.
Na verdade, nem mesmo na história do anterior Instituto dos Advogados temos
manifestações, mesmo que assistemáticas, sobre estes temas, exceto, é claro, ainda no
Império, sobre a questão da escravatura, muito embora sem envolvimento direto, até porque
a luta pela criação da OAB e a consolidação de seu ideário estava em formatação até o fim
da Primeira República, por um lado, e, por outro, porque significaria um envolvimento
direto nas questões ideológicas do Estado. Em princípio o projeto só evoluiria, diretamente,
a partir de 1937 (golpe do Estado Novo) e tomaria fôlego institucional a partir de 1946,
para alcançar maior visibilidade institucional a partir de 1968, muito embora, ainda, com
vários fluxos e refluxos.
Todavia, sobre a questão dos direitos políticos obedeceram o especial destaque
as teses sobre o direito de Anistia para aqueles que foram vítimas de perseguições da
ditadura militar e atos repressivos. Therezinha Godoy Zerbini preparou um especial
trabalho sobre Estado de Direito, Direitos Humanos e Necessidade de Anistia,
1038
assim
como José Frejat preparou uma outra conferência intitulada Proposição sobre Anistia.
1039
Ambos os trabalhos, todavia, evoluíram na linha da importância da anistia ampla, geral e
irrestrita como pressuposto do Estado de Direito. Não podemos desconhecer a força
1037
Ver sobre este tema o livro de BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Governo João Goulart: As lutas
sociais no Brasil 1961 a 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977, que analisa o projeto de João
Goulart sobre a remodelação da estrutura de propriedade no Brasil. Questões candentes que provocaram a
queda do regime constitucional de 1946 e a ascensão da reação revolucionária e conservadora vitoriosa em 31
de março (1º de abril) de 1964. O livro de Moniz Bandeira de 1977 continua como um marco referencial do
período Goulart no Brasil, permitindo reconhecer neste autor, inclusive pelos seus livros subseqüentes, o mais
destacado especialista brasileiro em estudos sobre o ex-Presidente João Goulart.
1038
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 753 a 764.
1039
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, p. 805.
630
persuasiva senão especificamente, destes textos, mas eles traduzem a íncita vontade dos
participantes da VII Conferência verem suspensos (revogados) os atos de suspensão de
direitos políticos.
Pelo que se conclui as posições destes ambos conferencistas indicam que o
tema Anistia, por não ter a natureza restritiva de direitos, não adquiriu, nos debates
internos, do Conselho, dimensão mais extensa, mas foi tão significativo que o Presidente da
República entendeu-o, mensagem conciliatória da política de distensão para a conclusão da
VII Conferência que promulgar a Lei de Anistia. Seria um prenuncio de conciliação e
aproximação, o que de fato o foi. A anistia, reconhecida um ano após, na verdade não era
bem a Anistia que se buscava, mas era ela, exatamente, indicativa de que as condições de
recuo, no processo de abertura, não seriam significativas, se manifestaram apenas como
manifestações explosivas isoladas, mas e não como política de estado.
Neste sentido, no decorrer da VII Conferência, dentre tantas coincidências entre
atos do poder central e as conferências da OAB, como já alertamos, o Presidente da Ordem,
Raymundo Faoro, recebeu por intermédio do representante do Presidente da República,
Rafael Mayer e do Senador e Ministro Petrônio Portela comunicado do Presidente General
Ernesto Geisel, afirmando que seria decretada a Anistia, objeto de tanto empenho da Ordem
dos Advogados, uma significativa e marcante vitória dos advogados.
1040
Este ato, é claro,
neste contexto, permitiu que a VII Conferência tivesse um importante papel histórico à
medida que ela se transformou numa referência política entre o anterior “pacote de abril” de
1977 (e onze meses antes) e a futura (15 meses após) promulgação da Lei nº 6.683, de 28
de agosto de 1979 (Lei da Anistia), a primeira grande concessão do Estado de Segurança
Nacional, pressionado pela OAB e a sociedade civil, marcando definitivamente a luta pela
redemocratização do Brasil.
Mesmo com esta auspiciosa notícia, a VII Conferência prosseguiu dando uma
grande contribuição ao analisar detidamente muitos temas sobre o Advogado e o Estado de
Direito, demonstrando, a íntima conexão entre o exercício profissional da advocacia, o
1040
Na verdade a efetiva Anistia, vai, exatamente acontecer, com a Emenda Constitucional nº 26, de 27 de
novembro de 1985, que convocou a Assembléia Constituinte. Ata da 1378ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária
do CF.OAB de 24 de abril de 1969 indica que por sugestão do conselheiro Manuel Moreira Camargo que se
congratula pela publicação do livro “Anistia, Caminho e Solução” de autoria do presidente da OAB do
Espírito Santo, José Inácio Ferreira, prefaciado pelo ex-presidente Raymundo Faoro
631
Estado de Direito e a democracia, sem deixar de discutir a questão da formação do
advogado e o ensino jurídico. Márcia Maria Milenaz apresentou um trabalho sobre O
Advogado e o Estado de Direito;
1041
Luiz Cruz de Vasconcelos sobre As Prerrogativas do
Advogado e o Estado de Direito; e Rui Souza apresentou interessante estudo sobre A
Missão dos Advogados nas Crises Institucionais.
1042
Foi neste mesmo contexto (e a
Conferência explorou profundamente o tema) que se desenvolveram os estudos sobre as
políticas de assistência ao advogado, uma questão que permeia a história da advocacia
desde seus primórdios, de fundamental importância para a fixação de sua autonomia
profissional e cumprimento com independência e autonomia de seus deveres e direitos.
De qualquer forma, a discussão sobre a relação do exercício profissional com as
questões políticas, especialmente traduzidas nas teses sobre restauração do Estado de
Direito e Crise Institucional, aparentemente de influencia superficial, traduzem, no entanto,
a disposição para discutir politicamente o papel do advogado no estado autoritário e
processo de abertura, demonstrando, que, a posição não ficava infensa, senão pela violação
de suas prerrogativas, pela violação dos instrumentos processuais de defesa da cidadania
aos atos de arbitrariedade e exceção do poder central autoritário. Este especialíssimo
quadro é que permitiu que o ideário corporativo lentamente se abrisse para questões
ideológicas, sem que isto representasse adesões a políticas de classe ou o rompimento com
o pragmatismo profissional, procurando sempre conciliar a abertura de demandas civis com
a imprescindibilidade normativa ou a prescrição jurisprudencial.
Finalmente, se as atas e documentos internos da OAB, neste período não se
abriram para grandes discussões temáticas, inclusive por orientação de serviço ou de
proteção e defesa, o alcance político e ideológico da VII Conferência, foi um marco
1041
Anais da VII Conferência p. 749
1042
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 613 a 622, onde Rui Souza observa que A democracia não se defende com ditaduras, o que
caracteriza o regime democrático não é a inscrição legal da liberdade, mas a vigência da liberdade(...) o
advogado averá de ser, antes de tudo, comprometido com a verdade e a honra, defendendo e ousando dizer
sua verdade em favor do direito e das liberdades, contra os desrregramentos da prepotência (...) quatorze
anos decorridos sobre o Estado de exceção as medidas ditatoriais não podem representar, para os
advogados e a Ordem, uma antevisão otimista de que a curto prazo se reimplante o Estado de Direito (...) a
Constituição do país continua aviutada pela incersão, no seu contexto, do ato institucional n°. 5 e dos outros,
o que bastaria para tornar inoperantes todos os direitos e garantias concsagradas e para desqualificar a
nobresa da Lei Fundamental. P 615/620.
632
evolutivo nos temas do direito moderno, só comparável à sistematização promovida pela
Comissão Arinos.
1043
É bem verdade que a discussão temática não avançou na linha
indicativa de rupturas estruturais, que influirão nas X e XI Conferências, especialmente
nesta última, mas, de qualquer forma, estavam abertas as alternativas para alcançar
mudanças na ordem jurídica, preliminarmente, é claro, com a suspensão dos desvios
autoritários encarnados no Estado de Segurança Nacional, mas também, pela expansão e
reformatação dos direitos civis e políticos.
4 – A Carta de Curitiba
Concluída a VII Conferência foi divulgada a seguinte Declaração de
Curitiba
1044
:
Os advogados brasileiros, presentes e representados na VII Conferência Nacional da
Ordem dos Advogados, ao reiterarem sua unidade e coesão, trazem sua palavra ao
povo, ao qual pertencem e devem conta de suas preocupações e de sua conduta pública.
Armados da palavra e da razão, sentem-se credenciados, ainda uma vez dentro da
sombra autoritária que envolve o país, a expressar mensagem de esperança e de
liberdade, clamando pelo Estado de Direito democrático. O Estado democrático é a
única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência do
verdadeiro Estado de Direito, onde liberdade-autonomia cede lugar à liberdade-
participação que pressupõe princípios pertinentes ao núcleo das decisões políticas e a
sua legitimidade institucional. Para isso não basta o voto consentido, pois só ele não
constitui a essência da democracia, ao contrário: é a própria democracia que dá
conteúdo de participação ao direito de voto. Expressão de ato político e democrático, e
vontade que este representa, exige processo normativo integrado, desde a organização
pluripartidária – representativa das várias correntes de opinião pública – às garantias
1043
A Comissão Arinos, Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida por Afonso Arinos de
Melo Franco, e composta por juristas e intelectuais, foi criada pelo Decreto nº 91.450, de 18 de julho de 1985,
pelo Presidente José Sarney com a finalidade de preparar uma minuta de Constituição que servisse como
acervo de reflexões para informar a futura Assembléia Nacional Constituinte (Revista de Ciência Política. Rio
de Janeiro: FGV, vol. 30, jan./mar. 1987). Sobre este tema ver, também, os confrontos que esta linha de
orientação teve com as proposições constituintes da OAB, principalmente com os resultados da Conferência e
da Carta de Belém. Ver nesta Tese, Capítulo XII,.item 10.
1044
Ata da Sessão Plenária e da Sessão Extraordinária nº 1364ª do Conselho Federal da OAB de 12 de maio
de 1978. Foi divulgada como caput da Conferência a seguinte Ementa: Ementa de objetivos: Estado de
Direito e Estado Democrático – organização pluripartidária como expressão de opinião pública. Respeito
aos direitos fundamentais pelo estado e pelas entidades privadas, controle judicial e garantias da
magistratura. Segurança nacional e liberdades públicas. Restabelecimento do hábeas corpus em sua
plenitude. Divisão e Independência dos Poderes. A legislação trabalhista em face da Declaração Universal
dos Direitos do Homem – Direitos Públicos e Direitos Sociais e pela paz e concórdia de todos os brasileiros.
633
da livre manifestação do pensamento, incluindo o direito de crítica ás instituições. As
restrições à liberdade somente se tornam legítimas na medida em que visem à
preservação do interesse coletivo – respeitado o limite infranqueável da dignidade da
pessoa. O controle judicial, por tribunais dotados das garantias da Magistratura,
cuidará de remediar qualquer lesão ou ameaça de lesão à liberdade, síntese dos direitos
humanos. Os direitos fundamentais não podem sofrer agravo de grupos ou entidades
privadas, e, com maior razão, não devem sofrer agravo ao abrigo das agressões que
decorram das autoridades constituídas, cujo dever, primeiro será o de amparar o livre
desenvolvimento daqueles direitos. Se o contrário fosse admissível, reconhecer-se-ia o
absurdo da subversão da ordem pelos seus próprios agentes. Essas agressões à
dignidade das pessoas não se justificam; ainda quando se dissimulam debaixo do
pretexto de segurança nacional. No Estado de Direito, a segurança nacional constitui
meio de garantir as liberdades públicas. Protege-se o Estado, para que este possa
garantir os direitos individuais. A legitimidade da incriminação de atentados à
segurança nacional repousa no princípio de que só pelos meios jurídicos podem ser
alteradas as instituições estabelecidas pelo povo, através de representantes livremente
escolhidos. Para que a segurança nacional se enquadre no Estado de Direito,
garantindo a inviolabilidade dos direitos do homem, o crime pode ser defendido
mediante a tipicidade de fatos externos, ofensivos a bens ou interesses jurídicos. O
ilícito penal não compreende, a título de ilícito político, restrições a idéias dissidentes
do regime, nem no mero exercício de meios para formá-la. Não haverá o Estado de
Direito nem segurança nacional democraticamente entendidos, sem a plenitude do
habeas corpus que assegure a primeira das liberdades e base de todas as outras - a
liberdade física - em regime que consagre a inviolabilidade e a independência dos
juízes. O habeas corpus, cuja substância está na inteireza, consagra cinco séculos de
nossa herança luso-brasileira, herança jurídica, política e moral, que devemos
resguardar e transmitir a outras gerações. No Estado de Direito as garantias
institucionais decorrem da partilha das funções do Estado entre vários Poderes, de
modo que um não amesquinhe nem anule os outros, mas todos se limitem mutuamente,
em sistemas de fiscalização e controle recíprocos. A vigência do AI-5 faz reinar no
Brasil uma situação de excepcionalidade, a mais longa da História brasileira,
tradicionalmente ferida de temporários colapsos da liberdade. Declaramos, todavia,
que a simples revogação do AI-5 não restauraria, por si só, o Estado de Direito, diante
da realidade que a vigente Constituição não forma estrutura política democrática. Não
se negará, dentro do Estado de Direito, a legitimidade de instrumentos que o defendam,
ao tempo e na justa medida que defendam a liberdade dos cidadãos. No caso de grave
perturbação da ordem e na eventualidade de guerra externa, dispõe a tradição do
Direito brasileiro no instituto do estado de sítio, sem que na sua regulamentação se
insinue o arbítrio e a irresponsabilidade. A nação se resguarda pela ação conjunta dos
três Poderes e, nunca, pela usurpação de um às atribuições dos outros, em velada
suspeita da incapacidade destes. Essa a instância máxima das restrições que possam ser
impostas ao exercício dos poderes e aos direitos fundamentais. Se o Governo deve
contar com meios prontos e eficazes para debelar situações excepcionais, serão os
estritamente necessários e suficientes, respondendo pelos abusos ou excessos que
cometer, quer pela via política, administrativa ou judicial. No Estado de Direito, a
defesa das instituições não legitimaria exclusões, ostensivas ou dissimuladas, da efetiva
participação política e social do povo. Cumpre, para suprimir obstáculos
arbitrariamente criados, rever a legislação trabalhista do país, de nítida inspiração
autoritária, ao ponto de alguns de seus dispositivos violarem a Declaração Universal
dos Direitos do Homem. Sem liberdade sindical não pode existir um verdadeiro e
autêntico direito coletivo de trabalho, que encontra nos Sindicados seus sujeitos de
direito e seus agentes dinâmicos. Sem liberdade sindical não há democracia possível,
não há Estado de Direito. Só o Estado de Direito reconhece os conflitos, legitima-os e
os supera. Os direitos políticos, longe de obstarem os direitos sociais, constituem a
única via pacífica para a sua obtenção e o seu exercício. Direitos sociais e direitos
políticos são o conteúdo do Estado de Direito, que, por ser um Estado ético, repele a
634
idéia da injustiça, situada nas desigualdades decorrentes da excessiva riqueza de uns,
da extrema miséria da maioria. Uma política fiscal justa e eficiente há de atenuar isenta
de arbítrio, com a criação de tributos, seu aumento e discriminação por atos que atenda
ao consentimento popular e às normas constitucionais. Para sua honra, os advogados
debatem e estudam a realidade nacional, com a inteligência, o equilíbrio e o senso de
responsabilidade que historicamente lhes reconhecem os brasileiros. Identificam no
autoritarismo o principal desvio ao livre desenvolvimento da vida jurídica, política e
social do país. Situam na liberdade de participação a maior preocupação dos seus
estudos, participação cuja amplitude exige a participação nacional, que lance o
esquecimento sobre os ódios do passado. A anistia, embora não leve, por si só, ao
Estado de Direito, clamor de consciência jurídica do país, não é reivindicação exclusiva
de classes ou grupos, mas constitui o necessário pacto de convivência de todos os
brasileiros. As promessas governamentais, para que atendam aos reclamos da opinião
pública, devem converter-se em ação, com brevidade, em favor da paz e da concórdia de
todos os brasileiros. Curitiba, 12 de maio de 1978.
1045
Neste sentido, colocada a grandeza de seus ideais na dimensão das lutas
políticas, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados, na “Declaração de Curitiba”,
aprovada na VII Conferência, não só repudiou veementemente o Estado de exceção vigente
no Brasil, como negação autoritária do Estado de Direito, e dos direitos fundamentais,
referência discursiva do conceito de direitos humanos, mas também fez uma explícita
manifestação pela construção democrática. A suspensão dos atos de exceção, simbolizados
na esdrúxula estrutura repressiva imposta pelo Ato Institucional nº 5/68, tornara-se um
empecilho para que viessem a ser efetivadas as providências democráticas restauradoras do
equilíbrio entre os poderes, bem como uma política de proteção dos direitos humanos,
implementação da abertura democrática.
A Carta de Curitiba, no contexto da história brasileira contemporânea, não se
classifica como diagnóstico do autoritarismo estrutural do estado brasileiro, aliás,
desenvolvido em tantos outros documentos antecedentes, mas é um completo documento
sobre o projeto de reconstrução da democracia brasileira, não apenas porque inaugura a
discussão sobre a relação direito e democracia como pressuposto conceitual do “Estado de
Direito democrático”, mas também porque elenca as iniciativas de curto e médio prazo
imprescindíveis à restauração (ainda, apenas) do Estado de Direito. No conjunto deste
catálogo de providências a Carta foi incisiva na exigência de restauração do Hábeas
Corpus, instituto de direito vigente no Brasil desde os difíceis anos de instauração e
formação do Estado Nacional (1824/1830), da imediata edição da Lei de Anistia, “clamor
1045
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Curitiba, Paraná, 7 a 12 de maio
de 1978, pp. 9 a 16.
635
da consciência jurídica do país”, a restauração das garantias da magistratura, como especial
forma de se evitar a ilegitimidade das lesões da liberdade e direitos fundamentais, o
enquadramento legal das práticas de segurança nacional, transformando-a em meio de
garantir as liberdades públicas e não ameaça ao Estado de Direito,
Estavam, por conseguinte, definidos os pressupostos da restauração do Estado
de Direito: a anistia, a suspensão da excepcionalidade constitucional, a proteção das
liberdades públicas, a inviolabilidade e independência dos juizes, a restauração do habeas
corpus, assim como, as diretrizes que informariam a evolução conceptiva dos direitos
humanos: os direitos individuais e os direitos fundamentais como especial forma de
garantia a integridade física e existencial do homem. Muitos destes indicativos eram
conceitos, ainda abertos, outros, mais facilmente reconhecíveis, e historicamente vividos,
mas todos, no seu conjunto, viriam a contribuir para a redefinição do moderno Estado de
Direito, apoiado na funcionalidade democrática na definição de direitos humanos, apoiados
no respeito à dignidade existencial, que como já observamos vinha sendo tratado no Brasil,
na forma da Lei que criou o CPDDH em 1964,1046 antes do movimento militar.
Deve-se ressaltar, que dentre tantas iniciativas, a Carta de Recife formalizou em
documento, pioneiramente, a necessidade de se implementar políticas de proteção ao
trabalho, reivindicação indicativa de forte militância de advogados trabalhistas no
Conselho, experiência desconhecida no passado histórico. A VII Conferência, na sua Carta,
revelou a força ascendente deste núcleo especialíssimo da advocacia moderna, que, senão
apenas como advogados trabalhistas, como militantes dos direitos sociais, muito
influenciarão nos movimentos pelas “Diretas Já” e pela convocação da Assembléia
Constituinte.
Finalmente, como já observamos, na abertura da VII Conferência, o presidente
Raymundo Faoro, por intermédio do representante do Presidente da República, Rafael
Mayer, na presença do Senador Petrônio Portela, obteve o compromisso de que em futuro
próximo, como de fato ocorreu, 7 (sete) meses após a suspensão do Ato nº 5/68 (ainda na
gestão de Raymundo Faoro), em 28 de agosto de 1979, imediatamente após (cinco meses) a
posse do novo presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, seria
editada lei de anistia. A Lei de Anistia não expressou exatamente os anseios dos advogados
1046
Ver Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964.
636
– Anistia ampla, geral e irrestrita – mas, de qualquer forma, representou um passo político
decisivo na formalização da política de descompressão, no entendimento do bruxo da
revolução, general Golbery do Couto e Silva,
1047
da abertura lenta, gradual e segura nas
palavras de Geisel, o general presidente que a editou, na expectativa de assegurar a política
de conciliação como a clássica política brasileira de recomposição entre as frações
dissidentes.
1048
Aliás, o dístico: anistia ampla, geral e irrestrita, como queriam os advogados e
a sociedade, e o dístico: abertura lenta, gradual e segura, representam, exatamente no
contraponto histórico as estratégias para o futuro do Brasil: uma democracia plena e aberta
como queria a sociedade ou uma democracia relativa e restrita, como pretenderam os
generais. O processo de abertura, todavia, mais caminhou na linha do projeto do poder
central, sem que fossem revogadas as normas de controle, do que na linha das amplas
expectativas sociais, que, todavia significativamente evoluíram no processo de construção
da futura Constituição brasileira (1987/1988).
5 – A OAB e a Anistia
A Anistia, tradicional instituto do direito, mecanismo de recuperação de
direitos, no Estado de Direito, é essencial à restauração da concórdia e convivência entre
grupos dissidentes cuja fração mais poderosa em situações privilegiadas, assaltam o poder e
governam excepcionalmente, excluindo violentamente das atividades políticas lideranças
ou cidadãos grupos, partidos ou setores do estado que incomodem ou ameacem o seu
projeto de poder.
1049
Os militares que assaltaram o poder em 1964, aliados a grupos civis
1047
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, esp. p. 21/25 (Geisel, o
Sacerdote) p. 111/121, (Golbery o feiticeiro). O Livrode Gaspari é uma moderna pesquisa de alto grau
informativo, inclusive iconográfico, de leitura essencial para se compreender o jogo interno das acomodações
políticas no período revolucionário, inclusive as crises que sucederam à sua derrocada.
1048
Ver Capítulo IX. item 5 desta Tese.
1049
Na história brasileira, em geral, os atos de punição política de cassação ou restrição de direitos sempre
foram praticados por autoridade executiva, no entanto, mais recentemente, após a Constituição de 1988, estas
competências vêm sendo utilizadas pelo Poder Legislativo para suspender direitos de dirigentes ou membros
do Executivo, todavia, ainda não ocorreram casos de Anistia (destes especiais punidos), competência da
União (art. 20 Compete à União: (...) XVII. Conceder Anistia como ato do Congresso Nacional (art. 48. Cabe
637
extensivos, com os quais lentamente rompeu a partir de 1968/69,
1050
provocando
fracionamentos ou aprofundando de políticas repressivas, fizeram da cassação, suspensão
de direitos e aposentadoria compulsória, quando não antecedidas de prisões e processos
políticos seguidos do exílio, uma prática governativa excludente, alcançando significativos
grupos de brasileiros.
No entanto, imediatamente à estabilização autoritária, apesar das resistências
originárias que resultaram em novas perseguições, a OAB e a sociedade brasileira
buscaram na Anistia a forma possível de se restabelecer a convivência política e viabilizar a
reconstrução da ordem constitucional com a mais ampla participação de todos os cidadãos,
frações políticas e de políticos militantes.
A OAB se movimentou em várias frentes exigindo uma lei ou procedimentos
suspensivos das punições políticas. Externamente realizou, inclusive, o Seminário1051 que
analisou criticamente diversos pontos do Projeto de Lei, que foi enviado ao Congresso, pelo
Presidente Ernesto Geisel. Todavia, as contribuições mais fortes advieram das dicussões
internas no Conselho Federal, mas o documento interno mais importante foi o Parecer do
Conselheiro José Paulo Sepúlveda Pertence que fez um exame global do Projeto. Logo, na
sua abordagem introdutória revela de imediato, a principal falha, ou seja:
Sua frontal incompatibilidade com o próprio conceito de anistia. Os pontos mais
criticados foram: a descriminação dirigida aos já condenados por determinados crimes
políticos, como terrorismo e seqüestro; o condicionamento do retorno ou reversão dos
servidores públicos à existência de vaga e ao interesse da administração e a exclusão
desse benefício quando o afastamento tiver sido por improbidade do servidor. Na
ao Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (...) dispor sobre todas as matérias de
competência da União especialmente sobre: VIII. Concessão de Anistia. A anistia tornou-se um ato político
complexo de mais difícil realização. A matéria é também tratada, no que se refere ao passado, na
Constituição vigente, no art. 8º das Disposições Transitórias, quando retroage o benefício aos perseguidos
no período intermediário entre 1945 e 1988, na forma de diversas leis citadas e parágrafos do próprio texto
constitucional.
1050
Este tema foi longamente estudado nos capítulos que constituem o Título III, sobre a OAB e a segurança
nacional mas, muito especificamente, no item 5 do Capítulo VII tratou de estudar o Estado de exceção e a sua
própria Constituição.
1051
O “Seminário sobre Direito, Cidadania e Participação” realizado em Florianópolis em 2 de junho de 1979,
quando o Projeto de Lei de Anistia foi amplamente discutido, levando o Conselho Federal a pronunciar-se
criticamente sobre as limitações já antevistas da futura lei do Processo CF.OAB nº 2164/79, enviado ao
Congresso Nacional, com a seguinte ementa: Fixação da Posição do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados em Face da Anistia, tendo como relator o Conselheiro José Paulo Sepúlveda Pertence.
638
tradição legal brasileira, afirmava o Relator, a anistia não é destinada a beneficiar
algumas pessoas em detrimento de outras, mas apagar o crime, excluindo-se como
conseqüência a punição cabível àqueles que o cometeram. Portanto, não se justificava
diferenciar, por meio da qualificação dos crimes, aqueles que recebiam o suporte da
lei.
1052
Os resultados da Lei, como veremos, no entanto, não estavam nas expectativas
plenas da OAB, mas ficaram nos limites do Projeto do governo, que admitia apenas, uma
anistia restrita, que, como de fato ocorreu, alcançava perseguidores e algozes do governo
militar.
A Anistia sempre foi uma questão de especial relevância para a OAB, no
entanto, quando a OAB recebeu o projeto da proposta governamental provocou as mais
difusas reações. O conselheiro José Paulo Sepúlveda Pertence preparou, por conseguinte,
Parecer sobre a matéria, atendendo solicitação do presidente Eduardo Seabra:
É fato inconteste que os órgãos de repressão, na apuração de crimes políticos
recorreram costumeiramente à tortura, estigmatizando a imagem civilizada da Nação,
ferindo a consciência moral de todos os brasileiros, que sentiram o peso das mortes, das
lesões corporais, dos estados de demência sofridos por culpados ou inocentes, suspeitos
da prática de infração à Lei de Segurança Nacional. O projeto, de forma esdrúxula,
procura ser inovador em matéria processual penal, ao estabelecer um conceito próprio
e específico de crime conexo. Com esta nova categoria estende-se, por meio de
eufemismo, a anistia às violências ocorridas na atuação repressiva, definidas no
projeto, de forma sibilina, como crimes ‘de qualquer natureza’ relacionados com crimes
políticos. (...) é forçoso reconhecer que o interprete deve descobrir qual o interesse
oculto do legislador, que outro não é senão o de estender o benefício aos torturadores.
Segundo o projeto, o crime de qualquer natureza relacionado com crimes políticos, e
assim sendo torturar, matar, ferir a integridade física do suspeito de crime político seria
crime relacionado com crime político. (...) O projeto está, cabe ressaltar, eivado de
grave contradição: anistiam-se o homicídio, o constrangimento ilegal, em suma a
violência cometida em nome do Estado e praticada nos gabinetes de tortura, sob o
manto da impunidade garantida pelo regime de exceção, porém anistiados não são os
que, de modo tresloucado recorreram à violência na luta contra o regime, mas sempre
com risco pessoal. É certo que o terrorismo, com seqüestros, roubos e atentados
pessoais, também fere a consciência moral dos brasileiros, todavia, estes atos não se
revestem, em igual intensidade, da torpeza que colore a tortura, vil por sua motivação e
por suas circunstâncias. (...) Os que realizaram atos de terror adotaram a violência
como instrumento na luta contra o Estado autoritário, e admitiram ‘se tornarem
criminosos para que a terra se cubra de inocentes’. O torturador é o empregado do
poder, que sem ideal, por ofício, submeteu à dor e ao sofrimento aquele que se encontra
1052
Aliás, também, o inciso XVI do art. 8º da anterior Constituição de 1967/69 dispunha que competia a
União conceder Anistia, sendo que dentre as atribuições do Poder Legislativo no art. 43 dispõe: Cabe ao
Congresso Nacional com a sanção do Presidente da República dispor sobre todas as matérias de
competência da União, especialmente: VIII
Concessão de anistia. Como se vê, os textos de 1988 e de
1967/69, se não idênticos são similares.
639
ao seu dispor, frágil diante do aparato estatal. (...) Assim sendo, é incompatível que
anistiado seja o torturador, e não aquele que praticou a subversão armada. (...).
1053
Apenso à ata em que estar anexo o Parecer de Sepúlveda Pertence juntou-se
oficio dos membros do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ao Ministro da
Justiça Petrônio Portela sobre o projeto de lei de Anistia.
(...) Dadas as peculiaridades da atualidade brasileira e as características da vida
nacional nos últimos 15 (quinze) anos, a anistia aos acusados pela prática de crimes
políticos se constitui em medida intimamente relacionada com os Direitos Humanos,
que este órgão tem o dever legal de defender. Face às restrições contidas no projeto em
tramitação no Congresso Nacional, estariam excluídos da anistia, em sua quase
totalidade, os que cumprem penas nos estabelecimentos penais do País pela prática de
delitos de natureza política [e de penas] na [sua] grande maioria (...) em torno dos 30
(trinta) anos, e que se acham encarceradas há cerca de 10 (dez) anos. Todas, portanto,
ou quase todas, teriam delinqüido ainda muito jovens, impulsionados pelo ardor da
adolescência. (...) Além disto, o projeto trata desigualmente pessoas que infringiram
igualmente a lei penal, atentando contra o principio da isonomia, consagrando no texto
da Carta Política em vigor. A limitação dos efeitos da anistia em função da existência
de sentença condenatória é ilógica e injusta porque se baseia em atos e fatos que nada
têm a ver com a ação dos acusados, mas sim com a maior ou menor eficiência dos
órgãos judiciários. Desta sorte, pessoas que agiram associadas na prática de um mesmo
delito podem vir a ser tratadas desigualmente pelo Estado, sendo algumas libertadas,
enquanto outras permanecerão encarceradas, exiladas ou foragidas.
1054
1055
Todavia, duas questões vertentes se impuseram no processo de restauração
democrática: a anistia ampla, geral e irrestrita, expectativa da sociedade civil e partido(s)
político(s) de oposição e a anistia restrita, projeto do governo autoritário voltado apenas
1053
Ata da 1382ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de julho de 1979. Presente da reunião o
Senador Teotônio Vilela, vários conselheiros se pronunciaram sobre o tema fortalecendo a posição adotada
pelo relator dentre eles Jorge Tavares, Miguel Reale Júnior, Godoy Bezerra, que entendeu que os aspectos
jurídicos do parecer eram suficientes, mas que o seu alcance era anti-regimental, José Costa que ressaltou o
caráter político do ato de anistia insistindo na tese da Anistia ampla, geral e irrestrita. Falaram também os
conselheiros Calheiros Bonfim e Carlos Araújo Lima e ainda, Evandro Lins e Almindo Afonso, conselheiro
Vitor Nunes Leal que destacou o seu total apoio no sentido de ser abrangente o projeto de Anistia. Foi
também apresentada uma Moção pela delegação do Mato Grosso do Sul. O Parecer foi aprovado com
sugestões de inclusão de alguns adendos que tinham sido por ele acolhidos, o que substancialmente não
alterava a posição do relator.
1054
Ata da 1382ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de julho de 1979.
1055
Ata da 1393ª Sessão Extraordinária da 49º Reunião Ordinária de 11 de dezembro 1979, o presidente
Eduardo Seabra deu ciência à casa da última reunião do CDDPH e depois de relatar vários fatos de conclusão
pelo arquivamento registrou o seu mais vivo desencantamento pela forma com que é conduzido aquele órgão,
mas entendia ser valida a presença da OAB até para que sejam feita denuncias, de público sobre a forma que
se trabalhava naquele órgão.
640
para reconhecer os direitos políticos, daqueles que, embora cassados, não estavam
cumprindo penas ou sofreram condenações e, também. De qualquer forma, este projeto
visava, perdoar aqueles que, politicamente, teriam sidos punidos, mas com o intuito de
justificar o perdão daqueles que foram injustos agressores dos que continuavam presos e
detidos nos quartéis e nos organismos civis repressores. No contexto geral da correlação de
forças, como se verifica das próprias tendências dominantes na sociedade civil, e
dominantes no poder, prevaleceu, no Congresso, a posição restritiva sobre a Anistia, na
forma proposta pelo governo federal.
Assim ficou o texto da Lei de Anistia restritiva:
Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979
1056
Concede Anistia, e dá outras providências.
1057
O Presidente da República.
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º - É
concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de
1961
1058
e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes,
crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da
Administração Direta e Indireta, de Fundações vinculadas ao Poder Público, aos
servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e
representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e
Complementares (vetado). § 1º. Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os
crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por
motivação política. § 2º. Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram
condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
§ 3º. Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato
Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder
habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do artigo 3º. Art. 2º. Os
servidores civis e militares demitidos, postos em disponibilidade, aposentados,
transferidos para a reserva ou reformados, poderão nos 120 (cento e vinte) dias
1056
Como se verifica, diferentemente de outras leis, o Presidente da República não fundamentou
constitucionalmente o seu ato, o que significa que viera a Anistia promulgada como ato revolucionário, como
“poder de graça” do príncipe.
1057
Coincidentemente, na Ata da 1386ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de agosto de 1979
esta em anexo relatório ao Conselho Federal do primeiro brasileiro condenado à pena de morte pela Justiça
Militar: Teodomiro Romero dos Santos, por haver morto um sargento quando era seqüestrado por uma
escolta, integrada por militares da Aeronáutica, pena posteriormente reduzida pelo Superior Tribunal
Militar.
1058
Esta data, aparentemente aleatória, procura alcançar eventuais militares que tenha sido punido no período
que entremeou à renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart, ainda no presidencialismo parlamentar.
Demonstra, assim, a data referencial, que os titulares do poder estavam reconhecendo que o conflito que levou
ao golpe militar retroagia a setembro de 1961 e, não apenas, a 1964. Naquela data já se antevia que grupos
conspiratórios moviam-se contra a ordem constitucional ou, pelos menos, movimentam-se para uma contra
revolução.
641
seguintes à publicação desta Lei, requerer o seu retorno ou reversão ao serviço
ativo:
1059
(...)
Art. 6º. O cônjuge, qualquer parente, ou afim na linha reta, ou na colateral, ou o
Ministério Público, poderá requerer a declaração de ausência de pessoa que, envolvida
em atividades políticas, esteja, até a data de vigência desta Lei, desaparecida do seu
domicílio, sem que haja notícias por mais de 1 (um) ano.
1060
(...)
Art. 7º. É concedida anistia aos empregados de empresas privadas que, por motivo de
participação em greve ou em quaisquer movimentos reivindicatórios ou de reclamação
de direitos regidos pela legislação social, hajam sido despedidos do trabalho ou
destituídos de cargos administrativos ou de representação sindical.
Art. 8º. São anistiados, em relação às infrações e penalidades decorrentes do não-
cumprimento das obrigações do serviço militar, os que, à época do recrutamento, se
encontravam, por motivos políticos, exilados ou impossibilitados de se apresentarem.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos dependentes do anistiado.
Art. 9º. Terão os benefícios da anistia os dirigentes e representantes sindicais punidos
pelos Atos a que se refere o artigo 1º, ou que tenham sofrido punições disciplinares ou
1059
Os procedimentos ficavam assim regulados nos incisos do art. 2º: I - se servidor civil ou militar, ao
respectivo Ministro de Estado; II - se servidor da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembléia
Legislativa e de Câmara Municipal, aos respectivos Presidentes; III - se servidor do Poder Judiciário, ao
Presidente do respectivo Tribunal; IV - se servidor de Estado, do Distrito Federal, de Território ou de
Município, ao Governador ou Prefeito. Parágrafo único. A decisão, nos requerimentos de ex-integrantes das
Polícias Militares ou dos Corpos de Bombeiros, será precedida de parecer de comissões presididas pelos
respectivos Comandantes. Art. 3º. O retorno ou a reversão ao serviço ativo somente será deferido para o
mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que o servidor, civil ou militar, ocupava na data de seu
afastamento, condicionado, necessariamente, à existência de vaga e ao interesse da Administração. § 1º. Os
requerimentos serão processados e instruídos por comissões especialmente designadas pela autoridade à
qual cabia apreciá-los. § 2º. O despacho decisório será proferido nos 180 (cento e oitenta) dias seguintes ao
recebimento do pedido. § 3º. No caso de deferimento, o servidor civil será incluído em Quadro Suplementar e
o militar de acordo com o que estabelecer o decreto a que se refere o artigo 13 desta Lei. § 4º. O retorno e a
reversão ao serviço ativo não serão permitidos se o afastamento tiver sido motivado por improbidade do
servidor: § 5º. Se o destinatário da anistia houver falecido, fica garantido aos seus dependentes o direito às
vantagens que lhe seriam devidas se estivesse vivo na data da entrada em vigor da presente Lei. Art. 4º. Os
servidores que, no prazo fixado no artigo 2º, não requererem o retorno ou a reversão à atividade ou tiverem
seu pedido indeferido, serão considerados aposentados, transferidos para a reserva ou reformados,
contando-se o tempo de afastamento do serviço ativo para efeito de cálculo de proventos da inatividade ou da
pensão.Art. 5º. Nos casos em que a aplicação do artigo acarretar proventos em total inferior importância
percebida, a título de pensão, pela família do servidor, será garantido a este pagamento da diferença
respectiva como vantagem individual.
1060
Os procedimentos para declaração de ausência eram: § 1º. Na petição, o requerente, exibindo a prova de
sua legitimidade, oferecerá rol de, no mínimo, 3 (três) testemunhas e os documentos relativos ao
desaparecimento, se existentes. § 2º. O juiz designará audiência, que, na presença do órgão do Ministério
Público, será realizada nos 10 (dez) dias seguintes ao da apresentação do requerimento e proferirá, tanto
que concluída a instrução, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, sentença, da qual, se concessiva do pedido,
não caberá recurso. § 3º. Se os documentos apresentados pelo requerente constituírem prova suficiente do
desaparecimento, o Juiz, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, proferirá, no prazo de 5
(cinco) dias e independentemente de audiência, sentença, da qual, se concessiva, não caberá recurso. § 4º.
Depois de averbada no registro civil, a sentença que declarar a ausência gera a presunção de morte do
desaparecido, para os fins de dissolução do casamento e de abertura de sucessão definitiva.
642
incorrido em faltas ao serviço naquele período, desde que não excedentes de 30 (trinta)
dias, bem como os estudantes.
1061
(...)
Art. 12º. Os anistiados que se inscreveram em partido político legalmente constituído
poderão votar e ser votados nas convenções partidárias a se realizarem prazo de 1 (um)
ano a partir da vigência desta Lei.
(...)
Art. 14º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 15º. Revogam-se as disposições em contrário.
1062
Apesar do evidente avanço do processo de abertura do país a promulgação da
Lei de Anistia, restaurando direitos e reincorporando à vida política e civil brasileira, com
efeitos parciais alcançando, inclusive, os agentes perseguidores do poder, refletia a força
ditatorial do estado, deixando, ainda suscetíveis de novos procedimentos de anistia, grande
parte da juventude que no “idealismo armado” enfrentou o governo militar. A OAB,
reconheceu a evolução parcial do seu projeto, mas não esmoreceu tendo retomado o tema
em sua Conferência até a promulgação da Constituição de 1988.1063
Podemos concluir, por fim, que a Lei de Anistia, como vimos, não era um
documento ideal, nem muito menos era exatamente representativo de uma proposta de
anistia ampla, geral e irrestrita, mas foi o documento possível, que, nas suas limitações,
permitiu as primeiras iniciativas legais e políticas na reconstrução do Estado de
Direito.1064 Por um lado aproveitou-se da ampla demanda nacional pela anistia e retroagiu
1061
Sobre reaproveitamento dispõe: Art. 10º. Aos servidores civis e militares reaproveitados, nos termos do
artigo 2º, será contado o tempo de afastamento do serviço ativo, respeitado o disposto no artigo 11. Art. 11º.
Esta Lei, além dos direitos nela expressos, não gera quaisquer outros, inclusive aqueles relativos a
vencimentos, soldos, salários, proventos, restituições atrasadas, indenizações, promoções ou ressarcimentos.
Art. 13º. O Poder Executivo, dentro de 30 (trinta) dias, baixará decreto regulamentando esta Lei.
1062
Assinam a Lei de Anistia (Lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979) João Baptista de Figueiredo - Presidente
da República, Petrônio Portella, Maximiano Fonseca, Walter Pires, R.S. Guerreiro, Karlos Rischbieter, Eliseu
Resende, Ângelo Amaury Stábile, E. Portella, Murilo Macedo, Délio Jardim de Mattos, Mário Augusto de
Castro Lima, João Camilo Penna, Cesar Cals Filho, Mário David Andreazza, H. C. Mattos, Jair Soares,
Danilo Venturini, Golbery do Couto e Silva, Octávio Aguiar de Medeiros, Samuel Augusto Alves Corrêa,
Delfim Netto, Said Farhat, Hélio Beltrão.
1063
Anais da XII Conferência realizada em Porto Alegre entre 1º e 5 de outubro de 1988. Ver Capítulo XIII,
itens 2 e 3 desta Tese.
1064
Esta mesma Lei, restritiva por um lado, estabeleceu que não seria permitida a reversão ao serviço público
daqueles que tivessem sido afastados por improbidade administrativa, mas, por outro lado, admitia que
parentes de pessoas desaparecidas de seu domicílio, envolvidas em atividades políticas, poderiam requerer a
declaração de ausência de pessoa. Este último item foi um grande avanço não apenas pelo reconhecimento de
direito, mas, muito especialmente porque ficava visível que “haviam desaparecidos”, apesar do seu esforço de
643
os seus efeitos retroativamente a 1961, beneficiando grupos políticos ou indivíduos que se
opuseram ao próprio governo João Goulart, antes de 1964 e, que, fôra, neste período,
“atropelado” pelo movimento militar e pelo golpe de 1968, que instaurou a temporada de
prisões, cassações, demissões, disponibilizações, aposentadorias e reservas, asilos e exílios,
e tantas outras formas obscuras de se padecer da repressão e perseguição (em tese até 1979,
data de promulgação da Lei, chamada de anistia recíproca). Por outro lado, excluiu dos
benefícios da anistia aqueles que foram condenados por crimes de terrorismo, assalto,
seqüestro e atentado pessoal, excluídos, por conseguinte, do conceito de “crimes políticos
ou conexos com este” de crimes eleitorais.1065
As reações à Lei de Anistia, por parte da linha dura, vieram, todavia, em cadeia
imediatamente à sua promulgação. Na verdade a radicalização dos grupos militares de
extrema direita, não é de todo impossível esta afirmação, se deu mediatamente à escolha de
Ernesto Geisel para Presidente da República (15.03.1974), que, refém dos grupos sectários,
imediatamente após sua posse, rompeu com o projeto de “fechadura”. Esta decisão permitiu
que o Presidente inaugurasse-se a prática da distensão política, que, mais fortemente, se
consolidou, por decisão do próprio governo militar, à medida que o Ato Institucional nº
5/68 expirou-se no último dia de sua própria vigência: 31 de dezembro de 1978, o que,
aliás, também, não fazia muito sentido desde a Emenda Constitucional nº 1/69, que
absorvera quase que absolutamente os seus propósitos.
A “hamletiana” política de distensão de Geisel não se reduziu a uma abertura
continuada e linear, muito ao contrário, o processo se explica por sucessivos fluxos e
refluxos de compressão e descompressão política seguido de reações militares internas e de
atos radicais de terror em visível retaliação política, fazendo, inclusive, da OAB, sediada na
cidade do Rio de Janeiro, imediatamente à VIII Conferência, em Manaus, vítima da fúria
agressiva dos “radicais, porém sinceros”, na frase histórica de nosso Hamlet Presidente. Os
atos de terror extremista, na verdade, não foram uma política de Estado, pelas evidencias do
alcançar efeitos retroativos à sua própria ação, justificadamente, perdoando revoltosos (sem sucesso) que se
antecederam no tempo.
1065
Na verdade, no processo de democratização passamos por 3 (três) momentos diferenciados de Anistia. O
primeiro momento se caracteriza pela edição da Lei nº 6683/79, assinada pelo Presidente Figueiredo, o
segundo momento coincide com a convocação da Assembléia Constituinte com a Emenda nº 26, de 27 de
novembro de 1985, assinada pelo Presidente da Câmara dos Deputados Ulisses Guimarães e do Senador
Federal José Fragelli e, finalmente, como dispositivo constitucional constituinte (art. 8º das DT) de 5 de
outubro de 1988.
644
projeto de distensão, mas foram uma reação destemperada e provocadora de elementos
remanescentes dos órgãos do estado ou repartições destes órgãos ligados à repressão, quase
sempre, é claro, contando com o apoio de grupos civis “direitistas” clandestinos.
Estas ações obscuras e intempestivas não interromperam a ampliação dos
compromissos do Conselho Federal com a democratização, pelo contrário, ampliaram a
faixa de adesão das suas diferentes frações constitutivas e aprofundaram as suas convicções
ideológicas. No entanto, em que pese a covardia dos atentados, não apenas as que afetaram
as diferentes organizações da sociedade civil, mas, também, e principalmente a OAB,
contribuíram para redimensionar o ideário corporativo, ou seja, fortalecer a consciência
democrática reconhecendo na democracia o pressuposto do Estado de Direito e na proteção
dos direitos coletivo civis e difusos o desdobramento das garantias fundamentais
individuais.
Neste sentido, quando a VIII Conferência iniciou os seus preparativos, e definiu
o seu tema, não apenas já vinham ocorrendo atos de terror contra instituições civis
1066
e
personalidades, numa efetiva reação ao projeto de Lei de Anistia, como também, mesmo
anteriormente, com a eleição do Presidente Geisel, que afastara, após a morte do jornalista
Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, de São Paulo, em 27 de outubro de
1975, e do operário Manoel Fiel Filho. As providencias de natureza administrativa, foram
imediatamente tomadas com o afastamento do comandante do II Exercito, General Eduardo
D’Avila, sendo que, politicamente, as providencias foram mais lentas e, o afastamento do
general Silvio Frota veio a ocorrer no dia 12 de maio de 1997, vindo a ser substituído pelo
general Fernando Belfort Bethlem, quer fora comandante do III Exercito. Estes atos, pelo
menos em tese, desmantelaram a reação radical e continuísta, não propriamente dentro do
Estado, mas, no poder, muito embora, não tenham interceptado a movimentação terrorista
1066
No primeiro round de atos terroristas de direita foram distinguidas à Associação Brasileira de Imprensa –
ABI, entidade da sociedade civil envolvida na luta de mobilização contra o Estado de Segurança Nacional
prenunciando outros atos semelhantes em outras organizações de mobilização civil e política, como a OAB,
em agosto 1976. Seguiu-se a esta fase o período macabro da historia de grandes lideranças brasileiras.
Juscelino Kubitschek morreu em acidente de carro da Via Dutra, em dezembro de 1976 João Goulart faleceu
em sua fazenda no Uruguai e em 21 de maio de 1977 Carlos Lacerda morreu no Rio de Janeiro. O Congresso
brasileiro fora colocado em recesso em 1 de abril de 1977 (14 dias), permitindo que o Poder Executivo, por
ato de exceção (ato complementar n° 102/77) reformasse o poder judiciário baixando o famoso pacote de abril
assim como, mantendo as eleições indiretas para governadores e para 1/3 (um terço) dos membros do senado.
645
paraestatal
1067
aparentemente desvinculada do poder, mas conectada com órgãos
repressivos dos comandos internos do estado.
Conclusão
Como se pôde verificar, os anos da gestão de Raymundo Faoro foram
marcantes para a história da OAB e da abertura democrática: em primeiro lugar, porque,
não apenas se definiu uma equilibrada estratégia de convivência com o projeto de abertura
do poder central, mas, também, explicitaram-se pontualmente as iniciativas centrais para
restauração do Estado de Direito e, em segundo lugar, em 1979, mesmo que parcialmente,
cumpriu-se a promessa de edição de uma Lei de Anistia, que, paradoxalmente, anistiou
ofendidos que não se extremaram em seus atos, e ofensores, que, lamentavelmente se
excederam nas suas praticas.
De qualquer forma, independentemente destas situações, a Carta de Curitiba
pontuou os atos e ações imprescindíveis para a reconstrução do Estado de Direito: Hábeas
Corpus, restauração das garantias da magistratura, respeito aos direitos fundamentais, assim
como, durante a VII Conferência, ficou evidente que a luta pelo Estado de Direito, seria
também uma luta pela instauração dos fundamentos democráticos do Estado de Direito: o
Estado de Direito Democrático que a Constituição consagrou como Estado Democrático de
Direito. Todavia, e lamentavelmente, a Anistia, não se definiu como um ato final; foi, na
verdade, o ato provocativo das frações radicais, que o General Presidente, desde o início de
seu mandato vinha identificando como bolsões sinceros e (mas) radicais que iniciaram uma
serie de atos de terror que ameaçou a abertura democrática.
Finalmente, os tantos temas abordados em profundidade pela VII Conferência,
que se desdobraram, nas conferências imediatamente sucessivas, demonstraram que os
advogados tinham um projeto constituinte para o Brasil. Raymundo Faoro, neste contexto,
elaborou estudo, por conseguinte, marcante, sobre Assembléia Constituinte, que, em futuro
mediato, influenciara a proposta da OAB como o caminho para a mudança institucional no
1067
Na linha de expansão terrorista em 1978, foi colocada uma bomba na Igreja de Santo Antônio em Nova
Iguaçu, diocese de Dom Adriano Hipólito, comprometido com a luta pelos direitos humanos e a defesa de
pobre e oprimidos.
646
Brasil. Na verdade, as tantas limitações impostas politicamente à OAB, inclusive a
convivência interna com o seu próprio silêncio, deu à gestão de Raymundo Faoro um
caráter acentuadamente cauteloso, mas, quem sabe, o próprio silêncio e a cautela tenham
contribuído para a realização da Conferência dos Advogados com grande alcance
estratégico e político contribuído para a revogação do Ato nº 5/68 que comprimia as forças
vivas da nação, e para a Lei de Anistia, quase imediata à sua gestão, que, mesmo não sendo
ampla, geral e irrestrita tornou impossível a volúpia ditatorial restauradora.
647
Título IV
A OAB e a Redemocratização
648
CAPÍTULO X
A TRANSIÇÃO POLÍTICA E O TERROR PARAESTATAL
Introdução
Este Capítulo, inicialmente, se desenvolve em função das linhas dialéticas
representadas pela Conferência sobre Liberdade, realizada em Manaus (1980), que abriu o
debate dobre a redemocratização política, e as reações da violência paraestatal, que sucedeu
à Lei de Anistia de 1979. A Carta de Manaus, marcada pelas denúncias da ilegitimidade do
poder e das normas de segurança nacional, normas de insegurança coletiva ancoradas na
coação repressiva, transformou-se num documento referencial da história brasileira
moderna.
Por outro lado, todavia, à medida que o governo central, se não cedeu,
“consentiu” na Lei de Anistia, reintegrando número significativo de brasileiros à vida
política, mesmo admitindo-se a anistia de agentes repressivos do Estado, também, cresceu,
como antítese a reação das frações ligadas (ou deslocadas) ao terror paraestatal. Os
presidentes Eduardo Seabra e Bernardo Cabral governaram sob o impacto das bombas
contra a sede da OAB, na cidade do Rio de Janeiro, e contra os jovens (na virada
adolescente) concentrados no espaço fechado de convenções do Rio-Centro.
Na segunda parte do Capítulo analisaremos a Conferência sobre Justiça Social
como negação crítica da justiça formal, essencialmente exposta na Carta de Florianópolis
(1981), marcada pela efetiva demonstração de que o direito privado não pode ser uma
opção pelos ricos, assim como a dignidade nacional não pode ser conspurcada pela
ilegitimidade do poder. Interessantemente, todavia, como veremos, foi a Conferência, e a
subseqüente Carta de Florianópolis, que abriu o tema do quotidiano discursivo sobre as
dimensões dos novos direitos no contexto da nova ideologia jurídica, que, no futuro, não
ficará, exatamente, sintonizada com as conclusões das conferências que antecederam
imediatamente a 1988, mais se aproximando do Projeto Afonso Arinos.
649
No contexto geral das conferências, tanto a Conferencia de Manaus como a de
Florianópolis redimensionam a Conferência anterior que firmou no tema Estado de Direito
a estratégia da redemocratização, divergentemente do projeto do governo central voltado
para a segurança nacional. Esta ousadia discursiva, de qualquer forma, permitiu à OAB
evoluir, especialmente, Florianópolis, para ressintonizar uma dimensão mais democrática e
aberta sobre o Estado de Direito, que, e, principalmente, redesenhou um Estado de Direito
também juridicamente sensível às demandas coletivas, difusas e existenciais marcadas
pelas novas políticas de direitos humanos. Por estas razões, este Capítulo, no fundo, é o
cerne do confronto entre o passado, travestido de terror, e o futuro, preocupado com a
liberdade e a justiça social, assim como entre o processo de redemocratização e a busca de
novas idéias para se implementar o processo constituinte e os riscos da retomada da política
de compressão (“fechadura”) comprometida com práticas políticas repressivas e
obscurantistas.
Neste quadro contraditório, a OAB esteve entre a opção por políticas mais
radicais, de efetivo enfrentamento com o poder autoritário, e políticas de entendimento, que
reconheceram (iam), no poder presidencial, a chave da abertura sem novos confrontos,
procurando evitar os tristes e difíceis anos de combates, muitas vezes armados, até hoje,
sem explicações oficiais, juntamente com os tantos desaparecidos. As forças dispersas da
sociedade, jovens intelectuais, e militantes de esquerda, tinham sido aniquilados,
permitindo-se reconhecer que a abertura pactuada era o caminho possível da
redemocratização, ficando às frações moderadas do poder autoritário, ainda no governo, a
responsabilidade de cuidar dos grupos radicais, que, por sinal, no tempo histórico, se
punidas foram, o foram na interrupção tácita de suas carreiras.
Finalmente, no item final do Capítulo, procuramos discutir o avanço interno das
diferentes frações do Conselho Federal a caminho de um projeto democrático de esquerda,
mediante a fragilização da proposta social-liberal marcada pelos estudos da Comissão
Arinos, sob o impacto do movimento para a eleição direta do Presidente da República,
frustrado no plenário do Congresso Nacional, posteriormente.
650
1 – Preliminares Eleitorais
O Estatuto de 1931 (Decreto nº 20.784, de 14 de dezembro de 1931) dispunha
que os conselhos de todas as seções reunir-se-iam em Conselho Federal,
1068
que terá
atribuição em todo o território nacional, anualmente (em delegações de um ou mais
membros do próprio Conselho com direito a um voto deliberativo), para eleger o presidente
e o secretário geral (também com atribuições nacionais) da Ordem dentre os seus membros.
Este mesmo Estatuto de 1931 dispunha ainda que imediatamente à sua publicação o
Conselho Superior do Instituto da Ordem dos Advogados elegeria os 11 (onze) membros do
Conselho Federal, que, dentre si, escolheriam o Presidente provisório,
1069
bem como
organizarão o quadro do foro do Distrito Federal, ficando o Presidente provisório na
responsabilidade de convocar a eleição dos outros 10 (dez) membros do Conselho há serem
eleitos imediatamente pelas Assembléias Gerais (seccionais), bienalmente, por escrutínio
secreto, voto pessoal e obrigatório. O próprio Estatuto dispunha, ainda, que a Secretária
Geral do Conselho do Distrito Federal funcionaria como Secretaria Geral do Conselho
Federal.
Finalmente, ficava esclarecido, nas Disposições Transitórias, que o Conselho da
Secção do Distrito Federal exerceria as atribuições do Conselho Federal e o presidente
daquele Conselho (do Distrito Federal) as do presidente da Ordem, até que se instalasse o
Conselho Federal
1070
após a instalação de 10 seccionais nos estados,
1071
permitindo, por
conseguinte, afirmar, que, pelo menos, inicialmente, da mesma forma, que o Conselho do
Distrito Federal, o Conselho Federal, teria uma composição heterônoma de 21 (vinte e um)
membros sendo 10 (dez) eleitos pela Assembléia Geral e 11 (onze) outros eleitos pelo
1068
Segundo o artigo 5º deste mesmo Estatuto os governos federal e estaduais proveriam as instalações
condignas da Ordem e seus arquivos sempre de preferência no Palácio da Justiça, Fórum ou edifício do
Tribunal Superior.
1069
O presidente escolhido foi o próprio do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Levi Carneiro.
1070
Dispõem o art. 105 do referido Regulamento que, logo que instalados os Conselhos da Ordem em 10
estados, pelos menos, o presidente do Conselho da Ordem no Distrito Federal (à época Levi Carneiro) prove
a reunião do Conselho Federal para eleger o presidente da Ordem e tomar outras providências.
1071
Ver artigos, respectivamente, 59, 60, 67, 68, 84, 88 e 102, especialmente o § 5º.
651
Conselho Superior do Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil IOAB. Isso
significaria que num primeiro momento a OAB ficou restrita, na sua organização, à secção
do Distrito Federal, onde havia absoluto domínio do IOAB predominando poderes
absolutos para fazer do presidente do Conselho Distrital o presidente do Conselho Federal,
com amplo]as condições de articulação local e nacional.
1072
O Estatuto promulgado em 1932 (Decreto nº 22266, de 28 de dezembro de
1932, que consolida, também, outros decretos) da mesma forma dispunha que no parágrafo
5º do artigo 102 que o Conselho da Sessão do Distrito Federal exercerá as atribuições do
Conselho Federal, e o presidente daquele Conselho [do Distrito Federal] exercerá as
atribuições do Conselho Federal e o presidente daquele Conselho [do Distrito Federal] as
do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, até que se instale o Conselho Federal
após a criação dos Conselhos da Ordem em pelo menos 10 estados. A Assembléia Geral
dos Conselhos seccionais reunir-se-á, anualmente, em Conselho Federal, para eleição do
seu presidente e secretário geral desde que tenham sido instaladas as sessões, como
observado, em pelo menos 10 outros estados. Assim não sendo, a presidência do Conselho
Federal da Ordem continuaria cumuladamente com a presidência do Conselho do Distirto
Federal composto de 11 membros eleitos pelo Conselho Superior do Instituto da Ordem dos
Advogados e outros 10 membros eleitos em Assembléia Geral seccional.
1073
Neste sentido, como se verifica, senão absolutamente, na prática, juridicamente,
também, o presidente do Conselho Federal estaria sempre comprometido com as suas
origens e vínculos com o Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil IOAB, cuja
finalidade era essencialmente congregar a elite intelectual dos bacharéis para o estudo do
direito em geral, especialmente do direito pátrio, a defesa dos interesses da dignidade e do
prestígio da classe, a discussão de assuntos jurídicos, opiniões sobre projetos de leis, a
1072
Sobre o funcionamento deste período e os anos que imediatamente sucederam, bem como as
conseqüências, que, devam, especial prestigio ao Presidente do Conselho do Distrito Federal, remanescendo a
força do IAOB foram esclarecedoras as opiniões (3 de julho de 2006) do ex-Presidente da OAB-RJ Celso
Fontenelle, especialmente ao período que sucedeu à separação definitiva do Conselho Federal, agora
Conselho da Guanabara, após a transferência da capital para Brasília. Neste período segundo Fontenelle,
responderam cumulativamente pela presidência de ambos os concelhos, Levi Carneiro, Fernando Mello
Viana, Raul Fernandes, Augusto Lima, Odilon de Andrade, Haroldo Valadão, Attílio Vivacqua, Miguel
Seabra Fagundes, Nehemias Gueiros, Alcino Salazar e Prado Kelly.
1073
Ver artigos 64, 67, 84, 98 e 102 (§5º).
652
consultoria dos poderes públicos, a defesa dos interesses e a dignidade dos advogados, bem
como patrocinar os pobres no cível e no criminal.
1074
O sistema eletivo e de gestão da OAB,
a se tomar como referência os debates parlamentares,
1075
permaneceu sem qualquer
alteração até a data da promulgação da própria Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963 (que
dispunha sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).
O novo Estatuto da OAB, apesar da redação diferenciada em relação ao texto
antecedente, dispunha que o presidente da Ordem seria eleito pelo Conselho Federal,
dentre advogados de notável saber jurídico e reputação ilibada com mais de 10 anos de
exercício da advocacia, desvinculando, por conseguinte a presidência da influência direta e
formal do (agora, novamente) Instituto dos Advogados Brasileiros IAB,
1076
mas de
qualquer forma, preservando, por um lado, a origem intelectual do presidente (mas) e, ao
mesmo tempo, dispensando a sua militância corporativa. Observação que fica exatamente
comprovada quando o Estatuto de 1963 dispõe que o Vice-presidente, o secretário geral, o
sub-secretário geral e o tesoureiro serão escolhidos dentre os membros do Conselho
Federal, sabendo-se, conforme a própria lei, que o Conselho Federal compõe-se de um
presidente eleito diretamente, e de três delegados de cada seção, dentre os quais serão
escolhidos [assim como o presidente bienalmente] os demais membros de sua diretoria,
sendo que ficarão como membros natos do Conselho Federal os ex-presidentes da Ordem
dos Advogados do Brasil com voz e votos na suas deliberações.
Este contexto legislativo, visto no panorama histórico, nos permite concluir,
que, efetivamente, desde sua criação, a OAB passou por três ciclos de gestão, guardadas as
suas características políticas. O primeiro ciclo, que podemos identificar, entre os anos 1931
e 1963 sendo, todavia, que ele pode ser subdivido em 3 (três) grandes fases: a primeira, que
poderia, também, ser denominada fase Levi Carneiro, de 1931 a 1938, sofreu visível
1074
Ver Estatuto do IOAB de 31 de dezembro de 1928, sendo que ainda durante o período o Império,
enquanto IAB tinha também a competência precípua de propor a criação da OAB. Ver também Portaria de 15
de maio de 1844.
1075
Ver Cap V, item 3.2, desta tese.
1076
O IAB, no entanto, preservou na forma do parágrafo 1º do art. 22 deste novo Estatuto de 1963 o direito de
eleger um quinto da composição do Conselho Seccional, esclarecendo-se também que as Assembléias Gerais
na forma do artigo 38 fica vinculada como órgão máximo das seccionais inclusive para eleger os membros
dos conselhos das seccionais e as diretorias das subseções, sendo que na forma do artigo 32 os conselhos
seccionais seriam eleitos de 2 em 2 anos por assembléia geral.
653
influência do corporativismo profissional com profundo viés ideológico: a fase Melo
Vianna, de 1938 a 1945, dominada pela presença do político mineiro e jurisconsulto Melo
Vianna, que, também, se confunde com o período do Estado Novo e por fim, a fase de
construção liberal democrática, que vai da promulgação da Constituição de 1946, e o
período anterior, à edição do Estatuto dos Advogados de 1963, onde se destacam as
lideranças de Nehemias Gueiros, Alcindo Salazar, Carlos Provina Cavalcanti, Haroldo
Valadão, Attilio Vivacqua, Miguel Seabra Fagundes e J. E. Prado Kelly. O segundo ciclo,
na verdade, se confunde com o ciclo da primeira parte do período autoritário, de 1964 a
1976, quando estiveram Presidentes Provina Cavalcante, Themistocles Ferreira, Alberto
Melo, Samuel Duarte, Laudo Camargo, José Neves Cavalcanti, e, na de transição José
Ribeiro de Castro e Caio Mario da Silva Pereira. O terceiro ciclo, de 1977 a 1988, marcado
pelos fluxos e refluxos do processo de abertura política, têm, em Raymundo Faoro, uma
progressão da transição que se lhe antecedeu, seguida de Eduardo Seabra, José Bernardo
Cabral, Mario Sergio Garcia, Herman Baeta e Marcio Thomaz Bastos, contemporâneo da
promulgação da Constituição brasileira de 1988.
Evitando uma postura conclusiva intelectualmente mais radical, mas, fazendo-a
para efeitos compreensivos, o primeiro ciclo foi influenciado pelo intelectualismo jurídico
militante, na sua primeira e segunda fase, sendo que a terceira fase foi influenciada pela
advocacia de elite militante principalmente nos tribunais superiores na capital federal do
Rio de Janeiro, sendo que, independentemente de qualquer das fases, foram eleitos no
contexto de influência do Instituto (da Ordem) dos Advogados Brasileiros, quando o
Conselho da Ordem do Distrito Federal exercia suas funções cumulativamente com o
Conselho Federal da OAB. O segundo ciclo, da mesma forma que a terceira fase do
primeiro ciclo, esteve, também, influenciado pela advocacia de elite militante, com grande
influência nos tribunais superiores, mas com aberturas para o intelectualismo jurídico.
Finalmente, o terceiro ciclo representa uma grande mudança na gestão da OAB,
principalmente, porque os presidentes, independentemente de serem advogados militantes,
tinham uma postura política mais incisiva e engajada, comprometida com o processo de
redemocratização, mas todos foram eleitos presidentes na forma estatutária que requeria
notório saber jurídico. O detalhe mais interessante é que neste ciclo predominou a regra da
substituição do presidente antecedente, senão pelo Vice-presidente da própria gestão, pelo
654
secretário-geral, demonstrando uma certa acomodação interna entre as lideranças e o
projeto estratégico de abertura.
Prosseguindo, foram estes dirigentes do terceiro ciclo eleitoral, que não apenas
definiram a estratégia da redemocratização, como também, guardadas as segmentações de
tempo, foram eles que implementaram os diagnósticos e projetos das conferências, assim
como as cartas políticas de definição de objetivos de ação em relação ao governo
autoritário. Foi neste contexto que a gestão que sucedeu a Raymundo Faoro evoluiu de
posturas compreensivas e explicativas do autoritarismo para posturas criticas mais
ostensivas, com posições mais dirigidas, mesmo nas políticas de conciliação
1.1. – As Eleições Presidenciais da Abertura.
A eleição do conselheiro Eduardo Seabra, para presidente, com 23 (vinte e três)
votos, no primeiro escrutínio, inaugura o terceiro ciclo eleitoral do Conselho Federal,
quando ficou derrotado o candidato Raimundo Cândido, elegendo-se Vice-presidente o
Conselheiro Cid Vieira de Souza, com 15 (quinze) votos, ficando derrotado o conselheiro
José Paulo Sepúlveda Pertence mais identificado com as posturas do terceiro ciclo,
1077
vindo depois (mais tarde) a eleger-se numa segunda convocatória eleitoral, devido ao
afastamento do Vice-presidente eleito.
1078
Ficou também eleito, neste mesmo pleito, o
1077
Ata da 1.377ª Sessão de Instalação da 49ª Reunião Ordinária do C.F.OAB de 1º de abril de 1979.
1078
A eleição de J.P. Sepúlveda Pertence fortaleceu a posição no Conselho Federal do ex-Ministro do STF,
de quem fora dileto a admirador e discípulo, aposentado, também muito expressivo nos estudos introdutórios
desta tese e, que representava um forte veio jurídico e analítico aos velhos modelos dogmáticos. Mas, na
verdade, a sua intempestiva eleição posterior representou a recuperação das posições críticas que adotara na
crítica ao Projeto (restrito) de Anistia de 1979 e ao entulho legislativo autoritário. Esta eleição, todavia, para
Vice-Presidente, apesar de tê-lo conduzido à candidatura presidencial na eleição seguinte não conseguiu
afastar do páreo vitorioso o Secretário-Geral Bernardo Cabral, que evitou a radicalização com uma política de
equilíbrio com o Governo Central e teve como Vice o ex-Presidente do Conselho da Seccional de São Paulo
Mario Sergio Garcia, que, pelas suas tantas dificuldades de gestão, ficou como um presidente de transição até
que, definitivamente, as inclinações políticas do Conselho ficaram mais nítidas com a participação de seu
Vice Hermam Baeta, homem da “democracia econômica”, posteriormente Presidente, que, a partir de 1985,
através dos seminários constituintes, influenciou numa proposta estatística do projeto constituinte, também
comprometida com uma reforma agrária mais profunda e conduziu a eleição de Marcio Thomaz Bastos, seu
Vice-Presidente, que organizou, como veremos, a conferência de Porto Alegre (1/5 de outubro de 1988), que
formulou um novo projeto político para o Brasil.
655
secretário geral José Bernardo Cabral, com 16 (dezesseis) votos sendo derrotado Cyro
Aurélio de Miranda, com 8 (oito) votos, sendo que Raul de Souza Silveira foi eleito
subsecretário geral, com 23 (vinte e três) votos e tesoureiro José Danir Siqueira do
Nascimento, em segundo escrutíneo, com 13 (treze) votos, depois de empate com o
conselheiro derrotado Herman Assis Baeta, com 11 (onze) votos. Conclui-se, como se pode
verificar, que, neste quadro dirigente, já estavam os próximos futuros presidentes da OAB
excetuado Mario Sergio Garcia, que viria depois pelo caminho da seccional paulista.
Esta gestão abriu o quadro dilemático da OAB no que se refere aos riscos de
suas posturas políticas ou de engajamento combativo, bata ver que o Regulamento da
Ordem de 1931, bem como a consolidação de 1932, dispunham que A Diretoria, o
Conselho e a Assembléia, não discutirão, nem se pronunciarão sobre assunto
imediatamente não atinente aos objetivos da Ordem e, Diferentemente o Estatuto de 1963
dispunha que Nenhum órgão da Ordem discutirá nem se pronunciará, sobre assuntos de
natureza pessoal, política ou religiosa ou estranhos, de qualquer modo, aos interesses da
classe dos advogados.
1079
O que se verifica é que o Estatuto de 1963 sobre esta matéria foi
mais rigoroso do que os documentos estatutários originários, o que teve conseqüentes
efeitos, mesmo imediatamente, à promulgação do novo Estatuto, porque ele não apenas
proibia a manifestação sobre assuntos que não fossem de interesse da Ordem, como
também proibia que os órgãos da OAB se manifestassem sobre questões pessoais, políticas
e religiosas. Os patronos do Estatuto imediatamente à sua promulgação não muito bem
observaram estes impedimentos, principalmente nos períodos que antecederam e sucederam
imediatamente ao golpe militar de 1964, fazendo várias manifestações políticas, mas os
gestores, que os sucederam, principalmente após 1979, cerceados por este dispositivo,
estiveram sempre inibidos, não apenas para prestar homenagens a personalidades, como
também nas manifestações e ações políticas.
Neste sentido, as gestões de Eduardo Seabra, Bernardo Cabral e Mario Sérgio
Garcia, tendo em vista as insistentes manifestações do plenário do Conselho, nem sempre
alcançaram posições mais incisivas sobre atos de violência política contra a Ordem e a
sociedade brasileira, quase sempre se restringindo às movimentações judiciais e
1079
Ver respectivamente art. 8º e art. 145.
656
administrativas. Ocorre, todavia, que, com o acirramento do enfrentamento com o governo
militar, com o avanço e redefinição, principalmente através das conferências e das cartas,
em muitas ocasiões a OAB teve que buscar compreensões mais extensivas deste
dispositivo. A situação tornou-se tão ostensivamente grave, que, o simples “minuto de
silêncio”
1080
, no início das reuniões do Conselho, durante anos após o atentado à OAB,
adquiriu conotação política marcante.
1081
2 – A Liberdade: Fundamento da Democracia
2.1. O Ambiente Circunstancial da VIII Conferência
A VIII Conferência Nacional dos Advogados, presidida por Eduardo Seabra
Fagundes, realizou-se em Manaus, de 18 a 22 de maio de 1980,
1082
ano do cinqüentenário
da Ordem, e teve como tema principal a Liberdade, pressuposto e fundamento da
1080
A situação tornou-se tão visível e ostensiva que a Lei nº. 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da
Advocacia e da OAB) não tratou especificamente desta matéria, deixando-a para o Regulamento Geral da
supra referida lei (Diário da Justiça seção 1 de 16 de novembro de 199, pp. 3.210/220) que assumiu uma
atitude mais aberta dispondo no seu art. 151: Os órgãos da OAB não podem se manifestar sobre questões de
natureza pessoal, exceto em casos de homenagem a quem tenha prestado relevantes serviços à sociedade e a
advocacia. Herman Baeta, ex-presidente da OAB, em depoimento recente criticou esta posição do Estatuto de
1963, principalmente no que se refere ao artigo 27, inciso 21 de natureza punitiva. O ex-presidente se refere
também criticamente ao Regimento Interno que sucedeu ao Estatuto de 1963 que dizia claramente que não é
permitido que o Conselho Federal se manifeste sobre questões políticos partidárias. Conclui que a tensão se
dá devido a dificuldade de se definir com clareza o que é ser político, concluindo inclusive que hoje não há
nenhuma proibição expressa. Contatos eventuais em função de uma questão específica podem ser mantidos.
O que não é eticamente aceitável é uma ligação sistemática, institucional com partidos políticos. Ver
História da Ordem dos Advogados do Brasil: a OAB na voz de seus presidentes (coord. Herman de Assis
Baeta). Brasília, DF: OAB-ED, 2003, pp. 170-171.
1081
Todas as atas posteriores à data do atentado que feriu mortalmente Lida Monteiro, passando por Bernardo
Cabral até a posse de Hermann Baeta. se referem a este grave acontecimento, sendo que em todas elas foi
obedecido o minuto de silencio em homenagem ao seu martírio.
1082
Ata da Sessão Plenária da VII Conferência realizada conjuntamente com a Sessão Extraordinária nº 1364ª
do CF.OAB de 12 de maio de 1978 informa sobre que a sede da próxima reunião deverá ser Manaus muito
embora tenha havido divergências sobre a possibilidade de realizar-se em Brasília. Ata da 1395ª Sessão da 49ª
Reunião Ordinária do CF.OAB 11 de março de 1980 (quando a OAB já era presidida por Eduardo Seabra
Fagundes). Constam informações sobre a VIII Conferência a realizasse em Manaus em maio.
657
democracia. O Conselho Federal da OAB, ao escolher este tema, procurou traduzir o
momento histórico que o país vivenciava, sucessivo à extinção do Ato Institucional nº 5/68,
em 31 de dezembro de 1978, e promulgação da Lei de Anistia de agosto de 1979. Estes
dois atos revelaram o amadurecimento político do projeto de democratização dos
advogados brasileiros, em relação às restritas aberturas do projeto governamental, bem
como demonstravam que a natureza repressiva do Estado brasileiro sobrevivia, apesar do
amplo leque de sugestões sobre a natureza jurídica do Estado de Direito, durante a VII
Conferência em fins de 1978.
A natureza autoritária do regime militar, quando da VIII Conferência, ainda não
fora desfigurada, o Estado ainda se encontrava circunscrito aos seus instrumentos, como a
Emenda nº 1/69, que instaurara (constitucionalizara) o Estado de Segurança Nacional, a Lei
de Segurança Nacional
1083
ainda imperava como parâmetro repressivo e, o ainda recente,
Pacote de Abril / 77
1084
, que nos referimos no Capítulo anterior, apesar das resistências que
a OAB impusera a um novo perfil judiciário. De qualquer forma esta questão da reforma
judiciária tem que ser estudada com muita cautela e as tantas iniciativas que sucederam ao
período democrático traduzem as dificuldades da questão, “tabu” analítico para a OAB tão
tradicional quanto a reforma agrária, muito embora tem as constantes de suas pautas.
1083
Durante o período militar foram editadas diversas Leis de segurança nacional. O Decreto-Lei n° 314, de
11 (13) (15) de março de 1967, foi documento precursor, assinado pelo Presidente H.A. Castelo Branco e pelo
Ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, baixado com base no art. 30 do Ato Institucional n° 2, de 27 de
março de 1965 e no art. 90 do Ato Institucional n° 4, de 7 de dezembro de 1966 com o objetivo de
implementar medidas destinadas à prevenção da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e
repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionaria ou subversiva (art. 3°) onde se define
também um amplíssimo elenco de crimes políticos contra a segurança nacional, predefine penas e
procedimentos processuais inclusive a aplicação do Código da Justiça Militar. A esta referida Lei de
Segurança Nacional seguiu-se o Decreto-Lei n° 898 de 1969, que estabeleceu, inclusive, a prisão perpetua e,
mais tarde, a Lei n° 6620, de 17 de dezembro de 1978, que aliviou o sistema repressivo para compatibilizá-lo
com o processo de abertura.
1084
O pacote de abril se constituía de uma série de medidas adotadas pelo Presidente Ernesto Geisel como um
dos últimos recursos do regime militar, com vistas a “modernizar” o judiciário, subtraí-lo de sua morosidade
burocrática. No insucesso de aprovação “espontânea” o Congresso foi posto em recesso e vários deputados
foram cassados, numa última leva, assim como foram baixadas várias Emendas à Constituição, seguidas de
vários decretos-leis e foi criada a figura do Senador Biônico, que sobreviveu, inclusive, até a Constituinte.
Mudou-se, também, o coeficiente de apuração eleitoral, a reforma judiciária foi promovida, coativamente, o
que deu errado, é claro, sobrevivendo apenas a Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN, até hoje um
exemplo do que não se deve fazer em reforma judiciária.. Na contracena, todavia, dos movimentos de
distensão e compressão política em 24/06/1976 o governo militar de Geisel aprovou a Lei Falcão sobre
propaganda eleitoral.
658
Neste período, devido a estes tantos movimentos de alcance institucional já
estavam organizados dois grupos políticos militares principais,voltados para influir nos
novos rumos políticos: de um lado os herdeiros castelistas do movimento militar, onde
poderíamos incluir os generais Geisel-Golbery, aos quais somar-se-iam Orlando Geisel e
João Figueiredo, e tantos políticos militantes interessados na reconstitucionalização do
Brasil, como José Sarney, Marco Maciel, Aureliano Chaves, Teotônio Vilela, Jorge
Bornhausem e os militares “linha dura” de Silvio Frota, Ministro do Exército, Reynaldo
Melo Comandante de São Paulo, Jaime Portela e os Coronéis da repressão. Por outro lado,
a oposição constituída de associações da sociedade civil, dentre elas a Ordem dos
Advogados OAB, em visível posição de liderança, a Associação Brasileira de Imprensa
ABI, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros CNBB, e a Associação Brasileira de
Educação – ABE várias entidades e movimentos sociais, assim como tantas outras que
emergiram do longo período autoritário, juntamente com o Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – MDB (onde, também, estavam frações políticas da esquerda
organizada) e se encontravam políticos expressivos como Tancredo Neves, Ulisses
Guimarães, Franco Montoro, Afonso Arinos de Melo Franco, Fernando Henrique Cardoso,
Bernardo Cabral e tantos outros que vieram a ter participação relevante na construção da
nova democracia brasileira.
A Convivência entre estes diversos agrupamentos sociais provocou uma
convivência política frutuosa que resultou na absorção múltipla de experiências, princípios
e idéias, que, no que se refere aos efeitos sobre o ideário da OAB, foram francamente
positivos. A tal ponto afirmativo, que, houve, uma sensível influência, em futuro que estava
próximo, no avanço ideológico à esquerda do projeto constituinte da OAB, com grande
influência dos advogados trabalhistas que ganharam corpo político na VII Conferência em
relação ao projeto constituinte da Comissão Arinos,
1085
mais comprometida com a
institucionalização dos direitos civis, do que com as (necessárias, na linguagem da OAB)
reformas estruturais (e institucionais), preconizadas pela “democracia econômica”.
1085
Neste trabalho já fizemos várias referências à Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida
por Afonso Arinos, especialmente na nota 67 do Capítulo IX, p.573. Todavia, vale ressaltar que, no tempo
futuro, devido à própria produção concomitante de ambos os trabalhos, as conclusões constituintes da OAB e
o anteprojeto da Comissão Arinos tiveram grande influência nos relatórios pré-constitucionais. Ver, ainda, o
artigo de Afonso Arinos na Revista de Ciência Política, ed. cit., p. 12-101.
659
A radicalização do Projeto OAB, do ponto de vista corporativo, como veremos
nos capítulos finais, provocou efeitos reativos no processo interno de avanço e abertura do
ideário corporativo, comprometido, até o movimento das eleições diretas (em 1985),
1086
com políticas de aberturas jurídicas (sem rupturas), mais sintonizadas com projetos de
reformas e conciliação, de certa forma, também o projeto de governo. Esta situação evoluiu
internamente para posições de reequilíbrio, onde, visivelmente, no tempo futuro, apesar dos
avanços estruturais da Constituição, prevaleceu a tradicional fórmula de José Honório
Rodrigues
1087
sobre conciliação e reforma do Brasil.
1088
De qualquer forma, a abertura política foi um projeto do poder conduzido
conforme seus formuladores e sem a participação ostensiva da oposição, mas sob a intensa
pressão dos organismos da sociedade civil, que, vencida a etapa da “dura abertura”,
evoluíram no seu próprio projeto democrático para o Brasil. Delfim Netto, o “Delfim dos
militares”, ministro de vários governos consecutivos, observou que: [A oposição] nem
ajudou nem atrapalhou [a abertura]. A abertura foi uma decisão interna [dos militares]. É
irrelevante (a oposição).
1089
A frase de impacto é não absolutamente verdadeira, mas traduz
o projeto dos militares de viabilizar a reconstrução democrática pelos seus próprios
caminhos e não da oposição ou a partir das expectativas da sociedade civil, o que ampliaria
seus riscos punitivos. Os seus projetos não foram absolutamente vitoriosos, mas, por isto
mesmo, de qualquer grupo ou partido o foi, muito embora, prefiramos afirmar que até os
atentados ou o terror de estado a OAB buscou, para o Brasil, um projeto de reforma e
1086
Ver Cap.XI, item 2, desta tese.
1087
O livro de José Honório Rodrigues, dentre outros que citamos nesta obra, como o de Vitor Nunes Leal e
Raymundo Faoro, se constitui em um dos mais expressivos textos de compreensão da história institucional
brasileira. O texto de José Honório (ver cap. XI, item 2.1., p. 640 desta tese), mais decisivo normalmente que
os outros, não se constitui apenas num diagnóstico passado, mas é uma lição histórica para a história brasileira
futura, o que o coloca em justaposição compreensiva com os trabalhos que citamos de Luiz Werneck Vianna,
como O candidato da conciliação nacional. Revista Presença: Política e Cultura, n. 4, ago./out.1984.
1088
RODRIGUES, José Honorio: Conciliação e reforma no Brasil. ed. cit. Cap XI, item 2.1., p. 640 deste.
1089
Entrevista concedida a Ronaldo Costa Couto, in História indiscreta da ditadura e a abertura: Brasil:
1964-1985. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 138.
660
conciliação que, ao fim, e ao cabo, foi a tônica da Constituição de 1988, guardadas as raras
e excepcionais diferenças.
1090
As Conferências da OAB não estavam, nem se enquadravam, no contexto da
abertura do governo militar, nem em qualquer tipo de composição com o poder autoritário,
como ocorreu nos primeiros anos da Revolução, mas evoluiu numa proposta reformista e
conciliatória que permitiu absorver importantes aspectos de reformatação dos objetivos
políticos e civis (e existenciais) de sua ideologia jurídica. Estas aberturas ideológicas que
cresceram no contexto das necessidades, não tanto no caminho das reformas estruturais,
mas civis e institucionais (mudança por expansão) permitiram que a OAB oferecesse
importantes contribuições, para a construção da nova ordem constitucional durante o
processo constituinte, que, viabilizaram, em muito, a fundamentação jurídica do Estado
Democrático de Direito, apesar das dificuldades, mas de reconhecível e justificável esforço
de seu projeto (suas conclusões) constituinte(s), sem o qual o reequilíbrio constitucional
não teria evoluído nas linhas políticas que evoluiu.
A OAB, na forma de seus pronunciamentos, das palestras e das cartas
conclusivas de suas Conferências, estava definitiva e integralmente comprometida com a
democratização do país através de uma Assembléia Constituinte e da promulgação de uma
Constituição representativa das expectativas do povo brasileiro e, não propriamente, com
quaisquer políticas de abertura, enquanto iniciativa do estado autoritário, senão, apenas, na
medida em que os atos de Estado fossem imprescindíveis para a consolidação democrática
e constitucional, como demonstraremos.
1090
Não há, todavia, como desconhecer que a construção democrática e a elaboração da Constituição de 5 de
outubro de 1988 são obra da oposição, desconstrução histórica ao Estado de Segurança Nacional, formado
pelo AI-5/68 e pela Emenda nº 1/69 e dos partidos e organizações civis comprometidas com o futuro
democrático do Brasil. Em entrevista concedida a Costa Couto (op. cit., p. 209), o general Geisel (o ditador
hamletiano da abertura) observa que a abertura tem que ser lenta (...) porque não pode ser abrupta, porque
criaria um problema maior com a área favorável à revolução, a chamada linha-dura (sic. radicais). A
abertura precisava ser gradual, isto é progressiva, assim como deveria ser segura para que não voltasse o
regime de exceção, precisava ser uma solução definitiva. De qualquer forma, como veremos nos capítulos
subseqüentes, apesar da convocatória dependente da estrutura constitucional de 1967/69 e emendas
subseqüentes da Constituinte, o processo constituinte evoluiu em linha de significativa autonomia
constitucional, absorvendo, senão absolutamente, significativamente, as linhas conclusivas de muitas das
cartas, teses, palestras e posicionamentos adotados nas Conferências que trabalhamos nesta Tese.
661
2.2. O Temário da VIII Conferência
Os advogados, mesmo reconhecendo o considerável avanço da abertura
política, sublinharam, durante a VIII Conferência (de Manaus), as resistências institucionais
para se revogar os institutos jurídicos e políticos repressivos que sustentavam o Estado de
Segurança Nacional e retardavam o processo de redemocratização e de construção do
Estado de Direito no país. Neste sentido, o tema da VIII Conferência foi a “Liberdade”,
como pressuposto das diferentes palestras sobre a construção de uma ordem jurídica
democrática para o Brasil, aberta às novas demandas postas pela sociedade e exigível pelo
tempo histórico.
A tese apresentada durante a VIII Conferência, por Hermann Assis Baeta, A
OAB e a Defesa da Liberdade,
1091
reforça esta posição estratégica reconhecendo que a
liberdade somente poderia ser adquirida no pleno Estado de Direito e pelo livre exercício da
democracia: O Estado de Direito é, por conseqüência – e não poderia ser de outro modo –,
o ente que deve garantir e assegurar efetivamente o exercício pleno dos direitos e das
liberdades.
1092
Portanto, como pressupõe o palestrante, não há como desconhecer, que, na
luta pela suspensão dos mecanismos políticos de sustentação do Estado autoritário, a luta
pelas liberdades individuais e públicas era a luta pelo próprio Estado de Direito, assim
como a revogação dos instrumentos de dominação autoritária era a luta pela própria
construção da democracia.
Genericamente, a temática da Conferência procurou correlacionar a
liberdade com as questões políticas e sociais emergenciais, emersas do novo quadro
econômico que sofria de incisiva influência das políticas da estatização “salvadora” e da
ação do Estado autoritário. Na verdade, o quadro político fora absolutamente centralizado,
o “entulho (legislativo) autoritário” fizera da política administrativa um “pastelão” que
privava as “forças políticas” e a vida econômica de suas próprias energias, excluindo-se as
1091
Ata 1.416ª Sessão da 50ª Reunião Extraordinária de 28 de janeiro de 1981. Anais da VIII Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio de 1980, p. 422-447.
1091
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 443.
662
exceções consentidas à iniciativa privada, mesmo assim circunscrito pelas normas de
controle do mercado e de preços, um monopólio da ação empresarial do Estado.
As palestras da VIII Conferência Nacional da OAB, como se verifica na
listagem abaixo, foram proferidas por muitos dos grandes advogados e juristas brasileiros
que procuraram destacar, exatamente, os pontos de esgarçamento e estrangulamento do
regime autoritário e as suas novas e conseqüentes aberturas para o Estado de Direito e a
democracia.
TESES CONFERENCIAS
Liberdade e Direito de Asilo José de Paulo Sepúlveda Pertence
Liberdade e Estado de Direito Otávio Caruso da Rocha
A Liberdade e o Ensino Jurídico José Lamartine Corrêa de Oliveira
Liberdade e Direito de Informação Barbosa Lima Sobrinho
A Liberdade Sindical José Martins Catharino
Liberdade e Proteção do Meio-Ambiente Aurélio Wander Bastos e Nilo Batista
Liberdade e Cultura Evaristo de Moraes Filho
Liberdade e Abuso de Poder na Repressão à
Criminalidade
Técio Lins e Silva
Liberdade e Segurança Nacional Miguel Reale Júnior
Liberdade e Assistência Judiciária Gratuita Evilásio Caon
Liberdade, Desenvolvimento e Advocacia Victor Nunes Leal
As Imunidades Profissionais do Advogado e
Sua Garantia
Ariosvaldo de Campos Pires
O Princípio da Liberdade na Prestação
Jurisdicional
José Ignácio Botelho de Mesquita
Liberdades Constitucionais e Processo Penal Antônio Acir Breda
O Poder Econômico do Estado e a Liberdade
Individual
Octávio de Oliveira Lobo
A Ordem dos Advogados do Brasil e a Defesa
da Liberdade
Hermann Assis Baeta
663
A Liberdade e os Grupos de Pressão Alberto Venancio Filho
Liberdade e Federação Djalma Marinho
Liberdade e Planificação – Tecnocracia Clovis Ferro Costa
As Liberdades Econômicas e o Princípio da
Igualdade
Arthur Lavigne
A Liberdade e o Direito à Intimidade René Ariel Dotti
Liberdade e Justa Distribuição da Renda
Nacional
Joaquim Correia de Carvalho Jr.
Liberdade: Amazônia e Soberania Nacional Camillo Montenegro Duarte
A Liberdade Individual e o Princípio de
Legalidade no Estado
Olímpio Costa Júnior
O Controle da Constitucionalidade das Leis
como Instrumento de Preservação da
Liberdade
Paulo Brossard
Liberdade e Seguridade Social Sully Alves de Souza
O Moderno e o Antigo Conceito de Liberdade Celso Lafer
Liberdade e Poder Regulamentar Geraldo Ataliba
Liberdades Formais e Liberdades Reais Fábio Konder Comparato
Liberdade e Família João Baptista Villela
Liberdade e o Habeas Corpus Evandro Lins e Silva
O Mandado de Segurança e a Liberdade
(Deterioração, Recuperação e
Aperfeiçoamento do Instituto)
Miguel Seabra Fagundes
A Liberdade e o Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana
Heráclito Fontoura Sobral Pinto
A Tutela Jurisdicional da Liberdade Sérgio Bermudes
Perda da Liberdade (Os Direitos dos Presos) Heleno Cláudio Fragoso
Arthur Lavigne Dione Prado Stamato
664
TESES AVULSAS
T
ESE CONFERENCISTAS
Direitos e Liberdades dos Trabalhadores Benedito Calheiros Bomfim
Liberdade: Tortura e Confissão como Prova de
Culpa
Osmar Alves de Melo
Liberdade Dentro da Constituição Maria Lúcia d'Ávila Pizzolante
Liberdade e Crise do Direito e Novo Direito
Civil
João Batista Ericeira
O Direito e a Liberdade Lauto Farias
Liberdade e Democracia Formal. O Estado
Democrático Brasileiro
Ary Fausto Maia
Liberdade e Proteção do Ambiente Roberto dos Santos Vieira
Direito a Liberdade, Crimes Previstos na Lei
de Segurança Nacional (Lei Nº 6.620/78)
Sidney F. Safe Silveira
Subseção: Instrumento da OAB na Defesa da
Liberdade
Maria Jovita Leite da Costa
Liberdade, Segurança e Poder de Tributar Sacha Calmon Navarro Coelho
A Ordem dos Advogados do Brasil e a
Assembléia Nacional Constituinte em Face das
Liberdades Públicas e Civis
Aloysio Tavares Picanço
TESES APRESENTADAS À COMISSÃO ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA:
T
ESES CONFERENCISTAS
O II Congresso Internacional de Seguridade
Social do Advogado e suas Recomendações
Francisco Costa Netto
A IV Conferência Nacional das Caixas e suas
Recomendações
Jayme Queiroz Lopes
As Custas Devidas as Caixas e o Projeto de
Lei Complementar sobre a Oficialização das
Serventias
Francisco Costa Netto
665
Uniformização Nacional do Custeio das
Caixas de Assistência e seu Procedimento
Contábil
José Freitas Lins
Liberdade para o Exercício da Profissão: Meta
das Caixas de Assistência
Saul Venâncio de Quadros Filho
A Seguridade Social dos Profissionais Liberais Adelmo Monteiro de Barros
A Seguridade Social dos Profissionais Liberais
e as Distorções da Legislação Brasileira
Francisco Costa Netto
A Liberdade e o Princípio da Subsidiaridade
na Seguridade Social
Cordeiro de Mello
A estrutura temática da Conferência pode ser subdividida em 6 (seis) grupos de
temas, incluindo as teses avulsas assim sistematizáveis: palestras sobre o Conceito de
Liberdade, Direitos Individuais, Direito Político, Prestação Jurisdicional, Direito
Econômico, Direitos Sociais e sobre Prerrogativas e Deveres dos Advogados. A estes
grupos deve-se acrescentam as palestras sobre Previdência dos Advogados. Não existe no
conjunto da Conferência uma desconexão temática, ao contrário, as palestras, entre si se
explicam e se complementam, assim como cada uma amplia e diversifica o conteúdo de
cada qual, mesmo porque, vistas no tempo, são os embriões intelectivos e jurídicos de uma
nova ordem: o Estado Democrático de Direito, que em textos dispersos, vinha sendo
discutida como Estado de Direito democrático.
O agrupamento das palestras em grupos temáticos específicos não é aleatória,
muito ao contrário, procura sistematizar o conhecimento divulgado como especial forma de
alcançar as propostas alternativas para a organização do Estado. Muito embora a
sistematização, como se pode verificar, não seja demonstrativa de um avanço absoluto de
projetos para um novo estado, mas é indicativa da disposição dos advogados, organizados
na OAB, reavaliarem os ideais jurídicos clássicos e, ao mesmo tempo abrirem-se para
novos espaços epistemológicos e cognitivos, o que, com certeza, influirá na construção da
ordem jurídica e na argumentação em juízo.
Nas palestras referentes ao Conceito de Liberdade, identificamos um grupo
sintético e selecionado de teses e, da mesma forma, um compromisso com o conceito de
666
liberdade como liberdade individual, na verdade, uma discussão sobre o conceito clássico
de liberdade.
1093
QUADRO I
TEMA
O CONCEITO DE LIBERDADE
TESES CONFERENCISTAS
O Moderno e o Antigo Conceito de Liberdade Celso Lafer
Liberdades Formais e Liberdades Reais Fábio Konder Comparato
O Direito e a Liberdade Lauto Farias
Estes temas, na verdade, mais indicam formas de sistematização conceitual do
que propriamente uma disposição radical de abrir epistemologicamente o clássico conceito
de liberdade. As palestras de Celso Lafer
1094
e Fabio Konder Comparato
1095
tiveram um
especialíssimo significado para avaliar as condições reais da liberdade a partir de seus
fundamentos conceituais clássicos, mas evoluíram na linha de firmar uma posição sobre a
liberdade individual, como pressuposto e garantia do estado moderno de liberdade formal,
como indicativo comparativo das contradições que possam existir com a liberdade
individual vivida. Por outro lado, deve-se ressaltar, na palestra de Lauto Farias,
1096
o
esforço para relacionar a questão conceitual da liberdade individual com o conceito de
1093
CONSTANT, Benjamin. Princípios Políticos constitucionais. Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1989. Editada em comemoração aos 200 anos da Revolução Francesa, o livro veio a
lume na França em meados de 1821 e foi a base conceitual da Constituição Imperial brasileira de 1824, muito
embora até 1989 nunca houvesse sido traduzido no país. Em linha temática semelhante com o mesmo
objetivo
ver A Constituinte burguesa (Qu´est-ce que le Tiers Etat). Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 1989/2002. 7 ed.
1094
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio de
1980, pp. 582 a 604.
1095
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio de
1980, pp. 633 a 656.
1096
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio de
1980, pp. 839 a 842.
667
legalidade na proposta de conexão imprescindível para o desenvolvimento de uma
concepção contemporânea de Estado de Direito. Celso Lafer, de certa forma, desenvolve
sua posição a partir da leitura princeps de edição francesa do livro de Benjamin
Constant,
1097
e, interessantemente, conclui, que, para os antigos, possivelmente até a Idade
Média, o Estado mais definia deveres dos súditos e direitos do soberano, diferentemente
dos “modernos” que entendem que a ação central das monarquias constitucionais e sistemas
políticos sucessivos seriam a proteção dos direitos individuais (subjetivo).
1098
De qualquer
forma, foi a partir desta percepção conceitual sobre o alvorecer (moderno) do conceito de
liberdade individual (subjetivo) que se evoluiu para a discussão de liberdade como direito
individual e, na seqüência histórica, como direitos (interiores) da personalidade, que, não
necessariamente, envolvessem relações intersubjetivas (de natureza contratual).
O quadro seguinte dá a exata indicação destas novas aberturas conceituais para
os direitos humanos, que, no médio prazo, produzirão efeitos legislativos envoltos pela
questão da legalidade, ou seja, a proteção legal dos direitos individuais remanesce no
terreno do Estado de Direito, permitindo, por um lado, reconhecê-lo (ou identificar suas
limitações) como o faz Fabio Konder Comparato, na realidade vivida, por outro lado, a
abertura conceitual no plano existencial como novos direitos, e, pragmaticamente nas
palestras tópicas sobre direito político.
Quadro II
T
EMA
L
IBERDADE E DIREITOS INDIVIDUAIS
TESES CONFERENCISTAS
Liberdade Individual e Princípios da Olimpo Costa Júnior
1097
Ver nota do Capítulo I desta obra.
1098
BASTOS, Aurélio Wander sobre este tema: O conceito de Direito no Código de Hamurabi. Rio de Janeiro:
Pqjuris, 2003 (mimeo).
668
Legalidade
Liberdade de Informação Barbosa Lima Sobrinho
Liberdade e Direito à Intimidade René Ariel Doti
Liberdade e Abuso de Poder Repressivo Técio Lins e Silva
Liberdade: tortura e confissão Osmar Alves de Melo
Liberdade e Direitos do Preso Heleno Fragoso
Liberdade e Direitos da Mulher Dione Prado Stamato
Este grupo de conferências guarda compromisso com o conceito de Estado de
Direito, porém já demonstra a inconformidade com novas situações juridicamente
relevantes, que, explicitamente não eram tratados pela legislação, tais como: os direitos da
mulher, tema pela primeira vez levantado em uma Conferência, o Direito à intimidade,
especialíssima nova dimensão dos direitos individuais, que o moderno direito veio a
classificar como direito da personalidade, o acesso à informação, essencial para a definição
das novas democracias e a abusividade repressiva, a efetiva realização da iniqüidade, mais
do que a injustiça, na ação do Estado. Estes temas, paralelamente, discutidos com o tema
sobre direitos individuais e legalidade, abriram a questão para a proteção jurídica contra
atos discriminatórios ou degradantes da honra e integridade física e moral, reforçando
alguns aspectos de teses de conferências antecedentes, principalmente, de José Lamartine
Correa de Oliveira. Não diríamos, que, estes espaços seriam de imediato protegidos,
todavia, no futuro, terão proteção específica, assim como a proteção jurisdicional individual
começará a ser reavaliada.
A VIII Conferência redimensionou na sua força pragmática conceitos (liberais)
clássicos, mas, ao mesmo tempo, permitiu, efetivamente a avaliação corporativa critica de
institutos jurídicos autoritários, no contexto de uma nova ordem jurídica comprometida
com um projeto de liberdade total. Estas posturas criaram todas as condições de
amadurecimento da questão política futura sobre a relação entre liberdade e democracia, a
partir de nova vertente do reconhecimento político, não apenas ameaçados e inibidos, mas
669
cerceados e/ou eliminados (ainda) durante o período repressivo, como se verifica no quadro
III seguinte. Por outro lado, todavia, possivelmente porque o referencial temático da
Conferência fosse a questão da liberdade (individual), as teses sobre prestação jurisdicional
não foram ousadas e inovadoras, incentivando debates, exceto, residualmente, imersos na
questão dos direitos sociais, sobre instrumentos processuais de proteção coletiva ou difusa,
como já acontecera na VII Conferência, mas ainda mergulhados na questão trabalhista. As
teses sobre direito processual individual, indicadas no quadro IV, de qualquer forma,
avançaram em profundidade a discussão conceitual e protetiva dos direitos substantivos no
espaço jurisdicional, embora numa ótica tradicional.
No conjunto dos temas de Direito Político podemos identificar as seguintes
palestras:
QUADRO III
TESE
LIBERDADE E DIREITO POLÍTICO
TESES CONFERENCISTAS
Liberdade e Direito de Asilo José de Paulo Sepúlveda Pertence
Liberdade e Estado de Direito Otávio Caruso da Rocha
A Liberdade Sindical José Martins Catharino
Liberdade e Conselho de Direitos Heráclito Fontoura Sobral Pinto
Liberdade e Segurança Nacional Miguel Reale Júnior
Liberdade e Federação Djalma Marinho
Liberdade: Amazônia e Soberania Nacional Camillo Montenegro Duarte
O Controle da Constitucionalidade das Leis
como Instrumento de Preservação da
Liberdade
Paulo Brossard
Liberdade dentro da Constituição Maria Lucia D´Avila Pizzolante
Liberdade e Democracia Formal. O Estado Ary Fausto Maia
670
Democrático Brasileiro
Direito a Liberdade e a Lei de Segurança
Nacional (Lei N°. 6.620/78).
Sidney F. Safe Silveira
Liberdade, Segurança e Poder de Tributar Sacha Calmon Navarro Coelho
Neste quadro, como se pode verificar, estão em discussão, essencialmente, os
temas referentes à natureza do Estado e as suas imprescindíveis linhas de abertura no
contexto geral da ordem autoritária. A temática demonstra, exatamente, que a Conferência
recolocava em discussão o Estado brasileiro, permeado pelas palestras sobre segurança
nacional no contexto da discussão sobre constitucionalização e federação, para reencontrar
seus novos rumos e espaços. No conjunto geral destas conferências, todavia, é a palestra de
Ary Fausto Maya
1099
, que delimitara a amplitude das discussões sobre Direito Político
rediscutindo a questão da democracia formal e da democracia “material”, que marcará o
panorama futuro do Estado de Direito democrático, sem que se deva desprezar a
conferência de Sobral Pinto sobre direitos humanos: novo e essencial componente na
reformatação do Estado de Direito.
1100
Nesta Conferência o recorrente defensor dos direitos
humanos aborda o tema: A liberdade e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana, destacando que
“Entre todas, a primeira e a principal lei é a natural, a saber, a que é inerente à
natureza do homem, como criatura racional e livre. Ela impede que cada um faça o que
bem lhe parece e quer. Uma vez que o homem vive em sociedade, é mister que cada um
respeite, consciente e deliberadamente, a orientação da lei natural, que a todos iguala,
em dignidade e em compreensão mútua. Esta mesma lei veda, simultaneamente, que os
governantes, no exercício de sua autoridade, façam o que bem eles entendem. A
autoridade deles não deve bem pode ser absoluta, estando limitada pela obrigação de
promover o bem comum da sociedade, de que é elemento integrante a liberdade
individual, devidamente orientada pela razão, convenientemente esclarecida.
1099
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados. Manaus, Amazonas, 18 de maio de 1980,
.p.234-241
1100
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio
de 1980, p. 711-752.
671
Continuou o emérito
1101
Sobral Pinto citando a IX Conferência dos Estados
Americanos e os Direitos e Deveres da Pessoa Humana:
“ (...) A liberdade de ir e vir, como a de não ser preso arbitrariamente tem no Hábeas
Corpus o meio adequado de defendê-lo. Coisa semelhante se tornava indispensável
criar, no nosso país, em defesa dos demais direitos definidos em Capítulo especial da
nossa Constituição e nas duas Declarações dos Direitos da Pessoa Humana (...)
Proponho, assim (...) que a VIII Conferência determine ao Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil que ordene, por sua vez, aos Conselhos Seccionais dos
Estados, que entrem em entendimento com as Faculdades de Direito existentes na área
de sua jurisdição, a fim de obter delas que criem, entre os seus cursos também, o dos
Direitos e Garantias individuais, definidos e enumerados no Título II, Capítulo IV,da
Constituição da República Federativa do Brasil (...) Um tal curso, ministrado com
objetividade, capacidade e seriedade, nas Faculdades de Direito espalhadas por todo o
Território Nacional, habilitará os juristas, a adquirirem noção exata da significância
cultural e legal dos direitos da pessoa humana.
No conjunto das teses, abaixo indicadas, podemos, também, identificar uma
especial inclinação temática sobre Direito Judiciário nos seus diferentes graus de
ocorrência, mas, como já observamos, não existem, nesta Conferência, vestígios de
significância sobre aberturas conceituais jurisdicionais extensivas à proteção de direitos
metas individuais ou transindividuais, já que o tema coletivo e difuso viria, mais tarde,
numa linha de mudança qualitativa mais profunda. Neste sentido, a Conferência não
buscou, exceto timidamente, como veremos, discutir o tema da proteção de interesses, meta
e transindividuais no quadro sobre direitos sociais mas, que, decisivamente, vieram a
marcar o direito brasileiro futuro, numa nova e especial dimensão.
Q
UADRO IV
TEMA
L
IBERDADE E PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
TESES CONFERENCISTAS
O Mandado de Segurança e a Liberdade Miguel Seabra Fagundes
Hábeas Corpus
Evandro Lins e Silva
1101
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio
de 1980, p. 711-752.
672
O Princípio da Liberdade na Prestação
Jurisdicional
José Ignácio Botelho de Mesquita
Liberdade e Assistência Judiciária Gratuita Evilásio Caon
Liberdades Constitucionais e Processo Penal Antônio Acir Breda
Tutela Jurisdicional da Liberdade Sergio Bermudes
Neste grupo de palestras, a temática predominante foi a questão da proteção
jurisdicional da liberdade, enquanto, todavia, direito individual no Estado de Direito, onde,
com facilidade, se identifica a influência conceptiva do liberalismo jurídico e iluminista (e
individualmente) e, nem ao menos do liberalismo social, indicação sintomática de
conferências, sucessivas, mas, que, efetivamente, influenciara na redação futura das
garantias fundamentais na Constituição de 1988.
Na verdade, o impacto constitutivo dos novos direitos, só exercerá influência
tanto existenciais como coletivos e difusos sobre a reformulação da ideologia jurídica
liberal nos albores da nova Constituição, cabendo reconhecer, nesta reconstrução, a
extensiva influência da Comissão Arinos, que, devido aos efeitos constitucionais, nos
médios e longos prazos condicionarão as discussões sobre o novo ideário estatutário, nem
sem antes ressaltar o esforço construtivo de uma ideologia jurídica marcada pelo que veio
se denominando “democracia econômica”, especialmente a partir da Conferência de Recife
(1983) e Belém (1985).
Neste sentido, não há como desconhecer que a VIII Conferência foi uma reação
extensiva ao liberalismo individualista. Ela foi, isto sim, uma recolocação da temática
própria do Estado de Direito, que, em termos jurídicos, seria o suficiente para denunciar os
absurdos do Estado autoritário de segurança nacional. Mais do que as teorias de esquerda, o
que deslocou o estado autoritário para suas próprias contradições, foi a identificação de
seus desencontros liberais, demonstrando que ele fugira de sua própria origem histórica e
ideológica e aqueles que subsidiariam a sua implantação, senão absolutamente, estavam,
reencontrando-se num novo projeto, trazendo a experiência vivida para se encontrar o
caminho para eliminar o “entulho” legislativo autoritário.
De qualquer forma, retomando a temática do quadro anterior, o direito
processual não apenas tem se classificado, quase que exclusivamente, como um direito
destinado à defesa e proteção individual, como também tem dado apenas demonstrações de
673
resistência burocrática, mais que dogmática, tanto pela sua evolução teórica, como pela sua
sobrevivência temporal, seja enquanto Código de Processo Civil, editado em 1973, nos
albores do governo militar, seja como reformas do Código de Processo Penal
1102
(Decreto
Lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941) fora do moderno contexto de apuração da culpa e
aplicação da pena. As construções processuais abertas a problemas ou dissídios coletivos,
ou mesmo à conversão ou reversão de seus institutos, como o do ônus da prova, o que
influi, é claro, na rígida sobrevivência da estrutura judiciária, não tiveram específico espaço
de discussão nesta Conferência. Esta questão, como já observamos, coloca sempre, de
qualquer forma, o problema da vocação do direito para a proteção e defesa de direitos
individuais deixando evidente as dificuldades para se adaptar ou construir institutos mais
extensivos livres da formatação dogmática tradicional.
1103
O tema de maior abertura, neste bloco de palestras da Conferência, por sinal um
serviço pioneiro praticado pelos advogados, ainda, como opção regimental do Instituto dos
Advogados, no Império, foi a questão da assistência judiciária gratuita, não apenas porque
ela provoca o Estado como agente protetor de carentes e oprimidos, como também, porque
o tema contrapõe o princípio da efetividade das decisões ao princípio da exclusiva
1102
O Código de Processo Penal entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942 consagrando os princípios do
indubio pro reo e ne procedat judex ex officio, ampliando o conceito de flagrante delito, adaptações que
seguiram a última reforma do processo penal na Itália pelo Ministro Rocco. Somente com a promulgação da
Constituição de 1988 se reconheceu efetivamente a prevalência do princípio nemo teneturse detegere(não
estando o acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe pergunta), entretanto a alteração literal pelo
Legislativo adveio com a Lei 10792 de 2003 que ainda reconheceu o já estabelecido na prática, porém
desconhecido na legislação vigente – o interrogatório no estabelecimento prisional – assegurada a proteção
do juiz e auxiliares, ver artigo 185 e parágrafos do Código de Processo Penal.
1103
Com a promulgação da Constituição de 1988, todavia, o tradicional direito processual vem sofrendo
sensíveis efeitos de constitucionalização, adaptando-se ao alcance humanístico da Constituição o que amplia
significativamente o seu papel institucional. Estes efeitos, modificativos, todavia, ao que tudo indica não
poderão ser diretamente tributados às Conferências, mas, muito mais ao esforço dos trabalhos constituintes.
De qualquer forma, nenhuma Constituição brasileira foi toa significativamente aberta às novas dimensões do
direito processual quanto a de 1988, firmando posições, por exemplo, sobre o direito de todos levarem ao
Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito (inc. XXXV, art. 5°), não haverá juízo ou tribunal de
exceção (inc. XXXVII, art. 5°); o estado prestará assistência jurídica gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos (inc. LXXIV, art. 5°), gratuidade do “hábeas corpus” e do “hábeas data” (inc.
LXXVII, art. 5°); a lei regulará a individuação de pena (inc. XLVI, art. 5°); ninguém será privado de
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (inc. LIV, art. 5°); aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes (inc. LV, art. 5°); são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
(inc. LVI, art. 5°); ninguém será julgado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória (inc.
LVII, art. 5°); será admitida ação privada nos crimes de ação pública se esta não for admitida no prazo legal
(inc. LIX, art. 5°).
674
legalidade formal, característica essencial do Estado de Direito, mas de frágil assimilação
no Estado social ou democrático. A assistência judiciária gratuita é a única forma possível
de se viabilizar o direito dos despossuidos do carente diante do poder dos “poderosos”,
(complementarmente, é claro, às modificações de natureza nos institutos jurídicos, que
pode até mesmo, exigir a criação de outros institutos) porque, senão, necessariamente
(ainda), em tese, amplia as oportunidades (deles, carentes) obterem em juízo decisões de
maior efetividade, não que fujam da legalidade (formal), impossível no quadro dogmático,
mas que se imponham, através de novas garantias processuais, a percepção do direito justo,
mas reivindicado pelos fracos e frágeis. A própria Constituição de 1988, não fez do
princípio da efetividade, pressuposto da decisão judicial, mas a discussão tem espaço
constitucional futuro, assim como poderá evidenciar, que, a ausência de recursos
financeiros do demandante e a fragilidade na sustentação jurídica podem limitar o
reconhecimento do efetivo direito.
1104
Esta questão não está colocada na VIII Conferência, nem poderia sê-lo, haja
visto a sua contemporaneidade, mas, o que se pretende mostrar, é que a dinâmica dos
institutos jurídicos, para alcançar situações reais, é muito lenta. Mas, viabilizada a
assistência jurídica gratuita, como ocorreu na situação in caso posta pela Conferência, as
possibilidade de se repensar os mecanismos de apoio aos carentes e oprimidos ou, pelo
menos, de discussão de maior acesso à justiça, poderá sofrer mudança quantitativas
hermenêuticas significativas.
Na linha dos novos direitos, os quadros seguintes demonstram os espaços de
abertura da VIII Conferência para a questão jurídica, criando condições para sistematizar o
Direito Econômico e os Direitos Sociais, estes, incluídos dentre os direitos de 2ª (segunda)
1104
BASTOS, Aurélio Wander. Legalidade e efetividade, paradoxos da decisão judicial. Porto Alegre:
Magister nº. 3, (nov/dez) 2004 p. 65 Ver também CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre:
Sergio Fabris Ed. 1988/2002. (tradução Ellen Gracie Northfleet). No que se refere ao princípio da efetividade,
não se deve confundi-lo com o “princípio da eficiência” incluído no art. 37 da Constituição de 1988, dentre os
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, mesmo assim veio a ser acrescido por
força da EC n°. 19, de 4 de junho de 1998. Eficiência mais se justifica em função da celeridade administrativa
e a efetividade é uma contra-barreira ao formalismo decisório sempre de muita força protelatória. Bastos,
op.cit.
675
geração,
1105
comprometidos com o bem estar social, e, aqueles com os direitos relacionados
ao desenvolvimento, objeto de experiência em conferências anteriores, mas sem alcançar
sucesso na pauta tópica da ideologia jurídica, nem mesmo como direito de 3º geração, mais
comprometido com a remodelação qualitativa dos institutos jurídicos.
QUADRO V
TEMA
LIBERDADE E DIREITO ECONÔMICO
TESES CONFERENCISTAS
A Liberdade e os Grupos de Pressão Alberto Venâncio Filho
Liberdade e Poder Regulamentar Geraldo Ataliba
O Poder Econômico do Estado e a Liberdade
Individual
Octávio de Oliveira Lobo
As Liberdades Econômicas e o Princípio da
Igualdade
Arthur Lavigne
Liberdade e Justa Distribuição da Renda
Nacional
Joaquim Correia de Carvalho Jr.
Liberdade de Planificação e Tecnocracia Clovis Ferro Costa
Neste especial grupo vamos encontrar, exatamente, as novas questões colocadas
pelo capitalismo estatal brasileiro, especial negação do capitalismo de mercado, que, apesar
do projeto liberal do movimento militar de 1964, firmou-se como a realidade do modelo
econômico brasileiro. Estas teses, neste sentido, sem que sejam conceitualmente engajadas,
colocaram o tema do Poder Econômico do Estado, não apenas para interferir no mercado,
mas também sobre as liberdades econômicas individuais, e, mais ainda, como agente
1105
BOBBIO, op. cit. Ver, ainda, GILMORE, G. As eras do direito americano. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1978, e, ainda, BASTOS, Aurélio Wander. A era dos direitos no Brasil. Revista da ACAT –
Associação Carioca de Advogados Trabalhistas. Rio de Janeiro: ano 1, n. 1., p. 47-64, jan./jun. 2006.
676
empresarial, inibindo a livre concorrência e, ao mesmo tempo, favorecendo políticas de
concentração de renda e desequilibrando as condições possíveis de igualdade social.
O modelo econômico implementado pelos tecnocratas do governo militar
incentivou a política do “crescimento do bolo” para posterior distribuição da riqueza
acumulada, o que se revelou uma séria distorção social provocando o empobrecimento e a
favelização urbana, transformando em problemas estruturais, problemas que poderiam estar
como circunstanciais e conjunturais. A OAB na VIII Conferência procurou abordar esta
questão a partir de seus efeitos jurídicos sem uma análise econômica mais detalhada,
principalmente à luz do princípio da igualdade, mas provocou conseqüências para a própria
Carta de Manaus, de todas as Cartas aquela que utilizou uma linguagem mais incisiva e
uma postura política altamente ríspida e prescritiva, dominada por uma proposta de curto
prazo com efeitos políticos mais visíveis e de menor risco político.
Vale a pena considerar, todavia, que não há indicativos no conjunto das
palestras de opções políticas alternativas; elas não propriamente evoluíram para rejeitar os
propósitos estatistas, mas para corrigi-los a partir de propósitos e preocupações
distributivistas, procurando conciliar o princípio da liberdade com o princípio da igualdade.
Todavia, mesmo neste contexto, a palestra de Octavio de Oliveira Lobo, sobre O Poder
Econômico do Estado e a Liberdade Individual está marcada por observações, que, se não
incentivam, não rejeitam o papel interventivo do Estado, circunscrevendo e limitando a
liberdade de iniciativas.
1106
Por outro lado, na contracena deste conjunto de palestras, estão
os textos distributivistos em geral, de natureza crítica aos excessos das políticas de
acumulação, principalmente subsidiadas pelo Estado, apoiadas no princípio da igualdade.
Na verdade, não podemos buscar destas palestras um conjunto coerente,
presidido por princípios rígidos e predefinidos. Muito ao contrário, foi do absoluto
pluralismo de idéias e posições que advieram os primeiros postulados que influiriam na
formatação de uma nova ideologia jurídica, que, no tempo, influenciarão as manifestações
constituintes da OAB. De qualquer forma, hão há como negar que o velho liberalismo
1106
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio
de 1980, p. 411-421.
677
vinha abrindo espaços para discussões que não apenas envolviam o liberalismo social mas
para uma forte marca do humanismo existencial.
O quadro seguinte, na verdade, procura sistematizar situações jurídicas que o
tempo seccionou como direitos, senão de origem, de destinos diferenciados: os direitos
sociais e os direitos coletivos e difusos. Os direitos sociais definiram, como já analisamos,
no contexto das lutas pela proteção do trabalho, diferentemente dos direitos individuais
voltados para as relações intersubjetivas, e evoluiu no contexto das exigências sociais,
como direito de moradia, alimentação, saúde, segurança, já os direitos coletivos evoluíram
no contexto de interesses comuns do conjunto de determinados cidadãos, enquanto os
direitos difusos se classificam como interesses de todos independentemente da titularidade,
em ambos os casos, muitas vezes mesmo independentes de suas origens de classe..
Por estas razões, no quadro seguinte, considerando a situação de época ali estão
direitos de 2ª geração, como os direitos sociais, e o próprio direito ambiental, na sua
dimensão terceirizante, mesmo porque estão se construindo a partir dos velhos institutos
dos direitos de 1ª geração (direitos individuais) ou direitos sociais (de 2ª geração).
Por isto, no grupo referente aos direitos sociais, uma questão emergente para a
sociedade brasileira, podemos identificar as seguintes palestras:
QUADRO VI
T
EMA
LIBERDADE E DIREITOS SOCIAIS
TESES CONFERENCISTAS
Liberdade e Ensino Jurídico José Lamartine Correa de Oliveira
Liberdade e Proteção do Meio-Ambiente Aurélio Wander Bastos e Nilo Batista
Liberdade e Cultura Evaristo de Moraes Filho
Direitos e Liberdades dos Trabalhadores Benedito Calheiros Bonfim
Liberdade e Família João Batista Villela
Liberdade e Proteção do Ambiente Roberto dos Santos Vieira
678
Como vimos, este quadro tem uma aparência assistemática, mas, na verdade,
ele é um somatório da incipiente questão, ainda em 1980, do que veio ser o direito
precursor de direitos coletivos e difusos – o direito ambiental, que, na verdade, evoluiu dos
direitos individuais, enquanto direitos homogêneos e não absolutamente dos direitos
sociais, como as liberdades trabalhistas. A preocupação central deste quadro, por
conseguinte, foi, não propriamente sistematizar, mas abrir, no tempo passado, a frente
formativa do direito no contexto conjuntural das conferências da OAB, demonstrando, que,
em insignificante espaço de tempo, 8 (oito) anos, até a Constituição de 1988, emergiu com
grande força do lado da questão do direito ambiental, dos direitos da mulher, do direito à
intimidade, do direito à informação e tantas outras dimensões jurídicas que a ditadura
comprimira.
De qualquer forma, vale ressaltar que a emergência da discussão destes novos
direitos provocou novas e profundas discussões alternativas à velha ordem jurídica,
dominada pela hermenêutica dogmática, que historicamente contrastara com as propostas
estruturalistas de mudança social. Na verdade, a VIII Conferência permitiu que se
identificasse que, alternativamente à contestação da ordem jurídica tradicional, como fluxos
e refluxos legislativos da classe dominante, estava em visível expansão um projeto de
abertura endógena dos institutos jurídicos com maior visibilidade existencial do homem e
da vida social, em muitas circunstâncias repensando dialeticamente a própria dogmática
protetiva dos direitos individuais para se protegerem os indivíduos e grupos sociais
desprivilegiados nas relações jurídicas de natureza exclusivamente formal.
No bloco de teses referentes às prerrogativas e deveres dos advogados podemos
identificar as seguintes palestras:
QUADRO VII
TEMA
P
RERROGATIVAS E DIREITOS DOS ADVOGADOS
TESES CONFERENCISTAS
679
Liberdade, Desenvolvimento e Advocacia Victor Nunes Leal
As Imunidades Profissionais do Advogado e
Suas Garantias
Ariosvaldo de Campos Pires
A Ordem dos Advogados do Brasil e a
Defesa da Liberdade
Hermann Assis Baeta
Subseção: Instrumento da OAB na Defesa da
Liberdade
Maria Jovita Leite da Costa
A Ordem dos Advogados do Brasil e a
Assembléia Nacional Constituinte em Face
das Liberdades Públicas e Civis
Aloysio Tavares Picanço
A este grupo de teses sobre prerrogativas e deveres dos advogados devem-se
acrescer as teses apresentadas à Comissão Especial de Previdência, que como já indicamos,
demonstram que o período autoritário influiu decisivamente no crescimento das políticas de
assistência ao advogado. O que se explica, porque os advogados, limitados nas lutas de
reivindicações políticas, fortaleceram as políticas das seccionais da OAB, que,
especialmente, se concentraram na definição de conquistas vinculadas à seguridade privada.
Tanto é fato que a Conferência de Manaus, marco no fortalecimento das lutas pelas
liberdades democráticas, foi, também, um marco na definição de políticas de seguridade, a
nova dimensão do ideário corporativo dos advogados.
Todavia, no que se refere especificamente a este quadro, fica demonstrado que,
se o temário corporativo não estava explicitamente privilegiado, toda e qualquer discussão
na Conferência, mesmo aquelas de natureza ideológica ou doutrinária, estão acompanhadas
das discussões conexas sobre o ideário profissional dos advogados. Não afirmamos,
propriamente, que a retomada da discussão das liberdades (públicas), pressuposto conexo
do liberalismo jurídico incentivou a abertura do ideário corporativo, para as dimensões
emergentes da nova ideologia jurídica, mas, a proximidade do fundamento temático do
ideário e do liberalismo jurídico facilitou o rompimento das barreiras de resistências,
viabilizando o reconhecimento de novo projeto político, de aberturas democráticas e
sociais, a partir dos institutos originários da liberdade e da justiça formal.
680
Neste conjunto, todavia, deve-se destacar a palestra de Hermann Baeta que
conecta a questão da defesa da liberdade como pressuposto de ação da OAB e a tese de
Victor Nunes Leal, que, interessantemente, reaparece nesta VIII Conferência, dentre todos
os trabalhos históricos, é a única que retoma a discussão sobre advocacia e
desenvolvimento, importante tema, de certa forma, deslocado em conferências passadas,
mas não evolui como tema central, mesmo nas Conferências posteriores.
Herman Baeta,
1107
que veio a ser Presidente da OAB, observa que:
Refletir sobre Liberdade tem sido uma constante nos mais diversos ramos do
conhecimento humano, confundindo-se a luta pela liberdade com a própria história
universais (...) Para nós, advogados, pela natureza e características da própria
profissão, discutir sobre Liberdade tem sido encargo permanente, obrigatório e
essencial, eis que não se compreende o ministério da advocacia dela dissociado, pois a
Liberdade é a energia que nos dá força e vitalidade na luta pelo Direito e pela Justiça
(...) Impossível, portanto, o exercício pleno da advocacia sem que seja assegurada ao
profissional ampla liberdade de ação à sua atividade, sem restrições. Isto porque uma
das características da advocacia é a independência profissional e obviamente não se
pode ser independente sem um comportamento conscientemente livre.
1108
Cita, ainda,
...ressoa o Manifesto de Bruxelas (28.07.73) da União Internacional dos Advogados,
quando entre outros postulados, proclamou: ‘que não existe Justiça digna desse nome
1107
A base intelectual referencial da palestra do futuro presidente da OAB apóia-se em pensadores de
expressão como Heidegger (Martin Heidegger, tradução Ernildo Stein, coleção Os Pensadores, p. 138-139,
Abril Cultural, 1979) para quem a liberdade é uma propriedade do homem e Friedrich Engels (Anti During,
Abgar Bastos, Editorial Calvino, 1945, p. 151) para quem a liberdade é o domínio de nós próprios e da
natureza exterior baseado na consciência das necessidades naturais, (...) é um produto da evolução
histórica. Cita, também, Christopher Caldwel (O conceito de liberdade. Tradução de Edmund Jorge. Rio de
Janeiro: Zahar, 1968, p. 60): o conceito de liberdade é sumamente complexo entendendo que liberdade é uma
forma especial de necessidade (...) não basta querer ser livre também é necessário saber; seguindo o autor
observa como Hegel (cfr. Roland Corbisier, Enciclopédia Filosófica, p. 108 a 112. Ed. Vozes, 1974): a
liberdade deixa de ser arbitrária e adquiri sentido ou se torna racional quando duas vontades defrontando a
respeito de um litígio sobre a propriedade por exemplo reconhecem-se mutuamente dando origem a uma
vontade comum que se traduz num acordo ou no contrato, que prefigura o estado, a forma suprema do
espírito objetivo a liberdade que resulta do contrato não é a capacidade de agir arbitrariamente mais o
direito de agir de acordo com uma norma ou lei.
1108
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 423-426.
681
sem o concurso de advogados independentes; que os advogados são independentes do
Estado e de toda a hierarquia do Estado’.
1109
Comentando o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (1963), observa
que o art. 68 dispõe:
‘No seu ministério privado o advogado presta serviço público, constituindo, com os
juízes e membros do Ministério Público, elemento indispensável à administração da
Justiça’ (...) Com efeito, o múnus publicum do advogado não implica a redução de sua
liberdade e independência, ao contrário, faz aumentar a sua força, eis que a velha
noção de que ‘a liberdade de cada um termina onde começa a de outrem’, fruto do
liberalismo predominante nos séculos XVII e XVIII, (Dalmo de Abreu Dallari
O
Renascer do Direito
p. 63, José Bushatsky Editor, 1976) cedeu lugar à concepção
predominante no século XX de que só há liberdade para todos se os homens se
apoiarem e se respeitarem reciprocamente. Releva atentar que o Direito não pode
dissociar-se da Justiça, nem esta de uma ordem social essencialmente igualitária.
Ihering, há mais de um século, sentenciou em palavras simples, mas significativas, que:
‘ O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo, a luta’.
1110
Interessantemente Herman Baeta retoma na lucidez de Paulo Bonavides a
questão da relação entre legitimidade e legalidade observando:
‘A legitimidade e a legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se busca
menos para compreender a aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder
às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceito de legitimidade
entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do
consentimento e da obediência’.
1111
Neste trabalho, todavia, procuramos mostrar que, se, tradicionalmente, o
conceito de legitimidade, como fundamento da legalidade se apóia(va) num catálogo de
valores permeado pelo valor essencial Justiça as mais modernas discussões têm procurado
enfrentar esta questão da perspectiva da representativa dos interesses socialmente
dominantes, neste caso, o pressuposto da legalidade. A legalidade, por conseguinte,
1109
Ibid. p. 426-427.
1110
Ibid. p. 427-428. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 114.
1111
Ibid. p. 431.
682
sobrevive apenas enquanto goza de eficácia ou reconhecimento social ou pode ser
conferida, na sua dimensão exclusivamente formal à medida que é aplicada pelos tribunais.
Na verdade, a legitimidade é a rebelião dos fatos contra a legalidade instituída,
que, através de seus mecanismos ou procedimentos deve buscar as formas possíveis de
absorver os novos padrões de demanda social, caso contrário, a legalidade somente
sobrevivera como estado de exceção, sucumbindo aos seus próprios pressupostos. Esta
leitura conceitual da relação legitimidade e legalidade define-se como as circunstâncias
políticas essenciais da assembléia constituinte como mecanismo historicamente consagrado
de construção da nova ordem.
1112
Finalmente, voltando à questão aplicada do texto de Herman Baeta dentre as
tantas conclusões que apresenta devemos reconhecer
(...) A Liberdade é fundamental para o exercício da advocacia. A legitimidade de ação
da OAB em defesa da Liberdade provém do próprio texto da lei estatutária (Lei nº
4.215/63), criada livremente pelo Poder Legislativo, e do consenso da sociedade civil.
Deve a OAB planejar a sua ação, através de seus órgãos (Conselho Federal, Seccionais
e Subseções), quer no campo técnico-jurídico, quer no campo político-institucional e
social. A ação da OAB em defesa da Liberdade, em qualquer das suas expressões, não
deve exercer-se eventualmente apenas nos períodos históricos em que se instala no
Estado de Exceção, mas permanentemente, quer na fase de transição de exceção para a
normalidade, quer no próprio Estado Democrático de Direito no sentido de aperfeiçoá-
lo e impedir o ressurgimento do Estado de Exceção. Compete à OAB denunciar, por
todos os meios no seu alcance, todo e qualquer desrespeito aos direitos fundamentais do
homem, como forma de alertar a cidadania na permanente defesa do Estado
Democrático de Direito.
1113
Vitor Nunes Leal,
1114
pioneiro nos estudos brasileiros sobre a dominação do
estado por grupos oligárquicos, no seu estudo sobre Direito e desenvolvimento,
1115
linha
1112
SIEYÈS, Joseph Emmanuel. A Constituinte burguesa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1989. Ver nesta
edição prefácio de Aurélio Wander Bastos.
1113
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 a 22 de
maio de 1980, p. 447.
1114
Interessantemente Victor Nunes Leal ao justificar nas preliminares a sua opção temática esclarece um
aspecto importantíssimo de efeitos sobre a natureza jurídica da Ordem quando observa: (...) [redigi] sem
preocupação estilística, uma exposição mais prática do que teórica. Tomei, assim, a Ordem dos Advogados
na sua feição antes ativista do que acadêmica, mais instituição de serviço público do que fórum e cultura,
mais órgão da sociedade civil do que corporação profissional (...). Em ambos os aspectos já é inestimável a
contribuição que ela vem dando ao país, mas agora haveremos de reconhecer que é muito necessária sua
683
diferencial no conjunto temático das Conferências, aborda, no entanto, a questão de uma
perspectiva sui generis, fugindo dos parâmetros temáticos que foram propostos na IV
Conferência
1116
quando observa que o tema “liberdade” milita
(...) em prol de uma sociedade pluralista, na qual seria inaceitável promover o
desenvolvimento com o sacrifício da liberdade, ou só cuidar da afirmação e defesa da
liberdade após a conclusão bem sucedida de um regime de liberdade (...) [em] história
recentíssima, em nome do desenvolvimento, pregou-se o sacrifício das liberdades por
tempo indeterminado. Só mais tarde, já como pressuposto teórico da enunciada
abertura gradual e firme, se passou a falar, da cátedra do poder, no simultâneo
desenvolvimento econômico, social e político (...).
1117
Abordando o tema até pela natureza de sua preocupação metodológica, o autor
foge da correlação passada entre desenvolvimento e segurança nacional para estabelecer
que o desenvolvimento tendo como pressuposto a liberdade é um instrumento de defesa dos
direitos humanos de suportes contra o poder, principalmente no caso brasileiro que enleou o
povo brasileiro numa teia de responsabilidades opressivas. Por isto os instrumentos sociais
de desenvolvimento não podem por em risco ou violar a ordem jurídica, num estranho
emaranhado normativo, e de outro lado [não] podem deixar de produzir os benefícios
sociais esperados, em virtude das falhas os desacertos do direito positivo.
1118
Em artigo publicado há dois anos e reproduzido e;m livro recente, Marcílio Marques
Moreira, um dos mais brilhantes discípulos de San Tiago Dantas, de formação liberal e
conservadora, punha em relevo o ‘consenso’, que já havia no país, ‘no sentido de
caminharmos para melhor institucionalizaçáo jurídica, alargamento das bases de
legitimação política e mais ampla participação de todas as parcelas vivas do país (...)
na tarefa de construção do nosso desenvolvimento social e político’. E explicitava que
presença participante no processo de abertura política que estamos vivendo. Tanto mais que ele não se
esgotará com tal ou qual reforma institucional, mas se prolongará no dia-a-dia da nossa efetiva recuperação
democrática. Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas,
de 18 a 22 de maio de 1980, p. 358.
1115
Op. cit.
1116
Ver cap. VII desta obra.
1117
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 359.
1118
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 360.
684
essa participação haveria de incluir ‘desde associações de bairro até as universidades,
os sindicatos, o empresariado, os estudantes, as forças armadas, o clero, os partidos
políticos, enfim todos os cidadãos (Poder, Liberdade, Desenvolvimento, 190, p. 161
ss).
1119
Neste quadro argumentativo na verdade Victor Nunes evoluiu mais para
discutir políticas de direitos humanos no contexto do desenvolvimento do que propriamente
para discutir o desenvolvimento enquanto desenvolvimento econômico priorizando as
aberturas para a questão do desenvolvimento social e político, tanto é fato que numa de
suas proposições indica que é imprescindível que se prossegui o nosso desenvolvimento
econômico, social e político, mas sem sacrifício da liberdade e dos demais direitos
humanos, (o que foi efetivamente aprovado).
1120
Victor Nunes Leal citando Haroldo Laski observa que quando a expansão
econômica refoge às reivindicações sociais através da representação política e pode levar a
um dilema institucional
(...) ‘ou elas mudam o sistema capitalista, o estado representativo terá reformado a
sociedade ou o sistema capitalista desfigura o regime representativo e então a economia
terá transformado o Estado, a estrutura econômica terá reajustado a estrutura política’.
E acentuávamos que, ‘em qualquer dessas alternativas, o Estado terá de ser ativo,
enérgico, eficiente’. Mesmo quando ‘prevalecer o pensamento da classe média’, terá ela
de ‘lutar em duas frentes, na frente proletária e na frente capitalista, e não poderá levar
avante essa luta, equilibrando satisfatoriamente as reivindicações populares com as
1119
Moreira, Marcio Marques. Poder, Liberdade, Desenvolvimento. 1990, p. 161. In: Anais da VIII
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22 de maio de 1980,
p. 362.
1120
Op. cit. p. 363. O delegado do território do Amapá finalmente procurou mostrar que no passado o
liberalismo muito resistira a estas propostas, principalmente alegando a ineficiência do Estado, necessário
para a solução de problemas sociais e econômicos. Por outro lado, as críticas a esta postura tanto vem a
esquerda, como na brilhante conferência de Fabio Konder Comparato sobre a distinção entre Liberdades
Reais e Liberdades Formais, quanto a direita como escreveu Francisco Campos na sua apologia ao Estado
Novo (O Estado Nacional. 3º ed., 1941). Sobre este tema ver, também, L
EAL, Victor Nunes. A Divisão dos
Poderes no Quadro Político da Burguesia. In: “Cinco Estudos FGV”, 1955, p. 93. Neste artigo Victor Nunes
analisa a contraposição da teoria dos poderes desenvolvida por Montesquieu para defender a liberdade contra
os regimes de concentração de poderes como nos estados fascistas e na própria União Soviética “a pretexto de
atender contundentes reivindicações sociais”.
685
resistências da burguesia, senão utilizando igualmente um Estado capaz de agir com
energia e presteza nos momentos adequados’.
1121
Finalmente Victor Nunes Leal encaminha a sua conferência mantendo a linha
de abertura para a questão do desenvolvimento e direitos humanos, dada a fragilização do
CDDPH para sugerir grupo de trabalho que provisoriamente funcione até a sua instalação
definitiva como Comissão de Direitos Humanos da OAB.
1122
De qualquer forma, nos ambos estudos estão visíveis a preocupação do
engajamento dos advogados no projeto democrático e nos programas de desenvolvimento,
evidenciando, com certeza, que a relação democracia e desenvolvimento, é a alternativa
futura ao projeto de segurança e desenvolvimento. Nesta linha, fica evidente que o futuro
estado brasileiro, enquanto Estado Democrático de Direito, não seria um estado avesso ao
desenvolvimento, mas um estado engajado e comprometido com o progresso econômico e
social.
1123
O que torna difícil a relação entre direito e desenvolvimento, não é resistência
jurídica ao desenvolvimento, mas a resistência jurídica aos modelos autoritários de
desenvolvimento. À medida que se sintoniza as demandas de progresso à democracia
sintoniza-se as demandas de progresso à ordem jurídica.
1121
Coincidentemente esta palestra foi proferida um dia antes do suicídio do Presidente Getúlio Vargas
(23/08/1954). Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas,
de 18 a 22 de maio de 1980, p. 364.
1122
Terminada a Conferência o conselheiro Wilson do Egito Coelho observou que inadvertidamente o
conferênciaista ao historiar a legitimidade da vigilância da OAB na defesa dos direitos civis precipitadamente
se referira ao fato de que os estudantes após a anistia e a restauração da liberdade de imprensa procuraram
retomar o rumo perdido “exaurida a arriscada aventura terrorista”. Wilson Egito depois de criticar o uso
comprometido da palavra terrorista sugeriu que fosse o lau, que os governos atiraram contra os adversários
(o orador cita neste momento Alfred Musset in: Lorenzaccio, o podestá de Veneza que, após sufocar uma
rebelião, ordena: “prenda os traidores”. “Quem são os traidores?” pergunta o chefe da guarda. “Os traidores
são os vencidos”, responde o podestá) fosse reescrito como “exaurida a arriscada insubmissão dos estudantes”
o que foi imediatamente aceito pelo conferencista, abraçando o orador. Ver catálogo de decisões judiciais de
Victor Nunes Leal sobre os hábeas-corpus que concedeu entre os anos de 1964/69 no Supremo Tribunal
Federal, organizado, em comemoração aos vinte anos de seu falecimento em 2005 por B
ASTOS, Aurélio
Wander. Jurisprudência e crime político: acórdãos de Victor Nunes Leal no STF. Rio de Janeiro: Pqjuris,
1985.
1123
José Ribeiro da Costa Filho, ex-presidente da OAB (19/7/97) em Sessão de Homenagem ao 1º (primeiro)
ano de passagem do falecimento no CF.OAB, em 27 de agosto de 1981, fez o seguinte pronunciamento:
através da democracia e do Estado de Direito, haveria clima para as grandes transformações, que, um dia,
hão de conduzir à justiça social. Ver, anexo, Ata da 1930ª Sessão Extraordinária do CF.OAB de 29 de agosto
de 1981.
686
O estudo circunstanciado deste temário efetivamente demonstrou que as
questões políticas, não propriamente, eram as questões temáticas, mas no substrato das
palestras ficava ressaltada a imprescindível necessidade de se retomar dos rumos da
democracia brasileira. Pelo que se verifica dos temas precipitava-se a crise da federação, a
questão da soberania da Amazônia ficava transparente, as políticas de segurança sofriam
resistências generalizadas e o decantado modelo econômico entrava em violenta crise,
expondo as desconexões do Estado de Segurança. Por outro lado, junto das questões dos
direitos individuais, emergiam problemas relacionados aos fundamentos conceituais dos
direitos de natureza coletiva e difusa, muito especialmente na forma das questões
ambientais, como observado, nas palestras de Aurélio Wander Bastos e Nilo Batista
1124
e de
Roberto dos Santos Vieira
1125
provocados pela voracidade desenvolvimentista e o uso
desordenado da terra, provocado pela falência da política agrária dos militares e a absoluta
ausência de políticas de urbanização. Da mesma forma, a questão dos direitos das mulheres
evoluía para a questão dos direitos civis abrindo espaço para as discussões futuras dos
direitos civis dos diferentes grupos discriminados ou socialmente apartados.
1126
Finalmente, mesmo com a Lei de Anistia de 1979, que antecedeu a Manaus, ou
também pela sua contraditória natureza, o governo militar mergulhara o país na sua mais
profunda crise moderna, de proporções institucionais, deixando que facções radicais (de
direita) que atuavam partir dos órgãos repressivos do próprio estado, enfrentassem o estado
organizado e a sociedade civil, e, por outro lado, devido à escala de grandes dimensões
infracionárias, o processo de crescimento se interrompesse aprofundando a dívida externa e
as diferenças de renda. Por fim, na linha das proporções políticas, no dia 19 de novembro
de 1980, com a Emenda Constitucional n° 15/80, foi restabelecido o sistema de voto para
governador de Estado e para Senador da República o que permitiu que em eleições gerais
1124
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 199-232.
1125
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, 18 de maio
de 1980, p. 858-879.
1126
Sem que represente interesse direto desta Conferência , dela evoluiu o artigo que produzimos sobre Terras
Indígenas, pioneiro no Brasil, especialmente publicado em várias revistas, mostrando a grande influência
política na doutrina classificatória de “habitat” Indígena. Dentre os textos publicados cite-se BASTOS,
Aurélio Wander. As terras indígenas no Direito Constitucional e na jurisprudência do STF. Revista da
Faculdade de Direito. Fortaleza: v. 26., n. 1. p. 161-174, 1985 e Sociedades Indígenas. [UFSC],
Florianópolis, 1985.
687
para o Congresso Nacional a oposição fizesse maioria na Câmara dos Deputados e para
governadores se destacassem ou recuperassem sua liderança, expressões políticas como
Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, Tancredo Neves, em Minas Gerais, Franco Montoro, em
São Paulo, Miguel Arraes, em Pernambuco, e outros tantos, que diretamente vieram a
influir no ascendente movimento das “Diretas Já”, para Presidente da República, tudo
reforçado pelos movimentos organizados da sociedade civil.
2.3. A Carta de Manaus
A Carta de Manaus, a mais incisiva das declarações conclusivas das
conferências, foi o marco referencial da efetiva ruptura com a ordem autoritária muito
embora a sua linguagem não corresponda exatamente à linguagem discursiva das palestras.
Enquanto as conferências evoluíram a partir de discussões analíticas, nem mesmo
excepcionalmente radicais, até porque ali estavam expressivos juristas representativos do
pensamento liberal, muito embora, endossando posições críticas à ordem autoritária, a
Carta de Manaus criticou, incisivamente, a ilegitimidade do poder “revolucionário” e o seu
desvinculamento do povo, optando por concluir que a ordem jurídica deve exprimir o
interesse constituinte do povo.
A Declaração de Manaus
1127
foi divulgada com o seguinte teor:
Os advogados brasileiros, reunidos na VIII Conferência Nacional da Ordem do
Advogados do Brasil, fiéis à sua vocação e ao dever que lhes impõe a lei, de contribuir
para o aprimoramento da ordem jurídica, exprimem, nesta declaração, as preocupações
e anseios de toda a classe. O grande problema atual do poder é um problema de
legitimidade. Não há poder legitimo sem consentimento do povo. Os advogados
brasileiros afirmam que falta legitimidade ao poder institucionalizado em nosso País. O
regime instaurado em 1964, decorridos mais de quinze anos, insiste em desprezar a
forma democrática de legitimação através do voto popular. A massa do povo permanece
marginalizada e indiferente, quando não hostil, a esse sistema de governo, que dispensa
a aprovação dos governados e repele a vontade eleitoral. Ainda agora, pretextos e
1127
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 7 e 8.
688
artifícios estão em marcha para suprimir eleições e prorrogar mandatos, forma de criar
representantes sem representação, com a alternativa de intervenção em todos os
municípios do Brasil. Vai, assim, a ilegitimidade, num crescendo, contaminar o
exercício do poder em todos os planos da administração e da vida pública do País. Os
advogados brasileiros não podem ficar insensíveis a esse atentado contra a democracia
e o vêm denunciar à Nação. Por outro lado, a aplicação sistemática de uma doutrina
autoritária da segurança nacional, carregada de preconceitos, tem gerado apenas o
reforço da autoridade, à custa da crescente insegurança coletiva. O anunciado
abandono do regime de exceção não conduziu à restauração da responsabilidade na
esfera do poder político, com a supressão do arbítrio e da violência institucionalizados
como forma de governo. Os advogados brasileiros assinalam ainda que o sistema
político em vigor repudia o essencial princípio democrático de alternância no poder.
Essa ilegitimidade de base criou a presente desordem constitucional, agravada pelo AI-
5 e pela Emenda n. 1, oriundos de poderes que a Nação não conferiu aos seus
signatários. Assim se explica a permanência de leis incompatíveis com a vida
democrática, como as que regem a chamada segurança nacional, a greve e a
sindicalização das profissões. É geral a repulsa à legislação ditatorial que, armando o
governo de poder absoluto, atenta contra as garantias dos cidadãos, frustra o direito de
greve e cerceia a liberdade sindical. A política econômica, posta em prática nos últimos
anos, exacerbou as notórias desigualdades regionais, setoriais e de classe. Essa política
tem agravado a situação do povo, com uma inflação aterradora, que não se detém, pela
inadequação do modelo econômico adotado às necessidades do País. Resultado ainda
mais nocivo dessa política é que ela acarreta uma distribuição de renda gritantemente
injusta, em prejuízo de todos os assalariados. O desenvolvimento econômico da Nação,
que supõe a harmônica valorização do homem – seu capital mais precioso –, não pode
realizar-se através de uma vida de constante sujeição ao poder do mais forte. Não se
admite o crescente endividamento externo do País sem a fiscalização e o controle do
povo, através de seus representantes no Congresso. Fora das cidades, os conflitos pela
posse da terra e pela preservação das culturas indígenas vem confirmando o desacerto
de uma orientação que favorece o esmagamento dos mais fracos. Na Amazônia, o
enorme custo social da modernização econômica é ainda agravado pela falta de
controle da exploração das riquezas naturais e pela ameaça à soberania nacional. Aqui
também, a incapacidade do sistema não encontrou soluções satisfatórias para os
múltiplos interesses em jogo. Só em clima de liberdade, com a participação e o consenso
do povo, o problema da Amazônia poderá ser equacionado e resolvido, sem prejuízo
para a intangibilidade do nosso território e sem riscos para o equilíbrio ecológico. Os
advogados brasileiros são porta-vozes do clamor nacional pela reformulação inadiável
das bases constitucionais da nossa ordem jurídica. A Constituição não pode ser uma
concessão governamental. Ela é o ato solene de criação, por todo o povo, do regime
político de sua preferência. Aos advogados brasileiros repugna colaborar em qualquer
tentativa de remendo constitucional que ainda se queira perpetrar. O poder constituinte
há de retornar ao povo, seu único titular legítimo. Urge a convocação de uma
Assembléia Constituinte que, superando em sua composição os vícios inveterados de
nossa representação popular, incorpore efetivamente ao processo político a maioria que
nela tem sido ignorada. O conjunto de teses, que a VIII Conferência Nacional da Ordem
dos Advogados do Brasil acaba de aprovar, associa o fecundo princípio da liberdade
aos mais variados campos da convivência social. A fonte inspiradora de nossos debates
foi a idéia de recriar condições para que a norma jurídica não seja mais um comando
do alto, porém instrumento de emanação popular para a formação de uma sociedade
democrática. Os advogados brasileiros estão conscientes da missão que vêm exercendo,
em defesa da democracia, juntamente com outras instituições, como a Igreja, enraizadas
na alma do povo. "A liberdade", disse Rui Barbosa, em lição perene, "não entra no
patrimônio particular, como as coisas que estejam no comércio, que se dão, trocam,
vendem ou compram; é um verdadeiro condomínio social; todos o desfrutam, sem que
ninguém o possa alienar; e, se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhão,
689
vigilante, a reivindica". Reivindicamos o regime da Liberdade, como a aspiração maior
do povo brasileiro. Manaus-AM, 22 de maio de 1980.
1128
A Carta de Manaus, não propriamente, evoluiu no alinhamento conclusivo dos
temas das palestras da VIII Conferência, mas, basicamente, foi um documento de natureza
política, um posicionamento significativo e profundo sobre a ilegitimidade do regime
político de segurança nacional que se apoiara no Ato Institucional nº 5/68, extinto no
último dia de 1978, e na Emenda Constitucional nº 1/69, incorporada à Constituição de
1967, que sobreviveu emendada, como expressão do exercício ilegítimo do poder até a
promulgação da Constituição de 1988. Incisivamente ela optou por denunciar a
ilegitimidade do Estado de Segurança Nacional e propor a retomada de legitimidade
constituinte como projeto para o Brasil.
A Carta faz, visivelmente, uma opção pela democracia representativa de bases
eleitorais e populares, rejeitando os fundamentos do Estado autoritário de segurança
nacional e, o mesmo tempo, reconhece, na Constituinte, a única forma legitima de se
incorporar o povo e suas demandas como pressuposto do exercício do poder. Na verdade, a
Carta de Manaus, um manifesto histórico contra o regime autoritário, representado pelo
Estado de Segurança Nacional, é uma proposta de restauração da legitimidade democrática
do estado e da responsabilidade política no exercício do poder.
Nenhum documento na história política do Brasil contemporâneo foi elaborado
com tamanha convicção de propósitos e com tanta clareza verbal e propositiva. Por isto,
não se pode negar a esta Carta, como à anterior Carta de Curitiba (1978), uma significativa
influência na evolução ideológica endógena do clássico liberalismo jurídico que sempre
presidira as ações dos advogados, com efeitos extensivos aos seus próprios ideários, assim
como às respectivas conferências não se pode negar a sua grande influência crítica sobre o
liberalismo, que se desvaneceu para permitir a abertura de manifestações pontuais de nova,
especial e ascendente ideologia jurídica. A Carta de Curitiba, pela apresentação, não
propriamente formatada, mas embrionária, dos novos direitos, como direitos sucessivos e
1128
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 7 e 8.
690
complementares aos individualismo liberal, e a Carta de Manaus, pela intransigente defesa
da recuperação constituinte, como, recuperação dos fundamentos de legitimidade do estado.
Estas conferências, somadas à IX Conferência, que se realizou (realizará) em
Florianópolis, em maio de 1982, cujo tema foi a Justiça Social, abriram um novo colorido,
uma nova dimensão ideológica no profissionalismo que presidia o ideário corporativo,
ampliando o alcance perceptivo do advogado para questões, também, de natureza política, e
não apenas circunscritas aos interesses da classe.
1129
Estas conferências, visivelmente,
assumem, pelos seus efeitos práticos, que o advogado não pode fechar-se no mundo
circunstancial da categoria ou interesses de classe, mas, reconhecem, que, em específicos
momentos históricos, exatamente naqueles de imprescindível reconhecimento das novas
dimensões de legitimidade da ordem jurídica precisam avançar nas prerrogativas para
aprimorar, mudar mesmo, a ordem jurídica (instituída).
Em outros momentos desta obra discutimos esta questão, todavia, é sempre
conveniente lembrar, pela natureza mesma dos compromissos do ideário corporativo com a
funcionalidade
1130
da ordem jurídica, que a participação do advogado no processo de
mudança está sempre determinado pela situação dilemática de mudar com a ordem ou
buscar a mudança apesar da ordem. São, por conseguinte, duas grandes vertentes de
contribuição, o primeiro, quando a legalidade corresponde aos fundamentos de legitimidade
e, o segundo, quando, por resistências instrumentais do poder, ou por ausência de
mecanismos jurídicos instituídos de mudança, a legalidade esclerosa-se em relação à
realidade social.
A própria história brasileira tem exemplos destas situações, sendo que,
invertendo-se para efeitos compreensivos, no segundo caso, a queda do Império e da
1129
Ver item 3 do cap. III. Ver, também, cap. VIII, item 8, quando a questão sofreu nova regulamentação.
1130
Exemplo interessante, mas não idêntico, desta situação, ocorreu quando do afastamento do Presidente
João Figueiredo por motivo de doença da Presidência da República. Sem que ocorre-se a imediata posse do
Vice-Presidente Aurelino Chaves. O Conselho Federal não apenas manteve um longo debate interno sobre a
divulgação de nota sobre o pronto e imediato restabelecimento do Presidente da República, por fim,
aprovado por voto de desempate do Presidente, como também, após comparação com a situação
semelhante que ocorrera com o Vice-Presidente Café Filho (1955), como também, reconheceu-se seguindo
voto de Sobral Pinto, forma do art. 18 do Estatuto da OAB que: competia a OAB defender a ordem jurídica e
a Constituição da República, que o art. 77 da Constituição dispõe: substituirá o Presidente, no caso de
impedimento, e sucedê-lo-ia, na vaga, o Vice-Presidente. Ver Ata da 1.432ª Sessão Extraordinária de 21 de
setembro de 1981.
691
República (velha) oligárquica são eficientes demonstrativos, já, no primeiro caso, o
afastamento de Getúlio Vargas e a desarticulação do governo militar servem de eficiente
mostra. No segundo caso, não há envolvimento dos advogados, enquanto categoria
profissional, mas a criação da OAB se deu, exatamente, na onda antioligarquica, já no
primeiro caso, a participação da OAB foi ostensiva, mesmo no contexto de suas limitações
estatutárias, assim como a Carta de Manaus prenuncia como necessidade na evidencia da
ruptura entre legalidade e legitimidade.
É verdade, no entanto, que, apesar da explicita posição da OAB, que se
reproduzirá no futuro, a solução adotada, finalmente, como veremos, não seguiu,
exatamente, as expectativas da OAB, evoluindo para uma fórmula conciliatória, que, aliás,
também, ocorrera com a convocação constituinte de 1945, diferentemente, todavia, de
1933. Esta fórmula, na verdade, aceita a necessidade da convocação constituinte, mas, a
partir do próprio poder instituído e de acordo com as regras (eleitorais) vigentes, evitando
convocar uma Constituinte aberta e independente, para convocá-la como Congresso,
Câmara e Senado, reunidos, por determinado período, com poderes constituintes.
Esta segunda alternativa não era a proposta de Manaus, como também, mais
tarde, não foi a proposta de Belém, onde a visível opção era pela suspensão da “legalidade”
comprometida com os instrumentos de força de sua sustentação, na verdade, uma
“ilegitimidade” apoiada na “ilegitimidade” de frações institucionais que se sustentavam na
força. A opção, finalmente, vitoriosa, ou imposta pelos próprios mecanismos originários da
força, foi a convocação de uma Constituinte pactuada, onde estavam representados o “velho
regime autoritário” e suas dissidências e as frações políticas da oposição legal e as forças
sociais emergentes agrupadas em novos partidos.
1131
De qualquer forma, seguindo a linha de orientação demonstrada nesta tese,
mesmo nos seus momentos de ação mais ofensiva, a tese de conciliação como estratégia de
mudança predominou internamente no Conselho Federal, sendo que, em alguns momentos
de “confronto” conciliação, mas em outros de “confronto” conciliatório. Assim, nas
questões que envolveram a passividade do CDDPH prevaleceu a primeira hipótese, como
não podemos desconhecê-la, também, no próprio “caso Dona Lida”, mas nas questões
1131
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. O dilema constituinte. Jornal do Brasil, agosto de 2006, Opinião.
692
políticas mais amplas, como o foi na questão das “diretas já” não podemos desconhecer o
animus conciliador, mas, também, existem notáveis sintomas de confronto.
Finalmente, podemos afirmar, na linha da análise até agora desenvolvida, que a
Carta de Manaus, de reconhecida força histórica, como fora, juridicamente, o temário da
VIII Conferência, foi um documento destinado a orientar a ação política, não apenas dos
advogados, mas de grande parte do povo brasileiro, “no cumprimento de sua missão ou
defesa da democracia”, pressuposto da consecução de suas idéias e projetos, e, quem sabe
por isto mesmo, vitima de radicais reações incontroláveis. Por estas razões, tomando,
também, como referência, as conferências imediatamente antecedentes, e subseqüentes, foi,
exatamente, o documento que demonstrou a imprescindibilidade da ação política da OAB
para a desconstrução da ordem autoritária, para levar o país a deixar o legalismo autoritário
e ilegítimo para embarcar na legitimidade constituinte como o único caminho de construção
da legalidade democrática.
Esta especial postura estratégica da VIII Conferência deu às projeções de curto
e longo prazo alcance político, não só na estrita vocação do ideário profissional, mas na
dimensão das expectativas do povo brasileiro que virão a se traduzir na futura Assembléia
Constituinte, apesar, de que, organizada na forma de Congresso Constituinte
1132
, convocada
na forma da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, a Constituição de
1967/69. Posicionando-se nesta linha a VIII Conferência trabalhou temas comprometidos com
o Estado (liberal) de Direito, mas promulgou a Carta de Manaus que tornou impossível o
retorno no projeto do processo constituinte, assim como a reavaliação dos padrões nacionais da
justiça social.
A Conferência de Manaus, definitivamente, reconheceu a ilegitimidade do Estado
de Segurança Nacional, o arbítrio e a violência institucionalizados como forma de governo,
assim como, demonstrou, que, mesmo restrita no seu circuito temático, possivelmente por
razões estratégicas, apresentou um catálogo de alternativas para o Brasil restaurar a democracia
1132
As Assembléias Constituintes em geral são convocadas após a tomada do poder por movimentos
revolucionários ou independentes do poder instituído ilegítimo com base em regras próprias e com a
finalidade de constituinte específica. Imediatamente após a conclusão dos trabalhos de construção
constitucional se auto dissolvem para que o poder se constitua na forma das novas prescrições constitucionais.
Todavia, como veremos, o Congresso Constituinte no formato brasileiro de transição, se constituiu a partir de
convocatória do poder instituído e conforme os dispositivos constitucionais e a legislação eleitoral do regime
decadente.
693
com desenvolvimento. Esta posição, politicamente assumida no documento oficial final,
explicitava, que, a OAB, colocava-se na dianteira da luta pela derrubada do regime, imerso não
apenas em profunda crise política, combinada com seus desencontros jurídicos, apesar da
sobrevivência (armada) do núcleo rígido, que lhe garantia a capacidade de negociação e,
paradoxalmente, de radicalização, mas também em angustiante crise econômica que exacerbou
as desigualdades regionais, setoriais e de classe (...) aprofundou uma arrasadora inflação (...),
acarretou uma distribuição de renda gritantemente injusta acompanhada de crescente
endividamento externo do país e de conflitos pela posse de terra.
1133
Finalmente, resta observar que, se as palestras da VIII Conferência descortinaram,
mesmo que, ainda, cautelosas, um novo universo de idéias que buscavam seu espaço no mundo
das normas, evidenciando uma mudança na qualidade da ideologia jurídica, comprimida pelo
liberalismo, a Carta de Manaus provocava os advogados nos limites de seu ideário estatutário,
mostrando que a defesa da ordem, não pode ser um pacto com a desordem, e, que, romper,
politicamente, com a desordem, era imprescindível para a reconstrução da ordem. Wanderley
Guilherme dos Santos teoriza sobre esta questão no livro Razões da Desordem, (Rio de Janeiro:
Ed. Rocco. 1993. 3ª Ed. 1994. p. 117/128) quando especificamente trata das relações entre o
subdesenvolvimento e a inação, a incompetência e a desesperança, reconhecendo visivelmente
que nestes fatores estão as causas da desarticulação institucional, mas também, o pressuposto
das expectativas de redefinição das ordens.
3 – A Marcha dos Atentados
O processo de agressão física a advogados no exercício o de suas atividades
profissionais vinha crescendo desde os albores da construção do Estado de Segurança
Nacional (1968/69), não apenas em relação a advogados militantes na área de crimes
1133
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
de maio de 1980, p. 564.
694
políticos, como também em outras áreas da advocacia profissional.
1134
Estes fatos, como não
poderia deixar de ocorrer, afetaram sensivelmente as reações dos advogados em relação às
práticas repressivas do governo militar, evoluindo da ação estritamente técnica para a crítica
política. No primeiro momento, os advogados e a OAB procuraram respaldo no CDDPH
onde o presidente da OAB tinha representação nata (e direta), mas, a precariedade do
funcionamento do Conselho acabou provocando reações corporativas mais profundas,
levando a OAB, inclusive, a manifestações críticas mais profundas contra o modelo
autoritário e as práticas repressivas.
Esta especial situação favoreceu mudanças qualitativas, não apenas na
composição da direção, como da própria composição corporativa federal, com significativos
efeitos, mas, no temário das conferências que sucederam às agressões aos advogados e aos
primeiros sintomas da repressão para estatal. Neste sentido, os temas das conferências
firmaram-se inicialmente na retomada da luta pelo Estado de Direito, fugindo do
maneirismo dogmático, e, subseqüentemente, assumindo a defesa de seus principais
institutos, com visíveis doses de engajamento nas demandas políticas voltadas para a defesa
dos direitos individuais concentrando-se na luta pela restauração do “hábeas corpus” e pela
“anistia”. Esta postura evoluiu, mais tarde para discussões sobre o processo de
democratização e a própria convocatória constituinte.
As cartas (conclusivas) das conferências, por estas razões, tornaram-se mais
explícitas nas propostas políticas, numa linha de engajamento contra o Estado de Segurança
Nacional e pela redemocratização, efetivamente demonstrando que a OAB, reticente aliada
do movimento autoritário no passado, estava em franco processo de mudança propositiva,
ampliando as linhas de confronto com o poder central e redefinindo o seu papel, se não de
articulação, de representação da sociedade civil. Estas posições evoluíram, é bem verdade,
da corajosa ação ofensiva do presidente Ribeiro Castro, junto aos quartéis e comandos
militares, e, inclusive, a partir de uma nova hermenêutica incentivada por Raymundo Faoro
para abrir o processo constituinte com prévia anistia política, para perseguidos e cassados.
Este ambiente, senão diretamente, favoreceu a primeira e mais ostensiva ação
dos movimentos de ação paraestatal, exatamente contra um dos símbolos da luta com o
1134
Ata da 1.398ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 10 de junho de 1980.
695
governo militar ação para demolir o histórico prédio da União Nacional dos Estudantes
(UNE) ocupado ao fim da 2ª guerra mundial, localizado na Praia do Flamengo (na cidade do
Rio de Janeiro), com fragrante desrespeito à decisão do Juiz Federal Carlos David Aarão
Reis
1135
. Diante deste fato, na sessão do Conselho Federal de 10 de junho de 1960, o
Secretário Geral da OAB, José Bernardo Cabral, historiou os acontecimentos, a partir de 20
de março do corrente ano quando os interessados requereram Medida Cautelar contra a
União Federal para impedir a demolição do prêdio da UNE sob a alegação de [seu] perene
valor histórico. E se referiu à decisão na qual o Juiz citado determinou a sustação de
quaisquer obras do imóvel, inclusive de demolição, (...)
1136
. A OAB, na eminência dos fatos
consumados declarou publicamente que considerava de extrema gravidade o desrespeito às
decisões de autoridades do Poder Executivo as ordens judiciais.
1137
Apesar da reação da
imprensa, e de muitos conselheiros da OAB exigindo uma postura mais ostensiva o fato
ficou consumado, e a UNE impedida de ocupar o seu prédio simbólico (...).
1138
Imediatamente a estes acontecimentos, o presidente Eduardo Seabra Fagundes,
exatamente na data em que se comemorava a criação dos cursos jurídicos no Brasil
(11/08/1980), deu conhecimento ao Plenário, de forma pormenorizada, das circunstâncias
que envolveram o atentado cometido contra o jurista Dalmo de Abreu Dallari, assim como
da Comissão
1139
criada para atuar junto às autoridades a apuração do incidente
1140
(...). A
gravidade dos fatos exigiu que a sessão transcorresse em sigilo, muito embora, o conselheiro
Miguel Reale Junior, tenha esclarecido, que, não pairavam dúvidas de que tal sequestro não
fora feito como um crime comum para fins patrimoniais (...), é assunto que sai da órbita de
1135
Ibid.
1136
Ibid.
1137
Ibid. Ver também, Ata da 1.399ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 24 de
junho de 1980.
1138
Consta desta Ata que o prédio onde vinha funcionando o Instituto Vila Lobos fora cedido à Federação das
Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro – FEFIERJ, posteriormente Universidade do Rio de
Janeiro – UniRio, cujo Reitor era Guilherme Figueiredo. Posteriormente o prédio foi transferido para o
funcionamento da recém criada Escola de Ciências Políticas da UniRio, onde recentemente reformado, voltou
a instalar o, agora, Centro de Ciências Jurídicas e Políticas.
1139
Foram nomeados pelo Conselho Secional OAB-SP: Drs. José Castro Bigi; Márcio Tomaz Bastos e Miguel
Reale Júnior. Ver Ata 1403ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de
1980.
1140
Ata 1.403ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CFOAB de 11 de agosto de 1980.
696
crime comum para intimidação de fins políticos.
1141
(...). Na mesma ocasião o conselheiro
Sergio Bermudes afirmou que o fato era de efetiva demonstração de desgoverno e o
Conselheiro Carlos de Araújo Lima, ressaltou o esquema negro que avançava por trás de
tudo isto. Ao que parece, com relação ao caso Dallari, nada resultou de concreto, à vista de
ter o DOPS Paulista, logo após o anúncio desse telex pela Imprensa, ter informado que o
inquérito tinha sido concluído e dera pela autoria incerta dos autores do atentado.
1142
José Bernardo Cabral, Secretário-Geral, em sessão de 23 de setembro de 1980
questionou que democracia é essa, na qual o inquérito policial que apurou o atentado
contra o jurista Dalmo Dallari foi enviado à Justiça sem nada apurar de efetivo, dando-
se numa chamada “autoria incerta, desconhecida”; que democracia é essa que não
pretende restituir ao Parlamento o instituto da imunidade parlamentar que é privilégio
dos Parlamentos e que deve sempre constituir norma de direito objetivo e não
simplesmente de direito subjetivo; que democracia é essa que não sabe que imunidade
parlamentar é prerrogativa que deve caber aos membros do Parlamento, não porque a
eles pertençam, mas sim porque inerente ao Poder Legislativo e consentânea com os
mecanismos democráticos; Como é que se pode aceitar a frase presidencial de que
pretende implantar em nosso país uma “democracia possível”, quando a violência se
amplia (...). Como aceitar que o Governo está indignado com a corrupção se ela
campeia pelo país; como aceitar a indignação do Ministro da Justiça de que os
atentados serão apurados se o acontecido com a nossa OAB, quando às investigações
técnicas em nada evoluíram e quanto às investigações políticas desenvolvidas na área
militar continuam mantidas sob absoluto sigilo. Por essas razões, salientou (...), a
solução político-institucional não pode ser obra de uns poucos
colocados os demais
como figuras contemplativas
mas depende de toda a sociedade e, sobretudo, da classe
política, das instituições de classe como a OAB, CNBB, ABI, etc., já que não há poder
legítimo sem o consentimento do povo.
1143
O atentado contra Dalmo Dallari foi a abertura para o terror paraestatal e,
Bernardo Cabral, identificou o cerne do furacão. Estava em acelerada marcha a “política da
vingança”, a reação daqueles que começavam a sentir que a Lei de Anistia, mesmo limitada,
1141
Ibid.
1142
Ata 1.407ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de setembro de 1980 ver tb,
Ata 1.409ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 14 de outubro 1980, e ainda, a Ata
1.406ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 9 de setembro de 1980: Miguel Reale
Junior, condenou o método procrastinatório pelo qual está sendo conduzido o inquérito sobre o atentado de
que foi vítima o advogado Dalmo de Abreu Dallari. Enquanto perdurar essa lamentável mímica
investigatória, o Conselho continuará a denunciar ao País a omissão das autoridades, disse Victor Nunes
Leal. Em Ata, de 27 de julho de 1981, constam ainda informações sobre a atuação do presidente da OAB de
São Paulo Mario Sergio Garcia e do Vice-presidente junto às autoridades da 29ª Vara Criminal do TJSP
apoiando diligências do promotor publico sobre o caso Dallari, sem solução aparente.
1143
Ata da 1.408ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de setembro de 1980.
697
era o prenúncio de novas medidas de abertura com o conseqüente esvaziamento dos
“bolsões” radicais.
3.1. A OAB na Mira do Terror
Os participantes da VIII conferência realizada em Manaus, no seu processo de
instalação, já mostravam alta sensibilidade ao crescimento da ação sistemática do terror
para-estatal, o que provocou, não apenas um aprofundamento político das suas discussões
temáticas, como também a Carta de Manaus deixou-se ficar profundamente marcada por
uma linguagem indicativa de proporções políticas comprometidas com a imprescindível e
necessária instauração imediata das liberdades democráticas. Esta incisiva posição
demonstrou, que, efetivamente, o poder central autoritário encontraria na OAB, uma
instituição federativa lastreada em todo o país, através de sua seccionais, firme resistência
política. Este quadro, possivelmente possa ter provocado o desvio da ação terrorista contra
advogados e personalidades do mundo jurídico para a própria Ordem dos Advogados,
simbolizada, naquele momento histórico, pelo presidente Eduardo Fagundes Seabra.
A situação alcançou absurdos contornos, colocando a OAB, na linha de mira
dos bolsões radicais, com o visível intuito de intimidar, interromper o projeto de abertura,
calando a ação articulada da OAB claramente reconhecida na Carta de Manaus, abrindo as
suas possibilidades de estender o seu papel defensivo em favor da sociedade civil e
mobilizar-se pela convocação constituinte. As reações para-estatais foram imediatas e a
OAB federal foi colocada no quadro da ação direta do terror, coberto pelo sigilo da
proteção postal. No dia 27 de agosto, o presidente da OAB, Eduardo Seabra, convocou
sessão extraordinária (13h40minhs) onde comunicou: a funcionaria Lyda Monteiro da
Silva, com mais de quarenta anos de serviço prestado a esta Instituição, foi vitimada por
um atentado à bomba
1144
, desconhecendo-se de quem possa ter partido ato de tamanha
insanidade (...). Informou, em seguida, do seu falecimento. Para o Presidente, a funcionária
1144
Ata da 1.405ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária da CF.OAB de 27 de agosto de 1980.
698
pagava com a vida pelo seu trabalho e pela sua dedicação à OAB, o que comprovava que
no Brasil não há governo, mas sim um permanente desgoverno (...).
1145
Tais
circunstâncias, destacou o Presidente, demonstram a desenvoltura com que vêm agindo os
extremistas e a impunidade que vêm tendo, deixando antever dias ainda mais sombrios
para a Nação.
1146
Neste sentido, ficava cada vez mais evidente que o Conselho de Defesa de
Direitos da Pessoa Humana – CDDPH não conseguia responder à sociedade, com
investigações conclusivas, aos sucessivos atentados contra os direitos humanos,
demonstrando que estava atado às políticas de estudo e nunca buscaria do Estado responder
as demandas da sociedade civil. A sociedade civil precisava buscar nos seus próprios
organismos responder as suas próprias demandas, o Estado estava alienado da sociedade e o
seu poder corroído pela abusividade repressiva.
3.2. A Criação da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
O presidente da OAB, Eduardo Seabra, baixou a Resolução OAB nº. 120/80, no
uso de suas atribuições estatutárias, criando no Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil a Comissão de Direitos Humanos composta por quinze advogados eleitos pelo
Conselho Federal e presidida pelo Presidente do Conselho (...).
1147
Definia o ato decriação
que Competia à Comissão de Direitos Humanos:
1145
Ata da 1.422ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de abril de 1981 transcreve (in verbis)
leitura de relatório obre o atentado à sede da OAB, quando faleceu Lyda Monteiro: Reafirmamos a convicção
de que o atentado possa ter partido de grupos de direita, inconformados com a atuação da OAB na luta pelos
direitos humanos e pela restauração das franquias democráticas.
1146
Ficou deliberado, pelo Plenário, enviar mensagens. 1º) ao Presidente da Republica; 2º) ao Ministro da
Justiça; 3º) aos Presidentes das Casas do Congresso e ao Supremo Tribunal Federal e aos Conselhos Secionais
da OAB. O Presidente Seabra Fagundes disse que a convocação desta sessão extraordinária foi para a troca de
idéias. O Tesoureiro do Conselho Federal, Dr. José Danir Siqueira do Nascimento pediu a palavra pela ordem
e sugeriu fosse guardado um minuto de silêncio, pela morte da funcionária Dna. Lyda Monteiro da Silva, a
fim de simbolizar o luto não só deste Conselho Federal, mas de toda a classe dos Advogados.
1147
Foram designados para compor a CDH-OAB: Dr. Barbosa Lima Sobrinho, Dr. Dalmo de Abreu Dallari,
Evandro Lins e Silva, Heráclito Fontoura Sobral Pinto, J. Bernardo Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir
Siqueira do Nascimento, José Paulo Sepúlveda Pertence, José Ribeiro de Castro Filho, Miguel Seabra
699
a) assessorar o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em
sua atuação como membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; b)
receber denúncias, queixas de violações de direitos humanos, procedendo sindicâncias,
entrevistas com os interessados, entendimentos com as autoridades públicas
constituídas e qualquer outro procedimento necessário à elucidação das queixas e
denúncias apresentadas; c) elaborar trabalhos escritos, dar parecer, promover
seminários, palestras, pesquisas e outras atividades que estimulem o estudo, divulgação
e respeito dos direitos humanos; d) cooperar e promover intercâmbio com outras
organizações nacionais e internacionais comprometidas com a defesa dos direitos
humanos; e) criar e manter atualizado um centro de documentação onde sejam
sistematizados dados sobre denúncias e queixas que lhe forem apresentadas, além de
outras manifestações mais freqüentes de violações de direitos humanos; f) elaborar e
alterar seu Regimento Interno no qual regulará a ordem dos trabalhos e o
funcionamento de suas reuniões; o quorum para deliberação, sua organização e
serviços.
O Presidente da ABI, Dr. Barbosa Lima Sobrinho, presente à reunião referida
expressou o repúdio mais violento atentado que vitimou a OAB e trouxe também a
expressão de seus sentimentos e de sua solidariedade à OAB. Ele próprio recebeu a ameaça
de que às 17:00 horas uma bomba seria lançada na ABI, daí por que não compareceu
imediatamente ao Conselho Federal
1148
. Estava instalado o processo de pressão clandestina
contra as entidades que se articulavam para definir linhas seguras de abertura, deixando
visível que estava posto o confronto entre o Estado de Segurança e entidade representativas
da sociedade civil.
A violência do atentado contra a OAB interrompeu toda e qualquer articulação
com o governo central, como efetiva demonstração que o governo estava sitiado pelos
radicais, permitindo que atuassem, na verdade, reprimindo as manifestações de liberdades de
pensamento e com bonomia quando os direitos humanos eram agredidos. O conselheiro
Ferro Costa propôs que nada se pedisse ao Governo por não merecer ele nenhum respeito,
pelo que não será ele digno de ser tal, porque representa a força contra o povo brasileiro.
Que seja denunciada a violência e se deixe ao Governo o julgamento que ele mereça. Em
seguida O Conselheiro Cláudio Lima Vieira esclarecendo juridicamente o ato, leu o texto da
Lei de Segurança Nacional, entendendo que a responsabilidade pelo atentado caberia ao
Presidente da República, ao Ministro do Exército e ao DOlCODI. A OAB só tem um
Fagundes, Nilo Batista, Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro, Victor Nunes Leal. Ver Ata da 1.405
sessão Extraordinária do CFOAB de 27 de agosto de 1980.
1148
Ata da 1.405ª Sessão Extraordinária do CF.OAB em 27 de agosto de 1980.
700
caminho a seguir: Substantivar, isto é, enquadrar os fatos dentro da lei, argüindo perante a
Câmara dos Deputados a responsabilidade criminal do Presidente da República (...). Após,
o membro nato Raymundo Faoro, salientou que o fato que hoje testemunhamos é o
resultado da impunidade, como a forma mais covarde,
1149
de omissão do Estado. A
impunidade, seja em que circunstancia for é um exemplo em cascata, é um passaporte para
que os desavisados ajam com os avisados, fazendo do desgoverno o governo.
A violência do atentado demonstrou que a radicalização dos grupos para estatais
ampliou o seccionamento das posições internas na OAB, de um lado o grupo que se
posicionava para que a OAB se abstivesse de qualquer relação com o Presidente da
República e, do outro, o grupo que sugeria que fossem pleiteadas providencias àquela
autoridade. O membro nato Miguel Seabra Fagundes entendeu redundante as posições de
telegrama já encaminhado ao Presidente da República, pelo Presidente Eduardo Seabra
Fagundes
1150
. O Conselheiro Jessé Fontes de Alencar disse que o atentado marca o divisor
de águas entre o que o Governo assegura, através de seus órgãos, quanto aos recursos de
abertura, e os atos de terrorismo a que assistimos. Na mesma linha o Conselheiro Evandro
Lins e Silva disse que se deve cobrar, a todo o instante, a apuração do trágico
acontecimento, já que entende que não será tão difícil a descoberta da origem e da autoria
do crime, até porque o explosivo utilizado não se encontra a venda nos supermercados.
Finalizou dizendo da sua preocupação de que o tempo se encarregue de fazer com que se
esqueça a apuração do fato.
Francisco de Assis Serrano Neves, no dia 5 de setembro de 1980, observou: a
prescrição, ou melhor, a omissão pelo silêncio é a mais trágica que existe
1151
sendo que o
Conselheiro Victor Nunes Leal completou que não basta pedir, não basta reclamar. É
1149
Ibid.
1150
Seabra Fagundes comunicou à Casa que, logo após a reunião (daquela data, 27 de agosto), havia chegado
um telegrama do Ministro da Justiça informando-o de que, a pedido de alguns Conselheiros, havia transferido
para o próximo dia 09 de setembro, a sessão do CDDPH, à qual deverá estar presente. Ressaltou, ainda, que a
sessão continuará sendo até a próxima terça-feira, dia 09.
José Paiva Filho deu ciência de que, em Manaus,
foi realizado ato de repulsa ao terrorismo. Todas as classes que compareceram dirigiram, de forma veemente,
mensagem ao Presidente da República para apuração do fato e punição dos culpados. Entendia – salientou -
que se deve pôr um basta a esses atos inomináveis (...).Ver Ata da 1405ª Sessão Extraordinária do CF.OAB de
27 de agosto de 1980.
1151
Ata 1.406ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 9 de setembro de 1980.
701
preciso agir, nós próprios; imaginar como forçar o governo a fornecer as informaçes.
Poder-se-ia, talvez, numa conversa franca com o Ministro da Justiça, colher o que
realmente está acontecendo
1152
. O conjunto destas teses, na sua simplicidade lingüística,
traduz, todavia, o quadro dilemático da OAB: conversar ou não conversar com o governo.
Conversar significaria ceder, silenciar-se poderia, também, significar omitir-se, porque
estavam bloqueados os canais jurídicos de ação.
Fato ímpar e relevante, todavia, sucede, quando, já sufocado o movimento
estudantil, empurrados para a clandestinidade, ou calados para o quotidiano político o
Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito Candido Mendes, expediu carta de repúdio
que foi lida em sessão extraodinária, cujo texto é o seguinte:
O Diretório Acadêmico Rui Barbosa vem externar seu repúdio aos atos praticados por
grupos e organizações visivelmente comprometidos com a opressão ao povo brasileiro,
através de atentados criminosos a instituições e entidades democráticas. Hoje, dia 27 de
agosto de 1980, ocorreram explosões de bombas nas sedes da Ordem dos Advogados do
Brasil e Câmara dos Vereadores e uma outra bomba foi desativada no edifício do
Fórum, tendo como conseqüência mortos e feridos. Nós, como estudantes de Direito e
principalmente como cidadãos, registramos integral solidariedade a todos os órgãos e
instituições que vêm mantendo uma posição de defesa dos direitos do povo brasileiro.
(as) A Diretoria.
1153
Os sucessivos fatos convenceram muitos dos conselheiros da OAB, que,
efetivamente, este conselho estava cada vez mais inoperante e que o único local de
avaliação dos atos de repressão e terror promovido pelo Estado estava minado e reduzido
aos procedimentos burocráticos, o que justificava o imediato afastamento do Presidente (da
OAB) das reuniões regulares na opinião do conselheiro Calheiros Bonfim. A posição, mais
tarde, foi endossada, por opinião, na mesma linha de Sepúlveda Pertence, que admitindo-se
soldado do Direito não pode[ria] a Ordem solidarizar com governo ilegítimo, como está na
ata de 09 setembro 1980, contrariando a opinião do conselheiro Susseguind de Moraes
1152
O Presidente da OAB demonstrava a inoperância do CDDPH. Informou ao Plenário da sua cobrança ao
Ministério da Justiça da apuração do atentado na O.A.B. , eis que não se consegue perceber nada de positivo
na apuração da Polícia Federal, muito embora se diga que há pistas, etc.. Por isso mesmo, concluiu: se não
receber a OAB, dentro de algum tempo, os resultados do atentado, será feita uma análise para tomada de
posição perante a Nação Brasileira. O Conselheiro Caleiros Bonfim disse que é pública e notória a
inoperância, a ineficácia do CDDPH. Ata da 1.407ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do
CFOAB de 23 de setembro de 1980.
1153
Ata 1.405 Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de agosto de 1980.
702
favorável à permanência da OAB no CDDPH mesmo que reduzida à condição de
testemunha
1154
. Por outro lado, aprofundaram-se também as opiniões sobre a necessidade e
conveniência de firmarem os advogados brasileiros, na opinião de Newton Jose de Sisti,
Presidente da seccional do Paraná, novo pacto social, não apenas para repudiar o
terrorismo em nossa terra, mas, também, com vista à convocação, quanto antes, de uma
Assembléia Nacional Constituinte.
1155
Estas posições, na verdade, se por um lado, traduzem o dilema da OAB, entre
comportar-se conforme a ordem, e cumpri-la como se põe, ou rejeitar a (dês)ordem, e
enfrentá-la, para reconstruí-la, radicalizaram as atitudes do poder central, provocando a
intensificação dos atos repressivos, e as denuncias de desaparecidos, interceptação de
advogados estrangeiros deslocando-se pelo território nacional, prisões e atos de expulsão,
inclusive de religiosos. Por outro lado, foram tomadas sucessivas manifestações junto ao
Supremo Tribunal Federal STF, pela liberdade de consciência e de convicção religiosa,
bem como sobre o direito dos estrangeiros ameaçados pela iniqüidade do Estatuto dos
Estrangeiros (Lei n°6815/1980) elaborado articuladamente com a Lei de segurança
Nacional (Lei n°.7170/1983), e os atos de agressão visando a ostensiva desmoralização das
ordens seccionais
1156
. Da mesma forma, muitos foram as cassações brancas resultantes de
nomes vetados para funções publicas devido a parentescos pessoais.
1157
Estava efetivamente demonstrado que o país restara traumatizado, na opinião do
Vice-presidente do CF.OAB, no exercício da presidência Sepúlveda Pertence, devido à
intranqüilidade pública gerada por marginais da atividade política, ainda inalcançáveis pelo
governo, a confiabilidade do poder publico ficara golpeada a cada escola que dispensava
seus alunos. O Presidente em exercicio, Sepúlveda Pertence, transmitiu então a seguinte
mensagem: a cada escola que dispensava os seus alunos, a cada edifício evacuado às
pressas, a cada escritório, a cada oficina que interrompia o seu trabalho, e até a cada
cidadão que não encontrava, na banca de hábito, o jornal pretendido. O que a Nação não
1154
Ata 1.407 Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 23 de setembro de 1980.
1155
Ata 1.405 Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de agosto de 1980. Este é o
único documento, identificado em Ata, sobre a grave agressão à sede da OAB.
1156
Ata 1.410 Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 29 de outubro de 1980.
1157
Ata da 1.009ª Sessão da 31ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de junho de 1981.
703
quer é ser forçada a acreditar na vigência, ainda hoje, de um pacto de silêncio solidário
entre o poder legal e os porões de uma ditadura, que se diz e que preferimos reputar
ultrapassada. O que se espera é não ser levado a crer, ainda agora, na veracidade de
murmuradas transaçães, nas quais a cessação dos atos de terror custaria não apenas a
impunidade dos crimes praticados, mas também a parada ou a reversão do processo
político que pranteamos
1158
.
Eduardo Seabra Fagundes, em 11 de novembro de 1980 dava a seguinte
explicação ao Conselho Federal: A Ordem não pode silenciar ante fatos desta gravidade e
os denuncia perante o Povo, concitando o Governo a assumir a posição que lhe compete na
sociedade. Temem os Advogados que tais fatos terminem por instaurar o contraditório da
violência, terreno fértil para as soluções providencialistas, das quais sempre se valem os
adeptos dos regimes totalitários. Concluia, o Presidente, observando que o atentado brutal e
covarde que matou Lyda Monteiro, perpetrado contra a (nossa) sede da OAB na Marechal
Camara no Rio de Janeiro, onde está a historica estátua de Teixeira de Freitas com suas
vestes talares, ceifou a vida da sua mais antiga funcionária, e, tanto mais brutal se tornou,
que, hoje, é conhecido na vida politica brasileira como o episódio dona Lyda. A violência
física e material foi de tal ressonância que o próprio Presidente da República reagiu com
declarações que chegaram a inquietar a Nação brasileira, posto que enfatizou ele que
lançassem as bombas sobre si e deixassem os inocentes em paz. No entanto, tais palavras
acabaram por se desgastar e cair no vazio, uma vez que as providências que deveriam
acompanhá-las não são do conhecimento desta Casa, observou o Presidente da OAB.
Na data comemorativa dos 50 anos de criação da OAB, em sessão
extraordinária, em que estiveram presentes praticamente todos os Conselheiros inclusive os
membros natos, reconheceram, após a exposição de Alberto Venâncio Filho sobre o
1158
Ata da 1.406ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária do CFOAB de 9 de setembro de 1980,
nesta mesma ata consta que cerca de nove mil pessoas desfilaram pelas ruas do Rio de Janeiro, em uma
“Caminhada Democrática contra o Terrorismo”, organizada pela OAB, com apoio de mais de duas dezenas de
entidades, quando basicamente se exigiu do Presidente João Batista Figueiredo apurar as responsabilidades
pela prática dos atentados, punindo seus autores, bem como prosseguir, a qualquer custo, no processo de
normalização democrática. E mais: que se ponderasse a Sua Excelência que a melhor forma de conseguir
apoio e participação de todos os segmentos da sociedade civil para essa patriótica tarefa é apressar o
retorno do País à sua plenitude democrática, que tem como pressupostos a supressão da Lei de Segurança
Nacional, a realização de eleições diretas e livres em todos os seus níveis e a convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte.
704
verdadeiro papel da Ordem no contesto nacional, que a OAB começou na luta e na luta
continua, representando a classe dos advogados, e tendo por objetivo atingir a
legitimidade democrática. Nas palavras de Raymundo Faoro, lutas pelas liberdades que fez
com que Lyda Monteiro pagasse pelo crime que foi nosso: defender a liberdade. Seguiu-se
com a palavra Godoi Bezerra ressaltando o papel da OAB em favor do primado do direito e
pela coexistência pacifica entre os poderes públicos, palavras que se concluíram por Miguel
Seabra: o inquérito de apuração dos fatos que envolveram os atentados na OAB foi essa
[uma] farsa colossal.
1159
Encerrando o presidente Seabra Fagundes manifestou suas
esperanças no sentido de que as gerações futuras saibam conduzir nossa bandeira com o
mesmo empenho como hoje o fazemos.
1160
Na verdade, não podemos deixar de observar o atentado contra a OAB teve
profundos efeitos de mobilização da sociedade civil com expectativas de radicalização
política, mas num momento segundo preponderou na eleição para o novo período o grupo
de conselheiros que admitia uma transição negociada, mesmo tendo na outra chapa juristas
de grande expressão, que, na condução das questões internas do Conselho Federal, até
mesmo pela radicalidade do atentado contra a OAB, pelas sucessivas frustrações das
sessões e atos do CDDPH, admitiram posições inegociáveis com o governo central. Isto
não significou, é claro, que se desconhecesse a gravidade dos atos de atentados e a omissão
policial na apuração da ofensa aos direitos humanos, mas, visivelmente, não prosperou a
tese da ruptura radical, mesmo porque, o governo militar, enquanto governo, já estava em
fase de alinhamento político com as oposições, deixando às frações paraestatais o
enfrentamento desesperado.
Finalmente, estes atos, da mais extrema radicalidade, não se justificam nem se
encerram em si mesmo, demonstrando que o caminho não apenas da abertura política no
Brasil, mas, também, da “abertura” da percepção dogmática dos advogados do ideário da
profissão, da história e da sociedade, passou, também, senão pelos mesmos atos, por atos
absolutamente constrangedores para a vida e a dignidade humana. Estes atos no tempo
histórico, não apenas demonstraram a imprescindibilidade de reconhecimento dos novos
1159
Ata da 1.407ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de setembro de 1980.
1160
Ata da 1.403ª Sessão Extraordinária da Reunião Ordinária do CF.OAB de 11 de agosto de 1980.
705
espaços do estado, abertos à preservação da dignidade humana e da democracia como seu
pressuposto, e não apenas às relações intersubjetivas, como também do ideário profissional
como pressuposto de sua posição e defesa.
4 – OAB: Eleição e Moderação
A OAB não tinha ainda se recuperado dos atentados que afetaram
profundamente o quotidiano de seus trabalhos, quando, por força de seus estatutos
promoveu as eleições para a gestão referente ao período de 1º de abril de 1981 a abril de
1983. As eleições, marcadas pelo aprofundamento das divergências ideológicas, mas,
também, e, principalmente conjuntural, se sobrepôs à questão corporativa, elegendo
Presidente o secretário geral José Bernardo Cabral (com 19 votos), Conselheiro
representante do Amazonas. O novo Presidente não evoluiu numa linha de radicalização e
enfrentamento com o governo, o que aliás já vinha refletindo em seus pronunciamentos
anteriores, o que aparentemente tinha maior expressão na candidatura de J. P. Sepúlveda
Pertence, relator do documento crítico à “mitigada” Lei de Anistia de 1979. Bernardo
Cabral procurou trabalhar uma proposta política articulada com expectativas corporativas
difíceis de se alcançar, mas que o favoreceu no processo político, exatamente porque não
fazia do violento conflito interinstitucional plataforma da ação política junto ao governo
central, mas, por outro lado, priorizava o projeto da Assembléia Constituinte. Eleito em
disputa com o vice-presidente da presidência Eduardo Seabra, J. P. Sepúlveda Pertence que
substituíra o vice-presidente originalmente eleito Ciro, Aurélio de Miranda, Bernardo
Cabral, enfrentara, também, Vitor Nunes Leal, candidato a Secretário Geral (que obteve 6
votos) em disputa com Herman Baeta (que obteve 20 votos), eleito, então, Secretário Geral
para a sua gestão
1161
. No mesmo pleito foi eleito o Vice-Presidente Mário Sérgio Duarte
Garcia, quando ambos na eleição anterior disputaram contra a chapa de Eduardo Seabra e
1161
Ata da 1.419ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1981.
706
Raul de Souza Silveira, foi eleito para Sub Secretário, sendo, J. M. Othon Sidou, eleito
Tesoureiro.
1162
Em seu pronunciamento
1163
, na sessão de posse de Bernardo Cabral,
1164
Eduardo Seabra, orientou-se com as seguintes posições:
...durante [minhas] atividades como Presidente [mantive] contactos que ‘resultaram,
prioritariamente, no acolher, prestigiar e ajudar as entidades e as aspirações
reivindicantes de justiça para os perseguidos de quaisquer matizes. Dos casos de
tortura, nos saldos do então encerrado período das violências físicas, na busca dos
desaparecidos ou no esclarecimento dos seus trágicos roteiros (...)’ [Ao] assumir a
Presidência, julguei próprio voltar a atuação da Ordem, muito especialmente, para o
quadro dos direitos humanos, tão duramente ignorados e golpeados ao correr dos
governos de força dos últimos anos. O desumano regime carcerário dos condenados à
prisão perpétua, o policialismo, incidindo sobre as reivindicações operárias, o
desaparecimento de detidos ou seqüestrados pelas forças de repressão, equivalente à
morte clandestina, sem forma nem figura legal de pena, as torturas nos resquícios do
notório período de prática intensiva, o drama dos estrangeiros perseguidos abrigando-
se à sombra da generosa tradição brasileiro de hospitalidade, tudo eram fatores, a meu
ver, indicativos de ter chegado a vez de a OAB engajar-se forte na defesa dos
humilhados e ofendidos (...) [Como] representante da OAB no Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, [busquei] agir com objetividade e decisão na tentativa de
apuração de fatos graves, ‘alguns do passado recente, outros atuais, com denúncia de
responsabilidade à Nação’. Lembro, ainda, o trágico acontecimento que resultou na
morte da funcionária D. Lyda Monteiro da Silva, lamentando que a apuração de tal fato
venha se perdendo, ‘na teia burocrática de investigações pouco convincentes, realizadas
sem a possibilidade de atuação da OAB no sentido de aprofundar a indagação da
origem do sofisticado artefato para matar, e de promover diligências para identificação
do grupo responsável (...).
Empossado, Bernardo Cabral fez seu pronunciamento
1165
destacando:
[sou] ‘um homem que [me vi,] em determinada quadra [de minha] vida, privada do
[meu] mandato parlamentar – que só ao povo pertencia – e dos [meus] direitos
políticos’. [Minha eleição para Presidente da OAB] (...) constitui ‘a síntese da
consagração da sociedade civil’, pois, ‘recoloca ela, em pedestal dos mais elevados, as
lideranças que foram podadas e que ora rebrotam, com mais destemor e mais
independência’ (...) [É preciso a valorização] profissional [e a] previdência e [a]
assistência social, [definir o] salário mínimo profissional e [as] férias coletivas para os
advogados. (...). [Darei] ‘prioridade idêntica na solução dos problemas institucionais
que afligem a Nação e na dos específicos que atormentam a própria classe’ (...) ...’não
1162
Ata da 1.419ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1981.
1163
Ata da 1.420ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1981.
1164
Ata da 1.420ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1981.
1165
Ata da Ata da 1.420ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 1º de abril de 1981.
707
será possível pensar em preparar um profissional que, mais adiante, possa substituir os
que hoje detém a liderança da classe, sem dar ênfase a um equacionamento ou
aprimoramento do ensino jurídico, hoje padecendo de grandes equívocos: o da
estrutura organizacional, o da inadequação curricular e o da dimensão do mercado de
trabalho’. (...) [É preciso melhorar o] Estágio profissional e [o] Exame de Ordem, ‘ sem
desprezar a formação do advogado frente a uma nova realidade nacional, assim como
atacar o descompasso que há entre o sistema jurídico vigente e o contexto real
subjacente(...). [No campo político-institucional] não é possível reforma eleitoral (...)
sem a revogação da Lei Falcão, sem a extinção da sub-legenda, sem permissão de
coligações partidária, sem a não aceitação de vinculação de votos, sem a disciplinação
do prazo para a desincompatibilização de ocupante de postos elevados na
administração pública, e, sobretudo, sem a ‘ existência de eleições livres e diretas em
todos os níveis, a começar pela mais humilde Prefeitura Municipal até a Presidência da
República’. (...), finalmente [deve-se dar] continuidade à luta pela defesa dos direitos
humanos e pela convocação da assembléia nacional constituinte, colocando sempre a
OAB como ‘a vanguarda na devolução do poder político à Nação(...).
O pronunciamento de Bernardo Cabral está pautado por uma posição
prospectiva, sem qualquer manifestação retaliadora, que se apoiava em seis pontos:
valorização profissional do advogado; equacionamento do ensino jurídico; reforma
eleitoral com revogação do “entulho” legislativo; defesa dos direitos humanos; luta por
eleições livres e diretas para o executivo e convocação de Assembléia Nacional
Constituinte. Mas os acontecimentos sucessivos, as profundas reações paraestatais contra a
estabilização democrática não permitiram o exato desdobramento deste cronograma; ao
contrário, aliás o terror paraestatal atacou com suas últimas e vingativas forças, com o
intuito de desarticular as organizações civis.
Esta posição, todavia, se evitou a maior radicalização da OAB, não evitou que o
terror paraestatal, até aquele momento, atirando contra instituições, procurasse fazer de seu
alvo a própria sociedade, preparando frustrado atentado contra a juventude reunida em
show musical no Riocentro na noite de 30 de abril, comemorativa do 1º de maio (dia do
trabalho). Este fato, cumuladamente com os atentados institucionais (e contra
personalidades), transformou a gestão do Presidente Bernardo Cabral, numa gestão
ativamente voltada para evitar a radicalização direitista e manter em posição de
neutralidade as autoridades centrais, muito especialmente o Presidente da República,
General João Figueiredo, que chamara a si a responsabilidade de contornar os “bolsões
radicais”.
708
Por estas razões, apesar da intensa ativação da questão do ensino jurídico,
1166
fazendo dela a plataforma formativa do ideário corporativo,
1167
Bernardo Cabral, até a
Conferência de Florianópolis, administrou “bombas” e os seus efeitos, assim como,
internamente viu-se na contingência de segurar a representatividade do IAB, questionada,
embora estatutária, no Conselho Federal,
1168
necessária pela sua especial qualificação
intelectual e política, e, ainda, a participação ativa dos membros natos (ex-presidentes)
como votantes
1169
e os sucessivos problemas provocados pela participação do CDDPH
1170
e
as propostas referentes à Lei de Segurança Nacional e de uma Lei Anti-terror.
1171
1166
Nesta data, por iniciativa comemorativa dos 154 anos dos Cursos Jurídicos (criado em 27 de novembro de
1827), Evaristo de Moraes Filho, pronunciou em sessão solene, conferência sobre o Direito e a ordem
democrática, ilustrada por citações de consagrados pensadores, onde, não apenas ressalta a importância do
ensino jurídico para formação democrática como também, aprofundou, teoricamente a crítica do estado
autoritário e dissertou sobre o Poder Constituinte na Ata da 1.438ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião
Ordinária do CF.OAB de 7 de dezembro de 1981. O Presidente relatou os resultados do 20º Encontro de
Presidentes em Fortaleza e do 2º Congresso Nacional sobre Ensino Jurídico.
1167
Ata da 1.438ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião Ordinário do CF OAB de 07 de dezembro de 1981.
1168
Ata da 1.416ª Sessão da 50ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 28 de janeiro de 1981, que antecede
as decisões.
1169
Ibid. e também ver Ata da 1.441ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 17 de dezembro de
1981, onde está transcrito o Regulamento sobre direito de voto de membros natos e Conselheiros Seccionais
no Conselho Federal.
1170
É de período imediatamente anterior a visita à OAB de Adolfo Peres Esquivel, Premio Nobel da Paz, que,
dentre tantas lições afirmou em seu pronunciamento que a justiça não deve ser nem cega, surda ou muda,
mas sim deve ver e bem ouvir e falar com clareza contra os que praticam a injustiça. Ver Ata da Sessão
Especial do CF.OAB de 18 de fevereiro de 1981.
1171
Ata da 1.421ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 14 de abril de 1981. Ver
também Ata da 1.430ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de agosto de 1981,
quando foi criado o Dia Nacional Contra o Terror e prestada homenagem póstuma a Lyda Monteiro. Ver
anexo à Ata o pronunciamento de J. Ribeiro de Castro Filho sobre o tema. Ver Ata das 1.433ª Sessão da 51ª
Reunião Ordinária do CF.OAB de 28 de setembro de 1981, e em seu anexo copia do Regulamento Prêmio
Lyda Monteiro.
709
5 Terror Paraestatal Ataca a Juventude.
O terror paraestatal evoluiu do atentado à OAB, que, na verdade, nem ao menos
fora a sua preliminar, mas a efetiva demonstração que as instituições civis, comprometidas
com a redemocratização, foram eleitas como alvo dos grupos conspirativos. Por outro lado,
o fracasso do CDDPH na apuração das culpas e responsabilidades dos atos de terror e
contra os direitos humanos formaram-se demonstrativo seguro da impunidade, que o poder
central não estava mobilizado para punir seus próprios “bolsões radicais”, mesmo com as
sucessivas e insistentes denuncias da OAB.
Estava tão evidente a marcha terrorista paraestatal que ao atentado à OAB,
quase que sucessivamente, ocorreu o atentado do Rio Centro (30 de abril de 1981), onde,
militares “disfarçados” com imperícia, acionaram os detonadores de bomba que eles
próprios carregavam, fazendo deles as próprias vítimas. O episódio eclodiu no Conselho
Federal como força multiplicadora da situação provocada pelo atentado na sua própria sede,
deixando evidente que o terrorismo, pretendia, inclusive, desarticular internamente, na
OAB uma política de composição ou entendimento que deslocasse o Presidente da
República de uma posição arbitral e de equilíbrio.
Como não poderia deixar de ser, mesmo com as cautelas adotadas, evoluíram
internamente na OAB duas posições não absolutamente conflitivas, mas indicativas das
divergências que podem ser sintetizadas em ata da sessão de 12 de maio de 1981, sob a
presidência de Mario Sergio D. Garcia, enquanto o Presidente Bernardo Cabral estava em
Brasília em Reunião do CDDPH Carlos Araújo Lima, leu indicação do Conselheiro B.
Calheiros Bonfin (e outros conselheiros) no seguinte teor:
‘O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em sua última sessão plenária
[Ata da 1422ª Sessão da 51ª Reunião do CF.OAB de 28 de abril de 1981], ao examinar
os autos do Inguérito Policial destinado à apuração do atentado perpetrado em sua
sede, do qual resultou a morte da funcionária LYDA MONTEIRO DA SILVA, manifestou
o receio de que o descanso das autoridades e a impunidade dos responsáveis fizessem
recrudescer as ameaças e atos de terrorismo. 2. Confirmando essa previsão, dois dias
depois, outro atentado se praticava contra um espetáculo artístico, no RIOCENTRO, em
comemoração ao 1º de maio, onde se concentravam cerca de vinte mil pessoas. Tal
710
atentado poderia, se não tivesse sido frustrado por motivo alheio à vontade de seus
autores, ter assumido proporções imprevisíveis. 3. Com diferença de minutos, explodiu
– tudo indica que acidentalmente – uma bomba que se encontrava em mãos de um
militar, matando-o, e ferindo gravemente o oficial que o acompanhava, ambos
pertencentes ao DOI-CODI. 4. A apuração dos fatos que provocaram a explosão do
RIOCENTRO, pela gravidade política de que se reveste, não pode ser conduzida
rotineiramente como se se tratasse de um acontecimento isolado ou eventual, pois
atenta contra a sociedade e contra o próprio Estado, exigindo do seu chefe supremo – o
Presidente da República – medidas eficazes no sentido de restabelecer a ordem jurídica
e a segurança social. 5. O terrorismo, agora com indícios fortes de sua origem, não
pode permanecer como uma ameaça permanente e desafiadora à autoridade púbica e à
população. Nesse sentido, não são admissíveis conclusões antecipadas de autoridades
sobre o grave acontecimento a apurar. 6. O que se exige – e com urgência – é a
identificação dos grupos, sua desarticulação e a punição dos seus agentes. 7. A Nação
não pode permanecer em sobressalto e espera que ‘a bomba que explodiu dentro do
Governo’ sirva de elo para a descoberta dos criminosos, que vêm perturbando, já por
longo período, a ordem pública e o processo de reconstrução democrática. 8. Os
advogados brasileiros, por seu Conselho Federal, esperam que o Presidente da
República faça prevalecer sua autoridade de chefe supremo do Estado, pondo termo
definitivamente à escalada do terror que inquieta e amedronta a vida nacional. 9. Na
medida que tomar as necessárias providências com esse objetivo, dentro da lei, sua
Excelência contará com decidido apoio da Ordem dos Advogados do Brasil’.
1172
Incontinenti, nesta mesma sessão o Vice-Presidente, Mário Sérgio Garcia, ainda
no expediente, narrou antecipadamente as providências do Presidente Bernardo Cabral
junto ao Congresso Nacional, acompanhado do Presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho,
quando, também, se encaminhou manifestação da Conferência Nacional dos Bispos –
CNBB. Nesta mesma sessão, conforme carta assinada por Virgilio Motta Leal Junior,
conselheiro da Bahia, endereçada ao Secretário-Geral Herman Baeta, consta que solicitou
(e a anotação ali se encontra) que o Plenário do CF.OAB:
Referenda e aplaude a posição adotada por Bernardo Cabral sobre o episódio do Rio
Centro, quando, na honrosa companhia dos ilustres representantes da ABI e outras
entidades, componentes da sociedade civil brasileira manifestara apoio ao chefe do
governo, general João Figueiredo, no declarado propósito deste dar combate, sem
hesitação ou concessões, ao terrorismo em nosso país.
Levada a carta a discussão, o Pleno, todavia, votara pelo não conhecimento da
matéria (...) por considerá-la anti-estatutária, anti-regimental e (in)conveniente e não
[estava] como propusera o Conselheiro (...).Após a divulgação das pífias (para o jornal
1172
Ata da 1.423ª Sessão da 51ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 12 de maio de 1981.
711
Pasquim “caricatural”) conclusões do inquérito policial instaurado pelo Exército o
Presidente Bernardo Cabral esclareceu a posição adotada preliminarmente que serviu de
base para a carta transcrita, alegando que:
o seu entendimento era de que a OAB não era parte legítima, e, por conseguinte não
poderia intervir no processo, pois ao Presidente do CF é concedido o pleno direito de
manifestar-se livremente em nome da OAB, independentemente de ratificação ou
ratificação do Conselho Pleno.
1173
Em sessão de 30 de junho de 1981, o Presidente Bernardo Cabral fez a leitura
da seguinte nota para a imprensa sobre notícias veiculadas referentes à posição da OAB
sobre o atentado no Rio Centro:
(...) Prezado Senhor: Em derredor da notícia publicada nesta revista semanal, às fls. 23,
no número 669, sob o título e subtítulos: ‘JUSTIÇA – TROCO NA SAÍDA – NO ADEUS
DE NEDER AO STF a ausência da OAB’, informo V. Sas. de que não é ela verdadeira,
pelo que solicito o desmentido que se impõe. Isso porque, ao convite expedido pelo
Presidente do STF, no dia 10.6.81 (fotocópia junta, sob o nº 1), respondi que agradecia
a gentileza, mas que o Conselho Federal declinava da honra de designar orador para a
solenidade, ao mesmo tempo em que pedia ao Presidente Xavier de Albuquerque que
transmitisse as minhas homenagens ao Ministro Antonio Neder (fotocópia nº 2). No dia
15.6.81, p.p., o Presidente do STF enviou-me telex convidando para a sessão de
homenagem ao referido Ministro (fotocópia nº 3), ao qual respondi lamentando a
impossibilidade do meu comparecimento (fotocópia nº 4). Como vê, em nenhum instante
enviei formal ou informal pedido de desculpas ao STF, nem houve ‘recuo da OAB’, até
porque se o primeiro pudesse representar um gesto educado – tivesse sido ele
necessário – o segundo – o recuo – jamais haverá por parte de quem ocupar a cadeira
da Presidência da OAB. Certo da atenção de V.As., apresento-lhes as Cordiais
Saudações. As. Bernardo Cabral – Presidente.
1174
Na Sessão de 30 de junho de 1981, foi transcrita
nota para a Imprensa, expedida pelo Comandante do I Exercito e firmada pelo General
de Exercito Gentil Marcondes Filho no seguinte teor [sobre o inquérito do Atentado do
Rio Centro]: ‘Nesta data, um oficial credenciado pelo Comandante do I Exercito deu a
1173
Ver a Revista Veja in Ata da 1.423ª Sessão da 51ª Reunião Extraordinária do CF.OAB de 12 de maio de
1981. Ver anexo à Ata da 1.425ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 15 de junho de 1981, onde
consta, também, que fora apensa a referida Carta com data de 1º de junho de 1981 à Ata de 12 de maio.
1174
Ata da 1.426ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 30 de junho de 1981.
712
público resultados obtidos nas investigações realizadas sobre a ocorrência havida, no
dia 30 de abril, no RIOCENTRO. Essas investigações constituíram-se em trabalho
exaustivo, onde se incluem 17 perícias, 39 depoimentos, diligências diversas e mais de
200 fotografias, compondo a documentação do Inquérito Policial Militar concluído no
prazo legal, dia 29 próximo passado. A instauração do Inquérito Policial Militar
decorreu de prescrição legal a respeito e o sigilo do mesmo, mantido durante a sua
realização, resultou de procedimento estabelecido no Código de Processo Penal Militar.
A solução resultante do Inquérito, apresentada pelo respectivo Encarregado, foi
homologada pelo Comando do I Exército e a documentação correspondente será
encaminhada à Justiça Militar. Na oportunidade, esclareço que o Inquérito Policial
Militar, peça inicial informativa encaminhada à Justiça, embora ultimado, poderá ser, a
qualquer momento, complementado com novos dados que venham a ser obtidos no
prosseguimento das investigações a respeito. (a.) Gen. Ex. Gentil Marcondes Filho –
Comandante do I Exército’.
1175
Os resultados do Inquérito indicados na nota supra transcrita provocaram a
seguinte nota na sessão subseqüente do Conselho Federal assinada pelo Presidente
Bernardo Cabral:
A Ordem dos Advogados do Brasil, como toda a Nação, diante de mais um atentado
terrorista, vê-se, novamente, frustrada em seu reclamo no sentido da efetiva apuração
da responsabilidade daqueles que pretendem, através da violência, inviabilizar o
compromisso de transformar este país numa democracia. Mesmo sem o exame dos
quatro volumes componentes do inquérito policial-militar, ainda resguardado por um
injustificável sigilo, fácil seria à luz dos mais elementares princípios da criminalística,
evidenciar a inconsistência e a parcialidade da maioria das conclusões a que chegou o
Senhor encarregado do IPM em seu relato difundido pela imprensa. As lacunas e os
ilogismos geram perplexidades de ordem técnica, que apenas relevam o açodamento em
confirmar hipótese preordenada e impõem a necessidade de prosseguir-se e aprofundar-
se nas investigações, visando a esclarecer pontos fundamentais deixados na
obscuridade, como por exemplo, a explicitação do local e a oportunidade em que o
artefato explosivo teria sido ardilosamente colocado no interior do carro, ou a falta de
explicação para o fato de supostos subversivos de esquerda terem logrado descobrir que
aqueles dois homens, vestidos à paisana, no interior de um carro esporte particular,
camuflado com secretas chapas frias, seriam militares integrantes do DOI-CODI.
Entretanto, acima de evidenciações de ordem criminalística, ressalta um denominador
comum a unir os atos de violência política que inquietam, ultimamente, o país. Desde as
bombas contras as bancas ou oficinas de jornais, aos atentados a personalidades
defensoras dos direitos humanos, ao crime que enlutou a Ordem dos Advogados com
sacrifício de Dra. Lyda Monteiro da Silva, até o episódio das explosões do Riocentro,
todos estes fatos tem em comum o mesmo timbre que os caracteriza. Constituem eles o
produto de pensamento obscurantista que tem em mira impedir a manifestação
soberana do povo, fonte única do poder, num regime democrático. A ninguém mais do
que aos inimigos da implantação de um autêntico Estado de Direito aproveita o clima
de insegurança e de intranqüilidade. Embora encapuzados pelo sigilo das investigações
os semeadores do terror já estão identificados pela sociedade brasileira. De lastimar
1175
Ata da 1.426ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião do CF.OAB em 30 de junho de 1981.
713
que os outrora eficientes órgãos especializados, na repressão aos crimes contra a
segurança nacional, tenham, nos dias de hoje quando o projeto democrático está em
risco, mais uma vez, fracassado em sua tarefa investigatória, embora se trate de um
caso que, pelas circunstâncias de que se revestiu, não pareça difícil apuração. Os
advogados brasileiros – e a história registrará o acerto desta posição – não aceitam os
resultados do inquérito. A impunidade dos grupos geradores da violência continuará a
estimular o terrorismo. No exercício de sua competência legal de defesa da ordem
jurídica, a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, superando esta nova frustração,
reafirma que continuará vigilante e proclama que mais danoso que o poderio explosivo
das bombas, é o descumprimento dos deveres de tranqüilizar a Nação e possibilitar ao
povo a escolha livre de seus governantes’.
1176
Posta a matéria em discussão
1177
, o Presidente esclareceu que
o seu entendimento era de que a OAB não era parte legítima, e, por conseqüência, não
poderia intervir no processo, (...) [mas, Carlos de Araújo Lima] disse (...) que ‘onde
falta o respeito acaba o medo’. E (...) que devia ser escrito um livro pelos advogados
sobre a explosão do Riocentro, denominado ‘Radiografia de uma farsa’. O Conselheiro
Calheiros Bonfim, fazendo uso da palavra, criticou o resultado do IPM e propôs que a
Ordem constituísse uma Comissão de especialistas na matéria para fazer um exame dos
autos [mas o] final dos debates, o Conselheiro Calheiros Bonfim (...) declarou que,
embora convencido da justeza e acerto de sua indicação, retirava a mesma para aderir
à (...) primeira [proposição] do Conselheiro Heleno Fragoso, que consistia na indicação
de um observador para examinar e, ao final, opinar sobre os autos; [ficando ainda para
discutir] a segunda, de autoria do Conselheiro Daniel Aarão Reis, que delegava poderes
à Diretoria do Conselho para adotar as providências que entendesse conveniente. Foi
aprovada a proposta do Conselheiro Aarão Reis, por maioria (16x4) (...).
1178
Como já observamos, preliminarmente, os tantos fatos narrados no tópico sobre
a Marcha dos Atentados, neste mesmo Capítulo, assim como os acontecimentos que
antecederam as explosões em si mesmas, não são indicativos da evolução interna da OAB,
do seu projeto corporativo, ou de seu ideário profissional, mas fatores externos que
provocaram, pela sua intensidade ou violência contra as instituições e pessoas,
modificações na percepção ideológica que a organização tinha (tem) do Estado e de sua
própria consciência corporativa. As manifestações são tão significativas que as indicações
1176
Ata da 1.427ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de julho de 1981.
1177
Ata da 1.427ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária de 13 de julho de 1981.
1178
Ata da 1.427ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 13 de julho de 1981.
714
propostas, projetos e resoluções colocadas em discussão ou votação no Conselho Federal
tomaram imediata conotação ideológica, com efeitos no processo eleitoral.
Apesar das visíveis tendências à radicalização política, com a retomada dos
ideais liberais do Estado de Direito e das liberdades individuais, que sucedeu ao período de
tergiversações entre os direitos humanos e o estado de segurança, as tendências internas da
OAB residiram, todavia, em buscar estratégias de ação e soluções de equilíbrio luta pelos
direitos a partir do “estado do direito” evitando a opção pelas reformas estruturais e até
institucionais vistas como efeitos e conseqüências. Enquanto as tendências ficaram no
ponto exclusivamente corporativo, o Estatuto de 1963 respondeu ao conjunto dos
problemas, o que não aconteceu quando as propostas políticas assumiram dimensões
estruturais de efeitos ideológicos com radicais conseqüências sobre o ideário corporativo.
Estas dissensões basicamente levaram a duas conseqüências: a primeira, de
curto prazo, levou a OAB a buscar composições ou a assumir posições que levassem a
evitar a restauração autoritária fortalecendo o poder central contra os inimigos internos; a
segunda, no médio prazo, levou a OAB a avançar nas suas propostas ideológicas além dos
limites de resistência do ideário estatutário e de suportabilidade política, como aconteceu
nas gestões que sucederam a Bernardo Cabral e à IX Conferência.
A manifestação visível do primeiro caso ocorre, exatamente, no episódio do
Riocentro, quando, a OAB, desgastada na infrutífera luta para identificar os “assassinos
ocultos” do atentado à OAB que resultou na morte de Lyda Monteiro, especialmente seu
Presidente, com o apoio sucessivo do Conselho, não viu outro caminho senão procurar
envolver o poder central e comprometê-lo contra o terror paraestatal, para evitar que viesse
a ser engolfado pelos grupos extremistas (direita) dos órgãos (basicamente de repressão) do
aparelho de estado. A prudência in extremis: executar ações de extrema habilidade
questionáveis no seu limite, como o foram, para conter a iniqüidade do terror
paraestatal.
1179
1179
Recentemente (ver jornal O Globo de 17 de fevereiro de 2006, 1º Caderno, p. 4) 26 anos após o atentado
que matou Lyda Monteiro, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal aprovou a indenização
requerida pela família, após rejeições anteriores, que não viam no episódio conexão política entre a vítima,
que não militava politicamente, e o terror paraestatal, não apenas pela suspensão dos atos de terror e da
legislação repressiva, mas também para promover os debates sobre a Assembléia Constituinte e a
interveniente proposição das “Diretas Já”.
715
Mesmo com os excessos do Relatório Riocentro, o episódio sofreu um
Inquérito Militar: o poder investigava (contra) o poder, mas o estapafúrdio paradoxismo do
IPM implodiu o próprio Presidente Figueiredo,
1180
como que premonizando a sua frase à
época do episodio OAB. O inquérito deixava demonstrando que a eficiência anti-subversiva
e anticomunista dos IPM’s do passado não tinha a mesma eficiência contra o terror
paraestatal. De qualquer forma, as articulações investigativas e a imprescindível posição de
equilíbrio do Presidente da OAB, se contribuiu para evitar uma ruptura institucional, não
foi suficiente para conter o avanço no Conselho Federal das frações de conexão político-
partidárias, que forçaram o rompimento dos limites estatutários para se avançar nas
demandas políticas pró-constituintes, posteriormente atropeladas pelo movimento das
“diretas já” para Presidente.
Por outro lado, o efeito dos desgastes corporativos provocados pelos atentados
para-estatais sobre a corporação só se manifestará ideologicamente sobre a linha estatutária
tradicional, durante e após a IX Conferência quando a referência temática Justiça Social,
não foi suficiente para conter as posições de conciliação, impondo-se na linguagem de José
Honório Rodrigues, com o projeto reformista ou como preferimos, “mais que reformista”
enquanto objetivo estratégico da OAB. Finalmente, como veremos, a sofrida adesão ao
movimento das “Diretas Já” marcou os tempos que sucederam à IX Conferência até o
imediato período que sucedeu à promulgação da nova Constituição 5 de outubro de 1988,
quando presidia a OAB, Marcio Thomaz Bastos.
1180
A ARENA (partido oficial) homologou o nome de João Figueiredo como candidato à Presidente em 8 de
abril de 1978, e seu nome foi referendado Presidente pelo Colégio Eleitoral em 15 de outubro, entre-período
em que Lula se projeta nacionalmente como líder grevista em São Bernardo do Campo. Empossado
Presidente em 15 de março de 1979, decretou a Lei de Anistia (Lei n°. 6.683, de 28 de agosto de 1979 (206
votos contra 201), o que provocou, todavia, a sucessão de atos para-estatais de terror. Neste contexto, veio o
Chefe do Gabinete Civil de Figueiredo, Golbery do Couto e Silva a pedir demissão, deixando aberto o flanco
político de maior resistência do Presidente Figueiredo, que veio a sofrer violento enfarte (em setembro de
1981), deixando a presidência, temporariamente, por 2 (dois) meses, sendo substituído pelo Vice-Presidente
Aureliano Chaves. Em fevereiro de 1983, basicamente já estava nas ruas a campanha para eleições diretas
para Presidente da República, cuja Emenda fora derrotada em 25.4.84 pelo Congresso Nacional. FICO,
Carlos. Além do golpe: a tomada do poder em 31 de março de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro:
Record, 2004. Este livro, após um estudo introdutório, na verdade, é uma coletânea documental (caminho das
pedras) de excelente valia para o trabalho de pesquisa onde não apenas estão indicações cronológicas, mas
transcrições de documentos originais de extensa importância compreensiva para a história brasileira
contemporânea. Na verdade, neste livro estão apensos documentos políticos que explicitam as tendências
políticas que evoluíram da eleição de JK aos dias finais do regime militar.
716
6 – Justiça Social: a fórmula da conciliação
6.1. Preliminares Conjunturais
A IX Conferência Nacional dos Advogados, sobre Justiça Social, realizou-se
em Florianópolis,
1181
entre os dias 2 e 5 de maio de 1982, presidida por José Bernardo
Cabral, exatamente no quadro de contradições do projeto da abertura lenta e gradual,
ameaçada pela radicalização do terror paraestatal.
1182
As oposições, por outro lado, em
intensa articulação com organismos da sociedade civil redefiniam o seu projeto de poder na
esperança da convocatória de uma Assembléia Constituinte expressiva de um novo pacto de
poder que engajasse a sociedade num projeto nacional de instauração de uma democracia
plena em confronto com o projeto institucional das frações constitutivas do poder
autoritário interessado em construir uma nova ordem sem que viessem a ser vítimas da
nova ordem: o projeto de uma democracia relativa.
Colocado no limiar destes projetos, Bernardo Cabral conduziu a Conferência
num dos momentos históricos mais difíceis da OAB: viabilizar o projeto democrático no
tempo sucessivo às reações contra os atos terroristas que procuraram desarticular o projeto
constituinte futuro da OAB e incentivar o fracionamento interno da corporação, abalada
pela radicalização terrorista paraestatal com efeitos sobre o seu ideário estatutário,
acentuadamente rígido e fechado para acompanhar corporativamente a dinâmica da
mudança política radical. O quadro de radicalização interna tornara-se tão exacerbado que a
simples presença do Ministro da Educação (Rubem Carlo Ludwig), convidado a
1181
As conferências ocorreram na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
1182
Neste período, de qualquer forma, não apenas continuaram as consecutivas reuniões da OAB sobre a
questão do atentado ao Conselho Federal no Rio de Janeiro, como também, não caminhava para um efetivo
deslinde o ato terrorista do Riocentro, que ocorrerá a 1 (um) ano passado. Os atos criminosos contra
advogados permaneciam e os sintomas de abertura definitiva estavam ainda esparsos. Atas das 1442ª Sessão
Extraordinária da 51ª Reunião Ordinária de 19 de janeiro de 1982 e 1443ª Sessão Extraordinária da 50ª
Reunião do CF.OAB de 2 de fevereiro de 1982.
717
comparecer à OAB para falar sobre assuntos de ensino jurídico,1183 uma questão
corporativa tradicional, foi teve seu nome inscrito na Ata, provocando profunda dissidência
entre os conselheiros que viram neste fato uma sensível aproximação e aqueles que o
entenderam como uma homenagem a membro do governo militar.
1184
A gestão de Bernardo Cabral, frente à OAB, neste contexto, evoluiu em 4
(quatro) vertentes políticas: restaurar a confiança no projeto de abertura pactuado, como
hipótese plausível de reconstrução democrática; abrir o clássico projeto de restauração
liberal-democrática do Estado de Direito para a questão da democracia, como hipótese
imanente ao próprio Estado, rediscutir a proteção dos direitos individuais da perspectiva
dos direitos humanos, como hipótese de se ampliar a proteção jurídica dos direitos sociais,
coletivos e difusos e, por fim, evoluir de parâmetros da justiça formal para propósitos
substanciais de justiça social, como hipótese de implementação de novos padrões de
igualdade social. Estas tantas vertentes e hipóteses influíram incisivamente no temário da
IX Conferência e, ao mesmo tempo, levantou sistematicamente as dimensões futuras de um
novo estatuto corporativo presidido por um novo ideário, marcado por uma nova ideologia
jurídica, influenciada pela proteção aos direitos humanos, na sua dimensão, os direitos
coletivos e existenciais e de uma nova formatação democrática do Estado comprometida
com a justiça social.
Assim, a Conferência de Florianópolis, realizada entre os dias 2 e 5 de maio de
1982, teve como tema geral, após a Conferência política de Manaus, cujo tema foi a
Liberdade, a Justiça Social o que permitiu as suas diferentes áreas de interconexão jurídica.
1183
Na Ata da 1.413ª Sessão Extraordinária da 50ª Reunião Ordinária de 2 de fevereiro de 1981 consta que,
foi apreciado anteprojeto de lei (Processo CP nº 2293/81) sobre a audiência obrigatória da OAB nos pedidos
de autorização para funcionamento de novas escolas de direito. Opinaram os conselheiros Sergio Ferraz e
Luís Olavo Baptista pelo arquivamento, tendo em vista ofício anterior ao Ministro sobre o assunto. A matéria
voltou a ser apreciada na forma do Estatuto de 1994 (Lei n° 8906, de 4 de julho de 1994 que incluiu no inc.
XV do art. 54 dispositivo sobre a matéria, com a seguinte redação: (compete ao Conselho Federal): colaborar
com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos
competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos. BASTOS, Aurélio Wander.
Pensar e Saber: os novos rumos do ensino jurídico no Brasil. OAB. RJ. Comissão de Ensino Jurídico. (or.
José Ribamar Garcia / Vitor Marcelo Rodrigues). P. 16 e segs.
1184
O incidente deveu-se, especialmente, à reação negativa do Conselheiro Miguel Seabra (em 1º de abril de
1982), apoiando-se no art. 145 do Estatuto (que vedava homenagem) envolvendo manifestações do
conselheiro Calheiros Bonfim, Eduardo Seabra (nato), Sergio Ferraz, Carlos Araújo Lima (que lembrou a
semelhança do fato a visita a OAB por Juscelino Kubitschek), Ribeiro de Castro (nato), Moacyr Belchior,
Sobral Pinto, o próprio Presidente Bernardo Cabral e outros. Ver Ata da 1.446ª Sessão Extraordinária de 1º
(primeiro) de abril de 1982.
718
Todavia, apesar da temática que provocou os debates sobre a interconexão do fenômeno
jurídico e a nova realidade brasileira, principalmente a questão do enfrentamento da
questão social pelos instrumentos jurídicos clássicos, o que fortaleceu a tese de
reformulação de muitos institutos e a absorção ou definição de outros tantos, no conjunto,
todavia, o assunto de maior interesse entre os participantes, de maior mobilização, foi a
necessidade de se promulgar uma Constituição democrática, que desmontasse a estrutura
autoritária, o que confirma a visível e circunstancial tendência de politização das
conferências, da mesma forma que se politizara a sociedade civil brasileira, aliás,
perfeitamente compreensível no quadro circunstancial do país, à época.
O temário da IX e da VIII Conferências muito bem traduzem o exemplar
posicionamento democrático de Ulysses Guimarães, reconhecido nas seguintes palavras,
mais tarde publicadas no Jornal do Brasil:
A liberdade e a justiça social conformam a face mais bela, generosa e providencial do
desenvolvimento, aquela que olha para os despossuídos, os subassalariados, os
desempregados, os ocupados em ínfimo ganha-pão ocasional e incerto, enfim, para a
imensa maioria dos que precisam, para sobreviver, em lugar da escassa minoria dos
que têm para esbanjar.
1185
Na história dos povos, muitas vezes afirmações circunstanciais (mas engajadas)
assumem alta representação no tempo histórico. Estas palavras de Ulisses Guimarães, líder
político reconhecido no processo de transição do autoritarismo para a democracia, marcou
os novos rumos da OAB e as novas dimensões políticas constitucionais que emergiam dos
anos autoritários: liberdade e justiça social, como fundamentos do Estado de Direito
Democrático, na terminologia originária.
A IX Conferência, como a antecedente, ficou dividida entre as tendências dos
debates temáticos e a inclinação política que seria exposta na Carta de Florianópolis,
influenciando as Conferências futuras, muito embora, esta Conferência, como as demais
não deixou de concentrar-se na questão profissional, que sempre caminhou, lado a lado,
1185
Jornal do Brasil, 13 de setembro de 2003, p. A9, embora pronunciado à época. Ver o texto integral dos
ambos pronunciamentos no anexo da Ata da 1432ª Sessão Extraordinária da 51ª Reunião Ordinária do
CF.OAB de 21 de setembro de 1981.
719
com a questão político-ideológica, exceto, pelas evidencias, no período das diretas e das
reuniões e conferências sobre a Constituinte, quando estas questões sobrepuseram às
questões de natureza técnica e profissional. Na verdade, as questões temáticas da
Conferência, mais funcionaram como parâmetros de provocação do debate político e
ideológico, indicando as novas dimensões de uma futura Constituição, do que,
propriamente, como tema específico de aprofundamento técnico, permitindo, todavia, que o
ideário profissional evoluísse num novo contexto de idéias.
Não necessariamente podemos afirmar que há uma relação direta entre as
conferências e a reformatação ideológica da OAB, que antecedeu à reformatação de seu
ideário, mas as conferências ofereceram o respaldo teórico e doutrinário para justificar o
envolvimento da OAB no debate político pela reconstrução democrática, rompendo, por um
lado, com o corporativismo fechado, para abrir a corporação para as questões jurídicas-
políticas e, agora, sociais, e, por outro, permitindo que o clássico liberalismo jurídico viesse
a ser rompido pelo pragmatismo compreensivo dos novos espaços jurídicos comprimido
pelo humanismo social, e avaliados pelo pensamento social-liberal, pelo pensamento social-
democrata e friccionado pelo próprio pensamento da esquerda marxista.
1186
É bem verdade que estas aberturas de captação de novas idéias, principalmente
nos mais acirrados debates, muito se apresentavam como abordagens ideológicas, mas,
muito mais especificamente, definindo-se como leitura crítica mais ou menos extensiva dos
institutos jurídicos e dos institutos políticos. Este debate aberto fragilizou o esquematismo
defensivo de influência liberal-democrata herdado da Constituição de 1946 que impregnara
o Estatuto de 1963, permitindo que a OAB evoluísse da hermenêutica estritamente
dogmática, de formatação romanista, para uma leitura mais interdisciplinar, suscetível ao
circunstancialismo político, livre da reflexão compreensiva retrospectiva da ordem jurídica.
1186
Interessantemente a Ata da 1.455ª Sessão Extraordinária da 52ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 27 de
agosto de 1982 discorre sobre os efeitos de extrapolação política sobre o ideário estatutário quando foi
colocada em discussão a ida de candidatos a governador (de partidos políticos) na OAB.RJ, mesmo para
discutir o Judiciário. Visivelmente cingiu-se o Conselho na interpretação do Estatuto (Lei nº 4215/63). Por
outro lado, a Ata da 1.451ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 26 de julho de 1982 narra o
lamentável episódio, com veemente repulsa da OAB contra ofícios endereçados às Subseções da OAB pela
política militar de São Paulo sobre posicionamento ideológico de advogados. Estes fatos completam o
argumento supra sobre os efeitos do posicionamento ideológico sobre o ideário corporativo; o segundo como
efeito modificativo do primeiro.
720
Muito embora, como já observamos, não se possa fazer relações ônticas entre
os seus elementos constitutivos, assim como não se possa afirmar categoricamente que as
flutuações de posições internas, nesta ou naquela situação, estão relacionadas a movimentos
externos, é sempre possível se identificar (deonticamente) o alinhamento de suas posições
com as flutuações de posições de organizações da sociedade civil e política, assim como
com o posicionamento editorial ou informativo de toda a imprensa em intenso processo de
ebulição. Assim, uma abordagem da questão jurídica de uma perspectiva economicista
pode denunciar uma leitura mais a esquerda, assim como, uma palavra de ordem mais
radical, da mesma forma, uma atitude mais compreensiva de qualquer ato de governo, pode
indicar uma postura mais moderada, ou, mesmo, pode-se reconhecer que posturas
reformistas indicam maior ou menor aproximação com o liberalismo social ou com a
democracia social. Todavia, ficou inquestionável que as diferentes tendências e posturas,
muitas, inclusive, liberal-conservadoras, estavam comprometidas com a luta pelo projeto
democrático e o desmonte do entulho autoritário.
No contexto geral de suas posições políticas a OAB propugnava por uma
Assembléia Constituinte eleita livremente e convocada com objetivo específico, bem como
pela restauração do respeito às prerrogativas dos Poderes Legislativo e Judiciário e a
abolição dos mecanismos autoritários e arbitrários, como a Lei de Segurança Nacional, a
Lei Falcão, a prorrogação de mandatos de vereadores e prefeitos e o decurso de prazo para
aprovação de decretos-leis do Executivo, instrumento jurídico-político utilizado para
viabilizar seus projetos e propósitos.
1187
Estas questões, todas de natureza política,
perfizeram o quotidiano dos debates, mas o eram também indicativas dos patamares de
adesão ideológica, nem sempre traduzidos em propostas concretas; davam, porém um novo
colorido ao ideário corporativo.
De qualquer forma, vale observar, que estava claro para os advogados o papel
constitutivo que a Constituinte teria de uma nova ordem, mas, nos seus documentos
1187
As Atas que, imediatamente, antecederam à IX Conferência não apenas dão notícias contra a intensa
movimentação contra a Lei de Segurança Nacional (Lei nº. 6.620 de 17 de dezembro de 1978), como também,
em específico a Ata da 1.442ª Sessão Extraordinária de 19 de janeiro de 1982 opõe radicalmente à edição de
Decretos-Leis (por decurso do prazo), instrumento que, mesmo quando cabível, só excepcionalmente deve ser
usado, sob pena de amesquinhamento do Poder Legislativo, [pois, a OAB] denuncia o abuso do poder, apela
para que o Congresso se mantenha coerente com o procedimento anterior e se reserva o direito de promover
as medidas legais e constitucionais para salvaguardar a ordem jurídica e a justiça social.
721
oficiais, não esteve explícito, a natureza do poder convocatório, imprescindível para a
definição dos rumos constituintes e o mais forte indicador de sua força ruptiva ou
conciliadora. Esta insuficiência política da proposta, fragilizava a proposta, mas, ao mesmo
tempo, traduz o dilema do ideário jurídico, ainda dominante: a Assembléia Constituinte é
um instrumento jurídico de força política construtiva comprometida com a recuperação da
legitimidade do poder, senão perfeitamente, suportável pelos institutos jurídicos vigentes,
mas a convocação é um ato político, quando não revolucionário inassimilável pelo estatuto
vigente da OAB.
1188
Esta questão, por conseguinte, tornara-se incisiva e o reconhecimento de poder
convocatório estava ínsito à convocação de própria assembléia constituinte. Os fatos
políticos sucessivos e seus efeitos circunstanciais definirão, de qualquer forma, o caminho a
seguir: convocatória direta por Presidente da República diretamente eleito a partir de
Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso Nacional ou convocatória por Presidente
eleito na forma colegial constitucional indireta. O tempo histórico isolou estas duas
alternativas que serão avaliadas consecutivamente nesta tese.
Neste sentido, os governantes entendiam que a competência convocatória
deveria ser do poder revolucionário, tomado violentamente em 1964/68, muito embora já o
tivessem exercido na convocação que resultou na Constituição de 1967
1189
. Os políticos de
oposição, todavia, entendiam que este poder deveria ser de Presidente da República, eleito
diretamente, como ficaria evidente no movimento das “Diretas Já”, a se analisar no
1188
Dispõe o art. 145 do Estatuto da OAB de 1963 que nenhum órgão da Ordem discutirá nem se
pronunciará, sobre assuntos de natureza pessoal, política ou religiosa, ou estranhos, de qualquer modo, aos
interesses da classe dos advogados.
1189
O Ato Institucional n°. 1/64 (10.4.64) dispunha como que antevendo o tempo: A revolução vitoriosa se
investe do Poder Constitucional (que) se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma
mais expressiva e mais radical do poder constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o poder constituinte,
se legitimar por si mesma (...). Nela se contem a força normativa inerente ao Poder Constituinte. Não
exatamente usando a mesma retórica o Ato Institucional n° 5/68 reconhece que as suas bases constitutivas
estão postas no preâmbulo do Ato n° 1/64 e, ao mesmo tempo, que, não se disse que a Revolução foi, mas que
é e continuará e, por tanto, o processo revolucionário não poderá ser detido, considera que o poder
revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir,
votar e promulgar (a) nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar à instituição dos ideais e
princípios da Revolução, deveria assegurar a continuidade da obra Revolucionária (Ato Institucional n° 4. de
7 de dezembro de 1966). Estes três documentos vistos em sua articulação interna demonstram que 20 (vinte)
anos após 1964 não se dispersara a vontade revolucionária constituinte, que, de uma forma ou de outra se
manifestou com a Emenda Constitucional n°. 25 de 15 de maio de 1985.
722
Capítulo seguinte. As propostas ambas tinham suas limitações e, dificilmente se exerceriam
na sua plenitude, mas evoluiriam para uma posição de consenso e equilíbrio recuperando a
velha formula de conciliação e reforma no Brasil, não sem antes enfrentar posturas e
propostas de ruptura por colapso com projeto de longo alcance estrutural.
Por estas tantas razões, tornou-se muito difícil romper com a proposta de
transição pactuada, que, tacitamente reconhecia a força convocatória inerente àqueles que
titulavam o Estado, os militares, e que não se dispunham a transferir a força constituinte
para a sociedade civil: políticos, advogados, religiosos, jornalistas, intelectuais, operários e
estudantes, guardadas as proporções. O movimento das diretas foi uma tentativa de reverter
este quadro, mas o seu insucesso parlamentar inviabilizou a transferência dos poderes
convocatórios para um civil eleito diretamente Presidente da República, mas, de qualquer
forma, não impediu que as forças parlamentares, derrotadas no “mecanismo do
quorum”
1190
, se articulassem nas regras do sistema, para eleger indiretamente um presidente
civil.
Num contexto político, ainda, preliminar, a “Carta de Florianópolis,” de maio
de 1982, reivindicou uma Constituição modelo, que fosse o espelho da nação, e que
evidenciasse uma democracia representativa, eleita pelo voto direto, secreto e universal,
constituída por partidos políticos autênticos. A nova Carta constitucional deveria assegurar
a autonomia dos sindicatos, o fortalecimento dos direitos humanos e a revisão do sistema
penal brasileiro, (o que não aconteceu, como propunham as vertentes mais fortes dos
advogados penalistas), a assistência judiciária gratuita aos necessitados, liberdade de
imprensa, direito de greve e, finalmente, um Parlamento independente, que coibisse a
aprovação automática de projetos do Executivo, restringindo o uso abusivo do decreto-lei
aprovado por decurso de prazo. Por outro lado, a nova Constituição deveria padronizar-se
por uma negação absoluta da legislação autoritária, assim como abrir-se para as novas
dimensões das demandas sociais emergentes, traduziu uma excepcional força dos
advogados trabalhistas nos últimos da resistência democrática, não apenas de natureza
individual e metaindividual, mas, também, de natureza coletiva e de caráter difuso, tema
1190
Ver cap. VI, Introdução, desta Tese.
723
bastante incipiente nas conferências, mas significativo, de certa forma, um novo item na
bandeira de pouquíssimos processualistas.
De qualquer forma, independentemente das questões jurídicas e políticas que
presidiram os debates durante a IX Conferência, a questão dos graves problemas
econômicos e sociais, que já afetavam o modelo de desenvolvimento implementado pelos
governantes, foram sucessivamente relacionados com as dificuldades para restaurar a
democracia. As teses, neste sentido, traduziram os pontos referenciais e os parâmetros que
presidiram as discussões sobre crise política, crise econômico-social, crise das instituições e
a inadiável necessidade de constitucionalização do Brasil.
6.2. Justiça Social e o Dilema da Justiça Formal
As teses apresentadas, durante a IX Conferência, abriram em amplíssimo leque
que, não apenas traduziram tendências acumuladas, mas evoluíram em várias linhas de
preocupação, mobilizando algumas das mais expressivas referencias do direito brasileiro.
No seu conjunto estas foram as teses apresentadas:
T
ESES CONFERENCISTA
Justiça Social e Participação Política Miguel Reale Junior
Justiça Social e Igualdade Humana Antonio Carlos Elizal de Osorio
Justiça Social e Aspectos da Criminalização
da Greve
Antonio Evaristo de Moraes Filho
Justiça Social e a Imprensa Barbosa Lima Sobrinho
Justiça Social e Direito Social Carlos Adauto Vieira
Justiça Social e o Tribunal do Júri Carlos de Araújo Lima
Justiça Social: Direitos Sociais e Direitos Célio Borja
724
Individuais
Eficácia das Normas Constitucionais sobre
Justiça Social
Celso Antonio Bandeira de Mello
O Bem Comum e o Problema Fundiário Cyro Aurélio de Miranda
Justiça Social e a Participação dos
Empregados no Universo da Empresa
Eugenio Roberto Haddock Lobo
Justiça Social e Direito do Trabalho Evaristo de Moraes Filho
Justiça Social e os Tribunais de Exceção Félix Valois Coelho Júnior
Novos Instrumentos de Aplicação da Justiça
Social Face à Crise do Judiciário Trabalhista
Francisco Ary Montenegro Castello
Justiça Social e Repressão Penal George Tavares
Justiça Social e as Liberdades Concretas Godofredo Telles Junior
Justiça Social e o Uso do Solo Urbano Hélio Saboya Ribeiro dos Santos
Justiça Social Heráclito Fontoura Sobral Pinto
Justiça Social e Justiça Legal Joaquim de Arruda Falcão
A Justiça Social e o Direito Privado Brasi-
leiro (Denúncia de uma "opção pelos ricos")
José Lamartine Corrêa de Oliveira
Justiça Social e Norma Incriminadora Juarez Estevam Tavares
Justiça Social: Acesso às Maiorias Não
Privilegiadas
Carlos Alberto Silveira Lenzi
Justiça Social e Direito Injusto Marcelo Lavenère Machado
Justiça Social e Justiça Agrária Marcos Afonso Borges
Justiça Social, Estado Social e Direitos
Humanos
Nélson Saldanha
Justiça Social e Ordem Social Olímmpio Costa Junior
Representação Proporcional e Justiça Social Paulo Brossard
A Descentralização como Instrumento da
Justiça Social
Paulo Henrique Blasi
Justiça Social e Assistência Judiciária Raimundo Pascoal Barbosa
Justiça Social e a Constituinte Raymundo Faoro
725
Justiça Social e Liberdade Individual no
Processo Civil
Roberto Rosas
Justiça Social e Aborto Romy Medeiros da Fonseca
Justiça Social e Algumas Vertentes Auto-
cráticas de Nosso Direito Administrativo
Sérgio Ferraz
Justiça Social e Federação Marcelo Duarte
Justiça Social e a Seguridade Social do
Advogado
Themístocles A. C. Pinho
Justiça Social e a Criminalidade Crescente
no Brasil
Virgílio Luiz Donnici
Justiça Social – O Controle Direto da Cons-
titucionalidade das Leis e a Posição da OAB
Luiz Carlos Valle Nogueira
Justiça Social e Interpretação Haroldo Valadão
TESES AVULSAS
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e a Missão do Advogado Ruy Homem de Melo Lacerda
Justiça Social, Não se Omitindo. A OAB
Diante do Grupo Humano Indígena
Dalmo Marie Grando Rauen
A Justiça Social e a “Convenção Americana
sobre Direitos Humanos” Conhecida Como
“Pacto de José da Costa Rica”
Aloysio Tavares Picanço
Justiça Social e Os Direitos Autorais do
Artista Plástico
Paulo Oliver
Subseção: Instrumento da OAB na Defesa da
Liberdade
Marla Jovita Leite Costa
A Questão Social da Violência
Institucionalização da Repressão a
Criminalidade
Aloísio Afonso Campos e Sanny Ribeiro
Japiassu
Justiça Social e Sociedade Justa Inezil Penna Marinho
As Condições de Trabalho do Advogado- Glória Márcia Percinoto
726
Empregado e a Justiça Social
TESES APRESENTADAS À COMISSÃO ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
TESES CONFERENCISTAS
Contribuição Previdenciária Abílio Minucci Teixeira
Mercado de Trabalho Paulo Kreitchmann
Tratamento Médico Manoel Moreira Camargo e Saul Quadros
Filho
Delegado do Conselho Federal Junto às
Caixas
Ruy Homem de Mello Lacerda
Repasse Mensal às Caixas Felicíssimo José de Sena
Certidão de Tempo de Serviço Cyro Aurélio de Miranda
A Previdência Suplementar do Advogado –
Sua Viabilidade e Execução
Walter Améndola
A Importância do Pneumologista no Proces-
so Judicial de Acidentes do Trabalho
Moacyr Mota da Silva
Assistência Prestada pelas Associaçöes de
Classe. Ação Conjunta das Caixas de Assis-
tência e INPS
Ana Angélica Vaz Curvo
Contagem Recíproca do Tempo de Serviço Abílio Minucci Teixeira
Imperfeições do Regime Previdenciário de
Contribuição dos Advogados Autônomos
Hamilcar Nogueira de Freiras
Conceitos e Diretrizes Atuais da Seguridade
Social do Advogado – O III Congresso Inter-
nacional de Seguridade Social do Advogado
Themistocles A. C. Pinho
Os Trabalhadores Autônomos. A Carência
para a Obtenção de Benefícios Previdenciá-
rios
Abílio Minúcia Teixeira
O tema “Justiça Social”, que evoluiu do tema referencial da Conferência de
Manaus, em 1980, “Liberdade”, na verdade, inclinou-se para demonstrar a imprescindível
727
necessidade de corrigirem-se os desvios do processo de acumulação de riquezas, que
favoreceu, durante os anos imediatamente antecedentes, a concentração econômica e
empobreceu grupos sociais significativos. A grande concentração de renda deslocou
definitivamente o eixo da economia brasileira do campo para a cidade, provocando uma
vertiginosa explosão urbana pela migração rural maciça com evidentes efeitos na
favelização de áreas periféricas dos grandes centros, o que veio acompanhado de extensiva
criminalização de grupos de baixa renda.
A política econômica implementada pelos governos militares, que, incentivava,
o crescimento da economia (do bolo, na afirmação vulgar de um ministro) para posterior, e,
subseqüente distribuição, vinha provocando críticas significativas na imprensa e no meio da
intelectualidade, exigindo, imediatamente posturas corretivas. Este quadro crítico não foi
exatamente, tema da IX Conferência, mas influiu não propriamente nas diversas teses, mas
na departamentalização temática.
Assim, o conjunto das conferências pode, assim, ser departamentalizado nos
seguintes quadros:
Quadro 1
CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIAL
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social H. F. Sobral Pinto
Justiça Social e Justiça Legal Joaquim de Arruda Falcão
Justiça Social e Direito Injusto Marcelo Lavanère Machado
728
Quadro 2
JUSTIÇA SOCIAL E DIREITO POLÍTICO
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Participação Política Miguel Reale Júnior
Justiça Social e Representação Profissional Paulo Brossard
Justiça Social e Constituinte Raymundo Faoro
1191
Justiça Social e Direitos Administrativos Sergio Ferraz
Justiça Social e Federação Marcelo Duarte
Quadro 3
JUSTIÇA SOCIAL E CONSTITUCINALISMO
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Eficácia Constitucional Celso A. Bandeira de Melo
Justiça Social e Controle de Constituição Luis Carlos Vale Nogueira
Justiça Social e Interpretação Haroldo Valadão
Quadro 4
J
USTIÇA SOCIAL E DIREITOS HUMANOS
TESES CONFERENCISTAS
1191
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo:
Globo, 2001.
729
Justiça Social, Estado Social e D. Humanos Nelson Saldanha
Justiça Social e o Pacto da Costa Rica Aloysio Tavares Picanço
Justiça Social e Igualdade Humana Antonio Carlos Osório
Quadro 5
JUSTIÇA SOCIAL E GARANTIA DA LIBERDADE
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Imprensa Barbosa Lima Sobrinho
Justiça Social e Liberdades Concretas Godofredo Silva Teles
Justiça Social e Liberdade Individual
Processual
Roberto Rosas
Justiça Social e Liberdade Autoral Paulo Oliver
Quadro 6
J
USTIÇA SOCIAL E QUESTÃO (DIREITO) SOCIAL
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Direito Social Carlos Adauto Vieira
Justiça Social: Direitos Sociais e Direitos
Individuais
Célio Borja
Justiça Social e Maioria não Privilegiada Carlos Alberto Silveira Lanzi
Justiça Social e Ordem Social Olimpio Costa Júnior
Justiça Social e Grupos Indígenas Dalmo Maria Grando Rauen
730
Justiça Social e Sociedade Justa Inezil Penna Marinho
Justiça Social e Direito Privado in Ritos José Lamartine Correa de Oliveira
Quadro 7
J
USTIÇA SOCIAL E CRIMINALIDADE
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Tribunal do Júri Carlos de Araújo Lima
Justiça Social e Tribunais de Exceção Felix Velois Coelho Júnior
Justiça Social e Repressão Penal George Tavares
Justiça Social e Norma Incriminadora Juarez Estevam Tavares
Justiça Social e Aborto Romy Medeiros da Fonseca
Justiça Social e Criminalidade Virgilio Luis Donnici
Justiça Social e Violência Aloísio A. Campos e Sanny A. Japiassou
Justiça Social e Criminalização da Greve Antonio Evaristo de Moraes Filho
Quadro 8
J
USTIÇA SOCIAL E TRABALHISMO
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Empregados na Empresa E. R. Haddock Lobo
Justiça Social e Direito do Trabalho Evaristo de Morais Filho
Justiça Social e Crise do Judiciário
Trabalhista
Francisco A. Montenegro
731
Quadro 9
JUSTIÇA SOCIAL E QUESTÃO AGRÁRIA
TESES CONFERENCISTAS
Justiça Social e Uso do Solo Urbano Hélio Saboya
O Bem Comum e o Problema Fundiário Cyro Aurélio de Miranda
Justiça Social e Justiça Agrária Marcos Afonso Borges
Quadro 10
JUSTIÇA SOCIAL E ADVOCACIA
TESES CONFERENCISTAS
Advocacia e Previdência Social Diversos autores/Temática diferenciada
Justiça Social e Missão do Advogado Rui Homem de Melo Lacerda
Justiça Social e Seguridade do Advogado Themistocles A. C. Pinto
Justiça Social e Advogado Empregador Glória Márcia Percinoto
Subseção da OAB e Defesa da Liberdade Aberto
O conjunto destes quadros demonstra exatamente, a diversidade temática da IX
Conferência, mas demonstra, também, a profundidade da crise social brasileira que sucedeu
aos anos 80 (oitenta), excetuada, ao que se presume, por opção temática, a crise econômica,
o que, aliás, explica as dificuldades conceituais dos advogados para diagnosticar crises ou
definir estratégias de uma perspectiva economicista, tese que crescerá em futuro próximo.
Os quadros, neste sentido, acompanham a opção epistemológica de reconhecer os
problemas, senão de uma perspectiva jurídica própria, da perspectiva prática, o que foi
inovador nesta Conferência, que concentrou a leitura de questões jurídicas e políticas não
732
no conceito de justiça formal, íncito na preocupação legislativa, mas no conceito de justiça
social.
Esta abordagem, pela sua força inovadora, permitindo que a natureza incita das
questões jurídicas fossem analisadas a partir de circunstancias sociais externas, levantou
novos e importantes aspectos da vida social, política e jurídica que estavam submersas pela
legislação e imersas na ação política autoritária. A Conferência, vista e analisada na sua
departamentalização, exatamente demonstra que a ordem jurídica autoritária estava
comprimindo um verdadeiro vulcão social que poderia evoluir para um desastre
institucional na administração do processo político.
Independentemente da importância das discussões conceituais, todas permeadas
pela profunda clivagem entre a legalidade instituída e a justiça social, um verdadeiro
abismo entre ordem e sociedade, da Conferência ficou definitivamente ressaltado a grande
dimensão das questões de direito político. Dentre estas questões, a hipótese de um novo
pacto federativo, imprescindível para se administrar o Brasil moderno. A natureza
autoritária da administração pública, apoiada ainda no Decreto-Lei nº 200/67, ainda vigente
e, funcionando como eixo central da administração,
1192
o problema da representação
proporcional que provocava efetivos desvios nas demandas de participação popular, que,
sobrevive, ainda, como sistema de votação para os legislativos,
1193
provocou a incisiva
intervenção de Raymundo Faoro sobre a questão da Assembléia Constituinte,
1194
a
referência propositiva da OAB para a reconstitucionalização e democratização, donde
podemos destacar as seguintes observações:
Não haveria exagero nem novidade em afirmar, no prólogo desta reflexão comum, numa
reunião de advogados, que o conteúdo da idéia de justiça constitui, simultaneamente, o
‘desideratum’ e a ‘bête noire’ dos juristas, legisladores e de todos quantos praticam e
1192
Sobre este Decreto-Lei, ainda vigente, BASTOS, Aurélio Wander. Política Brasileira de Concessão de
Serviços Públicos. In Revista Magister. Porto .Alegre. p. 37 e segs.
1193
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Reforma política ou reforma eleitoral. Justiça e Cidadania. Rio de
Janeiro, n. 62, p. 32-35, 2005. Sobre o mesmo tema, ver em Mural, Jornal dos Advogados, OAB.RJ, nº. 62,
2005.
1194
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, de
2 a 6 de maio de 1982, p. 621-638.
733
vivem o direito (Morris Forkosch
Verb, Justice, in Dictionary of the History of
Ideas).1195
Todavia,
(...) o conceito de justiça social, longe de se tornar anacrônico, ganha, conjugado ao
debate histórico, não necessariamente marxista e menos ainda com a ótica de Engels,
dimensão mais clara e mais elevada. Cuida-se de afastar o que há de declamatório e de
retórico do conceito de justiça social para, sem desdenhar sua base ética, conjugá-lo à
sociedade, tal como ela existe, sendo certo que, para mudá-lo, não bastam as intenções
e os bons propósitos.
Raymundo Faoro após uma perfunctória análise do conceito de justiça, quando
analisa praticamente a evolução do seu conceito no pensamento
1196
e no tempo histórico,
evolui para discutir exatamente o conceito de justiça como pressuposto da ordem legítima
demonstrando que o poder gerado dentro de uma autocracia converte-se numa legalidade
“injusta” que justificaria a sua mudança com especial forma de reencontrar a legitimidade
como pressuposto da ordem jurídica (justa). Conclusivamente a palestra do ex-presidente
da OAB termina por aprovar a seguinte conclusão:
Só uma Assembléia Nacional Constituinte, por meio de normas procedimentais e
substanciais, fixará as bases jurídicas, via das quais se realizem e concretizem os
1195
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, de
2 a 6 de maio de 1982, p. 621.
1196
O estudo de Faoro depois de abordar criticamente o pensamento marxista, especialmente o Anti-During
(Uruguai, sd, 2º ed.), discute a questão em Aristóteles, Tomas de Aquino (Súmula Teológica, 2º parte, Q.
LVII, art. 1º), Rousseau (Contrato Social, II, II), os liberais em geral, Tawney (R. H. Equality, London, 1929),
Radbruch (Vorschule d. Rechtsphilos, 1947, pp. 23 e segs.), Karl Engish (Eiführung in das Juristische
Denken, Stuttgart, 1959, pp. 163 e 164) e Hans Kelsen, em busca o conceito, embora em seguida critique o
autor como positivista, de que a validade do direito mede-se, portanto, pelo conteúdo da idéia de justiça que
nele se infunde. O autor conclui o seu texto com citações dispersas de John Rawls (A Theory of Justice,
1971), e Noberto Bobbio (Política e Cultura, Einaudi Editore, 1977, pp. 148 e segs.) mais Wanderley
Guilherme dos Santos que introduziu no debate brasileiro a distinção entre as regras procedurais (processuais)
e as regras substantivas, distinção que tem o encopo de examinar a validade da fixação de normas
procedimentais para estabelecer e ordenar as normas substantivas (Cidade e Justiça, Rio, 1979, p. 134).
734
imperativos não apenas negativos, como limite externo, mas, também, como prestações
sociais e culturais da Justiça Social, indispensável à paz política e social.
1197
Complementarmente a estes temas, na verdade, estiveram presentes na pauta a
questão da eficácia das normas constitucionais por força coativa do Estado e não devido ao
processo de aplicação e de interpretação, que, aliás evoluíram para debates sobre os
mecanismos de controle de constitucionalidade, garantia constitucional absolutamente
desprezada pelos governantes autoritários no reconhecimento funcional de suas próprias
decisões.
1198
Muito embora, a temática constitucional, pudesse ser, significativamente, mais
abrangente, demonstram os temas discutidos que a OAB já estava aberta para a questão
constitucional, não apenas na dimensão das questões políticas.
Finalmente, a discussão da questão da Justiça Social, nesta Conferência
evoluiu, muito especialmente, dos temas sobre criminalidade e a fragilidade de
funcionamento de tribunais na aplicação normativa, ressaltando-se, por outro lado, a
relação entre crise social e crime e violência do Estado. Esta linha discursiva foi o
indicativo evidente do aumento da criminalidade, ficando claro, que, o deslocamento das
políticas repressivas para a área política, deixou em aberto a repressão ao crime comum,
que multiplicou-se como reflexo da desagregação dos grupos sociais periféricos.
6.2.1 O Influxo dos direitos complexos
Esta conferência à medida que trouxe para a pauta a questão da justiça social,
abriu o espaço para a avaliação dos conflitos (sociais) de natureza complexa, evoluindo do
1197
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, de
2 a 6 de maio de 1982, p. 638.
1198
Ver de NOGUEIRA, Luis Carlos Vale. Justiça Social: controle direto da constitucionalidade das leis e a
posição da OAB. In: Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis,
Santa Catarina, 2 de maio de 1982, pp. 772 a 791.
735
exclusivo tema tópico dos ilícitos individuais para avaliar a produção crescente de ilícitos
realizados pelo estado ou grupos sociais extensivos. Temas que ficavam tradicionalmente
fora do circuito legalista dos advogados adquiriram espaço discursivo e iniciaram sua
marcha de influência jurídica, como a proteção de direitos sociais, não exclusivamente
trabalhistas, mais tarde reconhecidos como direitos complexos de natureza coletiva e
difusa, que envolviam nestas questões ambientais ou consumidores maiorias não
privilegiadas e quase sempre descriminadas como destacou na corajosa correlação entre
direito privado e direito dos privilegiados, José Lamartine Corrêa de Oliveira.
1199
De qualquer forma, e a avaliação das palestras em todas as conferências
confirmam a hipótese, a questão da proteção dos direitos individuais, historicamente, e
sociais (e trabalhistas), preencheram o quotidiano dos debates, todavia, não propriamente, o
problema da proteção dos direitos difusos e coletivos evoluiu do temário da OAB. A grande
flutuação discursiva ocorria, exatamente, entre a proteção dos direitos individuais e os
direitos das classes trabalhadoras, vertente juridicamente consolidada no cenário jurídico e
profissional, por conseguinte, individualismo e classismo e, não propriamente, proteção
individualista, e proteção classista. As manifestações mais visíveis sobre a proteção de
direitos coletivos e difusos, não ocorrem como direitos de classe, mas enquanto direito civil
de grupos minoritários ou direitos socialmente dispersos sem titularidade especifica, ou, na
linguagem de Carlos Alberto Silveira Lenzi (direitos de): maiorias não privilegiadas,
1200
embora as duas grandes vertentes exprimissem dimensões diferenciadas dos direitos
humanos. Este foi o grande ponto de inovação discursiva, sintonizada a harmonização de
posições, inclusive na sua vertente social.
Nas conferências, diferentemente do futuro Projeto da Comissão Arinos, onde a
temática da proteção coletiva de grupos transindividuais estava evidente,
1201
os debates da
1199
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, 2
de maio de 1982, p. 447-459.
1200
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, 2
de maio de 1982, p. 475-491.
1201
O anteprojeto constitucional elaborado pela Comissão Arinos foi mais ousado na fixação de normas
protetivas do que ainda denominava “interesses sociais”, estabelecendo, inclusive, a legitimação do
Ministério Público para promover a “ação civil pública”. Ver revista Ciência Política, v. 30 n°. especial,
março de 1987, p. 16 (esp. Art. 36 e §§).
736
OAB não são exatamente sensíveis, demonstrando que este caminho constitucional
alternativo, não estva absolutamente comprometido, nem com o ideário carregado da
tradicional influência do liberalismo jurídico, assim como não estava determinado pelas
correntes ideológicas de conexão classista ou influenciadas pelas ideologias de esquerda. A
nível da OAB, este novo espaço discursivo, que acabara por se transformar (no futuro
constitucional), em influente espaço profissional, evoluiu, a partir de teses de natureza
processual
1202
e não substantivas, como ocorrera, no passado, com a proteção dos direitos
individuais.
Na verdade, o modelo autoritário de centralização do poder passou, ele próprio,
a justificar estas iniciativas protetivas gerais porque o desvario apropriativo da riqueza
natural, provocou, inicialmente, a dilapidação do meio ambiente exigindo providencias dos
poderes públicos para evitar sua degradação absoluta, que, em muitas situações molestava
profundamente os direitos dos consumidores e a própria riqueza nacional. Neste contexto, a
própria luta contra o autoritarismo trazia no seu bojo a luta pela justiça social
sucessivamente. A liberdade levava à luta pelos tradicionais direitos individuais –
imanentes à funcionalidade do Estado de Direito – e a justiça social à luta pelos direitos
sociais. Todavia, esta última, mais que a distribuição individual da riqueza, colocava a
imprescindível necessidade de se viabilizar a redistribuição da justiça para se alcançar os
grupos sociais marginalizados e as novas expectativas de proteção jurídica.
A IX Conferência, se não discutiu a questão diretamente deixou em aberto que
os novos direitos de natureza metaindividual ou transindividual estavam em efervescente
ebulição na sociedade brasileira, indicando que o futuro constituinte deve-se-ia abrir para as
novas dimensões substantivas e processuais dos direitos coletivos e difusos
cumulativamente com a proteção processual dos direitos individuais, inclusive da sua
perspectiva existencial, o que o direito tradicional não ressaltava. Os advogados estavam
diante de novos desafios que não se restringiam, mesmo reconhecendo a sua importância, à
defesa e proteção dos diversos e diferentes âmbitos da liberdade, mas tinham um especial
1202
Recentemente, a autora precursora da discussão processual sobre esta questão, Ada Pellegrini, colocou a
público para discussão o Projeto de Lei sobre Direito Processual Coletivo, dado que os institutos processuais
precursores (Ação Civil Pública, Mandado de Segurança Coletivo e Ação Popular) remanescem
processualmente incipientes, utilizando mecanismos do direito processual individual, como observamos em
BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001
(especialmente o Capítulo com o título “Direito Subjetivo Público”).
737
alcance prospectivo: identificar as novas dimensões dos direitos sociais subjetivos,
coletivos e difusos. Mais do que isto, identificar os mecanismos processuais e judiciários
para sua proteção e defesa, num contexto institucional, que, ainda, nem ao menos,
estabilizara a proteção judiciária dos direitos individuais e sociais tradicionais.
O temário desta IX Conferência demonstra exatamente a convivência entre os
direitos das diferentes gerações, para utilizarmos a linguagem classificatória de Noberto
Bobbio.
1203
Obedecendo esta linha classificatória no contexto desta Conferência
encontramos temas que relacionam Justiça Social aos direitos individuais, assim como aos
direitos sociais, que perfazem o que Bobbio reconhece como direitos de primeira e segunda
geração, embora assim não estivessem classificados, mas, como já observamos,ficavam
também, em aberto, as discussões precursoras sobre os novos conceitos de direitos
coletivos e difusos, que, aparentemente desdobram-se destas gerações, mas, historicamente,
se manifestam com autonomia e natureza jurídica própria, vindo a se classificar como
direitos de terceira geração. Esta discussão, todavia, não foi, nesta linha de racionalidade,
trazida à Conferência, mas o conjunto temático nos permite reconhecer que o novo Estado
de Direito haverá de alcançar estes novos e tantos âmbitos de condutas juridicamente
relevantes para a sociedade moderna.
Na verdade, as conferências em qualquer de seus períodos, voltamos a observar,
não propriamente discutiram esta questão conceitual dos (novos) direitos coletivos e
difusos, sistematização que se explicitará apesar das iniciativas legislativas anteriores
1204
como figura jurídica, apenas na Constituição de 1988, muito embora as conferências
tenham sucessivamente abordado os temas tópicos, destes direitos como: direitos humanos,
meio ambiente, direito à terra, proteção de maiorias não privilegiadas (politicamente
conhecido como proteção às minorias), muitas vezes subsidiariamente como direitos
sociais: direito à educação, direito à saúde, direito à habitação, direito à segurança.
Assim, apenas para elucidar, conclusivamente, os direitos individuais, definidos
juridicamente no contexto da revolução francesa, no Brasil, se manifestaram na
1203
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
1204
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. As eras dos direitos no Brasil. Revista da ACAT – Associação Carioca
de Advogados Trabalhistas, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1.jan./jun. 2006.
738
Constituição Imperial e Republicana; os direitos sociais, definidos juridicamente no
contexto das Constituições que sucederam à Primeira Guerra Mundial (especialmente a
Constituição de Weimar, pela esquerda moderada e a Constituição Soviética, pela esquerda
bolchevique, podendo, de qualquer forma, reconhecer-se que estavam, também, na linha
dos movimentos sociais o New Deal que sucede ao primeiro governo de Franklin Delano
Rosevelt, pelo centro social-liberal, a Constituição Polonesa de Pilswdisk, que influenciou
a Constituição do Estado Novo e o movimento fascista italiano, pela direita. No Brasil estes
movimentos se manifestaram com a Constituição de 1934, na sua forma moderada, e na
Constituição de 1937, na sua forma radical-autoritária. Os direitos coletivos e difusos
sucederam a esta fase e como conquistas jurídicas de terceira geração, inicialmente,
reconhecidos como direitos individuais homogêneos e, posteriormente, também,
transindividuais. No tempo firmaram-se como direitos de natureza própria, como direitos
de titularidade subjetiva coletiva (próprias de organizações coletivas) ou difusa (próprias de
situações dispersas) que poderiam (podem) ser judicialmente demandados, pelas próprias
entidades de direitos coletivos ou por representantes legitimados, mesmo na fragilidade
conceitual do direito subjetivo
1205
(público ou coletivo ou difuso).
Neste sentido, qualquer novo projeto constitucional se depararia com as novas
dimensões posta pela dinâmica conceitual da própria (nova) abrangência do Direito,
procurando identificar novos espaços legislativos de direitos. No fundo, e esta é a grande
questão que se coloca, o que, aliás, ao que parece, os debates da XI Conferência sobre a
Assembléia Constituinte, em Belém, em 1985, não explorou, preferindo optar pelas
dicotomias classistas. As questões tradicionalmente discutidas como questões políticas,
que resultavam da exploração do trabalho e da apropriação dos bens naturais ou
patrimoniais, ou sociais, ou públicos, pelos donos das riquezas ou do poder, todas práticas
discriminatórias, para entender o âmbito do objeto, estavam celeremente avançando para se
traduzirem em demandas judiciais de interesse coletivo na forma de instrumentos jurídicos
novos de terceira geração, que, reconceituando o direito subjetivo individual, como
1205
Ibid.
739
pressuposto de ação, como direito subjetivo público (coletivo ou difuso), transportavam
para os tribunais o cenário político das lutas reivindicatórias.
1206
Retomando os estritos temas da IX Conferência é importante mostrar, que, foi a
primeira delas, a ressaltar, com maior extensão, e profundidade, a questão agrária no país,
que influíra na queda do governo democrático de 1962/64, e fora uma promessa de
reformulação do governo militar. Aliás, a discussão da questão agrária, é um tema
recorrente da história institucional brasileira, muito embora, nunca se imponha como
questão institucional, como também o é das Conferências da OAB. Poucas foram as
conferências da OAB, que, topicamente, não trataram desta questão, mas, como aliás,
sempre ocorreu com os temas relacionados às questões estruturais, ou às reformas de base,
nunca foi tratado sistematicamente nas conferências, evidenciando que esta não tem sido a
questão temática dos advogados.
1207
Evitando fugir da pratica tradicional, concentradamente, a questão do ideário
corporativo, ficou discutido nas teses apresentadas na Comissão Especial de Previdência
Social, inclusive aquelas que foram apresentadas no curso temático da Conferência. Na
verdade, a questão previdenciária dos advogados evoluiu como aspecto corporativo
essencial, complementando, como se verifica, as garantias do advogado como garantias de
sua própria sobrevivência pessoal (e familiar).
Finalmente, obedecendo a linha analítica deste Capítulo, o temário central desta
Conferência pode ser subdividido em 3 (três) agrupamentos temáticos que representam,
exatamente, as eras do direito e o quadro geral das preocupações dos advogados brasileiros
após o fenômeno econômico da concentração de renda relacionada à alta concentração do
poder autoritário e, imediatamente, antes, das etapas preliminares da descompressão
política.
No conjunto dos temas de primeira geração do Direito, podemos identificar as
teses: Justiça Social e Liberdade Individual no Processo Civil, de Roberto Rosas; Justiça
1206
Idem. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1975. (2 ed.,
2003).
1207
No estudo comparado que apresentamos no Capítulo XV desta tese procuramos mostrar, todavia, a
importância temática que foi dada a este tema, fugindo aliás à tradição das Conferências, quando se colocou a
questão do sistema de propriedade.
740
Social e Aborto, de Rony Medeiros da Fonseca; Justiça Social e Norma Incriminadora, de
Juarez Estevam Tavares e de Justiça Social e os Direitos Autorais do Artista Plástico, de
Paulo Oliver. Numa linha conceitual a tese de Sobral Pinto sobre Justiça Social teve caráter
especialíssimo e na linha de interconexão a tese sobre direitos individuais e direitos sociais
se destaca a tese de Célio Borja. Dentre as teses de segunda geração (direito social) a de
Antonio Carlos Osório, Justiça Social e Igualdade Humana, e a tese sobre Criminalização
da Greve, de Antonio Evaristo de Moraes Filho; destacando-se, ainda, Justiça Social e
Direito Social, de Carlos Adauto Vieira; Justiça Social e Participação de Empregados na
Empresa, de Haddock Lobo e Justiça Social e Direito Privado Brasileiro, de José
Lamartine Correa de Oliveira e outros tantos temas relevantes. Na linha dos direitos de
geração recente (terceira geração), conforme o conceito desenvolvido neste Capítulo, na
linha de passagem, podemos indicar a tese de Nelson Saldanha: Justiça Social, Estado
Social e Direitos Humanos e na linha propriamente de direitos coletivos e difusos a tese de
Carlos Alberto Silveira Lenzi: Justiça Social: Acesso às Maiorias não Privilegiadas; de
Cyro Aurélio de Miranda: O Bem Comum e o Problema Fundiário; de Helio Saboya:
Justiça Social e Uso do Solo Urbano; de Marcos Afonso Borges: Justiça Social e Justiça
Agrária; de Marcos Afonso Borges: Justiça Social e Justiça Agrária; de Virgilio Donnici:
Justiça Social e Criminalidade Crescente no Brasil e de Dalmo Marie Roueri: Justiça
Social e a OAB Frente ao Grupo Humano Indígena.
Esta classificação se completa com um grupo de teses sobre questões políticas e
outro sobre políticas de interpretação legal que fogem do propósito classificatório muito
embora tenham contribuído para a realização da estratégia de enfrentamento da ditadura e
para a definição das ações políticas subseqüentes: as teses de Miguel Reale Júnior: Justiça
Social e Participação Política; de Celso Antonio Bandeira de Melo: Eficácia das Normas
Constitucionais; de Felix Valois: Justiça Social e Tribunais de Exceção; Paulo Blasi:
Descentralização como Instrumento da Justiça Social; Raymundo Faoro: Justiça Social e
Constituinte; de Marcelo Duarte: Justiça Social e Federação.
Finalmente, o temário central, pela primeira vez na história das Conferências,
teve uma alta concentração em temas de Direito Criminal direta ou indiretamente
relacionados com a ação repressiva do Estado, seguindo, imediatamente os temas de
Direitos Humanos, que, de muito, já vinham influenciando os temários e a ideologia dos
741
advogados. De qualquer forma, na verdade, as questões de Direito Criminal são uma
vertente das questões de direitos humanos, assim como, não se pode, também, desconhecer
pelas suas conseqüências e implicações, nesta mesma dimensão, os temas referentes as
questões do solo agrário, questão sempre residual nas conferências da OAB.
Todavia, a alta incidência de temas de natureza penal e criminal numa
conferência sobre justiça social é um preciso indicativo que a questão social estava para a
questão criminal, justificável e razoável na reta final de uma ditadura, que, mais do que
criminalizar a questão social, criminalizou a vida política. O conjunto dos temas
demonstram que estavam em questão as novas provocações do Direito Penal, abordadas por
algum dos mais expressivos juristas brasileiros: Tribunal do Júri, Tribunal de Exceção,
Aborto e Criminalização da Greve.
Ressalte-se que muitas foram as questões de Direito Político, como já
observamos, todas elas, todavia, sobre problemas de natureza institucional que indicavam,
não propriamente as demandas políticas que povoaram a periferia das mesas temáticas,
mas, a crise do Estado (autoritário) de Segurança Nacional. Nesta linha, 2 (dois) temas
podem ser destacados: a eficácia das normas, principalmente as normas autoritárias, que
não tinham fundamento de legitimidade, e as questões de organização do Estado,
principalmente a organização federativa e a representação política.
Estas especiais questões temáticas, no grupo dos direitos humanos, (e direito
criminal) evoluíram tomando como referência a tese de Sobral Pinto intitulada
simplesmente Justiça Social e o último grupo sofreu especial tradução na palestra de
Raymundo Faoro sobre Justiça Social e Constituinte. Estas questões evoluíram para a
temática jurídica que antecedeu e sobreviveu nos anos da redemocratização, tema da X
Conferência, sobre legalidade e legitimidade, na verdade, também uma temática que
informa e subsidia as palestras, mas não as preside.
Esta IX Conferência, diversamente das anteriores, que tratavam a questão
pontualmente, abriu um bloco de palestras sobre Seguridade dos Advogados em Comissão
Especial sobre Previdência Social, o que não se deve desconhecer como um especial ângulo
do ideário corporativo e, também, da justiça social. Os temas abordados representam uma
questão historicamente colocada nas reuniões e Conferências dos advogados, mas, esta em
742
especial, tratou do tema não apenas da perspectiva do advogado autônomo, mas também,
do advogado empregado. Aliás, esta questão dos institutos previdenciários que beneficiam
os advogados sempre exigiu um tratamento muito especial, exatamente, por esta especial
situação do advogado autônomo e do crescente número de advogados com vínculo
empregatício.
As teses avulsas, também apresentadas em número significativo, evoluíram na
linha dos direitos humanos, especialmente tratando da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
1208
cujo relator foi Aloysio Tavares
Picanço e dos direitos e deveres do advogado, inclinando-se para o especialíssimo tema do
advogado empregado e do papel da OAB e missão do advogado. Residualmente estas teses
também relacionaram a questão da justiça social e da legalidade, deixando-se permear pela
candente discussão da legitimidade da ordem “jurídica” autoritária.
Finalmente, estes temas debatidos na IX Conferência, essencialmente, irão
presidir, senão de imediato o ideário estatutário dos advogados, a reformatação da ideologia
jurídica, que, tradicionalmente, presidida pelo conceito formalista de jurista, estava, agora,
premida pelas exigências de reconhecimento dos institutos jurídicos da perspectiva
conceitual da justiça social. Esta reversão, pelo menos, ainda, em tese, ou seja, em
discussão teórica, influenciará decisivamente a formatação constitucional brasileira, que,
independentemente do formalismo legalista, pensará, senão absolutamente, todos os mais
significativos institutos jurídicos: a propriedade, a família, o contrato, o mercado e o
trabalho, da perspectiva da justiça social.
1208
Aprovada em 22 de novembro de 1969. O Brasil aderiu à Convenção por ato de 25/09/1992, ressalvando a
cláusula facultativa do art. 45, 1ª e do art. 62, 1º. Promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678/92.
743
6.3. A Carta de Florianópolis
Foi neste contexto de debates sobre direitos individuais e direitos sociais,
prenúncio da nova modelação dos direitos complexos de natureza coletiva e difusa,
permeados pelas questões dos direitos humanos, também na sua dimensão existencial, e
pelas questões dos direitos políticos, que foi pronunciada a Carta de Florianópolis, com o
seguinte teor:
Os advogados brasileiros manifestam, em declaração solene, as conclusões a que
chegaram na 9ª Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em
Florianópolis, após o debate de magnos problemas que afligem a Nação. Passados dois
anos da “Declaração de Manaus", percebem, contristados, que, não obstante se tenha
ampliado a faixa de exercício de algumas das liberdades fundamentais, estamos longe
de atingir as garantias basilares almejadas pela grande maioria do povo brasileiro.
Urge, hoje, mais do que nunca, restaurar a dignidade da Nação, como condição de sua
própria sobrevivência. Ninguém poderá negar, sinceramente, que a ilegitimidade do
poder conspurca a dignidade nacional e nos deprecia no conceito internacional. Os
advogados brasileiros estão conscientes de seu relevante papel social e da grandeza de
suas atividades e proclamam a impetuosidade da reforma do ensino jurídico, cuja
qualidade baixou a níveis alarmantes, para que possam bem empregar a
representatividade dos cultores do Direito, compatível com as exigências da época.
Manifestam-se pelo ensino público e gratuito em todos os níveis, como instrumento de
Justiça Social. Pugnam, também, por uma reforma de base do Poder Judiciário, em cuja
independência e eficiência devem repousar os anseios e o respeito dos que procuram a
Justiça e reclamam contra o onus cada vez maior que grava o exercício do direito de
ação. O valor do Direito depende de seu conteúdo de justiça. Sem legitimidade não há
justiça autêntica, nem Justiça Social possível.Os advogados brasileiros querem um
governo legitimo e uma ordenação jurídica legítima. Querem uma Constituição que seja
espelho da Nação. Que sejam desobstruídos e livres os canais de comunicação entre a
sociedade civil e o Estado, e os cidadãos brasileiros tenham liberdade ampla de
escolher seus legítimos representantes, em eleição direta, secreta e universal. Desejam
os advogados que os partidos políticos sejam autênticos, com liberdade para propagar
seus programas e defender seus candidatos. A alternância do Poder é um fato normal
no processo democrático e não se justificam os casuísmo eleitorais que visam a impedir
a livre manifestação do eleitor brasileiro. Propugnam pela representação popular de
modo que as dversas correntes de opinião do povo tenham, no Parlamento, o quinhão
de representantes correspondentes à sua expressão social. Os advogados sustentam a
necessidade de sindicatos autônomos, com o direito de se organizarem e dirigirem
livremente, sem ingerências do Poder Público, para que possam lutar eficazmente, na
defesa dos interesses dos trabalhadores. Os sindicatos e outras instituições
representativas devem ter o direito de participação direta na política nacional.
Postulam a participação dos interessados na direção e administração do sistema
previdenciário nacional. Reclamam os advogados o fim das soluções elaboradas em
segredo, nos redutos herméticos do poder central. Querem que nenhum decreto-lei
disponha sobre o que a lei dispõe ou pode dispor. Que os "projetos de impacto"
e os "pacotes legislativos" sejam banidos da vida nacional. Querem um Parlamento
744
independente, sem senadores biônicos e sem o expediente do decurso de prazo, para
aprovação automática de projetos do Executivo. Asseveram que à assistência judiciária
gratuita aos necessitados é um dever de Estado, que deve adotar os meios
indispensáveis necessários para que funcione com eficiência em todo o território
nacional. Reclamam a revisão do sistema penal brasileiro, à vista das causas
econômicas da criminalidade patrimonial violenta, agravadas pelas deficiências de
nosso sistema penitenciário. Proclamam a necessidade de uma imprensa livre. O
Direito privado brasileiro deve deixar de ser uma "opção pelos ricos", e o modelo
econômico-social do País precisa ser profundamente alterado para abolir as diferenças
e privilégios atualmente existentes entre ricos e pobres, e entre regiões do Pais. Os
advogados querem que as disposições constitucionais relativas à Justiça Social não
sejam simples exortações, mas comandos jurídicos, gerando para o Estado deveres de
fazer ou não fazer. Propõem a criação de novos instrumentos jurídicos, reclamados pela
dinâmica dos fatos sociais, especialmente na empresa, para captar as reivindicações
dos trabalhadores e conduzi-los aos dirigentes patronais, com o intuito de solucionar os
conflitos laborais. Querem que os trabalhadores, na defesa de seus direitos, possam
usar livremente o direito de greve. Quanto aos problemas da terra, reclamam soluções
realistas, fundadas na formulação de uma política global para o setor agrário,
respeitadas as características regionais do País e defendidos os interesses básicos dos
pequenos e médios lavradores. A consciência jurídica brasileira, por outro lado,
sustenta, com os advogados, a imperiosa necessidade da revogação imediata da Lei de
Segurança Nacional, que se vem constituindo em instrumento de opressão e compromete
o clima de liberdade necessário à realização de eleições. Reafirmam os advogados
brasileiros que a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, livre e
soberana, é a única forma capaz de legitimar o poder e o ordenamento jurídico
nacional. Florianópolis, SC. 05-05-82.
1209
A Carta de Florianópolis, pronunciada pelo Presidente Bernardo Cabral,
semelhantemente a Carta de Manaus, foi um documento ímpar na história brasileira
contemporânea. Enquanto o documento de Manaus teve um timbre visivelmente político,
foi um grito de liberdade, o documento de Florianópolis, foi uma oração de compromissos,
a dimensão jurídica das muitas e imprescindíveis aberturas sociais constituintes. A Carta de
Florianópolis, seguindo o ritmo das 2 (duas) cartas anteriores, como se verifica, demonstrou
que a ordem autoritária ilegítima deveria evoluir, senão pelo processo de rupturas, como
chegou a admitir a Carta de Manaus, pela composição política, para reconstruir a legalidade
a partir dos novos referenciais de legitimidade presididos pelas expectativas de justiça
social.
1210
1209
Anais da IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Florianópolis, Santa Catarina, 2
de maio de 1982, pp. 7 a 9.
1210
Ata da 1.448ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do CF.OAB de 14 de junho de 1982 quando o Conselheiro
Carlos Araújo Lima manifestou-se sobre a excepcional qualidade da IX Conferência e o desempenho do
Presidente e do Secretário-Geral Hermann Baeta, de inexedível eficiência e espírito público, e a Raul de
745
Por estas razões, o fundamento conceitual da Carta de Florianópolis é uma
proposta de articulação pragmática da legalidade conspurcada às legítimas expectativas da
sociedade. Este processo, não se define, todavia, sem que previamente se identifique os
meios para se alcançar os objetivos que vieram se explicitando ao longo das conferências:
redemocratização e direitos humanos; mas os meios vieram se definindo no tempo
histórico, na forma das próprias circunstancias políticas: assembléia constituinte
independente e autônoma convocada por Presidente eleito diretamente. O tempo histórico
mostrará a inviabilidade do projeto, mas, também, definirá a formula possível: Assembléia
Constituinte, convocada na forma da ordem constitucional emendada, pelo presidente eleito
na forma indireta imposta pelo poder instituído, funcionando como Congresso constituinte.
Neste sentido, incentivando a imprescindível correlação entre legalidade e
legitimidade, o documento de Florianópolis provocou a discussão sobre as demandas
políticas e sociais da sociedade civil e o papel da OAB na condução e construção de uma
nova ordem jurídica aberta para a nova sociedade e seus novos flancos de organização. Este
especial posicionamento abriu espaços para demonstrar a importância constituinte da
reconstrução do Estado representativo e a definição dos novos mecanismos de
acompanhamento político, necessários a uma democracia participativa.
Para alcançar estes objetivos, a Carta ressaltou, depois de proclamar a
impetuosidade da reforma do ensino jurídico como pré-requisito do funcionamento do
estado democrático,
1211
as seguintes questões substantivas de grande significado para a
transição democrática:
Souza Silveira, pelo brilhante discurso na Reitoria da UFSC. Foi apoiado por Sergio Ferraz, que estendeu os
cumprimentos à operacionalidade capaz de entreter todas as facetas do mosaico do Encontro.
1211
A proposta da OAB amplamente discutida sobre a necessária audiência obrigatória da OAB nos processos
de autorização de cursos de Direito (Processo CP nº 2293/81) levou a Presidência a convidar a Ministra da
Educação Esther de Figueiredo Ferraz, para visitar a OAB, tendo participado de Mesa Diretora junto com
presidentes de organizações da sociedade civil. Na ocasião o Presidente Bernardo Cabral usou da palavra (e,
falando de improviso) referiu-se ao novo papel da OAB no acompanhamento da expansão do ensino jurídico,
citando o decreto presidencial da data anterior (DOU de 09/12/1982). Ver Ata da 1463ª Sessão Extraordinária
do CF.OAB de 10 de dezembro de 1982 e notas taquigráficas anexas, que, também se referem à Medalha Ruy
Barbosa, concedida ao ex-presidente José Ribeiro de Castro Filho. Ver, também, a Ata da 1443ª Sessão
Extraordinária Comemorativa da criação dos Cursos Jurídicos no Brasil (11 de agosto de 1827) de 11 de
agosto de 1982, com conferência do professor e jurista paraense Dr. Aldebaro Cavaleiro de Macedo Klantau.
746
proclamação de uma Constituição que seja o espelho da nação, através de uma
Assembléia Nacional Constituinte;
reforma de base no Poder Judiciário que amplie o direito de ação para alcançar
novas e especiais demandas;
desobstrução dos canais eleitorais a formulação de políticas globais para o
setor agrário;
revisão do sistema penal para enfrentar o vertiginoso crescimento da
criminalidade, que acompanhou o processo de favelização nos grandes centros
urbanos;
estudos de reversão, críticas sobre o direito privado brasileiro dado que
viabiliza resistências legais à distribuição de renda e ao reconhecimento da
função social da propriedade, e
imediata revogação da Lei de Segurança Nacional.
Neste contexto, a Carta de Florianópolis inclinou-se, incisivamente, para 2
(dois) aspectos importantes que remanesciam residuais nas Conferências: a suspensão do
Estado de Segurança Nacional, imprescindível à convocação Constituinte, e a Reforma do
Poder Judiciário,
1212
como especial forma de se restabelecer a aplicação e realização da
justiça. Por outro lado, estava agora colocada como especial providência para, não apenas
agilizar o funcionamento judicial, mas também absorver as novas dimensões conflitivas da
sociedade, a Reforma do Ensino Jurídico, pré requisito educativo para se preparar as novas
gerações para a futura ordem democrática.
Pontualmente, foram indicados alguns problemas estruturais cruciais do direito
brasileiro, especialmente demonstrando que os compromissos do aparelho repressivo com a
perseguição política, especialmente comprometendo-o com as políticas de segurança
nacional, subtraiu da sua organização as condições para o enfrentamento do crime, bem
como a Conferência explicitou a imprescindibilidade de suspensão de todos os mecanismos
1212
Ver Carta de Florianópolis, item 6.3 e também pronunciamento de encerramento do ex-Presidente
Bernardo Cabral e do Presidente Eleito Mario Sergio Garcia.
747
de exceção utilizados pelo poder autoritário como iniciativa indispensável para se restaurar
o estado democrático, por outro lado, afastou as populações do campo e provocou uma
grande favelização combinada com uma degradação ambiental de conseqüências naturais
inigualáveis, exatamente nas áreas urbanas precárias.
No que se refere ao Estado de Segurança Nacional ficava agora visível que a
legislação específica, combinada com os dispositivos constitucionais emendados,
provocados pelos atos institucionais, transformaram-se, não apenas em dispositivos
repressivos e punitivos, mas serviram-se, também, para inviabilizar, na contracena da
história, a punição dos perseguidores e torturadores. O Estado de Segurança Nacional
naufragava no quadro de suas ações absurdas expondo a ilegitimidade do poder militar e
evidenciando que a Assembléia Constituinte era a forma possível de se reconstruir a
legalidade na forma e na dimensão das novas expectativas sociais.
Neste quadro de conclusões é impossível evitar a relação entre os relatórios
intermediários e o próprio Relatório final do texto constitucional, de 5 de outubro de
1988
1213
e posições definidas na IX Conferência, sabendo-se, que o seu Presidente,
Bernardo Cabral, viera ser eleito Relator da Constituição pela comunidade de deputados e
senadores Constituintes, exatamente, funcionar como articulador entre os ideais das
Conferências e das tantas tendências que influíram na elaboração da Constituição de 1988,
inclusive, o Projeto da Comissão Arinos.
Esta especial posição permitiu, por conseguinte, que J. Bernardo Cabral viesse
a se posicionar exatamente entre as propostas constituintes que evoluíram das conferências
da OAB e os tantos outros projetos, especialmente o da Comissão Arinos, bem como tantas
proposições parlamentares, viabilizando um texto constitucional, sem sectarismo,
posicionado entre as diferentes alternativas constituintes, e, principalmente, e
1213
Imediatamente à Conferência foi tomada a mais significativa iniciativa para a reforma do Poder Judiciário,
que sucedeu ao atrabiliário Pacote de Abril (Emenda nº 7/77): a criação do Juizado de Pequenas Causas.
Promovido pelo recém criado Ministério da Desburocratização, recebeu elogios da OAB e criticas à visita do
Ministro interino João Geraldo Piquet Carreiro, ao Conselho Federal. Ver Ata da 1457ª Sessão da 52ª Reunião
do CF.OAB de 27 de setembro de 1982. O projeto que entendia dispensável a presença do advogado na
demanda foi internamente discutido na forma do processo interno. Na ocasião, o Conselheiro Evandro Lins e
Silva fez longa e esclarecedora exposição sobre a evolução da idéia destes juizados que se destinaram a
descongestionar os tribunais, criando situações mais céleres de apreciação judiciária de causas de pequeno
valor e aumentavam a oportunidade de acesso ao juízo de pessoas de menor posses. Reportou ao Conselheiro
as iniciativas logo após a Revolução de 1930, referindo-se a iniciativas anteriores em 1926, citando Batista
Luzardo, Herculano de Freitas, Edmundo Lins, Levi Carneiro, Filadelfo Azevedo que tiveram importantes
748
essencialmente, comprometido com as aberturas dos tradicionais institutos jurídicos e com
as novas dimensões dos institutos jurídicos modernos.
7 – Eleições e o Caminho para a Esquerda
Influenciado pelo liberalismo social no que ele absorve do humanismo jurídico
e dos direitos sociais de novo tipo, a sucessão de Bernardo Cabral, na presidência da OAB,
neste sentido, esteve, dentre todas, marcada pelas aberturas de uma nova ideológica jurídica
e, não propriamente, pela questão do ideário profissional, cujas modificações são de efeito
remoto, não pelas suas rupturas práticas, mas pelas indispensáveis modificações jurídicas. É
razoável que assim tenha acontecido, mesmo porque o quadro político do país, apesar da
política de aberturas, estava em significativa radicalização para a esquerda, com a antevisão
da recuperação futura do passado perdido e, para a direita, na antevisão ou, na certeza, de
que, em breve, o que fora futuro seria passado. Tanto é fato, que, quando o presidente da
Ordem dos Advogados da Seccional do Paraná (em 1983), Alcides Munhoz Neto, colocou
a sua candidatura à presidência, sofreu quase que imediatas reações negativas, não apenas
por referir-se, na sua plataforma eleitoral, a subsídios para o deslocamento de conselheiros,
como também pelas precipitadas afirmações sobre as suas relações com a Escola Superior
de Guerra – ESG.
1214
Na verdade, o potencial candidato, mais tarde, esclareceu os fatos procurando
não deixar dúvidas, que, se alguma relação tinha com os estudos sobre a segurança nacional
os fez na Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra ADESG, e não no
ESG. Afirmou, também, que, nunca teve qualquer identidade ideológica com a ESG, mas,
apenas fora designado pelos colegas da ADESG orador de sua turma, exatamente pelo fato
de ter defendido estudantes e políticos a partir do Ato Institucional nº 5 nas auditorias
1214
Ata da 1.466ª Sessão Extraordinária da 52ª Reunião do Conselho do CF.OAB de 25 de fevereiro de 1983.
749
militares e tribunais, assim como nas aulas proferidas na sua própria cátedra na
Universidade, inclusive devido à condenação pública que vinha fazendo da Lei de
Segurança Nacional. Tendo encontrado resistências à esquerda o presidente da OAB do
Paraná, Alcides Munhoz Neto procurou viabilizar o seu nome afirmando, publicamente,
que sofrera vetos comprovados pelo SNI para o exercício de funções públicas na
universidade (como Chefe de Departamento e Reitor) e no Tribunal (para
Desembargador).
1215
O clima de radicalização, o patrulhamento ideológico, todavia, não tomou conta
do ambiente interno da OAB; mas, não seria uma exata forma de traduzir o ambiente
político, desconhecer, que apesar de suas posturas de equilíbrio, e ponderação, ou, quem
sabe, por isto mesmo, a IX Conferência tivesse evoluiu ideologicamente à esquerda. Na
verdade, neste exato momento histórico, militavam na OAB, com possibilidades de poder
no Conselho Federal, e com possibilidades discursivas e interventivas nas conferências, em
posição francamente crescente, a esquerda ideológica, ponderada, é claro, sem radicalismo;
os grupos sociais-liberais, essencialmente comprometidos com as políticas de direitos
humanos e as remanescentes frações liberais conservadoras, pouco expressivas e sem a
impostura do passado.
Esta radiografia de forças e aglutinações não significa, de qualquer forma, que
estes grupos entre si se repeliam, mas indicam apenas que se prenunciava o fulcro do
conflito constituinte que eclodiu no processo eleitoral interno: as diferenças entre a nova
ideologia jurídica, que evoluira do liberalismo jurídico, fazendo dos direitos humanos sua
bandeira, e a ideologia de esquerda, que procurava transportar para o ambiente corporativo
a dinâmica de seu projeto histórico para a sociedade. Naquele momento, estas ambas
situações, são apenas tênues manchas nas luzes da abertura, mas o tempo histórico não
dispensa o registro dos contornos visíveis,
1216
demonstrando que a evolução ideológica
1215
Ata da 1.467ª Sessão Extraordinária da 52ª Reunião do CF.OAB de 7 de março de 1983.
1216
Ata da 1467ª Sessão Extraordinária da 52ª Reunião do CF.OAB de 7 de março de 1983. Onde se discutiu
amplamente a transferência das eleições 1º de abril, devido a feriado na data, para o dia 4 de abril de 1983.
Ver também, nas Atas da 1465ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária de 14 de março de 1983, quando o ex-
ministro da justiça dos E.E.U.U. doutor Ramsey Clark visitou o Conselho Federal, e de 22 de março de 1983
a Sessão Solene em que o batonnier, maitre Bernard de Bigault du Granrut, presidente da Ordem dos
Advogados de Paris pronunciou palestra no Brasil sobre Informática e Segredo Profissional.
750
interna estava visível, ficando em posições diferenciadas as emergentes forças de esquerda,
que tinha um projeto de reforma estrutural, e os sociais liberais que o tempo mais
sintonizaria com as sugestões do anteprojeto constitucional da Comissão Arinos.
O processo eleitoral caminhou tranqüilamente sendo que no primeiro escrutínio
ficaram empatadas com (13 votos para cada um) Alcides Munhoz Neto
1217
e Mario Sergio
Duarte Garcia.
1218
No segundo escrutínio foi eleito Mario Sérgio Garcia para a presidência
da OAB (14 votos). Naquela eleição foram realizados 5 (cinco) escrutínios, sendo que no
primeiro foi eleito apenas o conselheiro Oto Sidou para Tesoureiro (16 votos). No terceiro
escrutínio foi eleito Herman de Assis Baeta para Vice-presidente (26 votos) após a retirada
da candidatura do Conselheiro Clovis Ferro Costa.
1219
Este quadro eleitoral viabilizou a
eleição para Secretario Geral de Francisco Costa Neto no quinto escrutínio (14 votos)
contra Sergio Ferraz, que obtivera mais votos no quarto escrutínio (13 votos), sem, todavia,
alcançar o quorum exigido, após a renuncia do conselheiro Juarez Tavares. Ainda no quarto
escrutínio foi eleito o Sub-Secretário Rômulo Gonçalves (19 votos) contra Raul de Souza
Silveira.
1220
A eleição, no seu cômputo geral, demonstra que, as tendências concorrentes não
eram entre si exatamente harmoniosas, sendo, todavia, perceptível que a posição
conciliadora não foi exatamente vitoriosa, ficando as posições de maior projeção com
dirigentes que não exatamente estavam sintonizados com a orientação da gestão que
1217
Ferro Castro era um antigo e ilustre deputado da UDN, escolhido por Alcides Munhoz.
1218
Sobre este tema, Mario Sergio Garcia afirma que entrou na eleição praticamente derrotado. Mas, Alcides
Munhoz havia prometido pagar a passagem de todos que viessem votar. O candidato era Herman Baeta, mas
quando Munhoz declarou, na antevéspera, que já tinha os votos necessários, fui forçado pelos companheiros a
lançar a candidatura, especialmente porque os votos eram por bancadas, 3 (três), o voto se contava por
maioria, vi oportunidade. Sobral Pinto foi um batalhador pela minha candidatura. Ibid., pp. 129 e 130.
1219
Alcides Munhoz Neto tinha ampla faixa de apoio e, consta, inclusive que obtivera o explicito apoio de
Raymundo Faoro. Todavia, Mario Sergio Garcia ampliou seu apoio à esquerda, conseguindo ser eleito. Sobre
este tema, Herman Baeta dá o seguinte depoimento: Nós percebemos quase tardiamente que se nos
desuníssemos ele [Alcides Munhoz] poderia ganhar e promover o cerceamento do espaço que nosso grupo
vinha conquistando contra o retorno dos ditos “medalhões” (...). Nós queríamos um candidato que mantivesse
a linha de independência e democratização da Ordem, de não alinhamento, de submissão ao poder. Com a
vitória de Mario Sergio eu sentia que era a pessoa certa para presidir a Ordem naquele momento (1985/87).
Ver História da Ordem dos Advogados do Brasil: A OAB na voz de seus presidentes. Herman de Assis Baeta,
coord. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2003, pp. 160/161.
1220
Ata da 1468ª Sessão da 53º Reunião Ordinária do CF.OAB de 4 de abril de 1983.
751
encerrava o mandato. Eleitos, todavia, Márcio Sérgio Garcia, como Presidente, Herman de
Assis Baeta, Vice-Presidente e Francisco Costa Neto, Secretário Geral, ficava evidente a
consolidação de posições engajadas à esquerda, destacando-se pela excepcionalidade votos
alcançados (26) a liderança de Herman Baeta.
Em princípio, as conseqüências eleitorais nada têm de especial, mas
efetivamente demonstram que, se não avançou com Munhoz Neto, sob suspeição de
compromissos, o projeto do liberalismo social e humanista, projeto fortalecido na IX
Conferência de Florianópolis, também perdia espaço construtivo. Na verdade, estava em
ascensão visível uma nova proposta de abertura e compromissos ideológicos que se
mostraria visivelmente mais influenciada pelas lutas estruturais que buscavam reformas de
maior alcance social.
No pronunciamento de transferência do cargo para Mario Sergio Garcia
Bernardo Cabral salientou
que (...) o programa de trabalho da administração que ora encerra o seu período
[haveria de balizar a nova administração] dando prioridade idêntica na solução dos
problemas institucionais que afligiam e ainda estão a afligir a Nação, assim como na
dos específicos à própria classe (...). Procurou-se, assim, contribuir para a formação de
uma consciência média da Corporação, crítica do ponto de vista profissional, e
democrático do ponto de vista político-institucional, centrada nas bandeiras que a OAB
vem tendo a coragem de desfraldar (...). [A] construção do Estado Democrático –
depende também de condições econômicas básicas em consonância com sólida
formação acadêmica. [Para alcançar melhorias na questão profissional] (...) criou-se
[no] âmbito deste Conselho Federal a Comissão dos Advogados Empregados, com o
objetivo de realizar um Encontro Nacional a fim de debater todos os ângulos e se
transformar em instrumento de luta em prol de legislação específica para a tutela dos
direitos trabalhistas dos advogados empregados, sem prejuízo da aproximação que
deverá ser promovida entre os advogados dispersos nos departamentos jurídicos e a
OAB.
1221
1221
Ata da 1468ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária do CF.OAB, realizada em 4 de abril de 1983. A questão do
advogado empregado, no contexto do liberalismo do ideário estatutário ameaçando evoluir em crise, tornou-se
uma matéria, senão a mais relevante, altamente importante para o futuro Estatuto. A Lei nº. 8906, de 4 de
julho de 1994, regulou a questão no seu Capítulo V (arts. 18/21), pondo fim ao ortodoxo preconceito da
advocacia como atividade profissional autônoma e liberal exclusivamente, o que não desobrigou os
advogados empregados a cumprir as regras estatutárias. O que não se definiu, todavia, foi o quadro
regulamentar do advogado empregador.
752
O pronunciamento do presidente deu a exata indicação do que foi chamado de
consciência média da corporação, ou seja, a definição do ideário profissional exatamente
articulado com uma proposta democrática para as instituições políticas, destacando a
contribuição para o ensino jurídico e o repúdio ao autoritarismo com equilíbrio e sensatez,
para preservar as condições de negociação entre o arbítrio voluntarioso e a esperança
destemida, bem como na condenação da Lei de Segurança Nacional como indicador da
ilegitimidade do poder. Finalmente concluiu o ex-presidente:
É preciso, imperioso, urgente, construir a ponte da concórdia através desse mar de
desunião. A Nação precisa reencontrar os caminhos da sua grandeza, seja tanto na
órbita econômico-financeira, quanto no escalão social. Um e outro passam,
necessariamente, pelo portal generoso do povo independente, soberano na sua escolha,
intangível nas suas decisões (...). O maior problema institucional do país é a
ilegitimidade do Poder, razão pela qual (...) [é a] solução mais viável para o impasse, a
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte (...) livre e soberana, com novos
representantes eleitos para esse fim, já que a Constituição de um país não pode ser um
documento abstrato, com o objetivo de adulterar uma realidade nacional para situa-la
dentro de parâmetros casuísticos. Vale dizer: recolocar o Poder Constituinte nas mãos
do povo soberano, sabido que não há poder legítimo sem o seu consentimento (...). A
Ordem, enfim, continuará a dar os passos que até aqui foram dados, e esta Presidência
e certamente esta Diretoria não desmerecerão aqueles que nos antecederam. É justo,
portanto, que em momento como este, de profunda emoção, um advogado que vem da
planície e alcança os píncaros da atividade profissional, ao receber a Presidência do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, proclame uma profissão de fé
democrática e de confiança no cumprimento do programa que apresentamos durante a
nossa campanha, programa que, enfrentando os temas institucionais, não deixou de
lado os problemas específicos da profissão.
1222
O Presidente eleito Mario Sergio Duarte Garcia finalmente fez o seu
pronunciamento balizando-se em posicionamentos semelhantes comprometendo-se em
lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional propondo um projeto de nova lei de
defesa do estado democrático,
depurado da ideologia da segurança nacional. [Comprometeu-se que a OAB] batalhará
pela a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, única forma, e único meio
de levar o país a plena redemocratização. [Bem como a OAB] dará sua palavra certa,
1222
Ibid.O presidente referiu-se ainda ao trabalho da OAB no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana (onde foram analisados 28 casos), referindo-se inclusive a proposta de inclusão nos currículos
jurídicos da disciplina de direitos humanos e também nas academias de polícia, na forma do currículo
sugerido pela OAB. Referiu-se por fim à proposta da OAB para criação de conselhos regionais de defesa dos
direitos da pessoa humana.
753
no momento exato, sobre a necessidade da realização das eleições diretas. Ela, enfim,
não se afastará do povo e de sua posição de líder na sociedade civil, constituindo um
verdadeiro grupo de pressão para que possamos desestabilizar o poder técnico
burocrático.
1223
Finalmente o novo Presidente reconheceu no passado uma luta de
compromissos profissionais pela liberdade e pela democracia, assim como a importância da
liberdade e da democracia para a construção do ideário profissional, como se verifica no
seu pronunciamento inaugural na presidência da OAB:
As eleições da Diretoria da OAB representaram, pelo elevado espírito cívico que as
cercou, salutar exercício de prática democrática, tanto mais que seu resultado importou
na escolha de candidatos de ambas as chapas que disputaram o pleito, formando agora
Diretoria que se mantém absolutamente unida na persecução dos mesmos propósitos,
que plasmam o ideário de nossa corporação (...). Arauto dos anseios mais caros da
cidadania, soube o órgão [OAB], nesta quadra difícil da vida nacional, cumprir o
relevante papel de vanguardeiro na luta em prol dos direitos humanos, do
restabelecimento do império da lei, legítima, da perene busca do Estado de Direito
Democrático (...). [A OAB] inegavelmente responsável pelas sucessivas etapas da
denominada abertura política que, passando pela revogação do AI-5 com o
restabelecimento do hábeas corpus, pelo episódio da concessão da anistia, culminou
com as eleições diretas para os executivos estaduais, toldadas embora pelos resquícios
autoritários de uma legislação eleitoral casuística, que impede a coligação dos
partidos, impõe a vinculação de votos, restringe a propaganda dos candidatos pelos
modernos órgãos de comunicação (...). A convocação da Assembléia Geral Constituinte
é, e continuará a ser, postulação prioritária, da qual o discurso político dos dirigentes
da OAB não pode abdicar. A despeito das dificuldades que certamente serão antepostas
nesse trabalho de verdadeira conquista democrática, pelos que, divorciados da
realidade, ainda sustentam doutrinas ultrapassadas e autocráticas (...). A valorização
da profissão, tarefa de que não se pode descurar, deve ser alcançada por meio de uma
completa reformulação do ensino jurídico, causa primeira da crise que afeta a
advocacia em nossos dias. A reforma do ensino não tem como meta apenas o curriculum
básico. Deve ela atingir o critério de escolha de professores; a limitação das vagas nas
escolas; um marcante cunho de investigação axiológica a ser empreendida no estudo do
direito. A essa tarefa, encetada pela nossa corporação sob a iniciativa de meu ilustre
antecessor na presidência, o eminente advogado José Bernardo Cabral, deve somar-se
a contínua luta pela manutenção do exame da Ordem, e pela submissão do estágio
exclusivamente às normas do nosso Estatuto, com a conseqüente revogação da Lei nº
5842 (...). Papel de realce continuará a ter a Comissão de Direitos Humanos da OAB,
inclusive no incentivo à sua instalação em todas as Secionais que ainda não o fizeram
ou a não criaram, para que continue a servir de ancoradouro natural das grandes
angústias da cidadania: problemas fundiários, violências urbana, sistema penitenciário,
abusos de autoridade, dentre tantos outros (...). tenho a certeza de que a V. Exas.
somarão seus esforços nessa ingente tarefa, para que, fortalecida a Ordem dos
Advogados do Brasil escreva um novo pacto social para o país.
1224
1223
Ata da 1469ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária do CF.OAB realizada em 18 de abril de 1983.
1224
Ata da 1469ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária do CF.OAB, realizada em 18 de abril de 1983.
754
Conclusão
As Atas de reuniões de colegiados de elite podem ocultar, tanto quanto revelar,
mas os textos escritos de palestras mais revelam que escondem. Neste sentido, enquanto as
palestras destas últimas (VIII e IX) Conferências, inclusive da VII Conferência, traduziam
as novas aberturas de um novo projeto de ideologia jurídica, permeada pelo humanismo-
social, as atas das reuniões do Conselho Federal revelavam a crescente expectativa de se
assumir o confronto de rupturas com o governo central, inteceptada, todavia, pelo
liberalismo jurídico institucionalizado no ideário estatutário vigente (1963), que
desestimulava ações de natureza política e partidária
1225
e, de certa forma, restabelecia o
entendimento como forma possível de convivência com os governantes ilegítimos para se
viabilizar uma nova legitimidade.
A mais evidente demonstração desta situação dilemática foi a participação do
Presidente do Conselho Federal da OAB como membro nato do Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana, o que se reproduziu senão com a evidência política das
frustrações da impotência participativa com a trágica limitação das ações investigativas
(anteriormente nos casos Sobral Pinto e Dalmo Dalari e, ainda, Herzog) no episódio da
bomba mortal depositada na secretaria da sede da OAB no Rio de Janeiro e do subseqüente
episódio no espaço de convenções do Rio Centro. O primeiro e o segundo episódios têm,
apesar da evidenciada origem comum, destinos diferentes, o primeiro a organização líder da
sociedade civil a OAB, o segundo jovens em manifestação festiva do dia do trabalho, mas
de certa forma encerraram-se da mesma forma: a ausência da identificação de culpados,
aliás, o que sempre ocorre, quando investigados e investigadores integram o mesmo quadro
em processo de degeneração institucional.
As dificuldades impostas pelas limitações do ideário estatutário para uma ação
agressiva mais efetiva, dado que o espaço de definição de uma nova ideologia jurídica se
desenvolvia nas palestras das últimas conferências, por um lado, evoluiu no contra-ponto da
cena para a implementação de políticas de entendimento, com o establichement
1225
Ver Lei nº 4215 de 27 de abril de 1963 (ver art. 8°/145). Ver, também, neste Capítulo, item 1
(Preliminares Eleitorais).
755
governamental, salvo novas conversações com o Presidente da República, o fiador da
ditadura política, por outro lado, as cartas de encerramento das Conferências tomaram um
caráter mais efetivo e politicamente engajado, após a VII Conferência, denunciando,
essencialmente, a ilegitimidade do poder autoritário e trabalhando a hipótese construtiva da
Assembléia Constituinte.
Todavia, esta política trilateral de equilíbrio, não foi suficiente para conter, no
seio corporativo, de certa forma, em sintonia com a própria sociedade, as políticas de
redefinição ideológica, avançando nos limites do humanismo-social, como protótipo de
nova ideologia corporativa. Nas gestões que presidiram a X e a XI Conferências,
imediatamente antes, durante e após o movimento das Diretas, em que a OAB se envolveu
conflitivamente, ampliaram-se os sintomas de ruptura com a ordem estabelecida e as cartas
de conclusão das Conferências de Recife e Belém sofreram, significativas mudanças de
qualidade, não apenas para sugerir a convocação de uma Assembléia Constituinte livre e
soberana, para a restauração do poder legítimo no Congresso Nacional, mas também, para
sugestões de instalação de uma sociedade comprometida com “uma” democracia
econômica, termo conceitual que fugia ao quotidiano do projeto social-liberal de
transformação endógena dos institutos jurídicos, ou, do que vinha se denominando social-
humanismo.
Finalmente, como veremos nos capítulos sucessivos, o social-liberalismo
adquiriu significativa força durante os trabalhos da Comissão Arinos, influenciando,
significativamente, o texto constitucional de 1988, o que não impediu, que,
independentemente da convergência humanista de posições, o projeto da “democracia
econômica” influísse, no Capítulo constitucional que essencialmente estatizou a ordem
econômica, vindo a sofrer, a partir de 1990, o impacto das emendas de privatização neo-
liberais, assim como, em produção uníssona com outros projetos, no Capítulo sobre direitos
fundamentais e, muito especialmente, nas políticas constitucionais de direitos sociais.
756
CAPÍTULO XI
O DILEMA DA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DIRETA E DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE.
Introdução
Este Capítulo está organizado em 2 (duas) vertentes temáticas: o dilema do
movimento das “Diretas Já”, para Presidente da República, e as dilemáticas contradições
dos projetos constituintes com as propostas dos advogados que, respectivamente,
atravessaram, e provocaram efeitos sobre a constitucionalização do país. Na primeira parte,
a Tese, basicamente, analisa as provocações conflitivas que a campanha das diretas
provocou no Conselho Federal da OAB, principalmente influenciando a sua evolução para
uma proposta constituinte, e, na segunda parte, basicamente, discutiremos, como resultado
evolutivo, a sua profunda reversão ideológica, com efeitos de curto prazo, sobre o eixo
tradicional da ideologia jurídica e, de médio prazo, sobre o próprio ideário estatutário.
Estas ambas linhas de análise evoluem, todavia, considerando sempre a
temática da X Conferência sobre “Democratização” e da XI Conferência sobre
“Constituição”, demonstrações efetivas da mudança de qualidade política nas palestras das
Conferências. Neste contexto ficavam definitivamente superadas as questões do quotidiano
técnico do direito para as grandes questões políticas emergentes: democracia e constituição.
No entanto, da mesma forma, que, na analise da primeira vertente temática, não
pudemos deslocar o eixo da discussão da X Conferência da questão constitucional
estrutural, na sistematização da segunda vertente, aprofundamos a discussão das palestras
da XI Conferência, concentradas, especialmente, nas propostas de mudanças institucionais,
qualitativas, intensamente discutidas. Neste sentido, o Capítulo ultrapassou a discussão,
simplesmente, da política de democratização dos principais institutos constitucionais, para
se concentrar no debate sobre a própria natureza dos institutos e suas circunstancias
determinantes, bem como sobre as suas projeções de modificação estrutural futura,
especialmente na segunda parte do Capítulo.
757
Para maior alcance compreensivo foram abordadas, questões como o sistema de
propriedade e sua força matricial na formação do Estado brasileiro, assim como foram
tomadas, como questões fundamentais, a relação entre a sociedade e o sistema de poder, ou,
como, denomina, Ferdinand Lassale, entre os fatores reais de poder e a organização do
estado, principalmente nas vertentes da organização federativa, da organização dos poderes
e das próprias políticas de tributação. Por outro lado, completando o círculo evolutivo das
discussões internas da OAB estão discutidas, neste Capítulo, o reconhecimento dos direitos
humanos como direitos fundamentais essenciais a ma nova Constituição e o papel dos
advogados na implementação de uma nova ordem jurídica.
Por estas razões, de todos os Capítulos da Tese, possivelmente, este, seja o de
estrutura mais complexa, exatamente porque, no contexto das discussões sobre
“democratização”, vimo-nos na contingência de discutir as “eleições diretas para
Presidente” e, no contexto das discussões sobre o conteúdo da “Constituição”, vimo-nos na
contingência de avaliar o alcance substantivo ou ideológico das novas proposições e seus
efeitos sobre as próprias ações da OAB. De qualquer forma, esta especial situação, permitiu
que a discussão temática estivesse sempre permeada pelo conceito de estado, sociedade
civil, nação e legitimidade democrática, o que deu ao Capítulo, não apenas uma natureza
descritiva, mas, também, qualitativamente inovadora.
A Carta de Recife, conclusiva da X Conferência, e a Carta de Belém,
conclusiva da XI Conferência, traduzem, muito bem, esta situação, apesar de que, as Cartas
de Conclusão de Conferências vinham evoluindo em linha semelhante desde a VIII
Conferência, firmando posição sobre a ilegitimidade do poder autoritário tranvestido no
Estado de Segurança Nacional. No entanto, nestas últimas Cartas, a questão foi
aprofundada politicamente, demonstrando-se a desconexão do estado autoritário com
relação à própria sociedade civil e a sua incapacidade para absorver demandas de novo tipo
e qualidade.
Finalmente, achamos conveniente, na reta final do Capítulo, antes mesmo da
transcrição das cartas de Recife e Belém, fazer uma analise das principais sugestões
constitucionais da OAB que advieram das Conferências e Seminários, comparativamente
com dispositivos do texto constitucional promulgado, em muitos aspectos influenciados
pelo anteprojeto da Comissão Afonso Arinos. Este Capítulo, na verdade, é o mais frondoso
758
da Tese, mas foi escrito sobre sucessivas e espinhosas camadas onde posições muitas vezes
divergentes entre si buscavam o caminho comum.
1 – Recuperação Histórica
As Conferências da Ordem dos Advogados evoluíram desde 1958 como um
sensor das expectativas e ideais dos advogados, mas foi efetivamente, a partir da X
Conferência de Recife, quando presidia o Conselho Federal Mario Sérgio Garcia, que elas
assumiram, também, um visível papel de diagnosticar a realidade política e jurídica e de
implementar estratégias de ação para alcançar mudanças objetivas na estrutura e
reorganização do Estado brasileiro. Basicamente, estes diagnósticos e estratégias definiam
políticas de reconhecimento e enfrentamento do Estado de Segurança Nacional, assim
como redefiniam novos parâmetros para a democracia brasileira (futura) inspirados nas
teses e debates das Conferências. A intensa participação nestes debates e os seus reflexos
na sociedade civil levaram os advogados, por conseguinte, a reavaliar o seu próprio ideário
corporativo, sempre traduzido no Estatuto Profissional, seu alcance e limites, o que
provocou novos e profundos questionamentos da dogmática, como hermenêutico
tradicional, e da própria ideologia jurídica, ascendente e/ou remanescente das lutas contra o
autoritarismo.
Muitos foram, todavia, os ciclos e períodos de reavaliação e redefinição da
ideologia jurídica e seus conseqüentes efeitos sobre o ideário profissional, sendo que,
interessantemente, tais avanços basicamente se manifestaram nos períodos de luta contra o
autoritarismo de estado e pelo Estado de Direito. Assim, o liberalismo jurídico, desde 1937,
e mesmo, ainda, na Primeira República, suportara os projetos ideológicos, senão apenas
políticos também corporativos da OAB, dentro dos padrões de sua dimensão clássica. Com
o advento da República de 1946, e o grande impacto das lutas pela proteção dos Direitos da
Pessoa Humana , ampliou-se o reconhecimento das dimensões esquecidas da proteção
existencial, bem como fortaleceram-se as posições críticas sobre os excessos repressivos do
759
Estado no âmbito penal e, no âmbito civil, sendo o liberalismo clássico e iluminista. Estas
novas vertentes do conhecimento jurídico vicejaram no ambiente favorável das
conferências da OAB, mas ao mesmo tempo provocaram novas e profundas reflexões sobre
a hermenêutica dogmática e, também, sobre a organização burocrática do Estado,
processualmente comprometido, quase que exclusivamente, com as estruturas e fluxos de
demandas e respostas a conflitos simples e de natureza individual.
As reuniões da OAB que se seguiram ao período Vargas (1930/45) dedicaram-
se as contribuições para a rearrumação democrática que se definiu na forma da Constituição
de 1946, e, imediatamente antes à Conferência de 1958, com a formatação e edição do
Estatuto de 1963, que consolidou o ideário profissional dos advogados, cuja discussão
iniciou-se na Câmara dos Deputados, como já analisamos durante o governo Juscelino
Kubitschek
1226
e, foi, sancionado, após o interregno parlamentarista, quando João
Goulart,
1227
já governava com poderes presidenciais.
Nestes ambos períodos, marcados pela retomada do trabalhismo getulista,
depois do interegno do governo Eurico Dutra, eleito com forte apoio getulista, mas que,
finalmente, governou sob a influência da oposição liberal-democratica, a OAB evoluiu em
nítidas posições liberais, procurando, preliminarmente, desvincular-se do Estatuto de
1931/33 e, em conseqüência, avançar numa proposta estatutária independente e autônoma
para a autarquia. Neste sentido, não propriamente podemos identificar os movimentos da
corporação com o trabalhismo sindicalista, que evoluiu do modelo corporativista de estado,
dominante entre os anos de 1930/1937 (novembro), mas, também, não podemos
desconhecer, que, na sua criação, e implantação, como se verifica do papel de suas
personalidades, do seu(s) próprio(s) estatuto(s) decretado(s) em 1931/33, estiveram
próximos do corporativismo ideológico, como projeto de enfrentamento ao patrimonialismo
oligárquico, para, depois evoluir nas linhas tantas da liberal democracia.
1228
As Conferências que seguiram ao Estatuto de 1963 estiveram marcadas por um
forte e exagerado liberalismo, monopolizado, àquele tempo, pela União Democrática
1226
Ver cap. VI desta Tese.
1227
Ver cap. VII desta Tese.
1228
Ver cap. V desta tese, Conclusão.
760
Nacional UDN - que tinha um projeto de democracia formal influenciado por juristas
notórios,
1229
com participação, também, na OAB, onde, conviviam com as elites militares
que exerciam o efetivo papel de guardiãs do Estado brasileiro.. O liberalismo udenista, na
verdade, esdrúxula ideologia moralista e conservadora, não tinha exatos compromissos de
idéias, mas se definia por radicais posições anticomunistas e antisincalistas, e era também
sempre identificado com o atigetulimo, historicamente marcado pela influência retórica e
literária de Carlos Lacerda, astucioso jornalista, politicamente formado à esquerda, mas que
fortalecera-se à direita.
Por estas razões, a OAB e o liberalismo (jurídico), liderados por expressivos
juristas brasileiros, como observamos, ficou tão intimamente comprometida com o
movimento militar de 1964; embora não possamos desconhecer, os seus compromisso com
a própria Lei nº 4319, de 16 de março de 1964, de iniciativa parlamentar do udensita Bilac
Pinto, embora sancionada pelo Presidente João Goulart, que criou o Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, e, também, fixara normas substantivas para o
seu cumprimento e apreciação.
1230
Este projeto, no computo geral do projeto ideológico
liberal, teve alto significado político, apesar de que a consecutiva revolução de 31 de março
/ 1° de abril, tenha mutilado os seus propósitos e comprometido as novas dimensões
democráticas do liberalismo jurídico.
O quadro de adesão circunstancial e imediatista ao radicalismo revolucionário,
instalado pelo movimento militar de 1964, tomado por rancores pessoais, ressentimentos
históricos e um radical discurso anticomunista (e antijanguista), arrastou os advogados e a
liderança da OAB da luta pela preservação dos ideais da Constituição de 1946 (que eles
próprios ajudaram a construir) para a sua defesa política apoiada em meios que fugiam
(juridicamente) aos próprios fins liberalismo jurídico. O golpe, (ou o golpe de Estado
preventivo, na linguagem do coronel ex-ministro de vários governos militares, Jarbas
Passarinho)
1231
no golpe, provocado pelo Ato nº 5, de 1968, após o fracasso da Constituição
1229
Afonso Arinos de Melo Franco, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Milton Campos,
que foram também deputados no Parlamento e Assembléias.
1230
Ver cap. VII, onde estão transcritos os dispositivos da referida Lei, bem como informações sobre sua
regulamentação em 1968 e modificação legislativa em 1971
1231
Ver de PASSARINHO, Jarbas. De Ser ou Não Ser de Esquerda. In: Correio Brasiliense. 2006.
761
de 1967, e a consecutiva Emenda (Constitucional) nº 1, de 17 de outubro de 1969, que
resultou no Estado de Segurança Nacional inviabilizou a “atormentada” restauração do
Estado de Direito e a garantia dos direitos individuais, após sucessivos fluxos e refluxos de
posições, definitivamente comprometendo as conferências de 1968 (III) e 1970 (IV),
isolando o liberalismo como projeto ideológico da OAB.
As Conferências subseqüentes, que anteriormente analisamos, evoluíram num
quadro político de reflexão modificativa de seus ideais históricos, e estatutários, pré-
definidos pelos advogados, mas que favoreceram uma evolução conceitual permeada pelos
ideais de proteção aos direitos humanos e pelos ideais de justiça social, assim como
favoreceu a mobilização profissional, pela Ordem dos Advogados, da categoria, para as
lutas de resistência que sucederam ao Ato Institucional nº 5/68. Como já observamos, este
reposicionamento contribuiu para redefinir as dimensões das convicções liberais
tradicionais da OAB aproximando-as dos pressupostos protetivos das novas vertentes
conceptivas dos direitos individuais existenciais e do ascendente liberalismo de grande
conotação social-humanista, que vinha avançando na direção da proteção de direitos
subjetivos coletivos e difusos, uma nova e especial abertura de proteção jurídica que fugia
da polarização classista, bem como de uma concepção mais moderna e aberta do Estado de
Direito, não apenas restritas ao formalismo jurídico.
Neste contexto as conferências, no tempo subseqüente, permitiram uma
redefinição da ideologia (jurídica) dos advogados, como um humanismo pragmático de
forte inclinação social liberal que subsidiou a desconstrução da ordem autoritária, apoiada
na doutrina da segurança nacional. Por outro lado, estas próprias aberturas ideológicas, no
médio prazo, também contribuíram para a construção da nova ordem democrática, a partir
de sucessivos debates seminários e palestras sobre a natureza de um Assembléia
Constituinte, que fosse reconhecidamente aberta a demandas de natureza mais complexa e
de maior alcance social.
No entanto, como já observamos, as conferências sobre “democratização” e
“constituição” viabilizaram ideologicamente alternativas ao social-humanismo sem fugir ao
humanismo, mas com propostas de compromisso de modificação estrutural, fugindo ao
modelo de se alcançar o direito pelo direito. Na verdade, as cartas de Recife e de Belém
foram redigidas numa nítida linguagem de esquerda que permitira, por um lado, uma ampla
762
discussão sobre sua capacidade de acomodação epistemológica ao ideário corporativo
profissional e, por outro lado, sobre a sua própria capacidade de aceitação, também
epistemológica, num quadro constituinte constituído por acomodação de frações
divergentes.
Neste sentido, a evolução conceptiva e de propósitos da OAB ocorreu num dos
momentos mais difíceis da história brasileira contemporânea, consentânea, exatamente,
com as políticas de compressão e de abertura do governo militar, que, rigorosamente, com
suas teorias geopolíticas inaugurou e fechou o regime autoritário1232. A OAB, na verdade,
não estava engajada por estas discussões dos conciliábulos governamentais sobre as
políticas de abertura, mas pautava-se pela luta em prol da restauração do Estado de Direito
e da democratização, que, neste momento histórico, não se confundia, com qualquer acordo
com partido ou grupos políticos ou com o sistema de poder. Os seus propósitos estavam
voltados para a construção da ordem jurídica futura e não para pactos ou acordos de
transição ou mesmo para ações indicativas de ruptura.
Foi neste ambiente de intensa discussão sobre as alternativas para a reinstalação
do Estado de Direito e para a redemocratização que os debates sobre a Assembléia
Constituinte, ainda na gestão de Mario Sergio Garcia, foi atravessado pelo crescente
movimento pelas “Diretas Já”, colocando, para o Conselho Federal da OAB, questões ainda
não abordadas e de efeitos políticos de longo alcance.
1232
Golbery do Couto e Silva foi o mágico (bruxo) deste movimento. Ele próprio, ainda nos idos de 1962/63
inventou o sistema de informações políticas que subsidiou a subseqüente política anticomunista de fechamento do
Estado (compressão) que ele próprio executou com a criação do Serviço Nacional de Informações SNI,
posteriormente, ele próprio, como chefe da Casa Militar do Presidente Geisel e, depois do Presidente João
Figueiredo, iniciou a política de descompressão (distensão), sendo que, quando aumentou o risco de perder o
contado do processo, com o atentado à sede da OAB e, depois, o atentado do Rio Centro, abandonou o governo,
deixando a chefia da Casa Militar. Sobre o seu pensamento geoestratégico, ver cap. III onde desenvolve a teoria das
sístoles e diástoles, como teoria dos fluxos (p.201) e refluxos de exercício do poder. SILVA, Golbery do Couto.
Conjuntura Política Nacional: O Poder Executivo Geopolítico no Brasil. Rio de Janeiro, J. Olimpyo. 1981.
763
2 – A OAB e as Eleições Diretas
2.1. Preliminares Conceituais Comparadas
Muitos estudiosos brasileiros (e brasilianistas) têm se dedicado à histórica
questão da abertura política brasileira, sendo que, nesta Tese, já dedicamos especial atenção
ao livro de José Honório Rodrigues: Conciliação e Reforma no Brasil.1233 Este estudo,
que José Honório 1234 preparou, ainda, quando estagiava na Escola Superior de Guerra
ESG, e, ali, convivera com Golbery do Couto e Silva, que estudava, não propriamente o
tema da influência conservadora sobre as de reformas (estruturais e/ou institucionais no
Brasil), mas as políticas de compressão e distensão (sístoles e diástoles) no exercício do
poder para alcançar objetivos ou resultado estratégicos.1235
Todavia, por outro lado, outros tantos estudiosos, como Wanderley Guilherme
dos Santos,1236 se dedicaram a estudos sobre os diferentes mecanismos da ação
governativa autoritária, assim como Fernando Henrique Cardoso1237, amplamente discutiu
as questões do governo autoritário brasileiro. Todavia, no moderno contexto dos anos de
1980, a temática que mais interesse despertou na intelectualidade foi o exato contraponto da
compressão, ou das sístoles autoritárias, e as políticas de abertura autoritária ou diástoles.
1233
RODRIGUES, José Honório. Conciliação e Reforma no Brasil. Um desafio histórico-político. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira. 1965.
1234
RODRIGUES, José Honório. Aspirações Nacionais. Interpretação Histórico–Política. Editora Fulgaz,
1963.
1235
SILVA, Golbery do Colto Conjuntura Política Nacional: o Poder Executivo Geopolítico do Brasil. Rio de
Janeiro: José Olympo. 1981.
1236
SANTOS, Wanderley. Legitimidade e Pacto Político. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil. Caderno Especial.
08/09/1974.
1237
CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e Democratização. 23º ed. EDITORA??: São Paulo, 1976
764
Luiz Werneck Vianna,1238 cientista político brasileiro estudioso do tema dos
modelos de abertura, em leitura singular, entendeu que a crise do regime autoritário evoluiu
em duas linhas alternativas: a viabilização de um projeto de abertura, entendido como uma
concepção endógena de auto-reforma do regime militar, e o processo de abertura, entendido
como superação do projeto de (auto reforma) abertura, como conseqüência dos movimentos
“libertários” exógenos e das conquistas políticas da sociedade. No projeto de “auto-
reforma” a abertura estaria presidida (determinantemente) pelas forças internas do regime,
não haveria propriamente uma ruptura da natureza originária da ordem e no projeto de
superação da auto-reforma, as forças exógenas teriam um papel mais decisivo e
reconstrutivo.1239
Este artigo de Luiz Werneck Vianna teve especial alcance político e
radiografou o exato quadro da correlação das forças internas de governo e a expansão
crescente das forças externas. A colocação textual, neste quadro demonstra que, as forças
da ordem não estavam em desfavorecimento desequilibrado, muito ao contrario, ficava
demonstrada na prudente antevisão que as forças revolucionarias instituídas (1964/68)
dificilmente reconheceriam o esvaziamento de seu poder constituinte em detrimento das
forças oposicionistas, que, nas circunstâncias políticas vividas, não tinham força
constituinte.
Guillermo O’Donnell, em leitura similar, distingue também, especiais formas
clássicas de transição (sendo que não necessariamente evoluem na sua forma pura): a
transição por colapso e a transição pactuada.
1240
A transição por colapso, na nossa leitura,
1238
VIANNA, Luiz Werneck. O Candidato da Conciliação Nacional. In Revista Presença: Política e Cultura,
n°. 4, agosto /outubro de 1984.
1239
Esta orientação prevalece, também, no livro do mesmo autor intitulado Travessia – da abertura a
constituinte, muito embora, o autor se encaminhe já para a discussão de questões de natureza pratica, extraindo
posições de grupos e frações políticas envolvidas no processo e, menos insistentemente, trabalha com a
nomenclatura classificatória do processo. Interessantemente, este mesmo autor, tem uma estudo precursor sobre
os intelectuais na política, onde destacou o especifico papel dos juristas procurando desvinculá-los para a
construção da nova ordem da direta expressão de interesses, destacando, também, a natureza publica da OAB
potencialmente concorrente do poder de Estado em esclarecedora recuperação histórica. VIANNA, Luiz
Werneck. Travessia: da abertura a constituinte. Rio de Janeiro: Livraria Taurus, 1986, respectivamente p. 211 e
segs e 101.
1240
Guillermo O ‘Donnell, in LINZ, Juan e STEPAN, Alfred. A Transição e Consolidação da democracia.
Petrópolis. Paz e Terra, 1999, p. 115 e segs. Ver, também, STEPAN, Alfred C. Os militares: da Abertura à Nova
República. RJ. Artenova, 1975 e, ainda, Democratizando o Brasil. RJ. Paz e Terra, 1988.
765
em geral, ocorre, rapidamente, e representa uma forte ruptura com o governo autoritário,
fugindo do controle dos grupos do poder e do processo de reconstrução política sendo em
geral assumida pela oposição política ou revoltosa (vitoriosa). Este processo, no fundo, não
tem a natureza de abertura, mas de ruptura. A transição pactuada, esta sim, é lenta, gradual
e segura para as forças do poder, mas representa grandes concessões para as forças de
oposição, muito se aproximando do modelo espanhol, que sucedeu ao franquismo, e/ou
chileno, que sucedeu a Pinochet.
Independentemente do artigo que serviu de base para a construção deste
Capítulo, O’Donnell, juntamente com Philippe C. Schmitter e Laurence Whiteread
promoveram também estudos sobre transições de regimes autoritários na América Latina,
mas o livro prestigia especificamente, o caso brasileiro como estudo sobre a liberalização
do Regime Autoritário no Brasil escrito por Luciano Martins, onde defende a tese de que o
colapso dos regimes autoritários, na sua busca pela sobrevivência, se “auto submete” a
processos mais ou menos contínuos de mudança e adaptação, Alias, o que nesta Tese
procuramos deixar visível com as sucessivas emendas casuístas que sucederam e
antecederam às eleições diretas e a própria emenda constituinte. Outro aspecto ressaltado
por Luciano Martins, que responde na sua especifica dimensão à linha de orientação de
Werneck e O’Donnell e que a transformação de regimes autoritários não é alcançada,
necessariamente através de sua derrubada, ela pode resultar, também, de processos
evolutivos de mudança.
1241
Para o autor, todavia, o restabelecimento de formas democráticas de governo
configura-se, tão somente, como um dos resultados possíveis da transformação destes
regimes. Alias, na linha geral do ultimo Capítulo, procuramos mostrar que as expectativas
continuistas de mudança constitucional resultaram exatamente no que se refere a ordem
econômica em alterações radicalmente contrarias ao que se esperava durante o processo
constituinte. Comente-se, finalmente, que o texto de Luciano Martins evolui em linha de
maior exploração política, onde amadurecem com acuidade e profundidade as suas teses,
podendo-se reconhecer que completa os autores que fundamentaram a orientação evolutiva
desta Tese.
1241
MARTINS, Luciano. Liberalização do regime autoritário no Brasil. In: O’ DONNELL, Guillermo. Transições do
regime autoritário (América Latina). São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988. p. 108, 117, 118 e segs.
766
Não propriamente existe uma grande diferença na compreensão conceitual do
processo político em Werneck Vianna e em Guillermo O’Donnell, parecendo-nos que a
auto-reforma do regime seria uma espécie de abertura pactuada, que levaria a uma
democracia relativa, enquanto a superação (dialética) da auto-reforma, como a transição por
colapso, levaria, senão à democracia plena a um regime politicamente antinômico,
1242
tomadas estas linhas diretivas como alternativas pressupostas. Os estudos, todavia,
consecutivos da aplicação prática destes modelos são parcos e dispersos, sendo, todavia,
que, dentre os estudiosos que temos trabalhado, nesta Tese, a palestra, depois editada em
livro, de Raymundo Faoro, intitulado Assembléia Constituinte,
1243
tem uma recuperativa
força exemplar
1244
e nos permite afirmar que, em qualquer dos casos, a reordenação legal
fugiria das iniciativas constituintes.
A institucionalização política de qualquer dos clássicos modelos de transição,
garantem que a transição por colapso leva a modelos de democracia plena, assim como que
a transição pactuada acabe sempre em democracias relativas. A historia leva aos mais
diferentes exemplos, sendo que, no Brasil, mesmo de 1930, após uma ruptura profunda com
a ordem anterior, evoluímos para uma constituinte aberta, com indicativos de democracia
plena, que terminou no Estado Novo. Por outro lado, a frágil abertura de 1945, admitida por
Getúlio com a Lei n°. 9/45 terminou em uma democracia extensiva, que, infelizmente
sucumbiu em 1964/68. A convocatória Constituinte de 1985, na forma da Emenda
Constitucional, planejada no bojo do poder revolucionário, apesar da pressão oposicionista
e da sociedade civil, evoluiu para especialíssimo projeto de estado democrático, munido de
extensíssimas garantias.
Qualquer destas linhas de evolução permite um estudo aplicado das condições
políticas circunstanciais brasileiras de cada época, razão pela qual os tantos seminários e
congressos realizados sobre a Assembléia Constituinte, uma evidente certeza histórica,
sofreram um verdadeiro impacto com o crescente movimento das “Diretas Já”, para
Presidente, uma alternativa concreta que atropelava a transição por conciliação e obra a
1242
Ver VIANNA, op.cit.
1243
FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte: A legitimidade recuperada. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
1244
SÌEYÈS, J. E. A Constituinte burguesa [Qu’est-ce que le Tiers Etat]. Edição comemorativa dos 200
(duzentos) anos da Revolução Francesa. Organização e prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 1989.
767
possibilidade de uma “transição por colapso” ou pela “superação da autoreforma”,
colocando em “cheque” o projeto de distenção (sístole) de Geisel e Golberi, em execução
pelo Presidente Figueiredo, mais claramente comprometido com a distensão por auto-
reforma (endógena) ou a abertura por transição pactuada.
Na verdade, não podemos, peremptoriamente, afirmar que a OAB estivesse
envolvida em qualquer modelo de transição, ou, que o cotidiano de seus debates estivesse
colorido pelas análises políticas, mas, demonstrou o tempo histórico, que seu compromisso
era com a convocação de uma Assembléia Constituinte, que a participação no movimento
das “diretas já” foi meramente circunstancial no quadro da mobilização geral. Os
documentos primários consultados não nos dão conta de qualquer compromisso da OAB
com definições sobre a origem (política) do poder constituinte (Assembléia Constituinte),
todavia, quem sabe pelas limitações impostas pelo ideário estatutário, que não se lhe
reconhecia poderes de opção visivelmente política, razão pela qual ficava quase impossível
a opção corporativa explicita pelo movimento político das “Diretas Já”.
As dificuldades internas da OAB e políticas nacionais para identificar o poder
convocatório, e a precipitação dos acontecimentos políticos, muito especialmente as
eleições diretas para governador dos estados, com fragorosa derrota das forças
governistas,
1245
não foram suficientes para levar a corporação enquanto corporação, a uma
adesão absoluta e explicita ao movimento das “Diretas Já”. Tanto é fato, que o tempo
histórico, através da manipulação dos quoruns deixou que o poder instituído convocasse o
futuro Congresso Constituinte,
1246
evitando a ruptura com a história passada na medida em
1245
As eleições para o governo dos estados e para o parlamento levaram o Governo Militar a fragorosas
derrotas para os governos estaduais e, inclusive, para o parlamento, permitindo, inclusive, a eleição para
governador do Rio de Janeiro, do histórico opositor do Regime Militar Leonel Brizola, provocando sucessivas
emendas constitucionais, visando conter uma imediata evolução das tendências para eleições diretas para
Presidente da Republica, o que ocorreria logo depois.
1246
O Ato Institucional n°. 1/64 já dispunha no seu art. 2° que o Presidente e vice seriam eleitos por maioria
absoluta dos membros do Congresso Nacional, fórmula confirmada pelo art. 9° do Ato Institucional n° 2/65,
sendo que o Ato Institucional n°. 3/66 vinculou a eleição do vice-Presidente. A Constituição de 1967
formalizou no art. 76 que o Presidente seria eleito pelo sufrágio de um “Colégio Eleitoral” composto por
membros do Congresso Nacional e de delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.
Durante o período da Junta Militar, com o afastamento do Presidente Costa e Silva, o Ato Institucional n° 16,
de 14 de outubro de 1969, dispõe no art. 4°, que declarado vago o cargo de Presidente da República, os
membros do Congresso Nacional elegeriam Presidente o candidato que obtivesse maioria absoluta de votos,
sendo que a Emenda Constitucional n°. 1/69, que efetivamente criou o Estado de Segurança Nacional,
manteve inalterado o art. 74/76 que legitimava o Colégio Eleitoral para eleição de Presidente da República,
sendo, todavia, que o pacote de Abril (Emendas n° 7 e 8) ampliaram a composição do Colégio Eleitoral sem
768
que as eleições presidenciais ocorreram na forma do Colégio Eleitoral, criado dentre os atos
originários do Poder Revolucionário e não como pretendeu a Emenda Dante de Oliveira.
1247
Ao fim dos trágicos anos do governo militar, submetidas definitivamente as
propostas de rebelião armada, ou de insurreição popular, as lutas contra o regime autoritário
ficaram restritas às plataformas políticas partidárias, basicamente flutuando entre os
projetos para convocação de Assembléia Constituinte, nos seus diferentes matizes,
1248
e a
de eleição direta para Presidente da República. O projeto de eleição direta, de certa forma,
mais viabilizaria, não propriamente, pelas suas origens legislativas, mas pelos seus efeitos,
a transição por colapso, fortalecendo as frações constituintes de oposição que viam o poder
instituído com poder legitimo sem bases de sustentação na sociedade civil, diversamente da
transição pactuada historicamente, seria representada por uma Assembléia Constituinte que
promovesse a conciliação entre o movimento armado vitorioso em 1964/68 e as tantas
frações de oposição emergentes na sociedade civil e dos movimentos políticos de
resistência ao autoritarismo.
Os eleitos de ambas as duas situações têm força constitucional corretiva: no
primeiro caso poderíamos ter uma constituinte resultante de uma ruptura por colapso ou
por superação do projeto de (abertura) auto-reforma ou por exogênese (neste caso,
alterar o “quorum da maioria absoluta”. A Emenda Constitucional, n° 22/82, como observamos no texto,
editado na exata data da vitória eleitoral da oposição (15.12.1982) não alterou o “quorum” para eleição do
Presidente da República (maioria absoluta), mas alterou o “quorum para aprovação de emendas por maioria
absoluta” para 2/3 (dois terços) dos votos dos membros de cada um dos casos, que, no curto prazo, tornava
inviável a aprovação de qualquer dispositivo constitucional por iniciativa do Congresso que contrariasse o
poder (revolucionário) instituído, como aconteceu com a Emenda das “Diretas já” facilitando a eleição
presidencial pelo “tradicional” Colégio Eleitoral (revolucionário) que veio a convocar a Constituinte.
1247
Este Projeto de Emenda Constitucional (PEC) transitou na Câmara dos Deputados com a data de 2 de
maio de 1983, inicio da legislatura, e foi uma reação direta à Emenda 22/82, que alterou o quorum legislativo
para aprovação de Emenda Constitucional pra “dois terços” dos votos dos membros de cada uma das casas,
mas não obteve sucesso parlamentar apesar da ampla repercussão popular.
1248
Fernando Henrique Cardoso em entrevista concedida a Domingues Leonelli afirma que a idéia da
Assembléia Constituinte era a idéia força de crítica ao regime autoritário, era o caminho de saída para
começarmos pelo começo e refundar o Brasil a partir de uma proposta de ruptura. Leonelli, Domingues e
Oliveira, Dante de ib., p. 40. O líder do PMDB Freitas Nobre na abertura do Congresso Nacional em
02/02/1983 observou que as constituições admitem a sua própria reforma (...) ao lado da plena restauração
do Estado de Direito democrático (...) defendemos uma convocação de um Assembléia Nacional Constituinte
livre e soberana, que a própria realidade brasileira está reclamando como inspiração nacional, saída
honrosa e pacifica para o impasse institucional em que a nação se encontra mergulhada, ib., p. 66. Nesta
mesma linha o primeiro documento da Campanha das Diretas que não foi de conhecimento público num dos
seus itens observa que o deputado Roberto Freire afirmou que a eleição direta para Presidente da República
será a alternativa política que viabilizará a proposta da Assembléia Nacional Constituinte. Ibid., p. 87.
769
vencida a fase constituinte convoca-se eleições na forma do novo regime) e, no segundo
caso, o que efetivamente ocorreu, a instalação de uma constituinte convocada de acordo
com as regras instituídas, o que veio a se denominar de Congresso Constituinte, neste caso
vencida a fase constituinte, os deputados e senadores eleitos na forma da legislação
instituída assumem as funções de deputados ordinários (constitucionais), mantidas as
características da transição pactuada ou de auto-reforma ou por endogênese. Ambos os
modelos, todavia, não impedem que o processo constituinte ou de confecção constitucional
passa ultrapassar os limites de auto reforma ou, mesmo, não romperem com os limites
institucionais antecedentes, que será o objeto dos estudos subseqüentes.
1249
2.2. A Emenda Constitucional das Diretas e a OAB
A Emenda de eleições diretas para Presidente não evoluiu na crise do re-
autoritarismo, cujo sintoma crítico mais se manifestou no projeto de convocação de uma
Assembléia Constituinte que entre seus objetivos iniciais aceitava a iniciativa isntitucional
do Presidente eleito no Colégio Eleitoral, mas resultou, muito mais, da precipitação dos
fatos políticos que sucederam à vitória de governadores e parlamentares de oposição, em
novembro do ano de 1982 (cuja legislatura se iniciaria em 1º de março de 1983, EC nº
3/72). O significativo volume da vitória eleitoral da oposição,
1250
todavia, não obteve a
força constitucional e regimental necessária para romper as rígidas clausulas de barreiras
impostas casuistamente à Carta de 1967, pelos sucessivos atos institucionais e, neste caso,
muito especialmente pela Emenda Constitucional nº 22, de 15 de novembro de 1982.
1249
Ver de SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política
no Brasil, 1974/85, p. 43 e de BORGES, Nilson. Doutrina de segurança nacional e os governos militares, 13 e
segs. In: FERREIRA , Jorge; Delgado, NEVES, Lucila de Almeida (Org). O Brasil republicano: o tempo da
ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
1250
Do total dos senadores eleitos, 46 eram do partido do governo (PDS) e 23 da oposição, sendo 21 do
PMDB, 1 do PTB e 1 do PDT, e o PT não elegeu senador. Na Câmara do Deputados, o PDS tinha 235
deputados e a oposição 244, sendo que 200 eram do PMDB (um amplo leque de ideologias e frações
partidárias (democráticas) pois ainda, ilegais estavam os futuros partidos como o PCB e o PC do B.
770
Interessantemente, apenas para efeitos informativos, esta EC foi promulgada na
exata data da vitória eleitoral da oposição, aproveitando-se da anterior composição de um
Parlamento mutilado pelos reveses do poder revolucionário, mas que, facilmente, mostrava
que, mesmo na derrota tornava-se improvável qualquer radicalização parlamentar contra o
regime instituído. Não há como, por conseguinte, reconhecer que o poder revolucionário,
mesmo em crise profunda, perdera o controle de seu núcleo de poder O Colégio Eleitoral, a
consciência de sua força negocial e a convicção da abertura pactuada, não estavam no
projeto militar a transição por ruptura, mas na forma da transição brasileira por conservação
ou composição com as forças de resistência. Anteriormente observamos neste Capítulo, em
nota explicativa e denotativa os fluxos e refluxos dos mecanismos revolucionais de poder
onde os clássicos mecanismos de controle de constitucionalidade regidos ou flexíveis não
estavam na pauta teórica.
O próprio Deputado Dante de Oliveira, que antes mesmo de sua posse, em 2 de
fevereiro de 1983, elaborara o anteprojeto de eleições diretas para Presidente da
República,
1251
chegou a afirmar que durante a campanha me chamava a atenção, que, nos
debates da universidade, nos bairros e mesmos em comícios e grandes eventos, a resposta
da população era muito forte quando se falava em elegermos o Presidente da República. A
proposta de eleições diretas evoluíra do contato direto com o povo, que exigia eleição direta
para Presidente da República,
1252
nos palanques durante a campanha de 1982, para o
Senado Federal e para a Câmara dos Deputados.
A Emenda Dante de Oliveira, assinada pelo seu autor e 176 deputados e 23
senadores, foi apresentada, com a seguinte redação, sugerindo alterações em diversos
dispositivos da Constituição de 1967/69, o que, verdadeiramente, estrangulava e eliminava
1251
Existiram outros projetos antecedentes dentre eles o de Teodoro Mendes, de Marcos Freire, de Orestes
Quércia e até de deputado centrista Roberto Cardoso Alves no início das discussões sobre eleição direta para
Presidente da República. O projeto (A)PEC de Dante de Oliveira foi apresentado em 2 de março de 1983 e foi
assinada por 173 deputados e 23 senadores.
1252
LEONELLI, Domingos; OLIVEIRA, Dante de. Diretas Já: 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de
Janeiro: Record, 2004, afirmar que o Movimento das Diretas, que começou a se desenhar em 1983 foi gestado
na resistência política à ditadura militar e na campanha da Anistia, todavia, outros tantos documentos
consultados não fazem tal indicação, tudo indicando que evoluiu das circunstancias favoráveis que sucederam
as eleições para governadores e para o Congresso em 1982, 15 de novembro, a exata data da Emenda 22/82.
771
o sistema de eleição presidencial indireta base de sustentação das eleições presidenciais no
governo militar:
Proposta de Emenda à Constituição de 2 de março de 1983. Art. 1º Os arts. 74 e 148 da
Constituição Federal, revogados seus respectivos parágrafos, passarão a viger com a
seguinte redação: Art. 74. O Presidente e Vice-Presidente da República serão eleitos,
simultaneamente, entre os brasileiros maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos
direitos políticos, por sufrágio universal e voto direto e secreto, por um período de cinco
anos. Parágrafo único. A eleição do Presidente e Vice-Presidente da República
realizar-se-á no dia 15 de novembro do ano que anteceder ao do término do mandato
presidencial. Art. 148. O sufrágio é universal e o voto é direto e secreto; os partidos
políticos terão representação proporcional, total ou parcial, na forma que a lei
estabelecer. Art. 3º Ficam revogados o art. 75 e respectivos parágrafos, bem como o
Parágrafo 1º do art. 77 da Constituição Federal, passando seu Parágrafo 2º a
constituir-se parágrafo único.
1253
Internamente na OAB a adesão à Campanha pelas Diretas foi árdua, e, não
evoluiu facilmente, porque o Conselho tinha uma opção estratégica que priorizava a
convocação de uma Assembléia Constituinte, apesar de que os procedimentos
convocatórios remanesciam obscuros ou, pelo menos, não tinham sido formalmente
enfrentados. Os documentos da OAB, somente mais tarde, explicitaram a posição sobre o
poder convocatório, mesmo assim, num contexto que provocou divergências entre a opção
estratégica pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e a participação num
movimento sobre eleições diretas, para Presidente da República, com a conseqüente
convocação da Assembléia Constituinte pelo presidente eleito. O Conselho Federal da
Ordem dos Advogados não teve condições internas imediatas de tomar uma exata posição
sobre esta matéria,
1254
devido à histórica opção constituinte, mesmo porque o apelo pelas
1253
O Texto Constitucional de 24 de janeiro de 1967 sofreu profundas alterações com a Emenda
Constitucional nº 1 de 1969 que evoluíra do Ato Institucional nº 5 de 13 de dezembro de 1968. O sistema
eleitoral marcado pela Emenda Constitucional nº 1 optava pela eleição do Presidente da República através do
sufrágio de um Colégio Eleitoral composto de membros do Congresso Nacional e Delegados das Assembléias
Legislativas dos Estados.
1254
A primeira notícia de envolvimento da OAB nas lides oposicionistas se dá exatamente através da OAB de
São Paulo quando a convocatória da constituinte ainda significava a principal bandeira democrática. Marcio
Tomaz Bastos, em seu discurso de posse como Presidente da Seccional de São Paulo, afirmou que a
reconciliação entre a Nação e o governo só se dará com a Assembléia Nacional Constituinte. A Folha de São
Paulo observou que a OAB reafirmou o papel que adquiriu nos últimos anos e se eleva ao nível de operador
da crise, de fornecedora de projetos capazes de contornar o impasse a que fomos empurrados por 1964. O
articulista ainda concluiu que a posição da OAB nos permite afirmar que a sociedade civil paulista esta à
772
eleições diretas era muito forte e difíceis as condições políticas internas para contorná-la. A
primeira alternativa de qualquer forma deixava a OAB totalmente à deriva do poder
(revolucionário) instituído; devido à sua baixa força ficava, ficava mais confortável ao
ideário (tradicional) da OAB, sem forçar o seu Estatuto que no inciso I do art. 18 do
Estatuto (1963) admitia o seu papel na contribuição para o aperfeiçoamento das instituições
jurídicas apesar das ressalvas para a ação política (art. 145), muito visível em adeqão ao
movimento das diretas.
No Processo CP nº 2872/83,
1255
que tramitou reservadamente no Conselho
Federal, consta que foi proposto pelo Conselheiro Francisco Moreira Camargo, da
Seccional de Goiás, que o Presidente do Conselho Federal oficiasse ao Presidente da
República sobre convocação de eleições diretas, mas as reações são dispersas e refugiam-se
na questão constitucional. Segundo o Relator Conselheiro Paulo Henrique Blasi, o
Presidente da OAB, Mario Sergio Duarte, informara, neste processo, que o membro nato,
ex-presidente do Conselho Federal, Miguel Seabra Fagundes, fora procurado, em São
Paulo, por dirigentes de diversas entidades médicas e participara, inclusive, de reunião da
Associação Médica Brasileira, onde o tema da eleição direta foi tratado, assim como vinha
sendo debatido por operários, empresários e diversas classes profissionais. O Conselheiro,
na iminência da situação, preparou, inclusive, documento (estudo) sobre a matéria, e,
claramente, manifestou-se, no sentido de que a OAB deveria apoiar as eleições diretas para
a escolha do futuro Presidente da República.
O Presidente do Conselho, segundo Paulo Blasi, todavia, evitou qualquer
manifestação explícita, porque não fora autorizado, de acordo com suas próprias alegações,
pelo pleno do Conselho Federal, devido às limitações estatutárias, muito embora Miguel
Seabra tenha apoiado a idéia de que o Conselho deveria manifestar-se favoravelmente à
realização de eleições diretas. Neste contexto, os Conselheiros Sergio Ferraz, Benedito
Calheiros Bonfim, Celso Medeiros, Rômulo Gonçalves, Gerson de Brito Melo Bosón e
Herman de Assis Baeta (vice-Presidente) e Sobral Pinto sugeriram que o estudo de Miguel
frente das lideranças políticas.Ver ODON, Pereira. O novo sinal da OAB. Folha de São Paulo, 2 de fevereiro
de 1983.
1255
Ata da 1.486ª Sessão Extraordinária da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 14 de
fevereiro de 1984.
773
Seabra Fagundes sobre as eleições diretas fosse publicado como matéria paga, além de
impresso e distribuído aos conselheiros, advogados e a todas as seccionais.
1256
A publicação do documento preparado por Miguel Seabra provocou a reação
crítica do Jornal do Brasil quanto à posição assumida pela OAB em relação as eleições
diretas. Documentos internos do Conselho Federal da OAB,
1257
cerca de 11(onze) ou 12
(doze) meses após a apresentação da PEC de eleição direta (02/03/1983), dão notícias de
que o Presidente Mário Sergio Duarte respondera aos editoriais do Jornal do Brasil que
criticavam a OAB, muito embora esta mesma Ata indique que o Presidente da OAB não
comparecera ao Comício pelas eleições diretas em São Paulo, visando
preservar a Ordem de envolvimento que lhe pudesse atingir a respeitabilidade
adquirida no decorrer desses anos (...) e que a entidade não tem nenhuma vinculação
com a mobilização popular em prol da campanha, muito embora [tenha se empenhado
junto] às demais entidade de profissionais liberais, nomeadamente objetivando
sensibilizar os parlamentares sobre a necessidade do restabelecimento das eleições
diretas, assim como o vice-Presidente Herman Baeta [lançara manifesto] reclamando o
estabelecimento das eleições [diretas].
1258
Aliás, como se verifica, este período, que, efetivamente, antecedeu o
movimento pelas Diretas, criou um ambiente sensivelmente contraditório nos escalões
superiores da OAB, adquirindo proporções, mais do que políticas, pessoais. É fato, todavia,
que a corporação estava dividida com sensíveis efeitos sobre a atuação do Presidente Mario
Sergio Garcia, especialmente considerando que o seu vice-Presidente, Herman de Assis
Baeta, em documento próprio, aderira à campanha das diretas.
1259
Contudo, a
1256
Ata da 1.485ª Sessão da 53º Reunião Extraordinária do Conselho Pleno e Ordinária do Conselho Federal
da OAB de 20 de dezembro de 1983, realizada cerca de 1 (um) ano após as eleições para governadores e as
eleições parlamentares de 15 de novembro de 1982 e cerca de 35 (trinta e cinco) 45 (quarenta e cinco) dias
antes da posse dos deputados e senadores em 2 de fevereiro de 1983 (1º de março). O PDS (Partido do
Governo) elegeu 12 governadores e o PMDB (da oposição) elegeu 9 governadores, ficando o PDS no Senado
com 46 Senadores e o PMDB com 23 Senadores, e, ainda, 245 deputados na Câmara e 235 o PDS.
1257
Ata da 1.486ª Sessão Extraordinária da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 14 de
fevereiro de 1984.
1258
Ata da 1.486ª Sessão Extraordinária da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 14 de
fevereiro de 1984.
1259
Ver específicos esclarecimentos neste mesmo Capítulo.
774
documentação citada, mesmo com as sucessivas reações e adesões de conselheiros ao
movimento das “Diretas já” indicava que o Conselho Federal, senão como instituição,
através de seus dirigentes, estava se envolvendo no processo das diretas.
De qualquer forma, no início da movimentação, as atas e documentos
consultados não demonstram o envolvimento precursor da OAB (Conselho Federal),
mesmo porque as teses desenvolvidas nas conferências estavam essencialmente
comprometidas com o movimento constituinte, numa proposta bastante radical em seus
fins, mas tímida no projeto de meios, o que poderia (como veio a ser) com a proposta do
movimento das diretas. O processo, todavia, que evoluiu do clamor popular, tomou conta
das reuniões do Conselho e, como veremos, apesar das dessintonias internas, avançou pró-
diretas para Presidente, o que efetivamente forçou a ruptura entre as posições mais
moderadas, sensíveis ao modelo estatutário vigente, e as posições mais avançadas (e
progressistas) que evoluíram, de uma retórica estritamente política e jurídica, para uma
retórica mais reformista, não apenas do Estatuto, como se identificará na Carta de Recife,
que conclui a X Conferência, não propriamente nas suas teses e palestras, e na Carta de
Belém que concluiu a XI Conferência, essencialmente preocupada em implementar um
projeto constituinte combinado com mudanças sociais de base.
O episódio contrastante deste período esteve diretamente vinculado a adesão
pública do vice-Presidente Herman Baeta à Campanha das diretas para Presidente e à
reação retardatária do presidente da OAB Mario Sergio Garcia, ao movimento das diretas.
constrangido na sua posição, devido às suas resistências iniciais a qualquer ruptura com as
barreiras “presumidas” do Estatuto da OAB. No entanto, segundo suas notas explicativas
oficiais, na imprensa, rechaçando acusações do deputado Walter Lemos Soares (PDS), feito
na Tribuna da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e em programa de televisão,
só pesava em sua posição também interesses profissionais. Em Ata do Conselho Federal
(tudo indica que sua adesão é posterior à 2ª (segunda) quinzena de fevereiro de 1984, após
manifesto público de seu vice-Presidente)
1260
afirma, negando a afirmação daquele
deputado: sua participação na campanha pró-diretas já é (era) muito anterior [à] (...)
contratação do seu escritório pela Fazenda do Estado de São Paulo e que nada tem a ver
1260
Ata da 1.486ª Sessão Extraordinária e 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 14 de
fevereiro de 1984.
775
com aquela atuação de exclusive caráter cívico, decidida, a demais, pela unanimidade do
Conselho Federal e por todos os presidentes dos Conselhos Seccionais.
1261
A radicalidade
da acusação levou a que todos os Conselheiros e várias Seccionais inclusive o membro nato
Miguel Seabra Fagundes se solidarizem irrestritamente com o Presidente ante a exploração
injuriosa de que fora vítima.
Sobre a mesma questão Mario Sergio Garcia esclarece que fez várias manifestações
inclusive junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo que no episódio que se lhe atribuía
fazer a advocacia da FEPASA (Ferrovias de Paulistas Sociedade Anônima) o objetivo
único era desmoralizar politicamente a OAB.1262 Nesta ocasião o Conselheiro José
Paulo Sepúlveda Pertence,1263 pronunciando-se sobre a matéria observou que é
preciso distinguir muito bem as duas espécies de ataque a que a Ordem se sujeita neste
episódio. Uma, à crítica política, que, por mais veemente que seja, nós responderemos
politicamente. Outra a ofensa pessoal, a difamação, a calunia, sofrida pelos dirigentes
em razão das posições políticas da Ordem, e que merecerá o nosso veemente repúdio.
Independentemente do teor do texto sempre conciso e direto J.P. Sepuveda Pertence vê-
se que reage observando que a OAB respondera “politicamente”. Estava rompido o
cerco de limitação estatutária e aberto o debate livre e direto sobre a nova constituição,
fora das limitações jurídicas vigentes o político sobrepõe o político.
Seguindo-se ao pronunciamento foi aprovada a seguinte nota assinada pelo
vice-presidente Herman Assis Baeta:
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tomou conhecimento de
acusação ao seu Presidente, Mário Sérgio Duarte Garcia, em sessões da Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo e da Câmara dos Deputados, a respeito de contrato
de prestação de serviços profissionais ente a FEPASA e o seu escritório de advocacia. A
explicação cabal e definitiva que, a propósito, o ilustre advogado divulgou pela
imprensa evidenciou, mais que a falsidade, a leviandade da imputação. O Conselho
empresta total solidariedade a seu presidente, reafirma sua conduta ilibada, e o
1261
Ata da 1.491ª Sessão Ordinária da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 4 de junho
de 1984.
1262
Ver História da Ordem dos Advogados do Brasil: a OAB na voz de seus presidentes. Herman de Assis
Baeta, coord. Brasília: OAB, 2003, p. 144,147. Ver, especialmente, p. 126 da mesma obra onde esta foto de
Mario Sergio Garcia ao lado de Ulisses Guimarães na campanha das Diretas.
Sobre este tema ver, também,
matéria publicada na Folha de São Paulo de 1º de julho de 1984, p. 40 do Caderno Folha Ilustrada, assinado
por Tarso de Castro, que conclui que trata-se de uma denuncia falsa uma vez que o escritório só será
beneficiado com a importância caso vença a causa.
1263
Ata da 1.491ª Sessão Ordinária e da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 4 de junho
de 1984.
776
desagrava pela ofensa aleivosa e injusta. Além disso, entretanto, este plenário,
consoante o voto declarado da unanimidade das delegações presentes, entendeu
necessário expressar sua firme convicção de que a falsa acusação ao advogado visou a
atingir a própria Ordem dos Advogados do Brasil, na vã tentativa de enfraquecer a sua
posição de luta pela construção da democracia no Brasil: alguns dos vinculadores da
infâmia significativamente ousaram vincular o contrato questionado à participação do
presidente da entidade na campanha pelo restabelecimento das eleições presidenciais
diretas, em cumprimento fiel de missão que a entidade lhe cometeu. A Ordem tem sido
criticada por setores discordantes de suas intervenções na discussão dos caminhos
institucionais do País. A essas críticas, embora freqüentemente distorcidas, temos
respondido com a sustentação contínua da legitimidade de nossa linha de atuação, fiel
ao compromisso democrático dos advogados, parcela marcante da sociedade civil
brasileira. O Conselho Federal repudia, no entanto, com indignada veemência, a troca
da via aberta da crítica às posições da entidade pelo ensaio solerte de atingi-la pela
difamação do seu presidente. Mas, a despeito dos incômodos que possa vir a sofrer,
pela eleição da nova rota infamante, a OAB proclama que nada a desviará de seu
imperativo legal, de discutir os melhores caminhos conducentes ao aperfeiçoamento
institucional e à plena realização do Estado de Direito Democrático.
1264
Este tipo de discussão, de natureza essencialmente política, e com os gravames
que estas situações sempre provocam, de certa forma, senão absolutamente, pelo menos em
grande parte, provocou uma significativa evolução do cotidiano das discussões, da
problemática rotineira da profissão, para questões políticas sobre a natureza do Estado.
1265
Deste episódio que provocou a reação destemida do Conselho, que objetivava fragilizar a
posição da OAB, e afastá-la do processo político, resta positivo, que, pela primeira vez, em
documento oficial, o Conselho da Ordem fala sobre a plena realização do Estado de
Direito Democrático, fortalecendo a tese incipiente das conferências de que não há Estado
de Direito sem democracia.
Na verdade, apesar das insistentes articulações para que entidades da sociedade
civil, a OAB, ABI e CNBB e sindicatos em geral, se envolvessem na mobilização pelas
eleições diretas, as “Diretas já”, o movimento foi, essencialmente, uma campanha popular
político-partidária de oposição ao regime militar, que nasceu no seio do Congresso e
1264
Ata 1.491ª Sessão Ordinária e da 53ª Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 4 de junho de
1984.
1265
Ata 1.490ª Sessão Extraordinária da 53º Reunião do Conselho Pleno e do Conselho Federal de 21 de maio
de 1984, traz manifestação do Conselheiro Sobral Pinto sobre a personalidade e a trajetória política do
Marechal Henrique Teixeira Lott (ex-ministro do Exercito) recentemente falecido. Sobre o mesmo tema o
Conselheiro Rômulo Gonçalves afirmou que estranhava a ausência de qualquer homenagem militar ao
Marechal Lott lembrando que oficiais subalternos chegaram a ser homenageados por ocasião do atentado do
Rio Centro no Rio de Janeiro. Embora não diretamente ligada ao tema esta manifestação é indicativa que o
país ainda não vivia em estado de graça, sobrevivendo ódios e ressentimentos.
777
cresceu nas bases das organizações da sociedade civil e nas ruas. Os seus efeitos sobre a
consciência política da sociedade brasileira foram intensos, especialmente para demonstrar
os vínculos entre a Presidência da República e eleições majoritária diretas, todavia, os seus
efeitos para a reformatação da ideologia profissional, enquanto corporação, foi residual e,
finalmente, não teve alcance constitucional de curto prazo.
1266
Os indicativos gerais da Campanha, mesmo a participação em comícios e atos
públicos, não têm um exato envolvimento do Conselho Federal da OAB, muito embora seja
necessário reconhecer, que, dirigentes participaram do planejamento da Campanha,
1267
realizaram sucessivas entrevistas e reuniões com o presidente da OAB, à época Mario
Sergio Duarte Garcia e com os presidentes de outras entidades da sociedade civil.
1268
De
qualquer forma, não há como desconhecer que atuaram como força estimulante da
campanha das Diretas grupos de esquerda (PCB, PC do B, MR-8, etc) submersos nos
partidos oficiais (PMDB, PTB, PDT e PT), bem como frações de esquerda independentes
destes próprios partidos.
1269
Finalmente, resta observar que estes grupos da esquerda parlamentar e sindical
vinham de lutas fundamentalmente comprometidas com a crítica ao modelo econômico
implementado pelos tecnocratas do governo militar, muito embora a Campanha das Diretas
tenha tomado uma direção essencialmente política, que, de qualquer forma, ressalvada a
proposta de modificação constitucional, também não aprofundava a questão da legalidade e
também não exaltava nos seus efeitos constituintes, mais se concentrando na desmontagem
e na critica à ordem política e jurídica autoritária. Interessantemente, todavia, mesmo após a
1266
Ver neste mesmo cap. nota sobre o tema.
1267
Os contatos mais intensos se deram ao tempo em que Teotônio Vilela substituí Ulisses Guimarães na
presidência do PMDB fazendo-se sempre acompanhado do advogado paulista Luis Eduardo Greenhalgh dos
deputados Aldo Arantes, Hegidio Ferreira Lima, Dante de Oliveria e Elquisom Soares. Dante de Oliverira,
Op. cit. p. 152 e 187
1268
Em depoimento pessoal Mario Sergio Garcia observa que quem provocou a OAB para esta empreitada foi
o senador Teotônio Vilela, quando se cogitava criar um comitê supra partidário, juntamente com entidades
como ABI, ANDES, SBE. Eu, naturalmente submeti a matéria ao Conselho, que aprovou a participação da
ordem e a minha pessoa. Ulysses Guimarães homenageia a OAB dizendo aos presentes em reunião no
Congresso Nacional que quem deveria presidir o comitê seria o presidente da OAB (que organizou a
campanha por eleições diretas). Ibid, pp. 142-143.
1269
Deste período destacaram-se militantes como Jandira Fegali, Aldo Arrantes, Roberto Freire, Fernando
Henrique Cardoso, Francisco Pinto, Airton Soares. Op. cit. Dante.
778
fragorosa vitória eleitoral da oposição e a eleição direta de governadores em novembro de
1982 e a conseqüente reação da Emenda nº 22/82, que alterou o quorum das votações no
Congresso, como já observamos, a mobilização pelas diretas efetivamente se desenvolveu
após a rejeição parlamentar do Decreto-Lei nº 2.024, de setembro de 1983, originário da
presidência, referente à questão salarial dos trabalhadores, e do Decreto nº 2.045, de
outubro do mesmo ano, também referente a imposições salariais. A rejeição destes
decretos, mesmo com quorum diferenciado das emendas, mostrou a capacidade de
mobilização do Congresso e de enfrentamento ao governo militar, mergulhado em profunda
crise financeira resultante da desarticulação do modelo econômico comprometido com as
altas taxas de concentração de renda.
1270
A proposta da Emenda Direta foi colocada em votação na sessão da Câmara dos
Deputados, de 25 de abril de 1984, que se prolongou pela madrugada do dia 26, naufragou
(vitoriosa) por força do casuísmo do governo militar imposto na anterior Emenda
Constitucional nº 22/82,
1271
ou seja, a oposição ganhou, quantitativamente (obteve maioria
absoluta), mas não obteve, não alcançou o quorum de dois terços dos votos dos membros
de cada uma das casas, imposto pela citada Emenda. Estava evidente que o Estado
originário do golpe de 1964, recauchutado pelas suas tantas e sucessivas emendas
constitucionais, sobrevivia em condições de negociar o pacto de sua sucessão, reformar sem
romper, mas conciliando.
1272
1270
Vale a pena destacar neste período a posição do presidente João Batista Figueiredo pessoalmente a favor
das eleições diretas, mas o seu partido (PDS) estava reticente com relação ao apoio que viria, de qualquer
forma a ser fracionado com o avanço da abertura política dando surgimento ao PFL (Partido da Frente
Liberal). Ver, também, KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001 p. 15 e
segs. (O Colapso do Milagre Econômico), p. 25 e segs. (A crise Inconstitucional), p. 49 e segs. (A crise
Militar) e p. 133 e segs. (A Crise da Divida e o Fim da Ditadura).
1271
O art. 47 e 48 da Constituição de 1967/69 na forma da Emenda Constitucional nº 22, de 29 de junho de
1982 ficou com a seguinte redação, respectivamente, como já transcrito: A Constituição poderá ser emendada
mediante proposta: 1. de membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (...); ou 2. do Presidente
da República (...). Em qualquer dos casos do artigo anterior, a proposta será discutida e votada em sessão
conjunta do Congresso Nacional, em dois turnos considerando-se aprovada quando obtiver, em ambas as
votações, dois terços dos votos dos membros de cada uma das casas (art. 4). A redação anterior dada pela
Emenda Constitucional nº 8 de 14 de abril de 1977, que também modificara o texto de 1967/69, dispunha
que em qualquer dos casos do artigo anterior, a proposta será discutida e votada em reunião do Congresso
Nacional em duas sessões dentro de 90 dias a contar do seu recebimento e havida por aprovada quando
obtiver, em ambas as sessões, maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional.
1272
Divididas na transição ficava evidente que, senão pelo projeto originário, pelos riscos dos tantos anos de
poder, pelos atos arbitrários e a violação dos direitos humanos até os desvios de improbidade administrativa
779
A oposição, devido ao casuísmo emendado, não alcançou os dois terços do total
de votos exigidos, muito embora tivesse alcançado 298 votos a favor, sendo que outros 65
foram contra e houve três abstenções. Mais da metade do total de membros do Congresso
(113 deputados) ausentaram-se da sessão para impedir a aprovação da emenda e faltaram
22 votos para que fossem alcançados os 320 (dois terços) necessários. Tendo a matéria sido
rejeitada pela Câmara na forma da Emenda nº 22 de 1982, por um artifício (ainda
revolucionário casuísta), combinado com mecanismos regimentais, tendo votado contra
apenas 65 membro do Congresso, a “legalidade” demonstrava-se ilegítima, e ficava agora
evidente que as minorias, ilegitimamente, como em todas as ditaduras, podem impor a sua
vontade, apesar da legítima vontade das maiorias, resguardando, como fizeram, o pacto de
transição que não as incomodasse como poder.
Na linguagem de Luis Werneck Vianna,
1273
fracassou o projeto alternativo da
ruptura por superação da abertura. Estava restabelecido o projeto de abertura lenta e
gradual, restava agora no contexto da abertura pactuada, superada a abertura por colapso,
que a nova correlação de forças parlamentares conseguisse, que o poder instituído
convocasse uma Constituinte, livre e soberana, com a exclusiva finalidade de fazer uma
Constituição, dissolvendo-se como propunha a OAB para que fosse convocada eleições
para a legislatura ordinária. Por outro lado, restava a abertura alternativa, mais provável
numa transição pactuada, a convocação de uma Constituinte não propriamente com poderes
restritos, mas na forma da legislação eleitoral vigente, que, no contexto de suas limitações,
poderia influir (como influiu) na composição parlamentar constituinte, obedecendo o exato
modelo de 1945, o mesmo modelo dos udenistas e militares que impuseram a Lei
Constitucional n°. 9, de 28 de fevereiro de 1945, impedindo a radicalização constituinte da
proposta do próprio ditador: Getúlio Vargas e suas “novas” possíveis alianças à esquerda,
afastado do poder para que as eleições fossem presididas por José Linhares, ex-presidente
do STF da confiança da OAB. De certa forma, com a derrota formal do projeto de eleições
não poderiam correr os riscos de transição não pactuada da ditadura da Grécia e da Argentina que levou
generais presidentes e comandantes militares a julgamento e à prisão.
1273
Op. cit.
780
diretas, na madrugada de 26 de abril de 1984, já estava anteposto que o modelo
convocatório não fugiria de um pacto consentido com os governantes.
1274
A reação conservadora retomou o projeto da abertura pactuada e o colégio
eleitoral elegeu em 15 de janeiro de 1985, indiretamente, o Presidente Tancredo Neves e o
vice-Presidente José Sarney
1275
, que veio a exercer a Presidência com o trágico falecimento
do histórico articulador político, homem público que atravessava com equilíbrio e sensatez
(conservadora) os mais difíceis momentos da vida política brasileira contemporânea.
1276
Tancredo Neves foi um dos mais tradicionais políticos brasileiros, parlamentar, ministro,
ex-governador de Minas Gerais que participara ativamente de momentos cruciais da
história brasileira contribuindo para a superação de crises institucionais profundas: o
suicídio de Getúlio Vargas (1954), a implantação do parlamentarismo (1962) com o vice
1274
Esta Lei promulgada, ainda, por Getúlio Vargas, sob o forte impacto da crescente aliança com os EUA na
frente de guerra e, as visíveis possibilidades de vitória dos aliados, por um lado subtraiu de Getúlio a sua
sustentação plebiscitaria na forma do art. 187 da Carta de 1937 e, por outro, considerando a necessidade de se
instalar o funcionamento dos órgãos representativos, bem como restaurar o processo de eleição direta para
Presidente da República e para o Parlamento e, ainda, que o Parlamento eleito seria dotado de poderes
especiais para, no curso da legislatura, votar a reforma da Constituição com liberdade para dispor em matéria
constitucional, revogou diversos dispositivos da Carta de 1937 e criou as condições necessárias para que, no
prazo de 90 (noventa) dias desta data (28 de fevereiro), fossem fixadas em lei as datas das eleições para
Presidente da República, governadores de Estado e para o Parlamento e Assembléias Legislativas. Esta Lei se
completou pela Lei Constitucional nº 13, de 12 de novembro de 1945, promulgada por José Linhares, que
dispôs sobre os poderes constituintes do Parlamento que seria eleito a 2 de dezembro de 1945, e pela Lei
Constitucional nº 15, de 26 de novembro de 1945, que disporia sobre poderes da Assembléia Constituinte e do
Presidente da República.
1275
Tancredo Neves ganhou com 48 votos e o candidato Paulo Maluf obteve 180 votos, cabendo registrar que
o PT julgou um erro a disputa no Colégio Eleitoral. CARDOSO, Fernando Henrique, op.cit., p.96.
1276
Tancredo Neves faleceu em 21 de abril, data comemorativa da Inconfidência Mineira e da inauguração de
Brasília, sem que viesse a tomar posse. Ulisses Guimarães em discurso na Constituinte, em 21 de abril de
1987, intitulado “Glorioso Tancredo, Pobre Tancredo”, citado por Jorge Bastos Moreno em O Globo, de 13
de outubro de 2002, p. 2, falando sobre a sua capacidade para costurar a ampla aliança que encerraria o ciclo
militar da vida republicana brasileira, observou que Tancredo era um sábio. Sabia conversar, sabia ler, sabia
rezar, sabia comer e beber, sabia rir, sabia ironizar, sabia não ter medo, sabia ser Cirineu para os amigos
amargurados, sabia ver o mar, sabia ouvir os passarinhos, imaginar com o vento, namorar as estrelas, sabia
se suave na forma e forte na ação. Forte como um linha reta e doce como a curva do rio. Pelo bem e pela
verdade foi implacável na cumprimento da terrível sentença: não se faz política sem fazer vitimas.
Hipnotizado por seu sortilégio, presto meu depoimento contraditório que tivemos: eu o amava, admirava e
temia Tancredo. Certa ocasião no restaurante da Câmara dos Deputados, em 1984, onde fora lançar, presidido
por Ulisses Guimarães sobre Ensino Jurídico no Império, por sugestão do Deputado Mineiro Cássio
Gonçalves, quando Subsecretário de Justiça da Secretaria de Justiça do Rio de Janeiro, ainda com
desempenho ágil, vi que Tancredo me olhava atentamente e curioso com se me conhecesse e se interessasse
por mim. Me aproximei e lhe falei, após as apresentações, dado que continuava ... “sou assim mesmo, tenho
movimento e desempenho, mas não sou político, nem meu deputado, ocasião não deixou com o apoio do
Mota Machado. Não é porque não quer, replicou, tem jeito, professor da UFMG e deputado que riu e disse “o
bruxo sou eu”. Mas não era, tinha convicções.
781
João Goulart ante a renúncia de Jânio Quadros e a derrocada da ditadura militar (1985);
tinha autoridade política para garantir que a transição pactuada evoluiria na linha de
demandas da sociedade civil sem que viessem os militares a serem sacrificados.
1277
O Presidente José Sarney encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de
Emenda Constitucional na forma da Emenda Constitucional n°. 26, de 27 de novembro de
1981, promulgada pela Mesa da Câmara dos Deputados e pela Mesa do Senado Federal,
respectivamente assinada por Ulysses Guimarães, e José Fragelli convocou a Assembléia
Nacional Constituinte evitando, pela natureza pactuada da própria abertura, o colapso do
regime militar (e uma radicalização populista). Este quadro convocatório, todavia, como
veremos, não impediu a elaboração de uma Constituição, durante a Constituinte (1986 até
1988), expressiva dos interesses políticos nacionais, mas ameaçada pelas profundas
transformações da ordem política internacional, que antecederam e sucederam à queda do
muro de Berlim em 1989.
A OAB não alcançou a Constituinte livre e soberana que queria; a Constituição,
que evoluiu do Congresso Constituinte, convocado na forma de Emenda Constitucional, e
promulgada pelo Congresso Constituinte, de maioria absoluta oposicionista, eleito na forma
da legislação autoritária, mas ultrapassou os limites do liberalismo clássico na organização
do Estado e fez profundas aberturas para o humanismo existencial, ao social-liberalismo
nas suas vertentes voltadas para à proteção de direitos coletivos e difusos.
Por outro lado, cedeu ao intervencionismo estatista na estruturação da ordem
econômica e fez amplas concessões aos direitos sociais nas áreas do trabalho, da educação,
saúde, previdência social e reforma agrária, nas suas propostas de organização judiciária e
de segurança pública, até pelas condições circunstanciais, e política urbana.
Finalmente, como veremos a seguir, os debates constituintes, de perspectiva das
proposições da OAB ficaram entre os seus projetos que evoluíram na linha do “humanismo
social liberal” que sucedeu à VII Conferência de Curitiba e às propostas da “democracia
econômica” que permeou as X e XI Conferências, cujas principais linhas prepositivas se
manifestaram nas cartas de Recife (1983) e Belém (1985).
1277
Está nesta linha o “caso Ustra”, adido militar do Brasil no Uruguai denunciado pela Deputada Bety
Mendes, em pleno Governo Sarney; teve ostensiva defesa da General Comandante do Exercito Leônidas Pires
Gonçalves, em cumprimento ao pacto de transição USTRA, Carlos Alberto Brilhante. A verdade sufocada.
Brasília: Editora Ser, 2006, p. 453-465. Outros tantos fatos em linha semelhante foram preservados
admitindo-se, também, o caráter extensivo da Lei de Anistia.
782
3 – A OAB e a Democratização
3.1. Legitimidade e Democracia na X Conferência
A X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil presidida por
Mário Sérgio Duarte Garcia, com a participação de advogados conferencistas, e,
pioneiramente, com a participação de profissionais convidados de outras áreas conexas de
conhecimento, foi realizada em Recife, entre os dias 30 de setembro e 4 de outubro de
1984, entre a derrota da Emenda das Diretas
1278
no Congresso Nacional, em 25/04/1984
(madrugada de 26) e a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney no Colégio
Eleitoral em 15 de janeiro de 1985 apoiados por ampla coligação de partidos,
1279
demonstra, juntamente com o processo da XI Conferência, as grandes dificuldades para se
alcançar os resultados constitucionais finais, que Florestan Fernandes denominou de
Constituição Inacaba.
1280
Esta especial inclinação permitiu que a Conferência evoluísse
1278
Faltaram 22 votos para a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que recebeu 298 votos a favor e 65
contra, não atingindo assim o quorum de dois terços que era exigido para alterações da Constituição (Veja o
Jornal Folha de São Paulo de 26 de abril de 1984 (In Acervo online.www..folha.uol.com.Br/folha/almanaque/Brasil-
26abr1984.htm))
1279
O Colégio Eleitoral consagrou Tancredo Neves como Presidente com 480 votos e a Paulo Maluf restaram
180; começava a Nova República. Fortaleceram, também, a liderança de Leonel Brizola, Marco Maciel,
Aureliano Chaves, Franco Monforo, Fernando Henrique Cardoso, Jorge Bornhausen e Ulisses Guimarães
desponta como futuro Presidente da Assembléia Constituinte. O PT negou-se a compor a frente de partidos
que apoiou Tancredo no Colégio Eleitoral (PMDB, PFL, PTB, PDT), admitindo-a como uma capitulação aos
“interesses conservadores”, assim como não obteve o apoio do PT. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia
de Almeida Neves (Org), op. cit., p. 279.
1280
FERNANDES, Florestan. A Constituição inacabada, vias históricas e significado. São Paulo: Estação
Liberdade, 1989. Onde, desenvolve, também, a teoria da “revolução dentro da ordem”, como teoria das
mudanças institucionais no Brasil, que, nesta tese, temos denominado de “mudança” da ordem dentro da
ordem, não propriamente como uma conquista pré-constituição, mas como forma da grande abertura
processual. Ver, também, do mesmo autor a Constituição de “Transição Democrática” in Pensamento e
ação: o PT e os rumos do socialismo. 2. ed. São Paulo: O Globo, 2006, p 60-65. Neste Capítulo Florestan
observa que a promulgação da Constituição surgiu como probabilidade de atingir 3 (três) objetivos
simultâneos: demonstrar a ordem ilegal instaurada pela ditadura; intensificar os ritmos da “transição
democrática” e liquida-la, submeter a divida externa a investigação (...) o quadro real evoluiu noutra
direção, graças ao apoio que o PMDB dispensou à transição democrática (...) A Assembléia Nacional
Constituinte foi constrangida a conviver com o “lixo autoritário” e a ser condicionada por ele. A transição
democrática passou da categoria de um salto muito curta à normalização para um meio prolongado da
legalidade e de defesa da democracia. O vetor militar em conseqüência, pelo presidente e pelas forças
conservadoras moderadas ganhou o centro do palco (...).
783
numa linha analítica procurando definir o papel da Ordem dos Advogados no contexto da
democratização do Estado autoritário imerso em profunda crise política e submerso nas
contradições de seu modelo econômico,
1281
na antevéspera do início efetivo do movimento
constituinte.
A derrota do movimento pelas eleições diretas para Presidente da República
(25/04/1984) demonstrou que, se os “revolucionários” de 1964/68 estavam fragilizados e
abatidos na sua legitimidade, derrotados na ideologia do desenvolvimento com segurança, a
ordem (jurídica) revolucionária instituída ainda estava suficientemente articulada para
evitar que a reconstitucionalização nacional evoluísse de um processo eleitoral direto para a
Presidência da República para uma Assembléia Constituinte livre e soberana, como
prioritariamente propusera a OAB na XI Conferência. Na verdade, a frustrada derrota do
projeto de eleições diretas era um indicativo de que a convocação de uma Assembléia
Constituinte livre e soberana (conforme vinha propondo a OAB em seus documentos
internos e nos pronunciamentos públicos) estava também ameaçada. Na verdade, a
composição de forças no Congresso Nacional, apesar da radicalização da sociedade civil,
ainda não estava (politicamente) desarticulada, demonstrando que o aparato jurídico do
Estado autoritário, tinha, ainda, suficientes poderes para sustentar, no novo pacto político,
os interesses ameaçados dos governantes, que, no tempo, criaram profundos laços de
composição dentro do Estado, subsidiando uma forte resistência burocrática.
1282
1281
O modelo econômico dos militares e tecnocratas, na verdade, foi dominado por uma grande flutuação de
variáveis e fatores determinantes que permitiram-lhe evoluir de um projeto liberal-radical, onde teve influente
papel o Ministro da Fazenda de Castelo Branco, Roberto Campos, para uma prática intervencionista que
repetia o modelo nacional, paradoxalmente, implementado pelos governos nacionalistas e trabalhistas
anteriores, a quem os militares sempre objetaram. Na verdade, a fragilidade da poupança interna e a
indisponibilidade do capital nacional, muitas vezes aliados a crises econômico-financeiras internacionais,
dificultam a implantação de políticas de mercado, fazendo do intervencionismo uma realidade insubstituível
que favorecia o desenvolvimento apoiado no capital estatal.
1282
Esta rede de funcionamento burocrático do Estado estava absolutamente construída com base numa
legislação altamente resistente que concentrava hierarquicamente a administração pública, muitas vezes na
forma de mecanismos administrativos, inclusive, paralelos, sedimentados no Decreto-Lei nº 267/67, e leis
complementares que se apoiavam na emendas constitucionais, toda, sem exceção, de vocação centralista e
autoritário. Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Política brasileira de serviços públicos. Revista Magister.
Porto Alegre: n. 10, 2006, p.66 Onde fica demonstrado que a força coercitiva dos instrumentos autoritários de
administração sobreviveu a própria Constituição de 1988, viabilizando um estado politicamente democrático
apoiado numa paradoxal estrutura administrativa autoritária, salvo esparsas exceções.
784
Muito embora a questão das “Diretas Já”, diferentemente da questão da
Assembléia Constituinte, não tenha sido tema diretamente tratado nas Conferências, em
sintonia com o momento político que o país vivenciava, a OAB conclamou a nação a exigir
o restabelecimento das eleições diretas para Presidente da República e os advogados,
especialmente através de suas personalidades, envolveram-se em seu processo de
articulação. De qualquer forma, não há como desconhecer que a campanha das “Diretas Já”
não era uma palavra de ordem da OAB, como o fora o movimento de uma Assembléia
Nacional Constituinte, livre e soberana; todavia, como já observamos, mesmo como
movimento de natureza política, estrategicamente, ela permitiria superar o trágico dilema
da legitimidade do poder de convocação da Constituinte, evitando que a sua evolução
redundasse num confronto direto senão com o poder, com os instrumentos governativos
autoritários, o que finalmente ocorreu, após a retirada dos militares do poder, com a eleição
de Tancredo e Sarney, o que contribuiu para a aprovação de uma ambiciosa e pluralista
Constituição, em 1988, que conseguiu articular e conciliar interesses atavicamente
divergentes e ideologicamente, até àqueles tempos, incompatíveis.
Estava, no entanto, colocada para o país a imprescindível necessidade de se
restaurar as bases de legitimidade do poder, provocando o reencontro do estado com a
nação e a sociedade no exato sentido das Cartas das Conferências da OAB de 1976. O
movimento constituinte desenvolveu-se, neste contexto, não apenas, articulando os
políticos das lutas de resistência ao autoritarismo, e aqueles que evoluíram na crítica ao
regime militar,
1283
como também as mais expressivas organizações da sociedade civil e
lideranças civis e trabalhistas de amplo reconhecimento público. Não havia como fugir ao
1283
Arsênio Eduardo Correa fez fecundo estudo sobre a formação e evolução da Frente Liberal, e a
implantação da democracia, inclusive sobre a possibilidade de denominar Partido Social Liberal (PSB), mas
principalmente destaca que os liberais romperam com o poder quando poderiam ter-se composto com eles e
formarem a frente liberal negociando com o PMDB a maioria que deu a Tancredo a vitória (...) observa que
Marco Maciel comentou que (Joaquim) Nabuco há mais de um século diagnosticou o que hoje também
podemos diagnosticar: as condições do pais não permitiam outro caminho. A Frente Liberal foi formada
para evitar que o país mergulhasse novamente no autoritarismo, com esta atitude foi possível que se
continuasse caminhando para o restabelecimento de uma sociedade liberal e democrática (...). O movimento
pela transição para a democracia, desencadeado pelos liberais (o papel de Aureliano Chaves foi chave nos
seus 2 (dois) meses de substituição a Figueiredo) que se aliaram aos moderados da oposição sustentou o ideal
democrático, que o sistema militar tinha como objetivo final, no inicio do movimento de 1964, mas que
acabou adiado por quase vinte anos daí verem no poder (revolucionário) instituído (no Colégio Eleitoral)
força para realizar o pacto constituinte por conciliação. CORREA, Arsênio Eduardo. A Frente Liberal e a
democracia no Brasil. 2. ed. São Paulo: Nobel, 2006.
785
“chamamento” e a OAB aceitou a “missão”, superando as disjunções que imediatamente
ocorreram à eclosão do movimento.
Este reencontro da sociedade com o Estado buscava, todavia, novos parâmetros
que se estendiam não apenas sobre novas questões dos direitos fundamentais, mas também
sobre as novas bases da relação Estado e sociedade, passando por questões da federação e
da organização dos poderes, até questões sobre desenvolvimento regional e novas
dimensões dos direitos individuais, bem como sobre a discussão impositiva refrente aos
novos direitos coletivos e difusos. Este amplíssimo leque de influências tópicas sobre as
novas dimensões da ideologia jurídica, no quadro da abertura democrática, contribuiu
decisivamente para que a X Conferência trabalhasse o tema “Democratização”, como
especial forma de se avaliarem as novas dimensões da ideologia jurídica, inclusive suas
oportunidades institucionais no quadro geral do Estado, e discutindo, ao mesmo tempo, os
novos parâmetros econômicos, sociais, políticos e jurídicos para a democracia brasileira.
Neste sentido, os debates, durante a Conferência, sobre a restauração da
democracia brasileira incluíram, além de representantes do governo, representantes dos
meios de comunicação, dos partidos políticos, da polícia e das Forças Armadas, integrando,
enfim, toda a sociedade. Para atingir os objetivos da democratização estava impositiva a
completa desestruturação dos alicerces autoritários e a criação de novas estruturas que
pudessem descentralizar o poder autoritário e redefinir as relações entre Estado e a
sociedade e o Estado e a nação, bem como entre os poderes do Estado entre si e o poder
central (a União) com os Estados da federação e os municípios.
Esta reordenação estrutural exigia um amplo diagnóstico da vida política e
social brasileira, assim como implicava o reconhecimento de uma Assembléia Constituinte,
que não apenas restabelecesse a legitimidade do pacto político nacional, em todos os níveis,
mas também resultasse na supressão ou modificação das leis autoritárias (Lei de Segurança
Nacional, Lei de Greve, Legislação Eleitoral, etc.), permitindo a abertura da ordem jurídica
e a conseqüente reconstrução do pacto político democrático. Tornara-se imprescindível
frente à dinâmica das novas condições da vida social um novo pacto político entre os novos
fatores reais de poder, na linguagem de Ferdinand Lassale. Era preciso deixar o
“legitimismo” autoritário para se reencontrarem as legitimidades democráticas de direito.
786
Neste sentido, a X Conferência, muito especialmente e, diferentemente das
demais, possivelmente pela significativa participação de acadêmicos e conferencistas
internos, evoluiu no enfoque das novas dimensões conceituais dos institutos jurídicos para
discutir, também, não apenas a crise da ordem jurídica, mas para avaliar, no contexto dela,
as relações ônticas (de natureza) ou deônticas (normativas) entre as suas causas e os seus
efeitos institucionais ou sobre a crise política, ampliando significativamente, o alcance de
seus debates sobre a reconstrução dos institutos jurídicos e políticos dilacerados pela ordem
revolucionária autoritária. Assim como a X Conferência, pela natureza nas coisas, pela
dialética natural dos fenômenos sociais, não deixou de verificar, principalmente na sua
carta conclusiva de Recife, a veracidade da reciprocidade entre o aprofundamento da crise
política e o diagnóstico da crise da ordem jurídica.
Por isto, independentemente das questões tipicamente jurídicas, no cenário dos
debates ocupou significativo papel a análise das relações entre a sociedade civil, uma nova
dimensão conceitual para se reconhecer e analisar o fenômeno jurídico, de certa forma
alternativo à discussão conceitual sobre nação e o estado, demonstrando a importância da
sociedade, especialmente organizada no contexto do poder político. Por outro lado, esta
Conferência, como as anteriores, fortaleceu processos mais abertos de compreensão dos
institutos jurídicos, permitindo que os advogados melhor convivessem com ideologias, não
estritamente informadas pelas variáveis determinantes da ideologia jurídica, que evoluíra
do direito romano (de propriedade) e do liberalismo burguês (individualista), mas, mais
ousadamente, mais resistentes ao reducionismo formalista e dogmático na percepção do
direito, do estado e da sociedade.
Na verdade, esta nova e especial vertente de discussão, nas conferências,
especialmente nas duas últimas, recolocou o problema dos vínculos entre a legalidade
instituída e a legitimidade das relações vividas, demonstrando a ruptura entre o Brasil legal
(instituído) e o Brasil real (legítimo). Esta dessintonia precisava ser corrigida para restaurar
os padrões de confiança nas relações públicas e civis, ficando, definitivamente, reconhecida
que a “ordem autoritária” perdera os seus fundamentos de legitimidade e tornava-se
imprescindível recuperar-se a legitimidade para se restaurar os padrões políticos da
787
legalidade democrática.
1284
Wanderley Guilherme credita esta fragilidade aos
compromissos do liberalismo brasileiro, às políticas escravocratas e oligárquicas que
sempre comprometeram o liberalismo enquanto doutrina no Brasil e dificultaram a
articulação ente a estrutura autoritária do Estado e as expectativas republicanas, federativas
e democráticas de frações significativas da sociedade.
1285
Em 1920, Oliveira Vianna expressou pela primeira vez, (...) o dilema do liberalismo no
Brasil. Não existe um sistema político liberal, dizia ele, sem uma sociedade libera l(...).
Não há um caminho natural pelo qual a sociedade brasileira possa progredir do estagio
em que se encontra ate tornar-se liberal assim, conclui, Oliveira Vianna, precisa de um
sistema político autoritário cujo programa econômico e político seja capaz de demolir
as condições que impedem o sistema social de se transformar em liberal. Em outras
palavras, seria necessário um sistema político autoritário para que se pudesse construir
umas sociedade liberal.1286
Por outro lado, a clivagem entre legalidade instituída e a legitimidade (real),
fundamento propositivo de uma nova legalidade, demonstrava a necessidade de se
rearticular os novos anseios da sociedade civil com os institutos jurídicos e políticos do
Estado, especial forma de se compatibilizar a ordem jurídica com as diferentes dimensões
da complexa sociedade que evoluíra dos longos anos de compressão social e de
centralização política. Para alcançar esta redefinição ou reafirmação de forças não bastavam
as conclusões políticas gerais e, na definição de suas estratégias políticas e jurídicas, a OAB
precisava, não apenas de diagnóstico preciso e extensivo, mas também, precisava abordar
questões específicas e pontuais de relevância para o quadro de ações políticas concretas,
nem sempre perceptíveis à luz do Estatuto.
1284
A literatura política e jurídica tem estudos relevantíssimos sobre estes temas, sempre dinâmicos, porque
demonstram exatamente a flutuação histórica destes especiais momentos dos processos de mudança e
estabilização social. Sobre este tema podemos indicar o clássico estudo de SCHMITT,Carl. Legalidad y
legitimidad. (Tradução para o espanhol de José Diaz Garcial, Duncker e Humblot, Aguilar S.A. de Ediciones,
Madrid (Espanha), 1971) sempre questionável pelos compromissos difíceis de seu tempo histórico. Dentre os
estudos brasileiros sobre a questão da legitimidade dos governos, como já citamos, a preocupação articulista
deveu-se aos estudos de Wanderley Guilherme dos Santos, embora nem sempre associados à vinculação entre
a sociedade política no Brasil e a sociedade civil, muito embora este autor discuta sempre a questão da
cidadania emergente. Em estudo publicado ainda em 1998, o autor faz uma importante recuperação da práxis
liberal no Brasil, mostrando-a sempre permeada pela força autoritária da perspectiva de autores como Hume e
Bentham, na verdade, a força atávica de resistência à construção de forças representativas legitimas.
Especialmente.
1285
SANTOS, Wandeley Guilherme dos. Décadas de espanto e uma Apologia democrática. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998. p. 9-14
1286
p. 34.
788
Finalmente, os resultados da X Conferência em especial tornaram-se possíveis
devido a participação de expressivas personalidades da vida intelectual brasileira, o que,
diferentemente das demais, trouxe para o cenário dos debates discussões abertas de
natureza interdisciplinar desvelando a leitura dogmática tradicional dos advogados,
transformando esta tendência numa regra impositiva futura, com profundos efeitos sobre a
hermenêutica jurídica. Organizando-se, como se organizou, a X Conferência fortaleceu as
análises políticas e sociológicas dos institutos jurídicos passados e o seu alcance futuro,
desmistificando o “dogmátismo” tradicional de forte influência, paradoxalmente, romanista
e liberal,
1287
amortecendo as resistências e os velhos cânones que presidiam o
reconhecimento fechado e restrito da ordem jurídica.
3.2. Democratização e Interdisciplinariedade
A X Conferência evoluiu em 3 (três) linhas temáticas: Democratização e
Segurança; Democratização: uma Arma Contra o Crime e Poder, Autoritarismo e
Opressão. Diferentemente das demais Conferências, os trabalhos forem subdivididos em
Conferências, (propriamente ditas) e Painéis (Temas e Teses Avulsas). Foram apresentadas
17 (dezessete) teses com 2 (dois) expositores participando da mesma Mesa.
Concomitantemente organizaram-se 13 (treze) grupos de Painéis sobre participação da
sociedade civil no processo de democratização, questões constitucionais, vigência dos atos
institucionais, corrupção institucional e questões regionais. Nestes 13 (treze) Painéis foram
apresentadas 39 (trinta e nove) teses, sendo, que, deste total, 9 (nove) eram referentes,
inclusive, às novas perspectivas do exercício da advocacia. Finalmente, no grupo das Teses
Avulsas, num total de 10 (dez), 2 (duas) trataram sobre advocacia e as demais sobre
assuntos diversificados, porém, correlatos.
1287
Na verdade, esta correlação paradoxal se explica não propriamente em função da concepção da liberdade
individual (como faculdade), mas em função das figuras de reconhecimento jurídico do direito de propriedade
que, para o liberalismo jurídico tornavam-se tão importante e fundamental e inalienável direito da pessoa
humana tanto quanto a liberdade.
789
No que se refere aos Painéis a discussão evoluiu da questão dos desequilíbrios
regionais para as questões estruturais tradicionais da sociedade brasileira (Estrutura
Fundiária, Questão Urbana, e Distribuição de Renda), seguido dos temas, chamemos,
superestruturais, como Cultura, Educação, Justiça, Reforma dos Códigos, com alta
concentração na questão criminal e da violência. Do total das Teses Avulsas, 5 (cinco)
destacaram a questão da democratização, mas, apenas uma tratou da Assembléia Nacional
Constituinte e outras tantas sobre democracia, no sentido geral. As teses avulsas, na
verdade, completaram a temática destes Painéis e das Conferências, seguindo as mesmas
tendências discursivas que se completaram por exposição sobre o ensino jurídico.
Independentemente de todas estas dissertações temáticas as teses sobre o papel
da adaptação, não apenas formativa do advogado, a este novo quadro conjuntural, mas
também da sua adaptação profissional, permitiu, que, se rediscutisse a questão do ideário
estatutário, que, para sua maior eficácia e eficiência, precisava abrir-se para o contexto das
novas idéias e que poderiam vir a ser absorvidas pela ordem jurídica. A X Conferência,
como um todo, neste aspecto, teve alcance altamente positivo, porque de todas, foi aquela
que se realizou no momento dramático do velho regime, quando, evidentemente, perdera
nas urnas nas eleições parlamentares e de governadores e, derrotara, na forma do ementário
casuístico, combinado com as manobras regimentais, a Emenda das “Diretas” para
Presidente, no Parlamento, repercutindo sobre os seus últimos recursos “legitimistas”.
1288
Este quadro deixou claro para os advogados que a velha ideologia jurídica de
conformação liberal clássica não resistira à coação do autoritarismo legitimista, insistente e
persistente, já, por cerca de 20 anos, assim como os institutos jurídicos perdiam
sucessivamente a sua conformação ortodoxa e dogmática para uma dimensão compreensiva
mais aberta dos institutos jurídicos, para uma dimensão expositiva mais reflexiva e zetética
1289
do processo de comunicação entre estado e sociedade. Estas especiais variantes
1288
O “legitimismo” não é um recurso político racional, mas revela a força remanescente da ação carismática,
ou tradicional, traduzida no poder revolucionário. Carl Schmitt estuda esta questão a partir da tipologia de
Max Weber e deixa antever que esta força “legitimista” residual pode influir decisivamente na restauração de
nova legalidade que se converte na única manifestação da legitimidade. cf. SCHMITT, Carl. Legalidade y
legitimidad. Tradução José Diaz Garcia. op.cit.p. XIV e p. 167 (Apêndice El Problema de la Legalidad).
1289
Esta palavra não estava no quotidiano da hermenêutica jurídica mas vem ganhando força significativa após
alguns escritos de Tercio Sampaio Ferraz Junior, que buscou-a na própria tradição hermenêutica alemã. Ver,
do autor citado: A Reforma do Ensino Jurídico: reformar o currículo ou o modelo. Caderno da PUC, RJ,
1974, p. 126/7.
790
influenciaram, decisivamente, não apenas os métodos de abordagem do objeto e seus
desdobramentos da Conferência, como também influíram no processo de confecção das
conclusões.
Genericamente, as 3 (três) linhas temáticas inicialmente apontadas, todas de
natureza discursiva interdisciplinar estiveram permeadas pela questão da democracia como
foco de leitura e compreensão do estado autoritário, sendo que cada bloco trabalhou,
todavia, como se verifica, com temas específicos, mas que, entre si também se
interpenetravam, permitindo reconhecer que a crise de legitimidade do Estado autoritário
era profunda e estava se precipitando. Por outro lado, é relevante reconhecer que se os
temas estavam permeados pela questão democrática, também estavam sobre a questão da
violência, vista da perspectiva do violentado, especialmente, pela violência policial e
repressiva que corroeu e corrompeu a estrutura policial, sempre relacionada aos longos
anos de fechamento do sistema, a tal ponto que a própria futura constituição não conseguiu
definir uma política de segurança pública para o país.
1290
Os estudos apresentados na Conferência permeados pelas novas dimensões do
direito, demonstram, exatamente, que o Brasil estava sendo rediscutido politicamente e,
quem sabe, por isto mesmo, as questões tópicas dos direitos civis permeadas pelas novas
dimensões dos direitos coletivos e existenciais, que, não absolutamente, mas relativamente,
influíram em conferências passadas, estavam, agora, premidas pela temática estrutural mais
profunda, comprometidas com as matrizes históricas dos institutos jurídicos e políticos,
remanescendo, apenas, como força residual, na única conferência sobre Minorias e
Democratização, apresentadas por Nilo Batista e Zulaiê Cobra,
1291
apesar, de que, é sempre
conveniente recordar, que temas semelhantes foram tratados nas conferências sobre
reforma do Código Civil e da legislação penal.
1290
A questão de segurança pública, na verdade, não foi tema de palestra nas conferências e, no texto
constitucional de 1988 ficou reduzida a 1 (um) único artigo (144) mais preocupada com o posicionamento
burocrático dos órgãos do que com suas relações com os direitos humanos e a proteção da sociedade civil.
1291
Anais da X Conferência Nacional da OAB, Recife, Pernambuco, 1974. p. 225-242.
791
CONFERÊNCIAS CONFERENCISTAS
1. Sociedade Civil e Estado Miguel Reale Júnior
Marília Muricy
2. Democratização e Segurança Fábio Konder Comparato
Juarez Tavares
3. Democratização dos Meios de
Comunicação
Barbosa Lima Sobrinho
Walter Ceneviva
4. Hipertrofia do Poder Executivo e Controle
Democrático
Nelson Nogueira Saldanha
Ives Gandra da Silva Martins
5. A Família em Tempo de Democratização José Lamartine Corrêa de Oliveira
Mercedes Moraes Rodrigues
6. Descentralização do Poder: Federação e
Município
José Alfredo de Oliveira Baracho
Sérgio Sérvulo da Cunha
7. Minorias e Democratização Nilo Batista
Zulaiê Cobra Ribeiro
8. Democratização e Partidos Políticos Dalmo de Abreu Dallari
Bernadette Pedrosa
9. Democratização e as Forças Armadas Raymundo Faoro
Eduardo Rocha Virmond
10. Democratização: Uma Arma Contra o
Crime
Antônio Evaristo de Moraes Filho
Nereu Lima
11. Controle Legislativo dos Atos
Internacionais
Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros
Maria de Nazareth Imbiriba
12. Contribuições ao Constitucionalismo
Contemporâneo
Luiz Pinto Ferreira
Luiz Roberto Barroso
13. Poder, Autoritarismo e Opressão Gerson de Brito Mello Boson
Marcelo Neves
14. Instrumentos Institucionais de Combate à
Corrupção
Miguel Seabra Fagundes
Ruy Antunes
792
15. O Nordeste: Problema Nacional Fernando Coelho
Francisco Moreira Camarço
16. Constituição Econômica e Constituição
Política na Democracia Pluralista
Orlando Gomes
Marcello Cerqueira
17. Os Atos Internacionais e o Direito
Interno. O Controle Congressual como
Suposto da Prática Democrática. As
Negociações da Dívida Externa
Clóvis Ferro Costa
Margarida Oliveira Cantarelli
PAINÉIS (TEMAS E SUBTEMAS)
1. Desequilíbrios Regionais e Descentralização do Poder
TEMAS CONFERENCISTAS
Autonomia dos Estados. Planejamento
Nacional. Planejamento Regional.
Geraldo Ataliba
Desequilíbrios Regionais e Reforma
Tributária
José Souto Maior Borges
SUDENE: Experiência e Perspectiva Sílvio Maranhão
2. Democratização e Estrutura Fundiária
T
EMAS CONFERENCISTAS
Estatuto da Terra Rejane Brasil Fillipi
Posse e Ocupação da Terra João Bonifácio Cabral Júnior
Trabalhador Urbano e Rural: Organização e
Defesa
Gileno Guanabara de Souza
3. A Questão Urbana
T
EMAS CONFERENCISTAS
Acesso à Propriedade Urbana. O Sistema
Financeiro da Habitação
Jonathas Silva
793
A “Invasão” de Áreas Urbanas. Mecanismo
de Regularização
Benedito Sant'Anna da Silva Freire
Disciplina do Uso do Solo Urbano Ricardo César Pereira Lira
4. Sindicalismo e Política Salarial
T
EMAS CONFERENCISTAS
Unidade e Pluralidade Sindical José Paiva de Souza Filho
Negociação Coletiva e Política Econômica Eugênio Roberto Haddock Lobo
Justiça do Trabalhador e Reformas
Alternativas
Wagner da Silva Ribeiro
5. Democratização e Economia Nacional
TEMAS CONFERENCISTAS
Distribuição da Renda Miguel Arraes
Dívida externa e Interna Paulo Lustosa
6. Educação e Cultura
TEMAS CONFERENCISTAS
Universidade e Realidade Brasileira Luiz Pinguelli Rosa
Cultura Nacional e Democratização Antônio Houaiss
Direito à Educação e Recursos Financeiros Guido Pinheiro Côrtes
7. Democratização da Justiça
TEMAS CONFERENCISTAS
Acesso à Justiça. Assistência Judiciária Carlos Maurício Martins Rodrigues
Modernização do Poder Judiciário Walter Tschiedel
Atuação do Ministério Público Antônio Araldo Ferraz Dai Pozzo
8. A Sociedade Civil no Processo de Democratização
TEMAS CONFERENCISTAS
Ação política das Entidades Civis Marilena Chauí
Participação da Comunidade no Processo Eduardo Dutra Aydos
794
Legislativo
Participação da Comunidade na Ação Admi-
nistrativa
Joaquim Falcão
9. Proteção do Exercício da Profissão do Advogado
TEMAS CONFERENCISTAS
Defesa Contra a Violência e o Abuso do
Poder
Paulo Sérgio Leite Fernandes
Prerrogativas do Advogado e Poder Judiciário José Roberto Batochio
Previdência e Assistência Antônio de Araújo Chaves
10. Advogado-Empregado
TEMAS CONFERENCISTAS
Remuneração Mínima e Jornada de Trabalho José Frejat
Honorários Contratuais e de Sucumbência Omar José Baddauy
Ética e Independência Técnica Glória Márcia Percinoto
11. Conduta Profissional do Advogado
TEMAS CONFERENCISTAS
Problemas Éticos da Advocacia:
Massificação, Credibilidade e Prestígio da
Profissão
Roger de Carvalho Monge
Reformulação dos Processos Seletivo e
Disciplinar
Humberto Gomes de Barros
Modernização da OAB Joaquim Correia de Carvalho Júnior
12. Projeto de Código Civil
T
EMAS CONFERENCISTAS
Observações críticas sobre a Parte Geral Alberto Venâncio Filho
Direito das Obrigações, Atividade Negocial
e Direito das Coisas
Roberto Rosas
Regime de Bens entre os Cônjuges no João José Ramos Schaefer
795
Projeto de Código Civil
13. Reforma Penal e Democratização
T
EMAS CONFERENCISTAS
Ampliação da Prova e Amplo Direito de Defesa
no Processo Penal como Avanço Democrático
Paulo de Tarso Dias Klautau
A Lei de Execuções Penais no Brasil. O seu
Significado no Contexto da Democracia
Luiz Chemin Guimarães
Os Delitos Culposos e a Reforma Penal George Tavares
O Processo de Democratização e o Momento
Político Atual
Arx da Costa Tourinho e Carlos Garcia
TESES AVULSAS
TESES
CONFERENCISTAS
A Democratização do Controle Direto da
Constitucionalidade das Leis
Dilvanir José da Costa
Política Habitacional e Democratização Paulo Sérgio da Costa Martins
Incentivo do Autor de Obras Jurídicas e
Democratização
Luiz Gonzaga de Bem
Democratização através da Assembléia
Nacional Constituinte
Aloysio Tavares Picanço
Democratização e os Direitos da
Personalidade
Arthur E. S. Rios
Assistência Judiciária no Brasil de Hoje
(inclusive anexo)
Paulo Oliver
Assistência Jurídica no Estado de São Paulo Wania D. Paradelo
Elementos Estruturais e Conjunturais da
Crise de Identidade Profissional dos
Bacharéis em Direito no Brasil
Edmundo Lima de Arruda Júnior
796
Violência Contra o Advogado – Relatório da
Comissão de Direitos Humanos do Conselho
Federal da OAB, Elaborado por Seu
Secretário-Geral
Conselheiro Arthur Lavigne
Comissão Especial de Seguridade Social do
Advogado
A Conferência de Recife, que se desenvolveu num quadro nacional de
profundas frustrações, devido à derrota na Câmara dos Deputados da Emenda sobre a
realização de Eleições Diretas para Presidente da República, em 26 de abril de 1984, como
temos observado, não demonstrou, todavia, esmorecimento na luta pela democratização. A
postura da OAB deveu-se a uma razão central: a Campanha que mobilizou o povo
brasileiro e suas principais lideranças democráticas, “aliviou a alma nacional” e fortaleceu
as esperanças de uma Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana (principal projeto
da OAB) como processo de restauração democrática. Esta expectativa era, de todo,
absolutamente justificável, porque os advogados esperavam a construção de uma nova
ordem que estivesse desvinculada de todo e qualquer fundamento político remanescente do
movimento revolucionário de 1964/68 e de seus atos arbitrários. A história, todavia, não
confirmará esta hipótese.
No conjunto geral das palestras como indicação das linhas futuras de atividade
deve-se ressaltar da palestra de Aloysio Tavares Picanço os seguintes excertos sobre a
democratização através da Assembléia Nacional Constituinte:
A classe dos advogados brasileiros, com a valentia que tem demonstrado, durante estes
longos vinte anos de ilegitimidade das instituições nacionais, vem pugnando, da forma
mais desassombrada, pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte,para
legitimá-las. (...) A obediência do povo está subordinada à legitimidade do poder
governante. Assim, somente haverá obediência espontânea do povo se existir a
chamada legitimidade ética dos governantes, o que só ocorrerá com a convocação da
Assembléia Nacional Constituinte.
797
4 – Estado, Sociedade Civil e Nação.
A X Conferência e a (futura) XI Conferência, na verdade, traduziram a
interconexão, como se verifica dos excertos supra indicados, entre a democratização
imprescindível e o projeto da Assembléia Constituinte, livre e soberana. A primeira
colocando em franca avaliação critica os instrumentos de compreensão autoritária, à luz da
teoria democrática, e a segunda, propondo a reconstrução institucional da ordem
constitucional na dimensão do Estado de Direito e da antevisão do Estado Democrático, os
resultados, todavia, teriam sido parciais. Nestas conferências, como nas imediatamente
anteriores, matérias do temário político conceitual postas em discussão permitiram um
significativo avanço construtivo dos tradicionais fundamentos do conhecimento jurídico,
com significativos efeitos sobre a formulação de muitos institutos que vieram a ser
destacados na nova Constituição. A questão, por exemplo, da relação Estado e sociedade
civil e a questão do Estado de Direito como Estado também democrático, permearam as
palestras e conferências, ampliando o espaço compreensivo das contribuições para o
processo de constitucionalização.
Por outro lado, de uma perspectiva política, questões como as excessivas
competências do Executivo provocaram uma reavaliação das relações de equilíbrio entre os
poderes públicos, permitindo uma retomada das discussões sobre o parlamentarismo,
fortalecendo o papel da Câmara dos Deputados e de uma estrutura governativa integrada.
Este mesmo fenômeno, todavia, não aconteceu nas discussões sobre o reposicionamento
burocrático do Poder Judiciário frente às novas e complexas demandas da sociedade
brasileira, que emergiam no contexto das novas bases econômicas nacionais com a
presença das grandes empresas estatais e das multinacionais no quadro geral da
internacionalização iminente, provocando uma nova dimensão compreensiva dos efeitos do
próprio desenvolvimento econômico e da agressão aleatória ao meio ambiente natural.
Nesta outra linha, tornou-se necessário avaliar o especialíssimo papel da União no contexto
federativo e a sua proeminência interventiva, provocando uma reavaliação do clássico
798
projeto de federação, num contexto mais aberto para as regiões e áreas metropolitanas,
como especial forma de enfrentar as desigualdades regionais e erradicar a pobreza.
Na linha de compreensão metodológica, os advogados tomaram, como questão
preliminar da Conferência, a discussão sobre a relação temática dominante na vida
intelectual, social e política da época: o problema das relações entre a sociedade civil e o
estado, destacando-se a palestra de Miguel Reale Júnior.
1292
Na história de um país, cuja
história tradicionalmente era (foi) a história do estado e não propriamente das relações entre
o estado e a sociedade civil ou, mesmo, com a sociedade, a tomada desta discussão
significava um profundo avanço na análise e compreensão da evolução política brasileira,
mesmo porque, ficava evidente, que a sociedade buscava, na legalidade democrática, novas
referências de legitimidade.
Fernando Henrique Cardoso entende que este problema era particularmente
importante em relação ao Brasil, pois o pensamento político em nosso país tem (teria) duas
tendências
1293
a primeira tendência, vê no Estado o pólo aglutinador de uma sociedade
onde a organização de classe (sociedade civil) é frouxa e, a segunda tendência, vê no
localismo a base real do poder. Na primeira linha, somente o principio unificador do
estado seria capaz de integrar a nação (as classes), e na segunda linha, reconhecendo o
poder das forças locais, não abre a discussão para a dimensão formativa da sociedade civil.
Para o citado autor, na história brasileira, não há propriamente o predomínio de um pólo
sobre outro (do estado sobre o local), no que, exatamente, não concordamos, preferimos
reconhecer que a força aglutinadora, historicamente, tem sido o estado ou a sua
representação local: “coronéis”, “caciques” ou lideres políticos populistas, que são
exatamente os agentes que impedem (ou impediram) a articulação da sociedade civil como
1292
Anais da X Conferência Nacional da OAB, Recife, Pernambuco, 30 de setembro de 1984, pp. 70/74.
1293
CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 23º ed. 1975.
pp. 165-168. Ver, também,. Marilia Murici Sociedade Civil e Estado, que avalia a tese da reconciliação nacional
através da Assembléia Nacional Constituinte observando que não esclarece o ilustre conferencista se a conciliação
ao consumar-se pela refulanização institucional do país se dará pela via de um saneamento meramente periférico,
eliminador de disposição autoritária do sistema normativo, ou se, além disso, e para ser efetivamente novo o novo
pacto social deverá revolver de algum modo as estruturas reais em que se implanta o capitalismo brasileiro. Ainda,
observa, esquecer o Conferencista que o antagonismo longe de se processar apenas entre a sociedade civil e a
estrutura institucional do estado esta presente no modo como contraditoriamente se organiza a sociedade civil, no
seus conflitos internos entre as elites e as forças populares.
799
fundamento de legalidade e não do “legalismo”, enquanto desvio racional legal, ou do
“legitimismo” enquanto desvio carismático dos fundamentos do Estado.
Para Miguel Reale Junior o fenômeno de consolidação da sociedade civil
brasileira é um fenômeno recente, com a ascensão das posições de sindicatos, entidades de
classe, igrejas e federações industriais que representaram uma
objeção ou um grito mais forte que o garote vil da ditadura (...) O avanço da sociedade
civil consolidou a exigência de reestruturação do estado, com o fito de que sua
organização e o processo decisório se adequassem as forças vivas da nação nascida ou
desenvolvida no autoritarismo (..) A Constituinte não consiste, como pensam alguns em
amor a forma ou em expressão, pois é, na verdade, imprescindível ponto de partida
para reconciliar o estado e a sociedade civil. (É necessário) conformar a reorganização
do estado à realidade, de modo a que não se superponha, com o título majestoso de uma
constituição legitima, uma estrutura normativa que desconheça formas de participação
política da sociedade civil (...) constituída em função dos mais diversos interesses, bem
como no fortalecimento do surgimento dos partidos políticos (...) No Brasil é mister
iniciar a obra de ligação entre a sociedade civil e o estado e o fortalecimento dos
partidos políticos.
1294
No fundo, a retomada desta discussão, da perspectiva das relações estado e
sociedade, representou uma fortíssima evolução na restrita discussão sobre os institutos
políticos no Estado de Direito. Tradicionalmente, o foco de abordagem teórica da
construção dos institutos jurídicos e políticos era a relação estado e nação, mas, no contexto
de tantas viradas conceituais, a história impôs a reavaliação dos institutos jurídicos e
políticos da perspectiva das relações Estado (de Direito) e sociedade, o que,
necessariamente, colocava a questão dos fluxos de relacionamento entre tendências e
demandas sociais e a representatividade política e eleitoral no estado que, ao mesmo tempo,
substituía a prioridade da discussão construtiva do estado a partir dos ideais nacionais
permanentes, muitos próximos do projeto da ESG.
1295
1294
Anais da X Conferência Nacional da OAB. Recife, Pernambuco, 30 setembro de 1984, pp. 70/74.
1295
O esquentamento da “guerra fria”, uma realidade com o fim da 2ª. Guerra Mundial levou os militares
conservadores a pensar numa efetiva intervenção orgânica na vida política brasileira marcadamente
anticomunista. O clima internacional favoreceu a criação da Escola Superior de Guerra – ESG como especial
forma de preparar ideologicamente os militares brasileiros, na opinião do brasilianista STEPAN, Alfred (The
Militar in politics: changing patterns in Brasil. Princeton: Princeton University Press. 1971, p. 172).
Independentemente interesse pragmático de estreitar as relações entre as elites civis e militares na luta contra
o Comunismo pretendiam os militares incentivar uma ideologia hegemônica que pavimentasse a convivencia
militar e fosse reconhecida pelos civis como ideais permanentes da nação, força conservadora da segurança
800
Esta Conferência, neste contexto, favoreceu uma percepção da democracia, não
apenas, na sua tradicional vertente representativa, mas introduziu uma nova vertente
perceptiva e conceitual: a cidadania participativa, retirada do bojo das discussões
conceituais sobre sociedade civil, que, naqueles tempos de ESG, conceitual era uma grande
arrancada com força para mudar os fundamentos compreensivos do Estado. Neste quadro
discursivo ficava evidente que a democracia brasileira evoluiria numa linha representativa e
participativa, com amplos espaços de movimentação para as organizações da sociedade
civil. De qualquer forma, não seria de todo “aventuroso” reconhecer que a priorização da
discussão metodológica sobre as relações de conexão entre o estado com a sociedade,
reduzindo o espaço conceitual da discussão sobre estado e nação, provocou significativo
reforço da teoria do Estado de Direito Democrático, como ainda se falava, em relação à
formatação liberal histórica do Estado de Direito.
Aparentemente, esta não foi uma questão qualificada e expoente nos debates,
mas a inversão do eixo discursivo contribuiu para inverter a discussão Estado e Nação,
como se aquele fosse a encarnação desta, assim como a discussão Estado e Direito, como se
aquele fosse a institucionalização deste e este a perenização daquele. A ruptura da relação
Estado de Direito com o conceito clássico de nação, enquanto valores (comuns)
permanentes, na reviravolta esguiana, de um povo, é que permitiu a evolução das
discussões temáticas para os mecanismos democráticos que viabilizaram a conversão de
interesses da sociedade civil em institutos jurídicos do Estado. Ou seja, nesta afirmação está
o fundamento teórico que permitiu a transmutação do conceito de Estado de Direito como
estado formal-liberal (de direito), em estado não de meros fluxos formais de demandas
nacional contra qualquer ameaça ao Estado e à nação, fugindo assim do conceito de proteção da sociedade
civil vista à época mais como o ambiente dissociativo das classes sociais. Mais frutificou esta idéia quando o
futuro articulador e personalidade decisiva dos anos que seguiram a 1964/85, SILVA, Golbery do Couto
(Conjuntura Política Nacional: o Poder Executivo Geopolítico do Brasil. Rio de Janeiro. José Olympo, 1981,
p. 7/14), entendeu que o cenário no campo internacional evoluía para uma “rígida bipolarização do poder” de
crescente antagonismo, estando o Brasil geopoliticamente ligado e comprometido com o ocidente, restaurado
o dilema hobbesiano de optar pela segurança na ameaça da liberdade excessiva, linhas conceituais
comprometidas com o conceito de noção, “ideais de uma nação” que devem presidir a construção do Estado,
que encarna idéias e, não propriamente, absorve demandas, que, alias, devem se submeter às “idéias
permanentes” que legitimam a guerra revolucionaria contra idéias (ideológicas) estranhas que traduzam
interesses de classe ou os padrões desenhados pelo ESG. OLIVEIRA, Eliezer R. Forças Armadas; política e
ideologia no Brasil (1964-4969). Petrópolis Vozes, 1976 e, ver, também, ARRUDA, Antonio de. ESG,
Historia de uma Doutrina. GRD, 1980.
801
individuais pra alcançar decisões, mas em Estado de fundamentos democráticos abertos, em
Estado Democrático de Direito.
Não fosse o deslocamento do eixo referencial da concepção de Estado de
Direito do contexto exclusivista de nação para o conceito de sociedade civil, possivelmente
o amadurecimento constitucional do conceito de estado (democrático) de direito seria mais
lento ou, teoricamente, impossível. Esta reversão, referencial do conceito de Estado, mesmo
que, gradualmente, representara profundos efeitos na reconstrução da ideologia dos
advogados, evoluindo já enquanto liberalismo jurídico, para as novas formas do sócia-
humanismo do Estatuto de 1994, assim como, terá efeitos profundos nas discussões sobre o
conceito positivista (e dogmático) de direito, permeado pela questão dos valores, e tomado
pelo praxismo burocrático, para os modernos conceitos sociológicos, determinado pelas
tendências e inclinação dos fatos sociais, com extensas possibilidades de se rediscutir a
ordem jurídica nos tribunais a partir de sua própria experiência.
Isto não significa, é claro, que estava esquecido o conceito de nação, como
valores comuns (permanentes) de um povo, que influem na concepção e compreensão do
Estado, que sobrevivem e permearão as políticas participativas e representativas, mas,
significa, que a construção de uma constituição real, vincada na sociedade,
1296
é tão
importante quanto a constituição formal, enquanto padrão racional de organização do real,
mas não enquanto formalização (ou racionalização) da forma. Neste sentido, recuperou-se
para a discussão jurídica as questões que só teoricamente, ou em condições acadêmicas
precárias, influíram na formação do advogado e no estudo das instituições político-
jurídicas.
Por outro lado, fundamentalmente, esta reversão do quadro discursivo, permitiu
que a tradicional questão brasileira da hipertrofia do Poder Executivo na relação com os
demais poderes e sua influência sobre os desvios da organização federativa e, inclusive,
sobre a corrupção de estado, viessem a ser avaliadas, reconhecendo-se, como sugestão
amplamente possível, o modelo presidencialista
1297
parlamentarista de organização do
1296
Ver de LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 4º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998,
especialmente o Prefácio, de Aurélio Wander Bastos, comparando o pensamento do autor criador da social-
democracia alemã e do jurista normativista Hans Kelsen, na Teoria Pura do Direito.
1297
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e Parlamentarismo. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1992.
802
poder. De qualquer forma, outras tantas palestras trataram da modernização das práticas
políticas, bem como de novos temas do Direito Constitucional, mas, todas elas,
demonstraram, que a ordem jurídica estava por se abrir para compreender e regular
questões sociais reais, mesmo que premidas pelos imperativos valorativos ideais que
presidiam o conceito de nação.
Neste mesmo grupo de conferências, sobre Estado, Sociedade Civil e Nação,
além de sua importância conceitual, e do especialíssimo diagnóstico da vida brasileira,
deve-se ressaltar a contribuição de novos juristas e intelectuais comprometidos com as
políticas de reconstrução democrática numa amplíssima visão critica dos limites e
compromissos da hermenêutica dogmática com as matrizes que eles trouxeram para os
debates, não apenas a provocação temática, mas, muito especialmente, as modernas teorias
sociológicas, políticas e jurídicas, abertas para uma nova percepção democrática, que
buscavam, entre si, as formas de conviverem, como também incentivaram a releitura dos
tradicionais institutos jurídicos de formatação liberal fechada e profundamente marcadas
pelo privatismo romanista.
Neste sentido, não se pode desconhecer que estas tantas avaliações indicativas
de novas abordagens não viessem a influenciar na discussão da futura estrutura da ordem
jurídica. A partir desta reversão cultural, que priorizou o reconhecimento da sociedade
civil, para se reconstruir o Estado, reverteram-se tantos e significativos institutos dos
códigos e da legislação ordinária, efetivamente, e, principalmente, após a promulgação da
Constituição de 1988, como demonstraremos neste trabalho. A compreensão da dinâmica
política que evoluirá até a promulgação da citada Constituição dependerá das sucessivas e
conseqüentes leituras da relação estado e sociedade, onde, a questão da nação é uma
variável interveniente, mas não necessariamente, a variável construtiva.
Finalmente, esta não é a discussão hipotética desta Tese, mas, o processo
constituinte à medida que avançou, foi demonstrando, que, tantas e novas vertentes
culturais, impunham-se à modernização do conceito de nação, esvaziando a sua dimensão
de compromisso exclusivo com a (cultura e valores permanentes) das elites brasileiras
tradicionais. Este quadro assintomático refletiu no projeto ou propostas constituintes da
OAB, que, visivelmente se inclinaram, não na insistência cultural propositiva, mas nas
803
sugestões de transformações econômicas e políticas que tivessem efeitos de curto e médio
prazo na ascenção política dos grupos sociais (e culturais) nacionalmente marginalizados.
Os efeitos desta reversão discursiva, no tempo histórico, foram significativos, não apenas
na redação do texto constitucional, mas contribuíram, mesmo, no quadro sucessivo da
globalização, para a alternância das elites do quadro político nacional circunstancial e, da
mesma forma, no quadro constitutivo da elite dirigente dos advogados brasileiros.
5 – A OAB e as Reformas
Independentemente da alta concentração de debates na X Conferência sobre
questões referentes às implicações das relações sociedade civil com o processo de
democratização, os conferencistas trataram de temas bastante abertos, mas que se juntavam
à linha geral dos debates, atacando problemas candentes, mas sempre residuais nas
Conferências anteriores, tais como a questão das desigualdades regionais, a questão agrária,
a questão urbana e a Reforma do Judiciário, nas suas diferentes dimensões, assim como a
reforma dos Códigos Civil e Penal, sem que ficassem esquecidas as questões corporativas
dos advogados e o seu papel no processo de mudança social. Na verdade, estes temas
vinham sendo discutidos sucessivamente em diversos enfoques, mas foi a partir desta
Conferência que começaram, efetivamente, a serem tratados como itens sinópticos de uma
futura Carta Constitucional, o que se realizará na XI Conferência.
O quadro geral destes debates, por conseguinte, demonstra que a profundidade
da crise brasileira não se reduzia apenas aos aspectos institucionais nas suas dimensões
políticas ou jurídicas, mas que os tradicionais problemas estruturais brasileiros
continuavam, passados 20 (vinte) longos anos da reação conservadora, traduzida no regime
militar, insolúveis: a reforma agrária, a reforma urbana, a questão judiciária e as questões
emergentes referentes às novas exigências de atualização legislativa da nova (e complexa)
sociedade brasileira: o Código Civil, uma plêiade de leis sobre questões que evoluíram do
804
Direito Civil, como o Direito do Consumidor e o Direito Autoral (principalmente software)
e do Direito Administrativo, como o abuso do poder econômico, meio ambiente,
telecomunicações, propriedade industrial e tantos outros, e do Direito Penal, marcado por
necessárias adaptações no que se refere ao Direito Penal Econômico, de um lado, e, do
outro, como execução das penas e direitos dos presos e penas alternativas, velhos e novos
delitos e, muito especialmente, as regras de uso da Internet (já incipientes).
No caso especial do Código Civil, esta questão vinha se arrastando no
Parlamento brasileiro e, inovadoramente, foi tratada nesta Conferência, embora tenha a
reforma dos Códigos substantivos sido atropelada pela imprescindível discussão referente à
constitucionalização democrática do país. Este fato, de qualquer forma, mesmo no médio
prazo, foi bastante positivo, especialmente porque a promulgação de uma nova
Constituição, antecedentemente ao Código Civil, e outras tantas normas e códigos,
provocou uma profunda reversão das tendências hermenêuticas da ordem jurídica civil. A
legislação privada, especialmente o Código Civil, que, tradicionalmente, fundamentava a
interpretação constitucional aplicada, veio a sofrer um forte revés, à medida que os
dispositivos constitucionais, após 1988, mais modernos e abertos, foram sendo
paulatinamente utilizados pelos Tribunais no processo de decisão, como referência
normativa hierárquica superior.
1298
No que se refere ao Código Penal de 1940, salvo esparsas alterações, a sua
estrutura formal e material continua como sempre fora, mas, na prática, a
constitucionalização, após 1988, com a introdução de novas dimensões orientativas de
maior alcance humanitário provocou uma nova percepção do crime, também voltado para
as causas sociais como pressuposto da violência. O crescimento gigantesco da
criminalidade que se somou aos novos e especiais tipos de crime, que passaram a exigir
imediata tipificação, impediram, no entanto, a sua efetiva adaptação às políticas de direitos
humanos, dificultando, apesar dos espaços conceituais que vieram a ser abertos pela
Constituição de 1988, novas políticas criminais, o que mais fortaleceu, no médio prazo, as
políticas de segurança pública.
1298
O novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406/2002 – veio a ser promulgado no dia 10 de janeiro de 2002,
entrando em vigor um ano após a sua publicação. Ver de MOREIRA, Cássia. Código Civil comparado
Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: América. 2003.
805
Aliás, muito embora a temática sobre violência e questões penais nesta
Conferência tenha sido marcante, como o fora na IX Conferência, o tema dos direitos
humanos, enquanto tal, não teve especial relevo, possivelmente devido à alta politização
dos debates jurídicos ou devido à conclusão estratégica de se priorizar as questões
referentes ao aparato estrutural da democracia. Confirmando a hipótese, por outro lado,
diminuíram sensivelmente as questões processuais e sobre a advocacia, muito embora, pela
primeira vez, a questão da democratização do Poder Judiciário tenha sido tratada como uma
questão de acesso à justiça, assistência judiciária e modernização organizacional.
Finalmente, nos debates sobre as Teses Avulsas, predominou, também, a
questão da democratização das instituições jurídicas e as correlações com os direitos e
prerrogativas dos advogados, voltando, por conseguinte, a discussão dos efeitos do
processo de democratização sobre o ideário profissional, embora não propriamente, sobre a
reforma do Estatuto dos Advogados, o que só veio a ocorrer em 1994. Dentre os temas de
importância nitidamente constitucional a palestra de Dilvamir José da Costa sobre Controle
de Constitucionalidade,
1299
retomou uma tese que fora abandonada durante o período
militar, exatamente, porque o controle mais tinha natureza política, e se exercia através de
atos de exceção, do que natureza técnica, assim como a palestra de Aloysio Tavares
Picanço abordou a questão da Constituinte
1300
, que viria a presidir a temática da futura XI
Conferência em Belém, como já observamos anteriormente.
Neste mesmo conjunto de trabalhos deve-se ressaltar a tese de Artur Rios, sobre
Democratização e os Direitos da Personalidade,
1301
cuja discussão, no contexto dos novos
direitos vinha evoluindo, significativamente, no Brasil, na linha de aprimoramento dos
direitos individuais, sobrepondo, ao racionalismo civil tradicional as priorizações
existenciais, muitas vezes mais de natupeza íntima ou interior. Este tema, juntamente com
proteção dos direitos coletivos, representa, exatamente, a redimensionalização complexa da
relação jurídica combinada com a proteção individual, não apenas intersubjetiva, mas
1299
Anais da X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Recife, Pernambuco, 30 de
setembro a 4 de outubro de 1984, pp. 931 a 944.
1300
Anais da X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Recife, Pernambuco, 30 de
setembro a 4 de outubro de 1984, pp. 967 a 973.
1301
Anais da X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Recife, Pernambuco, 30 de
setembro a 4 de outubro de 1984, pp. 975 a 991.
806
também, voltada para o reconhecimento jurídico dos sentimentos interiores de privacidade
e dignidade. No fundo, estes foram os novos e especiais aspectos substantivos que influirão
decisivamente na reformulação do aparato político (e burocrático) do estado democrático
brasileiro, demonstrando, o que, efetivamente, ainda, não aconteceu: a definição
institucional da proteção de alcance existencial e coletivo, superando a burocracia estatal
formal liberal e, inclusive, do estado social, que, efetivamente, fora uma híbrida e eficaz
experiência constitucional em 1934/37, mas que não acompanhou as grandes conquistas
trabalhistas e previdenciárias que se lhe sucederam.
Este conjunto de trabalhos, na verdade, demonstra que os advogados,
sensivelmente, estavam evoluindo das questões corporativas, que envolviam o seu ideário
tradicional, e das questões ideológicas restritas à proteção dos direitos individuais, e às
incipientes formulações sobre os direitos humanos, voltados para a organização do Estado
de Direito, para questões de natureza e a política. Esta mudança levou os advogados a
estudar a conexão entre o Estado de Direito a sociedade civil e a democracia, como
conseqüentes pressupostos da construção do Estado Democrático de Direito (ou do Estado
de Direito Democrático, como inicialmente fora denominado): que definitivamente se
manifestará na Assembléia Nacional Constituinte, que tomará para si o cenário político até
1988.
No fundo estava em questão, derrotada, não quantitativamente, mas na forma
constitucional emendada (Emenda nº 22/82), a tese das eleições diretas, a forma política
para a convocação de uma Assembléia Constituinte: livre e soberana, convocada por um
poder autônomo e independente, o que viabilizou uma Assembléia Congressual, ou, como
veio ser denominado, um Congresso Constituinte, não propriamente com poderes limitados,
mas eleito em circunstâncias limitadas porque provocado por Emenda Constitucional do
poder instituído, promulgada por um Congresso eleito na forma da legislação autoritária
destituída de legitimidade, mas com ampla maioria quantitativa de oposição. Ambos os
modelos, na verdade, apresentavam, em nova forma, a questão da abertura por ruptura e da
abertura pactuada, sendo que a primeira fórmula, com a derrota “formal” do projeto de
eleições diretas, estava efetivamente superada, para favorecer o poder constituinte do
Colégio Eleitoral, eleito indiretamente, conforme a legislação vigente.
807
Estas posições, como já observamos, traduzem a exata contradição de forças
entre os grupos governantes e a oposição política nacional, representada pelo Partido dos
Trabalhadores, que não votou no Colégio Eleitoral, e pelas entidades da sociedade civil
dentre as quais se encontrava a OAB, que resistiam à fórmula conciliatória da composição
entre os grupos de resistência e as frações dissidentes do (originário) poder (revolucionário)
instituído. Os grupos de governos pretendiam que o processo constituinte evoluísse da
própria ordem estabelecida, enfraquecendo, portanto, a sua força constituinte originária, e
os grupos de oposição buscavam uma Assembléia Constituinte livre e soberana,
independente das forças políticas do passado. No fundo, e finalmente, prevaleceu uma
posição de equilíbrio, muito ao gosto das (esclarecidas) elites brasileiras: não se rompia,
absolutamente, com o passado, com o poder instituído, mas, de qualquer forma, abriam-se,
a partir da (velha e desgastada) ordem, espaços políticos constituintes para as novas
demandas sociais e políticas representadas pelos grupos sociais e organizações civis
emergentes, muito embora os partidos ideologicamente alternativos (de esquerda)
estivessem mergulhados no grande movimento de oposição democrática, o MDB.
Esta questão, todavia, tem um especial significado, porque a eleição de
Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985 pelo Colégio Eleitoral, constituído na forma
histórica dos interesses revolucionários, adquiriu, uma forte áurea de legitimidade,
provocada pelo martírio de seu falecimento (21/04/1985) após a posse do Vice-Presidente
José Sarney, que absorveu, juntamente com a liderança parlamentar, diretamente, os efeitos
de grande mobilização popular. A realização dos compromissos políticos de Tancredo
Neves, por José Sarney, empossado na Presidência, de convocar a Constituinte, mesmo que
na forma da abertura pactuada, entre os antigos governantes, entre os quais ele próprio se
encontrava, e os partidos de oposição, ao(s) qual(is) ele próprio agora integrava dá à posse
o toque mágico e, mais significativo, ainda, relativiza a ilegitimidade da convocatória, na
forma da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, nove meses após a
posse. O legitimismo emocional, no curto e médio prazo, fortaleceu os poderes dos
deputados constituintes e favoreceu a autonomia e a independência política do ambiente
constitucional.
A fórmula conciliadora encontrada foi a convocação de um Congresso de
deputados e senadores, temporariamente constituintes que, efetivamente, não era a exata
808
proposta da OAB, mas, que, no tempo constituinte, exerceram o seu poder soberanamente.
De qualquer forma, é importante observar que a posição da OAB, e tantas entidades civis
por uma Assembléia Constituinte livre e soberana, embora ideologicamente consistente, era
de difícil alcance político, especialmente considerando o que dispusera a Lei de Anistia de
1979, mas, principalmente, que, mesmo durante à construção do Estado de Segurança
Nacional os militares não abandonaram preventiva precaução de perderem o controle do
projeto constituinte que reconheciam como projeto (revolucionário) de transição pactuada,
inspirando na formula de “conciliação e reforma” como projeto matricial da elite
brasileira.
1302
No fundo a convocação constituinte pelos poderes instituídos não podem ser
definidos como uma convocação autônoma e independente, mas a sua articulação
conciliadora não impediu, na sua promulgação, a ampliação do espectro da Lei de Anistia,
de 1979, conforme proposto na própria Carta de Recife, fortalecendo o seu suporte político,
e, ao mesmo tempo, o efeito final do trabalho constituinte foi a promulgação de uma
Constituição livre e soberana, de longo alcance reformista.
6 – A Carta do Recife
A Carta de Recife, como se verifica no documento a seguir transcrito,
demonstra os significativos avanços da X Conferência, mas demonstra, também, que os
1302
José Honório Rodrigues, quando no seu clássico livro Conciliação e Reforma no Brasil – um desafio
histórico-cultural (Ed. Civilização Brasileira. RJ. 1965, p. 11/13), que cresceu no mesmo quadro de
cogitações do Aspirações Nacionais – Interpretação Histórico-Política (Ed. Fulgor, SP 1963) produzido(s)
em período de estagio na ESG, abre a chave para as teorias que inspiraram as modernas políticas de transição
no Brasil. Na verdade, para José Honório, a conciliação no Brasil é, finalmente, uma forma do povo não
perder mais e as elites ganharem menos, com as reformas possíveis. A transição pactuada, a política de
conciliação, mostra na Introdução, “visava (sempre)” a romper o circulo de ferro do poder, para que as
facções divergentes, os dissidentes pudessem dele fazer parte (...). As forças de resistência à mudança no
Brasil são tradicionais e nela se destacam a resistência jurídica e parlamentar, expressões intelectuais da
estrutura econômico-social arcaica. A política de conciliação foi quase sempre a (formula) mistificadora para
manter aberto o curso do processo histórico, sempre foi o aspecto positivo necessário para amortecer os
choques da caminhada (...) fazendo concessões ao povo para pacificar a historia contando com o próprio
povo. Finalmente, observa Marco Maciel, ex Presidente da Câmara dos Deputados, ex vice Presidente
República e Senador da República: “A frente Liberal foi formada para evitar que o país mergulhasse
novamente no autoritarismo. Com essa atitude foi possível continuar caminhando” permitindo-nos
diagnosticar “como há mais de um século diagnosticou Nabuco de Araújo (...) que as condições do país não
nos permitiam (iriam) outro caminho”. Arsênio Eduardo Correa, op. cit. P. 85.
809
advogados continuavam firmes no projeto de convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte, representativa e soberana livre de compromissos com a ordem autoritária
preexistente, e de conciliações com a elite do poder, apesar da injustificada, senão
regimentalmente, derrotada Emenda das Diretas para Presidente.
Os Advogados Brasileiros, reunidos na X CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM
DOS ADVOGADOS DO BRASIL, exprimem, neste documento, a síntese de suas
preocupações e anseios em torno do tema "DEMOCRATIZAÇÃO", entendido como
processo amplo e contínuo de crescente participação de todos(n)os bens e interesses da
sociedade: no plano político, através do controle do poder, na sua origem e no seu
exercício; no plano econômico e social, pelo acesso aos frutos do trabalho e às
condições que assegurem o direito a uma vida digna e livre. A participação da
comunidade implica o atendimento das múltiplas exigências que expressam o ideal de
democratização em todas as dimensões da vida humana. O encontro dos advogados
brasileiros dá-se em região onde se verifica um dos maiores índices de violação dos
direitos humanos, em que milhares de pessoas morrem de fome e outras tantas vivem em
estado de miséria absoluta. Circunda-nos uma realidade exasperante que não é
resultado de fatores ambientais, mas de uma estrutura econômica iníqua e de uma
estrutura fundiária arcaica não condizente com o desenvolvimento social. Os graves
problemas da região recrudescem progressivamente, porque sempre faltou ao sistema
aptidão para transformar sua dolorosa realidade, eis que os problemas nordestinos se
inserem nacionalmente nas grandes questões políticas. Aspiração nacional e desejo de
mudar se confundem: o ânimo de modificar os alicerces do sistema vigorante traduzia
inconformidade do povo brasileiro, que não mais pode suportar o desumano regime que
nos foi imposto e sob o qual ainda vivemos. Ao lado de um flagrante desprezo ao social,
temos um sistema econômico fundado na exacerbação dos ganhos de capital em
detrimento da atividade produtiva. Isso gera desemprego e centraliza numa minoria a
riqueza que deveria ter distribuição justa e eqüitativa. O ordenamento jurídico não
atende aos interesses do povo, tornando o exercício do direito privilégio para alguns e
uma dura abstração para a grande maioria. A democratização é pressuposto para que o
povo possa participar de uma economia de prosperidade. Democratizar é também
aplicar a técnica da liberdade e da igualdade à pessoa humana, com a necessária
segurança dos direitos próprios da maioria e das minorias. A democracia, assim
entendida, apresenta-se, em si mesma, como um processo evolutivo que conduz a
sociedade, da tirania ou da oligarquia, a um regime de justiça e liberdade. No plano
institucional, a eleição de candidato civil para a presidência da República, por si só,
não representa o patamar definitivo na elevação do teor democrático da vida nacional.
Alguns pontos emergem como inevitavelmente presentes no ideário de um governo
democrático: o pluralismo político, o restabelecimento das eleições diretas em todos os
níveis, a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, antecedida da
supressão ou da substancial modificação de algumas leis de matizes desenganadamente
autoritárias - lei de segurança nacional, lei de greve, legislação eleitoral, legislação
sobre partidos políticos e os critérios vigentes para a representação popular - que, no
momento, distorcem o sentido da vontade da nação e, em conseqüência, desnaturam a
representatividade de qualquer Constituinte. Esta haverá de ser representativa, livre e
soberana, porque não comprometida com a ordem jurídica autoritária preexistente. A
Assembléia Constituinte deverá instituir de modo solene novo pacto, a partir da vontade
popular, onde se redefinam as relações entre o Estado e a Nação, entre os Poderes do
Estado entre si, entre o Poder Central e os Estados da Federação e os Municípios. Esse
pacto social será também a garantia dos direitos individuais e sociais de todos os
cidadãos.Tema fundamental não deverá ser esquecido: a descentralização do poder,
810
fortalecida pela melhor redistribuição das receitas tributárias, e com o efetivo
revigoramento da Federação. O desenvolvimento econômico exige processos eficazes de
justa distribuição de renda, que assentem na organização democrática das empresas e
na radical alteração da política salarial. Impõe-se urgente solução do problema da
dívida nacional externa e interna e seu controle mediante mecanismo de representação
popular. O processo de democratização impõe-se, ainda, no domínio dos meios de
comunicação; na busca de instrumentos institucionais de combate à corrupção; no livre
funcionamento dos partidos políticos; na garantia de plena liberdade sindical; na
substancial alteração da estrutura fundiária, garantidos o acesso à propriedade, a
ocupação da terra e os direitos do trabalhador rural; na implantação de um sistema
habitacional justo e realista e de mecanismos de regularização da posse urbana; no
direito à educação em todos os níveis e à proteção de uma cultura genuinamente
nacional; na superação dos desequilíbrios regionais, compatibilizando o planejamento
nacional com a autonomia local. O efetivo acesso à justiça por parte de toda a
sociedade constitui condição necessária do verdadeiro Estado de Direito Democrático.
Isto não se fará sem a garantia plena da advocacia e de sua defesa contra a violência e
o abuso do poder, que se têm revelado de modo dramático e assustador, pelo grande
número de advogados mortos e agredidos no exercício da profissão. A democracia não
deverá ceder passo às investidas tutelares do poder militar. Às Forças Armadas
reserva-se um espaço mais alto, mais democrático, sem a mácula das facções. Elas
participarão da legitimidade da democracia pela submissão à lei, à lei autorizada e
deliberada pelo povo brasileiro. Por fim, os advogados brasileiros, à maneira de
Joaquim Nabuco, aplicam ao processo de democratização o seu ensinamento
imorredouro: "acabar com a escravidão não basta; é preciso destruir a obra da
escravidão”. Não pode existir democracia sem antes destruir todos os resíduos da
ditadura.
1303
A marcante frase de Joaquim Nabuco lembrada na Carta da X Conferência
acabar com a escravidão não basta, é preciso destruir a obra da escravidão e a citação de
Rui Barbosa, ao final da Carta da antecedente VIII Conferência, observando que a
liberdade é lição perene e não entra no patrimônio particular (...), é um verdadeiro
condomínio social, todos a desfrutam sem que ninguém lhe possa alienar, dá a estes dois
homens públicos o merecido crédito de co-partícipis da história brasileira de lutas contra a
escravidão e pela liberdade.
Estes dois advogados, Joaquim Nabuco (Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo) e
Rui Barbosa, que, coincidentemente, completaram em 1999 (um mil novecentos e noventa
e nove) 150 (cento e cinqüenta) anos de nascimento,
1304
participaram ativamente das lutas
políticas decisivas da história brasileira: abolicionismo, federalismo e república, e serviram
1303
Anais da X Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Recife, Pernambuco, 30 de
setembro a 4 de outubro de 1984, p. 9-11.
1304
Joaquim Nabuco de Araújo nasceu em 1849 e Rui Barbosa nasceu em 5 de novembro de 1849; em 2007
completaram 157 anos de nascimento.
811
de exemplo para as lutas presentes. Ambos fizeram da luta pela liberdade, revistas no
tempo histórico, as referências básicas da vida jurídica, e pressuposto da democracia,
permitindo, remontar, na linguagem atual a linguagem de época:
é preciso eliminar a (obra do) autoritarismo, que escraviza, e construir a (obra da)
Democracia que liberta. Escravidão e Liberdade são temas antinômicos, onde existe a
escravidão a liberdade não floresce e a democracia fenece, onde existe liberdade a
democracia floresce e a escravidão fenece.
A Carta de Recife é um documento impar da história brasileira moderna, mas
ao mesmo tempo, demonstra que os advogados que participaram da X Conferência estavam
atentos, ao contrário da linguagem jurídica conceitual tradicional, a uma linguagem
economicista que não influenciou as conferências anteriores e, nem muito menos, o ideário
que presidirá a vida profissional futura. Demonstra-se, claramente, nesta Carta, que as
preocupações economicistas se sobrepõem à luta pelos direitos civis, procurando
demonstrar que os direitos se conquistam como efeito da superação do dilacerante quadro
econômico, diversamente da proposição que presidirá o futuro da luta política dominante na
Constituinte e propositiva no ideário propositivo da OAB: as lutas pelos direitos civis é o
caminho para a superação da desigualdade econômica e social.
A concepção final de democracia, finalmente, na Carta, não está, exatamente,
clara, inclinando-se, ora por reconhecê-la como democracia econômica, ora como controle
político do poder, sem que bem explicite os controladores, assim como o texto não associa
democracia e representatividade. Por outro lado, ou melhor completando o viés econômico,
reconhece a Carta a imprescindibilidade de superar-se a pobreza, como violação dos
direitos humanos e não apenas a violência policial e a estrutura fundiária arcaica, como
matriz da miséria e das desordenadas migrações urbanas que promoverão o mais estrutural
fenômeno da atualidade brasileira, a favelização nos grandes centros, completando no viés
político, que o povo não mais pode suportar o regime que lhe foi imposto (...) fundado na
exacerbação do capital.
Não propriamente a Carta demonstra que as conclusões estão em sintonia com
os textos discursivos, verificando-se, facilmente, que há uma profunda diferença no
812
conceito de Estado como expressão dos interesses da sociedade civil, para a retomada, na
Carta, do conceito de Estado, como estado-nação, questão, que, tematicamente, não fora
incluída na Conferência, exceto, é claro, com os esclarecimentos hermenêuticos
propostos
1305
. A Carta, neste sentido, mais representa um compromisso com a esquerda
ideológica do que uma continuação evolutiva da luta pela ampliação dos direitos civis que
marcaram as conferências anteriores e que definirão o perfil profissional futuro.
Esta situação contextual, no tempo histórico evidenciará que as diferentes
nuances dos projetos ideológicos de esquerda não afetaram, senão decisivamente o
processo constituinte, também não afetará os parâmetros gerais do ideário profissional.
Muito ao contrário, os compromissos do ideário corporativo com as exclusivas questões
dos “direitos” (individuais e existenciais, enquanto direitos humanos, ou coletivos, ou
difusos, enquanto novas dimensões dos direitos civis) não evoluirá para as questões de
infra-estrutura ou para os projetos ideológicos que presidirão as reformas de base como
“ideal” das esquerdas. As conferências jamais (até o presente) transformaram em projeto de
ideário da OAB, os projetos cujos objetivos procurassem alcançar a nova ordem, partir da
ordem possível, neste sentido um atavismo impregnado do liberalismo jurídico, aliás,
analisado, por Florestan Fernandes.
Florestan Fernandes, não propriamente, nem cabia, analisar esta questão das
transmutações do ideário corporativo dos advogados nas quadras de recomposição
ideológica do estado, nem muito menos, deixou qualquer estudo sobre o liberalismo
jurídico de seus tantos trabalhos, deixou importantes pistas de suas desilusões
revolucionarias quando credita à “revolução democrática dentro da ordem” o caminho da
nova ordem, pressuposto do projeto jurídico de reconstrução social, assim como quando
reconhece que a “revolução contra a ordem”, em nome da manutenção dessa mesma
ordem.
1306
Estas questões, presidirão o futuro, porque, exatamente, elas representam a
capacidade da ordem jurídica numa transição pactuada suportar mudanças, assim como até
1305
Ver final do item 4.
1306
FERNANDES, Florestan. Pensamento e ação: o PT e os rumos do socialismo. Prefácio Paulo Henrique
Martinez. 2. ed. São Paulo. Globo, 2006. p. 16-17 e 60 e segs.
813
que ponto a OAB poderia avançar com um projeto propositivo que contribuísse para a
ruptura das matrizes estruturais de uma das mais “perversas e inflexíveis sociedades da
periferia do capitalismo” ou, definitivamente, recuasse para a realização de uma proposta
constitucional que contribuísse para manter o curso do processo histórico, na observação de
José Honório Rodrigues, resguardando o seu próprio papel na defesa da Constituição e da
ordem jurídica.
A Carta de Recife, na forma de sua proposta final, se representa uma ruptura
com os paradigmas da história brasileira, que se fortalecerá e ampliará sua visibilidade na
XI Conferência, no início de agosto de 1985, em Belém do Pará e na XII Conferência,
concomitante com a promulgação da nova Constituição em 5 de outubro de 1988, em Porto
Alegre,
1307
não alcançou efeitos suficientes, como acontecera, também, com as
conferências subseqüentes, para radicalizar a história evolutiva dos ideários da própria
OAB, fazendo de seu projeto corporativo um projeto nacional de resistência à “exacerbação
dos ganhos de capital em detrimento da atividade produtiva” e “do exercício do direito
privilégio para alguns”, assim como de “substancial alteração da estrutura fundiária” e de
“efetivo acesso à justiça por toda a sociedade”. Parafraseando a Carta de Recife a
lembrança política de Joaquim Nabuco: acabou-se a ditadura, mas não foram destruídas as
bases econômicas (matriciais) da ditadura e nem muito menos o arquipélago da velha
legislação autoritária.
Finalmente, como veremos, os anos que seguem, foram anos de visível
radicalização ideológica e política, mas, que, todavia, não influíram, decisivamente, na
Constituição de 1988 e, da mesma forma, no novo Estatuto da Advocacia e da OAB,
publicados na forma da Lei nº 8906 de 4 de junho de 1994.
1308
1307
A Conferência de Porto Alegre realizou-se nos dia 2 a 6 de outubro de 1988.
1308
Ver cap.XIII desta obra.
814
7 As Eleições Rumo à Esquerda
A Carta de Recife foi um marco referencial na redefinição ideológica do
Conselho Federal da OAB, que adquiriu forças para ultrapassar seu próprio ideário
tradicional, viabilizando o seu processo de ampliação de composições com os organismos
da sociedade civil e participação em debates promovidos sobre a transição democrática.
1309
Este envolvimento direto em temas de natureza política, imediatamente após a eleição
fortaleceram as posições da OAB sobre a convocação de uma Assembléia Nacional
Constituinte,
1310
bem como sobre a reformulação da Lei de Segurança Nacional, de índole
nitidamente autoritária, da Lei de Greve, da Lei de Organização do Partidos Políticos e do
Código Eleitoral que mobilizaram o processo eleitoral interno da sucessão de Mario Sergio
Garcia.
Calheiros Bonfim sobre a necessária aprovação de uma clara e ostensiva
posição sobre a necessária convocação da Assembléia Constituinte e a revogação do
entulho autoritário, transcreve a seguindo opinião citando Levi Carneiro: ‘vamos ter que
enfrentar erros, males e vícios enraizados e poderosos. Havemos de ter um maior
1309
Ver Seminário promovido pela Secretária de Negócios do Interior do Estado de São Paulo sobre “A
Transição Democrática no Brasil” In: Ata da Sessão Extraordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1504ª
Sessão da 54ª Reunião Ordinária) de 26 de fevereiro de 1985. Nesta linha, a síntese do relatório apresentado
ao Conselho Pleno da OAB foi analisada por Sobral Pinto, Vitor Nunes Leal, Gabriel de Rezende Passos,
Calheiros Bonfim e o Presidente Mario Sergio Garcia.
1310
Conforme Ata da Sessão Extraordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1504ª Sessão da 54ª Reunião
Ordinária) de 26 de fevereiro de 1985, na mesma data o Presidente Mario Sergio informou que daria
cumprimento ao disposto no art. 12, VI do Estatuto combinados com os arts. 6º, 18 e 56, XII do Regimento
Interno com vistas a consolidar a reivindicação maior da ordem na atual conjuntura política para
convocação e instalação imediata da Assembléia Nacional Constituinte precedida da revogação da
legislação herdada do período autoritário(...). Afirmou, finalmente, que para evitar presumíveis divergências
entre o posicionamento da OAB e da classe política decidira constituir Comissão para elaboração de um
trabalho que seria submetida a apreciação do Plenário da OAB e de outras entidades da sociedade civil,
para ser posteriormente entregue a título de subsidio ao presidente eleito senhor Tancredo Neves constituída
dos seguintes nomes: Miguel Seabra Fagundes (membro nato), conselheiros: Sergio Ferraz, Evaristo de
Moraes Filho, Calheiros Bonfim, Celso de Rezende Passos e Drs. Eugenio Roberto de Hadock Lobo, Marcelo
Cerqueira, Aurélio Wander Bastos, Arnaldo Malheiros (pretendendo se incluir ainda na mesma comissão o
professor Fabio Konder Comparato). O Presidente noticiou ainda que, juntamente com Marcio Tomaz
Bastos, fora recebido, em Brasília, pelo Presidente Tancredo Neves que se mostrou receptivo a contribuição
da Ordem.
815
devotamento, a maior energia, a maior serenidade, a maior isenção, o mais profundo
sentimento dos nossos deveres para com a coletividade, não só profissional, como a grande
coletividade nacional, de que somos parte. Somente assim lograremos êxito’.
1311
Na contra
cena da história o Presidente Mario Sergio Garcia comunicou que não compareceu à posse
do Presidente da República em exercício Jose Sarney mas que acompanhado pelo vice-
Presidente Herman de Assis Baeta e o Secretário Geral Francisco Costa Neto estiveram
presentes nos dias 8 e 9 de março em reunião oficiosa dos presidente dos Conselhos
Seccionais em São Luiz do Maranhão.
Deste encontro advieram algumas importantes posições que influiriam no
futuro eleitoral da OAB e na redefinição do seu ideário corporativo, tais como: reforma do
estatuto privilegiando a questão do advogado assalariado, democratização do processo
interno de decisão da OAB, inaceitar a participação das seccionais de membros indicados
pelo Instituto dos Advogados, limitação da reeleição dos presidentes das seccionais a um
período, garantir a participação das minorias nos órgãos colegiados, implantação dos
sistemas de eleição proporcional, eleição direta das diretorias seccionais, proporcionalizar a
relação entre conselheiros e advogados inscritos, sugerir ao Conselho Federal provimentos
emergenciais para corrigir omissões da Lei 4215/63 visando democratizar o processo
eleitoral da OAB, adoção de célula única, institucionalização do colégio de presidentes,
garantir a presença do membro nato na diretoria sem direito de voto, eleição dos
conselheiros federais em assembléia geral e, finalmente, recomendar a transferência da sede
do Conselho Federal para Brasília imediatamente à democratização do país e, finalmente
apoiar a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte com funções
especificamente constituintes, sendo inaceitável a elaboração, pelo executivo, de
anteprojeto de constituição, assim como convocar um Congresso pró-Constituinte em
Brasília imediatamente a eleição do próximo presidente.
1311
Ata da Sessão Extraordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1505ª Sessão da 54ª Reunião Ordinária) de
18 de março de 1985. Estiveram presentes os presidentes: Ophir Figueiras Cavalcante (PA), Carlos Nina
(MA), Aristófanes Bezerra Filho (AM), Silvio Braz Peixoto (CE), Olavo Berco (GO), Carlos Mauricio
Martins Rodrigues (RJ) e Walter Martins Rodrigues e, ainda, os conselheiros federais: Carlos Alberto Siveira
Lense (SC), Marcio Tomaz Bastos e Doroteu Ribeiro (MA). Esta reunião dos Presidentes em São Luís foi
decisivamente marcante para os projetos futuros da oAB, muito especialmente no que se refere à questão
agrária marcada por graves acontecimentos na cidade de Imperatriz, Maranhão resultantes de conflitos pela
posse da terra. Nina, Carlos; op.cit..
816
Nesta sessão extraordinária da OAB quando Mario Sergio Garcia se despediu
da presidência observou que teve grande honra em ter presidido este Colegiado (...),
considerando, inclusive, (...) a feliz coincidência que o novo Conselho a empossar-se
iniciara o seu mandato com a nova República e, portanto, com conquistas para a qual a
Ordem dos Advogados muito contribuiu (...) (ao contrário, ela) a OAB deve prosseguir
uma vez que a eleição do Presidente Tancredo Neves é um mero patamar na conquista
democrática que só se atingira com a promulgação da Assembléia Constituinte.
1312
Instalada a Sessão que deu posse aos novos conselheiros federais (1985/1987)
iniciaram-se também as providências para a eleição da nova diretoria, ficando no exercício
da Secretaria Geral Celso Gabriel de Rezende Passos, dado o impedimento de Francisco
Costa Neto. Foram apresentadas duas chapas; foi eleito para Presidente Herman de Assis
Baeta (com 20 votos); para vice-Presidente, Marcio Tomaz Bastos (com 19 votos);
Secretário-Geral, Arthur Lavigne (com 15 votos); Tesoureiro, J. M. Othon Sidou e Sub-
Secretário-Geral Moacir Belchior (com 17 votos).
1313
Em Sessão de Posse imediatamente
seguinte foi lido juramento com o seguinte teor:
Prometemos manter, defender e cumprir o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil,
exercer as atribuições que nos são delegadas, com independência e serenidade,
pregando pela liberdade e dignidade da profissão de advogado, em todo o território
nacional.
1312
Ressaltou-se também que muitos conselheiros não voltariam a OAB dentre eles José Paulo Sepúlveda
Pertence recentemente nomeado Procurador Geral da República, bem como Sobral Pinto, Evaristo de Moraes,
Heleno Fragoso, Daniel Arão Reis, Tercio Lins e Silva, Augusto Susseking, Juarez Tavares, José Castro Bigi.
Ata da Sessão Extraordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1505ª Sessão da 54ª Reunião Ordinária) de 18
de março de 1985.
1313
Concorreram com os eleitos, não tendo obtido sucesso: a segunda chapa composta por: Francisco Costa
Neto (Presidente), Dorani de Sá Barreto Sampaio (Vice-Presidente), Joselito de Abreu (Secretário Geral),
Sadi Lima (Tesoureiro). Ata da Sessão Ordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1506ª Sessão da 56ª
Reunião) de 1º de abril de 1985. Em Sessão realizada as 18:30 para o Ato de Posse estiveram presentes
Barboa Lima Sobrinho (presidente da ABI), Sergio Ferraz (presidente do IAB), J. Paulo Sepúlveda Pertence
(Procurador Geral da República) e Eduardo Seabra Fagundes (Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro,
representando o governador Leonel Brizola), José Paulo Cavalcante Filho (Secretário Geral do Ministério da
Justiça), representantes do Poder Judiciário,ex-presidentes natos da OAB e presidentes das seccionais.
817
Mario Sergio Garcia no seu discurso de transmissão do cargo exaltou a figura
inexcedível em patriotismo e em amor a nossa Ordem do bravo Presidente Ribeiro de
Castro. Destacou que ao Presidente da OAB (...) não se admite encastelar-se em posições
de elitismo intelectual, nas culminâncias do cargo distanciando das bases e inindentificado
com as necessidades vitais da advocacia e do próprio advogado como trabalhador
intelectual que é. Ressaltou a sua luta contra as dificuldades asfixiantes por força de um
governo, felizmente já sepultado, que levou o país ao caos econômico, ao completo
desacerto social, ao mais longo desajuste institucional da nossa história. Referindo-se ao
novo Presidente Herman de Assis Baeta destacou a sua profunda preocupação com os
problemas da comunidade e a sua trajetória como combativo estudante, conselheiro e
dirigente da OAB. Manifestou ainda que o novo Presidente saberá conduzir os destinos da
nossa Ordem com a independência que sempre o caracterizou, com retidão de conduta e
com a honradez que constitui os atributos de sua personalidade e, principalmente, com a
fidelidade aos princípios que sempre nortearam a sua vida de cultor do direito e amante da
liberdade.
Concedida a palavra ao Ministro da Justiça Fernando Lira ressaltou que a
convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, será o marco
democrático dessa nova República (...) nós necessitamos do apoio da OAB, mas não o
apoio político, o apoio da defesa intransigente, nós precisamos da fiscalização permanente
da consciência jurídica do advogado brasileiro, terminando por anunciar a reformulação
do Conselho de Direito da Pessoa Humana e manifestou sua confiança no novo presidente
na luta pela Constituinte, a luta comum que une todos nós na concretização do grande
sonho brasileiro de ver o seu estado democrático permanente e irreversível.
Finalmente usou da palavra o Presidente eleito Herman Baeta da qual
destacamos os seguintes trechos: Impõe-se uma mudança substancial e qualitativa do
estado nacional brasileiro, afim que fique submetida a vontade coletiva da sociedade civil,
não mais exercendo sobre ela o autoritarismo que ora começa a desagregar (...). Não é
mais possível uma Carta Magna elaborada nos gabinetes dos juristas e dos supostos
sábios, imposta a Nação. A Constituição deverá ser fruto de um amplo dialogo nacional
(...). A nova Carta política [não deverá ser] obra de alguns, mas de todos, para que a
possam entender, amar, respeitar e defender. É preciso derrogar os resíduos da legislação
818
autoritária como a Lei de Segurança Nacional, a Lei de Greve, Lei de Imprensa, Lei
Falcão, Lei do Estrangeiros, CLT e, sobretudo a reformulação geral da legislação eleitoral
e da Lei Orgânica do Partidos, para que todas as classes, grupos, camadas e seguimentos
sociais possam manifestar-se livremente e organizar-se em partidos políticos, sem
qualquer discriminação de ordem política, filosófica ou ideológica. As organizações
políticas que já existem de fato não podem e nem devem ficar a margem do sistema legal
partidário (...), nem excluir nenhum cidadão da plena participação política (...), a
legitimidade real exige plena representatividade de todos os brasileiros, o estado e o
governo terão de promover o desenvolvimento real, não só político, mas também
necessariamente econômico e social para que se estabeleça o equilíbrio e a harmonia,
retirando os milhões de brasileiros que vivem na miséria e na pobreza. É preciso
contemplar os militares e civis que não foram contemplados pela Lei da Anistia, é preciso
alcançar os trabalhadores rurais nas suas reivindicações sociais. Temos que intensificar a
luta pelo asseguramento das prerrogativas e direitos dos advogados, mas é preciso (se
reconheça) que as prerrogativas dos advogados pertencem substancialmente ao próprio
povo, pois sem ela o advogado não terá independência e o desembaraço necessário
exigíveis à plena defesa e postulação dos direitos do homem e do cidadão. Finalmente
agradeceu o batonnier Mario Sergio Garcia compromisando-se em dirigir a entidade com
prudência, abnegação, autoridade e firmeza e de por em pratica as decisões desse
Conselho.
1314
1315
1314
Ata da Sessão Solene de Posse de Transmissão de Cargo à Nova Diretoria do Conselho Federal da OAB
(1507ª Sessão da 55ª Reunião) de 1º de abril de 1985.
1315
Ata da Sessão Ordinária do Conselho Pleno do CF.OAB (1508ª Sessão da 55ª Reunião) de 13 de maio de
1985. Consta que o Presidente manifestou o seu pesar pelo falecimento de Tancredo Neves e informou que
durante a doença do mesmo estivera juntamente com o vice-presidente Marcio Tomaz Bastos, no Instituto do
Coração, em São Paulo, e que falecido o Presidente, comparecera em Brasília a solenidade em sua
homenagem. Ao final o Conselho guardou um minuto de silencio em memória do Presidente Tancredo Neves.
Consta, também, a seguir que o Ministro das Relações comunicou ao Presidente da OAB que o Presidente da
República conferira à OAB a Ordem de Rio Branco no grau de Grã Cruz pelo serviço prestado à causa do
aprimoramento das instituições jurídicas, sendo o Presidente da OAB convidado para receber as insígnias e o
diploma correspondente em 23 de maio de 1985. Ver também nesta mesma Ata convite do Presidente da
República José Sarney e do Ministro da Justiça Fernando Lira para compor a Comissão que elaborara o
anteprojeto de Constituição, bem como a Comissão para modernização da legislação brasileira e eliminação
do seu conteúdo autoritário.
819
Finalmente, antes que efetivamente analisemos o projeto constituinte dos
advogados e a sua movimentação política, para evitar que a Constituição resulte de
anteprojeto elaborado de cima para baixo por iniciativa do Executivo, reconhecendo que
era inadmissível existência simultânea da Constituinte e do atual Congresso, considerando
ainda a observação de José Lamartine Correa de Oliveira que nem o Congresso deve virar
Constituinte, nem a Constituinte deve virar Congresso, o Plenário da OAB opinou para que
fossem enunciados, ainda nessa sessão, os princípios basilares consensuais que deverão
reger a futura Assembléia Nacional Constituinte, somando a colaboração de vários
conselheiros, que assim foram expostos:
1º A OAB define-se a favor de uma Assembléia Nacional Constituinte livre, soberana e
autônoma. Não deve ser transformado o atual nem o futuro Congresso Nacional em
Constituinte, bem como não se deve transformar a futura Constituinte em Congresso
Nacional.
2º A OAB rejeita qualquer anteprojeto de Constituição privilegiado a ser remetido à
futura Constituinte, admitidas entretanto colaborações.
3º O maior entulho autoritário é a atual Constituição Federal.
4º A Assembléia Nacional Constituinte deve ser convocada o mais rapidamente possível.
5º A Assembléia Nacional Constituinte será tanto mais representativa quanto maior for
a autêntica presença, em seu seio, de pessoas diretamente representativas dos mais
diversos segmentos sociais, atividades profissionais e tendências políticas.
1316
1316
Ata da Sessão Ordinária do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(1.508ª Sessão da 55ª Reunião), de 13 de maio de 1985.
820
8 – As Conclusões Constituintes da OAB
8.1. Preliminares Conjunturais
A radicalização ideológica da Carta de Recife e as conclusões de dois
Seminários pró-constituinte de longo alcance discursivo realizados imediatamente após,
1317
para discutir a reconstitucionalização do país influiu decisivamente no temário e nos rumos
finais da XI Conferência realizada em Belém, no Estado do Pará, entre os dias 4 e 8 de
agosto de 1985. Estes seminários por sua vez, retomaram o tema da Carta de Recife,
reestruturando-a, inclusive, em texto introdutório (similar), que, assim, ficou redigido:
Como já afirmaram em 1984 [os advogados] na Carta de Recife, a plena
democratização, para além dos limites do liberalismo clássico, e traduz pelo processo
amplo e contínuo de crescente participação de todos os homens em todos os bens da
vida: no plano político pelo controle do poder, na sua origem e no seu exercício; no
plano econômico e social, pelo acesso [de todos] aos frutos do trabalho e [em]
condições [alicerçadas na liberdade e na justiça].
Na verdade, o texto supra, é uma reacomodação aperfeiçoada da linguagem da
introdução da Carta anterior, aliviando tecnicamente o seu peso economicista, e
1317
O primeiro Seminário (Congresso) Pro-Constituinte foi realizado em São Paulo, ainda na gestão Mário
Sérgio, e o II Congresso Nacional de advogados Pró-Constituinte foi realizado em 1985, ano anterior à XI
Conferência Nacional da OAB, promovido pelo Conselho Federal da Ordem, durante a gestão do Presidente
Hermann Baeta, entre os dias 15 a 19 de outubro de 1985 na sede da OAB-DF, com a clara finalidade de
mobilizar os advogados na expectativa de que a Constituição resultasse de ampla participação da sociedade
através de convocação de uma Assembléia Constituinte livre e soberana: A Constituição tem que ser trabalho
do povo, como conseqüência inarredável do princípio de que todo poder emana do povo. Daí a exigência
democrática da instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva e não de simples extensão ao
Congresso Nacional de poderes constituintes originários. Participaram do Encontro advogados, juristas,
sociólogos, empresários, sindicalistas, etc. Anais do II Congresso Nacional de Advogados Pró-Constituinte.
Brasília: Conselho Federal da OAB, 1985, p. 7. Entretanto as expectativas da OAB foram frustradas pela
Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, que dispunha que a Assembléia encarregada de
elaborar a nova Constituição seria composta pelos integrantes do Congresso eleitos no quadro circunstancial
que evoluíra durante as tantas manobras do casuísmo do poder (revolucionário) instituído.
821
explicitando seus propósitos, tornando-os, não apenas mais compreensíveis, mas, também,
assimiláveis por frações mais extensíveis da categoria. Esta Carta, menos radical que
aquela, demonstra, visivelmente, uma nova proposta para as origens do poder e para a
participação nos frutos do trabalho, evitando a linguagem distributivista (participação nos
bens) para a adotar uma linguagem mais cooperativa e solidária (acesso de todos aos frutos
do trabalho de acordo com critérios alicerçados na liberdade e na justiça). Na verdade, a
Carta de Belém, fez uma reconversão de uma linguagem ideologicamente comprometida
com a socialização da propriedade e do poder para uma linguagem comprometida com a
democratização da vida econômica e do poder, com certeza de maior alcance político.
A Carta de Belém, de qualquer forma, mais ousada que documentos anteriores,
foi, todavia, a única que incisivamente alegou que a “democratização” deveria ultrapassar
os “limites do liberalismo clássico”, marcando, por conseguinte, não apenas a necessidade
de se superar um projeto econômico determinado pela livre iniciativa e pela exclusividade
da exploração da propriedade particular, mas sugerindo uma organização econômica “de
crescente participação de todos os homens em todos os bens da vida”. Neste sentido, a
Carta de Belém abre a questão da inexorabilidade da relação ente o “liberalismo jurídico
clássico” e o ideário profissional dos advogados, na perspectiva de que uma corporação
profissional que articula, agentes representativos de interesses superestruturais conflitivos
pudesse agir no efetivo processo de transformação social-estrutural.
Aparentemente, esta questão, seria de mera linguagem, de efeitos políticos (e
profissionais) insignificantes, mas, na verdade, era um volumoso esforço de adaptação
ideológica e conceitual ao ideário profissional da advocacia, historicamente marcado, salvo
rápidos lapsos de exceção, pelo liberalismo clássico nas suas tantas vertentes, aos novos
padrões de uma nova ideologia jurídica ascendente, mas distante ainda, pelo menos a partir
dos temas das conferências do economicismo esquerdista das teses mais radicais. Na
verdade, a Carta de Belém, e, também, de certa forma, o conteúdo temático da X
Conferência, especialmente nos aspectos estruturais dos poderes, foi um esforço de
adaptação das tantas vertentes das alternativas socialistas clássicas à força ideário
profissional como ideologia jurídica, marcada pelo liberalismo iluminista e pelas
resistências ao nacional-estatismo, seja no formato trabalhista-sindical, seja no formato
socialista, ou seja, no formato de ideologia de segurança nacional.
822
Este fenômeno, todavia, não ficou circunscrito a este período, é um fenômeno
que se repete no tempo, e, demonstra, exatamente, a capacidade de adaptação do ideário
profissional. Todavia estes ajustes (de tecnologia) das ideologias ao ideário, de qualquer
forma, por outro lado, como já, também, demonstramos, provocam ajustes (de abertura) do
ideário às ideologias, provocando no tempo histórico as mais diferentes formas e meios de
adaptações circunstancias da ideologia jurídica às conjunturas ideológicas, exceto em
alguns referenciais essenciais, como a defesa das prerrogativas profissionais e a autonomia
corporativa.
De qualquer forma, se não propriamente estava revertida ao contrario, a
tendência à radicalização ideológica na Carta de Recife, a linguagem nas discussões
temáticas das anteriores conferências, evoluiu, marcadamente, para uma proposta de
ruptura com as referências matriciais da história brasileira, não apenas com a ordem
institucional autoritária, mas, também, e com o secular processo de acumulação de riquezas
no Brasil. A linguagem dominante, já não se manifestou, apenas, comprometida com o
desmonte político do entulho autoritário, com a democratização do estado (autoritário) de
direito, mas, também, com a democratização (estatização) econômica pela via da
desarticulação do modelo econômico de concentração de renda.
Por estas razões, na XI Conferência, e na anterior, quem sabe, pela premente
pressão constituinte, combinada com o esgotamento autoritário, e o vertiginoso
aprofundamento da crise econômica, o processo de transmutação dos institutos jurídicos
originários da Constituição de 1967, comprimida pelos atos institucionais e emendas
constitucionais que sucederam a 1968/69, viabilizando o Estado de Segurança Nacional,
evoluiu numa expectativa ideológica, não propriamente delimitada pelo constitucionalismo
clássico, mas numa proposta ruptiva, como observamos, não propriamente com a forma
estrutural dos poderes, mas com a estrutura clássica da propriedade. As grandes questões
constitucionais dominaram o debate, todavia, premidas pela avalanche das questões
estruturais matriciais, dominadas pela leitura classista contrastando, senão absolutamente,
significativamente, com as novas dimensões dos direitos civis (direitos coletivos, difusos e
823
existenciais), que, na verdade, vieram a dominar na Assembléia Constituinte de 1987/88,
por influência do anteprojeto constitucional da Comissão Arinos.
1318
Estas novas questões criaram, não apenas para o projeto constituinte, uma
rediscussão sobre as condições de ordem constitucional suportar políticas socialmente
interventivas, como também de socialização econômica, mas também sobre a própria (e
futura) formatação do Estatuto da Ordem, visivelmente influenciado pelo liberalismo
iluminista (dos mineiros). Tal questão trouxe à luz um posicionamento ausente na historia
de seu ideário: o liberalismo, como ideologia suficiente para enfrentar as novas dimensões
da ordem constitucional, e o próprio socialismo, não como ideário profissional, mas como
alternativa construtiva de viabilizar o próprio ideário na sua visão e percepção clássica.
1319
1318
Herman de Assis Baeta, Presidente da OAB, neste período da Conferência de Belém (1984/86) em recente
depoimento oral relata, muito embora em caráter bastante pessoal, a presumível divergência de propósitos
entre as diretrizes da OAB e da Comissão Arinos. Assim afirma: a Constituinte tinha tudo para ser um jogo
de cartas marcadas (...).
1319
No projeto original da Tese pretendíamos desenvolver um subitem deste item, que se intitularia
Advocacia – Liberalismo e Socialismo. A pesquisa, todavia, exigiria um recuo histórico intenso que
interromperia a seqüência do ritmo normal da Tese, provocando a realização de uma pesquisa documental que
recuasse até as origens gregas e romanas da profissão, para evitar lacunas ou insuficiências informativas.
Neste sentido, sugerimos uma leitura mais acurada da obra de ALMEIDA, Candido Mendes de. Código
Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal, recopilados por mando do Rei Felipe I, 14ª ed, 3 vols.
RJ e ALMEIDA, Candido Mendes de. Auxiliar Jurídico: apêndice ao v. 1. Lisboa Fund. Calouste
Gulbenkian, 1985. 2 v. p. 251, sobre o mesmo assunto, ver também LASKI, Harold. Authority in the Modern
State ed. cit., cap. III. Para este autor o ataque essencial à idéia liberal, no século XIX, de certa forma partiu
do socialismo, principalmente a compreensão de que a idéia liberal garantia à classe media uma participação
nos privilégios do laissez faire deixando ao proletariado os ônus do trabalho e as aguras de sua sobrevivência.
Interessante trabalho sobre este tema pode ser encontrando também em SCHULZ, Fritz. History of Roman
Legal science. Oxford: Clarendon Press, 1953. Ver também, DAVID, Le patronat judiciaire au dernier siècle
de la République romaine, Roma: Ecole Française de Rome, 1992. p. 952. Este autor estuda a fase em que o
advocatus era mais patrono e orador do que jurista; dentre os patroni causarum ele estuda Catão, Carbo,
Cícero, César e Bruto. Obra indispensável sobre o tema é de LASK, Harold, J. Liberalismo europeu. São
Paulo: Mestre Jou, ed. s/d. Ver, ainda, de IGLESIAS, Álvaro. Notas sobre a Historia da Advocacia. Rio de
Janeiro: PqJuris, 1985.
824
8.2. O Conceito de Assembléia Constituinte
As Assembléias Constituintes não tomam o poder, mas (re)organizam o novo
Estado, (re)compõem os fatores reais de poder, mas têm como motivação essencial
(re)ordenar o funcionamento das instituições, promulgando uma (nova) Constituição. Neste
sentido, a preocupação essencial deste “escrito” não foi estudar as formas de tomada de
poder, mas demonstrar as alternativas possíveis a realização de uma Assembléia
Constituinte, sem que ficasse o trabalho presidido por qualquer sistematização rigorosa,
evitando construir uma tipologia de Assembléias Constituintes (e conceituando-as) mas
indicando estes especiais tipos no seu desenvolvimento, especialmente no contexto
histórico brasileiro.
Este subitem está subdividido em 4 (quatro) partes discursivas que versam
sobre o conceito de Assembléia Constituinte, sobre a evolução histórica do quadro das
constituintes brasileiras, sobre a constituinte exclusiva e sobre a Constituição atual, a
natureza da Assembléia Constituinte exclusiva. Estas subdivisões, na verdade, não visam
exatamente a contribuir para uma teoria da Assembléia Constituinte exclusiva, nem muito
menos da Assembléia Constituinte, mas procura sistematizar, para demonstrar
historicamente, as suas dificuldades concretas, de realização sem, com isto, desprezar,
finalmente, a partir da diferença da práxis constituinte brasileira, a Constituinte exclusiva,
como tipo ideal racional, no contexto de suas possibilidades de realização, inclusive no
âmbito da Constituição vigente.
825
8.2.1. Do Conceito.
O autor da clássica teoria da Assembléia Nacional Constituinte Joseph
Emmanuel. Sièyès,
1320
editada em livro durante a Revolução Francesa, definiu que elas
nascem de forças políticas paralelas mais fortes do que as forças políticas instituídas. Estas
forças emergem de revoluções vitoriosas, que prenunciam novos propósitos de organização
política ou de dissensões institucionais, que refletem reinclinações parlamentares que se
constroem dentro do próprio poder constituído contra as frações dominantes
hegemônicas
1321
. A Assembléia Constituinte é um ato político extremo contra a ordem
constituída com o objetivo de reordenar a legalidade instituída, para os constituintes,
corroída pela ilegitimidade representativa.
Todavia, muitas são as circunstâncias em que a proposta constituinte evolui de
movimentos políticos paralelos, deslocados das órbitas do poder ou de movimentos
revolucionários que se posicionam radicalmente contra o poder constituído, ou por sua
força insurrecional ou pelas suas características militares. Não é comum, por outro lado,
que frações políticas ou militares da própria ordem se arvorem de poder revolucionário
constituinte e do poder reconstruam o poder, mas a história nunca se encerra
inexoravelmente em seus próprios limites, deixando sempre em aberto novos espaços
criativos e especulativos.
Nem sempre, todavia, os movimentos revolucionários ou insurrecionais
politicamente vitoriosos evoluem para assembléias constituintes destinadas a “constituir”
uma nova Constituição ou nova ordem jurídica, sendo mais provável que se fechem no
poder e governem autocraticamente e, muitas vezes, pelos seus próprios desígnios, outras
pela absoluta falta de ambiente político circunstancial receptivo à mudança. Nestes casos, é
1320
SIEYÈS, Joseph Emmanuel. ed.cit.
1321
Ver o conceito de fração hegemônica desenvolvido por Antonio Gramsci. In: NOVAIS, Dimas. Sociedade
civil, hegemonia e democracia. Câmara Brasileira de Jovens Escritores.
826
provável que o quadro evolua entropicamente
1322
e o movimento vitorioso submirja nas
suas próprias circunstâncias ou por pressão externa, provocando novas ebulições e novas
acomodações.
Estas especiais situações, finalmente, demonstram, que, por estas razoes, muito
dificilmente na historia dos povos as constituintes tiveram uma natureza essencialmente
exclusiva, ou seja, foram promulgadas como Constituição que traduzisse o puro e explicito
projeto ideal-racional, assim como, as frações vitoriosas hegemônicas não apenas, quase
sempre, buscaram fórmulas possíveis de fazer de seu poder constituinte exclusivo e
limitado um poder terminal, que exprimisse o seu próprio projeto de interesses, procurando
fazer da (sua) nova Constituição pressuposto continuista do próprio poder, convertendo as
constituintes exclusivas em parlamentos ordinários.
8.2.2. Da Constituinte na História Brasileira
1323
A história brasileira tem demonstrado que poucas foram as situações em que as
forças dominantes nos movimentos paralelos vitoriosos contra o poder instituído
convocaram exclusivamente a sua própria constituinte. O clássico exemplo desta situação
ocorreu com a proclamação da independência (1822), que sucedeu à convocatória da
Assembléia Constituinte de 1823, quando os próceres da independência, aliados aos
exportadores brasileiros, tiveram o seu projeto de Constituinte (dos Andradas)
imediatamente abortado ou sufocado para terminar numa Constituição outorgada pelo
Imperador (1824), numa visível composição com as elites do Estado colonial moribundo e
1322
O conceito de entropia está vinculado ao conceito de fechamento funcional que necessariamente exige
mudanças ou adaptações para restaurar os fluxos de poder ou decisão. BASTOS, Aurélio Wander. ed.cit.
1323
RODRIGUES, José Honório. ed.cit., onde, não propriamente, o autor faz um estudo da linha histórica do
tempo constituinte, mas, com inteligente perspicácia trabalha a questão da conciliação como pressuposto
“atávico” (sic) da historia política brasileira. Ver também, de BASTOS, Aurélio Wander. Formação Eleitoral
do Estado Brasileiro. São Paulo. USP/FFLCH. 1983. (texto preliminar de Doutoramento).
827
as elites comerciais metropolitanas. Nem muito menos vivemos situação mais ousada com
a proclamação da República (1889), desmobilizada, senão pelos seus próprios áulicos, que
a formataram como Decreto presidencial em 1889, transformado em Constituição,
submetidos aos oligarcas dos baronatos transmudados.
1324
As frações republicanas e positivistas de Benjamin Constant e da Escola
Militar, na verdade, aliadas às próprias forças militares da ordem imperial evoluíram para
um Congresso Constituinte, que menos apreciou o projeto republicano positivista (ideal
racional), exceto na sua figuração gráfica, do que a proposta presidencial de profunda
vocação federalista, o que permitiu a recomposição do grande condomínio oligárquico que
sobreviveu intacto até 1926/30. Os efeitos do positivismo mais se restringiu aos símbolos
nacionais, e à formação militar, exceto sua interferência sobre a especialíssima Constituição
do Rio Grande do Sul, ficando fortalecido o federalismo como projeto de descentralização
do velho estado unitário imperial.
Historicamente o mais expressivo movimento constituinte brasileiro evoluiu da
Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, herdeiro do positivismo castilhista dos
gaúchos, aliado ao corporativismo teórico, para reconstruir o Estado brasileiro corroído
pelas fraudes eleitorais oligárquicas que se transformaram na negação dos próprios
propósitos republicanos, não sem antes, todavia, buscar na própria ordem instituída os
mecanismos corretivos da desordem. A Revolução de 1930, neste sentido, é o mais lídimo
exemplo brasileiro que evoluiu para uma Assembléia Constituinte, não sem antes, todavia,
ainda na força de sua ação vitoriosa, editar o Código Eleitoral (1932), que alterou,
previamente, como experiência única no Brasil, antes da convocatória constituinte, como
efetivo ato revolucionário, profundamente a correlação entre as frações (fatores) reais de
poder, preservando a linguagem de Fernand Lassale.
1325
1324
O mais expressivo estudo sobre este tema no Brasil, inclusive, sobre as relações entre o exercício do poder
e as normas eleitorais é de LEAL, Vitor Nunes. ed.cit
1325
LASSALLE, Ferdinand. ed.cit.. Neste livro o social-democrata alemão, contemporâneo de Karl Marx,
entende que os fatores reais de poder são exatamente aquelas forças que entre si se compõe para o exercício
do poder, podendo evoluir do grande capital para forças militares ou, até mesmo, frações de classes sociais,
exceto, é claro, segundo ele, o proletariado. A historia intelectual tem demonstrado que o conceito de fatores
reais de poder, modernamente, tem sido utilizado mais amplamente, para designar alianças que não
necessariamente estão comprometidas com as estruturas econômicas privadas.
828
É neste quadro, todavia, que vamos encontrar um dos mais lídimos exemplos
das dificuldades para a implantação de uma Assembléia Constituinte exclusiva,
principalmente porque o Código Eleitoral de 1932 rompera com a velha ordem oligárquica,
muito embora, todavia, não se aliara às forças revolucionarias os movimentos operários
emergentes, o próprio Partido Comunista criado em 1922 e, nem muito menos os
remanescentes da Coluna Prestes. A resistência da oligarquia paulista, conhecida como
movimento constitucionalista, (1932/33) acabou provocando o pacto de recomposição entre
as forças oligárquicas revolucionarias de Getúlio, permeadas pelo intelectualismo
corporativista, e as velhas oligarquias exportadoras, que, não impediram, todavia, a
modernização da ordem econômica e do Estado, mas inviabilizaram o projeto de uma
Constituinte exclusiva à medida que votaram a sua continuação, por via indireta, no poder
mantendo-se no exercício dos seus próprios mandatos parlamentares o que viabilizou a
sobrevivência de Getúlio como Presidente e inviabilizou a Constituição de 1934 sufocada
pela Constituição do Estado Novo de 1937.
Os acontecimentos mais recentes indicam que muitas foram as situações em
que o próprio poder constituído quis convocar a sua Constituinte e eleições presidenciais,
como foi o caso do próprio Getúlio em outubro de 1945 (Constituinte com Getulio), para
desmontar a Carta autoritária de 1937, na visível expectativa de continuar no poder,
ampliando suas alianças à esquerda trabalhista, muito embora, anteriormente, em fevereiro
de 1945, pressionado pelas forças democráticas civis e militares imediatamente, ao fim da
Segunda Guerra Mundial, tenha convocado a Assembléia constituinte e eleições
presidenciais. A convocatória de fevereiro de 1945, na forma de Lei Constitucional n°.
09/45 (emenda presidencial), frente à pressão dos liberais e dos militares prevaleceu para as
eleições presidenciais e parlamentares de 15 de novembro de 1945, sobre a manobra
continuísta de outubro do habilidoso caudilho gaúcho substituído por José Linhares,
Presidente do Supremo Tribunal Federal STF, que presidiu as eleições.
Este novo quadro convocatório fugiu radicalmente do modelo de constituinte de
1930/33, introduzindo elementos novos, pois o próprio governante convocara a
Constituinte de dentro do poder, por sua conta e risco, e os constituintes que viessem a ser
eleitos permaneceram, o que não era esperado, após a promulgação da Constituição, como
deputados de legislatura regular, como aliás acontecera em todas as situações anteriores,
829
mas foi no contexto destes fatos que efetivamente se produziu e promulgou a constituição
de 1946 e definiu-se com clareza o modelo que historicamente sempre vivemos: o
Congresso Constituinte. Na verdade, 1945/46 foi a primeira grande reversão do quadro
constituinte, permitindo que as elites intelectuais da nova classe média, em ruptura radical
com as forças governantes tradicionais, elaborassem um texto constitucional legislativo
impar, mas que não alcançou, nem ao menos conseguiu vedar, a sobrevivência da esdrúxula
aliança executiva entre as frações conservadoras, herdeiras da velha oligarquia “invernista”
e as forças trabalhistas emergentes – o paradoxal milagre getulista que sucumbiu e levou
consigo a Constituição de 1946 com a aliança entre udenista, préceres do liberalismo, e os
militares comprometidos com os projetos de segurança nacional.
Esta aliança governativa afundou o projeto liberal-democrático de 1946, mesmo
com o seu arremedo em 1967, frente ao impacto do Ato Institucional de 1968, e a Emenda
Constitucional de 1969, trazendo para os organismos da sociedade civil (e para as ruas)
uma nova proposta Constituinte: uma constituinte exclusiva e soberana. Com a derrota da
Emenda das eleições diretas para Presidente da República (25/04/1984), uma tentativa de
ruptura com as forças governantes de 1964/85 restou, com a colaboração governista,
inclusive dissidente, e os moderados de oposição, com a resistência dos grupos mais
radicais, a fórmula experimentada com sucesso em 1945, quando a iniciativa da
convocatória constituinte coube ao próprio poder (presidencial) instituído, naquele
momento histórico, pelo presidente José Sarney, Vice-presidente do Presidente eleito
Tancredo Neves indiretamente no Colégio Eleitoral (15/01/1985), mecanismo sucessório
histórico preservado pelo poder revolucionário (1964/68), que veio a falecer, todavia, antes
de sua posse presidencial. A Emenda Constituinte nº. 26/85, convocatória da Assembléia
Nacional Constituinte foi aprovada pelo Congresso Nacional estruturado no quadro dos
atos e emendas antecedentes, marcado, por conseguinte, pelos vícios e desvios do
legitimismo revolucionário que os moderados absorveram para viabilizar as reformas
necessárias à conciliação nacional.
1326
1326
A compreensão expansiva deste tema sugere a leitura de MERCADANTE, Paulo. ed.cit, muito
especialmente a apresentação da 4ª ed. De Nelson Mello Souza. Ver subitem seguinte desta Tese.
830
Este modelo convocatório não fugiu dos padrões históricos, jurídicos e políticos
que presidiram as Constituintes brasileiras, sendo, no entanto, que o ato não foi imperativo,
mas aprovado pela maioria absoluta do Congresso na forma constitucional. Neste quadro,
os futuros deputados constituintes foram eleitos na forma, se não idêntica, quase absoluta
do Código de 1965, marcado pelas restrições eleitorais, pelo casuísmo revolucionário e
pelos pactos de sobrevivência do poder instituído, e não por novas leis eleitorais, o que em
principio não maculou a forma final do texto constitucional, apesar de suas origens
representativas
1327
.
O modelo da eleição presidencial colegial, todavia, frustrou as expectativas da
sociedade civil de se convocar uma Constituinte Exclusiva e soberana, que, embora
sobrevivesse como propósito, submergiu na trágica vitória da eleição presidencial colegial.
Este quadro, mais uma vez demonstrou que o projeto de uma Constituinte exclusiva
desmanchou-se na convocatória da Emenda n°. 26/85, que, promoveu um Congresso
Constituinte que excluía a Constituinte Exclusiva e viabilizava uma constituinte
congressual que exprimisse uma grande composição entre as frações políticas
remanescentes de 1964/85, as frações de oposição legal e os grupos anistiados beneficiados
por Atos de 1969 e 1985.
Neste sentido, o constitucionalismo brasileiro não é reativo a estes modelos
conciliadores de convocação de constituintes nascidos do próprio poder, geralmente na
forma de emendas constitucionais que podem ser mais ou menos amplas. A Constituição
vigente deixou em aberto a questão na mesma dimensão da experiência anterior, pois tanto
o Presidente da República, como os parlamentares têm poderes para propor emendas
constitucionais de alcance constituinte derivado, (mas não Assembléia de força
Constituinte-originária), meramente destinadas a emendas pontuais, como as tantas já
1327
Para uma exata compreensão das alternativas constitucionais constituintes é muito importante reconhecer
os projetos preliminares elaborados pela comissão Afonso Arinos, criada por decreto presidencial em 1985, e
as conclusões dos congressos e seminários da OAB – Conselho Federal de 1985/86. Ver sobre o tema de
CABRAL, José Bernardo. O poder constituinte. Brasília: Câmara dos Deputados, coordenação de
publicações, 1988, onde especialmente trata sobre o conceito de constituinte derivada e dos limites dos
poderes de constituinte derivada, apoiado em autores de significativa importância constitucional, onde
identifica as possibilidades e as dificuldades do texto constitucional antecedente influir sobre o novo texto
constituinte, porém conclui que a Emenda Constitucional, que será estudada no próximo subitem, diz
claramente que a Assembléia Nacional Constituinte é livre e soberana para elaborar uma Constituição. p.22-
29.
831
promulgadas ou até destinadas à hipotética reforma de maior alcance político, desde que,
devido a esta especial situação constitucional, não afetem as cláusulas pétreas, cumprindo
os requisitos constitucionais.
Neste sentido, entendemos que, na forma da Constituição vigente, tanto o
Presidente quanto o Congresso podem convocar emendas de força constituinte derivada,
propondo, inclusive, alterações no quorum constitucional, sendo, todavia, que a emenda
constitucional só pode ser aprovada na forma do próprio texto constitucional. Mas, para
tanto, mesmo nesta percepção restritiva, este projeto deve ser debatido e eleitoralmente
vitorioso como proposta de candidatos presidenciais majoritários ou de partidos ou de
coligações partidárias, sendo, todavia, que, esta proposição constitucional dependeria
sempre da aprovação da emenda por 3/5 da Câmara e do Senado, que poderiam fixar novo
quorum para a reforma constituinte. Esta emenda, muito embora, possa alterar o quorum
constituinte, para efeitos de votação dos (novos) dispositivos constitucionais, não poderá
alterar as cláusulas pétreas (vigentes na atual constituição), porque (neste caso) o poder
constituinte originário, nasce do poder constituinte derivado, o que não teria qualquer
relevância se o movimento constituinte avançasse independentemente do poder instituído.
Mas, poder-se-ia, acrescer, mesmo reconhecendo que as cláusulas pétreas são pétreas, que
nada impede que a República brasileira, pressuposto da vida política desde 1889, viesse a
gozar constitucionalmente do mesmo prestigio pétreo (§ 4°, art. 60.) da Constituição que “a
forma federativa de Estado, os direitos individuais fundamentais, o voto direto, secreto,
universal e periódico e a superação dos poderes”.
1328
Para que busquemos, agora, outros resultados, ficaram assim conceitualmente
sistematizadas as principais vertentes do processo Constituinte, assim como as suas
principais alternativas, para efetivamente demonstrar a natureza do pacto constituinte de
transição que permitiu a promulgação da pluralista Constituição de 1988, evitando atos de
1328
Marco Maciel, Senador da República, tem defendido a polemica tese que “depois que a maioria da
população se manifestou em plebiscito (realizado na forma do art. 2° do ADCT da Constituição de 1988)
contra o regime parlamentarista o Presidencialismo virou clausula pétrea da Constituição”. Este raciocínio, de
extensiva hermenêutica, não tem sido usado pelo Senador (e também jurista) pernambucano para reconhecer a
força pétrea do mesmo plebiscito que também consagrou e reconheceu, por maioria da população, a
República, contra a monarquia, como forma de governo, muito embora, como especulação intelectual e
política seja razoável, identificando em ambas situações uma injustificável lacuna constitucional. Ver Informe
JB in Jornal do Brasil de 19.04.07, p. A4. Ver sobre o tema do presidencialismo e parlamentarismo BASTOS,
Aurélio Wander. ed.cit.
832
ruptura, que, com certeza, melhor se expressariam em uma Assembléia Constituinte
Exclusiva.
8.2.3. Da Assembléia Constituinte Exclusiva.
Este tema tem sido sucessivamente trazido para a discussão política nos
cenários de grande turbulência constitucional ou, até mesmo, institucional. Expectativa
política dos tantos momentos de mudança da historia brasileira, na verdade, ele não reflete
os momentos reais de nossa transformação, mas a sucumbência de seus propósitos aos
modelos de transição por acomodação de frações de elite que transmudam-no no
continuísmo das legislações ordinárias. Todavia, apesar da historia brasileira não ser a fonte
de sua realização efetiva, não está excluída a possibilidade das constituições expressarem,
não os projetos de sobrevivência das frações de poder, muito especialmente, os projetos
infensos aos interesses de classe ou de frações políticas, mas um projeto geral que
sobreponha a visão intelectual ou jurídica harmônica da organização do Estado aos
interesses continuistas.
Neste sentido, uma Assembléia Constituinte exclusiva e soberana, como aliás
foram as conclusões dos encontros e seminários do Conselho Federal da OAB, entre 1985 e
1988, que se encerrava(ria) com a promulgação da Constituição, convocando eleições
ordinárias, e retornando os constituintes à sua vida privada ou a nova campanha eleitoral,
não deixa de ser uma possibilidade. Todavia, não há como desconhecer, em primeiro lugar,
que esta não foi a prática histórica das elites brasileiras e, em segundo lugar, que este
modelo tem uma natureza ruptiva e, em terceiro lugar, o modelo de constituinte exclusivista
está vinculado à idéia de que idéias existem independentemente de interesses. Estes três
fatores, combinadamente demonstram a grande dificuldade de se trabalhar politicamente
com modelos políticos puros, mas, e também, a imprescindível necessidade de se
reconhecer que o interesse nacional (e muito especialmente o desprendimento pessoal)
833
prevaleça sobre os interesses pessoais das frações de classe ou poder dentro do Estado.
Tarço Genro, Ministro da Justiça, recentemente, numa leitura similar, mas não identica,
observou que uma construção constituinte (principalmente exclusiva) deve considerar que a
sua superioridade depende da vontade unitária do povo aceita como contrato político
(sendo exatamente porque) abre o regime democrático para a exigência de mais
democracia. Se a vontade unitária do povo é aceita racionalmente como um acordo
engendrado pela razão (tornada contrato político) ela não pode ser aperfeiçoada como
fruto da própria razão (para promover melhores contratos políticos).
1329
8.2.4. Da Constituinte Exclusiva e a Constituição de 1988.
As Constituintes, como procuramos demonstrar, devem (podem) ser
convocadas em situações de emergência absoluta, nos casos de insurreição ou
movimentação política vitoriosa nos seus mais diferentes tipos de manifestação, ou por
convocação dos próprios poderes nos casos de desagregação institucional ou de contradição
legislativa que evite a funcionalidade do Estado, com efeitos sociais graves, ou dos próprios
poderes. Este não é exatamente o quadro constitucional brasileiro, apesar da convivência
esdrúxula entre as normas reordenadas pelas reformas neoliberais, que desmontaram a
ordem econômica estatista originária, e os complementos de funcionalidade harmônica:
Poder Judiciário, normas trabalhistas e normas sociais (ambientais) de longo alcance, sem
que houvesse dessintonias em relação aos direitos fundamentais.
Este quadro de analise, de qualquer forma, cria uma situação de difícil
apreciação porque uma constituinte, principalmente se for exclusiva, para que alcance
resultados efetivos, exige uma previa reforma política. Todavia, qualquer reforma política,
desde que não evolua de um quadro revolucionário, como aconteceu em 1930, e este não é
o caso brasileiro atual, para que tenha alcances efetivamente modificativos, não pode estar
1329
In Jornal do Brasil de 03.04.07. Opinião, p. 7.
834
limitada pelas expectativas parlamentares dominantes no quadro institucional da ordem
jurídica vigente. Na verdade, este é o grande paradoxo para convocatória de uma
constituinte exclusiva em um quadro de funcionamento democrático porque os
parlamentares deveriam ter expectativas constitucionais que se sobreponham aos próprios
interesses que os elegeram ou que representam. Não queremos afirmar que isto é
impossível, que os parlamentares não possam ser tomados por ideais racionais, mas não é
de todo comum nas circunstâncias políticas, principalmente considerando que o homem
político está imerso no fenômeno político, e não vivemos no Brasil qualquer sintoma
indicativo de movimentação política insurrecional.
No contexto constitucional atual, presidido por uma democracia parlamentar
pluralista, de alta flexibilidade, podem ser levantadas varias hipóteses, pois a Constituição
vigente abre, neste sentido, dois grandes espaços convocatórios: a convocação de um
plebiscito (mesmo na forma de referendo popular) que não é o caso, reconhecido como
explicita e exclusiva competência do Congresso Nacional (inc XV, art. 49). Por outro lado,
dispõe que a Constituição poderá ser emendada (poder constituinte derivado (art. 60)) por
proposta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (inc I), do Presidente da
Republica (inc II) de mais da metade das Assembléias Legislativas, obtida da maioria
relativa de seus membros (inc. III).
As duas alternativas não propriamente entre si se excluem, mas à medida que a
segunda hipótese fala apenas que a Constituição poderá ser emendada significa que a
convocatória constituinte somente poderia evoluir do poder constituinte derivado (emenda)
na forma e nos conformes constitucionais. Este caminho seria juridicamente inviável para
uma constituinte exclusiva e, restritivíssimo, para uma “mini-constituinte” ou uma
constituinte restritiva ou de mera coerência adaptativa, além do que seria paradoxal uma
alternativa de poderes limitados convocar poderes ilimitados.
Em termos de historia brasileira não seria de todo impossível, mesmo porque
em 1985 a Constituinte que provocou a carta de 1988 (esta que agora interpretamos) foi
convocada na forma de Emenda Constitucional, que, e ainda mais, traduziu um pacto de
transição conciliadora ente frações de poder e frações politicamente ascendentes. Isto
significa, o que não entendemos, todavia, impossível, mas objeto de perscrução mais
835
profunda, que, não havendo um quadro de ruptura constitucional, mas apenas de
desarticulação da coerência das normas constitucionais, impactadas por cerca de 60
emendas, e desarticuladas por uma infinidade de medidas provisórias casuístas e
circunstanciais, o quadro razoável possível é a convocatória constituinte, muito embora a
matéria seja de competência exclusiva do Congresso Nacional através de previa consulta
plebiscitária onde a interferência do Poder Executivo (Presidente da República) só seria
possível se a própria convocação plebiscitária se lhe atribuísse este poder, o que, em
principio, pode tudo, desde que o Congresso aprove.
É claro que este quadro é muito difícil principalmente se considerarmos que o
que se espera(ria) é uma constituinte exclusiva que romperia (pelo menos em tese) com os
pactos parlamentares que deram sustentação à promulgação constitucional e as suas
extensivas emendas. Isto não impede, é claro, na evidencia de que a desordem
constitucional inviabiliza a funcionalidade do Estado, ele mesmo (o Estado) alcance seus
objetivos, mesmo porque não há evidencias de sublevação insurrecional (embora de
rebeldia criminosa), que grupos esclarecidos identificados com os ideais racionais
(programático) de mudança alcancem formas especiais de mobilização popular com o
objetivo de convocação de plebiscito.
Finalmente, o objetivo central deste item não foi propriamente demonstrar a
imprescindibilidade de uma Assembléia Constituinte exclusiva para se realizar uma
Reforma Política do Estado brasileiro, mas conceituá-la para demonstrar-se as suas
dificuldades como concretização de uma constituição de novo tipo, num estado de novo
tipo, no contexto da práxis histórica das constituintes brasileiras. Na verdade, procuramos
contrapor a Constituinte expressiva de interesses, como acomodação conciliatória de
frações políticas e a constituinte como “projeto ideal de nação”, desenvolvendo, a partir
desta posição, as dificuldades para se contradizer e contrariar a pratica de sobrevivência das
próprias elites brasileiras.
O subitem, não propriamente demonstrou, que, as constituintes exclusivas
poder se realizar como “ideal racional nacional”, mas, também, insistiu na tese de que os
interesses das frações de Estado e mesmo os interesses pessoais são um forte empecilho
para se realizar constituintes que se auto extingam após a promulgação constitucional para
836
ceder espaço a processos eleitorais livres e infensos dos vícios que acompanham a
desordem constitucional, quando se desequilibram as normas e as crises, quando passam a
pressionar o funcionamento rotineiro da burocracia do Estado.
Conclusivamente, neste subitem, reconhecemos a importância “ideal” das
constituintes exclusivas, mas reconhecemos, também, que a realidade circunstancial da
convocação Constituinte nem sempre está presidida pelas políticas de ruptura ou pelo
desprendimento ideológico, mas pela acomodação de interesses e pela conciliação de
objetivos entre os fatores reais de poder sempre muito visíveis na práxis constituinte
brasileira, o que nos pareceu essencial para compreender o item seguinte sobre a Emenda
Constitucional Constituinte de 1985.
8.3. A Emenda Constitucional Constituinte
Os tempos que imediatamente envolveram à Conferência de Belém (1985), mas
que, imediatamente, sucederam à derrota das eleições diretas pelo Congresso remanescente
da ordem revolucionaria (inclusive na sua composição com os 23 senadores biônicos),
estiveram marcados, na evidencia, que a convocatória constituinte se firmava como
iniciativa do Presidente José Sarney, ainda muito recentemente candidato vinculado como
Vice do falecido Presidente Tancredo Neves, desenvolveram-se as teses da convocação de
uma Assembléia Constituinte Originaria e da convocação da Constituinte Derivada. Esta
questão dominou com grandes debates e questões a imprensa, principalmente envolvendo
jurista, políticos e intelectuais, onde as teses sobre o alcance de qualquer do modelos
exprimiam os efeitos do futuro imediato da vida constitucional brasileira.
Ambas as teses – sobre a Constituinte Originaria e sobre a Constituinte
Derivada – podem ser sintetizadas em duas observações, com amplas justificativas da
literatura jurídica e política nacional e internacional com especial destaque para o grande
constitucionalista francês Georges Burdeau, que esteve sempre presente nos escritos
837
brasileiros, o alemão Carl Schmidt, marcado pelas suas tradições autoritárias do passado e o
austríaco naturalizado americano Hans Kelsen, que influenciou o direito constitucional
moderno e outros tantos brasileiros como Carlos Maximiliano, Manuel Ferreira Filho,
Geraldo Ataliba, Celso Bastos e outros ilustres hermeneutas de nosso direito constitucional.
Basicamente, ambas as teses concentravam-se em duas grandes vertentes: o
poder (constituinte) de se reformar uma Constituição convocada na forma da Constituição
vigente (Constituição derivada) e, por conseguinte, limitada no seu alcance aos institutos da
velha Constituição, ou, na alternativa primaria, historicamente consolidada a parir do
grande livro de Sièyes, originariamente intitulado Qu’est-ce que le Tiers État?, quando a
convocação do Poder Constituinte Originário nascia e evoluía de critérios impostos pelos
novos fatores reais de poder cujos designos procuravam fugir da velha modelagem
constitucional absorvendo, em uma Constituição autônoma e independente, os clamores da
sociedade, que muitas vezes apoiavam-se na expectativa de ruptura com o passado. Na
verdade, estas formulas puras, mais têm efeito didático e compreensivo do que se
exprimem a realidade, mas não há como desconhecer que tanto o poder instituído pode
modificar-se para sobreviver através de emendas derivadas, mesmo com força constituinte,
como também o poder revolucionário vitorioso, como se observou na França
revolucionaria, e também na Revolução Russa, a reabsorção, mesmo que temporária, de
institutos comprometidos com a velha ordem.
No caso brasileiro, principalmente depois da derrota das eleições diretas, mas,
principalmente, com a acomodação dos interesses do colégio eleitoral, com o poder
governamental fragilizado, mas em condições de negociação política, porque ocupava toda
a estrutura do Estado, evoluiu, como já demonstramos, a convocatória constituinte, para um
modelo secundário derivado, onde se esvaziava o seu conteúdo de constituinte exclusiva,
mas sem que perdesse a sua natureza soberana, mas reconhecida a natureza da eleição
colegial, transferido para as mãos de um poder civil, no colégio eleitoral, que articulava as
formas discidentes da ordem instituída com a maioria oposicionista, e, mesmo, frações de
grupos revoltosos, que no conjunto, não podemos desconhecer, representavam no tempo
poderes derivados mas, não prejudicavam a força originaria modificativa do Poder
constituinte. Esta especificidade do modelo brasileiro mostrou que o poder constituinte não
estava obrigado a submeter-se a qualquer formula instituída no passado, mas não
838
prejudicava também, que institutos históricos da vida política brasileira sobrevivessem, se
não na sua velha forma, em forma de absorver as demandas da nova sociedade.
Na verdade, apesar da experiência brasileira recente (1946 e 1967) traduzisse
este modelo secundário, muito embora sem teorização expressa profunda, mas como
resultado pratico, este modelo de se alcançar reformas ou mudanças constituintes a partir de
emendas constitucionais dispensando a tradição das constituições que advieram de Sieyes,
que somente se constituíram como força constituinte rompendo com as forças de poder,
Carl Schmidt chegou a afirmar (1920) que a teoria constitucional não tem tratado da
questão dos limites da liberdade de reformar ou revisar das constituições, especialmente
daquelas que evoluem por emendas ou como constituições derivadas, mas Hans Kelsen,
aliás, historicamente vitima da incompreensão de Carl Schmidt
1330
, chega a reconhecer que
uma Constituição antecedente pode ser o fundamento ou origem da subseqüentes
1331
desprivilegiando a teoria das assembléias constituintes por ruptura, embora, neste tema a
sua obra tem sido criticada e muitos identificam exatamente ai os limites de sua capacidade
de compreender rupturas mais profundas de natureza revolucionaria, atendo-se a princípios
éticos ou a sua famosa teoria da norma fundamental
1332
.
O fato, todavia, é que estas teorias, nos seus diferentes matizes afloraram
durante o período constituinte, envolvendo em escala diferenciativa nada mais do que o
Relator da Constituição, que fora também Relator do relatório da Comissão de
Sistematização, Bernardo Cabral e o Consultor Geral da República, Saulo Ramos,
retomando estes debates, que refletiram no plenário constituinte, envolvendo parlamentares
como Afonso Arinso de Melo Franco, Celso Barros, Gastone Rghi, José Fragelli, Djalma
Bohn e outros tantos, onde visivelmente o Consultor colocava-se da posição das posições
instituídas ameaçadas pela força reconstitutiva da constituinte, visivelmente repensando o
país, e o procurava resguardar, teses em si assimiláveis, mas que não refletiam o ambiente
1330
SCHMIDT, Carl. Teoria de la Constición. ed. Mechicana, 1966.p.121
1331
BASTOS, Aurélio Wander. ed.cit. e Hans Kelsen. ed.cit.
1332
LASSALE, Ferdinand. ed.cit. Prefacio Aurélio Wander Bastos.
839
constituinte
1333
. No contexto deste debate, que afluiu cerca de alguns meses após a
instalação da constituinte, que, efetivamente, como o Congresso, estava restrita às normas
vigentes, o Relator Bernardo Cabral, evoluiu para a Tese vitoriosa que demonstrava que o
Poder Constituinte não estava limitado, senão pelas expectativas dos propósitos do próprio
povo e a necessidade de transforma-la em pacto político entre os constituintes-
congressistas, mesmo porque os congressistas, enquanto congressistas, estavam restritos à
produção da legislação ordinária e os constituintes a reformatar a estrutura institucional do
país, mesmo porque não passáramos por uma revolução estrutural, mas caminhávamos para
uma reforma institucional.
De qualquer forma, como se pode verificar do texto constitucional que veio a
ser aprovado, mesmo na forma convocatória de constituinte derivada, os seus efeitos foram,
pelo que procuraremos demonstrar, efeitos de uma constituinte originaria, que consagrou a
Emenda derivada como instrumento de aperfeiçoamento constitucional, reconhecendo,
inclusive, o instituto da revisão, como forma mais ágil de modificar uma Constituição que
se promulgava ao tempo dos escombros do projeto socialista internacional, quando
internamente , no próprio XII Congresso da OAB, em Porto Alegre, as propostas
constituintes ainda estavam marcadas pelo veio da “democracia econômica”, como nascera
em Belém (1985). Na verdade, a nova Constituição, à medida que avançou para um projeto
social liberal aprofundou o que se pretendeu não fosse modificado no relatório Saulo
Ramos, mas com habilidade, criou-se uma situação de equilíbrio em que o imprescindivel
para a reformulação das instituições brasileiras não ficasse esquecido como indicativo das
matrizes estruturais que marcavam o passado histórico brasileiro, como analisaremos no
pronunciamento de Florestan Fernades, no ultimo Capítulo desta Tese.
1333
RAMOS, Saulo. Código da Vida. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. itens 100-105. Recentemente,
voltou a este tema como que recuperando o passado remoto e justificando as suas dificuldades argumentativas
que foram fragorosamente confrontadas pelos constituintes quando rejeitaram a Constituição derivada que
não poderia abolir a República e a Federação, alterar direitos e garantias individuais, abolir a independência
dos poderes constituídos, alterar o tempo de mandato e os poderes do Presidente da República, submeter o
Poder Judiciário a controle externo, abolir os direitos políticos, o voto direto, universal e secreto e a
periodicidade dos mandatos eletivos, o regime democrático, o sistema representativo de governo, o pluralismo
partidário, as regras instituidoras das forças armadas e segurança do Estado, os fundamentos da soberania
nacional na auto determinação e sobre o território nacional, o Instituto Laico e princípios fundamentais dos
institutos enumerados, alicerces basilares da sociedade brasileira como o direito de propriedade, a economia
de mercado e a liberdade de imprensa. Estes itens podem ser identificados In. CABRAL, Bernardo. ed.cit.
p.25.
840
Nesta Tese mostramos, pela sua gênese, o caráter derivado da Convocatória
Constituinte, inclusive os temores de que ela não rompesse com os circuitos da velha ordem
autoritária e conservadora, mas as circunstancias demonstraram que a constituinte trabalhou
com autonomia e soberania, demonstrando, que, apesar dos limites convocatórios, as
suplicas populares, os movimentos de libertação da ordem autoritária e as novas demandas
as sociedade civil, permitiram que suas deliberações ultrapassaram um mero Congresso e,
efetivamente, funcionou como Congresso Constituinte, apesar da estranha e paradoxal
clausula que viera a ser criada (inc. IV, art. 60) das clausulas pétreas, que fogem da tradição
brasileira. Esta clausulas, apesar da inconsistência histórica e juridica, pretenderam que
próximo futuro constituinte consagrasse regras que não são da natureza histórica da
constituinte, mesmo que dotadas de especiais qualidades éticas, jurídicas ou políticas, aliás,
o que não foi o caso, porque ali não se consagrou a República como clausula pétrea, muito
embora, fizesse delas o cerne humanista do Estado de Direito Democrático. Todavia, há
que se reconhecer que se elas não têm força constituinte originaria (como futura nova
situação) têm força derivada no contexto da Constituição vigente, porque estão adstritas ao
que dispõe a Constituição como estudaremos.
A Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, promulgada pelas
Mesas da Câmara e do Senado Federal, na forma da Constituição de 1967/69, e suas
modificações teve a seguinte redação:
Convoca Assembléia Nacional Constituinte e dá outras providências.
AS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO FEDERAL, nos termos
do art. 49 da Constituição Federal,
1334
promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional: Art 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal
reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana,
no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art 2º. O Presidente do
Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a
sessão de eleição do seu Presidente. Art 3º A Constituição será promulgada depois da
aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta
dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte. Art 4º É concedida anistia a todos
os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por
atos de exceção, institucionais ou complementares. § 1º É concedida, igualmente,
anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de
organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que
1334
Assim dispõe o artigo 49 da Constituição de 1967/69: O processo legislativo compreende a elaboração
de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares à Constituição; III - leis ordinárias; IV - leis
delegadas; V - decretos-leis; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.
841
hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base
em outros diplomas legais. §.2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados
pelos atos imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período
compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
1335
§ 3º Aos
servidores civis e militares serão concedidas as promoções, na aposentadoria ou na
reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço
ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade, previstos nas leis e
regulamentos vigentes. § 4º A Administração Pública, à sua exclusiva iniciativa,
competência e critério, poderá readmitir ou reverter ao serviço ativo o servidor público
anistiado. § 5º O disposto no "caput" deste artigo somente gera efeitos financeiros a
partir da promulgação da presente Emenda, vedada a remuneração de qualquer
espécie, em caráter retroativo.
1336
§ 6º Excluem-se das presentes disposições os
servidores civis ou militares que já se encontravam aposentados, na reserva ou
reformados, quando atingidos pelas medidas constantes do "caput" deste artigo. § 7º Os
dependentes dos servidores civis e militares abrangidos pelas disposições deste artigo já
falecidos farão jus ás vantagens pecuniárias da pensão correspondente ao cargo,
função, emprego, posto ou graduação que teria sido assegurado a cada beneficiário da
anistia, até a data de sua morte, observada a legislação específica. § 8º A
Administração Pública aplicará as disposições deste artigo, respeitadas as
características e peculiaridades próprias das carreiras dos servidores públicos civis e
militares, e observados os respectivos regimes jurídicos. Art 5º A alínea "c" do § 1º do
art. 151 da Constituição
1337
passa a vigorar com a seguinte redação: ‘’c) a
inelegibilidade do titular efetivo ou interino de cargo ou função cujo exercício possa
influir para perturbar a normalidade ou tornar duvidosa a legitimidade das eleições,
salvo se se afastar definitivamente de um ou de outro no prazo estabelecido em lei, o
qual não será maior de nove meses, nem menor de dois meses, anteriores ao pleito,
exceto os seguintes, para os quais fica assim estipulado: 1) Governador e Prefeito - seis
meses; 2) Ministro de Estado, secretário de Estado, Presidente, Diretor,
1335
A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 foi a primeira Lei de Anistia, assinada pelo General Presidente
Ernesto Geisel de restrita e de reduzido alcance provocou esta segunda parte da Emenda Constitucional
Constituinte, ampliando o seu alcance, mas também, mesmo que paradoxalmente, reconhecendo direitos
subtraídos arbitrariamente como dispositivo (direitos) constitucionais.
1336
O art. 8° e seus §§ das disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 5 de outubro de 1988,
na verdade, um terceiro documento sobre a anistia no Brasil (seguindo-se à Lei n°. 6683 / 79 de à Emenda
Constitucional Constituinte n°. 26/85) teve uma dimensão bem mais extensiva que os documentos anteriores
reconhecendo direitos desde a promulgação da Constituição de 1946, no que beneficiou parlamentares
comunistas cassados em 1947, assim como beneficiou aqueles que foram punidos pelo Decreto Legislativo
n°. 18, de 15 de dezembro de 1961 e, ainda, os que foram atingidos pelo Decreto-Lei n°. 864, de 12 de
dezembro de 1969. Tratou, também, este mesmo dispositivo de beneficiar cidadãos que foram impedidos de
exercer na vida civil direitos decorrentes de Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica. Finalmente o
texto constitucional é claramente explicito sobre a restauração dos direitos daqueles que sofreram qualquer
ripo de perseguição por “motivos exclusivamente políticos” (referidas 4 vezes no conjunto do artigo 8°.),
assegurando, inclusive, direitos de trabalhadores do setor privado sindical de toda e qualquer unidade
governamental.
1337
Assim dispunha o anterior dispositivo na Constituição de 1967/69, art. 151, § 1º: Observar-se-ão as
seguintes normas, desde já em vigor, na elaboração da Lei Complementar (referida no art. 151 para regular
os casos de inelegibilidade): c) a inelegibilidade do titular efetivo ou interino de cargo ou função cujo
exercício possa perturbar a normalidade ou tornar duvidosa a legitimidade de um ou de outro no prazo
estabelecido em lei, o qual não será maior, anteriores ao pleito, exceto os seguintes, para os quais fica assim
estipulado: 1) Ministro de Estado, Governadores e Prefeito: 6 (seis) meses; 2) Secretário de Estado quando
titular de mandato parlamentar e candidato à eleição: 6 (seis) meses; 3) Secretário de Estado, Presidente,
diretor, etc: 9 (nove) meses. Redação dada pela Emenda nº 22/85.
842
Superintendente de órgão, da Administração Pública direta ou indireta, incluídas as
fundações e sociedades de economia mista - nove meses; quando candidato a cargo
municipal – quatro meses; 3) ocupante de cargo previsto no numero anterior, se já
titular de mandato eletivo – seis meses.
BRASÍLIA, em 27 de novembro de 1985
1338
O Presidente José Sarney quando da instalação da Comissão Arinos,
1339
presidida por Afonso Arinos de Melo Franco,
1340
aproveitando as especiais circunstancias
justificou o modelo convocatório da Emenda Constitucional com as seguintes palavras:
É singular a situação histórica em que nos encontramos. Mas todas as situações
históricas são singulares, o tempo perece e renasce a cada segundo, e em cada segundo
perecem e nascem as circunstancias políticas. Sem a ruptura do estado– e devemos dar
graças a deus por tê-la evitado – não nos cabia outra saída que a de convocar a
Assembléia Nacional Constituinte com a solidariedade do Congresso Nacional. O que
faz a autenticidade das constituições não é a forma de convocar-se o
Colégio
Constituinte: é a submissão do texto fundamental à tontade e à fé dos cidadãos. Essa
vontade e essa fé, para que se manifestem reclamam discussão como também reclamam
recolher e codificar a reflexão que ela provoque.
1341
1338
Assinaram a Emenda Constitucional os seguintes deputados e senadores: a Mesa da Câmara dos
Deputados: Ulysses Guimarães, Presidente; Carlos Wilson, 1º Vice-Presidente, em exercício; Haroldo
Sanford, 2º Vice-Presidente, em exercício; Epitácio Cafeteira, 1º Secretário, em exercício; José Frejat, 2º
Secretário, em exercício; José Ribamar Machado, 3º Secretário, em exercício; Orestes Muniz, 4º Secretário,
em exercício. A Mesa Do Senado Federal: José Fragelli, Presidente; Guilherme Palmeira, 1º Vice-
Presidente; Passos Porto, 2º Vice-Presidente; Enéas Faria, 1º Secretário; João Lobo, 2º Secretário;
Marcondes Gadelha, 3º Secretário; Eunice Michiles, 4º Secretário.
1339
A Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida pelo jurista Afonso Arinos de Melo Franco,
foi instituída pelo Decreto nº 91450, de 18 de julho de 1985 e publicada no Diário Oficial de 26 de setembro
de 1986. A Comissão ficou composta por ilustres e expressivas personalidades dedicadas aos estudos do
direito e da política e tinha dentre seus membros Alberto Venâncio Filho, Barbosa Lima Sobrinho, Boliva
Lamounier, Candido Mendes, Celso Furtado, Edgar da Mata Machado, Fernando Bastos D’avila, Gilberto
Freire, Helio Jaguaribe, José Afonso da Silva, Sepúlveda Pertence, Miguel Reale, Mauro Santayana, Orlando
de Carvalho, Paulo Brossard, Rafael de Almeida Magalhães, Rosa Rusomano, Machado Horta, Sergio
Quintela e tantos outros.
1340
Afonso Arinos de Mello Franco, homem público ligado às tradições políticas brasileiras, foi deputado
federal constituinte em 1946, pela UDN mineira, tendo, em 1945, feito vários pronunciamentos, objetado a
“constituinte com Getúlio”, assim como criticado o seu governo constitucional em 1954. Deputado por várias
legislaturas, foi eleito senador constituinte pelo Estado do Rio de Janeiro e, posteriormente, Presidente da
Comissão de Sistematização da Assembléia (Congresso) Constituinte instalada em 1987. Ver de Alceu
Amoroso Lima. Sobre F
RANCO, Afonso Arinos de Melo. Alegrias e saudades de Roma. In: FRANCO, Afonso
Arinos de Melo. Amor a Roma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 9-13.
1341
Ibid.
843
Na verdade, esta Emenda Constitucional, promulgada cerca de 7 (sete) meses
antes da XI Conferência dos Advogados, mantendo as linhas de coincidências entre as
conferências e atos políticos (revolucionários) relevantes, não se restringiu à questão
constituinte, mas deu uma efetiva demonstração, por um lado, das forças do poder
instituído em relação ao projeto da OAB e, por outro, que estava a OAB, em processo de
côncava evolução em relação ao movimento constituinte (institucional). Este processo foi
se tornando cada vez mais visível e, mais visíveis, foram se tornando as propostas que
poderiam presidir (ou mais efetivamente) influir na elaboração da nova Constituição, à
medida que ficava público o Anteprojeto Constitucional,
1342
e ampliam-se as resistências
ao protótipo constituinte no Conselho Federal.
1343
Interessantemente, todavia, devemos ressaltar que, conforme se verifica da
Emenda Constitucional supra indicada a Assembléia Constituinte, livre e soberana, se
reuniria unicamente, embora os seus componentes tivessem sido eleitos para deputados e
senadores. Por conseguinte, a linguagem da convocatória não é limitativa. Aliás, as
palavras do próprio Presidente Sarney são indicativas desta situação: O que fez a
autenticidade das constituições não é a forma de convocar-se o Colégio Constituinte, é a
submissão do texto fundamental à vontade e a fé dos cidadãos.
1344
1342
O Projeto Afonso Arinos foi publicado no Diário Oficial de 26 de setembro de 1986 (em suplemento
especial), mas serviu apenas como base referencial do futuro texto constitucional. O Presidente Jose´Sarney,
na instalação da Comissão, em 3 de setembro de 1985 observou que a Comissão não substituirá o Congresso,
não substituirá o povo. Será, na verdade, uma ponte de alguns meses entre a gente brasileira e os
representantes que ela elegerá. Servirá como uma área de discussão livre e informal das razões nacionais,
submetendo ao debate público teses básicas quanto ao estado, à sociedade e à nação. Ver SARNEY, José.
Discurso do Presidente da República. In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro: FGV.INDIPO, vol. 30,
jan.mar de 1987. pp. 3/5.
1343
Esta questão alcançou, inclusive, a grande imprensa, e, mais do que dissidências individuais entre o
Presidente da OAB, o Presidente da Comissão e o futuro Presidente da Comissão de Sistematização da
constituição demonstrava as dificuldades de convivência e harmonização entre um projeto de cunho
humanista e aberto aos direitos coletivos, articulado pela Comissão Arinos e um catalogo de conclusões
oferecidos pelos seminários constituintes da OAB permeados pelas exigências de uma democracia econômica,
onde, não apenas a concessão do serviço público mas a execução dos serviços, estivessem controlados pelo
Estado e se tomasse como prioridade uma reforma agrária profunda. A manifestação do confronto pessoal
desta situação pode ser verificada em depoimento de Hermann de Assis Baeta, recentemente publicado in A
OAB na Voz de seus Presidentes (org. Hermann de Assis Baeta e Prefacio de Rubens Approbato Machado,
OAB-Ed., 2003, p. 167/169).
1344
SARNEY, José. Discurso pronunciado na entrega do Anteprojeto Arinos ao Presidente da República em
24 de setembro de 1986. Revista de ciência Política. RJ. FGV. Vol 30, n°. Especial. Março de 1987, p.5.
844
Para melhor compreender a estrutura da Emenda Convocatória podemos
subdividi-la em 3 (três) partes: na primeira parte, efetivamente convoca a Assembléia
Constituinte (do art. 1º ao 3º); na segunda parte, amplia o alcance da Lei de Anistia de 28
de agosto de 1979 (arts. 4º e §§), para todos os punidos entre 2 de setembro de 1961, 3
(três) aos e meio, por conseguinte, antes de 31 (1º de abril) de março de 1964, e na terceira
parte, que dispõe sobre regras eleitorais, especialmente, de inelegibilidade (art. 5º), onde as
modificações foram mínimas. É claro, neste sentido, que a Emenda nº 26/85 não ficou (foi)
uma Emenda restrita à questão Constituinte, ampliando, desta forma, também, o quadro
político eleitoral, inclusive, viabilizando elegibilidades, no caso, inclusive, suspendendo
limitações eleitorais anteriores por força de atos institucionais.
A Emenda da Constituinte, como se verifica não teve a autonomia que já se
esperava e sabia a OAB, embora livre e soberana, ficando circunscrita ao modelo de
transição pactuada, à medida que elaborar uma Constituição, embora precípio, era uma das
funções dos deputados eleitos em eleições regulares
1345
para a Câmara dos Deputados e
para o Senado Federal, que, como deputados, prosseguiriam legislando na forma da
Constituição que elaboraram. A Assembléia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de
fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional, sob a presidência do Presidente
Supremo Tribunal Federal, Ministro José Carlos Moreira Alves
1346
, que na forma do art. 2°
da Emenda, dirigiu a eleição que escolheu o Deputado paulista do MDB Ulisses Guimarães
1347
para Presidente, tendo exercido, com competência, as suas funções, ampliando,
1345
A legislação eleitoral da época estava presidida pelo Código Eleitoral de 1965 (Lei 4737 de 15 de julho de
1965) bem como por todos os dispositivos de limitação representativa impostos no período autoritário de
segurança nacional, através de emendas constitucionais e leis regulamentares.
1346
J.C. Moreira Alves é paulista da cidade de Taubaté e se formou em Direito no Rio de Janeiro (1955) na
Faculdade Nacional de Direito da (antiga) Universidade do Brasil. Foi professor titular de Direito Civil da
Faculdade de Direito da USP (1968). Nomeado Procurador Geral da República (24.4.72 a 19.6.75),
posteriormente, por Decreto presidencial de Ernesto Geisel de 18 de junho de 1975, foi nomeado Ministro do
Supremo Tribunal Federal tendo tomado posse no cargo no dia 20 do mesmo mês e ano.
1347
Ulisses Guimarães foi eleito Deputado Federal várias vezes pelo PSD paulista, sobreviveu ao regime
militar, que veio a combater com bravura como Presidente do MDB e, posteriormente, na última legislatura
do regime militar promulgou a Emenda da Assembléia Nacional Constituinte, juntamente como Presidente do
Senado Federal o Senador José Fregelli. Foi candidato derrotado à Presidência da República em 1990, na
forma da Constituição que promulgara em 5 de outubro de 1988 e faleceu em desastre no espaço aéreo do
Condomínio Portogalo, onde apareceu pela última vez, em Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, em
12 de outubro de 1992.
845
significativamente, os seus resultados, políticas de uma constituinte convocada num quadro
de transição pactuada.
Esta Emenda Constitucional, enquanto tal, para muitos analistas, frustrou as
expectativas, senão de todo o povo brasileiro, das oposições políticas e da OAB na forma
de suas manifestações anteriores, especialmente nas diferentes conferências promovidas
pela OAB, que, anteriormente analisamos, e que se sucederam aos últimos anos do governo
militar (inclusive de sua transição).
1348
Por outro, observando a linha da XI Conferência,
principalmente definida nos Seminários de São Paulo e Brasília, e na X Conferência
interceptou-se o projeto da OAB de construir uma Constituição desvinculada da
Constituição imediatamente anterior de 1967/69 permeada por atos institucimnais
promulgados a manu militari e travestidos de emendas constitucionais por legislaturas
mutiladas em sua legitimidade.
O Congresso Constituinte, como já observamos, não foi convocado, na exata
proposta dos últimos encontros dos advogados que pretendiam uma Constituinte exclusiva,
infensa aos acordos políticos remanescentes da abertura pactuada, mas, a sua evolução
constitucional, significativamente, incorporou anseios dos advogados, enquanto demandas
políticas resultantes da mobilização geral da população, que, não necessariamente,
exprimiam clivagens e interesses de partidos e organizações à esquerda. A Constituinte, não
traduziu as expectativas, plataforma e projetos conceituais da X e XI Conferências,
optando, mais visivelmente, pelos aspectos inovadores do anteprojeto da Comissão Arinos,
muito embora, não se possa desconhecer a grande influencia das lideranças e sugestões da
OAB, especialmente conservando o sistema de concessões de serviço público, ampliando
os mecanismos licitatórios para favorecer entidades controladas pelo Estado,
1349
bem como
uma fortíssima política de reforma agrária.
1350
1348
O grande argumento de natureza prática a favor do Congresso Constituinte que implicaria em altíssimos
custos que adviria com novas despesas eleitorais. O fato, todavia, como já observado, foi a convocatória na
forma da legislação ordinária e, por fim, a questão de influência conseqüente, com altos riscos políticos e
jurídicos que poderiam levar os deputados constituintes a elaborar uma Constituição que resguardasse as
respectivas sobrevivências futuras.
1349
Imediatamente à implantação das políticas de privatização (1990), os dispositivos sobre concessão de
serviço começaram a ser emendadas, sendo, todavia, interessante observar, que, embora iniciada por
Fernando Collor de Mello, ele não propôs qualquer emenda constitucional sobre a questão, ficando apenas em
iniciativas legislativas. O conjunto e a maioria das emendas foram propostas no período Fernando Henrique (e
mais recentemente pelo Governo Lula) onde o quorum constitucional de três quintos de votos no Congresso
846
Este amplo processo de acomodação de frações e setores políticos durante a
constituinte ficou mais extensamente representado pela eleição do deputado federal
Bernardo Cabral,
1351
político amazonense, ex-presidente da OAB, que antecedeu ao período
da radicalização constituinte, para Relator, ficando como subrelatores, o deputado federal
por São Paulo Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e intelectual de ampla
respeitabilidade e o deputado federal Pimenta da Veiga, ligado as tradições do pessedismo
mineiro,
1352
assim como Afonso Arinos de Melo Franco, ficou Presidente da Comissão de
Sistematização de Emendas. A composição da Comissão de relatores demonstra que ela
não identificava uma qualquer inclinação esquerdista e a presença de Afonso Arinos como
Presidente da Comissão de Sistematização de Emendas reforça a tese de que, exceto em
situações especialíssimas, a inclinação geral seria por um humanismo social liberal de forte
tendência para garantir o Estado Democrático de Direito e para proteger os direitos e
garantias fundamentais.
não impediu as diferentes e respectivas aprovações, demonstrando que o Congresso estava extremamente
constituinte (neste aspecto estatista).
1350
BAETA, op.cit. p. ,176-177, observa que quando eu assumia a Presidência havia uma verdadeira ebulição
no campo. A ordem chegou a traçar alguma estratégia para lidar com a delicada questão que evoluiu do
Primeiro Encontro sobre “Violência (no campo) e Direitos Humanos, realizada em Imperatriz entre 1 e 3 de
agosto de 1985, organizada pelo Presidente da Seccional do Maranhão, Carlos Nina. Carlos Nina preparou
mais tarde o livro. A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado Brasileiro. Brasília: OAB, Conselho
Federal. 2001. Desta reunião nasceu a Declaração de Imperatriz que é uma efetiva demonstração, senão,
apenas da posição da OAB sobre a questão agrária, do seu crescente interesse no tema, aliás, como já
observamos, uma questão sempre residual nas conferências, mas, nunca assumida como uma questão central
das conferências. A Declaração dispunha claramente que aquele estado de coisas se apoiava no ostensivo
desequilíbrio social econômico e na justa acumulação da renda nacional na mão de pequena parcela da
sociedade.
1351
José Bernardo Cabral foi deputado federal cassado em 1968, vindo a ser reeleito para legislatura
subseqüentemente à restauração de seus direitos políticos, em 1979, e, posteriormente, Senador Federal pelo
Estado do Amazonas (1994/2002), quando foi Presidente da Comissão de Justiça e Constituição e Relator do
projeto de Reforma do Judiciário. Parlamentar de posições moderadas, demonstrou, conforme os atos
constituintes, grande sensibilidade ao Anteprojeto Arinos, não exatamente absorvendo as posições, naquele
tempo, da OAB.
1352
O Congresso Constituinte (ou Assembléia Nacional Constituinte) ficou com uma composição majoritária
dominada por partidários da oposição essencialmente vinculados ao PMDB, cuja presidência ficara agora com
José Sarney, amplamente apoiado pelos liberais organizados no PFL, numa dissidência do partido oficial. O
antigo partido de governo - PDS ficou com uma composição expressiva mas, sem as maiorias necessárias a
comandar o destino de uma nova Constituição. Outros partidos estiveram, também, representados como o PT
com, em amplo processo de formação e crescimento, o PDT como expressão organizada do líder carismático
Leonel Brizola e o PTB, velha sigla que perdera a sua representação popular e trabalhista..
847
O texto constitucional originário de 1967, aprovado no Congresso, fragilizado
imediatamente ao Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, atropelado pela
Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, na verdade, era uma verdadeira
colcha de retalhos que traduzia a compressãm institucional que sucedeu a 1968 e 1969 e os
atos intermediários de descompressão política, sístole e diástoles, na linguagem da
eminência parda do regime de Geisel (o sacerdote) o general Golbery do Couto e Silva (o
feiticeiro), que permaneceu no poder, também, durante o primeiro período (1979/1980) do
general Figueiredo.
1353
Na verdade, a radicalização (sístole), que se manifestou em 1968/69
foi a mais terrível do período militar, mas, é, exatamente, a partir deste tempo, vencidas as
fracassadas tentativas de recomposição do Estado de Direito, que, segundo Teophilo de
Azeredo Santos,
1354
juristas militantes no Instituto dos Advogados Brasileiros IAB, agora
apenas órgão de estudos sem qualquer representação corporativa,
1355
se rearticularam e
redefiniram as suas idéias e estratégias políticas para enfrentar o Leviathã moribundo, que,
cedera, senão absolutamente, pelo menos em parte, às demandas e reivindicações da
sociedade civil com a Lei de Anistia, em 1979.
1356
O papel do IAB, neste período precursor das lutas assumidas pela OAB, foram
decisivas, e, muitos dos documentos divulgados nas Conferências, até a antevéspera da XI
Conferência, foram debatidos no seu plenário, a ante-sala do projeto de redemocratização
da OAB, o efetivo laboratório de estudos e de documentos que influíram nos primeiros
1353
GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 25 a 101 e 111 a
167.
1354
Entrevista concedida ao pesquisador Edson da Silva Augusta do PqJuris, em 22 de março de 2005.
1355
Com a edição do Estatuto da OAB em 1963, o IAB deixou de participar da composição do Conselho
Federal, ficando, apenas, circunstancialmente influente nas atividades da OAB a nível seccional. No entanto,
a sua posição como centro de estudos cresceu significativamente e, como não tinha limitações de
manifestações político-partidárias contribuiu decisivamente como fórum de exposição das primeiras teses pelo
estudo de direito de oposição ao governo militar.
1356
Embora de natureza conclusiva quase que essencialmente eleitoral, recente livro de Wanderley Guilherme
dos Santos. intitlulado o Ex Leviathã brasileiro, estuda este bíblico fenômeno do Estado, inclusive brasileiros.
As suas dimensões burocráticas demonstradas no próprio livro e os especialíssimos espaços que a constituição
permitiu que avançasse nos dispositivos de concessões de serviços públicos, esvaziados, todavia, em grande
parte com as políticas de privatização, permitindo reconhecer, tomando as palavras do cientista político, senão
o ex-Leviathã a marcha de seu esvaziamento fortalecendo uma economia de mercado, que, todavia, mais se
apóia nos oligopólios dos setores estratégicos. Ver, SANTOS, Wanderley. O Ex-Leviathã Brasileiro – do voto
disperso ao clientelismo concentrado. RJ. Civilização Brasileira, 2006. p. 115/157.
848
pronunciamentos dominantes nas conferências sobre proteção dos direitos humanos e
restauração do Estado de Direito. De qualquer forma, mesmo com o advento do Estatuto de
1963, algumas das mais expressivas personalidades do Instituto continuaram no Conselho
Federal da OAB como representantes indicados por estados (unidades da federação) com
maior dificuldade de transporte e deslocamento, o sistema que perdurou até a transferência
do Conselho Federal da OAB para Brasília em 1986
No contexto das reações à Emenda Constitucional nº 26/27, efetivamente, como
já prenunciado, a convocatória para a Assembléia Constituinte, não foi um ato
independente, e, nem foi um ato unilateral do poder central instituído, mas uma proposta de
abertura com ampliação dos direitos oposicionistas, com garantias da atividade política das
situacionistas. Não tivemos, também, um pacto destituinte, como o fora o Pacto de
Moncloa,
1357
na Espanha, um especial modelo de transição pacífica, não apenas de
esquerda e direita, mas composição destas com a Monarquia. O movimento das “Diretas
Já”, por outro lado, como movimento de mobilização popular, e de organização da
sociedade civil, e integração de frações e partidos políticos, combinado com o
fracionamento do partido de governo, e sua adesão parcial às propostas de recomposição,
poderia ter representado, senão um pacto, um expresso acordo consensual, para a
reconstitucionalização nacional, na forma convocatória tacitamente assimilável.
De qualquer forma, não passou a nossa transição pactuada por um prévio
acordo político expresso, que pudesse ter influído na convocatória constituinte, como
facilmente se demonstra, mas, esta circunscrição formal da vontade nacional, pela Emenda
Constitucional n°. 26/85, não impediu que a Constituição, que veio a ser promulgada em 5
de outubro de 1988, como efetivo resultado dos trabalhos do Congresso Constituinte, não
apenas absorvesse, muito das propostas do próprio projeto OAB, como já indicamos, como
também, avançou, significativamente, na constitucionalização de expectativas econômicas
e sociais e direitos civis e sociais, que não estiveram consideradas pela OAB, mas estivera
proposto pelo Anteprojeto Constitucional da Comissão Arinos. Em verdade, a história
recente ainda não registrou a divergência “positiva” entre as posturas conclusivas da OAB,
1357
Pacto de Moncloa (nome de um bairro universitário em Madri) foi fruto de uma reunião ocorrida no mês
de outubro de 1977 definindo um acordo amplo de reforma da economia espanhola. O momento era marcado
pela insegurança e descontrole do governo espanhol pela morte do General Franco (1975).
849
mais engajado e comprometido com projetos de mudança estrutural, e o documento da
Comissão Arinos, mais comprometida com a luta pelos direitos civis.
9 – Constituição – Novo Esquema Temático
A XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em
Belém, entre 4 a 8 de agosto de 1986, sob a presidência de Hermann Assis Baeta (1985/87),
iniciou-se com as manifestações de repúdio dos advogados às lideranças políticas no
Congresso que aceitaram o modelo de convocação constituinte do Planalto, que
inviabilizava uma Assembléia Constituinte com poderes originários, livre, exclusiva,
autêntica e soberana para aprovar uma Constituição, que, efetivamente, sintonizasse
legalidade e legitimidade ou, na dimensão política: Constituição e sociedade civil.
De qualquer forma, não podemos, propriamente, afirmar, que, por estas razoes,
os advogados organizaram um anteprojeto constituinte na OAB mas, muitas foram as
conclusões parcialmente sistematizadas dos Seminários da OAB e da XI Conferência sobre
uma nova Constituinte, muitas vezes influenciadas, por um lado, pelo radicalismo jurídico
crescente devido ao movimento das eleições diretas e ao contexto dramático do
falecimento, em 21 de abril de 1985, do Presidente eleito (indiretamente) Tancredo Neves.
Estes fatores contribuíram para que o tema da XI Conferência fosse, assim, “Constituição”
que, por outro lado, também, teve grande alcance ideológico e conceitual. Tantos nos
Seminários quanto na Conferência estiveram em debate questões, não apenas ligados à
organização do poder, como sistema de governo, federação, organização judiciária, mas,
principalmente, questões que visavam discutir o sistema de propriedade, como a reforma
agrária e a reforma urbana, como, também, a temática dos direitos do homem, designação
pouco diferente da discussão sobre direitos humanos.
1358
1358
Resta esclarecer por economicidade narrativa, e maior analítico futuro, que Emenda (oficial) convocatória
da Constituinte também não obteve resistências ostensivas após a sua realização, até porque, a Carta de
850
O impacto negativo da convocatória da Emenda nº 26/85, ou seja, a derrota da
OAB na “forma” da convocação, com seus conseqüentes e presumíveis efeitos, fazer das
expectativas constituintes dos advogados uma realidade constitucional, não apenas
retóricos, mas, políticos, com efeitos sobre as matrizes históricas referenciais
representativas do atraso estrutural brasileiro, pois em debate para a nação brasileira a
desarticulação final da estrutura organizativa do regime instituído com o movimento militar
de 1964, redefinido com os atos de 1968/69, e o seu próprio modelo de concentração
econômica, que, se não soblevou o campo, acentuou a migração para os grandes centros
urbanos.
1359
A XI Conferência foi organizada e estruturada de tal forma que os advogados
pudessem trabalhar sugestões constituintes e, não propriamente um anteprojeto ou pré-
projeto de Constituição, mas proposições constitucionais conclusivas que traduzissem os
seus propósitos numa formatação ideológica politicamente engajada com os interesses
populares voltados para a reconstrução da nova ordem jurídica brasileira. Por isto, não
podemos, propriamente, afirmar, que houve um anteprojeto constituinte da OAB, mas
conclusões parcialmente sistematizadas que evoluíram dos Seminários da OAB, mas que
tiveram grande alcance ideológico e conceitual. Tanto nos Seminários, quanto nas
Conferências, estiveram em debate questões, não apenas ligados à organização do poder,
como sistema de governo, federação, organização judiciária, mas, principalmente, questões
que visavam discutir o sistema de propriedade, como a reforma agrária e a reforma urbana,
como, também, a temática dos direitos do homem, designação pouco diferente da discussão
direitos humanos.
O temário da Conferência, neste contexto, foi organizado como uma especial
forma de se traduzir o corpus constitucional esquemático,
1360
priorizando a necessidade da
Belém, a ultima carta antes da constituinte, e a conseqüente ata de encerramento antecederam os atos
convocatórios, muito embora, como veremos, os seus resultados influenciaram nos resultados constitucionais,
no curto prazo, nos dispositivos sobre ordem econômica e no médio prazo sobre os dispositivos dos direitos
referentes à ordem econômica e, no longo prazo sobre os direitos fundamentais e sociais.
1359
Ver cap. X desta Tese, item 6.3.
1360
Constituíram a Comissão organizadora os seguintes conselheiros. [os] Drs. Arthur Lavigne (Presidente),
Ophir Filgueiras Cavalcante (Coordenador Local), Luiz Carlos Valle Nogueira, Paulo de Tarso Dias Klatau,
Sérgio Ferraz e José Júlio Cavalcante de Carvalho. (...) A Comissão de Temário, [foi constituída por] Drs.
851
aprovação de uma Carta Constitucional autenticamente democrática, como as diferentes
teses demonstraram, trazendo para o cenário as questões centrais de interesse dos
advogados. Este fato, todavia, não demonstrou qualquer abertura sobre o ideário
profissional num regime de restituições à livre iniciativa e alta capacidade interventiva da
União na ordem econômica.
Preliminarmente, no entanto, temos que observar, que o projeto temático da XI
Conferência priorizou, como se pode verificar, as preocupações políticas centrais dos
advogados no contexto evolutivo da última das conferências e nos debates que antecederam
à convocatória Constituinte: Organização do Estado e Sistema de Propriedade, abrindo-se,
consequentemente, para a temática histórica de quase todas as conferências, na forma
lingüística dos últimos anos: Direitos do Homem e não propriamente, Direitos Humanos. A
Conferência, não priorizou como discussão temática, todavia, a questão, presente em
muitas conferências anteriores, sobre os novos e complexos direitos civis, uma
característica da Comissão Arinos, assim como sobre os direitos da personalidade (ou
existenciais) e a conseqüente proteção processual.
Neste sentido, reconhecido o seu especial alcance no que se refere à
imprescindível e atávica discussão sobre a questão da propriedade no Brasil, relacionados
com previdência às estruturas de poder (dos poderes) e às necessidade dos despossuídos a
reforma agrária e reforma urbana apenas residualmente se discutiu, como objeto a
emergente questão dos direitos das minorias (maioria) e dos novos direitos especial vertente
dos direitos civis coletivos e difusos, como direitos de terceira geração. Estes temas, não
propriamente priorizados na XI Conferência, em Belém (agosto de 1986) permearão os
debates nas Comissões da Constituinte convocada para se instalar, embora já se estivesse
em pleno processo eleitoral, 6 (seis) meses após (fevereiro de 1987), juntamente com os
temas estruturantes.
Finalmente, antes que desenvolvamos explicativamente as suas divisões
temáticas da XI Conferência vamos indicar a nomenclatura dos expositores para finalmente
apresentar a Carta de Belém, e, para melhor alcance da Tese, aproveitamos para esclarecer
Arthur Lavigne, Márcio Thomaz Bastos, José Lamartine Corrêa de Oliveira, Marcelo Lavenère Machado e
Leônidas Rangel Xausa.
852
que o texto seguinte tem uma preocupação exclusivamente descritiva e indicativa. A análise
comparada entre as propostas conclusivas da OAB, não apenas restritas à XI Conferência,
mas, também, absorvendo sugestões do Congresso Nacional de Advogados Pró-
Constituinte, realizado em Brasília entre 15 e 19 de outubro de 1985, e o texto final da
futura Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988, tomando, ainda, como referencia o
Anteprojeto da Comissão Arinos, a realizaremos no Capítulo seguinte, permitindo-nos
reconhecer naquele Capítulo a linha referencial conclusiva da Tese.
Esquematicamente, assim se organizou a XI Conferência (pré-constituinte) do
Conselho Federal da OAB em Belém:
(9) 1. Organização do Estado;
1.1. O Poder e a Sociedade
1.2. Federação e Organização Tributária
1.3. Poder Judiciário
(9) 2. O Sistema de Propriedade
2.1. Propriedade e Poder
2.2. Reforma Agrária
2.3. Reforma Urbana
(9) 3. Direitos do Homem
3.1. Direitos da Pessoa Humana
3.2. Família, Educação, Saúde e Cultura
3.3. Direitos do Trabalhador
A Subdivisão das palestras sobre Organização do Estado ampliou,
significativamente, o alcance conceitual de uma Constituição propositiva. Seccionou
853
conceitualmente o seu objeto e, por conseguinte, traduziu com maior clareza metodológica
os objetivos de uma nova ordem.
A evolução da discussão conceitual das relações entre “poder (estado) e nação”
para as relações entre poder (estado) e sociedade, fugindo da leitura liberal clássica,
comprometida com os ideais da revolução francesa, para uma leitura mais moderna e
engajada onde se pensa o Estado, não apenas como expressão inelástica de valores, mas,
também, como conjunto elástico de interesses sociais, contribui para ampliar
significativamente o conceito material de Constituição em relação ao conceito formal.
Dogmaticamente esta questão não seria significativa, ou pode não exprimir qualquer
relevância jurídica, mas, com certeza, posta a temática da Conferência, nesta dimensão,
permitiu-se identificar, no processo constituinte, não apenas a vontade da nação, mas,
também, os interesses da sociedade, nem sempre convergentes.
Em determinados momentos históricos, a vontade da nação, está em perfeita
sintonia com o interesse social, mas nos momentos de questionamento da legalidade ou dos
fundamentos de legitimidade do estado, quando as “velhas” razões da ordem confrontam-se
com as razões propositivas de nova ordem, pode haver uma desconexão entre nação
(instituída) e sociedade emergente. A única fórmula possível de se evitar o aprofundamento
desta desconexão, com riscos de ruptura, é a ressintonização entre poder (estado) e
sociedade ou, como sempre acontece, juridicamente (institucionalmente), entre o estado e
as frações sociais politicamente organizadas: a sociedade civil, que rediscutirá, em
Assembléia Constituinte, o(s) fator(es) imperativo(s) da nova ordem ou as estratégias
(constitucionais) de recuperação (dos valores) nacionais.
Esta questão, aparentemente conceitual, tem uma extensão discursiva e
epistemológica, mais profunda, principalmente porque ela é expressiva dos sintomas do
Estado enquanto nação simbolizada pela cultura e mores de um povo e/ou enquanto
tradução de interesses e clivagens sociais. Este último conceito tem um sentido mais aberto
e, posto como o foi, no temário da Conferência, é um indicativo que permitiria superar o
ambíguo conceito (uniforme) de nação. Neste sentido, mesmo que o conjunto das palestras
permita identificar uma certa inconsistência cognitiva sobre os efeitos jurídicos de qualquer
854
das adesões (opções) conceituais, fato é, que, as discussões não trabalharam explorações
conceituais mais amplas de maior alcance político ou sociológico.
Em seqüência, pragmaticamente, a Conferência optou por palestras sobre
organização do Estado discutindo a questão federativa relacionada à questão tributária,
onde, da mesma forma, não apresentou propostas inovadoras, exceto, inclinando-se, para
incentivar as políticas de tributação enquanto política de distribuição de renda e não
propriamente de formação de superávits. Neste sentido, a Conferência não tratou das
políticas tributarias como políticas de receitas do estado, mas procurou, nelas identificar,
mecanismos de recolhimento de receitas com vistas a um melhor alocamento de recursos
do Estado.
Por outro lado, é muito importante ressaltar a discussão temática sobre o Poder
Judiciário, ainda neste grupo de teses sobre Organização do Estado, especialmente, porque,
excetuada a relevância atribuída à inserção constitucional da advocacia e da necessária
criação de um Tribunal Constitucional – questão nem sempre desvinculada das análises
sobre o papel do Supremo Tribunal Federal e do recurso extraordinário – os debates não
fugiram da temática ainda tradicional. Ressalte-se, todavia, que questões como recursos
financeiros para ampliação do acesso à justiça, assim como formas alternativas de
organização judiciária, foram tratadas, todavia, sem o reforço teórico dos temas anteriores.
De qualquer forma, e está é a preocupação maior, a ausência de uma
consciência clara sobre os efeitos constituintes de uma reavaliação do Estado, da
perspectiva da sociedade civil, provocou, em última instância, uma rediscussão dos
institutos tradicionais de organização do Estado, de alcance inovador restrito, demonstrando
que ficou difícil para os advogados fazer da reversão conceitual uma conversão legal ou,
mesmo discursiva, limitando o alcance da abertura teórica. Aliás, esta é a lição que resta:
não basta a abertura teórica para compreender a sociedade é preciso saber convertê-la em
nova ordem, uma “tragédia das mudanças”, que não ocorre somente no Brasil, muitas vezes
favorecendo o autoritarismo.
O segundo grupo de palestras, sobre Sistema de Propriedade ficou marcado
pela discussão das relações entre propriedade e poder, muito embora a Conferência não
tenha aberto uma discussão conceitual preliminar. O que se verifica, é, que, para os
855
conferencistas, a questão da propriedade, está vinculada à questão do poder, podendo-se
identificar, que, na grande inclinação conclusiva que a concentração da propriedade pode
provocar a concentração do poder. Neste sentido, a Conferência se inclinou, basicamente,
para discutir os mecanismos que pudessem viabilizar a rearticulação da estrutura da
propriedade, favorecendo ou ampliando os seus mecanismos de utilização, tendo em vista
fins sociais, assim como, políticas de equilíbrio e reequilíbrio das diferentes frações
econômicas da sociedade. Nas linhas conclusivas, por estas razões, ficou a Conferência
marcada pelos debates sobre Reforma Agrária e Reforma Urbana, como se verá em
discussão própria nesta Tese.
O terceiro bloco de palestras concentrou-se na questão dos Direitos do Homem,
não apenas retomando as discussões sobre direitos e violência, mas, abrindo-se para seu
ambiente tradicional: família, educação, saúde, cultura e os direitos sociais cujas posições
conclusivas nas conferências anteriores, permeou o temário deste item. Assim, nos
subtemas sobre Direitos do Homem (da Pessoa Humana), a par das questões que a Ordem
já vinha tratando e incorporando ao seu ideário corporativo, juntamente com os direitos do
trabalhador (especialmente a questão salarial e o direito de greve) somou-se uma discussão
temática sobre educação, restrita a estudos e análise sobre ensino jurídico e pratica forense
de bacharelandos no passado, cultura, ciência, tecnologia, saúde e família. Nestes temas,
excetuada a questão da família, que vinha sofrendo profundas transformações estruturais e
de compreensão jurídica, sem que estivesse pontualmente abordada em conferências
anteriores, a Conferência inovou. As suas conclusões, todavia, nestes últimos temas, não
representam, por isto mesmo, um rescaldo de sua história ideológica, mas indicam o leque
das ações imprescindíveis à democratização do Estado brasileiro.
A XI Conferência, desta forma, foi, dentre todas, a mais incisiva, e radical na
colocação das questões sobre Reforma Agrária, alertando para a necessidade de
constitucionalização de seus princípios básicos, sobre as modalidades de organização
fundiária e ocupação de terra, sobre as terras indígenas e sobre a organização da justiça
agrária. Aliás, ressalte-se, que, de todas as conferências, esta foi a única que explicitamente
assumiu as questões agrária e urbana como questões nacionais estruturais, imprescindíveis
à definição da democracia econômica e a reconstitucionalização do país. A ousadia dos
propósitos indicados na temática sobre reforma agrária, não foram exatamente traduzidas
856
no subtema sobre reforma urbana, todavia, foram enfocadas questões sobre reorganização
do espaço urbano, direito de moradia, favelas e invasões de áreas urbanas, planejamento
urbano e regiões metropolitanas, que, de qualquer forma, traduzem a necessidade de novas
perspectivas jurídicas para tratar desta questão que se avolumou no Brasil moderno,
competindo, agora, com a questão agrária.
Diferentemente, ou complementarmente às discussões temáticas anteriores,
ficou visível, nesta Conferência, não propriamente uma discussão conceitual sobre direitos
humanos, mas um nítido reconhecimento que a questão dos direitos da pessoa humana não
se reduzem aos direitos individuais, ampliando-se para o direito ao trabalho e ou as
garantias da família, assim como não estiveram informados, apenas, pelo princípio da
liberdade, mas, também pelo princípio da igualdade e da justiça social. Nesta mesma linha
temática, no entanto, como já observamos, emerge, a questão da proteção substantiva e
processual dos direitos da pessoa humana, mas, não propriamente, na nova formatação dos
direitos coletivos (e difusos) e de sua titularidade subjetiva, não apenas pela própria
entidade como por terceiros representantes legais, mas muito especialmente com direitos
reais e concretos resultantes da interventiva do Estado na propriedade e nas políticas de
exploração da mão de obra.
Finalmente, na estruturação temática, o que revela a sua evolução, não é
propriamente ampliação do ideário profissional, mas as novas aberturas para a ideologia
jurídica, discutidas e rediscutidas nas Conferências dos últimos anos, mas estas posturas
são demonstrativas das clivagens entre o quadro político da OAB, dominada, naquele
momento, pela preocupação interventiva na natureza da propriedade e o quadro político
parlamentar, que, não exatamente, avançou nesta linha para priorizar uma política extensiva
na garantia de direitos civis.
857
9.1. Organização do Estado
9.1.1. –O Poder e a Sociedade
1361
Temário Conferencistas e Relatores
1) Presidencialismo, Parlamentarismo e
Alternativas
Nelson Saldanha e Músico Vila Ribeiro
Dantas
2) Sistema Partidário e Eleitoral Maria Vitória Benevides
3) Participação do Povo no Processo
Decisório
Sérgio Ferraz
RELATORES ESPECIAIS Carlos Alberto Silveira Leni, Lenidas Rangel
Causa e mar José Badala
Como anteriormente observamos, as conferências sobre organização do estado
e sociedade restringiram-se a uma discussão sobre sua organização clássica, não evoluindo
em qualquer linha de ruptura profunda com as experiências brasileiras tradicionais:
presidencialismo, parlamentarismo, partidos políticos e sistema eleitoral. Novo mesmo foi a
conferência de Sergio Ferraz sobre participação do povo no processo decisório que veio a
ter razoável efeito nas discussões constituintes, muito embora mais pela linha da
contribuição popular na elaboração de projetos legislativos.
1362
1361
1º Comissões: Organização do Estado – O Poder e e Sociedade em 05-08-86 – Comissão Matutina:
Presidente: Onélia Setubal Rocha de Queiroga; Vice-Presidente: Salvador Pompeu Resende e Silva;
Secretário: Gil Alberto Resende e Silva. Comissão Vespertina: Presidente: Milton Augusto de Brito Nobre;
Vice-Presidente: Salvador Pompeu de Bartos; Secretário: Gila Liberto Resende e Silva. Federação e
Organização Tributária em 06-08-86. Comissão Matutina: Presidente: Munir Feguri; Vice-Presidente.:
Reginaldo Santos Furtado; Secretário: Guaracy da Silva Freitas. Comissão Vespertina: Presidente: Luiz Cruz
de Vasconcelos; Vice- Presidente.: Leydson Farias; Secretário: Maria do Socorro Souza Monteiro. Poder
Judiciário em 07-08-86. Comissão Matutina: Presidente: Rubens Mário de Macedo; Vice-Presidente. Doroteu
Soares Ribeiro; Secretário: Carlos Adauto Vieira. Comissão Vespertina: Presidente: Athos Moraes de Castro
Vellozo; Vice-Presidente: Milton Nunes Tavares; Secretária: Máreia Calainho.
1362
Ver Constituição de 1988, § 2º do art. 61: A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à
Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por no mínimo, um por cento do eleitorado nacional,
858
A discussão sobre parlamentarismo foi muito interessante e a tese elaborada por
Nelson Saldanha, chegou mesmo a influir na organização estrutural dos poderes, mas foi
abruptamente ceifada na reta final da constituinte, remanescendo um modelo
presidencialista congressual, que obriga o legislativo a legislar a partir de medidas
provisórias
1363
originárias do Executivo, um formato parlamentarista precário do antigo
Decreto-Lei. A questão partidária e eleitoral por Maria Vietória de Mesquita Benevides,
1364
de profunda natureza crítica, foi interessante como abertura de conexão dos temas jurídicos
para as questões políticas e sociológicas, mas de efeitos restritos no tempo.
9.1.2. Federação e Organização Tributária
Temário Conferencistas e Relatores
1) Sistema Federativo: Competência
Constitucional e Legislativa da União, do
Estado Membro e do Município
Marcos Betardes de Melo
2) Sistema Federativo e Organização
Tributária
Ives Gandra da Silva Martins
3) Os Territórios Arbrandão de Oliveira
Relatores Especiais Mário Sérgio Duarte Garcia, Elias Naif D.
Harnouche, Fides Angélica V. Ommati
Não há questão moderna na discussão sobre o pacto federativo brasileiro que
não seja atravessado pela questão tributária. País herdeiro de uma profunda tradição
centralizadora que atribui à União os cordéis da distribuição tributária o Brasil, enquanto
distribuído pelo menos por 5 (cinco) estados, com não menos de 3 (três) décimos por cento dos eleitores de
cada um deles.
1363
Ver Constituição de 1988, art. 62 com redação da Emenda nº 32 de 11 de setembro de 2001, e também,
inc. do art. 159 e § 3º do art. 167 e § 1º do art. 166 e, ainda, art. 73 da ADCT. Ver ainda, Resolução nº 1 de 8
de maio de 2002 que dispõe sobre apreciação de Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional.
1364
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, Pará, de 4 a 8 de agosto
de 1986, p. 90-94.
859
modelo tributário, não é uma federação, mas os estados e municípios vivem das políticas de
descentralização de recurso (Fundos) para os entes federados. Esta situação foi muito
discutida na XI Conferência, mas os tributos que restam aos estados e municípios se lhes
colocam em posição de absoluta dependência federativa, pairando sempre a questão de
incompetência dos entes descentralizados federados para administrar, sujeitos, por
conseguinte, à força leviathanica da União, assim como a resistência parlamentarista
sempre esbarra na voluptuosidade e na displicência política dos deputados.
9.1.3. Poder Judiciário
Temário Conferencistas e Relatores
1) Formas Alternativas de Estruturação do
Poder Judiciário
Alceu Loureiro Ortiz
2) Justiça de Primeiro e Segundo Graus Francisco Moreira Camargo
3) O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal
Constitucional
José Lamartine Corrêa de Oliveira
4) Inserção Constitucional da Advocacia Luiz Carlos Valha Nogueira
5) Acesso à Justiça. Recursos Financeiros.
Custas
José Antônio F. de Almeida Silva
6) O Tribunal do Júri Paulo de Tarso Dias Klautau
Relatores Especiais
As conferências sobre Poder Judiciário restringiram-se a discutir a
(re)organização de seu organograma avaliando-o como uma burocracia para proteger
direitos individuais, muito embora, tenham sido freqüentes debates sobre acesso a Justiça
(Judiciário). O tema dos novos mecanismos judiciais para viabilizar a discussão judicial de
conflitos de natureza complexa ou que envolvessem direitos transindividuais homogêneos
ou coletivos e difusos, como se veio a denominar, não ganhou grande (ou nenhum) espaço
discursivo, nestas palestras, salvo restritamente nos subtemas de direitos do ser humano.
860
Todavia, não podemos desconhecer que esteve em debate a questão da
transformação do Supremo Tribunal Federal (STF) em Corte (Tribunal) Constitucional,
especialmente na conferência de José Lamartine Correa de Oliveira, sempre perspicaz no
alcance de seus pronunciamentos,
1365
o que o tempo histórico não confirmou, deixando ao
STF a incomoda posição de continuar avaliando os dissídios de direito comum, quase
sempre com conexões constitucionais, devido à efetiva amplitude programática que
adquiriu o texto que veio a ser promulgado em 1988. De qualquer forma, remanesceu para
a história institucional brasileira esta ímpar situação, em que o Tribunal, senão em
competências, na posição hierárquica, que veio a substituir o Supremo Tribunal de Justiça,
criado no Império em 1828,
1366
passou a denominar-se Supremo Tribunal Federal,
priorizando, em sua nomenclatura, a questão ascendente na República de 1889/91 da
federação, deixando ao tempo histórico subseqüente denominar o Tribunal federativo
competente para a uniformização jurisprudencial de direito comum, de Superior Tribunal
de Justiça, priorizando em sua nomenclatura o referencial histórico da decisão: a justiça.
Finalmente, mesmo com suas limitações, não podemos desconhecer, foi
abordada por José Antônio F. de Almeida e Silva, pioneiramente, a questão de repercussões
atuais referentes ao acesso à justiça, inclusive a questão financeira. Recentemente, em
estudo de nossa própria autoria, retomamos esta questão que aflige os tribunais: a
incapacidade dos grupos sociais de baixa renda enfrentarem, em condições de resistência, o
intrincado processo judicial, que, quase sempre, leva a sucumbir o demandante mais frágil,
tomado pela impossibilidade de insistir, peticionando, através dos tantos recursos diretos e
indiretos.
1367
De qualquer forma, e por outro lado, esta XI Conferência, pelo seu altíssimo grau de
politização, não colocou, exatamente, em pauta, fugindo de tradição organizativa das
Conferências qualquer questão que envolvesse o ideário corporativo, exceto
1365
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, Pará, de 4 a 8 de agosto
de 1986, pp. 221 a 229.
1366
Em 1978 este Tribunal completou 150 anos de sua criação em 28 de setembro de 1828. Em comemoração
a FCRB/CD editou todos os pronunciamentos parlamentares sobre o Projeto. Ver BASTOS, Aurélio Wander
(Org.). A criação e organização do Supremo Tribunal. Brasília. DF: FCRB/CD, 1978.
1367
BASTOS, Aurélio Wander. Efetividade e legalidade da decisão judicial. Magister, Porto Alegre, n. 2,
2005.
861
residualmente em palestras sobre A Inserção Constitucional da Advocacia de Luis
Carlos Valha Nogueira. Tratou, também, desta matéria Carlos Adauto Vieira em Poder
Judiciário e Advocacia. Aparentemente, a questão é pouco significativa, mas no
contexto geral do quadro político, temos um importante indicativo de que a
radicalização da luta política, justificável e explicável, no período, provocou uma visível
imersão das questões profissionais, demonstrando que, esta mesma questão, ficava
imersa na problemática brasileira constituinte.
Finalmente, embora tenha se concentrado em importantes questões estruturais
(e infra) esta Conferência, não debateu a questão estrutural do Poder Judiciário frente a uma
sociedade em crescente processo de aumento de sua complexidade, assim como no correr
da Conferência não foram tratadas as interconexões entre o Judiciário e o Direito
Processual, uma questão significativa, inclusive, até recentemente.
9.2. O Sistema de Propriedade
1368
9.2.1. Propriedade e Poder
Temário Conferencistas e Relatores
1) Formas de Organização da Produção.
Empresa: propriedade e poder
Fábio Konder Comparato
2) Mecanismos Constitucionais de Controle
da Atividade Econômica
Paulo Luiz Neto Lobo
3) Organização do Sistema Financeiro Alcedo Ferreira Mendes
1368
2. Sistema de Propriedade Em 0ó-08-86 – Comissão Matutina: Presidente: João Frederico Ribas; Vice-
Presidente: Guaracy da Silva Freiras; Secretário: Guaracy da Silva Freiras. Comissão Vespertina: Presidente:
Antônio Francisco de Albuquerque; Vice-Presidente: José Silvério Leite Fontes; Secretário: José Silvério
Leite Fontes. Reforma Agrária Em 06-08-86. Comissão Matutina: Presidente: Joaquim Lemos de Souza;
Vice-Presidente: Sérgio Leonardo Darwich; Secretário: Sérgio Leonardo Darwich. Comissão Vespertina:
Presidente: Abrahão Bentes; Vice-Presidente: Afrânio Neves De Melo; Secretário: Afrânio Neves de Melo.
Reforma Urbana Em 07-08-86. Comissão Matutina: Presidente: Moacyr Corrêa Filho; Vice-Presidente:
Milton Murad; Secretário: Glênio Aquino de Andrade. Comissão Vespertina: Presidente: Luiz Francisco
Guedes de Amorira; Vice-Presidente: Sylvio Curado; Secretário: Wellington Dantas Mangueira Marques.
862
RELATORES ESPECIAIS Dom Mauro Moreli, Carlos Roberto Martins
Rodrigues, Jair Leonardo Lopes, Glória
Márcia Percinoto
9.2.2. Reforma Agrária
Temário Conferencistas e Relatores
1) Princípios Constitucionais Básicos da
Reforma Agrária
José Gomes da Silva
2) Desapropriação e demais Instrumentos
Constitucionais da Reorganização Fundiária
Antônio Ribas Pinheiro Machado Neto
3) Modalidades Jurídicas da Ocupação da
Terra na Organização Fundiária
Luiz Edson Fachin
4) Terras Indígenas Edson Oliveira
6) Justiça Agrária RAFAEL Mendonça Lima
9.2.3. Reforma Urbana
Temário Conferencistas e Relatores
1) Instrumentos Constitucionais de
Reorganização do Espaço Urbano
Ricardo Cézar Pereira Lira
2) Direito à Moradia. Modalidades e
Instrumentos de Sua Concretização
Rubens Approbato Machado
3) "Invasões” de Áreas Urbanas. Favelas.
Alternativas de Soluções
Jacques Távora Alfonsin
4) Planejamento Urbano, Regiões
Metropolitanas
Eros Roberto Grau
863
Relatores Especiais Erasmo Villa-Verde, Nardim Lemke, Maria
Alice Adão Antunes
A questão da reforma do sistema de apropriação privada é uma das mais
difíceis questões postas para os estudos jurídicos, senão para os estudos políticos e
sociológicos.
1369
Instituto vinculado às origens e fundamentos do direito definiu as suas
bases de consolidação juntamente com o Direito Romano, a partir da virada de 200 a.c. para
tomar corpo institucional com o Corpus Júris Civilis, produzido a cerca de 560 d.c., quando
Roma já se encontrava em franco recuo tomada pelos bárbaros e o império se exercia em
Constantinopla, por Justiniano.
No Brasil as suas regras essenciais tradicionalmente se impuseram a partir das
ordenações Manuelinas e Filipinas, sendo que o Código Civil de 1916/17, de Clóvis
Bevilácqua, é, na verdade, um código sobre a propriedade, sua forma de aquisição, uso, e
transferência. Até a promulgação da Constituição de 1988, a sua força era tão evidente que
todo esforço de democratização da propriedade sucumbiu às suas próprias regras. Somente,
muito recentemente, com a inclusão constitucional do dispositivo sobre “função social da
propriedade” é que estamos presenciando a uma forte constitucionalização do direito civil,
o que ficou evidente com o novo Código Civil de 2002,
1370
revertendo o quadro de forças
da hermenêutica privada que funcionava, inclusive, como hermenêutica constitucional.
A XI Conferência, todavia, mais abordou a força que têm os titulares da
propriedade para impor a sua vontade legislativa como especial forma de favorecer o
processo de acumulação de riquezas e a apropriação dos resultados do trabalho produtivo
por setores sociais privilegiados. A conferência de Fabio Konder Comparato explicitamente
afirma:
1369
Dentre os estudos clássicos que trataram do tema temos de destacar os de ROUSSEAU, J. J. A Origem da
Desigualdade entre os Homens.
(Trad. Iracema Gomes Soares e Maria Cristina Roveri Nagle). Brasília:
Editora Universidade de Brasília. 1985. E, ainda, ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade e do
Estado. Rio de Janeiro. Bertrand Editora. 2000. Cabendo, também, a Karl Marx toda uma obra que desvelou
os mecanismos capitalistas apropriatorios marcando as sugestões que vieram a dominar o pensamento e ação
das esquerdas.
1370
MOREIRA, Cássia. Código Civil Comparado (prefácio de Aurélio Wander Bastos). Rio de Janeiro:
América, 2003.
864
O controle, como poder de governo da empresa, não se confunde juridicamente com a
propriedade, embora o regime capitalista a estabeleça como fundamento do controle.
Seja como for, o controlador exerce a função de comando da empresa, isto é, um poder
diretivo em benefício do conjunto dos participantes e não em proveito próprio. Quanto à
participação, ela não é direito de crédito nem direito real, mas a posição jurídica dos
que exercem funções determinadas na organização empresarial e partilham os frutos
patrimoniais da atividade coletiva.
Por outro lado,como veremos, as posições adotadas nas teses sobre abuso do
poder econômico e mecanismos de controle da atividade econômica não fugiram de nossa
própria tradição, inaugurada com a criação do CADE em 1962, masque veio a sofrer
significativas transformações a partir de 1990. As propostas em discussão não alcançaram a
liberdade que mais tarde ocorreu em relação à políticas de concentração de empresas nem
muito menos a força compreensiva em relação ao Capital internacional na economia, mais
incentivando políticas setoriais de reserva de mercado.
De qualquer forma, nesta linha temática que discutiu o sistema de propriedade,
apesar das sugestões interventivas do Estado nos casos de abuso do poder econômico
principalmente para impedir os cartéis, foram especialmente relevantes, como temos
insistido, os textos sobre Reforma Agrária e Reforma Urbana. Com certeza esta foi a
Conferência que mais profundamente abordou este tema historicamente recorrente, que
nunca fora tratado com tanta profundidade e ousadia em conferências anteriores, tanto é
fato que o texto constitucional absorveu e manteve, apesar de ter alterado com emendas
sucessivas a política de concessão de serviço público.
As palestras abriram-se para temas relevantíssimos que, de uma forma ou de
outra, bordejavam o tema da Reforma Agrária, tais como: desapropriação fundiária,
ocupação de terras, terras indígenas e Justiça Agrária. A XI Conferência, todavia,
demonstrou que, não lhe faltara, ousadia política para tratar esta questão, inclusive,
insistindo na retórica que o grande empecilho para propor um novo arranjo legal para a
estrutura fundiária estava comprometido com os excessos da “ilegalidade” autoritária, o que
não é uma verdade absoluta, principalmente tomando em consideração conferência de
Florestan Fernandes em nosso ultimo Capítulo.
Este mesmo posicionamento não ocorreu, exatamente, com as questões
referentes a Reforma Urbana, tais como: invasões de áreas urbanas, favelização, exceto, é
claro, planejamento e reorganização urbana, demonstrando a dificuldade destes temas para
865
conferências de advogados geralmente voltadas para questões jurídicas analisáveis da
perspectiva superestrutural ou na dimensão de sua redução jurídica. Estas questões de
natureza (infra) estrutural com certeza não compõem o quadro de possibilidades de se
alcançar mudanças através de movimentos endógenos da super estrutura, sempre
comprometidos, ou pelo menos, altamente resistentes às mudanças das matrizes
econômicas históricas.
Apesar deste quadro atávico as palavras não traduzem maiores esforços da
Ordem dos Advogados que traduzem as ambas dimensões de um mesmo problema, para
abordar a conexão destas questões o autoritarismo recente, as oligarquias passadas, e os
vícios atávicos da estrutura da própria propriedade. Vale a pena ressaltar, que, ela própria (a
OAB) foi mantida estatutariamente no IAB, ainda nos tempos do Império, devido aos fortes
interesses escravocratas, não se identifica posições, nem ao menos em discursos dispersos,
de presidentes famosos com Ruy Barbosa e Nabuco de Araújo sobre a libertação e
suspensão do trafico escravo e nos regimentos republicanos do IOAB, vencida a
escravidão, devido aos interesses oligárquicos a questão agrária não fora uma questão
republicana. Os tradicionais mecanismos de ação da OAB, que repartiram os mecanismos
do IAB e do IOAB, o compromisso endógeno radical com a defesa da legalidade, e as suas
sempre dificuldades para comprometer-se com as aberturas exógenas mutantis não lhe
garantiram sucesso no passado, neste papel, o que significa que a definição de uma política
de reforma agrária no texto constitucional, mesmo que de aplicação residual, a criação da
Justiça Agrária, ate os nossos dias inviabilizada no seu funcionamento foi um grande
avanço legislativo sobre as matrizes, senão da dominação rural estrutural, sobre os
empecilhos legislativos tradicionais.
Finalmente, aliás, o que se observa, é que a insistência ideológica em fazer da
ideologia das mudanças estruturais aspecto referencial da ideologia jurídica provocou
grandes resistências profissionais, inclusive, no processo de elaboração do novo e futuro
Estatuto da OAB, como veremos ao fim conclusivo do último Capítulo desta Tese.
866
9.3. Direitos do Homem
1371
9.3.1. Direitos da Pessoa Humana
Temário
Conferencistas e Relatores
1) Princípios Fundamentais em Matéria dos
Direitos e Garantias do Ser Humano.
Enunciação e Concretização
Hélio Pereira Bicudo
2) O Princípio da Igualdade Marília Muricy e Jacqueline Pitangui
3) Perspectiva Individual e Coletiva da
Defesa dos Direitos do Ser Humano
Juarez Cirino dos Santos
4) Instrumentos e Instituições Asseguradores
dos Direitos da Pessoa Humana.
J. J. Calmon de Passos e Paulo Sérgio
Fernandes
9.3.2. Família, Educação, Saúde e Cultura
Temário Conferencistas e Relatores
1) Educação e Cultura Maria José Feres Ribeiro
2) Ciência e Tecnologia Luiz Pinguelli Rosa
3) Família Roberto Rosas
Relatores Especiais Antônio Houaiss, Hélio Leal, Leonor Nunes
1371
3. Direitos do Homem – Direitos da Pessoa Humana em 05-08-86 – Comissão Matutina: Presidente:
George Tavares; Vice-Pres.: Manoel Moreira Camargo; Secretário: João Teixeira Cavalcante Filho. Comissão
Vespertina: Presidente: Wady Sauáia; Vice-Pres.: José Luiz Barbosa Ramalho Clerot; Secretário: Rejane
Fillipe. Família, Educação, Saúde e Cultura Em 06-08-86 – Comissão Matutina: Presidente: Altair Sá da
Silva; Vice-Pres.: Sérgio do Rego Macedo; Secretário: Sérgio do Rego Macedo. Comissão Vespertina:
Presidente: Marcos Aloísio Borges; Vice-Pres.: Alberto Deodato Maia B. Filho; Secretário: Sérgio Do Rêgo
Macedo. Direito do Trabalhador Em 07-08-86 – Comissão Matutina: Presidente: Joselito Barreto De Abreu;
Vice-Pres.: Joaquim Correia de Carvalho Júnior; Secretário: José Eustáquio Oswaldo. Comissão Vespertina:
Presidente: Ivan Pereira de Oliveira; Vice-Pres.: Jorge Jungmann; Secretário: Olga Araújo.
867
de Paiva, Sylvio Pimentel
9.3.3. Direitos do Trabalhador
Temário Conferencistas e Relatores
1) Política Salarial. Formas de Remuneração
e Participação do Trabalhador na Atividade
Econômica
Eugênio Roberto Haddock Lobo
2) Greve Benedito Calheiros Bomfim
3) Justiça do Trabalho Reginaldo Felker
RELATORES ESPECIAIS Orlando Gomes, Francisca Oliveira Formiga
Finalmente, como não poderia deixar de ser, a XI Conferência teve uma posição
bastante avançada nas suas propostas de constitucionalização dos Direitos da Pessoa
Humana, a especialíssima vertente que influenciou a reformatação preliminar do ideário
profissional da OAB, a partir de 1968 que essencialmente refletiu à influencia do
trabalhismo (jurídico) no conjunto do quadro dos direitos sociais, e, posteriormente
timidamente abriu para as novas questões existenciais do individuo. Neste quadro, vencida
a etapa histórica dos direitos sociais, tomados pelo trabalhismo (político) em primeiro lugar
foi desenvolvido um significativo trabalho conceitual sobre princípios fundamentais em
matéria de direitos humanos, onde se destacou o Procurador Hélio Pereira Bicudo,
1372
que
norteou o cenário geral da discussão, assim como o Princípio da Igualdade esteve abordado
num cenário de relações com o princípio da liberdade e da propriedade, se destacando
Jacqueline Pitangui e Marília Muricy.
1373
Juarez Cirino,
1374
abordou a questão das
dimensões individuais e coletivas dos direitos humanos, na linha evolutiva das
Conferências anteriores da OAB, assim como J.J. Calmon de Passos e Paulo Sergio
1372
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, Pará, de 4 a 8 de agosto
de 1986, p. 647-651.
1373
Ibid., p. 652-656.
1374
Ibid., p. 657-671
868
Fernandes
1375
discutiram os instrumentos processuais utilizados para sua garantia, proteção
e defesa.
De qualquer forma, por estas razões, não há como esquecer, que o referencial
evolutivo dos novos princípios da ideologia jurídica que influenciaram a OAB futura
estavam marcado pela temática dos direitos humanos e, neste aspecto, não há como
desconhecer que a transmutação interna do idealismo individualista evoluíra para novos
padrões referenciais, inclusive, no que se refere à proteção processual-judicial deste novo
espaço jurídico, perfeitamente recepcionado (absorvível) pela tradição estatutária, desde o
Estatuto de 1963, que evoluíra paralelamente com a discussão do Projeto de Criação do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, assinado e publicado pelo
presidente João Goulart na antevéspera do golpe militar de 1964.
1376
Todavia, mais recentemente muitos são os estudos que têm evitado uma relação
direta entre “direitos humanos” e “direitos e garantias fundamentais”, que a Constituição de
1988 subdividiu em Capítulos específicos: dos direitos e deveres individuais e coletivos,
dos direitos sociais, da nacionalidade e dos direitos políticos e, por fim, dos partidos
políticos. Historicamente é quase impossível dissociar uma questão da outra e, nós próprios
evitaríamos afirmar que, na verdade, “os direitos e garantias fundamentais” não teriam o
exato alcance constitucional da política brasileira de direitos humanos, principalmente no
amplíssimo e explicitadíssimo Capítulo sobre os direitos e deveres individuais, que tanto
tem dispositivos de alcance civil como de alcance penal.
Este seccionamento, que tem prosperado em estudos de paises europeus, na
verdade, é uma forma de dissindir os excessos de cuidados do Estado com atos ou agentes
criminosos e os efetivos direitos que evoluíram de requalificaçao social e existencial do
homem. De qualquer forma, em curto prazo, como, aliás, já vem ocorrendo com leis de
grande força repressiva, mesmo no Brasil (como por exemplo, no caso da Lei do Regime
Disciplinar Diferenciado) poderemos tomar posições mais visíveis sobre esta questão,
principalmente pela força de convicção argumentativa da pobreza (da qual todos “seriam”
culpados” e pelo intenso avanço das “guerras de terror” ou terrorismo de Estado e o
terrorismo dos sublevados.
1375
Ibid., p. 672-682.
1376
Ver Capítulo VI, item 4,desta Tese.
869
9.4. Teses Avulsas:
Complementarmente às temas centrais, foram apresentadas várias teses avulsas
obedecendo as questões temáticas, assim distribuídas:
Tema
Relator
1) Acesso à Magistratura Mauro Lopes Teixeira
2) Democratização do Poder Judiciário Comissão da OAB/RS
3) O Judiciário e o Povo Aloísio Surgik
4) O Supremo Tribunal Federal e a Futura
Constituição
Joaquim Correia de Carvalho Júnior
5) Advocacia, Poder Constitucional Carlos Adauto Vieira
6) Crise na Família Paulo Lins e Silva
Relatores Especiais Miguel Seabra Fagundes, Evandro Lins e
Silva, Roberto A. de Oliveira Santos, Leilah
Borges da Costa, Leila Linhares
Tema Autor
1) Enfoques Sobre a Reforma Agrária Salvador Pompeu de Barbosa Filho
2) Terras Indígenas Salvador Pompeu de Barbosa Filho
Relatores Especiais Romeu Pandilha de Figueiredo, Wagner
Barbeado, Herbert José de Souza
870
Tema Autor
1) A Proteção da Pessoa Humana na Nova
Constituição
Gustavo Tepedino
Relatores Especiais Antônio Evaristo de Moraes Filho, Wagner
Brussolo Pacheco, Ronaldo Augusto
Machado
Como se verifica, estas teses avulsas não se desenvolveram numa linha
autônoma, mas reforçaram a temática geral das Conferências, fortalecendo suas linhas de
conclusão e reforçando, principalmente, o tema da democratização do Poder Judiciário. No
conjunto das palestras, não propriamente, se identifica conceitualmente, “democratização”
do Poder Judiciário, mas, em muitos momentos se constata discussões sobre as suas
variáveis indicativas, que mais apontam para a ampliação de seus canais de absorção de
demandas do que para sua “democratização” no sentido originário da palavra, a menos que,
para efeitos de discussão avaliativa, se entenda democratização como ampliação dos inputs
(demandas) originários de populações de baixa renda, o que não impediria, também, de se
usar o mesmo conceito para a ampliação dos canais de demandas complexas.
1377
Pelo menos 1 (uma) tese trabalhou mais amplamente o conceito de acesso ao
Judiciário, como já observamos, vinculadas à questão da insuficiência de recursos. Todavia,
a questão de acesso ao Judiciário, não necessariamente se confunde com a questão da
democratização, mesmo porque relacionar democratização do judiciário com ampliação do
volume de entrada de demandas, não necessariamente significa acesso à justiça ou à
1377
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. ed. cit., onde a exata
orientação é demonstrar que na ausência de alterações estruturais profundas e, o apenas, organizativas e
processuais, ampliar o direito e acesso ao Judiciário significaria constrangê-lo ainda mais no seu
funcionamento. A própria Constituição de 1988 tomou providencias estruturais significativas como a criação
do Superior Tribunal de Justiça – STJ e o realocamento de suas compendias hierárquicas, assim como foi
extremamente providencial a criação, em tempo imediato, dos Juizados Especiais Estaduais (Lei
n°.9099/1995) e Federais (Lei n°. 10259/2001), muito embora, ainda no contexto constitucional, o art. 126
ainda não tenha alcançado o seu exato objetivo democrático: Para diminuir conflitos fundiários, o Tribunal
de Justiça designará juízes de entrância especial, com competências exclusivas para questões agrárias.
Parágrafo Único: Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional, o juiz faz-se presente no local
do litígio.
871
obtenção da decisão judiciária, mas sobrecarga, numa estrutura desgastada e suscetível à
suas próprias dificuldades.
Esta é uma questão importante, mas, no sentido em que se encontre os meios
judiciais necessários para responder à demanda reprimida de classe sociais mais baixas,
exatamente, porque se lhes faltam recursos para retribuição ou mesmo condições de
apresentar documentos de maior fundamentação legal. Esta não era, todavia, a questão da
XI Conferência, o que, no futuro, passou a ser uma questão central das políticas de reforma
do Judiciário, deixando evidente, que, democratização judiciária, mais se relaciona com a
questão da eficiência, da agilidade de procedimentos e da efetividade das decisões do que
propriamente ao volume maior ou menor de demandas ou inputs judiciais.
1378
De qualquer forma, na linha das palestras avulsas aparecem e se desenvolvem
temas sobre ângulos especiais dos direitos humanos, como proteção de terras indígenas,
proteção da família, a proteção, em tese, à pessoa humana e a questão da justiça agrária.
Vale ressaltar, ainda neste contexto, que a grande conquista da Constituição de 1946; a
participação constitucional dos advogados na composição dos tribunais estaduais e dos
tribunais superiores, com o advento da constituição de 1988, se acrescerá como já
demonstramos, se explicitara sobre a “função essencial da advocacia para a prestação
jurisdicional”, resguardando-se sua importância ao mesmo nível do Ministério Público da
Advocacia e Defensoria Pública que, no médio prazo, quando dos debates da Constituição,
se destacarão como um dos principais aspectos corporativos, juntamente com a
competência do Conselho Federal da OAB para propor ações de inconstitucionalidade.
Estas, na verdade, foram as novas e especiais vertentes do ideário corporativo,
ou seja, viabilizar a participação da OAB na composição dos órgãos judiciários de estado e,
ao mesmo tempo, resguardar-lhe o poder para ajuizar ações de defesa da constituição. Estas
vertentes, que serão consagradas pela Constituição (futura), não propriamente, são
indicadoras de uma nova ideologia do advogado, mas ampliam o compromisso de seu
ideário com a funcionalidade (democrática) do estado.
1378
BASTOS, Aurélio Wander. Judicial, op. cit.
872
Este possivelmente representa um aspecto central desta Tese, demonstrando,
que, se no passado, impedir ou limitar os servidores judiciários ou administrativos de
advogar significava democratizar (esvaziar) a natureza patrimonial e nepotista do velho
estado brasileiro, ampliar, como procurou a Constituição de 1988, dando segmento a 1946,
a participação do advogado na composição dos Tribunais, funcionalmente observando a
experiência de pedir e recorrer, significa democratizar o processo decisório evitando que
prospere absolutamente nas instancias superiores, o caráter monocrático de reconhecimento
do Direito. É verdade, que esta consciência não está, ainda, visível nos plenários das
seccionais ou do próprio Conselho Federal, e, que, os próprios tribunais tem resistido ao
papel da advocacia com “função essencial de justiça”, mas o tempo demonstrará que estas
novas aberturas subsidiarão, como têm subsidiado, no direito civil constitucional, e no
próprio processo constitucional, uma nova hermenêutica intensa à velha dogmática.
A história da advocacia, na verdade, é a história da luta para se evitar que
funcionários do Estado, em qualquer circunstância, exerçam funções de advocacia privada
ou enquanto profissionais liberais militantes imiscuam-se ou exerçam funções ou cargos de
estado. As modernas tendências da advocacia, todavia, têm demonstrado, que a corporação
isto sim, a OAB, tem procurado resguardar espaços (cargos) no estado, enquanto Poder
Judiciário, como em tantas estruturas judiciárias do mundo, que devem ser preenchidos por
advogados, que, no exercício de função (pública de Juiz) não o exercem como advogados,
mas como servidores do estado, comprometidos na composição entre a decisão que
acompanha a ortodoxia da ordem e “saber de experiência” fato que evoluiu do quotidiano
dos conflitos humanos.
Outros tantos temas novos permearam os debates, da XI Conferência que
contou com a especial participação de sociólogos e cientistas políticos, que vieram a influir
através da OAB na formatação da nova futura Constituição onde se destaca a palestra de
Hélio Pereira Bicudo, sobre Princípios Fundamentais em Matéria dos Direitos e Garantias
do Ser Humano; a palestra de José Gomes da Silva sobre Princípios Constitucionais
Básicos da Reforma Agrária de e Rubens Approbato Machado sobre Direito à Moradia,
Modalidades e Instrumentos de Sua Concretização, sendo importante lembrar o texto
coletivo da OAB.RJ denominado Democratização do Poder Judiciário. Deste texto
podemos destacar as seguintes observações:
873
“ Os trabalhos da Comissão se orientaram na busca dos seguintes ideais básicos:
Preservar o monopólio da jurisdição ao Poder Judiciário.
a) Garantir a independência do Poder Judiciário e de seus órgãos.
b) Ampliar o acesso da prestação jurisdicional, não só às pessoas que dela
necessitem, como também às organizações espontâneas da sociedade.
c) Tornar o Poder Judiciário e seus serviços dinâmicos e eficientes.
d) Descentralizar e democratizar o Poder Judiciário.”
Dentre os princípios gerais destacados na Tese podemos salientar o item 1.3
“A prestação jurisdicional será assegurada em todos os graus, com os recursos a ela
inerentes, sem qualquer pagamento de custas ou despesas no curso do processo,
admitindo-se, em razão da sentença passada em julgado, a responsabilidade do vencido
até o limite de 10% de sues rendimentos durante um ano.”
E ainda o item 1.4. abordando a assistência judiciária gratuita, como se lê:
“Será concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei, devendo o
Estado também remunerar os advogados e peritos que, não pertencentes ao serviço
organizado, atuem por nomeação judicial”.
De qualquer forma, em todo este contexto discursivo, vale, especialmente,
ressaltar, que, esta foi uma Conferência, essencialmente, política, que, mais se exprimia nos
seus debates como o anseio constituinte do povo saturado com a ilegitimidade do poder
autoritário do que como uma conferência indicativa dos novos ideais da advocacia. Estes
novos ideais restringiram-se à definição dos novos limites ou espaços constitucionais da
OAB e do advogado na sua imprescindibilidade para o funcionamento da prestação
jurisdicional. Não há propriamente, indicativo de um novo escopo ideológico da advocacia,
pois a Conferência mais se inclinando pelo economicismo classista da Carta de Recife, ou
mesmo pelas pálidas colocações das mesmas propostas da Carta de Belém, não rompeu
com o liberalismo ideológico do ideário profissional, não conseguindo, exatamente
influenciado por um socialismo moderado e os velhos jargões do exercício profissional
liberal Constituição de 1988, menos radical que a proposta de Belém e mais comprometida
com a dimensão humanista do liberalismo institucional.
Ao contrário, o que se verifica é que a Conferência, como fórum de debates,
não fez da crítica influenciada pelo pensamento de esquerda a sua crítica ao ideário
profissional remanescente de 1933/63, lastreado na ideologia liberal democrática,
desacreditada pelo autoritarismo e pelo Estado de Segurança Nacional. Muito ao contrario,
as dificuldades de sintonização entre as linhas conclusivas de um socialismo moderado e o
ideário liberal-democrático favorecerá o avanço de uma nova ideologia jurídica
874
comprometida com os novos espaços protetivos dos direitos humanos, dos direitos civis e
suas garantias processuais e, como já observamos, com a redefinição do papel da OAB na
proposição de ações de inconstitucionalidade e sua acomodação corporativa no interior do
Judiciário, bem como na defesa de suas funções jurisdicionais expressivas.
Assim, o temário da XI Conferência, não descabe observar, no seu conjunto,
as diferentes palestras entre si organizadas, são um compêndio constitucional, um projeto
discursivo sobre o que deveria ser uma Constituição, em alguns aspectos direta e
incisivamente, em outros explicita e abertamente, mas não são um (ante) projeto de
Constituição. Por outro lado, as propostas finais constituintes de uma Constituição
concluída na XI Conferência é uma proposta, que, está próxima das expectativas e
interesses das frações dominadas da sociedade civil, da “imprescindível”, para usar a
linguagem futura de Florestan Fernandes, ruptura com as matrizes econômicas atávicas, da
sociedade brasileira, mas ainda não era um projeto assimilável pelo ideário profissional dos
advogados.
A XII Conferência, presidida por Marcio Thomaz Bastos, consentâneo com o
período de promulgação da Constituição de 1988, demonstrará, que, os efeitos políticos da
XI Conferência, foram politicamente extensivos pelo seu temário, e pelo volume de suas
proposições, e acirradas críticas à Constituição promulgada a 5 de outubro de 1988, mas
demonstrará, também, que as constituintes optaram por alternativas mais sintonizadas com
as novas dimensões da ideologia jurídica social-humanista desenvolvida nos anos de luta
contra o autoritarismo que procuraram ir alem dos limites do liberalismo clássico, do que,
propriamente, salvo as exceções indicadas, com o ideologismo das Cartas das últimas
conferências constituintes.
10 – A Carta de Belém
A Declaração de Belém foi lida obedecendo ao seguinte teor:
875
Os advogados brasileiros, reunidos na XI CONFERÊNCIA, sob o tema
CONSTITUIÇÃO", dirigem-se à Nação para renovar, ainda uma vez, seus solenes
compromissos históricos dirigidos a uma genuína e radical democratização da
sociedade brasileira. Como já afirmaram em 1984, na Carta do Recife, a plena
democratização, para além dos limites do liberalismo clássico, se traduz pelo processo
amplo e contínuo de crescente participação de todos os homens em todos os bens da
vida: no plano político, pelo controle do poder, na sua origem e no seu exercício; no
plano econômico e social, pelo acesso de todos aos frutos do trabalho e por condições
de convívio alicerçadas na liberdade e na justiça. A projeção dessa postura, no futuro
plano constitucional, requer a explicitação na nova Carta de um conjunto de exigências
que atendam ao mesmo tempo aos sentimentos cívicos e às aspirações da consciência
nacional. Sustentam os advogados que a proposta de uma Constituição sintética conflita
com as imposições históricas desta hora. O comando constitucional é fator decisivo
para romper o entorpecimento de uma legislação superada pelos fatos e que se constitui
em obstáculo a ser vencido de pronto para a realização de transformações sociais
urgentemente reclamadas. A preferência legislativa pela técnica dos chamados
princípios programáticos, tradicionalmente retóricos e inócuos, se deve substituir pela
inserção de textos de eficácia vinculativa e autoaplicáveis por via da
inconstitucionalidade por omissão declarada pelo Tribunal Constitucional. Tal diretriz
torna-se particularmente relevante no que respeita à regulação da ordem econômica e
social e à enunciação do elenco dos direitos da pessoa humana. Quanto a estes,
considerados tanto em perspectiva individual como social, além do reconhecimento de
novos direitos emergentes, impõe-se a consagração constitucional de institutos e
instrumentos para sua efetiva concretização e para a plenitude da igualdade real
almejada. Postula-se empenho na eliminação de todas as formas práticas de
discriminação entre brasileiros, com destaque para os direitos da mulher e opção em
favor de todos os segmentos desfavorecidos, através da remoção dos obstáculos
econômicos, sociais e culturais que criam e reproduzem as desigualdades. A função
social da propriedade se deverá assegurar tanto pela prevalência do trabalho sobre o
capital, como pela coexistência de uma pluralidade de regimes de apropriação dos bens
de uso dos meios de produção. No que tange às macroempresas privadas, o regramento
constitucional haverá de estabelecer a distinção entre a posição jurídica de
empresários, investidores e trabalhadores, bem como o poder de controle não fundado
na propriedade do capital, mas exercido pelos empresários com o consentimento de
investidores e trabalhadores e ainda a participação eqüitativa de investidores e
trabalhadores na gestão e repartição dos lucros. Como direitos sociais e econômicos
reivindica-se: estabilidade de emprego compatibilizada com o sistema do Fundo de
Garantia; autonomia e liberdade de organização sindical; livre exercício do direito de
greve, extensivo aos servidores públicos; disciplina de uma política salarial apta a
proporcionar ao trabalhador justa remuneração; salário-mínimo capaz de atender a
alimentação, moradia, educação e lazer do trabalhador e sua família; alargamento do
seguro-desemprego, abonando-se aos beneficiários prestações mínimas indispensáveis à
sobrevivência digna; efetiva integração dos trabalhadores na empresa e na atividade
econômica do País com participação nos órgãos de representação interna, nos
conselhos deliberativos, nos colegiados governamentais e na direção e fiscalização das
entidades respectivas. A Reforma Agrária se há de encaminhar a curto prazo,
atribuindo-se a terra a quem nela deseja trabalhar, garantindo-se as posses legitimas e
o respeito aos direitos dos trabalhadores rurais. De outra parte, denuncia-se a
existência de grandes áreas rurais ilegalmente adquiridas pela conhecida fraude da
grilagem. A exploração da terra, estruturada em sistema fundiário marcado pela
iniqüidade e pelo atraso, apresenta dramáticas dimensões éticas e sociais que
ultrapassam os seus aspectos estritamente econômicos. O direito à vida é o bem
primeiro, anterior e superior ao direito de propriedade. Este há de ser promovido não
através da concentração crescente, mas por sua ampla disseminação, sob várias
876
modalidades, como veículo por excelência de incrementos de produção socialmente
justos. É preciso prover formação drásticas de punição para a propriedade de terras
ociosas e daquelas que, embora aproveitadas, por sua desmesurada extensão, tornam
imperativo o direito de propriedade a milhões de brasileiros e dificultam o próprio
desenvolvimento do País. A democratização do espaço urbano passa, necessariamente,
por planejamento municipal ou intermunicipal que garanta a saúde, a cultura, o lazer e
o transporte das comunidades locais, além do direito de morar a toda a população,
especialmente a mais pobre. A propriedade privada que vier a impedir,
injustificadamente, esses fatores mínimos de integração social, nega sua função e deve
ser expropriada sem indenização. Prega-se a universalização do ensino público gratuito
em todos os graus, como direito básico da comunidade. A organização política do País
reclama a imperiosa e urgente tarefa de descentralização e desconcentração do poder.
A primeira se alcançará com a revigoração do Federalismo, fortalecimento dos Estados
e Municípios, viabilizando-se a compatibilização das autonomias locais com as
necessidades do planejamento nacional. A desconcentração, no que respeita às relações
entre os poderes do Estado, pressupõe mecanismos institucionais criativos que, sem
prejuízo da eficácia e da agilidade das políticas governamentais, estabeleça formas
significativas de controle e participação dos órgãos de representação parlamentar,
capazes de contrastar adequadamente a histórica hipertrofia do Poder Executivo.
Paralelamente, modalidades distintas de participação da comunidade no processo
decisório deverão ser estimuladas e desenvolvidas. A realização da Justiça é dever do
Estado. O acesso ao Poder Judiciário é direito de todos os brasileiros e indica-se a
abolição total das custas judiciais. Recomenda-se a inserção do advogado no texto
constitucional como integrante da administração da Justiça. É sugerida a criação de
um Tribunal Constitucional composto por juízes eleitos com mandato certo, aos quais
competirá a missão de zelar pelo respeito à Constituição, quer através de recursos
extraordinários que versem matéria constitucional, quer através de ações diretas de
inconstitucionalidade, ou ainda de decisões que ponham cobro às denominadas
inconstitucionalidades por omissão. Não se concebe possa persistir o atual e artificial
sistema que subordina a admissão dos recursos extraordinários ao julgamento da
chamada relevância da questão federal. Finalmente, e em conclusão, renova-se ao povo
brasileiro a denúncia da contrafação votada pelas lideranças políticas majoritárias, ao
usurpar os poderes originários de uma Assembléia Nacional Constituinte autêntica,
exclusiva, livre, representativa e incontaminada, para outorgá-los ilegitimamente ao
próximo Congresso a ser eleito, juntamente com os Governos dos Estados, sob a
inspiração do clientelismo e dos paroquialismos regionais e já condicionado pela
vigente estrutura de poder. Enfim os advogados, malgrado todas as investidas dos
interesses poderosos comprometidos com a atual ordem de privilégios, que o povo
brasileiro saberá encontrar reservas de discernimento e sabedoria para firmar, no novo
texto constitucional, os anseios, aspirações e esperanças dos despossuídos, como
condição e objetivo de uma nova ordem social libertada de toda a sorte de
exclusivismos e de todas as formas de opressão. HERMANN ASSIS BAETA. Presidente
da OAB. Belém, 08 de agosto de 1986.
1379
Ressalte-se que, neste período, com o firme objetivo de se alcançarem os
resultados genericamente sintetizados nesta Carta, a fim de acompanhar de perto o processo
de convocação e os subseqüentes trabalhos da Assembléia Constituinte, o presidente da
OAB, Hermann Baeta, se empenhou para transferir a sede do Conselho Federal para
1379
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, Pará, de 4 a 8 de agosto
de 1986, p. 17-20.
877
Brasília. Foi, por conseguinte, montado em Brasília um escritório que desempenhou, em
etapas preliminares, a função exclusiva de acompanhamento dos Trabalhos da Assembléia.
A sede da Ordem, todavia, foi transferida, em 15 de setembro de 1986 funcionando
inicialmente em sede da seccional OAB do Distrito Federal. Cumprindo-se, assim, a Lei nº.
4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da OAB) dispõe no art. 3º O Conselho Federal, com
sede na Capital da República, é o órgão supremo da Ordem dos Advogados do Brasil (arts.
13 e 18), colocando a questão a uma distancia de 26 anos .
Não há como desconhecer a relevância e a importância ideológica desta Carta
de Belém, procurando diagnosticar os futuros parâmetros de uma nova Constituição. Os
seus pressupostos, todavia, a radicalização lúcida de seu projeto, não correspondiam,
exatamente, aos propósitos, objetivos e expectativas do Congresso Constituinte eleito num
pacto de coalizões, na forma da Emenda n°. 25/85 e da legislação autoritária remanescente,
redefinindo espaços de reconhecimento de velhas e tradicionais frações de poder e de
frações políticas emergentes, muitas fortalecidas com a anistia de 1979 e com a anistia
constituinte de 1985 (Emenda n°. 26/86), outras com o fortalecimento de novos
movimentos sindicais e tantos mais ligadas aos movimentos de direitos civis
emergentes.
1380
A Carta de Belém, finalmente, foi um repertório de sugestões políticas que
poderia ter eleitas, e tiveram em algumas situações constitucionais, que, genericamente,
exprimem as tendências dos relatórios de comissões e das conferências temáticas, muito
embora numa posição ideológica muito incisiva e, visivelmente radical. No seu conjunto, a
Carta de Belém, tem observações que traduzem a firmeza política com que o Conselho
Federal da OAB enfrentaria a questão da hipertrofia do Poder Executivo que fragilizou o
federalismo brasileiro, despersonalização do Poder Legislativo, que esvaziou a capaciadade
coercitiva do processo legislativo, e submeteu o Poder Judiciário, cerceando a autonomia e
independência dos juízes. Por outro lado, a Carta enfrentou o desrespeito aos direitos
humanos e foi ostensiva na defesa das garantias do trabalhador, assim como, foi de extrema
coragem, nas suas críticas às políticas dominantes sobre a propriedade agrária, a iniqüidade
1380
Ver neste mesmo Capítulo, paginas imediatamente anteriores a formação de movimentos da sociedade
civil que sucederam à tradicionais organizações civis, expandindo demandas para os grupos de direitos civis
em geral, mulheres, negros, índios, deficientes físicos, etc.
878
no tratamento do trabalhador rural. Não há como desconhecer a absoluta ousadia da Carta
de Belém em relação aos documentos anteriores, muito deles usaram linguagem firmes e
fortes, mas, esta é a própria proposta de criação de uma nova ordem jurídica construída
sobre o trabalho, vendo no capital, apenas, um efeito deletério de exploração acumulativa.
Por outro lado, esta Carta de Belém tem disposições de natureza programáticas
como o direito de acesso ao Judiciário, como direito de todos, e a necessidade de se criar
um Tribunal Constitucional composto por juizes eleitos, uma especialíssima inovação, bem
como fala da necessidade de se criar o instituto da “inconstitucionalidade por omissão”,
para se alcançar a auto-aplicação do processo constitucional,
1381
assim como discorre sobre
a importância do advogado para a administração da justiça e a revogação das leis
autoritárias que constrangem as mudanças e transformações sociais, inclusive, esta mesma
Carta, expressa, programaticamente, a necessidade de se eliminar qualquer tipo de
discriminação em todas as suas formas de manifestação para vencer as desigualdades
através da remoção dos obstáculos econômicos e sociais.
A Carta de Belém, mais do que todas as anteriores, assumiu, explicitamente, a
proposta da imprescindível transformação social, além das reformas políticas e
institucionais de natureza jurídica. Esta, na verdade, foi a sua especificidade, indicar a
imprescindibilidade das reformas sociais como pressuposto para se resguardar as
rearrumações jurídicas e políticas da superestrutura. Estas medidas é que permitiram ao
país continuar no caminho na democracia social, incentivar a reforma agrária e a reforma
urbana, propósitos que, ainda hoje, continuam na pauta política do país.
Não há como desconhecer, de qualquer forma, que a Carta de Belém ficara
como programa constituinte da OAB para o país, visivelmente marcado por uma proposta
de ruptura com o passado histórico comprometido com práticas e políticas de opressão
1381
As propostas de criação de Tribunal Constitucional remontam aos anos 1920 (13 de julho de 1921),
quando frutificou na constituição austríaca com a experiência particular de Karl Renner, jurista-sociólogo que
escreveu O direito e a ascensão capitalista, e foi o primeiro-ministro da Áustria, e de Hans Kelsen. BASTOS,
Aurélio Wander. Hans Kelsen (1881 – 1973) 2. ed. Tradução e adaptação, Rio de Janeiro: PqJuris, 2005
estudamos a criação e implantação deste tipo de Tribunal, que foi um insucesso institucional na Áustria, mas,
se demonstrou imprescindível à sobrevivência dos estados democráticos. No que se refere à “ação de
inconstitucionalidade por omissão” o texto de 1988 a reconheceu como procedimento (medida) processual
constitucional “para tornar efetiva norma constitucional” podendo ser proposta (alem dos demais legitimados)
pelo Procurador Geral da República e pelo Conselho Federal da OAB. Ouvido o Supremo Tribunal Federal e
o Advogado da União o poder competente deverá dar eficácia à decisão (ver art. 103, incs e §§), o que tem se
transformado na questão de sua efetividade.
879
econômica. Nesta mesma linha, é muito importante destacar que aquela Carta marcara-se
pela opção contra as práticas discriminatórias e os segmentos desfavorecidos, procurando
remover os obstáculos econômicos, sociais e culturais que reproduzem a desigualdade e a
opressão econômica, mas ao mesmo tempo, colocou em aberto o papel de uma organização
corporativa de profissionais cumprir este papel. Para chegar a estes resultados, ao mesmo
tempo, deveria desenvolver mecanismos internos, que, sem descumprir seus mecanismos
disciplinares, dificilmente suportaria a realização do papel de transformação social, alem do
quotidiano da defesa dos exclusivos interesses de partes.
Por outro lado, a Carta criticou os modelos que privilegiam o capital em
detrimento do trabalho como os mecanismos exclusivistas de apropriação das riquezas,
numa visível opção contra os modelos capitalistas de organização econômica, explicitando,
claramente que as práticas de proteção do capital não podem expropriar o trabalho. Fica
desta forma, explícito que os redatores da Carta, senão todos que a aprovaram, estavam
buscando implementar políticas de ruptura com a ordem econômica tradicional,
comprometida com o capital e discriminação do trabalho, cerceando a exata retribuição de
sua potencialidade construtiva e transformadora e, por isto mesmo, ficava implícito que a
advocacia, como realização do liberalismo clássico, estaria em manifesta crise que exigiria
um novo estatuto que redimensionasse o seu papel profissional.
No contexto de todas as Cartas a de Belém prenunciou que a luta pela
democracia e pelo Estado de Direito deveria continuar como luta por uma igualdade social
mais ampla, onde o reconhecimento do trabalho deveria prevalecer sobre o capital e as
políticas de eliminação das desigualdades e das discriminações se sobrepusessem às
políticas exclusivistas dos titulares do poder e dos bens de produção. Os debates
constituintes de 1987/88 não caminharam, exatamente, neste sentido, mas não há como
desconhecer, que, do conjunto destas propostas, muitas foram absorvidas e acomodadas no
texto constitucional, outras tantas, não alcançaram a radicalidade do projeto, assim como o
novo Estatuto de 1994, como veremos, não evoluiu, apesar de suas grandes conquistas
nesta linha de radicalidade.
A XII Conferência realizada em Porto Alegre, concomitantemente com a
promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988,
880
como já observamos, não cedeu aos limites da ideologia jurídica pluralista e aberta da
constituição, mas evoluiu, procurando construir, a partir da democracia constitucional de
1988, uma democracia social sem romper com a ordem formal. As conferências que
sucederam a 1988 flutuaram entre estes objetivos, mas os titulares do poder, que sucederam
à sua promulgação, serviram-se da ordem formal de 1988, não propriamente para alcançar
os objetivos que levassem a programa mais profundos de transformação social, mas para
reordenar a Constituição nos limites e padrões da ascendente ordem global neoliberal, que,
vertiginosamente, sucedia à marca simbólica da queda do Muro de Berlim, um ano após à
promulgação da Constituinte em novembro de 1989.
Segundo a “Declaração de Belém”, malgrado todas as investidas dos interesses
poderosos comprometidos com a ordem existente de privilégios, a Ordem dos Advogados
do Brasil, defendeu os interesses do povo e da sociedade e procurou transportar para o novo
texto constitucional os anseios, aspirações e esperanças dos despossuídos, como condição
e objetivo de uma nova ordem social, libertada de toda a sorte de exclusivismos e de todas
as formas de opressão. Estes efeitos, todavia, não foram absolutamente alcançados, assim
como a nova ideologia jurídica, mais prosperou a partir dos pontos de equilíbrio e
composição da nova ordem constitucional, e, o neoliberalismo global ascendente. A XII
Conferência foi uma reação à nova Constituição quando não era ele ainda uma
Constituição.
Finalmente, a nova Constituição não evoluiu numa proposta de ruptura, mas de
acomodação entre as suas conquistas e as pressões contra o modelo de concessões de
serviço público, principalmente definidos no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da
Atividade Econômica), incluído no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira
(especialmente os arts. 171 e, ainda, 21 e incs.. 37)
1382
suas aberturas para a proteção dos
novos direitos civis e interesses sociais e coletivos, assim como a sua forte tendência para a
proteção dos direitos humanos, na forma dos direitos e garantias individuais, consagrados
na ordem política democrática, o Estado Democrático de Direito, apoiado no pluralismo
político, na dignidade da pessoa humana e nos valores do trabalho e da livre iniciativa.
1382
BASTOS, Aurélio Wander. Política Brasileira de Serviços Públicos, in Revista Magister, n°.2, Porto
Alegre, RS, 2005, p.
881
11 Ata de Encerramento
1383
A Ata da Sessão de Encerramento da XI Conferência Nacional Da Ordem dos
Advogados do Brasil, foi redigida nos seguintes termos:
Aos oito dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e oitenta e seis, no auditório
do Centro Turístico e Cultural Tancredo Neves (de Belém-Pará), às 20:00 horas,
ocorreu o solene encerramento dos trabalhos da XI CONFERÊNCIA NACIONAL DA
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, sob a Presidência do Dr. HERMANN ASSIS
BAETA, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A Mesa
foi composta pelas seguintes autoridades: Dr. Beinusz Szmukler, Presidente da
Associação Americana de Juristas; Luiz Roberto Coelho de Souza Meira. Secretário de
Justiça do Pará; Dr. Ophir Filgueiras Cavalcanti, Presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil do Estado do Pará; Dr. Arthur Lavigne, Secretário-Geral do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. – Em seguida, solicitou aos presentes que,
de pé, observassem um minuto de silêncio em memória de Da. Lyda Monteiro da Silva. –
Após, concedeu a palavra ao Dr. Beinusz Szmukler, que leu seu discurso e no final foi
estusiasticamente aplaudido pela assistência. A seguir, o Presidente Hermann Assis
Baeta agradeceu, inicialmente, as palavras de estímulo proferidas pelo Dr. Szmukler,
Presidente da Associação Americana de Juristas, aos advogados brasileiros,
ressaltando S. Exa. “que a Ordem dos Advogados do Brasil está aberta para o inteiro
diálogo fraternal e construtivo com todos os advogados da América Latina e do
mundo”. Continuando, o Presidente Hermann Baeta agradeceu aos integrantes da
Comissão Organizadora (...) [os] Drs. Arthur Lavigne (Presidente), Ophir Filgueiras
Cavalcante (Coordenador Local), Luiz Carlos Valle Nogueira, Paulo de Tarso Dias
Klatau, Sérgio Ferraz e José Júlio Cavalcante de Carvalho. Aos integrantes da
Comissão de Temário, [foi constituída por] Drs. Arthur Lavigne, Márcio Thomaz
Bastos, José Lamartine Corrêa de Oliveira, Marcelo Lavenère Machado e Leônidas
Rangel Xausa. Agradeceu a acolhida e o estímulo dados pelos Drs. Jarbas Barbalho,
Governador do Estado do Pará; Laércio Franco, Vice-Governador do Estado do Pará;
Fernando Coutinho Jorge, Prefeito de Belém; Jair Bernardino, (...). Agradeceu, ainda,
a todos os Conselheiros Federais e, em especial, aos Membros Natos que prestigiaram a
Conferência, Drs. Miguel Seabra Fagundes, Alberto Barreto de Melo, Laudo de
Almeida Camargo, José Cavalcanti Neves e Mário Sérgio Duarte Garcia. Registrou,
também, seus agradecimentos aos Presidentes das Seccionais do Acre, Dr. Adherbal
Maximiano Caetano Corrêa; Dr. Mário Jorge Uchoa Souza, de Alagoas; Dr.
Aristófanes Bezerra de Castro Filho, do Amazonas; Pedro Milton de Brito, da Bahia;
Dr. Sílvio Braz Peixoto da Silva, do Ceará; Dr. Amaury Serralvo, Vice-Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, representando o Presidente
Maurício Corrêa; Dr. Pedro Afonso Lima, Vice-Presidente representando o Presidente
da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Carlos Maurício Martins
Rodrigues; Dr. Agesandro da Costa Pereira, do Espírito Santo; Dr. Olavo Berquó, de
Goiás; Dr. Carlos Ribeiro Nina, do Maranhão; Dr. Benedito Flaviano de Souza, do
Mato Grosso; Dr. Hélvio Freitas Pissurno, do Mato Grosso do Sul; Dr. Sidney Safe
Silveira, de Minas Gerais; Ophir Filgueiras Cavalcante, o anfitrião. Dr. Geraldo
Beltran, Vice-Presidente, representando o presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil da Paraíba, Dr. Vital Rêgo; Dr. Antônio Alves do Prado Filho, do Paraná, Paulo
Marcelo Wanderley, de Pernambuco; Deusdedit Souza, do Piauí, Armando Roberto
Holanda Leite, do Rio Grande do Norte; e também o Vice-Presidente José Ribamar de
Aguiar, do Rio Grande do Norte; Luiz Carlos Lopes Madeira, do Rio Grande do Sul;
1383
Anais da XI Conferência, p. 912-914.
882
Heitor Magalhães Lopes, de Rondônia; Genir José Destro, de Santa Catarina; José
Eduardo Loureiro, de São Paulo; Carlos Roberto Menezes, de Sergipe; Hesmone
Saraiva Grangeiro, de Roraima. – Agradeceu, outrossim, aos funcionários do Conselho
Seccional do Pará e aos funcionários do Conselho Federal, que não mediram esforços
para que o trabalho da Conferência fosse útil em função da plenitude e do êxito dos
trabalhos. – E registrou, de forma especialíssima, um agradecimento ao Presidente
anfitrião, o Dr. Ophir Filgueiras e sua esposa Dra. Célia. – Findos os agradecimentos,
passou a ler a CARTA DE BELÉM, fruto das resoluções e conclusões aprovadas, na
maioria, por unanimidade, e que ficam fazendo parte destes Anais. Ao término, deu por
encerrada a XI CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL, solicitando aos presentes que firmassem a Carta de Belém. Do que, para
constar, eu, ARTHUR LAVIGNE, Secretário-Geral, mandei lavrar esta ata, que
subscrevo, em companhia do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil. Arthur Lavigne. Secretário-Geral. Hermann Assis Baeta. Presidente.
Conclusão
Este Capítulo, essencialmente se concentrou em duas linhas de descrição e
análise: a posição do Conselho Federal da OAB sobre o movimento das “diretas” para
Presidente da República e o movimento, e as suas consecutivas propostas, sobre a
Assembléia Nacional Constituinte. A primeira linha não evoluiu de posição do Conselho
Federal da OAB, traduzindo as dificuldades internas para sintonizar, um projeto
essencialmente político-partidário, com seus propósitos estatutários e as suas precedentes
decisões sobre a imprescindível convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte,
livre e soberana. A segunda linha, por conseguinte, do Capítulo estudou exatamente as
diferenças, não apenas formais, entre o projeto Constituinte da OAB e o projeto do poder
instituído, mas, também, as grandes diferenças de conteúdo propositivo, especialmente no
que se refere à estrutura da propriedade.
As grandes dificuldades para se implementar iniciativas internas para a
mobilização nacional de um movimento pela Emenda Convocatória de eleições diretas para
Presidente da República tiveram resistências corporativas localizadas, inicialmente
fundamentadas não próprio Estatuto de 63 que proibia mobilizações de caráter político
partidário, e posteriormente em linhas propositivas dos seminários e conclusões das
conferências. Ocorre, que, para os áulicos do Conselho, ao contrario, as iniciativas para a
elaboração de um projeto Constituinte estavam nos limites, não apenas de seu ideário
883
estatutário, mas inseria-se nas próprias competências do Conselho Federal: (defender a
ordem jurídica e) contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas.
A Tese discutiu amplamente estas ambas hipóteses que resultaram num tímido
envolvimento da corporação no “movimento das Diretas para Presidente”, apesar de
adesões de conselheiros e personalidades expressivas da OAB. A derrota da Emenda Dante
de Oliveira na madrugada de 25 de abril de 1984 resultou, também, na tácita aceitação da
eleição presidencial pelo Colégio Eleitoral (que assumiu, no legitimismo da sua historia o
papel de convocar uma Constituinte por composição), mas, por outro lado, não impediu que
a OAB avançasse, na forma de Seminários e Conferências, em progressivos movimentos
sobre uma nova proposta de Constituição, que emanaria de uma Assembléia Nacional
Constituinte livre e soberana, que construiria uma nova ordem que rompesse com os velhos
pactos do passado.
De qualquer forma, apesar do reconhecimento unânime sobre os poderes
constituintes, como forma possível de se reconstruir a ordem jurídica, e a funcionalidade
democrática, não estavam os advogados convencidos, conceitualmente, da titularidade do
poder convocatório do Presidente a ser eleito pelo Colégio Eleitoral, o que provocou a
radicalização de suas propostas conclusivas. Esta postura transformou o plenário das
comissões constituintes em cenário para o avanço das propostas comprometidas com as
mudanças estruturais, na expectativa de se construir uma Constituição engajada e
comprometida com as reformas de base, o que aprofundou as próprias contradições da
OAB, e contribuiu para redimensionar as aberturas de uma nova ordem.
O movimento tático, em si, mesmo que não fosse um projeto racional e
consciente, não era de todo impossível, até porque, como já demonstramos, nos albores da
revolução francesa, foi a radicalização dos deputados populares (Terceiro Estado) que
permitiu a auto-instalação de uma Assembléia Constituinte que fugisse dos limites
governamentais impostos pelo Monarca que comandava os Estados Gerais, uma espécie de
parlamento controlado (minoria) constituído pelo clero e pela nobreza. Este quadro de
semelhanças (teóricas) nos permitiu, principalmente, considerando que a Carta conclusiva
de Belém, na XI Conferência, avançasse significativamente à esquerda, e que, no quadro do
Índice Geral, pudéssemos incluir um item sobre o Conceito de Assembléia Constituinte,
com aberturas sobre a questão do poder instituído e a edição de convocatória constituinte,
884
de tal forma que as posições futuras adotadas pela OAB ficassem lídimas e reconhecíveis,
assim como a compreensão da Emenda aprovada pelo Congresso, multilada nos anos
anteriores pelos tantos atos institucionais e pelas emendas constitucionais aprovadas num
quadro de ilegitimidade política.
Neste sentido, e de qualquer forma, este Capítulo, sumulando as tendências da
X e da XI Conferências, a primeira, preocupada com a “democratização”, contribuiu
decisivamente para se retomar a discussão sobre a legitimidade como pressuposto da
legalidade, que deveria ser restaurada, na forma do Estado de Direito, e a segunda, com a
Constituição, contribuiu para se fazer da Assembléia Constituinte, não apenas um fórum
constitucional, mas também, um movimento tático para evitar que as forças matriciais que
historicamente impuseram as estruturas institucionais não tivessem a força suficiente para
resguardar a sua própria historia. Na verdade a convocação constituinte favoreceu os pactos
de compromisso ou a transição pactuada e, mesmo, nos momentos críticos da transição, o
poder instituído não perdeu o controle de seu processo, apesar de que efetivamente os
resultados constitucionais constituintes, mesmo que mais sensíveis ao anteprojeto
constitucional Afonso Arinos ou os propósitos conclusivos dos Seminários constituintes da
OAB foram essencialmente inovadores, permitindo que a Constituição, nas suas tantas
dimensões, especialmente nos seus dispositivos sobre direitos e garantias fundamentais,
alcançasse fóruns internacionais de reconhecimento.
Finalmente, a Carta de Recife, de 1983, e a Carta de Belém, de 1985,
procuraram exatamente contribuir para a confecção de paradigmas de reorganização da
sociedade e do Estado brasileiro, mas não foram as suas forças suficientes para romper com
a transmissão pactuada, muito embora, tantos de seus projetos penetraram o âmago
estrutural da própria nova futura Constituição. Não alcançaram, todavia, sucesso no projeto
de reformulação profunda da estrutura agrária, principalmente, e urbana, mas o obtiveram,
no que se refere à grande e significativa estatização dos serviços públicos essenciais e das
atividades econômicas prioritárias, o que, naufragou com as reformas que sucederam a
1990/1993.
O quadro temático que presidiu tanto a X Conferência como a VIII
Conferência, demonstram o enorme esforço da OAB para contribuir na modificação das
velhas estruturas e, romper, inclusive, como o próprio clássico modelo dos temários das
885
conferências, incentivando elaboração de novos roteiros constitucionais, sendo, todavia,
que o sucesso organizativo foi grande, mas o sucesso dos efeitos externos são meramente
pontuais. Aliás, neste sentido, a participação do advogado nas estruturas do estado, como
veio a Constituição a consagrar e ampliar, é bastante significativa, mas traduz os propósitos
de se alcançar mudanças a partir da convivência interna com as próprias instituições.
No próximo Capítulo faremos um estudo comparado entre as mais importantes
propostas que estiveram em debate na Assembléia Constituinte e, que, se converteram em
dispositivos constitucionais formais, permitindo, exatamente, diagnosticar a força destas
tendências.
886
Título V
A OAB e o Estado Democrático de Direito
887
CAPÍTULO XII
A OAB E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Introdução
A edição da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985,
provocou sucessivas mobilizações em todo o país para discutir e avaliar temas e projetos
constituintes. Imediatamente, antes, o próprio Presidente da República José Sarney criara a
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, na forma do Decreto nº 91450, de 18 de
julho de 1985, presidido por Afonso Arinos de Melo Franco, assim como a OAB realizara 2
(dois) seminários pró-constituintes, o primeiro em São Paulo, e o segundo em Brasília,
entre os dias 15 e 19 de outubro de 1985. O relatório da Comissão Arinos ficou concluído
em 26 de setembro de 1986,
1384
sendo que, imediatamente, antes, a OAB, entre os dias 4 e 8
de agosto, concluíra, em Belém, a XI Conferência, apresentando um relatório constituinte
conclusivo.
O Relatório de conclusões constituintes da OAB e o Relatório da Comissão
Arinos são os mais importantes documentos brasileiros pré-constituintes, não apenas
porque influíram, em significativos aspectos, na formulação preliminar e,
conseqüentemente, final da nova Constituição do Brasil, como também porque foram
excelentes documentos para se conferir as fronteiras ideológicas entre o esquemático
anteprojeto da OAB, ante o projeto Afonso Arinos e a evolução final dos trabalhos das
Comissões Constituintes da Assembléia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro
de 1987, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, à época, Ministro Moreira Alves,
sendo eleito seu Presidente o deputado paulista Ulysses Guimarães e Relator o deputado
amazonense J. Bernardo Cabral. Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foram
organizados e desenvolvidos em Comissões temáticas, que, posteriormente, evoluíram para
uma Comissão Sistematização presidida por Afonso Arinos de Melo Franco, cujo Relatório
1384
DOU, Séc. I, de 26 de setembro de 1986.
888
Final foi a base referencial do novo texto constitucional, que estudaremos comparadamente
neste Capítulo.
No que se refere, especialmente, à XI Conferência da OAB, as conclusões
aprovadas nas comissões e plenário, nos permitiram desenvolver, neste Capítulo, um estudo
comparado das tendências das principais questões discutidas e concluídas pelos advogados,
muito especialmente com o texto final da futura nova Constituição brasileira e, sempre que
possível, com a finalidade de ressaltar contrastes com o texto da Comissão Arinos. No texto
final, muito embora as sugestões pré-constituintes da XI Conferência Nacional da OAB
restrinjam-se a determinados temas específicos, não houve uma preocupação propositiva
geral, mas está muito visível a influência do pensamento político ideológico dos advogados
dominantes nos seminários e, também, na, anterior X Conferência de Recife, onde
predominou uma profunda preocupação reformista estrutural, o que não foi exatamente
uma tendência constituinte final.
O Congresso Constituinte, como já observamos, não foi convocado na exata
proposta dos últimos encontros dos advogados, uma constituinte exclusiva, infensa aos
acordos políticos remanescentes da abertura pactuada,
1385
mas à sua evolução
constitucional significativamente, incorporou anseios dos advogados, enquanto demandas
políticas resultantes da mobilização geral da população, que, não necessariamente,
exprimiam as clivagens e interesses de partidos e organizações à esquerda. A Constituinte
não traduziu as expectativas, plataformas e projetos conceituais da X e XI Conferências,
optando mais visivelmente pelos aspectos inovadores do Anteprojeto da Comissão Arinos,
muito embora, não se possa desconhecer a grande influência das lideranças e sugestões da
OAB em aspectos essenciais do texto constitucional, como veremos.
Neste Capítulo, por conseguinte, o que pretendemos é comparar os propósitos
constituintes dos advogados, definidos em congressos imediatamente anteriores, com as
tendências finalmente assumidas pela Constituição, já identificáveis na antevéspera de sua
convocação. Não pretendemos abordar a temática constituinte como um todo, mas os
1385
Grande argumento de natureza pratica para se evitar uma nova eleição de deputados ordinários após os
trabalhos constituintes foi a questão dos altíssimos custos que adviriam com novas despesas eleitorais. O fato,
todavia, como já observado, foi a convocatória, na forma da legislação ordinária e, por fim, a questão de
influência conseqüente, com altos riscos políticos e jurídicos, que poderiam levar os deputados constituintes a
elaborar uma Constituição que resguardasse as respectivas sobrevivências futuras.
889
aspectos essenciais, que, não apenas, permitam identificar e verificar o processo evolutivo
da consciência ideológica dos advogados, e sua tradução constitucional, mas, também, os
seus efeitos sobre a reformatação do ideário profissional, e o engajamento, respectivamente,
da OAB, e do advogado militante, no quadro geral da sociedade e do Estado brasileiro.
No contexto geral deste Capítulo concentraremos, por conseguinte, os estudos
constitucionais comparados nos seguintes aspectos temáticos e seus efeitos constituintes,
sempre com o objetivo de alcançarmos a reformatação do quadro circunstâncial da ação do
advogado:
1. o Sistema de Governo, com vistas a verificar a concentração ou a
flexibilidade do poder como ambiente de movimentação profissional, concentrando-se o
texto, principalmente, na opção dilemática entre parlamentarismo e presidencialismo e no
modelo de democracia representativa.
2 a Organização Federativa do Estado, como sistema de descentralização
política e desdobramento territorial do processo de representação, essenciais à definição dos
níveis da ação judicial dos advogados;
3. a Organização Judiciária, como espaço institucional pressuposto à ação do
advogado;
4. a Estrutura da Propriedade, como espaço de ocorrência da atividade
produtiva;
5. a Proteção dos Interesses Coletivos e Difusos, como novo espaço de proteção
constitucional, e
6. os Direitos do Homem, como pressuposto de respeito à dignidade e às
políticas de cidadania.
Finalmente, na estrutura geral da Tese, caberia, na linha conclusiva deste
Capítulo, obedecendo o plano das conferências desenvolvermos o tema sobre as nova
dimensões da advocacia na nova ordem constitucional. Todavia, para melhor utilização do
espaço dissertativo esta matéria será especificamente tratada em item final do Capítulo final
da Tese.
Para um estudo comparado mais preciso subdividimos este Capítulo, conforme
sistematização das conclusões da XI Conferência Nacional da OAB, procurando destacar,
sem ser exaustivo, os principais aspectos que detectamos nos diferentes temas evitando a
890
transcrição integral dos textos. Em alguns aspectos pode ocorrer que a nossa releitura não
seja exatamente fiel ao texto original, muito embora todos os cuidados tenham sido
tomados, não apenas para que os objetivos fossem precisamente alcançados, mas, também,
observada a fidelidade de recuperação das fontes.
Finalmente, este estudo comparado, só se tornou possível, porque tomamos
como referência, o texto constitucional final elaborado pelo Congresso Constituinte, já na
antevéspera de sua promulgação, como observamos, anunciado durante a XII Conferência,
realizada em Porto Alegre, entre os dias 2 e 5 de outubro de 1988, cerca de 2 (dois) anos e 2
meses após a XI Conferência dos Advogados de Belém, que tomou a questão
“Constituição” como temário. É bem verdade, que, neste ínterim, muitas posições da OAB
sofreram reformulações, principalmente após a divulgação do Anteprojeto da Comissão
Arinos, que, aliás, foi objetada em muitos aspectos, pela direção da OAB, mas aquela era
sua posição originaria.
1386
Todavia, para dar maior evidência às posições originárias da
OAB, o Capítulo foi organizado obedecendo à formatação geral da XI Conferência, exceto
nas situações em que o realocamento temático favorecia a compreensão geral.
1386
Em recente depoimento o ex-Presidente da OAB Herman de Assis Baeta relata posições da Ordem
“contra a Comissão de Notáveis”, presidida pelo constitucionalista Afonso Arinos, “um elitismo adorador do
poder”. O Projeto Arinos era um projeto parlamentarista, embora Sarney fosse presidencialista. Ver op. cit.,
pp. 167 e168. Nesta Tese claramente se opina pela influencia do projeto da Comissão Arinos sobre o novo
texto constitucional, exceto, dominantemente no Capítulo sobre a ordem econômica, mas esta não é a posição
preferencial daqueles que têm estudado a questão. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, observa que o
Projeto Arinos não foi absorvido pela Constituição, muito embora Afonso Arinos tenha vindo a ser Presidente
da Comissão de sistematização e o próprio Fernando Henrique Relator Adjunto. Este texto foi enviado para
Bernardo Cabral, como Relator Geral, que preparou a versão discutida em plenário. CARDOSO, Fernando
Henrique. Op.cit. p.107.
891
1 – O Sistema de Governo
1.1. Presidencialismo e Parlamentarismo
A XI Conferência discutiu profundamente a questão do presidencialismo e do
parlamentarismo como formas alternativas de sistema de governo. Todavia, as conclusões
aprovadas resumem-se ao seguinte texto: Será de adotar-se um regime presidencial não
ortodoxo, com apelos a mecanismos próprios do regime parlamentar e que possa servir de
transição à implantação do parlamentarismo. O texto constitucional de 1988 manteve a
seguinte redação no art. 76: O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da Republica,
auxiliado pelos Ministros de Estado, muito embora, até a antevéspera de sua promulgação,
encaminhava-se, ainda, para aprovar um regime parlamentarista.
A sugestão da XI Conferência, como se verifica, foi adotada em parte pela
Constituição de 1988, a se considerar que tanto o texto da OAB, quanto o texto
constitucional, optaram por um modelo presidencialista, e a OAB tenha sido explicita na
proposição de um regime presidencialista não ortodoxo e o texto constitucional traduzido
essa opção, muito mais pelas circunstâncias finais da sua aprovação constituinte do que por
qualquer posicionamento firmado durante os debates constituintes. A opção presidencialista
da Constituinte foi, visivelmente, emergencial (de última hora) e a Constituição se definiu
como presidencialista circunstâncialmente, na antevéspera da promulgação.
1387
De qualquer forma, o art. 2º do Ato das Disposições Transitórias – ADCT da
Constituição, dispondo que no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de
1387
Recentemente, o ministro presidente do STF, Nelson Jobim, à época vice-presidente, fez sucessivas e
polêmicas manifestações na imprensa sobre a redação inclusiva do art. 2º da Constituição de 1988. As
manifestações, independentemente de seus efeitos políticos e históricos, são interessantes, exatamente, porque
demonstram a imprescindibilidade da independência e autonomia dos poderes Executivos e Legislativos,
próprios do regime presidencialista, que, no regime parlamentarista, são interconexos, exatamente pela
origem dos gabinetes, do primeiro ministro e de sua própria desconstituição pelo voto de desconfiança. Em
princípio, por conseguinte, seria de todo impossível uma constituição presidencialista que se omitisse ou
fugisse da redação do art. 2º. São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. Tomando-se apenas como referência, o art. 68 do Projeto Arinos, assim dispunha:
São poderes da União Federal o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e coordenados entre si.
892
plebiscito, a forma [de governo] (república ou monarquia constitucional) e o sistema de
governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País, permite-nos
concluir que o sistema parlamentarista só seria possível com aprovação pelo povo mediante
plebiscito. Realizado o plebiscito, em 7 de julho de 1993,
1388
sobre a forma de governo
(república ou monarquia constitucional) e sobre o sistema de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) os resultados, como se esperava, foram dominantemente favoráveis a
forma republicana de organização do estado combinado com o sistema presidencialista de
governo, expressivo da tradição conservadora republicana autoritária brasileira.
1389
Complementando, a orientação adotada, a XI Conferência entendeu que a
eleição do Presidente da Republica (deveria ser) pelo voto direto e o art. 14, caput, da
Constituição de 1988 o recebeu na seguinte redação final: A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com valor igual para todos
(...). O texto da OAB, ao que tudo indica, restringiu-se a sugerir, o voto direto, como
proposta de construção governamental, mas o texto constituinte, todavia, avançou
significativamente, sendo mais amplo e completo, estabelecendo que o voto não só seria
direto, mas, também, o sufrágio seria universal e secreto, com valor igual para todos. Neste
especial aspecto, o texto constitucional, até pela sua função pública e social, foi mais
abrangente, mas aos advogados estava claro que a construção da democracia dever-se-ia
fazer, na forma da eleição direta, uma significativa resistência aos modelos indiretos de
construção política do Estado (indireto), e os demais indicativos complementares ao
pressuposto eleitoral básico.
Ainda nestas discussões de natureza política as conclusões da Conferência
indicaram que os advogados reconheciam que, num futuro regime governamental, seria do
Presidente da Republica a prerrogativa [para] (...) a nomeação e demissão de Ministros. A
sugestão em questão, na forma do inc. I do art. 84, da Constituição tomou a seguinte
redação: Compete privativamente ao Presidente da Republica: I - nomear e exonerar os
Ministros de Estado (...). Como se verifica o texto da Constituição e a sugestão oferecida
1388
Este plebiscito, que se tornou constitucionalmente necessário, criou uma situação ímpar para o art. 60 da
própria Constituição que definiu as “cláusulas pétreas”, mas ficando a República, na dependência de um
plebiscito futuro, paradoxalmente excluída.
1389
BASTOS, Aurélio Wander. Autoritarismo e presidencialismo. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1992.
893
pela XI Conferência da OAB mantiveram-se na mesma linha. É bem verdade que o texto
constitucional traduz o que a OAB chamou de prerrogativa (competência privativa do
Presidente da República) que, excetuado-se a questão filológica, extensiva, também, para as
palavras demitir e exonerar, o que significa, que, no fundo, os objetivos alcançados são
idênticos.
Por outro lado, é muito interessante ressaltar, que, apesar da proposta da OAB
ter sido presidencialista, dentre as sugestões gerais, pretendeu-se que seria atribuição do
Congresso Nacional o poder de destituição de Ministros, mediante o voto de desconfiança,
instituto de natureza dominantemente parlamentarista, o que se justifica, no texto da
Conferência, porque se admitia que o País entraria num regime de transição para o
parlamentarismo, num contexto presidencialista pouco ortodoxo, infenso ao viés autoritário.
O voto de desconfiança, politicamente, é um instituto que não está propriamente coadunado
com os modelos presidenciais, especialmente considerando a natureza autônoma e
independente dos poderes nos regimes presidenciais. Todavia, basta(va) a normatização
constitucional para fazê-lo tecnicamente possível, fugindo das tradições de concentração da
chefia de governo e a chefia de estado no mesmo poder.
1390
De qualquer forma, esta sugestão, possivelmente, tenha evoluído no contexto de
se evitar um presidencialismo muito forte, permitindo que, nas situações de crise ou
desequilíbrio ministerial, o Parlamento se posicionasse sobre a permanência de Ministros
na composição ministerial, evitando o sempre doloroso, mas mecanismo presidencial
específico, do impeachment. A Constituição de 1988 não absorveu, é claro, este instituto de
origem parlamentarista, mesmo porque, muito embora tenha evoluído na forma
parlamentarista, o regime, finalmente adotado, foi o presidencialista.
Finalmente, o que se verifica é que havia uma expectativa política fortemente
parlamentarista, mas prevaleceu o sistema presidencialista de governo, demonstrando a
manutenção dos compromissos com a tradição autoritária brasileira, mais
1390
O art 60 do Anteprojeto da Comissão Arinos ao tratar desta matéria na sua redação esteve mais próxima
do texto constitucional futuro dispondo, não apenas que todos os brasileiros maiores de 18 anos tem direito de
voto, mas diferentemente dos demais proibia a alistabilidade daqueles que não soubessem exprimir-se em
língua nacional, diferentemente da Constituição de 1988 (art. 14, § 3º, III) que entendeu facultativo o voto do
analfabeto. A Constituição, foi, também, além, quando reconheceu (art. 14) que a soberania popular se
exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...), diferentemente da
Comissão Arinos quando, sem associá-lo à soberania popular, reconhece o sufrágio popular, universal e direto
e o voto secreto (art. 60, § 3º).
894
significativamente, ainda, absorvendo o discricionário instituto parlamentarista da Medida
Provisória, mecanismo legislativo que, na sua aplicação, comprometerá o presidencialismo
brasileiro.
1391
1.2. A Democracia Representativa
1.2.1. Preliminares Históricas
Orides Mezzaroba observa que existem fortes razões para analisar o contexto
político normativo brasileiro concernente à representação político partidário como
especial forma de diagnosticar o funcionamento dos partidos políticos.
1392
As modernas
democracias representativas geralmente se explicam em funções de 2 duas variáveis: o
sistema partidário e o sistema eleitoral, ambas inerentes, nas circunstâncias de cada época, à
organização do Estado. O Estado brasileiro, desde sua “criação” independente (1822/24),
assim, vejamos: guardadas as circunstâncias de época, trabalharam entre si articuladas, se
expliquem, as movimentações partidárias e eleitorais.
No que se refere aos partidos os seus fluxos de movimentação foram muito
intensos e os seus diferentes ciclos sempre circunscreveram-se, salvo eventuais flutuações,
aos ciclos políticos. Os partidos imperiais não se reorganizaram na República, muito
embora significativas frações e personalidades imperiais politicamente se recompuseram,
assim como, e da mesma forma, os partidos republicanos da República Velha, que
tampouco, não se reproduziram no regime de 1946/64/68, dominado pela União
Democrática Nacional - UDN, de influência liberal-conservadora, pelo Partido Social
1391
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. MP versus MP. Jornal do Brasil, em 20/01/2001, Opinião, p. 11, e,
ainda, BASTOS, Aurélio Wander. Teoria do Direito. 4ª ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1992. No que se refere
à Medida Provisória, o art. 62 e §§ 1° e incs., 2°, 3°, 4° 5°, 6°, 7°, 8°, 9° 10°, 11° e 12° da Constituição
brasileira tratam da matéria, sendo que ele foi modificado pela Emenda Constitucional n°. 32, de 11 de
setembro de 2001. Também dispõe sobre esta matéria o art. 246, modificado pela mesma emenda.
1392
MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
2003.p. 189.
895
Democrático - PSD, e influência conservadora e agrarista, e pelo Partido Trabalhista
Brasileiro - PTB, de orientação nacionalista-trabalhista, de forte influência getulista. No
conjunto geral, pode incluir, de qualquer forma, um isolado Partido Republicano PR, que
mais funcionava como legenda alternativa.
Os partidos que se organizaram no regime de 1964/68/88, tampouco, não se
transplantaram para o regime constitucional que sucedeu a 1988. A Aliança Renovadora
Nacional ARENA, partido oficial, concentrou em seus quadros inimigos políticos
históricos que migraram na marcha salvacionista da UDN, liberal-conservadora, e do PSD,
conservadores de origem oligárquica. Por outro lado, todavia, não se deve desconhecer que
os quadros do Movimento Democrático Brasileiro MDB, que fora, também, conhecido
(inicialmente) por MODEBRA, partido de oposição formal ao regime autoritário,
fortaleceu, com a abertura, os principais quadros do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro PMDB, assim como dele também vieram quadros do recomposto Partido
Trabalhista Brasileiro PTB, de onde partiram os quadros que foram criar o Partido
Democrático Trabalhista PDT, líder inconteste do getulismo-janguista afastado com o
golpe de 1964. A velha ARENA, na antevéspera da desagregação autoritária, provocada
pelo processo constituinte, e desgastada pelas legitimações das demandas autoritárias, se
dissolveu em dois partidos, o Partido Democrático Social - PDS, de posição radical
conservadora, aderente, ainda, ao projeto militar, e Partido da Frente Liberal, constituído
pelos políticos mais esclarecidos da velha ordem comprometidos com a democratização,
que vieram a contribuir, no pacto de transição, para a eleição de Tancredo Neves no
Colégio Eleitoral e a conseqüente aprovação da Assembléia Constituinte por José Sarney,
que, vice do Presidente, o substituíra no falecimento.
De qualquer forma, é sempre conveniente observar, que, já imediatamente à Lei
de Anistia, em 1979, no ano de 1980 iniciou-se uma grande mobilização sindical,
especialmente concentrada no ABC paulista que permitiu a organização do Partido dos
Trabalhadores PT, sob a liderança do líder sindical Luis Inácio da Silva – Lula,
articulando em seus quadros sindicalistas, membros de movimentos de base de Igreja e
militantes de esquerda, sobreviventes internos e quadros que retornavam do exílio,
defendendo uma proposta mais avançada, progressista e mais radical, procurando, todavia,
demonstrar sua autonomia como partido de trabalhadores descomprometido com antigas
896
agremiações de militância esquerdista. Com o desenvolvimento do processo constituinte
outros partidos consolidaram suas posições como o Partido Socialista Brasileiro e o PMDB
sofreu uma grande cisão que permitiu criar o Partido Social Democrata Brasileiro PSDB,
constituído por intelectuais e políticos pensadores esclarecidos muitos originários da
esquerda política e acadêmica, como fora Fernando Henrique Cardoso.
Por outro lado, no que se refere ao sistema eleitoral, as diferenças dos ciclos
políticos não refletem, com muita intensidade, na história eleitoral brasileira, em geral
dominada pelo casuísmo e pelo governismo legislativo que acedem no jogo lógico da
sobrevivência, as políticas de conciliação.
1393
Neste sentido, a corrupção do sistema de
círculos distritais no império não impediu, na Primeira República, a adoção do voto distrital
para eleição de deputados, o que definitivamente comprometeu a implantação federalista,
resguardando o poder eleitoral dos oligarcas, apesar do voto majoritário para eleição do
Presidente da República e dos Senadores. A crise eleitoral republicana acabou provocando
a implantação, com a Revolução de 1930, de um sistema que combinava o voto
proporcional, um projeto federalista e republicano, e o voto profissional, um projeto
corporativista, para a eleição dos deputados constituintes (1933) e dos membros da Câmara
dos Deputados (1934), onde a própria OAB esteve representada pelo seu Presidente, à
época Levi Carneiro (e outros tantos representantes profissionais).
O fracasso deste sistema misto, no curto e médio prazo, favoreceu a instalação
autoritária do Estado Novo, de Getúlio Vargas, que evoluiu para uma espécie de
trabalhismo sindicalista e nacionalista, mas que, no médio e longo prazo, deslocou vários
deputados, que houveram sido eleitos pelo sistema proporcional, ou aqueles que os seguiam
para se reagruparem em movimentos de oposição liberal democrática, muitos deles na
própria OAB, com a precípua preocupação de desmontar o Estado Novo. O regime liberal-
democrático de 1946 optou pelo voto proporcional, efetivamente comprometido com o
modelo federativo de eleição por estados membros, e não por círculos ou distritos
1393
Ver em BASTOS, Aurélio Wander. Verticalização e oportunismo. Revista Justiça e Cidadania, Rio de
Janeiro, n. 68, mar. 2006. p.34 e 35.
897
provinciais, que avançou pelo regime autoritário (1967/69) e sobreviveu no
constitucionalismo de 1988.
1394
1.2.2. Novos Partidos, Velha Representação Política.
O sistema eleitoral,
1395
durante o período pré-constituinte, na XI Conferência,
no contexto das discussões sobre o sistema partidário, teve importante destaque,
especialmente porque aos advogados interessava decisivamente a legitimação da
representatividade popular, durante, longo período, desviada através de mecanismos
casuístas, para garantir a sobrevivência e a sobrevida do regime de segurança nacional. Os
casuísmos eleitorais de vocação governistas feriram profundamente o princípio da
representatividade, rotineiramente discutido nas Conferências, assim como desarticularam o
princípio da governabilidade. Genericamente podemos indicar que foi bastante significativo
o reconhecimento do princípio da livre criação de partidos políticos, assim como do
Direito de iniciativa partidária em matéria legislativa e constitucional durante a XI
Conferência, assim como, aprovou-se, também, o Direito partidário à informação de
interesse público sobre atos praticados na gestão de negócios públicos ou de entidades
controladas pelo Estado. Essa orientação da OAB, de certa forma, reconhece que os
1394
Recentemente publicamos artigo sobre a retomada política deste tema, agora com a dimensão de Reforma
Política, onde, basicamente admitimos a corrosão (corrupção) do voto proporcional, se lhe atribuindo,
inclusive, uma força corrosiva e corruptiva do próprio sistema eleitoral e federativo. Tecnicamente, todavia, a
critica do artigo está dirigida as demandas eleitorais de grande distancia, diminuindo o poder de controle do
eleitor sobre o elegível e, por outro lado, levanta-se, também, a questão dos votos de legenda, que, muitas
vezes, em partidos de alta concentração carismática, ou de poder oligopolizado, acaba favorecendo “acólitos”
prejudicando efetivas lideranças. BASTOS, Aurélio Wander. Reforma política ou reforma eleitoral. Revista
Justiça e Cidadania, Rio de Janeiro, n. 62, 2005. Ver recente publicação sobre Reforma Política organizado
por AVRITZER, Leonardo e ANASTÁCIA, Fátima.(Org)3 Reforma política no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG, 2006. Após a Emenda Constitucional n°. 25/85 abriram-se as possibilidades de criação de novos
partidos, o que permitiu o fracionamento do PMDB, vindo a se criado o Partido Social Democrático
Brasileiro – PSDB, bem como consolidaram-se outros partidos como o PT, o PDS o PPB e, mais tarde o PP.
O projeto político do PSDB estava comprometido em lutar por novas funções do Estado e sua abrangência e
traduziu um certo aggiornamento dos grandes temas do desenvolvimento econômico. CARDOSO, Fernando
Henrique. op. cit., p. 131.
1395
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, Pará, de 4 a 8 de agosto
de 1986. Exposição de Maria Victoria de Mesquita Benevides, pp. 90 a 94
898
partidos políticos, como órgãos oficiais de manifestação, que deveriam traduzir a
pluralidade da vontade popular, não deveriam ser regulados como se fossem simples
associações privadas. Por outro lado, nas linhas conclusivas, verificou-se, também, que uma
das preocupações da Conferência era restringir a influência do poder econômico nas
eleições, assim como ampliar as regras de proibição e incompatibilidades, não para
provocar restrições políticas e ideológicas, como no passado, mas para limitar as
oportunidades de candidatos originários de qualquer empresa que mantivesse contato
permanente com pessoa jurídica de direito público.
O art. 17 da Constituição de 1988, quando trata desta matéria, dispõe o
seguinte: É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos,
resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos
fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos (...) Como se verifica,
o princípio da livre criação dos partidos políticos foi absorvido pelo texto constitucional,
muito embora, a Constituição tenha sido mais extensiva na delimitação deste instituto,
ressaltando a importância dos partidos respeitarem os princípios da soberania nacional, do
regime democrático, do pluripartidarismo, e dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Aliás, a tônica do texto constitucional foi muito mais abrangente do que as diretivas da
Conferência, até mesmo porque ela estava voltada para pré-fixar a regra geral, normalmente
uma reação de negação aos postulados vigentes na Constituição emendada por atos
institucionais anteriores, o que não aconteceu com o novo texto, que, não apenas, não
desprezou a especificação do princípio, mas, para alcançá-lo, contemplou suas exceções.
1396
Nesta linha de especificidades, ou de exceções, ao texto constitucional final não
foi incorporada a sugestão da OAB de incluir como direito dos partidos a iniciativa
partidária em matéria legislativa e constitucional, assim como, também, rejeitou incluir
1396
O anteprojeto da Comissão Arinos (art. 65) da mesma forma reconhecia que seria livre a criação de
partidos políticos, mas na sua organização e funcionamento ficaria o compromisso com a soberania nacional,
o regime democrático, o pluralismo partidário e os direitos fundamentais da pessoa humana (...) mas não
chegou a reconhecer que seria livre a sua fusão incorporação e extinção como o fez a Constituição. O mais
interessante, todavia, é que, apesar de não se identificar a exata posição da OAB, a Comissão Arinos (art. 65,
II) foi clara ao observar que o partido político adquirirá personalidade jurídica de direito público mediante
registro de seu estatuto no TSE. Já a Constituição (art. 17, § 2º) dispôs que os partidos após adquirirem
personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no TSE. A primeira e a segunda linha
de orientação representam a exata posição dos partidos na mobilização de recursos financeiros do fundo
partidário e junto a organismos privados.
899
como prerrogativa dos partidos políticos o direito à informação de interesse público, exceto
na formação do art. 5º, XXXIII da Constituição
1397
, que regulamenta o direito de acesso às
informações, assim dispondo: todos têm direito de receber de órgãos públicos informações
de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo
da lei, sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado. Outros posicionamentos sobre o sistema partidário
foram adotados pela Constituição
1398
, mas, em geral, eles suplementam a regra geral da
liberdade de criação dos partidos, deixando sempre explícito que ficava vedada a utilização
de organizações para-militares, tema que especificamente não foi tratado durante a
Conferência.
No que se refere à abertura partidária, como observamos, a Constituição foi
bastante extensiva, mas não podemos dizer o mesmo no que se refere ao sistema de
representação política, tema que interessantemente não foi objeto de grandes sugestões,
muito menos do texto constitucional. A regra geral foi manter o sistema vigente,
diferentemente do que aconteceu com a Revolução de 1930, que tratou, com a eleição do
Código Eleitoral de 1932, de modificar radicalmente as regras e práticas eleitorais
anteriores, assim como com a edição do Código Eleitoral de 1950, que procurou adaptar a
legislação eleitoral à Constituição de 1946.
1399
Neste sentido, não podemos falar em modificações representativas expressivas
exceto, por exemplo, nas regras de inelegibilidade que estavam comprimidas pelas regras
de excludência do período eleitoral. O sistema de representação proporcional para
deputados estaduais e federais não sofreu alterações, preservando-se, inclusive, as reservas
de legenda e, da mesma forma, restaurada a eleição direta para Presidente pelo voto
majoritário o sistema não sofreu alterações, conseqüente, excetuada as situações indicadas,
sobreviveu o Código Eleitoral de 1965 um significativo indicador que houve uma
redemocratização do sistema de representação político-eleitoral, mas não houve como em
1930/32 onde se preparou uma revolução pelo voto. Os anos que sucederam a 1988, até os
1397
Ver de BASTOS, Aurélio Wander O Habeas Data e a Proteção da Privacidade Individual – recuperação
histórica da evolução conceitual e constitucional no Brasil in Revista JurisPoiesis (Revista dos Cursos de
Direito da Universidade Estácio de Sá – Unesa) – Rio de Janeiro – 1999 – pp. 63/86.
1398
Ver inciso e §§ 1º a 4º do art. 17.
1399
BASTOS, Aurélio Wander, Formação eleitoral, ep.cit.
900
nossos dias, extirpados os mecanismos de excludência política foram um continnuun
eleitoral que restaurou o pacto de 1946 à medida que as disposições constitucionais
Transitórias (art. XIII e §§ e art. IX e parágrafo único) reincorporaram, pela Anistia, os
convites à vida política brasileira. Eleitoralmente este pacto precisa sofrer alterações
profundas com a finalidade de rediscutir os fundamentos de legitimidade do Estado
Democrático de Direito.
1.2.3. A OAB e a Elegibilidade dos Juizes.
Numa posição absolutamente inovadora os advogados participantes da XI
Conferência Nacional da OAB estiveram preocupados com a participação do povo no
processo decisório dos poderes públicos, ou seja, do Poder Executivo, do Poder Legislativo
e do Poder Judiciário. Os advogados entenderam ser imprescindível a criação de
mecanismos constitucionais que possibilitassem uma maior participação do povo no
processo decisório, que alem de direito de iniciativa popular no processo legislativo, com a
ratificação popular da lei aprovada, poderia se efetivar com as seguintes medidas: a
possibilidade de lei complementar definir o preenchimento de certos segmentos da
magistratura mediante votação direta, universal e não-partidária.
1400
Vê-se, que fugindo à tradição brasileira, a OAB foi bastante ousada, quando
sugeriu a elegibilidade para os cargos da magistratura. Não foi recebida a proposta pela
Constituição, pela ousadia inovadora, definindo-se constitucionalmente, que o acesso aos
cargos da carreira da magistratura se daria apenas mediante concurso público de provas e
títulos, embora, inovadoramente, reconheça, o que não acontecia nas Constituições
anteriores, a participação da OAB em todas as fases dos concursos públicos para juiz.
Assim, está redigido o art. 93 da Constituição, que traduz o espírito constituinte dominante:
Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da
1400
Embora fora deste contexto, mas com efeitos paralelos, a extensão expressa das garantias do processo
judicial ao processo administrativo, legitimação extraordinária na tutela dos interesses difusos, tem sido
avaliado como uma importante medida nas políticas internas de controle da microlegalidade dos organismos
de estado.
901
Magistratura,
1401
observados os seguintes princípios: Inc. I - ingresso na carreira, cujo
cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso publico de provas e títulos, com
a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, obedecendo-se,
nas nomeações, à ordem de classificação.
Assim, a sugestão dos advogados para o preenchimento de determinadas
funções da magistratura por votação direta, universal e não-partidária, uma posição
absolutamente inovadora em relação aos textos constitucionais antecedentes, não foi
absorvida pelos constituintes, mas resultou na ampliação de sua participação nos concursos
públicos, para a magistratura. A tradição brasileira, com relação à elegibilidade de juízes,
mesmo que para funções especificas da magistratura, é absolutamente nula. Não faz parte
de nossa história judicial, desconsiderando-se, é claro, os casos de elegibilidade dos juízes
de paz em determinados períodos da nossa história. Estas práticas ocorrem em outros
países, principalmente vinculados à tradição anglo-saxônica, improvável nos países ligados
à tradição romana (latina). De qualquer forma, esta não foi a orientação adotada na
Constituição, muito embora, este tema seja sempre recorrente nos estudos brasileiros.
Finalmente, como se verificou, este texto explicita suficientemente os
principais temas de natureza eleitoral e partidária, sendo que, pela novidade, trouxemos
também à análise esta novel questão da elegibilidade de juizes, desconhecida, exceto
como mostramos, nos casos dos juizes de paz, no passado, em nossas práticas judiciais
formais.
1402
1401
O Estatuto da Magistratura foi promulgado na forma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Lei
complementar nº 35, de 14 de março de 1979.
1402
A LOMAN estabelece que a Justiça de Paz temporária, criada por lei, mediante proposta do Tribunal de
Justiça, tem competência somente para o processo de habilitação e a celebração do casamento (...). O
exercício efetivo da função de Juiz de Paz constitui serviço público relevante e assegurará prisão especial,
em caso de crime comum, até definitivo julgamento. Estudo completo sobre o Juiz de Paz pode ser encontrado
em VIEIRA, Rosa Maria, O juiz de paz: do império a nossos dias. Brasília, DF Thesaurus, 1997. A atual
Constituição brasileira (inc. II, art. 98) dispõe que: a justiça de paz poderá funcionar nas unidades municipais
da federação, deixando explicito que é uma justiça remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto
direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar
casamentos, verificar, de oficio, ou em face de pugnarão apresentada o processo de habilitação e exercer
atribuições conciliatórias sem caráter jurisdicional alem de outras previstas na legislação. A emenda 45 de
08 de dezembro de 2004, introduziu regras referentes a custos e emolumentos da justiça de paz.
902
2 – A Organização Federativa do Estado
2.1. Preliminares Históricas
A história da formação do Estado brasileiro é a história de sua centralização
unitária e autoritária, que, somente com a crise do Estado Imperial, e com os ascendentes
propósitos federalistas iniciou uma lenta e gradual descentralização
1403
De qualquer forma,
estas foram nossas históricas experiências, que, se não influíram, serviram de referência aos
propósitos federalistas que cresceram sob a direção de expressivas lideranças como
Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e José do Patrocínio, todos, também, comprometidos com o
movimento abolicionista, este com, adesivas influências pessoais destas próprias lideranças,
inclusive, que não era exatamente possível para o Instituto dos Advogados IAB,
concentrado na criação da OAB como sua finalidade estatutária.
Complementando, não há como desconhecer que o movimento republicano
tinha um projeto descentralista, e federalista, mas enquanto republicanos no poder, muito
ao contrário, ele tinha uma profunda vocação autoritária e centralizadora, facilmente
identificável à medida que suas principais lideranças estavam comprometidas com o
positivismo cientificista de Augusto Comte.
1404
O movimento republicano brasileiro só
tinha um projeto de descentralização, enquanto movimento federalista, movimentos que
confluíram para a crise final da monarquia imperial, mas que evoluíram em flancos
1403
A experiência descentralizadora pioneira ocorreu com o Ato Adicional (Lei nº 16) de 12 de agosto de
1834, assinado pelos Regentes Francisco de Lima e Silva e João Braulio Moniz após alterações e adições à
Constituição Imperial de 1824, com base na Lei de 12 de outubro de 1832, autorizadas pela Câmara dos
Deputados. Todavia, a Lei nº 105 de 12 de maio de 1840, reinterpretou alguns dispositivos da Reforma e a Lei
nº 234, de 23 de novembro de 1841, criou um Conselho de Estado com amplos poderes administrativos, que
muito contribuíram para reverter a descentralização promovida pelo Ato Adicional, após sucessivas rebeliões
regionais.
1404
COSTA, Cruz. Pequena História da República. (Coleção Temas, Problemas e Debates). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1968. Neste opúsculo se lê também interessante análise sobre a influência do
positivismo autoritário na província do Rio Grande do Sul e suas conseqüentes influências (o getulismo
castilhista) muito especialmente na 2ª fase da Revolução de 1930, com a edição do Estado Novo, dado, que
como já estudamos (cap. I) a primeira fase ficou marcada pelo corporativismo antioligárquico.
903
políticos independentes: o movimento federalista de dentro do Império (endógeno) e o
movimento republicano como movimento de pressão externa (exógena).
1405
Neste período, não podemos falar em efusivo sucesso da participação do IAB
nas lutas pelo federalismo, nem muito menos no mais radical dos movimentos
republicanos, senão através da influência (pessoal) de Ruy Barbosa, que, articulou, o
projeto de Constituição que veio a ser promulgada como a primeira Constituição Republica
dos Estados Unidos do Brasil (CREUB), em 24 de fevereiro de 1891, quando federação
ainda se denominava “estados unidos”, aliás, nomenclatura que prevaleceu até 1967,
exclusivamente. Uma e outra das posições tiveram destinos diferentes, mesmo porque o
federalismo, como descentralização unitária, não teve o mesmo sucesso alcançado nos
Estados Unidos da América, onde prosperou um federalismo altamente descentralizado
convivendo os estados federados fortes, inclusive no Parlamento, com a autoridade central
presidencial. No Brasil sobreviveu o máximo de autoridade central, altamente resistente às
iniciativas descentralizadoras, como na produção dos códigos provinciais, na primeira
Republica, e na extinção das velhas relações que vieram a se transformar nos tribunais
(estaduais) de Justiça, como, aliás, se transformou o Supremo Tribunal de Justiça – STJ (do
Império) em Supremo Tribunal Federal, inicialmente composto pelos velhos ministros
imperiais.
1406
Este fato foi tão efetivo que o gérmen de vocação autoritária, herdada do poder
influente e interveniente do Poder Moderador (Poder Real), que perpassou o primeiro
período republicano como poder militar, os militares, até 1964, não se convenceram de
perdê-lo para as oligárquicas regionais, herdeiras imperiais, uma espécie de salvaguarda da
política remanescente do velho Estado patrimonialista, e retomaram com poder moderador,
em novo estilo, mas interveniente em todos os poderes em 1964. Todavia, foram os
próprios militares positivistas, como também, setores intelectuais de classe média urbana, o
próprio proletariado emergente, que, deram sustentação de mobilidade à contra-oligárquica,
que, vencido, a primeira etapa política, construiu o Estado Novo. Estes grupos estavam,
1405
Ver Cap. XI, item 8.2., desta Tese.
1406
Recentemente, Pedro José Xavier Mattoso complementou a obra iniciada por Laurenio Lago, que
consolida e recupera a biografia dos ex-ministros do Supremo Tribunal desde o Império. Prefaciado por
Carlos Veloso, permite a identificação da origem das nossas elites judiciárias, originariamente formadas na
Europa (Coimbra) e posteriormente nas escolas de Recife e Olinda e outras tantas escolas federais brasileiras
que vieram a ser criadas depois de 1915/1920.
904
todos, na verdade, na oposição ao velho patrimonialismo de manifestação oligárquica, onde
não se pode desconhecer, apesar das resistências do IAB, buscando maior autonomia nos
seus projetos parlamentares, que os condutos de interesses patrimonialistas entre os
particulares e o Estado estavam representados pelos “rábulas” provisionados e pelos
bacharéis em Direito.
Estas novas frações das elites urbanas, inclusive por força das condições
circunstânciais da época, onde a (dês) funcionalidade federalista estava comprometida com
o Estado republicano, de uma forma ou de outra, não estavam interessadas nos velhos
mecanismos de representação eleitoral, comprometidos com o Estado patrimonial e
oligárquico, mera fórmula de reprodução dos governantes no governo, mas, isto sim, com
um Estado nacional influenciado pelo novo pensamento social permeado pelo novo
autoritarismo. Neste sentido, politicamente, a aliança (senão expressa, tácita) entre os
pensadores autoritários de classe média, como Oliveira Viana, Alberto Torres e tantos do
modernismo estético, como Cassiano Ricardo, trabalhavam e as frações anti-oligárquicas
também autoritárias, do getulismo positivista impregnado do “tenentismo” dos capitães e,
como não se pode deixar de observar, das frações intelectualizadas do, ainda, IAB e da
Associação Brasileira de Educação - ABE, de ambas as quais, Levi Carneiro fora
presidente, ofereceram propostas alternativas de estado, em várias situações como já
demonstramos, suscetíveis à influência do corporativismo autoritário incipiente.
1407
Por outro lado, frágeis em 1929/30, mas em acelerada ebulição estavam os
grupos positivistas sensíveis à questão social emergente, que levaram Carlos Prestes com
sua coluna a fazer uma marcha de reconhecimento do interior que o levou a buscar o exílio,
como conseqüência das perseguições do Presidente Washington Luis e a rejeitar a
aproximação como getulismo revolucionário ascendente, após derrota em eleições
presidenciais fraudadas contra o candidato oficial Julio Prestes.
O IOAB (logo após a OAB) buscou uma solução de poder, nem tanto pela
influência corporativista doutrinária, mas porque via no corporativismo (político)
ascendente a opção de institucionalizar seu ideário profissional, de influência liberal-
burocrática, marcado pelo liberalismo humanista, recuperado em quase 90 (noventa) anos
1407
Ver Cap. X, desta obra.
905
de enfrentamentos parlamentares de esdrúxula interpretações constitucionais,
1408
o que, no
primeiro momento a comprometeu com o projeto constituinte de 1933/34 e com os atos
subseqüentes até 1937/38, mas, que, efetivamente, apesar dos vínculos para-estatais dos
estatutos de 1931/33, a afastou do projeto autoritário (Estado Novo) de frágeis bases
federalistas, deslocando, com cautelas (em 1938) sua liderança para o velho magistrado
mineiro de convicções conservadoras e habilidoso negociador: Fernando de Melo Viana.
O novo projeto federalista e democrático (que se desenvolve a partir de 1943,
com a articulação da aliança militar com os EEUU e o conseqüente ingresso do Brasil na
Segunda Guerra) evoluiu na OAB deste período (após 1938) com uma forte marca liberal
de compromissos com a implantação e defesa do Estado de Direito, dos direitos individuais
e com uma consistente política tributária, e, inclusive, com sugestões sobre a prevenção e
repressão ao abuso do poder econômico e sobre políticas de bem estar social. Estas
políticas e proposições só se tornaram possíveis porque os estatutos de 1931/33
implementaram normas de orientação burocrática sobre exercício profissional, impedindo
incompatibilidades para o exercício da advocacia de influência liberal (e residualmente
corporativista) radicalmente contrariadas à natureza patrimonial e oligárquica do Estado.
A Constituição liberal-democrática de 1946, todavia, sofreu, como longamente
já analisamos nesta Tese, o impacto do movimento autoritário de 1964, liderado pelos
militares dissidentes de 1930 e 1937, que contribuíram para sua própria construção
apoiados na UDN apoiada na OAB, e, mais visivelmente dos movimentos militares e civis
sufocado pelo contragolpe de 11 de novembro de 1955, liderado por Henrique Teixeira,
Ministro da Guerra do vice-Presidente do falecido Presidente Getúlio Vargas, Café Filho,
que viera a ocupar, meteoricamente, a vacante Presidência com o suicídio do Presidente.
1409
1408
Ver BASTOS, Aurélio Wander. História da Ordem dos Advogados do Brasil: Luta pela criação e
resistências (coord. Herman de Assis Baeta e pref. de Rubem Aprobatto). Brasília: Conselho Federal da OAB,
2003.
1409
Café Filho acometido de enfermidade cardíaca foi substituído pelo deputado mineiro pessedista
Presidente da Câmara, Carlos Luz, aliado, todavia, de Carlos Lacerda, vindo, no entanto, a ser afastado devido
ao seu projeto golpista contra a posse de JK, fortalecendo a posição de resistência do general Henrique Lott o
afastou e sustentou o vice-Presidente do Senado Nereu Ramos, na Presidência, que garantiu a posse de
Juscelino, vindo a ser seu Ministro da Justiça (e, juntamente com Juscelino assinou o novo Projeto de Estatuto
dos Advogados, após a visita à sua no Rio de Janeiro, tendo se destacado nas articulações, o jurista H.Sobral
Pinto (ver nota 41 do Cap. II desta tese) e o general Lott, o Ministro da Guerra e futuro candidato a Presidente
da República pelo PSD (derrotado pelo candidato udenista de Carlos Lacerda, Jânio Quadros), aliado com o
PTB que, mantinha como candidato o próprio vice de JK João Goulart que fora eleito contra o candidato da
906
Na verdade, o contra-golpe do General Lott tinha, apenas, a finalidade de garantir a posse,
em 31 de janeiro de 1956, do Presidente eleito em 3 de outubro de 1955, Juscelino
Kubitschek, em aliança com o PTB, que, também elegera João Goulart como vice-
Presidente, num sistema em que o Presidente e Vice não necessariamente compartilhavam a
mesma chapa, mas pelos seus efeitos e conseqüências naturais transformou-se em
movimento constitucionalista contra o golpe que udenistas e militares pretenderam, para
garantir interesses político-partidário aplicar na constituição de 1946.
Estes militares, cuja elite intelectual estava lotada na Escola Superior de Guerra
ESG desde 1955, que tentava impedir a posse do Presidente eleito, compunham em
liderança com o parlamentar da UDN e jornalista Carlos Lacerda, e, genericamente tinham
um projeto político para o Brasil, que, demonstrou o tempo, era de profundo viés
autoritário, muito embora desenvolvimentista, sendo que, em muitas ocasiões, se pode
mesmo supor que estavam mais próximos da estratégia da mudança da capital para Brasília
do que o próprio General Lott.
1410
Em diversos capítulos desta Tese analisamos este
projeto, inclusive nas suas dimensões institucionais e constitucionais e procuramos destacar
e demonstrar a natureza interior do Estado de Segurança Nacional e seus atos de violência,
que provocaram as sucessivas reações da OAB em suas reuniões internas e nas
conferências, que, por aqueles anos, ocorreram, mas, muito especialmente, no Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH.
2.2. O Projeto Federativo da OAB
Para definir o seu Projeto, as conclusões constituintes da XI Conferência,
trabalhou em 4 (quatro) caminhos: a divisão do território em estados (províncias,
departamentos, etc.); a organização federativa entre a União, os estados e os municípios,
UDN Milton Campos, relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Estado da OAB e, futuro Ministro da
Justiça do primeiro governo militar presidido pelo general Castelo Branco, que houvera afastado o Presidente
João Goulart, empossado com a renúncia de Jânio Quadros, mas que sancionara o novo Estatuto da OAB em
1963 (ver cap. III p. 148 e 208 desta tese e também, WILLIAM, Wagner. O Soldado Absoluto: uma biografia
do marechal Henrique Lott. Rio de Janeiro. Record, 1005, pp. 100 a 165.
1410
Ver cap. VI, item 2, desta Tese.
907
destacando o papel do Distrito Federal; o sistema de eleição e representação política, de
maior importância em capítulos sobre o sistema representativo e os tipos de tributo e as
competências tributárias de cada ente federado, específicas ou cumuladas. No conjunto das
propostas não identificamos grandes originalidades em relação a períodos passados, mas
teve forte efeito discursivo as novas abordagens sobre regionalização e regiões
metropolitanas que, na verdade, é o 5° (quinto) e mais inovador.
2.2.1. A Questão das Regiões Metropolitanas.
As sugestões oferecidas pelos advogados, na XI Conferência, sobre a questão
referentemente as regiões metropolitanas no conjunto do Sistema Federativo, foram
oferecidas na forma de pré-projetos de artigos específicos, que, com minúcias, discorriam a
respeito da criação de regiões com autonomia política, administrativa e financeira com a
finalidade de planejar e promover o desenvolvimento econômico e social das populações
respectivas, e, que, seriam administradas por Conselhos Estaduais, aos quais competiriam
as funções normativas e, secretarias de Governo, com funções executivas. Dentre outras
atribuições, às Regiões competiria estabelecer planos regionais de educação e saúde pública
e decretar a Lei Orgânica das Regiões. Como se verifica, a mais especial das novidades.
Ainda, neste tópico, muito se tratou da relevante questão política referente à
intervenção federal, com hipóteses de ocorrências limitadas e enumeradas taxativamente,
mantendo coerência com o restante da proposta que delegava grande autonomia às Regiões.
O art. 43 da Constituição, posteriormente promulgada, dispondo sobre o mesmo assunto,
assim vinha propor: Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em
um mesmo complexo geoeconômico e social, visando seu desenvolvimento e à redução das
desigualdades regionais. §1º Lei complementar disporá sobre: I – as condições para
integração de regiões em desenvolvimento; II – a composição dos organismos regionais
que executarão, na forma da lei, os planos regionais integrantes dos planos nacionais de
desenvolvimento econômico e social, aprovados juntamente com estes. O parágrafo 2º do
mesmo artigo tratou dos incentivos regionais e o parágrafo 3º, prefixou o papel da União
908
incentivando a recuperação de terras áridas e cooperando com os pequenos e médios
proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de
pequena irrigação. Não se pode, nem assim foi tratada, em qualquer momento, seja durante
a Conferência, ou no próprio texto da OAB, sobre transposição de águas nos rios
brasileiros, mas não se pode negar, que, nestes dispositivos citados existam aberturas para
ação interventiva da União viabilizar o cultivo e a sobrevivência em terras áridas
cooperando com fontes de água de pequena irrigação para pequenos e médios proprietários
rurais.
Enquanto o projeto concluso na XI Conferência da OAB estendeu-se no aspecto
organizacional da administração das regiões e detalhou o processo de promoção do
desenvolvimento econômico e social concentrando-se na questão das isenções e incentivos
fiscais concedidos pelas Regiões, bem como promover programas de reforma agrária e de
defesa da ecologia regional e contra as calamidades públicas, a Constituição limitou-se a
prever a possibilidade da criação de (tais) Regiões e seus incentivos regionais, deixando a
cargo de Lei Complementar superveniente dispor sobre as condições para a integração das
regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais que executariam, na
forma da lei, planos regionais. De qualquer forma, o texto constitucional, neste específico
aspecto, foi mais pretensioso do que as sugestões dos advogados, procurando coordenar a
questão da estruturação regional com a questão das desigualdades regionais, sobrepondo à
tradição formalista uma preocupação social, muito embora o texto dos advogados admita a
função das regiões no desenvolvimento sócio-econômico, inclusive educação e saúde
pública.
O que se destaca, de qualquer forma, do ponto de vista político e ideológico, é
que as conclusões da XI Conferência encaminharam-se para reconhecer uma certa
autonomia das regiões, abrindo uma nova versão conceptiva do federalismo,
1411
1411
Nesta linha de novas opções organizadas do Estado o art. 137 do Titulo VIII da Constituição Espanhola
de 27 de outubro/10 de outubro de 1978, estabelece que o Estado (sic Reino) se organiza territorialmente em
municípios, em províncias e nas comunidades autônomas que se constituem. Todas as entidades gozam de
autonomia para a gestão de seus respectivos endereços. O art. 138 dispõe que o Estado (Reino) garantirá a
realização efetiva do princípio da solidariedade, conforme art. 2º, que dispõe que a Constituição garante o
direito à autonomia das nacionalidades e regiões e os estatutos das diferentes comunidades autônomas não
podem representar privilégios econômicos e, no que se refere à administração local, a Constituição garante a
autonomia dos municípios e a província tem personalidade jurídica própria e se constitui de agrupamento de
municípios para cumprir os objetivos do Estado (Reino) (arts. 140 e 142), porém poderão constituir-se
909
diferentemente do texto constitucional que não evoluiu nesta orientação, mantendo-se no
formato federalista clássico, admitindo as regiões, mas reconhecendo competências
políticas e jurídicas apenas à União, principalmente, e aos Estados, do Distrito Federal e
aos Municípios. A Ordem dos Advogados, neste aspecto, ao que parece, teve uma
proposição, do ponto de vista formal, mais aberta e, explicitamente, reconheceu, no âmbito
regional, competências para tratar da reforma agrária e de questões ecológicas, sugerindo,
inclusive, uma recomposição federativa, envolvendo 4 (quatro) regiões: norte, nordeste,
sudeste e centro-sul, nos permitindo, inclusive, reconhecer, que a OAB pretendia que o
arquipélago de Fernando de Noronha continuasse como território federal, o que não
aconteceu na forma do texto constitucional
1412
(ainda) vigente.
Ainda nesta linha temática, a XI Conferência tirou algumas conclusões sobre as
políticas referentes à intervenção federal nos estados-membros. As conclusões da
Conferência foram trabalhadas, interessantemente, para aproveitar aspectos que já estavam
em discussão nas formas preliminares do texto constitucional, sendo que, todavia, ressalte-
se que o texto constitucional entendeu como atribuição da União a intervenção nos Estados
e Municípios e a proposta dos advogados admitia como competência da União, também, a
intervenção nas Regiões,
1413
visto que o projeto da OAB reconhecia significativa autonomia
das regiões, uma (possível) variante nova no federalismo brasileiro. Da sugestão da OAB
ficava explicito que a União não intervirá nas regiões senão para assegurar: I - a
autonomia dos Estados e Municípios (...), não deixando de observar, é claro, outras
situações, mas de imediato o que interessa é que o art. 34 da Constituição diferentemente
dispõe: A União não intervirá nos Estados, nem no Distrito Federal, exceto para: (...).
Complementarmente dispõe o art. 35: O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a
União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: (...) Conferindo-
se o texto constitucional, que é o que nesse tópico nos preocupa, ficava visível que a OAB
comunidades autônomas provinciais limítrofes com características históricas e culturais e econômicas
podendo se constituir em auto governo (143), proibida a federação de comunidades (art. 145).
1412
Ver art. 15 do Ato das Disposições Transitórias, da Constituição de 1988, que dispôs que fica extinto o
Território de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado do Pernambuco.
1413
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, 04 a 08 de agosto de 1986,
p. 143.
910
pretendia uma maior força federativa para as regiões e uma maior autonomia que as
sobrepunha no quadro geral do sistema federativo.
Todavia, a visão tradicional do texto constitucional mesmo na sua
imprescindibilidade, no que se refere ao papel da união circunscrito no projeto OAB pelas
regiões, ficou mais especifica mantendo a integridade nacional, dando poderes a União de
repelir invasão estrangeira, por termos a graves comprometimentos de exercício dos
poderes, e, inclusive, provera execução de lei e decisão judicial, etc. É claro que o texto
constitucional é bastante minudente na especificação dos casos que exige intervenção da
União e dos Estados, o que, não interessou a OAB do ponto de vista de explicitação de
políticas, mas, ressaltado, de qualquer forma ficou o seu propósito de se criar as regiões
como proposta inovadora, o que não teve a eficácia transformadora esperada.
2.2.2. A Questão Tributária.
Como sempre ocorre a todo estudioso do sistema federativo, a questão
tributária é uma das suas principais vertentes. É em função da definição das políticas
tributárias que se define o modelo federativo e as políticas de investimento publico e de
distribuição de rendas. Nesse aspecto, ao que parece, as sugestões da OAB não alcançaram
a dimensão conceptiva extensiva da sua proposta de federação, especialmente porque as
sugestões ficaram concentradas nas competências tributárias da União, dos Estados e dos
Municípios. Por outro lado, a OAB trabalhou com as figuras tributárias de impostos, taxas e
contribuições especiais, semelhantemente ao texto constitucional, que no entanto,
reconhece apenas a figura da contribuição de melhoria (decorrente de obras públicas).
A OAB, independentemente da contribuição de melhoria, identifica, também,
como um dos tipos de contribuições a “de intervenção no domínio público e social”,
importantíssimo num novo conceito federativo para custeio de encargos previdenciários,
corporativos e de natureza assistencial. Neste aspecto, é interessante ressaltar que a
proposta da OAB teve uma visão mais social do imposto, como forma indireta da
911
distribuição de renda, enquanto o modelo constitucional ficou numa linha mais tradicional
de arrecadação para atender as finalidades do Estado.
Na verdade, é nesta vertente que se identificava com a “velha” concepção social
democrática do estado ou do estado de bem estar social fugindo aos parâmetros do Estado,
democrático e formal, não teve o sucesso esperado pela OAB. Nas democracias modernas,
e, muito especialmente, no Estado Democrático de Direito, seria muito importante
implantar políticas tributárias de alcance social, sem o que ficaria o estado na obrigação de
assumir suas prestações diretas sem qualquer alcance na sua finalidade social, restringindo-
se ao seu espaço nacional, mas, de qualquer forma, em muitos aspectos, o texto da OAB
coincide com o texto constitucional, como por exemplo, na questão do “fato gerador de
taxas” (semelhantemente ao art. 145, §2º Constituição de 1988),
1414
“na cobrança de
contribuição de melhoria provocadas por obras públicas”; mas há razoável divergência
quando entende a OAB das limitações, nestes casos, quando venha a beneficiar
proprietários cujos imóveis tenham sido valorizados.
Na proposta da OAB que estabelece que o princípio tributário geral é vedado (a
União, Estado e Municípios) instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça,
antecedeu à redação do inciso I do art. 150 da Constituição: exigir ou aumentar tributo sem
lei que o estabeleça. É bem verdade que o texto constitucional, como até agora temos
demonstrado, tem sido muito mais explícito e, nesta explicitude, foi, inclusive, inovador
quando entendeu que o princípio tributário vedava instituir tratamento desigual entre
contribuintes que se encontrem em situação equivalente (...).
1415
Assim como, pelo menos em sua primeira parte, o art. 151, I da Constituição
brasileira que estabelece que é vedada a União instituir tributo que não seja uniforme em
todo o território nacional, (ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado,
ao Distrito Federal ou a Município (...)) coincide com a proposta da OAB, assim como no
que se refere à tributação da renda das obrigações da dívida pública dos estados, do Distrito
1414
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I Taxas
(...), III Contribuição de melhoria (...) § 1º (...) § 2º As taxas não poderão ter bases de impostos próprios de
tributos.
1415
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II instituir tratamento
desigual entre contribuinte que se encontrem em situação equivalente.
912
Federal, e municípios e os proventos dos agentes. A redação do texto constitucional (inc. II
do art. 151, Constituição de 1988), genericamente sobre importação, exportação, renda,
proventos e produtos industrializados, operações de crédito e câmbio, propriedade
territorial rural, grandes fortunas é, exatamente, semelhante, tendo o texto constitucional
incluído, também, o Distrito Federal. No que se refere à competência para instituir impostos
(art. 153, Constituição de 1988) e as vedações do poder de tributar, a redação do texto da
OAB, tanto no que se refere aos impostos municipais, estaduais ou federais é muito
semelhante ao constitucional, o que reforça, nesse aspecto, a concepção federativa da
constituinte e não nos permite tirar qualquer conclusão mais radical sobre a natureza
conceptiva dos projetos.
As divergências entre um texto e outro não são, na verdade, sobre impostos que
indiquem qualquer inclinação de natureza política, devendo-se, todavia, ressaltar que o
texto constitucional fala em competência da União para tributar produtos industrializados
(inciso IV, 153 Constituição de 1988), o que não se depreende do texto da OAB, assim
como, em impostos sobre grandes fortunas (inc. VII, art. 153 Constituição de 1988),
embora, na forma de lei, o que não está no texto das conclusões da XI Conferência da
OAB, o que é justificável porque nas linhas de mudanças a XI Conferência tinha uma
proposta de alcance estrutural, desprezando as eventuais iniciativas conjunturais. De
qualquer forma, tanto na proposta da OAB, quanto no texto da Constituição, fica visível a
posição dominante da União na arrecadação e na repartição (art. 157 a 162 Constituição de
1988) do produto arrecadado, sendo que no texto constitucional há um certo
reconhecimento para distribuição regional, o que paradoxalmente não ocorre no documento
da OAB.
Estas observações nos permitem, de qualquer forma, afirmar, que, no conjunto
das discussões sobre as questões tributárias, que o texto da OAB não tem o mesmo grau de
coerência nos seus diferentes patamares, assim como, os problemas sociais e regionais do
federalismo brasileiro, que poderiam ser enfrentados através das políticas de tributação, ao
que parece, não têm proposições de enfrentamento tributário no texto da OAB, assim como
o próprio texto constitucional também é muito superficial. O documento produzido pela
OAB, de certa forma, não ultrapassa a modelagem liberal tradicional, o que diverge de suas
913
outras linhas propositivas conforme anteriormente estudamos,
1416
e o texto constitucional,
na melhor das hipóteses, teria alcançado algum patamar social-liberal, muito embora, não
se possa efetivamente tirar conclusões ideológicas mais profundas neste contexto.
Todo este trabalho comparado visa demonstrar a capacidade do ideário da OAB
abrir-se para novas dimensões constitutivas da sociedade. Este item, todavia, demonstrou,
apenas, que os propósitos conclusivos da OAB não indicavam uma linha maior de ambição
ideológica, evitando recursos conjunturais. Optando, como anteriormente demonstramos,
para soluções estruturais, e, no que se refere à linha geral do Capítulo a sua proposta,
fortalecendo a regiões federativa alternativa, não obteve sucesso de maior alcance político.
O texto Constitucional de 1988, neste caso, foi mais conservador e de menor alcance
político, o que significa que o estatuto futuro mais encontraria(rá) na Constituição subsídios
para políticas federativas mais tradicionais de menor alcance social nos seus objetivos do
que nas conclusões constituintes da OAB.
Conclusivamente, vale ressaltar que várias tem sido as tentativas de reversão da
política social-liberal para uma política neo-liberal, mesmo reconhecendo as altas taxas de
remuneração tributaria no Brasil. Todavia, as iniciativas não tem alcançado grade sucesso.
Assim, após tímidas alterações provocadas pela Emenda Constitucional n°. 3, de 17 de
março de 1993, §§ 6° e 7° do art. 150, caput do 155 e 156 sobre impostos dos estados e
municípios e §§ e as Emendas Constitucionais intermediárias n° 33, de 11 de novembro de
2001 (§ 3° do art. 30) sobre entrada de mercadorias importadas e impostos sobre bens de
infra-estrutura antecedidas da Emenda Constitucional n° 29, de 13 de setembro de 2000,
sobre alíquotas diferentes, sobre a localização e o uso de imóvel e, ainda, as Emendas
Constitucionais n° 33, sobre incidência única de contribuição social e 37, de 12 de junho de
2002, que alterou o IMC da Emenda Constitucional n° 3/39, e tratou das políticas de
incentivos fiscais a Emenda Constitucional n° 42/03 (antecedida da Emenda Constitucional
n° 41, de 19 de dezembro de 2003) sobre a competência da União para instituir
contribuições sociais e exceções de superfície.
A Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro de 2003 é que se fizeram
as mais profundas modificações, não apenas incisivos remanescentes do projeto OAB na
Constituição, como também na própria vocação do texto constitucional, onde destacam-se
1416
Ver cap.XI, item 9.1.2., desta Tese.
914
aspectos (art. 146) sobre tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas referidas
em outros artigos, regime único de arrecadação e compartilhamento, critérios tributários
para evitar desequilíbrios da concorrência pela União (art. 146 A), sobre contribuição social
sobre bens e importados (inc. II 146 A) e, ainda, desta Emenda Constitucional 42, a alínea
C do art. 150 (sobre publicação sobre aumento de impostos), § 1° do art. 150 (sobre
inaplicabilidade de tributos), § 4° da Emenda Constitucional (sobre impostos progressivos
para desestimular a movimentação de propriedades improdutivas) e, ainda, a letra “a” do
inc. 10 do art. 155 sobre operações que destinam mercadorias sobre o exterior e, letra “d”,
do inciso X, que dispõe que não incidirá impostos nas prestações de serviço na modalidade
radio difusão sonora, sons e imagens de recepção livre e gratuita, antecedido pela letra “a”.
Finalmente, repetindo, a política tributária circula hoje num verdadeiro caos de
objetivos com uma política de grande captação tributaria, quase toda ela incentivada por
portarias regulamentares de sustentação de alcance mais legislativo, (num texto mais
legislativo) do que de política constitucional, dividido entre compensações para a pequena
empresa e garantias para a grande produção. Na verdade, se estava frágil a política
tributaria constitucional de 1988 as Emendas transformaram-na numa teia complexa que
contribui apenas para “superávits” sem alcance para políticas de desenvolvimento
3 – A Organização Judiciária
3.1. Preliminares Históricas
Na história dos poderes do Estado brasileiro a organização judiciária está
dispersamente estudada, sendo, todavia, necessário ressaltar o trabalho que alguns recentes
autores que procuraram compreendê-lo sistematicamente para alcançar as suas assimetrias,
principalmente a partir de suas sucessivas interconexões com o Poder Executivo, como seu
agente desestabilizador. De outro ângulo, nós próprios, temos procurado configurar, a partir
de estudos sobre o seu funcionamento, como sistema de fluxos de feedback para absorver
915
conflitos sociais, sempre identificando as suas rupturas entre novos e especiais âmbitos
conflitivos das diferente sociais as condições entrópicas de sua sobrevivência.
1417
De qualquer forma, antes do recente período constituinte de 1986/88, podemos
identificar três grandes ciclos de seu funcionamento: o período imperial, o período da velha
república e o período do (ou que sucede) constitucionalismo moderno. Estes 3 (três )
períodos tiveram seus momentos diferenciados marcados, cada um, pela edição de códigos
e leis diferenciativas ou o fortalecimento ou enfraquecimento dos direitos individuais, mas
a presença interferente do instituto da escravidão complicou a edição de uma legislação
civil e processual civil com sérios efeitos judiciários, fazendo com que sobrevivesse as
sucessivas práxis do Código Filipino. Foi mesmo a modernidade constitucional, após
modificações republicanas com a criação do Supremo Tribunal Federal – STF, que na
pratica substituiu o STJ e os Tribunais Estaduais, nas velhas relações que rompeu-se este
círculo e permitiu que o Judiciário evoluísse no contexto de sua própria história.
O período imperial está marcado pela dispersão judiciária, herdada da
legislação metropolitana aplicada na colônia, onde não havia propriamente uma
organização sistemática devido às especiais concentrações do Estado Absolutista, força
interventiva do Poder Moderador, tanto nas conturbadas instancias locais, Juízos de Fora,
Juízos Municipais, Juízos de Paz, como nos Tribunais das Relações, que, no tempo, foram
absorvendo as funções do Velho Tribunal da Consciência e da Ordem e da própria
(colonial) Casa de Suplicação. Não fosse a criação, em 18 de setembro de 1828, do
Supremo Tribunal de Justiça,
1418
com funções meramente protocolares e de alçada, sem
força decisória recursal, o Império teria sobrevido judicialmente, como fora no tempo do
Reino Unido (1808/1821), impedido, pelas próprias circunstâncias, de ver restaurada a
colônia.
O primeiro período republicano, quem sabe, esteja tomado, por grandes
iniciativas renovadoras, como, por exemplo, a criação da Justiça Federal, com força para
decidir matéria de direito comum, e do Supremo Tribunal Federal – STF, acompanhados da
proposta de criação de códigos processuais estaduais, em tese, sobrepostos ao conjunto das
1417
BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
1418
Bastos, Aurélio Wander. A Criação e Organização do Supremo Tribunal op.cit.
916
práticas judiciais imperiais herdadas dos Tribunais de Relações. Todavia, a atávica força
dos próprios Tribunais das Relações, dominados pelo patrimonialista que designava
solicitadores, rábulas e provisionados, impôs-se, à incipiente competência constitucional da
Justiça Federal, a partir de sucessivas decisões do STF, as velhas praticas das Relações aos
Tribunais Estaduais, que passaram a decidir nos ritos judiciários que mais se vmltavam ao
velho direito de propriedade e mantinham excluídos da vida civil a antiga população
escrava.
Estas práticas, na verdade, só vieram a ser enfrentadas com o Código Civil de
1916/17 e o Código de Processo Civil de 1939 seguidos do Código Penal de 1940 e do
Código de Processo Penal de 1942. O Supremo (STF) para onde se deslocaram os ministros
do antigo Supremo Tribunal de Justiça STJ desenvolveu-se amorfo nas suas
competências de terceira instância
1419
que vieram se acumulando a partir de leis novas e, só
efetivamente, tomou corpo organizado após a edição do Código de Processo Civil e do
Código de Processo Penal, guardadas algumas importantes decisões que dera dimensões
jurídicas ao Hábeas Corpus e ao Mandado de Segurança.
A história demonstra que a atuação da OAB depois de 1930, foi marcante e
decisiva para o fortalecimento do Supremo, e dos tribunais inferiores, muito embora, não se
possa, exatamente, afirmar que dera significativas contribuições na elaboração dos códigos
processuais, especialmente o Código de Processo Penal, cuja Exposição de Motivos viera
assinada pelo Ministro da Justiça Francisco Campos, tido também como principal
colaborador na redação da Constituição do Estado Novo de 1937. Todavia, a posição do
STF adquirira tal destaque que a passagem do regime autoritário de 1937/45 para o regime
constitucional de 1946, ocorreu sob a égide do Presidente do Supremo Ministro José
Linhares investido na Presidência da República, quando a OAB, mesmo com uma estrutura
paraestatal vinculada ao Estado, como já demonstramos, enfrentou os excessos ditatoriais e,
ostensivamente, assumiu o projeto liberal-democrático, da Constituição de 1946, quando
começa a se destacar o humanista católico H. F. Sobral Pinto que vinculou seu nome à
criação do CDDPH em 1964 e a defesa de sua ação efetiva após 1968.
1420
1419
Ver cap. XI.
1420
MATTOSO, J.X. Pedro (atualização da obra de Laurêncio Lago). Supremo Tribunal de Justiça e Supremo
Tribunal Federal; dados biográficos – 1828-2001. Brasília. Supremo Tribunal Federal, 2001. Este Catálogo
bibliográfico é de especial importância porque é o único trabalho brasileiro que permite identificar esta
917
De qualquer forma, os debates constituintes e pré-constituintes estiveram
sempre permeados pela incisiva ação da OAB, sobre o Poder Judiciário, estimulando a
autonomia e independência, muitas vezes, cerceadas em seus direitos e, em outras tantas
ocasiões dos juizes, inclusive, aposentados e cassados, privando dos seus direitos dos
jurisdicionados, por longo período (1968/1978) quase sempre no lídimo direito ao habeas
corpus suspenso por crimes políticos em 1968/69. Por outro lado, em 1977, quando o poder
militar impôs ao Congresso Nacional o famoso Pacote de Abril que restruturava o Poder
Judiciário, encontrou por parte da OAB e próprio Poder Judiciário e da sociedade civil
profundas reações de desaprovação e rejeição.
3.2. O Poder Judiciário nas Propostas Constituintes da OAB
3.2.1. A OAB e a Estruturação Judiciária.
A estrutura organizativa dos tribunais brasileiros abriu-se para as suas primeiras
alterações significativas já nos albores do constitucionalismo moderno, sendo, todavia, que,
o primeiro impacto, sobre os seus procedimentos, resultou das políticas de informatização
dos procedimentos burocráticos cujos efeitos gerais dilataram-se no tempo com grandes
resultados positivos. De qualquer forma, a modernização informática mais se dirigiu a
organização interna dos cartórios, ao enfrentamento do congestionamento judiciário, num
significativo descompasso entre demandas e decisões na agilização de procedimentos
administrativos cujos efeitos de modificação estrutural foram pouco significativos mas
ampliou em muito o reconhecimento da movimentação estatística dos tribunais.
recomposição estrutural dos ministros que o foram no STJ imperial e vieram a sê-lo no STF republico, numa
visível reacomodação das elites e de suas praticas. Ver esp. Candido Barata Ribeiro (que era Medico), mas
que não fora do STJ, Bernardino Ferreira da Silva (que viera estruturar judiciária imperial), Hermínio
Francisco do Espírito Santo (que ficou 30 anos no STF), Américo Lobo Leite Pereira, Ubaldino do Amaral
Fontoura, Lucio de Mendonça e, ainda, Epitácio da Silva Pessoa, Pedro Lessa, Edmundo Muniz Barreti e
outros tantos. Ver p. 203-257.
918
Estruturalmente, o Poder Judiciário remanesceu com a sua organização dual,
que, especialmente se desenvolveu, mais por efeitos práticos, após a Primeira República,
quando se tentou criar uma Justiça Federal que se impusesse aos tribunais provinciais das
relações, referência histórica da justiça comum estadual. Todavia, como já observamos, a
pauta republicana sucumbiu à velha estrutura das relações, apesar do significativo papel
que foi atribuído ao recém criado Supremo Tribunal Federal STF, mas à Justiça Federal,
somente tomou corpo estrutural próprio a partir de 1967, com a Constituição de 24 de
janeiro, se que, todavia, houvesse qualquer restrição à funcionalidade e às competências da
justiça comum estadual. Neste contexto, a estrutura dos tribunais brasileiros ficou
organizada semelhantemente à organização federativa brasileira: os tribunais estaduais
ficavam competentes para julgar os litígios de direito comum e os tribunais federais para
julgar os litígios de direito especial, que envolvessem os interesses da União e, nas
circunstâncias históricas de sua criação, os litígios trabalhistas,
1421
ficando, todavia, em
aberto uma instancia judiciária competente para uniformizar os grandes fluxos
jurisprudenciais poupando o STF desta ingente tarefa para mais se dedicar à definição dos
parâmetros constitucionais do conhecimento jurídico dos fatos e conflitos de atribuições.
A esta estrutura dual, com o tempo, sobrepuseram-se novas e especiais
situações, que resultaram, muito especialmente, da ampliação dos direitos civis, das dificies
condições de funcionamento da própria Justiça (classista) do Trabalho, da ausência de um
Tribunal (Federal) competente para uniformizar a jurisprudência de direito comum e direito
especial, como já observamos, e, na sua dimensão politicamente mais importante, a
imprescindível necessidade de se criar um Tribunal Constitucional que aliviasse a
sobrecarga do Supremo Tribunal Federal, limitado na sua eficiência pelas questões de
direito comum e pelas questões de direito constitucional.
1422
Assim, as questões que envolviam o funcionamento e o papel social do Poder
Judiciário foram enfrentadas na Constituinte na dimensão que a correlação de forças
permitia, sempre considerando, que, em tese, seus poderes eram absolutos, mas que ela
1421
ARAÚJO, Rosalina Corrêa de. O Estado e o Poder Judiciário no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2005.
1422
As dificuldades para a criação do Tribunal Constitucional já observamos, especialmente reconhecendo as
próprias competências que se lhe reservou o STF na apreciação da matéria constitucional do clássico recurso
Extraordinário, como visto no art. 102 da Constituição e em toda nossa prática e procedimentos processuais.
919
(Assembléia Constituinte) trabalhava a partir do pacto entre as estruturas constituídas e seus
autores e os novos autores, muitos deles, apesar dos compromissos democráticos,
originários da velha ordem, e, mesmo os progressistas mais radicais, vinham eleitos no
contexto eleitoral, basicamente, construído em 1965, sabendo-se que as lutas de esquerda
não necessariamente evoluíram no contexto discursivo de questões judiciais processuais,
exceto, pelas especiais circunstâncias do Mandado de Segurança e Hábeas Corpus
1423
.
Neste quadro, as chances de mudanças institucionais radicais eram mínimas e, como
veremos, apesar do radicalismo da proposta constituinte da OAB, os seus propósitos
também refletiam as acomodações dos interesses internos de suas frações, àquelas alturas
coloridas pelo esquerdismo democrático (e, até mesmo, autocrático) e do resistente
liberalismo clássico desvinculando-se das novas e abertas vertentes do liberalismo social
com forte influência do novo trabalhismo (de viés esquerdista), todos mobilizados, aliás,
pelo novo humanismo.
Os debates internos na OAB, mesmo nas conferencias, não demonstram, por
outro lado, que as frações residuais de direita tinham uma proposta constituinte para o
Brasil, já perfeitamente articulada com os modelos neo-liberais em crescimento no fracasso
socialista do leste europeu, todavia, o quadro constituinte conciliatório estava mais aberto
pra o liberalismo social, numa especial forma de radicalização. Tanto é fato, que a crise
totalitária européia prontamente seguiu as reformas neo-liberais, que, por iniciativa da
OAB, quando pontificada a liderança de Marcelo Lavanère, hoje presidente da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, se não conseguiu sacrificar, as emendas constitucionais de
privatização contribuíram para o impeachment do Presidente Fernando Collor, que, por
sinal, não tomou qualquer iniciativa de emenda constitucional, tentando contornar a
situação através de iniciativas legislativas,
1423 A orientação constitucional sobre Hábeas Corpus, de qualquer forma, não fugiu das clássicas sugestões
sobre proteção processual do direito individual, acompanhando as sugestões da OAB com as adaptações que
cabiam. Assim propunha a OAB: 24º - Dar-se-á Habeas-Corpus a todo aquele que sofre ou se acha
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
25º - Conceder-se-á Mandado de Segurança para a defesa de direito ou interesse líquido e certo violado ou
ameaçado de violação por ato ilegal ou abusivo de órgão do Poder Público. Quando a violação ou ameaça
não for suscetível de prova exclusiva documental, o Mandado de Segurança seguirá o rito comum,
permitindo-se a antecipação da tutela, nos termos que a lei definir, e no que se refere à proteção de direitos
coletivos propôs a OAB: 27º – Cabe a impetração de Mandado de Segurança, por pessoa ou pessoas, na
defesa de interesses coletivos.
920
Não podemos afirmar que o ideário profissional, herdado da liberal democracia,
confrontado no tempo histórico com o trabalhismo-sindicalista, estava corroído pelas
ideologias, mas o Estatuto de 1963, especialmente após “atentado à OAB” seguindo à Carta
de Manaus, e após a virada à esquerda da X e XI Conferências (1985), se transformara num
espectro anódino, num flanco aberto, não apenas ao compromisso histórico com o
humanismo, que permeara a vida interna da OAB, mas, também, às ideologias
politicamente organizadas. O velho ideário estatutário de 1963 ficou comprimido pelas
ideologias dos novos tempos, como veremos, mas, é quase impossível desconhecer, que,
mesmo com suas tantas resistências, ou quem sabe, por elas próprias, a nova ideologia
jurídica que influenciará as posições futuras da OAB se desenvolveu a partir dele e o novo
projeto estatutário a partir dela, nesta simbiose dialética, que teve influências
constitucionais e, a partir delas, influências estatutárias em 1994.
No entanto, a XI Conferência da OAB, ao tratar da estruturação do Poder
Judiciário
1424
não voou por estes caminhos, mais procurando definir a sua organização
propriamente dita (do Poder Judiciário), o processo decisório dos Tribunais e os
mecanismos de seleção dos juízes, propondo abrir novas instâncias hierárquicas no Poder
Judiciário (inferiores e intermediários) recolocando a questão processual, mais comprimida
que ficara pelo Código de Processo Civil, de 1973, que teve o patrocínio de Alfredo
Buzaid, Ministro da Justiça nos anos trágicos que antecedera, a realização da V
Conferência no Rio de Janeiro, em 1974. Em princípio esta não seria uma correlação
necessária, mas, na verdade, o direito processual, na tradição positivista, à medida que se
definiu como regras para as demandas de direitos, se define, também, como regras de
decisões judiciárias. Por isto, discutir a reforma judiciária, quase sempre exige a avaliação
das regras processuais, e, quase sempre, elas entre si se confundem.
Neste contexto, no que se refere à organização judiciária, foram discutidas duas
linhas temáticas: a questão de estruturação do Poder Judiciário, sem que houvesse
propriamente uma abordagem modernizadora, exceto as preocupações com a
informatização e a questão do acesso à Justiça, como nova e especial temática ligada à
“democratização” do Judiciário que preferimos tratar como ampliação dos seus canais de
1424
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, 04 a 08 de agosto de
1986, pp. 207 e 208.
921
recepção de demandas originárias de grupos sociais de menor renda, através de
mecanismos de conciliação e de juizados especiais (sendo os mecanismos de arbitragem
mais se destinaram aos grandes conflitos, que, não envolvendo direitos indisponíveis
poderia se encaminhados em câmaras especiais de arbitragem)
1425
. Na primeira linha
temática a questão central foi o processo decisório e as especiais instâncias recursais,
perpassadas por fortes questões processuais e, complementarmente, discutiu-se, também, a
questão do Tribunal do Júri e dos Tribunais Especiais, assim como dos procedimentos para
a seleção dos juízes, concentrado-se na questão do ingresso na carreira da magistratura. Na
segunda linha esteve em pauta a ampliação dos direitos de pedir, perpassada por problemas
como a gratuidade e maior alcance social da decisão judicial, procurando evitar que o
formalismo se impusesse à imprescindível efetividade da decisão
1426
.
Não podemos, propriamente, afirmar, que, do ponto de vista organizativo, ou
estrutural, estávamos diante de propostas modelares, como que reconhecendo o que sempre
se reconhecera nas conferências: o problema do Judiciário é o problema dos juizes, o que
nem sempre é a melhor conclusão para efeitos em momentos de mudança. Na verdade,
resta observar, que na Constituição de 1988 de certa forma, o alcance reformista da
estrutura judiciária, não ultrapassou propostas de reacomodação de organogramas. Só muito
recentemente intensificaram-se as propostas de reformulação judiciária dominadas, por 3
(três) grandes vertentes: a modernização da justiça do trabalho, reconhecida como uma
estrutura corporativista,
1427
a transparência dos processos decisórios, principalmente com a
1425 Ver Lei n°. 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Lei de Arbitragem) e, também, prefacio de Aurélio
Wander Bastos, in SERPA Nazaré. Teoria e pratica da mediação de conflitos. Rio de Janeiro, Lúmen Júris,
1999. p. 9 a 15.
1426
BASTOS, Aurélio Wander. Lúmen Júris, art. Cit.
1427
Esta questão tem sido enfrentada por mecanismo de aproximação da estrutura judiciária trabalhista de
estrutura de Primeira Instncia da Justiça Federal e da Justiça Comum. A Emenda Constitucional n. 24, de 9 de
dezembro de 1999 (inc. III do art. 111 e a nova redação do caput do art. 116) propiciou uma reversão
profunda no esvaziamento da estrutura corporativa, mas a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de
2004 , possivelmente tenha ido mais longe neste intento, principalmente, quando atribui à Justiça do Trabalho
competência extensiva para julgar, não apenas relações de emprego, fundamento de sua origem e natureza
federal, prioridade à época de sua criação, para se lhe atribuir, também, dissídios resultantes de (qualquer)
relação de trabalho (inc. I do art. 114) abrangendo, inclusive, antes da administração pública direta e indireta.
Ver, também, do Desembargador Federal, Carreira Alvin, TRF 2ª. Região, recente tese sobre unificação da
Justiça Federal (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2006, p.2), assim como temos notas sobre
uma maior aproximação da Justiça do Trabalho, da Justiça Comum, diferentemente da posição de
PRUDENTE, Wilson, Crime de escravidão. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006 (estudo sobre a reforma do
Judiciário conforme a Emenda Constitucional n°. 45/04 e seus efeitos na Justiça do Trabalho).
922
ampliação dos mecanismos de correição e gestão e a hierarquização do processo decisório,
com a implementação das súmulas vinculantes e a formação dos juízes, viabilizando as
escolas de aperfeiçoamento.
1428
Estas tantas mudanças, todavia, não alcançaram ainda a
estruturação interna da burocracia dos tribunais para apreciar delitos complexos, embora,
como demonstramos, ocorreram mudanças para apreciação de conflitos simplíssimos, e, os
procedimentos processuais, que, não exatamente, se identificam como causa do
congestionamento ou remédio para enfrentar a estrutura fechada autoritária.
1429
Muitos, todavia, são os avanços da estrutura judiciária brasileira que evoluíram
dos propósitos constituintes da OAB, o que significa, que, alcançadas novas aberturas
ideológicas na estrutura institucional, mais significativamente os propósitos do ideário
corporativo poderão alcançar novos patamares profissionais. As políticas de expansão
interna dos institutos jurídicos, mesmo tradicionais, os desdobramentos interiores de velhos
institutos, como, por exemplo, a propriedade, o pátrio poder, a herança e a família (poderão
sofrer, como) têm sofrido reacomodações, que influem na ideologia jurídica ampliando as
possibilidades da ordem evoluir da própria ordem.
A X Conferência, ainda, nas questões gerais de alta provocação, propôs a
extinção da Justiça Militar, que estivera nos anos de ditadura comprometida com a
aplicação da Lei de Segurança Nacional, na qualificação e execução de crimes políticos
praticados, inclusive, por civis. Esta posição, adotada pelos militares governantes, foi um
desastre, comprometendo a hierarquia e os estritos problemas penais militares com questões
políticas, inclusive, transformando o Código de Processo Penal Militar, também, em
instrumento de avaliação de procedimentos políticos.
Poucos não foram os projetos, por estas razões, que não propuseram a extinção
da Justiça Militar, inclusive do Superior Tribunal Militar STM, o mais antigo Tribunal
brasileiro.
1430
Ainda que para muitos tenham sido plausíveis as propostas, as sugestões não
foram acolhidas pela Constituição brasileira de 1988, que, resguardou a sobrevivência da
1428
Ver Emenda 45/04.
1429
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. p. 400.
1430
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, 4 a 8 de agosto de 1986,
p. 210. Ver, também, ARAÚJO, op. cit.
923
Justiça Militar. Todavia, dali veio a lição histórica quando a Constituição dispôs no inc.
XXXVII do art. 5º que não haverá juízo ou tribunal de exceção, evitando, no futuro que
esta artificiosa manobra do período revolucionário sobrevivesse como exemplo, inclusive,
que se transformasse tribunais regulares em tribunais de exceção.
1431
Finalmente, para melhor compreensão destes aspectos pontuais, o
subdividiremos nos seguintes subitens:
3.2.1.1. A OAB e a Corte Constitucional
Fortaleceu-se durante a XI Conferência a tese de se transformar o Supremo
Tribunal Federal – STF em Corte Constitucional, subtraindo-lhe a apreciação das matérias
de direito comum movimentadas na forma de amplíssimo contencioso judicial,
viabilizando-se um novo tribunal efetivamente federal, que estivesse voltado mais para a
questão da justiça em relação à simples exegese da Lei e para a uniformização geral do
Direito enquanto expectativa de justiça social. As atribuições do Supremo Tribunal Federal
STF, deveriam subdividir-se em um Tribunal competente para as questões de natureza
constitucional e outro Tribunal destinado ao julgamento dos recursos extraordinários,
envolvendo as demais matérias não constitucionais, exceto por via indireta. A Corte
Constitucional, o primeiro, seria composta de juízes escolhidos, no todo ou em parte, pelo
Poder Legislativo, com mandado por prazo certo, e o segundo, o próprio Supremo na sua
forma histórica, manteria a sua composição, mas os juizes teriam mandato. Ambas as
proposições representariam significativa alteração nas tradições e práticas do STF.
Todavia, esta posição, avançadíssima para o quadro Judiciário brasileiro,
evoluiu, a partir, não apenas do problema das competências dos juizes, e da necessidade de
se uniformizar a jurisprudência dos tribunais especiais, e, também, das necessidades de se
incentivar uma política de enfrentamento do congestionamento Judiciário e da morosidade
1431
A posição adotada a partir de 1935, com a criação do Tribunal de Segurança Nacional, em 1937, na
repressão a crimes políticos, evitou esta fustigante fórmula a que os militares de 1964/68 não resistiram na
ansiedade do controle absoluto não apenas do poder político, mas também de julgar. Ver cap. X, item 6.2.
desta Tese.
924
das decisões, para uma posição intermediária, criando-se o Superior Tribunal de Justiça
STJ, como feixe das demandas de direito comum e de direito especial, deixando ao
Supremo STF as competências de apreciação constitucional e, também, na forma do
Recurso Extraordinário, matérias de direito comum de efeito constitucional, sem que,
todavia, se fortalecesse sua posição de Tribunal Constitucional.
Assim as discussões constituintes de 1987/88, discutiram a organização dos
Tribunais Superiores, tomando já como referencia a força constituinte de 1891, quando se
criou o Supremo Tribunal Federal, na expectativa de se articular, o que efetivamente
ocorreu, um Tribunal de 3ª (terceira) Instancia que subtraísse os poderes remanescentes e
interventivos do Poder Moderador nas Instancias judiciárias. Diferentemente, nesta última
constituinte, ganharam grande amplitude o problema premente da uniformização
jurisprudencial, com o objetivo de sintonizar as diferentes vertentes das decisões judiciais
(comuns e especiais) sobre assuntos semelhantes e, quase sempre, com base nas mesmas
leis substantivas e processuais, o que favoreceu a inovadora criação constituinte do
Superior Tribunal de Justiça STJ,
1432
absorvendo em tantas circunstâncias competências
excessivas do STF, mas reconhecendo sua imponência histórica.
Neste sentido, apesar desta divisão judicial de competências, não se criou uma
Corte Constitucional para julgamento de matéria constitucional, ficando a matéria na
competência do STF, que, também, resguardou-se na competência para julgar os recursos
extraordinários referentes a matéria constitucional ou pré-questionadas em instâncias
inferiores, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo: (...) julgar, mediante
recurso extraordinário, as causas decididas em única instância pelos tribunais superiores,
quando a decisão recorrida (...)
1433
A competência para julgamento dos recursos, que, não
especificamente, versassem sobre matéria constitucional, mas se relacionassem às demais
matérias de direito comum ficou delegada ao Superior Tribunal de Justiça – STJ, na forma
de Recurso Especial
1434
.
1432
Como veremos no Capítulo seguinte, esta não foi a tendência do STF, mas ampliaram-se
significativamente os mecanismos de controle de constitucionalidade e os agentes legitimados para a
propositura de ação. Ver Cap. III, item 6.1.1., texto e notas 85 e 86 desta Tese.
1433
Ver inc. III do art. 102 da Constituição de 1988.
1434
Ver inc. III do art. 105 da Constituição de 1988.
925
O texto originário da OAB, sobre a Corte Constitucional, admitia que seria
composta por juízes escolhidos pelo Poder Legislativo e com mandato certo, como
observamos, numa proposta originalíssima, mas que fugia de nossas tradições. A
Constituição de 1988 evoluiu por outro caminho, dispondo que os Ministros do STF
serão(iam) nomeados pelo Presidente da Republica, depois de terem a escolha aprovada
pelo Senado Federal.
1435
3.2.1.2. O Moderno Papel do Superior Tribunal de Justiça.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, (neste ano de 2006 completa 17
(dezessete) anos), que a têmpera e a prudência de seus ministros permitem distingui-lo
como um vetusto Tribunal, dentre todos o mais jovem. Assim está na ata de sessão solene
de instalação do STJ: Aos sete dias do mês de abril de 1989 o Supremo Tribunal Federal,
reuniu-se em sessão solene, especialmente convocada para instalação do Superior
Tribunal de Justiça na forma do artigo 27, do Ato das Disposições Transitórias da
Constituição Federal (o Superior Tribunal de Justiça será instalado sob a presidência do
Supremo Tribunal Federal...), sob a presidência do excelentíssimo Senhor Ministro José
Neri da Silveira
1436.
Herdeiro da sigla histórica – STJ, do mais antigo tribunal superior brasileiro – o
Supremo Tribunal de Justiça, criado no Império em 18 de setembro de 1828
1437
não é o
mais superior dos Tribunais republicanos, nem ao menos guardou para si a inspiração
criativa de Rui Barbosa na formatação do Supremo Tribunal Federal – STF, mas,
incorporou à sua missão central uniformizar a jurisprudência dos Tribunais, como
jurisprudência das decisões, em todos os diferentes âmbitos, espaciais e hierárquicos, da
1435
Ver parágrafo único do art. 101 da Constituição de 1988.
1436
Diário da Justiça de 20.04.89, p.5815. Ver de BASTOS, Aurélio Wander. STF 16 Anos. In Revista Justiça
e Cidadania. n°. 58. Rio de Janeiro: maio 2005. p. 16.
1437
BASTOS, Aurélio Wander: O Legislativo e a Organização do Supremo Tribunal no Brasil. FCRB/CD
1978.
926
produção judiciária, como pressuposto da estabilização e realização final do projeto
pioneiro de Rui Barbosa.
Guardadas as dimensões hierárquicas e de competências diferenciadas entre o
STF (artigo 101 e segs) e o STJ (artigo 104 e seg), no cumprimento da Constituição, os dois
tribunais têm colaborado para a sedimentação jurisdicional da federação brasileira. Da
mesma forma, têm, ao mesmo tempo, contribuído, por um lado, para que o direito positivo
brasileiro se desdobre como direito nacional, superando as resistências regionais e, por
outro lado, se consolide como construção aberta das expectativas sociais, viabilizando o
acesso às instâncias superiores do Judiciário como garantia democrática.
Nestes 17 anos de funcionamento do STJ, estiveram em sua presidência, juízes
da mais alta respeitabilidade, que fizeram das decisões da Corte, parâmetros decisórios dos
demais tribunais brasileiros, marcando a história de seus personagens, não apenas como
história do STJ, mas, muito especialmente, como história do pensamento jurídico brasileiro.
A ata de sessão administrativa do STJ (e dos Tribunais Regionais Federais), realizada
anteriormente à instalação, em 8 de setembro de 1988
1438
, presidida pelo Ministro Gueiros
Leite, presidente do anterior Tribunal Federal de Recursos, dá a exata dimensão da sua
histórica evolução, como modernização federativa e evolução institucional, para
demonstrar o seu espaço prospectivo para o Brasil moderno, bem como o seu papel como
tribunal dos tribunais.
Nestes poucos maduros anos de existência e persistência judicial estiveram na
sua presidência Ministros como Washington Bolivar, Torreão Braz ,Willian Patterson,
Américo Luz, Nilson Naves, Costa Leite, Waldemar Zveiter, Pádua Ribeiro, Romildo
Bueno, Edson Vidigal e o atual Presidente Barros Monteiro. Por fim outros tantos de
expressão jurídica notável, como L. V. Cernichiaro, Eduardo Ribeiro, Carlos Alberto
Direito, Sálvio de Figueiredo, Ruy Rosado, Luis Fux e Nancy Andrighi.
Conclusivamente, mesmo com as limitações identificadas, a criação do STJ e a
redefinição do STF, no contexto do Judiciário brasileiro, tivemos um grande avanço na
estrutura de organização e o tempo tem demonstrado os seus efeitos positivos. Aspecto
finalmente importante de se ressaltar é que na forma da nova Constituição o Supremo
1438
Diário da Justiça de 07.06.89, p.10017.
927
Tribunal Federal - STF, os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça ficaram com a
competência de propor ao Poder Legislativo alterações de custos e despesas orçamentárias,
(o que não acontecia no passado, submetendo a autonomia dos tribunais), e, ainda a criação
ou extinção de tribunais inferiores, sendo que, silenciou-se, todavia, sobre a criação de
justiça especializada,
1439
proposta pelos advogados. Por outro lado, vale ressaltar que
adquiriram dimensão especialíssima na Constituição os debates e, finalmente, os
dispositivos sobre a “justiça itinerante”
1440
, mantendo, ainda, a Constituição, a Justiça de
Paz Temporária, também sugerida pelos advogados, competente para habilitação e
celebração de casamento, tradicional instituto da formação judiciária brasileira, até muito
recentemente constituído de juizes eleitos, a única experiência brasileira neste gênero
1441
(que veio a ser prevista no inc. II do art. 98 da Constituição), bem como se propôs, também,
um Colegiado prévio de conciliação, para anteceder os contenciosos de família, o que não
foi transcrito, nem aproveitado no texto constitucional
3.2.1.3. O Tribunal do Júri.
Na linha das proposições provocativas, sobre o Tribunal do Júri,
1442
propuseram
os advogados, que, a sua competência deveria ser ampliada para abranger, não apenas os
crimes dolosos contra a vida, mas, também, os delitos cometidos através da imprensa, do
1439
Esta matéria foi recentemente redefinida na forma da Emenda Constitucional n°. 45/04.
1440
Sobre a justiça itinerante, o parágrafo único do art. 126 dispõe que sempre que necessário à eficiente
prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio. Este dispositivo, todavia, fica apenso ao
artigo citado que dispõe: Para dirimir conflitos fundiários o tribunal de Justiça designará juizes de entrância
especial com competência exclusiva para questões agrárias.
1441
Ver BASTOS, Ana Marta Rodrigues. Católicos e Cidadãos - A Igreja e a Legislação no Império. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 1997. Aliás, sobre esta questão, a letra “c”, do inc. VI do art. 14 se refere, ainda, ao Juiz
de Paz, como Juiz elegível desde que maior de 21 anos. Esta orientação esta confirmada no inc. II do art. 98.
Nas Disposições Transitórias (art. 30) dispõe que a legislação que criar a Justiça de Paz, manterá os atuais
juizes de paz (...) assegurando-lhes os direitos (...) e designará o dia para eleição referido no inc. II do art.
98.
1442
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, 04 a 08 de agosto de
1986, pp. 271.
928
radio e da televisão, e ainda, outros crimes que a lei determinasse. As sugestões da OAB
entediam que os delitos de imprensa, como delito de opinião, publicamente veiculado à
própria opinião pública, caberia ser julgados se a publicação excedesse os limites
politicamente suportáveis,
1443
. A Constituição de 1988, neste caso, dos delitos cometidos
através da imprensa serem julgados pelo Tribunal do Júri, não seguiu a orientação
propositiva da OAB, ficando assim a redação do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição
de 1988: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das rotações; c) a soberania dos
veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Nesta linha, sem a abrangência esperada, manteve-se a tradição brasileira do
Júri resguardando com mais força o princípio de que a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça de direitos (inc. XXXV. Art. 5°.) e, ainda, ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (inc. LIII, art. 5°.) e, mais,
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (inc. LIV,
art. 5°.) e, finalmente, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com meios e recursos
a ele inerentes (inc. LV, art. 5°.). De qualquer forma, no contexto geral da definição do
Tribunal do Júri, essencialmente competente para “julgar os crimes dolosos contra a vida”,
mantendo o princípio do reconhecimento popular dos jurados, ampliou-se
significativamente, a política circunstancial para o tratamento do crime.
A consolidação escrita de opiniões e posições verbais nem sempre alcança o
universo discursivo, mesmo com base em textos taquigráficos, mas, neste tema, podemos
afirmar, que as propostas da OAB, instituídas no texto constitucional, não foram
radicalmente divergentes das opiniões documentais, mas devemos acentuar que
significativas foram as diferenças no que se referem à criação da Justiça Agrária, com a
finalidade de implementar a reforma agrária, item consecutivo deste Capítulo. Por outro
lado, independentemente dos temas que já abordamos, ainda neste Capítulo vamos analisar
a questão do acesso ao judiciário, que aparece, não apenas na forma de propostas sobre a
1443
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Belém, 04 a 08 de agosto de
1986, pp. 270.
929
criação de tribunais inferiores, movidos pelas técnicas de conciliação, especialmente para
tratar de conflitos simplíssimos, que pudesse fugir da rotina quotidiana da justiça formal.
3.2.2. A Justiça Agrária
1444
A XI Conferência, na verdade, preocupada com a questão da reforma agrária,
como condição essencial para o arranque econômico de base no Brasil, tratou da questão
em 2 (dois) níveis: no primeiro nível, discutiu a questão agrária enquanto desvios
anacrônicos da propriedade da terra, no específico tópico que discutiu o sistema de
propriedade, como está nesta Tese e, no segundo nível, muito embora conectamente com o
primeiro, a questão da criação da Justiça Agrária. A posição, por conseguinte, adotada
associava a criação da Justiça Agrária à reforma agrária, vicio matricial da estrutura da
propriedade agrária no Brasil.
Como já tivemos oportunidade de ressaltar devido à relevância do tema e à
extensa gama de problemas decorrentes da má distribuição das terras no Brasil esta questão
é uma questão sempre recorrente nas conferências da OAB, os advogados sempre
abordaram-na na sua dimensão de superfície, pelos seus tantos fracionamentos internos e
resistências à sua incorporação como projeto do ideário profissional, devido à sua carga
ideológica, altamente comprometida com a negação (antítese) da ordem posta (ou a tese
afirmativa). Foram as duas últimas conferências, todavia, na sua grande dimensão de
abertura política nas circunstâncias de sua própria historia, que fizeram-na uma questão
central do projeto político brasileiro, não propriamente dos deveres corporativos, enquanto
representação do anacronismo do processo produtivo, mas matriz referencial da
propriedade fundiária monocultora e sem compromissos retributivos que permitam uma
vida digna para o trabalhador rural, como demonstrara Florestan Fernandes na XII
Conferência.
1445
1444
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 561.
1445
Ver cap. XI, item 3.1, desta Tese.
930
Este tópico do Capítulo, todavia, dever-se-ia concentrar no problema da criação
de uma Justiça Agrária especializada, mas as informações sobre as varas especializadas de
justiça agrária na justiça estadual ainda não estão suficientemente sistematizadas para efeito
de informação e analise.
1446
Neste caso das varas de Justiça Agrária, o tema fica mais
complexo pelo seu evidente embricamento com o Direito civil, e a conflitiva situação nas
atribuições de competência o que, todavia, não impediu a edição e sucesso do novo Código
Civil, marcadamente influenciado pelos institutos do Código do Consumidor e, como
nunca, sensível à nova Constituição.
1447
Nesta mesma linha de discussões sobre o Poder Judiciário, confirmando
posição, bastante inovadora até agora indicadas, entenderam os advogados que:
É inadiável criar a Justiça Agrária Brasileira (...) implantada como órgão autônomo do
Poder Judiciário ou setor especializado da Justiça Federal (...), numa postura
inovadora subtraindo a questão da órbita da justiça civil (comum) estadual para a
justiça federal. Na forma das sugestões apresentadas à XI Conferência Nacional da
OAB, a Justiça Agrária seria competente para julgar feitos relativos a domínio, posse,
uso e conservação das terras publicas ou particulares, excluídos os dissídios
trabalhistas e incluídos os resultantes de delitos com motivação agrária, bem como os
acidentes de trabalho rural.
1448
Neste sentido, a grande provocação do projeto dos advogados para o Judiciário
foi a criação da Justiça Agrária, composta de juízes togados, com competência para julgar
todo e qualquer litígio de natureza agrária, uma especial fórmula jurídica para resolver-se
a questão da propriedade agrária, a dimensão dilacerante da questão constituinte. Esta
questão, aliás, sempre permeou, subsidiariamente, os debates históricos dos advogados
acompanhando o tema da reforma agrária, mas nunca adquirira destaque temático geral.
As razões são muitas, neste quadro, destacam-se sempre dentre elas a
fragilidade das iniciativas legais para alcançar efeitos estruturais, assim como a força
conceitual do Direito como direito da propriedade (ou das relações produtivas privadas) e,
1446
No item subseqüente apresentamos um estudo histórico sumariado sobre as varas especializadas na Justiça
brasileira este estudo, todavia, como se verificará, demonstra que as varas especilizadas de justiça agrária é
matéria recente imposta pela Emenda Constitucional n°. 45/04.
1447
MOREIRA, Cássia. Código Civil comparado. Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro:
América, 2003.
1448
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 554.
931
por fim, o fato de que as composições setoriais da OAB sempre estiveram mais próximas
das lutas pelos direitos, enquanto direitos extensivos da ordem jurídica, e não enquanto
lutas estruturais
1449
. Por estas razões, quem sabe, o projeto de criação de uma Justiça
Agrária seria mais viável, enquanto foro especial de transformação da decisão judicial em
decisão modificativa de efeitos estruturais, assim como a discussão das condições de vida
do homem do campo como condições desumanas ou suscetíveis de classificação como
crimes agrários contingenciais.
Este especial tipo de orientação, como a historia demonstra, exigiria uma
altíssima eficácia nos processos de decisão e suportes estatais de resistência (inclusive
forças militares) com competências especialíssimas. Por outro lado, a grande diversidade de
manifestação da questão, com características regionais próprias dificultaria a uniformização
jurisprudencial e a própria eficácia da ação de preservação da decisão judicial.
A Constituição brasileira, todavia, ao tratar da questão da Justiça Agrária não
incentivou com efetiva convicção a sua criação na forma sugerida pela OAB, evitando
radicalizar nesta orientação. A Constituição tratou do tema, sem relacioná-lo à reforma
agrária, nem ao menos fazendo dele matéria da justiça federal, colocando-o na órbita de
assuntos de interesse da União, como o são a Justiça do Trabalho, a Justiça Militar e a
Justiça Eleitoral.
O texto original da Constituição de 1988 (art. 126) estabeleceu que: Para
dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça, designará juizes de entrância especial,
com competência exclusiva para questões agrárias. Esta redação, todavia, não obteve a
eficácia que os constituintes esperavam o que levou a nova redação sobre a mesma matéria
na emenda constitucional n°. 45/04 que assim passou a dispor (também no art. 126): Para
dirimir conflitos fundiários o Tribunal de Justiça (estadual, por conseguinte) proporá a
criação de varas especializadas
1450
(evoluindo, por conseguinte de sua própria estrutura
1449
A repetição insistente na criação da Justiça Agrária encontra suas razões de argumentação Histórica: dede
1922, quando o Governador paulista Washington Luiz criou a pioneira Justiça Rural (Anais da XI
Conferencia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, opcit, p. 549). Em 1969 foi encaminhada ao
Legislativo uma proposta de ordenação completa da Justiça Agrária (p. 458), no entanto, os próprios
participantes da Conferência reconheceram as dificuldades para sua criação, inclusive de ordem orçamentária.
1450
Para melhor compreensão da historia e da posição das varas especializadas na organização judiciária
federal, desenvolveremos no Capítulo seguinte, em item especifico, o papel que estas varas e outras mudanças
judiciárias relevantes adquiriram na estrutura judiciária brasileira a partir de emendas constitucionais do
restrito texto constitucional de 1988.
932
vigente) com competência exclusiva para questões agrárias.
1451
Esta redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45/2004, não tem uma distinção profunda do texto original da
constituição (limite espacial da Tese), todavia, fica esclarecida a competência da justiça
estadual para tratar da matéria através de varas especializadas o que não fora definido,
repetimos, no texto original. Esta posição, com certeza, entende que o tratamento judicial
destas questões agrárias estaria na órbita de competência da justiça estadual , reconhecendo,
por conseguinte, as características próprias de cada unidade federativa no tratamento da
questão. Nesta linha, a emenda constitucional está procurando aproveitar a experiência das
varas especializadas na Justiça Federal com o objetivo de agilizar soluções de conflitos
agrários. Por outro lado, a emenda constitucional n°. 45/04 manteve a redação original do
parágrafo único da Constituição: Sempre que necessário à eficiente prestação jurisdicional,
o juiz far-se-á presente no local do litígio.
O que se verifica, por conseguinte, é que tanto o texto original da Constituição
quanto o texto da redação da emenda ficaram bem distante do projeto da OAB, que
pretendia uma Justiça Agrária bem mais interventiva e capacitada inclusive para realizar
atos de reforma agrária. Este especial tipo de ação ficou, todavia, reservado aos Poderes
Executivo e/ou Legislativo, que assumiram na forma da Constituição um amplo programa
voltado para políticas agrícolas e fundiárias que, não estavam nas exatas proposições da
OAB. Neste quadro geral, todavia, advieram sugestões programáticas sobre políticas
agrárias que estudaremos com mais percuciência comparativa no item referente à Estrutura
da Propriedade, ainda, neste Capítulo.
1451
No que se refere, no entanto, à política agrícola e fundiária e da reforma agrária não existem emendas
constitucionais sobre a matéria, mas a questão vem sendo regulamentada por diversas leis mais recentes,
sendo que, prevalece, ainda, em vigência a Lei n° 4504, de 30 de novembro de 1964 (estatuto da terra) e, com
publicação mais recente, várias leis essencialmente voltadas para programas de financiamento rural, podendo
citar entre elas: LC n° 93 de 04 de fevereiro de 1998 (cria o banco da terra), Lei 8629, de 25 de fevereiro de
1993 (dispõe sobre mecanismos da reforma agrária), Lei 9138, de 29 de novembro de 1995, com aliterações
introduzidas pela lei 9848, de 26 de outubro de 1999 e pela lei n° 9866, de 09 de novembro de 1999 (sobre o
credito rural), Lei n/ 9393, de 19 de dezembro de 1996 (dispõe sobre o ITR) e varias leis sobre o programa de
fornecimento da agricultura familiar (Lei n° 9126, de 10 de novembro de 1995). O conjunto geral destas leis,
efetivamente demonstram que não há qualquer estabilidade com relação a política agrária no Pais e o processo
de instalação da justiça agrária é mais imperceptível que visível.
933
3.2.3. A OAB e o Acesso ao Judiciário
A Conferência, vencida algumas das mais essenciais questões judiciárias
colocou como item essencial de pauta a questão da democratização do Poder Judiciário e as
políticas de acesso dos mais carentes à Justiça. As duas questões têm entre si semelhança,
mas, não necessariamente democratizar o Poder Judiciário significa ampliar a oportunidade
(maior acesso) de carentes e oprimidos terem reconhecidos seus direitos em demandas
especificadas.
Democratização do Poder Judiciário é um movimento interno que tem
repercussões sobre a organização e hierarquização dos tribunais e, inclusive, na extensão de
sua composição, passando, necessariamente, sobre o pluralismo doutrinário ou
jurisprudencial das decisões. Historicamente, por exemplo, a incorporação de advogados
militantes às cortes
1452
“poderia” ser um indicativo de democratização, assim como, a
escolha eletiva de juizes para as câmaras superiores, ou até mesmo, a departamentalização
hierárquica, não funcional, mas judiciária das varas, isto sem considerar que as varas
especializadas e a justiça itinerante representam grandes avanços.
1453
Por outro lado, como temos insistido nesta Tese, a tese do acesso ao Judiciário,
pode-se, até mesmo se reconhecer como uma variante democratizante, mas ela é um
fenômeno externo e está vinculada ao potencial de dissidentes em situações litigiosas
levarem suas expectativas (digamos civis, trabalhistas, onde o fenômeno é menos denso,
onde o clássico formalismo processual afeta a obtenção do direito, ou até penais, ao
judiciário, tradicionalmente estes pleitos, levados ao judiciário, resultavam em volumosos
fracassos mas com a criação dos Juizados Especiais,
1454
incentivando novos ritos e
1452
Ver arts. 94, (Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios),
art.120 § 1°.inc. III (Tribunais Regionais Eleitorais), art. 107, inc. I, (Tribunais Regionais Federais), , art. 104,
§ único, inc. II (Superior Tribunal de Justiça), art. 123, § único, inc. I, (Superior Tribunal Militar), art. 111-A,
I e ar(Tribunal Superior do Trabalho), da Constituição. Nesta mesma linha argumentativa ressalte-se a
composição aberta do STF (art. 101, § único, onde é notável a preponderância entre juristas de notável saber e
reputação ilibada o papel do Presidente da República articuladamente com o Senado Federal), ver também o
art. 84, inc. XIV, o papel do Presidente da República após aprovação do Senado, dos Ministros constitutivos
de outros tribunais superiores.
1453
Ver Emenda 45/04
1454
Ver art. 98, I e § 1° (também, Emenda Constitucional 45/04).
934
procedimentos, as oportunidades de acesso a demandas de pequenas causas cresceram, mas
a questão central continua vinculada a efetividade da decisão como contrapeso do
formalismo, favorecendo políticas de conciliação, exposições orais e dispensando os
grandes recursos hermenêuticos e financeiros
1455
O volumoso material sobre estas questões demonstra, que, na verdade, são
faces do mesmo problema: criar as condições necessárias de acesso (para demandar) ao
Poder Judiciário para populações de baixa renda, carentes ou “apartadas”, que poderá ou
não decidir na forma do seu interesse, o que, significa, que, formalmente, não
necessariamente pelo fato do demandante ser carente, decidirá o juiz fora da lei ou por
alternativa concepção de justiça que não esteja na Lei. O que a OAB propunha, e se espera,
é que o judicante carente não fique prejudicado no seu direito pelo desconhecimento do
direito, especialmente considerando os seus baixos recursos financeiros, as altas custas
judiciais, a indisponibilização de advogados
1456
e o pagamento de honorários
1457
.
O texto conclusivo sobre esta questão na proposta da OAB sugere: A lei não
poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual ou
metaindividual. No art. 5º, XXXV da CFB a Constituição de 1988 foi mais restritiva e no
lugar de individual ou metaindividual dispõe: lesão ou ameaça a direito, ficando, assim
implícita a parte excluída. A prestação jurisdicional é dever do Estado e será gratuita para
todos que comprovarem necessidade, assim dispondo no inc. LXXIV do art. 5º: o Estado
prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos. No que se refere à institucionalização da proteção a carentes e “apartados”
fugindo das iniciativas assistenciais ou da ação direta dos estados membros da federação, a
Constituição criou a Defensoria Pública dispondo no seu art. 134:
A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados,
na forma do art. 5º, LXXIV. Parágrafo único. Lei complementar organizará a
Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá
normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na
1455
BASTOS, Aurélio Wander, Efetividade e Legalidade, op.cit.
1456
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 264.
1457
BASTOS, Aurélio Wander. Efetividade e Legalidade, op.cit.
935
classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus
integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais.1458
As conclusões da XI Conferência Nacional da OAB visaram sugerir o
afastamento dos obstáculos do acesso à Justiça, garantindo a assistência judiciária plena às
pessoas pobres
1459
e a vedação à não apreciação a qualquer lesão ao Direito, que ficaram
incluídas entre os Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição
1460
Topicamente, das sugestões constituintes da OAB restaram as seguintes
indicações não incluídas no texto constitucional promulgado, que direta ou indiretamente se
relacional com o tema (...):
14º - (...)
15º - A todos é garantido o acesso aos juízes e tribunais na defesa de seus interesses.
16º - (...)
17º - O acesso à justiça será assegurado a todos, não podendo ser negado por
insuficiência de meios econômicos.
18º - A assistência judiciária gratuita será prestada preferencialmente por entidades
não estatais, que devem ser financeiramente assistidas pelo Poder Público para essa
finalidade.
19º (Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção.) Todos têm direito ao juiz
ordinário predeterminado pela lei, e a um processo em que estejam garantidos
publicidade, o contraditório, a ampla utilização de meios de prova pertinentes e o
controle das decisões.
Finalmente, apesar da Constituição de 1988 não ter exatamente alcançado a
dimensão das propostas da OAB, reconheceu (art. 134) dando maior dimensão ao novo
instituto que a Defensoria Pública é instituição essencial à função do jurisdiciona do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5°. LXXIV, que assim dispôs: o estado prestará assistência
judiciária e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
1461
.
1458
Sobre esta matéria ver a Emenda Constitucional nº 45/2004 que renumerou o primitivo parágrafo único,
acresceu o parágrafo 2º e deu nova redação ao art. 135 da Constituição de 1988.
1459
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 245.
1460
BASTOS, Aurélio Wander. Efetividade e legalidade, ed.cit.
1461
Ver Lei n°. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 (Lei de Assistência Judiciária).
936
3.2.4. Os Advogados e os Tribunais.
1462
A presença indispensável de representação das partes por profissional do
Direito nos processos judiciais de qualquer natureza, foro ou instância, foi uma das
conclusões da XI Conferência, o que encaminhou a Constituição a ser explicita, dispondo
que (art. 133) o advogado é indispensável à administração da Justiça sendo inviolável por
seus atos e manifestações, no exercício da profissão nos limites da lei, orientação que
prevaleceu no Estatuto nas suas dimensões aplicativas.
1463
A legislação, todavia, agiu com
razoável cautela, evitando excessos, procurando estabelecer a imprescindibilidade em todos
os processos, guardando as posturas trabalhistas posteriores (art. 791 CLT), assim como
admitindo presença facultativa e até mesmo dispensável, como no caso dos arts. 9º da Lei
9.099. Houve ainda uma tentativa de inserir no ordenamento jurídico a obrigatoriedade de
representação das partes por advogado em todos os processos judiciais, através do Código
de Ética e Disciplina da OAB, inc I do art. 1º, I; tendo sido a disposição frustrada por
sumulo do STF.
Independentemente das medidas de longo alcance, na discussão do tema
Formas alternativas de estruturação do Poder Judiciário, especialmente sobre o papel
presencial do advogado na ação direta junto aos processos. Os advogados participantes da
XI Conferência, chegaram às seguintes conclusões: o ingresso na carreira da magistratura
deveria ocorrer mediante concurso de provas e títulos, realizado pelos Tribunais de Justiça
e por comissão paritária entre magistrados, professores universitários e advogados, os
dois primeiros escolhidos pelo próprio Tribunal e os últimos pelos Conselhos Seccionais
1462
Este tema das relações entre advogados sempre foi de especial interesse literário, principalmente na
virada da Revolução Francesa. Balzac sentia grande entusiasmo pelo tema e o tratou profusamente na
Comédia Humana. O clerc e la noblesse de robe adquirem nas páginas balzaquianas uma força vital
incomparável. Impressos: Aldus, sd. Novel. Atas da Revolução e do Império, a ascensão social da toga
coincide com a plenitude de Paris: ver origens vivida del ilustre colégio de Alagoias de Madrid, 1ª ed.
15.7.71. Depósito vol. M 18.167, 1971. Castello, 120. Madrid. As máximas criticas de Napoleão Bonaparte
sobre a advocacia inscrevem-se entre alguns dos temas de maior relevo irônico antes e depois da Revolução
Francesa. Ver, por exemplo, HONORÉ, Balzac. Como fazer a guerra: máximas e pensamentos de Napoleão.
Porto Alegre. L& PM, 2005. Ver, também, DUMAS, Alexandre. Napoleão: uma biografia literária. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
1463
Lei n°. 8.906, de 4 de julho de 1994, (Estatuto da Advocacia e da OAB).
937
da OAB. Esta orientação é excepcionalmente importante, mesmo porque ela reconhece a
necessidade participativa de professores de Direito nos concursos, uma prática do passado,
como, por exemplo, inclusive na composição de Conselhos da República,
1464
como
ocorreu, especialmente na composição do CDDPH, bem como de advogados militantes nos
concurso de juizes. Esta abertura provocaria dois especiais efeitos: a oxigenação do
conhecimento positivo dos juizes na convivência com as teorias academicamente discutidas
e a sensibilização dos magistrados para a práxis, o cotidiano da advocacia. Estas linhas
inovadoras poderiam influir decisivamente para a abertura do formalismo decisório nos
Tribunais, ampliando, nas situações convergentes, o seu alcance social e, com certeza,
reconhecendo no legalismo formal uma dimensão decisória mais efetiva
1465
Todavia, o texto constitucional, não foi, neste caso, tão abrangente,
reconhecendo que Lei Complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá
sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I – ingresso na
carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, através de concurso de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,
obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (...),
1466
não absorvendo, por
conseguinte, a sugestão da participação de professores.
Ainda, suplementarmente, a Conferência sugeriu, diferentemente do que veio a
ser a Constituição, que o exame para ingresso na carreira de juiz se faria em duas fases,
uma primeira fase intelectual e escrita, para Juiz-adjunto temporário, e outra fase para Juiz
de nomeação vitalícia. Para a primeira fase, bastaria que o bacharel tivesse um ano, no
mínimo, de prática forense. Para a segunda fase, que implicaria nomeação vitalícia, e se
realizaria após dois anos de judicatura como juiz adjunto-temporário, o concurso exigiria
também exame objetivo de títulos e trabalhos forenses. O texto constitucional, na forma
1464
Efetiva demonstração do desprestígio desta orientação passada, verifica-se no texto da recém Emenda
Constitucional n°. 45/04, quando, dispondo sobre a composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B),
não coloca dentre seus membros qualquer representação do magistério jurídico.
1465
Ver de BASTOS, Aurélio Wander: Legalidade e Efetividade, op.cit.
1466
Ver inc. I, art. 93. Não há, de qualquer forma, maiores diferenças em relação à Constituição de 1967/69,
que dispõe no inciso I, do art. 114 e a Constituição de 1946, no inc. III do art. 124, que os concursos terão a
participação direta dos advogados, muito embora, mesmo no texto de 1988, não haja qualquer abertura para a
participação de professores, abertura restrita ao CDDPH em 1964.
938
originária de sua redação, não especificamente, tratou desta questão de especiais tipos de
juizes, mas se restringiu às políticas de carreira deixando ao Estatuto da Magistratura a
especificação da matéria.
1467
De qualquer forma, as conclusões aprovadas pela OAB,
admitiram a necessidade, no processo do concurso, de uma comissão que poderia averiguar
os antecedentes do candidato, o que, não ficou explícito no texto constitucional., A
Constituição de 1988 (art. 93), estabeleceu que o Supremo Tribunal Federal disporá sobre o
Estatuto da Magistratura, prefixando uma serie de regras que estavam explicitadas na Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, ocorre, todavia, que esta providencia ainda não foi
executada, exceto, é claro, nos casos concretos em que se impõe o texto constitucional. A
emenda 45/04, fez uma serie de alterações neste dispositivo constitucional que poderão ter
efeitos extensivos ao se definir o Estatuto da Magistratura substituindo, desta forma, a
LOMAN, que traz compromissos ainda com atos promovidos pelo Governo Militar
1468
.
Tema que foi especialmente considerado pela Constituição, de relevância
significativa para os advogados, como temos analisado desde os itens sobre a Constituição
de 1934 é exatamente a sua participação no quinto dos Tribunais Regionais Federais TRF
e dos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, uma conquista da categoria,
que se torna presente no interior do Estado, mesmo que a nomeação final estivesse na
competência do Poder Executivo, depois de evoluir por outras instâncias, inclusive no
1467
A Lei Complementar n°. 35 de 14 de março de 1979 (lei orgânica da magistratura), assinada pelo
Presidente Ernesto Geisel, foi editada, ainda, quando estava em vigor o denominado pacote de abril, que
reformou o Poder Judiciário durante período de recesso decretado pelo Poder Executivo. No que se refere a
garantia dos juizes a lei manteve o direito a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
1468
A Emenda Constitucional n°. 1/69 estabeleceu que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN
disporá sobre a divisao do Tribunal, podendo estabelecer a especialização de suas turmas e constituir, ainda,
órgão a que caibam as atribuições reservadas ao tribunal pleno (...). A sessão III da Emenda Constitucional
n° 7/77, ao criar o Conselho Nacional da Magistratura, se lhe atribuiu uma serie de competências sendo que o
§ 1° do art. 120 fixou uma serie de regras administrativas relativas à administração da primeira instancia,
reconhecendo, todavia, a necessidade de se observar o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional,
como indicamos na nota anterior. Este dispositivo de certa forma, pelo menos preliminarmente, completa o
que dispôs a própria emenda n°. 7/77 ao reconhecer (letra b, I 122) que ao tribunal federal de recursos cabia
processar e julgar originariamente os juizes federais, os juizes do trabalho e os membros dos tribunais
regionais do trabalho, bem como dos tribunais de contas e dos estados, do Distrito Federal e os do
Ministério Público da União nos crimes comuns e de responsabilidade, matéria que estava regulada,
diversamente, no texto original da Constituição de 1988 (assim estava compete ao TRF I. processar e julgar
originariamente: a). os juizes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da justiça militar e da justiça
do trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade e os membros do Ministério Público da União,
ressalvada a competência da Justiça Federal).
939
órgão especial dos próprios tribunais, após a escolha dos nomes pelas seccionais e pelo
Conselho Federal da OAB,
1469
no caso de Tribunais Federais.
O texto constitucional reconhece, na linha histórica iniciada em 1934, e repetida
nas constituições sucessivas,
1470
que os advogados de notório saber jurídico e de reputação
ilibada, com mais de 10 anos de efetivo exercício profissional, poderiam ser indicados em
lista sêxtupla, pela Ordem dos Advogados (Órgão de representação da classe) ao Tribunal
que elaborará lista tríplice a ser enviada ao Executivo que escolherá um dos seus
integrantes para a nomeação. As conclusões aprovadas pela XI Conferência entendem que
na composição de qualquer Tribunal , exceto [na composição] o Supremo Tribunal [de
livre escolha da Presidente da República] Federal, um quinto das vagas será[ia] provido
por [advogados e membros do Ministério Publico], que estejam em efetivo exercício da
profissão, todos de notório merecimento e idoneidade moral, com 10 [dez] anos, pelo
menos, de prática forense. O preenchimento dessas vagas resultará de lista tríplice,
originária de lista sêxtupla, de (membros do Ministério Público ou de) advogados
nomeados pelo Presidente da República, nos Tribunais Federais, inclusive nos Tribunais
Regionais Eleitorais ou pelo Governador do Estado. Exceto na estrutura de redação dos
dispositivos, como se pode verificar, não há divergência de orientação entre o texto
constitucional e as sugestões da XI Conferência.
1471
Outras tantas questões foram tratadas pelos advogados, dentre elas a proibição
de sessões secretas, das decisões imotivadas e das votações anônimas, assim como, os casos
de segredo de justiça, decorrentes de lei, não impediriam a presença dos procuradores das
partes nas sessões. A vedação às sessões secretas e decisões imotivadas que garantem maior
1469
Procedimento similar foi utilizado para a recente escolha dos membros do Conselho Nacional de Justiça
CNJ: art. 92, inc. I-A, na redação da Emenda nº 45/04 e, ainda, especialmente o art. 103 B conforme art. 5º da
mesma Emenda. Ressalte-se, todavia, que pela primeira vez, o texto constitucional admitiu na composição de
órgão judiciário representante da sociedade civil, sem conexão específica com a formação jurídica.
1470
Texto especifico, em Capítulo seguinte, explicita as políticas de designação de advogados para compor os
tribunais, muito claramente explicitando as divergências de linguagem no processo de escolha dos advogados
designados na forma do quinto constitucional.
1471
Dispõe a Constituição no art. 94: Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais
dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais
de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez
anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das
respectivas classes. Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a
ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.
940
transparência à Justiça, e dão maior segurança aqueles que dela necessitam, foi especificado
no inciso IX do art. 93 CF/88, dispondo explicitamente que todos os julgamentos dos
órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena
de nulidade, podendo a lei, limitar a presença, se o interesse público o exigir, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação.
1472
Ao que parece, todavia, até que os tribunais não se pronunciem, o dispositivo
constitucional, em divergência com outros, não poderia limitar a presença das partes, em
determinados atos, e, principalmente, de advogados, resguardando o princípio do interesse
público. Como se verifica no texto constitucional, as decisões dos tribunais são públicas,
mantendo-se, por conseguinte, a orientação de que estavam vedadas as sessões secretas, as
decisões imotivadas, bastantes razoáveis no contexto das prerrogativas funcionais
restritivas da Constituição de 1967/69.
1473
Na verdade, em toda a história da consolidação
do ideário profissional este ato tem significativa força interruptiva e seus fundamentos
ideológicos não são definidos.
1472
A parte final desta redação foi incluída pela redação da recente Emenda Constitucional nº 45/2004 e,
possivelmente, seja um dos únicos casos de restrição de acesso do advogado aos atos processuais. Apesar da
redação dúbia do texto tornou-se imprescindível que a OAB provoque a apreciação da matéria por contrariar
outros tantos dispositivos constitucionais, inclusive os arts. 133 e outros tantos dispositivos do art. 5º da
mesma Constituição.
1473
A Constituição de 1967/69 não especificamente tratou desta matéria mas fixou rígidas competências de
caráter disciplinar com relação a juizes de primeira instancia admitindo, inclusive, avocação de processos. Ver
§§ 1° e 2º do art. 120 e notas anteriores deste mesmo Capítulo.
941
4 – A Estrutura da Propriedade
4.1. Observações Introdutórias
A XI Conferência e, anteriormente, os encontros sobre Assembléia
Constituinte, tiveram significativo efeito na tomada de consciência política dos advogados,
fugindo mesmo das linhas tradicionais de suas preocupações e debates nas conferências.
Todavia, em qualquer dos encontros não se privilegiou temas de natureza conceitual ou de
recuperação histórica sobre direito de propriedade. As teses defendidas, e os debates
sucessivos, mais se concentraram nas presumíveis alternativas para resolver a estrutura da
propriedade agrária, uma premente questão à época, com sucessivas manifestações
campesinas, prioritariamente, e urbanas.
1474
Numa linha genérica de raciocínio, enveredou-se, a Conferência, e os anteriores
encontros constituintes, pela linha afirmativa de que o exercício da propriedade conduz ao
exercício do poder, devendo o texto constitucional futuro interromper esta conexão como
forma possível de se viabilizar uma democracia econômica. Vários foram os estudos nesta
linha, mas a Conferência dedicou-se, principalmente, mais a oferecer sugestões sobre a
reforma da propriedade agrária (e da propriedade urbana), do que a explorar as formas de
organização da produção e avaliar em maior profundidade os mecanismos constitucionais
de controle da atividade econômica. Esta linha de abordagem temática conduziu, no fundo,
o grande volume das posições sobre o tema, prevalecendo, naquele momento histórico, a
convicção de que aqueles que têm a propriedade têm o poder, não ficando, sempre visível, a
recíproca.
Para melhor compreensão do alcance das manifestações dos advogados sobre a
questão da propriedade subdividimos o conjunto dos pronunciamentos, neste item de
1474
Aliás, como tivemos oportunidade de observar a Conferencia de Belém (1985) cresceu exatamente de
situações de excessiva violência agrária que vinham se manifestando na cidade maranhense de Imperatriz.
Esta situação está narrada no Primeiro Encontro sobre Violência e Direitos Humanos, que aconteceu entre 1 e
3 de agosto de 1985, onde destacaram-se juristas como Carlos Nina, Artur Lavigne e Sergio Ferraz. Ver A
OAB na voz de seus Presidentes. op.cit., p. 176.
942
Capítulo, em três blocos de sistematizados: o 1º (primeiro) bloco tratou da questão da
reforma agrária, principalmente como forma de superação das crônicas desigualdades
sociais; o 2º (segundo) bloco tratou da reforma urbana, especialmente dos instrumentos
constitucionais de reorganização e planejamento do espaço urbano e, finalmente, o 3º
(terceiro) bloco se dedicou aos mecanismos constitucionais de controle do abuso do poder
econômico.
No contexto temático estudou-se a aplicabilidade dos princípios constitucionais
imprescindíveis a toda e qualquer iniciativa de reforma da propriedade, sendo que, a
identificação destes instrumentos, ocupação e uso do solo, e desapropriação,
fundamentalmente, permearam as discussões que mais se destinaram a viabilizar a
desapropriação, a reorganização fundiária, a regulamentação das modalidades jurídicas de
ocupação da terra e, ainda, como tema muito especial, a proteção das terras indígenas e
quilombolas. A questão da reforma urbana teve um caráter subsidiário, mas dominaram as
questões sobre direitos de moradia e urbanização das favelas como áreas socialmente
“apartadas”. Finalmente, os temas sobre abuso do poder econômico evoluíram, no quadro
discursivo, na sua visão brasileira: conter o avanço do poder econômico internacional.
1475
Estes temas, no conjunto das palestras, tradicionalmente tratados nas
conferências, representavam, na forma que estavam postos, ou relacionados, à dinâmica
interna dos institutos jurídicos, uma verdadeira revolução na ideologia jurídica, sempre
afeita a questões superestruturais, assim como abria conceitualmente o confronto com os
parâmetros que presidiam o ideário estatutário dos advogados, sempre comprometido com
o processo de demandas no limite da ordem estabelecida, por um lado, e, por outro, com o
liberalismo jurídico, profundamente marcado pelo reconhecimento do direito de
propriedade. As conclusões temáticas alcançaram o ambiente de expectativas sociais, mas,
na verdade, não romperam com o cauteloso pragmatismo ideológico dos advogados,
perante as ideologias de transformação estrutural da propriedade, assim como demonstram
a capacidade extrema de resistência do ideário corporativo e estatutário para enfrentar
questões estruturais.
1475
A legislação atual sobre esta matéria tomou novos e especiais rumos, permitindo-se afirmar que,
prevalece, ainda, uma profunda tendência contra as praticas de cartelização, mas, no que se refere às praticas
“anti-trusts” ou contra as fusões ou incorporações a legislação (Lei n°. 8.884 de 11 de junho 1994, e o próprio
processo decisório do CADE têm sido mais compreensíveis).
943
Como já observamos, no primeiro bloco, a questão conceitual da propriedade e
os modelos de organização da produção não foram a linha temática central, mas foi
exatamente neste vazio discursivo que evoluíram as opiniões e os debates sobre a nova e
influente vertente do direito brasileiro da propriedade: a função social da propriedade,
como tema referencial das políticas agrárias futuras, e da própria reforma urbana: tema
emergente que ganhou foro constitucional articuladamente com o clássico conceito liberal
do direito (inviolável) de propriedade. Todavia, esta linha de orientação não emanou,
propriamente, dos encontros constituintes (e da XI Conferência), principalmente, porque a
sua linha de aprofundamento propositivo não foi a abertura do conceito de propriedade,
mas a institucionalização impositiva da reforma da estrutura agrária brasileira, com ênfase
na sua urgente realização como instrumento de libertação do poderio econômico e político.
Foram os debates na Assembléia Constituinte, e a conseqüente Constituição que
veio a ser promulgada em 5 de outubro de 1988, que prestigiaram a linha conceptiva de
abertura conceitual da propriedade à sua função social. Nesta linha, a Constituição
brasileira de 1988, no inc. XXIII do art. 5º, depois de garantir no inciso XXII a propriedade
privada, dispõe que a propriedade atenderá a sua função social, e o art. 186 enumera os
requisitos necessários para que a propriedade cumpra esta função. No caso da propriedade
rural: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - O
aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; III observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores. No caso da propriedade urbana o § 2º no art. 182 define
que: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
De qualquer forma, como se verifica, o texto constitucional de 1988 ficou na
dimensão dilemática entre o direito de propriedade (inviolável) e a função social da
propriedade, permitindo, no fundo, que uma variante constranja os efeitos de outra. Esta
posição, mesmo nos limites, na aparente contradição da situação, permite reconhecer um
amplo avanço no quadro geral das linhas futuras e, ao mesmo tempo, manter em aberto
linhas de rediscussão do velho e tradicional conceito de propriedade.
944
Finalmente, do ponto de vista desta pesquisa, o que efetivamente pesa sobre
suas hipóteses é o fato visível de que a radicalização qualitativa de qualquer projeto de
reforma estrutural encontra resistências no ideário profissional dos advogados, assim como
tem dificuldades mesmo (de serem absorvidos) de serem constituídas em uma nova
ideologia jurídica. Esta leitura demonstra que uma nova ideologia jurídica mais sensível às
revisões jurídicas das estruturas econômicas e sociais não passa por convulsões ou projetos
de profundidade estrutural, principalmente quando a questão é a questão da propriedade
privada, mas pode alcançar efeitos positivos quando reforça posições de aberturas internas
dos institutos classicamente reconhecidos, mesmo que pela força repetitiva dos tribunais ou
pela experiência jurídica externa.
4.2. A Reforma Agrária
Os pronunciamentos, obedecendo à sistematização inicial sobre a Reforma
Agrária, nos encontros constituintes da OAB como propusemos no 2º (segundo) bloco
podem ser subdivididos em duas grandes linhas: a primeira, através do discurso ousado,
que defende a Reforma Agrária de efeitos estruturais com dispositivos constitucionais auto
aplicáveis, basicamente, e, a outra, que pré-definir-se-ia como uma proposta de política
agrária, apoiada em extensiva legislação infraconstitucional. No primeiro caso, os seguintes
dispositivos constitucionais que deveriam ser aprovados, segundo sugestão da OAB,
presidiriam o processo reformista: O direito de propriedade é condicionado à posse, ao uso
e a outras limitações previstas [na] Constituição e em leis. A União poderá promover a
desapropriação de propriedade rural, ainda que inscrita e cadastrada como empresa,
mediante pagamento de indenização com títulos especiais da dívida pública, segundo
critérios fixados em lei.
1476
Prevê ainda, a proposta dos advogados que a União e os
Estados desapropriarão, sem indenização, as terras devolutas e que estas se incorporarão
aos planos de Reforma Agrária da União e dos Estados. O texto da OAB propôs, ainda,
1476
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 512.
945
que se excluísse da desapropriação as pequenas áreas de até três módulos rurais,
remetendo à lei complementar a competência para definir as dimensões do modulo rural.
O “anteprojeto” da OAB,
1477
neste sentido, ainda propôs a inclusão, no texto
constitucional, de princípios segundo os quais: I) deveriam ser respeitadas as formas
(individuais ou comunitárias) espontâneas de ocupação e uso do solo; II) dever-se-ia
definir e ampliar o conceito de função social da propriedade e, ainda III) considerar sob o
abrigo do sistema jurídico em vigor as alternativas de organização do assentamento de
trabalhadores rurais na execução da Reforma Agrária em unidades familiares,
condominiais ou em comunhão, associativas ou unidades mistas, recomendando-se aos
órgãos executores da Reforma o respeito aos interesses dos próprios beneficiários do
processo e às formas espontâneas de utilização da terra.
Os tantos pronunciamentos que se sucederam, todavia, especialmente,
concentraram-se nas formas e meios disponíveis (juridicamente) para a efetiva realização
da reforma agrária (estrutural): o uso e ocupação do solo e a(s) ação(ões) de
desapropriação(coes). No que se refere ao uso e ocupação do solo as propostas da OAB
reconheceram como formas legítimas a ocupação e uso espontâneo através do usucapião
rural (e urbano), sendo que não existem manifestações que reconhecessem toda e qualquer
prática de invasão. Foi, todavia, nas sugestões sobre desapropriação do solo rural que mais
forte se manifestaram as intenções da OAB.
Nesta linha, dentre tantas sugestões, no entanto, em um dos encontros foi
aprovada, proposta, que, ultrapassava a figura jurídica (clássica) da desapropriação, quando
se sugeriu: São expropriados para reforma agrária, sem indenização, todos os latifúndios
improdutivos e especulativos, com imediata redistribuição aos trabalhadores rurais sem
terra, de área cultivável suficiente para a subsistência pessoal ou familiar condigna. São
legitimadas legalmente as entidades sindicais de trabalhadores rurais e urbanos para
identificação e classificação de terras expropriáveis e para condução administrativa,
política e jurídica do processo de redistribuição e de ocupação do espaço rural.
No que se refere à desapropriação não existiam sugestões que extrapolassem o
reconhecimento indenizatório, muito embora, não tenha havido exata coincidência no
1477
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 524-525.
946
modus praticandi com os futuros dispositivos constitucionais. Assim, sugeria a OAB: não
indenizar quem praticamente abandonou o imóvel, assim como ao proprietário de má fé
não se deveria corrigir o valor do imóvel na indenização. Estas duas propostas não foram
aceitas e a Constituição, mais tarde, veio a dispor no artigo 184 que a desapropriação será
mediante prévia e justa indenização, sendo que, todavia, tanto a proposta da OAB quanto a
Constituição futura (inc. I do art. 185) reconheceram que estavam excluídas da
desapropriação as pequenas áreas de terra.
O conhecimento jurídico brasileiro, pela sua origem e formação, se
desenvolveu, nesta especial área conceitual da propriedade, nas linhas formativas
tradicionais, até hoje, dominantemente, permeadas pela sua gênese romanista, de certa
forma infensa à determinação do fenômeno social relevante, na linguagem da sociologia ou
como pretende da sociologia do direito. Neste sentido, a questão do direito de propriedade,
no texto constitucional, senão no projeto da OAB, evoluiu numa/em dimensão social
reconhecendo na sua função social a evolução interna do próprio instituto jurídico, muitas
vezes resistentes às inovações enxógenas que podem ferir a sua própria natureza.
1478
A
posição assumida na Constituição, apesar de sua dimensão mais cautelosa, no tempo, ficou
mais afeita e compreensível pelo ideário estatutário, paradoxalmente em divergências com
as posturas qualitativamente mais profundas inabsorvíveis, mesmo, pela ideologia
profissional.
De qualquer forma, não podemos desconhecer que sem esta especial abertura
no conceito do direito de propriedade, aparentemente vazia, mas de grande alcance social,
ficaria, como ficou no passado, inviável a qualquer política agrária de efeitos
1478
A Constituição de 1988, na verdade, previu uma estratégia para enfrentar a questão da reforma agrária,
não tão incisiva como propusera a OAB, mas o fez com alcance social. Assim, quando no inc. XXII do art. 5º
dispôs que é garantido o direito de propriedade, com as ressalvas do art. 243, e explicou que no inc. XXIII do
mesmo artigo que a propriedade atenderá a sua função social, prefixou as bases estratégicas de sua política
(de reforma) agrária. Para alcançar estes resultados definiu, ainda, no inc. XXIV do mesmo artigo que a lei
estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante previa e justa indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição,
claramente definiu seus meios: desapropriação seguida de indenização em dinheiro. A Constituição excluiu,
por conseguinte, praticas expropriatórias e de invasão, ficando, também, reconhecido no inc. XXXV, do
mesmo artigo, que a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Todavia,
resta observar, que, conforme o art. 184, que compete à União desapropriar por interesse social para fins de
reforma agrária o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, voltando a demonstrar, por
conseguinte, a alta relevância do conceito de função social da propriedade, a motivação social e jurídica das
políticas de reforma.
947
economicamente extensivos. Contudo, evitando insistir que o conceito de função social da
propriedade soçobrou vazio na Constituição os incisos do artigo 186, prefixaram: o direito
à propriedade privada é cumprido quando a propriedade rural atende, simultaneamente,
segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I –
aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais
disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos
proprietários e dos trabalhadores.
Finalmente, complementando, ainda, o que até agora foi exposto, o artigo 185,
da Constituição, dispõe sobre a desapropriação da seguinte maneira: São insuscetíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária: (...) II – a propriedade produtiva. Parágrafo
único: a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o
cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
A leitura destes artigos nos permite concluir que a Constituição brasileira
tornou insuscetível de desapropriação a propriedade produtiva, ou seja, aquela que cumpre
a função social (produtiva), atribuindo-lhe tratamento especial e elevando sua função à
categoria de princípio, dentre outros, a ser obedecido pela ordem econômica. Mas, apesar
do tema não ter sido tratado nas conferências constituintes, de qualquer forma, criou uma
especialíssima especificidade no art. 243 que dispõe:
As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,
sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em
lei. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e
reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e
recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização,
controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.1479
Finalmente, não sem grandes distancias, a proposta de reforma agrária no texto
constitucional, quanto no texto propositivo da OAB, apoiaram em políticas de
desapropriação apoiadas, necessariamente, nos desvios de função social da propriedades,
1479
Ver Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991, sobre expropriação das supra-referidas glebas.
948
ou, em especialíssimas situações, em atos expropriatórios, como seriam os casos do plantio
ilegal de plantas psicotrópicas.
De qualquer forma, numa abertura estratégica destas tantas questões agrárias
___ tópicas ganharam especial dimensão, como forma especial de abordagem colateral:
Terras Indígenas e Terras Quilombolas.
4.2.1. Terras Indígenas
Finalmente, ainda no contexto da Reforma Agrária,
1480
está como preocupação
da Conferência a questão das terras indígenas, que vinham sendo objeto de controvérsias
significativas em nossos tribunais e, especialmente, no Supremo Tribunal Federal –
STF.
1481
A luta dos povos indígenas necessita de aliados na sociedade nacional, de modo
que a proteção possessória constitucional de suas terras se efetive concretamente,
1482
afirmou-se objetivamente durante os encontros constituintes, o que veio a ser fortalecido
pela Constituição. A Constituição de 1988, mais amplamente, não se restringiu à proteção
das terras indígenas, mas criou um Capítulo reconhecendo aos índios sua organização
social, costumes, língua, crenças, tradições, e designando a União para protegê-los e fazer
respeitar todos os seus bens.
Assim está no art. 231: São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens. § 1º. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
1480
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 542 .
1481
Texto pioneiro que elaboramos ainda na virada dos anos 80 dão, interessante demonstração das posturas
jurisprudenciais no STF sob esta matéria, ficando evidente que as decisões de Vitor Nunes Leal, até 1969,
quando ainda o conceito de terra indígena estava associado ao conceito de “habitat” natural o que modificou
profundamente nos anos sucessivos, favorecendo maior ocupação das terras. Bastos, Aurélio Wander. As
Terras Indígenas no Direito Constitucional e na Jurisprudência do STF. Rev. da Faculdade de Direito. 1985.
Vol. XXVI/1. Fortaleza, pp. 161-174 e Sociedades Indígenas. UFSC. 1985.
1482
A questão da demarcação das terras indígenas esta regulada no art. 67 do ADCT e a exploração das suas
riquezas minerais está no inc. XVI do art. 49.
949
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as
necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. §
2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes. § 3º. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,
ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º. As
terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,
imprescritíveis. § 5º. É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad
referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco
sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso
Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º.
São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das
riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante
interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a
nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da
lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7º. Não se aplica às terras
indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º (estes artigos tratam da questão da
organização da atividade garimpeira na forma de cooperativas e suas prioridades na
autorização e concessão). E no art. 232: Os índios, suas comunidades e organizações são
partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo
o Ministério Público em todos os atos do processo.
950
4.2.2. Áreas Quilombolas
O artigo 68 da Constituição com muito especial alcance, dispõe sobre as antigas
áreas dos quilombolas, que não foram também referidas pelas conferências, mas são de
muito especial significado para a política brasileira de ocupação e definição de áreas de
usucapião: aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos. Esta postura, senão absolutamente, pelo menos residualmente, reconhece a
enorme dívida social com os trabalhadores negros escravos que deram sustentação à
economia monocultura brasileira, sem qualquer forma de reconhecimento, mesmo pelas
limitações legislativas da época, o que, definitivamente, contribuiu para as radicais
condições de desigualdade social no Brasil e de sua extensíssima divida social com este
especial grupo de população.
Finalmente, como até agora demonstramos, as propostas sobre Reforma
Agrária, sejam ao nível estrutural, como propôs a OAB, sejam ao nível de implementação
de efetiva política agrária, com aberturas, inclusive, para a reforma agrária, a partir do
conceito de função social de propriedade, afetam profundamente o tradicional conceito
jurídico dos manuais de estudo sobre direito de propriedade, muito especialmente a
propriedade agrária, não apenas na sua natureza histórica, mas no seu próprio âmago
institucional. Todavia, independentemente das específicas cautelas, as proposições
constitucionais podem significar riscos e efeitos sobre as próprias políticas de
implementação da reforma urbana, como propusemos abordar no 2º (segundo) dos blocos
sistemáticos de nossa análise.
4.3. A Reforma Urbana
Antes, de abordarmos a questão de reforma urbana, o 2º (segundo) bloco da
linha analítica e as soluções constitucionais que foram adotadas, verifiquemos como seguiu
951
a Assembléia Constituinte em relação aos dispositivos conclusivos da OAB referentes aos
projetos apresentados e discutidos nos encontros constituintes e na XI Conferência.
Basicamente, estes projetos foram apresentados em 2 (duas) grandes linhas: aqueles
projetos voltados para a ampliação do sistema de moradia e as propostas mais voltadas para
a reordenação das propriedades particulares urbanas. Nenhuma das linhas foram
desenvolvidas, de forma que se pudesse identificar manifestações (radicais) que
dispusessem sobre a eliminação (subtração ou transferência à ruptiva) da propriedade
urbana, restringiram-se apenas a discutir a sua reutilização socialmente mais ampla e
democrática.
Conclusões de ordem geral dos encontros e da XI Conferência dispunham,
quanto ao direito de moradia (para se incluir onde coubesse na Constituição):
1483
Art. ... –
Todos têm para si e para sua família direito a uma habitação digna e adequada,
promovendo os Poderes Públicos as condições para tanto necessárias, inclusive regulando
o uso do solo urbano de acordo com o interesse geral, sobretudo para impedir a
especulação. Visivelmente não é uma orientação interventiva, mas é uma postura bem
aberta para aqueles que reconheciam os limites estatutários da Ordem e de agir dos
advogados. Por outro lado, numa linha inovadora, mais radical, a OAB reconheceu como
direito, em sua proposta, o usucapião de terras públicas, até hoje desprezado pela ordem
jurídica positiva como instituto jurídico. Em parágrafo aberto neste mesmo artigo,
propunha: o imóvel usucapiendo poderá ser do domínio público ou privado, mas a
aquisição será com cláusula de inalienabilidade, acrescentando em seguida: Aquele que,
não sendo proprietário, promitente comprador, ou cessionário, que tenha renda familiar
de até 04 salários mínimos da região por 5 [cinco] anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir para fim de moradia própria, como seu, um terreno de 300m2 (trezentos metros
quadrados) no máximo, situado na zona urbana ou de expansão urbana, adquirir-lhe-á o
domínio, independente de título, podendo requerer ao Juiz que assim o declare por
sentença, a qual lhe servirá de título para o registro imobiliário.
A Constituição Brasileira de 1988 adotou em parte esta sugestão oferecida pela
Conferência de Belém, no caput do seu art. 183, que tem a seguinte redação: Aquele que
1483
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 623-624.
952
possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia, ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Como se verifica, o texto da OAB, foi mais extensivo, pois, mais radical, desconheceu
qualquer título antecedente ao direito de adquirir o domínio podendo requerer a titularidade
para efeitos de registro imobiliário.
Por outro lado, todavia, algumas propostas da OAB, no que se refere a
procedimentos para reforma urbana, foram mais radicais, pois sem desconhecer as
diferentes modalidades de propriedade, projetos da OAB chegaram a reconhecer a
necessidade de se criar mecanismos de expropriação nos casos de sua titularidade abusiva,
e de desapropriação, assegurado os direitos de indenização, como forma de garantir para a
família habitação digna e adequada. Esta linha de posicionamento se manifesta mais
radical, quando no elenco de propostas conclusivas sugere como item de artigo em aberto:
33º - São expropriados os imóveis urbanos ociosos ou de fins especulativos, com ou sem
indenização, para reforma habitacional que assegure justa redistribuição da propriedade
imobiliária urbana, em programas comunitários e estatais de habitação e de aquisição da
casa própria, em condições de preço e de prazo adequadas.
A XI Conferência Nacional da OAB, numa postura mais federativa, mas de
grande alcance político e administrativo, sugeriu a possibilidade do estabelecimento de
regiões metropolitanas por parte dos Estados mediante autorização de 2/3 dos membros de
suas Assembléias Legislativas e das respectivas Câmaras Municipais, enunciando os
serviços comuns (...), entre os quais necessariamente serão incluídos os atinentes ao
planejamento da prestação dos serviços comuns, ao planejamento do uso do solo
metropolitano e seu controle e a transportes (...).
Finalmente, retomando a questão temática central, a concentração da
propriedade urbana e a ausência de políticas populares de moradia são, para a OAB,
responsáveis pelas zonas sociais apartadas conhecidas como favelas. Nesta mesma linha
dilemática a Conferência priorizou a discussão crítica das aberturas legislativas que
facilitam o abuso do poder econômico em detrimento de políticas mais efetivas de
incentivo às pequenas e medias empresas.
953
Estas diferentes posições assumidas pela OAB, no que se refere à reforma
urbana, servem, de qualquer forma, para fortalecer a tese de que projetos estruturalmente
radicais são recebidos com desenvolta cautela nos fóruns corporativos, principalmente
quando se “excedem” no reconhecimento dos limites da propriedade e sua natureza
naturalmente inviolável. No fundo, todavia, a tese institucionalizada da função social da
propriedade, que não teve qualquer alcance estatutário futuro, influenciou, exceto como
projeto de justiça social, o suportável juridicamente. Não há como desconhecer a dinâmica
exógena do próprio instituto, até pela sua dimensão constitucional, mesmo porque é um
ingrediente importante da nova ideologia jurídica, não há como reconhecer-lhe força na
própria construção do ideário estatutário futuro.
1484
4.4. O Abuso do Poder Econômico
Fugindo à preocupação rotineira do modelo analítico, sempre de natureza
histórica, a Constituição brasileira ao definir Ordem Econômica, pressuposto deste especial
tipo de estudo entendeu, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica, no art. 170
que: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: I Soberania Nacional; II - propriedade privada (...); III
- função social da propriedade; (...) IV
livre concorrência (...); V
defesa do
consumidor; VI
defesa do meio ambiente (...); VII
redução das desigualdades regionais
e sociais; VIII
busca do pleno emprego; IX
tratamento favorecido pelas empresas de
pequeno porte (...). Esta predefinição conceitual nos permite, assim, com mais facilidade
reconhecer, retrospectivamente, o espaço pré-constituinte e constituinte sobre as políticas
de prevenção e repressão ao abuso do poder econômico.
O 3º (terceiro) bloco dos debates constituintes sobre a estrutura da propriedade,
evoluíram dos debates pré-constituintes da OAB, não mais apenas para a questão da
1484
Ver inc. I do art. 44 e cap. XII.
954
propriedade, mas para um amplo leque de questões que de uma forma ou de outra evitavam
que a questão se reduzisse à clássica discussão sobre a inviolabilidade da propriedade.
Neste sentido, cresceram sugestões sobre os mecanismos constitucionais, restritivos do
abuso do poder econômico, uma abertura legislativa que vinha evoluindo positivamente, no
Brasil, desde 1946, com algumas iniciativas políticas preliminares.
1485
As propostas da OAB, no que se refere aos mecanismos constitucionais de
controle da atividade econômica podem ser divididos em três grandes vertentes: os
dispositivos legislativos de proposições estatizantes, voltados para sustentar as políticas
estatais de intervenção na economia, os dispositivos voltados para a ação do estado na
prevenção e repressão ao abuso do poder econômico,
1486
pelas empresas que se
excedessem em suas praticas anticoncorrenciais na linha evolutiva da Constituição de 1946,
1487
e as sugestões políticas de reserva de mercadoria em novas e estratégicas áreas da
economia.
No primeiro aspecto, não houve uma dessintonia entre os documentos pré-
constituintes e as tendências constitucionais da OAB. É fato, todavia, que, em muitas
circunstâncias, a Constituição foi mais incisiva que as propostas ou indicações da própria
OAB. Originariamente, na primeira redação do art. 21 dispunha que:
Compete à União: (...); X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;1488 XI
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços
de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a
criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Alterado pela E.C.
8/95); XII
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a)
os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (Alterado pela E.C. 8/95); b) os
serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de
água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c)
a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de
transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou
que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte
1485
As origens históricas desta questão no Brasil remontam aos anos nacionalistas do governo Arthur
Bernardes, sendo, todavia, que esta legislação ou as iniciativas governamentais tinham uma natureza
capitalista, mas resistente ao capital estrangeiro como de fortalecer a incipiente industrial nacional no quadro
geral da expansão capitalista internacional.
1486
Ver Cap. VII.
1487
Ver BASTOS, Aurélio Wander (org.). Introdução aos Estudos de Direito Econômico. Brasília: Editora
Brasília Jurídica, 1977.
1488
Ver Lei nº 6538, de 22 de junho de 1978.
955
rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais
e lacustres; (...).1489 1490
Originariamente, a posição da OAB foi muito incisiva nas proposições sobre
estatização das atividades econômicas do estado, influindo significativamente no texto
constitucional, o que, não exatamente aconteceu nas suas propostas de prevenção e
repressão ao abuso do poder econômico e políticas de reserva de mercado.
No que se refere à primeira vertente, a OAB propunha que a lei definiria os
setores básicos nos quais seriam vedadas as atividades econômicas privadas, sem que os
especificasse, assim como, propunha que o Estado regulará (ria) a atividade econômica, em
todos os setores, a fim de proteger os interesses dos consumidores, dos trabalhadores, do
meio ambiente, preservando a natureza e recuperando o equilíbrio ecológico, assim como
reconhecia que qualquer cidadão, entidade ou grupo personificado ou não, seria parte
legítima para propor Ação Popular que visasse a defesa do patrimônio público e dos
interesses coletivos ou difusos, contra práticas lesivas oriundas de vantagens indiretamente
obtidas.
Ficava tão visível a posição da OAB, seguida pelo texto da própria Constituição
que o inciso LXXIII do art. 5º, complementarmente, não apenas disponibilizou a utilização
da Ação Popular contra práticas oriundas da atividade econômica, mas o admitiu como
instrumento para anular ato lesivo ao patrimônio publico ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, na verdade, vendo nela uma nova dimensão de novo alcance, mais que jurídico,
também popular. Por outro lado, viria a insistir a Constituição que as atividades criminosas
contra a economia popular seriam objeto de sanções adequadas à sua gravidade, incluindo a
perda de bens, através delas, direta ou indiretamente obtidos. O § 5º do art. 173, em parte,
não fala de atividades criminosas”, mas ematos praticados contra a ordem econômica e
financeira e contra a economia popular.
1489
Este dispositivo foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 15 de agosto de 1995, abrindo controle
da União.
1490
A redação originária que ainda sobrevive, é: A Lei disciplinará, com base no interesse nacional, os
investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.
956
No que se refere à 2º (segunda) vertente, isto é, à repressão e prevenção do
abuso do poder econômico o projeto da OAB foi um pouco mais extensivo do que o texto
constitucional que dispõe no § 4º do art. 173: a Lei reprimirá o abuso do poder econômico
que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento dos
lucros. A OAB propunha, que esta matéria incluísse a repressão às práticas lesivas do
interesse geral e, ainda, que a proteção dos consumidores fosse atribuída, igualmente, a
órgão público especial, federal, estadual ou municipal, com poderes de fiscalização e
interdição de atividades econômicas lesivas. O que, efetivamente, não se alcançou. A
Constituição, todavia, como já observamos viria a assegurar os direitos do consumidor no
inciso V do art. 170, como um dos princípios gerais da atividade econômica que foi
amplamente estendido, inclusive, na forma proposta da OAB.
1491
Finalmente, ainda nesta linha de alcance interventivo, a OAB propunha que
sejam explícitos na Constituição os mecanismos legais que garantem ao Poder Público
estabelecer reserva de mercado para produtos industriais seletivos para os quais o país
deseje desenvolver tecnologia, protegendo-a das pressões de empresas estrangeiras e das
potências industriais, como é o caso da informática e deverá ser o caso da química fina e da
biotecnologia. As políticas de reserva de mercado tiveram limitada proteção constitucional,
mesmo com estas grandes expectativas. Todavia, sofreram maior impacto de ruptura com
as políticas de privatização que sucederam a 1995.
Na linha geral das propostas constituintes, a OAB vislumbrou, com clareza,
aspectos exatamente sintonizados com o texto constitucional, na antevéspera de sua
promulgação. Por outro lado, identifica-se, também, claramente, que não tendo alcançado
seus propósitos no texto que anteviria, preparava-se para buscar a realização de um projeto
mais radical de alcance estrutural e mais profundo, que superasse os limitados debates
constituintes, e, através de novas mudanças imediatamente após a consolidação
constitucional democrática, ampliasse, não apenas as políticas de estatização da infra-
estrutura.
1491
Ver Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990 à qual seguiu-se o Decreto nº 2181, de 20 de março de 1997,
que revogou o anterior Decreto de 1990 restritivo dos direitos dispostos pelo próprio Código. Em linhas gerais
o Código de Defesa e Proteção do Consumidor se encarregou de provocar a mais profunda revolução da velha
dogmática civilista brasileira, a tal ponto que o novo Código Civil de 2002 fez de muitos de seus princípios
seus próprios princípios.Ver:
MOREIRA, Cássia. Código Civil Comparado. 2ª ed. Rio de Janeiro: América ,
2006. (Prefácio de Aurélio Wander Bastos).
957
Neste aspecto, é muito importante ressaltar que frações mais avançadas,
procurassem instaurar políticas objetivas de socialização nos encontros constituintes. Na XI
Conferência da OAB estes grupos estavam politicamente convencidos que o seu projeto de
democratização da estrutura econômica do país, muito especialmente, era mesmo de
socialização da estrutura produtiva, até porque grandes avanços houveram sido alcançados
na definição de políticas de desapropriação (nunca expropriação) de áreas improdutivas.
Estas mudanças progressivas seriam especialmente possíveis e viáveis através dos novos
mecanismos políticos da Constituição futura, tais como: emendas de origem popular, leis
complementares e até medidas provisórias e, até mesmo processuais: ações coletivas,
legitimação representativa dos sindicatos e, ainda, como muito se esperou, o próprio
Mandado de Injunção como instrumento de colmatação legislativa de espaços
juridicamente relevantes ou juridicamente vazios.
1492
Este especial contexto permite reconhecer, mesmo que grande parte dos
participantes da XII Conferência, assim como militantes partidários de esquerda na
Constituinte admitissem a possibilidade concreta de uma transformação estrutural da
sociedade e da ordem econômica com a promulgação da Constituição, que os projetos mais
amplos de socialização, mesmo porque a própria convocatória fora uma limitação de
alcance ideológico, não provocariam mudanças significativas nas relações produtivas
capitalistas, exceto, é claro, no profundo impacto provocado pelas políticas de concessão de
serviços públicos, onde, paradoxalmente estavam aliados os princípios das estatais que
cresceram com o regime militar, a esquerda devido ao seu projeto ideológico estatista e as
frações de esquerda da OAB, com grande força de articulação produtivas. De qualquer
forma os textos constituintes da OAB não se ativeram à esfera da simples regulamentação
dos institutos da propriedade, mas enfocaram problemas com facetas sociais graves e
crônicas como os latifúndios e as favelas, conectados, não apenas pelo fato de serem
formas de expressão das desigualdades do Brasil, mas também porque a falta de
1492
As discussões constituintes sobre os institutos processuais coletivos são muito importante versus o direito
processual individualista. No entanto, o Mandado de Injunção como contraponto à vocação meramente
aplicativa das leis pelos tribunais, admitindo a superposição decisória dos tribunais para suprir lacunas, cobrir
vazios legais e, até, criar direitos, foi uma grande inovação constitucional mas que foi bloqueada pela clássica
vocação de deixar os tribunais julgar e o legislativo legislar.
958
oportunidades de trabalho e, até mesmo a mecanização do latifúndio, alimentou as favelas e
a concentração da miséria nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos.
Como se verifica, o texto constitucional não acompanhou o projeto da
democracia econômica, pelo menos na sua manifestação mais radical, mas, mais do que as
posições constituintes da OAB, trabalharam nos limites da ideologia jurídica, evitando a
reversão dos dispositivos sobre a estrutura da propriedade e, ao mesmo, dilatando o círculo
de resistência, não apenas da estrutura da propriedade, mas de todos os institutos
constitutivos da ordem econômica. A Constituição cidadã ficou nos limites e circunscrições
dos avanços ideologicamente possíveis e suportáveis pela nova correlação dos fatores reais
de poder
1493
viabilizando no tempo futuro (1994) a reformatação do ideário profissional.
Assim, à medida que o texto constitucional de 1988 não avançou em projetos de rupturas
profundas, mas de reacomodação da ordem econômica advieram duas especiais
conseqüências: em primeiro lugar, aprofundou-se a política de estatização de serviços e,
como já observamos, ganhou força constitucional os mecanismos de prevenção, controle e
repressão ao abuso do poder econômico, mais afeito às praticas de controle concorrencial
ao invés de impor restrições à liberdade de iniciativa e a propriedade privada.
Finalmente as sugestões constituintes, feitas pela OAB, transpondo óbices e
resistências, procurando alcançar o ideal primeiro de construção de uma sociedade mais
equilibrada, justa, com a redução das desigualdades sociais
1494
provocou significativos
avanços na Constituição mesmo que se conclua que os resultados finais foram um ponto de
equilíbrio entre a proposta de democratização econômica e o radicalismo conservador
excessivamente privatista. Esta posição constitucional de equilíbrio não impediu, ao
contrário do que pretendia a XII Conferência, avançar em novas sugestões de conquistas
para a democracia econômica, mas viabilizaram uma profunda retração neo-liberal de curto
prazo, que restaurou, ou melhor, implantou políticas de privatização dos setores estatizados
1493
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Prefácio. In: LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4.
ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.
1494
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., pp. 427 e 428.
959
tradicionalmente e, ao mesmo tempo, remodelou as políticas anti-monopolistas e de
prevenção e repressão ao abuso do poder econômico.
1495
5 – A Proteção dos Interesses Difusos
5.1. Origens
A questão da proteção dos direitos coletivos e difusos é o mais importante
indicativo da moderna evolução do direito brasileiro, classificando-se, pela sua natureza
qualitativa, como a representação simbólica dos direitos de terceira geração, na linha
sucessiva de proteção dos direitos individuais e do direito social.
1496
No contexto das
discussões históricas na OAB, não temos como desconhecer, todavia, que a luta protetiva
pelos direitos humanos, especialmente na sua dimensão existencial, se lhe antecedeu como
tema, ou, mesmo, se lhe impediu adquirir foro extensivo nas Conferências, mas foi da
discussão dos direitos humanos, como vertente inovadora dos direitos existenciais e sociais
que a proteção aos direitos coletivos e difusos evoluiu, como proteção a bens ou interesses
externos ao próprio homem, mas que integram o seu patrimônio ambiental ou cultural,
imprescindível a sua própria vida.
1495
As sucessivas políticas de Emendas Constitucionais, mesmo com o restritivo quorum de 3/5 (três quintos)
dos votos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, em 2 (dois) turnos, não foi suficiente para
conter a mais violenta reversão ideológica sofrida, pacifica e democraticamente, das Constituições brasileiras.
As emendas que seguiram a 1990, historicamente, são uma verdadeira revolução na absoluta contramão das
expectativas, como veremos, da XII Conferência, realizada simultaneamente à promulgação da Constituição
de 5 de outubro de 1988, mas emendas constitucionais de privatização que sucederam, fundamentalmente a
1995, representam uma verdadeira revolução da negação da evolução da ordem econômica brasileira após
1990.
1496
BASTOS, Aurélio Wander. As Eras do Direito no Brasil. Revista da ACAT – Associação Carioca de
Advogados Trabalhistas, ano 1, n° 1. (jan. jun.) 2006.
960
Por outro lado, não podemos desconhecer, que as ações protetivas, também,
evoluíram da necessidade de se proteger interesses individuais homogêneos, interconexos
devido a situações oriundas das situações industriais, comerciais ou de serviços, que se
somavam entre si pela similaridade da demanda e/ou pela aplicação extensiva de decisões
judiciais a casos (muitas vezes administrativos) semelhantes. Assim, por um lado, estava,
por exemplo, o direito difuso pioneiro, o direito ambiental,
1497
e, por outro, o direito de
proteção às minorias ou interesses minoritários, como direito coletivo, ainda, muitas vezes,
em dimensão, inclusive comercial. A evolução destes dois flancos colaborou decisivamente
para a formatação regular dos institutos e sua delimitação jurídica.
O livro Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário,
1498
tomando como
referencia o texto do estruturalista e sociólogo Ralph Dahrendortt,
1499
produzido, ainda, em
1973/74, e, posteriormente editado (1974), nas limitações da época, por outro lado,
formulou ou desenvolveu o arcabouço teórico que permitiria a sua compreensão no
contexto das inter-relações entre a diversidade tipológica dos conflitos sociais e as
exclusivas ações de proteção de direitos individuais vigentes no Direito brasileiro. Este
trabalho, mesmo nos limites de sua redução acadêmica, apoiou referencialmente estudos e
debates que evoluíram nas linhas de buscar alternativas processuais, não mais apenas
substantivas, para que o Poder Judiciário avançasse de suas exclusivas tradições
processuais para absorver, avaliar e decidir dissídios de natureza complexa, onde as partes,
mais do que indivíduos, isoladamente eram grupos de interesses comuns ou setores sociais
de maior alcance.
A gênese das ações coletivas, na verdade, não vieram da gênese da formulação
dos direitos substantivos de proteção dos diferentes tipos constitutivos de um Catalogo
(código) de direitos individuais, que, nas suas diferentes situações tinham amparo
processual especifico, ou, especialmente, na fase recursal, amparo instrumental processual.
Inversamente, na formulação dos direitos coletivos ou difusos não podemos identificar um
1497
Anais da VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Manaus, Amazonas, de 18 a 22
maio de 1980, tese historicamente pioneira de Aurélio Wander Bastos e Nilo Batista intitulada Liberdade e
Proteção do Meio-Ambiente, pp. 199 a 232.
1498
BASTOS, Aurélio Wander. Conflitos Sociais e Limites do Poder Judiciário. 1ª ed. Rio de Janeiro:
Eldorado, 1975, 2ª ed. Lúmen Júris, 2002.
1499
DAHRENDORFF, Ralph. Sociedad e Libertad. Madrid: Tecnos Editora. 1966.
961
catalogo prévio de direitos ou tipos juridicamente protegidos, mas especiais tipos de ação,
muito especialmente a Ação Civil Pública de amplo alcance instrumental e disponível a
todas as situações suscetíveis que de uma forma ou de outra, por ação individual ou coletiva
pudessem provocar danos ou violações a bens imprescindíveis à vida comum.
As tantas dificuldades políticas vigentes à época dos primeiros estudos sobre a
inovadora proteção a interesses complexos absolutamente alheios à nossa tradição
individualista, menos ao nível do poder militar do que ao nível da consciência jurídica
dogmática, ou do pensamento liberal, não dificultou o reconhecimento da importância das
ações coletivas como anteparo processual e judicial preventivo da própria evolução
complexa dos dissídios sociais e, muito especialmente, o seu significado para a contenção
da profundidade da velocidade dos conflitos, muitas vezes, até mesmo de origem
individual. Neste sentido, a Lei nº 7347/85, editada em 24 de julho de 1985, no governo
José Sarney, Lei de Ação Civil Pública, imediatamente após a criação da Comissão Arinos
e, pouco antes da convocação da Assembléia Constituinte (27 de novembro de 1985),
tomou a dimensão precursora que o direito brasileiro estava buscando uma formula jurídica
eficaz para buscar nos tribunais o caminho jurídico possível pra enfrentar judicialmente os
dissídios complexos (coletivos e difusos) que ultrapassassem o reducionismo processual
individualista ou os enfrentamentos meramente administrativos, quase sempre
condicionados por situações circunstanciais concretas, para ampliar caminhos que
permitissem a sociedade defender judicialmente os bens que lhe parecessem indispensáveis
à sua própria representação ou preservação natural, social ou política.
Efetivamente, mesmo com a ausência de suporte constitucional hierárquico, a
Lei da Ação Civil de 1985 abriu o espaço processual para que o Poder Judiciário, fechado
na sua dogmática judiciária, assumisse a competência para avaliar questões que
envolvessem direitos coletivos com titularidade especifica ou mesmo de defesa do meio-
ambiente, do patrimônio histórico artístico e cultural da ordem econômica de titularidade,
muitas vezes dispersa ou inespecífica, ou mesmo interesses de titularidade específica, mas
de amplo alcance social como o direito do consumidor. Neste contexto, viu-se a legislação,
também, na específica obrigação de legislar sobre a substituição processual para demandar
na ausência da legitimidade específica o que fortaleceu o papel do Ministério Público
ampliando visivelmente o seu papel restrito tradicionalmente à defesa da
962
constitucionalidade para a defesa, também, dos novos e indisponíveis âmbitos complexos
da democracia brasileira.
A posição das Conferências da OAB sobre este tema não ganhou especial corpo
como demonstramos nesta obra, apesar das efusivas contribuições de Ada Pellegrini,
promotora histórica do Projeto de Lei sancionado em 1985, tendo a sua formatação
processual, mais ficado com as sugestões da Comissão Arinos,
1500
especialmente
reconhecendo no Ministério Público a competência para a defesa dos interesses sociais
indisponíveis, bem como para promover a Ação Civil Pública, em posição extensiva, mas
semelhante à da futura Constituição de 1988.
O texto constitucional de 1988, tratou da matéria em dimensão similar, muito
especialmente no art. 129, acrescendo, com nitidez mais razoável, a proteção do meio
ambiente dentre as especificas funções institucionais do Ministério Público e, da mesma
forma, reconhece a defesa dos interesses individuais indisponíveis como função
jurisdicional do Ministério Público, assim como os “interesses sociais indisponíveis”, mas
como em aberto ficara sua conceituação no Anteprojeto Arinos, ficara, também, na
Constituição. Resta, de qualquer forma, observar um detalhe de grande alcance: no
Anteprojeto Arinos, estava a proteção aos “interesses sociais indisponíveis dentre as unções
privativas do Ministério Público (inc. II, do art. 312)”, através da Ação Civil Pública, o que
não acontecia na definição, constitucional, dos âmbitos de proteção da Ação Civil Pública
(inc. III, art. 129).
Efetivamente, nas conferencias finais da OAB, ela não acompanhou estas
questões referentes aos direitos civis complexos e suas possibilidades de avaliação judicial
pelos tribunais, mais preferindo a discussão de modelos economicamente alternativos à
1500
Ver arts. 308 do Anteprojeto Arinos que explicitamente sugere, na linguagem ainda pioneira, que o
Ministério Público, não se reconhecia mais, apenas a defesa dos interesses individuais indisponíveis, mas
também a defesa dos “interesses sociais indisponíveis”, se lhe atribuindo amplíssimos espaços de legitimação
pra agir em defesa da sociedade independentemente do que se propôs acrescer como a defesa do regime
democrático e da ordem jurídica como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado. O
projeto não propriamente associou os direitos sociais indisponíveis com os novos direitos suscetíveis de
proteção, mas está no inc. II do art. 312, onde vincula como função privativa do Ministério Público a Ação
Civil Pública como instrumento processual necessário, inclui dentre a proteção do patrimônio público e
social dos interesses difusos e coletivos (...) e das situações jurídicas de interesse geral ou para coibir abuso
de autoridade ou do poder econômico os “direitos indisponíveis” não ficando fechado o conceito de direitos
sociais indisponíveis, diferentemente do conceito (de dimensão jurisprudencial) de direitos individuais
indisponíveis.
963
propriedade privada e à livre iniciativa para enfrentar a crescente complexidade dos
conflitos estruturais, do que sugestões processuais ou judiciais alternativas (exceto no caso
da Justiça Agrária, que, aliás, confirma a tese) como a Ação Civil Pública, o Mandado de
Segurança Coletivo ou a Ação Popular mais robustecida para enfrentar judicialmente
questões coletivas ou difusas ou de natureza, não apenas simples, mas complexa.
5.1.1. Revolução Processual no Direito
Recente obra de Luiz Werneck Vianna (em colaboração com Marcelo Burgos)
em prosseguimento a estudos anteriores sobre o Poder Judiciário (onde colaboraram Maria
Alice Resende de Carvalho e Manoel Pallacios Cunha Melo, intitulados Corpo e Alma da
Magistratura Brasileira (1997) e Judicialização da Política e das Relações Sociais
desenvolveu, após amplos estudos introdutórios, especialíssimo Capítulo precursor da
crítica sociológica à proteção dos direitos coletivos no Brasil e o seu papel na construção
de uma democracia progressiva,
1501
em muitos aspectos, coincidente com as linhas de
orientação e trabalho desta própria Tese. Antes de se aprofundarem na análise critica e, até
mesmo, na quantificação de movimentações judiciais, os autores fizeram um amplo estudo,
de fundamentação sociológica, apoiados em Antonio Gramsci, Max Weber, Jürgen
Habermas, Georg Lukács e, Mauro Cappelletti
1502
, o que permite uma ampla compreensão
da revolução processual do direito moderno, para alcançar, judicialmente, questões sociais
de natureza complexa e conflitiva inclusive aproveitando a experiência pragmática do
common law em relação ao dogmatismo do civil law .
O trabalho teórico preliminar abre, inclusive, uma discussão significativa sobre
a questão da desestatização do direito, permitindo alcançar, a partir das experiências
históricas do Welfare State, formula, se não privadas, sociais que permitiriam encontrar
1501
Ver de Luiz Werneck Vianna (e Marcelo Burgos). Revolução processual do direito e democracia
progressiva. In: VIANNA, Luiz Werneck (Org). A Democracia e os três Poderes no Brasil. Belo Horizonte:
Editora UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ/FATERJ, 2002.
1502
Ibid., p. 350-363
964
soluções de direito comum para questões sociais independentemente da dogmática judicial.
Esta abertura do autor criou-lhe as condições de trazer, para o contexto geral do trabalho,
significativa discussão, de certa forma ausente de nossos livros jurídicos tradicionais, sobre
o papel de entes coletivos na promoção de ações semelhantes à experiência da América do
Norte na utilização da Action Class
1503
que, precursoramente, não pode estar dissociado das
experiências de proteção de direitos coletivos em tribunais.
A partir destes fundamentos, o Capítulo avança no reconhecimento histórico da
proteção dos direitos coletivos no Brasil, especialmente se concentrando na ação civil
púbica e na ação popular onde especialmente os dois institutos adquirem o fôlego
intelectual, não propriamente privilegiado pelos autores da bibliografia dos juristas
brasileiros e até estrangeiros, mas identificando o direito protegível, como direito subjetivo
publico e não como matéria suscetível de regulação. Esta posição, todavia, na leitura de
Werneck Vianna, a partir do reconhecimento histórico de nossas constituições e praticas
políticas, não propriamente reconhece nestes institutos formas especiais de superação dos
litígios de classe mas, não deixa de reconhecer o esforço jurídico para quebrar o monopólio
da proteção individualista do direito processual, não se lhe subtraindo o caráter classista.
1504
Em item próprio, onde trabalha com vários autores brasileiros, o autor recupera
a construção da ação civil pública no Brasil, coincidentemente, sem que se apóie nas
mesmas fontes desta Tese, permeia o seu trabalho a mesma preocupação que permeou
amplos aspectos desta Tese, procurando trazer para o âmbito das conferências da OAB o
papel crescente da Ação Civil Publica com instrumento embrionário de proteção dos
direitos supra individuais ou individuais homogêneos que já se impunham como a realidade
brasileira, que não podia fugir do alcance legislativo. Tanto é fato, que o autor traz para o
seu Capítulo rápido estudo sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n°. 6938/81),
bem como, cita outras iniciativas nas áreas de proteção do patrimônio histórico e cultural,
artístico. Citando a exposição de motivos de futura lei sobre a Ação Civil Publica, do
Ministro da Justiça Ibrahim Abi-ackel:
1503
Ibid., p. 374-376. Ver também p. 474.
1504
Ibid., p. 394-397.
965
...existem interesses que não são individualizados, pois correspondem a um grupo, a uma
comunidade ou à sociedade”, e que nesses casos não se vislumbra claramente quem é que
poderia, em seu próprio nome, defender esses interesses” acrescentando que “ao Ministério
Publico, como defensor natural do interesse publico deve caber, preferencialmente, a
titularidade ativa daqueles interesses não individuais, indisponíveis da sociedade.
1505
Este projeto evoluiu para a Lei n°.7347/85, onde remanescia forte influencia
das entidades civis como titulares de direitos coletivos e com legitimidade para promover
ações de interesse difuso difusa o que todavia, sofreu profundo impacto com a promulgaçao
da Constituição brasileira de 1988 que fortaleceu a posição do Ministério Publico, o que se
aprofundou, pelo menos na área de direito do consumidor, com a promulgação em 1990 do
Código de Defesa do Consumidor, muito embora outras tantas leis tenham aberto novas
perspectivas de ação para entidades civis, que no entanto, mais têm deslocado a questão
para o Ministério Público.
1506
Para o autor, recuperando a origem política do fortalecimento do Ministério
público,
A Constituição de 1988, documento em que o País se reencontra com a democracia política,
longe de erradicar as formas de representação funcional, não somente as consagra com lhes
concede um novo e afirmativo papel ao entendê-las, tacitamente, como parte integrante dos
mecanismos da democracia participativa (ainda na opinião do autor,) confiou-se ao Ministério
Público – órgão (não eleito) de inequívoco caráter de representação funcional – a
representação da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
convertendo-os em uma instituição aberta às demandas da sociedade
1507
.
A citação indicativa, por conseguinte, do fortalecimento do Ministério Público
ou do próprio Estado, na defesa de interesses de natureza coletiva ou difusa, de certa forma,
deixa evidente o papel de alta exclusividade do Ministério Público na promoção da defesa
dos interesses coletivos e difusos. É claro, neste sentido, que a pesquisa empírica que
complementa o estudo analisado, evolui para demonstrar, com as cautelas que sempre
cabem nestes especiais trabalhos, que, em última instancia, estava o Estado posto na
1505
Ibid., p. 400.
1506
Ibid., p.406.
1507
Ibid., p. 384-385
966
privilegiada posição de titular, para promoção de ações judiciais, de interesses sociais, o
que, de certa forma, não era, exatamente, o que se esperava destas ações, durante o período
pré-constituinte e constituinte, fenômeno, todavia, sempre identificável em paises de
tradição estatista como o nosso.
1508
5.2. O Direito de Terceira Geração
O posicionamento da Assembléia Constituinte sobre a proteção dos interesses
coletivos e difusos foi acentuadamente ousado em relação aos textos constitucionais
brasileiros, que, marcados ou pelo liberalismo, ou pelo autoritarismo conservador, sempre
resistiram (ou, melhor assim, não estavam no contexto da época) à inclusão de mecanismos
jurídicos de proteção “classista”, como historicamente se reconheciam os direitos sociais.
Por outro lado, a vocação dogmática do direito brasileiro, sempre muito vinculada a defesa
dos direitos individuais, representou uma forte corrente de resistência à proteção de direitos
sociais que evoluiu num quadro jurídico especialíssimo permeado pelo modelo
corporativista, que influiu na Constituição substantiva da consolidação das leis trabalhistas
– CLT e interrompeu, mesmo, a própria elaboração de um Código Processual Trabalhista,
deixando as questões da relação trabalho-capital suscetíveis de apreciação do liberalismo
individualista processual.
Assim, a legitimação da tutela processual dos interesses coletivos e difusos não
evoluiu do nosso “corporativismo classista”, mas, mais seguramente, dos próprios
desdobramentos das novas situações criadas pela complexidade crescente dos conflitos
individuais nas sociedades capitalistas industriais modernas. É bem provável, por
conseguinte, que as divergências entre o Anteprojeto Arinos e as proposições da OAB,
inclusive, como mostramos em confrontos de imprensa, tenham evoluído destas ambas
1508
Ibid., Ver especialmente tabela 6 e 7 in p. 433-434. Recentemente a Lei n°. 7.347, de 24 de julho de 1985
(Lei da Ação Civil Publica), foi alterada pela Lei n°. 11.448, de 15 de janeiro de 2007, que incluiu no inc 2 do
art. 5° que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a Ação Civil Pública, bem como estendeu, na
letra b do inc. 3 do mesmo artigo, a competência dos entes federados para proteger, através de entidades civis
e para estatais a proteção ao meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre concorrência e ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
967
situações em que, de um lado, os marxistas (ou as frações de esquerda) queriam buscar
soluções para as dissidências classistas entre o capital-trabalho, não propriamente,
ampliando a proteção ao trabalho (ou à classe trabalhadora), mas restringindo os “direitos”
do capital, e de outro lado, os liberal-sociais documentalmente representados pelo
Anteprojeto Arinos. No correr da Assembléia Constituinte estas posições liberal-sociais
estavam traduzidas em tantos e diferentes dispositivos que demonstravam mais preferir
proteger processualmente nos tribunais as complexas dissidências dos conflitos da
sociedade industrial moderna, através de ações judiciais (ou o incentivo de mecanismos de
conciliação e arbitragem (para estatal) entre empresas) que não apenas reparassem os danos
sociais provocados pelos seus atores (empresas, grupos de empresas ou setores sociais
cartelizados, ou até mesmo pelo próprio Estado), como reconhecessem, nestes conflitos,
não propriamente divergências de classes, mas divergências na dinâmica crescente de
sociedade civil.
As conferências da OAB, até pela natureza de seus objetivos, evoluíram, por
outro lado, da temática da proteção dos direitos individuais e da defesa do Estado de
Direito, para a proteção dos direitos humanos, no contexto de um estado de novo tipo,
deixando o espaço discursivo sobre os direitos coletivos e difusos muito restrito, mesmo
porque, transmudou-se, como observamos, a temática, muito rapidamente, para a questão
das reformas estruturais, numa proposta constituinte com poderes amplíssimos. Estas
especiais razões permitiram, assim, que esta questão da ampliação coletiva e difusa dos
direitos civis individuais, mais se fortalecesse no âmbito da Comissão Arinos
1509
de onde
fluíram as influências constituintes e constitucionais liberal-sociais, influindo, como já
observamos, privilegiadamente no contexto constitucional.
Não apenas o inc. II do art. 312
1510
do Anteprojeto Arinos com maior
visibilidade o contorno destes novos direitos, mas também, outros dispositivos evoluíram
na mesma linha dando um novo arcabouço aos direitos civis. Nesta incluiriam-se linhas de
proteção do direito de todos ao meio ambiente sadio e à preservação da paisagem, assim
como da identidade histórica da coletividade e da pessoa, os direitos do consumidor à
1509
Ver nota do cap.XI.
1510
Ver, respectivamente, § 1° r 2° do art. 36 das Disposições Preliminares e 407/412 o Título VI, art. 46, art.
379, seguido do art. 38
968
qualidade de bens e serviços e, ainda, o direito de qualquer cidadão exigir a anulação de ato
lesivo ao patrimônio público. O Anteprojeto, nesta mesma linha, orientou-se na linha de
proteger as populações carentes, bem como das populações indígenas, não tendo alcançado
como no texto constitucional as populações quilombolas.
Os próprios advogados, no contexto de sua evolução ideológica, nas
conferências, não tiveram uma compreensão sistemática de que a luta pela proteção dos
novos direitos civis, mais visivelmente traduzidos como direitos difusos e coletivos, seria,
exatamente, o novo âmbito indicativo da ideologia jurídica, a que, também, se somara, a
proteção dos direitos da personalidade, resultado existencial das lutas pelos direitos
humanos, também, como mostramos, esparsamente avaliados, destacando-se a contribuição
de José Lamartine Rodrigues. Isto não impediu, todavia, que as propostas de mudanças
estruturais mais profundas, patrocinadas, inclusive, em muitas circunstâncias, pela OAB,
evoluíssem para projetos de mudança constitucional mais comprometidos com a discussão
sobre a proteção jurídica de interesses, inicialmente homogêneos, individuais e
transindividuais, e posteriormente, coletivos e difusos, bem como, e por outro lado, a
necessária e inovadora discussão sobre a legitimação processual extraordinária para a
defesa judicial desses interesses, num quadro processual de grandes resistências conceituais
tomado pelo liberalismo individualista como ideologia jurídica e pela dogmática processual
voltado para a tradicional defesa do indivíduo e da personificação (unitária).
1511
A questão tomou-se de tamanha relevância, completando a indicação anterior,
que, no passado constitucional, o representante processual extraordinário – o Ministério
Público, tinha suas competências reduzidas à proteção dos direitos individuais
indisponíveis, mas, a Constituição de 1988, avançando nas referências tradicionais no
artigo 127, reconheceu (no Ministério Público) a competência para: a defesa (...) dos
interesses sociais (e individuais) indisponíveis e, ainda, na forma do inciso IV do art. 129 a
competência para defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas e
para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio-ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, melhor
1511
O art. 127 da Constituição veio a dispor: O Ministério é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
969
explicitando a Lei da Ação Civil de 1985. Esta posição, de qualquer forma, mesmo com a
restritiva compreensão dos advogados, naquele momento, abriu novo espaço de interesses
para a advocacia, que, no tempo, redimensionalizara com efeitos essenciais a ideologia
jurídica,
1512
da mesma forma que o fez o mandado de segurança coletivo e o mandado de
injunção na lei e pela lei, devido à insuportabilidade jurídica duma dinâmica excessiva dos
fatos ou de interveniências imperativas do poder como pólo determinante das relações
civis.
Neste contexto, é muito conveniente observar, que, mesmo restritivamente, a
inclusão constitucional destas ações coletivas, senão num primeiro momento relativamente
a conflitos estruturais, elas esvaziaram a dimensão conjuntural dos conflitos de classes,
permitindo reduzi-los a conflitos setoriais ou de grupos, ou seja, transmudou o radicalismo
das contradições sociais entre dominadores e dominados, entre exploradores e explorados,
enfim entre capital e trabalho, sem desfazer-se das tradicionais conquistas do
corporativismo classista, inclusive o direito de greve, em muitos casos em conflitos que se
superariam numa demanda por direitos civis coletivos ou difusos, como a proteção ao meio
ambiente, ao patrimônio, ou até o direito a terra para trabalhar, ou, ainda, na fórmula vazia,
dos interesses difusos, porque não, por exemplo, o direito ao trabalho, à terra, à moradia ou
à luta pelas diferentes dimensões da dignidade humana, princípios constitucional
indisponível.
A Constituição brasileira de 1988, que se consolidou, neste modelo alternativo
de ampliação de direitos civis, ao clássico dilema das classes que se repelem,
ideologicamente, deixou, todavia, à prova, como referência histórica, o mais fecundo dos
dilemas que antecederam à queda do Muro de Berlim: a superação, através de meios
(instrumentos) judiciais de demanda, coletivos e difusos de direitos civis, do confronto,
senão classista, dos interesses de classe. Uma vasta gama de questões, senão
complexíssimas, complexas, de certa forma, no tempo histórico, identificadas como
questões de classe, ou discutíveis no confronto classista, tornaram-se, judicialmente,
discutíveis sobre a forma de interesses difusos (como as questões ambientais ou até as
1512
Ver inc. XIV do novo Estatuto (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994) que dispõe: (compete ao Conselho
Federal): (...) XIV
ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação
civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimidade lhe
seja outorgada por lei.
970
referentes ao patrimônio social e público) ou como direitos civis novos (como a proteção de
minorias, de maiorias discriminadas, como os grupos apartados ou os condenados da terra).
Cada vez mais, neste sentido, incorporam-se, às discussões sobre o âmbito de
abrangência conceitual dos direitos coletivos e difusos, a questão de populações sem terra e
sem teto, bem como a proteção de etnias discriminadas e/ou minorias organizadas ou
desogarnizadas (uma versão especial de desobediência civil), reposicionando,
juridicamente, inclusive, os instrumentos processuais de defesa e proteção coletiva e difusa
como mecanismos viáveis para se discutir judicialmente a reforma agrária e a reforma
urbana, ou senão eles próprios, a desigualdade social, in casu, tratadas, pelas sugestões da
OAB, na versão clássica da proposta classista. Neste contexto, tornaram-se de
significativamente relevantes para a ideologia jurídica a Ação Civil Pública, criada em
1985, e constitucionalizada em 1988, bem como o Mandado de Segurança Coletivo,
1513
e,
na dimensão individual do advogado, a Ação Popular. Na verdade, estes dispositivos
representam a grande evolução do moderno direito constitucional brasileiro, permitindo que
não apenas o direito subjetivo individual tivesse proteção constitucional explícita, como
também reconhecendo, inovadoramente, o direito subjetivo coletivo ou difuso. Reconhecer
esta dimensão no direito substantivo de tradição burguesa é um fato bastante significativo,
especialmente porque a nossa tradição esteve sempre para a proteção dos direitos
individuais. Todavia, temos que reconhecer, as proposições esquemáticas da OAB não
alcançaram, nem ao menos no passado, esta exata dimensão conceitual, restringindo-se,
quando foi expresso, a defender legitimações extraordinárias na tutela dos interesses
difusos. O anteprojeto constituinte teve mais alcance e, como se pode verificar, o
1513
Independentemente dos dispositivos constitucionais até agora citados, acresça-se a letra “b” do inciso
LXX do art. 5º que dispõe: o mandando de segurança coletivo pode ser impetrado por: b) organização
sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano,
em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Da mesma forma, por outro lado, o inciso III do art.
8º, embora com certa dessemelhança, dispõe que: ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive questões judiciais ou administrativas. Ainda nessa linha o
inciso XXI do art. 5º dispõe: as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. Finalmente, o inc. LXXIII dispõe que: qualquer
cidadão é parte legitima para propor Ação Popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participa, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente e ao patrimônio histórico
e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
971
posicionamento conceitual sobre a defesa e proteção de interesses coletivos e difusos mais
devem-se ao anteprojeto Afonso Arinos
1514
.
Na verdade, o direito constitucional brasileiro, permite que falemos hoje, não
apenas em cidadania individual, mas também, em cidadania coletiva e, muito
especialmente, em proteção processual dos direitos difusos e coletivos. Todavia, é
impossível desconhecer no Brasil moderno esta abertura jurídica que cresceu no contexto
das Conferencias da OAB, que antecederam-se à fase constituinte, muito embora, como se
pode verificar dos textos constitucionais citados, a Constituição brasileira foi muito mais
abrangente no tratamento da matéria do que os textos conclusivos das conferências da
OAB.
O dilema que remanesce é o dilema da estrutura do Poder Judiciário, bem como
do reconhecimento extensivo da representação processual pelo Ministério Público.
Todavia, as tantas emendas constitucionais que sucederam ao texto da Constituição têm
ampliado significativamente o papel do Poder Judiciário, que, sem enveredar-se, ainda, por
mudanças estruturais, tem incentivado e promovido mudanças conjunturais, que,
endogenamente tem ampliado o alcance de suas decisões e de seu papel social.
1515
É claro, que a concepção liberal das garantias, exclusivamente, individuais,
restava limitada, mas, ampliado o conceito de interesse individual para interesse
transindividuais e metaindividuais e, definitivamente para interesses difusos e coletivos,
suscetíveis, agora, de proteção legal e judicial, restava, também, ameaçada, a teoria
classista da sociedade e do Estado, enquanto teoria de ruptura da ordem enquanto ordem da
classe dominante, como única e exclusiva via de transmutação das ideologias de Estado. De
certa forma, senão absolutamente, pelo menos residualmente, ainda, ao exclusivo nível dos
direitos, estavam criados mecanismos endógenos de alcance modificativo do Estado dentro
da ordem com efeitos ideológicos ou de reacomodação ao poder. Na verdade, a teoria
jurídica da proteção dos direitos coletivos e difusos abriu um novo e grande flanco na
1514
Esta tendência que acabou predominando na Constituição, como temos afirmado, não evitou o estatismo
da ordem econômica e, nem muito menos, o protecionismo nas áreas de direito social, o que, no médio prazo,
reforçou as políticas de privatização que vieram empacotadas na ideologia neoliberal, o que não significa
contradições profundas, como temos mostrado, com os capítulos sobre os direitos fundamentais. Todavia, as
emendas mais recentes denunciam que há um plano de médio prazo com vistas a aprofundar a reforma
previdenciária, as políticas de direitos trabalhistas e, em muitos aspectos, a própria organização da justiça do
trabalho.
1515
Ver neste mesmo cap., item 3.2.
972
ordem jurídica substantiva e processual de proteção aos direitos individuais, assim como,
fragmentou a coesão classista em fragmentos de interesses civis e econômicos,
diferenciados juridicamente e viabilizáveis através do Estado Democrático de Direito,
superado o Estado (formal) de Direito.
Juridicamente organizado, o Estado Democrático de Direito tornava possível
que os direitos civis fragmentários viessem a ser apreciados pelo Poder Judiciário
diminuindo sensivelmente o impacto ruptivo das lutas de classe, assim como fortalecendo
as teorias da consciência coletiva, como força coesa ou somatória de unidades, em
detrimento do radicalismo individualista, que, desconhecendo a função social da liberdade
e da propriedade, poderia aviltar os próprios institutos. De qualquer forma, e, finalmente,
abriram-se amplos espaços para se discutir o papel do Poder Judiciário, do Ministério
Público e dos advogados no processo de mudança social reacomodando o papel destes
institutos e de seus estatutos à nova ideologia constitucional.
Finalmente, retomando a temática da tese, estas modificações constitucionais,
que, não absolutamente evoluíram do projeto de conclusões da OAB, interceptam as
expectativas de mudanças sociais por ruptura estrutural, mas, paradoxalmente, influíram,
positivamente, na construção de uma nova ideologia jurídica, essencialmente social-liberal,
facilmente acomodável aos cânones do pragmatismo jurídico, e, também, em alguns
aspectos, senão socialistas, estatista, que devido ao seu forte viés autoritário, e, quem sabe,
por isto mesmo, o tempo político imediato desmontou com as tantas emendas
constitucionais sucessivas a 1995.
O pragmatismo jurídico, na verdade, a mais forte variante da ideologia jurídica,
marcou o texto constitucional de 1988 com o social-liberalismo e/ou o humanismo
existencial que influíram decisivamente na reconstrução do Estatuto da Advocacia e da
OAB de 1994, salvo na sua prioridade histórica, pelas emendas constitucionais de 1995,
que alteraram a ordem econômica, mas não alcançaram os fundamentos ideológicos que
definiram os direitos e garantias individuais.
973
6 – Os Direitos do Homem
1516
1517
6.1. Recolocação Histórica
Os Direitos Humanos historicamente não se incluíam enquanto tema geral no
catálogo dos objetivos quotidianos da advocacia, mas se desdobraram em dimensão
corporativa significativa após as atrocidades trágicas da II Guerra e as primeiras iniciativas
protetivas da ONU, conforme extensamente discorremos neste trabalho.
1518
No Brasil, o
tema adquiriu dimensão de importância não propriamente antes ou depois dos debates
parlamentares que antecederam a criação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana - CDDPH em 1964, mas, principalmente, após os insucessos das primeiras
tentativas de se institucionalizar e viabilizar o Conselho nos anos que seguiram a 1964 e,
muito especialmente, a 1968.
1519
Tais acontecimentos, de natureza repressiva e punitiva, que muitas vezes
excederam os limites de ação da autoridade e de resistência existencial do próprio
homem,
1520
levaram a OAB, cujo Presidente era membro nato do Conselho, sempre
envolvida na questão da defesa dos direitos individuais, a evoluir, na linha de buscar
1516
Direitos fundamentais “são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras
constitucionais escritas.” - COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
1517
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 655-656.
1518
Ver cap. VII desta Tese.
1519
Ver cap. VII desta Tese.
1520
Andrade, Léo Rosa de. Liberdade privada e ideologia. São Paulo: Acadêmica, 1993. Este instigante
trabalho defendido como Tese, na Universidade Federal de Santa Catarina, é uma marca importante na
diferenciação entre os estudos sobre a velha dogmática individualista e as teorias jurídicas existenciais. O
prefácio do livro é de Aurélio Wander Bastos, que destaca os aspectos importantes desenvolvidos pelo autor,
especificamente no que se refere a questões da intimidade existencial e a importância da liberdade como
instrumento de rompimento com os mecanismos de servidão. Conclui observando que o livro é uma
formulação aberta e( precursora) de uma teoria existencial do direito, cujos pré-requisitos se assentam não
apenas na rebelião metodológica mas, também, na existência livre do homem como pressuposto da
convivência democrática e da felicidade individual.
974
proteção, inicialmente dos próprios advogados, e, posteriormente, de cidadãos vítimas de
perseguição político-policial. Esta postura provocou a ampliação das ações da OAB, não
apenas junto ao Estado, mas, também, junto aos organismos da sociedade civil e, em prazo
médio, deslocou-a para liderança da defesa das questões nacionais de direitos humanos.
O envolvimento da OAB foi tão significativo, na defesa dos direitos humanos,
que, por cerca de 2 (duas) décadas, a questão dos direitos humanos foi aventada no seu
Conselho Federal (e nos seus Conselhos Seccionais), conforme se verifica em todos os
documentos e atas manuseadas para elaboração deste trabalho, tendo provocado os
principais atritos com o governo militar e, provocando, inclusive, dissidências internas
sobre sua participação nas reuniões do Conselho. Por outro lado, a OAB intensificou a sua
participação em comissões de direitos humanos no país e externamente, em seminários e
conferências, e, fez, mesmo, dos direitos humanos, objeto temático de 2 (duas) ou três de
suas conferências, sendo que, em todas elas as palestras trataram das trágicas questões de
perseguição política e policial, sendo que mais tarde, diante do insucesso de suas ações no
CDDPH, criou, no próprio Conselho Federal,
1521
o que se reproduziu em todas as
seccionais, a Comissão de Direitos Humanos, todas decisivamente atuantes no período do
combate final da “ditadura” e, posteriormente, na defesa dos direitos constitucionais
fundamentais.
No tempo histórico, transformada a questão em matéria do quotidiano do
Conselho Federal e das seccionais, a avaliação política ideológica os direitos humanos da
OAB, inclusive na sua dimensão prática, se revelou o input central para a formulação da
nova ideologia jurídica com grandes efeitos sobre o ideário que no futuro presidiria o novo
estatuto. Podemos identificar dois significativos motivos que contribuíram para esta grande
influência dos direitos humanos na reformulação estatutária da advocacia após a
constituição de 1988: o desdobramento conceitual da tradicional ideologia jurídica
fortemente influenciada pelo liberalismo democrático, essencialmente traduzido no Estatuto
de 1963, e o fortalecimento do pensamento jurídico interdisciplinar, muitas vezes marcado
por críticas ao dogmatismo jurídico tradicional. As duas vertentes, combinadamente, é que
permitiram a evolução conceitual dos tradicionais institutos jurídicos comprometidos com
1521
Ata da 1.405ª Sessão Extraordinária do CF.OAB em 27 de agosto de 1980 e também, item 3.2. do cap. X
desta tese.
975
as origens formativas do nosso Direito, para institutos jurídicos constitucionais mais
abertos, assim como independentes ou intensos aos modelos políticos ruptivos em geral
dominantes na crítica política.
1522
No primeiro aspecto, quando, ainda, da influência do liberalismo democrático,
o desdobramento das aberturas conceituais manifestam-se, institucionalmente, após a
produção dos grandes documentos jurídicos internacionais,
1523
já nos albores dos anos de
1957/8, quando se iniciava a discussão do projeto que veio a ser o Estatuto da Advocacia de
1963, e, quando, também fora apresentado ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei do
Deputado Bilac Pinto sobre a criação do Conselho de Defesa e Direitos da Pessoa Humana
– CDDPH, sancionado em 1964,
1524
O Projeto Bilac Pinto, incluindo sempre entre os
liberais da OAB (e da UDN), sobre a proteção aos direitos humanos no Brasil, é um projeto
que carrega a profundidade existencial o liberalismo individualista e, também, reconhece,
no Estado de Direito, a responsabilidade de se resguardar a pessoa ameaçada pela ação
abusiva do próprio Estado, agente monopolizador da força.
Neste sentido, evoluindo da proteção aos direitos individuais, não havia
dificuldades profundas para os advogados ou, pelo menos, sua associação corporativa, a
OAB, se posicionar por ações mais amplas de garantia a defesa e reconhecimento dos
direitos humanos e contra a abusividade do estado e dos poderosos,
1525
rompendo com o
princípio liberal clássico do respeito à justiça formal. Mesmo da perspectiva liberal, e,
principalmente dela, não se pode desconhecer que a ação repressiva não se pode
transformar na (ideo)lógica da abusividade, desprezando a lógica das relações deônticas (do
mútuo dever ser normativo), cujo pressuposto é o respeito intersubjetivo e bilateral entre as
partes, mesmo em posições desiguais.
1522
O projeto parlamentar da criação do CDDPH tramitou conjuntamente e seqüencialmente com o Projeto de
novo Estatuto para a OAB, mas, o Estatuto de 1963 não contemplou os direitos humanos como uma de suas
finalidades protetiva. Foram os difíceis anos de 1964 a 1985 que justificaram, todavia, a inclusão da proteção
aos direitos humanos dentre as finalidades do Estatuto da OAB de 1994.
1523
Ver nota 24 do cap. VII desta Tese.
1524
Ver cap. VII , desta obra.
1525
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Prefácio. In: CONSTANT, Benjamin. Princípios políticos
constitucionais. Rio de Janeiro: Liber Juris. 1989 e também os casos de equity x isonomia.
976
No segundo aspecto das influências modificativas da tradicional ideologia
jurídica são as novas dimensões dos direitos humanos, como direitos existenciais cujo
pressuposto de conservação é a dignidade da pessoa humana. Pior que a injustiça praticada
apesar dos princípios legais, e das regras da isonomia é a iniqüidade, a ruptura da equity
que fere os sentimentos existenciais do homem (já) constrangido (a tortura, o excesso da
pena, tratamento degradante, a mutilação, a humilhação, etc).
1526
A moderna evolução desta
questão retirou a exclusiva proteção dos direitos humanos do exclusivo âmbito dos direitos
individuais para reencontrá-lo, também. Nas suas ambas dimensões existenciais: a proteção
civil e penal dos direitos da personalidade e a proteção na dimensão dos novos direitos
sociais, coletivos e difusos. Afirma Fábio Konder Comparato, dando maior alcance
conceitual a estas novas situações, numa leitura de reversão conceitual, mas de
significativos efeitos de persuasão: Direitos Fundamentais são justamente os direitos
humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas.
1527
Recentemente, passaram a integrar o quadro geral dos direitos humanos os tratados e
convenções internacionais que foram aprovados em cada Casa do Congresso Nacional,
pelos seus respectivos membros, em dois turnos, por três quintos dos votos, equivalendo a
emendas constitucionais.
Neste sentido, convivendo, já de longo tempo, com advogados trabalhistas,
comprometidos com a defesa dos direitos sociais, como pressuposto da sobrevivência
humana, que influiu, inclusive, numa estruturação própria (classista) para a Justiça do
Trabalho.
1528
Este grupo de advogados, de qualquer forma, apesar da ausência de
1526
Recentemente, em artigo publicado na Folha de São Paulo (AB, Opinião, 25/10/2005. A3, Frei Beto
(Carlos Alberto Líbano Christo): Herzog, memória subversiva, fraco, reflexivamente, a dimensão da reversão
normativa no uso da própria norma de competência e substantiva): o réu é convocado a testemunhar o
próprio oprobio, o que Thomas de Aquino considera maior crime que o homicídio (...). Todo poder detém o
monopólio da violência, mas, quando não há nenhum outro poder que lhe imponha limites como ocorre nas
ditaduras, a violência extravasa do corpo da lei para (sic a iniqüidade) o capricho necrofilo do algoz. As
regras do direito são subvertidas pela (sic iniqüidade) impunidade que protege a ação direta de quem age em
nome do Estado (...).
1527
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
1528
Ver a recente Emenda Constitucional nº 45/04 que suspendeu a organização corporativa da Justiça do
Trabalho, amoldando-a à estrutura monocrática, recorde-se, apesar de resoluções isoladas de efeito processual
trabalhista, o(s) Código(s) de Processo Civil (1939 e 1963), essencialmente voltado para a proteção de direitos
individuais, mais do que um instrumento subsidiário, ele é o código processual do trabalho e, como tal, um
código limitado à proteção dos direitos subjetivos individuais, passiveis, em muitos aspectos, ao direito do
977
correlação direta, não reagiram negativamente a vertente protetiva dos direitos civis,
coletivos e difusos, embora, como já observamos, este não foi o enfoque constituinte da
OAB, que visivelmente na antevéspera da Assembléia Constituinte optava por uma
democracia economicamente mais extensa, mais do que pela proteção da ampliação dos
direitos civis , modelo americano da action class.
1529
Foi nesta linha, por conseguinte, que no item anterior, sobre as posições da
OAB com relação aos efeitos deletérios da concentração da propriedade, que, em muitas
circunstâncias, os encontros pré-constituintes reconheceram, mesmo que a desigualdade
social e a miséria possam se manifestar como violações aos sentimentos humanos em razão
da violação de suas referências de dignidade. Por tais razões, em muitas circunstâncias, no
contexto das propostas da OAB, a intervenção do Estado na definição de políticas de
democratização econômica e de reforma agrária constituiu forma especial de buscar a
proteção aos direitos humanos.
Neste sentido, a moderna compreensão da dogmática, que, presidia o
reconhecimento dos institutos jurídicos, principalmente os da propriedade e da família, com
o impacto das novas leituras de alcance sociológico e político, transformou-se em especial
modo de se desdobrar a rigidez imperativa (dos institutos) para se alcançar dimensões mais
abertas do homem. O reconhecimento jurídico, por exemplo, do princípio da dignidade,
como veio a ocorrer constitucionalmente, assim como todos os institutos que se
desenvolveram com o reconhecimento dos direitos existenciais ou da personalidade
(direitos à vida privada, à intimidade, à honra, à identidade, à imagem) combinados, ainda,
com o reconhecimento dos direitos coletivos ou difusos, nos seus referenciais abertos ao
reconhecimento do princípio da responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova,
trabalho mas limitadíssimas em situações especiais, como se ressalta, especialmente, ao dissídios coletivos,
inspiração precária no Brasil às ações coletivas civis.
1529
O mais recente estudo sobre as Actions Class, não apenas do ponto de visa jurídico, mas também político,
estão no livro HENSLER, Débora R. Class Action Dilemmas: Pursuing Public Goals for Private Gain. Santa
Mônica, CA: Rand Institute for Civil Justice . 2000, que foi muito utilizado também no estudo de Wernek
Vianna. O instituto, todavia, e os próprios exemplos citados pelo autor demonstram a sua diferença profunda
em relação aos institutos de direito coletivo no Brasil, que mais têm uma vocação protetiva de interesses de
natureza pública, ao contrário do instituto americano, sucessivamente utilizado na proteção de interesses
privados ou mesmo por indivíduos isoladamente na defesa de interesses privados que tenham efeitos sociais.
Nesta linha, existe um estudo de CAPPELLETTI, Mauro. The Judicial Process in Comparative Perspective.
Oxford: Claredon Press. 1989. Este trabalho é também citado na tradução brasileira do livro do mesmo autor,
conjuntamente com GARTH, Brian. Acesso à Justiça. (Trad. Ellen Gracie Northfleet). Porto Alegre: Editora
Sergio Antonio Fabris. 1988. (Texto introdutório).
978
que visa resguardar sentimentos do próprio homem, desdobraram-se como direitos
humanos, exigindo a ampliação dos espaços constitucionais e legislativos.
Os encontros pré-constituintes e a XI Conferência Nacional da OAB não foram
indiferentes a estes temas; todavia, podemos subdividir a sua compreensão como
desdobramento extensivo de dois princípios jurídicos essenciais: o princípio da
isonomia
1530
e o princípio da dignidade humana. Durante a Conferência o princípio da
isonomia presidiu as discussões como pressuposto à remoção de obstáculos que
restringissem, de fato, a igualdade substancial entre os cidadãos, objetando qualquer
discriminação legislativa possível, substantiva ou processual, dando caráter de auto-
aplicação às normas (constitucionais) que promovessem a igualdade e a dignidade da
pessoa humana. Na forma da Constituição, obedecendo inclusive à forma classificatória de
Fábio Konder Comparato, incluindo como pressuposto essencial o princípio da dignidade
humana, que a Constituição consagrou, como princípio fundamental da República
Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito
1531
: como direitos humanos
escritos, as garantias fundamentais ficaram classificadas como direitos e deveres
individuais, onde estão, também, os direitos intersubjetivos interindividuais, os direitos
existenciais ou da personalidade e os direitos coletivos e difusos.
No primeiro subgrupo do primeiro grupo podemos classificar genericamente:
QUADRO I (SUBGRUPO I)
Direitos Humanos enquanto Direitos Fundamentais Escritos
Direitos e Deveres Individuais
o princípio da isonomia (e suas subclassificações);
o princípio da reserva legal;
a livre manifestação do pensamento intelectual e o direito de resposta;
o direito de crença;
1530
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., pp . 655 e 656.
1531
Assim dispõe o art. 1º, inc. III da Constituição de 1988: A República Federativa do Brasil, formada pela
União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em um Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: I
a soberania; II
a cidadania; III
a dignidade da pessoa humana; IV
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; IV
o pluralismo político.
979
a casa como asilo inviolável;
a liberdade de exercer qualquer trabalho (na forma da Lei);
a liberdade de locomoção;
o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
o direito de obter certidões em órgãos públicos;
o direito de propriedade;
o direito exclusivo de autoria;
o direito de herança;
o direito ao tribunal do júri;
o direito de apreciação de lesões pelo Poder Judiciário;
o direito de qualquer cidadão propor ação popular;
o princípio de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
a coisa julgada,
ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente;
a imprescindibilidade da sentença pela autoridade competente;
a imprescindibilidade do trânsito em julgado em sentença penal condenatória;
o direito de prisão em flagrante delito;
o direito de habeas corpus;
o direito ao devido processo legal;
o direito ao contraditório e a ampla defesa;
o mandado de segurança individual;
o direito à indenização por erro judiciário (e administrativo);
e outros direitos incluídos no artigo 5° da constituição.
No segundo subgrupo do primeiro grupo, podemos classificar genericamente:
980
Quadro II (Subgrupo II).
Direitos Humanos enquanto Direitos Fundamentais Escritos
Direitos Existenciais ou da Personalidade
a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, etc
(ver, também, o Capítulo II do Título I do Livro I da Parte Geral do Novo Código
Civil – Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002 , que explicita e regula o tema);
a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante;
a inviolabilidade do sigilo e da correspondência, etc;
o direito de receber informações de órgãos públicos, etc;
o direito à apreciação de lesão pelo Poder Judiciário;
a inafiançabilidade da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, etc, a ação armada;
a individuação penal;
o direito ao devido processo legal
o direito ao contraditório e a ampla defesa;
o mandado de segurança individual;
a inadmissibilidade de provas ilícitas;
a identificação civil prevalece sobre a penal;
o direito da ação privada na omissão da ação pública;
o direito ao Hábeas-data;
outros direitos incluídos no artigo 5° da Constituição.
No terceiro grupo podemos classificar genericamente:
Quadro III.
Direitos Humanos enquanto Direitos Fundamentais Escritos
Direitos Coletivos e Difusos
o direito de reunir-se pacificamente, sem armas, etc;
a plena liberdade de associação para fins lícitos, etc;
o direito de criação de associações e, na forma de Lei, de cooperativas, etc;
a legitimidade das entidades associativas representarem filiados judicialmente ou
extra judicialmente;
a propriedade atenderá a sua função social;
a desapropriação poderá ocorrer por necessidade ou utilidade social, ou por interesse
social, conforme definição em lei, etc;
a dispensabilidade da penhora da pequena propriedade rural;
o direito de apreciação de lesões pelo Poder Judiciário
o direito ao devido processo legal
981
o direito ao contraditório e a ampla defesa
a proibição de Tribunal ou juízo de exceção;
o racismo como crime inafiançável e imprescritível, etc;
a obrigação do Estado prestar assistência jurídica gratuita e integral a carentes;
o direito de todos exigirem razoável duração do processo;
a ação civil pública como garantia de proteção de direitos difusos e coletivos;
o direito ao mandado de segurança coletivo;
a ação popular de novo tipo;
outros direitos incluídos no artigo 5° da Constituição
os direitos protegidos pelo inciso III do artigo 129 combinado com a Lei 7.347/85;
Todavia, significativamente, os encontros pré-constituintes as conferências não
evoluíram para tratar do tema nesta dimensão plúrima, mas, de certa forma, evoluíram os
encontros constituintes e a XI Conferência para reconhecer que a violação dos direitos
humanos poderia estar superados com a superação dos entraves econômicos e sociais
estruturais, o que em grande parte não seria impossível, diversamente do caminho que
adquiriu a futura Constituição. Neste sentido, como temos procurado demonstrar, a (nova)
futura Constituição brasileira, apesar de suas tantas aberturas para a implementação de
políticas de mudança estrutural, mais optou, auto aplicação judicial (e administrativa) e
eficácia imediata dos princípios jurídicos referenciais dos direitos civis.
Finalmente, para ilustrar os caminhos dissertativos deste Capítulo, vale frisar
que a temática geral dos encontros constituintes da OAB obedeceu aos seguintes
parâmetros:
Os princípios fundamentais em matéria dos direitos e garantias do ser
humano;
O princípio da igualdade;
As perspectivas individuais e coletivas da defesa dos direitos do ser
humano;
Os instrumentos e Instituições asseguradores do direito da pessoa
humana.
982
7. Ideologia Jurídica e Direitos Humanos
A XI Conferência manteve, especialmente, em debate, a vertente tradicional da
ideologia jurídica, ou seja, o enfoque da proteção dos direitos individuais pelo Estado
(formal) de Direito com aberturas para o desdobramento dos direitos personalíssimos como
direitos existenciais, por outro lado avançou no enfoque da proteção dos direitos na
dimensão social (direitos do bem-estar social), consagrados em textos constitucionais
anteriores, de onde, na verdade, evoluíram as posições dos advogados como direitos
coletivos e difusos, o que definitivamente não foi seu ângulo de priorização. Por outro lado,
inovadoramente, superpondo-se à proteção processual e institucional dos direitos
individuais, sugeriram os advogados a criação de instrumentos processuais institucionais de
proteção processual ao direito da pessoa humana, especialmente na sua dimensão
existencial, visto que a proteção dos direitos coletivos e difusos como dimensão dos novos
direitos civis já vinha evoluindo da Ação Civil Pública
1532
e de outros instrumentos que a
Constituição consolidou.
Para verificarmos o alcance das propostas da OAB sobre Direitos Humanos,
especificamente, na Conferência de Belém, em muitos casos alcançados pela Constituição,
podemos indicar a opinião conclusiva inclusa no seu relatório final: Os princípios dos
direitos fundamentais da futura Constituição brasileira
1533
devem assentar-se em dois
dispositivos. O primeiro deles inspira[-se] no art. 1º da Constituição alemã de 1949, para
que se indique, na Carta Constitucional, preceito de tutela geral dos direitos fundamentais
da pessoa humana no âmbito da comunidade social, diretamente operante nas relações
jurídicas de modo a vincular os poderes constituídos na sua aplicação. Neste sentido, para
se alcançarem estes efeitos é preciso introduzir no texto constitucional o princípio da
1532
Sobre a Ação Civil Pública. Ver Lei nº 7347, de 24 de julho de 1985, bem como os especiais aspectos de
sua evolução in SÉRVULO, Sergio (org.). Porto Alegre. Fabris Editor, 1982. Ver, nesta obra especialmente o
cap. I de Aurélio Wander Bastos sobre A Evolução da Ação Civil e suas limitações para bens públicos
titularizados. p. 1/10. Ver, também, sobre alterações na Lei da Ação Civil Publica, nesta Tese, nota n°. 125,
neste cap., p. 920.
1533
Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., pp. 709 e 710. Este texto
é muito interessante porque ele permite uma conexão direta da política de direitos humanos com o locus
histórico de sua colocação radical modernamente.
983
igualdade substancial. O segundo dispositivo, nos moldes do § 2º do art. 3º, da
Constituição italiana, estabelece formas de comprometer[a] todos na garantia da dignidade
e na promoção dos desfavorecidos, nas relações sociais e contratuais em que há
desigualdades. Este texto, como se verifica, procura evoluir da igualdade formal (todos são
iguais perante a lei) para o princípio da igualdade material, um indicativo mais
substancioso do projeto de democracia econômica, inserido nos programas da OAB, após a
derrota do projeto das “diretas já” no Congresso Nacional.
1534
De ambos os textos, facilmente se depreende que a OAB procurou pautar a
proteção constitucional dos direitos da pessoa humana no compromisso dos poderes
constituídos assumindo a tutela geral dos direitos fundamentais perante a comunidade
social, inspirando-se na Constituição alemã de 1949 e, por outro lado, apoiando-se na
Constituição italiana, no fortalecimento da evolução do princípio da igualdade formal para
princípio da igualdade material. Ambos os caminhos encontraram o seu espaço de definição
na Constituição brasileira, guardadas as especificidades do tempo e do espaço no titulo
referente aos direitos e garantias fundamentais.
Os textos em questão tiveram os seguintes alcances nos parágrafos
constitucionais inseridos no art 5º, no que se refere à aplicabilidade e eficácia dos direitos
humanos pelos poderes públicos:
§1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata; (...) §
2º os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. A recente Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de
2004, acresceu a este art. o § 3º, fugindo de certa forma, a regra de outros tratados
internacionais, assim dispondo: § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso, em dois turnos, por três quintos
dos valores respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. E, ainda, §
O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha
manifestado adesão (O Decreto nº 4388, de 25 de setembro de 2002, que dispõe sobre o
Tribunal Penal Internacional).
A título apenas de comentário deve-se observar que, para referência
quantitativa, a aprovação, na forma de decreto, de um Tratado Internacional dá-lhe
exatamente a força de Emenda Constitucional, que são promulgadas com a aprovação de
1534
Ver nota 52 do cap. XI desta Tese.
984
três quintos dos votos respectivamente de cada Casa do Congresso (ver § 2º do art. 69).
Este dispositivo, é bem verdade, não estava posto no texto originário, mas se lhe deu um
grau de dificuldades legislativas idênticas à emenda, o que garante a importância de
definição de uma política de direitos humanos, mas ao mesmo tempo explicita as
dificuldades legislativas idêntica às emendas, o que garante a importância da definição de
uma política de direitos humanos, mas ao mesmo tempo explicita as dificuldades para sua
institucionalização.
1535
Por outro lado, redimensionando a igualdade formal, como igualdade material,
evoluindo, inclusive, para definir mecanismos jurídicos, que, em determinados situações,
permitam, para alcançar os fins isonômicos, que desiguais sejam desigualmente tratados, o
texto constitucional foi mesmo mais perceptivo que muitos documentos ostensivos da
OAB. O artigo 5º da Constituição, na verdade, é um catálogo que procurou, como
demonstramos no item anterior, alcançar com sabedoria, compatibilizar mecanismos de
proteção isonômica com mecanismos para alcance isonômico, assim como a proteção de
direitos individuais clássicos e os direitos existenciais, bem como os direitos coletivos e
difusos conseguindo aprofundar-lhe a dimensão (subjetiva) existencial dos direitos
individuais e abrir as dimensões dos novos direitos civis.
A Constituição brasileira de 1988, seguindo o ritmo das Conferências, avançou
significativamente na constitucionalização dos direitos humanos, não exatamente na sua
definição conceitual, mas na sua pontuação em dispositivos específicos, assim como,
contribuiu, decisivamente, para a inserção do papel do advogado no quadro de defesa dos
direitos e garantias dos deveres institucionais. Tanto um caminho quanto o outro, na
verdade, exprimiram, seguindo o ritmo das Conferências, demandas dos advogados sobre o
reposicionamento constitucional do Estado de Direito, onde não apenas o papel do
advogado estivesse mais explicito no quadro de comprometimento com os direitos
humanos, como também as proteções fundamentais não ficassem adstritas aos direitos
individuais no seu sentido clássico.
1535
O texto constitucional, no que se refere a tratados e convenções internacionais de outra natureza,
estabelece que compete privativamente ao Presidente da República celebrá-los e ao Congresso Nacional
referendá-los (art. 84, inc. VIII), sendo, todavia, que a Constituição não estabelece o modus faciendi do
referendo, deixando, todavia, claro, que não é conforme os tratados e convenções referentes a direitos
humanos.
985
O texto constitucional de 1988 não propriamente definiu títulos ou capítulos
como “dos direitos humanos”, ou indicações semelhantes, mas manteve, com razoável
clareza, duas linhas de institucionalização conceptiva: o tratamento da questão para efeitos
internos, num contexto retórico mais difuso, e o tratamento internacional da questão num
contexto mais especifico e direto. Esta posição aumentou o seu alcance político e fortaleceu
a posição dos direitos humanos como a dimensão mais visível da ideologia jurídica
dominante na Constituição, muito embora com aberturas plúrimas.
Assim, como temos observado, basicamente a proteção específica dos direitos
humanos está no Título II Direitos e Garantias Individuais e no seu Capítulo I, que dispõe
sobre Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, assim como no Capítulo II deste mesmo
título, que mais trata dos direitos sociais como especial dimensão dos direitos humanos. Já
no aspecto das relações internacionais, numa linguagem mais direta, a matéria está ainda no
artigo 4° do Título I, que dispõe: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: I - Independência Naciona;. II -
prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não
intervenção; V - igualdade entre os estados; VI - defesa de paz; VII - solução pacifica dos
conflitos; VIII – repudio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos para
o progresso da humanidade; X – concessão de asilo político. Parágrafo Único A República
Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos
da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
No conjunto geral destas normas substantivas sucede um conjunto significativo
de normas processuais, algumas, pelo menos, posteriores à Constituição de 1988.
Para efeitos internos, como nunca antes fora objeto constitucional, a
Constituição priorizou no próprio artigo 1º, estabelecendo que a República Federativa do
Brasil (...) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como seu fundamento (...);
III - a dignidade da pessoa humana, como já observamos, abre o seu amplo leque de
alcance protetivo dos direitos da pessoa humana, permitindo, constitucionalmente,
classificá-los tanto em dimensão social, quanto em dimensão existencial, vencida a etapa da
tradicional proteção individual.
Nesta linha, os indicativos constituintes da OAB foram mais longe, quando a
Conferência de Belém chega a sugerir que se coloque no texto constitucional que O Brasil
986
é uma democracia social e participativa, organizada sob a forma republicana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na soberania popular, com o fim de assegurar a todos a
liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político; e, no que se refere à aplicabilidade
dos dispositivos constitucionais, completa:
(...) § 4º - As normas definidoras das liberdades, garantias e direitos fundamentais, [que
devem ser mantidos e, mesmo, alargados na nova Lei Magna], têm eficácia imediata,
com os instrumentos que assegurem adequadamente a proteção da pessoa humana,
independentemente da edição de leis ou decretos de aplicação. Elas são interpretadas e
integradas à luz das declarações internacionais de direito, das quais o Brasil é
signatário. § ... É obrigação do Estado remover os obstáculos de ordem econômica e
social que restrinjam, de fato, a liberdade e a igualdade dos cidadãos (...).
Evitando deter-se no tema, a Constituição, todavia, explicita, no inc. III do art.
3º referente aos objetivos da República Federativa, que, dentre eles, está erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, que se
completa pelo inciso X do artigo 23, quando dispõe que à União, aos Estado membros,
Distrito Federal compete combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, assim como o art. 6º
estabelece na dimensão humana dos direitos sociais, o direito à educação, à saúde, ao
trabalho, a moradia, ao lazer, à segurança, a previdência social, a infância, a assistência
aos desamparados.
Nesta mesma linha incluem-se os incisos XXX e XXXI do art. 6º, que,
respectivamente impõem a proibição de diferença de salário, de exercício de funções e de
critérios de admissão por motivo de sexo, cor ou estado civil e, ainda, a discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador ao portador de deficiência
física,
1536
sendo importante acrescer o inciso XXXII que proíbe a distinção entre trabalho
manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
Por outro lado, todavia, é na dimensão existencial da dignidade humana que
vamos identificar os maiores e mais significativos eventos, sendo que dentre eles podemos
incluir dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, postos no inc.
1536
Ver Decreto n°. 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (norma de proteção à pessoa portadora de deficiência)
e Regimento do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE (res. nº 2, de
8 de junho de 2000 (DOU 24 de agosto de 2000).
987
IV do artigo 3º promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
1537
cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
1538
De longo e especial alcance
podemos também incluir neste espaço classificatório o inc. III do artigo 5º que dispõe que
ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante,
1539
como já
observamos, podendo-se acrescer ainda o inciso X que dispõe: são inviolável a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...) e o inciso XXXIII que dispõe: Todos
têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular (...).
1540
Mais extensamente que a Constituição, os indicativos constituintes da OAB
propunham:
(...) (9º) - O Estado não poderá operar serviços de informações sobre a vida particular
das pessoas, convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé
religiosa, salvo quando se trate de processamento de dados estatísticos não
individualmente identificáveis, (10º) - Qualquer pessoa tem o direito de tomar
conhecimento do que constar a seu respeito nos registros oficiais, ainda que policiais ou
militares, e de exigir a retificação de dados incorretos ou inverídicos e, ainda, 11º - São
proibidos o acesso de terceiros a fichário com dados pessoais e a respectiva
interconexão, bem como o fluxo de dados transfronteiras, salvo em casos excepcionais
previstos em lei.
Lamentavelmente, a proposta da OAB não explicitou os instrumentos de acesso
e defesa a arquivos confidenciais ou reservados,1541 como o hábeas data, ficando a
1537
Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002 (Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher). Ver, também, o inciso L do art. 5º que assegura as presidiárias condições que
possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Ver Lei nº 7210, de 11 de julho de
1984, art. 89 sobre penitenciária de mulheres. Também, o art. 7º no seu bojo se refere à proteção da
maternidade (conforme Emenda nº 26, de 14 de fevereiro de 2000), e, ainda, o inciso XVIII do mesmo artigo
sobre direito de licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias, garantido
inclusive o direito de não ser dispensado (DT art. 10, II, b. Ver, também, ADIN nº 1.946, de 3 de abril de
2003 sobre salário de gestante. Sobre salário-maternidade ver art. 71 e 73 da Lei nº 8213, de 24 de julho de
1991.
1538
Ver Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, sobre crimes sociais e Lei nº. 8.081, de 21 de setembro de 1990
(sobre crime e penas aplicáveis a ato discriminatórios). Ver, ainda, Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003 (cria
a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República) e a Lei nº
9459, de 13 de maio de 1997 (sobre crimes sociais).
1539
Ver Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991 (Convenção contra Tortura e outros Tratamentos e Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes) e Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997 (crime de tortura).
1540
Ver artigo de BASTOS, Aurélio Wander. Política brasileira de arquivos e documentos sigilosos. In:
CARDOSO, Fernando Enrique. Documentos privados de interese público. São Paulo: Instituto, 2005. p. 97.
1541
As conclusões de diferentes conferencias e seminários da OAB, até pelas circunstancias políticas de seu
papel, não desenvolveram este tema do acesso a documentos sigilosos, até porque a sua posição era de acesso
absoluto. Os primeiros textos do anteprojeto constituinte, que demonstram alguma influência dos grupos de
988
iniciativa por conta da Comissão Arinos e, no que se refere à proteção dos direitos coletivos
não falou em Ação Civil Pública, mas em Ação Civil Coletiva, propondo o seguinte texto:
28º - A lei disporá sobre a Ação Civil Coletiva dando eficácia ‘erga omnes’ à coisa
julgada de decisões que digam respeito às situações que envolvam interesses comuns a
grupos, categorias, entidades ou a número considerável de indivíduos
.
No que se refere à questão dos direitos humanos no contexto das relações
internacionais o art. 4º da Constituição dispõe claramente que a República Federativa do
Brasil rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, único e exclusivo artigo
que explicitamente se refere a direitos humanos na forma da redação originária da
Constituição.
1542
Na verdade, tomando ainda, como referência que dentre os direitos
humanos
1543
nas relações internacionais se soma a concessão de asilo político
1544
e o
repúdio ao terrorismo e ao racismo,
1545
até muito recentemente a política constitucional de
proteção aos direitos humanos se definia em função dos tratados internacionais
transformados internamente em decretos (inclusive legislativos).
De qualquer forma, o alcance legislativo da proteção aos direitos humanos não
apenas na sua dimensão social, como existencial, ultrapassou os limites exclusivos dos
direitos substantivos, para, com a promulgação da Constituição de 1988, alcançar espaços
materiais (substantivos) a partir da definição de instrumentos processuais, o que permitiu,
também, uma redefinição ou reclassificação extensiva dos direitos próprios do cidadão, mas
também no sentido de se proteger o sentimento dos cidadãos com relação a objetos
oposição são profundamente mais radicais do que a redação que acabou prevalecendo no inciso XXXIII do
artigo 5°, onde visivelmente ressalva-se o acesso a informações imprescindíveis a segurança da sociedade e
do estado. Ver também Lei 11.111, de 05 de maio de 2005.
1542
Ver nota, neste mesmo item e Capítulo sobre a Emenda Constitucional 45/04 que trouxe para o texto
constitucional a mesma temática.
1543
Ver Decreto nº 678, de 6 de novembro 1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de
João José da Costa Rica). Ver, também, Decreto nº 4 de abril de 1963 de 8 de novembro de 2002 que
promulga a declaração de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana relativo à
interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Ver Decreto nº 5174, de 9 de agosto de 2004
sobre Regimento da SEDH. Ver item 3.2., cap. X desta tese.
1544
Ver Decreto nº 55929, de 14 de abril de 1965 (Convenção sobre Asilo Territorial).
1545
Ver Decreto nº 5639, de 26 de dezembro de 2005 (Convenção Interamericana contra o Terrorismo)
989
preciosos à vida do próprio homem, onde, quase sempre, sobre eles, não tinha titularidade
específica.
Assim, a par de instrumentos processuais de proteção a direitos individuais
como o hábeas corpus e o mandado de segurança, imprescindíveis à inviolabilidade da
pessoa ou de seus direitos, desdobraram-se instrumentos de alcance existencial ou proteção
coletiva e difusa. Estes novos instrumentos, quase sempre discutidos durante as
conferências evoluíram no contexto da ampliação do Estado de Direito e na sua
predefinição como Estado Democrático, permitindo reconhecer, que, diversamente dos
direitos de tradição individual e liberal, de formatação substantiva, estes novos direitos
desenvolveram-se como resultados processuais de movimentações substantivas.
Da perspectiva existencial adquiriu especialíssimo corpo o hábeas data que
tomou, constitucionalmente (artigo 5º, LXXII) a dimensão de assegurar ao cidadão o direito
de acesso a informações (inclusive de consciência), relativas à pessoa, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (ver,
também, Sm 2, STJ) e, por outro lado, aqsegurou também ao cidadão o direito de requerer a
retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo.
1546
Na linha dos direitos sociais foram abertas duas novas grandes vertentes
protetivas dos direitos humanos, em primeiro lugar, enquanto extensão mesmo dos direitos
individuais a grupo de cidadãos vítimas de “ilegalidalidade” ou abuso de poder de
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder
público.
1547
Como já observamos o Mandado de Segurança Coletivo está na linha de
proteção de interesses de membros associados de determinada organização ou com
determinados fins, onde, não necessariamente, são direitos humanos, mas têm alcance de
proteção contra atos abusivos da autoridade, dando-lhe possibilidades protetivas enormes,
inclusive, na dimensão difusa quando impetrado por partido político.
1546
Ver art. 5º, LXXVII que dispõe: são gratuitas as ações de (hábeas corpus e) habeas data e, na forma da
lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. Ver, também, Lei nº 9265, de 12 fevereiro de 1996
alterada pela Lei nº 9534, de 10 de dezembro 1997 (que regulamentar este tema).
1547
Ver art LXX que dispõe: o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido com
representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento a pelo menos um ano, em defesa de interesse de seus membros ou associados.
990
Finalmente, consolidando a linha argumentativa desta Tese a Constituição de
1988 encontrou de forma especial e definitiva de estender o sentido originário da Lei da
Ação Civil Pública,
1548
aumentando o seu alcance de proteção difusa e transformando-a em
instrumento habilíssimo na proteção de interesses legítimos, pelo Ministério Público,
quando não gozam de titularidade específica. Assim, não apenas resguardou o interesse da
pessoa humana à proteção de seus próprios sentimentos com relação ao meio ambiente e
aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, como
também reconheceu na sua importância a proteção do patrimônio público e social e de
outros interesses difusos e coletivos.
1549
Por conseguinte, ficaram, assim, explicitados os
diversos âmbitos da dimensão coletiva e difusa dos direitos humanos, não apenas
suscetíveis de proteção como tal, como ocorre, por exemplo, com os direitos do
consumidor, mas também suscetíveis de proteção enquanto bens necessários e
imprescindíveis a vida saudável da pessoa humana, assim como as suas referencias
históricas, ambientais e culturais.
Finalmente, encaminhando a linha conclusiva deste item deve-se observar que o
papel, senão do advogado, da OAB, como instituição corporativa, foi decisivo para a
constitucionalização da proteção aos direitos humanos, mesmo, como de fato ocorreu, nas
divergências entre suas propostas e o movimento das redações do texto constitucional. A
conexão, entre a abertura constitucional foi realizado pelo novo Estatuto dos Advogados
promulgado em 1994, que vinculou a seus objetivos estatutários a proteção aos direitos
humanos consolidando esta fundamental modificação da ideologia jurídica no ideário,
estatutário dos advogados, como veremos na conclusão do ultimo Capítulo da Tese. Isto
não significa, é claro, que o novo Estatuto restringiu-se a esta mudança, digamos de
expressivo alcance, mas porque dentre todas, esta era a que traduzia, com mais
expressividade, os fundamentos dos grandes debates das conferencias da OAB que
1548
Ver nota 134 no cap. X desta Tese.
1549
Na verdade, entre o texto originário da Ação Civil Pública em 1985, e os anos que se lhe antecederam e a
sua constitucionalização, com o inc. III do art. 129, ocorrem, inclusive significativas mudanças conceptivas
no conceito de interesse coletivo enquanto expressão de consciência coletiva, evoluindo o conceito da forma
originária influenciada pelas concepções de Gabriel Tarde (de que a consciência coletiva nada mais seria que
a soma de consciências ou interesses individuais, daí a sua origem como interesse individual homogêneo ou
transindividual) para a forma final mais aberta de que a consciência coletiva teria uma dimensão própria e
autônoma, de certa forma seguindo o posicionamento de Emile Durkheim e Karl Marx.
991
sucederam a 1964 e seguiram toda a tradição de suas propostas coorporativas contribuindo
decisivamente para sua remodelação estatutária encontrando suporte e abertura na plúrima
ideologia jurídica que presidiu a Constituição de 1988.
Os direitos humanos, como já observamos em outros capítulos anteriores,
imediatamente após o Estatuto de 1963, já se manifestara como o novo projeto de maior
alcance dos advogados, uma especial forma de evoluírem na proteção dos direitos
individuais, a partir deles próprios, sem romper com seus fundamentos e origens, provocar
mudanças de qualidade na missão dos advogados, ampliando o seu leque de compromissos
das estritas e específicas demandas judiciais, para compromissos com a defesa da própria
pessoa humana e com seus vínculos existenciais e sociais de dignidade. É claro, e, não
temos como desconhecer, que este avanço qualitativo na ideologia jurídica em dimensão
sensível de seu ideário, não ocorreu como fenômeno solitário, desconexo do quadro
circunstâncial da evolução política e social dos anos que antecederam e imediatamente
sucederam a 1988, mas as possibilidades de requalificação estatutária nunca chegaram a
reconhecer os processos estruturais de mudança como pressuposto de sua própria mudança,
favorecendo sempre a dinâmica endógena suportável pelos institutos jurídicos ou pela sua
natureza conceptiva.
Conclusivamente, como observamos na itemização deste Capítulo,
aprofundamos o estudo sobre os direitos humanos e a ideologia constitucional, para
viabilizar, no último Capítulo estudo sobre a OAB e a Mudança Social e as relações de
conexão entre a nova ideologia jurídica, disposta na Constituição de 1988 e o ideário do
Estatuto da Advocacia e da OAB de 1994.
Observações Conclusivas
Este Capítulo, como se verifica, teve uma estrutura bastante ampla e complexa,
mesmo porque seu objetivo central era fazer um estudo comparado das principais
proposições constituintes da OAB, com algumas sugestões do Anteprojeto Arinos, para,
finalmente, verificar sua identificação com as opções constitucionais finais. Na verdade, as
992
propostas da OAB na Constituinte não avançaram como pretenderam seus dirigentes o que
não significa, todavia, que muitos de seus propósitos não tiveram guarida constitucional,
muitas vezes mais amplamente, outras tantas em graus de redução legislativa.
As modificações introduzidas, todavia, podemos concluir, pela Constituição
brasileira de 1988, não exatamente seguiram as sugestões da OAB, o que nos permite
genericamente, afirmar que, embora a Constituição tenha reconhecido muitas de suas
proposições, não reconheceu as proposições mais radicais, como, por exemplo, o usucapião
de terras (ou próprios) públicas, assim como restringiu o direito de ser usucapiendo apenas
àqueles que não fossem proprietários de outro imóvel urbano ou rural, e, da mesma forma,
não limitava a renda, como era proposta da OAB, sugerindo, no entanto, a limitação
máxima do terreno a 250m², mas, por outro lado, não alterou a maneira como este viria a
ser possuído (sem interrupção, nem oposição, com fim de moradia), mas excluiu as áreas de
expansão urbana como áreas usucapiendas e, também, não se referiu à provocação do
aparato judicial para obtenção de títulos de domínio.
Não há como desconhecer, de qualquer forma, que a OAB, ao contrario de suas
tradições anteriores concentrou excessivamente suas preocupações na questão da
propriedade, o que, de certa forma, restringiu sua colaboração em outras linhas de debate,
prejudicando a sua colaboração hermenêutica para a formatação da ideologia jurídica final
da Constituição, como mais fica demonstrado nos últimos capítulos, com visíveis efeitos
sobre o futuro ideário estatutário. Não podemos desconhecer o radicalismo discursivo e,
muitas vezes, propositivos, mas o seu alcance de eficácia, quando entra em discussão os
mecanismos de efetiva reestruturação, perdem o seu impacto e a tendência dominante é que
os propósitos gerais se acomodem nos limites possíveis de evolução dos próprios institutos
jurídicos tradicionais, daí as grandes dificuldades de se fazerem projeções jurídicas que
afetem os limites endógenos suportáveis de mudanças.
As propostas da OAB, na Constituinte, se tivessem evoluído, na forma de suas
sugestões programáticas, o instituto da propriedade, na Constituição, não teria a forma
vigente e representaria um avanço incomensurável nos meios e métodos admissíveis
(reconhecíveis), pela ideologia jurídica e, mesmo pelas práticas do ideário corporativo. Isto
significa, que, os advogados, no seu conjunto durante o período constituinte paulatinamente
foram abandonando a proposta de uma democracia econômica (mas voltada pra os
993
problemas de socialização), para, restringirem-se à mobilização prioritária pela
democratização do Estado, enquanto projeto institucional e, residualmente, enquanto
projeto político. É por estas, e tantas outras razões, que, não propriamente, exceto muito
especialmente, com as ponderações prováveis, que podem ser identificadas, na Carta da XII
Conferência, em Porto Alegre, realizada no período de promulgação da Constituição, como
veremos, que não se pode afirmar que o processo de evolução e transmutação ideológica
dos advogados ultrapassou os limites juridicamente suportáveis, ou seja, reconhecer na
antítese de institutos jurídicos tradicionais a evolução endógena (intestina) dos próprios
institutos. A Constituição, nas suas linhas de abertura, evoluiu nesta linha, evitando
rupturas com os institutos jurídicos na sua formatação, muito embora, e este fato é
inquestionável, a Constituição de 1988, criou novos e importantes institutos jurídicos que a
história presente tem reconhecido.
Por estas razões, deve-se ressaltar algumas alterações altamente modificativas
que vieram a ter efeitos profundos na construção do direito brasileiro moderno, a partir
especialmente das normas constitucionais que viabilizaram a proteção dos mais fracos na
relação jurídica e os direitos inerentes ou difusos dos grupos dispersos ou entidades
organizadas. Assim, o Código do Consumidor permitiu a evolução da teoria da
responsabilidade civil objetiva, contrapondo-a à tradicional teoria da responsabilidade civil
(subjetiva), cujos efeitos de inversão do ônus da prova já alcançaram, inclusive, o Código
Civil, de 2002, rompendo os circunscritos limites do Código de Bevilacqua (1916/7 a
2002), criando condições para que o requerente mais frágil pudesse exigir do requerido
mais forte (o estado ou aqueles de maior poder econômico) a obrigação de desconstruir a
sua culpa. Por outro lado a relativização do pacto sunt servanda, flexibilizando a
impositividade contratual, viabilizou a reavaliação dos negócios, permitindo a
recomposição das partes, principalmente nas cláusulas leoninas ou até nos contratos de
adesão.
Todas estas novas vertentes de velhos institutos são indicativas de que pelo
direito se pode alcançar a mudança social ou, pelo menos, aliviar a postura impositiva dos
institutos na sua formatação tradicional.
1550
Por outro lado, a convivência harmônica entre o
1550
MOREIRA, Cássia. Código Civil Comparado. 2ª ed. Rio de Janeiro: América, 2006. (Ver Prefácio de
Aurélio Wander Bastos).
994
direito propriedade e o reconhecimento de sua função social pelo menos em casos de
extrema necessidade social demonstra que muitas são as aberturas para aliviar a força
compressiva da riqueza.
1551
Também, não podemos desconhecer que o movimento constituinte e a própria
Constituição, não apenas ficou no reconhecimento da mudança endógena de seus institutos,
mas, muitos foram os novos institutos de direito criados por força da ação exógena dos
fatos e que passaram a influir sobre o quotidiano da advocacia e, pouco tempo depois, sobre
a reformulação de seu ideário estatutário, mesmo no contexto do contingencial episodio do
impeachment, de certa forma um reversão política no fluxo das práticas da OAB, quando o
estatuto de 1963 sobrevivia moribundo, e não fora, ainda, promulgado o novo Estatuto de
1994. Por outro lado, a efetiva criação de uma política de direitos humanos, com a
constitucionalização dos instrumentos e proteção dos interesses coletivos e difusos e, ainda,
a criação da defensoria pública como órgão de Estado encarregado da defesa e proteção dos
necessitados, não podendo desconhecer, do mesmo modo, o amplíssimo leque da proteção
dos direitos existenciais e, inclusive, o direito de acesso a informação a documentos
públicos, onde, senão absolutamente, a participação da OAB foi efetiva e positiva.
É bem verdade, que, do total destas aberturas nos velhos institutos, ou mesmo
com os novos institutos, pouco se alcançou no que se refere à transformação das estruturas
de organização da terra e da propriedade, mas não se pode desconhecer, por outro lado, que
a onipotência da dominação econômica e política foi quebrada com os novos mecanismos
constitucionais, assim como o fortalecimento da democracia política poderá(ria) consolidar
os mecanismos de garantia de reformas estruturais.
1552
Muito embora, todavia, as primeiras
experiências de transformação estrutural, através dos mecanismos parlamentares – emendas
1551
Constitucionalmente, nesta mesma linha, deve-se destacar a evolução do pátrio poder (patriarcal) para o
pátrio poder compartilhado, a legitimação absoluta de filhos de toda e qualquer relação com efeitos
isonômicos na sucessão patrimonial, todos indicativos, que, no longo ou médio prazo, as relações sociais de
importância jurídica podem modificar, acrescendo-se, aqui, ainda, por exemplo, a proteção da união estável
entre homem e mulher. Muito embora, possam haver aberturas infra constitucionais, o que é um sinal
importante no processo de reconstrução interna dos institutos no que se refere à união entre pessoas do
mesmos sexo, nem as Conferências e encontros constituintes nem a Constituição, avançaram com qualquer
visibilidade no tema.
1552
Mesmo que paradoxalmente, na reversão das expectativas que cresceram com a XII Conferência da OAB,
as reformas neoliberais que seguiram a 1990, reforçam esta tese, apesar de que, naquele momento histórico,
não se esperava que a democracia enfraquecesse o Estado intervencionista e concessionário de serviços para
fortalecer o mercado.
995
constitucionais, e de regulamentação legislativa – medidas provisórias, tenham
decisivamente, contribuído, não para modificar a estrutura agrária e urbana, mas para
privatizar a infra-estrutura da ordem econômica estatizada entre os anos de 1930, nos seus
albores, e 1988, ano de Constituição, mas, também, antevéspera da queda do Muro de
Berlim, que simboliza o fim da guerra fria e o fracasso do projeto socialista (soviético),
combinado com o fortalecimento das políticas de globalização no contexto do projeto
neoliberal.
996
CAPÍTULO XIII
A CONSTITUIÇÃO E A MUDANÇA SOCIAL
Diagnóstico Introdutório
A XII Conferência Nacional dos Advogados, presidida por Márcio Thomaz
Bastos, realizada em Porto Alegre, entre os dias 2 e 6 de outubro de 1988, exatamente 3
(três) dias antes e 1 (um) dia após a promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil, de 5 de outubro de 1988, foi o seu primeiro acontecimento crítico, assim como a
Carta de Porto Alegre, documento estratégico pioneiro que procurou redefinir os padrões
futuros da nova ação política parlamentar. Estes dois especiais fatos, inseridos no momento
mais significativo da história brasileira moderna são, todavia, efeitos reativos aos aspectos
constitucionais que não traduziram as muitas das proposições constituintes da Ordem dos
Advogados, das vertentes do aparato sindical e das organizações da sociedade civil e, muito
especialmente, de frações partidárias de esquerda e do emergente Partido dos
Trabalhadores.
A Constituição, como observamos, foi elaborada por um Congresso
Constituinte, numa articulação entre as novas forças políticas, constituídas de partidos
políticos da oposição oficial tradicional de militantes de esquerda e de frações de forças
instituídas constituídas de adesistas históricos e de dissidentes remanescentes do
(r)emendado texto constitucional de 1967/69, contrariamente à esperada Assembléia
Nacional Constituinte exclusiva proposta pela Ordem dos Advogados e amplas frações da
sociedade civil. O conteúdo da nova Constituição, na data de abertura da XII Conferência,
já estava, basicamente, no conhecimento público, assim como a Ordem dos Advogados do
Brasil, e, por isto mesmo, quando iniciaram-se os trabalhos da Conferência, estava lastreada
num amplo diagnóstico crítico da Constituição e num embrionário diagnóstico de propostas
de mudanças sociais que se implementariam a partir das novas conquistas consolidadas
com o Estado Democráticas de Direito, versão final do originário projeto de criação de um
“Estado de Direito Democrático”.
997
O diagnóstico, não propriamente debatido, apenas por advogados, mas por
filósofos, cientistas políticos e sociólogos, convidados, ficou intelectualmente traduzido nas
exposições e palestras que ocorreram durante as conferências e, que, fundamentalmente,
reconheciam que as limitações político-ideológicas da Constituição deviam-se ao arranjo
congressual da convocatória constituinte, que, efetivamente, cerceou o seu alcance
representativo, à medida que viabilizou a sobrevivência eleitoral de grupos político
partidários comprometidos com o velho regime. Para os palestrantes, as limitações que se
traduziriam na nova Constituição, devido aos seus vícios de origem, e compromissos com
uma transição pactuada entre as frações remanescentes no poder e os grupos de oposição,
teriam contribuído para limitar as expectativas populares mais autênticas representadas
pelos rearticuladores dos partidos da esquerda democrática e pelo Partido dos
Trabalhadores, que esteve por não assinar o texto constitucional,
1553
mas, que,
efetivamente, não se realizou por iniciativa de alguns deputados em posição mais
moderada.
Esta especial situação, frustradas nas limitações constitucionais, na verdade, fez
da XII Conferência uma crítica à nova ordem constitucional, evitando uma elegia à nova
Constituição, pontuada de especiais e importantes conquistas jurídicas civis, embora
sensivelmente estatista, mas paradoxalmente comprometida com a liberdade de iniciativa e
a livre concorrência.
1554
O novo texto constitucional, no entanto, ficou frágil para as
expectativas e as exigências da OAB, traduzidas nos documentos que anteriormente
analisamos, especialmente no que se refere às políticas para a construção de uma nova
estrutura agrária e urbana, mais comprometida com o rompimento das matrizes que
historicamente subsidiaram a exploração da terra e do trabalho limitada pelo tradicional
conceito de propriedade, apesar de, explicitamente, reconhecer a função social da
propriedade e incentivar uma política de direitos humanos, jamais reconhecida nas
constituições brasileiras e em leis regulatórias (e decretos regulamentares)
1555
anteriores.
1553
Destacam-se entre os militantes petistas que assinaram a Constituição: Luis Inácio Lula da Silva,
Florestan Fernandes, José Genoíno, José Paulo Bisol, Luiz Gushiken, Plínio Arruda Sampaio, Virgilio
Guimarães e Vladimir Palmeira.
1554
Ver item 4.4., do cap. XII.
1555
Ver item 3.1. do cap. I, p. 42. Como verificamos os grupos à esquerda e naquela ocasião o anteprojeto de
sugestões da OAB, pretendeu que as políticas de reforma agrária também alcançassem o homem do campo e
998
1 Contrição e Constituição
Por estas razões, possivelmente, diferentemente da programação das
Conferências antecedentes, marcadas pelos temas jurídicos exemplares (Estado de Direito,
liberdade, justiça social, democracia, constituição) o tema da XII Conferência foi O
Advogado e a OAB no Processo de Transformação da Sociedade Brasileira, na expectativa
de se avançar com a restauração democrática nas conquistas sociais reconhecidas como
imprescindíveis. Neste contexto de orientação. destacaram-se as conferências sobre: as
raízes matriciais da formação histórica brasileira, uma tentativa de mostrar a influência dos
grilhões do passado nas vivências estruturais do presente, experiência pioneiríssima em
termos de OAB, sobre a formação democrática do Estado e da sociedade brasileira, com
severas críticas ao patrimonialismo,
1556
inclusive objeto dos capítulos iniciais desta Tese,
sobre a redefinição institucional do Estado brasileiro a partir de sua criação e construção.
Por outro lado, tomaram grau de dimensão as teses da OAB sobre a proteção dos direitos
humanos e os seus reflexos sobre o exercício e a evolução da advocacia, assim como sobre
o papel social e institucional da OAB, um vasto material que seqüenciou as nossas
preocupações deste estudo.
Todas estas vertentes de linhas temáticas ficaram ressaltadas nos painéis
indicativos dos novos problemas da conjuntura constitucional, permeados por questões
referentes ao papel do Poder Judiciário, ao controle participativo do Estado, aos efeitos dos
desequilíbrios regionais sobre a unidade nacional e aos efeitos da concentração de rendas e
do sistema de propriedade e a desnacionalização das riquezas nacionais sobre a ordem
econômica e aos problemas atuais da advocacia. No conjunto, todos estes temas reforçaram
a linha temática da Conferência permeada por questões como: reforma do Estatuto da OAB,
representação corporativa e prerrogativas e deveres dos advogados, mercado de trabalho e
aos excluídos, procurando atribuir uma dimensão social às políticas de direitos humanos muito restritas aos
“novos” direitos existenciais. Efetivamente estes fatos não ocorreram apesar de iniciativas inovaodras no que
se refere a direitos históricos de índios e negros. Ver, também, cap anterior.
1556
Interessantemente os estudos brasileiros sobre teoria do Estado brasileiro sempre abordaram politicamente
a questão do estado patrimonial, mas nesta Tese, pioneiramente, procuraremos demonstrar a importância da
desconstrução do Estado patrimonial, o que dá a dimensão inovadora do trabalho. Ver cap. I, respectivamente
itens Introdução e 3.7.
999
ensino jurídico, questões que influenciarão, decisivamente, os futuros projetos estatutários e
seu ideário, construído a partir da nova ideologia constitucional.
Este conjunto de discussões temáticas, influenciadas pelas abordagens
ideológicas pré-constituintes da OAB efetivamente uma (re)leitura da Constituição
promulgada, abordadas da forma que o foram, definitivamente provocará, no curto prazo, a
reavaliação do ideário estatutário em confronto, não apenas com muitas das linhas
orientativas da Constituição, mas, também, com as novas aberturas ideológicas que
influíram sobre a construção constituinte. Na verdade, os novos rumos estatutários da OAB
estarão sendo avaliados numa linha de ponderação entre a proteção extensiva dos direitos
civis, para construção do Estado Democrático de Direito, federativo (mais ousado) e
parlamentarista combinado com uma economia aberta apoiada na livre concorrência,
influência herdada da Comissão Arinos, e a proposta (mais) assistemática da OAB, voltada
para a proteção extensiva dos direitos sociais, para a construção do Estado de Direito
democrático, federativo (clássico) e presidencialista-parlamentarista combinado e com um
projeto econômico comprometido com transformações estruturais da economia e do estado.
Enfim, a XII Conferência retomou estas questões concentradamente com o
objetivo de alavancar novas conquistas sociais no contexto democrático, vinculadas às
barreiras impostas pelo autoritarismo, mas num mundo que já deixava visível a glasnost
soviética e os novos projetos neoliberais. Esta situação dilemática demonstrará no futuro as
grandes dificuldades ideológicas de adaptação dos novos projetos políticos de
transformação estrutural social, mais se adaptando às propostas comprometidas (quase que
exclusivamente) com avanços nos direitos civis, assim como o ideário profissional dos
advogados de se adaptar a situações circunstanciais mais suportáveis pelas suas tradições.
Ao fim deste Capítulo, como mostraremos, mais ficou facilmente assimilável e em
condições de influir sobre o novo ideário estatutário
1557
os fundamentos e as garantias de
nova Constituição do que propriamente o extenso projeto de democracia econômica que
influiu nas últimas conferências analisadas, inclusive a XII de Porto Alegre.
Ressalte-se, no entanto, como já observamos, apesar da característica temática
recorrente, imprescindível, pela sua própria natureza, em congressos de advogados, sobre
1557
Ver Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994, e, também, estudo conclusivo comparado no item 4, deste cap.
1000
os problemas do exercício da advocacia, a XII Conferência, pioneiramente, desprezou a
discussão temática tradicional sobre a superestrutura jurídica, dominantes até a IX/X
Conferências, para desenvolver uma temática essencialmente voltada para a transformação
social, na linha da XI Conferência de Belém, o que não impediu, também que se reavaliasse
o papel da OAB no Estado Democrático de Direito, seu objetivo prospectivo. Aliás, o
temário, colocado desta forma, introduziu a questão sobre a transformação social como
pressuposto da transformação jurídica, muito embora os resultados constituintes, obtidos
com a promulgação da Constituição, efetivamente viessem a demonstrar que encaminhava-
se para reconhecer que a ordem jurídica é (seria) um instrumento (também) para alcançar
mudanças sociais, mas dentro dos padrões da ordem, o que, pelo menos em principio,
definia os limites do (novo) ideário estatutário aos limites da (nova) ideologia jurídica
institucionalizada.
No fundo, este não é, apenas, um dilema metodológico, mas é (seria, também)
um dilema entre juristas (advogados), que acreditavam na mudança da ordem jurídica (na
institucionalização de um novo direito), que mudando a própria ordem jurídica mudariam a
ordem social, e cientistas sociais (presentes à Conferência) e advogados de militância
política, muito especialmente os que estavam comprometidos com as teses constituintes da
OAB, que, reconheciam, que, a ordem jurídica, enquanto ordem jurídica, não teria força
impositiva (ruptiva) para mudar estruturas sociais, mas que os mecanismos democráticos
remodelados (e restaurados) ampliariam os fluxos de absorção da capacidade de pressão
dos movimentos sociais por mudanças de longo alcance. Neste sentido, as tradicionais teses
sobre a força ruptiva das mudanças sociais perderam significativa força, crescendo,
proporcionalmente, as teses sobre a capacidade dos movimentos sociais provocarem
reacomodações de interesses sociais (e políticos) graduais que alcançariam as
imprescindíveis reformas de base: reforma agria e reforma urbana e a reforma do Poder
Judiciário, sociologicamente analisado como um sistema avesso às mudanças,
burocraticamente resistentes aos procedimentos para apreciação das grandes demandas de
mudanças sociais.
Este clássico dilema, transmudado para a vida política daqueles tempos
constituintes, imprescindíveis à sua compreensão, ao papel dinâmico das forças sociais e
dos próprios advogados, enquanto advogados, mas também, muito importante, para medir a
1001
força persuasiva dos cientistas sociais participantes da XII Conferência, na compreensão
analítica das nossas raízes matriciais como sobrevivências dos arcaísmos da sociedade
brasileira. Por outro lado, há que se reconhecer, que, se esta nova ordem, incorporou
mecanismos democráticos formais que permitem romper as raízes históricas matriciais,
estes mesmos mecanismos, dependendo da correlação de forças (sociais e ou
parlamentares), serviram para resguardar os veios matriciais tradicionais, assim como
viabilizou o projeto (neo) liberal que reagiu, com eficiência, à ordem econômica estatista,
permitindo constitucionalmente a mais profunda contra-reforma econômica das sociedades
modernas, que no entanto, não interferiu na política de garantias e proteção dos direitos
humanos (paradoxalmente).
Esta questão torna-se mais visível quando estamos falando de uma Constituição
inovadora, mas elaborada a partir de uma convocatória de composição constituinte (de
qualquer forma no contexto de tradição brasileira), entre as frações políticas do poder,
comprometidas com os interesses instituídos na ordem vigente, e as frações políticas de
oposição e resistência à (velha) ordem autoritária, comprometidas com os interesses civis e
sociais emergentes. Na verdade, a democracia, que veio a ser constituída na forma deste
pacto constituinte, que articulou o conjunto dos fatores reais de poder estava sensível, tanto
à pressão dos movimentos sociais e suas lideranças, quanto às frações tradicionais de poder,
com amplíssimos vínculos de controle sobre a vida econômica e, senão, ela própria,
articulada com os complexos industriais e financeiros internacionais.
1558
Na verdade, as forças que resistiram à fidedigna aprovação do novo texto
constitucional, que a pretenderam mais ambiciosa nas reformas estruturais, foram frações
da Ordem dos Advogados comprometidas com o projeto de uma constituinte exclusiva e
independente, que elaboraram a Carta de Belém (XI Conferência/1985) e, principalmente,
os partidos, ainda, de orientação marxista e/ou esquerdista e o próprio Partido dos
Trabalhadores, estuário das forças sindicais, grupos de intelectuais alternativos e o amplo
leque de facções resistentes de esquerda, com forte presença de representantes de
1558
Os acontecimentos políticos e, muito especialmente, as emendas constitucionais que sucederam a 1994,
até os dias presentes (56 Emendas; total nunca alcançado em emendas constitucionais no Brasil, nem ao
menos em relação à Carta de 1967/69), encaminharam-se, no curto prazo, para viabilizar a desestatização e a
privatização da economia, que ficara fortemente estatizada pela Carta Constitucional de 1988, sucedidas por
significativo leque de medidas provisórias convertidas em leis e leis complementares e ordinárias
propriamente ditas.
1002
movimentos sociais, essencialmente mobilizados pela igreja (católica) progressista. Estas
duas grandes vertentes, a primeira representativa ou expressiva das organizações civis e a
segunda de natureza político-partidária, ainda no seu projeto social-reformista, é que
procuraram avançar, com a contribuição do Estado Democrático de Direito, a partir do
novo texto constitucional democrático, na conquista de reformas mais profundas, com
plataformas espelhadas no temário da XI Conferência. Buscava-se, enfim (ainda) uma
plataforma social-democrática
1559
nos seus diferentes matizes.
Contribuíram decisivamente para a XII Conferência Nacional, presidida pelo
ex-presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Márcio
Thomas Bastos, ex-Presidente da seccional de São Paulo, que participou do movimento das
“Diretas Já”, criminalista que veio a ser Ministro da Justiça do governo Luis Inácio Lula da
Silva (2003/6), juristas e renomados cientistas sociais brasileiros, internacionalmente
reconhecidos, que vieram a ter destaque político partidário durante a Assembléia
Constituinte, como Florestan Fernandes, o sociólogo e professor da USP, que fora
Deputado Constituinte, Fernando Henrique Cardoso, também sociólogo e professor da
USP, que veio a ser Senador Federal e Presidente da República (1994/2002), Paulo Sergio
Pinheiro, cientista político e professor da USP, que veio a ser Secretário de Direitos
Humanos do Ministério da Justiça, Cristóvão Buarque, ex-Reitor da UnB que veio a ser
Governador e Senador Federal do Distrito Federal, e, agora recentemente, candidato à
Presidência da República, Carlos Lessa, economista e professora da UFRJ, que veio a ser
Presidente do BNDES (2002/2004), Walter Barelli, que veio a ser Ministro do Trabalho
(2002/2004), Tarso Genro, jurista e intelectual gaúcho, que veio a ser Deputado e Ministro
da Educação (2003/2004) e, recentemente, das Relações Institucionais (2006).
Estes intelectuais, mesmo com a ação marcante de Florestan Fernandes e
Fernando Henrique Cardoso, Deputado Constituinte, subrelator do Projeto de Constituição,
tiveram significativa influência intelectual na XII Conferência e se lhe atribuíram um
1559
Este(s) conceito(s), de democracia tem as mais diferentes matrizes, mas sempre nos chamou a atenção a
sua origem filológica, que permite a sua leitura como indica, na verdade, situações díspares, sendo que
democrático, historicamente “governo-do-povo” ou “autoridade do povo”, que abrem um sentido especial o
reconhecimento da palavra e da realidade das diferentes democracias. Modernamente, o termo “democracias
autoritárias”, caiu em desuso, com o fim das democracias populares do leste europeu, mas tem sobrevivido o
termo que se firmou como governo do pólo (eleito pelo). KELSEN, Hans. Esencia e Valor de La Democracia.
(Trad. De la). 2ª ed. Alemana por Rafael Luengo Tapia Y Luis Legaz e Lacombria. México. Editora Nacional.
1974, p. 150/3.
1003
caráter visivelmente social e de extensivo posicionamento que não apenas revia a historia
brasileira, mas se lhe atribuíram um caráter crítico que marcara os novos rumos do período
imediatamente seguinte à nova Constituição, procurando manter o espírito pré-constituinte
de Recife e Belém. Dentre os advogados e juristas destacaram-se na Conferência a figura
histórica de Miguel Seabra Fagundes e a exemplar postura de Fábio Konder Comparato, a
figura emblemática de Evandro Lins e Silva, o professor e constitucionalista José Alfredo
de Oliveira Baracho e Marcelo Lavanere Machado,
1560
que veio a ser Presidente da OAB
(1991/1992), Carlos Ayres de Brito e Eros Roberto Grau, que vieram a ser Ministros do
Supremo Tribunal Federal (2004), João Luiz Duboc Pinaud, que esteve em cargos de
representação estadual e federal voltados para proteção dos Direitos Humanos, Carlos
Mauro, que veio a ser Presidente da Fundação Palmares, como também Carlos Moura, que
fora também precursor na sua criação
1561
e muitos outros ilustres juristas que estão,
também, indicados dentre os quadros de conferencistas.
Dentre tantos intelectuais e juristas muitos, apesar da participação politicamente
incisiva, evoluíram, imediatamente, para posições refratárias ao projeto político da XII
Conferência principalmente os que foram se alojar no Partido Social Democrático
Brasileiro – PSDB. O Partido Social Democrático Brasileiro – PSDB, numa dissidência de
propostas políticas e ideológicas mais definidas assumindo o projeto reformista neoliberal,
principalmente após alcançar a Presidência da República com Fernando Henrique Cardoso,
após 1995, em aliança com o Partido da Frente Liberal – PFL, dissidência do antigo PDS,
partido do governo autoritário cujo presidente, Marco Maciel, à época, veio a ser o Vice-
1560
A gestão de Marcelo Lavanère Machado ficou marcada, não apenas pelo posicionamento reformista, de
1963, exatamente quando o estatuto perdera as suas bases de eficácia, e, ainda, não se promulgara o novo
estatuto. Mas, a gestão de Lavnère caracterizou especialmente, pelo pedido de impeachment do Presidente
Collor (1990/1992), com efeitos nacionais de mobilização, manifestação extrema do desdobramento político
das ações da OAB, que não se interromperam com a Constituinte, um certo desvio de fluxo possível apenas
na vacância pratica do Estatuto, na ausência de definição do novo ideário, o que permitiu o ato político de
manifestação absoluta, tendo representado ideologicamente uma reação às políticas de privatização, sem que
seus efeitos provocassem teve reações, posteriormente, quando em 1995, no governo FHC o processo de
privatização tomou sua verdadeira forma constitucional, alcançando seus objetivos mesmo com a exigência
de aprovação de 3/5 dos membros das duas casas do Congresso (§ 2°, art. 60).
1561
Independentemente de outras iniciativas, um dos movimentos precursores da Fundação Palmares, foi a
proposta encaminhada ao MEC em 1985, quando era Ministro o senador Marco Maciel, visando transformar a
antiga Biblioteca Castro Alves, vinculada a Delegacia do MEC no Estado do Rio de Janeiro, quando era
delegado Aurélio Wander Bastos, na forma de doação de seu acervo patrimonial, em Fundação Castro Alves,
de estudos sobre a população negra no Brasil, que evoluiu para um projeto mais abrangente como órgão
público – a Fundação Palmares.
1004
Presidente de Fernando Henrique. No médio prazo, muito embora não seja o tempo
presente vivido o melhor conselheiro da história, outros, mesmo poucos, da fração
moderada dos partidos, assumiram, a partir de profundas crises internas de colorido
ideológico, o projeto neoliberal,
1562
transmudado em projeto de Estado em função de
forças históricas circunstanciais, que, não alteraram, todavia, a política constitucional de
direitos humanos numa versão liberal-social.
1563
No que se refere aos advogados, ou melhor, às circunstanciais conclusões
constituintes da OAB, não houve influência, a curto prazo, nem provocou, significativos
efeitos sobre os seus limites corporativos. Os efeitos do projeto constituinte mais se
manifestaram sobre advogados e conselheiros isoladamente e, como conseqüência, sobre a
sua constituição interna, mas, senão imediatamente, a OAB, enquanto corporação,
estatutariamente, no curto prazo, mais se identificou com o texto constitucional (nos seus
1562
As primeiras emendas constitucionais (de nº 1 a nº 4) entre março de 1992 e setembro de 1993, foram
emendas mais de natureza política ou que provocaram reacomodações de competências dos Estados. Neste
período, ou melhor, em 1989 (último ano do governo Sarney) e em 1990/92 (período do governo Collor)
foram publicadas 21 emendas, também, de caráter político, inclusive, fixando data para o plebiscito previsto
no art. 2º do ADCT da Constituição, em 21 de abril de 1993 sobre Republica ou Monarquia e
parlamentarismo ou presidencialismo. O período de 1993/94 (governo Itamar Franco) foi também de
acomodação constitucional, embora seja deste período a criação do Fundo Social de Emergência com restritas
preocupações sobre a questão da privatização. As modificações econômicas deste citado período,
especialmente em 1990/92 (governo Collor), basicamente ocorrem na forma de leis: crimes contra a ordem
tributária e econômica (Lei nº 8137, de 27 de dezembro de 1990), crimes contra a ordem econômica (Lei nº
8176, de 8 de fevereiro de 1991), Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990),
Lei de Prevenção e Repressão ao Abuso do Poder Econômico (Lei nº 8158, de 8 de janeiro de 1991,
posteriormente modificada pela Lei nº 8884, de 11 de junho de 1994 já editada pelo Presidente Itamar
Franco), Lei do Programa Nacional de Desestatização (Lei nº 8.031, DE 12 de abril de 1990, posteriormente
revogada pela Lei 9491 de 9 de setembro de1997), etc. As primeiras Emendas seguiram as intituladas
Emendas Constitucionais de Revisão (de nºs 5 e 6), ainda em 1994 que deram cumprimento ao art. 3º da
ADCT, mas de alcance elementar. Efetivamente foi a partir de 1995, especialmente da Emenda nº 6, de 15 de
agosto de 1995 (governo Fernando Henrique) que as modificações constitucionais da ordem econômica
(desestatização) se aprofundaram e chegaram numericamente, ao fim do governo Fernando Henrique com 45
Emendas Constitucionais, E C n° 45 (30 de dezembro de 2004). Estas Emendas alteraram profundamente a
ordem Econômica Constitucional, que sofreu grande influência das proposições da OAB, da esquerda
político-partidária e dos “princípios” que ocupavam seus principais postos de gestão. O trauma do
enfrentamento colorido no impeachment associado às iniciativas de pioneiros da privatização bloquearem
atitudes mais definidas da OAB nos anos sucessivos, o que não foi, todavia, objeto de nossa pesquisa que se
limitou as atas de 1988, ficando a matéria em aberto para estudos futuros.
1563
Efetivamente, a posição assumida pelo Partido dos Trabalhadores no governo, a partir de 2003, haverá de
se construir em excepcional objeto de estudo, principalmente no contexto das circunstancias da economia de
infraestrutura privada no governo FHC e a adesão a sucessivos compromissos contratuais financeiros e os
pactos comerciais e fluxos de negócios, que evoluíram como verdadeiro programa de estado, delicadamente
difícil de ser viabilizado pelos seus opositores históricos (o PT) e de se implementar parlamentarmente, com
uma base majoritária estruturada a partir de alianças com partidos minoritários (oportunistas e, por isto
mesmo, desprovidos de compromisso ideológico).
1005
limites, inclusive), do que com as grandes expectativas dos tempos constituintes,
manifestadas na XI Conferência de Belém e reverberadas na XII Conferência de Porto
Alegre. Esta postura, em princípio, não é estranhável, especialmente porque está nos
fundamentos, como princípio mesmo da OAB, a defesa da ordem jurídica instituída,
1564
o
que justifica sua rápida adesão (em 1994) ao texto constitucional de 1988, como
conseqüência, explicita das suas grandes dificuldades em identificar (e justificar) as
extrapolações da “velha” ordem constitucional, á qual, aliás, mesmo no Estado de
Segurança Nacional (Carta Constitucional de 1967/69), recorreu na defesa de direitos,
assim como, por outro lado, devido aos atávicos compromissos com a legalidade com
grandes dificuldades de adaptar o seu ideário a projetos que tenham qualquer indicativo de
ruptura com os pressupostos referenciais do Direito: justiça e liberdade.
Por outro lado, a questão do ponto de vista do próprio de engajamento político,
também, não revela grandes impactos, até porque de todos os presidentes da OAB, deste
período histórico (1964 até a promulgação do texto constitucional de 1988, e em período
imediatamente subseqüente), apenas o presidente José Bernardo Cabral (1981/83), veio a
ocupar funções parlamentares executivas relevantes, tendo sido o relator da Constituinte de
1987/1988, que produziu a Constituição, de 05/10/1988, e, Ministro de Estado da Justiça
(1990/91), e o presidente Márcio Thomaz Bastos, que, recentemente, veio, também, a ser
Ministro de Estado da Justiça (2002/6), sendo que não esteve na pauta de sua gestão, até
mesmo pelas grandes dificuldades gerenciais impostas pela questão da segurança pública e
pelas questões políticas internas, as linhas gerais da Carta de Porto Alegre. De qualquer
forma, talvez, não por mera coincidência, como verificamos, da análise desenvolvida neste
trabalho, sobre a ideologia da Constituição, de 5 de outubro de 1988, José Bernardo Cabral,
até por ter sido seu Relator, revelou-se mais identificado com o projeto de cidadania e
1564
Excetuando o Estatuto de 1931 e o Estatuto consolidado de 1933, que são estritamente corporativistas,
fechado a qualquer abertura extensiva, restritos mesmos a seus objetivos estatutários, o Estatuto de 1963, da
OAB, apesar de seu caráter profissional, dispõe que compete ao seu Conselho Federal (art. 18) defender a
ordem jurídica e o Constituição da República, pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida
administração da justiça e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas (ver restrições
impostas pelo art. 45. O Estatuto (futuro) de 1994 (art. 44) dispõe que à OAB tem por finalidade (veja, e não
apenas competência): I
defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os
direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça
e pelo aperfeiçoamento de cultura e das instituições jurídicas. Simples e superficial modificação demonstra
as diferenças no quadro geral da ideologia jurídica de 1946/1963 e, da mesma forma de 1988/1994, como
veremos no item 4 deste Capítulo.
1006
direitos civis (traduzidos na própria Constituição) do que Marcio Thomaz Bastos, que
presidiu a XII Conferência, mais identificado com o aprofundamento crítico da
Constituição, promulgada, concomitantemente, com a Carta de Porto Alegre, em 05 de
outubro de 1988.
1565
2 – A OAB e a Nova Democracia Constitucional
A XII Conferência foi aberta em Porto Alegre com a presença das seguintes
autoridades e personalidades do mundo jurídico e político: Marcio Thomaz Bastos
(Presidente do Conselho Federal da OAB); Pedro Simon (Governador do Estado do Rio
Grande do Sul); Ulysses Guimarães (Presidente da Assembléia Nacional Constituinte);
Paulo Brossard (Ministro da Justiça, representando o Presidente da República José Sarney);
José Inácio Ferreira (Senador da República, representando o Presidente do Senado Federal);
Algir Lorenzon, (Presidente da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul); Oscar
Gomes Nunes (Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) e José Paulo
Sepúlveda Pertence (Procurador-Geral da República). Todos os presentes já ocupavam ou
vieram a ocupar cargos relevantíssimos na República, sendo que José Paulo Sepúlveda
Pertence, ex-conselheiro, Vice-Presidente e, posteriormente, candidato a presidente da
OAB, veio a ser presidente do Supremo Tribunal Federal, expressivo ministro e jurista e
Marcio Thomaz Bastos, Ministro de Estado da Justiça do governo Luis Inácio Lula da Silva
(2002/6).
Nesta significativa Conferência, onde estiveram presentes importantes
personalidades constituintes, usaram da palavra várias autoridades, cujos pronunciamentos
ficaram marcados por duas variáveis: o reconhecimento da reconquista do Estado de
Direito e das liberdades públicas e a necessidade de se evoluir da nova ordem
constitucional democrática para políticas de transformação social. Nesse sentido, a
1565
Marcio Thomaz Bastos em recente depoimento afirma que não se recorda de ter influído na indicação de
Bernardo Cabral para a Presidência da Comissão de Sistematização (sic Relator) da Constituinte, porque tinha
muito pudor em fazer lobby. Nossa relação foi marcada com muitos “vaivens”, mas eu me lembro que se
queixava que não havia canais de comunicação. Op. cit. coord. Herman Assis Baeta, p. 197.
1007
convivência entre os advogados, historicamente militantes pelas causas do Direito, e os
sociólogos e cientistas políticos, identificados com as políticas de remodelação da
sociedade e do Estado brasileiro, abriram novas e especiais dimensões para as políticas
futuras das conferências da OAB, destacando-se pronunciamentos que prenunciam,
exatamente, os novos rumos que se esperavam para a sociedade brasileira comprometidos
com as mudanças estruturais.
Fernando Krieg da Fonseca, Presidente do Conselho Seccional da Seção do Rio
Grande do Sul, patrono da abertura desse encontro histórico, observou que:
Foram as conferências nacionais que levantaram ainda mais alto a voz da OAB, contra
a violação dos direitos humanos e a condenação à tortura, bem como contribuiu com
suas teses, em defesa da justiça social, do Estado de Direito e de uma Assembléia
Nacional Constituinte, exclusiva, livre e soberana (...). O estado pleno de direito, por
que lutamos e por que sonhamos, não se resume apenas ao figurino legal, ainda que se
traduza na primeira grande conquista, indispensável ao prosseguimento da marcha. É
necessário, contudo, aceitar o desafio lançado pela nova ordem (...). O viver da nova lei
passa pelo reconhecimento de que, ao lado da consagração das liberdades e dos
direitos da cidadania, é essencial a criação de mecanismos reais, de distribuição mais
eqüitativa das riquezas, de modo a não permitir o crescimento da brutal desigualdade
social presente no País, e que joga grande parcela da população à mais completa
miséria.
1566
O pronunciamento de Carlos Nina, Presidente do Conselho Seccional da Seção
do Maranhão, saudando a OAB do Rio Grande do Sul, em nome de todas as Seccionais,
destaca o seguinte:
Até onde uma Constituição pode assegurar a condição de cidadão, a quem vive
oprimido pelo desemprego e pela fome e pela miséria ? Qual o poder que dispõe o povo
para fazer prevalecer a nova Constituição, se sua maioria é enfraquecida pela falta de
acesso à educação e à saúde? (...) Ouçamos nosso querido presidente Márcio Thomaz
Bastos, que, em artigo publicado na Folha de São Paulo, proclamou, dizendo, que é
preciso a militância da cidadania, e a organização do povo, para que as garantias e a
participação popular deixem de atuar meramente declaratórias e se constituam em
dados concretos da realidade (...). Enfim, como disse o presidente (...), bem ou mal, já
temos o ponto de partida, o primeiro passo, o plano de vôo, na direção da construção de
uma democracia de massas no Brasil. A Ordem cumpriu seu papel, deu sua
contribuição. Mas entendendo como o professor Fabio Konder Comparato, que o
objetivo de uma constituição é criar consciência de, é criar condições para a
1566
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, de 2 a 6 de outubro de 1988.
Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Tema Central: O Advogado e a OAB no Processo de Transformação da
Sociedade Brasileira, Brasília: Conselho Federal da OAB, 1988, p.43, 44 e 45.
1008
transformação da sociedade, tenhamos consciência de que nova e mais difícil etapa vai
se iniciar, que é a de promover aquela transformação.
1567
Estes dois pronunciamentos preliminares confirmam as linhas conclusivas
sobre as tendências ideológicas dos advogados no passado recente, assim como prenunciam
que a construção da ordem constitucional democrática é o pressuposto para definirem-se
políticas de transformação social comprometidas com políticas de distribuição mais
eqüitativa das riquezas, evitando o brutal crescimento da desigualdade social e (que o povo)
viva oprimido pela fome e pelo desemprego, assim como devemos marchar para uma
democracia de massas com base na ordem. Neste sentido, estavam abertas duas novas
grandes linhas de ação futura: a reformulação da legislação infraconstitucional para adapta-
lá à Constituição promulgada, especialmente no que se refere à legislação civil, com os
exigíveis e conseqüentes efeitos da adaptação do Poder Judiciário à nova Constituição e
implantação de políticas de transformação social, especialmente no que se refere à reforma
agrária e a reforma urbana e à efetiva proteção dos direitos humanos.
Reforçando a linha institucional destas políticas, o pronunciamento de Ulysses
Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, presente na abertura da
Conferência, como já indicamos, destaca os seguintes aspectos discursivos:
Há 10 anos, na 7º Conferência Nacional, declarava-se na Carta de Curitiba (...) que os
direitos sociais e os direitos políticos são o conteúdo do Estado de Direito, devendo se
repelir a injustiça situada nas desigualdades decorrentes da excessiva riqueza de uns e
da extrema miséria de outros. Nada mais justo portanto do que comparecer à XII
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados, aceitando o convite do ilustre
presidente e líder da classe, Márcio Thomaz Bastos, para dizer aos advogados que a
nova Constituição atende a sua esperança, e ao seu clamor de 1978, pois com ela
instaura-se o Estado de Direito democrático, abrindo-se caminhos para a superação
das imensas desigualdades sociais que vitimam o País. (...) Tendo por plano de trabalho
e diretriz a Constituição de 1988 cumpre agora enfrentar nova empreitada, com tanta
ou mais esperança e determinação, visando a que se operem as mudanças propostas,
fazendo dos princípios, realidades, dos valores e crenças, dos direitos políticos
individuais e sociais a prática do cotidiano, inserida em nosso, no nosso modo de ser.
(...) Bem fizeram os constituintes em dar relevo aos advogados no texto constitucional,
reconhecendo-os essenciais à administração da justiça e outorgando-lhes o papel de
guardiães da Constituição, de vez que cabe ao Conselho Federal da Ordem dos
Advogados argüir a inconstitucionalidade das leis perante o Supremo Tribunal
Federal.
1568
1567
Ibid., p. 51-52.
1568
Ibid., p. 56-57.
1009
Como se verifica deste pronunciamento está reforçada a tese de que as
mudanças constitucionais seriam um pré-requisito para se alcançar as mudanças estruturais.
A construção da ordem democrática, na proposta do próprio Ulisses Guimarães, presidente
da Assembléia Constituinte (ex-senhor diretas),
1569
é o caminho para se evoluir para as
políticas de transformação social, que prenunciam a imprescindibilidade de se alterar os
mecanismos de distribuição de renda. Por outro lado, nas palavras do presidente
Constituinte estava marcado o novo e importante papel do advogado como profissão
essencial à administração da justiça, bem como, a proposta da VII Conferência (1980) de se
instalar um Estado de Direito democrático e da Conferência de Curitiba (IX), que definiu
que os direitos sociais e políticos são o conteúdo do Estado de Direito.
1570
Finalmente, no conjunto destes pronunciamentos, que, por um lado,
demonstravam que o futuro da transformação social passava pelos meios disponíveis postos
pela ordem constitucional, inclusive através do quorum especial das emendas de
revisão,
1571
evitando que a “desordem”
1572
fosse o caminho para se alcançar a efetiva
transformação social de efeitos estruturais, o tempo demonstrou, por outro lado, que as
reformas sociais não ocorreram. Foi Relator dos trabalhos de revisão constitucional o
Deputado Nelson Jobim, futuro Ministro da Justiça (1995/1997) Ministro e Presidente do
STF, mas não se alcançaram efeitos mais profundos.
1569
Ver Genetan Moraes Neto. Os Segredos do Presidente, São Paulo: Globo, pp. 54/55 numa entrevista com
José Sarney sobre a possível eleição de Ulysses Guimarães, se houvesse tido a eleição direta para Presidente
ou de Tancredo Neves, para Presidente, se fossem indiretas as eleições respondeu: Tenho a seguinte
avaliação, já que não houve eleição direta, Tancredo Neves foi o grande construtor da transição democrática
pela eleição indireta (...). Não tinha incompatibilidade, [por isto] foi o homem que pode construir a transição
democrática (...) o que aconteceu só [ele] poderia fazer (...) sem desmerecer as qualidades de Ulysses,
Tancredo era muito melhor articulador.
1570
Altera o inciso V do art. 163 e o art. 192 da Constituição Federal, e o caput do art. 52 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. O art. 38 das disposições constitucionais transitórias (DCT),
antevendo o quadro de dificuldades futuras, com os primeiros sintomas internacionais de desarticulação
intervencionista dispunha que a Revisão Constitucional será realizada após cinco anos, contada da
promulgação da constituição pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
unicameral.
1571
O art. 3° da ADCT, preocupado com a atualização constitucional após a sua promulgação, não apenas
tendo em vista situações internas, mas a modificação do quadro institucional internacional, incentivou propôs
uma Revisão constitucional que realizar-se-ia cinco anos após a promulgação da Constituição, pelo voto da
maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral fugindo do quorum qualificado
de 3/5 anteriormente citado no § 2° do art. 60. A revisão constitucional não alcançou o sucesso desejado e
ficou restrita a seis emendas constitucionais
1572
Ver SANTOS, Wanderley. Legitimidade e pacto político. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil. Caderno
Especial. 08/09/1974. Ver, também, do mesmo autor Razões da desordem, ed..cit.
1010
As emendas futuras se viabilizaram em curtíssimo espaço posterior de tempo,
mesmo através do poder constituinte derivado: com o especialíssimo quorum de 2/3 (dois
terços) impostos pela Constituição. Paradoxalmente, todavia, este mecanismo de controle
constitucional rígido não impediu que grandes maiorias parlamentares revertessem, na
forma de emendas, senão absolutamente, dominantemente, as disposições instituídas sobre
a ordem econômica e os temas conexos que diretamente influenciavam sobre ela.
Recentemente, já no governo Lula, foi publicada a Emenda Constitucional nº 40, de 29 de
maio 2003, que, como o conjunto das 39 anteriores, voltadas para a liberdade do mercado,
para a privatização da economia estatizada, especialmente nas áreas infraestruturais,
demonta, como efeito subseqüente necessário, o modelo econômico social previdenciário
da Constituição de 1988, abrindo espaço para reordenações tributárias e trabalhistas,
direitos e das garantias fundamentais.
De qualquer forma, este quadro geral de emendas, por um lado demonstram que
a Constituição de 1988 está retalhada, toda (r)emendada, mesmo que estas emendas ainda
não tenham afetados os pontos centrais das lutas pelos direitos humanos no seu alcance
existencial e as disposições processuais protetivas dos direitos coletivos e difusos. Por outro
lado, fica demonstrado, com as emendas promulgadas que o projeto de transformação
social, genericamente indicado como objetivo das conquistas futuras da OAB estava
bloqueado, exceto, é claro, aquelas reformas econômicas que não alcançaram espaço no
passado devido às resistências das forças matriciais dominantes, como a reforma agrária,
por exemplo, que a força enigmática do tempo pode transmudar em reformas necessárias à
distribuição de rendas e a inclusão no mercado (seja global ou nacional) de bens relevantes.
Assim as emendas promulgadas entre março e junho de 1994 eram de
características meramente conjunturais não produziram efeitos modificativos, mesmo
circunstanciais, nas arrumações ideológicas da Constituição. Todavia, imediatamente, após
(agosto de 1995) foram promulgadas as emendas constitucionais (regulares) nºs 5 e 6
seqüenciais às 4 (quatro) anteriores as emendas de revisão, que provocaram as
significativas mudanças de privatização e desestatização. Apesar da redução de quorum
para as emendas de revisão (maioria absoluta) as emendas que se lhe seguiram,
paradoxalmente, alcançaram grandes resultados modificativos, mas foram promulgadas na
forma do § 2º do art. 60 do texto constitucional original que fixava quorum de 3/5 (três
1011
quintos) para mudança, nunca dantes exigido no Brasil, com a seguinte redação: a proposta
(de emenda) será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros. Ver, também, demais parágrafos e incisos do mesmo artigo. Assim ao contrário
da Carta de Porto Alegre, as emendas constitucionais evoluíram na linha de uma contra-(r)-
evolução social, com base na fórmula constitucional rígida para emendas (3/5) priorizando
a desestatização constitucional, do projeto (progressista) dos que lutavam por uma
democracia econômica, que, visivelmente, favoreciam postulados ideológicos neo-liberais,
que vieram a ser implementados por intensa política de privatização da ordem econômica
(constitucional) viabilizadas através de sucessivas medidas provisórias
1573
convertidas em
lei.
Neste sentido, desta XII Conferência, o que se esperava é que a transformação
estrutural da sociedade, nos tantos paper’s de sociólogos, quase todos deputados
constituintes como Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes, Carlos Lessa e nos
tantos pronunciamentos de advogados, como Marcio Thomaz Bastos, Tarso Genro e tantos
outros, através de sugestões de modificações legislativas, provocariam, no curto prazo, a
reforma agrária ou a melhor e mais equânime distribuição da terra, bem como modificações
na legislação tributária que alcançasse efetiva (e equânime) distribuição de renda e da
propriedade, assim como uma política previdenciária e trabalhista mais extensiva e uma
ampliação das políticas de estatização como praticas de democratização da riqueza, mas
não, no rápido espaço de tempo, na imediata legislatura constituinte, que não se empenhou
em qualquer alteração eleitoral substancial, vicioso sistema legislativo revolucionário,
baseado no Código Eleitoral de 1965, as modificações estruturais far-se-iam não para
viabilizar uma “democracia econômica” mas a mais radical privatização neo-liberal da
historia ocidental na exata forma dos poderes (constitucionalmente) derivados (quorum de
2/3) paradoxalmente no modelo legislativo de concessões e licitações preparado para
estatizar.
Como demonstramos, o caminho futuro da democracia constitucional não
propriamente contribuiu para a implementação (no futuro, de curtíssimo prazo) para
1573
BASTOS, Aurélio Wander. Política Brasileira de Concessão e Licitação de Serviços Públicos. Revista
Magister n°. 10, 2006. p.66.
1012
reformas sociais, mas para reformas destinadas a fortalecer o mercado e a economia
privada, com amplíssimas aberturas para as políticas de globalização, com base no rígido
quorum de 2/3 (dois terços), demonstrando que o projeto de democracia econômica da
OAB, expresso na carta “projeto” de Porto Alegre, cedera para um novo pacto de
características neoliberais, entre o PSDB, o PFL e outros, articulado com as forças liberais-
conservadoras e, injustificadamente, o adesismo de significativas frações (majoritárias) da
esquerda democrática, sem o que seria impossível alcançar o quorum de 2/3 (dois terços)
para emendas Constitucionais.
Finalmente, este quadro nos permite indicar duas linhas conclusivas:
primeiramente o projeto neoliberal de desestatização evoluiu de programa de governo,
como estava prenunciado no período Collor, para programa de Estado, com as
conseqüências de ser executado no regime presidencialista que não distingue a chefia de
estado da chefia de governo, onde as forças parlamentares mais cedem ao programa de
Estado, são dele prisioneira, do que mudá-lo, fortalecendo a força autoritária
(presidencialista) de sua implementação, daí a imprescindibilidade das medidas provisórias
1574
e, em segundo lugar, a se tomar como referência os resultados eleitorais que sucederam
a 1994/95 o projeto de desestatização da ordem econômica foi implementado pelas forças
intelectuais de centro-esquerda (PSDB), com o decisivo apoio das forças políticas liberais-
conservadoras (PFL), historicamente identificados com o projeto (mesmo nos primórdios
de 1964/68) no seu primeiro momento (1995/2002) e, no segundo momento (2002/2006) e,
paradoxalmente, a desarticulação do estado de bem estar social pelas forças de centro-
esquerda – PT, PSB, PC do B e pelas frações de direita remanescentes do período
autoritário (PP, PL, PTB), sendo que o PMDB ficou (historicamente) dividido entre a
adesão governista ao projeto de desestatização da ordem econômica e de desarticulação do
estado de bem estar social ou do “corporativismo à brasileira”. Esta situação poderá
sobreviver até o momento em que perdurem a harmônica convivência entre os fatores reais
de poder que dão sustentação ao bipolar programa de Estado.
1574
Ver BASTOS, Aurélio Wander. MP versus MP. Jornal do Brasil. Opinião. 2001. p. 11 e no livro Teoria
do Direito, op. cit. p. 180/182.
1013
2.1. A OAB e as Aberturas Discursivas
Nesta mesma orientação dos pronunciamentos de abertura da XII Conferência o
Ministro de Estado da Justiça, Paulo Brossard retomando a linha discursiva anterior,
prenuncia, no seguinte trecho, o novo espaço de ação da OAB, fortalecendo e inclinando-se
por uma visão (mais) estritamente jurídica, reconhece que estava desconstruida a ordem
opressiva e redefinidas as dimensões constitucionais para a atuação referencial do
advogado. Para o Ministro Paulo Brossard, o processo de conhecimento hermenêutico é um
instrumento importante de fixação da norma constitucional de definição de suas tendências
e limites. Assim observa como jurista e homem de estado:
A constituição que será promulgada em algumas horas como toda obra humana, terá
seus méritos e seus defeitos. Ela deverá encerrar um longo e doloroso período da vida
nacional. O que a todos cumpre é interpretá-la com lealdade e aplicá-la com exação.
Uma vez promulgada será lei e como tal deverá ser obedecida.
1575
Estavam postos, na linguagem do orador, os limites, não apenas hermenêuticos,
mas, também, os limites constitucionais para a ação dos advogados, somente ampliáveis da
perspectiva da ordem, na forma de emendas, transportando para as normas a força de
eficácia da transformação social.
O pronunciamento de Pedro Simon, Governador do Estado do Rio Grande do
Sul, como que abrindo o outro lado do futuro das propostas políticas para o Brasil, admitiu,
no entanto, visivelmente, que o país precisava evoluir para as políticas de transformação
social, conquistado o Estado Democrático de Direito:
...o que faremos para lutar para a sua implantação. Para que, passada a fase do
institucional, cheguemos lá no social e no econômico. Para que este país tenha as
transformações sociais necessárias, onde não haja fome, onde não haja miséria, onde
não haja injustiça, onde o povo cresça junto com o desenvolvimento, para que o
crescimento possa ser em paz, e possamos respirar o dia do amanhã.
1576
1575
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 60.
1576
Ibid., p. 63.
1014
Este pronunciamento, mais aberto, de Pedro Simon, não propriamente define os
limites jurídicos de ação dos advogados e da OAB, mas, na linha da Conferência,
reconhece que a democracia constitucional é o pressuposto de mudança social.
O pronunciamento de Márcio Thomaz Bastos, Presidente do Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil destaca as seguintes posições mais incisivas sobre o
papel da OAB:
Por isto, depois de várias conferências, abordando temas institucionais por excelência,
a OAB se volta para a necessidade de olhar para si própria, como entidade dotada de
um passado de luta e afirmação, definindo os princípios que a nortearão para o futuro.
A ênfase agora há de cair sobre a necessidade de cuidadosamente pensar o perfil do
advogado brasileiro às vésperas do ano 2000. Sem esquecer que tais objetivos não
podem ser atingidos eficazmente, se visualizados fora do contexto mais amplo, do
processo de transformação da sociedade brasileira. (...) É necessária a prática, a
prática paciente e reiterada, como foi citado aqui pelo eminente presidente Carlos Nina,
que discrimine os direitos do simples enunciado constitucional e os coloque na
efetivação do cotidiano. É preciso a militância da cidadania e a organização do povo
para que as garantias e a participação popular deixem de ser um eco meramente
declaratório e se constituam e se consolidem em dados concretos da realidade da vida.
(...) A nova Constituição expressa bem o momento de transição que estamos vivendo. A
transição é a da sociedade brasileira que se encontra diante das dificuldades e dilemas
de um desenvolvimento econômico desigual, em termos de classes e de regiões, com
uma renda altamente concentrada, com precários serviços básicos de saneamento e
saúde, e sem um sistema educacional que se aproxime minimamente das expectativas da
sociedade. (...) A consolidação democrática não ocorrerá, e aí sim perderemos o trem
da história, se não incorporarmos ao processo político e econômico, a imensa massa
marginal brasileira. Não podemos, como na campanha de Canudos, simplesmente
massacrar os mais fracos. Pouco menos de um século depois, temos que estar com os
ouvidos atentos para a advertência maior de Euclides da Cunha. Não podemos criar
aqui no Brasil um ‘apartheid’ social para satisfazer o egoísmo de um terço da
população. (...) A nossa opção assim, advogados, a nossa opção, assim, é pela liberdade
e pela igualdade, como dois conceitos que se implicam e articulam. As conferências
bienais da OAB têm sinalizado sucessivamente o amadurecimento dessas escolhas que
vimos fazendo. Sabemos que as fazemos dentro da história do Brasil e do ponto de vista
de nossa prática concreta de usuários do direito, como instrumento de transformação
da sociedade.
1577
Marcio Thomaz Bastos marcou a sua história como líder da categoria, não
apenas pela sua intensa contribuição pela campanha das Diretas, quando dirigente da OAB
de São Paulo, mas, também, pela ocasionalidade histórica de ter presidido a Conferência
coincidente com a promulgação da Constituição brasileira, de 5 de outubro de 1988.
Basicamente, o seu pronunciamento se define em três importantes linhas: primeiramente,
1577
Ibid., pp. 65, 67, 68 e 69.
1015
na abertura da discussão sobre o advogado do futuro e o conhecimento imprescindível para
o exercício da advocacia como compromisso com a sociedade e com a mudança social (o
que não tem sido uma prática do ensino jurídico brasileiro, sempre muito vinculado ao
reconhecimento normativo estrito), em segundo lugar, pelo reconhecimento das fases de
transição política, econômica e jurídica relevantes para se alcançar novos espaços de
transformação social e, em terceiro lugar, a definição dos pressupostos futuros da
advocacia: a liberdade, sua velha companheira, a igualdade (em divergência com a
igualdade formal), historicamente a antítese da resistência ao direito (absoluto) de
propriedade, e a propriedade no contexto da legalidade.
Nesta última linha discursiva estão evidentes duas vertentes propositivas: a
definição de políticas de enfrentamentos da desigualdade social e a definição das políticas
de distribuição de renda, na verdade, a propriedade da perspectiva da sua função social. A
primeira, em tese pelo menos, exigiria a implementação de políticas que dessem tratamento
desigual aos desiguais para se alcançar o princípio da igualdade ou dar dimensão real
(material e não meramente formal) ao principio da isonomia; a segunda, no entanto, poderia
se realizar através de mecanismos legislativos distributivos de intervenção social e
estrutural e, digamos com novas políticas de bem-estar social e equilíbrio regional. Numa
situação, ou em outra, estão muito evidentes que o sucesso da nova democracia brasileira
está(ria) vinculado à inclusão dos grupos sociais “apartados”, através de uma integração
efetiva ao processo produtivo e educacional e à retribuição da imensa divida social
acumulada historicamente com os trabalhadores e grupos sociais “apartados” e
discriminados.
1578
Neste sentido, o pronunciamento do Presidente da OAB abre os espaços
para as diferentes palestras que procuraram articular a análise sociológica dos intelectuais
convidados e as expectativas dos advogados conferencistas.
Não podemos, todavia, desconhecer, que, para que, se envolvam, os advogados,
nestas especiais demandas, seriam imprescindíveis a definição de instrumentos processuais
ágeis e uma excepcional receptividade judiciária, como procuraremos estudar em item
1578
A Constituição de 1988 deu demonstrações efetivas de reconhecimento de direitos de descendentes de
populações sobreviventes em antigos quilombos (art. 68 da ADCT (emissão de títulos de propriedade) e § 5°
do art. 216, (tombamento), ver também Decreto n°. 4887, de 20 de novembro de 2003) e de direitos dos
índios (art. 231) sem, todavia, definir políticas de apoio e inclusão de grupos urbanos discriminados.
1016
subseqüente.
1579
Nestes casos, que efetivamente, ainda, não ocorreram, a ação de natureza
judiciária remanesce restrita, o que não significa que providencias de natureza política ou
parlamentares possam ser implementadas.
1580
3 A Crítica Sociológica da Constituição
3.1. A Organização Temática da XII Conferência
Anteriormente a uma compreensão analítica geral da XII Conferência, as
diferentes palestras, cujo tema central foi O Advogado e a OAB no Processo de
Transformação da Sociedade Brasileira, podem assim ser organizadas:
PRIMEIRO TEMÁRIO: Reflexão Histórico-Política sobre a Sociedade Brasileira e seus
Segmentos
TEMA CONFERENCISTA COMISSÃO DE EXPOSITORES
Matrizes Históricas da Forma-
ção Sociopolitica do Brasil. O
Processo de Transformação.
Florestan Fernandes Marcelo Lavenère Machado e
Lourenço Dantas Motta
A Questão Democrática.
Organização da Sociedade.
Estratégias de Articulação. O
Papel da OAB.
Fernando Henrique Cardoso Tarso Fernando Genro e
Sérgio Ferraz
1579 Ver criação da Justiça Especial e da Defensoria Pública, bem como as possibilidades da Ação Civil
Pública desde que haja o Processo Coletivo, ver sobre processo coletivo, neste Capiluto, item 4.1, nota 60 ou
http://www.mpcon.org.br/site/portal/jurisprudencias_detalhe.asp?campo=2591
1580
A recente Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, por exemplo, não teve este alcance,
muito embora, poderá ter profundos efeitos institucionais. Ver sobre o tema PRUDENTE, Wilson: Crime de
Escravidão (prefácio de Aurélio Wander Bastos). Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
1017
A Profissão do Advogado e a
OAB na Evolução da
Sociedade Brasileira.
Miguel Seabra Fagundes Francisco Ary Montenegro
Castelo e
Milton Augusto de Brito
Nobre
SEGUNDO TEMÁRIO: A Condição dos Direitos Humanos Hoje. O Brasil e a América
Latina, Atuação da OAB.
1581
T
EMA EXPOSITORES
Problemas Fundamentais da Sociedade
Brasileira. Os Direitos Humanos.
Fábio Konder Comparato
Proteção dos Direitos Humanos. A
Participação da OAB.
Hermann Assis Baeta
A Condição Internacional dos Direitos
Humanos. A América Latina. Sistemas de
Defesa. Papel das Organizações de
Advogados.
Oscar Paciello
O Advogado e os Instrumentos Processuais
de Defesa dos Direitos Humanos.
Antônio Nabor Areias Bulhões
Luiz Goulart Filho
Marcelo Leonardo
Articulação das Entidades de Defesa dos
Direitos Humanos. Papel da OAB.
Leda Bandeira
Paulo Sérgio Pinheiro
A Defesa dos Direitos Humanos no Plano
Internacional. As Associações de
Advogados.
Belisário dos Santos Júnior
Flávio Tavares
1581
Este tema para efeito de organização desta tese é a primeira parte do quadro seguinte, e foi
originariamente programado como temário único, mas subdivido para efeitos de análise.
1018
TERCEIRO TEMÁRIO: Os Advogados e a Proteção de Direitos Humanos no Quadro
Geral da Reformulação Estatutária.
1582
TEMA EXPOSITORES
O Advogado e a Violência: Violência
Urbana e Violência Rural.
Celso Luiz F. Geyer
João Luiz Duboc Pinaud
A Advocacia e as Lesões aos Direitos do
Consumidor
Jonathas Silva
Flavio F. C. Bierrenbach
A Importância do Advogado na Proteção do
Meio Ambiente.
Ana Maria Pinheiro
Fábio Feldman
Gilberto D'avila Rufino
A Condição Feminina e os Direitos da
Mulher. A Mulher Advogada.
Leilah Borges da Costa
Zulaiê Cobra Ribeiro
Participação do Advogado na Defesa das
Minorias.
Carlos Moura
Edson Oliveira
Direito dos Internados: Atuação da OAB. Eduardo Augusto Muylaert Antunes
Maria Rita Kehl
Roque Pires Macatrão
Direito dos Trabalhadores.
Olga Araújo
Celso Soares
A OAB e a Preservação da Esfera Individual
Perante o Estado.
Celso Antônio Bandeira de Mello
João Gilberto Lucas Coelho
PRIMEIRO PAINEL: CONJUNTURA ECONÔMICA
TEMAS EXPOSITORES
Desequilíbrios Regionais e Unidade Cristovam Buarque
1582
A denominação originária deste tema era: “A Subseção como Base de Atuação da OAB. Estrutura e
Organização das Comissões de Direitos Humanos. Reformulação do Processo Disciplinar e do Processo
Eleitoral. Exame de Ordem”.
1019
Nacional. Raimundo Bezerra Falcão
Ordem Econômica – Sistema de Propriedade
e Concentração de Renda. – Divida Externa.
Desnacionalização da Economia. Riquezas
Minerais.
Carlos Lessa
Walter Barelli
Eros Roberto Grau
SEGUNDO PAINEL: CONJUNTURA INSTITUCIONAL
TEMAS EXPOSITORES
Exercício da Cidadania. Participação Política
e Controle do Estado. Novos Instrumentos
Constitucionais.
Geraldo Ataliba
Marília Muricy
Democracia e Poder Judiciário. Evandro Lins e Silva
José Alfredo de Oliveira Baracho
Roberto Santos
TERCEIRO PAINEL: PROBLEMÁTICA ATUAL DA ADVOCACIA.
TEMAS EXPOSITORES
Reforma do Estatuto da OAB. Celso Medeiros
Sílvio Brás
Urbano Vitalino de Mello Filho
Estrutura da OAB, Representação e Processo
Eleitoral.
Leonor Nunes Paiva
Paulo Luiz Neto Lobo
Mercado de Trabalho (do advogado). Glória Persinoto
Rubens Mário de Macedo
Tereza Ancona Lopes
Proteção do Exercício Profissional do
Advogado. Prerrogativas.
Ariosvaldo Campos Pires
George Tavares
Raimundo Pascoal Barbosa
1020
Deveres do Advogado. Ética Profissional. Cândido de Oliveira Bisneto
José Stábile Filho
O Exercício da Advocacia e as Deficiências
do Judiciário.
Antônio Evaristo de Morais Filho
Felicíssimo José Sena
Oswaldo Peruffo
O Advogado Empregado. Ivan Alkmin
Luiz Lopes Burmeister
Formação do Advogado. Ensino Jurídico. Carlos Augusto Ayres de F. Brito
Edmundo Arruda Júnior
Maria Amália Moraes
Para uma (maior) compreensão sistemática o temário geral da XII Conferência
pode ser subdividido em 6 (seis) blocos específicos de exposições, assim agrupáveis:
. a recuperação sociopolítica do Brasil e o papel da OAB;
. os direitos humanos no Brasil e na América Latina;
. o papel dos advogados na proteção dos direitos humanos;
. a estrutura econômica;
. a institucionalização democrática e, por fim,
. a advocacia e a nova conjuntura constitucional.
Estes temas, entre si, não estão desconexos, muito ao contrário, se completam e
se explicam no modelo proposto pela Conferência: a persistência da crise estrutural, a
retomada das políticas de proteção dos direitos humanos (enquanto questão geral e questão
tópica), e o novo papel social do advogado e o seu contexto formativo. De qualquer forma,
a preocupação central deste próximo item não se dirige para uma leitura tópica dos temas
mas procura, a partir destes parâmetros, fazer uma leitura crítica dos rumos da nova
Constituição e sua influência no ideário dos advogados, mais, propriamente, preocupada
com a identificação discursiva das novas dimensões de seu ideário e com as condições de
recuperação e convivência com os tradicionais institutos de suas origens e formação.
1021
3.2. O Mestre e o Discípulo: críticas precursoras
A leitura geral das conferências e exposições permite concluir que os textos de
reflexão sociopolíticas permearam ideologicamente os propósitos jurídicos e temáticos da
XII Conferência, muito embora, se possa afirmar que a preocupação com a questão da
proteção dos direitos humanos, fator de integração e interação de todas as tendências
políticas e ideológicas, perpassou, prospectivamente, o debate sobre a recuperação
compreensiva das matrizes históricas da sociedade brasileira . A política de proteção e
defesa dos direitos humanos atuou positivamente como força redentora contra as forças
atávicas referenciais do atraso e da opressão.
Por outro lado, o conjunto de temas sobre cidadania e as instituições políticas
abriu as novas preocupações dos advogados e intelectuais convidados para as novas
questões políticas e econômicas emergentes, assim como, na linha das conferências
anteriores, os temas sobre a adaptação do estatuto da OAB ao novo quadro democrático
permeou, significativamente, os debates corporativos, a ponto de transformar-se no projeto
imediatamente subseqüente da OAB. Este projeto significaria, enfim, sintonizar os novos
padrões ideológicos constitucionais, que influiriam sobre as leis infraconstitucionais, com o
novo e presumível Estatuto, que, todavia, somente será editado em 1994, após m flácido
período em que o velho estatuto perdera sua eficácia e o novo um mero projeto em
discussão.
O enfoque crítico da Conferência, todavia, ficou marcado pela palestra de
Florestan Fernandes, figura exponencial da sociologia brasileira e pela palestra de Fernando
Henrique Cardoso, intelectual com liderança política, ascendente. A posição expressiva
destes ambos sociólogos, não desviou os rumos da Conferência, mas abriu as vertentes do
conhecimento jurídico para as suas dimensões reais de compromisso com o passado e de
vínculos prospectivos com o futuro.
As duas Conferências, não propriamente, entre si, são interconexas, mas se
completam na resultante de suas preocupações: a evolução estrutural, a importância da
democracia com canal locus de demandas de mudanças sociais da sociedade brasileira. O
diagnóstico destas palestras, na verdade, marcaram a proposta futura da OAB e o papel do
1022
advogado na construção da democracia e na defesa dos direitos humanos, que o tempo
histórico, na verdade, não bloqueou, mas não ofereceu as condições efetivas que a OAB
impedisse que as forças redivivas do passado, não apenas reproduzissem as suas matrizes
históricas referenciais, como observa Florestan Fernandes, e também evitasse reconstruir a
infra-estrutura da ordem econômica apesar dos parâmetros constitucionais instituídos.
A conferência de Florestan Fernandes, marcadamente preocupada com a
discussão histórica sobre o desconhecimento político do trabalho produtivo, como
instrumento de construção social, procurou demonstrar a importância de sua libertação, não
apenas para a descompressão dos direitos dos trabalhadores, mas, também, na sua ação
como poder popular. Para alcançar estes resultados, Florestan Fernandes afirma que
nós não nos livramos das matrizes [históricas da formação sociopolítica do Brasil], elas
nos prendem ao passado e esse passado ressurge como um fantasma, ou então como
uma força armada (...) impedindo que a sociedade brasileira atinja os [seus] objetivos
(...): a instauração de uma democracia da maioria, a reeficação, a dinamização do
poder popular, numa revolução que torna o Brasil independente do jugo estrangeiro, do
jugo imperialista que agora se transformou numa verdadeira força através do FMI e
das armadilhas dos banqueiros internacionais (...). O passado colonial é um entrave ao
desenvolvimento de uma nação e a formação de um estado moderno, que interferiu (...)
na formação [não apenas do trabalho escravo, mas também] do trabalho livre como
categoria histórica. No Brasil a propriedade foi posta em segundo plano e em primeiro
ficou a propriedade do escravo [e os seus efeitos deletérios sobre o trabalho livre]. [A
democracia no Brasil] era uma democracia de senhores de escravos, o estado existente
era na sua essência, no seu funcionamento, um estado escravista e um estado senhorial,
(voltado) para a reprodução da ordem.
1583
Esta postura analítica de Florestan Fernandes, na verdade, evoluiu para
demonstrar que as políticas conciliatórias, que marcaram a história brasileira imperial e
republicana, nunca estiveram comprometidas com a libertação do trabalho, mas com a
reacomodação da ordem jurídica e política para reproduzir a exploração do trabalho. O
trabalho livre dos imigrantes, na verdade, na sua implantação, representou, para Florestan
Fernandes, também, uma submissão senhorial aos barões do império
1584
e aos oligarcas
republicanos, seus filhos. Assim Florestan Fernandes se pronunciou:
1583
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil,p. 73-75. Ver, ainda, para
compreensão mais profunda desta posição, ver de FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil:
ensaio de interpretação sociológica. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006. esp. p. 78, 179 e segs e 245 e segs.
1584
Idem, p. 115 e segs, 153 e segs, 170 e 230-233.
1023
O imigrante e o trabalhador livres em geral concebidos como equivalentes e substituto
dos escravos foram postos na mesma situação do escravo. Basta ler as memórias de
Davatz
1585
a respeito dos conflitos na fazenda do senador Vergueiro. Os imigrantes
foram postos na mesma condição de vida dos escravos, houve até quem quisesse obriga-
los a viver nas senzalas, a comerem em cochos, a aceitarem uma condição de trabalho
espoliativa.
1586
Por isto mesmo o conferencista não mostra uma efetiva empolgação com o
movimento republicano, como movimento libertador, porque, embora tenha uma gênese
revolucionária comprometida com a transformação social (ele era abolicionista, anti-
escravista e pretendia uma revolução nacional democrática), o movimento cedeu às
camadas senhoriais e reproduziu política e economicamente a velha ordem, apenas sem o
imperador.
1587
Florestan Fernandes reconhece, mesmo, que a ação revolucionária de
Getúlio Vargas, em 1930, na seqüência das rebeliões militares, resultou na recomposição
oligárquica e no restabelecimento dos liames orgânicos entre a oligarquia rural e urbana,
desprezando, no entanto, o seu papel na construção da infra-estrutura industrial e na
produção da legislação trabalhista.
O nosso estudo sobre a Formação eleitoral do Estado brasileiro procura
exatamente, demonstrar que as políticas de rupturas no Brasil resultavam sempre na
recomposição das novas frações governantes com as velhas frações econômicas e políticas,
fazendo da nova ordem a reconstrução dos interesses da velha ordem. Como dizem os
franceses, plus c’est la change, plus c’est la même chose.
1588
Na verdade, os dispositivos
constitucional eleitorais brasileiros e, a subseqüente (muitas vezes, também, antecedente,
1585
DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1850). Tradução, prefacio e notas de Sergio
Buarque de Holanda. São Paulo: Martins, 1941. Davatz afirma que muitos conceitos educativos foram
necessários para que o trabalho livre ou a relação de trabalho melhor convivesse com as práticas senhoriais
escravocatas. Sugerimos a leitura da seguinte obra para a compreensão localizada deste fenômeno,
SANT’ANNA, Sonia. Barões e escravos do café: uma historia privada do Vale do Paraíba. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
1586
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 79-80.
1587
O nosso estudo anterior (Luta pela criação e resistências (da OAB). In: História v. 2, ed.cit. mostra que as
reações republicanas contra a Ordem dos Advogados foram mais radicais do que as políticas imperiais, assim
como em nosso estudo monográfico de doutorado (1979) sobre a Formação eleitoral brasileira, orientado por
Braz José de Araújo, apesar da abolição do voto distrital censitário, os mecanismos legislativos de
compressão política eram muito mais radicais, e nas suas práticas utilizavam mecanismos escusos para obter
resultados eleitorais como demonstrado no clássico estudo de Vitor Nunes Leal (op. cit.), assim como tinham
nítida consciência da utilização da lei com finalidades eleitorais excludentes.
1588
RODRIGUES, op.cit.
1024
como aconteceu em 1932, com a prévia edição do Código Eleitoral à Constituição de
1934), legislação eleitoral são instrumentos de rearticulação do circuito de interesses do
passado com os novos circuitos econômicos e de poder. Neste contexto, as leis eleitorais
mais traduzem políticas para que os governantes permaneçam no poder do que políticas de
ampliação dos fundamentos de representatividade do Estado.
Florestan Fernandes, continuando, com bastante perspicácia, procurou
demonstrar que os revolucionários “remanescentes” de 1964 refundiram a capacidade de
nossa oligarquia e de nossa plutocracia, conseguindo, em 1985/86, que os movimentos de
mobilização política e popular, como o movimento das “Diretas Já”, e as lutas políticas por
uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, livre e soberana, basicamente defendida
pela Ordem dos Advogados, fossem tragadas por um Congresso Constituinte, se não de
poderes políticos limitados, limitado no seu alcance ideológico devido a sua origem
eleitoral comprometida com a legislação eleitoral de 1965, vinculando o futuro com o
passado. Florestan Fernandes observa que
A convocação de uma Assembléia Constituinte que não corresponde à vontade do setor
democrático da sociedade, inclusive a que foi manifestada pela OAB, que pretendiam
uma Assembléia Nacional Constituinte que se dissolvesse ao realizar a sua missão o que
se impôs foi um Congresso Constituinte ou um congresso com funções constituintes
enquanto a nova republica sabota o processo constituinte de todas as formas possíveis
reforçadas pela ação direta das classes dominantes que chegam a fundar entidades (...)
voltadas especificamente para interferir no processo constituinte, como a UDE e a
UDR.
1589
E conclui:
(...) essa nova Constituição, que é um mosaico, que, até sobre vários aspectos é um
mostrengo, contem medidas muito avançadas ao lado de medidas retrógradas. E não dá
ao Brasil um estado democrático pleno, que possa ser o elo para um novo processo de
instauração de uma nova formação sociopolítica. Isso terá que se decidir na sociedade
civil pela ação direta das classes pela luta política entre as classes. A democracia não é
um prêmio é uma conquista. E se nós queremos a democracia, temos de lutar para
conquistá-la.
1590
1589
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil . Op. cit., p. 85.
1590
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil . Op. cit., p. 85.
1025
Todos estes aspectos influenciavam, na opinião do conferencista, uma
Constituinte que traduzia a tradição conservadora e autoritária, que, apesar dos avanços
constitucionais obtidos em 1988 não garantiam, absolutamente, um relacionamento
democrático entre Estado e sociedade. Nesta linha, a palestra de Florestan Fernandes é
bastante radical e diverge do modelo democrático influenciado pela ideologia jurídica,
comprometida, historicamente, com os indicadores liberais com tênues aberturas para o
humanismo existencial e social. Em sua palestra, na verdade, não reconheceu nem ao
menos o estatismo constitucional dos serviços de infra-estrutura como avanço econômico,
nem ao menos as novas conquistas instituídas com os instrumentos processuais de proteção
a interesses coletivos e difusos, optando por uma orientação revolucionária que rejeita o
(novo) pressuposto constitucional de que a ordem jurídica pode alcançar mudanças sociais
a partir da própria ordem. Florestan Fernandes, assim desacreditou as conquistas
substantivas e processuais de direitos civis coletivos e difusos, e fez um diagnóstico que
reconhecia na nova Constituição apenas aberturas do estado classista burguês para as novas
plataformas de proteção dos direitos humanos e não propriamente uma Constituição com a
força suficiente para provocar as mudanças sociais comprimidas pelas “raízes matriciais
históricas”, comprometidas com os processos nacionais de dominação econômica e política.
No fundo, esta é a nova e grande questão recolocada pela XII Conferência: os
limites dos instrumentos processuais coletivos e difusos para alcançar mudanças estruturais,
na forma da ordem substantiva estabelecidas, implementáveis (processualmente) pelo Poder
Judiciário, assim como do conjunto do projeto político do Estado Democrático de Direito.
As experiências subseqüentes à Constituição têm demonstrado que os seus efeitos de
transformação ainda estão restritos a procedimentos intimidatórios, sem compromissos
extensivos com as questões estruturais mais radicais, como a questão agrária e a proteção
de minorias “apartadas” ou discriminadas e, até mesmo, na proteção a direitos humanos de
coletividades, como a promiscuidade dos cárceres, os crimes de escravidão no trabalho e
até mesmo a indispensável proteção de menores abandonados.
É bem verdade que estes instrumentos de proteção e defesa de direitos coletivos
exigem, para a sua mais plena eficácia uma significativa Reforma Judiciária e um código
processual coletivo, evitando a redução de problemas complexos a ritos de proteção
1026
processual individual. Na primeira linha, as reformas judiciárias
1591
estão, ainda, adstritas a
questões conjunturais e as iniciativas estruturais estão mais voltadas para os litígios de
pequena alçada e baixo efeito ofensivo, assim como, na segunda linha, sobrevivem
profundas desconfianças dogmáticas com relação a uma lei processual de proteção dos
direitos coletivos.
1592
Esta especialíssima questão, como já procuramos avaliar, na crítica radical, na
verdade, não seriam suportável pelo Judiciário, mais sensível a mudanças conjunturais
circunscritas e limitadas aos direitos civis, como tematizou a própria conferência nas
palestras sobre direitos humanos: proteção das minorias, direitos da mulher, direitos dos
presos, proteção dos apartados rurais e urbanos contra a violência do estado, direitos do
consumidor; ou, ainda, como tematizou as conferências anteriores, proteção do meio
ambiente, do patrimônio público e social e, mais recentemente contra o abuso do poder
econômico.
1593
Estas questões, constitucionalizadas, dilataram o espaço profissional do
advogado, redefiniram o modelo liberal da ideologia jurídica incorporando aspectos
imprescindíveis à funcionalidade do estado e à defesa judicial do patrimônio público
(probidade administrativa e proteção do patrimônio histórico e artístico, etc.) do patrimônio
social, do meio ambiente, da concorrência e do consumidor, mas não existem, ainda,
evidências destes efeitos sobre as iniciativas de proteção dos direitos humanos dos mais
fracos e oprimidos, dos apartados, excluídos e discriminados, muito embora, no que tange à
proteção de direitos individuais de carentes e mais fracos, na forma da assistência judiciária
1591
A recente Emenda Constitucional nº 45/04 apesar de suas inovações, não teve qualquer propósito ruptivo,
sendo que até o dispositivo sobre o direito exclusivo da Justiça do Trabalho decidir sobre relação de
emprego/trabalho está sendo questionada. Ver Ação de Inconstitucionalidade (ADI nº. 3423. de 1° de abril de
2005), que tramita no Supremo Tribunal Federal para reavaliar o novo teor do próprio artigo, bem como os §§
2° e 3° do mesmo artigo, neta ADI questiona-se a competência da Justiça do Trabalho para discutir relações
de emprego sem vinculo contratual bem como, direitos de servidores vinculados a administração publica e,
ainda, questões ligadas a negociação coletiva e arbitragem e greve em atividade essencial. Liminar do
Presidente do STF de 27 de janeiro de 2005, reconhece a competência da Justiça Federal para julgar ações
envolvendo as relações de trabalho de servidores estatutários.
1592
Interessantemente, por iniciativa de Ada Pellegrini, circula, ainda, em ambientes restritos, Anteprojeto de
Lei com vistas à definição de regras processuais de direito coletivo, uma iniciativa pioneira, mas que obrigará
de qualquer forma a grandes adaptações judiciárias.
1593
Neste último caso, para alcançar resultados efetivos, seria necessária uma leitura combinada da Lei nº
8078/90(Código do Consumidor), Lei nº 8884/94 (Lei da Concorrência) e Lei nº 9008/95 (Lei do Fundo de
Direitos Difusos).
1027
gratuita, da defensoria pública e de outros mecanismos especiais,
1594
foi grande o avanço,
mas não teve como propósito e objetivo alcançar efeitos sociais estruturais de curto prazo.
Esta linha constitucional, é claro, coloca em discussão o tradicional modelo de
transformação por ruptura, desviando o enfoque classista, ou da contradição de classes,
como pretendeu Florestan Fernandes, para um modelo mais sereno de questionáveis
resultados transformadores, mais viabilizando a acomodação de interesses (civis)
segmentados, do que efeitos estruturais de mudança que implicariam na alternância da
classe no poder. O modelo constitucional, que mais evoluiu do projeto da Comissão Arinos,
como já observamos, do que das expectativas pré-constituintes da OAB, ressalvados
aspectos importantíssimos, como já analisamos, mais desarticulava o monopólio da classe
no poder, do que, propriamente, resguardava uma efetiva transformação social, que
ultrapassasse a garantia de novos direitos civis, implementando novos institutos jurídicos
especiais e remodelando alguns outros.
A Conferência de Fernando Henrique Cardoso sobre a questão democrática e o
papel da OAB não seguiu, exatamente, na mesma linha do pronunciamento de seu
professor Florestan Fernandes, muito embora, entre ambos, haja (houvesse) uma visível
conexão de pensamento. Fernando Henrique mais concentrou a sua palestra na temática
política, preocupando-se, principalmente, com os problemas jurídicos que adviriam da
transição lenta e gradual de um estado autoritário para um Estado Democrático de Direito.
A promulgação de um texto constitucional tem a sua dimensão de importância, mas, esta
nova ordem jurídica, na sua opinião, seria apenas uma nova ordem jurídico-formal se a
sociedade não absorver a
sensação efetiva de que houve uma mudança (...). Democracia, com as mesmas figuras
do passado, e com esse passado marcado pela capitulação e pela conciliação, é muito
difícil que a população entenda que algo de novo está ocorrendo (...). A ordem jurídica,
a constitucionalização do país, a definição de certas regras que hão de prevalecer, é
muito importante, mas, hoje, temos que nos defrontar com questão da democratização
do estado e a democratização da sociedade.
1595
1594
Ver de BASTOS, Aurélio Wander: Legalidade e Efetividade. Op.cit.
1595
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 84-86.
1028
Como se verifica, a palestra-texto de Fernando Henrique, dá seguimento a de
Florestan Fernandes, muito embora, por ângulos diferentes, mas enquanto este reconhece
que é imprescindível enfrentar as nossas matrizes históricas para superar as desigualdades
atávicas, como pressuposto da construção democrática, aquele entende, que, promulgado o
texto constitucional, dois desafios devem ser vencidos: a democratização do estado e a
democratização da sociedade. Ambos, guardadas a essência da dimensão argumentativa,
como se verifica, contestam as praticas autoritárias de convivência funcional e social, como
pressuposto construtivo de novas estruturas sociais e da própria democracia, mas avançam
nas suas propostas por estratégias diferenciadas.
A leitura de Fernando Henrique, mais funcional, de qualquer forma, concentra-
se no processo de democratização das práticas do Estado e da sociedade, sucessivamente à
constitucionalização, como estratégia para se alcançar mudanças, enquanto, todavia os
rumos da XII Conferência inclinar-se-iam para sugerir práticas de transformação social
próximas das linhas discursivas de Florestan Fernandes, não exatamente identificando na
Constituição o caminho eficaz das novas conquistas sociais. Não há como desconhecer,
historicamente, que o processo de democratização avançou significativamente,
especialmente no que se refere à vida política, mas, o tempo demonstrará que os efeitos
democratizadores do processo de decisão administrativa ou executiva serão lentos, com
efeitos interferentes na própria vida legislativa, muito embora, ao nível da sociedade,
muitos foram os progressos nas relações sociais, familiares, escolares e de trabalho.
O processo de democratização do estado, que deveria suceder à
constitucionalização, passa por algumas variáveis importantes, na opinião de Fernando
Henrique: (a promoção) da ação estatal como elemento essencial de sustentação das
políticas de desenvolvimento e a (promoção) da ação estatal como instrumento de aceso da
população às benesses criadas pelo sistema produtivo e a (promoção) da ação do estado na
implementação das políticas de inovações científicas e tecnológicas. Estas três variáveis,
combinadamente, reconhecem, no estado, o intransferível papel de viabilizar o
desenvolvimento, ampliar a distribuição de riqueza e implementar a pesquisa científica e
tecnológica.
1029
Estas são ações indispensáveis ao estado brasileiro moderno e, muito embora, o
conferencista, não explicite, exatamente, como que estas ações provocam a democratização
do estado, desenvolve uma visível critica:
ao novo liberalismo que imagina que a questão fundamental da democracia é pura e
simplesmente a de cercear a ação do estado e deixar que os atores da sociedade atuem
em plena liberdade. (Esta posição) esconde a existência de outros inimigos que não só o
estado. Dá a impressão de que é o estado que é o responsável por todo os males e não
de que existam males enraizados na própria sociedade civil. (Neste ponto a sua posição
se assemelha a Florestan Fernandes, quando afirma) que existe um processo de
exploração galopante da força de trabalho, e que existam processos de apropriação de
parte do estado em benefício de setores privados, e depois estes mesmos setores criticam
o estado (...) Esta ideologia antiestado tem que ser analisada com calma, (...) senão
parece que tudo é em função do desmando da burocracia, quando, na verdade, tudo é
em função de interesses que se enraizaram, também, na burocracia, que serviu aos
interesses privados, os quais agora crucificam o governo e saem da cena como se
fossem os salvadores do futuro da economia próspera do Brasil. A posição
pseudoliberal (...) na verdade, está pura e simplesmente camuflando a questão
verdadeira, que é uma questão econômica, e é uma questão de como se deu o processo
de desenvolvimento e como se dá a luta pelo grande bolo do produto nacional.
1596
A conferência de Fernando Henrique Cardoso reconhece e permite observar,
que, o controle burocrático é absolutamente necessário para o funcionamento democrático,
mas, para o pleno funcionamento da democracia, por um lado, é imprescindível
implementar meios para enfrentar as desigualdades sociais, e, por outro lado, não basta a
simples negação do estado autoritário, para que se construa um estado democrático. O
controle da burocracia estatal, assim como a democratização da sociedade, não exige,
apenas, a construção da ordem jurídica, mas a imprescindível geração de condições
políticas para que as organizações da sociedade civil influam no processo decisório.
Na sua posição, Fernando Henrique, como se vê, reconhece que a burocracia
está sensivelmente permeada pelos interesses privados e pela incapacidade das
organizações da sociedade civil influírem e controlarem o estado. A sobrevivência da
ordem jurídica democrática, do Estado Democrático de Direito, para ele, depende, por
conseguinte, e essencialmente, da democratização da sociedade, ou seja, do fortalecimento
de mecanismos participativos no estado e da multiplicação das organizações da sociedade
civil. A articulação combinada destes fatores ampliará o processo de desprivatização da
1596
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 86-88.
1030
burocracia estatal, reconhecendo o papel do Estado nas condições e situações em que o
estado é (política e socialmente) necessário.
Os acontecimentos que sucederam à promulgação da Constituição não
exatamente seguiram o projeto constitucional, como já afirmamos, muito ao contrario, os
anos que se seguiram a 1994 foram exatamente os anos em que os meios democráticos
constitucionais mais servissem ao desmonte da ordem instituída. A consciência política
lúcida e objetiva do discurso de Fernando Henrique não exatamente serviu para identificar
as políticas de desmonte da ordem econômica, mas a posição política que a própria historia
se lhe reconheceu contribuiu para implementar a privatização da ordem estatizada.
3.2.1. Os Sociólogos e a OAB
Florestan Fernandes e Fernando Henrique até mesmo pelas circunstâncias de
sua posição na XII Conferência, viram-se na contingência de se posicionarem sobre o papel
futuro da OAB na sociedade e no Estado brasileiro. As posições adotadas, todavia,
evoluíram em significativo contraste, marcando não o papel dos advogados na condução da
nova democracia, mas a imprescindível inserção da sociedade civil na condução das ações
ruptivas com o passado e o papel do Estado Democrático, de funcionamento legislativo
regular, no avanço das novas demandas sociais.
Florestan Fernandes, como anteriormente indicado, não demonstrou confiança
nos meios jurídicos para alcançar fins sociais ou de mudança, preferindo, claramente,
reconhecer que o papel interventivo da lei é periférico quando se trata de romper com
vínculos atávicos das estruturas sociais. Por esta razão, quem sabe, preferiu não abordar
frontalmente o papel do advogado numa sociedade em mudança, nem muito menos sobre
os efeitos modificativos da nova ordem sobre as estruturas arcaicas recolhendo-se ao seu
circunspecto e ortodoxo diagnóstico.
Fernando Henrique, em raciocínio similar, não viu na Ordem dos Advogados
especifica força construtiva ou de efeitos interventivos na vida social, mas reconheceu as
suas possibilidades de contribuir para a multiplicação dos organismos da sociedade civil e
1031
para limitar as influências privadas sobre o interesse público.
1597
Neste aspecto, quem sabe
a posição adotada tenha alcance institucional, todavia, a OAB, e o texto constitucional
traduziram esta posição, e têm demonstrado que para a sobrevivência do Estado de Direito
tem sido imprescindível, independentemente de suas funções corporativas, o envolvimento
institucional do advogado nas funções essenciais à administração da justiça.
A posição adotada por Fernando Henrique, semelhantemente a posições
adotadas na Conferência por Miguel Reale Júnior, não será a exata orientação que tomara o
texto constitucional, muito embora estivesse por falar a partir do texto publicamente
reconhecido, mas de qualquer forma não fica de todo impossível que como agente
articulador a OAB venha a ser reconhecida sociedade, uma posição que a historia não
demonstrou como item significativo, senão excepcional, do ideário corporativo.
1598
Não
exatamente, como pretendeu Miguel Reale Junior, a OAB não funciona como os partidos
políticos, como filtros de representação e mobilização popular ou como entidades de
organização ou articulação da sociedade civil, mas como instituição corporativa de
advogados que agilizam judicialmente a superação de conflitos sociais de diversos tipos
que, exigem, inclusive, muitas vezes, a sua intervenção mais ampla ou politicamente mais
visível.
1599
Estas observações têm um profundo reflexo sobre as práticas da advocacia: em
primeiro lugar, porque, a OAB enquanto entidade profissional funciona como entidade
corporativa da sociedade civil, em segundo lugar porque os advogados têm o direito
exclusivo de representar interesses privados, especialmente junto ao Poder Judiciário,
1597
Sobre este tema ver os primeiros capítulos desta Tese, onde, explicitamente se estuda o projeto da OAB
como projeto voltado para evitar o exercício de funções públicas cumuladamente com a advocacia privada. O
projeto da OAB, desde seus primórdios se revelou um projeto contra o patrimonialismo oligárquico como
essência organizativa do Estado e, não propriamente como uma estrutura de mobilização da sociedade civil.
1598
Sobre esta específica questão, ver inc. XIV do art. 54 da Lei nº 8906/94 (novo Estatuto da Advocacia e da
OAB) que dispõe: Compete ao Conselho Federal ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas
legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais
ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei, que será objeto de leitura mais detalhada em item final
deste Capítulo.
1599
Esta Tese, de qualquer forma, demonstra a evolução corporativa com o objetivo de explicitar a sua
contribuição para a construção do Estado Democrático de Direito. Ocorre, todavia, que nem sempre podermos
identificar uma correlação direta entre uma variável e outra, sendo os efeitos finais muitas vezes indicadores
de que nem sempre um fenômeno traduz explicitamente as preocupações determinantes no outro, no caso a
Tese procurou rigorosamente verificar esta tradução de objetivos, mas o tempo histórico pode sempre desviar
a exata correlação destas conexões.
1032
enquanto um dos poderes do Estado e a administração pública e, em terceiro lugar, porque
a OAB, enquanto organização da sociedade civil
1600
é uma entidade participativa de
organismo do Estado. No primeiro caso a OAB, como entidade da sociedade civil
institucionaliza o ideário profissional dos advogados,
1601
no segundo caso, os advogados
redimensionam a pratica democrática da representação de interesses concretos junto ao
Estado
1602
e, no terceiro caso, participa diretamente de organismos de estado ou,
indiretamente influi na sua composição como função indispensável à administração da
justiça.
1603
De qualquer forma, e possivelmente estas sejam as grandes dificuldades para
que a OAB, enquanto entidade corporativa, se envolva em movimento de transformação da
ordem, exceto quando a contribuição modificativa avance de movimentos identificáveis
pela própria ordem. A sua história da evolução estatutária, como veremos, à medida que
tende a se adaptar as ideologias das constituições abertas, enquanto pressuposto dialético de
seu próprio ideário, demonstra que seu papel na reconstrução endógena dos institutos e
instituições jurídicas se amplia à medida que se ampliam as aberturas constitucionais.
Fernando Henrique Cardoso, finalmente, apesar de sua significativa
contribuição para a compreensão sociológica dos mecanismos jurídicos de regulação da
sociedade e do funcionamento do estado, diferentemente da linha discursiva de muitas das
teses defendidas por advogados, aliás, como já demonstramos, indicador constitutivo de seu
próprio ideário, não demonstra convicções visíveis de que a ordem jurídica possa
transformar a sociedade, de certa forma convencendo-se de que as mudanças sociais
exigem mudanças nas bases da própria sociedade (atavicamente autoritária), seguindo de
perto a posição de Florestan Fernandes, única e especial forma de se resguardar o estado
1600
O § 1º do art. 20 dispõe ainda: no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce
função social e, ainda, o § 3º: No exercício de sua profissão o advogado é inviolável por seus atos e
manifestações nos limites desta lei.
1601
O art. 20 da Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994 dispõe que: A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB,
serviço público, que não mantém com a Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico,
dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: defender a Constituição, a ordem
jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa
aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições
jurídicas.
1602
O art. 113 da Constituição que dispõe que o advogado é indispensável à administração da justiça.
1603
Ver arts. 131 e 133 da Constituição brasileira.
1033
democrático. Na definição destas estratégias de mudanças, que partem das sociedades,
reconhece, no entanto, a importância da OAB com a seguinte observação:
A riqueza da OAB é exatamente porque têm um capital moral enorme, se nós quisermos
fazer uma mudança no Brasil teremos que aproveitar e jogar este capital que não é só
da OAB, mas que é fundamental (...) Eu acho que uma organização como a OAB,
estando mais informada, se preocupando com a solução efetiva dos problemas,
entendendo que os problemas não são técnicos, são de conflitos, tendo uma conduta de
exemplaridade, tem também que se abrir ao diálogo e ao confronto. E não pode temer
pluralismo. Há que haver numa sociedade moderna [onde existem] confronto de ponto
de vista, até porque a sociedade é desigual. Em certos momentos precisa correr riscos
(...) Eu acho que uma organização como a OAB tem estas condições e pode, só vai
assumir liderança efetiva e vai ter um papel estratégico na implantação da nova ordem,
se ela assumir riscos. Não o risco pelo gozo do risco, mas se ela em dado momento
disser é assim, e vou lutar por isto, mesmo que sempre contra a opinião média. A
porque senão as coisas não mudam, porque a opinião média em geral é a opinião da
classe dominante, que transmite (...) A OAB faz parte de uma sociedade que hoje requer
que os seus mecanismos, suas organizações civis assumam riscos políticos, eu acho que
tem todas as condições para isto. (...) Eu acredito que se nós formos mudar o Brasil, se
nós quisermos mudar o Brasil, é preciso que gente como você[s] [advogados], como
nós, assumamos riscos e responsabilidades e, agora, que esta Constituição está feita,
(...) é a partir daqui (para que ela) se implante , nós temos que ter realmente muita
coragem, muita vontade de acertar, de assumir novos riscos. Eu confio que a OAB vai
assumir risco pelo Brasil.
Como já procuramos introduzir, o pronunciamento de Fernando Henrique
Cardoso, de certa forma, reconhece que a Ordem precisa da romper com os limites
clássicos de seu ideário, avançando os seus compromissos com o processo de mudança
social: enfrentar riscos políticos e romper com opinião média enquanto opinião da classe
dominante. Esta afirmação da perspectiva dos advogados é uma opinião de “risco”,
exatamente, porque, na sua dimensão propositiva ela é a negação do próprio ideário
profissional enquanto compromisso com a ideologia constitucional. Por isto, não
exatamente foram estes, os parâmetros que pautaram a ação futura da OAB, inclusive na
elaboração do Estatuto de 1994. Os riscos de seus compromissos não se definiram como
risco de se avançar no processo de transformação social, enquanto rompimento com a
classe dominante, herdeira das raízes matriciais históricas, de que fala Florestan Fernandes,
mas de se mudar a ordem nos limites da ordem jurídica instituída, a mesma ordem que foi
construída como um acordo consensual entre as forças do passado e as forças políticas
emergentes.
Neste sentido, todavia, a palestra propositiva de Fernando Henrique Cardoso
enfatizou a preocupação com a verdadeira aplicação dos princípios constitucionais, que, até
1034
aquela data, existiam, apenas, no plano jurídico-formal, pois eram prejudicados, em sua
vigência, pela ausência da eleição direta. Para ele, a OAB, deveria assumir a liderança da
implantação efetiva da nova ordem constitucional, tendo em vista, que, a promulgação da
Constituição de 1988 representava apenas o início de uma longa e incessante caminhada em
busca de uma sólida democracia:
...O ponto de partida, se nós quisermos ter uma luta que permita avanços posteriores,
com a implantação de uma ordem jurídica democrática, é fazer valer a Constituição tal
como ela está. (...). Existem vários problemas que se colocam na questão da
democracia, desde o ponto de partida, o problema que nós não conseguimos a eleição
direta para presidente (...). O problema de que os que estão aí continuarão mandando e
tentarão desmoralizar e destruir a ordem constitucional através de atos agressivamente
anticonstitucionais e o fato de que nós vamos ter que nos organizar para defender
muitas vezes aspectos da Constituição, contra os quais nós votamos, mas que temos que
criar uma crença no valor da ordem jurídica.
1604
4 – Novos Rumos, Novo Ideário
O tempo histórico demonstrará (ou) que o enfoque sociológico destas
conferências introdutórias, não necessariamente, correspondera ao desdobramento dos fatos
políticos, nem dos fatos econômicos futuros, assim como, apesar da radical reversão de
fluxos dos anos de 1990/92, o ideário da OAB não evoluirá ou ultrapassará os limites
ideológicos da nova ordem constitucional. Assim, no contexto geral do desdobramento do
novo processo político a OAB admitirá que o seu papel está nos limites da ação
institucional e, enquanto corporação, que o seu projeto está restrito ao projeto de
reconstitucionalização e, não propriamente, enquanto entidade, assumirá os projetos de
transformação que não estejam nos limites suportáveis pela ordem jurídica, absorvíveis e
1604
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil . Op. cit., pp. 86/94. Refere-se o
conferencista a discussões à época da Assembléia Nacional Constituinte sobre a limitação temporal do
mandato presidencial de José Sarney, imediatamente à conclusão de seus trabalhos 4 (quatro) anos e não ao 6
(seis) anos, na forma da Constituição anterior (1985/91), que acabou se reduzindo a 5 (cinco) anos. Se o
Congresso colocasse a meu mandato em quatro anos (...) quando ata do Congresso (na posse) de que o
mandato iria a 1991 (teria renunciado). [Aceitei] uma solução conciliatória. Geisel disse-me o seguinte: não
discuta o tempo de duração do mandato (...). Deixe a Assembléia Constituinte resolver. Se decidir contra o
seu direito vá ao Supremo Tribunal. Ver MORAES NETO, Genetor. Op. cit. pp. 35 e 38. Na mesma obra
afirma Fernando Henrique: no início da retomada democrática, o país assistira ao ‘butim do Estado’, uma
espécie de loteamento da administração pública. Sarney achou que era contra ele. Não era. Op. cit., p. 189.
1035
implementáveis pelo Poder Judiciário, na forma dos instrumentos processuais, muito
embora, como mostraremos em item seguinte, em dinâmica especial de redefinição e
abertura.
O projeto político-constitucional da XI Conferência, com certeza, como
demonstramos em Capítulo anterior, não se transformou em projeto de Constituição, senão,
todavia, em dispositivos dispersos, embora importantes, exatamente, porque, como sempre
fora, os seus compromissos corporativos não eram (e não foram) compromissos de
transformação estrutural, mas de restauração do Estado de Direito, através de Assembléia
Nacional Constituinte. O poder constituinte originário avançou, significativamente, nos
seus propósitos constitucionais, com certeza ultrapassou os limites formais do clássico
Estado de Direito e da restrita proteção dos direitos individuais (subjetivos) para formatar
construção do Estado Democrático de Direito, envolvendo, em condições amplíssimas, a
proteção dos direitos humanos, na sua dimensão existencial, e a defesa, também, dos
direitos coletivos e difusos, sem considerar, porque sofrerá efeitos desconstrutivos de curto
prazo a extensa política de estatização da ordem econômica.
Na verdade, as análises influentes de Fernando Henrique, mesmo com suas
aberturas de conciliação, e de Florestan Fernandes, de profunda reflexão crítica, não
ressoaram como discurso interruptivo da nova Carta Constitucional, nem despertou a OAB
para assumir papel de articulação ou mobilização da sociedade civil em luta para novas
conquistas sociais, mesmo para o engajamento, pela implementação de curto prazo de
institutos como a Justiça Agrária, deixando as palestras sucessivas, de natureza jurídica, a
delimitação dos âmbitos dos novos compromissos.
Os avanços constitucionais, de qualquer forma, influirão, decisivamente, na
reconstrução estatutária do ideário profissional abrindo-o para os novos espaços de
compromissos do Estado Democrático de Direito, mas não acompanhará o projeto de
reformas estruturais, o limite impossível da Constituição de 1988, o que, aliás, presidiu a
Carta de Porto Alegre. Na verdade, como veremos nos itens subseqüentes, o novo Estatuto
da OAB, de 1994, responderá ao texto constitucional, dando grande dimensão estatutária
aos princípios constitucionais e aos direitos e garantias fundamentais, traduzidos no
Capítulo sobre direitos e deveres individuais e coletivos, bases referenciais da nova
ideologia jurídica, todavia, o Conselho Federal não se mobilizará sobre o grande volume de
1036
reformas neoliberais que afetarão a ordem econômica e que se sucederão a 1995,
1605
muito
embora os dispositivos instituídos, traduzissem, em muitas circunstancias o projeto de
democracia econômica como pretenderam as conclusões constituintes da OAB e o próprio
diagnóstico crítico da Carta de Porto Alegre.
No grupo de palestras que discutiram os textos de Florestan Fernandes e
Fernando Henrique Cardoso, guardadas aquelas que evoluíram na linha de comentários dos
próprios expositores, foi o texto de Tarso Fernando Genro, hoje Ministro de Estado do
Governo do Presidente Luis Inácio, sobre Estado de Direito e Articulação da Sociedade
Civil, que, mais insistentemente, procurou conciliar as dimensões diferenciadas das
vertentes analíticas, exatamente quando observa que:
na luta por esta expansão a OAB deve superar a sua relação tradicional com a
concepção de Estado de Direito puramente formal. Esta concepção, hoje, já abriga o
reforço de um estado extremamente autoritário tutelado pelas forças armadas, que só
pode se armar sobre uma sociedade civil desarticulada ou em permanente estado de
sufocamento. A luta por um Estado de Direito Material, um estado, que tencione de
forma permanente a realização da cidadania moderna a qual deve incorporar, não só a
efetividade dos direitos civis, mas também o direito de modificar estruturalmente a
sociedade para a satisfação dos direitos sociais. Esta luta deve caracterizar a atividade
preponderante da OAB, no período histórico atual da sociedade brasileira.
1606
Este pronunciamento de Tarso Genro, não apenas traduz os objetivos da
Conferência, mas, com precisão diagnóstica demonstra que na forma da nova Constituição:
a cidadania (...) deve incorporar não só a efetividade dos direitos civis, mas também o
direito de modificar estruturalmente a sociedade. Esta é a questão. Esta afirmação tem
excepcional alcance do dilema colocado para o futuro: a sucessão de lutas pelos direitos
civis, vencida a etapa da frutificação existencial, deveria evoluir em linhas de
requalificação que permitissem incorporar o projeto de reformas estruturais como especial
avanço das conquistas das lutas pelos direitos civis; o que, todavia, não ficou traduzido no
futuro estatuto da OAB.
De qualquer forma, na evolução discursiva destas questões, os palestrantes, em
sua grande maioria originários da área jurídica, mais se inclinaram para discutir os rumos
da nova ordem jurídica, fundamentalmente, concentrando-se nos pronunciamentos sobre o
1605
Ver item 5.2. do cap. XII.
1606
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 147.
1037
papel dos advogados na defesa e proteção dos direitos humanos no contexto da ordem
vigente e na sua perspectiva futura. Neste sentido, as palestras evoluíram, não apenas, na
discussão conceitual sobre os direitos humanos, mas, muito interessantemente, também,
sobre a ação do advogado na específica defesa destes direitos. Na verdade, os propósitos
dos sociólogos, como também, na dimensão estrutural dos pré-projetos constituintes da
OAB, não se converteram, no tempo histórico, nos exatos propósitos estatutários da OAB,
mas incorporaram, no seu ideário, a ideologia jurídica da nova ordem constitucional. Não
existem sintomas, senão como manifestações pontuais, que a OAB evoluiria para
comprometer-se com políticas de transformações estruturais, além das transformações
juridicamente possíveis, pela via do processo constitucional e legislativo, tendo em vista a
natureza aberta da Constituição.
As palestras marcadas pela militância na advocacia evoluíram para temas
relacionados essencialmente à questão da proteção dos direitos humanos, inclusive na sua
dimensão coletiva e difusa, tais como: Advocacia e as Lesões aos Direitos do Consumidor,
A Advocacia e os Direitos da Mulher, Advocacia e a Defesa das Minorias, A OAB e os
Direitos dos Internados, A Advocacia e os Direitos dos Trabalhadores, assim como, muitos
e interessantes temas foram desenvolvidos sobre o Papel do Advogado na Proteção do
Meio Ambiente, principalmente considerando que a ação ofensiva contra o ambiente natural
é uma ação contra os próprios direitos humanos, eis que os direitos da natureza são os
direitos do homem, e, na verdade, representam a força agressiva do sistema de reprodução
capitalista.
1607
Estes textos estiveram subsidiados por significativas abordagens teóricas
referentes ao papel do advogado no enfrentamento da violência urbana e da violência rural,
assim como nas discussões sobre a OAB e a preservação da esfera individual,
considerando-se que os direitos transindividuais, homogêneos, coletivos e difusos
estiveram discutidos no contexto das palestras sobre direitos humanos e o papel da OAB e
das associações de advogados na defesa interna e internacional dos direitos humanos.
A Carta de Porto Alegre, evoluiu, assim, em 2 (duas) grandes linhas; não
propriamente divisórias, mas entre si, senão ideologicamente, politicamente, diferenciadas:
constitucionalizar, como pressuposto das reformas estruturais, nítidas na posição de
1607
Ver ARAÚJO, Rosalina Corrêa de. Direitos da Natureza no Brasil. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1992.
(Prêmio OAB, ano 1992).
1038
Florestan Fernandes e, não absolutamente, na posição de Fernando Henrique Cardoso, e.
consolidar o Estado Democrático de Direito, dominantes, no temário dos juristas como
pressuposto da nova Constituição. A estas duas grandes linhas deve-se acrescer, pois já
estava nítida e visível, a necessária elaboração de um novo estatuto para a advocacia e a
OAB, consentâneo com a nova ordem constitucional e com os novos ideais que permeavam
a Constituição a indispensabilidade do advogado na administração da justiça e na defesa e
proteção dos direitos humanos, na sua dimensão existencial e, também, difusa e coletiva, a
viabilização da justiça social, a rápida aplicação do direito e efetiva contribuição para o
aperfeiçoamento das instituições jurídicas.
Finalmente, na linha final deste Capítulo estudaremos, como já indicamos, as
exatas conexões entre o novo contexto ideológico da Constituição e os parâmetros
essenciais que presidem o novo ideário estatutário, identificados na Lei n°.8906, de 04 de
julho de 1994, muito bem explicitado, no seu alcance, no que será o futuro Código de Ética
e Disciplina dos Advogados:
O Conselho Federal da OAB, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por
princípios que formam a consciência profissional do advogado e representou
imperativos de sua conduta, tais como: os de lutar sem receio pelo primado da justiça,
pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei (...) fazendo que seja
interpretada com retidão e perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e às
exigências do bem comum. Ainda como dispõe o art. 3º do mesmo regulamento: O
advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades
para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a
igualdade de todos.
1608
Como veremos neste Capítulo, o Conselho Federal da OAB, cerca de 6 (seis)
anos após a promulgação da Constituição de 1988, redefiniu os seus estatutos e fixou os
princípios que (influenciaram ou) formam o ideário profissional dos advogados, deixando
antever as tênues divisas entre os limites da consciência corporativa e a sua ultrapassagem
política ou ideológica. Por outro lado, cerca de 7 (sete) anos após a promulgação do novo
Estatuto publicou o Código de Ética e disciplina que, diversamente do que acontecia no
passado, ampliou estes limites estatutários permitindo, que, a OAB mais concretamente
viabilizando a justiça social contribuísse para novos espaços de construção social.
1608
Ver Código de Ética e Disciplina da OAB. DIÁRIO DA JUSTIÇA, Seção I, de 1º de maio de 1995, p.
4.000 e 4.004.
1039
Finalmente, antes, todavia, de avançar no estudo qualificado das conexões entre
o novo papel constitucional do advogado e a própria Constituição e o novo (futuro) Estatuto
de 1994, para uma percepção mais ampliada destes efeitos, abordaremos, em subitem
próprio, o especialíssimo papel que passará a desempenhar os novos aspectos processuais
da Constituição de 1988, mas, também, muito especialmente, em item específico, as
reaberturas das dimensões ideológicas colocadas pela Carta de Belém que refletirão na
Carta de Porto Alegre, mas que se reservarão constritas na Constituição.
4.1. Os Advogados e o Direito Constitucional Processual
Os textos de vocação jurídica aberta, mas não propriamente textos políticos ou
sociológicos, apresentados durante a XII Conferência, se completaram por uma nova e
especial abordagem sobre os instrumentos processuais de defesa dos novos direitos, que, na
história dos direitos humanos, não tinham, ainda, adquirido uma dimensão constitucional
institucional no Brasil. Tradicionalmente, na história do direito brasileiro, o
reconhecimento dos direitos, em geral, se dava de uma perspectiva material, ou seja, o
direito era o “direito substantivo” positivo enquanto definição de regras de relação bilateral
entre o titular do direito subjetivo individual (faculdade de exigir) e o titular do direito
objetivo (dever de cumprir o exigido), como obrigação legal ou contratual: direito para
inglês ver, para ficar na vulgaridade da linguagem. A história da conquista dos direitos, que
(e antecedeu) sucedeu à Revolução Francesa, de certa forma, exatamente, ocorreu nesta
dimensão, inclusive, no que se refere à resultante multiplicadora dos direitos individuais
subjetivos, os direitos humanos. Interessantemente, todavia, e diferentemente dos direitos
de primeira geração, inclusive a construção atípica dos direitos da personalidade, a moderna
conquista dos direitos de terceira geração, considerando o caráter essencialmente político e
social dos direitos de segunda geração, evoluiu, especialmente após os anos 80 (oitenta), na
forma de normas de natureza processual, abertas e de alcance plural, inclusive nas suas
dimensões coletivas e difusas.
1040
Ficamos, desta forma, diante de um especial fenômeno jurídico: a proteção dos
direitos coletivos e difusos evolui no Brasil a partir do pressuposto processual,
paradoxalmente mais próximo ao modelo (consuetudinário ou da equity) inglês, mais
preocupado em resguardar o devido processo legal (due process law): o direito de pedir,
reconhecendo no juiz não apenas o poder de decidir, mas, também o seu poder
discricionário criativo por força do princípio da equidade, em questões de mérito,
diferentemente da proteção aos direitos individuais, que evoluíram do direito substantivo,
enquanto conjunto de princípios racionais universais.
Nesta linha, F. J. Pio Borges na linha discursiva sobre o principio constitucional
da ampla defesa, instituído (agora) no texto constitucional (aliás, injustificadamente o nosso
direito processual não tivera uma história de constitucionalização) conclui que é necessário
a imediata efetivação processual do princípio da ampla defesa (...) que se expressa nos
anseios milenares por maiores garantias dos direitos individuais e coletivos.
1609
De
qualquer forma, vale observar, que muitos são os dispositivos dos Códigos de Processos e
as próprias súmulas dos tribunais, que, a pretexto da celeridade processual, dispensa, ainda,
em tantas e tantas circunstancias, procedimentos imprescindíveis à ampla defesa, marcando
o direito processual por este viés autoritário.
Marcelo Leonardo, em sua palestra, afirma que está fora de dúvida que esta XII
Conferência Nacional da OAB deve aplaudir o extraordinário avanço da nova
Constituição brasileira na proclamação dos direitos e garantias fundamentais do homem e
na previsão dos novos direitos processuais de defesa dos mesmos, seguido de Luiz Goulart
Filho.
1610
Na opinião deste ultimo expositor o texto constitucional traduziu com precisão as
expectativas acumuladas nas conferencias da OAB e no processo constituinte sobre os
Direitos e Garantias Fundamentais, tanto no Capítulo que trata dos direitos e deveres
individuais e coletivos como no Capítulo que trata dos direitos sociais, sendo que os demais
capítulos, na verdade, do mesmo titulo referentes ao direito de nacionalidade e aos direitos
1609
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 597.
1610
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 582-583. Na verdade, estas
comissões, já vinham sendo implementadas desde gestões anteriores, imediatamente após o atentado à OAB.
Ver Cap. VIII, item 8.1. desta obra.
1041
políticos, assim como sobre os partidos políticos, têm apenas força complementar dos
princípios essenciais.
Não foram, muitas, todavia, as exposições sobre este tema, o que não aconteceu
em relação às inovações substantivas, apesar de seu significado impar para a proteção dos
novos direitos e para o novo papel social do advogado. Luiz Goulart Filho assume que a
posição dos advogados brasileiros pela transformação da sociedade passa, não só pelo
reconhecimento e respeito por parte do estado dos direitos humanos, como também,
especialmente, pela implementação (processual), através do Judiciário (e do poder público),
das condições necessárias para o efetivo e concreto exercício destes direitos por todos os
brasileiros, assim como, a OAB, deve promover, a nível federal, campanhas destinadas a
conscientizar a opinião pública dos avanços instituídos pela Assembléia Nacional
Constituinte, nesta linha, devendo criar, inclusive, nas seccionais, Comissões de Direitos
Humanos.
1611
Nesta mesma linha, várias comissões, entenderam que a efetividade das
normas constitucionais de proteção aos direitos humanos exige que se dê absoluta
prioridade (à implementação do direito processual constitucional) e à construção das novas
constituições estaduais, bem como à reforma do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº
3689/41), especialmente nos seus diversos dispositivos divergentes da Constituição,
inclusive, sobre a legalidade das prisões e o conseqüente habeas corpus quando a
autoridade policial deixar de cumprir as (novas) exigências constitucionais.
O texto-palestra de Sérgio Sérvulo da Cunha, sobre os novos instrumentos
constitucionais, observa conclusivamente:
os direitos novos (direitos coletivos e direitos difusos) não podem ser operacionalizados
invocando figuras pertinentes aos direitos individuais, como de representação,
substituição processual e legitimação extraordinária
1612
1611
Ver Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 577.
1612
Ibid., p. 588. Ver, também, de SÉRVULO, Sergio da Cunha a. Revisão constitucional: aspectos
jurídicos, políticos e éticos. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993, especialmente, BASTOS, Aurélio Wander.
Constituição e proteção dos directos coletivos no Brasil. (p 9 e segs.). Por outro lado, em 1975, em nosso
livro intitulado Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário (ed. cit.) estudamos esta questão, como em
vários estudos subseqüentes dissertamos sobre o tema. Ver, por ex. Poder Judiciário, e conflitos sociais. In
Teoria do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 206 e segs. Só recentemente, por iniciativa de
Ada Pellegrini, foi colocado a público Anteprojeto de Código brasileiro de Processos Coletivos / outubro de
2005/3° versão, basicamente preocupado com a tutela jurisdicional coletiva que deve ser exercida por
intermédio da ação coletiva ativa, da ação coletiva passiva, do mandado de segurança coletivo e das ações
populares, sem prejuízo de outras ações criadas por lei. Ver
http://www.mpcon.org.br/site/portal/jurisprudencias_detalhe.asp?campo=2591
1042
Na verdade, Sérgio Sérvulo, deu continuação aberta ao debate, que, bem mais
tarde, germinou sobre a necessária diversificação dos instrumentos processuais que
destinam-se a garantir os interesses em conflitos complexos. Neste contexto, é claro, e não
podemos deixar de afirmar, como já observamos, que os novos instrumentos processuais de
proteção de direitos coletivos, da mesma forma, colocaram os advogados na linha de frente
das demandas para proteção do direito subjetivo coletivo e difuso, esta nova e especial
dimensão do direito brasileiro, mas tornou-se imprescindível a redefinição intrasistêmica da
movimentação processual, assim como a efetividade dos direitos humanos exige a
mobilização eficaz do instrumental processual constitucional. Por outro lado, na
requalificação do direito processual constitucional como pressuposto hierárquico do direito
processual, impôs um certo “publicismo” a um especial ramo do direito, especialmente o
processo civil, tradicionalmente moldado para viabilizar demandas de direito privado.
Referências constitucionais de natureza processual, principalmente indicados no
art. 5°, como ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente
(LIII); ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal
(LIV); aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
(LV); são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (LVI);
1613
será
admitida a ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo
legal (LIX); e a lei só poderá restringir a publicidade de atos processuais quando a defesa
da intimidade ou o interesse geral o exigirem (LX)
1614
passaram a presidir a hermenêutica
processual. A estes tantos dispositivos, devem ser acrescidos os que se referem ao hábeas
corpus (LXVIII), ao Mandado de Segurança (LXIX), ao Mandado de Segurança Coletivo
(LXX), ao Mandado de Injunção (LXXI), ao Hábeas Data (LXXII) e à Ação Popular
(LXXIII), todos eles abertos a novas dimensões do direito procurando alcançar a proteção
de direitos individuais e existenciais, assim como direitos difusos e coletivos a que se
acresce a especial constitucionalização da Ação Civil Pública, que, não apenas alcança a
1613
Ver, também, Código de Processo Penal: arts. 155 e segs. e Código de Processo Civil: arts. 332 e segs.
1614
Ver, também, Código de Processo Penal, art. 20 (sigilo no inquérito policial), Código de Processo Civil,
arts. 155 e 444 (segredo de justiça) e Lei nº 9800, de 26 de maio de 1999 (sigilo de transmissão de dados para
a pratica de atos processuais).
1043
proteção dos interesses coletivos e difusos, mas, também, (inc. III, art. 129) os interesses
sociais indisponíveis (art. 127).
Estes ambos dispositivos, especialmente, e os que os acompanham, deram duas
novas dimensões a proteção dos direitos coletivos e difusos no Brasil, não porque
subsidiam e fortalecem as novas competências do Ministério Público Federal, instituição
permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis mas
porque, na dimensão em que a matéria está posta, reconhece a dimensão constitucional à
Lei n°. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) e amplia os seus
objetivos e a eficácia de seus propósitos, mas, também, porque traz para o âmbito do pode
público a proteção do patrimônio e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, o que se ampliou com a Lei n°. 11448, de 15 de janeiro de 2007, incorporando,
inclusive, a Defensoria Pública como legitimados ativos para propositura da respectiva
ação.
Finalmente, sem que esteja a matéria institucionalmente constitucionalizada, o
novo Estatuto da OAB, trouxe para seu âmbito de competência para ajuizamento a ação
civil pública quando o inc. XIV do art. 54 da Lei n°. 8.906, de 4 de julho de 1994, dispondo
que compete ao Conselho Federal ajuizar ação de inconstitucionalidade de normas legais e
atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mando de injunção e
demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei, ampliando, como nunca dantes,
o papel judicial-processual da OAB. Esta posição se fortalece à medida que ser reconheça
na OAB a natureza autárquica, mesmo que especial. Esta especial postura fortalece o
Conselho Federal da OAB e abre o seu espaço para atuar no âmbito dos conflitos
complexos. Viabilizando em dimensão socialmente qualificada que o advogado é
indispensável à administração da justiça e, como o Ministério Público, a Defensoria e a
Advocacia Pública, exerce função essencial à justiça. Neste sentido, reserve-se que, muito
embora não tenha o projeto de Estatuto evoluído nas linhas indicativas das cartas de Belém
e de Porto Alegre, ficou o ideário estatutário nos limites de alcance das competências
judiciais de demanda onde o Poder Judiciário seria o agente dinâmico das demandas com
efeitos de mudanças.
1044
4.2. O Poder Judiciário e as suas Resistências.
Este quadro geral da abrangência processual, de qualquer forma, passou a
demandar um Poder Judiciário mais ágil e eficiente, como também, de maior abertura
funcional, e, ainda, mais sensível estruturalmente a pequenas demandas, o que,
efetivamente, não ocorreu (não tem ocorrido) no curto prazo.
1615
Muitas foram as
manifestações passadas sobre o Poder Judiciário, especialmente, na XI Conferência, que
analisamos,
1616
mas outras tantas foram as intervenções sobre o Poder Judiciário nesta XII
Conferência, já numa perspectiva crítica mais efetiva, porque a Constituição efetivamente
já era uma realidade.
Os pronunciamentos de Evandro Lins e Silva e de José Alfredo de Oliveira
Barracho
1617
sobre diversas vertentes do tema “Democracia e Poder Judiciário”, apoiando-
se em alguns dos mais expressivos pensadores nacionais e internacionais e em documentos
de relevância sobre o Poder Judiciário, constituem peças indispensáveis ao estudo moderno
da matéria. A tese de Evandro Lins
1618
destaca que das diversas teses apresentadas
nenhuma se preocupou com a primeira instância do Poder Judiciário, focalizando
principalmente a crise do Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Superiores, quando se
propunha de modo geral a criação de um outro tribunal intermediário entre os Tribunais de
Segunda Instancia e o Supremo Tribunal Federal – STF, para julgar os recursos
1615
Ver, especialmente Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 que introduziu amplas e
efetivas modificações no Poder Judiciário, contudo, passados 16 (dezesseis) anos da Constituição.
1616
Ver cap. XII.
1617
A que se acrescem os pronunciamentos de Roberto A. O. Santos, Noemia da Silva Lopes, Nelson Saule
Junior, Igor Koehler Moreira, Maria de Nair Acosta Gonçalves, Milton Moreira Fraga e Ricardo Carvalho
Fraga.
1618
O trabalho de Evandro Lins e Silva foi essencialmente desenvolvido a partir da prática judiciária
brasileira, tomando em consideração a importância do juiz leigo para conciliar e desafogar a justiça formal.
No que se refere à discussão sobre o Supremo Tribunal tomou por exemplo a Corte Suprema Americana, que
tem demonstrado grande sabedoria para enfrentar os problemas na devida ocasião, evitando confrontos
desnecessários.. Evandro Lins não se esqueceu de trazer ao debate sobre a questão da agilização da justiça o
trabalho de GARÇON, Maurice (Lettres ouvertes à la Justice, Editons Albin Michel, 1966) citando: ninguém
é infalível e o magistrado que julga só tem mais razão de se enganar do que se ele delibera com outros. O
que se delibera em colegiado, permitindo uma confrontação das idéias, dos conhecimentos e das experiências
oferece aos jurisdicionados sempre mais garantia do que o julgamento de um sozinho.
1045
extraordinários, o que não ocorreu contra as decisões de último grau das justiças estaduais,
embora tenha a constituinte acolhido a sugestão de se criar o Superior Tribunal de Justiça –
STF, criando-se o Recurso Especial, mas, ficando o STF com as competências para julgar
Recursos Extraordinários.
Para Evandro Lins, todavia, estas questões da hierárquica judiciária não são as
questões mais importantes, porque o que deveria ser mudado é a estrutura da organização
judiciária de tal forma que ela alcance aqueles que são socialmente menos protegidos.
Assim vejamos:
(...) Para o pobre a justiça tem sido hermenêutica, fechada, inexistente, no estágio atual
de nossa sociedade. Aquela mole de processos que enche os cartórios das Varas
significativos ou insignificantes
é que vai propiciar os recursos até o Superior
Tribunal de Justiça e, eventualmente, até o Supremo Tribunal Federal. Congestionam
primeiro os tribunais locais e vão entulhar depois os gabinetes dos ministros dos
Tribunais Superiores. Esse é o ponto nuclear da crise. Se conseguirmos reformar
estruturalmente a primeira instância, de modo a compor e decidir prontamente todos os
conflitos, de forma conclusiva, os recursos desaparecem ou se reduzem de tal forma que
as instâncias superiores se desafogarão. Não é difícil descomplicar a emperrada
máquina judiciária atual, tendo em vista o avanço [que ocorrerá com a nova]
Constituição (...). A mudança é necessária, ou melhor, é imperativa, e ela atenderá
especialmente aos menos favorecidos, que terão a justiça perto de si para resolver seus
problemas, que podem ser pequenos para os afortunados, mas são bem grandes para
quem nada possui e vive de parcos salários.
1619
Na linha final a proposta de Evandro Lins e Silva chama atenção as seguintes
conclusões:
(...)Deve ser adotada, nos juizados especiais, a participação de leigos, de modo a
entrosar a comunidade na distribuição da justiça. O escabinato é preferível ao juízo
monocrático [e] (...) os juizados de paz devem ser estimulados, para solucionar os
conflitos e pendências através de conciliação.1620
José de Alfredo Baracho,
1621
que também se destacou na discussão deste tema,
evoluiu seu pronunciamento para configurar uma teoria democrática que alcançasse o
1619
XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de 2 a 6
de outubro de 1988, pp. 697 e 701.
1620
XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de 2 a 6
de outubro de 1988, p. 702.
1621
Na elaboração de seu trabalho além de um minucioso estudo do Poder Judiciário nas Constituições
brasileiras o conferencista apoiou-se em BUNDEAU, Georges (La Démocratie
Essai sunthêtique e
FRIEDRICH, Carl J.) e que vieram na linha do pensamento liberal, bem como nas suas conexões de estudo
1046
Poder Judiciário, mas teleologicamente não fica muito longe da posição de Evandro Lins
quando afirma que
As novas tendências ideológicas pretendem transformar as democracias políticas em
democracias sociais. A democracia social e econômica constitui uma nova fase da
evolução da teoria democrática. Durante muito tempo, o termo democracia foi utilizado
como um conceito político. Entretanto, já Tocqueville surpreendeu-se com o aspecto
social da democracia (...). O marxismo consagra a expressão democracia econômica
1622
(...). Essa democracia em transformação entende que o Estado deve promover a reforma
das estruturas sociais e políticas para tornar efetiva [a] democracia social (...). A
democracia social distingue-se da democracia puramente política, porque não parte do
homem abstrato. Considera-o como ser real e ‘situado’ (trabalhador
contribuinte etc.)
em circunstância concreta, empenhado em alcançar o bem-estar, a segurança material
e de oportunidade.
1623
Procurando fazer a conexão desta discussão com a questão judiciária Alfredo
Baracho depois de ampla análise do papel histórico do Poder Judiciário e de críticas à
influência das discussões sobre a dualidade e a unidade da justiça evoluiu para discutir a
importância do tribunal constitucional, de inspiração kelseniana, e as tantas propostas
introduzidas pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, presidida por Afonso
Arinos, da qual era membro. Reconhece, no entanto, que a definição do Tribunal
Constitucional exigiria profundas modificações na redefinição do papel do Poder Judiciário
e traria modificações nos mecanismos de controle da constitucionalidade das leis. De
qualquer forma, observa conclusivamente que:
‘A Justiça brasileira é antes de tudo demasiadamente lenta. A solução dos litígios
requer, geralmente, bastante mais tempo do que seria razoavelmente necessário para o
seu término. Processos que poderiam ser solucionados em horas ou dias levam meses e
anos; demandas que a boa técnica processual recomendaria finalização em meses e
anos demandam décadas’ (...) ‘Essa excessiva demora frustra a reparação dos direitos
entre democracia e Poder Judiciário trabalha com manifestações de ministros dos tribunais brasileiros dentre
eles Néri da Silveira e Djaci Falcão e ainda estudiosos como Temístocles Cavalcanti, Celso Bastos em, O
Desafio do Estado Moderno ao Judiciário; Wander Bastos, O Poder Judiciário e as Modernas Tendências do
Modelo Político Brasileiro; e Boaventura de Souza Santos, O Discurso e o Poder. Finalmente ressalte-se que
a conferência de Baracho destaca a importante inovação dos tribunais americanos quando criou o
Administrador Judicial (Court Administrator, Havery E. Salomon. The Rise of the Court Executive,
Judicature, outubro, 1976).
1622
Sobre a questão da democracia econômica e as Conferências da OAB conferir capítulos XI e XII, onde o
termo é abundantemente utilizado, inclusive, com uma conotação pratica.
1623
XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de 2 a 6
de outubro de 1988, p. 705.
1047
lesados e subtrai do sistema jurisdicional milhões de lesões ao direito. A demora
restringe enormemente o âmbito de atuação efetiva da justiça. (...) A justiça brasileira é
inacessível aos setores de baixa renda. São milhões de pessoas que preferem sofrer sem
nada reclamar
lesões aos seus direitos do que recorrer ao juiz, isso porque os litígios
são caros e demorados. Honorários advocatícios, emolumentos cartoriais, dias de
trabalho perdidos em audiência que afinal não se realizam, gastos devidos ou
ilegalmente cobrados para citações, diligências e produção de provas são despesas que
o nosso homem comum do povo não tem condições de sufragar. Até na Justiça
trabalhista, ramo criado precisamente para facilitar a defesa dos direitos dos
trabalhadores
a demora estimada a aceitação de acordos a rigor lesivos e, portanto,
em substância, denegatórias da Justiça’.
1624
Ainda, na linha geral das conclusões sobre o tema “Democracia e o Poder
Judiciário” algumas questões ficaram ressaltadas como o problema do acesso ao Judiciário,
do emperramento da máquina judiciária, da informatização do judiciário, da criação da
justiça especial para delitos de pequena alçada, da justiça agrária, da autonomia
judiciária,
1625
da reestruturação hierárquica do Judiciário, da desburocratização funcional
dos órgãos de justiça e dos cartórios, do elitismo judiciário, da formação dos magistrados,
dos direitos e prerrogativas dos juízes e advogados, da adaptação do Poder Judiciário à
sociedade moderna, do papel da defensoria pública na defesa dos despossuídos e
apartados,
1626
o autoritarismo ínsito ao processo de decisão judicial.
1627
A ampla discussão
deste temas, permitiu sucessivas citações de Carl J. Friedrich, Georges Burdeau, Harvery E.
Salomon, José Olympio de Castro Filho, Pontes de Miranda, John Rawls, Celso Bastos,
Tércio Sampaio Ferraz, Boaventura de Souza Santos, Max Weber, Lenini Nequete, André-
Jean Arnaud e, inclusive, Aurélio Wander Bastos, deram a exata dimensão da
responsabilidade teórica dos fundamentos analíticos das conclusões, todas, também,
referenciadas em documentos em tramitação nos tribunais brasileiros.
1624
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
de 2 a 6 de outubro de 1988, pp. 719 e 720.
1625
Na abordagem deste tema foi utilizado de Aurélio Wander Bastos o ensaio “O Poder Judiciário e as
Modernas Tendências do Modelo Político Brasileiro”. In: V Congresso Brasileiro de Direito Constitucional.
IBDC. 1984.
1626
Ver BASTOS, Aurélio Wander, Legalidade e Efetividade, paradoxos da decisão judicial. Porto Alegre:
Revista Magister nº. 3. (nov/dez) 2004.
1627
É bem verdade que temas sobre a transmutação da natureza instrasistêmica do Poder Judiciário, tais como
a sua natureza monocrática para decidir dissídios complexos ou de alcance social, não sofreram sugestões
modificativas ou modificações, apesar, de que, modernamente, estas significativas questões tem sido
abordadas com cautela.
1048
Estes autores, efetivamente, não demonstram que as teses evoluíram em linhas
de sugestões reformistas mais radicais. No seu conjunto as suas obras têm uma proposta de
reconhecimento doutrinário de natureza histórica ou sociológica ou têm uma visível opção
por políticas liberais-sociais ou pela democracia participativa embora todas reconheçam o
Judiciário como Poder indispensável à preservação da democracia ou das liberdades
individuais ou, mais modernamente, à viabilização de mudanças da ordem social a partir de
efetiva implementação da ordem jurídica. De qualquer forma, o texto constitucional de
1988 já incorporara muitas destas mudanças, além de outras tantas, como a criação da
Justiça Agrária que, ainda, não alcançaram sucesso prognosticado, assim como a
flexibilização da contenção do fluxo de demandas através de Recursos Especiais (para o
STJ) e extraordinários (para o STF), sem a contrapartida da utilização da jurisprudência
federal, pelos Tribunais Estaduais.
De qualquer forma, não há como desconhecer que temas tradicionalmente
intocáveis, inclusive durante o processo constituinte, foram aprofundados e enfrentados
com clareza metodológica e epistemológica, não aqueles referentes à desburocratização,
mas temas de alcance político como o elitismo judiciário, adaptação do Judiciário à
sociedade, reestruturação hierárquica e o autoritarismo das decisões judiciais. Por outro
lado, clássicos como a criação de instancias judiciais conciliatórias, presididas pela
oralidade processual, e, até mesmo, o reconhecimento dos sistemas de arbitragem,
conciliação e mediação ganharam maior reconhecimento e espaço no âmbito das
tradicionais discussões sobre o monopólio da justiça estatal.
Na linha conclusiva dos trabalhos deve-se ressaltar a acentuada importância que
foi atribuída à melhor distribuição da justiça, especialmente, destacando o papel dos
juizados especiais e dos juizados de paz como agentes de desburocratização e agilização de
demandas, assim como as disposições sobre juízes itinerantes, também, como a conclusão,
aprovada deve-se destacar a necessária utilização da jurisprudência como referência
decisória e a adequação efetiva da jurisdição constitucional, fortalecendo o papel do
Supremo Tribunal Federal, ou melhor deslocando as matérias que estavam fora do alcance
constitucional para o Superior Tribunal de Justiça. Neste sentido, do ponto de vista das
políticas de decisão do Supremo Tribunal Federal – STF não há como desconhecer a
importância das discussões que prosperaram sobre as súmulas vinculantes produzidas pelo
1049
STF, com especialíssima forma de constitucionalizar o peso da vocação dogmática (e
privatista e romanista) dos Tribunais. De qualquer forma, apesar de todas as limitações que
as emendas constitucionais subseqüentes procuraram superar, ficou, mesmo, como
referenciais especiais do texto constitucional original a competência do Tribunal de Justiça
para designar juízes de entrância especial com competência exclusiva para questões
agrárias (art. 126)
1628
e a criação do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
1629
Finalmente, todavia, não podemos demonstrar que evoluiu a Constituição para
sugestões estruturais modificativas, do Poder Judiciário, mas, senão absolutamente, os
desvios burocráticos impostos pelo regime autoritário foram coibidos, muito embora, no
tempo futuro, exceto superficiais modificações, as emendas constitucionais não
desconstruiram o mais violento documento judiciário imposto pelo Pacote de Abril, a Lei
de Organização da Magistratura – LOMAN.
5 – A Carta de Porto Alegre
A Carta de Porto Alegre, está na mesma linha de continuidade que a Carta do
Recife e a Carta de Belém, ficando apenas explícito que pela sua produção no tempo ela
teve a oportunidade de ser (já) uma carta critica dos propósitos que as cartas anteriores não
conseguiram institucionalizar na Constituição promulgada. Por outro lado, ela tem o grande
1628
Estes temas serão especialmente estudados em itens que seguem neste mesmo Capítulo.
1629
No Império em 1828 (Ver BASTOS, Aurélio Wander. A Criação e a Organização do Supremo Tribunal
de Justiça (obra comemorativa dos 150 anos do STJ). Brasília: Câmara dos Deputados/FCRB, 1978) a criação
do Supremo Tribunal de Justiça, pretendeu que no futuro viesse a ser o efetivo interprete da Constituição e da
justiça, o que não foi possível devido à reação dos Tribunais das Relações (eram 7) e devido às competências
constitucionais do Poder Moderador (futuro poder presidencial sem o cetro imperial), o que implicaria em
emendas constitucionais, num quadro de profundas reações onde a República estava controlada pela
oligarquia agraria, ficando assim, como tribunal de alçada e revisão ou redistribuição. Na República, não
propriamente, foi extinto, mas, a força do federalismo, mais forte que a República, criou (transformou) o STJ
em Supremo Tribunal Federal, trocando o termo justiça por federal e supremo por superior, para onde foram
(ou onde ficaram) os antigos ministros do STJ. Por estas razões durante quase 100 (cem) anos (97) não
tivemos um Supremo Tribunal de Justiça, com competência de Corte Constitucional e de Justiça, mas o
Supremo Tribunal Federal com competências para tratar de direito comum e direito constitucional, muito
marcado pelo dogmatismo hermenêutico. A criação em 1988 do Superior Tribunal de Justiça, como agente
uniformizador do direito comum, já encontrou o STF na sua consagrada tradição, desinteressando-se os
constituintes pela questão de um Supremo Tribunal de Justiça, como Corte Constitucional (de Justiça). No
que se refere às Sumulas vinculantes, independentemente da posterior Emenda n°. 45/04, ver de SORMANI,
Alexandre e SANTANDER, Nelson Luis.mula Vinculante. Curitiba: Juruá. 2006.
1050
mérito de propor novos caminhos para se alcançar mudanças sociais no Brasil na forma do
Estado Democrático de Direito. Não facilmente se admitiria que ela é a exata expressão dos
frustrados propósitos da Democracia Econômica, insistentemente presumida nas
Conferências que traduziram a grande e profunda crise do Estado Autoritário Brasileiro,
mas não é difícil reconhecer os grandes objetivos alcançados na definição dos direitos
fundamentais e do próprio processo constitucional.
Interessantemente, todavia, esta Carta conseguiu demonstrar a postura critica
que dominou na primeira parte da Conferência de Porto Alegre, fundamentalmente voltada
para a defesa da imprescindibilidade da desestruturação das matrizes históricas
comprometidas com a dominação econômica e o monopólio do poder político no Brasil,
mas, ao mesmo tempo, evoluiu na linha demonstrativa de que os advogados, se podem
contribuir para a mudança social, o fazem no limite da Ordem Constitucional e jurídica e
nas formas prescritas pela legislação processual no contexto geral da funcionalidade do
poder judiciário. Semelhantemente, à própria corporação OAB, não fica longe destes
limites, porque a sua contribuição, não é uma contribuição aberta, como poderia ser a
contribuição de qualquer outra entidade da sociedade civil, mas, fica restrita ao seu ideário
estatutário, sempre traduzido no Estatuto geral e no Código de Ética, muitas vezes, que
como demonstraremos, (e historicamente já demonstramos) avançou significativamente em
relação aos estatutos anteriores.
Reunidos em sua XII Conferência Nacional, para refletir sobre o processo de
transformação da sociedade brasileira, os advogados, de mãos dadas e entoando o Hino
Nacional, solenizaram o grande momento da promulgação da nova Constituição, com a
certeza de que não termina agora a luta pela construção do edifício democrático, eis
que a vigência da nova Carta exigirá dos organismos da sociedade civil redobrada
participação, única via possível para evitar que obtenham êxito as tentativas de inibir a
eficácia constitucional. Vindos de todo o País, deixando por um momento os cartórios,
repartições, pretórios, sindicatos, delegacias, todos os locais em que se enfrenta a
exasperante burocracia e a face fria do poder, os advogados abandonam as velhas
galas bacharelescas que os identificavam com as estruturas de dominação, para
assumir o seu papel de profissionais, trabalhadores que servem aos legítimos interesses
sociais, e sensíveis à multidão dos carentes de justiça. (...) O advogado [no exercício de
sua profissão] é inviolável para atuar com independência perante o arbítrio tantas vezes
travestido em autoridade. (...) O advogado é indispensável à administração da Justiça
1630
agindo não apenas nos casos particulares, mas também organicamente, mediante
vigilância efetiva sobre um Poder Judiciário distante da realidade. A avaliação do
papel que o Judiciário tem desempenhado na história brasileira não [deve] se [resumir
1051
ao estudo de sua] (...) lentidão e custo dos processos; o quadro de pretensa neutralidade
dentro do qual opera não torna o juiz independente do Estado, mas um membro
prestigiado, formalmente reconhecido da classe dominante, ou suscetível de cooptação
ideológica por esta; as razões de Estado passam a ser as suas razões de decidir; a
ordem, e não a justiça, o critério das atribuições numa sociedade marcada pelo
abandono e pela miséria. No estudo da sociedade brasileira constatam os advogados
que é profundo o fosso da desigualdade, apenas a minoria tendo acesso aos direitos
enunciados nos textos legais. As condições extremamente iníquas a que está submetida a
maioria do povo brasileiro, pela adoção de um modelo econômico cada vez mais
perverso, concentrador e monopolístico, tornam ineficaz a proteção constitucional da
cidadania. De nada vale assegurar o direito de propriedade se a maior parte permanece
excluída, se o legislador não distingue entre a propriedade-garantia, que serve ao
indivíduo, e a propriedade-poder, mais do que poder sobre as coisas, poder sobre as
pessoas. Não basta, assim, a ampliação das declarações de direitos, o reforço e a
criação de novas garantias no texto da Constituição para fazer expandir os direitos
humanos além do limite onde até hoje têm sido mantidos, que é o das classes
possuidoras. É preciso que a nova ordem constitucional não signifique apenas a
recomposição formal do antigo regime tradicionalmente fundado na exploração do
trabalho, mas que abra perspectivas amplas para o exercício de uma autêntica
cidadania, assegurada plenamente a todos. Como sempre fizeram ao longo da evolução
histórica da Nação, as camadas dominantes, através de seus representantes
encastelados na máquina do Estado, permanecem ativas para neutralizar as
transformações, o que já se manifesta na aplicação da censura à atuação legítima dos
partidos políticos, no volumoso caudal de decretos editados às vésperas da vigência
constitucional, e nas declarações desdenhosas de quem demonstra visível má-vontade
contra o avanço social. Estes tangenciam, tergiversam, sofismam, subvertem,
pretendendo ser eterna a paciência do povo e permanente seu torpor. A Ordem dos
Advogados do Brasil adverte que a consciência do respeito à Constituição, a convicção
de sua necessidade, e o acatamento que todos lhe devemos, implicam não se achar
ninguém excluído da estrita obediência às suas determinações. Evocando quantos,
remota ou recentemente, imolaram suas vidas na busca do ideal democrático, os
advogados presentes à XII Conferência conclamam os cidadãos a se unirem para
garantir e apressar o dia tão almejado em que a liberdade, a igualdade e a justiça
social cheguem, efetiva e não retoricamente, a todos os brasileiros. Porto Alegre, 5 de
outubro de 1988. Marcio Thomaz Bastos
1631
Presidente.
1632
Na verdade, a apreciação final da Carta de Porto Alegre, pela evidencia de suas
posições, não necessariamente precisa se desenvolver na linha critica que assume com
relação ao papel das camadas sociais dominantes no Brasil e as precárias condições de
sobrevivência do povo. Do ponto de vista desta Tese, remanescem duas posições essenciais
para se compreender o futuro estatutário da advocacia no Brasil e as suas relações com a
Constituição de 1988, assim como, do ponto de vista do tempo, são também essenciais à
verificação dos projetos constitucionais que procuraram alterar a própria estrutura
constitucional do Poder Judiciário e o papel que passaram a representar na
1632
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
de 2 a 6 de outubro de 1988, pp. 3 e 4.
1052
“democratização” do Poder Judiciário. Nos dois itens que seguem, antes da conclusão do
Capítulo, procuraremos exatamente trabalhar estes temas, procurando fazê-lo no sentido
cronológico, ou seja, primeiramente identificar as evoluções do ideário estatutário em
relação ao texto constitucional e, em segundo lugar, a evolução das emendas
constitucionais sobre o Poder Judiciário com a finalidade de observar, criticamente, se estas
emendas estariam contribuindo para os propósitos que presidiram a Constituição e as cartas
de conclusão das conferências: a ampliação as modificações estruturais do Poder Judiciário
e os seus efeitos sobre a garantia dos direitos da população carente e a maior efetividade de
suas decisões em relação a legalidade formal.
6 As Proposições Constitucionais e o Novo Estatuto de 1994.
As conclusões da XII Conferência encaminharam-se, senão em linha crítica do
texto da Constituição que estava sendo promulgada em 5 de outubro de 1988, como o seu
primeiro roteiro avaliativo, o que não exatamente ocorreu com a discussão do projeto do
novo futuro estatuto da Advocacia e da OAB (avaliado em muitos dos seus tópicos gerais
nas conferencias anteriores) que só veio a ser editado em 1994, verificados os longos,
complexos e difíceis anos da vida política brasileira marcados pelas primeiras eleições
diretas para Presidente da República, depois do período autoritário, e pelo gravíssimo
incidente do impeachment, um desvio de fluxo na historia (contemporânea) da democracia
brasileira. No que se refere à Constituição, a Conferência caminhou na linha critica
procurando incentivar, como indispensáveis à sobrevivência da democracia, futuras e
necessárias mudanças estruturais, sociais e institucionais na linguagem de Florestan
Fernandes, sendo que, como pretendeu Fernando Henrique Cardoso o recém criado Estado
de Direito esta grande nova conquista abria novas dimensões no Estado de Direito, que se
lhe resguardava competências para alcançar objetivos socialmente integrados.
Os novos parâmetros, impostos pelo Estado Democrático de Direito,
indicavam, todavia, que um novo e futuro Estatuto, reconhecida a precariedade do
documento de 1963, dever-se-ia abrir para as novas dimensões propositivas da
1053
Constituição, recentemente promulgada, para que viesse a Ordem dos Advogados a cumprir
com maior grandeza os propósitos constitucionais, contribuindo para a reconstrução da
sociedade brasileira. Na verdade a nova Constituição reconheceu na OAB, não apenas uma
instituição corporativa, mas se lhe abriu os espaços para se transformar em instituição
comprometida, como serviço público, com a defesa da Constituição da ordem jurídica do
Estado Democrático de Direito, com a defesa dos direitos humanos e da justiça social.
Neste sentido, a Carta de Porto Alegre, todavia, pronunciada como um projeto
crítico da Constituição, promulgada, quase como um “libreto” das frustrações diante das
tantas expectativas constituintes, é um projeto indicativo das novas expectativas de
transformação da sociedade brasileira, mas não propriamente podemos afirmar que o futuro
estatuto enveredou-se pelas suas linhas criticas, ou pelas que a subsidiaram no passado, mas
procurou conciliar as tradições corporativas, marcadas pelo liberalismo democrático,
especialmente na definição das incompatibilidades e impedimentos, e pelo humanismo-
social-liberal que presidiu a declaração dos Direitos e Garantias Fundamentais. Neste
sentido este item final tomou corpo como uma sintonização entre as aberturas
constitucionais do novo Estatuto recolocando-o mesmo no cerne dinâmico do Estado
Democrático de Direito e não propriamente como uma narrativa das principais evoluções
discursivas das Conferências. Por estas razões, diferentemente dos demais capítulos, este é
um item sobre o reposicionamento dos advogados e da OAB no cenário da nova ideologia
constitucional e dos mecanismos que o futuro estatuto encontrou para se adaptar à nova
Constituição e responder à sociedade civil. Assim, senão implicitamente, este item não é
uma recolocação prospectiva dos projetos estatutários que sucederam a 1963, mas uma
articulação explicita do novo papel da OAB e dos advogados na forma da Constituição.
Na verdade, podemos abrir, para efeitos de estudos, dois grandes flancos neste
crescimento participativo da OAB: o primeiro, com explicita participação no Poder
Judiciário e em algumas de suas atividades, com linhas de abertura significativas para
demandas, mais visíveis na Constituição de 1988, absorvidas e incorporadas pelo Estatuto
de 1994, e, o segundo, são as próprias aberturas estatutárias (futuras) que absorção o novo
ideário corporativo enquanto tradução da nova ideologia jurídica constitucional. Este item,
por conseguinte, de fechamento da Tese trabalhará nestes ambos flancos, que, por um lado,
ampliam a inserção dos advogados e sua representação no corpo do Estado e, por outro
1054
lado, cumprindo objetivos constitucionais do Estado posiciona a OAB frente à defesa da
própria ordem jurídica, e dos direitos de cidadania a (potenciais) demandas da sociedade
civil.
6.1. Advocacia e Constituição.
As Constituições brasileiras, desde 1934, têm aberto espaços para a
institucionalização participativa dos advogados na estrutura do Estado, muito
especialmente, no Poder Judiciário, muito embora o reforço histórico referencial tenha,
ocorrido na virada dos anos 60 (sessenta), na linha do Poder Executivo, com indicação do
Presidente da OAB para participar do Conselho da Legião Brasileira de Assistência
1633
e,
posteriormente, com mais incisiva participação, como membro nato, do Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH, a partir de 1964/68, que, pelas
circunstancias políticas determinantes resultou em conturbada, mas incisiva contribuição.
1634
Estas ambas vertentes de ação, a primeira, antes mesmo dos anos revolucionários,
terminaram confrontos e desilusões, e a segunda, mesmo com as limitações impostas pelo
governo autoritário, nas suas diferentes fases, foi um fórum de denuncia e enfrentamento à
violação dos direitos humanos.
Os textos constitucionais de 1934, pioneiramente, e de 1946, na verdade, é que
reconheceram, e até mesmo de 1967(69), a necessária abertura dos Tribunais na sua
composição, para os advogados, que vinham da experiência de pedir (demandar)
estabelecendo que 1/5 da composição dos Tribunais se constituiria de advogados nomeados
diretamente pelos tribunais. No tempo histórico, todavia, a competência para indicar a
composição das listas foi gradualmente se transferindo para a OAB, antes da interveniência
seletiva, dos tribunais e da Presidência da Republica, depois de ouvir o Ministro da Justiça,
ou dos governadores estaduais, no caso dos Tribunais estaduais.
1633
Ver cap. VI, desta obra.
1634
Ver cap. VII, desta Tese.
1055
No entanto, durante os tantos anos que intermediaram o governo militar e a
Constituição de 1988 estas demandas ampliaram-se quantitativa e qualitativamente,
principalmente no que se refere à garantia das prerrogativas funcionais dos advogados, o
que, acabou evoluindo, do ponto de vista constitucional, para se lhe reconhecer o papel
institucional tão significativo quanto se reconhecerá ao Ministério Público e à própria
Advocacia da União, se lhes (advogados) incluindo dentre as unidades funcionais que
exercerem “funções essenciais de justiça”,
1635
da mesma forma que fizera com a recém
constitucionalizada Defensoria Pública, especialmente, quando, no art. 133, dispõe: o
advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Este texto traduz, o que ficara
implícito nas Conferências sobre o exercício da advocacia no período de resistência ao
Estado de Segurança Nacional que: sem advogado não há administração da justiça, assim
como a ele compete a defesa dos direitos individuais (e sociais): difusos, coletivos e
existenciais, assim como, não apenas, a defesa do Estado de Direito, mas o funcionamento
democrático do Estado de Direito, cuja essência pétrea esta nos princípios fundamentais e
nos direitos e garantias fundamentais.
1636
Interessantemente, esta questão das clausulas pétreas (§ 4°, art. 60) na
Constituição de 1988 é uma absoluta inovação que provoca questões jurídicas e políticas
nunca dantes postas. Na forma da Constituição brasileira, elas são a forma federativa do
Estado (I); o voto direto, secreto, universal e periódico (II); a separação dos poderes (III)
(o que torna impossível o parlamentarismo no seu contexto, apesar desta própria
Constituição ter chamado um plebiscito para opção popular entre presidencialismo e
parlamentarismo), os direitos e garantias individuais (IV).
Este quadro circunstancial provoca questões como elas são modificáveis via
emenda constitucional, ao que parece não; elas são modificáveis, via assembléia
1635
Ver Título III, Capítulo IV. Constituição de 1988, especialmente art. 138.
1636
Ver, especialmente o § 4º do art. 60, no texto que define as cláusulas pétreas, insuscetíveis de serem
emendas, mas que interessantemente, dentre elas não inclui a república nem o Estado Democrático de Direito
referidos no art. 1º da citada Constituição.
1056
constituinte convocada pelo próprio poder constituído,
1637
eis o dilema; elas são
modificáveis pelo Poder Constituinte originário, não há que reconhecer limitações neste
Poder. Finalmente, e de qualquer forma, remanesce uma surpreendente questão: A
República Federativa do Brasil, o Estado Democrático de Direito e os direitos e garantias
coletivos, mesmo que inscritos no mesmo contexto constitucional, não estão como
clausulas pétreas, deixando vulnerável a república, a grande conquista de 1889/1891, o
Estado Democrático de Direito, o objeto essencial das lutas contra o autoritarismo e os
direitos e garantias coletivas, a grande abertura do moderno direito brasileiro.
Nas relações entre o exercício da advocacia e os postulados constitucionais
gerais, devemos levar em conta 3 (três) vetores essenciais para se alcançar os objetivos da
Constituição: a definição programática para se defender a ideologia jurídica enquanto
objetivo constitucional; a participação tático-operacional do advogado no estado, para se
alcançar estes objetivos, e, por fim, as condições de sustentação burocrático-funcional do
Poder Judiciário à movimentação do advogado e da OAB ou o suporte judiciário dos novos
objetivos consitucionais.
6.1.1. Advocacia e Ideologia Jurídica constitucional.
No que se refere à definição do quadro geral da ideologia jurídica, o fizemos
anteriormente, em item especifico, quando sistematizamos os direitos e garantias
fundamentais como direitos humanos e, longamente, durante toda esta Tese, procuramos
demonstrar como as incipientes lutas pelo pleno exercício do munus publico da advocacia
veio ganhando corpo e consistência profissional para que esta Constituição de 1988
definisse que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por
seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (art. 133), como
definição programática imprescindível para se defender a ideologia jurídica enquanto
propósito constitucional. Estavam criadas para a ação judicial do advogado, como já
observamos, as mesmas condições de reconhecimento de suas atividades dentre as “funções
1637
Ver cap. XI, desta Tese.
1057
essenciais de justiça” como são reconhecidas nos limites da lei, ao Ministério Público, à
Advocacia Pública e a Defensoria Pública, incumbida da orientação jurídica e da defesa,
em todos os graus, dos necessitados (LXXIV, art. 5°).
O reconhecimento da advocacia enquanto atividade indispensável à
administração da justiça legitimou o Conselho Federal da OAB, rompendo o tradicional
monopólio do Procurador Geral da República, fortalecendo as políticas de Controle de
Constitucionalidade, para propor a ação de inconstitucionalidade junto ao STF (art. 103),
1638
fortalecendo o seu papel no âmbito do Estado (que admitira, também, esta competência
para o Presidente da República, a mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e de
Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa do Distrito Federal)
1639
e da sociedade
civil, trazendo no seu bojo outras entidades civis como os partidos políticos com
representação no Congresso Nacional e, inclusive, confederação nacional, resguardando-se
sempre a prévia oitiva do Procurador Geral da República (Chefe do Ministério Público
Federal).
Paulo Sergio Pinheiro no seu texto que trata da OAB e a articulação das
entidades de defesa dos direitos humanos, exposto na XII Conferência depois de explicitar,
sistematicamente, que o autoritarismo não se extingue com o fim da ditadura, e com
proclamação constitucional, mas que o autoritarismo é um atavismo, um regime de
exceção imanente à sociedade, reconhece, que a OAB tem um papel decisivo na
desarticulação destas teias da dominação social,
1640
o que fica visível, na forma de meios
no dispositivo estatutário supra citado. Nesta mesma linha, Belisário dos Santos Junior,
conclui que a Ordem dos Advogados deve contribuir para a plena vigência e contínuo
1638
Este texto constitucional original veio a sofrer posteriores mudanças passando a ação de
inconstitucionalidade a denominar-se “ação direta de inconstitucionalidade” ampliando-se também a
competência da OAB e demais legitimados para propor “ação declaratória de constitucionalidade” (ver
Emenda Constitucional n°. 45 de 08 de dezembro de 2004). Esta mesma Emenda reforçou a posição da Lei
n°. 9.868, de 10 de novembro de 1999, dispondo que as decisões de mérito do STF nas ADIN’S e ADC
produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e
à administração direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal. Mantendo também a tradição de
1946 (art. 4) o Senado Federal ficou com a competência para suspender a execução de lei declarada
inconstitucional no todo ou em parte pelo STF (inc. X, art. 52), assim como aconteceu com a Constituição de
1967/69 (inc. VII, art. 41).
1639
Esta posição aparentemente excessiva reconheceu a órgãos do Poder Legislativo e ao Presidente da
República, muitas vezes envolvidos na própria produção legislativa, poderes para propor estas especiais ADC
e ADIN’S, mas, de qualquer forma, para efeito deste nosso trabalho tais ações são, também, indicativas de
fortalecimento da OAB.
1640
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 607
1058
aperfeiçoamento dos direitos, liberdades e garantias previstos no novo texto
constitucional, assegurando e incentivando a organização da sociedade civil para o
exercício direto ou indireto do poder político,
1641
numa posição bastante avançada em
relação ao próprio Estatuto (e ao Código de Ética e Disciplina) futuro.
Como procuramos demonstrar, apesar das inclinações visivelmente voltadas
para as propostas de transformação social, dominantes nos pronunciamentos de Florestan
Fernandes (e Fernando Henrique Cardoso), na XII Conferência, voltadas para as teses da
mudança do estado como pressuposto da democratização da sociedade e da vida
econômica, os advogados presentes ao Encontro que aprovou a Carta de Porto Alegre,
significativamente marcada pela participação dos sociólogos e por uma opção política no
conjunto de seus pronunciamentos, inclusive com relação à nova Carta na antevéspera de
sua promulgação, fundamentalmente, se inclinaram pela importância política e jurídica do
reconhecimento dos novos procedimentos jurídico-formais, não apenas como fundamento
do (novo) Estado Democrático de Direito, mas, principalmente, reconhece-no como um
novo sistema de fluxos jurídicos e políticos que podem favorecer a mudança da ordem
através da ordem por meio de ações de longo alcance, que poderão (serão) junto ao Poder
Judiciário.
1642
Estas posições, todavia, sempre foram expostas combinadamente com a
imprescindível redimensionalização do direito processual e do estatuto dos direitos e
prerrogativas dos advogados.
Neste sentido, as suas teses (finais), não propriamente, fugiram da clássica
inclinação que identifica na ação da ordem supraestrutural a força e o poder de mudar, o
que não significa, necessariamente, a rejeição de diagnósticos sociais, mas o
reconhecimento de que a ação modificativa não evolui propriamente (ou apenas) da
dinâmica da própria sociedade, mas, também, senão a partir do reconhecimento consciente
da mudança de mentalidade pelo esforço educativo da influência e do poder das idéias
transmudadas em leis e procedimentos burocráticos. Neste sentido, a Conferência ficou
mesmo balanceada entre convictas posições de que o processo de mudança é uma força
1641
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 617-619.
1642
Ver de BASTOS, Aurélio Wander. Legalidade e efetividade, paradoxos da decisão judicial. Revista
Magister. Porto Alegre, n. 3, nov./dez. 2004.
1059
imanente ao próprio fato soaial e a postura, visivelmente mais jurídica, que reconhece, na
ordem instituída, espaços que viabilizem a transformação social.
6.1.2. O Advogado no Estado
Para alcançar seus objetivos tático-operacionais a própria Constituição definiu o
espaço burocrático de movimentação judicial (e extrajudicial) do advogado - os tribunais,
este especifico ângulo da Tese, mas no caso geral, a própria participação dos advogados (e
até certo ponto a influência da OAB) na composição dos tribunais. Assim, a Constituição
de 1988, efetivamente, reconhece a posição dos advogados numa dimensão profissional,
que, exatamente, não foram reconhecidas no passado inconcebível, comparadamente, com
os primórdios da profissão no Brasil, com os tempos de sua criação
1643
e, mesmo, de
vigência do Estatuto de 1963.
1644
Por outro lado, a Constituição, por várias vezes, se refere
à Ordem dos Advogados, na definição de competências internas no Poder Judiciário,
enquanto Poder de estado, independentemente do reconhecimento do papel do advogado na
administração da justiça, e, inclusive, na administração pública, fazendo das suas funções
privadas exercício de interesse público, o mais importante indicativo da reversão moderna
do velho estado patrimonial, que os regulamentos da OAB desmontaram no processo de
contribuição para a institucionalização do Estado democrático.
A importância do papel da OAB, inicialmente se define quando o texto
constitucional prevê a participação de advogados nas bancas examinadoras para concurso
de ingresso nas carreiras de magistratura (inc. I, art. 93) e quando prevê a presença de
representantes da Ordem nas bancas examinadoras de acesso as carreiras do Ministério
Público (§ 3º, do art. 129). Por outro lado, é fundamental a posição da Constituição quando
reconhece que os advogados devem preencher o quinto do total dos membros dos tribunais
federais, regionais, dos tribunais dos estados e do Tribunal do Distrito Federal e territórios,
1643
BASTOS, Aurélio Wander. Historia da Ordem dos Advogados do Brasil. (Coord. Hermann Assis Baeta):
Luta pela Criação e Resistências – Brasília: OAB-Ed. (vol 2). 2003. p. 24 e segs.
1644
Ver Cap. V, desta Tese esp. item 3.6.
1060
devendo estar a mais 10 (dez) anos no exercício de efetiva atividade profissional e gozarem
de notório saber e reputação ilibada, previamente indicados, em lista sêxtupla pela OAB
Federal ou pelas seccionais em escolha promovida na forma regimental.
A Constituição brasileira não se refere à participação da OAB na indicação de
advogados, mas dispõe que os ministros deverão ser militantes para a composição de listas
para o Supremo Tribunal Federal STF, nomeados pelo Presidente da República depois de
aprovados pela maioria absoluta do Senado Federal, dentre cidadãos com mais de 35 anos e
menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (§ único do art.
101). Esta escolha, direito exclusivo do Presidente da República, poderá recair entre juízes
ou advogados. O texto constitucional (art. 101 e § único) sugere, ainda, a escolha “dentre
cidadãos” de “notável” saber jurídico, distinção, como se verá, que prevalece na escolha
dos ministros para a composição dos tribunais superiores, inclusive o Superior Tribunal de
Justiça – STJ (parágrafo único do art. 104), exceto para o Supremo Tribunal Militar – STM,
que preferiu a clássica afirmação “notório saber jurídico”, sendo que o Tribunal Superior
Eleitoral optou, alternativamente ao texto “reputação ilibada”, por “idoneidade moral”, e o
STM por “conduta ilibada”. O Tribunal Superior do Trabalho – TST (art. 111) seguiu a
regra cronológica dos demais tribunais, mas optou pela regra geral (art. 94), que dispõe,
como pré-requisito, para o quinto dos advogados ingressarem na magistratura superior,
“notório saber jurídico e reputação ilibada”.
Na Constituição Federal os Tribunais Regionais (art. 106) não fixaram este pré-
requisito complementar ao pré-requisito cronológico ao que se presume cumprindo a regra
de seu Tribunal Superior ou a regra geral, assim como não estão prefixadas para os
Tribunais dos Estados (art. 125). Estas questões são aparentemente filológicas, mas podem,
todavia, ter efeito na escolha dos advogados para os Tribunais superiores e regionais ou
estaduais, mas podem traduzir, também, os vazios do reconhecimento administrativo, que a
pragmática quotidiana tem procurado colmatar.
No que se refere ao Superior Tribunal de Justiça STJ, quanto á sua
composição pelos advogados dispõe a Constituição que serão também os componentes do
quinto nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros de mais 35 anos e menos
de 65 anos de notável saber jurídico e reputação ilibada depois de aprovada escolha pelo
Senado Federal por maioria absoluta (§ único do art. 104). Para o Tribunal Superior do
1061
Trabalho TST (art. 111 A) reconhece também a Constituição que os seus ministros serão
nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de 35 anos e menos de
65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado Federal, sendo, todavia, que, nestes casos, os advogados
integram apenas parte de um terço da composição total ficando a diferença com o
Ministério Público (inc. II, § único, art. 104).
Para o STM, o critério é um pouco diferente sendo 3 (três) advogados de
notório saber e reputação ilibada, diretamente escolhidos pelo Presidente da República
dentre brasileiros maiores de 35 anos com mais de 10 anos de atividade (inc. II do § único
do art. 104). Goza, também, de certa especificidade a composição do TSE, (pois os
advogados) serão nomeados pelo Presidente da República dentre 6 (seis) advogados,
indicados pelo STF, de notável saber jurídico e idoneidade moral (art. 119). No que se
refere aos Tribunais Regionais, Eleitorais a formação da lista sêxtupla é da competência dos
Tribunais de Justiça (inciso III do art. 120) dos quais 2 (dois) serão escolhidos para
comporem o Tribunal Regional Eleitoral pelo Presidente da República(120 III).
1645
Independentemente da força da OAB para estas nomeações, o que não ocorre
nos tribunais militares e na Justiça Eleitoral, a verdade, é que ali estão os advogados. De
qualquer forma, nos casos em que a avaliação seletiva passa pelo Senado Federal, como o
STF e STJ, não há como desconhecer o filtro do poder político, muito embora, em
principio, não se deve convencer que se a escolha tem critérios políticos e, os
procedimentos para os julgamentos venham a ser políticos. Já nos casos dos Tribunais
eleitorais e dos próprios tribunais militares esta colocação é mais visível e sensível
1646
deixando espaços para movimentações de estado.
A participação da OAB na estrutura de Estado fica mais visível nestes casos,
mas, também inovadoramente o velho monopólio do Procurador Geral, nomeado pelo
Presidente da República para propor ações de inconstitucionalidade, como já observamos,
1645
Ver sobre estes artigos citados a Emenda nº 45, de 8 de dezembro de 2004, que provocou modificações
mais dirigidas e seletivas, sendo que a redação anterior da Constituição nem sempre se referia ao tempo de
exercício profissional, ficando a escolha politicamente aberta.
1646
Dispositivos com este mesmo teor demonstram que as constituições têm suas aberturas políticas para as
próprias corporações de estado, indicadores de sua sensibilidade muitas vezes necessárias a sua própria
sobrevivência.
1062
foi quebrado, sendo que, na forma da ordem vigente tem a OAB competência para
propositura de ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de
constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (inc. I, art. 102, cc, inc. VII, art. 103).
Esta posição de qualquer forma também adquirida por outras entidades
1647
pela especial
natureza tem força de ação direta para preservar a ordem constitucional como um dos
objetivos de seu ideário.
1648
É a partir deste conjunto de atribuições e competências que a OAB se fortaleceu
enquanto representação da sociedade civil, no Estado Democrático de Direito, permitindo
reconhecer que o exercício de seus poderes, dentro do Estado, deve evoluir na defesa dos
parâmetros constitucionais da proteção dos direitos humanos, enquanto direitos e garantias
fundamentais indicativos das novas aberturas políticas e ideológicas, assim como o seu
ideário ou consciência profissional evoluirá a partir deste quadro institucional. Alias, neste
sentido, estão fortalecidas as posições do Estatuto de 1994 (ver especialmente inc. I, art. 44)
que procura assegurar seus compromissos de valores.
6.1.3. As Emendas Constitucionais e o Novo Judiciário.
Na verdade, estudar os suportes judiciários, para se alcançar os objetivos
constitucionais, seria, até recentemente, estudar as resistências judiciárias às proposições de
mudança da ordem através de ordem judiciária. Nesta própria Tese, em item diversificado,
deste próprio Capítulo, demonstramos que as aberturas dos suportes democráticos do poder
judiciário, durante o processo constituinte, ficaram imperceptíveis e, não apenas a
mudanças mais arrojadas no seu design, em condições de acompanhar novas proposições
de uma sociedade moderna e aberta, como também, ficaram insensíveis a mudanças de
natureza burocráticas e processuais que representassem a ampliação de seus canais de
demandas para situações sociais mais simples e/ou mais complexas, assim como,
1647
Recentemente, a mesma Emenda nº 45/04, criando o Conselho Nacional da Magistratura criou 2 (duas)
vagas de advogados escolhidos pela OAB.
1648
Ver art. 103, incisos, com alterações da Emenda 45/04 os legitimados para a propositura destas ações.
1063
evidentemente demonstraram grande resistência a qualquer processo de desestatização da
solução de conflitos.
De qualquer forma, do ponto de vista processual, não podemos desconhecer o
grande esforço constitucional, para que o Poder Judiciário tivesse condições de preencher
lacunas na ordem jurídica, ou respondesse com eficiência a fatos sociais emergentes. Neste
sentido, o Poder Judiciário poderia conceder o Mandado de Injunção sempre que a falta de
norma regulamentadora torne (asse) inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania
(inc. LXXI, art. 5°).
1649
A amplitude deste novo instrumento processual reconhecendo, de certa forma,
que poderia o judiciário criar direito em situações especialíssimas, politicamente de alta
relevância, provocou, no Supremo Tribunal Federal, reflexões de grande profundidade, que
ganharam corpo jurisprudencial e limitaram o seu alcance aplicativo. Esta posição, na
verdade, ficou traduzida em orientação jurisprudencial do Ministro Moreira Alves, que,
presidira, anteriormente, a instalação da Constituinte. A preocupação central do Ministro
em suas decisões foi transferir para o Congresso Nacional estas responsabilidades
entendendo que o Congresso ficava em estado de mora desde que não tomasse as
providências legislativas que se impõem à obrigação de legislar cabendo no entanto ao
Supremo comunicar ao legislativo a mora, nos casos específicos que estivessem em
questão
1650
Mais recentemente, todavia, vencidas as principais reformas da ordem
econômica vieram a ser implementadas significativas reformas especialmente destinadas a
1649
Complementam constitucionalmente esta norma a letra h inc I do art. 105 (competência do Superior
Tribunal de Justiça), a letra a inc II e a letra q inc. I do art. 102 (competência do Supereio Tribunal Federal) e,
ainda, inc. V, § 4° do art. 121 (decisões de negatórias de recursos dos tribunais regionais eleitorais).
1650
Esta orientação não se concentrou em um único acórdão, mas a posição foi se firmando a partir de
situações concretas sempre relacionadas a uma ou outra norma constitucional. O cerne da posição do Ministro
veio a se repetir em decisões sucessivas, permitindo-nos afirmar que elas cercearam as aberturas criativas da
Constituição no que se referiria a competência dos tribunais para produzir (criar) direito sempre que a
ausência de norma regulamentar inviabilizasse o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Na linha decisória do Supremo os
acórdãos dispunham, também que, não cumprindo o Congresso Nacional a sua missão ficavam os autores
com o direito de promover a ação de perdas e danos para ressarcir os prejuízos que adviessem. Ver,
especialmente, Pleno (STF) MI 232/RJ, de 02/08/1991 (DJ 27/03/1992, pp. 3800); MI 323/DF, de 08/04/1994
(DJ 09/12/1994, pp. 34080); MI 447/DF de 05/05/1994 (DJ 01/07/1994, pp. 17495).
1064
reordenar a justiça do trabalho e implementar algumas proposições que contribuíssem para
uma agilização maior do processo decisório alcançando com maior eficiência conflitos
cíveis ou criminais de natureza simples, assim como, procurando ampliar a capacidade de
controle do poder judiciário sobre o seu próprio funcionamento. Estas preocupações, mais
recentemente, foram traduzidas em leis que procuraram principalmente reordenar a
distribuição de processos nos tribunais concetradamente na justiça estadual, sendo que,
somente nos últimos anos houveram iniciativas legislativas que procuraram incentivar a
reestruturação da organização judiciária interna, principalmente da justiça federal, assim
como, interferir diretamente no modelo judiciário vigente. As iniciativas para reestruturar o
poder judiciário brasileiro remontam esforços de iniciativas legislativas que podem ser
recuadas até a edição da lei n°. 5010, de 30 de maio de 1966 que organizou a justiça federal
de primeira instancia e dispôs que o Conselho da Justiça Federal tinha competência para
especializar varas (art. 6°), muito embora o texto constitucional à época vigente
(Constituição de 1946) não se referisse a competências de um Conselho da Justiça
Federal
1651
.
O documento, todavia, que, historicamente mais incisivamente procurou
interferir no funcionamento do Poder Judiciário foi a famosa emenda constitucional n°. 7,
de 13 de abril de 1977 que, independentemente de procurar fortalecer o Conselho Nacional
da Magistratura, criado pela emenda n°. 1/69, após a decretação do recesso parlamentar,
com base no ato institucional n°. 5, de 13 de dezembro de 1968, que reconhecia no poder
executivo poderes para processar emendas constitucionais, reconheceu que a lei poderia
criar um contencioso administrativo (sem poder jurisdicional, para decisões de questões
fiscais e previdenciárias, inclusive relativas a acidentes de trabalho, como está no art.
203/153 § 4°) e atribuir-lhe competência, assim como, fortaleceu (art. 112) na estrutura do
1651
O inc. IXI do art. 124 da Constituição de 1946, apenas como informação complementar, em se tratando da
justiça dos estados, estabelece que é da competência privativa do tribunal de justiça processar e julgar os
juizes de inferior instancia nos crimes comuns e nos de responsabilidade (...) sendo o que a emenda n° 14, de
03 de junho de 1965 ressalvou a competência da justiça eleitoral, quanto se tratar de crimes eleitorais (art.
119 n°. 7). A Constituição de 24 de janeiro de 1967, que criou os tribunais federais de recurso, também não se
refere a Conselho da Justiça Federal, sendo que, o § III do art. 136 desta mesma Constituição manteve a
redação da Constituição anterior, acrescendo, apenas, no que se refere aos tribunais de justiça, a capacidade
para processar e julgar membros do Tribunal de Alçada. A emenda constitucional n°. 1, de 17 de outubro de
1969 foi bastante mais extensiva no que se refere a composição dos tribunais federais de recurso criando o
Conselho Nacional da Magistratura, como já observamos nesta Tese, assim como, definiu regras de concurso
publico para ingresso na carreira e, no que se refere aos tribunais estaduais, no § 3° do art. 144 manteve a
redação das constituições anteriores para tratamento disciplinar dos juizes
1065
judiciário o Conselho Nacional da Magistratura (§§ 1° e 2° do art. 120, com competência
para conhecer reclamações contra membros de tribunais), criado pela emenda
constitucional n°. 1, procurando fortalecer ainda a Lei Orgânica da Magistratura Nacional,
como já observamos nesta Tese, criada também na forma da mesma emenda. A par de
alterações das garantias tradicionais dos juizes como a inamovibilidade, a vitaliciedade e a
irredutibilidade de vencimentos, o pacote de abril de 1977 dispôs, também, que o tribunal
federal de recursos, com base na futura Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN,
poderá estabelecer a especialização de suas turmas e constituir, ainda, órgão a que caiba
as atribuições reservadas ao tribunal pleno (...).
Neste sentido, está no Pacote de Abril (Emenda 7/77) a referencia, não a
especialização de varas mas, a especialização de turmas. De qualquer forma, leis anteriores
ao pacote de abril de 1977 (Lei n°. 5677/71, criou na, Justiça Federal, varas cíveis
especializadas, assim como, as Leis n° 7178/83 e 7583/87 criaram outras tantas varas cíveis
especializadas) sendo, todavia, que foi após a Lei n°. 8535,de 16 de dezembro de 1992, que
reestruturou a Justiça Federal, que, pela primeira vez, estabeleceu que o Tribunal Regional
Federal da segunda região, independentemente de sua competência para a instalação,
localização e nomeação ordinária das varas poderá ainda estabelecer especialização em
razão da matéria de acordo com a conveniência do serviço. Dando cumprimento a esta lei,
a Resolução n° 36, de 25 de novembro de 2004 dispôs no seu art. 1° que o tribunal passará
a funcionar por turma e sessões especializadas nas seguintes matérias: I. Penal, incluídos
os hábeas corpus, previdenciária, propriedade industrial e intelectual, inclusive marcas e
patentes; II. Tributaria, inclusive contribuições, e ações trabalhistas remanescentes ; III.
Administrativa e todas as matérias não compreendidas na competência das demais turmas.
Complementando dispõe o art. 6° que o Tribunal passará funcionar com quatro sessões,
uma especializada nas matérias do inc. I do art. 1° (pela, previdência e propriedade
industrial) (...), uma especializada nas matérias do inc. II do art. 1° (tributaria e ações
trabalhistas) e duas especializadas nas matérias do inc. II do art. 1° (administrativa e
outras)
1652
.
1652
A Lei n°. 9788, de 19 de fevereiro de 1999, dispôs sobre a reestruturação da justiça federal de primeiro
grau com a criação de varas federais, distribuídas em varas de execução fiscal e varas cíveis, de acordo com a
necessidade de cada região.
1066
Enquanto a experiência da Justiça Federal tem essencialmente evoluído em
função das varas especializadas, numa demonstração de que elas podem contribuir para a
reestruturação e agilização judiciária, ao nível da justiça estadual as contribuições mais
marcantes vieram por força da Lei n°. 9099, de 26 de setembro de 1995 que criou os
juizados especiais cíveis e criminais, a partir de iniciativas pioneiras da Lei revogada n°.
4511, de 02 de abril de 1965 e 7244 de 07 de novembro de 1984, comprometidas, ainda,
com o julgamento de “pequenas causas”. A Lei 9099/95, todavia, provocou significativas
mudanças na estrutura processual tradicional brasileira mantendo mecanismos para
processar e julgar causas cíveis de menor complexidade, ou infrações penais de menor
potencial ofensivo (redação dada pela Lei n° 11313/2006) viabilizando, por outro lado,
mecanismos de conciliação ou de transação orientado pelos critérios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade e o reconhecimento de
processos sumaríssimos.
Os efeitos benéficos desta legislação, ainda na linha introdutória dos
argumentos iniciais deste item, favoreceram a promulgação da Lei n°. 10259, de 12 de
julho de 2001, que passou a dispor sobre a instituição dos juizados especiais cíveis e
criminais no âmbito da justiça federal evidenciando que as iniciativas estaduais provocaram
efeitos positivos na estruturação federal. De qualquer forma, estas leis mesmo com as
significativas vantagens que trouxeram para a reestruturação judiciária, não tiveram efeitos
significativos no processo de desestatização do julgamento de conflitos, mantendo o
monopólio do juiz togado no processo decisório final, muito embora, muito
superficialmente, se refira ao direito das partes buscarem o juiz arbitral na ausência de
acordo.
Vencidas estas iniciativas de reestruturação judiciária, os legisladores
evoluíram para iniciativas mais profundas arriscando-se a alterações no texto
constitucional através de emendas de maior alcance estrutural e com visíveis efeitos sobre a
funcionalidade do poder judiciário. Neste sentido, fundamentalmente, foram promovidas
duas grandes reformas no texto constitucional a partir da emenda constitucional n ° 24, de
09 de dezembro de 1999 e, a partir, da emenda constitucional n°. 45 de 08 de dezembro de
2004. A primeira emenda na verdade concentrou-se na reformatação da justiça do trabalho,
procurando subtrair-lhe o caráter corporativo herdado da sua criação ainda nos anos de
1067
1930. A emenda 45, por outro lado, teve preocupações muito mais extensivas, sendo que,
dentre suas principais iniciativas estão, não apenas declarações de intenção com relação aos
objetivos e finalidades da justiça com também com relação ao controle da funcionalidade
do poder judiciário, bem como, tendo em vista o alcance e a generalização de suas decisões.
No primeiro caso está explicito no texto a sua expectativa de que aos
jurisdicionados, no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inc. LXXVIII, art. 5°),
bem como, deu especial destaque à questão da proteção dos direitos humanos (§ 3°, art. 5°).
A emenda, por outro lado, retomou a idéia da criação do Conselho Nacional de Justiça
(Romano a, art. 92) com poderes de acompanhamento da funcionalidade e correição dos
juizes e, finalmente, a par de outras iniciativas que já foram comentadas nesta Tese, dispôs
que o Supremo Tribunal Federal poderá, de oficio ou por provocação, mediante decisão de
2/3 dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional aprovar
sumula que a partir de sua publicação na imprensa oficial terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do poder judiciário e à administração publica direta e indireta,
nas esferas Federal, Estadual e Municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento na forma estabelecida em Lei. (art. 103 a) A súmula terá por objetivo definir
a validade a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entres esses e a administração publica que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão
idêntica (§ 1°, art. 103 a), outras iniciativas de relevância foram criadas por força desta
mesma emenda constitucional que poderão interferir no funcionamento dos tribunais e de
outros órgãos essenciais a prestação jurisdicional, demonstrando, que, se o texto originário
da Constituição não teve alcance judiciário de grandes efeitos modificativos, as emendas
constitucionais, independentemente de sua vocação epistemológica, ou de seus objetivos e
destinos jurídicos poderão provocar efeitos de médio e curto prazo no alcance das decisões
judiciais tendo em vista as demandas mais amplas da sociedade civil.
1068
6.2. A Advocacia e o Novo Estatuto da OAB
6.2.1. Preliminares Teóricas.
O Estatuto da Advocacia e da OAB, promulgado na forma de Lei n°. 8906, de
04 de julho de 1994, e o Regulamento Geral e o Código de Ética (bem como resoluções e
provimentos de caráter aplicativo e interpretativo) são a realização corporativa da ideologia
jurídica na forma de ideário profissional que, principalmente, se manifesta com a finalidade
de defender os objetivos constitucionais, e definir os instrumentos judiciais (e extra
judiciais) para resguardar o Estado Democrático de Direito como Estado
constitucionalmente legitimo, bem como, os direitos dos advogados e as incompatibilidades
e impedimentos para o exercício profissional. Este conjunto de variáveis, não apenas define
o quadro geral da ideologia jurídica, como, também, explicita o alcance do ideário
profissional para alcançar a definição programática constitucional e as expectativas e
demandas gerais da sociedade.
As longas lutas de resistência e repressão que sucederam a 1964, e os profundos
transtornos que provocaram na ordem jurídica brasileira, desgastaram o Estatuto liberal de
1963, principalmente com relação aos seus objetivos programáticos e às suas radicais
limitações na participação da OAB na defesa dos postulados constitucionais, muitas vezes
mutilados pelo próprio regime autoritário, e na proteção dos direitos humanos na forma
legislativa que os liberais houveram aprovado no Congresso Nacional, antes mesmo da
Revolução de 1964
1653
. Estas tantas limitações não impediram, todavia, que a Ordem dos
Advogados encontrasse nas conferências o caminho razoável para rediscutir o Brasil, assim
como, numa pragmática política de convivência as formas possíveis de sobreviver o seu
funcionamento e avançar até a ostensiva liderança pela instalação de uma Assembléia
Nacional Constituinte.
George Tavares, a partir de sua longa experiência no Conselho Federal, em
confirmação, observou, após demonstrar que o papel dos advogados não se restringiu,
1653
Ver Cap. VII, item 2 e, ainda, especialmente, 3 e 4.
1069
naquele período, à defesa dos presos políticos, nos tribunais durante o regime militar, mas
que, também, alem de arriscarem a vida e a liberdade no exercício profissional nos últimos
anos, construíram um verdadeiro roteiro de princípios e proposições constitucionais:
(...) os advogados pugnaram pela defesa dos Direitos do Homem (V Conferência, Rio de
Janeiro, 1974); pela Independência e Autonomia da OAB (VI Conferência, Salvador,
1976); pelo Estado de Direito (VII Conferência, Curitiba, 1978); pela Liberdade (VIII
Conferência, Manaus, 1980); pela Justiça Social (IX Conferência, Florianópolis, 1982);
pela Democratização (X Conferência, Recife, 1984) e pela Constituição (XI
Conferência, Belém, 1986), além de dois Congressos Nacionais de Advogados Pró-
Constituinte (um realizado em São Paulo, em 1983 e, outro, em Brasília, em 1985),
movimentando a classe e empolgando a Nação, contribuindo, assim, para que fosse
restabelecida a democracia e o nascimento dessa nova Carta, evidentemente
progressista.
1654
No contexto circunstancial destes acontecimentos vale recordar a palestra de
Evaristo de Moraes Filho, recuperando artigo publicado anteriormente em Revista OAB.
(...) A XII Conferência [conduziu] a [reflexão] sobre a posição do advogado no
processo de transformação da sociedade brasileira, devemos desenvolver uma análise
crítica de nossa própria atuação e admitir a carência, de profissionais do direito em
geral, [mas, também] (...) de magistrados (...) concientes do caráter público e da
nobreza de seus múnus. (...) Em verdade, as virtudes e as mazelas da Justiça são o
reflexo do grau de conhecimento técnico, dedicação, civismo e honradez tanto dos
juízes, quanto dos advogados, incluídos entre estes os que integram o Ministério Público
(...) E, acrecentou ‘com a mesma e nefasta malignidade com que a inflação corrói a
moeda, advogados e juízes despreparados contribuem para a erosão do Direito.
1655
E prossegue:
Na raiz da crise do Judiciário está a carência de bacharéis em direito com a
qualificação necessária para o desempenho da principal tarefa deles esperada pela
coletividade:
a distribuição da justiça, através da aplicação equânime da lei, com os
olhos abertos para a realidade social (...). [Dispõe nossa Constituição que:] o
advogado é indispensável à administração pública’ (art. 133), [mas lembrando]
Calamandrei, [cita que] (...) desde o século passado, (...) a função do advogado [é]
1654
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 899.
1655
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 916. Ver, também,
Revista OAB-RJ’, nº 16, 1981, p. 39.
1070
necessária para o Estado, ‘como a la del juez’, na medida em que aquele, à semelhança
deste, ‘actua como servidor del derecho
1656
Encaminhando para as suas observações conclusivas, Antônio Evaristo de
Moraes Filho deixa como lição algumas importantes citações no sentido de que os
aplicadores da lei devem ter mais sensibilidade jurídica do que se trabalhassem com o
mero tecnicismo na exegese gramatical dos textos e, continua, citando Miguel Bajo
Fernández os (...) juízes e advogados carecem capacitar-se do ‘peligro de uma Dogmática
inmanente, com um fin em si misma y, por tanto, esteril’ pois muitas vezes o direito se
projeta além da lei.
1657
Este precursor dos estudos da sociologia jurídica no Brasil buscou, ainda, na
sua palestra em Caio Tácito, a afirmação de que é necessário estabelecer, desde os bancos
acadêmicos, ‘o relacionamento entre a lei e a realidade social, familiarizando o jurista
com os pressupostos da norma jurídica’ (‘O desafio no ensino do Direito
1658
, cuja
observação, completa, citando San Tiago Dantas, na sua famosa aula inaugural de 1955
sobre a educação jurídica e a crise brasileira, quando destaca
a imperiosidade de ‘reconduzir o jurista ao fato social gerador do direito’, impedindo
‘que o valor lógico e racional, autônomo do sistema’, embote-lhe a sensibilidade
‘quanto à relação social, econômica ou política (...) que o direito deste limiar do século
XXI não pode permanecer indiferente:
‘o sentido geral da reforma que a sociedade
aspira, é uma mudança de base da ordem jurídica: o deslocamento do centro do
equilíbrio social da propriedade para o trabalho
1659
.
Citando José Lamartine Correa, jurista paranaense, de grande atuação nas
conferências da OAB afirma:
(...) Acentuou ser a jurisprudência criativa fruto da advocacia criativa que abre
caminhos novos, provocando o Judiciário a lançar-se na edificação do direito. [A]
função do juiz de ‘cooperador e modificador na obra legislativa’, exercida através da
1656
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 916-917. Ver, também,
Demasiados Abogados’, ed. Arg. 1960, p. 28.
1657
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 917.
1658
Ibid. Ver, também, Rev. For.’, 233/329.
1659
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 917 e 919. Ver, também,
Jurídica’
Rev. Da Fac. Nac. de Dir. nº 8, 1944/5, p. 409, grifo nosso.
1071
jurisprudência que ‘altera insensivelmente o direito positivo’, era ressaltada por Rui
Barbosa, que a comparava ao ‘the judge made-law’, do direito inglês e americano.
1660
Evaristo de Moraes, encaminhando para a sua conclusão, observa que a justiça
dos nossos dias não é democrática.
A Justiça de nossos dias não é democrática. Dela, os pobres só conhecem o banco dos
réus, salvo no foro trabalhista. A responsabilidade por este aristocratismo do Judiciário
há de ser debitada às estruturas tanto da advocacia, quanto da magistratura (...) Por
outro lado, haverá a Justiça de ser independente. Para tanto não se pode admitir, como
advertia Justino Vasconcelos, seja o advogado ‘mesureiro ou cortesão’, pois ‘a lisonja
interesseira, a louvaminha servil, a bajulação encurvada tanto rebaixam quem as presta
como quem as aceita’ (...). Para alcançar-se um grau razoável de democratização da
justiça, deve ser ampliada a assistência judiciária aos necessitados, e torna-se
necessário difundir-se os Juizados Especiais previstos no art. 98, inciso I, da
Constituição, com a participação de juízes leigos, eleitos pela comunidade para
mandatos periódicos (...) O Judiciário carece adotar uma posição de real independência
diante do Executivo, assumindo e exercendo efetivamente o poder que lhe é conferido
pela Constituição. A Justiça, integrada por juízes, advogados e membros do Ministério
Público, deve estar consciente de que o centro do equilíbrio social deslocou-se da
propriedade para o trabalho e deve transformar-se numa alavanca do desenvolvimento
e da justiça social.
1661
Estas observações de Evaristo de Morais, muitas vezes de natureza teórica,
sintetizam o drama da crise do direito no contexto geral da crise do Estado autoritário, mas
apontam com indiscutível lucidez para as modificações necessárias à compatibilização do
ideário estatutário, e especialmente a institucionalização de novas posições funcionais da
OAB, à nova Carta Constitucional. O Estado dos advogados não pode estar descompassado
do texto constitucional, o que explica a intima e imprescindível conexão entre o ideário
corporativo e a ideologia jurídica instituída. Nesta dimensão, também, o dilema da
advocacia que se resolve sempre com os fundamentos de seu ideário quando a ordem
constituída é tomada pela sua própria negação.
Por estas razoes, as novas e especiais aberturas, em novos âmbitos de direitos,
levaram a XII Conferência, na esteira das últimas Conferências anteriores, a encaminhar-se
para uma discussão sobre a relação entre os novos padrões da democracia brasileira e seus
objetivos e a buscar implementar imediata reforma dos estatutos da OAB instituídos pela
1660
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 918.
1661
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 926-929.
1072
Lei nº 4215, de 27 de abril de 1963.
1662
Na fundamentação da discussão foi trazida uma
interessante observação de Recasèns Siches:
Uma lei não pode conservar indefinidamente o sentido e alcance que teve quando foi
editada se tudo foi transformado em seu redor: os homens, as coisas, o juiz e o próprio
legislador. Novas questões são postas, os velhos problemas já não se colocam do mesmo
modo que antes e chega um dia em que a aplicação de um velho texto, no seu sentido
originário aparece razoavelmente como impossível. Uma lei imutável somente se pode
encontrar numa sociedade imóvel.
1663
Nesta mesma Conferência, Candido de Oliveira Bisneto aprofundou as suas
críticas no sentido de que o dispositivo vigente que trata dos deveres dos advogados perdeu
o seu alcance histórico tornando-se imprescindível a retomada da discussão dos direitos e
deveres do advogado no contexto da nova ordem constitucional
1664
, tendo em vista a nova
realidade social. O posicionamento crítico de Candido de Oliveira Bisneto fortaleceu a
posição de que o Estatuto de 1963 perdera sua referência temporal e o seu exclusivismo
liberal precisava ceder espaço para novas dimensões da advocacia que cresciam não apenas
dentro do Estado, mas também, abriam-se nas relações dos advogados com as empresas.
Este novo quadro, efetivamente demonstrava que a Ordem dos Advogados deveria
caminhar para um novo Estatuto que alcançasse a profissão, não apenas na sua dimensão
clássica, mas, também, no contexto do novo Estado e da nova sociedade brasileira.
6.2.2. As novas dimensões Estatutárias.
A XII Conferência nos permite destacar quatro vertentes discursivas, algumas
absolutamente novas, que (devem influir) influirão na confecção do novo ideário
profissional: a primeira vertente exigia da OAB radical reposicionamento estatutário no
contexto do Estado Democrático de Direito; na segunda vertente clareza estatutária quanto
1662
Ver cap. IV, item 4.
1663
Ver Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 819.
1664
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 914.
1073
à defesa dos direitos humanos; na terceira vertente a tradução estatutária da advocacia
como uma das funções essenciais indispensáveis à administração da justiça e, na quarta
posição, maior firmeza na defesa dos direitos dos advogados, suas prerrogativas e
impedimentos, onde ficava implícito o exclusivo papel da OAB na representação, defesa,
seleção e disciplina dos advogados em toda a República. Finalmente, todavia, ficava claro
nos debates, como variável independente, mas influente sobre o novo contexto, a
imprescindibilidade da Ordem dos Advogados repensar o seu processo eleitoral,
procurando ampliar as suas bases de legitimidade e representação democrática. O conjunto
destas vertentes entre si articuladas nos dá as exatas dimensões de conexão entre a nova
ideologia constitucional, (anteriormente às emendas que antecederam a 1995) e o novo
Estatuto que abriria, imediatamente antes (1994) o exercício da advocacia para as novas
dimensões da sociedade civil.
A primeira vertente, que evoluíra da institucionalização do Estado Democrático
de Direito, com o advento da Lei n°. 8906 de 04 de julho de 1994, (novo Estatuto da
Advocacia e da OAB), não apenas reconheceu, na OAB, a natureza de serviço público,
dotada de personalidade jurídica federativamente organizada, sem qualquer vínculo
funcional ou hierárquico com órgão da administração pública (art. 44), diferentemente de
estatutos anteriores, mas principalmente, fixou dentre suas finalidades defender a
Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a
justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e
pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (inc. I, art. 44). Estava, por
conseguinte, comparadamente aos estatutos antecedentes definidas as possibilidades da
OAB contribuir como instituição para o processo de mudanças na ordem jurídica dentro da
ordem jurídica, mas, principalmente, inviabilizada qualquer contribuição restauradora ou
comprometida com situações políticas de exceção ou que violassem a sua finalidade
estatutária preliminar, assim como, posições de ruptura que forçassem os limites de sua
finalidade.
Na segunda vertente, o referencial histórico que marcou a mudança qualitativa,
ainda não absolutamente do ideário, mas da ideologia jurídica, com o advento do novo
Estatuto, não apenas explicitou, como anteriormente demonstramos, a defesa dos direitos
humanos no quadro de suas finalidades preliminares (inc. I, art. 44), acompanhando o titulo
1074
constitucional dos direitos e garantias fundamentais, como também, fortaleceu o papel e as
atividades das Comissões de Direitos Humanos,
1665
inclusive nas seccionais. De qualquer
forma, pelo significado histórico do tema, no próprio processo e reordenação estatutária
seriam justificáveis novas aberturas de alcance, que pragmaticamente estão evoluindo no
contexto das discussões do plenário Federal e dos plenários seccionais.
Na terceira vertente, da advocacia como função essencial indispensável à
administração da justiça, identificam-se os principais indicadores da revolução do ideário
profissional, que, efetivamente, se lhes concede os instrumentos essenciais para contribuir
para o processo de mudança jurídica com efeitos sociais, dentre eles podendo incluir a
competência para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade de normas e atos
normativos e a ação declaratória de constitucionalidade
1666
bem como a Ação Civil Pública,
o mandado de segurança coletiva e o mandado de injunção (inc. XIV, art. 54) e demais
ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei.
1667
Na verdade, esta linha de abertura
estatutária consagrou-lhe (à OAB) a condição demandada no conjunto histórico das
Conferências, valendo-lhe o significativo papel de buscar, articuladamente com o Poder
Judiciário, novos espaços de aberturas civis e de proteção de interesses coletivos e difusos.
conjuntamente com a interceptação de disfunções inconstitucionais.
No conjunto destes novos espaços, seguindo as tantas proposições das
Conferênciais, definitivamente o Estatuto reconheceu o direito da OAB colaborar para o
aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, como pressuposto formativo à administração da
justiça, uma demanda que está no processo de evolução das próprias conferências, estando
sempre marcada pela luta da OAB pelo direito exclusivo de definir o Exame de Ordem (inc.
4°, § 1° e § 2° do art. 8°e incisos art. 9°). Por outro lado o novo Estatuto entendeu, também,
que compete ao Conselho Federal, a que se somaram resoluções das seccionais, colaborar
com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar, previamente, nos pedidos
1665
A Comissão foi criada pelo Provimento nº 56, de 17 de setembro de 1985, quando estava na presidência
Herman Baeta, sendo relator do projeto Luis Carlos Valle Nogueira, ganhou dimensão estatutária com o
Estado de 1994.
1666
Ver, respectivamente, inc. XIV do novo Estatuto e redação do art. 103 da Constituição na forma da
Emenda nº 45/04.
1667
Ver ibem, bem como Lei nº 7347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) e inc. LXX e LXXI,
respectivamente, do art. 5º da Constituição de 1988.
1075
apresentados nos órgãos competentes para a criação, reconhecimento ou credenciamento
destes cursos. (inc. XV, art. 54).
1668
Na quarta vertente, podemos identificar muitas e especiais linhas de evolução,
concentrando, dentre elas, não propriamente os deveres e prerrogativas dos advogados ou
as incompatibilidades e impedimentos, objeto de longo estudo nos capítulos anteriores, mas
que, neste novo Estatuto representam novas linhas tópicas de aberturas no ideário
profissional, o que não é exatamente o objeto desta Tese. Todavia, ressalte-se que este novo
Estatuto, pioneiramente, definitivamente posicionou-se sobre o advogado empregado, dado
que, no passado, já se posicionara sobre as sociedades de advogados,
1669
o advogado
público e sobre a eleição dos dirigentes e seus mandatos.
De qualquer forma, é muito importante ressaltar que o novo estatuto,
acompanhando a Constituição Federal, destacou o contexto da advocacia pública no
contexto da própria advocacia. Por outro lado, resguardando o principio da distinção entre a
função pública do advogado e a sua atividade privada. Dispôs o Estatuto que: exercem
atividade de advocacia, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da
Advocacia Geral da União,
1670
da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria
Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios e das respectivas entidades da administração indireta e fundacional (§ 1º
do art. 3º). Nesta última linha, de qualquer forma, tomando também como referência os
1668
Ver Decretos n° 1303 e 1304 de 08 de novembro de 1994 (revogados) e ainda, Portaria 1886 de 30 de
novembro de 1994 e Bastos, Aurélio Wander. Pensar e Saber – Os Novos Rumos do Ensino Jurídico no
Brasli, p. 16 in Legislação brasileira sobre Ensino Jurídico. (org. José Ribamar Garcia e Vitor Marcelo
Rodrigues), Ordem dos Advogados do Brasil seccional do Estado do Rio de Janeiro, 2004. Nesta obra estão
catalogadas todas as leis, decretos e resoluções que até a presente data regulam a questão do Ensino Jurídico
no Brasil.
1669
Esta matéria estava regulada no cap. II (arts. 77/81) do Estatuto de 1963, mas o novo Estatuto agora
também ampliou os requisitos de exigências para sua formação, no cap. IV (arts. 15/17), esclarecendo-se
também que a lei passou a exigir que estrangeiros ou brasileiros seja graduado em direito no Brasil, sendo o
título obtido no estrangeiro deve ser revalidado, atendendo os requisitos da lei (§ 2º do art. 8º e incisos e § 1º
do art. 8º).
1670
Ver Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica da Advocacia Geral da União)
bem como que diferenciou o exercício das atividades do Ministério Público Federal, como instituição
encarregada da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indispensáveis (ver art. 127 da Constituição e seguintes e Lei nº 8625, de 12 de fevereiro de 1993) das suas
atividades como instituição que representa a União, judicial e extrajudicialmente e sobre esta questão ver
também as disposições estatutárias sobre incompatibilidade e impedimentos, especialmente inc. II do art. 28
que não deixa explicita a situação dos agentes públicos referidos no § 1º do art. 3º citado.
1076
dispositivos constitucionais, a comunidade jurídica ainda não avançou o suficientemente
para se convencer do exemplo da federalização da advocacia pública, sendo que os estados-
federados em geral, bem como os municípios, ainda não organizaram os seus serviços
semelhantemente à União. Isto significa, que, ao nível dos estados e municípios, e, mesmo
em alguns aspectos federais, sobrevivem práticas cumuladas de exercício profissional da
advocacia pública e privada.
Este mesmo Estatuto, reforçando a posição crescente do advogado empregado
procurou explicitar estatutariamente as garantias do advogado na relação de emprego
preservando sua autonomia e os seus compromissos estatutários, resguardando, inclusive,
as garantias inerentes à advocacia, nem muito menos retirando a isenção técnica e a
independência profissional (art. 18)
1671
. Durante a XII Conferência destacaram-se no
desenvolvimento deste tema Gloria Maria Percinoto e Ivan Alkimin, futuro presidente do
IAB (2003/04)
1672
, desenvolvendo suas palestras no contexto das discussões sobre mercado
de trabalho para o a advogado
1673
Ainda neste item deve-se ressaltar que remanesce no
Estatuto, dois especiais problemas: o primeiro referente ao exercício cumulado da
advocacia pelos procuradores da União dos estados e municípios e pelas defensorias,
mesmo considerando a especificidade de sua atividades,
1674
e o segundo referente à
1671
Neste sentido, é muito importante ressaltar que as discussões durante a XII Conferência sobre o mercado
de trabalho do advogado demonstraram (vam) que o exercício liberal da profissão estava sofrendo uma visível
compressão com o crescimento do volume de advogados que sucessivamente vinham (vêem) desenvolvendo
as suas atividades com vínculos de emprego, o que provocou amplas discussões para que o Estatuto
especificasse as suas prerrogativas, assim como, garantias e deveres. Este tema foi objeto de pesquisa que
ficou inédita realizada na Fundação Casa de Rui Barbosa: Os Advogados e as Modernas Empresas. Rio de
Janeiro, FCRB 1980.
1672
Recentemente, a partir da palestra promovida na XII Conferencia Ivan Alkmim publicou interessante
estudo em que aborda a constitucionalização da advocacia depois de capítulos, em separado, sobre a formação
e a evolução histórica da advocacia no Brasil, com opiniões que em muitas circunstancias confere com esta
Tese, sendo que, do ponto de vista histórico, vale destacar o seu estudo sobre o advogado e a abolição da
escravidão (p. 36/44) assim como prospectivamente também faz um estudo sobre os advogados no mundo
ocidental com grande contribuição comparativa para os estudos brasileiros (p. 79/107) ALKIMIN, Ivan. O
advogado e sua identidade profissional em risco. Rio de Janeiro: Ed. Destaque, 2001.
1673
Sobre este tema leia PERCINOTO, Gloria Márcia. Problema atual da advocacia – Mercado de Trabalho.
In Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Porto Alegre de 02 a 08 de
outubro de 1988, pp. 873 a 880.
1674
Ver Constituição Federal. art. 134, e §. 1º que dispõe: Lei Complementar organizará a defensoria Pública
da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos
Estados, em cargos da carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos,
assegurada a seus integrantes a garantia de inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das
atribuições institucionais.
1077
ausência de Capítulo ou dispositivo estatutário específico sobre os advogados públicos
1675
,
o que dificulta a hermenêutica dos seus direitos e as suas garantias perante o poder publico.
Neste sentido, muitas foram as novas linhas de alcance do novo Estatuto na
defesa dos direitos de cidadania principalmente considerando que a Constituição de 1988,
especialmente, no art. 5º, articuladamente combinado com outros tantos dispositivos,
independentemente da garantia clássica dos direitos individuais (ampliados), tecnicamente
protetivos de direitos intersubjetivos,
1676
viabilizou o crescimento também, do leque dos
direitos sociais, não apenas na sua estrita dimensão social, mas no seu especial alcance
coletivo e difuso
1677
e, ainda, ganharam dimensão constitucional os direitos existenciais na
sua forma de direitos da personalidade. Todavia, efetivamente o grande e novel alcance da
Constituição foram as aberturas processuais,
1678
sendo que, muitas, evoluíram, no contexto
das conferências, demonstrando efetivamente que não apenas a advocacia é essencial à
administração da justiça, mas, também, por outro lado, nas sua pratica se identifica,
inclusive, dispositivos de sustentação política ativa.
1675
Ver artigo de BASTOS, Aurélio Wander. Dilema da Advocacia Pública. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil,
caderno A, Opinião p. A10 15 de março de 2006
1676
Ficando apenas no Capítulo I dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos do Título I sobre Direitos e
Garantias Fundamentais, dado que o art. 8º trata de direitos sociais. Dentre os incisos de dimensão individual
intersubjetivo podemos citar: o próprio caput do art. 5º, o inc. XXII, XXXIII, XXXVI, XXXIII e XLV dentre
os de direitos coletivos e difusos LXXIII e ainda o inc. III, 129 dentre os direitos existenciais inc. II, inc. X,
XXXIII, XXXIV, XLII, XLIII, e, ainda o inc. III, 8º e dentre as novas conquistas processuais inc. V, LIII, LV,
LXIII, LXXIV, LXXVI, LXXVII, LXXIII. Dentre os dispositivos de alcance político cite-se XLIV.
1677
A evidência deste propósito esta no art. 3º do ADCT que instituiu a revisão constitucional com o quorum
de maioria absoluta, diferentemente do quorum constitucional de três quintos (§ 2º, art. 60) para facilitar no
prazo de 5 (cinco) anos reformas mais ágeis. Entre março de 1994 e junho de 1994 foram implementadas
apenas 6 (seis) emendas de revisão de baixo alcance constitucional.
1678
Sobre este tema, desenvolvemos vários itens no contexto geral desta Tese, principalmente destacando os
novos institutos de natureza processual dispostos nos incisos do art. 5° e, muito especialmente, os tópicos de
estudo que apresentamos sobre a ação civil pública.
1078
6.2.3. O novo Pacto Eleitoral Corporativo.
Na linha dos trabalhos apresentados, na XII Conferência, sobre “A Reforma dos
Estatutos da Ordem e as Prerrogativas dos Advogados” destacou-se com significativa
influência, especialmente a partir da tese de Paulo Luiz Neto Lobo, futuro relator da
Comissão que propôs a redação do novo Estatuto, do qual, também, vieram a participar
George Tavares, Raimundo Pascoal Barbosa, Candido de Oliveira Bisneto, Antonio
Evaristo de Moraes Filho,
1679
especialíssimo estudo sobre a questão eleitoral, ressaltando
que:
A estrutura de 1963 refletiu uma época, desde a criação: o advogado paradigma foi o
liberal (de profissão e de idéia), no crepúsculo da histórica influência do bacharel sobre
o poder político, no Brasil, e no advento da organização da sociedade civil diante do
Estado (...). O Estatuto [de 1963] visou o advogado liberal, sem qualquer vínculo
empregatício. Despreocupou-se por inteiro do advogado empregado.
1680
Neste período
de existência do [antigo] Estatuto, o advogado empregado, seja do setor privado seja do
setor público, ultrapassou largamente o número de advogados liberais. Estes, segundo
estimativas confiáveis, atingiriam, no máximo, dez por cento dos inscritos.
1681
De qualquer forma, antes que fizesse as suas linhas indicativas o expositor fez
uma leitura compreensiva da democracia como democracia participativa, como pressuposto
determinante da necessidade de se alterar os procedimentos eleitorais da OAB. Assim,
observa:
A democracia participava, pressupondo eleições diretas, não é incompatível com a
democracia representativa e mesmo federativa, tanto no âmbito do Estado quanto no
âmbito das organizações sociais de cunho nacional, como a Ordem. Se a democracia
direta, salvo em situações excepcionais e em grupos pequenos, é impraticável em nossa
1679
As opiniões das seccionais e do Conselho Federal bem como de advogados em geral e de associações e
institutos de advogados sobre os procedimentos eleitorais na OAB foram organizados em processo especial,
nº CP.OAB.CF 3340/88 e CP 3069/85 apartado das atas que serviram de base para nossa pesquisa, Destacam-
se entre elas propostas sobre eleições diretas para os conselhos seccionais e dos conselhos federais na mesma
assembléia geral eleitoral, assim como sobre a extinção da figura do membro nato ou da suspensão do seu
direito de voto no Conselho Federal e da representação do Instituto dos Advogados do Brasil e a preservação
da organização federativa da OAB.
1680
Sobre este tema leia: PERCINOTO, Glória Márcia. “Problema Atual da Advocacia
mercado de
trabalho. Reiterando as Propostas de Atuação dos Advogados-Empregados”. In: Anais da XII Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porto Alegre de 2 a 8 de outubro de 1988, pp. 873 a 880.
1681
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 865.
1079
época, a escolha de representantes mesmo quando a representação não mais tenha o
caráter imperativo, não implica em abdicação do direito de eleição dos dirigentes. Se a
eleição direta é possível negá-la é negar a democracia participativa.
1682
Assim, como acontece em todos os processos eleitorais, as expectativas
ideológicas nem sempre têm o alcance esperado, mas influem sempre nos resultados finais
principalmente considerando o momento de mudança que se esperava sucederia à
Constituição. Assim, no que se refere ao novo sistema eleitoral houve um grande avanço
em relação ao elitismo formal que predominava na escolha dos presidentes, através do voto
fechado dos conselheiros por delegação seccional, sendo que em geral os 3 (três) votos
seccionais eram computados como voto único o que permitiu que com 12 (doze) ou 13
(votos) (por bancada) ficavam o presidente e diretores1683 eleitos. A partir dos anos 80
(oitenta), principalmente com a maior coloração política e ideológica do processo eleitoral,
sem que houvesse mudança nas regras formais, passaram a ser eleitos, senão para os cargos
mais importantes, para a presidência, os componentes da estrutura constituinte da própria
diretoria, em geral articulados com o projeto de abertura.
Este procedimento, não representou, propriamente, uma democratização
eleitoral, mas, devido às circunstâncias de que evolviam a OAB na mobilização contra o
Estado de Segurança Nacional, ampliaram-se significativamente as bases de legitimação do
processo eleitoral, ficando sempre eleitos os presidentes e diretores sintonizados com os
temas mais avançados das Conferências e, inclusive, com os diagnósticos e prospecções da
Carta de Conclusão das Conferências. A partir de 1985/7, com a transferência da OAB para
Brasília, mesmo sem alterações estatutárias formais, embora de reduzido reflexo, até a
eleição de Marcio Thomaz Bastos, para a gestão que atravessou o processo constituinte,
visivelmente ampliou-se a oportunidade de eleição de conselheiros que militavam fora do
eixo Rio-São Paulo, favorecendo uma significativa interiorização, que, redundou, também,
no esvaziamento do elitismo formal. Nas palavras de Herman Baeta com esta mudança, se
houve uma queda no esplendor das argumentações, a essência das decisões não sofreu
1682
Anais da XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Op. cit., p. 865.
1683
Sobre o processo eleitoral na forma do Estatuto de 1963 ver, especialmente o cap. VIII e o cap. IXI que
trata da eleição da diretoria das seccionais e do Conselho Federal, nos exatos termos descritos nesta Tese.
1080
abalo, mas a mudança melhor atendeu a média dos advogados brasileiros, inclusive em
termos de uma representação federativa equilibrada.
1684
O processo eleitoral definido com o Estatuto de 1994, não alcançou resultados
democráticos definitivos, mas ampliou, significativamente, as bases de sustentação política
do Conselho Federal e a Presidência. Em primeiro lugar porque as eleições para o Conselho
Seccional e para a diretoria das Seccionais passaram a ser em votação direta e secreta de
todos os advogados regularmente inscritos e, em segundo lugar, porque a eleição para o
Conselho Federal e a Presidência passou a ser realizada simultaneamente em todas as
seccionais pelo total dos conselheiros seccionais equivalendo a 1 (um) voto, por eleitos para
efeitos do cômputo total da eleição da Diretoria do Conselho Federal. A chapa que vier
(viesse) a obter a maioria de votos por seccional (seria) será considerada a diretoria
vitoriosa
1685
, cuja gestão se estenderá por 3 (três) anos. O sistema eleitoral como um todo
ainda guarda necessárias exigências de maior adaptação democrática, mas, de qualquer
forma, ficou resguardado o principio federativo na composição do Conselho Federal, com a
participação dos representantes seccionais eleitos diretamente, assim como, o sistema, não
apenas desviou o enfoque elitista, que favorecia os notáveis, ou personalidades fortemente
políticas, com grande influência ideológica, passou a contribuir para a ascensão do
profissionalismo militante.
Finalmente, para concluir, o Estatuto de 1963, subtraiu do Estado brasileiro as
sempre recorrentes posturas patrimoniais, muitas vezes, redivivas nas maquinações
nepotistas, mas o Estatuto de 1994, definindo, no contexto da Constituição da República
Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, o papel da Ordem dos Advogados na defesa
da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito fez da evolução do seu ideário
profissional um principio constitucional (art. 138), essencial ao funcionamento da justiça: o
advogado é essencial à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da Lei..
1684
Ver MOTTA, Marly Silva da. Op. cit., p. 181.
1685
Nos casos de vacância de membros da Diretoria compete ao Conselho Pleno, constituído de todos os
representantes seccionais, a eleição do novo membro.
1081
Conclusão
Finalmente, independentemente das sugestões pontuais itemizadas este último
Capítulo evoluiu em duas linhas conclusivas: a primeira concentrou-se, fundamentalmente,
na analise das tendências da XII Conferência consolidadas na Carta de Porto Alegre, onde
estiveram visíveis as influências discursivas das opiniões críticas sobre a nova Constituição
e, a segunda, concentrou-se na evolução do estudo do novo ideário profissional como
tradução dos novos pressupostos constitucionais. Na primeira linha, predominaram, na
verdade, duas grandes discussões: a primeira procurava reconhecer no Estado Democrático
de Direito os novos caminhos a avançar nas conquistas sociais e, na segunda linha,
visivelmente mais radical, reconhecia a imprescindível necessidade de romper com as
matrizes históricas que interceptaram a formação de uma democracia econômica e
interromperam a construção de um Estado popular aberto.
Na verdade, estas questões permearam as diferentes palestras, e provocaram
profundas discussões sobre a natureza do Estado Democrático de Direito, deixando
evidente que, o processo de mudança social não apenas deve (ria) avançar pelos canais do
Poder Legislativo, articuladamente com o Poder Executivo, mas, também, através da
abertura dos fluxos de demandas do Poder Judiciário para conflitos de natureza complexa e
dissídios de natureza simples ou simplíssima. Os advogados, tendo em vista que a própria
Constituição dispunha que as suas atividades são indispensáveis à administração da justiça,
tenderam a evoluir para reconhecer no Poder Judiciário esta importante reformatação de seu
alcance funcional, deixando aos políticos as iniciativas reformista que, paradoxalmente,
evoluíram diferentemente das expectativas históricas.
Neste sentido, de qualquer forma, os advogados procuraram identificar na
OAB, não propriamente uma entidade que representasse a sociedade civil, nas suas
expectativas e esperanças, mas que tivesse condições de ajuizar ações e se movimentar
extra-judicialmente para defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático
de Direito, os direitos humanos, a justiça social, assim como pugnar pela boa aplicação
das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
1082
instituições jurídicas. Esta posição retirou a OAB da frente política e colocou-a na
dimensão jurídica de buscar mudanças da ordem em função de seus objetivos nas novas
formas processuais prescritas, obedecidos os fluxos judiciários de demanda.
Os pronunciamentos, e conclusões da XII Conferência, para facilitar a
compreensão da ação futura dos advogados, permitem observar, que, na sua própria
evolução, comparadamente com o texto constitucional às vésperas de se promulgar, nítidas
estavam 3 (três) posições: aquelas que acreditavam na democracia constitucional como
cenário para novas e profundas transformações estruturais; aquelas que pretendiam
implementar, parlamentarmente, mudanças de efeitos sociais através da ordem
constitucional e, por fim, aquelas que reconheciam na ordem constitucional as condições
possíveis para se alcançar mudanças de efeitos jurídicos, através do Poder Judiciário. No
primeiro caso, a democracia propiciaria grandes mobilizações com acentuada capacidade
de provocar as reformas de base, ou, nas palavras de Florestan Fernandes, o rompimento
com as matrizes do atavismo econômico e social estrutural; no segundo caso a ordem
constitucional absorveria, através de emendas constitucionais, mudanças de efeitos
econômicos e sociais e, finalmente, no terceiro caso, os novos mecanismos processuais
constitucionais viabilizariam uma efetiva ação dos advogados na viabilização dos direitos e
garantias fundamentais individuais e coletivas.
Não há como se desconhecer, todavia, que o tempo frustrou a primeira
proposta, projeto definido na Carta de Porto Alegre, assim como, também a “trágica ironia
da história”, mostrou que a segunda proposta, não obteve sucesso com as emendas de
revisão e, as emendas que vieram a ser realizadas o foram pelos procedimentos regulares (§
2°, art 6°) e, na verdade, serviram para desviar, significativamente, os propósitos
constitucionais do estado de bem-estar social, implementando ampla política de
privatização econômica. A terceira posição, apesar das limitações de alcance,
principalmente devido às resistências funcionais do Poder Judiciário e da legislação
processual tradicional ao processo constitucional tem, efetivamente, resguardado, com a
eficaz contribuição dos advogados e da OAB, um significativo reconhecimento dos direitos
humanos (e civis), enquanto direitos coletivos, difusos e existenciais.
De qualquer forma, os tribunais se não têm sido efetivamente eficientes, devido
ao legalismo formalista, têm, no limite de suas competências, considerando as múltiplas
1083
vertentes dos direitos humanos, procurado punir os excessos de agressividade policial ou a
extrapolação de direitos, assim como os atos abusivos dos poderosos, especialmente no
campo. Mesmo assim, se a proteção aos direitos humanos, historicamente, foi a grande
abertura protetiva dos direitos individuais, nos tempos presentes a eficácia de sua proteção
continua sendo o grande desafio político e jurídico-processual devido as grandes
resistências matriciais com repercussões administrativas.
Estas posições marcaram significativamente o reposicionamento do advogado
na sociedade moderna, exigindo, por um lado, que se repensasse o seu papel no quadro da
mudança social e, por outro, que se redefinisse o seu papel na administração da justiça.
Neste contexto, a questão do reposicionamento do advogado no Estado Democrático de
Direito, como temos demonstrado, representou um amplíssimo avanço em relação à
tradicional defesa do Estado de Direito, na sua forma clássica, assim como em relação à
ampliação da exclusiva postura comprometida com a defesa dos direitos individuais para
uma posição mais extensamente compreensiva dos direitos coletivos e difusos, numa
visível evolução na proteção dos direitos civis e na defesa dos direitos humanos, não apenas
do homem, enquanto homem, nas dimensões da dignidade da pessoa humana, mas também
na preservação dos símbolos naturais e culturais, como valores essenciais do homem.
Conceitualmente, os atos ou práticas que ferem os direitos humanos, quase
sempre inerentes às autoridades constituídas, apesar das leis repressivas, sempre ocorrem
como excessos de tratamento, como práticas abusivas ou diferenciadas dos cidadãos
rompendo com os limites suportáveis do principio de justiça e quase sempre cobrindo-se da
iniqüidade agressiva em relação àquele que já está constrangido. O princípio da equidade é
um frágil, senão ignoto, vetor da dogmática, o que dificulta seriamente a repressão da
iniqüidade e, mesmo, a definição das regras processuais para viabilizar a sua punição,
porque, em geral, é o estado (a autoridade formal) punindo o próprio estado (a autoridade
formal infratora ou que se excede no cumprimento de seu próprio dever).
Estas observações, servem, para demonstrar que a nova ideologia jurídica ou a
nova ideologia constitucional avançou na sua formatação histórica de restrita preocupação
com a proteção dos direitos individuais e a defesa do Estado de Direito, para um projeto
comprometido com a proteção dos direitos humanos e com os direitos civis coletivos e
difusos, assim como com a defesa do Estado Democrático de Direito, influindo,
1084
decisivamente, no novo ideário estatutário dos advogados, consagrado na Lei nº 8906, de 4
de julho de 1994 (Estatuto dos Advogados e da OAB) como já descrevemos em alguns
aspectos desta Tese. De qualquer forma, não há como desconhecer, que a nova Constituição
contribuiu para a construção do Estado Democrático de Direito, assim como para a
definição dos novos parâmetros do ideário estatutário, como pressuposto da ação dos
advogados e da OAB.
Finalmente, todavia, a nova ordem jurídica, mesmo com seus rígidos
dispositivos destinados a resguardar as construções do poder constituinte originário, não
conseguiu impedir que o poder constituinte derivado evoluísse para viabilizar, através de
emendas constitucionais, novas e especiais demandas legislativas que contribuíram para a
privatização da ordem econômica, evitando que o Estado Democrático de Direito
patrocinasse o rompimento com as matrizes estruturais que historicamente interromperam a
democratização da riqueza no Brasil.
1085
CONCLUSÃO
O objetivo central desta Tese foi demonstrar a participação da Ordem dos
Advogados – OAB na construção do Estado Democrático de Direito no Brasil a partir de
fontes documentais primárias e, secundariamente, de fontes bibliográficas especializadas.
Para alcançar este resultado procuramos essencialmente investigar o envolvimento direto da
OAB nos principais acontecimentos políticos que imediatamente antecederam e sucederam
à sua criação como ato da Revolução de 1930, assim como as reações internas do Conselho
Federal quando não às suas próprias iniciativas que produziram efeitos nacionais.
No desenvolvimento da Tese trabalhamos com duas especiais linhas de
investigação teórica, com o objetivo de efetivamente demonstrar a inserção da OAB nos
movimentos pela democratização do Estado Brasileiro, tomando em consideração o seu
próprio ideário estatutário e as ideologias que atuaram na dinâmica interna do Estado. Por
outro lado, a compreensão da inserção da OAB, no processo de alteração e modifição do
Estado brasileiro, que evoluiu a partir do estudo sobre as condições de interação entre a
influencia ideológica externa e a capacidade interna de absorção de novas variáveis
ideológicas no contexto formal do ideário estatuário.
Tal iniciativa metodológica deveu-se essencialmente à nossa preocupação
hipotética de relacionar a construção democrática do Estado ao fluxo das pressões
ideológicas representativas de interesses políticos e sociais, muitas vezes partidários, ou
mesmo a capacidade de resistência interna da própria elite ou burocracia estatal. Neste
sentido, a leitura dos diferentes capítulos da obra, mesmo a recuperação de situações
históricas que influíram na dinâmica de situações políticas, estão pautadas pela
identificação de três grandes movimentos ideológicos que refletiram, sucessiva e
mutuamente sobre o epicentro ou a periferia do Estado: o processo de transmutação
constituinte das ideologias (gerais) em ideologias jurídicas politicamente
constitucionalizadas; a influência da dinâmica da vida ideológica do estado sobre os
estatutos (e regulamentos) da OAB; e, ainda, os efeitos do ideário estaturio do advogado
sobre a dinâmica ideológica do estado.
1086
Como definição metodológica julgamos mais prudente, até para não desviar da
observação evolutiva do objetivo central, não propriamente elaborar um Capítulo
conceitual sobre ideologia, ideologia jurídica e ideário, deixando, sempre que a questão se
manifestava, que ela se desenvolvesse, senão no contexto analítico da própria obra, a partir
das citações documentais e bibliográficas que subsidiam o trabalho. Isto não significou,
como a própria Tese evidencia, que os autores clássicos que se preocuparam com a
discussão conceitual sobre ideologia não tenham sido avaliados comparadamente e,
pontualmente, de acordo com os objetivos da Tese. Todavia, para melhor implementação
das hipóteses da Tese procuramos reduzir, a ampla e fértil discussão teórica, a indicadores
conceituais, que, não fugindo da abordagem clássica, mais facilmente contribuíssem para a
formatação aplicada dos conceitos subsidiários de ideologia jurídica e ideário estatutário ou
profissional.
Na Tese, estas questões apareceram diluídas, mas visualmente elas
funcionavam como o design de uma pirâmide invertida, onde, no largo topo se identifica o
amplo leque do sistema coerente de idéias (ideologia), que, no processo de
institucionalização sofrem significativas reduções adaptativas (ideologia jurídica)
provocadas pelo ambiente político circunstancial mais aberto (como no ambiente
constituinte) e mais fechado (como no ambiente jurídico-positivo) que são definitivamente
filtradas na construção estatutária (ideário corporativo), no design piramidal regular. Na
verdade, toda profissão ou grupo funcional tem o seu ideário, quase sempre definido como
código de ética e/ou disciplinar, mas, no caso dos advogados, como se verificou nesta Tese,
o sistema de transmutação das ideologias em normas é o seu próprio objeto, assim como a
compreensão hermenêutica (ou ideológica) das próprias normas.
A compreensão do papel dos advogados nestes processos de transmutação são
essenciais para a compreensão da dinâmica das democracias e das autocracias, assim como
dos Estado de Direito e dos estados de exceção, que, na Tese, procuramos distinguir,
devido à própria confusão conceitual (de efeitos políticos e jurídicos), muito especialmente
aplicada no período autoritário brasileiro recente (1964/85). Neste sentido, a Tese
caminhou para a identificação aplicada destas diferentes situações no contexto político da
história brasileira contemporânea, evoluindo em contexto esquematizado e, sempre que
necessário, retomando as questões recorrentes que influenciaram (e influenciam) as nossas
1087
matrizes institucionais, permitindo afirmar que ela é mais um estudo fáctico do que teórico,
ou, no máximo, uma análise teórica restrita de situações fácticas.
Por estas razões, preocupamo-nos em demonstrar que os fluxos de
movimentação ideológica quase sempre estão associados a nossa preocupação de identificar
a natureza política circunstancial do Estado brasileiro como efetiva demonstração das
correlações das posições internas da OAB com a natureza do estado e as suas tantas
dificuldades coorporativas para atuar na sua própria reforma, conservação ou
reconstituição, as exatas movimentações que poderiam levar à sua democratização na linha
da evolução histórica. Assim a linha metodológica dominante no trabalho é de incisiva
recuperação histórica, onde, sucessivamente procuramos fazer da identificação dos
institutos passados referencias dos institutos do presente, tanto para efeitos críticos, como
construtivos, assim como, em tantas ocasiões, mesmo nos capítulos dominantemente
históricos onde procuramos indicar, para efeitos compressivos, as linhas de modificação
futura, seja no contexto especifico do estado brasileiro, seja nos próprios estatutos da OAB.
Os resultados finais da Tese foram alcançados à medida que subdividimos o
trabalho em 5 (cinco) títulos com tantos capítulos, itens e subitens quantos necessários à
articulação compreensiva da estrutura temática. Todos os capítulos tiveram uma
Introdução, às vezes com indicações adjetivas, para facilitar o sentido compreensivo do
Capítulo, e uma Conclusão, também, muitas vezes obedecendo os mesmos critérios da
introdução, independentemente da Introdução Geral e da Conclusão Geral.
No primeiro Titulo, concentramos a pesquisa e o subseqüente estudo nas
relações entre A Advocacia e o Estado Patrimonialista, principalmente demonstrando,
através da itemização do Capítulo sobre o Estado brasileiro e a Ordem dos Advogados a
grande resistência oferecida pelas elites imperiais e as oligarquias republicanas à criação da
OAB. Estas resistências do Estado Imperial e dos oligarcas tentavam impedir a
desconstituição das conexões funcionais entre as atividades jurídicas privadas e o exercício
de funções públicas. Todavia foi no Capitulo II (dois) sobre o Regulamento da OAB e o
Estado Novo que demonstramos que o efetivo enfrentamento do estado patrimonial ocorre a
partir dos anos de 1920 com a articulação anti-oligáquica, principalmente, concentradas nas
tendências coorporativas da revolução de 1930 que criou a OAB em 19 de novembro do
mesmo ano.
1088
Por tais razões, o trabalho, nas cinco diferentes partes, procurou mostrar o
processo de construção corporativa da OAB no período que denominamos A Advocacia e
o Estado Patrimonialista, assim como o seu papel politicamente construtivo nos períodos
denominados a OAB e o Estado de Direito, A OAB e o Estado de Segurança Nacional,
A OAB e a Redemocratização, A OAB e o Estado Democrático de Direito. Estas
diferentes partes foram apenas indicativas dos agrupamentos temáticos dos diferentes
capítulos genericamente perpassáveis pelas mesmas variáveis, que procuramos itemizar e
subtemzar para que desse maior corpo e força compreensiva à Tese.
Neste sentido, os dois primeiros capítulos apoiaram-se em duas linhas
descritivas e analíticas essenciais: o processo de criação da OAB e a formação do ideário
profissional, no contexto compreensivo das moderna ideologias que, direta ou
indiretamente, influem sobre a formação jurídica, bem como as resistências do Estado
patrimonialista, apoiado em esdrúxula hermenêutica que relacionava disposições
constitucionais anticorporativistas com liberdade profissional, às quais, praticamente, se
entrecruzavam as resistências dos advogados provisionados (rábulas) e solicitadores e as
tantas variáveis interinfluentes do Estado patrimonial, principalmente dominados pelos
interesses da elite imperial e, posteriormente, pelas oligarquias republicanas.
Genericamente, as conclusões mais evidentes demonstram que as resistências à criação da
OAB e, mesmo ao papel parlamentar ativo do IAB (criado em 1843), na formulação do
ideário profissional, deveram-se, essencialmente, ao embricamento institucional das mais
diferentes funções jurídicas privadas exercidas por servidores da elite do estado
patrimonialista.
Como ficou efetivamente demonstrado, os subsídios ideológicos que
permitiram enfrentar o patrimonialismo oligárquico apoiaram-se, senão absolutamente, na
hermenêutica constitucional, não exatamente expressiva do próprio espírito constitucional.
Neste sentido, todas as informações permitem concluir que a OAB foi criada no auge dos
enfrentamentos antioligárquicos, institucionalizados com a Revolução de 1930, depois que
se exauriram todos os recursos políticos e parlamentares do liberalismo federalista, apoiada,
o que transportou a sua sustentação política para o corporativismo de natureza
essencialmente eleitoral e parlamentar. Este corporativismo político influenciou na criação
da OAB em 1930 e nos seus estatutos (entre os anos de 1931/33), excetuadas as
1089
radicalidades excessivas que, embora, politicamente, contestados, sobreviveram, com
modificações adaptativas, até 1963.
A primeira fase deste período revolucionário e constituinte, especialmente
analisada no capitulo II (dois), concentrado no estudo do regulamento da OAB
1686
ficou
(até 1938) profundamente marcada pelo presidente (e fundador) da OAB Levi Carneiro,
que, independentemente de ocupar a Presidência da Ordem, foi deputado corporativo na
Constituinte de 1933 e na Câmara Profissional (corporativa) de 1934/37, quando, também,
foi Consultor Geral da República. Está é exatamente a fase em que se consolidou o ideário
estatutário que reconhece a OAB como serviço público federal para-estatal e, ao mesmo
tempo, se definem as primeiras incompatibilidades e impedimentos para advogar, as
prerrogativas, deveres e normas disciplinares dos advogados, e, ao mesmo tempo, uma
estrutura administrativa bastante simples, dispondo apenas, que a OAB deveria evitar se
pronunciar sobre assuntos que não fossem de interesse corporativo ou da categoria, o que
nem sempre tinha alcance político.
Por outro lado, a segunda parte deste período, após a renuncia de Levi Carneiro
em 1938, ficou marcado pela presidência de Fernando Melo Viana, ex-governador de
Minas Gerais, Deputado Federal durante a Primeira República e, inclusive, desembargador
no Tribunal de Minas Gerais, quando, então, pode-se identificar uma forte participação ou a
retomada participativa dos liberais, agora comprometidos com a luta antigetulista. Devido à
ausência de restrições estatutárias cresce na OAB um forte grupo oposicionista, onde
começaram a se destacar expressivas figuras da vida jurídica e política brasileira
emergente, como Sobral Pinto, Dario de Almeida Magalhães, Pedro Aleixo e tantos outros
que passaram, por um lado, a incentivar a confecção de uma Constituição liberal e
conservadora, mas, ao mesmo tempo, devido às circunstancias políticas sucessivas à 2º
1686
Desde o período que segue ao baixo Império Romano (379 a A.C), onde produziram-se os ordines dos
advogados, buscou-se regulamentar a profissão que foi denominado Colégio, Ordo, Consortion, etc. O
exercício da advocacia neste período já exigia permissão expressa em cada Tribunal. Os advogados em geral
se agrupavam por tribunais mais importantes, geralmente diante de um colégio de personalidades. Os
advogados mais graduados eram chamados de primates e os demais de estatute. Os advogados deveriam ter
matricula escritas em quadros denominados Matricula, Rótulos ou Álbum, na promoção, de um grau para
outro de advogado, era considerado aquele que tivesse um pai numeratus. Os primati tinham um poder
punitivo sobre os demais. Outros tantos regulamento advieram na própria Roma sobre deveres, probidade,
moderação, independência, assiduidade, sigilo, empenho, incompatibilidades e impedimentos, imunidades
(Travels, Lês Corporations De’Avocatis Sul L'impire Romain, Paris, Giarde e Brièr. 1894, p. 17).
1090
Guerra (1945/6), ampliaram suas alianças com os militares, que vieram a criar a ESG
(1949) e, ao mesmo tempo, com representantes do governo Roosevelt.
Este especialíssimo quadro provocou a convocação da eleição para Presidente
da República, conforme Lei constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, quando o
Presidente ditatorial considerou que estavam restauradas as condições para a eleição
presidencial direta, pelo sufrágio universal secreto e maioria dos votos, no prazo de 120
(cento e vinte) dias, assim como, de um parlamento dotado de poderes para eleger
deputados com poderes constituintes. Esta posição evoluiu em significativa harmonia, até
que o quadro político se tumultuou e, numa linha de visível radicalização, modificou-se
para um projeto político continuista, onde se reduzia a convocatória para as eleições
presidenciais e parlamentares, a simples eleições constituintes.
Este quadro de recuo político, evoluiu para uma proposta de constituinte com
Getulio aproximando a OAB de grupos militares e radicais, o que resultou no afastamento
de Getulio Vargas do exercício do poder presidencial após uma superficial questão judicial
sobre o papel dos juizes em disponibilidades ou no exercício de funções publicas ou
eleitorais. O aprofundamento dos confrontos políticos levou a OAB a contribuir
decisivamente para que a Presidência da República viesse a ser ocupada pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal – STF José Linhares. A Lei constitucional n°. 13, de 12 de
novembro de 1945, assinada por José Linhares, considerou que seriam constituintes os
poderes estabelecidos na Lei constitucional n° 9, pondo termo às controvérsias então
suscitadas em torno da legitimidade da extensão dos poderes que a nação delegara ao
Parlamento que seria eleito na forma da Lei n° 9/45
1687
, bem como, da eleição do
Presidente da República.
Eleito Presidente o General Eurico Dutra, embora apoiado pelo PTB getulista e
seus aliados do PSD mineiro, em campanha contra o Brigadeiro Eduardo Gomes, acabou
por governar finalmente num pacto com a UDN, o que fortaleceu a sua posição no quadro
político geral, inclusive na oposição ao trabalhismo getulista. É muito importante observar,
todavia, que a partir deste período o processo político brasileiro ficou profundamente
marcado pela ruptura internacional das forças aliadas, que, no Brasil, se refletiu no avanço
1687
Neste mesmo período com a edição da Lei constitucional n° 14, de 17 de novembro de 1945, foi extinto o
Tribunal de Segurança Nacional (conforme art. 173 da Constituição do Estado Novo, emendado pela Lei n°.
7, de 30 de setembro de 1942), cujos processos passavam à competência da justiça regular
1091
do trabalhismo para posições populistas e de esquerda mais visíveis, excluídos os
comunistas, que, paradoxalmente, encontraram no pragmatismo conservador do PSD
aliados para o exercício executivo do poder, comprometidos com um projeto
desenvolvimentista industrialista e com a interiorização da pecuária e da agricultura. Por
outro lado, as forças liberais democráticas aprofundaram seus vínculos de compromisso
com as frações políticas, mais do que conservadoras, reacionárias, o que levou a sucessivas
crises constitucionais (de efeitos políticos), quase sempre provadas por novas e radicais
hermenêuticas da Constituição de 1946, onde se assentava a ideologia jurídica que sucedeu
o estado novo, na expectativa de desestabilizar o projeto nacional estatista e, vialibizar não
apenas um estado formal liberal, mas uma economia de ampla sustentação no mercado e no
livre comercio.
O segundo Titulo da Tese sobre A OAB e o Estado de Direito concentrou o
estudo principalmente nos confrontos entre o fim do estado patrimonialista e oligárquico,
para, finalmente, discutir, nos capítulos finais, a crise da liberal democracia, que deu espaço
para a colaboração da OAB com o golpe (cívico) militar (revolucionário). Todavia, este
Capítulo evoluiu em duas grandes linhas, que, coordenadamente, traduzem o cerne de suas
preocupações, muito embora, aparentemente, entre si sem qualquer conexão evidente: a
construção da nova capital e o novo estatuto da OAB, inspirado na ideologia jurídica ce
1946. Atividades concomitantes, paralelamente, desenvolveram-se como iniciativa
estratégica do poder executivo e como iniciativa do Conselho Federal, articuladamente com
a Câmara dos Deputados. Não podemos afirmar que estas iniciativas entre si estiveram em
confronto, mas a primeira traduziu o crescimento das forças populistas trabalhistas e a
segunda o fortalecimento das frações de elite da advocacia, a tal ponto que a OAB procurou
interferir diretamente na transferência dos tribunais superiores para Brasília, em muitas
ocasiões provocando efeitos parlamentares e de grande explosão jornalística.
No Capitulo sobre os debates parlamentares, que demos grande força nesta
Tese, e também sobre os efeitos do novo Estatuto sobre o desmonte do estado patrimonial,
apoiamos a pesquisa nos pronunciamentos parlamentares e nas atas do Conselho Federal,
quando se demonstrou a decisiva influencia liberal-democrática na construção do ideário
dominante no estatuto da OAB, aprovado em 1963, muito embora, durante os debates
parlamentares, tenham estado visíveis as posições conservadoras e corporativistas, muitas
1092
vezes reativas a uma abertura liberal mais efetiva. Na verdade, como linha conclusiva final
fica evidente que os liberais perderam a batalha da transferência dos tribunais para Brasília,
aspecto central de suas próprias resistências, com efeitos sobre a permanência do Conselho
Federal na cidade do Rio de Janeiro, mas venceram os debates parlamentares pela
redefinição estatutária, assim como, e a própria Tese demonstra, decisivamente esvaziaram
os resíduos patrimonialistas do Estado, remanescente nas velhas praticas (e nem tanto nos
primeiros estatutos) e, da mesma forma, assim como, por um lado, bloquearam o exercício
da advocacia pelos rábulas provisionados, subtraíram dos juizes suas funções disciplinares
sobre os advogados e deram inicio a uma política de avaliação dos bachares, inicialmente
com os estágios de solicitadores e, posteriormente, com os exames de ordem e numa rígida
política disciplinar.
Na verdade, este Capitulo sobre o Estatuto da OAB e o fim do Estado
Patrimonialista acabou por se transformar num Capitulo referencial, o que o tornou longo,
embora qualitativamente importante, especialmente porque ele permitiu fazer a conexão de
transição entre o ideário passado, não apenas após a criação da OAB e a promulgação da
Constituição de 1946, mas, muito especialmente, porque, as informações subtraídas dos
debates parlamentares, foram indicativos essenciais da desconstrução do Estado
patrimonialista, mas o foram, também, e principalmente, o indicativo nuclear do ascendente
Estado de Direito e do conseqüente estatuto da OAB de 1963. Assim, este Capítulo,
significativamente extenso, não apenas demonstra o papel decisivo do estatuto da OAB no
desmonte do Estado patrimonialista, na forma de seus itens pormenorisados, mas reconhece
nesta coincidência paradoxal, que marcou a moderna advocacia brasileira, que, Brasília,
inaugurada e instalada, neste mesmo período,também, era a obra estratégica e propositiva
da futura nação brasileira.
De qualquer forma, se os debates estatutários do Congresso, não foram
indicativos da antevéspera da grande crise institucional brasileira, procuramos incluir neste
mesmo Titulo sobre a OAB e o Estado de Direito as bases essenciais da crise da liberal
democracia, demonstrando, sem estender, todavia, em longo Capítulo, mas apoiando-se na
pesquisa dos debates parlamentares e nas próprias atas do Conselho Federal em itens sobre
a relação entre a OAB e esta crise que afetou o Estado brasileiro. Este Capítulo não teve
uma força construtiva, mas tornou-se imprescindível à medida que o esforço da OAB, para
1093
construir o Estado de Direito, entre 1946/64, diluiu-se na liderança de liberais
conservadores, de grande força corporativa, que embarcaram em alianças com os generais
da Segunda Guerra, imediatamente excluídos do poder, mas que tinham um projeto para o
Brasil, desenvolvido na ESG, embora não correspondesse à proposta da liberal democracia,
paradoxalmente, no entanto, no tempo histórico, demonstrou muitas afinidades com o
estatismo nacionalista que dominou o projeto desenvolvimentista brasileiro.
Independentemente destes fatos, mas também por tantos outros, o espaço
central da Tese, está, todavia, concentrado no Titulo III denominado a OAB e o Estado de
Segurança Nacional, que, procura, a partir das palestras e debates nas conferências de
advogados, bem como, dos atos das reuniões do Conselho Federal, estudar, não apenas as
causas da ruptura com o governo autoritário, mas também, com as tentativas de produzir
uma ideologia jurídica sintonizada com o projeto de segurança nacional e desenvolvimento.
Este projeto, finalmente, acedeu à firme construção de uma ideologia dos Direitos
Humanos, depois das sucessivas resistências à viabilização eficiente do Conselho dos
Direitos e Defesa da Pessoa Humana, - CDDPH, antigo projeto dos advogados, criado a
partir de relatório do liberal udenista Bilac Pinto no Congresso Nacional, mas, sancionado
em 18 de abril de 1964, pelo Presidente João Goulart, na antevéspera da revolução
“redentora” em março/abril do mesmo ano.
Neste Titulo concentraram-se os capítulos sobre a OAB e o Dilema Ideológico
de 1968, Os Advogados e os Direitos Humanos no Estado de Segurança Nacional, O
Estado Autoritário e a Abertura Democrática. Estes capítulos foram elaborados
essencialmente a partir da leitura das palestras pronunciadas nas conferencias da OAB a
partir, principalmente do ano trágico de 1968, quando foi editado o Ato Institucional n°
5/68, que, definitivamente, criou as condições para a promulgação da Emenda
Constitucional n° 1/69 que rompeu os fundamentos constitucionais da Constituição de 1967
e instaurou o Estado de Segurança Nacional, e deixou-se, evidentemente, marcar-se, não
apenas pela repressão política aos movimentos de esquerda e à própria oposição, mas
também, às próprias plataformas apoiadas na defesa dos direitos humanos. Na verdade, as
conferencias que se sucederam neste período (1968 a 1975) foram o fórum de produção das
novas idéias que germinaram e se institucionalizaram na Constituição brasileira de 1988.
Como se verificou, no desenvolvimento da Tese, muitas conferencias evoluíram em linhas
1094
conservadoras e dogmáticas e outras tantas em linhas bastante progressistas e reformistas,
muito embora a Constituição tenha absorvido tendências que independem dessa
classificação geral utilizadas na Tese como referencial metodológico para o seccionamento
das influencias ideológicas.
Na verdade, devemos ressaltar, no entanto, antes que se desdobre qualquer dos
capítulos, que as tantas resistências do governo militar ao funcionamento eficiente do
CDDPH levou, por um lado, à abertura do projeto ideológico do liberalismo-democrático,
comprometido com a defesa dos direitos individuais, a um projeto mais aberto, que, se não
reconheceu absolutamente os direitos coletivos e difusos emergenciais, e não apenas os
direitos sociais, como novo centro dinâmico do direito e da dogmática jurídica, criou as
necessárias condições para o seu reconhecimento extensivo durante a Constituinte, que,
inclusive, admitiu a dimensão existencial (personalíssima) dos direitos individuais. Por
outro lado, neste mesmo contexto, estava evidenciada a fragilidade do clássico Estado de
Direito, que, muitas vezes, metamorfoseava o estado autoritário ou de exceção, como vinha
acontecendo durante o Estado de Segurança Nacional, que utilizava, como estratégia,
transformar os atos institucionais em emendas constitucionais por um Congresso
“servilizado” e atônito diante da radicalidade dos anos do Ato 5 (anos de chumbo). Tanto é
fato que após a Emenda n° 1/69, que absorveu o Ato Institucional n° 5/68, refluiram os atos
institucionais e as emendas constitucionais passaram a representar o processo de adaptação
do estado autoritário à funcionalidade constitucional, até a promulgação da Emenda
Constituinte de 1986.
Neste contexto, as conferencias, que não tinham força estatutária,
transformaram-se não num palco de embates, como já vinha ocorrendo, mas num cenário
para a colocação de novas idéias e de amadurecimento experimental de ideologias e
doutrinas, assim como de reflexão sobre as limitações do ideário estatutário e as suas
imprescindíveis aberturas e sobre os tradicionais institutos jurídicos no contexto de
exigências de novos institutos comprometidos com as novas dimensões de legitimidade. A
velha legalidade fora constrangida pela legitimidade das novas idéias e propostas discutidas
e redescutidas nas conferencias da OAB. De certa forma, por estas razões, as conferências
estiveram sempre programadas, coordenadas em temas centrais dominantes e em questões
de natureza profissional, o que, senão, absolutamente, relativamente, permitiu que as
1095
discussões sobre o ideário profissional depurassem as questões ideológicas e, ao mesmo
tempo, frutificassem na forma de ideologias jurídicas que acomodassem o passado
institucional, reformatassem as suas dimensões viciadas ou comprometidas e, ao mesmo
tempo, incorporassem novas idéias como novos institutos políticos e jurídicos. Como se
verifica, as conferencias, deixavam, cada vez mais, evidente, que precisávamos abandonar a
velha legalidade, não apenas a “legalidade” autoritária, mas também a legalidade atávica
dos institutos romanistas, para reencontrar a nova legitimidade expressiva da nova
sociedade e dos novos tempos.
Neste sentido, ganharam força, como teses, os debates sobre direitos humanos,
sobre justiça social, sobre intervenção do Estado na economia e sobre a relação entre direito
e democracia, de certa forma, deixando superadas as discussões meramente formais sobre
justiça e democracia, assim como, no conjunto evolutivo das conferências cresceram de
importância discussões como a reforma do Poder Judiciário, a reforma agrária, a reforma
urbana, temas históricos imersos sob a superfície da dogmática, nos emergentes contextos
de mudança, que, no seu conjunto, só seriam possíveis de se institucionalizarem a partir de
uma Assembléia Nacional Constituinte, o que efetivamente não ocorreu no curto prazo. É
neste período que toma corpo a discussão que colocará sob seu espaço conceitual toda a
nova dimensão jurídica da temática modernizadora: Estado democrático e Estado de
Direito, que, pelas tantas variáveis que os aproximava, e pelas tantas que os separava,
evoluiu inicialmente como uma proposta de Estado de Direito Democrático, como que
inviabilizando a superada posição do clássico Estado de Direito para definir-se que todo
Estado de Direito só é de direito enquanto estado democrático e, que, todo Estado
democrático só o é democrático enquanto Estado de Direito, permitindo que a Constituinte,
a partir das conferência da OAB, chegasse à formula do Estado Democrático de Direito.
Todavia, antes de evoluirmos, na Tese, num estudo mais aprofundado sobre a
paradoxal relação entre a abertura democrática e a curva ascendente do terrorismo
paraestatal, a Lei de Anistia de 1979, definitivamente, consagrou os esforços da OAB para
restaurar o funcionamento, se não democrático do Estado de Direito no Brasil, quando
destacaram-se a influencia da Carta de Curitiba (VII Conferencia), da Carta de Manaus
(VIII Conferencia) e da Carta de Florianópolis (IX Conferencia), documentos da OAB que
efetivamente traçaram os rumos do Estado de Direito e que permitiram definir os seus
1096
rumos futuros, como se verificou na Tese, para o Estado Democrático de Direito. A Lei de
Anistia não fora um documento final, mas na verdade, ela evitou qualquer condição de
recuo institucional, apesar do seu alcance bilateral. Por outro lado, não se pode
desconhecer, também, que esta Lei, que refletiu em muito o esforço da OAB, provocou a
ira dos porões da ditadura, que recrudeceu no terror paraestatal fazendo da OAB a sua
própria vitima.
As políticas de radicalização autoritária, que, mais visivelmente, procuramos
demonstrar a partir do Título IV, A OAB e a Redemocratização, invadiram todos os
espaços da vida social, especialmente depois da Anistia de 1979, perseguindo, torturando e
inibindo a atividade profissional dos advogados, quase sempre clandestinamente, até
alcançar o âmago da Ordem dos Advogados, na cidade do Rio de Janeiro, onde se
encontrava, ainda, a sua sede federal (e, também, no mesmo local, a seccional da OAB do
Rio de Janeiro) com o atentado a bomba que matou a exemplar funcionária da OAB: Lida
Monteiro. Este incidente terrorista, imediatamente após a conferência de Manaus (1980),
colocou em cheque, não propriamente o Estatuto de 1963, vigente há 17 anos, mas os seus
dispositivos de controle: a proibição de manifestação e participação política intensamente
desrespeitada no passado (1964) de adesão ao movimento militar, mas juridicamente
reconhecido naqueles anos (1980/81), e as restrições às críticas e aos opinamentos que
ferissem a ordem jurídica (e a Constituição), admitidas no passado (1964), quando se
tratava de instabilizar o regime democrático (de 1946/64), mas, dogmaticamente,
reconhecidas, o que evitou uma ruptura com o CDDPH e, mais tarde, uma ação mais
interveniente na apuração dos atos de terror paraestatal que extrapolaram a dimensão
suportável do enigmático atentado do Riocentro (1º de maio de 1981).
De qualquer forma, como demonstramos na Tese, estas questões de acentuado
aprofundamento político não neutralizaram as tantas colaborações de natureza técnica que
influíram no processo constituinte e na própria Constituição. Nas conferências da OAB
vieram à luz a discussão de institutos essenciais para o direito brasileiro moderno,
destinados à defesa dos direitos coletivos e difusos, instituto emergente e de grande alcance
para o direito brasileiro, como a Ação Civil Pública, o Mandado de Segurança Coletivo e a
nova tipificação da Ação Popular. Por outro lado, não se pode desconhecer, como
demonstramos, que, mesmo com as restrições que se impuseram, os dispositivos sobre o
1097
alcance social da propriedade em muito fluíram nos debates da OAB, assim como tiveram
grande relevância as discussões sobre os direitos da personalidade. A OAB, como se
verifica no próprio texto constitucional, teve também os seus insucessos propositivos, mas
isto não marcou as suas tantas conquistas, principalmente, no equilíbrio da redação do texto
constitucional.
Finalmente, procuramos organizar o Titulo IV, com a denominação A OAB e a
Redemocratização, para que no Título V, mais especificamente, pudéssemos abordar a
nova formatação do Estado intitulando-o de A OAB e o Estado Democrático de Direito
reconhecendo a sua importância para os novos processos de mudança social. Neste sentido,
concentramos a pesquisa e a análise final em capítulos sobre as conferencias, que,
imediatamente, antecederam à promulgação da Constituição brasileira, de 5 de outubro de
1988, inclusive, aquela que ocorreu durante a sua fase conclusiva, a XII Conferencia
realizada em Porto Alegre. Assim, os capítulos finais da Tese ficaram distribuídos entre o
Título IV e o Titulo V, sendo que no Titulo IV incluíram-se os capítulos sobre: A Transição
Política e o Terror Paraestatal, e O Dilema da Eleição Presidencial Direta e da
Assembléia Constituinte. Estes capítulos permitiram que no Título V fossem estudados
temas sobre A OAB e a Constituição de 1988 e, A Constituição e a Mudança Social
Todavia, do conjunto destes capítulos deve-se ressaltar a importância do
Capítulo sobre Os Dilemas da Eleição Presidencial Direta e da Assembléia Constituinte,
quando se procurou demonstrar as dificuldades de entrosamento entre o projeto parlamentar
de “eleições diretas” e o projeto dos advogados, subjacentes a quase todas as conferências,
sobre a “Assembléia Nacional Constituinte”, exclusiva e soberana. O quadro constitucional
construtivo, todavia, só evoluiu após a mais interferente e dilemática das questões levadas
ao plenário e comissões do Conselho Federal, que, produziu efeitos dilacerantes na história
imediata da OAB, mais profundos que a “questão Brasília” e “a questão Conselho de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, CDDPH”, ou o atentado a OAB do Rio de Janeiro,
de menor alcance, apenas, que a “questão do terror para-estatal”: o movimento “Diretas Já”
para Presidente da República. Esta questão, juntamente com a questão da convocação
Constituinte, está analisada coordenadamente no Capítulo XI, evitando desmembrar em
capítulos diferenciados a análise de temas entre si articulados, exatamente, para demonstrar,
que, se um tema não excluiu o outro, marcaram ambos, de qualquer forma, o
1098
seccionamento das expectativas ideológicas dos advogados na reta final da promulgação
constitucional. Como mostramos, o projeto de “eleições diretas”, um projeto político, não
era um projeto da OAB, mas a OAB viu-se envolvida na proposta, o que provocou
fracionamentos internos, e, por outro lado, “o projeto constituinte” era um projeto da OAB,
mas que não evoluiu nas dimensões das expectativas de suas conferências realizadas até
1984.
Vários fatores podem funcionar como indicadores para a dessintonia entre os
dois momentos políticos de relevância histórica: em primeiro lugar, as discussões sobre o
tema das eleições diretas voltaram a colocar em cheque a reconhecida proibição da OAB de
participar de assuntos políticos e partidários; em segundo lugar, a proposta das Diretas
atropelou o projeto de lutas por uma Assembléia Nacional Constituinte independente e
abrangente. Estes dois fatores coordenadamente provocaram um seccionamento interno de
posições ideológicas no Conselho Federal, que, se num primeiro momento deslocou a
questão do conteúdo constituinte, que evoluía gradativamente a partir das conferencias,
num segundo momento, desviou as discussões internas, premidas por uma nova proposta de
organização da ordem jurídica, para uma discussão de natureza essencialmente política,
fundamental para o país e mais dilemática estatutariamente para a OAB.
Na verdade, o envolvimento da OAB, na Campanha das Diretas teve um efeito
interno significativo provocando o rápido desdobramento das posturas voltadas para a
formatação de um humanismo social-liberal, que evoluíra no contexto histórico das
Conferencias, para um projeto de conotação mais ideológica, resultante dos fatores
políticos externos, autodenominado, nas ultimas conferências, de “democracia econômica”,
quem sabe expressivo, naquele momento histórico, de significativas vertentes políticas de
esquerda, mas não exatamente expressivas do projeto constituinte (histórico) da OAB. De
qualquer forma, o envolvimento da OAB no movimento da Diretas, como procuramos
inferir da leitura das atas, posteriormente traduzido nas conferencias que antecederam à
promulgação da Constituição, inclinaram-se em dois planos ideológicos diferenciados: o
humanismo social liberal e a democracia econômica, muito embora, no que se refere à
proteção dos direitos humanos, principalmente na sua dimensão existencial, e à construção
do Estado democrático de direito, as duas grandes tendências e, inclusive, outras de
expressão menor, estavam entre si sintonizadas .
1099
Não há como se desconhecer, de qualquer forma, que, com relação à população
como um todo, aos cidadãos em geral, a longa permanência autoritária no poder e os seus
próprios excessos cometidos na ascensão, na consolidação e na própria decadência
justificavam o amplo movimento das “Diretas” que teve grande efeito mobilizador, uniu a
sociedade civil contra o Estado ilegítimo, mas teve duas grandes conseqüências, conforme
demonstramos nesta Tese: do ponto de vista da OAB, a instituição evoluiu para as grandes
mobilizações nacionais, inclinando-se, inclusive, pelo menos no que se refere às tendências
identificadas nas cartas de Recife, Belém e Porto Alegre, para o projeto da “democracia
econômica” e, por outro lado, ficou também evidente a contradição entre a força instituída
do poder (revolucionário) governante, que, na votação da Emenda das diretas, não ganhou,
mas levou, por força do quorum imposto pelo artigo 48 da Constituição brasileira (vigente),
cuja redação fora dada pela Emenda n° 22, de 05 de julho de 1982, ( 2/3 (dois terços) dos
votos dos membros de cada casa do Congresso para a aprovação de qualquer Emenda
Constitucional.
Esta trágica ocorrência colocou para o país, que, a convocatória constituinte,
não apenas dependeria de se enfrentar a forma prescrita pela Constituição de 1967,
mutilada pela Emenda Constitucional nº 1/1969 (e tantas que a sucederam), como também,
torna-se imprescindível reconhecer, que, a mudança do quadro constitucional dependeria,
não apenas das forças de oposição mobilizadas no movimento das Diretas, mas, também, de
frações do poder instituído. Este pacto se realizou com o movimento que culminou com a
eleição de Tancredo Neves pelo sufrágio de um colégio eleitoral, conforme redação do
artigo 74 e §§ da Constituição de 1967/69.
1688
.
Este colegiado para eleição presidencial fora composto num dos mais difíceis
momentos do governo militar, no entanto sobreviveu a este próprio tempo, garantindo e
regulando a sucessão presidencial. No entanto, imediatamente a eleição de Tancredo Neves,
e posse do vice José Sarney, a Emenda Constitucional n° 25, de 15 de maio de 1985,
1688
Este artigo, na forma da Constituição de 67 estava numerado como arts. 75.76 e §§ 1° e 2°, atribuindo
sufrágio a um colégio eleitoral composto de membros do congresso e assembléias legislativas dos estados. O
Ato Institucional n° 16 de 14.10.69 (art. 4°) definiu que o colégio se constituiria apenas de membros do
congresso nacional. A Emenda Constitucional n° 1 de 24.10.69 alterou a numeração dos artigos para 73 e 74,
restaurando a fórmula do Colégio Eleitoral composto dos membros do Congresso Nacional e Delegados de
Assembléias Legislativas que fora alterado pela Emenda Constitucional n° 8, de 14.04.77, que voltou a fazer
adaptações numéricas no colegiado e na composição da Câmara, sendo, todavia, que a Emenda Constitucional
n° 22, de 05.07.82 voltou a refazer a sua composição, permanecendo, todavia, a fórmula do colégio de
membros do Congresso e Delegado das Assembléias Legislativas
1100
quando presidia a Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães e o Senado Federal José
Fragelli restaurou-se a eleição direta para Presidente e Vice Presidente da República, desde
que o candidato vitorioso obtivesse a maioria absoluta de votos no colegiado constituído
pelos membros do Congresso, inclusive os senadores biônicos, e delegados de Assembléias
Legislativas.
Estas tantas questões permitiram que no Titulo V fossem estudadas as
condições que permitiram imediatamente após, o falecimento do Presidente Tancredo
Neves, já estando na Presidência da República José Sarney, e como presidentes das Mesas
da Câmara Federal e do Senado Federal, respectivamente Ulysses Guimarães e José
Fragelli, fosse editada a Emenda n°26, de 27 de novembro de 1985 que convocou uma
Assembléia Constituinte na forma da legislação eleitoral vigente desde 1965, limitada nos
seus poderes, minada pelos senadores biônicos e que funcionava consecutivamente como
Congresso Nacional, senão a exata fórmula, semelhantemente à Assembléia Constituinte
convocada em 1945, sob a influencia liberal democrática. Esta especial forma de
convocação, não apenas frustrou a proposta constituinte da OAB, ampla e geral, mas abateu
o seu projeto de democracia econômica, como se denominava, especialmente destacado na
X Conferência, em Recife, e XI Conferência, em Belém, favorecendo um projeto
constituinte que poderia ter amplos efeitos jurídicos, mas reduzidos efeitos estruturais.
A conferencia de Belém, em 1985, efetivamente, apresentou sugestões para
uma nova Constituição, de especialíssima força ruptiva, apesar de deixar em aberto a
definição do poder convocatório da Constituinte. Todavia, a “derrota” parlamentar das
“Diretas já”, praticamente, deixou reconhecida que a competência convocatória, passava
pelo titular do poder instituído (Presidente da República), que, também, tinha poderes para
propor emendas juntamente com membros da Câmara e do Senado, comprometidos com
uma transição por conciliação, desprezada qualquer forma de rompimento institucional,
social e econômico, imanente, alias, às proposições conclusivas de Belém. Na verdade, o
que se verifica nos Anaes da XI Conferência é que o seu projeto foi um desagravo dos
ofendidos e oprimidos, que, para assumirem, entendemos, uma posição politicamente ativa,
precisavam de imediatas providencias para realização da reforma agrária, da reforma
urbana, da estatização de setores estratégicos de infraestrutura e, não apenas, da
recuperação das competências do Poder Judiciário para tratar de questões individuais, mas
1101
de um Poder Judiciário comprometido com um projeto de mudança estrutural, muito mais
do que uma modernização hierárquica, como estava proposto e foi transposto para a própria
Constituição.
Neste quadro geral, principalmente considerando as condições de convocação e
funcionamento da Constituinte, seria dificílimo, como de fato o foi, a aprovação de uma
democracia econômica constitucional cujos instrumentos legais colaborassem para o
rompimento das matrizes históricas da opressão, como veio a observar Florestan Fernandes,
na XII Conferência. No fundo, guardadas as dimensões econômicas alcançadas, menos que
uma democracia econômica, a Constituição de 1988 consagrou o Estado Democrático de
Direito, como forma de organização política, e um projeto, menos que social democrático,
na tradicional concepção, social-liberal, que privilegiou os direitos humanos e as tantas
aberturas para os novos direitos coletivos e difusos e existenciais.
A XII Conferência, no contexto do Título V, realizada no mesmo período de
proclamação da Constituição de 5 de outubro de 1988, no Capitulo sobre a OAB e a
Constituição de 1988, de profundo esforço teórico, melhor analisamos o projeto da OAB e
o texto constitucional, para, por fim, concentrarmos-nos no ultimo Capítulo sobre a
Constituição e Mudança Social, na XII e última Conferencia, incluída em nossa pesquisa,
realizada em Porto Alegre, que, coincide, exatamente, com a promulgação da Constituição,
mas de significativo viés crítico, em relação à Constituição promulgada, principalmente
embasada nos pronunciamentos de abertura e encerramento influenciados pela leitura
sociológica ou pela leitura política da Constituão, deixando visível que estava superada a
questão constitucional e aberta a temporada para a reavaliação das condições da
Constituição brasileira de 1988 alcançar mudanças sociais que pudessem representar
rupturas com as matrizes históricas que presidiram as relações sociais no Brasil.
A Conferência de Porto Alegre não propriamente se dedicou a estudos jurídicos
profundos sobre a Constituição de 1988, deixando-se marcar pelas propostas desconectivas
entre a nova Constituição e as lutas políticas lideradas pelo PT e pelos movimentos sociais.
No Capítulo XII, anterior, desta Tese, todavia, para superar esta lacuna entre os projetos
constituintes e a Constituição, procuramos trabalhar comparadamente as diferentes
tendências entre as conclusões da OAB, o Projeto Afonso Arinos e o próprio texto
constitucional, onde, visivelmente, houve um grande entendimento entre os diferentes
1102
projetos sobre o tema dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, bem como sobre alguns
avanços do papel do Poder Judiciário, mas grandes divergências sobre um novo projeto
referente a uma nova estrutura para a propriedade, o que não prejudicou as propostas de
proteção dos novos direitos civis enquanto direitos de terceira geração. Todavia, embora a
documentação consultada sobre este tema seja frágil e dispersa, houve uma grande coesão
sobre a construção de uma ordem econômica estatista com grande força interventiva do
Estado nas políticas de infraestrutura.
Promulgada a Constituição em 5 de outubro de 1988, estava o Brasil diante dos
seguintes dilemas: implementar a Constituição na sua forma promulgada, marcada pelo
humanismo social-liberal e pelo estatismo intervencionista e/ou avançar no projeto de
reformas sociais a partir das conquistas democráticas, como pretendeu as conclusões da
Conferencia de Porto Alegre. A opção pela primeira alternativa dominava entre aqueles
partidos (e sua representação congressual) que constituíam a nova maioria parlamentar,
sendo que, a segunda alternativa, ficava com os militantes de esquerda presentes, os
advogados, inclusive, abertos às questões dos direitos humanos, enquanto, também, direito
à terra e à moradia. Estas novas frações não compunham o novo pacto de poder e as
resistências sucessivas durante o processo constituinte da nova Constituição os excluía da
composição dos novos fatores reais de poder.
Por outro lado, é muito importante ressaltar que, a nova Constituição, exigia um
quorum de 3/5 (três quintos) da votação dos membros de cada casa do Congresso Nacional
para a aprovação de emendas, excessivamente rígida para se alcançar as mudanças sociais
que se pretendia. Este quorum, para a tradição brasileira, era excessivo, para efeitos de
mudança constitucional, comparável apenas ao quorum fixado pela Emenda n° 22/82 (art.
48 da Constituição 1967/69), que, exigindo maioria qualificada de 3/5 (três quintos) para
aprovação de emendas, inviabilizou o projeto de “eleições diretas” para presidente.
A opção pela Constituição rígida, na iminência de grandes mudanças na
geopolítica internacional, e ante o volume das próprias pressões internas de organizações
civis e de partidos políticos, levou os próprios constituintes a aprovarem, para se realizar 5
anos após, dispositivo constitucional (art. 3º das DCT), que permitia, em 1993/94, a
realização de uma revisão constitucional por maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão unicameral, assim como marcava (para 7 de setembro de 1993)
1103
plebiscito (art. 2º da DCT) para que a população escolhesse a republica ou a monarquia
Constitucional como forma de governo, assim como optasse entre o presidencialismo e o
parlamentarismo como sistema de governo.
Os fatos que ocorreram internacionalmente, neste lapso de 5 (cinco) anos,
mudaram os destinos dos povos do leste europeu, principalmente com a queda do Muro de
Berlim, com efeitos decisivos sobre os paises do ocidente. Balanceando-se com os rumos
da política internacional, internamente, o país elegera (1990), não um candidato a
presidente que se posicionara á esquerda da própria Constituição (Luis Inácio Lula da
Silva), mas um candidato a presidente, que, não participara do processo constituinte e, se,
politicamente, não se posicionava à direita (Fernando Collor), apresentou-se como
alternativa aos programas social-democráticos, tanto na linha do candidato do PMDB
Ulysses Guimarães, como do candidato do PSDB Mario Covas e, porque não, do próprio
PT de Lula.
Fernando Collor, com uma visível proposta de privatização da ordem
econômica, senão diretamente, pelas tantas insuficiências (e cumplicidades) estratégicas e
resistências internas (as iniciativas reformistas de Collor foram exclusivamente legislativas,
não tendo elo proposto qualquer Emenda constitucional), levou ao seu próprio
impeachment, promovido por iniciativa da OAB (1992), quando era Presidente Marcelo
Lavanère, no exato interegno entre o agonizante Estatuto de 1963 e a antevéspera de
promulgação do novo Estatuto de 1994. Durante este período, não se obteve qualquer
modificação na forma (República ou Monarquia Constitucional) e no sistema de governo
(Parlamentarismo ou Presidencialismo). O plebiscito de 1993, constitucionalmente
proposto para captar a posição popular sobre este tema, também, no ano de 1994, já estando
na Presidência (há cerca de dois anos), Itamar Franco, Vice-Presidente, que substituíra o
presidente afastado, também não alcançou qualquer modificação constitucional. As
emendas de revisão, para se alcançar modificações constitucionais, sem o altíssimo custo
político das emendas constitucionais, foram um grande fracasso, mesmo com o sistema de
quorum constitucional de maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional não
contribuíram para alcançar, nas 6 (seis) emendas promulgadas, qualquer modificação de
maior expressão política.
1104
Neste período, a OAB adquiriu grande força expansiva, especialmente pelo seu
papel na estrita exigência de cumprimento da ordem constitucional no processo de
impeachment, o que, efetivamente, refletiu na contenção (também patrocinada pelo
Presidente Itamar Franco) das políticas de privatização e no fortalecimento da ideologia
jurídica constitucional. Esta especial postura, como já procuramos demonstrar, se
contribuiu para a defesa da Constituição, também permitiu que seu arcabouço ideológico,
influenciasse, como sempre ocorrera, o ideário profissional dos advogados, consagrado na
Lei nº. 8906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da OAB e da Advocacia), imediatamente ao
encaminhamento do Projeto de Lei nº. 2938/92 á Câmara dos Deputados, que adquiriu, no
Senado Federal, o nº. 88/94, sancionado, integralmente, pelo Presidente Itamar Franco.
A promulgação, por conseguinte, do Estatuto da Advocacia e da OAB, seguida
do Regulamento ger|Al (de 31.11.94) e do Código de Ética e Disciplina (de 1.3.95), no
quadro geral da Constituição de 1988, definitivamente conceituou a Ordem dos Advogados
do Brasil – OAB, como serviço público, dotado de personalidade jurídica e forma
federativa, (tendo) como finalidade: defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado
democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação
das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
instituições jurídicas (inc. I, art. 44), aproximou significativamente o ideário estatutário da
ideologia jurídica constitucional. Por outro lado, e por isto mesmo, não abriu as suas
competências para o envolvimento direto nos movimentos de reformas estruturais
(mudanças sociais) que fugissem dos padrões referenciais da legitimidade da ordem
jurídica do Estado democrático de direito. Definitivamente, estava a OAB desmobilizada
para as questões que pretendessem qualquer tipo de mudança da ordem senão pelos
caminhos da ordem, o que inviabilizou qualquer resistência mais profunda ao processo de
privatização da ordem econômica estatizada, que ocorreu a partir de 1995, essencialmente e
paradoxalmente apoiada no critério qualificado das emendas constitucionais.
Os caminhos da mudança social deveriam, necessariamente, passar, pelo rígido
quorum constitucional, que, evoluiu, muito mais, no sentido de privatizar os setores
estatizados da economia, do que propriamente, no sentido de (democratizar) o modo de
produção capitalista, como esperavam os eloqüentes debatedores e subscritores da Carta de
Porto Alegre. Neste sentido, o radical sucesso alcançado pelas políticas de estatização de
1105
setores estratégicos e de infraestrutura, no novo texto constitucional, colocados nas
proposições conclusivas da OAB, sofreu, neste curtíssimo tempo futuro, um desmonte
significativo com a implementação das políticas neoliberais de privatização, permitindo-se
reconhecer, que, as aberturas constitucionais, que, poderiam garantir, democraticamente,
avanços estruturais significativos para os oprimidos e despossuidos, viabilizassem
radicalmente a reversão do histórico processo de estatização da economia brasileira.
Os insucessos políticos das proposições conclusivas da OAB, todavia, não se
reduziram à reversão constitucional estatista, mas, juridicamente os direitos e garantias
fundamentais tornaram-se possíveis à medida que o Estatuto de 1994, e documentos
complementares, assumiram, como parte integrante do novo ideário profissional, a
ideologia jurídica da Constituição de 1988, não apenas no seu projeto de construção do
Estado Democrático de Direito, mas, também, nos seus compromissos com o humanismo
social-liberal, sem que alcançasse propriamente os indicadores da democracia econômica,
suscetíveis à pressão do processo de globalização e modernização tecnológica. Resta,
definitivamente demonstrado, que, com base no mais rígido dos quoruns das Constituições
brasileiras paradoxalmente as forças políticas e partidárias e muitos de seus representantes
exponenciais que contribuíram para a redação da Carta de Porto Alegre, propondo avançar
nas reformas sociais, a partir do Estado Democrático de Direito, assumiram, politicamente,
o projeto de desestatização da economia brasileira, viabilizando as tantas emendas (52) da
ordem econômica (e assuntos conexos), seguidas de amplíssimo leque de medidas
provisórias, e, ao mesmo tempo, esvaziaram historicamente, o projeto de reformas sociais,
levando, para a mais profunda crise institucional, o Brasil.
Finalmente, neste novo e especial contexto, imposto pelos resultados
constitucionais de 1988, a OAB buscou os seus novos caminhos, nos limites suportáveis da
nova ordem social-liberal.
1106
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Anais da II Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo 1961.
Anais da III Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Recife 1968.
Anais da IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo 1970.
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Ata da 2ª Sessão Preparatória para Instalação do Conselho Federal da Ordem dos
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Ata da 6ª Sessão da 2ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, de 15 de agosto de 1934.
Ata da 129ª Sessão da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil de 18 de agosto de 1938.
Ata da 130ª Sessão da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil de 25 de agosto de 1938.
Ata da 131ª Sessão da 7ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil de 30 de agosto de 1938.
Ata da 197ª Sessão da 9ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil de 12 de novembro de 1940.
Ata da 210ª Sessão da 9ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil de 12 de novembro de 1940.
Ata da 282ª Sessão da 11ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de agosto de 1942.
Ata da 283ª Sessão da 11ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de agosto de 1942.
Ata da 284ª Sessão da 11ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de agosto de 1942.
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Advogados do Brasil de 6 de junho de 1944.
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Advogados do Brasil de 28 de agosto de 1945
Ata da 403ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 4 de setembro de 1945
Ata da 405ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de setembro de 1945.
Ata da 406ª Sessão, da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de setembro de 1945.
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Advogados do Brasil de 16 de outubro de 1945.
Ata da 410ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de outubro de 1945.
Ata da 411ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de outubro de 1945.
Ata da 412ª Sessão da 15ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 06 de novembro de 1945.
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Advogados do Brasil de 19 de outubro de 1948.
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Advogados do Brasil de 7 de dezembro de 1948.
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Advogados do Brasil de 19 de setembro de 1950.
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Advogados do Brasil de 18 de julho de 1950.
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Advogados do Brasil de 15 de maio de 1951.
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Advogados do Brasil de 29 de abril de 1952.
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Advogados do Brasil de 16 de setembro de 1952
Ata da 673ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de setembro de 1952
Ata da 674ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de setembro de 1952
Ata da 681ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de novembro de 1952
Ata da 682ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de novembro de 1952
Ata da 684ª Sessão da 22ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
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Ata da 782ª Sessão da 25ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
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Advogados do Brasil de 7 de abril de 1959.
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Advogados do Brasil 10 de abril de 1959.
Ata da 925ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de abril de 1959.
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Advogados do Brasil de 11 de agosto de 1959.
Ata da 954ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de outubro de 1959.
Ata da 958ª Sessão da 29ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil 24 de novembro de 1959.
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Ata da 1294ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de julho de 1973
Ata da 1296ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 22 de agosto de 1973
Ata da 1297ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de agosto de 1973
Ata da 1298ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de setembro de 1973
Ata da 1299ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 2 de agosto de 1973
Ata da 1301ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de outubro de 1973
Ata da 1305ª Sessão da 43ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de dezembro de 1973
Ata da 1306ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 2 de abril de 1974
Ata da 1307ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 22 de abril de 1974
Ata da 1310ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de maio de 1973
Ata da 1311ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de junho de 1974
Ata da 1312ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de junho de 1974
Ata da 1313ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de julho de 1974.
Ata da 1314ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de julho de 1974
Ata da 1315ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de agosto de 1974
1129
Ata da 1316ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de setembro de 1974
Ata da 1317ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 22 de outubro de 1974
Ata da 1319ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de novembro de 1974
Ata da 1320ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 26 de novembro de 1974
Ata da 1321ª Sessão da 44ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de dezembro de 1974
Ata da 1322ª Sessão Extraordinária da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil de 7 de março de 1975
Ata da 1323ª Sessão Extraordinária da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil de 23 de março de 1975
Ata da 1324ª Sessão de Instalação da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil de 1º de abril de 1975.
Ata da 1325ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 8 de abril de 1975
Ata da 1326ª Sessão da 45ªReunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 29 de abril de 1975.
Ata da 1327ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de maio de 1975
Ata da 1329ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 22 de julho de 1975
Ata da 1333ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 29 de outubro de 1975
Ata da 1334ª Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de novembro de 1975.
Ata da 1335º Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 9 de dezembro de 1975
Ata da 1336º Sessão da 45ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de dezembro de 1975
Ata da 1339ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de maior de 1976
Ata da 1343ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de agosto de 1976
Ata da 1348ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de dezembro de 1976
Ata da 1349ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de dezembro de 1976.
Ata da 1350ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de janeiro de 1977
Ata da 1358ª Sessão da 46ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de setembro de 1977
Ata da 1351ª Sessão de Instalação da 47ª Reunião do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 10 de abril de 1977.
1130
Ata da 1352ª Sessão da 47ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de abril de 1977
Ata da 1354ª Sessão da 47ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de junho de 1977
Ata da 1363ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de abril de 1978
Ata da Sessão 1364ª da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de maio de 1978
Ata da 1365ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de maio de 1978
Ata da 1367ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de junho de 1978
Ata da 1371ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de setembro de 1978
Ata da 1372ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 26 de setembro de 1978
Ata da 1378ª Sessão da 48ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de abril de 1979
Ata da 1377ª Sessão de Instalação da 49ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil de 1º de abril de 1979.
Ata da 1382ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de julho de 1979
Ata da 1386ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de agosto de 1979
Ata da 1393ª Sessão da 49º Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de dezembro 1979
Ata da 1395ª Sessão da 49ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil 11 de março de 1980
Ata da 1398ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 10 de junho de 1980.
Ata da 1399ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 24 de junho de 1980.
Ata da 1403ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de agosto de 1980.
Ata da 1405ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de agosto de 1980.
Ata da 1406ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 9 de setembro de 1980
Ata da 1407ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de setembro de 1980.
Ata da 1408ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 23 de setembro de 1980.
Ata da 1413ª Sessão da 50ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 2 de fevereiro de 1981
Ata da 1419ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil de 1º de abril de 1981.
1131
Ata da 1420ª Sessão de Instalação da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil de 1º de abril de 1981
Ata da 1421ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de abril de 1981.
Ata da 1422ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de abril de 1981
Ata da 1425ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de junho de 1981
Ata da 1426ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de junho de 1981.
Ata da 1427ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de julho de 1981.
Ata da 1430ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de agosto de 1981
Ata da 1432ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 21 de setembro de 1981.
Ata da 1433ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de setembro de 1981
Ata da 1438ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 7 de dezembro de 1981
Ata da 1441ª Sessão da 51ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de dezembro de 1981
Ata da 1442ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de janeiro de 1982
Ata da 1443ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de agosto de 1982
Ata da 1446ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 1º de abril de 1982.
Ata da 1448ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de junho de 1982
Ata da 1451ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 26 de julho de 1982
Ata da 1455ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de agosto de 1982
Ata da 1457ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 27 de setembro de 1982
Ata da 1463ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 10 de dezembro de 1982
Ata da 1466ª Sessão da 52ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 25 de fevereiro de 1983.
Ata da 1467ª Sessão da 52ª Reunião do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil de 7 de março de 1983
Ata da 1468ª Sessão da 53º Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 4 de abril de 1983.
Ata da 1469ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de abril de 1983.
1132
Ata da 1485ª Sessão da 53º Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 20 de dezembro de 1983
Ata da 1486ª Sessão da 53ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de fevereiro de 1984
Ata da 1504ª Sessão da 54ª Reunião Ordinária de 26 de fevereiro de 1985.
Ata da 1505ª Sessão da 54ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de março de 1985
Ata da 1506ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 1º de abril de 1985
Ata da 1507ª Sessão da 55ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 1º de abril de 1985
Ata da 1508ª Sessão da 55ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de maio de 1985
Ata da 1522ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de março de 1986.
Ata da 1523ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de abril de 1986.
Ata da 1524ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de abril de 1986.
Ata da 1525ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de maio de 1986.
Ata da 1526ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de maio de 1986.
Ata da 1527ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 07 de junho de 1986.
Ata da 1528ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de junho de 1986.
Ata da 1529ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 07 de julho de 1986.
Ata da 1530ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 08 de julho de 1986.
Ata da 1532ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de setembro de 1986.
Ata da 1533ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de setembro de 1986.
Ata da 1534ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de outubro de 1986.
Ata da 1535ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de outubro de 1986.
Ata da 1536ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 03 de novembro de 1986.
Ata da 1537ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 04 de novembro de 1986.
Ata da 1538ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de dezembro de 1986.
Ata da 1539ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de dezembro de 1986.
1133
Ata da 1540ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de fevereiro de 1987.
Ata da 1541ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de fevereiro de 1987.
Ata da 1542ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 01 de abril de 1987.
Ata da 1543ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de maio de 1987.
Ata da 1544ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de maio de 1987.
Ata da 1545ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 29 de junho de 1987.
Ata da 1546ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de junho de 1987.
Ata da 1547ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de julho de 1987.
Ata da 1548ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de julho de 1987.
Ata da 1549ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de agosto de 1987.
Ata da 1550ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de agosto de 1987.
Ata da 1540ª Sessão da 56ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de fevereiro de 1987.
Ata da 1551ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de setembro de 1987.
Ata da 1552ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de setembro de 1987.
Ata da 1553ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de outubro de 1987.
Ata da 1554ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 20 de outubro de 1987.
Ata da 1555ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de novembro de 1987.
Ata da 1556ª Sessão da 57ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de novembro de 1987.
Ata da 1557ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de dezembro de 1987.
Ata da 1558ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de dezembro de 1987.
Ata da 1559ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de março de 1988.
Ata da 1560ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de março de 1988.
Ata da 1561ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de abril de 1988.
1134
Ata da 1562ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de abril de 1988.
Ata da 1563ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de maio de 1988.
Ata da 1564ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de maio de 1988.
Ata da 1565ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de junho de 1988.
Ata da 1566ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 14 de junho de 1988.
Ata da 1567ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de julho de 1988.
Ata da 1568ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de julho de 1988.
Ata da 1569ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de agosto de 1988.
Ata da 1570ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de agosto de 1988.
Ata da 1571ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de setembro de 1988.
Ata da 1572ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de setembro de 1988.
Ata da 1574ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 21 de novembro de 1988.
Ata da 1575ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 22 de novembro de 1988.
Ata da 1576ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 19 de dezembro de 1988.
Ata da 1577ª Sessão da 58ª Reunião Ordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 20 de dezembro de 1988.
2.5. Atas das Reuniões Extraordinárias.
Ata da 1º Sessão da 2ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 16 de abril de 1934.
Ata da 12ª Sessão da 2ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de julho de 1934.
Ata da 2º Sessão da 5º Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 31 de maio de 1937
Ata da 114ª Sessão da 6ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 04 de maio de 1938.
Ata da 346ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 30 de maio de 1944.
1135
Ata da 347ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 6 de junho de 1944.
Ata da 352ª Sessão da 12º Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de julho de 1944
Ata da 353ª Sessão da 12ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de julho de 1944.
Ata da 380ª Sessão da 13ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 26 de março de 1945.
Ata da 381ª Sessão da 14ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 17 de abril de 1945.
Ata de 383º Sessão da 14ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 2 de maio de 1945
Ata de 392ª Sessão da 14ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 26 de junho de 1945
Ata da 407ª Sessão da 15ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 02 de outubro de 1945.
Ata da 413ª Sessão da 15ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 13 de novembro de 1945.
Ata da 353ª Sessão da 18ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 18 de julho de 1948.
Ver Ata da 621ª Sessão da 20ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 15 de maio de 1951
Ata da 817ª Sessão da 26ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 11 de agosto de 1956.
Ata da 1304ª Sessão da 43ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 10 de dezembro de 1973.
Ata da 1309ª Sessão da 44ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 10 de maio de 1974
Ata da 1416ª Sessão da 50ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 28 de janeiro de 1981
Ata da 1423ª Sessão da 51ª Reunião Extraordinária do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil de 12 de maio de 1981
2.6. Atas das Sessões Plenárias.
Ata da 1262º Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
25 de maio de 1971
Ata da 1268º Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
28 de setembro de 1971
Ata da 1272ª Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
16 de dezembro de 1971
Ata da 1278ª Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
25 de julho de 1972
1136
Ata da 1275ª Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
23 de maio de 1972.
Ata da 1277ª Sessão Plenária do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de
20 de junho de 1972
Ata da Reunião Extraordinária do Conselho Pleno de 20 de dezembro de 1983.
Ata da Reunião Extraordinária do Conselho Pleno de 14 de fevereiro de 1984
Ata da Sessão Especial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil de 18 de
fevereiro de 1981.
2.7. Fontes Primárias Complementares
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1930.
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Documentação e Informação (Org. Aurélio Wander Bastos) 1977.
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1137
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Deputados. Centro de Documentação e Informação (Org. Aurélio Wander Bastos) 1978.
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Federal. Centro de Documentação e Informação. (Org. Aurélio Wander Bastos) 1981/82.
2.8. Atos Institucionais.
Ato Institucional n° 1 de 10 de abril de 1964
Ato Institucional n° 2 de 27 de outubro de 1965
Ato Institucional n° 3 de 05 de fevereiro de 1966
Ato Institucional n° 4 de 07 de dezembro de 1966
Ato Institucional n° 5 de 13 de dezembro de 1968
Ato Institucional n° 6 de 01 de fevereiro de 1969
Ato Institucional n° 7 de 26 de fevereiro de 1969
Ato Institucional n° 8 de 02 de abril de 1969
Ato Institucional n° 9 de 25 de abril de 1969
Ato Institucional n° 10 de 16 de maio de 1969
Ato Institucional n° 11 de 14 de agosto de 1969
Ato Institucional n° 12 de 31 de agosto de 18969
Ato Institucional n° 13 de 05 de setembro de 1969.
Ato Institucional n° 14 de 05 de setembro de 1969.
Ato Institucional n° 15 de 09 de setembro de 1969
Ato Institucional n° 16 de 14 de outubro de 1969.
1138
ÍNDICE REFERENCIAL DOS PALESTRANTES E PALESTRAS CITADAS
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ABREU, Alcides. Estado de Direito: Essência e Circunstância, in Anais da VII
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entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
ABREU, Flávio Teixeira de. O Réu e o Estado de Direito, in Anais da VII
Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Curitiba,
entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
ALFONSIN, Jacques Távora. "Invasões” de Áreas Urbanas. Favelas. Alternativas
de Soluções, in Anais da XI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil, realizada em Belém, entre os dias 4 e 8 de agosto de 1986.
ALKMIN, Ivan; BURMEISTER, Luiz Lopes. O Advogado Empregado, in Anais da
XII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Porto
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ARAGÃO, Egas Dirceu Muniz de. O Estado de Direito e o Direito de Ação (A
Extensão de seu Exercício), in Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil, realizada em Curitiba, entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
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entre os dias 17 e 22 de outubro de 1976.
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dias 4 e 8 de agosto de 1958.
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instituidora de isenção subjetiva. • Exegese do inciso VIII do art. 3º da Lei n.º
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PITANGUI, Marília Muricy; PITANGUI, Jacqueline. O Princípio da Igualdade, in
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PRADO NETO, João Adelino de Almeida. Distorções no Mercado de Trabalho e
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RAMALHETE, Clóvis. Problemas da urbanização da sociedade brasileira, in Anais
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REALE JÚNIOR, Miguel; MURICY, Marília. Sociedade Civil e Estado, in Anais da
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VENÂNCIO FILHO, Alberto. O Ensino Jurídico, Instrumento de Realização do
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do Brasil, realizada em Curitiba, entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
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VILANOVA, Lourival. Proteção Jurisdicional do Direito numa Sociedade em
Desenvolvimento, in Anais da IV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil, realizada em São Paulo, entre os dias 26 e 30 de outubro de 1970.
WALD, Arnoldo. Mandado de Segurança e Ação Popular no Estado de Direito, in
Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada
em Curitiba, entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
ZERBINE, Therezinha Godoy. Estado de Direito, Direitos Humanos e Necessidade
de Anistia, in Anais da VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil, realizada em Curitiba, entre os dias 7 e 12 de maio de 1978.
1151
ÍNDICE CRONOLÓGICO DAS CARTAS DE CONCLUSÃO DAS CONFERÊNCIAS.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
no Rio de Janeiro, entre os dias 4 e 8 de 1958.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em São Paulo, entre os dias 5 de 11 de agosto de 1960.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Recife, entre os dias 7 e 13 de dezembro de 1968.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em São Paulo, entre os dias 26 e 30 de outubro de 1970.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
no Rio de Janeiro, entre os dias 11 e 16 de agosto de 1974.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Salvador, entre os dias 17 a 22 de outubro de 1976.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Curitiba, entre os dias 07 a 12 de maio de 1978.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Manaus, entre os dias 18 a 22 de maio de 1980.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Florianópolis, entre os dias 2 e 6 de maio de 1982.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Recife, entre os dias 30 de setembro e 4 de outubro de 1984.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Belém, entre os dias 4 a 8 de agosto de 1986.
Carta de Conclusão da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil realizada
em Porto Alegre, entre os dias 2 a 6 de outubro de 1988.
1152
OBRAS E ARTIGOS DO DOUTORANDO REFERENCIADOS NA TESE
BASTOS, Aurélio Wander. Criação dos cursos jurídicos no Brasil. Rio de Janeiro:
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______. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000.
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______. O Ensino Jurídico no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
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Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985.
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Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.
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Emenda Constitucional n°. 14 de 03 de junho de 1965.
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os poderes da Assembléia Constituinte e do Presidente da República).
LEI CONSTITUCIONAL Nº. 13, DE 12 DE NOVEMBRO DE 1945.(Dispõe sobre
os poderes constituintes do Parlamento que será eleito a 2 de dezembro de 1945).
LEI CONSTITUCIONAL Nº. 9, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1945. (Altera
dispositivos da constituição de 1937 e autoriza a convocação de eleições federais e da
outras providencias).
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Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824.
Leis
LEI N°. 11.448, DE 15 DE JANEIRO DE 2007. (Altera o artigo 5 da Lei 7347 de 24 de julho
de 1985, que disciplina a Ação Civil Publica, legitimando para sua propositura a Defensoria
Publica).
LEI N° 10.678, DE 23 DE MAIO DE 2003.(Cria a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da Republica, e da outras providencias.).
LEI Nº. 10.259, 12 DE JULHO DE 2001. (Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais
Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal).
LEI N°. 9.868, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1999. (Dispõe sobre o processo e julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal).
LEI Nº. 9.800, DE 26 DE MAIO DE 1999. (Permite às partes a utilização de sistema de
transmissão de dados para a prática de atos processuais).
LEI N°. 9.788, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1999. (Dispõe sobre a reestruturação da Justiça
Federal de Primeiro Grau nas cinco Regiões, com a criação de Varas Federais e dá outras
providências).
LEI Nº. 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999. (Regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal).
LEI N°. 9.491 DE 9 DE SETEMBRO DE1997. (Altera procedimentos relativos ao Programa
Nacional de Desestatização, revoga a Lei 8031, de 12 de abril de 1990, e da outras providencias).
LEI N°. 9.459 13 DE MAIO DE 1997 (Altera Os Artigos 1 E 20 Da Lei 7.716, De 5 De Janeiro
De 1989, Que Define Os Crimes Resultantes De Preconceito De Raça Ou De Cor, E Acrescenta
Paragrafo Ao Artigo 140 Do Decreto-Lei 2.848, De 7 De Dezembro De 1940.)
LEI Nº. 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997. (Define os crimes de tortura e dá outras
providências).
LEI Nº. 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995. (Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências).
LEI Nº. 9.008 DE 21 DE MARÇO DE 1995(Cria, na estrutura organizacional do Ministério da
Justiça, o Conselho Federal de que trata o art. 13 da Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, altera
os arts. 4º, 39, 82, 91 e 98 da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990, e dá outras providências).
LEI Nº. 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. (Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB)).
LEI Nº. 8.884, DE 11 DE JUNHO DE 1994 (LEI DA CONCORRÊNCIA). (Transforma o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (obr) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências).
LEI COMPLEMENTAR Nº. 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. (Organiza a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua
organização nos Estados, e dá outras providências).
LEI COMPLEMENTAR Nº. 73, DE 10 DE FEVEREIRO DE 1993. (Institui a Lei Orgânica
da Advocacia-Geral da União e dá outras providências).
LEI Nº. 8.625, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1993. (Institui a Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos
Estados e dá outras providências).
LEI N°. 8.535, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1992. (Dispõe sobre a Reestruturação da Justiça
Federal de primeiro grau da 2ª Região e dá outras providências).
LEI N°. 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991.
(Dispõe sobre os planos de beneficio da
previdência social e dá outras providências).
1157
LEI Nº. 8.176, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1991. (Define crimes contra a ordem econômica e
cria o Sistema de Estoques de Combustíveis).
LEI Nº. 8.158, DE 8 DE JANEIRO DE 1991.(Institui normas para defesa da concorrência e dá
outras providências).
LEI Nº. 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990.(Define crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências).
LEI N° 8.081 DE 21 DE SETEMBRO DE 1990.(Estabelece Os Crimes E As Penas Aplicaveis
Aos Atos Discriminatorios Ou De Preconceito De Raça, Cor, Religião, Etnia Ou Procedencia
Nacional, Paraticados Pelos Meios De Comunicação Ou Por Publicação De Qualquer Natureza.).
LEI Nº. 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. (Dispõe sobre a proteção do consumidor e
dá outras providências).
LEI Nº. 8.031, DE 12 DE ABRIL DE 1990. (Cria o Programa Nacional de Desestatização,
e da outras providencias).
LEI N° 7.716, DE 05 DE JANEIRO DE 1989.(Define os Crimes Resultantes de Preconceito de
Raça ou de cor.)
LEI Nº. 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985. (Disciplina a ação civil pública de responsabilidade
por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências).
LEI N°. 7.244, DE 07 DE NOVEMBRO DE 1984. (Dispõe sobre a criação e o funcionamento do
Juizado Especial de Pequenas Causas).
LEI N° 7.210 DE 11 DE JUNHO DE 1984. (Institui A Lei De Execução Penal.).
LEI 7.170, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1983. (Define os crimes contra a segurança nacional,
a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências).
LEI N°. 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981. (Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências).
LEI Nº. 6.683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979 (LEI DA ANISTIA). (Concede anistia e dá
outras providências).
LEI COMPLEMENTAR Nº. 35, DE 14 DE MARÇO DE 1979. (Dispõe sobre a Lei Orgânica
da Magistratura Nacional).
LEI Nº. 6.620 DE 17 DE DEZEMBRO DE 1978. (Define os crimes contra Segurança
Nacional, estabelece sistemática para o seu processo e julgamento e dá outras providências).
LEI Nº. 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978.(Dispõe sobre os serviços postais).
LEI Nº. 6.036, DE 1º DE MAIO DE 1974. (Dispõe sobre a criação, na Presidência da
República, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e da Secretaria de Planejamento, sobre o
desdobramento do Ministério do Trabalho e Previdência Social e dá outras providências).
LEI COMPLEMENTAR Nº. 20, DE 1º DE JULHO DE 1974. (Dispõe sobre a criação de
Estados e Territórios).
LEI Nº. 5.763 DE 15 DE DEZEMBRO DE 1971. (Altera a Lei nº. 4.319, de 16 de março de
1964, que cria o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).
LEI Nº. 5.861 DE 12 DE DEZEMBRO DE 1972. (Autoriza o desmembramento da Companhia
Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP, mediante alteração de seu objeto e
constituição da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP, e dá outras providências).
LEI Nº. 5.842, DE 6 DE DEZEMBRO DE 1972. (Dispõe sobre o estágio nos cursos de
graduação em Direito e dá outras providências).
LEI Nº. 5.161, DE 21 DE OUTUBRO DE 1966.(Autoriza a instituição da Fundação Centro
Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho e dá outras providências).
LEI Nº. 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. (Institui o Código Eleitoral).
LEI Nº. 4.319, DE 16 DE MARÇO DE 1964. (Cria o Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana).
LEI N°. 4.215, DE 27 DE ABRIL DE 1963. (Dispõe sobre o Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil).
1158
LEI Nº. 3.273, DE 1º DE OUTUBRO DE 1957. (Fixa a data da mudança da Capital Federal, e
dá outras providências).
LEI Nº. 2.874, DE 19 DE SETEMBRO DE 1956. (Dispõe sobre a mudança da Capital Federal
e dá outras providências).
LEI Nº. 1.802, DE 5 DE JANEIRO DE 1953. (Define os crimes contra o Estado e a Ordem
Política e Social, e dá outras providências).
LEI Nº. 1.803, DE 5 DE JANEIRO DE 1953. (Autoriza o Poder Executivo a realizar estudos
definitivos obre a localização da nova Capital da República).
LEI Nº. 1.533 DE 12 (31) DE DEZEMBRO DE 1951. (Altera disposições do Código do
Processo Civil, relativas ao Mandado de Segurança).
LEI Nº. 1.164, DE 24 DE JULHO DE 1950. (Institui o Código Eleitoral).
LEI Nº. 794, DE 29 DE AGOSTO DE 1949. (Assegura a inscrição de provisionados no quadro
da Ordem dos Advogados do Brasil).
LEI Nº. 648, DE 10 DE MARÇO DE 1949. (Dispõe obre o preenchimento de vagas nos
corpos legislativos, verificadas em virtude de cassação de partido político).
LEI Nº 623, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1949. (Torna embargáveis as decisões das Turmas
do Supremo Tribunal Federal, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno).
LEI Nº. 9, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1945. (Altera a Constituição de 1937 e autoriza a
convocação de eleições).
LEI Nº. 161, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1935. (Regula a expedição de cartas de
provisionados e solicitadores, e o exercício dessas profissões).
LEI DE SINDICALIZAÇÃO Nº. 19.770 DE 19 DE MARÇO DE 1931. (Regula a
sindicalização das classes patronais e operárias e dá outras providências).
Decretos-Leis
DECRETO-LEI Nº. 2.024, DE (25 DE MAIO) DE SETEMBRO DE 1983. (Dá nova
redação ao artigo 2º da Lei Nº 6.708, de 30 de outubro de 1979, que dispõe sobre a correção
automática dos salários, modifica a política salarial e dá outras providências).
DECRETO-LEI Nº. 968, DE 13 DE OUTUBRO DE 1969. (Dispõe obre o exercício da
supervisão ministerial relativamente às entidades incumbidas da fiscalização do exercício de
profissões liberais).
DECRETO-LEI Nº. 959 DE 13 DE OUTUBRO DE 1969. (Dispõe sobre a contribuição
devida ao Instituto Nacional de Previdência Social pela empresa que remunerar serviços a ela
prestados por trabalhador autônomo, e dá outras providências).
DECRETO-LEI Nº. 900, DE 29 DE DEZEMBRO
(SETEMBRO) DE 1969. (Altera
disposições do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967, e dá outras providências).
DECRETO-LEI Nº. 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967. (Dispõe obre a organização da
Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras
providências).
DECRETO-LEI Nº. 267 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967. (Introduz alteração no Ministério
Público da União junto a Justiça Militar e dá outras providências).
DECRETO-LEI Nº. 8.063, DE 10 DE OUTUBRO DE 1945. (Dispõe obre as eleições para
Governadores e assembléias legislativas dos Estados e dá outras providências).
DECRETO-LEI Nº. 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943.
(Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho).
DECRETO-LEI Nº. 4.563, DE 11 DE AGOSTO DE 1942. (Autoriza a Ordem dos Advogados
do Brasil a instituir Caixas de Assistência, em benefício dos profissionais nela inscritos).
1159
DECRETO-LEI Nº. 3.689 DE 3 DE OTURBOR DE 1941. (Código de Processo Penal).
DECRETO-LEI Nº. 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. (Lei das Contravenções Penais).
DECRETO-LEI NO 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 (CÓDIGO PENAL, AINDA
VIGENTE).
(Código Penal)
DECRETO-LEI Nº. 2.407 DE 15 DE JULHO DE 1940. (Dispõe sobre o exercício da
advocacia pelos funcionários ou extra-numerários lotados em qualquer serviço ou Repartição
policial).
Decretos Homologatórios
DECRETO Nº. 5.639, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2005. (Promulga a Convenção
Interamericana contra o Terrorismo, assinada em Barbados, em 3 de junho de 2002).
DECRETO Nº. 4.388, DE 25 DE SETEMBRO DE 2002. (Promulga o Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional).
DECRETO Nº. 678, DE 6 DE NOVEMBRO 1992. (Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969).
DECRETO Nº. 40, DE 15 DE FEVEREIRO DE 1991. (Promulga a Convenção Contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes).
Decretos
DECRETO Nº. 5.174, DE 9 DE AGOSTO DE 2004. (Aprova a Estrutura Regimental e o
Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão da Secretaria Especial dos Direitos Humanos,
órgão integrante da Presidência da República, e dá outras providências).
DECRETO Nº. 4.377, DE 13 DE SETEMBRO DE 2002. (Promulga a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto nº
89.460, de 20 de março de 1984).
DECRETO N°. 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003. (Regula o procedimento para
identificação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68 do ato das disposições
constitucionais transitórias).
DECRETO Nº. 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999. (Regulamenta a Lei n.º 7.853, de 24
de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências).
DECRETO Nº. 2.181, DE 20 DE MARÇO DE 1997. (Dispõe sobre a organização do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das
sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto
Nº 861, de 9 julho de 1993, e dá outras providências).
DECRETO N°. 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992 (Promulga a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969).
DECRETO N°. 40, DE 15 DE FEVEREIRO 1991 (Promulga A Convenção Contra A Tortura E
Outros Tratamentos Ou Penas Cruéis, Desumanos Ou Degradantes).
DECRETO Nº. 93.617, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1986. (Exime de supervisão ministerial
as entidades incumbidas da fiscalização do exercício de profissões liberais).
DECRETO Nº. 91.450, DE 18 DE JULHO DE 1985. (Institui a Comissão Provisória de
Estudos Constitucionais).
DECRETO 81.683 DE 16 DE MAIO DE 1978. (Concede reconhecimento aos cursos de letras
e Pedagogia da Faculdade de Educação, Ciências e Letras "Olavo Bila” com sede na cidade do
Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro).
1160
DECRETO Nº. 74.296, DE 16 DE JULHO DE 1974. (Dispõe sobre a estrutura básica do
Ministério do Trabalho (MTb), e dá outras providências).
DECRETO Nº. 74.000 DE 1º DE MAIO DE 1974. (Dispõe sobre a vinculação de entidades e
dá outras providências).
DECRETO Nº. 63.681, DE 22 DE NOVEMBRO DE 1968. (Aprova o Regimento Interno do
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).
DECRETO Nº. 55.929, DE 14 DE ABRIL DE 1965. (Promulga a Convenção sobre Asilo
Territorial).
DECRETO Nº. 32.976 DE 8 DE JUNHO 1953 . (Cria a ''Comissão de Localização da Nova
Capital Federal'' e dá outras providências).
DECRETO Nº. 24.645, DE 10 DE JULHO DE 1934. (Estabelece medidas de proteção aos
animais).
DECRETO Nº. 22.621, DE 5 DE ABRIL DE 1933.
(Dispõe sôbre a convocação da
Assembléa Nacional Constituinte; aprova o seu Regimento lnterno; prefixa o número de deputados
á mesma e dá outras providencias).
DECRETO Nº. 22.478, DE 20 DE FEVEREIRO DE 1933. (Aprova e manda observar a
consolidação dos dispositivos regulamentares da Ordem dos Advogados do Brasil).
DECRETO Nº. 22.478, DE 20 DE FEVEREIRO DE 1933. (Aprova e manda observar a
consolidação dos dispositivos regulamentares da Ordem dos Advogados do Brasil).
DECRETO Nº. 22.478, DE 20 DE FEVEREIRO DE 1933. (Aprova e manda observar a
consolidação dos dispositivos regulamentares da Ordem dos Advogados do Brasil).
DECRETO Nº. 22.653, DE 20 DE ABRIL DE 1933. (Fixa o número e estabelece o modo de
escolha dos representantes de associações profissionais que participarão da Assembléia
Constituinte).
DECRETO N°. 22.266 DE 28 DE DEZEMBRO DE 1932. (Adia para 31 de março de 1933 o
início da execução do regulamento aprovado pelo decreto n. 20.784, de 14 de dezembro de 1931,
e dá outras providências).
DECRETO N°. 22.089, DE 1º DE NOVEMBRO DE 1932 (16 DE NOVEMBRO DE
1932). (Atribue a fiscalisação do serviço dos emprestimos etxernos dos Estados e Municipalidades
á Secção Tecnica da Comissão de Estudos Financeiros e Economicos dos Estados e Municipios,
creada pelo décreto n. 20.631, de 9 de novembro de 1931, e dá outras providencias).
DECRETO N°. 21.582, DE 1º DE JULHO DE 1932. (29 DE JUNHO DE 1932). (Abre ao
Ministério da Fazenda o crédito especial de 4:818$708, para pagar a D. Artenicia Avelino de
Albuquerque, em virtude de sentença judiciária).
DECRETO Nº. 22.089, DE 1º DE NOVEMBRO DE 1932. (
Altera o regulamento da Ordem
dos Advogados Brasileiros, aprovado pelo decreto n. 20.784, de 14 de dezembro de 1931).
DECRETO Nº. 21.076, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1932. (Decreta o Código Eleitoral).
DECRETO Nº. 22.039, DE 1º. DEZEMBRO (NOVEMBRO) DE 1932. (Altera o
regulamento da Ordem dos Advogados Brasileiros, aprovado pelo decreto n. 20.784, de 14 de
dezembro de 1931).
DECRETO 20.784, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1931. (Aprova o Regulamento da Ordem dos
Advogados Brasileiros).
DECRETO Nº. 22.039 DE 19 DE NOVEMBRO DE 1931. (Altera o regulamento da Ordem
dos Advogados Brasileiros, aprovado pelo decreto n. 20.784, de 14 de dezembro de 1931).
DECRETO Nº. 19.408, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1930. (Reorganiza a Corte de Apelação,
e dá outras providências).
DECRETO DA JUNTA GOVERNATIVA DE 30 DE OUTUBRO DE 1930. (Dispõe sobre
a convocação da Assembléia Nacional Constituinte; aprova o seu Regimento lnterno; prefixa o
número de deputados á mesma e dá outras providencias).
DECRETO Nº. 19.408 DE 18 DE NOVEMBRO DE 1930 (Reorganiza a Corte de Apelação,
e dá outras providências).
1161
DECRETO Nº. 2.457, DE 8 DE FEVEREIRO DE 1897. (Organiza a Assistência Judiciária no
Descrito Federal).
DECRETO Nº. 393, DE 23 DE NOVEMBRO DE 1844. (Concede aos membros do instituto
dos advogados brasileiros, nesta corte, o uso de veste talar, e a faculdade de terem assento, no
exercício do seu ofício, dentro dos cancelos dos tribunais).
Portarias
Portaria nº. 57, de 15 de maio de 2001.
Portaria 11B do Ministério da Justiça
Portaria de 15 de maio de 1844.
Resoluções
RESOLUÇÃO N.º 1, DE 8 DE MAIO DE 2002 (08/05/2002 - RESOLUÇÃO DO
CONGRESSO NACIONAL).
(Dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das
Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal, e dá outras providências).
RESOLUÇÃO TSE Nº. 1841, DE 7 DE MAIO DE 1947. (Suspende direitos políticos).
(RESOLUÇÃO) AVISO DE 7 DE AGOSTO DE 1843 DE D. PEDRO II (cria o IAB com a
finalidade de organizar a OAB).
Pareceres
PARECER Nº. 344, DE 1962 DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA,
SOBRE PLC N° 126, DE 1961. (Regula o exercício da profissão de advogado).
PARECER Nº. 284, DE 1962 DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA,
SOBRE O PROJETO DE LEI DA CÂMARA N° 126/61. (n° 1751.E, de 1956 da Câmara dos
Deputados).
PARECER Nº. 287, DE 1962 (apresenta emendas sobre o Projeto de Lei aprovado na Câmara
dos Depitados sobre Estatuto da OAB).
PARECER DE 15 DE NOVEMBRO DE 1931 (justifica o Decreto n°. 20.784 de 14 de
dezembro de 1931, que criou o primeiro regulamento da OAB).
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