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JULIANO LUIS BORGES
A TRANSIÇÃO DO MST PARA A AGROECOLOGIA
LONDRINA
2007
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JULIANO LUIS BORGES
A TRANSIÇÃO DO MST PARA A AGROECOLOGIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Professor Dr. Luiz Antonio
Cabello Norder
Londrina
2007
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
B732t Borges, Juliano Luis.
A transição do MST para a agroecologia / Juliano Luis Borges.
Londrina, 2007.
183f. : il.
Orientador : Luiz Antonio Cabello Norder.
Dissertação (Pós-graduação em Ciências Sociais) Univer-
sidade Estadual de Londrina, 2007.
Bibliografia : f.170 - 179.
1. MST – Assentamentos rurais Monografias. 2. Coopera-
tivismo Monografias. 3. Sustentabilidade Monografias. 4 .
Agroecologia – Monografias. I. Borges, Juliano Luis. II. Norder, Luiz
Antonio Cabello. III. Universidade Estadual de Londrina. III. Título.
CDU 333.013.6:577.4
Juliano Luis Borges
A TRANSIÇÃO DO MST PARA A AGROECOLOGIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Professor Dr. Luiz Antonio
Cabello Norder
Londrina, 09 de julho de 2007.
Comissão Examinadora
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antonio Cabello Norder
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Gilmar Laforga
Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Bassani
Universidade Estadual de Londrina - UEL
À minha família pelo estímulo e
apoio. À minha esposa pelo amor e
carinho.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual de Londrina (UEL) e ao Departamento de Ciências Sociais,
pela oportunidade de realizar este curso de Mestrado. Isso não seria possível sem o apoio
incondicional de meu orientador, Prof. Dr. Luiz Antonio Norder, que disponibilizou de seu
tempo para romper as dificuldades provocadas pela minha distância de Londrina. À Prof. Dra.
Ana Cleide Cesário e à Prof. Dra. Leila Jeolás, pelas contribuições à minha formação.
Aos professores do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU): Prof. Dr. Adalberto Paranhos, pelo incentivo e pelos ensinamentos jamais
esquecidos; Prof. Dr. Antônio Ricardo Michelotto, pelas sugestões sempre importantes; Prof.
Dra. Mônica Chaves Abdala e Prof. Dra. Elisabeth Fonseca Guimarães, pelo carinho e
exemplo. À Prof. Dra. Andréia Terzariol Couto e Prof. Dr. João Cleps Júnior, pela iniciação à
pesquisa na sociologia rural.
Em Tangará da Serra não posso esquecer do grande mestre Carlos Pedro, que não me
deixou desistir nos momentos mais difíceis em minha mudança para Mato Grosso. Aos meus
amigos de trabalho, que compartilham diariamente minha vida: Alcenira, Laura, Carol, João,
Letícia, Viviane, Socorro, especialmente Lucas “calcinha”, pelo aprendizado constante. À
Andréia, Dênea e Leliane, pelo carinho e amizade.
À Prefeitura de Tangará da Serra pela concessão de licença integral na fase final deste
trabalho, em especial ao Prefeito Júlio César e aos Secretários Municipais e companheiros, Zé
Pequeno e Prof. Moacir. À Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), pela
acolhida dos professores Ms. Sandro Sguarezi e Esp. Wilson Luconi; pelo apoio constante e
amizade do Prof. Dr. Gilmar Laforga e da sempre presente Viviane Fraga. Aos amigos e
companheiros do Curso de Capacitação e Especialização em Economia Solidária, que dão
uma lição de vida, através do trabalho e da perseverança. Ao Igor, do setor de imprensa do
MST, e ao Bruno, pela valiosa contribuição à pesquisa documental.
Pela recepção sempre agradável, amizade e paciência em minha estada em Uberlândia,
agradeço a Tia Cida, Tzar e Tia Alzira. Aos meus amigos Cairo Chupa, Dione, Duardo, Tarsa,
Fabiana, Maria Luíza, Edmar e meu irmão Thiago. A meus pais Silvagno e Rosimeire, pela
confiança e amor; meus tios Jacaré e Silnaide e meus primos Rodolpho e Rogério, minha
família em Tangará da Serra. À minha esposa Cristina, pelas noites em claro, transcrevendo
fichamentos e organizando documentos para a pesquisa; pela dedicação e compreensão e,
principalmente, seu amor, meu eterno carinho.
A todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente para a construção deste
trabalho, meus sinceros agradecimentos.
BORGES, Juliano Luis. A transição do MST para a agroecologia. 2007. 183f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar historicamente as concepções do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre a organização da produção e do trabalho nos
assentamentos rurais, remontando ao período de sua formação, organização estrutural e
implementação do projeto de desenvolvimento. O MST surgiu num período marcado pelo
processo de modernização da agricultura e pela transição político-partidária no Brasil. Desde
sua formação, o Movimento busca viabilizar os assentamentos rurais através de estratégias
produtivas que permitam a resistência dos trabalhadores na terra. No final da década de 80, o
MST adotou o cooperativismo como principal forma de organização do trabalho e da
produção. Para implementar esse projeto de desenvolvimento, constituiu uma estrutura
organizacional – de abrangência local, estadual e nacional – baseada nos princípios de sua
“teoria da organização no campo”. Nesse sentido, incentivou a criação de cooperativas de
produção – consideradas forma superior de empreendimento agrícola – em várias regiões do
país. O trabalho no interior das cooperativas deveria ser conduzido por um novo sujeito (“sem
terra”), pautado por valores e práticas voltados, essencialmente, para o coletivo. A base dessa
nova representação social seria construída pela superação dos “vícios” contidos nas relações
sociais e produtivas do campesinato (agricultura tradicional). Nesse conflito de
representações, as práticas adotadas pelo MST sofreram resistências e rupturas. A partir de
fatores internos e externos, o cooperativismo do Movimento começou a entrar em crise.
Internamente, a produção em larga escala de monoculturas, voltada para a
agroindustrialização e mercado externo, não era compatível com a organização dos
assentamentos, que possuíam mão-de-obra abundante e poucos recursos para custeio das
lavouras – dependentes de recursos externos como insumos químicos, equipamentos e
máquinas. Além disso, a coletivização do trabalho encontrava resistência nos assentados,
causando um descompasso com a orientação do MST (Direção Nacional). Externamente, o
governo FHC criminalizou a luta pela terra e extinguiu o crédito especial para a reforma
agrária, restringindo as políticas públicas voltadas para essa demanda. O esgotamento do
paradigma de produção adotado possibilitou a incorporação de novos elementos à luta pela
terra e à organização da produção e do trabalho. Esses elementos aproximaram o MST da
noção de sustentabilidade, orientada, fundamentalmente, pela agroecologia. A partir daí, o
paradigma agroecológico tornou-se princípio para transformação social. De um lado,
questionando o modelo agroexportador atual; de outro, reorientando as estratégias nos
assentamentos rurais. A produção, antes voltada somente para a esfera econômica, adquire
novas dimensões: social e ambiental. Para isso, inicia um processo de
desconstrução/reconstrução de suas bases, as quais devem voltar-se para as particularidades
sociais, econômicas, políticas e culturais construídas na localidade. Saberes e práticas que
vinham sendo considerados, pelo MST, inadequados à realidade dos assentamentos rurais, por
mais de uma década, passaram a ser resgatados como princípios fundamentais da
agroecologia. A luta pela terra e a resistência dos trabalhadores assentados passam por novos
componentes como a preservação dos recursos naturais e a valorização do conhecimento
tradicional. O projeto de desenvolvimento agroecológico apresenta-se, atualmente, como o
principal enfoque do MST, em busca de uma nova perspectiva para os assentamentos rurais
em todo o país.
Palavras-chave: MST, assentamentos rurais, cooperativismo, sustentabilidade, agroecologia.
BORGES, Juliano Luis. The transition of MST to agroecology. 2007. 183f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.
ABSTRACT
The objective of this work is to analyze historically the concepts of the Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dealing with production organization and work done
in rural settlements, throughout the period of its formation, structural organization and
implementation of the development process. MST appeared during a period marked by
agricultural modernization and by the transition of political parties in Brazil. Since its
formation, the movement seeks to validate rural settlements using strategies that permit the
resistance of laborers. At the end of the 1980s, MST adopted cooperativism as their principal
form of organized labor e production. In order to put this development process into affect, the
organization built an organizational structure, with local, state and national branches, based on
the principles of its “theory of organization in the rural field”. In this sense, MST encouraged
the creation of production co-ops- considered to be a superior form of agricultural
undertaking- in various parts of the country. The work done within the co-ops was to be
conducted by a new laborer (“without land”) guided by values and practices centered around,
essentially, the good of the collective. The base of this new social representation would be
constructed in order to overcome the “sins” and misdeeds traditionally found in the social
sphere of agriculture. Within the conflict of representations, the practices adopted by MST
suffered resistance and ruptures. The cooperative aspect of the movement began to enter in
crisis, due to internal and external factors. Internally, the production of mono-cultures on a
large scale, directed at agro-industrialization and the external markets, wasn’t compatible with
the organization of the settlements, which possessed an abundance of physical laborers and
few resources needed for plantation costs, dependent on external resources like chemical
materials, equipment and machines. Collectivism of work encountered resistance within the
settlements, also, causing misunderstandings with MST's national directors. Externally the
administration of FHC criminalized the fight for land and extinguished the special credit used
for agrarian reform, restricting the political publics concerned with this need. The exhaustion
of the adopted production paradigm made possible the incorporation of new elements into the
fight for land and the organization of production and labor. These elements aligned
themselves to MST in the notion of sustainability, fundamentally orientated by agroecology.
From this point, the agroecological paradigm became principle in the fight for social
transformation. One side questioned the current agricultural export model, while the other, re-
orientated the strategies within the rural settlements. Production, before focused solely on the
economic sphere, gained new social and environmental dimensions. With this began a process
of deconstruction/reconstruction of the movement’s bases, which focused on social,
economic, political and cultural specifics built within the locations. Ideas and practices that
MST considered inadequate for the reality of the rural settlements for more than a decade,
were reinstated as fundamental principles of agroecology. The fight for land and the
resistance of squatting laborers gained new components centered on the preservation of
resources and the valorization of traditional knowledge. The process of agroecological
development presents itself, currently, as the principle focus of MST, which seeks a new
perspective for their rural settlements throughout the country.
Key Words: MST, rural settlements, cooperativism, sustainability, agroecology.
LISTAS DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS
FIGURA 1 – Estrutura organizacional do MST.....................................................................85
FIGURA 2 – Análise multidimensional da sustentabilidade................................................143
QUADRO 1 – Tipos de organização coletiva da produção....................................................80
QUADRO 2 – Formas de superação das relações tradicionais de trabalho............................94
QUADRO 3 – Tipos de agricultura alternativa ....................................................................136
QUADRO 4 – Níveis básicos de transição para agroecossistemas sustentáveis..................143
TABELA 1 – Dotações das estações experimentais internacionais de culturas.....................30
TABELA 2 – Dados relativos à implementação de assentamentos rurais (1995-2002) e à
projeção para o quadriênio 2003-2006..................................................................................153
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABCAR – Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural
ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária
ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural
ART – Assalariado Rural Temporário
ASCAR – Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural
CA – Cooperação Agrícola
CAIs – Complexos Agroindustriais
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CONDRAF – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
CPA – Cooperativa de Produção Agropecuária
CCA – Central Cooperativa dos Assentamentos
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNA – Confederação Nacional da Agricultura
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
CONCRAB – Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPS – Cooperativa de Prestação de Serviços
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
FIP – Formação Integrada da Produção
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITERRA – Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária
ITR – Imposto Territorial Rural
JST – Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
LOC – Laboratório Organizacional de Campo
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCB – Organização das Cooperativas do Brasil
ONGs – Organizações Não-Governamentais
PCB – Partido Comunista do Brasil
PDAs – Projetos de Desenvolvimento de Assentamentos
PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
PROCERA – Programa de Credito Especial para a Reforma Agrária
PRONAF – Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
PRRAs – Planos Regionais de Reforma Agrária
SCA – Sistema Cooperativista dos Assentados
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
s.p. – sem página
SRB – Sociedade Rural Brasileira
TAC – Técnico em Administração Cooperativa
UDR – União Democrática Ruralista
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1- A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A LUTA PELA TERRA........................20
1.1- Breves considerações sobre a questão agrária no Brasil ........................................22
1.2- A Revolução Verde e os impactos no processo produtivo.....................................27
1.3- A modernização da agricultura e a formação dos complexos agroindustriais........31
1.4- Política de desenvolvimento e produção camponesa..............................................39
1.5- A luta pela terra na transição democrática..............................................................50
2- O PRODUTIVISMO NO MST...........................................................................................60
2.1- Políticas de assentamento e crédito para a reforma agrária....................................62
2.2- O cooperativismo no MST......................................................................................73
2.3- Teoria da organização cooperativa.........................................................................85
2.4- A territorialização do cooperativismo ....................................................................96
3- O MST E A TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA............................................................111
3.1- O esgotamento do modelo cooperativista.............................................................113
3.2- Princípios da transição agroecológica ..................................................................124
3.3- Assentamentos rurais e o novo enfoque produtivo...............................................146
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................170
DOCUMENTAÇÃO CITADA.............................................................................................180
11
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa apresenta discussões sobre as transformações, nos últimos anos, do
projeto de desenvolvimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para
os assentamentos de reforma agrária no Brasil.
Desde sua criação, decorrente de um cenário social, político e econômico construído
pela modernização da agricultura, o MST buscou organizar a produção nos assentamentos
rurais através da coletivização do trabalho, a qual apresentava, em sua fase inicial,
características essencialmente localizadas. Através de associações e grupos coletivos, os
assentados orientavam a produção e as diferentes formas de trabalho de acordo com as
particularidades em que estavam inseridos. Esse tipo de organização prevaleceu até as tensões
sociais provocadas pela “redemocratização” política no país.
A partir desse momento, o MST iniciou a construção de uma estrutura organizativa,
com representação nas esferas local, estadual e nacional, ordenada sob uma base teórica de
inspiração kautskiana. A relação desses elementos culminou no projeto de cooperação
agrícola do Movimento, o qual atribuía à cooperativa a forma superior de organização do
trabalho e da produção nos assentamentos rurais – produção em larga escala, a mecanização
agrícola, a utilização de insumos químicos e a divisão do trabalho (especialização de tarefas).
Para materializar essas práticas, havia a necessidade de criação de um novo sujeito, com
características diferenciadas, voltado, fundamentalmente, para o trabalho coletivo –
potencializador da transição para o socialismo.
Em decorrência da afirmação dos princípios e práticas do cooperativismo, o
Movimento atuou na criação de cooperativas em diferentes regiões do país, consolidando seu
projeto de desenvolvimento para os assentamentos rurais.
12
A implementação e organização das cooperativas apresentou dificuldades diante da
diversidade econômica e social presente nas localidades. Esses fatores, conjugados a uma
ofensiva governamental contrária às ações do MST – fim do crédito especial e a
criminalização da luta pela terra – desencadearam o esgotamento do modelo cooperativista,
que já vinha apresentando sinais de crise desde a década de 90. Nesse contexto, o MST
começou a redefinir suas bases para viabilidade dos assentamentos e para a própria luta
política (reforma agrária). Essa mudança de orientação aproximou o movimento da noção
sustentabilidade, a qual seria alcançada através da agroecologia.
Nos últimos anos, o MST redefiniu suas estratégias, reorganizando a luta política, a
produção e o trabalho nos assentamentos rurais, através de princípios e práticas
agroecológicas. Isso foi resultado de suas transformações políticas e organizativas ao longo do
tempo, influenciadas pelo contexto social, político e econômico em que esteve inserido. A
transição agroecológica em curso tem sido concebida como um processo lento e gradual, que
necessita ser aperfeiçoado e avaliado constantemente, para que os projetos de
desenvolvimento para os assentamentos rurais estejam articulados com as necessidades
construídas localmente.
Nesse sentido, o principal objetivo deste trabalho é analisar historicamente a
organização da produção e do trabalho nos assentamentos rurais do MST, desde sua criação,
em 1984, até os dias atuais. Essa discussão é necessária para entender o papel atual do
Movimento, remontando ao período de sua formação, organização estrutural e implementação
do projeto de desenvolvimento para os assentamentos rurais. O método histórico é
fundamental para essa construção, pois “(...) preenche o vazio dos fatos e acontecimentos,
apoiando-se em um tempo, mesmo que artificialmente reconstruído, que assegura a
percepção da continuidade e do entrelaçamento dos fenômenos” (LAKATOS; MARCONI,
1982, p. 80).
13
O processo histórico é permeado por relações sociais, econômicas e políticas em
interação constante, o que requer um cuidado analítico para interpretação dos fenômenos à luz
de referenciais teóricos das ciências. Para tentar estabelecer a análise do MST, do
produtivismo coletivista à agroecologia, foram articulados dois tipos de pesquisa:
bibliográfica e documental.
A pesquisa bibliográfica foi construída a partir da escolha tema, relativo à produção e
trabalho coletivo nos assentamentos de reforma agrária ligados ao MST. Desse ponto de
partida, as fontes foram sendo definidas com a delimitação do problema: o processo histórico
da organização da produção e do trabalho. A pesquisa bibliográfica é indispensável para os
estudos históricos, pois em “(...) muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos
passados se não com base em dados bibliográficos” (GIL, 2002, p. 45). A partir dessas
referências, foi possível realizar uma breve reconstituição das principais abordagens da
questão agrária no Brasil. Esse resgate histórico permite compreender – de forma introdutória
– a formação da estrutura fundiária no país até a modernização da agricultura, iniciada na
metade do século XX.
As questões políticas e sociais em torno da luta pela terra estão inseridas nessas
discussões, possibilitando visualizar os antecedentes históricos de formação do MST. Sobre
suas origens, existe uma vasta bibliografia, ampliando as informações para utilização na
pesquisa. Ao mesmo tempo foram estabelecidas delimitações conceituais pertinentes ao
problema definido.
Na conclusão da pesquisa, os referenciais bibliográficos permitiram um maior
aprimoramento do problema e uma visão mais clara da interface com a análise documental. A
pesquisa bibliográfica interpõe todo o trabalho e sua importância é inquestionável. Todavia,
por si só, (...) é insuficiente” (GIL, 2002, p. 63). Dessa forma, o desenvolvimento do trabalho
contou com o acesso a documentos produzidos pelo próprio MST.
14
A principal fonte para desenvolvimento da pesquisa foi o Jornal Sem Terra (JST), o
qual recebeu tratamento analítico de suas publicações. A análise documental partiu dos
números do JST de 1987
1
até as últimas versões em 2006. “(...) há que se considerar que os
documentos constituem fonte rica e estável de dados. Como os documentos subsistem ao
longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados em qualquer pesquisa de
natureza histórica” (GIL, 2002, p. 46). Esse tipo de pesquisa decorre de um trato específico
do problema formulado. A problematização surge como resultado de uma reflexão mais
apurada sobre o tema estabelecido. Os documentos do MST foram fundamentais para a
solução do problema colocado. A partir deles, a pesquisa foi operacionalizada num universo
abrangente de informações que podem ser utilizadas para os mais diversos trabalhos – o
volume de notícias e artigos contidos no jornal é muito grande, porém toda a leitura foi
dirigida para o objetivo da pesquisa. Apesar de a análise estar delimitada, todo o conteúdo
relacionado à organização da produção e do trabalho nos assentamentos rurais necessitou ser
interpretado, passando por algumas fases inter-relacionadas.
A primeira foi a demarcação temporal das publicações (1987 a 2006, num total de 20
anos), concomitantemente à definição dos tipos de consulta disponíveis, visando a otimização
da pesquisa (preparação de material para análise). A consulta aos JST foi realizada através de
três acervos diferenciados. Os jornais de 1987 a 1998 foram pesquisados no acervo da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), localizado na Universidade Estadual de
Londrina. O segundo local de consulta foi uma biblioteca virtual de documentos relacionados
a movimentos sociais. Por meio de tecnologia que reproduz integralmente as versões
originais, esse acervo constitui fonte muito importante para pesquisas históricas através de
documentos. Nessa biblioteca foram analisados os JST de 1998 a 2004. Outra parte da
pesquisa foi realizada através da versão eletrônica do JST na página do MST na internet. A
1
A primeira versão do Jornal Sem Terra, ainda mimeografado, data de 1981. Editado inicialmente em Porto
Alegre, a partir de 1985 sua publicação passa ser em São Paulo, com a instalação da Secretaria Nacional do
MST.
15
utilização de fontes virtuais está adequada à tendência crescente de recuperação de
documentos históricos e a maior disponibilização para consulta. Documentos com acesso
restrito, de acervos públicos ou particulares, podem ser analisados por pesquisadores de
diferentes regiões, não perdendo a qualidade do material e das informações em seu conteúdo.
A segunda fase da pesquisa documental foi a leitura do material e a separação do
conteúdo pertinente ao problema. Essa análise inicial estabeleceu uma demarcação de
passagens relacionadas ao escopo do trabalho; mesmo assim, a quantidade de informações era
muito grande – o MST é um movimento social de abrangência nacional, as práticas
desenvolvidas em assentamentos rurais, em diferentes regiões do país, estavam destacadas em
todos os números do JST. Num segundo momento, o material selecionado foi novamente
analisado e selecionado, com base em dados organizados em uma linha temporal, em
quantidade de informações relevantes em todos os anos de publicação. Isso foi necessário
para dar coerência à trajetória histórica do MST e da organização dos assentamentos rurais –
os documentos foram essenciais para estabelecer a reconstrução desse processo através do
tempo. Desde as associações e grupos coletivos locais, passando pelo cooperativismo baseado
na grande produção, até a nova orientação agroecológica, os documentos do Movimento
refletem os contextos através de passagens que trazem explícitas as formas de organização da
produção e do trabalho.
A terceira e última fase foi a análise e interpretação dos dados para referência direta na
redação do trabalho. Nessa fase, foram destacadas passagens importantes, que ilustram e
definem orientações, princípios, valores e práticas do MST, com reflexo na realidade dos
assentamentos rurais. Optou-se por não trabalhar o conteúdo do JST em um capítulo a parte,
mas sim, articulado com as discussões levantadas no desenvolvimento da análise
bibliográfica.
16
Para entender o atual momento de transição no MST e as implicações nos
assentamentos rurais, deve-se remeter ao processo histórico que deu origem a esse cenário. As
particularidades contidas nesse trajeto são essenciais para pensar os limites e possibilidades de
um novo projeto, de uma nova foram de organização da produção e do trabalho coletivo.
Na construção dessa abordagem, a pesquisa delineada neste trabalho foi dividida em 3
Capítulos. O Capítulo 1 apresenta uma breve discussão histórica dos principais elementos da
questão agrária no Brasil. Desde o período colonial, a concentração fundiária e a formação de
uma elite agrária com grande poder político foi responsável por uma dinâmica social
excludente de subordinação e controle social dos trabalhadores no meio rural. Essa
característica manteve-se praticamente inalterada nos períodos históricos subseqüentes. A
questão agrária esteve sempre associada ao contexto histórico do país, aos cenários
específicos de cada período, em que estavam em tensão a exploração intensiva da produção e
as relações de trabalho em seu interior.
Um aspecto de grande relevância para essa análise foi o processo de modernização da
agricultura. Suas bases foram construídas, principalmente, pelas inovações técnicas da
Revolução Verde. A utilização de insumos químicos e a mecanização no processo produtivo
resultaram num aumento expressivo da produtividade no campo. A introdução dos pacotes
tecnológicos na agricultura foi apoiada por políticas governamentais, que incentivaram a
produção através de linhas de financiamento, pesquisa, assistência técnica e extensão rural.
Esse contexto foi marcado pelos governos militares e as políticas de estímulo ao
desenvolvimento econômico no país. A lógica de desenvolvimento do Estado buscou a
homogeneização dos padrões de produção, independente das relações sociais e produtivas
existentes, principalmente da pequena produção tradicional (campesinato). Esse paradigma,
com fins eminentemente econômicos, agravou a situação dos trabalhadores rurais, que
migraram para os grandes centros urbanos ou foram proletarizados nos CAIs (complexos
17
agroindustriais) como “bóias-fria”.
As tensões sociais, inseridas num contexto de crise do regime militar, e a difícil
situação no campo foram essenciais para o surgimento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). Esse movimento social surgiu no período de “redemocratização” do
país, com o objetivo de organizar a massa de trabalhadores rurais para a luta pela reforma
agrária. A partir das mobilizações sociais, o Movimento imprimiu uma nova dinâmica para a
questão agrária, através da conquista de assentamentos rurais, numa constante tensão com as
elites agrárias e o Estado. A formação da União Democrática Ruralista (UDR) foi um
movimento de reação ao avanço do MST, conseguindo importantes vitórias na Constituinte e
na eleição de Collor para a presidência.
O processo decorrente desse período e a análise do cooperativismo no MST serão
apresentados no Capítulo 2.
O contexto da “transição democrática”, referente à implementação das políticas de
assentamento e crédito, possibilitou ao MST criar uma estrutura organizacional para
operacionalizar sua atuação nos assentamentos rurais. Com o objetivo de viabilização
econômica dos assentamentos, o Movimento incentivou a criação de cooperativas, a fim de
consolidar um modelo de organização da produção e do trabalho coletivo. Isso foi possível
pela articulação entre suas esferas representativas nacional, estadual e local. Toda essa
construção estava embasada na “teoria da organização do campo”, a qual consolidou as bases
do cooperativismo do MST. Partindo do referencial kautskiano, essas concepções teóricas
viam na produção cooperativa uma forma superior de organização no espaço produtivo.
O desenvolvimento econômico dos assentamentos rurais dependia, segundo as
formulações vigentes no MST, naquele período, do avanço do empreendimento cooperativo e
das relações de trabalho e produção contidas nele. Para alcançar esse objetivo, deveria ser
formado um novo sujeito, portador de características diferentes do produtor tradicional
18
(camponês), considerado principal entrave para a afirmação da cooperação agrícola nos
assentamentos rurais.
Diante de um quadro teórico e através de uma organização voltada para os
assentamentos rurais, o MST incentivou a criação de cooperativas de produção em diferentes
regiões do país. A difusão de seu projeto de desenvolvimento econômico ocorreu em um
período de grande mobilização em torno da luta pela terra. Isso possibilitou à reforma agrária
um lugar de destaque entre as políticas governamentais. Mesmo com esse estímulo, o
cooperativismo apresentou contradições internas, ligadas às práticas produtivas e à
coletivização do trabalho.
O agravamento dessas contradições internas foi acompanhado pela desestruturação das
políticas de crédito especial e pela criminalização da luta pela terra. Em decorrência, o
cooperativismo começou a entrar em crise, ocasionando seu esgotamento no final dos anos
90. Esse processo culminou na mudança nas diretrizes do MST para a luta política e para a
organização dos assentamentos rurais.
A transição do paradigma de produção modernizante para a agroecologia será
apresentada no Capítulo 3.
Ainda que de forma secundária, discussões e avaliações de práticas sobre
desenvolvimento sustentável e agroecologia estiveram presentes em eventos do MST
(Encontros, Congressos, Fóruns, Jornadas, entre outros) e experiências em assentamentos
rurais. Após o 3º Congresso Nacional, em 1995, esses elementos começaram a adentrar a
agenda política do Movimento como alternativa ao modelo agroexportador dos anos 90. As
práticas alternativas adquiriram relevância e a agroecologia propiciou um novo momento
histórico para o MST.
Para uma delimitação temporal, o 4º Congresso Nacional do MST, em 2000, foi o
marco na adesão explícita ao projeto agroecológico para os assentamentos rurais. Essa
19
mudança, em processo inicial, requer uma nova postura nos assentamentos rurais e na própria
organização do Movimento. A transição agroecológica, em termos conceituais, parte da
construção de estratégias locais (baseadas no saber tradicional), aliada ao desenvolvimento da
agricultura ecológica.
Para alcançar níveis de sustentabilidade nas dimensões social, econômica e ambiental,
a transição agroecológica parte de uma descontrução/reconstrução de princípios, valores e
práticas, os quais deverão abrir espaço para as articulações locais e o saber tradicional, a fim
de que as especificidades contextuais sejam determinantes para o desenvolvimento dos
assentamentos rurais.
20
1- A MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E A LUTA PELA TERRA
A modernização da agricultura corresponde a um longo processo desencadeado pela
apropriação capitalista da produção agrícola. A mudança na base técnica e a incorporação de
elementos artificialmente criados transformaram as relações sociais e econômicas no campo
brasileiro. Durante o período de gestação e intensificação da modernização da agricultura, a
estrutura de poder e dominação da elite agrária foi reordenada em novas bases. Por isso, esse
processo, denominado de “conservador”, recriou os pilares de sustentação político-
econômicos herdados desde o período colonial.
No meio rural, as resistências à imposição desse paradigma de desenvolvimento
refletiram em formas de organização e mobilização não vistas anteriormente. Desde os anos
50 e 60, os movimentos de luta pela terra expressaram as contradições existentes na estrutura
fundiária no país, passando a incorporar uma massa de trabalhadores marginalizados pela
intensificação da exploração capitalista na agricultura. Esses movimentos geraram, em seu
bojo, ímpetos reacionários de certos segmentos, que defenderam a legitimidade dos interesses
dominantes.
Neste capítulo, serão abordadas as características do processo de modernização da
agricultura e seus reflexos na emergência dos movimentos de luta pela terra no Brasil. Nesse
contexto, o Estado teve um papel importante na legitimação de uma lógica produtivista de
desenvolvimento. Em nome da modernização, milhares de trabalhadores foram privados das
condições mínimas de subsistência, sendo integrados ao sistema como meros trabalhadores
assalariados. Além dos problemas sociais, enumeram-se outros, que se articulam num
conjunto de conseqüências perversas para a agricultura no país. Nesse cenário, os movimentos
sociais tiveram um papel fundamental para que a reforma agrária fosse uma das prioridades
das políticas governamentais.
21
Para o desenvolvimento dessa análise, o capítulo será dividido em cinco seções.
Na primeira, serão delineadas considerações sobre a questão agrária no Brasil,
relacionando essa problemática com o contexto histórico no país, o qual determina sua
natureza e conceituação. Na segunda seção, a análise refere-se ao papel fundamental da
Revolução Verde na agricultura. Através dela, foram alteradas as bases técnicas de produção
com o objetivo de aumentar a produtividade no campo por meio da introdução de insumos
químicos e máquinas industrializadas. Na terceira seção, será analisada a nova fase da
modernização da agricultura, intensificada pelo regime militar a partir da década de 60. As
políticas governamentais foram essenciais para a formação dos complexos agroindustriais,
que imprimiram uma nova dinâmica para a agricultura articulando, numa cadeia, a integração
da produção com indústria de insumos e máquinas e a agroindústria processadora.
Na quarta seção, o conflito entre duas lógicas de desenvolvimento permitirá
compreender como o processo de modernização da agricultura intensificou a homogeneização
dos padrões de produção em detrimento às características locais dos agricultores tradicionais.
Isso levou a uma desagregação de valores simbólicos de reprodução social e cultural baseados
no vínculo com a terra. A lógica tradicional de produção considerava que a função da terra era
suprir as necessidades básicas de subsistência, em articulação com um excedente
comercializável. Para o Estado modernizador, esses agricultores não possuíam relevância do
ponto de vista econômico e, necessitavam do incremento de novas técnicas para se inserirem
no circuito mercantil, aumentando a renda da unidade de produção. Nesse sentido, serão
apresentadas as principais conseqüências da “modernização conservadora” nos âmbitos
sociais, econômicos, políticos e ambientais. Esses reflexos evidenciavam os limites e
contradições do modelo de produção implementado pelo Estado. Num contexto de
esgotamento político do regime militar, essas conseqüências passaram a ter um peso ainda
maior para o questionamento das políticas governamentais adotadas na agricultura.
22
Na quinta seção, serão discutidas as bases da emergência dos movimentos sociais no
final da década de 70 e início dos anos 80. Os princípios das mobilizações sociais estavam
intimamente articulados com a transição político-partidária para o governo civil. Nesse
cenário, a reforma agrária volta a ser protagonista das lutas de milhares de trabalhadores
rurais. Ao longo desse período surge o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), como um dos mais ativos movimentos sociais do Brasil. No intuito de organizar os
trabalhadores rurais para a conquista da reforma agrária, o MST imprimiu uma nova dinâmica
no campo, adquirindo grande força política no embate com o governo e as elites agrárias.
Toda essa trajetória histórica é fundamental para entender o contexto de criação dos
assentamentos de reforma agrária e seu modelo de organização coletiva da produção,
fortemente influenciado pelo paradigma modernizante de desenvolvimento rural.
1.1- Breves considerações sobre a questão agrária no Brasil
As discussões sobre a questão agrária no Brasil estão amplamente embasadas em
pesquisas relacionadas a essa problemática. Sobre a abordagem clássica, destacam-se autores
como Caio Prado Jr. (1979), Alberto Passos Guimarães (1963), Celso Furtado (1977), entre
outros, que analisaram a questão agrária no Brasil desde período colonial até o século XX. A
partir dessas interpretações, foram delineados alguns panoramas estruturais da constituição
econômica do espaço agrário no país.
Os grandes ciclos produtivos da cana-de-açúcar e do café são referências para a
compreensão das metamorfoses nas relações de trabalho no campo. Com a crise do modelo
agroexportador da cana-de-açúcar, baseado nas grandes plantations – as quais utilizavam
23
mão-de-obra escrava no espaço produtivo –, uma nova dinâmica para o trabalho emergia num
cenário político-econômico diferenciado.
As grandes sesmarias de cana-de-açúcar entraram em declínio no final do século
XVIII em um contexto de crise comercial provocado pelo açúcar produzido nas Antilhas
Holandesas. Esse fator contribuiu para que as questões político-institucionais adquirissem
novos contornos. O fim do período colonial, marcado pela declaração da Independência em
1822, inaugurou novas relações no tocante à questão agrária no país. O regime de sesmaria foi
extinto, provocando grandes dificuldades para regulamentação do acesso à terra; o trabalho
escravo sofria de intensas pressões internas e externas para sua abolição; a demanda
internacional pelo café cresceu e transformou o modelo agroexportador. Esses elementos, em
conjunto com a Lei Nº 601, de 18 de setembro 1850 (Lei de Terras), inauguraram um período
marcado por profundas mudanças na questão agrária no Brasil. Esse contexto representa uma
nova fase de ordenação jurídica em torno das concessões de sesmarias e as formas de
aquisição da terra. A aquisição de terras devolutas do Império só poderia ser realizada através
de compra, exceto áreas situadas em zona de fronteira. O acesso a terra estava relacionado,
fundamentalmente, à garantia de posse de áreas cultiváveis de café e controle sobre a mão-de-
obra.
O centro político-econômico do país, antes consolidado no Nordeste canavieiro, foi
transferido para o Sudeste cafeeiro. Isso significou a alteração da “personalização do poder
local”: “senhores de engenho” do Nordeste para “barões do café” no Sudeste.
A crescente imigração européia para o país, principalmente na região Sul, como forma
diferenciada de ocupação da terra em pequenas propriedades representou um processo
contrastante à organização da economia cafeeira da época, uma vez que boa parte dos
imigrantes passou a ser mão-de-obra nas lavouras de café no processo de transição para o
“trabalho livre”, antes da própria “abolição legal” da escravatura. As relações de trabalho,
24
nesse novo contexto, eram caracterizadas por formas de negociação não existentes
anteriormente.
A transição do trabalho escravo para o trabalho livre exigiu o estabelecimento de
contratos de trabalho que não se confundem exatamente com o assalariamento, uma
vez que envolvia o pagamento por produção e a negociação de acesso à parcelas de
terras para a produção de alimentos para o consumo doméstico (NORDER, 2004, p.
37).
A expansão da produção cafeeira no período conhecido como Primeira República
(1889 a 1930) manteve inalteradas as características gerais da estrutura fundiária no país.
Houve um aumento no número de propriedades em relação ao período anterior, mas
conservou-se a essência do modelo de concentração das terras.
A chamada Revolução de 30 reordenou a estrutura política nacional dominada pela
oligarquia cafeeira. O novo governo procurou impulsionar a incipiente industrialização do
início do século, introduzindo, a partir do papel proeminente do governo, uma nova dinâmica
econômica no país. Apesar da intervenção do Estado nos rumos da economia, a ordem agrária
era mantida à margem das mudanças ocorridas.
Esse cenário manteve-se, em termos gerais, sem alterações significativas durante a
ditadura do Estado Novo (1937-1945) e na “transição democrática” a partir de 1946. O Brasil
urbano crescia em ritmo acelerado, impelido pelo desenvolvimento industrial nas grandes
cidades. A partir da Constituição de 1946, a questão agrária começava a entrar na pauta
política e passava a ser concebida como um grande empecilho à expansão da economia
nacional.
Enquanto todos os esforços políticos voltavam-se para a industrialização, a
contestação da estrutura agrária agudizava-se crescentemente. As políticas sociais voltadas
para o meio rural, especialmente posseiros, arrendatários, meeiros e pequenos proprietários,
praticamente não existiam. Isso se refletia na situação de grande pobreza da população rural
25
marginalizada pela forma como o ideário desenvolvimentista vinha sendo implementado no
país. Essa situação de descaso foi decisiva para a eclosão de movimentos ligados à questão
agrária, com destaque para as Ligas Camponesas do Nordeste.
(...) nos anos cinqüenta, quando o processo capitalista no campo passou a se
expandir, e na região açucareira do Nordeste os canaviais foram se estendendo por
áreas antes produtoras de alimentos, organizaram-se, no engenho Galiléia, em
Vitória de Santo Antão, a associação que popularmente passou a se chamar de Ligas
Camponesas; dirigidas por Zezé da Galiléia, que tiveram em Francisco Julião (...) o
seu grande propagador e articulador, dando a elas uma dimensão nacional
(ANDRADE, 2002, p. 16).
As mobilizações ocorridas nas décadas de 50 e 60 resultaram de uma conjuntura
política e econômica específica. A questão agrária estava diretamente ligada à demanda pela
reforma agrária no país.
Nos anos 50 e 60 ganharam enorme destaque as Ligas Camponesas, principalmente
na região Nordeste do país, e outros movimentos sociais bastante articulados e
combativos, como o Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MASTER), no Sul do
Brasil (NORDER, 2000, p. 96).
Esses movimentos ganharam força política a partir da presidência de João Goulart,
cujo governo questionava abertamente a estrutura fundiária do país. O aguçamento dos
antagonismos sociais tornava ainda mais grave o eminente crescimento dos movimentos de
contestação. A estagnação econômica e o crescente empobrecimento da população rural e
urbana impunham, na pauta governamental, o tema das Reformas de Base. “Razões
econômicas e sociais impunham a urgente realização das reformas, dentre elas a que mais
debates provocou naquele período: a Reforma Agrária” (TOLEDO, 1982, p. 54).
A realização de um projeto de reforma agrária não apontava para uma solução
harmoniosa, pois no campo ideológico estavam em conflito posições sociais divergentes
oriundas do embate entre as orientações capitalistas e socialistas. A condução do processo de
reorientação do desenvolvimento econômico e das reformas sociais, principalmente ligadas à
26
estrutura fundiária, desembocou na derrocada do Governo Goulart pelas armas militares, no
golpe de 1964.
A partir do golpe militar a questão agrária passou a adquirir novas características. O
projeto de mudanças mais amplas na estrutura do campo foi suprimido pela violência contra
movimentos sociais e pela atribuição da ilegalidade às organizações de trabalhadores. Apesar
dessa questão de ordem político-ideológica, o Estatuto da Terra (1964), promulgado já no
início do Governo Militar, previa uma política de reforma agrária, contendo ainda as diretrizes
de promoção da “colonização dirigida” na região Norte do país. Essa estratégia manteve
praticamente inalterado o ordenamento territorial rural e suas bases políticas e econômicas.
Outra importante questão decorrente da transição para o regime militar foi o incentivo do
governo à modernização da agricultura através de novas bases tecnológicas oriundas,
principalmente, dos padrões de desenvolvimento norte-americanos.
A modernização consolidou no campo o modo de produção especificamente
capitalista. Esse processo induzido transformou a base técnica da agricultura no país,
inserindo um novo padrão de produção e novas formas de relações sociais que se
expressavam “(...) na transformação das relações de trabalho e na implantação de uma base
técnica de produção que se consubstancia na progressiva empresarialização da agricultura e
no surgimento e expansão dos complexos agroindustriais” (REGO, 1993, p. 24).
A tecnificação e a introdução de insumos químicos alteraram consideravelmente o
modus operandi da produção, que passou a necessitar de assistência técnica para o
acompanhamento do processo. Esses fatores, aliados à política de crédito da agricultura
2
, fez
emergir a figura do empresário rural e dos grandes Complexos Agroindustriais (CAIs). A
agricultura passava a ter um papel importante na consolidação da industrialização do país e,
2
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi criado e 1965 com o objetivo de financiar a modernização da
agricultura no país.
27
tudo aquilo que viesse se contrapor a essa ótica, era considerado um empecilho ao
desenvolvimento econômico nacional.
Do ponto de vista das relações sociais, podem-se destacar alguns elementos
fundamentais: a expansão da modernização da agricultura expropriou pequenos agricultores
camponeses, causando sua proletarização nos CAIs; a tecnificação de pequenas propriedades,
criou, num processo de diferenciação da agricultura camponesa, os chamados agricultores
familiares, inseridos nos padrões tecnológicos e sociais convencionais.
Em síntese, a questão agrária está associada à conjuntura histórico-social em que está
inserida. Pode-se observar, que esse tema perpassa várias análises ao longo das últimas
décadas. No decorrer deste trabalho a questão agrária será abordada em dois momentos
fundamentais: o primeiro relacionado à modernização da agricultura, e o segundo associado à
volta da reforma agrária como protagonista dos embates no âmbito social econômico e
político.
1.2- A Revolução Verde e os impactos no processo produtivo
A intensificação do desenvolvimento da agricultura, a partir do final dos anos 60, pelo
governo militar teve como conseqüência inúmeras transformações nas relações de trabalho. O
campesinato foi expropriado de sua forma específica de produção e imerso numa nova lógica
e dinâmica da agricultura. Essa nova dinâmica produtiva foi fruto da apropriação técnica da
terra através das inovações (máquinas, equipamentos, sementes, insumos, entre outros)
resultantes, essencialmente, da Revolução Verde.
A chamada ‘Revolução Verde’ foi um programa que tinha como objetivo explícito
contribuir para o aumento da produção e da produtividade agrícola no mundo,
28
através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a
criação e multiplicação de sementes adequadas às condições dos diferentes solos e
climas e, resistentes às doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de
técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes. Através dessa
imagem humanitária, ocultavam-se, no entanto, poderosos interesses econômicos e
políticos ligados à expansão e fortalecimento das grandes corporações a caminho da
transnacionalização (BRUM, 1985, p. 59).
De acordo com Brum (1985), a substituição da agricultura tradicional por uma
agricultura de bases técnicas modernas representou o interesse de grandes corporações
transnacionais, pois significava a abertura de novos canais de negócios para o fornecimento
de insumos e máquinas além de vincular a produção agropecuária às “indústrias de
transformação”. Esse processo introduzido de “fora para dentro” foi financiado, de início,
pelas grandes corporações que transferiram gradativamente a responsabilidade de condução
do processo para o poder público.
A primeira fase teve caráter pioneiro e experimental e estendeu-se de 1943 a 1965.
A Fundação Rockfeller patrocinou projetos-pilotos em determinados países
cuidadosamente selecionados, entre os quais o México, as Filipinas e em menor
escala, o Brasil, além dos Estados Unidos, é claro. Nesses países foram feitas
importantes pesquisas e experiências com alguns agrícolas (BRUM, 1985, p. 60).
Nessa fase foram realizados experimentos controlados por critérios rigorosos. O
processo de produção era submetido a um planejamento e execução desenvolvidos de modo a
assegurar resultados efetivos para o aumento da produtividade. As técnicas de correção do
solo e fertilização, o uso de agrotóxicos para o combate a pragas e doenças e a utilização de
máquinas e equipamentos foram os grandes responsáveis pela alta produtividade das lavouras
experimentais. Esses experimentos estavam articulados ao desenvolvimento de culturas
uniformes e de larga escala. A partir daí foi intensificada a internacionalização da pesquisa
agrícola através de centros internacionais instalados em regiões estratégicas, com o objetivo
fundamental de desenvolver experimentos relacionados à produção agrícola alinhados aos
interesses das grandes corporações. Em 1964, foi criado no México o Centro Internacional de
29
Melhoramento de Milho e do Trigo (CIMMYT), referência para a criação de outros grandes
projetos de pesquisa em todo o mundo.
Tabela 1 - Dotações das estações experimentais internacionais de culturas.
Centro Localização Data de inauguração Verba proposta p/
1979 (U$$1000)
IRRI- Instituto de Pesquisa do
Arroz
Los Banos,
Filipinas
1959 13503
CIMMYT- Centro Internacional
de Melhoramento de milho e trigo
El Batan, México 1964* 13775
CIAT- Centro Internacional para a
Agricultura Tropical
Palmira, Colômbia 1968 13750
IITA- Instituto Internacional de
Agricultura Tropical
Ibadan, Nigéria 1965 14480
CIP- Centro Internacional da
Batata
Lima, Peru 1972 7412
ICRISAT- Instituto Internacional
de Pesquisa de Culturas Para os
Trópicos Semi-Áridos
Hydeabad, Índia 1972 9004
WARDA- Associação para
desenvolvimento do Arroz da
África Ocidental
Monróvia, Libéria 1971 2334
ICARDA- Centro Internacional de
Pesquisa Agrícola em Áreas
Domésticas
Líbano 11976
IBPGR- Conselho Internacional
Para Recursos Genéticos
Vegetais**
FAO, Roma, Itália 1973 2720
Total: 88954
*O antecessor começou em 1943.
** Incluído, embora não sendo uma estação experimental.
Fonte: Banco Mundial (1979). Citado em Mooney (1987, p. 44).
A Revolução Verde foi responsável por uma série de transformações na produção
agrícola, com conseqüências que podem ser observadas por alguns ângulos. No tocante à
produção agrícola, estabeleceu inovações que intensificaram de maneira bastante contundente
o modo de produzir e o modo de se relacionar com a terra; os chamados “pacotes
tecnológicos” revolucionaram o modo de produzir.
Simultaneamente à introdução de novas variedades de trigo, arroz e milho, mais
produtivas, os países que aderiram à ‘Revolução Verde’ eram orientados e induzidos
a usar novas técnicas de correção do solo, fertilização, combate às doenças e pragas,
bem como a utilizar maquinaria e equipamentos modernos. A esse conjunto de
30
técnicas inovadoras se deu o nome de ‘pacotes tecnológicos’. E a toda essa
estratégia se chamou de ‘modernização tecnológica’ (BRUM, 1985, p. 65).
A ideologia propagada pela Revolução Verde vislumbrava o mundo sem nenhum
problema quanto à produção de alimentos, mas trouxe em seu seio algumas conseqüências
que podem ser vistas até os dias atuais: o fortalecimento das corporações agroindustriais, a
degradação ambiental e a exclusão social decorrentes da concentração de capital e do alto
preço dos insumos e do maquinário agrícola.
Em cerca de duas décadas, os variados sistemas agrícolas do Terceiro Mundo e suas
estruturas sociais foram arruinadas e substituídas por um novo modelo ocidental.
Tanto as culturas como as economias da Ásia, África e América Latina têm sido
açambarcadas pela economia de mercado ocidental sob o pretexto de alimentar os
famintos (
MOONEY, 1987, p. 49).
No Brasil, a Fundação Rockfeller teve participação no processo de transformação da
base técnica da agricultura nacional. Além das grandes empresas ligadas ao grupo instaladas
no país (Cargil, Agroceres e EMA), foram criados órgãos específicos com o objetivo de
implementar e garantir a eficiência das inovações da Revolução Verde.
(...) na década de 50 foi criada, em Minas Gerais, a Associação de Crédito e
Assistência Rural – ACAR, com o objetivo de orientar e estimular a implantação de
novas técnicas de cultivo entre os produtores rurais. Era o primeiro organismo
público a operar de acordo com a nova estratégia. Logo após, organismos idênticos
foram criados em outros Estados, entre eles a Associação Sulina de Crédito e
Assistência Rural – ASCAR, no Rio Grande do Sul. A criação da Associação
Brasileira de Crédito e Assistência Rural – ABCAR, em 1956, revela que o governo
brasileiro já havia assimilado a idéia e assumia a responsabilidade de acelerar o
processo de sua implantação no país (BRUM, 1985, p. 63).
A conjugação de todos os fatores apresentados anteriormente provocou “efeitos
negativos” no campo brasileiro (social, econômico e ambiental), pois foram as bases da
expansão capitalista na agricultura, conhecida como “modernização conservadora”.
31
(...) nos países, como o Brasil, em que a ‘Revolução Verde’ não foi acompanhada de
uma reforma agrária, mas apenas um sucedâneo desta, resultou graves
conseqüências, tanto de ordem econômica como principalmente sociais. Nestes
países a ‘Revolução Verde’ foi apenas um instrumento de ‘modernização
conservadora’ que ajudou a aprofundar a internacionalização da economia e a
agravar a dependência (BRUM, 1985, p. 71-72).
Com uma promessa até certo ponto tentadora, o campo passa a ser uma extensão forte
do capitalismo, constituindo-se, naquele momento, num segmento extremamente eficiente da
economia no Brasil.
1.3- A modernização da agricultura e a formação dos complexos
agroindustriais
Antes de adentrar no processo de modernização da agricultura é necessário estabelecer
limites conceituais para essa temática. Muito se confundem termos como modernização,
tecnificação e industrialização, relacionados ao período compreendido entre o final dos anos
60 adentrando a década de 80. Deve-se perceber que esses termos compreendem a processos
que se complementam.
O longo processo da transformação da base técnica – chamado de modernização –
que culmina na própria industrialização da agricultura. Esse processo representa a
subordinação da Natureza ao capital que, gradativamente, liberta o processo de
produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-las sempre
que se fizerem necessárias (KAGEYAMA, 1990, p. 114).
A apropriação capitalista da agricultura, balizada por uma ampla rede técnico-
científica (Revolução Verde) e por políticas estatais de financiamento, assistência técnica e
extensão rural, possibilitou uma nova dinâmica no campo brasileiro. O desenvolvimento da
matriz de produção moderna provocou mudanças significativas, percebidas através da
32
integração da agricultura à indústria como um ramo em sua cadeia produtiva. O progresso
técnico, entendido como um conjunto de práticas e conhecimentos, introduziu novos
parâmetros de produtividade para atividade agrícola, incorporando a utilização de insumos
químicos e máquinas adequados a exploração intensiva da terra (GRAZIANO DA SILVA,
1981).
A separação entre campo e cidade, anteriormente conhecida, foi diluída e recriada para
atender as necessidades do desenvolvimento capitalista. Essa separação era nítida devido a
indústria ser uma atividade essencialmente urbana, com características fundamentadas no
controle artificial do processo produtivo por meio da especialização de tarefas e produção de
mercadorias. Na agricultura (período anterior às inovações da Revolução Verde), a produção
era condicionada por fatores de “ordem natural” – integração das práticas agrícolas aos ciclos
naturais – num processo de relação “harmoniosa” do homem e o meio ambiente em que vive
– utilização de ferramentas e insumos produzidos na própria propriedade.
São, portanto, dois processos: um de destruição da economia natural, pela retirada
progressiva dos vários componentes que asseguravam a ‘harmonia’ da produção
assentada na relação homem-natureza (e suas contradições); e o outro, de uma nova
síntese, de recomposição de uma outra ‘harmonia’ – também permeada por novas
contradições – baseada no conhecimento e no controle cada vez maior da natureza e
na possibilidade de reprodução artificial das condições naturais da produção
agrícola. A esta passagem se denomina industrialização da agricultura
(GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 03).
As condições naturais de produção passaram a ser subordinadas ao avanço técnico de
capitalismo tendo como parâmetro o controle artificial de todo o processo. A apropriação
técnica da agricultura não representou apenas transformações na produção agrícola, mas
também nas relações sociais que a permeava.
A industrialização da agricultura implica a passagem de um sistema de produção
artesanal a um sistema em base manufatureira (com máquinas e uma divisão
capitalista do trabalho) e mesmo à grande indústria em alguns sub-setores das
atividades agropecuárias no seu sentido restrito (plantio, tratos culturais, colheita,
33
criação, etc.). E essa passagem é caracterizada essencialmente pela inversão da
função desempenhada pelo trabalhador que passa do papel ativo e integral do artesão
para o de um trabalhador parcial (especializado com suas ferramentas) na
manufatura, até atingir a passividade do operário industrial que apenas vigia sua
máquina (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 04).
As transformações ocorridas na produção, devido à industrialização da agricultura,
correspondem a um período histórico marcado pela exclusão social, êxodo rural e
proletarização nos grandes complexos agroindustriais (CAIs).
Essa discussão, a partir do papel do Estado brasileiro, permitirá compreender o
conflito entre duas lógicas de desenvolvimento: uma, desenvolvimentista e moderna; outra,
baseada na subsistência e nas formas tradicionais de produção (campesinato) (SCHWARZ,
1990). Esse conflito, localizado no âmbito produtivo, trouxe inúmeras conseqüências para a
pequena produção.
Para entender os reflexos do impulso modernizador do Estado e sua relação com o
campesinato, é fundamental construir uma linha histórica que se inicia com a intensificação
da modernização da agricultura no regime militar. Essa intensificação foi herança da crise do
antigo “complexo rural
3
” e da incorporação da base técnica da Revolução Verde.
A amplitude da “modernização conservadora” da agricultura é perceptível a partir das
transformações ocorridas no campo com o esgotamento das relações de produção no interior
do complexo rural. Essa crise esteve diretamente relacionada ao avanço do capitalismo,
impulsionado pela industrialização dos grandes centros urbanos. O período inicial da crise do
complexo rural possui marco na transição para o trabalho livre (substituição da mão-de-obra
escrava), que alterou as relações de trabalho nas grandes propriedades produtoras de café
(complexo rural cafeeiro). A partir daí, as relações de produção adquiriram características
3
“A dinâmica do complexo rural era muito simples, determinada fundamentalmente pelas flutuações do
comércio exterior. Havia geralmente apenas um produto de valor comercial em todo o circuito produtivo: era o
produto destinado ao mercado externo. (...) No interior das fazendas produziam-se não só as mercadorias
agrícolas para a exportação mas também manufaturas, equipamentos simples para a produção, transportes e
habitação. A divisão do trabalho era incipiente, as atividades agrícolas e manufatureiras encontravam-se
indissoluvelmente ligadas (...)” (KAGEYAMA, 1990, p. 116-117). Um exemplo marcante são as grandes
propriedades cafeeiras.
34
diferenciadas - relacionadas à quebra de sua estrutura autárquica -, tornando-se dependente de
fatores externos, principalmente a fluidez do mercado internacional e a necessidade da mão-
de-obra livre (imigrantes ou escravos libertos). O início da industrialização no país, nas
primeiras décadas do século XX, também contribuiu para a desagregação do complexo rural.
A dinâmica do crescimento agrícola, entre 1850 e a crise de 1929 é ainda
marcadamente influenciada pelos movimentos do mercado externo. A despeito do
crescimento do mercado interno propiciado pelo início da industrialização e pela
substituição do escravo pelo trabalhador livre, os produtos exportáveis (nota o café
e, com menos peso, açúcar e algodão) ainda comandavam o ritmo de incorporação
das novas terras agrícolas e as flutuações da renda agrícola como um todo
(GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 13).
O período de 1850 a 1929 ainda era dominado pela grande agricultura de exportação;
era ela quem regia a dinâmica econômica nacional – até uma ruptura entre os anos de 1929 e
1933. Essa ruptura mudou os rumos da economia agrícola que passava a ser articulada com o
crescente processo de urbanização, impulsionado pela industrialização nos grandes centros do
país.
A dinâmica migratória e a sobrevida do modelo agroexportador vigente estavam
interligadas às políticas governamentais de incentivo à industrialização e o preço dos produtos
de exportação (até o final da década de 40), através do cambio artificialmente controlado.
Na segunda metade da década de 40, o crescimento da agricultura no país já
incorporava um processo de modernização em sua base técnica, incentivado por políticas
estatais. Essa primeira fase da modernização (a segunda fase refere-se à sua intensificação
pelo regime militar) estava intimamente atrelada ao mercado externo, pois as máquinas,
equipamentos e insumos tinham que ser importados dos países detentores da tecnologia,
principalmente os Estados Unidos. O almejado aumento de produtividade (propagado pela
Revolução Verde) esbarrava em limitações financeiras, o que tornava difícil impulso à
modernização da agricultura.
35
Ao contrário dos primórdios do complexo rural, que tinha sua produção de
equipamentos rudimentares e de insumos internalizada e seu mercado final no
exterior, nesse ‘período de transição’ a agricultura internaliza em grande medida
seus mercados de destino, mas passa a depender do exterior – e, portanto das
exportações, da capacidade de endividamento externo e das políticas comerciais e
cambiais – para importar máquinas e insumos (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p.
19).
A partir da década de 50, com o início da modernização da agricultura, ocorreram
mudanças significativas nas relações de trabalho, principalmente, ligadas à desestruturação do
modelo de produção nas grandes propriedades, típicas dos complexos rurais. Com a
agudização da crise agrária, os trabalhadores migraram para os grandes centros urbanos,
encontrando inúmeras dificuldades relacionadas às condições básicas de trabalho e
subsistência. Falta de saneamento básico, habitação e políticas de atendimento em saúde e
educação marcaram esse profundamente esse período.
Os problemas sociais urbanos e rurais adentraram os anos 60, provocando grande
instabilidade política no país. As formas de trabalho no campo – assalariadas e não-
assalariadas, no interior das grandes propriedades – foram transformadas durante a
modernização da agricultura, a qual passou a depender de menor quantidade mão-de-obra no
processo de produção agrícola. A desagregação do antigo complexo rural – e sua forma
tradicional de dominação – teve como resultado a privação de um contingente de
trabalhadores rurais da mínima garantia de subsistência.
O quadro de grande pobreza e privações dos trabalhadores rurais e urbanos levou à
eclosão de intensas mobilizações de sindicatos e partidos políticos que vinham lutando pela
conquista de direitos. Para os trabalhadores rurais, as grandes reivindicações estavam
associadas aos direitos trabalhistas (obtidos pelos trabalhadores urbanos desde a Consolidação
das Leis do Trabalho – CLT) e à reforma agrária. Para isso, foram criadas organizações
36
sociais em diferentes regiões do Brasil para expressarem, através das mobilizações, os desejos
da massa de trabalhadores marginalizados.
Destacam-se as Ligas Camponesas criadas em 1945 com apoio do Partido
Comunista do Brasil (PCB), que organizavam os trabalhadores rurais na resistência
contra a expropriação ou expulsão das fazendas. Mas com a ilegalidade do PCB, em
1947, as ligas foram reprimidas, e só ressurgiram em 1954, no Estado de
Pernambuco e outros pontos da região Nordeste. Também como apoio e controle do
PCB, foi criada a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
(ULTAB), que teve atuação em boa parte do Território Nacional. No Estado do Rio
Grande do Sul, a partir do final da década de 50, foi organizado Movimento dos
Agricultores Sem-Terra (MASTER) ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)
de Leonel Brizola, que eleito para o governado estadual, manifestou apoio às
reivindicações dos trabalhadores rurais (NORDER, 2004, p. 49).
O quadro político da década de 60, que reunia, no mesmo espaço institucional,
interesses contraditórios, culminou no golpe militar de 1964. Para o golpe foi utilizado o
pretexto da instabilidade política provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros e pela
posse do vice, João Goulart. O empossado presidente sofreu pressões de setores sociais
vinculados às forças armadas e, diante dessas reações, buscou apoio nos setores populares
para implantar as reformas de base. Algumas das questões fundamentais eram o direito dos
trabalhadores rurais e a reforma agrária.
As reformas de base propostas foram de encontro aos interesses dos setores
dominantes que, aliados aos militares, foram responsáveis pelo Golpe Militar em 31 de março
de 1964. A ditadura militar adotou medidas que alteraram bruscamente as políticas públicas.
Essas medidas estavam articuladas com a renovação da estrutura de dominação e com a
intensificação da industrialização no país.
Quanto à questão agrária, o regime militar reprimiu os movimentos sociais e
sindicatos que não se submeteram as diretrizes políticas governamentais; em relação à política
agrícola, impulsionou a incipiente modernização iniciando uma nova fase chamada
“modernização conservadora”. Essa fase é conhecida pela forte intervenção governamental na
agricultura, por meio de incentivos fiscais, políticas de crédito e outras, com objetivo de
37
“modernizar”, porém “conservar” a estrutura de poder político e econômico no meio rural
brasileiro.
(...) o Estado desempenhou um papel crucial nesta arrancada: de um lado
estimulando a expansão das indústrias por meio de vários incentivos; de outro,
assegurando-lhe mercados por meio da política de financiamento rural
(KAGEYAMA, 1990, p. 121).
A partir desse momento, o Estado dirigiu a reorganização da agricultura no país. A
dependência em relação ao mercado externo na compra de máquinas e insumos deveria ser
substituída pela produção nacional; além disso, a produção agrícola seria integrada à indústria
por meio do processamento ou agroindustrialização.
O processo de industrialização da agricultura não se resume a utilização de insumos
industriais na produção agrícola, embora esse elemento seja um de seus
componentes. A industrialização do campo é um momento específico do processo de
modernização: a ‘reunificação agricultura-indústria’ num patamar mais elevado do
que o do simples consumo de bens industriais pela agricultura. É um momento da
modernização a partir da qual a indústria passa a comandar a direção, as formas e o
ritmo da mudança na base técnica agrícola (...). (...) A produção agrícola passou
então a constituir um elo de uma cadeia, negando as antigas condições do complexo
rural fechando em si mesmo e em grande parte as do complexo agro-comercial
prevalecente até os anos 60. Esse processo desemboca na constituição dos
complexos agroindustriais, que também se efetivam a partir da implantação da
‘indústria para a agricultura’ e da estruturação da agroindústria processadora
(KAGEYAMA, 1990, p. 122).
A agricultura era regida, naquele momento, por novos parâmetros de produção, que
estavam ligados a fatores internos de integração industrial articulados às “(...) relações entre
agroindústria e agentes distribuidores que causam impactos nas atividades agrárias (...)”
(MÜLLER, 1988, p. 175). A integração intersetorial da agricultura refere-se à sua
constituição como um elo de uma cadeia nos complexos agroindustriais (CAIs).
(...) a principal modificação na dinâmica da agricultura brasileira consiste num
processo histórico de passagem do chamado ‘complexo rural’ para uma dinâmica
comandada pelos ‘complexos agroindustriais’ (CAIs). Esse processo envolve a
substituição da economia natural por atividades agrícolas integradas a indústria, a
intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais, a especialização da
38
produção agrícola e a substituição das exportações pelo mercado interno como
elemento central da alocação dos recursos produtivos no setor agropecuário
(KAGEYAMA, 1990, p. 116).
Para alavancar uma produção agrícola moderna e integrada era necessário (para suprir
a necessidade técnica) uma política de financiamento constituída através de um sistema de
crédito que incorporasse todos os elos dos CAIs na modernização agrícola. No processo de
modernização, a utilização de financiamentos estava condicionada à utilização de insumos
industriais, definidos nos “pacotes tecnológicos” prescritos pelo serviço público responsável
pela pesquisa, assistência técnica e extensão rural.
O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), criado em 1965, foi um dos principais
elementos que marcaram a ruptura com o antigo modelo de desenvolvimento por meio da
“(...) consolidação integrada com complexo agroindustrial e as mudanças na base técnica de
produção agrícola comandados pelo complexo (...)” (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 26).
Os CAIs podem ser entendidos como resultado da intensificação da modernização nos
anos 60, pois sua emergência se deu através da produção industrial de máquinas e insumos
para a agricultura. Por meio dos CAIs foi possível a estabilização do setor industrial de
máquinas e insumos instalado no país e a consolidação de uma política governamental para a
agroindústria. Os CAIs foram um fenômeno da década de 70 e representaram grau elevado de
relações com os ramos da indústria. A partir deles, é possível contextualizar, por exemplo, a
proletarização do campesinato e seus desdobramentos.
(...) desenha-se uma polarização crescente: de um lado, perda gradativa do papel
produtivo dos segmentos mais pobres de pequenos produtores, de modo a converter
a terra que possuem em um mero local de moradia ou, quando muito, de produção
para autoconsumo da família; de outro, tecnificação crescente dos produtores
familiares integrados aos complexos agroindustriais, aliando um patrimônio
imobilizado cada vez maior a menores níveis de autonomia na organização de seu
próprio processo produtivo (GRAZIANO DA SILVA, 1981, p. 05).
39
Em relação ao padrão agrícola vigente no período, deve ser destacado que a produção
agrícola estava articulada às necessidades da agroindústria e do mercado externo. Dessa
maneira, a política de crédito vinculava o financiamento para a grande produção (milho, soja,
algodão, etc.) a ser processada internamente pelas agroindústrias (de capital externo) ou
exportada com preços variáveis de acordo com o mercado internacional (commodities
4
).
O incentivo a essa produção era fundamental para a economia, pois tinha impacto na
balança comercial e se alinhava aos interesses desenvolvimentistas dos setores agrários
dominantes. Nessa perspectiva, as formas artesanais de produção (campesinato) não estariam
contribuindo para a potencialização da economia nacional. Para solucionar esse problema, as
políticas de crédito e extensão rural foram importantes para desagregar uma lógica de
produção regida por parâmetros diferenciados daqueles incentivados pelo governo. Assim, o
Estado impôs um modelo extensionista para difundir a modernização da agricultura e
consolidar novas relações de produção.
1.4- Política de desenvolvimento e produção camponesa
O difusionismo tecnológico contido nos programas de assistência técnica e extensão
rural influenciou a introdução de novas práticas e relações sociais no campo brasileiro. Essas
políticas foram determinadas por fatores ligados ao modo de produção dominante e aos
interesses e motivações específicos da realidade social da época. As relações sociais
capitalistas e o aparato técnico desenvolvido foram as bases que conformaram o paradigma de
extensão rural exigido pelo modelo econômico dominante. Essa estratégia foi uma maneira da
agricultura se integrar ao processo de desenvolvimento econômico do país.
4
São produtos voltados para o mercado externo (exportação) com preços fixados pelo mercado internacional.
40
A transmissão do saber técnico na agricultura provocou grande impacto,
principalmente na agricultura camponesa, considerada um atraso para a economia do país. O
sentido das políticas governamentais era romper com esse “modelo estagnado” e promover
sua inserção no circuito mercantil que vinha se desenvolvendo. Amparada por certo
conhecimento científico, essa prática buscou reproduzir as relações capitalistas apoiadas pelo
Estado, tendo como referência o modelo extensionista norte-americano (CAPORAL;
COSTABEBER, 2001). A extensão rural, aliada à disponibilização de crédito rural (vinculado
aos “pacotes” modernos), transformava-se na realizadora em potencial da modernização da
agricultura.
O avanço da modernidade, no Brasil, na década de 70, exigiu instrumentos mais
eficientes e uma articulação mais eficaz. Para atender a essa necessidade, o governo
brasileiro criou em 1971, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA). A atuação dessa organização, de fato, acaba sendo influenciada,
direta ou indiretamente, pelos centros internacionais. (...) Também na década de 70,
e pelas mesmas razões, foi estruturado e dinamizado o sistema nacional de
assistência técnica e extensão rural, através da criação da EMBRATER – Empresa
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – vinculada ao Ministério da
agricultura. O sistema se completa, estendendo-se aos diversos Estados da nação, em
cada um deles, da sua respectiva EMATER – Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural (BRUM, 1985, p. 68-69).
Esse sistema tinha a função de estabelecer novas diretrizes para a produção por meio
de atividades que contribuíssem para o processo de transição do “setor atrasado da economia”
para outro de base moderna. Deveria garantir um acréscimo na balança comercial, pelo
atendimento especial às culturas destinadas à exportação, através da inserção de “pacotes
tecnológicos”, aumentando a produtividade agrícola. Concomitantemente, seria necessário
implementar programas educativos de formação, visando facilitar, essencialmente, a
introdução dos saberes técnico-científicos nas práticas cotidianas dos produtores rurais. A
extensão rural foi criada com o objetivo de disseminar a agricultura moderna e preparar, pelo
processo educativo, a população rural para que assimilassem, com mais facilidade, o
progresso técnico incentivado pelo Estado.
41
A agricultura moderna encontrava, na lógica tradicional de produção, um entrave para
sua expansão. A economia tradicional camponesa era pautada por princípios totalmente
diferenciados daqueles propostos pela acumulação capitalista no campo. Nas práticas e
discursos dos camponeses estavam expressas as significações de si próprios e do mundo,
construídas através de relações com o real – sua representação
5
.
A representação – do sujeito camponês ou de qualquer outro sujeito inserido num
determinado grupo social – é o mecanismo que, por meio da experiência, atribui sentido à
realidade social. Através da representação surgem visões de mundo e projetos determinados,
que integram e formam, num fluxo constante, um conjunto de elementos – símbolos e signos
–, atuantes não apenas no plano discursivo (subjetivo), mas, essencialmente, nas práticas
sociais (objetivas e materiais).
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos
interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento
dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1990, p.
17).
A cultura tradicional
6
camponesa configura um elemento importante para a
consolidação de um sistema de produção específico, o qual é regido por padrões de trabalho
que garantem a autonomia nas estratégias adotadas para a manutenção da unidade econômica
familiar. “La cultura tradicional es una realidad sui generis, dotada de su propia dinámica
específica. Un bajo nivel de tecnología agrícola y de estabilidad del asentamiento campesino
representa, talvez, sus fundamentos más importantes” (DOBROWOLSKI, 1979, p. 252).
5
Essa abordagem está presente nos estudos da História Cultural, como um paradigma científico de análise da
realidade social. Para ela, a cultura é uma construção social, que deve ser decifrada a partir das significações que
os sujeitos dão de si próprios e do contexto que estão inseridos. “A história cultural, tal como a entendemos, tem
por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 16-17). Sobre o tema, cf. Lynn Hunt (1992).
6
“El proceso básico de transmisión de la cultura tradicional consiste en la educación, que introduce al novato a
un mundo definido de valores materiales e inmateriales” (DOBROWOLSKI, 1979, p. 251).
42
A organização econômica da propriedade camponesa estava alicerçada no núcleo
familiar, o qual era elementar nas tomadas de decisão para solução dos problemas contextuais.
Isso permitia maior sustentação do equilíbrio da exploração agrícola e do volume de trabalho
empregado, sendo decisivo na garantia da reprodução social. A participação da família na
avaliação dos elementos pertencentes à esfera econômica tinha como referência o balanço
entre trabalho e consumo (CHAYANOV, 1981).
El productor campesino aumentará su esfuerzo sólo si tiene razones para creer que
así obtendrá un producto mayor que podrá destinar al aumento de la inversión o el
consumo, pero no lleva el esfuerzo más allá del punto en que el posible aumento del
producto es superado por lo desagradable del trabajo adicional. Por eso se ha
llamado equilibrio trabajo-consumo a este mecanismo social. Chayanov demostró
que para familias distintas el balance entre la satisfacción del consumidor y la
molestia involucrada es afectado por el tamaño de la familia y la razón de los
miembros que trabajan a los que no trabajan (KERBLAY, 1979, p. 136).
A lógica camponesa tem na família o elemento principal de operacionalização das
atividades no espaço de produção. A unidade entre o consumo e a produção possibilitava uma
integração das práticas e organização de estratégias adequadas às necessidades familiares e às
condições da terra, do trabalho e dos instrumentos disponíveis. Essa racionalidade era
orientada pelo ciclo demográfico da família, variável de acordo com o número de integrantes
da unidade produtiva. A capacidade de trabalho e o volume da produção eram orientados por
esse ciclo, considerando as condições básicas de reprodução do núcleo familiar.
La cuantía del producto del trabajo la determinan principalmente el tamaño y la
composición de la familia trabajadora, el número de sus miembros capaces de
trabajar y, además, la productividad de la unidad de trabajo y – esto es
especialmente importante – el grado de esfuerzo de los trabajadores, el grado de
autoexploración mediante el cual los miembros laborantes efectúan cierta cantidad
de unidades de trabajo en el curso del año (CHAYANOV, 1981, p. 54).
De acordo com o equilíbrio produtivo na unidade familiar era estabelecido o grau de
auto-exploração do trabalho, não intensificado para além desse equilíbrio. Nessa perspectiva,
o camponês conformava seus arranjos de acordo com elementos distintos da economia de
43
mercado. A condição de existência do campesinato era a reprodução da unidade doméstica, e
não a obtenção de renda e lucro. Esse produtor se integrava ao mercado de forma bastante
incipiente por meio do excedente do consumo familiar.
Na economia capitalista, a organização da produção, regida externamente pela
dinâmica imposta pelo mercado, requer intensificação e inovação técnica, com objetivo da
geração de lucro. “La renta como categoría objetiva de ingreso económico, obtenida después
de deducir los costos materiales de producción, los salarios, y el interés usual sobre el
capital procedente del ingreso bruto, no puede existir en la unidad económica familiar”
(CHAYANOV, 1981, p. 56-57).
De modo geral, o camponês possuía autonomia na organização do processo de
produção, condicionado ao balanço trabalho-consumo e às características culturalmente
definidas e consolidadas. A lógica de produção camponesa baseava-se nas experiências de
organização da unidade econômica, orientadas tradicionalmente. “Otro factor social menos
importante, pero esencial, es el nivel de vida tradicional, impuesto por las costumbres y el
hábito, que determina la amplitud de las pretensiones de consumo y, por ende, el empeño de
la capacidad de trabajo” (CHAYANOV, 1981, p. 61).
A distinção entre a atividade econômica camponesa e o padrão capitalista de produção
está baseada no retorno financeiro das práticas agrícolas. São lógicas de desenvolvimento
opostas, organizadas por elementos diferenciados – economia camponesa, internos, e
economia capitalista, externos – que garantem suas especificidades e articulações com
determinados cenários.
O padrão de desenvolvimento agrícola adotado no país não foi condizente com a
realidade do campesinato; o agricultor tradicional foi inserido numa dinâmica alheia às suas
relações cotidianas, através da retórica do desenvolvimento econômico.
44
O aumento da produção, sua diversificação, a melhoria dos equipamentos
produtivos, o impacto dos programas de assistência e formação na mudança de
mentalidade beneficiariam forçosamente os dois parceiros: o pequeno agricultor
veria sua renda aumentar, o Estado veria crescer as possibilidades de arrecadação de
um excedente agrícola gerado por uma produção e uma produtividade aumentadas
(SCHWARZ, 1990, p. 80).
A inserção do camponês na rota comercial acarretou inúmeras mudanças na
forma de produzir, pois sua lógica contradizia as práticas adotadas pelo Estado.
Em um país em desenvolvimento ou recentemente industrializado, o Estado com sua
burocracia do desenvolvimento e o mundo do agricultor tradicional pertencem a
duas lógicas de reprodução diferentes. Nesse caso, é necessário identificar os
elementos constituintes dessas lógicas e o seu modo de funcionamento, para melhor
apreender suas naturezas fundamentalmente diferentes. É no funcionamento das
contradições, nesse nível fundamental da reprodução dos sistemas, que a realidade
problemática e contestada de um desenvolvimento agrícola sob tutela estatal pode
tomar toda sua significação (SCHWARZ, 1990, p. 81).
Enquanto o Estado buscava aumentar o excedente da produção através da
disseminação de práticas agrícolas orientadas à produção em larga escala (produtos para a
agroindústria e exportação) e a integração nos CAIs, o campesinato direcionava seus esforços
para as atividades de subsistência (segurança alimentar e reprodução da força de trabalho).
Assim a lógica do sistema de reprodução da sociedade agrícola tradicional não
pressiona necessariamente o agricultor a maximizar sua produção e sua renda. Ele
vai, de preferência, procurar otimizar a utilização da sua força de trabalho, de
maneira que o funcionamento do seu sistema de reprodução física, técnica,
econômica, social e cultural seja garantido com a maior segurança possível
(SCHWARZ, 1990, p. 90).
Dentro da modernidade técnica e industrial propagada pelo Estado, esse sistema de
produção não teria conexão com a economia mercantil. Nesse sentido, a extensão rural teve
um papel fundamental para desarticular a lógica de produção camponesa em nome do
progresso técnico-científico (MARTINS, 1993). Estava em jogo dois saberes diferenciados: o
científico e o tradicional.
45
As representações não produzem práticas, estratégias e discursos neutros. Buscam
legitimar escolhas e estabelecer novas relações, onde o poder e a dominação estão sempre
presentes. A disputa entre diferentes grupos, tentando impor projetos de sociedade (e o
conjunto de elementos sociais próprios) desenvolve-se, também, nas lutas de representações.
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.
Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre
colocadas num campo de concorrências e competições cujos desafios se enunciam
em termos de poder e dominação (CHARTIER, 1990, p. 17).
No conflito de representações de dois projetos contraditórios, ocorreram diversas
transformações prevalecendo, em grande proporção, a imposição das políticas
governamentais. Essas políticas buscaram otimizar a exploração da terra, introduzindo novas
práticas de reorganização do tempo e espaço na atividade produtiva. A extensão rural,
responsável por “educar” os camponeses, tentou consolidar, na prática, uma nova forma de
relação por meio da mudança costumes e hábitos constituintes da totalidade cotidiana
(CARVALHO, 2001).
As representações divergentes são palco de resistências e rupturas, em que a
imposição de novas formas de relações está permeada com conteúdo de legitimação de uma
forma de dominação.
Essas situações decorrem do fato de que as representações do mundo social impostas
às coletividades nunca são apropriadas da mesma forma por todos. Há uma tensão
entre as modalidades do fazer crer e as formas de crença. Por modalidades do fazer
crer entendem-se os procedimentos e dispositivos, discursivos ou formais, que
objetivam coagir o indivíduo, sujeitá-lo, convencê-lo; por outro lado, existem
formas de crença, variações possíveis diante dos mecanismos persuasivos, contra-
sensos, rebeldias (CARVALHO, 2005, p. 05).
46
No entremeio das disputas de representações, o domínio da lógica de desenvolvimento
do Estado era evidente. Com isso, o padrão desenvolvimentista de produção, adotado nas
grandes propriedades, deveria ser aplicado na agricultura camponesa.
Esses pacotes tecnológicos, tecnicamente inadaptados às pequenas propriedades,
serviam para colocá-las em situação econômica desfavorável, provocando
progressivamente a sua marginalização. (...) Esse fenômeno da marginalização dá
origem a todo um processo sócio-econômico de empobrecimento do agricultor
tradicional, que encontrará cada vez mais dificuldades para garantir a reprodução
biológica, econômica e social de sua vida e de sua base produtiva, durante o ciclo
repetitivo do processo de produção agrícola. (...) Na ausência total de segurança
alimentar, instala na coletividade agrícola a fome generalizada estrutural, a
pauperização e a proletarização que estimulam seguramente o êxodo rural
(SCHWARZ, 1990, p. 110; 87; 89).
A situação de pobreza, as condições degradantes de trabalho, o êxodo rural e a
conseqüente marginalização social, evidenciavam que os programas e projetos agrícolas
governamentais, em sua origem, foram concebidos com a total ausência da incorporação da
massa camponesa e suas particularidades (organização cultural e econômica). A “economia
moderna” foi muito importante para desagregação do campesinato e fragmentação de seu
saber e lógica de produção.
As conseqüências da “modernização conservadora” não se resumiram no
empobrecimento dos camponeses, abrangeram, também, outras questões. Serão destacadas
algumas: a) política de “contra-reforma agrária” do governo; b) proletarização do trabalho
agrícola; c) mobilizações sociais pela reforma agrária no contexto da “redemocratização”; d)
degradação ambiental.
Em suma, a “modernização conservadora” foi extremamente excludente e contribuiu
para a reprodução das relações de dominação e de exploração do trabalho no campo,
consolidando uma ideologia perversa do “moderno” que predomina até os dias atuais na
agricultura no país.
47
Como se não bastasse a repressão aos movimentos de luta pela terra, mobilizados
politicamente nos anos 60, o regime militar organizou meios jurídicos para redimensionar a
política de reforma agrária no Brasil. Apesar da aprovação do Estatuto da Terra (Lei 4.504 de
30 de novembro de 1964), a reforma agrária foi articulada com a colonização dirigida na
região amazônica. Esse programa constituiu-se numa verdadeira “contra-reforma”, pois todo
o processo era tutelado pelo Estado, que mantinha o controle da questão fundiária por meio de
um discurso desenvolvimentista. Em nome da geração de empregos e expansão do mercado
consumidor de insumos e máquinas industrializadas, o regime militar freou a política reforma
agrária nas principais regiões do país para instituir um novo projeto relativo ao problema
fundiário (colonização da região Norte do Brasil). Esse processo enfraqueceu
temporariamente as lutas sociais, que voltaram à cena no final da década de 70, demonstrando
a falibilidade da colonização dirigida implantada pelos governos militares.
Quanto às relações de trabalho, a “modernização conservadora” consolidou uma nova
dinâmica baseada na proletarização do trabalhador rural. Com isso, houve uma mudança
significativa das relações de trabalho no processo produtivo. O trabalhador rural, agente de
todo processo de produção na terra em que vivia (como meeiro, colono, proprietário etc.),
passava a ser um proletário inserido nos CAIs.
Todo o aparato do Estado - e sua lógica de desenvolvimento - defendia o fim do
campesinato suas relações sociais tradicionais. O “saber” camponês – agora proletário – foi
descaracterizado em decorrência de sua inserção no processo produtivo capitalista. “(...)
vislumbra-se na lógica e nas contradições que emergiram da ação modernizante uma
configuração de novos personagens, que (...) tiveram origem na aurora do processo de
modernização no campo” (BASSANI, 2006, p. 43).
48
O êxodo rural, decorrente da exclusão social da “modernização conservadora”, aliado
a precarização da pequena propriedade rural, foram responsáveis pelo surgimento de uma
nova categoria de trabalhador: o Assalariado Rural Temporário (ART)
7
ou “bóia-fria”.
O ART designa que é tão somente proprietário de sua força de trabalho, não
possuindo meios de produção, isto é, capital e terra. Nessa condição, ele se encontra
determinado a transformar em mercadoria sua força de trabalho e vendê-la no
mercado, especialmente prestando trabalhos rurais, porém não descartando outras
atividades. Dessa relação, ele busca obter como pagamento pelo uso de sua força de
trabalho os bens necessários para sua sobrevivência. Essa venda de força de trabalho
em atividades temporárias constitui a condição econômica básica da vida desse
trabalhador (BASSANI, 2006, p. 14).
Este trabalhador temporário, residente na periferia dos grandes centros urbanos, vilas,
distritos ou em pequenas propriedades, vivia em situação de instabilidade referente à sua
subsistência familiar, devido ao caráter intermitente de seu trabalho.
O caráter intermitente com que se realiza o trabalho de ‘bóia-fria’ faz com que esta
disponibilidade seja para qualquer tipo de trabalho. O ritmo irregular com que sua
força de trabalho é explorada nem sempre lhe permite continuar produzindo novos
meios de subsistência, enquanto consome os recebidos em troca de trabalho. (...) isto
lhe confere uma instabilidade econômica que se reflete nas condições de extrema
miserabilidade em que ele vive (D’INCAO, 1975, p. 88).
Em pesquisa realizada no interior do Paraná, em dois Núcleos de ART, essa
característica é reafirmada.
Em muitas épocas do ano, parte em busca de trabalho, sujeita-se a viajar para
municípios, estados e regiões distantes, permanecendo lá por alguns meses, vivendo
em condições precárias e recebendo baixos ganhos, geralmente próximos ao salário
mínimo. (...) Pode-se dizer que o ART vive um quadro de proletarização
inconstante, batendo sempre à porta de seu barraco a miserabilidade provável
(BASSANI, 2006, p. 15).
A necessidade de emprego, num cenário de crescente miserabilidade e abundância na
oferta de mão-de-obra, fazia com que o “bóia-fria” se submetesse à condições sub-humanas
7
Denominação utilizada por Bassani (2006).
49
de trabalho. Esses trabalhadores estavam vinculados a tarefas especializadas no processo
produtivo: no manejo de máquinas, no plantio ou na colheita.
O caráter excludente da modernização da agricultura agravou as condições de vida,
tanto no meio rural como nos grandes centros urbanos. No contexto da “redemocratização”,
esses marginalizados foram os protagonistas da organização de diversos movimentos sociais
de lutas por direitos políticos, por moradia, pela reforma agrária
8
, entre outros que redefiniram
novas formas de mobilização.
Sobre a questão ambiental, deve ser salientado o importante papel do conjunto de
práticas degradantes na expansão da agricultura moderna no país. O estímulo estatal,
concretizado pela política de créditos, foi um dos fatores centrais para o crescimento do
problema ambiental do país. O uso de agrotóxicos e fertilizantes, aliado aos desmatamentos,
provocou grande desequilíbrio dos recursos naturais; as inovações inseridas nas práticas
agrícolas, devido aos “pacotes tecnológicos”, desencadearam a deterioração do solo, água e
alterações significativas nos fenômenos naturais (secas, inundações, enchentes, etc.).
Em grande medida, a questão ambiental foi desconsiderada na trajetória do processo
de modernização da agricultura. Na busca pelo desenvolvimento econômico, a integração da
agricultura com a indústria não colocou em sua pauta os limites dos recursos naturais e seu
caráter intermitente. O modelo concentrador e excludente da “modernização conservadora”
causou crescente dependência, no processo de produção, em relação ao uso de insumos
químicos e mecânicos. O papel da extensão rural, ao visar a consolidação do modelo
ambientalmente degradante, foi decisivo. A adequação da produção aos ciclos naturais,
princípio básico da agricultura tradicional camponesa, foi alterada por práticas artificiais de
controle da natureza – intensificação do plantio de monoculturas em larga escala. Além dos
8
A relação entre os ART (“bóia-fria”) e o MST estaria mais próxima a partir do crescimento do movimento de
luta pela terra nos anos 90. “O vínculo crescente do ART com a luta pela terra tornou-se um fenômeno visível,
sendo muitos os relatos e depoimentos que associam os ART aos acampamentos do MST (...) (BASSANI,
2006, p. 126).
50
problemas sociais e políticos, o meio ambiente também foi afetado pela “modernização
conservadora” no país.
Durante a chamada “transição democrática”, a emergência de novos movimentos
sociais e o retorno das mobilizações das organizações sindicais e do movimento de luta pela
terra, reprimidos durante a ditadura militar, deram um novo formato político para as últimas
décadas do século XX.
1.5- A luta pela terra na transição democrática
A chamada “redemocratização” foi um processo desencadeado a partir da segunda
metade da década de 70 até 1985, oficialmente o “final” do regime militar no Brasil. A
“abertura democrática” foi resultado do esgotamento da legitimidade política ditatorial
relacionada, em grande medida, ao papel das massas de trabalhadores rurais e urbanos
(FERNADES, 1986). O objetivo do regime militar era realizar uma mudança “lenta, gradual e
segura” garantindo a sobrevivência do pacto constituído em 1964 até a transição definitiva.
“É uma transição de um regime ditatorial para uma república burguesa institucionalizada,
uma versão doce da autocracia burguesa sustentada pelo fuzil” (FERNANDES, 1986, p. 73).
As mobilizações populares de maior relevância foram deflagradas pelo movimento
sindical do ABC Paulista. As greves dos metalúrgicos possibilitaram, às suas lideranças, a
formulação um novo projeto para o país, mediante a vinculação da luta à criação de um
partido político.
De todo o modo, configura-se uma vanguarda operária de repercussão nacional,
lideranças locais ultrapassam a tradicional relação paternalista que vincula políticos
demagogos à massa carente; realiza-se uma aproximação entre lideranças operárias,
camponesas e de moradores de bairros populares das periferias das grandes cidades.
Nesse quadro, a constituição do Partido dos Trabalhadores (PT) aparece como
51
expressão mais avançada do processo de unificação e politização das lideranças
emergentes dos movimentos sociais sob hegemonia do movimento operário. Mas é
evidente que nem o PT reúne todas estas lideranças, nem ele consegue traduzir já a
incorporação dessas lideranças locais com capacidade para formular um projeto
político nacional (SADER, 1982, p. 193).
Por ser um período de “transição”, as forças sociais foram reorganizadas e incluíram
novos sujeitos na arena política. Esses sujeitos organizados de forma coletiva representavam a
confluência de diferentes orientações tradicionais de mobilização (igreja, sindicatos e partidos
políticos) com novos elementos construídos a partir da prática cotidiana. Esse novo lugar de
recriação política (o cotidiano) passou a ser valorizado enquanto espaço de resistência e luta
(SADER, 1988).
As condições imediatas de vida (marginalização, pobreza) foram essenciais para a
constituição dos movimentos sociais. Na relação das práticas cotidianas com orientações
políticas tradicionais que foram redefinidas as formas de mobilização e seus significados na
construção das lutas sociais.
Os movimentos sociais são entendidos como uma organização de indivíduos com
reivindicações e ideais semelhantes que tentam encaminhar reflexões e ações, orientadas
coletivamente, que possam culminar em benefícios concretos (e comuns) ao grupo,
consideradas suas necessidades num dado momento histórico. É na situação de conflito, de
reivindicações e de embate social, isto é, em situações de mudança, que os sujeitos adotam
estratégias dirigidas na forma de ação coletiva.
(...) uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos
mesmos objetivos (o projeto) sob a orientação mais ou menos consciente de
princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva mais ou
menos definida (a organização e sua direção)” (SCHERER-WARREN, 1987, p. 20).
A partir desses elementos, é possível entender como a organização de diversos
movimentos sociais articula seus objetivos práticos a valores que dão sentido à existência das
lutas. A constituição de uma “identidade” para o grupo permite reconhecer as forças sociais
52
que o rodeia, entre elas seu inimigo em potencial. “(...) análise dos movimentos sociais
refere-se a processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes
na realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sociopolítica e cultural (...)”
(GOHN, 1997, p. 171).
Dentre os vários movimentos sociais que eclodiram no período de “transição”
destacam-se os movimentos de luta pela terra, representados com maior força pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O contexto de organização da luta
pela terra foi resultado de um processo histórico de exclusão social do trabalhador rural.
O processo de modernização na agricultura, induzido pelo regime militar, trouxe
transformações profundas na sociedade. A figura do empresário rural, produtor integrado ao
circuito mercantil capitalista, demonstrava que a estrutura de poder e dominação era mantida.
A concentração de terras continuava a excluir o produtor tradicional (camponês) e a absorver
um enorme contingente de mão-de-obra barata nas plantações. A proletarização do
trabalhador rural (“bóia-fria”) representava a dependência da agricultura às relações
capitalistas de produção. O trabalho temporário fazia crescer a pobreza e a marginalização
social; as periferias urbanas tornavam-se núcleos de exclusão social provocada por décadas de
desenvolvimento desigual. Sem condições de salubridade e segurança alimentar esses
trabalhadores encontravam-se reféns da estrutura agrária e dos desmandos dos grandes
proprietários de terras. A situação desses trabalhadores, aliada à expectativa por autonomia
(relacionada à conquista da terra), os aproximava dos movimentos de luta pela terra,
principalmente o MST. “Nos anos de 1990, esse horizonte torna-se, para os ART, mais visível
em determinadas regiões, devido à intensificação da luta pela terra impulsionada pelo MST.
(...) Pelas portas do MST, os desejos de muitos ART encontram receptividade e transformam-
se em ações” (BASSANI, 2006, p. 123).
53
Além desses trabalhadores, pode ser identificada outra categoria de proletário que, da
mesma forma, vivia em condições insustentáveis. Os trabalhadores que permaneciam no
campo, mas não conseguiam manter as condições mínimas de subsistência, também se
integraram à massa de trabalhadores que, de alguma forma, foram vítimas do longo processo
de exclusão social e econômica da “modernização conservadora”.
Esse programa de desenvolvimento agrário entrou em colapso a partir de meados
dos anos 80. As conseqüências das políticas agrícolas de modernização excludente,
discriminatória, concentradora de renda e fundamentada em subsídios
governamentais, direcionados às grandes empresas capitalistas, ao lado do
esgotamento da colonização dirigida na região amazônica (o MST desde seu início
vem criticando a colonização dirigida na Amazônia) e das contradições geradas pela
urbanização mais acelerada que o crescimento econômico, gerando uma enorme
precariedade nas aglomerações urbanas, estão entre os fatores que impulsionaram a
formação dos movimentos sociais que resgataram a bandeira da reforma agrária
durante a transição para a democracia, nos anos 80 (NORDER, 2000, p. 99).
Nesse contexto, em que o regime militar perdia sua legitimidade, a organização dos
trabalhadores rurais sem terra passava por um processo de “gestação” (1979 a 1985)
(FERNANDES, 2000). É nessa fase, no período de “abertura democrática”, que surgiu o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como resultado da organização de
movimentos sociais de luta pela terra no Sul do país. “Sua bandeira de luta era: ‘Terra não
se ganha, se conquista’, o que implica na valorização de formas mais incisivas de luta como
as ocupações e os acampamentos e, ao mesmo tempo, num esforço enorme de organização”
(MEDEIROS, 1989, p. 150).
Em sua gênese estavam presentes, além das condições sócio-econômicas dos
trabalhadores rurais, a mediação da Igreja através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) inspiradas na Teologia da Libertação. Ainda pode-se
destacar o papel da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Partido dos Trabalhadores
(PT).
54
Apesar das múltiplas influências (religiosas, sindicais e político-partidárias), a
formação do MST esteve relativamente autônoma, o que proporcionou condições para
construção de um projeto de transformação social autêntico (FERNANDES, 1996). Na
formação do Movimento, a partir da conquista de seu espaço político, os trabalhadores
puderam elaborar práticas e formas de mobilização consolidadas de acordo com os “(...)
contextos histórico-sociais nos quais estão inseridos” (SCHERER–WARREN, 1999, p. 14).
O MST foi fundado, oficialmente, no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, em 1984.
O surgimento do MST é síntese do processo de lutas locais dos camponeses e
trabalhadores rurais, cuja organização nacional surgiu a partir da generalização do
conflito pela terra no Brasil e da necessidade de aglutinar forças para disputar com o
Estado uma política agrária alternativa (àquela) que estava sendo aplicada pelos
militares (SILVA, 2004, p. 66).
Nesse Encontro, realizado do dia 21 ao dia 24 de janeiro, foram apontados os
primeiros objetivos de atuação do Movimento: “(...) lutar pela reforma agrária; lutar por
uma sociedade justa, fraterna e acabar com o capitalismo; integrar à categoria dos sem-terra
trabalhadores rurais, arrendatários, meeiros, pequenos proprietários etc.; a terra para quem
nela trabalha e dela precisa para viver” (ANDRADE, 2002, p. 17).
O MST tem como principal característica o fato de ser um movimento de massas
(mobilização de grande número de trabalhadores rurais) e ao mesmo tempo um movimento
político que incorpora os trabalhadores sem terra e sua família (não requer a mesma
formalidade da filiação sindical), além de contar com a participação de pessoas ou segmentos
comprometidos com a luta pela reforma agrária – o Movimento agrega o apoio de
“militantes”, mesmo que não pertençam diretamente à atividade agrícola (STÉDILE;
GÖRGEN, 1993).
55
Outra característica marcante do MST é a ação direta a partir da organização dos
trabalhadores para a implementação de uma política de reforma agrária e, de imediato, o
assentamento das famílias sem terra. A escolha das áreas, reivindicadas para o assentamento
dos trabalhadores sem terra, não era realizada aleatoriamente. Antes dessa escolha eram feitas
análises da condição fundiária relativas à documentação, improdutividade, inadimplência com
o sistema de crédito do Estado, entre outros. A partir daí, as áreas eram “selecionadas” para
acelerar o processo de negociação; nesse entremeio, ocorriam ocupações para que a
mobilização adquirisse uma conotação política mais forte.
A manutenção de longos períodos de acampamento – sob condições precárias de
permanência – era a forma de resistência do Movimento à demora do Estado para
desapropriar a área e implantar o assentamento. A persistência dos trabalhadores sem terra
nos acampamentos simbolizava o desejo de conquistar a terra, resistindo, na maioria dos
casos, por vários meses ou anos.
Com a instalação dos acampamentos, as famílias recebem um suporte alimentar
emergencial, ainda que instável, através do apoio da Igreja e comunidades locais, de
assentamentos próximos, da produção própria em suas imediações ou de políticas
assistenciais de governo. É bastante comum, no entanto, a inadequação e a
insuficiência dos alimentos e medicamentos disponíveis nos acampamento, gerando
tensões e mobilizações políticas localizadas. Lonas de plástico são utilizadas como
material básico para as precárias construções habitacionais. Esta população
acampada busca em geral empregar-se temporariamente em atividades assalariadas
na região. Desta forma, o acampamento permite que as negociações da área com o
Estado possam resistir a um período mais longo. Seu posicionamento nas margens
de rodovias confere maior visibilidade às mobilizações. A deliberação do MST é a
de não resistir à força policial encarregada de efetuar as ações judiciais de
desocupação. Os trabalhadores geralmente desocupam pacificamente as
propriedades em disputa para reocupá-las posteriormente. Entretanto, em várias
regiões do país, em alguns casos, o contingente de policiais foi insuficiente para
reverter ocupações em massa. Mandatos de reintegração de posse deixaram de ser
cumpridos por absoluta falta de policiais para executá-los, criando situações de forte
tensão social (NORDER, 2004, p. 67).
Além dos acampamentos, O MST organizou suas estratégias em torno de um embate
permanente contra o governo (ocupação de prédios públicos, praças, bloqueio de rodovias,
grandes marchas), como instrumento de sensibilização da opinião pública. A materialização
56
da luta pela terra, conseguida através das ações de acampamento e ocupação, permitiram ao
MST intensificar sua atuação. “Essas práticas são resultados dos conhecimentos de
experiências, das trocas e da reflexão sobre elas, bem como das conjunturas políticas e das
situações em que se encontram as frações dos territórios a serem ocupadas (...)”
(FERNANDES, 2000a, p. 62). Isso foi fundamental para a expansão das mobilizações no
processo de “territorialização” da luta pela terra.
A luta pela terra leva a territorialização porque ao conquistar um assentamento, abre-
se perspectiva para conquistar um novo assentamento. Se cada assentamento é uma
fração do território conquistado, a esse conjunto de conquistas chamamos de
territorialização (...). Os sem-terra, ao chegarem à terra, vislumbram sempre uma
nova conquista e por essa razão o MST é um movimento sócio-territorial
(FERNANDES, 1998, p. 33).
Esse movimento constrói estratégias políticas articuladas em “redes de relações”, que
ultrapassam a esfera local e promovem a territorialização em diferentes regiões. A
territorialização é marcada por pela “espacialização” política, que contribui para o avanço da
organização dos trabalhadores rurais (e suas famílias) através de “experiências vividas e
avaliadas”. "O MST, esse sujeito coletivo, se espacializa pela sua práxis, por meio da (re)
produção por suas experiências de luta. Este processo é desenvolvido pelo trabalho, pela
ação criativa, reconstruindo o espaço de socialização política” (FERNANDES, 1996, p.
136).
A socialização política é a construção dos trabalhadores rurais e das instituições
envolvidas no processo de territorialização da luta pela terra. Ela é representada pela
conquista e pela autonomia do trabalhador rural e o reconhecimento de tal situação.
“Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do
espaço de socialização política” (FERNANDES, 1996, p. 136). As experiências acumuladas,
através de expedientes de organização e mobilização, contribuem para o avanço desse
processo, que visa, num primeiro momento, a conquista de assentamentos rurais.
57
O movimento territorializado ou socioterritorial está organizado e atua em diferentes
lugares ao mesmo tempo, ação possibilitada por causa de sua forma de organização,
que permite espacializar a luta para conquistar novas frações do território,
multiplicando-se no processo de territorialização (FERNANDES, 2000a, p. 68).
Além das formas de organização, foi constituída uma simbologia, que pudesse criar
uma identidade ao MST e a suas ações. Em torno da construção dessa identidade, o
Movimento “atua intencionalmente no processo de formação das pessoas que o constituem”
(CALDART, 2000, p. 199). Através de um processo “pedagógico”, constituiu-se um conjunto
de elementos para a consolidação de uma nova representação social
9
, que passou a se afirmar
sobre uma multiplicidade de atores no contexto dos assentamentos rurais. A formação do
sujeito “sem terra” é muito importante para o entendimento de certas particularidades na
conduta dos trabalhadores assentados.
Desde suas primeiras ocupações os sem-terra vêm criando diversos símbolos de
representação de sua luta. Circunstanciais, como a cruz da Encruzilhada Natalina, ou
permanentes como a bandeira e hino do MST, eles são, sobretudo, signos da unidade
em torno de um ideal e constituem a mística do Movimento (MORISSAWA, 2001,
p. 209).
A mística do MST pressupõe a integração da coletividade em torno de objetivos,
valores e princípios comuns. A dimensão subjetiva é essencial para sustentar a unidade do
grupo e superar a visão do homem como mera força de trabalho, comercializável como
qualquer mercadoria (BOFF, 1998). Os elementos subjetivos e objetivos da vida cotidiana
devem ser referenciados na construção de um novo sujeito histórico, relacionado a novos
valores e práticas. Essa dimensão educativa é baseada no projeto de educação adotado pelo
MST, que articula o conhecimento popular à construção do sujeito de transformação da
realidade em que está inserido (FREIRE, 1987).
9
Os objetos, discursos e práticas refletem os interesses e posições dos grupos sociais que os articulam “(...) que
têm por objectivo a construção do mundo social, e como tal a definição contraditória das identidades – tanto a
dos outros como a sua” (CHARTIER, 1990, p. 18).
58
Isso indica que o Movimento possui, como uma de suas características, a dimensão
educativa no processo de formação do sujeito “sem terra”. São construídas, por meio da
educação, novas formas de relações com a terra e com a coletividade, ou seja, são formadas
novas relações sociais em torno de um novo sujeito (CALDART, 2000).
A construção de uma identidade social está inter-relacionada com as práticas
educativas “formais” (escola) e nos espaços de discussão dos diversos elementos do cotidiano
do assentamento. Essas duas dimensões constituem na elaboração de uma nova representação,
elementar para a organização interna das relações de produção. Essa identidade social é
nitidamente constatada nas práticas escolares. Como exemplo, o estudo realizado no
Assentamento Antônio Conselheiro, no interior de Mato Grosso.
A mística tem papel importante nas atividades do Movimento e da escola, e se
caracteriza pela apresentação de atividades, podendo ser música, teatro, atividades
lúdicas ou o conjunto delas, organizadas por participantes dos encontros, aulas,
concentrações ou outras atividades, voltadas a resgatar a memória da luta e reforçar
todo o conjunto do ideário do Movimento. Na mística utiliza-se muito de expressões
corporais, principalmente de encenações (PEREIRA FILHO, 2003, p. 77-78).
Segundo o autor, a todo o momento, a cooperação é trabalhada no cotidiano do
assentamento, para os alunos compreenderem a importância da solidariedade e da organização
coletiva. O processo educativo é voltado, em grande medida, para a dimensão política da luta
pela terra.
Verificamos no decorrer das atividades, que os conteúdos dos trabalhos produzidos
pelos alunos, em muito se diferenciavam das produções dos alunos das escolas da
rede pública oficial ou particular e que era forte a presença de elementos vinculados
à questão agrária e da luta pela terra, próprios da luta do Movimento presentes no
cotidiano da vida daquelas crianças. Percebemos a existência de uma leitura de
mundo, ainda não muito bem elaborada, mas suficiente para demonstrar um grau de
maturidade política, no que tange à compreensão da luta dos trabalhadores,
sinalizando para a existência de um ideário pedagógico diferente no interior
daquelas escolas, ligado às vertentes socialistas (PEREIRA FILHO, 2003, p. 12).
59
De acordo com Pereira Filho (2003), a escola tem um papel de grande importância
para “cultivar” a mística do MST e disseminar, entre os trabalhadores, os seus princípios. Isso
reflete diretamente nas práticas agrícolas e na construção de espaços de sociabilidade e
tomada de decisões
10
. Os valores constituídos no processo educativo, intrinsecamente
articulado com a transmissão de conteúdos político-ideológicos específicos, restringem a
possibilidade de recriação de novas formas de organização relacionadas, inerentemente, com
as particularidades da localidade.
10
Outras estratégias de formação pedagógica (Laboratório Organizacional de Campo – LOC –, Técnico em
Administração Cooperativa – TAC – e Formação Integrada da Produção – FIP), relacionadas, principalmente, à
consolidação da cooperação agrícola (cooperativismo), serão abordadas no próximo Capítulo.
60
2- O PRODUTIVISMO COLETIVISTA NO MST
A organização do MST foi marcada pelo contexto político-social da modernização da
agricultura no país no final dos anos 70 e início da década 80. Como produto histórico, o
Movimento se estruturou de acordo com as tensões e embates sociais do contexto referido. As
mobilizações e ocupações de terras colocaram a reforma agrária como uma das principais
políticas a serem conduzidas no país. A “redemocratização” foi um período importante para
consolidar novos rumos para a questão agrária, relacionados ao assentamento de trabalhadores
rurais expropriados pela acumulação capitalista no campo.
Na pauta política do novo governo civil, os assentamentos rurais possuíam grande
relevância no processo de geração de emprego e minimização das condições de pobreza no
espaço rural. As pressões políticas do MST foram primordiais para a construção desse novo
cenário. Durante o governo de transição foram implementados projetos de assentamento em
várias regiões do país, articulados com um programa de crédito, com linhas de financiamento
direcionadas à reforma agrária.
A intensificação das mobilizações pela reforma agrária e a condução de políticas
governamentais não foram construídas em relação de harmonia e consensualidade. Nesse
entremeio, as elites agrárias se organizaram em torno de um movimento reacionário ao quadro
social e político desfavorável aos seus interesses. Nesse embate, a Constituinte e o novo
governo eleito, a partir do final da década de 80, foram extremamente negativos para a
reforma agrária no país. Num período político de repressão à luta pela terra e estagnação das
políticas de assentamento, o MST direcionou seus esforços para outra esfera de atuação: a
organização da produção nos assentamentos rurais. O Movimento entendia o assentamento
como uma extensão da luta pela terra e condição de resistência do trabalhador rural. Nesse
sentido, organizou uma estrutura administrativa para coordenar a implantação de seu modelo
61
de cooperação agrícola. O MST via na cooperação a principal saída para a organização do
trabalho e viabilidade econômica da produção. Orientado pela “teoria da organização no
campo” – fundamentada em concepções kautskianas –, incentivou a criação de diversas
cooperativas em todo o país. O cooperativismo pressupunha a construção de novas relações
de trabalho e a supressão das formas tradicionais de organização da produção. A partir desses
elementos, foram constituídas estratégias para consolidar esse paradigma de produção em
todos os assentamentos rurais articulados ao Movimento.
Para contextualizar essa discussão o presente capítulo apresenta-se delimitado em
quatro seções.
Na primeira seção serão destacadas as tensões ocorridas durante a “redemocratização”
do país, referentes à reforma agrária, e o papel do governo em relação às políticas de
assentamento e crédito. A postura do Estado em dois momentos diferenciados – “transição
democrática” e governo eleito em 1989 – definiram as estratégias do MST para a organização
da produção através do trabalho coletivo.
É escopo da segunda seção, demonstrar a criação de uma estrutura organizacional para
a consolidação do modelo de cooperação agrícola do MST. Nela estarão apresentados os
principais elementos do cooperativismo, organizados a partir da transição de formas
associativas “simples” às cooperativas de produção. Recorrendo a referenciais do próprio
Movimento, esta seção demonstra a institucionalização das cooperativas e a construção de
esferas representativas em nível estadual e nacional para a articulação de experiências e
ordenamento da produção local.
Na terceira seção estarão presentes os princípios teóricos da organização da produção
nas cooperativas do MST. Através de documentos originários do Movimento, serão
apresentados conceitos fundamentais, os quais foram as bases da criação do cooperativismo
inserido nos assentamentos rurais. A partir dessas concepções, orientadas principalmente pela
62
análise kautskiana, o MST buscou, na superioridade da produção cooperativa, a alternativa
para o desenvolvimento econômico na localidade. Isso seria possível através da superação das
relações camponesas tradicionais e a construção de novas relações de produção estabelecidas
por um novo sujeito social.
Com base teórica consolidada e estrutura organizacional em processo de constituição,
o MST implantou cooperativas em todas as regiões do país. Essa expansão, articulada com
um novo momento político, será discutida na quarta seção. O retorno das mobilizações e
ocupações de terra deu um contorno diferenciado a esse período. A reforma agrária voltava à
agenda política – assentamento de trabalhadores rurais e linhas de crédito. Durante esse
período, o MST implementou novas cooperativas e enfocou os resultados alcançados,
demonstrando a viabilidade de seu projeto de desenvolvimento econômico. A territorialização
das cooperativas e seus resultados estão baseados em passagens documentais, que
demonstraram alguns exemplos das estratégias adotadas pelo MST.
A viabilidade econômica dos assentamentos e a construção de um novo sujeito,
pautado por valores coletivos, foram os principais eixos do modelo cooperativista. A
articulação entre a organização do trabalho coletivo e a matriz tecnológica da agricultura
moderna indicava o viés economicista da cooperação agrícola ou um produtivismo coletivista
praticado pelo MST.
2.1- Políticas de assentamento e crédito para a reforma agrária
A questão agrária na “transição democrática” demandava por políticas urgentes. A
intensificação das mobilizações e a expansão territorial do MST adquiriram grande
repercussão pública e força política. Devido a essa natureza de ação do Movimento, a reforma
63
agrária passou a ser uma pauta de fundamental importância para o “pacto social” na passagem
do regime militar para o governo civil.
Em 1985 foi eleito, pelo Congresso Nacional, o primeiro governo da “Nova
República”. O colégio eleitoral aprovou o nome de Tancredo Neves, que faleceu antes de
tomar posse no cargo, assumindo assim, seu vice-presidente José Sarney. O governo Sarney
foi obrigado a reconhecer a gravidade das tensões sociais provocadas pela questão agrária no
país; face a isso, foi proposto, para solucionar essa demanda, o I Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA).
Apresentada publicamente em maio de 1985 no IV Congresso Nacional dos
Trabalhadores Rurais, da Contag, a Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária
concebia a reforma agrária como assunto prioritário do novo governo e se inspirava
fundamentalmente no Antigo Estatuto da Terra, porém radicalizando seu viés
reformista. Os principais elementos inovadores eram a possibilidade de
desapropriação da terra por interesse social, o que tornava o latifúndio improdutivo
ou as áreas de conflito de terra os seus principais alvos, mas também tornava
possível a desapropriação de empresas rurais e de áreas produtivas; a priorização da
política de assentamentos, em lugar de tendências anteriores de valorização da
colonização, da regularização fundiária e da tributação; e a participação de
trabalhadores em todas as fases do processo de reforma agrária. Além disso, a
indenização pela desapropriação seria paga de acordo com o valor do imóvel
declarado para a cobrança do imposto territorial rural (ITR), o que combateria a
especulação fundiária e penalizaria os latifundiários improdutivos e os forçaria a
assumir sua função social produzindo (MACIEL, 2005, p. 176-177).
Essa longa passagem reflete, com bastante clareza, a mudança de ênfase da política de
“colonização dirigida” para a de reforma agrária, por meio da criação de assentamentos rurais,
principalmente em áreas de conflitos pela terra. A reforma agrária, com desapropriação por
interesse social, impulsionou a “territorialização” do MST, que intensificou os acampamentos
e as ocupações no país. Partindo do pressuposto que, onde houvesse tensões envolvendo a
questão fundiária, a função social da propriedade estaria sendo questionada e a área seria
passível de reforma agrária. Esses fatores estariam no bojo das mobilizações dos
trabalhadores rurais sem terra organizados pelo MST.
64
A proposta apresentada em maio de 1985, no Congresso da Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), foi o estopim para a eclosão de um movimento
reacionário que se ergueu para a defesa dos grandes proprietários rurais. Esse movimento era
representado pela Sociedade Rural Brasileira (SRB) e da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA).
A organização da elite agrária aconteceu como resposta ao PNRA e às mobilizações
de luta pela terra. Esse confronto de interesses gerou conflitos armados, estabelecendo para a
reforma agrária, uma face extremamente violenta. Por trás dessa reação estava a criação, em
1985 (mesmo ano do PNRA), da União Democrática Ruralista (UDR).
De acordo com Bruno (1997), a UDR foi organizada para defender os interesses do
setor elitizado da agricultura no país, paralelamente às representações oficiais (CNA, SRB);
suas ações indicavam uma postura radical frente à adoção das políticas de reforma agrária e as
atividades do MST nas principais regiões do país. Para a defesa das propriedades foram
constituídas milícias armadas, responsáveis por atentados a militantes e lideranças ligados à
luta pela reforma agrária.
Ainda em 1985, a CNA organizou o Congresso Brasileiro de Reforma Agrária, com o
objetivo de reforçar a união das entidades representativas em torno de seus interesses entre os
quais se destacou a revisão do PNRA, principalmente no caput do artigo (Art.15) que trata da
implementação da reforma agrária em regiões de tensão social. A intensa pressão desses
setores resultou em alterações fundamentais no PNRA, transformadas em empecilhos à
política de reforma agrária. A situação pode ser esclarecida no papel desempenhado pelo
advogado Fábio Luchési (ligado a setores da elite rural) a quem foi confiado a versão final do
PNRA.
Após suas sugestões, aceitas por José Sarney, o PNRA deixou de ser uma proposta
de estimulo à mudança social e transformou-se em mais um obstáculo jurídico à
reforma agrária. (...) O recuo do governo Sarney restabeleceu a tranqüilidade nos
65
setores proprietários/empresariais, e causou indignação entre os trabalhadores rurais,
sobretudo pela reforma obscura e antidemocrática como a questão foi encaminhada.
A reforma agrária tornava-se difícil e lenta. A desapropriação por interesse social
deixou de figurar como principal recurso do PNRA, a áreas prioritárias não foram
definidas e o governo federal centralizaria a decisão final sobre os Planos Regionais
de Reforma Agrária (PRRAs) (NORDER, 2004, p. 59).
O fracasso da proposta original deveu-se muito ao papel da UDR enquanto movimento
de reação à reforma agrária. “(...) a versão aprovada era muito distinta da que havia sido
apresentada” (MORISSAWA, 2001:107). Através do Decreto Presidencial 91.766, de 10 de
outubro de 1985, o PNRA foi aprovado com conteúdo eminentemente conciliador.
Com o esvaziamento da proposta do PNRA e o desmantelamento da equipe que o
elaborava, a questão da reforma agrária foi praticamente ‘congelada’ dentro do
governo. Ora cedendo a pressões dos setores dominantes agrários, ora inviabilizando
na prática as iniciativas reformistas, o governo adotou uma postura cada vez mais
conciliadora diante da grande propriedade rural (MACIEL, 2005:181).
O sucesso das mobilizações da UDR foi notório, pois exerceu grande influência na
eleição de representantes na Assembléia Nacional Constituinte, na Câmara e Senado Federais.
Com o apoio dos setores agrários dominantes, a UDR começou a se movimentar para garantir
seus interesses na elaboração da Constituição Federal. Nessa fase, passou a atuar em frentes
diferentes daquelas do uso da violência nas propriedades (milícias armadas); organizou novas
formas de atuação articuladas com suas coordenações regionais, principalmente relacionadas
a manifestações pelo direito à propriedade, para buscar a adesão da opinião pública. Além
disso, consolidou uma estrutura jurídica para assessorá-la sobre as questões fundiárias e,
adentrou veemente na base de sustentação político-partidária na Assembléia Constituinte
(BRUNO, 1997).
O avanço da UDR evidenciou a postura tomada pelos setores dominantes na
agricultura para a defesa de seus interesses no Congresso Nacional. Como resultado, a UDR
conseguiu alianças com os setores industriais e empresariado urbano, consolidando uma base
de sustentação para tratar dos temas relacionados à reforma agrária. No decurso das
66
discussões na Assembléia Constituinte, a “bancada ruralista” (apoiada pela UDR) obteve
êxito em suas propostas, não permitindo o avanço da legislação sobre a reforma agrária. A
exclusão das “propriedades produtivas”, como possíveis áreas a serem desapropriadas,
demonstrou que as condições para a reforma agrária previstas na Constituição de 1988 não
sofreram alterações significativas.
Como fundamento para a desapropriação, a “propriedade improdutiva” impôs
importantes limites burocráticos, pois seu conceito era muito amplo e complexo. Isso
ocasionou verdadeiras batalhas judiciais, obstaculizando a implementação das políticas de
reforma agrária. Apesar dos limites políticos, legislativos e jurídicos; e as metas previstas no
PNRA não serem cumpridas; “(...) mais de 700 assentamentos foram criados nos anos 80,
atendendo a aproximadamente 110 mil famílias (...)” (NORDER, 2004, p. 60).
Os assentamentos criados nesse período foram resultado, em grande medida, das
mobilizações dos movimentos sociais pela luta pela terra. A pressão dos trabalhadores rurais
sobre o governo, por meio das diversas frentes de resistência, possibilitou a execução de
diversos PDAs (Projetos de Desenvolvimento de Assentamentos) pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Quanto à organização dos assentados, esses PDAs
foram conduzidos, predominantemente, pela orientação do MST .
A partir dos anos 80, em meio às discussões sobre a questão agrária no Brasil, o que se
tem de concreto são os assentamentos rurais, resultantes de pressões dos movimentos sociais
de luta pela terra. São adotados oficialmente como metas de governo para a solução, sempre
adiada, da reforma agrária.
Os assentamentos rurais podem ser entendidos como unidades de produção criadas a
partir de uma política governamental específica, com os seguintes objetivos: beneficiar o
trabalhador excluído do acesso a terra; fazer a propriedade rural cumprir sua função social. A
bibliografia a respeito dessa temática aponta para diversos tipos de análises relacionadas à
67
compreensão da lógica interna de funcionamento na situação de um novo espaço. Nesse
cenário, certas representações sociais se impõem em processo de (re)significação com ideais
de trabalho coletivo, mobilização de luta e organização política.
Muitas vezes parece que, logrando acesso à terra, depois de períodos mais ou menos
longos de pressão e reivindicação, e uma vez investidos, de alguma forma de
controle sobre a terra, a tendência é a diluição das demandas, interesses, e da própria
identidade dos ‘assentados’ num segmento maior de pequenos produtores. A
preocupação se desloca para questões tais como a produção, a produtividade,
assistência técnica, políticas de crédito, etc. De fato, isso acontece e é possível
ouvirem-se de grupos de recém-assentados referindo-se a si mesmos como pequenos
produtores, procurando estabelecer vínculos político-administrativos com esse
segmento maior, ainda que, no seu conjunto, nem todos os pequenos produtores
passem necessariamente, pelos mesmos processos de enfrentamento (ESTERCI,
1992, p. 07-08).
Os assentamentos rurais serão analisados como produtos históricos, inseridos num
contexto político, econômico, social e cultural regido pelo paradigma desenvolvimentista da
agricultura, decorrente de um longo processo de modernização capitalista da produção
agrícola no país. A partir desse pressuposto, é possível entender como os assentamentos de
reforma agrária foram impelidos por uma lógica extremamente contraditória.
A criação de assentamentos formou uma nova categoria de produtor rural: o assentado.
Esse “novo” sujeito deve ser entendido num complexo de relações estabelecidas com seu
passado e a nova realidade vivenciada nas particularidades do novo espaço de vivência.
Na maior parte das vezes, os trabalhadores nunca foram proprietários, nem sequer
suas famílias até a terceira geração, o que não afasta a memória/presença viva da
relação com a terra. (...) Para os assentados, cujo passado, remoto ou presente, foi
marcado pela condição de arrendatário, parceiros ou pequenos proprietários, a terra
ainda é a expressão de um projeto de vida (BERGAMASCO; FERRANTE; D’
AQUINO, 1991, p. 269; 272).
A relação com a terra era concebida através da identidade estabelecida,
tradicionalmente, pelo próprio contato com a prática produtiva ou pela referência simbólica
expressada por uma “memória” materializada no assentamento rural. O trabalhador assentado,
68
oriundo de diferentes regiões do país, possuía especificidades construídas pela relação com a
terra, acumulada na história da pequena produção local.
A passagem à condição de assentado e a diversidade não pode ser explicada por
meio de eixos analíticos mecanicistas. Não se trata de uma transposição mecânica
através da qual o trabalhador deixaria a condição anterior e passaria imediatamente a
assumir uma outra. Tal processo, longo, comporta sonhos, frustrações, realidade.
Para poder pensar o assentamento como categoria em construção, faz-se necessário
recuperar sua origem e alguns dos sonhos que os movem (BERGAMASCO;
FERRANTE; D’ AQUINO, 1991, p. 274).
Nesse sentido, a transformação do sujeito recém-assentado entra em conflito com as
representações construídas durante toda trajetória de vida. O novo contexto social, político e
territorial é reordenado a partir das antigas referências e, a inserção de novos elementos nas
práticas cotidianas sofre, essencialmente, um processo de resistência e ruptura. “Daí que a
imposição de uma representação não significa a aceitação unívoca dessa representação:
pode existir pluralidade nas apropriações” (CARVALHO, 2005, p. 05).
No período de consolidação dos assentamentos, principalmente, a partir de 1985, o
MST buscou ampliar nas localidades, através das intervenções da coordenação nacional, o
conceito de “sem terra”. Esse sujeito não seria apenas o militante engajado nas ações de
ocupação e de acampamento, mas também aquele sujeito assentado que luta por direitos que
vão além da conquista de uma parcela de terra. “Esta tensão expressava concepções diversas
acerca do que seriam ‘lutas econômicas’ e ‘lutas políticas’, do papel da luta por terra no
processo de transformação; e do lugar dos ‘assentados’ na ‘luta por terra’” (ESTERCI,
1992, p. 08). O objetivo do Movimento era a permanência de sua base de sustentação, sendo
esta, organizada no interior dos assentamentos rurais.
A segunda metade da década de 80 foi profícua em destacar assentamentos-modelos,
fundamentados na matriz de produção coletiva e/ou associativista, em franca alusão
ao projeto defendido pelas organizações ligadas à igreja aos técnicos progressistas
do Estado e às dificuldades de recursos financeiros (ESTERCI, 1992:11).
69
Para que os assentamentos pudessem ser organizados de acordo com uma matriz de
produção “adequada” à sua realidade, o MST montou uma estrutura organizacional com a
finalidade de dar amparo ao processo produtivo nos assentamentos e consolidar o processo de
formação político-ideológica. Essa necessidade possuía fundamento na grande
heterogeneidade de trabalhadores que necessitariam ser organizados para continuarem a
trajetória de luta e mobilização ainda não esgotada.
(...) se os ‘assentadostem trajetórias diferenciadas – passando ou não por
experiências de trabalho urbano, mais ou menos prolongado, tendo tido na própria
área rural inserções diversas na produção (como bóias-frias, arrendatários, posseiros,
pequenos proprietários) – o significado da terra no seu projeto de vida e, portanto, o
caráter político da própria reivindicação por terra, pode variar muito (ESTERCI,
1992, p. 09).
Essa multiplicidade de sujeitos inseridos no mesmo espaço produtivo acarretou
inúmeros problemas para o projeto de organização nos assentamentos de reforma agrária. De
acordo com essa perspectiva, o MST buscou aprimorar sua matriz de produção e todo o
aparato organizacional que a rodeia. Assim, criou 04 Setores que se articulavam em torno do
projeto nacional do Movimento: Setor de Frente de Massa; Setor de Formação; Setor de
Educação; e Setor de Produção.
O Setor de frente de Massa é responsável pelo desenvolvimento do processo de
expansão do Movimento. Seus integrantes deslocam-se para outros municípios,
estados ou regiões, formando novos grupos de famílias, fazendo o trabalho de
conscientização e realizando novas ocupações. (...) Compreender o sistema
capitalista, as razões históricas da situação dos trabalhadores, as alternativas ao
modelo político e econômico vigente, etc. é fundamental para o engajamento
consciente do sem-terra. Considerando essa realidade, o MST decidiu criar o Setor
de Formação. (...) A escola para as crianças e a alfabetização dos jovens e adultos
foi uma preocupação desde as primeiras ocupações. Pais e professores formaram
comissões para reivindicar e organizar escolas nos acampamentos e assentamentos.
(...) Conquistados os primeiros assentamentos, o MST viu-se diante do desafio de
estabelecer novas relações de produção. (...) Foi nesse contexto que (...) começaram
a discutir o desenvolvimento da cooperação agrícola como forma de resistência
(MORISSAWA, 2001, p. 205-206).
70
Essa estrutura organizacional possuía a função de constituir novas relações no âmbito
da política, educação, mobilização e produção. Deveria ser formado um novo sujeito (o sem
terra) integrado a uma lógica gestada pela Direção Nacional do Movimento.
Além desses setores, foram criadas “instâncias de representação”, onde seriam
analisados os temas pertinentes à realidade dos assentamentos rurais e traçadas as diretrizes
gerais de atuação política e econômica (produção) do MST. Essas “instâncias” gerariam
referências para os Setores executarem seus projetos na localidade (MORISSAWA, 2001).
São elas: 1) Congresso Nacional; 2) Encontro Nacional; 3) Coordenação Nacional; 4) Direção
Nacional; 5) Encontros Estaduais; 6) Coordenações Estaduais; 7) Direções Estaduais; 8)
Coordenações Regionais; 9) Coordenação de Assentamentos e Acampamentos; 10) Grupos de
Base.
O MST articulou hierarquicamente toda a estrutura de organização no intuito de
integrar as experiências locais à pauta de discussões ordenada nacionalmente. A partir desses
pilares, foram aperfeiçoadas, ao longo do tempo, novas práticas, principalmente, no Setor de
Produção, com a introdução do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Isso foi
possível devido à constituição de uma política governamental de crédito (Programa de Crédito
Especial para a Reforma Agrária – PROCERA) em 1986.
Como já apontado anteriormente, os assentamentos são decorrentes de um contexto
histórico marcado pelo incentivo ao padrão da agricultura moderna. O financiamento
proporcionado pelo governo para os assentamentos rurais marcou ainda mais o predomínio
dessa orientação na matriz de produção agrícola defendida pelo MST.
Nesse campo, vêm ganhando peso duas (...) formas de abordagem: a integração aos
mercados e o patamar tecnológico. No primeiro caso, tem-se afirmado a necessidade
de não se entender os ‘assentamentos’ como ‘guetos’ e buscando alternativas de
colocação dos produtos agropecuários nos mercados, sobretudo ao nível regional.
(...) Quanto à questão tecnológica, podemos notar que o padrão calçado na
‘revolução verde’ norte-americana tem sido, em parte, incompatível com a estrutura
produtiva dos ‘assentamentos’ (ESTERCI, 1992, p. 11).
71
A produção em larga escala, com altos índices de utilização de insumos químicos e
máquinas, era considerada contraditória para a realidade dos assentamentos rurais. Outra
alternativa adotada, a integração no mercado através da agroindustrialização da produção nos
assentamentos, também possuía muitos problemas devido à dificuldade de comercialização e
competição com os produtos das grandes empresas.
O elemento impulsionador da adoção dessas diretrizes de produção estava vinculado,
intimamente, à assistência de crédito proporcionada pelo governo federal. O PROCERA
possuía uma feição eminentemente econômica, sendo grande parte dos recursos destinados
para o custeio da produção. Assim, era incentivado o plantio de lavouras temporárias,
geralmente, de produtos industrializáveis ou passíveis de compra pelas empresas
agroexportadoras.
A família assentada recebia crédito para realizar as despesas iniciais (era insuficiente e
não garantia, de forma alguma, a segurança alimentar até o inicio da produção),
posteriormente, teria acesso ao PROCERA com juros subsidiados pelo Estado. A
disponibilidade do crédito, sem acompanhamento ou qualquer forma de fiscalização, causou
uma série de problemas, pois muitos produtores tomaram o empréstimo sem estarem
preparados para sua utilização. Uma das limitações do PROCERA estava relacionada à
separação entre crédito de investimento e crédito de custeio, sendo este, prioritariamente
enfatizado.
Vale lembrar que o crédito de custeio tem uma finalidade de curto prazo: a compra
de insumos e serviços necessários a um determinado cultivo. Concluída a safra, o
crédito deve ser quitado; é distinto do crédito de investimento, cujo prazo de
pagamento geralmente é maior e visa a compra de máquinas, equipamentos e outros
bens de produção utilizados no longo prazo (NORDER, 2004, p. 106).
72
As diretrizes de financiamento estão intimamente ligadas ao paradigma de
desenvolvimento do período. A influência desse padrão de produção era perceptível na
realidade dos assentamentos (ZAMBERLAM, 1994).
Houve um notável direcionamento do sistema de créditos para a produção de grãos,
um processo produtivo marcado por elevada dependência com relação ao uso de
insumos agroindustriais e financiamentos governamentais, uma acentuada prescrição
técnica e uma ampla fiscalização e controle de agências bancárias e estatais. Por
outro lado, os recursos disponibilizados eram sabidamente insuficientes para a
realização da produção. A inserção dos assentados nas linhas de crédito disponíveis
evidenciava suas primeiras limitações e contradições (NORDER, 2004, p. 109).
A adesão ao crédito de custeio para a produção de grãos contradizia a disponibilidade
da força de trabalho nos assentamentos rurais. Quanto maior a dependência da mecanização e
do uso de insumos químicos na produção, menor seria o emprego da mão-de-obra em todo o
processo; para um espaço onde havia “fartura de braços” para o trabalho, a produção em larga
escala desestruturaria a reprodução das bases familiares de organização (em alusão à pequena
propriedade tradicional).
Nesse cenário, o PROCERA contribuiu para aumentar a dependência dos assentados a
fatores externos, corroborando para o endividamento e o bloqueio de novos empréstimos. A
falibilidade de programa levou à sua extinção, sendo substituído pelo Programa Nacional de
Apoio a Agricultura Familiar (PRONAF)
11
.
A análise da política governamental de crédito e o contexto em que estava inserida
permitem compreender a organização da matriz de produção do MST e todos os instrumentos
adotados para sua execução. Essa afirmação está baseada na implementação do Sistema
Cooperativista dos Assentados (SCA), em 1988, que culminou na formação da Confederação
Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB), em 1992 (coincidente
com o período de maior intensificação do PROCERA, a partir de 1993). Nesse entremeio, o
MST desenvolveu um trabalho bastante intenso envolvendo diversos mecanismos de gestão e
11
Esse processo será discutido no Capítulo 3.
73
controle para a consolidação da proposta cooperativista. Baseado na teoria marxista sobre a
questão agrária, o MST organizou a produção nos assentamentos visualizando a superação das
relações sociais capitalistas. Porém, os assentamentos enfrentaram, internamente, um conflito
de representações associado à construção que o Movimento faz em torno do sujeito “sem
terra”.
Na localidade, as diretrizes de produção adotadas pelo MST encontraram dificuldades
de perpetuação. Num contexto, marcado pelas diferenças, a construção de um projeto de
desenvolvimento, consonante com o paradigma moderno da agricultura, impôs aos assentados
os mesmos dilemas que antes propuseram superar.
2.2- O cooperativismo no MST
O conturbado momento político de formação dos assentamentos rurais causou um
impacto extremamente negativo na implementação da reforma agrária no país. As elites rurais
impuseram grande parte de seus interesses na Assembléia Constituinte e a Carta Magna
tornou a reforma agrária mais difícil de acontecer.
No final do Governo Sarney as tensões aumentaram. As eleições para a presidência
indicavam, mais uma vez, o embate de dois projetos diferenciados. Na disputa político-
partidária, a articulação de um “movimento de esquerda”, encabeçado pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e as organizações de mobilização popular, foi derrotada por uma vertente
conservadora politicamente e liberal economicamente. Após a derrota na Constituinte, a luta
pela terra sofreu um duro golpe com a eleição de Collor, em 1989.
Em defesa dos interesses das elites agrárias, o governo recém empossado impôs
inúmeras barreiras para as políticas de reforma agrária. Esta foi contemplada no conteúdo da
74
Constituição Federal, contudo seria necessária a aprovação de lei complementar para sua
concretização. Longe de cumprir as determinações da Constituição, foi organizado um aparato
de repressão aos movimentos de luta pela terra. Durante todo o governo Collor (1989 a 1992 –
ano de seu impeachment), a reforma agrária não entrou na pauta de políticas públicas. Isso
provocou uma reordenação de postura dos movimentos sociais, que passaram a organizar
novas formas de resistência.
Após denúncias de corrupção e um longo processo de investigação, o presidente
Collor foi processado e teve seu mandato cassado pelo Congresso Nacional. Com o
impeachment do Presidente da República, uma nova perspectiva se abriu para os movimentos
sociais. Em 1993, no governo Itamar Franco, foi aprovada a Lei Complementar Nº 8.629, que
regulamentou a desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Esse momento
proporcionou um novo fôlego à luta pela terra no país, refletindo em novas mobilizações
populares e ocupações de áreas improdutivas.
Durante o período compreendido de 1989 a 1992, a “territorialização” do MST ficou
praticamente estagnada. O contexto desfavorável à atuação do Movimento foi decisivo para
uma mudança de postura. Toda a atenção do MST voltou-se para a consolidação de sua
estrutura organizacional e desenvolvimento de seu modelo de cooperação agrícola nos
assentamentos. Nesse contexto, a Direção Nacional do Movimento chegou a conclusão de que
os modelos de cooperação adotados não eram suficientes para garantir a fixação do
trabalhador no campo. Além disso, as estratégias adotadas e seus resultados não tinham o
controle do MST, que considerava o assentamento uma extensão da luta pela terra e espaço
fundamental de reprodução da identidade do Movimento.
Antes de 1985, a organização nos assentamentos era constituída, num primeiro
momento, por pequenos grupos coletivos e grupos de ajuda mútua, que tinham o objetivo de
75
se organizarem contra as adversidades vivenciadas pela escassez e pobreza no campo. Foram
práticas isoladas e articuladas no contexto local de forma espontânea.
(...) comunidades eclesiais de base, associativismo espontâneo entre vizinhos e
parentes, bases de organização social dos sindicatos de trabalhadores rurais,
identidades sociais a partir de referenciais não-econômicos, etc. O ponto central
desse paradigma foi, então, o pequeno grupo de cooperação, sem a mediação
institucional formal homogênea, para a realização de atividades variadas, isoladas ou
combinadas entre si. O agrupamento das pessoas e famílias nesses grupos foi
determinado por diferentes identidades sociais (CONCRAB, 1999, p. 28).
Após essa fase inicial (até 1985
12
), a organização coletiva nos assentamentos foi
estruturada por associações de trabalhadores, buscando melhorar, principalmente, a infra-
estrutura dos assentamentos. Para o MST, nesse período, a “(...) ASSOCIAÇÃO É O
MELHOR CAMINHO” (JST, 1987c, p. 15). As associações tinham o objetivo de viabilizar
melhores condições relativas à compra de máquinas, insumos, ferramentas e acesso ao
escasso crédito disponibilizado pelo Estado. Isso pode ser constatado em reportagem sobre o
Assentamento XV de Novembro.
O Assentamento ‘XV de Novembro’ está localizado no município de Teodoro
Sampaio, no Pontal do Paranapanema, São Paulo. (...) Tem uma área de 13.110 ha. e
nele vivem 500 famílias assentadas durante o ano de 1985. A produção era
organizada de diferentes formas. (...) Tipo Misto (...) Nesta forma, cada trabalhador
tem seu lote de 15 ha, mas as máquinas são em comum. Os trabalhos que envolvem
mais pessoas e dispõem de pouco tempo (plantio e colheita) são feitos em mutirão
(troca de serviços). O restante do trabalho (capina e outros tratos culturais) são feitos
pela família. (...) Forma Coletiva (...) Existe no Assentamento uma associação, com
30 famílias, onde a terra não tem divisões (cerca), as máquinas são em comum e o
trabalho é coletivo. (...) Esta associação tem tido grande sucesso e está servindo de
exemplo para surgirem outras associações no próprio assentamento e também na
região onde já existem mais três assentamentos grandes (JST, 1987a, p. 15).
Outras experiências de associativismo nos assentamentos rurais demonstravam as
estratégias locais para superação das dificuldades.
12
Após a criação do MST, datada de 1984.
76
Foi criada recentemente a associação cooperativa do assentamento do Rincão do
Ivaí, município de Salto do Jacuí, no Rio Grande do Sul. Depois de quatro anos de
posse da terra, ficou clara a necessidade de buscar uma saída de forma coletiva. Um
dos objetivos da associação, também, é o de eliminar a ação dos atravessadores. A
associação ABROESPI (Associação Boa Esperança do Rincão do Ivaí), possui 94
associados que são consultados em todas as decisões importantes (JST, 1988, p. 09).
Explorar coletivamente os recursos da terra através da associação, é o princípio
básico das 64 famílias residentes no projeto de assentamento da fazenda Santana,
localizada em Monsenhor Tabosa. Após a criação do assentamento, em 1987, os
trabalhadores fundaram uma associação, elegeram uma diretoria e elaboraram um
estatuto, dividindo-se posteriormente em comissões de trabalho, como a de saúde,
agricultura, educação, dentre outras. Elevaram as casas em mutirão, reduzindo os
custos, de mão-de-obra (...) (JST, 1991b, p. 07).
A organização coletiva por meio de associações foi a principal forma de cooperação
agrícola adotada pelo MST até a crise ocorrida na Constituinte e na sucessão presidencial em
1989 (governo Collor). Num cenário político eminentemente perverso, o Movimento voltou-
se para a consolidação de um novo paradigma de organização da produção nos assentamentos
rurais: o cooperativismo.
Para entender a proposta do cooperativismo no MST é necessária uma diferenciação
básica. Muito se confunde cooperação e cooperativismo e, apesar de pertencerem à mesma
raiz
13
, não são sinônimos.
Em cooperação, substantivo feminino, devido ao sufixo indicativo de ação,
encontramos o sentido da ação de cooperar, prestação de auxílio para um fim
comum. Já em cooperativismo, o sufixo ismo, de origem grega, denota sistema,
doutrina (...) (PINHO,1996, p. 43-44).
Na base do cooperativismo estava presente a proposta de organização baseada na
produção mecanizada e na inserção no mercado. Isso possibilitaria maior competitividade e
produtividade, através da incorporação de novas técnicas e acesso a recursos financeiros. O
horizonte almejado por essa organização estava alicerçado na produção em larga escala
comparada à produção dos grandes proprietários rurais.
13
“(...) verbo cooperar (do latim cooperari, de cum e operari), que significa operar juntamente com alguém”
(PINHO, 1996, p. 43).
77
Diante de uma política econômica e agrícola que penaliza o pequeno agricultor, o
assentado não pode se contentar com a conquista de um pedaço de terra. Há a
necessidade de encontrar meios que lhe possibilita ter acesso a recursos financeiros e
técnicos, condições favoráveis de produção e comercialização; acesso à técnicas de
produção mais desenvolvidas e a mecanização. Recursos esses hoje, somente ao
alcance dos grandes proprietários. É para proporcionar essas condições que estamos
implantando a organização de cooperativas em nossos assentamentos. (...) Somente
assim estaremos aptos a fazer frente a essa acelerada política entreguista do
presidente Collor, subserveniente aos interesses internacionais aos latifundiários,
cada vez mais protegidos por aparatos repressores (JST, 1991, p. 02).
O cooperativismo adotado pelo MST estava associado a construção de uma estrutura
político-organizacional pautada em objetivos que assegurariam a minimização da pobreza no
campo, através do desenvolvimento das relações de trabalho superiores àquelas
tradicionalmente constituídas. Para alcançar esse patamar, o Movimento organizou, a partir de
seu Setor de Produção, o Sistema Cooperativista dos Assentados – SCA, responsável pela
organização da produção, por meio da implantação de cooperativas
14
.
O sistema cooperativista dos assentados terá uma estrutura organizativa própria,
dedicando-se especificamente aos problemas relacionados com a produção,
comercialização, agroindústria, crédito rural e a assistência técnica. E o MST poderá
aperfeiçoar a organização de massa para a conquista da terra. A vinculação do MST
com os assentamentos será através dos dirigentes, da organização dos núcleos dentro
dos assentamentos, nas atividades de formação e mobilização (JST, 1990c, p. 21).
O SCA é responsável pela organização de base dos assentados, pela organização da
produção, da tecnologia, da transformação ou agroindústria, pela boa aplicação do
crédito rural, pela comercialização e, também, pela mobilização social dos
assentados frente a política agrícola do governo, a política econômica e pelas
condições básicas dos assentamentos (CONCRAB, 1997, p. 09).
O SCA é um setor do MST e tem na cooperação agrícola a perspectiva do
desenvolvimento econômico dos assentados (...), contribuindo para a
territorialização da luta pela terra e intensificando a participação em outras lutas da
classe trabalhadora no campo e na cidade (FERNANDES, 2000, p. 228).
O cooperativismo do MST buscou em “(...) vários países da América Latina -
Nicarágua, Peru, Honduras, Cuba, Chile e México – (...)”, subsídios para implantar um
modelo de cooperação nos assentamentos do Brasil (MORISSAWA, 2001, p. 207). Um
14
Esse modelo tem raízes no século XVII como decorrência dos problemas sociais causados pela Revolução
Industrial. Em 1844 surgiu a primeira cooperativa em Rochdale, na Inglaterra. Foi fundada a “Society of
Equitable Pioners” - a partir das idéias do industrial inglês Robert Owen, que fundou as “Aldeias Cooperativas”,
fracassando mais tarde. Tinham como objetivo a ajuda mútua, criando uma comunidade auto-sustentada
(PINHO, 1966).
78
exemplo está retratado numa reportagem do JST. “Três companheiros do Movimento Sem
Terra acabaram de retornar de uma viagem de trintas dias à Nicarágua. O objetivo básico da
viagem foi estreitar laços de cooperação com entidades de trabalhadores daquele país (...)”
(JST, 1987, p. 15).
A proposta de cooperação agrícola indicava um modelo uniformizado para os
assentamentos rurais, centrado numa proposta organizacional com ênfase predominantemente
econômica. Para o MST, “(...) cooperação é igual à cooperativa ou dá-se através dela”
(CONCRAB, 1999, p. 32). Essa redefinição da organização coletiva centrada na
homogeneização da cooperação agrícola (CA), por meio da institucionalização das
cooperativas, permitiu ao MST implantar um projeto para os assentamentos rurais em todas as
regiões do país.
A CA adquire caráter decisivo para as estratégias do MST, a partir de 1989, com a
criação de um sistema cooperativista a nível nacional, que objetiva integrar as
diversas formas de cooperação em assentamentos, bem como produtores individuais
assentados ou não. As cooperativas de produção agropecuárias (CPAs) passam a ser,
a nível dos assentamentos, o carro chefe deste sistema cooperativo (KLEBA, 1994,
p. 133-134).
O modelo proposto pelo SCA de desenvolvimento dos assentamentos rurais estava
ligado à implantação das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs). Para o MST, as
CPAs eram consideradas uma forma avançada de organização, pois reunia as condições reais
de ordenamento da produção (coletiva) e das estratégias de inserção no mercado. Isso
viabilizaria economicamente os assentamentos e ao mesmo tempo consolidaria a organização
coletiva, patamar superior das relações sociais para a transição socialista. Os esforços em
torno das CPAs estavam intimamente relacionados com as estratégias do MST para a
resistência dos trabalhadores nos assentamentos rurais.
Para o MST, as CPAs seriam, a priori, a forma superior de cooperativismo. Essa
superioridade seria, sobretudo, econômica, na medida em que a coletivização da
79
terra e do trabalho (ou a cooperação na produção) resultaria em melhor
aproveitamento da mão-de-obra, através da divisão do trabalho e da especialização e
em decorrência, em maior eficiência econômica (KLEBA, 1994, p. 135).
As CPAs se diferenciavam das outras formas de cooperação agrícola adotadas
anteriormente pelo Movimento. Sua principal característica era personalidade jurídica, a qual
permitia a inserção no circuito mercantil, pois, ao ser registrada, passava a ser uma empresa
cooperativista. Além do aspecto econômico, podem ser indicadas outras diferenças marcantes
na forma de organização.
CARACTERÍSTICAS
GRUPO COLETIVO ASSOCIAÇÃO COOPERATIVA
QUEM PARTICIPA
Vizinhos, parentes ou
amigos. Geralmente só
homens
Famílias. Homens e às
vezes também Mulheres
Famílias: Homens,
mulheres e jovens acima
de 16 anos
Nº DE SÓCIOS
Geralmente abaixo de 10
pessoas
Entre 20 e 400
conforme o tipo
mero mínimo exigido
por lei: 20
FORMA DE
PARTICIPAÇÃO NAS
DECISÕES
Combinação verbal entre
todos os membros do
grupo
Assembléia Assembléias.
Conselhos dos
Representantes dos
setores.
PARA QUE SE
JUNTAM
Geralmente para:
• Compra de
implementos
• Venda de produtos
Construção de
benfeitorias
• Ajuda mútua no
trabalho
Geralmente para:
• Prestação de serviços
de comércio e
transporte, etc.
• Encaminhamentos das
reivindicações da
comunidade
Para:
• Organização coletiva
da produção e
comercialização
• Criação de
agroindústrias
USO DA TERRA
Geralmente
individual
Individual e semi-
coletivo
Semi-coletivo e coletivo
DIVISÃO DO
TRABALHO
No máximo mutirões de
ajuda mútua
Formas simples de
divisão social do
trabalho
Especialização do
trabalho através dos
setores de atividades
ESTATUTO E
REGISTRO
• Não tem estatuto
• Geralmente não tem
regimento interno
• Quando existem
registros, os principais
são os contratos
assinados por todos
• Precisa de estatuto
• Pode ter registro
interno
• Não pode ter bloco de
notas fiscais
• Tem estatuto
regulamentado pela lei
Cooperativista
• Deve ter registro
interno
• Pode ter bloco de
produtor e notas fiscais
• Deve ter registro
oficial da contabilidade
Quadro 1- Tipos de organização coletiva da produção.
Fonte: MST (1993, p. 32).
80
As CPAs possuíam singularidade em relação a outras modalidades de cooperativismo.
Sua proposta extrapolava os limites econômicos da organização da produção, atribuindo a seu
modus operandi a busca pela formação mais abrangente de seus membros, num processo de
construção de uma sociedade regida por princípios socialistas.
Nas CPAs, a terra e todos os investimentos nela aplicados ficavam sob o controle do
coletivo. Para isso, foi formada uma estrutura organizacional interna, devido à complexidade
da gestão coletiva da produção.
Como órgão máximo de poder dentro de uma CPA está a Assembléia Geral da
Cooperativa. Dela participam todos os associados. Toda decisão tomada pela
Assembléia tem prioridade máxima e cumprimento obrigatório. A CPA
normalmente é gerenciada por um Conselho de Administração ou Deliberativo ou
Coordenação. É responsável pelo encaminhamento das decisões tomadas pela
Assembléia e pelo cumprimento dos Estatutos Sociais da cooperativa. É responsável
também por propor estratégias para a CPA. (...) Cada CPA define a sua instância
representativa, composta por um membro de cada setor de produção e serviço. Desta
instância é escolhido um Conselho Diretor ou uma Diretoria Executiva. Tem função
de dirigir o dia-a-dia da cooperativa e representá-la externamente ao assentamento.
Esse Conselho deve cumprir as determinações da Assembléia Geral e do Conselho
Administrativo. Tem autonomia limitada para a tomada de decisões, restringindo-se
àquelas que não necessitam passar por análises das instâncias superiores. (...) O
Conselho Fiscal é composto por três titulares e três suplentes. É responsável pela
fiscalização dos atos e da gestão da direção da cooperativa. É o representante dos
associados na fiscalização e zela pelo cumprimento dos objetivos e decisões do
coletivo. (...) O trabalho organiza-se internamente através dos setores. Os setores de
trabalho congregam todos os associados da cooperativa. É a instância de base da
estrutura da cooperativa. Cada cooperativa organiza os setores conforme as
atividades que desenvolve, como os setores de grãos, animal, de máquinas e o setor
administrativo. Cada setor tem seu coordenador eleito pelos associados membros do
setor. (...) Quanto à composição das instâncias de poder, mesmo que sejam
escolhidos pelos setores, os coordenadores terão que passar pela Assembléia Geral
para serem ratificados (EID; PIMENTEL, 1999, p. 04-05).
Todas as estratégias e decisões passavam por essa estrutura, que viabilizaria as ações,
principalmente, relacionadas à produção. O principal elemento das CPAs era, evidentemente,
a eficiência econômica dos assentamentos através da tecnificação da produção e sua
agroindustrialização.
(...) as CPAs procurarão colocar-se competitivamente no mercado através do uso de
créditos, da agroindustrialização integrada e da busca de exportação de seus
produtos. A partir deste momento, o uso da eficiência capitalista, mesmo que
81
colaborando com o desempenho deste sistema, não será mais visto como
contradizente à busca de um novo sistema social diverso (KLEBA, 1994, p. 134).
A organização de cooperativas busca a autonomia dos assentamentos para um
desenvolvimento da produção agropecuária. As cooperativas buscam, além de
planejamento da produção, criar vias diretas de comercialização, eliminando os
tradicionais atravessadores (JST, 1990b, p. 19).
A busca pelo desenvolvimento econômico dos assentamentos necessitava, via de
regra, de planejamento, que articulasse a obtenção de recursos financeiros e as técnicas
modernas de produção (utilização de mecanização e insumos industrializados), procurando
viabilizar a proposta de cooperação através do acesso ao mercado competitivo.
O plano da produção é unificado e todos os participantes trabalham de forma
coletiva. A cooperação funciona como uma empresa, procurando desenvolver a
produção, a comercialização e a industrialização dos produtos. A divisão social do
trabalho se dá através de especializações (CONCRAB, 1996, p. 06).
A partir de 1989, ocorreu um grande aumento do numero de CPAs em todas as regiões
do país. Nesse momento, o MST procurou articular seu modelo de cooperação agrícola em
torno de uma estrutura de representação (englobando as dimensões de planejamento e gestão
nos assentamentos rurais). Com a implantação das CPAs em várias localidades, foram
organizadas a nível estadual as Centrais Cooperativas dos Assentamentos (CCAs), que
articulavam, num mesmo território, as diversas experiências, sendo responsável pela:
comercialização da produção; compra de insumos e máquinas; logística da produção;
obtenção de crédito para as CPAs; implantação dos projetos agroindustriais; busca de
melhorias na infra-estrutura dos assentamentos; consolidação da matriz tecnológica; entre
outras atribuições pertinentes. As CCAs foram muito importantes para que o SCA
consolidasse uma instância representativa que tivesse sob seu controle as diversas
experiências cooperativas do MST no território nacional.
82
Após a criação de três centrais estaduais, a legislação permite a criação de uma
Confederação Nacional de Cooperativas. Esse processo se firmou em maio de 1992,
com a criação de uma Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária
(Concrab). Em nível nacional, podem filiar-se à Concrab apenas as Centrais
Estaduais. Mas em nível de Estado, podem filiar-se à Central as cooperativas de
produção agropecuária (CPAs) (...) (CONCRAB, 1996, p. 03).
Para formalizar uma organização cooperativa consolidada nacionalmente, o MST
criou a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB – em
1992. Era uma organização alternativa ao sistema tradicional, representado pela Organização
das Cooperativas do Brasil – OCB, que mantinha o controle sobre as cooperativas
constituídas no país.
O Cooperativismo e a doutrina cooperativista não são propriedades de ninguém.
Todos os cidadãos do país, que quiserem organizar qualquer tipo de cooperativa,
seja na produção, na comercialização, no consumo, no setor serviços devem ter esse
direito sem tutela, nem do estado, nem de nenhum organismo (JST, 1991a, p. 09).
Através da criação da CONCRAB foram estruturadas as instâncias locais e estaduais,
dinamizando, dentro do SCA, o projeto de cooperação agrícola do Movimento.
Em 1991 o MST passa a implementar uma nova idéia, aperfeiçoando as atividades
coletivas, através do ‘Sistema Cooperativista dos Assentamentos’, compostos dos
seguintes níveis: ‘CPA – Cooperativa de Produção Agropecuária’, a nível de
assentamentos; ‘Central Cooperativa de Reforma Agrária’, que reúne CPAs a nível
estadual; e a ‘Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda. –
CONCRAB’, que reúne as Centrais de Cooperativas de nível estadual e que foi
fundada em maio de 1992 (CARDOSO, 1994, p. 140).
As CPAs eram as responsáveis pela gestão imediata dos assentamentos locais ou
regionais. Para organizar as cooperativas no âmbito estadual, as CCAs mantinham uma
estrutura de atendimento às necessidades de organização do trabalho e da produção, sendo
discutidas e organizadas estratégias para a viabilização econômica dos assentamentos rurais.
A partir das experiências estaduais, eram sistematizados dados e temas para comporem a
83
agenda nacional. Na pauta da CONCRAB, estavam em análise o “comportamento
econômico” das cooperativas em todas as regiões do país.
(...) ela representa a implantação do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA),
amadurecido e elaborado a partir da decisão política do MST de reforçar o
entendimento estratégico e a importância dos assentamentos na luta pela reforma
agrária (JST, 1995a, p. 08).
A partir da formação da CONCRAB foi intensificada a implantação de CPAs, porém,
após detectarem problemas internos de organização e viabilidade econômica, foram
incorporadas novas ferramentas para suprir essas lacunas, em destaque o investimento na
capacitação gerencial do assentado “sem terra” para lidar com as dificuldades na cooperativa.
Em linhas gerais, a CONCRAB buscou, fundamentalmente, coordenar e planejar as diretrizes
e objetivos gerais para o desenvolvimento agropecuário das CCAs e das CPAs. Dentre suas
tarefas, estavam: projetos de viabilidade financeira; estratégias de otimizar as exportações da
produção cooperativa; agroindustrialização e agregação de valor aos produtos dos
assentamentos; manter a coerência da organização cooperativa aos princípios político-
ideológicos que conformam o MST. Quanto a esse último aspecto, a CONCRAB propiciou
uma intensa publicação de cadernos, cartilhas e informativos, que continham, em seu
conteúdo, os elementos básicos para a organização das cooperativas, tanto dos aspectos
ligados às relações humanas, como das estratégias de desenvolvimento econômico. O
fortalecimento das cooperativas era visto pelo MST como resultado da estruturação de um
sistema gerencial nacionalmente constituído, baseado em fundamentos teóricos que
orientaram toda sua organização. A estrutura organizacional constituída pode ser
compreendida pela orientação básica do MST, que entendia o assentamento como espaço de
resistência e continuidade da luta pela terra.
84
Figura 1 – Estrutura organizacional do MST.
A institucionalização da cooperação agrícola foi a base de sustentação das diretrizes
política e produtiva concretizadas pela territorialização de cooperativas em todo o país. A
centralização administrativa realizada pelo MST permitiu a adoção de medidas articuladas
com as Centrais Estaduais, para melhor atendimento das necessidades dos assentamentos
rurais.
No âmago da cooperação agrícola adotada pelo MST estava os fundamentos da “teoria
da organização no campo”. Essa teoria permeou todas as ações relativas ao cooperativismo
estruturado pelo Movimento (realizado pelas CPAs) e, esteve presente nas práticas
pedagógicas dimensionadas para capacitação e formação de novos “sujeitos” agentes no
espaço cooperativo.
85
2.3- Teoria da organização cooperativa
A organização coletiva no MST passou por uma transformação significativa a partir de
meados dos anos 80. Para o Movimento, a cooperação passou a ser uma ferramenta
fundamental para a sobrevivência dos assentados, pois seria a responsável por socializar o uso
dos recursos disponíveis e aumentar a produtividade do trabalho, possibilitando a inserção no
mercado com competitividade ampliada. A organização das práticas no interior dos
assentamentos rurais seria otimizada pelas estratégias construídas a partir de princípios
teóricos fundamentais
15
. A implantação das cooperativas deveria interagir com a luta pela
transformação da sociedade através do avanço da cooperação no processo produtivo, com a
inserção da produção em escala, a utilização de recursos externos (industrializados) e divisão
do trabalho.
O encontro nacional de lideranças de assentamentos realizado em outubro de 1986,
em Curitiba, produziu um documento que se transformou na linha política do
movimento sem terra para os problemas dos assentamentos: ‘NOSSA LINHA
POLÍTICA PARA OS ASSENTADOS’. Nesse documento, como resultado de toda
discussão e experiência histórica dos trabalhadores já acumulada, definiu-se que ‘A
única saída para não perder a terra, será a cooperação agrícola entre os assentados’
(JST, 1987b, p. 15).
A cooperação agrícola é uma das maneiras com que os agricultores encontram para
se ajudarem mutuamente. A ajuda se dá, tanto na organização da produção da
lavoura, no comércio dos produtos agrícolas e dos insumos, como também para a
reivindicação dos direitos. Além das vantagens individuais que ela apresenta, a
cooperação agrícola é uma das formas de irmos, de fato, mudando a sociedade e de
construirmos o socialismo na agricultura brasileira (JST, 1988a, p. 14).
A cooperação agrícola vai além dos limites econômicos do trabalho coletivo, inserindo
elementos políticos da mudança social. “Naquele período de 1986 a 1990, o grande avanço
15
A “teoria da organização do campo” foi elaborada por Clodomir de Morais, um dos mais importantes
intelectuais do MST, responsável pela orientação teórica do cooperativismo, dos cursos de formação e
laboratórios organizacionais. Sua contribuição possibilitou a construção da proposta cooperativista, baseada na
mecanização, divisão do trabalho e produção em escala. Essa condição seria a base de formação do operariado
agrícola, sujeito da transformação social. A abordagem teórico-conceitual de Morais (1986), no Caderno de
Formação n° 11, possui como principal referência o pensamento de Kautsky (1980).
86
que o Movimento obteve foi o desenvolvimento da teoria da cooperação agrícola, de
compreendê-la como fundamental” (STEDILE; FERNANDES, 1999, p. 101). Os autores
reconhecem a importância histórica dessa orientação para a organização das cooperativas nos
assentamentos rurais. Afirmam, também, que a implantação do modelo cooperativista
dependia de condições objetivas e subjetivas
16
para sua concretização, possuindo como
referência a comunidade em que seria inserido. Essas condições seriam fundamentais para o
processo de evolução ou desarticulação da cooperação agrícola e para a avaliação e
reconstrução do modelo adotado.
Na proposta de desenvolvimento dos assentamentos rurais, as cooperativas
(consideradas como forma superior de organização) expressavam a materialização dos
fundamentos teóricos adotados, que atribuíam à organização operária, articulada com as
modernas relações de produção, a potencialidade do processo revolucionário socialista. “Não
é por intermédio dos que possuem, mas do que não possuem, que se fará a passagem à
produção cooperativa. (...) a propriedade individual dos meios de produção só representa um
obstáculo a nos barrar o caminho a uma forma superior de exploração” (KAUTSKY, 1980,
p. 149).
O MST surgiu pela confluência entre a realidade agrária no país e a orientação teórica
(e ideológica) do marxismo. Não é possível compreender a organização cooperativa do
Movimento sem relacioná-la à transição socialista. Para o marxismo, essa transição seria
possível a partir do desenvolvimento das forças produtivas e as transformações nas relações
de trabalho.
A partir daí foram construídas e implantadas estratégias de formação de novos
sujeitos, organizados em torno de modernas “relações de trabalho”. O novo sujeito “sem
terra” superaria as contradições inerentes ao individualismo capitalista, aperfeiçoando-se no
16
As condições objetivas estão associadas aos produtos, à acumulação financeira e aos limites naturais presentes
nos assentamentos rurais. As condições subjetivas relacionam-se à consciência política e histórica adquirida na
luta pela terra (STEDILE; FERNANDES, 1999).
87
processo de trabalho coletivo dentro das cooperativas. Seria uma transformação das relações
tradicionais de produção, pautadas por referências bastante diferenciadas em seu construto
social.
As relações tradicionais ou camponesas foram os principais alvos da crítica do MST.
Essa posição em relação ao campesinato esteve sempre articulada às concepções de
organização do trabalho cooperativo. Os camponeses deveriam ser organizados a partir de
uma outra racionalidade, voltada para o desenvolvimento econômico e integração mercantil.
A referência abaixo está presente no conteúdo do Caderno de Formação nº 11, documento
ímpar para a compreensão da cooperação agrícola no MST. O conteúdo desse Caderno
influenciou o desenvolvimento de estratégias para implantação de cooperativas nos
assentamentos rurais em diversas regiões do país. Essa abordagem estava presente nas linhas
políticas do SCA, sustentadas pela ênfase na eficiência econômica.
Para conseguir produzir uma mercadoria ou uma quantidade de mercadorias em
menor quantidade de tempo, o produtor não apenas busca ter instrumentos de
trabalho aperfeiçoados como também busca racionalizar a forma de produção, ou
seja, organizar o trabalho em função do tempo que ele dispõe para produzir
mercadorias. Daí que toda atividade produtiva está relacionada com unidades de
tempo, as quais são determinadas conforme o grau de desenvolvimento das forças
produtivas ou de seus instrumentos de trabalho. (...) Entre os camponeses, por
exemplo, as unidades de tempo são indefinidas e em geral são longas: um
“momentinho”, um “momento”, meio dia, uma semana, a próxima lua nova, a
colheita, etc. Já entre os operários de uma fábrica o tempo se mede em segundos,
minutos, uma hora, etc. (...) Por isso a maior preocupação que tem o produtor é a de
produzir a maior quantidade de mercadoria na menor quantidade de tempo possível
(MORAIS, 1986, p. 08).
A orientação para produção nos assentamentos estava vinculada às cooperativas, como
uma empresa econômica, visando à produção de mercadorias, sua comercialização
(competitividade) e organização do trabalho por meio da especialização de tarefas.
A grande empresa moderna tornava a coisa possível em virtude da divisão do
trabalho – de um lado a divisão dos trabalhadores servidos de cultura científica, de
outro lado a especialização dos instrumentos e ferramentas e suas adaptação a
88
atividades especiais – e como conseqüência, a produção em massa para o mercado
(KAUTSKY, 1980, p. 59).
O cooperativismo do MST demonstrava que as relações de trabalho no campo
deveriam ser pautadas pelas mesmas condições do trabalho urbano, semelhantes à indústria.
Os assentados e suas bases de organização deveriam ser absorvidos pelo trabalho cooperativo,
o qual teria as condições reais de viabilizar o desenvolvimento econômico.
A Cooperativa de Produção Agropecuária preconizada pelo MST representa uma
ruptura completa com as bases familiares de produção agropecuária. A CPA é
considerada uma empresa na qual não existe uma ‘família’ incorporada ao projeto,
mas ‘indivíduos’ possuidores de ‘cotas-parte’ (BERGAMASCO; NORDER, 2003,
p. 134).
As CPAs buscavam aumento da produtividade e dos excedentes comercializáveis para
sua entrada no mercado. A inserção na economia capitalista necessita crescentemente da
especialização do trabalho e aperfeiçoamento técnico para ampliação da produção e,
consequentemente, do mercado consumidor. “Uma unidade de produção qualquer, somente
conseguirá progredir se criar alternativas de produção de mercadorias, ou seja, vender fora
do assentamento, em quantidades para garantir remuneração da mão-de-obra aplicada”
(CONCRAB, 1999, p. 14).
A implantação de agroindústrias reflete a necessidade cada vez maior de intensificar as
estratégias de inserção mercantil, objetivando o aumento da produtividade em patamares mais
elevados. A produção de mercadorias e a integração no mercado era considerada a principal
forma de resistência alcançada pelas CPAs. “Uma sociedade desse gênero deveria, pois, ser
não apenas igual, mais ainda superior à grande exploração capitalista” (KAUTSKY, 1980,
p. 143). Nelas estariam articulados os elementos econômicos e políticos de organização da
produção em patamares superiores. No trabalho coletivo e nas ações políticas (mobilização e
luta) estariam os fundamentos de uma nova realidade (CONCRAB, 1999).
89
(...) A cooperação agrícola ainda traz vantagens em vários setores. Do ponto de vista
econômico, aumenta-se a área cultivada, pois compra-se tratores e outros
maquinários. Politicamente, o esquema de organização do povo também é reforçado,
através do trabalho em conjunto e de um amplo processo de discussão (JST, 1988a,
p. 14).
A viabilidade econômica dos assentamentos dependia, segundo o MST, da maior
competitividade de sua produção. Para isso, as cooperativas deveriam produzir em larga
escala, com altos níveis de produtividade, de acordo com uma racionalidade empresarial.
“Portanto, é necessário organizar formas superiores de cooperação. (...) aumentar a
produtividade física das terras, a produtividade do trabalho, os ganhos na comercialização e
criar condições econômicas para implantar agroindústrias” (JST, 1990c, p. 21).
Para alcançar índices de produtividade compatíveis com as exigências do mercado, as
cooperativas tiveram que investir em insumos químicos, máquinas e equipamentos
compatíveis com as orientações modernas das práticas agrícolas.
Há na perspectiva do MST uma aproximação à noção kautskiana da superioridade
técnica do grande empreendimento agropecuário, e que os trabalhadores rurais
deveriam organizar a produção em grande escala, em grandes unidades produtivas,
ainda que em padrões cooperativos de participação social (BERGAMASCO;
NORDER, 2003, p. 134).
A construção organizacional do cooperativismo no MST tinha como base o arcabouço
teórico de Kautsky
17
. Partindo desses princípios, o autor afirmava que a organização da
produção, relativa aos trabalhadores rurais, deveria ser pautada pela cooperação nos moldes
da grande empresa capitalista. “Foram criadas, assim, as condições técnicas e cientificas da
agricultura racional e moderna, a qual surgiu com o emprego de máquinas e deu-lhe, pois, a
superioridade da grande exploração capitalista sobre a pequena exploração camponesa”
(KAUTSKY, 1980, p. 321). É nele que se encontra o fundamento de outro aspecto essencial
17
Em alusão ao Caderno de Formação nº 11, em que Morais (1986) tem como referência a teoria kautskiana.
90
para a consolidação desse modelo de cooperação agrícola: a superação das características da
agricultura tradicional camponesa.
A estrutura organizacional e as críticas à agricultura camponesa são processos que se
articulam ao mesmo tempo. O modelo de cooperativismo do Movimento foi construído sobre
alicerces da destruição dos “vícios” da cultura camponesa. “Em parte alguma as condições
prévias da organização cooperativa se acham menos desenvolvidas do que entre os
camponeses” (KAUTSKY, 1980, p. 137). Para essa abordagem, somente a superação das
bases tradicionais de organização, através do trabalho coletivo (operariado agrícola),
poderiam aproximar o campesinato das condições concretas de mudança, da envergadura das
iniciativas proletárias. A superação da sociedade capitalista se realizaria através das
organizações coletivas do proletariado, consideradas formas superiores no interior do
capitalismo.
A “teoria da organização no campo” tinha o objetivo de potencializar a cooperação
agrícola nos assentamentos rurais, rompendo um dos principais obstáculos para o
desenvolvimento econômico: as características camponesas dos assentados. Para o
Movimento, a organização tradicional da produção não permitiria a formação de uma
“consciência coletiva”, pois o processo de trabalho era simplificado e individualista.
Os camponeses são produtores simples que trabalham a terra como proprietários,
parceiros, arrendatários, ocupantes, posseiros, etc., utilizando para isso seus próprios
meios de produção e decidindo sobre o consumo e a distribuição dos produtos. (...)
A produção do camponês é a produção simples e pessoal em que ele mesmo utiliza
sua própria força de trabalho. (...) Além disso, o camponês geralmente vive no
campo e com outros camponeses que trabalham cada um por si sem nenhuma
vinculação de caráter produtivo (MORAIS, 1986, p. 12-13).
Para o autor, a produção camponesa não possibilitaria formas superiores de
cooperação, as quais seriam alcançadas pela divisão social do trabalho. Essa barreira era
explicada pelo comportamento ideológico do campesinato.
91
O comportamento ideológico do indivíduo consiste em um complexo de valores
culturais, morais e políticos, determinado pelo papel que desempenha dentro de um
determinado processo produtivo. (...) A estrutura do processo produtivo em que está
envolvido o camponês determina muito de suas atitudes sociais e traços de seu
comportamento ideológico no momento em que participa dentro do grupo social.
Sua atitude isolacionista, aparentemente reacionária à associação sindical (sindical,
cooperativa, etc.) não é conseqüência apenas do nível de educação, que entre os
camponeses quase sempre é muito baixo e sim procede da incompatibilidade de
tipo estrutural que distingue tal atitude da organização de caráter e participação
sociais (MORAIS, 1986, p. 12-13).
Isso seria um entrave para o trabalho coletivo no interior dos assentamentos rurais. A
racionalidade da agricultura camponesa apresentada pelos estudos de Chayanov (1981) é
estruturada por elementos extremamente diferenciados daqueles propostos pelo
cooperativismo do MST. A lógica de desenvolvimento camponesa estaria voltada para as
demandas necessárias à manutenção da família e não para a garantia de renda e lucro na
produção. A representação do camponês se opõe, essencialmente, a de um produtor
coletivizado que busca a eficiência econômica no interior de uma cooperativa (maiores
índices de produtividade, tecnificação e utilização de instrumentos modernos).
As características camponesas eram desqualificadas pelo MST como utilitaristas e
individualistas, devendo ser superadas para a formação de um novo sujeito (“sem terra”) com
novos valores e práticas voltadas para a coletividade. Vale ressaltar que a cooperação agrícola
(cooperativas) estava voltada não apenas para a esfera econômica (ainda que predominante),
mas também para a luta política, como estratégia de resistência e luta contínua.
Basta o simples fato de atuarem em uma área hostil (...), para que se transformem
em organismos de luta, desempenhando deste modo um papel de instrumentos de
mudanças. Uma cooperativa que passa a trabalhar em prol de benefícios ainda não
aceitos, nem consagrados pela estrutura de poder local, assume imediatamente o
caráter de órgão de luta (MORAIS, 1986, p. 23).
No processo de embate social, os camponeses eram considerados menos preparados,
por não manterem vínculos coletivos na sua condição de sujeito do processo de produção.
92
“Além da ignorância, a ausência de liberdade política se manifesta como obstáculo sério ao
bem-estar camponês” (KAUTSKY, 1980, p. 138). Essa dificuldade era minimizada em
relação aos operários agrícolas, inseridos numa organização produtiva interdependente,
caracterizada pela divisão do trabalho e maior consciência política. Essa característica era
fundamental para o processo de cooperação agrícola e luta social.
(...) quando se passa principalmente ao terreno das organizações de luta, se
aprofunda mais ainda a diferença de comportamento ideológico entre os operários
agrícolas e os camponeses, especialmente se as organizações se criam ou se
desenvolvem dentro de marcos institucionais bastante adversos que exijam
clandestinidade ou a vida extralegal (MORAIS, 1986, p. 15).
A ação política estava unificada à organização econômica do empreendimento
cooperativo. Para a funcionalidade desses elementos seria necessário desenvolver uma
“racionalização metodológica” que conduziria os assentamentos rurais a níveis elevados de
organização.
(...) significa decir que esta labor no comporta dilentatismo. El trabajador social
debe conocer de facto sus tareas y dominar bien los principales fenómenos del
grupo social. No debe confundir ese tipo de especialista con los aficionados de
programas de beneficencia que veen al campesino como un ser digno de compasión
(MORAIS, 2001, p. 06).
A racionalização das práticas no interior das cooperativas seria resultado do
desenvolvimento dos graus de consciência dos grupos sociais.
São três os graus de consciência dos grupos sociais. O grau de Consciência
Ingênua, o grau de Consciência Crítica e o grau de Consciência Organizativa. No
primeiro caso, referente a Consciência Ingênua, os indivíduos se dão conta de seus
problemas ou de sua miséria, mas não chegam a identificar os fatores responsáveis,
ou seja as causas.(...) No segundo caso, a Consciência Crítica, os indivíduos já
identificam os fatores responsáveis por seus problemas, por sua miséria. (...) Mas
apenas os grupos com um grau de Consciência Crítica experimentam durante muitos
anos a ineficácia de suas formas artesanais de organização, ou ainda quando
recebem dos operários das grandes empresas a Consciência Organizativa, é que
eles conseguem criar estruturas orgânicas eficientes e capazes de responder aos
objetivos do grupo (MORAIS, 1986, p. 25).
93
A superação das relações camponesas estaria articulada com a absorção de novos
elementos e transformação do “comportamento ideológico”, que seriam materializados por
novas práticas adotadas no universo da produção.
Porém, se é certo que o surgimento e a magnitude da consciência organizativa são
diretamente proporcionais ao grau de Divisão Técnica do Trabalho (divisão social
do processo produtivo), seu grau de eficiência, no entanto, é determinado pelo nível
de desenvolvimento do marco econômico que varia desde a Economia Natural até a
etapa em que meios de produção e a força de trabalho se transformam em
mercadorias que dá forma à empresa do tipo grande, ou seja, a empresa capitalista
(MORAIS, 1986, p. 25).
Para assegurar a sustentação da “empresa cooperativa” nos moldes econômicos
capitalistas, seria necessário manter a “unidade” e “disciplina”, visando à manutenção da
estrutura coletiva de trabalho gerada pelo desenvolvimento dos graus de consciência.
Segundo Morais (1986, p. 27), para manter a “unidade” e “disciplina” seria
necessário combater “os vícios das formas artesanais de trabalho”. Esses elementos
destruiriam a organização cooperativa, sendo extremamente prejudiciais à aos assentamentos
rurais. Para evitar a desagregação do cooperativismo desenvolvido nos assentamentos rurais,
deveriam ser utilizados, a todo o momento, “mecanismos ou instrumentos para combater os
vícios das formas artesanais de trabalho”, os quais garantiriam a sobreposição às condutas
inconciliáveis advindas dos camponeses.
VÍCIOS DETERMINADOS PELAS
FORMAS ARTESANAIS DE
TRABALHO
MECANISMOS OU INSTRUMENTOS
PARA COMBATER OS VÍCIOS DAS
FORMAS ARTESANAIS DE TRABALHO
Individualismo
Personalismo
Anarquismo
Imobilismo
Comodismo
Sectarismo ou radicalismo
Liquidacionismo
Aventureismo
Autosuficiência
Vigilância
Crítica
Reunião
Quadro 2 – Formas de superação das relações de trabalho tradicionais.
Fonte: Morais (1986, p. 29-39).
94
Os vícios descritos estariam presentes na abordagem desqualificadora da organização
camponesa, que atribuía a essa categoria a aversão pelo trabalho coletivo – incompatível com
o modelo de organização almejado pelo MST (divisão do trabalho nos moldes industriais). “O
pequeno camponês (...) não pode distribuir os diversos trabalhos de sua exploração entre
diferentes pessoas. Ao contrário, é o que faz a grande exploração, com múltiplas vantagens”
(KAUTSKY, 1980, p. 118).
Para que a “consciência corporativa” do campesinato seja transformada e seus “vícios”
superados, foram criados os chamados Laboratórios Organizacionais de Campo (LOC). Os
“laboratoristas”, professores e instrutores, num processo de transmissão do conhecimento,
“ensinavam” aos assentados: organização coletiva; gestão da produção e do trabalho;
constituição de agroindústria; e os instrumentos para superação dos “desvios de conduta” dos
assentados, provenientes da racionalidade camponesa.
O Laboratorista, o Diretor de Laboratório, é o especialista em capacitação
massiva que domina o método do Laboratório Organizacional, apoiado no sistema
categorial e conceitual da moderna Sociologia da Organização. Sua função é
elaborar o plano do ‘Laboratório’ e conseguir monta-lo no prazo máximo de dois
terços do tempo que se espera que dure o referido evento, depois do qual termina a
função do ‘laboratorista’ que, por isto, deve retirar-se, deixando que o grupo social
caminhe com suas próprias pernas (MORAIS, 2002, p. 146-147).
Essa experiência estava inter-relacionada com as possibilidades de desenvolvimento
da “consciência organizativa” nos grupos sociais dos assentamentos rurais. A implementação
das atividades foram orientadas pela “teoria da organização no campo” – no conteúdo sobre
“Laboratório Experimental” –, que estabelecia os objetivos e as etapas de aprendizagem
teórica e prática dos sujeitos inseridos no processo.
‘O que é um Laboratório Experimental?’ É um ensaio prático e ao mesmo tempo
real no qual se busca introduzir em um grupo social a CONSCIÊNCIA
ORGANIZATIVA que necessitam para atuar em forma de empresa ou ação
organizada. (...) Os objetivos do ‘Laboratório Experimental’ consistem em formar
quadros organizadores de empresas e ao mesmo tempo (no caso de que no
95
Laboratório participem técnicos em promoção social), formar ‘Laboratoristas’, ou
seja, técnicos na montagem e desenvolvimento de ‘Laboratórios Experimentais’
(MORAIS, 1986, p. 40).
Para alcançar satisfatoriamente o grau de consciência organizativa, o aprendizado
passava por três etapas fundamentais.
(...) etapa de levantamento de problemas (dentro de todo o processo) poderíamos
chamá-la de etapa de síncrese, que significa a tentativa de destacar certas categorias
fundamentais de caráter teórico, apanhadas da própria realidade do grupo e com um
objetivo pedagógico. (...) Nesta etapa, que pode ser chamada de Análise, o grupo já
se encontra estruturado, dividido em comissões de trabalho, com coordenadores em
cada comissão e a secretaria geral eleita de acordo com a decisão do próprio grupo.
(...) Assim que o grupo começa a andar, vem a primeira ntese do trabalho, onde o
grupo examina o que aprendeu mediante as diferentes formas de participação
organizada. (...) Este processo de síncrese, análise e síntese que foi descrito, se
apresenta sempre, e através dele o grupo vai descobrindo a teoria organizativa que
lhe é apresentada para ser analisada e aplicada na prática. Isto é, as categorias
teóricas vão sendo checadas com o exercício inconsciente e espontâneo de
organização do grupo (MORAIS, 1986, p. 42).
Na aprendizagem deveriam ser reforçados os valores da construção da nova
representação de um sujeito integral, pautado pelo mais alto grau de consciência. Na prática, o
objetivo central era a formação das cooperativas (CPAs) nos assentamentos de reforma
agrária, como forma mais evoluída de organização da produção coletiva.
O objetivo é organizar os assentamentos, orientar as atividades diárias e com isso
diminuir os vícios característicos da pequena produção (...) formar uma empresa
coletiva dos assentados com competitividade no mercado. (...) Para viabilizar esse
projeto, o laboratório orientou a formação de equipes que desenvolvem tarefas
essenciais à sobrevivência de cada assentamento. O princípio que norteia os
trabalhadores é a divisão social do trabalho aqui entendida sem as relações de
exploração do latifúndio, mas do ponto de vista da coletividade (JST, 1990, p. 14).
A divisão do trabalho tinha a finalidade de desaparecer com as relações camponesas
(autonomia sobre as etapas de produção), dividindo a produção em setores, ou seja, em
atividades especializadas com domínio parcial do processo. Isso daria ao produto final do
trabalho uma apropriação eminentemente coletiva.
96
A cooperação agrícola no MST pode ser compreendida pelos princípios que
reconheciam a superioridade das relações capitalistas na agricultura - progresso técnico e
divisão do trabalho - em detrimento das relações camponesas - consideradas atrasadas.
“Quanto mais o capitalismo progride na agricultura, tanto mais acentua ele a diferença
qualitativa entre a técnica da grande e da pequena exploração” (KAUTSKY, 1980, p. 112).
No âmbito político e social, a cooperação no MST buscou melhorar as condições de
vida dos assentados minimizando a falta de infra-estrutura e assistência básica. Nesse sentido,
a organização coletiva possibilitou ao Movimento resistir ao descaso das políticas
governamentais e a situação de exclusão resultante desse processo. A partir desse pressuposto,
o cooperativismo do MST foi disseminado por todas as regiões do país, sendo materializado
pela implantação de inúmeras cooperativas de produção.
2.4- A territorialização do cooperativismo
A crise enfrentada pelo MST no período do governo Collor foi determinante para uma
mudança de atuação, voltada para uma postura defensiva, buscando consolidar e desenvolver
estratégias de cooperação agrícola nos assentamentos rurais. Para isso, foi construída uma
estrutura organizacional de trabalho coletivo, materializada pelas Cooperativas de Produção
Agropecuária (CPAs). Foram implantadas até 1992, 27 CPAs em diferentes regiões do país,
como forma superior de organização do trabalho e instrumento de resistência do assentado
18
.
Nesse sentido, foram fundadas outras cooperativas pelo país como destaca as passagens do
Jornal Sem Terra (Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul,
respectivamente).
18
“Coopanor é a primeira cooperativa de produção do MST a ser legalizada” (JST, 1990a, p. 13).
97
O MST, através da Comissão Nacional de Assentados vem intensificando o
cooperativismo nos assentamentos. A Compresba foi a quinta cooperativa criada
pelos assentados do MST. Em 1989, os agricultores gaúchos fundaram cooperativas
em Bagé e em Júlio de Castilho. Esta última que tem sede em Fazenda Ramada está
totalmente legalizada (JST, 1990b, p. 19).
Foi criada a primeira cooperativa de produção agropecuária, dia 04 de setembro, no
assentamento 13 de Maio, neste município do monte do Espírito Santo. As 45
famílias do assentamento formam um único grupo coletivo. Eles organizaram no
final do ano passado, o 1º laboratório organizacional de campo no estado (JST,
1990d, p. 06).
No dia 10 de fevereiro de 1990 foi fundada a cooperativa Coanol, no assentamento
Nova Sarandi, antiga fazenda Holandês. (...) A cooperativa é composta por 11
grupos, com um total de 167 associados. (...) A Coanol juntamente com as demais
existentes no estado, consolida a unidade no sentido de viabilizar a produção (JST,
1990e, p. 11).
Em 1991, ao verem a necessidade de investir mais forte no campo da produção,
depois de uma longa caminhada e muita discussão, as 25 associações já constituídas
formaram a COOPAC, cujas linhas gerais de trabalho são a organização da
produção, a capacitação técnica dos associados e a viabilização da comercialização
(JST, 1994c, p. 09).
O incentivo do MST à produção de culturas em larga escala possuía sentido pela
própria organização interna das CPAs: especialização de tarefas; uso intensivo de insumos e
máquinas; e exploração agropecuária voltada ao mercado (interno e externo). “A Coanol (...)
trabalha com exportação de produtos agrícolas como soja, milho e trigo” (JST, 1993, p. 05).
Essa passagem remete à tendência produtiva voltada para o mercado internacional. Também
pode ser vista pela produção extensiva de culturas condizentes com o circuito mercantil e a
agroindustrialização. “O projeto Reunidas, maior comunidade de sem-terra no município de
Promissão (...) é uma fazenda de 17 mil hectares dividida por 624 famílias. São cultivados
milho, algodão, arroz, amendoim e soja” (JST, 1992a, p. 07).
Grande parte das cooperativas formadas era resultado dos trabalhos realizados nos
Laboratórios Organizacionais de Campo (LOCs), que utilizava a metodologia de formação
referente aos “Laboratórios Experimentais” descritos na “teoria da organização no campo”. O
LOC adotou métodos para capacitação de assentados, responsáveis pela implantação de
cooperativas de produção. Eram desenvolvidas atividades teóricas e práticas, simulando
98
situações vivenciadas no interior das CPAs – questões relativas à organização das práticas
agrícolas, divisão do trabalho e comercialização da produção.
O primeiro Laboratório Organizacional Experimental para formação de quadros
organizadores de empresas, realizou-se entre os dias 05 e 20 de outubro no centro de
formação do MST/RS, no município de Palmeiras das Missões. Participaram 88
agricultores assentados vindos de 15 estados e 16 convidados. (...) Trata-se de uma
experiência inovadora, que proporciona aos agricultores, capacitação para o trabalho
coletivo nos assentamentos. Como parte de sua capacitação, os participantes tiveram
que criar uma empresa coletiva para administrar o Laboratório. Além dos trabalhos
agrícolas e de construção civil desenvolvidos, os companheiros tiveram aulas de
teoria de organização, contabilidade, mecânica, enfermagem e datilografia. (...) A
avaliação final sobre os trabalhos foi de que dessa maneira se possibilitou capacitar
os assentados para um planejamento administrativo mais eficiente nas suas bases
(JST, 1988b, p. 12).
Durante o mês de janeiro/fevereiro realizou-se um laboratório de campo no
assentamento de Promissão-SP. Participaram 104 pessoas, e durante o laboratório
foi fundada a primeira CPA de São Paulo, dando-lhe o nome de Josimo Tavares, em
homenagem ao grande lutador de Tocantins, que foi assassinado em 1986 (JST,
1992, p. 12).
O laboratório organizacional de campo que se realizou na comunidade de Josimo
Tavares é um ensaio prático, e ao mesmo tempo introduz no grupo social a
consciência organizativa necessária para a atuação em forma de empresa, no caso,
como cooperativa de produção agropecuária. (...) O laboratório, com a realização
dos vários cursos programados teve como objetivo a capacitação na agropecuária e
administração rural, visando qualificação dos seus quadros de cooperados. (...) A
especialização por setores, de sua mão-de-obra, permitirá maior eficiência,
produtividade e racionalização dos recursos e do tempo. Porque está baseado na
divisão técnica do trabalho, servirá de exemplo para os agricultores isolados que
utilizam formas artesanais. (...) Ao especializar a sua mão-de-obra, a cooperativa do
assentamento elevará a produção permitindo competir no mercado. (...) O MST tem
priorizado na produção, utilizando os métodos do laboratório à formação da CPA,
forma superior de associativismo, para que os assentamentos mostrem a viabilidade
da reforma agrária (JST, 1992a, p. 07).
As reportagens deixam clara a aplicação da “teoria da organização do campo” nos
assentamentos rurais, com a finalidade de formar agentes, em potencial, para estruturar as
relações trabalho coletivo. A partir desses princípios, as cooperativas formadas teriam maiores
condições de superar as dificuldades locais e garantir a viabilidade econômica da produção.
As CPAs deveriam criar mecanismos de inserção da produção no sistema econômico,
ou seja, incluir o resultado do trabalho no mercado. A cooperação agrícola seria a grande
potencializadora do desenvolvimento dos assentamentos como forma socialmente avançada
de trabalho coletivo.
99
A experiência do processo de organização da cooperação agrícola nos assentamentos
é fruto tanto do amadurecimento político e doutrinário do Movimento, enquanto
organização social sobre esse assentamento, quanto da própria experiência e
amadurecimento, com pontos positivos e negativos, de cada grupo em particular
(STÉDILE; GÖRGEN, 1991:148).
Essa fase de territorialização das CPAs está intimamente relacionada com a criação do
Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Pertencente ao Setor de Produção do MST,
procurou trabalhar a organização do trabalho coletivo em todos os assentamentos ligados ao
Movimento. Foram criadas estratégias para viabilizar economicamente os assentamentos,
referenciadas na matriz tecnológica moderna, buscando a agroindustrialização, o escoamento
e a comercialização da produção.
Com o avanço do número da CPAs, surgiu a necessidade de organizar essas
experiências em uma estrutura formada nos Estados. Isso possibilitaria maior intercâmbio
entre as cooperativas ligadas ao MST e funcionalidade das estratégias desenvolvidas pelo
SCA para a localidade. A criação das Centrais Cooperativas dos Assentamentos (CCAs) foi
muito importante para o Movimento articular uma estrutura nacional de organização
institucionalizada da produção. “Em Santa Catarina, assentamento de Abelardo Luz, fundou-
se em janeiro mais uma cooperativa central dos assentamentos do estado” (JST, 1992, p. 12).
As cooperativas dos assentamentos existentes no estado se uniram numa central, a
Coceargs. Isso significa maior complexidade de gestão e prova o desenvolvimento
da eficiência administrativa da produção que possuem os assentados gaúchos. (...)
Com a participação de 70 delegados das cooperativas e representantes de 30
entidades de pequenos produtores foi fundada em janeiro a cooperativa central dos
assentamentos do estado. A sede fica no Cetap deste Município. (...) A central da
assistência e orientação às cooperativas filiadas: Coanol, Cooptar, Cooptil e Copanor
(JST, 1991, p. 06).
Em 1991, o SCA realizou um balanço das ações em todo país, definindo novas
estratégias relacionadas à organização da estrutura nacional do cooperativismo. Nessa
100
reordenação foi destacada a necessidade de criação de uma Confederação Nacional,
concretizada, no ano seguinte, pela CONCRAB.
Recentemente esteve reunida a comissão nacional do sistema cooperativista dos
assentados, SCA, e apresentou um balanço para a coordenação nacional do
Movimento. (...) A avaliação das deficiências durante 1991 mostrou que existem
muitas dificuldades: falta de quadros que possam se dedicar na organização nos
assentamentos, inexperiência administrativa; falta de capital e financiamento para
implementar planos de produção; falta de planejamento mais rigoroso que permita
organizar melhor a produção e aproveitar a mão-de-obra durante todo ano; e falta de
entrosamento entre o setor cooperativista e as questões dos assentamentos em geral.
(...) Apesar das dificuldades, o balanço da comissão é positivo e assinala, que neste
ano podem-se alcançar diversas metas: implantação de 27 cooperativas de produção
agropecuária, fundação de 5 centrais estaduais, boa divulgação da proposta
cooperativista tanto a nível interno, como entre entidades que nos apóiam e
organismos oficiais; implementação de diversos cursos de capacitação técnica
administrativa; realização de seminários de formação para aperfeiçoamento dos
associado e dirigentes (destacando-se a primeira turma de técnicos em
desenvolvimento cooperativista) (...). (...) Para este ano foram estabelecidas várias
metas: consolidar as cooperativas centrais estaduais existentes; priorizar a
capacitação de quadros; acompanhar CPAs, especialmente no relacionado com o
planejamento da produção; buscar recursos de crédito necessário para viabilizar os
investimentos, em diferentes organismos; definir e organizar a forma de
relacionamento das cooperativas com os demais assentados; organizar um sistema
eficiente de comunicação; e chegar ao final do ano com a confederação nacional das
cooperativas de assentados fundada (JST, 1992, p. 12).
Para avançar na organização da produção cooperativa no Brasil, o SCA fundou, em
1992, a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda. (CONCRAB). A
criação da CONCRAB foi estratégica para inaugurar uma nova fase do avanço do
cooperativismo nos assentamentos rurais e, viabilizar a proposta de cooperação agrícola do
MST. Isso pode ser percebido analisando seus principais objetivos.
Articular e coordenar as políticas gerais e do planejamento de médio e longo prazo,
do desenvolvimento agropecuário das Cooperativas Estaduais e dos Assentamentos;
organizar uma escola técnica nacional para suprir as necessidades de quadros
técnicos para as cooperativas na área administrativa, financeira e agronômica;
manter um departamento de estudos estratégicos para projetos de maior escala;
viabilizar atividades de exportação e importação; representar os interesses das
cooperativas frente aos organismos públicos e internacionais; articular-se com
outras confederações de cooperativas agrícolas e afins (CONCRAB, 1993, p. 44).
101
Dentre seus objetivos estava a constituição de uma estrutura representativa iniciada na
localidade, no âmbito estadual e, em todo território nacional. O papel da Central Cooperativa
dos Assentamentos (CCA) no âmbito estadual era fundamental para estabelecer um canal de
diálogo com a Direção Nacional do MST; conhecer as experiências locais de CPAs; e
articular estratégias de desenvolvimento econômico para os assentamentos. Após a criação da
CONCRAB, as CCAs continuaram a se afirmar, segundo o MST, como elemento necessário
para viabilização da produção nos assentamentos.
No dia 8 de outubro foi eleita a diretoria provisória da Central de Cooperativas de
Assentamentos de Pernambuco. Esta central é formada pelas CPAs (cooperativa de
produção agropecuária) dos assentamentos Serrinha, Pedra Vermelha e Panorama. A
Central terá como principais objetivos organizar e planejar a produção dos
assentamentos e garantir recursos. (...) Para isso ela contará com uma equipe que
elaborará projetos de assistência técnica, orientando a produção (...) (JST, 1993b, p.
10).
O Ceará possui um dos maiores índices de concentração fundiária do país (...). (...)
Nestes cinco anos de existência neste estado, os desafios e as dificuldades do MST
foram inúmeras, já que para os trabalhadores o processo é permanente. Em três
áreas, após as ocupações, se desenvolveu a produção baseada nos princípios de
Cooperação Agrícola. Hoje nelas estão instaladas três cooperativas que tem obtido
ótimos resultados. A partir disso, no dia 1º de maio, foi fundada a Cooperativa
Central dos Assentados (CCA) que foi iniciada com 750 sócios (JST, 1994b, p. 12).
A criação da estrutura organizacional do cooperativismo impulsionou, a partir de
1992, a criação de novas CPAs no país. Nesse trajeto, foi fundada a primeira cooperativa de
Pernambuco, o “(...) coletivo do assentamento Serrinha, município de Ribeirão, fundou a
primeira CPA do estado, em 19 de agosto” (JST, 1992b, p. 06). No mesmo sentido, “(...) 78
trabalhadores rurais do Assentamento Vila Diamante, localizado no município de Vitória do
Mearim, fundaram a primeira cooperativa de produção agropecuária do Maranhão” (JST,
1993b, p. 10). Em Mato Grosso do Sul, após “(...) o encerramento do Laboratório
Organizacional de Campo, no Assentamento São Manoel, 16 famílias decidiram criar uma
Cooperativa de Produção Agropecuária” (JST, 1993b, p. 10).
102
Esse estímulo foi minimizado devido a problemas administrativos na organização das
cooperativas. A capacitação massiva realizada pelos laboratórios organizacionais não
conseguiu assegurar a funcionalidade no interior das cooperativas. Nesse cenário, o MST
inseriu uma nova modalidade educacional em sua estrutura: trata-se do curso Técnico em
Administração Cooperativa – TAC -, ministrado em Veranópolis, Rio Grande do Sul. Esse
curso tinha como finalidade capacitar quadros técnicos responsáveis pela organização das
CPAs. Os educadores deveriam desenvolver nos assentados a “consciência organizativa”,
elemento fundamental para a cooperação agrícola nos moldes do MST.
Nossa educação deve alimentar o desenvolvimento da chamada consciência
organizativa, que é aquela onde as pessoas conseguem passar da crítica à ação
organizada de intervenção concreta na realidade. Para isso, os processos
pedagógicos precisam ser organizados de modo a privilegiar esta perspectiva de
ação (MST, 1996, p. 07).
Enquanto gestores, os técnicos aperfeiçoariam o modelo empresarial de administração,
voltando seus esforços para alcançar altos índices de produtividade no trabalho. Dirigir a
“empresa cooperativa” requeria o fortalecimento das bases político-ideológicas de cooperação
nas práticas cotidianas dos assentamentos rurais. O TAC foi um espaço de transmissão do
conhecimento para, posteriormente, ser reproduzido no interior das CPAs
.
No dia 20 de janeiro de 1996, se formaram 29 alunos da primeira turma do curso
TAC (Técnico em Administração de Cooperativas) e no dia 02 de março se
formaram 23 alunos da segunda turma. Verdadeira inovação pedagógica o TAC vem
sendo desenvolvido no Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma
Agrária (ITERRA), em Veranópolis-RS, coordenado pela CONCRAB
(Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil). (...) A primeira
turma começou a trabalhar em 29 de junho de 93 e a segunda em outubro do mesmo
ano. (...) Todas as turmas do TAC enfrentam o desafio de montar uma cooperativa e
administrar o curso no ITERRA como se fosse uma empresa (JST, 1996, p. 11).
Todas as práticas pedagógicas responsáveis pela formação dos assentados (“sem
terra”) passaram a ser desenvolvidas pelo Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma
Agrária – ITERRA -, atuante desde 1993.
103
O Iterra foi criado com a finalidade de atuar na área de formação e pesquisa,
contribuindo com o avanço e a consolidação da Reforma Agrária. (...) Para
conquistar esse objetivo, o Iterra promove a escolarização e capacitação técnica e
científica de assentados e de pequenos agricultores. Tem como proposta, ainda,
estimular e apoiar a cooperação e as formas associativas de organização da produção
(JST, 1997a, p. 08).
O TAC e o LOC eram instrumentos de capacitação organizados pelo ITERRA, para
tentar reduzir os problemas administrativos advindos dos assentamentos rurais. Para reforçar
esses instrumentos, eram realizados cursos e oficinas para qualificar a mão-de-obra e reforçar
os princípios fundamentais da cooperação agrícola. Mais tarde, o MST organizou cursos de
Formação Integrada da Produção - FIP- voltados para a prática agropecuária (inovações e
técnicas de produção) dentro do contexto cooperativo, articulados com os elementos
fundamentais do trabalho coletivo
19
. Alguns exemplos são importantes para ilustrar a
realização dos cursos de formação integrada criados pelo Movimento. “Na organização
interna, o Assentamento Ticanga vem sendo um exemplo para muitos outros. Tudo começou a
partir da realização de um Curso Integrado com a Produção, realizado em 93” (JST, 1994,
p. 11).
Os trabalhadores já se definiram pelo trabalho coletivo para se auto-sustentarem e
estruturarem o assentamento. No mês de março, todos os assentados participaram de
um Curso Integrado de Produção. Com duração de 15 dias, o curso teve por objetivo
capacitar os agricultores para a coletivização do trabalho (JST, 1994a, p. 10).
No dia 24 de abril, tiveram início as atividades da 2ª turma do Curso Prolongado
Integrado à Produção, no Centro de Formação da Vila Diamante. (...) O curso conta
com a participação de companheiros do Maranhão, Pará, Ceará e Piauí e tem como
objetivo contribuir na capacitação política e técnica dos jovens para trabalhar na
organização de seus assentamentos e do MST em seus estados (JST, 1994a, p. 12).
A formação oferecida sobre organização cooperativa apontava para resultados a médio
prazo no retorno financeiro, causando um descompasso com as necessidades urgentes dos
19
Em 1997 foi inaugurada a Escola Josué de Castro, oficializando a estrutura educacional de formação de
assentados. “A Escola Josué de Castro está credenciada para desenvolver ensino supletivo de 1° e 2º graus e
curso técnico de Administração de Cooperativas” (JST, 1997a, p. 08).
104
assentados. Esse imediatismo era apontado como um grande problema no interior das CPAs e
deveria ser combatido incansavelmente pelo Movimento.
Em meio a uma crise interna do SCA (iniciada em 1993) provocada por problemas na
gestão da produção e na organização do trabalho, o processo de implantação de novas
cooperativas foi reduzido, ficando como prioridade a obtenção de melhores resultados na
produção coletiva existente e o retorno das intensas ocupações por todo país. Esse novo
cenário de tensões sociais no campo, corresponde ao primeiro mandato do presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC).
O governo de FHC não mais poderia deixar de tratar do problema agrário, visto
agora, pelo governo, como um potencial gerador de problemas políticos; e pela
sociedade, como um potencial gerador de empregos e melhorias na qualidade de
vida da população rural, apesar da relutância de alguns setores. A reforma agrária
tornava-se um dos pontos mais problemáticos da agenda política do governo federal
diante da sociedade civil e o MST tornara-se um dos mais consistentes opositores de
liberalização em implementação no Brasil (BERGAMASCO; NORDER, 2003, p.
45-46).
A reforma agrária tornou-se um grande problema para agenda política nacional. Isso
aconteceu a partir de fatos marcantes, que tiveram grande repercussão na opinião pública
nacional e internacional. Durante o governo FHC, o Pontal do Paranapanema, em São Paulo,
foi palco de inúmeras ocupações de terra, respondidas com violência pelos fazendeiros e suas
milícias armadas. Além desse foco de tensão, aconteceram dois episódios importantes da luta
pela terra: Corumbiara, em 1995, e Eldorado Carajás em 1996. Considerados “massacres”,
esses fatos acontecidos em Rondônia e no Pará, respectivamente, ampliaram a adesão de
organizações nacionais e internacionais em favor da reforma agrária no Brasil.
Além dos fatos apresentados, as ocupações de terra e as pressões do MST sobre o
governo tornaram-se cada vez mais veementes. Nesse cenário, o governo FHC organizou
estratégias para responder ao crescente avanço das ações do MST no país.
105
A intenção era transformar a reforma agrária em ação de governo em detrimento das
conquistas obtidas pelo movimento social. Nesse sentido, o governo minimizaria
politicamente o MST e tentaria convencer a opinião pública que estava fazendo sua parte nas
ações de implantação e estruturação dos assentamentos rurais. Se o governo estava fazendo
seu papel enquanto o provedor de políticas sociais, o “radicalismo” do MST seria
desnecessário. Esse pressuposto era afirmado por propagandas das ações governamentais e
pela desqualificação das atividades do Movimento. O grande contingente de famílias
assentadas, nesse período, aparecia como “dádiva” do Estado.
Com relação às políticas de crédito para os assentamentos, o governo ampliou e
reestruturou o PROCERA. O modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo MST nos
assentamentos rurais, relativo às CPAs, foi atendido através da criação de uma nova linha de
financiamento.
Em meados dos anos 90, o governo federal anunciou a criação de uma linha de
créditos para as cooperativas de assentados. Era o denominado Procera Teto Dois,
através do qual cada assentado vinculado a uma cooperativa poderia receber um
total de R$ 7.500,00 para o fortalecimento de suas cooperativas, ou seja, o mesmo
montante de recursos financeiros até então destinados a cada assentado
individualmente (NORDER, 2004, p. 257).
O cooperativismo implantado nos assentamentos passava a contar com recursos
financeiros para efetivar sua organização produtiva. A orientação da aplicação do crédito
disponibilizado pelo governo pode ser exemplificada em pesquisa realizada no Assentamento
Fazenda Reunidas, no município de Promissão, em São Paulo.
(...) houve uma prescrição extralocal do tipo de investimento que deveria ser
realizado: uma aquisição de máquinas e implementos para a produção de grãos. O
MST também estimulou, com base em um inconsistente e contraditório apoio do
Estado, a implementação de projetos de produção em grande escala, ainda que
prevendo sua coletivização e agroindustrialização (NORDER, 2004, p. 274).
106
Esse impulso à produção nas cooperativas foi divulgado pelo MST como uma resposta
as dificuldades enfrentadas a partir de 1993. As soluções estavam em processo de construção,
culminando em melhores resultados na produção cooperativa. Para respaldar tal afirmação o
Jornal Sem Terra traz algumas matérias sobre resultados positivos do cooperativismo.
“COPAVI: Uma prova de que a cooperação agrícola é viável” (JST, 1995, p. 07).
Em Abelardo Luz, região Oeste de Santa Catarina, 13 famílias de agricultores do
assentamento Volta Grande uniram suas forças e estão comprovando a viabilidade
da proposta do Sistema Cooperativista dos Assentados. Ao organizarem a produção
através da cooperação agrícola, eles estão mostrando que a saída pode ser produzir
coletivamente (JST, 1995, p. 06).
Industrialização do leite mostra resultados da Reforma Agrária. (...) Os
agricultores assentados em São Miguel do Oeste inauguraram, no dia 31 de março, a
primeira Unidade de Beneficiamento de Leite do município. Primeira do estado, a
unidade tem 43 sócios. Esta pequena agroindústria foi inaugurada no dia 26 de
outubro (...) (JST, 1996a, p. 06).
Os resultados foram profícuos para o MST, que incentivou a criação de novas CPAs
em Estados que não tinham estruturado essa forma de organização - conforme os princípios
da CONCRAB.
Em dezembro foi fundada a COARP (Cooperativa dos Assentados de Reforma
Agrária da Praia Norte). Trata-se da primeira cooperativa de trabalhadores do
Sergipe e conta com 127 associados, representando seis áreas de assentamento da
região norte do estado. O objetivo da cooperativa é comercializar e industrializar os
produtos dos assentados. Para os associados, a cooperativa também irá facilitar o
acesso a créditos e à capacitação técnica, definindo linhas de produção de acordo
com a demanda do mercado (JST, 1997, p. 09).
Mato Grosso: Inaugurada primeira cooperativa dos assentados. (...) Os
trabalhadores rurais do assentamento 14 de agosto, no município de Campo Verde,
fundaram a Coopac (Cooperativa de Produção Agropecuária Canudos). A
cooperativa é a primeira do SCA (Sistema Cooperativista dos Assentados). Até o
próximo ano deve ser criada a CCA (Cooperativa Central dos Assentados), no
Estado (JST, 1998, p. 08).
Umas das políticas governamentais criadas para atender às demandas nos
assentamentos, ligada à assistência técnica, foi o Projeto Lumiar (1997-2000). A carência por
apoio técnico especializado era constante nas cooperativas de produção. Esse projeto especial
107
era destinado somente aos assentamentos de reforma agrária, sendo coordenado pelo INCRA
desde sua criação. Esse projeto tinha como objetivo a organização da produção, de acordo
com uma metodologia participativa, voltada para a realidade local. Porém, o enfoque técnico
reproduzia as práticas extensionistas de difusão de conhecimento (modelo dominante de
agricultura). Em resumo, o Projeto Lumiar buscava viabilizar economicamente os
assentamentos rurais de acordo com o paradigma de desenvolvimento rural modernizante.
Além desse limites, o Projeto Lumiar esbarrava em problemas institucionais como baixos
salários dos profissionais, más condições de trabalho, falta de supervisão efetiva sobre as
“equipes locais”, indefinição da metodologia específica de intervenção nos assentamentos
rurais, entre outros (DIAS, 2004).
Todo o montante de políticas públicas para a reforma agrária e a veiculação de
propagandas direcionadas para a atuação do governo não foram suficientes para desorganizar
politicamente o MST. Vincular as ações do Movimento a uma postura violenta e contrária à
“reforma agrária governamental” não desarticulou as mobilizações de luta pela terra. Diante
desse quadro, a reeleição de FHC foi extremamente negativa para os projetos de
desenvolvimento do MST.
Em seu segundo mandato, o governo FHC mudou as estratégias de enfretamento. O
governo cerceou a atuação do MST através de duas ações principais: a) criminalização das
ações de ocupação de terras e prédios públicos; b) alteração das políticas de acesso à terra e
crédito.
Os trabalhadores sem terra que invadiram prédios públicos foram presos e indiciados;
as lideranças perseguidas pela polícia. Economicamente, o governo aprovou uma medida
provisória que proibia o assentamento de famílias que participassem de ocupações de terra.
Foram desautorizadas negociações em casos de ocupações públicas e vetados recursos para
organizações sociais envolvidas nessas atividades. Além disso, outra medida determinava que
108
a área ocupada não fosse vistoriada para a desapropriação por um longo período de tempo
(variável de acordo com o número de ocupações).
Essas ações estavam articuladas com uma política de minimização da reforma agrária
e fortalecimento da agricultura familiar
20
. Para o governo, os agricultores familiares foram
deixados em situação desfavorável em relação aos assentados, sendo que estes contaram com
fortes subsídios para financiamento da produção durante vários anos.
O eixo principal da reformulação institucional no segundo mandato FHC foi o fundir
as políticas de reformas agrárias, com as políticas de fortalecimento da agricultura
familiar em geral, buscando superar ‘um conceito equivocado que estabelecia uma
diferenciação artificial entre a agricultura familiar e assentados de reforma
agrária’. Nesta perspectiva, o estado teria concedido aos assentados ao longo da
segunda metade dos anos 90, créditos ‘altamente subsidiados por um tempo
indefinido... enquanto seus vizinhos, agricultores familiares tiveram acesso a terra
por compra e herança, continuariam contando com subsídios muito menores’. Mais
do que isso, o governo afirmava estar ‘cuidando da vida’, ‘tutelando’ e mantendo
‘vínculos de dependência’ com a população assentada, o que seria inviável tanto no
ponto de vista ético-político como financeiro e administrativo (BERGAMASCO;
NORDER, 2003, p. 56).
O acesso à terra passaria a ser realizado através do mercado . Para isso, foi criado o
Banco da Terra, uma política de financiamento para a compra direta, descentralizada nos
municípios. A descentralização institucional e administrativa tinha o objetivo de consolidar
um novo modelo de reforma agrária mercantilizada.
A proposta de descentralização formulada pelo governo estaria pretendendo,
conforme avaliação dos movimentos sociais, criar um novo personagem político: o
sem-terra não-integrante do MST ou de qualquer outra organização popular; um
‘sem-terra’ vinculado a instituições políticas criadas no plano local, em torno do
20
“(...) presença do trabalho familiar em unidades produtivas agrícolas pôde desenvolver relações até certo
ponto estáveis e duradouras com as formas sociais e econômicas predominantes. Assim, as unidades familiares
subsistem com uma relativa autonomia em relação ao capital e vão se reproduzindo nessas condições. A sua
transformação vai depender de sua relação com as formas distintas e heterogêneas de estruturação social,
cultural e econômica do capitalismo, em um certo espaço e contexto histórico. (...) Às formas familiares
corresponderiam características como trabalho familiar, resistência à apropriação do excedente via mercado,
propriedade de meios de produção, busca de autonomia etc. (...) (SCHNEIDER, 2003, p. 112). Segundo o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), “(...) a agricultura familiar (...)
procura estabelecer sistemas de produção focados na biodiversidade, na valorização do trabalho familiar, na
inclusão de jovens e de mulheres, na produção de alimentos destinados à segurança alimentar e nutricional da
população e na promoção da democratização do acesso à terra e aos demais meios de produção como meio de
construir o desenvolvimento rural sustentável (CONDRAF, 2006, p. 13).
109
poder municipal. A avaliação dos movimentos sociais e partidos de oposição era a
de que a descentralização, daquela forma específica, naquele momento específico,
estaria objetivando uma fragmentação, uma dispersão da luta pela terra
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p. 60).
Essa proposta visava esvaziar o poder dos movimentos sociais e submeter as políticas
de reforma agrária às determinações do governo.
A segunda parte do programa governamental de redefinição do modelo de reforma
agrária consiste na integração dos grandes assentados ao ‘sistema de agricultura
familiar’. A grande inadimplência e as deficiências na análise das propostas
financiadas são apresentadas como os principais motivos para a dissolução do
Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera) e sua diluição no
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). (...) Neste
sentido, o governo federal suprimiu os mecanismos de operacionalização do Procera
sem que o Pronaf tivesse uma institucionalização capaz de substituí-lo
adequadamente. Desta forma, as políticas de desenvolvimento para os assentados
acabaram por ser desmontadas, o que se expressa na extinção do Procera
(BERGAMASCO; NORDER, 2003, p. 60-61; 65).
A extinção do PROCERA implicou na redução dos recursos para os assentamentos e o
fim das condições diferenciadas de crédito
21
. O projeto de cooperação agrícola desenvolvido
pelo MST, centrado na política governamental de crédito, necessitou ser rediscutido no setor
responsável pelos assentamentos.
A adesão interna dos assentados à organização coletiva do trabalho nas CPAs
continuava com os mesmo problemas desde sua criação. Nesse contexto, as novas formas de
relações sociais, a capacitação massiva e a divisão do trabalho ainda eram, eminentemente,
conflituosas. Os problemas na organização interna eram agravados pela adoção da matriz
tecnológica modernizante, que privilegiava a produção em larga escala e utilização de
máquinas e insumos químicos, causando grande dependência externa da produção.
Nessa nova fase, o cooperativismo do MST começava a dar sinais de esgotamento. A
postura do Movimento em torno de novas práticas e novas relações no interior dos
assentamentos rurais culminou na flexibilidade organizativa e na valorização das
21
Nesse compasso, o governo FHC cancelou o Projeto Lumiar (2000), deixando os assentamentos sem uma
política especial de assistência técnica e extensão rural.
110
especificidades locais. Isso remete à reorganização do paradigma de desenvolvimento em
novas bases epistemológicas, voltadas para práticas da agroecologia.
111
3- O MST E A TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA
A “territorialização” do cooperativismo no MST e a afirmação dos princípios
organizativos de produção e trabalho coletivo entraram em crise ainda nos anos 90. As
contradições inerentes a implantação das cooperativas e o acirramento da oposição com o
Estado provocaram o esgotamento do paradigma de desenvolvimento adotado. Esse cenário
possibilitou uma mudança importante na orientação do MST para os assentamentos rurais.
Práticas agrícolas alternativas ganharam espaço e transformaram-se no principal projeto para
viabilidade dos assentamentos. Essas experiências foram fundamentais para desencadear um
processo de mudança nas bases política e produtiva do Movimento. O esgotamento do modelo
de produção cooperativista e o contexto de discussões sobre desenvolvimento rural
sustentável conduziram, de forma inicial, à incorporação da agroecologia como novo
paradigma para a realidade dos assentamentos rurais. Além das práticas produtivas, a
agroecologia adentrou a esfera política como forma de contestação ao modelo agroexportador
representado pelas multinacionais (de insumos químicos e de pesquisa em biotecnologia –
transgênicos) e pelo agronegócio.
A aproximação do MST com os princípios da sustentabilidade possibilitou iniciar a
formulação de concepções sobre o processo de transição agroecológica nos assentamentos
rurais e abrir novos espaços participativos nas localidades. O conhecimento tradicional
(camponês), rejeitado pelo Movimento, destaca-se como elemento fundamental para a
construção de projetos adequados às especificidades locais e à multiplicidade social inserida
nesses contextos.
Para desenvolver essa discussão, o presente capítulo será dividido em três seções. A
primeira irá apresentar os principais elementos responsáveis pela crise no modelo
cooperativista do MST. As contradições da coletivização do trabalho, que impunha a
112
construção do sujeito “sem terra”, voltado para a produção cooperativa, encontrou, nos
assentamentos rurais, resistências e rupturas, ocasionando problemas nas estruturas
organizativas criadas pelo Movimento. Quanto à produção, o cultivo em larga escala,
dependente de recursos externos, absorvia pouca mão-de-obra (disponível em grande
quantidade), além de ficar refém dos preços praticados pelo mercado externo. As políticas
governo também foram significativas para o esgotamento do cooperativismo no MST;
extinguiu o crédito especial para os assentamentos rurais e dificultou as mobilizações para
criação de novos assentamentos, via criminalização da luta pela terra.
A aproximação do MST com a noção de sustentabilidade, a delimitação teórica desse
conceito e do processo de transição agroecológica, iniciado pelo Movimento, estarão
presentes na segunda seção. No início da década de 90, algumas iniciativas em agroecologia
foram implementadas nos assentamentos rurais. Essa constatação foi observada em
documentos do Movimento, que tratava o tema de forma bastante incipiente. A partir do 3º
Congresso Nacional do MST (1995) e da articulação com a Via Campesina, a sustentabilidade
adentrou, ainda secundariamente, a agenda do Movimento, adquirindo maior força nos anos
2000. Nesse entremeio, era desencadeado um processo de transição agroecológica visando a
adoção de um paradigma de produção voltado para desenvolvimento sustentável. Para melhor
compreensão desse processo, os principais conceitos sobre desenvolvimento sustentável,
agroecologia e transição agroecológica serão apresentados, recorrendo a referências
bibliográficas que buscaram aprofundar os debates teóricos sobre essa temática.
Na terceira seção, serão apresentadas as experiências do MST em agroecologia e novo
enfoque adotado nos assentamentos rurais. Para isso, foram pesquisados documentos atuais
do Movimento, na tentativa de delimitar temporalmente um marco no processo de transição
política e produtiva para a agroecologia. Tamm serão discutidos os princípios da transição
agroecológica nos contextos construídos pelo Movimento nos assentamentos rurais. Além
113
desse enfoque nos assentamentos, a seção apresentará a incorporação da agroecologia na
agenda de luta, como principal modelo alternativo à grande produção agroexportadora e às
empresas multinacionais presentes no campo. Apesar do discurso político, o processo
encontra-se em fase inicial na maioria dos assentamentos rurais que aderiram à transição.
3.1- O esgotamento do modelo cooperativista
As políticas de reforma agrária no Brasil estão historicamente ligadas à mobilização
dos movimentos sociais de luta pela terra. A conquista dos assentamentos rurais é fruto de
tensões sociais e embates políticos que demonstram a condição dos trabalhadores rurais
excluídos pela acumulação de terras no país. O surgimento do MST está intimamente
relacionado com o contexto social e político de agudização da pobreza no campo, e com a
necessidade de reforma na estrutura fundiária vigente.
As mobilizações e ocupações em diversas regiões do país fizeram que os governos
colocassem o tema reforma agrária entre suas principais pautas. Para o MST, o
desenvolvimento dos assentamentos, via incentivo governamental, seria possível através de
uma organização que viabilizasse economicamente os assentados – as cooperativas.
O cooperativismo - ou modelo de cooperação – adotado foi consolidado pelas
Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs), consideradas formas superiores de
organização do trabalho, e meio necessário para a coletivização e transição socialista. Essa
concepção foi construída pelo Movimento e colocada aos assentamentos ligados a ele. A
cooperativa (CPA) foi a principal forma que o MST materializou sua concepção de trabalho
coletivo e organização da produção.
114
Alguns problemas indicados pelos agricultores para esta situação foram o caráter
compulsório da filiação, a dificuldade de gerenciamento numa situação de crise, a
falta de recursos financeiros e as diferenças culturais dos cooperados; tudo isto
gerando uma total falta de interesse pelos problemas da cooperativa
(BERGAMASCO; CARMO, 1991, p. 64).
A constituição das cooperativas representava a busca de condições para a revolução
social, a qual estava atrelada ao desenvolvimento econômico nos moldes capitalistas
modernos e às transformações das relações sociais no campo.
A modernização da agricultura foi responsável pela exclusão de trabalhadores e
concentração de terra num longo período da história brasileira. Em decorrência disso,
surgiram as mobilizações para a reforma agrária e as políticas de assentamento. Essa
modernização, que excluiu o trabalhador rural, passou a ser condição da organização da
produção nas cooperativas do MST. “O outro lado dessa modernização, no entanto, é sem
dúvida, a sua resistência/persistência, uma vez que continua presente no quadro produtivo”
(BERGAMASCO; CARMO, 1991, p. 67).
A matriz tecnológica moderna adotada nas cooperativas necessitava construir novas
relações de trabalho no campo como: racionalização de métodos; especialização de tarefas;
utilização de máquinas e insumos químicos; agroindustrialização e integração no mercado.
(...) esta proposta, transformada em diretriz oficial a partir de 1988, entrou em
conflito com a realidade da produção agrícola e suas particularidades, com as
características socioculturais dos assentados, com a dinâmica própria da vida rural e,
também, com as dificuldades macroeconômicas impostas à atividade produtiva
agropecuária (...) (NAVARRO; MORAES; MENEZES, 1999, p. 51).
O cooperativismo em questão necessitava de um novo sujeito, fruto da superação do
principal entrave para a organização do trabalho: o camponês. Os princípios preconizados
pelo Movimento previam o fim das relações de trabalho tradicionais, consideradas incoerentes
à organização coletiva da produção. O campesinato seria portador de “vícios” que
desarticulariam a forma de cooperação institucionalizada pelo MST (MORAIS, 1986).
115
Esse modelo de organização do trabalho coletivo encontrou resistência entre os
camponeses (e suas gerações posteriores) e seus costumes tradicionais. Os assentados,
baseados numa cultura tradicional, buscavam a “(...) efetivação do projeto de ‘ser colono’, ou
seja, ver viabilizada uma forma de apropriação da terra e ter sobre seu controle a
organização e os resultados da produção” (ZIMMERMAN, 1994, p. 208).
A representação do sujeito camponês considerava a terra como uma dimensão
simbólica ligada à liberdade e à reprodução de suas relações sociais no trabalho e no núcleo
familiar. Numa perspectiva chayanoviana, o camponês era caracterizado pela referência à
unidade doméstica e o balanço existente entre trabalho e consumo. O tempo e quantidade de
trabalho eram definidos, segundo o autor, pela quantidade de membros do núcleo familiar e a
disponibilidade de mão-de-obra para a produção. Todas as relações eram desencadeadas para
a manutenção da família e não para geração de lucratividade na produção (considerada
marginal). “El mecanismo que Chayanov ha definido para explicar el comportamiento de la
familia campesina es el principio de equilibrio trabajo-consumo. Cada familia – escribe –
trata de obtener un ingreso anual adecuado a sus necesidades esenciales” (THORNER,
1981, p. 144).
Para o MST, essas características, inerentes do campesinato, eram obstáculos para a
consolidação da cooperação agrícola nos assentamentos. As cooperativas eram vistas como a
única opção para que os assentados pudessem resistir na terra. A organização do trabalho
reconhecia a superioridade das modernas relações no âmbito produtivo. Nesse sentido,
instrumentos “pedagógicos” foram criados para desconstruir as características camponesas e
construir uma nova representação
22
de trabalhador rural: o assentado “sem terra”. Este seria o
vetor da resistência no campo e potencializador do desenvolvimento econômico nos moldes
cooperativos.
22
“(...) as representações do mundo social (...) à revelia dos actores sociais, traduzem suas posições e interesses
objectivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como
gostariam que fosse” (CHARTIER, 1990, p. 19).
116
A “mística” foi uma forma de construção simbólica desse novo sujeito. Através de
novos signos, os assentados construiriam novas referências, materializadas nas relações com a
coletividade.
Ao perceber a sua condição de excluído, ao começar a identificar os elementos que
determinam sua condição de existência, ao perceber a força do trabalho coletivo,
começa-se ali a construção de novos paradigmas, que com certeza, farão parte desse
novo homem. (...) Na formação desse homem estarão presentes daqui para frente a
bandeira do Movimento, os gritos de ordem, que ecoam em todos os momentos das
mobilizações, reuniões e assembléias, as músicas que fazem parte do repertório, a
mística, enfim, toda uma simbologia e suas significações que fazem parte do ideário
de formação dos sujeitos Sem Terra (PEREIRA FILHO, 2003, p. 77).
Nas escolas dos assentamentos, o Movimento incorporou uma proposta pedagógica
diferenciada visando à reprodução dos princípios político-ideológicos e a afirmação do
modelo cooperação, enquanto potencializador da transformação social. No cotidiano escolar,
as práticas pedagógicas tinham como referência os ensinamentos da teoria de Paulo Freire
(1987) sobre educação popular, que, resumidamente, buscavam a construção do conhecimento
a partir da realidade dos assentados, ou seja, ensinar através do referencial de luta e resistência
na terra, valorizando sempre o papel da cooperação criada no interior do MST. A necessidade
de mudar culturalmente os assentados, ligados às práticas tradicionais do campesinato, levou
o MST a criar outras formas de construção da representação sobre o trabalho coletivo nas
cooperativas.
O Laboratório Organizacional de Campo (LOC) foi estratégico para ensinar aos
assentados uma “cultura” de trabalho coletivo e implantar as CPAs em todo território
nacional. Essa experiência colocava na prática os elementos da “teoria da organização no
campo”, criados pelo MST, de acordo com uma didática específica.
Realizada no interior do ‘Laboratório Organizacional’, ela é considerada como o
conjunto de técnicas através das quais realizam-se o aprendizado e a educação que
permitem aos alunos apropriar-se dos conhecimentos transmitidos pelos instrutores
ou professores (MORAIS, 2002, p. 148).
117
Posteriormente, foi criado, em virtude de problemas de gestão cooperativa, o curso de
Técnico em Administração de Cooperativas (TAC). Outro elemento de destaque foi o curso
de Formação Integrada da Produção (FIP), seguindo a mesma linha de capacitação voltada
para a realidade das cooperativas nos assentamentos rurais.
Nesse processo pedagógico, o MST publicou documentos importantes como os
Cadernos de Formação, Cadernos de Cooperação Agrícola e Cadernos de Educação, que
foram os principais subsídios teóricos e metodológicos para os cursos organizados.
Toda a construção do “sujeito coletivo” do Movimento seguia uma concepção sobre a
trajetória de luta conjunta pela terra e as interações no interior do acampamento. A
proximidade das relações e a unidade em torno do objetivo maior (assentamento) eram
consideradas as bases da organização do novo espaço. Na realidade, o acampamento
apresentava uma situação particular, um momento intermediário em que grupos sociais
almejavam um fim comum. Após essa etapa, os grupos se encontravam num contexto
totalmente diferenciado, pautado por objetivos também distintos. Essa afirmação é ilustrada
em trabalho de pesquisa realizado em um assentamento de trabalhadores rurais no interior de
São Paulo.
O argumento, habitualmente utilizado, de que esses trabalhadores já haviam vivido
uma experiência de organização e de negociação coletiva, por ocasião da conquista
da terra, e que, conseqüentemente, o problema agora era só o de manter viva essa
chama, induzindo-os, através da organização coletiva da produção, a situações que
os ‘conscientizassem’ de seus supostos interesses comuns, não os convencia. (...)
Nessa ocasião, tanto os trabalhadores como os agentes externos participantes das
mobilizações tinham uma mesma aspiração e um mesmo objetivo: a conquista da
terra. E, agora, o desejo da autonomia na terra conquistada se encarregaria de fazer
emergir as muitas diferenças existentes entre essas famílias singulares. Diferenças de
idade, de composição da família, de conhecimento agrícola, de possibilidade de
convivência com as regras do mercado ou do sistema financeiro, etc. Diferenças de
trajetória de vida, e, conseqüentemente, de objetivos, de sonhos e de fantasias que,
necessariamente, tornariam mais complexas as negociações entre eles mesmos e
seus assessores (D’ INCAO; ROY, 1995, p. 30-31).
118
Na disputa de representações, o MST tentou construir novo sujeito coletivo (“sem-
terra”) e superar os individualismos, contraditórios à proposta de desenvolvimento para os
assentamentos rurais. “As lutas de representações têm tanta importância como as lutas
econômicas para compreender os mecanismos pelos quais o grupo se impõe, ou tenta impor,
a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e seu domínio” (CHARTIER,
1990, p. 17). Contrariando a realidade heterogênea dos assentamentos, marcada, segundo o
Movimento, pela herança tradicional camponesa, foram implementadas ações de consolidação
de seu modelo cooperativista.
(...) esse argumento era evidentemente autoritário, à medida que acreditava poder
induzir esses homens a caminhos diferentes daqueles a que eles aspiravam. Homens
que haviam enfrentado, juntamente com suas famílias, toda sorte de adversidades
para chegar à terra conquistada. Que aspiravam à liberdade e tinham um projeto de
autonomia para ser realizado nessa terra. Que dependiam, sem dúvida, de uma
assessoria capaz de abreviar-lhes o tempo de aprendizado necessário à construção
dessa autonomia, mas que não abririam mão dela sob nenhuma injunção, ou em
nome de causas ou ideais que não guardassem alguma correspondência com os seus
próprios (D’ INCAO; ROY, 1995, p. 31).
O cooperativismo do MST pressupunha um controle descendente da organização dos
assentamentos. Foram criadas as CCAs e a CONCRAB, no sentido montar uma estrutura
organizacional de ordenamento das experiências locais (CPAs). Esse projeto cooperativista
encontrava resistências e rupturas nos assentamentos, provocadas, essencialmente, pelo
conflito de representações. “A força da representação pode tentar persuadir de um poder,
mas pode dar a perceber a distância entre os signos exibidos e a realidade que eles não
podem dissimular” (CARVALHO, 2005, p. 05). Apesar de uma retórica direcionada para a
autonomia dos assentamentos, o modelo de organização da produção reproduzia as relações
que os trabalhadores rurais buscavam superar.
Mais precisamente, por reproduzirem, eles mesmos, as relações de dominação que
queriam se libertar. Relações que impediriam o necessário alargamento de seus
limites e de suas possibilidades, na direção do desempenho político e econômico
119
pelo que estavam desafiados. Porque recriando suas velhas práticas de dominados -
a competição, a invalidação dos companheiros, a desconfiança, a dissimulação, a
resistência sorrateira, etc. - eles não teriam condições de negociar conjuntamente
soluções para os problemas que lhes eram comuns (...) (D’ INCAO; ROY, 1995, p.
29-30).
Os grupos sociais que não se adequavam as “empresas cooperativas” rompiam o elo
com o MST e se organizavam em grupos de vizinhança, associações de produtores, de forma
independente e autônoma. Essa ruptura era estendida à filiação político-ideológica,
considerada impositiva e autoritária.
Desafortunadamente, em nome da disciplina e de incontáveis receituários
comportamentais impostos, seus militantes sequer alcançam algum tipo de
consciência política própria, pois são compelidos à repetição monocórdia do
discurso dos dirigentes principais, retirando-lhes expressiva margem de
especificidade de ação e interpretação de formas de lutas adequadas à diversidade
regional do país, tolhendo talentos organizativos e cerceando a formação livre e
genuína de novas lideranças (NAVARRO, 2002, p. 262-263).
O cooperativismo desconsiderou, fundamentalmente, as trajetórias individuais e os
projetos de autonomia e liberdade.
Cada um se queria autônomo, livre em seu tempo e seu esforço. Eles não queriam
mais depender senão deles mesmos. E elaboravam a partir daí seus projetos. Projetos
de auto-reprodução familiar pelo caminho da agricultura familiar experimentada -
direta ou indiretamente através de seus pais - no passado. Agricultura cujos limites
até certo ponto conheciam, mas que pensavam poder superar, desde que instalados
numa terra que passava a lhes pertencer (D’ INCAO; ROY, 1995, p. 28-29).
As contradições em relação à organização do trabalho coletivo nos assentamentos
rurais estão articuladas com a matriz tecnológica de produção do MST. A cooperação agrícola
pressupunha o avanço na adoção de técnicas de produção e utilização de máquinas e insumos
modernos. Se o trabalho coletivo era inspirado na organização fabril, logo a produção teria
que acompanhar essa lógica. A busca por alta produtividade e acesso à competição no
mercado interno e externo levou as CPAs a direcionarem a produção para culturas de larga
120
escala, principalmente milho, algodão e soja. As cooperativas deveriam utilizar recursos
modernos para alcançarem tal objetivo e adentrarem no circuito mercantil.
(...) as primeiras experiências da forma construtiva coletivista começavam a
apresentar resultados econômicos negativos, o que induzia alguns analistas rigorosos
a refletirem sobre inadequação desse modelo de agricultura empresarial - orientado
para a intensificação do capital e a redução da mão-de-obra, que era a base da
referida produção coletiva, às condições objetivas dos assentamentos -, de baixa
capacidade de investimento e grande disponibilidade de mão-de-obra (D’ INCAO;
ROY, 1995, p. 36).
Além dos problemas gerados em relação à mão-de-obra, esse tipo de produção era
extremamente dependente de fatores externos, principalmente, os implementos agrícolas da
indústria e o preço de venda da produção, regido internacionalmente (commodities). As
cooperativas ficavam reféns da volatilidade do mercado, para escoamento e comercialização
da produção.
A matriz tecnológica moderna oferecia riscos econômicos para os assentamentos; além
de ser dependente de recursos externos, a rentabilidade para o montante de associados era
muito pequena. O rendimento por área de produção era baixo, sendo inadequada à pequena
propriedade, característica dos assentamentos rurais (NORDER, 2004). Essa situação gerou
um quadro de crise nas CPAs, iniciado desde os primeiros anos da década de 90, como
resultado da conjugação entre a organização do trabalho coletivo e as diretrizes de produção
modernizantes. Esses fatores internos conduziram o cooperativismo a uma fase de
esgotamento nos assentamentos rurais.
A crise do modelo cooperativista do MST não teve apenas causas internas. O Estado
teve participação nessa crise, como agente financiador do paradigma de produção praticado
nos assentamentos rurais. As políticas governamentais de crédito foram importantes para a
implantação das cooperativas almejadas pelo MST. As linhas de financiamento de custeio e
121
investimento vinculavam o desenvolvimento econômico dos assentamentos ao paradigma
modernizante da produção (externo/exógeno).
O Estado, desde anos 50, incentivou a modernização da agricultura no país,
consolidada a partir das inovações técnicas da Revolução Verde. Os governos militares (pós-
64) intensificaram esse paradigma de produção, tornando-o o principal eixo do
desenvolvimento rural no país. Grande parte do crédito destinado para reforma agrária era
vinculado, principalmente, à monocultura. A criação do PROCERA, em 1986, exemplifica
bem essa afirmação, pois grande parte dos recursos estava direcionada ao custeio da
produção, o qual tinha finalidade de curto prazo. O financiamento era liberado para culturas
específicas, de larga escala, altamente dependentes de recursos externos. No estudo de caso
em assentamento no município de Promissão, a contradição da política de crédito é
evidenciada pelo direcionamento dado pelo Estado à produção.
Pode-se, em síntese, afirmar que a relação dos assentados com o Estado foi marcada
por um bloqueio no financiamento de recursos produtivos de longo prazo (créditos
de investimento), justamente aqueles capazes de levar à uma recomposição da base
de recursos produtivos no interior de seus lotes familiares e, desta forma, a uma
ampliação na absorção de força que trabalho e geração de renda. Houve,
paralelamente, um contraditório e incompleto direcionamento para um determinado
tipo de cultivo, o de milho em escala industrial, que pressupõe uma acentuada
mercantilização do processo produtivo. Este direcionamento, que reduziu o poder
decisório local dos assentados e técnicos, pode ser constatado tanto nas linhas
individuais como coletivas de financiamento da produção agropecuária (NORDER,
2004, p. 275).
Num contexto político marcado por intensas mobilizações e pressões, o MST
conseguiu, junto ao governo, uma nova linha de financiamento: o PROCERA Teto Dois. Isso
aconteceu no primeiro mandato do presidente FHC, que ampliou o crédito para os assentados,
direcionando recursos para as cooperativas. As CPAs vinham de crises relacionadas, também,
com o escasso crédito para o setor. O PROCERA Teto Dois deu um novo fôlego às
cooperativas, que passaram por uma nova fase de expansão. Mais uma vez, o Estado
122
contribuiu para a afirmação do projeto de desenvolvimento econômico do MST através do
incentivo ao cooperativismo.
Toda estruturação do cooperativismo no MST foi resultado do fluxo de relações
constituídas com o Estado. O esgotamento desse modelo teve influência direta das políticas
governamentais que, num primeiro momento, incentivaram a agricultura moderna nos
assentamentos (contraditória aos arranjos locais), causando a desarticulação no processo de
produção e o endividamento nas instituições financiadoras. Num segundo momento, o
governo agiu na contramão do que vinha sendo implementado; extinguiu o PROCERA e
inseriu os assentados no universo abrangente da produção familiar. Através do PRONAF, o
financiamento para os assentados perdia seu caráter especial, ficando moroso seu acesso.
Outra ação governamental que enfraqueceu os projetos de desenvolvimento nos
assentamentos foi o fim do Projeto Lumiar, que prestava assistência técnica para a produção.
A desagregação do modelo de cooperação agrícola teve influência de fatores internos e
externos: internamente, relacionada à organização coletiva e à matriz tecnológica de
produção; externamente, ligada ao papel dos programas governamentais de crédito para os
assentamentos rurais.
As contradições geradas pela cooperação agrícola foram percebidas pelo MST durante
a trajetória de organização do trabalho e da produção. “Temos muitas experiências onde
foram tomadas decisões teoricamente bonitas e avançadas, mas na prática, não funcionaram
e acabaram quebrando o coletivo” (CONCRAB, 1996a, p. 73). A partir dessas experiências,
o Movimento reconheceu a necessidade de repensar a organização da produção em novas
bases.
Aprenderam também que as formas de cooperação agrícola deveriam ser mais
flexíveis. (...) que a forma de recuperação agrícola não é determinada pelo MST,
pela Concrab. Não adianta fazer uma reunião no assentamento e dizer: ‘vocês vão
implantar uma cooperativa’. Vai ser um fracasso. Eles é que têm que discutir que
tipo forma pode ser assimilada (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 101-102).
123
Nesse sentido, foram criados novos formatos de cooperativas que pudessem atender as
necessidades locais de melhoria das condições de trabalho e comercialização. Um exemplo foi
a Cooperativa de Prestação de Serviços (CPS). “(...) as cooperativas de serviços (...) parecem
mais permeáveis à maior parte dos assentados, pelo fato de combinarem ideais de autonomia
– correspondentes a suas trajetórias e valores – a interesses definidos coletivamente”
(KLEBA, 1994, p. 137). A CPS foi criada para atender as necessidades de aquisição de
máquinas e insumos, beneficiamento e comercialização; não interferiria na organização da
produção e preservaria “(...) no âmbito familiar a posse da terra, parte dos instrumentos de
trabalho e o emprego da mão-de-obra” (BERGAMASCO; NORDER, 2003, p. 139).
A cooperação agrícola do MST tinha a tarefa de construir um novo conceito de
organização coletiva, considerando a abertura de novos espaços de convivência que
englobasse sua base social.
Os sem-terra que trabalhavam de forma individual serão incorporados, em grande
parte, a partir da maturação desse modelo. Na primeira metade da década de 1990,
ocorreu um período de crise das cooperativas implantadas. Como síntese desse
processo, a cooperação agrícola passou a contemplar os assentados por meio do
mutirão e da troca de serviço, dos grupos semi-coletivos, das associações, dos
grupos de trabalho coletivos (CONCRAB, 1997, p. 29-30).
O cooperativismo, enquanto modelo de desenvolvimento da produção agropecuária e
potencializador de um novo sujeito coletivo, vinha perdendo força dentro do MST. A
institucionalização da cooperação, através da estrutura organizativa descendente
(SCA/CONCRAB), começava a sair da pauta principal do Movimento. Dessa maneira, o
MST passou a admitir outras possibilidades organizativas, diferentes das “cooperativas
coletivizadas”, modelo original de sua proposta de cooperação (NAVARRO, 2002).
124
O processo de (re)organização desencadeado pelo MST perpassa, essencialmente, pelo
cooperativismo. Isso significa que o Movimento redefine sua matriz tecnológica,
incorporando novos princípios orientados, fundamentalmente, pela agroecologia.
A agroecologia adentrou a agenda do MST, inserindo novas discussões sobre métodos
e tecnologias alternativas voltados para o desenvolvimento rural sustentável nos
assentamentos rurais. O processo de transição aponta para a transformação das bases
produtivas e a inserção dos assentamentos num novo paradigma de desenvolvimento
econômico, pautado pela gradual modificação do modelo de agricultura moderna.
3.2- Princípios da transição agroecológica
A crise do paradigma de produção do MST, externo às especificidades dos
assentamentos rurais, provocou uma mudança estratégica e a adoção de novas práticas ligadas
às características locais. O esgotamento do modelo cooperativista fez com que o Movimento
reconhecesse as dificuldades e mesmo os equívocos na organização da produção nos
assentamentos rurais. As contradições da matriz tecnológica modernizante prejudicaram
economicamente os assentados, que estavam vulneráveis à instabilidade do mercado e ao
endividamento nas fontes financiadoras, entre outros fatores.
(...) o caráter econômico da reforma agrária, os resultados econômicos observados
nos assentamentos, e mesmo a receita auferida em qualquer estabelecimento rural,
embora importantes, não permitem assegurar transformações sustentáveis, nem
retratam as possibilidades de realização humana que o desenvolvimento encerra
(MELGAREJO, 2001, p. 61).
125
A partir dessas questões, conceitos e princípios foram construídos em outras bases,
como novas orientações para os assentamentos rurais. Essa preocupação aproximou o MST da
noção de sustentabilidade
23
.
(...) o MST foi se dando conta de que não existem barreiras entre a luta pela terra e a
questão ambiental, não havendo contradições entre elas, e a questão ambiental passa
a ser entendida como complementação de um projeto maior que, em última
instância, é a luta pela transformação da sociedade (NEGRI, 2005, p. 20).
De acordo com o autor, seria preciso resgatar a “identidade sócio-ambiental” do
Movimento, que estaria ligada ao homem (sujeito de transformação) e sua relação com a
natureza, num processo de construção/desconstrução/reconstrução do conhecimento.
Para a aproximação do MST aos princípios e práticas do desenvolvimento sustentável,
era preciso desconstruir o modelo produtivista e pautar a organização pelas especificidades
das localidades. A centralização organizativa, a padronização da produção, o trabalho
cooperativo e a desconstrução do saber camponês tradicional tinham que ser revistos em sua
totalidade. As dificuldades para modificar uma estrutura conformada em mais de uma década
foi o grande desafio da organização coletiva no MST. Essa perspectiva, relativamente nova,
possuía algumas iniciativas pontuais datadas de outros períodos.
Desde abril deste ano, três assentamentos a região de Porto Alegre iniciaram um
trabalho de agricultura ecológica (...). (...) Nesses assentamentos, as dificuldades de
produzir agroecologicamente eram semelhantes – iam desde a insegurança de
manusear técnicas (...) até o medo de perder toda a produção com o aparecimento de
um besouro qualquer. (...) a partir do momento em que a agroecologia começou a ser
aplicada, estas resistências foram logo superadas. (...) com técnicas regenerativas,
uso adequado do solo e integração das culturas, que são práticas de fácil aplicação, a
agroecologia também ajuda a afastar os agricultores da dependência do modelo
agrícola e tecnológico das multinacionais produtoras de agrotóxicos, afastando-os
‘imperialismo agroquímico’ (JST, 1993c, s.p.).
23
“A agricultura é sustentável quando é ecologicamente equilibrada, economicamente viável, socialmente justa,
culturalmente apropriada e fundamentada em um conhecimento holístico” (ATSA, apud EHLERS, 1996, p.
117).
126
A universidade pública também buscou inserir nos assentamentos rurais uma nova
forma de trabalhar com a terra, reduzindo a quantidade de insumos químicos em busca de um
manejo sustentável. Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por
exemplo, trabalharam, nessa perspectiva, com assentados do Assentamento 30 de Maio em
Charqueadas.
‘Parceria da Terra’: universitários trabalham com assentamentos do MST. (...) os
alunos tem trazido grandes contribuições para o assentamento, principalmente no
que se refere ao trabalho com agroecologia, pois a tecnologia auto-sustentável é o
que garante que os assentados permaneçam na terra, já que o modelo agrícola,
baseado em enorme quantidade de insumos e veneno, está falido (JST, 1995b, s.p.).
Em eventos de abrangência nacional, a perspectiva de um modelo alternativo de
produção para os assentamentos rurais era discutida. No I Encontro Nacional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais, em 1995, a agroecologia também estava em pauta.
No encontro, as trabalhadoras também se afirmaram sua opção pela construção de
um novo modelo de desenvolvimento econômico e social no campo, buscando novas
alternativas de produção pela ótica da agroecologia e tendo com central o ser
humano (JST, 1995c, s.p.).
Essas experiências, apesar de importantes, possuíam pouca expressão nas pretensões
do Movimento, que buscava consolidar, em primeiro lugar, as cooperativas de produção em
larga escala. Mesmo em segundo plano, as discussões sobre sustentabilidade e produção
orgânica ganharam espaço como alternativa para um novo modelo de reforma agrária.
(...) o MST divulgou a ‘visão de um novo tipo de reforma agrária’, na qual se
percebe uma forte preocupação com as questões do desenvolvimento, mais
notadamente o rural agrícola, a ser implementado de forma ‘auto-sustentável’,
levando em conta o ‘desenvolvimento de tecnologias adequadas à realidade
brasileira, preservando e recuperando os recursos naturais’, com base na produção
familiar cooperativada (COSTA NETO; CANAVESI, 2002, p. 208).
127
Essa perspectiva foi introduzida na pauta do Movimento após a realização do 3º
Congresso Nacional, realizado em 1995, em Brasília. “De 1995 em diante, o discurso político
do MST passou a intensificar o conteúdo em favor da sustentabilidade (...)(COSTA NETO;
CANAVESI, 2002, p. 209).
Nesse mesmo ano, o Movimento passou a integrar a Via Campesina
24
, como forma de
realizar alianças estratégicas e construir uma plataforma mais ampla de embate político. A
Via Campesina é uma rede de cooperação internacional de organizações camponesas que
passam a lutar, conjuntamente, contra a expansão do capitalismo na agricultura, representado,
principalmente, pelas empresas multinacionais produtoras de sementes transgênicas e o
agronegócio. A participação da Via Campesina em evento internacional, destacada em
reportagem do JST, demonstra sua posição política em relação ao desenvolvimento rural.
A Via Campesina, a articulação mundial das organizações camponesas – da qual o
MST faz parte –, esteve presente com suas propostas para o campo na Conferência
Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Compenhagen, na Dinamarca,
no inicio do mês de março. (...) Entre suas propostas de políticas sociais no campo
estão o estabelecimento de um desenvolvimento rural social e ecologicamente
sustentável, com o ser humano no centro do processo; acesso dos trabalhadores à
terra e aos créditos; melhora dos serviços de saúde e educação no campo (...) (JST,
1995, p. 14).
Em 1996, a Via Campesina participou da Conferência Mundial de Alimentação, em
Roma. Dentre suas propostas de combate à fome estava o papel dos governos em agirem
visando “(...) garantir o cuidado e o uso sustentável dos recursos naturais, especialmente a
terra, a água, as sementes e os bosques” (JST, 1996b, p. 17). A questão ambiental é uma de
suas principais bandeiras políticas, uma vez que defende o desenvolvimento sustentável e a
24
A Via Campesina foi criada em 1995, em Congresso realizado na América Central pela Coordenação Latino-
Americana de Organizações do Campo (CLOC) (VERAS, 2005). “No Brasil, a Via Campesina é constituída
pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento das Mulheres
Camponesas (MMC), Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab) e Pastoral da Juventude Rural
(PJR)” (CORRÊA; MONTEIRO, 2004, p. 41).
128
autonomia na produção de sementes (contra as patentes das multinacionais). Essa importante
articulação reafirmou a adesão do MST ao paradigma da sustentabilidade na agricultura.
O indicativo da adoção de um modelo alternativo de produção é explicitado mediante
a sistematização das estratégias em torno da agroecologia, que começava a ser incorporada
enquanto projeto de desenvolvimento agrícola e, também, como projeto de transformação
social.
Agroecologia é realidade em assentamento. (...) Os agricultores do assentamento
Justino Draszelwisk, em Araguari, litoral norte de Santa Catarina, estão produzindo
verduras e legumes sem utilizar produtos tóxicos. (...) Essa pequena experiência é
uma grande demonstração de que é possível utilizar os produtos da natureza para
produzir alimentos saudáveis (JST, 1997a, p. 10.).
Em outras localidades, novas experiências alternativas eram implantadas. “Outro
projeto importante que a CCA/ES está implantando é a produção agroecológica. Foi iniciado
um trabalho específico na área de produção de hortaliças de forma orgânica, ainda em fase
embrionária” (JST, 1998a, s.p.). No Maranhão, entidades criaram “rede agroecológica”,
com o objetivo de disseminar a agroecologia entre os assentados do MST (JST, 1999a, s.p.).
Uma parceria entre trabalhadores rurais sem terra e entidades está fazendo com que
Reforma Agrária e reforma agroecológica caminhem juntos na região do Pontal do
Paranapanema. Entre os objetivos principais do projeto está a integração do
desenvolvimento sócio-econômico dos assentamentos e a preservação do meio
ambiente (JST, 1999, s.p.).
O cooperativismo vem passando por uma reconstrução conceitual através da
incorporação, mesmo que parcial, da matriz de produção sustentável. Essas passagens
demonstram que as cooperativas, em processo de implantação, já vêm sendo criadas de
acordo com os princípios agroecológicos.
No processo de consolidação da nova matriz de produção, uma importante iniciativa
foi concretizada com a criação da Bionatur, em 1997. “MST lança sementes agroecológicas
129
BioNatur. Produção de sementes sem agrotóxicos é um projeto inédito na América latina”
(JST, 1998b, s.p.).
Produzidas e embaladas sem agrotóxicos nem substâncias tóxicas ou agressivas ao
homem e à natureza, o projeto é resultado do trabalho desenvolvido pela Cooperal
(Cooperativa Regional dos Agricultores Assentados). A cooperativa está localizada
no Assentamento Conquista da Fronteira, em Hulha Negra (RS) (JST, 1998b, s.p.).
Originada como uma alternativa ao oligopólio da produção de sementes, a Bionatur
produz de forma agroecológica através de variedades (não-híbridas) que podem ser
reproduzidas pelos próprios agricultores.
O objetivo é que a produção de sementes agroecológicas passe a ser um componente
integrado aos sistemas de produção de um grande número de famílias e de
assentamentos, criando novas possibilidades econômicas. A comercialização das
sementes Bionatur é realizada por intermédio de organizações populares e sindicais
simpatizantes da reforma agrária e da agricultura camponesa e comprometidas com a
agroecologia. Os preços de suas sementes, em média, são iguais ou inferiores aos
praticados pelas empresas no mercado convencional (CORRÊA; MONTEIRO,
2004, p. 40).
A produção de sementes agroecológicas foi um grande impulso para as discussões de
mudança da matriz tecnológica do MST.
A partir de 2000
25
, a agenda política do Movimento assumiu a agroecologia como
principal modelo de produção nos assentamentos rurais. A aproximação com esse paradigma
de desenvolvimento rural conferiu ao MST a necessidade de iniciar um processo de transição
agroecológica, como principal caminho para a sustentabilidade.
Para situar conceitualmente esse processo, é fundamental apresentar algumas
considerações teóricas, que permeiam uma análise mais abrangente sobre agroecologia e
desenvolvimento rural sustentável. Os debates e discussões acerca do desenvolvimento
sustentável na agricultura foram originados a partir de um longo processo, desencadeado pela
adoção de práticas ambientalmente degradantes e socialmente excludentes.
25
Ano da realização do 4° Congresso Nacional do MST.
130
Boa parte dos estudos sobre desenvolvimento tende a considerar o aumento da eficácia
do sistema de produção, expresso na acumulação material, como característica essencial, o
que o identifica com a noção de crescimento. A visão que emerge dessa concepção pode ser
resumida da seguinte forma: “desenvolvimento técnico-científico
desenvolvimento sócio-
econômico
progresso e crescimento” (ALMEIDA, 1997, p. 18).
O padrão moderno de produção agrícola incorporou a noção de desenvolvimento
enquanto potencialização do crescimento econômico. Ao longo do tempo as bases de
sustentação desse modelo davam sinais de fragilidade e insustentabilidade. As conseqüências
sociais, ambientais e econômicas demonstravam que a lógica de desenvolvimento (sinônimo
de crescimento) caminhava para um momento de crise. O enfoque desenvolvimentista
buscava impor um paradigma de produção universalizante e homogêneo em detrimento as
especificidades locais. Isso pode ser observado nas práticas da agricultura em larga escala,
baseadas nas inovações da Revolução Verde, cujos objetivos estavam assentados no retorno
econômico a curto prazo, resultado da alta produtividade e exploração não-renovável dos
recursos naturais. A dependência de recursos externos e a baixa diversidade da produção
provocaram grande instabilidade econômica.
A agricultura convencional e suas bases técnicas de produção tiveram um impacto
desagregador na agricultura tradicional, a partir da década de 50, desencadeando crises social,
ambiental e econômica. “Enfoca-se, no entanto, um aspecto que engloba tudo (...): a crise da
idéia de modernidade ou de modernização embutida nos projetos dominantes de
desenvolvimento e sua repercussão nos espaços rurais e agrícolas” (ALMEIDA, 2005, p.
15). A referência de desenvolvimento passava a ser os países desenvolvidos, pautada por
características diferenciadas dos países pobres, o que levou a um aprofundamento das
desigualdades, via exclusão social e econômica de agricultores não-integrados ao mercado. As
relações sociais em jogo pressupunham uma racionalidade econômica, uma vez que os
131
parâmetros instituídos eram relacionados a uma determinada noção de rentabilidade na
produção. Todos os esforços voltavam-se para essa categoria, que subordinava as dimensões
social e ambiental. O avanço desse modelo encontrou resistência, na medida em que
aprofundava suas contradições na realidade social. O crescimento incontrolado atingia
barreiras que mostravam seu esgotamento.
Um marco na crítica a esse modelo de desenvolvimento, em favor da sustentabilidade,
foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD)
26
, também chamada de Rio-92 ou ECO-92, realizada em junho de 1992 no Rio
de Janeiro. Essa conferência contou com a participação de representantes de 175 países e de
organizações da sociedade civil, que discutiram a necessidade do desenvolvimento econômico
em equilíbrio com o meio ambiente em escala planetária.
(...) a Rio-92 representou uma reflexão na história da humanidade, com a redefinição
do direcionamento do desenvolvimento humano. Novos caminhos, em busca de um
novo equilíbrio, que envolva uma situação de desenvolvimento ‘sustentável’, em
bases eqüitativas e equilibradas. (...) Sua meta final é uma situação de estabilidade
para o planeta, com o crescimento populacional contido, e a utilização de
tecnologias sadias para o ambiente, dentro dos princípios do desenvolvimento
sustentável, socialmente equilibrado, responsável, e em harmonia com a natureza
(CORDANI, 1992, p. 97-98).
Os debates foram, essencialmente, mais políticos e éticos do que técnicos, pois as
transformações propostas careciam da adesão dos países e de grande investimento de recursos
financeiros.
Um evento paralelo à Rio-92, realizado pelas Organizações Não-Governamentais
(ONGs), foi o Fórum Global 92. Nesse Encontro, participaram representantes de diferentes
partes do mundo, com o objetivo de elaborar um documento internacional, resultado das
26
O evento foi planejado a partir das recomendações do Relatório de Brundtland de 1987. Nesse relatório,
intitulado “Nosso Futuro Comum”, foram apontadas as incompatibilidades dos padrões de desenvolvimento
atuais com a sustentabilidade ambiental do planeta (EHLERS, 1996).
132
discussões e debates da sociedade civil sobre meio ambiente e os padrões de desenvolvimento
modernos: a Carta da Terra.
A Carta da Terra das ONGs, constitui-se de um conjunto de princípios que guiará as
ações dessas organizações a partir da Eco-92. (...) As ONGs reconhecem suas
diversidades e suas afinidades e prometem respeitar as culturas e os direitos de todos
os povos às necessidades ambientais básicas. Reconhecem que a pobreza afeta a
todos e se comprometem a alterar os estilos não-sustentáveis de produção e consumo
para assegurar a erradicação da pobreza e da exploração da terra, mas afirmam que:
os esforços para erradicar a pobreza não constituem um mandato para a degradação
do meio ambiente, assim como os esforços para preservar e restaurar não devem
ignorar as necessidades humanas básicas (MOREIRA, 1993, p. 35).
O principal produto do Fórum Global 92 foi a primeira versão da Carta da Terra
27
,
que continha os objetivos e valores a serem compartilhados pelos povos no mundo. Já a Rio-
92 teve como um de seus resultados a elaboração da Agenda 21, que representa um programa
de ações como objetivo de viabilizar um desenvolvimento econômico mais sensível social e
ambientalmente.
Como o documento mais importante produzido na Conferência, a Agenda 21
transformou-se na principal referência para o mundo sobre o paradigma de desenvolvimento
moderno para outro de bases sustentáveis. Esse documento foi organizado em 40 capítulos,
divididos em 4 seções: 1) Dimensões sociais e econômicas (estratégias de viabilização do
desenvolvimento sustentável, combate à pobreza e miséria, promoção de saúde, qualidade de
vida nos assentamentos humanos e mudanças nos padrões de consumo); 2) Conservação e
gestão dos recursos para o desenvolvimento (diretrizes para transição de matriz energética,
proteção da atmosfera, do solo, das águas e todas as formas de recursos naturais, priorizando
o combate ao uso de substâncias tóxicas e radioativas, à disposição desordenada dos resíduos
sólidos e ao desmatamento); 3) Fortalecimento do papel dos principais grupos sociais
(medidas de incentivo à participação das mulheres, juventude, povos indígenas, sindicatos,
comunidade científica e, principalmente, as Organizações Não-Governamentais – ONGs); 4)
27
O lançamento oficial da Carta da Terra aconteceu em junho de 2000, no Palácio da Paz, em Haia na Holanda.
133
Meios de implementação (discute os mecanismos e instrumentos jurídicos e financeiros
internacionais para a implantação e execução dos programas contidos no documento, a fim de
promover o desenvolvimento sustentável).
A Agenda 21
28
não tinha caráter normativo, não obrigava os países a cumprirem seus
tratados; era um compromisso assumido pelos governos com os princípios e os programas
contidos nela.
Muitos governos já implantaram leis adequadas para a conservação do próprio
ambiente. Por outro lado, o desenvolvimento sustentável, na escala do planeta, tem
que ser acima de tudo social e cultural, ético e solidário, o que é sempre mais difícil
de imaginar, neste mundo egoísta, xenófobo, em que nacionalismos, regionalismos,
corporativismos, e outros ‘ismos’ acabam fazendo prevalecer interesses pequenos,
de indivíduos, grupos, regiões, países, acima dos interesses comunitários, públicos,
supra-nacionais, globais (CORDANI, 1992, p. 98-99).
Em relação à agricultura e o paradigma de desenvolvimento rural sustentável podem
ser destacados, na Agenda 21, três capítulos que tratam diretamente desse tema. Um, refere-se
ao Cap. 14Promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável.
O principal objetivo do desenvolvimento rural e agrícola sustentável é aumentar a
produção de alimentos de forma sustentável e incrementar a segurança alimentar.
Isso envolverá iniciativas na área da educação, o uso de incentivos econômicos e o
desenvolvimento de tecnologias novas e apropriadas, dessa forma assegurando uma
oferta estável de alimentos nutricionalmente adequados, o acesso a essas ofertas por
parte dos grupos vulneráveis, paralelamente à produção para os mercados; emprego
e geração de renda para reduzir a pobreza; e o manejo dos recursos naturais
juntamente com a proteção do meio ambiente. (...) Os principais instrumentos do
desenvolvimento rural e agrícola sustentável são a reforma da política agrícola, a
reforma agrária, a participação, a diversificação dos rendimentos, a conservação da
terra e um melhor manejo dos insumos (CNUMAD, 1992).
Esse referencial é complementado pelas Áreas de programas, as quais possuem
medidas para elaboração de estratégias, também orientadas no conteúdo do documento (base
para a ação, objetivos, atividades e meios de implementação
29
).
28
Agenda 21 ou Agenda 21 Global é o documento-base para a construção de Agendas nos países signatários. No
caso do Brasil existe a Agenda 21 Brasileira, parâmetro para a elaboração das Agendas Locais (Estados e
municípios).
134
Outro capítulo complementar ao citado anteriormente é o Cap. 32 – Fortalecimento do
papel dos agricultores.
Uma abordagem centrada no agricultor é a chave para alcançar a sustentabilidade
tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento e muitas das áreas de
programas da Agenda 21 estão voltadas para esse objetivo. Uma parte significativa
da população rural dos países em desenvolvimento depende primariamente da
agricultura de pequena escala, orientada para a subsistência e baseada no trabalho da
família (CNUMAD, 1992).
De acordo com essa passagem, o desenvolvimento sustentável possui, na agricultura,
baseada na família e na capacidade de segurança alimentar, uma das formas de construção de
uma nova relação entre a exploração econômica da terra e a preservação dos recursos naturais.
Para que a agricultura sustentável possa se tornar efetiva, tendo como protagonista a produção
familiar, a Agenda 21 deixa clara a importância do papel da ciência (Cap. 35 – A ciência para
o desenvolvimento sustentável).
As ciências devem continuar desempenhando um papel cada vez mais importante no
aumento da eficiência do aproveitamento dos recursos e na descoberta de novas
práticas, recursos e alternativas de desenvolvimento. (...) Assim as ciências estão
sendo cada vez mais compreendidas como um componente indispensável na busca
de formas exeqüíveis de alcançar o desenvolvimento sustentável (CNUMAD, 1992).
Nessa perspectiva, o conhecimento científico deve ser responsável por formas
renovadas de interação entre a agricultura e meio ambiente, para que novos patamares de
produção – sensíveis com a natureza, socialmente justos e economicamente viáveis – sejam
constituídos.
De acordo com as teses da Agenda 21, a superação das crises do desenvolvimento
moderno está baseada na possibilidade de pensar a agricultura através da sustentabilidade
(social, econômica e ambiental). Trata-se de gerenciar recursos que visam a conservação
29
Esses itens estão presentes em todos os capítulos da Agenda 21, demonstrando a complexidade das questões
presentes no documento.
135
ambiental e a orientação de mudança tecnológica, de maneira a assegurar bem-estar e
qualidade de vida para gerações presentes e futuras. “O desenvolvimento sustentável parece
querer dar a idéia de uma busca de integração sistêmica entre diferentes níveis da vida
social, ou seja, entre a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a
mudança social” (ALMEIDA, 2005, p. 15).
Em resumo, uma agricultura sustentável deve pautar-se pela ruptura à dependência de
recursos externos que prejudicam o equilíbrio ambiental, econômico e social. Esse processo
necessita de estratégias construídas a partir de práticas alternativas, concebidas por novas
relações sociais. As discussões sobre desenvolvimento sustentável encontram, nessas práticas,
criadas em diferentes contextos, princípios de considerável relevância para construção de sua
base teórica. Abaixo estão descritas, resumidamente, alguns tipos de agricultura alternativa.
BIODINÂMICA
A agricultura, como parte desta visão de mundo, é entendida a partir das
influências cósmicas no desenvolvimento das plantas e animais, e da
interação de forças espirituais.
AGRICULTURA BIOLÓGICA
A ênfase nas práticas agrícolas recai sobre o manejo dos solos,
fertilização e rotação de culturas. Seus adeptos sugerem a incorporação
de rochas moídas no solo e, principalmente, adubação orgânica,
necessariamente de origem animal.
AGRICULTURA ORGÂNICA
A base da sustentabilidade da agricultura é a conservação da fertilidade
do solo, chamando a atenção para o papel fundamental da matéria
orgânica e dos microorganismos do solo, e para a necessidade de
integração entre a produção vegetal e animal como condição para manter
ou recuperar a fertilidade do solo.
AGRICULTURA NATURAL
Com uma estratégia de intervenção mínima do homem nos processos da
natureza – ausência de aração, capinas, uso de fertilizantes e pesticidas -
essa proposta dispensa em grande parte um planejamento centralizado do
processo produtivo para realizar práticas de manejo.
PERMACULTURA
Um sistema evolutivo integrado de espécies vegetais e animais perenes
ou auto-perpetuadas úteis ao homem. É a prática de uma "agricultura da
mente", no sentido de ser pensada e planejada conscientemente, tanto em
termos espaciais quanto de evolução da sucessão ecológica.
Quadro 3 – Tipos de agricultura alternativa.
Fonte: Paulus (1999).
Essas correntes de agricultura alternativa foram importantes para questionar o padrão
tecnológico moderno e abrir espaço para a pesquisa científica de um modelo de produção
adequado ao contexto sócio-ambiental atual.
136
A emergência de movimentos ambientalistas e a preocupação com a qualidade dos
alimentos consumidos, surgida justamente nos e a partir dos países mais
desenvolvidos, provocou uma contestação social das formas de produção conhecidas
como ‘padrão moderno’ de agricultura, implantado a partir da Revolução Verde,
introduzindo o debate em torno do que se convencionou chamar de agricultura
sustentável (PAULUS, 1999, p. 119).
Ao agregar diferentes concepções, a agricultura sustentável necessitava incorporar
novos conceitos e práticas que articulassem a produção (enquanto técnicas) às relações
sociais. Essa articulação teria como resultado a conservação dos recursos naturais a médio e
longo prazos, menor dependência em relação a recursos externos (insumos e equipamentos),
produção com nenhum ou o mínimo de impacto ambiental, estabilidade e diversificação da
produção, segurança alimentar e reprodução social das famílias e dos grupos coletivos.
Dentro dessa perspectiva conceitual de sustentabilidade, a mudança do modelo de
agricultura moderna para diversificados estilos de agricultura sustentável está intimamente
relacionada ao desenvolvimento de uma nova ciência imbuída de princípios e práticas que
visam à construção de um novo paradigma de produção.
O que se requer, então, é uma nova abordagem da agricultura e do desenvolvimento
agrícola, que construa sobre aspectos de conservação de recursos da agricultura
tradicional local, enquanto, ao mesmo tempo, se exploram conhecimentos e métodos
ecológicos modernos. Essa abordagem é configurada na ciência da Agroecologia
que é definida como a aplicação de conceitos e princípios ecológicos no desenho e
manejo de agroecossistemas sustentáveis. A Agroecologia proporciona o
conhecimento e a metodologia necessários para desenvolver uma agricultura que é
ambientalmente consciente, altamente produtiva e economicamente viável. Ela abre
a porta para o desenvolvimento de novos paradigmas da agricultura, em parte
porque corta pela raiz a distinção entre a produção de conhecimento e sua aplicação.
Valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse
conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade
(GLIESSMAN, 2000, p. 54).
Essa base científico-tecnológica visa, essencialmente, produzir um novo modo de
relacionamento do homem com meio ambiente, através de práticas que proporcionem um
desenvolvimento abrangente da sustentabilidade. Isso demonstra que a modernização pode
137
percorrer um caminho diferente, incorporando dimensões econômicas, sociais e ambientais,
que podem alavancar um novo processo rumo a uma agricultura de base ecológica. A relação
entre desenvolvimento sustentável e agroecologia está na busca da diminuição dos “(...)
riesgos ambientalales y econômicos y mantienen la base productiva de la agricultura através
del tiempo” (HECHT, 1991, p. 02).
O termo agroecologia vem sendo usado desde os anos 70, porém sua prática pode ser
resgatada desde as origens da agricultura. O manejo agrícola de indígenas e camponeses,
através da relação direta com elementos objetivos e subjetivos, regulava a produção de acordo
com os conhecimentos acumulados e as necessidades imediatas de consumo. A agricultura era
pautada por uma lógica interna de funcionamento, reproduzida e transmitida pelos saberes
locais (HECHT, 1991). O processo histórico de acumulação capitalista desarticulou esses
conhecimentos, gerando uma padronização construída externamente. Os saberes tradicionais
foram marginalizados pelo produtivismo e pela rentabilidade econômica, condição da
agricultura moderna.
La agroecologia há surgido como un enfoque nuevo al desarrollo agrícola más
sensible a las complejidades de las agriculturas locales, al ampliar los objetivos y
critérios de agrícolas para abarcar proriedades de sustentabilidade, seguridad
alimentaria, estabilidad biológica, conservación de los recursos u equidade junto con
el objetivo de uma mayor producción (ALTIERI; YURJEVIC, 1991, p. 33).
A agroecologia surge como uma ciência pautada por conceitos, princípios e
metodologias, que busca a autonomia dos trabalhadores rurais marginalizados pela exploração
da agricultura moderna, reunindo “(...) ideas sobre un enfoque de la agricultura más ligado al
médio ambiente y más sensible socialmente; centrada no solo en la producción sino também
en la sostenibilidad ecológica del sistema de producción” (HECHT, 1991, p. 04).
Para associar as questões ambientais e sociais, a agroecologia incorpora outras
dimensões da prática agrícola, buscando no saber tradicional (camponês e indígena) os
138
princípios para a construção de novos conhecimentos, aliados com o avanço científico.
Guivant (1997) afirma que a análise sobre agroecologia e desenvolvimento sustentável não
deve reproduzir a mesma dicotomia da agricultura moderna, estabelecendo uma conceituação
sobre conhecimento local, participativo e holístico, que se opõe ao conhecimento científico da
agricultura moderna (difusionista, parcial e predatório). Segundo a autora, a base
epistemológica e política da agroecologia é resultado de um conjunto de processos, os quais
passam a constituir um conhecimento heterogêneo, que dá significado local às tecnologias
disponíveis. Seguindo esse princípio, seriam redefinidas as relações entre conhecimento
científico e conhecimento local no desenvolvimento de uma agricultura sustentável.
A agroecologia não busca um retorno ao passado, mas sim estabelecer elos com o
processo produtivo tradicional, isento de recursos externos da agricultura moderna.
Estratégias importantes para essa relação são a contextualização e a apreensão da diversidade.
Para isso, deve-se buscar o enfoque local, considerando a grande heterogeneidade ecológica e
sócio-econômica existente (ALTIERI; YURJEVIC, 1991; GUIVANT, 1997; SEVILLA
GUZMÁN, 2001).
Para estabelecer uma demarcação conceitual para a agroecologia é necessário frisar as
diferenças em relação às agriculturas alternativas desenvolvidas durante o século XX. A
conceituação de agroecologia como sendo práticas “limpas”, livres de agrotóxicos ou uma
tecnologia de produção orgânica (por exemplo), é uma interpretação reducionista. Sua
contribuição vai além desses limites, sendo considerada, atualmente, como o principal
fundamento do desenvolvimento rural sustentável.
(...) a distinção entre Agroecologia e estilos de agricultura ecológica é de suma
importância em relação a outros estilos de agricultura que, embora apresentando
denominações que dão a conotação da aplicação de práticas, técnicas e/ou
procedimentos que visam atender certos requisitos sociais ou ambientais, não
necessariamente terão que lançar ou lançarão mão das orientações mais amplas
emanadas do enfoque agroecológico. A título de exemplo, não podemos,
simplesmente, entender a agricultura ecológica como aquela agricultura que não
utiliza agrotóxicos ou fertilizantes químicos de síntese em seu processo produtivo.
139
No limite, uma agricultura com esta característica pode corresponder a uma
agricultura pobre, desprotegida, cujos praticantes não têm ou não tiveram acesso aos
insumos modernos por impossibilidade econômica, por falta de informação ou por
ausência de políticas públicas adequadas para este fim. Ademais, opção desta
natureza pode estar justificada por uma visão estratégica de conquistar mercados
cativos ou nichos de mercado que, dado o grau de informação que possuem alguns
segmentos dos consumidores a respeito dos riscos embutidos nos produtos da
agricultura convencional, supervalorizam economicamente os produtos ditos
‘ecológicos’, ‘orgânicos’ ou ‘limpos’, o que não necessariamente assegura a
sustentabilidade dos sistemas agrícolas através do tempo (CAPORAL;
COSTABEBER, 2002, p. 74).
Diferentemente dos movimentos de agricultura alternativa, a agroecologia se situa no
campo da ciência (disciplina científica
30
), agregando conhecimentos de natureza
multidisciplinar, que se propõem a contribuir para a construção de uma agricultura de base
ecológica. A referência para essa agricultura é a sustentabilidade em suas múltiplas
dimensões, como resultado do estudo e aplicação de conceitos (de bases ecológicas) no
manejo dos sistemas agrícolas
31
(GLIESSMAN, 2000). A unidade de análise da ciência
agroecológica, a qual são aplicadas pesquisas multidisciplinares (agronomia, biologia,
antropologia, entre outras) sob uma perspectiva ecológica sustentável, se assenta na interação
entre a produção agrícola e o ecossistema, conceituado de agroecossistema.
El resultado de la interacción entre característica endógenas, tanto biológicas como
ambientales en el prédio agrícola y de factores exógenos tanto sociales como
económicos, generan la estructura particular del agroecossistema. (...) Los
agroecosistemas son ecosistemas semi-domesticados que se ubican en un gradiente
entre una serie de ecosistemas que han sufrido un mínimo de impacto humano (...)
(HECHT, 1991, p. 05).
A análise científica produzida deve ser compatibilizada com as especificidades do
conhecimento tradicional, sem questionar sua lógica imanente ou modificar completamente as
30
“(...) la agroecología como una disciplina que provee los princípios ecológicos básicos para estudiar, diseñar
y manejar agroecosistemas que sean productivos y conservadores del recurso natural, y que también sean
culturalmente sensibles, socialmente justos y económicamente viables” (ALTIERI, 1999, p. 09).
31
“Los sistemas agrícolas son una interacción compleja entre procesos sociales externos y internos, u entre
processos biológicos y ambientales” (HECHT, 1991, p. 05).
140
características locais do agroecossistema
32
, identificando elementos que permitam um manejo
agrícola adequado, os quais impulsionem uma produção sustentável.
(...) esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais,
preservar recursos ambientais, apoiar a participação política dos seus atores e
permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade,
numa perspectiva temporal de longo prazo que inclua tanto a presente como as
futuras gerações (...) (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 73).
A agroecologia se apresenta como a principal alternativa para a transição da
agricultura convencional e degradante, para uma agricultura ecológica baseada nos princípios
da sustentabilidade. Esse pressuposto deve considerar diferentes dimensões, que articuladas,
orientam a busca crescente do desenvolvimento sustentável.
(...) a construção do desenvolvimento rural sustentável, a partir da aplicação dos
princípios da Agroecologia, deve assentar-se na busca de contextos de
sustentabilidade crescente, alicerçados em algumas dimensões básicas. (...)
entendemos que as estratégias orientadas à promoção da agricultura e do
desenvolvimento rural sustentáveis devem ter em conta seis dimensões relacionadas
entre si, quais sejam: ecológica, econômica, social (primeiro nível), cultural, política
(segundo nível) e ética (terceiro nível) (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p. 76).
A agroecologia assume um papel potencializador na mudança da matriz de produção
moderna, inserindo viés social e ambiental no processo. Isso se reflete na alteração das
práticas produtivas, ou melhor, na conversão para agroecossistemas sustentáveis. A transição
da agricultura convencional, erguida sobre pilares econômicos, para a agricultura ecológica, é
um processo a médio e longo prazos, que assimila técnicas e princípios coerentes com
autonomia, estabilidade, produtividade e qualidade de vida dos agricultores.
32
“Odum (1984) describe 4 características principales de los agroecosistemas: 1. Los agroecosistemas
requierem fuentes auxiliares de energia, que pueden ser humana, animal y a combustible para aumentar la
productividad de organismos específicos. 2. La diversidad puede ser muy reducida em comparación con la de
otros ecosistemas. 3. Los animales y plantas que dominam son seleccionados artificalmente y no por selección
natural. 4. Los controles del sistema son, en su mayoría, externos y no internos ya que se ejercen por médio de
retroalimentación del subsitema” (HECHT, 1991, p. 05).
141
Como propósito mais geral, está a passagem dos atuais padrões de desenvolvimento
rural ou de sistemas de produção de baixa sustentabilidade para modelos de
agricultura e de manejo rural que privilegiem e incorporem princípios, métodos e
tecnologias de base ecológica. Isso implica não somente a busca de maior
racionalização produtiva com base nas especificidades biofísicas de cada
agroecossistema, mas também uma mudança nas atitudes e valores dos atores sociais
em relação ao manejo e conservação dos recursos. A Agroecologia, como campo de
estudos de caráter multidisciplinar, integra e articula conhecimentos de diferentes
ciências, assim como saberes populares, permitindo justamente que se construam
estratégias e condições para apoiar esse processo de transformação, tendo-se como
referência os ideais da sustentabilidade a médio e longo prazos (COSTABEBER,
2006, p. 04).
Segundo Costabeber (2006), a transição agroecológica é um processo lento e gradual
imbuído pela mudança de valores e inserção das famílias e das comunidades na construção de
alternativas viáveis para a localidade. A conversão da base produtiva deve ter um caráter
participativo nas decisões sobre a melhoria das condições sócio-econômicas e ambientais.
Isso é possível devido ao reconhecimento da diversidade social, cultural e ecológica das
localidades.
A Agroecologia, que propõe o desenho de métodos de desenvolvimento endógeno
para o manejo ecológico dos recursos naturais, necessita utilizar, na maior medida
possível, os elementos de resistência específicos de cada identidade local. (...) Se
trata, pois, de criar e avaliar tecnologias autóctones, articuladas com tecnologias
externas que, mediante o ensaio e a adaptação, possam ser incorporadas ao acervo
cultural dos saberes e ao sistema de valores próprio de cada comunidade (SEVILLA
GUZMÁN, 2001, p. 36-37).
Para que a transição agroecológica seja bem-sucedida, é preciso integrar esforços que
visem ao avanço tecnológico e à ampliação das esferas participativas locais. “Quando as
respostas são adequadas à localidade (comunidade) e a suas condições concretas e
específicas, se produz a geração de um potencial endógeno, evidenciando as próprias
possibilidades e limitações” (SEVILLA GUZMÁN, 2001, p. 41). A interação com os
conhecimentos locais permite maiores condições de rompimento dos limites práticos da
transição agroecológica. Podem ser destacados, fundamentalmente, três níveis básicos para
análise da transição para agricultura ecológica.
142
SISTEMA CONVENCIONAL
Redução do uso de insumos químicos, por razões
econômicas ou outras, sem preocupar-se com a
adoção de insumos ou práticas alternativas.
PRÁTICAS ALTERNATIVAS
Substituição de insumos químicos (adubos
químicos e agrotóxicos) por insumos alternativos
de base ecológica.
REDESENHO DOS AGROECOSSISTEMAS
Além do processo de substituição de insumos,
vêm realizando o redesenho de suas propriedades,
a partir de um enfoque ecológico e sistêmico
(realizando simultaneamente e de forma integrada,
diversos processos, tais como: manejo ecológico
do solo, rotação e diversificação de culturas,
integração de sistemas agrícolas e de criação
animal, florestamento e reflorestamento
conservacionista, manejo de sistemas
agroflorestais, entre outras técnicas e práticas
agrícolas de base ecológica).
Quadro 4 – Níveis básicos de transição para agroecossistemas sustentáveis.
Fonte: Caporal e Costabeber (2002).
O conhecimento local é necessário para a mudança gradual das referências
tecnológicas e culturais produzidas e reproduzidas pela modernização da agricultura. Para
ultrapassar cada etapa de mudança nas práticas e relações, é importante estabelecer um
processo multidimensional, que ultrapasse a orientação econômica da produção (voltada para
atender ao mercado) e abra espaço para as dimensões social e ambiental. A análise
multidimensional permite compreender diferentes influências, atuando num contexto
específico.
Figura 2 – Análise multidimensional da sustentabilidade.
Fonte: Costabeber e Moyano (2000, p. 53).
143
As múltiplas influências entre essas três dimensões articuladas proporcionam maiores
condições de sustentabilidade no agroecossistema. O equilíbrio multidimensional estabelece
uma relação de resistência à exclusão social, à degradação dos recursos ambientais e à
fragilidade econômica.
Segundo Costabeber e Moyano (2000), a transição agroecológica está se
desenvolvendo impulsionada por dois processos complementares: a ecologização e ação
coletiva. O primeiro representa a mudança das práticas agrícolas mediante a substituição de
recursos externos (insumos químicos e equipamentos), a adequação aos ciclos naturais do
agroecossistema e a incorporação de tecnologias “verdes” para manejo da produção. O
segundo está associado à adesão de produtores à agroecologia enquanto projeto coletivo,
visando os interesses sociais compartilhados e a mudança de valores em torno de uma
alternativa para o contexto local. Devido a essa questão, alguns limites são impostos no
processo, constituindo-se desafios a serem superados
33
.
Uma vez mais, a atual condição de marginalização e exclusão de certos grupos
sociais e a necessidade urgente que há em se obter resultados no plano da
reprodução social constituem fatores que jogam contra a capacidade de afirmação
dessas novas idéias (...) (ALMEIDA, 1998, p. 242)
Pela carência dos agricultores afetados pela modernização da agricultura, soluções de
médio e longo prazos podem encontrar resistência, devido às necessidades imediatas de
melhoria das condições sócio-econômicas
34
. Além da dimensão econômica, podem ser
destacadas outras dificuldades relativas à conversão da matriz tecnológica de produção: a)
operacionalidade do trabalho; b) conhecimento técnico de como produzir; c) produção em
33
A transição agroecológica exige um encadeamento de ações, que, no Brasil, ainda está em fase inicial. As
iniciativas de maior destaque estão localizadas no Rio Grande do Sul, através dos trabalhos da
EMATER/ASCAR do Estado.
34
Essas condições estão associadas, também, à reconstrução ativa do mercado local (feiras, rede de
consumidores “conscientes”, supermercados, etc.). Os produtos agroecológicos devem ser inseridos em circuitos
mercantis (curtos e longos), viabilizando economicamente a produção. Essa discussão será retomada na próxima
seção.
144
escala ampliada. Isso demonstra que a transição depende do papel de mediadores que
incentivam a mudança e proporcionem ferramentas técnicas para a aplicabilidade na produção
(PAULUS, 1999).
O papel das políticas públicas é importante para o processo, seja através da mudança
no paradigma extensionista, seja pelo incremento de crédito direcionado para essa prática
específica. No Rio Grande do Sul existe um exemplo de iniciativa governamental para apoiar
a mudança das bases tecnológicas modernizantes, a partir de um novo enfoque de
intervenção: a “Nova Extensão Rural”.
(...) constitui-se num esforço de intervenção planejada para o estabelecimento de
estratégias de desenvolvimento rural sustentável, com ênfase na participação
popular, na agricultura familiar e nos princípios da Agroecologia como orientação
para promoção de estilos de agricultura socioambiental e economicamente
sustentáveis. Na realidade, se trata de um enfoque de intervenção rural oposto ao
difusionismo reducionista homogeneizador que, desde meados do século XX,
auxiliou a implantação do modelo de agricultura de tipo Revolução Verde
(CAPORAL; COSTABEBER, 2000, p. 17).
A também chamada “Extensão Rural Agroecológica” vem sendo construída com o
objetivo de buscar, junto às populações rurais, a formação de contextos de sustentabilidade,
para resgatar a autonomia dos trabalhadores e recuperar formas de organização e saber local.
Em 2004, o Governo Federal elaborou a Política Nacional de Assistência Técnica e
Extensão Rural (PNATER), sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
A PNATER foi construída através de uma articulação de instituições públicas, organizações
civis, movimentos sociais e lideranças de organizações de agricultores familiares. “Essa
Política pretende contribuir para uma ação institucional capaz de implantar e consolidar
estratégias de desenvolvimento rural sustentável (...)” (BRASIL, 2004, p. 03). Dentre seus
princípios está o rompimento com o modelo extensionista baseado na difusão do
conhecimento e nos pacotes da Revolução Verde e a adoção da agroecologia como paradigma
tecnológico. Segundo o documento, as atividades de assistência técnica e extensão rural
145
devem partir da análise dos diferentes agroecossistemas, da diversidade cultural e condições
socioeconômicas, devendo desempenhar o papel de facilitadores através de metodologias
participativas.
(...) as ações da Ater devem privilegiar o potencial endógeno das comunidades e
territórios, resgatar e interagir com os conhecimentos dos agricultores familiares e
demais povos que vivem e trabalham no campo em regime de economia familiar, e
estimular o uso sustentável dos recursos locais (BRASIL, 2004, p. 07).
O objetivo geral da PNATER tem como eixo orientador das ações a agroecologia,
potencializadora do desenvolvimento sustentável no meio rural. Essa referência é a base de
formação dos agentes (extensionistas e assessores técnicos) para a transição agroecológica em
contextos locais.
Em relação às linhas de crédito, a situação adquiriu novos contornos nos últimos anos.
As políticas de financiamento, que articulavam os recursos à utilização de insumos modernos
(crédito de custeio), além de vincular a compra de máquinas (destinadas à produção) ao
“receituário” dos pacotes tecnológicos (crédito de investimento), foram relativamente
flexibilizadas com a inserção de uma nova modalidade de PRONAF. A produção ecológica,
que não encontrava meios de obter crédito, foi “beneficiada”, em 2003, com a criação do
PRONAF Agroecologia.
Para operar o Pronaf Agroecologia, por exemplo, os agricultores que tencionavam o
crédito foram obrigados a apresentar projetos de conversão das propriedades que
tivessem a duração de três anos. Nesses projetos, deveriam estar claramente
indicadas, ano a ano, as etapas de substituição de práticas convencionais por práticas
agroecológicas (WEID, 2006, p. 20).
Apesar dessa inovação, as exigências governamentais obrigavam os agricultores a
apresentar um planejamento de transição a curto prazo, o que não é compatível com os
elementos de conversão agroecológica. Isso dificultou o acesso ao crédito por grande parte
dos produtores, os quais não conseguiram atender as condições de financiamento. Diante
146
desse quadro, essa modalidade de PRONAF apresenta-se inadequada à produção
agroecológica no país, cujas práticas estão, em sua maioria, em processo de avaliação e
aperfeiçoamento.
Além das questões conceituais, políticas e técnicas do desenvolvimento rural
sustentável, a agroecologia, enquanto oposição à agricultura moderna, assume um papel de
contestação social, apropriada pelos movimentos sociais: ambiental e de luta pela terra.
A reforma agrária é uma das políticas públicas defendidas pelo movimento
agroecológico nacional, vista como uma das condições fundamentais para se
alcançar um desenvolvimento rural sustentável. Por sua parte, os movimentos de
luta pela terra – em especial o MST – vêm crescentemente incorporando o enfoque
agroecológico como paradigma para a estruturação técnico-econômica dos
assentamentos. (...) Além disso, colocam em evidência estratégias produtivas já
existentes nos assentamentos, que poderão ser potencializadas através de processos
de transição agroecológica (CINTRÃO, 2005, p. 34).
Ao longo da segunda metade da década de 90, a agroecologia, de forma incipiente,
esteve presente no discurso do MST e orientou práticas agrícolas em alguns assentamentos
rurais. A partir da virada do século, ela torna-se uma “bandeira de luta”, um instrumento de
contestação do modelo agrário dominante. Essa proposta alternativa materializa-se em
experiências de produção ecológica em assentamentos rurais em diferentes regiões do país.
3.3- Assentamentos rurais e o novo enfoque produtivo
O principal marco da mudança do paradigma de produção, adotado pelo MST desde a
sua criação, foi a realização do 4º Congresso Nacional do MST
35
, em agosto de 2000, na
35
O I Congresso nacional do MST foi realizado em Curitiba, em janeiro de 1985. A realização do II Congresso
Nacional foi na cidade de Brasília, em maio de 1990. O III Congresso Nacional, em julho de 1995, realizado,
também, em Brasília. No IV Congresso Nacional do MST, o tema escolhido foi “Reforma Agrária: Por um
Brasil sem latifúndios” (JST, 2000, s.p.).
147
cidade de Brasília. Foram firmados no Congresso os compromissos que o Movimento
assumiria, ligados à questão ambiental.
1. Amar e preservar a terra e os seres da natureza.
2. Aperfeiçoar sempre nossos conhecimentos sobre a natureza e a agricultura.
3. Produzir alimentos para eliminar a fome da humanidade. Evitar a monocultura e o
uso de agrotóxicos.
4. Preservar a mata existente e reflorestar novas áreas.
5. Cuidar das nascentes, rios, açudes e lagos. Lutar contra a privatização da água.
6. Embelezar os assentamentos e comunidades, plantando flores, ervas medicinais,
hortaliças, árvores etc.
7. Tratar adequadamente o lixo e combater qualquer prática de contaminação e
agressão ao meio ambiente.
8. Praticar a solidariedade e revoltar-se contra qualquer injustiça, agressão e
exploração praticada contra a pessoa, a comunidade e a natureza.
9. Lutar contra o latifúndio pra que todos possam ter terra, pão, estudo e liberdade.
10. Jamais vender a terra conquistada. A terra é um bem supremo para as gerações
futuras (JST, 2000a, s.p.).
Nesse evento foram construídas as novas bases de luta política e das práticas
produtivas, voltadas essencialmente para a agroecologia, a qual passou a ser o principal
enfoque do projeto de transformação social almejado pelo Movimento. Os novos princípios,
valores e práticas do desenvolvimento sustentável foram direcionados para os assentamentos
rurais, iniciando as estratégias de transição agroecológica.
A transição da matriz tecnológica encontra na organização coletiva do Movimento um
espaço promissor. Apesar das divergências do projeto de cooperação agrícola do MST,
relativo à destituição do saber local, as iniciativas de coletivização do trabalho e de ação
coletiva (nas mobilizações) podem constituir estratégias importantes para a produção
agroecológica.
A mudança de paradigma de produção depende, fundamentalmente, de uma mudança
de princípios no MST, pois o saber camponês (tradicional), considerado até então como um
entrave para o desenvolvimento dos assentamentos, passou a ser resgatado e valorizado. A
partir dele são construídas estratégias de acordo com as especificidades locais, considerando a
grande diversidade de cenários em diferentes regiões do país. A abordagem da
148
sustentabilidade econômica, social e ambiental, está embasada na “(...) importância do
desenvolvimento local ou endógeno, destacando a necessidade de construção e reconstrução
do conhecimento local, como estratégia básica para processos de transição agroecológica”
(SEVILLA GUZMÁN, 2001, p. 35).
A importância da organização coletiva é, sem dúvida, inquestionável para a realidade
dos assentamentos rurais. O que se deve atentar é a forma de organização (ou cooperação) do
trabalho e a grande heterogeneidade presente no campo. De acordo com esses elementos, que
a agroecologia é proposta, como principal vetor para o desenvolvimento local.
Aqueles que idealizam esse tipo de agricultura têm razões para pensar que, em se
aliando a um projeto de desenvolvimento local, descentralizado, que privilegie a
diversidade em cada meio, estão exprimindo novas aspirações, novas formas de
sociabilidade, uma vontade em promover outros modos de desenvolvimento
econômico e social, que seriam mais ‘controláveis’ e aceitos porque são
espacialmente circunscritos, cultural e tecnicamente fundados na ‘experiência do
tempo’ (ALMEIDA, 1998, P. 240-241).
Nesse sentido, o assentado é responsável pelo seu tempo e pelas ações que direcionam
a vida cotidiana e a produção agrícola. A construção a partir da cultura local remete a maior
adequação das práticas às necessidades básicas de trabalho, desde fenômenos naturais,
técnicas de plantio e manejo do solo até organização coletiva do trabalho e segurança
alimentar da família. “As práticas agroecológicas nos remetem à recuperação dos saberes
tradicionais, a um passado no qual o humano era dono do seu saber, a um tempo em que seu
saber marcava um lugar no mundo e um sentido da existência” (LEFF, 2002, p. 36). O
conhecimento tradicional aliado a tecnologias e processos modernos de base ecológica são os
principais elementos constitutivos da agroecologia. Seu enfoque científico possibilita uma
articulação das formas de sustentabilidade, construídas localmente, às estratégias modernas de
produção, para maior viabilidade econômica, equidade social e preservação ambiental no
meio rural.
149
As práticas agroecológicas resultam culturalmente compatíveis com a racionalidade
produtiva camponesa, pois se constroem sobre o conhecimento agrícola tradicional,
combinando este conhecimento com elementos da ciência agrícola moderna. As
técnicas resultantes são ecologicamente apropriadas e culturalmente apropriáveis;
permitem a otimização da unidade de produção através da incorporação de novos
elementos às práticas tradicionais de manejo, elevando a produtividade e
preservando a capacidade produtiva sustentável (...) (LEFF, 2002, p. 41).
A construção da “teoria da organização do campo” na década de 80 foi negativa para
as formas de conhecimento e organização sociais locais (campesinato). A incorporação das
práticas da modernização agrícola pelo MST, através da coletivização do trabalho, tinha como
premissa combater o saber tradicional e constituir um novo sujeito (“sem terra”) dotado de
características virtuosas, fundamentais para o desenvolvimento econômico e para superação
da sociedade capitalista. Por mais de uma década de existência, o MST refutou a importância
do conhecimento camponês para a organização do trabalho e da produção nos assentamentos
rurais. Mobilizou forças para suprimir esse saber, gerando resistências e rupturas por parte dos
assentados. Como já visto anteriormente, a construção de um projeto único de
desenvolvimento para diferentes contextos não encontrou terreno fértil nos assentamentos
rurais. “É por isto que os processos de modernização, como forma de agressão, que impõem
uma homogeneidade sociocultural são rechaçados por aqueles grupos e indivíduos que
mantêm uma lógica de funcionamento de natureza endógena” (SEVILLA GUZMÁN, 2001,
p. 41).
O MST, através da agroecologia como matriz tecnológica de produção, redefine suas
estratégias de organização voltadas para a localidade, e inicia o processo de transição do
padrão moderno à agricultura sustentável. Esse processo passa a necessitar da conjugação de
vários elementos, principalmente do papel dos mediadores e da ação coletiva. Historicamente,
a ação coletiva é uma das principais características do MST, que utiliza desse recurso para a
organização de mobilizações, passeatas, ocupações e acampamentos.
150
As ações sociais coletivas são, pois, ao mesmo tempo, o resultado e a causa do
processo de transição em direção à conformação de estilos de agricultura de base
ecológica. (...) O processo de ação social coletiva se transforma, assim, de
"conseqüência" a "motor" do processo de transição agroecológica, dependendo de
seu êxito o alcance de resultados econômicos, sociais e ambientais que assegurem a
continuidade do processo de mudança (COSTABEBER; MOYANO, 2000, p. 58).
Além da ação coletiva, a transição necessita da intervenção de mediadores, que
construam, em conjunto com os assentados, as estratégias de desenvolvimento compatíveis
com as localidades. O papel do próprio MST e da extensão rural pública (PNATER) são
fundamentais para o processo de ecologização das práticas agrícolas. Essa intervenção requer
uma mudança no difusionismo tecnológico da extensão rural
36
(propagado por várias décadas)
e na estrutura organizativa do MST, que vinha direcionando estratégias de desenvolvimento
desvinculadas das especificidades locais. Para que a agroecologia seja consolidada nos
assentamentos rurais, através da ecologização das práticas agrícolas e ação coletiva, “(...) as
intervenções externas devem garantir a abertura de espaços na administração que permitam
a efetiva participação dos atores locais” (SEVILLA GUZMÁN, 2001, p. 43).
A transição agroecológica é um processo em construção com resultados a médio e
longo prazos, em busca de novas possibilidades e estratégias para romper as barreiras rumo a
sustentabilidade no meio rural. Nesse sentido, o MST intensifica os esforços para que essa
mudança seja o principal enfoque de desenvolvimento nos assentamentos rurais. Um
importante passo nesse sentido foi o Projeto de Formação e Educação Ambiental, cujo “(...)
objetivo é implementar uma reforma agrária sustentável nos assentamentos rurais do Estado
do Rio de Janeiro (...)” (COSTA NETO; CANAVESI, 2002, p. 210).
36
Segundo Costa Neto (1999), os assentados solicitavam ao governo uma assistência técnica realmente
comprometida com os objetivos traçados pelo Movimento (MST), sendo escolhida pelos assentados e,
preferencialmente, que residissem no assentamento. Esses técnicos seriam responsáveis por estimular uma
produção familiar menos dependente do modelo capitalista e mais comprometida com a preservação e
recuperação dos recursos naturais.
151
O MST lançou em nove de novembro do ano passado (...) o projeto de Formação e
Educação Ambiental. O objetivo é adotar uma reforma agro-ecológica em seus
assentamentos rurais no estado (...). (...) O MST espera criar um novo modelo de
agricultura, que seja produtivo socialmente, não excludente e que assegure a
preservação ambiental (JST, 2001, s.p.).
Nesse projeto era previsto a articulação entre elementos técnicos e pedagógicos, com
elaboração de cartilhas e informativos, assistência técnica especializada, unidades
experimentais de produção e campanhas de conscientização ambiental. Essa proposta visava à
incorporação de um novo paradigma agrícola, pautado pelo desenvolvimento de estratégias
locais rumo à produção sustentável. “É necessário frisar que deve caber ao projeto de
formação (agroecológica) e educação ambiental a responsabilidade de discutir com os
assentados as bases desse novo modelo tecnológico”. A participação coletiva é um princípio
básico para que um projeto dessa envergadura adquira consistência na prática. “Utilizar, de
modo participativo, as instâncias associativas e cooperadas dos assentamentos rurais parece
ser o caminho mais indicado para levar adiante um projeto agroecológico sustentável”
(COSTA NETO; CANAVESI, 2002, p. 211-212).
A continuidade do projeto agroecológico do MST estava associada a condução de
políticas governamentais e a possibilidade de criação de novos assentamentos rurais. Durante
o processo de mudança da matriz de produção, o contexto político institucional apontava para
uma modificação significativa nas políticas de reforma agrária. Com a eleição de Lula (PT)
em 2003, aliado histórico do Movimento, as organizações de base esperavam que o governo
dinamizasse as desapropriações para fins de reforma agrária e estimulasse, através de
incentivos públicos, um caminho alternativo para os assentamentos rurais. Em seu primeiro
ano de mandato foi lançado do II Plano Nacional de Reforma Agrária, com metas audaciosas,
mas com aplicabilidade bastante restrita
37
. “O II PNRA expressa seu compromisso com uma
37
A previsão de famílias assentadas superava as realizações dos governos anteriores.
152
Reforma Agrária massiva ao estabelecer como meta assentar 400.000 novas famílias no
período 2003-2006” (BRASIL, 2003, p. 20).
Tabela 2 – Dados relativos à implementação de assentamentos rurais (1995-2002) e à projeção para o quadriênio
2003-2006.
ANO FAMÍLIAS
ASSENTADAS
GASTOS COM
OBTENÇÃO (R$)
MÉDIA FAMÍLIAS
ASSENTADAS POR ANO
1995 30.716 2.149.449.582
1996 41.717 1.236.908.756
1997 66.837 1.939.626.283
1998 98.740 1.548.156.235
TOTAL 238.010 6.874.140.856
1999 99.201 938.091.299
2000 69.929 406.224.856
2001 73.754 331.501.430
2002 43.486 379.641.299
TOTAL 286.370 2.055.458.884
2003 30.000 400.000.000
2004 115.000 1.461.664.845
2005 115.000 1.461.664.845
2006 140.000 1.827.081.056
TOTAL 400.000 5.150.410.766
59.503
71.593
100.000
Fonte: Brasil (2003).
No período que antecedeu a elaboração do Plano, o MST enviou uma série de
sugestões ao governo Lula, no intuito de abrir um espaço de discussão para uma proposta de
reforma agrária viável à realidade rural brasileira.
Em 2003, com a eleição de Lula para a presidência da República, o MST buscou um
diálogo com o governo para a articulação de uma nova proposta de reforma agrária.
O encontro com o presidente foi para a entrega do documento ‘Propostas para a
reforma Agrária’, com reflexões para contribuir com o governo federal na
elaboração urgente de um Plano Nacional de Reforma Agrária, como determina a lei
(JST, 2003, s.p).
Todavia, a vitória do PT praticamente não trouxe conquistas para a reforma agrária no
país. O desempenho das políticas governamentais ficou aquém das expectativas do MST (e de
outras organizações como a CONTAG, CUT e demais movimentos sociais de luta pela terra),
indicando um cenário de continuidade dos governos anteriores. Durante o governo Lula, a
153
reforma agrária foi extremamente tímida, comparada às pretensões do Movimento. A
mudança no enfoque político, almejada pelos movimentos sociais não ocorreu na prática.
Dessa forma, as mobilizações prosseguiram e o MST continuou a estruturar as estratégias de
ocupações, acampamentos e atos públicos em todas as regiões do Brasil.
Apesar dos obstáculos, o MST continuou a organização dos assentamentos rurais,
voltando seus esforços para consolidar a transição para a produção agroecológica. Uma das
estratégias foram os cursos voltados para a agroecologia e desenvolvimento sustentável, como
uma forma inserir um novo modelo de produção através de conceitos e práticas pedagógicas.
De 6 de março a 5 de maio, 42 agricultores dos estados do Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, Rondônia e Mato Grosso do Sul participaram de Curso
Prolongado em Agroecologia e Gestão Sócioambiental na escola José Gomes da
Silva, localizada no Assentamento Antônio Tavares na cidade de São Miguel do
Iguaçu, sudoeste do Paraná. (...) Este curso teve como objetivo ser uma experiência
piloto para montar o curso em Nível Médio e Pós-Médio em Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, em parceria com universidades do Estado. (...)
O curso contou ainda com visitas técnicas a diversas cooperativas da região para
conhecer as experiências de prodão, e comercialização de produtos
agroecológicos (JST, 2001b, s. p.).
A escola agrícola ‘25 de maio’, situada no Assentamento Vitória da Conquista, no
município de Fraiburgo, após muitas lutas e discussões envolvendo a comunidade
dos cinco assentamentos que a circundam, conquistou a primeira escola de ensino
médio do MST no Estado. (...) O sonho coletivo se tornou realidade em 2 de
setembro, através da implantação do curso com parte diversificada contemplando
disciplinas agropecuárias voltadas à agroecologia que, dentre vários objetivos, luta
por uma identidade própria das escolas (...) baseadas na justiça social, na cooperação
agrícola, na valorização da cultura camponesa (...) (JST, 2002a, s.p.).
Iniciativas relacionadas ao processo educativo evidenciam esforços nesse sentido,
como os cursos do Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária (PRONERA –
Ministério do Desenvolvimento Agrário); Cursos de Residência Agrária (Especialização e
pesquisa em rede na Agricultura Familiar Camponesa e Especialização em Agroecologia –
Ministério do Desenvolvimento Agrário); Cursos Superiores de Pedagogia da Terra
(PRONERA – Ministério do Desenvolvimento Agrário); Curso de Agronomia para
Movimentos Sociais no Campo (Universidade do Estado de Mato Grosso); Curso de
154
Especialização em Agroecologia (Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia/PR); Curso Técnico em Agropecuária com qualificação em Agroecologia e
Meio Ambiente (MST/ES); entre outros.
Esse caráter inovador assume, em seu conteúdo, uma proposta mais abrangente de
reorientação da luta pela transformação social
38
. Isso é evidente nos eventos realizados pelo
MST, em favor de alternativas para os assentamentos rurais. Entre as propostas de ação do I
Congresso Nacional da Juventude Rural, realizado em Brasília, estão as referências sobre a
agroecologia.
Trabalhar a partir da gestão econômica da propriedade para um novo modelo
tecnológico; (...) Investir na agroecologia, lutar por linhas de créditos com juros
diferenciados subsídios e rebate no capital para a agroecologia; (...) Apoiar as
escolas agrotécnicas voltadas para a agroecologia (...) (JST, 2000a, s.p.).
Em 2002, no Paraná, aconteceu a “I Jornada de Agroecologia”, como parte do evento
foi realizada uma feira de produtos agroecológicos para divulgação e venda aos participantes
(JST, 2002, s.p.). A jornada da agroecologia também era um evento de grande envergadura
para discussão dos temas relacionados à agroecologia e os caminhos da produção nos
assentamentos rurais. Na II Jornada de Agroecologia, em 2003, as discussões foram sobre os
alimentos transgênicos e os impactos na agricultura, a partir do tema principal: “Terra livre
de transgênicos e sem agrotóxicos” (JST, 2003a, s.p.).
A III Jornada de Agroecologia reuniu na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, cerca
de 4 mil pessoas em oficinas temáticas, manifestações públicas, apresentações
culturais, conferências e debates em torno do tema: Construindo um Projeto
Popular e Soberano para a Agricultura Camponesa. (...) A jornada teve o
objetivo de promover a troca de conhecimentos técnicos e de experiências de
manejo agroecológico entre os agricultores (...) Em seu documento final, a jornada
defende a implementação de um ‘projeto popular soberano para a agricultura
camponesa, fundamentado na agroecologia’. (...) Desmistifica o agronegócio
‘exportador submisso às transformações que controlam as tecnologias
38
Coerente com as mudanças na organização da produção e do trabalho nos assentamentos rurais, o MST criou,
em 2002, o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente, em substituição ao Sistema Cooperativista dos
Assentados (SCA).
155
agropecuárias, como as sementes transgênicas, o comércio e o transporte desses
produtos no mercado global ao mesmo tempo em que desnacionalizam a economia;
concentra renda e terra, gera aumento da violência contra trabalhadores rurais nas
novas fronteiras agrícolas e destrói o meio ambiente’. É contra essa lógica que os
movimentos sociais estão se mobilizando pela agroecologia que, ainda segundo o
documento ‘é uma realidade viva em construção’ (...) (JST, 2004, s.p.).
Nos últimos anos o MST incentivou várias experiências em assentamentos rurais por
todo o país, que se apresentam como alternativas viáveis à conjuntura econômica.
Atualmente existem várias iniciativas em todo o país que comprovam a eficiência
deste sistema da produção. No Paraná, as 20 famílias do assentamento Santa Maria
consolidaram a produção de cana-de-açúcar, onde produzem de 12 a 15 toneladas de
açúcar mascavo por mês. A produção atende, além do comércio local, estados como
RJ, MS e SP. (...) No Piauí, no assentamento Marrecas, região do semi-árido, um
grupo de 30 famílias trabalham coletivamente, as culturas de uva, banana e goiaba.
A primeira colheita, resultou em mais de 2 mil quilos de uva. São destes exemplos
concretos que vêm a força do debate político sobre a produção agroecológica, que
respeita a diversidade cultural e biológica das diferentes regiões do Brasil. Esta é a
proposta do MST para o campo brasileiro (JST, 2006a, s.p.).
A partir da mobilização de recursos locais, agroecologia proporciona novas formas de
cooperação, baseadas na diversificação da produção e ocupação da força de trabalho familiar.
As atividades produtivas são resultado da organização dos assentados e das estratégias de
produção em interação com outros produtores, comércio local, crédito, trabalho familiar,
rentabilidade financeira e condições naturais da localidade.
Em estudo de caso no Assentamento Dorcelina Folador, no Norte do Paraná, fica
evidente o apoio do MST à agricultura baseada nos princípios e práticas agroecológicos.
Nesse Assentamento, o Movimento propôs desenvolver um projeto diferenciado, que o
transformaria em referência na produção agroecológica no país. No processo de transição
desencadeado pelo Movimento, a adesão dos assentados à produção sem utilização de
insumos químicos era pequena, relacionada ao montante de produtores que praticavam a
agricultura convencional.
156
Essa pesquisa nos esclareceu que toda a retórica discursiva do MST quanto a
produção orgânica voltada para o assentamento Dorcelina Folador não se efetivou na
medida em que a idéia de uma assentamento modelo não foi considerada como
projeto real para a implantação. Neste caso as ações ficaram no nível do discurso
sendo que a prática não encontrou estrutura capaz de proporcionar a realização da
idéia inicial em transformar o assentamento Dorcelina Folador em referência no
Brasil em produção orgânica (NEGRI, 2005, p. 106).
Isso reflete a capacidade do agricultor em avaliar os projetos de desenvolvimento
colocados a ele, não sendo passivo às iniciativas externas, como, por exemplo, a resistência à
proposta de implantação da agroecologia. “Quando se fala dos obstáculos para a difusão
desta proposta mencionam-se os de caráter objetivo e estrutural, sem ser questionada a
disposição e os interesses dos agricultores” (GUIVANT, 1997, p. 423).
(...) verificamos que o assunto da produção orgânica causava constrangimento em
algumas pessoas do assentamento, que preferem ter sua horta no modelo
agroquímico, enquanto outros discordam. Além disso, sabíamos que o assentamento
tinha sido previsto para ser modelo e referência na linha de produção orgânica do
MST (...) (NEGRI, 2005, p. 88-89).
A mobilização em torno da agroecologia extrapola os limites econômicos e produtivos
(acima destacados), a fim de buscar o caminho da sustentabilidade e da autonomia para o
trabalhador rural. Esse novo rumo prevê um acirramento da oposição ao desenvolvimento
rural dominante, expresso pela grande monocultura no país. “O movimento criou um discurso
coerente com as proposições agroecológicas, colocando as multinacionais de insumos
industrializados como a principal responsável pelo sistema de dominação a que estes
agricultores estão submetidos (...)” (VERAS, 2005, p. 73).
Esse discurso foi construído, em grande parte pelos debates ocorridos nos eventos do
Fórum Social Mundial. O I Fórum aconteceu em janeiro de 2001, na cidade de Porto Alegre,
contando com a participação de quase 5 mil delegados de 177 países.
O Fórum Social Mundial é um espaço aberto de encontro para o aprofundamento da
reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas, a troca livre de
experiências e a articulação para ações eficazes, de entidades e movimentos da
157
sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital
e por qualquer forma de imperialismo, e estão empenhadas na construção de uma
sociedade planetária orientada a uma relação fecunda entre os seres humanos e
destes com a Terra (FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2001).
Com o tema Um outro mundo é possível, foi concebido em contraposição ao Fórum
Econômico Mundial, em Davos na Suíça, que estava sendo realizado no mesmo período. A
Via Campesina teve um papel importante como mobilizadora dos movimentos populares e
articuladora das principais propostas resultantes do encontro (JST, 2001a). O JST apresentou
as principais idéias e linhas políticas resultantes do Fórum Social Mundial, dentre as quais
estão a luta pelas sementes sadias, com o objetivo de lançar a campanha As sementes são um
patrimônio de humanidade; outra linha foi a agricultura alternativa direcionada à
sustentabilidade ambiental (JST, 2001a, p. 15).
O II Fórum Social Mundial foi realizado, também, em Porto Alegre, de 31 de janeiro a
04 de fevereiro de 2002. Seguindo os mesmos princípios do I Fórum Social Mundial,
reafirmou o evento como espaço mundial dos movimentos sociais e organizações da
sociedade para mobilização contra a globalização e o neoliberalismo. O discurso político
enfatizou a resistência contra o modelo de político-econômico excludente, destacada em sua
Carta de Princípios.
O Fórum Social Mundial, como espaço de debates, é um movimento de idéias que
estimula a reflexão, e a disseminação transparente dos resultados dessa reflexão,
sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e
ações de resistência e superação dessa dominação, sobre as alternativas propostas
para resolver os problemas de exclusão e desigualdade social que o processo de
globalização capitalista, com suas dimensões racistas, sexistas e destruidoras do
meio ambiente está criando, internacionalmente e no interior dos países (FÓRUM
SOCIAL MUNDIAL, 2001).
As parcerias firmadas através da Via Campesina possibilitaram, no III Fórum Social
Mundial (2003), uma importante resolução (cumprindo um dos objetivos do I Fórum): o
158
lançamento da Campanha Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade, com
repercussão para além das fronteiras nacionais
39
.
Lançada em 2003 por ocasião do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, a
Campanha pretende ser um instrumento de unificação das pautas e agendas dos
movimentos sociais camponeses e de diversas entidades apoiadoras. Seu objetivo é
mobilizar a sociedade contra a privatização da vida e dos meios de reprodução
biológica tal como defendem as empresas transnacionais dos ramos agrícola e
farmacêutico (CORRÊA; MONTEIRO, 2004, p. 40).
Além da crítica ao modelo de produção e à tecnologia adotada (em todos os eventos
mencionados), houve um impulso para o renovado discurso político sobre a dominação do
capital no campo. Esse embate resultou em protestos e mobilizações do MST e da Via
Campesina contra o capital internacional na agricultura, representado pelas empresas
produtoras de insumos, equipamentos e máquinas, direcionados para a grande produção
agrícola no país. Esse modelo, baseado, principalmente, no cultivo de grandes áreas de soja,
milho e algodão, constitui, segundo o MST, o principal entrave para a reforma agrária. O
chamado agronegócio (nomenclatura atribuída, nos últimos anos, a esse tipo de produção)
percorre várias publicações do MST, como um modelo de produção a ser combatido e
superado.
A agricultura brasileira vive um processo de disputa de projetos sobre seu futuro. De
um lado, o chamado agronegócio, casamento da típica agricultura capitalista,
baseada em investidores que moram na cidade e que contratam assalariados para
cultivarem a terra de forma mecanizada, através do uso intensivo de agrotóxicos,
organizando a produção na forma de monocultura. O pior é que a maior parte dos
seus cultivos, como soja, cana, café, laranja e pecuária se destruíam à exportação.
(...) De outro lado, temos a proposta de um modelo de agricultura camponesa. Ela é
baseada no trabalho familiar e cooperativo, que direciona sua produção para
alimentos sadios praticando a policultura, não usando agrotóxicos ou transgênicos e
produzindo para o mercado interno. (...) A luta pela reforma agrária quer destruir o
latifúndio improdutivo e, ao mesmo tempo, reivindicar um modelo agrícola
camponês que se componha à ilusão do agronegócio que, na verdade, é a recriação
do modelo agrícola colonial, que só privilegia as exportações (JST, 2004, s.p.).
39
O III Fórum foi realizado em Porto no mês de janeiro. Em 2004, o IV Fórum Social Mundial ocorreu em
Mumbai, na Índia. O V Fórum retornou a Porto Alegre no ano de 2005. A edição de 2006 ocorreu em diferentes
localidades do mundo, na África (Bamako – Mali), na Ásia (Karachi – Paquistão) e na América (Caracas –
Venezuela).
159
Essa superação é almejada pelo processo de transição agroecológica nos
assentamentos rurais. Diferentemente da década de 80 e 90, cujo projeto de desenvolvimento
era voltado para as cooperativas de produção, a busca pela autonomia dos assentados passa
atualmente pelos princípios da agroecologia.
Hoje a agricultura brasileira é disputada claramente por dois projetos. Um
patrocinado pelo agronegócio e as transnacionais. O outro, reivindicado pelos
movimentos sociais, defende a agricultura familiar, a biodiversidade e a natureza.
(...) Já sabemos as enormes e graves conseqüências que o agronegócio traz para a
classe trabalhadora do campo e para toda a sociedade brasileira. Sob o controle das
transnacionais, produzem apenas para a exportação e dispensam mão-de-obra. Isso
sem falar no trabalho escravo e na destruição permanente da biodiversidade. O fruto
desta situação é que mais de 300 mil trabalhadores e trabalhadoras foram expulsos
das áreas rurais. Parte destas pessoas migraram para as periferias das grandes
cidades, abrindo caminho para o aumento da criminalidade, da população carcerária,
do desemprego e da prostituição. (...) Diante deste quadro é urgente pensar um novo
modelo para o campo. É por isso que o MST e a Via Campesina se mobilizam: para
exigir que suas reivindicações históricas sejam cumpridas. (...) Povos indígenas,
quilombolas e famílias camponesas enfrentam uma nova conjuntura de
enfrentamento no campo, caracterizada pelo avanço do capital financeiro
internacional em suas terras. É por esta razão que se mobilizam contra o
agronegócio, que aliado à empresas transnacionais, empobrece e expulsa das áreas
rurais aquelas pessoas que sempre tiveram respeito e cuidado com a natureza.
Semear, saber o tempo certo da colheita, trabalhar em sintonia e respeito com a terra
é algo que somente a classe trabalhadora do campo sabe fazer (JST, 2006b, s.p.).
Novas relações sociais estão sendo construídas em conjunto com práticas agrícolas
que visam à sustentabilidade no meio rural. “A luta por Reforma Agrária deve caminhar
junto com a luta em defesa da natureza, da água, da biodiversidade e da produção de
alimentos baratos e livres de agrotóxicos e transgênicos para a população” (JST, 2006, s.p).
Um dos desafios da produção agroecológica (orgânica) é a construção de mercado
para os produtos, os quais possam atender à parcela da população interessada no consumo de
alimentos livres de insumos químicos, com qualidade e garantia de origem. Geralmente, a
comercialização dos produtos agroecológicos atua em um mercado singular e bastante restrito
(feiras), que necessita ser ampliado. Apesar disso, a agroecologia apresenta-se como
160
alternativa para os assentados, mediante incremento da renda e melhoria das práticas na
unidade de produção.
A agroecologia reforça melhores oportunidades de remuneração para os produtos
através da ocupação de um segmento de mercado que prima pela qualidade dos
produtos. Mesmo que no caso das feiras não se pratique sobrepreço, a cotação dos
produtos ecológicos no mercado é maior, fazendo com que permaneça no horizonte
do agricultor esta possibilidade de remuneração. De outro lado, ao diversificar os
cultivos este agricultor minimiza os riscos e incertezas da atividade agrícola, utiliza
menor quantidade de insumos externos e, conseqüentemente, garante diminuição na
dependência com os mercados (VERAS, 2005, p. 84).
A principal forma comercialização da produção orgânica são as feiras (circuitos curtos
de comercialização), que colocam numa relação direta o produtor e o consumidor. Esse canal
de mercado atende a um segmento específico da população, preocupada em consumir um
alimento saudável e livre de agrotóxicos. Essa relação possibilita consolidar a produção
orgânica (mesmo que em baixa quantidade) e a proposta agroecológica nos assentamentos
rurais. A feira não é só um espaço de comercialização, é (...) um espaço onde é possível
veicular não só os produtos, mas a imagem da reforma agrária” (VERAS, 2005, p. 91).
A busca pela ampliação da produção orgânica e do mercado consumidor pode
acarretar uma forma distinta de organizar o trabalho, provocando uma diferenciação
substantiva nos princípios e valores do desenvolvimento sustentável.
A pergunta que se coloca é se a busca pela ampliação da agricultura orgânica - e dos
seus mercados – faz com que ela seja, imediatamente submetida aos mesmos modos
de organização e comercialização da agricultura convencional, perdendo, por isso, o
seu conteúdo ético e o seu caráter contestatório (SCHMIDT, 2001, p. 63).
A produção orgânica corre o risco – a partir de uma possível ampliação – de
reproduzir as mesmas relações de exclusão sócio-econômica da agricultura convencional,
descaracterizando a proposta de desenvolvimento através da agroecologia. A diferenciação
social provocada pelo assalariamento no campo, via produção em larga escala, pode ser
161
apropriada por uma agricultura orgânica essencialmente mercantilizada. Essa questão será
enfrentada quando ocorrer uma ampliação do mercado consumidor e, consequentemente,
maior remuneração pelos produtos.
A inserção dos assentados em outros circuitos de comercialização, como por exemplo,
os circuitos longos (supermercados, entre outros), exige a ampliação da produção e o
incremento de novas técnicas, porém isso “(...) não quer dizer que se deva abandonar os
circuitos atuais. Ao contrário, eles devem ser fortalecidos, reinventados” (SCHMIDT, 2001,
p. 65). É muito importante a afirmação da relação direta com o consumidor, garantindo o
abastecimento desse mercado específico. Porém, esse consumidor “convicto” pertence ao
circuito mercantil particular da produção orgânica, sendo fundamental a ampliação da
comercialização para outros consumidores, que freqüentam outros espaços e possam ter como
opção produtos com maior qualidade. Alcançar esse consumidor “ocasional” é o grande
desafio para a produção inserida nas relações agroecológicas (SCHMIDT, 2001).
As considerações acerca do mercado demonstram o quanto a agroecologia tem
possibilidade de evoluir em todas as suas dimensões. As estratégias locais, em interação
constante, com elementos internos e externos, proporcionam um aprendizado ininterrupto de
construção/desconstrução/reconstrução do conhecimento. A organização coletiva possui a
tarefa fundamental de articular a diversidade em torno de um projeto comum, construído de
forma participativa em sua totalidade.
Ao mesmo tempo em que são experimentadas e disseminadas localmente, as práticas
inovadoras do campo agroecológico constituem já embriões do novo modelo que
está em construção e que já inspira a formulação de um projeto coletivo de âmbito
nacional. (...) As lutas dos movimentos sociais no campo têm demonstrado que a
reforma agrária e a garantia das populações ao território são inseparáveis da
proposta agroecológica. Experiências evidenciam que nas lutas pela desapropriação
de áreas para a reforma agrária há assentamentos rurais que vêm incorporando de
forma bem sucedida a matriz produtiva agroecológica e desenvolvendo uma nova
concepção de organização do espaço contrapondo-se aos modelos insustentáveis dos
assentamentos convencionais (ENA, 2006, p. 03-04).
162
Essa passagem da Carta Política do II Encontro Nacional de Agroecologia (ENA)
40
,
realizado em junho de 2006, em Recife, explicita os rumos a serem tomados na condução dos
assentamentos de reforma agrária no país. “O evento colocou em pauta a troca de
experiências, a construção de estratégias comuns para o fortalecimento da agroecologia e,
principalmente, a discussão de estratégias para o enfrentamento ao agronegócio” (JST,
2006a, s.p.). Esse avanço, ainda em fase inicial, pressupõe, concomitantemente, o
fortalecimento da organização coletiva, o avanço das pesquisas científicas e construção de um
saber local, resignificado incessantemente nas práticas cotidianas. A articulação entre essas
dimensões permite emergir um conhecimento diferenciado, ligado às necessidades
contextuais, materializado nas práticas produtivas nos assentamentos rurais. Esse
conhecimento agrobiodiverso, em processo de produção e circulação, gerado cotidianamente
através da agroecologia, possibilita a criação de alternativas locais voltadas para projetos de
desenvolvimento essencialmente coletivos.
40
O I Encontro Nacional de Agroecologia foi realizado em 2002, na cidade do Rio de Janeiro.
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise desenvolvida neste trabalho buscou apresentar a trajetória histórica do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), referenciada na organização do
trabalho e da produção nos assentamentos rurais. Esse processo foi marcado, na década de 80,
pela construção de um projeto de cooperação agrícola e pela estruturação de cooperativas de
produção voltadas para o cultivo em larga escala. As atividades produtivas eram organizadas
através da coletivização do trabalho (especialização de tarefas), utilização intensiva de
insumos externos, mecanização agrícola e agroindustrialização, considerada, naquela época,
locus da geração de emprego e renda.
A contradição desse modelo produtivista foi sentida nas dificuldades de
implementação do cooperativismo nos assentamentos. Essa situação provocou uma mudança
nas estratégias do MST, que passou a reconhecer os limites do paradigma de produção
adotado. A partir desses questionamentos, o Movimento aderiu à agroecologia, como
princípio político e organizativo das ações de luta pela terra e desenvolvimento dos
assentamentos rurais.
O surgimento do MST decorre de um desencadeamento histórico iniciado pela
concentração de terra e a conformação de uma elite agrária conservadora no país. Essa
característica da sociedade brasileira foi preservada, em seu fundamento, mantendo a estrutura
político-territorial praticamente inalterada. Esse cenário foi construído sobre o impedimento
da grande maioria da população rural ter acesso a terra.
No Capítulo 1 foi realizada uma breve discussão dos principais elementos da questão
agrária no Brasil, desde formação da colônia à modernização agrícola no século XX. A
agricultura moderna foi interpretada como resultado da apropriação capitalista no meio rural,
gestada pelas formas de organização da produção desenvolvidas pelo modelo agroexportador
constituído no período colonial. As relações de trabalho, do escravismo até o “trabalho livre”,
164
atendiam aos interesses da elite agrária, que buscava a acumulação de terra e de capital,
guardadas as particularidades de cada período histórico.
Um grande “salto qualitativo e quantitativo” a esse processo foram as inovações
tecnológicas da Revolução Verde, que possibilitaram maior produtividade e rentabilidade para
os grandes proprietários rurais. As mudanças nas bases técnicas, por meio da introdução de
máquinas e insumos químicos produzidos na indústria, foram fundamentais para consolidar a
modernização da agricultura. Em seu bojo, os problemas sociais foram se agravando no meio
rural. A expansão das grandes lavouras refletia na expropriação de meeiros, posseiros e
arrendatários, os quais eram praticamente obrigados a residir, de forma precária, nos grandes
centros urbanos. Isso foi mais intenso após o golpe militar de 1964. A modernização da
agricultura se tornou um projeto de Estado, que impôs uma lógica de desenvolvimento
contraditória à realidade da agricultura tradicional no país. Grande parte dos agricultores que
não se integraram ao mercado passou a se proletarizar nas grandes fazendas na forma de
trabalhadores temporários (“bóia-fria”).
A crise de legitimidade da ditadura militar e os graves problemas sociais no campo
constituíram um terreno fértil para a formação do MST. Através de mobilizações, ocupações e
acampamentos, principalmente na região Sul do Brasil, o Movimento adentrou no cenário
nacional como principal organização social de luta pela terra.
Desde sua constituição, o MST lutou para romper as barreiras impostas pela estrutura
fundiária no país, pressionando os governos – após “transição democrática” – para
implementação de políticas de reforma agrária. O avanço do Movimento gerou reação dos
grandes latifundiários, que constituíram a União Democrática Ruralista (UDR), uma
organização reacionária, contrária às políticas governamentais de reforma agrária. A UDR
conseguiu limitar as conquistas do MST, principalmente na Constituinte e na eleição do
primeiro “governo democrático”, após a ditadura militar. Nesse contexto, o Movimento
165
voltou seus esforços para a viabilização dos assentamentos rurais conquistados, entendidos
como extensão da resistência e luta pela terra. A análise desse período e da organização da
produção e do trabalho nos assentamentos foi realizada no Capítulo 2.
Como forma de adequar a produção nos diversos assentamentos rurais espalhados no
país, o MST criou uma estrutura organizacional para consolidar seu projeto de cooperação
agrícola. Esse projeto estava centrado na formação de cooperativas de produção, consideradas
como forma mais avançada de trabalho coletivo. Por meio de instrumental teórico marxista, o
MST implementou o cooperativismo sobre os mesmos pilares da agricultura moderna,
utilizando insumos químicos e mecanização agrícola; padronizando a produção através da
monocultura de milho, algodão e soja, principalmente; organizando o trabalho pela
especialização de tarefas, nos mesmos moldes de um empreendimento capitalista. Para dar
funcionalidade a esse processo, o Movimento articulou os princípios teóricos com uma
estrutura representativa em nível local, estadual e nacional. Essa estrutura era importante para
a manutenção do controle pela “Direção Nacional” do MST e troca de experiências entre os
assentamentos rurais.
Quanto à orientação teórica, a busca pela superação das relações tradicionais do
campesinato, consideradas inferiores e um empecilho para o desenvolvimento da produção e
do trabalho coletivo no interior das cooperativas, era fundamental. Através de elementos
pedagógicos inseridos nos Laboratórios Organizacionais de Campo (LOC), Curso Técnico em
Administração Cooperativa (TAC), Formação Integrada da Produção (FIP) e nas próprias
escolas dos assentamentos rurais, o MST buscou construir um novo sujeito (“sem terra”)
pautado por princípios que potencializariam a organização do trabalho e o desenvolvimento
econômico da produção.
A constituição do modelo cooperativista culminou na implantação de inúmeras
cooperativas em todas as regiões do país, ligadas às orientações advindas da estrutura
166
organizacional formada pelo Movimento. A expansão das cooperativas nos assentamentos
rurais aconteceu num novo cenário político-institucional – fim do governo Collor –, quando a
reforma agrária retornava à agenda governamental através do assentamento de trabalhadores e
acesso a crédito especial. Durante esse período, o MST apresentou diversas experiências bem
sucedidas de cooperativas, tentando demonstrar que seu projeto de desenvolvimento para os
assentamentos rurais tinha viabilidade.
Apesar dos esforços do Movimento, o modelo cooperativista entrou em crise,
provocada principalmente: pela ofensiva do Estado na desestruturação da política de crédito e
criminalização da luta pela terra; pela resistência dos assentados à coletivização do trabalho;
pela contradição contida nas práticas agrícolas, dependentes de recursos externos (insumos
químicos, equipamentos e máquinas); e pelo não reconhecimento da diversidade social
presente nos assentamentos rurais (localidade). Esses limites foram cruciais para o
esgotamento do cooperativismo do MST. Essa problemática e processo de mudança do
paradigma de produção, a partir desse contexto de crise, foram discutidos no Capítulo 3.
Apesar de criticar veemente a acumulação da terra e a exclusão de milhares de
trabalhadores do processo de produção no campo, o MST incorporou contraditoriamente a
lógica modernizante para a condução dos projetos dos assentamentos no Brasil. A reprodução
do modelo da modernização da agricultura, incentivando a produção de culturas em larga
escala com competitividade no mercado, foi responsável pela condução de projetos
incompatíveis com a realidade de várias localidades no Brasil. A produção monocultora de
milho, soja, algodão, entre outros cultivos, provocou um colapso na estrutura de grande parte
dos assentamentos rurais. O baixo rendimento por área e as presilhas aos preços praticados no
mercado foram elementares para o questionamento do modelo de produção adotado pelo
Movimento.
167
A política de crédito para custeio da produção, baseada na compra de insumos e
máquinas, alinhada à perspectiva modernizante da agricultura era incoerente com as
realidades locais. Isso é constatado a partir do momento em que se estabelece um maior foco
na produção agrícola, não garantindo recursos suficientes para infra-estrutura básica,
primordial para auto-sustentação e reprodução social dos trabalhadores assentados. Nesse
contexto, o padrão de acumulação econômica sobrepunha às estratégias de desenvolvimento
local, baseado em elementos ordenados em cada contexto.
Essas contradições foram essenciais para que o Movimento reavaliasse a matriz
tecnológica de produção e a própria organização coletiva do trabalho. Algumas experiências
pontuais de práticas alternativas – a partir da metade da década de 90 – passaram a adquirir
relevância dentro do MST. Consideradas secundárias, essas iniciativas tornaram-se
protagonistas de uma mudança significativa no Movimento: a aproximação com a noção de
sustentabilidade. A agricultura, antes voltada apenas para a esfera econômica, incorporou
outras dimensões: social e ambiental. Adequando-se aos principais debates sobre
desenvolvimento rural e preservação dos recursos naturais, o MST, articulado com a Via
Campesina, adotou a agroecologia como um novo paradigma de produção e de luta política. A
partir do 4º Congresso Nacional, o Movimento organiza sua agenda para potencializar e
aprofundar as discussões sobre agroecologia nos assentamentos rurais.
Como um processo em construção, os assentamentos iniciaram uma gradual transição
da agricultura modernizante para práticas sustentáveis. Essa transição, a médio e longo prazo,
requer uma nova mudança de valores e práticas nos assentamentos rurais. Toda construção do
MST, em torno da superação do campesinato, padronização da produção, especialização de
tarefas, utilização de recursos externos e controle organizativo – Direção Nacional – terá que
ser desconstruída/reconstruída em novas bases. O longo período de incentivo ao
cooperativismo possibilitou a afirmação – mesmo que deficitária – de um modelo de produção
168
e trabalho coletivo, e sua mudança dependerá de novos esforços organizativos nos
assentamentos rurais.
O único elemento do processo de implementação do modelo cooperativista que deverá
ser ressaltado é a organização coletiva, entretanto, na agroecologia, o trabalho coletivo tem
que estar articulado com as necessidades dos contextos locais – diferentemente do paradigma
dependente da indústria e dos preços do mercado, externo à realidade dos assentamentos
rurais.
A agroecologia, enquanto ciência que integra conhecimentos modernos e saber
tradicional, busca a construção de alternativas de acordo com cada localidade. Isso pressupõe
a ênfase na heterogeneidade dos contextos e no planejamento participativo, o que permite
visualizar as limitações e possibilidades de implantação de qualquer projeto de
desenvolvimento. A organização descendente, através das estruturas representativas no MST,
deverá dar lugar à construção do conhecimento local e do resgate do saber tradicional
(camponês) – antes criticado pelo Movimento. As incoerências da coletivização do trabalho –
compulsória e padronizada – nos assentamentos rurais não se adequam à proposta de ação
coletiva – participativa e contextualizada – contida nos princípios da transição agroecológica.
Em relação à produção, o MST altera, em grande medida, sua orientação. A produção
cooperativa em larga escala, voltada para a industrialização e mercado externo, considerada
forma superior de organização e desenvolvimento econômico, perde espaço para o incentivo à
produção agroecológica, baseada na diversificação da produção e utilização de recursos
internos, em sua grande maioria.
O estilo de produção fomentado, em grande medida, até poucos anos torna-se o
principal adversário político do Movimento: o agronegócio. A “bandeira de luta”
agroecológica se opõe totalmente as práticas do agronegócio, degradantes e excludentes,
responsáveis pela concentração fundiária e destruição do meio ambiente. As grandes
169
empresas multinacionais produtoras de insumos e máquinas tornam-se alvo das críticas do
MST, principalmente em relação ao fomento ao agronegócio e as pesquisas em biotecnologia
(transgênicos).
Além do latifúndio improdutivo (principal adversário do Movimento até o início dos
anos 2000), as empresas multinacionais e o agronegócio são extremamente combatidos,
sobretudo pelas mobilizações internacionais organizadas pela Via Campesina. Esse embate
possui como contraponto a agroecologia e seus princípios, totalmente diversos ao paradigma
agrícola agroexportador.
Como já apontado anteriormente, a transição agroecológica no MST é um processo
muito recente. As experiências nos assentamentos rurais estão em fase de aperfeiçoamento e
avaliação, como o próprio Movimento e sua estrutura. Isso abre espaço para a realização de
inúmeros estudos de caso, com a análise enfocada na mudança da matriz tecnológica para a
agroecologia, ressaltando os impactos na produção, no trabalho e nas relações sociais. Além
disso, possibilita pesquisas que contribuam para a construção de estratégias de
sustentabilidade locais.
Para consolidar a agroecologia, o MST não necessita mudar apenas os assentamentos
(produção e trabalho), mas a si próprio, enquanto mediador do processo de transição para um
modelo de agricultura diferenciado daquele que adotou por mais de uma década. Essa
mudança significativa rompe com os elementos fundamentais da modernização da agricultura
e inaugura um novo momento para os assentamentos rurais, marcado pela busca do
desenvolvimento sustentável nas dimensões econômica, social e ambiental.
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DOCUMENTAÇÃO CITADA
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41
Até julho/agosto de 1990, o ano do JST era X, na publicação dessa edição e posteriores o número do ano do
jornal volta a ser IX e subseqüentes.
181
JST. (Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). São Paulo, nº 104, ano X, 1991a.
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