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cheias representam para as populações pobres e marginais, que, ao longo do
seu então imundo curso, se aboletavam vegetativa e placidamente.[...]
Hoje, ele está retificado, canalizado e apresenta-se como um dos
fatores de progresso da cidade. [...]
Ainda há pouco menos de trinta anos, este tenebroso e diluviano Arroio
Sabão, engrossado pelas águas do Arroio Cascata, chicoteado pelas chuvas e,
por vezes, rebojado pelo vento sul, provocava tais e tão terríveis inundações
nessa zona baixa da Ilhota, Arraial da Baronesa, Santana, rua São João, mais
tarde Cabo Rocha e hoje caprichosamente batizada de Prof. Freitas e Castro, e
mais toda essa baixada do vale do Petrópolis, até os fundos do Hospício, que
só quem viu é que pode imaginar! Lembro-me da enchente de 26, e que não foi
lá grande coisa. Pois aí, as águas vieram até a rua Marcílio Dias, penetrando
então com facilidade pelo cotovelo da rua São João e transformando toda
aquela zona num vasto e lodoso lençol de águas.” (SANHUDO, 1975. p. 84-85.)
O local ainda estava “em pleno e nebuloso tumulto, montes de aterro em
toda parte, ao longo da canalização do riacho, dentro do riacho, com muita
coisa para fazer e muitíssimos retoques a cuidar” (SANHUDO, 1975, p. 85),
mas já contava com suas sete pontes prontas, quando o Vale do Sabão
transformava-se, segundo Sanhudo, na “monumental” Avenida Ipiranga. Tais
obras representavam mais do que a solução para as cheias dos arroios, eram
muito mais a transformação da paisagem da cidade em direção a uma estética
própria das reformas urbanas ocorridas em muitas outras capitais brasileiras,
com largas e embelezadas avenidas, estrutura viária com valorização do
transporte automotivo e deslocamento de populações menos favorecidas para
zonas menos valorizadas e mais distantes dos bairros ajardinados e do centro
administrativo da capital. Longe de serem “soluções” para problemas locais,
foram antes adequações da cidade a uma nova ordem urbano-industrial
mundial, parte das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais do
seu tempo.
“Aquele velho, imundo, turvo e barrento Arroio do Sabão, cheio de
curvas e meandros, com salgueiros e arbustos, sem limites e composturas, foi
domado e ora apresenta-se para disputar, muito breve, um dos mais belos
espetáculos da engenharia fluvial do nosso tempo. Mal suspeita-se o que será,
daqui a alguns anos, a urbanização ao longo dessa maravilhosa canalização
do perdulário arroio. [...]
Olho, assim, para o Arroio Sabão, tendo em conta o que era, como está
se modificando e o que será, em sanidade, beleza e arquitetura, para esta
nossa encantadora cidade. [...]
Naquele tempo, ele, malgrado o grande número de voltas, vinha, de modo
geral, na direção leste-oeste, cruzava a ponte da Azenha, fazia um enorme
saco aí pelas proximidades da rua Arlindo – era a famigerada Ilhota -,
acercava-se da praça Garibaldi e, de lá, depois de passar pelos arcos da ponte
do Menino Deus, seguia em sentido noroeste, mais ou menos paralelo à rua da