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despreocupações e mesmo outras manifestações mais palpáveis pareciam justificar
o julgamento comum; entretanto, ele vivia bem com o pai e cumpria os seus deveres
razoavelmente. Porém, parentes oficiosos e outros longínquos aderentes
entenderam curá-lo, como se curassem assomos de alma e anseios de pensamento.
Não lhes vinha tal propósito de perversidade inata, mas de estultice
congênita, juntamente com a comiseração explicável em parentes. Julgavam que o
ser descompassado envergonhava a família e esse julgamento era reforçado pelos
cochichos que ouviam de alguns homens esforçados por parecerem inteligentes.
O mais célebre deles era o doutor Barrado, um catita do lugar, cheiroso e
apurado no corte das calças. Possuía esse doutor a obsessão das cousas
extraordinárias, transcendentes, sem par, originais; e, como sabia Fernando simples
e desdenhoso pelos mandões, supôs que ele, com esse procedimento, censurava
Barrado por demais mesureiro com os magnates. Começou, então, Barrado a dizer
que Fernando não sabia Astronomia; ora, este último não afirmava semelhante
cousa. Lia, estudava e contava o que lia, mais ou menos o que aquele fazia nas
salas, com os ditos e opiniões dos outros.
Houve quem o desmentisse; teimava, no entanto, Barrado no propósito.
Entendeu também de estudar uma Astronomia e bem oposta à de Fernando: a
Astronomia do centro da terra. O seu compêndio favorito era A Morgadinha de Val-
Flor e os livros auxiliares: A Dama de Monsoreau e O Rei dos Grilhetas, numa
biblioteca de Herschell.
Com isto, e cantando, e espalhando que Fernando vivia nas tascas com
vagabundos, auxiliado pelo poeta Machino, o jornalista Cosmético e o antropologista
Tucolas, que fazia sábias mensurações nos crânios das formigas, conseguiu emover
os simplórios parentes de Fernando, e foi bastante que, de parente para conhecido,
de conhecido para Hane, de Hane, para Sili e Cunsono, as coisas se encadeassem
e fosse obtida a ordem de partida daquela fortaleza couraçada, roncando pelas ruas,
chocalhando ferragens, abalando calçadas, para ponto tão longínquo.
Quando, porém, o carro chegou à praça mais próxima, foi que o cocheiro
lembrou-se de que não lhe tinham ensinado onde ficava Manaus. Voltou e Sili, com
a energia de sua origem britânica, determinou que fretassem uma falua e fossem a
reboque do primeiro paquete.
Sabedor do caso e como tivesse conhecimento de que Fernando era desafeto
do poderoso chefe político Sofonias, Barrado que, desde muito, lhe queria ser
agradável, calou o seu despeito, apresentou-se pronto para auxiliar a diligência.
Esse chefe político dispunha de um prestigio imenso e nada entendia de
Astronomia; mas, naquele tempo, era a ciência da moda e tinham em grande
consideração os membros da Sociedade Astronômica, da qual Barrado queria fazer
parte.
Sofonias influía nas eleições da Sociedade, como em todas as outras, e podia
determinar que Barrado fosse escolhido. Andava, portanto, o doutor captando a boa
vontade da potente influência eleitoral, esperando obter, depois de eleito, o lugar de
Diretor Geral das Estrelas de Segunda Grandeza.
Não é de estranhar, pois, que aceitasse tão árdua incumbência e, com Hane
e carrião, veio até à praia; mas não havia canoa, caíque, bote, jangada, catraia,
chalana, falua, lancha, calunga, poveiro, peru, macacuano, pontão, alvarenga,
saveiro, que os quisesse levar a tais alturas.
Hane desesperava, mas o companheiro, lembrando-se dos seus
conhecimentos de Astronomia, indicou um alvitre:
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