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Entretanto, Januário devia prosseguir. Seu plano era avançar mais para o centro-
oeste, de onde vinham notícias de muito ouro. Pedro tinha informações mais precisas e
estava pronto para acompanhá-lo na direção das novas terras. Deixar Isolina e o filho
temporariamente para trás era o mais difícil. Com o coração estraçalhado, mas
esperançoso, Januário partiu.
- Isolina, você fica com o nosso filho, que eu vou em busca da sorte.
- Januário, que Deus e os orixás te protejam!
O caminho foi difícil. As trilhas estavam encobertas pelo mato e havia muito perigo.
Pedro e Januário se guiavam pelas estrelas, pelo sol, pela lua, pelos rios, pelas
montanhas. Sempre em direção ao poente. Januário tinha o corpo fortalecido pelo
sofrimento e pelo trabalho duro, assim enfrentava os maiores desafios com firmeza.
Sempre que precisavam, os dois amigos iam improvisando armas e instrumentos de
pescaria com bambus e cipós. Caminharam dias e dias, alimentando-se de frutas, raízes,
pequenos animais e peixes.
Enfim, depois de muitos dias, conseguiram chegar à vila dos negros fugidos, perto
do rio Paranã. Descansaram e se alimentaram para recompor as forças despendidas na
viagem. Mandioca, milho, carne... Era uma graça de Deus e dos orixás.
Em volta da fogueira, ouviram noite adentro as histórias dos garimpeiros que
estavam ali havia mais tempo. Venturas, aventuras e desventuras. Também eram negros
maltratados na escravidão. Procuravam a sorte no leito dos rios. Alguns já tinham
encontrado ouro e encorajavam os amigos. Uma parte do produto do garimpo de todo o
grupo era separada para ajudar na libertação dos amigos que ainda viviam no cativeiro.
Havia riqueza para todos, e muitos braços ajudariam a garimpar melhor.
Januário quis logo começar a trabalhar e escolheu seu ponto do rio.
- É aqui que vou trabalhar, nesta curva do rio. Parece que neste ponto tem ouro. Aqui
está a minha sorte!
Foi construindo aos poucos, com a ajuda dos companheiros, sua casinha de taipa.
Embora livre, estava escravo da saudade, e a família não saía do seu pensamento.
Alimentado pelo sonho de encontrar ouro e buscar a mulher e o filho, trabalhou
duramente. Dia após dia, encharcado no rio, sob o sol ou a chuva, com a bateia nas
mãos. Pequenos pedregulhos dourados enchiam seu coração de ânimo e esperança.
Seus amigos mudavam de ponto, desencorajados com os frutos tão pequenos de tanto
esforço. Januário, porém, permanecia no mesmo lugar. Insistente, pressentia sua boa
sorte. Ali as pedras e socavões do rio já eram conhecidos e tinham se tornado seus
amigos e cúmplices. A água morna e os lajedos eram aconchegantes para aquele negro
que até então só conhecera o tronco e as chicotadas do feitor.
Ao anoitecer, depois do serviço, os garimpeiros reuniam-se em volta da fogueira e
contavam histórias de assombração: falavam sobre o Saci, o Negro d’Água, o
Romãozinho, o Caipora, o Lobisomem... A noite era cercada de mistérios, mas o dia era
dedicado ao trabalho.
Numa manhã iluminada pelo sol do planalto central, a terra foi generosa. Januário
encontrou as maiores e mais belas pepitas de ouro. Depois de entregar todos os dias uma
parte para os companheiros, o felizardo passou a guardar, numa pequena caverna por
trás da cachoeira maior, o tesouro que libertaria seus amigos e salvaria sua família da
pobreza e do sofrimento. Ali, onde ninguém suspeitava que houvesse uma reentrância
na pedra, foi acumulando a liberdade, o futuro.
Mas o trabalho era duro, havia muitos insetos, a região era muito insalubre, e ficar o
tempo todo dentro da água prejudicava a saúde. Nem sempre a sorte é duradoura.
Januário encontrara o ouro, estava rico, mas seu corpo enfraquecido não lhe obedecia