No tempo em que se passou a ação deste ligeiro conto, a conquista do Doutor Pires de
Aguiar era uma atriz portuguesa, a Clorinda, que viera de Lisboa apregoada pelas cem
trombetas do reclame, e cuja estréia, num dos nossos teatrinhos de opereta, o público
esperava ansiosamente.
Uma hora antes de começar o espetáculo de estréia, entrou advogado triunfantemente na
caixa do teatro, levando pelo braço a sua nova amiga, elegantemente envolvida numa
soberba de pelúcia. Ia fazer-lhe entrega do camarim, cujo arranjo confiara liberalmente ao
bom gosto e à perícia dos mais hábeis tapeceiros e estofadores.
Ela ficou encantadíssima, a agradeceu com beijos quentes sonoros a dedicada solicitude do
amante.
Que belo tapete felpudo! que bonitos quadros! que papel escolhido! que delicioso divã! que
magnífico espelho de faces, onde o seu vulto airoso se refletia três vezes por inteiro! e que
profusão de perfumarias! e que precioso serviço de toilette!.
Nada faltava também sobre a mesinha da maquilagem, risamente iluminada por dois bicos de
gás.
O Doutor Pires de Aguiar tinha longa prática desses arranjos; não podia esquecer-se de
nenhum dos ingredientes necessários camarim de uma atriz que se respeita; o arsenal estava
completo.
Dali a nada ouviu-se um - Dá licença?, - e o diretor cena entrou no camarim, acompanhado
por uma mulher já idosa, muito pálida, de aspecto doentio, pobremente trajada.
- Dona Clorinda, aqui tem a sua costureira.
A estrela não conteve um gesto de despeito. O diretor de cena compreendeu-o, e saiu
imediatamente, para não entrar em explicações.
- É doente? perguntou Clorinda à costureira.
- Não. senhora. Tive uma doença grave, mas agora estou boa. Saí há dois dias da Santa
Casa.
Clorinda trocou um olhar com o advogado, e este disse-lhe, refestelando-se no divã: