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analisante, ele estabelece a relação entre as formações inconscientes e a linguagem, através da
qual aquelas necessariamente se manifestam. Assim, os chistes, atos falhos, esquecimentos,
sonhos, sintomas etc. isolam um denominador comum, pois se estruturam como linguagem ao
sofrerem a ação dos processos de condensação e deslocamento destacados por Freud.
Valendo-se da lingüística, Lacan faz a analogia entre inconsciente e linguagem, isto é, entre
inconsciente e significante, uma vez que os mecanismos de deslocamento e condensação
podem ser equiparados aos lingüísticos, da metonímia e da metáfora. A estruturação
lingüística tanto ordena as relações humanas quanto estrutura o saber inconsciente. Com
efeito, com o aforismo, “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, Lacan trouxe a
psicanálise de volta ao seu campo específico — o da linguagem — do qual precisamente os
analistas pós-freudianos haviam se afastado (JORGE, 2002:65). Para Lacan, há uma distinção
importante que precisa ser feita entre fala e linguagem. A linguagem existe de maneira
independente e serve para que o sujeito se remeta aos seus semelhantes. De modo contrário, a
fala se introduz somente no momento em que o sujeito afirma algo, ou seja, toma a palavra.
Por isso, a questão do sentido para o sujeito vem junto com a fala que, por sua vez, se
fundamenta na existência do Outro
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. É de sua natureza ser a fala do Outro porque ele é o
lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que se poderá presentificar
do sujeito. É no campo do Outro que o sujeito aparece, uma vez que não há meio de ele se
constituir sem passar por tais significantes.
O Outro é a mola da fala porque ela se endereça sempre a ele. Sua invocação vem do
Outro e é por seu efeito que o sujeito se constitui. O sujeito é determinado pela linguagem e
pela fala, o que quer dizer que a sua existência começa no lugar do Outro, onde surge o
primeiro significante. Assim, o sujeito provém de seu assujeitamento ao Outro. A análise
consiste em fazer o sujeito descobrir progressivamente o Outro a quem se endereça, apesar de
não sabê-lo. Falar põe em cena a posição de um sujeito em relação ao Outro ao qual toda fala
se dirige. Segundo Lacan, “é justamente essa assunção de sua história pelo sujeito, no que ela
é fala endereçada ao Outro, que serve de fundamento ao novo método que Freud deu o nome
com que sua relação com a linguagem se caracterize pela fragmentação e desconcatenação de sua fala (como os
autistas ou alguns psicóticos esquizofrênicos graves). Entretanto, o psicanalista privilegia a fala porque apenas
ela permite que o sujeito, que emerge nos tropeços da consciência daquele que fala, possa ser reconhecido como
tal pelo falante: admitir como sua uma produção que desconhecia, mas que faz parte dele.
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O conceito de Outro foi introduzido por Lacan no Seminário livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise (1954/55) e sofrerá modificações ao longo de sua obra. Conceitua, inicialmente, o Outro como lugar
da linguagem, um Outro absoluto (A) na medida em que funda a existência do sujeito. Entretanto, como esse
Outro também é constituído estruturalmente pela rede significante, ele é um Outro marcado pela falta, um Outro
desejante
()
A
/
, aquele que instaura a legitimidade da lei. É no Outro da linguagem que o sujeito irá buscar sua
verdade. Esta será uma busca sempre retomada, pois nenhum significante pode defini-lo.