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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Programa de Pós-Graduação em Educação
Deyse Karla de Oliveira Martins
A LIVRE EXPRESSÃO NA
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: vivência em salas de aula
Natal/RN
2005
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Deyse Karla de Oliveira Martins
A LIVRE EXPRESSÃO NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS: vivência em salas de aula
Dissertação apresentada à Pós-Graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira.
Natal - RN
2005
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Martins, Deyse Karla de Oliveira.
A livre expressão na alfabetização de jovens e adultos: vivência em salas de aula / Deyse Karla de Oliveira
Martins. – Natal, 2005.
142. il.
Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências
Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Educação – Tese. 2. Pedagogia Freinet - Tese. 3. Livre expressão - Tese. 4.Alfabetização de jovens e adultos
– Tese. I. Pereira, Francisco de Assis. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 37.046 (043.3)
4
Deyse Karla de Oliveira Martins
A LIVRE EXPRESSÃO NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
vivência em salas de aula
Dissertação apresentada à Pós-Graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Aprovada em: ____/ ____ / _____.
Mestranda: Deyse Karla de Oliveira Martins
Banca Examinadora
________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rita Vieira de Figueiredo
Universidade Federal do Ceará – UFC
__________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Neide Varela Santiago
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Lúcia de Araújo Ramos Martins
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
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Dedicatória
Aos meus pais, sempre presentes em minha vida, modelos
de integridade moral, de coragem, fé e vida, pelo carinho
e dedicação aos filhos e à neta.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por me agraciar com o dom da sabedoria e do discernimento;
Aos meus pais, pelo investimento na minha formação humana e intelectual e por
sempre acreditarem na minha capacidade de luta, no meu potencial, sendo meus eternos
torcedores e incentivadores;
Aos meus irmãos – Clestenis, Danielle e Clayton –, que também fazem parte da
torcida pelo meu sucesso;
Ao meu namorado e incentivador Alexandre Remo, sempre presente durante este
processo, ajudando-me na coleta de dados, nas fotografias e filmagens;
Ao meu iluminado orientador, Francisco de Assis Pereira, que, com sua paciência e
ternura, me apontou um caminho mais sereno e tranqüilo, conduzindo-me nos momentos
difíceis e solitários – pela competente e criteriosa orientação;
Às minhas amigas Patrícia Carla de M. Chagas e Maria da Conceição Silva, por
partilharem comigo todos os momentos, tanto os difíceis, angustiantes, quanto os de vitórias;
A Giovana Carla, pela colaboração ea reflexão junto ao grupo de alfabetizadoras;
A Rosângela, pelas calorosas discussões filosóficas, nas longas madrugadas;
Às alfabetizadoras, que dedicaram parte de seu tempo para discutir e trocar
experiências conosco;
Às professoras Sandra Maria Borba Pereira e Rosa Aparecida Pinheiro, pelos
ensinamentos – que tanto contribuíram para a minha formação acadêmica e profissional -,
pelo apoio, pelas orientações, pelos conselhos – sempre necessários e bem vindos -, além da
inquestionável receptividade por sempre eztarem dispostas a colaborar comigo;
Aos colegas do Núcleo de Estudos da Pedagogia Freinet – Cláudia Santa Rosa,
Maria Betânia, Eduardo Cavalcante e Ana Paula -, pelo estímulo constante;
Aos professores e colegas da base de pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículo,
especialmente às Prof.ª Márcia Gurgel e Prof.ª Tânia Câmara, que colaboraram para o
aprimoramento deste trabalho durante os seminários de dissertação;.
Aos membros da Banca Examinadora deste estudo, pela pertinência da avaliação e
pelas contribuições que venham a oferecer para o enriquecimento de nossas reflexões;
Aos colegas que tive oportunidade de conhecer ao longo do curso de mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, também interlocutores na construção
deste trabalho;
7
A Prof.ª Albanita Lins de Oliveira, do Departamento de Biblioteconomia da UFRN,
pela normatização bibliográfica e catalogação deste trabalho;
Aos colegas do Programa Geração Cidadã – Reduzindo o Analfabetismo, pelo
carinho, incentivo, respeito e pela compreensão nos momentos difíceis e dde ausências;
À CAPES, pelo apoio financeiro.
8
"Escola é...
o lugar onde se faz amigos
não se trata só de prédios, salas, quadros,
programas, horários, conceitos...
Escola é, sobretudo, gente,
gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhece, se estima.
O diretor é gente,
O coordenador é gente, o professor é gente,
o aluno é gente,
cada funcionário é gente.
E a escola será cada vez melhor
na medida em que cada um
se comporte como colega, amigo, irmão.
Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.
Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir
que não tem amizade a ninguém
nada de ser como o tijolo que forma a parede,
indiferente, frio, só.
Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,
é também criar laços de amizade,
é criar ambiente de camaradagem,
é conviver, é se ‘amarrar nela’!
Ora , é lógico...
numa escola assim vai ser fácil
estudar, trabalhar, crescer,
fazer amigos, educar-se,
ser feliz."
Paulo Freire
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RESUMO
Este estudo foi desenvolvido a partir de uma experiência de alfabetização de jovens e adultos
em duas turmas do Projeto Redução do Analfabetismo, uma parceria entre a Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, a Secretaria Municipal de Educação e a Prefeitura Municipal
de Natal-RN. Para o alcance dos objetivos propostos, optamos pelo método qualitativo de
pesquisa, utilizando a observação da dinâmica da sala de aula, considerando os atores sociais
como sujeitos ativos dos processos histórico, cultural e político. No sentido de colaborar nesse
campo de estudo propusemos um referencial teórico-prático que objetiva a dinamização da
sala de aula por meio da visão de alfabetização voltada para os usos sociais da leitura e da
escrita; da concepção dialógica de Paulo Freire, baseada na própria cultura do aluno e na
valorização deste como sujeito ativo da aprendizagem; da proposta pedagógica de Célestin
Freinet, da dinamização da sala de aula (enfatizando os princípios da livre expressão), da
colaboração, da atividade e do respeito ao ritmo individual, em função do sucesso escolar.
Lembramos que Célestin Freinet e Paulo Freire contribuíram para a conscientização
individual, social, cultural e política do educando, mediada pelo processo escolar. Destacamos
o interesse e a participação das alfabetizadoras e dos alunos nesse processo educativo.
Constatamos ao longo do trabalho mudanças na postura das alfabetizadoras, superando
práticas centradas no formalismo e no verbalismo, frutos da educação tradicional e avançando
no sentido da abordagem construtivista do conhecimento que assegura um clima de
segurança, dinamismo e respeito em sala de aula.
Palavras-chave: Educação, Pedagogia Freinet, Livre Expressão, Alfabetização de Jovens e
Adultos
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Résumé
Cette étude a été faite à partir d’une expérience d’alphabétisation chez des jeunes et des
adultes dans deux groupes du “Projet Réduction de l’analphabétisme” realisé par l’Université
Fédérale du Rio Grande do Norte, le bureau du Ministère de l’Éducation et la Préfecture
Municipale de Natal-RN. Nous avons choisi la méthode qualitative de recherche, en utilisant
l’observation de la dynamique en salle de classe, considérant les acteurs sociaux comme étant
le sujet actif du processus historique, culturel et politique. Nous avons voulu colaborer dans
ce thème en proposant un référenciel théorique et pratique, en visant le dynamisme de la salle
de classe, à travers la vision de l’alphabétisation centrée sur les utilisations sociales de la
lecture et de l’écrit; la conception dialogique de Paulo Freire, basée sur la propre culture de
l’élève et sur sa valorisation en tant que sujet actif de l’apprentissage ; la proposition
pédagogique de Célestin Freinet dans son aspect de la dynamisation de la salle de classe
renforçant le principe de la libre expression, de la colaboration, de l’activité et le respect du
rytme individuel, pour le succès scolaire. Nous avons rappelé que Célestin Freinet e Paulo
Freire ont contribué dans la conscientisation individuelle, sociale, culturelle, politique, de
l’élève par le processus scolaire. Nous avons séparé l’intérêt et la participation de celles qui
alphabétisent et des élèves dans ce processus éducatif. Nous avons constaté tout au long du
travail des changements dans la posture de celles qui alphabétisent, surpassant les pratiques
centrées dans le formalisme, et le verbalisme fruits de l’Éducation traditionnelle. Avançant
dans le sens de l’Abordage Constructiviste de la connaissance, garantissant un climat de
sécurité, de dynamisme et de respect en salle de classe.
Mots-clés: Éducation, Libre expression, Pédagogie Freinet, Alphabétisation des jeunes et des
adultes.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 - PENSANDO E CONSTRUINDO UMA PRÁTICA
ALFABETIZADORA
1.1 Objeto da pesquisa: objetivos e questões norteadoras
DOBJETIVO GERAL
DOBJETIVOS ESPECÍFICOS
DQUESTÕES NORTEADORAS
1.2 Conhecendo o Projeto Redução do Analfabetismo
1.3 Contextualizando o campo da pesquisa, as alfabetizadoras, os alunos e a
pesquisadora
1.4 Aspectos metodológicos
CAPÍTULO 2 – ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
2.1 Alguns aspectos históricos
2.2 Contribuições de Paulo Freire como marco nas concepções de
alfabetização
2.3 Do Mobral aos nossos dias
CAPÍTULO 3 - A PEDAGOGIA FREINET NA ALFABETIZAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
12
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19
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20
21
21
25
36
43
43
48
51
65
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3.1 A pedagogia Freinet e sua utilização no Projeto Redução do Analfabetismo
3.2 Célestin Freinet e a ousada proposta de uma escola para o povo
Articulando princípios e práticas
3.3 – A livre expressão nas salas de EJA
CAPÍTULO 4 - DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA NAS SALAS DE AULA
E ANÁLISE DOS DADOS
4.1 Descrição da experiência
Organizando a aprendizagem de jovens e adultos baseada na experimentação e
na vivência
DAS REUNIÕES DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
D AS DIFICULDADES ENCONTRADAS
A vida na sala de aula
4.2 Discussão dos dados
4.2.1 ̛ Construindo caminhos para uma prática pedagógica viva
com as técnicas freinetianas da livre expressão
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
65
73
85
93
93
94
96
99
101
105
105
128
137
142
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INTRODUÇÃO
Por educação de adultos entende-se o conjunto de processos de
aprendizagem, formais ou não formais, graças aos quais as pessoas cujo
entorno social considera adultos desenvolvem suas capacidades,
enriquecem seus conhecimentos e melhoram suas competências técnicas ou
profissionais ou as reorientam a fim de atender suas próprias necessidades e
as da sociedade. A educação de adultos compreende a educação formal e
permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de
educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e
multicultural, na qual se reconhecem os enfoques teórico e baseados na
prática.
(Art. 3
o.
da Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos, 1997).
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade específica da Educação
Básica que tem como finalidade atender à camada da população que não teve acesso à
educação durante a infância e a adolescência, ou seja, na faixa etária dos 07 aos 14 anos,
conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN 9394/96).
Dentre os fatores que levaram essas pessoas a não freqüentar os bancos escolares, podemos
citar a oferta irregular de vagas, as condições socioeconômicas desfavoráveis e as
inadequações do sistema educacional.
O direito à educação, independente do limite de idade, está presente no primeiro e no
segundo artigos da referida lei. O Art. 1º diz: "A educação abrange os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais". E o Art. 2º: "A educação, dever da família e do Estado, inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
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desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho".
Lembramos que o conceito de educação de jovens e adultos, em muitos casos,
confunde-se equivocadamente com o de ensino noturno. Tal confusão ocorre devido ao turno
em que comumente é oferecida essa modalidade de ensino, deixando-se de considerar as
características e especificidades dos indivíduos aos quais ela se destina. Diante dessa situação,
projetos e programas de alfabetização, como o Programa Alfabetização Solidária, o Projeto
Redução do Analfabetismo, entre outros, têm demonstrado interesse em ofertar a EJA nos
outros turnos, visando atender aos alunos que só podem estudar no período diurno.
Para que se considere a EJA uma modalidade de ensino que se constitui como um
direito de todos, faz-se necessário superar-se a concepção compensatória, que traz a idéia de
que a educação de jovens e adultos é um meio de recuperação, ou resgate, do tempo de
escolaridade perdido, acentuando que o aprendizado ideal deve acontecer na infância e na
adolescência. É necessário ampliar a compreensão sobre o processo de aprendizagem do
público jovem ou adulto, suas características e especificidades desse processo, garantindo a
elaboração de atividades pedagógicas específicas, com a consciência de que a juventude e a
idade adulta também são tempos de aprender.
Sendo a alfabetização concebida como um processo diretamente relacionado aos
usos sociais da língua e observando-se o problema das diferenças dialetais, vê-se que, ao
chegarem à escola, o jovem e o adulto já dominam determinados usos da língua oral, que
podem estar distantes da escrita padrão. Além disso, essas pessoas geralmente apresentam
níveis de letramento compatíveis com as suas experiências socioculturais.
Compreendemos que a língua oral e a escrita atendem a funções distintas de
comunicação. Assim, procuramos valorizar as práticas lingüísticas de jovens e adultos das
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classes populares, buscando perceber em tais práticas o sentido de alfabetização adotado na
pedagogia Freinet: alfabetização - como prática social, cultural, emancipadora, auxiliar na
construção da consciência política -, de modo que a manifestação da palavra aconteça
considerando o direito próprio do ser humano.
Tomamos como referência central do nosso trabalho a pedagogia Freinet, por
considerá-la uma opção política e uma definição filosófica que, através de sistemas
educativos, buscam preparar os educandos para a construção de uma sociedade mais solidária
e menos desigual.
Perpassa a pedagogia Freinet toda uma dimensão valorativa, a saber:
[...] a ajuda mútua e a cooperação, e não a competição e promoção
individual; a partilha e não a propriedade e a promoção pessoal; o
desenvolvimento pessoal e não o condicionamento; o respeito às diferenças e
não a intolerância; a ajuda mútua e a cooperação; o espírito crítico e não o
conformismo; a iniciativa, a autonomia e não a obediência passiva”.
(LANDROIT, 1987, p. 2)
A proposta freinetiana está a serviço de um projeto educacional voltado às classes
populares, estimulado pela confiança na possibilidade humana em favor da vida. Para isso, a
necessidade de referências adequadas e uma divulgação de estudos e pesquisas sobre a
educação de jovens e adultos, de modo que proporcionem o desenvolvimento sócio-afetivo
dos alfabetizandos dessa modalidade de ensino.
O fato de existirem poucas propostas específicas para o trabalho pedagógico com
jovens e adultos, de acordo com as nossas vivências, contribui para que muitas professoras
tentem adequar a seus alunos da EJA metodologias e referenciais didático-pedagógicos que
estão contemplados nos documentos referentes às primeiras séries do ensino fundamental
voltados para o desenvolvimento das crianças, utilizando, inclusive, material didático com
conteúdos infantilizados.
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Gostaríamos, assim, de deixar registrada nossa experiência educacional, para que
possa contribuir para o processo que se instaura no contexto da alfabetização espcificamente
voltada para jovens e adultos norteada pela pedagogia Freinet.
Nessa perspectiva de análise, registramos as impressões que tivemos durante a
convivência com a alfabetização de jovens e adultos, que gerou em nós um incentivo
especial. Realizamos um breve histórico da educação de jovens e adultos no Rio Grande do
Norte, particularmente em Natal, destacando as concepções de aprendizagem de jovens e
adultos adotadas em cada época.
Apresentamos os resultados das análises realizadas em duas turmas da alfabetização
de jovens e adultos do Projeto Redução do Analfabetismo na cidade de Natal-RN, o qual
funcionou no segundo semestre letivo de 2002, no bairro de Felipe Camarão, zona Oeste.
Uma turma funcionava no turno vespertino, no prédio do Pólo da FUNDAC (Fundação de
Assistência à Criança e ao Adolescente) e a outra no turno noturno na Escola Municipal Maria
Cristina Ozório Tavares, no turno noturno.
Como referencial teórico para nosso trabalho, adequamos os princípios da
pedagogia Freinet para a modalidade de alfabetização de jovens e adultos, buscando
estimular a livre expressão, entendida aqui como ponto fundamental para o desenvolvimento
de uma aprendizagem significativa, por dar voz ao aluno, permitindo-lhe expressar seus
desejos e sonhos livremente. O educando se sente mais à vontade sendo estimulado a
expressar-se oralmente, daí o papel fundamental da escola no crescimento psicosocial do
aluno. Pode-se dizer, em linhas gerais, que esse processo educativo contribui para a formação
do sujeito crítico e reflexivo, na sua realidade social. É, portanto, de fundamental importância
psicopedagógica, de “dar a palavra” aos educandos, priorizando, na visão freinetiana, a
educação para a cidadania e para a paz, a partir de um clima interativo e cooperativo entre
alunos e alfabetizadores.
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Diante do exposto, as atividades desenvolvidas por nós, como coordenadora setorial
do Projeto Redução do Analfabetismo, concentraram-se, em grande parte, em dar apoio
didático-pedagógico aos alfabetizadores, realizando encontros quinzenais de estudo,
planejamento de atividades e visitas às salas de aula para conhecer as particularidades de cada
turma, fazendo observações em cada uma delas e fornecendo elementos que contribuíssem
para o desenvolvimento de estratégias didáticas que facilitassem o ensino-aprendizagem dos
jovens e adultos em processo de alfabetização, uma vez que nosso papel era articular teoria e
prática.
Essa articulação entre teoria e prática com alfabetizadores pode ser apreciada no
relatório de atividades desenvolvidas nos meses de junho e julho de 2002 (RELATÓRIO
JUNHO-JULHO, 2002, p. 1 - 2), o qual aponta que:
[...] o mais visível deste trabalho é a melhoria na qualidade do trabalho
pedagógico do alfabetizador em sala de aula, as “pontes” que ele estabelece
entre o teórico (alunos do Curso de Pedagogia) e o prático, a identificação
dos usos pedagógicos dos seus conteúdos específicos (alunos dos diversos
cursos de Licenciatura).
Realizamos, também, reflexões acerca das possibilidades de práticas alfabetizadoras
e vivências socioculturais com alunos jovens e adultos.
Os questionamentos e as observações feitas nas salas de aula nos conduziram a
buscar resposta em fontes teóricas. A princípio, buscamos apoio teórico-prático na obra de
Paulo Freire, na qual encontramos contribuições relevantes para o nosso contexto educativo,
como a importância do conhecimento da realidade do aluno, o respeito a sua expressividade,
de modo de prepará-lo para o exercício da sua liberdade, numa perspectiva de compreensão
do contexto, do limite e do direito, visando estabelecer seus próprios princípios.
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Do ponto de vista conceitual, buscamos referências na obras de Célestin Freinet,
educador francês que dedicou grande parte de sua vida à criação de: uma escola para o povo,
contribuindo para a formação do cidadão livre, participativo e consciente; uma escola que se
pretendesse democrática, que ensinasse a pensar, sentir e refletir, socializando o saber e
educando para a solidariedade, na qual o espaço educativo se tornasse uma comunidade viva,
atuante, capaz de celebrar a vida.
Nesse sentido, a pedagogia Freinet tem como ponto de partida a ânsia de viver e de
saber do educando, associada a sua curiosidade. Sob a ação do educador e do grupo, o aluno
pesquisa e aprende, avançando como membro de uma comunidade cooperativa, regida pela
educação pelo trabalho. Segundo Freinet (1969, p. 27): “O trabalho será o grande princípio, o
motor e a filosofia da pedagogia popular, a atividade de onde advirão todas as aquisições”.
No tocante à construção da leitura e da escrita, nos fundamentamos no princípio do
letramento, especialmente em alguns estudos de Soares ( 2003, 2002, 2000, 1989 e 1985), que
concebe o letramento como:
O estado ou condição de indivíduos ou de grupos sociais de sociedades
letradas, que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita,
participa competentemente de eventos de letramento (SOARES, 2002, p.
145).
Ao enveredar pelos caminhos traçados nesta dissertação, buscamos responder
às indagações que nos orientaram na construção deste trabalho, assim como refletir em torno
da experiência desenvolvida no Projeto Redução do Analfabetismo, através de uma proposta
ousada e inovadora aplicável tanto na sala de aula quanto na escola.
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Sendo assim, estruturamos nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro,
apresentaremos os objetivos da pesquisa, a metodologia, descrevendo os sujeitos envolvidos
no processo educativo.
No segundo capítulo, faremos um breve histórico da EJA no Brasil –suas
concepções, propostas e práticas educativas desenvolvidas ao longo dos anos, destacando a
concepção inovadora de Paulo Freire nos anos 60. Fazemos referência, em particular às ações
educativas desenvolvidas em Natal – RN.
No terceiro capítulo, aprofundaremos o estudo ligado à pedagogia Freinet e à busca
de uma escola do povo, bem como, o princípio da livre expressão e sua aplicação no Projeto
Redução do Analfabetismo na cidade de Natal – RN.
No quarto capítulo, fazemos uma análise das observações feitas ao longo dos
encontros pedagógicos que realizamos e da atuação das alfabetizadoras em sala de aula no
cotidiano.
Faz-se necessário esclarecer que optamos por uma análise crítica levando em
consideração estudos de Célestin Freinet no que se refere à organização do espaço escolar, e
de Paulo Freire no que se refere à prática educativa. Quanto à alfabetização política,
apontamos limites pedagógicos e materiais, além da reconstrução docente a partir da ação –
reflexão – Ação.
Percebe-se, ao longo deste trabalho, que, silenciosamente, vem sendo apontada
uma tendência ao desenvolvimento de pesquisas na tentativa de interpretar o quotidiano de
uma sala de jovens e adultos buscando o entrelaçamento com outras áreas de conhecimento,
como a sociologia, a psicologia e a filosofia, com vistas à plenitude do homem. Essa
orientação conjunta pretende tornar o jovem ou adulto capaz de enfrentar os desafios e
incertezas do quotidiano identificando, porém, seus limites, de modo que se torne capaz de
reconhecer-se plenamente, humanamente, em busca da liberdade de expressão.
20
CAPÍTULO 1
PENSANDO E CONSTRUINDO UMA PRÁTICA ALFABETIZADORA
1.1 Objeto da pesquisa: objetivos e questões norteadoras
Partindo do pressuposto de que a formação do alfabetizador de jovens e adultos vem
sendo oferecida para que ele possa ampliar a sua reflexão sobre a prática pedagógica nessa
modalidade de ensino, de forma a entender as especificidades educacionais das pessoas que
não tiveram acesso à escolaridade na idade própria – conforme prescrevem as legislações
federal, estadual e municipal –, pretendemos investigar as estratégias de que o alfabetizador
lança mão ao desenvolver o processo de ensino-aprendizagem com jovens e adultos no
Projeto Redução do Analfabetismo.
Tomando como base a nossa experiência de assessoramento pedagógico a
alfabetizadores de jovens e adultos, juntamente com as observações que fizemos acerca do
contexto educacional, particularmente no Projeto Redução do Analfabetismo, constatamos
que, no cotidiano dos alunos, afloram desafios, medos, alegrias, etc. Tudo isso provoca o
alfabetizador e exige dele uma tomada de decisão, tendo o espaço escolar como o lugar de
troca de saberes sistematizados que considera os saberes trazidos pelos educandos, obtidos
por meio de suas vivências. Por outro lado, percebemos que alguns deles são tomados por um
sentimento de paralisia que os impede de reagir; em muitos casos, fruto de uma experiência
escolar frustrada.
Quanto aos alfabetizadores, também encontramos neles essas mesmas reações, pois,
enquanto uns buscavam caminhos para facilitar a aprendizagem de seus alunos, outros
21
permaneciam inertes, acomodados, apenas adaptados, negando a sua própria contribuição à
sistematização conceitual necessária à formação do alunado.
Capaz de instigar o espírito crítico humano a buscar novos horizontes, nossa
reflexão, agora em nível de mestrado, continua incentivando a curiosidade necessária à busca
da qualidade do ensino, geradora da plena cidadania. Nesse sentido, traçamos em nosso
trabalho os seguintes objetivos:
DOBJETIVO GERAL
D Compreender como o princípio da livre expressão foi concretizado pelas
alfabetizadoras nas duas salas investigadas do Projeto Redução do Analfabetismo.
DOBJETIVOS ESPECÍFICOS
Para auxiliar a investigação de como a livre expressão se concretiza na sala de
alfabetização de jovens e adultos, traçamos os seguintes objetivos específicos:
DIdentificar como as alfabetizadoras concretizaram, na sala de aula, o princípio da
livre expressão; e
DDiscutir as implicações das técnicas freinetianas da livre expressão na
alfabetização de jovens e adultos.
22
DQUESTÕES NORTEADORAS
Com base nas dificuldades das alfabetizadoras, surgiram questões que orientaram
este trabalho:
D
Como a livre expressão foi apropriada pelas alfabetizadoras?
D
Como a livre expressão se concretizou na sala de jovens e adultos do Projeto
Redução do Analfabetismo?
1.2 Conhecendo o Projeto Redução do Analfabetismo
Em sintonia com pressupostos teórico-metodológicos difundidos no limiar do século
XXI, a Prefeitura Municipal de Natal, através da Secretaria Municipal de Educação, lançou,
na capital do Rio Grande do Norte, o Projeto Redução do Analfabetismo, visando diminuir o
analfabetismo. Essa preocupação teve como referência os dados da própria Secretaria
Municipal de Educação, que apontavam, em 2001, que 13% da população natalense com
idade igual ou superior a quinze anos, era analfabeta. Diante desse quadro, fazia-se
necessário um projeto educacional que atendesse a esse contingente populacional, surgindo,
assim, o Projeto Redução do Analfabetismo. O projeto-piloto objetivava atender a cinqüenta
turmas, 1.250 alunos, no segundo semestre letivo de 2001, mais precisamente a partir de
agosto desse ano.
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A Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – foi convidada pela
Secretaria Municipal de Educação para uma parceria nesse projeto, no sentido de apoiá-lo
pedagogicamente, ficando responsável pela seleção dos alfabetizadores, sua capacitação
(inicial e continuada), seguidas do acompanhamento pedagógico das atividades.
Nessa perspectiva, o Projeto Redução do Analfabetismo tornou-se um projeto
vinculado à Pró-Reitoria de Extensão – PROEx. Apesar de estarmos atuando num projeto de
extensão universitária, articulamos as atividades de ensino, pesquisa e extensão, de modo que
muitos coordenadores setoriais e alfabetizadores têm registrado e divulgado suas experiências
em eventos, congressos e publicações.
A coordenação geral do projeto é composta pelas seguintes professoras do
Departamento de Educação: a Prof.ª Ms. Sandra Maria Borba Pereira e a Prof.ª Ms. Rosa
Aparecida Pinheiro, e é assessorada pedagogicamente pelo Prof. Dr. Francisco de Assis
Pereira.
A experiência do projeto-piloto foi sendo desenvolvida por alunos dos cursos de
Pedagogia e Licenciaturas da UFRN, com o objetivo de estabelecer trocas de experiências
visando à melhoria do aspecto pedagógico nas salas de alfabetização de jovens e adultos.
Assim, esses alunos tinham a oportunidade de estabelecer e vivenciar a relação teoria-prática
através do uso pedagógico dos conteúdos específicos das diferentes áreas do conhecimento
contempladas nas diversas licenciaturas (Letras – Língua Portuguesa, Matemática, Biologia,
Geografia, História, Ciências Sociais, entre outras). O projeto-piloto contava com quatro
coordenadoras pedagógicas setoriais. Os dados e resultados obtidos na experiência de 2001
foram relevantes para ampliá-lo em 2002.
24
A dinâmica da sala de aula era construída de acordo com os objetivos dos projetos
pedagógicos, considerando-se as particularidades, na tentativa de atender os interesses de cada
grupo. Além desses aspectos, essas práticas iam oportunizando aos grupos vivenciarem
metodologias dinâmicas e atraentes capazes de envolver os educandos por meio de processos
interativos, favorecendo a expressão de cada um dos membros, oportunizando principalmente
a aprendizagem conjunta.
Além disso, o projeto visava também à formação continuada dos alfabetizadores,
além do trabalho na perspectiva do professor pesquisador, reflexivo, comprometido
politicamente com a transformação da sociedade. Aqui destacamos a parceria com os líderes
comunitários e religiosos, que contribuíram significativamente, para implementar o projeto,
desde a abertura do espaço para a formação e o funcionamento das turmas ao longo do
processo.
De acordo com o texto do Projeto Redução do Analfabetismo, seu objetivo consiste
em identificar, na população a partir dos quinze anos de idade, os bolsões de analfabetos
residentes na zona urbana de Natal, além de desenvolver uma ação alfabetizadora em parceria
com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para minimizar essa situação.
Através do projeto-piloto, constatamos uma maior concentração de pessoas com
pouco ou quase nenhum domínio da leitura e escrita nas zonas Norte e Oeste de Natal. A
idade dos alunos se concentrava na fase adulta acima dos 40 anos, sendo eles na sua maioria
oriundos de municípios do interior do Estado do Rio Grande do Norte. Nas salas de aula
predominava o sexo feminino (80% em 2001 e 72% em 2002).
Com a intenção de contribuir para a alfabetização dessa parcela da população, o
projeto busca atender os alunos que nunca passaram pela escola, ou que, apesar de terem uma
25
escolaridade mínima, ainda têm dificuldade de realizar socialmente o uso da escrita. Segundo
a UNESCO, para um indivíduo ser considerado alfabetizado não basta saber decodificar; é
necessário fazer uso social do código.
Orientamos as alfabetizadoras do Projeto Redução do Analfabetismo permutando
experiências, na tentativa de enriquecer os procedimentos pedagógicos sob o enfoque teórico
da pedagogia Freinet, a partir da concepção humanista, num clima de empenho e
colaboração. Tal prática alfabetizadora possibilita a construção da cidadania, através de um
maior envolvimento e participação, colaborando para a construção coletiva de resultados.
Ao adotarmos o posicionamento de uma prática extensionista, capaz de extrapolar os
muros da universidade, interagindo com a sociedade, socializamos o conhecimento,
possibilitando aos alfabetizadores do projeto a verticalização dos estudos a partir das
experiências em sala de aula. Foram também realizadas experiências a partir de reflexões
acerca da aquisição da escrita pelo adulto; da constituição da identidade individual, cultural e
social, da utilização da tipologia textual mediando situações de aprendizagem; assim como da
dinamização da sala de aula através da pedagogia Freinet. Essas foram algumas das temáticas
estudadas no grupo, sendo os alfabetizadores sempre estimulados a refletir e socializar os
resultados em eventos locais, nacionais e internacionais.
26
1.3 Contextualizando o campo da pesquisa, as alfabetizadoras, os alunos e a
pesquisadora
Com o desenvolvimento desse estudo, pretendemos colaborar cos os estudos da
pedagogia freinetiana na educação de jovens e adultos, partindo do princípio que Freinet ao
fundar as bases da sua pedagogia não determinou faixa etária, nem tão pouco, etapas
educacionais que possibilitasem a sua vivência. Quanto a esse aspecto Freinet (1995, p. 17)
afirma:
Não estimamos em absoluto que a escola deva parar sua ação na puberdade,
que é, por assim dizer, o limiar da vida. Mas como fizemos questão de falar
apenas dos temas que conhecemos particularmente, limitamos à puberdade
nosso projeto educacional, deixando aos educadores do segundo e terceiros
graus o cuidado de fornecerem um estudo similar relativo às idades que lhes
concernem, para as quais os princípios gerais que enunciamos permanecem
essencialmente válidos.
Diante desse contexto, a pesquisa realizada por nós foi desenvolvida em duas turmas
(A e B) do Projeto Redução do Analfabetismo em Felipe Camarão, Zona Oeste da cidade de
Natal – RN, durante o segundo semestre de 2002.
A turma A
Essa turma funcionava no Pólo da FUNDAC (Fundação Estadual da Criança e do
Adolescente), situada na entrada do bairro Felipe Camarão, vizinho a uma estação ferroviária.
A Fundação Estadual da Criança e do Adolescente atua, principalmente, junto a adolescentes
27
em conflito com a lei; aos quais foram aplicadas medidas sócio-educativas e a crianças e
adolescentes em situação de risco social e pessoal, de abandono e orfandade. A filosofia da
FUNDAC é a educação para o convívio social através da promoção e defesa dos direitos,
fortalecimento de vínculos familiares, educação formal e profissional e resgate do exercício
da cidadania.
Também funcionava no prédio da FUNDAC um Grupo de Idosos coordenado pela
ATIVA, o qual trazia para o local cursos de trabalho manual, orientação médica (sobre
hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas que acometem as pessoas na terceira idade),
coordenado pelo médico do Programa Saúde da Família. As atividades do grupo aconteciam
semanalmente, com o objetivo de proporcionar entretenimento a pessoas idosas.
Na turma A, após discussões sobre Ética e Cidadania em sala de aula, certa vez, um
grupo de alunas requisitou ao comandante da Polícia um espaço para funcionamento de um
posto da Polícia Comunitária, melhorando a segurança daquela região. O grupo argumentou
com o comandante da polícia e encaminhou-lhe um abaixo-assinado, de modo seu objetivo foi
alcançado: uma base da Polícia Comunitária foi montada numa das salas do prédio onde
aconteciam as aulas.
A turma A era constituída por 35 alunas, com idade entre 19 e 68 anos, todas donas
de casa. Dentre elas, algumas desenvolviam trabalho voluntário nas suas igrejas, enquanto
outras eram agentes multiplicadoras do Programa Saúde da Família, ministrando palestras
sobre hipertensão, osteoporose, boas maneiras, esclarecendo sobre alimentação e sobre
prevenção de doenças que acometem a terceira idade.
Pode parecer estranho que pessoas analfabetas pudessem ministrar palestras sobre os
assuntos já citados, se elas não dispunham da ferramenta básica, que é a leitura e a escrita.
Mas isso se tornava fácil, pois era feito por meio da expressão oral, utilizando-se um
28
vocabulário próximo da comunidade, o que facilitava a compreensão das informações
repassadas aos moradores daquela região.
A turma A apresentava heterogeneidade cultural (as alunas provinham de vários
municípios do Rio Grande do Norte) e religiosa (havia católicas, evangélicas, testemunhas de
Jeová, umbandista e de outras religiões).
A alfabetizadora da turma A, SSA (28 anos), procurou diagnosticar as
necessidades e sonhos do grupo, o que havia motivado aquelas pessoas a retornar à escola.
Algumas informaram que desejavam aprender a assinar o nome, outras que desejavam
arranjar um emprego ou ter mais autonomia e resolver as coisas sozinhas, sem precisar ocupar
filho, marido ou um conhecido. Além disso, disseram que gostariam muito de retornar à
escola e concluir o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e, quem sabe, entrar na faculdade.
Vejamos alguns de seus depoimentos:
- Gostaria muito de aprender a ler a Bíblia sozinha [...]
- Meu sonho é[...] me sentir realizada, conseguir concluir os estudos [...] quem sabe ainda
faculdade, né? Sonhar alto não faz mal não (risos).
- Eu sempre tive o desejo de voltar a estudar, de continuar os estudos.
- Estou estudando porque eu quero saber mais, pegar um ônibus sozinha [...] Por que tem muita
gente que dá informação errada [...]
- Estou aqui porque lá em casa tem dois cegos, por isso quero aprender a ler.
- Enquanto caminhava na rua vi as letras que a professora me ensinou.
Além dos desejos de melhorar as condições de interagir com o mundo, alguns
também revelaram que sentiam saudades da aula durante o final de semana, enquanto outros
se sentem estimulados a participar das atividades em sala de aula, mesmo estando cansados
após uma longa jornada de trabalho, como podemos verificar na fala desses alunos:
29
- [...] Quando chega o fim de semana sinto saudadades da aula e não vejo a hora que comece
logo a semana, para eu voltar a estudar e encontrar meus amigos [...]
- Estou gostando muito das aulas, por isso, mesmo quando estou cansada do trabalho, venho
estudar [...]
Após as alunas expressarem seus desejos, foram traçadas estratégias para se iniciar o
processo de alfabetização. A alfabetizadora SSA procurou desenvolver o trabalho a partir dos
assuntos que o grupo elegeu como sendo relevantes. Ela define esse momento da seguinte
maneira:
- Diante desses depoimentos foram sendo plantadas as sementinhas
contendo os sonhos das alunas que ao longo do processo educativo foi sendo
cultivado, crescendo cheio de cuidados especiais. Especialmente, com
relação a ervas daninhas que eventualmente surgiam. Como por exemplo,
alguns questionamentos que surgiam por parte da direção do Pólo da
FUNDAC, onde a professora foi questionada várias vezes porque ela
enquanto professora não se restringia apenas a dar aula as alunas? Por que
ela fica procurando coisas [...] diferentes? Esses questionamentos surgiram
em decorrência da participação efetiva das alunas em assuntos da
comunidade que, ao se reunirem, elegia uma comissão para participar da
reunião, colocando seus pontos de vista, enfim, argumentavam e em alguns
momentos tiveram suas reinvidicações atendidas. Citemos como exemplo a
base da polícia comunitária. Uma das alunas soube que o comandante da
polícia ia estar presente no bairro de Felipe Camarão para uma reunião.
Os dados que apresentaremos abaixo, foram obtidos a partir da análise dos cadastros
dos alunos, matriculados no Projeto Redução do Analfabetismo, durante o segundo semestre
de 2002. O gráfico, a seguir, apresenta a distribuição dos alunos quanto ao sexo.
30
Turma A – Pólo da FUNDAC
Distribuição dos alunos quanto ao sexo
Feminino
100%
masculino
0%
Fonte: Perfil social dos alunos do Projeto Redução do Analfabetismo
Como se pode verificar no gráfico, na turma A havia o domínio absuluto da
presença feminina. Esse fato decorria dos seguintes fatores:
o fato de a turma funcionar no turno vespertino;
a conveniência do horário, que fazia com que os maridos não impedissem que suas
esposas estudassem;
algumas alunas aproveitavam o tempo em que os filhos ou netos iam para a escola
para fazerem o mesmo.
A estrutura física do prédio onde eram realizadas as aulas era composta por quatro
salas, sendo uma ocupada pela direção da FUNDAC, outra, pela base da Polícia Comunitária,
outra era destinada à alfabetização de jovens e adultos, e a quarta era destinada às reuniões da
ATIVA a que nos referimos anteriormente. Havia ainda uma cozinha e dois banheiros (um
masculino e um feminino).
A turma de alfabetização de jovens e adultos funcionava no turno vespertino, numa
sala pequena, pouco iluminada e muito barulhenta, por localizar-se ao lado da estação
31
ferroviária, o que exigia um esforço sobre-humano por parte da alfabetizadora, que conseguia
manter uma freqüência média diária de 22 a 25 alunos.
A alfabetizadora dessa turma SSA era aluna do curso de Letras – Licenciatura plena
– 8º período, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A alfabetizadora participava
do Projeto Redução do Analfabetismo desde o 2º semestre letivo de 2001(projeto-piloto).
Com experiência no Ensino Fundamental e na modalidade de educação de jovens e adultos,
ela assumiu depois a coordenação pedagógica de um cursinho pré-vestibular voltado para a
população carente. Seu primeiro contato com a pedagogia Freinet foi com a Professora
Cláudia Sueli Santa Rosa, em curso de capacitação promovido pela Secretaria Municipal de
Educação de Natal.
Para a alfabetizadora SSA, a alfabetização é um processo que ocorre durante toda a
vida do indivíduo e, dentre outras aprendizagens, ela destacou a decodificação da palavra e o
uso social da leitura e da escrita.
Na perspectiva do letramento, alfabetizar
[...] é um processo que se reflete na vida das alunas, especialmente, no que
se refere ao planejamento de suas atividades no dia-a-dia, previsão de gastos
domésticos através do orçamento familiar, como economizar através da
organização de listas e levantamento de preços, negociar na hora de comprar
uma quantidade maior de produtos.
Quando perguntamos à alfabetizadora sobre a sua compreensão de alfabetização na
pedagogia Freinet, ela afirmou que alfabetizar é:
32
[...] trabalhar a criatividade do aluno e onde se instiga o educador a
pesquisar, a estudar. A proposta freinetiana nos dá a dimensão de
diagnóstico, que permite primeiro você conhecer os relatos de vida [...] e aí
traçamos as metas [...]
A alfabetizadora ainda falou espontaneamente que muitas pessoas, inclusive
professores, têm a idéia de que a escola é para ensinar a fazer contas (as quatro operações), e
que, quando se faz um trabalho que traz a matemática para a vida prática, ficam achando um
pouco estranho. Mas, ao se trabalhar com os alunos o planejamento dos gastos familiares, por
exemplo, percebe-se uma mudança significativa na vida dessas pessoas e na de seus
familiares, pois elas passam a reorganizar a sua vida, seus gastos, suas necessidades, tomando
como referência um planejamento prévio.
A turma B
A turma B funcionou numa escola da Rede Municipal de Ensino, que durante o dia
oferecia o Ensino Fundamental. Além da turma B, funcionava nessa escola outra turma do
Projeto Redução do Analfabetismo que não foi objeto de nosso estudo. A escola dispunha de
uma estrutura física adequada: salas amplas, com carteiras, quadro verde, bem iluminada,
arejada, banheiros (masculino e feminino), uma biblioteca, uma sala de professores e a sala da
direção.
Esse espaço proporcionou um bom desenvolvimento das atividades com os alunos,
cuja idade variava entre 20 e 74 anos. Nessa turma, a freqüência média diária era de 27 a 29
alunos. Como se pode observar, no gráfico a seguir, na turma B notava-se a presença
predominante de mulheres, representando 65% dos alunos.
33
Turma B – Escola Municipal Maria Cristina Ozório Tavares
Distribuição dos alunos quanto ao sexo
Feminino
65%
Masculino
35%
Fonte: Perfil social dos alunos do Projeto Redução do Analfabetismo
Reunindo-se as duas turmas do Projeto Redução do Analfabetismo, verifica-se a
presença maciça de mulheres, o que se deve, em parte, ao fato de, historicamente, a mulher ter
sofrido discriminações, inclusive não podendo trabalhar nem estudar.
As atividades econômicas desenvolvidas pelos alunos dessa turma eram as mais
diversificadas: açougueiro, camelô, pedreiro, quituteira, empregada doméstica, entre outras.
No que se refere às alfabetizadoras pesquisadas, evidenciaremos alguns elementos
que consideramos relevantes para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, destacando
o interesse em participar de discussões e reflexões teóricas e em sistematizar essas
informações, o que é importante na medida em que possibilita recuperar dados significativos
sobre elas mesmas e suas respectivas salas de aula.
A alfabetizadora da turma B, ECBS tinha 28 anos de idade, cursava o 4º período do
curso de Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalhava no Projeto
Redução do Analfabetismo desde o projeto-piloto (2º semestre letivo de 2001). Tinha
experiência no trabalho com o Ensino Fundamental, além de ser evangelizadora na
comunidade. Os primeiros contatos sistematizados de ECBS com a pedagogia Freinet
ocorreram nas aulas do curso de graduação.
Para ECBS, alfabetizar era “sistematizar conhecimentos já adquiridos, pois ‘a leitura
do mundo precede a leitura das palavras’, proporcionando aos indivíduos a ampliação das
34
suas relações sociais e o aumento da sua ‘auto-estima’”. Essa alfabetizadora compreendia que,
na perspectiva do letramento, “alfabetizar é possibilitar ao aluno a oportunidade de fazer o uso
social da leitura e da escrita”.
Quanto à nossa percepção de alfabetização, inicialmente compreendíamos que
alfabetizar era ensinar a ler, escrever e compreender o mundo, de modo que esse
conhecimento fosse aplicado nas diversas situações do cotidiano. Ao longo dos estudos nesta
pesquisa, nossa compreensão foi sendo ampliada, e hoje, entendemos a alfabetização como
uma prática social capaz de possibilitar meios de compreensão de nós mesmos, dos grupos
com os quais interagimos e do mundo. Nessa abordagem, a alfabetização propicia condições
histórico-sociais concretas, na luta pela construção da cidadania, constituindo-se, por parte
dos educandos, na descoberta e no exercício dos direitos que têm como cidadãos que vivem
numa sociedade letrada, ampliando o alcance dos seus atos de interlocução e comunicação.
Na perspectiva do letramento, alfabetizar jovens e adultos significa conduzir o
aluno para além da simples decodificação do código escrito, de modo que ele possa se
apropriar criticamente do conteúdo do texto problematizando-o, fazendo uso dele no seu dia-
a-dia.
Nesse sentido, compreendemos, enfim, que alfabetizar, na pedagogia Freinet, é
poder dar voz ao aluno, dar-lhe a oportunidade de desenvolver-se em vários campos do
conhecimento. Não basta ensinar a ler e escrever; é necessário também possibilitar uma
compreensão dos fatos sociais, contribuir para desenvolver o espírito cooperativo e a
liberdade de expressão dos educandos jovens e adultos, permitir sua participação em
constante experiência tateada, relacionada o máximo possível à vida.
Ressaltamos que essas reflexões sobre alfabetização, na perspectiva do letramento e
da pedagogia Freinet, fazem parte do nosso processo de tateamento experimental, de
crescimento individual, construídos ao longo de estudos teóricos, reflexões, observações,
35
trocas de experiências com alfabetizadores nos encontros formativos e na convivência na sala
de aula. Sobre esse ponto Elias (1997, p. 48) destaca:
Todos somos pesquisadores; pesquisar é um processo institivo através do
qual o homem busca o próprio crescimento: tateia porque quer caminhar em
direção a um objetivo que serve à vida.
Compartilhamos com Soares (1989) a idéia de que os usos e significados sociais da
língua são tarefas não só técnicas, mas também políticas, sociais e educacionais. Além de
desenvolver habilidades de codificação e decodificação do sistema de escrita, de compreensão
do uso da escrita, o alfabetizador deve promover o uso adequado às funções que ela tem na
sociedade como instrumento indispensável na conquista da cidadania plena.
Nesse sentido político e social mais abrangente, a pedagogia Freinet propõe uma
alfabetização que atenda às múltiplas dimensões do processo a partir de uma visão mais
abrangente, de desenvolvimento da linguagem de forma contextualizada social e
culturalmente, num projeto político de transformação social capaz de considerar relevante a
dimensão específica de aquisição do código lingüístico.
Dessa maneira, os educandos resolvem os problemas do cotidiano integrados no
processo de vida, pelos seus próprios recursos ou com a ajuda de companheiros que
contribuam para uma visão mais ampliada das realidades sociais.
Aproximando-se do pensamento de Freinet, quanto à dimensão política e
emancipatória da alfabetização, FREIRE (1992) explicita:
O conceito de alfabetização deve ser tomado como transcendendo seu
conteúdo etimológico. A alfabetização não deve ser reduzida a experiências
apenas um pouco criativas, que tratam dos fundamentos das letras e das
36
palavras como uma esfera puramente mecânica. A alfabetização deve ser
entendida como a relação entre os educandos e o mundo, que ocorre
exatamente no meio social mais geral em que os educandos transitam, e
mediada, também, pelo discurso oral que diz respeito a essa prática
transformadora. Esse modo de compreender a alfabetização leva à idéia de
uma alfabetização abrangente, que é necessariamente política.
Na compreensão freireana, a leitura da palavra é precedida de releitura e reescrita da
sociedade: o educando estabelece relações com o mundo no contexto social em que está
inserido. Na pedagogia Freinet, a relação educando e meio social é igualmente afirmada,
embora não se negue a especificidade do processo de alfabetização, o ensinar o código da
língua escrita. Igualmente consideramos, com a pedagogia Freinet, que a alfabetização é um
processo de tateamento experimental e mediado, no qual o educando utiliza toda a sua
competência discursiva. Com essa compreensão, a alfabetização contempla fatores diversos:
afetivos, lingüísticos, psíquicos, pedagógicos, sociais, políticos e atitudinais.
Compreendemos o processo de alfabetização na pedagogia Freinet como parte dos
mecanismos de transformações sociais associados aos contextos cultural e social do
educando, partindo da sua própria compreensão de mundo.
Nessa prática cooperativa, democrática, a educação de jovens e adultos adquire um
sentido humano, político, social e atitudinal para a vida dos educandos, numa participação
ativa e dinâmica, concorrendo para uma aprendizagem significativa, relacionada à afetividade
e à vivência do aluno.
37
1.4 - Aspectos metodológicos
Passamos agora a descrever a metodologia utilizada para a construção da nossa
pesquisa, cuja fase inicial constou do diagnóstico, no qual identificamos a utilização, por
algumas alfabetizadoras, de técnicas freinetianas em sala de aula. No primeiro encontro foi
explorada a realidade das alfabetizadoras e aplicado um questionário acerca de seus conceitos
sobre educação, sobre a alfabetização, jovens e adultos, sobre o que conheciam da pedagogia
Freinet e sobre as técnicas utilizadas na sala de aula de alfabetização de jovens e adultos.
A partir dessas constatações, percebemos a necessidade de aprofundamento
teórico em torno da educação de jovens e adultos, como caminho à elucidação de questões
sobretudo referentes aos aspectos motivacionais, metodológicos e de aprendizagem.
Preocupada em colaborar nesse campo de estudo, a coordenação geral do Projeto
Redução do Analfabetismo propôs um tríplice referencial teórico-prático a ser levado a efeito
na dinâmica das salas de aula, a saber:
uma visão da alfabetização voltada para os usos sociais da leitura e da escrita;
a concepção dialógica de Paulo Freire, baseada na própria cultura do aluno e na
valorização deste como sujeito ativo do processo de aprendizagem ;
a proposta pedagógica de Célestin Freinet no aspectos filosófico e de dinamização
da sala de aula, enfatizando os princípios da livre expressão da alfabetizadora, e do
aluno, da colaboração, da atividade e do respeito ao ritmo de cada um, voltada para
o sucesso escolar.
38
Algumas experiências com a Pedagogia Freinet já haviam sido levadas a
efeito pela supracitada coordenação no Programa Alfabetização Solidária,
em especial na aplicação de algumas técnicas freinetianas (correspondência
interescolar, texto coletivo, aula-passeio) que revelaram uma aceitação
muito positiva por parte de alunos e professoras (Relatório 2001.2).
Em seu funcionamento, no segundo semestre de 2001 (projeto-piloto), com
cinqüenta turmas, o Projeto Redução do Analfabetismo registrou, em pelo menos dez turmas,
a aplicação de princípios e práticas freinetianas, feita livremente pelas alfabetizadoras,
estimuladas por um curso de capacitação realizada em julho de 2001.
Ao refletirmos sobre o processo metodológico a ser desenvolvido nesta dissertação,
destacou-se a importância da concepção de pesquisa. Concebemos a pesquisa como sendo
uma ação dinâmica e construída por uma relação dialética estabelecida através da objetividade
e da subjetividade. Nesse sentido, caracterizamos nosso estudo como sendo, sob o aspecto
teórico-metodológico, filiado aos princípios da investigação qualitativa nas Ciências Humanas
e Sociais, especialmente os estudos de André (1995, 1996), Bogdan e Biklen (1994), Coulon
(1995), pois procuramos compreender o objeto de estudo a partir dos dados construídos.
A razão de optarmos pela abordagem qualitativa de pesquisa foi a necessidade de
observarmos o ambiente natural onde a prática de alfabetização se processa, tendo como
referência a sala de aula e sua dinâmica, descrevendo as situações do cotidiano e as
estratégias utilizadas pelas alfabetizadoras e pelos alunos, a fim de discutir dificuldades,
buscando soluções eficientes para a alfabetização de jovens e adultos. Consideramos que a
pesquisa deve se constituir sob o enfoque de uma construção social, no qual os atores
sociais são sujeitos ativos do processo histórico, político e cultural.
A pesquisa qualitativa se baseia no relato de um fato de modo que a linguagem
desempenha papel fundamental, remetendo-nos ao campo das práticas cotidianas, no qual se
39
desenvolvem a interação e o diálogo com o campo epistêmico, para compreendermos melhor
como se dá a sistematização, para o desenvolvimento da mente humana.
O enfoque qualitativo possibilita que o investigador freqüente os locais de estudo,
tendo como principal objetivo entender o contexto. Bogdan (1994) compreende como
contexto observado, a própria sala de aula, privilegiando a compreensão do outro, das
experiências concretas, associada à organização e tratamento dos dados. Ao se referirem ao
objetivo das investigações qualitativas, Bogdan e Biklen (1994, p. 70) tecem o seguinte
comentário: “o objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o
comportamento e as experiências humanas. Tentam compreender o processo mediante o qual
as pessoas constróem significados [...]”.
Sendo assim, pudemos acompanhar a participação e o desempenho das
alfabetizadoras e dos alunos nas diversas situações didáticas propostas na escola, levando-as
ao grupo, na tentativa de compreender o fenômeno, ressignificando a sua compreensão. Além
desses aspectos, o pesquisador, ao atuar no campo empírico, faz a descrição dos fenômenos
observados e tece os encaminhamentos indutivos e intepretativos nas análises dos dados.
Nesse caso, os sujeitos da pesquisa assumem mais que o papel de objetos, intervindo, muitas
vezes, nos planos e interpretações dos silêncios, visitando a teoria, modificando sua prática. O
principal objetivo é construir um quadro teórico-metodológico que vá se constituindo a partir
da coleta e da análise dos dados. Para Bogdan e Biklen (1994, p.62) “o objetivo dos
investigadores qualitativos é de expandir, e não de limitar a compreensão”.
Articulando os dados obtidos nas observações das atividades em sala de aula,
realizamos entrevistas, que foram fundamentais na construção deste trabalho acadêmico. Os
assuntos abordados nas entrevistas foram definidos com base nas observações feitas em sala
de aula e nas reuniões de estudos. Ao realizar as entrevistas deixávamos as entrevistadas bem
40
à vontade: lançávamos a pergunta e, à medida que as respostas surgiam, outras indagações
iam sendo feitas.
As respostas das alfabetizadoras aos questionamentos de nossa investigação
pressupõem a necessidade de uma ação dinâmica, na busca de compreendermos como o
princípio da livre expressão, da pedagogia Freinet, contribui para a alfabetização de jovens e
adultos, estabelecendo nessa análise, as conexões necessárias à construção do conhecimento,
especialmente, no que se refere à aquisição da leitura e da escrita por esses alunos.
Os aspectos teórico-metodológicos utilizados neste trabalho de pesquisa nos remetem
à análise do fenômeno educativo nas salas de alfabetização, considerando os aspectos
histórico, cultural, social e econômico da ação alfabetizadora da pedagogia Freinet.
Metodologicamente, para este trabalho, utilizamos a livre expressão, a práxis da
alfabetização de jovens e adultos. Percebemos graus de aproximação entre os princípios da
pedagogia Freinet e a pesquisa qualitativa, uma vez que ambas valorizam as formas
comunicativas que acontecem espontaneamente no dia-a-dia, o cotidiano escolar e a
contextualização. A partir dos dados coletados e à luz da pesquisa qualitativa, buscamos
compreender como as alfabetizadoras percebiam a experiência com a livre expressão.
A experiência realizada nas salas de alfabetização de jovens e adultos nos permite
afirmar que o processo de alfabetização de jovens e adultos necessita de mudanças,
especialmente no espaço reservado à ação efetiva do docente dentro da sala de aula, visto ser
esse um espaço privilegiado, onde são desenvolvidas ações diretas que proporcionam a
construção do saber. As alfabetizadoras empregam dinâmicas de trabalho que envolvem o
aluno, tornando-o ser participante do processo de ensino-aprendizagem. Optamos pelo
desenvolvimento de um trabalho ligado à ação das alfabetizadoras em sala de aula e às
situações de interação aluno-aluno, alfabetizadora-aluno e destes entre si.
41
Partindo desse pressuposto, buscamos uma interação maior com as duas
alfabetizadoras da alfabetização de jovens e adultos participantes dessa experiência a partir de
princípios e práticas freinetianas, em especial a livre expressão aplicada no processo de
alfabetização de jovens e adultos.
Com a participação dessas alfabetizadoras, montamos um programa de
atividades que incluía:
a) capacitação continuada, debates, aprofundamento na pedagogia
freinetiana;
b) discussões em torno de observações, a partir das visitas às salas de aula
das alfabetizadoras, num espírito de cooperação.
Esse programa serviu de ponto de partida para a nossa investigação no campo de
pesquisa. As alfabetizadoras selecionadas para auxiliar na construção dos dados da pesquisa
atendiam aos seguintes critérios:
Ĝatuar desde o projeto-piloto (2º semestre de 2001);
¥ participar dos encontros quinzenais;
Ĝdesenvolver práticas freinetianas em suas salas de aula;
¥ demonstrar interesse em participar da pesquisa na condição de sujeito
investigado.
Inicialmente, analisamos os relatos das alfabetizadoras nas reuniões quinzenais, as
entrevistas realizadas com elas, gravadas em fitas cassete e devidamente transcritas, junto a
produções textuais dos alunos. Os dados obtidos através de um questionário para a
42
caracterização da turma, relatos orais (das alfabetizadoras e dos alunos) foram gravados em
fita cassete, registrando-se a produção dos alunos através de textos e fotografias.
Optamos pela entrevista semi-estruturada porque ela possibilita uma maior liberdade
de expressão, ou seja, deixa o sujeito mais à vontade para expressar seu ponto de vista – no
caso das alfabetizadoras, permitindo uma melhor compreensão de como elas percebiam sua
prática.
A entrevista com as alfabetizadoras constou de um roteiro com questões abertas,
tendo como referência o elemento central de nossa pesquisa. Foi realizada em duas sessões
individuais, com duração média de vinte minutos cada uma delas. Esse procedimento
metodológico da entrevista semi-diretiva implica saber ouvir e compreender o outro, e a
linguagem desempenha papel fundamental para a interpretação do objeto de estudo, uma vez
que ele redimensiona o modo de organização do pensamento acerca daquele conhecimento.
Com os alunos foram colhidas algumas falas a partir das vivências, a fim de
compreendermos como eles percebiam o trabalho que estava sendo desenvolvido na sala de
aula. Foram gravados (com a permissão deles) em fita cassete depoimentos de vinte alunos,
sendo dez de cada turma investigada. No início, os sensibilizamos a respeito de nossa
pesquisa, conseguindo motivá-los, o que possibilitou que eles colaborassem com suas
opiniões.
Quanto aos instrumentos de análise, estes se constituíram a partir dos dados obtidos
nas duas turmas, nosso campo empírico, através de observações sistematizadas no nosso
diário de campo, nas reuniões de formação continuada e nas entrevistas com as
alfabetizadoras dessas turmas.
Coulon (1995), juntamente com os estudos de Bogdan e Biklen (1994), nos
serviu de referencial para a sistematização, a organização dos dados coletados nas entrevistas
com as alfabetizadoras, incluindo os depoimentos dos alunos envolvidos em nossa pesquisa.
43
Também foram registrados em fitas cassete e em vídeo alguns dos encontros com as
alfabetizadoras no grupo de estudos da pedagogia Freinet, cujos fundamentos, em especial, a
livre expressão, nos permitiram narrar e interpretar as situações propostas em sala de aula
bem como as reações dos alunos.
O trabalho que realizamos exigiu intensa interação entre pesquisadores e
pesquisados. Sobre isso, afirma André (1995, p. 27): “pesquisador e objeto pesquisado estão
em constante interação chegando, às vezes, a ser considerado um membro do grupo”, o que
possibilita o acompanhamento sistemático do grupo, assim como de pesquisadores.
Para a realização da coleta de dados, fizemos “uso das técnicas que tradicionalmente
são associadas à etnografia, ou seja, pesquisa participante, a entrevista semi-estruturada e a
análise dos documentos” (ANDRÉ, 1995, p. 28). Optamos por fazer um recorte convergindo
para a percepção do modo como as alfabetizadoras desenvolviam seus trabalhos baseadas no
princípio da livre expressão. Esse princípio atendeu ao caso específico dos nossos estudos,
uma vez que nos preocupamos com o processo educativo, acompanhando regularmente duas
turmas de alfabetização de jovens e adultos.
44
CAPÍTULO 2
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
2.1 Alguns aspectos históricos
É essencial que os enfoques da educação de adultos estejam baseados no
patrimônio, na cultura, nos valores e nas experiências anteriores das
pessoas, e que as distintas maneiras de por em prática estes enfoques
facilitem e estimulem a ativa participação e expressão do educando.
(Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos. Item 5, 1997)
Neste capítulo, apresentaremos um breve histórico do processo de alfabetização de
jovens e adultos no Brasil, destacando a importância, no cenário nacional, de Natal, onde o
analfabetismo está associado às classes populares das periferias dos grandes centros urbanos.
Inicialmente, devemos relembrar alguns dados importantes, como, por exemplo, que,
no Período Colonial, havia no Brasil, um grande contingente de negociantes ricos que não
liam nem escreviam. O esforço dos educadores (padres jesuítas) era voltado para catequizar
os indígenas. No Império admitia-se o voto do analfabeto, desde que ele possuísse bens e
títulos.
Outros fatos nos ajudam a compor esse quadro, que ainda está presente em pleno
século XXI – a baixa remuneração dos professores, falta de pessoal qualificado para atuar na
educação de jovens eadultos – o que contribui para o afastamento “natural” dos alunos. Faz-
se, então, necessária uma atenção maior para a possibilidade de continuidade dos estudos dos
45
alunos egressos dos projetos de alfabetização, para que se reduzam os números de analfabetos
funcionais.
Como se pode observar, esses fatores ainda persistem e contribuem para que uma
parcela considerável da população brasileira venha sendo excluída do direito de exercer sua
cidadania plena, em virtude de não ter acesso ao Ensino Fundamental, bem como à
possibilidade de permanecer na escola com sucesso. Essas pessoas vivenciaram experiências
frustrantes as quais concorrem para o abandono dos bancos escolares, resultando em
renegarem o direito à aquisição e domínio do sistema de escrita e das práticas sociais que
envolvem o ato de ler e escrever.
Segundo Ana Maria Freire (1989), o analfabetismo no Brasil é seletivo e foi iniciado
desde o Período Colonial, excluindo da escola o negro, o índio, o pobre e a quase totalidade
das mulheres, gerando um enorme contingente de analfabetos.
A tabela 1 nos apresenta, suscintamente, no período de 1920 a 2000, a diminuição do
índice de pessoas com quinze anos ou mais que são analfabetas, em nosso país:
Tabela 1
Analfabetismo no Brasil entre pessoas de 15 anos ou mais: tendência 1920/2000
Ano/Censo Total Analfabetos %
1920 17.557.282 11.401.000 64,90
1940 23.709.769 13.269.381 56,00
1950 30.249.423 15.272.632 50,50
1960 40.278.602 15.964.852 39,60
1970 54.008.604 18.146.977 33,60
1980 73.541.943 18.716.847 25,50
1991 95.837.043 19.233.758 20,07
1996 106.169.000 15.560.000 14,7
2000 119.533.048 16.294.889 13,63
Fontes: IBGE. Censos Demográficos; Contagem da População 1996.
INEP. Mapa do analfabetismo no Brasil, 2003.
46
Como podemos observar na tabela há uma tendência ao declínio das taxas de
analfabetismo ao longo do último século. Mas, esta redução no número absoluto de
analfabetos jovens e adultos não é resultante de políticas públicas educacionais abrangentes,
contínuas e adequadas para que se reduzam os altos índices de analfabetos, e, sim, da tentativa
de universalização do ensino fundamental para crianças e adolescentes.
Em nosso país, a preocupação com a educação básica para adultos tomou impulso na
década de 30, em virtude da tentativa de se consolidar um sistema público de educação e,
também, do fato de o Brasil estar então passando por um período de industrialização e de
deslocamento da população para os grandes centros, o que exigia do trabalhador um perfil
especializado, ou seja, mais “preparado” para poder operar com as máquinas.
A partir da criação do Serviço de Educação de Adultos, foram necessárias outras
providências para que se pudesse concretizar essa campanha educativa junto à população
analfabeta. Instituiu-se o Fundo Nacional de Ensino Primário, através da promulgação do
Decreto nº 4.958, de 14/11/1942, com o objetivo de ampliar e melhorar o sistema primário de
ensino. No dia 30/08/1945, o Presidente Getúlio Vargas assinou um novo decreto, o de nº
19.513, que regulamentou uma verba federal para o ensino primário, destinando 25% para
serem investidos na educação de adultos.
Associando-se a essas ações, houve uma tomada de consciência por parte de órgãos e
empresas, que passaram a propagar a importância da alfabetização. A Consolidação das Leis
de Trabalho também reforçava o pensamento vigente, pois exigia que o menor de idade, ao
tirar a sua carteira de trabalho, comprovasse que tinha conhecimentos sobre leitura, escrita e
contagem. Caso não atendesse a esse critério, seria estabelecido um prazo para apresentação
de comprovante de matrícula e freqüência na escola primária, oportunizando o aprimoramento
intelectual dos trabalhadores.
47
Visando a uma boa aplicação dos recursos financeiros destinados à educação de
adultos, Lourenço Filho idealizou e realizou a Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos, que tinha o seguinte lema: “ainda por amor às crianças é que devemos educar
adolescentes e adultos”. Os que faziam essa campanha entendiam que, elevando-se o nível
intelectual dos adultos, haveria, conseqüentemente, um reflexo positivo na educação e na vida
das crianças, pois, freqüentando a escola, os pais incentivariam os filhos a realizarem os
estudos na idade adequada.
Destacamos que foi, justamente, nesse período que foi assinada a Lei Orgânica do
Ensino Primário: através do Decreto-lei nº. 8.529/46 instituía-se o curso supletivo primário
para maiores de idade, desde que necessitassem desse ensino.
De acordo com Di Rocco (1979, p. 46):
A primeira campanha de âmbito nacional para erradicação do analfabetismo
surgiu em 1947, através da portaria do Ministério da Educação n 57 de
30/01/1947, a qual criava no Departamento Nacional de Educação, o Serviço
de Educação de Adultos.
O desenvolvimento dessa campanha de educação de adultos, iniciada em 1947, era
instável, como nos aponta Di Rocco (1979, p. 47):
[...] a cada ano havia a necessidade da portaria para prorrogar o ano de
vigência do Serviço de Educação de Adultos. Esse fato criava, a nosso ver,
uma situação de instabilidade e insegurança. Em se tratando de educação, e
particularmente de educação de adultos, somente planos em longo prazo, ou
na pior das hipóteses, em médio prazo poderão levar a resultados positivos.
48
Essa instabilidade criou um clima de incertezas e angústias, especialmente devido à
exigência de que esse trabalho fosse realizado em curto prazo, pensamento que ainda está
presente na atualidade. Em meados de 1947, a Lei nº. 59 autorizou a parceria entre a União e
as unidades federativas para o desenvolvimento de campanhas educativas, que seriam
fiscalizadas pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Nesse caso, os estados tinham
liberdade para desenvolver seus projetos e campanhas de educação de adultos.
Tendo em vista atingir todos os pontos do país, foi criada, em 1952, a Campanha
Nacional de Educação Rural (CNER), cujo objetivo era levar a educação de base ao meio
rural. Embora houvesse um desejo implícito da educação de base para todos na campanha de
Educação de Adultos e Adolescentes, a partir das influências da UNESCO, cujo conceito de
educação de base estava ligado a dar condições mínimas para que o indivíduo pudesse se
desenvolver e atuar no seu meio - para participar ativamente do processo econômico e social
de sua comunidade - e se utilizar de preceitos básicos da leitura, escrita e matemática, as
condições de ensino não eram compatíveis com o almejado; apenas se ensinava o aluno a
decodificar, sem se estabelecerem relações com o seu cotidiano.
Pretendia-se, portanto, uma educação significativa e que estivesse a serviço do bem-
estar social, bem como que contribuísse para o progresso e desenvolvimento do país, mas nem
tudo saiu como fora planejado. No final da década de 50, muitas críticas foram feitas à
Campanha Nacional de Alfabetização, com destaque para a superficialidade do ensino, a
inadequação dos métodos de ensino à alfabetização de adultos e o fato de utilizar-se um único
método em todo o território nacional, desrespeitando-se as diferenças regionais.
49
2.2 Contribuições de Paulo Freire como marco nas concepções de alfabetização
[...]
Nomear o mundo torna-se um modelo para transformar o mundo. [...]
Isso, por sua vez, depende do poder transformador da linguagem.
Paulo Freire
A partir do caos instaurado, emergem as novas concepções de educação, de homem,
e um novo pensamento, inspirado nas idéias pedagógicas de Paulo Freire.
O pensamento freireano vem carregado de afetividade, através de uma convivência
amorosa com seus alunos, estimulando-os a se assumirem como sujeitos sócio-históricos e
produtores de uma cultura. Para o educador, a reflexão seria um exercício permanente de sua
prática.
Paulo Freire preocupou-se com adultos nos Círculos de Cultura que buscavam
escapar à escolarização tradicional. Percebendo a educação como práxis, Freire revela a
consciência política do ato educativo, apostando numa educação para a transformação social,
acreditando na importância da ação pedagógica para a libertação humana.
Freire dá a palavra às pessoas das classes populares, para que estas falem de si
mesmas e dos problemas sociais, contribuindo para a autonomia dos educandos numa
perspectiva de trabalho educativo vinculado à ação e a organização sócio-político do mundo
adulto.
Ele elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, que
dispensava o uso da cartilha. Além disso, desenvolveu o método Paulo Freire de alfabetização
constituído de procedimentos pedagógicos. Inicialmente, o alfabetizador deveria fazer uma
50
pesquisa a respeito da realidade dos alunos em sua comunidade; simultâneamente, iam sendo
coletadas palavras do universo vocabular desse grupo. A partir desses dados, cabia ao
alfabetizador selecionar as palavras de maior sentido (palavras geradoras) para a comunidade
pesquisada e, em seguida, selecionava um conjunto que apresentasse diversos padrões
silábicos, tanto os explorava nos aspectos gramaticais (da leitura e da escrita), quanto no
desenvolvimento do pensamento crítico acerca da realidade.
Assim, em meados dos anos 1960, o pensamento de Paulo Freire passou a se
concretizar nos principais programas de alfabetização de adultos em todo o território nacional.
A respeito desse momento histórico, Ribeiro (2001, p. 22) relata: “Esses programas foram
empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados numa ação política junto aos
grupos populares.” Vale ressaltar que os grupos de educadores que se engajaram e se
articularam em busca de novas diretrizes foram: os do MEB (Movimento de Educação de
Base), ligado à CNBB, e os CPC (Centros de Cultura Popular), que reuniam artistas e
intelectuais.
Na gestão do prefeito Djalma Maranhão, no ano de 1961, em Natal – RN, deu-se
início à Campanha de pé no chão também se aprende a ler. Esta campanha teve grande
repercussão, pois apresentava uma proposta ousada e inovadora, partindo dos pressupostos
teórico-metodológicos da educação popular. Este trabalho conseguiu mobilizar a população
em prol da redução do analfabetismo, em bairros carentes de Natal, como as Rocas, Santos
Reis e as Quintas, chegando a provocar disputas a divulgação da redução do número de
analfabetos naqueles bairros.
Um dos pilares dos círculos de cultura era o diálogo. No início do programa, eram
apresentados aos alunos os objetivos do trabalho, a metodologia a ser utilizada, além de se
51
suscitar uma discussão acerca da importância de se ter o domínio do código escrito (ler e
escrever).
Nos círculos de cultura, havia a presença de um animador cultural, que apresentava
aos alunos algumas fotos ou slides com palavras geradoras e, a partir dessa situação
motivadora, estabelecia-se um diálogo acerca de um dado tema, que tinha sido previamente
pesquisado junto ao grupo. Nesse sentido, Jannuzzi (1979, p. 37) nos lembra que, no método
dialógico, “[...] todos se dispunham a se comunicar sem que nenhum se sinta superior ao outro
[...]”, ou seja, todos tinham voz e vez, assim como ocorria nas discussões, que partiam da
realidade dos sujeitos, das suas vivências sociais, para se alcançar a conscientização em torno
dos diversos problemas.
Essa metodologia utilizada para alfabetizar os adultos era bastante significativa e
facilitava o processo de compreensão dos mecanismos da leitura e escrita. Isso pode ser
exemplificado com o que nos descreve Barreto (1998, p. 86) sobre uma visita do ministro da
Educação, Paulo de Tarso, a uma sala de aula.
Numa destas visitas, o ministro assistiu o momento em que, após a
discussão da palavra geradora tijolo, o educador chamou a atenção para o
estudo das famílias silábicas do ti do jo e do lo. Rapidamente, um dos
alfabetizandos, demonstrando já ter aprendido a ler o mecanismo da leitura,
juntou as silabas e formou, numa linguagem bem popular ‘tu já le’.
Situações semelhantes a essa aconteceram e se repetem, até hoje, em nosso território
brasileiro.
52
O ambiente escolar eram acampamentos cobertos de palha, onde se desenvolviam
aulas não só para jovens e adultos, mas também para crianças, que representavam o maior
percentual de matriculados.
O trabalho desenvolvido por este grupo pressionou o governo a aprovar, em 1964, o
Plano Nacional de Alfabetização, que deveria implantar no Brasil propostas de alfabetização
de adultos baseadas no pensamento freireano. Para Paulo Freire (2001, p. 27): “A educação,
qualquer que seja o nível que se dê, se fará tão mais verdadeira quanto mais estimule o
desenvolvimento dessa necessidade radical dos seres humanos, e de sua expressividade.”
Nesse sentido, a educação se apresenta como um instrumento de libertação e emancipação do
homem.
Com a emergência do golpe militar de 1964, as experiências de educação popular
foram reprimidas, pois eram consideradas perigosas para a manutenção da ordem nacional.
Diante desse contexto, os programas ou propostas de educação de adultos de caráter popular,
estrategicamente, resistiram na clandestinidade, pois só puderam permanecer os cursos de
alfabetização conservadores, ou seja, aqueles que objetivavam ensinar os alunos a ler,
escrever e contar, negando a formação integral do homem.
2.3 Do Mobral aos nossos dias
O legado deixado por Paulo Freire é muito rico e se mantém atual, muito embora seja
pouco lido e compreendido pelos educadores, em muitos casos sendo reduzido a um simples
53
“método”, deixando-se de lado as concepções filosóficas que orientaram seu trabalho
educativo com jovens e adultos.
Com o golpe militar, em 1964, Paulo Freire foi considerado subversivo, comunista e,
conseqüentemente, foi exilado, tendo sido interrompido seu trabalho educacional, sob o
argumento de que era uma ameaça à ordem e ao país. As orientações pedagógicas foram
suspensas e os materiais didáticos foram apreendidos e queimados nesse período do governo
militar. Após cerca de três anos sem nenhum programa do Governo voltado para a
alfabetização de adultos, foi lançado o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização).
O MOBRAL foi criado no período do regime militar (no Governo Costa e Silva),
pela Lei nº 5.379, de 15 de dezembro de 1967, com a meta de alfabetizar jovens e adultos na
faixa etária de 12 a 35 anos. Era voltado exclusivamente para ensinar a ler, escrever e contar,
deixando de lado a formação humanística do indivíduo.
O programa propunha-se a extinguir o analfabetismo, ou, pelo menos, a sua redução
para um nível residual inferior a 10%, índice considerado satisfatório pela UNESCO.
Os técnicos do MOBRAL afirmavam que se baseavam nas experiências
significativas dos alunos, aproximando-o do método Paulo Freire, mas, na realidade, a
proposta pedagógica fazia uso de palavras geradoras – que, para o educador pernambucano
deveriam ser pesquisadas junto aos alunos e serviam de ponto de partida para o processo de
alfabetização -, porém, estava esvaziada de todo o conteúdo crítico e problematizador
presente na proposta freireana.
Eles apenas se apropriaram de uma série de procedimentos utilizados por Freire. No
MOBRAL, a palavra geradora era imposta pelos técnicos responsáveis pela produção do
material didático, o que contribuía para a descontextualização do material, especialmente em
relação à região Nordeste.
54
Durante os anos 70, o MOBRAL expandiu-se por todo o país. Ao longo desse
percurso, ele passou por transformações significativas: estados e municípios permitiram uma
reorientação dos programas de alfabetização.
Paralelamente a essa proposta, houve algumas experiências isoladas, desenvolvidas
por grupos ligados à educação popular, com propostas mais críticas.
O MOBRAL foi extinto em 1985, no governo Collor, e em seu lugar surgiu a
Fundação Educar, que tinha como objetivo apenas apoiar técnica e financeiramente as
iniciativas no campo da educação; a execução ficava sob a responsabilidade do Governo e de
instituições a ele ligadas.
Em meados dos anos 80, começaram a ser discutidas e repensadas as experiências
educacionais, com transformações referentes à ampliação das concepções de alfabetização,
chegando-se a defender que as experiências educacionais com adultos deviam caracterizar-se
como um processo que exige continuidade e sedimentação e que deviam ampliar-se as
perspectivas de continuidade de estudo para essas pessoas, que não haviam tido oportunidade
de realizar seus estudos na idade apropriada (dos 7 aos 14 anos).
A partir dessa constatação, percebemos a necessidade de aprofundamento em torno
do informe apresentado à oficina regional da UNESCO para América Latina e Caribe, que
aponta detalhes do conjunto de medidas tomadas pelo governo federal a partir de 1995,
referentes à educação de jovens e adultos em nosso país:
A partir de 1995 o governo federal implementou um conjunto de medidas
legislativas, normativas e de controle cuja amplitude e impacto permitem
caracterizá-las como uma reforma educacional. As diretrizes dessa reforma
podem ser assim sintetizadas:
a) ampliação da cobertura e melhoria da qualidade do ensino sem
elevação do gasto público, mediante uma gestão orçamentária orientada por
cálculos de custo-benefício;
b) focalização do gasto público no ensino fundamental de crianças e
adolescentes de 7 aos 14 anos;
55
c) desregulamentação do sistema de ensino e sua nova regulamentação,
visando dotá-lo de maior flexibilidade;
d) desconcentração dos serviços e do financiamento da educação em
direção aos governos subnacionais, concomitante à centralização de
diretrizes curriculares e mecanismos de avaliação;
e) privatização de alguns segmentos do ensino não prioritários na política
educacional (como o ensino superior), operacionalizada por meio da
contenção da oferta e de investimentos na qualidade do serviço público, o
que abriu novos mercados à iniciativa privada;
f) efetivação de programas governamentais em parceria com
organizações não governamentais, fundações empresariais e movimentos
sociais, atribuindo-se às instituições da sociedade civil mais funções de
assessoramento técnico e provisão de serviços que espaços de participação
nas definições e controle de políticas educativas.
Apesar da demanda crescente de jovens e adultos por oportunidades
educacionais em virtude das exigências de escolaridade para o acesso e a
permanência no mercado de trabalho, o Governo Federal optou por priorizar
a oferta de Ensino Fundamental às crianças e adolescentes. O expediente
utilizado para focalizar os recursos públicos nesse grupo etário foi a restrição
ao financiamento da educação para jovens e adultos por meio do Fundef
(criado em 1996 e implementado nacionalmente a partir de 1998).
Recorrendo a prerrogativa de veto do Presidente da República, o Governo
anulou um inciso da Lei 9424/96 aprovada pelo Congresso regulamentando
o Fundo, e que permitia computar as matrículas no Ensino Fundamental
presencial de jovens e adultos nos cálculos do Fundef. O veto desestimulou
Estados e Municípios a investirem na educação de jovens e adultos. (DI
PIERRO e
GRACIANO, 2003, p. 12-13)
Esse conjunto de medidas nos permite afirmar que essas mudanças devem ser
efetivadas atendendo a esses critérios, elevando-se o nível educacional dos alunos. Além
disso, o documento apresenta o veto a utilização dos recursos do FUNDEF para a EJA,
mesmo tendo-se uma maior demanda de jovens e adultos que procuram vagas nessa
modalidade de ensino, pois há uma contradição na legislação que desestimula estados e
municípios a investirem na EJA, passando a optar pelo investimento no Ensino Fundamental,
que vai de encontro a própria LDBN 9394/96 que assegura acesso.
Ao tratar da metodologia de trabalho baseada na alfabetização freireana, Barreto
(1998, p. 123) (grifo da autora) destaca duas novidades: “o surgimento de ‘cadernos’
preparados para uso dos educandos e a introdução de pequenos textos onde antes aparecia
apenas a ‘palavra geradora’. A proposta de se trabalhar com esses cadernos era justificada
56
pela crítica ao uso da cartilha, que trazia conteúdos desvinculados da realidade dos alunos, o
que dificultava o processo de ensino e aprendizagem.
Assim como Célestin Freinet, Paulo Freire teve sua proposta de alfabetização
conhecida como “alfabetização sem cartilha ou sem manual escolar”. Na tentativa de evitar o
uso das cartilhas, muitos alfabetizadores exercitaram a criatividade elaborando “cadernos de
cultura”, nos quais eram apresentados os temas geradores e as fichas de descoberta conforme
a descrição de Barreto (1998). Esta autora também tece uma crítica a esse tipo de material,
aos textos contidos nos cadernos, “pois os educandos tinham dificuldade para compreender
tais textos e em conseqüência, o alfabetizador terminava elegendo uma palavra para o
exercício de análise e síntese, tal como se fazia anteriomente (BARRETO, p. 125, 1998).”
Na década de 1980, o Brasil estava passando por um processo de reestruturação
política, social e econômica, pois estava saindo da ditadura militar. Quem mais se identificou
com a proposta freireana foram as lideranças comunitárias e os agentes das pastorais, que
conheciam e conviviam com a realidade dura e cruel das classes populares. Eles tinham
interesse em lutar por melhores condições de saúde, educação e moradia, para que esses
sujeitos excluídos tivessem a oportunidade de ter uma vida melhor e mais digna.
Notadamente nesse período, houve um aumento significativo do nùmero de
participantes do sexo feminino nas turmas de alfabetização, em busca de aprender a ler e
escrever, e ter uma participação mais ativa no lar e na comunidade, lutando pela criação de
escolas, postos de saúde, entre outras reinvidicações.
Nesse mesmo período, também recebemos, através de trocas de experiências,
indicações de como extrapolar as barreiras impostas pelo método da silabação, influenciada
pelos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), que contribuíram para uma melhor
compreensão do processo de aquisição da leitura e escrita, através de estudos referentes à
psicogênese da língua escrita .
57
Na tentativa de compreender melhor o processo de alfabetização em adultos, Emília
Ferreiro (1983) desenvolveu um estudo comparativo, no México, com adultos pouco
escolarizados, ou sem experiência escolar. Os resultados desse estudo sinalizaram que os
educandos produziam escritas semelhantes às das crianças, no que se refere às fases
psicogenéticas. Nesse estudo, ela aponta que os adultos em processo de alfabetização
destinguem a grafia dos números da grafia das letras mais facilmente que as crianças,
possuem o cálculo mental bastante desenvolvido e uma compreensão das funções sociais da
língua escrita bem mais avançada, em relação ao que ocorre com as crianças.
Ferreiro (1993) ressalta que os dados obtidos em sua pesquisa, merecem um maior
aprofundamento, e que se devem analisar melhor as proposições que orientam a ação
alfabetizadora, de modo que os alfabetizadores se apropriem da lógica desse processo tão
complexo, devendo partir da compreensão do que é a escrita para o adulto e do que ele já
construiu ao longo da vida.
Ao analisarmos as tentativas de alfabetização pós-Freire, observamos que, tanto o
MOBRAL quanto a Fundação Educar, que o substituiu, e o Plano Nacional de Alfabetização e
Cidadania (PNAC), criado no governo Collor, ficaram muito aquém do pretendido, tendo em
vista que objetivavam apenas a inserção do indivíduo no mercado de trabalho. Todas essas
tentativas obtiveram pouco êxito e o número de analfabetos continuou bastante elevado.
O desejo de melhoria social aliado ao aumento do uso e do prestígio da leitura e da
escrita durante a década de 80 acentuaram, também nas classes populares, a necessidade de
ler e escrever.
Nos anos 1990, poucas iniciativas foram estruturadas e divulgadas. A tentativa de
iniciar alguma proposta de alfabetização se deu em meados de 1997, com a participação do
Brasil na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Hamburgo - Alemanha), na
qual foram traçadas metas a serem cumpridas pelos países signatários. A partir de então
58
surgiram várias discussões acerca da educação de jovens e adultos e em junho de 2000 foi
publicado, no Diário oficial da União, o Parecer do Conselho Nacional de Educação contendo
a resolução que oficializava a EJA como sendo uma modalidade da educação básica.
O Parecer CNE/CEB 11/2000
1
diz:
A EJA, de acordo com a lei 9694/96, passa a ser uma modalidade de
educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, usuflui de uma
especificidade própria que, como tal deveria receber um tratamento
conseqüente.
Várias instituições, conselhos e entidades questionaram o conteúdo desse parecer e
buscaram maiores esclarecimentos junto ao Conselho Nacional de Educação. Em todo o país
foram realizados estudos, seminários e conferências acerca da formação dos educadores dessa
modalidade de ensino.
Tomando como referencial os estudos ligados à psicologia do
desenvolvimento, compreende-se que o desenvolvimento intelectual do indivíduo acontece ao
longo de todo o ciclo vital, portanto o indivíduo adulto pode continuar aprendendo, desde que
lhe sejam fornecidas as condições favoráveis.
Essa questão foi amplamente discutida na V Conferência Internacional de
Educação de Adultos, promovida pela UNESCO, no ano de 1997 (em Hamburgo –
Alemanha). A partir da discussões levantadas foi sendo formulado um conceito amplo de
formação de adultos que engloba vários conceitos formais e informais de aprendizagem. No
Art. 3° da Declaração de Hamburgo (1997) consta:
1
Despacho do Ministro em 7/6/2000, publicado no Diário Oficial da União de 9/6/2000, secção 1ª, p. 15.
Ver Resolução CNE/CEB 1/2000 , publicada no Diário Oficial da União de 19/7/2000, 1, p. 18.
59
Por educação de adultos entende-se o conjunto de processos de
aprendizagem, formais ou não formais, graças aos quais as pessoas cujo
entorno social considera adultos desenvolvem suas capacidades, enriquecem
seus conhecimentos e melhoram as suas competências técnicas ou
profissionais ou as reorientam a fim de atender suas próprias necessidades e
as da sociedade. A educação de adultos compreende a educação formal e
permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de
educação informal e ocasional existente em uma sociedade educativa e
multicultural na qual se reconhecem os enfoques teóricos baseados na
prática.
Esse conceito vinha sendo construído desde a Conferência Mundial de Educação
para Todos (Jontien – Tailândia, 1990) e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades
Básicas de Aprendizagem, tomando como referência os dados de avaliação da década. De
acordo com Haddad e Di Pierro (1999), Um desses indicadores refere-se ao objetivo de
ampliação dos serviços de educação básica e capacitação de pessoas jovens e adultas com
competências essenciais à vida cotidiana, ao trabalho e à participação cidadã.”
A metodologia de avaliação proposta pela UNESCO implica envolver os programas
de educação escolar nas diversas atividades socioculturais, nas de formação profissional, bem
como nas de prevenção a doenças. Nesse sentido, seriam avaliados todos os processos de
formação e qualificação formais e informais, ou seja, a sociedade, na sua complexidade. Esses
aspectos ficam evidentes na fala de Haddad e Di Pierro (1999):
A metodologia de avaliação proposta pela UNESCO sugere que se analise a
ampliação das oportunidades escolares, extra-escolares para jovens e adultos
proporcionadas por múltiplos provedores governamentais e não
governamentais, sua pertinência frente às necessidades de aprendizagem dos
indivíduos e comunidades, considerando indicadores de equidade (territorial,
gênero, étnica e geracional), qualidade (formação de educadores, conteúdos,
materiais e métodos) e gestão (políticas públicas, financiamento, legislação e
avaliacão). Recomenda, ainda, que a eficácia dos programas seja avaliada
60
em função de mudanças de comportamento e de seus impactos na melhoria
das condições de saúde, emprego e produtividade dos indivíduos e do grupo.
Por essa razão, a Declaração de Hamburgo (1997) nos alerta para a importância de se
diminuir o analfabetismo no mundo, pois, de acordo com o documento, o acesso ao código
escrito possibilita a compreensão e o desenvolvimento de outras habilidades estimuladoras no
processo de aprendizagem e construção do saber partindo-se do que os alunos já sabem. Diz
esse documento: “
[...] a alfabetização, concebida como conhecimento básico, necessário a todos,
num mundo em transformação, é um direito humano. Em toda sociedade, a alfabetização é uma
habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades.”
Essa idéia, deve ser associada à de educação permanente, que se destaca como sendo
uma necessidade social, inerente aos seres humanos. Estes, através de suas ações, confrontam
o seu conhecimento com o novo e (re)elaboram seus conceitos, ampliando-os e passando a
utilizá-los no dia-a-dia.
Não se pode esquecer a singularidade e a potencialidade dos sujeitos na
educação de jovens e adultos. Cada indivíduo é único, e portanto, diferente. As diversas
experiências de vida trazidas por eles vêm repletas de interesses particulares, que vão sendo
desvelados ao longo do processo educativo, mediadas pelo educador. Nesse sentido, Célestin
Freinet (1998, p. 9), em seu livro Ensaio de psicologia sensível, destaca o potencial latente do
homem:
No início o homem traz em si um potencial de vida, assim como as
variedades dos seres vivos hierarquizados na escala zoológica, assim como o
grão de trigo e a mais ínfima semente, e este potencial de vida anima a
criatura com um invencível ímpeto, lança para frente, rumo à poderosa
realização do seu destino.
61
Diante desse potencial inerente ao ser humano, a escola deve estar pronta para
cultivar o indivíduo e permitir que ele se desenvolva em todos os seus aspectos, para que
possa frutificar. E uma das vias de acesso ao bom desenvolvimento começa com a
alfabetização, a partir da qual o indivíduo passa a obter mais informações e a fazer uso delas,
tornando-se possível a realização de desejos.
Nesse sentido, o educador precisa desenvolver em sala de aula atividades
significativas e não mecânicas, fazendo uso adequado dos métodos e atividades. O erro
constitui-se, assim, como um elemento natural do processo ensino-aprendizagem.
Os alunos que se encontram numa situação em que lhes são negadas as
condições e possibilidades de apropriação do código escrito sentem-se inferiorizados e
passam a atribuir à condição de analfabetos todas as perdas materiais, simbólicas e de
condições de vida dignas, que acabam contribuindo para a estratificação social.
É importante lembrarmos aqui que os alunos jovens e adultos enfrentam
algumas dificuldades de ordem física e fisiológica, pois o corpo, ao longo da vida, vai
respondendo aos estímulos do meio ambiente de forma mais lenta, ou necessita de alguma
correção. Isso ocorre, por exemplo, com a visão e a audição. Analisando-se, porém, a
situação de um outro ângulo, percebe-se, no entanto, que esse mesmo indivíduo,com o passar
do tempo, adquire mais experiência e maturidade.
Por isso os nossos alunos jovens e adultos, como aprendizes, não devem ser
vistos como coitados e incapazes. É necessário entender que eles desenvolveram outros tipos
de conhecimento, muitas vezes ignorados pela escola, uma vez que nela há uma valorização
da interpretação da realidade à partir de conceitos e não de simples percepções. Sobre isso,
Ribeiro (2001) afirma:
62
É a partir do reconhecimento do valor de suas experiências de vida e visões
de mundo que cada jovem e adulto pode se apropriar das aprendizagens
escolares de modo crítico e original, sempre da perspectiva de ampliar a sua
compreensão, seus meios de ação e interação no mundo (RIBEIRO, 2001, p.
41).
A mesma autora ainda assegura que os jovens e adultos, ao se matricularem em
turmas de EJA, já trazem para a escola alguns conhecimentos sobre o mundo letrado, que
foram adquiridos através das breves passagens pela escola ou, até mesmo, através da
realização de seus trabalhos cotidianos.
Kleiman (2000, p.26) revela que “os indivíduos com baixo nível de escolaridade
apresentam uma visão de que a escrita possui um caráter pragmático, representando apenas a
posssibilidade de acesso ao mercado de trabalho ou simplesmente de lidar com a burocracia
dos centros urbanos (preencher fichas, formulários, cadastros).” Nesse entendimento, a escrita
não é percebida como uma fonte de prazer, como tendo uma função emancipadora. Talvez
essa concepção justifique as dificuldades iniciais daqueles sujeitos diante de um texto
literário, por exemplo, assim como a preocupação das professoras em trabalhar com textos
considerados mais significativos para os sujeitos, ou relacionados ao seu dia-a-dia.
A educação de jovens e adultos apresenta outros desafios, dentre os quais a busca de
uma educação transformadora, ao invés da conservadora. Os alunos dessa modalidade de
ensino são detentores de muitos saberes válidos e úteis, no entanto, por serem pouco letrados,
são excluídos de muitas possibilidades que a cultura letrada oferece, segundo ressalta Ribeiro
(2001). Assim, o indivíduo analfabeto deve ser estimulado a se engajar nesse processo de
transformação pessoal e social. Conforme as palavras de Soares, ao se referir à apropriação da
leitura e da escrita (2002. p. 32): “Ser privado desse acesso é, de fato, a perda de um
instrumento imprescindível para uma presença que significa uma convivência social
contemporânea.”
63
Concordamos com a autora e lembramos, ainda, as riquezas das nossas
manifestações culturais e artísticas, que, ao serem estimuladas, afloram, se sentem mais
seguras e confiantes. Essa constatação nos remete à necessidade de desenvolvimento das
habilidades e competências dos alunos da EJA.
Parece óbvia essa necessidade, mas a efetivação desse tipo de trabalho, está
intimamente ligada à formação do educador de jovens e adultos, já que essa modalidade de
ensino exige conhecimentos próprios, a compreensão de como esses alunos aprendem, quais
aspectos norteiam as atuais práticas educativas.
Alfabetizar, num contexto globalizado, apresenta uma série de desafios, tanto
para o mediador quanto para o sujeito da aprendizagem. Isso se dá, especialmente, porque
socialmente espera-se que o indivíduo domine, no mínimo, rudimentos da linguagem e da
contagem.
A pedagogia Freinet rompe com a pedagogia tradicional, em que somente o
professor detém o saber e este é repassado de forma mecânica, com base na memorização, na
repetição e na reprovação. Observamos, sobre isso, as próprias palavras de Freinet:
A pedagogia tradicional é uma pedagogia da reprovação, uma pedagogia da
falta ou do erro que a Escola sanciona na esperança de melhorar o
comportamento, como se sanciona um deliqüente, com a ilusão que este
ficará curado dos seus defeitos quando sair da prisão (FREINET, 1977 b, p.
30).
O pensamento e fazer pedagógico de Célestin Freinet se constituem a partir da
transformação do ambiente escolar mediante a organização cooperativa e da utilização dos
canais de comunicação com o meio natural e social. As “técnicas” Freinet pressupõem
processos ativos de aprendizagem, o aperfeiçoamento constante, tomando como referência a
observação e a experiência, indispensáveis à aquisição dos conhecimentos e conceitos. Isso
64
motiva o educador para a importância de refletir sobre e a partir de seu fazer pedagógico,
indagando-se: “por que se faz tal coisa?” “Como se faz tal coisa?” Tendo em vista as várias
concepções e posturas pedagógicas.
Freinet nos lembra que a aprendizagem possui duas dimensões: a teórica e a
prática, expressas, respectivamente, como uma teoria experimental e uma prática reflexiva.
Nesse sentido, não haveria separação entre teoria e prática.
Diante disso, nos propomos refletir sobre a prática pedagógica voltada para jovens e
adultos analfabetos, sob a luz de uma proposta que encara o processo de alfabetização como
sendo complexo e ligado à capacidade do indivíduo de compreender o contexto histórico,
político e social, extrapolando o conceito de que alfabetizar significa dominar a escrita e a
leitura.
Em pleno século XXI, ainda existe, em nosso país, cerca de 15% da população adulta
analfabeta. Preocupada com esse alto índice de analfabetismo é que a Prefeitura da cidade de
Natal, através da Secretaria Municipal de Educação, em parceria com a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, lançou o Projeto Redução do Analfabetismo.
A proposta pedagógica desenvolvida no projeto fundamenta-se nas bases teóricas de
Célestin Freinet (1974, 1975, 1977, 1998, 2000, 2001), Paulo Freire (1999, 2001) e nas
práticas do letramento (Kleiman 2001; Soares, 2000, 2002, 2003), com uma nova concepção
de educação de jovens e adultos, em busca de uma prática significativa, que auxilia o
educando a compreender o mundo a partir dos seus próprios referenciais de vida.
Destacamos a interrelação teórico prática entre a proposta pedagógica de Freinet e
Freire que nos permitiram clarificar permanentemente nosso objeto de estudo.
Diante desta proposta, ressaltamos que ela visa uma nova práxis educativa
transformadora. Tendo a construção do conhecimento a partir da reflexão de todos que
constituem a escola (alunos, pais, alfabetizadoras, funcionários, coordenadores, diretores entre
65
outros) sobre o mundo de modo contextualizado, onde o alfabetizador desempenha um papel
imprescindível, o de mediador, capaz de conduzir seus alunos a expressarem suas concepções
de mundo respeitando seu modo de agir e pensar. E quando necessário, ajudá-los a vencer
obstáculos, tomar iniciativas, proporcionando maiores oportunidades de êxito na vida.
66
CAPÍTULO 3
A PEDAGOGIA FREINET NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
3.1 A pedagogia Freinet e sua utilização no Projeto Redução do Analfabetismo
Paulo Freire se destaca como um referencial teórico na educação de jovens e adultos,
pois, juntamente com Freinet, se comprometeu com uma forma de educação voltada para as
classes populares, no sentido da formação humanista, condição necessária ao caráter da
educação. Essa preocupação com uma educação voltada para a formação da consciência
política permeia todo o Projeto Redução do Analfabetismo, como se pode verificar no
relatório geral de 2002:
A base teórica adotada neste Projeto utiliza referência dos estudos de Freinet
e Freire. Optamos por essas contribuições por considerar que ela
possibilitam melhor ancoragem do objeto de estudo. E, também, por
compreenderem e explicarem o contexto das relações sociais considerando o
cotidiano dos sujeitos. (p. 4)
O Projeto Redução do Analfabetismo surgiu em 2001, tendo sua origem nas
constatações do poder público municipal com relação à elevação dos índices de analfabetismo
na população residente em Natal.
67
Isso se deu em decorrência de uma reunião entre a prefeita e a Secretária de
Educação com representantes da UNESCO, no primeiro semestre de 2001 na tentativa de
soluções para a superação do problema do analfabetismo em nossa cidade.
Neste sentido, lança-se a proposta de um projeto a ser custeado com recursos do
próprio município, e a Secretaria Municipal de Educação, após negociações com a UFRN,
firma um contrato com a FUNPEC para formalização de um projeto-piloto a ser
desenvolvido na Cidade do Natal, através de uma ação alfabetizadora em cinqüenta turmas,
visando atender hum mil, duzentos e cinqüenta alunos distribuídos em vários bairros de Natal.
Conforme previsto pelo projeto, foi realizada entre alunos das diversas licenciaturas da
UFRN uma seleção que constou de análise de currículo e entrevista. Após a seleção dos
alfabetizadores foi realizada uma Capacitação Inicial com os fundamentos da pedagogia
Freinet e a visão do educando enquanto sujeito do processo de aprendizagem, estudos de
Paulo Freire com destaque para a compreensão do educando como sujeito e produtor de
cultura, bem como, concepções de letramento conforme as idéias de Soares (1978, 1989,1995,
2000, 2003), Ribeiro (2001), Oliveira (1995), Kleimam (2001) foram articulados visando a
formação dos alfabetizadores numa perspectiva de uma educação que valoriza os processos
discursivos e interativos no quotidiano escolar.
As turmas do projeto piloto funcionavam de segunda a sexta-feira, com duas horas e
meia de duração (equivalente a 3,3 horas-aula), sendo distribuídas nos três turnos – 10% pela
manhã, 12% pela tarde e 78% das turmas funcionavam no turno noturno.
Em março de 2003, foi assinada em Natal uma parceria com o Governo Federal –
Brasil Alfabetizado – e o Projeto passa a ser denominado “Programa Geração Cidadã –
Reduzindo o Analfabetismo”, o que gerou interesse e perspectivas positivas de atuação no que
tange a ampliação das turmas, a divulgação do trabalho perante as comunidades, a
repercussão para os possíveis alfabetizadores que gostariam de lecionar, e, sobretudo, o
68
engajamento de novos alunos. Nesse sentido, demos continuidade ao trabalho que desde a
experiência piloto em 2001 que apresentou bons resultados.
As salas de aula funcionavam nos mais diversificados espaços: nas escolas e creches
municipais, postos e centro de saúde, Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE) e
ambientes sociais diversos como centros e conselhos comunitários, instituições religiosas
como, associações espíritas, igrejas católicas, evangélicas, residências de líderes comunitários
e do próprio alfabetizador, escolas conveniadas e núcleos do Tributo a Criança.
A sistemática de trabalho junto às turmas envolveu as seguintes atividades:
a) Reuniões de planejamento participativo - Cada coordenador setorial reunia
quinzenalmente seus alfabetizadores visando orientá-los em seus planejamentos,
propiciar-lhes a troca de experiências, ouvi-los em suas múltiplas dificuldades,
analisar conjuntamente alguns textos sugestivos, auxiliá-los no desenvolvimento dos
projetos, dentre outras ações;
Foto 01 ̛ Reunião com alfabetizadores
69
Foto 02 – Alfabetizadores socializando experiências
b) Visitas às salas de aula ̛ Essa atividade, na perspectiva da supervisão e orientação
pedagógica oportunizou, dentre outras coisas, um contato mais profundo com as
realidades, observações in loco do funcionamento das turmas, contatos pessoais com
os responsáveis pelos locais de funcionamento além, claro, do apoio ao alfabetizador
em seu próprio campo de atuação;
c) Atendimento individual ao alfabetizador ̛ Quando necessário e conveniente foi
desenvolvida a atividade de atendimento individual aos alfabetizadores quer por
maiores carências de condições pedagógicas quer por problemas na dinâmica
processual das turmas ou até mesmo por dificuldades de horário;
d) Reuniões administrativas ̛ Foram realizadas reuniões gerais entre as coordenações
setorial e geral de cunho administrativo e técnico visando analisar o desenvolvimento
70
do projeto e seus eventuais problemas, bem como para apresentar e discutir
formulários para coleta de dados;
e) Capacitação continuada ̛ Foram realizados encontros quinzenais visando o
aprofundamento de estudos nas seguintes áreas: pedagogia de projetos, produção
textual, educação matemática, artes e violência; e
Foto 03 ̛ Capacitação continuada – Educação Matemática
71
f) Estudos da pedagogia Freinet ̛ surgiram do interesse de alguns alfabetizadores em
aprofundar seus estudos referentes ao desenvolvimento de experiências em sala da
aula de jovens e adultos utilizando princípios e práticas da pedagogia freinetiana para
a aprendizagem natural da língua escrita e falada.
Foto 04 ̛ Lendo... refletindo...vivenciando a pedagogia Frinet
O Projeto Redução do Analfabetismo tinha como um de seus objetivos ampliar as
experiências culturais dos alunos. Nesse sentido foram desenvolvidas algumas iniciativas,
dentre as quais destacamos: o ateliê permanente de dança; apresentações artisticas dos alunos
em eventos da cidade (carimbó e boi de reis); a biblioteca itinerante Djalma Maranhão, aulas
passeio (museus, bibliotecas, bienal do livro, CIENTEC; Parque das Dunas, circuito histórico-
72
cultural de Natal, exposição de artes plásticas, escola de música da UFRN entre outras);
palestras; caminhadas; e a festa da cultura onde reunimos vários grupos para confraternização
e socialização de conhecimentos através da exposição de seus trabalhos manuais, artísticos e
intelectuais. Destacaremos agora, alguns recortes dessas iniciativas:
Foto 05̛ Caminhada da Saúde na 3ª idade
73
Foto 06 ̛ Apresentação do Boi de reis na CIENTEC
Foto 07 ̛ Produção dos alunos com papel reciclado
Consideramos, que parte desse trabalho foi fruto da articulação entre todos os
participantes desse projeto, bem como o engajamento, compromisso, bom desempenho e
74
esforço
mocrática, visando
aos idea
Paulo Freire e Célestin Freinet nos remetem a uma visão de mundo necessária ao
espaço escolar, fundamental à mediação do processo, à sistematização do conhecimento
acumula
Nossa opção pela pedagogia Freinet resultou de discussões acerca da insuficiência
das metodologias voltadas para a educação de pessoas jovens e adultas. Freinet rejeitou a
pedagog
A falta de neutralidade política na educação perpassa a obra de Freinet e a de Freire.
Eles defendiam a idéia de a escola discutir os problemas sociais, em busca de soluções, por
não have
Quando o professor escuta atentamente a fala do aluno, não ouve apenas palavras,
mas também os sentidos, os significados que este possui. Quem é ouvido encara-se a si
na tentativa de articular a teoria e a prática baseadas em Célestin Freinet e Paulo
Freire, permitindo que todos se sintam sujeitos da própria aprendizagem.
Freire se preocupa com a organização sociopolítica do homem adulto; de outro lado,
Freinet enfatiza a necessidade de transformação da escola numa prática de
is de formação do homem aliada a processos de participação social. Na obra de ambos
perpassa a concepção de que não existe neutralidade política no processo educativo. Eles se
aproximam em suas concepções de educação, nas assertivas de que há necessidade de educar
numa perspectiva crítica.
do historicamente pela humanidade e à consciência política.
ia tradicional, considerando-a descontextualizada, por não ter a preocupação com
uma formação para a vida.
r como desvincular a vida escolar da realidade. O professor, ao escutar o aluno em
sala de aula, estaria contribuindo para a formação do sujeito crítico, autônomo, consciente,
aquele que não se deixa manipular, capaz de transformar o mundo através da conscientização
(FLEURI, 2002).
75
mesmo
Essa visão de escola está traduzida por Célestin Freinet na Invariante Pedagógica 24:
“a nova vida da escola supõe a cooperação escolar, isto é, a gestão da vida pelo trabalho
escolar,
Freinet buscou trazer a vida para a escola. Além disso, preocupou-se com uma escola
para o povo, devido à falta de um trabalho comprometido com as classes populares. Da escola
para o po
Refletindo sobre as contribuições da pedagogia Freinet no Brasil para a educação
popular Fleuri (2002, p. 10) destaca :
As contribuições da pedagogia Freinet para a educação popular em nosso
país ainda são insipientes, fruto de trabalhos isolados de educadores
comprometidos que buscam respeitar e valorizar a cultura do aluno. No
entanto, pode-se identificar algumas contribuições significativas no campo
e a sua realidade de modo mais significativo. Ouvir com atenção e simpatia é
condição necessária para o desenvolvimento de um relacionamento franco e confiante, a fim
de que o estudante possa alcançar meios mais construtivos de comportamento. Quando o
professor distorce a fala do aluno, este reage com frustração; assim o indivíduo passa a crer
que a comunicação verdadeira é impossível.
pelos que a praticam, incluindo o educador.” Ao analisar essa invariante pedagógica,
constata-se como a aproximação entre as propostas pedagógicas de Freinet e Freire se
complementam.
vo surgiram as bases para o Movimento da Escola Moderna (MEM).
da alfabetização, de formação de educadores, de transformação da escola e
da construção da cidadania, onde a fecundidade da proposta de Freinet se
verifica na interação, tanto prática quanto teórica, com outras pedagogias
populares.
76
Com relação aos conteúdos, Freinet defende que as aulas teóricas são
indispensáveis para sistematizar o conhecimento adquirido nas atividades, porém não devem
ocupar todo o período de permanência do aluno na escola, pois o aluno deve aprender através
da observação do fenômeno, testando hipóteses e socializando seu pensamento.
o sentido de
trazer a escola para a vida. Mas para que isso ocorra faz-se necessário a mudança na
concepção de ensino-aprendizagem, apartir do trabalho cooperativo. Relativamente a esse
tema Oliveira (1995, p. 139) esclarece:
A classe Freinet é isto, um lugar de produção: tudo nela evoca o trabalho
produtivo, até o vocabulário usado pelo educador: a classe é um canteiro de
obras, ela se subdivide em oficinas onde é fundamental a presença de
Dessa forma, o aluno será motivado a vivenciar através força do trabalho, a
realização de seus projetos educativos em consonancia com os conteúdos propostos nos
programas oficiais.
3.2 Célestin Freinet e a ousada proposta de uma escola para o povo – Articulando
princípios e práticas
Nesse sentido, ressaltamos também, que perpassa a obra de Freinet n
ferramentas e o uso de técnicas de trabalho.
77
Célestin Freinet nasceu no vilarejo de Gars, sul da França, no dia 15 de outubro de
1896. Passou a sua infância no campo como pastor de rebanhos. É bom lembrar o depoimento
de Oliveira (1995) sobre a origem familiar e momentos da infância que marcaram Freinet:
fas
da lavoura, e, em particular, o pastoreio de cabras que era freqüentemente,
atribuição das crianças. A brincadeira gratuita, quase que lhe é totalmente
desconhecida, mas ele consegue encontrar um prazer intenso e, até certo
ponto, lúdico, no desempenho dos afazeres que lhe são atribuídos. Os
trabalhos socialmente úteis fazem com que se sinta, desde a infância, parte
Freinet mante
campo e um profundo amor ao trabalho. Essas marcas foram fundamentais para o
desenvolvimento das suas concepções pedagógicas, muitas das quais remetem a Rousseau.
Oliveira
bucólicos” de sua obra,
particularmente de textos escritos no último terço de sua vida, têm
ressonâncias que lembram o “Émile”: as metáforas e analogias rurais
abundam; o professor é um “pastor de ovelhas”, conhece seu “rebanho”,
sabe oferecer-lhe na hora exata a “água e os alimentos”que permitirão seu
“crescimento natural”, a criança é uma “árvore”, que precisa de
A partir da re
sociedade, Freinet elabora um dos princípios de sua pedagogia, a educação do trabalho, com
a comp eensão de que os indivíduos ao longo da vida vão se desenvolvendo através da
Também por suas origens familiares, Freinet conhece desde cedo as tare
de uma coletividade onde todos, homens, mulheres e crianças, têm sua
contribuição a dar (OLIVEIRA, 1995, p. 93 - 94).
ve ao longo de sua trajetória a presença do mundo rural, da vida no
(1995, p. 94-95) (grifos da autora) comenta sobre Freinet:
Não há dúvidas de que certos trechos “
“cuidados”para “crescer reta”etc.
flexão de que a criança tem seu lugar e tem contribuições a dar à
r
78
criativid
tativas de cura.
Apesar
decorando-se as lições, frases sem sentido, com
a obriga
otações serviram de parâmetro às avaliações do
processo
para a escola, descobrindo interesses e
ade. Nesse sentido, a sua concepção de escola é diferente das concepções clássicas.
Para ele, a escola constitui um momento privilegiado para a inserção social.
Célestin Freinet estudou na Escola Normal de Nice, mas em 1914 teve que
interromper os estudos para se alistar e lutar na 1ª Guerra Mundial, quando, em virtude da
ação dos gases tóxicos, comprometeu seus pulmões, com remotas expec
disso, ele cultivava o desejo de ser professor primário, que seria sua realização
pessoal. Mas tinha consciência de suas limitações físicas e orgânicas: sabia que lhe restava
apenas um fio de voz, a respiração era difícil, a sua energia logo se dissipava e precisava ser
socorrido. Apesar de todas as dificuldades, era persistente e foi capaz de rejeitar a
possibilidade de aposentar-se por invalidez.
Observando seus alunos num contexto de práticas educativas tradicionais, Freinet
percebia que eles se sentiam infelizes dentro da sala de aula: nada os motivava, as aulas
aconteciam através de estudos massacrantes,
ção de seguir rígidas normas educacionais retrógradas, caducas. No entanto, havia um
brilho intenso no olhar desses alunos quando eles observavam o mundo através da janela,
voando nas asas dos pássaros, sentindo a brisa acariciando seu rosto, como se a vida estivesse
além do limite geográfico da sala de aula.
Convicto de sua humanização, Freinet elabora uma práxis pedagógica orientando as
ações do professor, além de auxiliá-lo na observação, nas anotações das reações das crianças
̛ seus sucessos, seus fracassos. Tais an
, vitalizando a escola, levando-a a caminhar na descoberta de uma educação
participativa, num espírito cooperativo, humanizado.
Freinet desenvolveu seus esforços em busca de uma escola mais humana e de uma
práxis pedagógica em níveis mais elaborados redimensionando as ações do professor. Aos
poucos, esse educador francês foi trazendo a vida
79
caminho
eles eram incentivados a pesquisar os fenômenos observados, passando essa
atividade
preocupação de fazer um relato de todos os acontecimentos que ao longo dos
caminhos, atraíam o olhar daqueles que estavam habituados a ver as coisas
mais de perto dentro das perspectivas de uma atenção mais concentrada: uma
busca permanente dos olhos, ouvidos de todos os sentidos abertos à magia
do mundo, fazia surgir de todas as paisagens, agora vista como novas, uma
Nesse context
todos têm direito à palavra. Ao retornarem da aula-passeio os alunos narravam e registravam
tudo – suas curiosidade e descobertas ̛ através do desenho, da pintura e da elaboração de
textos.
a e da ortografia. Nesse sentido, Freinet conseguiu conduzir seu trabalho pedagógico
s para uma educação cooperativa e participativa. Resolveu tornar suas aulas
interessantes, participativas, conduzindo seus alunos ao encontro da felicidade. Surgiu, assim,
a idéia da aula-passeio: criava-se a oportunidade de observar os campos ao redor da escola, as
estações do ano, destacando as suas particularidades, além de observar as atividades dos
artesãos, contribuindo para a formação dos educandos, numa alfabetização participativa e
construtiva.
Ao observar de perto a natureza, os alunos percebiam os diferentes sons da natureza,
os pássaros, as flores que abriam na primavera, os frutos amadurecendo. Isso despertava sua
curiosidade e
a ser um instrumento educativo dos sentidos, como narra Élise Freinet (1979, p.24):
Saía-se alegremente e aparentemente sem problemas, mas agora já havia a
incessante descoberta, imediatamente comunicada e que se tornava coletiva.
o, professor e aluno estabelecem um diálogo mais próximo, no qual
Quanto aos textos dos alunos, Freinet se preocupava com que houvesse
compreensão, o que conduzia à busca da coerência e da competência textual, de uma bela
caligrafi
80
adequan
1998, p. 287).”
Assim s
es percorrer níveis de excelência cada vez mais significativos.
que Freinet é, essencialmente
prático, pouco afeito a reflexões teóricas. Na nossa opinião, trata-se de um
equívoco. Freinet não deixa, um só momento de teorizar sua prática. Para
isso, ele também se vale constantemente das contribuições dos grandes
pedagogos e de intelectuais em geral. Na realidade, a teoria acompanha toda
sua obra. Mediante ela, procura descobrir os processos que determinam uma
Na constituição de seu projeto político pedagógico, Célestin Freinet buscou
referência na sua experiência pedagógica, fundamentando-se nas obras de Montaigne,
Rousseau, Rabelais, Pestalozzi, entre outros educadores, o que revela indícios de que ele já
defendia
do o conteúdo ao interesse do aluno, mostrando-lhe a possibilidade de
enriquecimento, de expandir os horizontes dos significados da aprendizagem.
Esse estímulo ao desenvolvimento do aluno deve ser promovido pelo professor: “[...]
dar procedência à ação fecunda sobre o pensamento puramente especulativo, esta é a
revolução copérnica que se deve realizar na educação (CÉLESTIN FREINET,
erá possível concretizar a modernização no ensino, capaz de acompanhar os avanços
social, cultural e político.
Devem ser trabalhados os textos elaborados pelos próprios alunos, textos ricos e
repletos de sentido, respeitando-se seu ritmo individual. Isso os motiva à elaboração de seu
próprio estilo, e permite-lh
Enquanto desenvolvia seu projeto político-pedagógico, Freinet recebeu duras críticas
dos intelectuais, como se depreende dessa passagem de Oliveira:
[...] Por essa razão, já foi muitas vezes dito
aprendizagem autêntica, formular sínteses, enunciar os princípios gerais da
teoria pedagógica que vai paulatinamente construindo. (OLIVEIRA, 1995, p.
115-116).
a idéia do professor pesquisador, capaz de buscar caminhos, refletindo acerca das
suas descobertas, avaliando possibilidades e limites pedagógicos.
81
Em sua trajetória, Freinet depara-se com Adolphe Ferrière, defensor dos
pressupostos da escola ativa, o que gerou no primeiro indagações profundas sobre o fazer
pedagógico, assinalando as afinidades, entre ambos e revelando as inovações implantadas na
sala de a
a
orientar-se para uma nova concepção da educação. Sumir com o estrado, em
cima do pontífice sua cátedra, que se tornará uma simples mesa como as
outras, no nível e proporção das outras mesas. Você verá, então, sua classe
com outros olhos, mais coerentes com a norma de sua humanidade. O
comportamento de ambos será radicalmente influenciado por essa medida. E
Ao eliminar o
rompendo com os padrões da época. Deixa, assim, professor e aluno no mesmo patamar,
podendo interagir intensa e verdadeiramente.
la para o povo. Argumenta ele:
a sua educação
especial; o capitalismo gerou uma escola bastarda, com sua verborragia
humanista a mascarar sua timidez social e a sua imobilidade técnica. O povo,
ascendendo ao poder, terá a sua escola e a sua pedagogia. Essa ascensão
começou. Não esperemos mais para adaptar nossa educação ao mundo novo
que está nascendo. (FREINET 2001, p. 15)
ula, que possibilitaram uma ação viva e prazerosa para os alunos.
O professor Freinet também propôs mudança na sala de aula, eliminando o estrado:
[...] Abolição do estrado – primeiro gesto que indica sua disposição
você vai ganhar um espaço que lhe será precioso para a nova organização
material da sua classe.. (FREINET, 2001, p.13).
estrado, Freinet passa a sentar-se lado a lado com seus alunos,
Como se percebe, Freinet foi um dos educadores mais importantes do século XX,
tendo dedicado mais de quarenta anos de sua vida à educação. Essa dedicação estava
totalmente voltada para a criação de uma esco
[...] O feudalismo teve sua escola feudal; a Igreja teve
82
Durante os a
entregando-se totalmen va orientar a aprendizagem,
garantir acesso à escola ̛ independente de raça, cor, sexo e religião ̛, o domínio das
linguagens ̛ em especial, o código escrito ̛ , a possibilidade de livre expressão, de elevar os
Embora ele se considere um simples professor primário, nota-se a sua presença
outros colegas,
criando cooperativas, numa busca incansável de uma escola popular e de uma sociedade
Célestin Freinet teceu várias críticas à educação nova, pois, apesar de apresentar
a cada vez mais de uma educação voltada para
as classes populares.
de acordo com a nova proposta pedagógica. Isso os induzia a fazer uma série de tentativas
até hoje há grupos que participam ativamente do Movimento da Escola Moderna. A
ento de uma prática pedagógica
significativa. Para realizar-se, essa prática, fazem-se necessárias as condições sociais,
materialismo escolar
tem sua origem no pensamento marxista, como observa Oliveira (1995, p.117) e “ [...] que
nos dedicados à educação, Freinet perseguiu um ideal de escola
te a esse projeto de vida. Ele objetiva
níveis cognitivo, afetivo e sociocultural do aluno.
marcante em vários movimentos sociais de sua época – de que é exemplo a sua atuação no
Partido Comunista, no movimento sindical. Ele buscou articulação com
menos competitiva, mais justa e igualitária.
alguns avanços com relação à metodologia aplicada na sala de aula, acentuava a alienação dos
alunos no regime capitalista, o que a distanciav
Uma grande falha apontada por ele foi a falta de preparo dos professores para atuar
frustradas, através de suas práticas pedagógicas
Ao disseminar sua proposta educativa, Freinet encontrou adeptos no mundo todo, e
pedagogia Freinet fornece elementos para o desenvolvim
pedagógicas e materiais adequadas, o que Freinet denomina de materialismo escolar, o qual
vai dar o suporte material, de infra-estrutura, ao sistema educativo. O
83
sem dúvida alguma fornece a Freinet instrumentos de compreensão da sociedade e de
fortalecimento do seu compromisso com as classes populares.”
Freinet desejava uma escola dinâmica, em que a necessidade dos alunos fosse
respeitada, possibilitando a constituição de seres autônomos, conscientes e responsáveis pela
sua vida
a por esse educador ao longo de sua trajetória pedagógica,
[...] não existe nenhuma consciência preestabelecida em determinadas
faculdades intelectuais ou morais; pelo contrário, é um organismo inteiro que
se apropria gradualmente de mecanismos “históricos” que garantem a
realização do ser.
Essa apropriação do processo histórico pelo ser integral permite-lhe um nível de
realização capaz de lhe possibilitar a inclusão dos aspectos físico, social e intelectual.
e dela a
contribu
nenhuma educação seria possível. Ele sugere um
trabalho
e sua história.
Élise Freinet (1978, p. 457) ao descrever a pedagogia Freinet, aponta que, segundo a
experiência desenvolvid
Durante todo o seu itinerário pedagógico, Freinet busca estender a participação no
cotidiano escolar, aperfeiçoando-o ao longo de sua vida. Por isso dedicou grande part
ir para a formação da personalidade das crianças, estimulando-as a viver dentro de
um espírito cooperativo, em liberdade.
Freinet considerava a organização da sala de aula indispensável ao desenvolvimento
das atividades psicológicas. Sem ela,
interdisciplinar, visto que as atividades devem surgir a partir do interesse do aluno.
Nesse processo, as atividades desenvolvidas em sala de aula são organizadas envolvendo
todos os integrantes do processo educacional.
84
Na experiência que realizamos, as alfabetizadoras conquistaram esse espaço
dialógico, buscando resgatar a auto-estima dos alunos através dessa lapidação, como podemos
ver no depoimento de ECBS:
Olha [...] a princípio, nós tivemos que fazer todo um trabalho de resgate da
auto-estima. Nós temos que trabalhar com a auto-estima, do resgate dessa
auto-estima e nesse resgate, nós trabalhamos muito com a questão da livre
expressão. Da oportunidade para que eles se colocassem... E que eles
falassem um pouco sobre a sua vida, para que a partir desse momento a
gente iniciasse realmente o processo de alfabetização.
Diferente da compreensão de que a escola constitui um espaço privilegiado para a
sistematização dos saberes, nós a percebemos como estando cheia de vida, ampliando os
horizontes, pois ela era percebida como uma preparação para a vida. Nesse sentido, as nossas
turmas de alfabetização de jovens e adultos se diferenciam, pois partem de princípios de
autonomia e cooperação, que, ao longo do processo educativo, vão se construindo numa
relação de cooperação, amizade, respeito mútuo.
Na perspectiva freinetiana, o professor prioriza a expressão do aluno ̛ no sentido da
necessidade que ele tem de valorização dos conhecimentos prévios ̛, as expectativas e
necessidades imediatas e de trabalho dos educandos. As decisões do professor são estimuladas
pelo processo de tateamento experimental, encorajando o sucesso dos resultados. As
experiências bem sucedidas tendem a ser repetidas, passando a constituir regras de vida,
capazes de tornar os alunos passíveis de adquirir maior grau de sensibilidade, exercendo uma
troca favorável de afetividade que os conduza ao sucesso na vida.
Em conformidade com os princípios freinetianos, para o bom funcionamento da sala
de aula são necessárias condições materiais e estruturais adequadas. Ao consolidar o conceito
de escola popular, Freinet defende uma escola capaz de alavancar o sujeito política e
85
socialmente na sociedade moderna. Nesse sentido, a escola deve estimular o alunado à
cooperação, tendo como referência a vida na sua integridade.
Ao desenvolver sua técnica, Freinet estabelece nova dimensão para o trabalho
escolar, passando o esforço cerebral a ser considerado um trabalho real e produtivo,
necessário à formação humana.
Freinet estabeleceu os seguintes princípios educativos:
Educação pelo trabalho
Eu digo educação pelo trabalho. Que não se entenda imediatamente pelo
trabalho manual, como se devesse designar exclusivamente manual. Ela é,
na verdade, isso, na origem, mas que essa atividade seja alguma vez
arbitrariamente separada de uma alta espiritualidade que a ilumina, isolada
do processo vital de que ela é um elemento, do mesmo modo que o processo
social que a condiciona. (Freinet, 1974)
Trata-se de uma educação voltada à realização prazerosa do conhecimento,
proporcionando o desenvolvimento das capacidades afetivas, psicomotoras e cognitivas do
educando. Ao referir-se à educação pelo trabalho, Freinet, em nenhum momento, está falando
do aperfeiçoamento técnico voltado para o profissional, mas do trabalho como sendo um ato
motivador de descobertas.
Nessa perspectiva, o trabalho aparece compreendido como um conjunto de atividades
ativas, participativas, com o objetivo de proporcionar o prazer e a satisfação de se construir
algo significativo.
Freinet tinha uma grande admiração pelo trabalho do homem do campo, por perceber
a grande capacidade que tinha o camponês de auscultar a natureza, observando seus sinais e
reações capazes de determinar seu ritmo natural. Freinet (1998, p. 195) diz:
86
[...] quando discutíamos sobre nosso futuro, no quadro desse ritmo natural
em que nos banhamos, é como nosso trabalho que prossegue. Ou antes, isso
faz parte da nossa vida de trabalho e não se opõe de modo algum à paciente
continuidade do nosso esforço.
Freinet permite-nos perceber que o homem se constitui a partir de interações com o
meio e com outros seres humanos. Além disso, a natureza nos impõe ritmos, tudo acontece no
seu devido tempo. Como ele mesmo afirma na Invariante nº 13, “as aquisições não são
obtidas através do estudo de regras e leis, como às vezes se crê, mas sim pela experiência.
Estudar primeiro as regras e leis é colocar o carro adiante dos bois.”
Para esse autor, “o trabalho é o grande princípio, o motor e a filosofia da pedagogia
popular, a atividade de onde advirão todas as aquisições.” Assim, o trabalho é tomado como
uma expressão da vontade livre do indivíduo. Por isso defendemos que o aluno deve estar
consciente de seu papel na sala de aula e de suas tarefas durante o tempo em que permanece
na escola.
Ressaltamos que o professor, ao planejar suas atividades, deve considerar que nem
sempre os trabalhos serão realizados em curto prazo. Muitas vezes, encontram-se barreiras,
que devem ser transpostas, tendo em vista os objetivos traçados pelos educandos e educadores
cooperativamente.
A dinâmica do trabalho educativo está presente em toda a obra freinetiana. Ao
mergulhar na obra de Freinet, o indivíduo está sendo, a todo momento convida, estimula a
descruzar os braços e estabelecer princípios, traçar metas, “[...] fazer surgir do instante vivido
o processo histórico, no seu duplo aspecto individual e social” (FREINET, 2000, p.12.)
Percebe-se, desse modo, a inconsistência do discurso segundo o qual a concretização
da educação necessariamente está ligada a uma situação financeira acima do razoável,
87
especialmente ao se trabalhar considerando a realidade social e política do aluno. O problema
encontra-se principalmente na formação da alfabetizadora (professora); no sentido de ela
mostrar-se plenamente consciente do seu papel na vida do seu aluno, do modo mais humano
possível.
Tateamento experimental
Não são a observação, a plicação e a demonstração dos processos
essenciais da escola as únicas vias normais de aquisição de conhecimento,
mas a experiência tateante que é a conduta natural e universal.
(Freinet)
Uma das formas de desenvolver o espírito investigativo de nossos alunos seria
estimulá-los a vivências através do tateamento experimental, possibilitando-lhes a
observação, o sentimento, o levantamento de hipóteses ao longo do processo de construção do
conhecimento.
Quando em situações desafiadoras, o indivíduo se envolve, ativa-se sua capacidade
de conquista de novos conhecimentos, pela mobilização das funções mentais superiores,
concretizadas através da análise, da síntese, da criatividade e da cooperação. Ao longo dessa
construção, surgirão erros, considerados saudáveis, por tomarem parte no processo de
construção do conhecimento. Ninguém chega à escola pronto; o educador deve buscar
alternativas pedagógicas para a superação das dificuldades, com vistas ao sucesso escolar dos
educandos.
88
Cooperação
É a essência da proposta pedagógica de Freinet. Todas as atividades, as
conferência, os textos livres, as correspondências interescolares, o jornal
escolar, os planos de trabalho... são desenvolvidos dentro de uma linha de
cooperação, adquirindo, assim, um sentido novo e profundo.
(Paiva, 1997, p. 15)
Outro princípio freinetiano é a cooperação. Ela permite uma maior integração do
grupo, no qual são respeitadas as opiniões e há a contribuição de cada um. A cooperação é um
estímulo ao grupo para encarar os desafios, contribuindo para a construção de relações de
trabalho e de afetividade a partir da vivência de valores tais como: companheirismo,
solidariedade, integração social.
Na sala de aula freinetiana, os alunos são estimulados a adotar uma relação
harmoniosa, para uma aprendizagem significativa. À medida que o aluno apresenta sua
experiência, interage sugerindo estratégias de superação das dificuldades na sala de aula.
Livre Expressão
A livre expressão caracteriza a dimensão ideológica da pedagogia Freinet. Ela
fundamenta a prática educativa emancipadora, capaz de estabelecer rupturas tanto com o
dogmatismo como com as formas limitadoras de convivência no espaço escolar.
89
Na pedagogia Freinet, o educando é valorizado na sua comunicação, expressando
suas idéias, seus valores, sentimentos e gostos, assegurando o respeito a sua individualidade.A
liberdade do aluno é respeitada e preservada no âmbito escolar. Na alfabetização de jovens e
adultos, ela é compreendida como manifestação de vida e de amor à ação educativa.
3.3 – A livre expressão nas salas de EJA
A livre expressão é a própria manifestação da vida.
(Freinet, 1979, p.12)
A livre expressão estimula, valoriza e impulsiona o desenvolvimento de atividades que
possibilitam ao aluno aplicar os conhecimentos adquiridos na escola em outras situações do
cotidiano.
Freinet (1896-1966), em sua trajetória aponta aspectos relevantes para o
desenvolvimento da escola para o povo, dentre os quais, destaca: o respeito ao educando
como sujeito da aprendizagem, a vivência do cotidiano escolar, o desenvolvimento de uma
práxis pedagógica dinâmica, criativa, que permita ao aluno construir o conhecimento a partir
de atividades práticas, conseguindo teorizar sua prática educativa, como afirma Pereira (1997,
p. 67):
[...] enfim, uma proposta que tem sua origem e seu próprio campo
experimental no processo dialético da práxis educativa, corporificando uma
síntese de fundamentos e técnicas educativas, comprometida com a
valorização do indivíduo para que este se torne forte fisiológicamente,
intelectual, moral e psiquicamente, desenvolvendo de modo lógico, poderoso
e integralmente a sua personalidade, condição fundamental para a sua
participação crítica, criativa e cooperativa no seio da sociedade.
90
Atualmente, as pesquisas e estudos em torno da pedagogia Freinet têm avançado
significativamente, adequando-se ao novo contexto social e às exigências do mundo
contemporâneo, assim como Freinet afirmava, com relação à escola moderna, que, segundo
ele, “[...] não é nem uma capela, nem um clube mais ou menos restrito, mas na realidade
uma via que nos conduzirá àquilo que todos juntos construiremos (FREINET, 2001, p. 28 ).”
Nesse sentido, a constituição de uma sociedade mais justa e igualitária será fruto do trabalho
cooperativo, do incentivo ao auxílio mútuo bem como do compromisso individual e grupal.
Freinet, ao abordar temas atuais, convida os educadores a fazer uma revisão das
práticas pedagógicas contemporâneas, a refletir sobre a sua prática pedagógica num contexto
de século XXI. A possibilidade de legitimação de uma política educacional voltada para a
superação das dificuldades, submetendo-se a críticas, a dúvidas ao longo do trabalho
contribuiu para uma prática significativa e contextualizada.
A obra de Freinet expõe aos educadores, partindo de experiências do cotidiano, com
genialidade, clareza e simplicidade, o desejo de tornar a educação mais humana e solidária,
estimulando a construção do conhecimento.
A pedagogia Freinet foi, desde o início, coletiva, militante, tendo como mérito a
paixão pela educação, a coragem para desenvolver a pedagogia, conforme Élise Freinet
(1979) narra na obra O itinerário de Célestin Freinet.
A livre expressão, na pedagogia Freinet, significa dar voz ao aluno, a partir da
necessidade que todo o ser humano tem de ser estimulado a falar e ser considerado. Além
disso, praticar a livre expressão no processo pedagógico com jovens e adultos passa a ser um
estímulo fundamental e indispensável para o desenvolvimento desse aluno. Segundo
SANTOS, 1996, p. 25,
91
[...] não é somente favorecer-lhe o domínio do código lingüístico, mas é
também e principalmente, por meio desse domínio, criar condições
favoráveis para que ele – indivíduo e ser social, co-detentor e co-construtor
de uma cultura – possa: desenvolver no máximo as suas potencialidades;
adquirir o hábito de buscar por si só meios para superar seus bloqueios e
dificuldades e tornar-se cada vez mais independente e capaz de enfrentar,
com o máximo de realização, o seu destino de homem e cidadão.
Como se pode observar, a prática da livre expressão exige situações motivadoras,
facilitadoras, para o exercício de uma prática pedagógica estimuladora, viva, na qual o aluno
começa a se apropriar do código escrito de maneira mais significativa, sendo estimulado à
busca de suas respostas, de modo autônomo.
A livre expressão, então, é o ponto de partida da pedagogia Freinet, constituindo o
elemento central das técnicas de trabalho. Ela estimula a ação educativa, além de impulsionar
todas as atividades do contexto escolar, visto que o que se aprende na escola fornece
elementos para que o aluno mobilize o seu conhecimento e possa aplicá-lo em outras
situações do cotidiano de modo significativo.
Nessa perspectiva, Élise Freinet (1979), ao reconstituir o itinerário de Célestin
Freinet, diz que, de acordo com esse princípio, a sala de aula freinetiana deve ser constituída
num clima de respeito, confiança, no qual o jovem ou adulto se sinta à vontade para se
expressar através do gesto, do desenho, da palavra, o que possibilita a realização da
sinceridade, e a sensibilidade aguça os alunos, possibilitando a busca de soluções de
problemas, além de fortalecer o conhecimento do indivíduo e do grupo social.
Trabalhando-se nessa perspectiva de liberdade de expressão, não se pode deixar o
aluno entregue a sua própria sorte: o professor mediador é de fundamental importância nesse
processo; ele é inclusive, responsável pela permanência do aluno em sala de aula:
92
Nem sempre o meio familiar propicia experiências de descobertas
fundamentais para que se desperte o desejo de se alfabetizar. Nesse caso,
intensifica-se ainda mais que a escola – na medida em que assume essa
responsabilidade – criar o maior número possível de situações capazes de
gerar o desejo de realizar o aprendizado e até mesmo – por que não] – fazer
surgir um certo descontentamento provocado pelo fato de ainda não se saber
ler nem escrever (SANTOS, 1996, p.212).
Concordamos com Santos (1996), quando ela nos aponta a dificuldade de apoio ao
educando no ambiente familiar. Com a clientela de alunos jovens e adultos, essa dificuldade
torna-se mais preocupante ainda. Ao longo do desenvolvimento do projeto, deparamos com
casos de abandono e evasão por vários motivos; dentre eles, os ligados ao preconceito da
família, à violência contra mulheres, vizinhos que desvalorizavam os alunos e alunas, o
cansaço físico, o mental, a busca de emprego, o difícil acesso à escola devido a alagamento
nas proximidades, etc.
Na salas de EJA onde desenvolvemos a nossa pesquisa, a livre expressão tornou-se
uma prática cotidiana: alunos e professoras interagiam opinando, criticando, contribuindo,
através da palavra, da produção textual, de discussões e do balanço das atividades para o
desenvolvimento do trabalho alfabetizador, entendido como participação ativa no processo de
aprendizagem com um pensamento crítico em relação a aspectos da realidade da vida dos
educandos.
Nessa convivência educativa, os princípios da pedagogia Freinet, em especial o da
livre expressão, eram postos em prática, ao dar-se a palavra aos jovens e adultos, ao ser-lhes
possibilitada a manifestação artística, expressiva, oral, musical ̛ os meios de se expressar e
se comunicar. Como podemos observar que o aluno J ao finalizar a sua produção de pintura
com anilina, ele sentiu vontade de escrever um verso de amor do outro lado da folha:
93
O amor é abstrato
quero dizer não é invulto
se sente mas não se vê
se é comprido, se é culto.
O qual impera forçoso
e se forma absoluto.
Esse versinho nos revela o quanto essa experiência está sendo valiosa e significativa
para os alunos. Além do aspecto cognitivo percebemos também mudanças no aspecto
atitudinal, e uma elevação da auto estima, além disso, o aluno se sente capaz de aprender cada
vez mais.
Fotos - 08 e 09 - Confeccionando cartões
94
CAPÍTULO 4
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA NAS SALAS DE AULA E ANÁLISE DOS DADOS
4.1 Descrição da experiência
Neste capítulo, descreveremos as situações de aprendizagem desenvolvidas pelas
alfabetizadoras nas duas turmas de alfabetização, bem como analisaremos os dados coletados.
Fundamentamo-nos estudos da pesquisa qualitativa, que propõem a interação entre o
pesquisador e o fenômeno pesquisado, adentramos nas turmas que constituíam o campo de
investigação deste trabalho um ano antes de iniciar a experiência propriamente dita, mantendo
contatos, coordenando reuniões pedagógicas ̛ nas capacitações inicial e continuada dos
alfabetizadores ̛, observando as salas de aula ̛ nas visitas de acompanhamento pedagógico
̛ e colocandos-nos à disposição das alfabetizadoras para trocas de experiências.
Ao iniciarmos a trabalhar no Projeto Redução do Analfabetismo, constatamos que
havia uma dificuldade muito grande de mantermos a freqüência dos alunos na sala de aula,
uma vez que eles eram desmotivados, devido ao fracasso escolar nas experiências anteriores.
Ao tentarem retomar os estudos, os alunos costumam enfrentar desafios, como a crítica de
vizinhos, a falta de apoio da família além das condições precárias das salas de aula e a fadiga
após um dia de trabalho pesado. Somando-se a tudo isso, não podemos esquecer a realidade
socioeconômica, as condições precárias em que vivem os alunos e a baixa auto-estima, que,
em alguns casos, dificulta a posssibilidade de vislumbrar melhores condições de vida.
95
Desde os anos de 1990, a legislação que defende uma educação para todos vem
sendo muito discutida, com a preocupação voltada também para a alfabetização de milhares
de jovens e adultos que ainda não se apropriaram do código escrito.
Mas, ainda se tem muito que melhorar nesse aspecto, porque, na prática, as
alfabetizadoras vivenciam uma contradição: de um lado, está o avanço tecnológico; de outro,
esse avanço está muito distante da sala de aula, pois usa-se apenas giz, lousa e saliva. Além
disso, há o despreparo de alguns professores, que, à noite, já estão no terceiro turno de
trabalho, geralmente desmotivados pelos baixos salários, péssimas condições de trabalho,
além de não serem treinados para atuar nessa modalidade de ensino. Tudo isso reflete no fazer
pedagógico, dificultando o processo de ensino-aprendizagem .
Organizando a aprendizagem de jovens e adultos baseada na
experimentação e na vivência
Como dissemos anteriormente, para a realização deste estudo passamos cerca de
um ano fazendo observações, em visitas às salas de aula, ouvindo o relato de outros
coordenadores setoriais alfabetizadores, o interesse e a curiosidade pelos estudos
freinetianos, incluindo-se a tentativa de aplicação dos princípios e técnicas da pedagogia
Freinet a salas de alfabetização de jovens e adultos.
Percebemos que havia a predominância do uso dessas técnicas, sendo necessários
apenas alguns ajustes, uma melhor apropriação dos princípios freinetianos. Verificamos,
96
também, que, nesse processo, todos os envolvidos, à medida que vão se apropriando da
essência dessa pedagogia, passam por transformações significativas, ̛ em especial, no que
se refere ao respeito ao outro e à convivência em grupo.
Foi a partir da constatação do que vinha acontecendo nas salas de alfabetização
que nos dispusemos a promover encontros quinzenais voltados para os estudos dos
princípios e práticas freinetianas. Nesses encontros, discutimos aspectos relevantes da
prática pedagógica, os problemas enfrentados nas salas de alfabetização de jovens e
adultos, aspectos da aprendizagem desses sujeitos, buscando construir alternativas para a
superação das dificuldades nos pressupostos teórico-metodológicos de Célestin Freinet.
Ressaltamos que, em tais encontros, também foram discutidos alguns aspectos que
permeiam o processo educativo que julgamos relevante para uma melhor compreensão da
função social da escola, da dinamização da sala de aula, da aprendizagem da leitura e da
escrita, e os tipos de atividades realizadas com os alunos numa sociedade letrada.
Como se sabe, a educação não deve ter objetivos imediatistas, mas ser construção
para a vida. Para isso, ela deve desenvolver um trabalho centrado nos alunos, com o intuito
de atender a suas necessidades partindo do seu próprio cotidiano.
Acatando o pressuposto de que é preferível ter-se cérebros bem estruturados e
mãos experientes a cabeças cheias de conhecimento, Freinet reestruturou a escola e o fazer
pedagógico dos professores, convencendo-os de que apenas o uso exclusivo da palavra não
bastava, mas que deviam desenvolver atitudes que demonstrassem essas mudanças,
capazes de tornar a escola viva, participante, mais interessante para os educadores, na
construção de uma sociedade mais justa.
A escola voltada para o homem do século XXI deve estar em constante modificação,
a fim de acompanhar o progresso da tecnologia e do interesse do homem moderno. Nesse
97
sentido, há uma exigência cada vez maior da adequação do uso da leitura e da escrita no
cotidiano.
Partindo desse ponto de vista, propusemos às alfabetizadoras investigadas a
realização de experiência com a utilização de diversos textos nas salas de alfabetização de
jovens e adultos, visando à exploração pedagógica de algumas necessidades dos alunos,
como:
a) conteúdos significativos e oriundos de seu convívio;
b) clareza de linguagem e riqueza de sentidos;
c) conhecimento de diversos gêneros literários que estão presentes nas
experiências cotidianas dos alunos;
d) contato com elementos da própria cultura escrita que passam a ser explorados
pedagogicamente e na perspectiva de interdisciplinaridade;
e) discussões provenientes das realidades sociais.
Nesse sentido, nossa experiência foi desenvolvida com a utilização dos princípios e
práticas freinetianas no contexto da alfabetização de jovens e adultos, em busca de uma
melhor compreensão do contexto, tentando viabilizar uma prática pedagógica viva,
significativa.
Enfrentamos, ao longo do percurso, resistências quanto à metodologia de ensino
aplicada em sala de aula, especialmente por parte dos alunos. Atribuímos isso ao modelo de
escola que eles conheciam e com o qual tinham fracassado até então. Ao passar a freqüentar o
projeto, eles tinham o objetivo de suprir o fracasso a partir da única referência que possuíam.
Nesse sentido, Freinet (1977, p. 16) diz: “Sabe-se vagamente que o método global é como um
98
símbolo da não obediência às práticas tradicionais que ensinam a letra, a sílaba, a palavra e só
depois a frase.”
O processo de alfabetização a partir da utilização de um trabalho de análise dos
textos dos próprios alunos exige do alfabetizador um processo de negociação e
conscientização, para que o aluno se sinta seguro e capaz de enfrentar os desafios.
De acordo com a proposta freinetiana, deve-se valorizar a produção do aluno ao
invés do uso do livro didático, que limita o desenvolvimento da criatividade do aluno. Sobre
esse tema Freinet (1976, p.54) assim se expressa:
Devemos dizer, por fim, para evitar todos os mal entendidos, que a nossa
coordenação não visa os livros, cujas virtudes jamais seremos capazes de
enaltecer suficientemente, mas os livros que se usam como ‘manuais
escolares’ para o estudo e o trabalho na escola, ‘súmulas’ sem horizonte,
especialmente escritas tendo em conta os programas e os exames.
Freinet (1977), em seu livro A leitura pela imprensa na escola, comenta um trabalho
realizado por Decroly, que fala da construção da fala na criança. No qual ele diz:
Para falar, ela nunca parte da letra ou da sílaba, nem mesmo da palavra, mas
da expressão global. Se só tiver uma palavra à sua disposição essa palavra
estará já num contexto de entonação e de música que lhe confere o seu
elevado valor global (Freinet, 1977, p. 17).
99
Nesse sentido, ao aprender a pronunciar as palavras, a pessoa não necessita apegar-se
aos elementos que constituem a palavra (letra, sílaba), mas à idéia daquilo que deseja
expressar. Pode-se, portanto, estender esse raciocínio para o aprendizado da língua materna;
ou seja, para se aprender a ler e escrever, faz-se necessário compreender o sentido global da
palavra; caso contrário, ocorrerá a simples decodificação.
Ao percorrer os caminhos que nos indicariam uma resposta positiva para nossas
inquietações, contamos com a participação das alfabetizadoras das duas turmas com as quais
trabalhamos, que nos ajudaram a construir o nosso referencial empírico, através do
acompanhamento sistematizado de suas práticas quotidianas.
A participação no grupo de estudos era optativa, como propõe Célestin Freinet, que
afirma que sua pedagogia deve ser uma pedagogia de adesão, deve ser uma atitude livre da
qual os sujeitos se sintam estimulados a participar e que queiram vivenciar.
DAS REUNIÕES DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS
As reuniões de estudos pedagógicos foram muito importantes para a discussão das
práticas freinetianas e dos seus desdobramentos no dia-a-dia das ações pedagógicas das
alfabetizadoras. O conhecimento como uma atividade inseparável da prática social, o
alfabetizador como mediador do processo ensino-apprendizagem, e uma dimensão político-
social inerente a esta prática pedagógica, implicando numa reflexão sobre os alfabetizandos e
seus contextos de vida assinalaram esses momentos significativos de estudos.
100
FOTO 10 - Grupo de estudos da pedagogia Freinet
Nossos encontros eram realizados quinzenalmente, às sextas-feiras, no turno
matutino. Foram previstas dez sessões, porém só foi possível a realização de nove delas, em
virtude do calendário universitário e de feriados, que coincidiam com os dias dessas reuniões.
A duração de cada sessão era de cerca de duas horas e meia.
A coordenação dos encontros ficou sob a nossa responsabilidade, com a participação
e a colaboração da professora Giovana Carla Cardoso Amorim de Melo e do professor
Francisco de Assis Pereira.
Nesses encontros, fomos construindo um ambiente acolhedor e aberto a discussões
referentes ao fazer pedagógico da pedagogia Freinet, compartilhando experiências. Esse
espaço privilegiado também era onde buscávamos a superação das dificuldades encontradas
101
nas salas de alfabetização de jovens e adultos ̛ desde a falta de estrutura física à
impossibilidade de se incrementar o ambiente alfabetizador, pois muitos locais de
funcionamento das turmas do projeto Redução do Analfabetismo não ofereciam condições
para exposição dos trabalhos dos alunos, inclusive correndo-se o risco de destruição.
O contato permanente com as alfabetizadoras do Projeto Redução do Analfabetismo
permitiu que fosse traçado o perfil de cada uma delas. Desse modo, passamos a conhecer de
perto seus pontos fortes, os compromissos com a educação dos jovens e adultos, as
expectativas, as fragilidades, as dificuldades, angústias. Percebemos, ainda, como as
alfabetizadoras mobilizavam os saberes para aplicar as idéias do ensino ativo: mesclavam
essas idéias com as do ensino tradicional, característico da formação da maioria delas.
Pudemos observar que algumas alfabetizadoras avançaram mais nos aspectos
atitudinais, pois a abertura para o diálogo estava sempre presente nas salas pesquisadas. O
ritmo do aluno também recebia uma atenção especial.
As situações de ensino-aprendizagem baseadas em princípios da educação ativa
começavam a ser sutilmente ampliadas, apesar de presenciarmos algumas ocorrências em que
conteúdos eram memorizados de modo fragmentário. Esse fato era uma marca sempre
presente, conseqüência da formação das alfabetizadoras. De certa forma, não poderia ser
diferente, pois o novo assusta um pouco e nem sempre podemos nos desvincular das nossas
origens, das nossas referências.
A partir das inquietações e sugestões das alfabetizadoras, alguns estudos específicos
sobre as técnicas freinetianas foram realizados para facilitar o desenvolvimento do ensino-
aprendizagem da língua materna, como estratégias para a superação dos erros dos jovens e
adultos em processo de alfabetização. Paralelamente, discutimos questões ligadas ao
desenvolvimento cognitivo na alfabetização de jovens e adultos.
102
Iniciamos nossos estudos com a apresentação de um breve histórico da vida e do
trabalho de Freinet e do contexto educacional da França nos anos 20. A partir dessa
contextualização, passamos à discussão dos princípios pedagógicos das técnicas educativas de
freinetianas.
Dentre os princípios freinetianos, percebemos que as alfabetizadoras faziam uma
aplicação mais acentuada da livre expressão. Isso ficou patente quando elas declararam que a
livre expressão é fundamental para o desenvolvimento de uma prática pedagógica centrada no
aluno das classes populares que vem se mantendo à margem da sociedade.
D AS DIFICULDADES ENCONTRADAS
Ao longo de nosso trabalho, enfrentamos muitas dificuldades pedagógicas de
organização do espaço educativo, uma vez que não podíamos expor os trabalhos dos alunos
na sala de aula. As tentativas de trabalhar com painéis e murais foram frustradas, chegando ao
ponto de, no dia seguinte à exposição do trabalho, este ser encontrado rasgado e na lixeira.
A alfabetizadora SSA nos revelou certa vez:
[...] não dá pra trabalhar porque os outros arrancam, rasgam[...]. comigo
aconteceu que jogaram no lixo [...].outro dia cheguei e encontrei molhado os
livros que consegui de doação [...] As alunas ao encontrarem seus trabalhos
no lixo ficaram muito chateadas e sentindo-se desrespeitadas.
103
Essa situação motivou o grupo a promover uma reunião com a diretora do Pólo da
FUNDAC, apresentando os objetivos do nosso trabalho. Ao final da reunião, ficou acordado
que as alfabetizadoras poderiam utilizar o espaço da melhor forma possível, mas, na prática,
os acidentes com os trabalhos fixados na parede continuaram acontecendo.
Num desabafo, SSA diz:
É muito difícil, pois há muita má vontade por parte de quem cede o espaço.
Mesmo enfrentando esses obstáculos sentimos que, de certa forma, vai
fortalecendo e permitindo uma maior organização no momento de
reivindicar seus direitos, de forma crítica contribuindo para a constituição da
cidadania desse grupo.
Outra alfabetizadora também encarou situação semelhante: teve o seu correio
arrancado e pisoteado por alunos de outros turnos. Essa situação motivou a discussão acerca
do respeito ao outro, limites, uma vez que os jovens e adultos da pesquisa se sentiram
desrespeitados e seu trabalho desvalorizado. Após esse incidente, foi necessário um período
de negociação e de elevação da auto-estima, pois muitos não se sentiam capazes nem em
condições de realizar determinadas tarefas. Foi de grande relevância toda a iniciativa de
estimulá-los a produzir textos diversificados, tais como o jornal mural da sala de aula, quando
tiveram a oportunidade de se sentir capazes de ler, escrever, desenvolvendo ações educativas.
Transparecia seu entusiasmo, que os impelia ao capricho, favorecendo para que tudo saísse da
melhor forma, com o melhor acabamento possível, visto que tinham a consciência de que
aquele registro ficaria ali por muito tempo.
Outro ponto que mereceu destaque foi a limpeza e a manutenção da sala de aula,
muitas vezes feita pela própria alfabetizadora e pelos alunos, pouco antes do início das
104
atividades do dia. Tornou-se imprescindível desencadear uma discussão acerca do papel da
escola e dos alunos diante de uma situação como essa.
Tais atitudes de desrespeito atrapalhavam o desenvolvimento do trabalho proposto
pela pedagogia Freinet, uma vez que ela tenta conjugar várias atividades, sistematizando-as
em momentos de produção individual ou coletiva. São de grande importância os momentos de
exposição dos trabalhos para o grupo. Para que isso se concretize, deve ser gerado em sala de
aula um clima de cooperação e confiança pelo grupo.
Uma sala de aula verdadeiramente freinetiana exige um espaço propício para que os
alunos vivenciem experiências tateantes. Caso contrário, a educadora deverá tentar suprir essa
deficiência montando outras estratégias pedagógicas que conduzam a turma a atingir seus
objetivos.
É no contexto da sala de aula que tudo se concretiza, ganha força e vida na pedagogia
freinetiana, porque ela rompe com os padrões pré-estabelecidos pela escola tradicional,
começando pela disposição das carteiras. As salas adquirem característica de oficinas de
trabalho, ou de ateliês, estimulando o aluno a trabalhar em grupo. Nesse espaço, vale a pena
salientar, o aluno tem também a liberdade para executar tarefas individualmente, respeitando-
se seu ritmo e sua autonomia.O papel do professor mediador é importantíssimo, buscando
estar sempre disponível nos momentos em que o aluno necessita da sua intervenção.
105
A vida na sala de aula
A democracia de amanhã prepara-se pela democracia na escola. Um regime
autoritário na escola não seria capaz de formar cidadãos democratas.
(FREINET, 1969, p.187).
Foto 11 - Alunos apresentando suas produções
A pedagogia Freinet revela-se pelos seus princípios e práticas: utiliza a pesquisa
como princípio educativo, fundamenta-se em valores universais ̛ como a autonomia, a
responsabilidade e a cooperação ̛, utiliza estratégias dinamizadoras na sala de aula.
A sala de aula com características freinetianas apoia-se nas necessidades e direitos
dos educandos, que precisam ser reconhecidos e respeitados. A originalidade dessa pedagogia
está no caráter atribuído às atividades escolares, assumidas como um verdadeiro trabalho e
durante as quais o professor se coloca à disposição dos jovens e adultos, para que eles possam
divulgar suas realizações (SANTOS, 1996).
Nas turmas freinetianas, os alunos realizam um trabalho criativo e recebem, dos
alfabetizadores e dos colegas, comentários, críticas e sugestões acerca das suas produções. A
106
livre expressão é reconhecida como elemento central de todas as ações. Por isso mesmo, a
sala de aula Freinet é um convite permanente ao trabalho, ao diálogo e à comunicação.
Nas atividades freeinetianas, exercícios rotineiros cedem lugar à realização de
projetos, aulas-passeio, enquetes, álbuns, livros da vida e à prática da correspondência
interescolar, dentre outras.
A sala de aula se organiza em cantos de trabalho onde são desenvolvidos momentos
coletivos, momentos em equipe e individuais, nos quais são previstas conversas, planejamento
cooperativo de atividades, narração ou leitura de histórias, planejamento de visitas e trabalhos
em oficinas.
Os alunos vivem alternadamente diferentes papéis ̛ ajudando e sendo ajudados,
auxiliando e sendo auxiliados, criticando e recebendo críticas, propondo sugestões e
realizando-as cooperativamente. Da mesma forma, as alfabetizadoras têm como
intencionalidade central motivar o educando a se expressar, a pesquisar, a interagir e a decidir.
Assim, tornam-se ambos ̛ alfabetizadora e alfabetizandos ̛ responsáveis, respondendo
pelos seus atos e exercitando a democracia no interior da sala de aula.
Algumas técnicas concretizaram a livre expressão nas salas de aula com que
trabalhamos, concorrendo para a dinamização das atividades bem como possibilitando o
respeito aos interesses e ritmos de cada educando.
Eis um comentário da alfabetizadora SSA sobre as atividades realizadas:
[...] As técnicas mais utilizadas foram: partindo do histórico de cada um, nós
fizemos a biografia, os aniversariantes de cada mês e a aula passeio... e
inclusive nós descobrimos os meios alternativos de transporte daqui da
comunidade [...] como o trem urbano que é mais econômico [...]
107
A alfabetizadora ECBS também comentou sua experiência com a aplicação das
técnicas freinetianas na alfabetização, no contexto da sua sala de aula com jovens e adultos:
É. [...] Não foi fácil e acho que hoje, se eu ainda estivesse dando
continuidade, não estaria sendo fácil porque [...] é uma coisa a longo prazo.
Não é uma coisa imediata. Eu vejo alguns resultados que se consegue com
essa proposta. Eu vejo alguns resultados porque é uma mudança muito
assim... é uma mudança do alfabetizador, do professor. É uma mudança nos
alunos, é uma mudança na escola. Senão a gente não consegue. A gente
consegue apenas aplicar as técnicas, mas não a proposta em si. Ela exige
muita dedicação, muito trabalho.
Foto 12 – A Vida na sala de aula freinetiana
A sala de aula freinetiana oportuniza um novo tipo de organização do ambiente
escolar: este vai se constituindo à medida que os alunos vão se familiarizando com a dinâmica
da sala de aula e vivenciando situações de trabalho real, desempenhando diferentes papéis
sociais. Mas como isso pode ocorrer?
108
No momento em que os alunos passam a desenvolver o trabalho de forma coletiva
vão se alternando os papéis: num dado momento, um aluno desenvolve o papel de liderança, é
o responsável, o que sabe ajudar e pedir ajuda, fazer apreciações críticas e ser criticado,
vivenciando na sala de aula um espaço privilegiado, incluindo-se a busca de resolução dos
conflitos que surgem ao longo do percurso. São negociadas as soluções coletivamente, através
da construção/reconstrução das regras de vida pelo próprio grupo.
O fato de reconhecermos a importância da busca do sentido político na aprendizagem
da leitura e da escrita dos jovens e adultos nos conduz a uma aprendizagem global, na qual o
aluno aprende na escola a interagir, a se comunicar, a questionar, a problematizar a sua
realidade social, bem como, produzir linguagem verbal e não-verbal,além de estabelecer
relações com o seu cotidiano.
Por isso chamamos a atenção para que o desenvolvimento do processo de
alfabetização se consolide num contexto de interação com a escrita, utilizando-se palavras,
frases, textos, atividades realizadas em consonância com a vida dos educandos.
4.2 Discussão dos dados
4.2.1 ̛ Construindo caminhos para uma prática pedagógica viva com as técnicas
freinetianas da livre expressão
Em contatos mantidos com pessoas vinculadas ao Movimento da Escola Moderna no
Brasil, nos foi informada a escassez, até o início de nossa pesquisa, de experiências da
pedagogia Freinet com jovens e adultos analfabetos ou de pouca escolaridade, o que mais
109
estimulou nosso interesse pela fundamentação nesse tema e a experimentação no campo
empírico.
Com base nos princípios freinetianos, aplicamos estratégias dinamizadoras baseadas
no princípio da livre expressão e as técnicas correspondentes nas salas de aula pesquisadas,
concorrendo essas técnicas para a construção de circuitos comunicativos e interativos bastante
ricos.
Salientamos que o trabalho com a livre expressão foi bastante motivado: as
alfabetizadoras desenvolveram estratégias que despertaram o interesse dos alunos. Quando
perguntamos de que modo os alunos sentiram necessidade de se expressar livremente, a
alfabetizadora SSA se pronunciou:
A questão da singularidade. Onde a minha opinião pode ser comum, no
entanto, há particularidades na minha forma de expressão seja ela corporal,
seja de idéias... Sejam palavras que a meu vocabulário acrescente. Então,
essa idéia de singularidade trouxe a cada uma... Uma necessidade de
participar, de ser parte de um todo, que eu faço falta no grupo. Então,
assim... a gente percebeu que eles hoje participam mais por querer se
inscrever no contexto social, num seguimento, seja num grupo... Significou
muito na vida dessas pessoas.
A alfabetizadora ECBS disse:
Tinha um aluno... Seu J. Ele era muito difícil de se entrosar. Ele se deu
muito bem comigo. A gente tinha uma confiança, mas para trazer ele para o
grande grupo era muito complicado. Porque ele tinha confiança em
determinadas pessoas e outras não. É... a gente foi tentando[...] Vendo com
quem ele se aproximava mais, procurando fazer... sempre procurando fazer
alguém que ele... pra que ficasse ao lado dele com outro grupo.que era dona
P. e também pessoas que eram da mesma religião que ele. Então, eu
colocava duas ou três pessoas que eram da mesma religião que ele. Então, eu
colocava duas ou três pessoas num grupo e aí ele participava, mas ainda era
complicado.
110
Para possibilitar a alfabetização dos nossos alunos, foram exploradas, em nossos
projetos, atividades que atendiam às necessidades coletivas e às individuais, a partir das
técnicas da pedagogia freinetiana, conforme elecamos abaixo.
D
Livro da vida
O objetivo dessa prática educativa é estimular a livre expressão do aluno através da
escrita, da colagem, do desenho, enfim, o mais relevante nela é o desejo do aluno de
comunicar-se.
O livro da vida é um espaço privilegiado para o registro do cotidiano da turma. Os
alunos se sentem muito felizes por terem um espaço para exercitar a sua livre expressão,
como nos falou a alfabetizadora ECBS, em uma das nossas reuniões de estudos: “Você
precisava ver a satisfação dela ao deixar sua marca no livro da vida...”
Em nossa pesquisa, os alunos criaram muita resistência a essa técnica. Fomos
tentando, através de nossas observações, encontrar alguma resposta para esse tipo de
comportamento e chegamos à conclusão de que o fato de o livro da vida ser trabalhado de
forma coletiva e de ficar exposto para qualquer pessoa que quisesse saber um pouco do
cotidiano daquela sala de aula, o que fora produzido pelos alunos, tornava um pouco
complicada a motivação para esse tipo de atividade, devido à dificuldade deles para mostrar
sua obra, especialmente através do registro escrito.
111
Quanto à resistência dos educandos, buscamos referências nos fundamentos da
pedagogia freinetiana e nos questionamos: Será que o grupo ainda não consegue se vê
cooperando?
Percebemos que, diante de determinadas situações, de determinados desafios, os
educando se comportam de modos diferentes. Quando se sentem capazes/confiantes para
solucionar um problema, eles se prontificam, agem rapidamente. Porém, em situações que
apresentem um certo desafio, eles desistem com facilidade e se escondem atrás das seguintes
frases: “Eu não sei...” “Eu não posso...” “Eu não sou capaz de fazer...” e alguns assumem:
“Eu tenho medo de errar...”
Diante de uma situação dessas, o mediador deve ter muita clareza de seus objetivos e
tranqüilidade para encorajar os educandos a superar essas dificuldades através do
fortalecimento da auto-estima, sempre relembrando os avanços realizados por eles ao longo
da trajetória empreendida.
D Textos individuais e coletivos
Buscamos estimular o processo de alfabetização, como recomenda PEREIRA (1997,
p.103), através da “utilização do texto em situações de real interlocução e de clima de
liberdade onde o aluno possa pensar e se expressar, pondo em xeque a tradicional forma de
ensino da escrita, ainda hoje adotada em nossas escolas.”
Estimulado inicialmente nesse nível, o debate, enriquecido pela produção textual,
necessariamente busca ampliar-se significativamente na socialização. A troca de idéias dirige-
112
se para a produção de texto nesse incentivo gerador de confiança e respeito. Aqui se realiza o
processo educativo, quando a alfabetizadora conduz seu aluno a níveis mais significativos.
O texto livre ̛ como o próprio nome sugere, é livre. Embora não seja exigido pelo
professor, deve ser estimulado cotidianamente e o aluno poderá sentir necessidade de
socializá-lo.
Os alunos devem ser estimulados a debater, trocar idéias, experiências, produzir
textos individuais e coletivos. Uma das estratégias utilizadas para iniciar a produção de textos
dos alunos nas turmas que investigamos foi levar para a sala de aula textos diversificados. No
início foi muito difícil, pois eles “exigiam” “o b - a – ba.” E reclamavam muito dizendo: “Ah!
É um absurdo querer ensinar a gente com texto se nem conhecemos direito o alfabeto...”
Com muita paciência, as alfabetizadoras foram conquistando a confiança dos
educandos, através do incentivo diário e constante, havendo casos relatados por elas em que,
depois de um tempo, eles começaram a trazer textos como poesias, panfletos, jornais, revistas
para serem discutidos em sala de aula ou, até mesmo, fizeram a socialização de textos
interessantes.
Algumas vantagens foram evidenciadas com o uso do texto livre, mesmo que essa
técnica tenha sido um verdadeiro desafio para os grupos trabalhados. Para a alfabetizadora
SSA, os alunos, no texto livre,
Puderam mergulhar na própria subjetividade, descobrindo o quanto eles
tinham guardado e podiam expressar. É uma história de que Eu não sei...
Não posso... Eu não consigo... De repente ele diz: Eu fiz isso tudo? E não
foi? E não foi é... recomendado o número de linhas, nem... nem de palavras.
Elas ficam a vontade de fato e a coisa flui e se surpreendem com o resultado.
Também para a alfabetizadora ECBS há vantagens no uso do texto livre:
113
Quando eles começam a perceber que podem produzir, reconhecer textos,
então [...] essas foram as maiores vantagens que o texto livre produziu. E o
prazer mesmo de dizer: Hoje eu estou sabendo ler e escrever.
Ressaltamos, com a alfabetizadora SSA, que no início do trabalho com o texto livre,
os alunos se apresentavam inibidos:
Há um medo, no princípio de se identificar nas produções? No início eram
anônimas, com o passar do tempo [...] com a reescrita do texto[...] visto uma
segunda leitura [...] a organização da ortografia[...] com a arrumação foram
perdendo a inibição da questão do erro... o que está errado[...] fica feio. E aí
surgiu uma identificação de assinatura, de assumir o trabalho, a autoria.
Esses relatos nos remetem a Paulo Freire (2001) quando fala da descoberta dos
alunos de suas possibilidades de aprendizagem e afirma que é fundamental o papel do
educador, aquele que auxilia o aluno a “reconhecer-se como arquiteto
de sua própria prática
cognoscitiva (FREIRE, 2001, p. 140).” (grifo do autor)
Ao introduzirmos o uso do texto livre como uma técnica educativa da pedagogia
Freinet, as salas de aula se transformaram em espaços de expressão, produção, com um novo
sentido para os alfabetizandos, que passaram a atuar como sujeitos da sua própria
aprendizagem, exercendo sua humanização.
114
Jornal escolar
Instigados em sua sensibilidade pelas alfabetizadoras, os alunos decidiram realizar
um jornal escrito, no qual tiveram espaço para exercitar sua livre expressão.
Antes da confecção do jornal, fez-se a vivência, para que eles pudessem ter acesso ao
jornal, manusear, conhecer, podendo ler, discutir, comparar os cadernos, enfim para que
conhecessem a estruturação do jornal em si. Primeiramente foram escolhidos os assuntos a
serem abordados naquela edição, a periodicidade do jornal, além do material necessário à
confecção, optando-se pelo jornal mural. Registramos um desses momentos de produção na
turma da alfabetizadora SSA, como podemos ver a a seguir:
Foto 13 – Produção de um jornal mural
115
DFesta de aniversário
2
Estimular o aluno a aprender com prazer, divertindo-se, quando se trata de
alfabetização de jovens e adultos, é considerado o método para a conquista do aluno, pois
serve de pretexto para a utilização do lápis e do papel. É importante lembrar a necessidade do
ser humano de socializar-se, confraternizar-se com seus pares, como numa solene celebração
da vida.
O momento festivo deve ser muito bem aproveitado na adequação à aprendizagem
em sala de aula por envolver conteúdos lingüísticos diversificados como ocorre na produção:
do cerimonial, da homenagem, do convite, do cardápio, perpassando pela integração do grupo
e a socialização, e culminando na aprendizagem.
Nas duas turmas pesquisadas, observamos que tudo foi muito bem pensado. Uma das
primeiras providências tomadas foi a realização de uma reunião cooperativa, na qual foram
apresentadas propostas, como a promoção de uma festa de aniversário, de um São João, um
Natal, com a divisão de tarefas: ornamentar, animar, etc. Nessas comemorações, os alunos
revelam seu talento musical, ao tocar violão, pandeiro; recitavam poesias; até acompanham as
letras das músicas no videokê. Os alunos se sentiam extremamente valorizados, encorajados a
enfrentar a vida, graças ao ambiente acolhedor e de confiança. Isso é muito gratificante, uma
vez que permite ao aluno experimentar suas possibilidade criativas.
2
Essa prática consta do livro da Professora Maria Lúcia dos Santos, militante do Movimento da Escola Moderna
(fundado por Célestin Frienet), intitulado “A expressão livre no aprendizado da Língua Portuguesa – (Pedagogia
Freinet), da Scipione (1993).
116
Foto 14 - Preparando a festa de aniversário
O principal, dentre os vários motivos desencadeadores do abandono da escola por
jovens e adultos “analfabetos”, seja a sua baixa auto-estima.
Muitas turmas realizaram festas de aniversário, proporcionando para alguns colegas
momentos ímpares. Muitos vivenciaram pela primeira vez a realização de um evento festivo ̛
uma ceia de Natal, aniversário ̛ , momento de excelência em suas vidas. Nesses eventos,
todos os envolvidos no processo ̛ coordenação, professor, alunos ̛ têm oportunidade de se
conhecer melhor, num ambiente descontraído e cooperativo: os alunos mostram-se mais
espontâneos, receptivos, por perceberem possibilidades de amadurecimento, encorajados pela
pedagogia freinetiana.
117
Aula-passeio
Dentre as práticas freinetianas, no contexto da pesquisa que realizamos, a mais
conhecida de todas é a aula-passeio. Com essa prática, além de ensinar, oportuniza-se aos
alunos conhecerem espaços culturais, monumentos históricos, auxilia-se o processo de
integração na escola e, concomitantemente, os alunos passam a conhecer melhor o espaço
onde vivem.
Sobre esse aspecto, a alfabetizadora SSA nos relata:
[...] através das aulas-passeio ampliamos os horizontes. Fomos a
Parnamirim, à Ribeira, percorrendo o trecho do trem urbano, que é bem mais
econômico. E entre outros como visitar a Praia do Forte, que destaca o
contexto histórico da cidade[...]
Quanto a esse aspecto de abertura para conhecer a história da cidade em que vive,
através da aula-passeio, percebe-se a integração da vivência do aluno. Nesse caso, a
memorização funciona como um complemento. No processo ensino-aprendizagem, o estudo
da história, na escola tradicional, obriga a memorizar conteúdos considerados importantes, no
entanto sem se estabelecerem reflexões, conexões com o contexto do aluno e sem se mostrar a
possibilidade de esses conhecimentos serem aplicados em outras situações. Essa vivência
permite que os alunos passem a ter uma visão mais significativa sobre monumentos
históricos, fatos que ocorreram em outro espaço temporal. A mudança desse olhar pode ser
observado quando SSA diz:
Na verdade[...] eles conheciam esses locais por nomes, apenas, por
citações[...] Não o contexto histórico e o valor desses conteúdos para a vida
da cidade, como por exemplo: a Praça André de Alburquerque[...] Porque
que tinha esse nome? A igreja[...] A primeira igreja que a cidade[...] A
cidade nasceu ali naquele contexto[...]
118
Foto 15 – Percurso do trem urbano
E nessas viagens pela história também foram feitas descobertas importantes, como a
possibilidade de utilização do trem urbano para o deslocamento diário. As alunas entenderam
que, para isso, bastava apenas se programarem e, com um custo menor ̛ se comparada a
tarifa do trem com a tarifa do ônibus coletivo, meio mais utilizado por elas ̛, teriam outra
opção de transporte.
Uma das alunas calculou, e disse que, com o valor de uma passagem de ônibus, seria
possível ir do bairro do Alecrim ou ao Centro, e que, se fosse comprada uma quantidade
acima de dez tickets na estação da Ribeira, receberiam um desconto, conforme havia sido dito
pela alfabetizadora SSA:
119
Esse trem urbano é bem mais barato porque dá para andar por toda a
cidade... inclusive no Alecrim... e assim, todo mundo foi descobrindo um
vizinho... o trem.. o barulho, incomodava às vezes, mas de repente ele
beneficia muita gente!
Após esse nível de compreensão ser incorporado pelos alunos, o benefício do trem
urbano serviu de exemplo à comunidade local, que hoje a utiliza, no seu dia-a-dia, como meio
de transporte, como nos diz a alfabetizadora SSA:
Hoje elas conseguem administrar os horários .Organizam-se para ir a
eventos, a consultas médicas, fazem compras na feira do Carrasco e trazem
a bagagem no trem.... O horário é agendado e se alguém perguntar
informam o horário dos trens. E as promoções para as pessoas que adquirem
os passes em quantidade.
Como podemos perceber, a atividade que começou a ser desenvolvida em sala de
aula estimulou as alunas a refletirem, questionando a situação prática de utilização do
transporte com tarifa acessível, descoberta mediada pela alfabetizadora, numa perspectiva de
assimilação dos conteúdos pelos alunos.
Para a realização de uma aula-passeio a alfabetizadora deve chamar a atenção para as
situações reais de comunicação e expressão que deverão ocorrer, o prazer de aprender, as
emoções, a afetividade. Essa atividade deve estimular o aluno a ser um sujeito ativo. Como se
pode perceber, a aula-passeio inicia bem antes de a turma sair da sala de aula.
As alunas de SSA, ao receberem o convite para visitar a CIENTEC 2002, na UFRN,
ficaram empolgadas: foi uma festa! Uma das alunas disse: “Ah! Quando a gente voltar vamos
ter que escrever sobre o que vimos lá na UFRN, pra num esquecer nunca mais...” E já saíram
todas estimuladas a questionar sobre o que veriam. Podemos observar esse interesse no
questionário construído por elas para registrar o que foi visto durante a aula-passeio. As
questões revelam sugestões, críticas, além de “parabenizar”, destacando o evento de que
120
participaram como sendo muito importante para a aquisição do conhecimento, conforme
podemos verificar no texto da aluna MC:
D Correspondência interescolar
A necessidade de comunicação, de correspondência, de estabelecer um diálogo na
proposta educacional freinetiana é aproveitada possibilitando-se ao aluno a pràtica dessa
correspondência, capaz de ampliar a sua auto-estima, sua afetividade. Assim, ele tem a
oportunidade de acesso a contextos diferentes.
Além desses aspectos, destacamos também o cuidado com a apresentação do texto,
como pedemos verificar nesta carta:
121
Carta para uma amiga
Conforme vimos demonstrado, na nossa pesquisa foi possível aplicar alguns dos
princípios da prática freinetiana exitosamente. Ao longo dessa experiência, salientamos a
nossa preocupação com o processo de aquisição da linguagem de forma significativa,
construído pelo próprio aluno, através da oralidade, da leitura e da escrita, caracterizando-se
como uma aprendizagem repleta de vida, de sentido, por trazer a vida para a escola.
No trabalho que realizamos, ficaram evidenciadas marcas profundas no perfil das
alfabtizadoras e dos alunos, sempre em busca da conquista do saber. Destacamos como
elementos de formação e de manutenção das turmas as relações pessoais estabelecidas entre
os educandos, considerando-se em sala de aula a afetividade, o interesse pelo outro, a
cooperação, além dos aspectos pedagógicos, como os conteúdos e métodos utilizados em sala
de aula.
122
Ao longo do percurso, avaliamos o modo de produção de textos individuais e
coletivos, auxiliares na teoria freinetiana. A partir dos estudos realizados com essa pedagogia,
verificamos que, aplicando-se a técnica pela técnica, esta fica vazia, como se pode observar
no depoimento da alfabetizadora (ECBS):
[...] Dentro do grupo de estudos mesmo, eu já tinha colocado que no
princípio eu aplicava as técnicas. Então, ia aplicando porque sempre achei
muito importante essa abordagem, essas formas, essas práticas[...]. Com o
grupo de estudos, percebi que não adiantam só as técnicas. A gente tinha que
utilizar os Princípios. E, esse grupo de estudos, foi me ajudando[...] a
conhecer, a compreender melhor esses Princípios. E aí sim... eu percebi que
estudando mais os Princípios é que temos como aplicar essas técnicas de
forma mais adequadas.
Esse depoimento vem reforçar o que Freinet já havia dito com relação à aplicação
das suas técnicas, destacando o nível de recepção dos conteúdos pelo aluno, mostrando a
valorização da mestria do educador, visto que não se trata de um método ou receituário
didático, nem de um caminho a ser seguido: as técnicas passam a se adequar à prática. O
diferencial está na busca permanente de enriquecer e facilitar o trabalho pedagógico de acordo
com a realidade, o nível cultural, a vivência de cada aluno.
Na busca de elementos que facilitassem a apropriação da leitura e da escrita,
perguntamos às alfabetizadoras quais dos aspectos abordados no curso de capacitação de que
tinham participado tinham despertado seu interesse pela utilização em sala de aula e
obtivemos as seguintes respostas:
Para a alfabetizadora SSA:
123
A princípio a proposta do texto livre abre muitas portas[...] Dá margens para
outras atividades e[...] tanto a trabalhar a criatividade do aluno quanto instiga
ao educador a pesquisar, a estudar... daí, a necessidade de se inteirar, de se
integrar... integrar-se num grupo para continuar estudando[...],a formação
continuada!
Curiosamente... a proposta freinetiana nos dá essa dimensão de diagnóstico,
que permite primeiro conhecer os relatos de vida do aluno Primeiro eu ouvia
o que trouxe cada um até essa sala de aula. Daí, fluiu naturalmente [...]
Todo esse contato, aí traçamos as metas, fizemos os combinados, os acordos;
isso tem motivado para a não resistência e para os bons resultados.
Enquanto a alfabetizadora ECBS nos diz:
Como eu disse... a questão da livre expressão é... a questão da capacitação. A
gente trabalhou muito a questão dos ateliê. Aqueles momentos em que o
aluno poderia trabalhar com o desenho livre... Os ateliês que chamaram a
atenção... Que me despertou.
Percebemos que houve adequação do princípio da livre expressão, possibilitando a
clarividência, levando à superação da timidez, da vergonha, do medo de fracassar, de errar.
Para que a livre expressão se concretize em sala de aula, a alfabetizadora deve
proporcionar a criação de um espaço adequado e acolhedor, que desperte o prazer, a vontade
de aprender, num clima de harmonia, fazendo que o aluno se sinta valorizado, especialmente
nas pequenas conquistas, como nos lembra Freinet (2001 p. 41-42) (grifo do autor):
Escute as exigências normais da vida, valorize a obra do mais humilde dos
alunos! ... Valorize o texto informe, dando-lhe a perenidade do majestoso
impresso... Então você sentirá o orgulho da obra bem feita animar os seus
jovens operários, e fará nascer e se impor essa grande dignidade do
TRABALHO, que nós também desejaríamos escrever, em letras definitivas,
na fachada das nossas modernas escolas do povo.
Ao longo do processo, fomos acompanhando o desenvolvimento das alfabetizadoras.
Percebemos que elas passaram por mudanças significativas, extrapolando o contexto escolar,
124
amalgamando o princípio freinetiano a suas vidas, seu projeto de vida. A alfabetizadora SSA
nos revela:
[...] De repente a gente precisa ter Esperança para estar em sala de aula.
Principalmente como pessoa. Uma coisa que essa proposta freinetiana me
traz é que é preciso ter um Projeto de Vida, não basta ser só um profissional.
Porque um profissional sem um projeto pessoal não vai muito longe na área
de educação, principalmente.
O depoimento da alfabetizadora nos remete a Freire (2001, p. 88), quando diz que há
possibilidade de mudança:
É a partir desse saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que
vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto
com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de
crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão de
obra técnica.
Essas são lições aprendidas no dia-a-dia da sala de aula de jovens e adultos,
contruídas a partir da comunhão com o outro, mostrando a contribuição da educação
freinetiana. Nessa atividade rotineira, a alfabetizadora deve estar atenta às particularidades do
seu alunado, objetivando o sucesso de todos.
Dentro da nossa programação de estudos, destacamos a importância de trabalhar a
livre expressão dos alunos, jovens e adultos. Vejamos como as alfabetizadoras compreendem
esse fenômeno.
Assim a alfabetizadora SSA descreve a livre expressão:
125
A livre expressão... Eu acredito que seja a democratização da escola que nós
nunca tivemos acesso. Nem o educador, acredito, como o próprio aluno. O
direito de ter voz, de ter uma opinião própria, a discordar... mesmo do
grande grupo. Mas um espaço, a Livre Expressão mesmo. De ter direito
mesmo a expressar-se.
Na mesma perspectiva, ECBS menciona:
O que é a Livre Expressão? É... Às vezes as pessoas confundem e acham que
a gente vai deixar o aluno completamente livre e ele vai fazer só o que ele
quer. Só e exclusivamente. E que o professor não vai poder interferir. Mas,
pelo que eu entendi, pelo menos do jeito que eu trabalhei a gente planeja
junto[....].Essa livre expressão é ele poder se colocar. Claro! A gente ouvir a
opinião dele. Planejar junto com ele. Mas, eu não sei se estava fazendo
corretamente. Mas, procurava sempre dar um direcionamento. Porque a
questão pedagógica necessita desse direcionamento, mas sempre .colocando
a opinião dele[...] respeitando a opinião e fazendo o possível de acordo com
a opinião dele, com o que foi planejado pelo grupo. Até porque eu era o
grupo também.então, essa capacidade de deixar que o aluno pense, planeje
junto, que diga o que ele pensa, mude as estratégias, mude as regras também,
que a gente possa discutir essas mudanças.
Percebemos que a proposta de trabalho com a livre expressão possibilita o uso da
palavra pelo educando. E se sente à vontade para exteriorizar as suas idéias, interagindo com
os outros colegas e com as alfabetizadora, num clima cooperativo.
É importante ressaltar que o estímulo à livre expressão deve permear todo o trabalho
pedagógico. Embora no princípio, a participação do grupo de alunos com que trabalhamos
fosse menor, os mais extrovertidos já falavam de suas escolhas e opiniões a respeito do
cotidiano. Constatamos que essa dificuldade de expressar opiniões encontrava-se atrelada ao
fato de que o grupo não estava acostumado com discussões desse tipo, nas quais poderiam
expor de forma clara e ampla suas opiniões, seus sonhos e desejos.
Em algumas situações, havia certa desorganização: várias pessoas falando ao mesmo
tempo no momento de expor as idéias perante o grupo. As opiniões contrárias eram criticadas,
126
o que, de certa forma, calava os mais tímidos, que voltavam a silenciar. Aos poucos, com a
continuidade do exercício de expressividade, eles foram se encorajando, até chegarem a
defender seus pontos de vista com argumentos, a princípio auxiliados pelas alfabetizadoras até
compartilharem do prazer da reflexão participativa, tornando-se capazes de estabelecer
técnicas, novos princípios, de ultrapassar parâmetros do fazer educativo. Houve discussão
acerca de política, alimentação do dia-a-dia, orçamento familiar, higiene, além de outros
temas. ECBS fala desse despertar das alfabetizadoras e dos alfabetizandos:
Comecei principalmente nas reuniões cooperativas a não deixar que só a
minha opinião prevalecesse. Embora, muitas vezes eu não concordasse com
a opinião deles, aquelas propostas. Mas, como era um grupo... A questão da
democracia, aprendi muito mais do que eles.... a Proposta da Pedagogia
Freinet.
Isso exige do alfabetizador muita clareza dos seus objetivos e auto-disciplina, para
evitar que a sua opinião prevaleça e seja imposta ao grupo. Esse tipo de abertura permite
ampliar a organização do grupo. Trabalhando-se com a diversidade de opinões, considerando
o contexto dos alunos, o consenso dificilmente pode ser estabelecido. Então, o que fazer na
sala de aula? Como fazer o exercício de escutar o outro, criticar, receber críticas e ainda
aceitar a decisão tomada pelo coletivo?
Aos poucos, foram sendo sugeridos para serem estudados, temas como eleições,
conflitos no Oriente Médio, pontos turísticos da cidade de Natal, contexto histórico da nossa
capital, meios de transporte alternativo, trem urbano. Já tendo clareza sobre a natureza do
trabalho educativo, a alfabetizadora realizou a aula-passeio a que nos referimos anteriomente.
Ao retornarem à sala de aula, naturalmente, os alunos mostraram interesse por
discutir o valor histórico dos monumentos da cidade. Provocou euforia, uma contagiante
alegria, ao reconhecer-se capaz de intervir no mundo, de comparar, de escolher, de realizar
127
grandes ações no mundo, por sentir a presença efetiva da pedagogia freinetiana permitindo-
lhe a reformulação,a recriação, o estabelecimento desse princípio pedagógico.
Com uma certa freqüência, surgia timidamente na sala de aula o tema sexualidade.
Os aprendizes apresentam esse tipo de comportamento por se tratar de um tema delicado,
inclusive as alfabetizadoras também se sentiam inseguras. Apesar de elas terem construído,
junto aos alunos, um ambiente de muita naturalidade e espontaneidade, essa temática era
considerada “tabu”. Havia uma certa censura, que, com o tempo, foi sendo quebrada e o
diálogo fluiu de forma natural. Surgiram questões sobre as mudanças no corpo na fase da
adolescência, o ciclo menstrual, controle de natalidade e uso de métodos anticonceptivos.
Surgiram também, em nossas salas de aula, problemas muito presentes no dia-a-dia
dos alunos, relacionados ao consumo de álcool, cigarro, maconha, craque, cocaína,
entorpecentes de um modo geral. Às vezes, ficava inviabilizada a presença de alguns deles em
sala de aula, por ter sido vitimado por agressões físicas, ou mesmo na tentativa de preservar
um parente em situação de risco, pois assuntos como esses são difíceis de serem tratados no
grupo, levando, em alguns casos, a pessoa envolvida a isolar-se, envergonhada.
Mas, com o passar do tempo, diante da dificuldade de lidar com esses problemas,
alguns passaram a encontrar na sala de aula espaço para pedir ajuda ao grupo para amenizar
as aflições que surgiam a partir do vício, como a violência no lar, assaltos, tráfico. Aos
poucos,os silêncios foram dando espaço à palavra e à comunicação natural, espontânea.
As salas de aula foram reorganizadas tornando-se convidativas à comunicação, ao
trabalho, às atividades, organizada de modo adequado aos conteúdos a serem trabalhados. O
processo de alfabetização e letramento foi facilitado com a interpretação e o uso social das
informações do texto, pois os alunos sentiam uma alegria contagiante com essa rica
experiência.
128
Foto 16 – Alunos produzindo textos
Elias (1997, p. 24 - 25) diz que o conhecimento é, para Freinet,
[...] resultado de um processo de elaboração e construções autênticas,
derivado de nossas experiências – do que lemos, vemos, ouvimos, tocamos
etc. – mas provocado também pela exigência da sociedade, sempre vistas a
novas possibilidades.
Essa diversidade vivenciada com os textos escolares possibilitou mediações e
descobertas de novos caminhos facilitadores da construção do conhecimento, buscando-se
dessa maneira, contribuir para a consolidação da humanização da escola, através de uma
educação para a paz.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação de jovens e adultos inserida num contexto vem sendo discutida e muitas
tentativas de se estabelecer um plano específico para esse público vêm surgindo, graças ao
esforço de educadores comprometidos com uma educação para a transformação e a
autonomia.
É urgente a decisão política para a implementação de uma educação popular, na qual
o povo tenha condições de exigir que os governantes cumpram o dever de oferecer escola
pública gratuita de qualidade. Temos clareza de que a educação sozinha não pode resolver
todos os problemas e dificuldades do mundo, mas pode contribuir significativamente para
solucionar alguma coisa. Lembramos que é preciso cuidar da formação permanente,
assumindo cada um seu papel político nesta sociedade capitalista, competitiva.
Acreditamos que a prática educativa terá força para transformar a realidade em face
das possibilidades sócio-históricas, rompendo com um certo status quo da estrutura
ideológica a qual ajuda a manter o poder na sociedade atendendo interesses de um pequeno
grupo. Para essa conquista, o papel da escola é primordial, uma vez que ela tem a função
sociopolítica de desenvolver a autonomia de seus alunos. Tendo-se em vista que a educação é
uma forma de interferir no mundo com clareza, lembramos ainda que a autonomia é um
processo que acompanha o amadurecimento biopsicológico dos seres humanos, baseando-se
nas experiências do indivíduo.
Entendemos que, para o alcance de uma escola democrática, faz-se indispensável a
existência de políticas públicas que atendam aos interesses das classes populares, visto que a
alfabetização constitui um direito humano fundamental, devendo atender à necessidade básica
de aprendizagem, ponto crucial para aprender a aprender. Nesse sentido, pode-se considerá-la
130
fundamento de uma sociedade que reúne cidadania, competitividade, permitindo viver num
espírito de solidariedade e cooperação.
O trabalho pedagógico desenvolvido nas duas salas de aula do Projeto Redução do
Analfabetismo foi relevante, proporcionando um momento de reflexão acerca da nossa práxis
pedagógica, com clareza sobre a natureza do trabalho educativo.
No início, havia uma certa cobrança a respeito de uma cartilha, pois os alunos
traziam uma concepção de que só aprenderiam a ler e a escrever caso fossem capazes de
recitar todas as lições da cartilha. As alfabetizadoras explicaram aos alfabetizandos que
estavam propondo algo novo, diferente do que se fazia na escola que eles tinham freqüentado
ou conhecido e, com o desenvolvimento do trabalho e a percepção dos avanços, eles
aceitaram a proposta. Nesse sentido, a aluna A recorda as professoras de antigamente,
sugerindo um paralelo com a nova professora:
As professoras de antigamente eram mais rígidas que as de hoje. As de hoje
têm muita autonomia na escola, explica melhor a pessoa. A pessoa num sabe
daquela palavra e ela vai e ajuda. Antigamente, nos meus catorze anos tinha
até caroço de milho, ficar de costas. Se a gente num soubesse dizer, ia pro
castigo e aí a gente tinha que se esforçar. Tinha aqueles exercícios de
matemática, quando a gente num sabia ia pro milho ou, então, levava
madeira na cabeça.
O relato dessa aluna mostra que a presença dos castigos físicos amedrontavam e
humilhavam os alunos perante o grupo.
Lembramos que o processo de alfabetização, no contexto do letramento, exige
professores capacitados, capazes de compreender o modo de adequação dos conteúdos à
aprendizagem dos adultos, que acontece diferentemente da aprendizagem das crianças, pois
eles já trazem opinião, já têm uma visão de mundo.
131
Como procuramos mostrar ao longo da nossa dissertação, consideramos que
obtivemos bons resultados e significativa atuação na educação de jovens e adultos,
contribuindo significativamente para a promoção social daqueles indivíduos,bem como para o
processo de alfabetização com conquistas no dizer, no ler e no escrever, contribuindo para um
pensamento crítico das turmas investigadas.
Pelo que observamos, as turmas pesquisadas evidenciaram formas de participação e
atuação, extrapolando o contexto escolar, o que produz alegria, comunhão, poder, pelo
reconhecimento da função social da escola e do trabalho de alfabetização com jovens e
adultos.
Pretendendo estabelecer uma nova prática educativa restauradora da autonomia, uma
nova reflexão sobre prática educativa capaz de valorizar o conhecimento prévio do aluno,
percebemos que o desenvolvimento de nosso trabalho num curto período produziu diferença
no modo de emitir opiniões críticas nas atitudes. Os alunos tornaram-se mais confiantes e
alguns até se engajaram em grupos de pastorais, em trabalhos voluntários. Não podemos
deixar de frisar, também, que houve uma melhora significativa nos relacionamentos familiares
e na escola: eles passaram a confiar em si próprios e, por reflexo, nos outros.
Desde o início do desenvolvimento da pesquisa, trabalhamos no sentido de
compreender a aquisição da leitura e da escrita pelo jovem e pelo adulto, através da análise e
da discussão a partir das concepções de aprendizagem, da pedagogia Freinet, de adulto, de
alfabetização, de letramento, postas em prática nas atividades concretas que contribuíram para
a compreensão da complexidade e da mobilização de saberes que envolvem os atos de ler e de
escrever.
Nessas atividades, sempre estimulávamos as alfabetizadoras para que elas
permitissem que seus alunos escrevessem livremente, embora nem sempre isso fosse possível,
132
especialmente no início do processo, mas aos poucos os alunos foram aceitando a idéia e
quando tinham vontade produziam textos.
De acordo com Freinet (2001, p. 38): “A escrita só tem sentido se somos obrigados a
recorrer a ela para comunicar nosso pensamento, além do alcance da nossa voz, além das
barreiras de nossa escola.[...]”. As produções textuais dos alunos são conduzidas na sala de
aula pelo princípio freinetiano da livre expressão, da própria vida, ao aprimorar essa
expressividade no sentido de elaborar uma educação para a paz.
Os erros são importantes quando trabalhados pedagogicamente servindo de base para
a discussão e a reescrita do texto, possibilitando a construção de hipóteses, através do
tateamento, a partir da oralidade, passando pela escrita e culminando com a leitura.
Diante desse contexto, consideramos que a aprendizagem pode acontecer de maneira
mediatizada pelo alfabetizador, possibilitando a relação direta do aluno com a leitura e a
escrita, tateando, comunicando-se, interagindo com os colegas, desenvolvendo habilidades
diferentes, compreendendo o mundo, o próximo e a si mesmo.
Ler exige desde a capacidade de desenvolvimento de habilidades inerentes à
compreensão e à interpretação dos textos até a capacidade de fazer analogias, comparações,
enquanto se escreve. Vai desde a capacidade de transcrever sons até a de interagir com o
leitor. Isso implica organização e expressão de idéias, ou transcrição de unidades sonoras em
símbolos escritos.
Nesse sentido, ao aluno não basta obter informações ou dados isolados; ele tem que
compreendê-los e saber fazer uso deles no dia-a-dia. As atividades de leitura e escrita devem
ser acompanhadas da reescrita coletiva e individual, conduzindo o aluno a refletir e levantar
hipóteses acerca do processo de escrita e organização do texto.
Nas salas de aula da pesquisa baseada nos princípios freinetianos, houve espaços
para a discussão, exposição da produção de texto, realizada sob a forma de projeto, cartaz,
133
jornal escolar, correspondência, para a narração de histórias, preparação de aula-passeio,
dramatização e avaliação dos trabalhos.
Todas as atividades contavam com a participação dos alunos. Nesse contexto de
trabalho, a atuação da alfabetizadora é fundamental como mediadora do processo ensino-
aprendizagem, ou seja, ela desempenha o papel de sistematizadora da aprendizagem,
auxiliando os alunos a realizar projetos didáticos e as atividades de alfabetização.
A pedagogia freinetiana, nesta pesquisa, caracterizou-se como uma condição
privilegiada que permitiu a discussão de opiniões, estimulando a responsabilidade de se
exercer a cidadania. As atividades passaram a ser compreendidas através da aproximação com
a realidade do educando, e as alfabetizadoras propuseram desafios, criando situações que
concorreram para o avanço dos alunos em todos os aspectos: afetivo, intelectual, emocional e
social.
A relevância deste trabalho foi evidenciada por ele demonstrar a possibilidade de se
construir uma práxis pedagógica capaz de restaurar a autonomia, na qual todos tenham a
oportunidade de viver num clima de solidariedade e cooperação. Isso ficou evidenciado com
a participação das alfabetizadoras, com o entusiasmo dos alunos na aprendizagem da leitura e
da escrita, com o uso da livre expressão e o estímulo permanente à construção da cidadania.
Nesse sentido, lembramos ainda que nosso estudo se constitui como sendo uma
relevante fonte de consulta para o processo de capacitação inicial e continuada de
alfabetizadores de jovens e adultos com a referência da pedagogia Freinet. Lembramos que
essa discussão não se encerra neste trabalho, pois reconhecemos nossas limitações,
considerando-se a incompletude e a dinâmica do processo de produção do conhecimento.
Como pudemos observar ao longo do trabalho, a pedagogia Freinet pode ser
aplicada em salas de alfabetização de jovens e adultos. Sentimos que ela enriquece as aulas,
fortalece a auto-estima dos alunos, fazendo-os participar das atividades, produzir textos com
134
prazer e interesse. Esse estado de ânimo também se reflete nas relações que se estabelecem no
grupo: os alunos se sentem mais motivados e cooperam para o sucesso do grupo. E isso
Célestin Freinet, ao longo de sua obra, destaca como sendo de fundamental importância para a
construção do indivíduo autônomo, pois a construção do conhecimento e a formação se dão
através do trabalho associado à reflexão crítica da própria prática.
Ressaltamos, em relação ao objetivo geral da pesquisa, que foi possível compreender
o princípio da livre expressão concretizado através das técnicas da pedagogia Freinet, que
possibilitaram um trabalho alfabetizador coerente com as bases freinetianas.
Quanto aos objetivos específicos do trabalho, destacamos a dinâmica das estratégias
utilizadas, que concretizaram o princípio da livre expressão num clima cooperativo, em que
foram respeitadas as possibilidades de participação de cada educando, com vistas a uma
prática discursiva e dialógica. Salientamos que, para isso foi de grande relevância a clareza e a
coerência dos critérios para a escolha dos instrumentos de coleta de dados e posterior análise.
Lembramos, ainda, que foi decisiva a nossa experiência anterior de investigação na
rede pública de ensino, fruto da nossa formação acadêmica na Iniciação Científica e a
docência no Ensino Fundamental com crianças e também com jovens e adultos, alicerçada no
diálogo com vários autores, em especial os que tratam da educação de jovens e adultos, da
pedagogia Freinet, que contribuem para o desenvolvimento de uma prática pedagógica viva e
significativa.
Quanto à opção pelas entrevistas semi-diretivas, nos permitiu compreender melhor o
pensamento das alfabetizadoras investigadas, pois tivemos a oportunidade de compartilhar
suas impressões, desejos, silêncios e falas naquele momento de contrução de uma prática
pedagógica reflexiva.
135
As técnicas freinetianas da livre expressão utilizadas oportunizaram, igualmente,
superar medos e receios e tornar evidente que é possível agir pedagogicamente em situações
limitadoras, contribuindo para uma vivência cidadã.
Ao final desta pesquisa, podemos afirmar que o principío da livre expressão alcançou
bons resultados, porque isso se deu em virtude da sistematização de técnicas de produção
textual a ele relacionados (textos individual e coletivo, jornal, correspondência, entre outras),
que possibilitaram o avanço e o dinamismo das ações, tudo isso em decorrência da postura e
compromisso assumidos pelas alfabetizadoras, protagonistas desses momentos, que
permitiram a nossa inserção no seu quotidiano profissional que ocasionaram o
desencadeamento de melhoria do trabalho didático em suas salas de aula.
Ainda não podemos considerar que as turmas com que trabalhamos sejam classes
Freinet, mas podemos afirmar que o uso do princípio da livre expressão apontou
contribuições relevantes para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita na
alfabetização de jovens e adultos.
Consideramos que o processo de interlocução e as relações vivenciadas com as
alfabetizadoras possibilitaram lançar um novo olhar sobre o seu fazer pedagógico, a retomada
de conceitos e, conseqüentemente, a ressignificação destes.
Ao longo deste trabalho, pudemos estabelecer uma ligação entre os fundamentos
teóricos da pedagogia Freinet, as técnicas de trabalho freinetianas e a concretude da ação
alfabetizadora, através da utilização do princípio da livre expressão, que, de certa forma, foi
utilizado pelas alfabetizadoras, quando planejaram, executaram, avaliaram atividades e
desenvolveram estratégias voltadas para o trabalho da alfabetização de jovens e adultos nas
situações de sala de aula.
Ressaltamos a importância desta pesquisa para os trabalhos da Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em especial para a base de
136
pesquisa que desenvolve estudos em torno dos fundamentos e das práticas freinetianas, ao
mesmo tempo que registramos o caráter desafiador do nosso trabalho, que buscou articular a
pedagogia Freinet com as experiências educativas de jovens e adultos.
Com relação à utilização da pedagogia Freinet no Projeto Redução do
Analfabetismo, os estudos dos fundamentos freinetianos e das práticas correspondentes na
capacitação das alfabetizadoras, em nossas reuniões, foram relevantes para a realização do
trabalho de alfabetização nas salas de jovens e adultos, pois elas tinham subsídios
significativos, que possibilitaram a articulação teoria-prática e o desenvolvimento do trabalho
sem dispersão.
Nossa vivência nesta pesquisa foi, notadamente enriquecedora, pela permuta de
idéias, de experiências e pelo mútuo apoio reflexivo. Acrescentamos que de modo geral, a
experiência de alternativa pedagógica com o uso da livre expressão nas salas de aula foi
relevante pois a dinâmica da sala de aula tomou um impulso novo, pois de acordo com o
depoimento de outros coordenadores setoriais, estimulou a permanência e aprendizagem dos
alunos.
Além desses aspectos percebemos, também, que os alunos passaram a estabelecer
uma dinâmica com a escrita, através do uso da linguagem em situações reais e criativas,
considerando-se que o texto possui interlocutores definidos (amigos, professoras, filhos) e que
através da escrita eles poderam emitir suas idéias e sentimentos. Todas essas possibilidades de
aprendizagem foram possíveis desde o momento em que eles se sentiram estimulados e à
vontade para se expressar, tanto oralmente quanto através de pinturas e da escrita de textos.
Destacamos a existência de um componente nessa modalidade de ensino que é pouco
valorizado em nossos dias, porém de fundamental importância: a afetividade.
Em suma, este estudo permitiu a reflexão sobre as múltiplas facetas que envolvem o
processo de alfabetização de jovens e adultos alicerçado na pedagogia Freinet que em alguns
137
pontos primordiais prioriza o desenvolvimento do ser humano: o respeito ao ritmo de cada
aluno, a livre expressão, a cooperação, a integração, a afetividade, a abertura da escola para a
vida e para o futuro.Esses são estímulos fundamentais no processo de educação, capazes de
atender à necessidade que todo ser humano tem de expressar sua idéias e ser considerado.
Ressaltamos ainda, a relevância deste trabalho, para a ressignificação de nossa
própria prática docente, possibilitando que nos envolvêssemos num clima de otimismo,
passando a acreditar que a pedagogia Freinet pode contribuir como uma alternativa
pedagógica comprometida com a construção dos significados da leitura e da escrita pelos
educandos, através do convívio constante entre alfabetizadores e alfabetizandos, com os
textos, bem como situações didáticas construídas numa perspectativa cooperativa e dialógica.
No contexto atual, o educador precisa estar preparado para enfrentar os desafios da
profissão docente, com uma formação profissional que abranja Saberes diversos, as
Habilidades, as Atitudes e Valores, considerando os aspectos cognitivo, afetivo, histórico,
social e político, indispensáveis à formação de cidadãos capazes de enfrentar os desafios de
seu tempo.
138
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