Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE JOAÇABA
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
JOSIANE SCHUEDA RAISER
A TRIDIMENSIONALIDADE E O PROFESSOR:
Relações e inter-relações
Joaçaba
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
JOSIANE SCHUEDA RAISER
A TRIDIMENSIONALIDADE E O PROFESSOR:
Relações e inter-relações
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade do
Oeste de Santa Catarina Unoesc, Campus de
Joaçaba (SC), como requisito parcial, visando à
obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Prof. Dra. Graciela Ormezzano.
Joaçaba
2007
ads:
3
JOSIANE SCHUEDA RAISER
A TRIDIMENSIONALIDADE E O PROFESSOR:
Relações e inter-relações
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Universidade do
Oeste de Santa Catarina Unoesc, Campus de
Joaçaba (SC), como requisito parcial, visando à
obtenção do grau de Mestre em Educação, sob
orientação da Profa. Dra. Graciela Ormezzano.
Aprovada em 22 de outubro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
-------------------------------------------------------------------------------------
Profª. Drª. Graciela René Ormezzano.
Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC)
Prof. Dr. Roque Strieder
Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC)
Profª. Drª. Marly Ribeiro Meira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
4
RESUMO
Auto-organização dos seres vivos, concepção sistêmica e pensamento
complexo são termos bastante divulgados na atualidade, porém pouco
compreendidos no meio educacional. Sob a temática da tridimensionalidade, esta
pesquisa destaca aspectos das biociências, relacionando-os à educação e à arte
nas escolas e visa caracterizar a significação da tridimensionalidade para os
professores habilitados em artes que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. A pesquisa utilizou a entrevista fenomenológica e o todo
fenomenológico o qual resultou em duas essências: relações subjetivas e
intersubjetivas e dificuldades e possibilidades do fazer artístico na escola.
Estabelece relações sobre a importância do trabalho com a tridimensionalidade no
cotidiano escolar como um trabalho imprescindível nos anos iniciais, destacando sua
importância para a ampliação das possibilidades estéticas, da corporalidade e dos
processos transdisciplinares e sobre a concepção sistêmica na educação . Auxilia ao
professor de Artes que atua nos anos iniciais a uma centralização mais específica
nesta linguagem, proporcionando reflexões que enriqueçam posturas de
experiências poéticas na percepção de saberes e fazeres específicos do meio
artístico, os quais podem ser estudados em seus próprios termos como significações
particulares, mas não desligadas do todo. Também o reconhecimento do ser
humano como ser aprendente durante toda sua existência recebe destaque no
presente trabalho.
Palavras-chave: Auto-organização. Tridimensionalidade. Artes visuais. Ensino
fundamental.
5
ABSTRACT
Self-organization of living beings, systematical conception and complex thought are
terms sufficiently divulged nowadays.However they are little understood in the
educational way. On the thematic of three-dimensionality, this research detaches
aspects of the biosciences, relating them to the education and to the art in schools
and it aims to characterize the signification of three-dimensionality for the teachers
qualified in arts who act in the initial series of Basic Education. The research used
the phenomenological interview and the phenomenological method which resulted in
two essences: subjective and inter-subjective relations and difficulties and
possibilities of artistic making at school. It establishes relations on the importance of
the work with the three-dimensionality on the daily school actions as an essential
work in the initial series, detaching its importance for magnifying the aesthetic
possibilities, the corporeality and the trans-disciplinary processes and on the
systematical conception of education. It assists the art teacher who acts in the initial
series to a more specific centralization in this language, providing reflections that
enrich positions of poetical experiences in the perception of specific knowing and
making of the artistic way, which can be studied in its proper terms as particular
significations, but not isolated. The recognition of the human being as a learning
being during all his/her existence also receives prominence on this work.
Key-words: Self-organization. Three-dimensionality. Visual Arts. Basic education.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................
...
07
2 PARA ALÉM DA ACOMODAÇÃO, DESAFIOS E PERSPECTIVAS.................
..
2.1
ROMPER COM UM PARADIGMA.................................................................
.....
2.2 IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO E NA PRÓPRIA VIVÊNCIA........................
3 A VIVÊNCIA DA ARTE NO ESPAÇO ESCOLAR
................................................
3.1 A ESCULTURA...........................................................................
........................
3.2 A ESTÉTICA.............................................................................................
...........
3.3 A TRIDIMENSIONALIDADE NA ESCOLA....................................
.......................
3.3.1 O professor de artes...................................................................
......................
3.3.2 Arte se ensina? ..................................................................
..............................
3.3.3 O que é inovação nas aulas de arte?........................................................
.......
3.3.4 Leitura de imagens..................................................................
.........................
4 RELAÇÕES SUBJETIVAS E INTERSUBJETIVAS.................................
..............
4.1 RELEVÂNCIA DO OBJETO E DO MUNDO..................................................
.....
4.2 REFLEXÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONHECIMENTO.....................
................
4.3 PERCEPÇÕES SOBRE OS ALUNOS E SOBRE SI MESMOS.....................
.....
4.4 RELAÇÃO PROFESSORES E ALUNOS.........................................................
...
5 DIFICULDADES E POSSIBILIDADES DO FAZER ARTÍSTICO NA ESCOLA
....
5.1 RECURSOS FÍSICOS E ORGANIZAÇÃO DA AULA.....................................
.....
5.2 CONTEÚDOS DA TRIDIMENSIONALIDADE.................................
.....................
5.3 FORMAS DE AÇÃO/INTERAÇÃO.....................................................................
..
12
13
18
21
22
25
30
31
34
36
38
41
42
46
52
57
62
62
67
73
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................
.
83
REFERÊNCIAS..................................................................
.......................................
86
ANEXOS: SÍNTESE DAS ENTREVISTAS
..................................................................
90
7
1 INTRODUÇÃO
A era tecnológica da contemporaneidade reconhece um ser humano cada vez
mais interligado a tudo o que acontece no mundo. São redes de comunicação cada
vez mais abrangentes e complexas. Porém, toda essa evolução tecnológica
possibilitou realmente uma ampliação nos contatos; a vivência humana tornou-se
mais “humanizada” e envolvida com o universo?
A ciência moderna direcionou um olhar bastante aprofundado para as
especificidades, definindo a “razão” como ponto específico do ser humano. A
cognição, em especial, centralizada no cérebro, passou a ser o aspecto central do
ser humano. Somos diferentes dos outros seres vivos porque “somos racionais”.
Mas o que é ser racional? Isso significa que nossas emoções deixam de existir?
Nossos órgãos sensoriais são somente caminhos para nosso cérebro? Desenvolver
a cognição implica trabalhar a racionalidade desvinculada do corpo?
Tais pensamentos também permitiram que o sistema educacional trilhasse
caminhos cada vez mais afeitos às especificidades dos componentes curriculares,
desvinculando o ser humano do universo de que faz parte. Assim, o ensino da arte,
no Brasil, aparece em forma de disciplina, também compartimentalizada: música,
dança, teatro e artes visuais.
Em sua trajetória como disciplina, o trabalho com arte nas escolas foi visto,
por vezes, como forma de lazer, por vezes como técnica e, na atualidade, até
mesmo, via interpretações errôneas, como uma teorização, apesar de esforços
consideráveis, desde a década de 1980, de arte-educadores
1
que lutaram pela
conquista de um espaço da arte nas escolas, com o jargão “arte é conhecimento”.
Muitos professores, até mesmo pela falta de fundamentos epistemológicos,
passaram a realizar um trabalho com artes fundamentado nos princípios
pragmáticos e mentalistas.
um número considerável de referências sobre as artes visuais e a criança,
em especial nos últimos cinco anos, circulando no país, que trazem grandes
contribuições para o ensino. Estas referências orientam os estudos e a prática de
muitos profissionais que atuam nas escolas das redes de ensino, porém, sobre a
1
Termo utilizado, desde a década de 1980, para definir professores que atuam no ensino das artes.
8
tridimensionalidade infantil, ainda não o suficiente. A tridimensionalidade, vista
inicialmente através da escultura e hoje entendida com uma ampliação maior, é uma
das formas de arte que menos aparece no cenário escolar.
Através de contato com artigos, revistas específicas da área, sites, resumos e
relatos de práticas de ensino acessados em páginas de algumas universidades
brasileiras, bem como por meio do diálogo com profissionais da área, buscamos
pesquisar a produção teórica relacionada aos estudos sobre a tridimensionalidade
realizada nas escolas.
Foram pesquisados artigos, dissertações e teses do acervo da Capes, do
Scielo, da USP, da UFRGS, da UNICAMP, da UFSC, do Instituto Arte na Escola,
entre outros, e encaminhadas correspondências via e-mail para algumas
Universidades ofertantes de s-Graduações em Artes e Institutos. O que
encontramos foram artigos e pesquisas voltados às propostas sobre estudo dos
artistas que trabalham o tridimensional ou que abordam a tridimensionalidade virtual.
Em questionamentos com profissionais da área, deparamo-nos com atividades
realizadas com alguns repetidos e precários materiais, dentre os quais os mais
utilizados são sabão ou sabonete, caixas/potes descartáveis ou recicláveis e argila.
Muito além da produção artística, o trabalho com a tridimensionalidade
envolve um tratamento para o desenvolvimento da sensibilidade, abrangendo uma
opção metodológica mais conectada ao ser humano do que à razão propriamente
dita. O ser humano é uma rede interligada; o que pensa é fruto de um caminho
elaborado a partir de suas experiências individuais e coletivas. A tridimensionalidade
deve estar presente nas escolas para que se possa apreender, conhecendo a si
próprio, ao outro e ao mundo.
Do exposto, decorre a questão de pesquisa que orienta este estudo: qual a
significação da tridimensionalidade para o professor que esteja atuando nos anos
iniciais do ensino fundamental? Daí derivam outras interrogações: como se
desenvolve a tridimensionalidade nas escolas, em especial nos anos iniciais do
ensino fundamental? uma relação entre a prática cotidiana e os programas de
ensino elaborados pelos professores com relação à tridimensionalidade? Em que o
trabalho com a tridimensionalidade contribui para a construção do conhecimento?
Nessa perspectiva, a dissertação ora apresentada visa a vincular e a
caracterizar a significação da tridimensionalidade para os professores que atuam
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como promover reflexões sobre a
9
prática cotidiana em sala de aula e a tridimensionalidade, além de estabelecer
relações entre a importância do trabalho com a tridimensionalidade no cotidiano
escolar e a concepção sistêmica na educação. Pretende ainda contribuir para as
especificidades que envolvem a escultura e a tridimensionalidade, como um trabalho
imprescindível nas ries iniciais, destacando sua relevância para a ampliação das
possibilidades estéticas, da corporeidade e dos processos transdisciplinares.
Pretendemos auxiliar o professor de artes, que atua nos anos iniciais, na
centralização mais específica desta linguagem, proporcionando reflexões que
enriqueçam posturas de experiências na infância, que levem à percepção de que
saberes e fazeres específicos do meio artístico podem ser estudados em seus
próprios termos como significações particulares, mas não intricadas no todo, e em
qualquer idade. Para tanto, a pesquisa foi composta por dois momentos distintos.
O primeiro momento constituiu-se de um estudo-piloto, com uma oficina
temática, envolvendo professores que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, matriculados no curso de Pós-Graduação lato sensu Educação Infantil
e Anos Iniciais, oferecido pela Universidade do Contestado, nos meses de junho e
julho do ano de 2006, com uma carga horária de 30 horas/aula, na disciplina
Metodologia e Fundamentos da Arte. A turma era formada por 34 alunos, sendo
somente dois do sexo masculino.
Escolhemos a configuração de oficina por propiciar a vivência em forma de
reflexões e atividades práticas, com o objetivo geral de diagnosticar a utilização da
tridimensionalidade como prática cotidiana no contexto escolar dos anos iniciais, e
com os seguintes objetivos específicos: sistematizar os estudos sobre os
fundamentos metodológicos da arte na educação infantil e anos iniciais; analisar as
práticas existentes e os processos de transformação de uma aula inserida com
procedimentos artísticos tridimensionais; discutir modos de construção tridimensional
aliado à prática pedagógica voltada a conteúdos transdisciplinares; diferenciar
modelos tradicionais de ensino e o modelo transdisciplinar; e refletir sobre as
possibilidades da arte na ação docente da Educação Infantil e anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Após o estudo-piloto, ocorreram ainda duas oficinas com outras turmas de
Pós-Graduação lato sensu em Educação Infantil e Séries Iniciais, também
oferecidas pela Universidade do Contestado, nos meses de setembro e outubro do
ano de 2006 e abril e maio de 2007, registradas através de imagens e relatos da
10
experiência vivida. As reedições da oficina aconteceram em função da necessidade
de verificar se as observações realizadas se repetiriam ou o, independentemente
de turmas, tempo de atuação no magistério e experimentações vivenciadas. A
segunda turma era composta de 29 professores, sendo três do sexo masculino, e a
última, de 43 professoras, todas do sexo feminino. A média variava entre um e 15
anos de atuação nas séries iniciais, sendo que, na segunda turma, 30% atuavam
com educação infantil à época da oficina. A seleção foi aleatória, pois envolveu as
pessoas que estavam matriculadas nas turmas de pós-graduação ofertadas na
época de sua realização.
A metodologia adotada para o trabalho relacionou-se a momentos teórico-
prático-reflexivos, ou seja, num processo dinâmico e interativo aconteciam
exposições teóricas sobre conhecimentos específicos da tridimensionalidade e sobre
concepção sistêmica, após cada atividade prática os colegas realizavam a leitura da
obra e, depois, ouvíamos cada equipe sobre dificuldades e facilidades. Também
após cada atividade prática era lançada a pergunta: “Que mecanismos internos
foram utilizados para poder efetivar esta atividade?”, a qual tinha por objetivo instigar
nos participantes a reflexão sobre a não compartimentalização do ser humano. As
propostas práticas foram efetivadas com material de fácil acesso do ponto de vista
financeiro, levando em consideração as dificuldades econômicas para aquisição de
material nas escolas.
Apesar das oficinas acontecerem com três turmas distintas, os relatos foram
praticamente idênticos, no sentido de que esses professores não trabalham a
tridimensionalidade e o utilizam materiais variados nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: valendo-se basicamente de fatos, e não de conceitos, trabalham
isoladamente cada conteúdo, com algumas variações. Por outro lado, as vivências
nas oficinas revelaram uma nova forma de trabalho, contextualizada e dinâmica.
O segundo momento foi composto por entrevistas
2
com nove professores
habilitados e atuantes em Artes, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em
escolas de ensino regular da região de Caçador (SC). Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, centrada no paradigma ecológico. O instrumento foi a entrevista
fenomenológica, com a pergunta-chave: “Qual o significado da tridimensionalidade
para você?” As entrevistas foram analisadas segundo o método fenomenológico, a
2
Os nomes das entrevistadas são fictícios e os resumos das entrevistas encontram-se na seção de
Anexos.
11
partir de Giorgi (1985) e Comiotto (1992): “1º O sentido do todo […] As unidades
de significado […] Transformação das unidades significativas em linguagem
psicoeducativa […] 4º Síntese das estruturas de significado […] Dimensões
fenomenológicas […]” (ORMEZANNO;TORRES, 2003, p. 15).
As entrevistas decorreram da necessidade de caracterizar a significação da
tridimensionalidade com os professores habilitados em Artes, que atuam com a
referida disciplina nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Foram critérios para a
seleção: professores que fossem habilitados em Artes (visuais ou cênicas ou
música) e que atuassem há pelo menos três anos nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. Foram selecionadas nove professoras, todas do sexo feminino, pois
não foram encontrados, na região de Caçador (SC), professores do sexo masculino
que apresentassem os critérios acima mencionados. Realizadas nos meses de
fevereiro a abril de 2007, foram gravadas em fitas de áudio, transcritas e analisadas.
Das entrevistadas, três possuem mais de 16 anos de atuação com a disciplina Artes;
quatro têm entre dez e 15 anos; e duas atuam três e cinco anos,
respectivamente. As entrevistadas que possuem maior tempo de atuação somente
começaram a atuar nos anos iniciais após a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96
(BRASIL, 1996), que fixou em seu artigo 26, parágrafo segundo: “O ensino da Arte
constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”.
Este trabalho apresenta em seu capítulo inicial um levantamento sobre a
teoria sistêmica, os princípios sobre a complexidade e a auto-organização, fazendo
um paralelo com a educação. A seguir, no segundo capítulo, enfatiza as questões
voltadas para a escultura e tridimensionalidade, a estética e a educação em Arte
vinculada aos termos citados no primeiro capítulo.
No terceiro e quarto capítulos, apresentamos as duas essências encontradas:
Relações subjetivas e intersubjetivas e Dificuldades e possibilidades do fazer
artístico nas escolas, com as respectivas dimensões fenomenológicas analisadas
nas entrevistas com as professoras de Arte que atuam nos anos inicias do Ensino
Fundamental.
Este estudo tenta, portanto, compreender o que “está dito” não como uma
verdade absoluta –, associando-o à ação.
12
2 PARA ALÉM DA ACOMODAÇÃO, DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Na servidão absoluta nossa autonomia é forjada e é nela que
nasce a nossa liberdade. Os nossos destinos foram inscritos,
programados e jogados anteriormente, mas nós os escrevemos,
fazemos estratégias, jogamos em cada instante das nossas vidas.
Onde está a ilusão? Está no nosso eu individual? No nosso ser?
Na nossa existência? Será necessário varrê-los do nosso
entendimento, do nosso pensamento, da nossa teoria?
Ou será preciso tentar conceber em conjunto o eu, o ser, o
indivíduo, a existência e o destino genético?
Edgar Morin
A presente pesquisa apresenta algumas angústias pessoais com relação ao
ensino da Arte e, tentarei, no decorrer desta, alicerçar minhas idéias em autores
que, por intermédio de seus estudos, abrem um fio de esperança para a educação
contemporânea.
O mundo vivenciado pelo ser humano passou a ser eminentemente
egocêntrico. Não se percebe mais, nem nas instituições mais arraigadas a termos
“socialistas”, a idéia da subjetividade humana. Com a efervescência da era moderna
(período em que houve a ascensão da industrialização) e da contemporaneidade
(ascensão da tecnologia), vimos submergir o ser humano, enquanto ser subjetivo e
participante de uma sociedade. Na atualidade, os “modelos”, nos quais está
assentada toda uma geração, estão intimamente relacionados ao eterno ditado
“quem pode mais, chora menos”. Cada vez mais o caminho volta-se aos “espertos”,
ou seja, àqueles que buscam levar vantagem em relação a tudo e a todos. São
baseados em seus próprios princípios de poder, o qual está alicerçado no capital.
Não é mais possível pensar que este é um caminho que tem volta imediata. Não
obstante, sobrevivem as relações humanas ligadas por ideais comuns, baseados na
existência humana e na vida em que o objetivo está voltado à felicidade, termo
muito subjetivo e aqui compreendido como a capacidade de ter êxito e sentir-se
bem, sem que, para isso, dependa de uma condição estabelecida pela mídia, pela
imposição de normas “estéticas” dos representantes legítimos de dominação
específica dos meios interessados no próprio retorno financeiro.
Sem pretensões de caráter humanista, desejamos fazer reflexões imbuídas
de um retorno à vida e ao “ser humano”, com necessidades e interesses próprios de
13
seu sistema, envolvidos numa sociedade cada vez mais “globalizante”, mas que não
pode ser desvinculado de um sistema de redes e relações com o universo do qual
faz parte. O tratamento aqui estará voltado à subjetividade da vida.
2.1 ROMPER COM UM PARADIGMA
Antes de nos aprofundarmos nas questões educacionais, cabe-nos fazer
referência aos processos de pensamento científico e filosófico que têm norteado a
transição da era moderna para a s-modernidade. Einstein (apud MORIN;
PRIGOGINE, 1998, p. 231) escreveu que “Não existe razão para o determinismo
parar na fronteira dos cérebros”. Morin e Prigogine (1998, p. 236) registram que, por
muitos anos, a ciência, com sua objetividade, excluiu o homem do universo,
assumindo uma visão determinista, “que recusa ao homem a possibilidade de
imaginar ou de criar, e outra, céptica, que diz que o universo é aleatório, estranho à
razão”. Urge voltar nosso pensamento em direção à outra abordagem, a da
complexidade do universo.
A palavra complexus significa o que é tecido junto. Assim, pensar em
complexidade é respeitar o conjunto, o todo, além das partes. Um olhar totalmente
linear impede outras abordagens, porém, a construção do conhecimento tem
alertado que a linearidade não satisfaz à necessidade de explicações inerentes ao
ser humano. Portanto, é imprescindível reconhecer a mudança de paradigmas como
parte integral de uma transformação cultural que vai além da modificação física, mas
abrange as questões sociais. Capra (1996, p. 25) define o paradigma social como
“uma constelação de concepções, de valores, de percepções e de práticas
compartilhados por uma comunidade, que forma a uma visão particular da
realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza”.
Atualmente, “começamos a compreender que o universo é muito diferente
daquela geometria intemporal que correspondia ao ideal da ciência clássica”
(MORIN; PRIGOGINE, 1998, p. 232). Apesar de enraizada, a teoria da ciência
clássica, na qual o ser humano é comparado a uma máquina, tem sido posta à prova
pela concepção sistêmica, que representa mudança necessária de paradigma, pois
14
deixa claro que a cognição não é a representação do mundo, mas um processo de
vida – e que o todo é muito mais do que a soma das partes.
A questão que passa a formular-se é a de saber como conciliar estas duas
visões que temos do mundo, uma obedecendo às leis da dinâmica,
deterministas, reversíveis no tempo, e outra às leis da termodinâmica, à
entropia, ela mesmo referida àquela flecha do tempo que corresponde à
evolução do universo […] A noção de entropia […] permite sair da geometria
clássica e introduzir um elemento narrativo na concepção que temos do
mundo. (MORIN; PRIGOGINE, 1998, p. 232-233)
A entropia compreende dois fatores: a imprevisibilidade, ou seja, a não
programação antecedente, e as flutuações. O conceito que de equilíbrio parte
dessas duas premissas. Morin e Prigogine (1998, p. 234-235) asseveram que
A questão que deve agora ser estudada é a de saber como é que a
natureza faz para imprimir o não-equilíbrio à matéria. As estruturas
complexas, as novas coerências que se criam longe do equilíbrio, são
certamente as únicas suscetíveis de explicar a transição da o-vida para a
vida. […] A natureza, no fundo, não faz outra coisa. Age por tentativas das
quais algumas se vão ampliar, outras retroceder. O universo é uma
realização num universo das coisas possíveis.
Os princípios organizativos dos seres viventes, através da auto-organização,
são históricos. A visão de universo evolutivo, não linear, remete-nos à reflexão sobre
a questão histórica. Criado por Humberto Maturana, assessorado em seus estudos
por Francisco Varela no final da década de 1960 e início de 1970, o termo
autopoiese procura explicar o processo e constituição dos seres vivos.
Inicialmente, convém destacar a diferença entre os sistemas autopoiéticos e
alopoiéticos: estes são os sistemas criados pelo ser humano; aqueles são os
sistemas vivos, em que se inclui o ser humano. Os sistemas autopoiéticos, ou auto-
referidos, como citam Maturana e Varela (1997, p. 14-15),
15
são sistemas nos quais seu operar somente faz sentido para si mesmos […]
o ser vivo não é um conjunto de moléculas, mas uma dinâmica molecular
[…] um interjogo de interações e relações de proximidade que o especificam
e realizam como uma rede fechada de câmbios e sínteses moleculares que
produzem as mesmas classes de moléculas que a constituem, configurando
uma dinâmica que ao mesmo tempo especifica em cada instante seus
limites e extensão.
Assim, os seres autopoiéticos são autônomos: possuem individualidade e são
definidos como unidade; podem ser perturbados por fatos externos e experimentar
mudanças internas que compensam essas perturbações. Gozam de autonomia: sua
própria organização, e de individualidade: todos os fenômenos biológicos acontecem
através da realização individual como sistemas vivos. São unidades separadas, mas
que conservam a circularidade produtiva de todos os seus componentes. Maturana e
Varela (1997, p. 79) esclarecem que, “De fato, um sistema vivente pode ser
caracterizado como uma unidade de interações, e como indivíduo, em virtude de sua
organização autopoiética, que determina que toda troca nele aconteça subordinada
a sua conservação”.
Tais reflexões propiciam um rompimento com a alienação da ciência clássica,
frente a um universo mais complexo do que o imaginamos, um universo evolutivo,
mas que precisa ser repensado. As novas concepções da física têm gerado uma
profunda mudança nas visões de mundo: da visão de mundo mecanicista de
Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica. Como evidencia Capra
(1996, p. 25),
O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que
concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de
partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o
termo “ecológica” for empregado num sentido muito mais amplo e mais
profundo que o usual. A percepção ecológica profunda (grifo meu)
reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato
de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos
processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes
desses processos). [aspas do original]
Para Capra, os termos “holístico” e “ecológico” diferem em seus significados.
Uma visão holística corresponde a ver um objeto como um todo funcional e
compreender, em conformidade com isso, as interdependências das suas partes.
16
uma visão ecológica inclui isso, mas acrescenta ao objeto a percepção de como se
encaixa no seu ambiente natural e social. E acrescenta:
Essa distinção entre “holístico” e “ecológico” é ainda mais importante
quando falamos sobre sistemas vivos, para os quais as conexões com o
meio ambiente o muito vitais […] A ecologia rasa é antropocêntrica, ou
centralizada no ser humano […] A ecologia profunda […] o mundo não
como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos
que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A
ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e
concebe os seres humanos apenas como um fio particular desta teia da
vida. (CAPRA, 1996, p. 25-26) [aspas do original]
Ecologia profunda é o novo paradigma. Não seria difícil enfrentarmos os
problemas que a globalização traz, se os percebêssemos como interligados e
sistêmicos. Capra (1996, p. 23) mesmo indica: “Há soluções para os principais
problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo simples. Mas requerem uma
mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos
valores”. Este é o grande desafio do nosso tempo: entendermos o mundo sistêmico,
as redes e relações, a organização autopoiética e a complexidade, em especial a
auto-organização da vida.
Os seres vivos fazem parte de um sistema complexo. Somos parte de um
todo que não pode ser visto isoladamente. Carregamos conosco uma carga genética
que determina a espécie. Assim, todo ser vivo nasce com uma predisposição
genética que o configura como uma memória organizativa de ser vivo. Porém, existe
um caráter reorganizador e regenerador que permite sua existência frente à
evolução: os genes não são o todo determinante. Existe o fenon, que caracteriza a
existência individual num ambiente e as interações com ele. “Assinalemos aqui que
os caracteres originais dum ser complexo dependem cada vez mais não só dos seus
genes no pormenor ou no conjunto, mas também das interações geno-feno-
ecológicas da sua ontogênese”, declara Morin (1989, p. 110).
Assim, o genótipo e o fenótipo não podem ser vistos isoladamente na
organização da vida. São interdependentes e a cada estágio da existência, do
nascimento ao estado adulto, recorrem indiscutivelmente um ao outro. Portanto, a
auto-organização é ao mesmo tempo dupla e una, havendo uma comunicação
permanente. Existe ainda a questão da individualidade do ser vivo. Mesmo
17
apresentando um determinismo estrutural, não significa que os seres vivos sejam
previsíveis. Até mesmo pela força da necessidade de sobrevivência, a estrutura do
ser vivo muda em congruência com o seu meio, por isso não podemos nos voltar
para a linearidade na existência, mas sim para a circularidade: um sistema complexo
resultado da interação cooperante das partes.
Segundo Maturana e Varela (1997), há uma hierarquia dos sistemas: um
sistema está dentro de outro que lhe é superior, e este, por sua vez, está contido em
outro que lhe é superior, e assim sucessivamente. Porém, refere Assmann (1998, p.
37) que,
Segundo a teoria do sistema unificado organismo/entorno, o surgimento das
formas do conhecimento não está baseado em nenhum processo de
transferência do entorno para dentro do organismo, porque não existem
dois sistemas entre os quais pudesse ocorrer esta transferência. O
conhecimento é a forma de existência do sistema […] e o conhecimento
novo é criado quando se estão verificando mudanças na estrutura do
sistema […] o que torna possíveis novas formas de ação e novos
resultados. Segue dque o conhecimento como tal não está baseado em
qualquer ação direta dos sentidos.
A auto-organização acontece quando as estruturas e as funções não são
impostas pelo ambiente externo, mas pelo próprio sistema. Os processos de auto-
organização têm uma relativa autonomia e uma adaptabilidade interna e externa. E,
por serem autônomos, apresentam-se como espontâneos e emergentes, sem
propósito intencional ou consciente; é a própria teoria da existência da vida
sobrevivida ao caos. Alguns sistemas, quando levados a condições longe do
equilíbrio, podem iniciar processos de auto-organização: são períodos de
instabilidade, de inovação, dos quais resultam sistemas mais complexos e
adaptativos.
Todo sistema reage segundo a sua estrutura – a estrutura muda, porém não a
sua organização. Os sistemas complexos que se adaptam são redes de agentes
individuais, que interagem para criar um comportamento autogerenciado, mas
extremamente organizado e cooperativo. Tais agentes respondem à realimentação
que recebem do ambiente e, em função dele, ajustam seu desempenho e embutem
o aprendizado na estrutura mesma do sistema.
18
2.2 IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO E NA PRÓPRIA VIVÊNCIA
A seguinte reflexão de Assmann (1998, p. 36) é providencial:
Pergunto-me se não está na hora de mudar radicalmente o cenário
epistemológico do debate sobre educação, integrando nele conceitos tais
como: sistemas complexos e adaptativos, sistemas aprendentes,
parâmetros dinâmicos e auto-organizativos, bio-semiótica, etc.; enfim […]
Talvez seja um jeito de avaliar em quê têm razão os que falam do
esgotamento do conceituário tradicional das ciências humanas e sociais.
A noção de auto-organização, inicialmente vinda das biociências, tem sido o
alicerce de muitas outras áreas do conhecimento, tais como a sociologia, a
psicologia, as organizações administrativas, a antropologia, a educação. Se
entendermos os sistemas vivos como uma rede de relações e inter-relações, não
podemos continuar com a visão de que o conhecimento se dá em especial na
mente, através de estímulos externos, ou seja, não é possível desvincular, nos
seres humanos, o cérebro do corpo.
Essa nova visão tem implicações nos procedimentos escolares, em especial
nos procedimentos dos professores para com as questões voltadas à aprendizagem.
Não podemos mais conceber que a aprendizagem advenha de uma grande
quantidade de informações que vão se acumulando e revertendo-se em
conhecimento. Ao contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neuronais
extremamente complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais
qualitativamente novos no cérebro humano a isso chamamos morfogênese do
conhecimento. A aprendizagem consiste numa cadeia complexa de saltos
qualitativos de auto-organização neuronal da corporeidade viva, cuja clausura
operacional (leia-se: organismo individual) se auto-organiza enquanto se mantém
numa acoplagem estrutural com o seu meio, como afirma Assmann (1998, p. 40).
Nesse sentido, a aprendizagem não pode mais ser vista como algo que inicia
externamente no ser humano, em que preponderam as figuras de um emissor e de
um receptor, ou, como costumávamos acreditar, um sistema de imput e output
19
registrado somente em algumas áreas do cérebro. Não obstante, o dualismo
corpo/mente está configurado como verdadeiro em vários âmbitos da educação:
Para os mentalistas, a instância aprendente
3
é a mente. No máximo o que
ocorre na aprendizagem são processos mentais. Os processos corporais
são ignorados ou mesmo desconhecidos. […] as linguagens educacionais
estão impregnadas de conceitos mentalistas. (STRIEDER, 2004, p. 287-
288)
Assim, para que possamos entender como ocorre a aprendizagem, é
necessário o entendimento de que a aprendizagem não é algo unidimensional e nem
fracionário. Emerge a necessidade de que perceber o sistema e que o ser humano
não é independente de seu meio, nem tampouco apreende somente através da
mente. Quando ocorre a aprendizagem, há influência em todo o sistema.
O ser humano e o seu ambiente/entorno formam, continuamente, um único
sistema e toda a suposta autonomia de algum indivíduo, carrega consigo o
caráter relativo. A existência de um sistema unificado, entre organismo
humano e entorno ambiente, não se estende apenas às necessidades vitais
da dimensão biofísica, mas incide também sobre o mundo da aprendizagem
(STRIEDER, 2004, p. 296).
Nesse contexto, cabe remontarmos às questões sobre aprendizagem
significativa. Por mais que tenhamos projetos pedagógicos lindíssimos nas escolas,
com objetivos e pressupostos metodológicos voltados à formação completa e
integral do ser humano, o que prevalece nas instituições de ensino são as práticas
voltadas à aprendizagem de fatos, ou seja, ao conhecer eminentemente voltado às
práticas não reflexivas e o questionadoras. O melhor aluno é aquele que “domina”
os conteúdos selecionados como imprescindíveis para seu bom desempenho na
sociedade, porém estes seguem a visão cartesiana, compartimentada.
3
Aprendente é quem está em processo dinâmico de aprendizagem, realizando vivências
aprendentes. Para maiores esclarecimentos, consultar ASSMANN (1998).
20
Na atualidade, a clientela que está na escola é outra, e não merece que as
instituições de ensino continuem com suas metodologias impostas no século XIX.
Segundo Assmann (1998, p. 41),
O que, sim, se quer propor como teoria explicativa do sucesso ou insucesso
da aprendizagem, é que qualquer processo pedagógico somente será
significativo para os aprendentes na medida em que produz essa
reconfiguração do sistema complexo cérebro/mente (e corporeidade
4
inteira).
Assim, é necessário que termos clareza de que a aprendizagem depende de
uma auto-organização, a qual se muito mais no plano inconsciente do que no
consciente. Ou seja, quando algo novo é apreendido, isso não se apenas no
âmbito cérebro/mente, mas em consonância com o sistema corpóreo inteiro. Para
isso, é necessário que as organizações escolares passem a atingir metas didáticas
que instiguem, despertem interesse no plano da experiência pessoal, da vivência da
complexidade – e não da compartimentalização.
Maturana (2001, p. 193) pondera que “O amor, a mente, a consciência e a
autoconsciência, a responsabilidade, o pensamento autônomo são centrais para a
nossa existência como seres humanos mas não apenas eles, a nossa
corporalidade também”. O que é chamado de racional é o resultado das percepções.
No início, elas surgem como sentimentos e emoções. depois é que se
transformam em pensamentos, que geram discursos, que, por fim, são formalizados
como conceitos. O racional vem do emocional; daí a necessidade de harmonizar
razão e emoção, pensamento mecânico e pensamento sistêmico.
4
Conforme Strieder (2004, p. 292), corporeidade corresponde à relação bio/social integradora de um
sistema vivo, dinâmico e agregador com o universo em que está inserido.
21
3 A VIVÊNCIA DA ARTE NO ESPAÇO ESCOLAR
A arte não afeta a viabilidade da vida tanto quanto afeta sua
qualidade; a esta, entretanto, afeta profundamente.
Susanne K. Langer
As experiências pelas quais o ser humano passa durante sua vida fazem
diferença nas suas capacidades de ver, sentir e ouvir, na sua sensibilidade e na
relação consigo mesmo e com os outros; apreende através das emoções,
sensações e sentimentos – e não somente com a “razão”.
A convivência com diversas formas de manifestações escultóricas permite à
criança um olhar diferenciado sobre as circunstâncias que se apresentam, pois terá
experimentado situações de pesquisa e descoberta sobre espaço, volume, luz,
diferenças e semelhanças de materiais, proporcionando-lhe um envolvimento maior,
com possibilidades de erros e acertos, imaginação e ação e facilitando-lhe escolhas
e tomadas de decisões no seu convívio social e cultural. Além disso, exercitará a
compreensão, levando a criança a interrogar a multifacetada visão de mundo
proposta numa sociedade eminentemente capitalista e individualista, como é a
nossa.
O professor pode propiciar processos individuais e coletivos para a
autonomia, ampliando o universo de experiências de seu educando, de modo que a
criança deixe de apenas contemplar mundos artísticos estranhos a ela, para fazer
parte deste universo. Assim, é tarefa e responsabilidade educacionais proporcionar
condições para que isso se efetive no espaço escolar, pois, fora dele, perante todas
as situações que se apresentam, será muito difícil um início individual de vivenciar a
tridimensionalidade.
22
3.1 A ESCULTURA
O vazio foi sempre uma grande obsessão minha, o vazio ativo e
não o vazio morto. O vazio é ativo em relação ao conjunto de
elementos que ele tem. Eu sempre tive a obsessão de não fechar
as portas, de abrir as janelas para ver, através delas, o mundo.
Mesmo nas minhas figuras eu já trabalhava com o vazio, eu furava
as figuras na argila e no papel.
Franz Weissmann
As imagens representadas sobre uma superfície, como o papel, são
chamadas bidimensionais. As esculturas têm volume, isto é, são formas
representadas no espaço tridimensional. Um objeto, com volume, tem três
dimensões: altura, largura e profundidade, e podemos acrescentar elementos em
qualquer lado – em cima, embaixo, atrás – e não só em um plano, ou retirá-los.
O volume, contudo, o é uma medida cúbica, como o espaço dentro de
uma caixa. É mais do que a massa da figura; é um espaço tornado visível, e
é mais do que a área que a figura realmente ocupa. A forma tangível tem
complemento de espaço vazio que ela domina absolutamente, que é dado
junto com ela e apenas com ela e é, de fato, parte do volume escultural. A
própria figura parece possuir uma espécie de continuidade com o vazio não
importando à sua volta quanto suas massas sólidas possam afirmar-se
como tais. O vazio a envolve, e o espaço envolvente tem forma vital
enquanto continuação da figura. (LANGER, 1980, p. 93)
Podemos olhar uma escultura de vários ângulos: pela frente, por trás, pelos
lados, por cima, por baixo. Podemos também andar ao seu redor e obter várias
imagens diferentes. Além disso, percebemos as formas de uma escultura pelo tato.
O íntimo relacionamento entre o tato e a visão, que é assim efetuado pelo
volume cinético, explica algumas das complexas reações sensoriais que os
escultores, bem como os leigos, freqüentemente têm em relação a ela. […]
dentre os artistas, provavelmente a maioria – imaginam o toque da pedra ou
madeira, metal ou terra; desejam que suas mãos passem sobre a forma
pura desta. Sabem que a sensação nem sempre confirmará a sugestão
visual; talvez, mesmo, a contradiga. Contudo, acreditam que sua percepção
da obra será de alguma maneira realçada. (LANGER, 1980, p. 95)
23
A escultura utiliza o volume para representar coisas. um tipo de escultura
o relevo –, no qual as formas esculpidas estão apoiadas em um plano, podem
ser vistas frontalmente. O relevo utiliza alguns recursos especiais que permitem criar
a aparência da profundidade. Porém, mesmo unido a um fundo, o relevo não se
confunde com a pintura, pois é, essencialmente, volume.
Assim como a pintura, a partir da arte moderna e na contemporaneidade, a
escultura se mostrou renovadora sobre os limites formais de meios artísticos
julgados convencionais. Desse modo, o artista escultor encontrou liberdade para
compor escolhas e procedimentos individuais ou em grupos. Essa estratégia
abrange a utilização de todos e quaisquer meios e materiais, passo decisivo da
escultura para uma autonomia ilimitada. Caldas
5
refere que
Essa liberdade na escolha dos materiais, e que hoje beneficia todos os
artistas, foi conquistada com muito esforço no princípio do século passado
por operações dadaístas, cubistas, construtivistas e surrealistas. Essa
conquista, que nos abriu a porta dos cristais, das madeiras e dos metais,
utilizou também palavras, rasgando-as, colando-as, alterando-as até a
exaustão. […] Hoje, o surgimento de novos materiais é vertiginoso, e talvez
não seja mais adequado dizer que usamos materiais, mas apenas um
instante deles, uma circunstância, uma velocidade.
Assim, não existe mais a exigência da figuração exata num elemento
tridimensional, o que dificultava a produção em função de exigências e regras. Isso
permite ao artista pesquisar e explorar diferentes materiais e possibilidades, o que
facilita a sua integração na escola.
Além da escultura, podem ser considerados elementos da tridimensionalidade
as instalações, as intervenções ou apropriações de espaço, ambientes, modelagem,
cerâmica, entre outros procedimentos artísticos que envolvem os elementos altura,
largura e profundidade, espaço e tempo.
Segundo Krauss (1998), a maior parte das esculturas anteriores ao culo
XX, no Ocidente, tinha a intenção de representar as figuras de modo realista,
utilizando principalmente formas convexas, que estão mais próximas da forma do
corpo humano. As formas convexas são mais arredondadas e salientes, como, por
5
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 18 ago. 2006.
24
exemplo, as linhas curvas de uma garrafa ou a forma redonda da maçã. No entanto,
povos de outras regiões, como da África e da Oceania, e os indígenas brasileiros,
entre outros, esculpiam na madeira, na pedra ou na argila formas alongadas, planas,
côncavas, para representar seres humanos, deuses, animais. No início do século
XX, as pessoas que faziam esculturas tinham propósitos tais como expressar idéias
ou sentimentos por meio das figuras representadas ou por meio das formas em si.
Os escultores do período modernista passaram a utilizar, além das formas convexas,
as formas côncavas, arredondadas e afundadas, como o interior de um vaso, e o
vazio, que é o espaço entre as formas e elementos da escultura. Essa liberdade de
construção favoreceu o rompimento com a forma estática das esculturas
tradicionais. Assim, passaram a ser criadas esculturas que expressam movimentos,
bem como esculturas movidas pela ação da água, de motores ou do ar. Na década
de 80, a escultura, desmobilizada de preceitos formais, abriu-se para o uso de
materiais diversos: objetos descartáveis, aparelhos elétricos, têxteis, ready mades e
materiais industriais. As instalações, intervenções ou apropriações de espaço
também são formas de linguagem baseadas na tridimensionalidade e bastante
utilizadas pelos artistas na década de 1990 (ITAÚ CULTURAL, 2000).
Mesmo com as alterações decorridas da própria história do ser humano, a
escultura, seja ela realista ou não, sempre esteve ligada a aspectos maiores que ela
própria, ou seja, a ligação se dá entre o espaço físico e o espaço ilusório, ou a
virtualidade de sua existência. Langer (1980, p. 97) aponta que
Uma peça de escultura é o centro de um espaço tridimensional. É um
volume cinético virtual, que domina o espaço circunvizinho, e essa
ambiência deriva dele todas as proporções e relações, da mesma maneira
que a ambiência real o faz no tocante a nós mesmos. […] Embora uma
estátua seja, na realidade, um objeto, não a tratamos como tal; vemo-la
como centro de um espaço inteiramente próprio a ela; mas seu volume
cinético e a ambiência que ela cria são ilusórios existem apenas na nossa
visão, uma semelhança do eu e seu mundo.
Não como isolar a escultura do ambiente e das sensações que provoca no
espectador. É um todo interligado que o se separa e não se desvincula. O “olhar”
do espectador é que cria o espaço e o ambiente proporcionados pela escultura.
25
3.2 A ESTÉTICA
O corpo inteiro, e não apenas os tradicionais cinco sentidos, é um lugar de
conhecimento, ou seja, as sensações provocadas por agentes externos atuam em
nosso ambiente corpóreo num todo, desencadeando reações das mais diversas. A
sensibilidade é uma categoria do conhecimento e uma categoria política. Ela é a
base, a via de acesso ao mundo externo ao nosso corpo, o modo como
estabelecemos relações com as coisas, justamente por ser um modo pelo qual
experimentamos nosso corpo e os demais corpos. É o modo como olhamos para as
coisas, como ouvimos, mas também como as pensamos, de acordo com Duarte Jr.
(1994).
O que melhor resume a sensibilidade é que ela é uma capacidade de ter
atenção às coisas. O uso da razão, a produção do pensamento dependem desse
gesto inicial de disposição, que envolve o silêncio, a boa passividade e a escuta. O
esforço de cada um, de todos os seres (sejam profissionais das artes ou não), deve
ser o de reunir, estabelecer pontes, reintegrar as capacidades. Toda a relação com a
natureza e com o outro além da relação com o próprio corpo depende desse
esforço de integração do que está separado.
Porque o termo estética supõe uma certa harmonia, um certo equilíbrio de
elementos. E em nossa civilização, vem sendo sobremaneira difícil o
encontro de um equilíbrio entre os sentidos que damos à vida e à nossa
ação concreta no cotidiano. (DUARTE JR., 1994, p. 18)
Em realidade, no cotidiano, inclusive pela contemplação da natureza, quase
todo tempo estetizamos, experimentamos emoções e percepções estéticas, as quais
acabam se tornando acontecimentos únicos e intransferíveis. Porém, em arte, a
estética envolve muito mais do que simples percepções; envolve vivência. As ações
docentes podem ser direcionadas para a criação de possibilidades de diferentes
vivências estéticas que viabilizem diversas percepções de mundo em particular,
nas atividades com a tridimensionalidade. Segundo Ormezzano (2001, p. 28),
26
Observar intensamente sensibiliza-nos e nos ensina a viver, permitindo-nos
dar um sentido ao mundo. Com as artes aprendemos a explorar o mundo,
elas enriquecem a sociedade de trabalho, de rotina, de alienação,
oferecendo uma abertura qualitativa à realidade em que vivemos.
Na contemporaneidade, em que a rotina do corre-corre diário afoba e
evanesce a postura sensível do ser, a arte permite um envolvimento e introspecção
ascendente. Ao ter contato com artistas, obras tridimensionais, com sua própria
produção e com a dos colegas, o aluno passa a perceber, sentir e enriquecer sua
postura como cidadão e como ser num espaço privilegiado. Meira (2004, p. 171-172)
pondera acertadamente que
Estamos famintos de pão, beleza, afetos, esperanças e sentidos,
submetidos a uma dieta imposta pela sociedade moderna, que subordina a
sensibilidade, o corpo, a imagem e o símbolo à compreensão; o real, ao
conhecimento racional; a poesia, a infância, o jogo, à esfera da vida privada.
[…] A escola (e outras instituições) ensina e aprisiona através de uma
condição de lugar (isolamento), tempo (permanência forçada), circunstância
(clausura), designação (adestráveis), disciplina (horas-aula) e rituais que
necessitam, por sua vez de um cumprimento fiel de seus executantes
(professores), de um cerimonial político, um culto (ao saber consagrado) e
instalam uma relação de poder na qual o diagnóstico (classificação) é um
poder institucional, racional de ação sobre o mundo, que impõe
conformidade a uma representação de mundo (higienizadora), onde a
sensibilidade e a arte são saberes menores.
Assim, ao entender a arte não mais como saber menor, mas como um
processo próprio do ser humano e da própria história da humanidade,
compreendemos a importância de um trabalho de produção artística e o
envolvimento estético nas instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas,
porém, em particular, naquelas em que a educação ocorre massivamente
6
: a
educação em massa não permite a individualidade, a introspecção, a reflexão, a
imaginação criadora, nem tampouco a fruição. Todos os sistemas vivos, em relação
ao crescimento, são criativos, flexíveis e versáteis, mas são únicos e precisam ser
concebidos dessa forma.
Não existe uma verdade absoluta; portanto, apesar de
6
Entende-se aqui aquela educação organizada para um grupo para o qual não se cogita a
individualidade cultural, mas a homogeneidade do pensamento racional e pragmático.
27
integrar o complexo sistema que constitui o meio ambiente, o homem dele se
distingue pela faculdade da produção da cultura e da construção da história.
A acumulação da cultura tem se dado pela transferência, reorganização e re-
significação de informações de diversas ordens: física, biológica, psíquica, simbólica.
A vivência humana na Terra tem se dado graças à complexificação crescente das
aptidões mentais em intercâmbio com a natureza. Da relação homem-meio surgiu o
processo cultural. Porém, instala-se as necessidades de problematizar a produção
do conhecimento operado historicamente e de superar a disciplinaridade fechada e
não comunicante. O processo educativo deve ser um mediador da acumulação e
não um repassador de informações.
Assim, a própria educação possui uma dimensão estética: levar o educando
a criar os sentidos e valores que fundamentam sua ação no seu ambiente
cultural, de modo que haja coerência, harmonia, entre o sentir, o pensar e o
fazer. Caso contrário, estamos frente à tendência “esquizóide” de nossos
tempos: a dicotomia entre o falar e o fazer, entre o pensar e o agir, entre o
sentir e o atuar. […] Porque, no seio da reflexão sobre arte e criatividade,
restringir a compreensão apenas ao âmbito lógico ou científico talvez seja
empobrecer os sentidos encontrados (DUARTE JR., 1994, p. 18-20).
A arte na educação relaciona-se às questões estéticas e artísticas do
conhecimento, ou seja, relaciona-se ao o ser humano. Por meio das linguagens
artísticas através de atividades, estudos, produções e pesquisas dentro da
linguagem da tridimensionalidade é possível expressar o modo de ser e ver o
mundo. Envolvendo possibilidades tridimensionais, abrimos possibilidades de leitura
às crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental; partindo de seu cotidiano ou
de obras de arte, ampliamos seu repertório expressivo e estético. No ensino da arte,
quando se lida com as formas em artes visuais convive-se habitualmente
com as relações entre a superfície, o espaço, o volume, as linhas, as
texturas, as cores, a luz. Cada um desses elementos tem suas próprias
possibilidades expressivas e de significados, tanto em si mesmos como em
relação aos demais. E todos eles são intermediados pelos autores e
espectadores das obras visuais ao se utilizarem de métodos e técnicas
específicos para produzi-las e percebê-las (FUSARI; FERRAZ, 1993, p. 78).
28
Assim, ao vivenciar a produção, fazendo, criando formas, realizando
exercícios de análises visuais, passamos a discriminar elementos que, normalmente,
são percebidos em sua totalidade. Porém, esse discriminar elementos não os retira
de um todo. Esse fazer conduz ao conhecimento e reconhecimento das técnicas, da
história, de como os artistas produzem, das maneiras de produção, elevando o nível
de compreensão do objeto artístico. “Compreender uma obra de arte significa
conhecer seus autores e apreendê-las em seu movimento mais amplo, isto é, no
contato com o público, onde o ato criador se completa” (FUSARI; FERRAZ, 1993, p.
107). Porém, mais do isso, ao fruir arte, vivenciamos um processo de interações com
o próprio ser.
No entanto, para dialogar com uma obra de arte é necessário muito mais do
que “gosto” – isso requer interpretação. Segundo Mario Gennari (1997, p. 91),
la estética de la recepción se consagra en la búsqueda del sentido y el
deconstructivismo aspira a volver a encontrar sentido en la “pérdida” de éste
propia de su análisis textual. El espacio de las interpretaciones posibles de
un texto puede ampliarse o restringirse, pero existe siempre la necessidad
de transformalo en algo verdaderamente significante.[aspas do original]
A educação estética visa o à interpretação, mas principalmente à sua
significação. A maneira de interpretar é determinada tanto pelas experiências
interiores, como pelo mundo exterior com o qual interdepende. O contato com obras
de arte tridimensionais, e a produção destas, aumenta experiências estéticas, eleva
o nível de diálogo com a arte. Conseqüentemente, será mais fácil elaborar uma
cultura estética e artística que expresse, com clareza, a própria vida em sociedade.
Acima de tudo, entretanto, a arte penetra profundamente na vida pessoal
porque, ao dar forma ao mundo, ela articula a natureza humana:
sensibilidade, energia, paixão e mortalidade. Mais do que qualquer outra
coisa na experiência, as artes moldam nossa vida real de sentimento. Esta
influência criativa é uma relação mais importante entre arte e vida
contemporânea do que o fato de os motivos serem derivados do ambiente
do artista. […] poucas pessoas percebem que a verdadeira educação da
emoção não é “condicionamento” efetuado pela aprovação e desaprovação
social, mas o contato tácito, pessoal, iluminador, com símbolos de
sentimento. (LANGER, 1980, p. 416-417) [aspas do original]
29
O que torna a arte tão importante quanto a ciência e até a religião, dogmas da
história humana, e também o que a distingue delas, é a sua função criativa,
autônoma. entra a questão principal do trabalho com arte. Não como entendê-
la seguindo os padrões da ciência clássica, ou seja, através do método científico,
pois envolve muito mais do que o simples pragmatismo. Langer (1980, p. 42)
assegura: “A arte é criação de formas simbólicas do sentimento humano”. Muito
mais do que somente representação de uma situação ou objeto, a arte é uma
“interiorização exteriorizada” pelo artista. Envolve opções, olhares, que são íntimos,
peculiares e individuais. A ão é o reflexo do olhar do indivíduo que realiza a
criação.
Segundo Mario Gennari (1997, p. 60), “El reconocimiento de una forma, la
diferenciación entre dos combinaciones cromáticas, la percepción de una sombra en
la luz… necesitan siempre una pequeña dosis de creatividad elaborada por el sujeto
que ejecuta la discriminación visual”. Tanto a criação quanto a recepção de uma
obra de arte envolvem muito mais dos que os órgãos dos sentidos; envolvem o todo
do ser humano e um universo de significações internas suas, aliado às experiências
vividas e apreendidas. Transcrevemos, na seqüência, dois depoimentos de artistas
que alimentam o que acima explicitamos. Resende
7
declara:
Penso que meu trabalho é o resultado de tudo que vejo e sou: meu
passado, meu cotidiano, minha vida. Na trama dos fatos e dos encontros
vou somando meu modo de ser, vou erguendo a construção e com ela
invento e crio: não sou ortodoxo nem radical. Acredito na multiplicidade que
é o próprio existir, perco-me com freqüência e me disponho a tal. Sou
permeável, disposto a procurar e com o que encontro, teço minhas razões,
descubro as afinidades… Minha poética é fruto de tudo que encontrei,
toquei, deixei, perdi e sonhei; meu veneno e meu antídoto: nascimento por
fórceps, descobertas lúdicas da infância, visões da morte, gestos não
correspondidos, paixões avassaladoras, abandonos, emanações. Tudo é
apenas ir e vir e como num palimpsesto, faço, desfaço e refaço, duvido e
desconfio, avanço e paro quando me saturo: sou pelos excessos. Gostaria
que meu trabalho fosse apenas isso: meu rastro e meu selo; e que fosse
forjado na mais sincera nudez.
7
In: Depoimentos. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
30
E Andrés
8
professa que
O desenvolvimento interior do homem, de suas potencialidades espirituais,
possibilita uma comunicação com nosso semelhante de forma direta, sem
auxílio da palavra. Sentimos esta comunicação também através da arte. Os
artistas, despertando a intuição, muitas vezes se assemelham aos místicos.
Nos momentos de inspiração, quando a mente se aclara num relâmpago e
as idéias jorram espontâneas, sem medidas impostas pela razão,
percebemos também o encontro com a realidade interna procurada pelos
yoguis. Meditação e criatividade são formas de descoberta interior.
Meditamos de certo modo quando nos empenhamos num trabalho de arte,
despertando energias desconhecidas. O artista, quando cria, traz à tona não
somente o que está em seu inconsciente, mas reflete o inconsciente
coletivo, universal.
3.3 A TRIDIMENSIONALIDADE NA ESCOLA
De acordo com Hélio Siqueira
9
, “Não há receitas nem rmulas prontas. A
atividade exige constantes atualizações, é preciso ser sensível para descobrir
caminhos e trabalhar nas brechas. Achar uma forma nova de cultivar a fantasia e
não cerceá-la”. Considerando as práticas escolares em uma sociedade cada vez
mais capitalista, onde o poder financeiro prevalece sobre os valores e formação de
cidadãos, urge repensar a postura do profissional envolvido com a arte nas escolas.
Na cada de 1990, a implantação da Lei 9394/96, que estabelece as
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, em seu artigo 26, parágrafo segundo,
instituiu a arte como componente curricular obrigatório em todos os níveis de ensino.
Os sistemas de ensino começaram a implantar a disciplina de Artes, em especial
nos níveis em que ainda não acontecia totalmente, ou seja, na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Porém, até que ponto acrescentar gerou
aprofundamento e melhorias neste ensino?
8
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
9
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
31
3.3.1 O professor de artes
As considerações anteriormente pontuadas sugerem algumas questões sobre
o ensino da arte na contemporaneidade. O que pretendemos com as aulas de arte?
Arte se ensina? Qual a postura de um professor que trabalha com arte? O que seria
inovação nas aulas de arte? Qual o compromisso do professor de artes para com
seus alunos?
Os pressupostos filosóficos e epistemológicos do professor são a base de sua
ação. É necessário que o professor compreenda como se a aprendizagem e
tenha clareza de seus objetivos em relação ao que pretende desenvolver em suas
aulas, pois é a partir deles que as aulas acontecerão, que filtram o modo como o
professor entende a sociedade, o homem e o mundo.
Levando em conta os estudos apontados até a atualidade, podemos ponderar
que não se pode mais prever um ensino no qual sejam priorizadas as funções
cognitivas, mesmo porque o ser humano é composto por uma rede de relações
internas e externas que não podem ser vistas isoladamente. Trabalhar arte na
escola tem por compromisso inicial revelar e permitir ao educando relacionar-se com
valores diferentes dos que estão estabelecidos numa sociedade eminentemente
capitalista. Também, por sua essência, a arte foge das regras estabelecidas pelos
conteúdos eminentemente teóricos e racionais, dado que envolve valores presentes
no ato da criação, da apreciação prazerosa, do conhecimento que amplia a visão do
mundo.
Segundo Antoni Zabala (1998, p. 28) “Até hoje, o papel atribuído ao ensino
tem priorizado as capacidades cognitivas, mas nem todas, e sim aquelas que se tem
considerado mais relevantes e que, como sabemos, correspondem à aprendizagem
das disciplinas ou matérias tradicionais”. Assim, até mesmo pelo seu histórico de
ensino, a arte tem sido vista com um despreocupado papel na escola o que é
preocupante , pois, para alguns, não trabalha as capacidades cognitivas e sim o
fazer aliado à técnica. Esses compreendem a arte desvinculada da existência. Mas,
na contracorrente dessa percepção, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
apresentam blocos de conteúdos de Artes Visuais para o primeiro e o segundo
ciclos:
32
Criação e construção de formas plásticas visuais em espaços diversos
(bidimensional e tridimensional). […] Reconhecimento e utilização dos
elementos da linguagem visual representando, expressando e comunicando
por imagens: desenho, pintura, gravura, modelagem, escultura, colagem,
construção, fotografia, cinema, vídeo, televisão, informática, eletrografia.
(BRASIL, 1997, p. 62-63) [grifos meus]
Estabelecem também que a área de Arte está relacionada com as demais
áreas e tem suas especificidades:
A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e
da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar
sentido à experiência humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade,
percepção e imaginação, tanto ao realizar formas artísticas quanto na ão
de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela
natureza e nas diferentes culturas. (BRASIL, 1997, p. 19)
Não podemos conceber o ensino das artes como mera atividade artística
voltada ao fazer ou à produção pura, sem qualquer envolvimento com a vivência. A
arte na contemporaneidade envolve uma aproximação cada vez maior com os
elementos estéticos. Promove um desvelar de conhecimentos através da
experiência. Muito mais do que meras atividades de lazer, socialização e atividades
lúdicas, o envolvimento com a Arte fornece elementos necessários para uma
completa formação estética, a qual é entendida como uma teoria do saber sensível.
Essa área do agir humano está ligada, sobretudo, à idéia do sentir.
Vivenciamos experiências estéticas diariamente. Para Maturana (2001, p.
195), “a experiência estética ocorre no bem estar e na alegria que vivemos em estar
coerentes com nossas circunstâncias”. A arte tem como potencial explorar as
experiências estéticas de forma a promover a interação com o sensível. E, se o ser
humano é uma rede interligada, o que pensa é fruto de um caminho elaborado a
partir de suas experiências individuais e coletivas.
A arte tem um papel fundamental no processo da existência do ser humano,
pois envolve as emoções. Segundo Maturana (2001, p. 181-182), “As emoções são
tipos de comportamentos relacionais […] raramente estamos conscientes do fato de
que o nossas emoções que guiam nosso viver, mesmo quando estamos
afirmando que somos racionais”. São nossas emoções que norteiam nossa ação e
33
nosso domínio racional. Maturana (2001, p. 190) também refere que, uma vez que
nossas emoções especificam o domínio relacional, “é nosso emocionar e não
nossa razão que define o curso de nosso viver individual, bem como o curso de
nossa história cultural”. A emoção é fundamental para uma conexão com o
ambiente/entorno, pois possibilita o conhecimento que não vem só da razão, mas de
uma ligação afetiva e prazerosa.
Cabe ao professor de arte o comprometimento com o conhecimento das
linguagens artísticas, a fim de oferecer aos seus alunos possibilidades de vivenciar
as relações humanas e cotidianas de uma forma dinâmica e integral. Mas também a
ele cabe a vivência destas linguagens. Engajados nas linguagens artísticas, alunos e
professores terão acesso a outras possibilidades de perceber e atuar no mundo e,
conseqüentemente, poderão participar da construção social de forma diferente
daquela de um mero espectador. Para Maturana (2001, p. 195),
Os artistas são poetas da vida cotidiana, que mais do que outros seres
humanos agem com projetos intencionais e, portanto, o que fazem para o
curso da história humana não é normalmente trivial. Os artistas, como
poetas da vida cotidiana, vêem ou captam as coerências do presente que a
comunidade humana à qual pertencem vive, revelando-as, de acordo com
suas preferência e escolhas de um modo de viver.
Ao vivenciar arte, o aprendente estará vendo possibilidades que irão além das
apresentadas pela compartimentalização do conhecimento. Cada aprendente terá
condições de construir a realidade a partir de sua estrutura interna, pois, no
processo da vida, produzimos um mundo e não simplesmente o representarmos.
Portanto, o envolver-se com a arte abre possibilidades ilimitadas para a reflexão e a
criticidade. Aprendemos a selecionar, através de processos organizativos, o que
queremos ou não como resultado, ou seja, ao produzir em arte, o aprendente passa
pelo processo da transversalidade, envolve-se num sistema de procedimentos
teórico-práticos que estabelecem a apropriação de vários elementos constitutivos de
sua criação que não os meros procedimentos, envolve-se com toda sua
corporeidade, a emoção e os sentimentos. Os sentidos e significantes passam a ser
uno. Não se consegue produzir em arte sem um envolvimento do todo, mas apenas
num sistema unificado.
34
3.3.2 Arte se ensina?
O professor precisa estar atento à construção do aluno, porque, segundo
Maturana (1998, p. 27),
Nós, seres vivos, somos sistemas determinados em nossa estrutura. Isso
quer dizer que somos sistemas tais que, quando algo externo incide sobre
nós, o que acontece conosco depende de nós, de nossa estrutura nesse
momento, e não de algo externo.
Assim, buscando responder à questão: arte se ensina?, convertemo-la em
outras: português se ensina? E matemática? Ou, ainda, geografia, história? Ora, se
aprender é inerente à existência, respondemos a esses questionamentos,
relembrando que a aprendizagem ocorre internamente e dependem da necessidade
e da desejabilidade internas. Conforme Assmann (1998, p. 39), ”O organismo não é
um mero receptor de estímulos, reagindo, em seguida, aos mesmos. O organismo
vivo é, acima de tudo, um criador ativo enquanto co-partícipe ativo do sistema
conjunto organismo/entorno”.
A complexidade pode ser vista a partir do conceito de relações. Conforme
mencionado anteriormente, os sistemas complexos apresentam relações circulares.
Aprender não implica reunir informações, mas que aprendemos “numa cadeia
complexa de saltos qualitativos de auto-organização neuronal da corporeidade viva”
(ASSMANN, 1998, p. 40). Por isso, o professor deve criar continuamente condições
para que o aprendente possa estar intimamente relacionado com o novo, sentindo-
se incitado a uma nova organização. Quando um organismo vivo muda suas
estruturas para responder às influências ambientais, essa mutação altera o seu
futuro e ele aprende. Interagindo com o ambiente, o organismo vivo, com o tempo,
constrói a sua história e a sua estrutura viva é o próprio registro dos
desenvolvimentos que alcançou, é o seu registro das mudanças estruturais
anteriores.
35
Inicialmente, o professor que trabalha com arte precisa atentar para os
conteúdos relacionados à sua especificidade. Antoni Zabala (1998) apresenta o
termo “conteúdo” não somente como aqueles que comumente se têm denominado,
ou seja, especificamente direcionado aos conhecimentos das disciplinas, mas
também às aprendizagens que se realizam na escola e que não aparecem nos
planos de ensino. Aborda a aprendizagem dos conteúdos segundo sua tipologia:
factuais, conceituais, procedimentais ou atitudinais. Declara que as aprendizagens
de conteúdos factuais estão relacionadas a fatos, acontecimentos, situações, dados
e fenômenos concretos e singulares e as de conteúdos conceituais referem-se a
termos abstratos, ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características
comuns. Os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto
ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que normalmente
descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. Essa aprendizagem implica
uma compreensão que vai muito além da reprodução de enunciados mais ou menos
literais. As aprendizagens de conteúdos procedimentais incluem, entre outras
coisas, as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as
estratégias, os procedimentos. As relacionadas a conteúdos atitudinais valores,
atitudes e normas –, supõem uma reflexão sobre os possíveis modelos, uma análise
e uma avaliação das normas, uma apropriação e elaboração do conteúdo, o que
implica a análise dos fatores positivos e negativos, uma tomada de posição, um
envolvimento afetivo e uma revisão e avaliação da própria atuação. O fato é que
esses conteúdos, apesar de serem apresentados separadamente, deveriam estar
inter-relacionados no ambiente escolar.
Para alguns, a arte está relacionada aos conteúdos procedimentais, ou seja,
desenhar, pintar, esculpir, cantar, etc. Esse tipo de pensamento remete-nos,
novamente, à idéia de compartimentalização do ser humano. O processo de
vivenciar arte ultrapassa em muito este aspecto. É evidente que, em arte, o fazer
não pode ser deixado de lado. Mas o fazer precisa estar alicerçado na reflexão, na
criticidade e na autonomia. Se aprender é sempre a descoberta do novo, como
indica Assmann (1998), isso sugere que a educação seja aliada à questão do sujeito
processual que se faz e refaz constantemente, buscando novas práticas, abrindo
novas possibilidades, desvinculando-se de referências enraizadas.
Para que o professor consiga enveredar-se pelo caminho do aprendente,
deve buscar a inovação, repensando sua ação constantemente. Portando, o que
36
pretender trabalhar nas aulas de arte estará vinculado ao entendimento de que o
professor também é aprendente. Além disso, pode proporcionar situações que
envolvam o educando em possibilidades variadas de reflexão sobre sua produção, a
dos colegas e de outras produções artísticas. Mas, acima de tudo, estará vinculado
a formas de pensar e vivenciar arte com outros valores que não os impostos por
uma visão compartimentada de ser humano.
3.3.3 O que é inovação nas aulas de arte?
Considerando o exposto anteriormente, o professor de artes deve ser um
inovador. Porém, este termo não está associado à utilização de novas técnicas de
ensino, novos materiais ou novos modos de ensinar apenas para quebrar a rotina da
sala de aula, mas à perspectiva que evita a postura da imposição de conhecimentos.
Segundo Lucarelli (2000, p. 63),
quando nos referimos à inovação, fazemo-lo em associação a práticas de
ensino que alterem, de algum modo, o sistema unidirecional de relações
que caracteriza o ensino tradicional. […] Uma inovação na aula supõe
sempre uma ruptura com o estilo didático imposto pela epistemologia
positivista, o qual comunica um conhecimento fechado, acabado,
conducente a uma didática da transmissão que, regida pela racionalidade
técnica, reduz o estudante a um sujeito destinado a receber passivamente
esse conhecimento.
Assim, inovação opõe-se à repetição e não é sinônimo de descoberta ou
invenção. Para que seja realmente inovador, o ensino deverá incluir o educando
como sujeito do processo e inserido no seu meio, caracterizando-se pelo aspecto
dinâmico e interdependente na sala de aula, em que se estabelece uma relação
muito grande entre professor, aluno e conteúdo. Aliado a isso, deve propiciar a
produção do conhecimento, numa real articulação entre teoria e prática. E quando
proporciona essa articulação, valoriza o processo de construção do conhecimento
do aluno, favorecendo uma aprendizagem significativa.
O caráter inovador do ensino solicita uma mudança das representações e das
atitudes em torno do que seja ensinar e, automaticamente, do que seja aprender. A
37
construção da identidade do professor acontece na reflexão sobre sua prática e no
contexto de transformação desta prática, adequando-a às reais necessidades dos
conteúdos, dos alunos e até para si mesmo. A busca pelo caráter inovador no
ensino da arte envolve um professor conhecedor e pesquisador do que haja de
melhor sendo veiculado sobre arte e que possa servir de apoio para suas aulas,
porém o deve apenas reiterar o caráter reprodutivista no qual está centrado o
repasse de conteúdos; deve ter uma postura de inovação que está alicerçada no
processo dialético do ensino. Isso porque
Trata-se de ocupar, de forma criativa, os acessos ao conhecimento
disponível e de gerar, positivamente, propostas de direcionamento dos
processos cognitivos dos indivíduos e das organizações coletivas para
metas vitalizadoras do tecido social. (ASSMANN, 1998, p. 27).
Segundo Izabel Alarcão et alii (1996, p. 176), o professor “Tem um papel ativo
na educação e não um papel meramente técnico que se reduza à execução de
normas e receitas ou à aplicação de teorias exteriores à sua própria comunidade
profissional”. Para que o aluno apreenda, é necessário que sinta interesse pelo tema
tratado interesse que não surge sem uma instigação e sem uma relação própria
com a existência (auto-organização). Muito se tem dito sobre aprendizagem
significativa; porém, cabe a pergunta: até que ponto este termo chegou às escolas
além de sua nominação, dado que a aprendizagem significativa antevê que aprender
possui um caráter dinâmico?
O conhecimento emerge como uma propriedade auto-organizativa. J. A. Scott
Kelso (apud ASSMANN, 1998, p. 39) afirma:
eu creio que a chave para entender o que significa aprender consiste em
estender a teoria da auto-organização nos sistemas de não-equilíbrio de
maneira a incluir, particularmente, os conceitos-chave de dinâmica
intrínseca (i.e, as tendências espontâneas de coordenação preexistentes no
indivíduo) e de influência paramétricas específicas (ou seja, modificações
novas devidas, p. ex. ao “clima” reinante numa aula) que atuam sobre essa
dinâmica […] A expressão dinâmica intrínseca se refere simplesmente às
tendências de coordenação autônoma que existem antes de se passar a
aprender algo novo.
38
As escolas deveriam preocupar-se com o “desejo de saber”. O desejo alicerça
a aprendizagem, porém, para isso, precisa integrar os ditos “conteúdos
disciplinares”, propiciando ao aluno dar-lhes sentido e ter vontade de se apropriar do
conhecimento.
3.3.4 O olhar e as imagens
Um dos aspectos mais abordados na atualidade em estudos sobre o ensino
da Arte está voltado à educação do olhar. “Ler” e “interpretar” são termos bastante
discutidos e utilizados na educação escolar. Uma das questões mais levantadas
pelos teóricos da educação em arte reveste-se de um intenso trabalho acerca da
“Leitura de Imagens”, sejam elas de obras de arte ou do cotidiano que envolve os
alunos, pois os avanços tecnológicos e midiáticos possibilitam cada vez mais uma
ampliação do acesso às imagens. Para Merleau-Ponty (2000, p. 24),
A palavra imagem tem má fama porque se acreditou irreflectidamente que
um desenho era um decalque, uma cópia, uma segunda coisa, e a imagem
mental um desenho desse gênero no nosso bazar privado. Mas, se com
efeito, ela não é nada de semelhante, o desenho e o quadro não pertencem,
tal como ela, ao em si. Eles são o interior do exterior e o exterior do interior,
que a duplicidade do sentir torna possível, e sem os quais jamais se
compreenderá a quase-presença e a visibilidade imanente que constituem
todo o problema do imaginário. [grifos do original]
A imagem não se projeta por si mesma. uma relação intrínseca entre o
Ser e a imagem: “a sua visão, em todo caso, não aprende senão vendo, não
aprende senão consigo mesma” (MERLEAU-PONTY, 2000, p. 25). Assim, mesmo
que tenhamos nos submetido, por várias décadas, a estudos voltados às
percepções eminentemente físicas, em que o olho é um “condutor” de mensagens
para a mente, apresentando ao olhar os objetos e separando o objeto do Ser, o
interior do exterior, precisamos reconhecer que essa superficialidade inexiste. Todo
o nosso Ser responde junto com o olhar. Para Merleau-Ponty (1999, p. 32-33)
39
O próprio cientista deve aprender a criticar a idéia de um mundo exterior em
si, já que seus próprios fatos lhe sugerem abandonar a idéia de corpo como
transmissor de mensagens. O sensível é aquilo que se aprende com os
sentidos, mas nós sabemos agora que este com não é simplesmente
instrumental, que o aparelho sensorial não é um condutor, que mesmo na
periferia a impressão fisiológica se encontra envolvida em relações antes
consideradas como centrais. […] Se agora nós nos voltamos, como se faz
aqui, para a experiência perceptiva, observamos que a ciência consegue
construir uma aparência de subjetividade: ela introduz sensações que são
coisas ali onde a experiência mostra que existem conjuntos significativos.
[…] a teoria da sensação, que compõe todo o saber com qualidades
determinadas, nos constrói objetos limpos de todo equívoco, puros,
absolutos, que são antes o ideal de conhecimento do que seus temas
efetivos. [grifo do original]
Essas reflexões sobre sensações, percepções e sentidos, ligadas à leitura de
imagem, remetem-nos às questões da corporeidade. Ao olhar as imagens, não as
vemos de maneira igual ao que vê outra pessoa, pois esse olhar está impregnado de
vivências muito mais profundas do que o próprio olho compreende.
Considerando a inter-relação entre as formas artísticas, surge uma questão
primordial sobre o estudo da imagem nas escolas. As imagens utilizadas,
normalmente, são reproduções. Enquanto a leitura de imagens é trabalhada no
plano bidimensional: pintura, desenho, fotografia, etc., desde que selecionadas em
função de qualidade, não acarretam tantos problemas; porém, em se tratando de
formas tridimensionais, como fazer as leituras simplesmente através de reproduções
gráficas?
As vivências estéticas advindas de um elemento tridimensional acontecem
através da interação. Como compreender uma obra tridimensional visualizando
apenas um ângulo deste trabalho? E consideremos, ainda, que esse ângulo foi
objeto selecionado por um outro olhar que não o de quem está observando a
reprodução. Para vivenciar efetivamente uma produção tridimensional, deve haver
um contato direto com ela. Abstrações em reproduções jamais proporcionarão a
verdadeira vivência.
Considerando ainda as instalações e ambientes, através de imagens,
acontece apenas a transmissão de informações. E não é esse aspecto que
abordamos até agora. Utilizando somente imagens reproduzidas de obras
tridimensionais jamais acontecerá o apreender para uma existência. Mas, quando se
40
oferece e oportunidade de vivência, as questões formuladas anteriormente sobre
volume e espaço cinético são outras e não somente abstrações.
41
4 RELAÇÕES SUBJETIVAS E INTERSUBJETIVAS
Os achados da investigação se constituem de duas essências
fenomenológicas: relações subjetivas e intersubjetivas e dificuldades e
possibilidades do fazer artístico na escola. Cada uma das essências é composta
pelas dimensões determinadas a seguir.
As relações subjetivas e intersubjetivas compõem-se das dimensões:
relevância do objeto e do mundo; reflexão, transformação e conhecimento;
percepções sobre os alunos e sobre si mesmo; relação professores e alunos.
Quanto às dimensões que constituem as dificuldades e possibilidades do fazer
artístico na escola, figuram recursos físicos e organização da aula; conteúdos da
tridimensionalidade; formas de ação/interação.
Conforme Ormezzano e Torres (2003, p. 17), “As dimensões vêm da intuição
e não da fragmentação do fenômeno, colaborando desta forma a impregnar-se no
todo. É um momento de síntese entre subjetividade e mundo, visando a estruturar os
significados dados à vivência através da linguagem”. A partir deste capítulo, serão
abordadas as essências e dimensões arroladas acima.
Ao nos depararmos com as entrevistas, constatamos, mais uma vez,
conforme estudos já relevantes no meio educacional, a impossibilidade em separar a
postura de um profissional de sua visão sobre mundo e ser humano, ou seja, a
postura do professor quanto a mundo, homem e sociedade reflete-se em suas
opções metodológicas em sala de aula. Aliado a isso, sua formação, seja na
graduação, ou nos estudos posteriores, neste caso específico, a pós-graduação lato
sensu, permite-lhe experimentar situações de aprendizagem que lhe impulsionam
atitudes como profissional.
Por isso mesmo, a análise das entrevistas apresenta alguns aspectos mais
comuns e evidentes, apesar da individualidade de cada entrevistada. Serão
destacadas, aqui, as relações que cada professor tem com a tridimensionalidade,
consigo mesmo e com sua atuação e, em especial, as percepções e relações com
os alunos.
42
4.1 RELEVÂNCIA DO OBJETO E DO MUNDO
Ocupar um espaço: este é o aspecto essencial de uma obra tridimensional. O
impacto causado ao observador não é meramente visual, este “ocupar um espaço”
envolve a mudança da paisagem, tanto física, quanto emocional. Nesse contexto,
podemos retomar as palavras de Langer (1980, p. 93):
O volume, contudo, o é uma medida cúbica, como o espaço dentro de
uma caixa. É mais do que a massa da figura; é um espaço tornado visível, e
é mais do que a área que a figura realmente ocupa. A forma tangível tem
complemento de espaço vazio que ela domina absolutamente, que é dado
junto com ela e apenas com ela e é, de fato parte do volume escultural. A
própria figura parece possuir uma espécie de continuidade com o vazio não
importando à sua volta quanto suas massas sólidas possam afirmar-se
como tais. O vazio a envolve, e o espaço envolvente tem forma vital
enquanto continuação da figura.
A tridimensionalidade exposta em um espaço público, numa praça, à frente de
um prédio ou residência, no rol de entrada de locais de acesso comum, também
denominada Arte Pública, é acessível a todos e induz a visualização mesmo
daqueles que nada conhecem sobre o artista ou sobre a finalidade daquela obra.
Quanto à tridimensionalidade colocada num espaço público, a entrevistada
Simone menciona que “A obra de arte tridimensional é impactante e ocupa um
espaço que interfere nas pessoas, tanto pelo aspecto visual como pela necessidade
de circundar o objeto artístico para apreciar a sua totalidade”. Nesse sentido, o
espaço tridimensional é diferente do bidimensional, e possui um impacto que ela
considera positivo, principalmente, pelo tamanho e o material utilizado em sua
execução.
A tridimensionalidade, através de esculturas expostas em locais públicos,
acompanha a história da humanidade, desde os relevos das arquiteturas egípcia e
grega e das manifestações heróicas de governantes de várias épocas, até as
Intervenções, Land Art e Arte Ambiente dos dias atuais. Foi a tridimensionalidade
que mais esteve presente e acessível a todas as classes sociais na história da
43
humanidade, muito mais que o desenho ou a pintura, que, por muito tempo, eram
revelados apenas às pessoas que detinham um poder financeiro mais elevado.
Porém, através das entrevistas, percebeu-se que os conceitos sobre a
tridimensionalidade, para a grande maioria dos professores entrevistados, ainda
reside na tradicional opinião: conforme Iara, “a tridimensionalidade é o que se pode
ver por todos os lados e por todos os ângulos”; segundo Vanessa, “o tridimensional
é quando tem um plano, frente e trás“; para Maira, “o tridimensional é aquilo que
pode ser visto por frente, por trás, em cima, embaixo”; ou, de acordo com Sandra,
tridimensionalidade é “trabalhar com três dimensões: largura, altura, profundidade”.
Os conceitos dependem das vivências e experimentações de cada professor,
pois aqueles que tiveram um contato pessoal maior com a escultura ultrapassam
esse conceito, demonstrando relações intrínsecas, como no relato da professora
Luana, quando afirma que “A produção tridimensional é difícil por ter que partir da
visão bidimensional e transportá-la para o tridimensional”. Porém, a partir do
momento que começa a esculpir e o objeto vai criando forma, realiza-se ao perceber
que a obra está sendo produzida por ela mesma.
Martins (2005, p. 86) explica a realização de Sandra: “Além das questões
específicas da linguagem plástica e de seu acervo, o processo de criação desde o
momento da elaboração da idéia até a busca por sua materialização, lidando com
problemas de técnicas e materiais é um foco especial para alimentar a experiência
estética”.
Também a professora Ionara assim manifestou-se, ao considerar que “A
tridimensionalidade é tudo, é o que gosto de trabalhar”. Afirmou, em sua entrevista,
adorar a tridimensionalidade, porque pode ver de todos os ângulos, tem maiores
possibilidades para trabalhar. Afirma gostar das outras modalidades, como desenho
e pintura, mas esculpindo, soldando, sente-se mais realizada.
As palavras de Lobo
10
ilustram bem isso:
10
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
44
O artista trabalha para ele mesmo, buscando sua identidade, construindo
uma gramática, uma linguagem, sua forma de revelar-se ao mundo. O
resultado é constituído de sentimento, intuição e raciocínio. Essas áreas
atuam juntas na elaboração do trabalho. Sem esses princípios a experiência
artística é destituída de valor.
O processo de criação leva à pesquisa e ao conhecimento ou ao
reconhecimento de possibilidades variadas, sejam elas externas, voltadas a
materiais, ou internas, voltadas ao próprio produtor. De acordo com Caldas
11
,
A realização de uma obra se na medida em que você vai encontrando
condições de transformar algo que não havia em coisa que existe. E o mais
incrível é que aprendemos no processo, seguimos com esta transformação
que chamo de abismo, um abismo para a frente: idéias e matérias
construindo maneiras de se tornarem outras coisas, ainda mais amplas,
mais vitais. Uma vontade que vai em direção ao seguinte.
O envolver-se com a produção artística, muito mais do que realização pessoal
do professor de artes, favorece a troca com os alunos, ou seja, tendo passado pela
vivência, saberá os desafios que se impõem aos alunos no momento da sua
produção. Brandão
12
declara:
Acredito, também, que a atividade do magistério é vinculada ao trabalho
realizado pelo artista em sua trajetória. O professor que não desenvolve e
pratica seu próprio potencial como artista, não poderia trabalhar na relativa
formação de outros artistas. E essa história de arte-educação é estranha,
pois não é somente a arte que educa. O nome educação estética soa
melhor.
A entrevistada Cristina aprofunda o conceito de tridimensionalidade ao
considerar “A tridimensionalidade muito ampla e abrangente no que diz respeito à
produção artística, ainda mais na contemporaneidade, com tantas variações de
atitudes e materiais”, considerando-a bastante complexa. Diz ainda que, “Às vezes,
11
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
12
In: Depoimento. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
45
algumas produções parecem ‘coisas doidas’, sem nexo; outras vezes parecem
interessantes e muito inteligentes na forma de se apresentarem ao público”.
Oliveira (1999, p. 88-89) afirma:
Novas denominações são necessárias para descrever o que ocorre, não
mais no suporte bidimensional, no tridimensional, mas no espaço
interacional em que a arte é o pintura, mas também escultura; não só
música, mas também som; não dança, mas também movimento, etc.
numa complexa reunião intersemiótica […] Toda esta passagem
desencadeadora de tamanha ruptura com o suporte, a materialidade e,
inclusive, o processamento da obra, germinou lentamente e, no decorrer
dos últimos cinqüenta anos, mediante dispositivos, formas, totalmente
inéditas, convivem na Arte Contemporânea: os happenings, as instalações,
as holografias, a arte corporal, os móbiles, a arte da paisagem, a arte
computacional, a videoarte entre uma gama de manifestações artísticas
dificilmente enumeráveis. [grifo do original]
Cristina, outra entrevistada, também se reporta ao público. Com as novas
configurações da arte contemporânea, o público deixa de ser um mero expectador
ou observador da obra pronta”. Recorremos novamente às palavras de Oliveira
(1999, p. 89), quando diz que,
De fenômeno acabado, centrado na obra que nos devolve uma imagem cuja
significação se articula no ato de contemplá-la, a obra torna-se fenômeno
processual e se efetiva nas ocorrências interativas com o outro que,
portanto, de contemplador passa a atuar como seu actante. As
ambientações artísticas do tipo performances, happenings e instalações
concretizam esse tipo de processo de invenção, programado para atualizar-
se somente durante a visitação do público. Em última instância, espera-se
desse outro que se ponha em relação com a obra e dela partícipe
inteiramente, não somente por intermédio de seu intelecto, mas de toda a
sua rede sensorial, pois é, inclusive, contando com a sensibilidade do corpo
inteiro do visitante que a obra se completa. [grifo do original]
A entrevistada Mônica considera que “A tridimensionalidade, a princípio, é ver
o objeto no seu todo. O que realmente representa o objeto, como foi construído,
como se coloca no espaço. A vantagem do tridimensional é enxergar a integralidade
do objeto, não vê-lo só em partes.” Langer (1980, p. 393-394) esclarece que
46
A significação de um símbolo artístico não pode ser erigida como o
significado de um discurso, mas precisa ser vista in toto em primeiro lugar,
isto é, o “entendimento” de uma obra de arte começa com a intuição de todo
o sentimento apresentado. A contemplação, então, gradualmente revela as
complexidades da peça, e de sua significação. No discurso, o significado é
construído sinteticamente por uma sucessão de intuições; mas na arte o
todo complexo é visto ou antecipado em primeiro lugar. [grifo e aspas do
original]
Ainda, esse todo é compreendido individualmente, através das significações
vivenciadas.
4.2 REFLEXÃO, TRANSFORMAÇÃO E CONHECIMENTO
Mostra-se bastante pertinente a reflexão de Maturana (1998, p. 12): “Acho
que não se pode considerar nenhuma pergunta sobre os afazeres humanos, no que
diz respeito ao seu valor, à sua utilidade ou àquilo que se pode obter deles, se não
se explica o que é que se quer”. Um dos aspectos interessantes em se entrevistar
pessoas é a possibilidade que elas têm de refletir sobre si mesmas e sobre sua
prática no momento do diálogo, permitido a exteriorização do que sentem e/ou
pensam. Tal atitude nem sempre é facultada ao professor nas escolas.
A professora Simone considerou interessante verbalizar acerca de seu
trabalho, pois isso a levou à reflexão e trouxe-lhe ao nível de consciência a
necessidade de atividades práticas. Considera “Importante que os alunos verbalizem
sobre o que estão fazendo”, porém não oportuniza isso, centraliza suas atividades
“mais no fazer” e não no relato e reflexão do que o aluno fez, alegando que o
período da aula é reduzido. Mas compreende que “O professor deve oportunizar a
reflexão na sala de aula sobre o trabalho realizado, pois o aluno pode ter muito a
dizer não no tridimensional, mas em outras situações. Esse procedimento pode
auxiliar o professor a refletir também sobre como está o processo na sala de aula”.
Cogita também, durante a entrevista, que “Muitas coisas que se aprende na teoria,
na formação como professor, não se leva para a prática. Quando se questiona sobre
isso, passa-se a refletir sobre a relação teoria/prática”.
47
O professor, durante sua formação, recebe influências teóricas, porém o que
muitas vezes acontece, é que, ao deparar-se com o dia-a-dia, deixa de refletir sobre
a vinculação teoria/prática. Pimenta (apud OLIVEIRA; HERNANDEZ, 2005, p. 61)
revela que “a prática pela prática e o emprego de técnicas sem a devida reflexão
podem reforçar a ilusão de que uma prática sem teoria ou de uma teoria
desvinculada da prática”. E nós sabemos que a competência que o professor deve
desenvolver ao longo da sua ação docente é exatamente saber mediar uma e outra,
utilizá-las adequadamente conforme as diferentes situações de ensino (OLIVEIRA;
HERNANDEZ, 2005, p. 61).
A função da teoria é oferecer embasamento, esquemas e perspectivas de
análise para melhor compreender as ações, bem como possibilitar combinações em
função do universo escolar e do contexto social e cultural dos educandos. Também
a opção por uma prática alicerçada em determinada teoria revela a identidade do
professor de Artes. Para Oliveira e Hernandez (2005, p. 63), “Na identidade docente
estão presentes os conceitos, as relações que o professor estabelece com sua área
de conhecimento, sua leitura de mundo, sua ética profissional e o valor que a sua
profissão de professor e esta identidade é única, intransferível, não traduzível”.
A entrevistada Maira, ao fazer um relato acerca sua prática, destaca que
“Talvez devesse variar mais, pelo menos com os alunos pequenos. Talvez até
pudesse ter, depois, nos anos finais, turmas mais empolgadas. Os pequenos até se
empolgam mais com as aulas de arte do que os adolescentes. Parece que quanto
mais crescem, menos querem participar”. Essa reflexão sugere o papel do professor
no grande desafio da educação atual: ele é o grande responsável pela mediação do
saber. Conforme Martins (2002, p. 50),
Na instituição chamada escola, ensinar e aprender o fruto de um trabalho
coletivo. Aprendizes e mestre celebram o conhecimento a cada dia, quando
ensinam e quando aprendem. A aula é uma celebração, um banquete, uma
confraternização amorosa, […]. Banquete que se torna “PF” (prato feito)
quando a interação das relações humanas é subjugada autoritariamente
pelo reino dos conteúdos frágeis e fragmentados. […] Ao mestre cabe
preparar a refeição. Sua tarefa é oferecer a comida que alimenta o aprendiz,
é também organizar pistas, trilhas instigantes para descobertas de
conhecimentos pelos alunos, ou visitantes, alimentando-se também. Mas o
que eles desejam comer? O que esperam desta nutrição? Como fazer com
que o prato do conhecimento, nem sempre saboroso ao primeiro olhar, seja
metabolizado com o que já sabem? Por que oferecer determinado alimento?
[aspas do original]
48
O que estaria faltando nessa refeição, para que os adolescentes citados por
Maira passassem a se interessar, participar e se empolgar nas aulas de Arte?
Porque os pequenos, como ela diz, até se empolgam e depois não há mais essa
empolgação. Será que o professor está preocupado com o que os alunos “desejam
comer”? Será que o professor está interessado em “organizar pistas e trilhas
instigantes para descobertas”? Segundo Almeida (2007, p. 33),
Para aplicar uma proposta, o professor precisa compreendê-la em seus
objetivos, conteúdo e processos de desenvolvimento e avaliação. Ela
precisa ser adequada aos alunos, a fim de que não se transforme num
exercício mecânico, desprovido de sentido. […] Na ânsia de levar os alunos
a uma determinada forma de produção “artística”, o professor trabalha
modelos, dentro de padrões rígidos de ensino. Sua função acaba sendo a
de delegar tarefas, e a dos alunos a de cumpri-las, executando exercícios
repetitivos, mecânicos, padronizados. [aspas do original]
E o esses “exercícios” que tornam enfadonhas as aulas de arte, que
realizados “como tarefas a cumprir, e não pelo prazer que podem proporcionar”
(FERREIRA, 2001, p. 35). Para Vanessa, “A arte traz qualidade de vida, descortina,
percepção mais fina e aguçada para ver o que é importante para a vida das
pessoas. A arte acrescenta e oferece maiores possibilidades para a pessoa e para
os que estão a seu lado”. Em sua concepção, “Através do conhecimento sobre a
arte e da atitude em arte, pode-se fazer reflexões sobre a análise de situações do
cotidiano sobre vários focos. A emoção em uma determinada situação impele a
pessoa a vê-la somente sobre um ângulo”, como “uma borboleta numa lâmpada, fica
centrada na luz se debatendo sem sair de perto da lâmpada”. E ratifica: “Se a
pessoa puder ver outros ângulos sobre determinada situação ou problemas de sua
vida, poderá resolvê-los melhor, se puder ver uma pessoa de outra maneira, haverá
melhores possibilidades nos relacionamento e isso promoverá mais saúde para a
pessoa”.
A entrevistada gostaria que todas as pessoas tivessem como atividade
semanal uma das modalidades da arte, porque as que têm interesse em uma das
modalidades da arte sentem-se bem, têm maiores possibilidades em suas vidas, são
49
melhores para as pessoas que estão próximas a elas. A educação estética é cada
vez mais necessária nas relações humanas estabelecidas na contemporaneidade, a
fim de acentuar a sensibilidade para uma nova percepção do mundo, mais centrada
na subjetividade da vida. Seguindo a reflexão de Vanessa,
A experiência estética pode ser mais ampla e não necessariamente
derivada da arte, embora a arte seja uma de suas principais fontes de
aplicação […] ela pode dar-se inclusive frente aos fenômenos naturais e ao
meio ambiente desde que tenham sido mobilizados valores sensíveis, que
por seu lado são fundamentados em valores estéticos. […] Nessa direção, a
educação estética adquire uma dimensão ética, pois nos educa para a
convivência e aceitação dos diferentes de nós, com os quais nos
deparamos todos os dias, percebendo-os como paisagem de um mundo
caótico e sem sentido. Aceitar as diferenças e os diferentes de si sem
depreciá-los inaugura e realiza a utopia desmassificante das percepções e
dos sujeitos que se aceitam e se assumem como são, sem buscar culpados
pelo mundo ser do jeito que é. (OLIVEIRA; HERNANDEZ, 2005, p. 218-219)
Mônica afirma ter buscado “aprofundamentos na área da psicologia para
poder compreender melhor os aspectos associados à criatura humana”. Relaciona
todas as coisas circundantes à maneira como o homem se coloca no mundo, porque
concebe “A criatura humana um ser integral. Sendo dissociada, não há saúde,
principalmente do ponto de vista psicoemocional. A forma como o homem se coloca
no mundo, tudo que faz, tudo que vivencia está associado a isso”. Essa postura de
Mônica nos remete à não compartimentalização do ser humano. Não bastou para
ela os conhecimentos provenientes da arte para tornar-se uma educadora, precisou
buscar aprofundamentos que revelem outros aspectos, em especial sobre as
relações humanas.
Ao procurar mudar e inovar, Mônica sente-se não compreendida pela
comunidade escolar, sendo, muitas vezes, “crucificada” por isso: “Quando a crítica
vem de quem o conhece e não sabe do que se trata, tem que se colocar acima
disso. A maioria das pessoas é insegura e isso é falta de conhecimento do que
tange ao significado da vida”. Afirma ainda que, “Não fossem as circunstâncias, até
mudaria de profissão” embora pese a questão da responsabilidade, o sistema a
deixa completamente indignada, e isso lhe faz mal à saúde.
50
Que circunstâncias são essas? O que interfere tanto na prática do professor
que pode deixá-lo até mesmo “sem saúde”? A mesmice, a falta de valorização, o
pouco espaço autorizado? Morin (2001, p. 99) aponta que,
Atualmente, os problemas da educação tendem a ser reduzidos a termos
quantitativos: “mais créditos”, “mais ensinamentos”, ”menos rigidez”, “menos
matérias programadas”, “menos carga horária”. Tudo isso, claro, é
necessário […] mas essas modificações sozinhas não passam de
reformazinhas que camuflam ainda mais a necessidade da reforma do
pensamento. De fato, os atuais projetos de reforma giram em torno desse
buraco negro que lhes é invisível. seria visível se as mentes fossem
reformadas. E aqui chegamos a um impasse: não se pode reformar a
instituição sem uma reforma prévia das mentes, mas o se podem
reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições. [aspas e grifos
do original]
Não é possível exigir esforços sobre-humanos dos professores, se o sistema
educativo não mudar o fundamental. Para o sistema mudar, é preciso reformular
seus programas; porém, necessidade de mudança também dos profissionais que
estão na escola, ou dos que a estão dirigindo e administrando.
O bloqueio levantado pela necessidade de reformar as mentes para
reformar as instituições é acrescido de um bloqueio mais amplo, que diz
respeito à relação entre a sociedade e a escola. Uma relação que não é
tanto de reflexo, mas de holograma e recorrência. Holograma: assim como
um ponto único de um holograma contém em si a totalidade da figura
apresentada, também a escola, em sua singularidade, contém em si a
presença da sociedade como um todo. Recorrência: a sociedade produz a
escola, que produz a sociedade. […] Como existe um circuito entre a escola
e a sociedade uma produz a outra –, qualquer intervenção que modifique
um de seus termos tende a provocar uma modificação na outra. (MORIN,
2001, p. 100-101)
Simone, até o momento da entrevista, não tinha pensado no significado da
tridimensionalidade para ela. A partir do que falou sente-se impelida a outra atitude,
a rever sua ação e a apostar mais no que é importante para as crianças. Nem
sempre é facultado ao professor rever sua prática. O corre-corre, o dia-a-dia, as
várias aulas, as várias turmas, o grande número de alunos são variantes que
interferem no refletir sobre a própria prática. Não deve ser uma desculpa, porém é o
51
que acontece. Talvez o próprio professor não se permita o tempo, mas a estrutura
escolar também não colabora. Criar esse tempo permitiria melhorar a qualidade.
Para Philippe Perrenoud, segundo Gentile e Bencini
13
, o professor
Antes de ter competências técnicas, ele deveria ser capaz de identificar e
de valorizar suas próprias competências, dentro de sua profissão e de
outras práticas sociais. Isso exige um trabalho sobre sua relação com o
saber. Muitas vezes, o professor é alguém que ama o saber pelo saber, que
é bem-sucedido na escola, que tem uma identidade disciplinar forte desde o
Ensino Médio. Ora, os alunos não são e não querem ser como ele. O
professor deve, então, se colocar no lugar desses alunos. Aí ele começará a
procurar meios de interessar sua turma pelo saber não como algo em si
mesmo, mas como ferramentas para compreender o mundo e agir sobre
ele. O principal recurso do professor é a postura reflexiva, sua capacidade
de observar, de regular, de inovar, de aprender com os outros, com os
alunos, com a experiência.
Para Cristina, “Todo o esquema escolar, a estrutura toda, os parâmetros e
tudo mais, andam na contramão da realidade”. O que a ajudou a entender um pouco
mais sobre a tridimensionalidade foi o que encontrou nas visitas às Bienais de Arte
(São Paulo e Mercosul), porque ver na televisão ou em catálogos e livros difere
muito de entrar diretamente em contato com a magia de estar dentro da obra e
não visualizá-la. O contato com a obra de arte contemporânea é imprescindível
para sua compreensão: não bastam catálogos ou imagens, pois nos remetem
apenas ao registro da obra, e não à obra em si.
Essa questão do envolvimento com a obra, muito mais do que a mera
visualização, é reforçado no depoimento de Simone, quando menciona que
poucas obras tridimensionais na região, trazendo um exemplo da cidade de Treze
Tílias (SC), que possui muitos escultores em madeira. Diz que o conhecimento do
artista e do contexto influencia na compreensão da obra. Refere, também, que o
professor precisa ter visto a obra in loco para poder falar dela ao aluno, que está
vendo só através de imagens trazidas à sala de aula. Também o contato com
instalações e intervenções de espaço, na região, é escasso. O contato que os
alunos podem ter é pela televisão, por revistas ou por outros meios de comunicação,
13
GENTILLE; BENCINI. Philippe Perrenoud: construindo competências. Disponível on-line em:
<http://novaescola.abril.com.br/ed/135_set00/html/fala_mestre.htm>. Acesso em: 21 jan. 2007.
52
mas isso não impede que o professor trabalhe esse tipo de tridimensionalidade na
escola, para que o aluno possa vivenciar “a magia” citada anteriormente por Cristina.
Sandra, ao refletir sobre sua prática, considera uma experiência gratificante
trabalhar todos esses anos com artes. Considera ainda que cada turma é uma
caixinha de surpresa e o mais apaixonante para o professor de artes é olhar o
resultado e dizer: “nós conseguimos!”. Ou seja, ver que a produção do aluno
surpreendeu e que o resultado foi alcançado. Também aconteceu de a
entrevistada “esperar andorinha e aparecer morcego”. Afirma que “os alunos são
seres humanos e dias em que eles chegam arrasados e não têm vontade de
fazer nada”. Esse é um momento de importância para o professor: dar um toque,
indicar caminhos para alterar essa situação. É por isso que deve existir abertura
para teatro, música, escultura, pintura. Para a entrevistada, o que mais fascina nas
aulas de arte é o desafio diário, pois o professor não pode se acomodar. É muito
gratificante ver o desenvolvimento, o crescimento de um aluno! Ser professor de
artes para a entrevistada já é um vício.
4.3 PERCEPÇÕES SOBRE OS ALUNOS E SOBRE SI MESMOS
Trabalhar com arte na educação demanda um comprometimento maior do
que simplesmente “dar aulas”. O convívio diário desperta reflexões sobre o que
ocorre numa sala de aula, envolvendo também ponderações sobre a postura do
professor e dos alunos. Infelizmente, em grande parte das escolas, o trabalho em
sala de aula ocorre mais de forma expositiva por parte do professor, não instigando
o aluno à participação efetiva em seu processo de aprendizagem. Para Luana, “as
aulas de artes favorecem a ampliação do repertório do aluno em todos os campos
do conhecimento e não da parte artística. Proporciona também maior abertura,
porque o aluno se expressa e não fica escutando o professor falar”. Ao
expressar-se, seja através da sica, das artes cênicas ou visuais, o aluno tem
oportunidade de demonstrar sua concepção de mundo e também de refletir sobre
sua postura. A entrevistada destaca esse aspecto, porque isso não é percebido por
ela em outras disciplinas: “Falta a transdisciplinaridade em outras disciplinas do
contexto escolar”.
53
Os conteúdos arrolados nos planos de ensino não são flexíveis e, na maioria
das vezes, determinam o tempo e o espaço na sala de aula. As aulas são
preparadas em função desses conteúdos, e o em função dos processos de
aprendizagem. Por esse motivo, as aulas tornam-se enfadonhas, não despertando o
interesse da maioria dos envolvidos. Mesmo com tantos estudos direcionados à
aprendizagem, o ensino continua desvinculado. É impressionante como
encontramos crianças regularmente matriculadas nos anos iniciais do Ensino
Fundamental que não têm interesse em “estar” na aula.
Segundo Madalena Freire (apud MARTINS et alii, 1998, p. 147),
Para perguntar, pesquisar, conhecer, é necessário aprender a conviver com
a curiosidade, o deparar-se com o inusitado, a capacidade de assombrar-
se, o enfrentar-se com o caos criador, a ansiedade e o medo do encontro
com o novo. […] Ansiedades, confusões e inseguranças são constitutivos
do processo de pensar e aprender. Assim como também o imaginar, o
fantasiar, o sonhar. Não existe pensamento criador sem esses ingredientes.
O desejo de aprender, de conhecer, perpassa pelas situações criadas em
sala de aula. Martins et alii (1998, p. 130) ponderam:
Muitas vezes, o aprendiz ainda não viveu situações positivas de
aprendizagem em arte, e talvez tenha dificuldades em explorar e comunicar
idéias de pensamentos/sentimentos, pode ter aprendido apenas a seguir a
lição de outros. Silenciado de seu próprio pensar/sentir, repetidor do
pensamento do outro, esse aprendiz terá de ser envolvido na rede da
linguagem da arte por outros caminhos. É preciso abrir espaço para que
possa desvelar o que pensa, sente e sabe, ampliando sua percepção para
uma compreensão de mundo mais rica e significativa.
Luana considera que está muito difícil trabalhar com a educação nos dias
atuais e sua formação na graduação, além de leituras efetuadas, conduziram-na a
agir de forma transdisciplinar em suas aulas de arte. Afirma que “o momento atual
não permite o trabalho de forma separada e essa foi a forma encontrada para trazer
os alunos para mais perto e deixá-los mais interessados nas aulas, porque eles
entendem o que está sendo abordado”.
54
Ao refletir sobre sua formação, Ionara diz que se percebia como uma pessoa
sensível, porém, depois que começou a fazer o curso de Artes Visuais, passou a
olhar para as coisas de seu cotidiano com maior intensidade, detendo-se para olhar
os detalhes, seja da grama quantos tons tem a grama , seja de uma pedra o
formato da pedra que antes se chutava e nem se observava. Portanto, considera
que a arte gera a possibilidade de prestar atenção às pequenas coisas, bem como
também maior sensibilidade de como tratar as pessoas, pois passamos a nos
colocar no lugar do outro. De acordo com Silva
14
,
A capacidade de associar e dissociar o aspecto utilitário das coisas que vê,
que toca, que reproduz, que inventa, pode inscrever-se na esfera do prazer
ou da dor que as formas, as cores, os cheiros, os movimentos, os sons, os
discursos artísticos suscitam; que enriquecem a afetividade; que traduzem
em emoção estética.
A entrevistada afirma que a arte na escola desenvolve a sensibilidade para as
questões do cotidiano, mas a escola está negligenciando isso. É necessária a volta
de atividades e brincadeiras antigas, que geravam maior relacionamento entre as
pessoas e maior envolvimento, seja motor, seja emocional, tais como construir seu
brinquedo, dar maior valor ao pular corda, pular bua, brincar de se esconder ou de
fazer a sua saladinha. Falta desenvolver uma sensibilidade para as coisas do
cotidiano. Falta sentir mais as coisas.
Talvez o momento atual não nos permita mais “voltar às brincadeiras antigas”.
Porém, permitiria a volta à essência dessas brincadeiras antigas, ou seja, o
relacionar-se com o outro através do lúdico, a opção pelo movimento, o estímulo à
criação, a opção pelo “faz de conta”. Envolvimentos desse tipo geram possibilidades
de aceitação, proporcionam maior encontro e encantamento com o outro e consigo
mesmo, considerando como outro não só o ser humano, mas também o entorno.
14
SILVA. Arte e formação do professor. Disponível on-line em: <http://www.proex.uel.br/estacao>.
Acesso em: 15 jul. 2006.
55
Na infância, a criança vive o mundo em que se funda a possibilidade de
converter-se num ser capaz de aceitar e respeitar o outro a partir da
aceitação e respeito de si mesma. […] Como vivermos é como educaremos,
e conservaremos no viver o mundo que vivermos como educandos. E
educaremos outros com nosso viver com eles, o mundo que vivermos no
conviver (MATURANA, 1998, p. 30).
Se a escola retomar situações de convivência, além de, como tem feito,
tratar os conteúdos arrolados num planejamento, certamente haverá a possibilidade
de melhores condições futuras de respeito e amor.
A falta de amor também é sentida pelos professores, em especial na
convivência diária. Vanessa, ao refletir sobre a conclusão de sua graduação, diz que
saiu com conhecimento, energia e muita vontade de modificar toda a situação que
encontrava na sociedade. batalhou e lutou por várias situações, mas, não
conseguindo, frustrou-se; e agora se adapta ao que pode ser feito dentro das
condições existentes. Esse é um processo pelo qual não deveriam passar os
educadores, independentemente de trabalharem com artes ou com outra área.
O sistema atual não eleva a auto-estima dos alunos, quanto mais dos
professores. Não valorização dos profissionais da educação, e isso faz com que
não se sintam mais estimulados a lutar por qualidade no que fazem. A valorização
não passa somente pelo âmbito financeiro, ou seja, as angústias por que passam os
educadores ultrapassam essas questões, estão bastante voltadas às condições de
trabalho. Se o sistema educacional não oferece condições aos professores, como
tornar as aulas mais prazerosas para o aluno?
Vanessa esteve afastada da sala de aula por vários anos. Retornar, para ela,
está sendo pesado por causa da distância da prática. Está tendo contato com os
novos pensamentos e estudos sobre o ensino da arte e destaca que “o que mudou
nesses anos afastada da sala de aula foi a clientela, porque a essência do trabalho
continua a mesma”. A clientela mudou, porque houve evolução. Mas por que a
escola não acompanhou essa evolução? O que está faltando nas escolas para
acompanhar essa evolução? Destacar que a escola não acompanha a evolução não
significa dizer que não houve mudança nas escolas, o que significa é que o sistema
de formação tem efeitos de longa duração e não muda facilmente.
Segundo Humberto Maturana (1998, p. 29) “A educação como ‘sistema
educacional’ configura um mundo, e os educandos confirmam em seu viver o mundo
56
que viveram em sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo
que viveram ao ser educados no educar” [aspas simples do original]. Portanto, o que
falta nas escolas é a mudança de paradigma dos que a estão dirigindo e
administrando. Também, o que está faltando nas escolas é o prazer.
Precisamos reintroduzir na escola o princípio de que toda a morfogênese do
conhecimento tem algo a ver com a experiência do prazer. Quando esta
dimensão esausente, a aprendizagem vira um processo instrucional, que
pode chegar a ser maquinicamente eficiente e criar um montão de
automatismos eficientistas. Mas o que não cria é a celebração do
conhecimento na aprendizagem (ASSMANN, 1998, p. 152)
Sandra, ao refletir sobre as aulas de arte, afirma que os “alunos são uma
caixinha de surpresa, porque você não pode ter uma aula preparada, você tem que
ter uma aula preparada de três ou quatro maneiras diferentes, porque, para aquilo
que não atrai, eles viram as costas e dizem: eu não quero!”. E completa: “Mesmo
tendo três cartas na manga, você ainda acaba tendo que improvisar alguma coisa
que atraia, modificar toda a aula para conseguir a atenção deles e ter reciprocidade.
Mas é uma experiência nova a cada dia”.
Sua fala confirma que os alunos não querem mais a repetição do que foi
feito ou pensado. Eles querem desafios que os instiguem, que promovam a sua
relação com o conhecimento. Não aceitam mais a mesmice e dizem isso. Quando
não são escutados, passam simplesmente a não buscar e o favorecer o
conhecimento.
Todo sistema racional se baseia em premissas ou noções fundamentais que
aceitamos como ponto de partida porque queremos fazê-lo, e com as quais
operamos em sua construção. […] Por isso estabeleço que não ação
humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível
como ato. (MATURANA, 1998, p. 16, 22)
E, fazendo coro ao exposto acima por Maturana (1998), em nossa concepção,
não é a razão que leva à ação, mas a emoção.
57
4.4 RELAÇÃO PROFESSORES E ALUNOS
Considerar o professor como alguém também aprendente é considerar o
aluno como alguém com potencialidades para ensinar. O aprender/ensinar estão
interligados numa sala de aula. Porém, o “clima” que se estabelece favorece ou não
à aprendizagem. Morin (2002, p. 95) aponta que “O outro não apenas é percebido
objetivamente, é percebido como outro sujeito com o qual nos identificamos e que
identificamos conosco, o ego alter que se torna alter ego” [grifos do original].
É importante destacar, em especial com os alunos entre 6 e 12 anos, que a
relação positiva entre professor/aluno cria no ambiente escolar desejo necessário
para a aprendizagem. Para Maturana (1998, p. 29),
O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive
com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de
maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente
com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o
tempo de maneira recíproca. Ocorre como uma transformação estrutural
contingente com uma história no conviver, e o resultado disso é que as
pessoas aprendem a viver de uma maneira que se configura de acordo com
o conviver da comunidade em que vivem.
E essa convivência é retomada em todos os atos posteriores à escolarização.
Isso é sentido por Vanessa, quando encontra antigos alunos: O que os alunos
lembram das aulas de arte é o carinho e a prática das aulas”. Ela encontra ex-alunos
que mantiveram atividades relacionadas à arte, mesmo trabalhando em outras
áreas, “assim como têm os que seguiram a área das artes como profissão”.
Segundo Mônica, “Com a criança, o primeiro passo é procurar conhecê-la,
como é que esta criança se coloca no mundo. A postura dela fala muito de sua
vivência, principalmente do contexto familiar. O aluno precisa sentir que o professor
está a seu lado, é necessário que perceba que alguém está com ele”. Mas aponta
que “as salas de aula o muito numerosas, em média de quarenta alunos por
turma. Então como é que pode se dar uma atenção diferenciada numa sala com
quarenta que não param de falar um minuto? É difícil”. Por outro lado, contemporiza:
“A partir do momento que se opta por estar à frente de várias pessoas, lidando com
58
formação de cidadãos, os entes queridos, os descendentes, estarão na sociedade
da qual você é copartícipe na construção. Então perpassa pela responsabilidade”.
Conforme Maturana (1998, p. 31), “[…] sem aceitação e respeito por si
mesmo não se pode aceitar e respeitar o outro, e sem aceitar o outro como legítimo
outro na convivência, o fenômeno social”. Destaca ainda que “[…] a
responsabilidade surge quando nos damos conta de se queremos ou não as
conseqüências de nossas ações; e a liberdade surge quando nos damos conta de
se queremos ou não nosso querer, ou não querer as conseqüências de nossas
ações” (MATURANA, 1998, p. 33). Quando buscamos conhecer a criança que está
na sala de aula, buscamos também a relação com o seu cotidiano; buscamos avaliá-
la em função do que sabe, do que já vivenciou e nos direcionamos para seu
crescimento e valorização.
Para Luana, nas aulas de arte, abertura para que o aluno interfira,
expresse suas opiniões com maior desenvoltura do que em outras disciplinas nas
quais não apresenta muito conhecimento. Os professores, de modo geral,
aproveitam pouco as possibilidades de produção tridimensional com os alunos de 1ª
a 4ª séries, porque se preocupam muito em vencer os conteúdos de determinada
série ou disciplina.
Sabemos que, na rotina escolar dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
poucas escolas favorecem a possibilidade aos alunos de estabelecerem
conhecimentos sobre a arte de uma maneira mais consistente e interligada. As
relações entre o que o aluno sabe e o que ele pode vir a saber, por querer saber, a
relação entre o concreto através de maquetes, intervenções, instalações com a
teoria inexiste embora sejam meios que desencadeiam o prazer pelo conhecer.
Segundo Freire (1996, p. 96),
O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a
intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio
e o uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam
porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem
suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.
Iara afirma que “No início, é difícil os alunos entenderem que a arte é legal, é
importante, mas depois que eles começam a entender a linguagem do professor,
59
passa a ser mais fácil”. Essa linguagem comentada por Iara refere-se à postura do
professor, muito mais do que à metodologia adotada. Quando começa a haver uma
interação entre professor e aluno, inicia-se um processo de compreensão e
aprendizagem. Maturana (1998, p. 66-67) afirma:
Para que haja história de interações recorrentes, tem que haver uma
emoção que constitua as condutas que resultam em interações recorrentes.
Se esta emoção não se dá, não história de interações recorrentes, mas
somente encontros casuais e separações. […] É por isto que o amor
constitui um espaço de interações recorrentes. […] Uso a palavra amor
porque é a palavra que usamos na vida cotidiana para nos referirmos à
aceitação do outro ou de algo como um legítimo outro na convivência.
[grifos do original]
Sandra diz que a resposta dos alunos às atividades de arte na escola
equivale em todos os níveis de ensino, “porque, da mesma forma que há alunos que
gostam mais da modelagem ou gostam mais da pintura, existem aqueles que não
suportam arte”. E prossegue, dizendo que “são tão francos que dizem: professora,
eu odeio desenhar, não gosto de artes, não gosto de me expressar, não gosto de
teatro, não gosto de nada disso, mas eu tenho simpatia por você, por isso vou fazer
essa atividade”. Portanto, considera a questão da simpatia muito importante. Afirma
ser “necessário o carisma, a hora de brincar, de debochar junto com os alunos,
porque flui muito melhor, e tem a hora séria”.
Porém, Sandra garante que não é no momento de aula que isso acontece,
mas “nos momentos fora da sala de aula que se adquire o contato. No horário da
aula é pouco tempo para conteúdo, afeto pro aluno, atendimento individual. Há
necessidade de ficar um pouco no recreio, brincar, mexer, provocar, participar das
gincanas, das trilhas ecológicas
15
. Nestes momentos é que se cria a convivência”.
Ela entrevistada considera esses momentos fora da sala de aula essenciais para
criar vínculos entre professor e aluno.
A entrevistada indica que na rotina diária tudo é muito instantâneo: “as
informações vêm para o aluno em grande quantidade. […] em função de tantas
atividades na escola e fora dela não se tem mais tempo para a troca de idéias, o
15
A escola na qual trabalha proporciona eventos extraclasse, envolvendo os Ensinos Fundamental e
Médio.
60
bate-papo, em especial com os alunos que não simpatizam muito com o professor”.
E conclui: “Aí se percebe a importância para eles do MSN, pois é o momento de
troca, do diálogo que não é permitido com tantos afazeres diários”. A interação na
sala de aula, ou fora dela, em momentos extraclasse, favorece a empatia. Segundo
Maturana (1998, p. 16),
Biologicamente, as emoções são disposições corporais que determinam ou
especificam domínios de ações. […] As emoções são um fenômeno próprio
do reino animal. Todos nós, os animais, as temos. […] E isso é assim em
qualquer domínio, seja o da Matemática, da Física, da Química, da
Economia, da Filosofia ou da Literatura. Todo sistema racional se baseia em
premissas ou noções fundamentais que aceitamos como ponto de partida
porque queremos fazê-lo, e com as quais operamos em sua construção.
Se as emoções determinam ações, cabe ao professor dinamizar essas
emoções. Emoções são disposições corporais dinâmicas, que determinam para
onde nos movemos. É na interação professor/aluno que se passa a conhecer o outro
e a aceitá-lo, e essa é a base para a convivência. Além disso, se as emoções regem
as ações, a intenção de apreender perpassa pelas emoções e, conseqüentemente,
não podemos conceber a relação professor/aluno desvinculada do desejo por
conhecer. Assmann (2004, p. 38-39) assevera que
É preciso perguntar-se, às vezes, em relação a casos concretos de
aprendizagem, se […] o professor ainda sabe sintonizar-se com as
sensações que os alunos experimentam diante das variadas formas de
apresentação de textos e imagens. Aprender com curiosidade a aprender
é o despertar do prazer de conhecer, de compreender, descobrir, construir e
reconstruir o conhecimento, ter curiosidade.
A relação professor/aluno perpassa na sintonia entre ambos e essa sintonia
permite aliar o prazer pelo conhecimento. É importante que o professor se coloque
também como aprendente nas situações da sala de aula.
61
Quem nos autorizou a pensar e agir como quem “sabe” toda a matéria”
que “precisa ensinar”? Não é mais saudável e gostoso atear curiosidade e
interesse em relação a experiências vivas do estar-aprendendo? Isso se
consegue mediante um testemunho de que continua havendo, na vida dos
que educam, a experiência de continuar aprendendo, até em relação a
conteúdos que já parecem concluídos, fechados, consolidados. (ASSMANN,
2004, p. 159-160)
A completude das relações professor/aluno se na aprendizagem e o
entendimento de que os alunos podem contribuir para elevar positivamente as ações
em sala de aula favorece e dinamiza todo o processo.
62
4 DIFICULDADES E POSSIBILIDADES DO FAZER ARTÍSTICO NA ESCOLA
Embora a entrevista tivesse como foco principal a significação da
tridimensionalidade para as entrevistadas, a maior referência não foi à
tridimensionalidade e sim a questões voltadas à sala de aula, em especial
relacionadas às dificuldades enfrentadas no dia-a-dia escolar. Assim, nessa
essência, o enfoque dado pelas entrevistadas voltou-se às dificuldades com relação
a espaço físico, tempo, conteúdos e formas de ação e interação na sala de aula.
5.1 RECURSOS FÍSICOS E ORGANIZAÇÃO DA AULA
O maior entrave apresentado pelas entrevistadas foi o número de aulas, que
consideram reduzido, e a carga horária estabelecida para as aulas de artes. Para
Mônica, por exemplo, “Aulas de 45 minutos, com sala superlotada, sem espaço
físico, faltando ao oxigênio, o algumas das dificuldades. Por mais que se fale
que cria gases tóxicos, que é prejudicial à saúde física e mental, não tem jeito, o
espaço físico é secundário”. E prossegue: “o ambiente faz diferença. A escola é
muito numerosa, o barulho é excessivo, a poluição sonora é excessiva. É dificílimo
nesse particular”.
Iara afirma que tem pouco tempo em suas aulas e não consegue aulas-faixas
na escola em que trabalha: “Quando está começando o envolvimento dos alunos,
acaba a aula e até distribuir o material e recolher no final da aula, perde-se muito
tempo, sem contar as reclamações, porque o aluno está fora da sala de aula
16
”.
Simone consegue organizar as aulas de arte dos anos iniciais na escola
em que trabalha: “As duas aulas semanais de artes com os anos iniciais do ensino
fundamental são organizadas em seqüência, são aulas-faixas. Isto é positivo para o
professor de artes, para os alunos e também para o professor regente da turma, pois
permite maior tempo para organização da aula”. Tal organização corresponde a
“introdução e apresentação ou revisão do conteúdo anterior e desenvolvimento”.
16
Deslocando-se com o material ou com produções.
63
Mas Simone declara que, “dependendo do conteúdo a ser trabalhado, mesmo com
noventa minutos, o tempo torna-se curto”. Cristina analisa que, com o número
reduzido de aulas, o aprendizado também fica reduzido.
Luana considera que, além das aulas em seqüência, uma sala específica para
as artes é importante, além de “aulas-faixas […] importantes para um bom
desenvolvimento da aula, em função do tempo disponível para a explicação e
desenvolvimento. Quando não se tem aulas-faixas de arte é mais complicado”.
Relata que, “Para trabalhar arte, não necessidade de ficar somente na sala de
aula, pode-se trabalhar no jardim da escola ou no ginásio de esportes. Porém, a
vantagem de uma sala de artes está no fato de que não necessidade de
deslocamento de material, e isso facilita o trabalho do professor”.
Maira reporta a necessidade de mais espaço físico próprio para as artes.
Ionara avalia que o espaço físico da escola é pequeno para muitas atividades
ligadas à arte: “Trabalhar, por exemplo, música na sala normal de aula atrapalha as
outras turmas e tem até outros profissionais que vêm verificar o que está
acontecendo”. Por isso desistiu de proporcionar atividades diferenciadas que gerem
maiores ruídos ou movimentação na escola e definiu que somente voltará a elas,
quando tiver um espaço próprio para isso. Para Ionara, uma “grande motivação seria
uma sala específica de artes na qual os alunos tivessem maior espaço para pintar,
aglomerar materiais para escolha. Um universo de possibilidades para que
chegassem à aula e pudessem produzir, sem empecilhos quanto a material que não
trouxeram ou tempo despendido em transporte de material de uma sala a outra”.
Sandra, que trabalha numa escola particular, entende que a carga horária do
colégio é restrita para as aulas de artes, apenas uma aula semanal para todas as
turmas, porque existem várias outras atividades, porém considera que os alunos
perdem muito, porque, ao iniciar uma atividade, não tempo para concluí-la e é
preciso retomar numa próxima aula: “Todo o trabalho de sensibilização e motivação
realizado para aquela atividade é fragmentado no final da aula”. Afirma que
precisaria ter aulas-faixas ou, pelo menos, mais uma aula semanal.
Das entrevistadas, a única que não demonstrou grande interesse em sala
própria para as artes e maior carga horária foi Vanessa. Ao referir-se à organização
das aulas, diz que “O espaço físico não interfere”, pois se adapta ao que tem de
possibilidades no trabalho. “Um local adequado às peculiaridades da área artística
facilita o trabalho, é mais favorável para a organização pessoal do material, porém,
64
mesmo com o deslocamento de sala em sala, pode-se fazer um bom trabalho em
artes”.
A entrevistada não exige aulas-faixas para as primeiras séries do Ensino
Fundamental, por considerar que consegue trabalhar bem em 45 minutos, pois num
tempo maior os alunos cansam muito. Caso venha a ter aulas-faixas, deverá mudar
a programação de suas aulas, pois considera que a criança pequena realiza
atividades mais rapidamente do que os alunos maiores.
Para Simone, o local para o trabalho com a tridimensionalidade influencia nas
atividades. A entrevistada diz que, por não ter um local adequado, acaba não
fazendo atividades que envolvam diversidade de materiais. Na sala de aula, utiliza,
no máximo, tinta e recorte e colagem, partindo de artistas, porque é mais fácil.
Afirma que o professor precisa ter o tema claramente definido, mas a estrutura,
considerada aqui como espaço físico, é fundamental para o trabalho com artes. Diz
ter vontade de arriscar mais, mas necessita de uma estrutura que favoreça.
Exemplifica que seria maravilhoso trabalhar com argila, porém pensa no espaço
físico, e nas conseqüências (o antes, o durante, mas, principalmente, o término do
trabalho, precisando deixar o local adequado para outra pessoa utilizá-lo,
independentemente de ser em sala de aula ou em outro ambiente escolar).
Ao referir-se especificamente ao trabalho com o tridimensional, diz que esse
trabalho, na escola, “é complicado, talvez por comodismo do próprio professor,
porque envolve maior tempo, maior disponibilidade para a explicação do como fazer,
em especial com os alunos de a série, por precisar de um empenho maior em
ajudá-los, pelo grande mero de alunos nas salas de aula, maior cuidado com os
materiais e tempo reduzido de aula”. Afirma que as crianças têm a idéia do concreto,
do tridimensional, até mais que os adolescentes. Elas têm maior facilidade com o
concreto, pois manipulam mais o material, brincam, jogam. A abstração vem depois.
A dificuldade maior está em efetivarem as junções para a produção, porque lhes
falta habilidade. Por este motivo, o trabalho com a tridimensionalidade na escola
com as crianças menores deixa a desejar, sendo realizadas poucas atividades
nessa área.
Luana, ao referir-se ao reduzido trabalho com a tridimensionalidade na
escola, destaca que a “escola pública não oferece verbas para aquisição de
materiais destinados à produção artística, portanto, trabalha-se muito com sucata
por não ter custo algum. Trabalhar com sucata na escola pública não é uma opção,
65
mas uma necessidade”. Assim, em sua opinião, o “trabalho com arte nas escolas
públicas esbarra na questão financeira. Para que o professor possa efetivar
atividades de arte nas escolas públicas com material diferenciado precisa estar
promovendo eventos para angariar dinheiro, tais como venda de lanches, venda de
material reciclável, ou investindo do seu próprio salário”.
Ela cita um exemplo: “para fazer um mosaico de cerâmica, os retalhos são
fáceis de conseguir em construções, porém o restante do material é necessário
comprar”, e complementa: “Os alunos de escola pública são alunos de baixa renda
que o dispõem de condições para trazerem material variado solicitado pela
professora, e trabalhar apenas com dois ou três alunos que trazem o material na
sala de aula, deixando os outros, não é possível”.
Para Iara, a maior dificuldade na escola encontra-se no material: “Os alunos
não trazem o que é solicitado”. Considera que “Já é costume o aluno não trazer o
material para as aulas. São poucos os que trazem, e não é possível trabalhar
apenas com alguns na sala de aula. O que os outros farão?”.
Mônica, por outro lado, aponta que “Se tiver que depender de material
específico para atividades artísticas, o professor nada fará”. Ionara reforça esse
aspecto, quando comenta que a dificuldade reside no número excessivo de alunos
em cada sala de aula, mas “A maior dificuldade encontrada nas aulas é a falta de
material, os alunos não trazem, mesmo que o professor solicite lixo reciclável.
Mesmo solicitando lixo, e não material que envolva despesas, não existe
cooperação por parte dos alunos.” Maira também destaca as afirmações anteriores,
dizendo que não variar muito os materiais pela dificuldade dos alunos em trazerem.
Considera que um maior apoio da direção e comunidade escolar seria um bom
estimulante, mas “remar contra a maré” cansa muito e desanima.
Para Iara, também falta muito apoio ao professor de arte: “Na escola,
ninguém entende de arte. Há pouca orientação das Gerências de Ensino e são raros
os encontros para trocas de experiências e aperfeiçoamento. Quando precisa tirar
dúvidas, não tem quem oriente”. Além disso, aponta que “Também é pouquíssimo o
material didático disponível na escola […] pra maiores informações de a 4ª. Na
escola tem somente aquelas ‘coleçõezinhas de educação artística’. E, de vez em
quando, acabo caindo na repetição do que existe nessas coleções”.
Almeida (2007, p. 34) registra que
66
Uma das grandes queixas dos professores é que nossas escolas não
oferecem condições adequadas para o ensino das artes: faltam materiais,
equipamentos e locais adequados. Concordo em parte com essas
ponderações, pois pude constatar inúmeras vezes que nem sempre as
melhores condições de trabalho resultam em um ensino de melhor
qualidade. Particularmente no caso das artes o apoio material é
indispensável. […] Creditar a qualidade do ensino artístico à pobreza,
escassez ou falta de material, equipamentos ou mesmo à ausência de um
espaço físico ideal destinado às aulas de artes é simplificar demais o
problema.
A autora descreve situações em que havia material abundante, espaço,
equipamentos e que os procedimentos eram inadequados. “Por outro lado, em
algumas escolas públicas, onde as aulas acontecem em salas comuns e onde o
material é simples, pouco variado e em pequena quantidade, geralmente restrito à
sucata e ao lápis de cor, pude observar trabalhos de excelente qualidade
(ALMEIDA, 2007, p. 34).
Mônica reforça a falta de apoio, quando destaca que a escola “está muito
desumanizada. Enfrentam-se grandes problemas, com pais e com os pedagogos,
que não sabem que o ensino da arte evoluiu muito e que não é mais desenhar,
pintar”. Enfatiza que, “Por mais que se tente explicar, ainda tem uma grande
quantidade de pedagogos que usam o mimeógrafo. E isso está na estrutura rígida
de caráter da pessoa que diz: eu aprendi assim, vou morrer assim”. Comenta, ainda,
que “Esse tipo de ação é lamentável, porque tolhe a criatividade da criança, não
permite que a criança se desenvolva, chegando a ponto de vir para a escola por vir,
pra conversar com os colegas, nada mais. É lamentável a realidade da escola!”.
Para ela, “Todo o esquema escolar, a estrutura toda, os parâmetros e tudo mais
andam na contramão da realidade. A escola real não preenche os requisitos
necessários ao aprendizado, ao desenvolvimento”.
Cristina encontra resistência por trabalhar bastante a teoria em arte. Afirma
que o professor de artes até consegue abordar a arte contemporânea, mas trabalhar
mesmo nem sempre é possível, por causa da indisciplina e pela falta de tempo, e
porque são muitos alunos em cada sala de aula e poucas as aulas de arte.
Muitas são as angústias do professor de artes nos dias atuais. Trabalhar arte
na escola exige um tempo maior e material apropriado, porém as dificuldades ainda
residem no pré-conceito perante a arte. Martins (2005, p. 16-17) refere que
67
uma matriz de percepções, de apreciações e de ações que Bordieu
chama de habitus. São nossos esquemas referenciais, que quando
inadequados ou empobrecidos não nos permitem perceber certos
fenômenos. Isto é um sério problema quando abordamos a arte e seu
ensino. De forma geral nossa cultura não valoriza a linguagem da arte como
forma de expressão e como área de conhecimento, ainda vive cercada
pelos mitos do bom desenho, da cópia fiel da realidade, cercada de uma
auréola de elitização do universo artístico. […] de se romper com habitus
cristalizados. Há de se transformá-los. [grifos do original]
Portanto, caso não seja possível alterar as concepções arraigadas de que a
arte não “é útil”, “não cai no vestibular”, não “serve para nada” a o ser para
alguns privilegiados –, conservar-se-ão a negligência e as dificuldades arroladas
acima pelas entrevistadas. E será nos anos iniciais do Ensino Fundamental que tais
opiniões poderão ser revertidas, pois, nessa idade escolar, conceitos ainda estão
sendo concebidos e significados.
5.2 CONTEÚDOS DA TRIDIMENSIONALIDADE
Quanto ao fazer artístico relacionado à tridimensionalidade realizado nas
escolas com os anos iniciais do Ensino Fundamental, há poucas referências trazidas
pelas entrevistadas. Relataram uma ou duas atividades significativas ao longo dos
últimos anos de trabalho. Além da alegação apresentada no item anterior falta de
espaço físico e material diversificado –, podemos considerar que as experiências em
artes visuais estão, manifestamente, voltadas ao desenho e à pintura, ou seja, a
elementos da bidimensionalidade.
Vanessa relata uma situação em sala de aula com a primeira série, que
iniciou através de um brinquedo que eles trouxeram de casa. Analisaram todos os
ângulos do brinquedo e passaram, então, para o desenho do mesmo. Não foi feita a
produção tridimensional, passou do tri para o desenho do objeto. Após, fizeram a
relação dos ângulos do objeto com as situações da vida das pessoas. Em suas
atividades em sala de aula, procura fazer a relação da tridimensionalidade com a
68
própria vida: existem outros ângulos, outros focos perante uma determinada
situação”.
Iara trabalha pouco a tridimensionalidade com seus alunos, enfoca a questão
do volume na pintura e no desenho com as questões relacionadas à luz e à sombra.
Trabalha também com objetos do dia-a-dia trazidos pelo aluno e explora as
questões da tridimensionalidade. Mas a produção, na maioria das vezes, é
bidimensional. Assim, aparece “nas aulas de arte o trivial: caderno, lápis, tinta, o
básico do básico, o material que os alunos dispõem, não se trabalha com materiais
diferenciados”, refere Iara.
Maira afirma que, pelo menos uma vez por ano, trabalha o tridimensional com
cada turma. Cristina prefere estudar a história da arte a produzir em desenho,
pintura, escultura, entre outros, e busca ligar essa história na sala de aula. Ambas
não relataram nenhuma atividade específica com a tridimensionalidade. Simone,
com relação ao fazer artístico dos alunos, comenta que foi realizado um projeto de
três semanas, incluindo a busca do material reciclável, o projeto e a produção.
Das entrevistadas, a que mais citou produção tridimensional foi Luana, que
trabalha a tridimensionalidade com todas as turmas do Ensino Fundamental.
Costuma usar massinha de modelar, argila e sucata com seus alunos
especialmente a sucata, não por gostar do material, mas pela facilidade, uma vez
que tem uma forma tridimensional, diferente da argila, que é mais complicado
para os maiores por não ter a forma pré-definida. Afirma que, apesar das
dificuldades, existem outras possibilidades acessíveis além da sucata: “entre elas, a
argila, massas caseiras para a modelagem e pedras, materiais que podem ser
encontrados na própria escola”. Explica: “a partir do material encontrado no jardim
da escola, passa-se à coleta destes e à análise das possibilidades do material para
realização de esculturas”.
Mônica informa que teve muitas experiências na escola que deram certo com
a tridimensionalidade, apesar da dificuldade de espontaneidade dos alunos para
criarem nos parâmetros tridimensionais. “Muitas vezes, é um reflexo familiar que
inibe a espontaneidade das crianças”. A entrevistada conta que, com os pequenos,
gosta de trabalhar a série Os bichos, de Ligia Klarc. Para não ficar pedindo
material, “porque os alunos não trazem”, a entrevistada trabalha a partir de uma
folha de A4, sucata ou papel de revista. É um material de fácil aquisição e os alunos
adoram. Eles pintam, eles mesmos dão o direcionamento, levam pra casa, brincam.
69
Como refere Ostrower (1987, p. 9),
Criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo novo. Em qualquer
que seja o campo de atividade, trata-se, nesse novo”, de novas coerências
que se estabelecem para a mente humana, fenômenos relacionados de
modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador abrange,
portanto, a capacidade de compreender, e esta, por sua vez, a de
relacionar, ordenar, configurar, significar. [aspas do original]
São coisas simples, mas através delas é possível mostrar às crianças que há
possibilidades. Os relatos por parte das professoras sobre o trabalho realizado com
a tridimensionalidade na escola mesmo que seja desenvolvido pela minoria
envolvem reflexões de que foram valiosos em termos de significação para seus
alunos.
Ao constatar a pouca produção tridimensional, podemos evocar dois pontos.
Primeiro, a própria concepção, histórica, da valorização maior da pintura sobre a
escultura; segundo, o fato de que trabalhar com a tridimensionalidade envolve maior
empenho por parte do professor, tanto no que se refere a materiais quanto a espaço,
e também a aspectos voltados à sujidade.
Segundo Read (1978, p. 150-151),
No século XVI, costumava-se debater a preeminência das artes,
especialmente entre a pintura e a escultura. A opinião mais comumente
aceita era representada por Benvenuto Cellini, que afirmava ser a escultura
oito vezes tão grande como qualquer outra arte baseada no desenho, visto
como a estátua tem oito vistas, todas elas podendo ser igualmente boas.
Uma pintura, dizia ele, não é melhor que a imagem de uma árvore, homem
ou outro objeto qualquer refletido na água de uma fonte sendo diferença
entre pintura e escultura o grande como entre uma sombra e o objeto que
a projetou. Leonardo, por outro lado, pensava que a pintura é superior à
escultura porque mais intelectual. Com isso queria dizer que a pintura, como
técnica, é infinitamente mais ampla no escopo que oferece à invenção ou
imaginação. Miguel Ângelo, quando se lhe apresentou a questão, disse, que
o que tem o mesmo fim é praticamente o mesmo e que, portanto, não
poderia existir diferença entre pintura e escultura salvo diferenças devidas a
melhor julgamento e trabalho mais aplicado.
Portanto, a ausência da tridimensionalidade nos anos iniciais nas escolas
pode ser um reflexo do pensamento de Leonardo, resquício do mecanicismo e
70
importância dada à intelectualidade. Também pode estar relacionada à falta de
vivência por parte dos professores nessa atividade, como Ionara, que afirma nunca
ter pensado em trabalhar a escultura. Quando iniciou o curso de Artes foi uma
novidade. Porém, quando percebeu que demonstrava maior facilidade do que outros
colegas, sentiu-se satisfeita e incentivada artisticamente.
Envolver-se em atividades voltadas à tridimensionalidade na escola permite
muito mais do que a produção artística; permite que o aluno construa possibilidades.
A opção pela tridimensionalidade é, justamente, pelo seu caráter pleno, a não por
uma visão unilateral, a visão do todo, tanto em seus aspectos formais quanto
informais.
Ao trabalhar com a tridimensionalidade, o aluno ultrapassa a vivência,
chegando à experiência. “Comunicada em forma de parábola, profecia, conselho ou,
sobretudo, narrativa, a experiência pressupõe coletividade, isto é, ser partilhada”
17
,
registra Almeida (2007, p. 86). A experiência na tridimensionalidade é transformada
em conhecimento.
Barbosa (1998, p. 23) assevera que “Conhecer significa ter uma experiência e
não apenas ter experiência”. E completa:
A experiência, seja qual for o seu material (ciência, arte, filosofia e
matemática), para ser uma experiência, precisa ter qualidade estética. É a
qualidade estética que unifica a experiência enquanto reflexão e emoção.
[…] A qualidade estética é pervasiva, e, embora atinja seu ponto máximo no
estágio da complementação da experiência, ela permeia todo o processo
contínuo de produção e percepção que regula a experiência. Conhecimento
e reconhecimento; construção e reconstrução; produção e percepção da
produção corporificam a experiência que tem a qualidade estética como
elemento unificador. (BARBOSA, 1998, p. 22-23)
A experiência envolve reflexões e revisões, muito além da mera produção. Os
percursos da produção, o contato com os materiais, a definição de forma e
conteúdo, o encontro consigo mesmo, a obra concluída não obedecem a direções
predefinidas e acontecem numa relação de redes de significação que são
17 Célia Maria de Castro Almeida (2007) refere-se ao ensaio Experiência e pobreza, de Walter
Benjamin: “trata-se da Erfabrung alemã […] contraposta à Erlebnis – a vivência do indivíduo privado,
isolado”.
71
construídas por meio de patamares de sentido, que se estruturam com o todo
poético.
Para produzir artisticamente, não basta o rótulo da “criatividade”. A
criatividade não está alicerçada apenas à originalidade, mas a um “novo
reconstituído”. Nas palavras de Duarte Jr. (1994, p. 96-97), “a criatividade se
assenta sobre formas de pensamento distintas do pensamento rotineiro […] a
relação se primordialmente através dos significados sentidos, ou dos
sentimentos” [grifos do original].
Segundo Ostrower (1987), a sensibilidade não é peculiar somente a artistas
ou a alguns poucos privilegiados; representa uma abertura constante ao mundo e
nos liga de modo imediato ao que acontece em nosso entorno. Na verdade, esse
fenômeno não ocorre unicamente com o ser humano. É essencial a qualquer forma
de vida e inerente à própria condição de vida. O potencial criador elabora-se nos
múltiplos níveis do sensível-cultural-consciente do ser humano, e se faz presente
nos múltiplos caminhos que procura captar e configurar na sua vida.
Os caminhos podem cristalizar-se e as vivências podem integrar-se em
formas de comunicação, em ordenações concluídas, mas a criatividade se refaz
sempre. Implica uma força crescente. Reabastece-se nos próprios processos
através dos quais se realiza. Portanto, a criatividade está em todos os aspectos da
vida, mas precisa de instigação para que se processe. Esta instigação pode ser do
entorno/ambiente, ou do próprio ser para sua existência, ou sobrevivência.
O pragmatismo cicatrizado nas escolas destituiu as emoções e sentimentos,
privilegiando a razão e acrescentando “as possibilidades do sentimentosomente às
artes. Na atualidade, o processo educacional gira em torno da criação e da
criatividade, ou seja, a apreensão perpassa os significados. Os significados de
interpretação e compreensão são individuais. “Em nossa vida diária é algo
complicado separar-se os domínios do sentir e do compreender. […] No dizer de
Gendlin, o significado compreendido, simbolizado, apóia-se sempre no significado
sentido (DUARTE JR., 1994, p. 75) [grifos do original].
Numa produção artística tridimensional, diferentes aspectos se mesclam e
fundem-se numa unidade. As partes não desaparecem e o perdem seu caráter
próprio. Apesar das diferenças das partes constitutivas, a obra possui uma qualidade
única. Os processos pelos quais passa o aluno também envolvem uma rede
interligada. “Essa organicidade é o ideal perseguido nas outras áreas do
72
conhecimento e pensamento. A arte na educação é, portanto, essencial para
potencializar a operacionalidade da experiência significativa em outras áreas”, como
indica Barbosa (1998, p. 24). Isso porque
É através dos sentidos, do sensível, que aprendemos a estar e ser no
mundo, e educar não é mais que sensibilizar para a estética, para a
aisthesis. Esse sensível, esse afecto não acontece somente nas artes, não
é um privilégio da arte. Quando um cientista descobre uma fórmula,
desvenda uma equação, ele também recente prazer estético, é o sensível
que se emociona com o feito. Quando vemos um menino de rua e aquilo dói
e marca, e somos afectados, é o sensível que está em jogo, não prazer
estético, mas aisthesis. (MEDEIROS; SANTOS, 2007, p. 44) [grifos do
original]
Apesar de integrante do complexo sistema que constitui o ambiente, o ser
humano se distingue pela produção da cultura e construção de sua história. O ser
humano tem respondido aos problemas que lhe são postos como criador de novas
possibilidades, lendo e reconstruindo o macrocosmo. Portanto, mais do que um
simples transmissor de conhecimento ou situações constantes da história do ser
humano, o professor de artes, através de conteúdos da tridimensionalidade,
constitui-se numa referência para a construção e estruturação da composição do
pensar do aluno, pelo prazer em conhecer, pelo impulso à criatividade, pela
capacidade de provocar a troca da certeza pela incerteza, o “já determinado” pela
busca de novas formulações.
73
5.3 FORMAS DE AÇÃO/INTERAÇÃO
Conforme Strieder (2004, p. 63),
A metáfora arbórea
18
começa a ser subvertida por uma nova analogia: a
rizomática. O que já podemos vislumbrar é que ela se desdobra numa
verdadeira rodovia de redes, uma miríade de interconexões entrelaçadas e
multidimensionais. Sabe-se que essa estrutura é interativa e auto-
organizante, atuando e caracterizando-se como um sistema aberto,
assemelhando-se a um organismo complexo.
Uma visão educacional voltada à teoria da complexidade, ou teoria sistêmica,
não pode ser compartimentalizada, exige uma postura diferente do professor e dos
alunos, postura essa que busca um relacionamento na consistência do todo.
No contexto rizomático orientado pela complexidade, constantemente
ocorrem acoplamentos e retroalimentações. Busca-se a conservação do
padrão organizativo e estrutural e não a sua divisão e redivisão em
parcelas, teimando na busca do elementar. As transformações que ali
ocorrem dirigem-se para a manutenção da unidade e todos os parâmetros
são buscados em seu próprio interior. (STRIEDER, 2004, p. 60)
Ao nos depararmos com a fala das entrevistadas, visualizamos uma grande
variação de termos. Mas há uma reflexão em torno do “como” acontece a aula para
cada uma e o que dispõem de estudos e reflexões sobre suas práticas.
Para Luana “A escultura com sucata pode ser trabalhada envolvendo os
temas transversais, tais como: meio-ambiente e reciclagem”. A entrevistada afirma
sempre utilizar a transdisciplinaridade em suas aulas, dando o exemplo do lixo
jogado no meio-ambiente. “Este lixo que está denegrindo a natureza pode ser
transformado em uma obra de arte. Trabalhando com o lixo, o professor entra na
área de ciências e na parte da história”. Trabalha sempre o enfoque ambiental,
18
Consiste na idealização de uma grande árvore, edificando um tronco rígido e ramificado em galhos.
[…] então, na “árvore da sabedoria”, o tronco comum é imprescindível e todos os saberes encontram-
se com ele relacionados, porém têm enormes dificuldades de relacionarem-se entre si. (STRIEDER,
2004, p. 61).
74
porque o seu trabalho de conclusão de curso teve esse enfoque e por gostar muito
do tema. Esta também será a abordagem de sua monografia na especialização: “O
meio-ambiente envolve todos que nele estão inseridos. O ser humano faz parte
deste meio-ambiente e o transforma, tanto para o bem, quanto para o mau”. Ela
procura sempre despertar a consciência dos alunos para não destruir o meio
ambiente, que é deles, mas também de toda a coletividade.
As redes de ensino do Estado de Santa Catarina evocam a disciplinaridade,
ou seja, disciplinas trabalhadas isoladamente, com especificidades próprias e
dissociadas do todo. “A educação disciplinar constitui-se num sistema fundado com
base em valores de outros séculos, o que ratifica seu descompasso com as
aceleradas mudanças contemporâneas” (STRIEDER, 2004, p. 76). Mesmo num
contexto como esse, é possível trabalhar transdisciplinarmente? Pensar numa
transdisciplinaridade é considerar um ser humano aberto a várias dimensões. As
tentativas são poucas, mas revestem-se de sucesso.
Conforme Luana, “A arte sempre está envolvendo a transdisciplinaridade e o
trabalho transdisciplinar é facilitador para o professor de artes”. Por isso, ela afirma:
“Procuro envolver a maior parte possível de temas de outras disciplinas. Considero a
matemática mais difícil, mas física, química podem ser incluídas, em especial sobre
os elementos que constituem a matéria que os alunos estão utilizando”.
Luana considera que trabalhar somente a parte artística não permitirá ao
aluno fazer conexões e entender o processo da própria humanidade. Afirma gostar
de trabalhar de forma transdisciplinar, partindo de vários enfoques para depois
chegar à parte artística. “É necessário abordar tudo sobre determinado tema para
que seja significativo para o aluno e gere um entendimento. A situação atual do
mundo exige que os conteúdos sejam significativos para o aluno”.
Assim, mesmo sem utilizar-se dos termos “complexidade” e “teoria sistêmica”,
Luana incorporou essa epistemologia em suas aulas. Ela considera que os
particularismos das disciplinas são muito limitados, desestimulam o aluno e não
fortalecem o vínculo com o saber. Luana, apesar de saber que não existe uma
ordem definida, trabalha de forma que a produção artística seja o final do processo,
por considerar importante criar um vínculo maior e um aprofundamento no
conhecimento sobre o material a ser trabalhado. Afirma gostar de trabalhar de forma
transdisciplinar, partindo de
vários enfoques para chegar à parte artística.
75
Após o conhecimento adquirido do material e suas possibilidades, os alunos
são questionados sobre o que podem produzir artisticamente a partir dele.
Dependendo do foco dado ao trabalho, as produções serão bidimensionais ou
tridimensionais. Deixando a produção artística para o final, como ápice de toda a
relação anteriormente efetuada, reforça a postura de completude de todas as
diversidades encontradas, confere ao aluno uma busca pelo entendimento da
diversidade dos problemas a serem enfrentados. “Impõe-se o desafio do
entendimento, em vez da divisão e da fragmentação simplificadora” (STRIEDER,
2004, p. 58).
Além disso, afirma que o trabalho em sala de aula envolve o maior número de
linguagens possíveis dentro das artes visuais, foco de sua formação, e quem
determina o tempo para cada conteúdo são os próprios alunos: se se mostram
interessados nas atividades efetuadas, a professora permanece maior tempo
naquela atividade e/ou conteúdo.
Sandra afirma que, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, não pode
trabalhar somente uma linguagem: “numa aula teatro, ou em outra aula, parte-se da
música pra pintura ou pra escultura, porque os alunos estão sempre curiosos, eles
sabem que é uma atividade diferente, para eles cada aula é sempre uma surpresa”.
Por isso faz sempre associações entre as várias linguagens da arte, dizendo ainda
que “Cada aluno tem o seu jeitinho. Alguns se sobressaem no teatro, outros com a
modelagem e outros com a pintura”. Então, considera necessário variar bastante e
intercalar as várias linguagens da arte.
Vanessa, além das artes visuais, também procura oferecer o contato com
todas as modalidades de arte para seus alunos: teatro, música, dança. Procura
também trazer o que dispõe e oportunidade para que os alunos tragam suas
experiências, dando espaço para a vivência e valorização.
Nas palavras da entrevistada, “existem os virtuosos, como Bethoven,
Picasso… existe o conteúdo em Arte. É importante mostrar o que já foi feito,
possibilidades experienciadas por outros artistas para que o aluno conheça, mas o
mais importante é ajudar o aluno a resolver situações de sua vida”. Segundo ela, “a
criança entende muito bem as associações que está fazendo. Mesmo as crianças de
sete anos têm seus problemas, no nível deles, seja menino ou menina, com
dimensões que teria um problema de adulto e isso deve ser valorizado”, que “As
escolhas em atividades artísticas proporcionam vivência e o treino para as escolhas
76
da vida. O diálogo sobre as questões acima pontuadas desenvolve a autonomia
pessoal de cada aluno”.
Vanessa faz o treino entre “arte” e “vida” em suas aulas. “Apesar de todo o
tempo de serviço, ainda acredito na atitude da arte, que as artes contribuem para
valorizar e melhorar a vida”. A postura de Vanessa também impele à
transdisciplinaridade. Relacionar a “vida” e a “arteàs várias linguagens artísticas é
não dissociar o ser humano como “corpo” e “mente”, e sim constituir-lhe uma rede de
relações internas e externas. A entrevistada trabalha o que se fez e faz em arte, mas
prioriza as relações que esses fazeres podem ter com a própria criança.
Segundo Martins (2005, p. 17),
Neste sentido, mediar é também proporcionar o acesso a como outras
crianças, jovens e artistas de outros tempos e lugares produziram
artisticamente, como ampliação de modelos, escolhidos com muito critério
pela variedade, diversidade, pelos caminhos opostos e paralelos. Modelos
percebidos como formas instigadoras de caminhos pessoais por novas
vias e não como “fôrmas” a serem copiadas, nem transmitidas. [grifos meus;
aspas do original]
Nessa perspectiva, “conhecimento, vida, ambiente-entorno e ciências da
cognição formam uma malha interativa que a arborescência não concebe abranger”
(STRIEDER, 2004, p. 61).
Mônica, que afirmou anteriormente ter buscado na psicologia apoio para suas
atitudes em sala de aula, trabalha a respiração diafragmal com exercícios de
relaxamento. Relata ela: “Até com o relaxamento dirigido se produz arte: conduzindo
a criança no relaxamento dirigido a fazer um passeio imaginário, apenas dando-lhe
um direcionamento, que observe a sensação que tem no corpo, através da
respiração, o ar entrando e fazendo todo o trajeto no corpo”. Completa que “Existem
exercícios específicos que aprofundam até que o ar chegue à lvis para que haja
mesmo fluxo de energia, o fluxo vital”.
Sempre que possível, Mônica intercala “exercícios para dissolver couraças e
bloqueios”, pois, quando “se trabalha estes exercícios, a produção artística melhora
em tudo. Através destes relaxamentos dirigidos os alunos visualizam imagens e
aspectos de sua vida chegando a âmagos profundos”. Ela informa que, na
seqüência, “verbalizam exteriorizando o que sentem. Porém se enfrenta a
77
banalidade cotidiana sobremaneira, pois para a criança que não tem limites, é um
sacrifício ficar dois ou três minutos no relaxamento, porque se está trabalhando os
limites e o autocontrole das emoções”.
A entrevistada reforça a idéia de que o conhecimento é inseparável do corpo.
“O conhecimento torna-se vital e fundamental à vida como processo de ação no seu
entorno-ambiente. Liga-se à corporeidade, suas emoções, sentimentos e desejos e
sua multidimensionalidade na unidade do ser” (STRIEDER, 2004, p. 61).
E afirma que todas as suas aulas são extremamente interdisciplinares, não
conseguindo conceber arte senão interdisciplinarmente, porque “para compreender
tinta é necessário conhecer química, física. Para a Música, há necessidade de
entender até de física quântica”. E conclui, questionando: “Como dar aula de arte
sem entrar na questão da sexualidade? Isso é da biologia? Sem a
interdisciplinaridade não se consegue atingir o aprendizado, porque muito que se
sabe que o homem é luz congelada, não tem como não lidar com esta realidade”.
Cabe aqui uma retomada sobre os termos “interdisciplinaridade” e
“transdisciplinaridade”. Segundo Assmann (1998, p. 162), interdisciplinaridade é o
Enfoque científico e pedagógico que se caracteriza por buscar algo mais do
que a mera justaposição das contribuições de diversas disciplinas sobre um
mesmo assunto, e se esforça por estabelecer um diálogo enriquecedor
entre especialistas de diversas áreas científicas sobre determinada
temática. Aplica-se a problemas, atividades e projetos que ultrapassam a
capacidade de uma área disciplinar. O conceito expressa a consciência
dessa limitação das disciplinas específicas, mas não transforma isso
necessariamente num questionamento epistemológico mais radical, como o
faz a transdisciplinaridade.
E a transdisciplinaridade corresponde ao
78
Enfoque científico pedagógico que torna explícito o problema de que um
diálogo entre diversas disciplinas e áreas científicas implica
necessariamente uma questão epistemológica. A transdisciplinaridade não
pretende, de forma alguma, desvalorizar as competências disciplinares
específicas. Ao contrário, pretende elevá-las a um patamar de
conhecimentos melhorados nas áreas disciplinares, que todas elas
devem embeber-se de uma nova consciência epistemológica, admitindo que
é importante que determinados conceitos fundantes possam transmigrar
através (trans-) das fronteiras disciplinares. Os/as cientistas e pedagogos/as
que mais se dedicaram a temas como complexidade, auto-organização e
similares, são também os maiores fatores da transdisciplinaridade.
(ASSMANN, 1998, p. 182-183) [grifos do original]
Assmann (1998) refere que, segundo Moacir Gadotti, tendemos a usar quase
indistintamente as palavras interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, embora
tenham conotações diferentes para designar um procedimento escolar que visa à
construção de um saber não fragmentado; um saber que possibilita ao aluno a
relação com o mundo e consigo mesmo, uma visão de conjunto na transformação de
situações com que se defronta em determinados momentos da vida. O objetivo
fundamental da interdisciplinaridade é experimentar a vivência de uma realidade
global que se registra nas experiências cotidianas do aluno e do professor e que, na
escola conservadora, é compartimentada e fragmentada. A interdisciplinaridade é
um caminho para chegar à transdisciplinaridade. Articular saber, conhecimento,
vivência, escola, comunidade, meio ambiente, etc. é o objetivo da
interdisciplinaridade, que se traduz na prática por um trabalho escolar coletivo e
solidário.
As professoras acima citadas, apesar da não compatibilidade dos termos,
compartilham da mesma concepção para o ensino da arte, ou seja, buscam
favorecer uma aprendizagem para além da disciplinarização ou do conceito arbóreo
de ensino. É muito importante que estejam iniciando um entendimento da não
dissociação do todo em suas aulas.
Mônica levanta uma questão sobre a relação teoria-prática em suas aulas.
Afirma que, apesar de o ensino da arte não visar à formação de artistas, atores,
músicos, procura ressaltar que não se deve fazer por fazer, é necessária toda uma
preparação, com calma e tranqüilidade. Considera também que não dissociação
entre teoria e prática: se a teoria é bem embasada é colocá-la em prática. “O
tempo de serviço traz a experiência do que é mais viável e aplicável, mas em arte é
sempre teoria-prática; teoria-prática, dentro das possibilidades”.
79
Considerando a “teoria” aqui destacada pela professora como momentos
voltados à estética e à história da arte, além da produção somente, reforça-se a
necessidade de associações amplas e rizomáticas para o ensino da arte. Vincular
somente o fazer em arte nas escolas não permite uma transversalidade, tampouco o
diálogo estético.
Assim, se nossa atenção como professores de arte está voltada
fundamentalmente para o incremento da capacidade das pessoas de
experienciar arte mais do que produzi-la, teremos pouca para não dizer
nenhuma necessidade de programas de arte apoiados em procedimentos
de ateliê que exigem elaboração, gastos e consumo de tempo.
Seguramente eles deveriam ou poderiam existir como opção para qualquer
idade, dentro ou fora da escola, uma vez que o prazer e a satisfação que
produzem é uma contribuição substancial para a vida. Mas, como o tempo
que temos é bastante limitado na educação formal, para engajar o jovem
nas desejadas experiências artísticas, deveríamos encontrar padrões de
currículo mais diretamente voltados para a ampliação da resposta estética
visual. Muitos de nós em arte-educação proclamamos piamente que o
ensinamos para produzir artistas. No entanto, o que fazemos em sala de
aula pode não ser produtivo para nenhum outro fim e, certamente,
tampouco é adequado àquele. (LANIER, 1999, p. 53)
A entrevistada relata uma experiência vivenciada em escola na qual todas as
disciplinas trabalharam de forma integrada: os alunos estavam envolvidos, criativos,
buscando o conhecimento. Naquele momento, ela se percebeu realmente sendo
professora. Acredita que essa forma de trabalho deve ser retomada, pois ficou na
história da escola pelos pontos positivos para toda a comunidade escolar.
Cristina não enfatiza muito a interdisciplinaridade, considera que tem
bastante especificidade na arte que precisa ser trabalhada, não podendo perder
tempo com as outras disciplinas, a não ser as questões que a própria história da arte
necessita para um melhor entendimento, tais como localização, temáticas
abordadas, etc. No contexto apresentado por Cristina, é interessante destacar a fala
de Edgar Morin (2002, p. 46), ao escrever sobre a falsa racionalidade:
Trata-se de entender o pensamento que separa e reduz, no lugar do
pensamento que distingue e une. Não se trata de abandonar o
conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da
análise pela síntese; é preciso conjugá-las. Existem desafios da
complexidade com os quais os desenvolvimentos próprios de nossa era
planetária nos confrontam inelutavelmente.
80
Assim, falar em transdisciplinaridade não significa recolher tudo que se têm
estudado em arte, suas especificidades, e transportá-las para o universo das outras
disciplinas. Significa excluir, sim, as especificidades da disciplinaridade, tão
distanciadas umas das outras e tão incutidas em nossas escolas, para um
movimento muito maior e abrangente, pensando nas possibilidades de
aprendizagem do aluno, num sistema de interação.
Ionara não fez colocações sobre inter ou transdisciplinaridade. Destacou que
a metodologia por ela utilizada envolve a expressividade dos alunos. Não impõe aos
alunos o que devem fazer; solicita que expressem seus sentimentos e emoções
naquele momento, pois considera que é assim com ela própria. Se disserem para
ela o que fazer, não consegue, porém se solicitarem que expresse o que está
sentindo, rapidamente consegue realizar.
Ao relatar que, se quiser ser uma boa profissional, precisa preparar a aula e o
material artístico a ser apresentado aos alunos, e que, além de mostrar exemplos
através de imagens de produções de artistas referenciados no cenário nacional e
internacional, costuma fazer o seu exemplo para que os alunos possam verificar que
é possível produzir arte com materiais disponíveis em suas casas, no seu cotidiano,
a professora demonstra que não trabalha somente a produção, mas a apreciação de
outras produções e avaliação das mesmas.
Martins (2005, p. 44-45) afirma que
A Arte em si provoca encontros, entretanto, a mediação pode encontrar
brechas de acesso para que esse encontro possa ser realizado. […] Trocas
de informações, ampliação de repertório, exercício perceptivo, formação do
olhar. Estes são alguns dos elementos presentes na mediação.
Aliado a isso, a entrevistada destaca um ponto muito importante, que é o do
professor enquanto produtor, aquele que vivencia a arte, que não é só mediador.
Maira levantou a questão do uso da tecnologia na sala de aula: não a utiliza,
“Primeiro, porque não domino os conhecimentos necessários; segundo, porque na
escola o máximo que você tem é TV com DVD ou vídeo, mas não tem material
81
específico para artes”. Na contemporaneidade, não podemos mais desvincular a
escola dos meios tecnológicos, porque os alunos que nela estão pertencem à
geração da tecnologia, muito mais que os próprios professores. Também, na
contemporaneidade, a arte mantém uma íntima relação com as tecnologias.
Que a arte nos revele aspectos humanos das tecnologias talvez seja, para
alguns, uma estranha e idealista abordagem. Ou, para os apocalípticos, um
dado contestável em sua visão negativa das tecnologias para a
humanidade. pessoas tão resistentes que não admitem nem mesmo um
convívio necessário com as tecnologias, como o uso de terminais públicos
ou quiosques de feiras. Tal resistência em interagir com as máquinas está
trazendo limitações para as tarefas cotidianas do homem deste final de
século. (DOMINGUES, 1997, p. 15)
necessidade de um maior entendimento sobre a presença das tecnologias
e seus efeitos positivos e imediatos na vida atual. Fechar os olhos para a difusão
mundial da internet e as múltiplas formas de interatividade proporcionadas pelas
experiências em multimídia é o mesmo que “tapar o sol com a peneira”.
Assmann (2004, p. 166) aponta que “Estamos entrando na era das máquinas
‘parceiras’ em múltiplas tarefas humanas, entre as quais começam as que estão
diretamente ligadas à criatividade e à expansão do conhecimento” [aspas simples do
original]. E Strieder (2004, p. 144) completa:
Os estudantes começam a ler menos os livros-textos, por encontrarem
conteúdos convincentemente mais relevantes em programas de televisão,
filmes e nas redes informatizadas […] A internet já permite o acesso a
várias bibliotecas de informação mundialmente diversificada e dispondo não
apenas de textos e números, mas, cada vez mais, imagens e toda a
semiótica […] assim, o aprendente não terá apenas acesso a uma versão
controlada da informação e da verdade, mas a inúmeras versões, a tantas
quantas tenha interesse em examinar.
As escolas, ainda desvinculadas das questões das redes envolventes das
tecnologias, deixam de proporcionar um elemento primordial aos alunos: o encontro
com o conhecimento, muito além das informações midiáticas. Portanto, a escola
precisa ser um espaço com disponibilidade para os meios tecnológicos, e o arte-
educador deve rever suas pré-concepções sobre os meios tecnológicos, sem
82
receios, pois ele não perderá seu espaço, ao contrário, “A riqueza do diálogo
pedagógico é ainda insubstituível” (STRIEDER, 2004, p. 164).
Nessa perspectiva, Sandra afirma que, para trabalhar com artes, precisa estar
sempre se atualizando, acompanhar os jornais, ler revistas, pesquisar na internet,
visitar museus virtuais (porque a realidade não permite visitá-los pessoalmente) e,
mesmo assim, nunca é o suficiente, pois trabalha com alunos que viajam muito e
conhecem realidades de outros países, museus, obras de arte, in loco. O mesmo
acontece com atividades de computador, DVD e outras tecnologias. Eles criam
programas, tem acesso à tecnologia. Considera que os alunos cobram muito que o
professor conheça os conceitos que eles não entendem.
A atitude do professor frente à grande quantidade de informações recebidas
pelos alunos na contemporaneidade deve ser a de ajudá-los no entendimento de
tudo que se dispõe a esta geração. Se antes, uma lâmina com uma imagem era
suficiente para instigá-los à curiosidade, na atualidade, a imagem digital, o virtual em
tempo real, impele a ações que desencadeiem outras ações ainda mais intricadas e
elaboradas.
O aluno que está em nossas escolas não é, e nunca foi, um ser passivo, ao
contrário, gosta de ser instigado a criar e recriar sobre o que se apresenta na sua
vida. Porém, para isso, precisa ser impelido. Se o professor o o fizer, a tecnologia
não o fará sozinha.
83
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é mais possível pensar no ser vivo como uma máquina, dotado de
engrenagens que atuam isoladamente para seu funcionamento. É muito mais
gratificante nos entendermos como parte de um sistema, bem mais complexo do que
a engrenagem de uma máquina. Também não podemos conceber uma atuação
educativa desmembrada, solta, desvinculada do todo. O processo ensino-
aprendizagem é demonstrado na própria atuação dos envolvidos. Em clima de
diálogo, de questionamentos, em momentos de explicações, momentos de silêncio,
na troca de informações é que acontece o conhecimento.
O professor que atua com artes nas escolas conhece a importância de seu
papel na construção de saberes. Porém, é necessário muito mais do que isso. É
indispensável que saiba quem é, as razões pelas quais faz o que faz e que se
conscientize do lugar que ocupa na sociedade. Precisa refletir sobre a sua
experiência profissional, a sua atuação educativa, a sua metodologia de trabalho, as
suas estratégias e o embasamento que o leva à ação em sala de aula e fora dela.
E, por fazer parte desse complexo sistema dos seres vivos, poderá questionar-se
constantemente sobre “o que fazemos de nossa existência humana e que curso
queremos dar a ela”.
A efetivação da prática do professor de artes encerra a necessidade de um
envolvimento total entre educador, educando e conteúdos. Também ele é
responsável por instigar a produção de saberes, servindo-se de estratégias que
estimulem a reflexão e a criticidade do educando. Cabe-lhe propiciar um programa
de aprendizagem adequado aos conteúdos e aos educandos, visando ao apreender.
Seu compromisso é o de reconhecer que a integralização de educador,
educando e conteúdos é o que dará significação a suas aulas. Ao professor cabe
oferecer oportunidades para que os aprendentes possam criar, apreciar,
contextualizar, pois assim terão oportunidades de transformar, experimentar, sentir
prazer, estabelecer relações e conhecer idéias, culturas e histórias, produzindo um
sentido estético e relações com o meio social em que estão inseridos – a arte, por si
mesma, possibilita isso, desde que o aprendente sinta com a corporeidade. Daí
porque, o professor, especialmente, deve reconhecer seu papel como educador,
pois também depende dele o resgate do prazer pelo apreender.
84
A significação da tridimensionalidade para os arte-educadores que atuam nos
anos iniciais do Ensino Fundamental não é coesa, alguns não haviam parado para
refletir sobre isso. Acreditamos também que suas percepções acerca da
tridimensionalidade variam por causa das vivências de cada um. Ao procurar mostrar
o que se trabalha da tridimensionalidade na escola regular, em especial com os
anos iniciais do Ensino Fundamental, pouco foi revelado. Ou seja, não se faz muito
mais do que meras técnicas com argila, massas e, principalmente, sucata.
No decorrer deste estudo, ao invés de respostas, surgiu um número maior de
questões. Vale dizer: antes perguntávamos “o que se faz”?; agora indagamos:
porque não se faz? O que está faltando para que os arte-educadores não incluam
novas formas de produção artística, além dos tradicionais desenhos, pinturas,
colagens em suas aulas? Dentre as justificativas elencadas, surgiram a falta de
espaço, a escassez de material, o pouco tempo, a ausência de apoio, o desinteresse
por parte dos alunos. Foi apontada ainda a carência de espaços formais na região
que ofereçam oportunidades ao aluno de interagir com obras de arte, em vez de
apenas observá-la através de meios de comunicação.
E mais: será que os aspectos arrolados não perpassam por um déficit do
próprio professor, seja no momento de sua formação, seja no decorrer de suas
vivências, tanto como artista, quanto como educador? Não haverá possibilidade de
reversão dessa trajetória tão enraizada? Que alternativas existiriam para novas
possibilidades de prazer nas escolas, tanto para alunos quanto para professores?
É evidente a necessidade de um redimensionamento em todo o processo
escolar, em especial para as aulas de arte. Já não é possível desvincular os
“conteúdos” do dia-a-dia do aluno; é necessário trazer a escola para perto da
realidade contemporânea, tanto nos aspectos relativos à arte, quanto aos
relacionados à vida.
Uma das entrevistadas afirma que a arte pode trazer mais “qualidade de vida”
ao ser humano. E essa qualidade de vida não é aqui percebida como situação
financeira privilegiada, tampouco como poder, mas como um relacionamento
indivíduo/entorno equilibrado e feliz. Daí a necessidade de quebrar pré-conceitos
estabelecidos quanto ao “valor” da arte na escola, na sociedade e para o ser
humano. Reverter conceitos estabelecidos de que a arte é mera “decoração” na
escola levará um tempo; porém, essa nova visão possibilitará melhores condições
85
para o professor e, conseqüentemente, melhores possibilidades de aprendizagem
para os alunos.
Desmitificar as relações de poder e a competitividade nos contatos humanos
e respaldar o amor nas relações sociais é tarefa da Educação. Somente nas
escolas, local em que o ser humano convive a maior parte de sua infância e
adolescência, é que se poderão formar cidadãos conscientes de sua
responsabilidade e liberdade – para consigo próprios e para seu entorno.
É urgente uma mudança de paradigmas. Pensar numa totalidade,
complexidade, interação, integração, teias instiga-nos a um redimensionamento da
prática educativa, em especial na arte. Somos parte integrante desse sistema
complexo que é a vida. Seremos sempre educadores, porém conservaremos o
nosso viver como aprendentes. Nosso mundo é produzido por nós ainda existe,
portanto, a possibilidade de inserirmos a subjetividade humana nas escolas.
86
REFERÊNCIAS
ALARCÃO, Izabel et alii. Formação reflexiva de professores: estratégias de
supervisão. Porto: Porto Editora, 1996.
ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Por uma escuta da obra de Arte. In: OLIVEIRA,
Marilda Oliveira de (Org). Arte, educação e cultura. Santa Maria: Ed. da UFSM,
2007. p. 81-110.
ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Concepções e práticas artísticas na escola. In:
FERREIRA, Sueli (Org). O ensino das Artes: construindo caminhos. Campinas:
Papirus, 2001. p. 11 a 38.
ANASTASIOU, Lea das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate. Processos de
ensinagem na Universidade: pressupostos para estratégias de trabalho em aula. 3.
ed. Joinville: UNIVILLI, 2004.
ANDRÉS, Maria Helena. Depoimento. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/
Arte, 1998. Disponível on-line em:
<http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso em: 16 ago. 2006.
ASMANN, Hugo. Curiosidade e prazer de aprender. Petrópolis: Vozes, 2004.
ASMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente.
Petrópolis: Vozes, 1998.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 1999.
BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São
Paulo: Cortez, 2002.
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.
BRANDÃO, Eymard. Depoimento. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/ Arte,
2000. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>.
Acesso em 16 ago. 2006.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CALDAS, Waltércio. Depoimento. Circuito Atelier, Belo Horizonte, Editora C/Arte,
2006. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>.
Acesso em: 18 ago. 2006.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas
vivos. 5. ed. Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.
87
DAIBERT, Arlindo. Depoimento. Coleção Circuito Atelier.Belo Horizonte: C/ Arte,
2000. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>.
Acesso em: 18 ago. 2006.
DOMINGUES, Diana (Org.). A arte no século XXI: a humanização das tecnologias.
São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
DUARTE JR., João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. 3. ed.
Campinas: Papirus, 1994.
DUARTE, Rosália. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo.
Cadernos de Pesquisa, n. 115, p. 139-154, mar. 2002.
FERREIRA, Sueli (Org). O ensino das Artes: construindo caminhos. Campinas:
Papirus, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FUSARI, Maria F. Resende; Ferraz, Maria Heloisa C de T. Arte na educação
escolar. São Paulo: Cortez, 1993.
GENNARI, Mario. La educación estética: arte e literatura. Trad. Noemí Cortés
Lopes. Barcelona: Paidós, 1997.
GENTILLE, Paula; BENCINI, Roberta. Philippe Perrenoud: construindo
competências. Revista Nova Escola, p. 19-31, set. 2000. Disponível on-line em:
<http://novaescola.abril.com.br/ed/135_set00/html/fala_mestre.htm>. Acesso em: 21
jan. 2007.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Trad. Maria Crisitina F. Bittencourt. Campinas:
Papirus, 1990.
ITAÚ CULTURAL. Tridimensionalidade: a arte brasileira do século XX. São Paulo:
Itaú Cultural, 2000.
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
LANGER, Susanne Katherina Knauth. Sentimento e forma: uma teoria da arte
desenvolvida a partir de Filosofia em Nova Chave. Trad. Ana M. G. Coelho e J.
Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1980.
LANIER, Vincent. Devolvendo Arte à Arte-educação. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.).
Arte-educação: leitura no subsolo. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999. p. 43-55.
LOBO, Lótus. Depoimento. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/ Arte, 2001.
Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso
em: 16 ago. 2006.
LUCARELLI, Elisa. Um desafio institucional: inovação e formação pedagógica do
docente universitário. In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Maria Eugênia (Orgs.).
88
O que há de novo na educação superior: do projeto pedagógico à prática
transformadora. Campinas: Papirus, 2000. p. 61-73.
MARTINS, Mirian Celeste et alii. Didática no ensino da Arte: a língua do mundo –
poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.
MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia aquecendo uma transforma-
ação: atitudes e valores no ensino da arte. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.).
Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002. p. 49-60.
MARTINS, Mirian Celeste (Org.). Mediação: provocações estéticas. Universidade
Estadual Paulista. Instituto de Artes: Pós-Graduação. São Paulo, v.1, n.1, out. 2005.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Trad.
José Fernando Campos Fortes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. Cognição, ciência e vida cotidiana.
Trad. Cristina Magro e Vitor Paredes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. De máquinas e seres vivos:
autopoiese – a organização do ser vivo. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MEDEIROS, Maria Beatriz de; SANTOS, Cyntia Carla Cunha dos. Poéticas atuais:
2005. In: 15° ENCONTRO NACIONAL DA ANPAP – Arte: li mites e contaminações.
19-23 set. 2006. Salvador: UNIFACS. Anais… Salvador: ANPAP, 2007. v.2. p. 44-
51.
MEIRA, Mirela Ribeiro. Oficinas de criação: um espaço quântico. In: ORMEZZANO
Graciela (Org.). Questões de artes visuais. Passo Fundo: UPF, 2004. p. 170-184.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2. ed. Trad. Carlos
Alberto R. de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. 3. ed. Trad. Luiz Manuel
Bernardo. Lisboa: Águeda, 2000.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 3.
ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
MORIN, Edgar. O método. 2. ed. Portugal: Publicações Europa-América, 1989.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do Futuro. 5. ed. Trad.
Catarina Eleonora F da Silva e Jeanne Sawaia. São Paulo: Cortez; Brasília:
UNESCO, 2002.
MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência e a complexidade. Trad.
Nurimar Maria Falci. São Paulo: Petrópolis, 2000.
MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya. A sociedade em busca de valores: para fugir à
alternativa entre cepticismo e dogmatismo. Trad. Luiz M. Conceiro Feio. Lisboa:
Instituto Piaget, 1998.
89
OLIVEIRA, Ana Cláudia. Convocações multissensoriais da arte do século XX. In:
PILLAR, Analice Dutra (Org). A educação do olhar no ensino das artes. Porto
Alegre: Mediação, 1999. p. 85-98.
OLIVEIRA, Marilda Oliveira de; HERNANDEZ, Fernando (Orgs). A formação do
professor e o ensino das artes visuais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
ORMEZANNO, Graciela; TORRES, Maria Cecília. Máscaras e melodias: duas
visões em arte e educação. 2. ed. São Miguel do Oeste: Arco Iris, 2003.
ORMEZZANO, Graciela (Org.). Educação estética no tempo-espaço da arte. In:
SCHOLZE, L. Jornada de Verão 2001: conhecendo e discutindo a rede municipal
de ensino. Porto Alegre: PMPA/SMED, 2001. p. 27-30.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes,
1987.
READ, Herbert. O sentido da arte: esboço da história da arte, principalmente da
pintura e da escultura e das bases dos julgamentos estéticos. 4. ed. Trad. E. Jacy
Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1978.
RESENDE, Marco Túlio. Depoimentos. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte:
C/Arte, 1999. Disponível on-line em:
<http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>. Acesso em: 16 ago. 2006.
SILVA, Maria de Fátima Rodrigues. Arte e formação do professor. Revista Estação,
ano 3, n. 4, dez. 2005. Disponível on-line em: <http://www.proex.uel.br/estacao>.
Acesso em: 15 jul. 2006.
SIQUEIRA, Hélio. Depoimento. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/ Arte,
2000. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/framesCA.htm>.
Acesso em: 16 ago. 2006.
STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. 2. ed. Ijuí: Unijuí,
2004.
WEISSMANN, Franz.
Depoimento. Coleção Circuito Atelier. Belo Horizonte: C/ Arte,
2002, p. 16 e 18. Disponível on-line em: <http://www.comartevirtual.com.br/fw-
depoi.htm>. Acesso em: 16 ago. 2006.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa.
Porto Alegre: ArtMed, 1998.
90
ANEXO
SÍNTESE DAS ENTREVISTAS
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo