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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO PARA O
NORDESTE NOS JORNAIS DO RIO GRANDE DO NORTE E SÃO PAULO:
UM ESTUDO ENUNCIATIVO
Gilberto de Oliveira Silva
Orientadora: Profª. Drª. Edna M. F. S. Nascimento
Araraquara, 2006
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i
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO PARA O
NORDESTE NOS JORNAIS DO RIO GRANDE DO NORTE E SÃO PAULO:
UM ESTUDO ENUNCIATIVO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e
Letras da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Campus de
Araraquara, como exigência parcial para a
obtenção do grau de Doutor em Letras na
área de Lingüística e Língua Portuguesa, sob
a orientação da Orientadora: Profª. Drª. Edna
M. F. S. Nascimento.
Gilberto de Oliveira Silva
Araraquara, 2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha catalográfica elaborada pela biblio
Elvira Fernandes de Araújo Oliveira - CRB4/1162
S586 Silva, Gilberto de Oliveira.
A transposição das águas do Ri
o São Francisco
para o Nordeste nos jornais do Rio Grande do Norte e
São Paulo. / Gilberto de Oliveira Silva. --
Araraquara
(SP), 2006.
263 f. ; 30cm.
Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa)
Universidade Estadual Paulista, 2006.
Orientadora: Prof. Drª. Edna Maria Fernandes S.
Nascimento
ii
Um galo sozinho não tece uma manhã
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
(João Cabral de Melo Neto, Tecendo a Manhã, 1979, p.345)
iii
Banca examinadora
Profª. Drª. Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento ______________
Prof. Dr. Luiz Antônio Ferreira ____________________________________
Profª. Drª. Maria Sílvia Olivi Louzada ______________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Rodella Abriata ______________________________
Profª. Drª. Renata Maria Facuri Coelho Marchezan ___________________
iv
Dedicatória
Aos meus pais, Maria José e
Osvaldo Martins (in memorian) que
me proporcionaram este momento.
Às minhas filhas, Tatiany, Tassiane
e Klara Sophia, com amor.
v
Agradecimento
À minha família, que me deu apoio, torcendo muito por mim.
À Edna Nascimento, que me orientou com segurança, competência e
responsabilidade.
A Rosário Gregolin, pela amizade, responsabilidade, tino de justiça e pelas
valiosas contribuições fornecidas nas disciplinas.
Aos amigos do Geada (Grupo de Estudos em Análise do Discurso de
Araraquara/SP), pelo convívio fraterno.
Ao amigo Leontino, pelo apoio fraterno e poético.
A Talita, pela amizade e carinho.
A Francisco Paulo, pela amizade e carinho.
Ao amigo Manoel Rosa, pela amizade e momentos reflexivos e lúdicos.
A Rita e demais funcionários da seção de s-Graduação, pela
prestatividade e afeto.
À CAPES, pelo apoio financeiro.
À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, em especial ao
Departamento de Letras Estrangeiras, pelo apoio institucional na viabilização desse
doutorado.
vi
Resumo
Esta tese, denominada A transposição das águas do Rio São
Francisco para o Nordeste nos jornais do Rio Grande do Norte e São Paulo:
um estudo enunciativo inscreve-se na lingüística da enunciação, na medida em
que se utiliza das perspectivas do dialogismo de Mikhail Bakhtin e das
heterogeneidades enunciativas de Authier-Revuz na análise dos enunciados
circulados, em 1994, nos jornais do Rio Grande do Norte e São Paulo a respeito do
projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco e Ceará.
Possui dois objetivos básicos: a) detectar a representação feita pelos
enunciados nos jornais potiguares e paulistas do projeto de transposição das águas
do Rio São Francisco para o Nordeste; e b) verificar os principais procedimentos
enunciativos da construção dessa representação.
Para isso, apresenta, no primeiro capítulo, um resumo dos trabalhos dos
citados autores, descrevendo o conceito de dialogismo, elaborado por Mikhail
Bakhtin, articulando-o com outros, como a natureza cio-ideológica da linguagem,
interação verbal, signo lingüístico, enunciado/enunciação; e a teoria das
heterogeneidades enunciativas de Authier-Revuz, com as noções de
heterogeneidade mostrada e constitutiva.
No segundo, de forma sucinta, apresenta alguns elementos da situação
econômica, política, social, no Brasil da época, especialmente na região nordestina,
e a problematização desta pesquisa juntamente com a caracterização de seu
corpus.
No terceiro, efetiva-se uma análise dos enunciados de tais jornais que
falam do projeto de transposição, circulados em 1994, em que se verifica o modo de
sua construção e a identificação dos discursos que dialogam com esses enunciados.
Teremos, por último, a conclusão, conjuntamente com os resultados desta
análise.
Palavras-chave: Dialogismo, heterogeneidade, enunciação, enunciado.
vii
Resumé
Cette thèse nommée La Transposition des l’eux du Rio São Francisco
vers le Nordeste dans les journaux du Rio Grande do Notre et São Paulo :
Un étude énonciatif s’inscrire dans la langage de l’énonciation dans la
mesure que s’utilise les perspectifs du dialogisme de Mikhail Baktin et des
hétérogénéités énonciatifs de Authier-Revuz dans l’analyse des énoncées
circulées, en 1994, dans les journaux du Rio Grande do Norte et o Paulo au sujet
de projet de transportation des l’eux du Rio o Francisco vers le Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernanbuco et Ceará.
Possède deux objectifs basiques: a) Détecter la représentation faite pour
l’énoncées dans les journaux potiguares( journaux du Rio Grande do Norte) et
paulistas (Journaux de São Paulo)le projet des l’eux du Rio São Francisco vers le
Nordeste ; et b) Vérifié les principaux procédures énonciatifs de la construction de
cette représentation.
Pour ça, représenter, .dans le première chapitre, un résumé des travaux
des les auteurs citées
Décrive le concept de dialogisme, élaboré par Mikhail Bakhtin, articulant
avec les autres, comme la nature socio idéologique de la langage, interaction
verbale,signe linguistique, énoncée/énonciation ; et la théorie des hétérogénéités es
énonciatives de Authier-Revu, avec les notions de hétérogénéités montrée et
constructive.
Dans le deuxième, de façon succincte, représente quelques uns éléments
de la situation économique, politique, sociale, au Brésil de l’époque, spécialement
dans la région nordestina,
Et la problématisation de cette recherche assemblé avec la caractérisation
de son corpus.
Dans le troisième, s’approche d’une analyse des énoncées de tels
journaux que parlent de projet de transportation, circulées en 1994, en que se vérifie
la façon de sa construction et son identification des discours que dialoguent avec
ces énoncées.
Nous aurons, par dernière, la conclusion, assemblé avec les résultats de
cette analyse.
Mots-clé ; Dialogisme, hétérogénéités, énonciation, énoncée.
viii
Sumário
Resumo ............................................................................................................
vii
Résumé ............................................................................................................
viii
Introdução ........................................................................................................
01
Capítulo 1 A natureza dialógica e a heterogeneidade enunciativa da
linguagem .................................................................................
04
1.1 Considerações iniciais ................................................................................
04
1.2 A teoria dialógica da linguagem de Mikhail Bakhtin .................................
04
1.2.1 Interação verbal .......................................................................................
04
1.2.2 A noção de dialogismo .............................................................................
07
1.2.3 O signo lingüístico e sua porção ideológica em Bakhtin ..........................
11
1.2.4 Enunciado/Enunciação ............................................................................
17
1.2.5 Significação ..............................................................................................
22
1.2.6 Tema ou sentido ......................................................................................
24
1.3 A teoria das heterogeneidades enunciativas de Authier-Revuz ..............
28
1.3.1 Considerações iniciais .............................................................................
28
1.3.2 Heterogeneidade mostrada ......................................................................
31
1.3.2.1 Formas marcadas de heterogeneidade mostrada ................................
31
1.3.2.2 Formas não-marcadas de heterogeneidade mostrada .........................
32
1.3.3 Heterogeneidade constitutiva ..................................................................
32
Capítulo 2 A transposição do rio São Francisco para o Nordeste ..........
38
2.1 Preliminares ...............................................................................................
38
2.2 O projeto de transposição das águas do rio do São Francisco para o
Nordeste .....................................................................................................
38
2.3 Problematização e caracterização do corpus ............................................
46
Capítulo 3 Construção de sentido e heterogeneidade enunciativa nos
jornais do Nordeste e Sudeste o projeto de transposição
do São Francisco: análise .......................................................
51
Gazeta do Oeste ............................................................................................
51
Enunciado 01 – Sonho nordestino ....................................................................
51
Enunciado 02 – Água do São Francisco para o semi-árido ..............................
66
Enunciado 03 – A transposição corre risco .......................................................
69
Enunciado 04 – A transposição intransponível .................................................
72
ix
O Mossoroense ..............................................................................................
75
Enunciado 01 – Análise & Fatos........................................................................
75
Enunciado 02 – Análise & Fatos........................................................................
84
Enunciado 03 – Aluízio não tem mais direito a perseguição política.................
85
Enunciado 04 – Reflexões I: Chegando água do R. S. F. aos sertões..............
88
Diário de Natal ...............................................................................................
90
Enunciado 01 – AA define início da transposição .............................................
90
Enunciado 02 – Aluízio censura FHC sobre obra .............................................
102
Enunciado 03 – Itamar cria projeto de transposição das águas........................
106
Enunciado 04 – Itamar quer apressar empréstimo p/ obras de transp. do rio ..
107
Tribuna do Norte ............................................................................................
109
Enunciado 01 – O Projeto do São Francisco.....................................................
109
Enunciado 02 – O velho Chico e as urnas.........................................................
124
Enunciado 03 – Preconceito contra o Nordeste ................................................
128
Enunciado 04 – A utopia, o sonho, as águas... ...............................................
130
Folha de S. Paulo ...........................................................................................
133
Enunciado 01 – Nordeste ganha obra faraônica contra a seca.........................
133
Enunciado 02 – A Bahia e o velho Chico...........................................................
140
Enunciado 03 – Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar..................
144
Enunciado 04 Eleição e irrigação....................................................................
146
Estado de S. Paulo ........................................................................................
147
Enunciado 01 – Desvio do São Francisco cauda polêmica...............................
147
Enunciado 02 – Ricupero rejeita projeto de irrigação........................................
154
Enunciado 03 – Revivendo os projetos faraônicos............................................
157
Enunciado 04 – Ministro lança obra s/ verba orçamentária...............................
160
Jornal da Tarde ..............................................................................................
163
Enunciado 01 – Projeto faraônico.....................................................................
163
Enunciado 02 – S. Francisco: Alves ataca políticos..........................................
168
Enunciado 03 – S. Francisco: ministro lança obra.............................................
171
Enunciado 04 – São Francisco - Alves: ‘Reflexo eleitoreiro’.............................
174
3.3 Formas de representação e de heterogeneidades enunciativas nos
jornais do Rio Grande do Norte e o Paulo: transposição do o Francisco
para o Nordeste ................................................................................................
178
Conclusão ........................................................................................................
212
Referências bibliográficas .............................................................................
216
Anexos .............................................................................................................
221
1
Introdução
Esta tese, intitulada A transposição das águas do Rio o Francisco
para o Nordeste nos jornais do Rio Grande do Norte e São Paulo: um estudo
enunciativo, é um trabalho final do curso de doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Lingüística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista
“Júlio Mesquista”/ UNESP, campus de Araraquara/SP.
Possui dois objetivos: a) detectar a representação feita pelos enunciados
nos jornais do Rio Grande do Norte e São Paulo do projeto de transposição das
águas do rio São Francisco para o Nordeste; e b) verificar os principais
procedimentos enunciativos da construção dessa representação.
Os dados da pesquisa foram formados pela coleta de artigos de opinião e
notícias do jornalismo impresso, em sete jornais diários, no período de sete meses,
em diferentes dias, e somente os enunciados de um foram extraídos via Internet, e
os outros diretamente das empresas.
Coletaram-se oitenta e oito enunciados: Gazeta do Oeste - dez; O
mossoroense - sete; Diário de Natal - oito; Tribuna do norte - nove; Folha de S.
Paulo - trinta e três; Estado de S. Paulo - dezesseis; Jornal da Tarde - quatro. Os
quatro primeiros, potiguares, os três últimos, paulistas. Destes, vinte e oito foram
analisados de duas maneiras, levando-se em conta suas datas de circulação -
janeiro até dezembro de 1994: na primeira, são analisados em sua construção
interna; e na segunda, verifica-se a presença das heterogeneidades enunciativas.
2
O referencial teórico e metodológico inscreve-se na abordagem
dialógica da linguagem, nos trabalhos do historiador e filósofo russo Mikhail Bakhtin
e na teoria das heterogeneidades enunciativas desenvolvida pela autora francesa
Jacqueline Authier-Revuz.
O primeiro capítulo, A natureza dialógica e a heterogeneidade enunciativa
da linguagem, é uma releitura dos trabalhos desses autores, nos quais se busca
descrever o conceito de dialogismo, elaborado por Mikhail Bakhtin, articulando-o
com outros, como a natureza sócio-ideológica da linguagem, interação verbal, signo
lingüístico, enunciado/enunciação; e a teoria das heterogeneidades enunciativas de
Authier-Revuz, com as noções de heterogeneidade mostrada e constitutiva.
O segundo capítulo, denominado A transposição das águas do Rio São
Francisco para o Nordeste, objetiva: a) apresentar, de forma sucinta, elementos da
situação econômica, política e social no Brasil, especialmente na região nordestina;
e b) explicitar a problematização desta pesquisa e a caracterização de seu corpus,
constituído pelos enunciados desses jornais.
Para a análise e a descrição dos enunciados, que constitui o terceiro
capítulo, denominado Construção de sentido e heterogeneidade enunciativa nos
jornais do Nordeste e Sul: a transposição do o Francisco, seguiu-se a ordem
metodológica proposta por Bakhtin, esboçada, mais especialmente, em Marxismo e
filosofia da linguagem, para o estudo da língua,
“1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as
condições concretas em que se realiza;
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em
ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a
uma determinação pela interação verbal;
3
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação
lingüística habitual
1
.
Outrossim, os tipos e formas dos enunciados devem ser analisados
considerando suas condições históricas concretas em que se materializaram.
Por último, teremos as conclusões, conjuntamente com os resultados
desta análise.
1
Bakhtin, Voloshinov, Marxismo e filosofia da linguagem, 1986, p. 124.
4
Capítulo 1
A natureza dialógica e a heterogeneidade enunciativa da linguagem
1.1. Considerações iniciais
Este capítulo objetiva apresentar sucintamente elementos de duas teorias
da linguagem. A primeira concebe a linguagem como um fenômeno de natureza
dialógica, a partir do ponto de vista de M. Bakhtin, principalmente da forma que é
explicitado em Marxismo e Filosofia da Linguagem; a segunda, a teoria das
heterogeneidades enunciativas de J. Authier-Revuz.
Para isso, apresentaremos noções consideradas básicas dessas
perspectivas: interação verbal, dialogismo, signo lingüístico, enunciado/enunciação,
pertencentes à abordagem dialógica de M. Bakhtin, e as heterogeneidades
mostradas (marcada/não-marcada) e constitutivas da teoria enunciativa de J.
Authier-Revuz.
1.2. A teoria dialógica da linguagem de Mikhail Bakhtin
2
1.2.1. Interação verbal
A verdadeira substância da língua é a interação verbal. Essa afirmação,
feita por Mikhail Bakhtin em Marxismo e Filosofia da linguagem (1986, p. 123),
2
Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975): pensador russo, nasceu em Oriol estudou na Universidade de
Odessa e diplomou-se em História e Filologia na Universidade de São Petesburgo. Casou-se e transferiu-se para
Vitebsk, onde trabalha como professor e participa de um grupo de intelectuais formado por: Marc Chagal, P. N.
Medviédiev e V. N. Volochinov, a partir da década dos anos 70 do século 20, entrou, de forma definitiva para o
universo dos estudos da linguagem, estabelecendo relação entre esta e a história, as culturas e as sociedades.
Desenvolveu vários temas em diversos domínios teoria da literatura, lingüística, antropologia, pedagogia e
filosofia por meio de seus textos consagrados como Marxismo e filosofia da linguagem (Hucitec), A cultura
popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Rabelais (Hucitec), Questões de literatura e estética
(Hucitec), A estética da criação verbal (Martins Fontes) e Problemas da poética de Dostoievski (Forense
universitária). Não resta dúvida que a obra de Mikhail Bakhtin ganhou espaços nas chamadas ciências humanas,
marcada pelo diálogo polêmico com o estruturalismo, o formalismo, o ideologismo e até mesmo o freudismo.
5
encerra uma profunda ruptura metodológica e teórica no terreno dos estudos do
fenômeno da linguagem. Em sua reflexão, o autor russo refere-se às duas outras
formas de abordá-la – o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato –, encarnadas
em várias teorias específicas, como no romantismo (na literatura) e no estruturalismo
(no campo da lingüística). O mais importante, nesta reflexão, é compreender que
essa maneira de abordar a atividade linguageira acarretou uma série de
conseqüências teórico-epistemológicas no campo das reflexões lingüísticas, a partir
da década de 20, nos primeiros anos após a Revolução de Outubro de 1917, na
Rússia, quais sejam:
a) mudança quanto ao objeto da lingüística - até então a língua é vista
como sistema formal passível de análise;
b) verificação de outra dimensão da linguagem, a ideológica, que terá
primazia como espaço de análise; e
c) substituição da própria nomenclatura do termo Lingüística, que designa
a ciência da linguagem, por translingüística.
É na interação verbal que a linguagem viabiliza as relações de
sociabilidade entre os humanos, na medida em que utiliza suas diversas formas de
relacionamento nos campos social, político, cultural e histórico. É pertinente pontuar
que tais formas não se o mecanicamente, numa simples relação de causa e
efeito, mas dialeticamente, pois, numa perspectiva histórico-materialista, ambas se
efetivam e, simultaneamente, constituem-se para a possibilidade de produção entre
os homens a partir do trabalho. A propósito, o autor russo Leontiev compreende que
O trabalho força os homens à comunicação. No início, as ações de
trabalho e a comunicação formam um processo único. Agindo sobre a
natureza, os movimentos agem, igualmente, sobre os outros participantes
na produção. Portanto, as ações dos homens têm, nessas condições, uma
dupla função: a produtiva e de comunicação. Posteriormente essas duas
funções se separaram. Isso verifica quando, por razões que não vêm ao
caso, um movimento laboral não leva aos fins práticos dele esperados.
6
Mas, a despeito disso, continua agindo sobre os participantes do grupo.
Nessa circunstância, o movimento – bem como os sons vocais que o
acompanham separam-se da ação de trabalho, conservando, tão
somente, a função que consiste em agir sobre os outros membros da
coletividade: a de comunicação. (Apud BIANCHETTI, 1996, p. 20).
O que justifica a existência da linguagem nos homens, como se observa,
é a necessidade de produção, na medida em que o trabalho os força a
estabelecerem relações entre si, gerando uma necessária vinculação entre a
linguagem, a comunicação verbal e a situação concreta. Eis as palavras do próprio
Bakhtin:
A comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada
fora desse vínculo com a situação concreta. A comunicação verbal
entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce
com eles sobre o terreno comum da situação de produção. Não se pode,
evidentemente, isolar a comunicação verbal dessa comunicação global em
perpétua evolução. Graças a esse vínculo concreto com a situação, a
comunicação verbal é sempre acompanhada por atos sociais de caráter
não verbal (gestos do trabalho, atos simbólicos de um ritual, cerimônias,
etc.), dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento,
desempenhando um papel meramente auxiliar. (BAKHTIN, 1986, p. 124).
Quanto a esse ponto, estamos diante de outra concepção de linguagem
que não apenas possibilita transmissão de informações e mensagens de um emissor
a um receptor, mas, sobretudo, atua como lugar de interlocução humana. Através
dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria realizar a não ser falando;
com ela, o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que
não pré-existiam à fala. Tais aspectos percebidos representam condições teóricas
da postura de Bakhtin a respeito do fundamento da língua:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações.
A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
(BAKHTIN, 1986, p. 123).
É importante notar que essa noção, segundo Bakhtin (1986), revela que a
linguagem exerce uma função fundamental, pelo fato de que toda e qualquer palavra
7
possui duas faces em movimento, por se constituir no produto de interação, em que
se torna território comum do locutor e interlocutor, espaço de definição de ambos.
1.2.2. A noção de dialogismo
Interação verbal e dialogismo talvez sejam as noções mais fundamentais
da teoria dialógica de Mikhail Bakhtin. Todas estão entre si entrelaçadas, de sorte
que é impossível isolar uma única, em face da vinculação que uma mantém com as
demais. Com esse procedimento teórico-epistemológico, a teoria bakhtiniana é
posicionada como dialética e não como uma postura metafísica cujas noções são
separadas e isoladas umas das outras, mantendo entre si uma tênue relação de
interdependência e não de interconstrução.
Vale ressaltar que a dimensão dialógica da linguagem, especificamente a
natureza da relação entre o “eu” e o “outro”, figurava como um dos temas
contemporâneos em voga no contexto cio-histórico e epistemológico de Bakhtin,
no início do século XX. A essa relação, o autor uma tonalidade bem ao seu
modo, gerando uma compreensão de que o dizer do homem está preso a um lugar e
um tempo específicos, em função da responsabilidade pelas suas atividades,
incluindo as semióticas.
Para a teoria bakhtiniana, o princípio dialógico da linguagem, de que todo
discurso por natureza tem a dimensão dialogal como constitutiva, não pode ser
compreendido de forma simplista, no sentido estrito do termo, como simples diálogo
que ocorre entre duas pessoas face a face, mas de forma ampla, manifestando-se,
no espaço da interação verbal, exatamente no momento de sua efetivação em
qualquer comunicação verbal. A respeito dessa extensão do princípio, afirma-se que
8
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão
uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal.
Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é,
não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face
a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um
elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a
forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira
ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do
discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que
se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas,
resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores, etc.).
Além disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em
função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as
do próprio autor como as de outros autores: ele decorre portanto da
situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção
literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de
uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,
refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura
apoio, etc. (BAKHTIN, 1986, p. 123).
A acepção de diálogo não recepciona somente um encontro empírico-
comunicativo entre dois indivíduos face a face, mas é estendido, desdobrado para
todo tipo de comunicação verbal. Bakhtin estabelece outras formas dialogais mais
complexas, quando afirma: “[...] diálogo real [...] é a forma mais simples e mais
clássica da comunicação verbal. A alternância dos sujeitos falantes (dos locutores)
que determina a fronteira entre os enunciados apresenta-se no diálogo com
excepcional clareza. [...] o mesmo sucede nas outras esferas da comunicação
verbal, mesmo nas áreas com organização complexa da comunicação cultural (nas
ciências e nas artes)”. (BAKHTIN, 1992, p. 298)
Destaca-se, aqui, o livro como um ato impresso, uma exemplificação da
concretização discursiva do princípio dialógico, enquanto um material escrito que se
constitui numa comunicação verbal mais ampla, pois, ao desenvolver-se, o livro é
objeto de discussões ativas, gerando reações impressas e também o-impressas
por parte das esferas interessadas em criticar, refutar, resenhar etc. Seu discurso é,
de certa forma, parte constitutiva de uma discussão ideológica mais ampla, fazendo
com que o discurso veiculado passe a ocupar uma posição ideológica que se
pronuncia sobre um assunto, e, com isso, acabe respondendo, refutando,
9
confirmando, antecipando futuras respostas e objeções. É por essa razão que
Bakhtin também aponta que “a linguagem vive na comunicação dialógica
daqueles que a usam. É precisamente essa comunicação dialógica que constitui o
verdadeiro campo da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o
seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística,
etc.), está impregnada de relações dialógicas”. (BAKHTIN, 2002, p. 183).
A vida da linguagem é encontrada na comunicação dialógica, pois fora
de seu emprego real não teria existência. Pode-se até dizer, por meio de uma
analogia, que a comunicação dialógica pode ser considerada uma espécie de útero,
local de sua geração e nutrição, que toda sua vida está impregnada de relações
dialógicas, haja vista serem nestas sua constituição. Assim, a dialogicidade passa a
ser compreendida como princípio constitutivo da linguagem verbal, sua dimensão
ontológica, condição de existência.
No primeiro lado, o dialogismo refere-se ao diálogo constante em que as
vozes participantes entram em colisão, estabelecendo relações assimétricas,
desarmônicas, ou então simétricas, harmônicas, pois o que importa é o
reconhecimento desse caráter da linguagem, nas primeiras e nas últimas relações.
No segundo lado, constatamos que tanto os sujeitos instauram planos
assimétricos ou simétricos como são instaurados por estes. Ao mesmo tempo em
que os sujeitos, no mínimo dois, instauram historicamente tais relações, são, por sua
vez, por elas instaurados, constatando-se uma relação dialética e dialógica e não de
causa e efeito: a primeira, das partes se construírem mutuamente; a segunda, da
existência, no mínimo, de duas vozes, de duas posições sociais historicamente
construídas.
10
Por fim, entendemos que no dialogismo interacional a noção de sujeito
linear, central, perde sua significação e condição, sendo substituído por diferentes
vozes participantes que encarnam um sujeito construído e instituído pela história.
Desse modo,
toda palavra está marcada pelas instâncias históricas em que o outro
exerce um papel fundamental na relação com o eu; e
– ao ser descentrado, o sujeito torna-se dividido, cindido, em fim: um efeito
de linguagem. Sintetizando:
a) Sobre o dialogismo, em termos bakhtinianos, constatamos as seguintes
variáveis:
o dialogismo é, antes de mais, uma propriedade do discurso, do
emprego da linguagem, o lugar onde as vozes se encontram;
– todo e qualquer enunciado tem conexões com outros enunciados;
– um enunciado nunca é autônomo, ou seja, depende sempre de outros;
qualquer texto (literário ou não) é por nele convergirem sempre outros
textos um “grande diálogo”, um espaço que patenteia, implícita ou explicitamente,
um intercâmbio discursivo assente em uma relação dialógica;
qualquer enunciado contém sempre enunciados alheios que, ainda que
condicionando a liberdade discursiva do sujeito, permitem configurar um enunciado
novo como um espaço de pergunta-resposta, originando, assim, uma contínua
dinâmica de transformação, uma vez que os sentidos e os valores se modificam;
o dialogismo é, intrinsecamente, compreensão ativa: compreender
(interpretar e produzir) um outro enunciado gera um enriquecimento do significado e
uma dilatação do ato produtivo desse enunciado, pois aquele que interpreta
prolonga, por si só, o ato criador do primeiro enunciado, pelo que o “intérprete” se
11
torna, também ele, “autor”; logo, o dialogismo é dinâmico, acarretando sempre
alguma transcensão de sentido.
– todo enunciado, sendo dialógico, orienta-se sempre para o outro
exterior ou não ao enunciador, porque o dialogismo pode ser também expressão do
desdobramento do eu num tu, também outro –, para alguém capaz de o
compreender e de dar uma resposta (ou seja: há sempre uma “responsividade
intrínseca” em toda a produção discursiva; por isso, um enunciado é sempre uma
pergunta);
em todo enunciado, enquanto corpo verbal produzido e atualizado,
sempre uma dimensão instigativa inerente, pois pressupõe sempre um destinatário,
uma instância que o leia (e, se o lê, responde-lhe), reclama a sua escuta, exige uma
réplica; e
b) Sobre a relação entre o “eu” e o “outro”
toda palavra dita por um eu traz em si a perspectiva do dito do outro.
Isso quer dizer que não há uma voz pura, fora dessa configuração dialógica por
natureza.
1.2.3. O signo lingüístico e sua porção ideológica em Bakhtin
O ponto de partida, nessa descrição da noção de signo lingüístico, na
visão bakhtiniana, é evidenciar: de todas reflexões semiológico-lingüísticas forjadas,
desenvolvidas e expostas por Bakhtin, e seu Círculo de estudos, o que nos chama
mais a atenção é a noção de signo, por considerá-la fundamental do ponto de vista
interno e operacional de sua teoria. Tal constatação pode ser evidenciada de muitas
maneiras: uma delas é o fato dessa concepção ter ultrapassado outras quanto ao
12
aspecto da natureza do signo, como a própria postura sistêmica desenvolvida por
Ferdinand de Saussure no Curso de Lingüística Geral - CLG, classificada por
Bakhtin de objetivismo abstrato.
Em suas reflexões no CLG, o autor desenvolve uma concepção do signo
enquanto uma realidade total constituída de dois elementos: conceito (significado) e
imagem acústica (significante): esta é parte perceptível do signo e aquele sua parte
inteligível, “[...] são ambos psíquicos e estão unidos em nosso cérebro por um
princípio de associação”. (SAUSSURE, 1995, p. 79-80). Portanto, estão numa
relação de interdependência em que cada parte depende da outra: embora tais
dimensões estejam no espaço psíquico do homem, o significante é o elemento que
manterá contato com o mundo exterior.
A posição de Bakhtin percorre caminho inverso ao de Saussure ao dizer
que o significado é ideológico. O autor russo coloca o signo, especificamente em sua
dimensão do significado, na experiência exterior e na própria construção da
consciência, que se afirma mediante a encarnação material em signos, pois, para
o autor, a “[...] consciência individual é um fato sócio-ideológico [...] não pode derivar
diretamente da natureza [...] adquire forma e existência nos signos criados por um
grupo organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da
consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e
suas leis”. (1986, p. 35-6)
Visualizada desse modo, a consciência passa a ser compreendida não
apenas como um elemento que reflete, de forma mecânica, a realidade social e
histórica, mas provida de força de poder, participante do espaço de contenda e
discussão dos homens. Assim, a ciência, a arte, a ética e a lei são expressões ou
materializações do “discurso interno” do homem, enquanto forma semiótica de sua
13
consciência, sendo capaz de atuar efetivamente sobre a realidade até mesmo nas
instâncias econômicas.
Bakhtin, ao dizer que o signo tem sua dimensão ideológica, evidencia a
vida do significante no campo das relações sociais:
Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como
todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas,
ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que
lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo
situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um
signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio:
não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Neste
caso, não se trata de ideologia. (BAKHTIN, 1986, p. 31).
Numa palavra, trata-se de estabelecermos entre signo, ideologia,
significado e o mundo exterior uma relação umbilical, pois tudo aquilo que é
ideológico tem um significado em que remete a algo situado fora de si mesmo, pois
sem signo não ideologia, sem ideologia não significação, sem a ideologia não
existiria a consciência:
A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são o alimento da
consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua
lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação
ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a
consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A
imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo.
Fora desse material, apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido
pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem.
(BAKHTIN, 1986, p. 35-6).
A existência da forma da consciência dependerá dos signos construídos,
instituídos por um grupo de pessoas organizado no percurso das relações
desenvolvidas pelo grupo social, que a consciência individual é nutrida e
desenvolvida pelo material sígnico, refletindo a lógica deste, e, conseqüentemente,
traduzindo a própria lógica da comunicação ideológica presente nos signos. Caso
seja privado desse material sígnico, ao mesmo tempo semiótico e ideológico, o
14
restará nada do que chamamos de consciência, pois o gesto, a palavra, a imagem
são os seus únicos abrigos; desaparecendo tais abrigos, restarão apenas atos
fisiológico-anatômicos, e o signo perderá aquilo que lhe custa mais caro, seu
sentido; sem este, o signo não teria razão de viver. Desse ponto de vista, um signo é
um fenômeno do mundo exterior e não da mente, é um fenômeno externo, objetivo e
não uma realidade interna, subjetiva, passível de uma análise metodologicamente
objetiva.
Ao afirmar que um signo só se torna signo no processo de interação social
entre os homens, no curso de suas relações sociais, Bakhtin chega à postulação
central de seu quadro teórico: o signo é construído e instituído no espaço
interindividual e, assim sendo, reflete e refrata o ser, sendo palco do confronto de
interesses sociais. É exatamente na plurivalência social que ele se nutre, torna-se
vivo e dinâmico, capaz de evoluir,
Os signos podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda
assim, trata-se de um terreno que não pode ser chamado de “natural” no
sentido usual da palavra: não basta colocar face a face dois homo sapiens
quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois
indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma
unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. A
consciência individual não nada pode explicar, mas, ao contrário, deve
ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. (BAKHTIN,
1986, p. 35).
Como a consciência individual tem sua explicação a partir do meio de
natureza ideológica e social, é justamente nele que os seres não apenas o
refletidos, mas também refratados no signo, justificando a presença de diferentes
posições a respeito dos objetos e seres, mesmo nos limites de uma comunidade
semiótica, no conflito ideológico entre as classes sociais com interesses distintos.
O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se
refrata. O que é que determina esta refração do ser no signo ideológico? O
confronto de interesses sociais nos limites de uma e mesma
comunidade semiótica, ou seja: a luta de classe.
15
Classe social e comunidade semiótica não confundem. Pelo segundo
termo entendemos a comunidade que utiliza um único e mesmo código
ideológico de comunicação. Assim, classes sociais diferentes servem-se de
uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em todo signo ideológico
confrontam-se índices de valor contraditórios. O signo se torna a arena
onde se desenvolve a luta de classes. (BAKKTIN, 1986, p. 46).
Assim, a noção de luta de classe se justifica, na medida em que esta fica
circunscrita ao confronto de interesses sociais de cada classe que constitui uma
dada comunidade. O signo, assim, torna-se um espaço semiótico em que tais
interesses não apenas são refletidos, mas refrangidos em razão das diferentes
posições ideológicas e políticas das classes sociais.
Assim, Bakhtin coloca a natureza do signo lingüístico nas instâncias social
e individual, nascendo, desse modo, uma nova visão, dialética e dialógica, em que o
signo reflete e refrata:
Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também
reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel,
ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está
sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: verdadeiro, falso,
correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o
domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se
encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui
um valor semiótico. (BAKHTIN, 1986, p. 32).
O universo dos signos, para o autor, é o lugar singular da materialização
ideológica, e dentre eles destaca-se a palavra, fenômeno ideológico por excelência.
A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da
palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada
que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por
ela. A palavra é o modo mais sensível de relação social. [...]
Mas a palavra não é somente o signo mais puro, mais indicativo; é
também um signo neutro. Cada um dos demais sistemas de signos é
específico de algum campo particular da criação ideológica. Cada domínio
possui seu próprio material ideológico e formula signos e símbolos que lhe
são específicos e que não são aplicáveis a outros domínios. O signo,
então, é criado por uma função ideológica precisa e permanece inseparável
dela. A palavra, ao contrário, é neutra em relação a qualquer função
ideológica específica. Pode preencher qualquer espécie de função
ideológica: estética, científica, moral, religiosa. (BAKHTIN, 1986, p. 36-7).
16
Bakhtin aduz que tanto os instrumentos de produção como qualquer
produto de consumo podem se revestir de um sentido ideológico, da mesma forma
que podem ser transformados em signos ideológicos, pois, ao lado dos fenômenos
naturais, do material tecnológico e dos artigos de consumo, existe um universo
particular, o universo de signos. (1986, p. 32). Isso quer dizer que qualquer material,
seja instrumento de produção ou produto de consumo, pode ser revestido de
sentido, além de sua função primária. Uma balança, por exemplo, ao representar
(simbolizar) no mundo ocidental a idéia de justiça, está transcendendo sua função
primária, que é de verificar o peso de um objeto.
No caso específico da palavra, tem-se a função sígnica como primária,
ideológica, pois a palavra não possui, não comporta outra atividade a o ser a de
signo, tendo sido gerada para tal eo outra coisa: “a palavra acompanha e
comenta todo ato ideológico. Os processos de compreensão de todos os fenômenos
ideológicos (um quadro, uma peça musical, um ritual ou um comportamento
humano) não podem operar sem a participação do discurso interior. Todas as
manifestações da criação ideológica todos os signos o-verbais banham-se no
discurso e não podem ser nem totalmente isoladas nem totalmente separadas dele”.
(BAKHTIN, 1986, p. 37-8).
Em síntese, sua essência é sígnica, ideológica por excelência. Palavra e
ideologia são duas realidades inseparáveis, e, por seu caráter, comportando duas
faces como produto da interação verbal entre o locutor e ouvinte, sujeitos
construídos a partir da interação social. Assim, toda e qualquer palavra deve a sua
condição a dois interlocutores:
Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância
muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de
que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação
17
do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação
ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em
última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de
ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa
extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o
território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 1986, p. 113).
Por ser produto de uma interação verbal, é social na medida em que é
determinada pelo movimento de proceder de alguém e se dirigir para alguém.
Essa afirmação possui uma força sociológica acentuada, que a palavra passa a
ser percebida como espaço, lugar comum do contrato social entre os homens, o solo
do encontro semiótico entre interlocutores, entre sujeitos que estão ocupando
posições sociais.
1.2.4. Enunciado/Enunciação
As noções enunciado/enunciação exercem, na teoria de Bakhtin,
especialmente no que diz respeito à sua concepção de linguagem, um importante
papel, na medida em que são vistas como históricas, culturais e sociais na
comunicação efetiva. Para Bakhtin (1992, p. 293), o enunciado é a unidade real da
comunicação verbal”,
A fala existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um
indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à
forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir
fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a
composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da
comunicação verbal, características estruturais que lhe são comuns, e,
acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (BAKHTIN, 1992, p. 293)
O enunciado, para o autor, está no plano da realização concreta da fala na
medida em que esta representa a materialização do discurso, este se moldando à
forma do enunciado pertencente a um sujeito que se manifesta falando, e que não
18
pode existir fora da instância enunciativa, cujas fronteiras tanto existem como são
claramente delimitadas. Assim, o enunciado, olhado por Bakhtin, é um elo na cadeia
da comunicação verbal,
[...] o enunciado se caracteriza acima de tudo pelo conteúdo preciso do
objeto do sentido. A escolha dos recursos lingüísticos e do gênero do
discurso é determinada principalmente pelos problemas de execução que o
objeto do sentido implica para o locutor (o autor). [...] A segunda fase do
enunciado, que lhe determina a composição e o estilo, corresponde à
necessidade de expressividade do locutor ante o objeto de seu enunciado.
(BAKHTIN, 1992, p. 308)
O enunciado possui três planos: conteúdo, composição e estilo. O
conteúdo diz respeito à esfera temática; o estilo e a composição estão no plano da
expressão. O estilo refere-se à escolha dos recursos lexicais, gramaticais, enquanto
a composição diz respeito à esfera do modo de compor, de estruturar. Vale ressaltar
que, para Bakhtin, o existe um enunciado absolutamente neutro ao se referir ao
caráter ideológico de todo e qualquer enunciado, sua alteridade, pois esse dialoga
com outro por meio de “reações-respostas”, materializadas em formas e graus
variados.
[...] o enunciado é repleto de reações-respostas a outros enunciados numa
dada esfera da comunicação verbal. Estas reações assumem formas
variáveis: podemos introduzir diretamente o enunciado alheio no contexto
do nosso próprio enunciado, podemos introduzir-lhe apenas palavras
isoladas ou orações que então figuram nele a título de representantes de
enunciados completos. [...] também é possível, num grau variável,
parafrasear o enunciado do outro de depois de repensá-lo, ou
simplesmente referir-se a ele como a opiniões bem conhecidas de um
parceiro discursivo; é possível pressupô-lo explicitamente; nossa reação-
resposta também pode refletir-se unicamente na expressão de nossa
própria fala na seleção dos recursos lingüísticos e de entonações,
determinados não pelo objeto de nosso discurso e sim pelo enunciado do
outro acerca do mesmo objeto (BAKHTIN,1992, p. 316).
O enunciado, assumindo uma posição de reação-resposta de outro, utiliza-
se de formas para estabelecer-se, condição sine qua non para sua existência, pois é
19
por meio delas que encontraremos a representação
3
dessa alteridade em suas mais
diversas manifestações. O fato é que muitos estudiosos têm procurado refletir a
natureza dialógica da linguagem, buscando examinar de perto tais formas e graus
de representação. Enfim, é uma unidade concreta da comunicação verbal,
possuindo sentido, com juízos de valor, implicando em uma compreensão
responsiva, o podendo ser apreendido fora da relação dialógica, mas nela, com
sujeitos concretos em que os valores são definidos pelas formas de sua relação.
Buscar as estratégias, os procedimentos, os recursos que fazem um
enunciado dialógico, polifônico (várias vozes), representam os objetivos principais
desses estudiosos da linguagem, pois “o discurso exige procedimentos formais
especiais do enunciado e da representação verbal”. (BAKHTIN, 1988, p.135). Para o
autor (1986), a enunciação é o resultado da interação verbal de dois indivíduos
socialmente organizados. Isso evidencia que essa não existe fora dos contornos de
um contexto sócio-político-ideológico, em que cada locutor real tem um “horizonte
social” definido, pensado e dirigido a um auditório que também é social e definido.
Vejamos como Bakhtin apresenta sua posição:
[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser
substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o
locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse
interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou
não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao
locutor por laços mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não
pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal
interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. [...] Na maior parte
dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e
3
O termo “representação” aqui tem o sentido de manifestação avaliativa a partir de um posicionamento social
valorativo, ou seja, ideológico. Bakhtin (Volochinov), ao iniciar seu livro Marxismo e filosofia da linguagem
(1986) identifica ideologia com o universo da produção imaterial do ser humano. O autor afirma que “as bases
de uma teoria marxista da criação da ideologia as dos estudos sobre o conhecimento científico, a literatura, a
religião, a moral, etc. estão estreitamente ligadas aos problemas de filosofia da linguagem (p. 31). Mais
adiante, o autor afirmará que todo o universo da produção considerada imaterial humana tem significado. Nestes
termos, tem-se o signo. Sendo assim, todo signo é ideológico. Em outras palavras: “tudo que é ideológico é um
signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide
inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata de ideologia” (p.31).
20
estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da
época que pertencemos, um horizonte contemporâneo de nossa literatura,
da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito. (BAKHTIN, 1986, p.
112).
Para ele, não existe um interlocutor abstrato, fora das condições sociais,
históricas e ideológicas, e que, mesmo não havendo um interlocutor real, a voz do
grupo medial social pode desempenhar o papel de interlocutor, na qual também
pertence o locutor. Isso evidencia que toda e qualquer fala é dirigida a um
interlocutor, variando conforme a pessoa pertencente a um grupo social ou o, se
diz respeito aos laços de natureza familiar ou conforme a posição de ambos na
hierarquia social. Além disso, é necessário supor um horizonte social no qual estão
envolvidos o locutor e interlocutor, encerrando um limite sócio-político, da mesma
época, nos diversos domínios da vida, como nos da literatura, ciência, moral e
direito. Esses elementos nos mostram que a fala está ligada às condições de
comunicação, encontrando no plano da condição de expressão das estruturas
sociais: “a fala está indissoluvelmente ligada às condições de comunicação, que, por
sua vez, estão ligadas às estruturas sociais” (BAKHTIN, 1986, p. 14). Conforme se
observa, há, na vertente bakhtiniana, uma acentuada valorização da enunciação
enquanto fenômeno social:
De tudo o que dissemos, decorre que o problema das formas da
enunciação considerada como um todo adquire uma enorme importância.
Já indicamos que o que falta à lingüística, [sic] contemporânea é uma
abordagem da enunciação em si. Sua análise não ultrapassa a
segmentação em constituintes imediatos. E, no entanto, as unidades reais
da cadeia verbal são as enunciações. Mas, justamente, para estudar as
formas dessas unidades, convém não separá-las do curso histórico das
enunciações. Enquanto um todo, a enunciação se realiza no curso da
comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, que se
configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com
o meio extraverbal e verbal (isto é, outras enunciações). (BAKHTIN, 1986,
p. 124-5).
A enunciação é, para Bakhtin, a unidade real da cadeia verbal que está
em constante evolução histórica da comunicação verbal inserida nos âmbitos
21
sociais, não se realizando fora do curso dessa comunicação face às necessidades e
objetivos sociais, pois, como um todo, realiza-se no discurso como atividade de
linguagem ininterrupta da comunicação: “a primeira palavra e a última, o começo e o
fim de uma enunciação permitem-nos colocar o problema do todo. O processo da
fala, compreendida no sentido amplo como processo de atividade de linguagem
tanto exterior como interior, é ininterrupto não tem começo nem fim”. (BAKHTIN,
1986, p. 125).
A fala, nesses moldes, amplo processo em atividade de linguagem, o
tem início nem fim. Toda e qualquer palavra está marcada pela parcialidade,
incompletude externa e interna.
A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem
limites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são
determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório. A situação e
o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão
exterior definida, que se insere diretamente no contexto não verbalizado da
vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta
verbal dos outros participantes na situação de enunciação. Uma questão
completa, a exclamação, a ordem, o pedido são enunciações completas
típicas da vida corrente. Todas (particularmente as ordens, os pedidos)
exigem um complemento extraverbal assim como um início não verbal.
Esses tipos de discursos menores da vida cotidiana são modelados pela
fricção da palavra contra o meio extraverbal e contra a palavra do outro.
(BAKHTIN, 1986, p. 125).
Bakhtin, como notamos, mostra que um enunciado, entendido como
discurso, um ato de fala, é sempre produzido no interior de um determinado
contexto, para efetivação de seu sentido.
Toda enunciação completa é constituída de significação e de tema, ou
sentido, e tais elementos integram-se, formando um todo, e sua compreensão é
possível na interação. No dizer de Mikhail Bakhtin, ela é o lugar onde a interação
verbal se realiza como fenômeno social, e a conseqüência é o surgimento de uma
concepção em que as interações verbais, como todas as formas de diálogo, são atos
22
de fala que podem ser resumidos sob o termo discurso, escrito ou oral. “Na
realidade, o ato de fala, ou, mais precisamente, seu produto, a enunciação, não
pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo;
não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A
enunciação é de natureza social” (BAKHTIN, 1986, p. 109).
Não admira, portanto, que, desse ponto de vista, constatemos uma
implicação teórica entre uma abordagem de natureza social e outra de natureza
individual. Na primeira, o ato não pode ser considerado individual no plano
discursivo, em vista deste ser identificado como um mero ato psicofisiológico
produzido por um indivíduo. Na segunda, é compreendido como um ato meramente
individual, um sujeito assumindo totalmente a responsabilidade, constituindo-se,
então, autônomo diante de seu dizer.
1.2.5. Significação
Em Marxismo e Filosofia da linguagem (1986), Bakhtin inicia o capítulo
“Tema e Significação na língua” alertando para a problemática da significação, ao
afirmar ser essa dimensão da língua um dos mais difíceis problemas da lingüística,
especificamente em relação às suas dificuldades analíticas. Eis suas palavras:
O problema da significação é um dos mais difíceis da lingüística. As
tentativas de resolução desse problema têm revelado o estreito solilóquio
da ciência lingüística com particular clareza. [...] Dentro dos limites da
nossa investigação, limitar-nos-emos a um exame muito breve e superficial
dessa questão. Procuraremos simplesmente traçar as grandes linhas de
uma investigação produtiva nesse campo. (BAKHTIN, 1986, p. 128).
A significação na língua, como vemos, era considerada uma questão
complexa, e mesmo assim o autor acaba propondo uma postura da significação
23
numa perspectiva histórica, traçando, como ele mesmo diz, de forma simples, as
grandes linhas de uma investigação nesse campo. Mais adiante, no mesmo capítulo,
Bakhtin retorna a esta questão afirmando que, para constituir uma ciência sólida da
significação, era extremamente necessário estabelecer a diferença entre tema e
significação, compreendendo bem essa inter-relação, e, por fim, aduz que até
aquele momento ninguém compreendera a pertinência dessa conduta teórica.
Ocupemo-nos da idéia de Bakhtin por significação. Por significação, “[...]
entendemos os elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez
que são repetidos. Naturalmente, esses elementos são abstratos: fundados sobre
uma convenção, eles não têm existência concreta independente, o que não os
impede de formar uma parte inalienável, indispensável, da enunciação” (BAKHTIN,
1986, p. 129). Na efetivação da enunciação, entram em cena elementos reiterativos
e semelhantes na medida em que se repetem nas atividades de produção do mundo
dos homens; tais elementos de natureza abstrata, fundados a partir de uma
convenção, constituem a significação da enunciação. Assim, a significação é parte
constitutiva da enunciação.
Surge uma indagação pertinente: A significação possui um lugar? Caso
exista esse lugar, onde? Para Bakhtin, a significação “[...] não está na palavra nem
na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o
efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um
determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se produz quando
contato dos pólos opostos” (BAKHTIN, 1986, p. 132). A significação é resultado
do encontro interativo entre locutor e receptor na interlocução realizada através do
material sonoro pertencente a uma determinada configuração sonora. Essas duas e
diferentes instâncias interlocutivas são responsáveis pelo aparecimento da
24
significação e, portanto, dependentes dela. Vale ressaltar que a palavra, para
Bakhtin, é o signo ideológico por excelência, tendo o significar como função primeira,
pois A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico
ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas
que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN,
1986, p. 95). No caso específico da significação: “[...] se s perdemos de vista a
significação da palavra, perdemos a própria palavra, que fica, assim, reduzida à sua
realidade física, acompanhada do processo fisiológico de sua produção. O que faz
da palavra uma palavra é sua significação” (BAKHTIN, 1986, p. 49) (Grifo nosso).
Assim, entendemos que a palavra, enquanto um tipo de signo, teria duas
partes: a realidade física, acompanhada de sua própria produção fisiológica, e sua
significação. A esta cabe exercer o papel de fundamento da palavra, isso porque,
desprovida de significação, não seria uma palavra, mas uma mera seqüência
sonora.
1.2.6. Tema ou sentido
Antes de apresentar uma noção mais técnica de tema, ouçamos algumas
palavras de Bakhtin da natureza desta, sua relação com a enunciação e a situação
histórica concreta:
Um sentido definido e único, uma significação unitária, é uma propriedade
que pertence a cada enunciação como um todo. Vamos chamar o sentido
da enunciação completa o seu tema. O tema deve ser único. Caso
contrário, não teríamos nenhuma base para definir a significação. O tema
da enunciação é, na verdade, assim como a própria enunciação, individual
e não reiterável. Ele se apresenta como a expressão de uma situação
histórica concreta que deu origem à enunciação. A enunciação: “Que horas
são?” tem um sentido diferente cada vez que é usada e também,
conseqüentemente, na nossa terminologia, um outro tema, que depende da
situação histórica concreta (histórica, numa escala microscópica) em que é
pronunciada e da qual constitui na verdade um elemento. (BAKHTIN, 1986,
p. 128).
25
Toda e qualquer enunciação, conforme Bakhtin, possui um sentido
definido e único, uma significação unitária propriedade daquela em sua totalidade. É
nesse sentido da enunciação completa que o autor reconhece o tema; surge como
resultado, na qualidade de expressão de uma situação histórica concreta no mundo
dos homens, pois o tema, enquanto propriedade da enunciação, está ligado às
condições concretas históricas, que não se repetem jamais: “[...] O tema da
enunciação é, na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não
reiterável” (BAKHTIN, 1986, p. 128). Sintetizando: o tema não se repete em razão de
sua vinculação com a realidade histórica concreta, tendo a enunciação como sua
expressão, já que ambos não se reiteram, não se repetem, pois, conforme Bakhtin, o
campo temático da enunciação
[...] é determinado não pelas formas lingüísticas que entram na
composição (as palavras, as formas morfológicas ou sintáticas, os sons, as
entoações), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação. Se
perdermos de vista os elementos da situação, estaremos tão pouco aptos a
compreender a enunciação como se perdêssemos suas palavras mais
importantes. O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o
instante histórico ao qual ela pertence. Somente a enunciação tomada em
toda a sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema.
(BAKHTIN, 1986, p. 128-9).
Existe uma vinculação ontológica entre o tema e a situação concreta
histórica, pelo fato de que todo tema está existencialmente preso a determinado
momento histórico, poderíamos até dizer que aquele é parte da própria situação
concreta e histórica. Assim, para Bakhtin, tema é: “[...] um sistema de signos
dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um
dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser
em devir(BAKHTIN, 1986, p. 129). Dito isso, entendemos que existe uma relação
estreita entre o tema e as condições históricas, em que o primeiro busca
incessantemente adaptar-se aos diferentes momentos de evolução destas, já o tema
26
surge como uma resposta da consciência do homem à sua concreta existência, ao
seu devir. Poderíamos arriscar dizer que a compreensão é um fenômeno da
consciência, enquanto uma função cuja tematização seria um fenômeno gerado pelo
diálogo que o homem estabelece com a natureza e com o mundo construído
juntamente com os demais. Assim, compreender é desenvolver uma forma de
diálogo.
A compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim
como uma réplica está para a outra no diálogo. Compreender é opor à
palavra do locutor uma contrapalavra. na compreensão de uma língua
estrangeira é que se procura encontrar para cada palavra uma palavra
equivalente na própria língua. É por isso que não tem sentido dizer que a
significação pertence a uma palavra enquanto tal. Na verdade, a
significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os
interlocutores, isto é, ela se realiza no processo de compreensão ativa e
responsiva. (BAKHTIN, 1986, p. 132).
Em termos técnicos, é necessário existir a relação entre dois interlocutores
para a produção da significação, que existe no processo de compreensão ativa e
responsiva. Bakhtin esclarece:
[...] Qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo deve conter já o
germe de uma resposta. a compreensão ativa nos permite apreender o
tema, pois a evolução não pode ser apreendida senão com a ajuda de um
outro processo evolutivo. Compreender a enunciação de outrem significa
orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto
correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo
de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas,
formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais
profundas e real é a nossa compreensão. (BAKHTIN, 1986, p. 131-2).
Somente a compreensão ativa permite apreender o tema, e isso pode
ser feito com a ajuda de outro processo evolutivo, ou seja, a procura da relação da
mesma com a realidade contextual.
De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de
um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude
responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente),
completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte
está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de
compreensão desde o início do discurso, às vezes nas primeiras
27
palavras emitidas pelo locutor. A compreensão de uma fala viva, de um
enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa
(conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão
é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz:
o ouvinte torna-se locutor. (BAKHTIN, 1992, p. 290).
Além desse comportamento do ouvinte, diante de um discurso produzido,
a atitude responsiva ativa, há também para o autor a compreensão passiva:
A compreensão passiva das significações do discurso ouvido é apenas o
elemento abstrato de um fato real que é o todo constituído pela
compreensão responsiva ativa e que se materializa no ato real da resposta
fônica subseqüente. Uma resposta fônica, claro, não se sucede
infalivelmente ao enunciado fônico que a suscita: a compreensão
responsiva ativa do que foi ouvido (por exemplo, no caso de uma ordem
dada) pode realizar-se diretamente como um ato (a execução da ordem
compreendida acatada), pode permanecer, por certo lapso de tempo,
compreensão responsiva muda (certos gêneros do discurso
fundamentalmente apenas nesse tipo de compreensão, como, por
exemplo, os gêneros líricos), mas neste caso trata-se, poderíamos dizer,
de uma compreensão responsiva de ação retardada: cedo ou tarde, o que
foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso
ou no comportamento subseqüente do ouvinte. (BAKHTIN, 1992, p. 290-1).
E, por fim, consideramos pertinente expor a inter-relação entre tema e
significação:
A maneira mais correta de formular a inter-relação do tema e da
significação é a seguinte: o tema constitui o estágio superior real da
capacidade lingüística de significar. De fato, apenas o tema significa de
maneira determinada. A significação é o estágio inferior da capacidade de
significar. A significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas
um potencial, uma possibilidade de significar no interior de um tema
concreto. A investigação da significação de um ou outro elemento
lingüístico pode, segundo a definição que demos, orientar-se para duas
direções: para o estágio superior, o tema; nesse caso, tratar-se-ia da
investigação da significação contextual de uma dada palavra nas condições
de uma enunciação concreta. Ou então ela pode tender para o estágio
inferior, o da significação [...]: da palavra no sistema da língua, ou em
outros termos a investigação da palavra dicionarizada. (BAKHTIN, 1986, p.
131).
A significação está na esfera da potência, no campo da possibilidade,
enquanto o tema ou sentido encontra-se na instância concreta da história humana.
Conforme ainda Bakhtin, “a distinção entre tema e significação adquire particular
clareza em conexão com o problema da compreensão [...]” (1986, p. 131).
28
1.3. A teoria das heterogeneidades enunciativas de Authier-Revuz
4
1.3.1. Considerações iniciais
A noção de heterogeneidade torna-se muito valiosa a esta reflexão em
face de seus objetivos. Através dela, procuraremos mostrar o princípio dialógico da
linguagem, expor à vista que as relações dialógicas estão presentes nos enunciados
presentes nos jornais potiguares e paulistas, os quais elegemos como objeto de
análise. Sua origem dá-se a partir do conceito de “dialogismo”, desenvolvido por M.
Bakhtin (1986), princípio segundo o qual nós sempre falamos com as palavras dos
outros. Em Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance,
especificamente no item o discurso na poesia e o discurso no romance, este autor,
ao focalizar as diversas formas e graus de orientação dialógica do discurso, trata
dessa orientação para os discursos de outrem:
[...] todo o discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o
qual está voltado sempre, por assim dizer, desacreditado,contestado,
avaliado envolvido pela névoa escura ou, pelo contrário,iluminado pelos
discursos de outrem que falaram sobre ele. O objeto esamarrado e
penetrado por idéias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros
e por entonações. Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste
meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de
julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações
complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com
terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar
em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão,
influenciar todo o seu aspecto estilístico. (Bakhtin, 1988, p. 86).
Com essas palavras, o autor passa a explicar o aspecto dialógico inerente
a toda e qualquer linguagem humana, pois tudo o que é dito não pode ser concebido
como uma fala original, digamos, uma fala adâmica, pois nela se cruzam o já-dito
no/do diálogo social. Ainda nas palavras do autor, a concepção do objeto do
4
Jacqueline Authier-Revuz, autora francesa, professora na Universidade da Sorbornne Nouvelle (Paris 3). É
bastante conhecida internacionalmente em razão de seus trabalhos na área da enunciação. A obra principal de
Authier-Revuz chama-se Ces mots qui ne vont pas de soi, tendo, inclusive, recebido o prêmio Larousse das
Ciências da Linguagem. Esteve algumas vezes no Brasil ministrando vários cursos.
29
discurso é um diálogo tecido pelas consciências ideológicas, pela entonação e pelos
julgamentos feitos por outros em relação a esse objeto. Por conseguinte, podemos
entender que a dimensão da dialogicidade do discurso transcende a concepção do
objeto, pois “[...] todo discurso é orientado para a resposta e ele o pode esquivar-
se à influência profunda do discurso da resposta antecipada” (BAKHTIN, 1988, p.
89).
A enunciação, construída pelo sujeito, é determinada pela resposta que
se encontra contida nela mesma, pela própria enunciação, ao se constituir no
ambiente do já-dito, o que se diz está comprometido com o já-dito e com o que pode
ser dito, por isso é que Bakhtin afirma que todo discurso está prenhe, grávido de
respostas.
Porém, foi J. Authier-Revuz quem introduziu, em Heterogeneidade
mostrada e heterogeneidade constitutiva: elementos para uma abordagem do outro
no discurso
5
, uma distinção amplamente utilizada entre heterogeneidade mostrada
e heterogeneidade constitutiva, duas categorias que representam duas ordens de
realidade diferentes na constituição do discurso.
Heterogeneidade constitutiva do discurso e heterogeneidade mostrada no
discurso representam duas ordens de realidade diferentes: a dos
processos reais de constituição dum discurso e a dos processos não
menos reais, de representação, num discurso, de sua constituição. [...] A
uma heterogeneidade radical, exterioridade interna ao sujeito e ao
discurso, não localizável e não representável no discurso que constitui,
aquela do Outro do discurso onde estão em jogo o interdiscurso e o
inconsciente –, se opõe à representação, no discurso, as diferenciações,
disjunções, fronteiras interior/exterior pelas quais o um sujeito, discurso –
se delimita na pluralidade dos outros, e ao mesmo tempo afirma a figura
dum enunciador exterior ao seu discurso. (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 32).
As ordens a que se refere Authier-Revuz consistem nas dos processos
reais dum discurso e nas dos processos não menos reais de representação, num
5
Hétérogénéité montrée et Hétérogénéité constitutive: élements pour une approche de l’autre dans le discourse
D.R.L.A.V., Paris, n. 26, p. 91-151, 1982.
30
discurso, de sua constituição, quais sejam: heterogeneidade constitutiva e
heterogeneidade mostrada, respectivamente.
J. Authier-Revuz (Barros, 1999, p. 37; Barros, 2003, p. 4; Brait, 1996
6
,
p.104) torna-se um dos autores que desenvolveu o conceito considerado
substantivo de dialogismo do autor russo Mikhail Bakhtin, na medida em que o
incorpora, em seu quadro teórico, à análise do discurso de orientação francesa. Vale
ressaltar que outros estudiosos também buscaram desenvolvê-lo, como os autores
franceses O. Ducrot e Maingueneau (Barros, 1999). Ao refletir essa categoria,
Authier-Revuz constrói o conceito de heterogeneidade (Teixeira, 2001, p.193),
enquanto uma maneira de configurar seu arcabouço analítico-descritivo.
Esta classificação de Authier-Revuz, no exame das formas de
representação do outro, apóia-se no conceito de discurso de Bakhtin e na
abordagem do sujeito e sua relação com a linguagem do psicanalista Sigmund
Freud. O primeiro, em função da natureza dialógica da linguagem; o segundo, em
razão do olhar psicanalítico do sujeito, este a partir de uma releitura dos enunciados
de Sigmund Freud (1856-1939) feita pelo psiquiatra francês Jacques Lacan.
Segundo a autora (1990), tanto a heterogeneidade constitutiva como a mostrada
pertencem de fato ao plano discursivo, mas em diferentes ordens. A constitutiva está
na ordem do discurso, na esfera da constituição, enquanto a mostrada encontra-se
no discurso, na esfera das formas e graus de representação da alteridade inscrita
no enunciado ou na “seqüência do discurso”.
Em relação à heterogeneidade mostrada, Authier-Revuz (1990) faz uma
classificação entre formas marcadas e não-marcadas, conforme os modos de
6
Neste texto, Ironia em perspectiva polifônica, Beth Brait afirma que os trabalhos de Althier-Revuz nasceram da
“articulação entre as concepções de Benveniste, Bakhtin, Pêcheux e Ducrot e Lacan”.(1996, p.104).
31
codificação do outro no discurso. As formas marcadas apresentam o outro de forma
unívoca e as não-marcadas sem marcação unívoca.
Essa posição teórica de Authier-Revuz nos guiará no exame da alteridade
discursiva existente nos enunciados dos jornais potiguares e paulistas abaixo.
1.3.2. Heterogeneidade mostrada
1.3.2.1. Formas marcadas de heterogeneidade mostrada
Processo de representação num discurso que se refere à
heterogeneidade num discurso, em seu plano da representação, em que as
distinções, disjunções, espaços fronteiriços interior/exterior de um sujeito no discurso
demarcam seus limites na multiplicidade dos outros, e, simultaneamente, afirmando
a figura dum anunciador externo ao seu próprio discurso: são as formas explícitas da
heterogeneidade que estão “no fio do discurso que, real e materialmente, um locutor
único produz, um certo número de formas, lingüisticamente detectáveis no nível da
frase ou do discurso, inscrevem, em sua linearidade, o outro(AUTHIER-REVUZ,
2004, p.12). Nesses termos, o outro é encontrado materialmente inscrito na
seqüência discursiva, no plano da materialização lingüística. É justamente nesse
plano que se constata a presença do outro no discurso do autor, enquanto espaço
do um.
As formas marcadas da heterogeneidade mostrada são aquelas que,
sendo explícitas, podem ser recuperadas no nível enunciativo, são as formas
assinaladas de maneira unívoca no fio do discurso: discurso direto, discurso indireto,
aspas, itálicos, negrito, formas de retoque ou incisos de glosa (parafrasagem), a
negação, a paráfrase e o metadiscurso do enunciador ou do locutor. Nessas formas
discursivas, o locutor designa claramente o lugar do Outro no seu discurso.
32
1.3.2.2. Formas não-marcadas de heterogeneidade mostrada
As formas não-marcadas da heterogeneidade mostrada, ao contrário, são
aquelas em que o co-enunciador identifica, combinando em proporções variáveis, a
seleção de índices textuais ou para-textuais diversos e a ativação de sua cultura
pessoal: discurso indireto livre, ironia, alusões, pastiche, imitação, as metáforas, a
antífrase, os jogos de palavras, slogan, a reminiscência. Poderiam ser incluídas as
paráfrases (que fazem parte das imitações) e as citações, tais como provérbios,
máximas etc. Aqui, a presença do outro está dissimulada, implícita, mesmo
pertencendo ao campo da heterogeneidade mostrada. Em tais formas,
[...] a presença do outro [...] não é explicitada por marcas unívocas
na frase: a “menção” que duplica o “uso” que é feito das palavras só é dada
a reconhecer, a interpretar, a partir de índices recuperáveis no discurso em
função de seu exterior.
Esse modo de “jogo com o outro” no discurso opera no espaço do
não-explícito, do “semidesvelado”, do “sugerido”, mais do que do mostrado
e do dito: é desse jogo que tiram sua eficácia retórica muitos discursos
irônicos, antífrases, discursos indiretos livres, colocando a presença do
outro em evidência tanto mais que é sem o auxílio do “dito” que ela se
manifesta: é desse jogo, “no limite”, que vêm o prazer – e os fracassos – da
decodificação dessas formas. (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.17-8).
Como se observa, a autora estabelece uma distinção entre
heterogeneidades enunciativas explícitas e não-explícitas. As primeiras são as
mostradas marcadas, presentes no plano da seqüência discursiva, enquanto as
últimas mostradas não-marcadas são recuperáveis no discurso a partir de seu
exterior.
1.3.3. Heterogeneidade constitutiva
Essa heterogeneidade do discurso refere-se a uma heterogeneidade da
raiz, interna ao próprio discurso, portanto, o localizável e o representável, e,
como tal, não é encontrada no fio do discurso por não estar presente e nem se fazer
33
manifestada no mesmo. Diríamos que esta categoria pertence ao plano do discurso,
enquanto uma realidade formal, uma realidade que participa da própria constituição
discursiva. Aqui, encontramos o Outro do discurso. Assim, o “Outropassa a ser
compreendido como “Uma outra língua, um outro registro discursivo, familiar,
pedante, adolescente, grosseiro, etc., um outro discurso, técnico, feminista, marxista,
jacobino, moralista, uma outra modalidade de consideração de sentido para uma
palavra, um outro, o interlocutor” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 30-1).
Enquanto discurso, o Outro tem um caráter de participação de constituição
a um certo discurso, na medida em que ambos mantêm uma relação de comunhão,
de consenso, defrontamento, ou mesmo de indiferença aparente. Por conseguinte,
podemos dizer que o Outro é aquilo que sistematicamente faz falta a um discurso,
pois todo discurso nasce com essa falta, a falta de um outro discurso, a falta
inerente a todo e qualquer discurso, de um discurso que lhe traga a sensação de
acabamento.
Ouçamos, mais uma vez, algumas palavras de Authier-Revuz, ao destacar
o aspecto da constitutividade desse Outro no sujeito e no seu discurso:
Em ruptura com o EU, fundamento da subjetividade clássica concebida
como o interior diante da exterioridade do mundo, o fundamento do sujeito
é aqui deslocado, desalojado, “em um lugar múltiplo, fundamentalmente
heterônimo, em que a exterioridade está no interior do sujeito”. Nesta
afirmação de que, constitutivamente, no sujeito e no seu discurso está o
Outro, reencontram-se as concepções do discurso, da ideologia, e do
inconsciente, que as teorias da enunciação não podem, sem riscos para a
lingüística, esquecer. (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 29).
Authier-Revuz chama a atenção da questão do Outro, enquanto instância
constitutiva do sujeito no seu discurso, na medida em que se instala uma
necessidade de refleti-lo nos planos das teorias da enunciação, nas concepções de
discurso e nas teorias que abordam o campo do inconsciente. E arrisca, ao afirmar
que isso a lingüística tem que lembrar: “O próprio de toda formação discursiva é o
34
dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material
contraditória do interdiscurso determinante desta formação discursiva como tal,
objetividade material que reside no fato de que “isso fala” (ça parle) sempre, antes,
alhures, e independenemente (sic) [...] (ALTHIER-REVUZ, 1990, p. 27). A respeito
do caráter constitutivo da palavra, a própria autora afirma que
Sempre sob as palavras, “outras palavras” são ditas: é a estrutura
material da língua que permite que, na linearidade de uma cadeia, se faça
escutar a polifonia não intencional de todo o discurso, através da qual a
análise pode tentar recuperar os indícios da “pontuação do inconsciente”.
Esta concepção do discurso atravessado pelo inconsciente se
articula àquela do sujeito que não é uma entidade homogênea exterior à
linguagem, mas o resultado de uma estrutura complexa, efeito da
linguagem: sujeito descentrado, dividido, clivado, barrado ... pouco importa
a palavra desde que longe do desdobramento do sujeito ou da divisão
como efeito sobre o sujeito do seu encontro com o mundo exterior, divisão
que se poderia tentar apagar por um trabalho de restauração da unidade
da pessoa, mantido o caráter estrutual (sic) constitutivo da clivagem
pelo sujeito (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28).
Como se vê, a heterogeneidade de natureza constitutiva não mostra a
existência do outro por estar compreendida no plano do interdiscurso e do
inconsciente. A heterogeneidade constitutiva passa a ser constituída a partir de uma
compreensão da interdiscursividade, já que um discurso só tem existência a partir de
outro, como fora concebido pela teoria da Análise do discurso de linha francesa, no
momento em esta abordagem efetiva uma retomada do princípio dialógico da
linguagem de linha bakhtiniana, com o tema do sujeito e de sua relação com a
linguagem, através da perspectiva psicanalítica lacaniana, em que se tem um viés
da psicanálise atravessada pelas leituras (reinterpretação de quase todos os
conceitos freudianos) do psiquiatra e psicanalista francês Jacques-Marie Émile
Lacan (1901-1981) aos enunciados do dico vienense, fundador da psicanálise,
Sigmund Freud.
35
Nestes termos, a heterogeneidade constitutiva está na ordem do
discurso, e faz parte dos processos reais de constituição dum discurso. Vale
ressaltar que o conceito de heterogeneidade está incorporado à concepção dialógica
da linguagem, de Mikhail Bakhtin, que percebe essa orientação como um fenômeno
presente em todo discurso. Tomando-se a obra Questões de literatura e de estética:
a teoria do romance (1988, p. 88), o autor, discutindo a questão das ressonâncias
dialógicas, vozes e entonações presentes no plurilingüismo em face de um objeto,
aponta para essa orientação da linguagem,
Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus
caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o
discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma
interação viva e tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira
palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão
podia realmente evitar por completo esta mútua-orientação dialógica do
discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e
histórico, isso não é possível: em certa medida e convencionalmente é
que pode dela se afastar.
Assim, a orientação dialógica está presente em todo e qualquer discurso,
e é justamente devido à dialogicidade que os discursos se encontram em todas as
direções. A especificidade da linguagem reside exatamente no fato de que ela
representa um espaço de encontro de, no mínimo, dois discursos em interação, pois,
fora deste contexto, seria possível encontrar-se com Adão mítico, na condição do
primeiro a manifestar-se discursivamente em volta do objeto, sem o discurso alheio,
condição essa impossível para o discurso humano, concreto e histórico.
É nessa direção que se tem a heterogeneidade constitutiva como um
espaço conceitual em que o discurso de um delimita-se com os discursos de outros.
Como se observou, essa heterogeneidade difere-se da mostrada, levando-se em
consideração o lugar que ocupa na ordem da discursividade, pois, como vimos, as
36
duas heterogeneidades pertencem a ordens distintas. Afirma Authier-Revuz (1990,
p. 32):
A uma heterogeneidade radical, exterioridade interna ao sujeito e ao
discurso, não localizável e não representável no discurso que constitui,
aquela do Outro do discurso onde estão em jogo o interdiscurso e o
inconsciente -, se opõe à representação, no discurso, as diferenciações,
disjunções, fronteiras interior/exterior pelas quais o um sujeito, discurso
se delimita na pluralidade dos outros, e ao mesmo tempo afirma a
figura dum enunciador exterior ao seu discurso.
Em síntese, Authier considera a heterogeneidade constitutiva como uma
forma não representável, não localizável, como também pertencente à ordem do
processo real de constituição do discurso. Isso não quer dizer que essa
heterogeneidade não possa estabelecer relações com a mostrada, que elas não
sejam articuláveis entre si. Ambas possuem planos distintos de manifestação: a
primeira está na própria raiz do discurso; a segunda no fio, na “seqüência do
discurso”, no plano da representação em suas diversas formas e graus.
A questão agora é saber de forma específica a noção de “outro
desenvolvida por Authier-Revuz em seu quadro teórico. A autora (1990) afirma que
existem discursos chamados como “exteriores”, que interferem na cadeia do
discurso em enunciação gerando um espaço de heteregeneidade, quais sejam: as
palavras de outro; uma outra língua (Exemplo: Good night, como dizem os
americanos); um outro registro discursivo (Exemplos: jovem porreta, broto legal, para
tomar uma expressão da geração jovem dos anos 60); um outro discurso técnico,
familiar, feminista, marxista, socialista, comunista, capitalista (Exemplo: A
sexualidade humana, como dizem os psicanalistas. Ou: Língua como sistema, como
dizem os estruturalistas); uma outra forma (modalidade) de tomar o sentido de uma
palavra (Exemplo: democracia, no sentido dos gregos; materialismo, no sentido dos
marxistas); o outro, o interlocutor (Exemplo: Imagine o termo que utilizei; desculpe a
37
expressão). Nesse procedimento, o enunciador estabelece uma relação de si para
fora do discurso, buscando o interlocutor.
38
Capítulo 2
A transposição do Rio São Francisco para o Nordeste
2.1. Preliminares
Este capítulo inicia-se apresentando sucintamente elementos que fizeram
parte da conjuntura econômica, da atividade política, das condições de vida
7
do
Brasil em 1994, especificamente no Nordeste, para, em seguida, mostrar a
problematização e a caracterização do corpus desta pesquisa, envolvendo
enunciados que circularam em jornais no Rio Grande do Norte e São Paulo, nesse
período, tendo como um de seus temas o projeto de transposição das águas do Rio
São Francisco para o Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco.
2.2. O projeto de transposição das águas do rio do o Francisco para o
Nordeste
O tema da enunciação, conforme Bakhtin, o sentido do enunciado, além
de ser determinado pelas formas lingüísticas também o é, e igualmente, pelos
elementos não verbais da situação, expressão esta utilizada pelo autor, muitas
vezes, para nomear o contexto. As afirmações a seguir, selecionadas em Marxismo
e filosofia da linguagem, podem ser tomadas como gestos de percepção da
profunda vinculação feita entre enunciação e situação histórica:
A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se
trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo
contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de
7
Bakhtin, em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1986), estabelece que o conjunto das condições de vida é
constituído: pela situação imediata e pelo contexto de uma determinada comunidade lingüística.
39
uma determinada comunidade lingüística. (BAKHTIN, 1986, p. 121). (Grifo
nosso)
Se perdermos de vista os elementos da situação, estaremos tão pouco
aptos a compreender a enunciação como se perdêssemos suas palavras
mais importantes. O tema da enunciação é concreto, tão concreto como o
instante histórico ao qual ela pertence. Somente a enunciação tomada em
toda a sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema.
(BAKHTIN, 1986, p. 128-9). (Grifo nosso)
O contexto histórico e o momento situacional imediato, segundo o autor,
são partes integrantes e determinantes à compreensão da enunciação pelo fato de
que a concretude temática está organicamente incorporada à dimensão sócio-
histórica, mediata e imediata do homem. Em outras palavras, estamos diante da
impossibilidade de produzirmos sentido fora dos elementos não verbais da
enunciação, em face da imbricação entre tais esferas. Nos trechos acima, existe a
expressão “enquanto tal”, em que o autor circunscreve o sentido de enunciação nas
condições concretas de vida e o nas abstratas, pontuando a representação total
da materialização enunciativa em sua condição histórica. Bakhtin (p. 154) retorna a
esse ponto relacionando a língua com a estruturação individual:
As condições da comunicação verbal, suas formas e seus métodos
de diferenciação são determinados pelas condições sociais e econômicas
da época. As condições mutáveis da comunicação sócio-verbal
precisamente são determinantes para as mudanças de formas que
observamos no que concerne à transmissão do discurso de outrem. Além
disso, aventuramo-nos mesmo a dizer que, nas formas pelas quais a língua
registra as impressões do discurso de outrem e da personalidade do
locutor, os tipos de comunicação sócio-ideológica em transformação no
curso da história manifestam-se com um relevo especial. (Grifo nosso)
Ao se referir à dimensão situacional, o autor a especifica como uma
realidade constituída pelas esferas social, econômica e ideológica, histórica, com as
variáveis de tempo e espaço, sugerindo a nossa reflexão à exposição de elementos
não verbais vinculados aos enunciados dos citados jornais. A respeito de linguagem
verbal, ideologia e condições históricas, Bakhtin afirma:
40
Cada época histórica da vida ideológica e verbal, cada geração, em
cada uma das suas camadas sociais, tem a sua linguagem: ademais, cada
idade tem a sua linguagem, seu vocabulário, seu sistema de acentos
específicos, os quais, por sua vez, variam em função da camada social, do
estabelecimento de ensino (a linguagem do cadete, do ginasiano, do
realista são linguagens diferentes) e de outros fatores de estratificação.
Trata-se de linguagens socialmente típicas por mais restrito que seja o seu
meio social [...] (BAKHTIN, 1988, 97-8).
uma profunda relação entre as vidas da linguagem, da ideologia e da
sociedade em que se especifica a natureza histórica das atividades do homem,
que a compreensão de tais enunciados, sua significação histórica e o peso
discursivo de seu legado do projeto de transposição das águas do rio São Francisco
para o Nordeste requer o resgate de seus traços contextuais, tanto em nível regional
como nacional.
A constituição brasileira de 1988 estabelece que o Brasil é uma República
Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal. É considerado, a partir de sua própria Carta Magna, um Estado
Democrático de Direito com seus diversos fundamentos.
Como um dos países do continente sul-americano, descoberto em 22 de
abril de 1500, e colonizado, fundamentalmente, pelos portugueses, o Brasil é
atualmente composto de 27 estados e uma população de 169 milhões, 872 mil e 859
habitantes, em 42 milhões de domicílios, dos 5.507 municípios, de acordo com o
Censo Demográfico de 2000, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE. Possui uma superfície de
8.547.403,5 Km
2
, distribuída em cinco regiões
Região Norte: Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins
(população: 12.911.170); Região Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia (população: 47.782.488);
Região Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo
(população: 72.430.194); Região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
41
(população: 25.110.349); e Região Centro-Oeste: Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Goiás e Distrito Federal (população: 11.638.658); e uma série de problemas
e contradições sociais, políticos, econômicos e culturais. Um desses problemas
(Souza, 1994) encontra-se na região Nordeste, a segunda mais populosa do país: a
seca.
Como conseqüência da freqüente ausência de água nos estados que a
compõem, esse fenômeno natural tem produzido efeitos crônicos de degradação em
níveis relativamente altos nas condições de vida vegetal, animal e de sua população.
A falta de uma política de resolução efetiva de seus efeitos tem levado alguns a
denominar essa situação, nos últimos anos, de indústria da seca do Nordeste (Alves,
1994; Seild, 1994; Barbosa, 1994; Folha de S. Paulo, 1994), significando a forma
como a questão tem, até o momento, sido tratada pelas instâncias oficiais e
competentes do país.
A idéia de um projeto de transposição das águas do rio São Francisco
para alguns estados nordestinos, viabilizando uma solução para os efeitos da seca
dessa região, considerada pioneira, nasceu no reinado de D. João VI (Guerra,
1994), aclamado como rei em 1818, no início do século XIX, quando recomendou
estudo de viabilização de um projeto para canalizar as águas do rio o Francisco,
visando o fornecimento d’água para essa parte do país. Por volta de 1847, Marco
Macedo (Guerra, 1994) lembrou a idéia de canalizar as águas do rio São Francisco
em direção ao Rio Salgado, formador do Jaguaribe, com o intuito de materializar tal
projeto.
Não é difícil perceber que a viabilização desse projeto, visto por muitos
(Souza, 1994; Alves, 1994) como resolução de problemas do Nordeste, passa a ser
compreendida como uma questão revestida de interesses políticos, sociais e
42
ideológicos. Essa transposição, na qual se desvia uma realidade física e material
denominada água de uma região para outra, passa a ser vista como muito mais do
que um simples desvio, incorporando mais valor ainda no mundo dos homens:
transforma-se, portanto, em uma realidade nomeada, tematizada e agendada.
Assim, tal projeto se transforma em produto ideológico, recebendo e refletindo
“pontos de vista” em face de sua materialização, em conformidade com a
representação feita pelos grupos sociais envolvidos.
O Brasil de 1994 é um país governado por um presidente mineiro e
engenheiro, Itamar Augusto Cautiero Franco, que assumiu a presidência de
02/10/1992 a 19/12/1992, na condição de Vice-Presidente da República, exercendo
efetivamente a presidência em 20/12/1992, em razão da vacância do Presidente
Fernando Collor de Mello, afastado pelo processo de “impeachment”.
Nesse ano, o país tem uma conjuntura econômica combalida pela inflação
e assombrada pela corrupção do governo de Fernando Collor de Mello. Após cinco
meses de implantação do Plano Real, por parte do governo federal, regulamentado
pelo Banco do Brasil, através da Resolução nº 2.010 de 28 de julho de 1993, como a
unidade circulante do sistema monetário brasileiro, que passou a vigorar em de
agosto de 1993, em substituição à moeda “cruzeiro”, o governo estabelece uma
política de consolidação desse Plano, visando enfrentar o retorno da inflação, que,
de fato, ocorreu, e de questões como elevação de concentração de renda, recessão
econômica, desemprego e fome. Essa herança, que o presidente Itamar Franco
recebeu para governar o Brasil, do final de 1992 a janeiro de 1995, não fora
resolvida.
Ocorrem, nesse período, as crises do Banco do Estado de o Paulo
Banespa, e do Banco do Estado do Rio de Janeiro Banerj, duas importantes
43
instituições financeiras nacionais, e o registro do nascimento do Mercosul – Mercado
Comum do Sul –, o quarto maior bloco econômico do mundo, reunindo Argentina,
Brasil, Paraguai e Uruguai, que inicia a união aduaneira como comércio em alta.
Vale ressaltar que, em 1993, Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da
Fazenda, executou o Plano Real como principal mentor, cujo sucesso foi decisivo à
sua candidatura à sucessão presidencial, em que saiu vitorioso no 1º turno da
eleição de 1994, tendo governado o Brasil por oitos anos, de 01/01/1995 a
01/01/1999 (primeiro mandato) e 01/01/1999 a 01/01/2003 (segundo mandato).
Com relação às condições de existência, observa-se uma degradação das
condições de vida da população, nos diversos e diferentes aspectos, dos quais se
destacam a seca no Nordeste e o desemprego, tornados crônicos e relativamente
altos. O artigo Como na África, publicado pela Folha de S. Paulo, em edição
Nacional de 25/06/1994 - Editorial: Opinião, página 1-2, apresenta um levantamento
feito pelo Ministério da Saúde dos índices de mortalidade infantil no Nordeste.
Segundo essa pesquisa, o Rio Grande do Norte tem mortalidade infantil que pode
ser comparada à do Benin
8
- superando até mesmo a do Paquistão. Mais grave
ainda que os índices em si, entretanto, é o crescimento assustador que estes
sofreram nos últimos 12 meses: 74% no Rio Grande do Norte, 56% na Paraíba, 54%
no Ceará, 45% em Alagoas.
Especificamente na Paraíba, por exemplo, a mortalidade infantil atingiu um
percentual bastante alto. No município de Junco do Seridó (233 km a oeste de João
Pessoa), o índice foi recorde. De janeiro a junho, a taxa foi de 46,1% 461 mortes
para cada mil crianças, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Tais índices estão
no patamar dos países mais pobres da África e da Ásia, cuja alta taxa de
8
País da África.
44
mortalidade infantil, de acordo com a prefeitura, é conseqüência da falta de chuvas.
É pertinente relatar que em 1994 não houve incidência do “El Nino”, um fenômeno
que ocorre no oceano Pacífico e afeta o clima de todo o país, aumentando as
chuvas no sul e piorando a seca no Nordeste, mas foi exatamente nesse ano que
ocorreu mais uma seca na região e muita chuva no sudeste e sul do país. A pobreza
é endêmica, a concentração de renda é grave nos níveis pessoal e regional,
existindo 12,6 milhões de depauperados na parte agrária, que representam 63% da
pobreza rural do país e 32% dos pobres brasileiros.
É reconhecido, pelo próprio presidente do Brasil, que o país encontra-se
em estado de calamidade social, revelando a existência de 32 milhões de brasileiros
na indigência. Desses, 17 milhões estão no Nordeste, dos quais 2,3 milhões em
Pernambuco; 1 milhão na zona rural, 600 mil na região metropolitana do Recife e
outro tanto nas cidades do interior. No Nordeste, antes de Pernambuco, estão Piauí,
Paraíba, Ceará, Bahia e Alagoas, com índices maiores do que os 32% da população
em situação de extrema dificuldade, uma população submetida a duras condições
de vida.
Simultaneamente a tais fatos, o ano fora marcado pelas ações eleitorais
dos candidatos e partidos, apoios, acusações, promessas, agenda de visitas e
comícios etc., com eleição para presidente e vice-presidente, senador, governador,
deputado federal e estadual, portanto, um acontecimento especial constitutivo do
cenário social da atividade política do país. Tais elementos contextuais podem ser
sintetizados da seguinte maneira:
1. Na conjuntura econômica
a) consolidação do Plano Real.
b) queda da inflação.
45
c) nascimento do Mercosul.
d) crise no Banco do Estado de São Paulo – Banespa.
e) crise no Banco do Estado do Rio de Janeiro - Banerj.
2. Condições de vida
a) seca no Nordeste e bastante chuva na região Sudeste.
b) recorde de mortalidade infantil na região nordestina.
c) calamidade social no país, com 32 milhões de brasileiros na indigência.
d) calamidade social no nordeste, com 17 milhões de indigentes.
e) extrema pobreza de 32% da população do Piauí, Paraíba, Ceará, Bahia,
Alagoas e Pernambuco.
3. Atividade política
a) eleição para presidente e vice-presidente, senador, governador,
deputado federal e estadual.
Foi nesse contexto que ocorreram, em todo o Brasil, as mais diversas
manifestações enunciativas sobre o projeto de transposição das águas do Rio São
Francisco para o Nordeste envolvendo o Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco
e Paraíba. A partir de então, os discursos a respeito do projeto desembocaram e
intensificaram-se nos jornais de todo o país, dentre os quais os do Rio Grande do
Norte e São Paulo, originando intensos debates sobre seus efeitos e riscos.
Foram, então, produzidos enunciados constituídos e repletos de reações-
respostas a outros, na esfera da comunicação verbal de 1994, a respeito do tema,
assumindo, em suas materializações enunciativas, formas variáveis. Nas palavras
de Bakhtin, necessário se faz: “[...] introduzir diretamente o enunciado alheio no
contexto do nosso próprio enunciado, [...] introduzir-lhe apenas palavras isoladas ou
46
orações que então figuram nele a título de representantes de enunciados completos”
(BAKTHIN, 1992, p. 316) sobre tal projeto.
Assim, analisaremos as marcas de heterogeneidade constitutiva, reações-
respostas, plicas que refletem posições ideológicas
9
do projeto, na posição de
objeto em vista e de outros enunciados
10
, utilizadas em tais enunciados, circulados
em jornais potiguares e paulistas, que materializam uma representação.
2.3. Problematização e caracterização do corpus
A materialização ou não do projeto de transposição das águas do rio São
Francisco para Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba dependerá de
correlação de forças ideológicas dos grupos sociais interessados, cujas
potencialidades, materializadas no universo de signos, estão presentes em tais
dizeres.
Ao se referir ao signo, Mikhail Bakhtin, em Marxismo e filosofia da
linguagem (1986), assinado por Voloshinov, afirma que os objetos de natureza
físico-material do mundo recebem função no sistema da vida social, oriunda de um
grupo organizado no transcurso de suas relações sociais, passando a ter
significação além de suas próprias particularidades físico-materiais, que não significa
nada por coincidir inteiramente com sua própria natureza. É a partir dessa
9
No texto Questões de literatura e de estética: a teoria do romance (1988), Bakhtin, quando reflete sobre “a
pessoa que fala no romance”, esclarece que o sujeito que fala no romance é sempre, em certo grau, um ideólogo
e suas palavras são sempre um ideologema. Uma linguagem particular no romance representa sempre um ponto
de vista particular sobre o mundo, [...]” (p.135).
10
Como salienta Mikhail Bakhtin (1986, p. 98): “Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é
uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda
inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da
compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida
política. Uma inscrição, como toda enunciação monológica, é produziada para ser compreendida, é orientada
para uma leitura no contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto é, no contexto do
processo ideológico do qual ela é parte integrante”.
47
perspectiva que a pesquisa que ora pretendemos desenvolver tem o interesse de
refletir os enunciados que versam sobre a viabilização do projeto.
Nesses termos, poder-se-ia caracterizá-lo, da perspectiva bakhtiniana,
como uma realidade sígnica, de natureza ideológica, cuja viabilização o transforma
em objeto polêmico, conflituoso, disputado por vários pontos de vista, efeitos das
representações ideológicas. Poder-se-ia encontrá-lo em vários lugares, mas é no
espaço do gênero jornalístico que o verificaremos.
No que se refere ao espaço jornalístico, de forma bastante genérica,
diremos que a região Nordeste esta representado pela Gazeta do Oeste, O
Mossoroense, Tribuna do Norte e Diário de Natal, jornais de maior circulação no Rio
Grande do Norte, enquanto a Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e o Jornal da
Tarde, os dois primeiros de grande circulação no país, e o último circunscrito ao
Estado de São Paulo, representando a região Sudeste.
O objetivo maior desta reflexão, como foi dito, é verificar as
representações e seus procedimentos enunciativos, feitas e utilizadas pelos
enunciados desses jornais, em 1994, em relação ao projeto de transposição. Duas
questões são colocadas: a) Qual a representação feita pelos enunciados dos jornais
do Nordeste (Rio Grande do Norte) e do Sudeste (São Paulo) sobre o projeto de
transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste? e b) Como são
construídos tais enunciados na elaboração dessas representações? Diante dessas
indagações, esta reflexão propõe-se a investigar as questões:
a) como se dá a produção de sentido nesse gênero de discurso?
b) quais os procedimentos discursivos utilizados nesses enunciados para
criar a representação do projeto de transposição do Rio São Francisco para o
Nordeste?
48
c) como o espaço da região do Nordeste é construído nesses enunciados?
d) quais as estratégias empregadas nesses enunciados, visando persuadir
e/ou convencer os leitores?
e) com quem tais enunciados dialogam?
f) quais são os tipos de heterogeneidade que neles se encontram?
A motivação responsável pela escolha dessa temática deve-se a dois
fatores: a) do projeto representar uma questão polêmica, política e econômica, e,
sobretudo, ideológica, não somente para o Nordeste, mas para o Brasil, em face dos
interesses dos grupos sociais envolvidos; e b) do próprio pesquisador, há décadas,
ter uma relação direta com os vários efeitos da seca. No rastro dessas motivações:
a) do Nordeste ser foco desse projeto; e b) de no Sudeste não existir o fenômeno da
seca, e desta circular em jornais cuja repercussão atinge São Paulo e outros
estados.
Ao consultar bibliotecas universitárias do país, como a UERN, UFC, USP e
UNESP em Araraquara/SP, durante o período de 2002 a 2005, na área de
linguagem, em especial em Análise do Discurso, encontramos trabalhos que
abordam o discurso jornalístico, mas nenhum versando sobre o projeto de
transposição das águas do rio São Francisco para o Nordeste em quatro jornais do
Rio Grande do Norte e três de o Paulo. Acreditamos ser esta a primeira iniciativa
de tornar os enunciados desses jornais objeto de estudo. A importância e relevância
desta reflexão residem no fato de que seus resultados poderão fornecer
contribuições, no plano do entendimento enunciativo e social, àqueles interessados
nas reflexões da relação entre discurso, sociedade e jornal, especificamente o
jornalístico. Analistas de discurso, sociólogos, profissionais da educação, formadores
de opinião, jornalistas, trabalhadores em geral, serão os beneficiários diretos.
49
Foram coletados oitenta e oito enunciados de jornais potiguares: Gazeta
do Oeste, O Mossoroense, Tribuna do Norte e Diário de Natal ; e paulistas, Folha de
S. Paulo, Estado de S. Paulo e Jornal da tarde, mas, para a constituição do corpus,
selecionamos (abaixo), conforme ordem cronológica de circulação, vinte e oito.
Nestes termos, os elementos do item 2.2 constituem o contexto situacional de 1994,
que determinaram o falar do projeto de transposição das águas do rio São Francisco
para o Nordeste.
1. Gazeta do Oeste
N Título do enunciado Autor Circulação
01
Sonho nordestino Ney Lopes de Souza 20/02/1994
02
Água do São Francisco para o semi-árido Valter de Brito Guerra 22/05/1994
03
A transposição corre risco Rubens Coelho 06/08/1994
04
A transposição intransponível Emerson Linhares 19/08/1994
2. O Mossoroense
01
Análise & Fatos Laíre Rosado 13/03/1994
02
Análise & Fatos Laíre Rosado 26/05/1994
03
Aluízio não tem mais direito a perseguição política Crispiniano Neto 16/06/1994
04
Reflexões I: Chegando água do R.S.F. aos sertões
Manuel L. Martins 17/06/1994
3. Diário de Natal
01
Itamar cria projeto de transposição das águas - 07/07/1994
02
Itamar quer apressar empréstimo para obras de
transposição do rio
- 07/07/1994
03
AA define início da transposição - 12/08/1994
04
Aluízio censura FHC sobre obra Magno Martins 26/08/1994
4. Tribuna do Norte
01
O Projeto do São Francisco Aluízio Alves -
02
O velho Chico e as urnas João Emílio Falcão -
03
Preconceito contra o Nordeste - -
04
A utopia, o sonho, as águas Agnelo Alves 03/07/1994
5. Folha de S. Paulo
01
Nordeste ganha obra faraônica contra a seca Editoria 28/04/1994
02
A Bahia e o velho Chico Ruy Bacelar 09/06/1994
03
Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar Editoria Brasil 14/07/1994
04
Eleição e irrigação Marcelo Beraba 18/07/1994
50
6. O Estado de S. Paulo
01
Desvio do São Francisco cauda polêmica M. Morais/M.Bergamaschi 10/06/1994
02
Ricupero rejeita projeto de irrigação Guilherme Evelin 11/06/1994
03
Revivendo os projetos faraônicos - 12/06/1994
04
Ministro lança obra s/ verba orçamentária José Casado 18/06/1994
7. Jornal da Tarde
01
Projeto faraônico - 27/06/1994
02
S. Francisco: Alves ataca políticos - 25/07/1994
03
S. Francisco: ministro lança obra Vannildo Mendes 23/08/1994
04
Alves: ‘Reflexo eleitoreiro’ - 30/08/1994
51
Capítulo 3
Construção de sentido e heterogeneidade enunciativa nos jornais
do Nordeste e Sudeste – o projeto de transposição do São Francisco: análise
Estamos no meio de uma batalha. De
agora em diante quero ler todas as reportagens
que ele escrever e todos os retratos que ele tirar.
Nada mais sai daqui sem minha autorização, nada,
nada!
(General do exército aos seus oficiais sobre
as informações do jornalista que cobria a invasão à
cidade de Conselheiro, no sertão da Bahia (Filme
“Guerra de Canudos”)
Analisaremos, neste capítulo, os enunciados nos jornais potiguares e
paulistas, considerando a construção interna do sentido, no primeiro enunciado de
cada jornal, e as alteridades em tais enunciados, que materializam “reações-
respostas”, em formas e graus variados, pelos mecanismos utilizados por seus
enunciadores quando falam do projeto de transposição das águas do Rio São
Francisco para o Nordeste.
Gazeta do Oeste
Enunciado 01
SONHO NORDESTINO (Anexo 01)
Este enunciado foi publicado no Gazeta do Oeste, no dia 20/02/1994,
página 17, Coluna Opinião, ocupando ¼ da folha, lado superior e esquerdo da
primeira coluna. A matéria contém, acima do enunciado verbal, uma foto do autor, ao
lado da rubrica e título compostos em letras garrafais. Este enunciado opinativo
encontra-se, no meio do jornal, sendo publicado somente aos domingos, dia em que
esse jornal tem maior circulação no interior e na região litorânea do Rio Grande do
52
Norte. O autor exercia o mandato de deputado federal, sendo candidato à reeleição,
em 1994, como deputado federal pelo Partido da Frente Liberal/PFL do citado
estado. Nesse período, ocupava os cargos de Representante da América Latina
junto ao Global Fórum - entidade internacional com sede em Nova York - indicado
em setembro de 1993; Vice-Presidente do Parlamento Latino-Americano (Parlatino)
eleito em 20/08/93 - Montevidéu - Uruguai; Presidente no Congresso Nacional do
Grupo Brasileiro do Parlamento Latino-Americano - 1991/1994, e continua como
deputado federal; atualmente, é Procurador Parlamentar Geral nomeado pelo
Presidente da Câmara dos Deputados - 2005/2006 - Brasília DF.
O público alvo desse jornal são os leitores interioranos do oeste, embora
sua circulação também se na capital e cidades circunvizinhas. Vale ressaltar que
este enunciado também fora publicado, no mesmo dia, n’O Poti, jornal cuja
circulação ocorre na capital e cidades litorâneas somente aos domingos. Sua
veiculação atinge um público no interior e no litoral; é muito popular e pertence a um
dos grupos políticos tradicionais, tendo destinação certa: a maioria da população.
Temos aqui um enunciado verbo-visual construído por meio de dois
discursos: seqüências verbais e imagens. Considerando-se o enunciado como um
todo, observa-se que ele apresenta, de forma destacada, dois elementos que ficam
acima do texto verbal: a rubrica e a foto do autor. O título fica numa posição
secundária. Essa sobreposição tem suas razões: ao observarmos outros enunciados
opinativos, constatamos que eles (com raras exceções) não trazem fotos dos
autores nem tampouco a entrada recebe tal destaque, significando que existe uma
relação estreita entre o termo da entrada e a foto. Esses dois modos expressivos
(verbal e visual) marcam o caráter sincrético do enunciado, apontando para as
questões como: a) o autor deve ser identificado pelo seu nome e foto. Nestes
53
termos, o autor passa a ser duplamente identificado: nome (expressão verbal) e
fotografia (expressão não verbal); b) o autor não é qualquer personalidade, mas uma
autoridade que exerce um mandato em nível nacional, com pretensões à reeleição,
desejando ser governador. Nesses termos, a foto evidencia um recurso enunciativo
mostrando uma posição, pelas informações e, simultaneamente, afirmando eu sou
isto e não sou aquilo. A fotografia passa a exercer uma espécie de “fiador” para
garantir e legitimar o que está sendo enunciado pela palavra.
O autor assume a posição de defensor do projeto de transposição das
águas do Rio São Francisco para o Nordeste, como solução da seca da região, por
meio de marcas da primeira pessoa, ao se colocar como futuro candidato à
governador: “Caso algum dia venha a ser candidato ao Governo do RN, pregarei um
acordo, em campanha, com o governador do Ceará para juntos fazermos essa
perenização do Assu e Jaguaribe”, e um sonhador da concretização de tal projeto:
“Na minha vida pública este sonho sempre levarei comigo. Porque, como
UNAMUNO, é bom sonhar com o absurdo, para conseguir o impossível”. Vale
ressaltar que o primeiro parágrafo da introdução é muito significativo dessa intenção,
embora não esteja na primeira pessoa.
O enunciado “Sonho nordestino”, construído em primeira pessoa, revela
um fato antigo e atual (a aspiração da população da região do Nordeste pela
irrigação como solução para os efeitos da seca), como também a posição de seu
autor a favor do projeto, que se torna cada vez mais evidente em sua progressão. Ao
enunciar em primeira pessoa, o autor estabelece uma maior aproximação com os
leitores, haja vista expressar um tom de subjetividade. Outro recurso utilizado pelo
enunciador foi a identificação de seu desejo com o desejo da população dos nove
54
estados do nordeste, através do espaço do sonho, que não é somente dele, mas de
toda a população nordestina.
No primeiro trecho, nota-se a presença da posição de adesão do autor ao
projeto, ao propor a inclusão do tema da irrigação como solução para os efeitos da
seca na pauta dos debates na campanha eleitoral de 1994. A expressão “nunca é
demais lembrar” revela esse sentido, na medida em que esta passa a ter muito mais
a idéia de um pedido, quase um lembrete, àqueles que farão o debate eleitoral, do
que uma postura reveladora de um poder explicitado: um pedido para que não haja
esquecimento da realização de um projeto que pode determinar as condições de
vida de boa parte da população nordestina.
O enunciador apresenta uma relação bastante estreita da campanha
eleitoral com a irrigação, enquanto solução única para o Nordeste.
Com US$ 3.000 dólares de investimento cria-se um emprego, com retorno
desse investimento a curto prazo, para uso em outros setores. Isto está
sendo provado no Baixo Assu.
Em seguida, informação sobre custo-benefício da operação em moeda
americana e não em moeda nacional, conjuntamente com um exemplo para
demonstração do que fora dito a respeito da proposta. Visando sustentar e validar a
sua proposta de inclusão do projeto de transposição do São Francisco na pauta da
campanha política de 1994, o enunciador utiliza dois recursos argumentativos para
dar ao enunciado um caráter de objetividade: o primeiro, no plano custo-benefício,
no campo da economia (com a expressão “investimento”); o segundo, no campo da
demonstração de resultados de um projeto de irrigação em andamento. E o mais
interessante é que, no primeiro caso, a relação é feita com a moeda estrangeira, o
dólar, e não com o real. É possível que a expressão feita em dólar, para representar
55
a moeda do custo de investimento da obra, maior credibilidade ao discurso junto
ao leitor, afinal de contas a moeda estrangeira tem maior valor no câmbio.
O enunciado possui quatro parágrafos. Em três, visando dar um caráter de
objetividade, utiliza-se, em 21 linhas, do discurso científico; 14 trechos possuem
esse recurso: 2/3 de expressões evidenciam esse caráter. Eis algumas: expressões
que denotam locais onde deverão passar a água do Rio São Francisco,
especificamente onde se inicia e termina: “Rios Assu e Jaguaribe”; tamanho da área
a ser irrigada: “600 quilômetros de área irrigada”; informações sobre o “modus
operandi” quanto à técnica de funcionamento das águas no processo de
abastecimento em expressões da Física: “gravidade”, “energia elétrica”; das
Ciências Agronômicas: “perenização dos rios”, “área irrigada” “agricultura”;
Engenharia: “barragens” “usinas”; Economia: “custo menor”; Geografia “350 metros
acima do nível do mar”, dentre outros.
Nesses termos, o caráter de objetividade é um recurso utilizado para dar
maior credibilidade ao enunciado, este pontuado de aspectos concretos da realidade
circunscrita. Não se trata somente de uma posição, efeito de um desejo ou sonho do
autor, enquanto realidade subjetiva anunciada do autor e da população nordestina,
mas da representação que este faz de sua experiência histórica dos efeitos da
irrigação através do projeto de transposição do São Francisco.
É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem paternalismos. Sem
favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação.
Na introdução, a proposta do enunciador da presença do tema “irrigação
do Nordeste” na agenda da campanha eleitoral é justificada desde o inicio,
depreendendo-se desse espaço aspectos concernentes à representação feita da
56
região nordestina, a idéia que o enunciador e outros fazem do nordeste com as
demais regiões:
a) o Nordesteo é pensado como uma região que faz parte da dimensão
global do país, na medida em que recebe tratamento diferenciado, marginalizado,
negativo, face às demais regiões;
b) o Nordeste é pensado a partir de figuras que se apresentam como seus
“legítimos representantes” com a função de “apadrinhar” e “cuidar” do mesmo, como
se a região não possuísse condições suficientes de sobrevivência, necessitando de
proteção;
c) o Nordeste é uma região cujos estados não m condições de
sobrevivência, por isso vive de favores de outras regiões, um peso para a nação;
O enunciador, após descrever a forma como a região Nordeste é pensada,
na condição de indigente, propõe a necessidade de vê-la de forma diferenciada. Tal
procedimento acaba revelando como a mesma vem sendo tratada pelos outros
estados, na medida em que pontua a existência de duas posições na relação da
região como unidade regional, tendo o país como totalidade.
De um lado, tem-se a posição do autor, que propõe a inclusão dessa
unidade na totalidade do país; de outro, tem-se a posição de divisão. Como se
verifica, operam-se duas posições: inclusão e divisão. Na primeira, o autor propõe
uma perspectiva de inclusão do Nordeste, levando-se em consideração suas
idiossincrasias, no âmbito global; na segunda, acentua-se uma regionalização
marginalizada sobre a região. Tais fatores revelam fortes indícios de que o discurso
de viabilidade do projeto de transposição não é homogêneo, único, mas polêmico,
heterogêneo.
57
O motivo da transposição é construído por meio de outro discurso: o
enunciador apresenta o modo como o Nordeste é pensado, representado. Não
temos aqui, de forma explícita, a posição da representação do autor, tem-se a
afirmação de existência de um pensar.
Outro aspecto interessante, nas estratégias existentes no enunciado,
refere-se ao processo de repetição que ocorre em todos os parágrafos: da posição
de adesão do autor à transposição. Essa adesão encontra-se na introdução de cada
parágrafo. Conforme foi dito, 2/3 é composto de enunciados que procuram oferecer
um caráter de cientificidade para dar credibilidade e produzir melhor convencimento
ao leitor; os outros dizeres, constituídos de 1/3 de enunciados, explicitam a posição
do enunciador, desde sua proposta de agendamento na campanha eleitoral do tema
da irrigação do Nordeste, posto na introdução, até o enunciado, no final, que
convoca os nordestinos para a realização de um sonho, numa abordagem
unamaniana, ou seja, impossível. Temos abaixo os enunciados e comentários que
explicitam a posição do autor:
1) Na hora em que a campanha eleitoral leva idéias ao debate nunca é
demais lembrar a irrigação como única solução para o Nordeste
2)Das discussões até agora realizadas o caminho certo é o de encaminhar
as águas do São Francisco para os vales ou bacias hidrográficas dos rios
secos da região, inundando-os.
3) Caso algum dia venha a ser candidato ao Governo do RN, pregarei um
acordo, já em campanha, como o governador do Ceará para juntos
fazermos essa perenização do Assu e Jaguaribe
4) Na minha vida pública este sonho sempre levarei comigo. Porque, como
UNAMUNO, é bom sonhar com o absurdo, para conseguir o impossível.
A introdução do discurso, propondo a presença do tema da irrigação na
agenda da campanha eleitoral, serve para anunciar a posição do autor em relação à
transposição, solicitando outros sujeitos a participarem do agendamento dessa idéia,
58
que anda esquecida, não somente em momentos de campanha eleitoral, mas,
sobretudo, em momentos não-eleitorais.
No segundo parágrafo, o autor reedita sua posição ao reafirmar que a
solução correta é a de transpor as águas do São Francisco para regiões e vales
secos, utilizando duas palavras que possuem o mesmo morfema lexical: “caminho” e
“caminhar”. Essas expressões fornecem a idéia de solução e de movimento, de ato,
de realização.
No terceiro parágrafo da introdução, o autor reforça sua posição propondo
e se comprometendo a ser o responsável pela materialização do projeto de
transposição, na condição de governador, quando premuniza uma futura parceria
com o governador de outro estado, visando criar maior credibilidade política à sua
proposta. Quer dizer, a campanha não será feita com um senador, deputado ou
vereador, mas com um governador, na posição de maior autoridade de um estado
no campo do poder político.
O autor, no quarto e último parágrafos da introdução, reforça sua posição
através do recurso de identificação duplamente, ao fazer uso da idéia de que os
nordestinos têm o mesmo sonho do autor e do filósofo espanhol Miguel Unamuno.
Lembrar e sonhar, dois verbos utilizados, no início e fim, respectivamente, para dar
um tom de pessoalidade e identificação com anseios comuns dele e da população.
O lugar desses enunciados no início de cada parágrafo é bastante
relevante e contribui para fazer o leitor aderir à opinião do deputado.
Caso algum dia venha a ser candidato ao Governo do RN, pregarei um
acordo, já em campanha, como o governador do Ceará para juntos
fazermos essa perenização do Assu e Jaguaribe
O enunciador, na metade do enunciado, apresenta-se como candidato a
governador, utilizando novamente o recurso de identificação entre ele e a população
59
nordestina quanto ao sonho de irrigação, como materializador do sonho da
perenização do rio do Assu/RN e do Jaquaribe/CE, juntamente com o governador do
Ceará. A utilização de enunciados que revelam acordo com o governador do Ceará
serve para reforçar sua posição de defensor da transposição, à medida que confere
maior grau de credibilidade ao enunciado: o sonho não pertence somente ao
enunciador, mas também aos nordestinos.
Na minha vida pública este sonho sempre levarei comigo. Porque, como
UNAMUNO, é bom sonhar com o absurdo, para conseguir o impossível.
No final do enunciado, usa-se novamente a identificação, levando-a ao
ponto mais alto em termo discursivo, estabelecendo, logo de saída, que sua
condição de homem público está fadada a permanecer para sempre com o sonho do
projeto de transposição. A comparação é utilizada pelo enunciador como último
recurso discursivo, quando se compara a Miguel de Unamuno
11
. Tal descrição
retrata a real situação de Miguel Unamuno em seus últimos dias, o autor estabelece
a possibilidade de que nem ele mesmo acredita na viabilidade do projeto, pois na
condição de Unamuno continua dizendo aos outros que haverá a transposição.
Na hora em que a campanha eleitoral leva idéias ao debate nunca é
demais lembrar a irrigação como única solução para o Nordeste.
Selecionou-se uma gama de vocábulos que revela a intenção do autor ao
fornecer informações importantes sobre os objetos participantes de seu ato
enunciativo. O projeto de transposição do rio, na condição de realidade
11
Miguel de Unamuno (1864-1936), filósofo e escritor espanhol, considerado um dos pensadores espanhóis mais
destacados da época moderna, pertencente à geração de 98, e foi poeta, romancista, autor teatral, existencialista e
crítico literário. Este filósofo escreveu o romance San Manuel Bueno (1933), que é a história de um padre que,
em seus últimos dias de vida, fica em estado melancólico e triste, perde a e finge conservá-la para não destruir
a crença dos fiéis. Pertenceu à geração de 98 e seus ensaios compreendem: Ao redor do casticismo (1895), Vida
de Dom Quixote e Sancho (1905), Do sentimento trágico da vida (1913) e A agonia do cristianismo (1925). Seus
romances incluem: Paz na Guerra (1897), Névoa (1914), A tia Tula e São Manuel Bueno, rtir (1933). Entre
suas obras poéticas destaca-se O Cristo de Velázquez (1920). Para Unamuno o que mais importa na filosofia é o
homem. Morreu em Salamanca em 31 de dezembro de 1936.
60
representada, aparece no enunciado de modo positivo através das palavras:
“sonho”, “solução”, “caminho certo”. utilização de uma linguagem composta de
palavras e expressões subjetivas e não-subjetivas, com predominância das
primeiras, tornando o enunciado retoricamente persuasivo e não
predominantemente lógico.
a) Subjetivas: “nunca é demais lembrar”, “a curto prazo”, “É necessário
pensar o nordeste globalmente”, “sem paternalismo”, “sem favores”, “caminho certo”,
“inundando-os”, “oferta”, “imenso”, “lançar”, “Caso algum dia”, “juntos”, “não envolve
gastos”, “apenas”, “importantes”, “facilitando”, “papel”, “custo menor”, “perenemente”,
“maiores”, “sonho”, “braço”, “acima”, “alto”, “médio”, “maiores”, “É bom sonhar” e
“absurdo”.
b) Não subjetivas: “tese de derivação”, “irrigação”, “área irrigada”, “semi-
árido”, “vales ou bacias hidrográficas”, “perenização”, “gravidade”, “transporte fluvial”,
“investimento”, “agricultura”.
Vê-se que, apesar do enunciado objetivar fazer saber que “nunca é
demais lembrar”, a tematização da irrigação para o Nordeste, na campanha eleitoral
que se avizinha, verifica-se de caráter opinativo, revelado em seu funcionamento
dialógico. A representação de outros discursos pelo enunciador revela não
discordância com outras vozes setoriais da política em relação ao nordeste e outras
regiões, mas também uma estratégia de aliado e defensor.
Assim, o enunciado faz uma representação do projeto, sedimentado na
irrigação e navegação, como necessário à primeira, como solução do problema da
seca e à segunda, para a navegação, facilitando o comércio com o transporte fluvial
entre os dois mais importantes rios do Rio Grande do Norte e do Ceará: Assu e
Jaguaribe.
61
Quanto à representação do espaço nordestino, o enunciado apresenta
uma região pensada de forma “negativa”, sedimentada em sua condição de
marginalizada, fora de uma visão global da federação, co-existindo com
paternalismo, favores e desemprego, uma região carente, pobre.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Entonação (com letras garrafais)
Na minha vida pública este sonho sempre levarei comigo. Porque, como
UNAMUNO, é bom sonhar com o absurdo, para conseguir o impossível.
O enunciador destaca a expressão “UNUMANO” não para realçá-la,
mas para assinalar um outro discurso, outra voz, a visão de mundo do filósofo e
escritor espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936), com a qual o enunciador diz se
identificar. Essa forma explicita uma alteridade ao próprio enunciador, utilizando-a
com a intenção de afirmar o que está na exterioridade, o ponto de vista do escritor
da literatura hispânica.
2) Negação
(a) É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem paternalismos. Sem
favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação.
(b) A obra não envolve gastos com adutoras, recalques, bombeamento,
usinas, barragens, energia elétrica. Será apenas um novo rio, artificial,
canal ou, um braço do São Francisco.
O enunciador, em (a), utiliza a negação com a preposição “sem”,
direcionando a forma do Nordeste ser pensado, ao estabelecer uma relação de
heterogeneidade, na medida em que essa afirmação está se contrapondo à voz de
outros políticos filiados a vários partidos, cuja visão dispensa à região um tratamento
visto como paternalista e com favores; em (b), dialoga com o potencial de seu leitor.
Sua fala, enquanto enunciador 2, é dialógica no sentido de que nela concorrem
62
também a sua fala e a de outro enunciador (enunciador 1), que “afirma” que a obra
gastará muita verba. A função de enunciador 2 é contrapor-se a um pressuposto de
enunciador 1 como uma “verdade”. Esta pode ser encontrada em muitos discursos
contrários ao projeto de transposição que circulam em jornais do país. Em ambas as
falas, o enunciador da Gazeta do Oeste responde às possíveis objeções do leitor.
3) Glosa do enunciador
(a) É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem paternalismos. Sem
favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação”.
Neste trecho, o uso da glosa, na medida em que o autor marca seu
território circunscrevendo-o com possíveis discursos divergentes, ao descrever sobre
o nordeste aspectos desta região, em que inexistem paternalismo e favores. Desse
modo, dialoga com discursos falados por outros e alhures, outras vozes discordantes
das demais esferas sócio-políticas.
(a) [...] tornará navegável os dois mais importantes rios do CE e RN,
facilitando o comércio com o transporte fluvial. Fará o mesmo papel que
desempenha o rio Reno no sul da Alemanha.
Tem-se, aqui, também, a presença da glosa. O autor, ao descrever o
papel do rio Reno
12
, no sul da Alemanha, mostrando efeitos da perenização dos rios
Açu e Jaguaribe, no Rio Grande do Norte e Ceará, acaba estabelecendo seus
limites com outros possíveis discursos do modo de utilização dos rios: comércio e
transporte fluvial. Novamente, estabelece-se uma relação com possíveis outras
vozes divergentes quanto ao uso dos rios. Têm-se, nos casos, fragmentos de
alteridade, pois conforme Authier-Revuz (1990, p. 31):
12
Duas funções, que de fato exerce o rio Reno, um rio longo de 1.320 km que atravessa toda a Europa de sul a
norte, desaguando no Mar do Norte. Junto com o Danúbio, constituía a maior parte da fronteira setentrional do
Império Romano. Os romanos chamavam o rio de Rhenus. Desde essa época o Reno é um curso de água muito
usado para o transporte e o comércio.
63
[...] localizar um ponto de heterogeneidade é circunscrever este ponto, ou
seja, opô-lo por diferença do resto da cadeia, à homogeneidade ou à
unicidade da língua, do discurso, do sentido, etc.; corpo estranho
delimitado, o fragmento marcado recebe nitidamente através das glosas de
correção, reserva, hesitação... um caráter de particularidade acidental, de
defeito local. Ao mesmo tempo, remete a um alhures, a um exterior
explicitamente especificado ou dado a especificar, determina
automaticamente pela diferença um interior, aquele do discurso; ou seja, a
designação de um exterior específico é, através de cada marca de
distância, uma operação de constituição de identidade para o discurso.
Foi o que o autor fez: circunscreveu tais elementos visando estabelecer
diferença com os possíveis sentidos que poderiam ser produzidos pelos leitores. São
palavras do autor a respeito de seu próprio enunciado. Esse movimento discursivo
pode ser verificado no dizer de Mikhail Bakhtin em Problemas da poética de
Dostoiéksky (2002, p.184):
[...] as relações dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado,
inclusive no íntimo de uma palavra isolada se nela se chocam
dialogicamente duas vozes [...]
Por outro lado, as relações dialógicas são possíveis também entre os
estilos de linguagem, os dialetos sociais, etc., desde que eles sejam
entendidos como certas posições semânticas, como uma espécie de
cosmovisão da linguagem, isto é, numa abordagem não mais lingüística.
Por último, as relações dialógicas são possíveis também com a sua
própria enunciação como um todo, com partes isoladas desse todo e com
uma palavra isolada nele, se de algum modo nós nos separamos dessas
relações, falamos com ressalva interna, mantemos distância face a elas,
como que limitamos ou desdobramos a nossa autoridade. (Grifo nosso)
É interessante essa fala interna, gerada pelo próprio enunciador, em
relação ao seu enunciado, pois, sem dúvida, tal procedimento confirma o princípio
dialógico.
4) o interlocutor
(a) Na hora em que a campanha eleitoral leva idéias ao debate nunca é
demais lembrar a irrigação como única solução para o Nordeste.
Este trecho apresenta, explicitamente, uma alteridade em relação a si
mesmo. Ao afirmar “nunca é demais lembrar”, o autor estabelece com seu
interlocutor uma relação, sugerindo a lembrança da presença da idéia da irrigação
64
do nordeste na pauta da campanha eleitoral do ano em curso. Segundo Authier-
Revuz (1990, p. 31), essa situação é uma “engrenagem do funcionamento normal da
comunicação”.
Bakhtin (1992, p. 350), ao falar do caráter da interindividualidade da
palavra em Estética e criação verbal, afirma
Tudo o que é dito, expresso, situa-se fora da “alma”, fora do locutor, não
lhe pertence com exclusividade. Não se pode deixar a palavra o locutor
apenas. O autor (o locutor) tem seus direitos imprescritíveis sobre a
palavra, mas também o ouvinte tem seus direitos, e todos aqueles cujas
vozes soam na palavra têm seus direitos (não existe palavra que não seja
de alguém). A palavra é um drama com três personagens (não é um dueto,
mas um trio). É representado fora do autor, e não se pode introjetá-lo
(introjeção) no autor.
Aqui, o leitor é convocado a participar da comunicação verbal na condição
de interlocutor, uma dimensão de sua alteridade.
– Formas não-marcadas
1) Catacrese
(a) Será apenas um novo rio, artificial, canal ou, um braço do São
Francisco.
Em (a), relaciona-se diretamente a expressão “braço de São Francisco”
(membro superior do corpo humano) à parte estreita do Rio São Francisco.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o da política de irrigação do semi-árido do Nordeste.
(a) [...] nunca é demais lembrar a irrigação como única solução para o
Nordeste.
(b) Das discussões até agora realizadas o caminho certo é o de
encaminhar as águas do São Francisco para os vales ou bacias
hidrográficas dos rios secos da região, inundando-os.
65
Esses trechos, que veiculam a “solução do Nordeste” através da irrigação
das terras dessa região do país, visando solucionar os problemas, efeitos do
fenômeno da seca, constituem-se em enunciados produzidos desde o período
colonial
13
, conforme Marco Antonio Villa (2005).
2) o político-econômico das regiões do Brasil
É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem paternalismos. Sem
favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação.
Esse enunciado sugere a existência de discursos produzidos, nos setores
da política e da economia, que visualizam o Nordeste de forma excludente em
relação a outras regiões: marginalizada, fora de um contexto sócio-político total, no
qual imperam as formas de paternalismo e favores.
3) o filosófico
(a) Porque, como UNAMUNO, é bom sonhar com o absurdo, para
conseguir o impossível.
Ao se referir ao UNAMUNO, o autor estabelece um diálogo com o discurso
filosófico do escritor espanhol Miguel de Unamuno. Sua presença, na condição de
outro, é interessante, na medida em que se encontra representado nas duas ordens
diferentes: no processo real de constituição dum discurso e no processo de
representação num discurso. No caso, tem-se a heterogeneidade constitutiva e a
13
. De acordo com Villa, o jesuíta Fernão Cardim (1540-1625), um dos primeiros cronistas desse período, em seu
Tratado da terra e da gente, publicado em 1625, relatava: "As fazendas de canaviais e mandioca muitas se
secaram, por onde houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco". Villa ainda afirma que
depois da abdicação de d. Pedro I, em 1831, o governo voltou a se interessar pelo problema com medidas
paliativas. Em 1833, o governo regencial autorizou a abertura de fontes artesianas nos estados do Ceará,
Pernambuco e Paraíba. Em 1832, com o padre José Martiniano de Alencar - pai do escritor Jode Alencar - no
governo do Ceará, tentou-se estabelecer uma política, ainda que na esfera da província, de incentivos para a
construção de açudes e a perfuração de poços artesianos. Mas as medidas adotadas por Alencar não tiveram
continuidade, pois saiu do governo depois da queda de Diogo Antonio Feijó, então regente, em 1837.
Finalizando, Villa esclarece que “as constantes secas acabaram provocando os primeiros ensaios e livros sobre o
tema”, por exemplo, o folheto Aclimatação do dromedário nos sertões do norte do Brasil e da cultura da
tamareira, traduzido do francês, em 1857, por Frederico Leopoldo Cézar Burlamaque, de 29 páginas,
apresentado à Sociedade Zoológica de Aclimatação de Paris.
66
marcada mostrada, em que se estabeleceu a entonação por meio das letras
garrafais. A situação dessas duas heterogeneidades lembra o que pensa Authier-
Revuz (1990, p. 32):
Não se trata de assimilar um ao outro, nem de imaginar um relacionamento
simples, de imagem, de tradução, nem de projeção de um no outro; essa
relação de correspondência direta é interditada tanto porque ela faria supor
uma transparência do dizer em suas condições reais de existência quanto
pela irredutibilidade manifesta das duas heterogeneidades.
A presença desses outros discursos justifica-se pelo interesse do autor, ao
evidenciar a presença da voz de Unamuno, não por acaso, mas como estratégias
enunciativas, em buscar efeitos de credibilidade e aceitabilidade junto ao leitor.
Enunciado 02
Água do São Francisco para o semi-árido (Anexo 02)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso indireto
(a) Li certa vez opinião de técnicos da Bahia, especialistas no assunto, [...]
alegando que as reservas hídricas do rio estavam comprometidas com
diversos projetos.
O outro que esse recurso assinala é o outro discurso, dos técnicos, a
contrastar com o eu do autor. Conforme Bakhtin, essa forma é denominada
“Discurso indireto analisador do conteúdo”, cuja apreensão do discurso do outro é
feita quando se apreende a enunciação de outrem no plano do conteúdo, pois,
conforme Bakhtin, esse discurso “[...] apreende a enunciação de outrem no plano
meramente temático e permanece surda e indiferente a tudo que não tenha
significação temática”. (1986, p. 161).
67
2) Glosa (modalização autonímica)
(a) No governo de D. João VI, houve uma recomendação, no sentido de se
estudar a viabilidade daquele projeto.
O outro que a modalização autonímica assinala é o outro discurso, do
governo imperial de D. João VI, a contrastar com o eu do autor.
3) o mas refutado
(a) quem considere tratar-se de uma obra mirabolante, faraônica, de
custo elevadíssimo. Mas, se há recurso para tanto, que seja construída.
(b) Não diria ser uma utopia trazer a água do importante rio para a região
semi-árida do Nordeste, mas um velho sonho, o qual desejaria ver
realizado, inundando as terras do Vale e Chapada do Apodi.
Nesses trechos, há as refutações feitas pelo “mas” articulando dois
argumentos com orientações diferentes, o que introduz um conflito de falas: Em (a),
o enunciador deste enunciado contrapõe-se ao enunciador do primeiro argumento
(enunciador 1), ou seja, aos outros discursos que comparam o projeto às grandes
construções feitas pelos antigos faraós da civilização egípcia; em (b), novamente a
função do segundo argumento do autor é contrapor-se a um pressuposto do
discurso do outro que considera a realização da obra como um desejo impossível
de se realizar, um ideal. Essa afirmação é refutada pelo autor ao afirmar que a
realização do projeto é possível.
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) quem considere tratar-se de uma obra mirabolante, faraônica, de
custo elevadíssimo.
Em (a), o projeto de transposição está associado às enormes construções
dos faraós do antigo Egito, assinalando o outro discurso, o histórico.
68
2) Prosopopéia ou personificação
(a) [...] é que, enquanto a barragem de Santa Cruz, em Apodi, grita por
recursos, com suas obras paralisadas há mais de dois anos [...].
Em (a), tem-se a prosopopéia ou personificação, assinalando o outro
discurso na medida em que o autor dá voz a um ser inanimado.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o técnico-científico
(a) Li certa vez opinião de técnicos da Bahia, especialistas no assunto,
contrária à transposição das águas do São Francisco para outras regiões,
alegando que as reservas hídricas do rio estavam comprometidas com
diversos projetos.
2) o histórico
(a) Por volta de 1847, Marco Macedo lembrou a idéia de canalizar as águas
do rio São Francisco em direção ao rio Salgado, formador do Jaguaribe,
visando ao fornecimento d’água para outras regiões. É curioso notar que a
idéia não era nova. No governo de D. João VI, houve uma recomendação,
no sentido de se estudar a viabilidade daquele projeto.
3) o político-econômico
(a) quem considere tratar-se de uma obra mirabolante, faraônica, de
custo elevadíssimo. Mas, se recurso para tanto, que seja construída. E
que o gravíssimo problema da seca, que nos parece insolúvel, seja pelo
menos amenizado.
4) o da mídia (jornalístico)
(a) De qualquer maneira o assunto ressurge, volta à tona, ganha as
manchetes dos jornais, do rádio e da televisão”.
(b) E o povo acompanha, com muita curiosidade, as notícias garantindo a
redenção do Nordeste, com as águas do generoso rio.
5) o político eleitoral
(a) É bom lembrar que estamos dentro de um ano político, cuja campanha
se prenuncia acirrada, quando é comum surgirem promessas dessa
natureza, que podem render, ou não, dividendos eleitorais.
Todos esses discursos fizeram parte constitutivamente do discurso do
autor-enunciador como Outros, evidenciando, mais uma vez, a natureza
69
interdiscursiva de um enunciado. O que se observa, até o momento, é que os
enunciados que visam opinar sobre o projeto m uma constância maior na ordem
da heterogeneidade constitutiva do que na mostrada, seja marcada ou não-marcada.
Enunciado 03
A transposição corre risco (Anexo 03)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso indireto
(a) Toda ela está fazendo coro e veladas críticas à execução do referido
projeto. São matérias que se repetem dedicadas à tentativa de demonstrar
sua inviabilidade. Os argumentos são os mais variados, ora é de que o rio
não tem água suficiente para ser desviada e, caso acontecesse, poderia
prejudicar os projetos existentes em seu curso. Essa tese ficou
comprovadamente desprovida de valor técnico, já que menos de 3% de
suas águas que são normalmente despejadas no oceano Atlântico é que
seriam retiradas. Ou então alegam falta de recursos.
O outro que esse dispositivo discursivo revela é o outro discurso, o da
imprensa situada da Bahia ao Rio Grande do Sul.
2) O interlocutor
(a) Não nos iludamos, a transposição do Velho Chico fere antigos e
fortíssimos interesses localizados, principalmente na região Sudeste [...].
(b) A propósito, seria bom que aproveitássemos a oportunidade para
cobrarmos uma posição firme e concreta dos nossos políticos que estão
concorrendo às eleições em relação ao assunto, inclusive os
presidenciáveis. Aqueles [...]. É a nossa vez de nos fazermos ouvidos.
Os trechos acima assinalam um discurso que expõe explicitamente uma
alteridade em relação a si mesmo, pois o autor estabelece com o enunciatário uma
comunicação, sugerindo a precaução em relação aos políticos.
3) Negação
(a) Essa política de subcolonização interna não vai ser fácil de se destruir.
70
(b) Portanto, é imprescindível a mobilização em defesa desse projeto para
que ele seja imediatamente executado e não jogado para um futuro incerto,
como tem acontecido de outras vezes.
Tem-se, aqui, a utilização da negação como marcas que testemunham a
presença do discurso do outro. Em (a), o autor faz a negação do argumento do
enunciador 1, (o outro) que “afirma” que o é tão difícil erradicar a situação política
de subserviência administrativa a que está exposta a região do nordeste do país.
Não é raro encontrar discursos que circulam com essa posição, por exemplo, em
certos discursos demagógicos. Em entrevista à TV Rede Vida, a atual governadora
do Rio Grande do Norte afirmou que, se os políticos desse estado se unissem,
poderiam erradicar grande parte dos problemas da região. Tal afirmação é muito
simplista, na medida em que o espaço político partidário-representativo o esgota
os problemas, que também são da esfera econômica nos planos interno e externo;
em (b), tem-se o autor (enunciador 2) estabelecendo um diálogo com o enunciador 1
que “afirma” que esse projeto terá um fim com os demais, em razão da falta de luta
política por parte dos interessados. Essa é a voz do outro discurso potencial do leitor
que dialoga com o autor.
– Formas não-marcadas
1) Antonomásia
(a) [...] a transposição do Velho Chico fere antigos e fortíssimos interesses
localizados [...]
A expressão destacada está associada ao Rio São Francisco, portanto,
assinala o outro do discurso, o da “sabedoria popular”, pois grande parte dos
falantes associa diretamente essa expressão à que ela se refere.
71
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o jornalístico (imprensa)
(a) [...] e principalmente da grande imprensa situada da Bahia ao Rio
Grande do Sul. Toda ela esfazendo coro e veladas críticas à execução
do referido projeto. São matérias que se repetem dedicadas à tentativa de
demonstrar sua inviabilidade.
2) o técnico
(a) [...] ora é de que o rio não tem água suficiente para ser desviada e, caso
acontecesse, poderia prejudicar os projetos existentes em seu curso.
Essa tese ficou comprovadamente desprovida de valor técnico, que
menos de 3% de suas águas que são normalmente despejadas no oceano
Atlântico é que seriam retiradas.
3) o político e administrativo
(a) Ou então alegam falta de recursos. Outra balela, pois o Ministério da
Integração Regional demonstrou que o Governo Federal gastou muito mais
durante o atendimento aos emergenciados da seca, que consumiu em
torno de dois bilhões de dólares em obras assistencialistas sem nenhum
resultado definitivo.
(b) Essa política de subcolonização interna não vai ser fácil de se destruir.
E a transposição do São Francisco, sem dúvida, é uma possibilidade de
acontecer, da acabar com essa desigualdade cruel.
4) o político e econômico
(a) Não nos iludamos, a transposição do Velho Chico fere antigos e
fortíssimos interesses localizados, principalmente na região Sudeste que
sempre atuaram no sentido da manutenção hegemônica economicamente
sobre as demais áreas do país e especialmente do Nordeste, tradicional
fornecedor de matéria-prima e de mão-de-obra a preços aviltantes.
5) o desenvolvimento regional
(a) [...] por entendermos ser o mais importante projeto de desenvolvimento
regional para o semi-árido nordestino e sua execução crucial para a
redenção do seu povo da fome e da miséria que lhes têm castigado pelo
tempo afora.
72
Enunciado 04
A transposição intransponível (Anexo 04)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] como pela “intenção” de beneficiamento aos agricultores
nordestinos em época pré-eleitoral [...]
(b) Ora, em se tratando de existência desse projeto – se não me engano
são mais de cem anos -, o “desconfiômetro” fica louco, aqui e alhures.
(c) Outro questionamento levantado é sobre a “pressa”, no tocante à
realização da transposição.
Os outros que as aspas assinalam são outros discursos, em (a), o político
(o do ministro da Integração Regional e do presidente, por exemplo); em (b), popular
(expressão popularmente utilizada para designar a medição mental de desconfiança
em torno de uma atitude de outrem); em (c), o político (referindo-se às palavras do
responsável pelo projeto).
Este recurso faz parte da estratégia enunciativa visando manter distância
de outros discursos sob as aspas. A propósito, ouçamos o que Bakhtin (1986, p.
160) tem a dizer sobre esse recurso da dinâmica da orientação recíproca entre o
discurso citado e o discurso narrativo: “Se fôssemos ler o resultado em voz alta,
leríamos as expressões entre aspas de maneira diferente, para dar a entender
através de nossa entoação que elas são tomadas diretamente do discurso de outra
pessoa e que nós queremos manter distância”.
2) Discurso indireto
(a) Não basta o ministro Aluízio Alves dizer que irá tocar adiante, e pronto.
Esse recurso do discurso indireto instala o outro, Aluízio Alves.
73
3) Modalização autonímica
(a) Não seria essa intenção face à execução do projeto? Ou seja: tirar
dividendos políticos, oferecendo as águas [...] em troca de voto!?.
Essa modalização autonímica assinala o desdobramento do próprio autor
comentando sua própria fala. É um enunciado comentando outro enunciado.
4) O mas refutativo
(a) O Brasil se vangloria por ser um país democrático, mas países
democráticos devem conversar com o seu povo, saber deles os prós e os
contras [...].
Neste trecho, tem-se a refutação através do “mas” articulando dois
argumentos com orientações distintas, o que introduz um conflito de falas. Em (a), o
autor, responsável pelo segundo argumento, que vem posposto ao “mas”,
contrapõe-se ao enunciador do primeiro argumento (enunciador 1), na posição de
discurso do outro. Conforme o autor do segundo argumento, existem discursos que
enaltecem o Brasil, qualificando-o de nação democrática. Aqui, o autor dialoga com
o leitor em potencial.
– Formas não-marcadas
1) Provérbio
(a) Sem isso não democracia. E mais: “de esmola grande, até santo
desconfia”.
O provérbio assinala o outro discurso, a voz da “sabedoria popular”, à qual
se atribui a responsabilidade do enunciado; não explicitação de sua fonte, pois
estrategicamente foi posicionado no fim do enunciado, visando: a) estabelecer com
o leitor uma relação intersubjetiva; e b) a adesão do leitor-enunciatário face ao
projeto.
74
2) Prosopopéia ou personificação
(a) [...] o “desconfiômetro” fica louco, aqui e alhures.
Em (a), tem-se a prosopopéia ou personificação, assinalando o outro
discurso na medida em que o autor dá voz a um ser inanimado.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o discurso eleitoral
(a) Tanto sobre o montante a ser empregado U$ 2 bilhões -, como pela
“intenção” de beneficiamento aos agricultores nordestinos em época pré-
eleitoral.
(b) É de longe sabido que anos a região Nordeste é um forte curral
eleitoral, sendo que os detentores do poder se aproveitam dessa mazela
para tirar dividendos políticos e deixando o povo pobre cada vez mais
pobre.
(c) Não seria essa intenção face à execução do projeto? Ou seja: tirar
dividendos políticos, oferecendo as águas do São Francisco em troca de
voto!? Nitidamente, em primeira hipótese, poderíamos dizer que sim com
chances remotas de ser um não.
2) o político administrativo
(a) É dever da União levar em consideração riscos ambientais, fatores
prejudiciais aos estados que sobrevivem das águas do referido rio,
condições econômicas e, ao meu ver, a principal, intenções políticas. Não
basta o ministro Aluízio Alves dizer que irá tocar adiante, e pronto. Toda a
sociedade tem que estar a par do assunto.
3) o ambientalista
(a) Noutro ponto de vista, poderia ser discutida a transposição das águas
do Rio Amazonas, onde se verificaria, apenas, um possível impacto
ambiental, que cidades populosas talvez não fossem bastante
prejudicadas com essa transposição.
4) o popular
(a) Sem isso não há. E mais: esmola grande, até santo desconfia.
75
– O Mossoroense
Enunciado 01
OPINIÃO (Anexo 05)
Circulado pelo O Mossoroense, em 13/05/1994, na página 2, Coluna
Análise & Fatos, ocupando ¼ da folha, com a matéria constituída de uma foto do
autor, que abre a rubrica ANÁLISE & FATOS, deslocada para o canto direito
superior, em letras garrafais, que ocupa, da direita para a esquerda, a metade da
primeira coluna da parte superior da segunda gina, este enunciado fala sobre a
visita do autor ao Ministério da Integração Regional. É um artigo opinativo, e
encontra-se no meio da folha, sendo publicado diariamente, principalmente no
interior do estado. O autor exercia o mandato de deputado federal/RN, sendo
candidato à reeleição pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro/PMDB/RN,
ocupando o cargo de presidente da Comissão de seguridade Social da Câmara e
proprietário do citado jornal e de uma emissora de rádio.
Sem título específico, é verbo-visual, construído por dois tipos de
discursos, verbais e imagens. Levando-se em conta sua totalidade, o enunciado
destaca dois elementos que se sobrepõem ao verbal: a foto do enunciador e
deputado, lado esquerdo, e a rubrica, do lado direito, escrita em letras garrafais,
primeiro objeto visualizado, cujas posições são estratégicas no plano da informação,
atraindo o olhar para si em primeiro lugar, de modo a tornar destacada a informação
veiculada em que se estabelece a identificação entre autor e enunciado.
Os modos expressivos verbal e visual marcam o caráter sincrético do
enunciado de Laíre Rosado que, no momento, exerce uma função pública. Não é um
enunciador qualquer, a foto tem uma função importante: garantir a relação direta de
identidade entre o sujeito enunciador e sua função. Pela diagramação da gina,
76
percebe-se que a imagem veiculada pela fotografia é dada como uma informação
prioritária. Essa estética, em que se observa uma relação de sobreposição entre o
plano verbal e o plano visual, acaba gerando ao enunciado, em sua totalidade, uma
simbiose.
Seu público alvo é constituído, principalmente, por leitores das cidades
oestanas, a população em geral, interior do Rio Grande do Norte, embora sua
circulação também se na capital e cidades circunvizinhas. Atualmente um dos
quatro mais antigos do Brasil, fundado em 17 de outubro de 1872, em circulação, e o
mais antigo do estado. Conforme seu histórico se dispunha a defender os
interesses do Partido Liberal”. (O Mossoroense, extraído em 09/05/2005, no site
http://www2.uol.com.br/omossoroense/mudanca/historico.htm); tem 132 anos, com
publicação diária, exceção da segunda-feira, com grande circulação na cidade de
Mossoró, sendo propriedade de um grupo de família tradicional na política municipal
e estadual.
O autor assume a posição de defensor do projeto de transposição das
águas do Rio São Francisco como redenção do Nordeste através de marcas da
primeira pessoa, colocando-se como integrante de um grupo que fora falar com o
Ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, nos trechos: Estive no Ministério da
Integração Regional, ontem, em companhia do diretor da ESAM, professor Joaquim
Amaro. Desde que tomei conhecimento do Projeto de Transposição das Águas do
São Francisco que comecei a imaginar o que poderia ser trazido para a nossa
região, relacionado à execução dessa obra”; como defensor da aprovação de projeto
de irrigação: “[...] tínhamos procurado, junto à Secretaria Nacional de Irrigação, a
aprovação de projetos de preparação de mão-de-obra especializada para o semi-
árido”; como anfitrião do ministro para a discussão do projeto: Fiz o convite para
77
que Aluízio venha a Mossoró. É importante discutir com os habitantes da região da
Chapada do Apodi, a modificação em torno desse projeto, suas conseqüências e
seus benefícios, o futuro das barragens de Santa Cruz e Oiticica e a repercussão na
economia do Rio Grande do Norte”; e defensor de projetos similares: “[...] estive
com o ex-ministro da irrigação, Vicente Fialho, com quem sempre discuto os projetos
de interesse de uma mesma região, o Apodi, defendendo a criação de um “cinturão
d’água” em torno da chapada. Como patrocinador do projeto técnico da barragem de
Santa Cruz, e defensor do Projeto São Francisco, admitiu comparecer a esse
encontro, respaldando ainda mais o acerto desse projeto, que será a redenção do
nordeste”.
O artigo não possui título específico, sua construção é feita em primeira
pessoa e com seis parágrafos. Relata a visita do autor, na função de deputado, em
companhia do diretor da Escola Superior de Agronomia de Mossoró-ESAM, ao
Ministério da Integração e ao ex-ministro da irrigação. Utilizando-se de um pronome
da primeira pessoa, que marca e expressa uma aproximação do autor com o leitor, o
enunciador revela sua condição de representante público junto às instituições
políticas de um estado, e faz valer sua posição de homem público, estabelecendo
contato pessoal com uma instituição do nível político de um Ministério, juntamente
com um diretor de uma escola superior.
Esse procedimento discursivo do autor, de marcar sua posição política no
início do enunciado, é feito estrategicamente, pois o mesmo procedimento é repetido
no final, relatando que também esteve com um ex-ministro do Ministério da Irrigação.
Com isso, o autor marca: a) seu lugar social; e b) seu grau de adesão quanto ao
projeto de irrigação, este se tornando mais evidente em sua progressão enunciativa.
78
Durante todo o enunciado, o autor, ao introduzir cada parágrafo, apresenta
especificamente sua relação com espaços e pessoas que têm com o projeto uma
relação de competência institucional e relevância na hierarquia sócio-política do
país. Os trechos: Estive no Ministério da Integração Regional, ontem, em
companhia do diretor da ESAM [...]”; “Em 1992, tínhamos procurado, junto à
Secretaria Nacional de Irrigação [...]”; Com o Ministro Aluízio Alves, a conversa foi
diferente.”; O escritório para a execução do projeto de transposição terá sua sede
em Souza, na Paraíba.”; Fiz o convite para que Aluízio venha a Mossoróe Depois
desse encontro, estive com o ex-ministro da irrigação, Vicente Fialho, com quem
sempre discuto os projetos de interesse de uma mesma região, [...]” demonstram
isso.
Em cada início de parágrafo, em que o autor desenvolve sua imagem
pública e sua adesão à transposição, o desenvolvimento de tais tópicos
introdutórios com detalhamento face aos espaços políticos e pessoas que exercem
cargos considerados legítimos e institucionalmente competentes. O autor apresenta,
como argumentos para sustentar seu ponto de vista, suas visitas ao Ministério da
Integração Regional, Secretaria Nacional de Irrigação, Ministro Aluízio Alves, ESAM
(Escola Superior de Agricultura de Mossoró) e ao ex-ministro da irrigação, Vicente
Fialho. Tais fatos o relatados e descritos visando produzir no leitor o sentido de
comunicar sua adesão ao projeto.
Procurando evidenciar que sua adesão não é individual ou isolada, o autor
apresenta as posições do Ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, e as do ex-
ministro da Irrigação, Vicente Fialho, conferindo, àquela, maior legitimidade e
credibilidade. Temos aqui, de forma explícita, a posição do Ministro da integração
Regional, Aluízio Alves, conforme discurso relatado do autor: “Com o Ministro Aluízio
79
Alves, a conversa foi diferente. A perenização dos rios nordestinos, possibilitará a
irrigação de 1.200.00 hectares, no período de 6 anos”. A informação, no final do
enunciado, do comparecimento do ex-ministro da Irrigação, Vicente Fialho, a um
encontro para tratar da transposição, na condição de patrocinador do projeto técnico
da barragem de Santa Cruz e defensor do Projeto São Francisco, serve para
reforçar a posição do autor: “[...] ex-ministro da irrigação, Vicente Fialho, com quem
sempre discuto os projetos de interesse de uma mesma região, o Apodi, defendendo
a criação de um “cinturão d’água” em torno da chapada”. Como patrocinador do
projeto técnico da barragem de Santa Cruz, e defensor do Projeto São Francisco,
admitiu comparecer a esse encontro, respaldando ainda mais o acerto desse projeto,
que será a redenção do nordeste. A adesão do autor ao projeto também pode ser
observada nas expressões: comecei a imaginar”, “[...] tínhamos procurado [...] a
aprovação [...]”, É importante discutir com os habitantes [...], suas conseqüências e
seus benefícios [...].
O enunciado utiliza uma linguagem composta de palavras e expressões
objetivas e subjetivas bastante utilizadas nos campos da agronomia e da agricultura.
1) Objetiva: a) Plano das Instituições, profissões e cargos: “Ministério da
Integração Regional, ESAM Escola Superior de Agronomia de Mossoró”,
“Secretaria Nacional de Irrigação”, “Ministro”, “Escritório”, “Professor”, “ex-ministro da
Irrigação”; b) Área da técnica agronômica: “transposição das águas”, “região”, “semi-
árido”, “perenização dos rios”, “irrigação”, “hectares”, “agronomia”, “técnicos em
irrigação”, “escritório para execução”, “mão-de-obra”, “barragens”, “cinturão d’água”;
c) Espaços geográficos: “nordeste”, “São Francisco”, “Paraíba”, “Mossoró”, “Apodi”,
“Souza”, “Santa Cruz”, “Chapada do Apodi”.
80
2) Subjetivas: a) Verbo: “Estive” (primeira pessoa gerando um
aproximação com o leitor), b) Verbos: “imaginar”, “tínhamos”, “Fiz”, “discuto”,
“defendendo”, “respaldando”. c) Pronomes: “nossa”. d) Adjetivo: “importante”, e)
substantivos: “patrocinador”, “defensor”, “redenção”.
Mesmo que faça uma narração e descrição da visita do autor, na condição
de deputado federal, às instâncias competentes e legítimas, como o Ministério de
Integração Regional, para tratar do projeto de transposição, o artigo tem caráter
apreciativo, revelando a posição do autor face ao projeto de transposição.
A representação feita pelo autor em relação aos outros discursos revela
tanto adesão ao gesto do Ministro da Integração Regional como a não adesão por
parte da Secretaria Nacional de Irrigação. Com isso, o autor deu um enorme
destaque, como estratégias discursivas e ideológicas, às representações que
estavam a favor do projeto. Vale ressaltar que, apenas em um determinado
momento desse enunciado, apresenta-se um interdito em relação à viabilização do
projeto oriundo da Secretaria Nacional de Irrigação, no ano de 1992: A idéia não
prosperou, por falta de recursos ou mesmo, de interesse dos seus dirigentes, àquela
época”.
O enunciador faz uma representação do projeto de transposição,
sedimentada na irrigação de 1.200.00 (com a perenização dos rios nordestinos), no
período de seis anos, nas conseqüências e benefícios e na repercussão na
economia do Rio Grande do Norte, como necessária.
No que se refere à representação do espaço nordestino, o enunciado
apresenta-o como uma região sem redenção e, portanto, excluída de liberdade de
produção econômica, fruto da ausência de água para sua irrigação, uma visão
“negativa”.
81
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] “cinturão d’água”.
Este aspeasmento indica a alteridade estabelecida pelo autor ao “outro”
discursivo. A expressão é um termo técnico que significa uma zona geográfica onde
passa a água de um rio chamado Apodi. Seu uso faz parte das estratégias
enunciativas do autor em relação ao discurso do outro numa posição de
distanciamento. Bakhtin (1985, p. 160) assinala que as aspas têm essa função na
dinâmica da relação do discurso citado e do discurso daquele que cita.
2) O interlocutor
(a) A ESAM, como todos sabem, é a única escola superior de agronomia
localizada no semi-árido.
A expressão “como todos sabem” funciona como um discurso que põe
explicitamente uma alteridade em relação a si mesmo. O autor está estabelecendo,
com seu interlocutor, uma relação, sugerindo que este tem o conhecimento de que a
Escola Superior de Agronomia de Mossoró-ESAM é a única instituição acadêmica de
cunho agronômico em terras semi-áridas. Tal procedimento acaba estabelecendo
entre autor e leitor uma relação de interação em que este é o outro.
3) Glosa
(a) Fiz o convite para que Aluízio venha a Mossoró. É importante discutir
com os habitantes da região da Chapada do Apodi, a modificação em torno
desse projeto, suas conseqüências e seus benefícios, o futuro das
barragens de Santa Cruz e Oiticica e a repercussão na economia do Rio
Grande do Norte.
(b) A idéia não prosperou
, por falta de recursos ou mesmo, de interesse
dos seus dirigentes, àquela época.
82
Aqui, existe um enunciador que utiliza a glosa na medida em que marca
seu território circunscrevendo as tarefas da visita do ministro Aluízio Alves a
Mossoró, apresentando os limites da discussão em torno do projeto:
Em (a), com os habitantes da região indicada, modificações do projeto,
conseqüências, benefícios, futuro das barragens de Santa Cruz e Oiticica e, por fim,
os efeitos do projeto na economia do Rio Grande do Norte. O enunciador dialoga
com discursos falados por outros e alhures, outras vozes discordantes das demais
esferas sócio-políticas que podem surgir na visita do ministro a Mossoró.
Em (b), também há glosa. O autor circunscreve a não prosperidade da
idéia de Irrigação, apresentando sua posição em relação à não aprovação de
projetos de preparação de mão-de-obra especializada para o semi-árido por parte da
Secretaria Nacional de Irrigação.
– Formas não-marcadas
1) Discurso indireto livre
(a) Com o Ministro Aluízio Alves, a conversa foi diferente. A perenização
dos rios nordestinos, possibilitará a irrigação de 1.200.00 hectares, no
período de 6 anos. A ESAM, como todos sabem, é a única escola superior
de agronomia localizada no semi-árido. O que se discutiu foi a
possibilidade de treinamento de técnicos em irrigação, por professores da
ESAM. O escritório para a execução do projeto de transposição terá sua
sede em Souza, na Paraíba. A preparação da mão-de-obra especializada
em irrigação ficará em Mossoró. Isso ficou decidido de imediato pelo
ministro Aluízio que, inclusive, recebeu estudos técnicos sobre o assunto
das mãos do professor Joaquim Amaro.
Tem-se aqui o uso, por parte do autor, do discurso indireto livre. O que
percebemos são as palavras do enunciador e do “outro”, no caso o Ministro Aluízio
Alves. É a inserção do discurso-outro através do discurso relatado indireto livre. Não
se podem dizer exatamente quais são as palavras pertencentes ao enunciador
citado e que palavras pertencem ao enunciador que cita.
83
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o da universidade ou academia.
(a) A ESAM, como todos sabem, é a única escola superior de agronomia
localizada no semi-árido. O que se discutiu foi a possibilidade de
treinamento de técnicos em irrigação, por professores da ESAM.
(b) A preparação da mão-de-obra especializada em irrigação ficará em
Mossoró. Isso ficou decidido de imediato pelo ministro Aluízio que,
inclusive, recebeu estudos técnicos sobre o assunto das mãos do professor
Joaquim Amaro.
No discurso “outro”, em questão, reconhece-se a capacidade técnica da
escola de agronomia, única em terreno semi-árido, na preparação de técnicos em
irrigação junto ao quadro docente da escola de ensino superior.
2) o político-econômico
(a) É importante discutir com os habitantes da região da Chapada do
Apodi, a modificação em torno desse projeto, suas conseqüências e seus
benefícios, o futuro das barragens de Santa Cruz e Oiticica e a
repercussão na economia do Rio Grande do Norte.
Esse discurso sugere que o projeto trará vários benefícios, dentre os quais
divisas econômicas.
3) o da política de irrigação
(a) A perenização dos rios nordestinos, possibilitará a irrigação de 1.200.00
hectares, no período de 6 anos.
(b) [...] estive com o ex-ministro da irrigação, Vicente Fialho, com quem
sempre discuto os projetos de interesse de uma mesma região, o Apodi,
defendendo a criação de um cinturão d’água” em torno da chapada. Como
patrocinador do projeto técnico da barragem de Santa Cruz, e defensor do
Projeto São Francisco, admitiu comparecer a esse encontro, respaldando
ainda mais o acerto desse projeto, que será a redenção do nordeste.
84
Enunciado 02
OPINIÃO (Análise & Fatos) (Anexo 06)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso indireto
(a) Com relação ao Santa Cruz, foi dito que a transposição das águas do
São Francisco dispensaria esse projeto.
O outro que o discurso indireto assinala é o outro discurso, o político,
especificamente as falas do Governador do Rio Grande do Norte, Vivaldo Costa, e a
bancada federal.
2) Glosas
(a) Quanto à estrada, não nem o que discutir. Quem viaja pelas BRs,
principalmente as 405 e 110, pode constatar que elas estão piores a cada
dia que passa. A recuperação é necessária, e o mais urgente possível.
Nesse mesmo trecho, podemos perceber a heterogeneidade da
linguagem através dessa modalização autonímica em que um desdobramento do
discurso para o autor comentar sua própria fala.
– Formas não marcadas
1) Metonímia
(a) Na reunião da bancada federal com o governador Vivaldo Costa, no
início desta semana ...[...]
A expressão marcada refere-se aos deputados federais e senadores do
Rio Grande do Norte. Bancada federal é o continente, pois ela contém os
parlamentares; estes são, portanto, o conteúdo. O outro que a metonímia assinala é
o outro discurso: o político.
85
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) Fiquei surpreso com duas colocações. O governador e a bancada, a
exceção dos senadores Lavoisier Maia e Garibaldi Filho, não quiseram
incluir as obras da Barragem da Santa Cruz e a recuperação da BR-405.
2) o político de irrigação
(a) Com relação ao Santa Cruz, foi dito que a transposição das águas do
São Francisco dispensaria esse projeto. Esse argumento não é válido pois,
no semi-árido, quanto maior a quantidade de água armazenada, melhor
será para a região.
3) o político parlamentar
(a) Discordando dessa colocação, inclui entre as minhas emendas,
recursos destinados a essas duas importantes obras. Não posso entender
como elas podem ser retiradas, quando os problemas ainda continuam
existindo.
(b) Com limite de apenas 25 propostas de emenda ao orçamento, por
parlamentar, ficou muito difícil o atendimento a todas as nossas
necessidades. Depois, nem ao menos sabemos se elas serão
integralmente aprovadas.
(c) Em relação às outras emendas, não houve dificuldades. Todas foram
mantidas e serão encaminhadas, subscritas por cada um dos
representantes do Rio Grande do Norte. Somente essas duas é que não
receberam a aprovação de todos mas, assumi, a responsabilidade pela sua
apresentação.
4) o político eleitoral
(a) [...] mesmo com a campanha eleitoral praticamente iniciada, os
candidatos que irão se defrontar no próximo pleito preferiram esse último
entendimento administrativo, para se conseguir melhores resultados para o
Estado. [...] o resultado das urnas.
Enunciado 03
Aluízio não tem mais direito à perseguição política (Anexo 07)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Glosa
(a) Falo da perseguição que o ministro vem implementando contra o PAPP
Programa de Apoio ao Pequeno Produtor. Um programa de grande
importância para os pobres da agricultura nordestina.
86
(b) [...] os pobres da agricultura nordestina. Pobres estes que não têm
qualquer culpa se José Agripino e seus cabras da peste, estão fazendo
politicagem com o dinheiro, a partir do nome Vontade da Gente [...]
.
O autor utilizou tais glosas visando circunscrever e especificar o sentido
dos temas abordados, em (a), o PAPP; em (b), os pobres.
2) O interlocutor
(a) [...] Agripino queria colocar e não foi aceito por nós do Movimento
sindical [...].
(b) [...] Então que se tomem as providências se punam os culpados”.
(c) É bom que o Ministro saiba que seu governo é hoje mais [...].
O outro é assinalado pelo autor, através da interlocução que este
estabelece com o leitor, utilizando-se dos termos, em (a), um pronome; em (b), um
verbo; em (c), uma expressão avaliativa.
3) Negação
(a) Aluízio não tem mais direito à perseguição política.
(b) É elogiável a coragem do ministro. E por mais controvérsias que
possam acontecer em relação à obra em si, não se pode deixar de aplaudir
esta iniciativa.
(c) José Agripino não tem o direito de fazer uso político do programa.
(d) O que não se pode acontecer é o Ministro ficar retendo ilegal e
injustamente o dinheiro dos municípios e das comunidades onde as coisas
estão acontecendo com seriedade e totalmente de acordo com os objetivos
da PAPP.
(e) O ministro Aluízio Alves, não tem mais idade para atitudes tão
tacanhas.
A fala do jornalista e líder sindical rural, na posição de autor, contrapõe-se
às falas de enunciadores 1, seus leitores em potencial, na medida em que estes
“afirmam”: em (a), Aluízio Alves pode utilizar-se da lógica estatal, como ministro da
Integração Regional do Brasil, para administrar sua política de irrigação frente às
demandas do país; em (b), é desnecessário aplaudir Aluízio Alves, por este estar
87
apenas cumprindo seu dever de funcionário público e nordestino; em (c), o
governador do Rio Grande do Norte está cumprindo sua função de senador do
estado junto ao Programa de Apoio ao Pequeno Produtor; em (d), Aluízio Alves está
administrando conforme a política administrativa determinada pelo Governo Federal,
em sua função de ministro da Integração Regional; em (e), o ministro está seguindo
a política administrativa do Governo Federal, independentemente de sua idade.
– Formas não marcadas
1) Metáfora
(a) [...] está querendo encerrar com chave de ouro a carreira política [...].
(b) [...] quer agora marcar sua passagem meteórica pelo Ministério da
Integração Regional [...].
Em (a), a carreira política do Ministro Aluísio Alves está associada a um
objeto de metal muito precioso, de cor amarela e de grande valor social e
econômico: o ouro; em (b), a posição de Aluízio Alves, como ministro da Interação
Regional, está associada a um fenômeno atmosférico, de carreira deslumbrante,
mas de curta duração. O outro que essas metáforas assinalam é da química e da
física.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) O Ministro Aluízio Alves chega hoje a Mossoró para discutir com a
sociedade local, um dos temas mais importantes deste final de século para
o semi-árido nordestino, que é a transposição das águas do Rio São
Francisco.
(b) Tendo sido ele que trouxe a energia de São Francisco para o Rio
Grande do Norte, quer agora marcar sua passagem meteórica pelo
Ministério da Integração Regional, como o homem que acabou com o
flagelo das secas.
(c) José Agripino não tem o direito de fazer uso político do programa. Mas
Aluízio Alves também não tem o direito de fazer uso político da suspensão
do programa.
88
(d) É bom que o Ministro saiba que seu governo é hoje mais lembrado pelo
povão, como o Governo da perseguição ferrenha aos adversários, [...] que
procedeu, do que como governo que trouxe a energia de Paulo Afonso e
introduziu o importantíssimo método de alfabetizão de Paulo Freire, no
Rio Grande do Norte.
2) o político de irrigação
(a) Falo da perseguição que o ministro vem implementando contra o PAPP
Programa de Apoio ao Pequeno Produtor. Um programa de grande
importância para os pobres da agricultura nordestina.
3) o político eleitoral
(a) Pobres estes que não têm qualquer culpa se José Agripino e seus
cabras da peste, estão fazendo politicagem com o dinheiro, a partir do
nome Vontade da Gente, que remete muito claramente ao slogan de
campanha Vontade do Povo, que Agripino queria colocar e não foi aceito
por nós do Movimento sindical e popular rural, numa reunião a que esteve
presente em Natal.
Enunciado 04
Reflexões I: Chegando água do Rio São Francisco aos sertões (Anexo 08)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas.
1) Aspas
(a) Olha a terra “namorada” recebendo o tão úmido primeiro beijo de seu
“amado”, o velho Chico.
O outro que as aspas assinalam é o outro discurso, o amoroso.
Estabelece-se uma intersecção de sentido entre o amor de uma mulher por um
homem quando aquela recebe um beijo deste e a terra inundada pelo Rio São
Francisco.
2) Glosas
(a) [...] começando as festas; fogos de artifícios explodindo; os sinos das
Igrejas esquentando de tanto bater; saciando a sede; trocando-se latas por
torneiras borbulhantes; enchendo de alegria rostos tristes; cancioneiros e
repentistas sem parar; forró dia e noite [...].
(b) [...] horizontes brilhando de esperança
: adeus a pedra de sal, a tristes
partidas e a vaquinha engordando para suportar o seu chocalho [...].
89
(c) [...] Por toda parte escutando-se gritos de alvoroço: Olha a terra
“namorada” recebendo o tão úmido primeiro beijo de seu “amado”, o velho
Chico.
(d) [...] Por toda parte escutando-se gritos de alvoroço: Olha a terra
“namorada” recebendo o tão úmido primeiro beijo de seu “amado”, o velho
Chico.
(e) O consumo deverá ficar limitado, estritamente à necessidade das
plantas principalmente porque deve-se supor o pagamento de uma tarifa.
Esta economia se traduzirá em duplicar a área, a produção, os empregos,
renda, impostos e divisas.
O autor estabelece outra modalidade de consideração do sentido ao
especificar vários elementos, em (a), festas; em (b), esperança; em (c), gritos de
alvoroço; e em (d), consumo.
– Formas não marcadas
1) Catacrese
(a) [...] trocando-se latas por torneiras borbulhantes; enchendo de alegria
rostos tristes;
Originalmente, esse verbo significa “tornar cheio, cumular objeto
materiais”, mas na expressão é utilizado num sentido mais amplo: “encher” de
sentimento, um estado emotivo: “alegria”.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o econômico
(a) Permitamos que falemos de rigorosa economia de água, não se poderá
imitar o esbanjamento do vale do São Francisco e outros lugares. O
consumo deverá ficar limitado, estritamente à necessidade das plantas
principalmente porque deve-se supor o pagamento de uma tarifa. Esta
economia se traduzi em duplicar a área, a produção, os empregos,
renda, impostos e divisas [...].
2) o popular (cultura popular)
(a) [...] começando as festas; fogos de artifícios explodindo; os sinos das
Igrejas esquentando de tanto bater; saciando a sede; trocando-se latas por
torneiras borbulhantes; enchendo de alegria rostos tristes; cancioneiros e
repentistas sem parar; forró dia e noite; horizontes brilhando de esperança:
adeus a pedra de sal, a tristes partidas e a vaquinha engordando para
suportar o seu chocalho [...].
90
3) o técnico
(a) Esta felicidade de alcance ilimitado não se restringirá somente a
irrigação, além de beneficiar os centros urbanos, recuperará barragens
salinizadas que não são poucas. Os aquíferos sob e sub placas tectônicas
em perigo de salinização.
– Diário de Natal
Enunciado 01
AA define início da transposição (Anexo 09)
Circulado pelo Diário de Natal, em 12/08/1994, página 05, ocupando a
coluna central, tendo ao seu redor mais quatro, este enunciado opinativo está na
página com mais cinco outros enunciados com temas variados: à esquerda superior,
com o tema “Reforço de vitamina A”; à esquerda inferior, “Liberação de gabarito de
concurso público”; à direita superior, “Jornada Conjunta Norte-Nordeste de Cirurgia e
Astroscopia do Joelho”; à direita inferior, “Primeira Jornada Internacional de Cirurgia
do Joelho em Natal”. Apesar de ocupar a parte central da página com letras garrafais
menores, a matéria do artigo aparece sem destaque, pois: a) está na página número
cinco com mais quatro colunas com temas diversos; b) possui coluna muito estreita;
c) existem duas fotos das notícias; d) não está nos editoriais ou mesmo nos
suplementos especializados, seu formato e seu tema, com outros, será pouco
notado.
Este enunciado está sem assinatura, cuja responsabilidade é do jornal
Diário de Natal, que circula diariamente em todo o estado, pertencendo a um grupo
político tradicional do estado, dissidente politicamente da família Alves, proprietária
da Empresa Jornalística Tribuna do Norte, da qual faz parte o Tribuna do Norte, cujo
diretor presidente é o deputado federal oito vezes pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro/PMDB do Rio Grande do Norte, Henrique Eduardo Alves;
91
tendo como Diretor Financeiro Agnelo Alves Filho, atual prefeito do município de
Parnamirim/RN; Diretor Administrativo e Operacional, Ricardo Luiz de V. Alves. O
primeiro, filho; o segundo, irmão; o terceiro, neto, respectivamente, de Aluízio Alves,
atual ministro da Integração Regional, que ficara incumbido pelo presidente da
República de viabilizar o projeto de transposição do rio.
O enunciado está construído em terceira pessoa, recurso discursivo que
marca o distanciamento do enunciador em relação à fala do ministro da Integração
Regional sobre o projeto de transposição. Tal recurso também é utilizado a partir do
título AA define início da transposição”, na medida em que apresenta o ministro
como possuidor de competência institucional ao definir uma data para o início da
construção de uma obra.
marcas que revelam esse mecanismo: uso do pronome demonstrativo
“seu” em “Aluízio Alves continua disposto a trazer as águas do São Francisco até
seu Estado, o Rio Grande do Norte”. Tal pronome revela também um distanciamento
do autor a respeito da referida proposta; e, como tal, enseja que o autor não
concorda com esse projeto pelo fato de pertencer a outro estado ou do projeto estar
sob a ingerência do atual ministro e não de outra pessoa.
Esse procedimento encaminha o enunciador para um sentido com o qual
vai ao encontro de outras vozes também contrárias ao projeto, indo de encontro ao
interesse do ministro Aluízio Alves.
O primeiro trecho traz informações contrárias à viabilização da
transposição, ao destacar a oposição e a condição financeira do Ministério da
Fazenda, considerado o mais importante órgão por representar, no plano
econômico, a instância que fornece as condições estruturais à viabilização de uma
obra.
92
A posição de não viabilização do projeto aparece novamente nas
expressões aspeadas “início de trabalho”, revelando o sentido da impossibilidade da
transposição ser iniciada, e no uso informal sem nenhum centavo” pontuando a
posição política contrária do Ministério da Fazenda com o pretexto da falta de
recursos. Assim, o fax enviado pelo ministro aos governadores de quatro estados
nordestinos não tem validade, não tem credibilidade, não tem razão de ser.
Os parágrafos do enunciado, com exceção do primeiro, o iniciados com
trechos que refletem os gestos de Aluízio Alves a favor da transposição. Os outros
constituem o restante desses parágrafos veiculando sentidos contrários. Tem-se
aqui uma estratégia discursiva: o autor apresenta, no início de uma fala, uma
posição para, em seguida, contrariá-la no interior do mesmo parágrafo. Eis alguns
enunciados que refletem a idéia positiva quanto ao projeto:
a) O Ministério da Integração Regional informou que em agosto os
projetos de engenharia, os relatórios de impacto ambiental e os estudos sobre
aproveitamento dos recursos hídricos estarão em andamento.
b) O entusiasmo do ministro aumentou depois que o presidente Itamar
Franco baixou, segunda-feira (08), decreto classificando “de interesse da União”
uma área de 915 mil hectares ao longo do canal hidrográfico de 116 quilômetros,
projetado para ligar Cabrobó (PE) até Jati (CE).
c) “A decisão de Alves [...]”
d) Para rebater as críticas sobre a falta de dinheiro, Aluízio Alves diz que
a primeira fase da obra, estimada em U$ 600 milhões”.
Os enunciados, utilizados como pretextos reveladores de oposição ao
projeto de transposição, podem ser assim resumidos:
93
a) a o disposição de recursos orçamentários na ordem de US$ 2
bilhões;
b) contestações na Justiça sobre o edital de licitação;
c) a União não tem interesse;
d) não tem verba e está na ilegalidade administrativa;
e) o projeto é tecnicamente inviável;
f) questionamento da iniciativa de buscar recurso no exterior.
Conforme se observa, os enunciados contrários ao projeto fundamentam-
se, em última instância, nos domínios político e financeiro, exceção do enunciado
“[...] significa que a área estará, mais tarde, sujeita a desapropriações [...], que se
constrói no domínio habitação. No domínio político, inscreve-se o interesse, a
vontade de querer fazer; no financeiro, a estrutura, a condição de poder. Observa-
se, nos enunciados contrários ao projeto, a inexistência desses dois domínios: não
existe a idéia de querer fazer nem tampouco a estrutura para viabilizar o projeto.
nos enunciados reveladores da posição de adesão ao projeto existe a
idéia de querer-fazer, mas não condição estrutural, apesar de apresentar uma
proposta de que os recursos vêm de bancos internacionais.
Vale ressaltar que, dos enunciados contrários ao projeto, em apenas um o
enunciador apresenta a posição do ministro para rebater os enunciados que tratam
da falta de recursos. Tal procedimento ocorre no final do dizer, no instante em que o
enunciador inscreve as palavras do ministro sobre a origem dos recursos para
financiar o investimento da obra: “[...] deverá ser financiada pelo Banco Mundial e
por um consórcio de bancos europeus e japoneses”, uma resposta que se refere ao
trecho do início do enunciado sobre a posição do Ministério da Fazenda que alega
não possuir condições.
94
Tem-se, novamente, o uso de uma estratégia discursiva: apenas um
trecho, no fim do enunciado, na condição de contra-argumento, foi apresentado. Ao
construir o sentido do enunciado, outros argumentos poderiam fazer parte como
vozes que respondem a um chamado de uma outra voz. Os trechos revelam uma
descrença no início dos trabalhos da transposição. O enunciador constrói essa
revelação utilizando-se de outros discursos, como o do senador Josaphat Marinho,
da bancada da Bahia no Congresso e do Conselho Estadual de Cultura da Bahia
(envolvendo empresários, produtores rurais e trabalhadores). Não é somente com
essas vozes que a revelação é feita. no primeiro trecho, verifica-se a primeira
oposição do Ministério da Fazenda, em que são revelados, do começo ao fim do
enunciado, os obstáculos ao projeto.
Com a oposição do Ministério da Fazenda [...]” eEsta iniciativa do
governo está sendo questionadao expressões que aparecem no começo e no
fim do enunciado, respectivamente. A idéia de que não existem recursos financeiros
para o projeto atravessa permanentemente todo o enunciado, e o uso de diferentes
expressões e sua circularidade, do início ao fim, foram estratégias utilizadas pelo
autor. Eis as formas de apresentação das citadas idéias: sem um centavo”, não
dispor de recursos orçamentários”, sem verba”, falta de dinheiro”, nos seguintes
trechos: Com a oposição do Ministério da Fazenda e sem um centavo para financiar
o investimento”, Apesar de não dispor de recursos orçamentários para a obra [...]”,
Se não tem verba, a obra não pode começar [...]”, “[...] sobre a falta de dinheiro [...].
Durante todo o progresso enunciativo, o autor estabelece uma relação
direta entre a pessoa Aluízio Alves e seu cargo de ministro. Esse modo de
apresentar outras vozes acaba produzindo um sentido de identificação entre a
pessoa e o cargo. Um dos efeitos é o de achar que o interesse pelo projeto é mais
95
da pessoa “Aluízio Alves” do que do ministro da Integração Regional, tanto que nos
parágrafos finais o enunciador abandona a expressão “ministro” e utiliza “Alves”, ou
seja: nem “ministro”, nem “Aluízio Alves”. Esse procedimento acaba estabelecendo
entre o projeto e o ministro uma relação pessoal, o projeto não seria do interesse do
ministro, mas de Alves enquanto pessoa física.
No que diz respeito à terminologia utilizada pelo autor para desenvolver o
enunciados, uma linguagem composta de palavras e expressões que também
são utilizadas em diversos domínios:
a) Instituições oficiais: Ministério da Fazenda”, “ministro da Integração”,
“regional”, “governadores”, ”Justiça”, “Estado”, “Presidente”, “União”, “Senado”,
“Congresso”, “Conselho Estadual de Cultura da Bahia”, “Ministério blico”, “Banco
Mundial”, “Ministro do Planejamento”, “Governo”.
b) Jurídico: “contestação na Justiça”, “edital de licitação”, “decreto”,
“desapropriações”, “oficialmente, “legalidade”, “administrativa”, “representação”,
“Ministério Público”.
c) Político: “Governadores”, “oportunismo eleitoral”, “bancada baiana”,
“verba”, “iniciativa do governo”.
d) Econômico-financeiro: “financiar”, investimento”, “recursos
orçamentários”, “custo estimado”, “US$ 2 bilhões, “verba”, “dinheiro”, “estimada”, “U$
600 milhões”,”financiada”, “consórcio de bancos”, “empréstimos”.
Apesar da presença de expressões técnicas, existem algumas que
revelam subjetividade, como “entusiasmo”, “interesse”, “oportunismo”, “entusiasta”,
produzindo uma dimensão subjetiva, porém predomínio das primeiras, fazendo
deste enunciado um discurso predominantemente lógico.
96
Outro aspecto merecedor de uma ressalva é a forma do enunciador
construir o sentido revelador da posição contrária ao projeto. Vale lembrar que o
primeiro parágrafo da introdução é também ele muito significativo dessa intenção.
Todas as posições consideradas contrárias são apresentadas através de diferentes
instituições, conforme seus valores na escala da hierarquia institucional do poder
político da federação brasileira. Em primeiro lugar, aparece o Ministério da Fazenda;
em segundo lugar, a Justiça; em terceiro, o Senado (Congresso); e, em quarto, o
Conselho Estadual da Cultura da Bahia. Todas apresentam basicamente os mesmos
argumentos em relação ao projeto. A escolha dessas figuras, possuidoras de
autoridade, como também o modo como foram dispostas no enunciado, representam
procedimentos discursivos que o ao enunciado um maior grau de legitimidade.
Noutros termos, trata-se de recursos utilizados para fornecer um efeito de
credibilidade. No último trecho, Esta iniciativa do governo está sendo questionada”,
o autor revela a existência de discursos que colocam o dizer de Aluízio Alves, de
procurar recursos para financiamento do projeto em bancos internacionais, em
questão. Existem vozes questionadoras, mas também explicitação do lugar, da(s)
fonte(s) dessa(s) voz(es). Em outras palavras, o autor enuncia um argumento
colocando em evidência os efeitos da procura do governo, em bancos
internacionais, de recursos para investimentos da obra, como: o governo poderá ser
objeto de censura política por parte do senado, da câmara do deputado, do Supremo
Tribunal Federal etc. A presença desses trechos anuncia prováveis conseqüências
administrativas, visando criticar as pretensões dos responsáveis pelo projeto.
A representação do enunciador e de outros enunciadores, sedimentada na
política e na economia, revela o projeto de transposição do Rio São Francisco como
não necessário. A primeira, pela discordância do Ministério da Fazenda, políticos,
97
Secretarias; e a segunda, pela inexistência de verba para financiar o investimento do
projeto. Deste modo, o enunciado revela a discordância do projeto defendida pelo
discurso do ministro Aluízio Alves. Estrategicamente, o enunciador desenvolve,
durante todo o enunciado, o conflito entre enunciadores que são contrários e a favor
do projeto.
Quanto ao espaço nordestino, o enunciado apresenta-o como uma região
que necessita de água. Em nenhum momento o enunciador revela que a
transposiçãoo é necessária ao Nordeste, mas preocupa-se em apresentar a idéia
da impossibilidade da transposição não se viabilizar por questões políticas e
econômico-financeira. Mesmo assim, entendemos que o enunciado faz uma
representação “negativa” do Nordeste, sedimentada na carência de água da região
para a irrigação de suas terras, pois, sem irrigação, a produção de alimentos será
inviável, e as conseqüências serão desastrosas, senão nefastas, à região
nordestina.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] “início dos trabalhos” [...].
(b) [...] “de interesse da União” [...].
(c) [...] “início das obras” [...].
(d) [...] “oportunismo eleitoral” [...].
As expressões aspeadas assinalam um outro discurso e marcam, em (a) e
(c), a presença de Aluízio Alves na posição de Ministro; em (b), as palavras do
presidente, quando baixou um decreto classificando uma área de 915 mil hectares
entre Cabrobó (PE) e Jati (CE); em (d), as palavras dos adversários de Aluízio Alves,
da esfera política e dos contrários ao projeto.
98
A utilização desse recurso faz parte das estratégias enunciativas do autor
ao tomar distanciamento do discurso citado. Mikhail Bakhtin (1986, p.160)
evidencia os objetivos de seu uso para marcar a dinâmica do distanciamento da
relação entre o discurso citado e discurso narrativo do autor. Assim, marcadas pelas
aspas, as palavras desses enunciadores não se confundem com as do autor.
2) Discurso direto
(a) “Se não tem verba, a obra não pode começar porque estará fora da
legalidade da administração”.
(b) [...] “deverá ser financiada pelo Banco Mundial e por um consórcio de
bancos europeus e japoneses”.
Têm-se dois discursos diretos reportados, apontando o outro. O autor, em
(a), introduz o discurso do senador Josaphat Marinho (PFL-BA), ao tratar da falta de
dinheiro para financiar o início do projeto, e que seu começo acarretaria efeitos
legais na esfera da administração federal; em (b), apresenta a resposta do ministro
Aluízio Alves, justificando o início da obra cujo financiamento será feito pelos bancos
estrangeiros, no caso o Banco Mundial
14
, europeu e japonês.
3) Modalização em discurso segundo
(a) De acordo com o fax enviado ontem pelo ministro aos governadores de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará atingidos pelo
desvio do rio – o projeto começa no dia 22.
(b) De acordo com o senador, o Conselho Estadual de Cultura da Bahia
encaminhou ao Ministério Público representação, assinada por dezenas de
empresários, produtores rurais e trabalhadores, contra a obra.
Verifica-se que o autor utilizou a expressão “De acordo” como um
procedimento para não se responsabilizar pelo que está sendo dito, tanto no que se
refere ao início das obras de transposição no dia 22, tampouco quanto ao
14
O Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional) são instituições financeiras criadas no final da
Segunda Guerra Mundial, por 44 países, inclusive o Brasil, nos Estados Unidos. O primeiro teria a função,
inicialmente, de financiar a reconstrução dos países europeus que participaram desta guerra, enquanto o segundo
deveria ser um fundo composto pelo dinheiro de seus países membros, cada um com uma cota específica. Caso
algum país vivesse uma crise econômica poderia recorrer a empréstimos junto ao FMI.
99
encaminhamento de uma representação ao Ministério Público, assinada por
empresários, produtores rurais e educadores, contrária à obra. Com tal estratégia, o
autor procura não se comprometer com o teor do fax e da representação, mas
marcar distanciamento das falas do Ministro de Integração Regional e do Conselho
Estadual de Cultura da Bahia.
4) Discurso indireto
(a) Ministério da Integração Regional informou que em agosto os projetos
de engenharia, os relatórios de impacto ambiental e os estudos sobre
aproveitamento dos recursos hídricos estarão em andamento.
(b) Marinho sustenta que o projeto é tecnicamente inviável.
Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin (1986), tratando do
discurso indireto enquanto esquema de transmissão do discurso do outrem, afirma
que o discurso indireto “ouve de forma diferente o discurso de outrem” (p. 159). Mais
adiante se refere a este esquema, destacando sua forma de apresentar em relação
a outros “[...] integra ativamente e concretiza na sua transmissão outros elementos e
matizes que os outros esquemas deixam de lado”. (p. 159).
Tem-se o outro, em (a), o Ministério da Integração Regional referindo-se
aos estudos feitos da transposição na esfera ambiental; em (b), o discurso do
senador Josaphat Marinho (PFL-BA) evidenciando a inviabilidade do projeto de
transposição no plano técnico.
5) Glosa
(a) Isso significa que a área estará, mais tarde, sujeita a desapropriações.
Aqui, o enunciador circunscreve um sentido especificando-o.
– Formas não-marcadas
1) Ironia
(a) Com a oposição do Ministério da Fazenda e sem um centavo para
financiar o investimento, o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves,
100
marcou a data para “início dos trabalhos” de transposição das águas do rio
São Francisco.
Tem-se um gesto enunciativo de ironia, em que o autor produz uma
relação com leitor por meio da expressão “sem um centavo”, esperando que esta
seja entendida como não há dinheiro em caixa suficiente para realizar uma obra
dessa envergadura, até porque, na época, o havia, oficialmente, orçamento
federal.
Essa estratégia discursiva está na configuração denominada por Authier-
Revuz de “conotação autonímica” (1990, p. 29). uma dedução, por parte do
autor, de que o leitor já sabe que ele está referindo, chamando a atenção para o dito
e para a forma de dizer. Estamos diante da ironia, “uma citação, ou seja, o ironista
convoca em seu enunciado, sob forma de ilusão ou de paródia, um universo
axiológico (coletivo ou individual) estabelecido em outros discursos e com o qual ele
não compartilha”. (BERTRAND
15
, apud BRAIT, 1996, 106). No caso, o autor não
compartilha das idéias do projeto. Nesta mesma obra de Brait (1996, p.107), há uma
passagem muita apropriada para caracterizar esta ironia do autor:
[...] as formas de recuperação do já-dito com objetivo irônico não assumem,
como tal, a função de erudição, no sentido de invocação de autoridade e
muito menos de simples ornamento. Ao contrário, são formas de
contestação da autoridade, de subversão de valores estabelecidos que
pela intersubjetividade instauram e qualificam o sujeito da enunciação, ao
mesmo tempo em que desqualificam determinados elementos. (Grifo
nosso).
É o que ocorre com essa ironia: o autor apresenta estrategicamente sua
contestação da data do começo da construção do projeto, instala o outro
circunscrevendo o sentido do efeito do decreto baixado pelo presidente, visando a
reserva de uma área de 915 mil hectares entre Pernambuco e Bahia; ao especificar
15
BERTRAND, Denis (1988). “The creation of complicity. A semiotic analysis of an advertising campaign for
Black and White whisky. Internacional Journal of Research in Marketing 4. North Holland, pp. 273-289.
“Construire la connivence”. [Cop. xer. À paraître, en français, dans “Sémiotique et communication publicitaire”,
Actes du Colloque de Fribourg, Suisse, otc, q987].
101
o sentido, o autor estabelece uma relação com outros sentidos que poderão ser
produzidos.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) [...] o presidente Itamar Franco baixou, segunda-feira (08), decreto
classificando “de interesse da União” uma área de 915 mil hectares ao
longo do canal hidrográfico de 116 quilômetros, projetado para ligar
Cabrobó (PE) até Jati (CE).
(b) “Se não tem verba, a obra não pode começar porque estará fora da
legalidade da administração”.
(c) De acordo com o fax enviado ontem pelo ministro aos governadores de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará atingidos pelo
desvio do rio – o projeto começa no dia 22.
(d) Esta iniciativa do governo está sendo questionada.
2) o político interno
a) Como toda a bancada baiana no Congresso, Marinho sustenta que o
projeto é tecnicamente inviável. De acordo com o senador, o Conselho
Estadual de Cultura da Bahia encaminhou ao Ministério Público
representação, assinada por dezenas de empresários, produtores rurais e
trabalhadores, contra a obra.
3) o político econômico externo
(a) Aluízio Alves diz que a primeira fase da obra, estimada em U$ 600
milhões, “deverá ser financiada pelo Banco Mundial e por um consórcio de
bancos europeus e japoneses”.
(b) Alves e o ministro do Planejamento, Beni Veras, outro entusiasta do
projeto, pretendem enviar um grupo interministerial a Washington na
próxima semana em busca de empréstimos.
4) o político da irrigação
(a) O Ministério da Integração Regional informou que em agosto os
projetos de engenharia, os relatórios de impacto ambiental e os estudos
sobre aproveitamento dos recursos hídricos estarão em andamento.
Todas essas vozes do outro, que podem ser percebidas, o político
administrativo, o político interno, o político econômico externo e o político da
irrigação, inseridas e que atravessam o eu no discurso em análise, procuram
estabelecer uma unidade enunciativa, visando não somente fornecer um caráter de
102
coerência interna ao enunciado, mas, sobretudo, apresentar um maior grau de
legitimidade de seus interesses ideológicos como autor. Eis a materialização do
conceito de polifonia. É isso que acontece, tendo em vista que, nas citações
inseridas no artigo do jornal, percebem-se as “vozes” do presidente, do senador,
conselho estadual de cultura e do ministro.
Enunciado 02
Aluízio censura FHC sobre obra (Anexo 10)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso direto
(a) [...] O candidato governista vai despencar nas pesquisas de continuar
falando mal da obra”, previu o ministro, [...]”.
(b) “Eu mantenho a informação de que a obra é eleitoreira, como é
eleitoreira toda obra que o governo realiza. nas ditaduras é que o povo
se manifesta através do plebiscito ou referendum, ou não se manifesta com
medo do exílio, prisão ou um processo. Nas democracias, a manifestação
do povo se através do voto. Os governos fazem pesquisas para saber
se as obras têm aprovação ou se os seus programas são aprovados.
Nesse sentido, o Real é eleitoreiro, o desvio da bacia do São Francisco é
eleitoreiro”, afirmou.
(c) “Eu estaria colocando o presidente numa situação constrangedora se
dissesse que tal obra estava sendo criada para eleger fulano de tal. Mas no
caso da transposição, especificamente, isso não corre, porque eu não
estou apoiando o candidato do Governo. Quanto ao Real, ele é eleitoreiro
se formos analisá-lo dentro da ótica de um regime democrático, onde os
programas e as obras são avaliadas junto à população por meio de
pesquisas. E o Real está aprovado por manifestação da população. Num
regime fechado, isso não ocorreria”, observou.
(d) “Não se pode trabalhar contra uma obra que é exigida pela população”,
disse Alves, [...].
(e) “O candidato do Governo muda muito de opinião. Quando chega num
Estado favorável ele diz que apóia mas quando chega na Bahia, onde
temos a oposição de ACM, ele muda completamente de pensamento.
Talvez ele esteja fazendo conciliações transitórias, que certamente irão
acabar em 3 de outubro’, alfinetou o ministro da Integração Regional”.
(f) “Ao presidente do Banco do Brasil, com quem estive ontem, comuniquei
que dois bancos americanos ofereceram propostas para financiar uma
parte do projeto. E, na próxima semana, ele (o presidente do BB) vai
103
receber em seu gabinete representantes desses bancos aqui no Brasil’,
disse o ministro”.
(g) “Aqui e acolá a gente encontra alguma resistência ou uma má vontade,
sobretudo de pessoas mais do Sul”, afirmou.
O outro que o recurso discurso direto acima assinala é o outro discurso.
Em (a), (b), (c), (d), (e), (f) e (g): do ministro da Integração Regional, Aluízio Alves.
2) Discurso indireto
(a) [...] o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, afirmou, ontem,
que o Nordeste pode se rebelar contra FHC.
(b) [...] ao reafirmar suas declarações de que o desvio do rio é eleitoreiro.
Alves informou que já começou a pinçar a defesa que irá encaminhar ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), explicando as razões que o motivaram a
afirmar que o projeto, por ele próprio defendido no Governo, é eleitoreiro.
(c) O ministro acha que não expõe o Governo Itamar, ao afirmar que até o
Real é eleitoreiro.
(d) O ministro da Integração Regional, [...] disse que no Nordeste um
sentimento de que Fernando Henrique Cardoso venha a despencar nas
pesquisas, da mesma forma como ocorreu agora com Lula, o candidato do
PT.
(e) O ministro informou que estava ontem em Fortaleza, onde foi
deflagrado um movimento em defesa da obra por uma rede de farmácias e
que conta com a assinatura de 650 mil pessoas. Adiantou que em Natal
há documento contendo a assinatura de mais de 50 mil pessoas.
(f) “O ministro disse que os recursos para a obra estão mais próximos de
serem viabilizados”.
(g) “Ele contesta a versão de que esteja isolado dentro do Governo em
defesa da transposição das águas do São Francisco, [...]”.
O outro que o recurso discurso indireto assinala é o outro discurso. Em (a),
(b), (c), (d), (e), (f) e (g): do ministro da Integração Regional, Aluízio Alves.
3) Glosa
(a) [...] “Os governos fazem pesquisas para saber se as obras têm
aprovação ou se os seus programas são aprovados. Nesse sentido, o Real
é eleitoreiro, o desvio da bacia do São Francisco é eleitoreiro”, afirmou.
Aqui, temos o recurso da modalização autonímica, em que autor faz uma
enunciação sobre sua própria enunciação.
104
4) Modalização em discurso segundo
(a) [...] que ontem teve mais uma reunião na presidência do Banco do
Brasil para, segundo ele, apresentar os recursos do projeto de
transposição, [...]”.
O outro que essa modalização assinala é o outro discurso, o político, de
Aluízio Alves.
5) Parênteses
(a) E, já na próxima semana, ele (o presidente do BB) vai receber [...].
O outro que os parênteses assinalam é o outro discurso, o administrativo-
financeiro, do presidente do Banco do Brasil.
6) Negação
(a) O ministro acha que não expõe o Governo Itamar, ao afirmar que até o
Real é eleitoreiro.
(b) “Não se pode trabalhar contra uma obra que é exigida pela população”,
disse Alves, referindo-se às manifestações do candidato tucano contra a
transposição.
As duas falas do ministro da Integração Regional, que foram reportadas
através das marcas de representação de discurso indireto e direto, o dialógicas.
Vale ressaltar que essas falas que utilizam a negação pertencem ao mesmo
enunciador, Aluízio Alves que: em (a), dialoga com um enunciador em potencial, por
exemplo, com os políticos contrários ao projeto, que “afirmamque as declarações
de Aluízio Alves refletem negativamente junto ao governo em função do período
eleitoral; em (b), o tucano Fernando Henrique Cardoso, candidato do governo, está
preocupado em administrar sua campanha de outro modo, fazendo outras
propostas.
A função enunciativa de Aluízio Alves, ao usar o recurso da negação, é
contrapor-se aos pressupostos desses enunciadores em potencial que, em diversas
105
ocasiões, classificaram a obra, que o tem como Coordenador e principal interessado,
de eleitoreira, no sentido pejorativo, contrário ao defendido pelo ministro.
– Formas não-marcadas
1) Catacrese
(a) [...], alfinetou o ministro da Integração Regional [...].
Originalmente, esse verbo significa “picar com alfinete”, mas na expressão
é utilizado num sentido mais amplo: criticar satiricamente, ferir com palavras.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político eleitoral
(a) Irritado com a postura assumida pelo candidato tucano Fernando
Henrique Cardoso, contrária à transposição do rio São Francisco, o
ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, afirmou, ontem, que o
Nordeste pode se rebelar contra FHC. “O candidato governista vai
despencar nas pesquisas de continuar falando mal da obra”, previu o
ministro, ao reafirmar suas declarações de que o desvio do rio é eleitoreiro.
(b) “Eu mantenho a informação de que a obra é eleitoreira, como é
eleitoreira toda obra que o governo realiza. [...] Nas democracias, a
manifestação do povo se dá através do voto”.
(c) O ministro acha que não expõe o Governo Itamar, ao afirmar que até o
Real é eleitoreiro. [...] Quanto ao Real, ele é eleitoreiro se formos analisá-lo
dentro da ótica de um regime democrático, onde os programas e as obras
são avaliadas junto à população por meio de pesquisas.
(d) “O candidato do Governo muda muito de opinião. Quando chega num
Estado favorável ele diz que apóia mas quando chega na Bahia, onde
temos a oposição de ACM, ele muda completamente de pensamento”.
2) o jurídico eleitoral
(a) [...] Alves informou que começou a pinçar a defesa que irá
encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), explicando as razões que
o motivaram a afirmar que o projeto, por ele próprio defendido no Governo,
é eleitoreiro.
3) o político externo
(a) “[...] comuniquei que dois bancos americanos ofereceram propostas
para financiar uma parte do projeto. E, já na próxima semana, ele (o
presidente do BB) vai receber em seu gabinete representantes desses
bancos aqui no Brasil”, disse o ministro
.
106
Enunciado 03
Itamar cria projeto de transposição das águas (Anexo 11)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso indireto
(a) O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, diz que a primeira
etapa do projeto começará dia 31 de outubro deste ano e deve estar
concluída em março de 1995. Nesta fase, está previsto o desvio de água
do Cabrobó (PE) até Jati (CE), num percurso de cerca de 300 quilômetros.
(b) Aluízio Alves diz que só a primeira etapa do projeto gerará mil
empregos. O custo desta fase será de 500 milhões de dólares, que serão
beneficiados por agentes financeiros através de repasse ao Banco do
Brasil e ao Banco do Nordeste.
O outro que o recurso discurso indireto assinala é o outro discurso: em (a)
e (b), o político e administrativo. É a fala do ministro da Integração Regional
apontando datas do início e término do projeto, em sua primeira fase, lugares e
percurso do desvio e, por fim, custo, política e fonte de seu financiamento.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) O presidente Itamar Franco assinou oficialmente ontem o decreto de
criação do projeto de transposição do Rio São Francisco, que levará água
de seis afluentes do rio para o Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e
Pernambuco.
(b) O texto também cria uma comissão interministerial para estudar
aspectos de utilizão de água e energia, e programa de educação nas
áreas afetadas pelo projeto. O Ministério da Integração Regional presidirá a
comissão.
2) o político e econômico
(a) Aluízio Alves diz que só a primeira etapa do projeto gerará mil
empregos. O custo desta fase será de 500 milhões de dólares, [...].
3) o político externo
(a) [...] que serão beneficiados por agentes financeiros através de repasse
ao Banco do Brasil e ao Banco do Nordeste.
107
Enunciado 04
Itamar quer apressar empréstimo para obras de transposição de rio
(Anexo 12)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] com um “pool” de bancos europeus [...].
O outro que as aspas assinalam é o outro discurso, outra língua, a inglesa,
significando que Alcir Calliari, presidente do Banco do Brasil, estabelece contato com
bancos estrangeiros.
2) Discurso direto
(a) “Somente com as frentes de trabalho e distribuição de cestas de
alimentos o Governo aplicou em 15 meses o custo total do
empreendimento”, disse Lucena, [...].
(b) “Todos vão acabar compreendendo que trata-se da solução de um
problema histórico”.
O outro que o recurso discurso direto assinala é o outro discurso, em (a) e
(b), o político, do presidente do Senado, Humberto Lucena, do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro do Estado da Paraíba, na condição de representante da
bancada nordestina; em (a), o deputado argumenta a pertinência da transposição
em termos de custos comparando o da transposição com os gastos aplicados em 15
meses com outro sistema de resolução dos efeitos da seca: frentes de trabalho e
distribuição de cestas; em (b), o deputado afirma que os demais, políticos e outros
considerados contrários, vão aceitar essa proposta como solução para o problema
dos efeitos do fenômeno da seca.
108
3) Discurso indireto
(a) [...] acrescentando que as reações contrárias dos governos da Bahia e
de Sergipe, que temem prejuízos em seus projetos de irrigação com a
transposição das águas, são infundadas.
Novamente, tem-se a utilização do discurso político, do deputado
Humberto Lucena, mostrando que as alegações feitas pelos governos da Bahia e de
Sergipe são improcedentes por não terem fundamento.
4) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo Lucena, o projeto é “viável economicamente” porque reduzirá
em até 80% os programas emergenciais de combate à seca nos quatro
Estados.
(b) Segundo ele, em 15 dias o Presidente receberá também um relatório de
impacto ambiental do projeto.
O outro que essa modalização em discurso segundo apresenta é o outro
discurso, o político, em (a) e (b), do deputado Humberto Lucena defendendo a
viabilidade econômica do projeto e, por fim, o recebimento do relatório sobre o
impacto ambiental por parte do presidente.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político externo
(a) O presidente Itamar Franco determinou ontem ao presidente do Banco
do Brasil (BB), Alcir Calliari, que conclua nos próximos 15 dias os contatos
com um “pool” de bancos europeus para conseguir empréstimo externo de
US$ 600 milhões [...].
(b) O Governo pretende obter, inicialmente, US$ 280 milhões do
empréstimo externo para marcar o início das obras, que serão feitas, em
sua maior parte, por batalhões de engenharia do Exército. O próximo
governo receberá o restante do dinheiro para concluir a primeira etapa do
projeto e então o Brasil estará em condições de negociar o
financiamento dos US$ 1,4 bilhão restantes com o Banco Mundial.
2) o econômico e administrativo
(a) [...] (R$ 552 milhões), que seria usado nas obras de transposição do Rio
São Francisco, no Nordeste. O projeto, orçado em US$ 2 bilhões (R$ 1,84
109
bilhão), pretende reduzir os efeitos da seca em quatro Estados da região
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
3) o político e administrativo
(a) A decisão foi tomada em reunião, no Palácio do Planalto, da qual
participaram os ministros da Fazenda, Rubens Ricupero; da Integração
Regional, Aluízio Alves, e do Planejamento, Beni Veras, além do presidente
do Senado, Humberto Lucena (PMDB-PB), na condição de representante
da bancada nordestina.
4) o ambientalista
(a) [...] em 15 dias o Presidente receberá [...] relatório de impacto ambiental
do projeto.
Essas vozes, constitutivas das estratégias enunciativas do autor,
consciente ou inconsciente, visam à adesão do eleitor.
– Tribuna do Norte
Enunciado 01
O Projeto do São Francisco (Anexo 13)
O enunciado opinativo foi publicado no Tribuna do Norte, em 17/08/1994,
página 02, Coluna Opinião “Espaço Livre”, ocupando a metade esquerda da folha,
cuja matéria está inserida em colunas, com rubrica na parte superior, o título logo
abaixo em letras garrafais e uma foto em preto e branco do autor do lado direito do
primeiro parágrafo.
Com publicação diária, esta página tem grande circulação no interior e
litoral. Em 1994, Aluízio Alves exercia o cargo de Ministro de Integração Regional do
governo de Itamar Franco; ex-governador do Estado do Rio Grande do Norte, pelo
Movimento Democrático Brasileiro, antigo MDB, que formava, na época do regime
militar (1964-1985), juntamente com a ARENA, os dois únicos partidos do país. É
sócio majoritário do Tribuna do Norte. Vale ressaltar que este enunciado foi
publicado na Folha de S. Paulo, edição de 17/08/1994, com o título O sonho do São
110
Francisco, e republicado no Tribuna do Norte, com o título Projeto do São Francisco,
desta vez sem foto e sem rubrica, numa página na qual contém: à esquerda, uma
notícia sobre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro-PMDB; embaixo:
propaganda política de dois candidatos um a deputado estadual e outro a
governador do Rio Grande do Norte. O primeiro, neto e o segundo, sobrinho do
Ministro Aluízio Alves, autor deste enunciado.
O autor assume a posição de defensor do projeto de transposição que
preconiza solucionar a seca e seus efeitos no Nordeste, beneficiando Pernambuco,
Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, através de marcas da primeira pessoa,
posicionando-se como interlocutor do projeto: Tenho evitado entrar em confronto
com políticos desinformados ou interessados na manutenção da indústria da seca,
com jornalistas e colunistas que repetem.”; como cumpridor de uma função no trecho
Acho que meu dever essencial é cumprir a tarefa que foi atribuída pelo presidente
Itamar franco [...]”; como estrategista em sugiro uma tica simples [...]”; e como
avaliador no trecho avaliemos o que ocorre em outros que o contrários porque
são oposição ao governo [...]”.
Construído em primeira pessoa, como recurso estratégico de se expor, o
autor, de forma subjetiva, apresenta-se em cada momento através das locuções
verbais ou verbos “Tenho evitado”, “Acho que meu dever”, “Sugiro”, “Lembro-me”,
“sou capaz de pôr”, cuja pessoalidade está materializada numa única desinência: a
desinência verbal do tipo número-pessoal. Com isso, o enunciador acaba criando um
efeito de sentido em que a sua ação, veiculada pelo verbo, liga-se diretamente à sua
pessoa, produzindo uma constante repetição do uso de pronome do caso reto, com
forte grau de comprometimento, maior aproximação face aos objetos em pauta,
embora, em alguns momentos, apresentem-se objetos de forma objetiva,
111
principalmente nos campos da Economia e da Geografia, revelados através de
expressões objetivas, visando estabelecer uma maior aceitabilidade, pois, no modelo
da sociedade atual, uma argumentação científica produz bastante legitimidade e
credibilidade junto aos leitores.
O público alvo deste jornal são, principalmente, os leitores da capital e
cidades do interior litorâneas e do sertão, sendo muito popular e pertencente a um
dos grupos políticos mais tradicionais, a família Alves.
De natureza verbo-visual, o enunciado é construído por meio de
seqüências verbais e imagens. Levando-se em consideração sua totalidade,
constata-se que a presença da foto do autor como parte orgânica do primeiro
parágrafo é uma estratégia de composição que maior legitimidade, por tratar-se
de uma figura que reflete autoridade no imaginário social brasileiro, afinal, não é
uma personalidade qualquer, mas um ministro, a maior autoridade na área de
irrigação na escala hierárquica do país.
No primeiro trecho, verifica-se, de forma clara, a declaração de Aluízio
Alves em não participar de um embate com políticos e jornalistas sobre o projeto de
transposição do São Francisco, justificando com as condições: os primeiros são
desinformados ou o interessados, e os segundos sem exames, com argumentos
pueris e equivocados. Esse trecho revela várias particularidades da representação
que o autor faz do citado projeto quanto às posições discursivas dos políticos e
jornalistas. Constata-se uma separação entre esses dois tipos de atores: aos
políticos, o autor mobiliza aspectos da informação e do interesse, e aos jornalistas
aspectos do exame e dos argumentos. De um lado, têm-se os políticos, com
discursos desinformados e com não-querer-fazer; do outro, os jornalistas, com a
mobilização da análise no plano analítico e argumentativo.
112
De forma geral, poder-se-ia dividir tal situação discursiva em: discurso
afetivo, que mobiliza sentimento, paixão e emoções por parte dos políticos e
discurso analítico e racional, que mobiliza objetividade e razão por parte dos
jornalistas, outra separação feita pelo enunciador quanto aos objetos específicos
com interesses distintos dessas vozes. Os primeiros têm interesse na manutenção
da “indústria da seca”, enquanto os segundos têm interesse de ordem técnica no
projeto, enquanto proposta de solução para a região nordestina. Essa expressão
“indústria da seca” tem sido largamente utilizada pelos que estão em adesão ao
projeto de transposição para polemizar com aqueles que são contrários e que se
beneficiam, diretamente e indiretamente, dos efeitos da seca na região nordestina
(Alves, 1994; Seild, 1994; Barbosa, 1994; Folha de S. Paulo, 1994), no caso, o
próprio autor do enunciado em análise.
O autor estabelece posições e valores diferentes de outros enunciadores,
justificando sua atitude de evitar o embate com determinados políticos e jornalistas.
Com tal justificativa, o autor revela outro fator da representação feita do projeto:
existem posições contrárias, sejam por desinformação e/ou por interesse ou sem
exames analíticos e posições de adesão ao projeto. Constata-se, então, que existem
vozes, posições ideológicas distintas, diferentes, polêmicas, o-homogêneas, mas
heterogêneas.
Isso quer dizer que existem enunciadores que abordam o projeto de
pontos de vista divergentes, indicando sua entrada no campo da discussão social,
enquanto signo, em que se observa um certo grau de legitimidade, como também as
forças ideológicas (contrárias e a favor) envolvidas antagonicamente.
Durante todo a progressão enunciativa, o autor justifica sua posição em
não efetivar o embate, ao demonstrar com um evento ocorrido numa conversa entre
113
duas pessoas, que uma delas, na condição de alta autoridade, afirmava ao seu
interlocutor que era contrário ao projeto. Seu interlocutor indagava por qual razão e a
autoridade justificava declarando desconhecer o projeto. Tal recurso enunciativo do
autor, em exemplificar com um diálogo concreto, serve para evidenciar a veracidade
de seu dizer, fornecendo crédito quanto às falas do ministro.
Esse recurso novamente é utilizado, no oitavo parágrafo, ao falar dos
efeitos da seca sobre o meio ambiente e o mero de atingidos por esse fenômeno:
“[...] efeitos da seca sobre o meio ambiente a morte, pela fome, de pessoas e
animais, a destruição da flora”. A demonstração, enquanto recurso, acaba se
impondo ao espírito do leitor, pois esta é compreendida por muitos como um critério
bastante revelador da verdade, e sua utilização como procedimento do modo do
dizer não é aleatória. Houve evocação de uma situação conversacional entre duas
pessoas, Aluízio Alves e uma autoridade. Até mesmo a escolha do nível da
autoridade interlocutora faz parte da estratégia enunciativa, visando fornecer maior
credibilidade ao leitor quanto à adesão à tese do projeto.
Na metade do enunciado, o autor mostra cinco justificativas contrárias ao
projeto, com seus respectivos contra-argumentos, em que existe a predominância de
dois aspectos conotados ao discurso de determinados políticos: a desinformação e o
desinteresse. O recurso da demonstração entra novamente em ação ao considerar a
escolha temática: objetos tematizados e expostos no enunciado, escolha lexical,
gramatical e fraseológica: seleção não-arbitrária das palavras, substantivos, verbos,
adjetivos, para expressar, e sua construção proposicional, como os trechos serão
postos para gerar sentidos pretendidos. Em cada discurso de outros enunciadores,
apresentados pelo autor, faz-se uma réplica. Abaixo estão os pretextos utilizados
como obstáculos ao projeto e seus respectivos contra-argumentos:
114
1) a obra é “faraônica”
16
a mesma despesa de ano de seca, com suas
esmolas e carros de pipas – e, neste ano, menos da sexta parte desse gasto”.
2) estamos no final de governo, como se, presa a esse prazo, a
administração tivesse de cruzar os braços, e deixar, em dois exemplos, que a
inflação continuasse em mais 7.000% ao ano, e o Nordeste tivesse de aguardar
novo governo, com risco de uma nova seca, sua destruição e sua despesa
assistencial”.
3) O governo não deve fazer obras em ano de eleição, e então, neste
período, o governo só poderia ter trabalhado em 1991 e 1993, pois, eleições tivemos
em 90, 92 e 94”.
4) É preciso defender a região do impacto sobre o meio ambiente, como
se não tivéssemos, desde a primeira hora, e por especial recomendação do
presidente Itamar Franco, tomado todas as providências junto aos órgãos
competentes, e até, mais do que isto: determinamos ao Dnocs (Departamento
nacional de Obras Contra as secas), por portaria, que realizasse estudo também do
impacto da seca e seus efeitos sobre o meio ambiente”.
5) “a despesa deste ano (US$ 300 milhões) não tirados diretamente do
Tesouro, mas obtido em empréstimo de longo prazo vai derrubar o Plano Real
quando, ainda poucos dias, o governo liberou, por determinação do presidente,
mais de US$ 400 milhões para melhorar as condições de saúde e tentar regredir os
25% de aumento de mortalidade infantil na seca de 93, além de US$ 500 milhões
para conserto de estradas de rodagem”.
16
Termo relativo aos Faraós, supremos chefes de uma das mais antigas civilizações da história da Antigüidade
o Egito, eram os responsáveis pelas mais arrebatadoras obras arquitetônicas realizadas, como as pirâmides,
gigantescas tumbas destinadas aos faraós, em razão dos grandes avanços tecnológicos alcançados por esta
civilização, cuja construção deve ter iniciado por volta do ano de 2.700 a.C.
115
Por ordem, as posições, consideradas pretextos pelo autor, contrárias à
transposição ficam nos domínios da economia, política, jurídico, impacto ambiental
e, por último, economia, respectivamente. O enunciado começa apresentando os
pretextos que estão no domínio econômico para finalizar neste mesmo domínio.
Duas questões são constatadas quanto à ordem das estratégias: em primeiro lugar,
o autor coloca dois enunciados pretextos concernentes à economia (1 e 5); em
segundo lugar, inicia-se e finaliza-se com tais pretextos. O último tem duas
finalidades: a) negar que o Plano real vai ser derrubado com a retirada de verbas
para investimento da transposição; e b) evidenciar que as verbas virão através de
empréstimo em bancos internacionais, a quantia não sairá dos cofres públicos do
Brasil, conforme Aluízio Alves.
Todo esse modo de dispor os objetos, com seus respectivos valores
fornecidos pelos enunciadores, tem o objetivo de dar maior credibilidade ao discurso
e mostrar que existem tais posições sobre o projeto de transposição. Nota-se,
claramente, o uso desse recurso no penúltimo parágrafo, dirigindo-se
especificamente aos políticos. Antes de colocar em disponibilidade os exemplos para
demonstração, o autor revela seu papel nesse projeto, na medida em que foi
instituído por duas das maiores autoridades do país: o presidente Itamar Franco e o
presidente da Câmara dos deputados, Inocêncio de Oliveira, na tarefa de colocar em
ação um plano que erradicasse os efeitos da seca do Nordeste.
Com isso, o autor legitimou-se na defesa do projeto. Com esse recurso,
Aluízio Alves revela o seguinte: os que estão contra ele estarão também contra os
presidentes da República e da Câmara. Isso quer dizer que a transposição não é
apenas do interesse de um individuo, mas de outros atores institucionalizados,
inclusive do Presidente. Vale ressaltar que as três maiores autoridades do país são:
116
Presidente da República, Presidente do Senado e Presidente da Câmara. No caso,
o autor mobilizou a primeira e terceira forças de natureza política da federação do
Brasil. Assim, tem-se: “[...] meu dever essencial é cumprir a tarefa que foi atribuída
pelo presidente Itamar franco ao receber, das mãos do presidente da Câmara,
deputado Inocêncio de Oliveira, a “Carta de Fortaleza”, preconizando, como solução
contra os efeitos da seca, o sonho das águas do São Francisco para beneficiar os
Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.”
A declaração da posição oficial de Aluízio Alves, como ministro da
Integração Regional, é feita com o uso de quatro verbos e três locuções verbais, por
cinco vezes, “evitado entrar em confronto”, “dever”, “cumprir”, “foi atribuída”,
“receber”, “não ficar discutindo”, “Convivendo”, entendidos como palavras e
expressões que estão no mesmo campo semântico, revelador de uma
representação que indica atitude de cumprimento funcional, dever de ofício do
ministro.
No penúltimo parágrafo, o autor apresenta sua visão sobre os efeitos da
seca a partir de dois atores da cena político-social do país: os políticos e os pseudo-
cientistas e ecologistas, contrários ao projeto. Aos primeiros, retorna-se à questão da
“indústria da seca do Nordeste”, revelando suas conseqüências na fabricação de
votos e nas condições de vida da população nordestina. Aos segundos, apresentam-
se os efeitos nas imagens destes nos jornais. Todos os opositores usufruem de suas
vantagens com a seca, utilizando-a como moedas distintas: fome/desespero e meio-
ambiente. Esse parágrafo praticamente utiliza o mesmo recurso estratégico em
relação ao primeiro, colocando em pauta a existência de enunciados contrários ao
projeto, repetindo a idéia da existência da polêmica em torno da transposição,
revelando, com isso, a heterogeneidade enunciativa.
117
A finalização do enunciado é feita numa linguagem de cunho emocional,
como recurso discursivo, visando persuadir o leitor, no momento em que inscreve o
projeto na condição de uma grande obra no espaço dos sonhos, e reconhecendo a
existência de outras vozes com interesses opostos, caracterizados como inferiores.
Invoca-se novamente a figura do presidente, revelando-o na condição de maior
autoridade do país e de um sonhador. O uso dessa estratégia discursiva é para dar
legitimidade ao anseio de Aluízio Alves e da população.
O autor apresenta tanto uma representação necessária como não
necessária. A primeira, como solução aos efeitos da seca, beneficiando
Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, para evitar a morte, pela fome,
de pessoas e animais, e a destruição da flora, como também a erradicação da
fábrica de votos em nome da fome e do desespero. Essa representação é feita pelo
autor e por outros, no caso, “A Carta de Fortaleza”. A segunda, pelo fato do projeto
representar uma imagem de obra faraônica, final de governo, época de eleição,
impacto ambiental e despesa de US$ 300 milhões. Essa representação é feita por
outros enunciados sobre cujos autores Aluízio Alves silencia.
Sobre a representação da região nordestina, o enunciado apresenta-a
como carente de água, com a seca e seus efeitos: um meio-ambiente em que há
morte de pessoas e animais, pela fome, e destruição da flora, que, em ciclos mais
fortes, abate mais de 30 milhões de brasileiros e, como tal, é percebida também
como objeto manipulado politicamente por uma “indústria da seca”, portanto,
possuidora de um drama. Uma representação “negativa”.
O dito no enunciado tem uma relação direta com a situação do Nordeste
em 1994 na medida em que se descrevem cenas da região, principalmente quanto à
degradação das condições de vida da população, dos animais e da flora. Apesar de
118
apresentar um quadro descritivo de suas condições econômicas e naturais, com o
objetivo de fazer conhecer alguns fatos, o enunciado também possui um caráter
avaliativo e opinativo do projeto de transposição e do Nordeste. Na fala de Aluísio
Alves, observa-se somente uma representação positiva, face à sua adesão da
transposição, mas uma posição de aliado do governo federal nas dimensões política
e ideológica.
Outrossim, não se pode perder de vista que o autor, em 1994, era Ministro
da Integração Regional, estando à frente do projeto, visto como “patrono causa”
(Queiroz, 1994); foi Governador do Estado do Rio Grande do Norte; seu sobrinho, o
senador Garibaldi Alves Filho do PMDB, era candidato ao governo do estado; e
Carlos Eduardo, do PMDB, seu neto, era candidato a deputado federal. Assim, sua
posição não pode ser considerada neutra.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] Inocêncio de Oliveira, a “Carta de Fortaleza”, preconizando [...].
(b) [...] acham bonito e moderno falar “em meio ambiente”, sem jamais [...].
(c) [...] a destruição da flora, “um pesadelo de Deus”, que em ciclos [...]
(d) a obra é “faraônica” – a mesma despesa de ano de seca [...]
As aspas indicam a presença do outro que marca, em (a), a existência de
um texto-projeto, apresentado pelo presidente da Câmara, deputado Inocêncio de
Oliveira, preconizando uma solução contra os efeitos da seca em Pernambuco,
Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; em (b), a expressão bastante utilizada no
discurso da ecologia ou dos ambientalistas, um discurso existente em muitos países
desenvolvidos e/ou em desenvolvimento; em (c), um discurso bastante utilizado por
119
populares religiosos para justificar a crença de que a seca é um castigo de um ser
superior Deus; e, por fim, em (d), o discurso de políticos e da imprensa escrita,
quando classificam a obra, considerada por estes de alto custo. Esse discurso pode
ser observado, por exemplo, em artigos publicados nos O Estado de S. Paulo
(12/06/1994) e Jornal da Tarde (27/06/1994), com os títulos Revivendo os projetos
faraônicos e Projeto faraônico”, respectivamente. O uso das aspas pelo
enunciador, conforme Bakhtin (1986, p.160), objetiva estabelecer um distanciamento
entre o seu discurso narrativo e o discurso citado, pois, marcadas pelas aspas, as
palavras desses enunciadores não se confundem com as do autor d’O sonho do São
Francisco.
2) Negrito
(a) – Porque não conhecia o projeto ... [...].
A forma em negrito, utilizada no verbo em (a), assinala a voz de uma alta
autoridade que dialogava com o ministro em Natal perante alguns empresários, o
outro.
3) Discurso direto
(a) Lembro-me de um diálogo recente com alta autoridade, em Natal,
perante alguns empresários.
Até ontem, eu era contra o Projeto do São Francisco. Mas, ontem em
Fortaleza, ouvi um amigo, que conhece bem o projeto, e hoje sou
inteiramente favorável.
– Mas, o sr. Era contra por que?
– Porque não conhecia o projeto ...
Em (a), tem-se a voz de uma alta autoridade que dialogava com Aluízio
Alves perante alguns empresários. Através do uso da forma tipográfica travessão
tem-se o outro.
120
4) Refutação pelo mas
(a) Até ontem, eu era contra o Projeto do São Francisco. Mas, ontem em
Fortaleza, ouvi um amigo, que conhece bem o projeto, e hoje sou
inteiramente favorável.
Esse período apresenta uma construção com um mas refutativo,
articulando dois argumentos antiorientados, ou seja, com duas posições distintas em
relação ao projeto, introduzindo um conflito de falas. Um dado interessante: toda
essa fala pertence à alta autoridade na posição de outro que dialogava com
Aluízio Alves que, na posição de autor, identifica-se com o segundo argumento.
5) Discurso direto livre
(a) a obra é “faraônica” [...].
(b) [...] estamos no final de governo [...].
(c) O governo não deve fazer obras em ano de eleição.
(d) É preciso defender a região do impacto sobre o meio ambiente.
(e) [...] a despesa deste ano (US$ 300 milhões) [...] derrubar o Plano Real.
Essas falas pertencem ao outro, veiculador de argumentos contrários ao
projeto. O autor não especifica a fonte, apresenta-os como enunciadores genéricos,
denominando-os de outros que o contrários porque são oposição ao governo”
(Grifo nosso).
6) Discurso indireto
(a) E o presidente Itamar Franco sabe que esta é a sua hora, é a hora do
Nordeste.
O autor apresenta Itamar Franco como outro enunciador, na medida em
que apresenta seu pensamento. O verbo dicendi foi substituído por um verbo de
pensamento, pois, em vez de descrever o que o presidente diz saber, o autor
escreve simplesmente que o presidente sabe.
121
7) Negação
(a) [...] despesa deste ano (US$ 300 milhões) não tirados diretamente do
Tesouro, mas obtido em empréstimo de longo prazo vai derrubar o Plano
Real quando, ainda poucos dias, o governo liberou, por determinação
do presidente, mais de US$ 400 milhões.
Tem-se em (a) uma negação, em que o autor afirma, introduzindo sua
refutação com um “mas”, que o empréstimo será a longo prazo, até porque o
governo federal liberou um montante na ordem de US$ 400 milhões. Essa fala vai de
encontro ao discurso de que a verba do projeto seria uma despesa do governo no
ano em curso. Nessa construção, o autor do Tribuna do Norte responde às possíveis
objeções do leitor.
– Formas não-marcadas
1) Máximas
(a) Mas os grandes sonhos e as grandes obras não se deixam vencer pela
resistência de interesses menores.
A presença do Outro está dissimulada, ou seja, implícita. O enunciador
não explicita a fonte: cabe ao co-enunciador identificar a máxima apoiando-se em
sua memória, em seu saber, na “sabedoria popular”. O lugar desse trecho, no final
do enunciado, é bastante relevante para o leitor aderir à opinião do Ministro da
Integração Regional, articulador do projeto. O autor finaliza dialogando com o
imaginário coletivo e individual dos leitores. Verifica-se, mais uma vez, que a ordem
da construção dos tópicos utilizados, assim como as formas de representação de
outras vozes, manifestam não somente o processo de construção do sentido de um
enunciado, mas a posição do ministro, fornecendo um caráter subjetivo ao gênero.
2) Metáfora
(a) [...] “a obra é “faraônica” [...].
122
Em (a), o projeto de transposição está associado às grandes construções
dos faraós ou ao seu tempo, assinalando o outro discurso, o histórico.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político administrativo
(a) Acho que meu dever essencial é cumprir a tarefa que foi atribuída pelo
presidente Itamar franco ao receber, das mãos do presidente da Câmara,
deputado Inocêncio de Oliveira, a “Carta de Fortaleza”, ”, preconizando,
como solução contra os efeitos da seca, o sonho das águas do São
Francisco para beneficiar os Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande
do Norte e Paraíba.
(b) Lembro-me de um diálogo recente com alta autoridade, em Natal,
perante alguns empresários.
Até ontem, eu era contra o Projeto do São Francisco. Mas, ontem em
Fortaleza, ouvi um amigo, que conhece bem o projeto, e hoje sou
inteiramente favorável.
– Mas, o sr. Era contra por que?
– Porque não conhecia o projeto ...
Se isso acontece com uma autoridade pública, avaliemos o que ocorre em
outros que são contrários porque são oposição ao governo;[...].
(c) [...] estamos no final de governo, como se, presa a esse prazo, a
administração tivesse de cruzar os braços, e deixar, em dois exemplos, que
a inflação continuasse em mais 7.000% ao ano, e o Nordeste tivesse de
aguardar novo governo, com risco de uma nova seca, sua destruição e sua
despesa assistencial; [...].
(d) [...] ainda há poucos dias, o governo liberou, por determinação do
presidente, mais de US$ 400 milhões para melhorar as condições de saúde
e tentar regredir os 25% de aumento de mortalidade infantil na seca de 93,
além de US$ 500 milhões para conserto de estradas de rodagem.
e) E o presidente Itamar Franco sabe que esta é a sua hora, é a hora do
Nordeste.
2) o político econômico
(a) [...] “a obra é “faraônica” – a mesma despesa de ano de seca, com suas
esmolas e carros de pipas e, neste ano, menos da sexta parte desse
gasto.
(b) [...] despesa deste ano (US$ 300 milhões) não tirados diretamente do
Tesouro, mas obtido em empréstimo de longo prazo vai derrubar o Plano
Real quando,[...].
3) o político eleitoral
(a) O governo não deve fazer obras em ano de eleição, e então, neste
período, o governo poderia ter trabalhado em 1991 e 1993, pois,
eleições tivemos em 90, 92 e 94; [...].
123
4) o político ambiental e administrativo
(a) É preciso defender a região do impacto sobre o meio ambiente, como
se não tivéssemos, desde a primeira hora, e por especial recomendação do
presidente Itamar Franco, tomado [...] junto aos órgãos competentes, e até,
mais do que isto: determinamos ao Dnocs (Departamento nacional de
Obras Contra as secas), por portaria, que realizasse estudo também do
impacto da seca e seus efeitos sobre o meio ambiente; [...]”.
(b) “Bom mesmo, para muitos desses opositores, políticos de máquinas
viciadas, é o Nordeste dependente da indigência que fabrica votos em
nome da fome e do desespero, ou dos pseudo-cientistas e ecologistas que
fazem do meio-ambiente uma falsa bandeira, a fim de sair do anonimato
para as manchetes dos jornais.
5) o coletivo popular
(a) Mas os grandes sonhos e as grandes obras não se deixam vencer pela
resistência de interesses menores.
Segundo Authier-Revuz, a presença do outro em qualquer discurso é uma
constância. Neste enunciado, o atravessamento de outros enunciados ocorre
durante toda a sua progressão, como, por exemplo, quando o autor explicita as
cinco posições contrárias ao projeto, do 10º ao 14º parágrafos, ao mesmo tempo em
que apresenta seus argumentos para fundamentar sua representação a favor do
projeto, mostra posições outras, divergentes, contrárias.
O que se observa é o valor do signo “projeto de transposição do Rio São
Francisco” ser ideologicamente refratado. Mikhail Bakhtin, em Marxismo e filosofia
da linguagem (1986, p. 46), ao se referir à refração do signo, em sua relação com o
objeto, afirma que “O ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas
também se refrata. O que é que determina esta refração do no signo ideológico? O
confronto de interesses sociais nos limites de uma e mesma comunidade
semiótica, ou seja: a luta de classe”. Conforme o autor, a refração do signo em sua
relação com o objeto ocorre por causa do conflito de interesses de natureza social
em uma comunidade semiótica, ou seja, numa comunidade que historicamente
constrói seus sentidos, que se dão através da luta de classes sociais com valores
124
contraditórios em razão de suas posições sócio-históricas. Tal percepção leva
Bakhtin a dizer que “[...] em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor
contraditórios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes”
(1986, p. 46). É o que ocorre neste enunciado a transposição do Rio São
Francisco para o Nordeste na posição de tema, em que valores diferentes,
contraditórios das classes sociais, apresentam-se postulando, efetiva e
comprometidamente, seus interesses em face do projeto.
Enunciado 02
O velho Chico e as urnas (Anexo 14)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] ao projeto de transposição [...] com sinceridade, que é “eleitoreiro”.
As aspas, utilizadas pelo enunciador, comunicam que o responsável pelo
termo é o ministro Aluízio Alves. Com esse recurso, o autor procura estabelecer um
distanciamento dos possíveis sentidos, inclusive políticos.
2) Discurso direto livre
(a) [...] como acrescentou, o projeto é eleitoreiro porque atende a velho
anseio da região, e o povo, naturalmente, ficará satisfeito. A sua finalidade
não é vencer as eleições, e, sim, transpor as águas, e o voto, se houver,
será de reconhecimento.
O outro que o discurso direto livre demarca, em (a), é o outro discurso, de
Aluízio Alves. O autor explicita o sentido de “eleitoreiro” do ministro, pois, no âmbito
político, este teve um sentido negativo, o projeto tornar-se-ia um fator pró-governo
importante nas eleições.
125
3) Discurso indireto
(a) Garante o ministro Aluízio Alves que apenas 3% da descarga do São
Francisco, da água lançada ao mar, serão empregados na perenização de
rios do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, os mais
atingidos pela sec”.
b) Outra afirmativa do ministro Aluízio Alves [...] é a de que o projeto de
transposição custará, aproximadamente, R$ 650 milhões.
O outro que o discurso indireto assinala, em (a) e (b), é o político, do
ministro, ao descrever o percentual da descarga das águas do São Francisco nos
rios dos estados previstos pelo projeto e apresentar seu custo.
4) Modalização em discurso segundo
(a) [...], de acordo com estudos oficiais, tem vários afluentes cuja finalidade
maior, ainda não descoberta pelos ecologistas, é neles descarregar os
dejetos de algumas cidades mineiras e baianas.
O outro que essa modalização assinala é o outro discurso, o técnico,
quanto à política racional do destino dos dejetos, já que se trata de um tema
bastante polêmico nas discussões ambientalistas.
5) Glosa
(a) A declaração, franca e infeliz, desviou a questão. Não se debate mais a
viabilidade técnica do projeto, sua conseqüência sócio-econômica, mas a
influência eleitoral, pequena em termos proporcionais.
Em (a), o autor especifica a questão da transposição na medida em que a
delimita nos domínios da cnica e dos efeitos sócio-econômicos. Ao utilizar tal
recurso, acaba falando de seu próprio enunciado anterior, especificamente da
expressão “questão”.
6) Mas (refutativo)
(a) Não se debate mais a viabilidade técnica do projeto, sua conseqüência
sócio-econômica, mas a influência eleitoral, pequena em termos
proporcionais.
(b) Para as usinas megalomaníacas encontraram R$ 8 bilhões, mas
não há
R$ 650 milhões para o Nordeste.
126
Há, aqui, as refutações feitas pelo “mas” articulando dois argumentos com
orientações diferentes, introduzindo um conflito de vozes: a do autor (enunciador 2)
e a voz em potencial (enunciador 1) na qual aquele refuta, através do mas. Em (a),
o refutador contrapõe-se a um tipo de debate que exclui a tematização da viabilidade
técnica do projeto, inclusive com seus efeitos nas esferas sócio-econômicas. O que
esse enunciador o concorda é que o tema das discussões seja a influência do
projeto nas intenções de voto; e em (b), o autor também refuta, estabelecendo duas
orientações distintas. De um lado, existe financiamento para as usinas (Angra I e
Angra 2) e, de outro, não há verba para o projeto.
Assim, a conjunção assinala a existência do diálogo entre duas vozes,
ambas políticas. A primeira mostra a esfera econômica da transposição e a segunda,
a influência do projeto nas próximas eleições, pois 1994 é um período eleitoral.
Assim, o autor posiciona-se a favor da voz refutada.
7) Negação
(a) A sua finalidade não é vencer as eleições, e, sim, transpor as águas, e
o voto, se houver, será de reconhecimento.
Essa fala, reportada de uma forma não direta pelo autor deste enunciado,
pertence ao ministro Aluízio Alves. Na condição de autor, o citado ministro dialoga
com outros enunciadores em potencial (os políticos que avaliam a proposta do
projeto como instrumento eleitoral), visando contrapor-se a tais falas, que estão
presentes em muitos jornais que circulam no país neste período.
– Formas não-marcadas
1) Autonomásia
(a) O velho Chico e as urnas.
127
A expressão está associada ao Rio o Francisco, na medida em que
assinala o outro do discurso, o da “sabedoria popular”, que parte dos falantes
associa diretamente essa expressão ao que ela se refere.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o eleitoral
(a) [...] o projeto é eleitoreiro porque atende a velho anseio da região, e o
povo, naturalmente, ficará satisfeito. A sua finalidade não é vencer as
eleições, e, sim, transpor as águas, e o voto, se houver, será de
reconhecimento.
(b) O ministro Aluízio Alves não é candidato, nem posso votar no Rio
Grande do Norte, contudo seu projeto é realmente eleitoreiro. Ele ganhou o
meu voto de nordestino.
2) o histórico
(a) A ligeireza com que sepultaram o projeto técnico prejudica o Nordeste,
que, desde 1855, quando se discutiu inicialmente essa possibilidade,
aguarda seu exame com profundidade.
3) o técnico
(a) Garante [...] que apenas 3% da descarga do São Francisco, da água
lançada ao mar, serão empregados na perenização [...].
(b) [...] de acordo com estudos oficiais, tem vários afluentes cuja finalidade
maior, ainda não descoberta pelos ecologistas, é neles descarregar os
dejetos de algumas cidades mineiras e baianas.
4) o político externo
(a) Admitido o total R$ 650 –, a quantia é irrisória, considerando-se que o
Programa Nuclear custou R$ 5 bilhões e, pelo menos até recentemente,
pagávamos uma multa diária de R$ 1 milhão para felicidade dos alemães
[...].
5) o ambientalista
(a) Questiona-se, também, o risco da transposição prevista para o
equilíbrio do regime do rio. Esse ponto, que deveria ser fundamental, pois
não adianta perenizar quatro ou cinco rios por décadas ou séculos se
matarmos o São Francisco [...].
(b) Os rios nacionais estão, quase todos, abandonados, poluídos,
assoreados. Aqui e ali, no Guaíba e no Tietê, são, de vez em quando,
tomados de algumas providências.
128
6) o político-econômico e administrativo
(a) [...] das conseqüências sociais e econômicas. Por que todas vezes [...]
aparecem logo os preocupados com a escassez do Erário? Por que alguns
preferem gastar R$ 1 bilhão, como em 1993, no combate à seca na
indústria em vez de R$ 650 milhões na perenização de vários rios? Itaipu,
com R$ 24 bilhões, era, sem dúvida, uma obra imprescindível e para
construí-la tiraram recursos do Banco do Nordeste. Para as usinas
megalomaníacas encontraram R$ 8 bilhões, mas não R$ 650 milhões
para o Nordeste.
7) o político eleitoral
(a) O ministro Aluízio Alves não é candidato, nem posso votar no Rio
Grande do Norte, contudo seu projeto é realmente eleitoreiro. Ele ganhou o
meu voto de nordestino.
Enunciado 03
Preconceito contra o Nordeste (Anexo 15)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] O jornal “O Estado de São Paulo”, bravo na resistência [...].
(b) [...] até medicamentos para “acabar” com a mortalidade [...]”.
(c) [...] o bravo “Estadão” por esgotamento [...].
(d) [...] passado, o “Estadão” defende a esmola [...].
(e) “O Estadão”, intérprete, quase sempre, [...]
(f) O “Estadão” fala que quem vai [...].
(g) [...] pagar a obra “ciclópica” é o país, [...]
(h) E quem pagou o “metrô” paulista? Tem dinheiro do Nordeste no
pagamento. E quem pagou o “metrô” do Rio de Janeiro? O Nordeste
também. E o “metrô” de Brasília? E quem paga [...].
(i) Lamentavelmente, “O Estado de São Paulo” está enveredando [...]
O outro que as aspas assinalam é o outro discurso. Em (a), (c), (d), (e), (f)
e (i), institucional; em (b) e (h), popular; e em (g), mitológico.
129
2) Discurso direto
(a) [...] o editorial se manifestara contrário à transposição das águas do
São Francisco para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte [...].
(b) Fala em dois bilhões de dólares, quando serão apenas 600 milhões.
Fala em dinheiro do Tesouro Nacional, quando é empréstimo do Exterior.
(c) No seu editorial de domingo passado, o “Estadão” defende a esmola da
distribuição de alimentos entre os pobres do Nordeste, o financiamento da
indústria paulista instalada no Nordeste, e até medicamentos para “acabar”
com a mortalidade infantil no Nordeste, para repetir que é contra a
transposição das águas do São Francisco que libertará os Estados
nordestinos beneficiados das garras da miséria causadora da mortalidade
infantil.
(d) [...] O “Estadão” fala que quem vai pagar a obra “ciclópica” é o país [...].
O outro que essas falas assinalam pelo discurso direto é o outro discurso,
o jornalístico, em (a), (b), (c) e (d).
3) Negação
(a) “O Estadão”, intérprete, quase sempre, da aristocracia quatrocentona
de São Paulo não tem o direito todavia de informar mal aos seus leitores ou
informá-los deliberadamente errado.
A fala do autor é dialógica na medida em que nela concorrem duas vozes:
a do autor (enunciador 2) e do enunciador 1, que “afirma”, em potencial, que O
Estado de S. Paulo tem o direito, prerrogativas jornalísticas para se posicionar frente
à política administrativa do país. A função do discurso do autor é contrapor-se a essa
verdade validada, e de certa forma legitimada, por muitos jornais.
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) [...] mas terminou por evidenciar as unhas e dentes dos preconceitos
contra o Nordeste.
Em (a), a atitude preconceituosa contra o Nordeste, especificamente ao
projeto de transposição, do jornal Estado de S. Paulo, está associada ao animal
irracional, assinalando o outro discurso, a agressividade irracional, escondida a
então.
130
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o jornalístico
(a) O jornal “O Estado de São Paulo”, [...], mas terminou por evidenciar as
unhas e dentes dos preconceitos contra o Nordeste. É bem [...] num
primeiro editorial se manifestara contrário à transposição das águas do
São Francisco para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Mesclava,
entretanto, a sua opinião os interesses do Estado da Bahia.
(b) “O Estadão”, intérprete, quase sempre, da aristocracia quatrocentona
de São Paulo não tem o direito todavia de informar mal aos seus leitores ou
informá-los deliberadamente errado.
2) o político externo
(a) Fala em dois bilhões de dólares, quando serão apenas 600 milhões.
Fala em dinheiro do Tesouro Nacional, quando é empréstimo do Exterior”.
3) econômico-financeiro
(a) E quem pagou o “metrô” paulista? Tem dinheiro do Nordeste no
pagamento. E quem pagou o “metrô” do Rio de Janeiro? O Nordeste
também. E o metrô” de Brasília? E quem paga o prejuízo da Rede
Ferroviária com as passagens por preço defasado dos cariocas e paulista,
quando tivemos desativados os nossos trens? O Nordeste é quem es
pagando.
4) o econômico-tributário
(a) [...] Mas o imposto é pago em São Paulo que não produz uma gota.
Lamentavelmente, “O Estado de São Paulo” está enveredando por um
terreno que alarga mais do que a diferença econômica separando a
opulência de São Paulo da miséria do Nordeste, para estimular [...], o
colonialismo dos paulistas milionários contra os nordestinos miseráveis
5) o político e administrativo
(a) A transposição das águas do São Francisco é a primeira tomada de
posição do Nordeste contra as causas da pobreza da região, [...] combatida
as conseqüências na continuação do quadro de miséria até hoje
estigmatizado por esmolas e acusações.
Enunciado 04
A utopia, o sonho, as águas ... (Anexo 16)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] a coroa brasileira nos múltiplos “discursos” diários [...].
131
(b) [...] A única “acusação” contra Garibaldi é que é oligarca.
(c) E quem “acusa”?.
As aspas assinalam o outro discurso, o político, referindo-se ao discurso
em (a), dos candidatos à presidência sobre temas considerados importantes para o
autor; em (b), de adversários candidatos ao governo do Rio Grande do Norte; e em
(c), da candidata ao governo Wilma de Farias, que recentemente divorciou-se do ex-
governador Lavoisier Maia. Por isso, o autor, contra argumentando a adjetivação de
oligarca a Garibaldi Alves Filho, seu sobrinho, evidencia que, ao divorciar-se de
Lavoisier Maia (família tradicional na política potiguar), Wilma de Farias sai de uma
oligarquia para criar outra.
2) Interlocutor
(a) Quem terá ouvido dos quase dez candidatos presidenciais algum
discurso de mias de um minuto? E quem tem ouvido desses [...]?.
(b) Algum pejo por isso? Não.
O autor, utilizando-se das expressões, estabelece uma relação de
interlocução com o leitor, o outro.
3) Glosa
(a) Não estou conseguindo me reencontrar com as esperanças do Lula de
1990. Questiono, às vezes, comigo mesmo, se é porque não mais o
risco de um Collor. O Quércia é um modelo superado. O FHC continua
mais para blá-blá-blá de gosto duvidoso. O que ele diz pela TV, logo
esqueço no minuto seguinte. O Brizola nem mais pela insistência vale.
Talvez valesse pela desistência. O Espiridião está me parecendo com
carisma, deslocado, sei lá, desassistido. Não pega. O voto em Flávio não
seria de protesto contra a mediocridade do naipe de candidatos. Talvez
como homenagem ao Rio Grande do Norte. Flávio é nosso conterrâneo. Os
outros boto na vala comum.
(b) E a transposição das águas do São Francisco, heim? Fosse fácil,
teria sido feita cem anos passados quando foi pensada pela primeira
vez. Fosse o Metrô do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, teria sido
feito, como foram. Fosse a ponte Rio-Niterói, as águas estariam rolando
pelo Rio Grande do Norte, Paraíba e o Ceará. Fosse a Binacional
hidroelétrica de Itaipu, lá no extremo Sul do país, qual a dúvida.
132
Em (a) e (b), o autor utiliza a modalização autonímica, pois, ao falar-se de
suas esperança, especifica-a, ocorrendo, também, em (b), sobre o projeto.
4) Negação
(a) Não estou conseguindo me reencontrar com as esperanças do Lula de
1990.
Concorrem, neste trecho, as falas do autor e as de outro ao “afirmar” que,
mesmo diante de tantos, o candidato do Partido dos Trabalhadores representa uma
esperança. A função do discurso do autor é contrapor-se a um pressuposto do
enunciador 1, como verdade presente em vários eleitores petistas de carteirinha ou
não.
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) A cara do ministro Ricupero se não convence, comove. Parece um prior
sem batina.
Em (a), o rosto, o semblante do ministro da Fazenda está associado a um
pároco sem suas vestes.
2) Alusão
(a) Mas é uma opção como utopia. Estou sem passagem para Pasárgada,
o sonho.
Em (a), é feita uma alusão ao poema de Manuel Bandeira “Vou-me
Embora pra Pasárgada”, instituindo um outro universo discursivo: o poético.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o estético (fisionômico)
(a) A cara do ministro Ricupero se não convence, comove. Parece um prior
sem batina.
133
2) o futebolístico
(a) A Copa/94 sem Maradona ficou nivelada ao futebol medíocre que está
sendo chutado pela TV.
3) o político eleitoral
(a) A sucessão presidencial sem um estadista dá tédio.
(b) Não estou conseguindo [...] com as esperanças do Lula de 1990.
Questiono, [...] se é porque não mais o risco de um Collor. O Quércia é
um modelo superado. O FHC continua mais para blá-blá-blá de gosto
duvidoso. [...] O Brizola nem mais pela insistência vale. [...]. O Espiridião
está me parecendo com carisma, deslocado, sei lá, desassistido. Não
pega. O voto em Flávio não seria de protesto contra a mediocridade do
naipe de candidatos.
(c) O diferencial é que, na política, o povo, pelo voto, é quem elege as
oligarquias.
4) o político e econômico
(a) O Real chegou para ficar. Se veio para vencer, não sei ainda.
5) o poético
(a) Como estou sem passagem para Paságarda, o sonho. Será que vou ver
as águas do São Francisco chegar? Pudesse, estaria de enxada na mão
abrindo na terra crestada de desesperança, quase desespero, o sulco para
o córrego.
6) o político-eleitoral e jornalístico
(a) Quem terá ouvido dos quase dez candidatos presidenciais algum
discurso de mias de um minuto? E quem tem ouvido [...] nos múltiplos
“discursos diários uma opinião abalizada,[...] grandes problemas
nacionais? [...] Brizola, passando pela média, os demais, sou mais a
Cristiane Torlone na televisão.
7) o histórico
(a) E a transposição [...] teria sido feita cem anos passados quando
foi pensada pela primeira vez.
Folha de S. Paulo
Enunciado 01
Nordeste ganha obra faraônica contra a seca (Anexo 17)
Circulado pela Folha de S. Paulo, em 24/04/1994, entre as páginas 1 e 10,
setor Editorial, ocupando ¼ da folha, este enunciado opinativo fala da decisão do
134
governo Itamar Franco, anunciada pelo ministro da integração regional, Aluízio
Alves, de realizar o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o
Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba.
Por ser de o Paulo, o blico alvo desse jornal não se restringe
somente aos leitores do Estado de São Paulo, mas de todo o Brasil. Trata-se de um
dos jornais mais antigos, tendo publicação diária com grande circulação em todo o
país. O autor não assume explicitamente sua posição diante do projeto de
transposição, mas em seu enunciado existem elementos que permitem classificá-la
como contrária.
Dois momentos podem ser considerados denunciadores dessa posição: a)
no título e no início do primeiro parágrafo, quando qualifica de obra faraônica o
projeto de transposição, comparando-o às construções dos faraós do antigo Egito; b)
quando evoca as palavras, geradoras de polêmicas, ditas pelo ministro Aluísio Alves,
sobre o caráter eleitoreiro do projeto de transposição.
A construção do enunciado é feita com três parágrafos e no impessoal.
Nele, enuncia-se a decisão do governo em materializar o projeto de transposição,
utilizando-se em grande parte das próprias palavras do ministro Aluízio Alves, ao se
referir à data de inauguração, valor da obra, locais onde as águas serão
desembocadas, etapas do projeto, efeitos eleitoreiros, bancos responsáveis pelos
empréstimos, quantidade de quilômetros atingidos pelo projeto, formas de
pagamento dos empréstimos, etc.
Esse procedimento discursivo marca sua posição estratégica de procurar
colocar-se à distância do objeto em questão, mas, mesmo assim, ainda se percebe
seu grau de rejeição ao projeto de irrigação proposto pelo Governo Federal.
135
A linguagem utilizada tem caráter predominantemente objetivo,
principalmente sobre os domínios das instituições políticas, administrativas e
financeiras (interna e externa) e das ciências agronômicas.
1) Objetiva: a) Institucional: “governo”, “Congresso Nacional”, “ministro”,
“presidente”, “ministério da Integração Regional”, “Ministério da Fazenda”; b)
financeira: “orçamento”, “empréstimos externos”, “bancos europeus e japoneses”,
“US$ 600 milhões”, “banco mundial”, “capacidade de pagamento”; c) administrativo:
“decidiu pela realização da obra”, “empreendimento anunciado”, “trabalho”; d)
ciências agronômicas: “canais”, “quatro estações elevatórias”, “projeto de
transposição de água”, “50 cúbicos de água”, “irrigação”. 2) Subjetivas: “obra
faraônica”, “entusiasmado”, “Não acredito”.
A representação feita pelo autor em relação aos outros discursos aponta,
de forma destacada, o valor orçamentário da obra. Quase em sua totalidade
enunciativa, o enunciador procura mostrar a ausência de orçamento para tal
empreendimento, e como os interessados pelo projeto vão conseguir solucioná-lo.
Portanto, o enunciador faz uma representação do projeto de transposição
na direção de não ser possível tal empreendimento, e, portanto, negativa.
No que se refere à representação do espaço nordestino, o autor o
reconhece como uma região seca, carente; não afirma que o projeto é
desnecessário aos estados apontados pelo projeto, mas questiona, sobretudo, seu
custo.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] "entusiasmado" [...]
136
As aspas marcam o outro, na medida em que se referem à fala do ministro
da Integração Regional sobre a emoção do presidente pela inauguração da primeira
etapa do projeto. Bakhtin (1986, p. 160) assinala que as aspas fazem parte do
procedimento de tornar um discurso citado distante do narrativo. Seu uso diz
respeito ao procedimento enunciativo nas estratégias da dinâmica entre o discurso
citado e o citante, distanciamento.
2) Discurso direto
(a) O empreendimento foi anunciado ontem pelo ministro Aluízio Alves, da
Integração Regional, depois de audiência com o presidente Itamar Franco.
(b) "Não acredito que se use verbas em troca de votos, mas acredito que o
trabalho vai trazer muito voto, apoio e aplauso de eleitores e não eleitores
ao governo que vai realizá-lo", [...].
Essas falas pertencem ao ministro. Em (a), anunciando o empreendimento
do projeto depois da audiência com o presidente; em (b), negando a troca de verba
pelo voto do eleitor na campanha para presidente, reconhecendo os efeitos eleitorais
da transposição. Discursivamente, esses “outros” atravessam o enunciado. Como
procedimentos discursivos, caracterizam-se em dois pontos estratégicos: a) em
discurso direto, essas falas dispensam uma maior credibilidade ao leitor; e b) o autor
estabelece um maior distanciamento e responsabilidade da fala do outro,
acreditando estar sendo isento ideologicamente.
3) Discurso indireto
(a) Ele disse que o presidente está "entusiasmado" com a inauguração da
primeira etapa da obra, até 31 de dezembro.
(b) O ministro negou que a obra vise influenciar na sucessão presidencial.
(c) O ministro disse que espera concluir em três meses as negociações.
Somente após esta etapa, a água chegaria a Pernambuco.
(d) O ministro Aluizio Alves disse que o governo Itamar não precisará
destinar recursos. A contrapartida brasileira será assegurada pelos
empréstimos do Banco do Nordeste, para a primeira etapa.
137
Tem-se a fala do ministro Aluísio Alves, enunciando aspectos do projeto,
em (a), o comportamento emotivo do presidente; em (b), a relação do projeto com as
eleições; em (c), das negociações junto ao Banco Mundial no montante de US$ 1,5
bilhão; e em (d), sua fala com o presidente.
4) Discurso direto livre
(a) Para a primeira etapa, bancos europeus e japoneses teriam
assegurado US$ 600 milhões. Com estes recursos, seriam construídos 240
quilômetros de canais e quatro estações elevatórias.
Essa fala ainda pertence ao ministro. É provável que não se trate de suas
próprias palavras, mas de uma reformulação feita pelo autor para manter o sentido
geral.
5) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo Aluizio Alves, o projeto vai fornecer 50 metros cúbicos de
água por segundo, na primeira etapa, e 250 metros cúbicos, na segunda.
Em seis meses de obra da primeira etapa, empregaria 50 mil
trabalhadores. A obra permitiria irrigação de 1,6 milhão de hectares.
O autor indica que não é o responsável por este enunciado. De fato, o
autor está se apoiando em outro, o do ministro da Integração Regional, a respeito
dos aspectos técnicos e operacionais do projeto: a) quantidade de água; b) geração
de empregos; e c) tamanho do espaço que receberá irrigação.
6) Negação
(a) O governo Itamar ainda não enviou o Orçamento deste ano ao
Congresso Nacional, mas já decidiu pela realização de uma obra faraônica
contra a seca do Nordeste.
(b) “Não acredito que se use verbas em troca de votos, mas acredito que o
trabalho vai trazer muito voto, apoio e aplauso de eleitores e não eleitores
ao governo que vai realizá-lo", disse.
Existem duas construções com uma negação, em (a), o dizer do
enunciador de que o orçamento não fora enviado pelo governo, e sim refutado com
138
a decisão deste de iniciar a obra. Essa posição vai de encontro à do enunciado
refutado no qual o autor objeta; em (b), a fala pertence ao ministro, enquanto o autor
do discurso citado refuta o potencial do leitor na negociação dos votos e a verba
pública e/ou privada. Tais enunciadores da Folha de S. Paulo respondem às
possíveis objeções do leitor.
– Formas não-marcadas
1) Ironia
(a) O governo Itamar ainda não enviou o Orçamento deste ano ao
Congresso Nacional, mas já decidiu pela realização de uma obra faraônica
contra a seca do Nordeste.
O autor, em (a), afirma que o Governo Federal, mesmo sem orçamento,
decidiu iniciar a construção de uma obra cuja realização pode ser comparada às
grandes construções da civilização egípcia dos faraós, na Idade Antiga. Deve-se
ressaltar que essa ironia se apresenta no título: “Nordeste ganha obra faraônica
contra a seca”. Para criar um espaço subjetivo, no plano do conteúdo, tanto o
enunciador como os enunciatários teriam que compartilhar dessa relação
comparativa entre a obra que o governo decidiu construir e as construções dos
faraós egípcios. No plano da forma, o enunciatário teria que reconhecer o sinal
lingüístico do autor; para que o efeito de sentido da ironia efetive-se é necessário
que as informações sejam compartilhadas pelo eleitor. A propósito, são pertinentes
as pontuações da autora Beth Brait em Ironia em perspectiva polifônica (1996), ao
afirmar que o produtor do discurso irônico encontra formas de chamar a atenção de
seu enunciatário, visando a adesão deste, ao utilizar esse procedimento discursivo
sem o qual a ironia não seria realizada. Para tanto, teria que haver a participação
não somente do autor, mas também do co-enunciador, e, no citado texto a autora
aduz (p.105):
139
O conteúdo, portanto, estará subjetivamente assinalado por valores
atribuídos pelo enunciador, mas apresentados de forma a exigir a
participação do enunciatário, sua perspicácia para o enunciado e suas
sinalizações, por vezes extremamente sutis. Essa participação é que
instaura a intersubjetividade, pressupondo não apenas conhecimentos
partilhados, mas também pontos de vista, valores pessoais ou cultural e
socialmente comungados ou, ainda, constitutivos de um imaginário
coletivo.
Assinala-se a exigência entre enunciador e enunciatários no conteúdo e
na forma. No conteúdo, ambos têm que compartilhar valores comungados
socialmente, que deverão ser materializados por sinalizações envolvendo a
perspicácia do último por serem sutis, às vezes.
2) Metáfora
(a) Nordeste ganha “obra faraônica” contra a seca.
(b) [...] Orçamento deste ano ao Congresso Nacional, mas decidiu pela
realização de uma obra faraônica contra a seca do Nordeste.
Novamente, em (a) e (b), o projeto de transposição está associado às
construções dos faraós, assinalando o outro discurso, o histórico.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) O governo Itamar ainda não enviou o Orçamento deste ano ao
Congresso Nacional, mas já decidiu pela realização de uma obra faraônica
contra a seca do Nordeste. Até já marcou data para inaugurar.
(b) O empreendimento foi anunciado ontem pelo ministro Aluízio Alves, da
Integração Regional, depois de audiência com o presidente Itamar Franco.
(c) O projeto de transposição de água do rio São Francisco ainda precisa
de avaliação do Ministério da Fazenda sobre capacidade de pagamento.
2) o político econômico externo
(a) Com US$ 2,1 bilhões de empréstimos externos, a obra vai levar água
do rio São Francisco para o Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e
Pernambuco. O empreendimento foi anunciado ontem pelo ministro Aluízio
Alves, da Integração Regional, depois de audiência com o presidente
Itamar Franco.
140
(b) O restante da obra depende de US$ 1,5 bilhão do Banco Mundial. O
ministro disse que espera concluir em três meses as negociações.
(c) Para a primeira etapa, bancos europeus e japoneses teriam
assegurado US$ 600 milhões.
3) o político econômico interno
(a) “O ministro Aluízio Alves disse que o governo Itamar não precisará
destinar recursos. A contrapartida brasileira será assegurada pelos
empréstimos do Banco do Nordeste, para a primeira etapa”.
4) o político eleitoral
(a) “O ministro negou que a obra vise influenciar na sucessão presidencial”.
5) o político de irrigação
(a) [...] a obra vai levar água do rio São Francisco para o Ceará, Paraíba,
Rio Grande do Norte e Pernambuco. O empreendimento foi anunciado
ontem pelo ministro Aluízio Alves, da Integração Regional, depois de
audiência com o presidente Itamar Franco. Ele disse que o presidente es
"entusiasmado" com a inauguração da primeira etapa da obra, até 31 de
dezembro.
6) o engenheiro-agronômico
(a) Segundo Aluizio Alves, o projeto vai fornecer 50 metros cúbicos de
água por segundo, na primeira etapa, e 250 metros cúbicos, na segunda.
Em seis meses de obra da primeira etapa, empregaria 50 mil
trabalhadores. A obra permitiria irrigação de 1,6 milhão de hectares.
Enunciado 02
A Bahia e o velho Chico (Anexo 18)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) O rio da integração nacional" está com o seu potencial [...].
(b) [...] viável caso houvesse [...] rio Tocatins com o "Velho Chico",
(c) [...] que as águas do "Velho Chico" são [...].
(d) [...] concluíram que [...] "Velho Chico" são insuficientes [...].
(e) [...] a transposição das águas do rio Tocantins para o "Velho Chico
".
(f) “[...] isolada das águas do "Velho Chico" para aqueles quatro [...]”.
141
O outro que as aspas assinalam é o outro discurso. Em (a), político; em
(b), (c), (d), (e) e (f), popular.
2) Discurso direto
(a) O presidente do Comitê de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do
São Francisco, engenheiro José Theodomiro, [...] "Fazer a transposição
afirmou o engenheiro – é o mesmo que se desativar a Usina de Itaparica.
O outro que esse discurso direto aponta é o outro discurso, o técnico.
Essa voz é de um engenheiro que, na época, ocupava o cargo de presidente do
Comitê de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco.
3) Discurso indireto
(a) Os especialistas sustentam que a atual capacidade do rio não autoriza
a utilização de mais 300 metros cúbicos por segundo para garantir o êxito
do projeto.
(b) Estudos técnicos realizados pelo Plano de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco, o Planvasf, [...] concluíram que as águas do "Velho Chico"
são insuficientes para irrigar os solos férteis, aptos e irrigáveis, existentes
no curso de toda a sua bacia.
O outro que esse discurso indireto assinala é o outro discurso, em (a) e
(b), o técnico (especialistas e técnicos).
4) Modalização de discurso segundo
(a) Como foi oficialmente anunciado, a meta do projeto é abastecer 220
cidades do semi-árido daqueles quatro Estados, elevando a capacidade de
irrigação na área de 175 mil para um milhão e 600 mil hectares.
O discurso oficial do Governo Federal, conforme esse recurso enunciativo,
é o outro inscrito.
5) Glosa
(a) A integração de bacias de grandes rios é matéria hoje conhecida em
todo o mundo. A interligação das bacias dos rios Volga e Don, na União
Soviética, trouxe grandes benefícios para as populações que vivem às
margens daqueles grandes cursos d'água e ainda permitiu a extensão de
seus benefícios para populações de outras regiões.
142
Nesta glosa, há o outro a partir do próprio autor, que especifica seu
enunciado em relação ao tema da integração das bacias no mundo.
– Formas não-marcadas
1) Personificação ou antropomorfização
(a) [...] que o rio São Francisco está enfermo, sofrendo [...].
Em (a), tem-se uma personificação, na medida em que o rio, um ser
inanimado, está representado como uma entidade que sente e tem vida como os
seres humanos.
2) Perífrase
(a) O “rio da integração nacional” está com o seu potencial hídrico [...].
Em (a), constata-se uma substituição de termo “São Francisco” por uma
expressão que o descreva.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) Acaba de ser anunciada a aprovação do megaprojeto de transposição
das águas do Rio São Francisco para quatro estados do semi-árido
nordestino: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
2) o político externo
(a) O governo estimou o custo desse programa gigantesco em US$ 2,1
bilhões, sendo que 50% [...] empréstimo junto ao Banco Mundial.
3) o financeiro
(a) O atual governo pretende concluir [...] com custos estimados em US$
550 milhões, no final de dezembro, quando serão construídos 240
quilômetros de canais e mais quatro elevatórias.
4) o técnico
(a) Como foi oficialmente anunciado, a meta do projeto é abastecer 220
cidades do semi-árido daqueles quatro Estados, elevando a capacidade de
irrigação na área de 175 mil para um milhão e 600 mil hectares.
143
(b) [...] o projeto prevê a construção de um canal de 240 quilômetros para
dar vazão a 50 metros cúbicos de água por segundo, beneficiando todo o
Estado do Ceará e parte da Paraíba e Rio Grande do Norte. [...] será
construído um canal de 2.000 quilômetros, que transportará 250 metros
cúbicos por segundo de água para beneficiar o restante da Paraíba, Rio
Grande do Norte e Pernambuco.
(c) Os especialistas sustentam que a atual capacidade do rio não autoriza a
utilizão de mais 300 metros cúbicos por segundo para garantir o êxito do
projeto.
(d) [...] a viabilidade técnica desse projeto antes, hoje há pareceres de
especialistas de grande conceito condenando a sua realização sem o
socorro das águas do rio Tocantins. O presidente do Comitê de Estudos
Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco, engenheiro José
Theodomiro, já apontou os prejuízos que o megaprojeto [...].
(e) Estudos técnicos realizados pelo Plano de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco, o Planvasf, [...] concluíram que as águas do "Velho Chico"
são insuficientes para irrigar os solos férteis, aptos e irrigáveis [...].
(f) [...] partindo-se para obras de dragagem do leito do rio, paralelamente
ao reflorestamento de suas margens com a indispensável mata ciliar, de
criminosamente arrancada nos últimos anos [...].
(g) Está tecnicamente demonstrada a viabilidade da transposição das
águas do rio São Francisco, desde que se garanta, antes, a transposição
das águas do rio Tocantins para o "Velho Chico".
(h) Que o presidente Itamar Franco [...] ouvindo, antes, os especialistas na
matéria sobre os seus gravíssimos inconvenientes.
5) o ambientalista
(a) [...] São Francisco está enfermo, sofrendo os efeitos de criminoso
desmatamento de suas margens, que intensificou o processo de
assoreamento de seu leito, já degradado por várias fontes poluidoras.
6) o político externo
(a) está a dívida internacional do Brasil que todos nós nordestinos
pagamos sem pestanejar. Mas a transposição das águas do São Francisco
no Nordeste?.
(b) A interligação das bacias dos rios Volga e Don, na União Soviética,
trouxe grandes benefícios para as populações que vivem às margens
daqueles grandes cursos d'água [...].
7) o racional e ético
(a) O racional e correto seria promover a integração das Bacias do
Tocantins e do São Francisco, antes de partir para a transposição isolada
das águas do "Velho Chico" para aqueles quatro Estados do Nordeste.
144
Enunciado 03
Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar (Anexo 19)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso direto
(a) “Se fosse assim, não teria feito o Plano Real’”, reagiu o presidente
diante do raciocínio de Ricupero.
O outro que o discurso direto assinala é o outro discurso, o político, em
que Itamar Franco contra-argumenta Ricupero da viabilidade do projeto.
2) discurso indireto
(a) O ministro afirmou que as rodoviais brasileiras precisam mais dos
recursos do que o programa de irrigação.
(b) [...] considera que é possível compatibilizar o projeto com o Plano Real.
O outro que o discurso indireto assinala é o outro discurso, o político. Em
(a), Ricúpero explica ao presidente a prioridade dos recursos que deveriam ser
destinados ao programa das rodovias e o ao projeto de irrigação no Nordeste; e
em (b), Beni Veras, do PSDB-CE, considera que é possível compatibilizar o projeto
com o Plano Real.
– Formas não-marcadas
1) Personificação ou antropomorfização
(a) O BNB lançaria bônus no mercado externo e [...] Integração Regional.
(b) Como o BNB [...] para a operação, Itamar autorizou [...].
(c) No prazo máximo de 15 dias, o BB já estará com o esquema definido.
Em (a), (b) e (c), tem-se uma personificação, na medida em que o BNB,
um ser inanimado, está representado como uma entidade que age e sente como os
145
seres humanos, lançando, planejando, operando, programando e deliberando
propostas.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) O presidente Itamar Franco aprovou ontem o projeto de irrigação do
Nordeste através da transposição das águas do rio São Francisco. O
ministro da Fazenda, Rubens Ricupero se opõe ao projeto. O custo total da
obra é de US$ 2 bilhões.
(b) Participaram [...] os ministros do Planejamento, Beni Veras, e da
Integração Regional, Aluízio Alves. Também [...] o presidente do Banco do
Brasil, Alcir Calliari. Ricupero foi o único que se opôs ao programa.
2) o político e financeiro
(a) Do total de US$ 2 bilhões, equivalentes ao custo de construção da
usina nuclear de Angra 2, a Integração Regional prevê que US$ 600
milhões serão gastos ainda em 94.
3) o político-econômico
(a) Beni Veras, senador (PSDB-CE) licenciado para assumir o
Planejamento, considera que é possível compatibilizar o projeto com o
Plano Real.
4) o político eleitoral (irrigação)
(a) O candidato da aliança do PSDB-PFL-PTB à Presidência da República,
Fernando Henrique Cardoso, [...] irrigação. FHC já se comprometeu a
incluí-lo no seu programa de governo.
5) o técnico
(a) O projeto é uma iniciativa de Aluízio Alves. Ele disse [...] utilizando
batalhões de engenharia do Exército.
6) o jurídico-formal
(a) [...] realizada licitação para contratação de empreiteiras [...] do projeto.
7) o administrativo-financeiro
(a) A idéia [...] o projeto fosse financiado pelo BNB (Banco do Nordeste do
Brasil S.A.). O BNB lançaria bônus no mercado externo e repassaria os
recursos para a Integração Regional. Como o BNB não tem reservas
técnicas suficientes para a operação, Itamar autorizou o Banco do Brasil a
captar os recursos. No prazo máximo [...] o BB já estará com o esquema
definido.
146
Enunciado 04
Eleição e irrigação (Anexo 20)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso direto
(a) [...] Aluízio Alves revela um dado impressionante. O custo total do
projeto – o que consiste na elevação do São Francisco até nivelá-lo com os
leitos naturais de rios quase secos que atravessam o semi-árido de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará – é de US$ 2 bilhões.
O outro que o discurso direto assinala é o outro discurso, político, em que
Aluísio Alves se refere ao custo do projeto.
2) Glosa
(a) [...] Nordeste em medidas apenas paliativas. [...] gastos US$ 1,1 bilhão
no pagamento de meio salário mínimo para famílias com no mínimo dez
membros; US$ 600 milhões em comida; e US$ 300 milhões na distribuição
de água (carro-pipa) [...].
A glosa é utilizada na medida em que especifica os gastos e valores
concernentes às medidas paliativas, utilizadas pelo governo federal para amenizar a
situação dos nordestinos, vítimas dos efeitos da seca.
– Formas não-marcadas
1) Personificação ou antropomorfização
(a) É uma maneira de baixar um pouco o tom demagógico dos programas
de governo e de confrontar estes programas com a realidade.
Em (a), tem-se uma personificação, na medida em que os programas de
governo, seres inanimados, estão representados como entidades que sentem e
agem como os humanos, capazes de produzir sentido, elevando ou abaixando, com
um valor peculiar.
147
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político-administrativo e financeiro
(a) Na defesa que faz do projeto de transposição de águas do rio São
Francisco para quatro Estados do Nordeste, o ministro Aluízio Alves revela
um dado impressionante. O custo total do projeto [...] semi-árido de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará – é de US$ 2 bilhões.
2) o financeiro
(a) [...] foram gastos US$ 1,1 bilhão no pagamento de meio salário mínimo
para famílias com no mínimo dez membros; US$ 600 milhões em comida; e
US$ 300 milhões na distribuição de água (carro-pipa). O dinheiro gasto
anualmente nos programas assistenciais [...].
3) o político de irrigação
(a) [...] além do abastecimento regular de água nas cidades da região, a
multiplicação de novos projetos de irrigação. Já há oásis produtores e
exportadores de frutas bem-sucedidos em Pernambuco e no Rio Grande
do Norte [...].
4) o político-eleitoral
(a) Os candidatos à Presidência deveriam se pronunciar sobre propostas
concretas como esta. É uma maneira de baixar um pouco o tom
demagógico dos programas de governo e de confrontar estes programas
com a realidade.
Estado de S. Paulo
Enunciado 01
Desvio do São Francisco causa polêmica (Anexo 21)
Circulado pelo Estado de S. Paulo, jornal também paulista com circulação
não somente no estado de São Paulo, mas em todo o país, em 10/06/1994,
ocupando ¼ da folha, este enunciado aborda a questão dos efeitos da determinação
do Governo Federal em iniciar a execução do projeto de transposição das águas do
Rio São Francisco para a região semi-árida do Nordeste, qualificado pelo autor de
projeto bilionário, com efeitos nos domínios político, processo eleitoral, Congresso,
ministérios, orçamentário e no sistema ecológico da região.
148
O autor não assume explicitamente sua posição diante da viabilização do
projeto, mas existem elementos enunciativos que permitem apontar sua posição
como contrária ao empreendimento do Governo Federal, como, por exemplo, na
escolha do título do enunciado, ao destacar que o projeto de transposição gera
polêmica até no próprio governo, tanto que a sua defesa é feita somente por dois
ministérios, informação essa repassada no subtítulo do enunciado. Em outro
momento, logo no início do primeiro parágrafo, o projeto recebe uma classificação de
“bilionário”. Tais manifestações enunciativas levam ao entendimento da existência
de uma posição contrária do autor.
A construção desse enunciado é feita com sete parágrafos e em terceira
pessoa. Tematicamente, o autor mostra que a determinação do Presidente da
República em desviar as águas do Rio São Francisco para alguns estados
nordestinos pode gerar uma série de conseqüências para o país, desde a esfera
política até a ecológica. A progressão enunciativa do autor, em cada um dos seus
sete parágrafos constitutivos, é feita seguindo essa lógica, em que o autor utiliza-se
de outras vozes: a do presidente da república, Itamar Franco, do ministério de Minas
e Energia, do líder do PFL, Marco Marciel e do deputado do PFL-BA, José Carlos
Aleluia, etc.
A escolha da impessoalidade como uma das estratégias de construção
discursiva do autor reflete sua posição em relação à obra de transposição,
significando que esse procedimento deve produzir um efeito de sentido,
distanciamento. Assim mesmo, ainda se percebe sua relação de não adesão ao
projeto.
149
Em relação à linguagem, verifica-se a utilização de uma linguagem
predominantemente objetiva nos domínios políticos, financeiro, administrativo,
eleitoral, ambiental.
1) Objetiva: a) político: “presidente”, “Congresso”, “ministério”, “aliança”;
administrativo: “determinação”, “execução”, “liberação de verbas”, “lançar”,
“campanha”, “publicação”, “projeto”; financeiro: “financiamento”, “liberação de
verbas”, “recursos”, “cofres blicos”, “US$ 550 milhões
; eleitoral: “eleitoreiro”;
ambiental: “irrigar”, “riscos ecológicos”. 2) Subjetivas: a) “impacto”, “satisfatório”,
“irresponsável”.
A representação feita pelo autor em relação aos discursos de outros
enunciadores aponta para o destaque de vários objetos específicos colocados em
seu enunciado, visando demonstrar, em vários setores da sociedade, a existência da
polêmica em torno do projeto de transposição. Nestes termos, compreende-se que o
produtor desse enunciado não faz uma representação positiva do projeto, mas
negativa.
Quanto ao espaço nordestino, o enunciado o reconhece como uma região
carente na medida em que o autor o nega sua necessidade, e questiona
explicitamente seu valor orçamentário, seu custo.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Negrito
a) [...] Estado [...]
Essa expressão em negrito assinala o outro, o do próprio jornal.
150
2) Discurso direto
(a) “Do jeito que está sendo feita, pode atrapalhar mais do que ajudar o
candidato”, alertou o líder do PFL no senado, Marcos Marcial (PE).
(b) “Não sou contra o projeto, mas acho que ele precisa ser muito melhor
discutido”.
(c) “O projeto é eleitoreiro”, fulminou o deputado José Carlos [...] (PFL-BA).
(d) “O projeto é magalômano, irresponsável e desastroso, pois o custo da
água será tão grande que tornará inviável a agricultura irrigada”.
Verifica-se que a representação das quatro falas é feita pela citação direta
com o uso das aspas. Essas o pertencem ao autor, mas a outros enunciadores.
Em (a) e (b), ao senador e líder do PFL, Marcus Marciel que, juntamente com
Auriliano Chaves e Antônio Carlos Magalhães, criaram o PFL a partir do PDS
(Partido Democrático Social), partido que apoiava o regime militar no período do
golpe e ditadura civil-militar (1964-1985); em (c) e (d), ao deputado José Carlos
Aleluia (PFL-BA), ex-presidente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(Chesf). Tais falas pertencem a dois políticos de estados diferentes: um senador e
um deputado do PFL.
3) Discurso direto livre
(a) A determinação do presidente Itamar Franco de começar, em julho, a
execução do [...] projeto de desvio das águas do Rio São Francisco para a
região semi-árida do Nordeste.
b) José Carlos Aleluia (PFL-BA). Ex-presidente da Companhia Hidrelétrica
do São Francisco (Chesf), ele ameaça ignorar a aliança com Cardoso e
promover uma rebelião no Congresso contra a tentativa do governo de
aprovar emendas destinando recursos para a obra.
(c) O relatório preparado pela Coordenação de Recursos Hídricos do
Ministério de Minas e Energia, sob encomenda do ministro Aléxis
Stepanenko, aponta vários problemas no projeto. Demonstra a temeridade
de se iniciar a transposição das águas por 800 mil hectares sem um amplo
debate com todos os setores da sociedade e sem um planejamento global.
Mostra também os riscos ecológicos que imporá à região e as enormes
perdas de recursos aos cofre públicos.
As falas pertencem ao presidente Itamar Franco, ao deputado federal do
PFL, José Carlos Aleluia e à Coordenação de Recursos Hídricos do Ministério de
151
Minas e Energia. Esse recurso o apresenta o outro literalmente, mas com os
termos do autor, reproduz-se o conteúdo; em (a), existe um cruzamento entre a fala
do presidente e do autor quanto à avaliação do projeto, no momento em que este é
adjetivado de “bilionário” por causa do montante de US$ 2 milhões.
4) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo publicação do Banco do Nordeste, as águas do São Francisco
desaguariam no Canal do Trabalhador, construído por Ciro, e assegurariam
o abastecimento de Fortaleza.
O autor utiliza um modo simples e discreto para não se responsabilizar
pelo enunciado sobre o lugar onde desaguariam as águas do São Francisco e seu
objetivo em Fortaleza.
5) Parênteses
(a) [...] que é defendido pelos ministros Beni veras (Planejamento) e Aluízio
Alves (Integração Regional), mediante futuro financiamento do Banco do
Nordeste.
(b) [...] onde o desempenho do candidato do Planalto à sucessão
presidencial, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), [...].
(c) [...] alertou o líder do PFL no senado, Marcos Marcial (PE).
(d) [...] fulminou o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). Ex-presidente da
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) [...].
O parêntese abre espaço com o enunciatário, enquanto outro, em que o
autor busca preencher, junto ao leitor, o possível desconhecimento das instâncias
institucionais: em (a), ministérios; em (b), partido; em (c), estado; em (d), partido,
lugar e instituição blica. O autor dialoga com a memória dos leitores na
possibilidade destes não conhecerem tais elementos ou mesmo os conhecerem de
outra forma.
6) o mas refutativo
(a) “Não sou contra o projeto, mas acho que ele precisa [...]”.
152
Trata-se de um trecho da segunda fala do senador e der do PFL/PE,
Marcus Marciel, em que o autor apresenta a relação entre o quadro da intenção de
votos, no Nordeste, ao candidato à presidência Fernando Henrique Cardoso, e o
projeto como proposta de irrigação desta região. Utilizando-se do recurso da citação
direta, o autor fala do senador, que constrói sua resposta com uma negação. Esta se
inicia com a negação do pressuposto de que “existem pessoas a favor do projeto”:
“Não sou contra o projeto”. Esta pode ser atribuída à figura de outros enunciadores,
por exemplo, o ministro da Integração Regional e o Presidente da República. A
seguir, um enunciado do trecho introduzido com mas se contrapõe a “não sou contra
o projeto”, enunciado que o antecede. Essa contraposição é muito complexa no
sentido de que: ele está falando sobre qual projeto? O que ele conhece? Ou o que
ele idealiza? De toda forma, o senador posiciona-se contrário ao projeto.
– Formas não-marcadas
1) Catacrese
(a) “’O projeto é eleitoreiro’, fulminou o deputado José Carlos [...]”.
Esse verbo, originalmente, significa “ferir com o raio, destruir”, mas na
expressão é utilizado num sentido mais amplo: criticar satiricamente, ferir com
palavras.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político administrativo
(a) A determinação do presidente Itamar Franco de começar, em julho, a
execução do bilionário projeto de desvio das águas do Rio São Francisco
para a região semi-árida do Nordeste provocou polêmica no Congresso e
nos ministérios.
(b) “Um relatório técnico do projeto sigiloso do Ministério das Minas e
Energia, obtido pelo Estado, condena o projeto, que é defendido pelos
ministros Beni veras (Planejamento) e Aluízio Alves (Integração Regional),
mediante futuro financiamento do Banco do Nordeste.
153
(c) O governo também quer lançar na semana que vem uma campanha
contra a fome e a miséria no Nordeste [...].
(d) O documento é datado de maio e, ao invés de por uma de cal sobre
o assunto, foi cuidadosamente guardado pelo governo.
2) o político eleitoral
(a) A idéia de desviar o São Francisco para por fim à seca é apenas uma
das ofertas de Itamar para a região este ano. O governo também quer
lançar na semana que vem uma campanha contra a fome e a miséria no
Nordeste, onde o desempenho do candidato do Planalto à sucessão
presidencial, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não tem sido
satisfatório.
(b) De olho nos efeitos da liberação de verbas em período eleitoral, os
políticos querem discutir a destinação de US$ 550 milhões previstos para a
primeira etapa do projeto.
(c) Mas a proposta de irrigar o sertão assustou até integrantes da cúpula da
campanha de Cardoso. “Do jeito que está sendo feita, pode atrapalhar mais
do que ajudar o candidato”, alertou o líder do PFL no senado, Marcos
Marcial (PE). “Não sou contra o projeto, mas acho que ele precisa ser
muito melhor discutido”.
(d) Do outro lado da trincheira, além do tucano Beni Vera, estão o ex-
governador do Ceará Tasso Jereissati e o atual, Ciro Gomes. Segundo
publicação do Banco do Nordeste, as águas do São Francisco
desaguariam no Canal do Trabalhador, construído por Ciro, e assegurariam
o abastecimento de Fortaleza. Apesar de adversários do PSDB no Ceará,
os senadores peemedebistas Mauro Benevides e Cid Sabóia também
defenderem o projeto em discursos no Senado na quarta-feira. E Aluízio
Alves buscou o apoio da bancada de seu Estado, o Rio Grande do Norte.
3) o ambientalista
(a) Mostra também os riscos ecológicos que imporá à região e as enormes
perdas de recursos aos cofres públicos.
4) o político financeiro
(a) Mostra também os riscos ecológicos que imporá à região e as enormes
perdas de recursos aos cofres públicos.
(b) A proposta causou impacto pelo volume de dinheiro envolvido: para
levar as águas do São Francisco aos Estados de Pernambuco, Ceará,
Paraíba e Rio Grande do Norte serão gastos US$ 2 bilhões.
5) o técnico
17
(a) O relatório preparado pela Coordenação de Recursos Hídricos do
Ministério de Minas e Energia, sob encomenda do ministro Aléxis
Stepanenko, aponta vários problemas no projeto. Demonstra a temeridade
17
Logo Abaixo desse mesmo texto, os autores elencam algumas críticas existentes no Relatório técnico do
Ministério das Minas e Energia sobre o desvio de água do São Francisco que se baseou em estudos da
Eletrobrás, Departamento Nacional de Águas e Energia, Departamento Nacional de Obras contra a Seca, do
Engenheiro agrônomo Alberto Daker e do Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale.
154
de se iniciar a transposição das águas por 800 mil hectares sem um amplo
debate com todos os setores da sociedade e sem um planejamento global.
Enunciado 02
Recúpero rejeita projeto de irrigação (Anexo 22)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] no Congresso, numa disputa já apelidada de “guerra das águas”.
As aspas assinalam o outro discurso, o político, mostra que este não
pertence ao autor, mas aos congressistas na polêmica do tema do projeto.
2) Negrito
(a) [...] transposição do leito do Rio São Francisco, revelado pelo Estado”.
O outro que o negrito assinala é o outro discurso, institucional, o jornal O
Estado de S. Paulo contrastando com a noção de sentido institucional, sociedade,
nação politicamente organizada.
3) Discurso direto
(a) “Temo ter que fazer uma CPI sobre este assunto quando for senador”,
ameaçou o ex-governador,
(b) “O governador da Bahia, Antônio Imbassahy [...]. “O senhor foi elegante
ao comentar o projeto, ministro”, opinou”.
(c) “Por que nós aqui da Bahia o consideramos um absurdo”, reagiu.
(d) o Rio Grande do Norte e a Paraíba defendem esse projeto”,
afirmou.
(e) “Aqui na Bahia as estradas estão emburacadas, em péssimas
condições, e não há dinheiro para a recuperação”, informou o governador.
(f) “Imagine o governo federal liberar US$ 100 milhões para o projeto do
São Francisco e deixar as estradas ruins, com as pessoas sendo
assaltadas” insistiu.
(g) “Não tenho competência para julgar o projeto e pedir um parecer do
projetista, o senhor João José Cândido Pessoa”, explicou.
155
O outro que o discurso direto assinala é o outro discurso, em (a), o
político. Aqui, o ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, faz uma
ameaça de colocar o projeto na CPI. Em (b), (c), (d), (e), (f) e (g), o político; em (b), o
governador da Bahia, Antônio Imbassahy, avalia as palavras proferidas pelo ministro
da Fazenda, Ricúpero, sobre a impossibilidade orçamentária do projeto; em (c),
Antônio Imbassahy faz uma apreciação negativa do projeto; em (d), o governador da
Bahia afirma que o Rio Grande do Norte e a Paraíba são os únicos favoráveis ao
projeto; em (e) e (f), o governador da Bahia informa as péssimas condições, e seus
efeitos, das estradas de seu Estado e, em (g), o governador evidencia a falta de
competência, juridicamente falando, em face do parecer de João José Cândido
Pessoa.
4) Discurso indireto
(a) Ministro avisa que não recursos no Orçamento para desviar Rio São
Francisco.
(b) Ricúpero afirmou apenas que não há dinheiro no Orçamento.
O outro assinado pelo discurso indireto é o outro, em (a) e (b), o político,
as palavras do Ministro da Fazenda, apontado a inexistência de verbas no
Orçamento da União destinadas ao desvio.
5) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo ele, as verbas para o início das obras, estimadas em cerca de
US$ 500 milhões, não estão incluídas no Orçamento da União, o que
dificulta a possibilidade de sua execução a partir deste ano.
(b) Segundo Imbassahy, durante a última reunião da Sudene, o governo
baiano deixou clara sua posição contrária à proposta de desviar o Rio São
Francisco, a partir da Bahia, para irrigar 800 mil hectares no sertão de
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
O outro que o discurso assinala é o outro, o político, em (a), administrativo,
pronunciado pelo ministro da Fazenda à falta de verbas, para o início dos trabalhos;
156
em (b), em que o governador da Bahia, Antônio Imbassahy, apresenta-se contrário
ao projeto.
– Formas não-marcadas
1) Personificação ou antropomorfização
(a) [...] numa disputa já apelidada de “guerra das águas”.
Em (a), tem-se uma personificação, na medida em que as águas estão
representadas como entidades que agem como os humanos, capazes de produzir
uma luta armada por motivos territoriais, econômicos ou ideológicos. O outro que
esse recurso assinala é o outro discurso, o militar.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, descartou ontem a
possibilidade de o governo financiar as obras do projeto de transposição do
leito do Rio São Francisco, revelado pelo Estado”.
2) o político e econômico
(a) Segundo ele, as verbas para o início das obras, estimadas em cerca de
US$ 500 milhões, não estão incluídas no Orçamento da União, o que
dificulta a possibilidade de sua execução a partir deste ano [...].
(b) O custo total do projeto, previsto para ter sua primeira etapa financiada
pelo Banco do Nordeste, está orçado em US$ 2 bilhões.
3) o político e eleitoral
(a) Ricupero ouviu em silêncio o comentário do ex-governador da Bahia
Antônio Carlos Magalhães, [...] Ignorando a possibilidade de a obra vir a
favorecer a campanha do candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB-
PFL-PTB) no Nordeste, Antônio Carlos Magalhães fulminou a idéia.
(b) Por causa do projeto, o candidato tucano à Presidência, Fernando
Henrique Cardoso será cobrado hoje durante sua visita à Petrolina, em
Pernambuco, e Juazeiro e Canudos, na Bahia. O desvio do rio divide a
bancada nordestina no Congresso, numa disputa apelidada de “guerra
das águas”.
(c) Até agora, por causa da polêmica entre os aliados, o candidato evitou o
assunto.
157
4) o político de irrigação
(a) Segundo Imbassahy, durante a última reunião da Sudene, o governo
baiano deixou clara sua posição contrária à proposta de desviar o Rio São
Francisco, a partir da Bahia, para irrigar 800 mil hectares no sertão de
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
(b) Na visita à região que concentra os principais projetos de irrigação,
Cardoso terá encontros com colonos e proprietários de fazendas irrigadas
e será cobrado a respeito da sua opinião sobre a transposição das águas”.
5) o jurídico-administrativo
(a) [...] não dinheiro no Orçamento. “Não tenho competência para julgar
o projeto e pedir um parecer do projetista, o senhor João José Cândido
Pessoa”, explicou.
Enunciado 03
Revivendo os projetos faraônicos (Anexo 23)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] militares, mas pelos projetos ditos “faraônicos” do regime militar.
(b) [...] para investimento, será essa a solução mais “econômica” [...].
O outro aspeado é o outro discurso, em (a), o histórico, alusão à
civilização dos faraós; em (b), econômico, ao campo das ciências econômicas.
2) Parênteses
(a) [...] poder na região (remodelando Sudene e outros órgãos), [...].
O outro dos parênteses é o interlocutor, significando uma explicação
específica do autor dirigindo-se ao leitor sobre o poder político na região.
3) Discurso direto
(a) [...] disse [...] Aluízio Alves, não haverá trocas de verbas por votos [...].
158
O outro assinalado pelo discurso direto é o outro discurso, o político, de
Aluízio Alves argumentando que nesse processo eleitoral não haverá troca de votos
por verbas, entre o projeto e as próximas eleições.
4) Discurso indireto
(a) [...] o relatório elaborado no Ministério de Minas e Energia deixe claro
que, quando concluída a transferência dos recursos hídricos, haverá queda
na geração nas usinas da Chesf, o que obrigará o Executivo, havendo
desenvolvimento na região, a trazer energia de Tucuruí para o Nordeste.
O outro que o discurso indireto assinala é o outro discurso, o técnico, na
medida em que o documento do Ministério de Minas e Energia abriga conclusão
contrária ao projeto em face do déficit dos recursos hídricos, de água insuficiente
para a produção de energia.
5) Glosa
(a) [...] cuida de trazer militares para seu governo, seja em posições de
ministro, seja de membros de comissão incumbida de apurar a corrupção
no Executivo, [...].
(b) [...] sonhos do ministro Mário Andreazza: levar as águas do Rio São
Francisco, o da unidade nacional, até Ceará, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Pernambuco.
(c) [...] os problemas que irá criar. A provável queda na geração das
usinas da Chesf é um deles; outro é a má alocação dos recursos numa
época de crise, investindo de maneira desordenada, o que daria pequena
contribuição para diminuir a vulnerabilidade da região às secas.
O outro que a glosa assinala é o outro discurso, especificando, em (a), a
relação do governo com os militares; em (b), o sonho de Mário Andreazza; e em (c),
os prováveis problemas efeitos do projeto.
6) Interlocutor (exclamação)
(a) O custo da obra, tendo em vista as estimativas de quanto se irá
despender numa campanha para a Presidência da República, até que não
é tão alto demais: apenas US $ 2,1 bilhões!
.
(b) Emprego de dinheiro público para fins eleitorais tão descaradamente
confessado, raras vezes se viu. Na República de Itamar, vê-se!.
159
O ponto de exclamação pode ser atribuído a um enunciador crítico a
evidenciar sua indignação do absurdo da situação. No caso, o fato do governo
propor desviar as águas do Rio o Francisco para os estados nordestinos por
razões eleitorais, pois não existe a mínima condição para isso. Com esse recurso, o
autor estabelece com o leitor uma relação de aproximação, ocorrendo isso também
em (b).
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) O temperamento do presidente do Brasil não é apenas mercurial.
(b) [...] num governo dirigido por variações mercuriais de temperamento.
Em (a) e (b), tem-se uma intersecção, uma comparação entre as variadas
atitudes políticas do presidente Itamar Franco e as mudanças de temperatura de um
ambiente medidas pela alteração do mercúrio.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) [...] Sua Exa. não es disposto a concluir a Transamazônica, que
seria demais e sem efeitos eleitorais, mas está firmemente empenhado
em analisar outro dos sonhos do ministro Mário Andreazza: levar as
águas do Rio São Francisco, o da unidade nacional, até Ceará, Paraíba,
Rio Grande do Norte e Pernambuco.
(b) [...] outro é a má alocação dos recursos numa época de crise,
investindo de maneira desordenada, o que daria pequena contribuição
para diminuir a vulnerabilidade da região às secas.
2) o financeiro-econômico
(a) O custo da obra, tendo em vista as estimativas de quanto se irá
despender numa campanha para a Presidência da República, até que não
é tão alto demais: apenas US$ 2,1 bilhões!.
(b) [...] o custo da água não conta, pois sempre se pode vendê-la com
subsídio que sairá do Tesouro, que buscará o dinheiro no Sul.
160
3) o político eleitoral
(a) [...] como disse o ministro Aluízio Alves, não haverá trocas de verbas
por votos, mas o governo espera que o trabalho traga muitos votos, apoio e
aplausos dos eleitores e não-eleitores ao governo. Emprego de dinheiro
público para fins eleitorais tão descaradamente confessado, raras vezes se
viu. Na República de Itamar, vê-se!.
4) o técnico
(a) Pouco importa que o relatório elaborado no Ministério de Minas e
Energia deixe claro que, quando concluída a transferência dos recursos
hídricos, haverá queda na geração nas usinas da Chesf, o que obrigará o
Executivo, havendo desenvolvimento na região, a trazer energia de Tucuruí
para o Nordeste.
(b) A provável queda na geração das usinas da Chesf é um deles.
5) o histórico
(a) O projeto é antigo [...] no governo de Figueiredo. Em 1981, já se
suscitavam dúvidas sobre sua viabilidade econômica e a racionalidade dele
em função da idéia do aproveitamento integrado dos recursos hídricos.
(b) A idéia era mais que antiga: em 1920, o engenheiro José Antônio
Fonseca Rodrigues, da Politécnica de São Paulo, propunha a elevação das
águas do São Francisco para lançá-las nas Bacias do Paraíba, no Estado
da Paraíba. Ora, em 1981 já se punha em dúvida a possibilidade de
aproveitar durante todo o ano as águas do rio da unidade nacional [...].
6) o político de irrigação
(a) O projeto de levar as águas do São Francisco para os Estados citados é
a maneira de o governo federal fugir dos problemas sociais que a seca
coloca todos os anos, ligados à estrutura fundiária e de poder do Nordeste.
(b) [...] nesta crise de recursos para investimento, será essa a solução mais
“econômica”, ou se deveria privilegiar, atacando fundo os problemas
fundiários e a distribuição de poder na região (remodelando Sudene e
outros órgãos), a implantação de pequenos e médios projetos de irrigação?
Enunciado 04
Ministro lança obra sem verba orçamentária (Anexo 24)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso direto
(a) O ministério confirma sua intenção de “realizar 55% a 60% da obra até
o final deste ano”.
161
O outro assinalado pelo discurso direto é o outro discurso, o político-
administrativo, do ministro sobre o percentual da intenção da realização do projeto.
2) Discurso indireto
(a) [...] o líder do PFL [...] tem repetido que o destino dessa obra é acabar
virando tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no
Congresso.
(b) A Chesf analisou o projeto e concluiu que será obrigada a antecipar a
construção de novas usinas hidrelétricas “para substituir a energia” a ser
perdida na transposição de águas para o Rio Jaguaribe, além de
reservatórios adicionais para suprir sua necessidade “de 170 metros de
recalque” diz documento técnico assinado por Júlio Moreira, presidente
da empresa.
O outro que o discurso indireto assinala é o outro discurso, em (a), o
político, de Antônio Carlos Magalhães quando levanta a possibilidade do projeto ser
questionado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito; e em (b), o técnico, do
presidente da Chesf, quando aponta efeitos do projeto, como a construção de novas
usinas.
3) Modalização em discurso segundo
(a) Foi assim que o Tesouro nacional financiou, através do Departamento
Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), 98 projetos de irrigação e
abastecimento de água no sertão que estão totalmente abandonados,
conforme constataram auditores do Tribunal de Contas da União (TCU),
em dezembro.
(b) Parte das duas centenas de obras contra a seca – especialmente
reservatórios de água realizadas na área com recursos federais nos 84
anos de existência do Dnocs foi transformada em propriedade privada,
segundo o TCU.
As palavras dos auditores o apresentadas sobre o financiamento de 98
do projeto de irrigação e abastecimento de água e a privatização de parte das duas
centenas de obras como a seca.
4) Glosa
(a) Alves tem problemas com os cofres públicos: não dinheiro. O
Ministério da Fazenda confirma a inexistência de previsão para esse
projeto no Orçamento deste ano, que está no Congresso.
162
O outro que a modalização glosa assinala é o outro discurso, em (a), o
autor faz uma especificação dos problemas com os cofres públicos, especificação
essa que estabelece um outro sentido considerado.
– Formas não-marcadas
1) Metonímia
(a) Saiu do papel o maior e mais controvertido projeto de obras do governo
Itamar Franco.
A expressão marcada refere-se ao projeto de transposição das águas do
Rio São Francisco para o Nordeste. O outro que a metonímia assinala é o outro
discurso: o político.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo
(a) Saiu do papel o maior e mais controvertido projeto de obras do governo
Itamar Franco. O ministro Aluízio Alves, da Integração Regional, fez o edital
e 28 empresas estão na disputa do plano de engenharia básica de uma
obra de US$ 2 bilhões com o objetivo de retirar água do Rio São Francisco
para abastecer 220 cidades do Nordeste, habitualmente afetadas pela
seca.
2) o político-econômico
(a) Alves tem problemas com os cofres públicos: não dinheiro. O
Ministério da Fazenda confirma a inexistência de previsão para esse
projeto no Orçamento deste ano, que está no Congresso.
3) o político externo
(a) O ministro da Integração Regional [...] nomeou o Banco do Nordeste do
Brasil (BNB) como intermediário para conseguir empréstimos na Europa na
Europa e no Japão.
(b) Forte reação está sendo produzida pela Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (Chesf), subsidiária da holding estatal Eletrobrás, que tem
investidos US$ 18 bilhões em cinco usinas no Rio São Francisco, para
produção de 9.974 megawatts.
4) o político e financeiro
(a) é o maior negócio do ano na área de engenharia civil. As empresas
projetistas, em geral, cobram entre 2% e 3% do valor da obra. Nesse caso,
163
o projeto básico deverá resultar em uma despesa de US$ 40 milhões a
US$ 60 milhões para os cofres públicos entre agosto e novembro [...].
5) o técnico
(a) Prevê-se a retirada de 50 metros cúbicos de água por segundo do Rio
São Francisco, na etapa inicial, para transposição ao Rio Jaguaribe. Na
fase final, a vazão do São Francisco seria reduzida em 260 metros cúbicos
por segundo, um volume de água equivalente ao que hoje é consumido
pela usina hidrelétrica de Sobradinho, com potência de 1.050 megawatts.
6) o político de irrigação
(a) Foi assim que o Tesouro nacional financiou, através do Departamento
Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), 98 projetos de irrigação e
abastecimento de água no sertão que estão totalmente abandonados,
conforme constataram auditores do Tribunal de Contas da União (TCU),
em dezembro.
(b) Parte das duas centenas de obras contra a seca – especialmente
reservatórios de água realizadas na área com recursos federais nos 84
anos de existência do Dnocs foi transformada em propriedade privada,
segundo o TCU.
(c) “O projeto de desvio de água do São Francisco para o Jaguaribe
começou a ser formulado, no governo federal, em 1983”.
Jornal da Tarde
Enunciado 01
Projeto faraônico (Anexo 25)
Circulado pelo Jornal da Tarde, em 27/06/1994, setor Opinião, ocupando
¼ da folha, o enunciado Projeto faraônico fala da iniciativa do governo Itamar
Franco, classificada pelo autor de “irresponsável”, de executar o projeto de
transposição das águas do Rio São Francisco para quatro estados nordestinos: Rio
Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba.
De o Paulo, o Jornal da Tarde possui uma circulação bem menor que a
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, haja vista que sua circulação ocorre
somente no turno vespertino, portanto, uma circulação mais restrita ao citado estado.
O autor assume explicitamente, no enunciado, sua posição contrária ao
projeto de transposição, em vários momentos:
164
a) no título, classificando-o de faraônico em alusão às construções dos
faraós na antiga civilização egípcia;
b) no primeiro parágrafo, ao adjetivar a iniciativa do Governo Federal de
irresponsável;
c) no segundo parágrafo, ao afirmar que o projeto tem duvidosa utilidade,
sofrendo restrições de toda ordem;
d) no sexto e último parágrafos, quando critica o projeto pelo seu custo,
considerado muito alto aos cofres do Governo Federal.
A construção do enunciado é feita com seis parágrafos, em que o autor
utiliza a primeira pessoa do plural. De início, o autor declara sua insatisfação,
considerada surpresa, pela iniciativa do Governo Federal em executar a
transposição das águas do Rio o Francisco para quatro estados da região
nordestina, para, em sua progressão enunciativa, levantar uma rie de argumentos
evidenciando sua oposição a esse projeto de transposição, com base no alto
orçamento do empreendimento, na o existência de verbas para sua execução, no
seu caráter eleitoreiro, nas suas complicações cnicas e econômicas, na ausência
de estudos sérios na compreensão dos efeitos do projeto, na redução da produção
das hidrelétricas instaladas na área, nos empregos perdidos, na falta de eletricidade
etc.
Esse procedimento discursivo, como o uso da primeira pessoa do plural,
marca a posição estratégica do autor em procurar colocar-se politicamente próximo
à questão, produzindo um sentido de proximidade, de inserir-se de forma direta ao
proposto pelo governo.
165
A linguagem utilizada está mesclada de termos e expressões objetivas e
subjetivas em relação às dimensões da política administrativa federal, ciências
agronômicas, financeira, processo eleitoral, econômico-tributário.
1) Objetiva: a) política-administrativa: “iniciar um projeto de transposição”;
b) ciências agronômicas: “perenizar”, “Nordeste”, “irrigação de terras”, “1,2 milhão
de hectares de terras”, “hidrelétricas”; c) financeiro: “US$ 2 bilhões”, “orçamento”,
“verbas”; d) processo eleitoral: “eleitoral”, “políticos”, “mandato”; e) econômico-
tributário: “concorrências”, “licitações”, “aditamentos de contratos”, “compras”.
2) Subjetivas: “sinceramente”, “irresponsável”, “absolutamente”,
“duvidosa”, “certos”, “redondamente enganados”, “subestimamos”,
“irresponsabilidade”, “menos nobres”, “enseja discursos demagógicos”, “delícias”,
“verdadeira”, “grande projeto”, “melhorar”, “complicam”, “sérios”, “demasiadamente”,
“fantasiosos”.
Portanto, o enunciador produz uma representação negativa do projeto de
transposição. Sobre o espaço nordestino, o autor aponta para uma representação
em que reconhece a sua carência, principalmente em relação aos efeitos da seca.
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Negrito
(a) O problema é que esses miniprojetos não rendem votos e outras
cositas mas para os políticos do Nordeste.
O outro que o negrito assinala é o outro discurso, outra língua (como
dizem os espanhóis), a contrastar com “outras coisas”.
2) Discurso direto
(a) Não atentamos para a atração eleitoral e outras menos nobres que
exerce um projeto que enseja discursos demagógicos, do tipo “vamos
salvar os nordestinos definitivamente da seca e da fome”.
166
O outro que o discurso direto assinala entre aspas é o outro, o político.
3) Discurso indireto
(a) [...] políticos nordestinos em época eleitoral quando o ministro Ricupero
declarou que não estão previstas verbas para o projeto nem no Orçamento
deste ano nem no do próximo ano.
(b) Estudos técnicos de que o governo dispõe indicam que, com muito
menos dinheiro, será possível irrigar até mais terras, com projetos mais
realistas, menos fantasiosos.
O outro aqui assinalado é o outro, em (a) o ministro da Fazenda, em 1994,
Rubens Ricúpero; em (b), o Governo Federal.
4) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo o ministro da Integração Regional, nordestino do Rio Grande
do Norte, [...] as obras serão iniciadas em agosto e deverão estar prontas
até o final de 1995.
O outro que a modalização em discurso segundo assinala é o outro, o
ministro Aluízio Alves.
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) Além do mais, o alto custo de um projeto faraônico [...].
Em (a), o projeto de transposição está associado às construções dos
faraós, assinalando o outro discurso, o histórico.
2) Provérbio
(a) Para esses governos vai-se se vestir um santo e desvestir outro:
algumas áreas ganham mais águas e outras ficam sem energia para o
comércio e a indústria.
Esse anunciado está contido na memória de muitos leitores, portanto
pertence ao outro assinalado pela expressão: “sabedoria popular”.
167
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e administrativo (irrigação)
(a) Quando, cerca de um mês, surgiram nos jornais as primeiras
notícias sobre a intenção do governo Itamar Franco de iniciar um projeto de
transposição das águas do rio São Francisco para perenizar outros rios do
Nordeste e permitir a irrigação de terras da região, [..].
(b) Os governos de Minas e da Bahia, por exemplo, condenam
veementemente o projeto. Para esses governos vai-se se vestir um santo e
desvestir outro: algumas áreas ganham mais águas e outras ficam sem
energia para o comércio e a indústria. Os empregos eventualmente criados
pelas águas serão perdidos com a falta de eletricidade.
2) o político eleitoral
(a) Ficamos ainda mais certos de que a notícia não passava de expediente
propagandístico de políticos nordestinos em época eleitoral quando o
ministro Ricupero declarou que não estão previstas verbas para o projeto
nem no Orçamento deste ano nem no do próximo ano.
(b) Não atentamos para a atração eleitoral e outras menos nobres que
exerce um projeto que enseja discursos demagógicos, do tipo “vamos
salvar os nordestinos definitivamente da seca e da fome”.
3) o político econômico
(a) [...] quando o ministro Ricupero declarou que não estão previstas
verbas para o projeto nem no Orçamento deste ano [...]
4) o jurídico administrativo-tributário
(a) [...] essas obras acabam sempre custando muito mais –, a dezenas de
concorrências, licitações, aditamentos de contratos, compras, coisas que
fazem as delícias de muitos burocratas e políticos.
(b) O edital de concorrência para a realização de sua primeira fase foi
divulgado e 28 empresas se apresentaram para preparar o plano de
engenharia básica.
5) o engenheiro-agronômico
(a) As águas do São Francisco serão elevadas, em determinados pontos, a
uma altura de 160 metros para serem despejadas em alguns rios
nordestinos que ficam secos durante um período do ano, permitindo a
irrigação de 1,2 milhão de hectares de terras hoje pouco aproveitáveis.
6) o político da irrigação
(a) Aparentemente, [...] trata-se de um grande projeto que irá incentivar a
agricultura nordestina, criar empregos e melhorar a renda da região.
168
7) o técnico-engenharia (ciência)
(a) Estudos técnicos de que o governo dispõe indicam que, com muito
menos dinheiro, será possível irrigar até mais terras, com projetos mais
realistas, menos fantasiosos.
8) o ambientalista
(a) Não estudos sérios do impacto ambiental que a diminuição da vazão
da água em determinadas áreas e o aumento em outras provocará. Mas é
certo que a redução da vazão prejudicará o funcionamento de algumas
hidrelétricas instaladas na área hoje percorrida pelo São Francisco.
Enunciado 02
S. Francisco: Alves ataca políticos (Anexo 26)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Discurso direto
(a) “A seca é uma boa marca política, e esse pessoal ganha votos em troca
do transporte de água para os eleitores em carros-pipas’, disse o ministro,
ao menosprezar o cerrado bombardeio [...]”.
(b) “Os baianos pensam que são donos do São Francisco”, ironizou o
ministro, afirmando que as áreas mais beneficiadas com a irrigação de
terras são as mais afetadas pela seca no Nordeste, ou seja, o semi-árido
do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
c) “Todo programa que se fizer no País em ano de eleições vai ser acusado
de eleitoreiro”, afirmou Alves, comparando [...] às feitas ao Plano Real [...].
(d) “O projeto vai reduzir em 80% os efeitos da seca no Nordeste’, disse o
ministro, afirmando que o custo total da obra, em torno de US$ 2 bilhões,
representa o mesmo valor gasto pelo governo federal no ano passado com
programas emergenciais de assistência aos flagelados pela seca.
(e) Será uma nova Transamazônica”, afirmou o presidente do Comitê
Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco,
José Teodomiro Araújo.
(f) Segundo ele, o projeto não vai acabar com a seca: “Temos 300 mil
hectares irrigados na bacia do São Francisco e assim mesmo sofremos
com a seca.
(g) Técnicos do próprio governo calculam que com a retirada de cada
metro cúbico de água do rio, abaixo de Sobradinho, as hidrelétricas de
Xingó, Itaparica, Moxotó e Paulo Afonso deixariam de gerar 2,6 megawatts
por hora.
169
O outro que este discurso assinala é o outro discurso. Em (a), (b), (c) e (d),
o político, de Aluízio Alves, quando, em (a), mostra a relação dos efeitos da seca
com os votos em período de eleições no Nordeste; em (b), ironiza os baianos por
serem contrários ao projeto; em (c), contra-argumenta a tese de que a obra tem
caráter eleitoreiro, pois esta existe por necessidade e o como moeda para troca
de votos; em (d), mostra o percentual da redução dos efeitos da seca;
Em (e), (f) e (g), o técnico, o presidente do Comitê Executivo de Estudos
Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco; em (e), (f) e (g) apresenta-se
contrário ao projeto, tendo em vista os seus efeitos, como a redução da produção
hidrelétrica da região e por não erradicar a seca.
2) discurso indireto
(a) Ministro da Integração Regional diz que críticos do projeto bilionário de
transposição de águas ganham com a seca.
(b) Aluízio Alves disse que a disposição do presidente Itamar Franco de
levar adiante a transposição das águas, no prazo mais curto, é
“inarredável”, mesmo com todas as críticas e contestações judiciais à
licitação para escolha das empresas que farão o projeto de engenharia.
O outro que este discurso indireto assinala é o outro discurso, o político,
de Aluízio Alves, ao afirmar, em (a), que os políticos contrários ao projeto ganham
com a seca, tiram proveito junto aos leitores nordestinos e vantagens pela falta
d’água; em (b), reafirma a vontade política do presidente em realizar a obra, sob as
mais diversas críticas e representações jurídicas.
3) Modalização em discurso segundo
(a) Até o final do governo, segundo a previsão de Alves, entre 50% e 60%
do projeto estará concluído.
O outro que esta modalização em discurso segundo assinala é o outro
discurso, em (a), o político, feita por Aluízio Alves quando se refere ao percentual da
170
conclusão da obra tomando como parâmetro o período do governo de Itamar
Franco.
– Formas não-marcadas
1) Metáfora
(a) [...] ao menosprezar o cerrado bombardeio [...]”
Em (a), o autor faz uma relação entre uma guerra militar e a recepção
adversa do projeto de transposição no Congresso Nacional. O outro assinalado é o
discurso militar.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político e eleitoral
(a) O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, acusou ontem os
políticos que estão atacando o projeto de transposição das águas do rio
São Francisco de dependerem da seca do Nordeste para ganharem votos.
“A seca é uma boa marca política, e esse pessoal ganha votos em troca do
transporte de água para os eleitores em carros-pipas”, disse o ministro, ao
menosprezar o cerrado bombardeio que a bilionária obra está sofrendo no
Congresso e em setores do governo.
(b) Na Bahia, todas as correntes políticas se uniram contra a transposição
das águas, desde o ex-governador Antônio Carlos Magalhães até o
deputado Waldir Pires (PSDB). Técnicos do governo também se opõem à
obra.
(c) Alves criticou também as alianças políticas forjadas pelo projeto, na
Bahia. “Os baianos pensam que são donos do São Francisco”, ironizou o
ministro, afirmando que as áreas mais beneficiadas com a irrigação de
terras são as mais afetadas pela seca no Nordeste, ou seja, o semi-árido
do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
(d) Alves rebateu, ainda, as acusações de que o projeto é meramente
eleitoreiro e está sendo executado a toque de caixa. “Todo programa que
se fizer no País em ano de eleições vai ser acusado de eleitoreiro”, afirmou
Alves, comparando essas críticas às feitas ao Plano Real por ter sido
concebido pelo candidato à Presidência pela coligação PSDB-PFL-PTB,
senador Fernando Henrique Cardoso.
2) o político e jurídico
(a) Aluízio Alves disse que a disposição do presidente [...] é “inarredável”,
mesmo com todas as críticas e contestações judiciais à licitação para
escolha das empresas que farão o projeto de engenharia.
171
3) o técnico e financeiro
(a) “O projeto vai reduzir em 80% os efeitos da seca no Nordeste”, disse o
ministro, afirmando que o custo total da obra, em torno de US$ 2 bilhões,
representa o mesmo valor gasto pelo governo federal no ano passado com
programas emergenciais de assistência aos flagelados pela seca.
4) o técnico
(a) [...] um relatório preparado pela Coordenação de Recursos Hídricos do
Ministério de Minas e Energia, sob encomenda do ministro do
Planejamento, Aléxis Stepanenko, alerta para a temeridade de se iniciar a
transposição das águas do São Francisco sem um amplo debate e sem
planejamento. Técnicos do próprio governo calculam que com a retirada de
cada metro cúbico de água do rio, abaixo de Sobradinho, as hidrelétricas
de Xingó, Itaparica, Moxotó e Paulo Afonso deixariam de gerar 2,6
megawatts por hora.
(b) Será uma nova Transamazônica”, afirmou o presidente do Comitê
Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco,
José Teodomiro Araújo. Segundo ele, o projeto não vai acabar com a seca:
“Temos 300 mil hectares irrigados na bacia do São Francisco e assim
mesmo sofremos com a seca”.
Enunciado 03
S. Francisco: ministro lança obra (Anexo 27)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) Mossoró [...] que lhe valeu o título de “cidade insatisfeita”, do qual se
orgulham os mossoroenses.
As aspas, utilizadas pelo autor na expressão ‘cidade insatisfeita’, relativa à
cidade de Mossoró/RN, assinalam o discurso do outro, o popular. A expressão é
mantida pelos populares da cidade, significando resistência ao que não lhes
compraz. Alguns historiadores admitem que seu uso deu-se a partir da resistência
ao cangaceiro Lampião, em 13 de junho de 1927, quando o rei do cangaço fora
derrotado pelos seus habitantes, com significativa baixa em suas fileiras.
2) Discurso direto
(a) “Nesse sentido, o projeto é eleitoreiro sim”, afirmou o ministro.
172
(b) “Eles agem como se o São Francisco fosse propriedade privada deles”,
alfinetou o ministro, alegando que a Bahia contribui com apenas 16% do
volume d’água do “velho Chico”, enquanto Minas Gerais que não está
reclamando do projeto”, contribui com 76%”.
(c) O ministro dividiu os inimigos do projeto em três categorias: a dos
“reacionários do sul”, que na sua opinião consideram o Nordeste como
caso perdido; a dos políticos tradicionais do Nordeste, “que fazem carreira
com a indústria da seca e não querem vê-la resolvida”; e a dos
desinformados. Segundo o ministro, os políticos clientelistas do Nordeste
estão, desde já, “com saudade da indústria da seca, da troca de votos por
alistados de trabalhadores nas frentes de emergência, dos negócios com
carros-pipa e da corrupção de eleitores aliciados por esmolas”.
(d) Alves inclui Fernando Henrique Cardoso na categoria dos
desinformados por ter-se colocado inicialmente contrário ao projeto.
“Depois de uma conversa comigo e com o presidente Itamar Franco, ele
mudou de opinião”, disse.
O outro que o discurso direto assinala é o outro discurso. Em (a), (b), (c) e
(d), o político, de Aluízio Alves, contendo, em (a), justificativa do seu entendimento
da expressão “projeto eleitoreiro”, anteriormente explicitada; em (b), o
estabelecimento de uma diferença entre os posicionamentos dos políticos baianos e
mineiros do projeto, em que os primeiros são contrários e os segundos, a favor; em
(c), classificando os políticos contrários ao projeto em três grupos: 1) os reacionários
do sul; 2) os políticos tradicionais do nordeste; e 3) os desinformados; em (d), Aluízio
classifica o candidato à presidente Fernando Henrique no terceiro grupo:
desinformado.
3) Discurso indireto
(a) Aluízio Alves admite que em retribuição, espera votos para os
candidatos do Governo.
(b) O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, admitiu ontem
publicamente que o projeto de transposição de águas do rio São Francisco
para o semi-árido nordestino é eleitoreiro.
(c) Durante solenidade realizada em Mossoró (RN) de instalação simbólica
dos escritórios [...], Alves disse que o governo trabalha para obter
aplausos, não vaias. “Se a obra é boa e os aplausos se traduzem em
votos, tanto melhor”, disse.
(d) Alves disse que ficará muito satisfeito se o povo, em retribuição, votar
em massa nos candidatos do governo e nos políticos comprometidos com
a obra.
173
(e) Alves disse que derrotará todos os inimigos do projeto e desdenhou dos
políticos baianos que estão contra a transposição de águas do São
Francisco, como o ex-governador Antônio Carlos Magalhães, e o atual,
Antônio Imbassahy.
O outro que o discurso indireto assinala é o outro discurso, o político, de
Aluízio Alves, em (a) e (b), que admite os votos quando significam reconhecimento
dos eleitores aos feitos do governo, e que isso é normal em uma democracia; e o
caráter eleitoral do projeto; em (c), (d) e (e), ao afirmar que as obras boas devem ser
traduzidas em votos e aplausos, e que isso não ocorre quando não são boas ou não
existem; ficaria bastante satisfeito se o povo, através do voto, reconhecesse as
obras, pois todos aqueles que são contrários ao projeto sofrerão derrota.
4) Glosa
(a) “Nesse sentido, o projeto é eleitoreiro sim”, afirmou o ministro. Alves
disse que ficará muito satisfeito se o povo, em retribuição, votar em massa
nos candidatos do governo e nos políticos comprometidos com a obra.
O outro que a glosa assinala é o outro discurso. O autor apresenta uma
outra modalidade de considerar o sentido do projeto eleitoral, tanto com a expressão
“sim”, quanto pela especificação do que se denomina “projeto eleitoreiro”.
– Formas não-marcadas
1) Metonímia (do abstrato pelo concreto)
(a) Segundo maior reduto eleitoral do Rio Grande do Norte [...]
A expressão marcada refere-se aos eleitores de Mossoró. Reduto é o
abstrato e eleitores, o concreto. O outro assinalado é o político.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político eleitoral
(a) O ministro da Integração Regional [...] admitiu ontem publicamente que
o projeto de transposição de águas do rio São Francisco para o semi-árido
nordestino é eleitoreiro.
(b) “[...] o projeto é eleitoreiro sim”, afirmou o ministro. Alves disse que
ficará muito satisfeito se o povo, em retribuição, votar em massa nos
174
candidatos do governo e nos políticos comprometidos com a obra. Entre
esses estão seu sobrinho Garibaldi Alves, candidato a governador pelo
PMDB, o filho Henrique Alves, candidato a deputado federal, a filha Ana
Catarina, candidata a deputada estadual, e dezenas de aliados. Na visita a
Mossoró, Alves esteve acompanhado por Henrique.
(c) Os clãs mais tradicionais que dominam a política no Estado (Alves e
Maias) costumam não ser bem votados no município. Garibaldi, por
exemplo, que lidera as pesquisas com 49% das intenções de voto, tem em
Mossoró a sua pior performance. No horário eleitoral gratuito o candidato a
governador dividiu o seu programa em dois blocos um exclusivamente
para a região de Mossoró.
(d) Desta vez, apesar da virada nacional em favor do candidato tucano,
Fernando Henrique Cardoso, o candidato do PT permanece na frente,
segundo as últimas intenções de voto.
(e) Nas ruas não houve sequer uma manifestação de apoio, embora a
população seja entusiasta do projeto. Adversário político de Alves, o
prefeito do município Dix-Huit Rosado, mandou um representante de
terceiro escalão para recepcioná-lo.
2) o histórico-eleitoral
a) Segundo maior reduto eleitoral do Rio Grande do Norte, com cerca de
100 mil votos, Mossoró tem uma tradição oposicionista arraigada que lhe
valeu o título de “cidade insatisfeita”, do qual se orgulham os
mossoroenses. Em 1989, foi o único reduto do sertão nordestino onde Lula
ganhou no primeiro e segundo turnos.
3) o político-ideológico
(a) O ministro dividiu os inimigos do projeto em três categorias: a dos
“reacionários do sul”, que na sua opinião consideram o Nordeste como
caso perdido; a dos políticos tradicionais do Nordeste, “que fazem carreira
com a indústria da seca e não querem vê-la resolvida”; e a dos
desinformados. Segundo o ministro, os políticos clientelistas do Nordeste
estão, desde já, “com saudade da indústria da seca, da troca de votos por
alistados de trabalhadores nas frentes de emergência, dos negócios com
carros-pipa e da corrupção de eleitores aliciados por esmolas”. Alves inclui
Fernando Henrique Cardoso na categoria dos desinformados por ter-se
colocado inicialmente contrário ao projeto. “Depois de uma conversa
comigo e com o presidente Itamar Franco, ele mudou de opinião”, disse.
Enunciado 04
S. FRANCISCO
ALVES: ‘REFLEXO ELEITOREIRO’ (Anexo 28)
1. Heterogeneidade mostrada
– Formas marcadas
1) Aspas
(a) [...] acusa a imprensa e os “velhos inimigos” do projeto [...]
175
(b) [...] “apenas” R$ 600 milhões [...] execução do projeto” e “tão somente”.
(c) Alves disse que considera “engraçado” seu envolvimento [...].
O outro que as aspas assinalam é o outro discurso, o político, em (a), tem-
se a expressão utilizada pelos políticos aos adversários em que “velho” e “inimigos”
contrastam com outro discurso, familiar e militar. O primeiro, significando pai ou
marido; o segundo hostil, adverso; em (b), o ministro Aluízio Alves refere-se ao valor
do projeto em sua primeira fase; em (c), tem-se o termo dito por Aluízio Alves.
2) Negrito
(a) [...] em entrevista ao Jornal de Tarde, na solenidade de instalação [...].
O outro que o negrito assinala é o outro discurso, em (a), o popular, a
contrastar com o empresarial (empresa jornalística).
3) Discurso direto
(a) Ele próprio, porém, reconhece na defesa que toda e qualquer iniciativa
do governo, quer queira que não, tem reflexo eleitoreiro, porque representa
o compromisso assumido pelo governante quando candidato”.
(b) “O governo não pode se dar ao luxo de paralisar suas atividades a cada
dois anos, cruzar os braços, omitir-se, dispensar seus ministros e
auxiliares, apenas para não ser acusado de eleitoreiro”, afirma o ministro.
(c) Alves foi notificado pela Justiça Eleitoral para esclarecer o que quis ao
afirmar, em entrevista ao Jornal de Tarde, na solenidade de instalação dos
escritórios do projeto, que “se a obra é boa e os aplausos se traduzem em
votos, tanto melhor; nesse sentido, o projeto é eleitoreiro”.
(d) O candidato não é o meu”, afirmou, garantindo que vai votar no
candidato de seu partido, o PMDB, Orestes Quércia.
(e) O próprio Fernando Henrique falou que tem gente que pensa que
ajuda, mas só atrapalha”, resumiu ontem um dos dirigentes da campanha.
(f) “O ministro Aléxis Stepanenko precisa usar o bom senso e ver que sua
intervenção é muito prejudicial”, avaliou o dirigente tucano.
O outro que o dispositivo discurso direto assinala é o outro discurso, o
político, de Aluízio Alves, em (a), referindo-se à relação reflexológica entre obras
feitas e administradas pelo governo e eleições; em (b), ao defender a tese de que
176
por causa de eleições os governantes não podem deixar de construir, sob pena de
obstaculizar a administração; em (c), ao explicar a relação de causa e efeito entre
votos e construção de obras boas e aplausos; em (d), ao afirmar que seu candidato
é Orestes Quércia e não Fernando Henrique; em (e), ao retomar as palavras do
candidato Fernando Henrique de recusa de certas ajudas políticas; e por Fernando
Henrique, em (f), ao se referir à ajuda política do ministro Aléxis Stepanenko.
4) Discurso Indireto
(a) Alves argumenta que a suspeita de que ele teria cometido crime
eleitoral caberia contra a iniciativa do ex-presidente Juscelino Kubistchek
de construir Brasília e contra “os governantes” que criaram o Plano Real.
(b) Em entrevista, Alves disse que considera “engraçado” seu envolvimento
em denúncias da utilização da máquina federal em favor da campanha do
candidato Henrique Cardoso, do PSDB.
(c) Ele tem esperança de que a reprimenda do presidente Itamar Franco,
recomendando que seus ministros não interferiram na sucessão
presidencial, surta o efeito necessário.
O outro que o dispositivo discurso indireto assinala é o outro discurso, o
político, em que o ministro, em (a) e (b), contra-argumenta a relação entre o voto e a
construção de obras em período eleitoral e ironiza com críticas feitas sobre sua
relação com a candidatura de Fernando Henrique; em (c), aponta sua insatisfação
quanto às interferências de alguns ministros em sua campanha a presidente.
5) Modalização em discurso segundo
(a) Segundo ele, serão necessários “apenas” R$ 600 milhões para a
execução do projeto e “tão somente” R$ 100 milhões para o exercício
financeiro deste ano”.
O outro que a modalização em discurso segundo refere-se é o outro
discurso, em (a), do ministro sobre o custo do projeto.
– Formas não-marcadas
1) Catacrese
(a) “O governo não pode se dar ao luxo de paralisar suas atividades a cada
dois anos, cruzar os braços, omitir-se [...]”.
177
Originalmente, esse verbo significa “dispor em cruz”, mas na expressão é
utilizado num sentido mais amplo: “indispor-se de alguma atividade”.
2. Heterogeneidade constitutiva
1) o político
(a) Ministro se defende acusando “velhos inimigos”.
2) o jurídico-eleitoral
(a) Na defesa que encaminhou ontem ao corregedor-geral Eleitoral,
Flaquer Scartezzini, o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, acusa
a imprensa e os “velhos inimigos” do projeto de transposição das águas do
rio São Francisco de terem deturpado suas palavras, ao lhe atribuir a
declaração de que a obra é eleitoreira.
(b) Alves foi notificado pela Justiça Eleitoral para esclarecer o que quis ao
afirmar, em entrevista ao Jornal da Tarde, na solenidade de instalação dos
escritórios do projeto, que “se a obra é boa e os aplausos se traduzem em
votos, tanto melhor; nesse sentido, o projeto é eleitoreiro.
(c) Alves argumenta que a suspeita de que ele teria cometido crime
eleitoral caberia contra a iniciativa do ex-presidente Juscelino Kubistchek
de construir Brasília e contra “os governantes” que criaram o Plano Real.
Ele faz uma ampla defesa do projeto, dizendo tratar-se de uma iniciativa
“bastante amadurecida”, proposta desde os tempos do Império.
3) o político-eleitoral
(a) Alves disse que considera “engraçado” seu envolvimento em denúncias
da utilização da máquina federal em favor da campanha do candidato
Henrique Cardoso, do PSDB. “O candidato não é o meu”, afirmou,
garantindo que vai votar no candidato de seu partido, o PMDB, Orestes
Quércia.
(b) A disposição de Stepanenko de emprestar solidariedade à campanha
de Fernando Henrique está irritando o comando da campanha. No fim de
semana, o ministro voltou a surpreender: encerrada a solenidade de
inauguração do sistema de eletrificação de Sinop (MT), o ministro
despediu-se com a mão espalmada, símbolo da campanha tucana.
(c) Ele tem esperança de que a reprimenda do presidente Itamar Franco,
recomendando que seus ministros não interferiram na sucessão
presidencial, surta o efeito necessário.
178
3.3. Formas de representação e de heterogeneidades enunciativas nos jornais do
Rio Grande do Norte e São Paulo: transposição do São Francisco para o Nordeste
Os enunciado dos jornais do Rio Grande do Norte e São Paulo utilizam as
formas de representação e heterogeneidades enunciativas sobre o projeto de
transposição do Rio São Francisco para o Nordeste e do espaço nordestino, na
medida em que:
1) Sonho nordestino (GO
18
/RN)
a) propõe a tematização da irrigação na região nordestina na pauta das
eleições de outubro de 1994;
b) constrói uma representação positiva do projeto de transposição das
águas do Rio o Francisco para o Nordeste ao apontá-lo como única solução para
o Nordeste, com os seus efeitos positivos, na medida em que se criam empregos,
abastecem-se açudes e represas nas terras mais atingidas do Ceae Rio Grande
do Norte, tornando-se navegáveis os dois mais importantes rios destas regiões e
facilitando o comércio com o transporte fluvial;
c) constrói uma representação do espaço nordestino o como uma
região seca, mas também desprovida de empregos, carente (tem-se,
conseqüentemente, uma política de favores), uma terra semi-árida sem irrigação,
sem água nos vales, rios sem perenização, sem condições de se navegar
comercialmente, enfim, uma imagem de uma região cheia de problemas, nas
diversas esferas;
d) aponta para a tensão e confronto existentes entre as políticas de
irrigação e a forma do Nordeste ser representado pelas forças ideológicas contrárias
18
Gazeta do Oeste.
179
ao projeto. Nota-se isso em É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem
paternalismos. Sem favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação”.
Para tanto, o autor coloca em funcionamento marcas lingüísticas de
inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de heterogeneidade
mostrada: (1) entonação, (2) negação, (3) glosa do enunciador, (4) o interlocutor, e
da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando
seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
político de irrigação do semi-árido, (2) o político-econômico, (3) o filosófico.
2) Água do São Francisco para o semi-árido (GO/RN)
a) aponta para uma representação positiva do projeto na medida em que
pode trazer soluções para reduzir os desastrosos efeitos da seca, inundação das
terras semi-áridas com águas do São Francisco, resolução do gravíssimo problema
da seca, que parece insolúvel, e seja pelo menos amenizado. Aponta para as
motivações que o cercam, insinuando uma relação entre projeto e as eleições. Essa
insinuação direciona o discurso para uma posição de tensão entre o projeto e seus
interesses político-eleitorais. Isto pode ser observado em O que nos surpreende,
diante dessa fantástica e quase inesperada decisão, é que, enquanto a barragem de
Santa Cruz, em Apodi, grita por recursos, com suas obras paralisadas há mais de
dois anos, de repente milhões de dólares são conseguidos para canalizar as águas
do São Franciscoe É bom lembrar que estamos dentro de um ano político, cuja
campanha se prenuncia acirrada, quando é comum surgirem promessas dessa
natureza, que podem render, ou não, dividendos eleitorais”.
b) constrói uma imagem do Nordeste em que as terras deste são semi-
áridas, sem água e sem irrigação, em que seus habitantes estão submetidos a uma
180
ordem sócio-econômica hegemônica de outras regiões, conseqüência dos efeitos da
seca, um povo submetido (sem liberdade), carente e vivendo preso a um desejo
intemporal de liberdade.
O enunciador coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do
discurso-outro, através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1)
discurso indireto, (2) glosa (modalização autonímica), (3) o mas refutado, e da forma
não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o técnico-
científico, (2) o histórico, (3) o político-econômico, (4) o da mídia (jornalístico), (5) o
político eleitoral. Portanto, neste texto, o sujeito enunciador utiliza-se desses
recursos enunciativos, principalmente históricos, técnicos e jornalísticos.
3) A transposição corre risco (GO/RN)
a) aponta para as posturas contrárias ao projeto, principalmente de forças
político-econômicas de outras regiões, principalmente do Sudeste e da imprensa
escrita da Bahia e Sul.
b) constrói uma representação positiva do projeto na medida em que
passa a ser compreendido como solução para o secular problema da seca no semi-
árido nordestino, uma possibilidade de acabar com essa desigualdade cruel e, por
fim, a redenção do seu povo da fome e da miséria que lhes tem castigado pelo
tempo afora.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região sem
recursos para financiar o projeto de transposição, com uma população com
necessidades, submetida a uma forte hegemonia econômica, principalmente do
Sudeste; região de fornecimento de matéria-prima e de mão-de-obra a preços
181
aviltantes, razão da hegemonia do Sudeste; vítima da desigualdade cruel, com povo
submetido à fome, miséria, desde há muito, e sem voz, sem representação política
suficiente.
O autor de A transposição corre risco coloca em funcionamento marcas
lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) discurso indireto, (2) o interlocutor, (3) negação, e da
forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
jornalístico (imprensa), (2) o cnico, (3) o político e administrativo, (4) o político e
econômico, (5) o desenvolvimento regional.
4) A transposição intransponível (GO/RN)
a) levanta a tese da legitimidade e validade do projeto, em que se
apresentam elementos das esferas econômica, política e eleitoral, evidenciando os
efeitos dos moldes em que essa transposição está sendo proposta ao Nordeste.
b) constrói uma representação não positiva do projeto, na medida em que
o projeto passa a ser compreendido como uma encenação política em razão do
período eleitoral em que foi inscrita sua proposta, embora reconhecendo que os
problemas acarretados pela seca só podem ser resolvidos com água.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região em que os
agricultores necessitam de água para erradicar a estiagem e irrigar suas terras, pois
sem água é impossível solucionar os problemas; anos a região Nordeste é um
forte curral eleitoral, em que os detentores do poder aproveitam-se dessa mazela
para tirar dividendos políticos e deixar o povo cada vez mais pobre numa região em
que sua população, além de ser sofrida, não tem conhecimento do projeto.
182
O autor de A transposição intransponível coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso indireto, (3) modalização
autonímica, (4) o mas refutativo; e da forma não-marcada de heterogeneidade
mostrada (1) provérbio, (2) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da
heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o discurso eleitoral, (2) o político
administrativo, (3) o ambientalista, (4) o popular.
5) Análise & Fatos (Texto 01: OM
19
/RN)
a) o autor descreve seu encontro no Ministério de Integração Regional,
enquanto deputado federal-PMDB/RN, com o ministro Aluízio Alves para falar sobre
o projeto, evidenciando a existência de forças políticas contrárias.
b) constrói uma representação positiva do projeto na medida em que este
possibilitará a perenização dos rios nordestinos e a irrigação de 1.200.00 hectares,
no período de 6 anos, repercussões na economia do Rio Grande do Norte e a
redenção do Nordeste.
c) constrói uma representação do espaço nordestino como uma região
carente de água para irrigar suas terras semi-áridas, uma região sem recursos para
financiar o projeto, sem representação política suficiente diante das instâncias
federais e, por fim, submetida a uma política sócio-econômica de outras regiões para
poder sobreviver, uma região carente de recursos para fazer frente às suas
condições.
O autor da seção Análise & Fatos coloca em funcionamento marcas
lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
19
O Mossoroense.
183
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) o interlocutor, (3) glosa, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) discurso indireto livre; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
acadêmico-universitário, (2) o político-econômico, (3) o da política de irrigação.
6) Análise & Fatos (Texto 02: OM/RN)
a) mostra seu descontentamento da não inclusão das obras da Barragem
da Santa Cruz e recuperação da BR-405 nas discussões das emendas
orçamentárias federais para o Estado do Rio Grande do Norte, em reunião dos
deputados federais do estado com o governador Vivaldo Costa em que o enunciador
isenta os senadores Lavoisier Maia e Garibaldi Filho.
b) constrói uma representação positiva do projeto, na medida em que o
mesmo pode sanar a região da falta d’água em suas barragens.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região com
problemas em suas barragem por falta d’água e suas BRs 405 e 101 necessitando
de recuperação; uma região carente em que, no campo político, os discursos não
são homogêneos quanto ao modo de enfrentar os problemas, mas heterogêneos.
O sujeito enunciador na seção Análise & Fatos (texto 01), segundo
enunciado do deputado federal potiguar, coloca em funcionamento marcas
lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) discurso indireto, (2) glosa, e da forma não-marcada
de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem
da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político e administrativo, (2)
o político de irrigação, (3) o político parlamentar, (4) o político eleitoral.
184
7) Aluízio não tem mais direito à perseguição política (OM/RN)
a) orienta seu discurso para denunciar a perseguição que Aluízio Alves
está fazendo a seus adversários políticos, na condição de ministro de demandas
políticas e administrativas do governo federal.
O autor mostra que Aluízio Alves, quando ex-governador do Rio Grande
do Norte, utilizou várias vezes a quina estatal para perseguir adversários
políticos, mas que pela idade e obras produzidas não tinha mais razão de tais
atitudes.
b) constrói uma representação positiva do projeto, na medida em que este
é um dos temas mais importantes, significativos do final século para o semi-árido
nordestino.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região possuidora
do flagelo da seca, habitada por pessoas pobres da agricultura, com terras de tipo
semi-árido, difícil de desenvolver, com necessidade das águas do São Francisco,
enfim, uma região carente.
O autor de Aluízio não tem mais direito à perseguição política coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) glosa, (2) o interlocutor, (3)
negação, e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora;
atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os
discursos (1) o político e administrativo, (2) o político de irrigação, (3) o político
eleitoral.
185
8) Reflexões I: Chegando água do Rio São Francisco aos sertões
(OM/RN)
a) descreve prováveis momentos de uma população em júbilo,
manifestações de grande alegria pela chegada das águas do São Francisco ao
Nordeste, mas, ao mesmo tempo, o autor propõe uma racionalidade na forma de
lidar com as águas.
b) constrói uma representação bastante positiva do projeto, na medida em
que este inaugura canais de irrigação, sacia a sede, amplia escolas e universidades,
inaugura cooperativas e agências bancárias, recicla-se o plástico para confeccionar
centenas e mais centenas de quilômetros de mangueiras, reuniões com técnicos
discutindo programas de trabalho; preparação da terra (com sementes e mudas),
além de beneficiamento dos centros urbanos e recuperação de barragens
salinizadas, que não são poucas.
c) constrói uma imagem do Nordeste como uma região constituída de
sertões secos e canais para irrigação, com população sedenta, orientada por
superstições, com carência de empregos, renda e barragens a serem
dessalinizadas, enfim, uma região carente, pobre.
O autor de Reflexões I: Chegando água do Rio São Francisco aos sertões
coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através
das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) glosa, e da forma
não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
econômico, (2) o popular (cultura popular), (3) o técnico.
186
9) AA define início e transposição (DN
20
/RN)
a) o enunciador mostra a existência de duas idéias diferentes do projeto: a
primeira colocada é a do Ministério da Fazenda, contrária ao projeto para, em
seguida, mostrar a favorável ao projeto. Durante toda a produção enunciativa,
verifica-se o destaque das formas de discursos direto e indireto, visando um efeito
de sentido maior de legitimidade e de distanciamento ao seu enunciado,
principalmente às contrárias.
b) entendemos que o enunciador constrói uma imagem positiva desse
projeto, e podemos verificar isso em vários momentos de sua enunciação; dois
desses momentos nos remetem a essa conclusão: na introdução, em Com a
oposição do Ministério da Fazenda e sem um centavo para financiar o investimento,
o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, marcou a data para “início dos
trabalhos” de transposição das águas do rio São Francisco.”; ao referir a posição do
Ministério da Fazenda cuja competência diz respeito à questão do orçamento, ou
seja, sem verba o condição de materialização do projeto; e, no término no inal
em Esta iniciativa do governo está sendo questionada”; e ao colocar em crise a
política administrativa externa dos responsáveis pelo projeto em buscar recursos
junto aos bancos estrangeiros.
c) o enunciado não tematiza o Nordeste, silencia sobre suas condições, os
motivos levantados contrários à transposição surgem como argumentos não
favoráveis. O autor o nega suas necessidades objetivas e reais, leva a questão
para as políticas administrativa e jurídica por parte do governo. Não se constata
diretamente essa negação objetiva. De seu silêncio, pode-se compreender que
20
Diário de Natal.
187
reconhece a região carente d’água, sem possibilidade de desenvolvimento
econômico etc.
O autor de AA define início e transposição coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso direto, (3) modalização do
discurso segundo, (4) discurso indireto e (5) glosa, e da forma não-marcada de
heterogeneidade mostrada (1) ironia; atravessando seu enunciado na ordem da
heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político administrativo, (2) o
político interno, (3) o político econômico externo, (4) o político da irrigação.
10) Aluízio censura FHC sobre obra (DN/RN)
a) o enunciador focaliza dois aspectos: a avaliação do ministro da
Integração Regional, posição contrária ao projeto de Fernando Henrique, e os
recursos para a obra, mas principalmente o primeiro aspecto, evidenciando as
justificativas de Aluízio Alves de sua declaração de que a obra de transposição tem
caráter eleitoreiro. Como se observa, coloca-se em ação, nesta construção de
sentido, dois recursos, duas formas fortes para o autor distanciar-se de seu dizer:
formas do discurso direto e discurso indireto.
Usa-se um procedimento interessante: grande parte da fala de Aluízio
Alves, na defesa do projeto, está na forma direta, mas as vozes contrárias ao projeto
estão em discurso indireto, e partem por meio da voz de Aluízio Alves. Quer dizer, o
autor procura colocar as vozes frente a frente, mantendo um distanciamento dessas
vozes. Isso acaba acarretando um efeito de não sabermos de forma direta qual a
posição do autor quando se busca sua posição. Porém, as escolhas feitas através
das formas estratégicas pelo autor, tipo discurso direto e indireto modalização, em
188
discurso segundo, orientam-nos para entendermos que o autor é favorável do
projeto.
b) o enunciado tem uma tendência para uma imagem positiva do projeto.
Um dos indícios é a direção do sentido em que se procura apresentar os contra-
argumentos de Aluízio Alves e não os contrários.
c) o enunciador, quando materializa as vozes em relação a alguns
aspectos envolvidos na discussão da transposição, como a política, recursos etc.,
verifica-se que não aparecem elementos visíveis da situação objetiva do Nordeste.
Constatam-se elementos sobre comportamento político do eleitor nordestino frente à
posição de Fernando Henrique como candidato a presidente, prevista por Aluízio
Alves de que Fernando Henrique pode “despencar” nas eleições, caso continue a se
posicionar contrário.
O autor de Aluízio censura FHC sobre obra coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) discurso direto, (2) discurso indireto, (3) glosa, (4)
modalização em discurso segundo, (5) parênteses, (6) negação, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado
na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político eleitoral.
(2) o jurídico eleitoral, (3) o político externo.
11) Itamar cria projeto de transposição das águas (DN/RN)
a) o autor informa a criação oficial, através de decreto, do projeto para
Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, mostrando que foram criados
órgãos para administrar questões inerentes à transposição.
189
b) embora buscando objetividade, o autor direciona-se para uma
representação positiva da transposição, colocando apenas vozes que são favoráveis
ao projeto, desde o ato formal, no caso o decreto, aas explicações do ministro da
Integração Regional, ao apresentar efeitos do projeto quanto à política de empregos.
c) o enunciador, quando apenas informa sobre o ato formal de criação,
através do decreto do projeto, o se posiciona explicitamente sobre o Nordeste.
Esse silêncio pode ser entendido como forma de não somente acatar o projeto, mas
também de reconhecer sua necessidade.
O autor de Itamar cria projeto de transposição das águas, na seção
Opinião, coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-
outro, através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) discurso
indireto, e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora;
atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os
discursos (1) o político e administrativo, (2) o político e econômico, (3) o político
externo.
12) Itamar quer apressar empréstimo para obras de transposição de rio
(DN/RN)
a) o autor descreve ações de política externa e administrativa, por parte do
Governo Federal, em relação ao projeto. Tais descrições demonstram o interesse
dessas instâncias governamentais em garantir a viabilidade via contato com bancos
estrangeiros para garantir empréstimos junto a tais entidades internacionais.
b) embora com elementos evidenciando vozes contrárias ao projeto,
como as dos governadores da Bahia e de Sergipe, o autor aponta para uma
representação positiva da transposição, na medida em que apresenta e insiste nas
190
posições ideológicas de vozes favoráveis, tanto com as marcas do discurso direto
como também com discurso indireto e discursos políticos das altas autoridades da
esfera administrativa do país.
Os trechos que fornecem pistas referem-se aos efeitos do projeto, tipo: a)
reduzir os efeitos da seca em Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte;
b) viabilidade econômica, em que reduzirá em até 80% os programas emergenciais
de combate à seca nesses estados, e que trata-se da solução de um problema
histórico”.
c) ao escolher estrategicamente as formas de representação na ordem da
seqüência do discurso (heterogeneidade mostrada marcada) e na ordem do discurso
(heterogeneidade constitutiva), o autor apresenta, constitutivamente, discursos que
mostram o Nordeste como uma região cujos efeitos negativos da seca são
problemas históricos. A imagem do Nordeste é construída de forma negativa, pois a
existência de um problema natural – a seca – transformou-se em um sintoma
regional histórico.
O autor de Itamar quer apressar empréstimo para obras de transposição
de rio, na seção Opinião, coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção
do discurso-outro, através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1)
aspas, (2) discurso direto, (3) discurso indireto, (4) modalização em discurso
segundo, atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva
com os discursos (1) o político externo, (2) o econômico e administrativo, (3) o
político e administrativo, (4) o ambientalista.
191
13) O sonho do São Francisco (TN
21
/RN)
a) apresenta e reflete, contra-argumentando, as diversas posições, na
avaliação do ministro “sem exame, argumentos pueris e equivocados”, contrários ao
projeto, não somente como seu defensor, mas como executor, à medida que procura
cumprir uma determinação do presidente.
b) constrói uma representação positiva do projeto como solução dos
efeitos da seca, beneficiando Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba;
impedindo os efeitos da seca sobre o meio ambiente, evitando a morte, pela fome,
de pessoas e animais, a destruição da flora, “um pesadelo de Deus” que, em ciclos
cada vez mais freqüentes, abate-se sobre mais de 30 milhões de brasileiros; não
haverá gastos com esmolas e carros de pipas; e o Nordeste deixará de ser
dependente da indigência que fabrica votos em nome da fome e do desespero, ou
dos pseudo-cientistas e ecologistas que fazem do meio-ambiente uma falsa
bandeira, a fim de sair do anonimato para as manchetes dos jornais.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região: vítima da
indústria da seca, sonhadora com a transposição das águas do Rio São Francisco
para resolver seus problemas, uma região com drama, com morte, pela fome, de
pessoas e animais, destruição da flora, efeitos da seca, enfim, uma região pobre,
carente.
O autor de O sonho do São Francisco coloca em funcionamento marcas
lingüísticas de inserção do discurso-outro através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) negrito, (3) discurso direto, (4) refutação
pelo mas, (5) discurso direto livre, (6) discurso indireto, (7) negação, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) máximas, (2) metáfora; atravessando seu
21
Tribuna do Norte.
192
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político
administrativo, (2) o político econômico, (3) o político eleitoral, (4) o político
ambiental e administrativo, (5) Coletivo popular.
14) O velho Chico e as urnas (TN/RN)
a) reflete o enunciado de Aluízio Alves de que o projeto é eleitoreiro, como
também apresenta posições contrárias ao projeto, como os recursos e percentual de
descarga d’água do São Francisco ao Nordeste.
b) constrói uma representação positiva do projeto ao afirmar que o mesmo
é necessário à perenização e irrigação de suas terras, com conseqüências sociais e
econômicas, e, portanto, representa possibilidade de transformar o Nordeste.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região que tem a
transposição como um velho sonho; uma região prejudicada pela ausência do
projeto, por fim, uma região pobre e carente.
O autor do enunciado dO velho Chico e as urnas coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro através das formas
marcadas de heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso direto livre, (3)
discurso indireto, (4) modalização em discurso segundo, (5) glosa, (6) mas
(refutativo), (7) negação, e da forma o-marcada de heterogeneidade mostrada (1)
metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva
com os discursos (1) o discurso eleitoral, (2) o histórico, (3) o cnico, (4) o político
externo, (5) o ambientalista, (6) o político-econômico e administrativo, (7) o político
eleitoral.
193
15) Preconceito contra o Nordeste (TN/RN)
a) faz uma reflexão da posição política do jornal Estado de S.Paulo,
denominando-a de preconceituosa, apresentando elementos, considerados
demonstrativos, em que aponta o preconceito, a começar do modo como o jornal
posiciona-se contrário ao projeto, lavra do Governo Federal.
b) constrói uma representação positiva do projeto em que é a primeira
tomada de posição do Nordeste contra as causas de sua pobreza, visando combater
suas conseqüências na continuação do quadro de miséria, ahoje estigmatizado
por esmolas e acusações.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região vítima de
preconceito regional; recebedora de esmola, de distribuição de alimentos; com
grande mortalidade infantil; de muita miséria; e uma região subordinada à opulência
das condições econômicas do estado de São Paulo. Essa representação pode ser
denominada de uma imagem negativa, porém, nesse existem elementos que
fornecem uma imagem positiva ao se falar que a região é produtora de petróleo nos
mares e terras, e responsável pelo pagamento dos “metrôs” de o Paulo, Rio de
Janeiro e Brasília e pagadora do prejuízo da Rede Ferroviária com as passagens por
preço defasado dos cariocas e paulistas, quando os trens foram desativados.
Neste sentido, pode-se perceber a existência de duas formas de
representação dessa região: uma negativa e outra positiva, fazendo com que o
enunciado torne-se possuidor de um discurso que revele não somente uma face do
Nordeste, a negativa, mas também outra face, a positiva.
O autor de Preconceito contra o Nordeste coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso direto, (3) negação, e da forma
194
não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
jornalístico (2) o político externo, (3) o econômico-financeiro, (4) o econômico-
tributário, (5) o político e administrativo.
16) A utopia, o sonho, as águas... (TN/RN)
a) mostra o desinteresse dos políticos para resolver os efeitos da seca do
Nordeste através do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. A
partir dessa tese, procura justificar sua posição sobre os candidatos das próximas
eleições a presidente e a governador do Rio Grande do Norte. O primeiro pelo fato
do candidato Flávio ser potiguar e o segundo pelo de que a única acusação feita a
Garibaldi Alves Filho (seu sobrinho) é ser oligarca, fato que a outra candidata (Wilma
de Farias) também o é.
b) constrói uma representação positiva do projeto como impulsionador da
abertura da terra crestada de desesperança, quase desespero, o sulco para o
córrego, solucionando os problemas efeitos da seca.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região vítima do
desinteresse dos políticos de solucionar a questão da irrigação, com oligarquias
políticas; como discriminada em relação às outras regiões do país, na medida em
que grandes projetos foram materializados em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília,
cidades pertencentes às regiões do Sudeste e Centro-Oeste. Portanto, tem-se uma
imagem de uma região discriminada, marginalizada, carente de condições para
sobreviver somente com seus recursos.
O autor de A utopia, o sonho, as águas... coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro através das formas marcadas de
195
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) o interlocutor, (3) glosa, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado
na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o estético, (2) o
futebolístico, (3) o político eleitoral, (4) o político e econômico, (5) o poético, (6) o
político-eleitoral/ jornalístico, (7) o histórico.
17) Nordeste ganha obra faraônica contra a seca (FSP
22
/SP)
a) informa a decisão do governo em construir a obra de transposição das
águas do Rio São Francisco para o Nordeste, descrevendo elementos de ordem
interna da construção, tais como orçamento, verba e formas de pagamento e, de
forma sutil, um sentido de indisponibilidade quanto à sua materialização.
b) constrói uma representação não tão clara do projeto em termos de sua
necessidade ou não, porém, fornece pistas, através do uso da expressão “obra
faraônica”, a partir de seu próprio título, em O projeto de transposição de água do
rio São Francisco ainda precisa de avaliação do Ministério da Fazenda sobre
capacidade de pagamento”. Dois momentos em que aparece a posição do autor. O
aspeamento de "entusiasmado", dita por Aluízio Alves, que avalia o comportamento
do presidente a respeito da transposição, evidencia que o autor não quer
compartilhar dessa responsabilidade enunciativa do ministro, distanciando-se
através desse recurso. Diante do exposto, classificamos essa posição como
contrária à transposição.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região carente,
portanto com necessidade das águas do São Francisco. Tanto o autor como outras
22
Folha de S. Paulo.
196
vozes, que participam do enunciado, reconhecem essa carência nociva à irrigação,
ao desenvolvimento.
O autor de Nordeste ganha obra faraônica contra a seca coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso direto, (3)
discurso indireto, (4) discurso direto livre, (5) modalização em discurso segundo, (6)
negação, e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) ironia, (2)
metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva
com os discursos (1) o político e administrativo, (2) o político econômico externo, (3)
o político econômico interno, (4) o político eleitoral, (5) o político de irrigação, (6) o
engenheiro-agronômico.
18) A Bahia e o velho Chico (FSP/SP)
a) informa a aprovação do governo em construir a obra de transposição
das águas do Rio São Francisco para quatro estados nordestinos. Avalia como
precipitada essa decisão do Governo Federal, apontando uma série de obstáculos,
desde o valor do projeto, que o autor classifica como gigante e faraônico, até a
insuficiência de água do Velho Chico.
b) constrói uma representação não positiva do projeto na medida em que o
considera um megaprojeto: com custo gigantesco em US$ 2,1 bilhões; fruto de uma
decisão precipitada, que não leva em conta estudos técnicos abalizados, mostrando
que o Rio São Francisco está enfermo, sofrendo os efeitos de criminoso
desmatamento de suas margens, que intensificou o processo de assoreamento de
seu leito, degradado por várias fontes poluidoras; o "rio da integração nacional"
está com o seu potencial hídrico quase todo comprometido, com as usinas
197
hidrelétricas; os projetos de irrigação já implantados estão em curso; os especialistas
sustentam que a atual capacidade do rio não autoriza a utilização de mais 300
metros bicos por segundo para garantir o êxito do projeto; o projeto seria viável
caso houvesse, também, a interligação do rio Tocatins com o "Velho Chico"; o
engenheiro JoTheodomiro apontou os prejuízos que o megaprojeto provocará na
Bahia, pois haverá a desativação da Usina de Itaparica."; as águas do "Velho Chico"
são insuficientes para irrigar os solos férteis, aptos e irrigáveis, existentes no curso
de toda a sua bacia. Diante dessas justificativas, apontadas pelo enunciador,
consideramos que o projeto proposto pelo governo é visto como não viável.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região carente, com
poucas condições, em que se tem a seca como um crucial problema e um terreno
semi-árido de capacidade insuficiente à irrigação.
O autor de A Bahia e o velho Chico, da seção Opinião coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) discurso direto, (3)
discurso indireto, (4) modalização de discurso segundo, (5) glosa, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado
na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político e
administrativo, (2) o político externo, (3) o financeiro, (4) o técnico, (5) o
ambientalista, (6) o político externo, (7) o racional e ético.
19) Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar (FSP/SP)
a) mostra a posição contrária do ministro da Fazenda ao projeto, proposto
pelo Governo Federal, apontando inclusive com argumentos de ordem orçamentária
e de prioridade em face às outras obras, como as rodovias do país.
198
b) constrói uma representação tanto positiva como negativa do projeto de
transposição. De um lado, tem-se a voz de Rubens Ricupero, discordando; de outro,
as vozes do presidente e dos ministros do Planejamento, Beni Veras, e da
Integração Regional, Aluízio Alves, a favor.
Compreende-se que o autor desse enunciado identifica-se com a primeira
voz, isto é, a contrária. Alguns trechos nos fornecem elementos para essa
conclusão: a escolha, no título, da expressão “opõe”, apontando para um confronto
direto entre o ministro e o presidente, e a expressão “inoportunidade”, no subtítulo,
também aponta para uma interpretação do autor quanto à avaliação do projeto.
Observa-se que a entrada do enunciado do ministro, discordando do projeto, não se
deu pelo recurso do discurso direto, mas pelo discurso indireto, procedimento em
que o discurso do outro, antes de ser inserido no discurso do um, passa pela
interpretação do autor.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região que tem
necessidade do projeto em face da carência de água para a irrigação de suas terras
ao plantio.
O autor de Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) discurso direto, (2) discurso
indireto, e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora;
atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os
discursos (1) o político e administrativo, (2) o político e financeiro, (3) o político-
econômico, (4) o político eleitoral (irrigação), (5) o técnico, (6) o jurídico-formal, (7) o
administrativo-financeiro.
199
20) Eleição e irrigação (FSP/SP)
a) mostra a posição favorável ao projeto, reflete sobre sua possibilidade de
solucionar os efeitos da seca, e finaliza colocando em evidência o tema da
transposição do São Francisco e o momento eleitoral.
b) constrói uma representação positiva do projeto, na medida em que
levanta a questão dos gastos do governo como medidas paliativas: não existiriam os
carros-pipa, cesta básica ou emprego temporário como instrumento de barganha
eleitoral e de dominação política; e o beneficiamento dessa política assistencialista,
a distribuição de recursos para diminuir os efeitos da seca sem extingui-los força
às modernas formas de coronelismo.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região cuja
população é vítima da política interna e externa de assistencialismo, de soluções
paliativas para seus problemas (como seca e miséria); uma região submetida às
formas tradicionais do coronelismo e, por fim, um espaço político-social submetido
aos programas demagógicos de governos. Portanto, uma região, sofrida, pobre e
carente.
O autor de Eleição e irrigação, escrito pelo jornalista Marcelo Beraba
coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através
das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) discurso direto, (2) glosa, e
da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando
seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
político-administrativo e financeiro, (2) o financeiro, (3) o político de irrigação, (4) o
político-eleitoral.
200
21) Desvio do São Francisco causa polêmica (ESP
23
/SP)
a) faz uma reflexão do projeto, levantando elementos que contrariam a
viabilidade de sua construção, desde o valor orçamentário até os riscos ambientais.
b) constrói uma representação não positiva do projeto na medida em que
é: condenada pelos técnicos, pois envolve um volume muito grande de dinheiro;
eleitoreira (já que Fernando Henrique, candidato do governo a presidente, está em
baixa cotação na intenção de voto no Nordeste); divisor das bancadas políticas da
própria região; o relatório do Ministério das Minas e Energia mostra os problemas
efeitos dessa transposição, além dos riscos ecológicos. Apenas um trecho indica
uma posição positiva, em que a transposição é vista como uma necessidade:
Segundo publicação do Banco do Nordeste, as águas do São Francisco
desaguariam no Canal do Trabalhador, construído por Ciro, e assegurariam o
abastecimento de Fortaleza”.
Diante do exposto, classificamos essa posição como contrária ao projeto.
Isso pode ser indicado, também, nas expressões utilizadas pelo autor, em sua
avaliação: “[...] a execução do bilionário projeto de desvio [...]”, [...] Nordeste
provocou polêmica no Congresso e nos ministérios [...]”, “[...] A proposta causou
impacto pelo volume [...]”,”[...] irrigar o sertão assustou até integrantes [...]”, “[...] Do
outro lado da trincheira, além do tucano Beni Vera, [...]”, “[...] O documento é datado
de maio e, ao invés de por uma pá de cal sobre o assunto, foi cuidadosamente [...]”.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região semi-árida,
com a seca e seus efeitos, com uma população faminta, miserável e sem água para
o abastecimento do Canal do Trabalhador, construído pelo então governador do
Ceará, Ciro Gomes. Portanto, uma imagem negativa.
23
Estado de S. Paulo.
201
O autor de Desvio do São Francisco causa polêmica, com o subtítulo
Relatório técnico condena projeto defendido por dois ministros, coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada: (1) negrito, (2) discurso direto, (3)
discurso direto livre, (4) modalização em discurso segundo, (5) parênteses, (6) mas,
e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando
seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o
político administrativo, (2) o político eleitoral, (3) o ambientalista, (4) o político
financeiro, (5) o técnico.
22) Recúpero rejeita projeto de irrigação (ESP/SP)
a) mostra a posição contrária do ministro da Fazenda sob a alegação de
que os cofres públicos não têm verba para o projeto. Ou seja, não orçamento da
União para um empreendimento de tamanho volume orçamentário. O próprio autor
classificou o projeto de “polêmico e bilionário”.
b) constrói uma representação não positiva do projeto, na medida em que
desperta polêmica, pois é financeiramente bilionário aos cofres públicos; pode vir a
favorecer a campanha do candidato Fernando Henrique no Nordeste; o desvio do rio
divide a bancada nordestina no Congresso, numa disputa apelidada de “guerra
das águas”. Outras expressões também indicam o lugar político do autor contrário à
transposição. As vozes escolhidas pelo autor, visando constituir seu enunciado, em
grande parte pertencem às posições contrárias: Ministro da Fazenda, Rubens
Ricupero; ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães; o governador da
Bahia, Antônio Imbassahy.
202
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região semi-árida,
com a seca e seus efeitos. Mesmo se colocando contrário ao projeto, o autor não
nega a necessidade dessa região das águas do São Francisco. Nestes termos, tem-
se um enunciador que constrói uma imagem do Nordeste como uma região carente.
O autor de Recúpero rejeita projeto de irrigação e com subtítulo Ministro
avisa que não recursos no Orçamento para desviar Rio São Francisco coloca em
funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através das
formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) negrito, (3) discurso
direto, (4) discurso indireto, (5) modalização em discurso segundo, e da forma não-
marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado
na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político e
administrativo, (2) o político e econômico, (3) o político e eleitoral, (4) o político de
irrigação, (5) o jurídico-administrativo.
23) Revivendo os projetos faraônicos (ESP/SP)
a) faz uma relação entre o projeto, adjetivado de obra faraônica, e as
construções feitas pelos antigos faraós. Tais construções gigantescas exigiam não
apenas tempo e energia dos escravos, mas muito recurso financeiro. Feita através
da ironia, tal relação é feita a partir do título, e isso serve de espaço enunciativo ao
autor para mostrar sua posição contrária ao projeto.
b) constrói uma representação não favorável, não positiva da
transposição, na medida em que esta possui relatórios técnicos que apontam:
inconvenientes da obra e a falta de planejamento; comprometimento do dinheiro
público, tão escasso para outras coisas mais urgentes; o relatório elaborado no
Ministério de Minas e Energia mostra que a transferência dos recursos hídricos
203
gerará queda na geração nas usinas da Chesf, o que obrigará o Executivo a trazer
energia de Tucuruí para o Nordeste; a água disponível para irrigação será muito cara
e o que se produzir na região será economicamente sem sentido; existem dúvidas
sobre sua viabilidade econômica e a racionalidade dele em função da idéia do
aproveitamento; e serve de propaganda eleitoral, de manifestação de desvelo com
as populações mais carentes, que com a irrigação terão empregos e o sofrerão
mais com a seca, mas a rigor não resolve os problemas que irá criar.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região possuidora
de um sonho: água para sua irrigação. Uma região com problema de pobreza; com
rios sem perenização; sem fertilização e, portanto, com várias extensões de terras
sujeitas periodicamente ao flagelo das secas; uma região com problemas sociais,
com efeitos da seca ligados à estrutura fundiária e de poder do Nordeste; enfim, com
profundos problemas fundiários, sem falar na distribuição de poder. Nestes termos,
tem-se um enunciador que constrói uma imagem do Nordeste como uma região
carente.
O autor de Revivendo os projetos faraônicos coloca em funcionamento
marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro através das formas marcadas de
heterogeneidade mostrada (1) aspas, (2) parênteses, (3) discurso direto, (4) discurso
indireto, (5) glosa, (6) interlocutor (exclamação) e da forma não-marcada de
heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da
heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político e administrativo, (2) o
financeiro-econômico, (3) o político eleitoral, (4) o técnico, (5) o histórico, (6) o
político de irrigação.
204
24) Ministro lança obra sem verba orçamentária (ESP/SP)
a) mostra que houve, através do Governo Federal, a oficialização do
projeto para 220 cidades nordestinas, habitualmente afetadas pelo fenômeno da
seca. Destaca duas situações: falta de orçamento e seus efeitos nas esferas:
econômica do Vale de o Francisco, do impacto ambiental, política externa, dentre
outras.
b) constrói uma representação não favorável, o positiva do projeto, na
medida em que apresenta uma série de dificuldades: não dinheiro no orçamento
da União; o Ministro da Fazenda recusa-se a autorizar aval do Tesouro ou do Banco
do Brasil para tais operações de financiamento; o projeto é controvertido por ter
custo muito alto; tem grande impacto ambiental e econômico no Vale do São
Francisco; está sob forte oposição dos governos e de diferentes facções políticas da
Bahia e de Minas, que o relacionam a objetivos meramente eleitorais; o projeto
básico deverá resultar em uma despesa de US$ 40 milhões a US$ 60 milhões para
os cofres públicos entre agosto e novembro – exatamente no período que vai da reta
final da campanha até o segundo turno eleitoral; prevê-se a retirada de 50 metros
cúbicos de água por segundo do Rio São Francisco, na etapa inicial, para
transposição ao Rio Jaguaribe. Haveria uma redução de 260 metros bicos por
segundo, um volume de água equivalente ao que hoje é consumido pela usina
hidrelétrica de Sobra; os empreiteiros consideram o prazo tecnicamente inviável para
uma obra desse porte; existe uma forte reação produzida pela Companhia
Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da holding estatal Eletrobrás; a
Chesf analisou o projeto e concluiu que será obrigada a antecipar a construção de
novas usinas hidrelétricas “para substituir a energia” a ser perdida na transposição
de águas para o Rio Jaguaribe, além de reservatórios adicionais para suprir sua
205
necessidade “de 170 metros de recalque”. Todos esses elementos enunciativos
indicam a posição não favorável do projeto.
c) constrói uma representação do Nordeste como uma região que tem:
220 cidades habitualmente afetadas pela seca; regiões afetadas pelos efeitos da
seca na área mais pobre do país; projetos de irrigação e abastecimento de água
totalmente abandonados. Assim, tem-se uma imagem não muito negativa do
Nordeste, a partir do momento em que o enunciado divide a região em pobre e não-
pobre.
O autor de Ministro lança obra sem verba orçamentária, com subtítulo
Equipe procura empréstimo no Exterior para desviar curso do Rio o Francisco,
coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-outro, através
das formas marcadas de heterogeneidade mostrada: (1) discurso direto, (2) discurso
indireto, (3) modalização em discurso segundo, (4) glosa, e da forma não-marcada
de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem
da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político e administrativo, (2)
o político-econômico, (3) o político externo, (4) o político e financeiro, (5) o cnico,
(6) o político de irrigação.
25) Projeto faraônico (JT
24
/SP)
a) faz uma reflexão crítica do projeto, na medida em que questiona não
a legitimidade, a política administrativa do governo federal, mas a viabilidade técnica
e econômica, seus efeitos nos ambiente em que as águas do São Francisco irão
passar, em conformidade ao projeto oficial. Essa crítica feita ao projeto é avaliada
como irresponsabilidade gestora por parte do Governo Federal.
24
Jornal da Tarde.
206
b) constrói uma representação não positiva do projeto, na medida em que:
o projeto é uma iniciativa irresponsável de certos homens públicos brasileiros; é um
programa orçado de duvidosa utilidade, que sofre restrições de todos os tipos; o
ministro da Fazenda declara que não estão previstas verbas para o projeto nem no
Orçamento deste ano nem no do próximo ano; essas obras acabam sempre
custando muito mais; técnica e economicamente, as coisas se complicam; não
existem estudos sérios do impacto ambiental que a diminuição da vazão da água em
determinadas áreas e o aumento em outras provocará; é certo que a redução da
vazão prejudicará o funcionamento de algumas hidrelétricas instaladas na área hoje
percorrida pelo São Francisco; os governadores de Minas e da Bahia condenam
veementemente o projeto; algumas áreas ganham mais águas e outras ficam sem
energia para o comércio e a indústria; os empregos eventualmente criados pelas
águas serão perdidos com a falta de eletricidade; o alto custo de um projeto
faraônico como esse encarecerá demasiadamente o metro quadrado de área
irrigada, tornando os produtos colhidos nas áreas beneficiadas tão caros que não
terão condições de competir no mercado; estudos técnicos de que o governo dispõe
indicam que, com muito menos dinheiro, sepossível irrigar até mais terras, com
projetos mais realistas, menos fantasiosos.
Vale ressaltar que esse enunciador, além de apontar posições contrárias
ao projeto, coloca também em cena outra voz que aponta uma outra visão sobre o
projeto, quando afirma: “Aparentemente, portanto, trata-se de um grande projeto que
irá incentivar a agricultura nordestina, criar empregos e melhorar a renda da região”.
O enunciador engaja-se na primeira direção, ou seja, contrário ao projeto, inclusive
classificando-o de irresponsável e demagógico, politicamente falando.
207
c) constrói uma representação não positiva do Nordeste, pois, nessa
região semi-árida existem: rios que precisam ser perenizados para permitir sua
irrigação em terras normalmente atingidas pela seca; políticos capazes de efetivar
expediente propagandístico em época eleitoral; políticos irresponsáveis na condição
de homens públicos capazes de proferir discursos demagógicos; a seca e a fome
(embora esse discurso tenha sido aspeado pelo enunciador para responsabilizar
essa fala aos políticos os quais ele está criticando, o fato é que esse discurso entrou
em cena e, de uma maneira ou de outra, faz parte do imaginário social dos políticos,
pertença ao enunciador ou não); alguns rios nordestinos ficam secos durante um
período do ano; a região nordeste possui uma agricultura que precisa ser
incentivada, naturalmente por outras regiões do país, para solucionar o problema do
desemprego e, conseqüentemente, melhorar a renda da região; e por último: os
empregos eventualmente criados pelas águas serão perdidos com a falta de
eletricidade. Portanto, constrói-se uma imagem de uma região bastante carente.
O autor coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do
discurso-outro através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada: (1)
negrito, (2) discurso direto, (3) discurso indireto, (4) modalização em discurso
segundo, e da forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora, (2)
provérbio; atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva
com os discursos (1) o político e administrativo (irrigação), (2) o político eleitoral, (3)
o político econômico, (4) o jurídico administrativo-tributário, (5) o engenheiro-
agronômico, (6) o político da irrigação, (7) o técnico-engenharia (ciência), (8) o
ambientalista.
208
26) S. Francisco: Alves ataca políticos (JT/SP)
a) o enunciador apresenta vozes que falam sobre o projeto: as que são
favor e as contrárias. Tem-se, nas primeiras, as dos ministros da Integração
Regional, Aluízio Alves, do ministro do Planejamento, Beni Veras, e a do presidente,
Itamar Franco; nas segundas, as do ex-governador Antônio Carlos Magalhães, do
deputado Waldir Pires (PSDB), dos técnicos do governo e o presidente do Comitê
Executivo de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Jo
Teodomiro Araújo.
b) constrói uma representação tanto positiva como negativa da
transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste, na medida em que
apresenta vozes a favor e contra o projeto.
Podem-se verificar as primeiras em “O projeto vai reduzir em 80% os
efeitos da seca no Nordeste”, [...] afirmando que o custo total da obra, em torno de
US$ 2 bilhões, representa o mesmo valor gasto pelo governo federal no ano
passado com programas emergenciais de assistência aos flagelados pela seca,
afirmações do ministro da Integração Regional, Aluízio Alves. Nas segundas: 1) [...]
com a retirada de cada metro cúbico de água do rio, abaixo de Sobradinho, as
hidrelétricas de Xingó, Itaparica, Moxotó e Paulo Afonso deixariam de gerar 2,6
megawatts por hora. Essa afirmação foi feita pelos técnicos do governo federal; 2)
“Será uma nova Transamazônica”, afirmação do presidente do Comitê Executivo de
Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco, José Teodomiro Araújo;
e conforme ainda com o presidente desse Comitê o projeto não vai acabar com a
seca.
c) constrói uma representação não positiva do Nordeste, na medida em
que existem enunciados que apontam a região como possuidora de terreno semi-
209
árido; em que a seca é um fenômeno constante e com necessidade de programas
emergenciais de assistência aos flagelados pela seca. Portanto, tem-se imagem de
uma região carente de recursos, sobretudo.
O autor de S. Francisco: Alves ataca políticos e subtítulo Ministro da
Integração Regional diz que críticos do projeto bilionário de transposição de águas
ganham com a seca coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do
discurso-outro, através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada (1)
discurso direto, (2) discurso indireto, (3) modalização em discurso segundo, e da
forma não-marcada de heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu
enunciado na ordem da heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político
e eleitoral, (2) o político e jurídico, (3) o técnico e financeiro, (4) o técnico.
27) S. Francisco: ministro lança obra (JT/SP)
a) o autor mostra e reflete o efeito de sentido produzido pelas palavras do
ministro da Integração Regional ao afirmar a natureza eleitoreira do projeto de
transposição. O autor, composicionalmente, inicia, antes mesmo do título, com o
discurso do ministro, utilizando as aspas, uma forma de representação mostrada
marcada que indica o distanciamento que o autor estabelece com o discurso
daquele.
b) constrói uma representação tanto positiva como negativa do projeto, na
medida em que apresenta vozes a favor e contra.
Eis as vozes favoráveis: acabacom a carreira da indústria da seca e
com o clientelismo, as frentes de emergências, dos negócios com carros-pipa e da
corrupção de eleitores aliciados por esmolas. Essa posição é do ministro da
Integração, Aluízio Alves. Eis as contrárias, através do discurso de Aluízio Alves: a
210
dos “reacionários do sul” que, na sua opinião, consideram o Nordeste como caso
perdido; a dos políticos tradicionais do Nordeste, “que fazem carreira com a indústria
da seca e não querem vê-la resolvida”; e a dos desinformados. Nestes termos,
entendemos que o enunciador está engajado na primeira posição
.
c) constrói uma representação não positiva do Nordeste, na medida em
que essa região é vista como carente.
O autor de S. Francisco: ministro lança obra, e que tem como subtítulo
Aluízio Alves admite que em retribuição, espera votos para os candidatos do
Governo, coloca em funcionamento marcas lingüísticas de inserção do discurso-
outro, através das formas marcadas de heterogeneidade mostrada: (1) aspas, (2)
discurso direto, (3) discurso indireto, (4) glosa, e da forma não-marcada de
heterogeneidade mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da
heterogeneidade constitutiva com os discursos (1) o político eleitoral, (2) o histórico-
eleitoral, (3) o político-ideológico.
28) Alves: ‘Reflexo eleitoreiro’ (JT/SP)
a) o autor destaca os efeitos jurídicos (a Justiça Eleitoral) e políticos do
pronunciamento do ministro da Integração Regional ao classificar sua proposta de
transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste de eleitoreiro.
Conforme o autor, o ministro faz crítica à forma como suas palavras foram
interpretadas pela imprensa e antigos adversários políticos.
b) constrói uma representação tanto positiva como negativa do projeto, na
medida em que apresenta vozes a favor e contra o projeto.
A favor, tem a voz do ministro da Integração Regional, ao afirmar que a
obra refere-se a um projeto de muita maturidade e que, desde a época do império, já
211
fazia parte das propostas administrativas do governo daquele período histórico.
Contra o projeto, as vozes da imprensa e dos adversários políticos de Aluízio
Alves. Tais vozes chegam por meio do ministro da Integração Regional, onde o autor
utiliza a forma de representação aspeada, num procedimento em que se distancia
das palavras do ministro Nestes termos, entende-se que o autor está engajado na
primeira posição
.
c) constrói uma representação não positiva do Nordeste, na medida em
que essa região é vista como carente.
O autor de ALVES: ‘REFLEXO ELEITOREIRO’, com subtítulo Ministro se
defende acusando “velhos inimigos”, coloca em funcionamento marcas lingüísticas
de inserção do discurso-outro, através das formas marcadas de heterogeneidade
mostrada: (1) aspas, (2) negrito, (3) discurso direto, (4) discurso Indireto, (5)
modalização em discurso segundo), e da forma o-marcada de heterogeneidade
mostrada (1) metáfora; atravessando seu enunciado na ordem da heterogeneidade
constitutiva com os discursos (1) o político, (2) o jurídico-eleitoral, (3) o político-
eleitoral.
212
Conclusão
Vimos que, em Mikhail Bakhtin, todo e qualquer enunciado é dialógico, e
que o tempo, o espaço e a situação delimitam o momento de uma enunciação. Isso
traz conseqüências à compreensão das noções de tema e significado, pois o sentido
de um enunciado está delimitado na relação com tais dimensões. a teoria das
heterogeneidades enunciativas, desenvolvida por Authier-Revuz, mostrou-nos que o
outro está necessariamente presente no modo de organização e constituição do
discurso em duas ordens, mostradas e constitutivas.
Com a utilização dessas duas perspectivas teóricas, que nos ajudam a
refletir a questão da alteridade da linguagem e a relação da significação com as
situações históricas, efetivamos uma análise dos enunciados circulados em 1994
nos jornais Gazeta do Oeste, O Mossoroense, Diário de Natal e Tribuna do Norte do
Rio Grande do Norte e Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde de
São Paulo, que falam do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco
para o Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba.
A análise persegue dois objetivos básicos: a) detectar a representação
que os jornais potiguares e paulistas fazem do projeto de transposição das águas do
Rio São Francisco para o Nordeste; e b) verificar como essa representação é feita
discursivamente.
Após a análise de vinte e oito enunciados, constatamos que os discursos
político-administrativo, político-econômico, político eleitoral, político de irrigação e o
político externo são os mais utilizados nos jornais do Rio Grande do Norte e o
213
político-administrativo, político econômico, político eleitoral, político de irrigação,
técnico e o político-financeiro são os mais utilizados nos de São Paulo.
A existência desses discursos deve-se: a) ao próprio tema, por tratar-se de
uma questão polêmica da época envolvendo interesses regionais e nacional; b) ao
quadro histórico de 1994. Este ano é um período de crise na conjuntura econômica
do país, sobretudo no Nordeste: ssimas condições de vida, motivadas não
somente pelos efeitos da seca em seus estados, mas também pela distribuição
de renda em um país com mais de 32 milhões de brasileiros na indigência; e,
finalmente, este é um ano marcado por eleições para presidente e vice-presidente,
senador, governador, deputado federal e estadual. Tal situação gera intensos
debates na imprensa falada e escrita de todo o país, invocando aspectos que se
materializaram em vários tipos de discurso. Tais elementos dominavam a
configuração histórica deste período, que confirmam a existência, nos jornais
potiguares e paulistas, de enunciados que falam a respeito do projeto de
transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste.
Tem-se uma representação positiva do projeto nos jornais do Nordeste, na
medida em que o constroem enunciativamente como necessário na solução de
inúmeros problemas, como os efeitos da seca no Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco e Ceará. Em contrapartida, os jornais de São Paulo constroem uma
imagem negativa do projeto, na medida em que o classificam como eleitoreiro, o
viável, com ausência de condições técnicas para sua execução, ou seja, o é
necessário. Vale ressaltar que tais posições não se presentificam nos jornais dessas
regiões, em maioria absoluta. Assim, tanto os jornais potiguares como os paulistas
constroem representações distintas do projeto de transposição.
214
Constatamos também que nos jornais do Nordeste predomina uma
linguagem mais subjetiva e mais política, haja vista seus enunciadores, em sua
grande maioria, participarem efetivamente da vida política partidária ou mesmo
terem ocupado cargos políticos em diversas esferas do poder. Vale ressaltar que tais
enunciados, em grande maioria, são assinados. Por sua vez, os jornais de o
Paulo utilizam uma linguagem predominantemente não-subjetiva e menos política,
haja vista seus enunciadores não pertencerem diretamente à esfera política, os
enunciados são mais informativos, mais técnicos; alguns dos enunciadores não
tomam uma posição explícita sobre o projeto de transposição, mas grande parte dos
enunciados recebe assinaturas.
Os discursos que dialogam com os enunciados dos jornais do Nordeste e
de São Paulo, na construção da representação do projeto de transposição,
basicamente são os mesmos, havendo uma forte incidência, nos enunciados dos
jornais paulistas, de diálogos com os discursos técnico e eleitoral.
No que concerne aos principais procedimentos enunciativos da ordem das
heterogeneidades mostradas marcadas e o-marcadas, constatamos que a
negação, glosa, aspas, discurso direto, discurso indireto e a metáfora foram as mais
utilizadas nos jornais potiguares, enquanto a glosa, aspas, discurso direto, discurso
indireto, modalização em discurso segundo e a metáfora e personificação presentes
nos jornais paulistas foram os recursos mais utilizados na construção dessa
representação, respectivamente.
Um fato considerado interessante constatamos nesta reflexão. Trata-se da
representação do Nordeste feita pelos jornais do Nordeste e o Paulo. Os
primeiros o vêem como uma região carente, pobre, submetida às condições de
outras regiões e sem recursos; os segundos, uma região também carente,
215
população com miséria, pobre, sofrida e com necessidades. O que observamos é
que tanto os jornais potiguares como os paulistas promovem uma imagem que
consideramos negativa dessa região, ambos têm uma posição homogênea a
respeito do espaço nordestino.
Finalmente, podemos concluir que os enunciados desenvolvidos nos
jornais do Nordeste e São Paulo, na medida em que constroem diferentes formas de
representação do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para
quatro estados do Nordeste, permitem-nos classificá-los de posições enunciativas
heterogêneas.
216
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221
Anexo 01
Gazeta do Oeste
Enunciado 01
OPINIÃO
SONHO NORDESTINO
Por Ney Lopes de Souza
Na hora em que a campanha eleitoral leva idéias ao debate nunca é demais lembrar a
irrigação como única solução para o Nordeste. Com US$ 3.000 dólares de investimento cria-se um
emprego, com retorno desse investimento a curto prazo, para uso em outros setores. Isto está sendo
provado no Baixo Assu. É necessário pensar o Nordeste globalmente. Sem paternalismos. Sem
favores. Mas com tratamento diferenciado dentro da federação. E surge a tese de derivação das
águas do São Francisco para irrigar o semi-árido regional.
Das discussões até agora realizadas o caminho certo é o de encaminhar as águas do São
Francisco para os vales ou bacias hidrográficas dos rios secos da região, inundando-os. E tudo tem
início na perenização dos rios Assu e Jaguaribe com a oferta de 600 quilômetros de área irrigada,
formando imenso vale úmido para a agricultura, em pleno período de seca. Essa primeira etapa já
permitiria lançar água por gravidade para abastecer açudes e represas nas terras mais atingidas do
Ceará e RN.
Caso algum dia venha a ser candidato ao Governo do RN, pregarei um acordo, já em
campanha, com o governador do Ceará para juntos fazermos essa perenização do Assu e Jaguaribe. A
obra não envolve gastos com adutoras, recalques, bombeamento, usinas, barragens, energia elétrica.
Será apenas um novo rio, artificial, canal ou, um braço do São Francisco. E mais: tornará navegável
os dois mais importantes rios do CE e RN, facilitando o comércio com o transporte fluvial. Fará o
mesmo papel que desempenha o rio Reno no sul da Alemanha. Tudo pode ser obtido por gravidade
(custo menor), já que o nível do leito de São Francisco em Cabrobó está na cota de 350 metros acima
do nível do mar e, portanto, mais alto do que o curso médio dos rios Assu e Jaguaribe, permitindo a
descida das águas, enchendo perenemente os dois maiores rios secos do Nordeste.
Na minha vida pública este sonho sempre levarei comigo. Porque, como UNAMUNO, é
bom sonhar com o absurdo, para conseguir o impossível.
222
Anexo 02
Enunciado 02
OPINIÃO
Água do São Francisco para o semi-árido
Por Válter de Brito Guerra
O estudo das secas do Nordeste não é coisa nova. Governos, parlamentares, estudiosos e
técnicos, bastante tempo vêm se preocupando com o assunto, apontando soluções para reduzir os
desastrosos efeitos do fenômeno.
Por volta de 1847, Marco Macedo lembrou a idéia de canalizar as águas do rio São
Francisco em direção ao rio Salgado, formador do Jaguaribe, visando ao fornecimento d’água para
outras regiões. É curioso notar que a idéia não era nova. No governo de D. João VI, houve uma
recomendação, no sentido de se estudar a viabilidade daquele projeto.
E agora, decorridos mais de cem anos, depois da recomendação de D. João VI e da idéia
de Marco Macedo, vem o senhor ministro da Integração Regional, finalmente, anunciar o milagre da
inundação de semi-árido, com águas do São Francisco.
quem considere tratar-se de uma obra mirabolante, faraônica, de custo elevadíssimo.
Mas, se recurso para tanto, que seja construída. E que o gravíssimo problema da seca, que nos
parece insolúvel, seja pelo menos amenizado.
O que nos surpreende, diante dessa fantástica e quase inesperada decisão, é que, enquanto
a barragem de Santa Cruz, em Apodi, grita por recursos, com suas obras paralisadas mais de dois
anos, de repente milhões de dólares são conseguidos para canalizar as águas do São Francisco. A
barragem de Santa Cruz tem duas finalidades vitais: o abastecimento d’água de Mossoró e a irrigação
do vale do Apodi.
Li certa vez opinião de técnicos da Bahia, especialistas no assunto, contrária à
transposição das águas do São Francisco para outras regiões, alegando que as reservas hídricas do rio
estavam comprometidas com diversos projetos. Não disponho de elementos para discutir este aspecto.
É apenas um registro do que tive a oportunidade de ler, faz algum tempo.
De qualquer maneira o assunto ressurge, volta à tona, ganha as manchetes dos jornais, do
rádio e da televisão. E o povo acompanha, com muita curiosidade, as notícias garantindo a redenção
do Nordeste, com as águas do generoso rio.
É bom lembrar que estamos dentro de um ano político, cuja campanha se prenuncia
acirrada, quando é comum surgirem promessas dessa natureza, que podem render, ou não, dividendos
eleitorais.
Não diria ser uma utopia trazer a água do importante rio para a região semi-árida do
Nordeste, mas um velho sonho, o qual desejaria ver realizado, inundando as terras do Vale e Chapada
do Apodi.
223
Anexo 03
Enunciado 03
OPINIÃO
A transposição corre risco
Rubens Coelho
O projeto de transposição do Rio São Francisco como solução para o secular problema da
seca no semi-árido nordestino tem sofrido acirrada oposição de significativos setores: econômicos,
políticos e principalmente da grande imprensa situada da Bahia ao Rio Grande do Sul. Toda ela está
fazendo coro e veladas críticas à execução do referido projeto. São matérias que se repetem dedicadas
à tentativa de demonstrar sua inviabilidade. Os argumentos são os mais variados, ora é o de que o rio
não tem água suficiente para ser desviada e, caso acontecesse, poderia prejudicar os projetos já
existentes em seu curso. Essa tese ficou comprovadamente desprovida de valor técnico, que menos
de 3% de suas águas que são normalmente despejadas no oceano Atlântico é que seriam retiradas. Ou
então alegam falta de recursos. Outra balela, pois o Ministério da Integração Regional demonstrou
que o Governo Federal gastou muito mais durante o atendimento aos emergenciados da seca, que
consumiu em torno de dois bilhões de dólares em obras assistencialistas sem nenhum resultado
definitivo. Enquanto a primeira etapa do projeto não consumirá nem a metade desse dinheiro e sendo
um investimento que tem o custo-benefício infinitamente superior a qualquer emergência que se faça.
Não nos iludamos, a transposição do Velho Chico fere antigos e fortíssimos interesses
localizados, principalmente na região Sudeste que sempre atuaram no sentido da manutenção
hegemônica economicamente sobre as demais áreas do país e especialmente do Nordeste, tradicional
fornecedor de matéria-prima e de mão-de-obra a preços aviltantes. Essa política de subcolonização
interna não vai ser cil de se destruir. E a transposição do São Francisco, sem dúvida, é uma
possibilidade de acontecer, da acabar com essa desigualdade cruel.
As pressões contrárias têm sido imensas e não podemos, em absoluto, ficar passíveis
diante delas, por entendermos ser o mais importante projeto de desenvolvimento regional para o semi-
árido nordestino e sua execução crucial para a redenção do seu povo da fome e da miséria que lhes
têm castigado pelo tempo afora. Portanto, é imprescindível a mobilização em defesa desse projeto
para que ele seja imediatamente executado e não jogado para um futuro incerto, como tem acontecido
de outras vezes. Não deixemos passar esse momento.
A propósito, seria bom que aproveitássemos a oportunidade para cobrarmos uma posição
firme e concreta dos nossos políticos que estão concorrendo às eleições em relação ao assunto,
inclusive os presidenciáveis. Aqueles que se colocam contrários ao projeto não devem, de forma
alguma, merecer os votos dos conterrâneos. É a nossa vez de nos fazermos ouvidos.
224
Anexo 04
Enunciado 04
OPINIÃO
A transposição intransponível
Por Emerson Linhares
O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco coloca-nos em dúvida quanto à
sua validade. Tanto sobre o montante a ser empregado U$ 2 bilhões -, como pela “intenção” de
beneficiamento aos agricultores nordestinos em época pré-eleitoral. É de longe sabido que há anos a
região Nordeste é um forte curral eleitoral, sendo que os detentores do poder se aproveitam dessa
mazela para tirar dividendos políticos e deixando o povo pobre cada vez mais pobre.
Não seria essa intenção face à execução do projeto? Ou seja: tirar dividendos políticos,
oferecendo as águas do São Francisco em troca de voto!? Nitidamente, em primeira hipótese,
poderíamos dizer que sim com chances remotas de ser um não. Ora, em se tratando de existência
desse projeto se não me engano são mais de cem anos -, o “desconfiômetro” fica louco, aqui e
alhures. Não é segredo afirmar que uma das principais saída para se acabar com a estiagem é a
irrigação, mas a irrigação sem água é impossível.
Outro questionamento levantado é sobre a “pressa”, no tocante à realização da
transposição. É dever da União levar em consideração riscos ambientais, fatores prejudiciais aos
estados que sobrevivem das águas do referido rio, condições econômicas e, ao meu ver, a principal,
intenções políticas. Não basta o ministro Aluízio Alves dizer que irá tocar adiante, e pronto. Toda a
sociedade tem que estar a par do assunto. De onde vai se tirar dinheiro? Claro que do bolso do
contribuinte. O que não é nenhuma novidade.
Ademais, o que deixa a desejar é justamente a falta de conversação com a sociedade. O
Brasil se vangloria por ser um país democrático, mas países democráticos devem conversar com o seu
povo, saber deles os prós e os contras, deixar respondida a mais simples dúvida, porém, nada disso
acontece. Gastar o dinheiro do contribuinte e arrebatar o voto do sofrido povo é bem mais fácil.
Noutro ponto de vista, poderia ser discutida a transposição das águas do Rio Amazonas,
onde se verificaria, apenas, um possível impacto ambiental, já que cidades populosas talvez não
fossem bastante prejudicadas com essa transposição. Trata-se de uma alternativa que deve ser, de fato
e de direito, estudada nos mínimos detalhes.
Sintetizamos: esse projeto de transposição das águas do São Francisco tem que ser
reavaliado e amplamente discutido, com os mais variados setores sociais. Sem isso o
democracia. E mais: “de esmola grande, até santo desconfia”.
225
Anexo 05
O Mossoroense
Enunciado 01
OPINIÃO
Por Laíre Rosado
Estive no Ministério da Integração Regional, ontem, em companhia do diretor da ESAM,
professor Joaquim Amaro. Desde que tomei conhecimento do Projeto de Transposição das Águas do
São Francisco que comecei a imaginar o que poderia ser trazido para a nossa região, relacionado à
execução dessa obra.
Em 1992, tínhamos procurado, junto à Secretaria Nacional de Irrigação, a aprovação de
projetos de preparação de mão-de-obra especializada para o semi-árido. A idéia o prosperou, por
falta de recursos ou mesmo, de interesse dos seus dirigentes, àquela época.
Com o Ministro Aluízio Alves, a conversa foi diferente. A perenização dos rios
nordestinos, possibilitará a irrigação de 1.200.00 hectares, no período de 6 anos. A ESAM, como
todos sabem, é a única escola superior de agronomia localizada no semi-árido. O que se discutiu foi a
possibilidade de treinamento de técnicos em irrigação, por professores da ESAM.
O escritório para a execução do projeto de transposição terá sua sede em Souza, na
Paraíba. A preparação da mão-de-obra especializada em irrigação ficará em Mossoró. Isso ficou
decidido de imediato pelo ministro Aluízio que, inclusive, recebeu estudos técnicos sobre o assunto
das mãos do professor Joaquim Amaro.
Fiz o convite para que Aluízio venha a Mossoró. É importante discutir com os habitantes
da região da Chapada do Apodi, a modificação em torno desse projeto, suas conseqüências e seus
benefícios, o futuro das barragens de Santa Cruz e Oiticica e a repercussão na economia do Rio
Grande do Norte.
Depois desse encontro, estive com o ex-ministro da irrigação, Vicente Fialho, com quem
sempre discuto os projetos de interesse de uma mesma região, o Apodi, defendendo a criação de um
“cinturão d’água” em torno da chapada. Como patrocinador do projeto técnico da barragem de Santa
Cruz, e defensor do Projeto São Francisco, admitiu comparecer a esse encontro, respaldando ainda
mais o acerto desse projeto, que será a redenção do nordeste.
226
Anexo 06
Enunciado 02
OPINIÃO
(Análise & Fatos)
Por Laíre Rosado
Na reunião da bancada federal com o governador Vivaldo Costa, no início desta semana,
foram discutidas as emendas orçamentárias, prioritárias para o Rio Grande do Norte. A exemplo do
que acontecera no governo José Agripino, os parlamentares voltaram a se unir, defendendo os
interesses do nosso Estado.
Fiquei surpreso com duas colocações. O governador e a bancada, a exceção dos
senadores Lavoisier Maia e Garibaldi Filho, não quiseram incluir as obras da Barragem da Santa Cruz
e a recuperação da BR-405.
Discordando dessa colocação, inclui entre as minhas emendas, recursos destinados a
essas duas importantes obras. Não posso entender como elas podem ser retiradas, quando os
problemas ainda continuam existindo.
Com relação ao Santa Cruz, foi dito que a transposição das águas do São Francisco
dispensaria esse projeto. Esse argumento não é válido pois, no semi-árido, quanto maior a quantidade
de água armazenada, melhor será para a região.
Deve-se considerar ainda que 12% dessas obras foram construídas, e que o se pode
manipular a coisa pública dessa maneira. Além de armazenar a água, a barragem estará disciplinando
as águas do rio Apodi/Mossoró, prevenindo contra as cheias.
Quanto à estrada, não nem o que discutir. Quem viaja pelas BRs, principalmente as
405 e 110, pode constatar que elas estão piores a cada dia que passa. A recuperação é necessária, e o
mais urgente possível.
Com o limite de apenas 25 propostas de emenda ao orçamento, por parlamentar, ficou
muito difícil o atendimento a todas as nossas necessidades. Depois, nem ao menos sabemos se elas
serão integralmente aprovadas.
Em relação às outras emendas, não houve dificuldades. Todas foram mantidas e serão
encaminhadas, subscritas por cada um dos representantes do Rio Grande do Norte. Somente essas
duas é que o receberam a aprovação de todos mas, assumi, a responsabilidade pela sua
apresentação.
O que deve ser ressaltado é que, mesmo com a campanha eleitoral praticamente iniciada,
os candidatos que irão se defrontar no próximo pleito preferiram esse último entendimento
administrativo, para se conseguir melhores resultados para o Estado. Esse fato, no meu entendimento,
deverá ser uma constante, daqui por diante, qualquer que seja o resultado das urnas.
227
Anexo 07
Enunciado 03
OPINIÃO
Aluízio não tem mais direito à perseguição política
Por Crispiniano Neto
O Ministro Aluízio Alves chega hoje a Mossoró para discutir com a sociedade local, um
dos temas mais importantes deste final de século para o semi-árido nordestino, que é a transposição
das águas do Rio São Francisco.
Entendemos que o Ministro está querendo encerrar com chave de ouro a carreira política
edificando uma obra tão importante para a região onde nasceu. Tendo sido ele que trouxe a energia de
São Francisco para o Rio Grande do Norte, quer agora marcar sua passagem meteórica pelo
Ministério da Integração Regional, como o homem que acabou com o flagelo das secas.
É elogiável a coragem do ministro. E por mais controvérsias que possam acontecer em
relação à obra em si, não se pode deixar de aplaudir esta iniciativa.
O que não está dando para entender é que um Ministro de Estado, preocupado com um
projeto de tanta significação esteja encontrando tempo para uma pinimba, uma picuinha, uma
briguinha de comadres que rebaixa sua postura ministerial, avilta a sua biografia e prejudica
gravemente os pequenos produtores rurais do Rio Grande do Norte.
Falo da perseguição que o ministro vem implementando contra o PAPP Programa de
Apoio ao Pequeno Produtor. Um programa de grande importância para os pobres da agricultura
nordestina. Pobres estes que não têm qualquer culpa se José Agripino e seus cabras da peste, estão
fazendo politicagem com o dinheiro, a partir do nome Vontade da Gente, que remete muito
claramente ao slogan de campanha Vontade do Povo, que Agripino queria colocar e não foi aceito por
nós do Movimento sindical e popular rural, numa reunião a que esteve presente em Natal.
José Agripino não tem o direito de fazer uso político do programa. Mas Aluízio Alves
também não tem o direito de fazer uso político da suspensão do programa.
Existe desvio em alguns municípios. A FETARN já constatou isto, o gabinete do
deputado Júnior Souto também já constatou e denunciou aos quatro ventos. A SUDENE constatou
quais são as irregularidades, onde elas estão acontecendo e quanto custam. Então que se tomem as
providências se punam os culpados.
O que não se pode acontecer é o Ministro ficar retendo ilegal e injustamente o dinheiro
dos municípios e das comunidades onde as coisas estão acontecendo com seriedade e totalmente de
acordo com os objetivos da PAPP.
O ministro Aluízio Alves, não tem mais idade para atitudes tão tacanhas. Quem chega ao
fim do século construindo o canal São Francisco, não tem o direito de resgatar a politiquice do ódio
praticada no início dos anos 60. É bom que o Ministro saiba que seu governo é hoje mais lembrado
pelo povão, como o Governo da perseguição ferrenha aos adversários, com as famosas transferências
ridículas, estúpidas e inválidas que procedeu, do que como governo que trouxe a energia de Paulo
Afonso e introduziu o importantíssimo método de alfabetização de Paulo Freire, no Rio Grande do
Norte.
228
Anexo 08
Enunciado 04
OPINIÃO
Reflexões I: Chegando água do Rio São Francisco aos sertões
Por Manuel Lopez Martins
Nos sentimos extremamente felizes (como Nordestinos de coração) pela tão grata,
suprema e ansiada notícia de que, em breve chegará água do Rio São Francisco aos sertões do
Nordeste.
Imaginemos que estão inaugurando canais; começando as festas; fogos de artifícios
explodindo; os sinos das Igrejas esquentando de tanto bater; saciando a sede; trocando-se latas por
torneiras borbulhantes; enchendo de alegria rostos tristes; cancioneiros e repentistas sem parar; for
dia e noite; horizontes brilhando de esperança: adeus a pedra de sal, a tristes partidas e a vaquinha
engordando para suportar o seu chocalho; escolas e universidades ampliando-se; inaugurando-se
cooperativas e agências bancárias; reciclando-se o plástico para confeccionar centenas e mais
centenas de quilômetros de mangueiras; reuniões com técnicos discutindo programas de trabalho;
preparando-se a terra, a semente e mudas. Por toda parte escutando-se gritos de alvoroço: Olha a terra
“namorada” recebendo o tão úmido primeiro beijo de seu “amado”, o velho Chico.
Chegou a hora das reflexões. Permitamos que falemos de rigorosa economia de água, não
se poderá imitar o esbanjamento do vale do São Francisco e outros lugares. O consumo deverá ficar
limitado, estritamente à necessidade das plantas principalmente porque deve-se supor o pagamento de
uma tarifa. Esta economia se traduzirá em duplicar a área, a produção, os empregos, renda, impostos e
divisas.
Esta felicidade de alcance ilimitado não se restringirá somente a irrigação, além de
beneficiar os centros urbanos, recuperará barragens salinizadas que não são poucas. Os aquíferos sob
e sub placas tectônicas em perigo de salinização.
229
Anexo 09
Diário de Natal
Enunciado 01
OPINIÃO
AA define início da transposição
Com a oposição do Ministério da Fazenda e sem um centavo para financiar o
investimento, o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, marcou a data para início dos
trabalhos” de transposição das águas do rio São Francisco. De acordo com o fax enviado ontem pelo
ministro aos governadores de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará atingidos pelo
desvio do rio – o projeto começa no dia 22.
O Ministério da Integração Regional informou que em agosto os projetos de engenharia,
os relatórios de impacto ambiental e os estudos sobre aproveitamento dos recursos hídricos estarão
em andamento. Apesar de não dispor de recursos orçamentários para a obra, com custo estimado em
US$ 2 bilhões, e já enfrentar contestações na Justiça sobre o edital de licitação, Aluízio Alves
continua disposto a trazer as águas do São Francisco até seu Estado, o Rio Grande do Norte.
O entusiasmo do ministro aumentou depois que o presidente Itamar Franco baixou,
segunda-feira (08), decreto classificando “de interesse da União” uma área de 915 mil hectares ao
longo do canal hidrográfico de 116 quilômetros, projetado para ligar Cabrobó (PE) até Jati (CE). Isso
significa que a área estará, mais tarde, sujeita a desapropriações. Aluízio Alves pretende visitar, dia
22, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará para lançar oficialmente o “início das obras”.
A decisão de Alves, classificada pelos adversários de “oportunismo eleitoral”, recebeu
críticas no Senado. “Se não tem verba, a obra não pode começar porque estará fora da legalidade da
administração”, argumentou o senador Josaphat Marinho (PFL-BA). Como toda a bancada baiana no
Congresso, Marinho sustenta que o projeto é tecnicamente inviável. De acordo com o senador, o
Conselho Estadual de Cultura da Bahia já encaminhou ao Ministério Público representação, assinada
por dezenas de empresários, produtores rurais e trabalhadores, contra a obra.
Para rebater as críticas sobre a falta de dinheiro, Aluízio Alves diz que a primeira fase da
obra, estimada em US$ 600 milhões, “deverá ser financiada pelo Banco Mundial e por um consórcio
de bancos europeus e japoneses”. Alves e o ministro do Planejamento, Beni Veras, outro entusiasta
do projeto, pretendem enviar um grupo interministerial a Washington na próxima semana em busca
de empréstimos. Esta iniciativa do governo está sendo questionada.
230
Anexo 10
Enunciado 02
OPINIÃO
Aluízio censura FHC sobre obra
Por Magno Martins
Ag. Meridional
Irritado com a postura assumida pelo candidato tucano Fernando Henrique Cardoso,
contrária à transposição do rio São Francisco, o ministro da Integração Regional, Aluízio Alves,
afirmou, ontem, que o Nordeste pode se rebelar contra FHC. “O candidato governista vai despencar
nas pesquisas de continuar falando mal da obra”, previu o ministro, ao reafirmar suas declarações de
que o desvio do rio é eleitoreiro. Alves informou que já começou a pinçar a defesa que irá encaminhar
ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), explicando as razões que o motivaram a afirmar que o projeto,
por ele próprio defendido no Governo, é eleitoreiro.
“Eu mantenho a informação de que a obra é eleitoreira, como é eleitoreira toda obra que
o governo realiza. Só nas ditaduras é que o povo se manifesta através do plebiscito ou referendum, ou
não se manifesta com medo do exílio, prisão ou um processo. Nas democracias, a manifestação do
povo se através do voto. Os governos fazem pesquisas para saber se as obras têm aprovação ou se
os seus programas são aprovados. Nesse sentido, o Real é eleitoreiro, o desvio da bacia do São
Francisco é eleitoreiro”, afirmou.
O ministro acha que não expõe o Governo Itamar, ao afirmar que até o Real é eleitoreiro.
“Eu estaria colocando o presidente numa situação constrangedora se dissesse que tal obra estava
sendo criada para eleger fulano de tal. Mas no caso da transposição, especificamente, isso não corre,
porque eu não estou apoiando o candidato do Governo. Quanto ao Real, ele é eleitoreiro se formos
analisá-lo dentro da ótica de um regime democrático, onde os programas e as obras são avaliadas
junto à população por meio de pesquisas. E o Real está aprovado por manifestação da população.
Num regime fechado, isso não ocorreria”, observou.
Recursos O ministro da Integração Regional, que ontem teve mais uma reunião na
presidência do Banco do Brasil para, segundo ele, apresentar os recursos do projeto de transposição,
disse que no Nordeste um sentimento de que Fernando Henrique Cardoso venha a despencar nas
pesquisas, da mesma forma como ocorreu agora com Lula, o candidato do PT.
“Não se pode trabalhar contra uma obra que é exigida pela população”, disse Alves,
referindo-se às manifestações do candidato tucano contra a transposição. O ministro informou que
estava ontem em Fortaleza, onde foi deflagrado um movimento em defesa da obra por uma rede de
farmácias e que já conta com a assinatura de 650 mil pessoas. Adiantou que em Natal documento
contendo a assinatura de mais de 50 mil pessoas.
“O candidato do Governo muda muito de opinião. Quando chega num Estado favorável
ele diz que apóia mas quando chega na Bahia, onde temos a oposição de ACM, ele muda
completamente de pensamento. Talvez ele esteja fazendo conciliações transitórias, que certamente
irão acabar em 3 de outubro”, alfinetou o ministro da Integração Regional.
Ele contesta a versão de que esteja isolado dentro do Governo em defesa da transposição
das águas do São Francisco, mas admitiu resistências: “Aqui e acolá a gente encontra alguma
resistência ou uma má vontade, sobretudo de pessoas mais do Sul”, afirmou. O ministro disse que os
recursos para a obra estão mais próximos de serem viabilizados. Ao presidente do Banco do Brasil,
com quem estive ontem, comuniquei que dois bancos americanos ofereceram propostas para financiar
uma parte do projeto. E, já na próxima semana, ele (o presidente do BB) vai receber em seu gabinete
representantes desses bancos aqui no Brasil”, disse o ministro.
231
Anexo 11
Enunciado 03
Reportagem
Itamar cria projeto de transposição das águas
BRASÍLIA (Meridional) O presidente Itamar Franco assinou oficialmente ontem o
decreto de criação do projeto de transposição do Rio São Francisco, que levará água de seis afluentes
do rio para o Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Pernambuco.
O texto também cria uma comissão interministerial para estudar aspectos de utilização de
água e energia, e programa de educação nas áreas afetadas pelo projeto. O Ministério da Integração
Regional presidirá a comissão.
O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, diz que a primeira etapa do projeto
começará dia 31 de outubro deste ano e deve estar concluída em março de 1995. Nesta fase, está
previsto o desvio de água do Cabrobó (PE) até Jati (CE), num percurso de cerca de 300 quilômetros.
Aluízio Alves diz que a primeira etapa do projeto gerará mil empregos. O custo desta
fase será de 500 milhões de dólares, que serão financiadas por agentes financeiros através de repasse
ao Banco do Brasil e ao Banco do Nordeste.
232
Anexo 12
Enunciado 04
Reportagem
Itamar quer apressar empréstimo para obras de transposição de rio
BRASÍLIA (AE/DN) O presidente Itamar Franco determinou ontem ao presidente do
Banco do Brasil (BB), Alcir Calliari, que conclua nos próximos 15 dias os contatos com um “pool” de
bancos europeus para conseguir empréstimo externo de US$ 600 milhões (R$ 552 milhões), que seria
usado nas obras de transposição do Rio São Francisco, no Nordeste. O projeto, orçado em US$ 2
bilhões (R$ 1,84 bilhão), pretende reduzir os efeitos da seca em quatro Estados da região
Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
A decisão foi tomada em reunião, no Palácio do Planalto, da qual participaram os
ministros da Fazenda, Rubens Ricupero; da Integração Regional, Aluízio Alves; e do Planejamento,
Beni Veras, além do presidente do Senado, Humberto Lucena (PMDB-PB), na condição de
representante da bancada nordestina. Segundo Lucena, o projeto é “viável economicamente” porque
reduzirá em até 80% os programas emergenciais de combate à seca nos quatro Estados.
“Somente com as frentes de trabalho e distribuição de cestas de alimentos o Governo
aplicou em 15 meses o custo total do empreendimento”, disse Lucena, acrescentando que as reações
contrárias dos governos da Bahia e de Sergipe, que temem prejuízos em seus projetos de irrigação
com a transposição das águas, são infundadas. Segundo ele, em 15 dias o Presidente receberá também
um relatório de impacto ambiental do projeto. “Todos vão acabar compreendendo que trata-se da
solução de um problema histórico”.
O Governo pretende obter, inicialmente, US$ 280 milhões do empréstimo externo para
marcar o início das obras, que serão feitas, em sua maior parte, por batalhões de engenharia do
Exército. O próximo governo receberá o restante do dinheiro para concluir a primeira etapa do projeto
e então o Brasil estaem condições de negociar o financiamento dos US$ 1,4 bilhão restantes
com o Banco Mundial.
233
Anexo 13
Tribuna do Norte
Enunciado 01
OPINIÃO
O Projeto do São Francisco
Por Aluízio Alves
Tenho evitado entrar em confronto com políticos desinformados ou interessados na
manutenção da indústria da seca, com jornalistas e colunistas que repetem, sem exame, argumentos
pueris e equivocados, sobre o Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco.
Acho que meu dever essencial é cumprir a tarefa que me foi atribuída pelo presidente
Itamar franco ao receber, das mãos do presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira, a
“Carta de Fortaleza”, preconizando, como solução contra os efeitos da seca, o sonho das águas do São
Francisco para beneficiar os Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
E não ficar discutindo com quem está interessado em combater o projeto, por múltiplos
interesses, e sem conhecê-lo.
Aos que queiram comprovar essa verdade, sugiro uma tática simples: quando alguém
escrever ou falar sobre o projeto, e se a esse alguém tiver acesso, simplesmente perguntar: mas, como
é o projeto? 99% dos interpelados terão de confessar que não o conhecem.
Lembro-me de um diálogo recente com alta autoridade, em Natal, perante alguns
empresários.
Até ontem, eu era contra o Projeto do São Francisco. Mas, ontem em Fortaleza, ouvi
um amigo, que conhece bem o projeto, e hoje sou inteiramente favorável.
– Mas, o sr. Era contra por que?
– Porque não conhecia o projeto ...
Se isso acontece com uma autoridade pública, avaliemos o que ocorre em outros que o
contrários porque são oposição ao governo; são contrários porque insensíveis ao drama do Nordeste;
são contrários porque preferiam que a solução fosse executada por outro ministro, filiado ao seu
partido; são contrários porque acham bonito e moderno falar “em meio ambiente”, sem jamais terem
se lembrado dos efeitos da seca sobre o meio ambiente a morte, pela fome, de pessoas e animais, a
destruição da fauna e da flora, “um pesadelo de Deus”, que em ciclos cada vez mais freqüentes se
abate sobre mais de 30 milhões de brasileiros.
Convivendo há décadas com esta realidade, sou capaz de pôr, em cada uma dessas pobres
molduras, o retrato dos que são contrários sob os mais variados pretextos:
1) a obra é “faraônica” a mesma despesa de ano de seca, com suas esmolas e carros de
pipas – e, neste ano, menos da sexta parte desse gasto.
2) estamos no final de governo, como se, presa a esse prazo, a administração tivesse de
cruzar os braços, e deixar, em dois exemplos, que a inflação continuasse em mais 7.000% ao ano, e o
Nordeste tivesse de aguardar novo governo, com risco de uma nova seca, sua destruição e sua despesa
assistencial;
3) O governo não deve fazer obras em ano de eleição, e então, neste período, o governo
só poderia ter trabalhado em 1991 e 1993, pois, eleições tivemos em 90, 92 e 94;
4) É preciso defender a região do impacto sobre o meio ambiente, como se não
tivéssemos, desde a primeira hora, e por especial recomendação do presidente Itamar Franco, tomado
todas as providências junto aos órgãos competentes, e até, mais do que isto: determinamos ao Dnocs
(Departamento nacional de Obras Contra as secas), por portaria, que realizasse estudo também do
impacto da seca e seus efeitos sobre o meio ambiente;
5) a despesa deste ano (US$ 300 milhões) não tirados diretamente do Tesouro, mas
obtido em empréstimo de longo prazo vai derrubar o Plano Real quando, ainda poucos dias, o
234
governo liberou, por determinação do presidente, mais de US$ 400 milhões para melhorar as
condições de saúde e tentar regredir os 25% de aumento de mortalidade infantil na seca de 93, além
de US$ 500 milhões para conserto de estradas de rodagem.
Bom mesmo, para muitos desses opositores, políticos de máquinas viciadas, é o Nordeste
dependente da indigência que fabrica votos em nome da fome e do desespero, ou dos pseudo-
cientistas e ecologistas que fazem do meio-ambiente uma falsa bandeira, a fim de sair do anonimato
para as manchetes dos jornais
Mas os grandes sonhos e as grandes obras não se deixam vencer pela resistência de
interesses menores. E o presidente Itamar Franco sabe que esta é a sua hora, é a hora do Nordeste.
235
Anexo 14
Enunciado 02
OPINIÃO
O velho Chico e as urnas
Por João Emídio Falcão
O ministro Aluízio Alves, da Integração, criou grave obstáculo ao projeto de transposição
das águas do São Francisco, ao reconhecer, com sinceridade, que é “eleitoreiro”. Na verdade, como
acrescentou, o projeto é eleitoreiro porque atende a velho anseio da região, e o povo, naturalmente,
ficará satisfeito. A sua finalidade não é vencer as eleições, e, sim, transpor as águas, e o voto, se
houver, será de reconhecimento.
A declaração, franca e infeliz, desviou a questão. Não se debate mais a viabilidade
técnica do projeto, sua conseqüência sócio-econômica, mas a influência eleitoral, pequena em termos
proporcionais. Depois, o Ministro, antiga expressão do PMDB, sequer apóia o candidato pessoal do
presidente da República. A ligeireza com que sepultaram o projeto técnico prejudica o Nordeste, que,
desde 1855, quando se discutiu inicialmente essa possibilidade, aguarda seu exame com
profundidade.
Garante o ministro Aluízio Alves que apenas 3% da descarga do São Francisco, da água
lançada ao mar, serão empregados na perenização de rios do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco, os mais atingidos pela seca. Esse percentual é muito inferior ao utilizado em projetos de
irrigação da Bahia e Minas Gerais, onde começou a reação contra o projeto. O São Francisco é o rio
de integração nacional e não privativo desses estados, e, mesmo se o fosse, não se justificariam os
protestos.
Outra afirmativa do ministro Aluízio Alves, desprezada de propósito, é a de que o projeto
de transposição custará, aproximadamente, R$ 650 milhões. Pode ser que seja mas, todavia cabe aos
opositores contestar e provar o equívoco. Admitido o total – R$ 650 –, a quantia é irrisória,
considerando-se que o Programa Nuclear custou R$ 5 bilhões e, pelo menos até recentemente,
pagávamos uma multa diária de R$ 1 milhão para felicidade dos alemães. As usinas nucleares, uma
piada sobre a megalomania, para não levantar outras suspeitas, são conhecidas como vaga-lumes.
Questiona-se, também, o risco da transposição prevista para o equilíbrio do regime do rio.
Esse ponto, que deveria ser fundamental, pois não adianta perenizar quatro ou cinco rios por décadas
ou séculos se matarmos o São Francisco, tem sido, infelizmente, deixado de lado.
A Nação ainda não recebeu um esclarecimento definitivo. Se houver esse risco, é claro
que o projeto torna-se inviável.
Fala-se muito na preservação ecológica. É uma preocupação admirável, que tem, no
entanto, o defeito da hipocrisia. Os rios nacionais estão, quase todos, abandonados, poluídos,
assoreados. Aqui e ali, no Guaíba e no Tietê, são, de vez em quando, tomados de algumas
providências. O próprio São Francisco, de acordo com estudos oficiais, tem vários afluentes cuja
finalidade maior, ainda não descoberta pelos ecologistas, é neles descarregar os dejetos de algumas
cidades mineiras e baianas.
Pouco se fala, no entanto, das conseqüências sociais e econômicas. Por que todas vezes
em que possibilidade de transformar o Nordeste aparecem logo os preocupados com a escassez do
Erário? Por que alguns preferem gastar R$ 1 bilhão, como em 1993, no combate à seca – na indústria
em vez de R$ 650 milhões na perenização de vários rios? Itaipu, com R$ 25 bilhões, era, sem dúvida,
uma obra imprescindível e para construí-la tiraram recursos do Banco do Nordeste. Para as usinas
megalomaníacas encontraram R$ 8 bilhões, mas não há R$ 650 milhões para o Nordeste.
236
O ministro Aluízio Alves não é candidato, nem posso votar no Rio Grande do Norte,
contudo seu projeto é realmente eleitoreiro. Ele ganhou o meu voto de nordestino.
237
Anexo 15
Enunciado 03
OPINIÃO
Preconceito contra o Nordeste
O jornal O Estado de São Paulo”, bravo na resistência democrática, demorou algum
tempo, mas terminou por evidenciar as unhas e dentes dos preconceitos contra o Nordeste. É bem
verdade que num primeiro editorial se manifestara contrário à transposição das águas do São
Francisco para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Mesclava, entretanto, a sua opinião os
interesses do Estado da Bahia.
Domingo passado, entretanto, o bravo “Estadão” por esgotamento dos protestos
contrários ou porque o preconceito é, na sua potencialidade um sentimento isopitável, difícil de ser
escondido por muito tempo, terminou transbordando, numa transposição do íntimo para o exterior,
toda carga de preconceito contra o Nordeste.
No seu editorial de domingo passado, o “Estadão” defende a esmola da distribuição de
alimentos entre os pobres do Nordeste, o financiamento da indústria paulista instalada no Nordeste, e
até medicamentos para “acabar” com a mortalidade infantil no Nordeste, para repetir que é contra a
transposição das águas do São Francisco que libertará os Estados nordestinos beneficiados das garras
da miséria causadora da mortalidade infantil. “O Estadão”, intérprete, quase sempre, da aristocracia
quatrocentona de São Paulo não tem o direito todavia de informar mal aos seus leitores ou informá-
los deliberadamente errado. Fala em dois bilhões de dólares, quando serão apenas 600 milhões. Fala
em dinheiro do Tesouro Nacional, quando é empréstimo do Exterior.
“O Estadão” fala que quem vai pagar a obra “ciclópica” é o país, numa referência de que
quem vai se beneficiar é o Nordeste apenas. E quem pagou o “metrô” paulista? Tem dinheiro do
Nordeste no pagamento. E quem pagou o “metrô” do Rio de Janeiro? O Nordeste também. E o
“Metrô” de Brasília? E quem paga o prejuízo da Rede Ferroviária com as passagens por preço
defasado dos cariocas e paulista, quando tivemos desativados os nossos trens? O Nordeste é quem
está pagando. E a ponte Rio-Niterói foi construída com dinheiro de quem? Dos nordestinos também.
O petróleo é produzido nos mares e terras do Nordeste. Mas o imposto é pago em São
Paulo que não produz uma só gota. Lamentavelmente, “O Estado de São Paulo” está enveredando por
um terreno que alarga mais do que a diferença econômica separando a opulência de São Paulo da
miséria do Nordeste, para estimular o que de todo é insuportável que continue, o colonialismo dos
paulistas milionários contra os nordestinos miseráveis.
A transposição das águas do São Francisco é a primeira tomada de posição do Nordeste
contra as causas da pobreza da região, exauridos que estamos todos nós, nordestinos, de vermos
combatida as conseqüências na continuação do quadro de miséria até hoje estigmatizado por esmolas
e acusações.
238
Anexo 16
Enunciado 04
OPINIÃO
A utopia, o sonho, as águas ...
Por Agnelo Alves
A cara do ministro Ricupero se não convence, comove. Parece um prior sem batina. A
Copa/94 sem Maradona ficou nivelada ao futebol medíocre que está sendo chutado pela TV. A
sucessão presidencial sem um estadista tédio. O Real chegou para ficar. Se veio para vencer, não
sei ainda. Mas é uma opção como utopia. Estou sem passagem para Paságarda, o sonho. Será que vou
ver as águas do São Francisco chegar? Pudesse, estaria de enxada na mão abrindo na terra crestada de
desesperança, quase desespero, o sulco para o córrego.
Quem terá ouvido dos quase dez candidatos presidenciais algum discurso de mais de um
minuto? E quem tem ouvido desses quase dez cidadãos que disputam a coroa brasileira nos múltiplos
“discursos” diários uma opinião abalizada, ao menos sensata, sobre qualquer dos grandes problemas
nacionais? Do mais jovem, Flávio, ao mais velho, Brizola, passando pela média, os demais, sou mais
a Cristiane Torlone na televisão. Não estou acompanhando nenhuma novela, mas quando a Torlone
aparece no vídeo não mudo de canal.
Não estou conseguindo me reencontrar com as esperanças do Lula de 1990. Questiono, às
vezes, comigo mesmo, se é porque não mais o risco de um Collor. O Quércia é um modelo
superado. O FHC continua mais para blá-blá-blá de gosto duvidoso. O que ele diz pela TV, logo
esqueço no minuto seguinte. O Brizola nem mais pela insistência vale. Talvez valesse pela
desistência. O Espiridião está me parecendo com carisma, deslocado, sei lá, desassistido. Não pega. O
voto em Flávio não seria de protesto contra a mediocridade do naipe de candidatos. Talvez como
homenagem ao Rio Grande do Norte. Flávio é nosso conterrâneo. Os outros boto na vala comum.
Quanto à sucessão estadual, tenho dito que elogio em boca própria é vitupério. Mas não
tenho como esconder que Garibaldi faz o diferencial entre os quatro candidatos. A única “acusação”
contra Garibaldi é que é oligarca. E quem “acusa”? Divorciou-se de uma e criou outra, a própria.
Algum pejo por isso? Não. Filho de médico, geralmente segue a carreira do pai, médico também.
Filho de engenheiro, idem. O diferencial é que, na política, o povo, pelo voto, é quem elege as
oligarquias.
E a transposição das águas do São Francisco, heim? Fosse fácil, já teria sido feita há cem
anos passados quando foi pensada pela primeira vez. Fosse o Metrô do Rio de Janeiro, São Paulo e
Brasília, teria sido feito, como foram. Fosse a ponte Rio-Niterói, as águas já estariam rolando pelo
Rio Grande do Norte, Paraíba e o Ceará. Fosse a Binacional hidroelétrica de Itaipu, lá no extremo Sul
do país, qual a dúvida. está a dívida internacional do Brasil que todos nós nordestinos pagamos
sem pestanejar. Mas a Transposição das águas do São Francisco no Nordeste? de quem se atrever.
Para a energia elétrica chegar aqui foi preciso que as grandes cachoeiras do São Francisco
ficassem roucas de tanto gritar pelos engenheiros e os políticos do Brasil. Mas chegou, como as águas
também vão chegar ...
239
Anexo 17
Folha de S. Paulo
Enunciado 01
OPINIÃO
Nordeste ganha obra faraônica contra a seca
Editorial
O governo Itamar ainda não enviou o Orçamento deste ano ao Congresso Nacional, mas
decidiu pela realização de uma obra faraônica contra a seca do Nordeste. Até já marcou data para
inaugurar. Com US$ 2,1 bilhões de empréstimos externos, a obra vai levar água do rio São Francisco
para o Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. O empreendimento foi anunciado ontem
pelo ministro Aluízio Alves, da Integração Regional, depois de audiência com o presidente Itamar
Franco. Ele disse que o presidente es"entusiasmado" com a inauguração da primeira etapa da obra,
até 31 de dezembro.
O ministro negou que a obra vise influenciar na sucessão presidencial. "Não acredito que
se use verbas em troca de votos, mas acredito que o trabalho vai trazer muito voto, apoio e aplauso de
eleitores e não eleitores ao governo que vai realizá-lo", disse. Para a primeira etapa, bancos europeus
e japoneses já teriam assegurado US$ 600 milhões. Com estes recursos, seriam construídos 240
quilômetros de canais e quatro estações elevatórias.
O restante da obra depende de US$ 1,5 bilhão do Banco Mundial. O ministro disse que
espera concluir em três meses as negociações. Somente após esta etapa, a água chegaria a
Pernambuco. O projeto de transposição de água do rio São Francisco ainda precisa de avaliação do
Ministério da Fazenda sobre capacidade de pagamento. Os empréstimos terão três anos de carência e
sete anos de prazo para pagar. O ministro Aluizio Alves disse que o governo Itamar não precisará
destinar recursos. A contrapartida brasileira será assegurada pelos empréstimos do Banco do
Nordeste, para a primeira etapa. Segundo Aluizio Alves, o projeto vai fornecer 50 metros cúbicos de
água por segundo, na primeira etapa, e 250 metros cúbicos, na segunda. Em seis meses de obra da
primeira etapa, empregaria 50 mil trabalhadores. A obra permitiria irrigação de 1,6 milhão de
hectares.
240
Anexo 18
Enunciado 02
OPINIÃO
A Bahia e o velho Chico
Ruy Bacelar
Acaba de ser anunciada a aprovação do megaprojeto de transposição das águas do Rio
São Francisco para quatro estados do semi-árido nordestino: Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará. O governo estimou o custo desse programa gigantesco em US$ 2,1 bilhões, sendo que
50% desse total deverá ser obtido através de empréstimo junto ao Banco Mundial.
O atual governo pretende concluir a primeira etapa, com custos estimados em US$ 550
milhões, no final de dezembro, quando serão construídos 240 quilômetros de canais e mais quatro
elevatórias. Como foi oficialmente anunciado, a meta do projeto é abastecer 220 cidades do semi-
árido daqueles quatro Estados, elevando a capacidade de irrigação na área de 175 mil para um milhão
e 600 mil hectares.
Na primeira etapa, o projeto prevê a construção de um canal de 240 quilômetros para dar
vazão a 50 metros cúbicos de água por segundo, beneficiando todo o Estado do Ceará e parte da
Paraíba e Rio Grande do Norte. Na segunda etapa, será construído um canal de 2.000 quilômetros,
que transportará 250 metros cúbicos por segundo de água para beneficiar o restante da Paraíba, Rio
Grande do Norte e Pernambuco.
Pode parecer meritório o esforço do governo federal para solucionar definitivamente o
crucial problema da seca do Nordeste. Trata-se, porém, como é cil verificar, de uma decisão
precipitada, que não leva em conta estudos técnicos abalizados, mostrando que o rio São Francisco
está enfermo, sofrendo os efeitos de criminoso desmatamento de suas margens, que intensificou o
processo de assoreamento de seu leito, já degradado por várias fontes poluidoras.
O "rio da integração nacional" está com o seu potencial hídrico quase todo comprometido
com a utilização de suas águas para as usinas hidrelétricas, na maior parte, e os projetos de irrigação
implantados ou em curso. Os especialistas sustentam que a atual capacidade do rio não autoriza a
utilização de mais 300 metros cúbicos por segundo para garantir o êxito do projeto.
Foi demonstrado que a transposição das águas do rio São Francisco para aqueles quatro
Estados irmãos do Nordeste seria viável caso houvesse, também, a interligação do rio Tocatins
com o "Velho Chico", nos termos de projeto concebido, na década de 70, por especialistas
convocados pelo então ministro do Interior, o Coronel Mário Andreazza. Nestas condições, o rio São
Francisco seria utilizado, de fato, apenas como meio para a passagem das águas do rio Tocantins.
Se já havia sérias dúvidas sobre a viabilidade técnica desse projeto antes, hoje há
pareceres de especialistas de grande conceito condenando a sua realização sem o socorro das águas do
rio Tocantins. O presidente do Comitê de Estudos Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco,
engenheiro José Theodomiro, já apontou os prejuízos que o megaprojeto provocará na Bahia, "Fazer a
transposição –afirmou o engenheiro – é o mesmo que se desativar a Usina de Itaparica".
Estudos técnicos realizados pelo Plano de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, o
Planvasf, ao longo de um período superior a dez anos, concluíram que as águas do "Velho Chico" são
insuficientes para irrigar os solos férteis, aptos e irrigáveis, existentes no curso de toda a sua bacia.
Parece ser muito mais sensato garantir o sucesso dos projetos implantados e em execução, partindo-se
para obras de dragagem do leito do rio, paralelamente ao reflorestamento de suas margens com a
indispensável mata ciliar, de lá criminosamente arrancada nos últimos anos.
Está tecnicamente demonstrada a viabilidade da transposição das águas do rio São
Francisco, desde que se garanta, antes, a transposição das águas do rio Tocantins para o "Velho
Chico". Que o presidente Itamar Franco reexamine este projeto faraônico, ouvindo, antes, os
especialistas na matéria sobre os seus gravíssimos inconvenientes. A integração de bacias de grandes
rios é matéria hoje conhecida em todo o mundo. A interligação das bacias dos rios Volga e Don, na
União Soviética, trouxe grandes benefícios para as populações que vivem às margens daqueles
grandes cursos d'água e ainda permitiu a extensão de seus benefícios para populações de outras
regiões. O racional e correto seria promover a integração das Bacias do Tocantins e do São Francisco,
antes de partir para a transposição isolada das águas do "Velho Chico" para aqueles quatro Estados do
Nordeste.
241
Anexo 19
Enunciado 03
OPINIÃO
Projeto do São Francisco opõe Ricupero a Itamar
Ministro da Fazenda alerta presidente para inoportunidade de projeto, é voto vencido, e obras vão começar
O presidente Itamar Franco aprovou ontem o projeto de irrigação do Nordeste através da
transposição das águas do rio São Francisco. O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero se opõe ao
projeto. O custo total da obra é de US$ 2 bilhões.
Em reunião ontem no Palácio do Planalto, Ricupero questionou a prioridade do projeto e
o considerou inadequado para ser iniciado no fim do governo. O ministro afirmou que as rodoviais
brasileiras precisam mais dos recursos do que o programa de irrigação. Esses argumentos não
convenceram Itamar. "Se fosse assim, o teria feito o Plano Real", reagiu o presidente diante do
raciocínio de Ricupero.
Participaram também da reunião os ministros do Planejamento, Beni Veras, e da
Integração Regional, Aluízio Alves. Também estava presente o presidente do Banco do Brasil, Alcir
Calliari. Ricupero foi o único que se opôs ao programa. Do total de US$ 2 bilhões, equivalentes ao
custo de construção da usina nuclear de Angra 2, a Integração Regional prevê que US$ 600 milhões
serão gastos ainda em 94.
Beni Veras, senador (PSDB-CE) licenciado para assumir o Planejamento, considera que é
possível compatibilizar o projeto com o Plano Real. O candidato da aliança do PSDB-PFL-PTB à
Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso, também defende o programa de irrigação.
FHC já se comprometeu a incluí-lo no seu programa de governo.
O projeto é uma iniciativa de Aluízio Alves. Ele disse à Folha que as obras começarão
ainda em julho, utilizando batalhões de engenharia do Exército.
Em agosto, deve ser realizada licitação para contratação de empreiteiras que participarão
do projeto. A idéia inicial da Integração Regional é a de que o projeto fosse financiado pelo BNB
(Banco do Nordeste do Brasil S.A.). O BNB lançaria bônus no mercado externo e repassaria os
recursos para a Integração Regional. Como o BNB não tem reservas técnicas suficientes para a
operação, Itamar autorizou o Banco do Brasil a captar os recursos. No prazo máximo de 15 dias, o BB
já estará com o esquema definido.
242
Anexo 20
Enunciado 04
OPINIÃO
Eleição e irrigação
Por Marcelo Beraba
SÃO PAULO Na defesa que faz do projeto de transposição de águas do rio São
Francisco para quatro Estados do Nordeste, o ministro Aluízio Alves revela um dado impressionante.
O custo total do projeto o que consiste na elevação do São Francisco até nivelá-lo com os leitos
naturais de rios quase secos que atravessam o semi-árido de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará – é de US$ 2 bilhões.
É muito ou é pouco? Para quem acha, como eu, que é muito, o dado do ministro
que impressiona: entre março de 93 e março de 94 o governo federal gastou exatamente a
mesma quantia no Nordeste em medidas apenas paliativas.
Para se ter uma idéia, foram gastos US$ 1,1 bilhão no pagamento de meio salário
mínimo para famílias com no mínimo dez membros; US$ 600 milhões em comida; e US$ 300
milhões na distribuição de água (carro-pipa). O dinheiro gasto anualmente nos programas
assistenciais não resolve o problema da seca e mal atenua a miséria. Quem se beneficia desta
política exclusivamente assistencialista? A distribuição de recursos para diminuir os efeitos da
seca sem extingui-los dá força às modernas formas de coronelismo.
Cada carro-pipa, cesta básica ou emprego temporário em frente de trabalho é
instrumento de barganha eleitoral e de dominação política. O projeto do ministro resolve o
problema da seca nordestina? Não tenho como avaliar. Ele acha que resolve parcialmente nos
quatro Estados citados.
Está convencido de que vai permitir, além do abastecimento regular de água nas
cidades da região, a multiplicação de novos projetos de irrigação. oásis produtores e
exportadores de frutas bem-sucedidos em Pernambuco e no Rio Grande do Norte que servem
de sustentação para a tese.
O projeto do governo abre duas frentes de discussão: o projeto em si (é necessário?
oportuno? caro? eleitoreiro? está sendo tocado sem irregularidades?) e a solução para a seca
nordestina. Os candidatos à Presidência deveriam se pronunciar sobre propostas concretas
como esta. É uma maneira de baixar um pouco o tom demagógico dos programas de governo e
de confrontar estes programas com a realidade.
243
Anexo 21
Estado de S. Paulo
Enunciado 01
OPINIÃO
Desvio do São Francisco causa polêmica
Relatório técnico condena projeto defendido por dois ministros
Por Márcio de Morais e Mara
Bergamaschi
A determinação do presidente Itamar Franco de começar, em julho, a execução do
bilionário projeto de desvio das águas do Rio São Francisco para a região semi-árida do Nordeste
provocou polêmica no Congresso e nos ministérios. De olho nos efeitos da liberação de verbas em
período eleitoral, os políticos querem discutir a destinação dos US$ 550 milhões previstos para a
primeira etapa do projeto.
Um relatório técnico sigiloso do Ministério das Minas e Energia, obtido pelo Estado,
condena o projeto, que é defendido pelos ministros Beni Veras (Planejamento) e Aluízio Alves
(Integração Regional), mediante futuro financiamento do Banco do Nordeste. A proposta causou
impacto pelo volume de dinheiro envolvido: para levar as águas do São Francisco aos Estados de
Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte serão gastos US$ 2 bilhões.
A idéia de desviar o São Francisco para por fim à seca é apenas uma das ofertas de Itamar
para a região este ano. O governo também quer lançar na semana que vem uma campanha contra a
fome e a miséria no Nordeste, onde o desempenho do candidato do Planalto à sucessão presidencial,
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não tem sido satisfatório.
Mas a proposta de irrigar o sertão assustou até integrantes da cúpula da campanha de
Cardoso. “Do jeito que está sendo feita, pode atrapalhar mais do que ajudar o candidato”, alertou o
líder do PFL no senado, Marco Marciel (PE). “Não sou contra o projeto, mas acho que ele precisa ser
muito melhor discutido”.
O projeto também divide a bancada nordestina. Os parlamentares do Ceará, primeiro
beneficiário da obra, a defendem, enquanto os da Bahia, onde começaria o desvio do rio, não querem
nem ouvir falar no programa. “O projeto é eleitoreiro”, fulminou o deputado José Carlos Aleluia
(PFL-BA). Ex-presidente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), ele ameaça ignorar a
aliança com Cardoso e promover uma rebelião no Congresso contra a tentativa do governo de aprovar
emendas destinando recursos para a obra. “O projeto é magalômano, irresponsável e desastroso, pois
o custo da água será tão grande que tornará inviável a agricultura irrigada”.
Do outro lado da trincheira, além do tucano Beni Veras, estão o ex-governador do Ceará
Tasso Jereissati e o atual, Ciro Gomes. Segundo publicação do Banco do Nordeste, as águas do São
Francisco desaguariam no Canal do Trabalhador, construído por Ciro, e assegurariam o
abastecimento de Fortaleza. Apesar de adversários do PSDB no Ceará, os senadores peemedebistas
Mauro Benevides e Cid Sabóia também defenderam o projeto em discursos no Senado na quarta-
feira. E Aluízio Alves buscou o apoio da bancada de seu Estado, o Rio Grande do Norte.
O relatório preparado pela Coordenação de Recursos Hídricos do Ministério de Minas e
Energia, sob encomenda do ministro Aléxis Stepanenko, aponta vários problemas no projeto.
Demonstra a temeridade de se iniciar a transposição das águas por 800 mil hectares sem um amplo
debate com todos os setores da sociedade e sem um planejamento global. Mostra também os riscos
ecológicos que imporá à região e as enormes perdas de recursos que acarretará aos cofres públicos. O
documento é datado de maio e, ao invés de por uma de cal sobre o assunto, foi cuidadosamente
guardado pelo governo.
244
Anexo 22
Enunciado 02
OPINIÃO
Recúpero rejeita projeto de irrigação
Ministro avisa que não há recursos no Orçamento para desviar Rio São Francisco
Salvador O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, descartou ontem a possibilidade de
o governo financiar as obras do projeto de transposição do leito do Rio São Francisco, revelado pelo
Estado. Segundo ele, as verbas para o início das obras, estimadas em cerca de US$ 500 milhões, não
estão incluídas no Orçamento da União, o que dificulta a possibilidade de sua execução a partir deste
ano. Ricúpero evitou críticas diretas ao projeto, bem visto pelo presidente Itamar Franco, e defendido
pelos ministros da Integração Regional, Aluízio Alves, e do Planejamento, Beni Veras.
Ricupero ouviu em silêncio o comentário do ex-governador da Bahia Antônio Carlos
Magalhães, sobre o polêmico e bilionário projeto. Ignorando a possibilidade de a obra vir a favorecer
a campanha do candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB-PFL-PTB) no Nordeste, Antônio
Carlos Magalhães fulminou a idéia. “Temo ter que fazer uma CPI sobre este assunto quando for
senador”, ameaçou o ex-governador, que concorre a uma vaga no Senado nas eleições. O governador
da Bahia, Antônio Imbassahy, também não poupou críticas. “O senhor foi elegante ao comentar o
projeto, ministro”, opinou. “Por que nós aqui da Bahia o consideramos um absurdo”, reagiu.
Segundo Imbassahy, durante a última reunião da Sudene, o governo baiano deixou clara
sua posição contrária à proposta de desviar o Rio o Francisco, a partir da Bahia, para irrigar 800
mil hectares no sertão de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O custo total do
projeto, previsto para ter sua primeira etapa financiada pelo Banco do Nordeste, está orçado em US$
2 bilhões. “Só o Rio Grande do Norte e a Paraíba defendem esse projeto”, afirmou. Além destes dois
Estados, o Ceará, que seria o primeiro beneficiário, apóia o programa.
Imbassahy aproveitou a presença de Ricupero para reivindicar liberação de recursos para
o Estado. “Aqui na Bahia as estradas estão esburacadas, em péssimas condições, e não dinheiro
para a recuperação”, informou o governador. “Imagine o governo federal liberar US$ 100 milhões
para o projeto do São Francisco e deixar as estradas ruins, com as pessoas sendo assaltadas” insistiu.
Ricúpero afirmou apenas que não dinheiro no Orçamento. “Não tenho competência para julgar o
projeto e pedir um parecer do projetista, o senhor João José Cândido Pessoa”, explicou.
Por causa do projeto, o candidato tucano à Presidência, Fernando Henrique Cardoso se
cobrado hoje durante sua visita à Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro e Canudos, na Bahia. O
desvio do rio divide a bancada nordestina no Congresso, numa disputa apelidada de “guerra das
águas”.
Na visita à região que concentra os principais projetos de irrigação, Cardoso terá
encontros com colonos e proprietários de fazendas irrigadas e será cobrado a respeito da sua opinião
sobre a transposição das águas. Até agora, por causa da polêmica entre os aliados, o candidato evitou
o assunto.
245
Anexo 23
Enunciado 03
OPINIÃO
Revivendo os projetos faraônicos
O temperamento do presidente do Brasil não é apenas mercurial. É incompreensível se
é que temperamento seja coisa de compreender. Histórico do MDB, histórico no PMDB, vice-
presidente de Collor de Mello, como presidente tem causado espanto a muitos pelo empenho com que
cuida de trazer militares para seu governo, seja em posições de ministro, seja de membros de
comissão incumbida de apurar a corrupção no Executivo, comissão essa que trabalha sem muito
alarde a ponto de não se saber se existe. Talvez seja como aquela comissão criada para apressar a
extinção dos Ministérios de Ação Social e Integração Regional, a qual morreu de morte morrida.
Agora, o presidente outra demonstração do apreço que tem não pelos militares, mas pelos
projetos ditos “faraônicos” do regime militar. Sua Exa. não está disposto a concluir a
Transamazônica, que seria demais e sem efeitos eleitorais, mas está firmemente empenhado em
analisar outro dos sonhos do ministro Mário Andreazza: levar as águas do Rio São Francisco, o da
unidade nacional, até Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. O custo da obra, tendo em
vista as estimativas de quanto se irá despender numa campanha para a Presidência da República, até
que não é tão alto demais: apenas US$ 2,1 bilhões!
O presidente não estava apenas empenhado em dar vida ao último sonho de Andreazza;
decidiu-se a realizá-lo. Tão decidido está que despreza todos os relatórios técnicos que apontam os
inconvenientes da obra e a falta de planejamento com que se escomprometendo não dinheiro o
público, tão escasso para outras coisas mais urgentes, mas o futuro do Rio São Francisco. Pouco
importa que o relatório elaborado no Ministério de Minas e Energia deixe claro que, quando
concluída a transferência dos recursos hídricos, haverá queda na geração nas usinas da Chesf, o que
obrigará o Executivo, havendo desenvolvimento na região, a trazer energia de Tucuruí para o
Nordeste.
Para o presidente e os ministros empenhados na realização da obra, pouco importa não
haver planejamento; que a água disponível então para irrigação seja tão cara que o que se produzir ali
será economicamente sem sentido. Planejamento é palavra desconhecida num governo dirigido por
variações mercuriais de temperamento; o custo da água não conta, pois sempre se pode vendê-la com
subsídio que sairá do Tesouro, que buscará o dinheiro no Sul. O importante é fazer a obra, como se
fez a Transamazônica: para resolver o problema dos pobres do Nordeste. Evidentemente, como disse
o ministro Aluízio Alves, não haverá troca de verbas por votos, mas o governo espera que o trabalho
traga muitos votos, apoio e aplausos dos eleitores e não-eleitores ao governo. Emprego de dinheiro
público para fins eleitorais tão descaradamente confessado, raras vezes se viu. Na República de
Itamar, vê-se!
O projeto é antigo – como dissemos, do ministro Mário David Andreazza, no governo de
Figueiredo. Em 1981, já se suscitavam dúvidas sobre sua viabilidade econômica e a racionalidade
dele em função da idéia do aproveitamento integrado dos recursos hídricos. O projeto de Andreazza
era tornar perenes os rios do Nordeste, usando águas do São Francisco, que seriam elevadas 160 m,
fertilizando vastas extensões de terra sujeitas periodicamente ao flagelo das secas. A idéia era mais
que antiga: em 1920, o engenheiro José Antônio Fonseca Rodrigues, da Politécnica de São Paulo,
propunha a elevação das águas do São Francisco para lançá-las nas Bacias do Jaguaribe e do Assu, no
Ceará, e na Bacia da Paraíba, no Estado da Paraíba. Ora, em 1981 já se punha em dúvida a
possibilidade de aproveitar durante todo o ano as águas do rio da unidade nacional: estimava-se que
esse aproveitamento só se faria durante seis ou sete meses do ano.
O projeto de levar as águas do São Francisco para os Estados citados é a maneira de o
governo federal fugir dos problemas sociais que a seca coloca todos os anos, ligados à estrutura
fundiária e de poder do Nordeste. Serve de propaganda eleitoral, de manifestação de desvelo com as
populações mais carentes, que com a irrigação terão empregos e não sofrerão mais com a seca, mas a
246
rigor não resolve os problemas que irá criar. A provável queda na geração das usinas da Chesf é um
deles; outro é a má alocação dos recursos numa época de crise, investindo de maneira desordenada, o
que daria pequena contribuição para diminuir a vulnerabilidade da região às secas. Afora não se ter
respondido, de antemão, a esta pergunta que é chave: nesta crise de recursos para investimento, será
essa a solução mais “econômica”, ou se deveria privilegiar, atacando fundo os problemas fundiários e
a distribuição de poder na região (remodelando Sudene e outros órgãos), a implantação de pequenos e
médios projetos de irrigação? A resposta positiva talvez aliviasse as agruras de mais brasileiros, mas
não produziria os efeitos eleitorais que se buscam.
247
Anexo 24
Enunciado 04
OPINIÃO
Ministro lança obra sem verba orçamentária
Equipe procura empréstimo no Exterior para desviar curso do Rio São Francisco
Por José Casado
Saiu do papel o maior e mais controvertido projeto de obras do governo Itamar Franco. O
ministro Aluízio Alves, da Integração Regional, fez o edital e 28 empresas já estão na disputa do
plano de engenharia básica de uma obra de US$ 2 bilhões com o objetivo de retirar água do Rio São
Francisco para abastecer 220 cidades do Nordeste, habitualmente afetadas pela seca.
Alves tem problemas com os cofres públicos: não dinheiro. O Ministério da Fazenda
confirma a inexistência de previsão para esse projeto no Orçamento deste ano, que está no Congresso.
O ministro da Integração Regional aliado a Beni Veras, ministro do Planejamento,
nomeou o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) como intermediário para conseguir empréstimos na
Europa e no Japão. Contatos iniciais foram feitos pelo presidente do BNB, João Melo.
A Fazenda, porém, recusa-se a autorizar aval do Tesouro ou do Banco do Brasil para tais
operações de financiamento. Com o edital para o projeto básico de engenharia, Alves procura criar
uma situação irreversível.
O ministro prevê o início das obras em setembro, a um custo de cerca de US$ 600
milhões na primeira etapa. Seria a construção de um canal de 120 quilômetros, túneis e estações
elevatórias para ligar o Rio São Francisco, na sua passagem pelo município de Cabrobó, em
Pernambuco, ao Rio Jaguaribe, no Ceará.
O projeto é controvertido por ter custo muito alto, grande impacto ambiental e econômico
no Vale do São Francisco. Está sob forte oposição dos governos e de diferentes facções políticas da
Bahia e de Minas, que o relacionam a objetivos meramente eleitorais.
Por exemplo: o líder do PFL, na Bahia, Antônio Carlos Magalhães, tem repetido que o
destino dessa obra é acabar virando tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no
Congresso.
é o maior negócio do ano na área de engenharia civil. As empresas projetistas, em
geral, cobram entre 2% e 3% do valor da obra. Nesse caso, o projeto básico deverá resultar em uma
despesa de US$ 40 milhões a US$ 60 milhões para os cofres públicos entre agosto e novembro
exatamente no período que vai da reta final da campanha até o segundo turno eleitoral.
Prevê-se a retirada de 50 metros cúbicos de água por segundo do Rio São Francisco, na
etapa inicial, para transposição ao Rio Jaguaribe. Na fase final, a vazão do São Francisco seria
reduzida em 260 metros cúbicos por segundo, um volume de água equivalente ao que hoje é
consumido pela usina hidrelétrica de Sobradinho, com potência de 1.050 megawatts.
Em tese, o desvio de água do Rio São Francisco, por um canal, para o Rio Jaguaribe
atenuaria os efeitos da seca na área mais pobre do país. É o argumento mais freqüente na aplicação de
recursos federais na região.
Foi assim que o Tesouro nacional financiou, através do Departamento Nacional de Obras
contra a Seca (Dnocs), 98 projetos de irrigação e abastecimento de água no sertão que estão
totalmente abandonados, conforme constataram auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), em
dezembro.
Parte das duas centenas de obras contra a seca especialmente reservatórios de água
realizadas na área com recursos federais nos 84 anos de existência do Dnocs foi transformada em
propriedade privada, segundo o TCU.
248
O projeto de desvio de água do São Francisco para o Jaguaribe começou a ser formulado,
no governo federal, em 1983. Ele parece exercer encanto sobre os aliados do senador e ex-presidente
José Sarney, de quem Alves é amigo antigo.
Nasceu no Departamento Nacional de Obras e Saneamento, na época comandado por
José Reinaldo Tavares, hoje deputado federal pelo PFL do Maranhão. José Reinaldo, depois, foi
ministro de Sarney e responsável pelo maior e mais controvertido projeto daquele governo: a ferrovia
Norte-Sul.
O departamento acabou sendo absorvido pelo Ministério da Integração Regional. Quando
Itamar Franco assumiu o poder, Sarney indicou para esse ministério um de seus principais aliados, o
senador Alexandre Costa, que gastou a gestão se defendendo de acusações na CPI do Orçamento.
Alves assumiu o ministério que era de Costa em março. Retirou da gaveta o projeto
formulado por José Reinaldo e, em menos de 90 dias, produziu o edital para engenharia básica.
O ministério confirma sua intenção de “realizar 55% a 60% da obra até o final deste ano”
– prazo que empreiteiros consideram tecnicamente inviável para uma obra desse porte.
Forte reação está sendo produzida pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(Chesf), subsidiária da holding estatal Eletrobrás, que tem investidos US$ 18 bilhões em cinco usinas
no Rio São Francisco, para produção de 9.974 megawatts.
A Chesf analisou o projeto e concluiu que será obrigada a antecipar a construção de
novas usinas hidrelétricas “para substituir a energia” a ser perdida na transposição de águas para o
Rio Jaguaribe, além de reservatórios adicionais para suprir sua necessidade “de 170 metros de
recalque” – diz documento técnico assinado por Júlio Moreira, presidente da empresa.
249
Anexo 25
Jornal da Tarde
Enunciado 01
OPINIÃO
Projeto faraônico
Quando, cerca de um mês, surgiram nos jornais as primeiras notícias sobre a intenção
do governo Itamar Franco de iniciar um projeto de transposição das águas do rio São Francisco para
perenizar outros rios do Nordeste e permitir a irrigação de terras da região, normalmente atingidas
pela seca, nos escusamos de fazer qualquer comentário sobre o assunto porque não acreditávamos,
sinceramente, que uma iniciativa tão irresponsável pudesse ser levada adiante neste momento em que
a prioridade máxima do governo é o plano de estabilização.
Recusávamo-nos a acreditar que um governo em final de mandato, comandando um
Estado absolutamente falido, fosse investir num programa orçado, inicialmente, em US$ 2 bilhões, de
duvidosa utilidade, que sofre restrições de todos os tipos. Ficamos ainda mais certos de que a notícia
não passava de expediente propagandístico de políticos nordestinos em época eleitoral quando o
ministro Ricupero declarou que não estão previstas verbas para o projeto nem no Orçamento deste
ano nem no do próximo ano.
Agora vemos que estávamos redondamente enganados. Mais uma vez subestimamos o
grau de irresponsabilidade de certos homens públicos brasileiros. Não atentamos para a atração
eleitoral e outras menos nobres que exerce um projeto que enseja discursos demagógicos, do tipo
“vamos salvar os nordestinos definitivamente da seca e da fome”, e margem, com seus US$ 2
bilhões de custo inicialmente previstos essas obras acabam sempre custando muito mais –, a
dezenas de concorrências, licitações, aditamentos de contratos, compras, coisas que fazem as delícias
de muitos burocratas e políticos.
Não somente a notícia era verdadeira como o governo pretende executar o projeto a toque
de caixa. O edital de concorrência para a realização de sua primeira fase foi divulgado e 28
empresas já se apresentaram para preparar o plano de engenharia básica. Segundo o ministro da
Integração Regional, nordestino do Rio Grande do Norte, político profissional e responsável pelo
projeto, as obras serão iniciadas em agosto e deverão estar prontas até o final de 1995. As águas do
São Francisco serão elevadas, em determinados pontos, a uma altura de 160 metros para serem
despejadas em alguns rios nordestinos que ficam secos durante um período do ano, permitindo a
irrigação de 1,2 milhão de hectares de terras hoje pouco aproveitáveis.
Aparentemente, portanto, trata-se de um grande projeto que irá incentivar a agricultura
nordestina, criar empregos e melhorar a renda da região. Mas, técnica e economicamente, as coisas se
complicam. Não estudos sérios do impacto ambiental que a diminuição da vazão da água em
determinadas áreas e o aumento em outras provocará. Mas é certo que a redução da vazão prejudicará
o funcionamento de algumas hidrelétricas instaladas na área hoje percorrida pelo o Francisco. Os
governos de Minas e da Bahia, por exemplo, condenam veementemente o projeto. Para esses
governos vai-se se vestir um santo e desvestir outro: algumas áreas ganham mais águas e outras ficam
sem energia para o comércio e a indústria. Os empregos eventualmente criados pelas águas serão
perdidos com a falta de eletricidade.
Além do mais, o alto custo de um projeto faraônico como esse encarecerá
demasiadamente o metro quadrado de área irrigada, tornando os produtos colhidos nas áreas
beneficiadas tão caros que não terão condições de competir no mercado. Estudos técnicos de que o
governo dispõe indicam que, com muito menos dinheiro, será possível irrigar até mais terras, com
projetos mais realistas, menos fantasiosos. O problema é que esses miniprojetos não rendem votos e
outras cositas mas para os políticos do Nordeste.
250
Anexo 26
Enunciado 02
OPINIÃO
S. Francisco: Alves ataca políticos.
Ministro da Integração Regional diz que críticos do projeto bilionário de transposição de águas ganham com a seca
Por Guilherme Evelin
O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, acusou ontem os políticos que estão
atacando o projeto de transposição das águas do rio São Francisco de dependerem da seca do
Nordeste para ganharem votos. “A seca é uma boa marca política, e esse pessoal ganha votos em
troca do transporte de água para os eleitores em carros-pipas”, disse o ministro, ao menosprezar o
cerrado bombardeio que a bilionária obra está sofrendo no Congresso e em setores do governo. Na
Bahia, todas as correntes políticas se uniram contra a transposição das águas, desde o ex-governador
Antônio Carlos Magalhães até o deputado Waldir Pires (PSDB). Técnicos do governo também se
opõem à obra.
Aluízio Alves disse que a disposição do presidente Itamar Franco de levar adiante a
transposição das águas, no prazo mais curto, é “inarredável”, mesmo com todas as críticas e
contestações judiciais à licitação para escolha das empresas que farão o projeto de engenharia. O
ministro é o inspirador do projeto e seu principal defensor no governo, ao lado do ministro do
Planejamento, Beni Veras. Até o final do governo, segundo a previsão de Alves, entre 50% e 60% do
projeto estará concluído. O ministro já está até programando uma viagem pelo São Francisco para
acompanhar o andamento das obras.
Alves criticou também as alianças políticas forjadas pelo projeto, na Bahia. “Os baianos
pensam que são donos do São Francisco”, ironizou o ministro, afirmando que as áreas mais
beneficiadas com a irrigação de terras o as mais afetadas pela seca no Nordeste, ou seja, o semi-
árido do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Alves rebateu, ainda, as acusações de que o projeto é meramente eleitoreiro e está sendo
executado a toque de caixa. “Todo programa que se fizer no País em ano de eleições vai ser acusado
de eleitoreiro”, afirmou Alves, comparando essas críticas às feitas ao Plano Real por ter sido
concebido pelo candidato à Presidência pela coligação PSDB-PFL-PTB, senador Fernando Henrique
Cardoso. “O projeto vai reduzir em 80% os efeitos da seca no Nordeste”, disse o ministro, afirmando
que o custo total da obra, em torno de US$ 2 bilhões, representa o mesmo valor gasto pelo governo
federal no ano passado com programas emergenciais de assistência aos flagelados pela seca.
Contudo, um relatório preparado pela Coordenação de Recursos Hídricos do Ministério
de Minas e Energia, sob encomenda do ministro do Planejamento, Aléxis Stepanenko, alerta para a
temeridade de se iniciar a transposição das águas do São Francisco sem um amplo debate e sem
planejamento. Técnicos do próprio governo calculam que com a retirada de cada metro cúbico de
água do rio, abaixo de Sobradinho, as hidrelétricas de Xingó, Itaparica, Moxotó e Paulo Afonso
deixariam de gerar 2,6 megawatts por hora.
“Será uma nova Transamazônica”, afirmou o presidente do Comitê Executivo de Estudos
Integrados da Bacia Hidrográfica do São Francisco, José Teodomiro Araújo. Segundo ele, o projeto
não vai acabar com a seca: “Temos 300 mil hectares irrigados na bacia do São Francisco e assim
mesmo sofremos com a seca”.
251
Anexo 27
Enunciado 03
OPINIÃO
‘O PROJETO É ELEITOREIRO’
(Do ministro Aluízio Alves)
S. Francisco: ministro lança obra
Aluízio Alves admite que em retribuição, espera votos para os candidatos do Governo
Por Vannildo Mendes
O ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, admitiu ontem publicamente que o
projeto de transposição de águas do rio São Francisco para o semi-árido nordestino é eleitoreiro.
Durante solenidade realizada em Mossoró (RN) de instalação simbólica dos escritórios que vão
coordenar a implantação do projeto nos quatro Estados beneficiados (Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba e Pernambuco), Alves disse que o governo trabalha para obter aplausos, não vaias. “Se a obra
é boa e os aplausos se traduzem em votos, tanto melhor”, disse.
“Nesse sentido, o projeto é eleitoreiro sim”, afirmou o ministro. Alves disse que ficará
muito satisfeito se o povo, em retribuição, votar em massa nos candidatos do governo e nos políticos
comprometidos com a obra. Entre esses estão seu sobrinho Garibaldi Alves, candidato a governador
pelo PMDB, o filho Henrique Alves, candidato a deputado federal, a filha Ana Catarina, candidata a
deputada estadual, e dezenas de aliados. Na visita a Mossoró, Alves esteve acompanhado por
Henrique. Na véspera, Garibaldi fez comícios na região apresentando-se como um dos mentores da
obra.
Último município a ser beneficiado pela transposição das águas do São Francisco,
Mossoró não foi escolhido por acaso para o lançamento da pedra fundamental da obra. Os clãs mais
tradicionais que dominam a política no Estado (Alves e Maias) costumam não ser bem votados no
município. Garibaldi, por exemplo, que lidera as pesquisas com 49% das intenções de voto, tem em
Mossoró a sua pior performance. No horário eleitoral gratuito o candidato a governador dividiu o seu
programa em dois blocos – um exclusivamente para a região de Mossoró.
Segundo maior reduto eleitoral do Rio Grande do Norte, com cerca de 100 mil votos,
Mossoró tem uma tradição oposicionista arraigada que lhe valeu o título de “cidade insatisfeita”, do
qual se orgulham os mossoroenses. Em 1989, foi o único reduto do sertão nordestino onde Lula
ganhou no primeiro e segundo turnos. Desta vez, apesar da virada nacional em favor do candidato
tucano, Fernando Henrique Cardoso, o candidato do PT permanece na frente, segundo as últimas
intenções de voto.
A tentativa de transformar a solenidade de ontem num grande ato político, no entanto,
fracassou. Os governadores dos quatro Estados beneficiados não compareceram nem mandaram
representantes, embora a assessoria do ministro tivesse anunciado com antecedência a presença deles
na solenidade. Nas ruas não houve sequer uma manifestação de apoio, embora a população seja
entusiasta do projeto. Adversário político de Alves, o prefeito do município Dix-Huit Rosado,
mandou um representante de terceiro escalão para recepcioná-lo.
Alves disse que derrotará todos os inimigos do projeto e desdenhou dos políticos baianos
que estão contra a transposição de águas do São Francisco, como o ex-governador Antônio Carlos
Magalhães, e o atual, Antônio Imbassahy. “Eles agem como se o São Francisco fosse propriedade
privada deles”, alfinetou o ministro, alegando que a Bahia contribui com apenas 16% do volume
d’água do “velho Chico”, enquanto Minas Gerais “que não está reclamando do projeto”, contribui
com 76%.
O ministro dividiu os inimigos do projeto em três categorias: a dos “reacionários do sul”,
que na sua opinião consideram o Nordeste como caso perdido; a dos políticos tradicionais do
Nordeste, “que fazem carreira com a indústria da seca e não querem vê-la resolvida”; e a dos
252
desinformados. Segundo o ministro, os políticos clientelistas do Nordeste estão, desde já, “com
saudade da indústria da seca, da troca de votos por alistados de trabalhadores nas frentes de
emergência, dos negócios com carros-pipa e da corrupção de eleitores aliciados por esmolas”. Alves
inclui Fernando Henrique Cardoso na categoria dos desinformados por ter-se colocado inicialmente
contrário ao projeto. “Depois de uma conversa comigo e com o presidente Itamar Franco, ele mudou
de opinião”, disse.
253
Anexo 28
Enunciado 04
OPINIÃO
S. FRANCISCO
ALVES: ‘REFLEXO ELEITOREIRO
Ministro se defende acusando “velhos inimigos”
Na defesa que encaminhou ontem ao corregedor-geral Eleitoral, Flaquer Scartezzini, o
ministro da Integração Regional, Aluízio Alves, acusa a imprensa e os “velhos inimigos” do projeto
de transposição das águas do rio São Francisco de terem deturpado suas palavras, ao lhe atribuir a
declaração de que a obra é eleitoreira. Ele próprio, porém, reconhece na defesa que “toda e qualquer
iniciativa do governo, quer queira que não, tem reflexo eleitoreiro, porque representa o compromisso
assumido pelo governante quando candidato”.
“O governo não pode se dar ao luxo de paralisar suas atividades a cada dois anos, cruzar
os braços, omitir-se, dispensar seus ministros e auxiliares, apenas para não ser acusado de
eleitoreiro”, afirma o ministro. Alves foi notificado pela Justiça Eleitoral para esclarecer o que quis ao
afirmar, em entrevista ao Jornal da Tarde, na solenidade de instalação dos escritórios do projeto,
que “se a obra é boa e os aplausos se traduzem em votos, tanto melhor; nesse sentido, o projeto é
eleitoreiro”.
Alves argumenta que a suspeita de que ele teria cometido crime eleitoral caberia contra a
iniciativa do ex-presidente Juscelino Kubistchek de construir Brasília e contra “os governantes” que
criaram o Plano Real. Ele faz uma ampla defesa do projeto, dizendo tratar-se de uma iniciativa
“bastante amadurecida”, proposta desde os tempos do Império. Segundo ele, serão necessários
“apenas” R$ 600 milhões para a execução do projeto e “tão somente” R$ 100 milhões para o
exercício financeiro deste ano.
Em entrevista, Alves disse que considera “engraçado” seu envolvimento em denúncias da
utilização da máquina federal em favor da campanha do candidato Henrique Cardoso, do PSDB. “O
candidato não é o meu”, afirmou, garantindo que vai votar no candidato de seu partido, o PMDB,
Orestes Quércia.
O ministro do Planejamento, Aléxis Stepanenko
25
, protocolou ontem as explicações sobre
sua atuação para inaugurar a hidrelétrica de Xingó antes das eleições. A disposição de Stepanenko de
emprestar solidariedade à campanha de Fernando Henrique está irritando o comando da campanha.
No fim de semana, o ministro voltou a surpreender: encerrada a solenidade de inauguração do sistema
de eletrificação de Sinop (MT), o ministro despediu-se com a mão espalmada, mbolo da campanha
tucana. “O próprio Fernando Henrique já falou que tem gente que pensa que ajuda, mas só atrapalha”,
resumiu ontem um dos dirigentes da campanha. Ele tem esperança de que a reprimenda do presidente
Itamar Franco, recomendando que seus ministros não interferiram na sucessão presidencial, surta o
efeito necessário. “O ministro Aléxis Stepanenko precisa usar o bom senso e ver que sua intervenção
é muito prejudicial”, avaliou o dirigente tucano.
25
Em 1994, Alexis Stepanenko ocupa o cargo de ministro das Minas e Energia e não ministro do Planejamento.
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