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Ártemis, no momento da imolação, operou a substituição de Ifigênia, que ascendeu à morada dos
deuses, por uma corça. Em 1874, o colono Cristóvão Hagemann também é uma figura importante
entre os Mucker
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, o que o leva, no momento em que sua fé vacila, a ser responsabilizado pela
dispersão do movimento. Quando o oráculo divino determina a realização de um sacrifício,
Jacobina dirá ser o de Teodora, filha de Hagemann. Este hesita, mas, mesmo assim, acaba por
escrever uma carta à mulher, convocando a filha a casar-se com um dos rebeldes. Teodora e sua
mãe, Cordélia, chegam ao acampamento preparadas para as bodas, mas descobrem por
intermédio de Guilherme, colono amigo de Hagemann, que o suposto noivo já estava morto e que
o casamento não passava de um engodo para atrair a moça ao sacrifício. A vítima é, então,
implacavelmente imolada. Tempos depois, Cordélia recebe a visita de um mensageiro que lhe
refere a derrota dos Mucker: Jacobina, Jorge e muitos colonos foram mortos pelas tropas do
Império. Hagemann escapou ferido. Só resta à mãe enlutada aguardar o retorno do marido para
vingar a morte da filha.
É claro que 1874 poderia ser aproximada morfológica e semanticamente de outras
tragédias áticas, mas há que se levar em conta o fato de Ifigênia em Áulis constituir o único
antecedente grego conhecido a dramatizar, especificamente, as ações relativas ao sacrifício da
moça argiva
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. Ademais, parece que o ponto comum fornecido pelo motivo trágico do filicídio
elimina por si só uma maior arbitrariedade na tentativa de comparar as aludidas peças de Bender
e Eurípides. Não se busca aqui, no entanto, traçar somente as semelhanças, senão também as
diferenças de texto para texto, sempre através de uma bibliografia teórico-crítica sobre a tragédia
e o sentido do trágico. Assim, esta dissertação encontra-se dividida em dois capítulos, sendo que
o primeiro (“Mito e caracteres em Ifigênia em Áulis e 1874”) trata – sem limitar-se a tanto – da
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Conforme Janaína Amado: “A revolta ‘mucker’ ocorreu entre 1868 e 1874 em São Leopoldo, a primeira colônia
alemã fundada no Rio Grande do Sul, prolongando-se alguns incidentes até 1898. A palavra ‘mucker’ era usada
como sinônimo de ‘beato’, ‘fanático’, ‘santarrão’. Assim os adversários designavam, na época, pejorativamente, os
rebeldes. A revolta envolveu imigrantes alemães que se reuniram em torno do curandeiro João Jorge Maurer e de sua
mulher Jacobina, inicialmente para obter esclarecimentos e, mais tarde, com fins religiosos: acreditavam-se eleitos
por Deus para fundar na Terra uma nova era, e começaram a trabalhar concretamente neste sentido. Perseguidos
pelas autoridades locais, foram presos mas libertados por falta de provas condenatórias. Em 1873 registraram-se em
São Leopoldo numerosos incidentes, como assassinatos e atentados, sendo os ‘mucker’ considerados seus autores. O
clima tornou-se extremamente tenso, com acusações de parte a parte. Em junho de 1874, os adeptos de Jacobina
promoveram um ataque em massa contra os principais adversários. Foram deslocadas tropas do Exército e da Guarda
Nacional para a região. Os rebeldes resistiram a três ataques, matando o comandante das tropas legalistas. A 2 de
agosto de 1874 a maior parte dos ‘mucker’ foi morta; os restantes foram condenados a penas altas. Os
impronunciados mudaram-se para outras colônias onde, anos depois, foram trucidados pela população local.”
AMADO, Janaína. Conflito social no Brasil: a revolta dos “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978. p. 18-19.
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Racine também possui uma tragédia denominada Iphigénie en Aulide (1674), mas ela não será abordada neste
estudo.