O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão
dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam
ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo
contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta
uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é,
para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas
também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a
explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo
sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-
lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo - Homo homini lupus. Quem,
em face de toda sua experiência da vida e da história, terá a coragem de
discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por
alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo
objetivo também poderia ter sido alcançado por medidas mais brandas. Em
circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças mentais contrárias
que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se
manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a
quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho.
(FREUD, 1974b, p. 133).
Freud aponta a mútua hostilidade primária dos seres humanos, como fator ameaçador
da integração da sociedade civilizada, motivo pelo qual se cria, dentre outros, o ideal de ‗amar
ao próximo como a si mesmo‘, numa tentativa de abrandar esta hostilidade.
A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós
mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o
fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a
civilização a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em conseqüência dessa
mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê
permanentemente ameaçada de desintegração. [...] vem daí, o mandamento
ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente
justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original
do homem [...] (FREUD, 1974b, p. 134).
O autor defende a necessidade de certa dose destas inclinações agressivas para
construir a civilização, ao dizer que seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da
atividade humana a luta e a competição, por serem estas indiscutivelmente indispensáveis.
(FREUD, 1974b, p. 134). Ao mesmo tempo, discorda dos argumentos comunistas que
defendem a propriedade privada como a maior causa promotora da destrutividade e
agressividade entre os homens, baseados na hipótese do homem inteiramente bom e bem
disposto para como seu próximo, corrompidos pela instituição da propriedade privada.
Freud verifica o equivoco do ideal comunista ao defender a abolição da propriedade da
riqueza privada – que confere poder ao indivíduo e o induz a maltratar o próximo, propondo,
em contrapartida, que toda a riqueza comum seja partilhada igualmente por todos,