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sempre foi, é e será político, e eu sempre detestei, detesto e detestarei política; V. Exª
é homem do Direito, das leis, advogado incomparável, eu antijurista, sujeito para
quem a fonte das desgraças é o direito, e um dos malfeitores da sociedade o
advogado; V. Exª resumamos, é republicano ou monarquista (não sabemos bem, nem
eu nem V. Exª), em todo caso conservador, amigo do Estado, defensor da ordem legal,
anti-socialista; eu nem republicano, nem monarquista, nem democrata, vendo como
vejo na ordem legal a compreensão legal, na democracia a seleção das
incompetências. (OITICICA, Correio da Manhã, 26-02-1918, p. 1, apud NEVES,
1970, p.46).
Desse confronto emerge a representação da figura do anarquista para o jurista e os
seus “amigos”; em contraposição, outra representação, a do anarquista propagandista da
sociedade nova, para isso faz uma alusão indireta aos dez mandamentos bíblicos, uma ironia
desdobrada de sua participação nas correntes do anticlericalismo e do livre pensamento
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:
“Anarquista”! Gritará V. Exª e, em torno dos amigos de V. Exª, padres e juristas,
generais, condes, políticos e comerciantes, ouvirão trons de dinamites, sentirão o fedor
de pólvora, verão punhais erguidos. O Sr. Arcoverde benzerá V. Exª, o sr. Chefe de
polícia alarmará secretas, o Sr. Modesto Leal reforçará a burra ou as burras.
Peço a todos calma. Nunca surrei ninguém, nunca matei ninguém, honro pai e mãe,
não cobiço a mulher do próximo, dou pão a quem tem fome, visto os nus, não cobro a
ninguém, obedeço fielmente às leis do meu país, cumpro os meus deveres
meticulosamente, não faço operação por quatro contos, não exijo vinte por cento dos
inventários, não prorrogo sessões da Câmara remuneradas, não ganho mil réis de cada
firma reconhecida, não faço contrabandos, não especulo, não fumo, não bebo, não
conheci Bolo-Paxá. Creio-me modéstia à parte, um sujeito sofrível, nem ótimo para
santo (tenho bom gosto), nem ruim para o xadrez. [...] (OITICICA, Correio da
Manhã, 26-02-1918, p.1, apud NEVES, 1970, p.47)
Oiticica procura dissipar o estigma dos trons de dinamite
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que pairava sobre a sua
imagem como militante anarquista e, ao mesmo tempo, diminuir a imagem de confiabilidade
do jurista. Um de seus objetivos era mostrar que Rui Barbosa não estava, nunca esteve, em
nenhuma medida, a favor da questão social:
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As inserções de José Oiticica nas correntes do livre pensamento e do anticlericalismo serão abordadas no
próximo capítulo.
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A expressão trons de dinamite utilizada por Oiticica deve-se ao fato de a militância anarquista em geral ser
associada por alguns à corrente conhecida como anarcoterrorismo. Esta era a faceta reconhecidamente mais feroz
e brutal do anarquismo na Europa. Nesta corrente, cuja expressividade maior se deu no final do século XIX.
Pequenos grupos em situação de isolamento e ilegalidade faziam uso da radicalização da idéias de propaganda
pela ação. Para exemplificar as ações desses grupos, um artigo do jornal francês intitulado Produtos
antiburgueses divulgava a necessidade de todos conhecerem as ciências técnicas e químicas e ensinava aos
leitores como fabricar bombas: Nós colocamos sob os olhos dos nossos amigos os materiais inflamáveis e
explosivos mais conhecidos, os mais fáceis de manipular e de preparar, e, em uma palavra, os mais úteis. É
necessário que, para a luta que se aproxima, cada um seja, um pouco mais químico. As ações de matar membros
do governo, políticos burgueses, autoridades eclesiásticas eram vistas como atos ideológicos e havia chamados
de luta Viva a dinamite. Viva a Revolução Social. Viva a anarquia. Chegará, chegará. Cada burguês sua bomba
receberá. Em resposta a essas táticas, jornais libertários publicavam artigos censurando a dinamite, as ações
individuais e defendendo as ações coletivas dos trabalhadores como impulsionadoras da Revolução Social
(VALADARES, 2000, p.28-29).