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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
HABITAT
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À FAUUSP
PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
E AS POLÍTICAS DE INTERVENÇÃO
URBANA E HABITACIONAL NO
CENTRO DE SÃO PAULO
PAULO EMILIO BUARQUE FERREIRA
ORIENTAÇÃO:
Prof. Dr. JOÃO SETTE WHITAKER FERREIRA
SÃO PAULO FEVEREIRO DE 2007
1
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Está autorizada a reprodução integral ou parcial
do conteúdo deste trabalho, para quaisquer fins,
desde que citada a fonte.
2
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Agradeço à Jordana Zola, aos camaradas Maira
Rios e Felipe Noto, à Ana Morena, à equipe do
Labhab, ao meu orientador, à banca de
qualificação (Profª. Drª. Catharina Pinheiro
Cordeiro dos Santos Lima e Profª. Drª. Maria
Lucia Gitahy) e aos bibliotecários da FauUsp.
Este trabalho foi desenvolvido sem auxílio
dos órgãos de fomento à pesquisa.
3
RESUMO
Esta pesquisa visa desenvolver uma reflexão crítica a respeito das formas de
apropriação atuais e desejáveis nos moldes de um uso democrático e socialmente justo dos
espaços públicos na área central de São Paulo, dentro do contexto de re-apropriação da área por
diferentes atores sociais.
ABSTRACT
This dissertation develops a critical reflection of the claims and uses by many social
actors of public spaces in downtown Sao Paulo. It analyses current and potential approaches,
following values of democracy and social justice.
4
SUMÁRIO
06 1. INTRODUÇÃO
09 2. ESPAÇOS PÚBLICOS: REFERENCIAL TEÓRICO
11 2.1. ESTRUTURA FÍSICA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS:
BREVE HISTÓRICO
13 2.2. ESPAÇO PÚBLICO E ESPAÇO SOCIAL
14 2.3. ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO POLÍTICO
18 2.4. ESPAÇO PÚBLICO MODERNO
21 2.5. O CASO DO CENTRO DE SÃO PAULO
32 2.6. UM MÉTODO
39 3. ESPAÇO PÚBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
40 3.1 LAZER E CIDADE
45 3.2 HABITAÇÃO NAS ÁREAS CENTRAIS
51 3.3 ALGUMAS EXPERIÊNCIAS RELEVANTES
63 3.4 AS INICIATIVAS DE REABILITAÇÃO:
LIMITES E CONTRADIÇÕES
EM RELAÇÃO À QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
66 4. ESPAÇOS PÚBLICOS NO CENTRO HISTÓRICO DE SÃO PAULO:
USOS E APROPRIAÇÃO
68 4.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
84 4.2. ANÁLISE SÓCIO-ESPACIAL DOS ESPAÇOS PÚBLICOS CENTRAIS
99 5. INTERVENÇÕES HABITACIONAIS E URBANAS
E A QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
101 5.1 TRÊS INTERVENÇÕES:
ESCOPO DAS POLÍTICAS E SEUS LIMITES
110 5.2 ESPAÇOS DE LAZER RELACIONADOS
117 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
121 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
5
1.
INTRODUÇÃO
6
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação visa desenvolver uma reflexão crítica a respeito das formas de
apropriação atuais e desejáveis – nos moldes de um uso democrático e socialmente justo
dos espaços públicos na área central de São Paulo, dentro do contexto de re-apropriação da
área por diferentes atores sociais. Em meio às disputas que se colocam em torno da
produção do espaço no centro, trata-se de verificar, por um lado, as atuais formas de (não)
apropriação e utilização dos espaços públicos - como áreas de convívio social, lazer,
recreação ou prática esportiva - as potencialidades existentes e, por outro lado, as
possibilidades eventualmente criadas pelos projetos de intervenção urbana e habitacional.
Trata-se de analisar as intervenções atualmente propostas na área central,
verificando em que medida são elas voltadas a um uso universal e socialmente justo, ou
respondem a interesses específicos de valorização fundiária e imobiliária. A partir dessa
análise, pretende-se verificar até que ponto as intervenções propostas, em especial as
voltadas à habitação de interesse social, estão sendo acompanhadas de uma requalificação
dos espaços públicos como espaços democraticamente apropriáveis para um uso intenso de
lazer, recreação e esporte. Nesse momento, buscarei contextualizar a questão de
intervenções habitacionais em centros metropolitanos, partindo da premissa de que as
soluções para garantir áreas de lazer compatíveis com a ocupação intensa do centro e
utilização democrática dos seus espaços públicos - devem partir de uma abordagem
urbanística ampla, abarcando sua imensa diversidade social e incluindo todos os atores na
definição das decisões políticas.
A hipótese central é que vem sendo impossível até agora até mesmo nas
políticas habitacionais mais recentes disponibilizar áreas para usos complementares, que
são entretanto fundamentais pelo seu papel de qualificação do habitat. Seriam causas dessa
impossibilidade, dentre outras, a luta pela valorização fundiária da região, a limitação ao
financiamento público, a interferência de grupos empresariais, mais interessados em
financiar uma gentrificação coerente com seus investimentos, e a suscetibilidade dos grupos
políticos que se alternam à frente do poder municipal. Sob forte influência do poderio
político de grupos de investidores e do capital imobiliário, a prefeitura tem feito pouco ou
quase nada para garantir aos habitantes de cortiços e moradias precárias melhores condições
de moradia, assim como não tem investido numa qualificação do espaço urbano centrada
em seu uso pela população residente.
7
Trabalha-se também com a hipótese de que, num cenário de escassez fundiária, o
espaço público, pelo caráter potencialmente democrático da sua apropriação, pode e deve
receber tais usos.
Do ponto de vista metodológico, pretende-se mostrar ainda como formas de
participação da sociedade civil na produção desses espaços, de maneira concomitante à sua
participação nas políticas de provisão habitacional, podem ser instrumentos fundamentais
para a produção de espaços públicos qualificados e de uso democrático. Por fim, trabalha-se
metodologicamente em uma perspectiva comparada, realizando a análise crítica de alguns
processos de qualificação democrática de áreas centrais, através de políticas públicas,
ocorridos em Portugal e na França. A experiência recente da prefeitura nos Perímetros de
Reabilitação Integrada do Habitat, assim como programas de arrendamento residencial, são
analisados em vista das dificuldades de adaptação de modelos importados e das inovações
que trazem no estudo de políticas públicas de produção e gestão do habitat.
Alguns conceitos sobre “espaço público” são enfocados no capítulo introdutório,
em que se busca algum aprofundamento teórico para a análise posterior da observação do
seu uso cotidiano pelos moradores deste centro metropolitano. Em seguida é feito um
apanhado teórico das relações entre o lazer e o espaço urbano e é contextualizado
resumidamente o tema “habitação em áreas centrais”. No mesmo capítulo são feitas
descrições dos processos de reabilitação urbana supracitados e análises sobre os limites e
contradições inerentes à sua implementação.
Os capítulos finais tratam, a partir de abordagem empírica, da apropriação do
espaço livre público, de suas formas e transformações sócio-espaciais, além de três estudos
de caso em que são focados beneficiários de intervenções pontuais. O tratamento
dispensado aos espaços de lazer dos moradores ou a falta de qualquer correspondência
entre políticas habitacionais e a criação desses espaços são questionados, ao mesmo tempo
em que se procura relatar as formas de apropriação espontânea do entorno existente. Por
fim são tecidas considerações que podem de alguma forma colaborar com o avanço da
discussão sobre reabilitação urbana, em que sejam priorizados aspectos do cotidiano dos
moradores ignorados na grande maioria das intervenções analisadas.
O entendimento do direito à moradia como direito à cidade tem ganhado espaço
na arena acadêmica; no entanto, as formas de lograr sucesso em intervenções concretas
ainda estão por ser aprofundadas. A esse esforço coletivo esta dissertação pretende
modestamente se juntar.
8
2.
ESPAÇOS PÚBLICOS: REFERENCIAL TEÓRICO
2.1
ESTRUTURA FÍSICA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS: BREVE HISTÓRICO
2.2
ESPAÇO PÚBLICO E ESPAÇO SOCIAL
2.3
ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO POLÍTICO
2.4
ESPAÇO PÚBLICO MODERNO
2.5
O CASO DO CENTRO DE SÃO PAULO
2.6
UM MÉTODO
9
2. ESPAÇOS PÚBLICOS: REFERENCIAL TEÓRICO
A necessidade de uma definição mínima acerca do que se entende nesta
dissertação sobre “espaço público” sugere o desenvolvimento de alguns temas que
consideramos fundamentais para o aprofundamento teórico. Sem pretender chegar ao
fim deste capítulo com uma definição precisa, proponho-me a traçar aqui um percurso
teórico sobre o qual este trabalho caminhou. A partir das abordagens aqui referidas, é
possível uma análise mais consistente da observação do uso cotidiano dos espaços
públicos pelos moradores deste centro metropolitano.
A intenção do levantamento não é soterrar qualquer possibilidade de síntese
pelo excesso de referências, mas evitar a adoção de uma metodologia específica de
análise espacial que venha a obscurecer outras possibilidades analíticas. Portanto, o
trajeto adotado é um roteiro minimamente multidisciplinar, com ênfase em teorias do
urbanismo moderno, porém com algumas referências da antropologia urbana, da
geografia urbana e da sociologia. Alguns dos trabalhos utilizam referências terceiras,
colaborando para um apanhado conceitual, que apesar de superficial, cumpre bem a
função de estabelecer bases para as análises seguintes. A superação de uma visão
meramente espacial do espaço público, que encerraria como foco de análise os espaços
de domínio público (e de propriedade ou de uso público) enquanto passíveis de
usufruto pela população em geral, permite um estudo mais abrangente sobre o cotidiano
dos moradores da Metrópole.
Para além do explicitado caráter de embasamento teórico, monta-se nesta
abertura um guia referencial que possa vir a contribuir minimamente em futuros
trabalhos centrados em análises urbanas dos espaços públicos. Ressalta-se, antes de
adentrar a especificidade de cada obra, que a análise dos autores será feita de forma um
tanto cautelosa; a heterogeneidade de disciplinas teóricas analisadas merece uma
observação cuidadosa, de forma a não ignorar a amplitude de cada um dos
momentos/espaços retratados. A leitura será assumidamente superficial, pela falta de
domínio do universo/entorno de cada obra, porém assumo o risco de sublinhar pontos
de interesse para a construção teórica que pretendo desenvolver.
10
2.1. ESTRUTURA FÍSICA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS:
BREVE HISTÓRICO
Em relação à estrutura física do espaço público, seu nascimento, a evolução
de suas formas ao longo da história e a apropriação por diferentes povos, pode-se traçar
um roteiro por alguns textos da história da arquitetura e do urbanismo.
Antecessora das praças atuais, segundo Lewis Mumford (1982), a Ágora, tinha
na sua origem a função de aglutinação para o debate político e como centro de
comércio. O autor descreve em detalhes sua forma e usos. Para Saldanha (1993 apud
DE ANGELIS; DE ANGELIS NETO; CASTRO, 2004) mais do que praça de
mercado a Ágora seria um espaço central na vida urbana, símbolo da presença do povo
na atividade política. Benévolo (1993, p.76) descreve a ágora como a própria assembléia
dos cidadãos, “que se reúne para ouvir as decisões dos chefes ou para deliberar. O local de reunião é
usualmente a praça do mercado (que também se chama ágora), ou então, nas cidades maiores, um local
ao ar livre expressamente aprestado para tal (em Atenas a colina de Pnice)”. A nova organização
espacial na Pólis grega seria, portanto, fruto de uma nova concepção de poder político e
social.
o Fórum Romano teria origem, de acordo com De Angelis (2004), na
necessidade de um mercado comum para comércio entre as diversas tribos estrangeiras
que compunham a sociedade romana. O rum seria um espaço multifuncional,
acumulando ainda espaço para a assembléia e disputas atléticas, além de estar localizada
geralmente junto ao teatro, basílica e templos. Para Benévolo (1993), a importância
comercial desses espaços está associada à formação do Império; não bastaria à
centralidade de seus espaços um ponto exclusivo para debates políticos, o comércio teria
ali importância geográfica. Roma centralizava não apenas o poder, mas as relações com
o restante do Império; daí a multiplicidade de atividades em seu espaço “público”
central.
Na Idade Média, com a diminuição de intensidade da vida urbana, as praças
passariam a acumular funções urbanas específicas: praça religiosa, praça cívica, praças de
mercado etc. As atividades que requeriam áreas de uso coletivo faziam uso desses
espaços também de acordo com uma divisão temporal. Assim surgiram espaços de uso
alternado, com a coincidência em relação ao caráter de ponto de encontro, local de
celebrações e atividades da coletividade.
11
Nas cidades hispânicas, e sobretudo nas cidades hispano-americanas, a praça
maior é o elemento central, ordenando o traçado das vias, abrigando as grandes
reuniões, jogos, mercados, teatro etc. A praça de armas seria uma variante, incorporando
algumas funções militares.
No Renascimento a esses espaços seria agregado um valor estético; segundo
Giedion (1961) as técnicas de perspectiva viriam a influenciar projetos de praças, que
iriam incorporar ainda elementos definidores, como fontes, pórticos e obeliscos. Argan,
ao comentar a construção morfológica da Piazza Pio II, em Pienza, comenta:
“Esta solução (...) demonstra que o interesse do arquiteto não se
concentra em edifícios isolados, mas no espaço vazio da praça, delimitado
pelas fachadas desses edifícios. A ‘forma’ arquitetônica, então, não é um
volume sólido cujas fachadas sugerem as estruturas internas, mas uma
cubagem vazia cujas paredes são constituídas pelas fachadas dos edifícios.
O espaço da cidade é portanto concebido como um interior, mais
precisamente como o interior de um palácio, as salas sendo constituídas
pelas praças, e os corredores e escadas, pelas ruas. Rossellino, enfim, é um
arquiteto que considera o urbanismo nada mais do que uma extensão da
arquitetura, e a cidade, um edifício formado pela combinação perspectiva
e proporcional dos edifícios.” (ARGAN, 1999, p. 70, grifo nosso)
Posteriormente, a praça barroca viria a assumir por si um papel
monumental, geralmente compondo o 'cenário barroco' e dando destaque a palácios,
igrejas, habitações. Esse modelo se alastra pela Europa, com elementos novos, que
valorizavam certa opulência da arquitetura; nesse momento o mercado não ocupa
mais os espaços livres centrais. As praças passam a servir, nos centros urbanos, como
cenário da vida social aristocrática. Com o advento da Revolução Industrial, a
conseqüente explosão demográfica das cidades européias e o avanço das teses
higienicistas, os projetos de espaços livres nos centros urbanos ganham importância.
Esses espaços passariam a compor sistemas de áreas livres destinadas à recreação, ao
ócio e ao convívio das classes mais abastadas.
No Brasil, os espaços de uso público na época da colônia estiveram sempre
associados à organização espacial de seus edifícios centrais; ao redor desses espaços se
12
localizavam os edifícios administrativos, por exemplo. Também os adros da igreja se
destacam desde o início da colonização como pontos de reunião. Marx (1980) ao
descrever a profanização do espaço público no Brasil considera as cerimônias, festas e
liturgias religiosas como os eventos que justificavam a existência de tais espaços. Pouco
a pouco esses espaços passariam a ser profanados com usos políticos, comerciais,
militares, recreativos etc. A influência dos jardins europeus do século XVIII viriam a
alterar suas características principais, conferindo a esses espaços um caráter de espaço da
sociabilidade aristocrática (DE ANGELIS; DE ANGELIS NETO; CASTRO, 2004).
No século XIX surgem na Inglaterra os primeiros grandes parques públicos destinados
ao lazer das massas trabalhadoras, que iriam ter grande influência nos parques criados
no Brasil no século seguinte.
A incapacidade dos modelos de abarcar a variedade de usos, a alteração do
perfil de usuários, as necessidades que são criadas e aquelas que são descartadas com a
evolução das cidades é um componente nem sempre presente nos projetos de espaços
livres urbanos. Uma análise que rejeite a necessidade de contradição e conflito, inerente
à condição urbana do espaço livre público, vai ser sempre insuficiente para sua
compreensão. A análise do espaço público meramente como espaço físico seria,
portanto, uma contribuição parcial, à qual devem se somar outras abordagens, visando
garantir um enfoque mais consistente.
2.2. ESPAÇO PÚBLICO E ESPAÇO SOCIAL
Em “Espaço Público Espaço Privado: notas para o estudo das condições de apropriação do
espaço público urbano”, Walter Figueiredo enumera algumas terminologias clássicas para
posteriormente sintetizar a sua análise em dois focos principais: espaço físico e espaço
social. A síntese, presente sobretudo no capítulo “Conceitos de Espaço”
(FIGUEIREDO, 1983, p.5-26), visa incorporar alguns aspectos eleitos pelo autor como
fundamentais em cada uma das duas definições. De Lefebvre o autor cita as tipologias
apresentadas emLa production de l´espace”: espaço físico (do prático-sensível à percepção
da natureza), espaços mentais (ou seja, o campo das possibilidades lógicas e imaginárias)
e espaço social. Este último, composto de uma noção um pouco mais complexa de
13
interpretação do espaço físico enquanto produto social e do espaço mental enquanto
articulação teórica das relações sociais, também seria alvo de análises de Alvarenga e
Maltcheff (1980)
1
. De Kurt Lewin (1973 apud FIGUEIREDO, 1983) o autor analisa a
visão de ‘espaço psicológico’, ou os processos de percepção e análise do comportamento
humano. Outras categorias de análise seriam: espaço territorial
2
, espaço geográfico
3
,
espaço urbano e espaço arquitetônico
4
, espaço existencial
5
, além da proposão
6
de uma
hierarquia urbana de espaços (conceituações distintas para cada um dos tipos de espaços:
urbano-público / urbano-semi-público / grupal público / grupal privado / familiar
privado / individual-privado).
2.3. ESPAÇO SOCIAL E ESPAÇO POLÍTICO
Em “Espaço público e representação política”, Paiva (1995) investiga a
insuficiência do programa liberal de representação política, através da análise dos
conceitos de espaço público. O interesse do trabalho para esta dissertação está na
utilização, como marcos teóricos, dos trabalhos de Arendt
7
e Habermas
8
em que são
analisadas questões relativas ao espaço público e a contextualização desses textos com a
forma contemporânea da apropriação do espaço urbano nas metrópoles brasileiras.
Do próprio trabalho extrai-se, a partir da matriz traçada por Habermas, uma
definição do espaço público, como um “lugar onde as relações comunitárias se passam e se
abrigam; um espaço onde as demandas e reivindicações se exteriorizam; acolhedor de diversas instituições
1
Sobre
espaço social como paradigma no campo das ‘ciências sociais’
, ver ALVARENGA; MALTCHEFF (1980).
O ponto principal de sua análise: a superação da visão tradicional de espaço como um dado físico; espaço é
produto social (com diversos níveis de aprofundamento teórico a partir dessa superação); ver ainda SOROKIN
(1973), que em sua caracterização de diferentes dimensões do
espaço social,
sinaliza ainda a estratificação e
as possibilidades de mobilidade social. Ainda sobre Pitirim Sorokin e sua análise de
distância social
, anos mais
tarde RIBEIRO; LAGO (2001) iriam, a partir de uma pesquisa empírica, pôr à prova os conceitos formulados
pelo autor russo bem como suas relações com a
distância social
de Bordieu (1979 apud Ribeiro; Lago, 2001).
2
REFFESTIN (1982).
3
GOTTMAN (1972) e SANTOS (1978).
4
GOITIA (1970) e ZEVI (1976).
5
NORBERG-SCHULZ (1972).
6
ALEXANDER; CHERMAYEFF (1963).
7
ARENDT (1987, apud PAIVA, 1995).
8
HABERMAS (1984, apud PAIVA, 1995).
14
— estatais e não estatais; espaço do agir publicamente, das reuniões; espaço por excelência do agir livre
e coletivo” (PAIVA, 1995, p. 10).
Ou ainda:
“A igualdade presente no espaço público é, necessariamente, uma
igualdade de desiguais que precisam ser ‘igualados’ sob certos aspectos e por
motivos específicos. O espaço público estabelece a realidade do próprio eu,
da própria identidade. Outrossim, estabelece a realidade do mundo
circundante. Quando nos alienamos em relação ao mundo, uma atrofia
do espaço público. Diz ARENDT que o que distingue a era moderna
não é, como pensava MARX, a alienação em relação ao ego, mas a
alienação em relação ao mundo. Um fator que muito contribuiu para o que
homem moderno ficasse alienado, foi a expropriação: ‘... a propriedade,
em contraposição à riqueza e à apropriação, refere-se a uma
parte do mundo comum que tem um dono privado e é,
portanto, a mais elementar condição política para a
mundanidade do homem’
9
. [...] O espaço público, ainda nos ensina a
grande filósofa da política, transcende o ciclo vital das gerações, perpetuando
os feitos dos grande homens, constituindo-se na memória e no capital de um
povo”. (PAIVA, 1995, p. 12)
Ao diferenciar o espaço público do privado, Hannah Arendt (2004) associa o
último às necessidades e sentimentos humanos. É no espaço privado que o ser humano
tem suas relações íntimas, sente dor, amor e é também ali que ele busca atender suas
necessidades vitais básicas, garantindo sua sobrevivência. Por outro lado, o espaço
público, seria a sua conexão com mundo, onde se realizam suas atividades sociais, lugar
da fabricação dos objetos que garantem não somente sua reprodução, mas a do próprio
mundo. Nele o ser humano, agindo em concerto com os demais, pode gerar poder
político e ser livre. Em relação ao espaço público, Arendt faz ainda uma distinção clara
entre o espaço social e o político. A noção de espaço político, tal como o trata Arendt,
9
ARENDT (1987 apud PAIVA, 1995, p. 257).
15
apesar de ter seu espaço distinto na obra da autora, deve ser, neste trabalho, entendido
como uma das esferas do espaço público em geral; sendo a atividade política uma das
possibilidades de sua apropriação coletiva. O entendimento da ação política como a
descreve Arendt, ou seja, forma pela qual o ser humano manifesta a sua capacidade para
originar algo, nos leva à compreensão de que a essa ação corresponderia um espaço,
público por natureza. De suas reflexões depreende-se ainda que esse espaço é ao mesmo
tempo resultado da ação política.
Ao considerar o espaço público, socialmente construído, também como locus
da ação política cotidiana, não pretendo dissociar funções distintas que esse espaço pode
abrigar. A compreensão do lazer, da recreação e do ócio, como atividades fundamentais
para o desenvolvimento humano, e complementares ao trabalho e a demais atividades
sociais, pode garantir ao espaço público uma dimensão mais ampla do que algumas
sínteses que visam classificar áreas livres de acordo com sua utilização. Yurgel destaca
em “Urbanismo e Lazer” (1983) os prejuízos da adoção de uma visão funcionalista por
parte das equipes de planejamento. O lazer seria interpretado como oposição ao
trabalho; sendo excluído dos programas de necessidades dos urbanistas e de grande
parte das políticas públicas. Reconhecido como uma função urbana menor, o lazer no
espaço público estaria relegado ao aproveitamento espontâneo de espaços livres ociosos.
A falta de políticas que incorporem o lazer como uma atividade a ser programada, com
espaços projetados para tal, levaria as classes mais abastadas a se refugiarem nos espaços
que criam para seu uso exclusivo. À maior parcela da população estaria negado o acesso
a espaços projetados para tais atividades, excluindo-se as poucas exceções
10
. Ao se
pensar o tempo livre dos trabalhadores/cidadãos como o tempo do desenvolvimento
humano – cultural, físico, psicológico, político e social – deve-se ter em mente o
10
Um exemplo local a ser citado é a iniciativa recente de criação dos Centros de Educação Unificados, em São
Paulo, que agregam diversos equipamentos culturais, de lazer e esportes, aumentando consideravelmente o
número de bibliotecas, teatros, quadras e piscinas públicas no município. A implantação da primeira fase dos
CEU’s privilegiou as regiões menos favorecidas da cidade quanto à oferta desses equipamentos, bem como de
vagas em escolas e com menores índices de desenvolvimento humano. Tal política deve pode ser considerada
um bom avanço em relação à oferta de infra-estrutura, serviços e atividades a ela relacionadas. A
descontinuidade dessa política pode vir a prejudicar tanto a comunidade usuária dos CEU’s existentes quanto
aquelas que poderiam vir a ser contempladas com os equipamentos futuros. Soluções para implantação de
equipamentos semelhantes em áreas mais adensadas, com carência de grandes terrenos é ainda um desafio a
que o poder público não se propôs.
16
conjunto da sociedade; e o acesso ao espaço construído para tais fins como potencial
instrumento de democratização de nossas cidades
11
.
Em texto denominado Espaço Público e Visibilidade Social, LEITE (1998)
debate a imprecisão no uso do termo cidadania em nossa sociedade, enquanto história de
lutas e conquistas, visando à obtenção progressiva de direitos
12
. Milton Santos associaria
a conquista da cidadania, que pressupõe o constante embate entre cidadãos e Estado, a
um modelo cívico formado essencialmente por dois fatores: cultura e território. No
Brasil, a supressão gradual dos direitos individuais, o crescimento econômico sem
desenvolvimento social e o crescimento de uma classe média “sensível a discursos
‘desenvolvimentistas’ que justificavam a substituição da vida comunitária pela sociedade competitiva”
(LEITE, 1998, p.02) teriam garantido o modelo de exclusão social pelo redesenho
territorial (baseado na concentração de bens e serviços). A distorção descrita, que estaria
na base da construção de nosso território desigual e que seria diretamente patrocinada
pelo Estado, teria sua contrapartida no “processo de eliminação do caráter público dos locais de
domínio coletivo, face mais perversa da desigualdade cultural” (LEITE, 1998, p.03). O primeiro
passo nesse sentido seria a supressão do espaço público como conceito:
“(...) numa sociedade individualista e competitiva, em que não
há nada a compartilhar, o comunitário, o público, passa a ser tomado como
o espaço da marginalidade, dos desocupados, da porção ponderável da
sociedade que não pôde ou a quem não foi permitida a inserção no sistema
produtivo. A essa supressão conceitual corresponde, na prática, a
eliminação de qualquer possibilidade de intercâmbio social, de participação
coletiva na produção da paisagem, de enriquecimento pela troca de
11
Em relação à caracterização do lazer urbano, podemos nos ater àquela proposta por Dumazedier e Ripert
(1966 apud BARTALINI, 1999, P. 03), que identifica quatro condições básicas:
o caráter libertatório , que trata da liberação de certas obrigações sociais (profissionais,
familiares, religiosas, educativas etc), da livre escolha das atividades;
o caráter de gratuidade , que estabelece que se a atividade de lazer obedece a qualquer
fim lucrativo, utilitário ou engajado não é um lazer por inteiro;
o caráter hedonista , que associa necessariamente o lazer à busca pela felicidade;
o caráter pessoal , que trata da necessidade de realização pessoal, da recuperação
biológica das fadigas do cotidiano.
12
SANTOS (1987 apud LEITE, 1998, p.01) os qualificaria como direitos políticos individuais, direitos coletivos
e direitos sociais.
17
experiências e emoções. [O segundo seria o avanço do domínio
privado sobre o espaço público, onde] fiscalização, denúncia,
repressão, passam a ser instrumentos de defesa contra a utilização
comunitária do espaço público” (LEITE, 1998, p. 03).
Diversas ONG´s e associações de caráter privatista trabalhariam pressionando
o Estado a adotar seu modelo urbano elitista, que visa em muitos casos a eliminação das
contradições, sob concepções formalmente idealizadas
13
. O terceiro passo seria, na visão
da autora, a privatização formal dos espaços públicos, pela exclusão dos ‘socialmente
indesejáveis’. A operacionalização desse processo se daria nos projetos de ‘requalificação’
desses espaços públicos, que visam garantir um ajuste ao molde estético pretendido,
além do confinamento da parcela menos influente da sociedade aos espaços de pobreza
absoluta. Dessa forma a cidadania seria negada a todos, uma vez que também as parcelas
mais influentes da sociedade buscam para si a segregação em áreas privatizadas e
fortemente protegidas.
Os projetos urbanos de ‘requalificação’ de espaços públicos estariam
condenados, na visão da autora, a exercícios simplesmente formais, uma vez que esse
“modelo cívico imperfeito [...] parece nos sugerir que a construção do espaço pode se dar sem mediação
social” (LEITE, 1998, p. 04). Por fim, a autora defende que, apesar de as práticas
urbanístico-arquitetônicas não poderem eliminar as causas da exclusão, elas poderiam
“revelar à sociedade as bases morais que sustentam e permitem as ações segregadoras, oferecendo a ela a
possibilidade de envolver-se na determinação de seus lugares de vida” (LEITE, 1998, p. 05).
2.4. ESPAÇO PÚBLICO MODERNO
Otilia Arantes (1993), aponta o surgimento de uma corrente do urbanismo
moderno, nos anos 60, com obsessão pelo lugar público“em princípio o antídoto mais
indicado para a patologia da cidade-funcional”. (ARANTES, 1993, p.97). Suas formulações
teriam origem nas primeiras intervenções do pós-guerra, porém, em menos de vinte
13
A autora se refere nesse trecho à Associação Viva o Centro, citando inclusive trechos de seu estatuto.
18
anos o tema teria sido alçado a ‘lugar comum ideológico’, unindo teóricos de todas as
vertentes do urbanismo.
A autora cita os textos de Camilo Sitte, que fora deixado de lado pelos
primeiros Modernos, como exemplo de conceituação sobre o espaço público que seria
retomado a partir dos anos 50. O termo “coração da cidade”, por exemplo, usado por
Sitte para designar a praça, seria incorporado ao léxico dos urbanistas nos projetos
destinados à revitalização de centros de cidades destruídas pelas II Guerra, ou ainda
pelo urbanismo moderno ‘predatório’.
A ênfase na adoção da terminologia, usada por Sitte para a descrição dos
eventos urbanos desde a Antiguidade à Idade Barroca, é um dos elementos utilizados
por Arantes para demonstrar a contradição existente no discurso moderno. A opção
generalizada de partidos urbanísticos centrados no espaço público revela certa reação à
perda do caráter público da vida. O cerne da questão para Sitte era a alteração que a
modernidade trazia nas relações entre o homem e o espaço; a agorafobia moderna, que em
linhas gerais resultaria numa alteração dos rumos da vida urbana, que deixava de se dar
nos espaços públicos para os recintos fechados, seria um fenômeno irremediável,
sintoma de mudanças estruturais na sociedade moderna. O esvaziamento do espaço
público não seria, portanto, um problema urbanístico, mas conseqüência do esvaziamento
da própria vida pública. A retomada de Camilo Sitte e a solução da urbanística moderna,
pelo retorno do lugar público, seria para a autora uma opção alienada e de caráter
meramente estético. A crença na recomposição da vidablica como conseqüência da
reordenação do espaço urbano é a lição tirada por alguns teóricos modernos, que viria a
ser incorporada nos discursos de urbanistas no pós-guerra, com alguma sobrevida até a
atualidade.
Enfim, na visão de Arantes, caem por terra todas as tentativas de resolução
dos conflitos do espaço urbano a partir de técnicas urbanístico-arquitetônicas. Não
obstante, a onda de intervenções de caráter “modesto”, pontual e discreto, das décadas
de 60 e 70, é também contestada, uma vez que se apoiaria no fetiche da intimidade em
reação ao que Sennet definia como agorafobia, mesmo sendo seu complemento, ou
conseqüência. A contradição nesse tipo de atitude havia sido apontada justamente por
Sennet, pois tal opção seria uma regressão, uma recriação do “espaço estéril”, que
deveria ser suprimido.
19
Partindo para uma leitura da própria definição de Sennet, a respeito do novo
espaço público como um derivado do movimento, destaca-se sua ênfase nas mutações
de uso com aproveitamento dos espaços criados na modernidade
14
. Os ideais modernos
responsáveis pela adoção de modelos centrados na valorização do público criariam as
bases para um território a ser efetivamente ocupado pelos fluxos da metrópole
contemporânea. Georg Simmel (1973) veria a questão por outro ângulo, sobretudo com
relação à liberdade pessoal possibilitada pela vida nas metrópoles
15
. Apesar de Simmel
não simplificar a análise a ponto de se fixar apenas na questão do indivíduo, Arantes
não o coloca como um utópico, exatamente por ver na metrópole a expressão dessa
individualidade.
Outra passagem citada por Arantes em seuroteiro referencial’ é Hannah Arendt
(2004), em sua apologia ao mundo público
.
Embora refutando a noção de que a
alteração de uma morfologia urbana implicaria na mudança das relações entre público e
privado, a autora citada traz à tona a comparação entre a vida política no espaço
público, da Antiguidade aos tempos modernos; a perda do caráter cívico da vivência no
espaço público seria reflexo do desenraizamento ao qual se refere Arendt.
A análise da autora sobre a centralidade política da Ágora abarca outras
correntes da urbanística, que viam na criação de lugares com sentido forte, verdadeiros
monumentos à vida em público, que trariam a tona a civilidade do espaço público. Tal
corrente ganhou força a partir do CIAM de 47 (com Giedion, e posteriormente com a
colaboração de Sert e Leger), ganhando força com textos do grupo MARS (CIAM
1951). A impossibilidade de avanço nessa direção – com o crescimento de correntes que
defendiam idéias de cidades fragmentadas, poli-nucleadas ou mega-estruturas teria
14
“A supressão do espaço público vivo contém uma idéia ainda mais perversa: a de fazer o espaço
contingente às custas do movimento”.
Ou ainda, a respeito do conjunto de edifícios de escritórios La Defense,
em Paris:
“O solo, segundo as palavras de um dos encarregados do planejamento, é ‘o nexo de apoio ao fluxo
de tráfego para o conjunto vertical’. Traduzindo, isto significa que o espaço público se tornou uma derivação
do movimento”
. (SENNET, 1998, p.28)
15
“[...] assim, hoje o homem metropolitano é ‘livre’, em um sentido espiritualizado e refinado, em contraste
com a pequenez e preconceitos que atrofiam o homem da cidade pequena. Pois a reserva e indiferença
recíprocas e as condições de vida intelectual de grandes círculos nunca são sentidas mais fortemente pelo
indivíduo, no impacto que causam em sua independência, do que na multidão mais concentrada na grande
cidade. Isso porque a proximidade física e a estreiteza de espaço tornam a distância mental mais visível. Trata-
se, obviamente, apenas do reverso dessa liberdade, se, sob certas circunstâncias, a pessoa em nenhum lugar
se sente tão solitária e perdida quanto na multidão metropolitana. Pois aqui como em outra parte, não é
absolutamente necessário que a liberdade do homem se reflita em sua vida emocional como
conforto”
.(SIMMEL, 1973, p.22/23)
20
seqüência com o crescimento das teorias do lugar. Em substituição ao mito da
planificação ganharia força a adoção de idéias lançadas por Aldo Rossi em “Arquitetura
da Cidade”, publicado originalmente em 1966, em que a simbologia do lugar,
remontando ao Genius Loci romano o espírito do lugar’ superaria a análise
puramente espacial ao incorporar dados de outras disciplinas das ciências humanas. A
análise do arquiteto Vittorio Gregotti, por exemplo, posterior em alguns anos ao livro
de Rossi, citaria ainda o espaço “antropo-geográfico”
16
. Uma série de urbanistas
embarcaria na teorização do lugar em associação a uma estética de retomada historicista,
cujos frutos mais visíveis, do ponto de vista espacial, seriam projetos urbanísticos de
caráter pós-moderno.
A necessidade de manutenção (e criação) de fatos urbanos únicos
monumentos, praças, palácios etc ou dos ‘fatos primários’ de Rossi (1983 apud
ARANTES, 1993, p.136), seria um elo de ligação entre as teorias do lugar e arquitetos-
urbanistas herdeiros do modernismo, que apesar da assimilação parcial desse ideário,
conseguiu absorver o que convinha. A partir de então, da aceitação dos monumentos
como forma de sacralização das cidades, Arantes questiona a pertinência das estratégias
de revalorização dos monumentos públicos. O interesse no trato do tema aqui está
justamente nas tentativas de criação de lugares-públicos, em que os monumentos
ganham importância simplesmente pela sua existência, sem que de fato haja um
incentivo à retomada da vida pública. Os projetos urbanos de Barcelona-92 são citados
pela autora, mas poderíamos avançar no tempo e verificar que também em projetos
contemporâneos, no centro deo Paulo, busca-se utilizar o artifício do monumento
como chamariz de projetos de ‘revitalização’, ou mais friamente, como alavanca de
grandes transações imobiliárias.
2.5. O CASO DO CENTRO DE SÃO PAULO
Percorrendo a história das cidades, Heitor Frúgoli Jr. (1995) recorre a Lewis
Mumford para apontar a cidade como a sede do templo, do mercado, da Corte da
Justiça, das academias de ensino, enfim, “o ponto de máxima concentração do vigor e da cultura
da sociedade” (FRÚGOLI JR, 1995, p. 11). O autor busca desenvolver a partir daí seu
16
GREGOTTI (1975 apud ARANTES, 1993, p. 126).
21
raciocínio, destacando como pontos fundamentais o espaço urbano como lugar da troca
de mercadorias e como espaço político-administrativo, centro das decisões políticas. Os
centros urbanos seriam os corações das cidades, onde se intensificariam esses pulsares,
sob variadas formas: na dimensão política, na vida pública e outras dimensões
simbólicas, nas relações de mercado, nas cerimônias religiosas, nas atividades de
encontro e sociabilidade, no ócio etc. O autor lembra ainda um conceito criado por
Lefebvre, a “simultaneidade simbólica”, segundo a qual “cada época histórica constrói uma
centralidade específica e, na cidade capitalista moderna, a dimensão lúdica ligada ao imprevisto, ao
jogo das relações sociais, aos encontros, ao teatro ‘espontâneo’ – muitas vezes se entrelaça à dimensão do
consumo, que é o tipo peculiar e específico de centralidade criado pela cidade capitalista” (FRÚGOLI
JR, 1995, p. 12).
De acordo com Frugoli Jr., as intervenções urbanas ocorridas tanto em
Londres quanto em Paris e que iriam influenciar fortemente projetos para as cidades
brasileiras no século passado negavam fortemente o papel do espaço público como
espaços de usos múltiplos e populares, apesar do aumento populacional e dos novos
ritmos de circulação. Com isso, as cidades deixavam de ter um centro referencial,
iniciando-se um processo de fragmentação dos centros urbanos; nesse momento as
praças tradicionais passariam a representar a memória da cidade pré-industrial.
Intervenções recentes como a Praça Roosevelt, estariam muito menos associadas à
sociabilidade e ao encontro do que à criação de espaços funcionais e de serviços; o que
se identifica ali como espaço de lazer es subordinado a um parcelamento de usos
‘funcionais’, constituindo-se, enquanto praça, em um espaço fragmentado e ininteligível.
Em relação às praças do centro da cidade, verifica-se, em geral, um processo
generalizado de deterioração, excetuando-se aquelas ocasionalmente alvos de tentativas
de ‘revalorização’ do centro tradicional. Outras foram alvo de intervenções pelo Metrô,
passando a ter seu uso principal como acesso às estações, e inviabilizando qualquer
outra possibilidade de apropriação. ainda aquelas que sofreram algum tipo de
intervenção viária, e nesse caso elas estão, no mais das vezes, degradadas devido à
dificuldade de usufruto causada pela proximidade com automóveis e ônibus. Apesar
desse quadro, percebe-se a insistência da população em utilizar-se, mesmo que das
formas mais precárias, da estrutura existente. Diversos grupos, organizados ou não,
fazem desses espaços seu ponto de encontro e atividades; a exigüidade dos espaços com
alguma qualidade locacional, espacial ou funcional acaba agregando nos mesmos
22
pontos, diferentes grupos, que dele fazem uso em horários alternados ou não. Tais
apropriações não despertam grande simpatia de toda a população, resistência à
popularização desses espaços sobretudo pelas camadas mais abastadas da população, e
muitas vezes pelo próprio poder público
17
.
Outro aspecto de interesse na abordagem de Frúgoli Jr. sobre o centro
metropolitano é a análise da sucessão de eventos que ocasionam transformações no
espaço urbano, em diferentes aspectos. Assim, o autor centra foco nos grupos sociais
(suas características, levas de imigrações, transformações ascensões e descenso social);
nas alterações do setores primário (primeira industrialização, crescimento e declínio do
ABC) e terciário (o avanço do centro de serviços rumo ao quadrante sudoeste da
cidade); na moradia (a fuga das classes média e alta rumo aos grandes condomínios
periféricos, configurando-se um novo padrão habitacional a partir dos anos 80); na
estrutura comercial (o surgimento de super e hiper-mercados nas décadas de 60 e 70, o
fenômeno dos shopping-centers a partir dos 80); e, finalmente, no padrão de transporte
individual adotado pela cidade (e as conseqüentes obras viárias sucessivamente
realizadas para lhe dar suporte). Associando os diversos dados apontados, chega-se à
conclusão que houve de fato uma “pulverização metropolitana da centralidade tradicional, que foi
gradativamente deixando de ser a principal referência na cidade, com o surgimento espalhado de
inúmeros ‘centros’, entre eles os novos ‘centros especializados’, funcionais, que demandam uma ocupação
organizada, seletiva, previsível e controlada” (FRÚGOLI JR, 1995, p. 81). Assim configura-se
uma cidade voltada para os interiores, como se refere também Camilo Sitte (apud
ARANTES, 1993, p. 103) em relação aos efeitos do fenômeno batizado de “agorafobia
moderna”. O universo artificial de cada uma das novas ‘cidades’ (privadas) que surgem
dentro da cidade existente colaboram para a degradação da esfera pública; nesse quadro,
o centro tradicional abriga alguns dos inúmeros espaços da cidade que são apropriados
pelas camadas menos favorecidas da população, que deles se apropriam das mais
variadas formas. A essa apropriação costuma-se associar a ‘degradação’ do centro
tradicional.
17
Tal diversidade, muitas vezes conflitiva, é vista de forma absolutamente negativa, principalmente pelas
classes sociais de maior poder aquisitivo, que há muito abandonaram o espaço urbano central e deteriorado
da cidade. Ademais, o conceito de deterioração, nesse caso, é estendido às pessoas e atividades exercidas
nesses espaços, e não ao processo urbano que gerou tal quadro social. Essa representação intolerante
implica uma visão sobre a rua como invariavelmente local do perigo à espreita, do crime e do tráfico de
drogas, devendo ser evitada a todo custo, articulando-se como uma das soluções mais solicitadas a presença
de um policiamento ostensivo, visando controlar tais manifestações
.” (FRÚGOLI JR, 1995, P. 35)
23
“O estilo de vida que se articula através de grupos sociais com
maior poder aquisitivo, marcado pela mobilidade urbana, pela
permanência preferencial em espaços privatizados e por constantes
demarcações de distinção, pode ser visto como que ligado a uma certa
‘cultura dos espaços privatizados’, onde a noção do espaço público torna-se
secundária, contanto que esteja garantida uma utilização excludente e
seletiva da cidade. Nesse caso a esfera pública, ao nível da vida urbana
(...) se torna mais ameaçada, porque tais grupos sociais desenvolvem
atitudes e defendem posições conservadoras e elitistas, reforçando os
preconceitos, propondo sobretudo soluções repressivas para banir os grupos
indesejáveis e, ao mesmo tempo, articulam ‘barricadas’ contra a metrópole,
criando uma ‘comunidade artificial’ à parte do contexto urbano”
(FRÚGOLI JR, 1995, p. 106).
Glória da Anunciação Alves (1999), emO uso do centro de São Paulo e sua
possibilidade de apropriação”, percorre um trajeto assumidamente lefebvriano-marxista para
questionar a contradição entre apropriação e dominação do espaço urbano (do centro
de São Paulo). Em trabalho de viés empírico, a autora enfoca as disputas de poder e as
estratégias assumidas pelos agentes da dominação/apropriação desses espaços. As
diferentes estratégias de dominação – pelo Estado e agentes privados – são contrapostas
à apropriação do espaço urbano pela população, em seu uso cotidiano da cidade. O
enfoque no caráter transgressor da apropriação está no centro da discussão proposta;
são esmiuçadas algumas das alternativas espontâneas de fuga à normatização do espaço,
sua fragmentação, hierarquização, enfim, às estratégias de dominação estatais e de
grupos privados.
Do ponto de vista da sua filiação teórica, a autora não deixa dúvidas, são
citadas já na introdução, entre outros:
LEFEBVRE, Henri. “La production de l´espace”: para enfatizar a
contradição entre dominação e apropriação. Enquanto o controle
do espaço seria uma forma de o Estado e as empresas afirmarem a
racionalização, que serviria aos seus interesses de dominação, a
24
apropriação seria a alternativa de grupos não organizados a
popoulação em geral. Contextualizando a discussão, a autora não
se furta de relativizar o tema, dando como exemplo a importância
dada à propriedade privada da moradia, por cidadãos de todos os
níveis sociais, e o esvaziamento do conceito do “direito à
moradia” enquanto “direito ao uso”.
LEFEBVRE, Henri. “De lo rural a lo urbano”: aqui a autora
acentua a diferença entre os dois conceitos (dominação vs.
apropriação), citando o mesmo autor, que desta vez confronta-os
utilizando a relação homem-natureza como exemplo. Em linhas
gerais, argumenta-se que enquanto a dominação da “natureza
material” permite que se avance economicamente, somente em
sua apropriação se dá o desenvolvimento social.
LEFEBVRE, Henri. “O direito à cidade”: a apropriação, usada
com o sentido de uso, teria dado lugar à posse, privilégio de
poucos. Nesse momento a autora evoca a necessidade de resgate
do sentido original do termo, que teria sido paulatinamente
soterrado pelas estratégias de dominação espacial.
ARANTES, Otilia. “Do universalismo moderno ao regionalismo
pós-crítico”, in “Urbanismo em fim de linha”: nesta citação a
autora inicia uma crítica ao urbanismo moderno, que perpassa
toda a sua tese. O termo racionalidade é utilizado a todo momento
para acentuar um dos aspectos da dominação estatal sobre o
espaço; o urbanismo seria seu instrumento.
LEFEBVRE, Henri. “De la presencia a la ausencia: a ênfase no
valor de uso dos espaços é extraída de um trecho de Lefebvre, em
que destaca-se que são exatamente os desejos e as necessidades
humanas que garantem ao espaço o seu valor (de uso) e sua
qualidade.
SEABRA, Odete. “A insurreição do Uso”: aqui dá-se ênfase ao
conflito. O uso e a apropriação dos espaços seriam
“instrumentos” de luta pela cidadania.
25
LEFEBVRE, Henri. “Lavolution urbaine”: a crítica ao espaço
tido como um objeto/mercadoria. A tendência a considerar-se o
espaço como uma mercadoria “neutra”, que para Lefebvre seria
uma estratégia dirigida pelo Estado, teria como finalidade
suplantar a visão do espaço como construção social. Sobre esse
espaço “neutro” o Estado agiria de forma a acrescentar-lhe valor,
de forma a garantir uma certa contribuição da reprodução do
espaço à reprodução do capital.
SANTOS, Milton. “O espaço do cidadão”: é citado na afirmação,
clássica, do autor à substituição do cidadão pelo consumidor
“(...) que aceita ser chamado de usuário. O ‘consumo do espaço’ passa
a ser foco da autora, que utiliza-se de exemplos da indústria do
turismo.
Alves desenvolve ainda uma caracterização do centro da metrópole, com
ênfase especial nos espaços livres públicos. Partindo de uma caracterização da
simbologia do centro, enquanto ponto de convergência e ‘expressão maior da cidade’,
são analisados aspectos dessa centralidade dos pontos de vista material, informacional,
geográfico, financeiro e funcional. A ênfase na reprodução do capital, e no papel do
centro enquanto espaço da materialização dos intercâmbios para sua realização,
origem à descrição das estratégias do Estado e do mercado para a dominação dos
espaços públicos. O centro é dado como exemplo de espaço em que se articulam, como
‘estratégias de classe’, a integração e a segregação, que seriam utilizadas como
instrumentos políticos e ‘dispositivos para controlar o consumo’.
A interdependência entre o centro histórico e os sub-centros que passam a
agregar funções específicas na década de 70 acentua a fragmentação e a normatização
do espaço. Apesar de aparentemente independentes, esses sub-centros teriam um
imbricamento estrutural, tendo o centro histórico como “centro decisório”. Essa visão
corrobora claramente para uma visão do atrelamento entre Estado e mercado que a
autora pontua já nas primeiras linhas. Poro ter-se especializado como os demais sub-
centros, o centro histórico teria o papel de articulador entre eles, de forma a criarem,
todos juntos, o espaço urbano fragmentado e devidamente hierarquizado para a
26
efetuação da reprodução do capital.
18
Apesar de aparentemente contraditória, essa
relação de inter-dependência fortaleceria o papel do centro histórico, que se nutre da
fragmentação espacial para manter-se como centro decisório. Ou seja, “a centralidade
assim se reforça em sua dispersão” (ALVES, 1999, p. 21).
O papel do urbanismo contemporâneo seria garantir uniformidade aos novos
centros, em que se dão muitos dos investimentos públicos de vulto, construindo
espaços que tendem para a “privatização do urbano, para o uso e consumo dos lugares” (ALVES,
1999, p. 19). Esse processo contribuiria para generalizar a atomização pessoal, em
detrimento da vida urbana sociabilizada.
A funcionalização dos lugares serviria, para a autora, a uma normatização que,
entre outros fatores, visa à limitação do uso e das tentativas de apropriação. Seria por
esse mecanismo que se daria o processo de “expansão da centralidade”, ou seja, a
criação de novos centros funcionais especializados. O centro histórico, no entanto, pela
sua diversidade, ainda permitiria em determinados momentos o rompimento dessa
racionalidade. E nesses momentos se realizaria o papel simbólico do centro, enquanto
possibilidade de apropriação. Para exemplificar, a autora abordará em capítulo específico
eventos ou momentos em que se percebe essa realização.
Entrando um pouco mais a fundo na caracterização do centro de São Paulo, a
autora aponta o Estado como grande agente transformador da cidade.
“O Estado, utilizando-se do espaço como instrumento para
reprodução das relações de dominação, procura nele impingir as
características necessárias para a efetivação desse projeto de controle sócio-
espacial, o que imprime à vida cotidiana um esquema, ao mesmo tempo
homegeneizante, a dizer a tendência por ela mesma, à identidade, à
equivalência, ao repetitivo e sua ordem; à fragmentação, ou seja, o
esfarelamento do tempo e do espaço, do trabalho como do ócio, as
especializações cada vez mais impelidas; a hierarquização, a ordem
hierárquica se impondo tanto às funções mais ou menos importantes
18
Contrapondo-se à visão de cidade polinuclear, a autora enfatiza o poder decisório do centro, que abriga
diversos órgãos governamentais, sedes de bancos e grandes empresas, que lhe garante o papel de centro
metropolitano. Os demais centros variariam entre sub-centros monofuncionais e centros comerciais (de
bairro) sem grande importância na estrutura urbana da metrópole.
27
como que aos objetos. Aparentemente contraditória, essa tríade que
também tende a caracterizar o espaço é perfeitamente articulada.”
(ALVES, 1999, p.30, grifo nosso)
Da descrição de cada parte da tríade citada emerge um outro conceito, dos
guetos; esse desenvolvido a partir da conceituação presente em “Os lugares da
metrópole: a questão dos guetos urbanos”, de Ana Fani Carlos.
“Os guetos, [...] parte do espaço que tende à homogeneização, são
lugar em que a homogeneidade existe para determinado grupo que
consegue, em lugar específico, ainda estabelecer referências e manter aí traços
da memória de grupo [...]; o gueto pode ser uma entrada para o novo,
fugindo aos padrões homogeneizantes, resgatando particularidades culturais
de grupos, que, de forma coletiva, reivindicam e lutam por direitos básicos,
os quais muitas vezes são negados em nossa sociedade” (ALVES, 1999,
p. 32).
Outro ponto de destaque na obra são interpretações do que seriam “disputas
pelo espaço público”. A autora retoma a esperança presente em “O direito à cidade” de
que o valor de uso possa voltar a subordinar o valor de troca – na prática social e no uso
dos espaços para tomar partido na citada disputa. Se de um lado o mercado se
apresenta em forma de associações de empresários, aliado em muitos momentos ao
Estado, que buscam doutrinar os espaços, de outro lado, a dificuldade em se superar a
imprevisibilidade e a transgressão cotidianas consolidam uma barreira para a
consolidação da dominação. Apesar dos diversos instrumentos de dominação utilizados
por Estado e mercado, a autora ressalta a capacidade de a sociedade transgredir
quaisquer regras em momentos determinados. Para tanto são evocados alguns
momentos históricos e eventos de grande escala, como shows, comícios, transmissão de
partidas de futebol, entre outros. Esses momentos teriam a marca do imprevisível, da
possibilidade de ruptura, do descontrole. A esse “perigo” são descritas reações do Poder
Público e manifestações de associões de empresários e da mídia, em que se percebe a
vontade de conter a “possibilidade do imprevisível”.
28
A imbricação entre Estado e mercado emerge das demais considerações, e não
cabe aqui detalhar todas, como um ponto de destaque na tese. A impossibilidade de se
pensar essas “instâncias” sociais (na falta de melhor termo) como entes independentes
apresenta-se como uma marca de nossa sociedade; e poderíamos derivar para um
longo desenvolvimento teórico sobre as relações patrimonialistas que marcam a
sociedade brasileira. Não caberia neste curto trabalho optar por esse caminho, mas o seu
desenvolvimento aponta para a necessidade de citar alguns estudos clássicos sobre a
formação de nossa sociedade.
Com uma abordagem teoricamente próxima à de Alves, em ”Uma leitura
sobre a cidade” e ”Notas sobre a paisagem urbana paulistana”, ambos textos deO
Espaço Urbano: novos escritos sobre a cidade”
19
, Ana Fani Carlos se concentra nas novas
dinâmicas de reprodução do espaço urbano, na Metrópole de São Paulo, e na relação de
exterioridade em relação ao cidadão. Negando desde o inicio a leitura da cidade
enquanto quadro físico, e enquanto meio ambiente urbano (para citar apenas duas das
correntes às quais a autora se contrapõe), Carlos nega a ocultação do conteúdo da
prática sócio-espacial, buscando sempre associar à produção de um pensamento sobre a
cidade a “produção social da cidade”. Sinalizando uma crise teórica, nas formulações em
que impera o pragmatismo nas análises urbanas, a autora enfatiza a necessidade de se
abandonar o estudo parcelar da cidade, em detrimento de uma abordagem e de um
debate coletivos. Fixando explicitamente sua filiação analítica a autora se alinha à
corrente “marxista-lefebvriana” parte da noção de cidade enquanto “trabalho
materializado, acumulado ao longo de uma série de gerações, a partir da relação da sociedade com a
natureza” (CARLOS, 2004, p. 19).
A noção de produção, com o sentido mais amplo que a economia lhe confere,
pois que se vincula à produção humana, às condições de vida da sociedade, é articulada
àquela de reprodução das relações sociais, referenciando-se no que Lefebvre chama de
“produção filosófica”. Assim, o espaço da cidade é tomado enquanto condição, meio e
produto da reprodução social.
19
O livro busca apontar as transformações do espaço urbano a partir das modificações do cotidiano de seus
habitantes. A sobrevalorização do “valor de troca” em relação ao “valor de uso” do espaço urbano seria
conseqüência das alterações impostas pelo novo modelo econômico. Assim, os espaços públicos perdem cada
vez mais seu significado, estando a vida comunitária mudando de cenário, passando a ocupar, por exemplo, os
shopping-centers:
“a metrópole virou cenário e criou novas formas de vida”
(CARLOS, 2004, p. 41).
29
O conflito entre o processo de produção social do espaço e a sua apropriação
privada delimitaria a vida cotidiana. Produzido e reproduzido enquanto mercadoria, o
espaço entraria no circuito da troca. A tendência à sua hogeneização (vinculada à
construção do espaço enquanto mercadoria) e à fragmentação (esta vinculada ao espaço
da propriedade privada
20
), vinculariam o acesso ao espaço urbano inexoravelmente ao
mercado, uma vez que a propriedade privada do solo urbano é condição para o
desenvolvimento do capitalismo.
Quando analisa mais especificamente a paisagem paulistana, a autora se detém
na efemeridade da forma (efemeridade tomada aqui como a sucessão de camadas de
cidade, sua sucessiva re-construção, sentido diferente daquele usado por Lefebvre), na
desigualdade social latente nas ruas de bairros abastados, na conseqüente morfologia
estratificada, nos “lugares de passagem”. O sentido da rua passa a priorizar o
movimento, em que “o que importa é o percurso” (CARLOS, 2004, p. 41). A leitura do
movimento na metrópole é especialmente comentada, uma vez que se no espaço
público, que não é o lugar do encontro, do estar. Por outro lado, a vida noturna da
cidade, “que se realiza agora em 24h”, apresenta o tempo como um elemento
transformador.
Já em “São Paulo: as contradições no processo de reprodução do espaço, a
autora apresenta as mudanças que ocorrem no processo produtivo em função de novos
padrões de competitividade. Apostando na tese de que São Paulo estaria entrando no
circuito das “cidades globais”
21
a autora apresenta como causa para o surgimento de
novas centralidades o esgotamento de imóveis no centro metropolitano
22
. A ação do
Estado viria a reboque, garantindo condições para a reprodução do espaço do capital.
A contradição que surgiria nesse movimento, da reprodução do capital, se
na diferença entre a antiga possibilidade de se ocupar áreas como lugares de expansão da
mancha urbana e sua presente impossibilidade diante da escassez de áreas entenda-se
áreas enquanto possibilidade concreta de efetivação da reprodução do capital dentro das
20
Note-se que aqui a autora se refere à fragmentação em seu sentido mais literal, da partição do solo urbano
em frações pertencentes a entes privados.
21
Tese contestada entre outros por FERREIRA (2003) e FIX (2004).
22
Não é objetivo deste trabalho entrar no mérito das teses analisadas, mas diversos estudos apontam outras
causas para a mutação das centralidades de serviços rumo ao quadrante sudoeste da cidade. Para citar
apenas um, FRUGOLI Jr. (2000) disseca o fenômeno, bem como aponta atores envolvidos em grandes ações
estratégicas e políticas públicas de reorientação de investimentos visando beneficiar alguns empreendedores e
mercadores do espaço urbano. A questão é demasiadamente complexa para uma nota de rodapé, mas cabe a
ressalva.
30
regras do mercado imobiliário e limites à expansão econômica capitalista. O pano de
fundo da contradição colocada é obviamente a apropriação privada do espaço enquanto
produção social. Nesse ponto a ação do Estado, atuando de forma enérgica no esforço
pela consolidação do espaço terciário especializado em outras centralidades paulistanas,
passa a corroborar a visão de parceria entre Estado e mercado, colocada tanto por
Lefebvre quanto por Alves, na efetivação do espaço economicamente hierarquizado. Os
novos padrões de competitividade econômica, que segundo Carlos demandariam
espaços novos e exclusivos, são tratados por Alves, como foi visto, de forma
complementar ao “centro decisório”, o centro histórico. As novas centralidades estariam
integradas ao ciclo de reprodução de capital, em escala, no espaço urbano paulistano. O
enfoque específico dado por Carlos na “necessidade de condições especiais (e espaciais) para
realização da reprodução do ciclo do capital” (CARLOS, 2004, p. 90), explicaria o surgimento
de novas centralidades; o espaço central estaria esgotado enquanto oportunidade de
negócios na metrópole. Tal esgotamento seria resultado do próprio processo de
produção do espaço, e conseqüência da apropriação privada do espaço produzido
socialmente (solo urbano). Às transformações necessárias para a reprodução do capital
dá-se o nome de renovação urbana, processo travestido pelo Estado de “necessidades
sociais” e que dissimularia o conflito de interesses; nesse ponto a autora cita o discurso
da “modernização necessária ao crescimento” e as práticas de remoções de favelas para
implementação de obras viárias de porte na região da Marginal Pinheiros.
Sobre essas novas centralidades, a autora enfatiza o papel da arquitetura e do
marketing como atração para os investidores; o Estado entra com os investimentos em
obras públicas, mudanças na legislação de uso e ocupação, bem como a criação de
instrumentos urbanísticos de fomento à ocupação desejada, criação de redes de infra-
estruturas impostas pelo novo mercado e na elaboração (ou apropriação) do discurso
modernizante.
O caráter dos espaços públicos nessas regiões reflete o padrão homogêneo da
ocupação, em que a racionalidade justificaria a exigüidade dos espaços de encontro. A
prioridade é o edifício. O espaço urbano sofre alterações bruscas
23
, os antigos
23
A autora não entra no mérito do “desajuste” entre os padrões de ocupação, antigos e novos, dessas novas
centralidades. Alguns espaços se mostram urbanisticamente de difícil adaptação: bairros residenciais, com
lotes reduzidos dão lugar a uma ocupação de grandes edifícios de escritórios. A adaptação muitas vezes
mostra-se incapaz de atender mesmo as demandas mais básicas, como transito, estacionamentos, serviços
complementares etc. A nova centralidade FariaLima-Juscelino Kubitcheck já dá sinais de fadiga em aguns
quesitos elementares mesmo para aquela ocupação; questão abordada também em
“São Paulo, cidade
31
moradores vão paulatinamente perdendo suas referências, a rua deixa de ser o espaço do
encontro desses moradores (“o umbral da porta passa a ser o novo limite”, p. 103). No plano
da vida cotidiana, o espaço da vida “revela a passagem da produção de um lugar
conhecido/reconhecido para a constituição de umnovo lugar’”; a autora conceitua a
mudanca, para os moradores, como a transição do ato do habitar para o ato de morar,
e com isso passa de usador a usuário, ou de habitante a morador.
Os processos relatados aludem a uma nova ordem espaço-tempo, em que
formalmente a cidade adapta-se às necessidades do mercado, revelando a especificidade
de sua produção espacial. A cidade como valor de troca predomina sobre o uso, e o uso
subordina-se a essa lógica. Concluindo, a autora sentencia:
“Ultrapassar o limite estreito da produção do espaço enquanto
mercadoria, e do cidadão enquanto força de trabalho torna necessário
refletir o espaço urbano em seu sentido mais amplo, o espaço geográfico
como uma produção social que se materializa formal e concretamente em
algo passível de ser apreendido, entendido e apropriado pelo homem, como
condição e produto da reprodução da vida (CARLOS, 2004, p. 106).
2.6. UM MÉTODO
Em “O direito à cidade”, Henri Lefebvre tece uma abordagem genérica sobre
a questão da urbanização e sua relação com os processos de industrialização. O autor
coloca, numa relação indutor-induzido, a industrialização como motor das
transformações sociais nos últimos doisculos. As questões relativas à urbanização
seriam uma parte de seus efeitos induzidos, e não causa ou razão indutora. Apesar de
muito anterior à industrialização, o fenômeno urbano (já uma poderosa realidade) sofre
mudanças radicais após a sua imposição.
Ao caracterizar a cidade como obra em contraposição à noção de produto, o
autor coloca a distinção entre valor de uso (obra) e valor de troca (produto). Assim, o
mundial: fundamentos financeiros de uma miragem”
, de Mariana Fix (2004).
32
uso principal da cidade, de suas ruas, praças, edifícios e monumentos seria a Festa, “que
consome improdutivamente, sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do prestígio, enormes
riquezas em objetos e em dinheiro” (LEFEBVRE, 1969, p. 11). A tese que desponta dessa
afirmação pressupõe a cidade e a realidade urbana como dependentes do valor de uso,
enquanto que o valor de troca e a generalização da mercadoria tenderiam a destruí-las.
A ação dos conflitos entre valor de uso e valor de troca é também abordada
quando da descrição das mudanças nas cidades a partir do advento da industrialização,
que pressupõe “a ruptura desse sistema urbano pré-existente” (LEFEBVRE, 1969, p. 13).
A caracterização de tecidos e núcleos urbanos dá-se na obra de Lefebvre
através de exemplos concretos, e ajudam a identificar os espaços resultantes das
transformações urbanas pós-industrialização. Conceitos como “centro de decisão”,
“centro comercial” ou “centro de poder” são usados para definir as características
básicas desses centros urbanos. A “crise da cidade” nasceria da contraposição entre o
crescimento em “teia” e os “núcleos urbanos”. Ao apresentar um quadro do “assalto da
cidade pela industrialização” (LEFEBVRE, 1969, p. 18), Lefebvre nega uma aparente
naturalidade desse processo; pelo contrário, o autor busca enfatizar a diferença entre os
papéis desempenhados pelas classes dirigentes
24
e pelo proletariado nessa mudança de
caráter da sociedade urbana pós-industrial. Por trás desse processo estaria se dando uma
perda do sentido de “obra”, e ganharia força o valor de troca presente nas transações de
propriedade urbana. O crescimento das periferias, em grandes conjuntos habitacionais, e
a especulação sobre esses subúrbios teriam grande contribuição para a mudança nos
padrões de urbanização. A decomposição da ordem urbana se daria, no plano simbólico,
por exemplo, pela ausência de elementos do uso cotidiano das cidades (ruas, praças,
monumentos, bares, cafés, etc)
25
.
A partir de metáforas o autor tece críticas à racionalização moderna, sua
necessidade de coerência e o combate à contradição.
26
O urbanismo moderno está por
trás dessa crítica, que não poupa também certa ingenuidade e nostalgia daqueles adeptos
24
Sem fazer distinção entre Estado e mercado, como demonstra explicitamente ao descrever as obras do
barão Haussman e a “urbanização desurbanizante”, ou seja, a criação dos subúrbios habitacionais franceses
no fim do século XIX (ver: LEFEBVRE, 1964).
25
Esse tema o autor desenvolve em outro trabalho, esse de caráter estritamente empírico, ao analisar um
caso extremo de conjunto habitacional francês e suas relações com vilas e cidades próximas (LEFEBVRE,
1964).
26
O médico da sociedade moderna se vê como um médico do espaço social doente. A finalidade? O remédio?
É a coerência. O racionalismo vai instaurar ou restaurar a coerência na realidade caótica que ele observa e
que se oferece à sua ação”
(LEFEBVRE, 1969, p. 27).
33
de um urbanismo “mais humanista” ouo urbanismo dos homens de boa vontade”, e
que avança ainda sobre práticas urbanas tecnocratas e sobre o “mercado de projetos”
27
.
Outros aspectoso analisados em seguida, entre eles “a filosofia e a cidade”.
Questões urbanas analisadas em trabalhos filosóficos encaminham a discussão sobre
oposição entre valor de uso e valor de troca; para tanto cita autores como Heidegger (o
“Logos” e a cidade grega, a “Morada” e o “Vaguear”), Hegel (distinção entre a “Coisa”
perfeita e a “Idéia”, “que anima a sociedade e o Estado”), Bachelard (e a “Casa”)
28
, além
de Marx, que serve de referencial teórico maior ao autor. Já em relação às “Ciências
Parcelares” o autor centra a sua análise sobre os estudos urbanos de economistas,
historiadores, demógrafos, sociólogos, geógrafos etc. A questão que emerge dessa
apresentação (“é possível tirar da ciências parcelares uma ciência da cidade?”, p. 39), reflete a
necessidade de síntese global, por pesquisadores de qualquer uma delas. Aqui cabe
também uma crítica a essa postura, que ao tomar emprestada a síntese urbana para sua
utilização em uma análise parcelar acaba por refletir uma visão da cidade como um
organismo. Por fim, o urbanismo surge não como ciência, mas como “nova prática
social”, que se supõe interdisciplinar, e que mereceria exame crítico ao invés da
aceitação dos efeitos de suas proposições e decisões
29
. As defasagens entre prática e
teoria passariam, nesse exame, a um primeiro plano. E assim emerge a interrogação
entre o uso e os usuários (da cidade). Em seguida o autor parte para uma crítica radical de
urbanistas que negam a divisão de trabalho e a luta de classes; citando Lewis Mumford e
G. Bardet, Lefebvre ataca ainda mais fortemente Le Corbusier
30
. A necessidade de se
superar a visão do urbanista como o “médico do espaço”, que teria a capacidade de
identificar patologias espaciais e de conceber o espaço socialmente harmonioso, move o
autor a cobrar uma postura crítica radical e teoricamente embasada.
O conceito de cidade enquanto mediação surge na análise de suas
especificidades; mediação entre relações de produção e propriedade, entre reprodução
27
“O fato é que eles não vendem mais uma moradia ou um imóvel, eles vendem urbanismo. Com ou sem
ideologia, o urbanismo torna-se valor de troca”
(LEFEBVRE, 1969, p. 28).
28
(LEFEBVRE, 1969, p. 34)
29
“(...) o urbanismo como doutrina, isto é, como ideologia, que interpreta os conhecimentos parciais, que
justifica as aplicações, elevando-as (por extrapolação) a uma totalidade mal fundamentada ou mal legitimada”.
(p. 42)
30
Sobre o arquiteto suíço:
“Numa perspectiva que se associa a horizontes bem conhecidos do pensamento, o
Arquiteto percebe a si mesmo e se concebe como Arquiteto do Mundo, imagem humana do Deus criador.”
(p.
43)
34
(do capital) e espaçosico. A cidade como obra, “a ser associada mais com a obra de arte do
que com o simples produto material” (LEFEBVRE, 1969, p. 48), e não como objeto remete à
crítica feita anteriormente às variadas visões parcelares sobre o fenômeno urbano. A
necessidade de se conhecer os acontecimentos “produtores” da realidade urbana
enquanto formação e obra social (que escaparia ao evolucionismo simplificador da
análise histórica ou ao continuísmo ingênuo da análise sociológica) leva o autor a
questionar um posicionamento passivo em relação aos fenômenos urbanos. A
necessidade de se “encaixar” as teorias sobre o urbano nas reflexões sobre produção e
reprodução do capital, as relações de classe e propriedade e a luta de classes leva o autor
a apontar o estudo das continuidades e descontinuidades temporais e espaciais na teoria
da cidade. Encerrando as especulações sobre as formas teóricas e práticas de
entendimento das cidades, conclui o autor que a análise dos fenômenos urbanos “exige o
emprego de todos os instrumentos metodológicos: forma, função, estruturaveis, dimensões texto,
contexto campo e conjunto, escrita e leitura, sistema, significante e significado, linguagem e
metalinguagem, instituições etc” (LEFEBVRE, 1969, p. 58).
Em seguida, e após fazer uma comparação entre a dicotomia clássica campo /
cidade e a tríade (atual) campo / tecido urbano / centralidade, o autor traça um
percurso histórico da urbanização, com o surgimento do que ele define como a
“socialização da sociedade”, tese nascida com viés reformista, segundo o Lefebvre. A
sua utilização com o sentido de urbanização da sociedade seria também incompleta, uma
vez que não contemplariam “locais e momentos privilegiados” em suas relações de
troca. Uma interpretação da realidade urbana realmente revolucionária ainda não teria
levado em consideração a visão da cidade enquanto “valor de uso”.
A superação da divisão cidade-campo, e da separação entre o “animal rural” e
o “animal urbano” (Marx), redefiniria a relação do homem com o espaço urbano em
três níveis: “processo global de industrialização e de urbanização sociedade urbana,
plano específico da cidade modalidades do habitar e modulações do quotidiano do
urbano”. Essa diferença entre os três níveis se impõe, segundo o autor, a fim de se
combater estratégias de dissolução do urbano na racionalização da planificação
industrial e/ou habitacional. A crítica às táticas do planejamento racionalista-burocrático
do estado francês o leva a sentenciar a inutilidade de se procurar racionalmente a
diversidade; as análises que buscam ordenar as relações humanas nas cidades caem
invariavelmente na homogeneização da análise, tratando-se as variáveis urbanas em
35
fórmulas de somas ou combinatórias. Tal visão, com que se constroem ou remanejam as
cidades, estaria retirando das cidades as suas características de obra, de apropriação. O
questionamento sobre qual seria a essência da cidade para o “poder” se coloca; e com
sarcasmo grifa o autor: ”Cheia de atividades suspeitas, ela ferramenta delinqüências; é
um centro de agitações. O poder estatal e os grandes interesses econômicos só podem
então conceber apenas uma estratégia: desvalorizar, degradar, destruir a sociedade
urbana”. (LEFEBVRE, 1969, p. 76)
31
As estratégias do urbanismo para atuação sobre as cidades seriam dissimuladas
sob o prestígio da síntese, apregoada pelo “intelecto analítico” funcionalista.
Lefebvre questiona as “estratégias de classe” e a ideologia por elas sustentada,
que, ao privilegiarem a “análise espectral” de certos elementos da sociedade
invariavelmente derivam para a segregação. Apesar do esforço de certas correntes (anti-
segregacionistas), a prática caminharia para a segregação. Do ponto de vista
eminentemente teórico isso se daria pela natureza do pensamento analítico, que
separa/decupa, uma vez que a idéia de síntese estaria fadada ao fracasso
32
. Na prática,
social ou política, as estratégias de classe visariam à segregação. Os guetos seriam um
exemplo da expressão física da segregação, por outro lado, o zoning (zoneamento) seria a
forma de os urbanistas racionalizarem em seus projetos a segregação (na prática)
desejável
33
.
Em contraposição, o autor cita as práticas sociais de participação real e ativa
(auto-gestão) como reação à ideologia (de “um certo urbanismo”) de uma prática que
visa a destruição das cidades. A necessidade de a vida urbana recuperar a capacidade de
participação da cidade surge como uma questão política para a classe operária, vítima da
segregação e expulsa da cidade tradicional.
Após investigar as diversas necessidades individuais, “com suas motivações
marcadas pela sociedade dita de consumo”, o autor adentra o campo das necessidades
31
Aqui se pode identificar também o nó da discussão levantada por Alves, que coloca como figura emblemática
do “poder” as associações de empresários do centro paulistano, mais especificamente a Associação Viva o
Centro, que busca, com apoio do Estado, frear as possibilidades de apropriação
transgressora
do centro de
São Paulo. A necessidade de controle se impõe.
32
A crítica à separação analítica, que tenta desagregar os ingredientes da vida cotidiana como que a
fragmentos (trabalho, transporte, lazer, vida privada etc) passíveis de encaixe em análises combinatórias, é
radical:
“a combinação não é, não é nunca uma síntese, Não se recompõe a cidade e o urbano a partir dos
signos da cidade, dos semantemas do urbano, e isto ainda que a cidade seja um conjunto significante. A
cidade não é uma linguagem, mas uma prática”
.(LEFEBVRE, 1969, p. 92).
33
“O fato torna-se realidade no projeto”.(LEFEBVRE, 1969, p. 94).
36
sociais, com respectivos fundamentos antropológicos, e das necessidades específicas
34
. A
essas necessidades, e para a sua satisfação na vida das cidades, o autor reivindica a
liberdade de espaço e tempo:
“as necessidades urbanas específicas não seriam necessidades de
lugares
qualificados, lugares de simultaneidade e de encontros, lugares
onde a troca não seria dada pelo valor de troca, pelo comércio e pelo lucro?
Não seria também a necessidade de um
tempo
desses encontros, dessas
trocas?” (LEFEBVRE, 1969, p. 97).
O autor coloca em evidência a necessidade de uma ciência analítica da
cidade
35
, que estaria em gestação naquele momento, que estaria relacionada a uma
prática social-urbana. A defesa de uma nova ciência e de uma prática urbana (do homem
da sociedade urbana) seria a resposta à morte da cidade historicamente formada (que
“não é mais do que um objeto de consumo cultural para os turistas e para o estetismo,
ávidos de espetáculos e do pitoresco”).
36
Por essa ‘nova’ vida urbana decreta-se a necessidade de superação da
sociedade atual, ainda resquício do domínio da penúria, das limitações e privações da
vida rural. E a necessidade de superar os mitos e limites dessa sociedade arcaica deveria
trazer de volta um de seus aspectos positivos, e devidamente solapado, a Festa.
Nessa passagem o autor apresenta demarches mentais importantes como
instrumentos para essa construção, a transducção e a utopia experimental, às quais se
somariam o discernimento sobre estrutura/forma/função, seus limites e relações.
Dentre as proposições urbanas são citados “um programa político de reforma urbana” e
os projetos urbanísticos (aos quais reclama utopia ‘lúcida’, audácia e proposições sobre
34
Aqui o autor agrupa uma série de atividades, como manifestações particulares e momentos (o jogo, a
sexualidade, a arte, os esportes...), que na verdade resumiria-se na necessidade de uma atividade criadora, da
obra.
35
Lefebvre sentencia neste trecho a necessidade de se criar o novo a partir dos desmanches necessários:
“O
velho humanismo clássico acabou sua carreira há muito tempo, e acabou mal. Está morto. Seu cadáver
mumificado, embalsamado, pesa bastante e não cheira bem. Ocupa muitos lugares públicos ou não,
transformados assim em cemitérios culturais com as aparências do humano: museus, universidades,
publicações diversas. Mais as novas cidades e as revistas de urbanismo. Trivialidades e insignificâncias são
cobertas por essa embalagem. É a ‘medida humana’, se diz. Quando na verdade deveríamos nos encarregar
da desmedida, e criar ‘alguma coisa’ à altura do universo”.
(LEFEBVRE, 1969, p. 98)
36
LEFEBVRE (1969, p. 98)
37
estilo de vida, os modos de viver na cidade e o desenvolvimento urbano em relação a
esses planos). A soma das novas demarches e proposições constituiria a estratégia urbana
propriamente dita.
Em relação à problemática dos lazeres, Lefebvre aponta a necessidade crucial
de acabar com as separações “quotidianeidade-lazeres” ou “vida quotidiana-festa”
(LEFEBVRE, 1969, p. 118-119); na sua visão o problema que se coloca é a restituição
da festa na vida cotidiana. Ao pressupor uma sociedade urbana assentada sobre novos
valores, o autor os (os lazeres) não como uma função, mas umafunção além das
funções” (LEFEBVRE, 1969, p. 119).
Com a introdução do debate sobre o papel da centralidade nas sociedades
urbanas ganha destaque a diferenciação que o autor faz da cidade capitalista, que realiza
seu núcleo espacial como “lugar de consumo e consumo do lugar”; também é levantado
o tema do centro neo-capitalista, em que ao centro de consumo se agrega o centro
decisório. A superação dessa realidade se daria na exploração do Lúdico (em seu sentido
mais profundo): o esporte, o teatro, brincadeiras de crianças e adolescentes etc. Se a
sociedade de consumo esboça essa opção, a essa tendência bastaria dar nova forma, uma
vez que se trata de sua desvinculação em relação à produção industrial e comercial de
cultura e de lazeres da atual sociedade. Ao criticar duramente a idéia usual de Cultura,
como produto de um mercado específico, busca-se retomar um sentido lúdico do lazer,
muito distante do acomodamento da obra e do estilo ao valor de troca; à
comercialização do teatro (exemplo do autor) se contrapõe o lazer dos jogos.
37
A defesa que Lefebvre faz da arte enquanto prática urbana e da importância do
tempo, da efemeridade, da cidade enquanto “perpétua obra dos habitantes”, traz à tona
um esboço dessa nova sociedade, em que os arquitetos também teriam que reaprender
sua prática, uma vez que não mais interessaria o edifício por ele mesmo
38
.
37
“E se alguém gritar que esta utopia não tem nada em comum com o socialismo, responderemos que
atualmente apenas a classe operária ainda sabe verdadeiramente jogar, tem vontade de jogar, aquém e além
das reivindicações e programas, os do economismo e da filosofia política. O que demonstra isso? O esporte, o
interesse suscitado pelo esporte, e múltiplos jogos, inclusive as formas degradadas da vida lúdica na televisão
e outras. A partir deste instante, o centro urbano traz, para as pessoas da cidade, o movimento, o imprevisto,
o possível e os encontros. Ou é o teatro espontâneo ou é nada”
(LEFEBVRE, 1969, p. 123).
38
“(...) a cidade ideal comportaria a obsolescência do espaço: transformação acelerada das moradias, dos
locais, dos espaços preparados”
(LEFEBVRE, 1969, p. 123).
38
3.
ESPAÇO PÚBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
3.1.
LAZER E CIDADE
3.2.
HABITAÇÃO NAS ÁREAS CENTRAIS
3.3.
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS RELEVANTES
3.4.
AS INICIATIVAS DE REABILITAÇÃO:
LIMITES E CONTRADIÇÕES EM RELAÇÃO À QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
39
3. ESPAÇO PÚBLICO, LAZER, MORADIA E CIDADE
3.1. LAZER E CIDADE
“Se o mundo urbano é um equipamento potencial de lazer,
quanto mais complexo e diversificado, tanto mais plenamente pode ser
apropriado para esse fim. Planejar espaços para fins de lazer não é
construir campos de futebol, ciclovias ou criar áreas verdes. É cultivar um
meio urbano cujas ruas permitam jogar uma ‘pelada’, andar de bicicleta,
ou simplesmente passear à sombra.” (SANTOS, 1981, p. 142)
Jofre Dumazedier (1980), ao circunscrever sua concepção de lazer ao período
pós-industrial, ou o lazer moderno, apresenta suas diferenças em relação aos jogos,
cerimônias e ritos do período pré-industrial. Se durante a Idade Média, as igrejas
dominavam os centros de aglomerações urbanas, com o desenvolvimento mercantil o
crescente poder da nobreza altera a configuração dos espaços livres nos centros
urbanos. Em ambos os momentos não haveria ainda a distinção entre lazer e trabalho;
sendo os momentos dedicados aos jogos, festas e rituais alguns componentes de uma
vida marcada pelos ciclos naturais
39
. Não haveria, portanto, uma distinção espacial em
relação à prática do lazer. Os espaços livres serviam tanto às atividades litúrgicas, quanto
às pagãs, às mercantis, aos jogos, festas e demais atividades.
Somente com a separação temporal entre momentos de trabalho e não-
trabalho, a partir da industrialização, seria possível estabelecer as concepções modernas
de lazer. A correspondência espacial dessa separação nas sociedades urbanas modernas é
ainda hoje um desafio a ser enfrentado. As conquistas sociais dos trabalhadores nos
Estados de Bem-Estar Social, ao longo do século XXI conquista de mais tempo livre,
redução da jornada de trabalho, repouso semanal, aposentadoria, férias remuneradas etc
não resultaram em conquistas urbanas
40
. Em sociedades mais avançadas, em que se
39
“(...) ainda que que as civilizações tradicionais da Europa hajam conhecido mais de cento e cinqüenta dias
por ano sem trabalho, parece-nos impossível aplicar o conceito de lazer, em sua análise.”
(DUMAZEDIER,
1980, p. 49)
40
Poderíamos aqui relembrar Le Corbusier e sua tipificação das funções urbanas. No entanto, apesar da
herança deixada pelo urbanista e pelo movimento que o seguiu, em poucos momentos o lazer foi colocado na
agenda desses Estados com o mesmo peso que as demais funções.
40
realizou de fato o Estado de Bem-Estar Social, houve avanços nesse sentido, sobretudo
no início do século XX. O Mouvement Sportif, por exemplo, que tem sua origem a partir
de 1870 e ganharia força no primeiro quartel do século seguinte (ARNAUD; CAMY,
1986), foi fundamental na negociação social com o poder público pela criação de
espaços de lazer e recreação nas cidades francesas
41
.
No Brasil, onde como se sabe nunca logrou-se chegar perto do bem-estar
social de um Estado-Providência, ainda assim algumas bem sucedidas de movimentos
de luta por habitação tiveram, em poucas ocasiões
42
, sucesso na discussão mais ampliada
do direito à moradia. No entanto, o grau de carência das populações menos favorecidas
acaba soterrando discussões mais amplas, que dêem conta de algo mais do que a
demanda premente, a saber as unidades habitacionais. A ampliação do conceito de
moradia, em que se busca superar o enfoque apenas no espaço da unidade habitacional,
tanto pelos movimentos sociais quanto pelo poder público, é relativamente recente. A
luta pelo direito de habitar os centros urbanos nas metrópoles brasileiras se insere num
contexto maior, de luta pela Reforma Urbana, que vem tendo como eixo de
reivindicações, nos últimos 20 anos, o direito à cidade. Os movimentos sociais estão
lutando pela democratização das metrópoles, pela democratização da infra-estrutura
urbana, dos equipamentos e serviços, bem como pelo acesso aos espaços livres públicos.
No campo teórico alguns trabalhos se notabilizam por esmiuçar as
potencialidades, pouco exploradas em projetos habitacionais e urbanos, dos espaços
livres como extensão da moradia. Embora seja um tema de debates a partir da explosão
de provisão habitacional no pós-guerra europeu, em contrapartida à paulatina redução
das áreas domésticas, no Brasil os estudos focados no uso das áreas livres dos conjuntos
habitacionais têm como exemplos os bairros periféricos. O tema ganha importância no
contexto de espaços centrais, onde impera a exigüidade de áreas livres. Eugênio
Queiroga (2001) parte de Carlos Nelson F. dos Santos, e sua análise da extensão da vida
doméstica para a rua no bairro carioca do Catumbi, e traça um perfil do uso público das
ruas; para além da extrapolação dos limites do ócio no cotidiano habitacional a rua
41
A obra citada traz importantes referências ao papel do
Mouvement Sportif
na sociedade francesa, sua
relação com a massificação do esporte amador e com a educação republicana do início do século XXI, além
das conseqüências no espaço urbano.
42
Serão apreciados adiante três exemplos de políticas habitacionais e urbanas que se inserem no campo das
reivindicações de movimentos sociais por moradia no centro de São Paulo. Além da luta pela permanência
nesse espaço urbano, há uma intenção clara de desfrutar da infra-estrutura instalada e do acesso a serviços
públicos essenciais.
41
desempenharia em alguns locais a função de principal espaço público. Os limites
impostos pelo traçado e destinação original não seriam inibidores ao seu uso pela
população, que subverte a lógica programática e se apropria desses espaços como se
fossem praças. Embora trate de situação diversa – a análise de Queiroga se dá em
bairros periféricos podemos estender o entendimento da “rua como praça” para
quaisquer locais da cidade em que se combine o uso habitacional com ruas de baixo
movimento.
No que se refere aos espaços livres, as formas de apropriação em bairros
centrais e bairros periféricos diferem enormemente. O lazer periférico, apropriando-se
de terrenos vazios, campos de várzea, ruas de pouco movimento etc, supre a ausência de
espaços projetados e mantidos pelo poder público com improviso. A precariedade do
espaço (sub)urbanizado limita as possibilidades de uso pela população; no entanto a
necessidade de encontrar alternativas leva a população a transgredir o uso das ruas, de
terrenos baldios, de praças abandonadas. Criam-se assim as condições para a “prática”
do lazer. nos centros urbanos, a diversidade de usos impede, ou dificulta bastante, a
apropriação de quaisquer espaços para o lazer; uma das diversas atividades em busca de
espaço. A riqueza de usos e atividades, a variedade de pessoas, de equipamentos, enfim,
a diversidade desses espaços acaba por configurar situações em que o espaço do lazer,
do ócio, é compartilhado. Em algumas situações percebe-se uma separação tanto
espacial quanto temporal; diversas funções se alternam e se complementam nos exíguos
espaços livres.
Não são apenas locais de grande significado comunicativo no
cotidiano dos que trabalham e se utilizam dos serviços e comércio das áreas
centrais, são também lugares de forte conteúdo simbólico, de grandes
manifestações políticas, religiosas e comemorativas. (...) Nas praças centrais
a diversidade maior de situações e de usuários resulta em inúmeras
contradições, trocas mais diversas, manifestações mais representativas,
enfim, uma percepção maior do lugar e do mundo (QUEIROGA,
2001, P. 279).
A necessidade de negociação no seu compartilhamento, pelos diversos grupos
42
sociais e por diferentes atividades, atribuiria ao espaço livre urbano algumas qualidades
dificilmente alcançadas por planos e projetos urbanos
43
. As limitações do planejamento
urbano moderno, sobretudo em relação à negação da diversidade, é um dos pontos
nervosos da crítica de Jane Jacobs (2000), sobretudo nas comparações exaustivas entre a
apropriação do espaço de ruas e praças com a de áreas de lazer de conjuntos modernos.
A autora traça um longo perfil das ruas como ricos espaços de convivência em áreas
centrais, dando ênfase especial à segurança garantida pelos “olhos da cidade”, ou “olhos para
a rua”. As ruas de centros metropolitanos abrigariam, ao contrário do que supõe uma
fantasia/paranóia contemporânea de segurança, espaços seguros devido ao movimento
constante de moradores e estranhos, aos “olhos para a rua” e à nítida separação entre
espaços públicos e privados. Ao questionar o ideal urbanístico dos espaços de playground
de conjuntos habitacionais, a autora enfatiza ainda a atração que a rua exerce sobre
crianças moradoras de cortiços em Nova Iorque
44
.
Já o supracitado estudo de Carlos Nelson evidencia as contradições entre os
pressupostos do legado moderno e a implementação de seus mecanismos
(especificamente no estudo do Conjunto “Selva de Pedra”, no Rio de Janeiro). Ao fazer a
comparação entre as diferentes formas de apropriação dos espaços urbanos em dois
pontos específicos da cidade do Rio de Janeiro – o conjunto citado e o bairro central do
Catumbi o autor apresenta empiricamente dados que corroboram algumas teses de
Jacobs, sobretudo uma defesa aguerrida da diversidade no espaço urbano, a negação da
“especialização” ou da “funcionalidade” dos espaços modernos.
“De repente, os espaços coletivos e a sua apropriação por uma
comunidade de moradores, surgem como um processo complexo de
atribuição de sentido. Este processo constitui um exercício permanente de
poder. Graças a ele, os usuários do espaço coletivo continuam a dispor do
meio urbano em que vivem, fazendo escolhas, cedendo a argumentos
convincentes, impondo restrições e determinando funcionalidades. A base
dessa capacidade está no princípio mais simples e fundamental da
43
Para além da gestão do território, o que está em discussão é uma negociação cotidiana, atividade política
portanto.
44
“(...) minha intenção é demonstrar (...) a absoluta falta de sentido na fantasia de que os playgrounds e os parques
sejam locais naturalmente bons para as crianças e as ruas sejam locais necessariamente maus para elas. Porém, as
calçadas movimentadas têm também aspectos positivos para a diversão das crianças, e esses aspectos são no mínimo
tão importantes quanto a segurança e a proteção.”
(JACOBS, 2000, p. 88).
43
cidadania: a ação conjunta, resultante do diálogo plural que amplia o
campo do possível, e, com ele, a diversidade, princípio estrutural do
urbano” (SANTOS, 1981, p. 150).
Para além da reação à assepsia do espaço hierarquizado, fragmentado,
homogêneo e normatizado, Carlos Nelson extrai do estudo comparativo algumas lições
fundamentais para o aprendizado sobre o planejamento e projeto de áreas para fins de
lazer. Entre elas salta a noção de que o espaço “comum” urbano tem regras e práticas, e
que elas são negociadas por todos. Ao contrário do que ocorre nos espaços “comuns”
privados, nas ruas dá-se a necessidade de se pactuar, mesmo que não deliberadamente,
um código próprio. A negociação é uma constante nesses espaços, os cidadãos inserem-
se involuntariamente em um processo político.
Ao assumir a importância de uma corrente do pensamento urbanístico que
busca analisar o cotidiano para extrair lições para o planejamento urbano pretendo jogar
luz sobre a forma como serão apresentadas adiante algumas considerações propositivas
sobre espaços de lazer e moradia. Sem ignorar os inúmeros tratados sobre espaços de
lazer urbanos ou os diversos ensaios de valorosos arquitetos que se debruçaram sobre o
tema, o que interessa a esse breve estudo é agregar algumas teses que podem vir a
embasar uma análise sobre possibilidades de intervenções singelas, porém essenciais
para a qualificação de nossos espaços livres. Retomando a epígrafe de Carlos Nelson, há
que se pensar na qualificação dos espaços livres num contexto de escassez de
investimentos e de qualquer perspectiva a esse respeito e em alternativas de
qualificação do espaço urbano que dêem conta de uma diversidade necessária, e
desejável.
44
3.2. HABITAÇÃO NAS ÁREAS CENTRAIS
A análise das condições de moradia nos distritos em foco, visando acentuar
questões pertinentes a esta abordagem, deve considerar aspectos específicos e contribuir
para o debate acerca dos espaços livres utilizados para lazer, ócio ou recreação. Sem
desprezar dados fundamentais para o entendimento da complexidade da luta por
moradia no centro, trata-se de enfatizar aqui especificidades como perfil da população
moradora, o fenômeno de esvaziamento do centro e seu rebatimento nos espaços livres
da região.
POPULAÇÃO
Segundo dados do IBGE, os distritos de e República, como a maioria dos
demais distritos da região central
45
,vêm perdendo população ao longo das últimas
décadas.
POPULAÇÃO RESIDENTE (1980, 1991 e 2000)
Distrito Pop. Residente
(1980)
Pop. Residente
(1991)
Pop. Residente
(2000)
Perda de população
(1980-2000)
32.933 27.186 20.106 39%
República 60.940 51.797 47.459 22%
FONTE: FIBGE
Se fatores como envelhecimento da população e queda da taxa de natalidade
podem ser usados para justificar a diminuição de população em diversas regiões da
metrópole, parece mais factível que no caso do centro velho de São Paulo essa redução
esteja muito mais associada à saída de moradores rumo a outras regiões. Segundo dados
da EMBRAESP (apud Sandroni, 2004, pp. 376), de 1985 a 2002 apenas um lançamento
45
Deve-se atentar para exceções, como Barra Funda e Mooca, que apesar de apresentarem taxas negativas
de crescimento, segundo o IBGE, têm recentemente visto um crescimento de ofertas em novos lançamentos. A
inexistência de novos lançamentos, uma característica comum aos distritos centrais que têm perdido
população, não se verifica nesses dois citados. A longo prazo será possível verificar até que ponto o boom de
lançamentos nesses bairros vem contribuindo para um crescimento populacional.
45
imobiliário foi feito nos distritos e República. Paulo Sandroni demonstra em seu
artigo como a ausência de lançamentos residenciais na região está associada ao seu
abandono também pelo setor terciário.
Em relação ao fenômeno específico de esvaziamento habitacional, que se
considerar o grande número de números de apartamentos vazios. Pesquisa coordenada
pelo Escritório Piloto da Escola Politécnica mostrou ainda que na região da existe
uma média de 30% de vacância em edifícios residenciais
46
. Segundo o IBGE (apud
SILVA, 2001), o número de domicílios vagos na cidade representava 11,80% em 2000;
no distrito da República a taxa seria de 22,70% e 26,80% na Sé (SILVA, 2001, p.08). Os
números a esse respeito são imprecisos e conflitantes, no entanto que se considerar
um enorme contingente de imóveis vagos. Estudos realizados por movimentos de
moradia, e citados no artigo de SILVA (2001, p. 07), estimariam em cerca de 300 os
edifícios (residenciais e comerciais) inteiramente vagos no centro histórico da capital.
As causas do deslocamento populacional para outras regiões da cidade são
várias, dentre as quais se podem destacar alguns como a oferta de imóveis mais
acessíveis em distritos mais periféricos ou o deslocamento de oportunidades de
trabalhos para novos pólos. Outras razões que poderiam ser elencadas como causas
desse movimento, como a deterioração do parque imobiliário ou fatores urbano-
ambientais (resultando em deterioração do espaço urbano), podem ser vistas também
como conseqüências. A dificuldade em se apontar até onde cada um desses fatores
causa expulsão de população, e a partir de onde ele é uma conseqüência do abandono,
não deve sobrepujar a discussão maior, qual seja, o deslocamento do capital imobiliário
rumo ao quadrante sudoeste da capital. A necessidade de reprodução do capital
(especulativo) imobiliário está por trás dos movimentos cíclicos de re-criação de novas
centralidades, em que ganham vulto ações de marketing urbano e decisões
deliberadamente políticas.
Quando analisados os dados sobre imóveis vazios na região central, podemos
verificar mais claramente esse fenômeno de esvaziamento, que diminui nesse caso a
importância de aspectos como envelhecimento da população e queda da taxa de
natalidade.
A redução do valor dos aluguéis, dada a explosão de oferta e deterioração dos
imóveis, e a ampliação de ofertas em moradias ilegais, sobretudo cortiços, acaba
46
SAMPAIO; PEREIRA (2003, p.167-183).
46
possibilitando o acesso de população mais pobre à região central da cidade. Embora a
um custo de vida mais alto que em bairros periféricos, boa parte desse contingente
acaba preferindo se instalar nessa área, em que se encontram alternativas de trabalho
informal e redução de tempo e gastos em transporte.
A perda de população se apresenta enfim como um paradoxo, a se considerar
a infra-estrutura instalada no centro antigo da metrópole. De olho nessa potencialidade,
diferentes grupos sociais têm disputado a prioridade nos investimentos públicos.
Simplificadamente, poder-se-ia dizer que de um lado se alinham grupos de empresários,
investidores, banqueiros, incorporadores e entidades do terceiro setor, que vêm no
centro uma possibilidade de volta de investimentos rentáveis; de outro lado se unem
grupos de moradores, movimentos de luta pela moradia, associações culturais e
universidade (entre outros), que resistem ao processo de gentrificação inerente à
“requalificação” que se delineia
47
. A dificuldade de pactuação em torno de uma agenda
comum, tendo em vista o antagonismo de muitas das prioridades entre esses dois
grupos, é um dos entraves a serem superados nas instâncias criadas para a orientação
dos investimentos públicos. Outro item fundamental na discussão do esvaziamento do
centro é o papel dos grupos políticos que têm se alternado no comando do poder
municipal; a interrupção de políticas para a região tem sido corriqueira nas últimas
gestões. Sem a definição de políticas socialmente pactuadas, que sobrevivam à
alternância política no executivo municipal, dificilmente será possível engendrar políticas
habitacionais e urbanas que sejam estruturais.
CONDIÇÕES DE MORADIA
O abandono da região central, e a conseqüente deterioração do seu parque
imobiliário, têm garantido um rebaixamento dos valores dos aluguéis. Por outro lado,
percebe-se nessa área um contingente maior de cortiços do que no restante da cidade. A
possibilidade de acesso de populações mais pobres nessa área está apoiada na fragilidade
das relações de locação. Segundo dados do IBGE (SILVA, 2001), em 1991 os treze
47
Entre os diversos documentos que se tem produzido acerca da disputa entre os grupos citados, podemos
destacar o
“Dossiê Denúncia / Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e
reivindicações para políticas públicas”
(Fórum Centro Vivo, 2006), com um vasto relato das ações do poder
público, sobretudo municipal, no combate aos moradores de rua, aos movimentos de moradia e às ocupações
de edifícios abandonados.
47
distritos centrais tinham uma média de 51,80% de alugados entre os domicílios
ocupados; no distrito da Sé essa taxa era de 54,60%. A média de imóveis alugados entre
os domicílios ocupados era de 28,80% no total do município, no mesmo levantamento.
A mesma autora ressalta a suscetibilidade desse perfil em relação aos processos de
“requalificação”, e a facilidade com que pode ser alterado o perfil social dos moradores
nessas condições (SILVA, 2006, p.59).
Outro fator relevante é o alto grau de encortiçamento nos bairros centrais. A
deterioração dos imóveis e a lucratividade dessa modalidade são fatores determinantes.
Ao agregar ao valor do “aluguel” “coeficientes de risco” ou simplesmente coeficientes de
exploração da condição de ilegalidade os proprietários e intermediários acabam
obtendo lucros espantosos. Segundo estudo de Luiz Kohara (1999), enquanto a média
de valor mensal de aluguel no mercado formal é de cerca de 0,75% do valor do imóvel,
nos cortiços analisados 43,4% dos proprietários recebiam valores de aluguel entre 1,6%
e 2,48% dos valores dos imóveis. Tal discrepância revela o custo da ilegalidade.
Interessa-nos também analisar em que medida os moradores desses cortiços se utilizam
dos espaços livres do entorno; a exigüidade dessas precárias moradias expulsa seus
moradores, na maior parte do dia, para a rua ou espaços livres próximos. O espaço
urbano, em bairros com alto grau de encortiçamento, é via de regra também
deteriorado; o abandono a que essa população é relegada pelo poder público, que
permite a ocupação em tão baixo nível de salubridade, reflete-se no espaço urbano.
MOVIMENTOS SOCIAIS E INICIATIVAS OFICIAIS
A luta por moradia no centro de São Paulo remonta à década de 80, ganhando
força com as ocupações iniciadas na década seguinte. A mobilização social que está por
trás das ocupações envolve diversos atores, que buscam justiça social a partir da reforma
urbana. O “direito à cidade” entra na pauta dos movimentos nesse momento, em que se
nega a periferização como única alternativa possível à população de baixa renda.
“As ocupações de edifícios em áreas centrais são um indicador
importante da disposição de setores sociais em lutar pela moradia no centro.
Elas constituem um alerta a toda a sociedade sobre o drama da habitação.
48
Elas revelam o descontentamento com o destino aparentemente inexorável
do exílio na periferia desurbanizada e das favelas. A proximidade da
oferta de empregos, serviços de saúde e educação, menores gastos e menor
tempo dispendido nos transportes, são algumas das vantagens de morar no
centro” [MARICATO, Ermínia in SANTOS (org.), 2002, P. 33].
O início de um diálogo dos movimentos de luta por moradia com o poder
público, sobre projetos na área central, deu-se na gestão Luiza Erundina (1989-1992),
em que algumas experiências foram desenvolvidas. No entanto, com a interrupção de
programas nas gestões posteriores, e na falta de alternativa de interlocução, os
movimentos passaram a exercer pressão sobre o poder público a partir de ocupação de
edifícios vazios. Um caso emblemático foi a ocupação de um edifício abandonado pela
Secretaria de Cultura do Estado, à rua do Ouvidor, pelo Movimento de Moradia do
Centro (MMC). Tal ocupação foi palco de um Laboratório (Laboratório de Projeto Integrado
e Participativo para Requalificação de Cortiço) desenvolvido em parceria dos ocupantes de
imóvel à Rua do Ouvidor com professores, pesquisadores e estudantes, além de técnicos
de diversas áreas
48
. O resultado final do Laboratório, amplamente documentado pelas
entidades envolvidas, apresenta alternativas de requalificação do imóvel, em que se
delineiam propostas de soluções no campo da arquitetura, da engenharia, da sociologia,
além de aspectos jurídico-finenceiros elementares para o processo de reforma do
edifício. A experiência demonstrou a capacidade do movimento social de, com apoio de
grupos técnicos especializados, apresentar ao poder público soluções para alguns
problemas que ele não consegue, ou não quer, enfrentar
49
.
Muitas são as imposições colocadas pelos diversos órgãos financiadores e
promotores de habitação social a políticas habitacionais efetivas para os centros
urbanos. No entanto, a partir da pressão exercida pelos movimentos sociais em algumas
capitais, percebe-se que aos poucos vai ganhando espaço a tese de que é não só possível,
48
Dentre as entidades envolvidas, a Universidade de São Paulo, o Politecnico di Torino, o NDHU-UNITAU, a
PUC-SP, a Universidade São Francisco, além das ONG´s Ação Direta, Africa 70, Casa Assessoria, Cidade e
Democracia, Centro Gaspar Garcia, Passo Assessoria Técnica, Peabiru, Usina e o Instituto Polis.
49
Vale dizer que no final de 2005 o imóvel foi esvaziado após reintegração de posse concedida judicialmente
ao governo estadual, seu proprietário. Apesar das propostas, o laboratório não alavancou nenhuma solução
real, embora as propusesse tecnicamente.
49
mas necessário, que se inverta o processo de periferização das metrópoles brasileiras. O
custo do espraiamento de nossas capitais é incomensurável, seja do ponto de vista
sociológico, urbanístico, ambiental ou financeiro. A necessidade de se estancar o avanço
dos subúrbios – muitas vezes em direção a áreas de mananciais e/ou ambientalmente
sensíveis – e de se inverter a lógica especulativa de crescimento “pra fora” deve estar no
centro do debate sobre desenvolvimento urbano nas grandes metrópoles brasileiras.
Deve-se lembrar que um pouco avançamos. A abertura de linhas de
financiamento para reforma de edifícios, e arrendamento, pela Caixa Econômica
Federal, bem como a revisão dos valores financiados de acordo com especificidades
regionais é um avanço. Algumas políticas focadas em reformas de edifícios se
esboçam também no âmbito das Cohab´s, Secretarias e Autarquias Estaduais. No caso
de São Paulo algumas poucas experiências bem sucedidas devem ser lembradas
50
, apesar
da ressalva de que têm, até o momento, um caráter essencialmente experimental. O
desenvolvimento de metodologias de gestão, projetos, contratações e obras, pelos
agentes financiadores – sobretudo a Caixa Econômica Federal – e parceiros, deve levar a
uma generalização de políticas habitacionais voltadas à reocupação dos centros urbanos.
Alguns entraves ainda se colocam, e devem ser superados a partir das experiências
realizadas; poderíamos citar como exemplos a dificuldade de os movimentos elaborarem
estudos de viabilidade para análise do projeto, os critérios de risco colocados pelo banco
para financiar as famílias, a falta de uma cultura arquitetônica e tectônica de reabilitação,
dentre outros.
Além de entraves relativos à execução de obras nos edifícios propriamente
ditos, e esse é o ponto que mais interessa a esta dissertação um descolamento
entre as políticas de provisão habitacional e aquelas relativas às demais demandas do
habitat. Uma abordagem do direito à moradia em seu escopo ampliado, em que se
vincula necessariamente ao direito à cidade para formar o eixo de uma política de
inclusão urbanística (MARICATO, 2001, p. 119), deve levar em conta, portanto, aspectos
da vida urbana ligadas ao cotidiano dos moradores. A vinculação das experiências de
provisão habitacional à política urbana, praticada sobretudo no âmbito do poder
municipal, deve ser uma garantia de sustentabilidade desses empreendimentos. A
pergunta que se coloca é: num cenário de escassez de investimentos, e luta pelos poucos
recursos disponíveis, como garantir as condições necessárias à inclusão urbanística
50
Serão abordadas em capítulo específico algumas experiências relevantes levadas a cabo na capital paulista.
50
dessas famílias e aqui refiro-me explicitamente à infra-estrutura urbana, aos serviços
públicos e à garantia de permanência de população pobre nos centros metropolitanos
sem que a qualificação do espaço urbano signifique sua expulsão?
Em seguida serão descritas brevemente e analisadas algumas experiências de
políticas urbanas que lograram sucesso ao buscar uma compatibilização entre as
demandas de movimentos sociais e a intervenção pública. Cada uma das experiências
tem suas particularidades, e serão analisadas de uma forma sucinta. Não há a pretensão
de apontar modelos, de eleger boas práticas, mas de levantar pontos de conversão entre
diferentes formas de intervenção e gestão. Apesar de estarem associadas a contextos
específicos elas têm alguns pontos em comum, entre eles a gestão política local, o foco
nos moradores e a participação popular, a ênfase na requalificação de edificações
existentes e do espaço urbano. Em suma, são experiências que têm origem em
reivindicações populares pela reabilitação habitacional de imóveis encortiçados, ou
insalubres, e pelo direito de habitar os centros urbanos, e podem sugerir algumas
respostas à questão colocada acima.
3.3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS RELEVANTES
REABILITAÇÃO URBANA EM LISBOA
Um dos casos pioneiros de reabilitação urbana, com participação popular e
incentivos à habitação social em centros urbanos, é fruto da luta de movimentos sociais
na capital portuguesa.
“É óbvio que um conjunto urbano não pode ser transformado
num museu. Ele tem de continuar a viver e a produzir a mudança social.
Porém, as estruturas construídas acompanham dificilmente as
transformações sociais, tornando-se anacrónicas. Então, a preocupação
patrimonial leva-nos a pensar numa preservação de consonâncias estáticas
que se opõem à transformação, que é movimento. É exactamente neste
51
desafio de conciliar a preservação do património com a promoção da
mudança social que se situa e se define a Reabilitação Urbana. Como
vemos, a preservação dos bairros antigos teve sempre como base de partida
a preocupação patrimonial. Em Lisboa, por uma série de circunstâncias
especiais, teve um início diferente, foi uma resposta a um querer dos
habitantes e às necessidades sociais.” (LOPES, 2000, p.21)
Após a Revolução dos Cravos (abril de 1974), populações moradoras de
bairros centrais, com altos índices de insalubridade, deram início a uma luta por recursos
públicos e programas voltados à sua fixação. A criação do programa SAAL (Serviço
Ambulatório de Apoio Local) ainda em 74, pelo Governo Provisório que se instalou
logo após a queda de Marcello Caetano, e o aporte dos recursos do Fundo de Fomento
à Habitação, garantiria o apoio às iniciativas das comunidades locais para reabilitação de
áreas que apresentassem sub-habitações e precárias condições de urbanização
51
. Dessa
forma se pretendia melhorar as condições habitacionais nos “bairros de lata”, bem
como consolidar os bairros sub-urbanizados, provendo-os de redes de água e esgoto,
instalações sanitárias, iluminação pública, banhos públicos e pavimentação
(CARRASCO, 2005).
Além da intervenção nos bairros periféricos, iniciou-se nesse momento a luta
das populações residentes em bairros centrais, que foram durante muito tempo alvo de
uma (re)produção urbana baseada na “gentrificação” e “terciarização” (LOPES, 2000,
p.02). A luta por um novo paradigma de intervenção habitacional que apesar de não
ter ocorrido apenas em Portugal, tinha ali e naquele momento uma oportunidade única
de se efetivar não logrou sucesso imediatamente. Em 1976 o SAAL seria abortado,
antes que as populações pobres de bairros centrais pudessem avançar nas experiências
de reabilitação urbana. Na esteira dessas lutas sociais, a publicação em 1987 do
manifesto "Alfama recuperação ou morte" pode ser apontada como um ponto de
inflexão na política habitacional lisboeta. A partir desse movimento são criadas pela
Câmara Municipal
52
os Gabinetes Alfama e Mouraria, que teriam como missão impedir
51
“Nesse novo contexto, o Estado, através do SAAL, proporcionava às comunidades: apoio financeiro, apoio
legal e institucional e apoio técnico (gestão, projeto e construção). Em contrapartida, eram exigidos: a
organização das comunidades (em associações e/ou cooperativas de habitação), a participação da população
em todo o processo e a gestão coletiva dos bens públicos.”
(CARRASCO, 2005, P.36).
52
Em Portugal, o poder executivo municipal.
52
que a renovação urbana se desse nos moldes tradicionais, com a expulsão da população
moradora e/ou alteração do perfil desses bairros, e garantir a participação popular no
processo de reabilitação. O desenvolvimento de “Planos de Salvaguarda” foi o passo
inicial, a partir do qual se desenvolveria a reabilitação dos bairros, com a criação de
instrumentos legais, incentivos fiscais, fundos de reconstrução e planos de
financiamento. Os gabinetes teriam ainda a função de fazer a interlocução do Estado
com os proprietários de imóveis e moradores, de modo a integrar os atores do processo
urbano e garantir a viabilidade financeira, técnica e jurídica das intervenções.
A necessidade dessas populações de se manterem unidas, socialmente coesas,
foi o mote para os movimentos sociais, que reivindicava ações efetivas do poder público
para a melhoria das condições de habitabilidade. Esse é o momento considerado
(LOPES, 2000) ponto de início da Reabilitação Urbana em Lisboa
53
. A partir da
instalação de escritórios multidisciplinares locais, da discussão entre a população, poder
público e técnicos, criaram-se as bases para um movimento que teria diversos frutos.
Entre os instrumentos criados para viabilização da reabilitação destacam-se dois
programas: o Recria e o Rehabita. O Regime Especial de Comparticipação na
Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), criado em 1988, com o objetivo de
estancar a progressiva degradação do parque habitacional lisboeta, cria condições de
compartilhamento entre proprietários e poder público das despesas de reforma de
imóveis habitacionais, nas áreas delimitadas para intervenção, com subsídios a fundo
perdido de até 65% do valor das obras. A contrapartida governamental é entendida
nesse caso como apoio à manutenção de um patrimônio urbanístico e arquitetônico e à
fixação de moradores nas áreas centrais, visando também reduzir o processo de
periferização. o Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas
Antigas (REHABITA) visa apoiar a execução de obras de conservação, pequenas
melhorias ou reconstrução de edifícios habitacionais no âmbito das operações
municipais de reabilitação urbana. O REHABITA pode ser entendido também como
um programa de ampliação do escopo do RECRIA, garantindo condições para
intervenções em bairros críticos, alvos de projetos urbanos específicos da
municipalidade, além de garantir aumento de subsídio em casos intervenção em área de
53
“O Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados, foi criado pelo Decreto-Lei
4/88 de 14 de Janeiro, com o objectivo de inverter o estado de progressiva degradação do parque
habitacional (...). Como programa, representa uma medida de longo alcance social por proporcionar melhores
condições de habitabilidade à generalidade dos inquilinos, e melhoria da qualidade de vida nos centros
urbanos pelas intervenções no âmbito da reabilitação urbana”
(Instituto Nacional de Habitação, 2004, p.37).
53
risco
54
. Além dos instrumentos jurídicos criados, verifica-se a partir de 1990, ano em que
a Reabilitação Urbana é escolhida como um eixo estratégico da gestão urbana municipal
(LOPES, 2000, p. 22), aporte crescente de recursos públicos alocados em projetos de
intervenção urbana, seja através de ajuda às obras de melhorias habitacionais, seja nas
intervenções em equipamentos sociais, culturais e no apoio a atividades econômicas,
através de “Projetos Integrados”.
O que mais chama a ateão no processo de Reabilitação Urbana em Lisboa é
o caráter descentralizado da ação política. A própria estrutura administrativa portuguesa
favorece os programas focados na gestão local. A composição da Câmara Municipal,
com eleição dos Vereadores a partir dos distritos (ou ‘Juntas de Freguesia’), e as atribuições
desse corpo executivo, descentralizado espacialmente e setorialmente, contribuem para a
focalização local das políticas públicas. Ganha força também a ingerência social nos
programas, que tendem a ter continuidade, independente do comando da Câmara
Municipal. A eleição de um corpo eleito a nível local, nas chamadas Juntas de Freguesia,
dá legitimidade à representação social nos bairros. Ao invés de se basear em associações
de moradores, essa representação eleita é um passo adiante em relação a outras
experiências participativas.
No campo especificamente urbano, a experiência do SAAL foi fundamental
para a formação de uma cultura multidisciplinar de intervenção. Se naquele caso as
“brigadas técnicas”, corpos cnicos multidisciplinares, eram os interlocutores dos
moradores, “através da colaboração direta com as associações de vizinhos, desde a escolha do terreno,
até à definição dos projetos e obras de arquitetura, urbanização e infraestrutura (CARRASCO,
2005, P.37), na Reabilitação Urbana esse papel viria a ser desenvolvido nos gabinetes locais
– escritórios multidisciplinares montados no centro de cada bairro, em que a população
tem acesso aos diversos serviços municipais e aos técnicos da reabilitação e onde se
desenvolvem os projetos. Com a execução das primeiras experiências, verificou-se a
necessidade de avançar em outras frentes; a instalação de postos avançados da
municipalidade foi determinante para a capilarização dos serviços do Estado, garantindo
o atendimento local e abrindo frentes de diálogo entre moradores e poder público.
Do ponto de vista arquitetônico uma série de avanços relativos, sobretudo,
ao desenvolvimento metodológico da reabilitação de edifícios, que necessitariam de um
estudo em separado. O aperfeiçoamento de técnicas de requalificação, reforma ou
54
LOPES (2000), Instituto Nacional de Habitação (2004) e Câmara Municipal de Lisboa (2005).
54
restauro dos edifícios de uso habitacional abre novas possibilidades na experimentação
de materiais, de técnicas construtivas e mesmo de projeto. A generalização das
experiências exige a formação de um corpo técnico qualificado, abrindo novas
possibilidades de trabalho em um setor altamente precarizado. A mudança de paradigma
arquitetônico nos projetos habitacionais é essencial; com a inviabilidade do avanço
infinito rumo às periferias, faz-se necessário uma revisão geral de conceitos sobre a
forma de se construir a casa popular. Com o entendimento de que o parque imobiliário
inativo de uma cidade como São Paulo deve ter uma função social – e aí entra o Estado,
regulando e garantindo o cumprimento da lei uma necessidade de revisão de
conceitos não apenas no âmbito arquitetônico, mas na dinâmica do próprio mercado
imobiliário. A experiência em curso em Lisboa mostra o quanto é possível avançar na
gestão do espaço público e dos programas urbano-habitacionais, na cultura urbanístico-
arquitetônica, na esfera daão política e no campo da participação popular. Sem a
pretensão de ser modelo para outras cidades, Lisboa apresenta um grau de democracia
na gestão da política urbana que merece ser destacado. O caldo cultural a ser daí
apreendido é somatório de um esforço de décadas, em que profissionais engajados na
possibilidade de reabilitação democrática, a partir das mais variadas realidades,
contribuíram para a solidificação dos programas em curso em Lisboa.
REABILITAÇÃO URBANA NA FRANÇA
O processo de evolução da luta por moradia na França, assim como os
avanços no setor, possuem algumas características a serem observadas. O conceito de
habitação social nasceu na França ainda no século XIX, com a explosão demográfica
nas grandes cidades pós-revolução industrial. No início do século XX (COULON,
2000a, p.06), pela incapacidade do setor privado em garantir a construção de moradias
em número suficiente, e devido ao crescimento de cortiços nas grandes cidades, tem
início o apoio estatal à construção habitacional. Alguns organismos de gestão são
criados, atuando em parceria com o Estado. Dentre esses ‘movimentos’, destacam-se os
HLM (Habitations à Loyers Moderes) “(...) principal gestor de moradia social pública
encarregado pelo alojamento dos mais pobres” (COULON, 2000a, p. 02) e o movimento Pact-
55
ARIM especializado na reabilitação dos bairros e moradias privadas antigas. A gestão
desse parque imobiliário
55
, bem como a sua requalificação, são financiadas pelo Estado,
mas estão a cargo de entidades independentes. O formato da associação entre os
movimentos e o Estado garante a perenidade dos programas e a sua independência em
relação à orientação política do governo central. A alternância política não tem o poder
de minar os avanços da política habitacional francesa, apesar de a diminuição do Estado
a partir da década de 80 ter influído negativamente no aporte de recursos a esses
programas destinados.
O entendimento da moradia como um direito fundamental e da liberdade de
escolha em relação ao estatuto de ocupação (proprietário ou locatário), ao tipo de
moradia e sua localização foram pressupostos do Estado francês, em especial no pós-
guerra, para fazer face à importante demanda habitacional. Garantir o cumprimento
desses direitos é uma missão do Estado, que tem nas últimas décadas se encarregado de
criar os instrumentos, garantir financiamentos e gerir os programas ao nível nacional. A
gestão operacional dos programas é descentralizada, ficando a cargo do governo central
o financiamento, fiscalização e normatização; ao nível local – das regiões (Departements) e
dos municípios (Collectivités Locales) dá-se o desenvolvimento do planejamento e
organização territorial, das políticas de desenho urbano (aménagement du territoire), e das
políticas locais de habitação, incluindo a produção e a gestão. A gestão da moradia social
é feita pelo governo regional, que controla as companhias autárquicas de construção
habitacional (os Offices d´HLM) e gere a demanda por habitação, associando-se muitas
vezes com as associações de Pact-ARIM e outras, que nesses casos se encarregam desde
a organização de demanda, ao projeto, administração e manutenção do parque
imobiliário público sob sua responsabilidade. É interessante observar que, nas últimas
décadas, tem se concentrado nas mãos dessas associações o atendimento à população
mais pobre, que não atinge os níveis de renda exigidos pelas Compagnies d´HLM, que
devem, com o aluguel social fixado pelo governo, manter seu equilíbrio financeiro.
Assim, as associações acabam assumindo os riscos da inadimplência, graças a
subvenções que recebem para esse fim. Outra função desses órgãos é o auxílio ao acesso
à moradia privada, através do apoio à reforma mediante contrapartida nos valores dos
55
“(...) hoje os 1400 organismos do HLM abrigam cerca de 13 milhões de pessoas (9 milhões de locatários
e 4 milhões de proprietários). Aproximadamente um quarto da população francesa mora com o auxílio dos
HLM, que no total, realizaram 3,4 milhões de moradias alugadas e financiaram, ou construíram 1.250.000
moradias com programas de financiamento da casa própria. Mais de um terço do patrimônio locativo francês é
administrado pelos organismos de HLM.”
(COULON, 2000a, p. 06)
56
aluguéis. Vale notar, portanto, que esse processo de segregação na gestão da provisão
habitacional vem se acentuando nos últimos anos, como comentaremos novamente
adiante.
A Agence Nationale pour l’Amelioratoin de l’Habitat (ANAH) é o órgão
governamental responsável pelo auxílio à melhoria das moradias de aluguel pertencentes
a proprietários privados. Com uma dotação originária de tributo pago pelos
proprietários de imóveis com mais de quinze anos, a agência financia reformas nesses
imóveis, tendo o proprietário beneficiado o dever de alugar o imóvel, durante dez anos,
por valores regulamentados. Além de garantir a preservação dos edifícios antigos, tal
instrumento permite uma considerável oferta de imóveis de aluguel a preços acessíveis,
os aluguéis privados para fim social, ao mesmo tempo que valoriza imóveis que não
seriam restaurados sem os incentivos estatais (MAISONNEUVE, 1989).
Em relação à reabilitação de moradias públicas, deve-se acentuar o trabalho de
reabilitação do parque habitacional construído até a década de 70. Se no pós-guerra
imperou, não apenas na França, mas em diversos países europeus, a construção de
grandes conjuntos e demolição do tecido existente; a partir da percepção da degradação
social das banlieues deflagra-se, na década de 80, o movimento de reabilitação urbana.
Pode-se dizer que esse movimento nasce da publicação, em 1975, de documento
redigido por um funcionário público, o relatório “Nora-Eveno”
56
, que dava as bases
para a alteração de paradigma em relação à construção habitacional. A reabilitação dos
antigos conjuntos degradados deveria ser priorizada em relação à construção de novos; a
intenção, esboçada no relatório, era recompor além dos edifícios degradados também o
tecido social, invertendo a lógica de criação guetos que predominava até então. Em
relação ao parque locativo privado, asões da ANAH ganhariam força com a política
de “operações programadas” Opérations Programmées d’Amélioration de l’Habitat (OPAH)
e por ações de reordenamento territorial, operadas ao nível municipal. As OPAH´s
nascem em substituição aos antigos planos de Renovação Urbana, que apostavam na
ação estatal para redesenho dos bairros, com objetivo de induzir o setor privado a
reabilitar edifícios existentes. Diversos mecanismos de ajuda foram criados, de modo a
abranger as diferentes demandas, sempre com a perspectiva de reabilitação com
manutenção dos tecidos sociais pré-existentes nos bairros. O apoio estatal é feito ainda
56
O relatório de Simon Nora é descrito em COULON (2000a, p. 08) como a “
a certidão de nascimento de um
formidável movimento de reabilitação imobiliária que tomou conta da França, tanto no setor privado quanto no
setor público”
além de ser descrito mais detalhadamente em capítulo introdutório de MAISONNEUVE (1989).
57
sob forma de obras públicas, que venham a incrementar as áreas delimitadas pelas
OPAH´s, operacionalizadas pelo município e com verbas federais (MAISONNEUVE,
1989). O apoio à reabilitação desses edifícios é feito a partir de estudos técnicos, em que
equipes locais indicam edifícios a serem reformados em determinado perímetro. Em
áreas de maior complexidade de intervenção, a necessidade de obras mais incisivas.
Nesses casos a ação estatal se dá com as chamadas “Zone d’aménagement concerté” (ZAC´s),
muitas vezes concomitantemente às OPAH´s (MAISONNEUVE, 1989; COULON,
2000a e 2000b).
No campo arquitetônico é também inegável a contribuição que a reabilitação
traz em relação ao desenvolvimento tecnológico, ao incremento da cadeia produtiva da
construção civil, e ainda às relações entre meio ambiente e espaço urbano. A mudança
de paradigma quanto ao que se constrói como moradia popular no espaço
metropolitano, que inclui a reversão do processo de espraiamento da mancha urbana,
otimização da infra-estrutura urbana, aproveitamento de imóveis ociosos, entre outros,
também são incentivos à reabilitação do patrimônio arquitetônico. O surgimento de
conceitos como “patrimônio banal”, no caso da experiência francesa, é fruto da
consciência de que o processo de reabilitação dos centros urbanos não poderia se dar
mais com a paulatina expulsão de moradores carentes e com a terciarização do espaço
urbano central, sempre segundo a generalização do conceito de “renovação urbana”.
Percebe-se a preocupação pela manutenção das características de traçados urbanos e de
construções banais, que caracterizam simbolicamente determinados bairros; assim, abre-
se uma ampla frente de reforma de edifícios, com adaptações tecnologicamente
necessárias, apoiada nos princípios de diversidade funcional e social. Também a
necessidade de reversão do quadro de deterioração das banlieues, sobretudo no caso dos
conjuntos modernos construídos no pós-guerra, trouxe à baila a discussão sobre a
reabilitação do patrimônio arquitetônico moderno.
O desenvolvimento das políticas mencionadas, em meio a tantos outros
instrumentos, fez avançar o debate sobre reabilitação – com preservação do patrimônio,
indução à diversidade social nos bairros e à manutenção das populações moradores de
centros históricos – ao mesmo tempo em que apresentou outras questões. A reabilitação
desses bairros em relação à sua estrutura comercial, por exemplo, ou à necessidade de
geração de empregos, é uma questão ainda não devidamente solucionada. A crescente
migração, e a ilegalidade em que boa parte dos imigrantes vive, é um desafio crescente.
58
A dificuldade em adentrar o mercado formal e em conseguir cidadania acaba jogando
um grande contingente de imigrantes para a completa ilegalidade. O desafio que se
coloca é como incluir essa população, num ambiente cada vez mais hostil à imigração.
Vale portanto observar que, embora os aspectos acima mencionados
conformem uma experiência bastante positiva de política habitacional, a França mesmo
assim vem se confrontando recentemente com sérios problemas que esta política,
infelizmente, não conseguiu de fato resolver. Os recentes levantes observados naquele
país, em 2006, por parte dos moradores imigrantes confinados nos antigos conjuntos
habitacionais da periferia é um claro exemplo desse fato. Na prática, embora tenha
havido um esforço para a reabilitação de bairros centrais com provisão habitacional, e
até a destruição de milhares de unidades habitacionais em antigos conjuntos nas
banlieues, ainda assim, ao longo dos anos 80, verificou-se uma paulatina substituição dos
habitantes desses conjuntos. Os franceses de origem, alcançando novo patamar social,
em conseqüência do Estado-Providência, passaram a acessar o mercado imobiliário
privado, deixando os conjuntos para a população imigrante. Assim, apesar das políticas
de reabilitação, observou-se na França, a partir dos 90 e até hoje, um boom significativo
do setor imobiliário privado de venda de imóveis novos, com uma alta bastante
acentuada dos preços fundiários. Por outro lado, a tendência à formação de guetos nos
conjuntos periféricos restantes acentuou-se.
Por cima disso deu-se um significativo recuo do Estado de Bem-Estar Social,
que minimizou as políticas universalizantes para centrar-se em programas pontuais
altamente seletivos, que beneficiam majoritariamente os franceses. Os próprios
programas de locação social HLM, tocados pelos Offices d´HLM, que precisam fechar
suas contas com ganhos próprios, ganharamrios níveis de qualidade, a maioria não
mais destinados às classes muito baixas, mas sim a esse novo mercado intermediário que
se fortalece. Assim, aumenta sensivelmente na França o número de pessoas – e
conseqüentemente de movimentos – sem abrigo, sem capacidade de acesso ao mercado
imobiliário e sem benefício de políticas habitacionais: os “sans-abri”, o movimento
“Droit au logement”, e neste início de 2007, o movimento “Les enfants de Quixote”, que viu
moradores de classe média irem acampar junto aos sem-teto, em atitude solidária, para
denunciar a sua situação. Na campanha presidencial de 2007, uma nova lei, que irá
definir a moradia como direito fundamental, tornou-se central no debate entre os
59
candidatos
57
.
Malgrado os desafios que se colocam, e as dificuldades mais recentes, a
experiência francesa, especialmente no período do pós-guerra até os anos 90, tem
aspectos a serem cuidadosamente estudados, sobretudo em relação aos instrumentos
urbanísticos que acompanham as operações, os arranjos institucionais, o enfoque na
participação popular e no poder local e as variadas formas de financiamento e gestão. O
atrelamento de financiamentos e subsídios a tributos, como no caso da dotação da
ANAH, garante a perenidade da política. Diversos outros instrumentos de gestão têm
essa independência em relação a orçamentos governamentais. Esse é talvez um dos
grandes ensinamentos da cultura francesa em relação a políticas sociais. Ao desatrelar
sua dotação orçamentária das obrigações governamentais, são criadas condições para a
continuidade das políticas, que independente da alternância no poder são comandadas
por representações sociais nas mais variadas formas de colegiados. Deve-se atentar
ainda, na esteira dos cuidados a serem tomados quando da comparação entre realidades
políticas tão distintas, que a independência dos programas em relação à alternância
política é resultado da própria cultura do estado francês, que ao contrário da nossa
realidade tem na sua universalidade a base das políticas sociais igualitárias.
Por outro lado, a questão da moradia e a preservação dos núcleos urbanos
estão de tal forma entranhadas na sociedade, que de certa forma passam a ser tratadas
como questões da sociedade,o do Estado, como se pode inclusive depreender da
atual discussão na campanha presidencial. Vale lembrar que, desde 2000, a França tem
uma lei que obriga os municípios a manter 20% do seu parque habitacional construído
acessível às classes de renda baixa. Essa diferença é fundamental quando se tenta fazer
qualquer comparação com a realidade brasileira; a luta por aqui se dá no campo político,
na criação de programas e políticas, que conforme o partido que se encontra no poder
ganha uma conotação diferente. São abundantes os casos de programas criados e
abandonados com as sucessões administrativas. A experiência francesa está ancorada no
enraizamento da moradia como uma questão que diz respeito à sociedade, não
exclusivamente ao Estado e aos atores eventualmente envolvidos.
Algumas características da experiência francesa foram referências para um
programa iniciado durante a gestão 2001-2004 da Prefeitura Municipal de São Paulo.
Diversos consultores envolvidos nas duas experiências descritas, sobretudo no caso
57
Dados coletados a partir de relatos do Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira em recente viagem ao país.
60
francês, participaram de seminários de formação dos Perímetros de Reabilitação
Integrada do Habitat.
[PRIH]
PERÍMETROS DE REABILITAÇÃO INTEGRADA DO HABITAT
Idealizado como um programa de integração entre diversas ações de
qualificação do espaço urbano, o PRIH
58
teve como eixo de sua formulação a melhoria
da qualidade de vida de moradores de bairros degradados no centro de São Paulo.
Contando com ações de diversas secretarias e das sub-prefeituras envolvidas, o
programa foi elaborado por SEHAB/Morar no Centro. O conceito básico era a
requalificação de perímetros criteriosamente definidos, a partir de levantamentos de
campo, em que se agregavam características relativamente homogêneas de ocupação. Os
perímetros deveriam também se caracterizar como unidades em que se poderiam definir
relações de vizinhança, que os moradores e trabalhadores reconhecessem como uma
unidade de intervenção integrada.
A partir de levantamentos foram definidos dez perímetros para ação: Luz,
Barra Funda, Santa Cecília, Bela Vista, Cambuci, Bom Retiro, Glicério, Brás e dois no
distrito do Belém. Desses, o da Luz foi selecionado para dar início ao Programa.
Posteriormente foi dado início também aos perímetros Brás e Glicério. Nesses dois
casos não se avançou muito além da etapa de diagnósticos participativos e definição de
prioridades para os Planos Integrados de Intervenções.
O PRIH Luz avançou, a partir da montagem de um “Escritório Piloto” –
inicialmente sediado na sede do Programa Morar no Centro, deveria ter sido instalado
posteriormente no interior do perímetro –, com a montagem de diagnósticos
participativos, em que foram identificados os cortiços e moradias precárias, as áreas
livres, as entidades da sociedade civil atuantes, os imóveis ociosos e “oportunidades
imobiliárias”. A partir desse quadro foram definidos em conjunto com os moradores e
58
O Programa Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat foi implementado durante a gestão 2001-
2004, no âmbito da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo.
O programa será abordado ainda no capítulo 5, sobretudo em relação às dificuldades para sua implementação,
os resultados obtidos e o posterior abandono com a mudança de gestão.
61
entidades as diretrizes para urbanização e reabilitação. Foi criado ainda no perímetro da
Luz uma Comissão de Cortiços e um Comitê de Reabilitação, com o Decreto Municipal
44.401, de fevereiro de 2004 (PMSP, 2004, p. 37). Com as diretrizes colocadas e a partir
de seu detalhamento em um PII (Plano Integrado de Intervenções), deveria ser instalado
nos limites do Perímetro um Escritório Antena, responsável pelo desenvolvimento dos
projetos de intervenção, de negociações com moradores, entidades, proprietários e
outros atores sociais, e ponto de apoio do poder municipal no bairro.
Apesar da não ter sido instalado um escritório no Perímetro, algumas
intervenções foram feitas, sobretudo intervenções em espaço público, e algumas
negociações com particulares tiveram início, visando dar suporte à melhoria das
condições de moradia no Perímetro. As dificuldades colocadas no enfrentamento a que
se propôs o PRIH, e que vão desde a insegurança jurídica nas relações de locação dos
encortiçados à ilegalidade dessas relações, dentre tantas outras, dão um sinal de quão
intensa deve ser uma política pública do porte do PRIH, para que o programa se firme
como alternativa de melhoria para as populações beneficiadas. Um dos objetivos
maiores do programa, de melhoria das condições de salubridade no espaço da moradia,
é de solução muito complexa e tem entre outros obstáculos, o envolvimento de diversos
atores, os conflitos de interesses (tanto no nível local quanto em relação à estrutura
fundiária da cidade), a ilegalidade nas relações locatícias, a necessidade de investimentos
vultosos e a dificuldade em se garantir a permanência de moradores carentes após as
intervenções.
O modelo colocado pelo PRIH se baseia na negociação constante, em
instâncias competentes e representativas de atores envolvidos, e tem na democratização
da política urbana uma necessidade para sua sobrevivência. As maiores dificuldades em
dar corpo ao programa se colocam basicamente nesse ponto. Ao não criar instrumentos
que garantem uma dotação permanente, o programa se subordina à centralização ao
poder executivo municipal; cria-se dessa forma uma dependência em relação ao
comando da política urbana. O diagnóstico não é novo, e seria o mesmo na
exemplificação de outras iniciativas em São Paulo, de onde se pode apreender que
ainda um longo caminho a ser percorrido para a propalada democratização da política
urbana.
62
3.4. AS INICIATIVAS DE REABILITAÇÃO: LIMITES E
CONTRADIÇÕES EM RELAÇÃO À QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO.
certamente lições a serem tiradas dos casos internacionais, que de certa
forma foram também influências para o programa paulistano. Deve-se tomar muito
cuidado com esse tipo de perspectiva comparada, uma vez que se trata de experiências
diversas, sob circunstâncias históricas e geográficas únicas, sob contextos político-sociais
muito distantes. No entanto alguns pontos de contato entre as políticas citadas que
merecem comentários.
Uma característica relativamente comum aos dois casos internacionais
supracitados está justamente em certa independência das esferas decisórias da
reabilitação que para além da dotação orçamentária, envolve aspectos jurídicos,
normativos, político-administrativos em relação ao poder central, e na participação de
movimentos sociais, da formulação dos programas à sua gestão. Ambas as características
não estão totalmente presentes na formulação do PRIH. Apesar da proximidade dos
agentes públicos envolvidos com os movimentos organizados, da sua participação nas
atividades desenvolvidas e na existência de reivindicações antigas para reabilitação de
cortiços, percebe-se certa fragilidade na forma como esses movimentos são integrados
aos programas. uma dependência de decisões que estão centralizadas, por mais que
se adote um discurso de participação e abertura aos movimentos. A fragilidade da
entrada dos movimentos populares nas instâncias representativas criadas, que têm ainda
em nossa sociedade um caráter de excepcionalidade, é um obstáculo a ser ainda
transposto; o protagonismo social é um tema a ser aprofundado, como condiçãosica
para a democratização das políticas urbanas no Brasil.
Em relação aos limites colocados para ação nos cortiços, a análise da
experiência paulista é interessante para ressaltar um aspecto em especial: o tempo de
maturação de programas de reabilitação, e de todas as etapas do processo, não podem
estar subordinados ao “tempo eleitoral”. A vida útil de programas como o PRIH está
relacionada à capacidade de se criar uma esfera de gestão que garanta a continuidade do
programa. No entanto, mesmo que se criassem tais condições, a sua dependência de
recursos do orçamento municipal, ou de empréstimo junto a bancos internacionais,
como ocorreu no caso do PRIH, cria todas as condições para o abandono da iniciativa.
63
Da mesma forma, a instituição de um Conselho Municipal de Habitação (CMH), órgão
fiscalizador de recursos do Fundo Municipal de Habitação, foi insuficiente para a
democratização do orçamento para habitação; e assim como o PRIH, teve seu conteúdo
programático devidamente alterado, senão esvaziado, na sucessão administrativa de
2004.
A necessidade da criação de órgãos de gestão democráticos e com dotação
orçamentária independente em outras palavras, que se garanta autonomia ao processo
de reabilitação –, e que ao mesmo tempo não saiam da esfera do Estado, justifica-se
portanto, uma vez que o horizonte da centralizada gestão municipal tem no calendário
eleitoral um ciclo totalmente diverso do que se deve trabalhar em programas de longo
prazo. Apesar de ser uma demanda que se traduz no avanço da própria democracia,
saudável portanto para diversas outras políticas setoriais, uma mudança de paradigma de
tal porte estaria hoje no campo da utopia. No entanto, e apesar dos obstáculos serem
frutos de séculos de uma sociedade extremamente patrimonialista e terem o tamanho de
nossa herança colonial-escravista, pode-se perceber luz no fim do túnel. Setores que
podem exemplificar avanços, graças à força de movimentos sociais e sindicais, são a
saúde e a educação; dois campos em que os movimentos são seculares, em que se
consolidou no Brasil uma prática de lutas históricas. Apesar das mazelas em ambos os
terrenos serem tão ou mais profundas do que no campo urbano-habitacional, na gestão
de políticas públicas, foco desta abordagem, houve um avanço grande nessas áreas. Um
exemplo claro pode ser dado na instância colegiada máxima na área da Saúde, o
Conselho Nacional de Saúde (CNS). O CNS foi fundado cerca de 70 anos e, assim
como o Conselho Nacional de Educação, tinha àquela época o papel de assessoria ao
então Ministério da Educação e Saúde, com caráter normativo e consultivo. Hoje, com
o avanço em sua estrutura e atribuições, o colegiado formado por representantes de
entidades dos usuários do sistema de saúde, de profissionais e acadêmicos, de entidades
de prestadores de serviço e de entidades empresariais assumiu caráter deliberativo,
com poder de aprovar resoluções necessariamente adotadas pelo Ministério da Saúde. O
modelo serviu de exemplo para diversos órgãos colegiados criados posteriormente,
como o Conselho das Cidades, de 2004. E com o avanço gradual do controle social e da
participação popular na formulação das políticas para o setor mais um avanço em
dezembro de 2006, com alteração em seu estatuto pela primeira vez em sua história, é
eleito para o cargo de presidente do CNS um sindicalista e não o Ministro qualquer
64
alteração estrutural passa a ser debatida de forma democrática.
Com a adoção gradual de órgãos de controle social, na direção de uma
radicalização da democracia, iniciativas de reabilitação de centros urbanos, como tantas
outras que representem o enfrentamento das desigualdades urbanas, devem passar a
representar os anseios da população. Da mesma forma, a democratização do debate
sobre os orçamentos municipais também pode colaborar para uma descentralização
desejável e necessária.
65
4.
ESPAÇOS PÚBLICOS NO CENTRO HISTÓRICO DE
SÃO PAULO: USOS E APROPRIAÇÃO
4.1.
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
4.2.
ANÁLISE SÓCIO-ESPACIAL DOS ESPAÇOS PÚBLICOS CENTRAIS
66
4. ESPAÇOS PÚBLICOS NO CENTRO HISTÓRICO
DE SÃO PAULO: USOS E APROPRIAÇÃO
Pretende-se aqui fazer uma descrição da área de estudo, com enfoque nos seus
espaços públicos, e as relações com o desenvolvimento de atividades de lazer e com os
moradores. A abordagem, no entanto, não deve se ater apenas aos temas estudados, mas
incorporarão alguns diagnósticos recentes da situação do centro metropolitano.
O capítulo tem um perfil de diagnóstico de uma área; porém incorpora
elementos subjetivos, de análise empírica, além de algum teor propositivo. A este
capítulo corresponde boa parte do trabalho de campo desenvolvido na etapa final desta
pesquisa, com uma abordagem empírica da situação das áreas de estudo.
Em item separado pretende-se dar um panorama da formação dos “espaços
oficiais”, espaços públicos por excelência, com destaque para os processos de formação,
sua inserção na malha urbana, as políticas a eles relacionadas, os conflitos e contradições
entre a destinação original e a sua real apropriação; outros espaços em que se percebe
uma apropriação pública, mas que não se inserem na caracterização formal comumente
atribuída a “espaço público” são comentados no item “ESPAÇOS NÃO-OFICIAIS”.
Por fim, após um pequeno histórico do processo de formação da área em
foco, são comentados alguns aspectos de intervenções contemporâneas. Por fim, são
apontadas potencialidades, ensaiando-se algumas conclusões resultantes da abordagem
empírica e seu rebatimento nas políticas públicas vigentes.
67
4.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
ESPAÇOS PÚBLICOS E LAZER: UMA ABORDAGEM EMPÍRICA
Os espaços livres públicos, que em análise presente em capítulo anterior foram
abordados sob o viés teórico, foram objeto de observação durante os trabalhos para este
mestrado. Partindo da caracterização oficial, em que são listados praças, largos, parques,
calçadões ou rotatórias, foram observados em campo outras formas de espaços
largamente apropriadas pelo uso comum, entre outros os canteiros, miolos de quadra e
térreos de edifícios, terrenos baldios, escadarias, calçadas largas, ruas de baixo
movimento e espaços residuais de obras viárias. A caracterização 'oficial', presente em
relatórios do poder público, nas relações listadas em sites da prefeitura, projetos e
planos urbanos, se baseiam em definiçõesgidas de espaços livres públicos, em alguns
casos com pequenas variações relativas a seu uso.
Um estudo utilizado como referência para a área de estudo foi o Plano
Regional Estratégico (PRE) da Subprefeitura da Sé, que integra o Plano Diretor
Estratégico, elaborado por SEMPLA em 2004, e que contou com assessoria do Instituto
Polis. O Plano incorpora projetos e intervenções previstas em parques e praças, e lista
mais uma série de providências no Plano Urbanístico Ambiental. Seguindo a lógica
implantada para o PDE para toda a cidade, o Plano da Sub-Sé prevê uma série de
“caminhos verdes” e “parques lineares”; em que aqueles seriam arborizações ao longo
de vias principais, e os últimos seriam áreas verdes de maior porte, criando “conexões
verdes” entre áreas de interesse. As propostas se baseiam sempre nos espaços oficiais
existentes, dando as bases para uma atuação mais aproximada pelas subprefeituras, que
devem detalhar os projetos. Apesar de ter interesse por criar conexões entre espaços
livres e eixos arborizados na cidade, as propostas ignoram algumas particularidades
locais. A generalidade e a grande escala com que se trabalha em um plano como esse é
obviamente um obstáculo, e as administrações locais devem se incumbir de trabalhar em
paralelo na qualificação do espaço não caracterizado pelo PRE.
Em observação de campo, a partir das definições oficiais de espaços livres
públicos, percebem-se as limitações de nomenclaturas, as alterações de usos e
descaracterizações decorrentes de fatores externos. Os espaços a serem descritos quanto
68
a seu uso e apropriação pela população no tópico seguinte são os considerados espaços
livres públicos por excelência. Em seguida apontaremos outras formas espaciais que se
caracterizariam como espaços livres públicos, embora em alguns casos não sejam
necessariamente livres e/ou públicos. O interesse da abordagem adotada reside na
liberdade de apropriação que algumas comunidades têm, ao transgredir no uso espaços,
dotando-lhes de qualidades não previstas originalmente e subvertendo o entendimento
racional dos projetos urbanos.
A caracterização dos espaços livres públicos “oficiais” permite-nos entender
algumas especificidades de uso, subversões aos usos previstos e carências da população
em relação aos equipamentos existentes. Da mesma forma, podemos perceber como
praças podem ter usos totalmente diversos, em qualidade e intensidade, dependendo de
sua localização, configuração espacial, desenho, inserção urbana ou presença/ausência
de equipamentos. A alteração de usos durante horários e dias diferentes também é um
fator a ser considerado; o perfil “terciarizado” do centro metropolitano contribui de
alguma forma para a mudança “temporal” no perfil desses espaços. A incidência de
eventos temporários, feiras e atrações eventuais, também alteram substancialmente o
perfil de alguns espaços, conferindo-lhes uma vitalidade e riqueza em relação aos
diferentes públicos e usos.
A insuficiência da abordagem meramente espacial nos leva à necessidade de
utilizar outros critérios para observação, em que incidem dados um tanto quanto
subjetivos, a fim de trazer à discussão características da apropriação pública desses
espaços.
ESPAÇOS “OFICIAIS”
A Subprefeitura da contabiliza nos dois distritos em foco, e República,
treze e onze praças respectivamente. As treze praças do distrito da somariam
82.605,00 m
2
, enquanto na República o total seria de 39.368,00 m
2
. Deve-se salientar que
tais dados são bastante incompletos, desconsideram algumas praças, caracterizadas até
mesmo na sinalização de rua como tal, e com algumas incorreções. No entanto esses
dados foram considerados para uma abordagem inicial, e a ela foram incorporadas
69
outros espaços durante o trabalho de campo
59
.
Entre as praças relacionadas nos dois distritos podemos identificar
inicialmente aquelas que batizam os dois distritos. A Praça da República e a Praça da Sé
têm uma série de características semelhantes. Ambas são alvos atuais de projetos de
“revitalização”; na República se prevê o retorno de características da época de sua
inauguração
60
, em 1905.
Na Sé, a proposta básica é facilitar o trânsito de pedestre, eliminando os
diversos canteiros e desníveis que foram criados com a obra do metrô, em fins da
década de 70. Ambos os projetos têm material de divulgação que remete a características
originais das praças, que foram perdidas ao longo dos anos. também um forte apelo
na mudança de público da praça, em que a questão da segurança é utilizada como
pretexto para a retirada de equipamentos e reformulação de espaços utilizados por
moradores de rua.
Em relação à observação do uso cotidiano dessas importantes praças,
diferenças a serem destacadas. A República é uma praça repartida, com um calçadão de
uso constante, funcionando como ligação de pedestres entre a região do Arouche e São
João e o centro antigo, via Ruas 24 de Maio, Barão de Itapetininga e 7 de Abril, e uma
área de densa arborização, cercada e cortada por alamedas. Essa parte da praça tem uso
menos intenso, porém verificou-se um uso permanente em todos os horários, com
movimento mais intenso nos horários de almoço nos dias de semana. Essa porção da
praça abriga ainda uma escola infantil, que faz uso eventual da área arborizada da praça.
Apesar da fama de lugar perigoso, o bosque da Praça da República mantém-se sempre
ocupado, com um uso majoritariamente de ócio, aparentemente por trabalhadores da
região e por idosos moradores do entorno. No domingo a praça recebe uma feira de
antiguidades que se alastra em direção à Rua Marquês de Itu, onde se concentra um
intenso comércio ambulante de produtos de pintura. A feira, além de avançar no espaço
59
São apresentados nesse tópico alguns dados colhidos em campo, a partir da observação do uso cotidiano
desses espaços, em datas e horários variados. Foram elaboradas fichas de campo, para sistematização de
características físicas, condição de manutenção, tipos de usos e características dos usuários, entre outros
aspectos. A partir do material bruto parte dele apresentado em Trabalho Programado foram pinçados
alguns aspectos mais interessantes dessas observações, visando a criação de uma abordagem genérica do
uso dos espaços livres públicos “formais”, nos distritos Sé e República.
60
http://centrosp.prefeitura.sp.gov.br/
70
começa a se espraiar também para os sábados; há uma “praça de alimentação montada
durante todo o fim de semana, ocupando a esplanada livre, e configurando-se como um
espaço que atrai moradores da região e de outros bairros. À noite essa área tem
vigilância dos barraqueiros e constante movimento de trabalhadores de período noturno
em edifícios vizinhos, o que garante alguma segurança à praça.
A Praça da Sé não conta com área de descanso como a República. Alguns dos
canteiros funcionam como bancos para transeuntes, moradores de rua e ambulantes. No
entanto, na maior parte da praça, foi observado um movimento constante, de fluxos
diferentes cortando a praça em diversas direções. Em algumas áreas, sobretudo em
frente à catedral e na margem junto à Praça Clóvis, observa-se maior aglomeração de
ambulantes. Tais aglomerações se concentram sobretudo junto a pontos do sistema de
transporte estação do metrô e paradas de ônibus. um fluxo muito grande em
função das diversas linhas que fazem ponto final na Sé, garantindo movimento
constante durante o horário comercial e, sobretudo, em horários de pico. Aos fins de
semana o uso é diverso, com maior concentração junto à catedral e adjacências, forte
presença de turistas e barracas de alimentação. Aos domingos a concentração cai
drasticamente com o entardecer.
Outras praças no perímetro de estudo têm uso constante e variado, com
diferentes formas de apropriação e variação de graus de degradação. Entre as praças que
mantêm intenso uso podemos destacar algumas:
Praça Julio Mesquita: mantém características originais de paisagismo, com
piso e arborização em bom estado e fonte desativada. A praça tem
movimento junto a pontos de ônibus na face junto à Avenida São João e
movimento de transeuntes que fazem o circuito São João. As outras duas
vias que a margeiam (Ruas Vitória e Barão de Limeira) têm baixo
movimento, com alguns bares e comércio local, que acabam garantindo
tranqüilidade e uso local. Verificou-se em ambas as faces um uso mais
cotidiano, com crianças brincando, pais e filhos descansando e idosos
conversando. interessante conexão das calçadas comerciais e
residenciais com a praça; como as ruas têm quase nenhum movimento, é
comum que as conversas e brincadeiras na praça se entendam para a rua e
calçadas vizinhas. Durante a noite a praça é ponto de encontro, com algum
movimento relacionado a hotéis de pernoite nas imediações. Verificam-se
71
também alguns pontos de prostituição nos arredores da praça.
Largo do Payssandu: conta com a igreja em seu centro, que além de seu
uso incentiva algumas atividades ao redor, como bancas de flores, e pontos
de ônibus em toda a as volta. Os pontos de ônibus têm movimento
constante, com intensa travessia de transeuntes a partir deles e das ruas
vizinhas. A praça tem relação forte com as galerias vizinhas e com intenso
comércio nas ruas laterais; diversos cinemas e boites eróticas têm
movimento constante durante o dia e à noite. canteiros junto à igreja,
que aglutina grupos em rodas de conversa, jogos e descanso. A área é
bastante usada como área de descanso por trabalhadores da região,
sobretudo em horário de almoço. Alguns moradores de rua ocupam
canteiros, sobretudo à noite, horário em que a praça, ao contrário das
calçadas vizinhas, é bastante esvaziada.
Praça Ramos de Azevedo: dividida em dois veis, a praça tem usos
distintos conforme o nível e horário. Durante o dia o nível superior tem
uso constante, muito movimento de transeuntes e ambulantes, alto nível
de ruído, pontos de ônibus cheios e a única área de relativa tranqüilidade é
a escadaria do teatro Municipal, em que o ócio é a prática mais comum. À
noite o movimento é ainda grande, reduzindo-se paulatinamente até às
21h, quando se percebe o esvaziamento rápido do local. Nesse horário a
parte baixa da praça tem pequenos grupos de moradores de rua. Durante o
dia o nível baixo da praça tem intensa vigilância, sendo usado por casais de
namorados, crianças e alguns grupos de conversa. Percebe-se forte
influência de empresas sediadas em seu entorno, que além de patrocinarem
a impecável manutenção dos jardins, mantêm sistema de vigilância no
local.
Largo São Bento: fruto de uma remodelação com a obra da estação São
Bento de Metrô, o largo possui características formais únicas. Foi
relativamente mantida sua configuração original, faceada pelo Mosteiro e
pelo Colégio São Bento e ladeada pelo encontro da Rua Boa Vista com a
Líbero Badaró, assim como a excelente relação com o Viaduto Santa
Efigênia. Sob a grande laje do largo uma praça de serviços tem
movimentação constante, sendo bem mantida pelo Metrô. O acesso ao
72
nível inferior é feito por escadaria que faz uma transição entre os dois
espaços. Apesar de ter seu uso intrinsecamente ligado ao Metrô, no nível
inferior, a praça mantém certa integridade em seu espaço de origem.
Praça Pedro Lessa: continuação da laje do Anhangabaú, a praça é também
uma ligação com o terminal Pedro Lessa, servido de linhas que ligam o
centro à zona norte da capital. A praça tem movimento constante,
sobretudo em horário de almoço. Seu desenho sofre muita interferência do
sistema viário, sendo constituída da extensão da laje e da soma de mais
“ilhas” e do próprio terminal. Na ausência de quaisquer equipamentos, os
canteiros servem de banco aos usuários, majoritariamente trabalhadores do
entorno. À noite a praça tem uso intenso como passagem para o terminal,
tendo sua freqüência bastante reduzida a partir das 22h.
Praça General Craveiro Lopes: situada no entorno da Câmara Municipal,
esta praça tem como principal característica a sua relação com o edifício de
uso misto à qual está ligada; um bar utiliza a praça como sua extensão
criando ambiente amplamente utilizado durante todo o dia e início da
noite. Tendo uma de suas faces ligadas diretamente a esse edifício, a praça
mantém estreita relação com comércio no térreo e é aparentemente
utilizada e mantida por moradores de edifício e vizinhos. poucos
equipamentos, mas os canteiros e a arborização são bem conservados.
Alguns idosos em grupos ou sozinhos se revezam na praça, sendo os
usuários principais desse espaço. Aos sábados o movimento é ainda maior,
com grupos de crianças e pais utilizando a praça e os bares vizinhos.
Praça Dom José Gaspar: situada nas costas da Biblioteca Municipal Mario
de Andrade, a praça tem usos diversos em diferentes setores. Em seu
miolo, junto à biblioteca, a praça é pouco utilizada. Apesar de bastante
sombreada, com arborização e canteiros bem conservados – a praça é mais
um dos vários exemplos de “adoções” pela iniciativa privada, no caso uma
agência de turismo – o miolo não exerce grande atração. Nas laterais junto
à Galeria Metrópole e à Rua Bráulio Gomes, o movimento é constante
durante todo o dia e início da noite. A praça tem excelente relação com a
galeria, sendo uma extensão de seu espaço térreo, com diversos bares,
restaurantes e lanchonetes se abrindo nessa face; às sextas-feiras uma
73
agitada roda de samba, que se estende sobre o calçadão e parte da praça.
Há um comércio ambulante freqüente – sobretudo engraxates, vendedores
de frutas, livros e revistas – e movimento intenso de pedestres na ligação
Avenida São Luis-Rua 7 de Abril. Aos finais de semana o movimento cai,
porém alguns bares do entorno mantêm-se abertos, e junto a eles percebe-
se um uso mais intenso da praça, sobretudo por crianças e adolescentes. À
noite a praça é esvaziada, sendo ocupada por alguns moradores de rua sob
a marquise da galeria.
Além das praças destacadas acima, podemos citar algumas em que grande
dificuldade de utilização, seja por alterações de seus usos originais, interferências
externas – sobretudo viárias – ou apropriação indevida, dentre diversos outros fatores.
A muitos desses espaços é difícil associar os termos correntes praça ou largo –,
tamanha a distância que guardam com características historicamente associadas a eles.
No entanto, e como são assim tratados oficialmente, cabe caracterizá-los e buscar
apreender as dificuldades de apropriação.
Praça da Bandeira: atualmente ocupada pelo terminal intermodal, a praça
foi descaracterizada, mantendo o nome original, porém sem se configurar
efetivamente como tal. O que poderia ser considerado como praça nessa
área são as passarelas que dão acesso ao terminal de ônibus, que além de se
caracterizarem como vias de circulação de pedestres têm uso intenso por
ambulantes. Essas passarelas têm peculiaridades próprias dos espaços a
serem destacados em item posterior, de espaços que têm seu uso
transfigurado pelos próprios usuários, independentes de sua destinação
original.
Praça Roosevelt: formada por uma sucessão de lajes, a praça tem seu
traçado e usos contestados por urbanistas tempos. previsão de
remodelação pela prefeitura, visando alterar sua destinação atual. Com
usos diversos como estacionamento, posto policial, supermercado e
outros comércios – a praça é apropriada de alguma forma por skatistas, que
fazem uso dos diferentes níveis e da grande área impermeabilizada que a
caracterizam, e que tornam a praça interessante para essa prática. No
entanto o uso é restrito, tendo em vista o potencial desse amplo espaço
74
público. A privatização do espaço central, usado por um supermercado e
por estacionamento, restringe o uso desses espaços e causam alguns
transtornos, sobretudo em relação à carga e descarga e movimento de
veículos. O posto policial ali instalado também ocupa área importante da
praça restringindo seu uso na porção voltada à Rua da Consolação
61
.
Ladeira da Memória: esse espaço não consta da relação oficial de praças e
largos da prefeitura municipal. Escadaria de fortíssimo valor simbólico, a
Ladeira da Memória mantém seu traçado original, com alterações em todas
as laterais. A maior intervenção em seu entorno foi o acesso ao metrô, que
desce paralelamente à escadaria, com lances de escada rolante coberta.
Assim, a grande maioria dos transeuntes que fazem a transição, da Rua
Cel. Xavier de Toledo para o Vale do Anhangabaú, utilizam o acesso
criado pelo metrô. A fonte da Ladeira mantém-se em bom estado de
conservação, e ao seu redor percebe-se uma utilização ocasional por
poucas pessoas. Acima da fonte uma intensa ocupação, devido
principalmente a usuários de pontos de ônibus, na Xavier de Toledo, e
abaixo da escadaria, é intenso o fluxo de pessoas que utilizam o mercado
de ambulantes que se formou ao seu pé. O fluxo constante de usuários de
metrô que fazem a conexão com o Terminal Bandeira garante a intensa
utilização de terreno residual que faz a ligação com a passarela de acesso.
Esse espaço, localizado entre o da Ladeira da Meria e a passarela do
Terminal Bandeira, tem uso intenso até a noite. A Ladeira sofre, de certa
forma, influência dessa ocupação, sendo a maioria de seus usuários os
trabalhadores desse mercado informal e motoboys estacionados no seu
entorno imediato.
Praça Alfredo Issa: sob forte influência do Poupatempo, a Praça Alfredo
Issa é, enquanto praça, praticamente imperceptível como tal para um
61
Em virtude dos ataques da facção criminosa PCC à época do trabalho de campo realizado, em maio de
2006, toda a área da praça nas proximidades do posto policial, onde se concentram quadras e áreas também
usualmente utilizadas por
skatistas
, estava interditada. O conflito de usos nesse caso se mostrou determinante
para o esvaziamento da área, que se tornou alvo potencial de ataques. Além dessa particularidade, a presença
de um efetivo policial pode significar um cerceamento ao uso por jovens, muitas vezes receosos de tal
proximidade. Sem entrar na discussão da necessidade de certa vigilância desses espaços livres, o que muitas
vezes é realizado involuntariamente pelos próprios usuários, a presença de efetivo armado junto a certos
espaços inibe o uso de quaisquer parcelas da população que sejam usualmente alvo de achaques por parte da
força policial.
75
observador distraído. Somatória de ilhotas em meio a confuso cruzamento
das avenidas Ipiranga e Casper Líbero, a Praça Alfredo Issa é um dos
melhores exemplos, entre tantos outros, de espaços residuais entre vias
que substituíram antigas praças. O pouco uso que se percebe na praça se
dá, na verdade, na calçada junto ao Poupatempo, sobretudo com usuários
do espaço e motoboys.
Praça Desembargador Mario Pires: essa pequena praça é um dos vários
exemplos de espaço em que o conceito de “adoção” é levado ao extremo.
Utilizando essa prerrogativa garantida por lei, uma empresa de advocacia
instalada no edifício contíguo à praça faz a manutenção da mesma, com
ampla publicidade da adoção. A praça, não por acaso, aparenta a
austeridade que convém ao patrocinador. Sem quaisquer equipamentos, a
praça tem elegante arborização e calçamento, vigilância constante e uso
restrito. Os motoboys que servem à empresa fazem uso deliberado do
espaço da praça como estacionamento e local de espera. Em local
privilegiado, este espaço é um exemplo acabado da apropriação consentida
do espaço público por uma empresa privada, sendo flagrante o seu uso
como extensão do edifício de escritórios, sem quaisquer benefícios para a
população do entorno.
Além das praças e largos, uma categoria de espaços considerada pelos
documentos oficiais são os calçadões. Alvos de alguma polêmica acerca dos empecilhos
que trariam à atração de novos investidores para a região central, os calçadões têm sido
amplamente discutidos ao longo da atual administração municipal. Em alguns
documentos publicados pela Associação Viva o Centro, a intensidade de uso de alguns
calçadões é relativizado, com utilização de registros fotográficos e gráficos de volume de
pedestres (Associação Viva o Centro, 2005). Tais dados podem ser comparados com
outros estudos (COMIN; SOMEKH, 2004), em que dados fornecidos pela Companhia
de Engenharia de Tráfego (CET) demonstram que em boa parte do sistema de
calçadões do centro o volume de pedestres/hora é superior a 6.000; no restante da área
esse valor fica entre 3.000 e 6.000. Os argumentos da Associão Viva o Centro, para a
elaboração de proposta de abertura de alguns calçadões, demonstram interesse na
diminuição das distâncias a serem percorridas desde os edifícios de comércio e serviço
até as ruas mais próximas, seja para trabalhadores ou para carga e descarga de
76
mercadorias (Associação Viva o Centro, 2005). Com o interesse na atração de
investidores, corporações e edifícios públicos para a região central, tal ONG parece
perceber os calçadões, e sobretudo o seu uso intenso por atividades informais, como um
empecilho à atração que se deseja criar para o centro histórico da capital. Apesar da
facilidade de acesso por transporte público, na leitura dos documentos da associação a
ênfase que se apreende é na necessidade de superação de obstáculos à facilidade de
acesso imediato.
Há ainda a pressão de comerciantes e empresas já instalados na região, para os
quais a presença do comércio informal nos calçadões é bastante prejudicial, seja pela
concorrência, seja pelo incômodo que lhes causam. A prefeitura tem investido na
repressão aos ambulantes, com fiscalização e combate aos ambulantes não cadastrados
62
,
com rondas periódicas da Guarda Civil Metropolitana, fiscais municipais e, mais
recentemente, com a instalação de câmeras de vigilância.
Seguindo as reivindicações da associação e de comerciantes da região algumas
medidas já foram tomadas na atual gestão, como a abertura da Ruas 07 de Abril, D. José
de Barros e 24 de Maio para os carros. O resultado, pelo menos nos primeiros meses
após a obra, é a ocupação do leito carroçável por pedestres. Em artigo publicado n’O
Estado de São Paulo (25-01-2006), intitulado “Prefeitura abre calçadões, mas ninguém
percebeu”, moradores, comerciantes e pedestres dizem não perceber a utilidade da
iniciativa, enquanto o ex-prefeito José Serra compara a ação a uma ponte de safena. Sem
entrar no mérito da adoção de vocabulário clínico, em voga para a defesa de ações
urbanisticamente discutíveis, cabe questionar a inversão de prioridades contida na ação
de liberar o tráfego em áreas de calçadões. Em recente evento patrocinado pela Viva o
Centro, os argumentos da Prefeitura Municipal foram refutados por palestrante
convidado, que disse não perceber problema em se caminhar mais de cem metros para
se chegar ao trabalho. Demonstrando contrariedade com as idéias expostas, o ex-
prefeito de Bogotá Enrique Penalosa, enfatizou a necessidade de garantia dos direitos
adquiridos por pedestres e a necessidade de busca de outras alternativas, que não o
simples desmantelamento do sistema de calçadões.
62
Luciana Itikawa, no artigo “Geometrias da clandestinidade: o trabalho informal no centro de São Paulo”
(COMIN; SOMEKH, 2004, p.357) adverte para o grande número de ambulantes não cadastrados:
“Segundo a
prefeitura, são estimados oito mil trabalhadores informais nos espaços públicos no centro de São Paulo,
porém, destes oito mil apenas 1.244 conseguiram, no começo de 2003, o TPU, ou seja, cerca de 6.367
trabalhadores (quase 80%) estariam trabalhando clandestinamente, sujeitos a todas as vulnerabilidades
descritas anteriormente”
.
77
A convergência de ações como a abertura dos calçadões para veículos, a
intensificação à fiscalização e combate aos ambulantes não cadastrados e o uso de
câmeras de vigilância pode ser atribuída a uma visão de espaço público que tem
prevalecido nas arenas de discussão sobre a “revitalização do centro”, em que a
informalidade é constantemente associada ao crime organizado. O combate ao
trabalhador informal não passa perto da raiz dos problemas apontados contrabando,
pirataria, exploração etc. –, sendo uma forma de limpeza social do espaço do centro que
atende a expectativas de determinados grupos. Mais interessante seria tentar entender
que há, por exemplo, uma demanda por serviços específicos
63
, que esses serviços podem
ser desempenhados por ambulantes, e que é necessária sua regulamentação. Ao tentar
eliminar o conflito do espaço urbano, o pensamento mais simplista elimina quaisquer
possibilidades de um avanço rumo a sua democratização.
ESPAÇOS “NÃO-OFICIAIS”
Além dos espaços livresblicos tradicionais, apresentados em item anterior,
o trabalho de campo desenvolvido no percurso desta dissertação revelou algumas
formas de apropriação espacial em que se percebe grande liberdade por parte de
determinados grupos, que definem suas áreas de convívio independente de uma
destinação específica. Ao transgredir no uso original desses espaços, dotando-lhes de
qualidades não previstas e subvertendo o entendimento pretensamente racional da
cidade, alguns grupos ou indivíduos acabam dando pistas para uma compreensão mais
precisa do que se acostumou chamar “apropriação do espaço”.
Sem a pretensão de encerrar a generalidade e a pluralidade desses espaços nos
distritos pesquisados o que seria inclusive uma temeridade, tendo em vista que uma
das características dessa “apropriação transgressora” é também ser transitória
63
“As inúmeras repartições, incluídas aquelas de atendimento público, promovem um fluxo de pedestres pelo
centro que atrai um diferente perfil de trabalhador informal – aquele que presta serviço aos transeuntes à
procura de informações sobre a burocracia pública: venda de manuais de concurso público, fotos para
documentos, preenchimentos de formulários etc. Percebe-se que há uma enorme demanda por este tipo de
prestação de serviços imediatos ao usuário destes órgãos públicos, cuja burocracia e lentidão dificultam a
compreensão dos processos.”
(ITIKAWA in COMIN; SOMEKH, 2004, p.346)
78
apresentamos alguns espaços nos quais que se revelaram apropriações com algum
interesse
64
. Estudos como os realizados pelo NAU/Núcleo de Antropologia Urbana
(MAGNANI, 2005) apresentam as faces dos “circuitos de jovens”, em que a ocupação
espacial de alguns grupos se dá em função de fatores muitas vezes subjetivos e alheios a
determinações de âmbito urbano. Em outros casos, é nítida a influência de dados
urbanos, como nos encontros do movimento hip-hop ambientados durante a década de
80 no Largo de São Bento. Os históricos encontroso cantados hoje em letras de
músicos profissionais, surgidos nas rodas formadas também por dançarinos de break e
grafiteiros, e tinham na referência geográfica e no fácil acesso por metrô e ônibus um
fator de agregação de jovens dos quatro cantos de São Paulo. Após anos de encontro no
Largo, esses grupos se dispersaram, tendo outros pontos de encontro – como a Galeria
do Rock ou o Metrô São Judas demonstrando a fugacidade dessa relação entre a
apropriação coletiva de determinados espaços. Outro exemplo analisado por
pesquisadores do NAU, os pichadores também fazem do centro seu ponto de encontro
principal devido à facilidade geográfica.
“O material que utilizam é comprado na galeria da rua 24 de
Maio, conhecido espaço de encontro de muitos grupos e membros das mais
diversas “cenas” dos jovens.(...) O melhor lugar para pichar, segundo eles, é
o centro da cidade, porque por passam pichadores de todas as regiões:
“dá mais ibope”, dizem. A sociabilidade desses jovens começa no bairro
mais precisamente na “quebrada”, recorte algo similar ao pedaço e se
estende por toda a cidade, em diferentes trajetos.” (MAGNANI, 2005,
p. 197)
Alguns espaços públicos, e não livres, apresentam também alto grau de
apropriação. Um caso interessante é o espaço criado no térreo da Galeria Olido. Situado
na base do edifício reformado para abrigar repartições municipais, um espaço de uso
múltiplo recebe diariamente centenas de jovens, adultos e idosos em aulas e prática de
64
Note-se aqui que este trabalho de campo tem caráter estritamente empírico, a partir da observação em
campo, sem uma metodologia de abordagem específica. A partir de idas a campo e do preenchimento de
fichas para verificação dos espaços “formais”, foram-se revelando outras formas de apropriação, de espaços
muitas vezes privados, e outras vezes “não-livres”; a forma de apropriação desses espaços, no entanto,
muitas vezes revelam um sentido de apropriação pública.
79
danças variadas. As “Vitrines da Dança”, como é conhecido o local, acabam chamando
a atenção de pedestres, que não raro se aglomeram para observar o desempenho dos
usuários do espaço. Apesar do ambiente rigidamente controlado, criou-se no térreo da
galeria espaço interessante de contato entre poder-público e população, que tem ainda à
disposição serviço de internet e computadores da Prefeitura.
espaços em que ocasionalmente eventos privados tomam dimensão
pública. No entorno da Praça Roosevelt há alguns exemplos. Aos sábados, uma roda de
samba tradicionalmente feita em botequim junto à Rua João Guimarães Rosa passou a
atrair um número cada vez maior de freqüentadores. A rua é praticamente fechada pelos
freqüentadores, que fazem uso também das calçadas próximas. Do outro lado da praça,
um grupo teatral e alguns bares transformaram consideravelmente o perfil do seu
entorno. Antes uma zona escura e com intensa atividade de prostituição, após a abertura
de duas pequenas salas de teatro e de alguns bares teve seu perfil bastante alterado. À
noite percebe-se agora intenso uso de suas calçadas e mesmo da praça, por
freqüentadores dos teatros e bares, e mesmo por grupos atraídos pelo movimento.
Outro exemplo que perdura ao longo das décadas é a Galeria do Rock,
encravada entre a Rua 24 de Maio e a Avenida São João, o espaço é ponto de encontro
diário, durante toda a semana de diversas tribos urbanas, reunindo roqueiros, grafiteiros,
punks, rappers, skatistas, entre outros. A atração das lojas e serviços é evidente, no
entanto a galeria é também ponto de encontro, em que diversos desses grupos se
reúnem em determinados dias, independente de usarem ou não os estabelecimentos
comerciais. Alguns desses grupos fazem uso de outras áreas do centro, como o Largo de
São Bento ou a Praça Roosevelt, para encontros eventuais, mas a galeria segue sendo o
principal ponto de encontro.
Outro amplo espaço utilizado por moradores da região tem origem na
precariedade da intervenção viária de grandes proporções. O Elevado Costa e Silva
serve de espaço de lazer a partir do seu fechamento noturno, deflagrado em função do
desconforto que causava aos imóveis vizinhos. Da mesma forma, porém com uso
pouco mais intenso, o “minhocão” é liberado aos domingos. No entanto, e apesar de
servir como um amplo espaço de uso esporádico, os prejuízos ambientais decorrentes
de sua existência são imensamente mais graves que os benefícios que seu uso noturno
podem trazer. A intensidade de uso durante as noites é relativamente baixa; aos
domingos representa, mesmo que em más condições de acesso e na ausência de
80
quaisquer equipamentos, não mais que um amplo espaço livre.
O Mercado Municipal, muito mais do que o próprio mercado, é pólo de uma
série de equipamentos voltados ao abastecimento. Outros pequenos mercados se
formaram ao seu redor, havendo uma intensa atividade de estabelecimentos e bancas de
rua voltadas à alimentação e venda de produtos. Próxima ao mercado, a Rua 25 de
Março, a Galeria Pajé e arredores aglutinam uma das maiores concentrações comerciais
da capital, à qual se interligam diversos outros serviços. O movimento de rua nessa área,
sobretudo na proximidade de festas de fim de ano, é intenso
65
. Em diversas outras áreas
a rua tem um uso intenso, relacionado a atividades comerciais, além dos calçadões;
como a Santa Ifigênia, a Florêncio de Abreu,
Andando pelas ruas do centro histórico é fácil nos depararmos com situações
inusitadas de uso comunitário de áreas privadas. Alguns edifícios ou conjuntos se abrem
para as calçadas, permitindo o uso de miolos de quadras. Um exemplo dessa ocupação
está no térreo do edifício Copan. Implantado de forma inusitada, esse edifício tem
conexões interessantes, como a passagem coberta para a Avenida São Luis. O
aproveitamento do térreo do edifício, e de sua extensão em largas calçadas, é feito por
moradores do edifício e do entorno; a prática de futebol por crianças e jovens é também
comum, apesar do terreno pouco favorável. Outra interessante forma de ocupação de
miolo de quadra é verificado nas vilas que sobreviveram, em alguns casos apenas em seu
traçado em outros integralmente, do processo de verticalização, caso da Vila dos
Ingleses ou da Vila Suiça. Além das vilas, em algumas áreas os espaços livres das vielas
tornam-se os únicos passíveis de apropriação pelos moradores, e nelas são vistas
constantemente crianças brincando durante o dia; é o caso da seqüência de travessas da
Rua dos Estudantes, no complexo de cortiços da Baixada do Glicério, do Beco dos
Aflitos, na Liberdade, dos fundos da Rua Basílio da Gama, na República, e das pequenas
Ruas do Carmo e Alcides Bezerra, no baixio entre a Praça Clóvis e a Rua Tabatingüera.
Em todos esses espaços é comum ainda hoje a rua tomar corpo de cancha de futebol,
suprindo a inexistência de quadras nas proximidades.
A apropriação de espaços residuais, resultantes de intervenções viárias
desastrosas em nível local também é constante. Um caso interessante é a academia de
boxe instalada sob o viaduto do Café, na região da Bela Vista. Criada por um ex-lutador,
65
“Na quarta-feira (20) (...) De acordo com estimativas da GCM (Guarda Civil Metropolitana), que tem câmeras
na região para ajudar no policiamento e fiscalização de ambulantes, somente entre as 8h e as 12h30, mais de
500 mil pessoas haviam passado pela região.”
(F.S.P., 21-12-2006).
81
a academia ganhou apoio da Prefeitura, que permitiu o uso do espaço, hoje servindo de
centro de treinamento a centenas de jovens carentes e aberto diuturnamente durante
toda a semana. Além da estrutura improvisada de centro de treinamento, o espaço sob o
viaduto conta com uma pequena biblioteca ao ar livre, utilizada por freqüentadores e
crianças das redondezas. Nesse caso, o aproveitamento desse espaço é altamente
positivo, além de garantir um fluxo constante de pessoas pelo local, ganhou rapidamente
a simpatia da vizinhança, que apóia as atividades. Com iluminação e fluxo constantes, a
academia deu vida a um espaço residual anteriormente abandonado.
Na baixada do Glicério, o os espaços resultantes do elevado da Radial Leste-
Oeste atende moradores de rua e catadores. Nesse caso, apesar de servir ao interesse
desses trabalhadores, um alto nível de degradação ambiental. O espaço necessário
para armazenamento e separação do material reciclável acaba sendo prejudicado com o
acumulo de detritos. Apesar de garantir o sustendo de diversos moradores de albergues
e cortiços da região, a luta dos moradores do entorno pela retirada da atividade é um
empecilho para um aproveitamento mais permanente do local. Estudos de adaptação
das atividades, com menos prejuízo ao ambiente foram realizados; no entanto, a atual
administração da subprefeitura demonstrou sua preferência pelo fim da atividade no
local.
Outros espaços, contíguos aos viadutos da ‘rótula central’, Dona Paulina, 9 de
Julho e Jacareí, apesar de deterioradosm algum tratamento paisagístico-arquitetônico,
porém a eles não correspondem usos específicos. As ligações por escadarias e platôs,
entre os diferentes níveis, são pouco utilizados. Percebe-se certo temor da população em
utilizar esses espaços, sobretudo à noite, pois são pontos aos quais se atribui certa
sensação de insegurança.
Diversas outras formas de encontro e ocupação no ‘espaço de domínio público’
(MAGNANI, 2005) poderiam ser descritas; outras incursões a campo com objetivo
semelhante poderiam revelar apropriações surpreendentes. Não foram citadas aqui, por
exemplo, festas tradicionais de rua, encontros religiosos, ensaios de escolas de samba,
espetáculos ao ar livre, comícios, manifestações políticas, entre outros. Diversos estudos
têm tratado especificamente do tema
66
, analisando as manifestações públicas no espaço
urbano, com especial atenção ao sentido de ‘festa’, tão caro a Lefebvre. Nesses e em
66
Podemos citar, por exemplo: ALVES (1999); FRÚGOLI JR. (1995); CARLOS (2004).
82
outros trabalhos, espaços como o Vale do Anhangabaú ou a Praça da Sé são focados,
dada a sua vocação gregária e o histórico de manifestações.
Por outro lado, este trabalho de reconhecimento em campo das mais diversas
formas de uso e ocupação do espaço urbano vem confrontar uma distinção absoluta
entre espaço público x espaço privado. CitandoQuando a rua vira casa, a apropriação de
espaços de uso coletivo em um centro de bairro”, de Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Magnani
relativiza tal distinção, dando preferência à discussão sobre o ‘domínio público’ do espaço
urbano.
“Diferentemente do que muitas vezes ocorre em análises nas quais
a oposição público versus privado é tomada como princípio classificatório,
não se pode reduzir as diferentes formas de suas destinações e ocupações
com base nessa dicotomia, como se ela operasse de forma unívoca: na
realidade, tanto um como outro termo apresentam nuanças e modulações.”
(MAGNANI, 2005, p. 202)
Magnani defende ainda a necessidade de novas classificações, resultantes da
observação de novos cenários de ação e vida públicas. Para além das visões consolidadas
sobretudo por Marshall Berman
67
e Jane Jacobs
68
– o autor sugere que na sociedade
contemporânea, em metrópoles como São Paulo, os grupos sociais criam, conforme
suas necessidades “diferentes versões da ‘rua’ como suporte do atributo ‘público’” (MAGNANI,
2005, p. 203). Dessa forma o antropólogo parte para a identificação dos percursos de
grupos específicos, para assim definir novas concepções de uso público do espaço.
Trata-se de estratégia de pesquisa antropológica, que pode, apesar da diferença de
enfoque, trazer contribuições importantes para a análise de fenômenos urbanos. Ao
observarmos a apropriação do espaço sob a ótica do urbanismo, nuanças como as
colocadas podem ajudar no estabelecimento de critérios menos rígidos para a definição
desses cenários de “exercício da cidadania, das práticas urbanas e dos rituais da vida pública”
(MAGNANI, 2002, p. 15).
Para além do espaço da rua e dos aqui classificados, na falta de melhor
definição, “espaços oficiais”, devemos trazer para a prática dos estudos urbanos e, por
67
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
68
JACOBS (2000).
83
conseguinte, dos estudos do habitat, as conquistas de campos teóricos diversos como a
geografia e a antropologia urbana; sendo assim, justificam-se as abordagens que
extrapolam os conceitos tradicionais de espaço, sendo conveniente a incorporação de
dados subjetivos de observação. Espera-se assim completar um ciclo de análise, iniciado
com a conceituação teórica sobre os “espaços livres públicos”, em que não são mais
suficientes as definições centradas em dados meramente urbanísticos.
4.2. ANÁLISE SÓCIO-ESPACIAL
DOS ESPAÇOS PÚBLICOS CENTRAIS
HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DOS
ESPAÇOS PÚBLICOS CENTRAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
A abordagem propositadamente superficial que se pretende aqui realizar, da
produção dos “espaços oficiais” citados no capítulo anterior, deve apresentar as
alterações mais significativas nas relações entre a cidade e seus habitantes ao longo dos
anos: as diversas alterações sofridas pelo espaço central metropolitano, desde sua fase
inicial às intervenções sanitaristas do início do século XX, culminando com a sua perda
de influência no contexto do espaço terciário e recentes iniciativas de “requalificação”.
Tais alterações podem dar algumas pistas sobre a forma como o espaço livre público é
tratado ao longo dos anos, e como a sua produção pode ser influenciada pelas diferentes
correntes ideológicas que dominaram o pensamento urbanístico ao longo do último
século.
Após longo período em que a capital paulista se manteve restrita ao triângulo
formado entre os conventos de São Francisco, do Carmo e o Mosteiro de São Bento, na
sua conformação original em acrópole, o crescimento populacional ao fim dos
oitocentos exigiria a expansão de seus limites.
“No alvorecer da metrópole paulistana, não faltou presunção para
tentar transformar o retraído burgo de taipa de pilão num centro
cosmopolita, em cujas artérias pulsava a riqueza do café. (...) Com o
84
desenvolvimento da cultura do café no último quartel do século XIX, o
Estado de São Paulo conheceu um crescimento que em poucas décadas o
transformaria na mais importante unidade econômica e política da
federação. Em 1874, a cidade de São Paulo tinha uma população de
apenas 23.253 habitantes; em 1886 esse número ascenderia a 44.033. O
censo de 1900 acusou uma população cinco vezes superior, de 239.820
habitantes.” (SEGAWA, 2000, p. 15).
O crescimento econômico e urbano da capital no final do século XIX, com o
sucesso da produção cafeeira no interior, a ampliação da malha ferroviária e a atração de
imigrantes, além dos investimentos crescentes na industrialização, estimularam a elite
paulistana a transformar a antiga vila colonial, incorporando elementos necessários para
a transformação em uma capital que espelhasse seus anseios de prosperidade. Sob
influência da onda higienista que varreu capitais européias décadas antes, e que havia
aportado na capital federal, incorporadores e o poder público passam a debater planos
urbanísticos que traduzissem a modernidade pretendida. É necessário ressaltar o papel
da iniciativa privada na produção da cidade desde essa época: os incorporadores
imobiliários já eram responsáveis por grande parte dos empreendimentos e por parte da
infra-estrutura, o papel do poder público à época se resumia a garantir as condições
necessárias para o livre desenvolvimento das ações desses empreendedores. Em um
cenário de confusão entre as esferas pública e privada - em que os interesses desta se
refletem nas ações daquela - os diversos planos modernizadores que foram apresentados
e debatidos no início do século XX de alguma forma refletiam os interesses dos grupos
dominantes. A leitura dos planos de Silva Telles (1906), Alexandre de Albuquerque
(1910), Victor da Silva Freire e Eugenio Guilhem (1910), Samuel das Neves (1911), e a
proposta de Bouvard (1911)
69
, que daria as bases para as reformas a serem efetivamente
realizadas, sobretudo em relação à criação dos Parques Anhangabaú e Dom Pedro II, dá
uma idéia de como os interesses das elites locais são transformadas rapidamente em
bandeira da intervenção pública. O caráter segregador dos planos explicita a intimidade
entre poder público e o setor imobiliário, que projetava o crescimento da cidade
oficial, relegando para as margens de rios, das ferrovias e, sobretudo, para o vetor leste a
69
Os planos citados estão documentados em diversas fontes, dentre as quais se podem citar as consultadas:
SIMÕES JÚNIOR (1995); SEGAWA (2000); PORTA (2004).
85
ocupação das classes populares. Pode-se considerar que as bases por que a metrópole
viria a se consolidar no século XX se formaram nesse período, com a matriz do
espraiamento horizontal aliado à segregação periférica das classes populares.
Em todas as manifestações do urbanismo moderno que se delineavam, o
espaço público assume importância vital, como espaço de lazer para a elite cafeeira
nos boulevares e parques propostos e como espaço de realização da vida urbana
moderna. A simbiose entre os interesses da elite cafeeira e aqueles expressos nos planos
urbanísticos não deixa dúvidas quanto à destinação das ruas e praças do centro de São
Paulo. Às classes populares não é oferecida alternativa, uma vez que também a
valorização imobiliária estava por trás das ações de qualificação do centro urbano. Resta
a essa camada da população a ocupação das franjas urbanas do desenvolvimento.
“As transformações no espaço e no uso no centro eram também
fundamentais para criar condições de maior rentabilidade para o
investimento imobiliário e se articulavam com os objetivos da política
sanitarista, no sentido de evitar as habitações populares, necessariamente
precárias. Além das medidas legais e das demolições, a simples valorização
iria permitir ao mercado controlar o tipo de moradores das áreas centrais,
pela sua capacidade de pagamento.” (SILVA, 2000, p. 05).
Alguns frutos do esforço para construção de uma nova capital no início do
século XX foram relativamente preservados. Malgrado as diversas transformações por
que esses espaços passaram, exemplos como a Praça da República, o Parque da Luz,
Praça do Patriarca e os espaçosblicos que ajudaram a configurar o triângulo
tradicional formado pelas atuais Ruas Quinze de Novembro, Direita e São Bento
restam hoje como testemunhos do que se projetou àquela época como os espaços do
convívio público.
Outros espaços resultam do audacioso plano de Prestes Maia, elaborado em
1929 e executado parcialmente a partir do final dos anos 30. A proposta definia uma
nova forma de evolução da mancha urbana, que dava sinais de saturação. O sistema
proposto, baseado em anéis concêntricos e avenidas radiais e perimetrais, buscava
atender às demandas do crescimento desordenado a partir de uma matriz rodoviarista,
86
com monumentalidade na proposição de grandes equipamentos públicos, alteração dos
padrões de ocupação urbana e com a criação de interligações entre espaços distantes da
cidade. Além das soluções de caráter viário, o Plano de Avenidas
70
acabou consolidando
também diversos espaços de convívio. O plano aponta também outra realidade acerca
da liderança do processo de renovação urbana; sob o cenário político do Estado Novo,
e à luz da forte atuação estatal em grandes intervenções urbanas na Europa, sobretudo
no pós-guerra, o Estado passa a ser o provedor dos grandes melhoramentos
urbanísticos. Intervenções de vulto, visando impulsionar o crescimento horizontal da
cidade e implantar uma rede consistente de transporte coletivo, pretendiam também
desafogar a área central e solucionar a demanda por moradia, com a ocupação de bairros
periféricos.
Sem alterar substancialmente a tendência segregadora do crescimento
paulistano, o desenvolvimento urbano resultante do plano de Prestes Maia acabaria por
agravar a tendência à periferização das classes populares. A criação de grandes
corredores viários propiciaria também a possibilidade de as elites se afastarem do centro
geográfico da cidade, que nesse momento tende a tornar-se centro terciário, com
grande oferta de comércio e serviços e redução de população residente. As reformas
resultantes do Plano de Avenidas conferem aos espaços livres centrais um caráter de
centro de serviços, menos ligados ao contingente de moradores; da mesma forma, os
espaços livres públicos passam a responder à demanda de um centro de serviços,
configurando-se como espaços de passagem, ou espaços relacionados às estruturas de
transporte em implantação. O padrão rodoviarista adotado também impactaria os
espaços livres resultantes; dessa época datam alguns dos diversos espaços residuais de
grande porte, como encontramos hoje junto aos viadutos Jacareí, Dona Paulina e Nove
de Julho e às grandes avenidas alargadas no período. Diversas outras obras viriam a
consolidar, nas décadas seguintes, as propostas viárias do Plano de Avenidas de Prestes
Maia, com resultados ainda mais desastrosos a nível local, como o Elevado Costa e Silva
e a ligação leste-oeste.
Nas décadas de 50 e 60 inicia-se um processo de redução da importância do
centro histórico como pólo terciário, com a paulatina transferência de escritórios para a
região da Avenida Paulista. Esse processo, também característico da capital, de
70
O Plano de Avenidas tem seu escopo detalhado em MAIA (1930), além de análises e comentários em MAIA
(1945); LEME (1990); TOLEDO (1996).
87
constante transferência de sua centralidade terciária rumo ao quadrante sudoeste, pode
ser visto sob a lógica da influência do capital especulativo imobiliário sobre o
desenvolvimento urbano. Os resultados de tais ‘migrações’ são, entre outros, o
abandono de áreas ricas em infra-estrutura, a expulsão da população pobre para
periferias cada vez mais distante, ampliação das distâncias percorridas no interior da
metrópole e a criação de espaços homogêneos e monofuncionais, com custos sociais
gritantes, resultantes do investimento público na execução de obras de sustentação de
tal matriz
71
. No caso do centro histórico, o abandono da área pelo terciário de ponta
resultou automaticamente em aumento da oferta de imóveis, conseqüente rebaixamento
dos preços e, por conseguinte, na alteração do perfil dos serviços oferecidos. A
popularização do centro e o grande número de imóveis ociosos são reflexos desse
abandono pelas classes dominantes e pelo investimento público.
“Na última década o abandono da região pelos usuários de maior
renda tem favorecido sua ocupação por comércio e serviços dirigidos a uma
população de menor poder aquisitivo, configurando um novo perfil e outro
dinamismo para o centro histórico. Mas essa popularização da área
central, associada à nova dinamização econômica em alguns pontos, não
pode ser reduzida a um fenômeno de ocupação espontânea dos espaços
relegados pelos setores dominantes: também deriva, essencialmente, de
políticas e intervenções públicas, historicamente direcionadas no sentido de
favorecer o acesso à região por meio das redes e dos sistemas de transporte
coletivo.” (NAKANO; CAMPOS; ROLNIK, 2004, p. 134).
O abandono da região central também impactou o perfil de sua população
moradora. Além do relativo esvaziamento
72
, os imóveis ocupados estão muitas vezes em
alto grau de deterioração.
71
O tema é tratado com riqueza de detalhes em obras como: VILLAÇA (1999), FRÚGOLI JR. (2000), MARICATO
(2001) e FERREIRA (2003).
72
“Sabe-se que existem muitos edifícios vazios na área central, mas não há números precisos. No início de
1999, o Fórum de Cortiços tinha identificado cerca de 180 prédios de grandes dimensões inteiramente
desocupados. Matéria publicada na revista Veja, edição de 26/04/00, fala de 320 imóveis levantados pelo
conjunto dos movimentos que atuam na área central.”
(SILVA, 2000, p. 26).
88
“A permanência e talvez a volta da população mais pobre ao
centro tem sido possibilitada pela "deterioração" dessas áreas,
abandonadas pelas residências de classes médias e por outras atividades,
(...) por outro lado, se o custo da moradia no centro é muito mais alto, os
moradores evitam os gastos de transporte e o tempo perdido nos
deslocamentos para o emprego ou para as atividades informais que
proliferam nas ruas centrais.” (SILVA, 2000, p.09).
Apesar do esvaziamento habitacional, os investimentos em transporte de
massa continuaram tendo o centro como ponto de contato entre a zona leste da cidade
e as zonas sul e oeste. Com a construção do terminal Dom Pedro II ainda na década de
60, e com a sua consolidação na década de 90, configurou-se um sistema que atende
atualmente mais de 130.000 desembarques e 100.000 transferências por dia (NAKANO;
CAMPOS; ROLNIK, 2004, p. 136); também os terminais Bandeira e Princesa Isabel
seriam consolidados, com conexões com o sistema de Metrô e trens metropolitanos, em
que o centro desempenha um papel de imenso terminal de transbordo. A integração
entre os vários terminais não tem conexões claras, sendo em muitos casos necessário
um grande deslocamento a pé. Uma boa parte da movimentação diária entre os
terminais é feita pelo atual sistema de calçadões do centro histórico, implantado na
década de 70, com o intuito de compatibilizar a convivência entre pedestres e veículos.
Pode-se atribuir em parte a essa configuração a forte presença do comércio popular nas
ruas do centro
73
, que abastece ainda uma massa de trabalhadores ali instalada.
Em movimento de reação ao ‘abandono’ do centro metropolitano, diversas
entidades passam a lutar pela sua requalificação a partir dos anos 90. Em 1991 é fundada
a Associação Viva o Centro (AVC), que congregaria os interesses de entidades e
empresas sediadas ou vinculadas ao Centro de São Paulo. Outras entidades abrigariam
movimentos sociais distintos, com interesses muitas vezes conflitantes com aqueles
representados pelo setor empresarial, sobretudo os movimentos de moradia, visando a
garantia de sua manutenção e a ampliação dos recursos para reabilitação de imóveis
ociosos.
73
“A macro e a micro organização do sistema de transporte coletivo condiciona os fluxos de pedestres no
centro histórico e induz à ocupação da economia informal nos espaços públicos. Isso, por sua vez, acentua a
fuga das camadas dominantes e a desvalorizão imobiliária, realimentando o processo.”
(NAKANO; CAMPOS;
ROLNIK, 2004, p. 138).
89
O debate pela forma de intervenção no centro histórico, com os rumos do
investimento público
74
, tem sido feito em âmbito municipal. Em um primeiro momento
as iniciativas públicas pela requalificação foram de âmbito legal, com iniciativas de
incentivo ao investimento imobilrio pelo setor privado, sobretudo com o advento das
operações urbanas Anhangabaú e Centro. Apesar dos incentivos previstos pela O.U.
Centro – como a possibilidade da transferência de potencial construtivo para os imóveis
tombados, outorga de potencial construtivo em função de remembramentos de lotes,
bônus de potencial construtivo mediante doação de área pública, e a dispensa de
estacionamentos e outras exigências para a implantação de equipamentos culturais e de
lazer (NAKANO; CAMPOS; ROLNIK, 2004, p. 143) seu principal resultado foi a
aquisição de potencial para construção em áreas atraentes ao setor imobiliário. Ao não
contentar os interesses referentes à qualificação dos espaços públicos, a O.U.C. acaba
não logrando em seu objetivo de captação de recursos para reversão do seu processo de
deterioração. Outras tentativas de alteração na forma dos incentivos à promoção
imobiliária foram colocados em vigor a partir da aprovação do Plano Diretor
Estratégico (PMSP, 2004), sobretudo em relação a instrumentos como a outorga
onerosa do direito de construir, a revisão do zoneamento e as zonas especiais de
interesse social, além de novas operações urbanas; porém seus resultados ainda não são
mensuráveis.
Além dos instrumentos de incentivo à iniciativa privada, o poder público tem
tomado a frente em alguns projetos específico. A essas iniciativas corresponde também
um acirramento das contradições entre os objetivos dos diversos atores envolvidos, em
que o poder público tem desempenhado movimentos diversos, no sentido de satisfazer
os interesses em jogo. A alternância no poder de grupos políticos mais ou menos
favoráveis às ações de elitização da região tem contribuído para a ampliação do debate.
Um exemplo visível é o movimento da gestão 2005-2008, na direção da abertura de
alguns calçadões, antiga reivindicação da AVC, visando ampliar a acessibilidade de
automóveis nos calçadões.
Na disputa pelo direcionamento dos recursos destinados à melhoria das
condições urbanísticas da região é notável também o exemplo do Programa Ação
Centro. Responsável pela gestão de empréstimo tomado junto ao Banco Interamericano
74
Entre as diversas publicações que tratam do assunto, destacamos especialmente FRÚGOLI JR (2000) e
Associação Viva o Centro (1996).
90
de Desenvolvimento (BID) ao fim da gestão 2001-2004, o programa incrementaria
ações de reabilitação urbana inclusivas como o PRIH
75
, mas seu caráter tem sido
paulatinamente modificado. A alteração no processo de sua condução, que saiu das
mãos da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) para a Empresa Municipal de
Urbanização (EMURB), e o esvaziamento de seu Conselho pelo poder público
municipal são apontados
76
como alguns dos exemplos de inflexão nas políticas a serem
implantadas pelo Programa. Outro fator a ser considerado é a própria visão do BID
sobre a forma de aplicação de seus recursos
77
. Ao estabelecer, em comum acordo com a
prefeitura, limites ao investimento em habitação social, o BID acentua a intenção de não
patrocinar o repovoamento do centro
78
.
DESTINAÇÃO OFICIAL VS APROPRIAÇÃO PÚBLICA:
DESAFIOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS
Os investimentos do poder municipal na qualificação urbana da região têm se
resumido a um programa de zeladoria urbana, à reforma de pisos e uniformização de
calçadas, à abertura de calçadões e às reformas de algumas praças. O caráter
preservacionista das intervenções em praças, sobretudo nos projetos das Praças da Sé e
da República, em que se alardeia o retorno do desenho original da praça
79
, faz crer que
se mantém o ideal nostálgico pregado pela AVC. O interesse na reforma de praças e
monumentos, visando a consolidação de um patrimônio que colabore com a intenção
de alterar o perfil de seus usuários, parece partir de uma projeção de vida urbana que
não corresponde à atual realidade. Ao perspectivas ilustrativas dos projetos citados não
75
O Programa Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat (PRIH) terá uma descrição um pouco
detalhada no capítulo seguinte.
76
COMARÚ; CYMBALISTA; SUTTI; TEIXEIRA (2005, p.20).
77
Uma análise detalhada do grau de interferência do BID nas ações urbanísticas patrocinadas, consultar
ARANTES, 2004.
78
“(...) o embate entre técnicos da prefeitura de São Paulo e do banco teve como principal ponto de discórdia
a questão habitacional e, especificamente, o programa de ‘locação social’ destinado à população de baixa
renda”
(Arantes, 2004, p. 150).
79
“A Praça da República, uma das mais nobres áreas verdes da região central de São Paulo, está passando
por reformas. Quando for entregue renovada, em 2007, estará muito parecida com seu traçado original, de
1905. A praça voltará a ser um local de convívio, aberto ao descanso e lazer da comunidade.”
(Prefeitura do Município de São Paulo.
Praça da República: Requalificação da Paisagem Urbana
. [online]
Disponível na Internet via WWW. URL: http://centrosp.prefeitura.sp.gov.br/projetos/republica.php. Arquivo
capturado em 21/12/2006).
91
incorporam a densidade e a intensidade inerentes a esses espaços. A projeção de
realidades distintas, características da apresentação de projetos arquitetônicos, também
aparece nos projetos de reabilitação e conversão de antigos edifícios em equipamentos
culturais
80
.
Em relação ao uso do espaço público, mantêm-se atualmente a tensão entre os
interesses de comerciantes estabelecidos na região central e os ambulantes, com
intensificação da fiscalização e da repressão policial, conforme descrito detalhadamente
em ITIKAWA (2005). Seguindo interesses descritos, foram abertos os calçadões da
Rua 7 de Abril e das Ruas 24 de Maio e D. José de Barros. Apesar das justificativas
apresentadas para a alteração, a população continua utilizando-as como ruas de
pedestres; percebe-se nitidamente que as modificações não foram absorvidas pelos
usuários, uma vez que as exíguas calçadas criadas não comportam a população que
diariamente circula pela região.
Outro caso de descompasso entre a ação pública e a apropriação efetiva pela
população é a reforma recente da Praça do Patriarca. Com seu projeto financiado pela
AVC, a praça deixou de ser terminal de ônibus, que passaram a fazer ponto final em
ruas laterais, em um exemplo de desarticulação entre as ações da EMURB e da
Secretaria Municipal de Transportes, e passou a compor o sistema de calçadões do
centro histórico. Como elemento marcante na paisagem, um portal/cobertura de acesso
à Galeria Prestes Maia. É interessante notar que a Galeria é fruto de reforma anterior na
Praça do Patriarca, em que servia de ligação com a antiga Avenida Anhangabaú e era
dotada de instituições públicas administrativas, sanitários e serviços técnicos. A
interligação perdeu seu sentido com a construção da grande laje do Anhangabaú, e foi
sendo abandonada até seu fechamento no início dos anos 90. Com a reforma da praça,
recuperou-se a Galeria, com alteração de sua função original, passando a abrigar filial do
Museu de Arte de São Paulo. No entanto, a galeria parece aguardar uma vocação que
não se confirma.
Com o propósito de criar uma ‘Broadway paulistana’ (Associação Viva o Centro,
2002), a AVC espera criar um sistema de espaços culturais que dêem conta do
estabelecimento de uma vocação perdida do centro, que incluiria ainda, além do Centro
Cultural Banco do Brasil e Centro Cultural dos Correios que teve seu projeto
abandonado teatros, cinemas, outros centros culturais e de exposições. O poder
80
Ver BOTELHO; FREIRE (2004).
92
público, sobretudo o governo do Estado, tem feito sua parte, garantindo através de
parcerias a conversão em espaços culturais da Estação da Luz, da Pinacoteca do Estado,
do antigo DOPS, do Teatro São Pedro, da Escola de Música Tom Jobim e da Estação
Julio Prestes. Apesar de não ser ponto central desta dissertação, vale ressaltar que a
conversão em instituição cultural de imóveis de valor histórico
81
faz parte da cartilha do
planejamento estratégico, sendo um dos pontos chaves da chamada “acupuntura
urbana”
82
. A estratégia tem tido continuidade, tendo inclusive o autor citado sido
convocado a prestar consultoria no desenvolvimento do Projeto de Integração
Urbanística Nova Luz.
“Aos 67 anos, sem pretensões eleitorais, Jaime Lerner, renomado
mundialmente devido às experiências que desenvolveu em Curitiba, resolveu
dedicar-se ao prazer do que batizou de acupuntura urbana:o pequenas
intervenções num ponto da cidade, que, como uma agulha espetada no
corpo, tenham efeitos "terapêuticos". (...) Um dos projetos que mais o
seduzem, neste momento, é colocar uma "agulha" na infeccionada
"cracolândia", o apelido do bairro da Luz, em São Paulo. Com apoio de
oito grandes construtoras, desenhou um plano para fazer daquele bairro
uma espécie de incubadora de artistas e de empresas de tecnologia da
informação. ‘Raras vezes vi um lugar tão propício para fascinar toda uma
cidade’”. (F.S.P., 15-11-2006).
81
O instrumento é abordado com riqueza de detalhes enquanto ferramenta de transformação do perfil social
nas áreas em que é adotado em ARANTES; MARICATO; VAINER (2000) e em WISNIK; FIX; LEITE; ANDRADE;
ARANTES (2000), de cujo epílogo podemos citar (ao tratar especificamente da conversão de trecho da
Estação Julio Prestes em sala de concertos):
“A reintegração de posse do Centro parece colocar as coisas no seu devido
lugar. O ‘efeito dominó’ anunciado pelo secretário estadual da cultura vai, aos
poucos, tentando varrer do mapa os personagens invisíveis, os que devem ficar
ausentes dessa história. As metáforas do balé da reconquista não são
suficientes para mascarar a violência da derrubada de cada ‘peça’, mediante a
‘combinação de operação policial’ e ‘cultural’. A reintegração de posse exige a
saída daqueles que “indevidamente” ocuparam o Centro, durante os anos em
que a elite estava mais interessada nos novos bairros exclusivos do setor
sudoeste da cidade."
(p. 12)
82
LERNER (2003).
93
Com o propósito de dar continuidade às ações na região da “cracolândia”, o
Nova Luz pretende garantir aos investidores imobiliários incentivos fiscais na
recuperação de seus imóveis. Ao mesmo tempo, algumas parcerias estão sendo
delineadas, com intuito de garantir a requalificação da área de acordo com um Plano
Urbanístico pré-definido, facilitar a aprovação de grandes projetos na região e garantir
recursos privados para as intervenções. Ao mesmo tempo a prefeitura deve aplicar na
região boa parte dos recursos do empréstimo junto ao BID, visando desenvolver alguns
projetos que teriam “(...) ’efeito demonstração’, que possa acenar ao setor privado com um horizonte
diferenciado para a realização de investimentos”
83
.
A estratégia por trás do Projeto de Integração Urbanística Nova Luz constitui
mais um capítulo no histórico de parcerias público-privadas que tem caracterizado boa
parte das administrações municipais em São Paulo; como em casos anteriores, as
parcerias se configuram pela atuação do poder público e dinheiro público na
viabilização dos empreendimentos e pela participação da iniciativa privada nas rentáveis
operações imobiliárias garantidas por instrumentos muito bem definidos.
Além do projeto Nova Luz, diversos outros balões de ensaio foram lançados,
com grande destaque para os grandes espaços públicos envolvidos. É o caso do projeto
do Parque Dom Pedro II, que tem tido sua reforma protelada ao longo dos anos. Com a
expectativa de conseguir inaugurar o Expresso Tiradentes antigo “Fura-fila”, em
construção há cerca de dez anos – e com a demolição dos edifícios Mercúrio e São Vito,
a prefeitura promete recriar o Parque Dom Pedro II, em ambicioso projeto paisagístico.
Outro projeto de grandes proporções seria a demolição do Elevado Costa e Silva. Em
concurso de idéias organizado pela prefeitura em 2006 foram apresentadas propostas de
demolição e requalificação do “minhocão”. O projeto vencedor previa a ‘canalização’
das pistas do minhocão, com a criação de amplo parque linear e equipamentos sobre o
elevado (E.S.P. 05-05-2006). A prefeitura não sinais de que pretende levar adiante o
projeto vencedor.
As propostas de grandes intervenções, com criação de áreas de grandes
proporções estão sempre freqüentando o debate sobre “requalificação” no espaço
central da metrópole. Essas propostas estão via de regra associadas a operações que as
viabilizem, e que muitas vezes são suas beneficiárias. A sua desconexão com o cotidiano
e com as comunidades podem gerar monstros urbanos, que serão posteriormente alvos
83
Prefeitura Prefeitura do Município de São Paulo (2006b).
94
de novas requalificações, sucessivamente. Diversos exemplos foram dados de
intervenções em que o espaço público serviu de apoio a obras vultosas, sobretudo obras
viárias, e que não resistem a um exame aproximado sobre seu usufruto pela população.
Ambos os exemplos citadoso grandes espaços resultantes de obras desastrosas; as
reformas anunciadas contêm caráter paliativo, visam solucionar problemas criados a
partir de grandes intervenções viárias.
Da mesma forma poderíamos citar o Parque do Anhangabaú, em verdade uma
laje sobre a avenida ‘canalizada’, que criou o grande espaço livre dos distritos em foco.
Com intervenções sucessivas, desde o plano de Bouvard até o projeto de Jorge Wilheim,
Rosa Kliass e equipe para a área vencedora de concurso na década de 80 o Parque
tem hoje a forma com que foi finalizado pela reforma empreendida durante a gestão
1989-92. O Parque tem sido alvo de intensos debates no campo
arquitetônico/paisagístico, tendo sido também alvo de projeto de reforma
patrocinado pela Associação Viva o Centro.
“Durante a campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo,
a Associação Viva o Centro apresentou dez propostas aos candidatos.
Uma delas que início a umarie de matérias na revista urbs
propõe a refuncionalização do Vale do Anhangabaú, com um projeto
inspirado nas ramblas de Barcelona. (...)A proposta é, sem perda
das características de pequeno parque central do Vale, restabelecer o
trânsito de veículos no local, junto aos edifícios, e criar uma rambla
contínua para o pedestre, na Avenida São João, entre o Largo do
Paissandu e a Rua Líbero Badaró. Cria-se assim um acesso adequado e
fácil ao Centro, facilita-se a circulação e a segurança do pedestre no Centro,
aumenta-se a segurança à noite, viabiliza-se economicamente o Vale e
desobstrui-se o coração da Cidade. Com isso o Centro poderá se consolidar
como âncora das atividades ligadas ao turismo, lazer, cultura e
entretenimento, altamente geradoras de emprego e renda.” (Associação
Viva o Centro, 2005a. grifo nosso).
O debate a partir da proposta da AVC tem se dado sobre o foco rodoviarista
95
da proposta, que busca garantir fácil acesso a alguns edifícios e a estabelecimentos
comerciais da região, incorporando o discurso corrente nas propostas da entidade, de
garantia de retorno para investidores que venham a se instalar na região. Com o intuito
de se adequar à demanda por edifícios facilmente acessíveis por automóvel, o discurso
da entidade junta referência às ramblas catalães e a defesa da primazia do transporte
individual no mesmo discurso. A liberação da ampla esplanada livre ao tráfego, sob
quaisquer alegações, deve ser analisada sob a ótica da diminuição dos espaços de
convívio da comunidade para o automóvel. No mais, as propostas de abertura ao
tráfego local apresentadas pela AVC se inserem no contexto das recentes intervenções
nos calçadões: do paulatino prejuízo ao espaço dos pedestres em função da
acessibilidade por automóveis.
O autor do projeto implantado, Jorge Wilheim, admite a necessidade de
revisão de alguns dos espaços criados, desde que sem prejuízo dos usuários em favor da
abertura de vias. Sob a argumentação de que o parque tem sido aproveitado em vários
pontos, alega ainda que a apropriação se faz em diversos pontos e horários, de acordo
com a conveniência de seus usuários.
"Dependendo do autor, mais de um critério e definição de
espaço e de lugar. Costumo adotar o de que espaço é um conceito físico,
mensurável, uma micro-paisagem urbana definida; enquanto o lugar tem
uma conotação antropológica e psicológica. No caso do Anhanhabaú,
buscamos, no concurso, propor um espaço que resolvesse funcionalmente os
problemas existentes e que proporcionasse à população do centro a
oportunidade de adotá-lo como lugar.” (WILHEIM, 2006).
A observação do cotidiano do Parque corrobora essa análise, porém a partir de
uma visão mais ampla do espaço do parque, não restrita a pequenos espaços em suas
bordas, percebe-se que a grande maioria de sua área é muito pouco utilizada. À exceção
dos raros eventos, e de grupos de skatistas que fazem uso eventual de desníveis e platôs
criados, o espaço central é utilizado na maior parte do tempo como passagem,
sobretudo no seu encontro com a Avenida São João. A vocação de grande espaço de
encontro no centro metropolitano se realiza nos grandes eventos, e em casos específicos
96
também no seu uso cotidiano. A revisão das possibilidades de aproveitamento de seu
núcleo poderia potencializar a utilização do parque em toda a sua extensão.
A forma como são gerados esses grandes espaços, no campo estritamente
político, mereceria um estudo a parte. No que cabe a esta dissertação, fizemos algumas
referências específicas, visando contextualizar ações e projetos específicos, em que a
ausência da análise do seu imbricamento com interesses particulares, sobretudo
imobiliários, tornariam estéreis quaisquer conclusões.
POTENCIALIDADES
Frente aos problemas colocados, cabe levantar algumas questões relativas aos
espaços visitados, aos espaços construídos e à sua apropriação efetiva pela população.
Entre os “espaços oficiais” destacamos em análise anterior alguns em que se observam
sutis características, responsáveis por uma interessante apropriação, como no caso das
praças General Craveiro Lopes, Dom José Gaspar e Julio de Mesquita. Em ambas,
características tradicionais do desenho das praças são definidoras de espaços
amplamente utilizados pela comunidade que a circunda. No primeiro caso, ao ter uma
de suas faces ligada diretamente a um edifício de uso misto, a praça estabelece uma
relação de intimidade com o espaço construído do entorno; nesse caso uma
apropriação intensa, com manutenção e uso constantes pelos próprios moradores e
comerciantes da vizinhança. O efeito também é visível na Praça Dom José Gaspar, que
tem uma face bastante usada, justamente aquela ligada diretamente à Galeria Metrópole.
No caso da Praça Julio de Mesquita, a situação é semelhante, com a diferença de a
ligação não ser direta, mas intermediada por uma rua de baixíssimo movimento (Rua
Vitória). A comparação desses espaços com aqueles em que o sistema viário se faz mais
presente é substantiva: uma correlação direta entre a ausência de automóveis e a
presença de pessoas.
Outros exemplos são as ruas de baixo movimento, que se tornam espos de
lazer na ausência de veículos. O tema foi tratado de forma interessante em análise do
uso do espaço público na Baixada do Glicério
84
, área densamente encortiçada e com
84
LIMA; PALLAMIN; BARTALINI (2003).
97
carência de áreas de lazer. A pesquisa citada demonstrou como o espaço das ruas de
baixo movimento é tomado pela população, sobretudo nos fins de semana, que as
utilizam como seus únicos espaços de lazer possíveis. Apesar de apontar soluções para
os poucos espaços livres existentes, a pesquisa enfatizava o uso dos espaços da rua e sua
apropriação pela população moradora, em interessante abordagem que amplia os
horizontes do que se acostumou considerar como espaço de domínio público e suas
formas de apropriação.
A necessidade de se observar o cotidiano dos moradores e trabalhadores da
região, sobretudo em um ambiente de discussão do “repovoamento” do centro, é
urgente. Apreende-se da observação dos espaços “oficiais” que sua feição muito se
liga a uma vocação terciária, ignorando nuanças inerentes a espaços multifuncionais. A
ausência de quadras poliesportivas, em quaisquer espaços livres no centro da cidade, é
um exemplo e poderíamos dar muitos outros de como o espaço público tem sido
pensado na região como adereço urbano. Em diversos dos espaços analisados percebe-
se uma utilização dos espaços transgressora em relação à destinação original. É comum
a utilização de chafarizes como banhos, de escadarias e jardineiras como pistas de skate,
de ruas – ou qualquer porção retangular de piso plano – como campos de futebol, de
canteiros centrais como pistas de cooper, de viadutos como pontos de rappel, etc.
Não se sugere obviamente o atendimento de todas as demandas de lazer da
população, a criação de praças-playgrounds no centro da cidade; no entanto ao descartar os
usos mais corriqueiros e desejados o poder público mantém uma postura de isolamento,
criando espaços cada vez mais estéreis, visando uma apropriação incoerente com o
cotidiano de seus usuários. A sensibilidade para compreensão das formas de apropriação
é também uma tarefa para arquitetos, paisagistas e urbanistas, que devem se empenhar
mais e mais no entendimento das carências de cidadãos.
98
5.
INTERVENÇÕES HABITACIONAIS E URBANAS E A
QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
5.1.
TRÊS INTERVENÇÕES:
ESCOPO DAS POLÍTICAS E SEUS LIMITES
5.2.
ESPAÇOS DE LAZER RELACIONADOS
99
5. INTERVENÇÕES HABITACIONAIS E URBANAS
E A QUALIFICAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
Neste quinto capítulo serão abordadas três intervenções de caráter
habitacional e urbano, incluindo-se as obras de melhoria de infra-estrutura urbana,
implantação e requalificação de áreas de lazer, buscando abordar a moradia em seu
escopo mais amplo, do direito à cidade. Foram selecionadas três experiências recentes,
sendo apresentados de forma sucinta os escopos dos programas e projetos, com
descrição dos processos e análise de resultados. Em comum, todos se situam no centro
histórico da capital e integram políticas habitacionais que vão de encontro à tradicional
expulsão de população pobre para áreas periféricas.
O primeiro programa em foco é o PRIH (Perímetros de Reabilitação Integrada
do Habitat), uma tentativa inovadora de reabilitação urbana com ênfase na intervenção
em cortiços. Com forte apelo na participação comunitária, encontrou algumas
dificuldades para sua implantação, sendo praticamente abandonado com a mudança de
gestão municipal, em 2005
85
. Os outros dois exemplos analisados integram o Programa
de Arrendamento Residencial, da Caixa Economia Federal em convênio com a
Prefeitura Municipal. Sem contrapartida em espaços de lazer, esses projetos são
também, assim como o PRIH, estudados quanto à apropriação dos espaços livres do
entorno por seus beneficiários. Nessa segunda parte do capítulo são feitas análises a
partir de entrevistas com moradores e da observação do seu cotidiano; trata-se
especificamente dos espaços destinados ao lazer em cada uma das intervenções
mencionadas no item anterior. São descritas as formas de apropriação desses espaços
por seus usuários, em que pesem as mudanças no espaço construído e na vida cotidiana
da cidade. O usufruto da cidade é estudado, portanto, em sua escala mais aproximada,
sob o entendimento das questões mais amplas relativas à forma urbana, política e
dinâmica social.
85
As análises do PRIH foram feitas a partir de pesquisa bibliográfica e da minha própria experiência como
membro da equipe do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LABHAB), que em 2003 e 2004
foi responsável por consultoria e elaboração dos “Diagnósticos Participativos” nos perímetros Glicério e Brás.
100
5.1. TRÊS INTERVENÇÕES:
ESCOPO DAS POLÍTICAS E SEUS LIMITES
PERÍMETROS DE REABILITAÇÃO INTEGRADA DO HABITAT
O Programa Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat, descrito em
linhas gerais no capítulo 3, apesar de não lograr resultados palpáveis, à exceção da
reforma de uma praça no bairro da Luz, da mobilização social que propiciou e de alguns
estudos de viabilidade, pode ter o processo mais profundamente debatido em seu
escopo e limites. Em texto de ex-integrantes
86
do Escritório Antena são relatadas as
dificuldades para implementação do programa, sobretudo aquelas referentes à sua
inserção dentro das prioridades da gestão 2001-2004. Como já dito anteriormente,
houve além dessas dificuldades de cunho administrativo, problemas em relação à
definição de sua dotação orçamentária, que contribuiu para que fosse abortado com
relativa facilidade pela gestão seguinte. A proposta de se criar um novo modelo de
gestão participativa para políticas urbanas é tarefa extremamente árdua, os avanços
conseguidos com o programa devem ser tomados como lições a pautarem futuras
intervenções dessa natureza.
Ao relacionarem as dificuldades para implementação do projeto, os autores
apontam também a complexidade para montagem de uma equipe para o “Escritório
Antena”.
“A equipe contratada para compor o Escritório Antena do
PRIH Luz teve uma dimensão reduzida, pois, enquanto na proposta de
consolidação do Programa tinha sido indicada a contratação de sete
técnicos, na prática foram contratados para a equipe fixa apenas dois
técnicos e dois estagiários de arquitetura.
Para a realização dos trabalhos necessários à implementação do
Programa, a única solução institucional foi contratar assessorias técnicas ao
longo do processo. Se, aparentemente, essas contratações podem ser vistas
86
VITALE et alli (2006).
101
positivamente, por não acarretar inchamento da máquina pública, por
exemplo, vale a pena ressaltar que a dificuldade de garantir a continuidade
dessas contratações e a existência de grande rotatividade das equipes
representaram barreiras ao andamento do trabalho e à consolidação de
novas relações do poder público com a sociedade civil.” (VITALE et alli,
2006, p. 20).
A formação de um corpo técnico eficiente nesse caso teve um caráter de certa
forma excepcional. A generalização do programa provavelmente tornaria impossível a
manutenção, no corpo do executivo municipal, de equipes para cada Perímetro; de onde
apreende-se que seria necessário montar uma estratégia específica em relação à
formação dessas equipes, às parcerias a serem estabelecidas com assessorias técnicas e
demais profissionais envolvidos, assim como em relação à montagem de infra-estrutura
correspondente. O ensaio ocorrido, no dizer dos autores, teria ainda a importância de
criação de base metodológica, a partir da qual uma implementação integral do programa
poderia se dar.
“A definição das diretrizes de gestão urbana para os PRIHs
foi pensada como criação de uma referência metodológica que servisse de
base para a implementação dos outros perímetros na cidade de São Paulo e
também como material de contribuição ao debate acerca do processo de
transformação urbana e social nas áreas centrais de outras metrópoles
brasileiras.” (VITALE et alli, 2006, p. 14).
Além das questões de cunho administrativo, o programa enfrentou grande
dificuldade também em relação às intervenções em cortiços. O enfrentamento da
precariedade habitacional nos perímetros trabalhados é de uma complexidade tal que
seria necessário o amadurecimento do programa para que lograsse algum resultado
concreto. Na região do Glicério foram relacionados 102 cortiços (PMSP/SEHAB,
2004), além de pensões e moradias precárias. A esse levantamento soma-se um quadro
das “oportunidades imobiliárias” venda ou disponíveis para locação) e de “imóveis
para reforma urbana”, termo utilizado no levantamento para designar aqueles vazios ou
102
subutilizados. Com o cruzamento das informações coletadas nesse Levantamento
Físico-Territorial, pretendia-se elaborar, a partir de diretrizes traçadas em Plano
Integrado de Intervenção (PII), uma estratégia de negociação entre os atores envolvidos
no processo, de forma a utilizar instrumentos que garantissem a reabilitação de cortiços.
O projeto foi interrompido ainda na fase de elaboração do PII.
Quanto às metodologias testadas nas atividades de mobilização e participação
social, podem ser apontadas ainda algumas contradições. No caso do PRIH-Luz, por
exemplo, é explícito em VITALE et alli (2006, p. 17) que na definição de diretrizes de
intervenção no perímetro os moradores de cortiços não tiveram participação
significativa. O apontamento das prioridades é muito claro, o sentimento expresso pela
participação popular não se parece com o de uma comunidade em que a insalubridade
habitacional e a carência de moradias são tão expressivas, como demonstram os
levantamentos físico territoriais:
Em plenárias realizadas com toda a população e as entidades envolvidas, onde foi
apresentado o quadro da realidade obtido, foi finalizada esta etapa, com indicação das prioridades de
intervenção: a primeira Lixo; segunda Saúde; a terceira Habitação; a quarta Educação; a quinta
Lazer/Cultura; a última Segurança. O processo de indicação das prioridades não se deu por eleição
com maioria dos votos, mas por meio da construção de um consenso comum.
Com a criação de fóruns específicos para moradores de cortiço buscou-se
contornar esta deficiência. No entanto o engajamento de determinados setores nessas
atividades, e sobretudo em atividades em que se pretende definir metas e objetivos
concretos de intervenção, estará sempre sujeita a condicionantes de difícil apreensão,
103
sendo necessário certo cuidado com a sedução do discurso sobre participação
87
, que
pode prejudicar processos em que se almeja uma reabilitação efetivamente democrática.
No PRHI-Glicério, o detalhamento das condições de moradia
88
, assim como
dos espaços públicos
89
, desenvolvidos ao longo de 2004, criaram condições para a
compreensão detalhada do estado de conservação e salubridade da moradia na região.
Questões como apropriação dos espaços livres, identificação de “patrimônio banal” e de
“imóveis para reforma urbana” trazem alguma novidade enquanto metodologia de
análise para intervenção. Ao utilizar uma escala aproximada, os técnicos envolvidos no
programa podem apontar especificidades raramente encontradas em projetos de
intervenção urbana e habitacional. Por outro lado, a utilização dos métodos empregados
de leitura espacial e o alto grau de participação popular na etapa de diagnóstico
resultam em um registro momentâneo; o abandono do programa resulta também na
perda de validade desses diagnósticos. Somente com a instalação efetiva de um
Escritório Antena no bairro, e com a efetiva implantação do programa, poderia ser dada
continuidade a essa dinâmica, com a constante atualização dos dados levantados.
Outra atividade desenvolvida pela Secretaria de Habitação, e que
potencializaria a implementação dos PRIH´s e de outros programas da
SEHAB/PMSP) – , foi a formação do Grupo Técnico para Análise de Imóveis (GTAI).
Criado para assessorar a formulação de políticas habitacionais em áreas consolidadas, o
grupo deveria criar instrumentos de análise sobre a viabilidade de intervenção em
imóveis vazios no centro.
87
Apesar de não ter a pretensão de questionar os métodos empregados, muito menos a importância do
processo participativo em todas as etapas do programa em foco, penso ser inevitável citar a defesa do
“enfrentamento dos conflitos” elaborado por Maricato (2000, p. 71 a 74). Ao mencionar a “hegemonia de
duas faces” – quando da separação de classes por trás do dualismo 'orçamentos participativos voltados para
participação das camadas populares'
vs
'conselhos de desenvolvimento econômico/urbanístico, voltados para
elites econômicas' – a autora enfatiza a necessidade de se defender a explicitação do conflito de interesses
como forma de dar vez à contradição no debate urbano. O entendimento da democratização em programas de
intervenção como forma de superação da hegemonias ideológicas (tanto as populares como as da elite) é
ainda rarefeito; ao apontar o conservadorismo em algumas reivindicações de movimentos populares a autora
está fazendo defesa incisiva da criação de “espaços de convivência e administração de conflitos”, em que se
supere o modelo clientelista com que nossa sociedade se acostumou a fazer política. E desse ponto de vista, a
busca por consensos talvez não seja a melhor saída.
88
Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (2004).
89
LIMA; BARTALINI; PALLAMIN (2003).
104
“Sua função foi a de promover a identificação e qualificação de
imóveis (terrenos e edifícios) passíveis de utilização do PAR e outros
programas (mapeamento, verificação de propriedade, vistoria), e realizar
estudos buscando as soluções técnico-construtivas mais adequadas para
aproveitamento de imóveis para uso de habitação social. O GTAI também
realizou análises de pré-viabilidade econômica, considerando a legislação
vigente e alterações viáveis a curto prazo.” (Prefeitura do Município de
São Paulo, 2004b, p. 42).
Seriam ainda realizadas ainda algumas ações no âmbito da capacitação, como
seminários técnicos e intercâmbios, para aperfeiçoamento de pessoal e
instrumentalização para projetos de reabilitação urbanística e habitacional.
Ao não investir na manutenção do Programa, a gestão 2005-2008 perdeu a
oportunidade de consolidar um processo inovador. Com alguma facilidade, no contexto
político-partidário, em consolidar parcerias com a Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano do Estado deo Paulo (CDHU), deu-se preferência a um
convênio que valorizasse as ações do Programa de Atuação em Cortiços (PAC-CDHU).
Em uma fase ainda preliminar, a atuação nos cortiços inicia-se pelo bairro da Moóca.
Ignoram-se as recomendações expressas pela gestão anterior da SEHAB, de dar início à
intervenções em cortiços localizados no perímetros levantados (Luz, Glicério e Brás).
Apesar das interrupções, e comprometendo toda uma costura que já havia sido feita
junto às comunidades, a nova linha de atuação da SEHAB se baseia na capacidade de
investimento da CDHU. Ao adotar essa postura a prefeitura parece não ignorar os
avanços já conseguidos em relação à necessidade de se criarem linhas de financiamento
e programas de fomento à reabilitação dos cortiços; no entanto, a forma como se
essa ação, passando por cima de uma construção social arduamente conquistada, é mais
um exemplo dos prejuízos da subordinação de políticas públicas à agenda eleitoral.
“Os Planos Integrados de Intervenções resultantes na Luz e no
Glicério (...) foram incluídos no financiamento do BID à prefeitura para o
programa Ação Centro, mas os investimentos públicos e os projetos
previstos para serem financiados pelo BID foram paralisados. Já estava em
105
andamento a negociação de produção e reabilitação de inúmeras unidades
habitacionais para a população de baixa renda e média baixa renda para
estes perímetros. A paralisação causou a desmobilização dos atores locais,
o descrédito nos entes governamentais e nas políticas públicas, bem como
prejuízos financeiros decorrentes. As instâncias de gestão compartilhadas
instituídas por decreto municipal, como o Comitê de Reabilitação do
PRIH Luz, foram completamente desconsideradas.” (Fórum Centro
Vivo, 2006, p. 23)
EDIFÍCIO RIZKALLAH JORGE
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é uma das formas de
operação da Caixa Econômica Federal na atuação em reabilitação e reciclagem de
edifícios nos centros metropolitanos, visando o atendimento a famílias com renda
mensal inferior a seis salários mínimos. Em São Paulo a Caixa atua a partir de convênio
firmado em 2001 (Prefeitura do Município de São Paulo, 2004d, p.15), em que a
prefeitura se encarrega das questões relativas a prazos e custos de licenciamento do
imóvel, indicação de demanda e na análise dos projetos. O convênio firmado entre
SEHAB/PMSP e a CEF permite ainda que o município estabeleça incentivos fiscais ao
programa, além do apoio com subsídios à aquisição dos edifícios, visando rebaixar o
custo da reabilitação (Prefeitura do Município de São Paulo, 2004g).
O Edifício Rizkallah Jorge foi o terceiro exemplo acabado de reforma com
recursos do PAR no centro de São Paulo antes dele foram entregues edifícios na Rua
Fernão Sales (54 unidades) e na Avenida Celso Garcia (84 unidades). Fruto de
negociação entre o Movimento de Moradia do Centro (MMC) e a SEHAB, a obra foi
concluída em janeiro de 2003, e os apartamentos entregues às 167 famílias.
Tombado pelo Condephaat, o edifício foi recuperado a partir de projeto da
arquiteta Helena Saia, com obras a cargo da Cury Empreendimentos. Com área privativa
média de 30 m², todas as unidades o compostas por sala/dormitório, cozinha
americana, área de serviço integrada e banheiro. No térreo, uma pequena área de
convivência junto ao hall de elevadores. A reforma dos apartamentos foi feita a partir da
106
demolição de divisórias antigas, colocação de novas prumadas hidráulicas, elétricas e de
gás, colocação das novas alvenarias em blocos de concreto celular, impedindo-se a
sobrecarga sobre as lajes originais –, nos acabamentos foram usados pisos em tacos e
soleiras e peitoris em mármore. As esquadrias foram recuperadas, bem como portas de
ferro e ferragens originais em bom estado. No térreo, elementos originais do saguão
foram recuperados, como piso, colunas e paredes em mármore. Escadas receberam
iluminação de emergência e portas corta fogo
90
.
Com a inauguração do edifício, um processo de adaptação contou com a
colaboração de assistentes sociais da prefeitura, assim foi feito cadastramento de
moradores em postos de saúde e matrículas em escolas da região. Após três anos, o
edifício encontra-se em bom estado de conservação, com adaptação aparentemente boa
pelos novos moradores. Foram relatadas em visitas ao local alguns problemas, como o
alto valor pago pro condomínio e a restrição de uso pelas crianças de áreas comuns. A
dificuldade de manutenção e recuperação de áreas condominiais é apontada como razão
de certo controle em relação ao seu uso como espaço de brincadeiras pelas crianças do
edifício. Segundo relato de moradora a CEF determinou a proibição, que teria sido
referendada em assembléia de moradores também. A união dos moradores, que têm
origem no mesmo movimento popular parece ser um ponto positivo nas discussões
sobre temas de interesse comum.
O projeto de reciclagem do Rizkallah Jorge
91
, pode ser entendido como um
laboratório, devido às características do empreendimento, à sua localização e, sobretudo,
em relação às alternativas de intervenção para a realização das obras dentro do
orçamento previsto. A falta de conhecimento das construtoras brasileiras em relação à
reabilitação e/ou reciclagem de edifícios antigos é um desafio para o desenvolvimento
do programa em núcleos urbanos consolidados. As economias possíveis, com emprego
de técnicas e materiais diferentes daqueles empregados em obras novas, estão ainda
muito aquém do desejável. No entanto, com o aperfeiçoamento dos programas de
reabilitação é urgente essa adequação do mercado da construção civil, que cada vez mais
vai ser cobrado a encontrar alternativas economicamente viáveis. Da mesma forma,
90
O detalhamento técnico das intervenções está disponível em documento técnico editado pela Cury
Empreendimentos (s/d), responsável pelas obras.
91
“Concebido nos anos 40 para ser o Hotel Pingüim, da Companhia Antarctica Paulista, o edifício foi sede do
grupo Votorantim por 20 anos, até ser vendido nos anos 70 para a Beneficência Portuguesa.”
(Cury
Empreendimentos, s/d, p.01)
107
arquitetos e engenheiros estão se adaptando a essa nova realidade, abrindo-se um
campo vasto de investigação sobre formas de intervenção com alteração de uso,
cumprimento de legislações de segurança e acessibilidade, além da adequação de plantas
com alguma flexibilidade.
As alterações na composição das famílias também não pode ser desprezada no
desenho de programas de atendimento em centros urbanos. Programas que
complementem o PAR, de locação social e apoio para reforma de cortiços à ampliação
de subsídios para famílias que não se adequam às exigências atuais da CEF e da CDHU,
além de soluções para ampliação do mercado privado, devem complementar o leque de
opções que garantam o máximo de possibilidades de inclusão
EDIFÍCIO MARIA PAULA
O edifício Maria Paula é mais um exemplo de reabilitação com recursos do
PAR, em parceria com a SEHAB/PMSP. Localizado no número 161 da Rua Dona
Maria Paula, foi projetado em 1941 pelo Escritório Técnico A. B. Pimentel (SALCEDO,
2005). Com apartamentos amplos (um por andar), é um típico exemplar da arquitetura
moderna para a classe média alta, que foi sendo abandonado pelos moradores no
processo de esvaziamento do centro histórico da cidade. O edifício não contava
originalmente com estacionamento, o que pode ter contribuído para sua desvalorização.
Após cerca de dez anos abandonado, o rum de Cortiços iniciou movimento de
negociação junto ao proprietário do imóvel e apresentou proposta à CEF. A proposta
foi então encaminhada à prefeitura para aprovação do empreendimento (SAULE
JÚNIOR; CARDOSO, 2005).
O projeto de reforma foi desenvolvido pela assessoria técnica Fábrica Urbana.
Trata-se de mais uma experiência pontual, em que as dificuldades de adaptação da planta
original ao programa e a complexidade da intervenção em um edifício tombado foram
desafios satisfatoriamente superados. Apesar desse tipo de adaptação enfrentar
problemas estruturais, como a dificuldade em compatibilizar o uso de elevadores
antes a serviço de uma densidade ocupacional muito menor ou a multiplicação de
108
prumadas hidráulicas, as soluções apresentadas devem servir como laboratório para
futuras intervenções.
Após a reabilitação, o prédio passou a ter 75 apartamentos, distribuídos pelos
treze pavimentos. As tipologias desenhadas são: duas quitinetes com banheiros
adaptado para deficientes físicos, com 26,43 m
2
; 48 quitinetes com banheiro comum,
com 26,43 m
2
; 24 unidades com sala-copa-cozinha, um dormitório e um banheiro, com
38,16 m
2
e uma unidade com sala-copa, cozinha, dois dormitórios e um banheiro com
50,00 m
2
(SALCEDO, 2005). Pesquisa coordenada pela professora Rósio Salcedo (2005)
apresenta dados sócio-econômicos relativos às famílias que habitam o condomínio, em
que se destaca por exemplo, que 35,4% das famílias de três membros habitam
quitinetes, ou seja, em apenas 26,43m
2
. Podemos facilmente constatar a melhoria de
condições de moradia na comparação com a habitação anterior dessas famílias. No
entanto, o barateamento das reabilitações e reciclagens de edifícios é fundamental para a
superação do padrão “habitação-mínima” que ainda prevalece nos programas públicos.
Com o aperfeiçoamento de técnicas e materiais, além da necessária revisão dos limites
ao financiamento em metrópoles como São Paulo, há que se buscar alternativas de
reforma que reduzam o custo/m
2
.
Com a carência de espaços de lazer nas imediações do edifício, é justificável
que a maioria das famílias aponte a própria residência como espaço preferencial de lazer
das crianças. A insustentabilidade dessa convivência intensa é visível nos próprios
depoimentos de moradores; por mais que estivessem acostumados com o
compartilhamento de espaços exíguos, a inserção urbana do edifício Maria Paula
dificulta a apropriação do seu entorno imediato.
Assim como no Rizkallah Jorge, foi prevista uma área de convivência no
condomínio, neste caso no subsolo do edifício. Relatos colhidos in loco confirmam que
essa área também não é usada como espaço de convivência. Apenas reuniões de
condomínio são ali realizadas. Segundo moradores os riscos de degradação e custos para
reparação foram motivo de proibição do uso do local pelas crianças do edifício no dia-a-
dia.
Em relação às condições de manutenção do condomínio, apesar de as áreas
comuns estarem em ótimo estado, a reforma é muito recente, sendo difícil fazer uma
análise consistente.
109
5.2. ESPAÇOS DE LAZER RELACIONADOS
Nesse item final é necessário retomar a análise das experiências focadas a
partir do viés que motivou esta dissertação. Se a reabilitação urbana traz novos desafios
e uma alteração completa da lógica com que se trabalha a habitação social, quando nos
detemos na especificidade do lazer e suas relações com o espaço urbano temos que levar
em conta a sua configuração atual e as possibilidades de apropriação por uma população
que possa vir a se instalar na região.
A descrição, em capítulo anterior, da configuração desses espaços nos mostra
que apesar de não serem poucos pelo contrário, uma alta concentração de espaços
livres públicos ainda são característicos de um centro terciarizado. Não há nesses
espaços – em seu desenho, manutenção, equipamentos ou gestão – qualquer intenção de
servir a uma população moradora. Em praças adotadas por empresas, por exemplo, é
notável como estão a serviço da imagem de suas mantenedoras. Em tantas outras, estão
ligadas a equipamentos ao redor, seja uma estação de metrô, um centro cultural, um
teatro, uma escola ou um mosteiro. Trataremos em seguida do uso que os moradores
têm feito desses espaços, aparentemente não muito convidativos, mas que revelam
algumas surpresas a um olhar aproximado.
À descrição dos projetos de reabilitação apresentados acima, em que pese as
diferenças de abordagem necessárias para sua análise, seguem breves relatos sobre os
correspondes espaços utilizados para o lazer. Com o objetivo de compreender as formas
como os moradores se apropriam desse centro metropolitano em mutação foram
realizados levantamentos de campo, além da pesquisa bibliográfica.
No primeiro caso, ao nos referirmos aos Perímetros de Reabilitação Integrada
do Habitat podemos utilizar o exemplo dos levantamentos de campo realizados no
Glicério, pelo LABPARC
92
. Um diagnóstico do uso cotidiano dos espaços livres, em
92
O Laboratório da Paisagem, Arte e Cultura (LABPARC) complementou as informações resultantes das
oficinas e das entrevistas com o 'Levantamento do Uso dos Espaços Públicos'
, “com uma nova metodologia de
análise que além de detectar as características paisagísticas e ambientais dos espaços livres (jardim, ruas sem
saídas, largos, calçadas) identificou os usos e os convívios que neles se verificam. Esse estudo serviu de base
para a elaboração de propostas de criação e de melhoria dos espaços livres para o lazer.”
110
todas as suas dimensões, foi feito a partir de observações em campo, fartamente
referidas em LIMA; PALLAMIN; BARTALINI (2003). Um perímetro dividido ao
meio pelo elevado Leste-Oeste, que tem uma porção ao norte inserida nos limites do
distrito da Sé, enquanto outra porção pertence ao Cambuci. A análise do trecho Norte,
apresenta dados interessantes, como o uso constante do espaço das ruas e calçadas,
fenômeno que poderia ser explicado pela exigüidade dos espaços internos ao casario e
edifícios.
“Observa-se também que o uso das ruas, por parte dos
moradores, é bem maior do que o existente no setor sul, o que pode ser
imputado em boa parte à exiguidade de espaço nas moradias. Nas visitas
de campo foram feitos diversos registros de adultos e crianças usando ruas,
calçadas, escadas, entre outros, como espaços de circulação, convívio,
recreação, lazer, práticas esportivas, etc. Dessa forma, pode-se inferir que
há todo um potencial a ser trabalhado com a participação da população, no
sentido de otimizar o uso do espaço público intenso nessa região, a
despeito das condições espaciais pouco favoráveis na atualidade.” (LIMA;
PALLAMIN; BARTALINI, 2003, p. 03)
Alguns espaços são eleitos como espaços de lazer, mesmo não tendo tal
vocação. É o caso, por exemplo, da Vila Suíça. Com suas duas ruas internas em forma
de T, a Vila atrai crianças e jovens em busca de espaço para jogar bola ou andar de
bicicleta. Com sua saída defronte à Praça Dr. Mario Margarido, e à escola localizada na
Praça, a vila tem um movimento muito mais intenso, a despeito da exiguidade de seu
espaço livre.
Outras praças e grandes espaços nas proximidades, como a Praça da Liberdade
e o conjunto das Praça João Mendes/Praça da Sé/Praça Clóvis, não são constantemente
utilizadas pelos moradores do Perímetro. As relações estabelecidas com esses espaços
não são de uso diário; as ruas e calçadas do perímetro são preferidas, mesmo com os
conflitos de usos. E a intensidade desse uso, certamente relacionada ao padrão de
ocupação do bairro (de alta densidade, baixo gabarito e lotes reduzidos), faz com que a
111
importância dada à coexistência nas ruas eleve-as à condição de principal espaço de
convívio.
“Trata-se de um conjunto de ruas, todas estreitas e de pequena
extensão que, seguramente, encontram-se entre os espaços de maior
vitalidade do setor em tela. São elas: Travessa dos Estudantes, rua Egas
Moniz de Aragão, Travessa Ruggero, rua Livreiro Alves e Vila dos
Estudantes. Nas visitas de campo, sobretudo nos finais de semana,
observou-se ali um uso intenso do espaço público, o que eqüivale a dizer, na
prática, o leito das ruas e as estreitas calçadas. Por sua escala e pela
constante presença de pessoas moradoras, estes logradouros merecem
intervenções, aliás de pequeno vulto, como pintura das fachadas das casas e
pavimentação adequada nas áreas destinadas aos pedestres, com a
finalidade de melhorar as condições da apropriação informal que neles
ocorre.” (LIMA; PALLAMIN; BARTALINI, 2003, p. 04).
Nas propostas de intervenção apresentadas pelo Laboratório, destaca-se a
importância dada a esse convívio, sendo destacadas propostas específicas para essas
áreas de uso compartilhado, em que se potencializaria o convívio harmonioso, sem
perda de sua heterogeneidade. A ausência de opções de lazer institucionalmente
estabelecidas é trabalhada a partir da apropriação atual dos espaços de circulação. Salta
aos olhos na abordagem utilizada o entendimento do uso cotidiano, em que não se
propõe grandes obras, mas o aperfeiçoamento do espaço existente, com a provisão de
equipamentos que venham a otimizar sua utilização, sem prejuízo para a circulação ou
para os outros usos.
Nos outros dois casos abordados, a situação urbana é diversa. No primeiro
caso, o edifício Rizkallah Jorge, situado no cruzamento de rua de mesmo nome com a
Avenida Prestes Maia, trata-se de um entorno sob forte influência da Avenida, via-
expressa e eixo de ligação metropolitana Norte-Sul. No segundo, o edifício Maria Paula,
trata-se de entorno de alta densidade, gabarito elevado, em renque de edifícios
geminados. A rua Maria Paula se localiza na rótula central, em que se verifica um tráfego
112
intenso em direção ao Viaduto Dona Paulina, Praça da e Avenida 23 de Maio. Em
ambos os casos, os edifícios são implantados em toda a projeção de seus lotes, sem
recuos e áreas condominiais para lazer. A implantação de ambos, típica da massa
edificada do centro histórico, e sua nova compartimentação sugerem um uso intenso de
espaços e/ou equipamentos externos ao edifício para atividades de recreação e lazer,
uma vez que espaços condominiais são extremamente reduzidos.
Para ambos os conjuntos foi feito um trabalho de campo baseado em
observações do entorno, a partir de trabalho programado, seguido de uma série de
entrevistas com moradores do local, sobretudo com mães de família e crianças.
Dos espaços livres nas proximidades do edifício Rizkallah Jorge, foram
destacados pelos moradores a Praça do Correio (ou Praça Pedro Lessa) e o Parque da
Luz, usado mais aos finais de semana. Cercado por um sistema de espaços públicos
(além da Praça do Correio, todo o conjunto Vale do Anhangabaú/Calçadão da Av. São
João, Largo do Payssandu, Viaduto e Largo Santa Efigênia), o edifício se abre para a
pequena rua Rizkallah Jorge e se volta também para a Prestes Maia, com trânsito em alta
velocidade e volume intenso.
Não foi observado o uso intenso das imediações do imóvel por moradores;
algumas mães relataram que a rua é por vezes utilizada por crianças do edifício e da
vizinhança, mas sua declividade e carros que descem em velocidade são inibidores. A
maior preocupação em relação às brincadeiras de rua é sempre o movimento intenso de
automóveis. A Praça do Correio foi apontada quase unanimemente, por mães e jovens,
como espaço preferencial. Alguns jovens apontaram uma quadra localizada no interior
do Colégio São Bento, onde era possível jogar futebol, mas segundo relato, passou a ser
cobrada. Ao serem questionados sobre outras quadras no entorno próximo, não
souberam responder. O Parque da Luz também foi apontado por algumas mães com
espaço de lazer preferencial, sendo bastante procurada em finais de semana pelas
famílias moradoras do conjunto e do entorno.
Com aparente dificuldade de uso dos espaços livres ao redor, fica visível nas
visitas ao edifício que seu interior tem constante movimento. Muitas mães apontaram
como espaço preferencial de lazer das crianças o interior dos apartamentos. Deve-se
aqui relembrar que têm 30,00 m
2
de área média, e que há a proibição de uso dos espaços
comuns para o lazer infantil.
113
Apesar das dificuldades em relação aos espaços de lazer, é notável a satisfação
da totalidade dos entrevistados com a vida no centro metropolitano. O fácil acesso a
serviços e a toda a infra-estrutura urbana, em uma situação de legalidade em
contraponto à condição anterior de moradia –, é sempre colocado em primeiro plano
pelos moradores. As carências da região, desde a dificuldade de atendimento em postos
de saúde à oferta reduzida de vagas nas escolas próximas, ficam em segundo plano,
sendo dificuldades que vão sendo superadas aos poucos. A contradição entre espaços
livres de grandes dimensões e a dificuldade de encontrar espaço para bater uma bola não
é colocado como um problema fundamental.
Outro ponto que chama atenção em conversas com moradores do edifício é a
ausência do tema violência entre suas maiores preocupações. Apesar de demonstrar
certa preocupação com saídas noturnas de seus filhos, a maioria das mães não apontou a
violência como empecilho à utilização do espaço das ruas pelas crianças. Percebe-se
certa liberdade de apropriação do entorno do edifício, mesmo em situação adversa, de
ausência de equipamentos e tráfego intenso.
No caso do edifício Maria Paula, foram citados três espaços de lazer: a
pracinha junto à Câmara Municipal, a Praça Pérola Byington, nas imediações do Teatro
Imprensa e uma pequena quadra de futebol sob o viaduto Jacareí. A pequena praça
junto à Câmara tem alguns equipamentos, bancos e mesas de jogos, além de uma
quadrinha de futebol (com equipamentos bastante danificados). Ela também é bastante
freqüentada por usuários de um albergue localizado na Rua Maria Paula. A Praça Pérola
Byington fica um pouco mais distante, a cerca de 500 metros do edifício, e segundo
moradores é um dos espaços preferidos dos jovens. Apesar da distância (está a cerca de
500 metros do edifício), a praça conta com alguns equipamentos e tem área mais ampla
do que a pracinha da Câmara. Já a quadra de esportes, citada como espaço em que
alguns jovens do edifício utilizam, fica no pé do Viaduto 9 de julho, tem apenas uma
trave e está em péssimo estado de conservação. Algumas mães relataram não gostar que
seus filhos a freqüentem. A quadra fica tem boa localização e poderia, com um mínimo
de investimento em manutenção e iluminação, ser muito melhor aproveitada.
As reclamações quanto à proibição de utilização pelas crianças dos espaços
coletivos, sobretudo o salão no subsolo, se repetem no edifício Maria Paula. Muitas das
mães de família dizem preferir que seus filhos brinquem dentro dos apartamentos, dada
114
a proibição do uso de espaços comuns, e apesar de a maioria desses apartamentos ter
uma relação “moradores/área útil” grande, como verificado anteriormente.
Outros pontos junto a viadutos na região poderiam ter investimentos
pequenos para uso semelhante. Um exemplo de espaço subutilizado é a porção inferior
do terreno em que se localiza a Câmara Municipal. A praça citada por moradores é
apenas uma nesga de terreno na parte mais alta, bem ao lado do edifício da Câmara. A
maior parte desse terreno é utilizado como pátio de manobras do Batalhão de Polícia
Militar, sobre laje que abriga ainda hoje esperas de um teatro de arena que a prefeitura
nunca finalizou (FERREIRA, 2002). Também a Praça da Bandeira, junto à grande laje,
não foi citada, sendo referência apenas como terminal rodoviário.
Assim como nos casos anteriores, nenhum dos grandes espaços livres públicos
do entorno são relacionados como áreas utilizadas para o lazer. Os espaços relacionados
têm sempre uma escala local, e mesmo com equipamentos degradados e alguma
interferência do tráfego pesado da região são os mais apreciados.
Apesar de os exemplos analisados serem pontuais, algumas coincidências
ressaltam nos relatos coletados, sobretudo na relação dos moradores com a diversidade
dos espaços apontados como aqueles em que se realiza alguma atividade de lazer ou
recreação. Nota-se ainda que as comunidades atendidas pelos programas têm alguma
relação com o centro histórico. Não há estranhamento no uso do espaço, que parece ser
vivenciado de forma natural; percebe-se certa tranquilidade com relação à segurança, e
mesmo em relação ao tráfego intenso.
Estudos recentes também acentuam a carência de equipamentos públicos que
atendam à demanda de moradores da região. Baseado em dados da EMPLASA,
relatório de pesquisa coordenada por Zmitrowicz (2005) atenta para a inadequação dos
equipamentos que atendem o centro histórico:
“Apesar da grande concentração de serviços na áreas, percebe-se
que, atualmente, o ambiente da área central é carente de equipamentos que
atendam a uma nova demanda de famílias tornando importante uma
ampliação dos equipamentos e de suas capacidades. Em relação a carência
de equipamentos, a área central de São Paulo apresenta poucas creches,
escolas de nível fundamentais e até mesmo poucas praças com brinquedos e
115
áreas verdes para crianças. Este ponto deve ser considerado no processo de
reabilitação, onde o projeto deverá encaminhar recomendações para a
possibilidade de atendimento da demanda futura. Atualmente, é também
pequena a presença de equipamentos educacionais, o que pode ser
justificável pelo perfil da população residente, com proporções mais
significativas de adultos e idosos.” (Zmitrowicz, 2005, p. 06).
Um traço comum aos dois edifícios estudados, apesar das reclamações
levantadas e das dificuldades em encontrar espaços livres apropriados ao lazer, é a
satisfação dos moradores com a qualidade da vida na área central. Com uma população
aparentemente ambientada, em ambos os conjuntos sobressai o sentimento de
pertencimento à cidade; o fato de terem origem no movimento popular, nos fóruns de
moradores de cortiços e sem-teto de São Paulo, e de serem protagonistas da luta contra
o exílio na periferia certamente contribui para que esses moradores se sintam
merecedores de sua condição. As carências em relação a equipamentos e a políticas
inclusivas são desafios a serem ainda superados, e devem compor uma agenda comum
aos movimentos que continuam na luta pela sua manutenção no centro metropolitano.
116
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
117
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O quadro esboçado a partir de observações esporádicas nos espaços livres
públicos e suas derivações permite as mais diversas interpretações sobre sua apropriação
pela comunidade. A diversidade formal e de usos dificulta, senão impede, simplificações
e classificações meramente tipológicas, por mais que elas sejam úteis a algumas
disciplinas ligadas à construção do território. O que tentamos empreender, no percurso
desta dissertação, foi agregar à analise dos usos da cidade fatores estranhos à prática do
projeto urbano, vislumbrando uma alteração do cenário atual de segregação e
homogeneização no que se conhece como espaço livre e público.
Dos exercios empíricos realizados, a partir da observação do cotidiano,
apreende-se de imediato o entendimento oficial dos espaços livres públicos do centro de
São Paulo apenas como suporte a serviços e comércio, e em muitos casos funcionando
como apoio ao sistema de transportes ou como área de trânsito de pedestres. Se muitos
dos espaços observados estão associados ao sistema de transportes, outros tantos
sofreram alterações drásticas em função de grandes obras viárias. ainda praças
estritamente ligadas a edifícios ou conjuntos comerciais, geralmente mantidos com
parcerias entre prefeitura e iniciativa privada, em que esta se encarrega de dar o caráter
que lhe convém, sendo esses casos radicais de distanciamento entre as necessidades da
comunidade e a gestão do território, neste caso subordinada ao interesse privado.
Poderíamos citar ainda exemplos de praças relacionadas a grandes equipamentos
públicos (Poupatempos, Fóruns, órgãos públicos, etc), em que o espaço circundante passa
apenas a orbitar em sua função.
Com a observação aproximada de certos espaços pudemos verificar o quanto
eles se prestam ou não a determinadas funções, sobretudo no âmbito local, o seu
impacto na vizinhança e possibilidades de apropriação. Numa escala mais macro,
fundamental no estudo deste centro metropolitano, e em uma perspectiva histórica, o
que se percebe é uma alteração no perfil de uso do centro, que acompanha a dinâmica
urbana da metrópole. A estagnação em relação ao perfil dos espaços públicos, enquanto
intenção, projeto e gestão parece não acompanhar as demandas que são criadas.
Com a alteração paulatina do perfil dos bairros, e mesmo do centro histórico,
é necessária uma mudança de paradigma em relação a futuros projetos de reabilitação,
118
agregando-se às soluções habitacionais intervenções que garantam aos moradores
condições de usufruto do espaço urbano, acesso a equipamentos e serviços públicos.
Com a heterogeneidade de usos, a partir de um necessário incentivo à re-ocupação do
centro por moradores há que se repensar também o perfil dos seus espaços livres.
Fica evidente, na análise apresentada, a pouca efetividade do Estado como
regulador do espaço público segundo parâmetros que respondam às demandas efetivas
dos usuários e da população, e não apenas às diretrizes políticas de um ou outro
governante ou grupo de interesses, o queo surpreende dada a estrutura de formação
histórica do Estado brasileiro. Embora seja significativo o número de intervenções do
Estado na reformulação desses espaços é notável a recorrência com que se viabilizam,
sem nenhuma gestão participativa, atenção às demandas dos usuários ou adequação
sistêmica às eventuais políticas previstas de povoamento habitacional na área central,
transformações no seu espaço público, em praças e calçadões, terminais e canteiros
centrais nas avenidas. A relação entre essas intervenções e a população residente é
bastante frágil; trata-se o espaço público como apoio às atividades institucionais,
comerciais e terciárias, muitas vezes como uma contrapartida estatal ao investimento
privado, mais uma vez evidenciando a completa subordinação do Estado aos agentes
privados da produção da cidade, e a renúncia a um papel regulador mais efetivo.
Da observação do cotidiano dos moradores, apreende-se a sua capacidade de
superação da ausência de uma estrutura mínima de áreas de lazer. Esta é aliás uma
característica própria à sociedade brasileira, em que a população excluída pela violenta
concentração da renda, não no centro mas sobretudo nas periferias, improvisa suas
estratégias de sobrevivência sem o apoio do Estado: improvisa a moradia – com a auto-
construção – face à ausência de políticas habitacionais efetivas, improvisa o cotidiano
em favelas desprovidas de equipamentos e serviços, ou permite a ingerência do poder
paralelo do crime organizado face á ausência institucional do Estado. Sempre na mesma
lógica, na área central buscam-se alternativas nos espaços residuais, em terrenos
abandonados, que podem dar suporte ao convívio. No entanto, limites para essa
apropriação espontânea, e muitas vezes a alternativa acaba sendo o confinamento, que
no caso de empreendimentos sociais, com área útil reduzida, torna-se uma solução
extremamente insalubre. Os planos locais esboçados nos PRIH´s seriam alternativas
interessantes, de análise pontual da demanda e estudo caso a caso de soluções para a
otimização do espaço público. Nesse exemplo se percebe, nos procedimentos de gestão,
119
uma preocupação por parte do poder público com a demanda antes de se pensar a
solução; é uma visão interessante, que vai de encontro àão corriqueira do Estado, que
tem sustentado uma revitalização a serviço de grupos privados e apresentado resultados
desastrosos no que se refere à apropriação para o lazer.
A espontaneidade e intensidade no uso da rua, de calçadas, praças e vilas,
acessíveis a pé, no entorno próximo, não serão jamais substituídos pelos grandes
espaços de lazer projetados, espaços de proporções metropolitanas, que têm no uso
maciço sua razão, mas que restam esvaziados no cotidiano. A necessidade de se
trabalhar esse espaço próximo, com provisão de equipamento mínimo, a partir das
demandas observadas é um desafio para urbanistas, ainda a ser enfrentado. A inserção
de programas de provisão habitacional no debate sobre a reabilitação de centros
urbanos deve ser acompanhada de políticas que garantam condições de habitabilidade,
da provisão de equipamentos ao acesso a serviços e espaços com qualidade.
Se, como dito anteriormente, o caráter dos espaços públicos nas regiões
centrais reflete o padrão homogêneo da sua ocupação, em que a racionalidade
justificaria a supressão do encontro, não é incorreto afirmar que à alteração de seu perfil,
com um horizonte em que se percebe nos pequenos mas significativos avanços de
movimentos sociais a possibilidade da democratização e heterogeneização
corresponderia a necessidade da promoção do encontro.
Esta dissertação nasceu da curiosidade de se investigar a relação entre os
moradores de conjuntos habitacionais construídos em área tão consolidada, com os
espaços disponíveis, uma vez que não se pode pensar na manutenção dos mesmos
parâmetros utilizados em conjuntos periféricos, em relação à provisão de espaços de
lazer ou áreas verdes. A adaptação a essa realidade tão específica das áreas centrais
altamente urbanizadas impõe uma nova prática urbanística, em que a cidade passe a ser
tratada como um todo, não sendo mais possível imaginar isoladamente cada conjunto
em uma gleba, com os equipamentos necessários à sociabilização de sua comunidade
reduzidos à uma mera porcentagem de área útil. Se essa alteração parece sadia, na
medida em que se rompe a intermediação da gleba, do conjunto, por outro lado impõe
desafios quanto à viabilidade de provisãoblica de tais espaços e equipamentos. Mas,
sobretudo, impõe a necessidade de um novo papel do Estado, que rompa com o
patrimonialismo e a submissão aos interesses privados, garantindo a universalização do
direito à cidade.
120
7.
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