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Anexo 18
Enunciado 02
OPINIÃO
A Bahia e o velho Chico
Ruy Bacelar
Acaba de ser anunciada a aprovação do megaprojeto de transposição das águas do Rio
São Francisco para quatro estados do semi-árido nordestino: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará. O governo estimou o custo desse programa gigantesco em US$ 2,1 bilhões, sendo que
50% desse total deverá ser obtido através de empréstimo junto ao Banco Mundial.
O atual governo pretende concluir a primeira etapa, com custos estimados em US$ 550
milhões, no final de dezembro, quando serão construídos 240 quilômetros de canais e mais quatro
elevatórias. Como foi oficialmente anunciado, a meta do projeto é abastecer 220 cidades do semi-
árido daqueles quatro Estados, elevando a capacidade de irrigação na área de 175 mil para um milhão
e 600 mil hectares.
Na primeira etapa, o projeto prevê a construção de um canal de 240 quilômetros para dar
vazão a 50 metros cúbicos de água por segundo, beneficiando todo o Estado do Ceará e parte da
Paraíba e Rio Grande do Norte. Na segunda etapa, será construído um canal de 2.000 quilômetros,
que transportará 250 metros cúbicos por segundo de água para beneficiar o restante da Paraíba, Rio
Grande do Norte e Pernambuco.
Pode parecer meritório o esforço do governo federal para solucionar definitivamente o
crucial problema da seca do Nordeste. Trata-se, porém, como é fácil verificar, de uma decisão
precipitada, que não leva em conta estudos técnicos abalizados, mostrando que o rio São Francisco
está enfermo, sofrendo os efeitos de criminoso desmatamento de suas margens, que intensificou o
processo de assoreamento de seu leito, já degradado por várias fontes poluidoras.
O "rio da integração nacional" está com o seu potencial hídrico quase todo comprometido
com a utilização de suas águas para as usinas hidrelétricas, na maior parte, e os projetos de irrigação
já implantados ou em curso. Os especialistas sustentam que a atual capacidade do rio não autoriza a
utilização de mais 300 metros cúbicos por segundo para garantir o êxito do projeto.
Foi demonstrado que a transposição das águas do rio São Francisco para aqueles quatro
Estados irmãos do Nordeste só seria viável caso houvesse, também, a interligação do rio Tocatins
com o "Velho Chico", nos termos de projeto concebido, na década de 70, por especialistas
convocados pelo então ministro do Interior, o Coronel Mário Andreazza. Nestas condições, o rio São
Francisco seria utilizado, de fato, apenas como meio para a passagem das águas do rio Tocantins.
Se já havia sérias dúvidas sobre a viabilidade técnica desse projeto antes, hoje há
pareceres de especialistas de grande conceito condenando a sua realização sem o socorro das águas do
rio Tocantins. O presidente do Comitê de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco,
engenheiro José Theodomiro, já apontou os prejuízos que o megaprojeto provocará na Bahia, "Fazer a
transposição –afirmou o engenheiro – é o mesmo que se desativar a Usina de Itaparica".
Estudos técnicos realizados pelo Plano de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, o
Planvasf, ao longo de um período superior a dez anos, concluíram que as águas do "Velho Chico" são
insuficientes para irrigar os solos férteis, aptos e irrigáveis, existentes no curso de toda a sua bacia.
Parece ser muito mais sensato garantir o sucesso dos projetos implantados e em execução, partindo-se
para obras de dragagem do leito do rio, paralelamente ao reflorestamento de suas margens com a
indispensável mata ciliar, de lá criminosamente arrancada nos últimos anos.
Está tecnicamente demonstrada a viabilidade da transposição das águas do rio São
Francisco, desde que se garanta, antes, a transposição das águas do rio Tocantins para o "Velho
Chico". Que o presidente Itamar Franco reexamine este projeto faraônico, ouvindo, antes, os
especialistas na matéria sobre os seus gravíssimos inconvenientes. A integração de bacias de grandes
rios é matéria hoje conhecida em todo o mundo. A interligação das bacias dos rios Volga e Don, na
União Soviética, trouxe grandes benefícios para as populações que vivem às margens daqueles
grandes cursos d'água e ainda permitiu a extensão de seus benefícios para populações de outras
regiões. O racional e correto seria promover a integração das Bacias do Tocantins e do São Francisco,
antes de partir para a transposição isolada das águas do "Velho Chico" para aqueles quatro Estados do
Nordeste.