A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito
privado
material e patrimonial de seus componentes.
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Encontramos nessa linha
jurisprudencial – que segue, ao nosso sentir, a tendência de
despatrimonialização do direito civil – uma tendência contemporânea
caracterizadora do direito de família pós-moderno, salientada por ERIK
JAYME: o regresso dos sentimentos, que se transformam em direito e, ao
fim e ao cabo, como bem conclui o autor, embora possam parecer caótico,
ameaçando a segurança jurídica, correspondem à complexidade da vida de
hoje, e reflecte mais precisamente os desejos da sociedade actual.
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Ao fim e ao cabo, retornando à questão do bem de família,
advogamos, portanto, que a proteção expressa pela Lei 8009/90 alcance a
todas as pessoas, independente de seu estado civil ou modo de vida.
72
Em
70
Tudo, decerto, em harmonia com relevantes princípios ético-jurídicos, conforme extraímos da compreensão do
próprio acórdão. Senão, vejamos: O princípio da afetividade especializa, no campo das relações familiares, o
macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as
relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. (...). No que respeita à dignidade da pessoa da
criança, o artigo 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-
lhe com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la à salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Não é um direito
oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família. Assim,
depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão-somente no dever alimentar, mas se insere no dever de
possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.
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op. cit., p. 220.
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Conforme manifestação do STJ: A Lei 8009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário – à pessoa.
Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto
para cada pessoa. (...). RE 262568, 19/08/99. 6
ª
Turma. Relator: Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. No mesmo
sentido, Impenhorabilidade de bem familiar solteiro. Devedor solteiro. Situação abarcada pela norma protetora.
Impossibilidade da penhora. A impenhorabilidade do bem familiar, resguardada pela legislação pátria, abrange
o imóvel de indivíduo solteiro. O que o ordenamento quis proteger foi a idéia de lar residencial, não havendo
razão para a interpretação restritiva.(...). Agravo de Instrumento nº 70001885466, Primeira Câmara Cível,
Tribunal de justiça do RS. Relator: Desembargador Henrique Osvaldo Poeta Roenick. Julgado em 20/12/2000. Na
mesma linha argumentativa, esta outra decisão: RESP 315979/RJ. Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA (1088). Data da Decisão 26/03/2003. Órgão Julgador: SEGUNDA SEÇÃO. Ementa: BEM DE
FAMÍLIA. IMÓVEL LOCADO. IRRELEVÂNCIA. ÚNICO BEM DOS DEVEDORES. RENDA UTILIZADA
PARA A SUBSISTÊNCIA DA FAMÍLIA.INCIDÊNCIA DA LEI 8.009/90. ART. 1º. TELEOLOGIA.
CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. I - Contendo a Lei n. 8.009/90 comando normativo que restringe princípio
geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde pelas suas dívidas, sua
interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em linha de consideração as
circunstâncias concretas de cada caso. II – Consoante anotado em precedente da Turma, e em interpretação
teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único
imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar,
considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS.
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