77
ele mesmo e de assumir suas responsabilidades, tem o caráter da cooperação. Ele coopera
com o ser-aí lhe tirando o peso da responsabilidade para consigo mesmo.
Os caracteres existenciais, apresentados acima como modos de ser do
impessoal, não são meras possibilidades existenciais que podem ou não ocorrer em
determinado momento. Neles reside, para Heidegger
136
, a “constância” (Ständigkeit) mais
imediata do ser-aí. Esta constância, apressa-se Heidegger em afirmar na seqüência, “não
diz respeito à continuidade de algo simplesmente dado que se preserva, mas ao modo de
ser do ser-aí enquanto ser-com”
137
. Tratam-se dos modos cotidianos de ser guiados pelo
impessoal.
Com a afirmação de que os modos de ser impessoais constituem a constância
do ser-aí, Heidegger está respondendo a questão existencial sobre o “quem” do ser-aí.
Tendo em vista as considerações elaboradas pelo filósofo já no § 9 de Ser e Tempo, que
ressaltaram o caráter existencial desse ente, a resposta sobre o “quem” não poderia jamais
prescindir da análise de sua cotidianidade
138
; pois, uma vez que lá se mostrou que o ser-aí
é essencialmente marcado pela existência, a pergunta pelo seu quem só poderia ser
adequadamente respondida na consideração do existir cotidiano. E, nesse existir cotidiano,
desde o início marcado pela coexistência dos outros, ressalta que o ser-aí, antes de tudo e
136
SZ, p. 128.
137
SZ, p. 128.
138
No § 9 de Ser e Tempo são indicadas as duas determinações fundamentais do ser-aí que devem orientar
toda e qualquer análise ontológica desse ente, o ente que nós mesmos somos em cada caso. A primeira diz
respeito ao seu caráter essencialmente existencial: “a ‘essência’ do ser-aí está em sua existência” (SZ, p. 42).
Nisso Heidegger ressalta a diferença ontológica do ser-aí em relação aos entes meramente dados dentro do
mundo. Em contraste com esta última modalidade de entes, cuja essência é passível de ser apanhada em
categorias, a essência do ser-aí reside no fato de que ele tem de ser, de que ele existe. Não possuindo o
caráter de ente simplesmente dado, desse ente não podem ser extraídas categorias, senão que apenas modos
de ser, existenciais. A segunda determinação fundamental do ser-aí diz que “o ser que está em jogo no ser
desse ente é sempre meu” (SZ, p. 42). Ora, se o ser-aí é em cada caso o ente que eu sou e se sua “essência”
se decide na existência, então, nesse sentido, o ser-aí nunca poderá ser apreendido ontologicamente como
um caso exemplar de um gênero de entes simplesmente dados. O ser desse ente que eu mesmo sou é meu. E
só porque o ser do ser-aí a ele pertence, pode se estabelecer aí uma relação própria ou imprópria. Para os
entes com o caráter do ser simplesmente dado, o (seu) “ser” é indiferente, ou seja, eles são de tal maneira
que o seu ser não se lhes pode tornar nem indiferente nem não indiferente. O ser do ser-aí se decide enquanto
ele é, enquanto ele existe. Existindo o ser-aí se relaciona com o seu ser, como a sua possibilidade mais
própria. “O ser-aí é sempre sua possibilidade. Ele não ‘tem’ a possibilidade apenas como uma propriedade
simplesmente dada. E somente porque o ser-aí é sempre essencialmente sua possibilidade que ele pode, em
seu ser, isto é, sendo, ‘escolher-se’, ganhar-se ou perder-se ou ainda nunca ganhar-se ou só ganhar-se
‘aparentemente’. O ser-aí só pode perder-se ou ainda não se ter ganho porque, segundo seu modo de ser, ele
é uma possibilidade própria, ou seja, é chamado a apropriar-se de si mesmo” (SZ, p. 42). Disso vem a
necessidade de, na análise do ser-aí, não se passar por alto pela sua existência cotidiana, que revelou-se nos
modos da impessoalidade, e vem, também, a base para a elaboração do impessoal como uma possibilidade
essencial do ser-aí.