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Universidade
Estadual de Londrina
MARCIA CAROLINE PORTELA AMARO
A VIOLÊNCIA E SUAS POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO: O OLHAR
DE LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS
LONDRINA
2008
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MARCIA CAROLINE PORTELA AMARO
A VIOLÊNCIA E SUAS POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO: O OLHAR DE
LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Saúde Coletiva da
Universidade Estadual de Londrina para
obtenção do título de Mestre em Saúde
Coletiva.
Orientadora: Profª Drª Selma Maffei de Andrade
Co-orientadora: Profª Drª Mara Lúcia Garanhani
LONDRINA
2008
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MARCIA CAROLINE PORTELA AMARO
A VIOLÊNCIA E SUAS POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO: O OLHAR DE
LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina
para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.
Orientadora: Profª Drª Selma Maffei de Andrade
Co-orientadora: Profª Drª Mara Lúcia Garanhani
COMISSÃO EXAMINADORA
Profª Drª Edinilsa Ramos de Souza
Profª Drª Francisca Vergínio Soares
Profª Drª Selma Maffei de Andrade
Londrina, 29 de fevereiro de 2008.
Aos meus pais, Abel e Jandira.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a DEUS, meu Tudo, pelo dom da vida e por mais uma oportunidade
de tentar fazer a diferença neste mundo.
Aos entrevistados desta pesquisa, pela coragem generosa que tiveram e pela
contribuição que deram ao enfrentamento da violência.
Às orientadoras, pelas contribuições e ensinamentos.
A todos os professores que passaram por mim nestes dois anos do mestrado,
pelos exemplos de vida e de trabalho.
Aos colegas de mestrado, agradeço pela convivência, aprendizados e
oportunidades de tentar ser uma pessoa melhor.
Às coordenadoras e agentes comunitários das Unidades Básicas de Saúde
das regiões pesquisadas, pela parceria e valiosa contribuição que deram a
este estudo.
Aos funcionários do Mestrado, pela dedicação e empenho.
A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram durante o processo de
construção deste estudo.
Quando alguém julga ter alcançado o saber, é porque ainda não sabe onde está o
verdadeiro conhecimento.
1Cor 8, 2
AMARO, Marcia Caroline Portela. A violência e suas possibilidades de
enfrentamento: o olhar de lideranças comunitárias. 2008. 118f. Dissertação
(Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2008.
RESUMO
Desde a década de 80 assistimos a uma escalada da violência urbana no Brasil. A
violência tornou-se hoje um dos mais sérios problemas da Saúde Coletiva,
chegando a ser, em alguns locais do país, juntamente com outras causas
externas, a segunda causa de mortes. A cidade de Londrina – PR vem assistindo
a um preocupante aumento dos índices de violência, que tem levado lideranças da
cidade a se mobilizarem. O objetivo desta pesquisa foi identificar qual o olhar que
lideranças comunitárias têm sobre a violência e quais estratégias de
enfrentamento visualizam nas suas realidades. Abordou-se também a visão das
lideranças sobre a atuação do setor saúde no problema. Foram entrevistadas 25
lideranças de duas regiões periféricas da cidade, diferentes sob o aspecto da
mobilização popular. Foi um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, com
entrevistas semi-estruturadas. As lideranças foram escolhidas a partir do processo
chamado de “bola de neve” ou amostragem em rede. Foram realizadas entrevistas
até que se atingiu a saturação das convergências entre as respostas. A técnica de
análise dos dados foi a de Bardin. Entre os resultados, levantou-se que a visão
das lideranças sobre a violência está permeada de contradições e mecanismos de
defesa, como a naturalização e a negação da violência. Entre as estratégias de
enfrentamento, na comunidade menos mobilizada predomina a reivindicação
dirigida às autoridades. Na mais mobilizada, o que se destaca é a prática de
parcerias com outros setores da sociedade, inclusive com o governo. A atuação
dos profissionais de saúde é vista como precária, porém com possibilidades de
melhora através da formação de parcerias com a comunidade. Este estudo
contribuiu para identificar as estratégias que a comunidade pode utilizar para
prevenir a violência, ajudando assim a reduzir as mazelas deixadas por esta na
sociedade.
Descritores: Violência; Participação Comunitária; Problemas Sociais; Pesquisa
Qualitativa.
AMARO, Marcia Caroline Portela. Violence and its fighting possibilities: the
community leaderships’ view. 2008. 118p. Dissertation (Community Health
Master’s Degree) – Londrina State University, Londrina, 2008.
ABSTRACT
Since the 1980s, urban violence has been increasing in Brazil. Violence has
become one of the most serious Community Health problems today. In some parts
of the country, along with other external causes, it is the second leading cause of
death. The city of Londrina has been experiencing a disturbing growth on violence
rates which has caused city leaderships to make a move on them. The aim of this
study was to identify the community leaderships’ view over violence and which
fighting strategies they anticipate in their realities. The leaderships were also
questioned about the health area performance in this matter. 25 leaderships were
interviewed from two outskirts with different community approaches. The study was
exploratory, with qualitative method and semi-structured interviews. Leaderships
were chosen by a process called “snowball” or network sampling. Interviews were
conducted until the saturation of converging answers was reached. Data was
analyzed using the Bardin method. Results showed that the leaderships’ view over
violence is full of contradictions and defense mechanisms, as well as naturalization
and violence denial. Concerning fighting strategies, in the less organized
community rules a claim directed at the authorities. In the more organized one,
partnerships with other society sectors, including the government, are evident. The
performance of health professionals was considered poor but able to improve with
the possibility of partnerships with the community. This study contributed to the
identification of strategies the community can use to fight violence and therefore to
help reducing the damages caused by it in the society.
Key words: Violence; Consumer Participation; Social Problems; Qualitative
Research.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Dinâmica entre os fenômenos da mobilização popular,
participação da comunidade e capital social.
22
Figura 2 Coeficientes de mortalidade (por 100.000 habitantes) por
homicídios e intervenções legais, Londrina, Paraná e Brasil,
1990-2005.
25
Figura 3 Bola de neve das entrevistas realizadas na região A.
31
Figura 4
Bola de neve das entrevistas realizadas na região B. 32
Figura 5
Rede da violência: tipos e significados sob o olhar dos
entrevistados
36
Figura 6
Demonstração gráfica em forma de teia de aranha da síntese
das unidades de registro obtidas na primeira pergunta.
62
Figura 7 Demonstração gráfica em forma de teia de aranha dos
significados da categoria Reações à violência.
70
Figura 8 Demonstração gráfica em forma de Teia de aranha dos
significados da categoria Estratégias de enfrentamento da
violência.
87
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
12
1 BREVE REFLEXÃO SOBRE A VIOLÊNCIA 14
1.1 Classificações da violência 16
1.2 Violência e saúde 19
2 BREVE REFLEXÃO SOBRE A MOBILIZAÇÃO POPULAR 21
3 O CONTEXTO LOCAL DE VIOLÊNCIA E MOBILIZAÇÃO
POPULAR
24
4 OBJETIVOS 27
4.1 Objetivo Geral 27
4.2 Objetivos Específicos 27
5 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 28
5.1 Processo de escolha dos locais de pesquisa 28
5.2 Processo de escolha dos sujeitos de pesquisa 29
5.3 Procedimentos de coleta dos dados 33
5.4 Análise dos dados 33
5.5 Aspectos éticos 34
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO 36
6.1 Os significados da violência 36
6.1.1 Violência doméstica 37
6.1.2 Violência delinqüencial ou delinqüência 41
6.1.3 Violência institucional 49
6.1.3.1 Violência praticada pela polícia 49
6.1.3.2 Violência praticada pelos serviços de saúde 51
6.1.3.3 Violência praticada nas escolas 54
6.1.3.4 Outros serviços 56
6.1.4 Outras violências 59
6.1.4.1 Violência psicológica sobre a liderança comunitária 59
6.1.4.2 Violência psicológica disseminada nas relações interpessoais 60
6.1.5 Visão geral sobre a situação da violência 61
6.1.5.1 A violência na região está controlada / intensa / aumentando /
diminuindo.
63
6.1.5.2 A violência está generalizada. 64
6.1.5.3 A violência vem de fora (de outros bairros e regiões). 66
6.1.6 Compreendendo as manifestações da violência urbana 68
6.2 Reações à violência 69
6.2.1 As reações da comunidade à violência 71
6.2.1.1 Reações a partir da mobilização comunitária 71
6.2.1.2 Reações a partir do acesso a políticos 73
6.2.1.3 Reações a partir do acesso à polícia 74
6.2.1.4 Reações a partir das igrejas 75
6.2.1.5 Reações por meio de parcerias 78
6.2.1.6 Recorrer à segurança particular 79
6.2.1.7 Negociação com criminosos 80
6.2.2 As não-reações à violência 81
6.2.2.1 Não-reações relacionadas a características / atitudes culturais da
população
82
6.2.2.2 Não-reações relacionadas ao medo 84
6.2.2.3 Não-reações relacionadas à estagnação das organizações
populares
85
6.3 Estratégias de enfrentamento da violência 86
6.3.1 Estratégias que partem da mobilização comunitária 88
6.3.2 Estratégias que partem da atuação do governo / políticos 90
6.3.3 Estratégias que partem da atuação da polícia 92
6.3.4 Parcerias 95
6.3.5 Estratégias que partem da melhoria das relações humanas 97
6.4 O serviço de saúde e a violência 99
6.4.1 A não-atuação dos serviços de saúde 99
6.4.2 Profissionais da saúde: violentadores e violentados 103
6.4.3 As possibilidades de atuação dos serviços de saúde 105
7 SÍNTESE DAS RELAÇÕES ENTRE VIOLÊNCIA, MOBILIZAÇÃO
POPULAR E SAÚDE
108
8 COMPREENDENDO AS RELAÇÕES ENTRE VIOLÊNCIA,
MOBILIZAÇÃO POPULAR E SAÚDE
109
10 REFERÊNCIAS LITERÁRIAS 114
APÊNDICE 121
ANEXO 122
12
APRESENTAÇÃO
A violência tem sido reconhecida, cada dia mais, como um problema da
Saúde Coletiva, em virtude dos inúmeros prejuízos que causa à vida humana,
caracterizados pelo aumento da morbimortalidade por violências nas últimas
décadas no país.
Neste estudo, entende-se violência como sendo todas as manifestações
de agressão intencional que causam dano à saúde e à vida humanas, como os
homicídios, a violência física, psicológica, cultural, chegando às expressões da
violência estrutural, como a corrupção e a exclusão social.
Este estudo foi motivado pela convicção de que os profissionais da
saúde precisam apropriar-se mais dessa problemática, assumindo seu papel de
promotores da saúde e da vida, focando seus esforços na busca de possibilidades
de enfrentamento da violência.
Outra convicção que moveu este estudo foi a de que a mobilização
popular, direcionada à formação de parcerias entre segmentos da sociedade civil,
como universidades, empresas, profissionais liberais, igrejas, serviços de saúde,
etc, pode fazer a diferença no enfrentamento à violência.
A palavra enfrentamento, utilizada em todo este estudo, significa que
não se defende aqui a utopia da extinção completa da violência, uma vez que a
história da humanidade demonstra que isso seria impossível. Mas defende-se que
a violência é evitável, inclusive as manifestações de violência urbana, que atingem
altos níveis em cidades do mundo todo. Assim, ela constitui um problema passível
de ser enfrentado, desde que se mobilizem todas as forças necessárias.
A escolha de lideranças comunitárias para serem os sujeitos de
pesquisa também se deu pelo fato de a mobilização popular ser um fenômeno que
depende estritamente do elemento humano para acontecer. Contudo, reconhece-
se que as verdadeiras lideranças são aquelas que desencadeiam o processo de
mobilização popular, sem, entretanto, monopolizá-lo em sua pessoa
exclusivamente, ato este que constituiria, por si só, uma violência.
13
A relação entre enfrentamento da violência e mobilização popular tem
se mostrado bastante estreita em diversos lugares do mundo. Neste estudo,
procurou-se abordar mais profundamente esta relação, analisando o quanto o
grau de mobilização popular influi nas estratégias de enfrentamento da violência
encontradas pela comunidade. Por isso, a escolha de duas regiões diferentes do
ponto de vista da mobilização popular.
Assim, a contribuição pretendida por este estudo versa sobre a
necessidade de engajamento dos atores sociais que compõem a sociedade atual
na união para o combate ao problema da violência, ressaltando-se aqui a
participação dos profissionais da saúde.
O estudo está composto por uma parte introdutória onde se fazem
breves reflexões sobre os temas da violência e da mobilização popular e
contextualiza-se a realidade da cidade de Londrina (PR), onde o estudo foi
realizado. Em seguida são apresentados os objetivos geral e específicos do
estudo. É descrita a trajetória metodológica que foi realizada, são apresentados os
resultados com as respectivas discussões com outros autores. Fecha-se o estudo
com uma síntese das categorias encontradas e com considerações pessoais da
autora.
14
1 – BREVE REFLEXÃO SOBRE A VIOLÊNCIA
A violência, como um fenômeno social, sempre esteve presente na
história da humanidade. Porém, a violência urbana tem se acirrado nas últimas
décadas no Brasil e em vários locais do mundo. Há muitos estudiosos, nos últimos
anos, que têm abordado o problema da violência e tentado desvendar suas
causas, como Minayo, Gomes, Souza, Adorno, Barata, Ribeiro, Velho, Njaine,
Zaluar, etc. Na área da Saúde Coletiva, estima-se que o crescimento da produção
científica sobre o tema foi de 90% nos últimos 25 anos (MINAYO, 2006a).
No entanto, poucos estudos abordam as possibilidades de
enfrentamento da violência. As causas para isso podem ser várias. Entre elas,
figura o que Arendt (2004, p. 94) afirma sobre a relação entre o homem moderno e
a violência das guerras atuais:
Como a violência – diferenciada de poder, força ou fortaleza –
sempre necessita de implementos, (...) a revolução da tecnologia
– uma revolução no fabrico de ferramentas – foi especialmente
marcada na guerra. A essência da ação violenta é regida pela
categoria meio-fim, que quando aplicada a questões humanas
tem a característica de estar o fim sempre em perigo de ser
sobrepujado pelos meios que ele justifica e que são necessários
para atingi-lo.
Ou seja, a lógica do homem moderno alimenta a prática da violência por
meio do desenvolvimento tecnológico, que é gerador de riquezas por meio da
fabricação e comercialização dos implementos que possibilitam a prática violenta.
E esta alimenta a lógica de que “os fins justificam os meios”, presente no
pensamento do homem moderno, e ainda hoje utilizada nos conflitos armados
nacionais e internacionais.
Assim, a não-violência passa a ser pouco conveniente para aqueles que
detêm o poder e o mantêm através da prática violenta.
Outra possível razão para o pouco estudo sobre o enfrentamento da
violência é o fascínio que esta exerce sobre a sociedade atual, de que Müller
(2006, p. 11) fala:
Com relação ao Iraque, só se fala da violência... e não nos falam
[os jornais] nada sobre o que os membros da sociedade civil
15
iraquiana têm feito todos os dias. Acredito que se a mídia fala
tanto da violência é porque estamos fascinados pela violência.
Reconhecemos a relevância de se estudar as manifestações da
violência e suas possíveis causas para empreender seu enfrentamento. Porém,
neste estudo, procuramos manter o foco na saúde, e não na doença. A
preocupação que motivou o estudo foi a de encontrar possíveis estratégias de
enfrentamento da violência, cuja gravidade e dimensão outros estudos já
abordaram, como alguns dos estudiosos citados no primeiro parágrafo deste
tópico, e a mídia, diariamente, expõe.
A violência é um dos temas mais difíceis de se estudar em qualquer
área do conhecimento humano, devido à sua complexidade e multiplicidade
enquanto fenômeno psicológico e social. Porém, é importante tentar obter,
primeiramente, uma definição mínima do que pode ser entendido como violência.
Segundo Odalia (1983, p. 86), é possível fazer a seguinte consideração sobre o
que seria a violência:
A título de sugestão para que possamos, eu e o leitor, refletir e
identificar a violência gostaria de propor, como uma pequenina
chama para iluminar o tema da violência, considerá-la sob a forma
de privação. Com efeito, privar significa tirar, destituir, despojar,
desapossar alguém de alguma coisa. Todo ato de violência é
exatamente isso. Ele nos despoja de alguma coisa, de nossa vida,
de nossos direitos como pessoas e como cidadãos. A violência
nos impede não apenas de ser o que gostaríamos de ser, mas
fundamentalmente de nos realizar como homens.
Müller (2006, p. 14) sugere esta definição: Acredito que poderíamos
definir a violência com uma única palavra, a violência é a violação da vida. É a
violação da dignidade, da humanidade do outro.
A Organização Mundial da Saúde (2004, p. 1) define violência como
o uso intencional de força física ou de poder, em forma de
ameaça ou efetivado, contra si mesmo, contra outra pessoa ou
contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha grande
probabilidade de resultar em ferimentos, morte, prejuízo
psicológico, subdesenvolvimento ou privação.
Há diversas discussões na Filosofia sobre a positividade ou
negatividade da violência. Marx considera que a violência é como as dores do
parto da nova sociedade. Não são as dores que causam o nascimento, mas estas
16
são inevitáveis na circunstância do parto (ARENDT, 2004). O líder da revolução
comunista na China, Mao Tse Tung, inspirando-se na ideologia marxista, afirmava
que o poder nasce do cano de um fuzil (ARENDT, 2004, p. 100). Engels, citado
por Arendt (2004, p. 98), considerava a violência como o acelerador do
desenvolvimento econômico, indo ao encontro do pensamento capitalista e da
lógica de que “os fins justificam os meios”, citada anteriormente. Sartre intensifica
ainda mais o papel da violência na vida humana quando diz: violência
irreprimível... é o homem recriando a si mesmo (ARENDT, 2004, p. 101).
Contrariamente, o posicionamento de Arendt (2004) ressalta o caráter instrumental
e negativo da violência, que somente seria utilizada quando há completa ausência
de argumentos.
Assim, mediante o foco adotado neste estudo, dois pressupostos foram
estabelecidos:
1) Não há positividade na violência, seja ela considerada como meio ou
como fim, uma vez que a sociedade, da forma como está organizada hoje, dispõe
de outros meios para se alcançar mudanças e progressos, como a mobilização
popular, levando à organização em torno de objetivos comuns e à formação de
parcerias entre diferentes segmentos sociais;
2) A negatividade da violência reside principalmente na perda
quantitativa e qualitativa de vidas que causa. O profissional da saúde, por sua vez,
deve sempre estar a serviço do que promove a vida, e nunca do que a destrói
(MINAYO, 2006a).
1.1. Classificações da violência
Um recurso auxiliar no estudo da violência é a criação de uma
classificação que permita dividir o fenômeno de acordo com os tipos de
manifestações existentes, tornando-as mais facilmente nomeáveis e identificáveis.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2004) faz a distinção dos tipos
de violência em:
a) violência autodirigida: praticada pela pessoa contra ela mesma, pode
manifestar-se sob a forma de comportamentos suicidas e auto-abusos;
17
b) violência interpessoal: manifestada no relacionamento entre
indivíduos, pode ocorrer no âmbito doméstico ou comunitário;
c) violência coletiva: ocorre entre grandes grupos de indivíduos, e pode
ser subdividida em social, política e econômica;
A OMS faz ainda a distinção entre quatro modos com os quais a
violência pode ser infligida: físico, sexual, psicológico e privação ou negligência.
Minayo (2006a, p. 81) acrescenta à tipologia da OMS a violência
estrutural, que define como:
processos sociais, políticos e econômicos que reproduzem e
cronificam a fome, a miséria e as desigualdades sociais, de
gênero, de etnia e mantêm o domínio adultocêntrico sobre
crianças e adolescentes. Difícil de ser quantificada, pois
aparentemente ocorre sem a consciência explícita dos sujeitos, a
violência estrutural se perpetua nos micro e macroprocessos
sócio-históricos, se repete e se naturaliza na cultura e é
responsável por privilégios e formas de dominação. A maioria dos
tipos de violência (...) tem sua base na violência estrutural.
Na verdade, é difícil até mesmo estabelecer uma tipologia para a
violência, conforme afirma Odalia (1983, p. 84): Creio que uma tipologia da
violência seria tão rica e tão diferente quanto as experiências que cada um de nós
dela temos. Ou seja, a violência configura-se num fenômeno de tal forma
complexo e multivariado, que para cada pessoa assume características e tipos
diferentes. Assim, as tipologias existentes devem ser tomadas de forma genérica,
como um simples instrumento operacional do setor saúde (MINAYO, 2006a), não
se pretendendo, com isso, desvendar toda a complexidade da violência.
A violência urbana, entendida como o conjunto de manifestações da
violência que se dão propriamente no ambiente das cidades, é hoje um problema
que afeta cada cidadão residente nos municípios brasileiros, mesmo os de menor
porte, levando a diversas conseqüências na área da Saúde Coletiva.
Observa-se um aumento significativo da violência urbana nos grandes
centros a partir da década de 1980, em conseqüência, em grande parte, da
decadência econômica do período e da crescente ausência de perspectivas de
vida para a camada mais jovem e pobre da sociedade. Esta passou a se vincular
ao narcotráfico, como forma mais fácil e rápida de se inserir no mercado de
18
consumo e, assim, na sociedade, segundo a lógica capitalista (MINAYO; SOUZA,
1993).
Adotou-se uma postura cada vez mais intensificada de “eliminação”
estrutural dos jovens de classes mais baixas, pois a sociedade passou a não ter
mais respostas para estes. Percebeu-se a acentuação do consumismo e da
alienação das classes privilegiadas em relação à conjuntura social, com
conseqüente aumento da chamada violência estrutural, aquela que permeia o
sistema sócio-político e econômico em que vivemos (MINAYO; SOUZA, 1993).
Assim, entre 1986 e 2006, houve um crescimento proporcional de mais
de 200% no número de homicídios ocorridos no país (MINAYO, 2006b).
Em recente estudo sobre o panorama da violência urbana no Brasil,
Souza e Lima (2007) relataram o preocupante quadro atual do fenômeno no país.
Houve um crescimento do risco de morrer por causas externas em relação à
década de 1980 de 17%, e em relação à década de 1990 de 3,3%. Os homicídios
e os acidentes de transportes continuam sendo os principais componentes das
causas externas, respondendo juntos por 66,8% destas mortes. Porém, os
homicídios superam de longe os acidentes, correspondendo a 40,3% das mortes
por causas externas. Em 2003, ocorreram quase 140 assassinatos por dia no
Brasil.
Mas estes números se referem à manifestação de apenas um dos tipos
de violência existentes na sociedade. Na verdade, os homicídios são apenas a
ponta do iceberg de um fenômeno muito maior e complexo. Existem outros tipos
ainda mais abrangentes de violência, aos quais podemos afirmar que ninguém
está imune, conforme colocado na seção anterior sobre as violências coletiva e
estrutural.
Souza e Lima (2007) ainda destacam que o conhecimento adquirido
pelos estudos realizados não tem sido utilizado para o desenvolvimento de
mecanismos de enfrentamento do problema, mas sim para a sua banalização, o
que reforça os argumentos apresentados no início deste capítulo.
19
1.2. Violência e saúde
A inclusão do tema da violência no setor saúde ainda é difícil, porém
avanços já foram conquistados. Essa dificuldade se deve, em maior parte, à
herança do modelo biomédico (MINAYO, 2006a). Por muito tempo, encarou-se a
violência como mero caso de polícia, resultado simplesmente da falta de caráter e
da delinqüência juvenil. Seguindo a lógica da medicalização do modelo biomédico,
a doença da violência seria tratada, de forma rápida, simples e segura, com o
medicamento das ações punitivas e, preferencialmente, mais violentas que as que
originaram a punição.
Associou-se a essa postura a mentalidade de eliminação de crianças e
adolescentes das classes desfavorecidas, adotada pelas elites a partir da década
de 80 (MINAYO; SOUZA, 1993), manifestada na atuação dos grupos de
extermínio, e ainda hoje presente em grupos de elite da polícia militar.
Rebelo e Caponi (2007) assinalam que o estudo do crime como doença
virou lugar comum no discurso médico no Brasil da primeira metade do século XX.
Percebia-se, desde aquela época, uma constante preocupação com a “cura” dos
instintos dos criminosos, ação a ser desempenhada nos presídios (REBELO;
CAPONI, 2007).
Essa linha de pensamento é incapaz de lidar com a pluralidade e a
imprevisibilidade da violência. Daí o desafio de se discutir a violência enquanto
problema da Saúde Coletiva, embora muitas pesquisas e esforços tenham se
delineado no país como os do Centro Latino-americano de Estudos sobre
Violência e Saúde Jorge Careli – Claves / Fiocruz, o Núcleo de Estudos da
Violência – NEV / USP e o Observatório Social Londrinense – Obsocil em
Londrina (PR).
A filósofa judeu-alemã Hannah Arendt (1906 – 1975), que experienciou
a violência da ditadura nazista, expõe ainda outros traços do fenômeno em
questão. Para ela, a violência apresenta elementos característicos que desafiam a
linearidade científica:
... estando os resultados das ações dos homens além do controle
dos que a praticam, a violência abriga dentro de si um outro
20
elemento de arbitrariedade; em nenhum outro lugar a Fortuna, a
casualidade, boa ou má, tem um papel mais fatídico em questões
humanas do que no campo de batalha, e não basta chamá-la de
“evento casual” ou julgá-la cientificamente suspeita para que
desapareça esta intromissão do inesperado; nem adiantam
simulações, scripts, teorias lúdicas e coisas assim, para eliminá-
la. Não existe certeza nesses assuntos... (ARENDT, 2004, p. 94)
Nota-se que seja, provavelmente, esta imprevisibilidade própria da
violência, destacada por Arendt, a grande dificuldade para os pesquisadores de
todas as áreas. Sendo um fenômeno altamente complexo, pluricausal,
multivariado e polissêmico, isso significa que nunca será fácil estudar e
compreender a violência, mas não se justifica que não se faça o esforço.
Arendt destaca essa negligência inclusive nas ciências humanas:
Ninguém ocupado em pensar sobre história e política pode ficar
alheio ao imenso papel que a violência sempre desempenhou nos
assuntos humanos, e à primeira vista é surpreendente como tal
violência é raramente escolhida para considerações especiais.
(...) Isto mostra até que ponto a violência e suas arbitrariedades
têm sido levadas em conta, e conseqüentemente, como têm sido
negligenciadas; não se interroga ou investiga o que é evidente
para todos (ARENDT, 2004, p. 97-98).
A Saúde Coletiva talvez seja o campo do saber humano onde
deságuam todos os problemas sociais. Nela, de alguma forma, a injustiça, a
miséria, a fome, a corrupção e, sem dúvida, a violência vão emergir sob o aspecto
de problemas concretos. Ou seja, o evidente para todos, que Arendt menciona,
ganha um palco e aparece de forma altamente dramática, pois nele a vida é
afetada de forma direta.
Recentemente, a entrada da violência na agenda da saúde tem se dado
de forma mais ampla. Em 2001, o Ministério da Saúde publicou o documento
intitulado Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
Violências, que contém a definição dos conceitos, o diagnóstico da situação, as
diretrizes e as estratégias de ação intersetorial, ressaltando a responsabilidade do
setor e recomendando tanto ações no sentido da prevenção da violência, quanto
do adequado atendimento às vítimas (MINAYO, 2004a).
21
2 – BREVE REFLEXÃO SOBRE A MOBILIZAÇÃO POPULAR
Um dos pressupostos deste estudo baseia-se na potencialidade da
mobilização popular enquanto meio de que a comunidade dispõe para alcançar
transformações sociais. Neste estudo, o olhar investigado foi o de lideranças
comunitárias, ou seja, de pessoas consideradas como atores principais do
processo de mobilização da comunidade. Considerou-se assim que, estudando o
olhar dessas pessoas, estaríamos adentrando o cerne da atividade de mobilização
existente nas comunidades estudadas.
A mobilização popular é a atuação do cidadão comum, da população
não detentora de poder civil formal, no contexto social em que vive, tendo como
objetivo a busca do bem comum. É o ato da população que se predispõe a
participar da gestão de sua comunidade de forma ativa e organizada, partindo de
iniciativas próprias.
Sendo esse um processo dinâmico, há vários momentos resultantes da
mobilização popular. Um dos resultados é o chamado capital social. Pierre
Bourdieu (1997) considera o capital social como as relações ou ligações
resultantes da proximidade física e social dentro de um grupo. Souza e Grundy
(2004, p. 1358) deram a seguinte definição: Capital social (...) se refere à coesão
social que resulta de uma comunidade participativa e é caracterizada por
elementos cognitivos e estruturais:
Capital social diz respeito a um conjunto de elementos da
organização social tais como confiança mútua, normas de
reciprocidade e solidariedade (elementos cognitivos), como
também o engajamento cívico e redes de associações (elementos
estruturais) que facilitam a coordenação e cooperação de ações
coletivas para o alcance de benefícios mútuos.
Pode-se, assim, descrever as relações entre mobilização popular,
participação da comunidade e capital social com a figura 1:
22
Figura 1 – Dinâmica entre os fenômenos da mobilização popular,
participação da comunidade e capital social.
A mobilização popular é o elemento que desencadeia o processo de
participação da comunidade na gestão pública, e que produz, num segundo
momento, o capital social. Este, por sua vez, retro-alimenta a mobilização popular.
Estudos feitos em diversas partes do mundo têm evidenciado que a
existência do capital social é um ótimo fator de proteção contra a violência.
Barata e Ribeiro (2000) fizeram um estudo ecológico no estado de São
Paulo em 1996 procurando observar a correlação entre urbanização, pobreza,
desigualdade econômica e as taxas de homicídio. Uma das evidências
descobertas foi que o desinvestimento em capital social e o afrouxamento das
relações sociais ajudam a explicar a violência.
Duas razões para a relevância da existência de movimentos sociais,
associações e outros grupos voluntários na redução da violência seriam: a
mobilização da comunidade promove valores de paz como a solidariedade, o
altruísmo e o sentimento de pertença a um grupo. Além disso, oferece, por meio
dos benefícios sócio-econômicos alcançados para a comunidade, oportunidades
de vida aos grupos expostos a maiores riscos sociais (MACEDO et al., 2001).
Kawachi et al. (1997), nos Estados Unidos, realizaram uma pesquisa
procurando avaliar a relação entre o capital social, entendido como a qualidade
nas relações humanas (grau de confiança entre as pessoas, preocupação com a
coletividade, participação em grupos voluntários, etc), e as taxas de incidência e
coeficientes de mortalidade de diversas patologias. Foi descoberto que a
desigualdade na distribuição de renda está relacionada inversamente com a
participação em grupos voluntários e diretamente com a falta de confiança entre
MOBILIZAÇÃO
POPULAR
PARTICIPAÇÃO DA
COMUNIDADE
CAPITAL
SOCIAL
23
as pessoas. A participação em grupos voluntários está diretamente relacionada à
diminuição da mortalidade infantil e de mortes por doenças cardíacas e
neoplasias. A falta de confiança entre as pessoas, inversamente, fez aumentar as
taxas de mortalidade para diversas causas. Essas descobertas evidenciam a
relação íntima entre capital social e saúde coletiva.
A área da saúde tem, no Brasil, o privilégio de contar com o apoio
constitucional para a participação da comunidade na gestão da saúde (BRASIL,
1988). Além disso, a Lei Federal 8142/90 regulamenta a criação das Conferências
e Conselhos de Saúde, espaços direcionados para essa participação.
Nem sempre esses espaços têm sido utilizados da melhor forma, o que
constitui, muitas vezes, um resultado do mau uso da mobilização popular e do
capital social:
A utilização do conceito de capital social exige cautela, a fim de
que o seu uso não seja um pretexto para esconder ideologias
indesejadas ou perpetuar o “status quo” de indivíduos ou grupos
com interesses políticos ou econômicos específicos (SOUZA e
GRUNDY, 2004, p. 1358).
Até para evitar esse tipo de problema, os profissionais da saúde devem
manter, portanto, uma postura de diálogo aberto, multidisciplinar e intersetorial
com os segmentos da educação, os serviços sociais, a segurança pública, a
justiça e, de forma especial, com a comunidade mobilizada.
24
3 – O CONTEXTO LOCAL DE VIOLÊNCIA E MOBILIZAÇÃO POPULAR
A cidade de Londrina está localizada na região norte do estado do
Paraná, conta com cerca de 500 mil habitantes, é considerada a segunda maior
cidade do estado do Paraná e a terceira do Sul do Brasil. Na sua economia,
predomina o setor de serviços. A cidade é um pólo estudantil para onde muitos
estudantes migram de outras cidades do estado e de outras regiões do país.
Apresenta grau de urbanização de 96,94% e taxa de pobreza de
12,35%. O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH é de 0,824 e o Índice de
Gini, que mede o grau de desigualdade social e vai de 0 (mais desigualdade) até 1
(menos desigualdade), é de 0,580, valor considerado preocupante (IPARDES,
2008).
A cidade apresenta ainda, ao longo de sua história, exemplos bem
sucedidos de mobilização popular e controle social na saúde (CONSELHO DE
SAÚDE DA REGIÃO SUL DE LONDRINA, 2000). Muito ainda se deve caminhar,
porém sabe-se que existem segmentos da sociedade civil bastante organizados, o
que pode contribuir sobremaneira para o enfrentamento da violência. Entenda-se
aqui a sociedade civil como aquela que se mobiliza pelos direitos civis
(locomoção, segurança, disposição sobre o próprio corpo, etc), sociais
(alimentação, habitação, educação, saúde, etc) e políticos (deliberação sobre a
própria vida, livre manifestação do pensamento, convivência com os demais
indivíduos, etc), conforme especifica Manzini-Covre (2002).
O contexto atual da cidade aponta para um crescimento acelerado da
violência, que vem se delineando há algum tempo. Em termos estatísticos, a
escalada da violência se refletiu na cidade acentuadamente a partir do ano 2000,
quando coeficiente de mortalidade por homicídios passou a crescer
progressivamente, ultrapassando os valores apresentados pelo estado do Paraná
e pelo Brasil (DATASUS, 2007), conforme mostrado na figura 2. Em 2001, os
homicídios ultrapassaram os acidentes de trânsito no percentual do total de
causas externas (SILVA, 2002). Ainda que o número de homicídios tenha
diminuído recentemente, os jornais locais retratam diariamente a escalada da
25
violência, manifesta de diversas formas, além dos homicídios. Mesmo veículos de
imprensa pertencentes ao poder público reconhecem e noticiam o aumento da
violência na cidade (LONDRINA, 2002).
Fonte dos dados brutos: DATASUS (www.datasus.gov.br)- acesso em 27 jul. 2007.
Figura 2 – Coeficientes de mortalidade (por 100.000 habitantes) por
homicídios e intervenções legais, Londrina, Paraná e Brasil, 1990-2005.
Então, se existem na cidade organizações com um capital social
significativo (podendo ser citados, como exemplos, a Associação Comercial e
Industrial de Londrina - ACIL, Conselho de Engenharia e Arquitetura - CEAL, a
Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Londrina, várias associações de
moradores e associações de mulheres, grupos comunitários de recicladores de
lixo, etc) e, ao mesmo tempo, está crescendo o problema da violência urbana, a
resposta não estaria justamente em tentar enfrentar o desafio de reduzir a
26
violência construindo estratégias a partir das possibilidades que esse capital social
oferece?
O presente estudo partiu do pressuposto de que a chave para a redução
da violência esteja nas diversas redes de apoio que permeiam uma comunidade
mobilizada e voltada para o bem comum. A violência, por ser multivariada e
complexa, pede soluções com as mesmas características. Ou seja, combater a
violência é, sobretudo, um exercício de diálogo e construção participativa de
soluções, um esforço de combate ao individualismo, problema que tem permeado
tanto segmentos do poder público quanto da sociedade civil.
Talvez resida aí a grande dificuldade de se reduzir a violência. Não se
tem conseguido estabelecer essas pontes entre segmentos estratégicos, tanto do
governo quanto da comunidade, porque há interesses outros que têm pesado
mais nas balanças do poder.
Assim, o pressuposto aventado neste estudo foi o de que uma
comunidade socialmente organizada visualiza mais e melhores estratégias de
enfrentamento da violência do que uma menos organizada.
Este estudo pretendeu identificar quais os significados que a violência
assume para as lideranças entrevistadas, face às diferenças em termos de
organização social existentes entre as duas regiões, e quais estratégias de
enfrentamento podem ser aplicadas para se tentar reduzir as conseqüências
deixadas por esse fenômeno, que assola praticamente todo o cenário urbano do
país.
27
4 – OBJETIVOS
4.1. Objetivo Geral
Identificar o significado da violência e suas estratégias de enfrentamento a
partir do olhar de lideranças de duas comunidades diferentes do ponto de
vista da mobilização popular em Londrina (PR).
4.2. Objetivos Específicos:
Identificar quais os significados de violência reconhecidos pelas lideranças
presentes em cada uma das duas comunidades.
Conhecer estratégias que as comunidades utilizam no enfrentamento da
violência.
Identificar possibilidades de enfrentamento da violência percebidas pelas
lideranças.
Identificar a percepção que as lideranças entrevistadas têm da atuação dos
serviços de saúde no enfrentamento da violência.
28
5 – TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
A violência não é simplesmente um fato da vida humana, mas constitui-
se num fenômeno, ou seja, algo que passa pela ordem do vivido, mobilizando
emoções e demandando um grau de elaboração interna de quem o vivencia ou
presencia (MINAYO, 2006b). Devido a isso, e buscando corresponder aos
objetivos pretendidos neste estudo, a pesquisa, de caráter exploratório, utilizou a
metodologia qualitativa, com a análise de conteúdo de Laurence Bardin (BARDIN,
2004).
5.1. Processo de escolha dos locais de pesquisa
A pesquisa foi realizada na região urbana da cidade de Londrina, no
norte do estado do Paraná, Brasil. Sendo uma cidade que apresenta uma
complexa realidade urbana, com regiões de periferia heterogêneas entre si, optou-
se por eleger duas áreas nos seguintes termos:
uma região de periferia com contexto de mobilização popular
ainda incipiente, denominada neste estudo como região A;
uma região de periferia que tivesse um contexto de
mobilização popular mais desenvolvido, denominada como
região B;
Com a escolha dessas áreas pretendeu-se retratar duas realidades
diferentes do ponto de vista da organização social e da mobilização popular que,
como foi dito, é fator preponderante para a transformação de realidades
complexas, como se dá no caso da problemática da violência.
As áreas foram escolhidas com base no conhecimento prévio desta
pesquisadora e de suas orientadoras, no levantamento do histórico das regiões e
em informações colhidas junto a membros das equipes das Unidades Básicas de
Saúde (UBS).
29
A área menos mobilizada está na região oeste da cidade e conta com
13526 moradores. A mais mobilizada está na região sul e tem 11604 moradores
(LONDRINA, 2006).
O perfil demográfico das duas áreas é bastante semelhante. A
porcentagem de crianças de 7 a 14 anos na escola também não difere muito, mas
pode ser considerada baixa nas duas regiões (68% na mais mobilizada e 68,% na
menos). Há uma diferença significativa na porcentagem de população com rede
de esgoto, que na região B é de 81,0% e na A, apenas 1,1% (LONDRINA, 2006).
Os quadros epidemiológicos das duas regiões são diferentes, e nem
sempre se confirma a hipótese de a região mais mobilizada ter melhores
condições.
A região B (mais mobilizada) supera a região A na porcentagem de
óbitos em maiores de 60 anos (61,3% contra 51,6%), no número de óbitos em
menores de 1 ano (1 contra 3 a cada 1000 nascidos vivos), no coeficiente de
mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias (17,2 contra 22,2 por 100000
habitantes) e na porcentagem de nascidos vivos com baixo peso (7,8% contra
8,8%) (LONDRINA, 2006).
Porém, surpreendentemente, a região menos mobilizada apresenta
melhor coeficiente de mortalidade por causas externas (73,9 contra 77,6 por
100000 habitantes) e porcentagem de nascidos vivos de mães adolescentes
(18,8% contra 25,4%) (LONDRINA, 2006). Apesar disso, os dois indicadores
mostram situações pouco favoráveis nas duas regiões. É preciso se considerar
também a possibilidade de subnotificação dos dados.
Especificamente sobre a mobilização popular, a região mais mobilizada
apresenta importantes iniciativas como associações de mulheres, grupos de
recicladores de lixo e parcerias com universidades, empresas e grupos
estrangeiros de fomento social.
5.2. Processo de escolha dos sujeitos de pesquisa
30
O processo de escolha das pessoas que participaram desta pesquisa se
iniciou com a busca de informações junto às coordenadoras das Unidades Básicas
de Saúde (UBS) de cada região escolhida para a pesquisa.
Essas profissionais não foram entrevistadas, mas desempenharam o
papel de ponto de partida para o processo conhecido como bola de neve, também
chamado por Matos (2006) de amostragem em rede. Aplicando-se esse processo
nesta pesquisa, obteve-se a seguinte seqüência:
1) a coordenadora da UBS indicou lideranças que pudessem ser
entrevistadas;
2) a cada uma dessas lideranças indicadas, após serem entrevistadas,
era solicitado que indicassem outros nomes. Esta indicação não era obrigatória.
Assim, nem todos os entrevistados fizeram indicações de outras lideranças;
3) de acordo com a disponibilidade de horários e deslocamentos, outras
lideranças iam sendo entrevistadas até se atingir, com as respostas obtidas nas
entrevistas, a saturação do significado buscado no estudo.
Foram consideradas lideranças formais (pessoas que ocupam algum
cargo ou função dentro da comunidade, como presidentes de associações de
moradores, associações de mulheres, coordenadores de creches, diretores de
escola, etc) e informais (pessoas que exercem um papel de liderança, porém sem
estarem investidas de algum cargo ou função, como comerciantes, moradores
antigos dos bairros, estudantes universitários, etc).
As figuras 3 e 4 representam a esquematização visual da “bola de neve”
conforme ocorreu na seqüência de entrevistas realizadas.
31
Figura 3 – Bola de neve das entrevistas realizadas na região A.
Entrevista 2
Entrevista 3
Entrevista 4
Entrevista 5
Entrevista 6
Entrevista 7
Entrevista 8
Entrevista 9
Entrevista 10
Entrevista 11
Entrevista 12
Coordenadora
da UBS
Entrevista 1
32
Figura 4 – Bola de neve das entrevistas realizadas na região B.
Como pode ser observado, as coordenadoras das UBS indicaram a
maior parte dos entrevistados. Foi freqüente a situação de uma liderança indicar
alguém já indicado pela coordenadora da UBS. Nas duas regiões, as
coordenadoras forneceram listagens completas com os nomes, endereços e
telefones de lideranças da comunidade. Isso demonstra que essas profissionais
têm conhecimento de quem são essas lideranças e sabem como encontrá-las.
O grupo de lideranças entrevistadas mostrou-se bastante homogêneo
do ponto de vista da idade: a maioria tem mais de 40 anos. Com relação ao sexo,
a distribuição ficou equilibrada entre homens e mulheres, sendo metade de cada
sexo entre os 12 entrevistados da região A e sete mulheres entre os 13
entrevistados da região B. Cada região teve uma liderança informal entrevistada.
Na região A ocorreram duas recusas. Na região B, nenhuma.
Coordenadora
da UBS
Entrevista 1
Entrevista 2
Entrevista 3
Entrevista 4
Entrevista 5
Entrevista 6
Entrevista 7
Entrevista 8
Entrevista 9
Entrevista 10 Entrevista 11 Entrevista 12
Entrevista 13
33
5.3. Procedimentos de coleta dos dados
Como instrumento de coleta dos dados, optou-se pela entrevista por
esta permitir maior profundidade e abrangência de fenômenos complexos, como a
violência, e possibilitar uma melhor participação dos indivíduos.
As entrevistas foram semi-estruturadas e compostas de perguntas
abertas, apresentadas na seguinte seqüência:
Como está a situação da violência na sua comunidade?
Como a violência tem se manifestado na sua comunidade?
Como a comunidade tem enfrentado a violência?
Como a comunidade poderia evitar a violência?
Como você vê a atuação dos serviços de saúde no enfrentamento da
violência?
O período de coleta foi de fevereiro a abril de 2007.
As entrevistas foram gravadas em fita cassete e posteriormente
transcritas na íntegra do texto gravado, pela própria pesquisadora.
5.4. Análise dos dados
Para a análise das respostas, foi utilizada a técnica da análise de
conteúdo, criada pela psicóloga francesa Laurence Bardin.
Segundo Bardin (citada por MINAYO, 2004b, p. 199), a análise de
conteúdo é
Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/ recepção dessas mensagens.
As etapas da análise de conteúdo realizadas neste estudo foram:
Leituras flutuantes de todas as entrevistas coletadas e transcritas,
para apropriação pela pesquisadora do teor do material;
34
Destaque das unidades de registro, ou seja, palavras,
expressões, frases e trechos que continham o significado central
trazido pelo(a) entrevistado(a);
Definição das categorias empíricas, construídas a partir das
unidades de registro encontradas;
Estabelecimento das seguintes categorias de análise:
Os significados da violência
Reações à violência
Estratégias de enfrentamento da violência
O serviço de saúde e a violência
Foi utilizado, como forma de explicitação dos resultados, um diagrama,
utilizado na pesquisa qualitativa, intitulado teia de aranha. Consiste num conjunto
de linhas dispostas, neste caso, entre colunas laterais representando os
entrevistados, e uma coluna central com as unidades de significado encontradas
nas respostas deles. As linhas representam as indicações de respostas dadas por
cada entrevistado.
5.5. Aspectos Éticos
O projeto deste estudo foi apresentado ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Estadual de Londrina, e obteve sua aprovação nos termos da
Resolução CNS 196/96, no dia 20 de novembro de 2006 (parecer CEP/UEL
288/06, vide anexo).
No início de cada entrevista, foi solicitada a concordância do participante
mediante explicação, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE em duas vias, ficando uma com o(a) entrevistado(a) e outra
com esta pesquisadora. O modelo do TCLE que foi utilizado está no apêndice, ao
final desta pesquisa.
A fim de garantir o anonimato absoluto de todos os participantes deste
estudo, os entrevistados estão identificados na seção Resultados e Discussão
pela letra da região à qual pertencem e um número.
35
Nos trechos das falas selecionados, foram omitidas todas as menções a
nomes de lugares ou pessoas que pudessem permitir a identificação dos
entrevistados ou das suas regiões de origem por meio da utilização do sinal (...).
As palavras que aparecem entre colchetes ([ ]) foram colocadas por esta
pesquisadora, com a finalidade de complementar ou explicitar melhor o significado
das falas dos entrevistados.
36
6 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Segue a apresentação dos resultados e da discussão com outros
autores, distribuída nas categorias de análise estabelecidas neste estudo.
6.1. Os significados da violência
Para expressar os tipos e significados de violência, foi construído um
modelo gráfico (Figura 5), intitulado neste estudo como Rede da Violência, e que
tem a finalidade de, didaticamente, representar o olhar que os entrevistados
expressaram com relação ao fenômeno pesquisado. Esta figura, construída pela
autora, não tem a pretensão de expressar toda a complexidade que a realidade da
violência comporta, mas sim retratar, de forma clara e inteligível, a visão
manifestada pelos entrevistados com relação ao fenômeno da violência urbana.
AGRESSÃO FÍSICA
E PSICOLÓGICA
EXCLUSÃO
SOCIAL
USO DETURPADO
DO PODER
Figura 5 – Rede da violência: tipos e significados sob o olhar dos
entrevistados
Esta figura tem a forma de uma rede para demonstrar o caráter
expansivo, pluricausal e abrangente que o fenômeno da violência apresenta para
os sujeitos pesquisados. As linhas verticais representam tipos de violência
TRÁFICO DE
DROGAS
ESTRUTURAL
CULTURAL
INSTI
TUCIO
NAL
DOMÉS
TICA
DELIN
QÜÊNCIA
S
I
G
N
I
F
I
C
A
D
O
S
TIPOS
37
exemplificados pelos entrevistados (doméstica, delinqüência e institucional), a
serem discutidos mais adiante.
As linhas na horizontal representam significados que o fenômeno da
violência assume aos olhos dos entrevistados, quando se ultrapassa um pouco a
superfície dos tipos de violência que eles citaram nas entrevistas. Para os
entrevistados, violência significa agressão física e psicológica, exclusão social e
uso deturpado do poder.
As linhas diagonais representam também três tipos de violência
identificados nas entrevistas porém que, ao olhar dos entrevistados, assumem
papéis transversais em relação aos outros tipos e significados já colocados: a
violência estrutural, a cultural e o tráfico de drogas. Estes constituem
manifestações da violência que servem de pano de fundo para outras violências,
como alguns entrevistados relataram. Por isso, suas linhas diagonais interceptam
todas as outras linhas da rede.
É importante observar também as diferentes tonalidades das linhas. Os
tipos (linhas verticais) têm um tom mais escuro e estão no primeiro plano da rede,
demonstrando que essas manifestações foram mais facilmente percebidas pelos
entrevistados. Os significados têm um tom de cinza médio e ocupam o nível
intermediário da rede, o que significa que estão num segundo nível de percepção
dos entrevistados. As linhas diagonais constituem os panos de fundo da violência,
tendo, assim, um tom mais claro e situando-se no nível mais profundo da trama da
rede.
Apresenta-se, a seguir, a discussão associada dos tipos, significados e
panos de fundo da violência identificados pelos entrevistados:
6.1.1. Violência doméstica:
Está presente, segundo os entrevistados, nas relações humanas,
especificamente dentro do contexto familiar, praticada contra crianças e mulheres,
entre pais e filhos, irmãos e esposos. É importante observar que, nas falas sobre
violência doméstica, não emergiu o contexto da violência contra o idoso. Talvez
38
esta seja uma realidade recente para essas comunidades, e ainda não faça parte
do campo de visão dos entrevistados.
A linha vertical que representa a violência doméstica intercepta as três
linhas horizontais dos significados e as três diagonais. Isso significa que a
violência doméstica tem pontos comuns com os três significados e sofre
influências das violências consideradas como pano de fundo: estrutural, cultural e
o tráfico de drogas.
Essa realidade emerge em diversas falas, como as citadas a seguir:
... a problemática do ciúme, briga de marido e mulher em que o filho acaba entrando no meio,
enfim, a questão família mesmo, eu vejo que a violência tá mais voltada pro lado família. (...) Então
eu acho que a agressão tá aí, na casa, por essa falta de espaço, né, eu vejo assim o povo brigando
pelo espaço, né, pai briga com o filho por causa da mãe, a mãe briga com o filho por causa do pai,
e assim vai. (A11)
E o que a gente observa também é a violência em casa também. Em casa, às vezes, de mulheres,
mães, maltratadas pelos seus companheiros... (B12)
Nestas falas, é possível observar a intersecção que há entre a violência
doméstica e o significado da agressão física e psicológica. Esse tipo de violência
manifesta-se, sobretudo, sob a forma da agressão que pode atingir o corpo, a
alma ou ambos da vítima. Porém, outra intersecção surge quando se observa que
esta vítima é quase sempre a mulher ou as crianças. Esta é a intersecção com o
significado do uso deturpado do poder, no caso, o poder masculino.
Com isso, observa-se que há um forte componente cultural na violência
doméstica. Esta forma de violência não foi muito lembrada, o que pode se
relacionar à dificuldade da sociedade em admitir sua existência. Outra possível
causa seria a própria legitimação da violência doméstica pela convenção social da
“obediência aos pais” que ajuda a reforçar a concepção de que o modelo de
relação praticado pelo pai é o “correto” e o que deve ser seguido pelo filho
(GOMES; FREIRE, 2005). Além disso, não se pode desconsiderar o peso que o
machismo ainda tem na nossa cultura (SOUZA, 2005), o que ajuda a não
39
reconhecer as práticas violentas contra a mulher como ilegítimas e reprováveis.
Malta et al. (2007, p. 46) reúnem causas do silêncio em torno da violência
doméstica na seguinte frase:
A violência doméstica contra crianças, adolescentes, mulheres e
idosos permanece um tabu, algo não dito e restrito aos ‘lares’,
oculta, silenciada e, de certa maneira, tolerada com a conivência
pactuada dos membros da família e da comunidade.
Jean-Marie Müller, em seu livro “O Princípio de Não-Violência”
(MÜLLER, 1995, p. 10), faz a seguinte citação:
A cultura é, segundo a definição que dela deu Marcel Mauss, ‘o
conjunto das formas adquiridas de comportamento nas
sociedades humanas’. É esse o motivo pelo qual falaremos de
‘cultura da violência’ para significar que os indivíduos, sob o efeito
da influência social, orientam o seu comportamento privilegiando
a violência como meio normal de defender a sua comunidade face
às ameaças que sobre ela pesam.
A violência cultural é, portanto, a modalidade da violência que perpassa
as relações humanas, disseminando comportamentos violentos, muitas vezes
naturalizados (BRICEÑO-LEÓN, 2005). O aspecto cultural interfere na dinâmica
da violência na medida em que modera e regula as ações violentas, ora
reprimindo-as, ora naturalizando-as (MINAYO; DESLANDES, 1998).
É provável que, por causa dessa naturalização, a violência cultural, e
outras formas que sofrem sua influência, como a violência doméstica, sejam
menos percebidas, como ocorreu com as lideranças entrevistadas. Porém, isso
não torna essas manifestações da violência menos importantes ou dolorosas. Ao
contrário, trata-se de formas de violência que ajudam a alicerçar outras, em função
do caráter transversal e do papel legitimador que a cultura tem nas sociedades
humanas (MÜLLER, 1995).
Nas falas seguintes, pode-se observar a intersecção da violência
doméstica com a exclusão social, a violência estrutural e o tráfico de drogas.
Os mais comuns aqui são os pais drogados. Então as crianças já têm aquela violência dentro das
próprias casas. Eu convivi e vi a criança sofrer porque o pai é drogado, alcoólatra, porque a mãe
também é, porque a mãe é prostituta, então ela chega, não dá atenção pras crianças, então acho
que essa é a pior violência. (...) Então essa é a violência mais triste que eu acho que sai da própria
casa, da própria mãe, do próprio pai, dos próprios irmãos. (A4)
40
... é a família que sofre, com o marido que chega bêbado. (B2)
A exclusão social, entendida aqui como sendo o não-acesso aos direitos
sociais como alimentação, habitação, educação, saúde, etc (MANZINI-COVRE,
2002), é um elemento que leva muitos pais à drogadição, como uma forma de
entorpecimento diante da realidade, e à prostituição, enquanto maneira de
sobrevivência. É também um componente da violência estrutural, que abrange o
desemprego, a miséria e a má distribuição de renda. Estes fatores,
potencializados pelo tráfico de drogas, passam a ser causas indiretas da violência
doméstica, que se manifesta seja através da agressão física explícita, seja pela
negligência com as crianças (pais drogados, marido bêbado, mãe prostituta que
não dá atenção para as crianças, etc).
Outro importante componente da violência doméstica é o alcoolismo.
Mas hoje, a maior droga que hoje procura nós é a droga da bebida de álcool, porque ela tá ao
alcance de todos. Ela não alcança só aquele que tem dinheiro, ela alcança todos. (B11)
Considerado como uma droga lícita, o álcool tem seu uso estimulado
socialmente e pela mídia (MINAYO; DESLANDES, 1998). Em um estudo em que
se revisaram publicações entre 1986 e 2006 sobre os transtornos do uso de
substâncias psicoativas e a criminalidade, Chalub e Telles (2006) concluíram que
é alta a proporção de atos violentos quando o álcool ou outras drogas estão
presentes entre agressores, suas vítimas ou em ambos. Porém, a relação causal
direta entre um fato e outro demanda maiores estudos para ser estabelecida.
Gradativamente, a dinâmica familiar permeada pela violência se
deteriora e podem surgir manifestações de outros tipos de violência por parte dos
filhos, como a delinqüência, que pode retro-alimentar a própria violência
doméstica:
Aí dessa violência, falta de carinho na própria família, é onde que eles [filhos] vão pra rua se
drogar e roubar. E as meninas vai se prostituir, porque eu já vi assim muita mãe falar pras
crianças: ah, você precisa se prostituir pra trazer dinheiro pra casa. (A4)
41
Inclusive pro jovem, mais novo de hoje. Esse jovem que tá crescendo, topa os próprios familiares
em pé de guerra, em pé de briga com o próximo, o quê que vai acontecer? Eles vão crescer nesse
sentido. (B1)
Mas o quê que vai acontecer com isso [envolvimento do jovem com o tráfico de drogas]? Vai gerar
a violência na família. Porque aí é todo aquele quiproquó, envolve todo mundo, envolve toda a
família. (B11)
O paralelismo das linhas da violência doméstica e da delinqüência na
figura 5 expressa a relação complexa e ainda pouco pesquisada que existe entre
os tipos de violências. É difícil quantificar a influência que a prática de violência
por familiares exerce na escolha da delinqüência por jovens, por exemplo. Sabe-
se, contudo, que a relação existe. Meneghel, Giugliani e Falceto (1998), num
estudo qualitativo feito em escolas de Porto Alegre, chegaram à conclusão de que
adolescentes agressivos teriam experimentado mais episódios de violência
doméstica do que os não agressivos. Além disso, a punição física das crianças
infelizmente está disseminada na sociedade e é aceita como prática disciplinar de
jovens e adolescentes.
É inevitável o sofrimento psíquico causado pela presença da violência
dentro do próprio lar. As marcas deixadas por tal fenômeno podem repercutir de
diversas formas e de maneira imprevisível, pois contam, nesta repercussão,
elementos como a individualidade e a subjetividade (GOMES; FREIRE, 2005).
6.1.2. Violência delinqüencial ou delinqüência:
Os exemplos citados pelos entrevistados foram: assaltos nas ruas,
assaltos a residências e estabelecimentos comerciais, homicídios, roubos,
pequenos furtos, prostituição infantil, brigas, latrocínio, invasão de domicílio,
delinqüência juvenil (nas ruas e nas escolas), agressões físicas e vandalismo
(contra bens públicos e privados).
A delinqüência é a forma de violência mais lembrada pelos
entrevistados. É considerada para muitos como sinônimo da própria violência.
Normalmente associa-se violência diretamente com a delinqüência, como se esta
42
fosse a única forma de violência existente. Sobre isso, Minayo (2006b, p. 27)
afirma que: A violência dominante na consciência contemporânea é a criminal e
delinqüencial, pois antes de ser um objeto de estudo, a violência passa pelo
julgamento moral da sociedade.
Diferentemente da violência doméstica, a delinqüência é mais facilmente
julgável do ponto de vista moral, porque menos comprometedora, o que
proporciona a quem fala dela uma posição mais confortável. Além disso, admitir a
existência de violência dentro dos próprios lares, de certa forma vai de encontro à
postura de afastamento observada na análise dos significados que serão
discutidos no tópico 6.1.5 desta primeira categoria. A delinqüência desloca o foco
da violência para as ruas e os bandidos.
Porém, tanto quanto a violência doméstica, a delinqüência compartilha
pontos de intersecção com as linhas horizontais (os três significados) e diagonais
(panos de fundo) da rede da violência.
O significado da agressão física e psicológica é constante quando se
fala da delinqüência. Ao mesmo tempo, é possível perceber fortes inter-relações
com a exclusão social e o uso deturpado do poder. Neste estudo, considera-se
como poder aquilo que Lebrun (1981) chama de autoridade: O poder não é um
caso extremo de exercício da autoridade: ao contrário, é a sua violência, que torna
possível uma ‘aparência’ de autoridade cortês e benevolente. E isso, em qualquer
sociedade que seja (LEBRUN, 1981, p. 116).
A definição de poder aqui aplicada, que foi a percebida nas falas dos
entrevistados, se aproxima mais do Arendt define: Poder corresponde à
capacidade humana não somente de agir mas de agir de comum acordo. O poder
nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente
enquanto o grupo se conserva unido (ARENDT, 2004, p. 123). Assim, o uso
deturpado do poder seria aquele que, recorrendo à violência, leva à perda de
unidade do grupo e, portanto, à própria extinção do poder, conforme Arendt
conclui: Poder e violência se opõem; onde um deles domina totalmente o outro
está ausente (ARENDT, 2004, p. 132).
Nas falas seguintes, é possível observar algumas intersecções:
43
Eu acho que a violência hoje são os pequenos furtos, são os assassinatos que tem dentro do bairro,
que nem aqui no bairro teve uma pessoa assassinada aí ‘por nada’, vamos dizer assim. (A1)
Nessa fala, fica evidente o significado da agressão física e psicológica
(assassinato) que a delinqüência manifesta, com a agravante da postura de
banalização da vida (uma pessoa assassinada por nada), o que constitui um
aspecto da violência cultural.
... a gente tem muita depredação, essas coisas assim de vandalismo, (...) Mais é o roubo que tem
bastante, né? Caso de roubo a gente vê bastante, que tão mesmo roubando, coisa que eles podem tá
levando eles levam mesmo, viu? Então é essa a questão da violência que a gente vê mais, e
depredação, assim que nem eu falo né, destruição por eles, essas coisas assim... (A2)
Nessa fala, é possível notar o significado da agressão física e
psicológica (vandalismo) e do uso deturpado de poder (depredação enquanto ato
de protesto contra alguma opressão). Porém, emerge também o contexto da
exclusão social (que seria a possível opressão contra a qual se protesta) e da
violência estrutural sob a forma da desigualdade social, que pode ser a causa de
delitos contra patrimônios (coisa que eles podem tá levando, eles levam mesmo).
A violência estrutural exerce um papel de alicerce para todas as outras
formas de violência (VELHO, 2000; MINAYO, 2005; GOMES, 1997; MACEDO et
al., 2001). Porém, acredita-se que exista uma forte associação da criminalidade
com a desigualdade social, não necessariamente com a pobreza (BARATA;
RIBEIRO, 2000). Ou seja, não é o simples fato de ser pobre que leva a pessoa a
cometer crimes, mas sim a situação de desigualdade dele em relação a outras
camadas da sociedade.
Contudo, este é um tema ainda bastante controverso inclusive entre os
autores. Adorno (2002, p. 25) descreve assim a evolução das reflexões sobre a
relação entre violência estrutural e delinqüência:
... em meados dos anos 70 (...) acreditava-se que o crime, a
criminalidade e a brutalidade contra o delinqüente tinham raízes
estruturais. Devia-se ao capitalismo, às estruturas de exploração,
dominação e exclusão inerentes a este modo de organização
societário. Em decorrência, estabelecia-se uma sorte de
associação mecânica, por assim dizer, entre pobreza e violência.
44
Quanto maior a pobreza, maior a violência. A violência urbana
aparecia então como expressão de lutas entre as classes
dominantes e o conjunto dos subalternos. Por conseguinte,
também, os criminosos compareciam às representações sociais
como vítimas potenciais de um modelo fundado na injustiça
social. Compreendiam trabalhadores urbanos arrastados, contra
sua vontade e natureza, para o mundo do crime e da violência.
Bastava, para tanto, visitar o cenário social das prisões para
confirmar essa tese. Superar esse cenário significava, antes de
tudo, introduzir radicais transformações na sociedade brasileira
com o propósito de erradicar a pobreza, de modo a eliminar as
raízes da violência estrutural.
Essa associação pura e simples entre pobreza e crime começou a ruir
posteriormente, com os questionamentos levantados por outros segmentos da
sociedade, inclusive das alas conservadoras da ditadura militar, o que gerou uma
intensa discussão e uma revisão de argumentos tanto pelas forças políticas
quanto por pesquisadores. Assim, Adorno (2002, p. 26) completa que:
Logo se percebeu que a associação mecânica entre pobreza,
crime e violência suscitava mais problemas do que os
solucionava. Afinal, embora a maior parte dos delinqüentes
proviesse das classes trabalhadoras urbanas pauperizadas, a
maior parte desses trabalhadores, submetidos às mesmas
condições sociais de vida, não enveredava pelo mundo do crime.
O problema não residia na pobreza, porém na criminalização dos
pobres, vale dizer, no foco privilegiado conferido pelas agências
de controle social contra a delinqüência cometida por cidadãos
pobres.
Um pensamento que corrobora essa visão é o de Minayo (2006a, p. 35),
que afirma: a origem social propicia o ambiente, mas não determina as escolhas.
A associação causal direta entre pobreza e criminalidade mais amplifica o
problema e prejudica sua compreensão do que o justifica, uma vez que produz
outra forma de violência: o preconceito social.
Michaud (2001), em relação à violência, levanta outros aspectos da
pessoa como sujeito das próprias ações, o que tornaria a teoria social da
associação direta entre pobreza e criminalidade insuficiente para a compreensão
do fenômeno: A teoria social não goza de uma independência miraculosa em
relação às representações que os sujeitos sociais fazem de si mesmos, de suas
ações e do meio ambiente em que efetuam suas ações (MICHAUD, 2001, p. 88).
45
Sobre o preconceito social resultante dessa associação, Michaud
destaca seu caráter mitológico:
Que a violência seja funcional, que nasça dos desequilíbrios ou
dos esforços de adaptação dos sistemas, ou que seja o efeito da
marcha irresistível das forças econômicas, todas essas
afirmações servem mais para consolar do que para compreender.
Quando servem para agir, atuam como mito... (MICHAUD, 2001,
p. 97).
Dentro dessa relação entre delinqüência e preconceito, um entrevistado
emitiu a seguinte afirmação:
Só que o pessoal não quer ir lá [UBS que fica no bairro vizinho] por causa da violência! Porque se
você deixa um carro lá, vixe, você sai, tá riscado! Você não pode deixar nada dentro do carro, o
cara quebra o vidro, risca. (A5)
Nessa fala, emergem as intersecções da delinqüência com a violência
estrutural, sob a forma da exclusão sócio-econômica (riscar e quebrar vidro de
carro, símbolo do poder de consumo que não se possui), e o componente cultural
da violência (discriminação contra o outro bairro, mais empobrecido, onde fica a
UBS).
... violência com a criança que a gente vê também, criança que inclusive anda armada, né? (...)
porque você pode ver que o que tá acontecendo: é criança de 12, 13 anos tá sendo morta
injustamente... (B4)
Nesse exemplo, fica evidente a íntima relação da delinqüência juvenil
com o tráfico de drogas, que ora coloca armas nas mãos de crianças, ora
ocasiona a morte destas.
Nas falas dos entrevistados, houve a citação de praticamente todas as
formas de delinqüência existentes na sociedade. Foi relevante, na região A, a
menção da delinqüência nas escolas, espaço onde, em geral, pouco se discute e
ou se procura agir sobre o problema.
A violência tá aparecendo mais é nas escolas, né? Porque nessa escola nossa aqui eu já ouvi falar
que tá quase fechando, é pela violência que tá tendo ali... a turma é... roba ali, tudo. (A6)
46
A violência é... esses menino, né? Por causa de droga, né? Um compra do outro, depois não paga,
o outro vem tirar... vem tirar, né... tirar, saber dele, e é onde que acontece essa matança. A
matança deles é tudo por causa de droga. E na escola, tá levando muito pra escola também por
causa dos alunos, né? Os moleque... pelo menos aqui no colégio (...), tomaram conta! (...) O que
tem mais aqui mesmo é esse negócio da violência dos meninos, né? Esse negócio de droga, só.
(A10)
De fato, a escola constitui-se num espaço privilegiado de intervenções
que previnam a violência. Ao mesmo tempo, é especialmente complexo por ser
onde se dão processos de convivências entre diferentes classes, culturas e
gerações. Nela, a rede da violência aparece claramente, com destaque para os
panos de fundo sócio-culturais e econômicos. Segundo Nascimento (2006, p.
102): Podemos compreender o outro a partir do espaço de convivência do qual ele
faz parte. Sendo assim, a escola passa a ser o local onde: Os jovens reproduzem
(...) as violências e tensões do mundo exterior (TUPPY, 2006, p. 110).
É importante destacar a percepção das intersecções entre a
delinqüência e a violência cultural, manifestada no preconceito contra o bairro e na
falta de atitude da família no cuidado com as crianças:
A violência do preconceito, da farmácia que não entrega, do taxista que não vem. (B2)
Eu fui procurar a mãe dessa criança, falei pra ela: “Mãe! Você tem bolsa-escola. Você tem que
fazer sua filha ir pra escola pra você receber essa bolsa-escola, porque a sua filha não tá indo pra
aula. A hora em que ela sai pra escola, ela vai fazer outra coisa! Porque eu a vi em tal lugar, que
eu sabia que ali não era bom pra ela”. (...) “Ah, mas ela saiu da minha casa e foi pra escola!”
Assim! Como se eu tivesse falado assim: “Olha, ali tem um pé de alface. A senhora vai pegar? Não
pegou? Então vai ficar sem”. Sabe assim?! Aí eu fiquei assim: “Meu Deus do céu! Que horror!” Aí
agora esses dias ela veio aqui: “Ai, (...). Bloquearam a minha bolsa-escola”. Aí eu falei: “Ah, a
senhora agora tem que ir conversar com a assistente social, ver porque que bloqueou...” (...) Agora
eles tão punindo com o bloqueio do cartão. Aí a mãe não pode receber, fica sem dinheiro. Aí ela
falou pra mim que a menina agora tá freqüentando aquele negócio de oficina lá no (...) que atende
dependente químico. A menina tá lá... É menina de escola! Acho que nem completou a 4ª série
ainda. (B11)
47
Na região B, emergiu uma menor variedade de percepções da
delinqüência, que ficaram mais focadas na problemática do tráfico de drogas,
especialmente com o envolvimento de menores.
A droga. Hoje pra nós a droga é a pior violência.(...) Vai naquele cantinho aqui no final do
conjunto. Você passa ali como se você fosse fazer uma visita. Vai ter 10, 15 moleques no mínimo.
Estão tudo lá esperando um “mano”. Alguém aparece com um cigarrinho, pra “dar um tapa”,
sabe, porque tem um rapaz aí que vende droga, e agora à tarde assim é a hora em que ele vem
entregar. (...) Eu vejo tanta criança que mergulha no vício, que vem que nem uns doidinhos aí atrás
de um dinheiro, de roubar um xampu aí no mercado, uma bolacha pra ir dar pra esses caras
[traficantes] aí! (...) É tudo coisa que a criança pega às vezes dentro de casa, e vai entregar pro
cara, sabe, por causa de micharia. Isso aí é muito revoltante pra nós. É uma violência! (B11)
Muitos estudos têm levantado a questão das drogas como sendo uma
raiz profunda da violência (CROWE; FERREIRA, 2006, p. 88). Soares (2002)
denomina o tráfico de drogas que, a partir da década de 60 passou a levar jovens
de todas as classes sociais para o mundo do crime e da obtenção de dinheiro
fácil, de Nova Violência (SOARES, 2002).
No estudo que descreve as ações para redução da violência em
Diadema – SP, Biancarelli (2006) afirma que, já no primeiro diagnóstico sobre o
tema, levantou-se que, na maioria dos casos de homicídios, a vítima ou o
assassino tinham estado ou estavam no bar, e que isso denotaria a relação do
crime com o álcool ou outras drogas.
O tráfico de drogas exerce um papel central na problemática da
violência, pois reúne características como a mobilização da comunidade em torno
de objetivos comuns, o envolvimento maciço da juventude e o poder financeiro
alcançado por seus líderes (ZALUAR, 2004). Como disse a liderança A3:
... uma guerra de mercado. Eu vejo nessa visão mais ampla. (...) A violência da droga. Que eu acho
que é um ponto que não tem como fugir dela. (...) numa questão que é uma guerra mundial, uma
guerra de mercadorias, que atinge o povo. (A3)
Foi perceptível a diferença das visões sobre o tráfico de drogas entre as
duas regiões: na região A, onde a mobilização popular é mais incipiente, os
48
entrevistados mostraram ter uma visão um tanto mais superficial sobre as
manifestações da violência. Concentraram o olhar mais sobre as manifestações
imediatas da delinqüência (roubos, assaltos, assassinatos, etc), situadas no
primeiro nível da trama da rede (figura 5), e menos no pano de fundo do tráfico.
Ao que parece, pelos resultados desta pesquisa, a maior mobilização
popular proporciona que a comunidade consiga perceber melhor a influência das
linhas diagonais da rede da violência. O tráfico de drogas é o gerador de inúmeros
atos delinqüenciais, e a região B demonstrou enxergar isso com mais intensidade.
Podem existir outras causas para esse fenômeno, por exemplo, o medo
que a comunidade tem de sofrer retaliações por parte dos traficantes. Na região A,
as poucas lideranças que abordaram a problemática do tráfico o fizeram de
maneira bastante incisiva (A3 e A4). Vale ressaltar também que nesta região
houve maior citação do tráfico propriamente dito, enquanto na região B, o
problema mais citado foi o uso de drogas, especialmente por menores, como
conseqüência do tráfico.
É interessante observar as inter-relações entre o tráfico e a delinqüência
juvenil, retratadas nas falas dos entrevistados. Em virtude da manutenção do vício,
meninos cometem assaltos e homicídios. Meninas entram no ciclo perverso da
prostituição. A delinqüência juvenil invade as escolas, atingindo professores e
funcionários que passam, então, a aumentar o número de vítimas do tráfico. O
cidadão comum nas ruas passa a ficar à mercê de um crescente número de
menores viciados em busca de dinheiro para sustentar seu vício.
Nesse contexto, o desemprego, especialmente entre os jovens, colabora
para agravar tal quadro. Quando, enfim, ocorrem detenções dos delinqüentes,
tanto menores como maiores, é nos educandários e presídios que o problema
assume proporções ainda maiores, devido ao crime organizado lá instalado. Essas
instituições que deveriam reabilitar o detento para o convívio social, acabam por
se tornarem produtores de violência. O menino que, até então, só sabia praticar
pequenos furtos, “capacita-se” adquirindo o conhecimento das tramas complexas
e ramificadas do crime, que chegam até os altos escalões do Judiciário e da
classe política brasileira (VELHO, 2002).
49
6.1.3. Violência institucional:
É aquela praticada por profissionais de serviços públicos e privados
como saúde, educação, previdência social, policiamento, etc.
Esta foi uma manifestação da violência bastante recorrente nas
unidades de registro identificadas nas falas dos entrevistados, que citaram
violências praticadas especificamente por serviços públicos.
Souza et al.(2003, p. 65) definem violência institucional como:
...a ação de constrangimento e despersonalização sobre os
indivíduos, por parte de várias organizações públicas e privadas
cujo objetivo seria prestar serviços aos cidadãos. Tal situação
freqüentemente acontece em serviços de saúde, em escolas e,
sobretudo, em internatos e prisões.
Para facilitar a compreensão dos significados sobre violência
institucional, estes foram subdivididos da seguinte maneira:
6.1.3.1. Violência praticada pela polícia:
As manifestações da violência policial identificadas pelos entrevistados
foram: ineficiência, ausência, corrupção e truculência no contato com a
comunidade.
... tem que implorar, muitas vezes tem que implorar, você tem que suplicar no pé deles [policiais]
que você necessita de uma segurança maior, né, e enquanto isso as famílias ficam aí ao Deus-
dará... (A1)
... as pessoas também sentem muito violentadas pela, na questão da polícia, na abordagem da
comunidade aqui, as pessoas sentem muito medo da violência da polícia com a comunidade. (B3)
Nessas duas falas, é possível perceber com clareza o significados de
agressão física e psicológica que a violência institucional tem para a liderança
comunitária (tem que implorar, muito medo da violência da polícia). Ao mesmo
tempo, fica evidente também a relação deturpada de poder que o policiamento
50
tem estabelecido com a comunidade, utilizando-se desse poder para agredir e
violar direitos (as famílias ficam aí ao Deus-dará).
Eles tinham que por mais segurança, né, passar pelo menos a polícia uma vez por dia. Aí já
melhorava muito. (...) aqui não tem polícia. Então rouba casa todo dia e polícia não tem. Polícia
vem quando morrer um. Morreu um, aí a polícia vem. (A7)
Porque quem são as pessoas que, na minha avaliação, são as maiores culpadas? Polícia. Por quê?
Não tem polícia? Tem. Mas tem os policiais que vem nas bocas buscar o dinheiro à tarde. Pra não
denunciar o traficante. E é o que a gente enfrenta aqui. O policial encerra o plantão, passa: “Ô,
cadê o meu?” E leva embora. Entendeu? Então, pra nós, essa é a maior violência. Os maiores
culpados são os que deveriam dar segurança. (B2)
Já nestas falas, é possível identificar outras intersecções da rede da
violência. Há a influência do aspecto cultural, quando a polícia, não aderindo à
mentalidade preventiva, deixa de atender adequadamente uma região periférica
da cidade, atuando somente de maneira curativista, ou seja, após o acontecimento
violento (polícia vem quando morrer um). Porém, interfere aí também a violência
estrutural, manifestada sob a forma da exclusão dessas áreas no planejamento
policial (aqui não tem polícia).
Mais uma vez, o tráfico de drogas mostra sua persuasão, interceptando
a linha da violência institucional com a manifestação da corrupção da polícia pelos
traficantes.
Sobre a situação da corrupção na polícia, uma outra liderança fez a
seguinte afirmação:
A maioria... todo mundo sabe que... 30% das polícias de hoje, muitos deles têm um vínculo com o
problema de droga. Têm um vínculo. Mas só que... 70% é honesto, né? Quer trabalhar pra
comunidade. (B1)
Os problemas apontados pelas lideranças entrevistadas em relação à
atuação da polícia são recorrentes em todo o país e já motivaram alguns estudos
sobre o tema. Njaine et al. (1997) abordaram o problema da corrupção da polícia
no tratamento de informações, com o objetivo de encobrir dados que retratem a
51
verdadeira face da violência. Velho (2000) afirma que a corrupção e a violência
são faces da mesma moeda uma vez que toda essa violência só pode existir com
a conivência, cumplicidade e ativa participação de grupos da polícia, membros do
Legislativo de todos os níveis, setores do aparelho burocrático civil e até
autoridades do Judiciário (VELHO, 2000, p. 58). Há uma realidade de corrupção e
ineficiência das polícias de uma forma geral no país, largamente noticiada pela
imprensa todos os dias.
Por outro lado, como observou a liderança B1, a corrupção não é
generalizada. Muitas vezes, existem vários modelos de atuação policial dentro de
uma mesma corporação, que variam conforme aspectos os mais diversos, desde
características pessoais até a política dominante no interior das hierarquias.
Um outro problema abordado é a truculência na abordagem à
população. Por trás dessa situação podem existir diversas variáveis, mas uma
particularmente grave e recorrente é a que Rolim (2006, p. 58) cita:
... o reforço do discurso de ‘guerra à criminalidade’, por outro lado
tem sido muito funcional à afirmação de um padrão de
policiamento violento, desrespeitador dos direitos individuais e
flagrantemente discriminatório quanto aos pobres, aos negros e
aos homossexuais, entre outros segmentos marginalizados.
Com o pretexto da eficiência repressiva, muitos policiais se aproximam
de áreas pobres e periféricas da cidade (como as habitadas pelas lideranças
entrevistadas) com uma discriminatória truculência, que se constituiu num forte ato
de violência tanto física quanto psicológica (conforme citou a liderança B3).
6.1.3.2. Violência praticada pelos serviços de saúde: mau-atendimento, falta de
diálogo e despreparo dos profissionais da saúde para com a comunidade, falta de
infra-estrutura material e humana, demoras no atendimento gerando atritos;
Aí eu vejo assim a superioridade deles [profissionais da saúde]. Eles estão como um grande
superior que conhece tudo e não entende o lado do outro pra poder discutir essa questão da
violência. Despreparo total do serviço. (B3)
E a questão de saúde, que é que eu vejo aqui no posto, eles só têm ali pra ter um trabalho, que a
gente é muito mal atendido mesmo! Pelos enfermeiros, pelos assistentes, eu já fui testemunha disso
52
(...) Então eu acho assim que a questão da saúde aqui nesse bairro não funciona direito. Precisa
muita coisa pra melhorar. Principalmente pela saúde. É muito descaso. É muito assim: ‘eu
trabalho lá, eu levo fulano...’, a gente chega lá, uma pessoa humilde, fica lá o tempo todo, já vi um
homem morrer na minha frente num posto de saúde aqui! Que mais que quer? Então eu acho que a
questão da saúde aqui é muito ruim! Na nossa área é muito ruim! (A4)
Na primeira fala, é forte a intersecção da violência institucional com o
significado do uso deturpado do poder que o profissional de saúde julga deter
sobre a comunidade, e acaba utilizando-o para se sobrepor às necessidades dela.
Aparece aí também a relação com a violência estrutural e a exclusão social. A
mesma relação emerge na segunda fala, na qual a liderança A4 procura descrever
atitudes de descaso com a população, resultante de uma cultura materialista e
pragmática que perpassa a prática de muitos profissionais da saúde, e acaba
desumanizando o atendimento (eles só tem ali pra ter um trabalho (...) a gente é
muito mal atendido).
Se for falar em saúde, tá péssimo a saúde. É um postinho aí (...) pra atender 15000, 15000 pessoas,
um postinho. Quer dizer que não, não tem clínico geral, se vai marcar lá hoje só tem pra daqui a
15 dias, clínico geral. Não tem ginecologista, consulta demora seis meses. (A7)
Aí era a violência da saúde. É a criança que morria porque não tinha atendimento, porque não
tinha isso, não tinha aquilo. (B11)
À semelhança do que ocorre com a polícia, o serviço de saúde parece
se ausentar das áreas periféricas, o que gera a sobrecarga de população para ser
atendida em uma UBS (é um postinho aí pra atender 15000). Essa é também uma
forma de violência estrutural, onde as regiões mais necessitadas ficam excluídas
do planejamento dos serviços, o que infringe o princípio constitucional da
eqüidade na gestão da saúde (BRASIL, 1988), e produz, não-raro, mortes por falta
de atendimento (violência da saúde).
A violência institucional praticada pelos profissionais da saúde, até
poucas décadas, não era nem mesmo considerada pela opinião pública. Porém,
com o advento do SUS, passou-se a pensar mais na qualidade da relação
53
profissional-usuário, gerando inclusive o advento das políticas de humanização no
atendimento da saúde, iniciado em 2001 com o lançamento do Programa Nacional
de Humanização da Assistência Hospitalar – PNHAH (BRASIL, 2001) e, em 2004,
com a Política Nacional de Humanização do SUS – HumanizaSUS (BRASIL,
2004).
Tem emergido assim mais fortemente o conceito de violência
institucional no espaço dos serviços de saúde, definido por Magalhães e Oliveira
(2006, p. 93):
Há uma outra dimensão da violência que vem exigindo resposta
dos gestores do SUS, que é a violência institucional.
Especialmente, nos grandes centros, mas não só, são conflitos
que envolvem os usuários, trabalhadores e gerentes de unidades
de saúde, incluídos aqui os centros de saúde, unidades de
urgência, unidades de referência e hospitais.
O problema do despreparo dos profissionais da saúde no diálogo com a
comunidade remete ao contexto de transição em que se encontra a saúde no país.
Estamos numa fase de mudanças contínuas entre um modelo biomédico que já se
mostrou arcaico e ultrapassado em face de uma série de demandas da
comunidade no campo da saúde, e um novo modelo que entende a saúde como
uma produção social:
A adoção do conceito ampliado de saúde, que deixa de ter como
foco principal a doença para centrar-se na qualidade de vida
como determinante no processo saúde-doença, implica na
assunção de um novo paradigma que compreende a saúde como
uma produção social (BATISTA, 2006, p. 54).
Porém, a assunção do novo paradigma é um processo gradativo e lento,
que ocorre com ritmos diferentes nos diversos contextos do país e depende, para
sua efetiva concretização, de mudanças que passam pela dimensão do indivíduo
e de sua formação profissional.
Félix Guattari, descrevendo um processo de transformação realizado
junto a profissionais de uma clínica psiquiátrica na França, afirma que estes, por
meio dos revezamentos de funções com o pessoal da manutenção e da
participação em reuniões formativas e informativas com os pacientes, perdiam
essa couraça protetora por meio da qual muitos enfermeiros, educadores,
54
trabalhadores sociais se premunem contra uma alteridade que os desestabiliza
(GUATTARI, 1993, p. 188).
É precisamente desta couraça, que aparentemente protege o
profissional, que este precisa se libertar para conseguir estabelecer uma nova
relação com o mundo que o cerca (GUATTARI, 1993).
Neste sentido, muitos profissionais e escolas de formação no país têm
se mobilizado para implementar mudanças curriculares visando à transformação
do perfil do profissional de saúde, fazendo com que este seja mais apto para atuar
no SUS, atendendo às reais necessidades da população. Um dos mais
importantes movimentos que atuam nesta questão há mais de 20 anos é a Rede
Unida, que congrega profissionais de saúde de todo o país e promove debates
sobre as mudanças curriculares nos cursos de graduação da saúde.
Um dos resultados dessa mobilização foi a publicação da portaria
interministerial 2101 de 3 de novembro de 2005 que instituiu o Programa Nacional
de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-saúde (BRASIL,
2005a), para os cursos de graduação em medicina, enfermagem e odontologia.
Com a Portaria nº 3.019, de 26 de novembro de 2007, o Programa foi ampliado
para os demais cursos de graduação da área da saúde.
Porém, os relatos obtidos nesta pesquisa mostram que ainda há muito
por acontecer, e enquanto este processo de transformação não se concretizar
completamente, teremos no campo da prática um choque de realidades: de um
lado, os profissionais ainda não atualizados no que diz respeito à produção social
da saúde e da doença e, de outro, a comunidade cada vez mais consciente das
suas reais demandas. Este choque é dramatizado nas situações de violência
institucional, como as relatadas pelas lideranças entrevistadas nesta pesquisa.
6.1.3.3. Violência praticada nas escolas: agressões por parte de professores,
ameaças de fechamento da escola;
Ultimamente nas escolas tem sido um pouco mais (...) e ali você percebe a dificuldade de ter que
perceber assim, a violência na escola e como também que os professores acabam também sendo
agressivos. Eu percebo que não existe mais aquele educador, extremamente educado (...) eles são
violentadores também. (A11)
55
Também de vez em quando a gente escuta que (...) a escola nossa aqui tá quase fechando. (A6)
A situação de violência institucional nas escolas foi levantada somente
na região A. Somando-se estes relatos aos que versam sobre a delinqüência nas
escolas (citada no tópico 6.1.2), pode-se cogitar que estejam acontecendo
problemas relacionados à violência especificamente nas escolas dessa região.
As falas colocadas neste item trazem nas entrelinhas a relação
deturpada de poder que tem se dado nas salas de aula, onde o professor deixa
sua condição de educador e passa a lançar mão de recursos menos dignos à sua
condição, como a violência. Isso se dá a partir da falência da palavra, que deveria
ter na escola seu espaço privilegiado. Porém, essa diminuição da dignidade não
passa, muitas vezes, de um reflexo da violência estrutural a que esses
profissionais estão submetidos, através das políticas ineficientes para a área da
educação, projetos pedagógicos elaborados sem a participação deles, dos baixos
salários, das péssimas condições de trabalho e da própria exposição à
delinqüência juvenil, resultante do tráfico de drogas (OLIVEIRA; MARTINS, 2007).
Na educação, está ocorrendo um processo parecido com o da saúde.
Há uma transição de modelos educacionais em curso. Segundo Nascimento
(2006, p. 102):
A educação atual teima em departamentalizar, disciplinar, separar
tudo, impõe muros e limita a visão dos educandos. Não é à toa
que vivemos uma época de doenças sociais, ecológicas e
individuais. As pessoas se classificam, discriminam,
marginalizam, separam-se umas das outras. Aprendemos que
existe um modo certo de ser, quem não está de acordo não
merece aceitação, tampouco respeito.
Este modelo de formação fragmentador de pessoas conflita-se com uma
juventude cada dia mais questionadora, porém que nem sempre opta pelos
melhores métodos para se expressar, especialmente quando advêm de um
ambiente já dominado pela violência (MENEGHEL; GIUGLIANI; FALCETO, 1998).
Os resultados são, entre outros, as situações de violência institucional, como as
relatadas nas entrevistas.
56
6.1.3.4. Outros serviços:
Foram citados ainda como fonte de violência institucional: os órgãos de
urbanismo da prefeitura devido à burocracia na aprovação de projetos
comunitários, o conselho tutelar devido à ausência de atendimento e a empresa
de energia elétrica, pelo corte de energia em residências de famílias carentes e
pela falta de diálogo.
Uma vez eu chamei por causa de uns moleques aí, eles [conselho tutelar] vieram, moleque entrou
pra dentro do muro, pulou o muro, foi embora e não fizeram nada. (...) Cadê? Não aparece. (...)
Cadê o conselho? (A8)
Só que é muita burocracia, a prefeitura não aprova [a construção do centro comunitário]... (B10)
A Copel [Companhia Paranaense de Eletricidade] tava cortando tudinho os rabichos. Aqueles
rabichos que eles fazem pra casa. É uma violência pra aquela família? É! O quê que tinha que
fazer antes? Orientar: “olha, nós vamos tirar isso, vamos fazer isso, e isso, tudo...”, dar uma
condição pra aquela família viver. Se alguma tinha geladeira com alimentos, estragou. Aí aquela
criança pode ingerir um alimento estragado, por falta de informação, pegar uma infecção
generalizada, e uma criança morrer por causa de informação! Essa é uma violência. (B11)
De forma geral, existe uma cultura de que o serviço público, por
representar a linha de frente do Estado, detém poder sobre a população. Aí se
observa a intersecção entre essa manifestação da violência cultural e a violência
institucional, como relatam as falas dos entrevistados. Por outro lado, há uma
clara intersecção também entre a violência estrutural, manifestada na exclusão e
na dependência quase total das populações mais carentes em relação aos
serviços proporcionados pelo Estado, e os casos de violência institucional
relatados.
Chama a atenção, nesta manifestação da violência, o caráter básico dos
serviços envolvidos nas situações de violência institucional relatadas. Estas
atingem o cidadão nos seus direitos mais básicos (ter acesso à utilização de
espaços públicos para a comunidade, ao cuidado de menores, à energia elétrica
no domicílio).
57
Importa ressaltar que as unidades de significado associadas à violência
institucional com relação a outros serviços, que não os da saúde, foram mais
freqüentes e variadas na região B, o que pode levar a crer que a melhor condição
da mobilização popular leva a uma maior percepção da comunidade para com
essas formas de violência.
É particularmente grave pensar, no contexto da população brasileira,
permeado por desigualdades sociais e incompetências do poder público, nestas
práticas de violência institucional supracitadas. Arendt disse que a violência
dramatiza causas (citada por MINAYO, 2003, p. 23). A violência institucional pode,
portanto, ser considerada como a dramatização do descaso com que são tratadas
as áreas mais fundamentais para o bem-estar da população: saúde, educação e
segurança pública, entre as mais citadas pelos entrevistados desta pesquisa.
Na verdade, este descaso constitui-se numa triste tradição do Estado
brasileiro que foi iniciada desde a ocupação européia, passando pela escravidão,
pelas práticas de exploração e iniqüidade sociais perpetuadas ainda hoje, a
mazela da corrupção e a mistura entre o público e o privado. No período da
ditadura militar, houve ainda um agravamento do quadro, quando a violência
institucional passou a abranger, além de todas as situações de injustiça social, a
perseguição, as detenções arbitrárias, os maus-tratos e a tortura (ADORNO,
2002).
Percebe-se aí uma íntima relação entre as violências estrutural e
institucional. A estrutural seria o conjunto dos processos perversos que mantêm a
injustiça social, econômica e política em vigência, abarcando toda a sociedade e
alimentando a desigualdade, a exclusão, a corrupção e, finalmente, a própria
violência (ZALUAR, 2004; VELHO, 2000; ADORNO, 2002).
Contrariando o pensamento de que é difícil identificar a violência
estrutural, essas representações ficaram bastante evidentes nas entrevistas
realizadas. Isso leva a crer que a população tem uma visão mais clara da miséria
e da corrupção enquanto violências do que se imagina.
Porém, a gravidade atribuída a esse tipo de violência foi maior na visão
das lideranças da região B. Isso pode evidenciar que uma comunidade onde haja
58
melhor contexto de mobilização popular está mais sensível à percepção da
violência estrutural do que outra onde a mobilização ainda é incipiente.
As violências estrutural e institucional podem ser consideradas formas
irmãs. Ambas têm como sujeito este ente complexo e multifacetado que é o
Estado, cujas atitudes afetam, de uma forma ou outra, a todos nós. Althusser,
citando a definição marxista de Estado, afirma que este nada mais é que um
aparelho de repressão da burguesia sobre a classe trabalhadora, e serviços como
a escola e a polícia seriam aparelhos ideológicos responsáveis pela manutenção
dessa repressão (ALTHUSSER, 2003). Já para Hannah Arendt, o verdadeiro
Estado é marcado sempre pela pluralidade, pois está ancorado na lei. As outras
formas de Estado são, na verdade, tirania, pois o sentido da política está na
liberdade (ARENDT, 2006).
Desde o início da colonização do país, vigorou no Brasil, mais ou menos
explicitamente, a lógica da legitimação da desigualdade, o que se constitui, por si
só, num forte ato de violência (VELHO, 2000).
É triste observar que esta lógica inconscientemente ainda faz parte da
mentalidade de muitos servidores públicos de todas as áreas, resultando em
alguns dos casos de violência institucional relatados pelos entrevistados.
Por outro lado, este mesmo servidor público é simultaneamente
violentado nos dias de hoje pela falta de condições dignas de trabalho e de
subsistência, e pelos casos de delinqüência ocorridos no âmbito de serviços
públicos como escolas e instituições de saúde, fatos também mencionados nas
entrevistas.
Nas falas dos entrevistados, a polícia e os serviços de saúde são os
mais citados como praticantes de atos de violência institucional. A citação dos
serviços de saúde pode ter relação com o fato de esta pesquisadora se apresentar
como profissional da saúde ou de ter apresentado a pesquisa como sendo do
campo da saúde coletiva. Contudo, a freqüência dessas citações sugere estudos
mais aprofundados sobre o tema e traz à tona a complexidade dessa modalidade
de violência.
59
6.1.4. Outras violências:
Neste item, são abordadas formas de violência que pertencem a outras
linhas da rede, e não às três tipologias representadas pelas linhas verticais da
Figura 5. Emergiram duas manifestações que pertencem à linha do significado da
agressão física e psicológica:
6.1.4.1. Violência psicológica sobre a liderança comunitária:
Esta modalidade de violência emergiu nas entrevistas com os seguintes
exemplos: a liderança comunitária que se sente podada, sem ação, chateado,
triste, preocupado, tem de enfrentar tudo sozinho, correndo riscos, apavorada,
sofrendo muito, expondo a família, sofrendo críticas de pessoas que não fazem
nada e o descrédito em lideranças que integram a classe política.
Algumas falas que ilustram essa manifestação da violência:
Então a gente fica bastante chateado com essa forma de violência generalizada que tem dentro da
comunidade (...) E a gente então fica bastante triste por isso. (...) Da outra vez diz que teve ameaça,
teve não sei o quê e tal, e foi preciso eu enfrentar tudo sozinho, certo, corri o risco enfrentando
bandido, certo, tirar satisfação como dizem. Por quê ameaçar? Por quê que estavam fazendo
aquilo?... (A1)
... então o meu contato lá era muito forte, então eu ficava muito apavorada(...) Então pra mim não
se envolver, eu peguei e se afastei do cargo porque pra mó de ali sofre muito(...) e eu tive que
afastar pra própria segurança da minha família.(...) como eu fazia um trabalho na comunidade, e
era eu que era coordenadora, então tudo caía em cima de mim, né? (A4)
... aquelas pessoas críticas: Eu não faço, mas eu critico aquela que faz. Entendeu? Também é uma
forma de você fazer violência. Porque às vezes você não faz, você não participa, mas você critica
aquele lá fazendo inferninho. (...) Outro dia eu fui na fila do leite, e eu fui tentar pegar assinatura.
Aí eu fui pedir pra um rapaz: Moço, você assina aqui meu abaixo-assinado por causa disso, isso e
isso? Daí ele falou assim: ‘Não assino, não!’ Por quê? ‘Porque eu não gosto dessa raça! Eu odeio
político!’ (B11)
Segundo estudo realizado por Barata e Ribeiro (2000) em São Paulo em
1996, o desinvestimento em capital social e o afrouxamento das relações sociais
60
por parte da sociedade como um todo ajudam a explicar a violência. Isso pode
ajudar a explicar também a violência da pressão psicológica sobre as lideranças
comunitárias. O trabalho que as lideranças entrevistadas tentam desempenhar
nas suas comunidades baseia-se no voluntariado, na valorização da união e da
mobilização popular. Contraria, assim, manifestações da violência cultural como o
individualismo e o comodismo.
Porém, é importante observar que na região com melhor contexto de
mobilização popular (região B), onde há uma maior prática de interação e
colaboração entre as lideranças dos diferentes bairros, essa unidade de
significado emergiu em uma entrevista. Diferentemente, na região A, onde as
lideranças de bairros não têm, em geral, uma cultura de interação e colaboração,
essa unidade de significado emergiu em quatro entrevistas.
De qualquer forma, o tema pede estudos mais aprofundados sobre as
realidades das lideranças comunitárias, que se mostram com características muito
variadas nos diferentes contextos do país (ZALUAR, 2004).
6.1.4.2. Violência psicológica disseminada nas relações interpessoais:
Porque a violência em si, ela já existe. Nós nos violentamos muito. (...) Eu vejo assim essa violência
ela tá muito voltada pra questão pessoa mesmo, a pessoa não se autoconhece, essa falta de
conhecimento da própria personalidade, o relacionamento, essas coisas que você sabe que a gente
vive também, né, o relacionamento, ele é muito truncado, uma vez que a gente não se conhece...
(A11)
Nessa fala, a liderança aborda questões inerentes à violência
psicológica que perpassa o universo dos relacionamentos humanos, em função da
negligência que se comete com relação ao autoconhecimento. Embora essa
negligência tenha como foco o “eu”, percebe-se que, ao olhar da liderança, o
espaço onde se dá efetivamente a violência é o da relação com o “outro” (o
relacionamento é muito truncado).
Para Brandenburg e Weber (2005, p. 88), autoconhecimento é
autoconsciência (...) autoconhecimento é autodiscriminação de comportamentos e
61
estímulos a eles relacionados (...) expressa um conhecimento sobre o próprio
comportamento.
Isso constitui, de fato, uma chave importante para a melhora dos
relacionamentos interpessoais, pois possibilita que cada um possa se perceber
melhor nas interações com os outros (RODRIGUES; IMAI; FERREIRA, 2001, p.
126). Essa melhor percepção pode ser valiosa, pois abre outras possibilidades de
comunicação, evitando a falência da palavra que leva à violência (OLIVEIRA;
MARTINS, 2007).
6.1.5. Visão geral sobre a situação da violência:
Dentro desta primeira categoria, encontram-se também os significados
alcançados por meio da primeira pergunta, que teve por objetivo buscar um
primeiro olhar dos entrevistados sobre a violência como um todo, sem especificar
seus tipos. Obtiveram-se seis significados distintos, apresentados a seguir no
diagrama conhecido como teia de aranha:
Figura 6 – Demonstração gráfica em forma de teia de aranha da síntese das
unidades de registro obtidas na primeira pergunta.
62
A figura 6 descreve as convergências que ocorreram entre as unidades
de registro dos entrevistados com relação às impressões: violência controlada,
violência intensa, aumentando, diminuindo, generalizada e oriunda de “fora” da
comunidade, ou seja, de outros bairros ou regiões da cidade. Observando-se a
coluna central, onde estão dispostas as seis palavras que definem as unidades de
significado identificadas nas falas dos entrevistados, nota-se, pelo contraste na
concentração das linhas que indicam as respostas, que houve uma semelhança
bastante grande entre as duas regiões. Nas duas houve convergências
semelhantes: a violência está diminuindo, a violência está generalizada e a
violência vem de ‘fora’. Com relação à resposta controlada houve maior
convergência na região B, talvez pelo fato de esta região ser mais mobilizada e,
assim, já estar num estágio de controle da violência mais avançado. Porém, houve
convergência semelhante nesta região para a resposta contrária (intensa), o que
leva a crer que a ocorrência de violências na região ainda é freqüente.
Houve maior convergência na região B também na unidade de
significado “a violência está aumentando”. Isso pode ser devido ao fato de as
lideranças desta região terem maior percepção da realidade, partindo-se do fato
de que esta é a região mais mobilizada, ou essas mesmas condições de
mobilização popular possibilitariam que as lideranças se manifestem com relação
aos fatos violentos que lá ocorrem.
Nos próximos tópicos são apresentados mais detalhadamente os
resultados e a discussão com outros autores:
6.1.5.1. A violência na região está controlada / intensa / aumentando /
diminuindo.
Observou-se entre as lideranças comunitárias das duas regiões uma
divergência com relação ao estado geral da violência. Alguns disseram que a
violência está controlada, que a situação está calma e os eventos violentos são
poucos, como é o caso das falas das seguintes lideranças:
... a violência tá normal (...) Tem violência, mas não muito, tem pouco. (A6)
63
... não tem muita violência aqui. (...) Mas a parte de violência nossa aqui mesmo, no nosso bairro,
tá sossegado. Não temos nada de tá reclamando. (B1)
Outras lideranças enfatizaram que a situação da violência está muito
intensa, complicada, com eventos violentos acontecendo em grande quantidade:
Aqui acontece violência direto... (A8)
... porque tá preocupante sim, a violência é muito grande na região... (B8)
Outra divergência observada foi com relação ao aumento ou diminuição
recente da violência. Algumas lideranças afirmam que a violência está
aumentando com o passar do tempo, outras que está havendo uma diminuição,
inclusive devido à morte de líderes do crime, no caso da região A. Algumas falas
que ilustram a expressão “A violência está aumentando”:
Ó, até esses dias aí tava até bom, tava sem nenhum tipo de roubo, furto, nada, né? Aí de uns dois
meses pra cá já começou a violência... (A5)
... a situação tá piorando, eu acho que cada, conforme vai indo o tempo, cada vez fica pior. (B4)
... mas hoje a violência é mais do que antes. (B11)
Algumas falas que ilustram a unidade de significado “A violência está
diminuindo”:
... agora tá um pouco até bem mais melhor, né... então tá... tá mais melhor. (A6)
Olha, nós têm passado assim momentos é... agora mais tranqüilos, né? Mas já teve dias piores...
(B11)
É interessante observar que uma mesma liderança tem percepções
contraditórias com relação à situação da violência, como é o caso da liderança
B11. No início da entrevista, ela colocou a fala da violência diminuindo, mas no
final emitiu uma fala contrária, conforme as citações anteriores.
64
6.1.5.2. A violência está generalizada.
Foi freqüente também a afirmação de que a violência está generalizada
na cidade, e que suas regiões não estão mais violentas do que o restante da
cidade, ou do que outras áreas com as mesmas características.
... não é muito diferente dos outros bairros que tem as mesmas condições daqui. (A2)
... violência tá em todo lugar. (A10)
Bom, a situação aqui, do nosso bairro,(...) em relação à violência, está como em todo o espaço da
cidade, né, porque hoje o cidadão, em relação à violência, ele não se encontra seguro em lugar
nenhum. (B3)
Bom, a violência tá em todo lugar, né, não é na comunidade só. (B9)
Pode-se notar nas duas regiões posturas de naturalização da violência,
que é o mecanismo pelo qual a mentalidade de uma pessoa procura se acostumar
a um determinado fato contra o qual se acredita ser impossível fazer algo. O
pensamento positivista, predominante na sociedade ocidental, contribui para a
perpetuação desse fenômeno. O pensamento positivista baseia-se na teoria
segundo a qual o estudo do mundo social deve ser conduzido de acordo com os
princípios das ciências da natureza, uma vez que estes são passíveis de
experimentação e, por isso, comprováveis (GIDDENS, 2004).
Porém, para Arendt,
nada (...) poderia ser teoricamente mais perigoso para questões
políticas que a tradição do pensamento orgânico, pelo qual o
poder e a violência são interpretados em termos biológicos. (...)
enquanto falarmos em termos (...) biológicos, os glorificadores da
violência sempre poderão apelar para o fato inegável de que no
seio da natureza a destruição e a criação não são mais que os
dois lados do processo natural, de maneira que a ação violenta
coletiva (...) pode aparecer como um pré-requisito natural para a
vida coletiva da humanidade... (ARENDT, 2004, p. 146)
Assim, considerar a violência como algo próprio da natureza do ser
humano, devido à comprovação desse fato que as experiências biológicas
65
proporcionam, é, na verdade, justificar atos violentos e assim promovê-los a algo
tolerável.
Melo et al. (2007), num estudo sobre a relação de jovens moradores do
Morro das Pedras, em Belo Horizonte, com a violência constataram, com muita
clareza, esse processo de naturalização e, além disso, a legitimação da violência
como mediadora das relações, processo ao qual, muitas vezes, o indivíduo se
submete sem perceber, levado pelas regras sociais impostas pela violência.
Melo et al. (2007) também observaram a atitude da generalização da
violência nos jovens do Morro das Pedras. Para eles, a violência é onipresente e
não há como acabar com ela. Porém, diferentemente dos entrevistados da
presente pesquisa, aqueles jovens assumem que a violência existe no seu próprio
cotidiano, que a presenciam com freqüência e até mesmo que a cometem.
Esse processo de generalização da violência pode indicar uma postura
de defesa diante da realidade. Velho (2002, p. 47-48) chama essa atitude de tapar
o sol com a peneira. Ou seja, recorre-se a argumentos como: a violência está em
todo lugar; aqui está ruim, mas fora daqui também; como se isso fosse amenizar
ou até resolver a situação que está mais próxima do respondente. Porém, isso só
faz com que esta situação torne-se ainda mais fora do controle da população.
6.1.5.3. A violência vem de fora (de outros bairros e regiões).
Nas duas regiões foi freqüente a referência à situação de existirem
bairros considerados mais violentos que outros. No caso da região A, segundo as
lideranças, há alguns bairros que seriam os causadores da violência da região. Já
para as lideranças da região B, a violência vem de outras regiões da cidade,
denominadas sob a expressão genérica de fora.
... aqui no bairro, a gente não tem tanto, tanto... como se diz, os roubos, essas coisas, né, tem mais
lá pra cima, né, no (...), é onde que tem mais coisa (...) eu não vou dizer que aqui não tem, teve
alguns aí, mas é bem mais pouco do que lá, né, do outro lado. (A10)
A maioria da violência acontece quando, a maioria de gente de fora que vem (...) mas na realidade
daqui dentro do bairro, não teve nada a acrescentar aqui dentro do bairro. Foi mais de fora, né,
aconteceu mais de fora que... “intruso”, né, “penetra” que a turma fala. Que vem no local e tem
66
conhecimento, vem de fora e faz as brigas aí. (...) Sempre há [tráfico de drogas], né, mas nunca é
assim... criado aqui dentro, né? Esse tipo de movimentação aqui dentro do próprio bairro sempre
mais é de fora, né, que vem. (...) Gangue vem de fora. Vem de fora... (B1)
... mas a violência é o seguinte, é o que eu falei, pra você sair daqui do nosso bairro até o centro dá
10 quilômetros, você corre vários riscos e você vê vários problemas, assaltos... (B9)
Os significados até aqui mencionados refletem a complexidade da
relação do ser humano com a violência e suas facetas antagônicas e
contraditórias. Observam-se atitudes de negação e afastamento, como nas
unidades de significado “a violência está controlada” e “a violência vem de fora”.
Observou-se ainda a contradição na fala de uma liderança da região B, que trouxe
visões antagônicas sobre o aumento ou a diminuição da violência. Estas
observações remetem às palavras de Minayo (2006b, p. 27):
A maior parte das dificuldades para conceituar a violência vem do fato de
ela ser um fenômeno da ordem do vivido e cujas manifestações
provocam ou são provocadas por uma forte carga emocional de quem a
comete, de quem a sofre e de quem a presencia.
Esta carga emocional desencadeada pela violência poderia não estar
presente com toda a sua força no momento da entrevista, mas inconscientemente
se fez presente nas atitudes de negação, afastamento e contradição evidenciadas
nas falas dos entrevistados, o que demonstra que a violência não é um tema
confortável para muitos deles.
É importante observar também a semelhança das unidades de registro
das duas regiões. Todas os significados encontrados foram comuns. Isso
evidencia que, embora haja diferenças entre os contextos de mobilização popular
das duas regiões, a situação de violência é percebida em ambas e constitui um
fenômeno cuja percepção é inevitável para a comunidade.
Uma atitude dos entrevistados que corrobora um dos pressupostos
deste estudo é a afirmação implícita nas respostas da negatividade da violência.
Quando afirmaram que a violência está intensa, definiam a situação da
comunidade com palavras negativas como: preocupante, cada vez pior, etc.
Quando a resposta era que a violência está controlada, surgiam palavras positivas
67
como: bom, melhor, mais tranqüilo, etc. Não ocorre, pelo menos explicitamente, o
que Porto (2006, p. 262) identifica na violência como afirmação identitária, como
afirmação pela força. No que se refere à prática delinqüencial, por exemplo, esta
não é enaltecida, mas sim criticada.
6.1.6. Compreendendo as manifestações da violência urbana:
Dentro da multiplicidade de manifestações da violência identificadas
pelos entrevistados, é possível agrupá-las basicamente em duas grandes
representações:
Violência é o outro;
Violência é o contexto;
A primeira diz respeito às formas de violência identificadas pelas
lideranças que se traduzem em atos cometidos por outras pessoas, ou seja, a
violência se traduz em algo que um outro faz contra mim ou contra alguém com
quem me identifico e solidarizo. Aí estão as representações de violência como
sendo os assaltos, furtos, roubos, homicídios, a violência doméstica e a
delinqüência juvenil.
Já as pessoas que trouxeram a segunda representação, a violência é o
contexto, referiram-se à violência como sendo a corrupção, a miséria, a exclusão
social, o desemprego, a deficiência do Estado, o preconceito e a trama complexa
do tráfico de drogas. A violência se traduz em um ato sem sujeitos definidos. Não
é possível identificar o outro que seria o culpado pela violência, mas sim um
contexto que ocasiona a situação de violência. Essa percepção denota uma maior
sensibilidade diante da realidade, pois vai além da culpabilização do outro. Vale
ressaltar que a convergência em torno desta representação foi maior na região B,
comunidade mais mobilizada, do que na região A.
68
É importante observar a ausência de representações que dizem respeito
à autoviolência. Minayo (1998), num estudo que avaliou o significado do suicídio,
afirma que este se reveste de um intenso significado social e emocional. Ao
mesmo tempo, segundo o estudo de Mello-Santos et al. (2005), estamos vivendo
no Brasil um incremento nas taxas de suicídio, especialmente entre jovens. Talvez
a não-menção do suicídio entre as representações de violência dos entrevistados
deva-se a esta carga social e emocional que o evento traz, o que faz com que este
evento fique no campo do não-dito, que muitas vezes é mais rico de significado do
que aquilo que foi dito. Isso porque o não-dito abriga partes da realidade que a
retórica não abrange, e vice-versa (SILVA; DAMASCENO, 2005).
Esta observação pode ser estendida inclusive para a literatura da saúde
sobre o assunto. É difícil encontrar estudos que abordem o significado da
violência, mais ainda o significado para lideranças comunitárias.
Uma outra possibilidade seria a de que a violência seja, de fato,
entendida pelos participantes como algo que provém exclusivamente de um outro,
e nunca de si próprio, levando, por exemplo, à não-representação do suicídio
enquanto violência. Isso demonstraria mais um mecanismo de defesa diante da
violência, que levaria o indivíduo a se omitir quando se trata de se reconhecer
como o violentador. Este buscaria, assim, identificar-se apenas à condição de
vítima, ou até mesmo de simples espectador da violência.
6.2. Reações à violência
Nas unidades de registro desta categoria, surgiram exemplos do que
seriam as reações e não-reações da comunidade à violência. A figura abaixo
representa as convergências em torno dos significados, distribuídos na coluna
central, pelos entrevistados das duas regiões, distribuídos nas colunas laterais.
69
Figura 7 – Demonstração gráfica em forma de teia de aranha dos
significados da categoria Reações à violência.
Na figura 7, o primeiro aspecto que chama a atenção é a convergência
em torno do significado da não-reação à violência. De fato, foi preponderante a
afirmação dos entrevistados nas duas regiões sobre a dificuldade que as
comunidades têm de reagir contra a violência. As causas dessa não-reação são
abordadas no tópico 6.2.2.
Porém, foram apontadas também importantes reações à violência. Pela
concentração das linhas na figura 7, a princípio, tem-se a impressão de que a
mobilização comunitária seja mais desenvolvida na região A. Mas, para
compreender essa distribuição, é necessário antes entender que a mobilização
comunitária é o primeiro passo que uma comunidade precisa dar para acumular
capital social e, assim, conseguir obter mudanças positivas para toda a
comunidade (vide figura 1, na página 22). A mobilização é o primeiro momento de
uma série de ações (SOUZA; GRUNDY, 2004).
Além disso, as unidades de significado da região A que versavam sobre
mobilização comunitária ficavam todas no campo da tentativa de mobilização
70
(convocação de reuniões, às quais poucas pessoas atendem; reclamar para a
liderança comunitária, sem se propor a trabalhar junto a ela, etc). Nenhuma trazia
relatos de um estado já desenvolvido de mobilização, com conseqüente acúmulo
de capital social, como ocorreu na região B.
Entre reações para o enfrentamento da violência citadas na região A,
destacaram-se aquelas que implicam recorrer a alguém de maior poder, como as
próprias lideranças, políticos, a polícia, etc. Muito pouco se falou sobre ações de
mobilização que partam da própria comunidade, entendida assim como sujeito do
processo.
Na região B, pode ser observada uma quantidade e variedade maiores
de estratégias de enfrentamento, com destaque para a prática de parcerias entre a
comunidade (que para interagir com outros atores sociais, precisa já estar
mobilizada) e serviços, empresas, universidades, profissionais e o próprio poder
público. Observou-se assim um estágio mais avançado de mobilização,
comprovado a partir do olhar mais amplo diante do universo de estratégias de
enfrentamento, retratado na distribuição das convergências na figura 7.
De forma geral, pode-se afirmar que, na região A, as lideranças mantêm
uma postura que tende mais à reivindicação, enquanto na região B predomina a
visão da importância da mobilização e da articulação da comunidade nas
parcerias.
Para facilitar a compreensão dos significados das reações, estes foram
agrupados nos próximos itens. Posteriormente, vem a discussão de cada
significado com base na literatura.
6.2.1. As reações da comunidade à violência
6.2.1.1. Reações a partir da mobilização comunitária:
Foram citados como estratégias utilizadas pela comunidade a realização
de encontros, reuniões, abaixo-assinados, protestos, a estruturação da associação
de moradores, comunicação e vínculo entre vizinhos, tentativa de construção de
um centro comunitário, organização de eventos culturais e educacionais,
mobilização entre lideranças comunitárias, participação em eventos para encontrar
71
soluções na área de saúde pública, aumento do número de lideranças
comunitárias e os projetos destinados a crianças e adolescentes.
A comunidade, ela tem o lado dela de como agir. Eles agem como? Me pedindo socorro. E muitas
das vezes eu passo pra eles que, se eu posso fazer alguma coisa, eles também podem. (A1)
... porque a gente pede, a gente já fez vários encontros, reunião, colocando, falando, a gente pede
(...) As pessoas assim tá sabendo, vê, reuniões assim que são chamadas pra tá articulando (...) é
uma dificuldade imensa pra tá articulando gente... (A2)
O pessoal tá querendo levar abaixo-assinado, protesto, né, pra ver se dá uma melhorada. (A5)
Traçando um paralelo entre os significados encontrados na primeira
categoria (Violência é o outro e Violência é o contexto), a fala da liderança A1
mostra o quanto esta comunidade situa o foco de todo o problema e também das
possíveis soluções para a violência fora de si mesma. Isso vem ao encontro
também dos significados discutidos no tópico 6.1.5, onde puderam ser observados
mecanismos de afastamento e negação da violência.
Essa postura dificulta a assunção do protagonismo por parte da
comunidade diante do enfrentamento da violência. A fala da liderança A2 mostra
essa dificuldade na prática. A da liderança A5 retrata uma estratégia em que está
inerente a lógica da centralidade do outro, ou seja, é preciso assumir uma postura
meramente reivindicatória, pois não há nada que a comunidade possa fazer por si
própria.
... aqui nesse bairro em que nós moramos tem em torno de 270, 280 famílias. Pelo menos o que a
gente vê entre eles aqui, tem uma combinação extraordinária. Tem um vínculo, as pessoas se
combinam. Todo mundo trabalha igual, respeitam o próximo. (B1)
Eu acho que assim, a sociedade local conversa muito, eles discutem, eles participam e procuram
ser respeitado. (B3)
Aqui nós conhecemos todas as famílias, e a gente faz um trabalho também de conscientização das
pessoas, de amigo pra amigo, né? (...) Porque [aqui não tem homicídios]? Porque todo mundo
conhece todo mundo, e a gente sempre procura conversar com o fulano, explicar pro fulano... (B9)
72
Nas falas da região B sobre mobilização popular, ficou evidente o nível
de articulação mais desenvolvido da comunidade. Lá as pessoas falaram sobre
comunicação, vínculo, respeito ao próximo, amizade, etc. São relatos que
mostram um maior acúmulo de capital social.
A maior parte das reações que estão sendo praticadas contra a
violência situa-se no campo da mobilização popular tanto na região A quanto na B.
Isso evidencia a preponderância desta estratégia como meio para combater a
violência a partir de suas raízes. A mobilização da comunidade reduz e previne a
violência, pois promove valores de paz e oferece oportunidades de vida aos
grupos expostos a maiores riscos sociais. Por outro lado, o desinvestimento em
produção de capital social e o afrouxamento das relações sociais ajudam a
explicar a violência. (MACEDO et al., 2001; BARATA; RIBEIRO, 2000;
AISENBERG; ELL, 2005).
Em todos os casos conhecidos de cidades ou bairros que buscaram
combater a violência, a mobilização da comunidade sempre desempenhou o papel
de força motriz de todo o processo (BIANCARELLI, 2006; CROWE; FERREIRA,
2006; DIMENSTEIN, 2006a).
6.2.1.2. Reações a partir do acesso a políticos:
Uma liderança mencionou a prática de reivindicações junto a
vereadores:
Por enquanto o pessoal tem reclamado pra gente [presidente da associação de moradores], e a
gente tem pedido. Eu já pedi pro [vereador]; na Câmara de Vereadores tem um ofício solicitando
uma viatura pro [bairro]. (A5)
A região A demonstrou utilizar mais as reações ligadas à busca de um
“outro” que tenha mais poder que o “eu”.
A fala da liderança A5 mostra o segundo momento após a reivindicação
da comunidade a ele: seguindo essa relação de transferência de poderes e
responsabilidades, ele também se limita a buscar alguém que considera estar
acima dele na escala de empoderamento, no caso, um vereador.
73
Como já era esperado, a região com menor mobilização popular recorre
mais às autoridades, possivelmente porque vê nesta atitude a única alternativa
que lhe resta.
Algo que chama a atenção entre os resultados desta pesquisa é a
quase ausência de respostas em que a classe política é vista como um possível
solucionador do problema da violência. Isso mostra um pouco do descrédito de
que sofre essa classe no Brasil, conseqüência da corrupção e da incompetência já
demonstradas tantas vezes no caso de um problema complexo como a violência
(VELHO, 2000).
A atitude reivindicativa tem seu valor entre as estratégias de
enfrentamento da violência. É importante reivindicar das lideranças (comunitárias,
políticos, a polícia) que cumpram seu papel. Porém, esta não deve ser a única
atitude. A atuação da comunidade não deve se limitar a isso, pois a violência não
se combate apenas através de medidas repressivas (ROLIM, 2006), como a
solicitada pela liderança A5 (viatura de polícia), e sem a participação efetiva da
comunidade.
6.2.1.3. Reações a partir do acesso à polícia:
Foram citadas as seguintes estratégias: recorrer a autoridades da área
de segurança, fazer abaixo-assinados exigindo agilidade na investigação de
crimes, fazer protestos exigindo policiamento e recorrer à P2 (Serviço Reservado
da Polícia Militar, são policiais que trabalham à paisana, realizando serviços de
inteligência).
... eu tenho muita amizade com o pessoal do batalhão, né, e to no meio sempre, tenho uma amizade
boa com o comandante da polícia, vários tenentes, vários sargentos, e a gente então tem a
facilidade de trazer eles até aqui pra dentro... (A1)
Já fizemos protesto, já fizemos tudo aí sobre esse negócio de viatura passar aqui no bairro... e
continua não passando... (A8)
Agora, aí com isso, o quê que eu fiz? (...) Eu fui pedir segurança. Me dirigi às pessoas competentes
pra dá segurança pro meu bairro. (...) E agora mesmo eu tô movimentando, (...). Assim, forçando
74
as pessoas a serem mais ágeis na investigação dessa violência (...). E agora estamos fazendo um
abaixo-assinado, estamos quase com 1000 assinaturas, pra entregar pro serviço público, pra
intensificar a segurança no nosso bairro, que hoje ela é muito falha também. Mas a gente sabe que
eles [policiais] não têm o efetivo humano pra colocar na rua, então ele passa assim de vez em
quando (...) Então eu trabalho muito com a P2, né? A P2 é a minha aliada. (B11)
Um outro ator que detem poder aos olhos da população é a polícia. Na
região A foi bastante recorrente o relato da busca de ajuda da polícia para resolver
situações agudas de violência e as pessoas demonstram esperarem mais deste
ente público. No relato da região B aparece mais o discurso da tentativa de
parceria com a polícia, e não simplesmente a postura reivindicativa, e a
consciência sobre a violência institucional praticada pela polícia, principalmente a
manifestada sob a forma da corrupção, foi mais intensa (tópico 6.1.3.1).
O policiamento sem dúvida tem papel relevante no combate à violência
(ROLIM, 2006). Em todos os locais onde foram tomadas medidas eficazes contra
a violência, o melhor aparelhamento e capacitação das polícias estavam em pauta
(BIANCARELLI, 2006; DIMENSTEIN, 2006b).
Porém, o que se apreende das falas dos entrevistados é uma
ineficiência tanto da ação reivindicativa da população quanto da resposta dada
pela polícia a essas reivindicações.
6.2.1.4. Reações a partir das igrejas:
Foram citadas como estratégias as pastorais e a catequese, enquanto
centros de formação para a não-violência, a busca de um refúgio e de um caminho
em Deus e na organização social que a igreja possibilita e o oferecimento de
cursos profissionalizantes por algumas igrejas.
Eu vejo a Pastoral da Criança que ela tenta, na medida do possível, reunir com as mães pra tratar
toda essa questão da violência em casa com as crianças (...) a nível de Igreja, pastoralmente
falando, eu vejo já uma mudança assim muito no silêncio, muito personalizadamente, não essa
coisa de juntar o povo tudo dentro do barracão e aqui vamos falar sobre a conscientização da
violência no nosso bairro. Não. Cada pastoral tá tentando. Eu vejo no trabalho catequético. A
catequese é o centro de toda a formação pra não-violência na comunidade. (A11)
75
As pessoas têm buscado muito nas igrejas, estão se organizando enquanto sociedade mesmo
através de Deus, pra ajudar a resolver os problemas, né? (...) Então eu vejo assim, eu tava até
conversando essa semana: “Nossa, mas em cada esquina tem uma casinha, é uma igreja! Você
passa, a igreja tá lotada!” Eu acho que é o refúgio que as pessoas tão procurando, assim, um
caminho. (B3)
As igrejas, de maneira geral, são espaços privilegiados da mobilização
popular. Suas atuações têm por base o envolvimento da comunidade e a vivência
de valores positivos, como a união, a fraternidade e a busca da paz.
O seguinte trecho abre a encíclica Gaudium et Spes, do Concílio
Ecumênico Vaticano II:
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que
sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e
as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma
verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.
(...) Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada
ao gênero humano e à sua história. (CONCÍLIO ECUMÊNICO
VATICANO II, 2001, p. 540)
A preocupação com a caminhada da humanidade rumo à paz e ao bem
esteve, desde as origens, prevista na missão da Igreja Católica. Apesar de, em
alguns períodos da História, a própria Igreja ter agido como violentadora (seria o
caso da Idade Média), nas últimas décadas pode ser observada uma atuação
constante desta em causas sociais, como é o caso da Pastoral da Criança, hoje
presente em diversas partes do mundo, citada pela liderança A11. Em quase
todas as religiões, existe esta mesma preocupação e atuação.
Na região B, foi ainda mais intensa a percepção das igrejas enquanto
espaço de mobilização popular, busca de ajuda e de valores positivos para a vida
(expressados nas palavras refúgio e caminho na fala da liderança B3, por
exemplo). De fato, alguns estudos internacionais têm comprovado o papel da
religião como fator de prevenção da violência (HOWARD; QIU; BOEKELOO, 2003;
NONNEMAKER; MCNEELY; BLUM, 2003; BRICEÑO-LEÓN, 2005).
76
Isso traz à tona a realidade da importância do papel que as igrejas
desempenham na vida da sociedade brasileira, especialmente nas comunidades
mais carentes.
Porém, se levarmos em conta a condição de baixa mobilização popular
da região A, por exemplo, fica evidente a necessidade de melhor difusão dos
valores apregoados e vividos nas igrejas em outros espaços de construção social.
Ou seja, é necessário que as pessoas coloquem mais em prática aquilo que
absorvem como princípios dentro das igrejas, por exemplo, por meio da
mobilização popular, e assim os valores de paz assumam formas concretas no
cotidiano da sociedade.
Traçando um paralelo entre a atuação das Igrejas e das ONGs, no que
toca ao fato de ambas serem, normalmente, dirigidas por pessoas de fora da
comunidade, o trecho a seguir de Zaluar (2004, p. 405) ilustra essa necessidade
de associação entre as pessoas que vivem no bairro afligido pela violência, saindo
da dependência estrita das formas de mobilização ocasionadas por agentes
externos à comunidade:
... é preciso haver associações vicinais fortes. O esvaziamento e a
submissão dessas associações fazem parte da cadeia de efeitos
que estabelece um dos muitos círculos viciosos que eternizam a
violência. E as ONGs, em sua maioria dirigidas e tocadas por
pessoal contratado fora, definitivamente não substituem essas
associações. Os moradores precisam se associar entre si,
independentemente das ONGs e sem a concorrência delas, para
revitalizar os muitos serviços que há décadas vinham sendo
prestados pelas associações.
Para um combate efetivo à violência, é necessário que haja uma coesão
nas relações locais, sem depender de agentes externos à comunidade. Fomentar
essa coesão talvez seja um dos papéis mais importantes que as igrejas podem
desempenhar no combate à violência.
6.2.1.5. Reações por meio de parcerias com serviços, empresas e profissionais:
Foram citadas as seguintes ações: recorrer ao conselho tutelar, trazer
psicólogos para conversar com as famílias de adolescentes delinqüentes, fazer
parcerias com escolas, oferecer oportunidades de trabalho para adolescentes,
77
acompanhamento e orientação de mulheres violentadas e realizar palestras de
orientação contra a violência.
... as mães desses meninos que praticam violência, a gente tenta trazer pessoas, trazer psicólogo
pra tá conversando com a família, estruturando... (B10)
Aí assim, a escola do (...) aqui embaixo, ela dá esses cursos (...) Eu pego um menino que ele nunca
trabalhou na vida. Aí eu ponho no pacote, vou ensinando ele, ele vai aprendendo, fazendo alguma
coisinha daí, tudo, aí daqui a uns dias, com 16, 17 anos, ele pode entrar numa empresa maior, que
pode pagar mais, pode remunerar ele melhor, pra trabalhar. (B11)
... a gente tem acompanhado [as mulheres violentadas em casa] e às vezes até orientado pra que
busque ajuda e os órgãos adequados pra essa ajuda. (...) Nós aqui na entidade, nós temos oferecido
algumas palestras. A gente tem trazido um pessoal pra falar sobre esse tema também com os pais,
pra que possam ser orientados. (B12)
Esta reação emergiu apenas na região B. Esta região é marcada pela
realidade da parceria, seja entre vizinhos, como ficou descrito em itens anteriores,
seja entre a comunidade e outros recursos da sociedade, como serviços,
empresas e profissionais.
Esta busca de parcerias evidencia as características de uma
comunidade mobilizada, que não se contenta em simplesmente reclamar ou fazer
reivindicações infrutíferas. A comunidade que busca parcerias demonstra que se
percebe enquanto sujeito da própria história e sente-se capaz de agir para mudar
essa história.
No campo do combate à violência, estas parcerias tornam-se ainda mais
importantes, dada a complexidade de recursos mobilizados pelo problema. Não se
combate a violência com uma única ação, partindo de um único ator. A parceria é
uma ferramenta que, por si só, implica na atuação de múltiplos entes, que vão
desde o poder público até o cidadão comum.
Nos locais onde se conseguiu um combate mais efetivo contra a
violência, como Diadema, Bogotá e Medellín, a parceria foi sempre a chave da
78
transformação que perpassou as vidas e as estatísticas locais (BIANCARELLI,
2006; DIMENSTEIN, 2006a).
6.2.1.6. Recorrer à segurança particular:
Hoje o comércio pra trabalhar mais sossegado assim tem que ter o segurança do lado, pagando
uma pessoa pra ficar do lado ali olhando, pra ver se chega uma pessoa mais suspeita. (B11)
No contexto da sociedade capitalista impera o pensamento de que é
possível adquirir pelo dinheiro coisas que proporcionem bem-estar, como a
segurança. No Brasil, o mercado da segurança privada, que abrange contratação
de pessoas para cuidarem da segurança de residências e estabelecimentos
comerciais, aquisição de aparelhos, instalação de sistemas de segurança, como
circuito interno de TV, etc, é crescente e reflete esta busca por sanar uma
necessidade básica através da aplicação de recursos financeiros pessoais, em
virtude da incompetência dos serviços públicos para suprir esta mesma
necessidade.
Por outro lado, essa indústria é alimentada pelos crescentes
sentimentos de insegurança que a violência, a cada dia mais, tem mobilizado na
sociedade. Minayo (2006b, p. 25) assim descreve esse quadro da complexa
relação comércio – (in)segurança:
... floresce aqui no Brasil uma poderosa forma de comercialização
dos sentimentos de insegurança da população: construção de
condomínios com numerosos dispositivos técnicos que
encarecem seus custos e os tornam segregados; blindagem de
carros; serviços de segurança patrimonial e pessoal; produção de
grades e armas, dentre outros. Vários autores têm mostrado que
o incremento da violência vem modificando a paisagem e a
arquitetura das grandes cidades brasileiras.
É importante ressaltar que esse quadro descrito por Minayo já não
abrange somente a camada privilegiada da sociedade, mas começa a adentrar a
realidade da classe média-baixa. Evidência disso é o relato da liderança
comunitária entrevistada nesta pesquisa, que parte de alguém pertencente a esta
classe.
79
6.2.1.7. Negociação com criminosos:
E outra coisa que a gente vê também hoje, que não é o meu caso, mas a gente vê casos de pessoas
que já tão querendo fazer igual lá no Rio de Janeiro, ficar indo pro lado de um bom
‘negociamento’ com os bandidos pra ter proteção. (B3)
Na região B veio à tona também a realidade das parcerias entre
lideranças comunitárias e traficantes, como ocorre declaradamente no Rio de
Janeiro. Esta resposta não apareceu na região A, mas não é possível afirmar que
isso não ocorra também lá. Isso mostra também a heterogeneidade interna das
regiões no tocante à visão sobre enfrentamento da violência. Apesar da região B
ser, de forma geral, mais mobilizada, existem olhares apontando para diversos
caminhos que nem sempre levam ao exercício da cidadania.
Por outro lado, a negociação com criminosos não pode deixar de ser
considerada uma forma de mobilização, pois implica, para a liderança comunitária,
sair da sua zona de conforto e fazer algo por seus próprios recursos. Porém, o
resultado dessa forma de mobilização é negativo, pois passa a envolver um tipo
de liderança que não está interessada no bem da comunidade, mas sim do seu
próprio negócio: o traficante (ZALUAR, 2004).
A situação de barganhas e negociatas entre a comunidade e o crime
talvez seja a evidência mais flagrante e preocupante da falência do Estado na
gestão da segurança pública.
Em comunidades carentes, tem sido cada dia mais comum a situação
em que o crime, com seus vastos e ilegais recursos financeiros, supre as
necessidades básicas da população, ocupando assim um papel que seria do
Estado.
Segundo o relato da liderança registrado acima, esta situação começa a
acontecer também em Londrina.
O trecho a seguir, de um artigo de Sérgio Adorno (ADORNO, 2002, p.
19 e 21), corrobora o descrito até aqui:
Na atualidade, cada vez mais, o crime organizado opera segundo
moldes empresariais e com bases transnacionais, vai-se impondo,
colonizando e conectando diferentes formas de criminalidade
(crimes contra a pessoa, contra o patrimônio, contra o sistema
80
financeiro, contra a economia popular). Seus sintomas mais
visíveis compreendem emprego de violência excessiva mediante
uso de potentes armas de fogo (daí a função estratégica do
contrabando de armas), corrupção de agentes do poder público,
acentuados desarranjos no tecido social, desorganização das
formas convencionais de controle social. (...) Em contrapartida, a
grande maioria da população urbana depende de guardas
privados não profissionalizados, apóia-se perversamente na
proteção oferecida por traficantes locais...
O uso dessa estratégia também tem relação com o descrédito de que
sofre a classe política brasileira, retratado no tópico 6.2.1.2. A população, se
vendo desamparada pelo Estado, busca outros meios que lhe proporcionem o
mínimo de segurança (ZALUAR, 2004).
Também tem relação com isso a imagem de poder e força que envolve
a figura do traficante em muitas periferias e que seduz, principalmente, a
juventude (MELO et al., 2007).
6.2.2. As não-reações à violência:
O não-enfrentamento da violência, na região A, na visão dos
entrevistados, está ligado a características e atitudes culturais da comunidade, à
estagnação de organizações populares e, primordialmente, à chamada lei do
silêncio ocasionada pelo medo de sofrer retaliações dos chefes do tráfico de
drogas.
Na região B, semelhantemente à região A, emergiram as características
e atitudes culturais (apatia, alienação, individualismo, comodismo, passividade) e
o medo, que acaba sustentando a vigência da lei do silêncio.
Não apareceram na região B, porém, as situações de estagnação das
organizações populares e de transferência da responsabilidade sobre o problema
para o governo.
6.2.2.1. As não-reações relacionadas a características / atitudes culturais da
população:
Foram identificadas as seguintes situações: apatia, indiferença,
isolamento, alienação, individualismo, passividade, comodismo, não-aceitação de
81
ajuda pelas famílias de menores delinqüentes, falta de perseverança e de união e
transferência de toda a responsabilidade para o “governo”.
Não, a comunidade aqui é muito é... não sei se é muito, as pessoas que moram aqui, eu não sei se é
mais sossego, que às vezes a pessoa não manifesta muito. (...) é um povo meio sossegado. (...) mas
sempre o pessoal aqui é bem parado. Não é dizer que eu tô falando que, é... mas é bem parado por
causa assim de a gente tá chamando pra alguma coisa a mais... é um pouco parado. (A6)
... os próprios pais também, né, às vezes conhecem os filhos que tão lá [na escola] fazendo alguma
coisa e fazem que não conhecem... (A2)
Olha... eu acho que falta mais no povo perseverança. Porque eles buscam, do jeitão deles, mas
falta perseverar (...) E um pouco mais de união. Falta isso na comunidade. O povo não é muito
unido pra essas coisas. Tá muito mais individualizado, né? Tá todo mundo preocupado com seus
quintais, preocupado com as suas casas, mas essas coisas mais do senso comum partem mais
daquelas lideranças mais firmes mesmo. (A11)
Aqui? Aqui é complicado... Aqui, o pessoal daqui não é muito de, sabe, aceitar conversar (...) a
família [do menor delinqüente] não comparece no horário que foi marcado [com a psicóloga], no
dia, é... então é muito difícil, aqui é bem complicado conversar com eles sobre isso. Porque a
própria família não aceita ajuda. Então pra gente fica complicado. (B10)
Olha, tem umas pessoas que são passivas. “Enquanto não tá batendo na minha porta, não tô nem
aí”. (B11)
Observa-se mais uma vez o mecanismo de defesa do afastamento
despertado pela violência, que passa a ser vista pela liderança comunitária como
responsabilidade exclusiva do governo:
... é difícil a comunidade se envolver nisso aí, se envolver em roubo, né, assalto, não tem como.
Quer dizer, quem tinha que vê isso aí é o governo, o governo tinha que investir mais na segurança,
no bairro. Isso aí vai do governo, o governo tem que investir... (A7)
As características da apatia, comodismo e alienação são velhas
conhecidas da população brasileira. Acredita-se que, no Brasil, a índole do povo
82
apresenta os traços da indolência e da passividade. Nunca se pode generalizar,
como se todos os brasileiros em absoluto fossem assim. Mas é a maioria,
infelizmente, quem tem dado o tom na história do Brasil desde os primeiros anos
de existência do país (VELHO, 2000).
Gilberto Velho, em sua coletânea de textos publicada em 2002, chega a
afirmar: Não há cidadania no Brasil. Nem de primeira, nem de segunda ou de
última classe (VELHO, 2002, p. 48). Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro
Raízes do Brasil (HOLANDA, 2006), traz uma explicação que pode ajudar a
compreender essa dificuldade de organização e a conseqüente ausência de
cidadania de que fala Velho. Holanda argumenta sobre a cultura da personalidade
própria dos povos ibéricos, segundo a qual mede-se o valor de uma pessoa pelo
quanto ela não precise depender dos demais, em que não necessite de ninguém,
em que se baste (HOLANDA, 2006, p. 32). Para Holanda, é dessa cultura que
resulta largamente a singular tibieza das formas de organização,
de todas as associações que impliquem solidariedade e
ordenação entre os povos. Em terra onde todos são barões não é
possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior
respeitável e temida (HOLANDA, 2006, p. 32).
Essa herança lusitana teria repercutido na dificuldade de organização e
associação, o que faz com que a mobilização popular seja um perene desafio para
o Brasil.
6.2.2.2. Não-reações relacionadas ao medo:
Foi citada como causa para a não-reação a lei do silêncio, que faz com
que os moradores se sintam reféns do tráfico e acabem por não fazer denúncias
dos crimes à polícia.
... as pessoas têm medo, né, até pra tá conversando sobre a violência as pessoas ficam intimidadas,
ficam com medo... (A2)
83
Eu vejo aqui a comunidade é cada um se calar! (...) Porque se acontece alguma coisa na área,
nessa área aqui, então todo mundo se cala, mesmo que as pessoas sabem você não pode falar,
porque se eu for falar pra você: ‘fulano matou fulano’, a minha vida tá correndo risco, né. ‘Ah, eu
to vendo a filha de fulano se prostituir!’ Se eu for se manifestar, como a gente não tem segurança
nada, a família da gente tá correndo risco, né. (...) Então eu presenciei muita coisa, e sempre,
sempre a comunidade se cala, ela não tem o direito de falar, porque se você fala, você é expulsa da
casa, né? (A4)
É, eu avalio uma questão problemática. Porque quando eu falo pra você que a questão da
violência, ela hoje, uma das coisas que envolvem muito também é a questão do tráfico de drogas. E
hoje a comunidade, ela é refém do tráfico. (B2)
A comunidade... eles enfrentam é no sigilo. Porque a gente tem muito medo e... e outra, realmente
tende a, acontecido algum fato, eles realmente põe fogo [nas casas], põe as pessoas pra correr e
talvez saia até morte numa parte dessas. Se a pessoa conta... inclusive esse momento também da
gente tá conversando é uma coisa que, temos que tomar uma providência sim, só que tem que ser
numa parte bem especial pra não me trazer problema. (...) E é o que eles não fazem [comunicar as
autoridades], entendeu? Por causa de medo mesmo, do... da parte da malandragem, né? (B7)
A situação do medo vivido pela comunidade em virtude da violência, em
especial da ligada ao tráfico de drogas, foi uma unidade de significado recorrente
nas duas regiões.
Na região A, vale registrar que duas pessoas, ao saberem do tema da
pesquisa, recusaram-se a conceder entrevista.
Pode-se dizer que este medo encontra-se disseminado em todo o país.
A soma do real acirramento da violência com a divulgação intensiva e muitas
vezes sensacionalista da mídia sobre o assunto leva a este quadro de quase
pânico (MÜLLER, 2006).
Vuanello (2006), num estudo em que apresenta um questionário para
medição da sensação de insegurança em cidades, elaborado na Argentina,
explica que há diferenças entre a chamada insegurança objetiva, que é a
possibilidade real de uma pessoa ser vítima de um delito, com base em variáveis
como idade, gênero, rotinas pessoais, trabalho, etc, e a insegurança subjetiva, que
84
é produto da construção social do medo associada a diversos fatores, em especial
o alarme e pânico social que produzem as notícias escritas ou visuais presentes
nos meios de comunicação.
Provavelmente, as atitudes descritas neste tópico sejam fruto deste
segundo tipo de insegurança. Mas, de qualquer forma, refletem uma realidade
objetiva, permeada por situações de opressão como, por exemplo, as relatadas
pelas lideranças A4 e B7.
6.2.2.3. Não-reações relacionadas à estagnação das organizações populares:
Especificamente aqui no nosso bairro eu não vejo nada. (...) é uma dificuldade imensa pra
articulando gente, lideranças, pra tá articulando pessoas, porque eu não sei... (A2)
Trocou a presidência [da associação de moradores], não sei falar mais nada. Parou tudo. (...)
Agora trocou a presidência, eu não vejo fazer mais nada. (A9)
O significado da estagnação das organizações populares, em especial
da associação de moradores, emergiu na região A, porém não na região B, o que
também evidencia a diferença de contextos de mobilização popular em que as
duas regiões vivem.
Em observação realizada previamente a este estudo e com base no
conhecimento da autora, é possível observar que, na região A, a mobilização
popular está muito fragmentada e o diálogo entre as lideranças dos diferentes
bairros é difícil, permeado por preconceitos e rivalidades, conforme relatado pelas
próprias lideranças.
Diversos autores concordam que as organizações populares no Brasil
ainda necessitam de novos olhares, para que possam deixar a postura
simplesmente reivindicatória verificada em alguns lugares, e que se mostra
infrutífera na medida em que não corresponde às reais necessidades da
comunidade (ZALUAR, 2004; NUNES, 2005).
Outros ainda afirmam que grandes impulsos ainda serão necessários
para que se efetive uma mudança de mentalidade em larga escala na população
brasileira (VELHO, 2000 e 2002).
85
6.3. Estratégias de enfrentamento da violência
A terceira categoria emergiu a partir da pergunta: Como a comunidade
poderia evitar a violência? Esta traz nas entrelinhas um segundo questionamento:
a comunidade pode evitar a violência? Existem ações que, partindo da própria
mobilização popular, podem coibir a ocorrência de eventos violentos? Era essa a
reflexão que a pergunta pretendia provocar nos entrevistados. A próxima figura
representa a convergência das respostas à quarta pergunta.
Figura 8 – Demonstração gráfica em forma de teia de aranha da síntese das
unidades de significado da categoria Estratégias de enfrentamento da
violência.
Nesta categoria, ficaram mais evidentes as diferenças entre as duas
regiões, confirmando o pressuposto da pesquisa de que comunidades mais
mobilizadas identificam melhores estratégias de enfrentamento da violência do
que as menos mobilizadas. A diferença está na qualidade da ação estruturada, e
não necessariamente no tipo de ator acionado para ela, como se verá na
discussão mais adiante.
86
Na região A, as estratégias percebidas retratam a situação inicial da
mobilização popular local. Percebe-se que há uma consciência coletiva importante
sobre o valor da união da comunidade em torno de objetivos comuns, porém,
quando se estrutura alguma ação, falta um foco mais claro em torno do objetivo
final. Ou este objetivo está voltado somente para fazer reivindicações à polícia,
aos políticos ou ao governo em geral. A percepção que denota uma consciência
de empoderamento da comunidade enquanto ente coletivo que tem condições de
buscar outros recursos de melhoria de vida, que não necessariamente passem
pela dependência do Estado, mostrou-se fracamente presente nesta região.
Na região B, uma liderança, talvez envolvida pelo mito da inevitabilidade
e da falta de controle, de que fala Minayo (2005, p. 63), e que permeia muitos
segmentos da sociedade, respondeu que não há como a comunidade evitar a
violência:
Olha, evitar a violência hoje é... tá... acho que tá fora de... de assim, a gente pode até trabalhar
essa questão da prevenção, mas você não tá livre de, né, de tá no calçadão e ser atingida por uma
bala perdida, de ser agredida dentro de um ônibus, de ser assaltada dentro de casa, ou em
qualquer outro lugar. Dentro de um banco. (...) Não tem como você evitar a violência. (B3)
Nas estratégias apontadas na região B predomina o significado social
da parceria, das ações que valorizem e objetivem a união de esforços entre
segmentos da sociedade, incluídos aí também os governos e a polícia. Houve
também quem apontasse exclusivamente os políticos e a polícia como
responsáveis por evitar a violência, o que mostra que, mesmo na região mais
mobilizada, não há homogeneidade de olhares, como já relatado no tópico 6.2.1.7.
6.3.1. Estratégias que partem da mobilização comunitária:
Foram citadas as estratégias: organização com envolvimento da
comunidade, união dos movimentos e organizações populares, união da
comunidade para fazer reivindicações, aproximação e diálogo com a escola,
realização de pesquisas sobre a violência e estimular e proporcionar
oportunidades de trabalho aos jovens e adolescentes.
87
A gente faz, só que com a comunidade a gente faz muito mais. Desde que a comunidade se mobilize,
junto com a comunidade a gente tem muito mais força. Se eu tenho força sozinho, com a
comunidade eu tenho muito mais. (A1)
Então, tem outros movimentos que atuam, tem a associação, tem movimentos, tem a escola (...) por
que não estar indo até a escola, conversando com os professores, conversando, né, procurando
saber, (...) Então eu acredito que uma mobilização assim, né, junta a escola, junta os movimentos,
junta alguma coisa, que eu acho que poderia tá buscando alguma solução, todo mundo junto.
Envolve as pessoas que... todas as pessoas interessadas no caso, que gostariam de tá vendo
mudança, que pra haver mudança tem que ter articulação, tem que ter envolvimento, porque se a
gente quer mudança a gente tem que buscar, né? Alguma coisa que vá trazer mudança pra gente.
(A2)
Eu acho que a segurança tinha que começar hoje dentro da escola, dentro de casa, começar as
pessoas, nós que somos lideranças, que vivem o dia-a-dia da comunidade, começar a cobrar mais,
e a comunidade também estender a mão pra mostrar onde tem um bandido, onde tem um perigoso,
isso seria muito mais fácil pra gente chegar num denominador comum que eu acho que é a
unidade. (B9)
Nestas estratégias pode-se perceber o quanto o conceito de
mobilização comunitária está presente na mentalidade destas lideranças. Todos
têm consciência do valor que este fenômeno assume para a busca de soluções
complexas.
Muitas das possibilidades de enfrentamento trazidas neste tópico vêm
ao encontro do que foi aplicado em cidades que conseguiram vencer uma situação
de caos em virtude da violência, como é o caso de Diadema, em São Paulo,
Bogotá e Medellín, na Colômbia.
Em Diadema, Biancarelli (2006, p. 76) relata que
... a cidade reduziu de 374 ocorrências envolvendo homicídios em
1999, para 103 em 2005 – uma queda de 72,46%! A taxa de
ocorrências de homicídios por cem mil habitantes despencou de
110,32 para 26,89! (...) São números ainda muito altos, mas
poucas cidades registraram uma queda tão rápida e abrupta.
88
Na Colômbia, país assolado há décadas pela complexidade da violência
que envolve guerrilhas armadas, grupos paramilitares e o exército, duas cidades
deram exemplo de construção da paz: Bogotá, a capital do país, que alcançou a
redução do número de homicídios de 80 por cem mil habitantes em 1993 para a
meta de 17 por cem mil habitantes em 2006, e Medellín, a segunda maior cidade,
que já foi chamada de capital mundial da violência e conquistou a redução dos
impressionantes 361 homicídios por cem mil habitantes para 39, entre 1991 e
julho de 2006 (DIMENSTEIN, 2006b).
As estratégias de enfrentamento aplicadas nas três cidades que
conseguiram êxito no combate à violência são bastante similares e partem sempre
de ações sobre as bases do problema: qualidade de vida, educação, cultura,
investimentos maciços na juventude e a mobilização contínua da sociedade civil.
O prefeito de Bogotá, Antanas Mockus, afirma que o êxito alcançado seria
impossível sem a mobilização da sociedade, desesperada pela insegurança:
“Tínhamos chegado ao fundo do poço. Um sentimento que vocês brasileiros, nas
grandes cidades, estão começando a sentir” (DIMENSTEIN, 2006c, p. C5).
6.3.2. Estratégias que partem da atuação do governo / políticos:
Foram citadas: mais atuação dos políticos, reivindicar do poder público
investimentos em educação e profissionalização de jovens, melhoria das
condições de vida da população (emprego, moradia), exigir mudanças na
legislação para que ela fique mais rígida com quem comete crimes, passeatas
com utilização da imprensa para chamar a atenção dos políticos, união da
comunidade com a prefeitura, planejamento familiar obrigatório por lei e censura à
mídia que explora a violência para ter audiência.
Então se [a prefeitura] colocasse ali uma escolinha, colocasse um curso de informática, um curso
de marcenaria, que a gente já pediu (...) ensinasse, porque os moleque não têm o que fazer. (A10)
... a gente [tinha que] ter também um pouco de segurança das autoridades, né, pra eles poderem
ajudar a gente, (...) E eu sou um tipo de pessoa assim: já falei mesmo, enquanto essa legislação
deles não mudar, o Brasil não tem mais jeito. (A4)
89
Acho que a melhor possibilidade é a imprensa mesmo, chamar a imprensa e fazer tipo protesto, né,
com faixas pra ver se chama a atenção dos políticos, que até agora não estamos vendo resultado
nenhum. Porque o político, ele depende do voto do povo, aí vendo que o povo tem dignidade, quem
sabe eles se conscientizem um pouco, né, e resolve pelo menos um pouquinho o problema. (A5)
... a única [forma de evitar] a violência acho que é sempre comunicar as autoridades, né? (B7)
Eu acho que se eles tivessem um pouco mais de condições de vida, né? Talvez melhoraria um
pouco, né, amenizaria um pouco a situação, se tivesse um emprego digno, uma moradia, né? Acho
que isso já seria um avanço. (B8)
... não só a comunidade, eu acho que todo mundo tem que ajudar, os políticos, principalmente os
políticos... (B10)
O poder público tem papel preponderante no combate à violência,
especialmente o do nível municipal. Rolim (2006, p. 63) afirma que: O Poder
Público, notadamente em sua esfera municipal, deve estar atento para a
necessidade de enfrentar determinados fatores de risco que tornam a violência e a
prática do crime mais prováveis.
Nos exemplos de Diadema, Bogotá e Medellín, isso também se
confirma. Nas três cidades foi invariavelmente a iniciativa da gestão municipal que
desencadeou o processo de redução da violência. A sociedade civil teve papel
decisivo, mas necessitou sempre do estopim governamental para que o processo
iniciasse. Biancarelli (2006, p. 81), observando o mapa de Diadema, constata que
os bairros onde se morre mais são aqueles em que o poder público está menos
presente.
Porém, o poder público de que aqui se fala é muito diferente do que se
tem, em geral, hoje no Brasil.
Atualmente, os governos são muito mais fontes de violências do que de
combate a ela, como ficou demonstrado nas respostas à segunda pergunta desta
pesquisa, discutidas no tópico 6.1.3.
90
Pensando especificamente no quadro atual de Londrina, pode-se
observar que aqui existe um governo estadual que nega a existência de violência
na cidade (DISCURSO..., 2007) e um governo municipal que critica até
manifestações populares que clamam por paz, como a ocorrida em 5 de julho de
2007 (NÃO..., 2007).
Segundo Biancarelli (2006, p. 80),
há muitas ferramentas que o laboratório de Diadema identificou
como necessárias para a construção de uma cidade minimamente
saudável. Entre elas o conceito de defesa social, em que a busca
de uma vida digna orienta todas as ações da Prefeitura.
Em Medellín, Dimenstein (2006b, p. C4) relata que foram
implementadas
reformas urbanas nos bairros mais pobres, alguns deles nas
montanhas, totalmente isolados. Construíram-se escadas,
promoveu-se a coleta do lixo, escolas foram ampliadas, abriram
centros de saúde e ofereceu-se um sistema de transporte – em
alguns casos, de teleférico.
Esses exemplos mostram uma realidade bastante diferente da do Brasil,
onde o Estado não cumpre adequadamente o seu papel e nem demonstra a
mesma seriedade com a coisa pública (VELHO, 2002).
É importante observar que esta realidade se fez presente igualmente
nas duas regiões, que tiveram, neste ponto, falas bastante semelhantes. Isso
mostra que a capacidade de mobilização popular não substitui, na questão
complexa da violência, o papel indelegável do estado.
Assim, as reivindicações constatadas nas falas supracitadas, mostram-
se condizentes com a realidade de abandono em que as comunidades têm vivido.
Porém, modificações precisam ser feitas em ambos os lados: o poder público
precisa assumir coerentemente seu papel no combate à violência e a população
precisa tomar consciência de seu poder, que vai além da simples capacidade de
reivindicar.
6.3.3. Estratégias que partem da atuação da polícia:
91
Foram citadas: fazer denúncias à polícia, aumento do policiamento,
abaixo-assinado dirigido à autoridade policial, protestar contra a impunidade e
criar vínculo com as polícias.
... a associação pode fazer, também, um abaixo-assinado, né, pedir mais segurança, o povo né, se
reunir e cobrar lá no 5º Batalhão, aí melhora um pouco. (...) a polícia passando uma vez por dia,
melhora. Melhora, melhora um pouco. (A7)
Então eu acredito que se tivesse um pouco mais de agilidade da parte do comando da polícia, e
segurar um pouco mais de policial aqui no bairro, na cidade e nos bairros carentes, se colocar
uma viatura, vai reduzir bastante a violência. (A1)
É a gente ter um vínculo com as polícias, ter um conhecimento, né? E ter uma garantia... ter um...
como é que se diz lá? E ter uma segurança, né? Poder se abrir. Pra poder tá comunicando e
contando o que tá se passando. (...) Isso aí eu creio comigo que se a comunidade encontrar o
respeito lá em cima, eu creio que as polícias vão ter respeito dentro do bairro. Agora, se o próprio
policiamento não dá o respeito, e se a própria comunidade não dá o respeito pro policiamento, não
dá liberdade pro policiamento trabalhar, eu creio que nunca vai chegar num devido lugar em que
possa acabar essa violência. Isso aí tende a fica pior. (B1)
Eu acho que se a gente tivesse assim... um posto policial, onde a polícia estivesse ali perto, onde a
gente tivesse essa segurança de poder telefonar, de falar o que está acontecendo... Teve um tempo
em que ficava aqui na rua, vários policiais aqui passeando à paisana, ou então mesmo vestido... a
gente se sentia seguro assim, não tanto, mas pelo menos sabendo que se acontecesse alguma coisa,
a polícia estava ali. (B13)
Para algumas lideranças entrevistadas nas duas regiões, o que
resolveria o problema da violência seria o policiamento. Por isso, o papel da
comunidade seria exclusivamente o de reivindicá-lo.
Porém, outros afirmaram a insuficiência da atuação da polícia no
problema:
... acham que tem que pôr polícia lá na frente da escola, só tem que pôr uma patrulha, alguma
coisa, que vai resolver... (A2)
92
E outros ainda colocaram que somente a mobilização popular não pode
resolver sozinha o problema da violência, pois tem um papel complementar ao da
polícia.
... só se unisse, juntasse, se tivesse mais policiamento no caso, né? Passando mais vezes (...) a
comunidade junto com a polícia no caso, né? Porque você sozinha não vai conseguir fazer nada.
(A12)
Mas tem que ter policiamento também, né? De vez em quando, porque do contrário, só nós não tem
como. (A9)
Tanto quanto a do poder público, a atuação da polícia no enfrentamento
da violência é imprescindível. Porém, aqui ocorre um problema parecido com o
que se dá no campo da classe política brasileira: a polícia que se tem hoje não é a
adequada às reais necessidades da população (ROLIM, 2006).
A segurança precisa ser vista como um conjunto de ações para proteger
o cidadão (BIANCARELLI, 2006). Infelizmente não é assim que tem funcionado a
segurança pública em muitos lugares do Brasil.
Segundo Rolim (2006), as realidades das políticas de segurança pública
no Brasil variam entre duas vertentes: a repressiva, que defende que o
policiamento ostensivo é necessário e suficiente para conter a situação (à
semelhança do que algumas lideranças da região A colocaram), e a vertente da
causalidade social da violência, idéia segundo a qual crime e violência devem ser
percebidos como subprodutos de uma ordem social injusta, e que, portanto, o
policiamento teria uma função no máximo paliativa. Deve-se, contudo, evitar as
duas vertentes. A primeira, pelo caminho errado que constrói; a segunda, porque
não constrói caminho algum (ROLIM, 2006, p. 59).
A experiência tem mostrado que investimentos devem ser feitos num
novo conceito específico de prevenção, no qual a repressão adquire somente o
espaço devido, exercida por policiais mais bem preparados para tal. Foi o que
ocorreu na Colômbia e em Diadema. Segundo o prefeito de Bogotá, a redução da
violência na cidade é um resultado coletivo, uma articulação de várias esferas de
governo em repressão e prevenção (DIMENSTEIN, 2006c, p. C5).
93
O conceito de policiamento aplicado nestas cidades é o da chamada
polícia comunitária. Segundo Mesquita Neto (2004, p. 103-104):
Quatro inovações são consideradas essenciais para o
desenvolvimento do policiamento comunitário (...):
- organização da prevenção do crime tendo como base a
comunidade;
- reorientação das atividades de policiamento para enfatizar os
serviços não emergenciais e para organizar e mobilizar a
comunidade para participar da prevenção do crime;
- descentralização do comando da polícia por áreas;
- participação de pessoas civis, não-policiais, no planejamento,
execução, monitoramento e/ou avaliação das atividades de
policiamento.
Este conceito supõe que a população assuma seu protagonismo,
consciente da complexidade que a realidade traz.
Adequações também precisam ser feitas por parte da polícia. O olhar
precisa partir de um outro conceito sobre a população: esta deixaria de ser
simplesmente a vítima em potencial, para ser vista como colaboradora ativa do
planejamento e das decisões policiais.
Assim, se pode ter uma visão do quanto, mais uma vez, a realidade
brasileira está distante do que seria adequado para a população. O assessor da
prefeitura de Medellín, Alonso Salazar, fez a seguinte afirmação à Folha de São
Paulo: Se tivéssemos tanta descoordenação entre as forças policiais como vocês,
no Brasil, já teríamos desaparecido do mapa (DIMENSTEIN, 2006b, p. C4).
6.3.4. Parcerias:
Foi citada a possibilidade de formação de parcerias com igrejas,
escolas, creches, projetos sociais e serviços de saúde para conscientização sobre
a violência, com empresários, universidades e promotoria pública para
proporcionar cursos, esporte, lazer, cultura, projetos para crianças, escola em
período integral, formação religiosa para crianças e jovens e maior atuação da
saúde (informação, orientação, palestras).
Parcerias. Parcerias com vários seguimentos, né? Projetos, pra tá dando cursos, envolvendo mais
as crianças no dia-a-dia, esporte, lazer, cultura... (B2)
94
Eu acho, na verdade, que a gente precisaria desencadear um processo aí de, sei lá, unir todo
mundo aí, nós das escolas da região, de repente a universidade, as outras universidades,
promotoria, sei lá quem, eu acredito que tá na hora da gente começar a mexer nessa questão... (B8)
... eu acho que isso tem que ser feito através de várias lideranças não só na comunidade, né, acho
que dos empresários, é... da prefeitura, tem que ter uma união, né, pra poder arrumar alguma
coisa, pra poder tá urgentemente ajudando, porque a gente vê que tudo começa aí, nas crianças,
nos adolescentes... (B4)
Somente na região B emergiu a unidade de significado da parceria
como sendo a chave para a busca da solução do problema. Ressalta-se também a
valorização do investimento na infância e na juventude, que seriam os principais
segmentos da população envolvidos na problemática da violência.
Segundo Gomes (1997), o problema da violência é complexo e
necessita de uma abordagem interdisciplinar e intersetorial. Para problemas
complexos, não existem soluções simples. Não se combate a violência com uma
única ação, mas sim com múltiplas ações, desempenhadas por vários atores de
diferentes segmentos da sociedade. Daí o valor da parceria como estratégia de
enfrentamento da violência.
Um exemplo de parceria é a Agenda Redutora da Violência
implementada em Manguinhos por moradores da comunidade, pelo Centro de
Saúde local, pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP e pela
Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz (VIANNA, OLIVEIRA e ESPÍRITO SANTO,
2007). Após encontros sucessivos, outros atores se uniram à iniciativa (entidades
religiosas, outras unidades da Fiocruz, empresas públicas e diversas secretarias
municipais e estaduais). Foram levantados quatro eixos: Educação para a Paz,
Saúde para a Paz, Comunicação e Informação que valorizassem as
Potencialidades Locais e Ações Afirmativas em Defesa da Vida.
Foram promovidos vários eventos com grande sucesso na comunidade.
Apesar disso, a continuidade da agenda tem encontrado muitas dificuldades e um
apoio débil das instituições e dos órgãos governamentais (VIANNA, OLIVEIRA e
ESPÍRITO SANTO, 2007, p. 97). Porém, a agenda continua seus trabalhos com a
95
formação de novas parcerias e a promoção de outros momentos de encontro e
mobilização.
Esse exemplo deixa claro a força que as parcerias têm para causar e
manter a mobilização de uma comunidade. Por outro lado, mostra também como o
Estado é, muitas vezes, o lado faltante nessas parcerias, o que também não as
impede de continuar.
Não só no Brasil se desenvolvem parcerias para o combate à violência.
Scott (1994) descreve ações promovidas pelo governo do Canadá no sentido de
promover parcerias para o combate à violência doméstica contra o idoso. O
governo selecionou e desenvolveu projetos em todo o país, tomando por base o
princípio da abordagem multidisciplinar da violência familiar, enfatizando a
parceria com profissionais, voluntários e setores governamentais e não-
governamentais.
O setor saúde é um importante parceiro da comunidade quando se
pretende combater a violência. Essa realidade emergiu inclusive nas respostas
dos entrevistados. Este tema foi tratado mais profundamente na quinta pergunta
desta pesquisa.
6.3.5. Estratégias que partem da melhoria das relações humanas:
As seguintes possibilidades de ação foram citadas: dialogar, cuidar dos
vizinhos, buscar informações, respeitar o próximo, valorizar e intensificar a
atuação da família.
Nós só acabamos com a violência a partir do momento que você não concorda com ela. A partir do
momento em que você vê e se cala, então você tá concordando. (...) Fazer um trabalho de
conscientização dentro do bairro. Fazer um trabalho de visitação pra essas pessoas, diretamente
pra essas pessoas. Pra família dessas pessoas. Passar pra família dessas pessoas a situação que tá
acontecendo dentro do bairro, que os filhos dessas pessoas tão fazendo dentro do bairro, tão
apavorando pessoas. (...) fizesse um arrastão dentro da comunidade, levando a informação,
conversando, dialogando, né, e pedindo pra essas pessoas que mude o comportamento delas, e que
da forma como elas tão agindo infelizmente tão deixando a comunidade assustada, eu acho que
seria bastante importante se a comunidade fizesse isso. (A1)
96
Eu acho que é assim através de união, é... a gente cuidar dos vizinhos, se reunir, e os moradores se
reunir, a gente... a gente poder pegar um, às vezes uma palavra de cada um, né, daqui, ali... (A6)
Eu acho que um dia, pra acabar essa violência tinha que acontecer isso aí, né? Todo mundo se
conscientizar e respeitar o próximo, né? A partir disso aí é que vai ser acabada a violência, porque
se começamos a não respeitar o próximo, o quê que vai acontecer? A violência sempre vai tá
alastrando, né? (B1)
Primeira coisa é a informação. A informação eu acho que é a base de tudo. Saber, se informar,
pais ficarem alerta com seus filhos, desde pequeno. (B11)
Neste tópico aborda-se uma das questões mais fundamentais e mais
complexas de enfrentamento da violência: o investimento na melhoria das
relações humanas.
Observou-se, nesta pesquisa, que o campo das relações interpessoais é
um dos principais quando se classifica a violência, pois esta se dá sempre na
interface do eu com o outro, que é considerado muitas vezes a fonte da violência.
Schraiber et al.(2006, p. 113) constatam que:
... a violência do próprio Estado, tal qual nos crimes de guerra ou
abusos e negligências de suas instituições, estende-se às
situações de caráter interpessoal no mundo privado. Não bastará
para seu controle apenas apelos aos sensos de responsabilidade
ética e social dos indivíduos. Trata-se, antes, da redefinição
desses sensos, do ponto de vista moral e legal.
É preciso acreditar que é possível o enfrentamento da violência inclusive
na vertente da melhoria dos relacionamentos humanos. Aliás, sempre é preciso se
evitar o imaginário da inevitabilidade e da falta de controle quando se pensa no
combate à violência (MINAYO, 2005, p. 63).
Também nos casos exitosos de Diadema, Medellín e Bogotá houve
ações neste campo. Em Diadema, o primeiro diagnóstico da violência na cidade
destacou que por trás da maioria das mortes estavam motivos fúteis, conflitos
pessoais, pequenas dívidas, brigas por ciúmes e até por futebol (BIANCARELLI,
2006, p. 77). Em reação a isso, foi feito o treinamento de agentes de saúde para
atuarem como mediadores de conflitos. Em Medellín e Bogotá, algo semelhante
97
também foi feito, porém envolvendo também cidadãos comuns que se dispuseram
a desempenhar este papel (DIMENSTEIN, 2006b).
Na Bolívia, Caballero e Mercado (2002) descreveram, num manual para
o desenvolvimento das Unidades Comunitárias de Orientação (UCO), as
ferramentas elementares que servem para evitar situações violentas, sendo uma
delas a
atuação de mediadores ou conciliadores diante de determinados fatos ou
situações.
Ações como essas vêm ao encontro dos significados trazidos pelos
entrevistados, e seriam possíveis estratégias para se combater a violência local. É
importante observar que as estratégias deste tópico emergiram de maneira
semelhante nas duas regiões, o que sinaliza para a universalidade do tema das
relações humanas e a relevância destas no contexto da violência.
6.4. O serviço de saúde e a violência
O tema da violência na saúde sempre foi, e ainda é, de forma geral,
tratado de maneira marginal, como se a saúde não tivesse qualquer relação com a
problemática da violência. Mas grupos de profissionais da saúde em diversos
locais do país têm se mobilizado e procurado estudar mais profundamente o tema
e sua interface com a saúde. São exemplos disso os pesquisadores do Centro
Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli – Claves, da
Fundação Osvaldo Cruz no Rio de Janeiro, e os do Núcleo de Estudos da
Violência – NEV, da USP, em São Paulo.
Porém, o que esta categoria traz de inovador nesta pesquisa é o fato de
abordar o ponto de vista da liderança comunitária sobre a atuação dos serviços de
saúde no tema da violência. Isso possibilita, ineditamente, abrir um canal de
diálogo por meio do qual a comunidade pode se manifestar e também avaliar as
posturas que têm sido assumidas pelos serviços de saúde em um problema que,
talvez, seja hoje aquele que mais aflige a cidade de Londrina, e muitas outras do
Brasil.
Entre as falas, observou-se a predominância no sentido da não-atuação.
Algumas citam as duas coisas. Outras não souberam responder.
98
6.4.1. A não-atuação dos serviços de saúde
A não-atuação dos serviços de saúde foi identificada por meio de
significados que abordam as falhas na interação entre profissionais da saúde e
comunidade, como ilustra a seguinte fala de uma liderança:
Muito ruim [a atuação do serviço de saúde na questão da violência]. Muito ruim, não... é...
despreparadíssimo. Muito dinheiro para capacitação na humanização do atendimento, e as pessoas
não têm preparo nenhum. Isso seja nos hospitais... mas nos postos de saúde é pior. (...) [o
profissional de saúde] não entende o lado do outro pra poder discutir essa questão da violência.
(B3)
Discursos como esse retratam uma grave situação de alheamento do
serviço de saúde para com o problema da violência, postura esta que vai na
contramão do que se defende na literatura. O setor saúde trata o tema da
violência tradicionalmente como problema social, e que nada tem a ver com seu
campo da atuação, mostrando assim um viés do modelo biomédico (MINAYO,
2006a), que será discutido mais profundamente adiante.
É importante ressaltar a menção da liderança B3 sobre a capacitação
em humanização, política nacional da área da saúde no Brasil, e que, segundo
ela, não tem surtido efeito na prática dos serviços. De fato, Fortes (2004) afirma
que o conceito de humanização confunde-se historicamente com a luta por direitos
dos pacientes / usuários.
Angulo-Tuesta (1997) chegou a uma conclusão parecida sobre a não-
atuação da saúde no seu estudo sobre a perspectiva de profissionais de saúde do
Rio de Janeiro e Niterói com relação à violência doméstica contra a mulher.
Constatou que a atuação do profissional da saúde nos casos de violência
doméstica conjugal é ainda muito restrita e marcada por estigmas sociais.
Para Brás (2006, p. 45), há razões profundas do relacionamento
humano para se adotar uma postura distante e negligente em relação à violência:
A violência remete, em nível individual e coletivo, à questão das diferenças,
porque as diferenças implicam, na maior parte das vezes, em intolerância.
99
Este distanciamento é o mesmo que foi observado nas respostas das
lideranças à primeira pergunta, o que remete a uma semelhança entre a atitude
destas e a dos profissionais de saúde.
Levando-se em consideração os diferentes aspectos sociais implicados
na relação entre o profissional da saúde (que geralmente é oriundo das classes
média e alta da sociedade) e uma comunidade carente, somando-se a isso a
lógica curativista do modelo biomédico (ainda hegemônico na prática dos serviços
de saúde), que não abarca a complexidade da violência, pode-se ter uma noção
da dimensão da dificuldade na relação entre o setor saúde e a problemática da
violência.
Muitos profissionais ainda hoje se restringem a reproduzir estigmas
sociais no atendimento de casos de violência, o que acaba por amplificar e
perpetuar o problema (SKABA, 1997).
A difícil inserção do tema da violência no campo da saúde tem uma
estreita relação com as marcas do modelo biomédico, como já mencionado. Neste
estudo, elas emergiram também na visão da liderança comunitária:
A saúde? Mas a... Para atender, você fala? (...) Ah, eu não vejo que tem algum relacionamento
[entre a atuação do serviço de saúde e a violência]... acho que não. Eu acho que [o serviço de
saúde] tá lá, pra quem vai lá, atende... (B4)
Outra liderança, entretanto, manifestou uma visão bastante clara do
quanto o modelo biomédico prejudica a sensibilidade dos profissionais de saúde
na atuação em questões de cunho social:
Eles [profissionais da UBS] estão muito preocupados com os exames mensais, quem que colheu o
exame, quem não colheu, se chegam as guias elas encaminham, né, vão às casas das pessoas, pra
quem já tá com a guia ali pra poder fazer, pra enfrentar as filas do bendito Cismepar [serviço de
especialidades médicas], né, então eu vejo a demanda do posto de saúde é com o Cismepar e o
Cismepar é com o posto de saúde. (A11)
O modelo biomédico é marcado pela lógica que estabelece relações
lineares de causa e efeito entre os fenômenos. Além disso, outra característica
própria deste modelo é a reificação da doença. Assim:
100
... doença pode ser entendida como um artefato teórico e
heurístico, que organiza o conhecimento disponível (...) ao
delimitar uma classe de problemas em que a intervenção técnica
é não apenas justificada como eticamente mandatória,
circunscreve a esfera de atuação dos profissionais de saúde...
(CAMARGO JÚNIOR, 2007, p. 71-72).
O problema surge justamente no fato de que a complexidade da
violência não se restringe aos reducionismos impingidos pela reificação do modelo
biomédico. Trata-se de um fenômeno de ordem complexa, com múltiplas causas e
efeitos que se integram e se influenciam mutuamente (MINAYO, 2006a). Além
disso, conforme a citação de Camargo Júnior (2007), o modelo biomédico
circunscreve a atuação dos profissionais de saúde a um campo restrito pela
técnica, o que não se aplica ao imbricado universo da violência.
É preciso, portanto, que as ciências da saúde como um todo saiam do
paradigma cientificista e, num diálogo com as ciências humanas, transitem para o
paradigma ético-estético de que fala Guattari. Este processo constitui a formação
de um novo tipo de subjetividade no profissional da saúde, mudando sua forma de
relação com o mundo, conforme dito no tópico 6.1.3.2 (GUATTARI, 1993).
Porém não há dúvida de que este processo ocorre de maneira muito
gradativa e lenta, condicionado, antes de tudo, pelas circunstâncias individuais.
Por isso, Guattari o intitula de revolução molecular, porque ocorre a partir da
molécula que é cada indivíduo envolvido no processo (GUATTARI, 1993).
Por outro lado, se pensarmos em políticas de saúde com lógicas
inovadoras como o Programa Saúde da Família (PSF), constataremos que a
prática desse modelo de atenção também pode apresentar falhas, que se
relacionam com problemas pontuais do relacionamento das equipes com a
comunidade.
Esta situação emergiu na fala de uma liderança da região B:
O médico de família, eles estavam participando mais. Hoje, é algumas vezes. É uma vez por
semana, é por setores que eles fazem.(...) Não é aquela coisa assim, vamos supor se eu chegar lá
agora e falar: “Ô fulano, lá na minha rua tem uma senhora assim, assim e assim”. “Ah, mas hoje
não é meu dia de passar lá”. “Então tá bom”. Eu vou voltar quieta e vou falar “tá bom”. Porque
isso já aconteceu várias vezes aqui. (B11)
101
Esse caso apresenta uma situação de não-seguimento da lógica do
PSF, segundo a qual é através do estabelecimento de vínculo entre as equipes de
saúde e a comunidade que a atenção básica se expande e se qualifica
(DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA, 2007). O fato do não-atendimento,
quando este foi inclusive solicitado, pode evidenciar um alheamento da equipe em
relação à comunidade, que acaba dificultando outros vínculos que visem a formar
parcerias para o enfrentamento de realidades complexas como a da violência.
6.4.2. Profissionais da saúde: violentadores e violentados
Em contrapartida às situações de estigmatização e mau relacionamento
entre profissionais de saúde e comunidade, surgem as situações de violência
praticadas contra o profissional da saúde, que geram mais uma razão para a não-
atuação na questão da violência, segundo as unidades de significado das
lideranças entrevistadas. Esta razão seria o medo de sofrer retaliações do crime
organizado. A “lei do silêncio” parece atingir também os profissionais da saúde,
segundo algumas lideranças:
Porque daí... pra eles [criminosos] é tudo pessoal de fora, né, quem trabalha no posto de saúde. E
pra eles [profissionais da saúde] é assim, é uma repressão muito grande, assim me... acho que é
medo mesmo... (A2)
Dentro da questão da violência sofrida pelo profissional da saúde, um
dos pontos principais, quando se pensa na atenção básica realizada nas periferias
das cidades de médio e grande porte, é a ameaça constante de retaliações,
praticada principalmente por líderes do tráfico de drogas.
Esta situação traz em si um alto nível de complexidade, envolvendo
questões ligadas à desigualdade sócio-econômica (violência estrutural) que
impera no Brasil, e muitas vezes funciona como barreira entre o profissional de
saúde e a comunidade.
Abrange também a problemática do tráfico de drogas que, constituindo
uma espécie de estado paralelo em muitas periferias do país, impede serviços
públicos de desempenharem seu trabalho com segurança.
102
Assim, observa-se uma complexa situação de ambivalência em que se
encontram os serviços de saúde, bem como outros serviços públicos (educação,
previdência social, conselho tutelar, polícia, etc). A mesma comunidade que
identifica neles fontes de violência (como é o caso do mau-atendimento, da falta
de diálogo e da estigmatização no atendimento de casos de violência, além de
todos os outros problemas referentes à violência institucional, discutidos no tópico
6.1.3.2), reconhece que eles próprios são também vítimas da violência,
principalmente sob a forma da delinqüência. Trata-se de uma relação dialética em
que estes serviços são, a um só tempo, violentadores e violentados. A fala da
liderança abaixo ilustra essa situação:
Então [as pessoas da comunidade] acabam se violentando, e com essa mesma agressividade vão
para as filas do INPS, vão para as filas dos postos de saúde, e eu vejo aí onde existe um choque
muito grande. (...) Acabam sendo os violentados, e também eles são violentadores... (A11)
As situações de violência contra o profissional da saúde são mais um
tema ainda pouco estudado. Encontram-se poucos artigos científicos sobre o
assunto. Um deles, de Abdalla-Filho (2004), aborda uma questão que talvez seja
uma das razões para esse não-olhar dos pesquisadores, que normalmente
também são profissionais da saúde, sobre as situações de violência a que esse
profissional está exposto. Trata-se da condição de detentor do poder conferida
especialmente à figura do médico, mas que pode se fazer presente na visão do
setor em geral. Essa postura dificulta ao profissional admitir a própria fragilidade
na relação com o usuário do serviço e, portanto, se reconhecer como vítima nessa
relação.
Esta condição constituir-se-ia como um peso social e psíquico a ser
sustentado pelo profissional no seu cotidiano de trabalho (ABDALLA-FILHO, 2004,
p. 125). Além disso, pode acabar aumentando o distanciamento entre o
profissional da saúde e a comunidade, dificultando ainda mais a desejada
formação de parcerias, que pressupõe requisitos como respeito mútuo, confiança
e segurança, indispensáveis para o diálogo e a cumplicidade que a parceria
demanda.
103
Outra conseqüência é o pouco respaldo que o profissional passa a ter
para dar encaminhamentos práticos às situações de violência com as quais se
depara no seu cotidiano. Esses encaminhamentos implicariam entrar mais
profundamente na vida dos usuários, gerando uma aproximação com a qual nem
sempre o profissional de saúde está preparado para lidar.
6.4.3. As possibilidades de atuação dos serviços de saúde
Entre as formas de atuação do serviço de saúde identificadas nas
entrevistas, é interessante destacar que, quando se fala de combate à violência,
emergem unidades de significado que trazem as idéias de parceria e participação,
especialmente na região B. Os entrevistados dessa região que afirmaram que há
atuação dos serviços de saúde disseram que esta ocorre por meio de uma relação
de confiança mútua conquistada pelos profissionais de saúde junto à população e
pela atuação do conselho local de saúde. Já na região A, esta parceria ocorre de
forma mais limitada e menos frutífera, focando-se apenas na convocação de
reuniões, que acabam sendo pouco freqüentadas, justificativa esta vista como
suficiente para se desistir da integração com a comunidade.
Eles tentam. Eles tentam, mas não conseguem. (...) Elas tentam! Fazem reunião, só que o pessoal
não participa... (A10)
Isso [ganhar a confiança da comunidade] é o que leva a tá ajudando, a tá ajudando a combater isso
aí, né? A própria violência. Porque quando é bem recebido, a própria área de saúde apóia a
população. Eu tenho certeza de que eles apóiam.(...) hoje aqui dentro do nosso bairro o pessoal
chega, faz o trabalho, o trabalho que eles tão fazendo não tem empecilho no meio, ninguém mais
fuxica, deixam eles fazer o serviço. Eu acho que isso aí... sabe o quê que tá deixando eles entrarem,
é o respeito, né? Eles ganharam a confiança da comunidade. E a comunidade tem a confiança
deles, né? (B1)
A pouca atuação da saúde reflete-se na ainda pequena produção
literária do setor sobre prevenção da violência. A atuação desses serviços está
104
quase sempre associada ao atendimento das vítimas de violências, ou ao
combate a doenças biológicas, passíveis de controle através da medicalização
(CAMARGO JÚNIOR, 2007).
Merecem destaque também as menções das lideranças ao importante
papel que os serviços de saúde podem desempenhar no enfrentamento da
violência e o valor da parceria entre a comunidade e o serviço.
Eu acho que teria sim que dar o apoio deles [profissionais da saúde], com o apoio deles a gente se
mobiliza de uma forma mais forte e a gente pode tá um ajudando o outro, e a questão da violência
pode ser resolvida, né, bem mais fácil. (A1)
O primeiro exemplo de parceria a ser desenvolvida entre os serviços de
saúde e a comunidade está nos Conselhos Locais de Saúde, espaços onde
representantes da equipe da UBS e dos usuários desta discutem e planejam sobre
as reais necessidades que a comunidade apresenta, as possibilidades de que o
serviço de saúde dispõe e deliberam sobre a gestão deste.
O valor que a parceria entre esses atores tem para a melhoria da
realidade da população é reconhecido inclusive oficialmente, como é o caso do
documento do Ministério da Saúde intitulado Saúde Integral de Adolescentes e
Jovens: Orientações para a Organização de Serviços de Saúde (BRASIL, 2005b).
Nele, o Ministério faz, em diversos pontos, orientações claras aos serviços de
saúde direcionadas ao valor que as alianças e parcerias têm para a melhoria do
desempenho dos próprios serviços.
A importância das pesquisas acadêmicas sobre o tema também foi
mencionada por uma liderança:
... tem que fazer essas pesquisas que vocês estão fazendo nos bairros... (A4)
Um dado positivo, que vem ao encontro do anseio manifestado pela
liderança A4, é o que Minayo (2006a) traz. Houve um crescimento da produção
científica na área da saúde sobre a violência de 90% nos últimos 25 anos.
Dentro de modelos de atenção que ultrapassam a barreira da visão
biomédica, como é caso do trabalho realizado pelos agentes comunitários do
105
Programa Saúde da Família (PSF), é possível se contemplar mudanças na
atuação dos serviços:
... essas agentes comunitárias, eu as vejo mais envolvidas na questão polêmica do bairro do que
propriamente a saúde em si. (A11)
À semelhança do observado na fala acima, Oliveira, Nachif e Matheus
(2003), num estudo descritivo com 180 famílias cobertas pelo Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS) no município de Anastácio (MS),
constataram o bom desempenho que estes profissionais têm perante a avaliação
da comunidade, que os vê como elemento de ligação entre esta e os serviços de
saúde.
106
7 – SÍNTESE DAS RELAÇÕES ENTRE VIOLÊNCIA, MOBILIZAÇÃO POPULAR
E SAÚDE
Com esta síntese, procurou-se fazer um fechamento que deixe mais
claras ao leitor as possíveis conclusões alcançadas neste estudo.
Categorias Síntese
Os
significados
da violência
O serviço
de saúde e
a violência
A fonte da violência é sempre externa ao eu.
Violência sempre é a presença do outro,
quando um sujeito é focalizado como o
violentador (violências doméstica,
delinqüencial e institucional) ou de um
contexto, quando não se pode focalizar um
único sujeito (violências cultural, estrutural e
tráfico de drogas). O olhar sobre a violência
sofre processos de contradição (intensa x
controlada, aumentando x diminuindo),
naturalização (a violência está generalizada)
e passa pelo mecanismo de afastamento do
eu (vem de fora da minha comunidade).
As estratégias e as possibilidades de atuação
da comunidade sobre a violência situam-se
em dois pólos distintos em cada uma das
duas comunidades: na menos mobilizada o
foco principal é a transferência do
protagonismo para o “outro”, que sempre é
alguém considerado superior ao “eu”
(governos, políticos e a polícia). Na mais
mobilizada, o foco principal são as parcerias
entre a comunidade e outros segmentos da
sociedade, inclusive os governos e a polícia,
que não são mais vistos como superiores,
mas sim como co-responsáveis.
A atuação dos profissionais da saúde é
marcada pela fragilidade, demonstrada na
dificuldade de relacionamento com a
comunidade, na auto-imagem de “detentor de
poder”, nas situações em que sofrem
violências e, mais ainda, quando infligem
violências à população (violência
institucional). As possibilidades de atuação
situam-se no campo das parcerias, que
im
p
li
c
am
u
ma a
be
rt
u
ra
de
d
iál
ogo.
Reações e
estratégias de
enfrentamento
da violência
107
8 – COMPREENDENDO AS RELAÇÕES ENTRE VIOLÊNCIA, MOBILIZAÇÃO
POPULAR E SAÚDE
Neste tópico apresento algumas considerações de caráter mais pessoal,
sobre o que significou para mim o conhecimento adquirido com esta pesquisa.
Estudar a violência é, antes de tudo, estudar a natureza humana e a
forma como o ser humano se relaciona com o semelhante e o meio que habita. A
violência é a deturpação da agressividade, uma das formas pela qual a natureza
humana se manifesta. A agressividade em si não é ruim, bem como a existência
de conflitos também não o é. Mas a opção pela via da violência é que distorce a
finalidade justa que o conflito e a agressividade podem ter na vida em sociedade.
Devido às tantas vezes em que se optou por essa via, na história da
formação da sociedade moderna, é que chegamos ao quadro atual: a violência
como problema social que abrange todos indiscriminadamente.
Aí entra um ponto que talvez tenha sido o maior aprendizado desta
pesquisa: a importância de se reconhecer que a violência é parte da vida de todos
nós, sem recorrer aos mecanismos de afastamento, negação ou naturalização.
Todos temos contato diariamente com o problema da violência, seja através da
carga tributária abusiva, da corrupção, da incompetência dos governos, da má
resolução de conflitos familiares ou da delinqüência, para citar apenas algumas
manifestações de violência.
Admitir isso implica olhar para sua própria realidade e admiti-la tal qual
é. E somente quando damos esse passo, podemos olhar para a realidade do outro
e interagir de fato com ele. Aí surge a verdadeira mobilização popular. Não aquela
mobilização em que se escolhe inconscientemente um grande líder que irá salvar
todos de seus males. Mas sim a mobilização em que se reconhece a
complementaridade que o outro desempenha em relação a mim, e eu em relação
a ele.
Se todos estamos envolvidos pelo problema da violência, nada mais
necessário que exercermos essa complementaridade, a fim de ajudarmo-nos
mutuamente. Experiências exitosas de combate à violência mostram que o
108
problema deve ser atacado por diversos lados ao mesmo tempo, com o
comprometimento de todos nesse trabalho: governos, empresas, universidades,
cidadãos.
Admitir a realidade tal qual é implica reconhecer que para problemas
complexos não existem soluções simples. O pragmatismo da sociedade moderna,
nesse caso, só atrapalha, pois elimina a capacidade de reflexão necessária antes
de qualquer ação contra a violência.
Outro grande aprendizado que fica desta pesquisa é que o contrário da
violência é o capital social. São os vínculos de amizade, solidariedade e
cumplicidade, que se formam a partir da mobilização popular, que realmente
previnem a opção pela via da violência na resolução de conflitos. A construção do
capital social talvez deva ser considerada a grande missão de governos, igrejas,
ongs, famílias e de cada um de nós.
Assim, observando a atitude de uma boa parte dos profissionais de
saúde, que ainda seguem o modelo biomédico, percebemos o quanto estão longe
de compreenderem a própria missão de promotores da vida. A violência impele o
profissional da saúde a buscar uma compreensão da vida e da natureza humana
que vá além dos limites do biologismo. Por isso o questiona, o incomoda e faz
com que saia de sua zona de conforto.
Mas, qualquer profissional de saúde que deseje, nos dias atuais, fazer
jus a esse nome precisa exercitar-se nesses questionamentos. Precisa preocupar-
se com a promoção da saúde, entendida no sentido amplo, como sinônimo de
cidadania.
Os resultados desta pesquisa me ensinaram que o primeiro passo
nesse caminho é o diálogo com esses cidadãos. É o olhar para si mesmo e para o
outro, procurando encontrar aquilo que nos une e faz com que sejamos
complementares.
Esta pesquisa contribui ao campo de estudo das violências, mais
especificamente no que diz respeito ao combate da violência por meio da
mobilização popular. Procurou-se dar voz às lideranças comunitárias num tema
onde estas muitas vezes ainda não conseguem opinar que é o da segurança
109
pública. Buscou-se também contribuir para a articulação do setor saúde nas
parcerias para o combate à violência.
Como propostas concretas de atuação, são elencadas as seguintes:
1. A mobilização popular é uma das mais importantes estratégias de
atuação independente dos governos e que gera importantes
resultados para o fortalecimento da comunidade no enfrentamento da
violência.
2. Para dar frutos, a mobilização popular precisa evoluir até produzir
capital social suficiente para que a comunidade consiga articular-se
em parcerias com os outros segmentos da sociedade, inclusive com
os governos e polícias.
3. Nesta evolução da mobilização popular, é de fundamental importância
o amadurecimento no sentido de se compreender como parte do
processo da violência. É preciso que a comunidade admita a
existência do problema, e veja-se como protagonista no processo, não
transferindo a responsabilidade para outros atores.
4. Os governos têm papéis indispensáveis no enfrentamento da
violência. É preciso que esses atores assumam mais plenamente seus
papéis, priorizando a comunidade e não as disputas políticas, que
levam à elaboração de planos de segurança excludentes e
desajustados com a realidade da população, que acabam por
desprover comunidades inteiras de exercer o direito de viver em
segurança.
5. É indispensável o combate peremptório à corrupção da polícia, uma
vez que esta acaba por fortalecer o tráfico de drogas e perpetuar o
ciclo da violência.
6. O tráfico de drogas deve ser combatido com todos os recursos
possíveis. É preciso que os governos se decidam a combatê-lo e a
sociedade não aceite mais financiá-lo através, por exemplo, do
consumo de drogas.
110
7. Não se combate a violência com soluções simples e ações únicas. O
enfrentamento eficaz do problema demanda inúmeras ações
simultâneas, partindo de diversos atores agindo em parcerias.
8. Não se combate a violência somente com repressão ou com
prevenção. É preciso que seja feita uma combinação equilibrada e
planejada de ações de ambas naturezas.
9. Por ações preventivas compreende-se o cumprimento do papel do
Estado de garantir os direitos básicos da população como educação,
saúde, moradia, transporte, emprego e segurança pública. Incluem-se
aqui também as ações no campo da melhoria das relações humanas
individuais, especialmente no nível das relações no ambiente
doméstico.
10. O setor saúde tem um papel importantíssimo na formação de parcerias
com a comunidade para o enfrentamento preventivo da violência. A
saúde deve preocupar-se com a qualidade de vida integral, buscando
manter um canal de diálogo aberto com a comunidade, a fim de
adequar sua atuação às reais necessidades desta.
11. É preciso que o setor saúde atente mais para o problema da violência
institucional, buscando atuar na melhoria da formação de seus
profissionais e na humanização da atenção, de forma que aqueles
adquiram uma postura mais aberta e colaborativa em relação à
comunidade.
12. As crianças e jovens são segmentos da população particularmente
vulneráveis à violência, tanto nas manifestações domésticas do
problema quanto na delinqüência. Toda a sociedade pode colaborar
para dirimir o problema, através da formação de parcerias
intersetoriais. Os governos são especialmente responsáveis pela
atenção às necessidades básicas das populações mais jovens.
Gostaria de reforçar aqui a crença na negatividade de qualquer forma de
violência. Este fenômeno já causou muitos danos na história da humanidade, e é
chegada a hora de as sociedades todas se organizarem para combatê-lo.
111
Reforço também a crença na possibilidade real de êxito neste combate,
desde que todos nós nos convençamos de que a violência não traz e nem trará
benefício algum a qualquer pessoa.
Se todos nos empenharmos pessoalmente em melhorar a qualidade das
relações humanas que nos envolvem, começando por nossos lares, certamente o
mito da inevitabilidade da violência cairá em menos tempo que imaginamos.
Muitas cidades já têm comprovado isso no seu cotidiano, com a colaboração entre
Estado e cidadãos comuns.
112
10 – REFERÊNCIAS LITERÁRIAS
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118
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ZALUAR, A. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro:
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119
APÊNDICE
120
ANEXO
tn"'J:rn~
wJJ!1 UNivERSidAdE.
~~~ ESTAduAl dE LONdRINA
~'
(j{)\'ER:"\O IX')
PARANA
'"
/1'"
'COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
'."
Parecer N° 288/06
CAAE N° 0244.0.268.000-06
FOLHADE ROSTO 108350
Londrina, 30 de n.ovembro de 2006.
PESQUISADOR(A): MARCIA CAROLINE PORTELA AMARa
IImo(a) Sr(a),
o Comitê de Ética em PesquisaenvolvendoSeres Humanos,
da Universidade Estadual de Londrina
- CEP - UEL - de acordo conl~§
- ' ..
orientaçõesda Resolução196/96 do ConselhoNacionalde SaúdelMS.~~
APROVA a realização do projeto: "ESTRATÉGIAS DE;;
ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA' A PARTIR DO OLHAR D~;'
COMUNIDADE". " .-
Informamos que oCa)Sr.(a) deverá comunicar, por escritp'~:
qualquer modificaçãoque ocorra n9 desenvolvimentoda pesquisae deverá
ser apresentado ao CEPIUEL relatóriofinalda pesquisa.
Situação do Projeto:
APROVADO
Atenciosamente,
'j.
c--,'( \
Profl. Dra. NiI~ Maria Diniz
Comitê de Ética em Pesquisa
Coordenadora
ilL
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1
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" - ;.§
Compus Uni'ersiuír;,,: Rnd,,"jo,(<Iso GorÔ. C;d (PR 445). Km 3KO. Fone ("3) 3371-4IKXI. PABX. Fax 332~."-I4I).C.i.. POSl,16001.CEP'S66SI.990. InlernelhUp:llwww.ud.br '
LONDRI"... I'ARANÁ. BRASIL .' .
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