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A Ordem Reina em Berlim
Rosa Luxemburgo
Janeiro de 1919
Fonte:
The Marxists Internet Archive
Tradução de Nildo Viana.
A ordem reina em Varsóvia, anunciou o ministro Sebastini na Câmara francesa quando,
depois de um terrível assalto sobre o bairro de Praga, a soldadesca de Suvarov entrou na
capital polaca para começar o seu trabalho de carrascos contra os insurgentes.
A ordem reina em Berlim!, proclama triunfalmente a imprensa burguesa entre nós, bem
como os ministros Ebert e Noske e os oficiais das tropas vitoriosas, para quem a gentalha
pequeno burguesa de Berlim agita os lenços e emite os seus hurras. A glória e a honra das
armas alemãs estão a salvo perante a história mundial. Os que combateram miseravelmente
na Flandres e a Argonne podem agora restabelecer o seu nome mediante a brilhante vitória
atingida sobre trezentos espartaquistas que lhes resistiram no prédio do Vorwaerts. As
primeiras e gloriosas irrupções das tropas inimigas na Bélgica e os tempos do general Von
Emmich, o imortal vencedor de Lieja, tornaram pálidos ao serem comparados com este das
façanhas efetivadas pelos Reinhardt e os seus "camaradas" nas ruas de Berlim. Os
delegados dos sitiados no Vorwaerts, enviados como parlamentares para tratarem da sua
rendição, foram destroçados a pancadas de garrote pela soldadesca governamental, e isto
aconteceu até tal ponto que não foi possível reconhecer os seus cadáveres. Quanto aos
prisioneiros, foram pendurados dos muros e assassinados de tal maneira que muitos deles
tinham o cérebro fora do seu crânio. Quem acha ainda, depois destes indignos fatos, nas
vergonhosas derrotas impingidas pelos franceses, os ingleses e os americanos aos alemães?
Spartakus é o inimigo e Berlim o campo de batalha em que somente sabem vencer os
nossos oficiais. Noske, "o operário" é o general que sabe organizar a vitória ali onde
Lundendorff fracassa.
Como não pensar aqui na matilha vitoriosa que impunha anos antes "a ordem" em Paris,
nessa bacanal da burguesia sobre os cadáveres dos combatentes da Comuna? (1). Era a
mesma burguesia que acabava de capitular vergonhosamente face aos prussianos e que
tinha abandonado a capital do país ao inimigo de fora para fugir ela própria como o
derradeiro dos covardes. Uma outra cousa foi depois face aos proletários parisienses mal
equipados e sem armas. Contra as suas mulheres e os seus filhos... Então é que puderam
mostrar a sua viril coragem os filhos do papai e toda a "juventude dourada" que mandava
em Versalles! Estes filhos de Março, pregados até o dia anterior ante o inimigo estrangeiro,
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souberam de repente ser cruéis e bestiais face a umas vítimas sem defesa, face a uns centos
de prisioneiros e moribundos. "A ordem reina em Varsóvia!" "A ordem reina em Berlim!
Eis como proclamam as suas vitórias os guardas da "Ordem" através de todos os exércitos
que se estendem de um lado para outro da luta histórica mundial. A destituição dos
vencedores não indica mais do que o final de uma etapa da "Ordem" que deve ser mantida e
proclamada periodicamente, mediante toda a classe de sangrentos assassinos, sem deter-se
na sua marcha para o seu destino histórico, quer dizer, para o seu fim.
O quê tem achegado esta Semana às nossas ensinanças? Em primeiro lugar, ainda no meio
da luta e dos gritos vitoriosos da contra-revolução, os proletários revolucionários puderam
chegar a medir os acontecimentos e os seus resultados com a grande medida da história. E
isto aconteceu assim porque resulta que a Revolução não tem tempo a perder e, em
conseqüência, persegue a sua vitória por cima das tumbas e por baixo das habituais vitórias
e derrotas.
Reconhecer as suas linhas de orientação e seguir os seus caminhos com plena consciência é
a tarefa fundamental de todos os que lutam pela vitória do socialismo internacional.
É possível esperar uma vitória definitiva do proletariado revolucionário, na sua luta com os
Ebert-Scheidemann, para aceder a uma ditadura socialista? Decerto que não, sobretudo se
se considerarem devidamente todos os fatores chamados a decidir sobre a questão. O ponto
vulnerável da causa revolucionária neste momento é a não-maduro política da grande massa
de soldados que ainda permitem aos seus oficiais que os mandem contra os seus próprios
irmãos de classe. De resto, a não madurez do trabalhador-soldado não é mais do que um
sintoma da não-maduro geral em que ainda se acha imersa a revolução alemã.
O campo, que é donde procedem a maioria dos soldados, fica tanto depois como antes fora
do campo de influência da revolução. Berlim é até o presente, face ao resto do país, algo
assim como um ilhéu. Os centros revolucionários da província (os de Renânia, Wasserkant,
Brunschwitz, Saxe e Wurtemberg nomeadamente) estão de corpo e alma do lado do
proletariado berlinês, mas polo momento falta uma concordância direta na ação, que é a
única que pode proporcionar uma incomparável eficácia ao arranque e a combatividade
dos operários de Berlim. Além
disso, a luta econômica (que é origem de verdadeiras fontes vulcânicas em que se
alimenta a revolução) acha-se ainda numa fase claramente inicial.
Disso tudo pode deduzir-se claramente que não é razoável contar polo momento com uma
vitória de tipo decisivo. A luta destas últimas semanas teve como desenlace o resultado das
citadas insuficiências. Sempre há um disparo inicial, mas qual era na realidade o ponto de
partida da última semana de luta? Como já aconteceu em casos precedentes, como já
aconteceu no 6 de Dezembro, como já aconteceu no 24 de Dezembro, desta vez também
estivo a origem numa provocação brutal pela parte do governo. Como no caso do
assassinato dos manifestantes desarmados, como no caso da matança dos marinheiros, desta
vez foi o atentado da Prefeitura da polícia a causa originária de todos os acontecimentos. E
é que a revolução nem sempre tem hipóteses de agir seguindo as suas livres decisões, em
terreno descoberto e depois de um bom plano de manobras ideado por algum bom
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estratega. Os seus inimigos tenham também a sua iniciativa, e por vezes inclusive som eles
quem a tomam, que por certo é o que se passa geralmente.
Porém, ante o fato da insolente provocação do governo Ebert-Scheidemann, os operários
revolucionários estavam forçados a pegarem nas armas. Com efeito, para a revolução, pode
dizer-se que era uma questão de honra responder o mais rapidamente possível e com todas
as forças ao ataque, porque se assim não fosse teria sido impulsada à contra-revolução, a
uma nova etapa repressiva, com o que teriam resultado comovidas as fileiras
revolucionárias e diminuído o crédito moral da revolução alemã.
A melhor manobra é uma boa viragem inesperada e audaciosa.
A resistência surgiu tão espontaneamente, com uma energia tão evidente, do mesmo seio
das massas berlinesas, que do primeiro momento pode dizer-se que a vitória moral estivo
do lado da rua. Uma lei interior da revolução é a da impossibilidade de esperar na
inatividade depois de que se deu um passo para a frente. A melhor manobra é uma boa
viragem inesperada e audaciosa. Esta regra elementar de toda a luta é que rege com maior
razão todos os passos da revolução. Nesta ocasião haveria de demonstrar aliás o são
instinto, a força interior sempre fresca do proletariado berlinês e uma combatividade do
mesmo que não se limitou a reintegrar Eichorn nas suas funções, mas que impulsionou a
massa para ir em pós de outros redutos da contra-revolução, como é a imprensa burguesa,
representada de primeira mão polo Vorwaerts. Se todas estas iniciativas surgiram
espontaneamente da massa é porque esta sabia que a contra-revolução não se havia de
conformar com a derrota e que havia de procurar a provocação como fosse uma batalha
onde se mediram todas as forças de ambos os combatentes.
Aqui também depararemos com uma das grande leis históricas da revolução, contra a qual
estilhaçam todas as subtilezas próprias dos pequenos maquiavélicos "revolucionários" ao
estilo dos do U.S.P.D., que em cada ocasião de lutar não procuram mais do que o seu
correspondente pretexto para se bater em retirada. O problema fundamental de toda
revolução (neste caso é o da queda do governo Ebert-Scheidemann) surge em cada caso
com toda a atualidade, porque cada episódio da luta descarta, com a fatalidade das leis
naturais, todo compromisso com a calmaria ou com as gargalhadas da politiquice
reformista, exigindo em todo o momento o máximo por pouco maduras que forem as
circunstâncias... Abaixo o governo de Ebert-Scheidermann! Esta é a palavra-de-ordem que
emerge como inevitável de cada episódio da nossa atual crise, tornando na única fórmula
capaz de exprimir o senso e o significado de todos os conflitos parcelares, e de levar a luta
até o seu ponto culminante.
O resultado desta contradição entre o agravamento do objetivo e as insuficiências prévias
para o seu cumprimento tem como concreção o estabelecimento da fase inicial do
desenvolvimento revolucionário, no decurso do qual as lutas parcelares sempre acabam
com uma "derrota" formal. Mas a revolução é a única forma de "guerra" em que (por lei de
vida que lhe é própria) a vitória final apenas pode ser atingida através de uma série de
"derrotas" prévias.
O quê é que nos mostra se não toda a história das revoluções modernas e do socialismo? O
primeiro facho que iluminou a luta de classes na Europa foi a insurreição dos sedeiros de
Lyon em 1831, que terminou com uma flagrante derrota. O movimento dos Cartistas na
Inglaterra concluiu também com uma
derrota. O levantamento do proletariado em Paris, durante as jornadas de 1848,
desembocou igualmente numa esmagadora derrota. E a Comuna de Paris teve
semelhante desenlace..... Todo o caminho do socialismo está efetivamente asfaltado de
derrotas, apesar do qual vemos que a história do mesmo avança inexoravelmente, passo a
passo, para a vitória que há de ser definitiva. Onde estaríamos hoje sem estas "derrotas" das
que tiramos a experiência histórica que nos permite reconhecer a realidade das cousas em
toda a sua dimensão? Na atualidade, quando temos conseguido chegar já ao limiar da
batalha final, é precisamente quando melhor podemos reconhecer que é sobre todas essas
"derrotas" sobre as que nós ficamos em pé. Não podemos prescindir de nenhuma delas,
porque cada uma das mesmas faz parte da nossa força atual.
Vitória na derrota e derrota na vitória.
Este é justamente o contraste e a aparente contradição que diferencia as lutas
revolucionárias das lutas parlamentares. Na Alemanha contamos com quarenta anos de
"vitórias" parlamentares, de forma que pode dizer-se que durante todo este tempo
estivemos marchando de vitória em vitória, sendo o resultado a grande prova histórica de 4
de Agosto de 1914: a derrota política e moral mais catastrófica e inesquecível.
As revoluções, polo contrário, não nos tenham achegado mais do que contínuas derrotas,
mas inevitáveis estas derrotas som as melhor garantia da nossa vitória final...
Claro que isso tudo entranha uma condição! E é a de sabermos em que circunstâncias
teve lugar cada derrota, quer dizer, se esta foi o resultado de umas massas imaturas que se
lançam à luta, ou de uma ação revolucionária paralisada no seu interior pela indecisão, a
fraqueza e a falta de radicalismo.
Dois exemplos típicos de ambos os casos poderiam ser a revolução francesa de Fevereiro e
a revolução alemã de Março. A ação heróica do proletariado de Paris em 1848 converteu-se
na energia mais vivificadora que cabe para o proletariado de todo o mundo, enquanto os
lamentáveis desfalecimentos da revolução alemã de Março, do mesmo ano, viram-se
metamorfoseados numa espécie de pesada cadeia para todo o desenvolvimento histórico
ulterior da Alemanha, cujos efeitos regressivos podem ser rastejados mesmo nos
acontecimentos mais recentes da nossa revolução e na crise dramática que acabamos de
viver.
Como será vista, em tal caso, a derrota da nossa Semana de Spartakus à luz da mencionada
perceptiva histórica? Como o resultado de uma audaz energia revolucionária perante a
insuficiente madurez da situação, ou como o desenlace de uma ação empreendida sem a
necessária convicção revolucionária?
De ambas as formas! Porque a nossa crise tem com efeito um duplo rosto, o da contradição
entre uma enorme decisão ofensiva por parte das massas e a falta de convicção por parte
dos chefes berlineses. Falhou a direção. Mas este é o defeito menor, porque a direção pode
e deve ser criada pelas massas. As massas som com efeito o fator decisivo, porque som a
rocha sobre a que será edificada a vitória final da revolução. As massas cumpriram com a
sua missão, porque fizeram desta nova "derrota" o elo que nos une legitimamente à cadeia
histórica de "derrotas" que constituem o orgulho e a força do socialismo internacional.
Podemos ter a certeza de que desta "derrota" também há de florescer a vitória definitiva.
A ordem reina em Berlim!... Ah! Estúpidos e insensatos carrascos! Não reparastes em que a
vossa "ordem" está a alçar-se sobre a areia. A revolução alçará-se amanhã com a sua vitória
e o terror pintará-se nos vossos rostos ao ouvir-lhe anunciar com todas as suas trombetas:
ERA, SOU E SEREI!
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