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3.3.
Duas vertentes do neoconstitucionalismo pós-positivista no Brasil:
Desde há muito se afirma o caráter híbrido do sistema de recepção de
direitos brasileiro. De um lado, o direito privado europeu continental, de outro, o
direito público norte-americano. Isto parece particularmente visível na recepção
do controle de constitucionalidade no Brasil (cf. TAVARES, 1986, p. 1136-38 e
passim). A primeira experiência desta recepção se deu, como reporta Tavares
(1986, p. 1153-54), segundo o modelo do judicial review norte-americano –
controle difuso
65
–, com a particularidade de ter sido pensado e inserido por via
legislativa, quando das discussões sobre o que acabaria sendo a Constituição
Federal de 1891, a primeira da República Brasileira. No anteprojeto de uma
comissão de juristas em 1890, não constava o controle de constitucionalidade, que
só seria acolhido quando o governo apresentou um substitutivo próprio, elaborado
por Rui Barbosa, ao anteprojeto mencionado. A primeira positivação do judicial
review no direito brasileiro, no entanto, apareceu ainda antes de promulgada a
Constituição Federal de 1891, pela via do Decreto 848 de 11.10.1890 (art. 3º e art.
9º, par. ún.
66
), inspirado, sempre segundo Tavares (1986, p. 1153) na Lei de
65
É um equívoco igualar controle de constitucionalidade pela via da exceção com controle
difuso com controle de constitucionalidade (em) “concreto” e o controle pela via da ação com
controle concentrado com controle abstrato, com fazem alguns autores (cf., por exemplo, J. A.
SILVA, 2001, p. 50; BONAVIDES, 1996, p. 272 et seq.; e, aparentemente, mesmo MENDES,
1999a, passim e IDEM, 1999b). Aliás, os próprios termos “por via de ação” e “por via de exceção”
são problemáticos, neste contexto. O que causa a confusão é que os termos sejam usados em bloco,
como sinônimos. A grande distinção que se quer fazer aí, entre o modelo norte-americano do
judicial review e o austríaco da Verfassungsgerichtsbarkeit, se estabelece mais verdadeiramente
entre o controle constitucional difuso, no primeiro caso e o controle constitucional concentrado, no
segundo (cf. FAVOREU, 1996, passim). No primeiro modelo, qualquer juiz, de qualquer ramo da
jurisdição ordinária ou especial, pode declarar uma norma (in)constitucional ou dar a qualquer
norma interpretação constitucional específica. No segundo, apenas uma Corte Constitucional
poderá fazê-lo. Quanto à via processual aberta para isso – uma ação ou um incidente processual –
ou a concretude do caso que servirá de base para o controle – norma em tese, norma aplicada no
caso concreto –, no primeiro como no segundo modelo, várias combinações são possíveis, algumas
existentes outras apenas potenciais (como o controle de norma em tese no modelo difuso,
inexistente de fato, mas possível em princípio). Notem-se, apenas a título de exemplo (i) o fato de
que o arquimodelo do controle de constitucionalidade concentrado, o Bundesverfassungsgericht
(“Tribunal Constitucional Federal”) alemão, tem jurisdição constitucional em concreto, através de
uma ação impugnativa autônoma (Rechtsbehelf) famosa chamada Verfassungsbeschwerde
(“reclamação constitucional”), individual ou coletiva, contra decisão do estado – em qualquer de
seus poderes – que contraria direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental de Bonn (cf.
FAVOREU, 1996, REF.); e (ii) o fato de que, nos EUA, muitas vezes o controle de
constitucionalidade se dá pela via da ação, através das injunctions ou dos declaratory judgements,
vedadas apenas as advisory opinions (“conselhos”) sobre constitucionalidade de normas pelos
tribunais (cf. TAVARES, 1986, p. 1145-48)
66
Eis os textos (com a grafia original):