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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ENFERMAGEM
ALESSANDRÉA SILVA LOPES
A VIVÊNCIA DE PRIVACIDADE PELAS PARTURIENTES NO COTIDIANO
HOSPITALAR: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUIDAR EM
ENFERMAGEM OBSTÉTRICA.
RIO DE JANEIRO
2007
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ALESSANDRÉA SILVA LOPES
A VIVÊNCIA DE PRIVACIDADE PELAS PARTURIENTES NO COTIDIANO
HOSPITALAR: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUIDAR EM
ENFERMAGEM OBSTÉTRICA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro FENF/UERJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre.
ORIENTADORA: Profª Drª Jane Márcia Progianti
RIO DE JANEIRO
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
3
A VIVÊNCIA DE PRIVACIDADE PELAS PARTURIENTES NO COTIDIANO
HOSPITALAR: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUIDAR EM
ENFERMAGEM OBSTÉTRICA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro FENF/UERJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre.
BANCA EXAMINADORA:
__________ ___________________________
Profª Drª Jane Márcia Progianti- Orientadora
Faculdade de Enfermagem UERJ
__________ ____ ____________________
Profª Drª Leila Rangel da Silva-1ª Examinadora
Faculdade de Enfermagem Uni Rio
__________ _____ ____________________
Profª Drª Lúcia Helena Garcia Penna- 2ª Examinadora
Faculdade de Enfermagem UERJ
RIO DE JANEIRO
2007
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DEDICATÓRIA
A Deus, que me ajudou nessa jornada difícil, quando pensei que não seria possível
chegar até o fim. Obrigada meu senhor por me iluminar e me acolher sempre em seus
braços.
Ao meu pai Aldair, por acreditar no meu potencial e me impulsionar com orgulho a
novas conquistas em minha vida. Obrigado, pai, pelo caráter que tenho hoje.
À minha mãe Léa que sofreu junto a mim nessa etapa de minha vida. Mãe, suas
orações foram fundamentais para eu chegar até aqui.
Ao meu marido Jorginho, por existir em minha vida. Amor, obrigada pelas horas de
sono que perdeu para me ajudar a chegar ao fim desse trabalho e por não ter me
deixado desistir!
Aos meus irmãos Alessandra e Alessandro, por vocês existirem. Espero servir sempre
de bom exemplo pra vocês. Contem sempre comigo.
Amo todos vocês!
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AGRADECIMENTOS
À Prof. Dr. Jane Márcia Progianti, que me conduziu à conquista de novos
conhecimentos. Você faz parte da minha vida e me orgulho de ter sido sua orientanda.
Desculpa pelas minhas falhas.
À Prof. Dr. Lúcia Helena Garcia Penna, pelo exemplo como mestre e pela amiga que és
em minha vida. Obrigada pela compreensão, por não ter me deixado desistir e por
acreditar tanto no meu potencial. Agradeço à Deus por ter me enviado você de
presente.
Ao Prof. Dr. Octávio da Costa Vargens, pela sabedoria e pela colaboração fundamental
em minha pesquisa quando me apontou o teórico que norteou o rumo dessa
dissertação. Obrigada!
À Prof. Dr. Leila Rangel da Silva, pela disponibilidade em participar da minha banca
examinadora e pelo carinho que me acolheu na qualificação.
À minha família que torceu por minha conquista. Meus avós, minhas tias e meus
primos. Amo vocês!
Ao meu cunhado Ricardo que me alugou o ouvido durante toda essa etapa do mestrado
e participou com empréstimo de livros e correções bibliográficas. Obrigada pela força.
Aos meus sogros que me ajudaram na arrumação da casa e nos jantares quando a
pesquisa não me deixava fazer.
Às amigas Ana Beatriz Medina e Paula Angélica Bacco pela amizade linda que fizemos
durante esses anos de mestrado. Amigas, vocês foram fundamentais para que eu o
desistisse. Agradeço à Deus por ter colocados vocês em minha vida. Lindas, amo
vocês!
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Aos amigos e companheiros de mestrado em especial Rafael e Priscila pelas trocas
durante esse longo período que nos fizeram crescer pessoal e profissionalmente.
Parabéns a vocês também.
Aos professores do DEMI em especial Maysa, Luciane, Luiza Mara e Carlos pelo
carinho e pela torcida por essa conquista. Vocês são meus exemplos desde a
graduação. Obrigada.
Ao querido Renan, pelas suas mensagens de fé e pela dedicação.
Aos meus alunos por me fazerem feliz na profissão que escolhi. Sou eternamente grata
por essa troca.
Aos meus amigos de HFAG e HCA em especial Gabi, que me dedicaram carinho e
amizade durante todo esse tempo. Valeu Gabi e Elaine, pelas trocas na escala que me
permitiram chegar ao fim.
São muitos agradecimentos. Perdoem-me se esqueci de alguém. A grande lição que
tirei dessa fase da minha vida, não foram apenas os conhecimentos que adquiri, mas
principalmente o amor e o carinho dos amigos que realmente pude contar. Muito
Obrigada!
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"É melhor tentar e falhar,
que preocupar-se e ver a vida passar;
é melhor tentar, ainda que em vão,
que sentar-se fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar,
que em dias tristes em casa me esconder.
Prefiro ser feliz, embora louco,
que em conformidade viver ..."
Martin Luther King
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LOPES, Alessandréa Silva. A vivência de privacidade pelas parturientes no
cotidiano hospitalar: uma contribuição para o cuidar em enfermagem obstétrica. 2007.
69f. Dissertação. (Mestrado em Enfermagem) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
RESUMO
No cotidiano das maternidades do município do Rio de Janeiro, apesar dos esforços de
alguns gestores públicos e das enfermeiras obstétricas, presenciamos hospitais cheios,
normas rígidas que obriga a mulher despojar-se de suas roupas e de seus familiares.
Nesse campo, a enfermagem obstétrica está inserida no movimento de humanização
que tem se preocupado com a gravidez e parto como um direito reprodutivo. Dentre os
princípios que norteiam o cuidado das enfermeiras obstétricas, construídos por
Progianti e Vargens (2004), destacamos o que diz que a enfermeira obstétrica deve
defender o respeito à privacidade e a segurança da parturiente. Esse princípio está
fundamentado na fisiologia do parto, pois como explica Odent (2000), a mulher possui
um mecanismo inato de parir que não necessita de intervenções e requer um ambiente
seguro, com baixo estimulo racional e com privacidade. Assim, este estudo parte da
premissa que a vivencia da privacidade no trabalho de parto é fundamental para a sua
fisiologia e questiona como a mulher vivencia a privacidade no cotidiano hospitalar que
é um ambiente adverso para tal propósito. Esta pesquisa teve como objeto a vivência
de privacidade pelas parturientes no cotidiano hospitalar e seus objetivos foram:
analisar como as mulheres compreendem a sua privacidade na experiência de parir no
cotidiano hospitalar e discutir as estratégias de vivência de privacidade pela parturiente
no cotidiano hospitalar. Utilizou-se como referencial teórico o cotidiano e a privacidade
por Michael Maffesoli (1984) e as estratégias de enfrentamento do cotidiano
desfavorável à privacidade classificadas por ele. É um estudo descritivo com
abordagem qualitativa no qual foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dez
puérperas que pariram de parto normal em uma maternidade municipal do Rio de
Janeiro. Para a categorização dos dados seguimos os passos da análise de conteúdo
de Bardin (1977). O estudo mostrou que o cotidiano hospitalar apresenta-se
inadequado para a privacidade como definição; evidenciou dois grupos de mulheres: as
que não valorizam a privacidade e as que valorizam a privacidade sendo que todos os
grupos realizaram estratégias para vivenciar privacidade no cotidiano hospitalar. As
estratégias utilizadas pelas mulheres foram: a astúcia, silêncio, duplicidade e aceitação
da vida que são elaboradas pelo imaginário das parturientes durante o trabalho de parto
(MICHEL MAFFESOLI, 1984). Concluímos que a privacidade, valorizada ou não é
necessária durante o parto, pois oferecer privacidade é cuidar para que a mulher tenha
o parto mais fisiológico possível. Diante do exposto, sugerimos que a privacidade seja
um cuidado de enfermagem valorizado durante o processo do parto e nascimento, tanto
nas rotinas do cotidiano quanto no mundo imaginal das clientes, pois a privacidade faz
parte do nosso código de ética e, além disso, é um cuidado humanizado, importante
para quem luta por essa bandeira.
Palavras Chaves: Privacidade; Saúde da mulher; Enfermagem Obstétrica; Trabalho de
parto.
9
LOPES, Alessandréa Silva. The experience of privacy for the women in labor in
daily the hospital one: a contribution to take care of it in obstetrical nursery. 2007. 69f.
Dissertation. (Master in Nunsing) Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
ABSTRACT
In the daily of the maternities of the city of Rio de Janeiro, although the efforts of some
public managers and the obstetrics nurses, we witness full hospitals, rigid norms that the
woman compels to delouse itself of its clothes and its familiars. In this field, the
obstetrical nursery is inserted in the humanization movement that if has worried about
the pregnancy and childbirth as a reproductive right. Amongst the principles that guide
the care of the obstetrical nurses, constructed by Progianti and Vargens (2004), we
detach what it says that the obstetrical nurse must defend the respect to the privacy and
the security of the woman in labor. This principle is based on the physiology of the
childbirth, therefore as Odent explains (2000), the woman has an innate mechanism to
give birth without interventions and she requires a surrounding insurance with low
stimulates rational and with privacy. Thus, this study it has left of the premise that lives
deeply it of the privacy in the labor is basic for its physiology and questions as the
woman lives deeply the daily privacy in the hospital one that is an adverse environment
for such intention. This research had as object the experience of privacy for the women
in labor in daily the hospital and its objectives had been: to analyze how the women
understand the privacy in the experience to give birth in daily the hospital and to argue
the strategies of experience of privacy for the daily woman in labor in the hospital one. It
was used as referencial theoretical daily and the privacy for Michael Maffesoli (1984)
and the strategies of daily confrontation of the favorable one to the privacy classified by
it. It is a descriptive study with qualitative boarding in which had been carried through
interviews half-structuralized with ten women that they had labor of normal childbirth in a
municipal maternity of Rio de Janeiro. For the categorization of the data we follow the
steps of the analysis of content of Bardin (1977). The study it showed that daily the
hospital one is presented inadequate for the privacy as definition; it evidenced two
groups of women: the ones that don´t value the privacy and the ones that value the
privacy being that all the groups had carried through strategies to live deeply daily
privacy in the hospital one. The strategies used for the women had been: the
astuteness, silence, duplicity and acceptance of the life that are elaborated by the
imaginary one of the women during the childbirth (MICHEL MAFFESOLI, 1984). We
conclude that the privacy, valued or not is necessary during the childbirth, therefore to
offer privacy is to take care of so that the woman has the possible childbirth most
physiological. Ahead do displayed, we suggest that the privacy is a care of nursing
valued during the labor and birth, as much as routines do daily how much no imaginal
world to the customers, therefore the privacy is part of our code of ethics and, moreover,
it´s a important humanization care for who fight for this flag.
Keywords: Privacy; Women´s health; Obstetrical nursery; Labor.
10
SUMÁRIO
I- INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
II- REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................15
2.1 A vida cotidiana na perspectiva de Michel Maffesoli...............................................15
2.2 A privacidade no cotidiano pós-moderno................................................................19
2.3 As categorias compreensivas do cotidiano por Michel Maffesoli aplicadas à
mulher em trabalho de parto.........................................................................................21
2.4 O mundo imaginário das mulheres em trabalho de parto........................................24
III- METODOLOGIA......................................................................................................26
IV- A privacidade no entendimento da parturiente que vivencia o cotidiano
Hospitalar......................................................................................................................30
V- A dualidade da privacidade na vivência das mulheres em trabalho de
parto...............................................................................................................................37
VI- As estratégias para vivenciar privacidade no trabalho de parto no cotidiano
hospitalar ......................................................................................................................47
VII- A privacidade como um cuidado da enfermeira obstétrica................................51
VIII- CONCLUSÃO..........................................................................................................60
IX- REFERÊNCIAS.........................................................................................................62
X APÊNDICES E ANEXO............................................................................................65
11
I. INTRODUÇÃO
Este estudo faz parte de uma das minhas grandes conquistas nos últimos anos,
pois cursar o mestrado coloca-me em uma posição de responsabilidade em pesquisas
cientificas na área de enfermagem a qual entendo como fundamental para o
reconhecimento e o respeito dessa profissão.
Proponho-me, nesta etapa, buscar respostas para fortalecer e direcionar as
ações da enfermagem pautadas no movimento de humanização da assistência, pois
na graduação obtive informações que me conscientizaram sobre a necessidade de
mudança do modelo vigente de assistência à saúde da mulher. Pensando nisso, o tema
escolhido para esta dissertação é a privacidade no trabalho de parto, uma vez que, em
minha experiência profissional, enquanto professora de assistência à saúde da mulher,
pude perceber a falta de privacidade à qual as parturientes estão submetidas,
caracterizando um descuidado na assistência hospitalar.
As maternidades públicas no Brasil geralmente atendem a maior parte das
mulheres que não têm condições de utilizar os serviços oferecidos pelas instituições
privadas de saúde. A assistência ao parto nos hospitais é, muitas vezes, perversa
porque anula de diversas formas a possibilidade de a mulher e sua família vivenciarem
os aspectos subjetivos desse momento.
Muitas mulheres grávidas, ao procurarem assistência na rede pública de serviço,
passam por uma rotina iniciada na busca de uma vaga e uma provável peregrinação
por algumas unidades de saúde, finalizada com a separação da família durante a
internação e com a permanência no pré-parto, usualmente um espaço coletivo, junto
com outras mulheres também em trabalho de parto ou com outras intercorrências
obstétricas, sem qualquer privacidade ou atenção às suas necessidades particulares
(DINIZ, 2005).
No cotidiano hospitalar, particularmente nas maternidades do município do Rio
de Janeiro, presenciamos uma assistência ao parto sem contemplação do suporte
social e emocional às mulheres. O modelo biomédico impera neste contexto: hospitais
cheios, regras, horários, normas rígidas, e a mulher logo é obrigada a despojar-se de
suas roupas, pertences e até de sua família (DINIZ, 2005).
12
Na questão da assistência ao parto e ao nascimento, o atual modelo dominante
tem diminuído a confiança na capacidade inata da mulher para dar à luz sem
intervenção, justificando o alto índice de cesárea nos tempos modernos. A mulher é
colocada em uma posição passiva em um leito hospitalar, seus movimentos são
limitados pela instalação de um soro e qualquer atitude diferente assumida por ela é
considerada rebeldia e logo reprimida pela equipe (BRASIL, 2001 e LESSA, 2003).
Estamos passando, atualmente, por um processo de transição muito importante
no que se refere à assistência à mulher em trabalho de parto. uma tentativa de fuga
do modelo biomédico de assistência obstétrica para uma assistência natural mais
independente, retornando ao conceito de que o parto é um momento comum na vida da
mulher e pode, em uma esmagadora maioria, ser realizado com o mínimo ou sem
nenhuma intervenção externa. Essa concepção está presente no movimento de
humanização
1
criado para resgatar o nascimento como evento existencial e sócio-
cultural.
No programa de humanização do pré-natal e nascimento (Brasil, 2000), observa-
se a preocupação com os aspectos legais dos direitos das mulheres, e o manual do
parto, aborto e puerpério (Brasil, 2001) enfatiza logo no seu prefácio a importância da
humanização na assistência obstétrica relatando simplesmente que humanizar é
reconhecer a individualidade e a cidadania, é estabelecer relações menos desiguais e
menos autoritárias para o profissional estabelecer um nculo com a mulher e ser capaz
de perceber as reais necessidades dela e a capacidade de lidar com o processo do
nascimento.
As enfermeiras obstétricas estão inseridas nesse movimento de humanização da
assistência baseada no cuidado, cujas características marcantes são o estabelecimento
de uma relação e o contato direto com o paciente, pois é no momento de troca que
humanizamos e nos reconhecemos como seres humanos (OLIVEIRA, ZAMPIERI e
BRUGGEMANN, 2001, p. 124).
Desse modo, o cuidado da enfermeira obstétrica é humanizado porque gera
práticas não-invasivas e segue alguns princípios. Um deles, apontado por Progianti e
Vargens (2004), preceitua que a enfermeira deve defender a segurança da parturiente e
1
Movimento social surgido em 1993, com a criação da Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento
(REHUNA).
13
o respeito à privacidade. Esse princípio da enfermagem obstétrica é fundamentado na
fisiologia do parto, pois como explica Odent (2000) a mulher possui um mecanismo
inato de parir sem necessitar de intervenções e requer somente um ambiente seguro,
privativo e com baixo estímulo racional.
Focalizando o preceito de respeito à privacidade, questiono-me se a vivência de
privacidade é possível no ambiente hospitalar e por isso as questões norteadoras deste
estudo são: Como está inserida a privacidade no cotidiano hospitalar de assistência ao
parto? É possível vivenciar privacidade nesse cotidiano? Assim, o objeto deste estudo é
a vivência da privacidade pelas parturientes no cotidiano hospitalar.
Sendo assim, foram elaborados os seguintes objetivos para esta pesquisa:
Analisar como as mulheres compreendem a sua privacidade na
experiência de parir no cotidiano hospitalar.
Discutir as estratégias de vivência de privacidade pela parturiente no
cotidiano hospitalar.
A privacidade é um tema muito importante, haja vista os debates atuais sobre
esse tema na comunidade das ciências da saúde. No cotidiano das práticas de saúde,
inúmeros conflitos de natureza bioética como, por exemplo, a confidencialidade
sobre as informações do prontuário e a permissão de acompanhante, que requerem
reflexão e estabelecimento de novas leis, normas e regulamentos administrativos
(SACARDO e FORTES, 2000, p. 308).
A definição de privacidade, segundo Ferreira (1986, p. 1394), é vida privada, vida
íntima, intimidade. Do latim privatu, privus, significa particular, o que não é publico. Essa
palavra possui muitas dimensões, sendo um princípio que envolve intimidade,
autonomia, espaço territorial, espaço pessoal, a honra das pessoas e se constitui como
um direito de cidadania. Apresenta-se inserido nas normas constitucionais vigentes
(SACARDO e FORTES, 2000, p. 308).
O princípio de privacidade foi valorizado no programa de humanização, como
podemos destacar no protocolo da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1996), que
estabelece ações a serem implantadas, no atendimento ao parto normal, como
podemos constatar na seguinte conduta: respeitar o direito da mulher à privacidade no
local do parto.
14
A privacidade, segundo Odent (2000), é necessária para o processo de trabalho
de parto - o qual envolve liberações hormonais - ocorrer com mais facilidade e favorecer
a mulher grávida ao amenizar a dor e diminuir o tempo da parturição.
Sabemos que os efeitos da privacidade se dão na própria fisiologia do parto, mas
ações, como colocar biombo e manter a parturiente em um espaço reservado, por
exemplo, favorecem sentimentos de segurança, bem-estar e confiança à essa mulher
assistida.
Para o parto ocorrer fisiologicamente, a privacidade deve ser oferecida, mas
então o que acontece se não houver privacidade no ambiente onde a mulher irá parir?
São necessárias estratégias para vivenciar esse cotidiano e por isso buscamos Michel
Maffesoli, teórico francês, para nos explicar o cotidiano e as estratégias de
enfrentamento do mesmo.
Tal estudo justifica-se pela necessidade de embasamento científico para o
cuidado de enfermagem, especificamente voltado para a preservação da privacidade
uma vez que poucas pesquisas sobre esse tema na área da saúde, principalmente
na enfermagem obstétrica. Como podemos perceber na busca pela base de dados da
Bireme, quando utilizado o descritor privacidade, foram encontrados 49 referências
sobre o tema no LILACS, três artigos de revista no SCIELO e vinte referências no
BDENF, sendo estes ligados em sua maioria à privacidade de informações e à internet.
Na enfermagem, a privacidade está relacionada ao paciente crítico. Não foi encontrada
nenhuma referência sobre privacidade no trabalho de parto e saúde da mulher,
justificando, assim, a busca de estudo sobre o tema privacidade e a sua relação com a
parturição.
Procuramos com esta pesquisa contribuir para a fundamentação de um dos
princípios de cuidados não-invasivos do parto e trazer novas discussões para a
enfermagem, uma vez que a preservação da privacidade constitui um grande desafio
no contexto da saúde por ser um tema muito complexo que requer reconhecimento de
princípios e de bioética.
Esta pesquisa está inserida no programa de mestrado da Faculdade de
Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e no Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem, Mulher, Saúde e Sociedade (NEPEN-MUSAS).
15
II. REFERÊNCIAL TEÓRICO
2.1 A vida cotidiana na perspectiva de Michel Maffesoli
A vida cotidiana para Maffesoli deve ser entendida na sua essência, na sua
realidade, compreendendo como ela é e não como deveria ser. Este capítulo tem a
finalidade de desvelar o cotidiano sob a ótica desse autor que nos traz novas reflexões
acerca do presente.
As sociedades tradicionais privilegiam o passado. A modernidade, de modo
semelhante a todas as épocas progressistas, privilegia o futuro. Outras civilizações,
como o período da decadência romana ou o renascimento, acentuam antes o presente.
A pós-modernidade, nossa época atual, insiste também no presente. E o presente é o
mundo "no estado em que está" (MAFFESOLI, 1998).
Para Maffesoli
2
(1998) dizer sim à vida é "afirmar a existência". Consiste em
celebrar o tempo presente, em "canonizar o que existe", em fazer uma fusão, natural e
matricial com o mundo, reconhecendo o sentido trágico da vida. Nessas condições, não
como superar o mundo nem como estigmatizá-lo. O mundo de amá-lo, sem
partilha, por aquilo que ele é.
Diríamos então que em Michel Maffesoli o acento agudo do presente não traz
qualquer responsabilidade acrescida sobre o estado do mundo; o que ele nos impõe é o
“retorno ao antigo, ao arcaísmo", que paradoxalmente faz par com o desenvolvimento
2
Michel Maffesoli é docente catedrático de sociologia na Sorbonne, Paris V, presidente do Centre d’Études sur
I’Actuel et le Quotidien (CEAQ) e diretor do Centre de Recherche sur I‟Imaginaire na Maison des Sciences de
I‟Homme. É diretor da Revista Sociétes e do Cahiers de I”Imaginaire.
16
tecnológico. A pós-modernidade não é, aliás, outra coisa para Maffesoli (2003) que a
conjunção do arcaísmo e do desenvolvimento tecnológico. A tecnologia estabilizaria a
existência, integraria o seu contrário, mesmo o seu oposto, um pouco à maneira do
pensamento inicial. Mas essa seria a marca, ao que diz, do sentimento trágico da vida,
a marca do "reconhecimento de uma lógica da conjunção".
Maffesoli (1999) parte de um outro pressuposto: da falsidade de uma ética da
existência, na qual há incompatibilidade irresistível do ser e do dever ser dentro da vida
social. Devido a isso, o autor dá uma ênfase reiterada ao abordar o cotidiano, extraindo
dele categorias não-alienantes, mas valorizantes. Assim, procura compreendê-lo tal
como ele é, não pretendendo ver nele o que deveria ser. A concepção de cotidiano em
Maffesoli, sendo mais explícito, diz que os fatos do dia-a-dia se apresentam cheios de
significados importantes e fazem parte do enfrentamento da realidade.
Esse autor entende que a teoria da alienação do cotidiano pressupõe uma forte
passividade das massas. Ele não aceita que os dominados sejam simples receptores
passivos da ideologia dominante. Essa versão do social não leva em conta a
criatividade, a genialidade das massas face às coerções exercidas sobre eles e, cabe
aqui refletir, no modelo biomédico, a posição submissa da mulher ao parir, pois, se por
um lado essa passividade é imposta, por outro, ela não é completamente vítima, uma
vez que em um momento histórico (séculos XIX e XX) as gestantes da alta classe social
consideravam status essa submissão médica como diz Riessman (1993), confirmando o
pensamento de Maffesoli.
Para Maffesoli (1984), a proposta de compreensão da vida cotidiana é -la
como é e não como ela deveria ser, fundamentada em numa visão microssocial, na
qual ocorre manifestação de uma força vital independente de explicações econômico-
políticas. Ele valoriza os pequenos fatos da vida cotidiana ao mostrar a sua importância
social.
Esse autor possui obras com sensibilidades teóricas, ou seja, com compreensão
e empatia que revelam a sociedade pós-moderna com uma razão sensível da qual
compartilham em coletividade sentimentos e emoções, enquanto que na modernidade
predominava uma razão abstrata, concreta e individual. Esse é o período em que as
17
pessoas buscam o prazer, a qualidade das relações - e elas são intensas - visando o
tempo presente e não o futuro como era na progressiva modernidade.
O cotidiano é considerado um espaço privilegiado da análise social por conservar
cada indivíduo e a espécie nas relações que compõem a “socialidade”, definida por
Maffesoli (1984) como um conjunto de práticas cotidianas que escapam ao controle
social rígido, insistindo em uma perspectiva hedonista, tribal, sem perspectivas
futuristas, enraizando-se no presente. As relações que compõem a socialidade
constituem o verdadeiro substrato de toda vida em sociedade, não da sociedade
contemporânea, mas de toda vida em sociedade.
São os momentos de despesa improdutiva, de engajamentos efêmeros, de
submissão da razão à emoção de viver o "estar junto" que agrega determinado corpo
social. Assim, a socialidade "faz sociedade", desde as sociedades primitivas, com seus
momentos efervescentes, ritualísticos ou mesmo festivos, até as sociedades
tecnologicamente avançadas com sua barroquisação através das imagens. A
socialidade é a multiplicidade de experiências coletivas baseadas o na
homogeneização ou na institucionalização e racionalização da vida, mas no ambiente
imaginário, passional, erótico e violento do dia-a-dia, do cotidiano do "homens sem
qualidade” (MAFFESOLI, 1998).
O autor nos revela que as diversas manifestações da sociedade contemporânea
mostram o esgotamento dos meta-relatos da modernidade e da idéia de futuro. A vida
cotidiana contemporânea vai insistir na dimensão do presente; em um presente caótico
e politeísta, caracterizando um primeiro conceito-chave da socialidade: o
"presenteísmo", a ênfase no presente em detrimento de perspectivas futuristas. A
socialidade não seria assim contratual, no sentido dos engajamentos políticos fixos ou
de classes sociais definidas e estanques. Ela seria efêmera, imediata e empática.
Maffesoli (1999) cita vários exemplos dessa socialidade presenteísta em suas
análises da sociedade contemporânea (agrupamentos urbanos, festas e rituais, moda,
tecnologia, megaeventos esportivos etc.) Dessa forma, a socialidade tem em sua
dimensão comunitária seu momento fundador, sendo conduzida por aspectos de
imaginário e de pertencimento a um grupo.
18
A abordagem de Michel Maffesoli (1984) é de uma sociologia crítica voltada a
fazer aparecer em toda sua verdade aquilo que os diversos poderes mascaram em prol
da ordem, do progresso, da modernidade, da civilidade, da normalidade. Socialidade
que procura demonstrar que, lidando com esses poderes, assim como com suas
máscaras, hipocrisias e fingimentos, os indivíduos e as massas igualmente fazem uso
de máscaras, astúcias, cinismos e jogos duplos para resistir às imposições resultantes
da automação social e da ação desses mesmos poderes: uma sabedoria trágica
atuando de maneira conformista com o próprio jogo societal circundante.
O modelo biomédico de assistência à parturiente é exemplo desse poder
massacrante, conduzido pela modernidade progressiva e racional, refletida no cotidiano
hospitalar das mulheres que ali parem. Lembrando que hoje a sala de parto é palco de
conflito entre os paradigmas tecnocráticos e humanísticos ainda coexistentes.
Na proposta de compreensão do cotidiano segundo Maffesoli, valoriza-se o inútil,
o jogo duplo, o cinismo, a trama social a partir de minúsculas situações vividas no
cotidiano no qual cada pequeno gesto não é desprovido de sentido. A relativização e a
busca do reencantamento, do prazer, da paixão e do gozo do presente são posturas
constatadas em um tempo pós-moderno.
O cotidiano torna-se o lócus privilegiado de produção de sentido, onde por meio
de mediadores simbólicos o ser humano desdobra sua cotidianeidade, assumindo, sem
remeter ao futuro, o que ela tem de melhor e de pior. Um estudo do cotidiano dirige o
olhar do pesquisador para uma dimensão e centra sua atenção em um sujeito, em uma
família, em um pequeno grupo social, identificado pelas práticas minúsculas que
elabora (MAFFESOLI, 1984).
Para Maffesoli (1984), o minúsculo cotidiano é importante para apreender a
socialidade residente em um misto de sentimentos, paixões, imagens e diferenças que
incitam a relativizar as certezas estabelecidas e remetem a uma multiplicidade de
experiências coletivas. A potência social tenta se exprimir por meio da socialidade. Para
além da moral estreita do dever-ser, existe um imoralismo dinâmico, traduzindo uma
profunda exigência ética, cujo único sentido é o de viver junto, coletivamente.
No cotidiano hospitalar, particularmente das maternidades municipais do Rio de
Janeiro, a socialidade nas salas de pré-parto se entre parturientes que vivenciam
19
esse momento coletivamente em um ambiente desfavorável para o nascimento. A
comunicação entre expressões, sinais de dor e sofrimento são comuns nesse espaço
físico. Vivenciar privacidade nesse momento requer estratégias, pois o espaço físico e a
rotina medicalizada ainda não contemplam a privacidade física defendida pela
enfermagem, com a colocação de biombo e cortinas, por exemplo.
Os detalhes importantes da vida cotidiana como a privacidade da parturiente, por
exemplo, assumem relevância para Maffesoli e é para eles que devemos voltar nossa
atenção se quisermos compreender a socialidade existente no cotidiano hospitalar e
descobrir como a mulher vivência a privacidade nesse meio. Veremos agora a
importância da privacidade na era pós-moderna.
2.2 A privacidade no cotidiano pós-moderno
Do cotidiano se ocupam a mídia e, hoje cada vez mais, a arte e a ciência. As
íntimas relações entre o cotidiano, a aparência, o artifício e a efemeridade encontram
no ambiente da comunicação um exemplo extremo e grotesco, despertando fascínio e
interesse em milhões de espectadores (MAFFESOLI, 2003). A mídia e a arte trazem em
suas apresentações esse cotidiano fascinante que é o dia-a-dia das pessoas comuns e
celebridades e isso significa o interesse coletivo por esses fatos corriqueiros. Como
exemplo, os quadros de pintores pós-modernos que retratam a realidade nas favelas, e
a arte dos artesãos do nordeste que retratam em esculturas de barro os retirantes e as
mulheres trabalhadoras.
A mídia traz essa realidade em programas que nos mostra o cotidiano das
pessoas, como o Big Brother, por exemplo, e a ciência desenvolve tecnologias capazes
de tornar também público o nosso dia-a-dia em sites de internet com intenção
exibicionista, como o Orkut, por exemplo.
Para entender melhor o tema da privacidade nos dias atuais e como os novos
contornos dessa esfera estão vinculados às tecnologias da informação, é necessário
contextualizar a idéia corrente de s-modernidade. É bem verdade que caracterizar o
20
momento vivido não é tarefa das mais fáceis; mais ainda quando as pistas capazes de
auxiliar a identificá-lo são muitas vezes fugidias imagens retratadas em meios
eletrônicos. Interpretar a pós-modernidade passa fundamentalmente pelo entendimento
da sofisticação dos meios de comunicação e a forma como estes fazem parte do
cotidiano do homem contemporâneo.
A sensibilidade do pensamento de Maffesoli aos modos de existência e às
práticas pós-modernas encontra na sua atenção conferida ao cotidiano um dentre
muitos exemplos. Se considerarmos a cena da comunicação contemporânea, ambiente
privilegiado de constituição da sociabilidade e das subjetividades pós-modernas,
notamos sem muito esforço um interesse latente pelo cotidiano. A explosão de reality
shows das mais diversas naturezas na televisão, a forte presença da produção
documental no cinema contemporâneo, o recente fenômeno dos weblogs, webcams,
fotologs e do Orkut na internet, revelam-nos um cotidiano profusamente exposto,
olhado, documentado, publicado, vigiado, espreitado. Certamente os casos
mencionados portam as suas especificidades e não nos revelam um mesmo e único
cotidiano. No entanto, todos apontam para o que se deseja ressaltar e explorar nesta
dissertação: o cotidiano como lugar de extrema visibilidade na atualidade. Esse lugar
comum, ordinário, geralmente deixado no anonimato e na sombra, ganha notoriedade e
torna-se foco de múltiplos olhares. Um cotidiano sem privacidade (MAFFESOLI, 2003).
A característica mais evidente dessas práticas e dispositivos é sua extrema
mediocridade - de um modo geral, tanto as suas escolhas formais quanto os seus con-
teúdos são muito próximos do ridículo. É comum nos sentirmos envergonhados por
estarmos testemunhando cenas, pequenos dramas e conversações tão ordinárias. No
entanto, esse mesmo terreno de banalidades pode nos revelar algo sobre o modo como
estamos tecendo nossa cotidianeidade, nossa subjetividade e nossa relação com o
olhar do outro.
Como mostra Maffesoli (1998), a crítica que rapidamente põe em obra uma
lógica do dever-ser e da denúncia de manipulação impede o aprendizado da
ambigüidade dos fenômenos sociais e comunicacionais, que muitas vezes nos revelam
mais „verdades‟ que ilusões e encarnam, naquilo que têm de mais superficial, frívolo e
banal, os processos reais e concretos da existência social na contemporaneidade.
21
Um primeiro aspecto a considerar é o caráter exposto, explícito e mesmo
obsceno do cotidiano. Nos ambientes públicos em questão, a vida cotidiana assume
uma expressão prioritariamente superficial e visível ao olhar do outro. Se a moderni-
dade produziu uma topologia do cotidiano que circunscrevia o espaço privado e seus
diversos níveis de vida interior - casa, família, intimidade, psiquismo -, a pós-mo-
dernidade inverte essa topologia e volta o cotidiano para espaço aberto dos meios de
comunicação e seus diversos níveis de vida exterior - tela, imagem, interface, interati-
vidade. Ao mesmo tempo, a escala ótica do cotidiano encontra-se transformada. Os es-
paços interiores e privados da modernidade correspondia um regime de visibilidade que
guardava regiões de sombra e de opacidade onde se recolhiam e se associavam o
secreto e o autêntico, o recôndito e o verdadeiro.
Enfim, Maffesoli surge nessa nova composição uma manifestação social
espontânea, facilitada por meios como a internet. Seria uma espécie de retorno à
valoração da esfera pública, fortalecendo a idéia de que este início de século está
mesmo marcado por uma crise de valores e a privacidade em especial perde sua
importância.
2.3 As categorias compreensivas do cotidiano por Michel Maffesoli aplicadas à
mulher em trabalho de parto
Este capítulo vem apresentar as categorias de análise do cotidiano
desenvolvidas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli, importantes neste estudo para
compreendermos as estratégias de privacidade utilizadas pelas parturientes no
cotidiano hospitalar.
Maffesoli (1984) propõe as seguintes categorias para análise da vida cotidiana: a
aceitação da vida, a duplicidade, o silêncio, a astúcia e a solidariedade orgânica. A
apreciação da vida cotidiana por meio dessas categorias se fundamenta em uma
perspectiva formista e simbólica, que importância ao fantástico, à ficção e ao
símbolo da vida cotidiana. Nesse sentido, as categorias nada mais o do que as
grandes formas nas quais se molda a potência social e por isso permitem a apreensão
da vida cotidiana em sua labilidade e simbolismo, ou seja, em todos os aspectos
22
desconsiderados nas abordagens reducionistas, as quais conseguem dar conta do
“lado iluminado” do social, o político-econômico e o ideológico. Este, embora
onipresente e ruidoso, deve ser relativizado por uma abordagem como a proposta pelo
autor que procura dar conta do “lado da sombra” do social (MAFFESOLI, 1999).
A aceitação da vida
Segundo Maffesoli (1984), a aceitação da vida ou do destino só é possível
porque o tempo da vida cotidiana é cíclico. Com base nisso, o afrontamento do destino
é o horizonte insuperável do estudo do cotidiano, e, sendo assim, faz-se necessário
compreender a negação da linearidade.
O tempo é vivido na sua incoerência fundamental e apresenta tanta importância
porque é determinante para a representação e a prática existencial. A aceitação
cristaliza todo o sentido em um momento vivido e pontual e por isso dá dignidade a
esse momento, pois a vida cotidiana é rica de imprevistos e aberta a múltiplas
potencialidades (MAFFESOLI, 1984).
Para Maffesoli (1984), o reconhecimento de uma ambivalência estrutural do dado
social termina na aceitação do mundo tal como ele é. A repetição cíclica e o tempo
fracionado deixam ver aquilo que uma visão linear e monodimensional não permite
perceber. A aceitação do dado social não seria possível se não fosse apresentado de
uma maneira plural, rico de imensas possibilidades.
Para tornar mais explícitas as palavras desse autor, exemplificamos com nossa
experiência profissional, que nos permite perceber a vivência de privacidade pelas
parturientes no cotidiano hospitalar, o medo e o sofrimento em relação à dor do trabalho
de parto. Além disso, a sala de pré-parto é um ambiente coletivo, onde a mulher se
despida e obrigada a aceitar as rotinas impostas pela instituição. Nesse contexto, ela
toma atitudes de enfrentamento para ajudá-la a passar por esse período com um tempo
cíclico.
A aceitação da vida ou do destino faz parte desse enfrentamento. Apesar de
essas estratégias variarem, algumas mulheres aceitam os momentos de sofrimento
vividos e, mesmo a vida não seguindo um padrão de linearidade, apresentam uma força
23
que se renova com a experiência do ir e vir a cada minuto do seu tempo. Aceitar essa
situação de vida pode ser considerado um sinal de sabedoria e de saúde social para a
mulher superar essa fase.
A duplicidade
Para Maffesoli (1984), a máscara ou a duplicidade é elemento de importância no
processo de ritualização. Segundo o autor, a máscara é uma maneira de nos
protegermos contra o absoluto, sob todas as suas formas, traduzindo, assim, a
contingência humana. As mulheres em trabalho de parto no ambiente hospitalar vivem
momentos de contradição e ambivalência, pois, ao mesmo tempo que sentem dor,
sentem alegria por dar à luz seus filhos.
Outra questão de duplicidade, muitas vezes encontrada na sala de parto, é
quando a mulher, insatisfeita com determinado profissional ou conduta rotineira, cala-se
diante da situação e utiliza a máscara e o jogo duplo como meios de proteção.
O duplo jogo é uma arma temível que relativiza fortemente a importância do
conteúdo. É uma maneira pertinente de responder ao artificialismo do dado social. O
jogo duplo constitui um refúgio. A máscara surge para criar uma arte de viver, cujo
centro é a distância permitida por esse jogo duplo. Ao imposto, não oposição frontal,
mas uma duplicidade dissimulada que, ao conservar as aparências de normalidade,
possibilita salvaguardar a existência do tanto para si, daquilo que estrutura cada
indivíduo (MAFFESOLI, 1984).
A astúcia e o silêncio
Sobre a astúcia, Maffesoli (1984) diz que não se deve estranhar essa resistência
de modo a permitir a conservação da própria pessoa. A mulher em trabalho de parto é
astuta quando utiliza meios de burlar a rotina imposta como, por exemplo, mesmo
restrita ao leito por uma infusão venosa de soro com ocitocina, a mulher deambula com
o suporte de soro sendo empurrado. Assim, ela mantém o equilíbrio sobre sua vida e
cria meios de lidar com as inúmeras situações ocorridas no cotidiano hospitalar.
Essa busca do equilíbrio no cotidiano específico da sala de parto é estruturada
pela forma de a parturiente se conduzir perante os profissionais e as situações. Nesse
24
sentido, muitas vezes, a mulher se silencia em determinados momentos, preocupada
em manter uma conduta que não desagrade aos profissionais e à instituição.
Dessa forma, a astúcia e o silêncio tornam possível a resistência e a
permanência da socialidade no ambiente hospitalar, pois, astutamente, as pessoas
contrapõem ao instituído um silêncio polido, abrindo a possibilidade para a existência
de brechas no espaço social e para a manutenção da identidade e do reconhecimento.
A solidariedade orgânica
Segundo Maffesoli (1984), a solidariedade orgânica privilegia o afeto, elemento
mediador das relações sociais que compõem a socialidade, na qual se arraiga o mundo
da vida cotidiana, feito de participação e de solidariedade. Esse mundo de relações
invisíveis, mas não menos concreto, é uma manifestação dessa solidariedade e
evidencia o valor do cotidiano no viver das pessoas como palco no qual se expressam
as relações da vida comum e do tempo presente da existência.
As parturientes e suas acompanhantes compartilham, no palco da sala de parto,
momentos de dor, sofrimento, impotência, mas também alegria e vitória de quem ganha
um presente de Deus, e nessa união elas se fortalecem para superar essa difícil
jornada. A solidariedade orgânica é essencial à coesão do grupo e garante a partilha
sentimental de valores, lugares e idéias.
Para o autor, a solidariedade orgânica é um dos elementos estruturantes da
socialidade a qual agrupa os indivíduos pelo fundamento do fazer e sentir comum, do
prazer de estar com o outro e do viver o aqui e o agora. Nesse sentido, relativiza-se o
poder uma vez que a potência vem do orgânico, do simbólico do coletivo e remete ao
pluralismo e à diversidade real enquanto forma social, indicando uma solidariedade que
ele chamou de orgânica.
Enfim, tais categorias de análise constituem a ferramenta capaz de penetrar nas
respostas oferecidas pelas entrevistadas, favorecendo a linha metodológica que
organiza e seleciona o material, de modo a nos permitir compreender melhor como se
passa a vivência de privacidade da parturiente no cotidiano hospitalar e quais
25
estratégias ela utiliza, pois ainda hoje essa realidade é arraigada no modelo biomédico
de assistência.
2.4 O mundo imaginário das mulheres em trabalho de parto
A socialidade tem em sua dimensão comunitária seu momento fundador
(Maffesoli, 2003), sendo conduzida por aspectos de imaginário e de pertencimento a
um grupo. Para o autor, a técnica desempenha um papel importante nesse processo,
pois, ao invés de inibir as situações comunitárias e imaginárias da sociedade, as novas
tecnologias agirão como potencializadoras dessas situações.
Foi necessário buscar para o presente estudo subsídios no imaginário descrito
por Maffesoli. Para ele, o imaginário “é uma força social de ordem espiritual, uma
construção mental, que se mantém ambígua, perceptível, mas não quantificável”. (...)
“O imaginário é algo que ultrapassa o indivíduo, que impregna o coletivo ou, ao menos,
parte do coletivo” (MAFFESOLI 2001, p. 75).
Esse autor revela que em geral o imaginário, o real, é oposto ao verdadeiro. O
imaginário seria uma ficção, algo sem consistência ou realidade, diferente da realidade
econômica, potica ou social, que seria, digamos, palpável, tangível. Essa noção de
imaginário vem de longe, de séculos atrás. Em uma definição mais romântica, o
pensamento contra a filosofia racionalista tratava de demonstrar como as construções
dos espíritos podiam ter um tipo de realidade na construção da realidade individual.
Mas esse conceito ganhou força quando Gilbert Durand escreveu uma obra-prima:
as estruturas antropológicas do imaginário indicaram como o real é acionado pela
eficácia do imaginário, das construções do espírito (MAFFESOLI, 2001, p. 75).
O imaginário estreitamente ligado à idéia de fazer parte de algo é definido como
um reservatório no qual imagens, sentimentos, lembranças e visões do real são
agregadas e formam o imaginado. Por intermédio desse mecanismo individual/grupal
que se sedimenta um modo de ver, ser, agir, sentir e de aspirar ao estar no mundo. O
imaginário traz a possibilidade de reinterpretar, reconstruir, ser um co-autor em um
universo cultural e social, pois pelo “imaginário cada um faz sua obra de arte” que, a
26
partir de seu ponto de vista, de sua subjetividade e de sua interferência, torna-se obra
coletiva. (MAFFESOLI, 2001, p. 80).
Se o imaginário descrito por Maffesoli é o estado de espírito de um grupo que
estabelece um tipo de vínculo entre seus membros, então é “cimento social” que une
em uma mesma atmosfera seus interesses, objetivos, subjetividades e aprendizagens.
Outra questão importante apontada por Maffesoli sobre o imaginário é a sua
apresentação como “um elemento racional, ou razoável, mas também outros
parâmetros, como o lúdico, a fantasia, o imaginativo, o afetivo, o não-racional, o
irracional, os sonhos, enfim, as construções mentais potencializadoras das chamadas
práticas” (MAFFESOLI 2001, p. 76).
Se pensarmos nas comunidades do cotidiano hospitalar como espaço de
agrupamentos humanos, oportunizados pela comunicação, é possível afirmar que
existe estimulação imaginal. Isso porque, em um primeiro momento, as pessoas têm o
sentimento de pertencer a algo e, em um segundo momento, pelos engendramentos
comunicacionais estabelecidos nesse espaço, realiza-se um processo de assimilação,
apropriação e partilha dos sentidos.
O senso de pertencimento é possível em virtude de uma territorialidade
simbólica, manifestada nas ações executadas no ambiente hospitalar. As mulheres
participam, emitem opiniões, constroem novos significados, tecem uma rede de
cooperação oportunizada pelo processo de comunicação bidirecional que torna o
espaço não só físico como virtual (MAFFESOLI, 2001).
Assim, a possibilidade de participação e construção de novos significados faz as
pessoas se sentirem coletivamente imbricadas em uma rede de cooperação,
remetendo-nos a Maffesoli (2001) que afirma estar em jogo na atualidade uma “cultura
do sentimento”, pois a preocupação dos grupos é o vivido coletivamente e em um
contexto imaginal emergente.
III. METODOLOGIA
Tipo de estudo
27
Definido o objeto de estudo, os objetivos a serem alcançados e o referencial
teórico, descrevemos então a proposta metodológica deste trabalho.
Esta é uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. Optamos por essa
abordagem por não querermos quantificar, mas sim descrevermos significados e
situações, enfatizando mais o processo do que o produto, retratando as perspectivas de
cada participante. Nesse sentido, Minayo (1994, p. 21-22) ressalta que:
A pesquisa qualitativa trabalha com universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
Os sujeitos e o cenário
Os sujeitos foram 10 puérperas que tiveram parto vaginal auxiliado por
enfermeiros (entendendo que a mulher é a protagonista do parto). Como em fase de
trabalho de parto as mulheres necessitam de menor racionalização possível, optamos
por entrevistá-las no puerpério para que ainda se lembrassem do momento anterior, ou
seja, do parto sem incomodo no trabalho de parto. Caracterização dos sujeitos:
IDADE
NÍVEL
ESCOLAR
OCUPAÇÃO
PARIDAD
E
Nº DE
CONSULTAS
TEMPO DE
PUERPÉRIO
18
5ª SÉRIE
CAMELÔ
GI PI A0
6
1º DIA
18
AUX.SERV.GERAIS
GI PI A0
5
15
ESTUDANTE
GI PI A0
6
23
AUX.SERV.GERAIS
GIII PIII A0
4
29
AUX. DE CRECHE
GIV PIII AI
6
21
DOMÉSTICA
GI PI A0
6
21
AUX. DE ENFER.
GI PI A0
6
20
DOMÉSTICA
GIII PIII A0
6
17
ESTUDANTE
GII PII A0
6
21
AUX.SERV.GERAIS
GIII PII AI
7
O cenário escolhido foi uma instituição hospitalar da Secretaria Municipal de
Saúde do Rio de Janeiro, a Maternidade Carmela Dutra, inserida na política de
humanização ao parto e nascimento e, por isso, tem a participação da enfermeira
obstétrica na assistência ao parto, adaptada para atender aos princípios desse modelo.
28
O município do Rio de Janeiro (SMS-Rio) merece destaque por ter sido um
grande iniciador da implementação das políticas de humanização incentivadas pelo
Ministério da Saúde. Diniz (2005) afirma que a partir de 1994 foram realizadas
mudanças, em maior ou menor grau, nas áreas físicas e nas instalações na maioria das
maternidades municipais do Rio de Janeiro para atender aos objetivos do Ministério da
Saúde.
A Maternidade Carmela Dutra sofreu reformas que lhe possibilitaram oferecer
área individualizada para o pré-parto, permitindo maior privacidade para a presença de
acompanhante, espaço para movimentação, banheira própria para trabalho de parto e
parto e módulo obstétrico para parto vertical. Os ambientes foram suavizados com a
utilização de cores agradáveis na pintura e tornados mais confortáveis com poltronas
para acompanhante e cadeiras próprias para amamentação, em uma tentativa de torná-
los mais acolhedores e confortáveis, aproximando-se da idéia de casa (Diniz, 2005).
Hoje, o cenário do centro obstétrico dessa maternidade relacionado ao parto
normal é composto por três salas onde a parturiente passa todo o trabalho de parto não
necessitando sair para parir, pois a cama permite variação de posição e as parturientes
dão à luz nesse mesmo espaço. Esse cenário traria conforto e privacidade se não fosse
a grande demanda dos dias atuais. No cotidiano real há sempre salas lotadas, corredor
cheio do centro obstétrico, uma maca ao lado da outra e, muitas vezes, o parto ocorre
na própria maca.
Técnica de coleta de dados
Para dar conta dos objetivos, realizamos no período de agosto a setembro de
2007 entrevistas semi-estruturadas com perguntas semi-abertas (Apêndice A), pois
entendemos ser a melhor opção para a coleta dos dados, uma vez que, consideramos
necessária a presença do pesquisador durante a reflexão e a resposta das
entrevistadas, acompanhando suas reações, obtendo, assim, informações verbais e
não-verbais, conforme proposto por Leopardi (200, p. 202).
Para Laville e Dionne (1999, p.188), essa entrevista é do tipo parcialmente
estruturada, pois “se apóia em temas particularizados e questões abertas formuladas
29
antecipadamente, mas sem restringir a plena liberdade do acréscimo de outras
perguntas improvisadas”.
Aspectos éticos
Neste estudo respeitou-se a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde -
declarações e diretrizes sobre pesquisas envolvendo seres humanos; que assegura os
direitos e os deveres e dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa
e ao Estado (POLIT e HUNGLER, 1990, p. 295-301).
Assim, foi elaborado o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice B),
no qual os sujeitos preferenciais da pesquisa puderam manifestar sua participação
mediante os devidos esclarecimentos acerca do estudo, sendo solicitada à depoente
autorização para utilizar suas respostas nesta pesquisa. Desse modo, as entrevistadas
foram identificados por pseudônimos (letras do alfabeto) para garantir o seu anonimato.
Respeitando-se os aspectos éticos e legais de uma pesquisa, foi realizado o
cadastro no Sisnep e enviado ao comitê de Ética da Prefeitura Municipal do Rio de
Janeiro. O projeto foi aprovado (Protocolo 67/07 em anexo A) e os dados coletados
após autorização.
Método de análise
Os dados obtidos foram examinados a partir da análise de conteúdo de Bardin
(1977) por uma das formas utilizadas em uma pesquisa qualitativa. Minayo (1999) cita
que nessa fase estabelecemos uma compreensão dos dados coletados, buscando
estabelecer uma articulação entre o conhecimento sobre o assunto pesquisado e o seu
contexto cultural.
Segundo essa mesma autora, a expressão mais comumente usada para
representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa é análise de conteúdo.
Em termos gerais, a essa avaliação relaciona estruturas semânticas (significantes) e
estruturas sociológicas (significados) dos enunciados.
Conforme Bardin (1977, p. 42), análise de conteúdo pode ser definida como:
30
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção de mensagens.
Utilizamos, então, dentre as técnicas de análise de conteúdo, a análise temática,
que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja
presença ou freqüência de aparição pode significar alguma coisa para o objetivo
analítico escolhido (BARDIN, 1977). Nesse estudo, as unidades de significação foram
frases.
Após o levantamento dos depoimentos dos sujeitos, foi realizada a ordenação
dos dados, ou seja, a transcrição dos depoimentos, a releitura do material e a
organização dos achados, utilizando o quadro proposto pela professora Denize Cristina
de Oliveira (Apêndice C). Foram levantadas as unidades de registro, posteriormente os
temas e, por último, foram estabelecidas as categorias.
Segundo Bardin (1977, p. 106), o tema é:
Geralmente utilizado como uma unidade de registro para estudar motivações de
opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências etc. A seguir estes temas
serão reorganizados por similaridade temática em conjuntos mais abrangentes, as
categorias.
Após análise, surgiram as seguintes categorias: I - A privacidade no
entendimento da parturiente que vivencia o cotidiano hospitalar; II - A dualidade na
perspectiva de privacidade nos tempos modernos; e III - As estratégias para vivenciar
privacidade no cotidiano hospitalar.
Na discussão dos dados foi observado que todas as mulheres entrevistadas
utilizaram estratégias para vivenciar privacidade no cotidiano hospitalar. No entanto,
nesse universo de mulheres, foram encontrados dois grupos: as que valorizaram a
privacidade e as que não valorizaram a privacidade. A discussão foi realizada à luz do
referencial teórico de Michel Maffesoli e do conhecimento adquirido no desenvolvimento
do estudo, buscando, assim, atingir os objetivos desta pesquisa e refletir sobre essa
temática atual.
31
IV. A PRIVACIDADE NO ENTENDIMENTO DA PARTURIENTE QUE VIVENCIA O
COTIDIANO HOSPITALAR
Nessa categoria, descreveremos as definições de privacidade elaboradas pelas
puérperas entrevistadas, com o intuito de conhecer o significado conceitual desse tema
sob a ótica dos sujeitos da pesquisa, antes de discutirmos suas perspectivas morais
sobre a privacidade no processo do parto e do nascimento.
Contemplando o primeiro objetivo de analisar como as mulheres compreendem a
sua privacidade na experiência de parir no cotidiano hospitalar, iremos expor as
características desse cotidiano, apresentando seu ambiente físico, as pessoas inseridas
nele e suas rotinas de acordo com os relatos das entrevistadas.
As definições de privacidade sob a ótica das puérperas
Ao estudar este tema percebemos a dificuldade de se conceituar o termo
privacidade por ser abrangente e implicar outras referências para sua compreensão.
Foi verificado que todas as entrevistadas sentiram dificuldade ao serem questionadas
sobre o significado de privacidade para elas. Muitas pensaram bastante antes de
responder, algumas usaram exemplo para explicar, mas todas responderam, mesmo de
um modo mais simples, em conformidade com as definições pesquisadas, como
veremos a seguir.
A definição mais utilizada foi a de espaço territorial, ou seja, privacidade no
sentido de local, espaço físico, como podemos observar nas seguintes respostas:
Eu acho que é a gente ter o nosso espaço... Poder ter a nossa liberdade, eu acho que
isso é privacidade. (Entrev. D)
Privacidade é ficar cada um sozinho no seu lugar. (Entrev. E)
Por exemplo: se eu vou ao banheiro, eu o quero que ninguém fique lá...ter meu
espaço sozinha. (Entrev. F)
Privacidade pra mim é quando você quer ficar sozinha no seu canto... (Entrev. J)
Compreendemos então a definição de espaço o qual Hegel apud Abbagnano
(2003, p. 351) afirma ser mera forma, uma abstração da exterioridade imediata. O
32
espaço abrange três dimensões: a natureza, relacionada à lugar, ou seja, ambiente
físico; a realidade, como estrutura métrica, como, por exemplo, um recipiente; e a
subjetividade, que está no imaginário das pessoas e elas abstraem projetando esse
espaço.
O espaço territorial compreende o lugar onde o indivíduo está inserido, o local, a
localização e seus arredores e se aproxima da dimensão do espaço a respeito da
natureza. O espaço pessoal é aquele imaginário no qual a pessoa estabelece seus
próprios limites, separando com uma linha ilusória seu corpo e o ambiente externo que
o cerca (SAWADA ET AL, 1998).
A definição de espaço pessoal, mesmo em menor escala, também foi observada
nas seguintes respostas:
...não invadir o espaço... tanto o local quanto o pessoal. (Entrev. G)
Também tem aquela privacidade que é a do seu próprio corpo... Você tem sua
intimidade e por isso decide se a pessoa pode ver seu corpo ou não, tocar ou não.
(Entrev. H)
Conceituar privacidade referindo-se ao espaço territorial torna-se mais fácil por
este ser concreto e objetivo, diferente do espaço pessoal, que necessita da imaginação,
da subjetividade, tornando-se difícil ser reconhecido nas relações pessoais.
Sacardo e Fortes (2000, p. 309) afirmam que a palavra privacidade origina-se do
adjetivo “privatividade”, ou melhor, caráter do que é privativo, próprio de alguém,
dele, não público, reservado, de foro íntimo. Essa definição é a que chega mais perto
da escrita por Ferreira (1986) no dicionário, no qual privacidade significa particular, o
que não é público.
Essa foi a resposta mais utilizada, pelas mulheres entrevistadas, depois do
espaço territorial, como podemos constatar:
Você ter um lugar só seu, suas coisas, seu corpo... (Entrev. C)
...acho que é quando você tem seu próprio local como sua casa, seu lar, seu espaço.
(Entrev. H)
...eu acho que é aquilo que é seu como seu quarto, seu corpo, seus segredos, sua
intimidade. (Entrev. I)
Allen (1995, p. 2067) divide a privacidade em dois conceitos: o primeiro é o de
privacidade física, que denota liberdade de contato com outras pessoas, ou melhor, a
pessoa decide com quem e em qual nível deseja estabelecer contato. O segundo
33
conceito está relacionado à confidencialidade, sinônimo de segredo, confidência e
anonimato. Também encontrado nas entrevistas:
Um exemplo: você está conversando comigo um assunto que ninguém pode ouvir...
Você tem que ter privacidade para falar comigo. (Entrev. B)
Quando você não quer mostrar suas coisas pra ninguém, sabe? Cartas ou algum
segredo. (Entrev. J)
Privacidade é a limitação do acesso de um indivíduo às informações, ao acesso
à própria pessoa, à sua intimidade, envolvendo as questões de anonimato, sigilo,
afastamento ou solidão. É a liberdade que o paciente tem de não ser observado sem
autorização (GOLDIM, 2006).
A palavra intimidade, sempre presente nas definições de privacidade, significa,
segundo Ferreira (1986, p. 961), qualidade de íntimo, vida íntima, particular. Ainda o
mesmo autor define íntimo como sendo o que está muito dentro, atua no interior, no
âmago: íntimo da alma. O princípio da privacidade é requerido então para a
preservação dessa intimidade.
No dicionário de Filosofia (ROSA, 1965, p. 986-87), encontramos que algo é
íntimo quando é muito interior e está ligado à extrema interiorização. Descobrimos
ainda que o termo é mais bem utilizado para referir-se a algo espiritual. Por se tratar de
um assunto tão reservado quanto à sua definição, passamos a compreender a
dificuldade de se concretizar o significado da palavra privacidade, pois no íntimo da
alma encontramos o imaginário, local onde estão nossos sentidos e sensos comuns e
dele parte nossa significação para esse termo.
Assim, foram apresentados e discutidos os conceitos de privacidade encontrados
na pesquisa. Relacionaremos adiante com a realidade hospitalar.
A realidade do cotidiano hospitalar descrito pelas puérperas
Analisaremos agora a descrição do cotidiano hospitalar narrado pelas puérperas
cujos filhos nasceram em uma maternidade pública do Rio de Janeiro. Já na internação,
observamos sinais de falta de privacidade que incomoda as parturientes que ali
chegam, seja pela intimidade perdida ou pela rotina já imposta:
34
Eu cheguei com muita dor... O doutor me examinou e mandou-me subir... ali, no
elevador já foi horrível: eu sentindo dor e as pessoas me olhando. (Entrev. A)
Cheguei à emergência com cólica e minha bolsa tinha estourado... me mandaram
trocar a roupa, colocar essa camisola... fiquei na sala com outras grávidas. (Entrev. C)
Nesse sentido, Domingues (2002) nos informara que as gestantes chegam a
essas maternidades em trabalho de parto e são internadas em um ambiente hostil,
longe de seus familiares, e recebem, sem autonomia, as rotinas impostas por essas
instituições, causando-lhes um sofrimento desnecessário.
Observamos uma assistência ao parto que não contempla o suporte social e
emocional às mulheres. Nesse contexto ainda encontramos o modelo biomédico:
hospitais cheios, regras, horários, normas rígidas e a mulher logo é obrigada a
despojar-se de tudo que é seu como roupas, pertences e até de seus familiares. O
cotidiano hospitalar foi descrito como um ambiente frio, sem reservas, um espaço
coletivo, com rotinas desconfortantes e sem privacidade, como podemos constatar nas
seguintes falas:
As portas ficam abertas, então todo mundo que passa vê. É acompanhante, médico,
enfermeira, estagiário... (Entrev. D)
Tem um monte de mulher gritando... Ah, uma coisa ruim foi a porta aberta. Todo
mundo que passava me via tendo meu filho. (Entrev. B)
Quanto às pessoas inseridas nesse ambiente, temos:
Eu sabia que iria ter muita gente, mas pensava que a gente ficasse num espaço
separado. (Entrev. C)
São muitos estagiários, muitos médicos, enfermeiras, muitas mulheres parindo... Então
você não tem o cuidado só pra você! (Entrev. D)
O atual modelo dominante tem diminuído a confiança na capacidade inata da
mulher para dar à luz sem intervenção. Lessa (2003) afirma que a mulher é colocada
em uma posição passiva em um leito hospitalar, aceleram seu parto com soro e
ocitocina, tomam a sua autonomia e desrespeitam sua privacidade. Com exceção das
rotinas medicalizadas, temos um ambiente hostil, conturbado, permeado de sofrimento
e excessivamente cheio de gente.
35
Atualmente, estamos passando por um processo de transição muito importante
no que se refere à assistência à mulher em trabalho de parto. Ocorre uma tentativa de
fuga do modelo de assistência obstétrica biomédica para uma assistência natural mais
independente, retornando ao conceito de que o parto é um momento comum na vida da
mulher e pode acontecer com o mínimo ou sem nenhuma intervenção externa. Esse
movimento busca enfrentar o modelo atual porque este transforma o parto e o
nascimento em fenômenos patológicos, totalmente medicalizados, e não deixa espaços
para a realização social da família e da sociedade, enquanto evento existencial e
psicológico.
A humanização do parto é definida pela Organização Mundial de Saúde (1996)
como “um conjunto de práticas que visam à promoção do parto e nascimento
saudáveis”. Nessas práticas estão inclusos o respeito ao processo fisiológico e a
dinâmica de cada nascimento, nas quais as intervenções devem ser cuidadosas,
evitando os excessos e utilizando criteriosamente os recursos tecnológicos disponíveis.
Mas o que acontece na prática ainda está longe de ser humanização. Ainda
permanece um cotidiano frio com rotinas medicalizadas, mostrando a coexistência entre
a ideologia de humanização e a prática biomédica, tecnocrata, como podemos destacar
no uso de ocitocina e episiotomia nas puérperas entrevistadas:
...vim para a sala de parto, a enfermeira colocou um remédio (ocitocina) e nasceu
rapidinho. (Entrev. G)
Na hora, a mulher teve que dar um corte (episiotomia) porque a cabeça dele já tava lá,
mas aí a mulher teve que dar um corte se não ele não ia conseguir. (Entrev. F)
A humanização da atenção em saúde é um processo contínuo e demanda
reflexão permanente sobre atos, condutas e comportamentos de cada pessoa envolvida
na relação. É preciso maior conhecimento de si para melhor compreender o outro com
suas especificidades e para poder ajudá-lo sem procurar impor valores, opiniões ou
decisões (BRASIL, 2004).
Talvez seja essa a explicação para a realidade hospitalar relatada pelas
mulheres que acabaram de parir em uma maternidade cujo movimento de humanização
está inserido: os profissionais ainda não se conscientizaram de que a qualidade da
assistência é tão importante quanto o assistir.
36
A valorização das tecnologias de intervenção, tanto por parte das parturientes
quanto por profissionais, a despeito de seus benefícios, vem ocultando uma
medicalização indiscriminada, no qual o desejo das mulheres tem contado muito pouco,
principalmente nos setores mais pobres da população, com menor acesso à informação
(DINIZ, 2005).
A privacidade está intrínseca ao movimento de humanização. respeito ao
processo fisiológico e ao reconhecimento da individualidade. Foi nesse sentido que
houve mundialmente uma mobilização para o desenvolvimento das políticas de
humanização da assistência. No âmbito internacional, na década de 80, a Organização
Pan-americana de Saúde (OPS) e os Escritórios Regionais da Europa e Américas da
OMS realizaram três conferências de consenso sobre tecnologia apropriada para
assistir ao pré-natal, ao parto e ao nascimento. A primeira WHO (World Health
Organization) foi realizada em Washington; a segunda, em Fortaleza, em abril de 1985
(DINIZ, 2005).
Diniz (2005) conta que a terceira conferência foi realizada em Trieste, em
outubro de 1986, e enfatizou que certos direitos são fundamentais para atitudes e
práticas na atenção ao parto, nascimento e pós-parto, tais como o direito de escolha da
mulher sobre o local do parto e do profissional; o de ter sua integridade e privacidade
preservadas; o respeito ao nascimento como uma experiência pessoal, sexual e familiar
e a proteção das crianças contra abuso e maus-tratos.
Nesse momento, percebemos que, na terceira conferência em 1986, a
Organização Mundial de Saúde trata diretamente da privacidade da mulher parturiente.
Exatamente dez anos depois, em 1996, foi elaborado um guia prático, classificando os
procedimentos de rotina no parto normal, no qual é possível identificar ações úteis a
serem encorajadas para atenderem ao princípio de privacidade como: fornecimento de
assistência obstétrica no qual a mulher sentir-se-á segura e confiante; respeito ao
direito da mulher à privacidade no local do parto; respeito à escolha da mulher quanto
ao acompanhante durante o trabalho de parto e parto (OMS, 1996). Essa privacidade
foi valorizada por algumas mulheres entrevistadas. Elas demonstraram por suas falas
que gostariam de vivenciá-la no momento do seu parto:
37
...até que eu gostaria de ter privacidade, principalmente na hora terrível da dor que eu
estava tendo. O nosso corpo fica muito exposto... Se tivesse como tornar menos
exposto seria melhor. (Entrev. A)
Nessa hora é que eu não gostei porque toda hora vinha alguém colocava a mão “lá” e
diziam: tem um centímetro, tem quatro... (Entrev. B)
Para atender a esses anseios, foi reaberta, em 1994, a Maternidade Leila Diniz,
um marco para o município do Rio de Janeiro, como afirma Domingues (2002). Como
podemos verificar, foi adequado o espaço físico aliado a um espaço acolhedor,
favorecendo o princípio da autonomia e, mesmo não funcionando tão bem quanto
planejado, as enfermeiras que ali trabalhavam lutavam por essas condições.
O avanço do município do Rio de Janeiro em prol da melhoria da assistência à
saúde da mulher foi percebido em uma pesquisa sobre o levantamento das estratégias
utilizadas pela SMS-RJ para desmedicalizar o parto na cidade. Verificou-se que as
enfermeiras obstétricas das maternidades desse município estão preocupadas em dar
assistência de qualidade à mulher no ciclo gravídico-puerperal e estão fazendo a
diferença ao utilizarem cuidados não-invasivos, procurando oferecer segurança e
privacidade a essa mulher (LOPES; GOMES e PROGIANTI, 2003).
Apesar de toda essa mobilização das enfermeiras, necessitamos de mudanças
profundas na estrutura física, na assistência e na conscientização dos profissionais
para o ambiente hospitalar tornar-se capaz de oferecer qualidade e dignidade às
usuárias do serviço. Concluímos, portanto, que a realidade do cotidiano hospitalar
vigente é desfavorável para a vivência de privacidade conforme definida pelas
puérperas entrevistadas, pois um “descuidado” no que se refere à privacidade na
assistência hospitalar.
38
V. A DUALIDADE DA PRIVACIDADE NA VIVÊNCIA DAS MULHERES EM
TRABALHO DE PARTO
Discutiremos nessa categoria a valorização e a não valorização da privacidade
pelas mulheres enquanto sua moral, cultura e sua representação na vida das
parturientes entrevistadas. Essa dualidade emergiu claramente ao analisar as
entrevistas.
O curioso foi que todas as entrevistadas, como demonstrado, definiram
privacidade de acordo com os conceitos mais difundidos e, mesmo assim, percebemos
diferenças individuais quanto à sua valorização pelas mulheres, comprovando que a
consideração social acerca do tema está sofrendo mudanças significativas como
revelou Maffesoli, embora ainda persista a moral universal defendida pela bioética.
A valorização da privacidade pelas mulheres sob a ótica da moral universal
A metade das entrevistadas considera a privacidade como um princípio
necessário ao bem-estar das parturientes hospitalizadas e se incomodam com sua
ausência mesmo quando utilizam estratégias para vivenciá-la em seu imaginário. Nos
relatos abaixo descritos, podemos perceber a importância desse tema para as
parturientes:
Perto da privacidade que eu queria ter eu não tive. Eu gostaria, mas acho que aqui não
é possível... (Entrev. A)
Todo mundo que passa vê você lá naquela situação absurda (nua). (Entrev. D)
39
Se fosse quarto separado, na hora que a gente fica esperando para ter, seria melhor.
(Entrev. J)
A mulher, com sua particularidade, estabelece limites entre o que pode ser
público e o que deve ser privado em sua vida. A intimidade encontra-se na esfera
privada e a solidão e o sigilo permitem a manutenção do termo íntimo. A necessidade
de preservar a intimidade é uma exigência moral da personalidade para que em
determinadas situações a pessoa seja deixada em paz, controlando assim a
curiosidade de outros em assuntos privados (SACARDO e FORTES, 2000).
Considerando a vida privada, as pessoas estabelecem muito tempo no
desenvolvimento das sociedades anglo-saxãs a delimitação do que é público e privado,
constituindo realidades históricas diferentes. Como podemos destacar, as parturientes
valorizam a sua intimidade em um espaço privado:
O nosso corpo fica muito exposto, se tivesse como tornar menos exposto seria melhor.
(Entrev. A)
Eu não gostava de mostrar minha barriga quando eu estava esperando... Eu não sou
exibida! (Entrev. C)
Eu queria esconder tudo, cobrir tudo, até fechar as pernas eu fechei porque eu não
queria que ninguém visse. É uma situação constrangedora. (Entrev. D)
As sociedades sempre fizeram distinções claras entre o que deveria ser oculto e
o que deveria ser visível, o particular e o comum, o compartilhado e o secreto (ARIES e
DUBY, 1991). No público assumia-se um papel social predominado pelos homens; no
privado encontravam-se as mulheres, seus filhos e não interessava a ninguém o
comportamento das pessoas nesse espaço. Tomar ciência de fatos da vida privada de
alguém era considerado perversão e tinha conotações de imoralidade. Assim, percebe-
se que, no passado, havia uma delimitação bem definida do público e do privado e,
atualmente. há uma crise desses parâmetros.
Hannah Arendt, uma das tantas autoras dedicada a verificar a formação das
esferas pública e privada, mostra, a partir da palavra “privatividade”, que, na
Antigüidade, o caráter privativo da privatividade estava ligado primeiramente ao fato de
se ver privado de algo e não de viver algo em caráter privado, resguardado dos olhares
40
públicos. Conforme Arendt (1997, p. 48), nesse peodo da História, viver uma vida
privada significava não participar da esfera pública - o que era muito importante.
Falar dos espaços privado e público remete-nos à necessidade fisiológica do ser
humano em estabelecer espaços para si. Respeitar essas demarcações é necessário
para atendermos ao princípio de privacidade, pois o homem como um ser social
organiza-se dentro de proximidades físicas e relaciona-se com outros dentro de um
determinado limite, ou seja, de um espaço. A gestante, quando sai de seu domicílio,
perde o domínio de seu espaço territorial e, se é hospitalizada, normalmente vivencia
situações de menor privacidade e controle sobre seu corpo e a área que a circunda,
constituindo uma invasão territorial e do espaço pessoal. Como exemplo, temos o
seguinte relato:
Tudo tem limite, a partir do momento que você começa a passar para o espaço do
outro... Eu não acho isso legal, eu respeito muito isso... Eu sei aonde eu posso ir e
também não admito que ninguém invada o meu. (Entrev. G)
A invasão do território e do espaço pessoal da parturiente pode levar a reações
adversas como ansiedade, inquietação e ao estresse psicológico. A reação geralmente
depende da percepção da mulher sobre tal situação e de múltiplos fatores como
necessidade individual, experiências de vida e pressões culturais, remetendo-nos às
questões morais e éticas.
Na Enciclopédia de Bioética Norte-americana, a privacidade é referenciada na
dimensão de um valor, reivindicação moral, um fato ou direito moral. Possui um
conceito complexo e fundamental na determinação das práticas e no cuidado à saúde
(ALLEN, 1995, p. 2065).
As discussões no campo da Bioética são cada vez mais freqüentes, pois
necessidade imediata de atitudes para proteger a privacidade do indivíduo, atendendo
aos princípios fundamentais de respeito à dignidade humana. Sendo assim, veremos o
que já existe nas leis e normas para a proteção do princípio de privacidade.
A privacidade é um princípio constitucional e faz parte da declaração dos direitos
humanos. Conforme Sacardo e Fortes (2000), esse princípio está contido no caso
brasileiro, na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5
o
, referente aos direitos
individuais e coletivos. No inciso X, afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida
41
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”. Em resposta aos anseios e às
inquietações da população, a Organização das Nações Unidas (ONU) promulgou, em
1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assegurando, no Art. 12º, que
“ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais
intromissões ou ataques toda pessoa tem direito à proteção da lei".
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (2006), verificamos
preocupação, também, das comunidades política e científica com a proteção dos
indivíduos, desenvolvendo mecanismos de controle, como o Código de Nuremberg
3
em
1947, a Declaração de Helsinque
4
em 1964 e, no Brasil, isso se efetivou com a
formulação da Resolução 196/96, pelo Conselho Nacional de Saúde.
No caso dos enfermeiros, a Comissão de Ética de Enfermagem tem o propósito
de educar, opinar, prestar consulta, fiscalizar e assessorar em questões éticas o
exercício da profissão, durante atuação na assistência, ensino, pesquisa e
administração.
Investigamos sobre a participação da enfermeira obstétrica no processo de
desmedicalização do parto e verificamos que as profissionais estão preocupadas em
dar assistência de qualidade à mulher no ciclo gravídico-puerperal e estão fazendo a
diferença, utilizando cuidados não-invasivos, procurando oferecer segurança e
privacidade a essa mulher.
Nós, enfermeiros, para cuidarmos em uma atitude humanizada devemos
reconhecer o princípio da privacidade, pois o indivíduo estabelece seus valores, suas
crenças, suas expectativas, necessidades e prioridades próprias de cada um. Os frutos
de sua criação familiar, formação escolar, experiência de vida e vivência influenciarão
3
Elaborado após um tribunal americano que condenou médicos que fizeram pesquisas com seres humanos na
guerra nazista da Alemanha. Esse documento pode ser considerado como um marco na história da humanidade,
pois pela primeira vez foi estabelecida uma recomendação de repercussão internacional sobre os aspectos éticos
envolvidos na pesquisa em seres humanos.
4
Declaração feita pela Associação Médica Mundial, na Finlândia, para orientação de médicos quanto à pesquisa
biomédica envolvendo seres humanos.
42
suas escolhas, atitudes e responsabilidades. Veremos abaixo as sugestões das
puérperas quanto ao oferecimento de privacidade:
É lógico que querer exclusividade não dá, mas eles podiam evitar que ficasse todo
mundo te olhando... Podiam colocar você num espaço que só a enfermeira ou o
médico te vissem, sabe? Um espaço reservado. (Entrev. A)
Acho que deveria colocar mais boxes porque são quatro ou cinco e na noite que
ela nasceu, nasceram dez com ela, então acho que tendo mais boxes não ficaria todo
mundo junto. (Entrev. D)
Poderia mudar como colocar cortina porque eu não gostei de ficar exposta. (Entrev. G)
A pessoa exerce com liberdade a decisão sobre o que é bom ou não para si,
considerando, é claro, um indivíduo consciente. Sendo assim, quem cuida deve
estabelecer uma relação de ajuda com quem é cuidado, deve ouvir opiniões, esclarecer
dúvidas e, sempre que possível, adequar sua assistência às particularidades do cliente.
Devemos oferecer às gestantes escolhas quanto ao local do parto, posições que
lhe convém e pessoas significativas para presenciar esse momento. Fornecer-lhes
informações sobre as condutas e valorizar a opinião delas fazem parte de um novo
modelo de assistência que respeita a dignidade humana.
Nós profissionais de saúde devemos respeitar a privacidade de acordo com o
preconizado por lei e pelo movimento de humanização do parto, pois o fato de a
parturiente valorizar ou não será considerado apenas para a compreensão e posterior
escolha da assistência a ser oferecida. Aquela que se importa será atendida, mas para
aquela que desvaloriza não fará diferença se agirmos com uma atitude humanizada.
A desvalorização da privacidade pelas mulheres na pós-modernidade
Discutiremos, neste capitulo, a privacidade nos dias atuais, pois nos
surpreendemos quando constatamos a desvalorização desse termo por outra metade
das entrevistadas. Na verdade, percebemos que a vida íntima não mais importava para
as parturientes que vivenciavam seu parto através de estratégias em seu imaginário.
Faz-se necessário para a compreensão do nosso ritmo de vida atual um retorno
histórico ao estabelecimento das sociedades nos assuntos públicos e privados. De
acordo com Arendt (1997), na Antigüidade, não havia mesmo o uso dos princípios de
43
privacidade e individualismo. Existia uma diferenciação entre os espaços público e
privado, mas não da mesma forma de hoje. O importante era a vida pública,
considerada essencial apara a formação da identidade. A vida privada era relativa
muito mais às mulheres que eram impossibilitadas de uma ação pública efetiva porque
não eram tidas exatamente como cidadãs.
A vida pública no Império Romano era exaltada a tal ponto que, em geral, as
pessoas abastadas da sociedade eram sempre tratadas como figuras pertencentes a
essa esfera, mesmo não exercitando uma função observada hoje como de caráter
essencialmente público, como a política. A força da esfera pública na vida dos romanos
é demonstrada por Veyne (1991, p. 117) a partir de fatos cotidianos que hoje ganhariam
conotação exclusivamente privada. Esses acontecimentos recebiam na Roma Antiga
outro tratamento. Um casamento ainda que, em segundas pcias, e a passagem de
um filho do sexo masculino da infância para a puberdade eram algumas das situações
oportunas para um romano promover um banquete, inclusive com distribuição de
dinheiro.
A percepção de que essa maneira de viver começava a mudar pode estar no
final da civilização romana, conforme observa Arendt (1997). Para a autora, nesse
período, existiam traços rudimentares de uma idéia de privacidade mais próxima da
utilizada na contemporaneidade.
Como podemos perceber, a vida pública na Antigüidade tinha mais valor que a
privada. Conforme Michel Maffesoli, pesquisador das relações humanas no cotidiano,
as sociedades emergiram de um mundo em desenvolvimento com objetivo de
progresso em uma razão concreta visando ao futuro. Nessa perspectiva, a sociedade
individualista com uma moral universal estabeleceu os limites para que cada indivíduo
pudesse sozinho e competitivamente alcançar seu desenvolvimento para um bem maior
- o progresso. Nesse contexto valoriza-se a privacidade a qual põe limite entre os
espaços público e privado.
Esse limite pode ser compreendido pelas várias definições de privacidade
apresentadas, pois o que não é público, ou seja, o íntimo deve ser guardado, protegido
e preservado de forma física ou virtual.
44
Para alguns historiadores, na Idade Média, foram observados traços reveladores
de uma existência efetivamente privada, retratada nas trivialidades da vida cotidiana.
Philippe Ariès e Georges Duby (1991, p. 24) demonstram começar haver necessidades
mais relacionadas à individualidade nas residências do período medieval. A ponto de os
chefes de família poderem contar até mesmo com um espaço reservado para redigirem
suas memórias, um estúdio, para onde se retiravam e podiam escrever, de forma
privada, longe dos olhares curiosos. Ali relatavam suas impressões sobre o cotidiano,
sobre si mesmos e sua família: “No limite, poder-se-ia dizer que, na sociedade feudal, a
área do público se embota, se encolhe, e que, ao termo do processo, tudo é privado,
que a vida privada penetra tudo”.
Para muitos autores, a consagração da privacidade ocorreu no século XIX, etapa
que incrementou a separação entre os espaços público e privado. Durante os séculos
XVIII e XIX, ocorreram grandes transformações sociais, políticas e econômicas na
Europa, como a Revolução Francesa e a consolidação da Revolução Industrial. A partir
desses fatos houve mudanças reveladas nos hábitos sociais da população e nas
manifestações artísticas.
Para Sennet (1998, p. 35) foram mesmo os traumas do capitalismo do século
XIX que levaram os indivíduos a “se protegerem de todas as maneiras possíveis contra
os choques de uma ordem econômica que nem vitoriosos nem vítimas entendiam”. Ao
construir uma história do privado, Sennet mostra que, com a turbulência social
provocada pela industrialização, o desejo de todos era estar protegido do público e
refugiar-se cada vez mais em uma esfera privada, em um mundo seguro.
É correto afirmar, como assegura Arendt (1997), que, a partir de uma
constituição de idéia de privacidade, tudo tido como natural que viesse a público passou
a ganhar nova conotação. Com o advento de um senso do privado, o fato de uma
atividade se dar em particular ou em público mudava completamente o seu caráter e o
da esfera na qual essa ação se inseria.
A predominância da esfera privada sobre a esfera pública tem para Sennet
(1998, p. 55) muitas conseqüências funestas, tanto em áreas de reconhecida
importância, como o exercício da potica, como nas frivolidades reveladoras. Na
45
medida em que a vida pública se encolheu, as pessoas se tornaram menos
expressivas, “desprovidas de arte na vida cotidiana”.
Dessa forma a atividade política ganhou outras variações. Sennet (1998) explica
que, com o passar do tempo, houve uma inversão nesse campo: o critério de
credibilidade política levado em conta hoje considera de forma demasiada a vida
privada do cidadão que se lança a essa atividade, construindo o chamado por ele de
superposição do imaginário privado sobre o imaginário público.
A família é o refúgio do indivíduo moderno. Somente na família o cidadão pode
se expressar de forma mais ampla, a o ser que ele seja um político ou um artista,
pessoas consideradas portadoras de dons especiais, que a elas foi concedido o
direito a uma vida pública realmente expressiva (ARIÈS e DUBY, 1991).
Como relatou Arendt (1997), havia a exacerbação do privado que enfatizou o
“eu” íntimo em detrimento do “eublico e, ao mesmo tempo, promoveu sentimentos
dúbios, pois havia o desejo e a necessidade de ocultar, mas também surgia a vontade e
até mesmo uma necessidade de espiar pelo buraco da fechadura.
Esses sentimentos dúbios explicam o início da decadência da privacidade, do
íntimo, da vida privada a qual nos trouxe surpresa ao notarmos que tanto a fala verbal
quanto a não-verbal (gestos, atitudes e movimentos) das entrevistadas correspondiam
a uma não valorização da privacidade diferentemente do pensado quando estudamos o
assunto em uma perspectiva bioética, da moralidade universal como veremos a seguir.
As entrevistas nos surpreenderam pelo desinteresse de algumas mulheres sobre
o tema e por isso foi necessário utilizarmos o recurso da entrevista semi-estruturada
para realizar perguntas mais específicas como:
Incomodou ficar num lugar com outras pessoas? Não! (Entrev. B)
Alguém invadiu seu espaço? Não. estou acostumada a vir para essa maternidade e
já sabia como era o espaço, cheio. (Entrev. H)
“A privacidade morreu”. A afirmação categórica de Maffesoli (1998) demonstra a
percepção de alguns teóricos sobre a esfera privada na atualidade. A questão está
relacionada ao fortalecimento e à democratização das tecnologias da informação e à
facilidade com que, nos dias de hoje, tudo pode ser posto à cena. Seguindo esse
46
raciocínio, a sensação de privacidade invadida corre o risco de revelar um sentimento
datado, localizado mais ou menos entre o período pós Revolução Industrial e a
Alvorada do século XXI. Não são poucos os indícios de que o privado, como existia até
aqui, padece. É como se todos os acontecimentos do cotidiano merecessem mesmo
ser tornados públicos, para, no olhar alheio, ganharem conotação de realidade.
Então o valor da privacidade em uma sociedade tribalista, que compartilha
sentimentos e emoções, é questionado por Michel Maffesoli. Ele profetisa o hedonismo
e o saber dionisíaco nas sociedades atuais. Temos como exemplo o “funk”, originado
nas comunidades carentes, que, apesar de escandalizar com sua sexualidade aflorada,
ainda assim contagia muitas tribos. Esse autor aposta para o começo de outro tempo,
sem espaço para uma vida privada nos moldes conhecidos, cujas novas tecnologias
têm o papel de provocar um transe coletivo que anuncia outro momento. Assim temos a
respeito da invasão ao espaço pessoal as seguintes respostas:
Como se sentiu quando a tocaram e quando ficou nua? Ah, normal. (Entrev. E)
Incomodou quando a examinaram (toque)? Acho isso normal. Eles estão ajudando.
(Entrev. I)
Analisando os fatos do presente, não se trata de afirmar que, hoje, a privacidade
morreu como provocou Maffesoli, nem de registrar um transbordamento da esfera
pública por meio de práticas relacionadas aos meios de comunicação, mas apenas
constatar que pelo menos a idéia de privado, adotada no século XIX com tanto fervor,
tem espaço limitado na atualidade. Até porque a sociedade contemporânea não dispõe
de ambientes tão simplificados para assegurar um controle social que garanta as boas
maneiras e a civilidade. Essa “tranqüilidade” ao se expor nos revela um pudor
desnecessário, uma vergonha inexistente, fruto do cotidiano contemporâneo que ao
aceitar a sociabilidade partilha seu espaço pessoal ao invés de torná-lo íntimo.
Descobrimos então ser este o tempo no qual as pessoas buscam o prazer, a
qualidade das relações - e elas são intensas - visando ao tempo presente e não ao
futuro como era na progressiva modernidade. Na pós-modernidade, chamada por
alguns autores de contemporaneidade, alguns sentimentos e emoções o ser
47
partilhados em coletividade. Esse respirar coletivo remete segundo Maffesoli (1998) a
uma ética da estética.
Para Cruz (2005), a ética da estética constitui-se, justamente, em emoções
partilhadas e vivenciadas em comum. Uma faculdade de sentir em comum. Dessa
maneira, a ética é definida como uma contraposição à moral castradora instituída
socialmente. Seria uma espécie de moral sem restrições, sem fronteiras, limites ou
barreiras. Acerca dessa ética da estética, perguntamos ainda, em uma atitude
confirmativa, algumas sugestões para oferecermos privacidade às parturientes naquele
cotidiano hospitalar:
Sugestão para oferecermos privacidade? Ela riu e disse sei lá. (Entrev. I)
Esse “negócio” de privacidade... Aqui na maternidade está sempre muito cheio... não
dá pra querer ficar sozinha. (Entrev. B)
Acho que não precisa ser mudado nada porque eles me trataram muito bem, gostei
muito daqui. (Entrev. F)
Com o fim de uma moral universal e o nascimento de uma moral plural, estão se
desenvolvendo, aos olhos de Maffesoli, um relativismo moral visível. Quanto à estética,
deve-se compreendê-la no seu sentido mais simples: “vibrar em comum, sentir em
uníssono, experimentar coletivamente, tudo o que permite a cada um, movido pelo ideal
comunitário, de sentir-se daqui e em casa neste mundo” (MAFFESOLI, 1998). Essa é a
grande explicação para a partilha da privacidade hoje e a justificativa das atitudes
inesperadas por nós quando na busca pela valorização da parturição em privacidade.
Enfim, a sociedade contemporânea ainda oscila entre compartilhar a intimidade
ou protegê-la, pois se por um lado as relações sociais apontam para o declínio da
privacidade, por outro, a bioética ressalta a importância desse princípio para a
manutenção do respeito entre os indivíduos, assegurando a vida.
48
VI. AS ESTRATÉGIAS PARA VIVENCIAR PRIVACIDADE NO TRABALHO DE
PARTO NO COTIDIANO HOSPITALAR
A última categoria contempla o segundo objetivo da pesquisa: discutir as
estratégias de vivência de privacidade pelas parturientes segundo a análise do
cotidiano proposto por Michel Maffesoli.
Embora o termo estratégias nos remeta a mecanismos de ação para ataque ou
defesa, todas as dez entrevistadas utilizaram um ou mais desses artifícios na hora de
vivenciar o parto no cotidiano hospitalar, que se mostrou desfavorável ou não em suas
perspectivas.
O imaginário em todas as entrevistadas mostrou ser um local de construções
mentais de ordem espiritual para ajudá-las a criarem estratégias para vivenciar o
49
cotidiano sem privacidade, como percebemos na atmosfera subjetiva contida nos
relatos:
Parecia que eu estava sonhando, literalmente... Como um sonho, que eu não estava
ali. (Entrev. G)
Sonhei que ia para um mundo melhor... (Entrev. F)
Essa atmosfera subjetiva que a faz sonhar é o resultado da interação dela,
parturiente, com o ambiente apresentado. Como diz Maffesoli (2001), o imaginário é a
aura que ultrapassa e alimenta. É uma relação de intimações objetivas e a
subjetividade. Isso significa que a parturiente sonha, imagina para viver a emoção,
apesar de os limites impostos pelas sociedades a cada ser.
Esse mesmo autor (2001) nos relata que o chamado emocional e afetual são
dimensões orgânicas do agir a partir do espírito, influenciando, assim, as práticas.
Entendemos então vir do imaginário as estratégias para vivenciar o cotidiano, pois elas
são práticas que permitem a mulher parir se não no racional, na atmosfera imaginal.
Práticas como a aceitação da vida auxilia as parturientes. Elas classificam a dor
como situação inerente ao trabalho de parto:
Eu comecei a sentir muita dor em casa e minha irmã me trouxe porque estava na
hora de ter o bebe. (Entrev. I)
Quando começou a dor, eu vim para a maternidade... Sabia que eu iria sofrer muito até
nascer. (Entrev. H)
A aceitação da vida é uma estratégia para ajudar às mulheres a encararem a
vivência desse cotidiano com sabedoria. A dor e a falta de privacidade ficam
amenizadas quando elas valorizam o resultado desse parto, ou seja, o nascimento do
bebê. Outro facilitador utilizado nessa estratégia é o tempo, pois o mesmo por ser
cíclico inicia, avança e retorna com um grande resultado, parecendo pequeno e rápido
aos sonhos de quem o vivencia:
Pensava assim: essa dor vai ser prazerosa depois que acabar tudo. (Entrev. D)
Procurei pensar pelo lado bom: vai nascer e não vai acontecer nada de errado com
meu filho... (Entrev. A)
Mas é ruim, né? Ficar ali praticamente nua... Eu pensava que logo ia acabar bem e
eu ia estar com minha filha no colo. (Entrev. C)
50
Para Maffesoli (1984), essa atitude de aceitação do limite revela um “deixar-ser”
que, embora áspero, insere o indivíduo no ciclo orgânico da vida, no eterno retorno do
mesmo, no tempo cíclico da vida cotidiana, no presente. E essa ação não tem nada de
passiva como pode parecer o termo aceitar, pois no imaginário da parturiente a
construção dessa estratégia requer concentração e superação de seu limiar doloroso.
Ao mesmo tempo em que elas sentem dor, sentem também alegria ao
vivenciarem a duplicidade de sentimentos no momento de parturição:
Senti dor e alegria ao mesmo tempo. (Entrev. H)
O jogo duplo, essa máscara como pode parecer, faz parte da estratégia de
proteção contra esse cotidiano sem reservas. Constatamos sua utilização pelas
puérperas entrevistadas, tanto em relação à sua vivência da dor como da privacidade:
Isso (ficar gritando) irrita os profissionais, se você ficar na sua, quieta com sua dor, é
melhor. (Entrev. J)
Acho que não dei muito trabalho... Eu nem reclamei da porta aberta (risos). (Entrev. B)
A duplicidade e a aceitação da vida não existem sem a máscara. Ela faz parte de
cada indivíduo e oferece um refúgio seguro, permitindo “existir, ser - no sentido mais
forte do termo - fazendo como todo mundo”, segundo Maffesoli (1984). Essa é a arte de
viver, pois as mulheres que parem nesse cotidiano hospitalar precisam ter atitudes
protetoras sem desagradar aos profissionais que as assistem. A máscara junto com a
polidez, os costumes, o conformismo, o cinismo e outras tantas manifestações são
modulações de uma astúcia organicamente ligada à vida.
A astúcia e o silêncio tornam possível a resistência e a permanência da
socialidade, pois astutamente as pessoas contrapõem um silêncio polido ao instituído,
abrindo possibilidade para a existência de brechas no espaço social e para a
manutenção da identidade e do reconhecimento. Foi fácil identificar essa estratégia nas
entrevistas, como podemos constatar:
51
Eu sei que é pior quando a gente fica gritando... Eles não gostam... fiquei mais
quietinha. (Entrev. B)
Fiquei em silêncio... (Entrev. H)
Sobre a astúcia, diz Maffesoli (1984, p. 120): “não se deve estranhar que a
astúcia seja uma forma de resistência e que ela permita a conservação da própria
pessoa. Nesta perspectiva, o homem possui uma identidade de camaleão numa selva
com múltiplos perigos, deve trocar de pele para sobreviver, deve ser politeísta para
agradar a todos os deuses e, em resumo, ele deve aproveitar da sombra para poder
sobreviver: é nisto que reside o princípio de sua força”. Essa estratégia foi utilizada por
quase todas as entrevistadas, permitindo-nos classificar a realidade hospitalar como
palco de teatro onde as pessoas encenam como meio de sobrevivência.
Essa trama possui vários atores e essa pluralidade de pessoas permite a
sociabilidade, ou seja, favorece o compartilhamento de idéias necessárias ao
enfrentamento do cotidiano hospitalar. Essa solidariedade privilegia o afeto, elemento
mediador das relações sociais que compõem a socialidade, no qual se arraiga o mundo
da vida cotidiana, feito de participação e solidariedade. Percebemos então:
Tinha uma mulher lá do meu lado que já tava no sexto filho... Acho que ela me
acalmou, disse que se eu me concentrasse seria mais rápido. (Entrev. I)
Minha sorte foi que tinha uma menina do meu lado que também estava pra ter o
neném e ficamos conversando. (Entrev. C)
Esse mundo de relações, invisíveis, mas não menos concreto, uma manifestação
dessa solidariedade, coloca em evidência o valor do cotidiano no viver das pessoas
como palco no qual se expressam as relações entre elas, apresentadas na vida comum
e no tempo presente da existência. A solidariedade orgânica é essencial à coesão do
grupo e garante “a partilha sentimental de valores, de lugares, de idéias” (MAFFESOLI,
1984).
Podemos perguntar sobre o grau de veracidade dessas cotações do “eu” no
olhar do outro; podemos perguntar se o atribuído à superfície e à imagem tem alguma
correspondência com uma profundidade, esta sim supostamente autêntica ou real. Ora,
é preciso lembrar, e mais uma vez com Maffesoli (1987), que o jogo da aparência é
também o jogo das máscaras, das formas, dos artifícios. A dinâmica da subjetividade e
52
da sociabilidade contemporânea pode ser mais bem compreendida se esses termos
forem tomados na sua efetividade, isto é, no seu poder de constituir, formar, realizar, e
não no seu poder de falsear ou mentir. Na superficialidade estética pós-moderna o
deixado para trás ou por trás da imagem, da aparência, da máscara e do artifício não é
mais verdadeiro que o mostrado.
Enfim, foram discutidas as categorias de análise do cotidiano apresentadas por
Maffesoli adequadas às estratégias utilizadas pelas puérperas para vivenciar esse
cotidiano desfavorável para a privacidade. É importante ressaltar que mesmo aquelas
que demonstraram não valorizar a privacidade utilizaram meios subjetivos para encarar
essa realidade hospitalar, mostrando-nos quão complexo é esse imaginário.
VII. A PRIVACIDADE COMO UM CUIDADO DA ENFERMEIRA OBSTÉTRICA
Este capítulo contempla o cuidado de enfermagem, motivação principal para o
delineamento do tema deste estudo, e mereceu, portanto, uma discussão simples e
objetiva ao final desta pesquisa.
Considerando ser o enfermeiro o profissional da área de saúde com maior
autorização social para tocar o corpo do outro, faz-se necessário discutir em nosso
meio a questão da privacidade no trabalho de parto, pois é um fator a mais de estresse
e sofrimento para a parturiente, dificultando sua adaptação ao ambiente hospitalar.
53
A manutenção da privacidade da mulher é uma forma de cuidado e deve fazer
parte da essência de quem cuida, pois se preserva a dignidade humana e atende a
uma das necessidades básicas da parturiente. A invasão do território e do espaço
pessoal fere a sua dignidade.
É importante ressaltar que o Capítulo IV -dos deveres- do Código de Ética dos
Profissionais de Enfermagem preconiza como um dever do enfermeiro: "Art. 27-
Respeitar e reconhecer o direito do cliente de decidir sobre sua pessoa, seu tratamento
e seu bem-estar. Art. 28 - Respeitar o natural pudor, privacidade e a intimidade do
cliente" (COFEN, 1993).
Isso significa, portanto, que o dever de oferecermos condições de privacidade
aos clientes por nós assistidos já está legalizado em nossa profissão. Precisamos
perceber que no código de ética a moral universal prevalece e a privacidade ganha
conotações indispensáveis em nosso cuidado.
Cabe discutirmos aqui o significado disso, pois na legalização de nossa profissão
está incluído o dever de oferecermos condições de privacidade aos clientes. Nesse
contexto, a enfermeira tem de reconhecer o direito garantido à mulher de receber
atendimento humano, atencioso e respeitoso, por parte de todos os profissionais de
saúde. Ela tem direito a um local digno e adequado para seu atendimento, direito a
manter sua privacidade para satisfazer suas necessidades fisiológicas (GAUDERER,
1998).
É claro que, se levarmos em consideração a nova perspectiva de mundo, a
tribalização e o presenteísmo, temas muito discutidos nesta pesquisa com Michel
Maffesoli, as ações de enfermagem iniciariam na detecção precoce da importância da
privacidade para a mulher que irá parir no ambiente hospitalar, pois direcionaria melhor
esse cuidado.
Em uma reflexão conservadora, haja vista a ótica moral das leis
regulamentadoras de nossa profissão, devemos atuar como preconizado no nosso dia-
a-dia, procurando preservar a intimidade e a privacidade das mulheres, usando
biombos, cobrindo partes do corpo que não precisam ficar expostas durante um
procedimento e solicitando-lhes autorização para realizar um cuidado, caracterizando
essa tentativa de proteção como um gesto humanitário e de respeito.
54
Em algumas situações, a enfermagem invariavelmente invade a privacidade e a
intimidade da cliente, como na realização do exame físico, toque vaginal para a
verificação da dilatação e apagamento do colo uterino, ausculta de BCF (batimentos
cardio-fetais) e outros. Para haver interação entre enfermeiro e gestante/parturiente, é
importante conhecer a sua natureza física, cultural, espiritual, social e psicológica.
Esses aspectos são significativos ao se tentar estabelecer uma relação de confiança
junto à cliente, no sentido de transmitir segurança e apoio. Atitudes de respeito à
individualidade, como humildade, tolerância, tranqüilidade e solidariedade, podem
minimizar o estresse da internação.
O processo de cuidar abrange preocupação, dedicação, envolvimento, respeito,
solidariedade e responsabilidade de quem cuida para com quem é cuidado. A
demonstração de tais sentimentos por parte da enfermeira obstétrica transmite
segurança e favorece o relacionamento interpessoal necessário à parturição.
Para Waldow (2001), a enfermagem muito tem se desenvolvido no processo de
cuidar, acreditando que é a arte e a ciência de cuidar, ou seja, gente que cuida de
gente". Na verdade, cuidar é muito mais que um ato, é uma atitude de "ocupação,
preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro", exigindo
compromisso dos profissionais enfermeiros para com o semelhante. Mas o cuidar não
pode ser apenas uma atitude humanizadora, tem de ser embasado cientificamente para
ser respeitado em nosso meio.
Sendo assim, Progianti e Vargens (2004) ao estudarem a assistência ao parto
apresentaram tecnologias o-invasivas de cuidado cujos princípios são: A enfermeira
não quer ser a protagonista do processo de cuidar, pois tem a convicção de que os
sujeitos principais são as mulheres. Não o ato de cuidar unicamente como um
processo biológico e por isso reconhece a possibilidade de outras experiências
participarem da ação como, por exemplo, aquelas decorrentes de influências culturais,
sociais, ambientais e místicas. Ela acredita que o processo é de cuidar e não de
controlar e admite o uso da intuição como indicativo de procedimento de cuidado, em
contraposição ao uso de práticas que estimulam a racionalidade, e também defende o
respeito à privacidade e à segurança. Entende que procedimentos invasivos devem ser
55
realizados a partir da decisão compartilhada com a mulher, deixando-a em posição de
protagonista do processo.
Nesse sentido, quando o sujeito compartilha decisões sobre como ser cuidado,
a invasão não existe, mesmo quando os procedimentos de cuidar toquem partes
íntimas ou internas do corpo biológico ou do corpo sócio-cultural da mulher
(PROGIANTI e VARGENS, 2004).
Para ser possível o desenvolvimento das tecnologias não-invasivas de cuidado,
faz-se necessário incorporar a disposição interna da desmedicalização como uma
atitude propiciadora da humanização. Nesse contexto, desmedicalizar implica o
profissional permitir a si mesmo adotar atitudes que refutem ou questionem os dogmas
da assistência tecnocrática e portanto libertar-se das verdades impostas pela
racionalidade científica. Ao mesmo tempo, proporciona ao sujeito do cuidado a
libertação da invasão fundamental da medicalização. Assim, a atitude desmedicalizada
constitui um instrumento básico para o desenvolvimento de tecnologias não-invasivas
de cuidado e, por conseguinte, da humanização.
Isso nos lembra que, se nos libertamos das imposições da racionalidade
científica, ficamos disponíveis para aceitar o novo e para praticar o cuidado
considerando o momento atual, no qual compartilha-se mais com as pessoas, e cada
vez menos a moral universal é levada em consideração.
O comportamento afetivo da enfermagem no processo de cuidar de mulheres
contribui com a satisfação da cliente e sua participação no processo de parturição. Esse
comportamento afetivo privilegia a construção de um vínculo, de uma relação de
confiança entre o profissional e o sujeito do cuidado, essencial para o cuidado
humanizado. Significa encorajar, ser amigável, demonstrando preocupação, dando-lhe
segurança, chamando-a pelo nome, tocando-a e não a abandonando.
Na assistência de enfermagem à mulher, a enfermeira deve dar-lhe liberdade
para manifestar suas necessidades, seus medos, suas ansiedades e suas vontades.
Isso significa ouvi-la, mas não apenas a linguagem verbal. Pupulim e Sawada (2002)
afirmam que atitudes como estar disponível, demonstrar sentimentos verdadeiros,
encorajar certo nível de intimidade promovem uma comunicação e compreensão clara
sobre os cuidados. A intimidade capacita a enfermeira a compreender a personalidade
56
da paciente e estimula a mulher a conversar sobre o que mais a incomoda. Mesmo
quando a comunicação não é verbalizada, permite o desenvolvimento de um
relacionamento terapêutico, fundamentado na confiança e no respeito mútuo.
A enfermeira deve agir em favor da fisiologia feminina, respeitar o ritmo, o tempo
e as decisões naturais da mulher. Ela possui ao seu redor várias alternativas de
tecnologias não-invasivas para cuidar dessa mulher no ciclo gravídico-puerperal, mas o
que faz a diferença é a atitude desta profissional em prol da humanização da
assistência e o rompimento com o modelo tecnocrata de saúde.
A natureza do relacionamento entre a equipe de saúde e os pacientes segundo
Applegate e Morse (1994) requer pessoas que assumam a responsabilidade pelo
cuidado das funções pessoais íntimas deles, sendo que muitas das atividades de
cuidado são freqüentemente executadas em áreas compartilhadas com outros
pacientes na enfermaria. As autoras ressaltam que, quando a interação é
personalizada, os pacientes percebem os membros da equipe como mais do que
indivíduos responsáveis pelo cuidado; e sugerem o diálogo e a troca de informações
sobre temas em comum (esportes, trabalhos manuais, hobby, entre outros) como base
para uma interação eficiente entre enfermeiro e paciente, a fim de estabelecer uma
relação de confiança.
A comunicação como instrumento fundamental para a interação na área de
enfermagem vem sendo estudada por vários pesquisadores com o objetivo de melhorar
a relação entre o profissional e o sujeito de seu trabalho. Alguns desses estudos
referem-se à comunicação como veículo facilitador relacionado ao resguardo da
privacidade dos indivíduos, uma vez que sua proteção está se tornando uma
responsabilidade conjunta da equipe de saúde e do paciente com independência e
envolvimento, sendo promovida através de orientação e educação (PUPULIM e
SAWADA, 2002).
O desenvolvimento das atividades da enfermeira obstétrica sem uma
comunicação eficiente seja esta verbal ou não-verbal se torna impossível em uma
assistência humanizada. Esse cuidado vem exigindo dela, cada vez mais, o
aprimoramento dessa habilidade com o intuito de promover uma relação de confiança e
facilitar o processo de gestar e parir.
57
A enfermeira precisa desenvolver habilidade de comunicação para interpretar as
diversas reações dos indivíduos, procurando compreender seus significados, para
então poder intervir com a implementação de ações no sentido de ajudar à cliente a
superar a perda da sua privacidade quando necessária. A enfermeira precisa, diante do
cotidiano hospitalar, procurar na assistência humanizada estabelecer o vínculo com a
parturiente para ofertar a privacidade de acordo com o previsto no código de ética, sem
ofender a perspectiva do ritmo de vida escolhido por cada paciente.
Após toda essa reflexão acerca do que almejamos para a privacidade enquanto
um cuidado de enfermagem, podemos diante desta pesquisa afirmar que um
“descuidado” por parte das enfermeiras que atuam nas maternidades do município do
Rio de Janeiro, por não haver um cotidiano favorável à assistência humanizada, pois a
demanda é muito grande para a quantidade de profissionais e a estrutura física não
comporta o volume populacional.
O cuidado de enfermagem e a diferença entre o processo fisiológico do parto e a
adaptação à realidade hospitalar
Não podíamos deixar de discutir a fisiologia do parto, pois foi através do
conhecimento desta que nos fez caracterizar a importância da privacidade no processo
do nascimento. No contexto da humanização, o ato de parir, assim como gestar e
amamentar, é tão fisiológico e saudável quanto respirar, digerir, pensar, excretar, chorar
e ouvir.
Para Odent (2000), o ideal, nesse novo modelo, é que todos os profissionais,
“facilitadores do parto”, conheçam e respeitem os quatro pontos básicos fundamentais
capazes de propiciar e facilitar o contato da mulher com sua memória instintiva. São
eles:
Linguagem: a linguagem racional estimula o neo-córtex. Isso significa não
interromper as mulheres com perguntas durante o trabalho de parto, pois pensar na
resposta exige a atuação do neo-córtex e, assim, diminui a atividade do cérebro
primitivo, que precisa ser o comandante nesse momento.
58
Luz: principalmente forte e fria tem o potencial de estímulo ao neo-córtex. Deve-
se evitar qualquer estímulo visual para a mulher em trabalho de parto.
Privacidade: garante uma baixa atividade neo-cortical, permitindo à parturiente
atingir seu estado primitivo livre, não se preocupando com a exposição de sua
intimidade. “Todos os mamíferos não pensantes possuem uma estratégia para parir em
privacidade”.
Segurança: a mulher precisa se sentir plenamente segura para o parto
transcorrer bem, e o profissional tem papel fundamental nesse momento, pois é ele
quem vai oferecer a ela as condições ideais para sentir-se capaz, firme e segura.
Para esse autor, ao garantir esses elementos de necessidade básica da mulher
parturiente, o cuidador a permitiria vivenciar o parto como fenômeno fisiológico. Isso
significa que ter privacidade é essencial para o transcorrer da fisiologia, mas, então, o
que acontece no ambiente hospitalar, onde o cotidiano impõe rotinas muito diferentes
do preconizado por Michel Odent? Entendemos nesta pesquisa que as estratégias de
vivência do cotidiano através do imaginário, descritas por Michel Maffesoli, são a
resposta para essa pergunta.
Entendemos primeiro o termo fisiológico como um ponto de referência do qual
não devemos nos afastar muito. Os fisiologistas exploram as funções normais do corpo
- o que é universal e atravessa culturas. Para parir, uma mulher precisa liberar um certo
coquetel de hormônios. A questão crucial é perceber que todos são originados na
mesma glândula. Podemos dizer que, quando uma mulher está em trabalho de parto, a
parte mais ativa de seu corpo é seu cérebro primitivo - aquelas estruturas muito antigas
do cérebro (o hipotálamo e a glândula pituitária) - compartilhadas com todos os
mamíferos (ODENT, 2000, p. 31).
É necessário, portanto, entendermos que durante o trabalho de parto quem atua
são as estruturas mais primitivas do cérebro como nos outros mamíferos. Toda inibição
durante o parto ou em qualquer outro fenômeno da vida sexual da mulher tem origem
no cérebro mais atual, o neo-córtex, a parte do cérebro amplamente desenvolvida nos
seres humanos. Quando temos durante o parto uma diminuição da atividade neo-
cortical, vamos perceber que as mulheres entram em outro estágio de consciência,
propiciado principalmente pelos efeitos das endorfinas. Essa alteração no nível de
59
consciência é significante para a ação do cérebro primitivo e para facilitar o transcurso
do parto (LESSA, 2003, p. 24).
O ambiente do parto é muito importante e pode tanto ajudar quanto atrapalhar. O
ideal para propiciar um bom desenrolar do parto é um local silencioso, tranqüilo, com
pouca luz e com privacidade. A mulher deve escolher o ambiente onde ela se sinta
mais segura, mais confiante e mais protegida. É nesse espaço que a mulher vai ter a
possibilidade de entrar em contato com seu corpo e fazer aquilo que este lhe pede o
que é possível quando o parto se nos domicílios ou em casas de parto onde
privacidade.
A privacidade é importante para o processo fisiológico do parto ocorrer sem
intervenção e no tempo adequado para seu organismo, pois para aflorar seus instintos
e liberar os hormônios do parto a mulher precisa que esse momento seja privativo e
íntimo (ODENT, 2000).
Lessa (2003) afirma que a privacidade é necessária para o parto fisiológico,
porém, na realidade das maternidades do município do Rio de Janeiro, o parto auxiliado
pela enfermeira obstetra é o parto vaginal. Neste, mesmo que por via baixa, a fisiologia
não acontece no todo, ou seja, é passível de alguma intervenção. A mulher não atinge
o cérebro primitivo, pois o ambiente é hostil, frio, luz forte, a cama não lhe permite
liberdade de posição e outras realidades que infelizmente ainda precisar ser
adequadas.
No cotidiano hospitalar descrito pelas puérperas entrevistadas, fica muito difícil a
vivência do parto fisiológico como podemos perceber. Esse fato nos faz refletir sobre a
realidade da parturição para aquelas que procuram as maternidades. É preciso
estabelecer estratégias para o femeno ocorrer sem a ajuda de todo o processo
fisiológico.
Essas estratégias foram discutidas com base na teoria de Maffesoli, que nos
mostrou medidas para enfrentamento desse cotidiano hostil e sem privacidade. O parto
acontece no dia-a-dia hospitalar por meio desses mecanismos.
Comparando o processo fisiológico com o parto induzido por estratégias
provenientes do imaginário das puérperas, temos reações em comum correspondentes
às etapas do trabalho de parto, pois “a natureza encontra um meio”. Veremos a seguir
60
como nós, enfermeiras obstetras, podemos atuar para tornar esse processo o melhor
possível, mesmo dentro do hospital.
Amaral (2006) ousa descrever formas de auxiliar a mulher em diferentes fases do
trabalho de parto. A autora diz que o início da fase de dilatação é marcado por uma
certa ansiedade e euforia. As contrações não o muito fortes, e o momento é ideal
para a mulher se familiarizar com o ambiente à sua volta. É também um bom momento
para o profissional fornecer algumas recomendações e orientações básicas: respiração,
posições a serem assumidas, formas de relaxamento.
Ainda Amaral (2006) segue dizendo que à medida que o trabalho de parto evolui
com contrações mais freqüentes e de maior duração e intensidade, a parturiente vai
progressivamente se interiorizando, concentrando-se. Esse processo é natural,
instintivo e se deve em parte à produção de endorfinas, substâncias de efeito
semelhante ao ópio que diminuem a sensação de dor e têm efeito entorpecedor sobre a
consciência. A real ajuda para esse momento é quase imperceptível: o profissional
deve se fazer presente de forma sutil, acolhedora, sem qualquer estardalhaço.
Defendê-la o quanto possível dos ruídos, da excitação do parceiro, das luzes fortes e
de tudo o que a faça “sair para fora” de si mesma.
A chamada "fase de transição" é em geral a mais delicada e difícil de ser
manejada pela mulher e por quem a assiste. As contrações são muito fortes, e a
dilatação ainda não está completa. A parturiente está cansada das horas pelas quais
passou e pode começar a entrar em desespero; busca-se agarrar às pessoas e ao
mesmo tempo rejeita que a toquem. Nessa hora, o profissional não deve pensar em
acalmá-la, explicando isto ou aquilo. Os comandos breves, firmes e circunscritos ao
momento são úteis (AMARAL, 2006).
Segundo essa mesma autora, no "período expulsivo" a parturiente muda
totalmente de postura interior: agora substitui os gritos e a agitação por uma ação
focada de força, de vontade de empurrar. Na maioria das vezes, a correria e a gritaria
das pessoas pedindo: "Faça força!” acompanham esse momento, quando deveria ser o
período mais quieto e sagrado. O profissional que assiste a mulher deve estar ao lado
dela, consciente de que seu papel é fornecer-lhe apoio e dar-lhe segurança.
61
Instintivamente a mulher sabe quando e como fazer força, de modo a quase nunca
romper o períneo.
Para Lessa (2003), estar ao lado de uma parturiente exige que o profissional
abra mão do seu desejo de controlar a situação. É necessário estar liberta de uma
agenda pré-determinada para estar presente com a cliente interagindo.
Como podemos perceber, as etapas do processo ocorre tanto no parto fisiológico
como no parto vaginal, e um exemplo importante na discussão é a fase na qual a
parturiente se concentra, pois, nesse momento, no ambiente hospitalar, ela lança de
estratégias em seu imaginário para ajudá-la parir.
A enfermeira obstétrica deve, hoje, garantir a união dos conhecimentos
milenares adquiridos pela espécie humana e os conhecimentos científicos
contemporâneos. Esse profissional brasileiro, em construção, precisa conhecer a
fisiologia do parto, as tecnologias não-invasivas e precisa aprender desenvolver sua
intuição e se conectar com a intuição de sua cliente.
Ao oferecer à mulher o direito de vivenciar o momento do trabalho de parto com
plenitude, elas se transformam. Algumas emitem sons, gemidos, como de animais.
Largura (2000, p. 95) escreve que as mulheres que se exprimem através de sons
durante suas contrações apresentam freqüentemente mais facilidade de vivê-las. Emitir
sons auxilia o corpo a produzir seus próprios remédios contra a dor, as endorfinas.
O parto é um fenômeno da esfera sexual do qual afloram elementos do mais
profundo inconsciente, instinto puro e animal; portanto, é preciso não coibi-lo para que o
elemento instintivo se manifeste. “A palavra-chave é liberdade. Liberdade de expressão,
de movimento, de poder deixar-se acontecer”. O parto ativo não é uma novidade, afirma
Balaskas (1993, p. 19). É um parto instintivo. Baseia-se em dar à luz de modo natural e
espontâneo por meio da própria vontade e determinação da mulher com a completa
liberdade de usar seu corpo como bem escolher e seguir suas solicitações. É uma
atitude mental. Envolve aceitação e crença na função natural e na natureza involuntária
do processo do parto.
Essa atitude é possível tanto no parto fisiológico como no parto que ocorre no
cotidiano hospitalar. A grande diferença está na qualidade do processo, nos
sentimentos aflorados e na história registrada pela mulher que parteja, pois
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percebemos nas entrevistas a dor e o sofrimento das puérperas durante a parturição,
diferenciando-se do processo fisiológico no qual, segundo Odent (2000), a dor existe,
mas não é o mais significativo para as mulheres no puerpério.
VIII. CONCLUSÃO
Concluímos este trabalho com sentimento de satisfação e enriquecimento. Isso
se deve a dois fatos: ao alcance dos objetivos e à nova compreensão da s-
modernidade facilitada pelos profundos estudos de Maffesoli. Em um momento
oportuno, o autor nos fez entender a perspectiva de privacidade para as entrevistadas
que refugam a moral universal.
A vivência da privacidade no cotidiano hospitalar é possível à medida que
reconhecemos sua importância e a ofertamos por meio de ações específicas, como
colocar biombo ou cobrir o corpo nu com um lençol, mas também se dá pela vivência no
imaginário da própria parturiente que utiliza estratégias de enfrentamento quando o
ambiente lhe é hostil.
Para as entrevistadas, o significado da palavra privacidade está relacionado à
intimidade, com preservação de um espaço físico privativo, e a importância desse tema
tem analogia com sua visão de mundo, sua cultura, seus costumes e sua experiência
de vida.
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Temos, de um lado, as mulheres que valorizam a privacidade por acreditarem na
racionalidade científica, por viverem a moral clássica e, por isso, levantam a bandeira
do pudor; do outro, aquelas que vivem o presente e compartilham a vida, logo não
têm vergonha de mostrar o corpo.
Embora haja essa dualidade de valores, as categorias de análise do cotidiano de
Michel Maffesoli foram aplicadas por todas as entrevistadas, mostrando que o cotidiano
é desfavorável para a privacidade como cuidado necessário ao processo fisiológico do
parto, mas essas estratégias existem para que o parto ocorra, apesar de não ser
fisiológico.
Assim, a qualidade torna-se o diferencial desse processo, pois, para as mulheres
que parem no ambiente hospitalar, a dor e o cotidiano hostil são os maiores incômodos
quando elas se lembram do momento do parto. Então, se cuidarmos para a melhoria
desse ambiente com privacidade, buscaremos dar qualidade ao processo de parto e
puerpério.
Com base na observação constante durante o acompanhamento de estágio com
alunos da faculdade de enfermagem, podemos afirmar que o descuidado evidenciado
na assistência de enfermagem com relação à privacidade é fruto de uma grande
demanda de mulheres, cuja rotina do cotidiano hospitalar e estrutura física da
maternidade não lhe são adequadas.
Para finalizar, o cuidado de enfermagem deve levar em consideração a
perspectiva de mundo das parturientes atendidas nessas maternidades, pois
acreditamos que a privacidade no contexto da saúde está diretamente vinculada a uma
relação interpessoal entre o profissional de saúde e o paciente, com o objetivo de
garantir o diálogo, a confiança e o estabelecimento de vínculo. A enfermeira, ao lutar
pela inserção da privacidade como um cuidado de enfermagem, estabelece um diálogo
carinhoso, com respeito ao tempo de adaptação da cliente, construindo a relação de
intimidade para fazer a gestante sentir confiança nesse contato.
A enfermeira, ao preservar a privacidade da cliente, conquista confiança e
permissão para entrar no espaço pessoal dessa gestante e realizar cuidados não-
invasivos necessários nesse momento, como as massagens, o toque em sua pele
quando na verificação da dinâmica uterina, na visualização do seu corpo nu, quando no
64
período expulsivo do parto. Dessa forma, a cliente se sente segura e permite vivenciar
essa hora livre de vergonha ou sentimento de invasão.
Podemos dizer assim que, se o vínculo for estabelecido, as estratégias de
enfrentamento não serão necessárias ou não serão tão freqüentes durante o processo
de parturição.
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setembro/dezembro, 2001.
APÊNDICE A - Roteiro da Entrevista
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE MESTRADO
68
Título: A vivência de privacidade pelas parturientes no cotidiano hospitalar.
Mestranda: Alessandréa Silva Lopes
Orientadora: Dr
a
Jane Márcia Progianti
Dados de Identificação dos Sujeitos
Nome:
Idade:
Escolaridade:
Profissão:
Paridade:
Tipos de parto já ocorridos:
Pré-natal:
Dias de puerpério:
Entrevista
1- O que é privacidade para você?
2- Aqui na maternidade você viveu essa privacidade no trabalho de parto?
3- Fale então sobre seu trabalho de parto. Como foi?
4- Quais os seus sentimentos na sala de parto?
5-O que você acha que poderia ser mudado para dar mais privacidade as outras
parturientes?
APÊNDICE B
69
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Conforme a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, solicito seu consentimento,
através da assinatura deste Termo, para entrevistá-lo (a) bem como utilizar, dados obtidos do
seu depoimento, em publicações e divulgações em eventos científicos nessa pesquisa,
orientada pela Profª. Drª. Jane Márcia Progianti e, que possui como título provisório: A vivência
de privacidade pelas parturientes no cotidiano hospitalar. Este estudo tem como objetivos
Analisar como as mulheres compreendem a sua privacidade na experiência de parir no
cotidiano hospitalar e discutir as estratégias de vivência da privacidade pela parturiente no
cotidiano hospitalar. A sua participação neste estudo é voluntária, e perguntas podem ser feitas
em qualquer momento que você julgar necessário. Mesmo que você decida participar, você tem
plena liberdade para sair do estudo a qualquer momento, sem que isso implique em qualquer
tipo de prejuízo. Será realizada uma entrevista, gravada digitalmente, posteriormente transcrita
na íntegra, sem qualquer alteração do seu conteúdo. A sua identidade será mantida como
informação confidencial.
Eu, ________________________, li e entendi todas as informações sobre este estudo e todas
as minhas perguntas e/ou dúvidas foram respondidas a contento. Portanto consinto
voluntariamente participar desta pesquisa.
Rio de Janeiro, _______ de_______________ de 2007.
Assinatura da entrevistada Alessandréa Silva Lopes Pesquisadora
Contatos:
Pesquisadora: Alessandréa Silva Lopes. Tel: 81211680 E-mail: alessand[email protected]m
Orientadora: Jane Márcia Progianti Tel: 97613867 E-mail: [email protected].br
CEP/SMS-RJ End: Rua Afonso Cavalcanti, 455 sala 701 Tel: 25032024
E-mail: cepsms@rio.rj.gov.br
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ANEXO A
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