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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
HERLAM WAGNER PEIXOTO
A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO DA SAÚDE:
O QUE É VIOLÊNCIA PARA OS TRABALHADORES DE SAÚDE
VITÓRIA
2007
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HERLAM WAGNER PEIXOTO
A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO DA SAÚDE:
O QUE É VIOLÊNCIA PARA OS TRABALHADORES DE SAÚDE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Saúde Coletiva do
Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Saúde Coletiva, na área
de concentração Política, Administração e
Avaliação em Saúde.
Orientadora: Profª Drª Rita de Cássia
Duarte Lima.
VITÓRIA
2007
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HERLAM WAGNER PEIXOTO
A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO DA SAÚDE:
O QUE É VIOLÊNCIA PARA OS TRABALHADORES DE SAÚDE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva, na área de
concentração Política, Administração e Avaliação em Saúde.
Aprovada em 26 de outubro de 2007.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Profª. Drª. Rita de Cássia Duarte Lima
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
__________________________________________________
Profª. Drª. Simone Assis Gonçalves
Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde
Jorge Careli – Claves / Fundação Oswaldo Cruz- Fiocruz
(membro externo - titular)
__________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique Borges
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva / UFES
(membro interno - titular)
__________________________________________________
Profª. Drª. Eugênia Célia Raizer
Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia
(membro externo - suplente)
_________________________________________________
Profª. Drª. Ethel Leonor Noia Maciel
Universidade Federal do Espírito Santo
(membro interno - suplente)
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Peixoto, Herlam Wagner, 1969-
P379v A violência no contexto da saúde : o que é violência para os
trabalhadores de saúde / Herlam Wagner Peixoto. – 2007.
133 f. : il.
Orientadora: Rita de Cássia Duarte Lima.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências da Saúde.
1. Violência. 2. Saúde. 3. Trabalho. 4. Pessoal da area médica.
I. Lima, Rita de Cássia Duarte. II. Universidade Federal do Espírito
Santo. Centro de Ciências da Saúde. III. Título.
CDU: 614
AGRADECIMENTOS
Aos professores do PPGASC, em especial a Profª Rita pela orientação dedicada a
esse trabalho.
A Secretária Municipal de Saúde e ao Fundo de Apoio a Ciência e Tecnologia do
Município de Vitória.
Aos trabalhadores da SEMUS que foram sujeitos dessa pesquisa.
Aos colegas e amigos da Unidade de Saúde de São Pedro V e do curso “Risco
social”, sem esquecer da nossa consultora Regina Murad.
Aos meus pais, irmãos, sobrinhos e a Luciene pelo carinho.
“Há mais de 550 milhões de armas de fogo
em circulação no mundo. Uma arma de fogo
para cada 12 pessoas no mundo. A
pergunta é: como armaremos as outras 11?”
(Fala do personagem de Nicolas Cage no
filme “Senhor das Armas”/ “Lord of War”;
Alphafilmes, 2005)
Este trabalho pretende ser “um grão de areia” de reflexão acerca das expressões da
violência e seus determinantes. Agradeço a todos que estiveram ao meu lado
contribuindo para a caminhada de reflexões.
RESUMO
Este estudo realiza uma reflexão sobre a concepção dos trabalhadores da
Secretaria Municipal de Saúde de Vitória (Espírito Santo) acerca da violência. Utiliza
a perspectiva da pesquisa social qualitativa. Adota como técnica principal a
entrevista semi-estruturada, que apresentou um roteiro previamente definido e
objetivou identificar as diferentes concepções de violência dos supracitados
trabalhadores, investigando como estes percebem a inserção do tema no contexto
da saúde. Emprega, para a análise das entrevistas, as seguintes categorias
analíticas: a percepção geral dos profissionais sobre a violência; a responsabilidade
e atuação dos serviços de saúde diante da violência; a compreensão dos
profissionais quanto à violência como um problema de saúde pública/coletiva; a
visão de como os trabalhadores estão implicados e como reagem diante das
situações que associam à violência. A partir da análise da fala dos sujeitos, discute a
prática dos profissionais, as dificuldades para identificar a violência e atuar ante esse
fenômeno e ainda as possibilidades de atuação visando contribuir para o
enfrentamento da violência. Por fim, demonstra que os trabalhadores estão
sensibilizados com a temática e acreditam que ela pode ser incorporada na prática
cotidiana do trabalho em saúde. Entretanto, é interessante observar que a
dificuldade na abordagem, a carência de habilidades e de instrumentais e a falta de
apoio da gestão foram freqüentemente apontadas.
Palavras-chave: Violência e saúde. Trabalhadores de saúde. Trabalho em saúde.
Concepção de violência.
ABSTRACT
This study is a reflection of the concepts of the violence from the health care workers
in the municipality of Vitória, Espírito Santo, Brazil. We use the qualitative social
research approach. A semi-structured interview was performed with the objective to
identify differences in the concept of violence between the health care workers
looking for this concept on the context of health. The analysis was done using the
following analytical categories: the concept of violence; responsibilities and actions of
the professionals to deal with the violence; the comprehensive of violence as a public
heath subject and the conceptions about how health care workers are involved and
how their respond of this matter. The results show that Health care workers had
difficulties to identify the violence and to approach it. By the others hand they believe
that this theme can be incorporate in their day life work, although they point out the
importance of training and support by the institutions board to bring this subject and
to highlight the violence as a public health issue.
Key word: Violence and health, Health’s workers, Conception of violence
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................... 11
1.1 APRESENTAÇÃO............................................................................ 11
1.2
1.2.1
1.2.2
TEMPORALIDADE...........................................................................
Trajetória acadêmica......................................................................
Trajetória profissional....................................................................
12
12
14
2 INTRODUÇÃO................................................................................. 19
2.1 JUSTIFICATIVA............................................................................... 24
2.2 OBJETIVOS..................................................................................... 31
2.3 OBJETO DO ESTUDO..................................................................... 31
3 QUADRO TEÓRICO........................................................................ 36
3.1 O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA – MÚLTIPLOS OLHARES............ 36
3.2 O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E O CONTEXTO DA SAÚDE....... 47
3.2.1 A inserção do tema da violência no campo da saúde................ 50
3.3 O TRABALHO EM SAÚDE: TEIAS, REDES E TRAMAS DA
VIOLÊNCIA...................................................................................... 53
3.3.1 O impacto das violências na vida do trabalhador de saúde...... 58
3.4 A SAÚDE COMO DIREITO DE CIDADANIA E MODOS DE
DEFESA DA VIDA HUMANA........................................................... 64
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS.................................................... 69
4.1 MODELO DE INVESTIGAÇÃO........................................................ 69
4.2 PARTICIPANTES (SUJEITOS DA PESQUISA)............................... 73
4.3 O CENÁRIO DO ESTUDO............................................................... 73
4.4 COLETA DE DADOS ...................................................................... 78
4.5
4.5.1
4.5.1.1
4.5.1.2
4.5.1.3
4.5.1.4
4.5.2
4.5.2.1
4.5.2.2
4.5.2.3
TRATAMENTO DE DADOS ............................................................
Tema A: Concepção geral sobre a violência...............................
Subtema 1:.Visão geral sobre o tema..............................................
Subtema 2: Rede de causalidades...................................................
Subtema 3: Tipologia da violência: ..................................................
Subtema 4: Local com mais episódios de violência.........................
Tema B: A inserção da violência no setor saúde ......................
Subtema 5: Responsabilidade e impacto da violência nos serviços
de saúde...........................................................................................
Subtema 6: Casos freqüentes nos serviços de saúde? ..................
Subtema 7: A contribuição e as possibilidades dos serviços de
saúde para a redução da violência...................................................
79
83
84
85
87
88
89
89
91
92
4.5.2.4
4.5.3
4.5.3.1
4.5.3.2
4.5.3.3
4.5.3.4
4.5.3.5
Subtema 8: Dificuldades enfrentadas pelos profissionais nos
atendimentos às situações de violências.........................................
Tema C: Atuação profissional diante da violência......................
Subtema 9: Formação acadêmica e profissional sobre o tema......
Subtema 10: Relação entre as atividades desempenhadas pelos
profissionais de saúde e as questões da violência...........................
Subtema 11: A responsabilidade de intervir nos casos suspeitos
e/ou confirmados de violência – notificação.....................................
Subtema 12: Presenciar ato de violência no trabalho reação
apresentada......................................................................................
Subtema 13: Implicação profissional..............................................
93
95
95
96
97
99
100
4.6 ANÁLISE DOS DADOS.................................................................... 102
5 DISCUSSÃO.................................................................................... 108
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 113
REFERÊNCIAS................................................................................ 123
ANEXOS
A - Instrumento: roteiro da entrevista .............................................. 128
B - Termo de consentimento............................................................ 130
C - Aprovação pelo Comitê de Ética do CCS/UFES........................ 133
D - Mapa da regionalização de saúde de Vitória.............................. 134
11
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.1 APRESENTAÇÃO
Esta dissertação tem por intento principal compreender a concepção dos
trabalhadores de saúde sobre a violência. Destarte, é interessante analisar de que
modo o tema da violência se insere no âmbito da saúde, bem como ponderar os
possíveis impactos no cotidiano da produção do trabalho nesse setor.
Na seção que aborda a temporalidade do estudo são mencionadas as trajetórias
acadêmica e profissional. Na trajetória acadêmica destaca-se a inserção em
pesquisas, enquanto que na profissional enfatiza-se o trabalho em saúde, sendo
ressaltada a questão do fenômeno da violência mobilizar a invenção de novas
práticas.
A introdução procura situar o debate do impacto da violência na área da saúde a
partir do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, da Organização Mundial de
Saúde (2002) que considera a violência como um problema global de saúde pública
e destaca as contribuições e o compromisso do setor saúde acerca do tema.
A justificativa e a definição do objeto de estudo pretendem fundamentar algumas
razões para essa articulação violência e saúde, desde a perspectiva da mudança do
perfil epidemiológico da população brasileira à discussão de saúde para além do
binômio saúde-doença, no sentido da produção de novas formas de fazer saúde que
levem em conta outras dimensões e intervenções, incluindo assim o cuidado quanto
às questões da violência.
O quadro teórico encontra-se subdividido em quatro partes. No item 3.1 são
apresentados distintos olhares de autores ligados a sócio-antropologia sobre a
violência; no 3.2 é destacado o fenômeno da violência no contexto da saúde,
privilegiando os estudos da pesquisadora Minayo; no item 3.3 busca-se discutir os
efeitos da violência para o trabalho em saúde; e finalmente, no item 3.4, faz-se uma
reflexão a respeito da saúde enquanto direito e defesa da vida e construção da
cidadania.
12
Nos aspectos metodológicos o modelo de investigação empregado foi o estudo
qualitativo do tipo descritivo exploratório. O cenário do estudo foi uma Unidade de
Saúde (US) do município de Vitória, Espírito Santo; onde foram entrevistados
quatorze (14) trabalhadores de saúde os sujeitos da pesquisa. Os dados foram
coletados tendo como principal instrumento entrevistas semi-estruturadas. O
tratamento dos dados e a análise dos resultados obtidos foram processados através
da “análise de conteúdo” proposta por Bardin (1979) e redimensionada por Minayo
(1992) resgatando os temas e conceitos presentes nas concepções dos profissionais
sobre a temática em questão.
Na fase da interpretação dos dados e análise dos resultados, depois de
apresentados os principais conteúdos que surgiram nas entrevistas, trabalha-se a
comparação das três categorias analíticas formadas (categoria X: trabalhadores de
nível superior; categoria Y: agentes comunitários de saúde; categoria Z: auxiliares e
técnicos de enfermagem e atendentes da recepção da Unidade de Saúde) a partir
das três temáticas principais: a concepção geral da violência; a inserção do
fenômeno da violência no setor saúde e a atuação profissional diante da violência.
A discussão e as considerações finais pretendem marcar não apenas o limite da
pesquisa, mas também a necessidade de novos estudos e ousam na advogacy pela
incorporação do tema da violência no cenário das práticas em saúde, ainda que o
fenômeno da violência, enquanto objeto de intervenção do setor saúde, provoque
estranheza e medo, além de evidenciar a falta de competências e habilidades dos
trabalhadores quanto ao assunto.
1.2 TEMPORALIDADE
A motivação inicial para o investimento em estudos na temática aqui tratada partiu
das reflexões oriundas de minha trajetória acadêmica e, especialmente, da práxis no
trabalho em Unidade Básica de Saúde do município de Vitória, bem como,
posteriormente, do encontro com as produções teóricas sobre o fenômeno da
violência no contexto da saúde.
1.2.1 Trajetória acadêmica
13
Desde o início da minha formação em Psicologia na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) estive envolvido com pesquisas, seja como estagiário em pesquisa
ou bolsista de Iniciação Científica e de Aperfeiçoamento. Essa minha inserção em
pesquisa, ensejou o contato com a teoria cognitivo-evolutiva de Lawrence Kohlberg,
que é fundamentada nos conhecimentos da psicologia do desenvolvimento com
filosofia moral, inspirada principalmente no "Imperativo Categórico" de Kant e na
"Teoria da Justiça" de Rawls.
O nível mais avançado de raciocínio sócio-moral proposto por essa teoria de
Kohlberg possui pontos que se associam ao artigo “Violência, Política e Ética” de
Chauí (2003) que considera a violência o oposto da ética, ou seja, tratar o ser
humano como coisa e não como sujeito é o princípio de toda violência. Logo,
percebe-se algo bastante parecido com as colocações kohlbergianas do estágio de
desenvolvimento chamado pós-convencional, em que as pessoas são consideradas
como indivíduos e não como instrumento/objeto de um determinado interesse:
O terceiro nível (pós-convencional) enfoca um problema moral em uma
perspectiva superior a da sociedade; pode ir além das normas e leis
vigentes e questiona quais são os princípios que fundamentam uma
sociedade justa; inclui os estágios 5 e 6. O estágio 5 baseia-se em
contratos sociais; as leis e regras sociais servem de sustentação para o
contrato, quando refletem e detém os direitos dos indivíduos na sociedade.
Se não, devem ser mudadas; valores não relativos como vida e liberdade
têm que ser mantidos em qualquer sociedade. No estágio 6, a proposta é
seguir os princípios éticos auto-escolhidos, que são princípios de justiça
universal: igualdade dos direitos humanos como indivíduos; no conflito
entre a lei e a consciência, esta predomina. A perspectiva, portanto, é de
um indivíduo racional que reconhece o fato de que as pessoas são fins em
si próprios e como tal, devem ser tratadas (BIAGGIO, 2006 p. 24).
Nesse sentido as colocações de Chauí (2003) vão ao encontro dos pretensos
estágios pós-convencionais de Kohlberg, visto que a autora argumenta que a ética
se opõe à violência. O próprio vocábulo violência, procedente do termo latino vis, é
definido como força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém; é
ainda coagir, constranger, torturar, brutalizar, violar, provocar sevícias, abuso físico e
psíquico. A violência trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de
liberdade como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou
passivos. a ética é inseparável da figura do sujeito racional, voluntário, livre e
responsável. Tratar um homem como se fosse desprovido de razão, vontade,
14
liberdade e responsabilidade, não é tratá-lo como humano, perfazendo, assim, os
vários sentidos da violência.
1.2.2 Trajetória profissional
A experiência em pesquisa na graduação somada ao trabalho como profissional de
Saúde Mental me fizeram retornar às atividades acadêmicas, no sentido de integrar
a prática com a pesquisa e o ensino. Essa articulação pode favorecer um melhor
entendimento da relação entre teoria e prática, bem como o aprimoramento da
intervenção profissional. E será, ainda, de grande relevância para elaboração de
políticas na Secretaria Municipal de Saúde de Vitória (SEMUS-PMV).
Embora incipientes algumas ações estão sendo desenvolvidas e outras foram
realizadas visando à inclusão do tema da violência na agenda da SEMUS-PMV.
Dentre elas podemos destacar:
a) a estratégia “Risco social: prevenção das DST/Aids
1
, da violência e do
uso indevido de drogas entre crianças e adolescentes” que objetiva a
formação e a qualificação de profissionais da Prefeitura de Vitória para que
desenvolvam propostas de intervenções na prevenção do uso de drogas,
das DST/Aids e da violência em suas áreas de trabalho (escola, Unidade de
Saúde, na comunidade, etc.);
b) a ”Câmara Técnica da Prevenção da Violência” que foi um órgão
colegiado formado por um grupo de técnicos de várias áreas de formação e
de atuação que teve como meta criar estratégias e políticas públicas de
prevenção da violência, além da identificação e assistência às vítimas dentro
do setor saúde de forma intersetorial;
c) a criação de uma Referência Técnica” para tratar das questões da
violência no cenário da saúde, ou seja, introduzir no setor práticas voltadas
para a prevenção da violência, promoção de saúde e assistência às vítimas.
Destacam-se como trabalhos dessa Referência a realização de capacitações
na temática para profissionais da secretária de saúde e de secretarias afins.
Fomenta também a discussão acerca da implantação do “Instrumento de
1
Doenças sexualmente transmissíveis / Síndrome da imunodeficiência adquirida.
15
notificação de violências contra a criança, adolescente, mulher e
idoso” no sistema municipal de saúde.
Venho participando ativamente das mencionadas ações e, ao resgatar alguns
momentos que compuseram a minha trajetória acadêmica e a minha atuação como
profissional, fica evidenciado que o interesse pelo problema da violência está
sempre presente. Uma vez que advogo a inserção das questões da violência na
área da saúde, realizar esta Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva tem sido
uma oportunidade para refletir e analisar esta prática profissional através de estudos
e da pesquisa voltados para a transformação de uma realidade, o que demanda
participação de todos os seguimentos da sociedade: o governo, as organizações
não-governamentais, as empresas, as instituições de ensino, dentre outros.
dez anos trabalho na SEMUS-PMV como psicólogo. Durante cinco anos exerci a
profissão na US de São Pedro V (cinco) e um ano na US de Jardim Camburi. Nos
últimos anos fiz parte da equipe de coordenação de Saúde Mental, da Referência
Técnica da Promoção da Paz, e atuei no recente serviço criado pela Secretaria
Municipal de Cidadania de Vitória, o CAVVID - Centro de Atendimento a Vítimas de
Violência e Discriminação, que auxilia pessoas que sofrem preconceito por gênero
racial e/ou por orientação sexual. Exercer essas atividades tem me permitido
acompanhar, supervisionar e planejar inúmeras outras que já estão sendo realizadas
na esfera dessa temática.
O trabalho como psicólogo em Unidade de Saúde, na região de São Pedro onde
desenvolvia atividades de: atenção às pessoas usuárias de drogas e com transtorno
mental grave, aos grupos de educação em saúde para hipertensos e diabéticos,
além de operar nos programas de prevenção e promoção de saúde para
adolescentes trabalhando pontos como violência, drogas, sexualidade, gravidez na
adolescência, DST/Aids fez com que eu me deparasse repetidamente com o
universo da violência. As questões apareciam das mais diversas maneiras.
Nos grupos programáticos de saúde de hipertensão e diabetes, surgiam assuntos
como filhos presos, homicídios em família, mulheres agredidas pelos cônjuges,
enfim, muito sofrimento, e notava-se a nítida relação dos problemas com a saúde
16
daquelas pessoas. Elas viviam sob constante pressão. O aumento da hipertensão
arterial, por exemplo, estava co-relacionado com a emoção e o histórico vivencial
delas, uma espécie de psico-somatização. Além disso, há os comentários freqüentes
dos Agentes Comunitários de Saúde sobre os assassinatos, na maioria das vezes
de adultos jovens e adolescentes do sexo masculino, envolvidos ou não com o
tráfico de drogas.
Nas ações coletivas de educação em saúde, voltadas para adolescentes, as
histórias de violência também eram habituais: "meu irmão está preso", "foi morta
mais uma pessoa na rua tal", "aquele garoto vive em ‘galera’" (grupos de pessoas
ligadas ao tráfico de droga), "se você tiver um 38, é mais respeitado".
Nas atividades terapêuticas com crianças não era muito diferente. Crianças que
foram espancadas pelos pais, que sofreram abusos sexuais ou que presenciaram
violência física e sexual da mãe, que viviam com medo da violência no bairro, um
medo real que aparecia na forma de não conseguir sair de casa ou até mesmo de
não poder ir à escola. E, ainda, crianças que perderam os pais assassinados, as
quais nós denominávamos "os órfãos do tráfico". Infância completamente
desprotegida, sem a figura de um pai real, sem suportes emocionais e materiais
para um desenvolvimento digno, sujeitos vulneráveis a todo tipo de situações. Seria
"uma fábrica" de futuras pessoas violentas? Interrogações como essa
constantemente fazíamos, todavia acreditávamos que muito poderia ser feito pelas
crianças e que não estariam, necessariamente, fadadas a entrada no mundo da
violência.
Várias atividades eram criadas na busca de ações contra a gritante realidade, como
os atendimentos de psicoterapia individual para crianças com dificuldade na escola
ou que estavam perdendo os vínculos familiares precocemente, levando em conta a
visão da própria família de que elas seriam alvo fácil do tráfico de drogas, na
categoria de "aviãozinho" (termo utilizado para aqueles que fazem "apenas" a
entrega de pequena quantidade de droga do traficante para o usuário). Outro
instrumento foi a organização de grupos de pais, de crianças e de adolescentes para
debater sobre a sexualidade e a masculinidade, valorização e expectativa de vida,
emprego/trabalho numa população de baixo nível sócio-econômico. As perspectivas
17
não eram tão esperançosas. Como conviver ante a revolta da falta de
oportunidades, que estratégias e saídas poderiam ser elaboradas para lidar com os
conflitos e agressividades sempre presentes no seu ambiente de vida?
Nos atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica provocada pelos
próprios maridos, percebia-se que a menos valia de ser mulher aparecia com
assiduidade e que o empoderamento do lugar feminino para uma posição de sujeito
era uma forma das agressões diminuírem, o que levava a compreensão da
necessidade de colocar em cena também os cuidados com o homem, num
programa de atenção integral à saúde da mulher.
Era consenso de todos que muito era preciso ser feito para a redução da violência
naquele lugar: política social de geração de renda, empregos, investimentos do
poder público em habitação, saneamento básico, segurança (não entendida
exclusivamente como repressão), escola mais voltada para a comunidade. Não
obstante, enxergava-se o papel fundamental do setor saúde nesse contexto: muita
coisa pode ser alcançada pelos profissionais de saúde, à medida que haja o
entendimento que saúde é muito mais que a ausência de doença. Se a violência é
algo que a todo momento bate à porta de um serviço de saúde, então é essencial
que os profissionais possam delinear, criar e inventar estratégias para a prevenção
da violência e assistência às vítimas.
Nesse sentido, nos serviços de saúde poderiam existir espaços da livre circulação
da palavra, onde as pessoas, usuárias do SUS, possam freqüentar para busca de
ajuda, não para tratar a dor física, mas também para lidar com "a dor da alma",
com a dor de existir; e, para tanto, caberá ao profissional possuir habilidades para
acolher esta população, a qual muitas vezes é excluída de um sistema de
oportunidades, o que ocasiona uma desvalorização e banalização da vida e da
saúde e afeta sua cosmovisão, que não se vislumbra a inventividade de saídas para
as adversidades e motivações para simplesmente levar a vida.
A aposta é que muito pode ser realizado porquanto a Unidade de Saúde torna-se um
cenário, um "palco" de violência, onde todas as configurações de violências estão
encenadas em um teatro vivo, quer seja do profissional com o usuário ou vice-versa,
18
quer seja em todas as formas trazidas nos relatos do seres humanos que procuram
o serviço de saúde. Assim, este "palco" precisa ser o campo da poesys, da criação
de novas formas de vida, em que as inventividades de habilidades pelos
profissionais possam intervir na realidade, diminuindo os agravos e até evitando que
alguns modos de violências se efetivem.
Intervenções que, de alguma forma, podem estar acontecendo, uma vez que, nas
reuniões para elaboração do plano de capacitação para 2008, realizadas pela
Coordenação de Educação em Saúde da SEMUS, surgiram várias solicitações dos
diretores e trabalhadores da maioria das US para que a Secretaria realize
capacitações específicas sobre o fenômeno das violências. Isso evidencia um
relativo reconhecimento que o tema pode ser incorporado na agenda das práticas de
saúde, para além da concepção estrita que a violência é objeto das ações de
segurança e justiça.
19
2 INTRODUÇÃO
O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, da Organização Mundial de Saúde
(OMS), lançado em Bruxelas, em 2002, considera a violência como um problema
global de saúde pública e destaca as contribuições e o compromisso do setor saúde
com o tema. Esse relatório constitui o principal referencial teórico para o presente
estudo devido à sua importância para a inserção do tema no contexto saúde, além
da riqueza da sua produção técnico-científica, que contou com pesquisadores de
vários países, e por trazer conceituação, tipificação e orientação para os gestores e
também um modelo ecológico para o entendimento dos determinantes da violência.
O relatório revela que morreram, no ano 2000, 1,6 milhão de pessoas em todo o
mundo, como resultado da violência, principalmente na faixa etária de 15 a 44 anos.
Essa calamidade acarreta inúmeros prejuízos aos países, desde os gastos
econômicos com a saúde até a perda da força de trabalho juvenil, além dos traumas
psicossociais sofridos pelas famílias. O relatório traz a idéia central de que onde a
violência existe a saúde está vulnerável. Alerta, ainda, que, além das mortes que
são visíveis, existem os casos invisíveis, como a violência no trabalho, nas
instituições de saúde, na esfera intrafamiliar a violência contra crianças,
adolescentes, mulheres e idosos. Situações essas de fragilidade, ameaças e
enfermidades que fazem as vítimas se manterem no silêncio (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2002). Os dados de mortalidade por causas violentas são,
portanto, a “ponta do iceberg” quando se trata das morbidades, que muitas vezes
ficam no espaço do silêncio e da invisibilidade.
A OMS argumenta que, apesar da violência sempre ter existido em todas as
sociedades, e ser inevitável pela condição humana, ainda assim ela pode ser
encarada como um problema de possível prevenção, da mesma forma que têm
surgido sistemas religiosos, filosóficos, jurídicos e comunitários para bloquear a sua
manifestação. Ainda que nenhum deles tenha atingido completo êxito, eles oferecem
importantes contribuições para a diminuição da violência.
Do ponto de vista da saúde, desde os anos 80, a violência tem sido debatida por
pesquisadores e trabalhadores da área e, em 1996, a 49ª Assembléia Mundial de
20
Saúde da OMS lançou a resolução “WHA49.25: prevenção da violência uma
prioridade de saúde pública”, declarando que a violência é um problema de saúde
pública fundamental, crescente em todo o mundo. Essa resolução ressalta que a
violência é problema grave para indivíduos, famílias, comunidades e países e
provoca efeitos prejudiciais para os serviços de atenção à saúde. A resolução ainda
salienta que, devido ao fato do serviço de saúde situar-se na primeira linha de
contato com a população e, conseqüentemente, com as vítimas da violência, é uma
oportunidade técnica e logística para elaborar estratégias de intervenção com as
populações expostas aos riscos, no propósito de trabalhar não os efeitos, as
conseqüências, mas também interferir na causalidade do fenômeno (WHO, 1996).
O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde está dividido em nove capítulos que
abordam os seguintes conteúdos: a violência como um problema mundial de saúde
pública, a violência juvenil, a violência coletiva, a violência sexual, a violência auto-
infligida (o suicídio), a violência entre companheiros íntimos (violência contra a
mulher), o abuso e negligência infantil, os maus tratos contra os idosos, além das
recomendações de como proceder em relação à violência. Os capítulos que tratam
da questão do suicídio no mundo e da violência sexual e doméstica contra a mulher
expõem altíssimos e alarmantes números, a saber: de 1,6 milhão de mortes por
violência no mundo, no ano 2000, quase metade, 815 mil (49,1%), foram por
suicídio, superando os homicídios, 520 mil (31,3%), e as mortes causadas por
guerras que foram 310 mil (18,6%), destacando os continentes europeu e asiático
com os maiores índices de suicídio. Quanto à violência sexual, o relatório aponta
que 70% das mulheres foram vítimas de violência doméstica, que 20% das mulheres
e 10% dos homens são vítimas de violência sexual na infância, e que 30 % das
primeiras experiências sexuais são forçadas (WHO, 2002).
Na 56ª Assembléia da OMS, foi lançado o documento de aplicação da Resolução
WHA49.25 e do “Relatório Mundial de Saúde” de 2002, com as seguintes
recomendações:
Criar, aplicar e supervisionar um plano nacional para a prevenção da
violência; aumentar a capacidade dos bancos de dados sobre a violência;
promover respostas de prevenção primária; reforçar as respostas das
vítimas de violência; integrar a prevenção da violência com políticas sociais
e educativas e promover a eqüidade social de gênero; incrementar a
21
colaboração e intercâmbio de informação sobre a prevenção da violência;
promover e supervisionar o cumprimento dos tratados internacionais e
outros mecanismos de proteção dos direitos humanos; buscar respostas
críticas e consensuais a nível internacional ao tráfico mundial de drogas e
de armas (WHO, 2003, p.3).
A OMS define violência como o uso intencional da força física ou do poder, real ou
por ameaça, contra a mesma pessoa, contra outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade que possa resultar – ou tenha alta probabilidade de resultar – em morte,
lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação. Propõe um
modelo ecológico para o entendimento da violência e para a sua prevenção,
considerando como principais determinantes os fatores: sociais, comunitários,
relacionais, interpessoais e individuais (WHO, 2002). que se entender o modelo
ecológico do ponto de inter-relação entre os multifatores determinantes e o indivíduo
que possui sua singularidade e está imerso em uma cadeia de relações familiares,
comunitárias, político-sociais e histórico-culturais.
A violência é o resultado da ação recíproca e complexa de fatores individuais,
relacionais, sociais, culturais e ambientais. Compreender a forma como esses
fatores estão vinculados com a violência é um dos passos importantes do enfoque
de saúde pública para prevenir a violência. Do ponto de vista individual, que se
considerar itens como: impulsividade, nível de escolaridade, abuso de sustâncias
psicotrópicas, antecedentes de comportamento agressivo e o fato do indivíduo ter
sofrido maus-tratos. O modelo ecológico centra sua atenção nas características do
indivíduo que aumentem a probabilidade dele ser vítima ou perpetrar atos de
violência. O segundo nível do modelo ecológico enfatiza o modo como o indivíduo
estabelece as relações sociais com seu grupo de amigos, com os pais e com todos
os membros da família. O terceiro nível do modelo ecológico examina os contextos
da comunidade em que se inscrevem as relações sociais, como a escola, o local do
trabalho, e busca identificar as características desses âmbitos que se associam e
podem levar o indivíduo a se tornar vítima ou autor de atos violentos, ou seja,
determinadas organizações comunitárias favorecem a violência mais que outras. Um
exemplo são as zonas de pobreza, onde pouco investimento institucional. O
quarto e último nível do modelo ecológico examinam os fatores sociais mais gerais
que determinam a violência e inclui os fatores que criam um clima de aceitação ou
inibição da violência, como: normas culturais que apóiam a violência como uma
22
maneira de resolver conflitos; atitudes que consideram o suicídio como uma opção
pessoal em contraposição ao entendimento de que ele possa ser um ato de
violência evitável; normas que priorizam o bem-estar dos adultos em detrimento do
bem-estar das crianças; normas que reforçam o domínio masculino sobre as
mulheres e os filhos; normas que respaldam o uso de força policial excessiva contra
os cidadãos; normas que apóiam os conflitos políticos. Entre os fatores mais gerais,
também cabe mencionar as políticas sanitárias, educativas, econômicas e sociais
que mantêm níveis altos de desigualdade econômica e social entre distintos grupos
da sociedade (WHO, 2002).
O modelo ecológico destaca, portanto, as causas múltiplas da violência na sua
interação com os fatores de risco que operam dentro da família com os âmbitos
social, cultural e econômico, além de levar em conta o contexto das peculiaridades
das causas da violência por diferentes fatores, nas distintas etapas da vida.
Acerca da tipologia da violência, o relatório a divide em três tipos: violência auto-
infligida, violência interpessoal e violência coletiva. A violência auto-infligida inclui a
conduta suicida e o auto-abuso; a interpessoal refere-se à violência intra-familiar
entre companheiros, contra criança, adolescente, mulher e idoso e violência dentro
das comunidades, na dimensão pública, entre conhecidos ou não; a violência
coletiva inclui a violência econômica, política, social e institucional. Quanto à
natureza, a violência pode ser física, sexual, psicológica e de privação ou
negligência (OMS, 2002).
Souza (2005) resume os efeitos nefastos dos eventos violentos: além da
repercussão física, também produzem danos psicológicos que não são conhecidos;
afetam diretamente a área da saúde, que recebe suas vítimas e para elas deve
dispensar atendimento integral de assistência e recuperação, mas também de
prevenção e promoção de saúde, o que eleva os custos do setor; provocam a busca
por medidas individuais de proteção, como o porte de armas e o crescimento da
segurança privada; exercem impactos sobre a produção, com a morte de pessoas
jovens em plena idade produtiva ou sua incapacidade pelo resto da vida.
23
Um estudo vinculado ao grupo de violência do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), publicado na revista Época, em abril de 2007, retrata, de forma bem
clara, em pesquisa realizada tomando como base de análise o ano de 2004, os
efeitos da violência não no que têm representado na perda de vidas (a maioria
jovem), na banalidade assustadora dos atos de violência em nossa sociedade, mas
também no tocante aos custos/gastos que vêm sendo despendidos no
enfrentamento desse fenômeno. Os dados do estudo do Ipea mostram que a
sociedade brasileira gasta, anualmente, 5% do produto interno bruto (PIB) com
despesas em decorrência da violência.
O custo estimado da violência girou, no ano de 2004, em torno de R$ 92,2 bilhões e,
no que tange ao setor público, o gasto foi da ordem de R$ 31 bilhões, tendo um
custo para a polícia de R$ 28,00 bilhões, para os presídios e cadeias de R$ 2,8
bilhões e, para o setor saúde referente à assistência à saúde de pessoas vítimas da
violência, o gasto foi de R$ 988,00 milhões. Esse custo para o setor privado foi da
ordem de R$ 60,3 bilhões. O estudo calculou ainda o custo médio anual para cada
brasileiro decorrente da violência: R$ 519,20 per capita.
O estudo também permite observar que os gastos de R$ 92 bilhões da sociedade
brasileira com a segurança no referido ano representaram cerca de quatro vezes os
gastos do Governo Federal, conforme previsão orçamentária do Ministério da
Educação. Gastos estes que ao longo desses quase três anos decorridos dos dados
da pesquisa do Ipea, não proporcionaram decréscimo da violência. As cifras e os
impactos são ainda maiores, constituindo o fenômeno da violência como um
problema intersetorial que afeta todas as esferas da sociedade, inclusive no que diz
respeito à capacitação de trabalhadores e gestores da área de saúde para enfrentar
essa situação.
Além desses inúmeros efeitos da violência, o setor saúde sofre outros impactos no
que se refere aos ambientes de atenção à saúde, ao receio de profissionais em
exercerem suas atividades em regiões violentas, ao horário reduzido de
funcionamento do serviço de saúde nessas localidades, ao grande número de
profissionais agredidos pelos usuários do sistema de saúde, ao investimento em
segurança na rede hospitalar e às condições desumanas que cotidianamente os
24
trabalhadores de saúde estão submetidos nos cenários da produção do trabalho em
saúde, conforme pode ser constatado nos locais de trabalho e em denúncias dos
próprios trabalhadores por não suportarem vivenciar a condição de vítimas e ao
mesmo tempo de algozes no sistema de saúde, fatos amiúde apresentados na
imprensa:
Noventa e sete pacientes deitados no corredor, sendo 52 deles à espera de
cirurgias; dois doentes sendo atendidos nas escadas e bandidos
algemados entre os demais internados. Essa era a situação do Hospital
São Lucas, na tarde de ontem. Os dados são da vistoria do Conselho
Regional de Medicina (CRM-ES), que denuncia o estado de calamidade e
pede providências urgentes ao governo (Jornal A Tribuna, Vitória-ES,
03/07/2007, p.8).
Para Breceño-León (2005) a superação da violência requer uma transformação não
só econômica, mas também na vida em sociedade e na política, pois, para o autor, a
violência é uma interação, um modo de comunicação e relação entre as pessoas.
Entretanto, é claro, uma maneira doentia de estar junto. A construção de um modo
não violento de conviver e resolver os conflitos, um modo de fazer um governo para
todos, pode ser um caminho para a construção da paz e, nesse sentido, a saúde
pública pode ser um grande aliado.
2.1 JUSTIFICATIVA
A violência urbana tem ampliado o que Baier (2004) denomina medo social. Trata-se
de um medo constituído socialmente e que afeta a coletividade; é o medo utilizado
como instrumento de coerção por determinados grupos que submetem pessoas aos
interesses deles. O medo social vem alterando profundamente o tecido social e,
conseqüentemente, a vida cotidiana da população; todos se sentem ameaçados e
correndo perigo. Ameaças reais vindas de sujeitos reais produzidos pelos índices
perversos do crescimento da violência nas cidades.
O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS (2002) encara a violência
como o principal problema de saúde pública do mundo, uma epidemia global. Os
acidentes e as violências representam um forte impacto sobre a mortalidade e a
morbidade da população brasileira que tem exigido a ampliação da demanda por
assistência no Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, eles geram cerca de 120
25
mil óbitos anuais, 12% da mortalidade geral da população, o que significa a segunda
causa de mortes no país. Atinge, sobretudo, a faixa etária de 05 a 39 anos, sendo,
conforme o Ministério da Saúde (MS), a primeira causa de morte neste segmento
(2004).
Os homicídios segundo grupos de gênero, no Brasil, representam um risco
excessivo de morte na população masculina em todo país (SOUSA, 1994, apud
PEREZ, 2004). De um total de 168.518 homicídios ocorridos entre 1990 e 1998,
90,9% foram homicídios masculinos e 9,1% femininos, isto é, para cada óbito
feminino são encontrados 12 óbitos masculinos.
O relatório do serviço de Monitoramento e Avaliação de Mortes por Causas Externas
no município de Vitória (DAÍ/SEMUS/PMV quadriênio 2000-2003) corrobora os
dados nacionais supracitados e aponta a faixa etária de 15 a 24 anos em primeiro
lugar nas mortes por homicídio; o sexo masculino figura a grande maioria dos casos,
cerca de 91,45%.
O relatório demonstra, ainda, que a maioria dos óbitos ocorre em via pública e no
próprio bairro de moradia da vítima. O instrumento principal usado nos homicídios é
arma de fogo, 84,65%. As raças/cor mais atingidas são os pardos e negros, com
63% dos casos. As principais vítimas relacionadas com o transporte no município
são adolescentes e adultos jovens do sexo masculino. Em relação aos suicídios,
Vitória ocupa o sexto lugar no país, novamente aparecendo o predomínio do sexo
masculino (DAÍ/SEMUS/PMV - quadriênio 2000-2003).
Os números da violência no município de Vitória são altos, de acordo com dados do
serviço de Monitoramento e Avaliação de Mortes por Causas Externas no município
de Vitória (DAÍ/SEMUS/PMV - quadriênio 2000-2003) e da II Agenda Metropolitana
da Grande Vitória, (2004), destacando-se entre os primeiros do país. Destarte, o
envolvimento das três esferas de governo e de toda a sociedade para redução
destes escores é de necessidade emergencial e prioritária.
Se a violência está na ordem do dia, também deve estar na pauta e na agenda de
todos os serviços e entidades que tenham compromisso com a qualidade de vida da
26
população e com a justiça social. É preciso dar atenção especial para aqueles
afetados com essas problemáticas e realizar ações sistematizadas para modificar
esta realidade, principalmente se considerarmos que o problema se aprofunda
crescentemente em nosso país, estado e em nossa cidade.
Nesse sentido o Plano Nacional de Prevenção da Violência (MS, 2004) orienta os
gestores locais que identifiquem a dinâmica social que provoca o aumento da
violência e, ao lado do diagnóstico, promovam ações coletivas e específicas
voltadas para os segmentos populacionais de maior risco e vulnerabilidade às
situações de violência.
A abordagem da violência a partir da perspectiva da saúde deve, portanto, analisar e
identificar os seus determinantes sociais para, a partir deste conhecimento, propor
medidas preventivas e assistências intersetoriais. Não se trata de reduzir a violência
a uma doença ou a um problema médico, mas de se considerar os seus efeitos para
a saúde da população e para os serviços de saúde (MS, 2004).
No entanto, os profissionais da saúde enfrentam diversas dificuldades ao lidar com o
problema. Dentre elas destacam-se: o despreparo associado ao desconhecimento;
as dificuldades de abordagem, medo, ausência de estratégias e de ingerência por
parte da gestão; a não inclusão do tema na agenda do setor; a falta de redes sociais
de apoio para a assistência psicossocial e para a reabilitação de seqüelas físicas; a
carência de uma rede de atendimento de urgência e emergência (MS 2004). Além
disso, há a ausência do tema na formação (graduação) desses trabalhadores.
Esses fatos podem ser alguns dos determinantes de violência contra profissionais de
saúde e tornam-se sempre notícias corriqueiras na mídia impressa da capital
capixaba:
Cansados de esperar na fila, pacientes partem para a agressão e
ameaçam de morte os profissionais. Para garantir o atendimento rápido do
familiar doente ao enfrentar as demoradas filas em hospitais, pronto-
atendimentos e postos de saúde da Grande Vitória –, alguns pacientes
estão perdendo a cabeça, usando a força e ameaçando médicos com
armas, como canivetes e revólveres (Jornal A Tribuna - Vitória-ES, p. 02 -
Sábado - 29/10/2005).
27
Embora seja considerado um avanço na segurança hospitalar, a presença
de policiais militares apenas no Hospital Dório Silva, na Serra, fez com que
a associação e sindicatos ligados à saúde se manifestassem. Eles querem
que a proteção seja para todos os hospitais da Grande Vitória (Jornal A
Tribuna - Vitória-ES, p. 16 - Sábado - 15/08/2006).
São essas dificuldades e esses “equívocos” a violência como incapacidade de se
ver no lugar do outro, logo o outro é uma ameaça que o presente estudo almeja
conhecer, examinar e compreender, especialmente como os profissionais de saúde
vivenciam essas questões, como concebem a violência e como percebem a possível
inserção do tema no contexto da saúde, nas ações de prevenção da violência,
promoção de saúde e assistência às vítimas. Analisar o que é mais freqüente em
suas subjetividades, nos seus imaginários e nas suas representações. Seria o
medo? Sentimento de autopreservação? Falta de habilidade e competência
profissional desde a graduação e a ausência de uma política de educação
permanente que qualifique o trabalhador para lidar com as diversidades com que a
violência se manifesta no cotidiano institucional dos serviços de saúde?
Pretende-se, assim, apreender como a questão da violência é vivenciada no dia-a-
dia do profissional da saúde, como isso vai comprometer possivelmente as relações
interpessoais entre os trabalhadores e também o trato com os usuários, ou seja,
como o processo de trabalho será afetado no interior das Unidades de Saúde e na
relação com o público que busca ajuda.
Considerando as evidentes dificuldades da inserção do tema violência no domínio
saúde e os efeitos do fenômeno da violência no cenário do trabalho em saúde,
Tuesta (1997) discute se os serviços de saúde podem estabelecer espaços de
atuação diante da violência, por meio da reflexão do modo tradicional com que
esses serviços atuam diante de questão que estritamente não é uma doença – não é
causada por “uma bactéria ou vírus”.
A autora aborda o assunto a partir de pesquisa que faz análise das representações
que os profissionais de saúde têm da violência de gênero no âmbito doméstico e a
sua relação com o papel dos serviços de saúde perante o fenômeno. Ainda traz as
considerações de Mercy et al (1993) que defende a saúde como um locus
importante para práticas voltadas à questão da violência, enfatizando a coerência
28
interna do campo da saúde pública para proporcionar os elementos consistentes
contribuintes para prevenção da violência. São eles:
1. A abordagem da saúde pública proporciona um desempenho e uma
ênfase poderosa para identificar políticas e programas visando à prevenção
de condutas violentas, lesões e mortes; 2. A abordagem da saúde pública
apresenta a forte convicção de que a violência pode ser prevenida; 3. A
saúde pública proporciona uma abordagem multidisciplinar que está
explicitamente direcionada a identificar possibilidades efetivas de
prevenção; 4. O modelo da saúde pública como uma abordagem científica
para a prevenção tem sido aplicado a uma diversidade ampla de problemas
de saúde pública, tanto infecciosos como não infecciosos, apresentando
notável sucesso; 5. A saúde pública proporciona uma tradição de
integração de lideranças, sendo capaz de organizar conjuntamente
diferentes disciplinas, organizações e comunidades para trabalharem
juntos a fim de resolver o problema da violência...6. Possibilita superar a
crença de que a violência é um problema minoritário, o que tem dificultado
uma resposta efetiva para preveni-la. Esta atitude estigmatizou grupos
raciais e étnicos como se eles fossem inerentemente violentos e permitiu
que a maioria da população vítima de violência negasse seus próprios
problemas de violência, dissociando-os de uma solução (TUESTA, 1997 p.
29-30)
Discutir se os serviços de saúde podem produzir espaços de atuação diante da
violência, é, portanto, refletir acerca da forma tradicional com que os serviços de
saúde operam diante de questão que estritamente não é uma doença, ou seja, a
inserção da violência no cenário da saúde provoca um debate sobre os diversos
olhares sobre o processo saúde-doença. Para que o tema não permaneça como
algo externo à agenda da saúde, o setor deve construir ações para além de
“espectador” (ficar circunscrito ao tratamento médico das suas conseqüências, como
as lesões e traumas) ou “contador de eventos” (os positivismos e quantitativismo
que desconsidera os sujeitos na sua historicidade e no entendimento da causalidade
e dos processos).
Para tanto, que se repensar a dicotomia saúde-doença objetivando a produção
de novas maneiras de fazer saúde, que leve em conta outras dimensões e
intervenções, incluindo assim o cuidado para as questões da violência.
Sabrosa (2001) argumenta que quando a OMS conceituou “[...] saúde como o mais
completo estado de bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de
doenças” não propunha um critério classificatório - apesar de ter sido assimilado
pelos trabalhadores de saúde como algo absoluto - mas uma direção. Desse modo,
29
a autora defende a idéia de que o conceito de saúde não é uma questão que se
refere exclusivamente à descrição das condições atuais, mas que ela está mais
vinculada a uma concepção de vir a ser, de objetivos a serem alcançados, de
projeto, seja em perspectiva individual ou social.
Manço (2004) chama atenção para a exigência de um lugar ético na relação
assimétrica que se estabelece entre médico e paciente, em que este é a parte mais
frágil desse contato. O autor, questionando se o usuário de um sistema público de
saúde que muitas vezes é mero objeto da observação médica de cunho didático
é mais objeto ou sujeito na abordagem, traz à tona uma reflexão sobre a “sociedade
da normalização” (FOUCAULT,1972), que é exercida através dos discursos do
poder soberano do direito e os mecanismos das coerções exercidos pelas
disciplinas. No caso da medicina, o controle é exercido através da disciplina e da
normatização do que é normal e patológico. O hospital, por exemplo, como
instrumento terapêutico, é uma invenção relativamente nova. Antes do século XVIII,
o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres, como
também de exclusão e separação:
O pobre como pobre tem necessidade de assistência e como doente,
portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o
hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo quanto para proteger o
que ele encarne. Medicalizar alguém era mandá-lo para fora e, por
conseguinte, purificar os outros. Medicina era uma medicina de exclusão
(FOUCAULT, 1972, p. 88-101).
Canguilhem (1978), por sua vez, busca compreender o conceito saúde-doença
como uma proposta muito mais filosófica e política do que um lugar objetal da
ciência ou da medicina, enquanto o padecimento do sistema fisiológico. O autor
destaca que a concepção médica voltada para a doença e seus julgamentos de
valores, caracterizado no interrogatório e pela terapêutica, toma, assim,
exclusivamente da fisiologia um saber descritivo e normativo do processo saúde-
doença. Entretanto, a saúde não deve se reduzir a um discurso normativo-
impositivo; ela é também a possibilidade de normatividade pelo indivíduo. Promover
a saúde não é apenas uma série de ações que gerem bem estar ou evitem riscos, é
também dar condições de escolha e criação aos indivíduos (COELHO e FILHO,
1999).
30
Czeresnia (2003) argumenta que o discurso cientifico, a especialização e a
organização institucional das práticas em saúde se desenvolveram a partir de
conceitos objetivos não de saúde, mas de doença, conceituado pela redução do
corpo humano, pensado a partir de mecanismos morfológicos e funcionais, definidos
pela anatomia e a fisiologia. Doença, então, definida como realidade própria e
desconectada de todo o conjunto de relações dos significados da vida; prática
médica entrando em contato com órgãos e funções e não com homens - sujeitos
dotados de história, desejo e subjetividade.
A autora defende a prática de saúde para além de uma aplicação técnica e
normativa. Deve-se, na verdade, considerar as diferenças e singularidades dos
acontecimentos e dos sujeitos em seu espaço cotidiano e remeter a dimensão
social, existencial e ética, observando as relações que estabelecem entre si, para
buscar, assim, uma aproximação entre medicina, literatura e filosofia, na tentativa de
incluir o espírito humano, o sujeito individual, a cultura e a sociedade.
A saúde concebida nesse leque de horizontes apresenta uma dimensão, dentre
outras, do cuidado, da cidadania, do direito e do valor da vida; é a perspectiva da
saúde entendida como um bem comum e um “projeto de felicidade”, como defende
Ayres (2006):
[...] definir a atenção à saúde como um compromisso das tecnociências da
saúde, em seus meios e fins, com a realização de valores
contrafaticamente relacionado à felicidade humana e democraticamente
validados como bem comum (AYRES, 2006 p.49).
O corpo seria entendido como constituído de palavras, de linguagem, desejo,
subjetividade, história, significados e re-significados. Não mais conforme a dicotomia
cartesiana da saúde-doença como proposta de intervenção em um corpo
unicamente objeto da fisiologia, mas da ética, da política, da filosofia, da arte...
Dessa forma, quando a concepção de saúde cobre essa polissemia, a questão da
violência torna-se reconhecida como objeto de intervenção no cotidiano das práticas
do trabalho em saúde, pois o fenômeno das violências compromete todo o projeto
31
de felicidade humana e a vida perde o lugar de princípio universal, de valor
inalienável da condição da existência humana.
Diante disso, é fundamental saber quais são as concepções dos profissionais de
saúde e como são tecidos os significados sobre a violência no âmbito do cotidiano
do trabalho em saúde, que é, essencialmente, trabalhar com a vida humana em sua
amplitude.
2.2 OBJETIVOS
Esta pesquisa tem por finalidade:
Estudar o fenômeno da violência em uma perspectiva institucional no
contexto da saúde;
Identificar as diferentes concepções dos trabalhadores de saúde sobre
violência;
Analisar como o tema da violência está inserido no setor saúde e quais são
seus impactos no cotidiano da produção do trabalho em saúde;
Compreender a atuação dos trabalhadores de saúde frente aos fenômenos
das violências, a partir dos significados apresentados por eles.
2.3 OBJETO DO ESTUDO
A definição do objeto do estudo foi feita a partir da consideração dos seguintes
fatores:
1− O entendimento de que a violência traz inúmeras repercussões para a
saúde física e mental dos indivíduos, ou seja, em um diagnóstico de saúde
deve-se levar em conta se o indivíduo sofre ou sofreu algum tipo de
violência;
2− O fenômeno da violência é um objeto que merece ser trabalhado pelo
sistema de saúde pública, reconhecimento da OMS em algumas
32
resoluções e consolidado no “Relatório Mundial de Saúde e Violência”
(OMS, 2002);
3− O forte impacto dos acidentes e violência nos serviços de saúde,
principalmente na rede de urgência e emergência. Dados do ano de 2000
demonstram que ocorreram, no Brasil, 700 mil internações decorrentes de
lesões provocadas por causas externas nos hospitais próprios ou
conveniadas do SUS (MELLO JORGE, 2005). Ainda que o presente estudo
não pretenda adentrar pela grandeza da atenção secundária e terciária,
que se considerar que, se houver um efetivo trabalho para a redução da
violência na porta de entrada do sistema de saúde - na atenção primária
saindo ela, assim, do lugar de “espectador”, conseqüentemente haverá
diminuição dos inúmeros impactos na rede hospitalar (trata-se do mesmo
raciocínio para os demais quadros de morbi-mortalidade) e na atenção
integral em todos os níveis de complexidade do sistema. Portanto, quando
a atenção primária cumpre o seu papel, diminuem-se os impactos na
atenção secundária e terciária;
4− Os vultosos gastos financeiros do SUS e do país em decorrência dessas
violências. Cálculos estimam que cerca de 3,3% do PIB brasileiro são
gastos com os custos diretos da violência, cifra que sobe para 10,5%
quando se incluem custos indiretos e transferências de recursos (MS,
2005).
5− As políticas do Ministério da Saúde que destacam a necessidade do tema
ser incorporado nas ações do SUS, definidas em diversas leis, portarias e
decretos, principalmente a “Política Nacional de Redução de Morbi-
mortalidade por Acidentes e Violências” (MS, 2001,);
6− A transformação da epidemiologia nacional, que do ponto de vista da
mortalidade, ressalta o grupo de “causas externas” nos primeiros lugares,
em substituição as morbi-mortalidades infecciosas e parasitárias;
33
7− A abordagem da epidemiológica tem buscado caracterizar o perfil das
vítimas e das circunstâncias dos eventos violentos a fim de que os
programas de prevenção sejam adequados às populações mais
vulneráveis. Sendo assim, a atenção primária em saúde, que tem estado
bem próxima desses segmentos populacionais vulneráveis, pode ser
estrategicamente importante para propostas de intervenção frente ao
fenômeno;
8− Legislações federais que responsabilizam os profissionais da saúde
quanto à notificação de violência contra a criança, o adolescente, a mulher
e o idoso;
9− As dificuldades dos profissionais em lidarem com as questões da
violência, na prevenção, diagnóstico e identificação e assistência às
vítimas;
10− A difícil e lenta entrada do tema violência no setor saúde, devido a este ser
historicamente dominado por idéias e práticas biomédicas, segundo
destaca a pesquisadora Minayo (2002,);
11− A freqüência e os expressivos números de serviços de saúde que são
afetados diretamente com a violência, por meio de agressões aos
profissionais pelos usuários (JUNIOR & DIAS, 2005) que leva a
insegurança, medo, dificuldade de contratação, absenteísmo e
adoecimento de trabalhadores em determinadas regiões (OMS,2002). O
grande número de trabalhadores do setor de saúde que são atingidos pela
violência em vários países chamou a atenção da Organização Internacional
do Trabalho (OIT, 2002) e de outras instituições para estabeleceram
diretrizes de enfrentamento do medo, da humilhação, das agressões e dos
homicídios nos locais de trabalho (CEZAR e MARZIALE, 2006).
12− O reconhecimento de que o setor saúde possui um status para se trabalhar
as questões da violência, considerada a partir dos paradigmas conceituais
34
da saúde como algo que pode ser prevenido e evitado, diminui os fatores
de risco e aumenta os fatores de proteção, principalmente de segmentos
populacionais vulneráveis;
13− A ausência desse tema na formação dos profissionais e trabalhadores da
saúde.
A análise desses fatores nos levou a definição do objeto da pesquisa: a violência
institucional no contexto da saúde, na perspectiva do “olhar” dos trabalhadores de
saúde.
Considera-se a categoria trabalhador de saúde e não somente profissional de saúde
para ampliar o universo e a riqueza da amostra, valorizando todos os trabalhadores
dentro de uma “atmosfera” do cuidado em saúde
Trabalhadores de saúde são todos aqueles que estão inseridos direta ou
indiretamente na prestação de serviços de saúde, no interior dos
estabelecimentos ou nas atividades da saúde, tendo ou não formação
específica para atuar nas funções pertinentes ao setor. O que vai
determinar sua vinculação não será necessariamente a formação ou
capacitação em saúde, mas, sim, a atividade realizada no setor saúde
(LIMA, 2001 p.198).
Dessa forma, o estudo foi realizado no âmbito da atenção primária, em uma Unidade
de Saúde do município de Vitória-ES, visando entender as seguintes dimensões da
percepção dos trabalhadores de saúde a respeito da violência:
Qual é a concepção geral dos trabalhadores sobre a violência (concepção
compreendida em termos das opiniões, das visões; de como são construídos
os conjuntos dos pensamentos dos trabalhadores sobre o tema; levando em
consideração suas diversas vivências, relações e interações sociais, tendo
um caráter que incorpora ao mesmo tempo os aspectos objetivos e
subjetivos);
Como os profissionais vêem a responsabilidade e a atuação dos serviços de
saúde diante da violência;
35
Se eles avaliam a violência como um problema de saúde pública;
Como apreendem o impacto da violência no setor saúde;
Como entendem as contribuições e possibilidades de atuação do setor saúde
frente ao fenômeno;
Quais as dificuldades enfrentadas em relação às propostas de prevenção,
identificação, notificação, proteção e assistência às vítimas de violência;
Qual a idéia a respeito da relação entre violência e as atividades
desempenhadas pelos trabalhadores;
Como os profissionais vêem a atuação, responsabilidade, implicação e suas
reações diante das situações de violência.
36
3 QUADRO TEÓRICO
O quadro teórico foi subdividido em quatro dimensões: no item 3.1 são apresentados
alguns olhares sobre a violência respaldados em autores ligados à sócio-
antropologia; no 3.2 é destacado o fenômeno da violência no contexto da saúde,
privilegiando os estudos da pesquisadora Minayo; no item 3.3 procura-se discutir os
efeitos da violência para o trabalho em saúde e, finalmente, no item 3.4 faz-se uma
reflexão acerca da saúde enquanto um direito humano e as possibilidades de
construção e exercício de cidadania.
3.1 O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA – MÚLTIPLOS OLHARES
Um dos objetivos do presente estudo é compreender a visão geral dos profissionais
sobre a violência. Pretende-se aqui discutir alguns olhares acerca do tema; são
leituras gerais sobre a violência, especialmente na perspectiva de autores ligados a
sócio-antropologia.
No dicionário de política Bobbio (1986) a violência é definida como intervenção
física de um indivíduo ou grupo contra outro grupo ou indivíduo, de forma voluntária,
com a intenção de destruir, ofender e coagir. A violência pode ser direta ou indireta,
direta quando atinge de imediato o corpo de quem a sofre; indireta quando opera
através de uma alteração do ambiente físico onde a vítima se encontra ou através
da destruição, danificação ou da subtração dos recursos materiais.
Bobbio (1996) distingue violência de poder. O poder é a modificação da conduta do
indivíduo ou grupo, dotada de um mínimo de vontade própria, violência é a
alteração danosa do estado de indivíduos e grupos. O poder muda a vontade do
outro, a violência, o estado do corpo ou de suas possibilidades ambientais e
instrumentais. As intervenções físicas podem ser empregadas como um meio para
exercer o poder ou aumentar o próprio poder. A distinção entre violência e poder
envolve também o poder coercitivo baseado nas sanções físicas e comporta, por
isso, a distinção entre violência e ato e ameaça de violência. O uso indiscriminado
do termo violência, designando todas as relações de poder, produzem o grave dano
de colocar, na mesma categoria, relações que são muito diversas entre si pelos
37
caracteres estruturais, pelas funções e pelos seus efeitos, provocando mais
confusão do que clareza.
O autor destaca também o papel crucial da violência na política, tanto nas relações
internas como externas. O recurso da violência é traço característico do poder
político ou do poder do governo. O governo utiliza tipicamente, com continuidade e
de maneira tendenciosamente exclusiva, a violência através de um ou mais
aparelhos especializados (a polícia, o exército). Entretanto, temos usos da violência
que não partem diretamente do poder político e são declarados "ilegítimos": as
extorsões e outros atos violentos entre os particulares, ações violentas entre
gangues ou grupos rebeldes, etc. São conhecidos também como usos da violência
que não partem dos governos, mas que são por eles permitidos a violência, mais ou
menos limitada, que o pai pode usar no exercício do poder coercitivo sobre o filho, a
violência exercida em estado de legítima defesa e outras. A violência não é
fundamento exclusivo do poder político, mas, em linhas gerais, o poder político
funda-se sempre parcialmente sobre a violência e sobre o consenso.
O autor discute ainda as diversas funções políticas da violência, no sentido de
demolir dois preconceitos opostos que são freqüentemente atribuídos a ela: um de
ser um fenômeno marginal e outro de ser uma ação criativa que por si tem a
capacidade de renovar a sociedade. O objetivo direto do emprego da violência no
plano político é destruir os adversários ou colocá-los na impossibilidade de agir com
eficiência. Um exemplo disso são as guerras, o extermínio, os genocídios, a
eliminação de uma velha classe de governante por um grupo revolucionário e todas
as formas de expulsão, reclusão e deportação. Em todos os casos, a violência tende
a mostrar a decisão do grupo que a usa, a minar a coesão e a combatividade do
grupo adversário, a desmoralizar seus membros e, finalmente, a impor-lhe uma
alteração em favor da precedente situação de poder. Uma função crucial de um
grupo revolucionário ou rebelde é o caráter simbólico, o ato da violência deve atingir
ao grupo antagônico, em particular homens e coisas que simbolizam a causa de
injustiça do grupo rebelde. Os atos violentos mesmo que não provoquem
conseqüências simbólicas, ocasionam um efeito notável, chamando atenção. Nada
chama mais atenção do que a violência. Com os meios de comunicação, por
exemplo, prende-se em minutos a atenção de uma grande parte da humanidade
38
para os métodos de violência "espetaculares": atentados com aviões, seqüestros de
pessoas importantes. A finalidade não é exclusivamente chamar a atenção, mas sim
modificar a seu favor a estimativa que os grupos externos fazem da situação,
induzindo-os ao apoio das causas dos rebeldes ou revolucionários (BOBBIO,1996).
Outra questão salientada por Bobbio (1996) é que a violência tem a função de
proporcionar a formação de uma consciência de grupo, de intensificar a união do
grupo e de estabelecer a identidade e os limites do próprio grupo. São atos violentos
dotados de uma grande carga simbólica de afirmação de legitimidade os que têm
maior promoção de uma consciência de grupo entre os que se encontram em uma
situação de desvantagem, mas, ao mesmo tempo, a violência separa o grupo do
resto da comunidade e coloca-se contrária ao grupo antagônico contestando sua
legitimidade, assim a identificação do inimigo tem um papel de fundamental
importância na busca da própria identidade. O conflito violento, nesse caso, tende a
mobilização de energias e de recursos dos membros do grupo e, assim, aumenta a
coesão do grupo. Esta experiência muitas vezes faz surgir a ilusão comum nas
exaltações de violências de que o embate cruel, o banho de sangue, por si mesmo,
tem a virtude de gerar o "homem novo" na base da qual pode se construir a
"sociedade nova" (na guerra do Iraque, por exemplo: libertou-se o povo de um
tirano, surgiriam novos direitos civis para a população, mas segundo a idéia
imperialista americana).
Para DaMatta (1994) é necessário a realização de uma "antropologia da violência",
uma antropologia que investigue a violência enquanto fenômeno social,
compreendendo os aspectos universais e as suas manifestações locais, em especial
o caso brasileiro. Para DaMatta que se desvencilhar da análise do "a favor ou
contra" e o primeiro passo para estudar fenômenos como violência, sexualidade,
tabu ou pecado é vencer as resistências da moralidade, que objetiva impedir que se
fale nesses assuntos sem tomar particularidade. Desse modo DaMatta situa
Durkhein que discutiu o crime no século XIX e foi acusado pela sociedade francesa
de estar perdoando e justificando a criminalidade. Quando Durkhein admitia que o
crime, mesmo repugnante, era útil a sociedade, argumentando que o que causa
mais estranheza não era o delito em si, mas as atitudes frente a ele; acabou por ser
interpretado como tendo um discurso neutro favorável a criminalidade.
39
DaMatta (1994) intenta fazer uma etnografia da violência buscando responder às
seguintes questões: De que modo a violência é concebida no Brasil? Através de que
instituições ela tende se manifestar entre nós? Em que esferas do sistema a
violência seria vista como mais freqüente? Que categorias de pessoas estão mais
expostas a sofrer violências? Que formas de sociabilidade consideramos inversas ou
opostas às formas ditas e concebidas como violência?
DaMatta (1994) sublinha que o discurso erudito da violência é expresso em tom de
denúncia, nada é poupado. Em geral a fala tende a confundir a violência com a
própria estrutura da sociedade. Se o discurso é de direita, encara a violência como
um caso virtual de ausência de repressão e de polícia; é necessário mais polícia
para liquidar a violência, que é uma conseqüência da indisciplina das massas, vistas
como segmentos inferiores e perigosos. Se o discurso é de esquerda, a violência
não é um caso de polícia, mas é um caso de poder, liga-se a violência ao poder e a
sociedade de consumo, capitalismo, autoritarismo governamental; nesse discurso
não se contempla a dúvida nem a contradição, a sociedade é vista de forma
transparente, cuja lógica gira exclusivamente em torno do lucro, consumismo, mais
valia e um capitalismo perverso; a violência é vista como resposta funcional a
alguma coisa e não uma expressão da sociedade, como se a violência e o violento
fossem acidentes ou anomalias provocadas por determinado tipo de sistema. O
outro elemento desse discurso é o Estado como grande algoz ou o gigantesco
patrão, como responsável, com todas as leis, normas e decretos, portarias, por
nossa felicidade ou miséria.
Enquanto o discurso erudito da esquerda e direita está focalizado, principalmente na
polícia e no Estado, o discurso popular ou do senso comum, fala da violência de
outro modo, uma vez que a narrativa está baseada na experiência diária. Nesse
discurso, a violência não surge como um fenômeno histórico ligado a certas
instituições sociais e regimes políticos, mas, sobretudo, como mecanismo social
indesejado. A imagem que mais aparece é a do descontrole que expressa na briga,
na agressão e no conflito, situações em que o informante visualiza dois ou mais
seres humanos engajados em confronto físico (DAMATTA,1994).
40
Em um inquérito realizado por DaMatta (1994), que inclui 25 pessoas, o que mais
apareceu foi à cena de um adulto batendo numa criança ou de um homem
estuprando uma mulher, todos os entrevistados estavam de acordo que a violência é
algo físico, uma ação em que a força corporal surge como instrumento básico de
violação da integridade do outro. É uma posição que concebe a violência e o
violento como da ordem da "maldade humana" (vista como natural). A narrativa
popular deixa claro que violência é algo concebido como ação que configura
ausência de entendimento, boa vontade, tranqüilidade, estabilidade e confiança,
algo pessoal e concreto. É a visão de um mundo passível de ser resolvido pela
palavra e pelo diálogo. Se os recursos de mediação, se os instrumentos de
simulação são oriundos o mundo continua, mas se uma pessoa abre mão disso o
mundo se transforma. A essência do violento está ligada à ausência de mediação,
motivada exclusivamente por seus interesses: “se quero tomo, se desejo estupro, se
não possuo roubo, se odeio mato”; rompendo as mediações da lei, dos costumes e
da moralidade (DAMATTA,1994).
Para Ianni (2003) as raízes da violência devem considerar o globalismo como
configuração do capitalismo caudatário do mercantilismo, do coronealismo, do
imperialismo. Essas configurações geo-históricas, políticas, econômicas e sócio-
culturais revelam estruturas de dominação política e apropriação econômica que
produzem e reproduzem técnicas de administração e violência, etnicismo e racismo.
O novo ciclo de globalização do capitalismo é que desenvolve classes e grupos
sociais mundiais junto à criação de estruturas mundiais de poder que levam ao
predomínio amplo dos interesses das elites governantes e classes dominantes
mundiais. Essa nova marcha da revolução burguesa traz (enquanto uma revolução
burguesa mundial que transforma a sociedade civil em surpresas e inquietações por
dentro e por fora da globalização) as mais diversas e assustadoras formas de
violências, compreendendo violência urbana e narcotráfico, seqüestro e tráfico de
órgãos, terrorismo niilista e terrorismo narcisista, esquadrão da morte, desemprego
estrutural e lupenização, terrorismo de Estado e geopolítico da guerra, racismo e
fundamentalismo e destruição criativa.
A “destruição criativa”, denominada por Schu Peter, citado por Ianni (2003) surge
dessa nova economia de um capitalismo eletrônico, da dinâmica dos mercados
41
mundiais, isto é, do capital em geral e em suas formas particulares e singulares
conduzidas pelas corporações transnacionais, transformando nações em províncias
do globalismo. Dessa maneira, é que o globalismo, a nova economia e o
neoliberalismo compõem o cenário da lógica da destruição criativa:
Esta pode ser a lógica da destruição criativa: criam novas técnicas de
trabalho e produção, bem como mercadorias além de novas ocupações e
profissões, ao mesmo tempo em que se obsoletizam técnicas de trabalho e
produção, mercadorias, ocupações e profissões. São muitos, multidões,
milhões, os trabalhadores jovens que não encontram ocupação a despeito
da profissão. São muitos milhões, principalmente mulheres, negros,
árabes, asiáticos, latinos e outros os que migram de País a País, de
Continente a Continente, atravessando ilhas e arquipélagos à procura de
trabalho tangidos pelas forças que movem o mercado mundial e força de
trabalho. Todos são trabalhadores "livres."(IANNI,2003 p 23-24)
Ianni (2003) conceitua "devoragem urbana" como o modo de vida urbana que
compreende individuação e secularização, mobilidade social e individualismo,
mercado e consumismo, comunicação e informação, que impregna profundamente a
sociedade como um todo, em escala nacional e mundial. A cidade é uma síntese
literal metafórica na qual prevalece a riqueza e a pobreza, são muitos os que
padecem a pauperização e a lupenização, classificados eufemisticamente como
pobres, miseráveis, marginalizados, sem terra, sem teto, moradores de rua, seres
humanos transformados em sucata, graças à lógica da destruição criativa.
Para o autor a indústria cultural do cinema, da televisão e do romance faz parte das
construções sociais e imaginários dos indivíduos acerca da realidade social, isto é,
constroem e aperfeiçoam a sua visão da realidade e do imaginário de si próprios e
dos outros baseados em produções cinematográficas, televisivas e romanescas e
assim constroem também a cultura da violência:
Assim se alimenta o imaginário de uns e outros, indivíduos e coletividade
em todo mundo. Combinam-se o desastre e o pânico, o terrorismo e o
medo, a destruição e a ruína, a engenhosidade e a produtividade, a
performance e a lucratividade. Produzir o desastre, o terror e a destruição é
produzir cultura e mercadoria, informação e entretenimento, lucro e a mais
valia (IANNI, 2003 p.34).
Essa “miséria humana”, conseqüência do globalismo é representada na arte das
fotografias de Salgado (2000), comentadas na resenha de Frugoli Jr.:
42
[...] por meio de sucessivas aproximações proporcionadas pelas fotos,
vislumbra-se as estratégias de ocupação urbana pelos pobres e migrantes,
os precários espaços de moradia, as formas de sobrevivência no mercado
formal e informal, além de várias manifestações culturais e religiosas
visíveis nos espaços públicos, fenômenos que, no conjunto, nos
aproximam daquela realidade e rompem com muito do seu inicial exotismo,
permitindo o desvelamento de aspectos comuns a essas várias realidades
urbanas (FRÚGOLI JR, 2000).
Chauí (2003) debate sobre a ética, política e violência no sentido de desconstruir o
mito da não-violência essencial do povo brasileiro visto como "pacífico e ordeiro por
natureza", buscando a origem deste mito através da discussão da moral normativa e
da ética na sua articulação com a política e a violência no Brasil. Para a autora toda
moral é normativa, na medida em que inculca nos indivíduos os valores, costumes,
regras, padrões e convenções de uma sociedade, mas nem toda ética é normativa;
a ética normativa é a ética dos deveres e obrigações, uma ética não-normativa é a
ética que estuda as ações das paixões em vista da felicidade:
No entanto quer a ética seja normativa ou não, não ética enquanto
investigação filosófica se não houver uma teoria que fundamente as idéias de
agente ético, ação ética e valores éticos. O agente ético é pensado como
sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, e
como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é
balizada pelas idéias do bom e mau, justo e injusto, virtude e vício, isto é por
valores cujo conteúdo pode variar de uma sociedade para outra ou na
história de uma mesma sociedade [...] A ação ética será virtuosa se for
livre e será livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão
interior ao próprio agente e não vier em obediência de uma ordem, a um
comando ou uma pressão externos evidentemente, isso leva a perceber que
um conflito entre a autonomia do agente ético e a heteronomia dos
valores morais de uma sociedade: com efeito esses valores constituem uma
tábua de deveres e fins que no exterior, obrigam o agente a agir de uma
determinada maneira e por isso operam como uma força externa que o
pressiona a agir segundo algo que não foi ditado por ele mesmo (CHAUÍ,
2003, p. 40).
Chauí também destaca como central na discussão da ética a ação moral autônoma,
aqueles guiados por princípios auto-escolhidos pelo sujeito, em contraposição a
ação moral heterônoma guiado pelas normas e convenções sociais:
Em outras palavras, o agente não age em conformidade consigo mesmo e
sim em conformidade com algo que lhe é exterior e que constitui a moral de
uma sociedade. Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer
os valores morais de uma sociedade como se tivesse sido instituídas por
ele, como se ele pudesse ser o autor desses valores ou das normas morais
de sua sociedade porque nesse caso terá dado a si mesmo as normas e
regra de sua ação e poderá ser considerado autônomo [...] A figura de um
agente racional, livre, universal com o qual todos os indivíduos estão em
43
conformidade e no qual todos se reconhecem como instituidores das
regras, normas e valores morais (CHAUÍ, 2003, p. 41).
A autora critica veemente o discurso do "retorno à ética", como se a ética fosse uma
panacéia, em que se ganha ou se acha e não o resultado da ação intersubjetiva
consciente e livre, que se faz na medida em que agimos, que existe somente por
nossas ações e está presente nelas. Esta "banalização da ética" (grifo nosso) se
devido aos vazios que a ideologia neoliberal procura ocupar, a forma atual da
acumulação do capital, a naturalização, valorização e dispersão sócio-econômica
que aparecem no estímulo neoliberal ao individualismo competitivo, as mudanças
tecnológicas realizadas sobre a lógica exclusiva do mercado, da sociedade da mídia
e do consumo de bens efêmeros, perecíveis e descartáveis que engendra uma
"nova" subjetividade, de um sujeito narcisista que cultua sua imagem como única
realidade que é acessível, exigindo tudo aquilo que a mídia e o consumo lhe
prometem, o que, na verdade, não podem cumprir, gerando frustração e niilismo
(descrença absoluta).
A violência em escala mundial passa a idéia de uma ameaça inevitável. a
dispersão das éticas locais (ética na política, conselho de ética, códigos de ética)
desprovidas de qualquer universalidade. A ética torna-se uma ideologia e enquanto
ideologia é perversa, porque toma o presente como fatalidade e anula a marca
essencial do sujeito ético e da ação ética, isto é, a liberdade, assim como anula a
passagem do ético ao político (CHAUÍ, 2003).
Chauí (2003) examina os mecanismos ideológicos que mantêm o mito da não-
violência desde o período da descoberta do Brasil. Os conquistadores diziam ser
aqui o paraíso terrestre, o mundo do céu azul, dos mares verdes, das riquezas
naturais e do povo ordeiro e pacífico, alegre e cordial, mestiço e incapaz de
discriminações éticas, religiosas ou sociais. Um povo acolhedor para os
estrangeiros, para os negros e para os carentes. Era orgulhoso das diferenças
regionais e destinado a um grande futuro.
Para essa autora o primeiro mecanismo notado é a exclusão: a violência não é
praticada por gente que faça parte do país, mesmo tendo nascido e vivido aqui:
"eles" não fazem parte do "nós". O segundo mecanismo é a distinção: distingue-se o
44
essencial e o acidental; a violência é um acidente, um surto, uma epidemia. O
terceiro é o jurídico: a violência fica na égide da delinqüência e da criminalidade; o
crime é definido como ataque a propriedade privada, mecanismo que determina o
"agente violento" e legitima a ação (de muita violência) da polícia contra os pobres,
negros, crianças de rua e favelados. O quarto mecanismo é o sociológico: define-se
a epidemia da violência de acordo com algum momento no tempo, a emigração pelo
êxodo rural, a modernidade, etc.
O autoritarismo da sociedade brasileira, para Chauí (2003), conserva as marcas da
sociedade colonial escravista, fortemente hierarquizada em todos os aspectos. As
relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um
superior e um inferior, um que manda e outro que obedece; uma relação que o
OUTRO nunca aparece, jamais é reconhecido como sujeito ou como sujeito de
direito, nunca é reconhecido como subjetividade ou como alteridade. Micropoderes
que capilarizam em toda a sociedade: na família, na escola, nas relações amorosas,
no trabalho, no comportamento social, nas ruas, na naturalização das desigualdades
sociais e econômicas, e de todas as formas visíveis e invisíveis da violência;
No fascínio pelos signos de prestígio e poder: uso de títulos honoríficos sem
qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição, o caso mais
corrente sendo o uso do "doutor”. Quando, na relação social, o outro se sente
ou é visto como superior "doutor” é o substituto imaginário para os antigos
títulos de nobreza, manutenção da criadagem doméstica cujo número indica
aumento de prestígio e de status. O autoritarismo está de tal modo
interiorizado nos corações e mentes que alguém usa a frase "um negro de
alma branca" e não é considerado racista (CHAUÍ, 2003 p.55).
Considerando que o masculino está estritamente co-relacionado ao fenômeno da
violência, Cecchetto (2004) na sua obra, “Violência e estilos de masculinidade”,
debate os paradigmas essencialistas da sociobiologia ou da genética baseados nos
hormônios ou DNA da agressão a impulsionar o comportamento violento dos
homens. Recusa a conexão natural entre masculinidade, violência e pobreza:
[...] É este o ponto de partida: entender a ligação entre gênero masculino e
a violência, afastando alguns argumentos que sustentam que tudo se
entenderia sobre a pobreza. Por isso é que ninguém mais se surpreenda
como o fato que, no Brasil e em outros países do mundo, mais de 80% dos
fatos considerados violentos traumatismos, feridas, homicídios,
resultantes de intervenções exteriores brutais, intencionais ou acidentais
atinjam indivíduos do sexo masculino. Causa ainda mais espanto que entre
45
os homens, sejam os jovens cada vez mais as principais vítimas e agentes
da violência. O pressuposto não explicitado e não discutido é que seria
intrínseco e natural os homens usarem tantas armas quanto seu corpo para
guerrear e matar-se entre si. Os próprios termos utilizados pelos homens
para designá-las a arma é ferro contêm toda uma simbologia viril que
revela como tem a ver com a identidade masculina tal como se está
constituindo agora (CECCHETTO, 2004, p. 38).
A referida autora aborda as explicações dos papéis de gênero masculino e
feminino como mera construção social padronizada e propõe a análise cuidadosa
das chamadas “configurações de práticas”:
Importante, entretanto, é reter que, nos estudos contemporâneos de
masculinidades, não se busca mais uma explicação segundo os
paradigmas positivistas dos papéis sociais, nem das determinações
biológicas que assimilam entre orgânico e social, que fazem dos homens e
mulheres meros fantoches do aspecto biológico. Antes, opta-se pela
abordagem relacional, na qual um conjunto de fatores, como raça, etnia,
orientação sexual, classe social e geração, entre outras, é vista como uma
evolução no debate, possibilitando uma compreensão mais ampla da
temática e das diversidades das masculinidades. Para cada contexto sócio-
cultural, elegemos modelos de homens aceitáveis e valorizados, assim
como aqueles desprezados. Desse modo, é preciso entender os processos
que levam a uma configuração específica da masculinidade e suas
relações com outras, para um entendimento menos retórico da
masculinidade. As masculinidades devem ser encaradas como
configurações de práticas, ou seja, como um conjunto de representações e
valores que surgem ou desaparecem ao longo do tempo. Neste sentido,
não basta apenas falar de uma masculinidade hegemônica, mas das
masculinidades periféricas e ou variantes. Assim enfatizar o caráter
interativo e construído dos significados da masculinidade implica um outro
ponto, diferente do que apregoa a teoria dos papéis sexuais: nem todas as
masculinidades são criadas igualmente, ou seja, os significados das
masculinidades variam em diferentes períodos históricos, varia de homem
para homem e no curso de uma vida (CECCHETTO, 2004, p.72).
Freud (1996), na obra “O mal-estar na civilização” escrita em 1930 e considerada
por muitos como um dos mais importantes escritos do psicanalista citando o
pensamento do filósofo alemão Goethe “nada é mais difícil de suportar que uma
sucessão de dias belos” aponta a idéia de um mundo em constante mal-estar, no
sentido da civilização estar sempre marcada por guerras, conflitos raciais e étnicos,
epidemias e intempéries climáticas, de modo que viver é estar o tempo todo diante
de inquietações, desassossego. Freud também se opõe à idéia do homem bom o
“bom selvagem” de Rousseau e se próxima do pensamento dos filósofos Sartre e
Hobbes que o “homem é o lobo do homem”:
46
[...] os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no
máximo podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas
entre cujos dotes instintivos devem-se levar em conta uma poderosa quota
de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não
apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém
que os tenta a satisfazer sobre ele sua agressividade, a explorar sua
capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o
seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe
sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Quem, em face de toda sua história da vida
e da história, terá coragem de discutir essa asserção? (FREUD, 1996
p.133).
Freud (1996), assim, discorda que o desenvolvimento da civilização seja,
necessariamente, sinônimo da aperfeiçoamento e que constitua uma estrada para a
perfeição pré-ordenada pelo homem. Questiona, ainda, até que ponto o
desenvolvimento das culturas conseguirá dominar a perturbação da vida causada
pelas pulsões humanas de agressão e autodestruição.
Kuhn (2004), a partir da psicanálise freudiana e lacaniana, discute a violência como
uma tentativa de suprimir a angústia, que é algo da existência. O sujeito da
contemporaneidade está usando a linguagem da violência como recurso último
diante de um vazio de oportunidades e possibilidades. O outro está sendo
substituído pelo objeto sendo que referências simbólicas do ser humano
contemporâneo surgem na abordagem do objeto, criando uma identidade instável,
instantânea e fugaz:
Constata-se que, na situação que situa o ato violento com produto dessa
forma particular do homem contemporâneo lidar com a angústia, por um
lado, o homem sendo levado a um sentimento de perda de identidade, de
incertezas e de vazio, que ocasionam um nível de angústia exacerbada e
desagregadora e, por tanto, do lado, do vazio e das incertezas resulta uma
positivação de objetos e técnicas, imagens que podem pretensamente dar
ao homem garantias e a ilusão de que a angústia possa ser excluída do seu
existir. Fato esse impossível, pois a angustia está de forma indelével
atrelada ao existir humano, como se pode encontrar em obras de filosofia
existencial dos existencialistas e na psicanálise (KHUN, 2004 p. 45).
Para a autora a tentativa do sujeito em suprimir qualquer vestígio de angústia, a
qualquer preço, pode conduzir a violência. Assim, a violência pode constituir-se em
um tipo de linguagem que busca a emergência de alteridade; a conduta do sujeito
torna-se simbólica procurando dizer algo, buscar algo. Contudo, pela via da
violência, o ato sempre fracassa o que leva o ser humano sempre a recomeçar com
mais violência. O homem da contemporaneidade representa-se por meio de objetos
47
e bens materiais, para ser alguém com sucesso basta que tenha condições de
adquirir os bens de consumo que escolher. Outro risco, conseqüente da obtenção do
sucesso individual, por meio do objeto, é de que cada vez mais ocorra um
desinvestimento no outro, com uma suposta de completude em si própria. Através
da aquisição do objeto, o indivíduo tem a falsa idéia de preencher o vazio, a
inquietude, a solidão e a angústia. Estamos diante de uma sociedade narcísica
(KHUN, 2004), na qual o declínio da alteridade é marcante – o outro não existe.
3.2 O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA E O CONTEXTO DA SAÚDE
Para a pesquisadora da Fiocruz, Maria Cecília Minayo, referência nacional em
estudos sobre a violência e causas externas, as questões da violência apresentam
uma difícil e lenta entrada na agenda do setor saúde, devido à área ser dominada
por uma mentalidade biomédica. Assim "as violências e acidentes" são vistos como
um objeto estranho ao universo conceitual da saúde (MINAYO, 2004), muitas vezes
entendida de forma restrita como, exclusivamente, ausência de doença.
Além desses fatores da concepção do processo saúde/doença, há que se considerar
as questões ligadas ao universo do trabalho na atualidade, a carga de trabalho, as
longas jornadas, os contratos e vínculos precários, a terceirização de serviços e,
principalmente, as especificidades do trabalho em saúde lidar, cotidianamente,
com o sofrimento, com a doença, com a morte e com a criação de novas formas de
respostas às inúmeras demandas dos usuários do Sistema Único de Saúde.
A palavra violência, proveniente do latim vis, que quer dizer força, refere-se também
à noção de constrangimento e uso de superioridade física sobre o outro. A violência
está presente em quase todas as culturas e ininterruptamente fez parte da história
da humanidade, sob diversas manifestações, como guerras, genocídio, agressões
contra criança e mulher.
Atualmente, com o crescimento desordenado das cidades, sem políticas públicas
que assegurem o direito à cidadania, a violência apresenta um nível extremo de
insegurança e medo para a população brasileira, o que tem repercutido de forma
48
significativa na saúde das pessoas. Pela sua dimensão, acaba por configurar-se
como um problema de saúde pública, que se torna um desafio para os gestores e
trabalhadores do SUS.
A violência possui multifatores determinantes, tais como: o estilo de vida moderno,
os conflitos e desigualdades sociais que geram a exclusão social, as ações ilegais e
corruptas das autoridades, a impunidade, o crime organizado, os fatores culturais e
interpessoais causadores de violências contra o semelhante em suas mais diversas
formas de discriminação.
O fenômeno, para Minayo (2003), deve ser entendido de forma integral: a
desigualdade, a injustiça, a corrupção, a impunidade, a deterioração institucional, a
violação dos direitos humanos, a banalização da violência e a pouca valorização da
vida, tudo isso acrescido à burocratização da vida pública, à vulnerabilidade dos
grandes sistemas e à monopolização do poder por certos grupos que secam as
fontes criativas e as manifestações potenciais dos demais grupos e atores sociais
para a inventividade de novas formas de vida. Por conseguinte, essa carência do
agir em conjunto é um convite à violência.
Domenach (1981, apud MINAYO, 2003,), baseado na análise da dialética “do
Senhor e do Escravo”, em Hegel, sublinha a idéia de que a violência está inscrita
não nas relações sociais, mas é, sobretudo, construída no interior das
consciências e das subjetividades e não deve ser tratada apenas como força interior
do indivíduo e dos grupos. A violência precisa ser entendida em suas várias faces,
de forma interligada, em rede, considerando que as crueldades mais apavorantes se
articulam com a violência legitimada e naturalizada no cotidiano.
Por sua vez Habermans (1983), na filosofia da comunicação, entende que a
humanidade na medida em que aprofunda o seu desenvolvimento civilizatório, busca
o diálogo e a paz, por meio da prática do “agir comunicativo" em sociedade. No
entanto, subsiste, em alguns países e na ideologia de certos governantes a idéia de
que é a guerra que mantém a paz (caso dos EUA, presente no discurso e nas ações
sangrentas do reeleito presidente George W. Bush).
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Chesnais (1981, apud MINAYO, 2003) estudou a “violência privada, suicidaria e
violência coletiva” no Ocidente, de 1800 até os dias de hoje. Acompanhando o
processo civilizatório próprio da modernidade, do qual a democracia é uma
expressão, mostrou que a vitória da inclusão da cidadania, do direito à palavra, do
convencimento da capacidade de negociar e de gerar consenso contrapõe-se à
força das armas e da vingança pelas próprias mãos (Lei de Talião).
O autor constata que os dados de homicídios na Europa, no século XIX, eram mais
elevados do que no Brasil de hoje. Para Chesnais, o apaziguamento das populações
se deu mais pela melhoria das condições de vida da classe operária, pelo acesso de
todas as classes à educação formal e pelo respeito aos direitos e à democracia
social do que pela constituição da segurança pública.
Os estudos de Chesnais demonstram, portanto, que as políticas públicas para a
redução da violência não devem ser focalizadas exclusivamente na segurança,
sendo de indubitável importância o desenvolvimento de ações em todas as áreas,
inclusive no setor saúde.
A Epidemiologia vem apontando uma mudança das antigas epidemias infecciosas e
parasitárias para um perfil em que as doenças do aparelho circulatório, as causas
externas e as neoplasias ocupam, respectivamente, os três primeiros lugares no
quadro de morbi-mortalidade no nosso país.
Dessa forma o sistema de saúde não pode ser apenas um mero espectador para
reparar os agravos que a violência provoca. É mister ter uma rede de assistência às
vítimas, mas, também, é imprescindível elaborar políticas de prevenção da violência
conjugadas com a promoção da saúde, em consonância com os princípios
constitucionais do SUS.
A violência é um problema da sociedade, porém é para a saúde que convergem os
seus resultantes. Nesse sentido, é necessário introduzir esse debate na pauta da
saúde, a fim de se discutir a saúde coletiva na abordagem da violência, até porque o
impacto da violência, nesse campo, é muito grande. Se considerarmos o número de
mortes e de seqüelas, podemos afirmar que a violência, conforme indicam alguns
50
estudos, tornou-se uma epidemia em nossa realidade.
Portarias do Ministério da Saúde têm orientado os gestores municipais na
organização de Núcleos Municipais de Prevenção da Violência e na efetivação de
ações sistemáticas em relação às notificações de maus-tratos contra crianças,
adolescentes, mulheres e idosos.
No entanto, é necessário que as políticas públicas de saúde para a abordagem da
violência contemplem ações de prevenção, entendidas de forma ampla, abrangendo
a antecipação do evento, das seqüelas e das mortes. Faz-se necessário que a
formulação de políticas e estratégias de ações estejam articuladas nos diferentes
níveis e órgãos do SUS, de forma a envolver as Secretarias Municipais, o Estado, os
movimentos sociais e a sociedade organizada. Também deve haver intervenções
que ajustem ações macroestruturais aos problemas de ordem cultural e de relações
interpessoais, no âmbito privado e público. Uma rede de proteção às crianças, às
mulheres, aos idosos e, principalmente, à juventude deveria ser exemplo de
articulação, uma vez que, na Grande Vitória, os jovens, com idade entre 15 e 24
anos, têm sido o segmento mais intensamente atingido por morte em decorrência de
causas externas (homicídio, acidente de trânsito, suicídio e afogamento), com
destaque para a significativa participação dos homicídios no total dos óbitos dessa
população (II Agenda Metropolitana da Grande Vitória, 2004).
3.2.1 A inserção do tema da violência no campo da saúde
Para Minayo (2002), que se fazer um debate sobre as práxis tradicionais do setor
saúde, freqüentemente dominadas pelos termos biomédicos que dizem respeito à
saúde física e à história natural das doenças. Ainda que, nos anos 60 e 70, a saúde
tenha passado por um esforço teórico-metodológico e político para ser
compreendida na sua complexidade, levando em conta as dimensões sociais,
culturais e históricas, nunca um tema como a violência - por ser historicamente
entendido como objeto de segurança pública e da criminalidade - provocou tantas
reticências para a sua inclusão. Sendo assim, mesmo quando se pensa na saúde
como um conhecimento ampliado, as práticas promocionais e assistenciais
comumente têm sido reduzidas aos paradigmas tradicionais.
51
Dessa forma, o tema da violência não entrou nessa agenda de forma natural; ele se
impôs e se apresentou dentro dos conceitos biomédicos, incluindo-se na
Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde
como “causas externas”, que englobam homicídios, suicídios e acidentes fatais; as
morbidades incluem as lesões, envenenamentos, ferimentos, fraturas, queimaduras
e intoxicações; além de agressões interpessoais, coletivas, omissões e acidentes.
Nesse sentido, a saúde olhou o fenômeno como um espectador, um contador de
eventos, um reparador dos estragos provocados pelos conflitos sociais, tanto nas
situações cotidianas como nas emergenciais originadas por catástrofes, guerras,
genocídios e terror político (MINAYO, 2002).
Minayo (2002) ainda comenta que esta visão de “mero espectador” começa a mudar
na década de 60, com a Pediatria americana, que passa a estudar, diagnosticar e
medicar a chamada “síndrome do be espancado”, colocando-a como sério
problema para o crescimento e desenvolvimento infantil. Assim, nos Estados Unidos
e no Canadá são criados programas nacionais de prevenção primária e secundária,
além de centrais de denúncia, tornando o problema público e passível de
intervenção social, sendo entendido como questão de saúde pública, o que antes
era considerado somente de foro privado.
Outro fato importante que influenciou o campo da saúde foi o movimento feminista,
que buscou sensibilizar as mulheres e a sociedade em geral em relação à violência
de gênero, criando novos olhares e questionando a cultura patriarcal, sexista e
machista. As violências de gênero, que incluem agressões domésticas, mutilações,
abuso sexual, psicológico e homicídios, passam a ser vistas pela saúde não apenas
como cuidados assistenciais e pontuais oferecidos nas emergências hospitalares,
mas também como objeto de prevenção e promoção da saúde. E a noção do
cuidado, de forma ampliada, incorpora a compreensão e as mudanças de práticas,
atitudes e crenças, ultrapassando o diagnóstico e os cuidados das lesões físicas e
emocionais (MINAYO, 2002).
O tema da violência, no espaço do setor saúde brasileiro faz-se de forma
fragmentada e progressiva, primeiro com os psiquiatras e os epidemiologistas,
depois com os pediatras, que, nos anos 80, iniciaram atividades assistenciais e de
52
prevenção e criaram Organizações não-governamentais (ONGs) para dar maior
visibilidade aos seus trabalhos. Nos anos 90, investigadores da área da saúde de
vários municípios iniciaram atividades articuladas com a sociedade civil e
universidades, havendo destaque para a Faculdade de Saúde Pública de São Paulo
e para a Escola de Saúde Pública da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), onde foi
criado em 1989, o Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde
(CLAVES), (MINAYO, 2002).
O Ministério da Saúde criou em 1998 um Comitê Técnico para a Redução da
Mortalidade por Acidentes e Violência (Portaria n º 3.126, de julho de 1998) e um
Comitê de Prevenção de Acidentes na Infância e Adolescência (Portaria3.566, de
4 de setembro de 1998). Esse processo de reflexão coletiva transformou-se em
documento oficial pela Portaria GM nº 737 do Ministério da Saúde, no dia 16 de maio
de 2001. Por ter passado por todas as instâncias colegiadas e pelo órgão máximo
de formulação de políticas e de controle social do setor, que é o Conselho Nacional
de Saúde, o texto denominado "Política Nacional de Redução de Mortalidade por
Acidentes e Violências” integrou-se oficialmente ao conteúdo doutrinário da saúde,
que, até o momento, vinha tendo forte resistência de incluir o tema entre as suas
atribuições (MINAYO, 2004).
Além das portarias ministeriais, sendo a mais atual a portaria que regulamenta a
Política de Promoção de Saúde – que sugere o tema da violência como um dos seus
eixos principais e a portaria acerca da regulamentação de políticas sobre o
suicídio, várias são as legislações que versam sobre a atribuição dos profissionais
de saúde a respeito da notificação nos casos de maus-tratos contra crianças e
adolescentes, idosos e a violência sexual e doméstica contra a mulher.
Segundo o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) os
casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos devem ser obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade da moradia da vítima.
A notificação cabe a qualquer cidadão que é testemunha ou tome conhecimento e
tenha provas de violações dos direitos de crianças e adolescentes (MS, 2001).
Entretanto, o artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente define como
53
infração administrativa a não comunicação de tais violações, pelos médicos,
professores ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino
fundamental, pré-escola ou creche, à autoridade competente.
A notificação é também obrigatória nos casos de violência contra a mulher e contra
idosos. A Lei Federal 10.778/03 estabelece a notificação compulsória, no território
nacional, no caso de violência contra a mulher que for atendida em serviço de saúde
público ou privado. O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), no Artigo 19, expressa que
os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra idoso serão
obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos
seguintes elementos: autoridade policial, Ministério Público, Conselhos Municipal,
Estadual e Nacional do Idoso.
3.3 O TRABALHO EM SAÚDE: TEIAS, REDES E TRAMAS DA VIOLÊNCIA
Para Antunes (2004) a classe trabalhadora no século XXI, em plena era da
globalização, é mais fragmentada, mais heterogênea e ainda mais diversificada, e
constata-se uma perda significativa de direitos e de sentidos, em sintonia com o
caráter destrutivo do capital vigente. O sistema de metabolismo, sob controle do
capital, tornou o trabalho ainda mais precarizado, por meio das formas de
subempregado, desempregado, entre qualificados/desqualificados, mercado
formal/informal, jovens/velhos, homens/mulheres, estáveis/precários, imigrantes etc.,
intensificando os níveis de exploração para aqueles que trabalham.
O autor procura enfatizar o sentido atual da classe trabalhadora, na sua forma de
ser, dando contemporaneidade e amplitude ao ser social que trabalha. A “classe-
que-vive-do-trabalho” denominada por Antunes (2005), que exerce um papel central
no processo de criação de valores de troca e em um trabalho concreto que gera
coisas socialmente úteis, inclui aqueles que vendem sua força de trabalho, que não
se restringe ao trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade do trabalho social
a totalidade do trabalho coletivo assalariado que é dividida em trabalhadores
produtivos e também trabalhadores improdutivos:
54
[...] Trabalhadores improdutivos são aqueles cujas formas de trabalho são
utilizadas como serviços, seja para uso público ou para o capitalista...São
aqueles em que segundo Marx, o trabalho é consumido como valor de uso
e não como trabalho que cria valor de troca. O trabalho improdutivo
abrange um grande leque de assalariados, desde aqueles inseridos no
setor de serviços, bancos, comércios, turismos, serviços públicos, etc.
(ANTUNES, 2005, p.102).
Para Antunes (2005) a categoria trabalho constitui, portanto, fonte de origem
primária para realização do ser social, que possibilita uma atividade humana repleta
de sentidos:
[...] desnecessário dizer aqui que não estou me referindo ao trabalho
assalariado, fetichizado e estranhado (labour), mas ao trabalho como
criador de valores de uso, o trabalho na sua dimensão concreta, como
atividade vital (work), como necessidade natural e eterna de efetivar o
intercâmbio entre homem e natureza, nas conhecidas palavras de Marx
(ANTUNES, 2005, p. 167).
Para Dejours (2004) o trabalho é fundamental na construção do sujeito, é um
mediador privilegiado, senão único, entre inconsciente e campo social e entre ordem
singular e ordem coletiva. O sentido que o sujeito constrói é singularizado através
da situação do trabalho e faz ressonância com as experiências passadas e
expectativas atuais do sujeito. As situações de trabalho antissublimatórias
contribuem para destruir o aparelho psíquico, para a doença mental e para a
somatização. O que interessa, portanto, a “psicopatologia do trabalho” é a vivência
subjetiva do trabalho e o lugar do trabalho na regulação psíquica dos sujeitos.
Nota-se que o sofrimento é inevitável e ubíquo, ele tem origem na história singular
de todo sujeito, sem exceção. O desafio é definir as ações para modificar o destino
do sofrimento e sua transformação / eliminação. Quando o sofrimento pode ser
transformado em criatividade ele beneficia a identidade; o trabalho funciona, então,
como mediador para a saúde. Por outro lado, o sofrimento patogênico funciona
como mediador da desestabilização e da fragilização. O trabalho favorece, portanto
a doença ou a saúde, pois o que faz as pessoas viverem é, antes de tudo, seu
desejo (DEJOURS, 2004).
55
De tal modo, ambiciona-se nesta seção discutir algumas dessas dimensões do
mundo do trabalho, apontados por Antunes e Dejours, no contexto do trabalho em
saúde, em especial na busca de interface com a atenção às questões da violência.
Para Pitta (1990) os profissionais desenvolvem alguns mecanismos de defesa contra
o desgaste imposto pelo processo de trabalho e pelas condições precárias de
trabalho, desencadeando ações que reproduzem a violência, seja pela
agressividade no trato com os usuários, seja pela negação da legitimidade do
sofrimento dos pacientes, seja em poupar a emoção para evitar o desgaste ou seja
em despersonalizar e negar a importância do indivíduo.
Pitta (1990) também atenta que a permanente exposição a um ou mais fatores que
produzem doenças ou sofrimento no trabalho em saúde (em especial no contexto
hospitalar) decorre da própria natureza desse trabalho e de sua organização,
evidenciados em sinais e sintomas psíquicos e orgânicos, sendo que os
determinantes desse sofrimento estariam no próprio objeto do trabalho, ou seja, a
dor, o sofrimento e a morte do outro.
Entretanto, a autora, a partir da Psicopatologia do Trabalho de Dejours, defende que
esse trabalho, paradoxalmente, é capaz de produzir satisfação e prazer através de
mecanismos defensivos de natureza sublimatória, quando condições facilitadoras
permitem aos trabalhadores terem suas tarefas socialmente valorizadas:
[...] A psicopatologia do trabalho vem dirigindo seus trabalhos para a
interpretação dos conteúdos das vivências subjetivas dos trabalhadores
nos seus ambientes de trabalho, não os considerando apenas como corpos
biológicos submetidos a formas distintas de organização do trabalho, mas
tratando-os como sujeitos sexuados, com intensa produção e interação
subjetiva, onde o universo do trabalho costuma ocupar a maior parte de
suas vidas. [....] Entre a organização do trabalho prescrito e quem trabalha
existe um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, o uso da
criatividade e ações de modulação do modo operatório que constitui uma
forma de intervenção do trabalhador sobre o trabalho, num ajuste de
desejos e possibilidades (PITTA 1990, p. 71, 83).
Deslandes (2000) analisa, em sua tese de doutorado, dois serviços de emergência
da cidade do Rio de Janeiro, no contexto da dinâmica do atendimento às vítimas da
violência, com o objetivo de compreender o significado e as várias faces que a
56
violência adquire nas múltiplas redes de trabalho, de poder, ético-morais e
organizativas que se constituem e se reproduzem no cotidiano da assistência.
Para essa autora a violência nos serviços de emergência assume diversas formas,
como: condições precárias de atendimento oferecidas à população; um modelo de
atenção que despersonaliza, ignora e coisifica o usuário; um processo de trabalho
que provoca sofrimento aos seus trabalhadores; uma demanda de atendimento que,
pela gravidade, vai significar uma possibilidade de avanço do conhecimento e formar
uma interação entre profissional e usuário, mas também a reprodução de
preconceitos e estigmas sociais e omissão de suporte às vítimas da violência.
Segundo Deslandes (2000), as vítimas de violência, ao buscar atendimento, são
submetidas a um modelo médico de assistência que termina por acarretar-lhes uma
outra violência de natureza simbólica, pois as relações entre usuários e profissionais
de saúde não perde de vista o conjunto de relações inscritas nas estruturas mais
gerais da organização social, ou seja, os profissionais não estão isentos de
representações sociais sobre as vítimas de violência e acabam por conduzir práticas
discriminatórias, tendendo a reproduzir a distribuição desigual de poder presente na
sociedade ou grupo:
Indubitavelmente, a violência e seus diversos protagonistas põem em tela,
em especial no contexto da emergência, dilemas ético-morais de várias
ordens, dos pertinentes à conduta dos profissionais aos desenhados pela
sociedade, seja quando se imputam rótulos de criminalidade à parcela mais
pobre da população, seja quando essa mesma sociedade, através de seus
políticos e gestores, se cala diante da precariedade das condições de
assistência, configurando um cenário de escassez. Os limites dessa
escassez de recursos serão um álibi para que alguns realizem julgamentos
seletivos e excludentes (DESLANDES, 2000 p.202).
Para Deslandes (2000) a violência imposta pelo processo de trabalho, desencadeia
nos profissionais uma ação que reproduz a violência, seja pela agressividade, seja
pela negação da legitimidade do sofrimento dos pacientes:
[...] Num processo de trabalho cujos limites são a vida ou a morte de
pessoas, na medida em que as condições dadas se revelam precárias e o
próprio profissional tenha de resolver problemas decorrentes da falta de
racionalização desse processo de trabalho, esse trabalhador se revestirá
de uma “couraça” composta de frieza e distanciamento para suportar o
próprio sofrimento de “saber o que fazer”, mas não “ter as condições de
57
fazer”. Essa frieza defensiva inevitavelmente significará desapego ao
paciente (DESLANDES, 2000 p.201).
A especificidade do contexto de emergência situa-se no fato de que a violência dos
casos assistidos influencia o processo de trabalho. Os profissionais são atingidos
pela limitação e rigidez do modelo assistencial, culminando com a insatisfação e
frustração profissional que serão expressas das seguintes formas: ficar insensível
(desenvolver uma frieza humana e profissional) diante de tantas situações
semelhantes; acostumar-se para não sofrer a cada novo episódio, para não afetar a
sua própria capacidade de intervenção técnico-profissional; desenvolver uma
comoção seletiva, permitindo-se emocionar somente diante de algum tipo específico
de situação ou de vítima, como nos casos de violência contra crianças:
[...] Pelo lado dos profissionais, estes se tornam, com seus corpos e
subjetividade, alvo da ira daqueles que ousam protagonizar uma resposta
imediata a tanta indiferença. Vítimas reincidentes da violência, cada um a
seu termo é perpetrador de mais violência. Entretanto, não pensemos que
podemos equivaler o peso da violência praticada por cada um desses
protagonistas. Dispensável dizer que os profissionais acabam por
incorporar, de forma inconsciente ou contrariamente ao que desejariam, o
mesmo arcabouço de poder, invisível e indiferente, que a organização
hospitalar e a estrutura organizacional do sistema de saúde lhes conferem.
Um poder precário e frágil, mas ao mesmo tempo despótico (DESLANDES,
2000 p.154).
O desenvolvimento dessas “friezas” em resposta às situações de estresse laboral
crônico, que acometem os chamados profissionais ”cuidadores” - aqueles que
estabelecem contato direto com os usuários, como profissionais de saúde e
educação - poderá ser sinal da Síndrome do Esgotamento Profissional ou Bournout,
que envolve atitudes e condutas negativas com relação ao usuário, clientes,
organização e trabalho, sendo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos
práticos e emocionais para o trabalhador e para a organização (JARDIM et al.2004):
A Síndrome do Esgotamento Profissional é um tipo de resposta prolongada
dos estressores emocionais e inter-pessoais crônicos no trabalho. Tem
sido descrita como resultantes da vivência profissional em um contexto de
relações sociais complexas, envolvendo representação que a pessoa faz
de si e dos outros. O trabalhador que antes era muito envolvido
afetivamente com seus clientes, com seus pacientes ou com o trabalho em
si, desgasta-se e em um dado momento desiste, perde a energia ou
‘queima completamente’. O trabalhador perde o sentido de sua relação
com o trabalho, desinteressa-se e qualquer esforço lhe parece inútil”
(JARDIM et al, 2004 p. 74).
58
Os profissionais que atuam nas emergências, portanto, são submetidos
constantemente: a sobrecargas de trabalho; pressão para tomadas de decisões
rápidas em virtude da realidade de emergência; as jornadas de trabalho
extenuantes, devido ao volume de pacientes e a reposição de energia inadequada,
que são submetidos a plantões que alteram seus biorritmos de sono, alimentação
e convívio social. Além disso, os profissionais lidam dia a dia com o sofrimento, com
o desespero, com os limites vida-morte e a ansiedade dos pacientes e de seus
familiares diante da fragilidade da vida (DESLANDES, 2000).
Entretanto, ainda que pareça contraditório, o mesmo trabalho que produz sofrimento
é fonte de realização, na medida em que a emergência é tida como um locus
privilegiado para continuar aprendendo e trocando conhecimentos com colegas mais
capacitados. Assim, os profissionais identificam habilidades especiais e um perfil
diferenciado de capacidade de decisão rápida e domínio técnico; é a possibilidade
de acumular experiência. È como se esse trabalhador, alienado de seu desejo,
incapaz de significar o mal que o acomete, desenvolve sistemas defensivos para
tornar-se mais resistentes (DESLANDES, 2000).
3.3.1 O impacto das violências na vida do trabalhador de saúde
A revista da Associação Médica do Espírito Santo (AMES 2006), fazendo referência
à pesquisa realizada por Cezar e Marziale (2006) ressalta que a “violência contra
médicos chega ao limite”. O estudo demonstra que cerca de 86% dos médicos,
100% dos enfermeiros, 89% dos técnicos e 88% dos auxiliares de enfermagem
foram vítimas de algum tipo de violência no local de trabalho. As principais violências
sofridas foram: 95,2% agressão verbal e 33,3% por assédio moral e assédio sexual.
Para os profissionais, essas violências são motivadas pelas precárias condições de
atendimento ao público devido às péssimas condições de trabalho e à desigualdade
social vigente no país. Os pacientes, embora considerados muitas vezes como
agressores, são também vítimas da inadequada assistência oferecida. O local de
trabalho foi considerado pelos trabalhadores sujeitos da pesquisa, como
parcialmente seguro para o desenvolvimento de suas atividades, porém a maioria
sofreu algum tipo de violência no trabalho. Eles tiveram, como conseqüências das
59
ofensivas, sintomas emocionais tais como: raiva, tristeza, irritação, ansiedade e
humilhação, que podem interferir sobre a condição de saúde (CEZAR e MARZIALE
2006).
Estudo de Malavasi e Calhau (2007), realizado em um pronto atendimento da rede
municipal de saúde de Vitória-ES, demonstrou, também, esse elevado número de
agressões; dos cento e três profissionais entrevistados, 76,7 % relataram ter sofrido
algum tipo de violência. O registro dos casos ocorridos, a organização do processo
de trabalho e o gerenciamento participativo; foram algumas das sugestões
apontadas pelos autores para minimizar essas situações.
Vieira et al. (2004) chamam atenção para as violências presentes nas relações
ocultas do hospital e destaca que a violência tem aumentado em todas as áreas de
saúde, principalmente contra os profissionais. Cita vários fatores que estão co-
relacionados com as violências no setor, como as multi-jornadas de trabalho, a
precarização dos vínculos, das condições de trabalho e dos investimentos na saúde,
além da divisão sexual do trabalho:
[...] o quadro de precarização e degradação em que nos encontramos
exige/possibilita a duplicidade de empregos e a tríplice jornada de trabalho,
práticas bastante difundidas entre as/os trabalhadora/es dos serviço de
saúde, como forma de assegurar formas de remuneração que garantam a
sobrevivência. Esse fato será determinante para a existência de
sobrecarga de trabalho, que se manifestará de diferentes formas,
sobretudo entre as mulheres.... a questão dos multi empregos na área de
saúde representa uma importante variável na compreensão das causas do
sofrimento psíquico, principalmente quando associado à intensidade das
atividades desenvolvidas, às condições do trabalho e à vida extralaboral.
Quanto à exposição das trabalhadoras a determinados riscos que
envolvem desde violências verbais e não verbais, e até mesmo agressões
físicas.. Verifica-se como os relacionamentos interpessoais são ambíguos:
assim como podem originar vivências de prazer no trabalho, podem
também levar o sofrimento mental patogênico (VIEIRA et al., 2004 p.135).
Os autores menciona, também, que o sentimento de desamparo da população tem
crescido ao passo que se ampliam as dificuldades do sistema público de saúde em
atender as demandas da população. Isso acarreta mais sofrimento não para o
trabalhador da saúde, que se sem os meios para dar o atendimento que gostaria,
como para a maioria da população, que depende exclusivamente do serviço público
para tratar seus problemas de saúde. Vieira et al. (2004) enfatizam, ainda, que
60
mesmo com o aumento da violência no ambiente de trabalho em saúde, isso fica na
ordem do invisível:
[...] A violência verbal e não verbal é perceptível objetivamente, porém os
danos (psicológicos) daí decorrentes são difíceis de avaliar, uma vez que,
freqüentemente, o servidor, alvo direto da violência, prefere não falar sobre
agressão sofrida, embora suas marcas se mantenham por longo tempo [....]
Vale ressaltar esse fato bastante preocupante, que é a tendência de
aumentos da violência, de um modo geral, em todos os estabelecimentos
de saúde. Fatos semelhantes são vividos por grande parte das
trabalhadoras/es da saúde no Brasil e, no entanto, uma enorme
carência de dados sobre o problema (VIEIRA et al., 2004, p. 144).
A XII Plenária Nacional de Conselhos de Saúde que ocorreu em Brasília, em 2004,
trouxe um diagnóstico preocupante acerca dos trabalhadores da saúde, que
corrobora a análise de Vieira (2004). O relatório destaca que o servidor público do
SUS está desgastado, resultando na somatização e no uso de mecanismos de
defesa que redundam em uso inadequado de drogas, incluindo o tabagismo e o
alcoolismo. O desgaste acarreta um desajustamento psicossocial e uma indiferença
na relação com outro, instaurando a precariedade do trabalho:
Salários irrisórios, condições precárias de execução das atividades
essenciais, ausência de incentivos e infra-estrutura adequada para a
produção de uma política de valorização profissional, entre outros
problemas, têm levado muitos desses profissionais a abandonar a idéia de
fazer saúde pública (MACHADO, MH, apud MS, 2004)
O Ministério da Saúde reconhece que esse trabalho precário em saúde tem sido
identificado como um obstáculo para o desenvolvimento do sistema público de
saúde, além de comprometer a relação dos trabalhadores com o sistema e
prejudicar a qualidade e a continuidade dos serviços essenciais prestados pelo SUS.
Diante dessa situação o MS tem se empenhado num processo de desprecarização
do trabalho em saúde com a finalidade de implantar e concretizar uma política de
valorização do trabalhador. Criou, então, pela Portaria 2430, de 23 de dezembro
de 2003 o Comitê Nacional Interinstitucional de Desprecarização do Trabalho no
SUS, ao qual cabe elaborar políticas e formular diretrizes a serem implementadas
com intuito de resolver as questões que envolvem a precarização do trabalho.
A Constituição Federal de 1988 tratando o tema da saúde como um direito
estabeleceu o Sistema Único de Saúde as suas diretrizes e princípios são
regulamentados pelas leis 8.080 e 8.142 de 1990 para que a população se
61
aproprie da saúde com o status de direito para todos e com serviços de qualidade,
de forma equânime, com atenção integral em todos os seus níveis de complexidade,
regionalizada e com a participação da comunidade. Diante disso, os usuários do
SUS procuram os serviços de saúde desejando cuidado e assistência de qualidade
em todos os níveis de atenção.
A violência enquanto fenômeno multi-causal, de inúmeros fatores determinantes e
de manifestações diversas aparece no campo da saúde sob várias formas. A
violência, não é, em tese, uma questão da saúde. Todavia, é para a saúde que vão
as suas conseqüências, agravos e resultantes, tais como as grandes demandas nas
urgências e emergências acidentes, traumas e mortes no setor hospitalar as
seqüelas decorrentes dessas, que necessitam de reabilitação no setor secundário, e
o universo da violência intrafamiliar que chega à atenção básica de saúde e nas
urgências e emergências.
As principais manifestações da violência intrafamiliar são as violências de gênero e
sexuais contra mulheres e adolescentes, os maus-tratos contra crianças,
adolescentes e idosos, além da dor daqueles que perdem parentes e familiares na
“guerra do tráfico”, fato muito presente e impactante nas Unidades de Saúde
localizadas nas regiões mais violentas.
Para a escritora Hannah Arendt (1994, apud MINAYO, 2003 ) a violência não é “o”
problema da sociedade, mas ela “dramatiza causas”, ou seja, a violência representa,
expressa o mal-estar de uma dada sociedade.
No “cenário” da atenção básica, a violência está presente também de diferentes
formas, e será “representada / dramatizada” de variadas maneiras, quer seja na
demanda de cuidado dos usuários em relação à violência intrafamiliar, quer seja do
usuário que vai extrapolar a sua noção de direito com uma procura agressiva e
exagerada de cuidados, de forma tal que ocorrerá em muitos casos agressões aos
profissionais de saúde e estes, em resposta a essas relações de tensão com o
usuário também responderão, provavelmente, de modo ainda mais agressivo, em
conseqüência da própria dificuldade em administrar estes conflitos ou devido às
jornadas imensas de trabalho, a falta de infra-estrutura dos locais de trabalho ou a
62
falta de apoio da gestão para tratar esses problemas, além do despreparo na
formação para lidar com o fenômeno e a própria violência no âmbito de sua vida
privada, a qual podem estar muitas vezes submetidos.
Neste plano das inter-relações profissional-usuário da saúde, ela acontece de forma
bilateral; portanto, todos serão afetados e prejudicados. As populações muitas vezes
desprovidas de recursos e equipamentos públicos, levando-as a falta de
perspectivas para o exercício da cidadania; encontra no setor saúde uma “válvula de
escape”, é para ai que são transportados todos os seus sentimentos, emoções,
carências, indignações e, algumas vezes, são desencadeados seus potenciais de
agressividade, principalmente quando não uma boa estratégia de cuidado por
parte da gestão voltada para essas dores inerentes à angústia da própria existência.
E do outro lado, os profissionais de saúde de nível superior, vindos, na maioria
das vezes, de uma outra realidade, de origens e meios sociais diferenciados
daqueles usuários do SUS; de uma formação profundamente deslocada dos
determinantes sociais e psíquicos, e que, muitas vezes, poderão ter um olhar para
essas pessoas como se elas fossem seres humanos de outra categoria. Tal como
argumenta Arouca (2003):
A Medicina Preventivista encontra-se com a seleção social realizada pela
escola, com indivíduos que se afirmaram apologicamente como
possuidores dos dons exigidos para a ascensão social. Através da
profissão pretendem transformar estes dons em valor de troca. Dentro
dessa perspectiva é que se realiza o CONTATO. De um ponto de vista de
classe os estudantes "miram" o real, real que não conheciam por não fazer
parte de espaço social, real que foi conhecido como paisagem e não como
vida. Se a escola mascarava a desigualdade social pela desigualdade do
dom, a medicina mascarava essa mesma desigualdade, neutralizando a
posição classista de seus agentes com a atitude Preventivista’[...],
portanto, a Medicina Preventivista tenta um REENCONTRO, entre
possuidores e não-possuidores, na tentativa de desenvolver os dons
ausentes na população através da educação, da mesma educação da qual
já foram excluídas (AROUCA, 2003 p. 192,193).
E ainda, recebem uma formação enfocada na doença, encarando os seres
estritamente como organismos, escapando a visão da totalidade dos mistérios da
existência humana, não percebendo a saúde como direito. Além disso, as
jornadas elevadas de trabalho, uma carga de trabalho comprometedora dos
recursos físicos e mentais.
63
É desta maneira que os profissionais de saúde estabelecerão encontros com os
usuários. Nem sempre serão bons encontros. Se de um lado existe uma grande
procura por cuidado, do outro impera o esgotamento, o “queimar-se” no trabalho de
quem oferece ajuda e um olhar de uma outra perspectiva de mundo “do real visto
como paisagem e não como vida” (AROUCA, 2003).
O trabalho em saúde apóia-se em dimensões em que o cuidado deve estar
alicerçado na responsabilização, na solidariedade e no comprometimento com a vida
do outro o usuário do serviço de saúde e na vida do próprio profissional de
saúde (LIMA, 2001 e 2005).
Ë nesse sentido que Merhy (2002) chama atenção para o cuidado em saúde
baseado em tipologias que ele designa tecnologias do trabalho em saúde. Essas
tecnologias podem ser duras ou leves. A tecnologia “dura” é o trabalho em saúde
que privilegia as máquinas, os aparelhos e equipamentos em detrimento do contato,
do “tato”; já a “leve” considera a sensibilidade, a relação e o cuidado humano.
A tecnologia dura desvela o despreparo de estar diante das questões que escapam
o modelo flexneriano, da história natural da doença, como se tudo fosse da natureza
e novos rumos e arranjos fossem impossíveis. Uma relação de sujeito de um lado,
que acha que sabe, que acha que tem super poderes (semi-deuses) estabelecendo
contato com o outro. Onde o outro é visto como quem nada sabe, que é tido como
objeto na relação, que não é lhe dada a palavra. Não o reconhecimento no outro
da sapiência da vida, da cultura; de pessoas que trazem os seus arquétipos (termo
Junguiano que fala do que herdamos na história do nosso psiquismo, de todos os
nossos ancestrais); como se o conhecimento e a sabedoria fossem exclusivos da
ciência, materializados nos manuais médicos.
O cenário da saúde vivido assim nem sempre será como dizia o poeta Fernando
Sabino “a vida é arte do encontro” ou conforme a filosofia de Espinosa “a vida é o
lugar do bom encontro”. Ao contrário disso, a saúde é muitas vezes o locus do “mau
encontro”, o que poderá ter conseqüências caóticas, como expressões de algumas
formas de violência, se não for operado o motor da inventividade da produção de
saídas para outras maneiras de estabelecer as relações.
64
Enfim, de um lado, verifica-se o lugar do sujeito de direito à saúde que irá expressar
todas suas carências e, do outro, o trabalhador de saúde que manifesta uma relação
de sujeito-objeto com o usuário “estou mandando uma hérnia para o Hospital das
Clínicas” além do sofrimento de lidar o tempo todo com a dor do outro, a morte, a
miséria. A saúde, nessa configuração, leva os profissionais a serem acometidos de
várias síndromes, sintomas, depressões e passam a ver a saúde como um lugar do
insuportável, do não lugar, de espaços de estranhamento, tensões e conflitos (Lima,
2005).
3.4 A SAÚDE COMO DIREITO DE CIDADANIA E MODOS DE DEFESA DA VIDA
HUMANA.
Merhy (2002) e Campos (2000) são autores que têm feito diferentes apostas ao
refletirem sobre a complexidade do setor saúde.
Para Merhy (2002) o parcelamento dos processos de trabalho e o mercado da força
de trabalho, ainda que a saúde não siga o modelo da indústria, por se tratar da força
de serviços, sofreram influências das organizações produtivas hegemônicas, como o
taylorismo, o fordismo, o uso intensivo de equipamentos e a terceirização de
serviços. Os militantes da reforma sanitária dos anos 80 sempre se preocuparam
com a necessidade de se repensar o modelo assistencial hegemônico, centrado na
figura do médico, defendendo o direito à saúde e à vida no embate com aqueles que
protegem os interesses do setor privado, que está sobre a égide da regulação do
mercado:
Existem autores do movimento sanitário brasileiro que muito vem
indicando essas questões. Mostram como essas passam pela produção de
novos coletivos de trabalhadores comprometidos ético-politicamente com a
radical defesa da vida individual e coletiva. [...] Em suas análises, têm
demonstrado como o confronto espelhado na experiência canadense,
propõe a construção de um Sistema Nacional de Saúde, fortemente
regulado pelo estado e compromissado com a saúde como direito de
cidadania, e não como bem de mercado (MERHY, 2002, p.10).
Todas as áreas de saúde devem ser feitas, portanto, em ato, uma “cena” em que
todos os atores possam representar suas potencialidades e todos sejam
65
considerados humanos, tendo direito à vida e à dignidade, imperando os valores da
solidariedade, da igualdade e da justiça, em detrimento dos valores do mercado.
Igualmente a gestão dos serviços de saúde, que se propõe a reverter o modelo
assistencial hegemônico, passando a entender o usuário como centro da atenção,
assim como que trabalhadores e usuários também “governam” o processo de
produção do cuidado, tem um papel importante para organizar e desenvolver
arranjos institucionais que possibilitem o vínculo, a responsabilização e o
conhecimento dos profissionais da realidade de vida dos usuários, bem como para
possibilitar os espaços coletivos de troca de saberes e para refletir sobre as práticas.
Além disso, essa gestão deve planejar, analisar e avaliar as ações do processo de
cuidado.
A governabilidade na prática da produção do cuidado representa maior
responsabilidade para os trabalhadores de saúde, que já trazem em seu bojo o peso
de atuar com a complexidade inerente ao setor, em que o processo de adoecimento
envolve um conjunto de fatores que extrapolam os clínicos/epidemiológicos, bem
como outras dimensões da vida de ordem social e subjetiva. Reporta-se a uma
ansiedade que está além do saber técnico-científico, inclusive o de comunicar-se
com a comunidade, decifrar a leitura que se apresenta nesse espaço coletivo,
incentivar a participação conjunta e não fazer por ela.
Segundo Merhy (2002) o trabalho em saúde carece ser entendido como um
“trabalho vivo em ato”, pois as máquinas e equipamentos não dão conta da
dimensão apresentada no cotidiano de uma equipe de saúde. Essa complexidade
começa pelo fato desse trabalho ser dependente do usuário, seja individual ou
coletivo; além de sempre existir uma interação no ato da produção do trabalho,
caracterizado como “trabalho vivo” que significa trabalho em ato, isto é, no exato
momento da sua atividade produtiva. Na maioria das situações, o profissional aplica
o “trabalho vivo”, durante o chamado “momento de encontro” que se constitui o
espaço de escuta, em que indivíduo e/ou coletivo expõe(m) suas necessidades que,
em algumas situações, requerem dos profissionais alternativas tecnológicas que
estão além das aprendidas nos cursos de formação (MERHY, 1997, 2002).
66
Merhy (1997) ao descrever a produção do cuidado e suas tecnologias, estabeleceu
três categorias para tecnologias de trabalho em saúde: “tecnologias duras” as que
estão inscritas nas máquinas e instrumentos e têm esse nome porque estão
programadas a priori para a produção de certos produtos; “tecnologias leve-duras”
as que se referem ao conhecimento técnico, por ter uma parte dura que é a técnica,
definida anteriormente, e uma leve, que é o modo próprio como o trabalhador a
aplica, podendo assumir formas diferentes dependendo sempre de como cada um
trabalha e cuida do usuário; e “tecnologias leves” que dizem respeito às relações
que, de acordo com o autor, são fundamentais para a produção do cuidado e se
referem a um jeito ou atitude próprios do profissional que é guiado por uma certa
intencionalidade vinculada ao campo do cuidador, ao seu modo de ser, á sua
subjetividade. São tecnologias também, porque, dizem respeito a um saber, isto é,
competências para os trabalhadores de saúde que lidam com os aspectos
relacionais que envolvem os atos produtivos.
Logo, para o autor, é no momento de encontro que se estabelece o processo de
cuidado, é momento de definir qual ou quais são as tecnologias necessárias e
adequadas para o projeto terapêutico, centradas na produção do trabalho em saúde.
Dessa maneira, a relação trabalhador/usuário torna-se dinâmica, solidária e plena de
sentido para os atores envolvidos nesse processo. Entretanto, esse momento de
encontro será comprometido na medida em que os métodos administrativos
hegemônicos autocentrados, pautados em estilos gerenciais autoritários,
conservadores, com ênfase na disciplina, no controle que provoca nos trabalhadores
a renúncia dos seus desejos e interesses e a alienação (a separação concreta e
cotidiana dos produtores da gestão dos meios de produção e do resultado do seu
próprio trabalho) trazem a impossibilidade de participar da gestão (CAMPOS
2000; LIMA 2001).
Esse estilo de gerência representa a eliminação de todo traço de subjetivismo na
execução das tarefas, o que leva o cotidiano do trabalho a ser um espaço de perda
de sentidos em favor de ritos de silêncio, indiferença, impotência e submissão a
modelos gerenciais autoritários e controladores da organização do trabalho. O
taylorismo e congêneres da educação para a submissão são funções antipaidéia,
(paidéia relaciona-se a formação integral do ser humano, conceito trazido da
67
democracia ateniense), que estenderam para o mundo do trabalho o conformismo
do burocrata, a educação para a renúncia, para o medo, para o silêncio, para aceitar
o cotidiano sem mudança, e realizaram uma habilidosa combinação de técnicas de
gestão para a servidão voluntária (CAMPOS, 2000).
Para Lima (2001) o trabalho em saúde também sofre as conseqüências da lógica
administrativa de Taylor pautada no controle, na hierarquia e na disciplina, tornando
o trabalho um espaço de produção de alienação, em que cada um faz o que lhe
manda, não havendo estímulo à criatividade, o que repercute na falta de interesse e
interação com o que se passa com o coletivo das ações e com os trabalhadores que
se submetem e são submetidos a esse processo.
A proposta que Campos (2000) e Lima (2001) apresentam é, portanto, de romper
com a tradição taylorista, tratando de combinar compromisso social com liberdade;
privilegiar as pessoas, o sujeito, a equipe e coletivos. Apontam a necessidade de
repensar e transformar o Estado, as relações econômicas e sociais, mas também as
relações familiares, entre gêneros, os sistemas de saúde, de educação, de igrejas,
partidos, enfim, os modos de gestão das instituições.
Nesse sentido, a questão é produzir novas lógicas de distribuição de poder que
reconstruam arranjos institucionais e proporcionem novos valores e nova ética,
exercício democrático que possibilite o emergir de sujeitos atores produtores de
novos fazeres. Sujeitos compreendidos na multidimensão da sua constituição, nos
processos inconscientes, as pulsões, as superações das visões reducionistas do
olhar biológico sobre o fenômeno saúde-doença; que se considerar a realidade
existencial dos indivíduos, a multiplicidade dos fatores determinantes, os sujeitos
produzidos pelo social, pelas instituições. Não sujeitos livres de instituição,
conseqüentemente, movimentos instituintes são necessários em todos os espaços,
novos saberes, novos olhares para a ousadia de novas práticas.
São práticas em um processo instituinte que possam incluir no trabalho cotidiano da
saúde ações de prevenção da violência na perspectiva da promoção de saúde,
assistência às vítimas da violência do espaço intrafamiliar e de segmentos
populacionais mais vulneráveis e “novos arranjos” da dimensão institucional que
68
rompa com a concepção estrita da violência como objeto exclusivo de intervenção
da segurança, no sentido da repressão policialesca que propõe “grades” e mais
vigilantes, e com vínculo distante entre usuário e trabalhador; esquecendo-se dessa
forma de um constante debate sobre a humanização tanto das condições do
trabalho, como da assistência precária ao usuário: longas filas, demora no
atendimento, escassez de infra-estrutura e de “recursos humanos” (distante da
concepção de gestão de pessoas).
69
04 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Toda a metodologia desta pesquisa foi desenvolvida obedecendo aos princípios
éticos da Resolução 196 de 10/10/96, 251 de 07/08/97 e 292 de 08/07/99 do
Conselho Nacional de Saúde, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito
Santo, em reunião ordinária no dia 08 de março de 2006. Todos os aspectos éticos
foram adotados, tanto na relação com os sujeitos da pesquisa, quanto na relação
com as instituições envolvidas. Discutiu-se o projeto de pesquisa com os diferentes
atores envolvidos, assim como foram solicitadas as autorizações necessárias e a
assinatura do termo de consentimento, em que constaram os objetivos da pesquisa,
o seu caráter científico e, ainda, o compromisso de não identificar os participantes,
não gerando, assim, constrangimento ou problemas administrativos/políticos para
eles.
4.1 MODELO DE INVESTIGAÇÃO
O modelo de investigação utilizado foi o estudo do tipo descritivo exploratório tendo
como temática a violência. Utilizou-se o referencial de Minayo (2002) e de Teixeira
(2001) para estudos qualitativos. A abordagem qualitativa tem como pressuposto e
preocupação essencial a busca dos significados atribuídos pelos sujeitos, uma
preocupação com o processo e não simplesmente com os resultados e produto. A
abordagem qualitativa nas pesquisas em saúde é bem-vinda, porque o objeto saúde
oferece um nível plausível de ser quantificado, mas ultrapassa essa expectativa
quando se trata de compreender dimensões profundas que não conseguem ser
aprisionadas em variáveis. A abordagem qualitativa presta-se ao estudo das
motivações, atitudes, valores, crenças e tendências; ultrapassa os significados
manifestos; relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas
sociológicas (significados) dos enunciados; aprofunda a análise, tratando de
desvendar os conteúdos latentes e não fica nos conteúdos manifestos (MINAYO,
1992).
As obras de Minayo, principalmente “O desafio do conhecimento”, são referências
para a comunidade científica na perspectiva da pesquisa de abordagem qualitativa e
70
no campo da pesquisa social em saúde, no sentido de ampliar o debate teórico-
metodológico no campo da saúde sob o enfoque da dialética. É nessa expectativa
que Minayo (1992) apresenta uma proposta teórico-metodológica para abordagem
qualitativa das relações sociais que ampara o campo da saúde interrogando essa
prática de pesquisa e considerando os questionamentos como fundamentais para a
produção do conhecimento.
Problematizando os conceitos usualmente empregados nas teorizações e
construções do conhecimento, a autora, citando Bourdieu, defende que nem a teoria
nem a prática são isentas de interesse, preconceito e incursões subjetivas, ou seja,
toda atividade teórica supõe um corte epistemológico e um corte social, e ambos
determinam essa realidade.
O objeto principal de “O desafio do conhecimento”, proposto por Minayo, são as
Metodologias de Pesquisa Qualitativa:
[...] entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do
SIGNIFICADO e da INTENCIONALIDADE como inerente aos atos, às
relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomada tanto no seu
advento quanto na sua transformação, como construções humanas
significativas (MINAYO 1992, p.12).
A importância do significado e demais determinantes causa conseqüências teóricas
e práticas na abordagem do social e remete a questionamentos fundamentais para o
positivismo sociológico que apenas reconhece como ciência a atividade objetiva,
menosprezando aspectos subjetivos que não podem ser “aprisionados” nos dados
estatísticos.
Minayo (1992) chama atenção que a discussão crítica do conceito das metodologias
qualitativas não é uma abordagem ideológica às abordagens quantitativas, mas um
aprofundamento do caráter social e das dificuldades de construção de conhecimento
que o apreendem de forma parcial e inacabada.
71
O debate do qualitativo no campo da saúde carrega questões semelhantes ao
âmbito maior das Ciências Sociais, pois a saúde não institui nem uma disciplina nem
um campo separado das outras instâncias sociais. A especificidade da saúde não
exclui a cumplicidade com a problemática social mais ampla e só pode ser entendida
dentro de uma sociedade dividida em classes, possuidora de instrumentos para
revelar as estruturas dominantes. Perceba os mecanismos culturais e suas relações
com a dominação, defina a origem e história das classes do sistema produtivo;
considere os espaços formais e informais, como a família, grupos etários,
vizinhança, etc., a cultura assim entendida não em um lugar subjetivo, mas como o
locus onde se articulam os conflitos e as concessões, as tradições e as mudanças,
abrangendo o econômico, o político, o religioso, o imaginário e o simbólico, onde
tudo ganha sentidos e significados.
Minayo destaca com perspicácia que o ciclo de uma pesquisa é processo de
trabalho dialético que termina num produto provisório e recomeça nas interrogações
lançadas pela análise final. Partilha a idéia de que o conhecimento é um processo
infinito e não condição de fechá-lo numa fase final, assim como não se pode
prever o final do processo histórico.
A autora, definindo os conceitos básicos da pesquisa social, ressalta que as
correntes de pensamento têm sua história, veiculam uma visão de mundo que tem a
ver com a realidade social na qual foram geradas. Assim, no campo da saúde,
que se destacar que as correntes de pensamento não apenas representam
diferentes possibilidades de análise, mas uma luta ideológica que se relaciona com a
luta política mais ampla na sociedade:
[...] O fato das ciências sociais é histórico. Significa que as sociedades
humanas existem num determinado espaço, num determinado tempo, que
os grupos sociais que as constituem são mutáveis e que tudo, instituições,
leis, visões de mundo são provisórios, passageiros, estão em constante
dinamismo e potencialmente tudo está para ser transformado (MINAYO
1992, p. 20).
72
Minayo (1992) parafraseando Demo argumenta que “o que se pode ter dos
fenômenos sociais é ”menos um retrato e mais uma pintura”, isto é, a realidade é
captada com cores e formas particulares, cujos objetos e pessoas são
reinterpretados e criados em processo de produção artística. De tal modo, há que se
reconhecer que a produção científica das ciências sociais é uma criação e carrega a
marca do pesquisador. É preciso aceitar que o sujeito dessas ciências não é neutro
ou então se elimina o sujeito do processo de conhecimento. Da mesma forma, o
“objeto” é também sujeito e interage com o investigador. Todavia, considerar a não
neutralidade não é abraçar a excessiva incursão dos juízos de valor na pesquisa,
fato que traz críticas a abordagem qualitativa.
Minayo com o brilhantismo que lhe é peculiar, em sua obra “O desafio do
conhecimento” torna essa uma leitura indispensável para pesquisadores de várias
áreas, especialmente da saúde coletiva. A autora traz uma riqueza de
questionamentos para os “desavisados” e para aqueles que pensam a ciência como
algo da ordem de certeza, da neutralidade, do acabado, finito e da verdade una.
Através da exposição das correntes de pensamentos que influenciam as ciências,
questiona os seus princípios e suas lacunas, defende as idéias do materialismo
dialético de Marx como possibilitador de compreender a realidade, levando em conta
a luta de classes, os fenômenos históricos, a mudança, a transformação da natureza
e a realidade social, o vir a ser, a contradição e os conflitos; favorecendo assim um
entendimento do fenômeno saúde/doença como uma expressão de vida, como
fenômeno individual e também sua expressão coletiva, epidemiológica, que adquire
significado no conjunto das representações sociais e nas reivindicações políticas e
está estruturada em uma totalidade social (CORDEIRO apud MINAYO 1992, p. 76).
Minayo, além de ser referência teórica para a metodologia de pesquisa, é também
referência na América Latina acerca de estudos sobre violência. Coordena o Centro
Latino Americano de Estudos sobre Violência (Claves/Fiocruz). Por conseguinte, a
pesquisadora é referência tanto na parte da metodologia qualitativa quanto na sua
leitura sobre a violência para esta dissertação.
73
4.2 PARTICIPANTES (SUJEITOS DA PESQUISA)
A amostra procede de trabalhadores que atuam em Unidade Básica de Saúde,
localizada no município de Vitória. É um total de quatorze trabalhadores, divididos
em três categorias:
CATEGORIA X Trabalhadores de nível superior: duas enfermeiras, uma
psicóloga, uma assistente social, um médico, um gerente de Unidade de
Saúde;
CATEGORIA Y – Agentes Comunitários de Saúde (ACS), três;
CATEGORIA Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da
recepção na Unidade de Saúde: uma técnica de enfermagem, duas auxiliares
de enfermagem, uma auxiliar de serviços gerais e um atendente dos usuários
na recepção.
4.3 O CENÁRIO DO ESTUDO
A Unidade de Saúde, cenário do estudo, está localizada na área do Forte São João
(Região VI), que possui uma população de 58.378 habitantes. A região VI é
composta por 18 bairros, que se distribuem em 04 territórios de saúde: Forte São
João, Ilha de Santa Maria, Praia do Suá, Jesus de Nazareth. A US que foi cenário da
pesquisa atende o território composto pelos bairros do Forte São João, do
Cruzamento e do Romão, com o total de 8.700.0 habitantes.
A US do Forte São João foi inaugurada em 29 de setembro de 1993. O PACS foi
iniciado em junho de 1998 no mesmo ano da implantação das primeiras
experiências da Estratégia Saúde da Família no município de Vitória, que foram nas
US de Resistência, Jesus de Nazareth, Andorinhas, Fonte Grande e Ilha do Príncipe
com a perspectiva da implantação de cinco equipes de Saúde da Família até o
ano de 2008, uma vez que o Bairro Cruzamento elegeu como prioridade no
Orçamento Participativo de 2006 a construção de uma nova US que irá substituir a
atual existente, essa que apresenta um espaço físico inadequado e é distante dos
bairros atendidos, dificultando o acesso para a população, segundo informações da
74
Coordenação de Atenção Básica da Gerência de Atenção a Saúde da Secretária
Municipal de Saúde (Semus) de Vitória.
De acordo com a carta de serviços da US, que é distribuída para os usuários, o
horário de funcionamento é das 07h00 às 19h00, de a feira. A US oferece os
seguintes serviços: curativo, vacina, eletrocardiograma, agendamento de consulta e
de especialidades, sala de preparo, farmácia e odontologia. Os programas
oferecidos que constam na referida carta são bolsa família, planejamento familiar,
saúde escolar, saúde do idoso, saúde mental, Sorria Vitória, e Sisvan - Sistema de
Vigilância Nutricional (VITÓRIA, 2007).
A US possui em torno de cinco Agentes Comunitários de Saúde por bairro e um
enfermeiro como instrutor / supervisor das ações.
De acordo com o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB, 2007) da
PMV/Semus, os bairros que compõem a abrangência da US possuem algumas
características em comum, tais como: a) as principais morbidades verificadas são
diabetes e hipertensão arterial; b) cerca de 99 % dos moradores recebem os
serviços públicos de abastecimento de água, coleta de lixo e sistema de esgoto; c) a
população é predominantemente jovem, com idade de 20 a 39 anos; d) 95% das
pessoas dependem dos serviços da Unidade.
No que se refere ao ensino público, na região da US, existe uma escola de ensino
fundamental e duas escolas de educação infantil da rede municipal e também uma
escola de ensino médio da rede estadual.
No bairro Forte São João 3.041 habitantes, dos quais 846 famílias são
cadastradas pelo PACS. Quanto às condições de moradia, 78,84% das casas são
construídas de alvenaria e 17% de madeira; 83,45% dos moradores possuem
energia elétrica em suas residências. No que se refere à educação, 92,48% das
crianças e adolescentes com idade de 07 a 14 anos estão na escola e 96,16% são
alfabetizadas com faixa etária superior a 15 anos. Os nascidos vivos no ano de
2006 foram 47. Sobre visitas domiciliares foram 10.235 em 2006 divididas da
75
seguinte forma: 9.900 realizadas pelos ACS, 261 pelos profissionais de nível médio
e 71 pelo enfermeiro (VITÓRIA, 2007).
O bairro do Cruzamento apresenta uma população de 2.554 habitantes, sendo que
685 famílias são cadastradas. Quanto às condições de moradia 85,26% das casas
são construídas de alvenaria e 12,85% de madeira; 67,15% dos moradores
possuem energia elétrica em suas residências. No que se refere à educação, nesse
território 79,62% das crianças e adolescentes com idade de 07 a 14 anos estão na
escola e 93,31% são alfabetizadas com faixa etária superior a 15 anos. O número de
nascidos vivos, no ano de 2006, foi 37. Foram realizadas 6.2325 visitas domiciliares
em 2006, divididas da seguinte maneira: 5.905 realizadas pelos ACS, 256 pelos
profissionais de nível médio e 70 pelo enfermeiro (VITÓRIA, 2007).
No bairro do Romão moram 2.703 habitantes, sendo que 738 famílias são
cadastradas. Quanto às condições de moradia, 86,18% das casas são construídas
de alvenaria e 11,11% de madeira; 65,31% dos moradores possuem energia elétrica
em suas residências. No que se refere à educação, 75,16% das crianças e
adolescentes com idade de 07 a 14 anos estão na escola e 92,62% são
alfabetizadas com faixa etária superior a 15 anos. Foi 47 o número de nascidos
vivos no ano de 2006. Foram realizadas 9.594 visitas domiciliares em 2006,
divididas do seguinte modo: 9.286 realizadas pelos ACS, 237 pelos profissionais de
nível médio e 69 pelo enfermeiro (VITÓRIA, 2007).
Como o estudo foi realizado em Unidades de Saúde vinculadas a Secretaria
Municipal de Saúde de Vitória, descreveremos a seguir o sistema de saúde desse
município e demais informações sobre o mesmo através do Plano Municipal de
Saúde de Vitória para o período de 2006-2009.
O Plano Municipal de Saúde de Vitória descreve os princípios, as diretrizes,
programas, ações e operações voltadas para a atenção à saúde dos moradores de
Vitória e população referenciada, para o período de governo de 2006 a 2009, em
conformidade com as definições das normas vigentes do Sistema Único de Saúde.
Define como eixos estratégicos: desenvolvimento sustentável com inclusão social,
democratização da gestão pública, defesa da vida e respeito aos direitos humanos.
76
Fundamenta suas diretrizes nos compromissos da reforma sanitária e na
consolidação do SUS no âmbito do Município, com a garantia dos princípios
constitucionais de que saúde é direito de todos e dever do Estado, afiançado
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças
e outros agravos e à busca da universalização e da equidade com redução das
desigualdades em saúde.
O Plano Municipal de Saúde tem como diretriz central o fortalecimento da Atenção
Primária em Saúde, único nível de atenção sob gestão municipal. A Secretaria
Municipal de Saúde de Vitória adota a estratégia de Saúde da Família como o
modelo reordenador das práticas da Atenção Primária e, nesse sentido, pretende
expandir essa estratégia para todo o município.
O Plano Municipal de Saúde de Vitória é um documento que traz, também, em seu
texto, inúmeras informações sobre a cidade de Vitória e sobre o sistema de saúde,
dos quais destacamos:
Caracterização geográfica do município:
A capital do estado do Espírito Santo possui uma população de 313.309 habitantes
conforme estimativa do IBGE para o ano de 2005. A sua população corresponde a
9,2% da população do Estado (3.408.360 habitantes). O município de Vitória possui
88,7 km² de extensão, sendo constituído por ilhas e por uma região montanhosa,
circundada por numerosos terrenos de mangue e restingas. Seu clima é tropical
úmido, com temperatura média mensal variando entre l8,0° e 30,0°C . A maior
precipitação de chuvas ocorre entre outubro e janeiro.
O município de Vitória integra a Região Metropolitana em conjunto com os
municípios de Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão. Sua área
representa 6,15% da Região Metropolitana e 0,19% do território estadual. Possui
parques e unidades de conservação que abrigam uma grande diversidade de
espécies de animais e vegetais. A maioria das áreas verdes é aberta à visitação
77
pública, oferecendo às comunidades da região opções de esportes, recreação, lazer
e educação ambiental.
A Rede do Sistema Único de Saúde do município:
O município de Vitória está habilitado para a Gestão da Atenção Básica Ampliada,
desde 05 de agosto de 2003, de acordo com critérios definidos na Norma
Operacional de Assistência à Saúde NOAS/02, Portarias 101 de 11 de fevereiro
de 1998 e 1510/GM, de 5 de agosto de 2003.
A rede municipal dos serviços de saúde do município de Vitória é distribuída em seis
regiões de saúde: Centro, Forte São João, Maruípe, Santo Antônio, Continental e
São Pedro, sendo a Atenção Básica Ampliada organizada em 25 territórios de
saúde. (anexo D – mapa da regionalização de saúde de Vitória). O município está se
estruturando para assumir gradualmente a rede secundária e terciária, hoje sob
gestão estadual.
A cidade de Vitória por ser município pólo, concentra o maior número de serviços,
tornando-se referência intermunicipal, inter-regional e interestadual. O sistema
ambulatorial da rede própria do SUS/Vitória compreende: 28 Unidades Básicas de
Saúde, sendo que 17 adotam a Estratégia de Saúde da Família; 01 Laboratório de
Análises Clínicas que dispõe de 26 postos de coleta de material descentralizados;
02 Pronto-atendimentos; 01 Central de Ambulâncias; 01 Central Municipal de
Agendamento de Especialidades; 01 Centro de Especialidades Odontológicas; 01
Centro Municipal de Especialidades; 6 Centros de Referência Centro de
Referência de Atendimento ao Idoso (CRAI), Centro de Referência de Saúde Mental
(CAPS); Centro de Referência de Prevenção de Tratamento aos Toxicômanos
(CPTT); Centro de Promoção e Recuperação Física com 9 Módulos de Serviço
Orientação ao Exercício (SOE), Centro de Controle de Zoonozes (CCZ) e Centro de
Referência DST/AIDS.
78
A rede hospitalar do município de Vitória é constituída por 10 hospitais, sendo 03
públicos, 05 privados e 02 universitários com perfis diferenciados em hospitais
gerais e hospitais especializados. Os serviços hospitalares vinculados ao Sistema
Único de Saúde estão sob gestão da Secretária de Saúde do Estado do Espírito
Santo, considerada a condição de gestão do Município anteriormente citada. As
principais causas de internações no Município são: clínica cirúrgica, obstetrícia,
clínica médica, pediatria, tisiologia e psiquiatria (MS – SIA/SUS apud PMS 2006).
A Semus / Vitória tem se estruturado pretendendo adequar-se ao Pacto pela Saúde
(portaria 399/GM 22 de fevereiro de 2006) com metas para a redução da
mortalidade infantil e materna, o controle das doenças emergentes ou endemias,
como a dengue e a hanseníase, e a redução das vítimas por câncer de colo de útero
e da mama. Além disso, o propósito de estabelecer diretrizes para a Política
Nacional de Saúde do Idoso, elaborar e implantar uma Política Nacional de
Promoção da Saúde e consolidar a Atenção Básica à Saúde tendo como prioridade
o Programa Saúde da Família (PSF).
4.4 COLETA DE DADOS
Os dados foram coletados tendo como principal instrumento entrevistas semi-
estruturadas realizadas em Unidades Básicas de Saúde.
O roteiro da entrevista (anexo 1) abordou os seguintes temas:
a) identificação: sexo, idade, estado civil, profissão;
b) formação profissional: especialização, tempo de formação, tempo de trabalho no
serviço de saúde, atividades desenvolvidas, dimensões do trabalho prescrito e real;
c) percepção geral sobre o fenômeno da violência: tipos, causas, onde mais ocorre e
visão geral;
d) inserção do tema da violência no setor saúde: o papel dos serviços de saúde
diante da violência; as contribuições e a possibilidade de atuação do setor diante do
fenômeno; as dificuldades enfrentadas em relação às propostas de prevenção,
79
identificação, assistência e encaminhamentos necessários à rede de proteção às
vítimas de violência;
e) atuação profissional ante a violência: formação acadêmica e profissional sobre o
tema; observar se percepção da relação entre violência e as atividades
desempenhadas pelos profissionais; responsabilidade, reações e implicação dos
profissionais diante das situações de violência.
Houve um bom entendimento pelos entrevistados do roteiro, ou seja, o instrumento
favoreceu a coleta de dados pretendida pelo presente estudo. No geral, não existiu
resistência dos trabalhadores em participar da pesquisa, com exceção de dois
médicos que se recusaram; assim, foi estabelecido o critério de inclusão e exclusão:
o interesse ou não em participar. Quanto à saturação foi observada após um número
significativo de entrevistas para a formação das três categorias de análise. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas e tiveram em média 40 minutos. Elas foram
realizadas na Unidade de Saúde, no mês de setembro de 2006 a maio de 2007
2
.
4.5 TRATAMENTO DOS DADOS
O tratamento dos dados e análise dos resultados obtidos, através das entrevistas,
foram processados por meio da “análise de conteúdo”, proposta por Bardin (1979) e
redimensionada por Minayo (1992), a partir das entrevistas acerca da violência,
resgatando os temas e conceitos presentes nas concepções dos trabalhadores
sobre a temática.
A análise de conteúdo constitui um conjunto de técnicas com procedimentos
sistemáticos e com objetivos a partir da descrição do conteúdo das mensagens para
obter indicadores quantitativos ou não que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção / recepção (variáveis inferidas) das mensagens
(TRIVIÑOS, 1990). Possibilita estudar as “mensagens” contidas nos depoimentos e
práticas dos sujeitos sociais, permitindo a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção dessas mensagens, e descobrir os “núcleos de sentido” que
compõem a comunicação (BARDIN, 1979).
___________________
2
Dez entrevistas foram realizadas antes da qualificação e quatro após, quando foi evidenciada a
saturação das falas dos sujeitos.
80
Essas condições de produção são os conjuntos das relações sociais, culturais e
político-econômicas, ou seja, o nível estrutural e, por outro lado, o conjunto de
valores culturais, práticas institucionais e grupais, isto é, o nível da ação dos sujeitos
sociais. A análise de conteúdo relaciona estruturas semânticas (significantes) a
estruturas sociológicas (significados); assim, “texto” e “contexto” são articulados na
interpretação (MINAYO, 1992).
A técnica da análise de conteúdo se divide em três etapas: a pré-análise, que é
simplesmente organização e leitura do material; a descrição analítica, em que o
corpus do material é pré-interpretado à luz dos referenciais teóricos, e os
procedimentos como codificação, classificação, categorização (conceituais e
empíricas) e hipóteses adotadas são básicos; a interpretação inferencial, em que se
aprofunda a análise dos conteúdos “manifestos” e “latentes”, referenciando-os às
condições materiais, empíricas, culturais, ideológicas, históricas e estruturais que
contextualizam tais realidades (TRIVIÑOS, 1990).
Na análise do material produzido pelas entrevistas, fundamentou-se o processo
interpretativo tendo como base a concepção dos trabalhadores de saúde, pelo fato
de ser uma forma freqüente usada por muitos autores para abordar o campo da
saúde quando se referem a uma nova ordem de pensamentos, conceitos e práticas.
Assim, para compreendermos as concepções dos trabalhadores acerca do
fenômeno da violência, consideramos os aspectos abaixo relatados, dentre outros:
Os discursos dos sujeitos expressos na forma de um sujeito ativo, possuidor
de cultura, história e subjetividade, que expressa e entende o mundo ao seu
redor, levando em conta o conjunto dos seus processos cognitivos,
imaginários;
Os seus determinantes histórico-vivenciais, suas redes de paixões, afetos,
emoções e pulsões, ou seja, o seu aparelho cognitivo e sua forma de
interpretar o mundo está centrada na sua história e na cadeia de relações,
sejam elas familiares, de companheiros / amigos / pares, colegas / equipe de
trabalho, isto é, os aspectos relacionais conjugados com sua história, nos
quais está centrada a sua cosmovisão (visão de mundo);
81
Pretendeu-se com a CONCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE
compreender como são tecidos, cunhados seus raciocínios acerca da
violência, como eles o construídos, em que estão os seus principais
determinantes para essas construções, se na mídia, na ideologia de uma
cultura dominante ou nas próprias interações do mundo do trabalho;
Avaliar como se dão os significados para os fenômenos da vida cotidiana, em
especial acerca da violência, e em que estão as maiores influências desses
pensamentos, se na sua própria história individual ou na interação de
histórico vivencial e sócio-cultural;
Realizar uma reflexão que se apóia em um sujeito pró-ativo, construtor do
mundo, a partir dos significados que a sociedade fornece. Trata-se de um
processo que é re-significado para cada sujeito, com as interferências do
plano da intersubjetividade, que SINGULARIZA o mundo, levando em conta
os determinantes sócio-econômicos, culturais, o mundo da linguagem, as
relações de poder, de dominação, as questões de gênero, racial, orientação
sexual e a rede de pertencimentos a grupos sociais.
Alves (1993), examinando algumas premissas teóricas necessárias para o estudo da
experiência da enfermidade enquanto uma realidade construída por processos
significativos intersubjetivamente partilhados, argumenta que a compreensão das
dimensões cognitivas e sociais, incorporadas às redes de significações individuais,
contribui para um instigante movimento da Antropologia contemporânea:
Os antropólogos sempre foram sensibilizados pela dimensão simbólica da
cultura. A Antropologia, todavia, ainda não encontrou, de forma satisfatória,
os fundamentos teóricos que lhe permitam responder como os processos
cognitivos transformam as experiências subjetivas em realidades dotadas
de significação. Responder a esta questão, a nosso ver, significa conciliar a
visão de cultura, entendida como parâmetro ou quadro de referência que
governa a atividade humana, com os processos e formas sociais
subjacentes às representações mentais (ALVES, 1993 p. 264).
As opiniões, as visões, as concepções dos trabalhadores são construídas, portanto,
nas diversas vivências, relações e interações sociais, tendo um caráter que é ao
mesmo tempo objetivo e subjetivo. Os enunciados discursivos, nesse sentido,
82
incorporam a experiência enquanto dimensão vivida na cultura e como construção
que se na relação com outros sujeitos e que se torna um horizonte para a
análise. Um campo de re-interpretar as interpretações desses sujeitos sobre suas
experiências vividas, percebidas e imaginadas. Uma busca de compreensão dos
significados que habitam as ações, falas, códigos, regra criada e reproduzida pelos
atores os sujeitos da pesquisa traz uma ferramenta, um método que possibilita
uma discussão crítica sobre o que está em jogo em um processo interpretativo
(DESLANDES, 2000).
Diante das questões aqui expostas e das contribuições dos autores, que ajudam a
entender o fenômeno da violência e, em particular, situá-la no complexo cenário da
saúde, é que esse problema tem se apresentado com grande magnitude.
A principal interrogação desta pesquisa é compreender quais as formas de
significado que são tecidas pelos trabalhadores de saúde sobre a violência. Para
tanto se tomou como objeto de estudo a violência no trabalho em saúde. Foram
realizadas entrevistas com os referidos sujeitos e formadas as seguintes
categorias relacionadas a eles:
CATEGORIA X – Trabalhadores de nível superior.
CATEGORIA Y – Agentes Comunitários de Saúde
CATEGORIA Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da
recepção na Unidade de Saúde.
Acerca da interpretação do discurso dos sujeitos da pesquisa foram formadas as
seguintes categorias de análise:
a) A percepção geral dos trabalhadores sobre o fenômeno da violência: tipos,
causas, onde mais ocorre e visão geral;
b) A inserção do tema da violência no setor saúde: o papel dos serviços de saúde
diante da violência, as contribuições e a possibilidade de atuação do setor diante do
fenômeno; as dificuldades enfrentadas em relação às propostas de prevenção,
identificação, assistência e encaminhamentos necessários à rede de proteção às
vítimas de violência;
83
c) atuação profissional ante a violência: formação acadêmica e profissional sobre o
tema, a relação entre violência e atividades desempenhadas pelos trabalhadores; a
responsabilidade, reações e implicação dos profissionais diante das situações de
violência.
Esta etapa apresenta os principais resultados obtidos com a coleta de dados: as
respostas dos trabalhadores de saúde acerca do fenômeno da violência. A fala dos
atores é enfatizada. A classificação do conjunto das respostas foi organizada em
três temas e 13 subtemas, seguindo as questões tratadas no roteiro da entrevista.
Desejando preservar a identidade dos participantes, não será revelada a categoria
dos profissionais de nível superior no momento da citação de suas falas, devido ao
pequeno número desses trabalhadores na US, o que tornaria a identificação
possível e comprometeria o anonimato dos mesmos. Contudo, para facilitar o
entendimento de algumas comparações entre as categorias analíticas, foram
estabelecidas abreviaturas das profissões com números, idade e sexo para cada
trabalhador:
CATEGORIA X Trabalhadores de nível superior: SUP1, SUP2, SUP 3, SUP
4, SUP 5, SUP 6;
CATEGORIA Y – Agentes Comunitários de Saúde: ACS;
CATEGORIA Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da
recepção na Unidade de Saúde: AUX ENF, TEC ENF, ASG, AT REC.
4.5.1 Tema A: Concepção geral sobre a violência
As perguntas relacionadas com a percepção geral que os trabalhadores de saúde
possuem sobre a violência são apresentadas logo no início da entrevista, com o
intuito de conhecer como são concebidas as causalidades, tipificação e locais de
maior ocorrência da violência. Para isso foram feitas as perguntas a seguir:
1 - Qual a sua opinião sobre a violência / Como você vê a questão da violência?
2 - Para você, quais as principais causas da violência?
3 - Quais os tipos de violência que você acha que existe?
4 - Onde (lugar) você acha que a violência mais acontece?
84
4.5.1.1 Subtema 1: Visão geral sobre o tema
Na categoria X trabalhadores de nível superior a visão geral é a da violência no
espaço doméstico e intrafamiliar: contra a mulher (ainda que não referenciem a US
para esse tipo de atendimento e as formas de tratar e o cuidar), os maus-tratos e o
abandono dos filhos pelas mães por causa do trabalho, o que provoca o aumento da
violência gerada pela desorganização e precariedade da educação familiar:
O aumento da violência é conseqüência da educação familiar, a falta de
estrutura da família, a distância dos pais dos filhos o abandono, criança
que cuidam de outras – devido a várias questões, como a do trabalho, mães
que precisam sair para trabalhar (SUP1, 48, FEM).
Uma trabalhadora apontou a violência como resultado de certos comportamentos
das pessoas como nervosismo e estresse. Ainda diz que o fenômeno surge dentro
dos presídios e afeta a sociedade. Outra profissional demonstrou preocupação com
a violência por considerá-la generalizada, presente em todos os momentos,
circunstâncias e situações, como a violência nas escolas - do corpo docente em
relação às crianças (o que pode produzir evasão escolar) e vice-versa –; mães
deprimidas, que perdem seus filhos para o tráfico e enfrentam o alcoolismo; a
violência na família, em todas as classes sociais; a frustração da falta de emprego,
que acaba sendo descarregada nas crianças a criança torna-se porta-voz da
violência:
O pai chega em casa, a mãe chega em casa e as crianças não tem nada o
que comer. Os pais sofrem desesperadamente com essa situação, as
crianças muito mais do que isso. os pais, né?... acabam é... deslocando
para as crianças né?... o seu sofrimento é... a sua dor, a sua dificuldade, e
essa criança passa a ser... porta-voz dessa história. Vai para escola, passa
a ser uma criança tão violenta quanto é violentada (SUP2, 41, FEM).
A violência é vista, por uma trabalhadora, na perspectiva da inabilidade e medo da
intervenção devido a provável reação do agressor contra o profissional de saúde. A
diminuição da violência é entendida na forma de tentativas de mudança da índole do
violento – transformação das pessoas que não tiveram oportunidade e que procuram
o mundo da droga como meio fácil de ganhar dinheiro e assim acabam tornando-se
violentas. Vislumbra-se saída pela educação em saúde voltada para as mães, para
um melhor cuidado dos filhos.
85
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde a violência é encarada como
causa da falta de solidariedade entre as pessoas e como algo interno, muito comum,
que pode ser desencadeado nos momentos tempestivos de ira e raiva. “Todos nós
podemos cometer violência” (ACS, 30, FEM).
A interferência do problema no cotidiano do trabalho é considerada grande. A
violência contra a mulher é tratada com indignação e está representada associada
ao uso da bebida e da droga. “Contra a mulher, eu fico indignada, revoltada. Busco
conversar sem envolver. É a bebida e a droga do homem que agride a mulher”
(ACS, 39, FEM).
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde uma preocupação com o buscar entender o fato violento:
quais razões motivaram a agressão, onde e como aconteceu, caracterização da
vítima e do autor da violência:
Eu fui anotando o caso, eu fiz bonitinho em casa um questionário para
conversar com os pacientes quando chegam: que ferimento foi esse, se foi
vítima de violência, como aconteceu; primeiro a identificação do paciente,
sexo, escolaridade, idade, onde mora, bairro; razões que levaram a
agressão; onde e como aconteceu, se foi na praia, em festa, boates, nos
bares, em casa; os motivos, as razões da agressão (TEC ENF, 37, FEM).
A violência é também explicada como algo da maldade humana e que está presente
nas relações e na comunicação interpessoal, manifestando-se de várias maneiras,
como na falta de respeito e agressão aos funcionários da US:
Vejo como coisa muito bárbara. Tem muito tipo de violência. Violência gera
violência. Matar, ofender, violência com palavra, agressão. Eu posso te falar
alguma coisa e te ofender. Não respeita, violência com palavras e bate nas
meninas na frente (ASG, 63, FEM).
São relatadas, ainda, a violência contra a mulher e contra a criança no espaço físico
da US e a violência no trânsito contra os motociclistas, que procuram atendimento
na sala de curativos.
4.5.1.2 Subtema 2: Rede de causalidades
86
Na categoria X trabalhadores de nível superior o destaque é para a condição
sócio-econômica, a precariedade dos recursos materiais, fruto do sistema capitalista
que deixa a população desamparada pelo poder público: “desemprego, falta de
moradia, filas, demora extrema para consultar com um especialista”.
As demais atribuições de causalidade da violência foram: o mundo competitivo, em
que o poder torna as pessoas mais violentas, até com os colegas de trabalho; a
desestrutura da família; a influência da TV; o roubo; a morte e tráfico de drogas; a
falta de disciplina familiar e de afeto para com os adolescentes na família, que traz
como conseqüências a gravidez e a banalização da vida:
Acho que a violência vem da desestrutura da família. Como ela se insere,
projeto de vida. Não é uma única causa, é uma bola de neve que vai
testando o sujeito; questão de renda, nem é a exclusão, mas é a
precariedade do sistema. O capitalismo diz: “você tem que ter dinheiro para
ser bom, compra isto, tem que ter um sapato...” Nem sempre as pessoas
têm condições de ter essas coisas; o sistema te induz isto, as pessoas ficam
estagnadas, não buscam melhorar (SUP 3, 34,FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde inúmeras causalidades foram
apontadas, principalmente ligadas ao instinto e à socialização: família mal
constituída, pessoas que não tem boa formação, falta de carinho e diálogo dentro de
casa, passado de violência, falta de amor ao próximo e de companheirismo.
Também o comentário a respeito das mulheres e crianças que precisam sair de
casa por causa do uso de bebida e droga pelo homem: “[...] a bebida e a droga, não
é o desemprego, muita mulher e criança têm de fugir de casa. Gostaria de fazer
algo, mas não me meto com medo de represálias” (ACS, 39, FEM).
A violência banal é apontada: “[...] muita coisa causa violência, do nada, por
besteira, pegou uma coisa do outro, vai e mata, não é matar, uma palavra pode
ser também violência” (ACS, 21, FEM).
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde enfatizou-se o abandono dos pais, demonstrado na falta de
educação e de carinho, como no caso da violência contra as crianças eles
praticam sem perceber o prejuízo que isso vai trazer para a criança.
87
A explicação religiosa também é dada para causas da violência “Pessoa mal-
educada não tem carinho, não tem amor pelas pessoas, falta de Deus na vida. Se
tem Deus no coração ajuda um pouco, né?!” (ASG, 63, FEM). Ainda a falta de
emprego é colocada como desencadeadora da violência:
Eu acho o emprego, você faz um curso, depois tem que ter experiência.
tem que mandar currículo, tem que esperar chamar. A gente vai num lugar
não consegue, a gente tem 5ª. Série. Isso gera violência. tem a
família, tem a necessidade de alimento. Aí agride (AT REC, 56, FEM).
4.5.1.3 Subtema 3: Tipologia da violência:
Na categoria X - trabalhadores de nível superior os principais tipos de
manifestação da violência comentados foram: homicídio, assalto, roubo, seqüestro,
abuso sexual; uso de drogas e morte na adolescência relacionada com tráfico de
entorpecentes, devido à falta de suporte familiar e expectativa social, crianças
maltratadas, negligência (crianças que vivem na rua), casos de abandono de idosos:
Maus-tratos, tanto de abandono de crianças que são mal cuidadas, mães e
pais que não cuidam. Crianças que ficam na rua, não sabe se vai para a
escola. Crianças, pessoas com transtornos, crianças que as mães deixam
para os avós, tios cuidarem. Alguns casos de abandono de idosos. Crianças
com maus-tratos é o que tem mais relato (SUP 3, 34,FEM).
Foram apontadas, também, outras configurações da violência como: no trânsito, nos
xingamentos, no silêncio (dependendo da pessoa e da situação) e a violência da
fome, da miséria, da falta de moradia e de assistência médica:
Violência devido às drogas, mortes violentas, são mães que sofrem pela
perda dos filhos. É a violência da fome né? A violência da miséria, a
violência da falta de uma moradia decente, por não poder ter um suporte
médico o quanto que precisa. Eu considero isso como violência. Agressão,
pais agressores é...(SUP 2, 41, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde a violência sexual e doméstica
contra a mulher é sublinhada. Depois, fala-se da violência contra a criança.
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde a violência contra a mulher e a violência sexual contra criança
88
são também as principais assinaladas. Procuram apreender os motivos que levam
as pessoas a cometerem atos violentos:
A morte, matança discriminada, vejo na TV. Devia ser punido com rigor
botar fogo, arrastar uma criança, matar pai, estuprar. Devia estudar estas
pessoas para descobrir o que leva elas a fazer estas atrocidades (AUX
ENF, 46, FEM).
4.5.1.4 Subtema 4: Local com mais episódios de violência.
Na categoria X trabalhadores de nível superior a casa, o ambiente familiar, foi
considerado como o local de maior ocorrência da violência. Nela acontece violência
contra mulher e criança, abandono e maus-tratos dos pais para com os filhos. A
escola também foi apontada como um lugar de maus-tratos contra a criança.
O trabalho foi também relacionado como lugar de violência tanto nas questões entre
os trabalhadores, como também na relação áspera dos usuários para com os
profissionais.
Pra mim, vejo no trabalho, por passar o dia todo (8h às 19h); sou violentada
de todas as formas, por funcionários, por usuários. “Fogo cruzado” no
trabalho. Exposta na Unidade, há falta de segurança. O lugar que tem mais
violência pra mim é no trabalho, no meu bairro não tem, minha casa não
tem confusão. Inúmeras demandas, comunidade, funcionários, secretaria...
(SUP 4, 36, FEM).
também o caso da violência entendida sem critica, pensada de acordo com os
sistemas de informação de massa:
Hoje, o que eu vejo falar é que começa dentro dos presídios. Do presídio
comanda na rua, manda matar de dentro, por fogo nos ônibus. Hoje eu vi
uma manchete falando que uma pessoa foi morta, em mais uma morte em
São Paulo. Começa no presídio e termina aqui fora. Alguma coisa tá errada,
a própria polícia tem muita gente ruim também, crimes que própria policia
comete, esquadrão da morte, crime organizado (SUP 5, 44, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde é salientada a violência
doméstica, dos pais contra os filhos e do marido contra a mulher, é o homem depois
que chega do bar alcoolizado: “em casa, a mulher nunca vai para bar; algumas vão
e contribui com isto, mas a maioria é o homem” (ACS, 39, FEM).
89
Na categoria Z – Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde todos lugares são apontados, sempre associados à bebida e
outras drogas: casa, bares, ponto de ônibus, clube.
4.5.2 Tema B: A inserção da violência no setor saúde
As perguntas relacionadas com a inserção da violência no âmbito da saúde foram
feitas da seguinte forma:
5 - Em sua opinião, os serviços de saúde têm alguma responsabilidade diante
da violência? A violência pode ser considerada como um problema de saúde
pública? Em sua opinião existe, ocorre algum tipo de impacto da violência no
setor saúde?
6 - Em sua opinião, que tipo de violência acontece /ocorre /chega com mais
freqüência nos serviços de saúde?
7 - Em sua opinião, algo pode ser feito pelos serviços de saúde para contribuir
para a redução da violência? Quais seriam as possibilidades de atuação?
8 - Quais seriam as maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais nos
atendimentos às situações de violências?
4.5.2.1 Subtema 5: Responsabilidade e impacto da violência nos serviços de saúde.
Na categoria X trabalhadores de nível superior foi enfatizada a mudança de foco
da saúde para “o bom atendimento”. Saúde voltada a projetos de vida digna para
família e comunidade, na perspectiva da prevenção e promoção de saúde, como os
trabalhos de valorização da vida com grupo de mães “gostar de si para gostar dos
filhos”. O tema da violência é, então, reconhecido e incorporado na medida em que o
entendimento da saúde não se restringe à doença.
O bom atendimento, uma história do que pode ser o ideal de uma vida mais
digna para a família, para a comunidade, para a sociedade; então assim, é...
a saúde tem uma parcela fundamental nessa história, porque assim o bom
atendimento também está fazendo um trabalho de promoção de saúde, de
prevenção. Seria muito mais interessante do que estar fazendo o curativo,
porque esse curativo vai voltar daqui uns dias para refazer esse curativo
(SUP 2, 41 FEM).
90
A visão da “doença da família” também compareceu, com sugestão de atividades de
atendimentos às famílias desestruturadas – adolescentes grávidas, crianças
hiperativas e/ou com problemas psicológicos, terapia e educação em saúde para
pais desprovidos de conhecimentos / habilidades para educar os filhos acerca de
sexo, drogas:
Trabalho social com a família desestruturada, as adolescentes que estão
tudo grávidas, crianças hiperativas, problemas psicológicos, terapia com
esses pais, com livros dessas questões de sexo, droga, tudo isso, às vezes
não tem conhecimento suficiente para passar para os filhos, quem usa
drogas tem problemas mentais, pode virar pessoa violenta por outros
motivos, pode tornar uma pessoa depressiva (SUP 5, 44, FEM).
Surgiu ainda a concepção da saúde voltada para trabalhos intersetoriais focalizados
no adolescente, enquanto ator e vítima da violência, e educação em saúde
direcionada para a ocupação de crianças e adolescentes, junto a projetos sociais
locais, para que não se envolvam com a criminalidade:
Educação em saúde, trabalho, estudo e ocupação para criança e
adolescente junto a projetos sociais do território, para não ir para o tráfico e
roubo. Adolescente que sustenta a casa com a droga devido à precariedade
financeira das famílias (SUP1, 48, FEM).
Acerca do impacto do problema foram apontadas as seguintes questões: doenças
ocasionadas pela violência; impotência de ações dos profissionais; aumento da
demanda depois de algumas grandes festas, como o “Vital” (carnaval fora de época
de Vitória); impacto na qualidade de vida, nos gastos; interferência no vínculo do
usuário com a US e nas formas de abordagem; dúvidas e receios de como proceder
para a redução da violência na comunidade.
Na categoria Y – Agentes Comunitários de Saúde o mau atendimento é visto como
um grande problema de saúde. Compreende-se que o serviço de saúde realiza
ações de orientação das famílias a respeito da violência, mas que não surtem efeitos
por causa da influência violenta do espaço intrafamiliar: “vejo que o serviço de saúde
tá orientando as famílias acerca da violência. Não adianta ter uma aula na saúde, na
educação e você é criado com pai que bate, que xinga a mãe” (ACS, 30, FEM).
91
São relatados episódios de intervenção bem-sucedidos, que demonstram grande
implicação do ACS, no sentido de orientação para tratamento no caso de uso de
drogas e para a expectativa de novos projetos de vida.
O impacto para a saúde é visto como conseqüência das brigas entre casais. Elas
afetam diretamente as crianças, que acabam precisando de atendimento nos
serviços de saúde. “Quando os dois brigam, esquece da criança dentro de casa. O
que vai ser dessa criança? Não vai ter uma boa saúde” (ACS, 39, FEM).
Para a categoria ZAuxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção
da Unidade de Saúde o serviço de saúde que não oferece um bom atendimento é
tomado como uma segunda violência contra o indivíduo que chega vítima de uma
outra forma de violência, mas, concomitantemente, os profissionais de saúde
também são violentados.
Convém notar que há acolhimento e investimento diferenciados do sistema de saúde
para aqueles que sofrem a violência:
Depois de briga vem aqui buscar atendimento, curativo, remédio, é
recebido, acolhido como outra pessoa, tem lugar para todos, para ser
atendido. Caso de estupro e agressão de uma gestante adolescente, o
médico atendeu (AUX ENF, 46, FEM).
O custo financeiro é caracterizado como o principal impacto que satura o sistema de
saúde para novos investimentos e novas ações como a de prevenção:
A violência é um problema de saúde pública. Ela desemboca no setor saúde
e aumenta muito os custos, ela está ali devido à violência e o dinheiro
que poderia estar investido em prevenção de violência, melhorar a
aparelhagem, o prédio, essas questões, outras coisas mais. Investir o
dinheiro ali que se não fosse a violência ele não estaria ali, então aumenta
muito. Eu vejo épocas com gastos de material muito maior, por exemplo, no
carnaval, final de ano (TEC ENF, 37, FEM).
A agressividade dos usuários contra os profissionais é relatada como
desencadeadora de estressse para o processo de trabalho.
4.5.2.2 Subtema 6: Casos freqüentes nos serviços de saúde
92
Na categoria X trabalhadores de nível superior a sala do curativo da US é
mencionada como o local onde as vítimas de violência procuram atendimento
devido aos acidentes de trânsito, envolvendo os motociclistas, casos de crianças
com queimadura, que são identificados como violência doméstica: “é mais no
curativo, é motoqueiro, o trânsito, às vezes criança que aparece com queimadura.
a gente fica sabendo que foi violência dentro de casa” (SUP 5, 44, FEM).
A violência sexual, perpetrada pelo próprio marido, maus-tratos, a falta do cuidado
com as crianças, o bairro “fechado” pelo tráfico junto às relações de poder nos
territórios, a questão da violência gerada pelo uso de álcool e droga e ainda a
violência física são também amplamente explanadas pelos sujeitos da pesquisa.
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde as vítimas da violência no
trânsito, que procuram a US para fazer curativo e receber medicamento, depois do
atendimento no pronto-socorro, é o relato principal.
Para a categoria ZAuxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção
na Unidade de Saúde as violências que levam as pessoas a sala de curativo,
como as que acontecem dentro da esfera familiar, resultam na procura por
assistência na US.
O primeiro contato desses profissionais na chamada sala de preparo é tido como
identificador de muitos casos de violência, situação que nem sempre é evidenciada
no consultório médico. “aqui chegou duas, embaixo era mais; pai batendo na
mãe, curativo, na sala de preparo faz o primeiro atendimento” (AUX, 46, FEM).
4.5.2.3 Subtema 7: A contribuição e as possibilidades dos serviços de saúde para a
redução da violência
Na categoria X trabalhadores de nível superior é novamente ressaltada a
concepção de saúde direcionada para além da medicalização, do tratamento e de
palestras sobre doenças, para as propostas educativas:
93
Trabalho com as famílias, buscar os projetos de vida. Os jovens não têm...
Onde pode chegar essas pessoas, o mundo do crime, a prostituição?
Acredito que é fazendo este trabalho de valorização da vida, é saúde no
conceito da OMS, que não é ausência de doença. Se estou feliz, não vou
fazer mal a ninguém (SUP 3, 34, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde são relatadas iniciativas
malogradas como grupos de homens e palestras que os usuários não valorizaram. A
violência é vista como constitutiva, intrínseca. Assim, dificilmente isso muda:
Conscientização não tem não, a saúde promove para diminuir a violência,
mas não adianta falar para o cidadão para diminuir a violência se ele tem
outra história completamente diferente. Vem de berço, tornar-se agressivo,
teve um vida difícil. Todos tem um ponto X (ACS, 30,FEM).
Ainda assim deve-se trabalhar educativamente sobre o tema. São sugeridas
atividades de como lidar com o marido usuário em potencial de álcool para não gerar
violência e proteger os filhos.
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção da
Unidade de Saúde predomina a idéia de que várias ações são realizadas como
grupos de planejamento familiar, trabalho social voltado para crianças e
adolescentes e suporte psicológico para trabalhar o relacionamento familiar, que é
afetado ora pela droga, ora pela questão financeira:
Todos, não é a saúde. Têm muitas reuniões, palestras sobre violência,
sobre mulheres evitar filhos. Nessa prefeitura tem atividades para as
crianças, uma mãe me falou do projeto que o filho faz para ocupar o tempo
(AUX ENF, 34, FEM).
4.5.2.4 Subtema 8: Dificuldades enfrentadas pelos profissionais nos atendimentos às
situações de violências
Na categoria X trabalhadores de nível superior as principais dificuldades
apontadas foram:
A carência de trabalhos em equipe, devido à formação profissional voltada para o
trabalho individualizado, o que dificulta o planejamento e a construção coletiva:
94
É no trabalho mesmo, é difícil fazer um planejamento com todos
construindo, trabalhar em equipe é difícil, o próprio perfil do profissional,
a formação é mais para trabalhar individual. Individualmente não pra
fazer nada, é da equipe, partindo da gerência, mas a equipe não tem
muito entendimento de saúde (SUP 5, 44, FEM).
Falta de decisão política, vínculos temporários, muita cobrança com pouco
investimento, precária infra-estrutura e carência de profissionais;
Questão sócio-econômica, mas que a saúde pode atuar para reduzir;
A falta de preparo dos profissionais para abordar a família:
Eu não vejo dificuldade a saúde curativa, básica, ela pode perfeitamente
incluir a violência nesta prevenção, em termos de pessoal feito; é
uma decisão política, não se acrescenta pessoal, não se constroem
nada, em termos de prevenção maior é difícil pois é uma questão sócio-
econômica, mas podemos atuar para minimizar isto, mas não só a saúde,
mas todo mundo que lida com o público, educação e saúde são mãos do
Estado que deveriam estar atuando nisto (SUP 6, 49, MAS).
Dificuldade de proximidade com o usuário, não saber como se posicionar para
mudança de comportamento;
Questão do silêncio que propicia a banalização da violência e o medo da
denúncia: “medo de chegar no ambulatório e relatar como a história acontece”
(SUP 2, 49, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde os traumas que ficam nas
crianças por causa da violência foram alegados como dificuldade de ação dos
serviços de saúde. O espaço físico da US foi visto como deficitário por não
proporcionar um lugar acolhedor para as mulheres saírem do silêncio das
agressões sofridas:
Espaço físico, vergonha das mulheres. Devia fazer dentro da comunidade
onde elas se conhecem, falar com estranho, elas ficam com vergonha. Elas
compartilham com as que se conhecem, vi no planejamento familiar, elas
tem vergonha; “não vou falar dos meus problemas e todo mundo ficar
sabendo” (ACS, 39, FEM).
95
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde dificuldade dos profissionais em reconhecer a violência
como problema de saúde pública:
As pessoas não estão preparadas, não há consciência de todo mundo que a
violência é problema de saúde pública. As pessoas não sabem disso ou não
perceberam. Na medida que começa falar disso, eles vão se ligar. Não
estão preparadas; mesmo que a gente quisesse preparar não teria
profissionais suficientes para atuar nesta área (TEC ENF, 37, FEM).
4.5.3 Tema C: Atuação profissional diante da violência:
Estas interrogações foram exibidas aos trabalhadores a fim de investigar como
os mesmos atuam ante o fenômeno da violência:
09 - Na sua formação acadêmica e profissional foi abordada a questão da
violência? Houve algum conteúdo, disciplina que tratasse desse tema?
10 - Na sua opinião, as atividades desempenhadas pelos profissionais de
saúde levam em consideração as questões da violência?
11 - Você acha que os profissionais de saúde têm a responsabilidade de
intervir nos casos de suspeita e nos casos confirmados de violências?
Considera que esses casos devem ser notificados? Por quê? Para quem?
12 - Você presenciou algum ato de violência em seu trabalho na saúde? No
transcorrer do seu trabalho, em sua opinião, você passou ou sofreu alguma
situação ou ato de violência? Como foi sua reação, atitude? Como o
profissional lida com o problema da violência no seu dia-a-dia de trabalho?
Você se sente afetado(a) devido a essas questões da violência no trabalho?
Como você se afeta?
13 - E você? Você acha que enquanto profissional de saúde pode contribuir
com atividades para a redução da violência? (Implicação)
4.5.3.1 Subtema 9: Formação acadêmica e profissional sobre o tema
Na categoria X – trabalhadores de nível superior aparece a unanimidade da
ausência de conteúdos sobre violência na formação acadêmica, o que não é muito
96
diferente na formação profissional. Não, há, portanto, habilitação específica sobre o
tema, apenas a presença do conteúdo na interface com algumas capacitações e
fórum sobre drogas e saúde mental, que mobiliza alguns profissionais.
Não, isso não faz parte de nenhuma cadeira médica. Em todas as
especialidades, ninguém faz isso, nem a pediatria e a ginecologia que lidam
mais com essas questões. O que existe é na medicina legal de aprender a
identificar a violência sexual, de forma muito superficial, questão técnica,
não a questão da pessoa, não uma preocupação no acolhimento, como
tratar, só menciona que esta lesão sugere uma violência (SUP 6, 49, MAS).
Outra profissional comenta o fato: “acadêmica não, ultimamente tem tido formação
profissional voltada para o adolescente, saúde mental que fala um pouco sobre o
assunto e mobiliza outros profissionais” (SUP 1, 48, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde não formação acadêmica,
uma vez que os ACS possuem, em sua maioria, o ensino dio. Quanto ao
exercício profissional, não também formação. Porém, o tema da violência é
citado: “nas capacitações sobre saúde surge o tema da violência” (ACS, 21, FEM).
Na categoria Z – Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde ocorre o mesmo que na categoria Y. uma reclamação que
nenhum curso é direcionado para eles: “não, nunca teve curso de nada, precisa
reciclar” (AUX ENF, 46,FEM).
4.5.3.2 Subtema 10 Relação entre as atividades desempenhadas pelos
profissionais de saúde e as questões da violência
Na categoria X trabalhadores de nível superior - não é vista relação profissional
com a violência. Aparece nas falas uma relativa preocupação com o tema em certas
áreas, como a pediatria e a psicologia, que co-existe com a preocupação da
manutenção do anonimato e do silêncio, isto é, identificam, mas sem levar adiante
determinadas situações, como a do abuso sexual, por exemplo. “A gente não
ligado nisso não, até mesmo para tomar uma atitude de denunciar, a gente
passando por cima e não vendo” (SUP 5, 44 ,FEM). Assim, não se investiga a rede
97
de causalidade e de associação de alguns sintomas como conseqüência da
violência, fato que é relatado como falta de envolvimento / vínculo com a pessoa:
“A maioria não leva a fundo, não investiga rede de causalidade, não
relaciona como, por exemplo, o pico hipertensivo com o histórico de
violência na família; não é física. Não relaciona com os maus-tratos do
filho com os pais como também violência. Os profissionais deviam se
empenhar mais, investigar os sintomas que estão relacionados com a
violência, envolvimento com a pessoa (SUP 1, 48, FEM).
Na categoria Y – Agentes Comunitários de Saúde percebe-se que levam em conta
sim. São mencionados casos de uma boa assistência à criança e à mulher, além de
orientações e estabelecimento de vínculos. “Sim, quando no curativo, conversando,
perguntando como aconteceu, a gente orienta” (ACS,21,FEM). E outra expõe: “acho
que leva sim, a mulher vem ao médico, mas o que passando com ela é mais
violência mesmo. Conversa, indica um chá de cidreira” (ACS, 39, FEM).
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde – há uma divergência. Alguns vêem que os profissionais levam a
temática em consideração, orientando e desenvolvendo ações educativas; o
consultório médico é encarado como um espaço terapêutico: “acho que sim, tem
gente que chega no consultório, o médico conversa, é tipo um psicólogo. Vem sem
sentir nada, quer uma conversa, tem gente que toda semana está aqui” (AUX ENF,
34, FEM). Outros não vêem a relação por considerar a violência como algo imutável
na condição humana e, de tal modo, a saúde em nada pode interferir: “acho que
não, a violência na cabeça de cada um, na ruindade, nasce ruim” (ASG, 63,
FEM).
4.5.3.3 Subtema 11: A responsabilidade de intervir nos casos suspeitos e/ou
confirmados de violência – notificação
Categoria X trabalhadores de nível superior evidência da necessidade da
notificação dos casos contra crianças e adolescentes. “Nós não temos
responsabilidade, como a gente tem... nós somos obrigados a estar denunciando
qualquer tipo de caso, senão nós podemos ser tachados por omissos, sabe?” (SUP
2, 41, FEM). No entanto, existe um não saber generalizado de como proceder.
Foram citados casos bem conduzidos e outros que provocaram pânico em todos por
98
causa da inabilidade de como agir. Surge o receio de notificar e receber represálias
da comunidade a vingança do agressor contra os profissionais. Desse modo, é
relatada a importância, mas, ao mesmo tempo, o medo:
É uma preocupação, que o profissional de saúde, ele tem, ele sobe em
cima, ela vai nas casas e ele faz essa notificação e as vezes a pessoa, o
agressor, pode pegar e revidar com aquele profissional, então eu tenho
essa preocupação (SUP 4, 36, FEM).
Na categoria Y Agentes Comunitários de Saúde - existe o reconhecimento da
necessidade da notificação, pois, se não houver, a violência vai continuar
acontecendo, principalmente no caso das crianças. o relato do caso de violência
sexual contra uma criança em que ocorreu algum tipo de intervenção e a violência
não mais continuou: “se não notificar vai continuar acontecendo, com aquele caso
que falei, quando notificou que parou; é claro que a criança ficou traumatizada,
fazendo tratamento psicológico, mas parou” (ACS, 30, FEM). É a denúncia vista
como mecanismo para não ocorrer a impunidade
Num outro caso, o argumento é que a criança está em posição de indefesa e assim
alguém tem que tomar atitudes, ainda que seja denúncia anônima. Trata-se do relato
de acompanhamento, próximo, de crianças em situação de vulnerabilidade, por
assistentes sociais e psicólogos:
Se chega na unidade de criança tem que denunciar sim, ela não tem
defesa, alguém tem que ajudar. Quando é a mulher é complicado, a justiça
é lenta, risco de vida dos profissionais. Até que seja denúncia anônima tem
que fazer no caso de criança (ACS, 39, FEM).
No caso da violência contra a mulher, a notificação é percebida como mais
complexa, devido à morosidade e ineficiência da justiça, que coloca os profissionais,
que porventura notifiquem, em risco de morte.
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde é vista uma grande mobilização e preocupação dos
profissionais diante dos casos, contudo não se conhece os procedimentos, fluxos e
redes de serviços de assistência às vítimas:
Eu não sei como intervir, não sei a quem procurar, não vejo ninguém como
referência. Aqui na Unidade precisava de uma referência, um psicólogo, um
99
assistente social; ai a pessoa daqui podia entrar em contato, procurar a
pessoa da prefeitura que é referência (TEC ENF, 37, FEM).
4.5.3.4 Subtema 12 Presenciar ato de violência no trabalho reação
apresentada
Na categoria X trabalhadores de nível superior as falas apresentam a ampla
proximidade do trabalho em saúde com a presença de situações de violência. A
grande maioria presenciou atos violentos e alguns já foram vítimas.
Como lidar com as situações foi indicado como atenuante ou agravante da violência:
“Nunca sofri violência, apesar de todo o trabalho na comunidade, nos morros. A
maneira de acolher, de tratar, de dar atenção necessária, que interfere na reação
violenta das pessoas” (SUP 1, 48, FEM).
A motivação dos atos violentos foi examinada como resultado da história de
violência vivida, do sofrimento, da falta de condição socioeconômica, das longas
esperas para o atendimento, da precariedade da assistência e da infra-estrutura em
saúde. Parece uma espécie de mecanismo usado, uma estratégia para receber
atendimento.
No geral, é o tempo de espera, é sempre quando não é bem-acolhido, não
foi bem-atendido na recepção, um atrito, o tempo de espera, a ansiedade
que ela e acha que não tem solução. O agente causador no sistema de
saúde, quem causa a violência é a própria vítima, vítima da nossa própria
incompetência de prestar um bom atendimento, em ter uma estrutura
melhor. Claro, isso é individualizado. Para traçar um perfil dessa pessoa é
fácil, é uma pessoa que foi agredida, sofrida, passou por uma situação
antes, ela responde com a memória da violência que ela tem, é muito difícil
que uma pessoa conviva bem, que está bem, que não passou por uma
violência, não responder com violência, é toda uma história anterior (SUP 6,
49, MAS).
Mães agredindo os filhos na US, agressões entre colegas de trabalho e medo das
pessoas que usam droga foram também destacados. A impotência e a imobilização
para ações são as reações mais freqüentes diante da violência: “a gente está
chegando a ponto de não querer ter filho por causa da questão da violência,
entendeu? (SUP 6, 49, MAS).
100
Pela categoria Y Agentes Comunitários de Saúde é apresentado um cenário de
muita violência dentro da US e dentro do trabalho realizado na comunidade:
agressão verbal e física contra os outros profissionais e contra eles também. A
reação dos ACS é sentida como diferente dos outros trabalhadores, pois estão
“acostumados” com essas situações na comunidade onde moram:
vi verbal, ameaça com a nossa enfermeira. Para nós da comunidade a
gente não fica com medo, a enfermeira ficou muito assustada, mas a gente
atendeu pela urgência do atendimento, foi em um momento de fúria. Teve
muitos casos contra funcionários da unidade. Fica meio abalado, meio triste,
vi funcionário chorando, chateado, fica difícil trabalhar. Vi falar mal do
médico por não dar receita; não é bom para os profissionais. chega
assim ameaçando, quer ganhar no grito, é um trabalho sobre pressão,
ameaça. Os próprios profissionais ficam agressivos, revidam nos outros,
gera um mal-estar (ACS 2, 39, FEM).
A categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde narra casos de agressão contra criança, ameaças e agressões
dos usuários contra os profissionais quando ocorrem falhas e demora no
atendimento: “afeta sim, provoca estresse, hipertensão, aconteceu comigo,
agressão física não, verbal, quem fez isso podia ficar desorientada, agrediu a
orientadora” (AUX ENF, 46, FEM); “ela estava desde manhã e não conseguia
atendimento. Eu fiquei parada, a gente passa a sentir medo, como eu posso ter
medo do meu objeto de trabalho?” (TEC ENF, 37, FEM).
4.5.3.5 – Subtema 13 – Implicação profissional
Na categoria X trabalhadores de nível superior - todos relatam que muito pode ser
feito, apesar da dificuldade em elaborar projetos de intervenção, identificar e
perceber a violência.
Tipo traçar um projeto não saberia, a realidade nossa é preventiva, ligada a
doença. Psicologicamente saber o que fazer, é difícil, a gente não sabe nem
perceber a violência, a gente não tem a preparação, o olhar clínico que não
temos, a gente acha que não existe (SUP5, 44, FEM).
Os caminhos sugeridos são os de trabalhos educativos de prevenção com maior
proximidade com a comunidade integrada com a escola:
101
Acho que sim, eu acredito que muito pode ser feito, contribui bastante,
mostrando os direitos, tendo esta visão educativa, com os pacientes que eu
atendo, pode ser estendido a todos. Se todos participarem certamente
vamos minimizar isso, o resto, as questões sócio-econômicas, quem dera!
(SUP 6, 49, MAS).
A questão da formação e o entendimento das várias formas da violência (que não é
só o crime) são amplamente relatados junto à interferência no processo de trabalho:
Olha, eu adoraria contribuir, sabe? Por que estamos pensando em várias
propostas, sabe? E queremos contribuir e muito, porque está crescente o
número da violência, está tão grande, porque às vezes eu atendo pacientes,
eu atendo dois pacientes por dia e tem seis, sete agendado, porque a
população não pode descer por causa da operação, ameaça o morro, e os
bandidos deram a ordem de descer ou não...As ordens vêm lá de cima, se a
gente vai fazer uma visita domiciliar não pode, a ordem é: não pode subir, tá
tendo tiro, morreu alguém (SUP 2, 41, FEM).
A repressão não é vista como saída: “não existe essa questão ‘vamos contratar mais
policial’, a gente sabe que isso não resolve(SUP 4, 36, FEM).
Na categoria Y - Agentes Comunitários de Saúde é unânime a responsabilidade
dos ACS numa postura de colaboradores em propostas de intervenção, como
sugestão de grupos nas escolas, na comunidade, grupos de orientação com mães.
Todavia, a reivindicação do trabalho em equipe e de inserção de todos os
profissionais como suporte às atividades dos ACS.
Posso e muito, e eu faço. Muitas vezes a gente chega numa casa, o pai
discutindo, a gente conversa com a mãe, com a criança, com o pai
não (risos). Posso fazer um grupo aqui, na escola, mas a gente tem que
conhecer mais, a gente pode falar do que a gente conhece (ACS, 30,
FEM).
Posso contribuir se tiver outros profissionais, eu só sou um ACS, preciso da
equipe, de mais voz dos profissionais, eu sozinha eu não consigo, eu moro
lá, se eu conseguir outra pessoa, alguma coisa de novo, eu tento, faço por
amor, eu estou com a paciente que o marido maltratou. Aqui, às vezes,
nem me faz bem, vou dormir e fico pensando” (ACS, 39, FEM).
Na categoria Z Auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da recepção na
Unidade de Saúde também é reconhecida a posição de colaboradores e
implicados nas ações, destacando a formação do vínculo, o contato, a forma de
abordar, a importância da orientação e da mediação como forma de acalmar os
ânimos exaltados e as atitudes agressivas. “Chegou uma senhora que tava
revoltada com o marido, ela disse que ia matá-lo, ai eu orientei, ‘não faz isso’. Falei
102
que ela tinha que se arrumar para ele ver que não precisa dele, conhecer gente
nova” (AUX ENF, 34, FEM). E outra diz:
Eu não posso como profissional de saúde pública, ficarna minha função,
eu tenho que atender o paciente como um todo, eu não posso tratar a
doença e sim o paciente como um todo. Estar conversando com o paciente,
eu observei... Tudo gera do meu contato. Se sofre outra violências. Eu digo
“nós temos psicólogo”. Eu preciso descobrir nele o que ele tem, preciso criar
um vínculo para intervir (TEC ENF, 37, FEM).
4.6 – ANÁLISE DOS DADOS
Nessa fase, após a apresentação dos principais conteúdos que surgiram nas
entrevistas, analisaremos alguns pontos relevantes, confrontando as três categorias
analíticas, a partir dos três temas principais:
A concepção geral da violência;
A inserção do fenômeno da violência no setor saúde e;
A atuação profissional diante da violência.
A) Concepção geral
Neste item incluíram-se no roteiro de entrevista perguntas sobre a visão geral,
causas, tipos e locais de maior ocorrência das violências. Na categoria X, formada
por profissionais de nível superior, a concepção geral caracteriza a violência como
algo do espaço doméstico, expressa nas violências contra a criança e a mulher, que
tem como causalidade as condições sócio-econômicas.
Na categoria Y, formada pelos ACS, também é destacada a violência do espaço
intrafamiliar, entretanto uma visão da causalidade devido às questões internas
dos indivíduos, que podem ser desencadeadas nos momentos de tensão e estresse
e determinadas principalmente pelo uso de álcool e de outras drogas.
Na categoria Z, formada por auxiliares e técnicos de enfermagem e atendentes da
recepção na Unidade de Saúde, a violência doméstica e sexual contra mulher e
criança também são assinaladas. A violência que ocorre dentro do próprio espaço
da US contra crianças foi também mencionada.
103
A violência doméstica é, portanto, uma concepção comum às três categorias. No
entanto, uma relativa diferenciação dos motivos da sua ocorrência: enquanto os
profissionais da categoria X a atribui às questões socioeconômicas, os profissionais
da categoria Y e Z a vêem como conseqüência da falta de mediação e do diálogo,
ou seja, algo estritamente ligado ao comportamento, temperamento e forma de
relacionar doentios dos indivíduos, como aponta Damatta (1994).
Os discursos do “lugar comum” da chamada “desestrutura da família” e a questão
do álcool e de outras drogas apareceram em todas as categorias como as principais
causas das violências notadas como causalidades absolutas e fundamentais de
todo o processo da violência.
A violência como provocadora de impactos no processo de trabalho medo, tensão
e dificuldade de acesso dos profissionais às visitas domiciliares também é
mencionada por todas as categorias.
B) A inserção do fenômeno da violência no setor saúde
Na categoria X a violência é compreendida como objeto de intervenção da saúde na
medida em que esta possa mudar suas práticas e concepções, sair do lugar
exclusivo das práticas curativas e remediativas para as práticas de promoção e
cuidado, para além do binômio saúde-doença. Entretanto, coexiste a visão da saúde
para a “cura” do mal-estar social e a “doença” da família “desestruturada”, ou seja, a
compreensão da família é de uma célula exclusiva de organização de foro íntimo e
privado que quando se “desorganiza” provoca os males da violência. A família assim
entendida como apenas produtora e não dialeticamente produto e produtora da
sociedade.
O impacto da violência é amplamente destacado como causador de impotência e
estresse para o processo de trabalho. As dificuldades de enfrentamento são
apontadas como questões da gestão e de formação profissional para atuação na
abordagem sobre o tema.
Na categoria Y, os ACS entendem que, no setor saúde, possuem responsabilidades
104
e ações quanto à violência, mas que muitas vezes são inócuas devido à violência do
espaço intrafamiliar e por eles considerarem a violência como algo constitutivo do
ser humano, algo que não muda com palestras e com certos trabalhos educativos
de grupo. O impacto foi visto em termos dos maus-tratos dos pais para com as
crianças, que têm como efeito traumas no seu desenvolvimento e que, assim,
precisam dos serviços de saúde. O espaço físico da Unidade foi visto como uma
dificuldade para a assistência às vítimas, no sentido de não proporcionar um locus
de privacidade e confidencialidade para as mulheres que sofrem a violência.
Na categoria Z foi sublinhado que a falta de um bom atendimento em saúde é uma
espécie de segunda violência, uma re-vitimização. O impacto na saúde é destacado,
desde os custos financeiros ao estresse na organização do trabalho. A dificuldade
dos profissionais de reconhecerem a violência como problema de saúde pública foi
enfatizada.
A inserção do tema da violência no domínio saúde, portanto, foi amplamente ressal-
tada como de responsabilidade de atuação dos serviços de saúde diante da violên-
cia, isto é, um entendimento de que a violência é uma preocupação e faz parte
das responsabilidades dos trabalhadores de saúde, ainda que o setor não ofereça
condições ideais para o cuidado das pessoas que sofrem violências. Mesmo assim
argumenta-se que os serviços de saúde devem dar assistência a essas pessoas,
criando condições para que aqueles que padecem as violências saiam do “silêncio”
e as violações possam ser ditas.
C) A atuação profissional diante da violência
Não houve diferença entre as categorias a respeito da formação acadêmica sobre o
tema, ou seja, todos os trabalhadores entrevistados relatam não possuírem forma-
ção para atuar diante das violências. Na categoria X é observada uma certa relação
acerca das atividades desempenhadas pelos trabalhadores de saúde e a questão
da violência, já nas categorias Y e Z é relatada uma maior associação.
Quanto à notificação dos casos de violência, nas três categorias o reconheci-
mento de que esse procedimento precisa ser realizado e é dada a importância des-
105
se ato para coibir a perpetuação da violência, principalmente quando as crianças
são as vítimas; mas não clareza de como intervir. O desconhecimento de como
agir, que surgiu principalmente diante das questões da notificação, evidenciou o não
saber da formação acadêmica e profissional e a falta de apoio da gestão para esses
tipos de propostas de intervenção.
Os entrevistados relataram ter presenciado atos violentos e alguns sofreram al-
gum tipo de violência no local de trabalho em saúde. Segundo eles, as agressivida-
des dos usuários decorrem da falta de uma boa assistência e da longa espera por
atendimento; uma reação em resposta a uma vida de muito sofrimento.
A maneira de tratar os usuários é fundamental para diminuir atitudes violentas
contra os profissionais, pois alguns tipos de relações estabelecidas entre
profissionais e usuários possibilitam o rompimento do “silêncio” das violências e
podem proporcionar melhores vínculos, diminuindo as tensões entre ambos.
Todavia, isso é pouco percebido e valorizado pelos profissionais, somente dois
enfatizaram essa questão da forma de abordar. Questão que leva a refletir se o
trabalho em saúde tem sido “trabalho vivo em ato”, sugerido por Merhy (2002).
A análise sobre a inserção individualizada das categorias profissionais de nível
superior não foi objetivo do estudo, contudo foi observado que o profissional de
enfermagem não foi mencionado no que se refere ao seu trabalho concernente a
violência; ao contrário dos outros profissionais que foram citados. Isso significa que
o trabalho do enfermeiro, que é fundamental na equipe de saúde, é invisível nas
concepções dos demais trabalhadores em relação à temática. O limite do presente
estudo não permite fazer inferências da motivação desse achado. Entretanto,
podemos fazer algumas deduções pertinentes comparando os trabalhadores, entre
si, dentro de uma mesma categoria; pois na categoria X, de nível superior,
aparecem diferenças de concepções que merecem ser destacadas.
Trabalhadores de uma categoria profissional fazem uma análise da violência mais
no plano do discurso, de falas distantes da prática, um certo conhecimento epi-
demiológico acerca dos números da violência. Porém, a prática, quando comparada
com outras falas, é reveladora de outras ações. Um trabalhador, por exemplo, relata
106
que as mulheres não fazem da US um lugar de procura de ajuda devido às agres-
sões do marido, ao passo que outros trabalhadores revelam casos em que mulheres
procuraram assistência devido a essas questões. Há, portanto, diferenças significati-
vas dentro da categoria dos profissionais de nível superior no que se refere à proxi-
midade do relato e da prática. Isso remete a reflexão sobre duas questões importan-
tes: a) não basta o conhecimento dos números, de banco de dados, para transfor-
mar as práticas e aumentar a implicação profissional sobre um determinado assun-
to; b) quanto maior a proximidade de ações com a temática mais as pessoas se afe-
tam em seu estado emocional, ou seja, ficar distante do envolvimento com algumas
práticas de saúde pode ser uma espécie de “mecanismo de defesa” contra o sofri-
mento no trabalho ou demonstra o “desinvestimento no outro”, conforme aponta
Khun (2004), como algo característico da sociedade narcísica contemporânea.
Santos (2005) analisando em que medida as práticas sanitárias podem cooperar
para o enfrentamento da violência na família, no intuito de contribuir para a reflexão
e formulação de propostas de promoção da saúde e prevenção específica do
problema, no âmbito da atenção básica, defende o serviço de saúde como local
importante para a detecção de casos da violência intrafamiliar e traz em seus
achados questões comuns com o presente estudo, no que se refere à mobilização
pessoal da história de vida relacionada a eventos de violência, dentre outros:
Enfrentar a demanda da violência intrafamiliar significa reativar na memória
suas próprias histórias. Na análise dos encontros, torna-se evidente que as
histórias de violência intrafamiliar são acompanhadas de significados que
influenciam as experiências pessoais e de trabalho. Assim como as
pessoas se sentem incapazes de responder aos seus próprios problemas,
sentem-se paralisados frente às situações de violência da população que
assiste, e efetivamente não se sentem em condições de ajudar o outro. Isso
indica a necessidade de se trabalhar suas histórias e sanar as feridas do
passado ou até resolver situações do presente (SANTOS, 2005, p. 139)
Nesse sentido, as considerações de Santos (2005) remetem à fala de quatro traba-
lhadoras que evidenciaram algum tipo de violência doméstica sofrido por elas. De tal
modo, indubitavelmente, as questões de gênero atravessam os seus relatos, visto
que, no universo de quatorze pessoas entrevistadas, treze foram mulheres. Torna-
se assim compreensível a relação dramática dessas mulheres com o tema estar
diante da violência nas suas relações interpessoais e confrontar-se novamente com
essas situações no cotidiano do trabalho.
107
Entretanto, o simbolismo da fala da ACS (pág. 99), que clama por trabalho em equi-
pe, demonstra que é o ato de sentir-se afetado que provoca a implicação profissio-
nal: “faço por amor, eu estou com a paciente que o marido maltratou. Aqui, às ve-
zes, nem me faz bem, vou dormir e fico pensando”.
Brito (2000) propõe que o conceito de gênero seja assimilado nas análises que
enfocam saúde e trabalho para se trazer à tona problemas coletivos que
permanecem ocultos quando as diferenças são negadas. Dessa maneira, ao mostrar
que o feminino e o masculino são construções sociais, construídas por relações
simbólicas de poder, abre espaço para tornar visíveis as desigualdades existentes
nas experiências do homem e da mulher. Para a autora a análise das
especificidades das práticas e culturas femininas tende a privilegiar a subjetividade e
as inter-relações produção-reprodução, caminhando para o paradigma da
transversalidade das relações sociais de sexo. Transversalidade compreendida no
campo da relação entre os sexos como situações que não se esgotam na vida
conjugal, mas é ativa no lugar do trabalho, ao passo que a relação de classes não
se esgota no lugar do trabalho, mas é ativa, por exemplo, nas relações
interpessoais. Assim os conflitos das mulheres são também conflitos que emergem
na dimensão do trabalho: no sentido de estar relacionado com a dominação,
exploração e sofrimento (BRITO, 2000).
Alguns relatos das trabalhadoras da pesquisa demonstraram, portanto, que as ques-
tões das relações de gênero são expressas na forma de indignação ante a violência
contra a mulher, que é a própria indignação de ser vítima. A identificação com quem
sofre a violência pode ao mesmo tempo provocar uma empatia e sensibilidade para
acolher a mulher, mas simultaneamente - do ponto de vista da ação voltada para o
homem que procura ajuda e cuidado em saúde - pode configurar o distanciamento de
atividades de saúde direcionadas para o sexo masculino, tal como é relatado por uma
ACS: “se for mulher eu oriento, homem não”, o que do ponto de vista da vulnerabilida-
de às violências é problemático, na proporção em que a violência possui, entre os
seus determinantes, a associação a certos estilos de masculinidades, conforme de-
fende Cecchcetto (2004).
108
5 DISCUSSÃO
A violência é um fenômeno que está presente em várias situações. O setor saúde,
como ficou evidenciado, traz para o seu cenário, nas diversas formas, os resultantes
e as conseqüências desse problema político, econômico e social.
Os profissionais percebem que a violência precisa ser incorporada no universo das
práticas em saúde, tanto na prevenção, como no diagnóstico e na assistência às
vítimas. Entretanto faltam-lhes estratégias de ação, habilidades e apoio da gestão,
como capacitação e treinamentos. A visão que o fenômeno da violência é um objeto
que merece ser trabalhado pelo sistema de saúde pública, reconhecida pela OMS
em algumas resoluções e consolidado no “Relatório Mundial de Saúde e Violência”
(OMS 2002) é evidenciada nas entrevistas com os profissionais.
Os trabalhadores de saúde não relacionam, portanto, a violência como algo
exclusivo de intervenções de segurança pública e de justiça. Reconhecem o lugar da
saúde na possibilidade de atuação, uma vez que percebem os altos índices da
violência, em especial a doméstica, que chegam aos serviços de saúde. Há, por
conseguinte, certo reconhecimento de que o setor saúde possui um status para se
trabalhar as questões das violências (LIMA e PEIXOTO, 2007).
Tuesta (1997) discute se os serviços de saúde podem constituir espaços de atuação
diante da violência, refletindo sobre a forma tradicional com que os serviços de
saúde atuam diante de questão que estritamente não é uma doença - não é
causada por “uma bactéria ou vírus” - e as novas concepções de saúde que
debatem as formas tradicionais da organização dos serviços. A autora traz também,
as considerações de Mercy et al.(1993), que defende a saúde como um locus
importante para práticas voltadas para a questão da violência, destacando a
coerência interna do campo da saúde pública para proporcionar os elementos de
consistência que contribuam para a prevenção da violência. Nesse sentido, o
entendimento dos profissionais de que o setor saúde possui um grande papel na
atuação contra a violência, ainda que lhes faltem habilidades e formação para a
atuação.
109
A difícil e lenta entrada do tema no âmbito da saúde, devido ao fato de ser,
historicamente, dominado por idéias e práticas biomédicas, destacada pela
pesquisadora Minayo (2002), é corroborada, sendo a gestão apontada como a
principal responsável por essa “difícil e lenta entrada”.
Os trabalhadores não mencionaram nenhuma ação do Núcleo Municipal de
Prevenção da Violência, implantado de acordo com o Plano Nacional de Prevenção
da Violência (MS, 2004) que orienta os gestores locais para que identifiquem a
dinâmica social que provoca o aumento da violência e, ao lado do diagnóstico,
promovam ações coletivas e específicas voltadas para os segmentos populacionais
de maior risco e vulnerabilidade às situações de violência. No entanto, percebeu-se,
com o trabalho de campo da pesquisa, através das entrevistas com os profissionais
de saúde que atuam em regiões com populações de alta vulnerabilidade e risco
social, que a proximidade com essas populações não significa que existam
intervenções sistemáticas no sentido da redução da violência.
As legislações federais que responsabilizam os profissionais da saúde pela
notificação de violências contra a criança, o adolescente, a mulher e o idoso são
pouco conhecidas pelos profissionais; nem mesmo o Estatuto da Criança e do
Adolescente é citado. Todavia, a preocupação dos profissionais em notificar a
violência, reconhecendo a importância dessa atitude, apesar de não saberem como
proceder.
O estudo de Moura e Reichenheim (2005), sobre essa questão da identificação da
violência familiar contra a criança em serviços de saúde, mostra as oportunidades
perdidas de detecção e chama a atenção para a necessidade de rever a abordagem
da violência familiar em serviços de saúde. Além disso, os autores apontam diversas
razões para o baixo índice de identificação e notificação dos casos de maus-tratos
contra criança, que são similares aos achados do presente estudo. Uma dessas
razões se refere à formação e atuação de profissionais da área da saúde, dentre
outras:
[...] Um outro agravante seria a pouca ênfase nos cursos de graduação às
questões relacionadas a temas que englobem aspectos para além do
binômio saúde-doença. O pouco tempo que o profissional percebe dispor
110
para o atendimento; o receio em ofender ao tocar no assunto; a percepção
de que não existem recursos disponíveis para oferecer às vítimas soluções
efetivas; acreditar que não faz parte de suas atribuições abordar o assunto;
o sentimento de impotência diante do problema ou ainda, a sensação de
estar abrindo uma “caixa de pandora” sem ter em vista uma seqüência de
ações programadas são algumas das razões apontadas (MOURA e
REICHENHEIM, 2005, p.1330).
Moura e Reichenheim (2005) argumentam que as vítimas da violência esperam que
seus cuidadores lhes ofereçam oportunidades para ultrapassar o muro do silêncio e
que caberiam aos profissionais criar ambientes seguros e propícios para essa
revelação. Entretanto, as dificuldades são várias para que isso aconteça, como as
expostas acima pelos autores, as quais possuem pontos em comum com os nossos
achados.
Os vultosos gastos financeiros no Sistema Único de Saúde em decorrência das
violências foram sempre assinalados pelos entrevistados. O despreparo, associado
ao desconhecimento, às dificuldades de abordagem, ao medo, à ausência de
estratégias e de ingerência por parte da gestão, assim como a não inclusão do tema
na agenda do setor, a falta de redes sociais de apoio para a assistência psicossocial
e reabilitação das seqüelas físicas, além da carência de uma rede de atendimento
de urgência e emergência apontada por estudos do Ministério da Saúde (Ministério
da Saúde, 2004) e da ausência desse tema na formação (graduação) dos
trabalhadores de saúde são, portanto, corroborados pelo presente estudo.
Pitta (1990) chama a atenção para a permanente exposição de um ou mais fatores
que produzem doenças ou sofrimento no trabalho em saúde, em especial no
contexto hospitalar, decorrente da própria natureza desse trabalho e de sua
organização. Nesse sentido a freqüência das violências que chegam às Unidades de
Saúde, provocando medo e tensões nos profissionais, pode ser também geradora
de sintomas psíquicos e orgânicos nos trabalhadores.
A violência urbana tem ampliado o que Baier (2004) denomina de medo social, que
vem alterando profundamente o tecido social e, conseqüentemente, a vida cotidiana
da população: todos se sentem ameaçados e correndo perigo. São ameaças reais,
vindas de sujeitos reais, produzidas pelos índices perversos do crescimento da
violência nas cidades. Essas idéias da autora apareceram no relato de uma
111
profissional de saúde que dizia que não queria ter filho devido ao ”pânico” da
violência.
A associação direta do uso do álcool e de outras drogas à violência foi
repetidamente apontada por todos os trabalhadores das categorias de análise.
Nesse sentido, que se refletir que é uma concepção de um “lugar comum” que
prejudica tanto as ações para a redução da violência no cenário da saúde, como a
atenção e o cuidado em saúde para aqueles que fazem o uso de álcool e de outras
drogas de forma abusiva ou indevida. Atribuir as causas da violência ao uso de
drogas como único e muitas vezes como principal fator determinante é “escamotear”
todas as questões políticas, históricas, sociais e culturais, tal como aconselha o
modelo ecológico de compreensão da violência pela OMS (2002).
A compreensão real do fenômeno das toxicomanias, do uso abusivo ou indevido de
álcool e de outras drogas e do tráfico como mercado do mundo globalizado pode ser
um passo importante para favorecer a compreensão da violência, na medida em que
se desvencilhe a associação direta entre violência-droga, ou seja, ainda que haja a
correlação do tráfico de drogas e violência, que se ajuizar se é admissível dizer
que a “violência é fruto ou subproduto da droga”.
A marginalização e demonização do uso da droga impedem a possibilidade do
ENCONTRO do profissional e o usuário (usuário do sistema de saúde, que se
grifar). Não se estabelece contato na medida em que o uso de drogas é encarado
como algo da maldade e da marginalidade. O entendimento do uso de drogas na
perspectiva de um grave problema de saúde pública muito mais que de repressão
policial, tal como estabelece a Política Nacional do Ministério da Saúde para
Atenção ao Uso de Álcool e outras Drogas (MS, 2003), que pretende possibilitar
outras formas de perspectiva de vida e de tratamento para essas pessoas que
sofrem devido ao consumo de álcool e de outras drogas, à proporção que se reverte
o modelo assistencial da abstinência total da substância psico-ativa para a
integração social e produção da autonomia dessas pessoas:
[...] cabe ainda destacar que o tema vem sendo associado à criminalidade e
práticas anti-sociais e à oferta de ‘tratamentos’ inspirados em modelos de
exclusão/separação dos usuários do convívio social. A percepção distorcida
112
da realidade do uso de álcool e outras drogas promove a disseminação de
uma cultura de combate a substâncias que são inertes por natureza
fazendo que o indivíduo e o seu meio de convívio fiquem aparentemente
relegados a um plano menos importante (MS, 2003 p. 7).
Deslandes (2003) ao discutir as drogas enquanto vulnerabilidade à violência
argumenta que é necessária uma cuidadosa análise quando se pretende fazer
associação direta e linear entre consumo de droga e práticas de violência, pois pode
ser uma simplificação extrema que droga causa violência, ainda que, o consumo de
algumas substâncias psico-ativas esteja presente em episódios de violência, como
no acidente de trânsito, violência doméstica de gênero. Entretanto, para a autora, o
que é sólido afirmar é que o vínculo entre violência e drogas se encontra nas
relações de tráfico das drogas ilegais, o narcotráfico.
Pode-se concluir que inúmeras relações que extrapolam a linearidade de
causa e efeito entre drogas e violências. A literatura permite vislumbrar
ainda os perigos de muitas falácias que se ocultam no imaginário social.
Uma delas é a lógica individualista em que se focalizam apenas os efeitos
psíquicos e orgânicos das substâncias psico-ativas que favoreceria
comportamentos violentos, desprezando o contexto cultural, geracional, de
gênero, comunitário, familiar e situacional (DESLANDES, 2003, p.260).
113
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa etapa final do trabalho, após um grande investimento em pesquisa e estudo,
podemos afirmar com convicção que temos muito mais impressões, inferências e
sugestões para novas pesquisas na área do que certezas e convicções prontas, o
que é esperado no limite de toda a produção de conhecimento a infinitude do
saber. Assim, passamos a descrever algumas conclusões, ainda que toda conclusão
seja provisória.
A generalização dos achados merece cautela; as informações e questões
suscitadas neste estudo merecem ser exploradas e corroboradas em estudos em
outros locais. Mas, apesar do presente estudo se restringir a uma única Unidade de
Saúde, podemos supor que o cenário observado pode ser encontrado em outros
serviços de saúde, a exemplo de pontos em comum com os estudos, citados, de
Tuesta (1997), Santos (2005) e de Moura e Reichenheim (2005).
A violência é um fenômeno que está presente em várias situações. O setor saúde,
como ficou evidenciado, traz para o seu cenário os resultantes e conseqüências
desse problema político, econômico e social.
O estudo demonstrou que é necessário considerar três configurações principais da
relação violência e saúde:
1. A violência que chega ao sistema de saúde, das diversas formas como:
violência doméstica perpetrada contra criança, adolescente, mulher e idoso; a
violência em conseqüência do tráfico de drogas que é expressa no
atendimento aos familiares das vítimas crianças órfãs, mães que perderam
seus filhos e o impacto no cotidiano do trabalho em saúde devido ao tráfico
de drogas “que horas pode descer ou subir o morro”;
2. A violência perpetrada pelos usuários contra os profissionais e vice-versa, e
sua relação, tensão e impacto no trabalho em saúde;
114
3. A estruturação do setor saúde para o desenvolvimento de propostas visando
apropriar o tema da violência como objeto de intervenção da saúde em ações
de prevenção, na perspectiva da promoção da saúde e de assistência às
vítimas.
O presente estudo corroborou as idéias iniciais de que faltam habilidades aos
profissionais para lidar com o tema e falta apoio da gestão para trabalhos de
prevenção da violência, diagnóstico, redes de proteção e assistência às vítimas. Por
outro lado, a implicação, a sensibilidade, a preocupação dos profissionais e o
reconhecimento de que as situações de violência representam uma demanda
significativa para os serviços de saúde superaram as expectativas iniciais do estudo.
A OMS (2002), no relatório sobre saúde e violência, propõe um “modelo ecológico”
de entendimento dos determinantes da violência, incluindo os fatores individuais na
sua cadeia de relações familiares, comunitárias, político-sociais e histórico-culturais.
Na análise das concepções gerais dos trabalhadores sobre o fenômeno da violência,
alguns falaram da violência como determinada de forma unicausal, exclusivamente
por fatores individuais da ordem da “maldade humana”, distante do “modelo
ecológico” da OMS (2002). Entretanto, a maioria dos entrevistados assinalou um
conjunto de causalidades, ainda que não tão fundamentado como a proposta da
OMS e distante das multidimensões apresentadas por Bolbio (1996) que incluem a
violência, dentre outras funções, como instrumento do poder político e formadora de
consciência de grupo em algumas situações dos fenômenos grupais.
Sobre as violências dos usuários da saúde contra os profissionais, foi destacado o
modo como os profissionais tratam os usuários como o principal agravante ou
atenuante dessas violências. Diante disso, podemos refletir levando em conta a
colaboração de Chauí (2003) sobre política, violência e ética:
[...] Assim a violência trata seres racionais e sensíveis, dotados de
linguagem e de liberdade como se fossem coisas, isto é, irracionais,
insensíveis, mudos, inertes ou passivos. A ética é inseparável da figura do
sujeito racional, voluntário, livre, responsável; tratá-lo como se fosse
desprovido de razão, vontade, liberdade, responsabilidade é tratá-lo não
como humano e sim como coisa, perfazendo assim os vários sentidos da
violência (CHAUÍ, 2003, p. 40).
115
Os relatos dos trabalhadores expressam que as agressões ocorrem quando as
pessoas que procuram os cuidados no SUS não são tratadas como humanos, mas
como meros objetos – longas esperas, carência de infra-estrutura, relações ásperas,
uma espécie de “coisificação” dos usuários pelos trabalhadores. Essa é, assim, uma
forma de violência reativa dos usuários diante dos maus-tratos dos profissionais.
Questões essas que podem também acontecer em mão dupla: dos trabalhadores
contra os usuários.
O entendimento que a violência perpetrada pelos usuários contra os profissionais é
ocasionada por essa “coisificação” é relatado e identificado nas entrevistas com os
trabalhadores; o que é distinto, portanto, das propostas pela repressão, apontadas
por DaMatta (1994) como um discurso de direita, que encara a violência como um
caso virtual de ausência de repressão e de polícia, sendo mister mais polícia para
liquidar a violência, tratada como conseqüência da indisciplina das massas, vistas
como segmentos inferiores e perigosos.
Atitudes e concepções repressivas são internalizadas por vários setores da
sociedade, inclusive a saúde, que se posiciona, muitas vezes, a favor desses
modelos de intervenções grades, vigilantes, vídeo-monitoramento como única e
exclusiva saída para a redução da violência em detrimento das experiências de
reorganização da instituição dos serviços de saúde na direção de um trabalho mais
humanizado, que permita maior ENCONTRO e reconhecimento do outro.
Pensar, portanto, nas ações do cuidado em saúde voltado para as questões da
violência é, dentre outras ações, um exercício introspectivo de se repensar os
processos de trabalho em saúde que, conforme suas configurações de práticas,
podem ser produto e produtoras de algumas formas de violências, que pode ir do
mal-atendimento, dos machismos, sexismos e racismos à manutenção do status
quo e da exclusão; para tanto o “aparelho ideológico da polícia” é o melhor
“remédio”. No entanto, os “efeitos colaterais”, manifestados nas revoltas dos
usuários do SUS, precisam ser considerados nesse diagnóstico.
Acerca da concepção geral dos trabalhadores sobre a violência, uma visão do
fenômeno como algo do privado ainda que existam altos índices de violência
116
doméstica e sexual contra crianças e mulheres, e que os arranjos familiares
caracterizados pela ausência ou distância dos pais em relação aos filhos sejam
descritos como vulnerabilidade dessas crianças para a violência.
É imprescindível, porém, se diferenciar as dimensões da expressão das violências e
os seus determinantes. Assim, a violência que emerge no seio da família não é
exclusivamente produto da “desestrutura familiar”, é muito mais conseqüência da
rede da causalidade das violências: a história da sociedade patriarcal, sexista, de
dominação do homem sobre a mulher; o fato de compreender a criança enquanto
ser de direito trata-se de uma discussão recente em nossa sociedade; a história de
colonização e formação do povo brasileiro marcada por estupros, principalmente dos
colonizadores contra as índias e negras; a exclusão étnica e social, que proporciona
privilégios e oportunidades diferenciadas na organização político-social e
econômica.
Nesse sentido, Ianni (2003) discute a violência compreendida na ordem do público
em detrimento da visão do privado ao defender que as raízes da violência devem
considerar o globalismo como configuração do capitalismo que levam a uma
exclusão social ou uma espécie de inclusão precária e as mais diversas e
assustadoras formas de violências, compreendendo violência urbana e narcotráfico,
seqüestro e tráfico de órgãos, terrorismo niilista e terrorismo narcisista, esquadrão
da morte, desemprego estrutural. Haja vista que a comunidade adstrita de atuação
da US, cenário do estudo, possui nível socioeconômico baixo um exemplo: mais
de 30% da população de dois dos três bairros que compõem esse território de saúde
não possuem energia elétrica, conforme dados do Sistema de Informação de
Atenção Básica (Vitória, 2007). Questões essas pouco valorizadas pelos sujeitos da
pesquisa como determinantes da violência, ou seja, “as causa das causas” não são
apontadas.
Os trabalhadores, principalmente aqueles da categoria X e Y, vêem a violência
como resultado da falta da mediação, do diálogo e da ordem da "maldade humana",
algo similar ao inquérito realizado por Damatta (1994). O inquérito demonstrou que a
narrativa popular deixa claro que violência é algo concebido como ação
configuradora da ausência de entendimento, boa vontade, tranqüilidade,
117
estabilidade e confiança, algo pessoal e concreto; a visão de um mundo passível de
ser resolvido pela palavra e pelo diálogo; ou seja, a essência do violento está ligada
à ausência de mediação, sem, portanto, entrar no mérito de compreender todas
questões “anteriores” – as multicausalidades da violência.
Os trabalhadores de nível superior (categoria X), pode-se inferir, são os que mais
temem a violência no seu cotidiano de trabalho, no que se refere ao medo de
agressões dos usuários. Já os ACS, provavelmente, por conhecerem as pessoas do
território de saúde, por conviverem com algumas situações de violência com maior
proximidade, sentem-se menos ameaçados e não relatam ter sofrido essas
agressões. Produção de mecanismos, estratégias defensivas ou a própria
banalização da violência que levam a perda do poder da indignação tudo passa a
ser visto como comum e normal? São indagações que se fazem necessárias.
A violência é um fenômeno que precisa ser abordado, portanto, sob diversos
olhares, que ela afeta a todos e esta presente na organização sociopolítica, como
também nas relações interpessoais. Os trabalhadores em saúde defrontam-se em
diversos momentos com esse fenômeno no atendimento ao usuário do Sistema
Único de Saúde, quer seja em relação aos maus-tratos de crianças e adolescentes,
nas violências sexuais e domésticas contra a mulher e no abandono de idosos, quer
seja na própria relação do usuário / profissional /usuário.
Como os profissionais vivenciam essas questões no cotidiano do trabalho? Como
essas questões são tratadas no universo do setor saúde? Existe o entendimento
que esse é um tema objeto da saúde? Quais os preparos e habilitações para a
elaboração de propostas de promoção e educação em saúde? O que fazer diante do
cenário em que as violências explodem nas cidades e sociedades que possuem
crescimento econômico desvencilhado do desenvolvimento sócio-humano? Esses
questionamentos são objeto de debate no presente estudo e apontam para um
“mundo” de ações que devem ser criadas.
O motor da inventividade deve operar para vislumbrar a produção de novas práticas
de convívio social e no mundo do trabalho no caso, o trabalho em saúde. Remete,
assim, a reflexão sobre as ações de saúde para além do binômio saúde-doença,
118
para práticas de promoção e educação em saúde com proximidade das
comunidades, pois as ações acerca da violência desvendam a insuficiência de
propostas estritas de caráter curativo. Traz luz, conseqüentemente, para práticas de
novas concepções de saúde.
Como então envolver / motivar os profissionais para a invenção de novas práticas,
como as de educação em saúde, diante do enorme e estressante número de
atividades tradicionais e da formação acadêmica, na maioria das vezes, marcada
pela concepção estritamente biologizante e individualizada?
A educação em saúde ”denunciada” pelos ACS é aquela entendida de forma
reduzida, como reprodução de conhecimentos, através de palestras, um
entendimento de que os sujeitos adquirem o conhecimento de forma padronizada,
esquecendo as diferenças individuais e as vivências singulares; uma visão que os
seres humanos são apenas racionais, na assimilação, acomodação e na aquisição
de novos saberes. Um equívoco que deixa de lado as dimensões psíquicas, a
subjetividade, os universos simbólicos da história pertencente a cada sujeito. Uma
concepção de saúde e, no caso, de educação em saúde, precisa levar em conta que
o objeto principal da saúde é o cuidado e não o conhecimento; algo que aparece na
pesquisa na forma do fato de que conhecer um cenário epidemiológico da morbi-
mortalidade por violência não é o bastante para mobilizar os sujeitos a realizarem
ações para a redução da violência.
Santos (2005) debate as interpretações da violência intrafamiliar vistas como
problema oriundo das “relações doentias”, que no presente estudo apareceram com
freqüência na configuração de “família desestruturada” e defende a reestruturação
do modelo de atenção primária em saúde que modifique os paradigmas e
concepções sobre o processo saúde / doença, no sentido da transformação dos
objetivos, dos focos das ações, e também do fazer em saúde com novas atitudes,
posturas e comportamentos, a fim de favorecer a criação de condições, no plano da
organização do trabalho em saúde, para acolher o problema da violência como
objeto de intervenção na perspectiva da promoção da saúde:
119
A promoção de formas não violentas no interior da família constitui o eixo
organizador de uma intervenção primária. As ações destinam-se a
desenvolver mudanças nas representações sociais e nas atitudes que
favoreçam a violência ou que minimize ou a negue. As ações precisam
fomentar concepções não discriminatórias com base no sexo, idade, etnia,
opção sexual etc., que poderiam ser implementadas a partir de ações
educativas e de oferta de serviços (SANTOS, 2005 P.115).
L’Abbate (1994) desenvolve a reflexão sobre as experiências na área de Educação
em Saúde, entendida como campo privilegiado de práticas que ocorrem no nível das
relações sociais estabelecidas quotidianamente pelos profissionais de saúde, no
âmbito institucional, envolvendo os diversos atores presentes. A autora sugere,
então, que é por meio dessas práticas que se presta o atendimento de saúde ao
usuário. Torna-se necessário, assim, colocar à disposição do profissional de saúde
capacitações didático-pedagógicas específicas, no sentido de instrumentalizar os
profissionais interessados em aperfeiçoar-se nesse campo, além da possibilidade de
participação em estratégias, visando ao desenvolvimento do papel profissional. Para
a autora, é na perspectiva dessa problemática que tem sido repensada a Educação
em Saúde e devem ser consideradas algumas premissas básicas:
[...] Qualquer tipo de atuação visando à melhoria dos serviços de saúde
deve capacitar os profissionais de saúde para a busca constante do
aperfeiçoamento das relações sociais que se desenvolvem no dia-a-dia dos
serviços, numa perspectiva crítica de visualizar, com naturalidade, os
problemas advindos da convivência humana, em qualquer situação na qual
ela ocorra [...] O aperfeiçoamento dessa dimensão deve ser considerado
tão necessário quanto às outras capacitações nas áreas da Epidemiologia
e do Planejamento / Administração, e, mais ainda, pode, muitas vezes,
precedê-las ou ser abordada de forma concomitante (L’ABBATTE, 2002
p.482).
Para Aguiar (1988) o processo educacional fora de um referencial de opressão
significa a abertura do leque de potencialidades vitais que decorrem do uso da
espontaneidade, criatividade e do exercício solidário da liberdade. Não se trata
assim de transmitir conteúdo como em manual de receita nem tampouco de
“inculcar”, ”fazer a cabeça” das pessoas com novas formulações ideológicas. A
proposta é de uma pedagogia que conduz a apropriação do conhecimento
assimilado por caminho singular de cada aprendiz, de cada sujeito. Os profissionais
devem sentir-se o tempo todo sujeitos do processo educativo e, da mesma maneira,
aprender a considerar sujeitos o usuário e os outros profissionais. Como sujeito,
entende-se uma pessoa em busca de autonomia, disposta a correr riscos, a abrir-se
120
ao novo, ao desconhecido, e na perspectiva de ser alguém que vive numa
sociedade determinada, capaz de perceber seu papel pessoal / profissional / social
diante dos desafios colocados a cada momento (L’ABBATTE, 2002).
O conjunto de idéias de L’Abbate (1994, 2002) e Aguiar (1988) vai ao encontro da
proposta do Ministério da Saúde acerca da Educação Permanente em Saúde (MS,
2005), que chama atenção acerca das profundas mudanças na saúde através da
Reforma Sanitária, que teve na VIII Conferência de Saúde o seu marco principal, e
do Sistema Único de Saúde, criado pela Lei 8.080 de 1990. Entretanto, discute-se
que é também preciso haver mudanças na formação e no desenvolvimento dos
profissionais da área.
Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Saúde do município de Vitória, ainda que
de forma incipiente, vem desenvolvendo em algumas Unidades de Saúde propostas
de “Rodas de Educação em Saúde” com o objetivo de que os profissionais
ponderem seu papel de trabalhador de saúde, para que haja transformação em suas
práticas de educação em saúde e no cuidado em saúde, utilizando como
metodologia a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde do Ministério
da Saúde (MS, 2005):
Isso significa que conseguiremos mudar realmente a forma de cuidar,
tratar e acompanhar a saúde dos brasileiros se conseguirmos mudar
também os modos de ensinar e aprender... Para tanto, não basta apenas
transmitir conhecimentos para os profissionais, pois o acúmulo de saberes
técnicos é apenas um dos aspectos para a transformação das práticas e
não o seu foco central. A formação e o desenvolvimento dos trabalhadores
também têm que envolver os aspectos pessoais, os valores que cada um
tem sobre o SUS. Na proposta da educação permanente, a capacitação a
equipe, os conteúdos dos cursos e as tecnologias a serem utilizadas devem
ser determinadas a partir da observação dos problemas que ocorrem no
dia-a-dia do trabalho e que precisam ser selecionados para que os serviços
ganhem qualidade, e os usuários fiquem satisfeitos com atenção prestada
(MS 2005 p.12).
Dessa forma, as ações voltadas para educação em saúde na prevenção da
violência, na perspectiva da promoção da saúde e assistência às vítimas se
efetivarão no setor saúde na medida em que os princípios constitucionais do SUS,
tais como o princípio da integralidade, da universalidade e da equidade a atenção
integral levando em conta as multidimensões e determinantes da violência em um
121
diagnóstico em saúde, a universalidade do acesso das pessoas que sofrem as
violências, a equidade de políticas voltadas para segmentos populacionais mais
vulneráveis a violência fizerem parte do cotidiano do trabalho em saúde. E, devido
à complexidade do tema, as estratégias de ações merecem ser feitas de forma
interdisciplinar e intersetorial, valorizando a acumulação de conhecimento de várias
áreas para produção de metodologias / tecnologias para a abordagem da violência.
Do contrário, a violência será entendida de forma reduzida, ora como doença
ligada aos distúrbios psicopatológicos da “maldade humana” ora como
preocupação exclusiva da segurança pública, prescindida da intervenção do setor
saúde, o que seria a continuidade do “olhar” de “mero espectador” e de “contador de
eventos”, nos termos da pesquisadora Minayo.
A violência está na ordem do dia, então ela deve estar na pauta e na agenda de
todos os serviços e entidades que tenham compromisso com a qualidade de vida da
população e com a justiça social. É preciso dar atenção especial àqueles afetados
com essas problemáticas e realizar ações sistematizadas para transformar a
realidade, principalmente se considerarmos que esse problema se aprofunda
crescentemente em nosso país, no estado e em nossa cidade.
Nesse sentido, advogacy a necessidade do tema ser incorporado, de fato, na
agenda do setor saúde, com políticas de educação permanente, dentre outras, que
contribuam para a melhor qualificação dos trabalhadores de saúde e para o
entendimento da gestão de que a violência é um grande problema de saúde pública
e coletiva, que deve ser considerada a partir dos princípios constitucionais e dos
paradigmas conceituais da saúde e do SUS, como algo prevenível e evitável, no
sentido de diminuir os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção,
especialmente de segmentos populacionais vulneráveis, como é preconizado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002).
Esta parte de finalização nos remete as motivações iniciais desse estudo. O contato
com as teorias que articulam violência no setor saúde nos faz sugerir e valorizar as
demais pesquisas nessa perspectiva de articulação em outros contextos. Foi o
trabalho em saúde que me possibilitou um olhar para essa temática. Dessa forma, o
122
cenário desse estudo em vários aspectos que foram relatados nas concepções
dos trabalhadores não é diferente de onde atuei, mesmo em um período de tempo
e de espaço distintos. As diferenças, talvez, estejam nas produções a partir do
“caos”, isto é, nos termos da luta antimanicomial: que a “loucura e a dor possam ser
produtivas”, ou nos termos da “loucura do trabalho” de Dejours (2004) expondo que
quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade, beneficia a identidade;
o trabalho funciona, então, como mediador para a saúde.
Em suma, considerando que a produção científica é uma criação e carrega a marca
do pesquisador, pretende-se de alguma maneira, ainda que de forma singela, que
esse trabalho possa estar articulado com as linhas de conhecimentos que
contribuam para a redução das violências. Enfim, isso pensado de acordo com a
filosofia moral de Kant (1985): que as nossas vontades e desejos e criações (grifo
nosso) possam ir ao encontro de valores e princípios aceitos universalmente, “aja de
tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como
princípio de uma legislação universal” (KANT, 1985, p. 30).
123
REFERÊNCIAS
II Agenda Metropolitana da Grande Vitória. AVEREM – 2004
AGUIAR, M Teatro da anarquia: um resgate do Psicodrama. São Paulo: Papirus,
1988.
ALVES, P. C. A Experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cadernos de
Saúde Pública, 9(3): 263-271. 1993.
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128
ANEXOS
ANEXO A: Roteiro da entrevista
Data: ____________________________
Nº. da entrevista: ___________________
Unidade de Saúde: _________________
Tempo de duração: _________________
I. Identificação
A – Profissão / ocupação: _____________
B - Sexo: F ( ) M ( )
C - Idade: _________________________
D - Estado civil: ____________________
II. Formação Profissional
1 – Qual o seu nível de escolaridade?
2 - Quanto tempo você tem de formação profissional?
3 - Há quanto tempo você trabalha nesta Unidade de Saúde?
4 - Você tem outros trabalhos/empregos?
5 - Quais são as atividades que você desenvolve nessa Unidade? (Observar o
trabalho prescrito e real).
III. Visão geral sobre o fenômeno da violência:
1 - Qual a sua opinião sobre a violência / Como você vê a questão da violência?
2 - Para você quais as principais causas da violência?
3 - Quais os tipos de violência que você acha que existe?
4 - Onde (lugar) você acha que a violência mais acontece?
IV. A inserção do tema da violência no setor saúde
129
5 - Em sua opinião, os serviços de saúde têm alguma responsabilidade diante da
violência? A violência pode ser considerada como um problema de saúde pública?
Em sua opinião existe, ocorre algum tipo de impacto da violência no setor saúde?
6 - Em sua opinião que tipo de violência acontece /ocorre /chega com mais
freqüência nos serviços de saúde?
7 - Em sua opinião algo pode ser feito pelos serviços de saúde para contribuir para
a redução da violência? Quais seriam as possibilidades de atuação?
8 - Quais seriam as maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais nos
atendimentos às situações de violências?
V. Atuação profissional diante da violência
09 - Na sua formação acadêmica e profissional foi abordada a questão da
violência? Houve algum conteúdo, disciplina que tratasse desse tema?
10 - Na sua opinião, as atividades desempenhadas pelos profissionais de saúde
levam em consideração as questões da violência?
11 - Você acha que os profissionais de saúde têm a responsabilidade de intervir
nos casos de suspeita e nos casos confirmados de violências? Considera que esses
casos devem ser notificados? Por quê? Para quem?
12 - Você presenciou algum ato de violência em seu trabalho na saúde? No
transcorrer do seu trabalho, em sua opinião, você passou ou sofreu alguma
situação ou ato de violência? Como foi sua reação, atitude? Como o profissional lida
com o problema da violência no seu dia-a-dia de trabalho? Você se sente afetado(a)
devido essas questões da violência no trabalho? Como você se afeta?
13 - E você? Você acha que enquanto profissional de saúde pode contribuir com
atividades para a redução da violência? (Implicação)
130
ANEXO B
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Concordo com a participação no projeto de pesquisa abaixo discriminado, nos
seguintes termos:
Projeto: “Violência no Contexto da Saúde: o que é violência para profissionais
de saúde”.
Responsável: Herlam Wagner Peixoto.
Orientadora: Profª. Drª. Rita de Cássia Duarte Lima.
Instituição: UFES / Centro de Ciências da Saúde
Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva.
Local da Pesquisa: Unidades de Saúde da Prefeitura Municipal de Vitória.
Endereço e telefone: Rua João Batista Miranda Amaral, 305/301 Jardim Camburi,
Vitória, Espírito Santo. Fone: 3337-1076, 8815-8778.
O objetivo da pesquisa é identificar as diferentes concepções dos profissionais de
saúde sobre a violência e como o tema da violência se insere no setor saúde.
Os sujeitos da pesquisa serão profissionais de saúde que trabalham nas Unidades
Básicas de Saúde da Prefeitura Municipal de Vitória.
Procedimento: a entrevista será realizada através de formulário próprio com
perguntas abertas e fechadas.
131
Os resultados estarão disponíveis na biblioteca da UFES - CCS, depois de finalizado
o estudo.
INFORMAÇÃO AO ENTREVISTADO SOBRE O TERMO DE CONSENTIMENTO:
Você está sendo convidado para participar de uma pesquisa, coordenada por um
profissional de saúde agora denominado pesquisador.
Para participar, é necessário que você leia este documento com atenção. Qualquer
dúvida solicite ao pesquisador os esclarecimentos necessários.
O propósito deste documento é revelar a você as informações sobre a pesquisa e,
se assinado, dará a sua permissão para participar do estudo. Você deve
participar do estudo se quiser. Você pode se recusar a participar ou se retirar deste
estudo a qualquer momento.
Sua decisão em participar desta pesquisa é voluntária. O pesquisador coletará
informações que serão mantidos de forma confidencial, sua identidade não será
revelada em nenhuma circunstância. Os dados coletados poderão ser utilizados em
publicações científicas sobre o assunto.
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO DO ENTREVISTADO:
Após a leitura do termo e a explicação de todos os itens pelo pesquisador ou
entrevistador, eu concordo que os dados coletados para o estudo sejam usados para
o propósito acima descrito.
Porém, eu entendo que sou livre para aceitar ou recusar, e que eu posso interromper
minha participação a qualquer momento sem dar um razão.
Eu entendi a informação apresentada neste termo de consentimento. Eu tive
oportunidade para fazer perguntas e todas as minhas dúvidas foram respondidas.
132
Eu receberei uma cópia assinada e datada deste documento de Consentimento
Informado.
Nome do profissional: --------------------------------------------------------------------------------
Assinatura: ----------------------------------------------------------------------------------------------
Data: ------------------------------------
Nome do pesquisador / entrevistador:------------------------------------------------------------
Assinatura: ----------------------------------------------------------------------------------------------
Data: ------------------------------------
133
134
Anexo D:
Mapa da regionalização de saúde de Vitória
Figura 1: Mapa da regionalização da saúde e equipamentos próprios da rede
municipal, Vitória, 2006. Fonte: SEDOC/SEMUS, 2006.
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