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TAÍS RIOS SALOMÃO DE SOUZA
A TRAJETÓRIA DO SESCTV:
desafios na busca por uma nova linguagem televisiva
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2007
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TAÍS RIOS SALOMÃO DE SOUZA
A TRAJETÓRIA DO SESCTV:
desafios na busca por uma nova linguagem televisiva
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo, para
obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Profª Drª Elizabeth Moraes
Gonçalves
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo – SP, 2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação “A TRAJETÓRIA DO SESCTV: desafios na busca por uma nova linguagem
televisiva”, elaborada por Taís Rios Salomão de Souza, foi defendida e aprovada no dia 14 de
maio de 2007, perante a banca examinadora composta por Pro Drª Elizabeth Moraes
Gonçalves, Prof. Dr. Jo Salvador Faro e Prof. Dr. Antônio Adami.
Assinatura do orientador: _____________________________________
Nome do orientador: Elizabeth Moraes Gonçalves
Data: São Bernardo do Campo, 14 de julho de 2007
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação Especializada
Projeto temático: Linguagens e Discursos Especializados na Comunicação
3
Aos meus pais.
4
E porque todos têm medo da opinião (ou visão) do outro,
todos deixam de ver (e ter opinião). É um caso de cegueira social.
Affonso Romano de Sant’Anna
5
AGRADECIMENTOS
À amiga, professora e orientadora, Beth.
Quem me desafiou e acompanhou meu desenvolvimento como pesquisadora.
À minha família.
O suporte e o amor que me deram foram fundamentais.
A quem me inspirou com poesias, palavras e amor.
Rodolfo, suas palavras e versos me fortaleceram.
Aos amigos Aninha, Franz e Zé.
Nossa amizade vai além da pesquisa que nos apresentou.
Aos amigos do mestrado Grego, Lílian e Lis.
Entre risadas e projetos aprendi muito com vocês.
Aos amigos Renata e Ricardo.
Amizades sinceras e especiais.
Aos profissionais
Danilo Miranda, Robson Moreira, Walter Salles, Adriana Veríssimo e Cláudia Giron, vocês
fazem parte deste trabalho.
À CAPES e à UMESP
Por viabilizarem este projeto.
6
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figura 1 Logotipos da TVSENAC, STV e SESCTV ........................................ 29
Figura 2 Programa Balaio Brasil ....................................................................... 114
Figura 3 Programa Conhecer ............................................................................. 114
Figura 4 Campanha de Câncer de Próstata ........................................................ 120
Figura 5 Campanha Liberdade de Expressão .................................................... 120
Figura 6 Campanha Tuberculose ....................................................................... 120
Figura 7 Campanha Tuberculose ....................................................................... 120
Figura 8 Campanha Cultura Popular ................................................................. 122
Figura 9 Campanha Cultura Popular ................................................................. 122
Figura 10 Campanha Saci .................................................................................... 122
Figura 11 Campanha Saci .................................................................................... 122
Figura 12 Campanha Espaço Público .................................................................. 123
Figura 13 Campanha Televisão ........................................................................... 123
Tabela 1 Orçamento SESC ................................................................................. 88
Tabela 2 Grade de programação STV ................................................................ 105-6
Tabela 3 Grade de programação SESCTV ......................................................... 108
7
SUMÁRIO
Uma abordagem teórico-metodológica a título de introdução
12
1. Percurso metodológico ..................................................................................... 14
2. As relações do objeto, método e fundamentação ............................................. 18
Capítulo I - SESCTV: identidade e espaço
21
1. O que é SESCTV? ............................................................................................ 22
2. Da não-aceitação à necessidade ....................................................................... 24
3. TV SENAC, STV – coexistências e transições ................................................ 26
Capítulo II - SESCTV e televisão por assinatura: restrições e possibilidades
32
1. Fronteiras institucionais da televisão ............................................................... 33
2. Uma oligarquia institucionalizada ................................................................... 33
3. TV por assinatura e suas oligarquias particulares ............................................ 36
Capítulo III - O SESCTV e o trânsito das culturas
49
1. Fundamentos urbano-imagéticos da televisão ................................................. 50
1.1 Televisão como produto urbano (industrialização e migração) ................. 50
1.2 Televisão como produto imagético ............................................................ 55
2. Fundamentos culturais da televisão ................................................................. 58
2.1 Cultura à luz da antropologia e sociologia .................................................. 58
2.2 Cultura produzida/criada e legitimada pela televisão ................................. 65
2.3 Cultura como finalidade no ambiente televisivo ......................................... 71
2.4 O SESCTV e a cultura ................................................................................ 78
Capítulo IV - Uma orientação diferenciada para o público
84
1. SESC: um modelobrido .............................................................................. 84
Capítulo V - SESCTV: por uma transgressão pela linguagem
99
1. A grade de programação como parte do discurso ............................................ 100
2. Os programas: complexos agentes do movimento transformador ................... 112
3. Intervalos: espaço de visível inovação ............................................................. 118
8
4. Um discurso em permanente construção ......................................................... 124
Reflexões a título de conclusão
127
1. Oportunidades e barreiras para um processo inovador .................................... 127
2. Uma revisão do olhar ....................................................................................... 129
3. SESCTV: inovações palpáveis ......................................................................... 130
4. Horizonte de desafios ....................................................................................... 132
Referências
137
Anexos
144
9
Resumo
O SESCTV, canal de televisão administrado pelo Serviço Social do Comércio de São
Paulo, caracteriza-se como uma iniciativa peculiar em seu âmbito midiático por diversos
fatores. Estes condicionantes, por terem múltiplas origens - da natureza institucional à
linguagem criada - desenham uma emissora que desperta inúmeros pontos de debate em torno
dela e do meio televisivo. O objeto configura-se como referência também no que diz respeito
ao amadurecimento da televisão por assinatura, sobretudo no campo educativo-cultural.
Procura-se, aqui, considerar as variantes basilares do canal, que compreendem a construção de
linguagem nele processada e o respectivo modo de produzir sentidos, sendo estes dois eixos
analisados mediante uma contextualização social, potica, econômica e culturalinterna e
externa ao objeto. Já o percurso metodológico traçado disseca os pontos convergentes e
divergentes das relações estabelecidas pelo canal ao longo de sua trajetória. Trata-se de uma
reflexão que mensura, a partir dos condicionantes expostos, os potenciais caminhos para que o
SESCTV firme-se na história televisiva brasileira como iniciativa de protagonismo e
vanguarda. Uma visão crítica que enxerga o atual como ponto de partida e não como fim.
Palavras-chave: comunicação, SESCTV, linguagem, televisão.
10
Abstract
The SESCTV, television channel managed by the Social Service of the Commerce of
São Paulo, is characterized as a peculiar initiative in its mediatic scope by diverse factors.
These condicionants, for having multiple origins - of the institutional nature to the built
language - draw a broadcasting station that awakes innumerable points of discussion around it
and about the television itself. The object is configured as reference also in the context of the
television for signature, over all in the educative-cultural field. It’s the main point considering
the fundamental variants of the channel, that understand the construction of language and the
respective way to produce senses, being these two axles analyzed by means of a social,
economic, cultural and politics landscape, - internal and external to the object. In addiction,
the methodologic course specifies the convergent and divergent points of the relations
established for the channel throughout its trajectory. One is about a reflection that measures,
from the displayed condicionants, the potential ways to consolidate SESCTV in Brazilian
television history as an initiative of vanguard. A critical vision that sees the current as starting
point and not as end.
Key-words: communication, SESCTV, language, television.
11
Resumen
El SESCTV, canal de televisión manejado por el Serviço Social do Comércio de São
Paulo, es caracterizado como iniciativa peculiar en su alcance mediatico por factores diversos.
Estos condicionantes, por teneren orígenes múltiples - de la naturaleza institucional al
lenguaje construido - dibujan una emisora que despierta inumeros puntos de discusión
alrededor de ella y sobre la televisión en general. El objeto se configura como referencia
también en el contexto de la televisión paga, sobretodo en el campo educativo-cultural. Es el
punto principal que considera las variantes fundamentales del canal, de que entiende la
construcción del lenguaje y la manera respectiva de producir sentidos, siendo estos dos ejes
analizados por una visión social, ecomica, cultural y potica, - interna e externa al objeto.
Ya el curso metodológico especifica los puntos convergentes y divergentes de las relaciones
establecidas para el canal a través de su trayectoria. Buscase una reflexión que exponga, a
partir de los condicionantes descriptos, las maneras potenciales de consolidar el SESCTV en
la historia de la televisión brasileña como iniciativa de vanguardia. Una visión crítica que
considera el actual como punto de partida y no como final.
Palabras-clave: comunicación, SESCTV, lenguaje, televisión.
12
Uma abordagem teórico-metodológica a título de introdução
A literatura constituída acerca da televisão ocupa-se, em grande medida, a analisá-la
de modo restritoou seja, na condição de dia – ou em buscar em seu campo referenciais
pontuais e não necessariamente precursores ou propositores de alguma forma de inovação.
Além disso, existe um estigma em torno do meio televisivo, em que a pesquisa pauta-se pela
crítica voraz e assim se acostuma. A massificação dos padrões atende, sobretudo, a dois
objetivos: o primeiro deles é o de reforçar uma estrutura de poder estabelecida. O segundo,
atingido de maneira decorrente ao anterior, é a influência sobre a crítica, que – sem perceber –
pauta-se exclusivamente por este processo, não buscando respirar fora de sua redoma.
Argumentos superficiais, que sugerem a Comunicação Social como ciência recente, ou
volátil sob a questão do objeto, não devem servir de base para as reflexões que Arlindo
Machado (2003, p.20) aponta: “conhecemos muito pouco o que a televisão produziu
efetivamente nos seus mais de cinenta anos de historia, ou conhecemos apenas o pior, como
se o pior fosse efetivamente televisão”. Independentemente da qualidade dos produtos
oferecidos, é iminente a necessidade de que o déficit de conhecimento sobre a própria mídia
seja reduzido.
Nessa perspectiva, abordar a função e posicionamento dos canais é diminuir essa
deficiência, na medida em que o fazer televisivo passa a ser um território conhecido. No caso
do SESCTV, significa transcender o ‘lugar-comum analítico’ acima exposto. Sem
desconsiderar produções anteriores, representa partir de um pressuposto diferenciado, que se
inicia em uma análise crítica e se direciona para a elucidação de novos caminhos, estes
conectados diretamente a reflexões sobre os caminhos que se apresentam para tal meio.
Salta aos olhos a riqueza do objeto em termos de complexidade sistêmica, tamanha a
gama de agentes e condições que constituem sua identidade e, por conseguinte, suas
transformações internas e reverberações externas das mesmas. As raízes institucionais do
SESC (Serviço Social do Comércio), cunhadas na década de 40, mostram resquícios de
contemporaneidade em uma linguagem de televisão sensivelmente controversa perante os
grandes modelos vigentes. Além disso, o percurso histórico do canal e sua relação com a
entidade mantenedora anterioro SENAC –, bem como sua coexistência com o SESC,
evidenciam barreiras e forças motrizes de uma proposta à margem – ainda que parcialmente
do que se tem na condição de comum.
13
Sua constituição de linguagem mostra potencialidades acerca de um mote transgressor
do fazer televisivo. Embora não se trate de um canal inovador em sua totalidade, o SESCTV
põe em evidência experimentações que expelem o vício do olhar analítico e tangenciam-no no
caminho de singulares maneiras de enxergar e trabalhar a televisão.
O objetivo principal no presente estudo busca considerar as variantes basilares do
canal, que compreendem a construção de linguagem nele processada e o respectivo modo de
produzir sentidos, sendo estes dois eixos analisados mediante uma contextualização social,
potica, econômica e cultural – interna e externa ao objeto. Desta maneira, é possível
estabelecer argumentação crítica tanto a respeito do SESCTV na condição de emissora
pertencente a uma organização institucional com particulares arranjos relacionais, como
também no que diz respeito ao seu posicionamento sociocultural expresso por meio de uma
identidade visual e discursiva peculiar. O que se segue é uma desconstrução do objeto e de
seus fatores de influência, de modo que cada parte do mosaico seja tratada com a devida
relevância e tenha sua importância esclarecida perante o todo.
Os capítulos seguem esta metodologia e têm como objetivo central estabelecer a
complexidade da cadeia de relações que fazem do SESCTV um relevante agente no campo da
mídia televisiva. Passam por esta visão não somente as questões inerentes ao modo de
produção relacionado a tal meio, mas tamm as matrizes institucionais, políticas, sociais e
econômicas que constituem seu universo de influência.
No primeiro capítulo, busca-se apresentar o SESCTV em suas dimensões
institucionais, legais e propositivas. Desta forma, procura-se identificar o canal sob o
panorama legislativo nacional e, tamm, localizá-lo dentro dos objetivos institucionais de
suas entidades mantenedoras, o que – mais adiante – tem sensíveis conseqüências sobre o
modo de comunicar adotado pela emissora.
Posteriormente, são contemplados os aspectos da televisão por assinatura, meio
fundamental de propagação do SESCTV. Suas configurações regulatórias, ao mesmo tempo
em que se diferenciam da televisão aberta, trazem à tona um modelo de dominação peculiar
aos dois espectros – ambos ligados a grandes conglomerados empresariais e oligarquias
nacionais. Assim, desenha-se uma relação entre o canal e a redoma de poder que o cerca, de
modo que esta seja considerada a partir do momento em que se reflete acerca da validade,
grau de inovação e longevidade da emissora.
A natureza institucional do SESCTV relaciona-o majoritariamente à questão da
cultura, tanto no que tange aos seus conteúdos – ou seja, a maneira pela qual se trata o assunto
– como no que diz respeito ao tratamento do humano à luz deste prisma. Ademais, figuram
14
também as características culturais da própria mídia televisiva, essenciais para o
tangenciamento das atividades desenvolvidas pela emissora. Este núcleo temático é um dos
principais reflexos da dinâmica e enovelada estrutura de entendimento do canal.
O grau de importância ao humano conferido pelo SESCTV motiva o quarto catulo,
que localiza de forma mais profunda a emissora dentro da materialidade histórica do Serviço
Social do Corcio, atual e exclusiva entidade mantenedora. A função desempenhada pela
entidade no âmbito sóciopotico desperta uma desconstrução que visa à enumeração do real
papel ocupado pela entidade quanto à relação entre público e privado, bem como seu
protagonismo na história brasileira, sobretudo à época do seu surgimento e também nos dias
de hoje. Também são contemplados questionamentos referentes aos processos democráticos
passados pelo Brasil, bem como os respectivos aperfeiçoamentos em termos de organização
de poderes.
No quinto capítulo, os fatores internos voltam a figurar com uma análise sobre os
alicerces de linguagem das produções do SESCTV ao longo de sua trajetória. Sua orientação
discursiva é desbravada mediante um estudo de significados, que considera a seguinte tríade:
programas, intervalos e organização destes na grade diária. Voltam à tona, nesta parte,
condicionantes dos foros acima contemplados, de maneira que se explicite uma análise
sistêmica da linguagem sob motivações mais amplas e, portanto, sincrônicas com a complexa
cadeia de agentes influenciadores que atuam sobre a emissora.
Todo este percurso conduz a uma reflexão que mensura, a partir de todos os
condicionantes expostos, os potenciais caminhos e as trilhas já percorridas para que o
SESCTV se firme na história televisiva brasileira como iniciativa relevante e de protagonismo
na direção de um processo inovador. Uma visão crítica que enxerga o atual como ponto de
partida e não como fim.
1. Percurso metodológico
A característica interdisciplinar da Comunicação Social permite que ela influencie e
seja influenciada por diversos campos do conhecimento científico. Desta forma, a intersecção
entre diferentes áreas da ciência não apenas se torna possível como também é capaz de propor
uma visão mais integrada dos possíveis objetos que cada segmento pode fornecer. É evidente
que, para a consolidação deste caráter hostico, faz-se imprescindível o apoio de outros
15
campos da ciência, pois somente assim poderão ser conferidas abordagens diferenciadas aos
objetos de estudo.
Um dos caminhos para isso é a aplicação de um conjunto de teorias que relacionam o
conhecimento histórico com o desenvolvimento da sociedade e da mídia, além de posicionar a
cultura como parte importante desta relação. Esse arcabouço integra a fundamentação teórica
deste projeto, pois auxilia a compreender a maneira pela qual o desenvolvimento da sociedade
e das mídias caminha e como este não pode ser desvinculado da produção cultural decorrente,
entre elas a veiculada nos canais de televisão. Autores envolvidos com os Estudos Culturais
contribuem com definições e aplicações da cultura e, ainda que os trabalhos desenvolvidos a
partir dessa linha de pesquisa tenham uma concentração na área de recepção – o que não é o
caso deste estudo –, trazem discussões pertinentes sobre a formão da identidade cultural e a
influência dos meios nesse processo. Conceitos da antropologia auxiliam a formar a base para
a “análise dos produtos da comunicação visual reprodutível na sua totalidade, isto é,
fenômeno global da cultura visual, seja para compreender os seus modelos simlicos e
formais, seja para reforçar a referida pesquisa numa relação interativa” (CANEVACCI, 1990,
p.11).
A opção por tal estruturação teórica também está diretamente relacionada ao fato de se
tratar de um estudo que visa traçar reflexões acerca da linguagem elaborada pelo objeto. Por
esse motivo, presume-se a inter-relação do foco da pesquisa comrios fatores, às vezes
distantes em um primeiro momento. A complexidade do homem, tanto sob o ângulo
individual como de suas variantes apresentadas em sociedade, bem como suas ações
comunicantes, despertam naturalmente a recorrência à cadeia de relações que permeia suas
iniciativas e criações. Este crescente, abrangente e sofisticado processo de significação é
retratado por Lúcia Santaella (1996, p.313), que pontua:
se levarmos o termo linguagem o longe quanto possível, não é difícil
chegarmos à conclusão de que tudo é linguagem. A mais esquetica
definição de linguagem seria a de que qualquer coisa é capaz de tornar
presente um ausente para alguém, produzindo nesse alguém um efeito
interpretativo.
Para que a amplitude do tema o inviabilizasse a análise aqui efetuada, o presente
estudo estabelece como referencial uma específica concepção de linguagem: aquela que a
trata como um múltiplo universo de produção de sentidos, não apenas restrito ao campo
verbal, mas também no âmbito de outras formas capazes de reproduzir mensagens e
conteúdos mediante as mais variadas codificações, o que abarca o tipo de linguagem criada
16
por cada meio de comunicação. Tomar a linguagem sob essa definição implica em trabalhar a
análise dos textos – tamm em um sentido mais amplo que abarca como o termo linguagem
formas visuais e sonoras –, não
apenas como ilustração ou como documento de algo que já está sabido em
outro lugar e que o texto exemplifica Ela produz um conhecimento a partir
do próprio texto, porque o vê como tendo uma materialidade simbólica
própria e significativa, como tendo uma espessura semântica: ela o concebe
em sua discursividade (ORLANDI, 2005, p. 18).
A importância conferida a outros aspectos da comunicação, incluindo-se aqui a função
do meio, ocorre por conta de sua influência na moldagem de significados. “Os meios não
transmitem o que ocorre na realidade social, mas impõem o que constroem do espaço público.
A informação é essencialmente uma questão de linguagem, e a linguagem não é transparente”
(CHARAUDEAU, 2003, p.15). Desta maneira, uma vez que existem intenções que permeiam
toda a estrutura relacional do objeto, é preciso considerar quais são os embasamentos das
mesmas e como elas traduzem-se ou ocultam-se nas maneiras de transmitir por meio de
recursos discursivos.
A Análise do Discurso mantém suas principais raízes vinculadas à Linguística de
Saussure e à Semiologia de Peirce, com estudos que datam do início do século XX. Estes
teóricos encabeçavam o
movimento intelectual que recebeu o nome de ‘estruturalismo’ (tal como se
desenvolveu particularmente na França em torno da Lingüística, da
antropologia, da filosofia, da política e da psicanálise) pode ser considerado,
desse ponto de vista, como uma tentativa anti-positivista visando levar em
conta este tipo de real, sobre o qual o pensamento vem dar no
entrecruzamento da linguagem e da história (PÊCHEUX, 2002, p.43-4).
Esta visão contempla tanto a questão lingüística, que concentra as organicidades
idiomáticas verbais, como a semiótica, a qual contempla toda e qualquer linguagem em suas
delimitações investigativas. Embora tenham suas raízes no estruturalismo, as necessidades
analíticas despertadas pelo objeto fazem com que este seja observado à luz dos-
estruturalismo, que se desprende do estrito núcleo sistêmico do objeto e amplia-se, de modo
que se considerem outros fatores integrantes de sua cadeia relacional. Sua complexidade
requer um olhar pautado pela diversidade, de modo que este note e considere a relevância de
determinantes cruciais para uma completa abordagem.
17
A opção pela Análise Crítica do Discurso (ACD) representa o privilégio da
complexidade do objeto a partir do momento em que tal corrente abre espaço para a
coexistência de camadas diferenciadas de estudo, que, combinadas, sincronizam-se com o
perfil do que é contemplado.
O analista de discursos é uma espécie de detetive sociocultural. Sua prática
é primordialmente a de procurar e interpretar vestígios que permitem a
contextualização em três níveis: o contexto situacional imediato, o contexto
institucional e o contexto sociocultural mais amplo (PINTO, 1999, p.22).
Muito mais do que desenvolver raciocínios sobre conteúdos, esta modalidade de
análise promove investigações de maior profundidade, pautadas pela busca das intenções,
pilares socioculturais e inseão história dos diversos atores que trabalham em torno de um
campo de significados e produção de sentidos.
A ACD na órbita comunicacional, por envolver tal gama de condicionantes e agentes
determinantes, demanda um permanente exercício de construção metodológica, de modo que
se obtenha um consistente referencial, tanto em termos de padronização como de aplicação
teórica.
[...] a ACD há de ser um saber rigoroso. Suas teorias multidisciplinares
devem dar conta das complexidades das relações entre as estruturas do
discurso e as estruturas sociais. Sem um método explícito e sistemático, não
é possível gerar nenhuma observação socialmente útil ou cognitivamente
confiável, e tampouco podem realizar-se descrições válidas (DIJK, 2001,
p.145).
Sendo assim, a pesquisa fundamentada em Análise de Discurso transcende a análise de
determinado objeto de estudo. Caracteriza-se, tamm, como experiência metodológica, já
que as técnicas de investigação neste campo estão em desenvolvimento. A isto, soma-se o fato
de que não existe uma única maneira de aplicar a Alise de Discurso, pois como afirma
Rosalind Gill (2002, p.244), “Análise de Discurso é o nome dado a uma variedade de
diferentes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes tradições teóricas
e diversos tratamentos em diferentes disciplinas”.
Portanto, a um objeto influenciado de maneira inata pela heterogeneidade e
multiplicidade relacional, nada mais aplicável do que um arcabouço teórico que trilhe
caminhos a partir de uma perspectiva ampla do conhecimento, em um cenário promotor do
intercâmbio de inúmeras correntes, sem que, no entanto, perca-se a coerência metodológica.
18
2. As relações do objeto, método e fundamentação
Para a definição do percurso metodológico deste projeto deve ser explicitada a inter-
relação de dois fatores estruturais importantes: a fundamentação teórica e a definição do
corpus de análise. Para a ACD, “a delimitação do corpus não segue critérios empíricos
(positivistas) mas teóricos” (ORLANDI, 2005, p.62) o que justifica sua ligação direta com o
referencial trico e uma forma de trabalho em que, como esclarece Orlandi (2005, p.62),
Não se objetiva, [...], a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a
completude, ou exaustividade em relação ao objeto empírico. Ele é inesgotável”.
Em outras palavras, a interdependência entre o corpus de análise e o referencial teórico
faz com que alterações projetadas em uma das partes ressoem inevitavelmente mudanças na
outra. Esta analogia também é válida quando se trata da relação entre o método de análise e
fundamentação teórica, sobretudo no caso da ACD, em que é árdua a tarefa de precisar a
acepção desta corrente como ferramenta de análise ou conjunto de teorias utilizadas para a
fundamentação teórica. O posicionamento apresentado não busca generalizações a ponto de
afirmar que todas as pesquisas que usam ACD seguem essa forma metodológica. Apenas
indica uma dependência maior entre a delimitação do corpus e o referencial trico nos
estudos que aplicam a ACD.
A definição das relações estabelecidas entre as etapas deste estudo é parte importante
para a posterior justificativa de decisões metodológicas.
Definido o corpus de análise, deve-se considerar que, por esta pesquisa estar vinculada
à Análise de Discurso e mesclar teoria e dispositivo de análise, não se pode deixar de
considerar as condições de produção de cada elemento do corpus. Observando “os três lugares
da máquina midiática” de Patrick Charaudeau (2003, p.23, tradução nossa) entende-se a
relação entre os momentos da comunicação.
19
No quadro acima, o autor menciona as instâncias do ato comunicacional e de que
forma se inter-relacionam. Diante da ‘máquina midtica’, percebe-se que este estudo se
detém em duas fases: ‘Produção’ e ‘Produto’. Isto porque a compreensão da estrutura sócio-
discursiva do canal está ligada à forma como seus conteúdos foram produzidos, sob que
práticas organizacionais, sócio-profissionais e de realização do produto. Ou seja, sob os
condicionantes de produção. Mesmo que não abordada em profundidade – para isso seria
necessário desviar o foco do estudo para a audiência –, a instância de ‘Recepção’ é importante
e estudos na área são fontes sobre o comportamento do público-alvo e a interpretação das
mensagens. Baccega (1998, p.90) expõe sua percepção de discurso que, quando relacionada
aos conceitos de Charaudeau, reforça a relação entre ‘Produção’ e ‘Produto’.
O discurso é o lugar do encontro entre o lingüístico e as condições sócio-
históricas constitutivas das significações e a análise do discurso se constrói
nesse encontro. [...] O significado de uma palavra não está mais no sistema
da língua, entendida enquanto estrutura, mas na sociedade que a criou, que
reelaborou seu significado, que a utilizou num determinado contexto, numa
determinada formão ideológica, formação discursiva.
Produção
Produto
Recepção
Lugar das condições de
produção
Lugar de construção do
discurso
Lugar de interpretação
(Externo-
externo
)
(Externo-
interno
)
Práticas da
organização
sócio-
profissional
Representações
por meio de
discursos de
j
ustificativa da
intencionalidade
dos “efeitos
econômicoa”
Práticas da
realização do
produto
Representações
por meio de
discursos de
j
ustificativa da
intencionalidade
dos “efeitos
propostos
influência
Interno
Organização estrutural
semiodiscursiva segundo
hipóteses sobre a
cointencionalidade
Enunciador-destinatário
“Efeitos possíveis”
(Interno-
externo
)
(Externo-
externo
)
Alvo
Imaginado pela
instância
mediática
Público
como insncia
de consumo do
produto
“Efeitos
supostos”
“Efeitos
produzidos”
(Intencionalidade e co-construção do sentido)
Retorno de Imagens
20
Não é possível julgar o poder transformador de uma iniciativa discursiva sem que
sejam postos à prova seus valores perante o sistema vigente, este como uma complexa rede de
determinantes em mutação permanente. Bakhtin (1986, p.39) ratifica a importância da
contemplação de um femeno mediante uma estrutura de associações.
A explicitação de uma relação entre a infra-estrutura e um fenômeno
isolado qualquer, destacado de seu contexto ideológico completo e único,
não apresenta nenhum valor cognitivo. Antes de mais nada, é impossível
estabelecer o sentido de uma dada transformação ideológica no contexto da
ideologia correspondente, considerando que toda esfera ideológica se
apresenta como um conjunto único e indivisível cujos elementos, sem
exceção, reagem a uma transformação da infra-estrutura.
A relevância do contexto na perspectiva analítica do objeto traz à tona, no âmbito das
intenções, as questões ideológicas – estas necessariamente ligadas a situações históricas e à
materialidade das relações humanas a partir do jogo de forças que as posicionam na
sociedade. Por conta da referida complexidade, o objeto é aqui estudado a partir de um
método de desconstrução, útil para identificar com profundidade analítica os principais
agentes a ele relativos. Com isso, também são atendidos os requisitos inerentes à aplicação da
Análise Crítica do Discurso expostos anteriormente.
21
CAPÍTULO I – SESCTV: identidade e espaço
A partir da abordagem de desconstrução que norteia este trabalho, o primeiro capítulo
tem como meta principal identificar objetivamente os elementos constituintes do SESCTV em
termos institucionais, legais e propositivos. Esta contextualização histórica apresentará o foco
da pesquisa, bem como os pontos fundamentais que em torno dele orbitam. O panorama
institucional, a partir do momento em que é evidenciado, abre espaço e consolida as bases
para discussões mais aprofundadas acerca de objetivos de comunicação, linguagens,
abrangência, influências dos mantenedores, sobrevivência financeira e função sociopotica.
Importante ressaltar também que esta dissertação trata, sobretudo, da mídia televisiva - a qual
não pode ser perdida de vista como núcleo anatico.
A complexidade e os múltiplos fatores que envolvem o estudo da televisão como meio
demonstram a necessidade de uma segmentação em sua análise com o objetivo de elucidar os
elementos que comem cada objeto constituinte. A própria evolução tecnológica que
permeia o meio físico de transmissão denuncia alguma das principais difereas. A
consolidação do mercado de televisão por assinatura e a criação de canais exclusivos para tal
modalidade abriram terreno para que novas linguagens fossem rascunhadas, bem como outras
iniciativas nos âmbitos da programação e produção.
As exibões iniciais da televisão por assinatura consistiam em retransmissões de
programas e canais internacionais focados majoritariamente em esportes e entretenimento. No
entanto, a partir do instante em que as instâncias regulamentadoras do meio estavam
devidamente consolidadas – ao menos para o início de suas operões –, percebeu-se um novo
e amplo espaço para que novas possibilidades fossem testadas e aplicadas à comunicação
televisiva. A sociedade imagética preparava-se para uma nova fase – vinda à tona
posteriormente com a internet e os meios digitais –, que permitiu o nascimento de formas
diferenciadas no que tange à expressão, tratamento, lapidação e divulgação de mensagens e
informações. O aparecimento de novos idiomas técnicos, os quais influem diretamente nas
formas de diálogo e discurso, demonstra a proximidade e a urgência de um salto nas relações
comunicacionais proporcionadas pela televio.
O SESCTV configura-se como um dos exemplos não somente no sentido exposto, mas
também no que diz respeito ao amadurecimento da televisão por assinatura, mais
especificamente no campo educativo-cultural. Seu processo de constituição e afirmação abriu
questionamentos em imeras esferas, as quais se interpuseram em uma dinâmica que, ao
22
cabo, formou novas e consistentes propostas do fazer televisivo, mesmo deixando lacunas em
relação a tal mídia. No entanto, a abertura para o exercício da inovação faz do objeto um ente
singular em seu meio.
Como se verificará mais adiante, um conjunto peculiar e múltiplo de forças agiu
historicamente sobre o canal. Isto se deu em decorrência do hibridismo institucional inerente
às entidades que dele participaram, além da relação entre seus objetivos e as metas comerciais
de outras emissoras. Por outro lado, houve sinergia com outros canais que enriqueceram a
experiência aqui relatada, uma vez que abriram portas para a reflexão acerca de novos
modelos para o meio.
O percurso metodológico traçado por este estudo pretende dissecar os pontos
convergentes e divergentes das relações estabelecidas pelo canal ao longo de sua trajetória. A
partir desta análise, o texto debruçar-se-á sobre a influência desta e de outras questões na
sedimentação das linguagens propostas pelo SESCTV sob o manto de suas diversas alcunhas.
Propõe-se, aqui, um olhar focado sobre as nuances que impedem ou impulsionam as
iniciativas de um canal de televisão que tem como raiz a abordagem educativo-cultural.
1. O que é SESCTV?
O SESCTV iniciou suas operações oficialmente em 2 de maio de 2006. O novo canal,
que atua sob a legislação das emissoras de televisão por assinatura, é uma iniciativa do SESC
São Paulo. Em realidade, diz-se ‘novo’ em relação à sua administração, pois seu sinal
ocupa lugar no satélite desde 1995.
Diante da categorização proposta pelas autoridades que regulamentam os canais de
televisão que operam segundo pacotes por assinatura, o SESCTV enquadra-se junto aos
canais educativos. Contudo, na apresentação exposta no site
1
da emissora, acresce-se a esse
caráter o cultural: “É um canal de cultura e educação que tem sua programação retransmitida
para todo o Brasil em sinal aberto por emissoras educativas e independentes ou operadoras de
TV por assinatura”. É importante ressaltar que, mesmo tendo parte de sua programação
retransmitida por emissoras abertas parceiras, o SESCTV é juridicamente qualificado como
canal por assinatura.
1
SESCTV: Disponível em http://www.sesctv.org.br. Acesso em: 05 nov.2006.
23
Até então, o uso da palavra cultura pode ser considerado injustificado não fosse o
Plano de Trabalho de 2007, no qual o diretor de programação Walter Vicente Salles
2
expõe a
necessidade de compreender-se a televisão como veículo de expressão cultural, a exemplo de
outras linguagens já plenamente consolidadas no SESC, como a dança, o teatro e o cinema. A
continuação do texto colocado no site também ajuda a justificar ao usuário o emprego deste
termo e sua relação direta com as ações do canal: “Ao adotar um conceito amplo de cultura, o
SESCTV inclui em sua grade de programas temas como terceira idade, educação infantil,
meio ambiente e ciência, saúde, atividades físicas e qualidade de vida” (SESCTV, 2006, on-
line). Para contemplar esses temas, dezessete programas (‘Balaio Brasil’, ‘Oficina de Vídeo’,
‘O Mundo da Arte’, ‘O Mundo da Fotografia’, ‘O Mundo da Literatura’, ‘Instrumental SESC
Brasil’, ‘Dança’, ‘Bem Brasil’, Fragmentos’, ‘Reportagem’, ‘Documentário’, ‘Visões do
Mundo’, ‘Programa de Palavra’, ‘Gerações’, ‘Filhos’, ‘Viva Vida’ e ‘Check Up’) revezam-se
diariamente na grade de programação composta por 94% de produção brasileira, posto que o
canal visa contemplar “a diversidade cultural, a valorização das identidades brasileiras, as
manifestações regionais e a presença de valores universais na programação” (SESCTV, 2006,
on-line).
As palavras de apresentação do site tomam ainda mais corpo quando seguidas pelo
depoimento de Danilo Santos de Miranda
3
, diretor regional do SESC SP, instituição à qual o
canal de televisão está diretamente ligado. Seguindo um dos princípios do SESC de garantir a
boa convincia entre seres humanos, o canal tem, para ele, a intenção de disseminar os
valores de cidadania, respeito e afirmação do humano como portador, detentor, criador e
objeto de direitos. Por estes motivos:
A televio acaba sendo especial para isso. Espero que sempre possamos
levar essa mensagem, que tem a ver com qualidade, estética, esmero,
beleza, entretenimento, mas também com educação. Se fizermos apenas
educação ou apenas entretenimento não interessa (MIRANDA, 2006,
entrevista).
A mensagem transmitida pela TV, sempre com o alerta de atender um viés educativo,
deseja atingir o mesmo tipo de público para quem o SESC trabalha: trabalhadores de
comércios e serviços, além da população em geral que também freqüenta as unidades. Mais
uma vez, Miranda reforça:
2
Entrevista concedida especialmente para a elaboração deste estudo realizada em 23 out.2006.
3
Entrevista concedida especialmente para a elaboração deste estudo realizada em 23 out.2006.
24
o interessa para a gente ter uma televio como as outras. Mesmo que ela
seja pior, mesmo que ela seja mais fraca, ela não será como as outras. Por
quê? Porque para fazer como as outras não se precisa de uma instituição
como a nossa, que recebe recursos das empresas, da comunidade para se
manter (MIRANDA, 2006, entrevista).
Mostrar as expectativas quanto à construção de uma TV diferenciada denota a inserção
do canal dentro da potica de comunicação do SESC, sua relação com os demais meios de
comunicação da instituição e a publicização da vida orgânica de seu aparato como
sustentáculo potico. A TV, bem como o portal SESC e a revista E, não pode ser considerada
simples prestação de serviços. Como meios de comunicação, enquadram-se em um sistema
mais amplo de emissão de informações por parte da entidade. A televisão, por sua vez,
contribui para essa diversificação de meios e aumenta a complexidade da rede
comunicacional controlada pela instituição.
Os dirigentes do SESC, cientes da relevância inerente às práticas desenvolvidas nas
unidades físicas da entidade, reconhecem na televisão uma forma de propagação de tais
iniciativas com uma abrangência outrora impensada. Danilo Miranda (2006, entrevista)
classifica este veículo de “poderoso” em relação à sua capacidade de ecoar em larga escala as
atividades do Serviço Social do Comércio. A opção por inserir a televisão em seu plano de
comunicação deriva justamente da influência deste meio sobre a população brasileira, tanto
em termos ideológicos quanto numéricos, como demonstra Acosta-Orjuella (1999, p.13):
Hoje, no Brasil, 8 de cada 10 lares contam com uma TV; na cidade, no
campo, em casebres ou em palacetes. Aqui, o número de pessoas que assiste
habitualmente à TV corresponde ao dobro do público dos jornais e revistas
somados. Isto significa que, para a imensa maioria dos brasileiros, a TV é a
única fonte de informação.
Pela exclusividade de alcance, a televisão tornou-se prioridade estratégica para o
SESC, que passou a ocupar, desta maneira, o mesmo espaço de outros formadores de
consciência e emissores de discurso, cada qual a trazer propostas e origens heterogêneas.
2. Da não-aceitação à necessidade
A evolão dos meios de comunicação e a influência que um tem sobre os outros
foram muito discutidas por teóricos que buscavam compreender seu grau de penetração na
sociedade, as mensagens transmitidas e até mesmo o conteúdo que carregam. Mesmo que
25
descontextualizados, algumas vezes, esses questionamentos não podem ser esquecidos, pois
são os alicerces para uma reflexão sobre a nova realidade que está sendo construída ao redor
dos meios comunicacionais.
O espaço virtual, seja ele nas redes computacionais ou no satélite, começa a ser
preenchido por usuários cada vez mais plurais nos seus objetivos. Nas corporações
empresariais, as mídias funcionam como veias estratégicas de posicionamento mercadológico,
da mesma maneira que entidades como o SESC fazem uso de tais ferramentas como formas
de conferir visibilidade aos respectivos discursos. Os indivíduos, por sua vez – sobretudo pela
internet – passam a ter cada vez mais independência para criar e veicular conteúdos de
maneira progressivamente irrestrita. Portanto, organizações e pessoas, a partir das novas
possibilidades comunicacionais que se apresentam, constroem, juntas, um novo cenário – que,
por sua vez, oferece novos desafios e oportunidades.
O uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de
relacionamento e de interação no mundo social, novos tipos de relações
sociais e novas maneiras de relacionamento do indiduo com os outros e
consigo mesmo [...]. De um modo fundamental, o uso dos meios de
comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social,
criando novas formas de ação e interação, e novas maneiras de exercer o
poder (THOMPSON, 2004, p.13-4).
A inserção da entidade neste panorama justifica-se pelo seguinte argumento:
O SESC, da sua parte, sempre teve uma presença muito grande nos meios
de comunicação que, em geral, comentam, divulgam, fazem uma série de
ações que, de alguma forma, nos consideram ou pauta, ou objeto de estudo.
Eu, da minha parte, nunca achei muito conveniente nós termos um
compromisso exclusivo com um canal, qualquer que fosse. Se eu tenho
todas as emissoras falando da gente, por que vou querer ter um canal
próprio se vou, inclusive, correr o risco. Uma análise precipitada minha,
porque depois eu percebi que ela tem um certo equívoco (MIRANDA,
2006, entrevista).
Equivocada ou não, a proposta de se ter um canal foi revista e a inicial falta de
simpatia pela idéia mudou, como Miranda (2006, entrevista) afirma, “em função dessa nova
realidade e da fragmentação disso”. A diretoria notou que produziam “um conteúdo relevante
do ponto de vista educativo, de valorização de aspectos importantes de relação humana, do
desenvolvimento das pessoas, independente da questão do trabalho e da formação
profissional, mas para a vida e a felicidade das pessoas”. Em outras palavras, percebeu o que
26
significa estar inserido ativamente no universo comunicacional e ocupar o espaço de
discussões dessa nova realidade.
3. TV SENAC, STV – coexistências e transições
No início, a proposta era de um circuito interno de televisão. Isso porque resolveria a
demanda do SENAC de fornecer o conteúdo de palestras que acontecem nos diferentes
centros da cidade deo Paulo para as unidades alocadas no interior do Estado. A instituição
imaginou que, com o investimento tecnológico visando à transmissão remota de conteúdos,
diminuir-se-ia o número de pessoas que se deslocavam para a capital paulista – até então
muito grande – e aumentaria potencialmente o acesso a tais conferências. Na época, Robson
Fagundes Moreira
4
, jornalista, foi convidado para desenvolver o projeto do circuito interno de
televisão. Com as discussões avançadas, orçamentos e propostas de programação elaborados,
a comissão que cuidava do projeto lançou a iia:
Já que o investimento seria alto, porque teria que ter um sinal no salite de
qualquer maneira para fazer a transmissão, a gente avançou um pouco o
sinal e propôs para o SENAC transformar isso em um projeto de televisão
que não se limitasse às unidades, mas que chegasse às casas das pessoas
(MOREIRA, 2006, entrevista).
O projeto data do final de 1995, quando o investimento do SENAC tornou viável o
projeto de um canal de televisão que era para ser apenas um circuito interno de coneo entre
suas sucursais. O período de incubação do projeto estendeu-se até novembro de 1996, data da
inauguração da TV SENAC. Enquanto os aspectos legais eram acertados e os equipamentos
de transmissão instalados na sede na Rua Dr. Vila Nova, 228 – São Paulo, o conteúdo do
projeto inicial foi testado com pesquisas de opinião aplicadas pelo instituto Datafolha a 2.400
pessoas. A pergunta principal do questiorio abordava o surgimento de um novo canal e
questionava sobre quais gêneros televisivos gostariam que fizessem parte da grade de
programação deste. A resposta moldou o projeto final de programão, além de mapear a
disposição dos potenciais espectadores do canal para “documentários, informação de boa
qualidade e informações sobre cultura” (MOREIRA, 2006, entrevista).
O canal, com o sinal alugado do satélite, operava segundo a proposta de seu
mantenedor, o SENAC, de transmitir informações relacionadas ao campo de trabalho e
4
Entrevista concedida especialmente para a elaboração deste estudo realizada em 25 out.2006.
27
profissionalização. A partir da televisão, a entidade começou a discutir aspectos importantes
concernentes a estes dois eixos. Sob o olhar de Miranda, a utilização do veículo televisivoo
teve a intenção “de transmitir uma formação profissional via TV”, com cursos ou outros
modelos de capacitão. Ele entende que
[...] o SENAC queria divulgar seu trabalho de uma maneira muito clara e,
ao mesmo tempo, tornar as pessoas interessadas por esse mundo do
trabalho, da sua modernização, da necessidade do seu aprimoramento e
desenvolvimento. Tinha, portanto, um componente cultural por trás, mas era
um componente cultural fixado, orientado pelo mundo do trabalho
(MIRANDA, 2006, entrevista).
Cultura e educação unem-se novamente no discurso de Moreira, que esteve presente
desde as discussões iniciais do projeto e, posteriormente, assumiu a direção de programação
do canal. Ele menciona que o conteúdo da TV SENAC tinha “cunho educativo-cultural, não o
educativo formal, mas o educativo do cidadão voltado para o mercado do trabalho
(MOREIRA, 2006, entrevista, grifo nosso).
Esse direcionamento já justificava, em parte, o formato dos programas e,
principalmente, a identidade do canal, transmitida por meio do slogan: “TV SENAC, o mundo
do trabalho mais perto de você”. Nos primeiros meses de programação, o ‘mundo do trabalho
foi contemplado à risca, de modo a cumprir as orientações do SENAC que direcionavam a
programação para assuntos relacionados ao comércio, uma vez que outras instituições, como
o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAR (Serviço Nacional de
Aprendizagem Agrícola) abordam os demais ramos de atividades que compõem a economia
brasileira. Essa restrão administrativa foi cumprida durante os primeiros meses de exibão
dos programas, pois “logo em seguida percebeu-se que deveriam abordar todos os temas que
envolviam a vida do cidadão: instria, meio ambiente, agropecuária” (MOREIRA, 2006,
entrevista). Desta forma, a perspectiva do humano ganhou uma nova amplitude, cujo legado
permanece até hoje no discurso do SESCTV.
Assim, ao longo dos anos de administração do SENAC, percebeu-se a vastidão de
temas aludidos pelo slogan do canal. A abordagem de profissões e novos empreendimentos
abriu espaço para programas como ‘O Mundo da Arte’ e ‘Programa de Palavra’, cujos temas
principais não estavam diretamente relacionados ao trabalho. Todavia, nas palavras de
Moreira (2006, entrevista),arte e literatura são fundamentais para quem trabalha”, de modo a
reafirmar o caráter educativo-cultural da programação e reforçando o ângulo holístico pelo
qual o humano era tratado. Isto era ratificado ainda pelas vinhetas de prestação de serviço
28
veiculadas nos intervalos dos programas e nos espaços de transição entre os mesmos. Elas
tinham como objetivo promover e ressaltar junto aos telespectadores aspectos importantes
sobre cidadania, sobretudo as questões de direitos e deveres do cidadão em seu círculo social.
A figura humana, portanto, é um ponto de convergência quando se trata das abordagens de
cultura, educação e cidadania dentro do conteúdo proposto pelo veículo.
A variedade temática dos programas contou com a ajuda do SESC, que, ao final dos
anos 1990, passou a oferecer conteúdos para a TV SENAC. A parceria ainda não estava
formalizada e, como menciona Miranda, o SESC começou a participar não da operação, do
financiamento ou da manutenção, mas da proposição da programação”. Os primeiros
programas sugeridos foram o ‘SESC Instrumental’, gravado nas dependências do SESC
Paulista e ‘Diálogos Impertinentes’, uma produção conjunta com a PUC-SP que mostrava as
formas pelas quais o ambiente do trabalho tangenciava a cultura e abria espaço para outras
reflexões.
A parceria entre as duas entidades fortaleceu-se e foi oficializada em 2000. SESC e
SENAC, instituições ligadas à Federação do Comércio do Estado de São Paulo
5
, passaram a
dividir o orçamento anual de R$ 18 milhões referentes à manutenção de equipamentos para
transmissão do sinal, aluguel deste no satélite, produção e equipe. Nessa mesma época, com a
intenção de ajudar na divulgação e sustentação do canal, as duas instituições foram buscar
financiamento em suas matrizes nacionais: SESC Nacional e SENAC Nacional.
A intensificação da coexistência das entidades em um modelo de administração
compartilhada implicou na troca de diretorias e demissão de funcionários – aproximadamente
dez no núcleo de pautas. A diretoria geral, sob o comando de Ana Dip, passou a ser ocupada
por Sandra Regina Cacetari, que exerceu o cargo ao lado de Robson Fagundes Moreira,
responsável pela programação desde o início do projeto da TV SENAC.
Os ecos da mudaa administrativa chegaram ao conteúdo e à estrutura do canal, que,
em 2000, mudou de nome para Rede SESC SENAC de Televisão. Havia sido argumentado
para que o nome da TV permanecesse o mesmo, pois já carregava uma identidade própria e
assim era reconhecida pelo público. Dessa forma, para que a nova “marca” não causasse
estranhamento ao espectador, foi criado o nome fantasia STV, que aproveitava a logomarca
da TV SENAC – uma letra ‘S’ (fig. 1).
5
A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio) reúne sindicatos patronais dos setores de
Comércio e Serviços de São Paulo e é a entidade que preside os Conselhos Regionais do SESC (Serviço Social
do Comércio) e do SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio) no Estado. Desde 1938, ano de
sua criação, a Federação tem como principal objetivo incentivar o crescimento empresarial, defendendo a livre
iniciativa e estimulando o desenvolvimento das micro e pequenas empresas. (Disponível em:
http://www.fecomercio.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=109
. Acesso em: 07 nov.2006).
29
(fig. 1 – Logotipos da TVSENAC, STV e SESCTV)
O espectador da antiga TV SENAC também notou uma gradual expansão dos
conteúdos abordados pelas 25 apresentações que compunham a grade de programação, entre
documentários, reportagens e entrevistas. A participação ativa do SESC na administração
permitiu que a programação fosse expandida para a área da cultura de uma maneira bastante
liberada, aprofundada, principalmente porque o SESC é uma instituição que produz cultura”
(MOREIRA, 2006, entrevista). As atividades desenvolvidas nas unidades do SESC eram
temas para pautas e até mesmo programas. O ‘SESC Instrumental’, que marcou o início da
troca entre as duas instituições, consistia na captação de um show promovido pelo SESC, que
era depois editado segundo um roteiro que acrescentava informações sobre o tipo de música,
instrumentos tocados, dentre outros detalhamentos. Isso para que o espectador não assistisse
apenas a um show gravado, mas sim a um programa musical enriquecido de várias formas.
Nesta fase de STV, ainda que a autonomia em relação ao conteúdo fosse resguardada
pelas duas instituições, havia uma divisão quanto a limites administrativos: o SENAC tinha
uma influência maior em relação à escolha dos programas e produtoras, devido a sua
experiência anterior com a TV SENAC, enquanto o SESC oferecia suas atividades nas
unidades físicas como pauta.
No site de cada instituição, ficam evidentes os respectivos objetivos, os quais
embasavam o discurso que se desenhava no ambiente televisivo:
O SESC – Serviço Social do Comércio é uma instituição de caráter privado,
sem fins lucrativos e de âmbito nacional. Criado em 1946, por iniciativa do
empresariado do comércio e servos, que o mantém e administra, tem por
finalidade a promão do bem-estar social, do desenvolvimento cultural e
da melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores desses setores, de suas
falias e da comunidade em geral. A ação sociocultural do SESC
desenvolve-se em favor do enriquecimento das experiências simbólicas e de
vida, do refinamento e da sensibilidade, do bem-estar físico e da adesão aos
compromissos sociais. Sua missão permanente é a de inserir e integrar as
pessoas e grupos de diferentes idades e estratos sociais ao universo cultural,
entendido de forma ampla, isto é relacionado às expressões da arte,
expressão corporal e esportiva, turismo, educação ambiental e outros. O
SESC desenvolve assim uma ação de educação informal e permanente, que
procura valorizar as pessoas ao estimular a autonomia pessoal, a interação e
o contato com expressões e modos diversos de pensar e sentir (SESC, 2006,
on-line).
30
O SENAC foi criado em 10 de janeiro de 1946 pelos Decretos-lei 8.621 e
8.622, que autorizaram a Confederação Nacional do Comércio a instalar e
administrar, em todo o País, escolas de aprendizagem comercial. A história
da instituão é, portanto, a da contribuição educacional do empresariado do
comércio para o desenvolvimento do mundo do trabalho (SENAC, 2006,
on-line).
A partir da convergência entre as entidades, a STV define-se como um canal cuja
programação é voltada à qualidade de vida, ao aperfeiçoamento
profissional, ao apoio a iniciativas sociais e à valorização de manifestações
artístico-culturais. O princípio de responsabilidade social se mantém nos
intervalos da programação, com a veiculação de campanhas sócioeducativas
que estimulam o exercício da cidadania (STV, 2005, on-line).
O período de coexistência administrativa durou até abril de 2006, quando foi
oficializada a dissolução da STV, marcada pela saída do SENAC da administração e
produção. Os motivos para a ruptura da parceria foram diversos. Os mencionados por Moreira
(2006, entrevista) evidenciavam incongruência nos objetivos institucionais: “houve um
momento em que as forças administrativas começaram a chocar interesses. Queriam mostrar
sua marca mudando programas, aprovando pautas, ou mudando a grade de programão”.
Miranda (2006, entrevista), por sua vez, aponta outras razões. Para ele, o centro do choque
estava na priorização de recursos: “o SENAC percebeu que tinha que investir mais
concentradamente em alguns outros campos; ensino universitário, na Universidade SENAC,
que estava em fase de implantação, e resolveu terminar a operação da TV”.
Dessa maneira, a partir de maio de 2006, o canal de televisão iniciou outra mudança,
na qual passou a ser operado exclusivamente pelo SESC. A passagem de uma fase
administrativa para a outra foi abrupta, não havendo um período de transição em que o modus
operandi do canal pudesse ser apreendido. A nova administração assumiu e o
empreendimento recebeu o nome de SESCTV.
Nesse período todo, quem administrava era o SENAC, mesmo quando nós
éramos sócios do empreendimento. Mas de alguma forma éramos sócios
que fornecíamos recursos para ajudar a manter e fazíamos alguns programas
segundo a filosofia do SENAC. Agora, passamos a ser os únicos
responveis pela TV em nível local e nacional (MIRANDA, 2006,
entrevista).
31
Nesta fase de transição, as partes que mais sofreram alterações foram a grade de
programação e os programas propriamente ditos. Por conta de acertos legais em contratos
com produtoras parceiras e para restabelecer a equipe de pauta, os programas passaram a ser
reprisados a partir de um ordenamento diferente. De acordo com a direção de programação do
SESCTV, o processo de produção está sendo retomado paulatinamente, de modo que o
‘Diálogos Impertinentes’ segue ativo e um novo programa, intitulado ‘Saberes’, foi
incorporado à grade recentemente. A direção pretende reavaliar os programas antes de voltar
a produzí-los, pois desejam “inovar algumas linguagens, mas é uma coisa que só vamos ter
musculatura para fazer quando dominarmos um pouco melhor o veículo e as pudermos
propor” (MIRANDA, 2006, entrevista).
Isso demonstra que um canal de televisão não pode ser analisado à parte da rede
complexa de fatores que estão organicamente ligados à sua formação. Devem ser
considerados os condicionantes externos e internos da emissora, os quais delimitam seu
discurso, moldam a linguagem e posicionam-na em um panorama mercadológico
notadamente contraposto à maioria de suas proposições. Além disso, existe a figura do
humano, fundamental para a análise dos componentes supracitados, pois ela concentra
valores, comportamentos e tenncias, sobretudo a partir de seu relacionamento comrculos
sociais, técnica e tecnologia. Desta forma, é possível compreender um canal dentro de um
ambiente mais amplo, em que múltiplos atores criam contradições e consensos de modo a
viabilizar ou não a efetividade de um empreendimento como o SESCTV.
32
CAPÍTULO II – SESCTV e televisão por assinatura: restrições e
possibilidades
A trajetória do SESCTV não pode ser analisada à margem dos aspectos institucionais
e mercadológicos que delimitam o meio televisivo, sobretudo no que tange aos canais por
assinatura – meio principal de sua exibição. Esta abordagem procura investigar pontos de
confluência entre os objetivos institucionais de sua entidade mantenedora, expressos no
primeiro capítulo, e a abrangência de público atingida pela emissora por meio das parcerias
por ela estabelecidas, bem como a partir de seu posicionamento na grade de canais pagos.
Além disso, outros relevantes fundamentos de análise residem na organização político-
econômica do sistema que regula esta mídia. De consolidação relativamente recente, a cadeia
produtiva de TV por assinatura expressa de forma clara características e modos de
organização pautados por alicerces oligárquicos. A volta à democracia não foi barreira para
que os tentáculos dos grandes grupos comunicacionais espraiassem suas atividades também
para este segmento. Um novo terreno de oportunidades foi preenchido por um antigo modelo,
sob o domínio dos mesmos grupos de poder.
A formação dos conglomerados controladores deste nicho, como poderá ser visto, é
crucial para o desenvolvimento estratégico do SESCTV, que esbarra em muralhas político-
mercadológicas e não consegue disseminar seu conteúdo junto ao público que deseja
contemplar. No entanto, o estabelecimento de parcerias alternativas ameniza este impacto e
garante-lhe uma veiculação ligeiramente mais ampla.
Esta amplitude de alcance desejada está intimamente ligada aos aspectos sociais
inerentes aos propósitos institucionais do SESC. As unidades paulistas atendem
majoritariamente pessoas que ganham até cinco salários mínimos. No entanto, seu canal de
televisão localiza-se na TV por assinatura. Dadas as características que constituem o perfil de
público deste segmento, pode-se afirmar que, enquanto as unidades físicas do SESC atendem
a uma classe social, sua programação televisiva chega ao outro extremo da pimide,
constituindo, desta forma, um desafio tanto em termos de linguagem quanto de manobras
institucionais.
Este capítulo, portanto, trata do meio ambiente em que o SESCTV está inserido, bem
como delineia os fundamentos políticos, econômicos e sociais que influem de forma decisiva
na consecução dos seus objetivos estratégico-institucionais.
33
1. Fronteiras institucionais da televisão
Sob os reflexos da dissolução do regime militar, a década de 90 é marcada por uma
continuidade no processo de aberturas potico-econômicas, iniciadas após as Diretas-Já;
Fernando Collor de Mello é o primeiro presidente eleito pelo povo de forma direta dentro do
novo período democrático. O chefe de Estado é um dos responsáveis pelo movimento de
abertura para o exterior, sobretudo no que diz respeito ao panorama econômico. Ressentido
pelas cicatrizes de planos fracassados (Verão, Cruzado, dentre outros) e pelas fendas abertas
por escândalos de corrupção no Executivo e Legislativo, o Brasil passa por uma intensa crise
que culmina com a renúncia de Collor em 1992. Entretanto, dois anos mais tarde, o Plano
Real surge como tentativa que acaba por deixar as portas abertas para o mercado exterior e
serve como trampolim para a consolidação de uma elite ligada ao meio financeiro e
simpatizante às privatizações. As bases de sustentação da economia nacional mudam. O
controle de preços é a pauta central da estratégia governamental. O cenário, inicialmente,
torna-se propício para o aumento de importações (aumento de oferta) e para a chegada do
capital estrangeiro que, até hoje, garante nosso equilíbrio econômico, seja por meio de
investimentos produtivos ou especulativos. A influência de outros países pairou sobre nossas
estruturas empresariais, modificando modelos de gestão e, também, produtos e serviços.
Como resultado deste processo, o brasileiro passou a conviver com uma variedade cada vez
maior de empresas e marcas, habituando-se gradativamente às oriundas do exterior. No
âmbito da televisão, a dinâmica não foi diferente.
Enquanto novos produtos eram encontrados em supermercados, lojas de roupas e bens
de consumo não-duráveis, as telas de televisão – que em 1989 já ocupavam lugar cativo em
34.860.700 residências (64% dos lares brasileiros) –, de acordo com Sérgio Mattos (2002,
p.202), tornavam pública a forma de desenvolvimento do País e desfrutavam das vantagens
aprovadas pelo Congresso Nacional expressas no artigo V da Constituição Federal de 1988.
2. Uma oligarquia institucionalizada
A Constituição Federal é entendida como um marco político da história de nosso país,
uma vez que foi o divisor de águas sob o âmbito legislativo das primeiras reivindicações
derivadas da ruína do poder ditatorial. Trata-se, contudo, de um instrumento democrático que
34
passa constantemente por lapidações e, por outro lado, está sujeito permanentemente à
inserção de dispositivos voltados aos interesses de grupos específicos.
Essencial para a consolidação de um sistema verdadeiramente democrático, ainda que
em um processo incipiente de retomada dos conceitos relativos a este tema, a comunicação
social mereceu tratamento enfático na Constituição. Uma leitura atenta sobre seus dizeres abre
espaço para uma análise que permite esclarecer as bases do sistema hoje em operação no
Brasil. Todavia, o poder da comunicação foi utilizado estrategicamente por determinados
grupos e entidades, os quais distorceram a busca pela democracia ao fazerem uso dos meios
de disseminação de informações com o objetivo de atender a necessidades particulares e
favorecer o alcance de metas próprias, fundamentadas em anseios individuais e oligárquicos.
Evidenciando este caráter legitimador da democracia, o capítulo reserva um artigo
(nº220)
6
para resguardar os direitos de expressão e manifestação de pensamento, afastando a
idéia de óros reguladores de conteúdo – e, por conseguinte, o possível cerceamento da livre
disseminação de informações e opiniões. Deter o controle de um meio de comunicação
representaria uma espécie de habeas corpus para que grupos elitistas ou agremiações político-
partidárias enraizadas em famílias, principalmente, pudessem propagar argumentos, opiniões
e idéias em massa sem correrem o risco de sofrer qualquer tipo de censura.
Formou-se, desta maneira, um ciclo de autofavorecimento. Posteriormente, o
documento toca em outra sensível questão: a do conteúdo, principalmente no que tange à
função do veículo comunicacional. Mesmo que se abrisse o canal comunicacional a todas as
expressões, o artigo seguinte resguarda que a programação das emissoras deveria visar a
objetivos educativos, culturais, artísticos e informativos, além de buscar a promoção da
cultura nacional e regional, estimulando as produções independentes. Com o perfil de
conteúdo e finalidades definido, o documento ainda discute a propriedade dos veículos de
comunicação. De acordo com o Art. 222:
A propriedade de empresa jornastica e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados mais de dez
anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e
orientação intelectual.
§ 1º É vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa
jornalística ou de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades
cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros (BRASIL,
2006a, on-line).
6
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24 nov.2006.
35
Sob o respaldo constitucional, diversos grupos olirquicos, que, sobretudo
exercitavam poderes locais, se beneficiaram por meio de concessões, que teriam o prazo de
vencimento de quinze anos para emissoras de televisão, tempo suficiente para que tais meios
fossem utilizados em prol dos interesses destes pólos de poder. Isto permite concluir que a
Constituição, instrumento de consolidação democrática, foi utilizada como elemento
oficializador dos sistemas de dominação e disseminação de idéias de grupos restritos. Houve,
em decorrência deste fato, uma espécie de “loteamento” dos canais comunicativos de longo
alcance.
A relação entre comunicação e poder, justamente pelo modelo constitucional vigente
em outras épocas, fortaleceu a participação familiar como principal condicionante deste
mercado. Pertencia ao Executivo o direito de conceder e cassar licenças e permissões para o
uso de freqüência de rádio ou televisão. Sérgio Capparelli e Venício Lima (2004, p.27)
contam que “durante mais de 50 anos as Constituições brasileiras restringiram a propriedade
de empresas jornalísticas e de radiodifusão por parte de pessoas jurídicas, sociedade anônima
e por ações e estrangeiros”. Sob esse regimento, os legisladores visavam à identificação plena
dos proprietários. “Todavia, uma das possíveis conseqüências indiretas não desejadas da
norma – ao impedir a propriedade de pessoas jurídicas – foi o controle histórico do setor por
pessoas físicas, vale dizer, por ‘empresas’ familiares” (CAPARELLI; LIMA, 2004, p.27). O
Capítulo da Comunicação Social da Constituição de 1988 apresentou novas regras, que
mostram a necessidade de aprovação do Congresso Nacional para qualquer decisão a respeito.
No entanto, a participação de pessoas jurídicas nas empresas jornalísticas e de radiodifusão só
passa a ser aceita em 2002, após uma Emenda Constitucional.
Por estes condicionantes históricos, os conglomerados midiáticos do País são mantidos
por grupos familiares que controlam as empresas de radiodifusão e mídia impressa. No setor
de rádio e televisão, os oito principais grupos são: família Marinho (Globo); família Saad
(Bandeirantes); família Abravanel (SBT); família Sirotsky (RBS); família Daou (TV
Amazonas); família Jereissati (TV Verdes Mares); família Zahan (MT e MS) e família
Câmara (TV Anhanguera). É importante ressaltar que, das oito famílias mencionadas, apenas
as três primeiras têm abrangência nacional e somente dois grupos familiares (Saad e
Abravanel) não são afiliados das Organizações Globo (CAPARELLI; LIMA, 2004, p.29).
Ainda que, como mencionado acima, esses grupos familiares dediquem-se
principalmente às atividades de radiodifusão, não se pode ignorar que alguns deles também
têm participação nas mídias impressa e eletrônica. A atuação nestes campos acontece, muitas
36
vezes, sob a forma de parcerias com outros grupos, sobretudo com aqueles que dominam a
mídia impressa. Cinco grupos familiares têm relevância na mídia impressa: Civita (Abril);
Mesquita (Grupo OESP); Frias (Grupo Folha); Martinez (CNT) e Levy (Gazeta Mercantil)
(CAPARELLI; LIMA, 2004, p. 30).
Em relação à Constituição vigente, as principais evidências disso surgiram pouco antes
de sua promulgação, ocorrida durante o mandato do presidente José Sarney (1985-1990) que,
com o apoio de seu ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, outorgou noventa
concessões de canais de televisão distribuídos da seguinte forma: 22 em 1985; 14 em 1986;
12 em 1987 e 42 em 1989 (MATTOS, 2002, p.121). As medidas governamentais de
concessões trabalharam em prol das poticas daquele mandato presidencial, expandindo sua
popularidade e permitindo que estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País tivessem
acesso às telecomunicações. Contudo, infringiram um dos parágrafos da mesma lei, aquele
que proíbe a formação de monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação: “Os meios de
comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou
oligolio” (BRASIL, 2006a, on-line). As licenças de operação eram tratadas, pelos motivos
políticos expostos, sob a influência dos principais grupos comunicacionais nacionais
(Bandeirantes, Globo, SBT e Manchete) para que pudessem retransmitir seus sinais, uma vez
que as produções de caráter local não eram capazes de preencher toda a grade de
programação.
3. TV por assinatura e suas oligarquias particulares
Assim, esses novos canais beneficiavam-se do desenvolvimento tecnológico da época
– microondas, cabos coaxiais e satélites – para compor uma maior cobertura territorial do
sinal televisivo, que, nessa época, já chegava em cores a todos os Estados brasileiros.
Além dos novos canais espalhados pelos Estados que ocupavam o espectro VHF
7
, esse
período de desenvolvimento da história da televisão observou também o crescimento dos
canais UHF
8
. Em decorrência disso, houve a primeira manifestação jurídica que visava
regulamentar as atividades e empreendimentos da televisão paga. O decreto nº 95.744, de 23
7
Very High Frequency – freqüência muito alta – compreende os canais de 2 a 13 utilizados por emissoras
abertas.
8
Ultra High Frequency – freqüência ultra alta – compreende os canais de 14 a 69 utilizados por emissoras
abertas e fechadas.
37
de fevereiro de 1988, criou o ‘Serviço Especial de Televisão por Assinatura’ que era
destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais codificados, mediante utilização
de canais do espectro radioelétrico, permitida, a critério do poder concedente, a utilização
parcial sem codificação” (BRASIL, 2006b, on-line). O decreto regulamentava a exploração
dos canais UHF e, para isso, especificava as diferenças do serviço de televisão por assinatura,
evidenciava as formas de cobrança e também de fiscalização.
Quanto à execução dos serviços, mais uma vez o documento deixava evidente a
participação de grupos políticos no processo ao mencionar que as entidades pretendentes à
execução do serviço não podiam ter como sócios ou acionistas “as pessoas jurídicas, salvo os
partidos poticos ou a União” (BRASIL, 2006b, on-line).
No primeiro momento deste tipo de transmissão, em coerência com o referido
momento de abertura do País, em 1989, alguns espectadores assistiam a retransmissões de
jogos internacionais da ESPN pelo Canal +, considerada a primeira operadora de TV por
assinatura em UHF, ainda que “o pioneirismo na programação e operação de TV via satélite
tenha sido da Key TV, que desde 1988 transmite corridas de cavalos” (BRITTOS, 1999, p.8).
A atração por outros canais e o contato com programas estrangeiros eram motivo de
diferenciação e atração para o empreendimento. A receptividade dos espectadores e o cenário
ecomico do país garantiram o investimento do Canal + em uma nova tecnologia no País, o
MMDS
9
, que possibilitou a transmissão de três novas emissoras: CNN
10
, RAI
11
e TVM
12
. O
sucesso da iniciativa chamou a atenção do Grupo Abril, que, ao final de 1990, assumiu o
controle do Canal + e das operações em MMDS, provocou reestruturações e, em 1991, lançou
a TVA (BRITTOS, 1999, p.8-9).
No mesmo ano da crião da TVA, dois outros grupos comunicacionais entraram no
mercado: a Globo apresentou a Globosat e seus canais GNT, Telecine, Multishow e Top Sport
– os últimos três tinham a grade de programão composta principalmente por programas
estrangeiros, europeus ou norte-americanos -, que até então eram operados por satélite; e a
RBS, grupo gaúcho Rede Brasil Sul, conseguiu autorização para operar como uma operadora
de cabo e MMDS. Assim, nessa fase, o mercado teve suas lacunas ocupadas rapidamente por
ts dos maiores conglomerados comunicacionais brasileiros – Abril, Globo e RBS.
9
Multichannel Multipoint Distribution System – Sistema de distribuição de múltiplos canais para múltiplos
pontos.
10
CNN- Cable News Network - canal de televisão por assinatura mantido pelo grupo Time-Warner.
11
RAI Radio Televisione Italiana – canal de televio público.
12
TVM – canal que transmite videoclipes estrangeiros.
38
Neste momento de expansão e ocupação de mercado, havia um crescimento na oferta
de canais, bem como a ocorrência de movimentos que questionavam a maneira pela qual a
expansão e a distribuição desses canais eram realizadas. O principal deles começou ainda em
1984, com a criação da Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação
(FNPDC). Os argumentos dos membros envolvidos visavam influir na formulação do
Capítulo da Constituição Federal destinado às telecomunicações. Contudo, a força
argumentativa das entidades de classe (Federação Nacional dos Jornalistas - Fenaj, Federação
Nacional dos Trabalhadores de Empresas de Rádio e Televisão - Fitert, Associação Nacional
de Entidades de Artistas e Técnicos de Diversões - Anert e a Federação Brasileira de Teatro -
DBT) que formavam a FNPDC foi inferior à do empresariado, que teve suas exigências
atendidas (FNDC, 2006, on-line).
A FNPDC dissolveu-se após a aprovação da Constituição, mas manteve suas
discussões, que acompanharam o movimento das novas empresas que operavam nos sistemas
de comunicações e articulou-se para formar o Fórum Nacional para Democratização da
Comunicação (FNDC) em julho de 1991. Justamente a época em que houve a tentativa da
Secretaria Nacional das Comunicações de enquadrar o serviço de TV a Cabo junto aos
denominados ‘serviços especiais de telecomunicações’, minimizando sua relevância sócio-
econômica. Isto se deu, pois, nesta categoria, figuravam os serviços que não eram abertos à
correspondência pública, como radiochamada, boletins meteorológicos de fins científicos ou
experimentais. Isso mostra que organismos governamentais propositores da mudança não
consideraram em suas análises os “impactos econômicos, poticos e culturais que a televisão
a cabo ora gerava em todo o mundo, competindo abertamente com a radiodifusão
convencional e, portanto, tendo características nítidas de recepção pública de um serviço de
telecomunicações” (RAMOS; MARTINS, 2000, p.153). Mediante esses argumentos, o Fórum
desdobrava a argumentação reafirmando a minimização referida, postulando que a tese
anterior era insuficiente para modificar a categorização do serviço, dizendo se tratar de uma
imposição potico-mercadológica e não tecnológica, como os outros serviços aos quais a TV
a Cabo foi comparada. Complementava pontuando que
se tratava de um serviço com características similares à da radiodifusão, sua
regulamentação teria que passar necessariamente pelo Congresso Nacional,
na forma de uma lei, e não resultar de uma simples, e frágil, portaria, que
atribuía a um funcionário de terceiro escalão do Poder Executivo, o
secretário Nacional das Comunicações, a faculdade de decidir quem iria
operar televisão a cabo no Brasil (RAMOS; MARTINS, 2000, p.154).
39
As defesas empreendidas pelo Fórum iam ao encontro do amadurecimento
democrático que o país vivia, reforçado pelo processo de constituição de entidades
representativas de diversas frentes e naturezas. A instituição preenchia um espaço para
discutir e sugerir mudanças em regulamentações. Todavia, a proposta da entidade, bem como
sua história de envolvimento na transição potica, não foi capaz de reverter medidas tomadas
anteriormente, que beneficiavam o empresariado envolvido na regulamentação dos serviços
de TV por assinatura.
Como conseqüência ao bloqueio, os ecos dos questionamentos do Fórum não
chegaram aos grupos comunicacionais que já detinham concessões para operar e distribuir
sinais via cabo, que, visando garantir sua fixação no mercado e atrair mais público, investiram
na transmissão de TV por assinatura e na elaboração de canais próprios. Para dar continuidade
à expansão do setor, os grupos Abril e Globo aproveitaram a estabilidade econômica e
adquiriram operações de cabo e MMDS de terceiros, entre 1993 e 1994. Com isso, no final do
primeiro ano, os grupos já eram líderes do mercado. Como tais, buscaram parcerias visando
abrangência nacional. “A Globo uniu-se à RBS e à Multicanal para formar a Net Brasil, que
ficou com a distribuição e operação de canais, enquanto que a Globosat permaneceu com a
programação. A TVA dividiu suas atividades entre a TVA programadora e TVA
distribuidora” (BRITTOS, 1999, p.10).
Para que os termos aqui expressos não suscitem dubiedades ao longo do texto, faz-se
necessária uma breve apresentação dos principais conceitos que envolvem a trajetória da TV
por assinatura. Em primeiro lugar, não se pode confundir TV por assinatura com TV a Cabo.
Murilo César Ramos e Marcus Martins (2000, p.140) mencionam que
A definição de TV por Assinatura é mais ampla, já que abrange outros
meios de distribuição além do cabo (coaxial ou fibra óptica), como o satélite
(DBS/DTH
13
) e o espectro radioelétrico, por microondas (UHF e MMDS).
Mais precisamente, TV por Assinatura é o serviço de comunicações que
oferece a espectadores, através de qualquer um daqueles meios, programas
selecionados, só passíveis de recepção mediante o pagamento de uma taxa
de adesão e assinatura mensal. Um conversor, ou decodificador, acoplado
ao aparelho de TV, é que vai permitir a recepção livre do sinal. Portanto,
TV a Cabo é apenas uma modalidade de TV por Assinatura, na qual o
transporte do sinal é feito, aí sim, por uma rede de cabos.
13
DBS (Direct Broadcast Satellite) - Sistema de transmissão de TV por assinatura via satélite diretamente para a
casa do usuário, que recebe o sinal por meio de uma antena parabólica de aproximadamente 60 cm de diâmetro.
Exige um tipo específico de satélite de alta potência de transmissão. Também chamado de Direct TV (DTV) ou
Direct To Home (DTH).
40
Como parte da conhecida indústria comunicacional, a TV por assinatura respeita
processos que envolvem mais de uma empresa e tecnologias diferentes. O consumidor é
agente decisório na cadeia, pois busca nas distribuidoras as melhores vantagens em preços e
serviços oferecidos. Essas são as empresas que, como define a ABTA
14
em seu documento
dia Fatos (2006, p.65), comercializam:
[...] os pacotes de programação vendidos pelas programadoras nacionais e
internacionais para as operadoras. A distribuidora atua como uma
franqueadora, já que, além de encabeçar a compra de programação, presta
uma série de serviços para as operadoras e recebe delas um percentual de
seu faturamento líquido. A distribuidora presta serviços como acessória de
projetos de redes, tecnologia, equipamentos e captação de financiamento.
Pelo tipo de atividade que desempenham, as distribuidoras estão em contato direto
com as programadoras - empresas que oferecem “conteúdo (canais) para TV por Assinatura.
Uma programadora pode produzir apenas programas ou canais inteiros, por vezes seu próprio
canal” (MIDIA FATOS, 2006, p.65). Com os canais programados e os pacotes de serviços
elaborados, é necessário o contato com uma outra empresa para que o sinal chegue até o
consumidor que comprou o produto da distribuidora. Para isso, existe um acordo com a
operadora, caracterizada comoproprietária de headend [cabeça de rede] recebendo,
processando e retransmitindo os sinais aos assinantes” (MIDIA FATOS, 2006, p.65).
Distribuidora, programadora e operadora. Teoricamente, a lógica desta cadeia
produtiva pressupõe a existência de empresas específicas para cada uma das etapas, pois –
embora coligadas – são regidas por dinâmicas específicas. Net Brasil, Globosat e Globo Cabo
surgem como razões sociais que identificam as etapas de produção e demonstram aparente
adequação ao pensamento inicial. Contudo, isto não corresponde ao contexto real. Com
nomes diferentes, elas fazem parte de um mesmo grupo empresarial. A falta de legislação
para tais casos e o incipiente trabalho de instituições fiscalizadoras permitem que raciocínio
semelhante ao que garantiu desenvolvimento aos canais abertos também promova
crescimento sob os mesmos moldes do mercado de TV por assinatura. Isso se refere
diretamente às características de implantação de um oligopólio, no qual quem está no
comando certifica-se da sua segurança impondo diversas barreiras. Comandar a operação, a
distribuição do sinal, os canais e os programas são suficientes para impor uma estética
televisiva própria, além de cuidar para que outros canais ou programaso ameacem a
14
ABTA – Associação Brasileira de Televisão por Assinatura. Disponível em: http://www.abta.com.br. Acesso
em: 25 nov.2006.
41
estrutura erguida. Trata-se da crião de um novo modelo mercadológico pautado pela
restrição de acesso à produção pelos fatores mencionados e à recepção por meio de assinatura.
Aqui, o poder econômico legitima-se por uma via de donio que perpassa também o campo
da técnica, sendo esta representada majoritariamente por elementos estéticos, tecnológicos e
financeiros.
Brittos (2003, p.8-9) esclarece que a criação dessa barreira é intrínseca aos modelos
oligopolísticos. Quando implantados na esfera midiática, a principal barreira imposta
relaciona-se aos padrões estético-produtivos, que procuram dar conta da dimensão simlica
da comunicação. A criação e manutenção desse tipo de barreira envolvem investimentos
tecnológicos, financeiros, além de constantes pesquisas para entender as principais
características do produto, bem como a demanda de seu público e as evoluções do modelo.
Uma vez estabelecida, é capaz de reunir técnicas de marketing e publicidade, além de
vinhetas
15
, o que significa produzir, contratar, programar e distribuir programas visando atrair
cada vez mais audiência. Dessa forma, o autor esclarece quão bem sucedida é essa estratégia,
uma vez que implanta formas de fidelização junto aos espectadores, além de garantir a
exclusividade do fornecimento de conteúdos e programação. Forma-se um mercado pautado
por uma retroalimentação, que, graças a um modelo dominante das etapas produtivas,
estabelece padrões do início ao fim, além do vínculo com o consumidor final de maneira que
este legitime e oficialize tais modos como sinônimos de qualidade.
Essa então era uma das principais estratégias comerciais que resultaram em um salto
considerável quanto à quantidade de assinantes de televisão por assinatura “passando de 250
mil, em 1993, primeiro ano do qual se possui esse tipo de dado, para 700 mil em 1994”
(MELO; GORINI; ROSA apud BRITTOS, 1999, p.11). Tais números podem surpreender um
leitor desavisado que não interprete esses indicadores dentro do contexto de ação dos grupos
Globo e Abril, da criação de produtos diferenciados e da instalação de inúmeras operadoras,
que incluíam desde conquistar retransmissoras em outros estados até adequar variar seus
pacotes de canais aos diferentes públicos.
O crescimento do número de assinantes resultou não só em lucros para os grupos
comunicacionais, mas tamm despertou a atenção para a necessidade de rever e adequar a
legislação que regulamenta as operações de TV por assinatura. Por anos, tramitaram projetos
15
Vinheta é um recurso produzido por diversos meios que serve para ressaltar ou anunciar os segmentos da
programação de um canal, inserida em aberturas, encerramentos, chamadas e intervalos durante e entre os
programas.
42
de lei no Congresso Nacional sem nenhuma aprovação até que, em 1995, foi aprovada a lei nº
8.977/95, que reviu pontos importantes e enquadrou as operões da TV a Cabo no âmbito de
serviço de telecomunicações, sem a classificação de especial como havia no regimento
anterior, reconhecendo sua relevância sócio-potico-cultural. Ramos e Martins (2000, p.159)
apontam os principais pontos discutidos:
1) regulamentação por lei, amplamente discutida pela sociedade, por
intermédio das suas instâncias mais diretamente envolvidas com a questão.
Essa participação da sociedade estendida ainda à confirmão do Conselho
de Comunicação Social como a esfera política de debate e aprovação de
todas as normas emanadas do poder executivo; 2) consolidação do caráter
público da rede de TV a Cabo, tanto em sua extensão estatal quanto em sua,
ainda que restrita, extensão privada, por meio da garantia legal de que toda
ela se norteará, em qualquer instância, pelo princípio normativo do common
carriage, isto é, seus proprietários, estatais ou privados, não podeo
discriminar que conteúdos poderão ter acesso a ela; 3) garantia da existência
de uma rede única, no sentido de padronização e conectividade, em
consonância com as políticas públicas a serem desenvolvidas para as
telecomunicações no Brasil.
Esses pontos, no entanto, não atentam para o artigo 5º, no qual são descritas as
empresas envolvidas no processo de produção (distribuidora, programadora e operadora) e
suas funções. Em nenhum momento, atenta-se para a situação, pregressa à aprovação da lei,
de grupos comunicacionais assumirem o controle de todas as etapas. Os oligolios
midiáticos permanecem sob a tutela da lei.
Por meio do dispositivo legal, que ficou conhecido vulgarmente como ‘Lei do Cabo
(nº 8.977/95), outras empresas também obtiveram benefícios ao conseguirem autorização para
operar como programadoras. Este foi o caso da TV SENAC, que integrou a grade de
programação da Net em 1997, ocupando o canal 3. No entanto, como poderá ser verificado
mais adiante, seu posicionamento na cadeia como ‘poder não dominante’ incorreu em
diversas dificuldades de manutenção em termos de operação e alcance de público. Não
compactuar com os oligopólios, naturalmente, gera restrições de maneira praticamente
automática. Como um mecanismo biológico, os grandes poderes expelem aquilo que
representa estranheza e possa, de alguma maneira, questionar ou colocar em xeque o modelo
estabelecido. A TV SENAC, ao assumir a marca STV, enfrentou barreiras impostas por uma
distribuidora participante do modelo oligopolista, fato que alijou o canal dentro da grade de
programação, tornando-o um produto ‘menos atraente’, pois o privou tanto a abrangência e
alcance quanto o posicionamento perante os outros canais. Prova disso reflete-se no fato de
que a Net, distribuidora, retirou a STV da programação analógica, reservando-a apenas à
43
transmissão digital no momento em que esta ainda estava distante da popularização. Coube ao
canal estabelecer parcerias à margem do sistema dominante. “Temos acordos com muitas
emissoras independentes e com pequenas redes do Brasil inteiro para repetir ou levar parte de
nossa programação” (MIRANDA, 2006, entrevista). A estratégia de manutenção do
oligolio foi complementada a partir de um isolamento da STV na grade de canais em
privilégio de um outro semelhante, mas ligado diretamente ao grupo comunicacional
responsável pela distribuão tanto em termos financeiros como estruturais.
A razão que nos foi dada para nos tirar foi de que havia problemas na
utilização daquele espaço e dariam a ele outra finalidade, só que nunca mais
colocaram nada no lugar dele. Era um canal péssimo. Era ideal ficar entre o
18 e 30, ou 38 e quarenta e poucos. Mas era lá embaixo, ninguém ia lá.
Quando liga, está no 37. Para chegar ao 3, não dá. No digital, estamos no
92. É outra viagem. Para nós, é ruim, mas é melhor do que estar em lugar
algum. O Futura está no 32, muito bem localizado (MIRANDA, 2006,
entrevista).
A STV, portanto, figurou entre o rol de canais que ingressaram no sistema, pom
em decorrência de sua natureza desconectada de grandes grupos empresariais em termos
diretos – não foram tratados pelas grandes distribuidoras mediante critérios uniformes. Ou
seja, o canal foi desprivilegiado por não integrar os interesses estratégicos do oligopólio
dominante da cadeia produtiva de TV por assinatura. Tais manobras empresariais definiram
mudanças neste mercado e intensificaram as barreiras já impostas anteriormente, delineando
um cenário
com Globosat/ Net Brasil/ Sky programando e distribuindo os principais
canais pagos, bem como detendo o maiormero de outorgas, o que
permite a caracterização do mercado como um oligopólio diferenciado.
Atuantes em programação, distribuição e operação, Globosat/ Net Brasil/
Sky e TVA/ DirecTV, partilham o mercado brasileiro de TV paga, com
grande sobreposição do primeiro conglomerado (BRITTOS, 1999, p.11).
Com o domínio claro dos dois grupos, a grade de programação tinha pouquíssimos
espaços para outros canais, que no caso foram ocupados por grupos internacionais. A maior
parte dos canais está aliada às grandes programadoras, como Discovery Networks (Animal
Planet, Discovery Channel, Discovery Science, People&Arts, Discovery Home&Health,
Discovery Kids); Sony Pictures Television International (Animax, AXN, MGM, Sony
Entertainment Television); Globosat Programadora (Futura, GNT, Multishow, Telecine,
44
Sportv, Canal Brasil, Universal Channel, Globo News) e Turner International do Brasil
(CNN, Cartoon Network, Boomerang, TNT). Esse não é o caso da STV – Rede SESC
SENAC de Televisão, canal classificado, segundo a ABTA, como
educativo/profissionalizante e que figura nesta categoria juntamente com Futura (Globosat),
TV Escola (Ministério da Educação) e Cl@sse (Claxson). No entanto, a vinculação com um
grande grupo comunicacional elevou um canal especificamente a um patamar
mercadologicamente diferenciado em relação aos demais de sua categoria. Este
posicionamento não se restringe apenas ao perfil de conteúdo. Para Miranda (2006, entrevista),
a manobra dá-se em um nível mais aprofundado, chegando a tocar em aspectos quase
imperceptíveis, como, por exemplo, o da nomenclatura do referido canal.
Sobre o Futura, encaro com naturalidade, embora não tenha elementos
profundos sobre isso. Acho que incomodamos o Futura. E, ao
incomodarmos, provocamos neles o a questão de prejudicar, mas de o
nos dar muita força. Com a TV Cultura, temos muita afinidade. O Futura é
concessão, é canal UHF,o concorremos com eles, mas nosso contdo
concorre. Quem é que mantém o Futura? O mesmo grupo da Net. O que
chama atenção é o fato do Futura chamar-se Futura. É muito semelhante à
palavra Cultura.
Posteriormente, teve início um processo de sofisticação estrutural no setor a partir da
consolidação de associações transnacionais com o objetivo de explorar o mercado nacional
sob uma perspectiva mundializada. Acordos entre empresas de projeção internacional
garantiram maior participação de capital estrangeiro no País. Desta maneira, explorou-se o
dispositivo da ‘Lei do Cabo’ (n° 8.977/95), que abria espaço para tal ingresso de
[...] pelo menos cinqüenta e um por cento do capital social, com direito a
voto, pertencente a brasileiros natos ou naturalizados mais de dez anos
ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença a brasileiros natos ou
naturalizados há mais de dez anos (BRASIL, 2006c, on-line).
Este movimento viabilizou a constituição de empreendimentos como a DirecTV.
Graciela Jasa Silveira e Martha Frías Armenta (2004, on-line, tradução nossa) explicam que o
surgimento da corporação advém da união de grupos comunicacionais norte-americanos
(Hughes Communication), venezuelanos (Organización Cisneros), mexicanos (Multivisión de
México-MVS) e de um brasileiro (Grupo Abril). A junção redundou no consórcio Galaxy
Latin América, uma aliança estratégica voltada ao lançamento de um serviço especialmente
desenhado para o público latino-americano, com programação em português e espanhol.
45
Nota-se mais uma etapa de lapidação e incremento da lógica de retroalimentação que
pauta este mercado. A partir do momento em que a economia global perverte a mundialização
e a torna um processo utilitarista-dominador, empresas de capital multinacional congregam-se
com o objetivo de manter e expandir atividades fora dos grandes centros financeiros do
planeta. Para Darc Costa (2002, p.16), “existe uma polarização econômica transfigurada de
regionalização. O centro, hoje, exige escala e países pequenos, ou se unem em mercados
maiores, em Megaestados [...] ou estão fadados a se tornarem ou permanecerem periféricos”.
Com isso, ocorre um processo cada vez maior de personalização no que se refere aos
programas (veres locais daqueles conhecidos mundialmente) e também de tratamento do
potencial de consumidores a partir de uma perspectiva mais ampla. Passa a haver uma
oligopolização que transcende os Estados Nacionais, configurando um poder com abrangência
global.
A entrada da DirecTV não se deu no período mais promissor no que diz respeito ao
volume de assinantes. De acordo com o relatório Mídia Fatos (2006, p.8), publicado pela
ABTA, registrou-se em 1998 um número considerado baixo para a época – cerca de 2,69
milhões de domicílios com TV por assinatura –, bem como um período de estabilidade entre
os anos de 2000 a 2003. Em 2004 e 2005, os números voltaram a crescer, delimitando
respectivamente 3,79 e 3,80 milhões de resincias usuárias do serviço de TV por assinatura.
Em números precisos, são 3.803.761 domicílios-assinantes no Brasil, o que significa que
cerca de 13,3 milhões de brasileiros já têm acesso aos canais pagos.
Os números impressionam e sustentam o argumento de Alexandre Annenberg, diretor
executivo da ABTA, de que “a TV por assinatura não é supérfluo. Entrou na casa dos
46
assinantes e passou a fazer parte do cotidiano deles. Não é à toa que o número de usuários de
TV paga sobe ao primeiro sinal de recuperação da economia” (ANUÁRIO TELECOM, 2006,
p.108). A intrínseca relação entre consumidor-economia permite observar o perfil do
assinante que, de acordo com pesquisas da ABTA, detém elevado poder de compra e hábitos
bastante uniformes.
Não há como negar que a dispersão do meio quando se fala em público
qualificado é mínima. Praticamente 80% da audiência da TV por assinatura
é composta de pessoas das classes AB. Além disso, a participação de cada
faixa etária permite projetar um mercado de mais de 1 milhão de crianças e
outro milhão de teens e cerca de 1,5 milhão de jovens adultos, estudantes ou
ingressantes no mercado de trabalho (MIDIA FATOS, 2006, p.8).
A concentração de renda verificada no País caracteriza-se como um dos fatores
influenciadores quanto à convergência de clientes nas classes A e B. Portanto, há clara relação
entre poder aquisitivo e utilização da TV por assinatura. Os canais atuantes neste segmento
acabam por estabelecer comunicação junto a um grupo de pessoas extremamente restrito e
condicionam suas linguagens aos hábitos destes telespectadores. Confere-se a estes tratamento
de consumidores, em decorrência do ciclo de alimentação e manutenção financeira destes
empreendimentos, fundamentada, sobretudo, por meio de receitas oriundas de assinaturas e
veiculações publicitárias. Como já afirmado, a cadeia produtiva orienta-se, sempre, ao
usuário-decisor.
Esta realidade vai de encontro ao perfil híbrido e abrangente do SESC, que, por meio
de seu canal, atinge seu público-alvo potencial apenas de maneira parcial. Em suas unidades
físicas, a distribuição por faixa de renda dos usuários ocorre da seguinte forma: 963.924
(83%) recebem até cinco salários mínimos; 48.623 (4%) têm renda mensal entre cinco e
menos de seis salários mínimos. Os 13% restantes possuem vencimentos mensais de mais de
seis salários nimos (SESC, 2006, on-line). Por isso, as parcerias com retransmissoras e
canais educativos são fundamentais para a ampliação do espectro de pessoas que têm contato
com as produções que veicula. Ao todo são 94 operadoras e retransmissoras
16
do sinal do
SESCTV que dividem suas transmissões em cabo, MMDS, VHF, UHF e DTH. No entanto, o
órgão tem a clara pretensão de tornar o hibridismo de sua natureza (constituição privada e
função pública) algo transparente também em sua comunicação televisiva, pulverizando e
16
Dados da entrevista com Walter Vicente Salles, diretor de programação do SESCTV, concedida especialmente
para a elaboração deste estudo em 23 out.2006.
47
capilarizando seu poder de alcance. Para tanto, tem como meta figurar, futuramente, entre os
canais abertos.
Um aspecto destacável e relevante concerne à discrepância entre os traços sociais dos
freqüentadores que usufruem os serviços nas unidades do SESC e aqueles que tomam contato
com a produção educativo-cultural de seu canal televisivo. Em decorrência deste hiato, o
objetivo diretivo da entidade consiste na potencialização do universo atingível de pessoas no
que tange ao conteúdo das mensagens produzidas especificamente para esta mídia. Quanto
maior a irradiação destas produções entre a população, mais alinhada aos princípios
institucionais da entidade estará o SESCTV. Assim, sua função comunicacional ocorrerá em
sincronia com as demais atividades desenvolvidas pela mantenedora. Esta ‘incoerência’ de
alcance reflete-se na opinião de Miranda, que associa os conceitos de parceria e abrangência
tanto no que se refere à redução desta desigualdade como também no que diz respeito aos
impeditivos institucionais impostos pelo sistema de oligopólios analisado. Para ele, a TV por
assinatura “é um meio muito elitista, restringe muito a linguagem. Quero produzir, me
exercitar produzindo e ter conexões com todos os canais possíveis. Por isso temos programa
na TV Cultura, na TVE, canais pelo Brasil todo” (MIRANDA, 2006, entrevista).
Outra característica peculiar da televisão por assinatura consiste em seus picos de
audiência. Os diversos canais disponíveis e a variedade da programação oferecida favorecem
índices de audiência mais equilibrados, sem picos predominantes, como é observado entre os
canais abertos. Gabriel Priolli (2002, p.217) mostra que
Em volume de audiência, entre todos os lares dotados de televisor, e em
participação na audiência, entre os televisores ligados, osmeros são
bastante modestos. Ficam sempre abaixo de 1%. No entanto, ainda assim, a
Cultura, a TVE-Rio, os canais universitários e comunitários têm mais
público na TV paga do que a CNN, a CNN em espanhol, a BBC e a
Bloomberg. Superam ou empatam com Futura, Band News e E!
Entertainment. E perdem por pouco para Globonews, Discovery, GNT e
People & Arts. Contudo, um indicador novo na aferição de audiência da
TV paga, que ilustra melhor o poder da TV pública. É o "alcance" do canal,
ou a dia de telespectadores que passa-ram pelo menos um minuto por
ele, ao longo de um período. Nesse índice, a rede pública (Cultura e TVE)
obteve ao longo de abril 14% ante 12% do Discovery, 11% da Globonews,
e 9% de GNT e People & Arts. Os canais universitários e comunitários do
Rio de Janeiro e São Paulo, somados, obtiveram 4% de alcance, índice igual
ao da CNN e superior aos 3% da Band News, do E! e da CNN em espanhol,
aos 2% da BBC e da Bloomberg, e ao 1% da STV (ex-TV Senac).
No entanto, utilizar exclusivamente tal métrica o se faz, para Miranda, suficiente
quando se trata dos objetivos do SESCTV. Como se explanado mais adiante, outros
48
aspectos – sendo estes de cunho qualitativo – necessitam de consideração para uma avaliação
mais assertiva no que se refere à acuidade dos conteúdos emitidos pelo canal. O diretor
regional do SESC paulista afirma que “uma TV como a nossa [SESCTV] tem que ser pautada
por outras medidas e não somente pela audiência. De certa forma, temos um alcance
nacional” (MIRANDA, 2006, entrevista).
Dado o equilíbrio de audiência e a dispersão de público, a questão da segmentação
aflora como outro ponto de análise do número de telespectadores. Desta forma, os números
absolutos unem-se a informações relativas a áreas de interesse, o que demonstra a existência
de grupos de preferência habituados ao consumo de canais que veiculam conteúdos cujas
linguagens (elementos simbólicos) direcionam-se a comunidades de perfis específicos.
49
CAPÍTULO III – O SESCTV e o trânsito das culturas
O SESCTV, no âmbito de seus pressupostos institucionais, tem como um de seus
objetivos ser um espaço de expressão da diversidade cultural que marca o país em que está
situado. No entanto, não se obriga a trabalhar estes aspectos e os educativos de maneira
estrita, de modo que a emissora figure como uma congênere dos canais de constituição
pública orientados a uma programação de caráter didático, que tenha em sua fundamentação
de conteúdo elementos que propiciem uma apropriação de saber por parte dos telespectadores.
Esta postura faz emergir um desafio que atravessa algumas importantes dimensões de
análise para que o SESCTV firme-se no panorama televisivo como um meio diferenciado sob
os aspectos estético, propositivo, institucional e também no que tange à natureza de seu
conteúdo.
O presente capítulo discorre sobre um dos mais importantes fundamentos que
condicionam a existência e as bases para os futuros passos da emissora: a questão da cultura.
Por meio dela, é possível delinear não somente a maneira pela qual este conceito é tratado
pelo canal, como também os agentes de entendimento que posicionam historicamente as
intenções do SESCTV dentro da estrutura midiática estabelecida.
Debruçar um olhar à luz do prisma cultural proporciona a elucidação de inúmeros
fragmentos que se fazem decisivos para um julgamento acerca da validade e das
possibilidades de manutenção de um canal televisivo com a sua estrutura e intenções
declaradas.
A cultura demanda contemplações diferenciadas eltiplas, de maneira que,
academicamente, sua abordagem seja exatamente como se apresenta a sua essência, ou seja,
diversa, ubíqua e complexa, constituída por redes entrecortadas, as quais apresentam relações
enoveladas de causa e efeito.
A estrutura argumentativa aqui apresentada demonstra um afunilamento ao tratar de
forma mais ampla o posicionamento da televisão no bojo cultural como elemento refletor e
propulsor dos aspectos urbanos e, posteriormente, abordar isoladamente a cultura para, então,
unificar os dois eixos, culminando em uma discussão focalizada na mídia televisiva como
parte de uma estrutura cultural e, ao mesmo tempo, como produtora e reprodutora de um
universo mais amplo.
A partir do momento em que o SESCTV insufla-se a ser um agente cultural peculiar,
busca-se, aqui, enumerar de forma enraizada nos pilares da televisão – em um levantamento
50
conceitual que estabelece uma transposição até o presente momento – os caminhos potenciais,
em termos de linguagem e postura institucional (perante o mercado e a própria engrenagem
cultural dos canais midiáticos), para a consolidação de uma emissora que ocupe um espaço
particular e consolidado para transmitir suas mensagens a partir de leituras alternativas acerca
da realidade material.
1. Fundamentos urbano-imagéticos da televisão
1.1. Televisão como produto urbano (industrialização e migração)
As mudanças que delineiam as bases para o desenvolvimento dos meios de
comunicação em massa comaram no século XIX e tiveram a Revolução Industrial como
principal força motriz. Neste processo, os empreendimentos fabris procuravam por regiões
atraentes quanto a fatores como infra-estrutura e núcleos comerciais. Como conseqüência,
aglomerações urbanas consolidaram-se na condição de centros produtivos e de fluxo de
pessoas.
O Ocidente, a partir deste movimento, deu à luz grandes cidades, caracterizadas como
espaço de sincretismo e convivência entre grupos heterogêneos de indivíduos. A vida privada
fortaleceu-se no âmbito do lar, uma vez que o controle social dava-se de maneira diferente em
relação a cidades ou comunidades de menor porte. A organização econômica gerou uma
estratificação e sortimento de funções nas linhas de sustentação do sistema capitalista.
Profissionais dividiram-se em categorias e famílias inteiras contribram para a sobrevivência
própria e, sobretudo, do status quo.
O tempo passou a ser tratado de uma forma diferenciada, intimamente ligada à questão
de produtividade e, por conseqüência, das trocas financeiras. Sua vinculação ao organismo
econômico instalado provocou uma reinterpretação das horas e, por conseguinte, do
aproveitamento dessas por parte das pessoas. Uma nova rotina havia sido instaurada.
Quanto ao espaço, os centros urbanos demandavam de forma progressiva uma infra-
estrutura muito mais pungente, que pudesse atender à demanda oriunda dos fluxos
migratórios em exponencial progressão. O ser passou a ser cada vez menor em comparação ao
lugar em que estava.
Sob a perspectiva do indivíduo, instalou-se um movimento de aglomeração muito
intenso, que estabeleceu um forte contraponto ao modo de vida típico de cidades menores e
51
vilarejos. Pessoas de origens e costumes diversos passaram a interagir com freqüência diária
na mesma arena. Era cada vez mais difícil encontrar pares em um círculo progressivamente
mergulhado na heterogeneidade. Portanto, reduzidos grupos passaram a ser o lugar do
indiduo ocidental.
As vilas operárias instaladas próximas às fábricas foram palco da reorganização da
vida privada das famílias. Nelas, os migrantes das zonas rurais adaptavam-se à nova rotina de
trabalho – que mudava os núcleos familiares (pois a mulher também era mão-de-obra nas
fábricas) – e às novas formas de lazer. A rotina deixava de ser guiada pelas chuvas ou época
de colheitas e passava a ter a impessoalidade dos apitos das fábricas, horários de trens,
abertura e encerramento do comércio, além da programação de espetáculos, aos quais poucos
tinham acesso. O trânsito cultural passou a comportar manifestações muito mais variadas, o
que ampliou o espectro de valores, crenças e outras peculiariades viventes em um espaço
comum.
Ao observar as mudanças que ocorriam nos principais centros urbanos, Walter
Benjamin (1989, tradução nossa) identificou as relações entre as inovações técnicas e o modo
de vida. Notou que os jornais, os magazines para moças, as críticas a espetáculos que
circulavam acabavam por redundar em discussões e comportamentos coletivos, agregando
grupos de pessoas em torno de um mesmo assunto.
Essas não eram as únicas maneiras de veiculação de cultura. Com grande parcela da
população ainda analfabeta, o rádio teve um papel indiscutível pelo alcance e projeção entre
as diferentes camadas sociais. Outro meio relevante – que teve espaço, principalmente nos
Estados Unidos – foi o cinema, que falava diretamente aos migrantes e cuja indústria
desenvolveu-se ao lado de outros entretenimentos comerciais nos centros urbanos
(STRAUBHAAR; LAROSE, 2004, p.33-4).
Somando-se ao cinema, ao rádio e aos jornais, chega posteriormente às principais
cidades industriais a televisão. Alberto Abruzzese (2006, p.61) menciona que a aparelhagem
televisiva torna mais denso o coro audiovisual que, intrínseco às metrópoles, modifica formas
de circulação de cultura.
O poderoso fluxo de imagens que a televisão veicula nos espaços privados
do habitar tem início quando os diversos setores da comunicação já
alcançaram a dimeno complexa de um único sistema metaterritorial,
regulado nos ritmos e nas essências da experiência de vida metropolitana.
52
As transformações oriundas da constituição das grandes metpoles, conforme
mencionado, trouxeram alterações em dimensões ltiplas, sempre calcadas nos vértices das
organizações de indivíduos e respectivas relações com a diversidade sócio-cultural, bem como
no que diz respeito ao tempo e ao espaço.
Sabe-se que a industrialização aconteceu em níveis e momentos diferentes em cada
nação e, consequentemente, proporcionou efeitos particulares de acordo com a conjuntura
potico-econômica sob a qual foi instalada. No Brasil, essa modernização foi tardia, se
comparada à premência fabril do século XIX. Apenas entre 1933 e 1939 desencadeou-se um
processo industrial brasileiro de caráter mais sólido – em contrapartida a iniciativas
esporádicas de períodos anteriores. Entre os referidos anos, o ritmo de crescimento da
indústria alcançou 11,28% ao ano, superando por larga margem o progresso da agricultura
(DINIZ, 2004, p.4). Em decorrência deste ‘atraso, a urbanização deu-se também de maneira
recente. Prova disso consiste no fato de que, somente no censo demográfico de 1970 –
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - foi demonstrada uma
predomincia dos habitantes das regiões urbanas (55,9%) em relação ao contingente rural
(44,1%) (IBGE, 2006, on-line). Com isso, o processo de urbanização brasileiro conduziu à
formação de 12 regiões metropolitanas e 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, que
passaram a concentrar 47% da população do País (GROSTEIN, 2001, on-line).
Não diferente do observado décadas antes nas metrópoles européias e norte-
americanas, as empresas de comunicação brasileiras também se instalaram nos grandes
centros urbanos. Grande parcela dos jornais mais expressivos do século XX estava nas duas
maiores metrópoles de projeção nacional, como Folha de S. Paulo (SP), Jornal do Commercio
(RJ), O Estado de S. Paulo (SP) e Jornal do Brasil (RJ). As emissoras de rádio fugiam um
pouco à regra dos centros urbanos pelo baixo custo do equipamento de transmissão, o que
viabilizou as respectivas instalações em cidades rurais ou já mais afastadas dos centros
urbanos. No entanto, as indústrias cinematográfica e televisiva (que chegou com poucos
televisores na década de 1950) reproduziram fielmente o modelo de desenvolvimento urbano-
industrial que permeou o Brasil. O alto custo de manutenção dos recursos humanos e
materiais, bem como a estratégia de uso do meio por parte dos oligopólios detentores das
empresas de televisão, fez com que estas se instalassem, em sua maioria, em aglomerações
urbanas. Tais características foram tão determinantes logo no início que “todas as 286
geradoras (emissoras que podem exibir programação própria) e 8.484 (retransmissoras em
53
funcionamento até julho de 2000) – de acordo com dados da ABERT
17
– estão sediadas em
áreas urbanas” (MATTOS, 2002, p.50). O desenvolvimento desta cadeia produtiva refletiu,
portanto, os hábitos e os traços das grandes cidades.
Assim, forma-se uma amálgama entre os meios de comunicação de massa e o cenário
urbano. Juntos, esses dois elementos são capazes de produzir uma troca complexa de símbolos
que, em conformidade com as regras do ambiente, produziram uma realidade a ser
compartilhada. Ao mesmo tempo em que tais meios refletem e reconstroem o cotidiano da
urbanidade, a audiência aos mesmos constitui a rotina de indivíduos metropolitanos. Trata-se
de uma retroalimentação cultural em termos de entretenimento, informação e reflexo do
comportamento da urbe.
No entanto, consiste em equívoco vincular os conceitos de sociedade e massa
puramente a um fenômeno de cunho tecnológico. Outro desvio caracteriza-se pelo
posicionamento histórico desta concepção, que atribui o surgimento dos referidos termos às
décadas de 30 e 40 do século XX. Embora o advento da televisão esteja intrinsecamente
conectado ao panorama massificado, não foi ele um dos responsáveis por sua consolidação.
Esta inovação, claramente, integra o cenário urbano-industrial. A relação causal dá-se em
outro nível: a congregação de pessoas em larga escala em torno de um mesmo foco dá-se de
maneira dramaticamente anterior. Martin-Barbero (1997, p.43) esclarece que
a idéia de uma ‘sociedade de massas’ é bem mais velha do que costumam
contar os manuais para estudiosos da comunicação. Obstinado em fazer da
tecnologia a causa necessária e suficiente da nova sociedadee decerto da
nova cultura
, a maioria desses manuais coloca o surgimento da teoria da
sociedade de massas entre os anos 30/40, desconhecendo as matrizes
históricas, sociais e políticas de um conceito que em 1930 tinha já quase um
século de vida e pretendendo compreender a relação massas/ cultura sem a
mais mínima perspectiva histórica sobre o surgimento social das massas.
Uma das principais implicações da massificação dentro do contexto metropolitano,
dadas as condições apresentadas no início deste capítulo (referentes ao cruzamento de
heterogeneidades), diz respeito à posição do indivíduo. O modelo de relações nas grandes
cidades, uma vez que – conforme expostomudaram as concepções de tempo e espaço,
assumiu um formato diferenciado, muito mais objetivo e utilitarista. O capitalismo, dentro de
sua lógica de produção e consumo, arou o terreno para uma perspectiva mais racional e
17
ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Disponível em: http://www. abert.org.br.
Acesso em: 16 dez. 2006.
54
materialista do humano, fatores que tornaram as interões entre cidaos mais diretas,
lidas e impessoais.
Este distanciamento favorece o donio do rádio e da televisão sobre as outras formas
de comunicação e veiculação simbólica, uma vez que – ao mesmo tempo em que transmitem
mensagens ao narrarem o urbano – projetam o outro e reedificam de forma diversa uma
relação anteriormente concreta. Néstor Gara Canclini (2002, on-line) pontua que, dentro do
contexto de tais meios
assume-se que suas audiências esperem que lhes seja dito o que significa
estar juntos. Certamente, estes meios devem cumprir o papel de contato
com o que acontece em lugares distantes neste planeta globalizado.
Contudo, como as cidades também se globalizam
isto é, tornam-se
cenários de gestão do que ocorre nas finanças e na política, nas guerras e
nos rituais diplomáticos, nos espetáculos de arte e nas religiões do mundo
todo praticamente
o é difícil sincronizar as vocações locais e globais
das cidades e dos meios de comunicação.
Pode-se, então, assumir como fio condutor a iia de que os meios de comunicação
estão intimamente ligados às cidades – tanto como canais de mensagens quanto elementos
integradores da sociabilidade distanciada da humanidade delineada pelo urbano. Canclini
estabelece a conexão entre tais meios e a natureza da cidade, de modo que esta
o é mais vista como um mero cerio para a habitação e o trabalho, ou
seja, como simples organização espacial, lugar de assentamento da indústria
e dos serviços. Por outro lado, os meios de comunicação o são
concebidos unicamente como redes invisíveis e deslocalizadas, cuja
dinâmica poderia ser entendida somente através das estratégias empresariais
e dos recursos tecnológicos mobilizados (CANCLINI, 2002, on-line).
Portanto, não se pode avaliar a relação entre televisão (meios de comunicação
telemáticos) e indivíduo sem que se considere a inexorável ligação com o contexto de
formação metropolitana oriunda dos movimentos industrializadores e urbanizadores. Trata-se
de uma rede ornica de atores e canais comunicacionais de interferência emo-dupla, em
que se refletem hábitos, reproduzem-se valores, espelham-se as contradições conceituais e
mostram-se os mais variados discursos. Os meios telemáticos, facilitadores da sociabilidade
distanciada, tornam-se arena das interposições culturais típicas das grandes cidades.
A televisão é um espelho social já que reproduz os modos de vida e as
formas de pensar, representar e imaginar que temos como sociedade, como
informativo ou comunidade. A sociedade pode ser lida em seus valores,
55
gostos, interesses por meio da televisão que produz (RINCÓN;
ESTRELLA, 2001, p.45, tradução nossa).
A organicidade que fundamenta a pulsão dos meios e atores sociais de maneira
conjunta evoluiu de tal modo que os avanços tecnológicos interferiram diretamente no fluxo
da cultura e, por isso, na definição histórica do humano, que passou a ser influenciado por
uma quantidade progressivamente diversa e numerosa de informações. As redes de
comunicação galgaram níveis de conectividade de alcance global, de maneira que redundaram
em uma ampla cadeia de trocas – não necessariamente igualitárias – entre variados grupos
sociais pelo planeta. O grau de relativização do espaço atingiu novos patamares, dada a
desterritorialização proporcionada por vias tecnologicamente convergidas. A concentração de
mídias em ummero menor de interfaces e a amplitude de acesso por parte do indivíduo a
estes portais de informação aumentaram a capacidade de intercâmbio em termos de
velocidade conectiva (tempo) e abrangência (espaço). A arena das transculturalidades criou
uma noção diversa de lugar, em que este consiste no local em que seo os fluxos de
mensagens em inúmeros formatos e, por conseguinte, de passagem entrecortada de culturas.
Edgar Morin (1977, p.16) já previa este contexto ao afirmar que a cultura proposta pelos
meios de comunicação de massa “é cosmopolita por vocação e planetária por extensão”.
1.2. Televisão como produto imagético
A partir da perspectiva cinematográfica, os elementos imagéticos passaram a integrar
de maneira pungente a construção do imaginário humano em múltiplas dimensões. A
verossimilhança com o mundo factual, sobretudo no que se refere à forma, estabeleceu um
poder de atração junto ao indivíduo de maneira que este se tornou espectador assíduo de
releituras de sua própria história. O mundo passou a ser multiplicado em telas, cada qual
projetando uma ilusão diferenciada acerca da realidade material. Estas recriações, no entanto,
consistiam em mundos particulares, metáforas com características próprias e fios condutores
inatos. Classificado como expressão artística, o cinema acabou por mesclar o retrato do
convívio humano à tecnologia de reprodução imagética. Sua proximidade com o que se pode
chamar de “real” e a respectiva capacidade de modelá-lo em um cenário virtual em diferentes
graus acabou por fazer desta uma frente peculiar da arte. Para Gilles Deleuze (1990, p.88), “o
cinema não se confunde com as outras artes, que apontam uma ilusão através do mundo, mas
56
que faz do mundo mesmo uma ilusão ou um relato: com o cinema, o mundo passa a ser sua
própria imagem, não é que uma imagem se converta em mundo”.
Portanto, as reconstrões da história dentro do âmbito cinematográfico posicionam a
imagem como fator preponderante de reinterpretações do mundo. Por meio dela, uma
identificação com o humano é estabelecida e, em decorrência deste femeno, ela acaba por
ser o ponto que conduz junto aos seus espectadores as inúmeras releituras potencialmente
realizáveis a partir de um ou mais fatos. Ela retrata, reinventa, transmite e, em termos de
linguagem, direciona as verdades construídas na circunscrição das telas.
Teoricamente, a imagem ideal sintetizaria toda a complexidade do que se
convencionou classificar de verdade. Andrei Tarkovski (1998, p.123) explicita a condição
imagética como uma espécie de janela que traz aos olhos humanos recortes da totalidade
histórica. De acordo com ele,
a imagem é uma impressão da verdade, um vislumbre da verdade que nos é
permitido em nossa cegueira. A imagem concretizada será fiel quando suas
articulações forem nitidamente a expressão da verdade, quando se tornarem
única e singular – como a própria vida é, até mesmo em suas manifestações
mais simples.
Como projeções múltiplas de uma pretensa concretude, as imagens assemelham-se ao
conceito de verdade preconizado por Friedrich Nietzsche. A partir da visão debruçada sobre
esta concepção, o filósofo alemão abre espaço para o firmamento de uma linha convergente
que situa no mesmo locus intelectual as acepções de verdade e imagem, sendo elas uma
infinidade de ângulos e reprocessamentos de algo pretensamente real. A imagem, sendo
cinematográfica ou televisiva, participa do mundo e recria-o mediante um caleidoscópio
ilusionista, refém de grupos, indivíduos e ideologias que, a partir das respectivas
transferências, constroem as próprias metáforas e discursos, os quais acabam disseminados
em larga escala.
O que é portanto a verdade? Uma multidão móvel de metáforas, metomias
e antropomorfismos; em resumo, uma soma de relações humanas que foram
realçadas, transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que,
depois de um longo uso, pareceram estáveis, canônicas e obrigatórias aos
olhos de um povo: as verdades são ilusões das quais se esqueceu queo,
metáforas gastas que perderam a sua força sensível, moeda que perdeu sua
efígie e que não é considerada mais como tal, mas apenas como metal
(NIETZSCHE, 2001, p.16-7).
57
Atualmente, o processo de contato do humano com seu contexto dá-se basicamente
por imagens – e, portanto, o indivíduo é ator e receptáculo das reinterpretões do mundo por
elas veiculadas. John Condry e Karl Popper (1995, p.62) pontuam que
televio é antes de mais nada uma série de imagens. Ora, como seres
humanos crescemos com imagens; pensamos em imagens; somos
programados através de milhares de anos de evolução para reconhecer e
responder a imagens. [...] querendo ou não as imagens nos influenciam.
Ao longo dos anos que sucederam a implantação e a consolidação dos sistemas
televisivos, houve não somente um incremento na manipulação imagética, como também uma
transformação coletiva quanto ao imaginário do indivíduo. Sua forma de encarar a realidade e
receber suas releituras acabou por afetar diretamente, em um processo cíclico, a construção
das imagens. Isso sem que se perdesse de vista, obviamente, todo o arcabouço de valores,
crenças e particularidades das sociedades afetadas por tais projeções. Com isso, cultura,
humano, contexto e linguagem acabaram por figurar como alicerces indubitavelmente
essenciais ao tratamento do tema imagem.
[...] a imagem não é a única coisa que mudou. O que mudou, mais
precisamente, foram as condões de circulação entre o imaginário
individual (por exemplo, os sonhos), o imaginário coletivo (por exemplo, o
mito), e a ficção (literária ou artística) (AUGÉ apud MARTÍN-BARBERO,
2002, p.65).
Este ‘poder potencial’ da imagem em termos discursivos e de interferência sobre o
humano - uma vez que atrai, retrata e persuade a partir do mundo apresentado como
concreto” – faz emergir uma outra questão. Ela não pode ser pensada apenas como signo ou
condensadora de uma infinidade do mesmo. A imagem é um fragmento da arena de
transculturalidades e, por isso, naturalmente se faz terreno fértil para a aplicação não-inocente
de releituras e discursos que causam diretas implicações e alterações na dinâmica social.
[...] a televisão tem sido pensada muito a partir dos conteúdos, das intenções
dos governos e dos especialistas, e pouco tem sido compreendida em sua
atuação social e competência narrativa. Contudo, não há como evitar o
debate sobre a função social, política e cultural da televisão, já que este
meio é muito mais que imagens transmitidas à distância e tem implicões
culturais, políticas e educativas para uma sociedade (RINCÓN;
ESTRELLA, 2001, p.45, tradução nossa).
58
Em síntese, a televisão, como aparato agregador e disseminador de imagens, acaba por
tomar a forma de ponto de referência, primeiramente, de persuasão, uma vez que é veículo em
que se dá a projeção de discursos inúmeros. Estes nada mais são do que imagens alocadas
dentro de imagens em um mosaico que constitui releituras de uma suposta vivência concreta.
Tanto ou mais que o cinema, a televisão desordenou a iia e os limites do
campo da cultura, suas iniciativas, separações entre realidade e ficção, entre
vanguarda e kitsch, entre espaço de lazer e trabalho. Porque, mais do que
buscar o seu nicho na idéia ilustrada de cultura (que foi o que fez o cinema,
durante um tempo, na sua relação com literatura e a pstica), a experiência
audiovisual que possibilita a televisão vai re-enunciar essa iia
radicalmente, ou seja, a partir das transformões que introduz na nossa
percepção do espaço e do tempo (MARTÍN-BARBERO, 2002, p.66)
O relacionamento entre os agentes dos sistemas televisivos e a sociedade dá-se em um
campo de alta interdependência e, portanto, de elevado grau de organicidade. Um mundo que
se educa e pauta-se pela imagem vê nos meios telemáticos – e, por isso também na televisão
um dos pontos de contato com o seu habitat e o de outrem. Este meio, como espaço de
interações culturais, palco de heterogeneidades e múltiplos retratos da existência, caracteriza-
se como portal de emissão dos mais variados e intensos discursos, o que faz da comunicação
televisiva algo extremamente relevante sob a ótica social. Ela relê o mundo em um panorama
no qual os leitores têm contato com um enredo delineado de formas variadas, sempre com
maior ou menor grau de distorção (ocultamento e/ou exacerbação) em relação a um dado
contexto material. A imagem televisiva relativiza o mundo em um sem-número de janelas e
dimensões e, por isso, é um instrumento altamente eficaz para veicular discursos. A partir do
momento em que ela convence pela imagem, acaba por agir em benefício daqueles que
emitem suas próprias idéias por meio dela, muitos aproveitando sua essência abrangente e
congregadora das transculturalidades para moldar situações, fortificar, criar ou enfraquecer
culturas.
2. Fundamentos culturais da televisão
2.1. Cultura à luz da antropologia e sociologia
A transculturalidade inerente às relações metropolitanas suscita, para a continuidade
da discussão de maneira fundamentada, uma conceituação aplicada de cultura. Em outras
59
palavras, decide-se aqui o caminho epistemológico que norteará o debate em torno das
principais interconexões ocorrentes entre indivíduos, lugares e meios de comunicação – com
ênfase, obviamente, na televisão.
Pelo arcabouço ao qual se relaciona e os diferentes parâmetros sociais implicados,
definir cultura é um trabalho árduo e complexo, capaz de remeter a muitas possibilidades
argumentativas que, quando não fundamentadas pelos pilares conceituais de um estudo,
podem fragilizar observações e inferências.
Em decorrência desta amplidão e variabilidade conceitual, diversas áreas do
conhecimento debruçaram-se sobre o conceito a fim de definí-lo da forma mais completa.
Antropologia, Sociologia e Biologia tentaram explicar as relações entre homem, animais e
ambiente, e os resultados produzidos a partir dessas interações. Esse foi um dos primeiros
passos para a definição.
Forma de vida capaz de produzir valores e simbologias, ou ainda contexto no qual um
dado grupo está inserido, ou sinônimo de apreensão de conhecimento. É dessa forma que as
bases antropológico-sociológicas articulam-se para construir esse conceito. Ou seja, parte-se
do pressuposto que pontua o ser humano a partir de um prisma plural, em que o indivíduo é
agente cultural como participante de um conjunto de peculiaridades e, também, na condição
de produtor/receptor de conhecimento. Giovanni Sartori (2001, p.26) esclarece a
multiplicidade de caminhos a serem tomados para definir cultura, ao mesmo tempo em que
reconhece suas facetas variadas.
O termo cultura possui dois sentidos. Na sua acepção antropológico-
sociológica significa que qualquer ser humano vive no âmbito de uma
própria cultura. Se o homem é, como é de fato, um animal simbólico, segue
daí que vive em um contexto relativo de valores, crenças, concepções e,
enfim, de simbolizações que constituem a sua cultura. Nesta acepção
genérica, portanto, também o homem primitivo ou o analfabeto possuem
cultura. E é nesta acepção que hoje falamos, por exemplo, de uma cultura
de lazer, de uma cultura da imagem e de uma cultura juvenil. Mas a palavra
cultura é também sinônimo de ‘saber’: uma pessoa culta é uma pessoa que
sabe, formada por meio de boas leituras ou, em todo o caso, bem informada.
Nesta acepção estrita e apreciativa, a cultura se refere aos ‘eruditos’, não
aos ignorantes. E esta é a acepção que nos permite falar (sem contradições)
de uma ‘cultura da não-cultura’, como também de atrofia e pobreza cultural.
Pensar a transculturalidade significa considerar a inserção da cultura dentro de uma
ampla rede de fatores conectados em condição de interdependência. Ainda à luz das ciências
antropológico-sociológicas, faz-se necessário pontuar que a definição do termo percorre o
mesmo caminho das transformações relacionais enfrentadas pelo humano ao longo da
60
história. Parece, por suposto, lógico, uma vez que estar no mundo tornou-se mais complexo,
drama que se irradia por todos os canais humanos de relacionamento. Quanto mais o nosso
existir tornou-se sofisticado, mais ampla e enovelada ficou a acepção de cultura. Pode-se
afirmar que o conceito enfrenta uma mutação ou um arranjo historicizado e orgânico. Dentre
as diferentes ênfases - histórica, psicológica ou normativa – propostas por esta definição,
percebe-se que o conceito de cultura está bastante próximo de outro conceitoo de
civilização. Raymond Williams (1969, p.18) discute a evolução de um sem esquecer sua
ligação com outro.
Anteriormente significara, primordialmente, ‘tendência de crescimento
natural’ e, depois, por analogia, um processo de treinamento humano. Mas
este último emprego, que implicava, habitualmente, cultura de alguma
coisa, alterou-se, no século dezenove, no sentido de cultura como tal,
bastante por si mesma. Veio a significar, de começo, ‘um estado geral ou
disposição de espírito’, em relação estreita com a idéia de perfeição
humana. Depois, passou a corresponder a ‘estado geral de desenvolvimento
intelectual no conjunto da sociedade’. Mais tarde, correspondeu a ‘corpo
geral das artes’. Mais tarde ainda, ao final do século, veio indicar ‘todo um
sistema de vida, no seu aspecto material, intelectual e espiritual’. Veio a ser
também, como sabemos, palavra que freqüentes vezes provoca hostilidade
ou embaraço.
O embate entre os teóricos questionava se as acepções que tomavam a cultura como
algo que significa em si mesma, um valor que se tem, ou relacionada diretamente à educação
e à vida intelectual, ou ainda como algo das organizações materiais, ideologias e classes
sociais eram suficientes para designar as novas mensagens que comem o cenário urbano.
Nonimo, havia uma multidimensionalidade em sua projeção, construída via perspectivas
externas ou internas ao indivíduo.
Ainda na tentativa de definir cultura, Williams (1969) identifica e classifica três vias
para tanto. Na primeira delas, o substantivo abstrato expressa valores universais ou absolutos
do gênero humano a partir da designação de um processo geral de desenvolvimento
intelectual, espiritual e estético. A segunda definição entende cultura a partir de registros
objetivos sobre a experiência e o pensamento humanos, como um substantivo que descreve os
trabalhos e práticas de atividades especialmente artísticas e intelectuais. Por fim, a terceira
definição compreende o âmbito social e descreve um modo de vida particular ao qual são
somadas impressões sobre as instituições políticas, econômicas e sociais. Diante das
classificações, é importante ressaltar que elas não são excludentes entre si, pois a
aplicabilidade de cada uma está ligada a procedimentos analíticos diferentes. De todo modo,
61
percebem-se as dimensões múltiplas do conceito. Nos meios de comunicação, por exemplo, é
possível conferir ênfase maior a uma ou outra angulação específica – e, obviamente, a visões
conjugadas. Uma emissora de televisão pode refletir um conjunto de valores, produzir
conteúdo mediante uma linguagem que o mantenha e fortaleça, ou, ainda, tem a oportunidade
de disseminar conhecimento de modo que incremente individualidades em termos de
conhecimento. Tudo depende de seus objetivos institucionais, mercadológicos e, também, de
seus grupos mantenedores.
Frente a tantos argumentos distintos, é natural perceber que a discussão beira o
inesgotável. Morin (1977, p.15) tenta resumir a discussão e propõe a seguinte divisão para o
termo: “[...] há de um lado, uma ‘cultura’ que define, em relação à natureza, as qualidades
propriamente humanas do ser biológico chamado homem, e, de outro lado, culturas
particulares segundo épocas e as sociedades”. Um estudo dos meios de comunicação não
poderia, por exemplo, privilegiar somente a segunda assertiva (superficialmente mais
exultante), uma vez que o indivíduo como um ser biológico, por sê-lo, provoca influências
dentro de uma rede complexa de relações temporais e sociais dadas as diversidades e
potenciais embates na esfera transcultural. Contudo, Morin (1977, p.15) completa seu
raciocínio mencionando que “uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos,
mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos,
orientam as emões”. A aproximação das duas definições mostra que o teórico admite a
parcela biológica como agente que interage junto ao campo antropológico-sociológico,
ratificando a complexidade cultural justamente por ser um conceito essencialmente ligado ao
humano, ainda que de forma abstrata.
Observando-se o conceito de cultura de Morin por outro ângulo e revisitando as
palavras de Nietzsche, percebe-se o cruzamento entre os conceitos de forma que a cultura
possa ser encarada como um conjunto de elementos que geram para grupos e pessoas uma
determinada leitura do mundo. O humano, dotado de instintos e agente de relações biológicas,
é também ator fundamental na reprodução, transformação e criação de valores, crenças e
signos constituintes de cultura. Cada indivíduo, portanto, carrega sua própria materialidade e,
por conseguinte, apropria-se do mundo de uma forma estritamente particular. Estabelecer
comunicação com o humano contemporâneo é, portanto, desafiador, pois urge a necessidade
de transmitir discursos com abrangência e efetividade para uma heterogeneidade crescente e
cada vez mais dotada de peculiaridades inimitáveis no campo individual.
62
Afinal, é ingênuo ignorar a origem social das culturas e as características impressas
que condicionam comportamentos, argumentos e manifestações. Denys Cuche (2002, p.143-
4) reitera o raciocínio:
As culturas nascem de relações sociais que são sempre relações desiguais.
Desde o início, existe uma hierarquia de fato entre as culturas que resulta da
hierarquia social. Pensar que não há hierarquia entre as culturas seria supor
que as culturas existem independentemente umas das outras, sem relação
umas com as outras, o que não corresponde à realidade.
Aprofundando um pouco mais a questão da transculturalidade após a abordagem da
metrópole (arena) e do indivíduo (microcosmos e agente), é fundamental tratar diretamente a
relação entre as culturas. Por serem heterogêneas naturalmente, acabam por organizarem-se
em uma estrutura hierárquica, ou seja, determinados modos de vida, posturas, pensamentos,
valores, crenças e discursos acabam predominando em relação a outros. Isto não é um
processo aleatório. À luz de Marx e Weber, Cuche explicita o ‘entre’ do trânsito de culturas,
ou seja, o que pondera o arranjo hierárquico entre elas:
[...] em um dado espaço social, existe sempre uma hierarquia cultural. Karl
Marx como Max Weber o se enganaram ao afirmar que a cultura da
classe dominante é sempre a cultura dominante. [...] Para Marx assim como
para Weber, a força relativa de diferentes culturas em competão depende
diretamente da força social relativa dos grupos que as sustentam (CUCHE,
2002, p.145)
.
Os indivíduos, embora particulares, integram comunidades com semelhanças culturais.
Estes grupos, localizados na hierarquia referida, ratificam e fortalecem seus interesses
justamente a partir dos seus valores. Instintivamente, trata-se uma forma de perpetuação. Uma
cultura acaba por aglomerar indivíduos em torno de uma postura típica de classe social. As
estratificações da sociedade podem ser reconhecidas, com isso, também por seus traços
culturais, uma vez que eles conferem identidade a estes grupos. “A cultura dominante
contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata
entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes)” (BOURDIEU, 2003,
p.10). Surge, então, mais um desafio para a comunicação. Como, eventualmente, além de
quebrar a barreira do indivíduo, chegar ao questionamento de uma cultura de classe? No caso
do SESCTV, por exemplo, são múltiplas e árduas as barreiras a serem transpostas. Em
primeiro lugar, o canal age de encontro – em termos propositivos – a uma cultura televisiva
que alimenta e é alimentada pela classe média nacional, a qual reproduz hábitos de outros
63
centros mundiais, sobretudo os Estados Unidos. Secundariamente, deve desenvolver discursos
e linguagens que penetrem em diversas camadas sociais de modo que sua mensagem seja
processada por seus espectadores. Ainda há a barreira institucional, o arranjo de mercado, que
pode condicionar sua hierarquia cultural em termos de produtor do segmento.
Em um primeiro momento, seria fácil aceitar que a concepção antropológica esteja
mais próxima de uma análise comunicacional como a proposta por este estudo. Contudo,
outros aspectos da cultura devem ser debatidos antes que a aproximão entre cultura e
comunicação seja feita de maneira aprofundada.
Bourdieu (1983, p.82-84) divide a cultura de acordo com padrões de estética. A
cultura considerada erudita abrange a estética legítima da ‘arte pela arte’. Quando mediana, a
estética designa os padrões culturais da pequena burguesia, suas manifestações situam-se no
âmbito de uma ‘arte média’ e de uma cultura produzida em larga escala para o mercado. Uma
outra estética considerada é a da ‘cultura popular’, a qual é definida como pragmática, é uma
manifestação do saber adquirido pela convivência com as necessidades físicas imediatas. O
autor não reconhece uma cultura popular autônoma e afirma que essa é uma “versão mutilada
da cultura dominante”, pois não intervém na criação nem na renovação de bens culturais.
Dividir a cultura em categorias parece ser uma forma recorrente de explicar as
complexas relações poticas e sociais que ocorrem a partir desse conceito. Alfredo Bosi
(1992, p.337) discute a pluralidade cultural e, a partir do entendimento de cultura como
“herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso”,
propõe tratá-la a partir de quatro conjuntos: cultura erudita (concentrada nas universidades),
cultura de massas (produção de bens de consumo, indústria cultural), cultura popular (folclore
e materiais simbólicos rústicos) e cultura criadora individualizada (escritores, cineastas). Bosi
(1992, p.309) relaciona as faixas culturais aos estratos da sociedade.
A essas duas faixas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore)
poderíamos acrescentar a cultura criadora individualizada de escritores,
compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim intelectuais
que o vivem dentro da Universidade e que formam um sistema cultural
alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que os
animam. Por último, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação
com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo
chamada por inrpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura
de consumo.
Embora apresente as divisões e as relacione com grupos sociais, Bosi menciona que as
culturas podem se relacionar entre si influenciando umas às outras. Mostrando como
64
pertencem a contextos econômicos distintos e são determinadas pelas relações de classes, pelo
dinamismo de seu próprio grupo e mesmo pelos seus criadores e receptores das várias
culturas.
Identifica-se, portanto, um conjunto de cultura que abarca os produtos veiculados
pelas tecnologias disponíveis – jornal, cinema, rádio e televio. Essa forma de cultura foi
nomeada pelos teóricos da Escola de Frankfurt cultura de massas e está relacionada, entre
outros fatores, aos meios de reprodutibilidade técnica. As interpretações dessas reproduções
nem sempre eram positivas ou animadoras. Benjamin (1989, p.14, tradução nossa) mostra
argumentativamente que o cinema como arte só tem razão de existir no estágio da reprodução,
e não no da produção única. Para ele, a reprodutibilidade técnica da obra artística modifica a
relação da massa para com a arte. Não só a relão público-produto é alterada segundo essa
lógica de reprodutibilidade. Theodor W. Adorno (1977, p.290), expoente do pensamento
frankfurtiano, aponta para a mudança da postura dos produtores em relação ao produto,
alertando que a reprodução mecânica e a distribuição em larga escala conferiam aos
produtores uma distância de seu objeto.
As mudanças expostas foram argumentos-base para críticas tecidas sobre os efeitos
provocados pela reprodutibilidade. A questão, no entanto, é que o desenvolvimento
tecnológico atingiu parâmetros irreversíveis e atualmente disponibiliza novas formas de
consumo cultural tais como videoclipes, CDs, videogames, televisão a cabo e internet que
ofuscam a divio metódica entre os tipos de cultura. Os difundidos termos ‘erudita’,
‘popular’ e ‘de massa’ já não satisfazem a heterogeneidade simlica produzida por esses
meios de comunicação. Além disso, as referidas novas formas são responsáveis diretas pela
criação de novas linguagens dentro dos mesmos. A própria natureza da cultura encarrega-se
de pôr abaixo qualquer tentativa cartesiana de enquadramento racionalizado. Sua dinâmica
evolutiva promove o constante requerimento de novas análises e definições.
Diante do hibridismo entre os meios e da rede simlica que começou a se formar já
no início dos anos 90, Santaella (2003, p.52) propõe uma denominação ainda mais sofisticada
ao tratar da cultura das mídias. A expressão procura:
[...] dar conta de fenômenos emergentes e novos na dinâmica cultural, quer
dizer, o surgimento de processos culturais distintos da lógica que era
própria da cultura de massas. Contrariamente a esta que é essencialmente
produzida por poucos e consumida por uma massa que o tem poder para
interferir nos produtos simbólicos que consome, a cultura das mídias
inaugurava uma dinâmica que, tecendo-se e se alastrando nas relações das
mídias entre si, começava a possibilitar aos seus consumidores a escolha
entre produtos simbólicos alternativos.
65
Com esta definição, busca-se tratar de maneira particular o universo de produções
midiáticas a partir da proliferação de tecnologias e linguagens. Isto levou ao surgimento de
manifestações comunicacionais calcadas em simbologias diversas, ou seja, alternativas às
simplesmente massificadas. Assim, cultura e mídia passam a se aproximar de maneira mais
enfática.
É preciso fazer uma análise ‘polemológica’ das culturas, pois elas revelam conflitos”
(CUCHE, 2002, p.144). Atualmente, o mundo é a arena de transculturações, as quais são
projetadas mediante as releituras veiculadas na televisão e em outros meios telemáticos, que
omitem ou superestimam determinados conceitos de acordo com os grupos envolvidos na
elaboração de seus discursos, cujas forças são institucionalizadas e portadoras de um peso
relativo. Os mais influentes sempre fazem com que os seus recortes e verdades sejam
disseminados com maior abrangência e tratamento em termos de linguagem. Em um universo
de cultura das mídias pode-se descobrir formas para que caminhos alternativos sejam abertos
com vistas à disseminação de linguagens e conteúdos até então sufocados.
2.2 Cultura produzida/criada e legitimada pela televisão
Cultura da mídia refere-se à produção cultural midiática gerida pela própria lógica da
mídia. Esta é legitimada quanto à sua produção e tem grande importância perante os que vêm
de fora dorculo – a chamada cultura na mídia, ou seja, a que é veiculada por ela, embora
o seja produzida em seu âmbito.
Uma das ilustrações mais claras de seu papel nas estruturações sociais dá-se mediante
Bourdieu, que divide a sociedade em campos (potica, economia, cultura, mídia, etc.), cujos
regramentos determinam o comportamento dos sujeitos. A dia possui uma estruturação
particular, com contextos historicamente definidos e jogos peculiares de poder – elementos
que constituem sua cultura.
Campo surge como uma configuração de relações socialmente distribuídas.
Atras da distribuição das diversas formas de capital
no caso da cultura,
o capital simbólico
os agentes participantes em cada campo são munidos
com as capacidades adequadas ao desempenho das funções e à prática das
lutas que o atravessam. As relações existentes no interior de cada campo
definem-se objetivamente, independentemente da consciência humana. Na
estrutura objetiva do campo (hierarquia de posições, tradições, instituições e
66
história) os indivíduos adquirem um corpo de disposições, que lhes permite
agir de acordo com as possibilidades existentes no interior dessa estrutura
objetiva: o habitus. Desta forma, o habitus funciona como uma força
conservadora no interior da ordem social (BOURDIEU, 2003, p.7-8).
De maneira aplicada à televisão, o campo em que ela se insere possui uma própria
lógica, que passa por questões institucionais (entidades mantenedoras e respectivos objetivos),
políticas (grupos de interesse), financeiras (interesses dos grupos) e legais (legitimação
jurídica). Estes fatores condicionam o perfil das emissoras, que desenvolvem linguagens e
conteúdos a partir de suas raízes dentro deste arcabouço sistêmico. Uma análise isolada de
qualquer uma das células constituintes do todo acaba por renegar erroneamente a rede de
correlações que sustenta os meios televisivos. No caso do SESCTV, por conseqüência, cabe
uma análise neste nível. Posteriormente será verificado um desnivelamento entre estes
módulos do todo que afetam diretamente a capacidade desta emissora de transmitir suas
mensagens junto ao público com o qual pretende comunicar-se.
Pierre Bourdieu entende ‘um espaço social estruturado’, no qual estão ‘os
que dominam’ e ‘os que são dominados. Abrigando ‘relações permanentes
de desigualdade’, umcampo’ se deixa ainda definir como ‘uma arena de
combates’, que são travados para que haja transformações ou sejam
mantidas, mesmo repropostas, as condições que o sustêm. Como logo mais
observaremos,campos simbólicos’ possuem, todos, organização aloga e,
no tocante, por exemplo, à televisão, são determinados por varveis fortes,
tais como o poder econômico, a competição por fatias de mercado e a
submissão ao registro de índices de audiência. Estas ‘estruturas invisíveis’
ordenariam e disporiam os processos de criação da e na TV (TRINTA,
2006, on-line, grifo nosso).
O espaço estabelecido para a circulação de bens culturais expandiu-se e adquiriu ao
longo dos anos características peculiares, capazes de refletir na administração de suas
empresas, na escolha dos programas veiculados e nos assuntos abordados um verdadeiro
campo de choque entre grupos sociais. Ao evidenciarmos o ambiente conflituoso das culturas
(no caso, das mídias), é fundamental apresentar o pensamento que indica que essas
representações não apenas exprimem as lutas sociais existentes, como também transcodificam
os discursos políticos da época. Kellner (2001, p.79) parte do pressuposto de que “a sociedade
é um grande campo de batalha, e que essas lutas heterogêneas se consumam nas telas e nos
textos da cultura da mídia e constituem o terreno apropriado para um estudo crítico da cultura
da mídia”. A mídia, então, é tomada como observadora e participante da cultura. O que ocorre
na cultura como manifestação espontânea da sociedade é visto e revisto pela cultura da mídia.
67
Isto remete ao panorama televisivo já abordado como arena transcultural, em que os conflitos
são exibidos a partir de uma lógica própria de produção.
As corporações de mídia e entretenimento exercem um duplo papel
estratégico na contemporaneidade. O primeiro diz respeito à sua condição
peculiar de agentes operacionais da globalização, do ponto de vista da
enunciação discursiva. Não apenas legitimam o ideário global, como
também o transformam no discurso social hegemônico, propagando visões
de mundo e modos de vida que transferem para o mercado a regulação das
demandas coletivas. A retórica da globalização intenta incutir a convicção
de que a fonte primeira de expressão se mede pelo nível de consumo do
indivíduo (MORAES, 2004, p.187).
Desta forma, há um reflexo condicionado do espaço social de conflitos. Os caminhos
midiáticos filtram a realidade concreta a partir de critérios dos grupos dominantes. Trata-se de
uma metonímia perversa, em que se valoriza a parte em detrimento do todo. Desta forma,
aparecem nos meios de comunicação manifestações em sua maioria favoráveis discursiva e
esteticamente a grupos dominantes e, por conseguinte, seus princípios, o que nos leva
fatalmente a pensar numa legitimação pervertida da cultura.
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento que ossistemas simbólicos’ cumprem a sua função política
de instrumentos de imposão ou de legitimação da dominação, que
contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra
(BOURDIEU, 2003, p.11).
Arlindo Machado (2003, p.16), no entanto, contraposiciona-se a essa e outras visões
que entendem a televisão apenas como “um empreendimento mercadológico, um sistema de
controle potico-social, sustentáculo do regime econômico ou mesmo uma máquina de
moldar o imaginário” e menciona que, embora diferentes em suas bases teóricas,
[...] elas deixam de lado o mais importante, que é o exame efetivo do que a
televio concretamente produziu nestes últimos 50 anos – os programas –
e, sobretudo, o exame detalhado daquilo que, dentro da imensa massa
indiferenciada de material audiovisual, se distinguiu, permaneceu e
permanecerá como uma abordagem, como uma referência importante dentro
da nossa cultura (MACHADO, 2003, p.16).
O pensamento de Machado traz à tona uma importante relação ao posicionar a
televisão dentro do referencial de uma cultura. Cultura e televisão foram aproximados, mas
não sob a condição pessimista de que “o único serviço à cultura que poderia se esperar da
televisão é o de se autonegar como meio de expressão estética própria, e se converter em
68
veículo-container da arte” (MARN-BARBERO, 2002, p.65-66). Por outro lado, como um
componente da esfera cultural, que atua como meio propagador e participante de uma lógica –
sobretudo a da classe média –, a televisão deve ser analisada sob a ótica estrutural
(condicionantes mercadológicos, sociais e políticos) e, também, mediante sua importância
como veículo comunicacional, com estética, história e evolução próprias. Sendo um elemento
cultural dinâmico, deve ser analisado mediante todos os seus fatores de influência. Até pela
complexidade ressaltada pela teoria de cultura das dias, não se faz exagero dizer que,
individualmente, cada canal televisivo tem a sua identidade cultural e condicionantes
estruturais próprios. Isto se dá claramente a partir de um debruçar de olhos sobre o SESCTV.
É imposvel compreen-lo sem que sejam analisados seus aspectos fundamentais, tanto em
termos institucionais como de estética. Suas raízes somente podem ser questionadas se forem
elucidadas. E, por conseqüência, apenas diante de uma clara visão sobre seu posicionamento é
possível sugerir potenciais quebras da lógica dominante que rege seu meio.
A maturação das tecnologias midiáticas faz com que novas problematizações surjam a
partir de tal movimento. A técnica pura deixa de ser um fator crítico de transformação. A
mídia, uma vez dotada de lógica própria e sofisticada, apresenta questões mais profundas, que
dizem respeito a pontos como linguagem e formas de percepção. Martín-Barbero (2002, p.66-
7) ratifica este avançado patamar de debate em torno dos meios de expressão midiáticos ao
pontuar que
[...] quando a mediação tecnológica da comunicação deixa de ser
instrumental, para se tornar mais espessa, mais densa, e se converter em
estrutural: a tecnologia, hoje não remete a aparelhos, mas sim a modos de
percepção e de linguagem, a novas sensibilidades e escritas.
As dinâmicas o são as mesmas e não devem respeitar às primeiras leis de
produção estabelecidas com o início dos meios de comunicação. As diferenças entre cultura
da e na mídia e suas engrenagens próprias ficam evidentes, denotando que é necessário
assimilar a mudança assinalada por Martín-Barbero para propor algo que não seja a
remodelagem de antigos padrões. O locus de produção de cultura da dia é fechado entre
seus padrões de execução e exibição, respeita a lógica do campo em que está inserido e, para
resguardar a audiência e patrocinadores, as mudanças são invariavelmente rechaçadas. Não se
pensa um questionamento em termos de linguagem, sobretudo porque este não interessa aos
grupos dominantes da referida lógica estrutural.
69
No entanto, não se pode pensar em cultura da e na dia como duas coisas
diametralmente opostas. Elas não atuam segundo as mesmas regras nem finalidades, mas se
encontram em situações mesmas com justificativas diversas. Os meios de comunicação de
massa reinterpretam à sua forma manifestações espontâneas ou não, enquanto outras formas
de cultura projetam nesses mesmos meios uma visibilidade para o projeto executado. A
relação é desigual e acaba beneficiando as corporações midiáticas que, além de produzirem
sua própria cultura, ainda conferem às outras manifestações, mediante publicização, o status
de tal. O impasse da situação é o argumento necessário para que Moreira (2006, entrevista)
questione a forma de divulgação de cultura nos canais de televisão: “não adianta gravar um
espetáculo de dança e transmití-lo em um horário fixo na televisão”. É necessária uma
adaptação de uma forma para outra, uma adequação aos modos de percepção, afinal, trata-se
de outro suporte.
O questionamento de Moreira é pertinente e desencadeia uma reflexão sobre os
motivos pelos quais a problematização de meios e formas de produção em televisão não é
desencadeado. A reflexão sobre a linguagem o é exercida em função disso. Morin (1977,
p.15-6) justificaria esse descaso proposital afirmando que
[...] a cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de símbolos,
mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema
de projeções e de identificações específicas. Ela se acrescenta à cultura
nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa, e entra em concorrência
com estas culturas.
A cultura de massa, por ser cultura, tem portanto um arcabouço sistêmico próprio,
particular. Em decorrência desta amplitude, ela – para se manter como tal – não suporta
embates. Superficialmente, há um choque em termos de linguagem. Além da epiderme da
questão, existem impeditivos de múltiplas ordens, como os relativos aos grupos dominantes
(vistos no primeiro capítulo), os quais se valem da gica massificante para disseminar
conteúdos que contribuam em larga escala para o fortalecimento de valores por eles
defendidos, ou seja, os mesmos que os auxiliam a permanecer onde estão.
A televisão, neste contexto, paradoxalmente se apresenta como um meio de potenciais
diversos. Esta natureza contradiria explica-se pela simples razão de que, embora se mostre
com amplo poder de manipulação do imaginário e veículo disseminador de mitos
sustentadores da lógica predominante, ela figura também como um campo vasto de
possibilidade de experimentação no que tange a formas de narrar, expor, enunciar, dentre
outros exercícios de estética e linguagem. Transpondo-se tal raciocínio para o âmbito do
70
SESCTV, pode-se conjeturar que sua grande frente de desafios esteja relacionada não ao
condicionamento do imagirio mediante o modus operandi das camadas dominantes, mas
sim à proposição de novos caminhos no que concerne ao fazer televisivo. Martín-Barbero
(2002, p.68) ratifica esta dualidade ao alertar para o fato de que qualquer análise não deve
ignorar os limites que fazem da televisão um dispositivo midiático capaz de moldar o
imaginário e deformar o cotidiano - principalmente dos setores populares. No entanto, é
preciso enxergá-la como uma das formas de mediações tecnológicas mais expressivas, visto
que possibilita a hibridação de várias formas de enunciação – narrativas do mundo popular,
gêneros novelescos e dramáticos de várias culturas.
Além das interferências no imagirio, os hábitos populares também são influenciados
pelo entrelaçamento entre cultura e televisão. É importante esclarecer que o desenvolvimento
dos meios tecnológicos e as respectivas introduções de forma mais enfática na estrutura da
sociedade figuram como determinantes para, nela, alterar o lugar da cultura. Assistir televisão
permanece como forma de lazer para muitas pessoas, vide crescimento da demanda por
serviços de televisão por assinatura. Assim, nota-se que há a criação de uma cultura
domiciliar. Quer dizer, o espaço doméstico passa a ser um ambiente pelo qual também se tem
acesso à cultura. E, justamente por isso, vinculam-se a esse modus vivendi uma linguagem e
concepção de imaginário que fixam as pessoas nesta rotina, uma vez que a camada popular
neutralizada acaba por referendar os grupos dominantes. As manifestações vistas no cinema,
nas casas de espetáculos ou em outros espaços públicos migraram para a televisão, que
concentra essas manifestações culturais de modo a criar sua própria cultura, já que funciona
como filtro dos acontecimentos. Basta retomar o posicionamento de Moreira quanto à
exemplificação em torno do espetáculo de dança.
Esta penetração social da televisão modifica a relação entre o indivíduo e a sociedade.
Uma vez que age como mediadora e campo de distorção da realidade material, ela – além de
ser legitimada pela força do hábito – converge as impressões transculturais do mundo e as
entrega ao humano a partir dos condicionamentos oriundos das angulações de estética e
linguagem impressas pelas camadas de donio.
De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica
da questão, a identidade é formada na ‘interação’ entre o eu e a sociedade.
O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘eu real’, mas
este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos
culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem (HALL,
2005, p.11).
71
Particularmente quanto ao SESCTV, apresentam-se como desafios para o
cumprimento de seus propósitos institucionais algumas questões básicas. Em primeiro lugar, é
necessário refletir sobre formas de transpor as engrenagens midiáticas massificadas e a
estética a elas inerente para estabelecer uma nova relação com o ‘eu’; secundariamente, outro
obstáculo consiste na forma a ser encontrada para levar à televisão de outra maneira as
transculturalidades do mundo. Em terceiro lugar, faz-se crucial estabelecer claramente quais
as relações da emissora com a cultura em termos de produção, reprodução e forma de operar
este binômio. Urge uma problematização sobre o relacionamento do SESCTV com os grupos
dominantes (em termos institucionais) e como superar tal discussão para sedimentar novas
bases e experimentações que visem a uma potencial estética televisiva diferenciada. O ponto
de partida para tal elucidação focará atenções sobre o universo dos pares da emissora.
2.3. Cultura como finalidade no ambiente televisivo
Pode-se entender como televisão cultural aquela que se apropria de manifestações do
gênero e as reprocessa, conferindo a elas seu próprio recorte, ou seja, uma leitura
particularizada.
Martín-Barbero (2002, p.71-74) elenca alguns traços que, quando transpostos para o
cenário brasileiro de televisão, suscitam consistente debate. Para ele, o caráter cultural está
diretamente relacionado à transmissão e, principalmente, à criação cultural. Desta forma,
espera-se que o único elemento influenciador diga respeito a eventuais limitações em termos
de recursos humanos, materiais e financeiros. Independentemente do porte e das
possibilidades, cabe a um canal com tal finalidade produzir de acordo com sua estrutura, mas
sem que se perca o foco inovador em relação ao padrão vigente e dominante. Em caso de
sucesso, esta fórmula – teoricamente – garante fidelidade por parte da programação perante as
proposituras institucionais do veículo. Outra característica da televisão cultural é a
consciência de que faz parte da vida urbana e de todos os fragmentos que a comem a partir
do seu fluxo de imagens, informações, conhecimento, entretenimento e prazer. Ao ser
assumida como uma nova experiência cultural, abre-se caminho para entender a televisão
como um espaço de ‘alfabetização social’, ou seja, um portal de acesso para novas linguagens,
padrões audiovisuais e inovações tecnológicas. A última característica é relacionada à
qualidade e ela, em concordância com os demais traços apresentados, significa relevância
72
social da produção, articulação entre técnica, competência comunicativa e identidade
institucional.
No Brasil, a denominação proposta pelo autor não condiz com as aplicadas em
regimentos legislativos nem em estatutos de canais. Na lei nº 8977/95 (lei da TV a cabo), usa-
se a terminologia canal ‘educativo-cultural’. Já a ABTA (Associação Brasileira de TV por
Assinatura), em sua publicação anual Mídia Fatos (2006, p.44), ainda insere mais uma
nomenclatura: canais ‘educativo-profissionalizantes’. Para completar o debate, coloca em
questão a televisão pública. Quatro denominações que, necessariamente, não querem designar
as mesmas coisas, mas por falta de critérios são utilizadas indiscriminadamente.
O termo que suscita mais dúvidas em relação ao seu emprego correto é a ‘televisão
pública’, que é questionada quanto aos padrões administrativos, formas de conteúdo e
proximidade em relação ao governo. José Américo (2005, on-line) ainda pontua outro fato
relacionado ao caráter público das televisões:
Ao contrário do que muitos acreditam, os canais de TV são concessões
dadas pelo governo federal a empresas ou grupos de comunicação, através
de pleitos políticos legítimos, pressões de grupos empresariais e iniciativas
de caráter comunitário. Portanto, todo canal de TV é público. Cabe ao
governo fornecer elementos para que tenhamos um parâmetro de controle
da qualidade do contdo exibido pelos exploradores das concessões de TV
privadas, comunitárias e até mesmo públicas.
As concessões são, de fato, públicas, pois o espectro eletromagnético é um bem
nacional administrado pela União. Contudo, mesmo sendo um bemblico, não se tem
notícias veiculadas sobre concessões que tenham sido cassadas poro respeitarem as
condições previstas por lei ou ainda fazerem mau uso do meio de comunicação.
Entre a miscigenação de condicionantes públicos e privados, Ana Carine García
Montero (2004, p.56) mostra que a TV pública, que pode ser conduzida administrativamente
por instituições de qualquer uma das duas naturezas, deve ter como principal objetivo
suplantar os diferentes interesses da sociedade em relação ao acesso à produção e transmissão
de eventos. Por isso, o financiamento – que pode proceder de verbas públicas definidas por lei
de doões da iniciativa privada, de pessoas físicas ou ainda de recursos da assinatura de
usuários – não deve ser direcionado para uma administração que vise à lucratividade desse
montante. Contudo, mesmo com essas normativas, não há uma legislação específica destinada
a regulamentar as concessões de canais públicos, tampouco a definir as bases conceituais
destes canais.
73
Cabe ressaltar que a conceituação de televisão pública transcende a mera vinculação
ao aparelho estatal. Mais do que isso, consiste em um meio de comunicação que tem como
principal objetivo veicular assuntos de interesse coletivo, de modo que repercuta em sua
programação temas que transponham o bojo de interesses típicos dos grupos dominantes e
não se restrinjam a uma ou outra classe social. A televisão pública identifica, reproduz e
questiona elementos da cultura nacional, evidenciando todas as suas nuances, além de
complementar suas emissões com abordagens de estímulo à educação e cidadania. Seu papel
consiste também em informar o indivíduo, de maneira que ele tenha máximo contato possível
com as diversidades manifestadas no planeta onde reside. Terminologicamente, costuma-se
cometer a falácia da generalização apressada, tomando-se em conta que uma televisão pública
é necessária e tão-somente educativa ou cultural. Este sectarismo faz com que a amplitude da
função social de uma emissora seja restrita e alije o meio de comunicação do seu universo de
potencialidades.
Os conceitos não estão definidos nem aplicados praticamente, mas Omar Rincón
(2002, p.340) prevê na televisão pública um espaço para diálogo entre manifestações e
diversificação das culturas publicizadas.
A televisão pública deve ser um lugar de encontro e de interação do local
com o regional, do nacional e do internacional, assim como o cenário de
intercâmbio das diferentes socialidades e culturas que compõem a cultura
local, nacional e mundial. Isso significa um intercâmbio de sensibilidades e
identidades moldadas nos produtos televisivos, na circulação da informação
e na atualização da memória social.
Em busca de uma alternativa ao monopólio da Rede Globo que já se instaurava logo
nas primeiras décadas de transmissões, e ao modelo comercial de se fazer televisão, nasce em
1969 a Rádio e Televisão Cultura de São Paulo, cuja proposta consistia em atuar na difusão
artística e educacional. Em termos de conteúdo, a TV Cultura (Fundação Padre Anchieta)
pouco foi questionada. No entanto, seu modelo administrativo gera certa polêmica.
Tentando reproduzir o modelo inglês de gestão, a Fundação Padre Anchieta
adotou como poder ximo um Conselho Curador formado por
representantes de instituições públicas e privadas da sociedade paulista,
inspirado no Conselho de Governadores da BBC de Londres. Com algumas
limitações, se comparado ao seu inspirador, ainda assim o Conselho
Curador da Fundação Padre Anchieta é a principal barreira institucional às
investidas do Estado e da iniciativa privada sobre as emissoras (LEAL
FILHO, 2000, p.159).
74
O modelo de Conselho à primeira vista parece oferecer dinamismo à administração,
não fosse o fato de existirem cadeiras vitalícias e de muitas delas pertencerem aos
representantes dos governos municipais e estaduais. O modelo é funcional a exemplo do canal
britânico, no entanto, a independência e plena atuação de um canalblico exigem bom
panorama financeiro, o que a TV Cultura nunca conseguiu atingir, mesmo com o Conselho
administrativo.
A TV Cultura, ao ser considerada como canal público, levanta o mencionado conflito
de terminologias, pois é referida, ainda que em documentos não-oficiais, como canal
educativo. Não se pode confundir a orientação potico-administrativa de um canal com a
orientação de sua programação exibida. A iniciativa da TV educativa é contemporânea à da
TV pública e também parecida em termos de falta de regulamentação e assessoria legal.
A televisão educativa foi implantada, no Brasil, sem obedecer a um
planejamento que decorresse de uma política setorial de Governo. Algumas
emissoras tiveram como raiz de sua criação razões de ordem política, outras
deveram sua existência à tenacidade individual de idealistas, e poucas foram
as que surgiram com objetivos explicitamente definidos (FRADKIN, 2003,
p. 56).
Entre crises, sistemas que reúnem as emissoras de televisão educativas e discussões
sobre sua utilização surgiram, em 1998, a Associão Brasileira das Emissoras Públicas,
Educativas e Culturais (ABEPEC) e, em 1999, a Rede Pública de Televisão (RPT). As
emissoras, que estão associadas à ABEPEC e que constituem a RPT
18
, em sua maioria, têm
razão social pública, ainda que tenham a aproximação como educativas.
A discussão entre TVs educativas, públicas e culturais fica ainda mais acirrada quando
abrimos a discussão para os canais distribuídos por operadoras pagas. Dois deles apresentam
esse perfil, mas têm características bastante diferenciadas: Canal Futura e SESCTV.
Exibido desde setembro de 1997, o canal Futura pertence ao grupo Globosat
juntamente com outros 20 canais, tais como GNT, Multishow, Sportv, Canal Brasil e
Telecine. Por fazer parte de tal grupo comunicacional, o canal está incluído em todos os
pacotes oferecidos pelas operadoras relacionadas ao grupo – NET, NET Digital e Sky.
Marlucy Alves Paraíso (2006, on-line) alerta que o sistema NET/Sky não é o único pelo qual
o canal é transmitido, o Futura também se utiliza de antenas parabólicas convencionais. Além
18
TVE - Porto Alegre/RS, RTVE - Florianópolis/SC, TVE - Curitiba/PR, TVE - Campo Grande/MS, TV Cultura
- São Paulo/SP, TVE - Rio de Janeiro/RJ, TV Minas Cultural e Educativa - Belo Horizonte/MG, TVE -
Vitória/ES, TV Nacional - Brasília/DF, TVE - Salvador/BA, TV Aperipê - Aracaju/SE, TVE - Maceió/AL, TV
Universitária - Recife/PE, TV Universitária - Natal/RN, TV Ceará - Fortaleza/CE, TV Palmas e 96 FM -
Palmas/TO, TVE - São Luiz/MA, TV Cultura - Belém/PA e TV Cultura - Manaus/AM.
75
disso, a programação do canal é oferecida gratuitamente para escolas e entidades públicas que
dispõem dos equipamentos para recepção do sinal. O canal Futura é visto como um projeto
vinculado à Fundação Roberto Marinho, que conta com o incentivo de quinze instituições
privadas (Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro (FIRJAN), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
Bradesco, Banco Itaú, Turner Broadcasting - CNN Internacional, Fundação Odebrecht, Grupo
Votorantim, Fundação Vale do Rio Doce, Instituto Ayrton Senna, Rede Brasil Sul (RBS),
Sadia, Confederação Nacional do Transporte (CNT), Rede Globo e SEBRAE/nacional)
19
,
denominadas ‘parceiras’.
Sob o slogan ‘Futura: canal do conhecimento’, o canal mantém sua grade com
programas – em geral apresentados por artistas famosos e já conhecidos pelos telespectadores
brasileiros – baseados em princípios como incentivo ao espírito comunitário e empreendedor,
valorização do pluralismo cultural e ética. Estes princípios citados formam a base educativa
do canal e se estendem para uma proposta mais abrangente, que consiste em um trabalho de
mobilização comunitária para levar o conteúdo do canal para comunidades e, com a
supervisão de profissionais, garantir a proliferação da ação educativa.
A projeção do canal é imaginável considerando a estrutura das empresas que o
administram e foi ainda mais reforçada quando o governo brasileiro “concedeu ao Futura o
tulo de geradora educativa, o que lhe permite expandir suas transmissões inclusive em sinal
aberto para onde quiser, sem depender de concessões” (PARAISO, 2006, on-line).
A presença do canal Futura faz parte de uma estratégia muito ampla, de potencializar o
alcance da corporação que funciona como ‘porta-voz’ dos grupos dominantes – a Rede Globo
– para o espectro da televisão ‘politicamente correta’. Uma vez que tem o apoio de grande
parcela do empresariado brasileiro, a emissora acaba por estabelecer uma contradição: uma
vez que tem maciço suporte de agremiações elitistas e organizações com alto grau de
influência sócio-potica, propõe-se a tonificar sua programação sob uma perspectiva cultural,
o que lhe inflingiria a necessidade de retratar as transculturalidades de maneira mais
transparente e menos angulada em comparação à realidade material dos acontecimentos –
exatamente o contrário do que pretende sua classe mantenedora, visto o exemplo do grupo
comunicacional do qual faz parte.
Comercialmente, ter um canal aos moldes administrativos das emissoras educativas e
culturais não interessa a um conglomerado como a Rede Globo. Por isso, este ingressou em
19
Disponível em: www.futura.org.br. Acesso em: 22 dez. 2006.
76
tal ‘mercado’ – via Futura – para corromper gradativamente sua lógica, minar as demais
emissoras e fazer valer o seu modelo de produção e financiamento.
A criação de canaiso-comerciais como o Futura, mantido por entidades
empresariais em parceria com a Rede Globo, e a STV, mantida pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) poderiam ter seus
programas, bem como os recursos a eles destinados, voltados para as
emissoras educativas existentes. Em maior ou menor grau, ambos são
exemplos de falta de visão. Problema agravado, no caso do Canal Futura,
pela intenção de setores do empresariado, capitaneado pela Rede Globo, de
minar as emissoras não comerciais. Até o momento, as concessões para o
funcionamento desses dois canais envolvem apenas transmissão fechada,
mas ambos têm feito sucessivas gestões para conseguir exibição também
em canal aberto (CARRATO, 2006, p.14-5).
A citação acima pode ser desmembrada em duas análises diferenciadas. Na primeira,
em que faz alusão ao SESCTV, comete um equívoco ao discorrer sobre sua entidade
mantenedora, que, na verdade, era híbrida à época da menção, uma vez que era resultado de
cooperação entre SESC e SENAC, como exposto no primeiro capítulo. Outro desvio, ainda
nesta abordagem, diz respeito à proposta de cada um dos canais. O atual SESCTV aparece
como uma alternativa, de maneira que seja uma emissora de utilidade pública sem ser
necessariamente uma televisão estritamente educativa. Embora tenha parcerias com canais do
gênero – o que já leva por terra este ponto da argumentação da autora -, diverge dos mesmos
ao ter uma proposta mais abrangente e diversificada. Não se trata, no que tange ao SESCTV,
de concorrer em termos comerciais ou institucionais com os canais educativos e/ou culturais.
Emana apenas uma abordagem própria e que busca ser inovadora.
A outra análise – esta coerente – diz respeito ao posicionamento do canal Futura no
segmento em questão. Seu caráter expansionista visa à proeminência de seu modelo em
relação aos demais, no que se poderia chamar de ‘capitalização da educação e da cultura’ em
contraposição à multiplicidade característica do processo transcultural e informativo. O
receptor, nesta situação, é considerado somente para fins de audiência e relacionamento com
as marcas de seus ‘parceiros’.
Portanto, o modelo de Martín-Barbero soa utópico em termos de aplicabilidade ao
contexto brasileiro. A diversidade de proposições dos canais é substituída por regulações e
arranjos de mercado que acabam por favorecer as grandes corporações comunicacionais,
sendo estas publicadoras dos conceitos que favorecem a manutenção dos grupos dominantes
no cenário nacional de poder. As emissoras de caráter público esforçam-se para sobreviver,
enquanto que aquelas pautadas por um modelo híbrido de gestão encontram empecilhos
77
justamente quando se chocam com as organizações monopolistas, visto o caso da Rede
Globo, que subvenciona em termos estruturais as operações do canal Futura.
Estes jogos relativos ao poder apresentam-se como tentativas por parte de ímpetos
periféricos de subirem à tona e, por alguns instantes, respirarem ao mesmo nível dos setores
hegemônicos. Sob o ponto de vista cultural, pode-se afirmar, no entanto, que – embora
predomine o modelo empresarial oligárquico, que influencia diretamente a postura midtica –
há espaço para uma problematização em maior nível, ainda que tal fresta não seja das mais
expressivas. De todo modo, é possível criar uma contraposição, ou seja, movimentos que, em
meio ao tradicional, mostrem aos poucos a existência da diversidade, a qual pode ser lida
como essência da dinâmica transcultural.
Os termos do embate cultural, seja através de antagonismo ou afiliação, são
produzidos performativamente. A representação da diferençao deve ser
lida apressadamente como reflexo de traços culturais ou étnicos
preestabelecidos, inscritos na lápide fixa da tradão. A articulação social da
diferença, da perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em
andamento, que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que
emergem em momentos de transformação histórica. O direito” de se
expressar a partir da periferia do poder e do privilégio autorizados não
depende da persistência da tradão; ele é alimentado pelo poder da tradão
de se reinscrever através das condições de contingência e contrariedade que
presidem sobre as vidas dos que estão ‘na minoria’. O reconhecimento que
a tradão outorga é uma forma parcial de identificão. Ao reencenar o
passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis na
invenção da tradição. Este processo afasta qualquer acesso imediato a uma
identidade original ou a uma tradão ‘recebida’. Os embates de fronteira
acerca da diferença cultural têm tanta possibilidade de serem consensuais
quanto conflituosos; podem confundir nossas definições de tradição e
modernidade, realinhar fronteiras habituais entre o público e o privado, o
alto e o baixo, assim como desafiar as expectativas normativas de
desenvolvimento e progresso (BHABHA apud RIBEIRO, 2005, p.2-3).
O SESCTV destaca, tanto em sua proposta institucional como no que se refere ao
conteúdo veiculado, um posicionamento de antagonismo em relação à hegemonia vigente
nestes dois sentidos. Isto é verificável a partir do choque perante o grupo empresarial que
domina as ações mais significativas do mercado comunicacional. Em segundo lugar, como
será exposto mais adiante, no que tange às manifestações culturais que leva a público. Embora
o predominante faça uso das contraposições para definir um cenário de pretenso embate
permanente, faz-se válido figurar como agente promotor de contradições. O Futura, por
exemplo, apropria-se do que é considerado ‘minoria’ para reinventar o padrão televisivo
verificado nas emissoras congêneres, de maneira que incremente seu mecanismo de
78
dominação. Cabe às expressões opositoras ampliar os respectivos espaços de atuação e,
também, estabelecer parâmetros que as diferenciem de maneira autônoma e não por uma
simples concessão hegemônica.
2.4. O SESCTV e a cultura
À luz de Martín-Barbero, pode-se inferir que a televisão consiste em um campo vasto
de proliferação cultural não somente em termos reflexivos do que se produz exteriormente a
ela, mas sim como um meio pelo qual, graças às suas potencialidades recursivas em termos
técnicos, é dotado de ampla capacidade de ser um celeiro também produtivo. No entanto, o
que se enxerga, como já argumentado, é um sistema televisivo amplamente refém de um
mesmo conjunto de assuntos, os quais são transformados ao longo do tempo e escalonados de
forma esparsa nas programações de maneira que não se perceba de pronto a latente repetição
temático-estética das produções emitidas. A cultura da mídia televisiva sustenta-se a partir de
uma linguagem utilitarista, que, embora evolua tecnologicamente, pouco inova em termos de
conteúdo e relacionamento com o espectador, que permanece passivamente conectado à tela.
O teórico pontua, ainda, sobre a necessidade inerente ao meio em questão de
contemplar a vida urbana em sua essência. No entanto, até mesmo pela gama de
possibilidades que a mídia televisiva proporciona, cabe a ela transcender o seu ambiente de
nascimento e acoplar a si novas territorialidades, de forma que possam ser miscigenadas e
transpostas inúmeras outras manifestações culturais. Este é um dos passos para que a
televisão, como cenário integrador de multiplicidades, seja um agente cultural produtor,
superando o patamar da mera reprodução convertida em imagem telemática.
Outra reivindicação consiste na idéia de que a televisão deveria assumir uma postura
‘alfabetizadora’ da sociedade, ou seja, de protagonista junto ao seu ambiente de inflncia.
No entanto, se transpusermos este posicionamento para a cultura atual desta mídia, podemos
detectar uma contradição, visto que, uma vez orientadora social, caberia à televisão questionar
a própria conduta por ela massificada, dado que uma de suas ‘obrigatoriedades’ seria
estimular, didaticamente e por meio do subsídio informacional, a sedimentação do senso
crítico de seus telespectadores – o primeiro antídoto para a contradição em relação ao modelo
estabelecido.
Justamente em decorrência desta árdua e complexa incumbência, o SESCTV defronta
com obstáculos espessos e, até o momento, não vencidos por completo. No entanto, seu
79
trajeto histórico apresenta elementos que aproximam a emissora de um perfil dissonante
defronte o status quo, ainda que de forma esparsa e incipiente.
Em primeiro lugar, no campo administrativo-institucional, o SESCTV pauta-se pelo
firmamento de parcerias com canais educativos de todo o País. Ao chocar-se tal posição com
a praticada pelo Futura, por exemplo, nota-se um ponto de discordância. O SESCTV acaba
por não concorrer com emissoras congêneres total ou parcialmente. Pelo contrário, trabalha
para que suas produções suplantem o claustro da televisão por assinatura e potencialize sua
abrangência. No entanto, não é possível afirmar com plena certeza que, no momento em que o
SESCTV consolidar-se como canal aberto, este manterá tal modelo de relacionamento.
Contudo, por não ter vinculações mercadológicas diretas em termos de subsídio,
pressupõe-se uma manutenção da estratégia ora utilizada, a qual se caracteriza como uma
alternativa àquela que sustenta a cultura da mídia vigente.
Quero produzir, me exercitar produzindo e ter conexões com todos os
canais possíveis. Por isso temos programa na TV Cultura, na TVE, canais
pelo Brasil todo, produzindo aqui e exigindo apenas o cumprimento de
algumas regras, como por exemplo não utilizar os nossos programas para
fazer propaganda. Na TV aberta, você tem mais abrangência e isso se torna
mais coerente com o perfil de pessoas atendidas nas unidades do SESC
(MIRANDA, 2006, entrevista).
Se respeitadas e amplificadas, as referidas parcerias poderão deslocar a televisão do
eixo puramente mercantilista e vinculá-la, institucionalmente, a um jogo que se dará de
acordo com outras regras, desta vez fundamentado na disseminação de novas leituras da
sociedade e manifestações culturais que nela germinam.
Historicamente, o SESCTV, em sua primeira época – quanto mantido pelo SENAC –
tinha como foco emitir conteúdos ligados ao mundo do trabalho. Mais tarde, a partir do
hibridismo entre SESC e SENAC, percebeu-se que, em torno deste parâmetro, orbitam
elementos mais amplos e significativos, como cidadania, cultura e educação. Além disso,
ainda nesta fase, verificou-se que, nas unidades do SESC, havia um universo produtor de
cultura, percepção que se estendeu para o atual cenário, em que há tutela exclusiva do Servo
Social do Corcio.
Desta forma, o SESC tem em seu canal de televisão poderoso ferramental para inovar
drasticamente no âmbito deste meio de comunicação. Em primeiro lugar, por não ser
vinculado diretamente a corporação alguma em termos diretos, o que lhe maior grau de
autonomia financeira e institucional. Outrossim, é um canal cujo nascedouro é uma entidade
80
em que se produz cultura, pois se constitui como berço original de múltiplos movimentos
neste sentido. Portanto, uma televisão do SESC tem a chance de criar também em seu meio
midiático, dada a experiência ganha a partir deste modo de lidar com a transculturalidade. Por
fim, suas parcerias e recursos técnicos permitem que, em termos de linguagem televisiva,
ocorra uma revisão dos valores em voga, de maneira que se estabela um novo ponto de vista
no que tange à produção e reprodução de conteúdos, bem como no que toca ao laço junto aos
espectadores.
Abordar o trânsito cultural consiste em tarefa realizável por diversos ângulos. Não se
considera adequada necessariamente aquela que procura dar conta do denso volume global de
manifestações, produções e releituras. Na verdade, um incremento quanto a este tipo de
tratamento da cultura dá-se em outra dimensão.
É notória a predomincia de um conjunto de hábitos e valores que seguem a uniforme
linha mantenedora da lógica hegemônica. Utópica é a iia de que há um veículo ou meio
comunicacional que abarque a multiplicidade de culturas e dinâmicas a elas relacionadas em
nível global. O modo de tratar este tema dentro do contexto midiático dá-se de uma maneira
focalizada, em que somente os movimentos humanos legitimadores das engrenagens
estabelecidas sejam postos em evidência.
Esta forma de agir acaba por suprimir as vozes das minorias referidas no tópico
anterior. Além da questão de oposição à hegemonia, não se pode prescindir da análise
territorial do problema. A tomar como o exemplo o Brasil, vasto geograficamente e
miscigenado quanto a origens e, por conseguinte, expressões, há uma produção de caráter
local que não está alinhada ao que se requer para integrar os elementos culturais
mantenedores da estrutura vigente de poder.
As bases do que considera trivial e corrente em termos culturais têm raízes exteriores.
Os arranjos potico-econômicos em vel mundial e a constituição histórica pós-guerra
conduziram o Brasil a um caminho de alinhamento aos padrões norte-americanos de agir,
consumir e valorizar manifestações de costumes e peculiaridades. No ambiente da mídia,
ocorre uma releitura fortificadora deste posicionamento, de maneira que os agentes
comunicacionais contribuam para uma legitimação da estrutura, até porque a constituição e
sobrevivência dos meios estão política e economicamente conectadas a essa, desde os
proprietários – como abordado anteriormente – até a forma de obtenção de recursos
financeiros por meio de campanhas publicitárias veiculadas por grandes empresas.
Esta disseminação endêmica do que acabou por se aceitar tradicional é um dos pontos
que o SESCTV procura contradizer, de maneira que abriu frestas para a cultura nacional em
81
oposição à massificada celebração do Halloween ao final do mês de outubro: um fazer
televisivo que perpassa conteúdo, visão institucional e, também, linguagem. Neste caso,
Danilo Miranda fala das vinhetas que entrecortam a programão, o que se pode considerar
uma alternativa aos intervalos nos quais se veiculam filmes publicitários.
O SENAC sempre teve a preocupação com as vinhetas. Estamos com a
campanha do ‘Dia do Saci’. Claro que é uma brincadeira, mas tem o
objetivo de tornar o imaginário, a mitologia brasileira, mais presente no
cotidiano das pessoas. Nós inventamos mais recentemente o Halloween, que
não tem nada a ver conosco. Em vez de ficar esbravejando, resolvemos
fazer isso. É uma festa norte-americana, que entra como um fragmento
mitológico que faz com que as pessoas reflitam naquele momento sobre
uma passagem da fartura. No entanto, para o brasileiro isso o significa
nada. Já o Saci foi inventado aqui, existem até associações para preser-lo.
É a mitologia brasileira que está por trás disso. Tem o Monteiro Lobato,
que, inclusive, aparece nas vinhetas. Procuramos preservar o meio
ambiente, incentivar as questões do respeito, saúde, alimentação, escovação
de dente, coisas que você precisa dizer para as pessoas como funciona. É
uma proposta nacional, educativa, renovando a linguagem
(MIRANDA,
2006, entrevista).
Miranda qualifica o SESCTV como um canal que tem, prioritariamente, uma função
educativo-cultural, a qual é desenvolvida a partir de uma perspectiva de abrangência pública –
neste caso, de maneira que se preste um serviço à sociedade sob o prisma da figura do ser
humano. Esta visão demanda um tratamento do indivíduo a partir de seus fundamentos de
relação com a sociedade, basicamente constituídos por aspectos culturais e educativos. Com
isso, a emissora visa dirigir-se ao telespectador de maneira que se estabeleça um
relacionamento pautado pela formação em termos de conhecimento acerca da
transculturalidade que o cerca, bem como contribuir no campo do saber para que,
autonomamente, este humano saiba lidar da melhor forma com as diversidades, estabelecendo
para si uma consciência ampla e crítica sobre o lugar em que vive. Pode-se afirmar que um
dos pontos de partida que difere o SESCTV em relação a outros canais diz respeito ao seu
caráter humanista, de modo que se compreenda e interaja com a complexidade dos indivíduos
que atinge por meio de sua programão.
O SESC, como rede institucional que concentra em suas atividades públicas ampla
gama de manifestações artístico-culturais, figura comolo de produção e reprodução das
mesmas, constituindo-se como núcleo referencial de coexistência e cruzamento dos mais
variados elementos formadores de um conceito antropológico-sociológico de cultura. Em suas
unidades, funcionam ‘janelas’ em que podem ser vistas cores, pessoas, ritmos, valores,
82
crenças e outros elementos em um mosaico dotado de incrível capacidade de modificar-se a
todo tempo graças ao trânsito perene de pessoas, origens e discursos. Embora não se
configure como cenário ‘ideal’, consiste em exemplo mais acurado de postura em relação à
contemporaneidade de tal questão.
Já o SESCTV encontra, além dos impeditivos mercadológico-institucionais, um
obstáculo de grande vulto a ser transposto. Afinal, adaptar suas metas conceituais a um
veículo comunicacional não antes explorado pela entidade mantenedora traz à tona um sem-
número de questões a serem dissolvidas antes da edificação de uma linguagem própria e
inovadora.
Agora, mantida integralmente pelo SESC, caberá ao canal evidenciar e refletir o que
este reserva para a mídia televisiva. De acordo com Danilo Miranda, a propriedade da
emissora permitirá, idealmente, que alguns princípios da instituição sejam transcodificados
para este novo ambiente, de maneira que seja um agente de contribuão para não somente ser
um veículo alternativo como também formador de público. Para isso, faz uso do didatismo:
Educação é o nosso problema. Então qualquer coisa que nós fizermos, se
não tiver a educação como base, nós estamos cometendo algum equívoco,
seja uma TV pública, uma TV com essa finalidade, com essa perspectiva,
seja uma escola, seja uma entidade pública qualquer. Não precisa ser
necessariamente ligada à cultura e à educação. [...] Educar quer dizer o quê?
Informar adequadamente, transpancia absoluta, aplicação exata dos
recursos, uma relão direta e respeitosa com a cidadania (em relação à
televisão). A quantidade imensa de elementos possíveis para o exercício da
cidadania desde a orientação sobre trânsito, sobre saúde, sobre cuidados
com o corpo [...] (MIRANDA, 2006, entrevista).
A produção televisiva orientada à edificação do humano pretendida pelo SESCTV
questiona o fluxo reflexivo vigente e massificado na cultura desta mídia. A proposta da
emissora visa estimular o pensamento por parte de quem a assiste, de modo que o conteúdo
não chegue até o indivíduo como uma leitura pronta e definitiva do mundo. O canal tem como
outro desafio, portanto, estabelecer um vínculo em termos de linguagem e conteúdo que o
caracterize como núcleo irradiador de possibilidades de incremento do senso crítico e
perceptivo do meio ambiente, de forma que, ao exibir sua programação, permita que suas
informações não terminem no espectador, mas encontrem nele um local de multiplicação e
potencialização da transculturalidade.
No que diz respeito à forma de construir a grade de programas, o SESCTV, como
legado das outras administrações da emissora, faz uso de vinhetas que, ao longo do dia, dão
inicialmente conta do objetivo acima exposto, embora sejam de impacto reduzido e não
83
caracterizem, ainda, uma linguagem que propriamente suporte toda a amplitude de alcance
pretendida pelo canal. De todo modo, para Miranda (2006, entrevista), trata-se de um passo
preliminar e relevante: “são as vinhetas que estão ali introduzindo, trazendo uma contribuição
para as pessoas. Se você não faz pensar, não funciona”.
Em suma, além dos aspectos institucionais abordados, urge ao SESCTV estabelecer
um novo padrão de linguagem televisiva que contribua significativamente com a cultura de
seu meio ao modificar a forma de seu fazer, além de tornar-se referência para com a cultura
de seu mundo, a partir de uma leitura plural e mais ativa em relação às diversidades que têm a
possibilidade de serem exibidas e problematizadas na circunscrão da tela.
84
CAPÍTULO IV – Uma orientação diferenciada para o público
1. SESC: um modelo híbrido
O surgimento do Serviço Social do Comércio (SESC) dá-se de forma sincrônica em
relação ao modelo estatal implantado nos países economicamente desenvolvidos no período
imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Estes países, nos quais a interpretação e
aplicabilidade do capitalismo dava-se em nível de maior sofisticação, viviam o período do
‘Alto Fordismo’, em que – nas empresas – passou a haver um aumento da distância entre
atividades técnicas e gerenciais, além de uma intensificação na racionalização dos processos
de trabalho, que passaram a ser controlados em um grau matemático mais minucioso e, por
conseqüência, rigoroso no que toca à produtividade. Desta forma, a capacidade das
organizações de mensurar seus respectivos resultados e condicionar tecnologia e seres
humanos à consecução dos objetivos traçados acabou por potencializar-se exponencialmente
(HOBSBAWM, 2001, p.259-62). Passava a haver um ‘poder executivo’ no organograma
empresarial, de modo que a verticalização deste se tornasse mais visível a partir da
diferenciação entre os ‘estratégicos’ e os ‘técnicos’, estes últimos meros cumpridores de
tarefas.
Já o aparelho estatal, neste período, debruçou-se sobre a sociedade, de modo que
procurou seguir os mesmos preceitos, dada a expansão de seu controle nos âmbitos fiscal,
econômico e social. O modelo planificador passou a ser exaltado, à medida em que as ações
públicas passaram a ser desenhadas sob uma perspectiva mais sólida e orientada ao longo
prazo.
O acordo tácito entre capital e trabalho transferiu o controle da produção
para a área gerencial, mas, ao mesmo tempo, aumentou o papel do trabalho
no discurso político, nos planejamentos e no âmbito da legislação do
trabalho. A classe dia teve um crescimento substancial, elevando
também seu pado de vida. Sob o regime do ‘Alto Fordismo’ os direitos
civis, políticos e sociais foram expandidos e a legislão regulatória foi
ampliada. Oportunidades iguais avançaram, embora os estratos inferiores
tenham sido pouco beneficiados. Além disso, as desigualdades acentuadas
entre os trabalhadores dos setores primários e secundários, entre aqueles da
produção e os profissionais, entre raças, grupos étnicos e sexo foram os
aspectos mais visíveis do novo padrão de racionalização e de burocratização
(BONANNO, 2007, p.28).
85
O perfil intervencionista adotado pela figura do Estado veio à tona por meio da
prestação de serviços sociais públicos, traduzidos pela sistematização de políticas de
seguridade, garantia de direitos, atuação direta junto à população e universalidade, de maneira
que os mecanismos estatais ganhassem aura de ‘onipresença’ sobre os habitantes da jurisdição
correspondente. Desta forma, o aparato público multiplicou sua dimensão. Dentro deste
capitalismo reformado, as corporações aumentavam o controle técnico sobre seus
funcionários, os quais, ao mesmo tempo, eram subsidiados pelas ações assistenciais dos
serviços fornecidos pela administração pública. Cabe pontuar que a sofisticação do sistema
econômico estava intimamente ligada à postura do Estado perante a sociedade, de maneira
que esta fosse condicionada unicamente à produção, justamente para que o impacto das crises
provenientes das Grandes Guerras Mundiais fosse aliviado economicamente.
A partir do primeiro quarto deste século, a introdução de novas tecnologias
de produção e a expansão do consumo de massa fizeram crescer as
dimensões dos mercados e, assim, ampliaram os já existentes problemas de
superprodução e subconsumo, evidenciando as dificuldades da auto-
regulação como mecanismo de organização da economia no nível macro
(MEDEIROS, 1999, p.4).
Economicamente, portanto, o Estado – a partir da lógica keynesiana de bem-estar
social cujo centro de ação e sucesso do Estado é a geração e a garantia dos níveis de demanda
(MEDEIROS, 1999, p.4) – assumiu um papel ‘gerencial’ em um campo generalizado, posto
que agregou para si incumbências deliberativas que consistiram nas diretrizes reguladoras do
ambiente de mercado. O inchaço dos meios de produção e consumo acabou por dialogar com
um amplo sistema estatal de garantia da estabilidade macroeconômica e, também, dos direitos
sociais básicos da população – agente fundamental na lógica produtiva e de consumo –, fiel
da balança competente à regulação da demanda.
Outro aspecto relevante deste período caracterizou-se pela organização potica das
classes trabalhadoras, as quais passaram a estabelecer relações com os setores patronais e o
Estado por meio de agremiações sistêmicas. Antonio Gramsci (1978, p. 248) acredita que os
sindicatos e os comitês das fábricas seriam capazes de intermediar e diminuir os conflitos
entre proprietários e trabalhadores. Contudo, os investimentos públicos criaram uma suposta
‘rede de proteção’ em torno da sociedade, que, na verdade, pode ser considerada uma ‘teia de
regulação’, a saber pela própria questão dos empregados. As medidas governamentais
levaram em consideração, inclusive, as reivindicações dos trabalhadores, de modo que
86
negociações salariais e outros benefícios entrassem nos pacotes de proteção. No entanto, as
rédeas de tais poticas estavam nas mãos da administração estatal.
Antagonicamente, o Brasil percorria um caminho mais lento em relação às referidas
economias. Seu perfil agrário-exportador teve seu protagonismo substitdo pelo capitalismo
industrial de forma tardia, uma vez que este movimento teve início apenas a partir dos anos 30
do século XX. Em decorrência deste mercado menos sofisticado, em que a população não se
configurava como massa consumidora compatível com um panorama fabril sedimentado, a
aplicação dos conceitos de bem-estar deu-se de outra forma, historicamente diferenciada. De
acordo com Marcelo Medeiros (2001, p.10), “o Welfare State brasileiro atuou sobre esse
descompasso, o que facilitou a migração dos trabalhadores dos setores tradicionais para os
setores modernos e a constituição de uma força de trabalho industrial urbana no País”.
O aumento da urbanização e as modificações advindas dos períodos marcados pelo
comando de Getúlio Vargas e a redemocratização pós-1945 criou as bases para uma revisão
da postura estatal perante a sociedade. O aparato público viu-se mediante a necessidade de
adaptar, dentro de um recente regime, suas funções para com um contexto social recém-
introduzido em um fluxo mais intenso de urbanização e industrialização. Comércio (consumo)
e indústria (produção), como eixos fundamentais do modelo ecomico estabelecido, foram
objeto de deliberações governamentais que procuraram controlar e conferir diretrizes de modo
que o sistema encontrasse sustentabilidade estrutural, com uma massa de trabalhadores capaz
de produzir, consumir e obter qualificação para realimentar as cadeias industriais à luz das
inovações tecnológicas importadas das nações mais desenvolvidas dentro deste âmbito.
Este cenário germinou os alicerces de entidades ligadas ao Estado, mas
correlacionadas à lógica privada, as quais ficaram conhecidas como sistema ‘S’, que
[...] abrange um conjunto de instituições jurídicas de natureza privada
destinadas a promover o desenvolvimento social dos trabalhadores de
determinados segmentos econômicos. Dentre as instituições, destaque para
o SESI, SESC, SENAI, SEST, SENAT, SENAR, SESCOOP. A principal
fonte de receita corrente destas instituições são contribuições sobre a folha
salarial instituídas mediante legislação específica. Portanto, embora
nenhuma das instituições consideradas seja incluída nas estatísticas do setor
público, podemos considerar que os dispêndios de caráter social do Sistema
S integrem a estastica do gasto social da União, tendo em vista que parte
expressiva de sua receita corrente origina-se de contribuições de natureza
parafiscal, instituídas pelo poder público federal (AMADEO et.al., 2000,
p.32).
87
Eis, portanto, as bases institucionais do Serviço Social do Comércio (SESC), que
surge em 1946 e tem seu regulamento aprovado pelo então presidente Costa e Silva no ano de
1967 a partir da seguinte finalidade principal:
Art 1º O Servo Social do Comércio (SESC), criado pela Confederação
Nacional do Comércio, nos termos do Decreto-Lei nº 9.853, de 13 de
setembro de 1946, tem por finalidade estudar, planejar e executar medidas
que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos
comercrios e suas falias e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e
vico da coletividade, através de uma ação educativa que, partindo da
realidade social do país, exercite os indivíduos e os grupos para adequada e
solidária integrão numa sociedade democrática, devendo, na execução de
seus objetivos, considerar, especialmente: a) assistência em relação a
problemas domésticos (nutrição, habitação, vestuário, saúde, educação e
transporte); b) defesa do salário real dos comerciários; c) pesquisas sócio-
ecomicas e realizações educativas e culturais, visando à valorização do
homem e aos incentivos à atividade produtora (BRASIL, 2006d, on-line).
Teoricamente, portanto, o SESC constitui-se a partir de uma perspectiva humanista,
que procura dar conta das relações do indivíduo-trabalhador do sistema comerciário quanto às
suas ltiplas dimenes de relacionamentos, que perpassam as esferas ecomicas, culturais
e sociais. Desta forma, espera-se da entidade uma reverberação de tal posicionamento em
todas as ações por ela desenvolvidas, seja no campo das unidades ou nas formas de sua
representação nos meios de comunicação.
Faz-se necessário, antes de qualquer análise de maior minúcia neste nível, remontar às
raízes e atuais configurações institucionais do SESC. Sob tal ângulo, o Serviço Social do
Comércio tem uma composição híbrida, denominada ‘paraestatal’, uma vez que exerce
funções públicas a partir de uma personalidade privada. Os recursos que mantêm a entidade
em funcionamento derivam de formas variadas, quais sejam:
a) contribuições dos empregados dos comércios e dos de atividades
assemelhadas, na forma de lei; b) doações e legados; c) auxílios e
subvenções; d) multas arrecadadas por infração de dispositivos legais,
regulamentares e regimentais; e) as rendas oriundas de prestação de
serviços e de mutações de patrimônio, inclusive as de locação de bens de
qualquer natureza; f) rendas eventuais (BRASIL, 2006d, on-line).
Com isso, em sua maioria, contribuões de profissionais subsidiam a entidade, que
desenvolve, em contrapartida, atividades que façam jus às disposições regulamentadas pela
legislação que lhe fundamenta. Juridicamente, a instituição é tratada como de direito privado,
mantida por uma associação oriunda de um arranjo setorial de empresas, cujos recursos
88
financeiros reservados para os fins determinados em lei destinam-se a serviços de caráter
público.
Gerencialmente, o SESC divide-se em administrações regionalizadas, de maneira que
atue de forma descentralizada e, assim, procure contemplar as necessidades específicas e
particulares de cada localidade em que mantém atividades. São Paulo, o estado
economicamente mais poderoso do País, é, portanto, o melhor beneficiado em termos
financeiros, dado que o seu setor comercial é, em termos nacionais, o mais desenvolvido e
volumoso. A tabela abaixo ilustra o orçamento com o qual as administrações regionais do
SESC trabalharam em 2005 (em reais):
ADMINISTRAÇÕES
ORÇAMENTO
INICIAL
RETIFICATIVO
ORÇAMENTÁRIO
ORÇAMENTO
FINAL
AN 444.183.150 1.925.300 446.108.450
AC 4.948.000 - 4.948.000
AL 8.142.334 185.000 8.327.334
AP 6.612.008 117.000 6.729.008
AM 13.889.366 - 13.889.366
BA 37.533.070 3.100.000 40.633.070
CE 22.462.270 3.763.000 26.225.270
DF 48.200.000 6.030.000 54.230.000
ES 22.250.000 832.100 23.082.100
GO 38.360.000 411.900 38.771.900
MA 10.556.550 850.000 11.406.550
MT 10.402.485 1.640.621 12.043.106
MS 13.104.575 - 13.104.575
MG 114.163.654 - 114.163.654
PA 15.224.505 115.750 15.340.255
PB 9.678.600 - 9.678.600
PR 90.505.730 (-) 17.800.000 72.705.730
PE 30.500.100 - 30.500.100
PI 7.694.240 147.000 7.841.240
RN 11.524.254 660.000 12.184.254
RS 86.511.825 - 86.511.825
RJ 176.781.025 16.000.000 192.781.025
RO 6.116.612 564.200 6.680.812
RR 4.374.585 (-) 51.515 4.323.070
SC 43.573.000 2.300.000 45.873.000
SP 602.960.000 8.000.000 610.960.000
SE 9.819.323 - 9.819.323
TO 4.432.570 1.080.795 5.513.365
TOTAIS 1.894.503.831 29.871.151 1.924.374.982
Fonte: Conselho Fiscal do SESC/ Relatório de Atividades – http://www.sesc.com.br/cf/demonstrativos.html
(Tabela 1 – Orçamento SESC)
No total, um volume de quase R$ 2 bilhões é movimentado nas regionais do SESC,
montante que lhe proporciona uma condição privilegiada para executar serviços de
89
incremento das redes de proteção social e, ao mesmo tempo, potencializa sua
responsabilidade no que se refere à gestão pública dos seus investimentos e gastos. Em razão
disto, é dever da instituição prestar contas ao Tribunal de Contas da União, responsável pela
aprovação de seus demonstrativos financeiros.
Verifica-se, portanto, por parte do SESC, uma gestão privada de recursos pagos
obrigatoriamente, cujas aplicações, por esta razão, são objeto de fiscalização por um
instrumento regulador de um órgão federal de caráter oficial. Particularmente ao Tribunal de
Contas da União, do qual o Serviço Social do Comércio é cliente, ou seja, tem seus
demonstrativos apreciados pela Casa, compete:
Apreciar as contas anuais do presidente da República; julgar as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos; apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de
concessão de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares; realizar
inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso
Nacional; fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais;
fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito
Federal e a municípios; prestar informações ao Congresso Nacional sobre
fiscalizações realizadas; aplicar sanções e determinar a correção de
ilegalidades e irregularidades em atos e contratos; sustar, se não atendido, a
execução de ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal; emitir pronunciamento conclusivo, por
solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados,
sobre despesas realizadas sem autorização; apurar denúncias apresentadas
por qualquer cidao, partido político, associação ou sindicato sobre
irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos federais; fixar os
coeficientes dos fundos de participação dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios e fiscalizar a entrega dos recursos aos governos estaduais e
às prefeituras municipais (BRASIL, 2007, on-line).
Portanto, por ter como uma de suas bases funcionais julgar as contas dos
administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos’, o TCU
reconhece e fiscaliza as atividades do SESC mediante um prisma coletivo. O apoio das
terminologias jurídicas leva a concluir que o Serviço Social do Comércio nasceu por meio de
um instrumento legal governamental, é gerido por uma associação privada, e tem seus
recursos direcionados à consecução de atividades de interesse público. Esta avaliação é
determinante para detectar possíveis influências de grupos restritos quanto ao discurso
propagado pela entidade no bojo de suas produções culturais, sociais e midiáticas.
Miranda (2006, entrevista), sintetiza a condição da organização da qual faz parte:
O SESC, SENAC, essas entidades todas foram criadas de forma clara e com
o DNA bem definido. O SESC precisa conferir o bem-social para os
90
trabalhadores da área de Comércio e Serviços e para a população em geral,
financiado pelas empresas de comércio e servos. Sua administração é
privada, com autonomia regional - cada Estado faz a sua programação. É
importante ressaltar que o controle público é parte desse DNA. Ele tem
contribuição compulsória. Quem paga é obrigado a pagar. Se a contribuição
fosse livre, não precisaria de Tribunal de Contas para fiscalizar. Nossas
contas são aprovadas por ele todo ano. Mesmo assim, o controle público
não faz de nós uma empresa de administração pública. Esse hibridismo
impressiona as pessoas, pois é um modelo brasileiríssimo. Somos um pouco
públicos e um pouco privados, mas, para efeito jurídico, legal, somos
privados.
Já no final da década de 1940, desta maneira, passam a operar instituições que
desenvolvem ações de caráter público, embora não sob a bandeira estatal, mas sim de maneira
relativa às organizações governamentais. Entidades deste caráter são denominadas, como
mencionado, paraestatais, pois “funcionam paralelamente ao Estado [...]; elas atuam na
vizinhança com o serviço público, sob regime jurídico que fica a meio caminho entre o direito
público e o direito privado” (DI PIETRO, 2007, p.3).
O SESC insere-se neste contexto por meio de uma lógica de sustentação semelhante à
de outras entidades congêneres.
Tradicionalmente, as empresas privadas que desempenham atividades não
lucrativas são conhecidas como Paraestatais (por exemplo, SESI, SESC,
SENAI, SENAC). Têm seus recursos oriundos principalmente de
contribuições de empresas, arrecadadas e repassadas pela Previdência
Social (CORREIA, 2006, p.5).
Sob o ponto de vista jurídico, instituições desta espécie ocupam um lugar bem
definido. O Serviço Social do Comércio e as demais entidades criadas sob as mesmas raízes
conceituais:
[...] são pessoas jurídicas de Direito Privado que, por lei, são autorizadas a
prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas
o exclusivos do Estado. São espécies de entidades paraestatais os servos
autônomos (SESI, SESC, SENAI, etc.) e as organizações sociais. As
entidades paraestataiso autônomas, administrativa e financeiramente, têm
patrimônio próprio e operam em regime de iniciativa particular, na forma de
seus estatutos, ficando sujeitas apenas à supervisão do órgão da entidade
estatal a que se encontrem vinculadas, para o controle de desempenho
estatutário. São os denominados entes de cooperação com o Estado
(AUDITORIA, 2007, p.10).
91
Dentro do panorama histórico brasileiro, estas figuras institucionais acabaram por
realizar uma função vanguardista e, em grande medida, mais eficiente do que a desempenhada
pelo próprio aparato público. Miranda (2006, entrevista) afirma que:
De para, quem diga que isso é um atraso. Mas, do ponto de vista de
conteúdo, repare que SESC e SENAC, a seu modo, renovam linguagem e
modernizam-se permanentemente. O SESC realiza há 60 anos o que se
chama hoje de responsabilidade social. Lidamos com educação, cultura,
desenvolvimento social, culturas mais avançadas em toda a parte do mundo.
O posicionamento descrito, no entanto, abre espaço para alguns questionamentos de
grande vulto. O primeiro deles diz respeito ao contradirio que pode emergir em decorrência
da heterogeneidade institucional que cerca as bases do SESC. Por ser autônomo e ter
vinculação direta ao setor privado, o qual congrega inúmeras corporações cujo poder de
influência é capaz de remodelar discursos, por que não agiria em nome destas organizações,
as quais – numerosas quanto ao quadro funcional – acabam por contribuir em maior volume e,
teoricamente, poderiam exigir maior grau de ‘participação’ nos movimentos do SESC? Isto
pode ter conseqüências não somente nas ações das unidadessicas, mas também nos
conteúdos e formas de transmissão de mensagens oriundos dos veículos de comunicação da
instituição.
Em segundo lugar, especificamente no tocante à disseminação informacional junto aos
cidadãos, o SESC cumpre um papel complementar ou substitutivo face ao Estado?
Quanto ao primeiro questionamento, Miranda (2006, entrevista), na condição de
dirigente da maior administração regional da entidade, defende-a e foca sua argumentação na
questão da aplicabilidade dos recursos financeiros que mantêm as atividades em detrimento
da origem dos mesmos, igualando todos os contribuintes e corporações das quais estes fazem
parte:
O SESC é resultado da contribuição de todos que constitui um fundo
aplicado em nome de todos e não em nome de uma organização específica.
Hoje, o que se acha moderno é que uma série de empresas criam
mecanismos para realizar os próprios trabalhos sociais em nome deles. Isso
é marketing puro. Afinal, o que é mais moderno: isso ou um fundo em
nome de todos aplicado junto a todos? [...] se você tem uma empresa (que
tem 50 mil pessoas) que contribui mais do que a que tem apenas duas, eu
trabalho em nome das duas, sem privilégios. O SESC fala com o
beneficiário e não com a empresa que está por trás dele. Isso é muito mais
moderno, sem falar de conteúdo.
92
Uma vez que age de forma orientada à realização de atividades que fortaleçam
aspectos de educação, cultura e cidadania em larga escala, seria extrema incongruência o
SESC beneficiar, em maior ou menor intensidade, um grupo específico de corporações de
grande porte, as quais – em decorrência de seus volumes – acabam por sustentar de forma
mais significativa as rotinas da instituição. No entanto, ao assumir a responsabilidade de atuar
em nome da coletividade pública, o SESC encontra, por conseguinte, desafios dentro de uma
outra ordem, os quais, teoricamente, seriam enfrentados somente pelo aparato estatal.
O primeiro desafio remonta ao questionamento levantado anteriormente, que diz
respeito à função pública à qual se propôs a entidade. Um dos principais objetivos que se
apresenta a partir de um contexto social de extrema heterogeneidade cultural e desigualdade
sócio-informacional consiste na virtude de comunicar de forma consistente e de modo que os
hiatos entre os grupos diminuam, ainda que gradativamente. As articulações poticas no
âmbito democrático dão-se no Brasil de maneira – como já visto nos arranjos em torno da
legislação referente à televisão por assinatura – perversa e controvertida, uma vez que tais
acordos concretizam-se por meio de frestas que a própria democracia gera, sobretudo no que
tange ao Poder Legislativo. Os arranjos, em sua maioria, são constrdos por meio de uma
aliança prévia entre os representantes nacionais, os quais – não coincidentemente – originam-
se dos grupos oligárquicos que dominam as grandes corporações e meios de comunicação
nacionais. A participação popular organizada ainda é pouco exercitada no País, de modo que
se exaltam os eventos eleitorais como se fossem a máxima expressão democrática atingível no
contexto brasileiro.
Todavia, a construção de um Estado democrático tem fases diárias, as quais são
construídas sobretudo com a disseminação dos canais que permitem à população incrementar
seu potencial crítico por meio do acesso à informação e às manifestações culturais, além,
obviamente, de ser apoiada pelos serviços que lhe garantam a plena dignidade em termos de
saúde, trabalho e subsistência.
Democracia constrói-se a partir do diálogo dentro do espaço transcultural de um
Estado que interage com outras nações em níveis absolutamente desiguais. Não pode atuar no
campo externo com condições reais de estabelecer intercâmbios produtivos o País que o
busca a maturidade crítica de sua população. O contexto brasileiro figura como paradoxo
neste sentido, pois este estágio de aprimoramento democrático não se faz interessante para as
oligarquias constituintes do poder dominante, as quais mantêm braços também nos setores
governamentais.
93
Apresenta-se como desafio perene para o SESC, além de exercitar diariamente um
contraponto em suas unidades em relação a tal contexto, desenvolver uma linguagem que
embase uma forma de atuar no campo dos meios de comunicação, uma vez que estes são um
dos mais abrangentes, poderosos e assertivos universos de transmissão da informação. O
canal televisivo da entidade, desta maneira, tem sobre as mãos os recursos e formas para
disseminar conteúdos que, ao mesmo tempo, difiram do senso comum da mídia e, ao mesmo
tempo, contribuam para o incremento do senso crítico da população em sintonia com os
propósitos gerais da entidade.
O SESC aplica os recursos provenientes das empresas a essa nova
modalidade de atuação. Para fazermos um trabalho competente, precisamos
de todos os recursos possíveis e a televisão é um dos recursos que fazem
parte desse cabedal. Nós temos uma política de comunicação aplicada em
que o acesso e a democratização estão na base. Na prática, isso se reflete em
uma comunicação em todos os meios, em que se insere, também, a
televisão. Portanto, a televio tem a mesma cara dessa organização, desse
SESC (MIRANDA, 2006, entrevista).
Habermas (1984) sugere a deterioração da livre comunicação no espaço público
democrático em decorrência da sofisticação dos meios capitalistas de penetração e
legitimação social. Observa-se um esvaziamento da efetividade referente aos propósitos
públicos das entidades privadas pretensamente agentes no campo de interesses gerais da
sociedade. As quimeras sociais configuram-se somente como pretexto para o surgimento de
entes de personalidade privada, cujos administradores fazem uso da teórica finalidade pública
para fincarem no território da coletividade uma perversa instrumentalização calcada no
utilitarismo e no beneficiamento de particulares. Nesse âmbito consolidam-se as empresas que
atuam no campo midiático e aproximam-se da publicidade como expressão. Logo, o conteúdo
informativo foi alijado das prioridades dos veículos comunicacionais e foi influenciado em
grande medida ou até substituído por apresentações publicitárias – por conseqüência, de
cunho mercadológico. Portanto, a estrutura democrática, uma vez que enxerga no fluxo
informacional um de seus pilares fundamentais, vê-se pressionada por interesses comerciais
derivados dos mecanismos de perpetuação e fortalecimento do sistema capitalista.
Na esfera pública, outrossim, difundem-se e dialogam entre si os interesses-produto
dos acordos entre os grupos privados de dominação. Na televisão, potencial arena do trânsito
frenético e permanente da multiplicidade de dados, há uma reprodução do que se apresenta no
ambiente concreto. Oligarquias dominam meios e distorcem conteúdos, de maneira que a
participação público-democrática desta dia desalinhe-se para o campo do simples
94
atendimento às diretrizes que beneficiam tais organizações restritas. O cenárioblico que,
com a contribuição televisiva, poderia figurar como espaço de produtivas contradições, serve
apenas como palco de uma tendenciosa sedimentação oligárquica.
Thompson contrapõe-se a Habermas a partir do momento em que interpreta sua
argumentação como um ato que subestima a capacidade dos indivíduos de reagirem aos
produtos mercadológicos veiculados na mídia. Além disso, opõe-se ao que o teórico defende
como ‘refeudalização’ da esfera pública, na qual os espaços de discussão voltam a ser
restritos, de modo que o acesso aos fundamentos informacionais dão-se apenas em núcleos
reservados da sociedade.
Ao longo do século XX, e especialmente desde o advento da televisão, a
orientação política se tornou inseparável da administração das relações
públicas (ou daquilo que irei chamar, num próximo capítulo, de
‘administração da visibilidade’). Mas se examinarmos o argumento de
Habermas mais cuidadosamente, veremos que há uma rie de fragilidades.
Em primeiro lugar, a argumentação de Habermas tende a presumir, de um
modo muito questionável, que os receptores dos produtos da mídia são
consumidores relativamente passivos que se deixam encantar pelo
espetáculo e facilmente manipular pelas técnicas da mídia. [...] um segundo
problema com a argumentação de Habermas diz respeito à sua afirmação de
que a esfera pública foi ‘refeudalizada’ (THOMPSON, 2004, p.72).
No entanto, não se pode cobrar da sociedade um senso crítico de modo que os meios
que cobrem as grandes multidões ainda são condicionados para que transmitam conteúdos
superficializados e que neguem a existência das múltiplas manifestações e acontecimentos
ocorrentes no planeta. A estrutura democrática brasileira, embora fortalecida nos últimos anos
no aspecto oficial, ou seja, institucional, ainda se localiza em um pantanoso nível quando se
discute a questão do indivíduo perante a informão e o acesso a serviços públicos. O que se
nota é um processo de superficialização da visão brasileira acerca das potencialidades de
cultura e conhecimento das quais pode desfrutar. Isto impede, em larga escala, qualquer
tentativa de aprofundamento. Não se pode falar em 'passividade' neste caso, até porque não
existe uma instrumentalização crítica que confira à população como um todo a capacidade de
reagir ou posicionar-se contra um determinado discurso.
O que se pode concluir à luz de ambos os pensamentos é uma espécie de
‘instrumentalização’ da esfera pública, em que esta não é negada, mas sim tangenciada a fazer
parte do sistêmico conjunto que contribui para a manutenção dos núcleos dominantes em seus
pedestais de poder, os quais nutrem suas raízes na existência de esferas restritas de discussão,
95
embora vejam utilidade na existência do público para manterem vivas suas estratégias de
legitimação em larga escala.
Gilles Lipovetsky (1989, p.235) defende justamente o fato de que não ocorre uma
desintegração da esfera pública, mas sim um manejo utilitarista da mesma dentro dos meios
de comunicação.
Ocorre que a mídia não cria um espaço de comunicação semelhante ao do
espaço liberal clássico, tal como o encontramos descrito por Habermas ao
evocar os salões, sociedades, clubes onde as pessoas estão face a face,
discutem e trocam idéias e pontos de vista. [...] pode-se aceitar a idéia de
que a comunicação humana que se segue à exposão midtica pouco se
assemelha, na verdade, a uma troca de argumentações seguidas e
sistemáticas. Mas isso não autoriza a falar de desintegração da esfera
pública se esta remete ao lugar onde se formam a opinião e a crítica do
público.
Importante salientar que a televisão, assim como outras vias comunicacionais, não
exerce um poder manipulatório sobre sua audiência de forma direta, mas sim sob a manta de
um conteúdo sedutor, que, aliado às formas imagéticas, conduz costumes, discussões,
preferências e argumentos, os quais são fortalecidos e realimentados pelos próprios
consumidores destas informações na arena pública de trocas.
É imperioso, para reestabelecer os fundamentos de uma democracia mais sólida e
capilarizada nas vísceras sociais, revisar o papel dos meios de comunicação sob uma reflexão
atualizada quanto ao contexto atual das transculturalidades e fluxos informacionais em um
planeta que convive com formas tecnológicas que otimizam tal dinâmica. À técnica apurada,
cabe uma linguagem condizente. A idealização deste revisionismo passa por uma negativação
do poder sedutor, de modo que este se qualifique por uma via oposta à vigente.
Mais do que comparar a arena das mediações deste século XX com eras
passadas, precisamos repensar o significado do ‘caráter público’ hoje, num
mundo permeado por novas formas de comunicação e de difusão de
informações, onde os indivíduos são capazes de interagir com outros e
observar pessoas e eventos sem sequer os encontrar no mesmo ambiente
espaço-temporal (THOMPSON, 2004, p.72).
À medida que os recursos técnico-tecnológicos de comunicação progridem em termos
qualitativos e de abrangência, a resposta dos meios dominantes é quase imediata ao passo que
se adaptam com extrema velocidade aos novos contextos, enquanto que as iniciativas
opositoras acabam tragadas pelos mecanismos de poder antes mesmo de tentarem inovar de
96
forma pioneira nos intervalos das transões evolutivas, as quais ocorrem de maneira
progressivamente rápida. Somente por meio do desenvolvimento de uma linguagem sedutora
e silenciosa (que não agrida de pronto as bases dominantes), alternativas de alta relevância
poderão surgir e manter-se vivas no ambiente dos meios de comunicação de largo alcance.
O SESCTV encontra, assim, um ambiente nebuloso para fazer valer, no meio
televisivo, os objetivos preconizados em seu regulamento. Sua reverberação nesta arena
comunicacional terá de enfrentar uma árdua trilha para propor e dar audiência a um novo
conceito de linguagem, que seja modelada e difundida de modo que seduza os indivíduos não
para a mera legitimação dos grupos dominantes, mas sim para o reconhecimento e
realimentação dos propósitos do Serviço Social do Comércio como instituição pública que
desenvolve ações que visam ao atendimento da coletividade, sem distinções. Teoricamente,
sua personalidade privada seria um dos impeditivos. No entanto, a atual configuração
fiscalizatória das atividades do SESC, dá à instituição o suporte democrático necessário para
progredir com seu conteúdo programático.
Não se sabe, no entanto, qual o limiar de sustentabilidade, ou seja, até quando –
politicamente – será de interesse das empresas de comércio e dos grupos governamentais
manter uma estrutura de atendimento como tal e, por conseqüência, os produtos que dela
derivam. Uma simples manobra oficial pode dar outro destino à contribuão compulsória em
decorrência de uma continncia gerencial do aparelho estatal. Como exemplo, pode ser
citada a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Dentre outros incentivos, ela prevê o fim
da obrigatoriedade por parte de organizações destas categorias quanto à contribuição para
com o sistema ‘S’, o que proporcionará – em caso de entrada em vigor do dispositivo – uma
drástica redução das receitas da entidade, na ordem aproximada de 15% quanto a todo o
sistema ‘S’ (SESC, 2007, on-line). Um mecanismo impulsionador do ponto de vista
econômico poderá mutilar, de outro lado, uma série de práticas de efetividade social
comprovada. Os ajustes que o capitalismo confere acabam por tornar sem efeito o que se
orienta ao humano à luz de uma perspectiva de valorização composta de um mosaico do qual
fazem parte cultura, educação e cidadania.
Os meios de comunicação – aqui se tratando da televisão, particularmente –
representam, como já exposto, centros de trocas multilaterais a partir de linguagens
particulares e apropriadas, as quais abrem espaço para novos cenários transacionais entre
indivíduos. Para Thompson (2004, p.14), a utilização que se faz de tais veículos “transforma
a organização espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e interação, e
97
novas maneiras de exercer o poder, que não está mais ligado ao compartilhamento local
comum”.
Não cabe ao SESCTV buscar reproduzir as formas de troca que se dão em suas
unidades físicas. Para referendar seus preceitos no ambiente televisivo, há uma demanda
latente por inovação em termos estéticos e de conteúdo, de maneira que o contato com o
humano dê-se em uma escala diferenciada se comparada ao senso comum do meio. Deve ser
persuasiva e abrangente, mas a partir de um discurso diverso, numa transcrição da arena
pública que seja um antídoto à perversidade verificada.
Existem problemas de cunho institucional que, no invólucro do manejo utilitarista do
público, podem cercar um levante como o sugerido. Para Robson Moreira (2006, entrevista),
Você não tem uma regra para isso. A TV aberta é consolidada exatamente
pelo caráter público. É uma concessão pública que é explorada
comercialmente por algumas pessoas sem que haja nenhum critério do
Estado para que essas pessoas explorem esses canais. A sociedade não
participa disso, embora esse canal seja bancado pela sociedade. A televisão
aberta é privada, mas ela é gerada por uma concessão pública.
A sociedade, portanto, pouco participa dos mecanismos legais que viabilizam a
emissão de sinais televisivos. Somente os grupos dominantes, como explanado, têm acesso a
esta regulação – uma das frestas do sistema democrático que se pretende instaurar de forma
plena no País. O SESCTV está restrito à televisão por assinatura, que tem um universo de
alcance muito menor do que o sinal aberto, embora tenha parcerias com emissoras para a
retransmissão de parte de sua programação. Mesmo assim, localiza-se em posição totalmente
desprivilegiada entre os canais pagos – sobretudo sob o ponto de vista mercadológico.
No entanto, quando se deseja promover uma relação inovadora junto à sociedade, é
necessário, sob os pilares institucionais, atingir uma coerência interna quanto aos objetivos
traçados. No caso do SESCTV, existem algumas incongruências que podem, num futuro
próximo, prejudicar a consecução de tais metas. O diretor de programação Walter Vicente
Salles (2006, p.2), afirma em documento que:
É necesrio distinguir o SESCTV das demais emissoras existentes.
Realmente trata-se de uma iniciativa ímpar da iniciativa privada na
realização de uma TV educativa e cultural, o que normalmente se processa
no âmbito das organizões governamentais e públicas. Ora, confundir o
SESCTV com uma ação pública contraria o objetivo institucional geral de
permanentemente reforçar sua identidade privada.
98
O SESCTV, como agente que não pode deixar à margem sua identidade privada, irá,
cedo ou tarde, encontrar metalimitações para que exerça uma função de efetivo interesse
público em nome desta ‘preservação’. Miranda (2006, entrevista), pontua que
O SESCTV tem um papel central para nós, mas que foi sendo descoberto
por nós. Pretendemos manter e ampliar sob uma perspectiva cada vez mais
pública e abrangente. Estar na TV a cabo é apenas o princípio. Queremos
atingir um maior número de pessoas. Se for para ficar sempre fazendo
televio para este tipo de público, seria contraditório, assim como seria
privilegiar as pessoas de acordo com a contribuição das empresas. Pretendo
a exibição pública. O SESC todo tem, o SENAC todo tem, queremos
espalhar pelas unidades brasileiras.
Sem dúvida, o Serviço Social do Comércio ocupa, há mais de 60 anos, posição de
destaque junto às diversas camadas que constituem a sociedade brasileira, posto que
desenvolve atividades que as reúnem, efetivamente, em um espaço comum e de acesso mais
amplo em termos informacionais do que iniciativas do poder oficialmente público. De certa
forma, presume enxergar o cidadão como idealiza Renato Ortiz (2004, p.3), que o vê como
agente democrático dotado de capacidade crítica de julgamento formado em um ambiente de
pluralidade e acesso informacional o mais universalizado possível. Por isso, a cidadania está
intimamente ligada a uma esfera pública não-instrumentalizada.
Dessa maneira, o papel dessa instituição na construção da cidadania e de um Estado
democrático por meio da televisão deve, no entanto, seguir como atual. Um dos desafios desta
cruzada é a adaptação quanto aos movimentos de acomodação das placas tectônicas do
sistema capitalista, que impõem barreiras econômico-institucionais a cada momento. Além
disso, a procura por uma coesão interna para que se reúnam forças em busca da construção de
um posicionamento inovador no meio televisivo urge. Somente assim será ponderável uma
transcendência estética e de linguagem – persuasiva e gradativa – que fortaleça o discurso da
entidade e reforce seu caráter público, não como agente utilitarista, mas legitimador dos
prinpios que edificam o senso ctico do humano.
99
CAPÍTULO V - SESCTV: por uma transgressão pela linguagem
Pouco importa se o aparelho é moderno, se os canais são abertos ou fazem parte de um
plano por assinatura. O que não se pode ignorar é que a televisão faz parte da vida de milhões
de brasileiros e, atrelada a outros meios de comunicação, modifica a forma como estes
indivíduos conferem significão ao mundo. As emises televisivas influenciam e moldam a
lente através da qual seus espectadores vislumbram o meio em que vivem. Do aparelho,
irradiam metáforas, as quais influenciam de modo poderoso a forma pela qual sua audiência
enxerga seu ambiente. Trata-se de uma cadeia interpretativa. No primeiro elo, figura o
discurso emanado via televisão, arquitetado em etapa anterior por grupos de interesses
diversos. No segundo, está o espectador, que apreende suas simbologias e, a partir delas, cria
as próprias metáforas acerca do mundo de acordo com suas próprias referências. Neste
sentido, pode-se conjeturar que a mídia televisiva é um dos maiores – senão o maior – veiculo
de propagação opinativa da sociedade brasileira. Isto deriva da já abordada formação do
bito nos grandes centros urbanos, que, no seio familiar, encontrou na televisão uma arena
por meio da qual via-se o mundo metropolitano”, causando identificação e proporcionando
experiências outras, fossem informativas ou de entretenimento. A verdade é que o ato de
assistir a programas televisivos integrou, desde a consolidação industrial do Ps, o modo de
vida privado das cidades. Atividades rotineiras, como refeições, limpeza da casa e conversas
domésticas acabam sendo intercaladas, acompanhadas ou substituídas pela presença de
programas televisivos.
Se, décadas atrás, esse lugar era ocupado pelo rádio, que oferecia uma programação
mais extensa ao longo do dia, a televisão, a partir do maior donio técnico e intensificação
do volume de investimentos pelo lado das emissoras, passou a preencher sua programão de
forma mais densa também ao longo do período noturno. Para isso, novos contdos foram
produzidos, objetivando cativar outrosblicos que ali se apresentavam anteriormente apenas
na condição de potenciais. A televisão unia a abrangência e o apelo emotivo do rádio à
sedução e instantaneidade oriundas da imagem.
Independentemente da posição de teóricos em relação à projeção da televisão na vida
cotidiana e se isso deve ser interpretado como um marco para novas fases sociais, Luis Felipe
Miguel (2002, on-line) aponta que
[...] ocupando uma posição cada vez mais destacada na vida de seus
espectadores (sempre mais numerosos), como fonte de informação e de
100
entretenimento, a televisão reorganizou os ritmos da vida cotidiana, os
espaços domésticos e, também, as fronteiras entre diferentes esferas sociais.
A imagem e a oralidade marcantes permitiram que a televisão tivesse uma penetração
nas camadas sociais mais pobres maior do que a mídia impressa justamente em decorrência de
sua aparente ‘gratuidade’. Isso é um dos primeiros determinantes da linguagem do meio, uma
vez que seus conteúdos passam a ser disseminados para um espectro mais amplo e impessoal
de indivíduos. Com isso, caracterizou-se como generalista.
Os nichos do grande público não explorados de maneira focalizada pela televisão
aberta trilharam a estratégia das emissoras pagas. Estas, a partir de um outro viés em termos
de audiência, centraram ações sobre grupos com preferências determinadas dentro de
privilegiados estratos sociais em detrimento do anônimo. A televio por assinatura dirige-se
a ‘nomes’ muito bem definidos; cada canal disseca um segmento diferenciado, que nada mais
é do que uma representação do público-alvo mercadologicamente interessante para estes ou
aqueles grupos de anunciantes e patrocinadores. Estas divisões de preferências, hábitos e
idades acabaram por ser contempladas com distintas produções televisivas, especialmente
edificadas para estas camadas de público. Dessa forma, as gerações mais recentes assistiram à
especialização dos canais.
Em tempos em que é possível encontrar mais de um aparelho televisor por resincia,
a crião desses canais especializados institucionaliza a criação de rotinas independentes para
cada membro da família. Em vez de o hábito de se assistir à televisão ser familiar, ele passa a
ser do indivíduo, em coerência também com a própria conjuntura sócio-cultural que privilegia
experiências individuais face às desempenhadas em grupo.
1. A grade de programação como parte do discurso
Ao se consolidar como parte do hábito diário, a televisão sofisticou ainda mais os
mecanismos de contato com o público. Para sistematizar a ocupação do cotidiano familiar, as
emissoras racionalizaram esta aproximação ao criarem as grades de programação. Como bem
elucida Soraya Ferreira (2004, p.87):
101
A TV tem suas estratégias de programação baseadas em um ritual que
podemos denominar como sendo o do calendário e o da repetição. É esse
ritual que gera a audiência. A repetição ocorre na estrutura interna de um
programa ou no fluxo da programação. Mas ela também se dá de maneira
intertextual. Assim, um programa dialoga com o anterior e anuncia o que
está por vir. As idéias de totalidade e de uniformidade de uma emissora se
realizam por meio de uma estética que é aferida na repetição de signos,
rmulas, modelos de programas, cenários, personagens e enredos, cores,
gestos e discursos, e por uma enunciação explicitamente semelhante entre
as emissoras (diferentes canais e redes da televisão aberta e fechada),
criando desta maneira linguagens repetidas.
Assim, o objetivo das grades concentra-se em duas frentes: a de organizar a cadeia
produtiva e, ainda, a de informar ao espectador os horários dos programas. A grade de
programação deve ser entendida como um instrumento posicionador da emissora no mercado,
pois confere ao canal uma identidade visual, discursiva e comercial, além de proporcionar um
melhor relacionamento junto a fornecedores (produtoras, por exemplo) e abrir espaço para
uma autodivulgação sistemática. Isso tudo vinculado diretamente à manutenção, criação e
fortalecimento de hábitos, modos de vida e consumo e opiniões. Ou seja, uma organização
que não se dissocia dos objetivos discursivos dos grupos mantenedores das corporações do
meio.
A ‘metapropaganda’ que se articula no âmbito das grades abre espaço para dois veis
por meio dos quais uma emissora busca legitimar-se. No nível que podemos chamar de tácito,
o canal procura criar formas de sedução e fidelização que levem o telespectador a preferí-lo
em detrimento dos demais. Isto ocorre nos diversos elementos componentes da linguagem que
lhe é característica, desenhada de maneira que corrobore e sustente tal estratégia. Já no campo
explícito, faz parte do ordenamento de programas a autopropaganda, em que – diretamente – a
emissora exalta suas atrações, chegando, em alguns momentos, a louvar sua estrutura como
empresa. Essa tática procura ‘deslocar’ a emissora como produtora de conteúdos de sua
personalidade mercadológica, de modo que a segunda aja a favor da primeira e, com um
aumento de público e receita, a primeira retribua à segunda. A grade de programação
representa um planejamento que perpassa os níveis de organização conceitual e adaptação ao
mercado e evidencia o principal objetivo do canal que é fidelizar o espectador, fazer com que
ele passe mais tempo assistindo àquele canal do que a outro, sobretudo quando –
tecnologicamente – é fácil, intuitivo e impulsivo trocar de canal, tamanha a facilidade de
transitar entre os inúmeros disponíveis, em um cenário em que o telespectador sente-se dotado
de um trico poder de escolha e troca. A elaboração das grades de programação não é nova e
remonta ao trabalho de Walter Clark (HINGST, 2004, p.32), nas extintas TV Rio e Excelsior,
102
quando implementou nos canais as modalidades horizontal e vertical, objetivando maior
unidade à grade de programação e visibilidade aos programas, o que potencializava e abria
espaço para a programão de venda – constitda pela veiculação publicitária.
Optar entre grade horizontal ou vertical configura-se como escolha que denuncia a
estratégia e, com isso, o perfil fundamental de um canal televisivo. Hingst (2004, p.30)
explica que o módulo horizontal estabelece horários fixos para os programas durante toda a
semana, enquanto que a programação vertical atribui uma seqüência às apresentações,
conduzindo o telespectador a assistir um programa após o outro, em linearidade.
É certo que a escolha de determinado tipo de programação denota um posicionamento
do canal, que na ânsia de fidelizar o espectador acaba por conciliar os dois conceitos, com
maior predonio da programação horizontal. Tal mescla é bastante comum nos canais
abertos. Algumas vezes, o hibridismo surge justamente para privilegiar determinados
programas, como é o caso da grade horária da Rede Globo em seu horário noturno. O canal
adota a fórmula de exibir duas novelas intercaladas por um telejornal, de modo que um
programa impulsione o outro. Conhecido como ‘grade sanduíche, esse modelo explicita o
hibridismo possível, uma vez que motiva a audiência de programas seqüenciais, mas mantêm
fixos seus horários de exibição todos os dias. O encadeamento que se verifica na televisão
aberta busca atender à estratégia comercial das emissoras no que tange à fidelização de
público. O modelo eleito de grade predominante, portanto, age em benefício de uma
linguagem utilitarista, posta apenas como meio de reforço das grandes corporações de
comunicação.
Por todas as relações que podem ser estabelecidas a partir da grade de programação,
pode-se dizer que ela é uma das formas mais imediatas de se refletir sobre a produção de
sentidos em um canal. A escolha da seqüência de programas, a forma como os intervalos –
comerciais ou não – são preenchidos, as vinhetas de identificação do canal, bem como outros
signos, são elementos que elucidam os padrões de linguagem adotados. Com isso, é possível
denotar, a partir de tais indícios, a estratégia da emissora, ou seja, perceber a quais objetivos
ela orienta-se. Na maior parte das vezes – sobretudo na televisão aberta –, a significação dos
canais parte da premissa de que estes são produtos, com subprodutos organizados de forma tal
que lhes garanta atratividade comercial e em termos de audiência.
Adotar um modelo, um parâmetro, ou seja, padronizar a organização dos programas
mediante uma determinada lógica – seja qual for – representa claramente que existe uma
camada estratégica que pauta as ações do canal executante. Uma sistematização dita a lógica
produtiva dos programas, que perpassa sua construção (filmagem, edição, dentre outras
103
etapas) e o tratamento de seus conteúdos, de modo que, assim, forme-se um discurso e
estabeleça-se um alinhamento concreto em relação aos preceitos determinados pelos setores
executivos destas empresas.
[...] modelos são relevantes tanto na compreensão como na produção do
discurso. Na produção, os modelos fornecem o tão necessitado ‘ponto de
partida’ para construção de representações semânticas a serem expressas no
discurso. Eles explicam parte das noções de ‘intenção’ e ‘sentido
pretendido’ (DIJK, 2002, p. 163).
A paisagem audiovisual, à medida que se habitua com a adoção de modelos, caminha
para um estado de uniformidade. Isto ocorre porque, devido à consolidação de um padrão
dominante – ligado majoritariamente às corporações de maior poderio ecomico –, há um
espraiamento de sua sistematização, de modo que haja uma repetição estratégica, a qual
fundamenta uma busca pelos mesmos resultados teoricamentepositivos’ de uma emissora de
larga expressividade. Em outras palavras, quando um padrão se faz dominante e atraente em
termos financeiros e deblico, este reverbera-se pelo meio ambiente de canais televisivos
próximos. Assim, o panorama audiovisual transforma-se em uma massa plana e linear.
Contudo, embora pressionados pela organização mercadológica criada em torno desta
mídia, surgem vozes dissonantes – canais que arriscam a destoar dos sistemas já enraizados.
Esta atitude diferenciadora sinaliza a possibilidade de uma varião no campo da linguagem e
da própria significação carregada pela televisão. Muitas iniciativas deste caráter acabam
tornando-se meramente ‘alternativas’, enquanto que outras pouco sobrevivem. Um maior
número de ações que desafie a paisagem montada pode, de alguma forma, influenciá-la ou,
em um cenário mais utópico, dissolvê-la. Todavia, independentemente da monta, as vozes
dissonantes caracterizam-se como fundamentais, uma vez que demonstram a pluralidade de
possibilidades que a televisão pode proporcionar – sendo estas muito além do que se vê
comumente.
Como potenciais protagonistas de um relevante questionamento dos padrões
estabelecidos, figuram principalmente duas categorias: as emissoras público-educativas e as
que se localizam no domínio da televisão por assinatura.
As primeiras surgem como potenciais transgressoras, em uma alise mais superficial,
pelo compromisso social que pauta suas razões existenciais. Além disso, o fato de não se
vincularem diretamente a anunciantes permite que, de algum modo, sejam vistas como
independentes e, portanto, livres para estabelecerem o padrão que a elas mais convém.
104
Já os canais pagos, por estarem inseridos em um panorama de alta especialização e
segmentação, encontram espaços para tratamentos diferenciados quanto ao fazer televisivo.
Em oposição a estas possibilidades, no entanto, há dois eixos essenciais – ambos
conectados intimamente ao contexto mercadológico vigente: as grandes organizações e o
bito.
As corporações dominantes buscam formas de minar e sufocar qualquer espécie de
iniciativa que se apresente fora do seu escopo tido como “participante do padrão”. Em uma
camada mais profunda, grandes empresas que não estão ligadas a qualquer emissora tamm
se configuram como vitais para a sustentação de um canal público ou especializado. Sem
apoiadores ou patrocinadores, raramente se vêem produções capazes de sustentar uma
linguagem que, ao mesmo tempo, seja atraente e inovadora.
Isto se fecha pela questão da paisagem audiovisual, que nada mais é do que um hábito
ao qual se acostumaram os telespectadores, sobretudo pela escassez de conteúdos
contraditórios. Portanto, levam em conta que tal linguagem é a melhor possível. Além disso,
toda a cadeia produtiva acostumou-se à lógica majoritária. Por isso, levar adiante um canal
dissidente enfrenta barreiras institucionais, mercadológicas e, também, de hábito.
Com isso, acabam por florescer tentativas de contradizer o modelo estabelecido que
carregam um perfil ‘acanhado’, que não se lança totalmente ao desafio de chocar-se contra o
que se vê como linguagem-padrão. Estas trazem uma herança visível da linha adotada por
grande parte da televisão aberta.
Uma das possíveis rupturas com o modo de produção predominante, por estar
potencialmente a cargo dos canais educativos, é discutida por Felipe Pena (2001, p.5). Ele
levanta um debate acerca do papel dos canais universitários e enfatiza que a almejada
pluralidade cultural (e, portanto, de linguagens) poderia ser viabilizada por meio das faixas
temáticas na grade de programação, que pedem a organização do que é apresentado mediante
o conceito vertical.
No caso, o autor recorta esse modelo apenas para os canais universitários. Contudo,
observa-se que a adoção de tal é feita por canais cuja programação é orientada ao indivíduo e
não ao posicionamento mercadológico. Cria-se o espaço para que esse indivíduo se insira
direta ou indiretamente na produção, de modo que suas peculiaridades sejam tratadas de uma
forma clara e apropriada, sem a influência de um discurso corporativo que desvirtue a
valorização do humano. Para Bakhtin (1997), o ouvinte é ativo, dotado de uma atitude
responsiva. Em uma transposição para o meio televisivo, por exemplo, pode-se tratar o
telespectador como um interlocutor, que assiste às mensagens e signos componentes,
105
apreende-os e significa o mundo a partir de seus próprios discursos – estes influenciados por
aquilo que assiste. A TV SENAC, desde suas primeiras transmissões – e foi mantida durante
toda a gestão da STV – já adotava tal modelo, o que demonstra, mais uma vez, que a grade de
programação não apenas está intimamente relacionada ao modo produtivo do canal, como
também o transparece. Moreira (2006, entrevista) justifica a escolha da grade:
A escolha da grade de programação está diretamente ligada ao perfil do
canal. Trata-se, portanto, de um canal por assinatura, por isso escolhemos a
grade vertical inclusive de acordo com o investimento que tínhamos. Se
você tem muito dinheiro, você pode fazer uma grade horizontal, como as
TVs abertas. Mas, se você tem outro tipo de orçamento, a grade horizontal é
impeditiva e burra. Porque você não pode partir, principalmente do
surgimento de um canal por assinatura, com a pretensão de competir por
audiência.o é essa a proposta. A proposta é cultural e educacional.
Então, a gente optou pela grade vertical, mantivemos essa grade até onde
foi possível. O SESC desde que entrou na parceria, em 2000, queria fazer
grade horizontal e tivemos um enfrentamento interno por conta disso. Mas a
grade horizontal na STV era inviável (MOREIRA, 2006, entrevista).
Um exemplo de grade de programação da STV, referente ao dia 01 de março de 2006,
está abaixo. Ela mostra que os programas são agrupados por temáticas e objetivos, conferindo
uma unidade àquele período de programação, chamado de ‘Faixa STV’. Ao todo, são sete
faixas (Educação e Opinião; Documentário; Arte e Cultura; Música e Dança; Espaço Visões;
Cidadania e Qualidade de Vida; e Cinema), que se alternam durante a programação, podendo
haver repetições de algumas. Essa repetição, no entanto, diz respeito apenas à temática
proposta, visto que os programas que compõem as faixas não se repetem durante o mesmo
dia, garantindo assim o ineditismo de cada período da programação.
Grade de Programação STV - 01/03/2006
HORÁRIO P R O G R A M A
FAIXA STV EDUCÃO E OPINIÃO
00h00
O MUNDO DA LITERATURA UM OLHAR NO FUTURO
00h30
TRAMPOLIM DOCUMENTARISTAS
01h30
RETRATOS - TV HORIZONTE MG SÉRGIO MIRANDA
02h00
LEILA ENTREVISTA - REDE MINAS MÉXICO – MARIACHIS
FAIXA STV ARTE E CULTURA
02h30
SALA DE CINEMA - TV HORIZONTE MARTA NASSAR E JANUÁRIO GUEDES
FAIXA STV CINEMA
03h00
CURTA STV A MÁ CRIADA, DE SUNG SFAI
03h30
O MUNDO DO CINEMA BRASILEIRO A MÚSICA NO CINEMA
FAIXA STV EDUCÃO E OPINIÃO
04h00
SINTONIA - TV CÂMARA DF STEFAN CUNHA
106
FAIXA STV ARTE E CULTURA
04h30
RE (CORTE) - TVE BRASIL MOACYR SCLIAR / MARGARETH MENEZES
05h00
TVE REPORTER - TVE RS MUNDO DOS LIVROS
05h30
TV POVOS DO MAR - ECOCINE USP MANEJO SUSTENTÁVEL DA CAIXETA
ESPAÇO VISÕES
06h00
VISÕES DO MUNDO
HERMANCE CARRO / FLOR DE ABOBRINHA
RECHEADA COM QUINOA
FAIXA STV MÚSICA E DANÇA
06h30
TVE BAHIA ESPECIAL BANDA SOMA
07h30
VIOLA BRASIL - TV HORIZONTE ORQUESTRA MINAS E VIOLA – I
08h00
PALCO BRASIL - REDE MINAS GERALDO AZEVEDO
09h00
RITMOS E SONS
NOVO CANTO: ARRANCO DE VARSÓVIA/NILZE
CARVALHO/MARQUINHOS
FAIXA STV ARTE E CULTURA
10h00
BOULEVARD - TVE BRASIL
MARÍLIA PERA / AMIR LABAK / JOÃO MOREIRA
SALLES
10h30
MUSEUS BRASILEIROS MUSEU AEROESPACIAL - RIO DE JANEIRO
FAIXA STV EDUCÃO E OPINIÃO
11h00
NA ONDA DO SENAC HOTELARIA
11h30
PROGRAMA DE PALAVRA RASTAFÁRI
FAIXA STV CIDADANIA E QUALIDADE DE VIDA
12h00
GERAÇÕES POLíTICAS CULTURAIS
12h30
CHECK - UP DIVERTICULITE
13h00
VIVA VIDA JUDÔ
ESPAÇO VISÕES
13h30
VISÕES DO MUNDO SALVADOR DALI
FAIXA STV ARTE E CULTURA
14h30
PANOMICA ELISA LUCINDA
15h00
JANELA ELETRÔNICA ANDRES LIEBAN
FAIXA STV DOCUMENTÁRIO
15h30
DOCUMENTÁRIO VIOLÕES DO BRASIL - O VIOLONISTA
FAIXA STV MÚSICA E DANÇA
16h30
INSTRUMENTAL SESC BRASIL PAULO LEPETIT – PEÇAS
17h30
STV NA DANÇA
BALLET STAGIUM - " STAGIUM DANÇA CHICO
BUARQUE"
FAIXA STV DOCUMENTÁRIO
18h30
DOCUMENTÁRIO OLHAR ESTRANGEIRO
FAIXA STV EDUCÃO E OPINIÃO
19h30
TOME CIÊNCIA ENERGIA ALTERNATIVA
20h30
OFICINA DE VÍDEO ANIMA MUNDI
21h00
FILHOS UTOPIAS
FAIXA STV ARTE E CULTURA
21h30
ALMA GUARANI - TVE MS PERLA – I
22h00
O MUNDO DA ARTE
FARNESE DE ANDRADE: OBJETOS
AUTOBIOGRÁFICOS
22h30
BALAIO BRASIL GENÉSIO
ESPAÇO VISÕES
23h30
VISÕES DO MUNDO BONAMPACK - MENSAGENS PICTÓRICAS
(Tabela 2 – Grade de programação STV)
107
Assim como a maior parte dos canais por assinatura, a base da programação é feita
com reprises. Um mesmo programa tem seis ou mais repetições durante uma semana. De
acordo com a grade de programação exposta acima, o programa era exibido pela primeira vez
em horário preferencial e, depois, apresentado por mais seis vezes seqüencialmente durante
uma semana em horários diferentes. Isso mostra que as faixas mudavam de horário – e,
portanto, de ordem todos os dias, pois, como menciona Moreira (2006, entrevista), a grade
vertical servia para que a pessoa se agendasse para ver o programa que ela quisesse.
Importante é que ela visse o programa, não importasse o horário”. Ele ainda continua o
raciocínio e conclui que:
A grade horizontal tem um defeito de origem: ela escraviza o telespectador.
Ela condiciona hábitos. Então, por isso, também a gente acreditava que
estava inovando no fazer televisão. E a grade vertical é fundamental para
isso, para criar alguma coisa nova. Quando vo coloca a grade horizontal,
você se iguala a todos (MOREIRA, 2006, entrevista).
Pode-se dizer que a STV, em uma primeira análise, optou pela orientação ao
indivíduo, condicionando sua organização produtiva a partir de um prisma educativo-cultural
que atendesse, de algum modo, às demandas de enriquecimento e fortalecimento crítico do
telespectador. No entanto, é temerário afirmar que tal escolha deu-se em um ambiente
necessariamente inovador. Pouco é sabido se a opção pela grade vertical ocorreu por conta do
baixo orçamento disponível ou por uma real propensão a adotar tal viés de linguagem
independentemente dos recursos financeiros à mão.
Eu que criei essas faixas com dois objetivos: o primeiro, era fazer com que
o telespectador da STV tivesse a oportunidade de se fidelizar ao que ele
assistia [...] até porque nunca se teve a preteno de ter gente assistindo à
TV 24 horas por dia [...]. Então vamos facilitar: vamos agrupar os
programas por temas. [...] O outro objetivo era que, como a TV era
subsidiada pelo SENAC e pelo SESC e tinha um orçamento fechado e curto
para fazer o que gostaríamos de fazer, a faixa foi criada para estimular
patrocinadores. Então, se você pega um patrocinador, [...] ele patrocina três
horas de programação e não só intervalos. [...] Mas o objetivo principal das
faixas era em relação ao telespectador, para que ele pudesse assistir melhor
à TV de que ele gostava (MOREIRA, 2006, entrevista).
Como já se poderia prever, em decorrência dos mencionados conflitos entre SENAC e
SESC, a partir do momento em que o canal ficou a cargo somente do Serviço Social do
Comércio, houve uma significativa modificação na linguagem da emissora: adotou-se a grade
108
horizontal, sempre defendida anteriormente pela nova entidade mantenedora. Como se pode
notar abaixo, não existe mais um agrupamento temático de programas.
Grade de Programação – SESCTV (2007)
9 de fevereiro . sexta-feira
00:00 STV na Dança - Cisne Negro Cia. de Dança
01:00 Balaio Brasil - Guerreiros
02:00 Oficina de Vídeo - Fernando Meirelles
02:30 O Mundo da Arte - Hércules Barsotti
03:00 Programa de Palavra - Numerosos
03:30 Documentário - Rios de História - O
Paranapanema
04:30 O Mundo da Fotografia - Alice Brill
05:00 Instrumental SESC Brasil - Pagode Jazz
Sardinha s Club
06:00 Viva Vida - Goalball
06:30 Trampolim - Sociologia
07:30 Gerações - Roqueiros
08:00 Tome Ciência - Nanotecnologia: quanto
menor, melhor
09:00 Filhos - Dilemas de família
09:30 Bem Brasil - Max de Castro
11:00 Fragmentos - São Miguel Paulista
11:30 Reportagem - O clima na terra
12:30 Visões do Mundo - Acidente
13:30 O Mundo da Alimentação - Ambrosia -
manjar dos deuses/ Comida libanesa: delícias do
Vale do Bekaa
14:00 Programa de Palavra - Micróbio
14:30 Bem Brasil - Max de Castro
16:00 Reportagem - O clima na terra
17:00 Check-up - Anestesia
17:30 Viva Vida - Goalball
18:00 Filhos - Dilemas de família
18:30 Gerações - Roqueiros
19:00 Balaio Brasil - Danças do Amarante
20:00 Oficina de Vídeo - Haroldo Guimarães
20:30 O Mundo da Arte - Tide Hellmeister: mestre
da colagem
21:00 Programa de Palavra - Micróbio
21:30 O Mundo da Literatura - Literatura e
Memória: história
22:00 Documentário - Orlando Silva: O cantor das
multidões
23:00 Instrumental SESC Brasil - Trio
Quintessência
(Tabela 3 – Grade de programação SESCTV)
109
Urge questionar, diante do contexto apresentado, qual o modelo de grade mais
condizente com as propostas do SESCTV e até que ponto isto se aproxima de uma consistente
proposta de inovação da linguagem e valorização do humano como interlocutor crítico. É
importante pontuar que este estudo confere reflexões apenas no que concerne à produção e ao
produto, ou aos dois primeiros momentos da ‘Máquina Midiática’ de Charaudeau apresentada
anteriormente, e apenas um estudo de audiência poderia auxiliar a compor este panorama
sobre o posicionamento do interlocutor frente à linguagem do canal.
A verticalidade aproxima os programas de temas congêneres, de modo que o
telespectador possa acompanhar, em horários pximos, apresentações cujos motes são
semelhantes. As preferências de assunto tornam-se vizinhas, arranjadas em blocos. No
entanto, tal proposta choca-se com o hábito consolidado do telespectador, que pauta sua rotina
televisiva pelos horários e não por pontos de interesse. Aqui, verifica-se o denso legado da
grade horizontal. Em termos de inovação, sustentar o modo vertical seria um primeiro passo
para uma contraposição coerente. Porém, de modo isolado, o SESCTV não poderá
transformar um panorama tão sedimentado no que tange a sistemas de produção e hábitos dos
espectadores.
a horizontalidade facilita o referenciamento por horários. No entanto, impossibilita
o indiduo de ter contato com programas que são exibidos em momentos nos quais sua rotina
está obrigatoriamente ocupada com outras atividades – como as profissionais, por exemplo.
Desde que o SESC assumiu o controle da emissora, as produções foram interrompidas
para a verificação de contratos com as empresas responsáveis pelos programas. Por isso, teve
início um período em que a grade foi preenchida somente com reprises. Quando isto acontece
no modo horizontal, elas esgotam-se em um período muito mais curto. Tomando como
exemplo uma série de 52 programas, como ‘Filhos’, ao invés de durar um ano – o que
ocorreria mediante a verticalidade –, expira em menos de dois meses, dado que se torna refém
de horários fixos. A cada dia, é obrigatória a exibição de um episódio diferente, o que faz a
série esvair de forma acelerada.
Curiosamente, tanto o diretor de programação à época da STV como o atual, Walter
Vicente Salles, consideram que os modelos por eles defendidos (vertical para Moreira e
horizontal para o segundo) aumentam a fidelidade dos telespectadores. Isto abre caminho para
uma outra reflexão, que diz respeito ao público a ser atingido. Caso o SESCTV proponha-se a
edificar sua audiência mediante o incentivo à potencialização da criticidade, não se pode
tornar os indivíduos reféns da rotina imposta pelos grandes padrões televisivos. Além disso, a
formação do senso crítico demanda diálogo e, por isso multiplicidade de temas e opines. Em
110
uma orientação vertical, isto se dá com mais intensidade, dada a aproximação das pessoas em
relação aos assuntos, uma vez que estes vão ao encontro das pessoas no horário em que elas
podem efetivamente ter contato com eles. No modo horizontal, existe um diálogo monocórdio
entre o interlocutor e a emissora, em que o hábito diário, o sistema de vida calcado nos velhos
parâmetros da urbanidade, acaba por predominar acima de qualquer outro valor. O maior
perigo para o status quo e, portanto, para os grupos dominantes, é a formação de uma massa
questionadora, que, por assim dizer, deixa de ser massa e tem na individualidade plural a
maior ameaça, uma vez que – de tal forma – a significação dada ao mundo pelo humano pode
modificar-se.
A verticalidade da programação à época da STV auxiliava, ainda, na compreensão
semântica dos programas, dado o agrupamento temático que se formava. Além disso, abria
um potencial de ampliação do relacionamento entre emissora e interlocutor no que toca à
interatividade. Se a televisão é composta por imagens e som, sendo que as primeiras são
sempre assimiladas mais rapidamente do que o segundo, a programação visual deve ser
considerada como um dos elementos que faz parte da comunicação do canal com o
espectador, uma via de concretizar a interação pela linguagem. Como esclarece Koch (1995,
p.29):
Quando interagimos através da linguagem (quando nos propomos a jogar o
‘jogo’), temos sempre objetivos, fins a serem atingidos; há relações que
desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar, comportamentos
que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos atuar sobre o(s)
outro(s) de determinada maneira, obter dele(s) determinadas reações
(verbais ouo verbais).
As faixas de programação da STV facilitam a interação pela linguagem de modo que
formam subunidades ou núcleos de sentido ao agruparem programas cujas temáticas e
formatos são semelhantes. Em cada núcleo, desenvolve-se um tipo de programação visual que
traduz o discurso proposto pelos programas que nele estão inseridos e come, junto à
programação dos demais núcleos, a unidade de sentido, o discurso do canal. Esta passagem é
bastante nítida nas vinhetas institucionais que ilustram a temática da faixa. Como exemplo,
pode ser mencionada a exibição de um passo de capoeira para a faixa Música e Dança ou o
movimento de um trapezista para a faixa Arte e Cultura.
Uma analogia comparativa neste sentido pode ser efetuada junto à MTV, cuja
linguagem funciona como meio de autopromoção, fato visível tanto nas vinhetas como em
campanhas. Além de contar com as veiculações dos patrocinadores e anunciantes, o canal faz
111
uso deste mecanismo para fortalecer seu posicionamento no mercado em que se insere, de
modo que fortaleça ainda mais sua identidade junto ao público espectador.
Outro aspecto de relevância consiste no advento da sólida interatividade, ou seja, do
laço enriquecido entre espectador e canal, que é um dos contributivos essenciais para a
proposta teórica do SESCTV de focar sua produção no desenvolvimento do humano sob uma
perspectiva mais ampla. Isto diz respeito tanto ao diálogo como à formação crítico-
educacional do cidadão. Uma comunicação na qual os sujeitos são ativos e plurais resulta em
construções de conhecimento muito mais solidificadas.
É só na medida em que este reconhecimento se dá que a autoconsciência se
torna possível, permitindo a comunicação, a interação por meio da
linguagem, ou seja, a constituição do sujeito do discurso. O sujeito do
discurso é assim resultado de um processo de formação que é
fundamentalmente um processo cultural, de socialização (MARCONDES,
1996, p.434).
Uma relação menos pretensiosa entre televisão e público é o ponto de partida para o
estabelecimento de um novo modelo para esta mídia. Abrir-se para o telespectador, admitindo
seu poder de interlocutor, consiste em uma das premissas para a consecução de um diálogo
consistente, por meio do qual todos os lados envolvidos atingem um intenso grau de
desenvolvimento educacional e abertura à diversidade cultural. Com um real mecanismo de
interação, o ser humano ganha instrumentos de análise e proposição sobre o meio que o cerca,
em
[...] que os fenômenos cognitivos, inclusive a linguagem e a comunicação,
não podem ser associados a uma função conotativa ou denotativa de uma
realidade independente do observador; que as ‘produções’ de nossas
culturas são, conseqüentemente, resultado das interações entre seres
humanos e entre esses e seu contexto específico (GIANNETTI, 2006, p.
67).
A construção de uma emissora que transcenda os padrões vigentes requer, sobretudo,
uma maneira diferenciada de abordagem junto ao telespectador. Cabe a esta mídia exercer seu
verdadeiro papel em relação à transculturalidade, a partir do momento em que reconhece o
plural universo no qual se insere. Em termos de conteúdo, não se pode perder de vista a
contextualização deste público, de modo que haja um contato junto a ele por parte das
emissoras em um nível sincrônico no que toca à sua realidade. A comunicação interativa
pressupõe uma troca verdadeiramente rica, com trânsito de diferentes significados e
112
significações mediante diferentes visões de mundo. Modificar estes parâmetros representa
transformar linguagem. O primeiro passo, semvida, está no questionamento – no caso da
televisão – de como ela está sistematizada, como se pode detectar na análise dos formatos de
grade. Sem dúvida, o que mais se aproxima desta relão pautada pelo plural é o horizontal.
2. Os programas: complexos agentes do movimento transformador
Não se pode analisar a coerência de uma grade de programação sem a consideração de
seus elementos constituintes. Intervalos e programas, em conjunto ou isoladamente, também
são responsáveis pela identidade e criação discursiva de um canal, portanto cruciais para a
formação de sua identidade. Embora se trate de um universo bastante numeroso, em que há
uma trica hitese de multiplicidade de abordagens – e, por conseguinte, uma variedade de
linguagens –, o que se percebe é uma arena de repetições. Ao invés de seguirem o caminho da
inovação permanente, a maioria ruma para os calmos mares da segurança. Esta se dá por meio
da lógica cômoda da reprodução. Nela, formatos de programas são copiados, como se verifica
facilmente na história da televisão. É notória a disseminação entre diversas emissoras e canais
de fórmulas bem-sucedidas, como programas de auditório, humorísticos, novelas, entre
outros, de modo que haja uma padronização em uma camada superficial, que aqui pode ser
denominada macrolinguagem. No entanto, existe um movimento, abaixo desta epiderme, no
qual os canais diferenciam-se por meio da criação de signos próprios, de modo que tentem,
assim, ter singulares significações. A estas distinções, dá-se a nomenclatura de
microlinguagem. Neste âmbito, existem os fatores sociais de produção, que se caracterizam
como as redes de relações institucionais, financeiras e materiais dos canais perante seus
círculos, as quais determinam – em maior ou menor intensidade – o perfil estético-
argumentativo dos programas. A qualidade de acordos comerciais, as condições de produção,
a existência ou não de estúdios próprios são fatores preponderantes que moldam, também, a
microlinguagem. Portanto, em meio a uma diversidade de padrões válidos para todos os
canais, há uma busca pela peculiaridade entre tais para que, mesmo acomodados em fórmulas
consagradas, possam parecer diferentes aos olhos de seus públicos. Em contrapartida,
predomina uma relevante neutralidade entre os programas existentes nas grades. Como partes
integrantes de um discurso maior, são adaptados para que trabalhem a serviço dos sentidos
que se desejam transmitir, ou seja, a intencionalidade que reveste as atividades de um
determinado canal. Mesmo com temáticas diferentes, os programas, dentro de uma
113
organização sistêmica, apresentam semelhanças – sobretudo na microlinguagem – que os
colocam em um mesmo bloco discursivo. Desta maneira,
[...] o fato de cada um dos textos-programas televisivos fazer parte de uma
grade de programação o submetem a um princípio de neutralização. O fato
de um programa fazer parte da grade de programação de uma dada emissora
obriga-o a participar de uma operação de neutralização que unifica as
diferenças existentes entre os diversos programas para os submeter a uma
espécie de denominador comum, capaz de permitir sua integração à
programação e identificar a referida programão como marca de uma dada
emissora. É precisamente essa conversão, via neutralização, que possibilita
integrar coerentemente a multiplicidade aparentemente fragmentária do
discurso televisivo e entender o sentido das mensagens transmitidas via
televisão. Dessa forma, é a própria organização interna da televisão que
assegura a permanência dos sentidos (DUARTE, 2002, p.7).
Ainda que exista a padronização de formatos, a microlinguagem funciona como força
contrária e enraiza uma produção em seu canal de origem. Raramente, um produto de
determinada emissora pode ser deslocado para uma outra, uma vez que a disparidade em
termos discursivos e identitários seria flagrante. No entanto, tal femeno é contradito pela
Rede Pública de Televisão, que, em suas produções, prevê a veiculação não apenas pelo canal
de origem, mas por diversos outros, mesmo que heterogêneos.
O SESCTV, desde sua concepção e ápice produtivo – quando detinha 62 programas
em sua grade
20
– já previa este intercâmbio, ou seja, constituiu sua linguagem e adaptou seu
discurso de modo a abarcar produções próprias, co-produções e veiculações de outras
emissoras.
Nestes termos, o SESCTV não foge à regra da padronização em que se constitui a
macrolinguagem comum à maioria dos programas televisivos. Isto se dá por duas razões
principais. Em primeiro lugar, a abertura para produções externas permite que, com elas,
venham elementos de alta consagração no meio televisivo, como os formatos alinhados aos
grandes padrões vigentes. Além disso, o próprio SESCTV respeita tais formatos, de modo
20
Alma Guarani - TVE MS, Balaio Brasil, Bem Brasil, Brasil Solidário, Brasiliana, Canal Cultura e Arte, Check
- Up, Cine STV, Conhecer, Curta STV, Debate Aberto, Deu Trampo, Diálogos Impertinentes, Documentario,
EducAção, Em Rede, Especial - Rede Minas, Estúdio Brasil, Filhos, Fragmentos, Gente.Com - TVE Bahia,
Gerações, Instrumental SESC Brasil, Itaú Cultural, Janela Eletrônica, Literatura, Modernidade, Mosaico, Museus
e Castelos, Museus Brasileiros, Na Onda do Senac, Noturno - Rede Minas, O Milagre da Vida, O Mundo da
Alimentação, O Mundo da Arte, O Mundo da Decoração, O Mundo da Ecologia, O Mundo da Fotografia, O
Mundo da Literatura, O Mundo do Cinema Brasileiro, Oficina de Vídeo, Palco Brasil - Rede Minas, Panorâmica,
Perspectiva, Programa de Palavra, Rzes Brasileiras, Reportagem, Retratos - TV Horizonte MG, Ritmos e Sons,
STV na Dança, Sala de Cinema, Sintonia, Sintonia - TV Câmara, TV Povos do Mar - Ecocine USP, TV Cultura,
TV Câmara, TV Escola, TVE Bahia - Documentários, TVE Bahia Especial, TVE Repórter - TVE Rio Grande do
Sul, Todos os Cantos do Mundo, Tome Ciência, Trampolim, Viola Brasil, Visões do Mundo, Viva Vida.
114
que, em alguma medida, mostra-se sincrônico ao que pauta os fundamentos da
macrolinguagem. Um exemplo destes preceitos é a presença da figura do apresentador nos
programas, que age como um mestre de cerimônias, simbolizador de uma coesão narrativa
relativa ao que se exibe. Especificamente no SESCTV, ‘Balaio Brasil’ e o extinto ‘Conhecer’
(fig.2 e 3), utilizam este recurso para unir seus blocos e, portanto, adquirirem congruência.
(fig.2 – Programa Balaio Brasil) (fig.3 – Programa Conhecer)
Esta configuração programática, em decorrência dos intercursos trazidos por
produções de outros canais, promove no SESCTV uma miscigenação remetente à polifonia
preconizada por Bakhtin, definida:
pela convivência e pela interação em um mesmo espaço do romance, de
uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis,
vozes plenivalentes e consciências eqüipolentes, todas representantes de um
determinado universo e marcadas pelas peculiaridades desse universo. Essas
vozes e consciências não são objeto do discurso do autor, são sujeitos de
seus próprios discursos (BEZERRA, 2005, p.194-5).
Sendo assim, a construção discursiva do SESCTV tem em si grande participação de
outras fontes, estas contextualizadas em universos próprios. O canal apresenta-se, desta
forma, como um espaço de trânsito discursivo múltiplo, com mensagens que carregam
variados panoramas, muitos não ligados necessariamente à emissora do Serviço Social do
Comércio. Nesta direção, voluntariamente ou não, o SESCTV toca a potencialidade da
televisão como arena das transculturalidades. Isso aproxima a análise da linguagem do canal
ao conceito de intertextualidade, que assim como a polifonia, está associado a uma
multiplicidade de discursos.
A polifonia mencionada por Bakhtin remete ao conceito de autoria e às diversas vozes
que se somam a um mesmo objeto. A intertextualidade, por sua vez, aborda, além da questão
115
da enunciação, a idéia de que um discurso nunca é totalmente original. Para ser da forma que
o é, vinculou-se aos discursos precedentes e esta rede de referências interdependentes associa-
se à vivência do indivíduo no momento da construção textual. Maingueneau (1998, p.78)
reitera:
Um discurso quase nunca é homogêneo: mistura diversos tipos de
seqüências, passa do plano embreado ao plano não embreado, deixa
transparecer de maneira bastante variável a subjetividade do enunciador etc.
Dentre os fatores de heterogeneidade, devemos atribuir um papel
privilegiado à presença de discursos outros num discurso.
Ainda sobre a presença da intertextualidade, Barthes afirma (apud CHARAUDEAU;
MAINGUENEAU, 2004, p.289): “Todo texto é um intertexto, outros textos estão mais
presentes nele, em veis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis [...]”. Um
pensamento forma-se a partir de um referencial ltiplo, conceito que pode ser transposto
quando se trata do posicionamento de uma emissora quanto a seus propósitos como
instituição. Desde os macroprincípios até a linguagem construída em cada produção,
fragmentos de variadas origens. A diferença dá-se na maneira de recombinar as referências.
Assim, as vozes dos cerca de 25 jornalistas que eram responsáveis pelo Núcleo de
Pauta
21
, que realizavam pesquisas específicas para cada programa e transmitiam as sugestões
de pauta para as produtoras, mesclam-se aos discursos anteriores não só dos programas de
outras emissoras que têm espaço na grade de programação, como também ao discurso de
outras produtoras. O indivíduo como receptáculo e processador de referenciais, a partir do
momento em que assume o papel de construtor da linguagem discursiva, traz inevitavelmente
consigo todo o seu arcabouço de experiências pregressas. De maneira aplicada ao caso, não há
como se dissociar de alguns padrões televisivos repetidamente postos em voga.
Neste momento, entra um outro elemento influenciador em sua constituição de
linguagem, que envolve o âmbito da cadeia produtiva: alguns de seus programas são
elaborados por produtoras que atendem a outros canais, como é o caso da Giros, responsável
pelos episódios do ‘Mundo da Fotografia’. A mesma empresa presta serviços para canais do
grupo Globosat, como GNT (‘+D’) e Futura (‘Danças Brasileiras’). Espera-se, portanto, que
os padrões dominantes influenciem, mesmo residualmente, as produções do SESCTV. Assim,
teoricamente, elas teriam ainda mais resquícios da macrolinguagem em suas apresentações.
21
Dados cedidos pela jornalista Adriana Veríssimo, coordenadora no Núcleo de Pauta da STV, em entrevista
concedida especialmente para a elaboração deste projeto em 20 out. 2006.
116
Indubitavelmente, a escolha das produtoras e das temáticas de cada programa garante
uma unidade estético-discursiva ao canal. Para Brittos (1999, p.4), a construção dessa unidade
procura dar conta da dimensão do poder simlico da comunicação, no sentido de que, mais
do que qualquer outro, o produto cultural necessita atuar sobre o imaginário do receptor”.
O que se pode denotar deste contexto é uma complexa e vasta rede de condicionantes
que, entrecortados e inter-relacionados, exercem poder fundamental para a constituição da
linguagem de um canal. Os fatores sociais de produção caracterizam-se como elementos-
chave, demonstradores da dependência que um canal tem de outros aspectos, a qual muitas
vezes foge ao seu controle, sobretudo pela ação indireta destes. A edificação inovadora deve
considerar os impeditivos e facilitadores imediatos e, também, marginais.
Em contrapartida, uma abordagem positiva gira em torno da valorização por parte da
STV em relação aos documentários, programas mais reconhecidos pelos telespectadores do
canal. O tratamento dado ao formato – pouco afeito aos padrões da macrolinguagem era
mais intenso do que o conferido por emissoras com o perfil da TV Cultura, por exemplo.
s produzíamos, em parceria com as produtoras independentes, uma média de 40, 50
documentários por ano. Isso faz a diferença porque toda sexta-feira nós colocávamos um
documentário inédito no ar” (MOREIRA, 2006, entrevista).
Como importante fator de produção social para a manutenção de um canal apresenta-
se a face institucional, ou seja, a entidade que norteia sua estrutura discursiva. Como já
abordado, o SESCTV, até assumir esta nomenclatura, passou por transições neste nível que
influíram diretamente em seu modo de lidar com a mídia televisiva. O embate entre SESC e
SENAC, por conta da sistemática da grade de programação, ilustra claramente a relevância de
tal ângulo anatico. Em relação ao conteúdo, no entanto, Moreira (2006, entrevista) afirma
que não havia interferências entre entidades mantenedoras e o campo de produção: “tínhamos
autonomia total em relação ao conteúdo, não precisávamos pedir autorização nem para o
SENAC , nem para o SESC”.
No entanto, o momento atual caracteriza-se pelo controle total por parte do Serviço
Social do Comércio, que, por esta razão, orientará seu conteúdo para outras direções e, assim,
montará uma nova estratégia discursiva. A mais pungente alteração diz respeito ao formato da
grade, como já exposto. Suas conseqüências, obviamente, terão reflexos concretos na cadeia
de produção, na identificação do espectador com o canal e, sobretudo, na linguagem dos
programas, que o terão mais a aproximação temática como um de seus pilares. Sem dúvida,
anuncia-se uma presença maior da macrolinguagem vigente no perfil futuro do SESCTV, de
modo que haja, também, um ligeiro distanciamento dos princípios que vigoravam à época da
117
STV. Para Moreira (2006, entrevista), “a STV inovou a linguagem televisiva de forma muito
modesta, mas minimamente ela conseguiu mostrar que é possível fazer televisão de uma
forma diferente.” Urge o questionamento, em primeira instância, sobre qual o caminho que
será tomado pelo SESC na administração do canal. Resta saber se ele, em nome de uma
‘marca pessoal’, mudará o curso da inovação ou estacionará seu processo inventivo em razão
de uma demanda por mais telespectadores e melhor relacionamento com os grupos
dominantes.
O que se pode tomar como certo é uma maior sintonia entre os conteúdos da emissora
em relação às rotinas e prositos institucionais do SESC. Walter Vicente Salles (2006, p.1)
sinaliza os potenciais tangenciamentos do canal:
[...] é preciso compreender a televisão como expressão cultural, tal qual
outras linguagens já plenamente presentes no SESC, como a música, a
dança, o cinema, o teatro e outras. O trabalho de educação permanente da
instituição se processa pela promoção da fluidez das manifestações culturais
e a TV passa então a ser incluída como uma dessas manifestações.
Importante ressaltar que, mesmo em ocasiões anteriores, o SESCTV, antes mesmo
deste codinome, já unia as manifestações culturais em seu conteúdo, como nos programas
‘Instrumental SESC Brasil’ e ‘STV na Dança’, que traziam o Serviço Social do Comércio
como ente produtor de cultura para o âmbito televisivo. O modelo de produção de ambas as
exibições era o mesmo: um apresentador introduzia o telespectador ao espetáculo a ser
transmitido, que, gravado e editado de modo a adaptar-se à mídia televisiva, era emitido logo
após as considerações iniciais. Independentemente da orientação institucional,
certamente o SESCTV trará uma nova configuração discursiva, o que se pode denotar a partir
dos sinais já apresentados e, objetivamente, pelo fato de estar sob a exclusiva tutela do
Serviço Social do Comércio, entidade com metas e estratégias próprias. Isto, sem dúvida,
redundará em – gradativas ou não – modificações na linguagem do canal, que criará suas
próprias metáforas e interpretações da realidade material.
As linguagensoo inocentes nem inconseentes. Toda linguagem é
ideológica porque, ao refletir a realidade, ela necessariamente a refrata. Há
sempre, queira-se ou não, uma transfiguração, uma obliidade da
linguagem em relação àquilo a que ela se refere (SANTAELLA, 1996,
p.330).
118
Pode-se concluir, por meio das considerações acerca do debate institucional, que o
meio de comunicação – neste caso, a televisão – muito mais do que uma simples via
informacional, figura como ator estratégico de um campo vasto de intenções.
Hoje, estamos cada vez mais conscientes de que o mídium não é um
simples ‘meio’ de transmissão do discurso, mas que ele imprime um certo
aspecto a seus conteúdos e comanda os usos que dele podemos fazer. O
dium não é um simples ‘meio’, um instrumento para transportar uma
mensagem estável: uma mudança importante do mídium modifica o
conjunto de um gênero de discurso (MAINGUENEAU, 2001, p.72).
Isto porque o meio concentra em si uma amplitude particular de possibilidades
exploratórias, que passam pela questão técnica e, ainda, de aproximação junto ao humano. A
televisão, por sua abrangência, capilaridade e abertura para experimentações tecnológicas,
ainda figura como personagem central de um frenético trânsito de ideologias, espaço no qual
– embora de ocupação desigual – ocorre uma expressão das heterogeneidades. O discurso e a
manipulação por meio da linguagem, sem dúvida, funcionam como instrumentos de controle e
persuasão. No entanto, estas mesmas ferramentas são o ponto de partida para o
estabelecimento de contradições aos grupos dominantes.
3. Intervalos: espaço de visível inovação
Além dos programas, os intervalos constituem-se primordiais na construção do
discurso defendido pelo canal. Neste sentido, havia um real distanciamento em comparação à
macrolinguagem vigente.
A partir do momento em que o SESCTV não se orienta comercialmente, ou seja, não
se destina ao incentivo ou concretização da venda, ele utiliza o modelo de ‘quebra’ entre os
programas para dar vazão a um metadiscurso, sacramentado por meio das vinhetas
institucionais e campanhas. As primeiras dialogam com as produções e, ainda, despertam o
interesse do espectador para o que se veicula no canal. Já as campanhas trazem elementos
focados em temas educacionais e ligados ao exercício da cidadania. Ao todo, foram
produzidas cerca de 60 campanhas, cujos temas dividiam-se em grandes áreas, como: direitos
humanos, cuidados, saúde, educação e cidadania. Para que houvesse uma unidade discursiva
entre elas, todas foram produzidas pela mesma produtora, a Frame.
119
Seguindo o processo de construção de discurso já mencionado pelos programas, o
canal abre esse espaço também para campanhas governamentais e não-governamentais. Parte
da grade de programação do SESCTV é preenchida por campanhas enviadas pela Fundação
Abrinq, Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Ashoka Empreendedores Sociais,
CECIF – Centro de Capacitação e Incentivo à Formação, IDEC – Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor e Universidade da Água, além de outras instituições – também sem
fins lucrativos – que mantêm atividades em outros países, como Fundação Eye Care,
Greenpeace, Care, OneEarth, Global Movement for Children e World Bank Foundation. As
três últimas enviam campanhas dubladas ou com legendas em português.
Assim, a polifonia e o interdiscurso também fazem parte das estratégias de
posicionamento do canal no âmbito dos intervalos que, a partir de um formato diferenciado –
e é nesta abordagem que se dá a inovação – reforçam, complementam e retumbam o que se
preconiza nos programas. Embora os formatos modifiquem-se, a postura do canal em relação
a fontes externas alimentadoras de discurso é a mesma.
Este processo de afirmação apropria-se de princípios oriundos da propaganda, mas se
alija de qualquer finalidade comercial. Prefere, nestas lacunas, reforçar o discurso identitário
do SESCTV. Portanto, entendem-se as vinhetas e campanhas como locus alternativo de seu
posicionamento, em que se usa o ‘entre’ para sedimentar uma ideologia. Nos intervalos, o
canal significa-se a partir do momento em que reverbera seus princípios basilares e, assim,
norteadores de discurso. Se o intervalo, de fato, significa, pode-se qualificá-lo como
semântico, o qual, para Vogt (1977), consiste na idéia de que entre um elemento e outro existe
um intervalo, que pode ser preenchido pela intencionalidade. No caso do SESCTV, é
exatamente o que se dá.
Em termos estéticos, a linguagem encontra em tais espaços um instante de maior
liberdade. Nos intervalos, concretiza-se um campo experimental diferenciado, em que outros
elementos visuais – estes pouco utilizados na mídia televisiva – ganham relevância. Em
contrapartida à postura de relacionar a animação exclusivamente ao público infantil, o
SESCTV ecoa a proposta oriunda da STV de romper padrões estéticos e de gêneros ao inserir
em sua grade de programação campanhas sobre diferentes temas – dirigidas ao público adulto
– que usam, além das técnicas de animação (fig.4), o teatro de bonecos (fig.5) e simulações de
cinema mudo (figs. 6 e 7). O deslocamento destas expressões evidencia o cater inovador de
manipulação de técnicas e signos correlatos, os quais, dispostos em novos ordenamentos
combinatórios, inovam e transformam a significação do canal.
120
(fig.4 – Campanha de Câncer de Próstata) (fig. 5 – Campanha Liberdade de
Expressão)
(fig.6 – Campanha Tuberculose) (fig.7 – Campanha Tuberculose)
Isto se prova pela mescla de linguagens, implantada sem timidez nas vinhetas
institucionais da STV, ainda não retiradas do ar, uma vez que o SESCTV ainda não criou as
suas próprias, de modo que apenas inseriu sua logomarca em substituição à anterior. A
maioria delas aplica efeitos de vídeo-grafismo a uma cena inicialmente gravada com pessoas
transmitindo a sensação de que aqueles movimentos foram animados. Já outras usam
efetivamente técnicas de animação. Este formato foge ao padrão tradicional da
macrolinguagem, em que apenas a logomarca do canal é trabalhada junto ao seu slogan, sem
complementos ou lapidações maiores. Trata-se, pois, de uma forma enunciativa, de um
chamamento discursivo por meio do signo identificador do canal.
A análise de discursos defende a idéia de que qualquer imagem, mesmo
isolada de qualquer outro sistema semiótico, deve sempre ser considerada
como sendo um discurso, recusando a categoria de ‘signos icônicos’ ou
‘ícones’ em que são em geral classificadas pelos semiólogos (PINTO, 1999,
p.33).
Os elementos de cultura e cidadania presentes nas campanhas e vinhetas fazem dos
intervalos um instante de valorização dos princípios ligados a estes dois eixos e não a
121
exibições de caráter comercial. A partir do momento em que uma vinheta ou campanha
reforça as significações culturais e de cidadania, os programas encontram, nelas, uma
complementaridade e têm, portanto, seus propósitos ainda mais aprofundados.
Toda a programação do mês gera um roteiro com o que vai em cada
intervalo de cada programa. Eu editava cada intervalo de programação
porque nós produzíamos peças, campanhas sociais, de cultura. Além disso,
pevamos de outros Ministérios, Universidade da Água, Greenpeace.
Essas campanhas eram selecionadas com digos de acordo com as faixas
de programação. Dentro da faixa de música, por exemplo, colocávamos
campanhas que remetiam àquilo que a música faz para sua tranqüilidade,
chama-se Toques musicais. Leva a pessoa a se relacionar com a música
(MOREIRA, 2006, entrevista).
Desta forma, o diálogo entre programas e intervalos ocorre dentro de um ambiente no
qual se torna verificável uma latente coerência e inversão de valores face à macrolinguagem
dominante. Intensifica o caráter inovador de tal iniciativa o fato de que a cultura da dia
rejeita a possibilidade de que a cidadania e a dinâmica transcultural constituam a
argumentação de um intervalo.
Abre-se espaço para a significação de conceitos defendidos pelos dirigentes da
instituição. Promoção da cidadania e valorização da cultura deixam de ser apenas palavras por
vezes distantes do espectador para, de fato, evidenciarem os objetivos do canal. Um deles é
explicitado enquanto diversas figuras do imaginário popular passam pelo painel de Arte Naïf
(fig. 8 e 9), a trilha sonora de acordeon come com o cenário e a narrativa anuncia: “Cultura
popular: identidade de uma nação”. Esses elementos já são suficientes para caracterizar uma
campanha de valorização da cultura popular. No entanto, ficam mais fortes quando a
assinatura do canal entra nas mãos de um dos personagens. O logotipo, elemento-síntese da
emissora, mostra que está de acordo com o que foi apresentado, remetendo ao fato de que a
instituição procura promover tal ação. O logo deixa de ser um elemento de autopromoção para
figurar no papel de chancelador dos valores preconizados pela entidade.
122
(fig. 8 – Campanha Cultura Popular) (fig. 9 – Campanha Cultura Popular)
A cultura também tem destaque na campanha do Saci (figs. 10 e 11), produção do
SESCTV, veiculada durante todo o mês de outubro de 2006. Usualmente, neste período,
reverberam no Brasil as celebrações do Halloween, festividade totalmente ligada à cultura
norte-americana. Paradoxalmente, nada se diz a respeito do Saci, figura genuinamente nascida
na mitologia brasileira e que tem o ‘seu dia’ também em outubro.
Miranda (2006, entrevista) explica que as veiculações com o tema do personagem
nacional constituem uma forma de, por meio do conteúdo, expressar a importância conferida
pelo SESCTV aos elementos culturais oriundos de nosso próprio País. Toda a caracterização
visual da campanha (uso de cores e seleção de imagens) mostra-se em sintonia com o
propósito, em um exemplo claro de relação entre discurso defendido e moldagens de signos.
O texto, como se pode notar nas referências imaticas abaixo, sintetiza as inteões do canal
de modo transparente: “O Saci-Pererê é um mito essencialmente brasileiro”.
(fig. 10 – Campanha Saci) (fig. 11 – Campanha Saci)
Outra campanha consegue trazer para o interlocutor a discussão dos espaços para
promoção de cidadania, além de evidenciar o papel da instituição perante o debate já
abordado sobre o espaço público (fig. 12). Neste sentido, o telespectador age necessariamente
123
como interlocutor, pois o conteúdo veiculado surge como incentivo à perpetuação dos valores
expostos na campanha por meio da prática social do indivíduo. O didatismo visual e o poder
sintético do texto fazem com que o entendimento seja rápido e instantâneo.
Por fim, a idéia do canal de ser uma alternativa aos demais e oferecer uma
programação e linguagem diferenciados é concretizada na campanha sobre televisão (fig. 13),
em que a figura do personagem amarrado justapõe-se à narração questionadora de: “Ei, psiu, é
assim que você assiste televisão? Com tanta opção, e você fica aí?”. Tal postura toca o fato de
que a vivência cultural dá-se em múltiplos ambientes, exatamente por ser a cultura algo
naturalmente diverso quanto às formas de expressão e origens. Além disso, o texto televisivo
nesta campanha demonstra o posicionamento da emissora em relação ao interlocutor. Como
exposto no caso da campanha sobre espaço público, o SESCTV defende que o relacionamento
com a televisão não se encerra ao término do programa ou vinheta. Seu conteúdo, na verdade,
é um meio incentivador para a experiência de valores mais amplos, exteriores à dia. Não se
trata de um repúdio à televisão, mas sim de uma proposta de relacionamento diferenciado
perante ela, ou seja, lança-se a semente de um provável novo paradigma, em que o humano
estabelece laços com o meio televisivo em outro nível de troca, pautado pelo princípio do
enriquecimento e estímulo ao aprendizado em detrimento da dependência estritamente
conectada ao entretenimento consumista.
(fig. 12 – Campanha Espaço Público) (fig. 13 – Campanha Televisão)
Por intermédio das campanhas, o SESCTV cumpre o objetivo de transparecer seu
posicionamento acerca do humano, de modo que a emissora figure como agente facilitador no
campo educacional e de estímulo ao exercício da cidadania, fornecendo ao telespectador
instrumental para a constituição de seu senso crítico em maior nível do que em outros canais –
sejam abertos ou por assinatura. Esta abordagem é única justamente pelo trânsito de vozes e o
124
formato que a elas se dá, como ocorre sobremaneira nos intervalos. É o primeiro passo para a
ampliação deste propósito, ainda não desenvolvido de forma satisfatória nos programas.
4. Um discurso em permanente construção
Toda a estrutura abordada, a forma como programas, intervalos e grade se inter-
relacionam, a maneira pela qual transparecem o posicionamento do canal em relação aos
objetivos institucionais são elementos que compõem o mosaico textual do SESCTV, que,
como exemplo de linguagem televisiva, é mutável e suscetível a qualquer modificação em um
desses parâmetros. Por isso, Elizabeth Bastos Duarte (2000, p.9) afirma que “a linguagem
televisiva é uma linguagem em construção. Embora seja possível estabelecer os contornos de
sua gramática, interessa mais registrar suas transformações em ato, que muitas vezes
arrombam o sistema, do que o próprio sistema”. Não podem, portanto, ser negados os
movimentos da linguagem do SESCTV, os quais percorreram, até o presente momento, um
longo caminho de modificações, cortes, adições e realinhamentos – sempre a partir da
influência das questões institucionais, que compreendem os arranjos poticos e objetivos
estratégicos, e também das próprias motivações estéticas do canal, constituídas pelo numeroso
e variado trânsito direto de refencias em seu âmbito. Um dos fatores de enriquecimento e
lapidação da linguagem hoje verificável no canal deriva, sem dúvida, do aperfeiçoamento a
partir da experimentação, que, em diversos momentos, figura como movimento alternativo
aos parâmetros da macrolinguagem aqui conceituada.
Essa gramática, por ser um mosaico textual em construção permanente, forma-se
a partir de diferentes linguagens. Elementos que se alternam a cada gênero, programa, ou
canal. A forma como os planos são escolhidos, os cortes de cena, ou ainda a montagem e
edição influenciam na mensagem a ser transmitida ao final. Todos os ângulos, formatos,
cores, interpretações, enquadramentos e textos influenciam a percepção, recepção e, claro,
condicionam a via produtiva das peças televisivas. O texto televisivo alude à metáfora do
olhar, que, a partir de uma constituição de linguagem, varia de acordo com o que é exibido. A
tela pode ser representada como uma posição observadora diversa, que se alterna a partir dos
sentidos a serem desenhados para aquele conjunto de mensagens e oferece múltiplas outras
possibilidades de visualização. Esta variabilidade de possibilidades amplifica os caminhos
potenciais ao texto da televisão. Valioso é o manuseio dos signos e a combinação entre os
mesmos. Neste campo os significados são construídos, sendo que cada qual afeta a maneira
125
do telespectador significar seurculo de vivência. Um processo inovador ou dialético tem
início nas mínimas partes da formação da linguagem e da narrativa discursiva montada com a
conexão destes vários elementos. No entanto, por ser um ambiente em que a velocidade das
mutações faz-se alta, a virtude da adaptabilidade mostra a desafiadora urgência de uma rotina
de transformações e iniciativas destoantes dos padrões massificados.
Todos esses elementos estruturam-se dependendo do modo de contar a
narrativa, adequando-se às estragias discursivas e mecanismos
expressivos, selecionados e apropriados à mídia empregada. Há todo um
arsenal de procedimentos para impor ao espectador sua interpretação do
acontecimento representado. É nessa perspectiva que analisar um texto
televisivo é, pois, situá-lo num contexto: a história das formas midticas
televisivas (DUARTE, 2000, p.5-6).
O texto televisivo ocupa um lugar na moldagem social da humanidade. Sua elaboração
dirige-se a grupos e indivíduos a partir de um ou mais propósitos. Nesta cadeia relacional, não
se pode esquecer dos agentes institucionais, que definem as diretrizes tangenciadoras do
processo de arranjo dos signos de modo que, reunidos, produzam um discurso a partir de uma
orientação de princípios de linguagem. A contraposição às manifestações dos grupos
dominantes faz sentido apenas se seguir a trilha descrita, tendo início na vontade institucional,
passando pela escolha e manejo dos signos e, por conseguinte, formando um discurso sólido
sob o ângulo identitário. O absolutismo tem uma organicidade, assim como aquilo que dele
destoa. O SESCTV tem amplas possibilidades e já manifestou sintonia com a segunda opção
que, sem dúvida, é a que mais se alinha à perspectiva naturalmente humana de conviver em
meio ao permanente embate plural.
Segundo Foucault, o poder em seu exercício nunca é o poder total, absoluto:
‘[...] a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma
possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder:
podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e
segundo uma estratégia precisa’. A leitura de Foucault nos torna
predispostos, segundo o pensador, a combater toda forma de poder. Ele
insiste no combate à vio estruturalista dos ‘aparelhos ideológicos do
Estado’, presentes na escola formal, ma mídia, instituições públicas e
religiosas (FILOSOFIA, 2006, p.46).
Pode-se considerar rtil o campo em que o SESCTV insere-se, apesar das limitações
aqui já abordadas, uma vez que tem a chance clara de produzir e lidar com o texto televisivo.
Pela abrangência do meio e pela influência inerente de forma potencial a um modelo de
discurso, o texto figura como portador do objetivo de provocar reconstruções (DIJK, 2002).
126
No entanto, um processo dissonante inicia-se efetivamente pela visão de cultura que pauta o
enunciador. Uma transformação de caráter sólido e impactante parte do princípio de que os
fundamentos culturais protagonizam o meio social como alicerces e não como conseqüências.
Neste sentido, é correto afirmar que o SESCTV segue coerentemente esta premissa, pois se
apropria da transculturalidade como núcleo enraizado tanto em seus pilares institucionais
como nos conteúdos produzidos pelo canal, que se aproveita da mídia televisiva como um
espaço que oferece a oportunidade promotora de um fluxo contínuo das inúmeras
manifestações constituintes da cultura. Esta, como mote transformador, é colocada no front
pela emissora, o que já a diferencia do padrão estabelecido pelos grupos dominantes, que
fazem uso de tais diversidades apenas quando conveniente aos prositos comerciais, seja
para a promoção de produtos ou para a atração de novos consumidores.
Portanto, as múltiplas vias de desenvolvimento alternativo do SESCTV tocam a
complexidade da construção de uma linguagem inovadora, bem como a assertividade do
discurso a ser produzido. Nada disso é validado, porém, se a instituição não transmitir ao
restante da cadeia da emissora sua percepção ideológico-social, que necessariamente passa
pela visão do espaço que a cultura ocupa na humanidade.
127
Reflexões a título de conclusão
1. Oportunidades e barreiras para um processo inovador
Pensar o SESCTV remete, de imediato, ao perfil institucional do Serviço Social do
Comércio. Em um primeiro momento, vem à mente o caráter de prestação de serviços às
comunidades nas quais estão localizadas suas unidades físicas. Lazer, cultura, educação e
atividades de assistência à população são sinônimos de uma entidade que há mais de 60 anos
atua sob os mesmos preceitos e, por esta razão, construiu sua identidade de modo abrangente,
palatável em larga abrangência no meioblico.
Ainda que a nomenclatura do aqui referido canal tenha direta ligação com a instituição
mantenedora, urgem reflexões de como seria uma transposição deste perfil para o meio
televisivo.
Em termos institucionais, o SESCTV deriva de uma estrutura híbrida, que se propõe a
uma função pública e é fiscalizada pelos poderes governamentais como tal, embora tenha
personalidade jurídica e recursos de origem privada.
Sem dúvida, a veiculação televisiva integra a estratégia de comunicação do Serviço
Social do Comércio como maneira de legitimar sua relevância perante a sociedade brasileira.
Deter o controle de um canal integra uma série de outras ações, as quais perpassam outras
mídias que, juntas, caracterizam um posicionamento público uno.
Estar na televio significa reiterar o que ocorre nas unidades físicas, bem como tecer
releituras acerca do que se produz em seus âmbitos. Difundir a dinâmica sociocultural
existente nas sucursais do SESC, indubitavelmente, reforça a validade de seu sistema de
funcionamento - hoje majoritariamente ligado a contribuições compulsórias. A mídia
televisiva ecoa a voz da entidade, ao mesmo tempo em que, por meio de uma outra
linguagem, enfatiza seus princípios centrados no humano mediante uma perspectiva ‘extra-
unidade’, em que o Serviço Social do Comércio ocupa um espaço dentro da rotina social de
outra forma e, desta forma, ‘cria’ mais um braço da instituição - aquele que vai ao encontro do
usrio, seja ele efetivo ou potencial.
Quanto mais intenso o processo de legitimação, maiores as chances de continuidade de
um modelo que tem apresentado êxito ao longo dos anos, em que grandes volumes de
recursos financeiros viabilizam, anualmente, o desenvolvimento de uma ampla gama de
atividades ligadas aos princípios legais da entidade.
128
A singularidade propiciada pelo hibridismo institucional do SESC permite avaliações
acerca de seu papel público e a maneira pela qual seu canal televisivo insere-se neste
contexto. A configuração administrativa do Serviço Social do Comércio, embora alicerçada
sobre uma estrutura de abrangência nacional, dividida em vários compartimentos funcionais,
apresenta maior agilidade do que os órgãos triviais do aparelho estatal. Com isso, sua
capacidade realizadora em nível público é muito maior, fato que pode ter reflexos na mídia
televisiva. Uma destinação de recursos financeiros responsável, planejada e suficiente pode
reinventar a percepção de TV pública no país, de modo que o estigma dos canais educativos -
estes com modelos arcaicos de administração em sua maioria - seja gradativamente
substitdo por uma nova proposta.
Renovar ou estabelecer diferentes saídas para uma mídia que se vê à beira de um novo
padrão tecnológico - o digital - constitui-se como oportunidade no campo da linguagem para
que se consolide um impacto em larga escala junto aos telespectadores. Existe, sim, um fértil
campo para a televisão de modo que ela não seja substituída ou tenha sua utilidade posta em
xeque, mas sim encontre um novo posicionamento para que permaneça rica mesmo diante de
outras tecnologias. Exatamente neste sentido está a lacuna a ser preenchida e, portanto, um
locus de desenvolvimento de inovadoras possibilidades para o fazer televisivo.
Desta forma, o SESCTV vive um momento de rara incidência. Tem como entidade
mantenedora uma instituição com compromisso e fiscalização públicos, mas sem os
tradicionais vícios que tornam o aparato estatal uma máquina lenta e ineficiente. Esta
perspectiva, que contempla o humano em suas dimensões individual e coletiva por um viés
diferenciado, abre espaço para que se consolide um novo modelo de relacionamento com este
interlocutor, pautado por inovações em termos de linguagem e no que diz respeito à questão
da troca junto a ele.
Se as bases institucionais permitem vôos mais ousados, a questão da linguagem,
embora demonstre sinais de ruptura com os tradicionalismos, necessita de um processo muito
mais denso de lapidação. Experimentações como as vinhetas mostraram alternativas de como
é possível constituir linguagem sem corroborar integralmente com padrões já vigentes e
aceitos comormulas absolutas e prontas. O espírito questionador existe, mas deve ser
fortalecido caso a emissora deseje tornar-se ainda mais diversa, crítica, qualificada,
consistente e assistida.
Em contrapartida, as potencialidades do cerio enfrentam barreiras já conhecidas ao
longo do percurso do canal. Fazer oposição a uma estrutura de dominação e legitimação
sistêmica muito mais ampla, com ramificações centenas de vezes mais capilarizadas e
129
enraizadas no imaginário mundial, demanda esforços hercúleos e, por isso, leva a crer que o
desafio do SESCTV não se pode pautar pela ilusão, mas sim por um mote concretivel.
Levar a cabo uma lógica de mercado de uma cadeia produtiva ampla como a da televisão
mostra-se como árdua tarefa. Todavia, mesmo que não possa ser dissolvida por uma única
iniciativa, existe a real chance de ser questionada de modo gradativo, basta que haja um
primeiro passo eloqüente e de larga representatividade. A partir de então, será natural o
surgimento de novas ações que, seguidas e em conjunto, estabeleçam um contraponto de
grande vulto à ordem estabelecida.
2. Uma revisão do olhar
Uma reflexão em torno da televisão toca imediatamente a questão do olhar. Trata-se
de uma mídia que visualiza e é visualizada à medida que propaga ângulos da realidade
material ao mesmo tempo em que se faz contemplar por parte dos espectadores.
Em comparação à época de seu surgimento, enfrenta uma ‘concorrência imagética’
muito mais acirrada hodiernamente. A contemporaneidade pauta-se por uma cultura
hipervisualizada, em que o excesso é recorrente. Em primeiro lugar, a multiplicidade de
veículos estáticos e dinâmicos para a transmissão de imagens torna não somente sua recepção
acessível, mas também o campo da produção. As barreiras técnicas modificam-se em
velocidade crescente, de modo que a ocupação de espaços, aos poucos, leva à ruína a
separação dos que produzem imagens daqueles que as consomem.
Justamente no trânsito do consumo, as imagens ofuscam-se em um embate
progressivamente intenso, semeado pela necessidade do encantamento por meio do discurso,
seja ele utilizado para o estímulo do consumo direto de produtos e serviços ou pela sedão
de uma ideologia ou modo de vida.
O humano, hoje, muito vê. Os outros sentidos ficam à margem, dado o decrépito
estado da experiência sensorial e material em um contexto traduzido paulatinamente para o
virtual. O sentido visual assume o lugar dos demais, transformando-os em subsentidos ou
meras sensações. Uma determinada cor, por exemplo, remete a um perfume agradável. Um
efeito esfumaçado pode cumprir a mesma função, ao passo que um prato bem filmado
transmite a idéia de um prato saboroso. A visão, a partir do momento em que promove um
rápido e amplo acesso à realidade material, concentra uma série de discursos – todos em
busca da sedução por algo. Deseja-se e atrai o que não é possível tocar.
130
O desequilíbrio sensorial em benecio da visão, ao invés de potencializar, reduz as
valências humanas em um ciclo de ver e consumir. Há, inclusive, um deslumbramento em
relação ao que a tecnologia permite atualmente em termos de produzir e veicular imagens por
conta própria. Com isso, indiscriminadamente, surgem manifestações da mais alta variedade,
sendo o campo de trânsito da informação um espo progressivamente heterogêneo.
No contexto da ‘hipervisualização’, em que o espetacular aos olhos pauta a
macrolinguagem televisiva, soa como maneira de transgredi-la a retirada de foco no que diz
respeito à imagem, de modo a conferir maior valor a outros elementos componentes de sua
linguagem, inclusive modificando o arranjo entre os mesmos para que outras combinações
surjam e, com isso, sejam produzidos novos significados. Um dos caminhos para uma
inovação no campo da TV pode residir justamente no reposicionamento dos sentidos do
telespectador que, ordenados em novos pesos, abram espaço para novas possibilidades quanto
ao recebimento e processamento do que se emite.
3. SESCTV: inovações palpáveis
Primeiramente, faz-se necessário ressaltar que o SESCTV figura como emissora que
promove inovações na construção televisiva de modo parcial. Seria equívoco deixar-se levar
pelas iniciativas transgressoras já existentes e generalizá-las a ponto de transformar a análise
em uma reflexão falaciosa.
No entanto, cabe aqui estabelecer os pontos de diferenciação que o canal já consolida
em relação ao senso-comum, de maneira que seja possível identificar, a partir deles, caminhos
para um desenvolvimento progressivo e consistente não apenas destes aspectos, mas de outros
que surgirem ao longo do percurso deste empreendimento.
Sendo a linguagem um conjunto de unidades produtoras de sentidos, o SESCTV,
nestes termos, expõe novas formas de abordagem em seu campo midiático em alguns destes
componentes.
A proposta mais impactante em termos evolutivos diz respeito à utilização do espaço
entre os programas para conferir voz ao discurso-base do canal. Os intervalos, sob este ponto
de vista, não são interpretados como meros espaços de sustentação comercial garantida por
veiculações publicitárias. O uso de tais lacunas, portanto, já se configura como ação
divergente face ao manuseio destas.
No que tange às campanhas e vinhetas propulsoras deste movimento, o argumento que
as fundamenta – este alicerçado nas diretrizes do SESC – é enriquecido por uma programação
131
visual destoante frente àquelas que fazem parte do hábito dos telespectadores. Este
componente soaria estranho se estivesse distante do contexto inerente ao canal, que em maior
ou menor medida permeia sua grade por inteiro. No entanto, os princípios da emissora
embasam de forma consistente iniciativas ‘dissidentes’ como esta – fato que se mostra
positivo sob uma visão de longo prazo, em que podem ser desenvolvidas outras possibilidades
com perfil semelhante.
O SESCTV expressa nestes ‘lapsos’ sua perspectiva institucional, por meio dos quais
ressalta sua visão acerca de cultura, cidadania, educação e a inserção do humano como agente
crítico dentro deste contexto ao mesmo tempo em que, para a concretização destas
mensagens, exercita uma linguagem diferenciada.
Ciente da responsabilidade que seu ‘olhar eletrônico’ tem diante da sociedade, o
Serviço Social do Comércio estabelece como pressuposto para seu meio de expressão
televisivo o mesmo tratamento que a instituição confere ao humano nas demais ações que
desempenha. O indivíduo espectador passa a ser tratado como fator de convergência dos
valores da entidade, o que redunda na sua instrumentalização em busca de uma revisão crítica
do seu relacionamento junto à televisão. Este processo, se continuado, ‘educará’ o interlocutor
a compreender com mais astúcia e perspicácia as propostas do veículo, de modo que sua
significância em sua mídia seja percebida e referendada. Trata-se de um ciclo virtuoso,
concretizável apenas por meio de planejamento, empenho de recursos e recusa ao
imediatismo. O desafio, com o passar do tempo, assumirá contornos ainda mais densos, pois a
demanda por um maior número de inovações correrá paralelamente à necessidade de
incrementos nas iniciativas transgressoras já iniciadas.
A revisão do olhar sobre a televisão, no caso específico do SESCTV, passa pela
concepção de que tal mídia não deve ser apenas um meio de reprodução das atividades
desenvolvidas nas unidades físicas, de modo que o telespectador seja um usuário remoto dos
serviços prestados pela entidade. Ao contrário disto, emerge como oportunidade para a
instituição conduzir o canal de maneira que, simultaneamente, siga suas diretrizes e tenha
conteúdos formatados exclusivamente para a televisão, para que se desenvolva uma
linguagem a partir de sua natureza midiática e não como simples decorrência de uma história
pregressa.
Produzir televisão sob uma perspectiva humanista traz à superfície de reflexões o tema
da função desta mídia na atualidade. O indivíduo contemporâneo, destinatário de um fluxo
rápido e ininterrupto de imagens, posiciona-se em uma condição em que uma das saídas
decisivas consiste na aquisição de filtros visuais, ou seja, no desenvolvimento da capacidade
132
de não ver. O SESCTV, com o objetivo de promover o humano a uma condição de
interlocutor comunicacional e ratificar seus valores institucionais, centraliza suas ações em
torno da cultura nacional, levando ao espectador assuntos não comumente tratados na
dimensão televisiva. Assim, a cultura da dia é revisitada e, de algum modo, transformada.
Pode-se argumentar que este viés atende – ao menos por enquanto - à demanda da instituição
por uma emissora não orientada apenas ao entretenimento, mas também à edificação crítica
do indivíduo. Começa a ser revisado, assim, o olhar sobre a televisão, base essencial para
inovações futuras, principalmente quanto às outras áreas menos exploradas no canal sob tais
preceitos: os programas e a grade na qual estes se organizam.
4. Horizonte de desafios
A construção de um modelo alternativo de televisão é possível somente a partir de
uma lógica de etapas. Em primeiro lugar, deve figurar a consciência em relação ao status quo,
pois somente a partir de uma lucidez contextual consegue-se estabelecer uma contradição à
altura. Posteriormente, emerge a capacidade realizadora, em que recursos e pessoas
mobilizam-se em torno da concretização de metas que atendam aos pressupostos de embate
definidos. Dado o primeiro passo concreto, aumentam de tamanho as barreiras que, com o
tempo, apresentam-se em maior número. Transgredir não demanda apenas um esforço inicial,
mas um movimento persistente e constante de permitir vivo o conflito produtivo, ou seja, o
choque a favor do espírito crítico. No caso do SESCTV, as próximas camadas soam mais
árduas. A linguagem – embora muito importante - é apenas parte do processo. Existem outros
desafios, tanto internos quanto externos imprescindíveis ao processo de incremento perene do
canal.
Internamente, o alinhamento institucional é, irremediavelmente, um dos pilares da
emissora. O Serviço Social do Comércio deve tratar o canal como uma de suas prioridades,
eximindo-o de influências negativas oriundas de eventuais embates domésticos. Ter o
controle total da emissora representa oportunidade única de desenvolver com fluidez novas
propostas e fortalecer ainda mais a presença da instituição junto à sociedade.
Ainda neste âmbito, uma condição inevitável para a continuidade do processo de
‘transgressão’ reside na contraposição à lógica de mercado estabelecida. Para tanto, deve
prevalecer a autonomia do SESCTV, de modo que seus recursos não sejam oriundos de
corporações específicas. Somente assim, a tradição de impessoalidade cultivada até então será
mantida e não haverá frestas para que sejam tecidas acusações de privilégio ou influência
133
discursiva em benefício de uma empresa. Tal postura fortaleceria e garantiria, ainda, a
longevidade dos intervalos entre programas da maneira pela qual transcorrem atualmente. O
modelo de captação, direcionamento e aplicação de recursos deve reverberar o padrão do
Serviço Social do Comércio, o que representaria uma coerência administrativa e, ao mesmo
tempo, uma identidade própria perante a cultura da mídia estabelecida. O SESCTV não pode
ter seus espaços loteados para que sirva como área de divulgação da ‘responsabilidade social’
de outras organizações. Seu papel caracteriza-se em disseminar o modelo de atuação de sua
entidade mantenedora e complementar, via televisão, tal padrão de conduta.
No entanto, existe o empecilho da abrangência, hoje restrita à televisão por assinatura,
fato que impede o alcance do público que o SESCTV realmente deseja contemplar. Para que
haja uma relação de coerência entre o que move a emissora e aqueles que recebem suas
mensagens, a amplitude de transmissão necessita ser maior. Um dos caminhos consiste na
lapidação das parcerias com canais de natureza pública. Atualmente, o SESC apenas recebe
conteúdos. O outro sentido do fluxo, se aberto, será um salto considerável para a capilarização
da emissora. Será uma preparação para o ingresso no espectro aberto, tarefa que já entra em
fase iminente. Aqui se faz necessária uma análise sobre seus produtos, que não podem
‘concorrer’ diretamente com aqueles emitidos pela Rede Pública de Televisão. O
relacionamento deve ser complementar, de modo que a expansibilidade do SESCTV dê-se
tanto por meio de tais acordos como no que diz respeito à propagação aberta de seu sinal.
Integra o processo de fortalecimento interno do canal a adaptação ao ritmo e às rotinas
produtivas pertinentes a uma emissora de televisão. O SESC, pela recente experiência com
este cotidiano, ainda não implementou ações que conferissem ao empreendimento sua
‘personalidade’ institucional. Ainda não há uma produção estritamente própria, apenas
veiculações de conteúdos elaborados nas fases administrativas anteriores. A partir do pleno
donio gerencial, o SESCTV terá sólida fundação para colocar seus discursos e inovações
em uma dimensão prática.
Compreender as rotinas televisivas implica o entendimento da cadeia produtiva que
cerca o meio, fundamental para embasar transformações estéticas. Um olhar diferenciado para
os elos de produção dos conteúdos começa, necessariamente, a partir de inovações em termos
de linguagem. Novas maneiras de lidar com os signos desta mídia demandariam
redirecionamentos lógicos junto, por exemplo, a produtoras, que não poderiam aplicar seus
fluxos padronizados justamente em programas quem como objetivo contradizer a
macrolinguagem em vincia. O SESCTV tem nas mãos a chance de conciliar tecnologia
avançada a um conteúdo elaborado, relação em desnível na maioria dos canais abertos, cujos
134
recursos técnicos são infinitamente superiores ao conteúdo em termos de qualidade. O
desafio, portanto, não se restringe ao canal, mas toca o corpo uma cadeia de mercado
habituada a um outro fazer televisivo, este integrante de uma cultura da mídia massificada e
alinhada aos discursos oligopolistas.
O processo de dominação das grandes organizações, estas apoiadas por restritos
grupos de poder, dá-se por meio de uma tade básica de campos: o financeiro - que viabiliza
investimentos de manutenção e expansão, além de abrir livre espaço para patrocinadores e
anunciantes, o estético-discursivo – no qual uma determinada ‘forma de exibir’ é acordada
para transmitir e enraizar ainda mais os propósitos destes círculos, e o produtivo, que
alinhado aos dois anteriores – concretiza a veiculação de um conteúdo sincronizado aos
interesses das entidades que sustentam este sistema.
Contradizer a cultura da mídia requer, também, uma inversão no que diz respeito ao
tratamento do humano. De espectador, deve ser alçado à condição de efetivo interlocutor,
partícipe de uma dinâmica de arranjos sociais da mesma maneira que os entes
comunicacionais. Não há uma relação hierárquica entre televisão e indivíduo, mas sim de
complementaridade. Para que este modelo efetive-se, é necessária uma análise de caráter mais
profundo, que começa pela conceituação do homem contemporâneo, essencial para a
elaboração de previsões e, com isso, a estruturação de um canal vanguardista.
Contudo, antes da perspectiva da unidade individual, o olhar deve passar pela
abrangência do público. Um canal identificado com a diversidade, que reconhece sua função
de veículo disseminador das transculturalidades, variedades e heterogeneidades que
constituem o mundo, já trata o humano por outro prisma. Exibir o maior número posvel de
manifestações e expressões eleva o patamar deste relacionamento, em que a mídia televisiva
não restringe e seleciona, mas instrumentaliza e amplia os campos visual e crítico do
interlocutor.
Mais à frente, já na dimensão do indivíduo, reside o desafio de sua compreensão. O
homem contemporâneo não é mais o agente da industrialização, muito menos um passivo
receptor de informações de múltiplos meios. Embora afetado por uma cultura da mídia e de
consumo extremamente calcada na embriaguez por meio da visualização, o humano não
consideraria privilégio ter a chance de conhecer apenas manifestações socioculturais de
diferentes origens e configurações. Hoje ele tem, de maneira progressivamente facilitada,
acesso a vias comunicacionais em que ele não somente apreende informações, como produz
conteúdos, inclusive aqueles outrora restritos exclusivamente à televisão. A internet, por
exemplo, permite que se construam, em passos simples, ‘canais pessoais’, em que registros
135
audiovisuais são publicados de maneira praticamente livre. O apelo visual exacerba-se e
torna-se progressivamente comum e, muitas vezes, banal.
Este novo posicionamento individual altera o modelo de relacionamento com outros
agentes sociais. Os intercâmbios interpessoais também passam por modificações quase
permanentes. Padrões dissolvem com progressiva velocidade, enquanto que transições
mostram-se cada vez mais corriqueiras. O ato de descartar, seja nas janelas dos computadores
ou no controle-remoto, leva abaixo a longevidade e potencializa uma superficialização em que
a quantidade informacional não é sinônimo de formação crítica.
Os sistemas de dominação, ao mesmo tempo em que conduzem e colhem dividendos
com estes movimentos, mantêm-se atentos ao comportamento humano perante estes ciclos de
transformação. O capitalismo sofistica-se, cria novas saídas a partir da técnica para ganhar em
complexidade e abrangência. O sistema de televisão digital, como ilustração disto, inaugurará
novas rotinas quanto ao relacionamento com a mídia televisiva, que perpassará, sobretudo, a
forma como esta contribui para o consumo. Em suma, a lógica de mercado incrementa-se e,
com isso, atualiza as vias de legitimação dos grupos dominantes. Para ser de vanguarda, uma
iniciativa no campo da TV tem como tarefa obrigaria olhar adiante, ampliando seu ângulo
visual para que tentativas de inovação não sejam meras reações à cultura da dia e, por
conseguinte, à estrutura massificante.
O SESCTV, neste contexto, deve valer-se de seus fundamentos humanistas. Com
domínio do televisivo, poderá tornar mais complexo seu arcabouço comunicacional ao
aprofundar suas produções para este meio, de modo que este suplante as atividades ocorrentes
nas unidades físicas e tenha uma função autônoma dentro da entidade, sob a condição de
veículo que agrega valores e informações, complementando e enriquecendo a potica
institucional do Serviço Social do Comércio, além de tornar ainda mais completo seu
conjunto midtico.
Finalmente, no campo da linguagem, a partir de todas as premissas expostas, urge um
movimento inovador. Primeiro, em relação ao formato da grade de programação, que deve
estar de acordo com a proposta que a instituição nutre em relação ao canal. A partir do
instante em que se enxerga como iniciativa transformadora, deve, para manter a congruência
neste sentido, retomar o modelo vertical, que, estruturalmente contradiria o padrão
horizontalizado e trataria o interlocutor de uma forma diversa frente ao costumeiro. A matriz
de reformulações iniciada no uso dos intervalos pode ser pulverizada para os programas na
tentativa de propor outros formatos televisivos e torná-los coerentes ao perfil das vinhetas e
campanhas. A tríade estética do SESCTV, para que se afirme singular, necessita respeitar o
136
caminho grade de programação – programas – campanhas e vinhetas. Somente o último
ponto, atualmente, preserva a força inovadora. Uma das vias para a consecução desta meta
pode residir justamente na revisão do olhar, de modo que o apelo imagético deixe de ser o
cânone televisivo para dar lugar a outras formas de expressão, tratamento de signos e
significação. Para isso, as novas propostas de programas devem questionar o formato que
respeita o tempo de 30’ ou 60’ com apresentadores que introduzem o assunto e mediam
qualquer discordância que haja.
Este outro modo de comunicar e dialogar com o telespectador sedimenta com muito
mais solidez as bases para a formação de humanos dotados de maior poder de questionamento
e, portanto, de troca, tanto entre si como em relação ao meio em que vivem, local onde se
insere a televisão. Ela não está à margem, muito menos acima ou abaixo, mas sim entre os
indivíduos. E, como integrante desta dinâmica social, deve ser aproveitada para que contribua
com a ampliação dos horizontes do humano, ao despertar nele outras probabilidades
evolutivas, sempre alicerçadas no intercâmbio e na construção coletiva de cidadania e
conhecimento.
Todos estes desafios do SESCTV traduzem-se majoritariamente em um: legitimar-se
por meio da inovação e ocupar seu próprio espaço em uma instituição com os recursos, as
virtudes administrativas e a credibilidade do Serviço Social do Comércio.
Com estes condicionantes reunidos e considerados, o canal poderá ser, de fato, um
protagonista dos passos futuros da mídia televisiva, ao inverter justamente uma de suas
maiores vancias: a do olhar.
Uma visão transformada por parte da televisão remete, sobretudo, ao conceito de
amplitude. Em primeiro lugar, ela oe-se à metonímia perversa que uniformiza a dia, pois
deixa de condicionar o espectador a um conjunto hermético de discursos e expressões. Além
disso, reformula o tratamento do humano, que deixa a posição de mero observador e passa a
integrar uma estrutura social mais abrangente, na qual, por meio dos veículos
comunicacionais, informa-se e amplia sua capacidade de criticar e significar. O SESCTV
cumprirá com êxito seus propósitos no instante em que for reconhecido como agente de
estímulo à reflexão e desenvolvimento aunomo do humano a partir de uma linguagem
particular e inovadora.
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144
ANEXO 1
145
Transcrição da entrevista com Adriana Veríssimo em 20 out.2006
Contexto: Adriana trabalhou como pauteira e Chefe do Núcleo de pauta da TV SENAC e
STV, atuando na produção de diferentes programas como ‘O Mundo da Literatura’ e
‘Programa de Palavra’.
1. Qual era a metodologia de definição de pautas? Variava de acordo com o
programa?
2. Qual a periodicidade das reuniões? Quem participava?
3. Quais eram os objetivos comuns a todas as pautas?
4. Quais eram os critérios que qualificavam ou desqualificavam uma pauta?
5. Em que medida a STV configurava-se como uma porta-voz do Sesc e do Senac?
Adriana: Eu passei por quase todos os programas da TV SENAC, depois STV (hoje
SESCTV), não fiz o Perspectiva (um programa na área de Negócios) e o Em Rede (um outro
sobre Informática). Cada programa tinha os seus critérios, mas de maneira geral não podíamos
datar os programas, nunca divulgávamos agenda, porque repetíamos muito os programas em
diferentes horários. Fiz durante bons anos os programas De Palavra; Literatura e,
posteriormente, O Mundo da Literatura; e O Mundo da Arte. Tínhamos liberdade de sugerir
autores, artistas plásticas, desde que sua obra fosse bem vista pela equipe. No Mundo da
Literatura um escritor de qualidade que acabou de lançar um livro considerado bom pela
crítica e por nós tinha grandes chances de ser convidado. No programa O Mundo da Arte, por
exemplo, ajudava o fato de um artista estar com uma exposição acontecendo, porque um
programa de meia hora exigia uma quantidade mínima de obras de arte a serem mostradas e,
nem sempre, o artista tinha isso reunido de forma organizada no seu ateliê. Ainda sobre esse
programa, não que fosse uma norma, mas, na medida do possível, pautávamos um crítico de
arte para falar sobre um determinado artista, uma forma de contextualizar a sua produção e
situá-lo no universo das Artes Plásticas. Os três programas tinham meia hora de duração,
apenas o então Literatura tinha uma hora (posteriormente ele foi substituído pelo O Mundo
da Literatura).
nhamos uma reunião por mês (chegamos a fazer programas inéditos semanais e
depois quinzenais) para definir as pautas do período seguinte, costumávamos trabalhar com
bastante antecedência, não seria absurdo dizer que em fevereiro já poderia adiantar uma pauta
de abril. Quem participava das reuniões de pauta eram os pauteiros, o chefe de redação, o
146
diretor do programa, a coordenadora de produção da produtora que executava um
determinado programa, o produtor. Toda a nossa produção era terceirizada. O pauteiro da
STV tinha atribuões incomuns em outras emissoras, porque fazia a pauta (que continha
dados sobre o entrevistado, sugestões de perguntas, informações complementares quando o
tema exigia); já pedíamos muitas vezes autorização para a gravação em um determinado local
com o objetivo de auxiliar a produção; aprovávamos os roteiros e as edições finalizadas de
cada programa. Tínhamos o controle de todo o processo, o que era muito interessante e
estimulante e raro para um pauteiro.
De maneira geral as pautas tinham como objetivo ser profundas, bem informativas,
pesquisávamos bastante sobre o tema, o convidado, e orientávamos o diretor na condução da
entrevista/programa, isso se o pauteiro quisesse (eu costumava dar dicas ao
diretor/entrevistador sobre aspectos que julgava interessantes). Uma pauta de uma redação de
jornalismo diário tem, normalmente, uma lauda com as seguintes informações: proposta,
locação e algumas informações adicionais; nós aprofundávamos isso de tal forma que nossa
pauta tinha em média de 4 a 5 laudas dependendo do programa. Em O mundo da Literatura,
por exemplo, já cheguei a sugerir ao diretor trechos de um livro que achei interessante para
ele ler e analisar.
O que qualificava uma pauta era a objetividade da proposta e a pesquisa bem feita. O
que a desqualificava era a ausência de foco, falta de informações, de profundidade.
Na medida em que divulgávamos as atividades dessas instituições diluídas nos
programas que realizávamos sem parecer chapa branca. Vou me explicar melhor: tinha um
programa chamado Viva Vida, que fiz durante bons anos, voltado para temas da área de
saúde, qualidade de vida. Sempre divulgávamos uma modalidade esportiva e porque não,
nesse caso, divulgar uma modalidade bacana que o SESC disponibilizava para os usuários em
suas unidades. O telespectador podia identificar que estávamos em um SESC, mas não
dávamos o serviço da unidade (já aconteceu de identificarmos apenas a que SESC nos
referíamos), norma seguida com todos os outros entrevistados/ou reportagens. O máximo que
fazíamos era divulgar um site ou telefone de contato e, mesmo assim, quando se tratava de
uma ong/instituição. Mas como qualquer outro veículo de comunicação, de tv aberta ou
fechada, às vezes era necessário fazer uma matéria X ou Y porque era importante para fulano
de tal. Mas sinceramente pude na STV convidar pessoas que julgava capacitadas para os
programas que fazia sem sofrer qualquer tipo de cerceamento. O critério para mim e os meus
colegas era a qualidade.
147
ANEXO 2
148
Transcrição da entrevista com Danilo Santos de Miranda em 23 out.2006
Contexto: Danilo Santos de Miranda é diretor regional do SESC SP e, portanto, responvel
administrativamente pelo SESCTV.
1. Com quem o SESC TV quer falar? Qual o seu principal objetivo de
comunicação?
2. Que conceitos a emissora deseja transmitir e como isso é feito através de sua
linguagem e estética?
3. De que maneira a linguagem do SESC TV se diferencia dos outros canais do
mesmo gênero? E quais paradigmas ele instaura no meio televisivo?
4. De que maneira o SESC TV cumpre as funções às quais se propôs sob as
perspectivas de educação e cidadania?
5. Dadas as condições hisricas de sua constituição e a partir da relação Estado-
sociedade, estabeleça um comparativo das funções sociais do SESC em 1946 e
agora e sua relação com o aparelho estatal? Do que se trata? De
complementaridade?
6. O fato de a TV estar agora focada apenas no SESC facilitou o cumprimento
destes objetivos? Quais outros foram adicionados?
7. De que forma o SESC interfere/contribui na circulação de formas de cultura?
8. Como adaptar o sentido antropológico de cultura ao meio midiático?
9. A ação do SESC é híbrida e abrangente – conseguindo atingir diversos públicos.
De que forma esse hibridismo é transposto para a TV?
10. Sendo a cultura brasileira pautada pela lógica empresarial, qual o papel do SESC
TV como agente valorizador das expressões culturais brasileiras? Ele transgride
esta lógica?
11. O SESC/SESC TV é um catalisador do capital privado em benefício de uma
transformação sócio-cultural em larga escala?
12. A falta de políticas públicas sistematizadas e formas de comunicação que as
refletem enaltecem ainda mais o papel do SESC TV? É nesta lacuna que ele age?
13. De que forma o hibridismo político (recursos financeiros privados e função
pública) interfere no SESC TV? Como se dá esta coexistência?
14. De que forma as campanhas funcionam como agente legitimador da função do
SESC TV?
149
15. O que o SESC TV propõe em termos de transformações da/na mídia?
16. A televisão funciona, a partir do propósito do SESC TV, como um veículo de
troca ou somente voltado à disseminação de informações?
Danilo: Do ponto de vista da origem do canal não é bem um canal de concessão aberta, ou de
emissão ou ainda de radiodifusão. Não é uma geradora, uma cabeça de rede que tem como
função a ação que procura mobilizar outras, embora ela tenha esse papel também, mas não
tem a pretensão de ser uma cabeça de rede. É uma emissão dentro das concessões da TV a
cabo.
O SENAC começou esse esforço com a TV SENAC na tentativa de levar uma
informão voltada para o mundo do trabalho. O mundo do trabalho onde a formação
profissional está presente, não apenas do próprio SENAC, mas também aquela que é
decorrente, digamos assim, desse interesse por parte de outras pessoas. O SENAC, portanto,
tem essa missão. Então, começou a discutir aspectos importantes da modernização no
trabalho, da necessidade de preparação de pessoas, sem ser muito tributário de uma idéia de
dar formação profissional via TV. Não é essa a iia. Essa idéia o SENAC nunca teve
propriamente, de dar cursos profissionalizantes via TV. Podia ter feito isso, mas não foi essa a
intenção do SENAC. O SENAC queria divulgar seu trabalho, divulgar suas ações de uma
maneira muito clara e, ao mesmo tempo, tornar as pessoas interessadas por esse mundo do
trabalho, da sua modernização, da necessidade do seu aprimoramento, da necessidade de as
pessoas se desenvolverem melhor. Tinha, portanto, um componente cultural por trás, mas era
fixado e orientado pelo mundo do trabalho.
Começou como missão talvez de debater os temas, era uma coisa que tinha uma idéia
de ter nas unidades do SENAC no interior a oportunidade de participar de debates que fossem
feitos no SENAC aqui [em São Paulo] ou em outras partes e fazer isso em rede. Essa era um
pouco a iia original quando o SENAC começou.
O SESC, da sua parte, que sempre teve uma presença muito grande nos meios de
comunicação, em geral, que comentam, que divulgam, que fazem uma série de ações que de
alguma forma nos consideram ou pauta, ou objeto de estudo, ou nos consideram interesse. Eu,
da minha parte, já estava aqui, nunca achei muito conveniente nós termos um compromisso
exclusivo com um canal, qualquer que fosse. Se eu tenho todas as emissoras que falam da
gente por que vou querer ter um canal próprio se vou, inclusive, correr o risco. Uma análise
precipitada minha, porque depois eu percebi que ela tem certo equívoco. Mas na época nós
[SESC] imaginávamos que poderíamos correr o risco de não ter a cobertura que tínhamos se
150
tissemos um canal próprio. E também porque nós podeamos concentrar nossos esforços
em outras coisas e os canais sempre falariam da gente e dariam cobertura absoluta. A TV
Cultura, em grande parte fazia e continuará fazendo muitos programas junto conosco.
que naquele tempo, há 10, 12 anos atrás, nós não tínhamos uma noção muito clara
do que era TV aberta, TV fechada, TV por cabo, TV por sinais. Tem várias tecnologias
aplicadas e elas necessariamente, hoje nós sabemos disso, tem uma concorrência entre si.
Podem ter para o espectador que está vendo o cabo e não que está vendo a TV aberta. Mas
elas em termos de mercado, de assunto, de conteúdo, de linguagem não lutam entre si
necessariamente. Foi, portanto, uma percepção que na época nós não tínhamos como tê-la
muito claramente.
Então, aos poucos nós começamos a participar da TV SENAC oferecendo alguns
conteúdos, como por exemplo, o SESC Instrumental. No final dos anos 90, nós entramos com
uma programação que nós bancávamos, nós produzíamos do SESC Instrumental. Aí
começamos a colaborar com o programa junto com a PUC deo Paulo, chamado Diálogos
Impertinentes. Começamos a participar não da operação, do financiamento, da manutenção e
da proposição da programação do SENAC que passou a sair um pouco exclusivamente do
mundo do trabalho, com um esforço na área cultural que já vinha sendo feito com o ‘Mundo
da Arte’, por exemplo. Nós fomos buscar financiamento do SESC Nacional e do SENAC
Nacional para ajudar na divulgação e na sustentação do canal.
Até que mais recentemente, o SENAC percebeu que tinha que investir de maneira
mais concentrada em alguns outros campos; ensino universitário, na Universidade SENAC
que está em fase de implantação, e resolveu terminar operação da TV. Esse ano, então, nós, o
SESC, que não tinha entrado, que entramos com poucas coisas, que passamos a ser os sócios
igualitários do SENAC nos últimos anos, assumimos a operação direta do canal e passamos a
chamá-lo de SESC TV, a partir deste ano de 2006. Estamos ainda nesta fase, não faz muito
tempo que a gente assumiu, de aprofundamento, de conhecimento dessa realidade, que é
absolutamente nova. Nesse período todo quem administrava era o SENAC, mesmo quando
nós éramos sócios do empreendimento, mas de alguma forma éramos sócios que forneamos
recurso para ajudar a manter e fazíamos alguns programas numa filosofia do SENAC,
passamos, agora a sermos os únicos responsáveis pela TV em nível local e nacional.
Enfrentamos alguns problemas: por exemplo, o fato de a Net ter nos tirado da grade,
‘line-up’, analógica, agora es só no digital. Nós temos um pleito junto a Net para voltarmos
à analógica, mas sabemos que a digital aos poucos será predominante,o é ainda, mas será.
151
Temos acordos com muitas emissoras independentes ou de pequenas redes do Brasil inteiro
para repetir ou levar parte de nossa programação.
A nossa programação, hoje, continua repetindo o conteúdo estabelecido pela
administração anterior do SENAC, que era em parte nossa também, mas que está sendo
utilizada com bastante dinamismo, mas que a gente sabe que não é suficiente. Já estamos
iniciando o processo de re-produção, ou seja, de começar a produzir novamente alguns
programas na área de música, como o Instrumental que está voltando. Sem falar do debate que
nós fazemos e mais a transmissão dos ‘Saberes’ que é um programa novo que nós
introduzimos mais recentemente. Estamos querendo fixar melhor as grades. Estamos
querendo, sobretudo, inovar algumas linguagens, mas é uma coisa que só vamos ter
musculatura para fazer quando a gente dominar um pouco melhor o veículo e a condições e
puder propor.
A gente tem idéias com relação a essa linguagem de TV, que nós achamos uma
linguagem já um pouco cansada, essa divisão, essa grade tãogida que estabelece programas
com certa cara nos horários definidos. Para TV aberta é uma coisa que, certamente, funciona
muito adequadamente. Mas esse tipo de TV que a gente pretende que é uma TV que procura
contar caminhos, provocar questões, debater assuntos e ter uma cara assim não
intelectualizada, refinada, não é isso. Alguma coisa que promova o pensamento e não
simplesmente a repetição e a vulgaridade. Então para isso você tem que criar uma linguagem
adequada.
Para quem que nós queremos falar? Queremos falar para o mesmo tipo de público que
o SESC normalmente atua: os trabalhadores de comércio e serviços, da população em geral,
mas numa perspectiva sempre educativa. Ou seja, não interessa para a gente ter uma televisão
como as outras.o é pretensão. Mesmo que ela seja pior, mesmo que ela seja mais fraca ela
não será como as outras. Por quê? Porque para fazer como as outras não precisa de uma
instituição como a nossa que recebe de recursos das empresas, da comunidade para manter.
Então, os que fazem televisão e recebem para isso, tem recurso para isso que façam. Nós não
pretendemos uma televisão do agrado. Televisão não é para ter uma audiência fantástica, ter
um Ibope altíssimo. É claro que nós queremos ser ouvidos por todos que se interessam. É uma
televisão que vai sempre optar pela inteligência, pela educação, pela informação, pela
instigação, pela provocação, muitas vezes, de uma maneira adequada, justa com linguagem
que seja acessível que não agredir os lares brasileiros, não pretendemos isso. Mas uma
coisa que tenha esse caráter e que seja universal, quando digo universal tem que agradar
criança, adulto, idoso. Ela sempre vai procurar isso.
152
Educação é o nosso problema. Então qualquer coisa que nós fizermos se não tiver a
educação como base nós estamos cometendo algum equívoco, seja uma TV pública, uma TV
com essa finalidade, com essa perspectiva, seja uma escola, seja uma entidade pública
qualquer. Não precisa ser necessariamente ligada a cultura e educação. (...) Educar quer dizer
o quê? Informar adequadamente, transparência absoluta, aplicação exata dos recursos, uma
relação direta e respeitosa com a cidadania.
(em relação à televisão) A quantidade imensa de elementos possíveis para o exercício
da cidadania desde a orientação sobre trânsito, sobre saúde, sobre cuidados com o corpo.
Você pode fazer uma vinhetazinhas muito simpáticas, que, aliás, nós temos. São as
vinhetas que estão ali introduzindo, trazendo uma contribuição para as pessoas. Se vonão
faz pensar não funciona. A televisão comercial pretende que você compre não que você
pense.
Quero dizer o que a gente pretende. Não quer dizer que vai ser um exemplo
maravilhoso, a melhor televio do mundo. Não seremos a melhor televisão do mundo.
Temos problemascnicos, poucos recursos, pois somos caros. Precisamos de pessoas, de
equipamentos, de infra-estrutura e tecnologia. O SENAC sempre teve a preocupação com as
vinhetas. Estamos com a campanha do “Dia do Saci”. Claro que é uma brincadeira, mas tem o
objetivo de tornar o imagirio, a mitologia brasileira mais presente no cotidiano das pessoas.
s inventamos mais recentemente o Halloween, que não tem nada a ver conosco. Em vez de
ficar esbravejando, resolvemos fazer isso. É uma festa norte-americana, que entra como um
fragmento mitológico que faz com que as pessoas reflitam naquele momento sobre uma
passagem da fartura. No entanto, para o brasileiro isso não significa nada. Já o Saci foi
inventado aqui, tem ate associações para preservá-lo. É a mitologia brasileira que está por trás
disso. Tem o Monteiro Lobato, que, inclusive, aparece nas vinhetas. Procuramos preservar o
meio ambiente, incentivar as questões do respeito, saúde, alimentação, escovação de dente,
coisas que você precisa dizer para as pessoas como funciona. É uma proposta nacional,
educativa, renovando linguagem.
Sobre o Futura, encaro com naturalidade, embora não tenha elementos profundos
sobre isso. Acho que incomodamos o Futura. E, ao incomodarmos, provocamos neles não a
questão de prejudicar, mas de não nos dar muita força. Com a TV Cultura, temos muita
afinidade. O Futura é concessão, é canal UHF, não concorremos com eles, mas nosso
conteúdo concorre. Quem é que mantém o Futura? O mesmo grupo da Net. O que chama
atenção é o fato do Futura chamar-se Futura. É muito semelhante à palavra Cultura.
153
A razão que nos foi dada para nos tirar foi de que havia problemas na utilização
daquele espaço e dariam a ele outra finalidade, só que nunca mais colocaram nada no lugar
dele. Era um canal péssimo. Era ideal ficar entre o 18 e 30, ou 38 e quarenta e poucos. Mas
era lá embaixo, ninguém ia lá. Quando liga, está no 37. Para chegar ao 3, não dá. No digital,
estamos no 92. É outra viagem. Para nós, é ruim, é melhor do que estar em lugar algum. O
Futura está no 32, muito bem localizado. Esse nome foi escolhido de propósito. Futura e
Cultura é muito perto. A Cultura, sempre foi sob o ponto de vista de negócio, o grande
problema para o conglomerado Globo. Não pode haver uma TV inteligente, bem-feita, fora da
Globo e que seja feita com recursos públicos, porque ela não terá a vinculação com o mercado
que a Globo tem. A TV mais inteligente do mundo é pública, é o caso da BBC de Londres e
algumas TVs francesas, européias. E a Globo quer o modelo norte-americano. Não é o SBT
que concorre com a Globo. É a Cultura. É uma concorrência de modelos. A Cultura,
sobretudo na fase de Roberto Muylaert, é perigosa para eles. O melhor programa infantil da
televisão brasileira, Vilasamo, foi a Cultura que fez. No começo, a Globo ajudou, mas
depois não quis saber mais. Era um programa feito pelas duas emissoras.
O nome Futura lembra Cultura. E mais grave: o último grande programa infantil desse
País chamava-se Rá-Tim-Bum. Era inteligente, provocativo, informativo, muito legal. Quem
patrocinava? Fundação Bradesco, Votorantim, FIESP, CIESP, SESI e mais uma outra que não
lembrava. Eram quatro. Eles foram tirados pela Rede Globo para patrocinar o Futura. Os
profissionais (Cao Hamburger, Ana Muylaert...) a Globo pegou ele para fazer nada. Eles
foram contratados para desmontar o sistema. Foi uma estratégia perversa. Tudo em um clima
muito agradável. Isso revela uma ação de guerrilha. Eu rapto o profissional mais importante a
peso de ouro. O Futura tem uma Fundação por trás, tem o apoio de uma estrutura fantástica da
Rede Globo, que nunca teve problemas, sempre foi superavitária dentro do conglomerado. O
Futura não precisa de dinheiro. É Davi contra Golias. Eu pretendia ter uma geradora, uma
concessão, dentro das faixas UHF ou cabo, satélite. Mas é para o futuro.
O SESC nasceu em 1946. Ao nascer, o SESC tinha um propósito, o SESC, SESI,
SENAI e SENAC. Quatro instituições nascidas no período do pós-guerra, num momento de
urbanização, redemocratização e modernização do País. Até os anos 40, mais de 80% da
população brasileira vivia no campo. Este panorama passou a se inverter. O Brasil era
atrasado industrialmente. Importava quase tudo. Tinha uma indústria alimentícia e coisas
muito rudimentares, sempre ligadas ao universo agrícola. Depois da Segunda Guerra, os
industriais brasileiros passam a produzir de forma mais consistente. Há um investimento
pesado na siderurgia. Temos um investimento norte-americano como presente pela
154
participação na guerra por parte do Brasil como nação aliada. A CSN foi implantada no Brasil
pelos norte-americanos. E passamos a ter uma estrutura mais decente. A partir desse
momento, as cidades crescem, os meios de comunicação se desenvolvem - o rádio era o
grande meio de comunicação nos anos 40 e 50. A televisão vem em meados dos anos 50. Um
fato novo, mas elitista, ao contrário do rádio, que era muito popular. Os grandes astros
nacionais eram os astros da época. Carnaval era de música romântica. O Brasil todo ouvia a
Rádio Nacional. O espaço radiofônico era mais livre. Isso mudou a realidade brasileira e
houve a necessidade de formar mão-de-obra e dar condição para que as pessoas crescessem e
mudassem suas vidas. Os empresários do comércio criaram o SESC sob esta perspectiva. Ao
ser criado, o programa era de bem-estar social, que se dava em centros para o
desenvolvimento de atividades e tem perspectivas de ampliação desse atendimento. E, como
qualquer programa educativo e de bem-estar social, não pode estar dissociado da televisão, da
tecnologia e da informática. Tanto que o SESC criou seu sítio eletrônico desde o começo, com
grande material disponível. O SESC não tinha muita simpatia pela idéia de ter uma televisão,
mas essa posição mudou em função dessa nova realidade e da fragmentação disso. Na medida
em que temos um conteúdo importante do ponto de vista educativo, de valorização de
aspectos importantes de relação humana, do desenvolvimento das pessoas, independente da
questão do trabalho e da formação profissional, mas para a vida e a felicidade das pessoas.
Temos uma contribuição importante nas nossas unidades e queremos passar isso também para
um veiculo como esse, um veiculo poderoso que gostaríamos de ver aberto. É um exercício
para o futuro, eu não quero ficar no cabo a vida inteira. É um meio muito elitista, restringe
muito a linguagem. Quero produzir, me exercitar produzindo e ter conexões com todos os
canais possíveis. Por isso temos programa na TV Cultura, na TVE, canais pelo Brasil todo,
produzindo aqui e exigindo apenas o cumprimento de algumas regras, como por exemplo não
utilizar os nossos programas para fazer propaganda. Na TV aberta, você tem mais abrangência
e isso se torna mais coerente com o perfil de pessoas atendidas nas unidades do SESC.
Uma coisa é produzir conteúdo. Outra é divulgá-lo, o que demanda etapas: operação,
produções e nisso há questões que deverão ser discutidas no futuro. Quem produz e distribui
conteúdo deveria ter obrigações para evitar a questão das operadoras. O caso da Globo é
complicado. Em alguns países, quem produz conteúdo, não distribui e quem distribui não tem
operadora. A cadeia produtiva tem outra lógica. Aqui, se você distribui conteúdo e tem
operadora, você não permite que entre nela alguém que não seja do seu interesse. A lógica de
mercado é muito clara.
155
Quero produzir, me exercitar produzindo e ter conexões com todos os canais possíveis.
Por isso temos programa na TV Cultura, na TVE, canais pelo Brasil todo, produzindo aqui e
exigindo apenas o cumprimento de algumas regras, como por exemplo não utilizar os nossos
programas para fazer propaganda. Na TV aberta, você tem mais abrangência e isso se torna
mais coerente com o perfil de pessoas atendidas nas unidades do SESC.
Juntando essas linguagens todas de maneira inteligente, adequada e procurando usar o
veículo bem - acho que não o usamos bem em nenhum lugar para essa finalidade. Quando
tivermos mais musculatura, esperamos que consigamos inovar em linguagem, fazendo, por
exemplo, uma nova dramaturgia, juntando novela e teatro de maneira mais adequada, mais
inteligente.
Acho que a questão central diz respeito a uma nova lógica que deve dominar o mundo
das comunicações e não deve partir da concessão rentável, mas da lógica do caráter educativo.
É uma visão utópica minha, mas falta muito para chegar lá.
A comunicação que se faz em torno da potica é uma das coisas mais lamentáveis
desse País. Tudo o que procurar enganar as pessoas é atroz. Enquanto tiver gente que se
interessa por isso, vai ser difícil acabar. Não temos nenhuma intenção de pregar nenhum tipo
de prinpio a não ser os que fundamentam uma boa convivência do ser-humano. A cidadania,
o respeito, a valorização do humano como portador, detentor, criador e objeto de direitos.
Para mim, essa é a questão central. Para isso, fazemos muita coisa e pretendemos fazer mais.
A televisão acaba sendo especial para isso. Espero que sempre possamos levar essa
mensagem, que tem a ver com qualidade, estética, esmero, beleza, entretenimento, mas
também com educação. Se fizermos apenas educação ou apenas entretenimento não interessa.
Tudo isso faz parte do mesmo “bolo”. Juntando essas linguagens todas de maneira inteligente,
adequada e procurando usar o veículo bem - acho que não o usamos bem em nenhum lugar
para essa finalidade. Quando tivermos mais musculatura, esperamos que consigamos inovar
em linguagem, fazendo, por exemplo, uma nova dramaturgia, juntando novela e teatro de
maneira mais adequada, mais inteligente. Hoje, com uma pequena câmera, você produz uma
novela. Mas, para mexer na dramaturgia, é caro. Mexer com noticiário é ainda mais caro,
talvez mais adiante possamos fazer, mas não é nossa vocação ter esse perfil da notícia rápida e
sempre presente. Quem sabe na frente isso seja introduzido de forma menos manipulativa.
À medida que a sociedade brasileira se educa, torna-se mais exigente com quem se debruça
sobre ela, seja por meio da notícia, da pesquisa ou por outros meios.
Nossa televisão tem uma técnica bem desenvolvida em alguns aspectos, mas com
conteúdos primitivos. Isso deve ser trabalhado nas escolas de comunicação. Como você lida
156
com o avanço tecnológico e nesse mesmo aparato você emite mensagens tão primitivas? É um
paradoxo. É um atraso do ponto de vista da relão entre as pessoas, do preconceito, eu fico
vendo esses pastores que ficam até altas horas usando uma tecnologia avançada. Há um
primitivismo de negar avanços, menos esse, que atende aos interesses deles. Há uma
incongruência entre forma e conteúdo. Filosoficamente, isso é uma contradição que, em
algum momento, criará um antagonismo. Ou a tecnologia afronta o conteúdo ou o conteúdo
afronta a tecnologia.
s fomos criados nos anos 40 com uma perspectiva vanguardista. De lá para cá,
quem diga que isso é um atraso. Mas do ponto de vista de conteúdo, repare que SESC e
SENAC, a seu modo, renovam linguagem e modernizam-se permanentemente. O SESC
realiza há 60 anos o que se chama hoje de responsabilidade social. Lidamos com educação,
cultura, desenvolvimento social, culturas mais avançadas em toda a parte do mundo.
O SESC é resultado da contribuição de todos que constitui um fundo aplicado em
nome de todos e não em nome de uma organização específica. Hoje, o que se acha moderno é
que uma série de empresas criam mecanismos para realizar os próprios trabalhos sociais em
nome deles. Isso é marketing puro. Afinal, o que é mais moderno: isso ou um fundo em nome
de todos aplicado junto a todos? É taxativo, a responsabilidade social não foi inventada agora.
Ela existia com outros nomes. De outro lado, temos a questão do fundo para criar entidades a
partir da contribuição de todos, como é o nosso caso. Então eu faço a aplicação desse recurso
de maneira aberta, correta, honesta, verificável e publicável, de maneira que a sociedade possa
fiscalizar. O Tribunal de Contas está aí para isso, em nome de todos, embora eu tenha
empresas que contribuem mais do que outras, pois o nível de contribuição é determinado pelo
número de funcionários. Uma empresa que tem mais gente, paga mais, porque é sobre o
salário. Se você tem uma empresa (que tem 50 mil pessoas) que contribui mais do que a que
tem apenas duas, eu trabalho em nome das duas, sem privilégios. O SESC fala com o
beneficiário e não com a empresa que está por trás dele. Isso é muito mais moderno, sem falar
de conteúdo. O SESC TV tem um papel central para nós, mas que foi sendo descoberto por
nós. Pretendemos manter e ampliar sob uma perspectiva cada vez maisblica e abrangente.
Estar na TV a cabo é apenas o princípio. Queremos atingir um maiormero de pessoas. Se
for para ficar sempre fazendo televisão para este tipo de público, seria contradirio, assim
como seria privilegiar as pessoas de acordo com a contribuição das empresas. Pretendo a
exibição pública. O SESC todo tem, o SENAC todo tem, queremos espalhar pelas unidades
brasileiras. Há televisões de plasma com a programação sendo repetida a todo tempo.
157
A televisão é regulada pelas normas que estão aí à disposição de qualquer emissão.
Portanto, ela respeita essas questões.
O SESC, SENAC, essas entidades todas foram criadas de forma clara e com o DNA
bem definido. O SESC precisa conferir o bem-social para os trabalhadores da área de
comércio e serviços e para a população em geral, financiado pelas empresas de comércio e
serviços. Sua administração é privada, com autonomia regional - cada Estado faz a sua
programação. É importante ressaltar que o controle público é parte desse DNA. Ela tem
contribuição compulsória. Quem paga é obrigado a pagar. Se a contribuição fosse livre, não
precisaria de Tribunal de Contas para fiscalizar. Nossas contas são aprovadas pelo TC todo
ano. Mesmo assim, o controle público não faz de nós uma empresa de administração pública.
Esse hibridismo impressiona as pessoas, pois é um modelo brasileiríssimo. Somos um pouco
públicos e um pouco privados, mas, para efeito jurídico, legal, somos privados. O SESC
aplica os recursos provenientes das empresas aplicam-se a essa nova modalidade de atuação.
Para fazermos um trabalho competente, precisamos de todos os recursos possíveis e a
televisão é um dos recursos que fazem parte desse cabedal. Nós temos uma potica de
comunicação aplicada em que o acesso e a democratização estão na base. Na prática, isso se
reflete em uma comunicação em todos os meios, em que se insere, também, a televisão.
Portanto, a televisão tem a mesma cara dessa organização, desse SESC.
O SESC pretende disseminar e trocar. Pretendemos estabelecer vários tipos de trocas.
A troca por meio da interação ocorrerá, mas aos poucos isso irá se aprofundar. Uma segunda
troca fundamental diz respeito à produção. Eu acho fundamental que as televisões que têm
compromisso devem ter a capacidade de serem permeáveis, ou seja, de contribuir com outras
emissoras e receberem contribuições de outras emissoras. Isso existe no intercambio que
temos com a TV Cultura, com a TVE, com a Arté (franco-germânica), temos outros
intermbios com outras emissoras, como em Minas. Não faremos, não temos condições de
fazer trocas que envolvam grandes montantes financeiros ou que tenham objetivos
financeiros. Grande parte da programação comercial visa vender alguma coisa. Mais
importante do que a programação ou o conteúdo é o intervalo comercial. Certamente, nosso
intervalo sempre terá a característica educativa. Essas vinhetas têm aparecido cada vez mais.
Até na TV aberta, mesmo que quase clandestinamente. A interação por meio do diálogo (o
que ocorre por e-mail, telefonemas ou outras comunicações dessa ordem) nos dá iia do
nosso alcance, pois não temos audiência mensurada. Isso, inclusive, não afeta nossos
programas, até porque não são pautados pelo imediatismo do volume de audiência. Programas
assim geralmente são pautados pela vulgaridade. Isso é uma interatividade perversa. Uma TV
158
como a nossa tem que ser pautada por outras medidas e não somente pela audiência. De certa
forma, temos um alcance nacional.
159
ANEXO 3
160
Transcrição da entrevista com Robson Fagundes Moreira em 25 out.2006
Contexto: Robson Fagundes Moreira foi diretor de programação da TV SENAC e da STV,
responsável pelo formato da grade de programão e pelas vinhetas e campanhas.
1. SENAC surgiu com que propósitos?
2. Com quem a TV SENAC e, posteriormente, a STV queriam falar?
3. A junção com o SESC, formando a Rede SESCSENAC, influiu na programação
em que medida? Como isso afetou a construção de identidade do canal?
4. Que conceitos a emissora desejava transmitir e como isso era feito através de sua
linguagem e estética?
5. Como e por que foi criada a grade de programação horizontal?
6. Qual o sentido das campanhas na programação da STV? De que forma elas
compunham a linguagem do canal?
7. Qual a metodologia de definição das pautas? Quem influenciava?
8. Havia mecanismos de trocas com o telespectador? Quais?
9. Quais foram as transformações do canal desde o projeto original?
10. Antes do fim da STV, quais eram as inovações de linguagem projetadas?
11. Em sua opinião, quais fatores fundamentais para a construção de uma nova
linguagem em televisão. Quais a STV tinha?
12. É possível construir uma linguagem desvinculada da TV aberta? Que padrões
estéticos teriam que ser quebrados?
13. Que planos rram com a STV?
Robson: A TV começou a ser discutida em 1995 em torno de um projeto que o SENAC tinha
para criar um circuito interno de televisão na rede do SENAC de forma a levar para as
unidades do SENAC no interior a tecnologia que existia em São Paulo, na capital. Porque
havia um deslocamento muito grande de gente vindo para São Paulo para conhecer essa
tecnologia. Então, o SENAC imaginou que pudesse modernizar isso. Então, através de um
circuito interno de televio as pessoas não precisariam se deslocar. Teria uma amostra do que
acontece na capital e as pessoas assistiriam isso através de um circuito. E eu fui convidado, na
época para participar dessa discussão. E aí a gente começou a desenvolver a idéia, e quando a
gente chegou a uma conclusão de quer era possível fazer, a gente resolveu propor para o
SENAC, já que o investimento seria alto porque teria que ter um sinal no satélite de qualquer
161
maneira para fazer a transmissão, então a gente avançou um pouco o sinal e, pros para o
SENAC transformar isso em um projeto em uma televio que não se limitasse às unidades
mas que chegasse às casas das pessoas. E o SENAC se engraçou com a iia e nós
comamos a desenvolver.
s fizermos uma pesquisa, contratamos o Datafolha e fazer uma pesquisa e saber das
pessoas o seguinte: no caso de uma televisão que surgisse, de um canal, o que as pessoas
gostariam de ver nesse canal? Essa pesquisa, 2400 pessoas aproximadamente indicaram o que
gostariam de ver em um canal novo de televisão. O vencedor foi documentários, informação
de boa qualidade, informação sobre cultura. Com base nessa pesquisa nós montamos um
projeto e apresentamos para o SENAC. O SENAC, na ocasião ficou ‘meio assim porque não
é o negócio dele, quer dizer ele é uma instituição de ensino profissionalizante, não imaginava
fazer televisão. Mas nós conseguimos montar um projeto bem interessante e o SENAC
aprovou.
Então montamos um canal de televisão com um sinal alugado no satélite. Com a
programação de cunho educativo-cultural, não o educativo formal, mas o educativo do
cidadão voltado para o mercado do trabalho. Tanto é que a TV SENAC quando começou ela
tinha um slogan muito forte que era “O mundo do trabalho mais perto de você”.
E nós descobrimos, na época, que o mundo do trabalho era riquíssimo, você podia
fazer mil coisas interessantes. Tanto é que logo de cara nós criamos programas como ‘O
Mundo da Literatura’, porque é fundamental para quem trabalha ler. Então, o programa
levava o livro, estimulava a leitura, para as pessoas que trabalhavam se atualizarem.
Criamos o programa de literatura, de cultura, de culinária, não aquele programa
tradicional de receitas. Nós criamos ‘O Mundo da Alimentação’ para contar a história,
mostrar a relação da comida com a comunidade, de onde vem, quando chegou, e no meio
tinha como fazer o prato, mas não era o principal era a informão, a história.
E aí começamos com formatos de programas limitados dentro das áreas de atuação do
SENAC: turismo, moda, informática. Então começamos a produzir programas dentro dessas
áreas, mas descobrimos que era possível fazer uma televisão interessante dentro dessas áreas.
E a televisão começou a chegar à casa das pessoas e elas começaram a comentar. Deu certo.
Deu certo porque era diferente. As pessoas comentavam sobre a TV SENAC e imaginavam
que deveria ser algo muito chato, mas daí assistiam descobriam que era diferente, uma
linguagem diferente.
162
O projeto, então começou a andar. Entramos no ar no início de 1997, aqui em São
Paulo, na Net, e aí o projeto evoluiu e começamos a ser distribdos e transmitidos no Brasil
inteiro.
A TV pegou por si, nunca teve propaganda, nunca se fez propaganda da TV em
jornal, em revista, nada. Ela aconteceu em fuão das pessoas que descobriam, assistiam e
contavam para outras e outras até chegar ao que chegou em abril de 2006 com um volume
muito grande de pessoas que foi um projeto vitorioso que durou 10 anos. Deu uma boa
contribuição no sentido de mostrar que é possível fazer uma televisão diferente.
Na verdade, o SESC entrou na parceria em 2000, a televisão já existia desde 1995, o
que era uma coisa extremamente natural porque o SESC e o SENAC são duas instituições da
Federação do Comércio de São Paulo. Então quem banca a televisão era a Federação do
Comércio através do SENAC e depois atreves do SESC. Quando o SESC entrou, ele não
trazia programação. Ele deu uma oportunidade para que nós que fazíamos a programação da
televisão arejássemos ainda mais essa programação. Já tínhamos saído das áreas do SENAC.
Com a entrada do SESC, a programação foi expandida para área da cultura de uma
maneira bastante liberada, aprofundada, principalmente porque o SESC é uma instituição que
produz cultura. Assim a televisão ganhou um caráter ainda mais cultural. Já estávamos
trabalhando além das áreas do SENAC. Com a entrada do SESC foi possível criar programas
de música: Instrumental SESC. Começamos a captar atividades que aconteciam no SESC e a
transformá-las em programas de televisão. Não era um show na televisão. Era a captação de
um show editado em forma de programa de televisão, então acrescentava informação, para
que quem tivesse assistindo não tivesse a impressão de que estava só um show gravado. Esses
são os exemplos do STV na Dança Instrumental.
A partir de 2000 ela mudou de nome, passou a se chamar Rede SESC SENAC de
televisão. STV é um nome fantasia que foi criado por causa da logomarca da TV SENAC que
era em forma de ‘S’ e já era conhecido do telespectador.
A TV já tinha uma identidade própria mesmo antes da entrada do SESC. Inclusive foi
argumentado para que com a entrada do SESC não se mudasse o nome da TV, pois ela já era
conhecida. O SESC contribuiu para uma diversificação, porque atrelados só ao SENAC
tinham limitações em relação às áreas de atuação.
No início o SENAC dizia que a programação devia ser atrelada a assuntos
relacionados ao comércio, pois havia o Senai que abordaria as questões da indústria. Nos
primeiros dois meses de programação isso foi cumprido, logo em seguida percebe-se que
163
deveriam abordar todos os temas que envolviam a vida do cidadão: indústria, meio ambiente,
agropecuária...
Em 2000 já tinham cerca de 25 formatos de programas envolvendo arte, por exemplo
O Mundo da Arte” começou com o início do projeto. A arte é fundamental para quem
trabalha. Ele é anterior a entrada do SESC no projeto.
Documentário, Literatura, Mundo da Arte e Perspectiva – que tinha informações sobre
empreendedorismo, panorama de novos negócios. Primeiros programas. Essa TV surge em
contraposição ao que é mostrado pela televisão aberta. Mostrar outras visões para que elas
sirvam de exemplo e posteriormente possam ser empregadas (ciclo virtuoso – formação de
público)
A TV era tida como um bem público. Informação como um bem público. Por isso um
cuidado muito grande com a pesquisa, com a apuração dos fatos. O perfil de programação foi
desenvolvido dentro desses conceitos. Na STV, diferentemente das outras emissoras, tudo tem
nome, pessoas, empresas... Se estão fazendo eles têm nome. Se servem de exemplo para a
gente eles precisam ser identificados. É uma outra visão de jornalismo. Dar a informação mais
completa para que as pessoas não dependam de telefonemas para a emissora para saber mais
sobre o assunto.
A formatação de programas era feita pensando nesse conjunto de coisas. Como o
programa “Trampolim” que abordava profises, mercado de trabalho, carreira.
Curiosamente, a audiência era dos pais que posteriormente comentavam sobre seu conteúdo.
A grade de programação era formulada a fim de abarcar esses princípios e cumprir
esse conjunto de coisas necessárias para fazer uma televisão diferenciada
A escolha da grade de programação está diretamente ligada ao perfil do canal. Trata-
se, portanto de um canal por assinatura, por isso escolhemos a grade vertical inclusive de
acordo com o investimento que tinham. A grade horizontal ela depende muito. Se você tem
muito dinheiro você pode fazer uma grade horizontal, como as TVs abertas. Mas se você tem
outro tipo de orçamento a grade horizontal é impeditiva e burra. Porque você não pode partir,
principalmente do surgimento de um canal por assinatura, com a pretensão de competir por
audiência não é essa a proposta. A proposta é cultural e educacional. Então, a gente optou pela
grade vertical, mantivemos essa grade até onde foi possível. O SESC desde que entrou na
parceria, em 2000, queria fazer grade horizontal e tivemos um enfrentamento interno por
conta disso. Mas a grade horizontal na STV era inviável. A grade horizontal tem um defeito
de origem que ela escraviza o telespectador. Eu acho que ninguém, pode ser escravo de
televisão. A televisão pode ser escrava das pessoas, mas as pessoas serem escravas da
164
televisão é abominável. Ela condiciona hábitos. A STV tinha uma grade vertical com reprises,
de forma que a pessoa se programasse para ver o programa que ela quisesse. O programa
entrava uma vez na semana e ele reprisava seis vezes seqüencialmente durante uma semana
em horários diferentes. O Importante é que a pessoa visse o programa não importa o horário.
Então montamos uma grade para tirar esse clima de tensão que há entre as pessoas que
assistem à televio em relação aos horários. Então, por isso, também a gente acreditava que
estava inovando no fazer televisão. E a grade vertical é fundamental para isso, para criar
alguma coisa nova. Quando você coloca a grade horizontal você se iguala a todos.
Uma TV que parou a produção desde abril e coloca no ar tudo o que já estava
produzindo seguindo a grade horizontal. Uma série como a do programa “Filhos” que tem 38
edições de programas de meia hora. Em uma grade vertical o telespectador nem percebe,
agora em uma grade horizontal se você fixar um horário todo dia de semana uma edição
diferente você esgota essas edições em menos de dois meses. Aí você tem que começar tudo
de novo, afinal aquele horário está fixado para aquele programa. Depois de quatro meses o
espectador já percebe que está repetido. É preciso ser criativo para aproveitar o pouco que
você tem e parecer que é muito e a grade vertical dá essa sensação.
O legal é você não ter horário para assistir televisão. Isso que a gente fazia na STV.
Eu que criei essas faixas com dois objetivos: o primeiro, era fazer com que o
telespectador da STV tivesse a oportunidade de se fidelizar ao que ele assistia na STV, até
porque nunca se teve a pretensão de ter gente assistindo a TV 24 horas por dia e não tínhamos
a pretensão de ter pessoas vendo toda a programão toda a programação da STV. As pessoas
gostam de umas coisas de outras não. Então vamos facilitar: vamos agrupar os programas por
temas. As faixas eram reprisadas durante a semana em blocos, se você perdesse na segunda,
na tea tinha o mesmo bloco. Elas iam andando ao longo da grade, mas sem fragmentar.
Então, esse era um objetivo de trazer o espectador para aquilo que ele gostava. O outro
objetivo é que como a TV era subsidiada pelo SENAC e pelo SESC e tinha um orçamento
fechado e curto para fazer o que gostaríamos de fazer. A faixa foi criada para estimular
patrocinadores. Eno se você pega um patrocinador, por exemplo, Banco de Boston para
patrocinar a faixa de música ele patrocina três horas de programação e não só intervalos. Na
verdade ele estaria, diariamente, nas faixas e quando terminasse uma semana já começaria
outra. Mas o objetivo principal das faixas era em relação ao telespectador, para que ele
pudesse assistir melhor a TV que ele gostava.
Toda a programação do mês gera um roteiro com o que vai em cada intervalo de cada
programa. Eu editava cada intervalo de programão porque nós produzíamos peças,
165
campanhas sociais, de cultura. Além disso, pegávamos de outros Ministérios, Universidade da
Água, Greenpeace. Essas campanhas eram selecionadas comdigos de acordo com as faixas
de programação. Dentro da faixa de música, por exemplo, colocávamos campanhas que
remetiam àquilo que a música faz para sua tranqüilidade, chama-se Toques musicais. Leva a
pessoa a se relacionar com a música.
As campanhas existem desde o começo da TV SENAC. Quando a TV SENAC
comou, ele era uma proposta muito inovadora para o SENAC. Eno se propôs uma TV
totalmente terceirizada na produção, assim o SENAC não teria que investir com
equipamentos. O investimento seria só para a transmissão. A produção era totalmente
terceirizada, mas havia controle total do conteúdo. As pautas eram geradas dentro da TV, de
um núcleo de pauta que chegou a ter 25 jornalistas. As produtoras eram chamadas para
reuniões, o nosso pessoal fazia a pauta e o encaminhamento, encaminhava para as produtoras,
elas gravavam e tudo era assistido pela gente depois, off, matéria, entrevista Tínhamos
autonomia total em relação ao conteúdo, não precisávamos pedir autorização nem para o
SENAC, nem para o SESC.
Quando a TV SENAC começou, ele era uma proposta muito inovadora para o
SENAC. Então se propôs uma TV totalmente terceirizada na produção, assim o SENAC não
teria que investir com equipamentos. O investimento seria só para a transmissão. A produção
era totalmente terceirizada, mas havia controle total do conteúdo. As pautas eram geradas
dentro da TV, de um núcleo de pauta que chegou a ter 25 jornalistas. As produtoras eram
chamadas para reuniões, o nosso pessoal fazia a pauta e o encaminhamento, encaminhava
para as produtoras, elas gravavam e tudo era assistido pela gente depois, off, matéria,
entrevista.
Tínhamos autonomia total em relação ao conteúdo, não precisávamos pedir
autorização nem para o SENAC, nem para o SESC. A televisão tinha uma direção geral que
no começou foi a Ana Dip e, depois em 2000, com a Sandra Regina Cacetari. E eu sempre fui
o diretor de programação desde o começo. Há 10 anos.
Um outro diferencial da TV é que a gente não tinha uma resposta eletrônica de e-mail.
A gente tratava o telespectador como patrimônio da TV, aliás um dos principais patrimônios.
o importava quantas pessoas estavam nos assistindo, importava quem estava nos
assistindo. As mensagens eram respondidas pessoalmente. As pessoas mandavam e-mail com
sugestões e nós levávamos para uma reunião de pauta e se aprovávamos aquela idéia fazíamos
contato com a pessoa que sugeriu para participar do programa. Transformava o telespectador
em personagem da TV, o trazia para dentro da televisão. Para cópias de programas
166
fechávamos o mês com 400 pedidos de telespectador. Mensagens eletrônicas eram, no
mínimo, 50 por dia. As mensagens eram publicadas no site da TV.
O campeão de manifestação eram os documentários porque nós inauguramos, em São
Paulo, um sistema de produção de documentário de 50 minutos que eu nunca vi em outro
canal. Nós produzíamos, em parceria com as produtoras independentes, uma média de 40, 50
documentários por ano. Isso faz a diferença porque toda sexta feira nós colocávamos um
documentário inédito no ar. Outro programa que recebia muita manifestação era o “Programa
de Palavra” que falava sobre a ngua portuguesa. O “Mundo da Alimentação” também.
As produtoras parceiras eram várias: a Documenta, a Frame, a Vídeo Inn, A Pipoca
Cine e Vídeo, a Bambu Filmes. As campanhas foram feitas pela Frame, as vinhetas do canal
foram feitas pela AlfaVaca.
A STV inovou a linguagem da TV de forma muito modesta, mas minimamente ela
conseguiu mostrar que é possível fazer televisão de uma forma diferente. Ela conseguiu
provar que, ao contrário do que se fala, o gosto ele não é pela escolha, ele é pela oferta. Nós
oferecemos uma coisa de qualidade e a resposta foi esta: as pessoas gostam de coisa de
qualidade, então o que precisa é de oferta. A contribuição da STV foi comprovar essa
realidade; se você oferece coisa boa, elas gostam de coisa boa; se você oferece porcaria, e elas
não têm outra opção, elas vão gostar da porcaria, que é o drama que nós vivemos na TV
aberta hoje que é o lazer gratuito de 90% da população.
As coisas funcionam assim: elas são experimentos. Você não tem uma regra para isso.
A TV aberta é consolidada exatamente pelo caráter público. É uma concessão pública que é
explorada comercialmente por algumas pessoas sem que haja nenhum critério do Estado para
que essas pessoas explorem esses canais. A sociedade não participa disso, embora esse canal
seja bancado pela sociedade. A televisão aberta ela é privada, mas ela é gerada por uma
concessão pública. A TV por assinatura poderia ser uma opção, e ela não é uma opção. Ela
não consegue ser uma opção porque dentro da TV por assinatura você tem a TV aberta, que
detém 49% da audiência dentro da TV por assinatura. As pessoas compram TV por assinatura
para melhorar a imagem da Globo,o para assistir canais alternativos.
Você contratava uma produtora do Rio de Janeiro para fazer um programa, como por
exemplo, a Giros, que fazia o “Balaio Brasil” e “O Mundo da Fotografia”, foi a primeira
experiência com produtora fora de São Paulo para fazer programa em série. A Giros chegou,
ela prestava serviço para a GNT e Futura, e propôs padrões que já faziam nos outros canais.
Em 2006, a nossa grande preocupação era comemorar os 10 anos da TV que seriam
167
completados no dia 28 de novembro. Então, queríamos fazer uma programação especial para
esses 10 anos e estávamos planejando desde o começo do ano.
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