www.nead.unama.br
89
quando muito, nos seguintes termos: "eu olhei e ela olhou"; eu lhe disse "pode ser,
não pode ser". Deixemos, portanto, o senhor Augusto entregue a seus cuidados de
moço, e tanto mais que já conhecemos o estado em que se acha. Vamos agora
entrar no coraçãozinho de um ente bem amável, que não tem, como aquele, uma
pessoa a quem confie suas penas, e por isso sofre talvez mais. Faremos urna visita
à nossa linda Moreninha.
Também suas modificações têm aparecido no caráter de d. Carolina, depois
dos festejos de Sant’Ana. Antes deles, era essa interessante jovenzinha o prazer da
ilha de... irreconciliável inimiga da tristeza, ela ignorava o que era estar melancólica
dez minutos e praticava o despotismo de não consentir que alguém o estivesse;
junto dela, por força ou por vontade, tudo tinha de respirar alegria; sabia tirar partido
de todas as circunstâncias para fazer rir, e, boa, afável e carinhosa para com todos,
amoldava os corações à sua vontade; o ídolo, o delírio de quantos a praticavam, era
ela a vida daquele lugar e empunhava com suas graças o cetro do prazer. Hoje suas
maneiras são outras e, enquanto suas músicas se empoeiram, seu piano passa dias
inteiros fechado, suas bonecas não mudam de vestido, ela vagueia solitária pela
praia, perdendo seus belos olhares na vastidão do mar, ou, sentada no banco de
relva da gruta, descansa a cabeça em sua mão e pensa... Em quê?... Quais serão
os solitários pensamentos de uma menina de menos de quinze anos?... E às vezes
suspira... um suspiro?... Eis o que já é um pouco explicativo.
Assim como o grito tem o eco, a flor o aroma e a dor o gemido, tem o amor o
suspiro; ah! o amor é um demoninho que não pede para entrar no coração da gente
e, hóspede quase sempre importuno, por pior trato que se lhe dê, não desconfia,
não se despede, vai-se colocando e deixando ficar, sem vergonha nenhuma, faz-se
dono da casa alheia, toma conta de todas as ações, leva o seu domínio muito cedo
aos olhos, e às vezes dá tais saltos no coração, que chega a ir encarapitar-se no
juízo; então, adeus minhas encomendas!...
Pois muito bem, parece que a tal tentação anda fazendo peloticas no peito da
nossa cara menina; também não há moléstia de mais fácil diagnóstico. Uma
mocinha que não tem cuidados, com quem a mamãe não é impertinente, que não
sabe dizer onde lhe dói, que não quer que se chame médico, que suspira sem ter
flatos, que não vê o que olha, que acha todo o guisado mal temperado, é porque já
ama; portanto, d. Carolina ama, mas a quem?!...
Ah! Sr. Augusto! Sr. Augusto, a culpa é toda sua, sem dúvida. Esta bela
menina, acostumada desde as faixas a exercer um poder absoluto sobre todos os
que a cercam, não pôde ouvir o estudante vangloriar-se de não ter encontrado ainda
a mulher que o cativasse deveras, sem sentir o mais vivo desejo de reduzi-lo a
obediente escravo de seus caprichos; ela pôs em ação todo o poder de suas graças,
ideou mesmo um plano de ataque, estudou a natureza e os fracos do inimigo,
observou e bateu-se; o combate foi fatal a ambos, talvez, e no fim dele a orgulhosa
guerreira apalpou o seu coração e sentiu que nele havia penetrado um dardo;
consultou a sua consciência e ouviu que ela respondia; se venceste, também estás
vencida!
Com efeito, d. Carolina ama o feliz estudante, e unia mistura de saudades e
de temor da inconstância do seu amado é provavelmente a causa da sua tristeza;
ajunta-se a isto a novidade e os cuidados de um amor nascente e primeiro, o
incômodo de um sentimento novo, inexplicável, que lhe enchia o inocente coração e
ver-se-á que ela tem suas razões para andar melancólica.
E portanto toda a família está assaltada do mesmo mal: há na ilha uma
epidemia de mau humor que tem chegado a todos, desde a sra. d. Ana até a última