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Estou me referindo, é claro, primariamente à fantasia de formas e traços visíveis. O Drama pode
ser feito do impacto sobre personagens humanos de algum evento de Fantasia, ou Feéria, que não requeira
nenhuma maquinaria, ou que se possa assumir ou relatar que tenha acontecido. Mas isso não é fantasia em
resultado dramático; os personagens humanos dominam o palco e sobre eles a atenção é concentrada. O
Drama desse tipo (exemplificado por algumas das peças de Barrie) pode ser usado frivolamente, ou pode
ser usado para sátira, ou para passar as “mensagens” que o dramaturgo possa ter na sua mente – para os
homens. O Drama é antropocêntrico. A estória de fadas e a fantasia não precisam ser. Há, por exemplo,
muitas estórias contando como homens e mulheres desapareceram e passaram anos entre as fadas, sem
notar a passagem do tempo, ou sem parecer ficarem mais velhos. Em Mary Rose Barrie escreveu uma
peça sobre esse tema. Nenhuma fada é vista. Os seres humanos cruelmente atormentados estão lá o tempo
todo. Apesar da estrela sentimental e das vozes angélicas no fim (na versão impressa), é uma peça
dolorosa, e pode facilmente se tornar diabólica: ao substituir (como eu vi ser feito) o chamado élfico por
“vozes de anjo” no fim. As estórias de fadas não-dramáticas, até onde dizem respeito às vítimas humanas,
também podem ser patéticas ou horríveis. Mas não precisam ser. Na maioria delas as fadas também estão
lá, em termos iguais. Em algumas estórias elas são o verdadeiro interesse. Muitos dos relatos folclóricos
curtos de tais incidentes pretendem ser apenas fragmentos de “evidências” sobre as fadas, itens num
acúmulo secular de “sabedoria” acerca delas e dos modos de sua existência. Os sofrimentos dos seres
humanos que entram em contato com elas (com freqüência apreciável, voluntariamente) são, assim, vistos
numa perspectiva bem diferente. Poderia ser feita uma peça sobre os sofrimentos de uma vítima da
pesquisa em radiologia, mas dificilmente sobre o próprio rádio. Mas é possível estar primariamente
interessado em rádio (não em radiologistas) – ou primariamente interessado em Feéria, não em mortais
torturados. Um interesse produzirá um livro científico, o outro uma estória de fadas. O drama não
consegue lidar com nenhum dos dois.
G
A falta desse senso é uma mera hipótese acerca dos homens do passado perdido, seja lá de que
confusões selvagens os homens de hoje, degradados ou iludidos, possam sofrer. É uma hipótese tão
legítima quanto, e em maior concordância com o pouco que está registrado acerca dos pensamentos dos
homens de outrora sobre esse assunto, que esse sentimento de separação era antes mais forte. Que as
fantasias que mesclavam a forma humana com formas vegetais ou animais, ou que davam faculdades
humanas às feras sejam antigas não é, claro, evidência alguma de confusão. É, se significa algo, evidência
do contrário. A fantasia não embaça os contornos claros do mundo real; pois depende deles. No que
concerne ao nosso mundo ocidental, europeu, esse “senso de separação” tem sido, de fato, atacado e
enfraquecido não por fantasia, mas por teoria científica. Não por estórias de centauros ou lobisomens ou
ursos encantados, mas pelas hipóteses (ou suposições dogmáticas) dos autores científicos que
classificaram o Homem não apenas como “um animal” – essa classificação correta é antiga – mas como
“apenas um animal”. Tem havido uma conseqüente distorção de sentimento. O amor natural do homem
não totalmente corrupto pelos animais, e o desejo humano de “entrar debaixo da pele” das coisas vivas,