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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
ARMINDO DOS SANTOS DE SOUSA TEODÓSIO
PARCERIAS TRI-SETORIAIS NA ESFERA PÚBLICA:
perspectivas, impasses e armadilhas para a modernização da gestão social no Brasil
SÃO PAULO
2008
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2
ARMINDO DOS SANTOS DE SOUSA TEODÓSIO
PARCERIAS TRI-SETORIAIS NA ESFERA PÚBLICA:
perspectivas, impasses e armadilhas para a modernização da gestão social no Brasil
Tese apresentada à Escola de Administração de
Empresas de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas, como requisito para obtenção do título de
Doutor em Administração de Empresas
Campo de Conhecimento:
Gestão Ética, Socioambiental e de Saúde
Orientadora:
Profa. Dra. Maria Cecilia Coutinho de Arruda
SÃO PAULO
2008
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3
Teodósio, Armindo dos Santos de Sousa.
Parcerias Tri-Setoriais na Esfera Pública: implicações, impasses e perspectivas acerca da
provisão de políticas sociais em três experiências. / Armindo dos Santos de Sousa Teodósio. –
2000.
266 f.
Orientadora: Maria Cecilia Coutinho de Arruda
Tese (doutorado) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Parcerias Tri-Setoriais; 2. Esfera Pública; 3. Gestão Social; 4. Organizações da Sociedade
Civil; 6. Responsabilidade Social Empresarial; 5. Políticas Públicas Sociais; 6. Projetos
Sociais. Arruda, Maria Cecilia Coutinho de Arruda. II. Tese (doutorado) Escola de
Administração de Empresas de São Paulo. III – Título.
CDU
4
ARMINDO DOS SANTOS DE SOUSA TEODÓSIO
PARCERIAS TRI-SETORIAIS NA ESFERA PÚBLICA:
perspectivas, impasses e armadilhas para a modernização da gestão social no Brasil
Tese apresentada à Escola de Administração de
Empresas de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas, como requisito para obtenção do título de
Doutor em Administração de Empresas
Campo de Conhecimento:
Gestão da Ética, Saúde e Meio Ambiente
Data de Aprovação:
___/ ___/ ____
Banca Examinadora:
________________________________________
Profa. Dra. Maria Cecília Coutinho de Arruda
(Orientadora)
FGV-EAESP
________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Lima Caldas
USP-ECA
________________________________________
Prof. Dr. João Luiz Passador
USP RP-FEA
________________________________________
Prof. Dr. Marco Antônio Carvalho Teixeira
FGV-EAESP
________________________________________
Prof. Dr. Mário Aquino Alves
FGV-EAESP
5
Dedicatória
Este trabalho é dedicado aos homens e mulheres que trabalham nos programas Um Milhão de
Cisternas e Além das Letras e no projeto Novas Alianças, sejam nos escritórios, desenhando
as intervenções sociais, sejam nas comunidades locais, enfrentando os dramas e tramas da
construção de sociedades mais democráticas e equitativas. Eles, com seus erros e acertos, é
que alimentam a minha inspiração pela gestão social, renovando a minha decisão de tentar dar
materilidade no meu mundo às sábias palavras de Hanna Arendt: “A educação é o ponto em
que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele.”
6
Agradecimentos
Agradeço a todos que fizeram e fazem da minha vida uma celebração do viver, mesmo
que eu não tivesse consciência disso. Todos eles, que estão em minha memória ou
desapareceram dela, que estão no meu convívio ou se foram, fazem parte daquilo que sou. Só
reconhecendo essa dívida com todos eles posso compreender melhor e com sincera humilde
aquilo que conquisto e deixo de conquistar. E nos agradecimentos que se seguem, nominando
as pessoas que estão comigo, mesmo estando distantes, é que agradeço pela graça de ser
humano.
Ao meu Pai, Armindo dos Santos Teodósio, agradeço pela inquietude e o gosto pelas
letras, que me acompanham muito antes de eu mesmo saber que queria trilhar os caminhos da
academia. Seu espírito me alimenta a alma com toda a sua luzitanidade, cheia do desejo de
viver.
À minha Mãe, Eunice Antunes de Sousa Teodósio, agradeço pela sabedoria da
ponderação, por cotidianamente reforçar em meu espírito a importância do zelo com toda e
qualquer pessoa e pela constante frente a todos os percalços da caminhada do viver. Dela
herdei, mesmo sem perceber, os dons que me fazem o “Professor Téo”.
À minha esposa, Cintya Mércia Monteiro Penido Amorim Teodósio, agradeço pelo
frescor da paixão, sem a qual não teria a certeza do quão importante em todas as obras da vida
é o amor e o seu alimento, a perseverança.
À professora Maria Cecilia Coutinho de Arruda agradeço pelo carinho sempre
presente, reforçando em mim o exemplo vivo de que o rigor e a excelência acadêmicos podem
e devem conviver com o efetivo compromisso com as pessoas, o primeiro dos compromissos
éticos. Sem esse carinho e esse zelo, a minha trajetória na EAESP-FGV teria sido penosa e,
provavelemente estéril, sem ter valido a pena.
Ao professor Mário Aquino Alves, agradeço pela grandeza de se colocar como meu
colega, sempre e em todos os momentos de conversas, dando concretude àquilo que aos
poucos fui percebendo na minha caminhada acadêmica: a humildade é marca das grandes
mentes acadêmicas. Salve, grande Mário Aquino!
Aos queridos colegas de EAESP, que foram me mostrando que a São Paulo de
concreto, riqueza e poder, co-existe com outra São Paulo, cheia de pessoas interessadas,
amigas e dispostas a conhecer e ajudar quem aqui chega. Agradeço a todos, através do grande
apreço pela mineira mais paulista que conheço, Sylmara Lopes Francelino Gonçalves-Dias, a
verdadeira irmã que nunca tive.
7
Onde há poder, há fragilidade.
E onde há fragilidade, há responsabilidade.
Paul Ricoeur
8
RESUMO
A Tese discute as implicações e desdobramentos da construção de Parcerias Tri-Setoriais na
esfera pública, de forma a avançar na compreensão de suas perspectivas, impasses e
armadilhas para a modernização da gestão de políticas e projetos sociais e a ampliação da
cidadania no cenário brasileiro. São consideradas Parcerias Tri-Setoriais aquelas que
envolvem simultaneamente atores governamentais, da sociedade civil e do mercado. Para
tanto, são analisadas três experiências de intervenção em projetos sociais apoiadas pela
Fundação AVINA no Brasil nas agendas de intervenção de educação, meio ambiente, pobreza
e infância e adolescência. A discussão teórica levanta as principais correntes e tradições
teóricas que analisam a ação do Estado, das organizações da sociedade civil e das empresas
em direção à esfera pública. Em seguida são discutidas e articuladas propostas teóricas de
interpretação das interações colaborativas entre atores sociais, de forma construir um quadro
analítico capaz de guiar a pesquisa de campo. A investigação se inscreve no âmbito do
chamado Estudo de Caso Extendido e recorre à abordagem metodológica qualitativa para
coleta, tratamento e análise dos dados. Os resultados indicam que práticas tradicionais de
construção de projetos de intervenção social e também de parcerias perduram dentro dos
processos de interação das Parcerias Tri-Setoriais, apontando que modelos lineares e
gerencialistas de explicação e intervenção na dinâmica desse fenômeno são pouco
consistentes em termos de capacidade explicativa da realidade. As interações entre atores da
sociedade civil, do Estado e de mercado são marcadas pela complexidade e pela construção de
uma práxis não linear e marcada simultâneamente pela ocorrência de processos de conflito e
cooperação, engajamento e distanciamento, e resistência e adesão. Frente a isso, as melhorias
na provisão de políticas e projetos sociais advindas das Parcerias Tri-Setoriais nem sempre se
fazem acompanhadas de avanços na construção da cidadania e de uma esfera pública mais
plural e democrática no cenário brasileiro. Todo esse quadro informa a necessidade de se
problematizar as Parcerias Tri-Setoriais a partir de modelos teóricos que incorporem a
discussão da esfera pública e dos encontros e desencontros entre atores nessa dimensão, a fim
de se melhor compreender as promessas, desdobramentos e armadilhas que tal perspectiva
traz para a gestão social.
Palavras-Chave: Parcerias Tri-Setoriais; Gestão Social; Esfera Pública; Organizações da
Sociedade Civil; Responsabilidade Social Empresarial; Políticas Públicas Sociais; Projetos
Sociais.
9
ABSTRACT
This Thesis discusses the implications of Tri-sectorial Partnerships in the public sphere, in
way to understand its perspectives and challenges for the modernization of the management of
social policies and projects and the enlargement of the citizenship in the Brazilian scenery.
Three experiences supported by the AVINA Foundation in Brazil are analyzed in the areas of
education, environment, poverty and childhood. The theoretical aproach discusses the main
currents and traditions that analyze the action of the State, the civil society organizations and
the companies in the public sphere. The collaborative interactions among social actors are
discussed too, in way to build an analytical framework capable to guide the field research.
The investigation is basead in the methodological proposal of Case Study Extended and in the
qualitative approach for collection, treatment and analysis of the data. The results indicate that
traditional practices of construction of projects of social intervention and also of partnerships
can be find inside the the processes of interaction between actors in the Tri-sectorial
Partnerships. Managerial and tecnicists models of explanation of that phenomenon offer little
contribution in terms of explanatory capacity of the reality. The interactions among actors of
the civil society, State and market are marked by the complexity and for the construction of
practices based simultaneously on conflict and cooperation, engagement and estrangement,
resistance and adhesion. The improvements in the provision of social policies and projects
with the Tri-sectorial Partnerships not always results in progresses in the construction of a
more plural and democratic public sphere in the Brazilian scenery. This perspective point the
relevance of understand the Tri-sectorial Partnerships from theoretical models that incorporate
the discussion of the public sphere, in order to advance the studies in the field of social
management.
Key-Words: Tri-sector Partnership; Social Management; Public Sphere; Civil Society
Organizations; Social Corporate Responsibility; Public Policies; Social Projects.
10
Lista de Esquemas
Esquema 1 - Argumentos para a colaboração público-privada 28
Esquema 2 - Setores Socioeconômicos 46
Esquema 3 - Níveis de Investimento Social Privado 85
Esquema 4 - Dimensões da Responsabilidade Social Empresarial 89
Esquema 5 - Diagrama Conceitual das Esferas Sociais segundo Janoski (1998) 101
Esquema 6 – Modelo de Relacionamento entre Governo e ONG 129
Esquema 7 - Estrutura Operacional do Programa 1 Milhão de Cisternas 149
Esquema 8 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Programa Um Milhão de
Cisternas
155
Esquema 9 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Projeto Novas Alianças 171
Esquema 10 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Projeto Novas Alianças
187
Lista de Mapas
Mapa 1 – Municípios participantes do Programa Além das Letras nas Fases 1 e 2 185
Mapa 2 - Municípios participantes do Programa Além das Letras de 2004 a 2006
185
11
Lista de Quadros
Quadro 1 - Dilemas da Participação Popular nas Políticas Sociais 40
Quadro 2 - Comparação entre Modelos Classificatórios de OTSs 48
Quadro 3 - Estratégias Empresariais de Intervenção em Problemas Sociais 75
Quadro 4 - Tipologia de Colaborações entre Organizações da Sociedade Civil e
Empresas
81
Quadro 5 - The Four-C’s of NGO–Government Relations 127
Quadro 6 - Respostas às Críticas da Observação Participante 135
Quadro 7 - Realizações do Programa 1 Milhão de Cisternas 147
Quadro 8 - Possibilidades de aproximação e distanciamento de organizações da
sociedade civil em relação a atores de Estado e mercado nas Parcerias Tri-Setoriais
analisadas
202
Quadro 9 - Comparativo das Parcerias Tri-Setoriais Analisadas 206
Quadro 10 - Papéis Principais nas Parcerias Tri-Setoriais analisadas 213
12
Lista de Abreviaturas e Siglas
ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
AL – Programa Além das Letras
ANA - Agência Nacional de Águas
ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância
APAEB - Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Estado da Bahia
AP1MC – Associação Programa 1 Milhão de Cisternas
ASA – Articulação no Semi-Árido Brasileiro
CAPES - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAR – Círculos de Ação e Reflexão
CEM – Comissão Executiva Municipal
CI – Cooperative Inquiry
CGU - Controladoria Geral da União
CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos de Infância e Adolescência
CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CRS - Catholic Relief Service
Data SUS - Base de dados do Sistema Único de Saúde
DELIS - Desenvolvimento Local Integrado Sustentável
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
ENADE - Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
ETHOS – Instituto ETHOS de Responsabilidade Social
FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos
FIA - Fundo de Infância e Adolescência
FIEMG - Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FUNDEB - Fundo Nacional de Educação Básica
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBM - International Business Machines Corporation
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
13
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
ICNPO - Internacional Classification for Non-Profit Organizations
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MMA - Ministério do Meio Ambiente
MOC - Movimento de Organização Comunitária
MR - Teoria da Mobilização de Recursos
NA – Projeto Novas Alianças
NYU – New York University
ONG – Organização Não-Governamental
ONGD - Organização Não-Governamental de Desenvolvimento
ONU – Organização das Nações Unidas
OPNE - Organização Pública Não-Estatal
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OS – Organização Social
OSC – Organização da Sociedade Civil
OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OTS – Organização do Terceiro Setor
PCD – Pessoa com Deficiência
PIB – Produto Interno Bruto
PPAG - Plano Plurianual de Ação Governamental
PRONAF - Programa Nacional de Agricultura Familiar
PT – Partido dos Trabalhadores
P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PPP – Parceria Público-Privado
PROFA - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
PUC Minas - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
RCLA – Research Center for Leadership in Action
RSE – Responsabilidade Social Empresarial
QUANGO - Quasi Non-Governmental Organization
SCIELO - Scientific Electronic Library Online
SENAC-SP - Serviço Nacional do Comércio de São Paulo
SIGA - Sistema Integrado de Gestão e Auditoria
14
STR - Sindicato de Trabalhadores Rurais
TCU - Tribunal Central da União
UNESCO - United Nations Education Science and Culture Organization
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNICEF - United Nations Children's Fund
UGC – Unidade Gestora Central
UGM – Unidade Gestora Municipal
UEL – Unidade Gestora Local
15
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
16
1.3 Objetivos 26
1.3.1 Objetivo Geral 26
1.3.2 Objetivos Específicos 26
2 ESTADO E ESFERA PÚBLICA NA PROVISÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS
27
2.1 O Estado e as encruzilhadas da gestão pública participativa no Brasil 34
3 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E SEUS IMPASSES NA ESFERA
PÚBLICA
45
3.1 Venturas e Desventuras das Organizações da Sociedade Civil nas Políticas e
Projetos Sociais no Brasil
52
3.1.1 Controle da execução de políticas públicas 56
3.1.2 Execução de políticas públicas e projetos sociais 57
3.1.3 Execução autônoma de projetos sociais 59
3.1.4 Influência nos processos decisórios de organismos internacionais, Estados e
empresas
59
4 MERCADO E SOCIEDADE: ENCONTROS E DESENCONTROS NA
ESFERA PÚBLICA
62
4.2 O Público e o Privado nas Intervenções Empresariais em Projetos Sociais no Brasil
69
5 UM QUADRO EXPLICATIVO PARA AS PARCERIAS TRI-SETORIAIS EM
POLÍTICAS E PROJETOS SOCIAIS
93
5.1 Parcerias Tri-Setoriais como fenômeno de checks and balances entre Estado,
Esfera Pública e Mercado
100
5.2 A construção de práticas colaborativas em Parcerias Tri-Setoriais 106
5.3 Polissemias sobre Parcerias Tri-Setoriais e seus pressupostos 117
5.4 Possibilidades e Riscos das Parcerias Tri-Setoriais em Políticas e Projetos Sociais 125
6 PESQUISA DE CAMPO
132
6.1 Procedimentos Metodológicos 132
6.2 Coleta e análise dos dados 137
6.2.1 O Programa Um Milhão de Cisternas 141
6.2.2 O projeto Novas Alianças 164
6.2.3 O Programa Além das Letras 179
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
197
REFERÊNCIAS
221
APÊNDICES
240
16
1 INTRODUÇÃO
A presente Tese tem como objetivo analisar as interações colaborativas que se
estabelecem entre atores de Estado, organizações da sociedade civil (OSCs) e empresas no
desenvolvimento de programas e projetos sociais, discutindo seus desdobramentos na esfera
pública e sobre a construção da cidadania no cenário brasileiro.
A gestão de políticas públicas e projetos sociais passou por transformações e
incorporou o discurso da construção de parcerias como um elemento central e essencial para
sua efetivação, tendo as organizações da sociedade civil e, mais recentemente, também as
empresas, papel relevante nessa dinâmica. Paralelamente às discussões sobre as condições
para a concretização de políticas e projetos sociais mais efetivos e eficientes, atores de Estado,
empresas e OSCs têm sido levados a repensar e reordenar seus papéis na sociedade
contemporânea. A ampliação das demandas quanto à cidadania, a crise de legitimidade das
instituições políticas tradicionais, novas relações entre as esferas do mercado e da sociedade e
a noção de risco e urgência no equacionamento de problemas sociais são alguns dos fatores
que estão por detrás de transformações nas esferas do Estado, da sociedade civil e do mercado
que levariam à construção de parcerias nas políticas sociais.
Interações entre atores de Estado, organizações da sociedade civil e empresas
adquiriram lugar de destaque nas discussões acadêmicas e na formulação de agendas de
políticas sociais a partir das últimas décadas. No passado, as dinâmicas de relacionamento
entre atores de Estado, movimentos sociais e corporações caracterizaram-se pela dominância
de uma gica de embate, conflito, controle recíproco e busca de responsabilização pelos
problemas sociais. Nas últimas décadas, assiste-se a uma proliferação de diferentes formas de
articulação entre esses atores, muitas delas balizadas por tentativas de construção de políticas,
programas e projetos sociais sob diferentes graus e formas de colaboração. Tais iniciativas
recebem diferentes denominações, quer seja nos estudos acadêmicos, quer seja nas iniciativas
de intervenção social, configurando uma verdadeira polissemia, na qual se inscrevem variadas
formas de articulação colaborativa, ora denominadas de parceria, ora de aliança, coalizão,
cooperação, intersetorialidade, complementaridade, contratação e terceirização, dentre outras.
Para fins desse estudo será adotada a terminologia Parcerias Tri-Setoriais, por envolverem
atores dos seguintes setores: Primeiro (Estado), Segundo (Mercado) e Terceiro (organizações
não-governamentais e uma série de outros tipos de instituições da sociedade civil), conforme
será melhor justificado mais à frente.
17
Essas perspectivas de ação, baseadas em maior ou menor grau de colaboração entre
atores de Estado, organizações da sociedade civil e empresas, na maioria das vezes são
entendidas por muitos dos responsáveis pela implementação de programas e projetos sociais
como desejáveis e claro sinal de uma construção mais avançada, plural e democrática das
lutas pela melhoria da provisão de políticas sociais e ampliação da cidadania. Ao mesmo
tempo, tanto a literatura acadêmica, quanto a mídia e a visão de senso comum, levantam
dúvidas e questionamentos sobre a natureza desses processos de colaboração entre os três
setores. Permanecem indagações acerca de seus desdobramentos efetivos sobre os programas
e projetos sociais, quer seja sob o ponto de vista da capacidade concreta de equacionar e
superar problemas gerenciais e sociopolíticos que marcam a trajetória da provisão de políticas
sociais, quer seja quanto à construção de uma esfera pública mais participativa, democrática e
voltada à ampliação da cidadania, especialmente em países em desenvolvimento como o
Brasil.
Além disso, uma indagação de maior envergadura insere-se nesses fenômenos:
compreender as implicações dessas parcerias sobre as interações entre as esferas pública, do
Estado e do mercado nas sociedades contemporâneas. Em realidades como a brasileira,
marcadas por intrincados entrelaçamentos entre o público e o privado, que resultaram em uma
construção incompleta e precária da cidadania, no acesso desigual aos direitos, sobretudo os
sociais, e em capacidades econômicas e políticas muito diferenciadas entre atores sociais,
esses questionamentos assumem maior relevância, urgência e complexidade.
A presente investigação analisa a construção de Parcerias Tri-Setoriais em três
experiências vinculadas à Fundação AVINA no Brasil, a saber, os programas Um Milhão de
Cisternas (P1MC) e Além das Letras e o projeto Novas Alianças. As realidades analisadas
englobam diferentes agendas e serviços associados às políticas sociais (educação, pobreza,
meio ambiente e infância e adolescência), variadas formas de articulação e construção de
parcerias, bem como se caracterizam pela participação de variados tipos de organizações do
Estado e da sociedade civil, além da presença de empresas de vários setores econômicos. Em
comum, têm a presença de atores dos três setores. Todas essas características denotam um
mosaico interessante da construção de parcerias nas políticas sociais e permitem a
compreensão dos desafios, perspectivas, armadilhas e impasses quando atores
governamentais, da sociedade civil e do mercado decidem atuar em conjunto.
O entendimento das interações entre atores de Estado, organizações da sociedade civil
e empresas acerca de temas sociais pode descortinar os caminhos que as políticas, programas
e projetos sociais têm trilhado na ampliação da provisão de serviços sociais e da cidadania no
18
país, bem como suas implicações para a esfera pública. Para tanto, cabe compreender por que
e como se dão as ações de cooperação ou não entre atores governamentais, do mercado e da
sociedade civil, quais são as frentes e formas de trabalho que aglutinam atores e interesses e
quais seus desdobramentos sobre a ampliação da esfera pública, o acesso a direitos sociais e a
construção participativa da oferta de políticas sociais em países de desenvolvimento tardio
como o Brasil.
O tema das parcerias em projetos sociais assume na contemporaneidade o status de
idéia-força mobilizadora de discursos governamentais, empresariais e da sociedade civil. Ao
mesmo tempo em que reverberam seus ecos em diferentes esferas da vida em sociedade,
críticas, dúvidas e debates se intensificam, ora denunciando o caráter oportunista de alguns
posicionamentos e ações, ora levantando limites, armadilhas e inconsistências ligadas à
própria noção e prática de parceria adotadas tanto pelas análises teóricas do fenômeno, quanto
por organismos, atores de Estado, empresas e grupos da sociedade civil voltados à sua
implementação (VERNIS et al, 2007; MEIRELLES, 2005; FONSECA, 2005; SELSKY,
PARKER, 2005; FISCHER, et al, 2003; TEODÓSIO, 2003; PREFONTAINE et al, 2000;
NAGAM, 2000; MORALES, 1999; PEREIRA, GRAU, 1999; COSTON, 1998; NAJAM,
1996).
Essa perspectiva de provisão de políticas e serviços sociais é marcada por sua tentativa
institucionalização em diferentes realidades nacionais e processos de cooperação
(internacional, nacional, regional e local) nas últimas décadas (PREFONTAINE et al, 2000;
SELSKY; PARKER, 2005, GORDENKER, WEISS, 1996) e também por uma multiplicidade
de entendimentos e pressupostos ligados à sua compreensão (MEIRELLES, 2005, SELSKY;
PARKER, 2005). Alguns desses posicionamentos situam-se em pólos opostos do debate
acerca da sociedade que se idealiza e da provisão e gestão de políticas e projetos sociais que a
caracterizariam. A alusão e, muitas vezes, a defesa da construção de parcerias em projetos
sociais são encontradas tanto no discurso pautado na democracia participativa, quanto nas
visões comunitaristas e nas concepções do liberalismo político e econômico, que
reverberaram no enxugamento da máquina do Estado e na ampliação da esfera do mercado
em determinadas sociedades (SPINK, 1999). O resultado parece ser uma verdadeira
polissemia quanto à idéia de parceria, ou como afirma Baroni (1992) em relação à outra
expressão polissêmica, o desenvolvimento sustentável, na “elasticidade do conceito
(FISCHER et al, 2003; MEIRELLES, 2005; SELSKY, PARKER, 2005).
Apesar das controvérsias e embates em torno das parcerias na provisão de políticas
sociais, parece haver convergência acerca de sua relevância como projeto de reorientação das
19
intervenções governamentais, empresariais e das organizações da sociedade civil sobre os
problemas sociais (VERNIS et al,, 2007, MEIRELLES, 2005). Para outros, a discussão sobre
parcerias entre atores de diferentes setores socioeconômicos que busquem a melhoria da
provisão de serviços sociais e o fortalecimento da cidadania na esfera blica assume maior
relevância a partir de estudos sobre realidades específicas, nas quais se manifestariam de
forma mais contundente a complexidade, os desafios e as perspectivas da operacionalização
dessa idéia-força (MEIRELLES, 2005, SELSKY; PARKER, 2005, COSTON, 1998). O
levantamento da literatura acerca do tema indica que essa tarefa ainda se encontra por ser
construída de forma mais consistente e que estudos sobre realidades concretas de parceiras se
fazem extremamente relevantes. (SELSKY, PARKER, 2005; NAJAM, 2000).
Os diferentes debates sobre Parcerias Tri-Setoriais implicam não somente em
discussões relacionadas a estratégias, instrumentos e mecanismos de gestão social, mas
envolvem também a relação de sociedades, instituições, organizações e indivíduos com a
provisão de políticas sociais. Como pano de fundo, se colocam noções sobre a essência, a
abrangência e a forma de configuração idealizadas quanto à dinâmica social das esferas
pública, do Estado, do mercado e da própria vida privada nas sociedades contemporâneas,
outro tema permeado por diferentes correntes interpretativas e debates relevantes. Sendo
assim, os estudos sobre Parcerias Tri-Setoriais exigiriam abordagens teórico-conceituais e
metodológicas capazes de lidar com a complexidade que marca esse fenômeno de
aproximação de variados atores de diferentes esferas da sociedade. (GRANOVETTER, 2007;
FLIGSTEIN, 2001; VIEIRA, 2001; SELSKY, PARKER, 2005; BURAWOY, 1998)
É preciso atentar para o fato que os fenômenos associados às parcerias entre atores
sociais não apresentam apenas caráter ou existência concretos, como defendem correntes
positivistas de investigação, mas também são permeados por representações e a emergência
de instituições sociais que se constroem a partir da interação e reinteração de atores, dentro e
fora de suas esferas de ação e construção social da realidade (FLIGSTEIN, 2001). Isso
exigiria das análises sobre o fenômeno, a apropriação de modelos conceituais capazes de lidar
com o discurso, os papéis e as representações construídas em processos de colaboração,
sempre marcados pela complexidade da realidade social no qual se constroem e reconstroem
continuamente (GRANOVETTER, 2007; OSPINA e SAZ-CARRANZA, 2005; FLIGSTEIN,
2001; BURAWOY, 1998).
Importante parece ser o reconhecimento de que o caráter de parcerias na provisão de
políticas e serviços sociais exigiria uma reconfiguração das articulações entre as esferas
pública, do Estado e do mercado, bem como a incorporação de agendas ligadas à ampliação
20
da democracia e da participação popular, consolidação da equidade social e respeito à
pluralidade de grupos, movimentos e organizações que compõem as sociedades
contemporâneas (VERNIS et al, 2007; VIEIRA, 2001; MORALES, 1999; PEREIRA, GRAU,
1999). Com maior ou menor convergência, diferentes discussões apontam a necessidade de
consolidação de uma esfera pública marcada pela pluralidade, democracia e independência
frente o Estado e o mercado para a materialização de interações e parcerias entre atores do
Estado, mercado e sociedade civil capazes de levar a provisão de políticas e a gestão de
serviços sociais a cumprir seu papel desejável de ampliação da cidadania. (CARVALHO,
2008; SANTOS, 2002; TEIXEIRA, 2002; TEODÓSIO, 2002; VIEIRA, 2001; COSTON,
1998; HABERMAS, 1984).
A partir dessa perspectiva, as Parcerias Tri-Setoriais assumem grande relevância e, se
ao mesmo tempo implicam em se conceber e repensar as estruturas que organizam a vida das
sociedades e as mudanças de longo curso que se manifestam na contemporaneidade, resultam
também em uma miríade de requisitos para intervenção em realidades específicas, tornando
sua construção concreta extremamente desafiadora. Para a investigação desse fenômeno cabe
desenvolver modelos teóricos capazes de promover o diálogo entre os macro fenômenos
sociais e as micro-realidades da ação dos atores sociais, sem implicar na usual dicotomia entre
estrutura e agente, que permeia uma série de estudos sobre fenômenos colaborativos
(FLIGSTEIN, 2001). Caso contrário, pode-se incorrer em uma debilidade central, muito
comum em vários estudos sobre organizações da sociedade civil e empresas atuando em
projetos sociais, bem como órgãos governamentais: a rendição das discussões ao âmbito
restrito das ferramentas e estratégias de gestão. Tais abordagens multiplicam-se no campo de
estudos dos projetos sociais no Brasil, sem necessariamente levar a avanços qualitativos na
produção de conhecimento (TEODÓSIO, ALVES, 2006).
Por outro lado, uma série de estudos e a mesmo a percepção de senso comum
apontam limites, desvios e preocupações quanto a essas interações entre atores do mercado,
da esfera governamental e da sociedade civil. É importante procurar se evitar visões e
posições dicotômicas acerca dos fenômenos de cooperação e confrontação entre atores
sociais, através de esquemas conceituais que estabeleceriam um contínuo linear entre esses
dois pólos. Tal qual argumentam Ospina (2005), Ospina e Saz-Carranza (2005), Fligstein
(2001), Abramoway (2004), Najam (1996) e Swedberg (1994), assume-se que as interações
entre atores sociais seriam marcadas não pela dualidade e linearidade, mas sim pela
complexidade e emergência de fenômenos cooperativos e competitivos, de articulação e
desagregração, participação e envolvimento manipulado, adesão discursiva e práxis
21
contraditória, composição e embate simultaneamente dentro de uma mesma dinâmica de
interação, inclusive quando são reconhecidas e verbalizadas pelos atores como de natureza
apenas colaborativa.
Em paralelo aos debates científicos e acadêmicos sobre uma grande gama de
problemas e perspectivas ligados às Parcerias Tri-Setoriais, organismos internacionais, atores
de Estado, sociedade civil, empresas e indivíduos têm manifestado preocupações quanto a
essa problemática e implementado iniciativas que tentam fazer frente a esses desafios.
Percebe-se que diferentes fenômenos têm levado os atores dos três setores a
promoverem tentativas de aproximação. Na esfera do Estado, pode-se enumerar uma série de
fatores que impulsionariam a busca por maior e melhor interação com atores das esferas do
mercado e da sociedade civil na provisão de políticas sociais e na ampliação da cidadania.
Eles envolveriam a crise dos sistemas de Welfare nas economias centrais, a derrocada dos
regimes socialistas no Leste Europeu e as iniciativas de modernização da gestão pública, tanto
na agenda do neoliberalismo, com suas tentativas de aprimoramento gerencial do Estado e a
terceirização e privatização da oferta de serviços, quanto nas lutas pela reconfiguração da
noção de cidadania e sua ampliação para grupos tradicionalmente contemplados de maneira
inconsistente ou periférica pelos sistemas de bem-estar social. (CARVALHO, 2008; VERNIS
et al, 2007; SELSKY, PARKER, 2005; PREFONTAINE et al, 2000; MORALES, 1999;
SHAFIR, 1998; COSTON, 1998; ARRETCHE, 1995; AVRITZER, 1992)
Nos países em desenvolvimento, notadamente na realidade latino-americana e,
sobretudo brasileira, a abertura política, a redemocratização e o fortalecimento de movimentos
sociais, associados à descentralização de políticas públicas, às lutas pela ampliação da
participação popular e à ênfase nas iniciativas locais de promoção de soluções sociais,
também levam, em maior ou menor grau, à defesa da consideração, aproximação, diálogo e
colaboração do Estado com atores não-governamentais, sejam eles oriundos da sociedade
civil e/ou do mercado. (CARVALHO, 2008; SANTOS, 2002; TEIXEIRA, 2002; VIEIRA,
2001; GOHN, 2000b; BOSCHI, 1999; SPINK, 1999; GOHN, 1998; GRAU, 1998;
ARRETCHE, 1996; ARRETCHE, 1995; AVRITZER, 1992; AZEVEDO, PRATES, 1991)
Os estudos sobre a abertura do Estado à interação com atores não-governamentais na
provisão de políticas e serviços sociais apontam uma série de inconsistências, desafios e
promessas mal cumpridas. Podem ser enumerados desde problemas estruturais, ligados à
retração do Estado, precarizando políticas de bem-estar, que em determinados países nem
chegaram a se consolidar, até dificuldades de se operar fora da dinâmica tecnocrática e
burocrática do Estado. Além disso, seriam encontrados desafios em termos da interação
22
efetivamente democrática e participativa entre atores governamentais e não-governamentais
em sociedades marcadas por culturas políticas autoritárias, clientelistas, paternalistas e
assistencialistas como a brasileira. (CARVALHO, 2008; D`ÁVILA FILHO, 2008;
TEIXEIRA, 2002; TEODÓSIO, 2002; BOSCHI, 1999; CARVALHO, 1997; ARRETCHE,
1996; SPINK, 1996; DINIZ, 1982) Toda essa realidade reforça a relevância de se entender a
presença do Estado nas Parcerias Tri-Setoriais.
No âmbito do mercado, uma das tendências mais recentes é a incorporação por parte
das empresas, sobretudo as grandes corporações, da perspectiva da responsabilidade social
como um atributo de suas atividades e estratégias de gestão (VERNIS et al., 2007,
MEIRELLES, 2005, GARCIA, 2004, ARRUDA; WITAKER, RAMOS, 2003, ARRUDA,
2002, ARRUDA; NAVRAN, 2001, PAOLI, 2002). As ações empresariais em relação à
responsabilização pelos problemas sociais se fazem acompanhadas de um discurso recorrente
de preocupação com as chamadas partes interessadas ou stakeholders. Isso implicaria não
na consideração de um amplo leque de atores sociais e econômicos nos processos decisórios
das empresas, mas também o seu chamamento para o diálogo e interação participativa na
construção de estratégias e iniciativas empresariais que afetam a sociedade (DUNHAM,
FREEMAN, LIEDTKA, 2006; ROWLEY, 1997; DONALDSON, PRESTON, 1995; WEISS,
1995; SAVAGE et al, 1991; FREEMAN, REED, 1983).
A chamada Teoria dos Stakeholders também é marcada por importantes debates
teórico-conceituais e dilemas quanto a sua operacionalização, podendo-se encontrar na
literatura posicionamentos de defesa e críticas tanto em relação à sua relevância e
concretização no ambiente empresarial, quanto aos seus pressupostos fundadores.
Simultaneamente à manifestação de preocupações com os impactos de suas atividades sobre
as partes interessadas, as empresas e parte da literatura difundem expressões e conceitos como
parcerias, alianças, coalizões, cooperação intersetorial, relações ganha-ganha, transparência,
accountability e controle social, dentre outras, para caracterizar as interações entre
corporações e partes interessadas. Isso denota que, mesmo dentro de cada uma das diferentes
esferas (pública, Estado e mercado), parcerias se tornaram um fenômeno polissêmico, que
denota o interesse e vontade dos atores de cada campo em se articularem. (MEIRELLES,
2005; FISCHER et al, 2003; FISCHER, 2002; CHIANCA, MARINO, SCHIEZARI, 2001)
Para autores como Dunham, Freeman & Liedtka (2006), faz-se urgente o aprofundamento de
estudos sobre realidades concretas, elucidando mais precisamente porque e como se
materializam de determinadas formas as estratégias empresariais de envolvimento de partes
interessadas e quais os seus desdobramentos tanto para as empresas, quanto para a sociedade.
23
Alguns dos atores sempre enumerados no discutível rol de grupos que comporia as
partes interessadas das atividades empresariais são o Estado e as organizações da sociedade
civil. Segundo Rondinelli & London (2003), a literatura apresentaria uma vasta discussão
sobre alianças entre empresas, bem como sobre as tensões entre OSCs e corporações, no
entanto, as colaborações que se estabelecem entre essas organizações têm permanecido pouco
estudadas ou mesmo, como afirmam, ignoradas pelas discussões acadêmicas. Essas relações
de colaboração não apenas estariam se circunscrevendo às tradicionais relações de
financiamento e gestão de projetos sociais desenvolvidas em conjunto por empresas e
associações comunitárias do seu entorno, mas englobariam também a contratação de serviços
de organizações não-governamentais (ONGs) por parte das empresas, de forma a tornar suas
atividades mais eficientes e efetivas social e ambientalmente (RONDINELLI, LONDON,
2003). Além disso, como discutem Dunham, Freeman & Liedtka (2006), diferentes
organizações com significativas variações de porte, estrutura, capacidade política, social e
econômica poderiam ser enumeradas no rol daquilo que se considera como comunidade
interessada nas atividades empresariais, denotando a relevância de se avançar nos estudos
concretos sobre as interações entre organizações do mercado e da sociedade civil.
A presença das organizações da sociedade civil nas interações colaborativas, quer seja
com o Estado, quer seja com as empresas, traz novos elementos de complexidade para o
estudo das Parcerias Tri-Setoriais. Como será melhor discutido à frente, trabalha-se com o
pressuposto da existência de esferas diferenciadas da vida social, a saber, Pública, do Estado,
do Mercado e Privada, mas sem incorrer na visão de que a sociedade se estrutura em torno de
dimensões estanques, bem delimitadas e sem sobreposições ou nuances, quer seja do ponto de
vista de sua constituição, quer seja quanto à sua dinâmica interna e/ou ação e racionalidade de
seus atores (ALVES, 2004; VIEIRA, 2001; JANOSKI, 1998; GOHN, 2000a; GOHN, 2000b;
GOHN, 1997; COHEN & ARATO, 1994; FERNANDES, 1994). No presente estudo, recorre-
se à terminologia organizações da sociedade civil (OSCs), mas se reconhece que essa
denominação é também polissêmica, encontrando-se múltiplas referências, tanto na literatura
nacional, quanto internacional, que pretendem se referir ao mesmo tipo de organizações
(ALVES, 2004; GOHN, 200b). Ao contrário de comporem uma esfera homogênea e bem
delimitada, essas organizações são marcadas pela diversidade e conseqüente complexidade de
seu campo (TEODÓSIO, 2003; ALVES, 2002), que resulta em diferentes adjetivações e
qualificações, a saber: não-governamentais, sem fins lucrativos, filantrópicas, voluntárias,
sociais e do terceiro setor, dentre outras.
24
Nas últimas décadas, vários estudos têm constatado a expansão do número de
organizações da sociedade civil em diversos países, bem como no Brasil (LANDIM, 2002;
SALOMON & ANHEIER, 1992), e também sua crescente visibilidade e capacidade
mobilizadora junto à sociedade (OLIVEIRA, 2002; LANDIM, 2002), sobretudo com relação
à temática da ampliação dos direitos e o acesso a patamares mais avançados de cidadania
(CARVALHO, 2008; GOHN, 2000a; GRAU, 1998; SHAFIR, 1998; IOSCHPE, 1997;
ARISTZÁBAL, 1997). Apesar de nos últimos anos as organizações da sociedade civil terem
se tornado objeto de estudo para vários pesquisadores e linhas de investigação, tanto no caso
brasileiro quanto em outros países, grande parte da literatura destaca que o grau de
informação e conhecimento sistematizado sobre essa esfera ainda é incipiente. (TEODÓSIO,
ALVES, 2006; LANDIM, 2002; OLIVEIRA, 2002; ROESCHE, 2002).
Percepções dúbias e polarizações construídas pela sociedade também são encontradas
na literatura dedicada ao tema. Ora se idealiza o papel modernizador das organizações da
sociedade civil nas políticas públicas, ampliação da esfera pública, consolidação da
democracia e promoção da inclusão social (CARVALHO, 2008; VIEIRA, 2001; MORALES,
1999; KURZ, 1997; RIFKIN, 1995; LIPIETZ, 1991), ora se demoniza a proliferação dessas
instituições (BEBBINGTON, 2002; MONTAÑO, 2002; ARRELLANO-LÓPEZ, PETRAS,
1999). As críticas envolvem uma variedade de fenômenos, como a baixa efetividade na
provisão de serviços sociais, a permanência de práticas assistencialistas, a assimilação e
reprodução de lógicas tecnocráticas e burocráticas oriundas de atores de Estado e empresas e
a dificuldade de concreta promoção da participação popular e controle social em suas
atividades. Para alguns, elas se apresentam como verdadeiros amortecedores de problemas
gerados pelo Estado e empresas, sem a capacidade de superar as questões estruturais que os
acarretam e ajudando a construir relações entre o Estado, o mercado e a sociedade pouco ou
nada capazes de operar as transformações sociais desejáveis e relevantes. (BEBBINGTON,
2002; OLIVEIRA, 2002; LANDIM, 2002; MONTAÑO, 2002; ARRELLANO-LÓPEZ,
PETRAS, 1999; MORALES, 1999; BARRINGTON et al, 1993)
Diante desse cenário, a pesquisa sobre organizações da sociedade civil também
assume grande relevância, sobretudo em se tratando dos aspectos sóciopolíticos em torno da
expansão da esfera pública na construção da provisão de políticas sociais e ampliação da
cidadania. Em sociedades como a brasileira, marcadas pela construção tardia do capitalismo,
trajetória política permeada pelo autoritarismo e consolidação precária de direitos sociais e
políticos (CARVALHO, 2008; ARROYO, 2004; NUNES, 2003; DEMO, 2001; DINIZ,
1982;), a construção de parcerias adquire novas complexidades.
25
Sendo assim, esta Tese se propõe a estudar as Parcerias Tri-Setoriais em torno de
questões ligadas à provisão de políticas e serviços sociais, de forma a melhor se compreender
as dinâmicas de interação entre esses atores e quais perspectivas, desafios e impasses se
apresentam na sua construção como fenômeno social na esfera pública, de forma a apontar
suas implicações sobre modernização da gestão social na realidade brasileira.
A Tese está estruturada em várias seções, que se iniciam com uma discussão da
emergência das Parcerias Tri-Setoriais como fenômeno social complexo, de forma a justificar
a consistência e relevância dos objetivos propostos pela Tese. Na parte seguinte, capítulo 2,
são discutidos diferentes modelos teóricos que analisam o papel do Estado na provisão de
políticas sociais e os desafios e perspectivas de suas aproximação dos atores da esfera pública,
como tentativa de ampliação da cidadania e democracia participativa. O capitulo 3 dedica-se a
problematização do papel das organizações da sociedade civil em programas e projetos
sociais, analisando suas possibilidades e dilemas de ação na esfera pública e nas relações com
atores governamentais e empresariais. A seguir, no capítulo 4, busca-se avançar na
compreensão da relação entre mercados e sociedade, apontando as promessas, limites e
armadilhas da intervenção empresarial nos problemas sociais. Feito isso, no capítulo posterior
(5) são discutidas as narrativas teóricas relevantes para se construir um quadro analítico das
Parcerias Tri-Setoriais a partir da compreensão das relações entre as esferas pública, do
Estado, mercado e vida privada nas sociedades contemporâneas. Na parte 6 encontram-se os
recortes epistemológicos e metodológicos da investigação, que são seguidos pela discussão
dos procedimentos de coleta de dados e pela análise das três experiências investigadas.
26
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo Geral:
Analisar os pressupostos e a implicações das Parcerias Tri-Setoriais na esfera pública,
de forma a compreender a complexidade das suas relações e seus possíveis desdobramentos
quanto à modernização da gestão de políticas sociais e à ampliação da cidadania na realidade
brasileira;
1.3.2 Objetivos Específicos:
a) Debater os processos na esfera do Estado que levam à aproximação com
organizações da sociedade civil e de mercado na intervenção em problemas
sociais, de forma a compreender possibilidades, limites e desafios para a
modernização da gestão de políticas sociais e ampliação da cidadania;
b) Discutir os papéis das organizações da sociedade civil nas interações com atores
do Estado e de mercado, apontando desafios, perspectivas e dilemas de sua ação
para a modernização da gestão de políticas sociais e a ampliação da cidadania;
c) Analisar o envolvimento de empresas na intervenção em problemas sociais de
forma a discutir pressupostos, perspectivas e impasses de sua ação para a
modernização da gestão de projetos sociais e a ampliação da cidadania;
d) Compreender e discutir condições e realidades que favorecem a aproximação e o
distanciamento entre atores de Estado, organizações da sociedade civil e empresas
quanto à intervenção em problemas sociais, tanto no nível das relações políticas e
econômicas da sociedade, quanto no âmbito da dinâmica interna dessas
organizações.
27
2. ESTADO E ESFERA PÚBLICA NA PROVISÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS
Segundo Vieira (2001), três narrativas básicas sobre o papel do Estado quanto às
políticas sociais podem ser enumeradas. A primeira delas, de caráter estadocêntico,
compreende o bem-estar social e a formulação e implementação de políticas públicas como
função intransferível do Estado. Em oposição, apresenta-se a visão mercadocêntrica, a qual
entende que devem ser transferidas para organizações privadas as funções sociais, que seriam
providas com maior eficiência e otimização de recursos através das dinâmicas do mercado.
Por fim, o autor apresenta a perspectiva sociocêntrica, para a qual o papel do Estado seria
reconfigurado a partir da dinâmica dos atores da sociedade civil na esfera pública. Essa parece
ser a dimensão defendida por diferentes autores ao destacarem a relevância das Parcerias Tri-
Setoriais, ainda que reconheçam os grandes obstáculos encontrados para sua materialização
nas relações colaborativas entre Estado, mercado e sociedade civil analisadas em vários
estudos sobre diferentes experiências. (VERNIS et al, 2007; SELSKY, PARKER, 2005;
PREFONTAINE et al, 2000; FISCHER et al, 2003)
Vernis et al (2007) denominam de Pluralismo de Bem-Estar a perspectiva
sóciocêntrica de Vieira (2001) e apontam que nessa dimensão o Estado ocupa um papel
menos dominante na provisão coletiva de serviços sociais, reconhecendo a complexidade e
interdependência dos problemas sociais em relação à própria sociedade e o fato de que nunca
foi e não é onipotente e autosuficiente. A figura abaixo sumariza três diferentes formas de
configuração dos papéis do Estado, organizações da sociedade civil e mercados na provisão
de políticas sociais, segundo os autores.
28
Aproximação Função
Provisão Produção
________________________________________ ______________
Financiamento Regulação e Controle e
planejamento avaliação
Estado de
Bem-Estar
Administrações Administrações Administrações
Administrações Públicas
Públicas Públicas Públicas e, às vezes, apoio do
terceiro setor
Pluralismo de
Administrações públicas Governo, Administrações Públicas Terceiro setor
Bem-Estar
com cofinanciamento de terceiro sector e com colaboração e
particulares e apoio empresas do terceiro setor Empresas
das empresas
Neoliberalismo
Fontes Mercado Mercado Empresa privada com
privadas uma contribuição de
seguridade do
terceiro setor
Esquema 1 - Argumentos para a colaboração público-privada
Fonte: VERNIS et al., 2007, p. 67, tradução nossa.
O esquema analítico de Vernis et al (2007) oferece categorias amplas de papéis dos
atores nas políticas sociais e dialoga com a perspectiva de Coston (1998), que concebe o grau
de adesão do Estado ao pluralismo institucional como um dos elementos estruturantes das
diferentes possibilidades de relacionamento entre atores de Estado e as organizações da
sociedade civil que se manifestam na oferta de serviços sociais. No entanto, as fronteiras entre
as categorias denominadas de Estado de Bem-Estar, Pluralismo de Bem-Estar e
Neoliberalismo por Vernis et al (2007) parecem ser mais fluidas e tênues quando se analisam
as trajetórias específicas de diferentes nações na construção das políticas de Welfare,
conforme pode se depreender a partir de Faria (1998) e Arretche (1995).
Apesar da existência de muitas correntes e divergências entre tradições teóricas
interpretativas sobre a emergência e crise das políticas de bem-estar, vários estudos apontam
as peculiaridades de sua construção em diferentes nações (FARIA, 1998; BOYER, 1989).
Esse entendimento revela também a existência de diferentes formas de interação estabelecidas
entre as esferas blica, do Estado, do mercado e da vida privada e permite se avançar na
problematização das relações e papéis construídos entre os atores sociais quanto à provisão de
políticas públicas. Segundo Arretche (1995), o institucionalismo de Skoepol e Esping-
Andersen ao analisar várias trajetórias do Welfare em países avançados identifica três grupos
de experiências de políticas de bem-estar, a saber, Social-Democrata, Conservador e Liberal.
29
No primeiro agrupamento se encontrariam os países escandinavos, caracterizados pela
presença de um movimento operário que foi capaz de transformar lutas históricas em políticas
sociais, a existência de um sistema de proteção social abrangente, com cobertura universal e
benefícios assegurados como direitos, segundo critérios de equalização e não de mérito.
Em países classificados no grupo Conservador, a significativa ação da Igreja associada
à presença de revoluções burguesas menos vigorosas teria levado a reformas sociais marcadas
pelo ativo intervencionismo estatal. Tais transformações, manifestadas sobretudo na Europa
Continental (Alemanha e França) levaram ao desenvolvimento de políticas de bem-estar que
visavam assegurar lealdade e subordinação ao Estado e barrar a expansão do socialismo e/ou
regular a dinâmica de desenvolvimento capitalista. Nesse modelo, prevalecem noções
corporativistas e esquemas de estratificação ocupacional para a provisão de bem-estar,
consolidando divisões no interior da classe trabalhadora
As experiências liberais teriam se manifestado nos países de tradição anglo-saxônica,
sobretudo os EUA e a Grã-Bretanha, nos quais movimentos operários não conseguiram fazer
frente às revoluções burguesas que foram mais expressivas nesses contextos. Dessa trajetória
teria resultado uma forte política social, que tentou assegurar a condição de trabalhador
individual livre através da regulação do Estado para vários segmentos da população. Para
tanto, estruturam-se distinções de beneficiários segundo padrões de mérito (liberais) e
contribuições individuais vinculadas aos benefícios. Para Skoepol e Esping-Andersen apud
Arreteche (1995), o resultado teria sido uma universalização de oportunidades, mas não de
resultados.
Parece existir um amplo consenso quanto aos grandes obstáculos para a reedição das
experiências de Welfare State nos moldes que se materializaram nos países centrais, bem
como sobre a trajetória peculiar das políticas de bem-estar em países periféricos como o
Brasil, marcadas pela incompletude ou mesmo pela inexistência (CARVALHO, 2008;
FARIA, 1998; ARRETCHE, 1995; DRAIBE, 1990; SANTOS, 1970). As tentativas de
modernização da máquina governamental operadas a partir da desconstrução dos sistemas de
bem-estar, sejam com as iniciativas de reforma do Estado (KETTL, 1998), sejam com a
suposta reinvenção dos governos (OSBORNE e GAEBLER, 1995) despertam importantes
debates e críticas. Em comum, essas discussões apontam a dificuldade de rompimento de
práticas tradicionais de gestão governamental e as inconsistências dos pressupostos e
propostas operacionais da chamada Nova Administração Pública (ANDREWS e KOUZMIN,
1998).
30
No caso brasileiro, autores como Vianna (2000) advogam que se processa uma
verdadeira “americanização perversa” das políticas de seguridade social, denotando a difusão
cada vez mais intensa da perspectiva do mérito e contribuição individual na definição de
cobertura e intervenção das intervenções de bem-estar. Outras análises apontam a
sobreposição de uma regulação intensa, porém não universalizada, das políticas de bem-estar.
Esses debates denotam a peculiaridade, o mosaico e a complexidade que as políticas sociais
adquirem no país, ora incluindo historicamente segmentos relevantes das classes
trabalhadoras urbanas, ora resultando na exclusão ou na dificuldade de alcance de segmentos
cada vez mais expressivos da população. (CARVALHO, 1998)
No plano das tentativas de reorientação da administração pública, iniciativas colocadas
pelo que se denominou de Plano de Reforma do Estado (PEREIRA, 1998; MARE, 1995)
também são alvo de contestação, não porque o projeto não se materializou completamente
no Estado brasileiro, permanecendo inacabado, mas sobretudo por sua natureza dúbia e
contraditória em termos da construção de novas formas menos estadocêntricas e efetivas de
diálogo e interação com a sociedade civil na produção de políticas públicas (PAULA, 2005;
ANDREWS e KOUZMIN, 1998).
Vernis et al (2007) enxergam na atualidade quatro opções para as administrações
públicas quanto à provisão de políticas públicas: manter a produção em seu próprio âmbito,
externalizá-la a empresas privadas ou para organizações da sociedade civil, e finalmente,
desenvolver uma economia mista, com o compartilhamento dos serviços públicos pelos atores
dos três setores.
Morales (1999) afirma que a primeira formulação (estadocêntrica) o consegue
responder adequadamente a uma das crises enfrentadas pelo Estado, a de governança, ainda
que paradoxalmente tente fazer frente a ela com mais veneno do próprio veneno. Os desafios
de governança se apresentariam justamente pela emergência de diferentes movimentos
sociais, impulsionados à esfera pública por fenômenos econômicos, sociais, políticos e
culturais (SANTOS, 2002; DINIZ, 1996; AVRITZER, 1992). Segundo Vieira (2001), isso
exigiria do Estado respostas em termos de políticas públicas mais plurais e participativas,
através da flexibilização de sua máquina, descentralização de funções, transferência de
responsabilidades, construção de racionalidades não auto-referenciadas de ação e alargamento
do universo de atores envolvidos nas diferentes etapas de provisão de políticas públicas. Tal
tarefa, segundo o autor, dificilmente se realizaria a partir de uma perspectiva centrada no
Estado, pois negaria os próprios fundamentos daquilo que pretende ampliar, a sua governança.
31
Para Marini (2005), a perspectiva de uma governança compartilhada com a sociedade
civil asseguraria maior legitimidade para a construção de agendas, comprometimento com a
implementação de políticas e efetivo controle social no monitoramento das iniciativas.
Segundo Goldsmith e Eggers (2006), um grau elevado de colaboração público-privada,
conjugado com a capacidade governamental de gestão em redes resultaria no que denominam
de Governo em Rede, diferenciando-se do Governo Hierárquico, marcado por baixos níveis
tanto de colaboração intersetorial, quanto de gerenciamento em rede. Segundo os autores,
ainda pode ser encontrado o chamado Governo Terceirizado, no qual a baixa capacidade de
gestão em redes se articularia com níveis elevados de colaboração público-privada.
Opondo à alternativa de terceirização e de privatização das funções do Estado na
provisão de políticas sociais o que chama de desestatização, Moralles (1999) afirma que nessa
perspectiva se manteria o caráter público do serviço, mesmo ocorrendo o financiamento
estatal das “políticas sociais através de instituições públicas não pertencentes ao Estado” (p.
52). Para o autor, o que diferenciaria essa alternativa da simples privatização ou terceirização
seria se operar no campo da publicização, entendida como a transferência para as
organizações da sociedade civil de atividades não-exclusivas do Estado. No entanto, é preciso
se discutir mais detidamente dois aspectos quanto a essa alternativa.
Primeiro, cabe destacar que as relações de colaboração entre atores de Estado e
organizações da sociedade civil o se resumem ao financiamento de serviços sociais,
podendo ser encontradas outras configurações de relacionamento não litigioso com o Estado.
Além disso, o financiamento de serviços sociais pelo Estado exige, conforme argumentam
Vernis et al (2007, p. 37), que “(...)para assegurar una buena asociación entre lo público e lo
privado, se necesita de una normativa clara que regule las concesiones de obras públicas, los
contratos públicos, la concesión de subvenciones, etc”. No entanto, por causa desses
requisitos de interação, pode-se caminhar para cenários nos quais não seja alcançada a
desejada desestatização, visto que haveria o risco de perdurarem concepções estadocêntricas
no relacionamento, sob a argumentação de melhor e maior controle sobre o dinheiro público
utilizado por atores não-governamentais (NAJAM, 2000; COSTON, 1996). Pesquisas em
realidades distintas em diferentes países apontam que esse não é um fenômeno de importância
secundária nas relações de parceria entre Estado e sociedade civil, que em muitos casos levam
as partes a procurarem desenvolver relacionamentos de colaboração não formalizados para
fugir dos entraves burocratizantes de interações colaborativas formalizadas, conforme
argumenta Najam (1996).
32
Em segundo lugar, não bastaria apenas melhorar a provisão de políticas sociais sob o
ponto de vista da eficiência gerencial estrita, nem tão pouco assumir como pressuposto que a
sociedade civil é composta por atores homogêneos com forte vinculação com o interesse
público. (ALVES, 2004; PEREIRA & GRAU, 1999; OLIVEIRA, 2002; LANDIM, 2002)
Para Vieira (2001), um aspecto relevante nessa forma de relacionamento seria “harmonizar o
interesse público com a eficácia administrativa”, pois “a produção de bens e serviços no setor
público não-estatal torna-se mais eficiente do que no setor estatal ou privado” (p. 82).
Uma série de autores (CARVALHO, 2008; TENÓRIO, 2002; SANTOS, 2002;
VIEIRA, 2001; MORALES, 1999; PEREIRA, GRAU, 1999) comunga do diagnóstico de que
a saída através do mercado não cumpriu suas promessas de modernização das políticas
públicas, sobretudo na agenda social, tanto nos países desenvolvidos, quanto naqueles em
desenvolvimento. Ainda assim, essa perspectiva que Carvalho (2008) denomina de
pensamento liberal renovado parece ser capaz de arregimentar corações e mentes nas
diferentes esferas da vida em sociedade e não apenas no mercado, além de se impulsionar
múltiplas formas de relações colaborativas com o Estado, englobando desde as privatizações e
terceirizações até as chamadas parcerias público-privado (PPPs) (VERNIS et al, 2007;
TENÓRIO, 2002; VIEIRA, 2001; PEREIRA & GRAU, 1999; MORALES, 1999).
As novas orientações de gestão pública que geraram a desconstrução do Estado de
Bem-Estar Social estão associadas à ascensão do ideário neoliberal como orientação
dominante no campo econômico, mas segundo Cohen & Arato (1994), os princípios
neoliberais, que denominam de neocorporativistas, não se resumem a novas formas de gestão
macroeconômica, pois abrangem também novas racionalidades políticas, modelos de
democracia e referências sobre as interações entre as esferas governamental, do mercado e da
sociedade na provisão de políticas públicas.
Conjuntamente com a defesa, na maioria das vezes extremada, do Estado como
simples regulador das atividades econômicas e das virtudes do equilíbrio macroeconômico
advindo do livre mercado, a sociedade civil passa a ser concebida como tendo um papel
peculiar nesse modelo. Da mesma forma que a livre competição estruturaria a dinâmica dos
mercados, as relações sociais seriam pautadas pela competição política por recursos materiais
e simbólicos entre diferentes atores, resultando em uma balança de poder vista como
desejável e vital para a consolidação dos procedimentos e instituições tradicionais da
democracia representativa (MIEGLIEVICH & COUTINHO, 2007; SHAFIR, 1998; COHEN,
ARATO, 1994; TURNER, 1993).
33
No entanto, essa concepção de sociedade civil e dos grupos que se organizam no seu
âmbito é contestada por outras correntes teóricas, que ora enxergam nos movimentos sociais
novas formas de democracia, para além dos procedimentos representativos tradicionais
(SANTOS, 2000), ora denunciam o caráter de verdadeiro amortecedor dos problemas sociais
presente nas iniciativas oriundas da sociedade civil, que estariam submetidas a uma lógica
dominante e perversa, pautada em um estado nimo desonerado de responsabilidades com o
bem público e na expansão da lógica competitiva capitalista para outras esferas da vida em
sociedade (ARRELLANO-LÓPEZ, PETRAS, 1998). Para autores como Montaño (2002),
terceiro setor e organizações sem fins-lucrativos são neologismos surgidos na esteira do
processo de expansão da lógica neoliberal de condução do Estado nas economias capitalistas
centrais. Por detrás da discussão, cada vez mais intensa, sobre a importância das organizações
do terceiro setor, estaria implícita a idéia de que os problemas sociais deveriam ser resolvidos
a partir da lógica do mercado, ou melhor, do encontro e da ação dos diversos atores no espaço
das trocas econômicas, cabendo ao Estado um papel restrito à regulação desta esfera.
Como destaca Levésque (2007, p. 50), “tudo se passa como se neoliberalismo sem
querer tivesse contribuído para a reabilitação da sociedade civil, sem eliminar no entanto a
necessidade de instâncias governamentais de regulação”. Para o autor, a crise que se instaura
a partir de 1975 e culmina com a ascensão do ideário neoliberal não se inscreve somente no
Estado, mas remete fundamentalmente à díade Estado-mercado. Independentemente do papel
da sociedade civil ser interpretado como emancipatório e promotor de uma sociedade
igualitária e democrática ou como de reedição do liberalismo político e econômico como
forma de organização das sociedades, uma constatação parece ser evidente, a centralidade que
as manifestações da esfera pública e da sociedade organizada assumem na discussão sobre as
formas de governança no âmbito do Estado.
Enfim, se a díade Estado-mercado havia relegado a sociedade civil ao segundo plano
em favor da solidariedade abstrata da redistribuição realizada pelo Estado, as novas
regulações e as novas formas de governança que lhe são associadas apóiam-se
doravante na sociedade civil, no engajamento cidadão e nos stakeholders.
(LÉVESQUE, 2007, p. 51)
Para Paula (2005), estariam em jogo a possibilidade dos atores de Estado caminharem
em direção à chamada Administração Pública Societal que, diferentemente da Administração
Pública Gerencial proposta originalmente no Plano de Reforma do Estado brasileiro
(PEREIRA, 1998; MARE, 1995), implicaria em um avanço mais efetivo e incisivo a formas
34
participativas de gestão da máquina pública. Nessa perspectiva, à abertura para o diálogo
participativo com a sociedade civil e o foco mais preciso nas necessidades dos cidadãos viria
acompanhada de um repensar das formas de desenvolvimento operantes no cenário brasileiro
e suas imbricações com a cultura e as realidades locais. Tudo isso dotaria a gestão de políticas
públicas de uma dimensão sociopolítica capaz de levar o Estado para fora de seu centro.
Como se percebe, as diferentes perspectivas de reordenamento do papel e das políticas
de gerenciamento do Estado implicam em sua aproximação da sociedade civil a partir de
lógicas menos verticalizadas de relacionamento, o que coloca como ponto central das políticas
públicas, inclusive e sobretudo aquelas ligadas à agenda social e às parcerias na provisão de
políticas sociais, a participação e o engajamento dos cidadãos e das organizações da sociedade
civil e do mercado na gestão pública. O entendimento dos desafios e perspectivas das
Parcerias Tri-Setoriais na provisão de políticas sociais se inscreve nesse quadro e exige uma
compreensão mais detida da construção de modelos participativos de gestão pública,
sobretudo em realidades como a brasileira, marcadas por importantes tentativas de interação
mais horizontal com a sociedade e por desafios na sua concretude na cultura política do país.
2.1 O Estado e as encruzilhadas da gestão pública participativa no Brasil
A idéia de parcerias em políticas e projetos sociais se faz intimamente associada à de
ampliação dos processos democráticos, equidade social e da participação de diferentes atores
nos processos decisórios de programas e projetos sociais (TORO, 2005; GRAU, 1998).
Estariam em jogo não a ampliação das liberdades civis, tais quais idealizadas e/ou
operacionalizadas pelos princípios formais da democracia deliberativa, mas também a própria
forma de funcionamento desses processos em sociedades marcadas pela diversidade e pela
desigualdade econômica e de acesso aos bens públicos (SANTOS, 2002). Não bastaria apenas
buscar a inserção do cidadão em processos participativos de provisão de políticas sociais, mas
também construir formas de gestão compartilhada, assumindo-os como sujeitos do processo
de construção da cidadania (DEMO, 2006).
O apelo à inclusão de comunidades e grupos sociais, sobretudo aqueles
tradicionalmente excluídos dos processos decisórios em regimes autoritários ou
desfavorecidos pelas dinâmicas da democracia representativa, geralmente encontra amplo
apoio, no vel do discurso, por parte de organismos governamentais. No entanto, a retórica
35
quanto às perspectivas que a participação popular oferece para a provisão de políticas sociais
se depara com realidades mais complexas, nas quais a incorporação de grupos sociais,
comunidades e indivíduos não necessariamente resulta em aprofundamento e aprimoramento
dos processos democráticos, minando os próprios processos de reconfiguração do aparelho do
Estado e ampliação da cidadania (PARAÍSO, 2005; GUIVANT, 2003; BOSCHI, 1999;
SOARES, GONDIM, 1998
;
LÉLÉ, 1991).
Longe de se tratar de um tema agregador e isento de controvérsias, a ampliação da
democracia, sobretudo nos marcos da participação popular, é também fonte de grandes
debates e controvérsias. Alguns posicionamentos consideram a participação como um entrave,
ainda que necessário, ao funcionamento ótimo dos sistemas econômicos (SEN, 2000) ou do
próprio processo político (BENEVIDES, 1998). Ribeiro (2000, p. 20) destataca que “a
democracia sobressai-se na legitimidade, e falha no funcionamento.” Outras correntes, por
outro lado, parecem instrumentalizar a idéia de participação, transformando virtudes cívicas
como a solidariedade e o sentido de participação, características que se espera encontrar em
comunidades locais, em elementos geradores de eficiência econômica, como pretendem os
defensores da idéia de clusters (STORPER, 1994).
Assim, pode-se perder de vista as intrincadas e complexas relações que se estabelecem
entre efetividade na provisão de políticas sociais, padrões de sociabilidade e democracia,
manifestadas de modo privilegiado na construção de projetos sociais, sobretudo quando são
resultado da articulação entre atores do Estado e não-governamentais. Nesse sentido, torna-se
imperativo aprofundar essa discussão, analisando as perspectivas, dilemas e armadilhas que se
apresentam, sem perder de vista que a democracia não se resume à distribuição de bens, nem
tão pouco prescinde desta, reduzindo-se à gestão do poder:
... a democracia tem no seu cerne o anseio da massa por ter mais, o seu desejo de
igualar-se aos que possuem mais bens do que ela, e portanto é um regime do desejo
(. ...) talvez a grande dificuldade do pensamento democrático tenha estado, por
muito tempo, em articular a sua temática do desejo no caso, o desejo das massas
por ter mais – com a necessidade de que elas não se limitem a tomar os bens, de que
se sentem privadas e, com isso, injustiçadas, mas também se proponham a
conquistar o poder. (...) A democracia para existir necessita da república. (...)
Significa que para haver o acesso de todos aos bens, para se satisfazer o desejo de
ter, é preciso tomar o poder – e isso implica refrear o desejar de mandar (e com ele o
de ter), compreender que, quando todos mandam, todos igualmente obedecem, e por
conseguinte devem saber cumprir a lei que emana de sua própria vontade. (...) A
dificuldade de uma democratização dos afetos e da sociabilização, ou seja, da vida
afetiva e das relações de trabalho, está exatamente nessa exigência de autonomia,
que nem sempre é entendida como essencial, porque se deseja da democracia a
distribuição dos bens, e não a gestão do poder. (RIBEIRO, 2000, p. 18, 22 e 23)
36
Como destaca Gohn (1997), a noção de participação popular no Brasil modificou-se
ao longo das últimas décadas, acompanhando as transformações políticas no país. Nos anos
70, participação remetia-se à redemocratização do país, mediante a abertura de canais de
representação popular e a ação centrada nas massas populares. Nos anos 80, a ênfase recaiu
sobre a consolidação e conquista de novos canais de participação na máquina pública, como,
por exemplo, através da criação de conselhos municipais em diferentes áreas de provisão de
políticas públicas. Nesse período, multiplicaram-se estratégias participativas via atuação de
organizações não-governamentais e movimentos sociais (Teixeira, 2005). nos anos 90, a
participação passa a ser percebida como estratégia para construção de uma gestão pública
renovada. Segundo Grau (1998), participação popular ganha a dimensão de parceria e co-
gestão de serviços públicos, através da articulação da sociedade civil com o aparelho
burocrático do Estado.
Azevedo & Prates (1991) destacam que os chamados Novos Movimentos Sociais
Urbanos podem ser classificados em três tipos ideais, apresentando diferentes
posicionamentos quanto à participação na definição e implementação de políticas públicas.
Um primeiro grupo, denominado de Associativismo Restrito ou Comunitário, caracteriza-se
pela independência frente ao Estado, voltando-se para metas específicas de sua agenda,
passíveis de serem atingidas a despeito da forma de condução das políticas públicas. O
segundo tipo ideal seria constituído por Organizações Reivindicativas, que concentrariam suas
demandas na obtenção de bens públicos de primeiro nível, ou seja, bens e serviços públicos
concretos, ligados diretamente à alocação de recursos e implementação de projetos no curto-
prazo. A participação popular através desse tipo organizacional assumiria um caráter restrito
ou instrumental. Por fim, seriam encontrados os Movimentos Sociais Clássicos, vinculados à
luta por valores e direitos mais amplos, de transformação social mais profunda e de alcance
no longo-prazo. Esse tipo de participação, denominado pelos autores como Neo-
Corporativista, caractezaria-se pelo caráter global de seus objetivos e pela tentativa de
intervenção em macro-diretrizes políticas.
Percebe-se que a participação popular pode adquirir diferentes matizes de acordo com
a trajetória política, os interesses em jogo e os canais de participação abertos à sociedade nos
projetos sociais advindos de Parceriais Tri-Setoriais. Estratégias participativas como o
Orçamento Participativo (Avritzer, 1992) podem favorecer a proliferação de Organizações
Reivindicativas ou da participação restrita, ainda que componentes de participação ampliada
possam estar presentes nesses processos. No entanto, devido à sua estreita ligação com o
37
chamado Poder Local, algumas políticas sociais participativas podem apresentar forte
vinculação com dinâmicas de participação restrita. Nesse sentido, ganhos e perdas com os
processos participativos: o que pode se constituir em virtude por um lado, pode ser tomado
como debilidade por outro, como será visto mais a frente.
A participação popular em projetos sociais é também um processo ou fenômeno
organizacional, que se submete aos condicionamentos, perspectivas e limites do espaço
organizacional e do “mundo administrado” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985). Isso se
torna mais relevante ainda quando se estuda as interações entre organizações governamentais,
da sociedade civil e empresariais em projetos sociais, visto que a mediação de diferentes
organizações, em diferentes níveis de articulação da parceria se manifesta em vários
momentos e dinâmicas dessas parcerias, seja no âmbito da condução central dos projetos, seja
no nível das localidades atendidas por essas inciativas.
Weber (1994) aponta uma tendência ao insulamento burocrático presente nas
organizações modernas, distanciando e colocando em pólos opostos um ethos tecnocrático e o
do restante da sociedade. Outros estudos, como o de Herculano (1996), concentram-se na
análise dos que participam e dos que não-participam das lutas socioambientais no Brasil, em
diferentes frentes de ação, apontando a permanência de destacados desafios na ampliação da
mobilização popular, sobretudo entre indivíduos com menor escolaridade e acesso a
informação.
Na perspectiva weberiana, duas alternativas de controle da máquina burocrática, se
apresentariam: a ação de um líder carismático ou a existência de um parlamento forte.
Percebe-se, como argumentam Grau (1998) e Arretche (1996), que a solução weberiana se
fora da burocracia, visto que inexiste para Weber (1994) a possibilidade de abertura e
participação dentro da máquina burocrática. O sociólogo alemão destacava, no período
imediatamente posterior à Revolução Russa, as ameaças à sociedade igualitária e à
democracia representadas pela burocracia presente na máquina estatal russa, formada pela
vanguarda proletária e por ex-burocratas do czar.
Se a democracia faz avançar por um lado a igualdade dos homens, por outro lado a
autoridade do governante, fortemente permeada por uma racionalidade legal, se depararia com
a máquina da burocracia estatal. No entanto, como destaca Giddens (1998), Weber (1994)
entendia que: A ‘rotinização da política’ – ou seja, a transformação das decisões políticas em
decisões de rotina administrativa, pela dominação do funcionalismo burocrático - era
especificamente estranha às demandas que eram mais básicas para a ação política”. (p. 50-51)
38
Longe de se restringir a um fenômeno interno ao Estado, a ascensão das organizações
burocráticas na sociedade contemporânea atinge a quase totalidade dos agrupamentos sociais,
incluindo não as instituições governamentais, mas também as empresas e as organizações
da sociedade civil. A organização burocrática, expressão da dominação racional-legal,
apresenta-se para Weber (1994) ao mesmo tempo como expressão máxima do que de mais
eficiente e avançado a humanidade constituiu, bem como do que de mais opressivo ela erigiu
(DOMINGUES, 2000). O pessimismo weberiano quanto à idéia de democratização e
participação dentro da organização burocrática levam-no a uma saída externa à lógica e jogo
de poder da máquina organizacional: o líder carismático (GRAU, 1998).
Frente à tendência de separação entre gestão da máquina burocrática e ação política, e
de domínio crescente da primeira sobre a segunda, Weber (1994) enxergava como um das
alternativas a presença da autoridade do líder carismático. Preconizando, demandando ou
criando novas obrigações, o “‘elemento carismático’ adquiria uma significação vital na ordem
democrática moderna; sem ele, nenhuma elaboração de políticas seria possível, e o Estado
ficaria relegado a uma democracia sem liderança, ao governo de políticos profissionais sem
vocação”. (GIDDENS, 1998, p. 51) Esse elemento carismático parece estar presente em
vários estudos sobre parcerias em projetos sociais que apontam a importância de indivíduos
com perfil empreendedor, seja no âmbito das organizações da sociedade civil ou da máquina
pública, capazes de construir alternativas de ação que escapem à rigidez dos procedimentos
burocráticos e viabilizem ações efetivas nas intervenções sociais propugnadas pelos projetos
(OGBOR, 2000; NAGAM, 1996).
Concepção semelhante à de Weber é construída por Michels (1969), ao demonstrar
que as organizações submetem-se à chamada Lei de Ferro das Oligarquias, ou seja, à
tendência de suas lideranças distanciarem-se das aspirações daqueles que os elegeram e
voltarem-se para a própria sobrevivência dentro do aparato organizacional. Novamente
apresenta-se uma visão pessimista quanto à possibilidade de construção de processos
democráticos em estruturas e modelos que exijam mediação organizacional.
Cabe destacar que as críticas aos processos participativos podem resultar em uma
desconstrução da idéia de diálogo e envolvimento mais profundo dos indivíduos,
comunidades e grupos sociais nos processos políticos e sociais em torno da democracia. Se as
considerações críticas quanto aos dramas e tramas da participação merecem atenção, cabe
também atentar para o fato que o caminhar em direção a abordagens dos processos
democráticos em bases próximas, ou mesmo idênticas, às do elitismo também carregam seus
problemas, estando longe de se constituírem em alternativa teórico-conceitual consistente para
39
a análise da democracia e de seus processos participativos nas sociedades contemporâneas,
sobretudo no caso brasileiro.
As estratégias de participação popular construídas no cenário brasileiro têm forte
vinculação com a mediação organizacional, através da interlocução do Estado com
movimentos sociais organizados e organizações não-governamentais. No caso brasileiro, a
utilização de estratégias de democracia direta, como o plebiscito e o referendum, é menos
presente ou até mesmo inexistente quando comparada com outros países latino-americanos
(Benevides, 1998; Grau, 1998), o mesmo se manifestando especificamente no campo das
políticas públicas sociais.
Cabe considerar, como destaca Dahl (1993), que a recorrência a mecanismos
plebiscitários apresenta limites e desafios, tanto em termos de eficiência quanto de respeito a
minorias e grupos locais, sobretudo em sociedades marcadas pela diversidade e desigualdade
de poder econômico e político, como a brasileira. Sendo assim, a democracia direta não se
apresenta como alternativa à democracia representativa, mas como complemento relevante
aos sistemas de decisão via representação (Santos, 2000; Benevides, 1998; Grau, 1998;
Avritzer, 1992).
Se os impasses organizacionais colocados à participação parecem ser instransponíveis,
Pateman (1992) argumenta que, apesar de no âmbito das organizações não existir espaço para
a democracia em si, níveis diferenciados de participação podem se manifestar. Mas, como
demonstra a autora, corre-se o risco de discursos aparentemente participativos remeterem a
práticas de pseudoparticipação. Por outro lado, mesmo processos manipulados de participação
teriam papel relevante, segundo Pateman (1992), na medida em que difundiriam
gradativamente entre os indivíduos a idéia de que podem participar, consolidando sujeitos
cada vez mais exigentes quanto ao processo participativo.
Grau (1998) e Tenório (2002), por sua vez, indicam que a participação é um fenômeno
fundamentalmente ligado à racionalidade comunicativa habermasiana. Sendo assim,
implicaria não em avançar os mecanismos organizacionais de abertura à participação, mas
também a própria interação comunicativa entre os diferentes atores que se inserem nessa
dinâmica: população, lideranças comunitárias, gestores de organizações da sociedade civil e
organizações públicas, dentre outros. Além disso, seria essencial se ultrapassar a
racionalidade instrumental, caminhando-se em direção à racionalidade substantiva ou à
racionalidade comunicativa, conforme entendida por Habermas (2003). Para tanto, segundo
Tenório (2002), um dos passos é romper com o caráter de técnica imposta externamente ao
indivíduo, característica da racionalidade instrumental, respeitando-se “a sua maneira
40
particular de perceber a ação racional com relação a fins” (p.33). A proximidade com a
discussão sobre formulação de programas e projetos sociais parece bastante evidente e pontua
um dos desafios do encontro entre detentores do saber técnico, formal e organizado e
portadores do saber tradicional, informal e não-estruturado (MORIN, 2000).
No quadro abaixo, apresentam-se vários dilemas ligados às estratégias participativas
de gestão de projetos sociais, que trazem possibilidades e desafios não para as instituições
públicas governamentais, mas também ao papel desempenhado pelas organizações da
sociedade civil e as empresas quando estabelecem formas de diálogo e interação sobre a
intervenção em problemas sociais.
PERSPECTIVAS AMEAÇAS
Alta densidade de participação Padrão de planejamento debilitado
Governança Facilitada Governança Bloqueada
Participação autêntica Pseudoparticipação e/ou pasteurização da
participação
Formação de conselhos atuantes e mecanismos
transparentes de governança empresarial
Prefeiturização de conselhos e composição com
grupos cooptados em estruturas de governança
Ruptura do clientelismo tradicional Novas formas de clientelismo
Visão estratégica da gestão de políticas sociais Supremacia de grupos organizados
Ênfase nos aspectos simbólicos Participação reduzida à estratégia de marketing
Parceria com a população Parceria espúria com as partes interessadas
Sensibilidade às especificidades locais Políticas Sociais esfaceladas
Negociação entre interesses divergentes Jogo de soma zero (desigualdade + recursos
escassos)
Diálogo com as partes interessadas Hegemonia da sedução e da retórica
Fortalecimento das instâncias participativas Esvaziamento de poderes constituídos,
sobretudo o legislativo
Negociação democrática de conflitos Acobertamento de conflitos
Interlocução entre burocratas e cidadãos Insulamento Tecnocrático e Lei de ferro das
oligarquias
Quadro 1 - Dilemas da Participação Popular nas Políticas Sociais
Fonte: Elaboração própria a partir de Jacobi (2006), Paraíso (2005), Sachs (2005), Guivant (2003), Olson (1999),
Benevides (1998), Soares; Gondim (1998), Najam (1996), Weber (1994), Diniz (1992), Pateman (1992), Lélé
(1991), Olstron (1990) e Michels (1969).
41
Alternativas de gestão participativa como os conselhos municipais de políticas sociais
podem gerar grande fluxo de participação popular, permitindo a construção e/ou o reforço da
idéia de interesse público, sobretudo através dos aspectos simbólicos e culturais da inserção
de diferentes parcelas de cidadãos nas decisões sobre os bens públicos. Além disso, esses
mecanismos podem romper a tradicional interlocução entre burocrata e cidadão, que em
muitos casos é marcada pelo clientelismo, mas podem também esbarrar na insensibilidade
com relação às especificidades das comunidades locais e no distanciamento entre tais atores
dentro de projetos sociais. Por fim, mas não menos importante, a participação no nível local
tem se mostrado como um dos canais mais promissores para a atuação das organizações da
sociedade civil, na medida em que possibilita a difusão de novos valores e idéias defendidas
pelos movimentos sociais no caráter das políticas públicas locais e facilita a disputa por
recursos destinados a serviços oferecidos em parceria com a esfera não-governamental
(SPINK, 1999).
No entanto, esses mesmos mecanismos podem carregar em si constrangimentos
decisivos ao avanço da cidadania e à pluralidade de interesses na construção do espaço
público. Tais ameaças advêm tanto de cenários nos quais o grau de articulação das
organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais é incipiente, permitindo que
esquemas de participação outorgada pelos poderes locais governamentais sejam acionados,
como na chamada prefeiturização dos conselhos com atores cooptados e extremamente
alinhados com os interesses dos gestores públicos, até conjunturas nas quais organizações da
sociedade civil e movimentos sociais mais estruturados e sólidos acabam dragando os
recursos e instrumentos mais atrativos na provisão de serviços sociais. Além disso, ao
aproximar burocratas e cidadãos, sejam eles organizados através de movimentos sociais ou
individualmente, esses esquemas permitem também que jogos de sedução e de conquista
através da retórica vazia se estabeleçam entre as partes, muitas vezes dominada pelo discurso
hermético dos técnicos, sejam eles do poder público, empresa ou organizações da sociedade
civil.
A participação popular nas políticas, programas e projetos sociais pode significar tanto
um grau elevado de engajamento de comunidades, movimentos sociais e indivíduos com as
estratégias de intervenção nos problemas comunitários, como também pode gerar um
esfacelamento do planejamento da ação estatal e das próprias políticas públicas, perdendo-se
de vista os fenômenos estruturais que afetam tais problemas nos níveis global, nacional e
42
regional-local, em prol do ataque a questões específicas e conjunturais que afetam os grupos
diretamente interessados. (FISCHER et al, 2003; ARRETCHE, 1996; NAGAM, 1996)
Por outro lado, os compromissos assumidos em esquemas de decisão participativos
implicam em determinada inflexibilidade no funcionamento da máquina pública em torno de
algumas metas. Em um país no qual o controle social por parte da população é um fenômeno
recente e grande parcela da sociedade encara muitos de seus direitos como favores concebidos
pelos detentores do poder (Nunes, 2003; Faoro, 2001; Damatta, 1997; Diniz, 1982), pode-se
caminhar para um quadro em que simultaneamente apareçam resistências dentre os técnicos
do Estado e fortes pressões clientelistas por parte da população e comunidades ou das próprias
organizações envolvidas nas Parcerias Tri-Setoriais. Além dessas dificuldades, podem se
manifestar traços que seriam típicos da cultura brasileira, como a cordialidade (Hollanda,
1997) ou a tendência a se evitar a manifestação explícita de conflitos diretos (DaMatta, 1997),
tornando os processos participativos em políticas públicas um mecanismo de construção de
consensos pouco plurais e democráticos.
Outro fenômeno relevante associado à participação, principalmente no âmbito da
difusão dos conselhos municipais no Brasil, é a chamada prefeiturização. Como o repasse de
verbas federais muitas das vezes se opera mediante a exigência de institucionalização de
conselhos gestores locais de políticas sociais, o Estado no nível municipal pode estimular a
formação dessas instâncias de gestão sem que a população esteja devidamente informada e
preparada para dialogar com a burocracia pública. Nesse contexto, a participação pode mudar
de caráter, perdendo o prisma de conquista popular, para adquirir a conotação de benesse
pública outorgada. Uma instância pica de accountability como os conselhos pode se tornar
espaço de legitimação institucional de mecanismos pseudoparticipativos de decisão.
Tudo isso pode transformar os mecanismos e espaços de controle social sobre o
Estado em meros ambientes de confirmação de decisões decididas ou de discussão de
amenidades, evitando-se e encobertando-se questões polêmicas, além da difusão da imagem
de governo protetor e responsável por tudo e todos, com forte viés partenalista-
assistencialista.
Além disso, para que os canais de participação popular operem de forma a consolidar
agendas consistentes e duradouras de provisão de políticas sociais é preciso que seus
participantes estejam dispostos a abrir mão de interesses particulares no curto-prazo, em prol
de resultados globais no longo-prazo (OSTROM, 1990). Temas polêmicos e capazes de
despertar comportamentos defensivos em torno de direitos, como são alguns dos temas que
compõem a agenda social, podem levar esses canais a reproduzirem uma realidade na qual
43
grupos mais organizados e dotados de maior capacidade de influência na definição de agendas
se tornem hegemônicos em detrimento do restante da população.
Em jogos de soma zero na provisão de políticas sociais, a luta por recursos escassos
associada a desigualdades marcantes, pode gerar verdadeiras parcerias espúrias entre atores de
Estado, empresas e organizações da sociedade civil. Cabe destacar também que, em contextos
de forte retração dos gastos públicos com programas sociais, realidade que tem se
manifestado em diferentes nações, a negociação de interesses divergentes em arenas
participativas pode gerar jogos perversos de soma zero. Neles, as comunidades e população
podem ser levadas a abrir mão de determinados direitos em algumas esferas, para ter seus
direitos atendidos em outras. (SOARES e GONDIM, 1998) Com isso, se pode reforçar
dicotomias questionáveis entre crescimento econômico, geração de emprego e renda e
ampliação de direitos, esmigalhando a agenda das políticas sociais, como se fosse composta
por frentes de atuação (social, democrática, cultural, ambiental, do mercado de trabalho...)
dicotômicas e incongruentes entre si. O resultado pode ser a exacerbação do conflito e de
posições defensivas extremadas entre grupos sociais com níveis de renda e interesses
diferenciados.
Por fim, é preciso assegurar que os canais de participação popular não representem um
esvaziamento de outras formas de democracia. Vários autores partem do princípio que a
participação fortalece e dinamiza os canais tradicionais de democracia direta (Santos, 2002;
Avritzer, 1992). No entanto, o crescente descrédito da população em torno dos aparatos e
sistemas políticos tradicionais (partidos, legislativo, judiciário, ...), fenômeno observável em
várias democracias no mundo (GIDDENS, 2002) e que parece se manifestar também no
Brasil (CARVALHO, 2008), pode levar a população a se empenhar em embates distantes do
lócus no qual efetivamente as decisões e os jogos de poder operam. Constrói-se assim um
fenômeno perverso no qual se participa sem efetivamente participar, visto que as decisões
relevantes estariam sendo tomadas em outras instâncias, herméticas à interlocução com as
partes interessadas. Assim, a participação pode não alcançar justamente os públicos que mais
relevância e urgência teriam em consquistá-la:
... as práticas de governança e participação correm o risco de se constituírem em
alternativas fadadas ao insucesso para os que delas mais necessitam: os
desorganizados e os destituídos de recursos. (...) podem terminar por se constituir
num mecanismo seletivo de conferir aos ricos as políticas, aos pobres o mutirão; a
quem pode, o poder, a quem não pode, a participação. (BOSCHI, 1999, p. 683)
44
O espaço da gestão de políticas sociais apresenta-se como construto social fundado
tanto na preparação técnica, quanto no exercício da política. A consolidação de práticas
participativas para a provisão de políticas sociais tem como caminho tanto a democratização
dos bens públicos, quanto a gestão do poder (RIBEIRO, 2000). Essas duas faces de uma
mesma moeda indicam não só que ganhos significativos podem vir acompanhados de avanços
concretos em termos de provisão de serviços sociais, pois se reforçam continuamente.
Indicam, antes de tudo, que nas políticas, programas e projetos sociais as possibilidades de
modernização se fazem sempre acompanhadas de dilemas e impasses.
45
3 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E SEUS IMPASSES NA ESFERA
PÚBLICA
Uma verdadeira polissemia conceitual e o uso indiscriminado das expressões esfera
pública, sociedade civil, movimentos sociais, organizações não-governamentais e terceiro
setor, muitas vezes como se fossem sinônimas, carrega em si não apenas a dificuldade de
entender a ação de atores e instituições que se inscrevem em uma esfera diferente da
governamental e do mercado. Isso denota também os embates que se configuram sobre os
papéis da sociedade civil, do Estado e do mercado na provisão de políticas e serviços sociais.
Além disso, longe de se resumir a idiossincrasias semânticas, revela aspectos importantes para
o entendimento das interações entre atores de Estado, organizações da sociedade civil e
empresas na construção de Parcerias Tri-Setoriais.
Organizações não-governamentais e do terceiro setor comporiam formas peculiares de
manifestação da chamada sociedade civil (LANDIM, 2002; OLIVEIRA, 2002; GOHN,
1997). No entanto, essa diferenciação pouco elucida sobre a natureza, as possibilidades e os
desafios que se apresentam com a presença de OSCs na oferta de serviços sociais.
Os conceitos associados à idéia de terceiro setor são amplos, imprecisos e até mesmo
contraditórios entre si. Terceiro setor parece ter se transformado em uma expressão que
pretende explicar tudo e pode não explicar nada, carregando muitas contradições em si
(LANDIM, 2002). Em uma definição nima sobre o termo, entende-se por terceiro setor
uma gama variada de organizações que vão desde entidades sem fins lucrativos, não-
governamentais (ONGs), instituições filantrópicas, fundações e projetos sociais ligados a
empresas, dentre outras. (CARRION, 2000; OLIVEIRA, 2002)
Percebe-se que uma das características do terceiro setor é sua extrema
heterogeneidade, o que se repercute na ausência de consenso quanto à abrangência de seu
conceito e às terminologias adotadas para se referir às organizações que o compõem (COSTA
JÚNIOR, 1998).
A heterogeneidade das organizações que compõem o terceiro setor
manifesta-se nos objetivos institucionais, trajetória política, inserção ideológica, relação com
o Estado, empresas privadas e organismos internacionais, metodologia de intervenção nos
problemas sociais e modelos de gestão desenvolvidos, dentre outros aspectos (FERNANDES,
1994).
Terceiro setor pode ser entendido como aquilo que é público, porém privado ou então,
aquilo que é privado, porém público (FERNANDES, 1994). Esse trocadilho serve para
46
demonstrar que terceiro setor assemelha-se ao Estado (primeiro setor) na medida em que tem
como objetivos e alvo de atuação o bem público, mas diferenciaria-se do Estado por ser uma
iniciativa da própria sociedade. Por outro lado, terceiro setor não equivale à iniciativa privada
(segundo setor), pois apesar de não ser governamental, tem como objetivo o benefício público
(WADDELL, 1999). Dentro dessa linha de interpretação, uma representação comumente
encontrada acerca de terceiro setor pode ser visualizada na figura abaixo, Setores
Socioeconômicos, na qual os campos estatal, privado e público não-governamental são
distintos, mas por vezes se interpenetram e se sobrepõem.
Esquema 2 - Setores Socioeconômicos
Fonte: WADDELL, 1999, p.1.
Essa definição extremamente genérica, como a que se apresenta nos modelos de
Fernandes (1994) e Waddell (1999), não é capaz de dar conta da complexidade e ambiguidade
do conceito, visto que o público, porém privado muitas vezes pode estar mais próximo do
privado do que do público, como pode ser o caso de muitos projetos sociais vinculados a
grandes empresas. Ou então, o privado, porém público pode estar mais próximo do público
estatal, como é o caso de muitas organizações do terceiro setor cujos recursos, metodologias e
suporte institucional originam-se na sua quase totalidade do Estado.
Dentro do espectro do terceiro setor se encontrariam organizações de diferentes
matizes, das quais se podem relacionar alguns exemplos: organizações-não governamentais
(ONGs); associações comunitárias; instituições filantrópicas; fundações de origem
Primeiro Setor
ESTADO
Segundo Setor
INICIATIVA PRIVADA
Terceiro Setor
SOCIEDADE
CIVIL
47
empresarial; igrejas e seitas; organizações sociais (OS, como ficaram conhecidas dentro do
plano de Reforma do Estado no Brasil); e sindicatos.
Roesch (2002), analisando as diferentes classificações para o conceito de terceiro setor
e os papéis desempenhados pelas organizações da sociedade civil, elabora uma visão
comparativa entre as categorias classificatórias propostas por Salomon & Anheier (1992) e a
caracterização das instituições englobadas sob o rótulo de Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs), de acordo com o chamado Novo Marco Legal do terceiro setor
no caso brasileiro. As orientações legais, propondo uma nova forma de enquadrar
juridicamente as diferentes organizações do terceiro setor, surgiram com o intuito de eliminar
entraves burocráticos de operação dessas instituições, sobretudo quanto às relações
colaborativas com atores de Estado no Brasil, criando um novo grupo de instituições que teria
acesso privilegiado à articulação com o Estado na provisão de políticas públicas. O modelo
comparativo de Roesch (2002) pode ser observado no quadro abaixo.
48
Internacional Classification
for Non-Profit Organizations
(ICNPO)
Atividades a serem desenvolvidas pelas
OSCIPs
Grupo I – Cultura e Recreação
II – Promoção da cultura, defesa e conservação do
patrimônio histórico e artístico
Grupo II – Educação e Pesquisa III – Promoção gratuita da educação
XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de
tecnologias alternativas, produção e divulgação de
informações e conhecimentos técnicos e
científicos que digam respeito às atividades
mencionadas neste artigo
Grupo III – Saúde (hospitais e
reabilitação, residências para idosos,
intervenção em saúde mental e crises)
IV – Promoção gratuita da saúde
Grupo IV – Serviços Sociais
(emergência e assistência,
I – Promoção da assistência social
Grupo V – Ambiente (ambiente e
proteção animal)
VI – Defesa, promoção e conservação do meio
ambiente e promoção do desenvolvimento
sustentável
Grupo VI Desenvolvimento e
Habitação (desenvolvimento
econômico social e comunitário,
habitação, emprego e formação
profissional)
V – Promoção da segurança alimentar e
nutricional
VIII – Promoção do desenvolvimento econômico
e social e combate à pobreza
IX – Experimentação não lucrativa, de novos
modelos sócio-produtivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e
crédito
Grupo VII Direitos Civis, Defesa de
direitos e Direitos políticos
(organizações cívicas e de defesa de
direitos, serviço legais e legislação)
X – Promoção de direitos estabelecidos,
construção de novos direitos e assessoria jurídica
gratuita de interesse suplementar
XI – Promoção da ética, da paz, da cidadania, dos
direitos humanos, da democracia e de outros
valores universais
Grupo VIII Organizações
filantrópicas intermediárias e
promoção de voluntariado
VII – Promoção do voluntariado
Grupo XIX – Internacional
Grupo X Negócios, Associações
Profissionais, Sindicatos
Grupo XI – Religião
Grupo XII – Outras
Quadro 2 - Comparação entre Modelos Classificatórios de OTSs
Fonte: ROESCH, 2002, p. 5.
49
O modelo de classificação internacional de organizações sem fins lucrativos
desenvolvido por Salomon & Anheier (1992), bem como a proposta para as OSCIPs, tem
como fundamento a área de atuação das organizações do terceiro setor, mas parece não
oferecer uma compreensão mais aprofundada de suas formas de atuação na provisão de
políticas sociais, nem tampouco das perspectivas, ambigüidades e dilemas que se estabelecem
a partir da identidade e dos papéis dos atores em cada um dos três setores. Para se
compreender melhor as iniciativas da sociedade civil e os diferentes interesses e atores em
jogo no seu campo é necessário compreender a origem histórica das terminologias envolvidas
e seu posicionamento diante das esferas do mercado, estatal e pública.
Pereira e Grau (1999) adotam a terminologia organizações públicas não-estatais
(OPNE) para designar aquelas instituições formadas por grupos de cidadãos, cujo
funcionamento se caracterizaria por uma racionalidade extramercantil, extracorporativa e
extrapartidária. Os autores partem da idéia da existência de quatro esferas relevantes nas
sociedades contemporâneas, a saber: propriedade pública estatal, pública não-estatal,
corporativa e privada. Nessa perspectiva analítica, instituições como sindicatos e órgãos de
representação profissional localizam-se no campo corporativo e, portanto, se inscreveriam nas
relações típicas de mercado entre capital e trabalho, diferenciando-os do espaço privado bem
como da esfera público não-estatal, na qual se inscreveriam as organizações do terceiro setor.
Se por um lado a proposta classificatória de Pereira & Grau (1999) introduz diferentes
dimensões das sociedades contemporâneas, a separação entre as esferas corporativa e não-
estatal, sendo a última o espaço do terceiro setor, acaba por excluir dessa definição um amplo
grupo de organizações profissionais, sindicatos e grupos que se pautam pelo caráter não-
governamental, a defesa de direitos específicos e a orientação não-lucrativa. Com isso, perde-
se de vista a complexidade dos diferentes em jogo no terceiro setor, que ora convergem em
direção aos de outros grupos e atores, ora se contrapõem. Aplicada à realidade brasileira, essa
tipologia pode resultar na exclusão de organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), que se constituíram historicamente em espaços importantes de defesa de direitos e
cidadania, bem como agentes de interlocução com o Estado, sobretudo no período da última
ditadura vigente no país.
Na verdade, a dicotomia entre esferas da sociedade não é tão evidente ou previamente
determinada, existindo áreas cinzentas de interface entre mercado, Estado e sociedade civil.
Exemplo disso é o conceito de QUANGO. Vindo da expressão em inglês relativa a Quasi
50
Non-Governmental Organization, esse conceito serve para designar as organizações surgidas
a partir da reforma do Estado no Reino Unido (PEREIRA e GRAU, 1999). As QUANGOs
atuam no campo social, com destaque para as áreas de saúde e educação, com recursos
regulares provenientes do Estado, em um formato jurídico-contratual próximo ao das
chamadas Organizações Sociais (OS) no Brasil.
Carvalho e Sachs (2001) e Aristizábal (1997), ao analisarem a relação entre ONGs
internacionais baseadas nos países centrais e organizações não-governamentais de países em
desenvolvimento, chamam atenção para a compreensão da trajetória histórica e dos matizes
políticos dessas organizações frente aos países e blocos nos quais se originam e operam.
Aristizábal (1997) adota a terminologia organização não-governamental de desenvolvimento
(ONGD), denominando-as ainda de do Norte e do Sul, conforme sua origem nos países
centrais ou nas nações em desenvolvimento.
Para a autora, entre as ONGDs se encontram tanto organizações de vinculação
religiosa, quanto político-sindicais, solidárias, internacionais e universitárias. Aristizábal
(1997) destaca a necessidade de compreensão da trajetória histórica dessas organizações e os
diferentes matizes ideológicos por detrás das quatro gerações de ONGDs do Norte:
a) Primeira Geração ou Assistencialistas: nascidas durante a Segunda Grande
Guerra, se voltam a remediar situações de escassez e risco através de ações de
emergência e assistência, sendo os únicos atores envolvidos nessas ações;
b) Segunda Geração ou Desenvolvimentistas: apareceram nos anos 60, seguindo
orientações teórico-metodológicas desenvolvimentistas e pautando-se pela
transferência de recursos econômicos e tecnológicos do Norte para o Sul;
c) Terceira Geração ou de Parceria e Denúncia Social: tendo seu nascedouro nos
anos 70 e sob forte influência de um caráter político de intervenção na realidade
social, buscando ampliar a participação política e fortalecer a ação de movimentos
sociais;
d) Quarta Geração ou de Empoderamento: surgidas nos anos 80, realizam ações
através de redes formais e informais de pessoas e organizações, tendo como
parâmetro a interdependência social, econômica, política e ecológica, ou como
muitos denominam, o chamado Desenvolvimento Local Integrado Sustentável
(DELIS).
Ainda segundo Aristizábal (1997), as ONGDs do Sul podem ser entendidas dentro de
quatro categorias básicas:
51
a) ONGs de Ação Direta: inseridas nas comunidades que têm como alvo, atuam
diretamente, ou seja, sem intermediários nestas localidades, geralmente em
articulação com organizações de base (associações de moradores, cooperativas de
trabalhadores, dentre outras), desenvolvem via de regra programas no âmbito da
assistência social;
b) ONGs Intermediárias: encarregam-se de estabelecer relações, contatos e
assessoria técnico-administrativa visando à captação de recursos de organismos
internacionais, atores de Estado e empresas para projetos em diferentes áreas de
atuação, como por exemplo, meio-ambiente e direitos humanos;
c) ONGs de Estudo: formadas por técnicos especializados, em geral desenvolvem
análises sobre setores, regiões ou países, trabalhando muitas vezes em assessoria a
atores de Estado;
d) ONGs de Defesa dos Direitos Humanos: formam redes com bases em vários
países, sobretudo naqueles que violam sistematicamente direitos humanos.
Dentro da idéia de terceiro setor podem se encontrar organizações formalizadas
juridicamente quanto informais; com uma gestão estruturada e profissionalizada quanto não-
estruturada e pouco-profissionalizada; de grande porte quanto de tamanhos médio e pequeno;
caráter supranacional ou multinacional quanto local (CARVALHO, 1997; FERNANDES,
1994); com fontes de financiamento atreladas ao Estado e/ou grandes empresas quanto sem
fontes regulares de financiamento de suas atividades, entre outras diferenciações (COSTA
JÚNIOR, 1998). O ponto de convergência entre as várias organizações que comporiam o
terceiro setor parece ser a ausência do lucro como finalidade central em sua orientação
gerencial e a objetivação da cidadania e de direitos ampliados ou restritos a determinados
grupos.
Esse quadro se mostra mais complexo ainda quando se percebe que, nas interações
cotidianas, tais atores se apropriam de expressões e conceitos, tentando reproduzir um
pretenso alinhamento ideológico ou convergência quanto à urgência de combate a
determinados problemas sociais. Para Sobottka (2002, p. 9) “a linguagem, a lógica de gestão e
os objetivos das principais lideranças daquilo que se considera ‘terceiro setor’ são ditados
pelo subsistema economia e, em menor grau, pelo subsistema administração pública estatal
e muito pouco pela esfera pública onde se supõe seu ancoramento.” Por sua vez, Landim
(2002) e Oliveira (2002) discutem a necessidade de se repensar os significados socialmente
construídos em torno da expressão ONG. Segundo esses autores, o termo vem sendo
apropriado por diferentes grupos sociais, vários deles distantes das características atribuídas
52
pelo imaginário social às ONGs no Brasil, sobretudo quanto ao seu caráter participativo,
organizativo de base e de compromisso com a efetiva emancipação em termos de
consolidação cidadania e dos direitos políticos e sociais.
Tudo isso denota a relevância de se operar a partir de uma visão crítica das noções que
tentam significar e ressignificar as organizações que gravitam no âmbito daquilo, que ora se
denomina de terceiro setor, ora de setor sem-fins lucrativos ou mesmo não-governamental.
Diante das polissemias que se multiplicam para referenciar tais organizações, o resgate da
noção de sociedade civil parece responder mais adequadamente à tarefa de repolitizar noções
e conceitos, como defende Alves (2004), e evitar “denominações ideologicamente esvaziadas
do seu componente público, como aconteceu com a própria expressão ‘terceiro setor’”
(ALVES et al, 2008, p. 61). Tal perspectiva permitiria se analisar com maior consistência a
ação pública dessas organizações, entendida para além da simples junção entre política
pública e ação social, visto que seu contexto de operação seria permeado por jogos de poder e
construção de significados não unívocos em nas arenas de ação. A partir desse quadro
descortinam-se perspectivas, armadilhas, dilemas e contradições da inserção das
organizações da sociedade civil como vetores da modernização da gestão de políticas sociais
no país.
3.1 Venturas e Desventuras das Organizações da Sociedade Civil nas Políticas e Projetos
Sociais no Brasil
Organizações da sociedade civil se constituíram nos últimos anos, tanto no Brasil
quanto no cenário internacional, em atores sociais extremamente relevantes nos processos
políticos e econômicos. Não é exagero dizer que o imaginário social construiu uma percepção
positiva acerca dessas organizações, associando-as a uma grande legitimidade social, à
representação eficiente dos interesses públicos, ao trato correto dos recursos públicos e ao alto
conteúdo de participação popular em suas atividades, propostas e estruturas organizacionais.
(LANDIM, 2002; OLIVEIRA, 2002)
No entanto, organizações da sociedade civil não constituem um grupo homogêneo.
Segundo Carrion (2000), é justamente na caracterização da natureza gerencial das OSCs que
se encontram os principais fatores para análise das especificidades dessas organizações.
Segundo a autora, a forma como essas organizações delimitam para si as questões sociais
53
fundamenta-se em sua dinâmica econômico-gerencial e institucional. Neste sentido, cabe
questionar como é exercido o poder para fora e para dentro de sua estrutura organizacional, ou
melhor, como se constrói a relação com os grupos que representam e legitimam as OSCs
através de seus mecanismos internos e seus desdobramentos sobre sua ação externa
(TEODÓSIO, 2000).
Segundo Jacobi (2000), as organizações da sociedade civil brasileiras passaram por
um profundo processo de profissionalização e adoção de tecnologias de gestão na década de
1990, resultando no fortalecimento de sua capacidade de ação. Se a difusão de técnicas
gerenciais entre ONGs pode trazer esses resultados, é também importante atentar para o fato
que, pressionadas por um crescente discurso gerencialista, que tem como mote a eficiência
administrativa de suas operações, as organizações da sociedade civil se vêem diante da
necessidade de aumentar sua base de contribuintes e filiados, bem como captar recursos em
fontes externas, quer sejam provenientes de empresas privadas ou do Estado (TENÓRIO,
2002; TEODÓSIO, 1999).
Nesse cenário, o desprezo por estratégias da chamada Participação Restrita ou
Instrumental, ou seja, o desatrelamento quanto à conquista de ganhos visíveis em termos de
bens de primeiro nível (concretos e no curto-prazo), poderia levar as organizações da
sociedade civil a serem associadas à uma imagem de ineficiência gerencial e política,
debilitando seu acesso a recursos. Por outro lado, o desprendimento total quanto à consecução
de suas metas e valores mais amplos poderia levar a uma descaracterização como
representante legítima da sociedade e/ou de seus grupos, ficando mais susceptível ao
insulamento burocrático.
Observa-se uma grande concentração de publicações voltadas aos aspectos gerenciais
das organizações da sociedade civil, que muitas vezes são concebidas dentro de um viés
normativo ou propositivo de intervenção nos problemas sociais, que ora idealiza o seu papel
como ator legítimo da participação na popular, ora critica sua incapacidade gerencial em criar
estruturas profissionais, sólidas e perenes ou em gerar respostas amplas, continuadas e sólidas
no combate aos problemas sociais. Além disso, não são raras as publicações que defendem
explicitamente ou implicitamente que a modernização da sociedade civil deve se dar através
da difusão de tecnologias de gestão empresarial entre suas organizações.
Por detrás da atenção crescente com relação às OSCs encontram-se algumas
promessas de avanço das políticas sociais, não raras as vezes apresentadas como verdadeiras
utopias modernizadoras da gestão de políticas sociais. Ora estando mais próximo do cidadão,
54
ora influenciando a formulação de políticas, programas e projetos com maior eficiência,
eficácia, efetividade e impacto, a ação de OSCs apresentaria as seguintes virtudes:
a) Maior proximidade do cidadão, tendo maiores chances de fornecer os serviços
sociais e benefícios públicos que a população deseja e não aqueles que atores de
Estado e empresas lhes desejariam oferecer (JACOBI, 2000; IOSCHPE, 1997);
b) Maior agilidade e desburocratização, visto que apresentariam estruturas de
funcionamento reduzidas, ágeis e não submetidas aos rigores legais que imperam
na esfera estatal ou nas estruturas empresariais (PEREIRA e GRAU, 1999);
c) Melhor utilização das verbas, dado o fato de que não desponderiam recursos com
folhas de pagamento extensas, sofisticação tecnológica ou estruturas físicas
gigantescas, canalizando todo o dinheiro para a ponta dos projetos sociais
(MORALES, 1999; IOSCHPE, 1997);
d) Maior capacidade de captação de recursos, visto que trabalhariam de maneira
independente das orientações de político-partidárias e teriam maior apelo junto a
doadores individuais ou, então, em articulação com redes de OSCs, movimentos
sociais e empresas de forma a acessar recursos importantes (GORDENKER &
WEISS, 1996; BEBBINGTON, 2002);
e) Ampliação consistente da cidadania, na medida em que envolveriam indivíduos
das comunidades, principalmente na condição de trabalhadores voluntários, na
solução dos problemas sociais, rompendo com uma postura comodista, fatalista e
imobilista da sociedade (IOSCHPE, 1997; LIPIETZ, 1991);
f) Valorização de soluções da própria comunidade, que seriam não mais baratas e
fáceis de aplicar, mas muitas vezes, mais eficientes do que as grandes soluções
idealizadas e implementadas através de programas estatais centralizados ou
desenvolvidos pelos escritórios centrais de grandes corporações privadas (MELO
NETO e FROES, 2001);
g) Rompimento do assistencialismo, ou seja, a quebra de uma posição de
paternalismo com relação aos pobres. Isso se daria principalmente quando os
projetos sociais das OSCs buscam algum tipo de contrapartida por parte dos
beneficiados (MELO NETO e FROES, 1999);
h) Geração de emprego e renda, através da criação de trabalho remunerado em
projetos sociais, através de iniciativas baseadas na economia solidária e outras
formas de arranjos cooperativos. Além disso, para muitos as organizações da
sociedade civil seriam a saída para o desemprego, ao incorporar a mão-de-obra
55
excluída do mercado de trabalho no setor privado e estatal pelos processos de
reestruturação organizacional implementados por grandes empresas e pelo Estado
(RIFKIN, 1995; SALOMON, 1998; LIPIETZ, 1991);
i) Controle Social e Accountability, cobrando uma atuação direta sobre os problemas
sociais, coibindo a corrupção, exigindo a modernização das políticas públicas,
acessando e publicizando informações e avaliando resultados de programas e
projetos implementados pelo Estado e empresas (GOHN, 2000;PEREIRA e
GRAU, 1999);
j) Capacidade de focalização nos problemas sociais, visto que as organizações da
sociedade civil se deslocariam do víeis político-partidário e/ou ideológico dos
debates na esfera governamental, concentrando-se em problemas e soluções
efetivos para os problemas na provisão de políticas sociais e ampliação de direitos,
sobretudo aqueles que adquirem maior visibilidade junto à sociedade (DUNHAM,
FREEMAN, LIEDTKA, 2006; RONDINELLI, LONDON, 2004).
No entanto, vários questionamentos quanto à suposta capacidade modernizadora
advinda das organizações da sociedade civil nas políticas públicas e projetos sociais se
apresentam, quer seja tendo como objeto de estudo trajetórias nacionais específicas, quer seja
quanto à presença das OSCs no cenário internacional (BEBBINGTON, 2002; LANDIM,
2002; OLIVEIRA, 2002).
Debates e críticas sobre a sociedade civil são apontados em diferentes vertentes e
campos de conhecimento voltados ao estudo da esfera não-governamental. Na literatura que
discute a dimensão gerencial das organizações não-lucrativas, são encontrados alertas para os
riscos da crescente difusão de técnicas gerenciais privadas entre OSCs (TENÓRIO, 1999);
problemas advindos do aumento do número de voluntários (TEODÓSIO, 2002); a geração de
produtos e serviços como estratégia de captação de recursos (TEODÓSIO, 2002); a difusão de
critérios de avaliação das intervenções sociais concentrados em eficiência e eficácia, em
detrimento da efetividade e do impacto (FISCHER et al 2003; ROCHE, 2000); dentre outros
fatores.
Já na literatura voltada aos estudos das políticas públicas, autores como Landim
(2002), Oliveira (2002), Teixeira (2002), Gohn (2000a) e Morales (1999) dentre outros,
apontam as limitações e os riscos da expansão da provisão de políticas públicas através de
organizações da sociedade civil, diante de um cenário de: retração dos investimentos
governamentais em políticas sociais; posições não-equânimes de negociação e articulação
entre OSCs, Estado, organismos internacionais e capital privado; necessidade de ampliação da
56
faixa de focalização das políticas ambientais; permanência de práticas clientelistas e baixa
mobilização social para controle institucional do Estado e das empresas; dentre outros
problemas.
Além disso, estudos voltados à inserção de OSCs no cenário internacional questionam
o papel da sociedade civil como conjunto de atores capazes de ampliar as estruturas de
governança global (GORDENKER e WEISS, 1996), alterar o conteúdo das políticas dos
organismos internacionais (TUSSIE e RIGGIROZZI, 2001), construir agendas sociais menos
centradas nos interesses dos países capitalistas centrais e dos doadores (BEBBINGTON,
2002; CARVALHO E SACHS, 2001) e com impactos efetivos na ampliação da cidadania e
dos direitos (ARISTIZÁBAL, 1997; BARRINGTON et al, 1993; LÉLÉ, 1991), dentre outros
aspectos.
Se por um lado existem motivos para se vislumbrar novos caminhos capazes de
conjugar eficiência na utilização de recursos públicos e privados com ampliação qualitativa e
quantitativa dos serviços sociais oferecidos à população, por outro, constrangimentos
decorrentes tanto de fatores de natureza estrutural quanto conjuntural, apresentam-se como
verdadeiras armadilhas, nas quais a interação entre as esferas pública e privada, o moderno e o
arcaico, a sociedade civil e o mercado, o Estado e as OSCs podem resultar em prejuízo da
provisão de políticas sociais.
As organizações da sociedade civil podem desempenhar diferentes papéis em sua
relação com o Estado e as empresas. A seguir, encontram-se algumas formas de ação
desenvolvidas por essas organizações. Antes do exame destas diferentes perspectivas de
intervenção nos problemas sociais, cabe destacar que elas não são excludentes. Ou seja, pode-
se atuar em determinados momentos no controle da execução de projetos sociais, em outros
na execução dessas políticas, bem como exercê-los simultaneamente.
3.1.1 Controle da execução de políticas públicas
Importante papel que várias organizações da sociedade civil têm desenvolvido, muito
presente em movimentos que defendem a ampliação da cidadania, o acesso a direitos e/ou
lutam contra a corrupção, esse campo de ação pode também ser encontrada em algumas OSCs
internacionais que atuam no cenário brasileiro. O objetivo principal seria exigir dos atores de
Estado, empresas e mesmo da sociedade posturas e propostas inicialmente negociadas entre
57
eles e o cumprimento das leis, ou então a adoção de posições condizentes com visões
consideradas mais avançadas de organização e convivência social na provisão de políticas
sociais. Um dos recursos mais empregados para esse controle tem sido recorrer à grande
mídia, bem como à uma gama de recursos disponíveis com a as novas tecnologias de
comunicação, vistas como forma de democratização dos controles sociais sobre máquina
pública e as organizações privadas.
A indagação que permanece diz respeito aos impactos da difusão sobre as
organizações da sociedade civil de uma lógica pragmática, balizada em uma racionalidade
gerencial e que se opõe à politização das discussões sociais, comumente encontradas no
discurso e nas práticas empresariais, que pode levar as organizações sociais a se concentrarem
exacerbadamente na participação restrita e no alcance de metas de curto-prazo, perdendo sua
ligação com as transformações sociais mais amplas. O alcance de metas podem resultar
também em desmobilização da comunidade.
Na verdade, as estratégias dos movimentos sociais organizados não se concentram
exclusivamente ou na participação ampliada ou na restrita, o problema básico advém da
focalização extrema do alcance de metas pragmáticas como alternativa para o fortalecimento
das organizações, na medida em que geram ganhos concretos no curto-prazo e de repercussão
positiva direta sobre a imagem construída junto à comunidade.
3.1.2 Execução de políticas públicas e projetos sociais
Outra perspectiva de ação bastante difundida, tanto em organizações da sociedade civil
com alcance geográfico mais restrito ou local, quanto naquelas de ação nacional ou
internacional, é a articulação com o Estado na execução de políticas públicas ou com
empresas em projetos sociais. Além disso, muitas delas atuam através de articulações
colaborativas com outras organizações da sociedade civil, geralmente de maior porte e
alcance global.
As parcerias entre Estado, empresas e organizações da sociedade civil se constituiria a
partir de trocas contínuas de recursos financeiros e humanos, conhecimento, tecnologia e
informações (MEIRELLES, 2005; FISCHER, 2002; COSTON, 1998). No entanto, cabe
destacar que muitas vezes a chamada parceria não passa de uma captura da OSC, seja pelo
Estado, grandes empresas ou organismos e ONGs internacionais (BEBBINGTON, 2002;
58
GORDENKER e WEISS, 1997). Assim, estabelece-se não uma relação de parceria, mas de
submissão das organizações da sociedade civil ao Estado, às empresas privadas, aos
organismos internacionais e/ou às outras OSCs mais estruturadas e/ou com maior capacidade
econômica e política.
A parceria com o Estado pode se transformar em terceirização das políticas públicas,
ou seja, os atores estatais se desoneram da execução de seus programas sociais, esperando que
as organizações da sociedade civil solucionem os problemas comunitários (MONTAÑO,
2002). Ou então, o Estado, demonstrando pouca abertura para dialogar com as OSCs, impõe
regras, procedimentos e metodologias, que deverão ser seguidos pelas organizações parceiras,
perdendo-se as grandes possibilidades de crescimento mútuo e interação democrática com a
sociedade (TEIXEIRA, 2002; COSTON, 1998).
Não menos problemática pode ser a relação com a iniciativa privada, visto que muitas
organizações que se encontram no interstício entre as esferas do mercado e pública, como as
fundações empresariais, por exemplo, em determinados momentos podem atuar mais como
um vetor dos interesses empresariais junto à sociedade do que no combate efetivo aos
problemas sociais. Nessa relação, podem ser definidos problemas sociais a atacar e
difundirem-se valores, idéias e abordagens que representam mais um desejo da grande
empresa do que questões relevantes para a comunidade. É evidente que a ação social das
empresas, como de qualquer ator social, dificilmente se totalmente desinteressada, mas
existem diferenças entre a empresa obter ganhos com seus projetos sociais e impor seus
valores, filosofia e abordagens à comunidade.
A relação entre empresas ou OSCs mais fortes e estruturadas e organizações da
sociedade civil menos preparadas, quer seja politicamente, administrativamente ou
financeiramente, também pode resultar numa captura do mais fraco pelo mais forte
(COSTON, 1998; NAJAM, 1996). Esse fenômeno seria muito freqüente quando se observa a
ação de órgãos de financiamento e/ou ONGs de alcance internacional nos países em
desenvolvimento (BEBBINGTON, 2002). Muitas vezes, são impostas prioridades na solução
dos problemas sociais e metodologias de ação que representam muito mais as respostas
esperadas pelas sociedades afluentes do que as necessidades reais das nações em
desenvolvimento. (CARVALHO e SACHS, 2001; CARVALHO, 1997; ARISTIZÁBAL,
1997; BARRINGTON, 1993)
59
3.1.3 Execução autônoma de projetos sociais
Essa é a forma de atuação mais difícil de se encontrar em estado puro, visto que as
organizações da sociedade civil encontram dificuldades para obter recursos para seu
funcionamento, exigindo o estabelecimento de parcerias. Além disso, a legislação pode impor
exigências a uma série de ações de intervenção social, dificultando a ação isolada dessas
organizações (COSTON, 1998). No entanto, as organizações que detêm maior credibilidade
junto à sociedade geralmente conseguem atuar de forma mais autônoma na execução de seus
projetos sociais. Trata-se das poucas organizações que conseguiram equacionar de alguma
forma um dos grandes desafios das organizações da sociedade civil: a captação de recursos.
Dentre as estratégias para se conseguir provimento regular de recursos encontram-se
desde a comercialização de produtos ligados à causa social defendida até o recolhimento de
doações. Porém, essas estratégias de captação de recursos podem incorrer na perda de foco no
objetivo principal da organização, despendendo energias e recursos mais para a sobrevivência
própria do que no ataque aos problemas sociais. Longe de ser um fenômeno residual, essa
tendência é uma das categorias centrais de análise dos movimentos sociais, remetendo ao
dilema micheliano da chamada Lei de Ferro das Oligarquias, segundo o qual as organizações
político-sociais acabam voltando-se mais para a sua própria sobrevivência organizacional,
desprendendo-se das demandas da base comunitária (MICHELS, 1969).
3.1.4 Influência nos processos decisórios de organismos internacionais, Estados e
empresas
Outra forma de ação das organizações da sociedade civil é a influência nos processos
decisórios, quer seja do Estado, de organismos internacionais ou das empresas. Percebe-se
que o universo das organizações da sociedade civil é bastante heterogêneo também quanto a
esta capacidade de ação. Pode-se encontrar desde OSCs com significativo poder de
intervenção na definição de agendas, fato bastante comum entre algumas organizações de
alcance planetário, até movimentos locais desprovidos de capacidade de maior capacidade de
articulação política e visibilidade midiática. (GORDENKER e WEISS, 1996)
60
Outro ponto importante de análise diz respeito à focalização exagerada das políticas
sociais em decorrência da ação de grupos de representação dos interesses de organizações da
sociedade civil. Ainda que o clientelismo e a disputa por recursos públicos possa ser inerente
ao processo democrático, como defende REIS (2000), pode-se reproduzir com o
fortalecimento das OSCs uma verdadeira lei da selva, na qual apenas os melhor aparelhados
política, simbolicamente e gerencialmente obterão recursos e apoio social, em detrimento de
projetos sociais relevantes, mas poucos estruturados para a disputa política, econômica e
simbólica junto à sociedade, o Estado e as empresas.
Repensar a ação de organizações da sociedade civil no cenário brasileiro implica em
analisar tendências estruturais e conjunturais da provisão de políticas sociais, para além das
unanimidades positivas e negativas que se apresentam. Diante do que discurso que vislumbra
amplas e irrestritas possibilidades de consolidação de padrões mais elevados de eficiência
operacional e de consolidação dos direitos no país através de Parcerias Tri-Setoriais, cabe
apontar os impasses observados na construção das políticas sociais por múltiplas organizações
e interesses, que se situam numa dimensão não-governamental, ora perpassada pelo espaço
público, ora perpassada pelo mercado e ora por demandas corporativistas ou individuais.
Por outro lado, negar os avanços alcançados pelas OSCs nas últimas décadas, quer
seja na provisão de políticas sociais, quer seja na luta por direitos e na mobilização do
ativismo civil, é perder de vista o potencial modernizador da provisão de políticas sociais
presente na esfera pública. Muitas vezes, posturas conservadoras conscientes e inconscientes
se manifestam por detrás da crítica à aproximação entre Estados, empresas e organizações da
sociedade civil através das Parcerias Tri-Setoriais.
Em vários países capitalistas centrais, a proliferação de OSCs esteve associada
simultaneamente à retração do Estado na provisão de serviços públicos e à expansão da
mobilização da sociedade civil. Esse caráter dúbio da sociedade civil se reforça no cenário
brasileiro, no qual a esfera pública e a cidadania sempre se mostraram incompletas. Diante
desse contexto, a provisão de políticas sociais e a ampliação da cidadania através das OSCs
pode reforçar jogos perversos em torno dos recursos públicos, socializando solidariedade e
ativismo social entre os mais pobres e alocando recursos entre os mais organizados e
eficientes. Novas expressões do clientelismo ressurgem nesse cenário, legitimadas pelo
princípio da eficiência.
O dilema entre participação e eficiência tão presente na relação das OSCs com as
empresas e o Estado, também se apresenta em sua organização institucional interna. Nesse
campo, uma luta entre diferentes racionalidades se processa, tendo como campo de batalha a
61
tão propalada necessidade de modernização gerencial das organizações da sociedade civil.
Ferramentas de gerenciamento, supostamente desvinculadas de recortes ideológicos, foram
apropriadas por um número cada vez maior de organizações não-governamentais (TENÓRIO,
2002). Concebendo a esfera do mercado como lócus gerador desses instrumentos de
modernidade gerencial, esse modelo de gestão de OSCs pode se distanciar da necessária
reflexão sobre a realidade, os desafios e a natureza da gestão das políticas sociais. Esta
expansão da racionalidade mercantil pode implicar em constrangimentos significativos à
construção da esfera blica no Brasil, resultando num espaço competitivo de interesses e
direitos, no qual as capacidades estão desigualmente distribuídas.
O cenário torna-se mais complexo ainda quando se percebe que, por detrás da crítica à
expansão da racionalidade mercantil dentre as organizações da sociedade civil, encontram-se
também organizações ineficientes, assistencialistas e/ou ligadas a interesses corporativistas,
que tentam justificar sua existência com base apenas em sua pretensa legitimidade ou na
urgência do combate dos problemas sociais.
A alternativa de provisão de políticas sociais através do capital privado também
carrega em si possibilidades e ameaças. Se por um lado a crítica ao papel social dos
empreendimentos capitalistas aponta para a prevalência de interesses privados sobre os
públicos como motivadores da ação social, por outro esse tipo de provisão pode resultar em
maior controle social sobre as empresas e distribuição mais eqüitativa da apropriação de
riquezas. Ponto fundamental para tal discussão, que parece passar distante do discurso
empresarial que atribui a si mesmo o papel de liderança da mudança social é a concepção da
relação entre capital privado e sociedade civil como um jogo de interesses cruzados, ora
convergentes, ora divergentes, tanto por fatores estruturais, quanto conjunturais. Do embate
dessas forças na sociedade podem resultar tanto avanços da cidadania, quanto sua captura por
formas pouco consistentes e excludentes de exercício da consciência social.
62
4 MERCADO E SOCIEDADE: ENCONTROS E DESENCONTROS NA ESFERA
PÚBLICA
A discussão sobre Parcerias Tri-Setoriais implica no pensar e repensar as interações
que se estabelecem entre esfera pública, estado e mercado, não só porque podem se constituir
em um componente fundamental na construção respostas efetivas aos problemas sociais, mas
também porque várias das alternativas de ação desenvolvidas situam-se nessas esferas, nos
seus contínuos ou nos seus interstícios. No debate também aparecem diferentes correntes
interpretativas sobre a natureza e o papel dos mercados, sociedade civil e Estado e sobre a
racionalidade e os fundamentos morais que guiam a racionalidade e ação dos atores que os
compõem. Algumas dessas correntes situam-se em pólos opostos e defendem não
diferentes modelos analíticos, mas formas variadas de organização da vida em sociedade.
Assim como a noção de Parcerias Tri-Setoriais, as concepções sobre a natureza do Estado, do
mercado e da sociedade e a racionalidade de seus atores é caracterizada por divergências
teórico-conceituais tanto dentro das narrativas intrínsecas ao campo econômico, quanto nas
interpretações de outros campos de conhecimento, como a sociologia, a ciência política e a
filosofia.
É bastante usual se encontrar concepções dicotômicas entre mercado e sociedade, bem
como entre interesses e posturas morais dos atores econômicos, no entendimento e no
discurso de lideranças políticas, empresariais e de movimentos sociais, ainda que em muitos
casos o seu reconhecimento seja velado ou apenas implícito. Pode-se encontrar no rol de
iniciativas de responsabilidade social desde ações promovidas por empresas, guiadas pela
lógica competitiva dos mercados, até ações que tentam promover novas formas de diálogo
com os públicos interessados nas atividades empresariais. É fundamental se entender por onde
caminham as concepções e racionalidades dos atores de mercado, explicitando as correntes
explicativas que abrem chaves importantes tanto para a compreensão dessas práticas, quanto
das relações que estabelecem no âmbito do mercado, da sociedade civil e do Estado, tendo
como objeto a intervenção nos problemas sociais e a ampliação da cidadania.
Lévesque (2007) afirma que o pensamento econômico tradicional, fundado nos
pressupostos de equilíbrio geral do livre mercado, na centralidade das transações econômicas
na estruturação dos processos sociais e na racionalidade maximizadora e auto-interessada dos
atores econômicos, encontra sérias limitações explicativas e é incapaz de problematizar de
maneira consistente a ação dos atores econômicos. Sen (2000) defende a urgência de um
63
exame crítico do que chama de “preconceito e atitude político-econômica tradicional” em
favor do mecanismo de livre mercado, que precisariam ser parcialmente rejeitados e
analisados não a partir de “alguma forma grandiosa geral” que justificaria “submeter tudo ou
negar tudo ao mercado” (p.148-149). Como argumenta Abramovay (2004), não se trata de
“diabolizar” o mercado, nem tampouco remeter a ele o caráter de “solução universal, mágica,
a todo e qualquer problema da coordenação humana em sociedades descentralizadas” (p.13).
Para os autores e também Fonseca (1993), esse seria um dos caminhos para se resgatar a
inserção das preocupações e discussões éticas nos estudos econômicos, lembrando-se que as
Parceriais Tri-Setoriais exigiriam além de uma nova economia, também a construção de uma
nova ética por parte dos atores sociais, inclusive e sobretudo aqueles que operam na esfera do
mercado (TORO, 2005).
Diferentes lógicas de ação ou tentativas de justificação das formas para redução de incertezas
nas interações sociais foram idealizadas por vários sistemas de pensamento. Para a Boltanski
& Chiapello (2002), essas lógicas podem ser representadas por metáforas com relação à
cidade, sendo o mercado mais uma das formas de organização, dentre várias outras criações
sociais, cuja constituição e legitimação é relativamente recente. Apesar de na
contemporaneidade outras metáforas se apresentarem, como por exemplo a da “Cidade de
Projeto”, cujo princípio organizativo seria baseado em conexões e redes, o status do mercado
como vetor estruturador de racionalidades e lógicas de ação ainda aparece como central em
vários campos de conhecimento, sobretudo nas correntes dominantes no campo de
conhecimento da ciência econômica.
Apesar das interpretações concorrentes sobre a racionalidade dos atores em sociedade,
a visão que se tornou dominante na teoria econômica, cuja uma das maiores expressões é a
teoria neoclássica, baseia-se no pressuposto de que a interação livre e/ou espontânea entre os
atores econômicos é capaz de produzir resultados socialmente relevantes. Além disso,
quaisquer bloqueios a essa dinâmica, quer seja por fatores de natureza política, cultural ou
ideológica, seriam concebidos como falhas de mercado e, por conseqüência, ineficiências
prejudiciais não ao funcionamento da economia, mas da própria sociedade (Abramovay,
2004). Segundo os adeptos dessa corrente, um dos precursores de tal concepção seria
justamente aquele que é considerado o fundador das Ciências Econômicas, Adam Smith, com
sua defesa do livre mercado.
O apoio à livre atuação e negociação nos mercados, mesmo em sua expressão mais
incisiva e radical com o neoliberalismo, não raras as vezes recorre ao pensamento smithiano
para justificar não o livre mercado, mas também a postura moral que se estabelece dentro
64
das relações no mercado, concebida como modelo também para a organização política e
social (Cohen & Arato, 1994). No entanto, tais teses são refutadas por diferentes autores,
incluindo Sen (2000), Fonseca (1993), Hirchman (1996) e Aktouf (2004). Os problemas em
torno de tais pressupostos se baseiam não numa compreensão equivocada dos escritos do
pai da economia, como também e, principalmente, do entendimento da lógica de ação dos
atores em sociedade e nos mercados, aspecto relevante para se entender processos nos quais
atores de Estado, empresas e organizações da sociedade civil estabelecem canais de
cooperação e conflito sobre questões sociais e de ampliação da cidadania.
Segundo Bernardo (2004), Smith nunca comungou dos princípios rígidos do
liberalismo doutrinário dos fisiocratas, apresentando um pensamento mais flexível e menos
dogmático quanto ao laissez-fair, e “jamais flertou com a idéia de um possível (e desejável)
desaparecimento do Estado” (Fonseca, 1993, p.124). Para o economista escocês, o exercício
da autoridade política seria imprescindível em três funções básicas, a segurança externa, a
administração da justiça e a provisão de bens públicos. Cabe ressaltar que, conforme
argumenta Sen (2000), a base racional do mecanismo de mercado está voltada para os bens
privados e não para os bens públicos, sendo possível mostrar que pode haver boas razões para
o fornecimento de bens públicos, indo além do que os mercados privados promoveriam.” (p.
153-154)
As preocupações de Adam Smith em defender o livre mercado residiriam em evitar
que o reconhecimento dos benefícios da autoridade em certas áreas da vida em sociedade não
ofuscasse seus limites, problemas e riscos em outras esferas, sobretudo na economia (Fonseca,
1993). Para Sen (2000), a oposição de Smith às restrições de mercado pode ser entendida, de
forma ampla, como de natureza pré-capitalista, ou seja, centrada na preocupação em combater
os interesses de alguns em proteger lucros artificialmente elevados frente aos riscos da
concorrência: “Smith procurou demonstrar que os interesses adquiridos tendem a vencer
porque ‘conhecem melhor seus próprios interesses’ - e não porque ‘conhecem o interesse
público’” (p. 147). Portanto, nos pressupostos smithianos está implícita a idéia de que
mecanismos de livre mercado podem ser condizentes com os interesses públicos, quando
comparados a situações nas quais interesses privados levam a restrições de livre concorrência.
No entanto, isso não implica na defesa absoluta do livre mercado e da racionalidade auto-
interessada dos atores econômicos em toda e qualquer situação ou como modelo abstrato de
organização da vida em sociedade (BERNARDO, 2004).
Ao contrário da visão distorcida e idealizada sobre Smith com relação à defesa
intransigente do livre mercado, claras referências em sua obra quanto à necessidade de
65
restrições legais sobre a taxa de juros máxima que poderia ser cobrada e a condenação dos
perdulários, considerados por ele como inimigos públicos, e dos empresários imprudentes,
que seriam movidos pela paixão do desfrute presente:
Se o exemplo do açougueiro, cervejeiro e padeiro nos leva a atentar para o papel
mutuamente benéfico do auto-interesse, o argumento dos perdulários e empresários
imprudentes mostra a possibilidade de que, em certas circunstâncias, as motivações
do lucro privado podem realmente ser contrárias aos interesses sociais. (...) Esse é,
em grande medida, o principal receio quando se considera a perda social envolvida,
por exemplo, nas produções privadas que acarretam desperdício ou poluição do
meio ambiente e que se ajustam bem à descrição feita por Smith da possibilidade de
alguma diminuição no que, de outro modo, teriam sido os fundos produtivos da
sociedade. (SEN, 2000, p. 150-151)
Para Fonseca (1993), outra característica do pensamento de Smith que foi desvirtuada
ao longo da evolução do pensamento econômico é a idéia de que a postura e a ação auto-
interessada ou egoísta dos indivíduos deveria ser o motor das interações sociais e de mercado.
O pressuposto de que vícios privados (comportamentos auto-interessados ou egoístas)
levariam a benefícios públicos, presente na Fábula das Abelhas de Mandeville, passou a
fundamentar o liberalismo radical de vários autores fisiocratas (BERNARDO, 2004),
encontrando eco nos dias atuais em economistas como Friedman (1970), segundo o qual a
responsabilidade social nos negócios desvirtuaria os empresários de sua busca incessante de
lucros, mitigando esse mecanismo que seria responsável pela geração de eficiências para
outras esferas da vida e cujo centro de irradiação seriam os mercados. Smith, apesar de
reconhecer que a grande massa humana é movida pelo desejo de melhorar de condição
material,
“jamais confundiu o desejado e o desejável. (...) Embora tolerável do ponto de vista
moral, e sob muitos aspectos surpreendentemente benéfico para o conjunto da
sociedade, o auto-interesse econômico do indivíduo estava longe de ser uma coisa
admirável. (...) e sempre foi visto, por Adam Smith, com uma ‘corrupção dos nossos
sentimentos morais’”. (FONSECA, 1993, p. 132-133).
Conforme argumentam Sen (2000) e Irschman (1996), o pensamento smithiano
pressupõe bases morais para o funcionamento da economia de livre de mercado, ou melhor,
como destaca Fonseca (1993, p.95), que a “economia se ergue sobre a infra-estrutura ética”.
Essa parece ser a orientação de uma série de estudos no campo da economia política que,
apesar de não conseguir fazer frente ao status de mainstream do pensamento econômico
neoclássico, tenta resgatar a discussão dos fundamentos morais dos sistemas econômicos.
66
Dentro da tradição de estudos sobre ética e economia, uma noção que se difundiu foi a
de que é possível compatibilizar capitalismo e ética, sendo que os desdobramentos dessa
relação trariam muitos benefícios, tanto de natureza social quanto econômico-produtiva, tendo
como exemplo mais significativo as experiências das economias capitalistas do leste asiático
(KURZ, 1997). Outro argumento que reforçaria essa tese viria da observação da trajetória
histórica das economias capitalistas centrais, através das quais se constataria que o
capitalismo se instaurou e se dinamizou com maior pujança nos países nos quais surgiram
regras morais bastante rígidas, que coibiram o egoísmo exacerbado (FONSECA, 1993). A
chamada ética protestante, pautada na valorização do trabalho e da realização material, mas
também em códigos de conduta rígidos, teria se constituído em um dos principais fatores para
o desenvolvimento do sistema capitalista nos países da Europa Ocidental (WEBER, 1994a). O
mesmo poderia ser encontrado em economias asiáticas, com destaque para a experiência
japonesa (FONSECA, 1993).
Para alguns autores de orientação marxista, como Kurz (1997), os vínculos entre ética
e economia no capitalismo seriam frágeis e mascarariam as relações estruturais de exploração
e alienação do trabalhador, intrinsecamente antiéticas. Para o autor, a chamada infra-estrutura
moral faz-se relevante no período de surgimento e consolidação da dinâmica capitalista nas
sociedades. Nessa fase, a necessidade de regras básicas e universais de postura e ação se faz
mais intensa, de forma a garantir confiabilidade entre os atores econômicos. A partir do
momento em que a lógica capitalista se consolida e passa a balizar as ações e percepções dos
atores, rompendo laços feudais, agrários, arcaicos e pré-capitalistas, instara-se mais
consistentemente a dinâmica de mercado e as transações e interações decorrentes das trocas
econômicas. Para o autor, com a consolidação de estruturas capitalistas avançadas, os
imperativos da infra-estrutura moral não se fariam mais tão necessários. As manifestações na
cultura e sociedade asiáticas contemporâneas de apego a uma ética de origem confuciana,
marcada pela valorização do trabalho, da disciplina e da dedicação, seriam decorrentes
justamente do caráter tardio de consolidação do capitalismo em países como o Japão e os
chamados Tigres Asiáticos. (KURZ, 1997)
Segundo Fukuyama (2000), a sociedade de mercado “prejudica e fortalece
simultaneamente os relacionamentos morais” (p. 262), demandando e criando novas bases
para a ética, ao mesmo tempo em que corrói estruturas sociais e valores culturais arcaicos ou
que se chocam com a livre circulação de indivíduos e mercadorias no capitalismo. Nessa
ótica, ao mesmo tempo que práticas como o consumismo e o individualismo se ampliariam
67
com a expansão do capitalismo, o respeito às liberdades individuais e aos direitos civis
também se difundiria entre as sociedades.
Piore (1998) afirma que duas lógicas parecem estar em jogo nas transformações
produtivas atuais: uma ligada à esfera da valorização financeira do capital e outra aos
processos produtivos e comerciais de acumulação capitalista. Isso é o que leva Albert (1992) a
afirmar que o sistema mundial vive um conflito intrínseco entre dois modelos de capitalismo:
o Financeiro e o Produtivo, tese que também é defendida por Aktouf (2004). Menos
dependente da infra-estrutura moral, devido à sua volatilidade, o Capitalismo Financeiro
poderia se dinamizar inclusive através de crises cíclicas de credibilidade das economias. No
Capitalismo Produtivo a incapacidade de realocação rápida de investimentos implicaria em
maior dependência das empresas com relação a comunidades locais, culturas regionais e
Estados nacionais, bem como em relação à imagem de credibilidade e moralidade dos atores
das economias em que estão inseridas.
Ainda que as discussões sobre ética e economia apontem para novas compreensões das
interações entre empresas, Estado e sociedade, autores como Lévesque (2007) advogam a
necessidade de se ultrapassar os modelos explicativos inerentes às ciências econômicas,
promovendo uma aproximação mais profunda com outros campos de conhecimento ou
mesmo a fundação de um novo campo de conhecimento. Isso permitiria se entender de forma
mais consistente os processos nos quais atores governamentais, do mercado e da sociedade
civil estabelecem interações em torno de agendas responsáveis: “(...) a economia social
fornece alguns princípios e regras que poderiam estabelecer um ponto de partida para se
pensar de forma realista o desenvolvimento sustentável e uma economia socialmente
responsável.” (LÉVESQUE, 2007, p. 58).
Para Abramovay (2004), a crítica aos pressupostos tradicionais da economia não pode
resultar apenas na incorporação de elementos sociais e políticos como variáveis exógenas ao
modelo compreensivo, como o fazem até mesmo os esquemas interpretativos de equilíbrio
geral da economia neoclássica, mas precisa levar a uma nova compreensão dos próprios
elementos constitutivos do que se concebe sobre a natureza e dinâmica dos mercados e da
sociedade. Por outro lado:
(...) a crítica da ciência econômica pela sociologia de inspiração durkheiminiana, ou
inversamente, da sociologia pela ciência econômica apenas conseguiram banalizar
ambas. Tal operação teórica apenas interpreta uma ‘cidade’ a mercantil no caso
da ciência econômica, por uma outra, a ‘cidade cívica’, no caso da sociologia
durkheiminiana (LÉVESQUE, 2007, p. 54).
68
Assim, trata-se de engendrar um construto interpretativo capaz de se contrapor às
dicotomias mercado e sociedade, competição e solidariedade, ação auto-interessada e
altruísmo, substituindo-as por modelos analíticos que partem do princípio de que as ações e
interesses dos atores econômicos são socialmente construídos, o que permitiria um
entendimento mais profundo das interações entre agentes tradicionalmente associados aos
mercados, como as empresas privadas, com organizações da sociedade civil e com o Estado.
Abramovay (2004) argumenta que os estudos sob essa matriz teórica podem fazer
frente a um verdadeiro imperialismo econômico na compreensão das posturas e dos atores no
mercado, ultrapassando fronteiras disciplinares e permitindo uma melhor compreensão da
constituição dos mercados como processos sociais. Para o autor, não cabe apenas questionar a
racionalidade ampla e auto-interessada dos atores nos sistemas econômicos, negando ou
nuançando os pressupostos de auto-interesse como únicos e inerentes à ação social dentro dos
sistemas econômicos, mas a própria concepção dos mercados como fenômenos com dinâmica
própria, diferenciada e distante das outras esferas da vida em sociedade: “a racionalidade dos
atores pode ser condição necessária, mas nem de longe suficiente para a ação, pois a conduta
dos indivíduos e dos grupos só se explica socialmente (...).” ( p.2).
Segundo Lévesque (2007) seria preciso romper o pressuposto de que as atividades
econômicas, inclusive das empresas privadas, resumem-se às trocas mercantis, ampliando o
entendimento de formas de relacionamento e interação entre atores que são fundadas em
outras dinâmicas sociais: “(...) o campo das práticas econômicas é ampliado para incluir não
somente as atividades mercantis, mas igualmente as atividades não mercantis (a
redistribuição) e não monetárias (a reciprocidade) (...)” (p. 52). Para o autor, isso se viabiliza
com mais consistência através de uma série de correntes de investigação que compõem a
chamada Nova Sociologia Econômica (NSE), capazes de oferecer alternativas de
interpretação sobre a natureza dos mercados e suas interações com a sociedade e o Estado,
bem como sobre a racionalidade dos atores econômicos.
Possibilidades explicativas de vários fenômenos ligados às Parcerias Tri-Setoriais são
encontradas na Nova Sociologia Econômica. Como exemplos, pode-se enumerar desde
estudos a partir do paradigma da dávida (CAILLÉ, 2002; MARTINS, 2002; GODBOUT &
CAILLÉ, 1999), voltados à discussão sobre solidariedade e práticas de voluntariado, tão
propaladas por algumas OSCs e empresas atualmente, até discussões sobre economia plural,
cujo foco são as formas cooperativas de organização da produção, que se apresentam em
69
vários empreendimentos de inclusão social (FRANÇA FILHO & LAVILLE, 2004; ALIER,
1998). Além disso, temas como governança de empresas se constituem em objeto de
investigação de várias outras correntes da NSE, como a corrente do Neocorporativismo. Um
dos aspectos mais importantes é perceber essa corrente da NSE:
(...) reconhece a multiplicidade das lógicas de ação (...) o cálculo dos próprios
interesses é acompanhado de outras motivações muitas vezes mais fortes e que
provêm da moral, da obrigação, da emoção, da confiança e dos laços sociais. (...)
essa abordagem responde em grande parte a uma forte demanda de ética nos
negócios e, mais amplamente, na sociedade. (LÉVESQUE, 2007, p. 57)
As correntes que compõem a Nova Sociologia Econômica, apesar de suas diferenças
interpretativas, comungam da concepção de que “os mercados não são entes abstratos, neutros
e impessoais que a tradição ‘engenheira’ em oposição à tradição ética da ciência
econômica quis deles fazer” (ABRAMOVAY, 2004, p.8). Além disso, permitem a inserção da
discussão sobre questões éticas e suas variantes modernas, como a responsabilidade social
empresarial, o controle social sobre instituições, a transparência, o envolvimento de partes
interessadas e, sobretudo, as Parcerias Tri-Setoriais, dentro de lógicas explicativas que não se
resumem ao econômico, mas dialogam mais profundamente com o político e o social.
4.2 O Público e o Privado nas Intervenções Empresariais em Projetos Sociais no Brasil
Projetos de intervenção nos problemas sociais desenvolvidos por empresas têm
assumido um papel de destaque no cenário empresarial brasileiro recente, através de grande
exposição na mídia e mesmo da presença nos debates acadêmicos. Esse fenômeno observado
no cenário de negócios brasileiros parece acompanhar tendência que também se manifesta nos
países capitalistas avançados.
Se a centralidade atribuída aos projetos sociais de empresas pode representar um
avanço da agenda das organizações privadas brasileiras, por outro lado, deve-se atentar para o
fato de que muitas estratégias e técnicas de gestão de responsabilidade social inspiram
grandes debates, críticas e controvérsias, tanto da opinião pública, que muitas vezes
70
demonstra desconfiança e ceticismo em relação à alegada postura socialmente correta das
empresas, quanto no campo acadêmico.
Ao mesmo tempo em que o debate sobre a relevância de projetos sociais
implementados por empresas se desenvolve, novos termos e expressões são veiculadas,
tentando imprimir novas concepções e abordagens às antigas estratégias de intervenção nos
problemas da comunidade e no relacionamento com as partes interessadas nas atividades
empresariais. Dentre essas novas terminologias, destacam-se Cidadania Empresarial,
Responsabilidade Social de Empresas, Filantropia Empresarial e Investimento Social
Empresarial. Outra expressão, que parece assumir grande centralidade é Stakeholders,
concepção que inspiraria as corporações a orientar suas atividades e estratégias para o
atendimento de outras partes interessadas nas suas atividades, que não somente os
proprietários ou acionistas (stockholders ou shareholders). Essa tentativa de conciliação e, até
mesmo convergência, de interesses entre todas as partes interessadas desperta debates
relevantes, quer seja dentro das próprias discussões sobre a chamada Teoria dos Stakeholders,
apontando limitações e falhas que precisariam ser superadas através de novos avanços
teórico-conceituais (DUNHAM, FREEMAN e LIEDTKA, 2006), quer seja por críticas de
fora deste construto teórico, que advogam sua superação nos estudos organizacionais
(WEISS, 1995).
A discussão sobre as interações entre organizações da sociedade civil e as empresas é
discutida pela Teoria dos Stakeholders, uma das principais construções analíticas que
discutem essa interação sob a ótica da gestão empresarial. Segundo DONALDSON e
PRESTON (1995), três linhas interpretativas podem ser encontradas nos estudos no campo da
Teoria dos Stakeholders: descritiva, instrumental e normativa. Os autores, que assumem
incisiva defesa da abordagem normativa, destacam a necessidade de envolvimento das partes
interessadas na dinâmica das empresas.
Para Weiss (1995), pode-se afirmar que a Teoria de Stakeholders goza do status de
paradigma no campo dos estudos organizacionais sobre responsabilidade social empresarial,
consistindo não apenas em um modelo explicativo e normativo de ação empresarial, mas
também um sistema geral de idéias e pressupostos, exemplos padrão e assertivas. Apesar
disso, segundo o autor, os fundamentos teórico-conceituais que estruturam a interpretação da
postura e ação empresariais baseados na noção de stakholders permanecem pouco discutidos,
debatidos e criticados. Um primeiro problema residiria na intercambialidade das expressões
empresa e corporação, assumidas em grande parte da literatura sobre stakeholders como
sinônimas, obscurecendo o fato de que os proprietários e não a empresa em si que está no
71
centro da rede de interesses que compõem a organização privada. Além disso, a Teoria de
Stakeholders seria marcada por um argumento de circularidade quanto à legitimação das
corporações no sistema capitalista, visto que a corporação existe por que instituições
capitalistas a legitimam e, portanto, não precisariam dos stakeholders para tal. Os
proprietários teriam responsabilidade junto aos stakeholders, que legitimariam a empresa, no
entanto, para que a corporação tenha responsabilidade tem que ser legitimada pelo
capitalismo. Ao criar obrigações morais, legitima-se a corporação no capitalismo, mas se
legitimam as obrigações, legitimam a corporação, que existe porque as instituições
capitalistas a legitimam. Enfim, a Teoria dos Stakeholders já partiria da idéia de legitimidade
da corporação, para depois dizer que ela está em xeque, para em seguida reforçá-la
novamente.
Mas a crítica mais incisiva de Weiss (1995) parece residir no fato de que as
abordagens sobre stakeholders não colocam em questão a natureza do capitalismo
contemporâneo, com a expansão de grandes corporações globais, que detém grandes
capacidades e recursos concentrados e das próprias interações sociais a partir dos princípios
utilitaristas da teoria econômica neoclássica, apesar de paradoxalmente negar o utilitarismo.
Ao partir do princípio que as empresas e os mercados são formados por nexos de interesses
voluntários, a Teoria do Stakeholders justificaria o próprio comportamento auto-interessado,
apesar de afirmar pretender reprimi-lo e negá-lo.
Jones (1999) identifica na administração de stakeholders os antecedentes institucionais
para que o discurso, bem como a prática, da responsabilidade social empresarial sejam
construídos. Para o autor, essa seria condição necessária, mas não suficiente, visto que os
decisores nas empresas precisariam desenvolver valores compatíveis com a abertura e o
interesse em se responsabilizar pelos impactos e desdobramentos gerados pela organização
privada sobre as partes interessadas. Além da dimensão dos indivíduos, Jones (1996) afirma
que os chamados níveis sociocultural, nacional, do setor empresarial e da própria empresa
também precisariam avançar no sentido de reconhecer e dialogar com os stakeholders. Apesar
de reconhecer dimensões que extrapolam a racionalidade dos indivíduos, percebe-se que
grande parte da literatura dedicada ao campo que se convencional denominar de Ética nos
Negócios tem um porte apelo normativo, que resulta com freqüência na recomendação de
educação e conscientização dos gestores (DONALDSON e PRESTON, 1995; FREEMAN e
REED, 1983).
Para Kreitlon (2004), três correntes podem ser encontrados nas discussões sobre
responsabilidade social empresarial e seus temas correlatos, incluindo a Teoria de
72
Stakeholders, a saber: Ética nos Negócios (Business Ethics); Negócios & Sociedade (Business
& Society); e Gerenciamento das Questões Sociais (Social Issues Management). Enquanto a
primeira corrente seria a precursora desse campo de estudos, com marcada natureza
normativa, a segunda vertente procuraria incorporar variáveis sócio-políticas e contratuais (no
sentido de interações sociais), ao passo que a terceira perspectiva focaria suas análises na
gestão estratégica da ética empresarial, com forte caráter instrumental. Apesar dessas
correntes de pensamento partirem de pressupostos e dialogarem com campos de
conhecimento distintos, nenhuma delas parece se constituir em um campo de investigação
independente e unificado, visto que muitas vezes os elementos conceituais de uma vertente
são empregados por outra, e vice-versa.
Outra abordagem, ainda que se coloque em oposição a toda a construção teórico-
conceitual das três anteriores, que se faz presente nas discussões sobre as responsabilidades
empresariais fundamenta-se na visão da economia neoclássica sobre a natureza da firma.
Friedman (1970) é citado com freqüência como exemplo da forte defesa da idéia de que as
responsabilidades das corporações se esgotam em seus shareholders ou stockholders,
pressuposto central para a perspectiva neoclássica. As iniciativas que visam maximizar lucros
dos acionistas e proprietários, dentro dos rigores da lei, constituiriam a responsabilidade
social da empresa e seus gestores. Para o economista americano, ofertar bens e serviços e
gerar empregos esgota a responsabilidade da empresa com a sociedade. Ultrapassar esse
ponto seria intervir em esferas diferentes do mercado, sobrepondo desnecessariamente papéis
com o Estado e a sociedade civil, o que geraria ineficiências econômicas prejudiciais ao
satisfatório e necessário funcionamento do mercado, além de servir de vetor para a difusão do
paternalismo e do assistencialismo no acesso aos direitos sociais. Qualquer alteração nessa
dinâmica de comportamento auto-interessado dos atores no livre mercado poderia incorrer em
ineficiências, que ao final penalizariam toda a sociedade. Por sua vez, os cidadãos, assumidos
como consumidores - pressuposto conceitual partilhado por algumas abordagens não
neoclássicas, principalmente a Social Issues Management -, são tidos como capazes de regular
o comportamento imoral dos agentes econômicos. Essa perspectiva desperta críticas
decisivas, que vão desde a constatação que dinâmicas de concorrência imperfeita marcam a
realidade de vários mercados, passando pelo reconhecimento de que os resultados da
responsabilidade social empresarial trazem ganhos competitivos e de lucratividade às
empresas, até alcançar a adoção de uma concepção inconsistente sobre a racionalidade auto-
interessada dos atores econômicos e as implicações de uma sociedade fundada nas relações de
mercado.
73
A abordagem da Ética nos Negócios, inspirada por contribuições do campo da
filosofia moral, ressalta a relevância dos valores e julgamentos morais dos atores econômicos,
muitas vezes entendidos como indivíduos inseridos nas organizações, e em sua capacidade e
responsabilidade em assumir deveres morais. Apesar de vários autores dessa corrente
considerarem diferentes perspectivas dos estudos éticos na filosofia, como por exemplo as
noções de ética convencional, consequencialista e deontológica (SCHWARTZ e CARROLL,
2003), a presença de abordagens normativas a partir dos imperativos categóricos é marcante
nas discussões. Outro traço marcante é a centralidade atribuída à formação moral dos
gestores, como estratégia para a difusão de práticas de responsabilidade social empresarial.
Com isso, faz-se uma contraposição à mão invisível dos mercados, bem como à regulação da
“mão do governo” (GALBRAITH, 1986), perspectivas que rejeitam uma idéia central para a
Ética nos Negócios: a de que os as empresas possam ter julgamento moral independente. No
entanto, para Weiss (1995), essa parece ser uma das grandes debilidades dessa corrente, na
medida em que não reconhece que valores e instituições são socialmente construídos,
acabando paradoxalmente por consolidar os fundamentos do mercado e suas dinâmicas de
racionalidade auto-interessada como pilares inquestionáveis da sociedade contemporânea.
O reconhecimento das instituições sociais que permeiam e dão sentido às atividades
empresariais está no cerne da corrente denominada Negócios & Sociedade. Nesse aspecto, um
pressuposto central é o de que a legitimidade das empresas deriva dos papéis que exercem e
das expectativas que inspiram junto à sociedade. Relações de poder entre partes interessadas e
corporações resultariam idealmente em controle dos abusos econômicos e da própria
concentração de poder em conglomerados empresariais. Nessa abordagem, de caráter
eminentemente sóciopolítico, a sociedade é trazida para o primeiro plano das discussões e
deixa de se assumida como mera beneficiária das virtudes morais desenvolvidas pelas
empresas, como ocorre em alguns abordagens desenvolvidas dentro do campo da Ética nos
Negócios.
A perspectiva do Gerenciamento de Questões Sociais fundamenta-se nitidamente no
utilitarismo, com destacada concepção instrumental da responsabilidade social empresarial.
Para Jones (1996), três pressupostos balizam essa abordagem, a saber, a empresa pode tirar
proveito de vantagens de mercado se antecipando a mudanças de valores da sociedade;
posturas e ações socialmente responsáveis se constituem em vantagens competitivas para as
corporações; e a proatividade permite a antecipação de mudanças na legislação e nas
exigências de diferentes formas de controle social, trazendo impactos positivos para o
empreendimento no longo-prazo. Segundo Logsdon e Palmer (1988), essas concepções
74
comungam das mesmas crenças do pensamento neoclássico, na medida em que reafirmam que
o único interesse legítimo da empresa é perseguir seus próprios interesses, o crescimento e a
lucratividade, e consolidam a idéia de que os atores econômicos são movidos pelo estrito
auto-interesse, racionalidade instrumental e sentido de utilidade.
O que parece estar em curso, no âmbito da responsabilidade social empresarial, quer
seja nos países capitalistas avançados, quer seja em países como o Brasil, é a construção de
um discurso de ruptura com o passado e a construção de estratégias que modernizariam
práticas empresariais voltadas à responsabilidade pelos problemas sociais e seu combate
através de iniciativas de origem no capital privado.
Como destaca Decca (1996), ações sociais desenvolvidas por empresários remontam
aos primórdios do capitalismo, sobretudo no momento da Revolução Industrial, quando
homens de negócios passaram a oferecer benesses à comunidade de maneira mais regular.
Para determinadas organizações que têm como finalidade difundir novos valores e abordagens
quanto à Responsabilidade Social Empresarial, como o Instituto ETHOS e o Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) no Brasil, essas primeiras intervenções de homens
de negócios nos problemas comunitários eram marcadas por um profundo assistencialismo,
paternalismo e caracterizariam o que se convencionou chamar, com forte viés negativo no
caso brasileiro, de filantropia empresarial, característica que deveria ser abolida da moderna
intervenção das empresas nos problemas sociais.
Cabe lembrar que práticas tradicionais de filantropia empresarial eram marcadas não
apenas pelo assistencialismo, mas sobretudo por uma forte tendência de controle da força de
trabalho e das comunidades. Apesar da máxima de Henry Ford, uma empresa deve viver na
comunidade e não da comunidade”, declaração que poderia demonstrar sensibilidade e
preocupação com o relacionamento com a sociedade e comunidades locais, as práticas de
gestão inicialmente adotadas na fábrica inicial da Ford eram marcadas pela ênfase no controle
da mão-de-obra. A intervenção comunitária dessa gestão fordista, sobretudo junto às famílias
dos trabalhadores, fundava-se na difusão de valores morais rígidos e disciplinadores dos
“desorganizados e fadados à miséria” (BEYNON, 1995).
A concepção assistencialista de intervenção nos projetos sociais marcou grande parte
dos projetos empresariais desenvolvidos até a primeira metade do século XX, encontrando seu
florescimento principalmente após a crise econômica da década de 30 nos EUA. Para Paoli
(2002), Beghin (2005) e Garcia (2004), apesar de várias iniciativas empresariais no Brasil
contemporâneo negarem o víeis filantrópico e assistencialista de suas ações junto aos
problemas sociais, ele perdura sob novas roupagens nas iniciativas e intervenções sociais de
75
empresas brasileiras. Mesmo entre aquelas que têm se articulado nos últimos anos em
associações e grupos voltados à discussão e difusão de práticas e estratégias, que se definem
como avançadas e modernizadoras da ética empresarial e dos investimentos sociais de origem
no capital privado.
Nas duas últimas décadas, concepções sobre o desenvolvimento de projetos sociais
passaram a integrar o repertório das estratégias organizacionais de grandes empresas. Se antes
as idéias de filantropia e assistencialismo guiavam os projetos, agora se tenta introduzir
abordagens nas quais indivíduos e comunidades, que são alvo das intervenções dos projetos,
sejam concebidos como sujeitos ativos do processo, caminhando-se para a noção de parceria
ou aliança entre empresas, comunidades e organizações da sociedade civil (MEIRELLES,
2005).
No quadro a seguir, são apresentadas algumas transformações sugeridas nas
orientações que guiavam as intervenções empresariais em problemas sociais consideradas
anacrônicas e as perspectivas assumidas como mais avançadas na construção de relações entre
empresas e comunidades.
Características da
Intervenção Sociais
Estratégia Tradicional Estratégia Inovadora
Relação
empresa-comunidade
Assistencialismo
Filantropia
Paternalismo
Parceria
Envolvimento
Aliança
Co-responsabilização
Noção
de indivíduo e de
comunidade
Dependentes
Incapazes
Submissos
Ativos
Capazes
Sujeitos do processo
Aprendizagem de
soluções gerenciais e
tecnológicas
Via de mão-única
da empresa para
a comunidade
Via de mão-dupla entre
empresa e comunidade
Empresas capazes e/ou
responsáveis pela
intervenção social
Grandes corporações privadas e
estatais
Grandes, médias e
pequenas
Sustentabilidade
Dependência permanente
Projetos
76
financeira do projeto
da empresa auto-sustentáveis
Retornos para a
empresa
Inexistentes ou não reconhecidos
publicamente pelo discurso
gerencial-empresarial
Múltiplos retornos
tanto em termos de
relações com o público
interno, passando por
ganhos competitivos
no mercado e atingindo
melhoria da reputação
junto a diferentes
stakeholders
Divulgação de ações
sociais
Restrita a públicos específicos
ou
inexistente
Intensiva e extensiva
sob a alegação de
difusão de boas
práticas
socioambientais
Área responsável pelas
iniciativas de
responsabilidade social
Diferentes áreas, com distribuição
de atividades ad hoc ou
concentração no departamento de
recursos humanos
Nova área de relações
com a comunidade
e/ou departamento de
marketing da empresa
ou criação de fundação
empresarial
Conexão da
responsabilidade social
com as estratégias de
gerenciamento da
empresa
Desconexão entre ações
socioambientais e atividades
geradoras de competitividade e
lucro
Composição intrínseca
das estratégias de
manutenção da
competitividade no
longo-prazo
Stakeholders ideais para
parcerias
Comunidades desempoderadas e
em situação de risco social grave
ou no entorno geográfico das
instalações empresariais
OSCs bem
estruturadas, com
capacidade de geração
de resultados sociais
relevantes e sólida
reputação
77
Modelo de Gestão
Desconectado das estratégias e
ferramentas de gestão empresarial
Mimetizado a partir
das estratégias e
ferramentas de gestão
empresarial
(Gerencialismo)
Postura com relação aos
problemas sociais
Reativa, passiva, corretiva e
defensiva com relação à pressão de
stakeholders, sobretudo atores de
Estado e movimentos sociais
Pró-ativa, dinâmica e
capaz de antecipar
problemas e conflitos
sociais
Trabalho Voluntário
Sem maiores vínculos com a
organização, realizado de forma
não profissionalizada e muitas
vezes por pessoas externas a
organização, como esposas de
executivos, ou por empregados em
suas horas de não-trabalho
Desenvolvido a partir
de fortes vínculos com
organização, de forma
profissionalizada e
executado por
empregados, inclusive
durante sua jornada de
trabalho
Avaliação e Expectativa
quanto a resultados
Inexistente ou não reconhecida
publicamente
(doações a fundo perdido)
Resultados concretos,
geralmente no curto-
prazo e em realidades
ou comunidades
específicas
Expressões e concepções
comumente associadas
às intervenção sociais
Filantropia
Caridade
Assistência
Auxílio
Doação
Dispêndio
Responsabilidade
Social
Investimentos Sociais
Empreendedorismo
Social
Cidadania Empresarial
Ética nos Negócios
Quadro 3 - Estratégias Empresariais de Intervenção em Problemas Sociais
Fonte: Elaboração própria a partir de Meirelles (2005), Garcia (2004), Azevedo (2002),
Corrulón (2002), Paoli (2002), Falcão (2002), FIRJAN (2002), Fischer (2002), Tachizawa
78
(2002a), GIFE (2001), Chianca; Marino; Schiezari (2001), Mcintosh, M. et al. (2001), Melo
Neto; Froes (2001), Pereira (2001), Carrion (2000), Cruz; Estraviz (2000), FIEMG (2000),
Peliano (2000), Pringle; Thompson (2000), Melo Neto; Froes (1999) e Marcovitch (1997).
As abordagens mais recentes encontradas na literatura sobre a concepção e
implantação de projetos sociais por parte de empresas partem do pressuposto de que não a
comunidade pode ter grandes ganhos com o suporte empresarial, mas também que as
organizações privadas podem se tornar mais produtivas e competitivas à medida em que
desenvolvem ações sociais. Dentro dessa concepção, critérios como noção de indivíduo,
transferência e aprendizagem gerencial-tecnológica entre as partes, sustentabilidade do
projeto e capacidade de equacionamento dos problemas sociais, dentre outros, se
transformariam totalmente em relação às práticas tradicionalmente construídas pela
intervenção empresarial nos problemas sociais.
O primeiro aspecto significativo é que o paternalismo que caracterizava a relação entre
empresa e população assistida pelos projetos sociais teria dado lugar à idéias e práticas como
parceria, envolvimento de stakeholders, alianças e co-responsabilização. Assim, os projetos
passariam a ser concebidos e desenvolvidos em conjunto com as comunidades assistidas,
procurando partilhar ações, custos e soluções a serem implementadas. Nessa perspectiva, as
comunidades e associações locais assumiriam status de parceiro privilegiado entre os
stakeholders.
Haveria se modificado também a concepção quanto à relação de aprendizagem entre
empresa e comunidade. Anteriormente, a idéia dominante era a de que os indivíduos
pertencentes a determinada comunidade desfavorecida seriam incapazes de extrapolar sua
condição de miséria e exclusão social. Isso os colocava na posição de assimiladores passivos
das soluções tecnológicas e gerenciais fornecidas pelas empresas quanto aos problemas
sociais (COSTA, 2002). No entanto, os defensores de uma perspectiva modernizadora do
investimento social de empresas afirmam que atualmente a relação com a comunidade pode
ser extremamente frutífera para a empresa, visto que formas criativas, de baixo custo e mais
adequadas às realidades sociais específicas podem surgir do contato entre gerentes e
funcionários com indivíduos empreendedores, pertencentes às comunidades atendidas pelos
projetos sociais. Assim, a aprendizagem tecnológica e gerencial se daria em via de mão-dupla
na relação entre organização e sociedade. Tal concepção desperta vários debates e
controvérsias. Uma delas é a de que grandes corporações transnacionais, com grande poder
político, econômico e mesmo simbólico, sobretudo junto às sociedades de consumo de massa,
79
assimilariam saberes tradicionais e locais em um processo denominado por SHIVA (2001) de
biopirataria, sem as contrapartidas esperadas para comunidades, ampliando a dominância de
relações de mercado para bens e esferas da vida antes caracterizadas pela sua natureza pública
e coletiva.
Outra idéia dominante é a de que os projetos não podem caracterizar-se pela extrema
dependência de uma única fonte de financiamento externa, devendo caminhar para a auto-
sustentação no médio e longo-prazos. Esse seria um ponto fundamental para o rompimento
das práticas assistencialistas, pois se parte da idéia não de gastos caritativos a fundo perdido,
mas da alocação de investimentos que devem ser multiplicados através do seu gerenciamento
adequado (PEREIRA, 2001), contando para isso com sistemática adoção de técnicas de gestão
empresarial para a captação de recursos (GIFE, 2001).
No entanto, o questionamento mais relevante diz respeito à possibilidade de avanço da
cidadania através do provimento de políticas públicas por agentes privados, cujos interesses
e/ou resultado das ações voltam-se para o aumento do comprometimento de seus
trabalhadores com o trabalho e para a melhoria da imagem junto à seus stakeholders,
inclusive a comunidade no entorno de suas atividades, podendo resultar em maior
dependência social do que emancipação (TEODÓSIO e CARVALHO NETO, 2003).
Outra crítica relevante associada à intervenção empresarial em problemas sociais diz
respeito aos próprios pressupostos segundo os quais são construídos os modelos de
intervenção. Ainda que as possibilidades de ganhos compartilhados entre comunidade e setor
privado apontem cenários atrativos para o investimento sociais de empresas, grande parte da
literatura gerencial sobre stakeholders voltada ao tema distancia-se da idéia do conflito como
estruturante das relações sociais, seja ele de natureza econômica, política, cultural, social ou
de poder. Ainda que parte da literatura reconheça a existência de conflitos, implicitamente
difunde-se a possibilidade de convergência harmoniosa de interesses em torno dos problemas
sociais específicos, cuja luta pelo avanço dos direitos seria também empreendida pelas
corporações privadas e mitigando ou, até mesmo, eliminando conflitos estruturais,.
Além disso, conceber a provisão de políticas sociais através de agentes privados
implica em caminhar em direção ao mercado como instância reguladora do acesso a direitos,
fato questionável tanto do ponto de vista teórico-conceitual, como foi visto anteriormente,
quanto do ponto de vista material, sobretudo em se tratando da sociedade brasileira, marcada
por constrangimentos estruturais à construção da cidadania e do acesso igualitário a direitos,
inclusive os relativos aos bens públicos.
80
Além disso, a modernização do discurso quanto à responsabilidade socialnão
necessariamente leva ao mesmo reordenamento nas posturas e práticas cotidianas das
empresas. Sendo assim, discurso e prática podem se distanciar, negando-se um ao outro e
encobrindo o fato de que os fundamentos da estratégia atual de intervenção empresarial nos
problemas sociais na prática pode não romper as estratégias anteriores (BEGHIN, 2005;
GARCIA, 2004; PAOLI, 2002).
Na verdade, sob o pano de fundo da modernização dos projetos sociais de empresas
podem se refugiar práticas tão nocivas quanto as anteriores. Exemplos disso podem ser
detectados no fato de ser bastante freqüente no discurso empresarial a negação do
assistencialismo. No entanto, em termos concretos, em algumas situações percebe-se a
eliminação de qualquer tipo de mecanismo que implique em repasse de bens ou serviços à
comunidade sem contrapartidas diretas. No cenário brasileiro, marcado por uma faixa
significativa da população abaixo da linha de pobreza e sem acesso a direitos sociais básicos,
essa estratégia pode implicar em maior exclusão do que inclusão. Além disso, quando se trata
de população em fase de formação, como é o caso da infância e adolescência, grupo focal
preferido pelos investimentos sociais empresariais no Brasil (FIEMG, 2000; PELIANO,
2000), a difusão da idéia de trocas contínuas entre atores sociais para alcance de direitos pode
resultar numa assimilação incompleta do conceito de cidadania e de democracia, reforçando
práticas clientelistas, assistencialistas ou mesmo a difusão implícita ou explícita de que as
relações sociais devem ser fundadas sob racionalidades utilitaristas ou instrumentais típicas
das trocas mercantis (BEGHIN, 2005; GARCIA, 2004; PAOLI, 2002).
Para Rondinelli e London (2003), as discussões sobre articulações entre organizações
da sociedade civil e empresas sobre questões socioambientais ora são vistas como um tipo
completamente novo de colaboração pelos gestores empresariais, ora como submetidas à
mesma lógica típica das alianças empresarias. Para os autores, é fundamental se avançar para
além dessas dicotomias, analisando como se processam essas interações e quais os seus
desdobramentos sobre as estratégias de gestão empresarial. Resultados de investigação sobre
essas parcerias levadas a cabo pelos autores indicam que algumas características são
semelhantes às tradicionais alianças empresariais, mas se manifestam também relevantes
diferenças, ainda pouco exploradas pela literatura.
Segundo Rondinelli e London (2003), podem ser observadas três diferentes dimensões
de colaboração entre organizações da sociedade civil e empresas sobre questões sociais:
relacionamentos arm´s length, colaborações interativas e alianças intensivas. Enquanto a
primeira e a segunda categorias envolvem interações de baixa e moderada intensidade
81
respectivamente, na terceira seriam encontradas não alianças muito intensas, mas com alto
grau de formalização. No quadro abaixo são descritas essas modalidades de interação e suas
características principais.
Tipos Objetivos
Empresariais
Objetivos das OSCs Atividades Empresariais
Suporte
empresarial para
participação de
empregados em
atividades
desenvolvidas por
OSCs
Aumentar moral dos
empregados;
Desenvolver imagem de
responsabilidade social;
Intensificar o
relacionamento com a
comunidade.
Obter visibilidade para
seus programas;
Acessar novos recursos;
Recrutar novos
voluntários e
participantes.
Disponibilizar tempo para
atividades voluntárias de
empregados;
Compensar a participação de
empregados;
Doar o equivalente doado pelos
empregados;
Premiar empregados voluntários.
Contribuições e
doações da
empresa
Apoiar OSCs;
Desenvolver imagem de
responsabilidade social;
Cultivar potenciais
aliados na comunidade.
Acessar novas fontes de
recursos;
Obter publicidade para
programas sociais
Doar dinheiro para OSCs e
programas sociais;
Doar equipamentos e tecnologia
para OSCs;
Contribuir com produtos in natura
ou equipamentos.
Arm´s-Length
Afiliação
mercadológica
entre empresa e
OSC
Obter apoio de grupos
sociais;
Adicionar valor social
aos produtos;
Desenvolver imagem de
responsabilidade social.
Acessar novas fontes de
renda;
Aumentar a visibilidade;
Apoiar produtos
socialmente
responsáveis;
Fortalecer mercado para
produtos socialmente
responsáveis.
Licenciar nome e logomarca da
OSC;
Obter de apoio da OSC;
Participar de campanhas de
captação de recursos;
Doar através de adicionais de
preço dos produtos.
Certificação de
práticas
empresariais pela
OSC
Obter certificação
externa de práticas
sociais e ambientais;
Oferecer produtos
socialmente
responsáveis;
Desenvolver imagem de
responsabilidade social;
Prevenir boicotes e
protestos.
Assegurar
sustentabilidade de
fontes de recursos
sociais e naturais;
Modificar as práticas de
compra e fornecimento
da empresa;
Ajudar fornecedores
com atividades
empresariais
responsáveis a expandir
mercado para seus
produtos e serviços.
Criar conselhos de
acompanhamento;
Construir acordos para aceitação
da certificação pela OSC;
Adotar certificação em processos
de fornecimento e extração de
recursos;
Promover e vender produtos
socialmente responsáveis.
Colaborações
Interativas
Suporte a projetos
específicos
Focalizar as
contribuições da
empresa em atividades
e projetos sociais
específicos;
Desenvolver
relacionamentos de
médio e longo-prazos
em responsabilidade
social empresarial;
Fortalecer a imagem de
responsabilidade social
Obter recursos
adicionais de renda;
Publicizar projetos de
alta prioridade;
Obter equipamentos e
serviços;
Expandir atividades em
projetos específicos;
Aumentar a habilidade
de captar recursos para
projetos específicos.
Financiar projetos de intervenção
direta nas comunidades;
Fornecer equipamentos públicos
nos arredores das instalações da
emrpesa;
Financiar projetos em localidades
específicas;
Proteger públicos beneficiários
específicos.
82
Prêmios Sociais e
Colaborações
Educacionais
Habilitar-se para
acessar e disseminar
informação social;
Construir oportunidades
via articulação de redes;
Apoiar pesquisas sobre
novas abordagens
sociais;
Disseminar relatórios
de performance.
Expandir a pesquisa
sobre temas sociais;
Influenciar lideranças
empresariais;
Engajar-se em
treinamento e educação;
Influenciar políticas
públicas sociais.
Financiar pesquisa sobre temas
sociais;
Participar de seminários;
Acessar informação disponível
sobre práticas de intervenção em
problemas sociais;
Patrocinar educação para a gestão
social;
Colaborar com o governo em
forças-tarefa sociais.
Alianças
Intensivas
Obter acesso a expertise
social;
Diversificar
perspectivas sobre os
problemas sociais;
Aumentar a
lucratividade;
Obter endosso externo
para as soluções
sociais;
Aferir publicidade
favorável para esforços
de parceria.
Alcançar objetivos
sociais;
Aprender como as
empresas lidam com
questões sociais;
Influenciar mudanças
nas práticas gerenciais
da empresa;
Ajudar a prevenir
práticas empresariais
socialmente perversas;
Adquirir expertise e
recursos das empresas.
Melhoria da performance social e
ambiental de plantas produtivas;
Mudanças nos processos de
manufatura e distribuição.
Quadro 4 - Tipologia de Colaborações entre Organizações da Sociedade Civil e
Empresas
Fonte: Adaptado de Rondinelli; London, 2003, p. 32, tradução nossa.
Obs.: Foram feitas adaptações de expressões para o significado socialmente construído na
realidade brasileira e de forma a voltar a discussão da temática ambiental para a social e
simplificar algumas idéias e perspectivas.
Rondinelli e London (2003) assumem que as empresas consideram fortemente os
custos relacionados a crises de reputação advindos, por exemplo, de pressões de grupos
externos. Com isso, evidencia-se também, ainda que uma das motivações é a neutralização de
atores conflitivos em relação à empresa. Para os autores, os temores da empresa na parceria
podem estar relacionados ao fato da OSCs descobrirem suas debilidades operacionais e levá-
las a público, através de intenso ataque de advocacy. Por outro lado, OSCs correm o risco de
seu nome e/ou logomarca e, portanto, sua legitimidade e credibilidade, serem acessadas para
certificar práticas e produtos questionáveis do ponto de vista social e ambiental.
Meirelles (2005), ao analisar a literatura sobre alianças e parcerias entre organizações
da sociedade civil e empresas detecta variáveis semelhantes às levantadas por Rondinelli e
London (2003) como decisivas para o sucesso desse tipo de relacionamento entre instituições.
Para os autores, existem seis aspectos decisivos que devem ser considerados e
83
operacionalizados para aprimoramento da performance das alianças entre empresas e
organizações da sociedade civil, a saber: identificação de projetos específicos para
colaboração e dos recursos requeridos para o processo; formulação de critérios para a seleção
de parceiros; desenvolvimento de procedimentos mutuamente aceitáveis para a colaboração;
definição clara e precisa de problemas e exploração de soluções viáveis; focalização em
tarefas de implementação rápida; manutenção de confidencialidade por todas as partes.
Segundo Rondinelli e London (2003), a literatura sobre parcerias intersetoriais indica
que o sucesso depende da habilidade dos participantes em desenvolver com clareza uma visão
estratégica do fenômeno e das expectativas de benefícios. Além disso, para aumentar o grau
de confiança e credibilidade na relação, o caminho seria a identificação de projetos
específicos nos quais se necessita de suporte externo à organização. Essa perspectiva acaba
por reproduzir uma visão na qual interações relevantes para problemas sociais se
concentrariam em problemas pontuais e/ou projetos específicos, deixando de lado temas
estruturais e que não dependem apenas da ação das organizações que se lançam a cooperação.
Além disso, situações de conflito são assumidas como indesejáveis e improdutivas, a menos
que se manifestem dentro do fluxo de cooperação das parcerias. Essa visão pode acabar por
reforçar a idéia de uma sociedade focada em micro-mudanças, subtendendo que caberia ao
Estado ou outras organizações da sociedade civil o combate a fenômenos estruturais que
levam os problemas sociais.
Os autores desenvolvem uma discussão centrada em variáveis políticas que afetam o
modelo, partindo de uma visão econômica da relação, o que torna o modelo fragilizado na
compreensão de diferentes motivações e interesses sobre as relações colaborativas entre
empresas e organizações da sociedade civil. Muito focado no auto-interesse dos atores, o
modelo parece indicar que parcerias intensivas são ideais para as interações entre OSCs e
empresas, no entanto, nesse tipo de parceria não a presença do Estado como ator
participante. Além disso, as organizações da sociedade civil aparecem como fornecedoras de
soluções para os problemas empresariais, podendo se transformar em instituições
especializadas em bens concretos, perdendo o foco em lutas sociais mais ampliadas, muitas
vezes marcadas pelo conflito entre OSCs e empresas. Outro aspecto criticável do modelo se
fato ao fato de pouco se discutir sobre a realidade das comunidades, que apareceria nos
relacionamentos de baixa intensidade. Como se pressupõe trocas de conhecimento entre
detentores de conhecimento formal, como por exemplo, especialistas de OSCs e de empresas,
os saberes tradicionais da comunidade podem ser desconsiderados ou então, capturados pelos
corpos técnicos tanto das organizações privadas, quanto da sociedade civil.
84
Algumas pesquisas sobre a forma como vêm se processando os chamados
investimentos sociais de empresas brasileiras apresentam informações relevantes para se
avançar na compreensão e problematização sobre a construção de relações colaborativas entre
organizações da sociedade civil e do setor empresarial. Apesar dos dados disponíveis em
pesquisas sobre o investimento sociais de empresas no país poderem ser analisados com uma
avaliação positiva quanto ao volume de empresas atuando em problemas sociais, quando se
analisa a natureza do investimento e os públicos beneficiados pelos projetos, vários problemas
são evidenciados. Segundo relatório da FIEMG (2000), o investimento social das indústrias
em Minas Gerais precisaria se modernizar, visto que 49% da amostra pesquisada não possui
mecanismos de controle sobre os recursos investidos nos projetos. Além disso, em 58% das
empresas pesquisadas o proprietário centraliza as decisões sobre as ações socioambientais e
em 75% delas os principais resultados alcançados são a satisfação pessoal para o dono da
empresa e acionistas. Doações em dinheiro alcançam 67% e de materiais e produtos 66%,
contra 33% das empresas que afirmam investir em projetos e programas de apoio à
comunidade. A descontinuidade das ações sociais foi detectada em percentual bastante
significativo da amostra (47%).
Segundo Azevedo (2000), os dados evidenciam baixa profissionalização do
investimento privado, dando margem à focalização inadequada de problemas sociais, práticas
clientelistas e assistencialistas associadas à captação de recursos junto às empresas e impactos
questionáveis. Para Costa (2002), as empresas privadas distribuem seus investimentos sociais
em três esferas diferenciadas, conforme figura abaixo. No primeiro nível, os esforços estão
voltados para o público interno da empresa, sendo característica deste tipo de investimento a
melhoria das condições de trabalho, da estrutura salarial, da alimentação fornecida e de
benefícios aos empregados, dentre outros fatores. No segundo patamar, a organização privada
destina recursos e ações para o público localizado no entorno de suas atividades. A
comunidade local passa a ser o alvo do investimento privado, sendo comum a construção e a
manutenção pela empresa de áreas de esporte e lazer, escolas e outras instalações de provisão
de políticas sociais, com restrições maiores ou menores quanto ao público beneficiário. No
terceiro nível de ação social empresarial, recursos e ações são focalizados na luta por direitos
sociais, independentemente do público-alvo das conquistas estar ou não ligado diretamente à
empresa ou às comunidades nas quais opera. Nesse patamar de intervenção das empresas nos
problemas sociais, as ações concentram-se em campanhas de conscientização e informação
junto à população, grupos formadores de opinião e diferentes instâncias de incidência sobre a
formulação de políticas públicas.
85
Esquema 3 - Níveis de Investimento Social Privado
Fonte: Elaboração própria a partir de COSTA (2002).
Para Costa (2002), o padrão desejável de intervenção das empresas nos problemas
sociais deve se dar no terceiro nível: a luta por direitos. Avanços mais efetivos na luta por
direitos seriam alcançados, ao passo que retornos significativos seriam obtidos pelas
empresas, na medida em que associariam sua imagem de maneira duradoura a campanhas de
defesa de direitos, cujo alvo principal são públicos formadores de opinião. No entanto, o autor
reconhece que a maioria dos investimentos realizados por empresas no país se focalizam no
segundo nível (entorno geográfico de suas plantas).
O que se percebe o possibilidades de ganhos bem como armadilhas nos diferentes
níveis de investimento social privado. Atuar na defesa de direitos mais amplos pode reduzir a
dependência das comunidades locais em relação à intervenção das empresas, no entanto
caminha-se para uma esfera de ação mais ideológica, no qual interesses, racionalidades e
concepções entram em choque sobre a construção de consensos em torno de direitos sociais.
Ao mesmo tempo em que esse espaço de embate simbólico pode servir para aprofundar a
cidadania e a articulação entre grupos com interesses diferenciados, pode também incorrer na
captura por atores sociais mais organizados e dotados de maiores recursos no jogo político.
SERVIÇOS LOCAIS
POLÍTICAS INTERNAS
DEFESA DE DIREITOS
86
Outro aspecto complicador da atuação social das empresas é que muitas vezes o
investimento social privado não se desenvolve tendo os níveis de ação de Costa (2002) como
etapas evolutivas, ou seja, pode-se caminhar para intervenções no terceiro nível sem que
ações consistentes aconteçam no primeiro e segundo níveis. Se com as transformações no
mundo do trabalho ocorridas nas últimas décadas os trabalhadores viram várias de suas
conquistas sociais retrocederem (ANTUNES, 1999), estratégias mais recentes de gestão m
se pautado pelo frequente recurso a demissões em massa e terceirizações (SENNETT, 2006;
AKTOUF, 1996; RIFKIN, 1995), que acentuam a debilidade das conquistas sociais na esfera
das políticas organizacionais internas. Sendo assim, investimento social comunitário e em
defesa de direitos ampliados pode conviver com retrocessos nas condições de trabalho, na
estrutura salarial, na participação dos trabalhadores nos processos decisórios das corporações,
dentre outros aspectos das práticas gerenciais internas (Teodósio, 2000). Isso pode gerar
sérios problemas em termos de avanços de posturas individuais e coletivas socialmente mais
corretas, gerando resistências explícitas e implícitas a propostas de responsabilidade social
que podem parecem mais preocupadas com o ambiente externo (comunidade) do que com os
ambiente interno da organização.
Esse tipo de ação social pode gerar efeitos complicadores para as organizações
privadas no futuro, resultando em maior pressão dos movimentos sociais sobre suas práticas
trabalhistas (LITVIN, 2003; KLEIN, 2002). Permanece a dúvida quanto à efetividade dessas
intervenções e sua capacidade de promover bases consistentes para um reordenamento das
agendas de provisão de políticas sociais. Diante desse quadro, a construção da cidadania
através da ação social das empresas pode operar de maneira cindida, elegendo parcelas da
população e determinadas causas como alvo de suas políticas e relegando a um segundo plano
outros grupos sociais, comunidades e/ou causas. O paradoxo é que a cidadania pode chegar a
grupos historicamente excluídos do processo de construção dos direitos no país, como
trabalhadores agrícolas, mulheres, populações ribeirinhas e crianças, enquanto os grupos
anteriormente premiados por essas conquistas, como os trabalhadores urbanos, vêem seus
direitos, inclusive os de acesso aos direitos sociais, serem gradativamente debilitados.
Pesquisas como a da FIEMG (2000), Peliano (2000), FIRJAN (2002) e GIFE (2001)
demonstram que uma concentração de investimentos empresariais em três temas básicos:
criança e adolescência, educação e meio-ambiente. Causas como as do movimento pelos
direitos dos homossexuais, por exemplo, que têm um potencial significado de despertar
resistência por parte de grupos conservadores, com desdobramentos perigosos para as
empresas em termos de reação de seus consumidores (KLEIN, 2002).
87
Nesse cenário, não é de estranhar que públicos como populações indígenas, mulheres e
outros grupos em situação desfavorável recebam tão pouca atenção dos projetos sociais de
empresas no Brasil, não ultrapassando individualmente o percentual de 10% das amostras
pesquisadas, ainda que vários estudos e autores apontem essas populações como centrais nos
processo de avanço da cidadania nos países em desenvolvimento (SEN, 2000; MORIN,
2000). Manifestam-se novamente os dilemas do papel empresarial nas políticas, programas e
projetos sociais, reforçando-se a necessidade de que o investimento social privado, quer seja
realizado por OSCs ou empresas, seja visto como complementar e/ou não substituto à ação do
Estado. Caso isso não ocorra, grupos menos organizados, desempoderados ou cujas demandas
sociais não tenham visibilidade na mídia correm o risco de serem preteridos na provisão de
políticas.
Essa complementaridade entre Estado, sociedade civil e capital privado não implica
assumir a idéia de convergência de interesses entre essas esferas. Além disso, não se deve
perder de vista o fato de que articulações virtuosas para a provisão de políticas sociais podem
ser estabelecidas entre Estado, OSCs e empresas.
A pesquisa do GIFE (2001) também aponta a formação de redes de provisão de
políticas como uma forte tendência no comportamento do investimento empresarial privado:
77,5% de suas instituições trabalham em articulação com governos, 75% com OSCs e 50%
com organizações de base comunitária.
No entanto, a articulação entre empresas e OSCs aparece muitas vezes na literatura
sobre stakeholders e no discurso de lideranças empresariais como elemento automático de
modernização das instituições não-lucrativas, sendo destacados apenas os fatores positivos em
torno dessa aproximação. Um dos pontos mais discutidos é a profissionalização dos quadros
das OSCs e das organizações comunitárias, através do contato com as empresas privadas.
Para Falcão (2001), empresas operam como fator de profissionalização de
organizações da sociedade civil, na medida em que transpõem para a área suas competências
na elaboração de projetos, com decisivos desdobramentos na ampliação da captação de
recursos. No entanto, a presença das empresas na área social não necessariamente aumenta o
volume de recursos destinados às OSCs. Efeitos contrários parecem ser mais perceptíveis na
realidade contemporânea brasileira. Parece ser recorrente no discurso de gestores de
organizações da sociedade civil reclamações quanto à dificuldade de captação de recursos.
Nem sempre atuando como autênticas parceiras das OSCs, as fundações empresariais
apresentam-se como forte competidoras por recursos, drenando investimentos públicos
88
governamentais e internacionais anteriormente destinados estritamente às OSCs (ARANTES,
2002).
Outro fenômeno observado por Fischer et al (2003) é a tendência das empresas
brasileiras em investirem em projetos específicos junto às comunidades locais, com ciclos de
vida bem definidos, procurando não estabelecer vínculos duradouros com nenhum projeto
específico. Por detrás dessa tendência, estaria o princípio de manutenção da independência
decisória da empresa quanto aos seus investimentos sociais. Com isso, fontes de recursos
vinculadas a fundações empresariais, assim como parte considerável dos organismos
internacionais, têm estabelecido exigências para o financiamento de projetos que vão desde a
proibição de gastos com infra-estrutura e custeio até a obtenção de fontes alternativas para
sustentação econômico-financeira de iniciativas de intervenção nos problemas sociais
(PEREIRA, 2001). Diante de tal quadro, a captação de recursos junto às empresas apresenta
significativas dificuldades, bem como a manutenção das parcerias estabelecidas.
Mas não o montante de recursos aplicados em organizações da sociedade civil e as
próprias organizações beneficiadas devem ser analisados. É importante estudar os processos
decisórios envolvendo o repasse de recursos. Grande parte da literatura sobre relações norte-
sul entre organismos internacionais e OSCs detecta níveis elevados de centralismo na
definição de agendas sociais (BEBBINGTON, 2002; CARVALHO E SACHS, 2001;
ARISTIZÁBAL, 1997; GORDENKER E WEISS, 1996). Estudos apontam tendência
semelhante na relação entre OSCs e empresas privadas no Brasil (BEGHIN, 2005; GARCIA,
2004; PAOLI, 2002). Muitos dos processos pretensamente participativos de definição de
agendas acabam reproduzindo o que Pateman (1992) denomina de pseudoparticipação: rituais
de encontro dos atores nos quais decisões fundamentais estão tomadas, mas se reproduz
uma dinâmica de interação entre os indivíduos na qual se produz a sensação de participação
efetiva. Outra forma de manifestação da pseudoparticipação se processa quando decisões
fundamentais foram tomadas, cabendo aos atores locais apenas definições em assuntos
secundários, geralmente vinculados ao como atingir tais metas e não às próprias metas em si.
A expressão parceria, comumente utilizada para definir a relação entre empresas, o
Estado e as OSCs apresenta-se carregada de simbolismo. Na verdade, essa expressão tenta
associar um caráter de relações simétricas entre atores cujo poder de negociação é bastante
diferenciado. A própria definição de parceria contida no relatório GIFE (2001) engloba
atividades pontuais e esporádicas desenvolvidas em articulação com outros atores locais como
pertencentes ao rol das parcerias do grupo. Estudos de Teixeira (2002) e Dulany (1999),
dentre outros autores, demonstram que a discrepância de poderes e capacidades negociais é
89
característica frequente nas articulações entre empresas e OSCs, favorecendo os primeiros.
Nesse sentido, as indagações de Maciel e D`Ávila (1995, p. 245 apud Layrargues, 1998)
assumem grande relevância:
Ao promover uma ação de desenvolvimento por meio de ‘cooperações técnicas’,
estamos cumprindo que (tipo de) missão? A transmissão de novas ou mais
adequadas tecnologias ou a submissão dos menos aptos aos mais avançados? (p.
140)
Azevedo (2000) elaborou um esquema interpretativo com o objetivo de avaliar o
posicionamento das empresas frente à responsabilidade social. Quatro momentos poderiam
ser encontrados entre as corporações privadas no que tange a suas estratégias de intervenção
nos problemas sociais, conforme é apresentado na figura abaixo.
Esquema 4 - Dimensões da Responsabilidade Social Empresarial
Fonte: Elaboração própria a partir de Azevedo (2000).
Os quadrantes são formados a partir de dois vetores: responsabilidade social e
responsabilidade negocial. Por responsabilidade social o autor entende todo e qualquer tipo de
Responsabilidade
Sociais
Responsabilidade
Negocial
Investimento
Social Privado
Assistencialismo
Marketing
Social
Inoperância
Social e
Negocial
(A)
(B)
(D)
(C)
90
investimento empresarial que envolva não apenas contrapartidas para seu público interno
(trabalhadores, gestores, dentre outros) como também recursos, serviços e produtos destinados
ao público externo, ou seja, os stakeholders (comunidades, consumidores, ONGs, dentre
outros). Responsabilidade negocial é compreendida como o compromisso da organização com
seus proprietários/acionistas em termos de lucratividade e perenidade do investimento, tal
qual pressuposto por Friedman (1970). O modelo desenvolvido por Azevedo (2000) busca
compatibilizar lucratividade empresarial com responsabilidade social e se inscreve na
abordagem da Gestão das Questões Sociais.
No quadrante A encontram-se corporações com baixa performance competitiva no
negócio e nenhuma intervenção social. É importante destacar que nesse momento a
organização não atende nem aos requisitos de seu papel segundo a abordagem neoclássica de
Friedman (1970), defensor da idéia de que a única responsabilidade da empresa é a negocial.
O modelo analítico de Azevedo (2000) propõe a evolução da intervenção das empresas
nos problemas sociais dos quadrantes B e C para o chamado Investimento Social Privado
(quadrante D). Na área B estariam concentrados os investimentos que não se baseiam em
nenhum tipo de retorno para a corporação privada, tomando como principais beneficiários
apenas os grupos sociais favorecidos pela empresa. Esta dimensão de responsabilidade social
empresarial aparentemente seria a desejável, tendo-se em vista a autonomia dos atores diante
da interação com a empresa. Haveria maiores condições de garantia dessa autonomia, tendo
em vista o fato de a empresa repassar recursos sem esperar retornos em termos de negócio. No
entanto, Azevedo (2000) afirma que no quadrante B reforça-se o assistencialismo e o
centralismo das decisões de investimento empresarial. Além disso, em momentos de crise de
rentabilidade do negócio, os investimentos sociais poderiam se tornar alvo direto de cortes,
visto que não seriam considerados elementos agregadores de competitividade para a empresa.
O resultado seria a fragmentação de ações e a reduz da capacidade de manutenção dos
projetos sociais.
No quadrante C se encontrariam estratégias consideradas espúrias por grupos
empresariais como o GIFE e o ETHOS. Particularmente estes dois grupos de associação de
empresas têm implementado campanha junto aos gestores de empresas privadas para que o
conceito e as práticas do chamado Marketing Socioambiental sejam substituídas pelo novo
conceito de Comunicação para Causas Sociais ou simplesmente Comunicação Social. Assim
como Azevedo (2000), o GIFE e o ETHOS associam ao Marketing Social todas as
intervenções empresariais sobre os problemas sociais que visam primordialmente assegurar
91
maior espaço junto à dia e fidelizar clientes, em detrimento de impactos mais consistentes
sobre a realidade ambientais e comunitários.
Apesar do quadrante C assegurar ganhos de competitividade à empresa, grande parte
da literatura sobre responsabilidade social empresarial aponta os riscos advindos deste tipo de
estratégia. Klein (2002) enumera vários casos de desgaste da imagem institucional no longo-
prazo, à medida em que resultados sociais inexpressivos ganhem visibilidade na mídia.
Pringle e Thompson (2000) alertam para a complexidade e as ameaças envolvidas na
manipulação de grupos formadores de opinião e movimentos sociais. Mcintosh et al (2001)
demonstram que esse tipo de estratégia empresarial fundamenta-se no curto-prazo, ao
contrário da grande maioria das experiências bem sucedidas de intervenção empresarial nos
problemas sociais.
O quadrante D seria o desejável porque compatibilizaria resultados sociais relevantes
com ganhos competitivos para a empresa, fazendo com que seus projetos adquiram maior
capacidade de manutenção no longo-prazo, estando menos sujeitos a variações decorrentes de
mudanças de diretoria, crise empresarial ou inversão das prioridades estratégicas. Segundo
Azevedo (2000), neste quadrante o gasto com projetos sociais passa a ser considerado
investimento.
O modelo analítico de Azevedo (2000) não é construído sob o pressuposto do conflito
como categoria social relevante e presente nos fundamentos da ação social, concepção
relevante para se problematizar as iniciativas e projetos de responsabilidade social e as
Parcerias Tri-Setoriais. Ainda assim, ele permite que se elucidem interesses divergentes entre
os atores sociais provenientes das esferas da sociedade civil, mercado e Estado. Através dele,
mas sem se apegar aos seus pressupostos, pode-se avançar para além de grande parte da
literatura sobre stakeholders, extremamente normativa e pouco fundamentada em
pressupostos e modelos explicativos consistentes, como afirma Weiss (1995) ao avaliar a
produção de conhecimento sobre o tema.
No entanto, cabe destacar que diferentes práticas e posicionamentos podem ser
observados quanto aos investimentos sociais de uma mesma empresa. Cruz e Estraviz (2002)
afirmam que é comum encontrar no meio empresarial a pulverização do investimento sociais
em inúmeros projetos, negociados e acompanhados por diferentes áreas e gestores. Esse é um
dos argumentos que reforça também a idéia de que a profissionalização e o avanço das
práticas de gerenciamento das OSCs podem resultar em menor volume de recursos
disponíveis para as causas sociais. Segundo os autores, ao organizar e concentrar os
investimentos sob a coordenação de determinada área, busca-se racionalizar os gastos,
92
maximizando os retornos do investimento. Nesse ponto aparecem também as contradições e
ambigüidades das parcerias para intervenção em problemas sociais, visto que ao se premiar a
eficiência e colocar o princípio do correto gerenciamento de recursos financeiros e os retornos
em termos de resultados operacionais como referências centrais para o financiamento da
gestão de projetos sociais, a competição por recursos pode premiar os mais aptos e relegar ao
esquecimento os menos aptos, mesmo sendo mais legítimos ou relevantes em termos de
carência de direitos. Isso é o que parece estar por detrás das preocupações de Fischer (2002),
quando coloca que a sustentabilidade de uma organização da sociedade civil pode implicar na
insustentabilidade da própria sociedade civil.
93
5 UM QUADRO EXPLICATIVO PARA AS PARCERIAS TRI-SETORIAIS EM
POLÍTICAS E PROJETOS SOCIAIS
Um dos argumentos recorrentemente encontrados na literatura para justificar a
emergência de Parcerias Tri-Setoriais fundamenta-se na modernização das políticas públicas e
na provisão de serviços sociais. No entanto, é também recorrente nas análises críticas, tanto
sobre o papel do Estado nessas políticas e projetos, quanto das organizações da sociedade e
da responsabilidade social empresarial, a preocupação com suas implicações e
desdobramentos sobre a esfera pública e a construção da cidadania. (TEODÓSIO, ALVES,
2006; ALVES, 2004; TENÓRIO, 2002; LANDIM, 2002; OLIVEIRA, 2002; PEREIRA,
GRAU, 1999; PÉREZ-DÍAS, 1996)
Habermas (1984) reconhece uma série de usos e implicações da expressão “público”
na contemporaneidade, denunciando uma “multiplicidade de significados concorrentes” (p.
13), que contribuem para sua indefinição, tanto no uso corrente, quanto no campo científico.
Dentre as múltiplas significações e empregos do termo, poderiam se enumerar referências ao
âmbito do Estado propriamente dito, como poder público, e relativas a um campo que se
diferenciaria da esfera estatal, abrigando a sociedade civil, como “esfera de opinião pública
que se contrapõe diretamente ao poder público” (HABERMAS, p. 14) (VIEIRA, 2001;
GOHN, 2000b). Por outro lado, Shafir (1998), Janoski (1998), Seligman (1993) e Held (1987)
constatam que em diferentes correntes interpretativas sobre a construção da cidadania, ora a
idéia de sociedade civil engloba também o mercado, ora se diferencia dele, em direção a uma
concepção centrada nas comunidades.
Para Habermas (1984), a esfera pública é resultado do surgimento e consolidação da
sociedade burguesa, que não teria mantido a sua formação social, mas sim o seu modelo
ideológico de forma continuada nos “termos da história das idéias”. Além disso, “a própria
‘esfera pública’ se apresenta como esfera: o âmbito do que é setor público contrapõe-se ao
privado.” (p. 14) Para o autor, esse caráter de esfera da vida em sociedade adquire uma
conotação bastante específica, referindo-se ao lócus no qual interesses da esfera privada,
sobretudo oriundos do setor de trocas de mercadorias e trabalho social, se organizam e
dialogam em direção ao que chama de esfera pública política, localizada entre a esfera do
poder público e o setor privado. Na terminologia habermasiana, esferas e setores coexistem, o
que permitiria se abrir perspectivas interessantes para se entender a tri-setorialidade ou
intersetorialidade e suas implicações para a própria esfera pública.
94
No entanto, segundo Vieira (2001), o modelo desenvolvido pelo autor não permite
uma discussão mais consistente dos interstícios, sobreposições e inflexões mútuas que se
apresentam entre o Estado, o mercado e a esfera pública, pois Habermas (1984) assume tais
campos como dimensões separadas e não justapostas. O fenômeno das Parcerias Tri-Setoriais
traz em si situações nas quais organizações, recursos, racionalidades e instituições sociais se
interpenetram (VERNIS et al, 2007; SELSKY, PARKER, 2005; PREFONTAINE et al,
2000), podendo se pautar tanto em forte orientação estadocêntrica (MORALLES, 1999),
quanto do mercado, sob o que Harvey (1992) denomina de “empresariamento do mundo” e
Oliveira (2002) de “vigência completa do contrato mercantil”, bem como também da própria
sociedade civil (VIEIRA, 2001; PEREIRA, GRAU, 1999), com o que Moralles (1999) chama
de desestatização e Vernis et al (2007) de pluralismo de bem-estar. Sendo assim, caberia
recorrer a propostas analíticas capazes de incorporar com maior propriedade tendências de
pesos e contrapesos entre as organizações de diferentes setores quando interagem através de
Parcerias Tri-Setoriais, problematizando de maneira mais consistente os fenômenos de
influência recíproca e construção de instituições sociais que marcam as esferas pública, do
Estado e do mercado nas sociedades contemporâneas.
A melhoria da provisão de serviços sociais pode ser entendida como uma das
características que envolvem os direitos sociais, dentro da clássica tipologia desenvolvida por
Marshall (1992) para discutir a evolução da noção de cidadania. A análise sobre acesso a
direitos e a ampliação da cidadania, mesmo na obra de marshalliana, se faz em paralelo à
discussão da capacidade reivindicatória e organizativa de diferentes grupos da sociedade em
suas relações com o Estado e o mercado ao longo da trajetória histórica das sociedades,
sobretudo o movimento operário (BENDIX, 1996; ARRETCHE, 1995).
Nos últimos anos, autores que procuram oferecer novas leituras e interpretações
críticas a essa obra seminal, têm discutido a transformação das lutas sociais contemporâneas,
que incluiriam novos movimentos sociais, com destaque para minorias e grupos
tradicionalmente excluídos e ou pouco considerados pelas políticas de bem-estar social
(JANOSKI, 1998; SHAFIR, 1998; WALZER, 1998). Além disso, outro aspecto relevante diz
respeito à cultura política construída em cada trajetória nacional específica, trazendo novos
matizes para a visão marshalliana, criticada por sua noção linear evolutiva dos direitos a partir
de uma interpretação centrada na trajetória de países desenvolvidos, mais precisamente da
sociedade inglesa (CARVALHO, 2008).
Os estudos sobre ampliação de direitos e da cidadania precisariam considerar não o
acesso a direitos, mas também a forma como determinadas sociedades e seus grupos
95
organizados constroem noções de pertencimento, direitos e deveres e se relacionam com as
esferas da vida social e os atores que consideram responsáveis pela viabilização dessas
conquistas (SHAFIR, 1998).
Apesar de se apresentarem diferentes narrativas sobre as formas de acesso e as
instituições e esferas centrais nesse processo de construção da cidadania e provisão de direitos
(SHAFIR, 1998; SELIGMAN, 1993), várias discussões indicam que não basta apenas estudar
as políticas sociais em si, destacando seus mecanismos de formulação, implementação e
avaliação. Igualmente importante seria a análise da relação que indivíduos e as organizações
da sociedade civil estabelecem em espaço público em torno dos direitos que pleiteiam e das
próprias políticas, programas e projetos sociais com que se relacionam (CARVALHO, 2008;
VIEIRA, 2001; PEREIRA, GRAU, 1999; PÉREZ-DÍAS, 1996). Tal discussão remete
necessariamente à construção da cidadania, entendida não apenas quanto ao acesso a serviços
sociais, mas sobretudo quanto às relações políticas que carrega em si. Conforme argumentam
Pereira & Grau (1999, p. 38): o fundamento último do reforço do público não estatal é a
construção da cidadania em sua dimensão material e política. Por fim, que se expressar
numa redistribuição do poder político e social.”
Shafir (1998) identifica várias narrativas teóricas que dialogam com as discussões
sobre cidadania, tendo cada uma delas diferentes pressupostos e concepções sobre a esfera
pública, do Estado e do mercado. Às discussões sobre a vida política na polis grega e na
república romana, somam-se as visões liberal, comunitarista, social-democrata e nacionalista,
além das críticas contemporâneas associadas ao multiculturalismo e ao feminismo. Conforme
apontam Pérez-Díaz (1995) e Seligman (1993), por detrás das narrativas acerca da sociedade
civil encontram-se pressupostos sobre a racionalidade e os fundamentos éticos e morais dos
atores sociais, sejam eles do âmbito do Estado, do mercado ou dos grupos da sociedade civil
que se localizam na esfera pública, bem como sobre as condições que levariam à existência de
uma esfera pública capaz de propiciar uma dinâmica e desenvolvimento adequados às
sociedades.
Para Vieira (2001), algumas correntes interpretativas da noção de esfera pública não
conseguem discutir com consistência a emergência de atores e movimentos da sociedade civil
ligados às lutas por ampliação da cidadania, que marcam a realidade sociopolítica das últimas
décadas. Em clara referência à racionalidade comunicativa de Habermas (2003), o autor
afirma que:
96
O modelo agonístico de Hanna Arendt não conta da realidade sociológica da modernidade
nem das lutas políticas modernas por justiça. O modelo liberal transforma rapidamente o
diálogo político sobre o poder num discurso jurídico sobre o direito. O modelo discursivo é o
único compatível com as inclinações sociais gerais de nossas sociedades e com as aspirações
emancipatórias dos novos movimentos sociais, como por exemplo, o movimento das mulheres.
(VIEIRA, 2001, p. 63)
Arendt (2007), resgatando as relações sociais na polis grega, assume que a esfera
pública é o espaço por definição da política, bem como adverte para o equívoco de se pensar a
construção de direitos entre os gregos como atributo estrito do indivíduo e sua dimensão
privada. Para a autora, essa perspectiva analítica, cara a várias correntes do liberalismo
político, colocaria em dicotomia a esfera pública e a privada, a propriedade e a sua ausência, a
riqueza e a pobreza, levando a uma compreensão equivocada da própria esfera pública.
Na obra da autora, parte-se do pressuposto de que as lutas entre associações sindicais e
patronais não se inscreveriam na esfera pública, visto que carregam em si as preocupações
típicas da vida privada na antiguidade, com suas imposições de sobrevivência e manutenção
material. Como destaca Habermas (1984), “o reino da necessidade e da transitoriedade
permanece mergulhado nas sombras da esfera privada. Contraposta a ela, destaca-se a esfera
pública (...) como um reino da liberdade e da continuidade” (p. 16). A esfera pública seria o
lócus por definição do político, ou seja, das discussões pautadas em aspirações para além das
condicionantes materiais da vida. Com isso, as lutas por direitos originadas no embate entre
capital e trabalho com o advento do capitalismo não se inscreveriam na esfera pública.
A perspectiva analítica de Arendt (2007) reforça a importância de se analisar as
configurações da esfera pública, do Estado e do mercado a partir da dimensão de sua
dimensão sociopolítica. Esse recorte, na análise das Parcerias Tri-Setoriais, implica em se
conceber os fenômenos de colaboração não apenas como aporte de recursos, mas também a
partir das relações de poder socialmente construídas. Tal perspectiva é cara a uma série de
autores que discutem a construção e gestão de políticas e projetos sociais, quer seja a partir da
dimensão do Estado (ARRETCHE, 1996; SPINK, 1995), quer seja a partir da
responsabilidade social dos atores de mercado (ABRAMOVAY, 2004; SWEDBERG, 1994),
bem como das próprias organizações da sociedade civil (OLIVEIRA, 2002; GOHN, 2000b).
Mas se a perspectiva de Arendt (2007) reconhece as imbricações entre o público e o
privado como dimensões que, antes de excludentes e dicotômicas, se reforçam e dão sentido
uma a outra simultaneamente, em suas discussões um diagnóstico de desconstrução da
97
esfera pública na contemporaneidade. Isso pode ser atestado em sua análise sobre a sociedade
de massas:
A esfera pública, enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos outros
e contudo evita que colidamos uns com os outros, por assim dizer. O que torna tão
difícil suportar a sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange,
ou pelo menos não é este o fator fundamental; antes é o fato de que o mundo entre
elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras e de separá-
las. (ARENDT, 2007, p. 62)
A visão de Arendt (2007) parece não dar conta de uma série de fenômenos que
marcam as interações entre as esferas do Estado, pública, do mercado e da vida privada na
contemporaneidade, conforme argumenta Vieira (2001). Ações e interações manifestadas nas
dimensões de mercado, do trabalho e do consumo perderiam sua magnitude na análise da
esfera pública. No entanto, diferentes estudos apontam a relevância de movimentos de
trabalhadores para a ampliação de direitos para além das relações mercantis (MARSHALL,
1992; ARRETCHE, 1995), do consumo como forma de exercício da política e controle social
das corporações na sociedade de massas (FONTENELLE, 2007; SENNETT, 2006;
PORTILHO, 2005a), da sobreposição de gicas e racionalidades não estritamente mercantis
no espaço do mercado (ABRAMOVAY, 2004 e 1999; SWEDBERG, 1994) e da urgência de
novas leituras que superem a separação entre esfera pública, espaço do trabalho e da vida
privada a partir de concepções feministas das relações sociais (SHAFIR, 1998; PÉREZ-DÍAZ,
1995).
Além disso, os interstícios e sobreposições entre as dimensões do Estado, da sociedade
civil e do mercado, que muitas vezes se manifestam nos projetos sociais desenvolvidos
através de Parcerias Tri-Setoriais perderiam relevância ao se assumir de antemão a
desconstrução da esfera pública. Apesar de muitas das promessas de modernização da
provisão de políticas e gestão de projetos sociais através da articulação entre órgãos
governamentais, empresas e OSCs serem de difícil operacionalização e poderem não trazer os
resultados esperados, diferentes autores enxergam nessas práticas colaborativas virtudes
capazes de retirar do centro do Estado e do mercado a provisão de direitos sociais,
caminhando-se para sociedades mais publicizadas ou nas quais a sociedade civil tenha
relevante papel na construção de uma esfera pública mais democrática e fundamentada no
exercício pleno da cidadania (VERNIS et al, 2007; SELSKY, PARKER, 2005; VIEIRA,
2001; MORALES, 1999; PEREIRA, GRAU, 1999). Essa constatação reforça a relevância do
98
estudo das Parcerias Tri-Setoriais, sobretudo a partir de suas efetivas implicações e
desdobramentos sobre a esfera pública.
Se a contemporaneidade é marcada por decisivos desafios quanto à construção da
esfera pública e da dimensão do político, outras narrativas e fenômenos parecem indicar
possibilidades de resgate tanto do público, quanto do político nos dias atuais. O diagnóstico
fatalista de desconstrução da esfera pública na contemporaneidade é passível de debate. Para
vários autores, a ampliação da esfera pública poderia operar a partir de diferentes dimensões,
quer seja como espaço privilegiado do exercício de direitos e deveres (RIBEIRO, 2000), quer
seja da racionalidade comunicativa (HABERMAS, 2004; HABERMAS, 1996), do pluralismo
democrático (DAHL, 1994), das virtudes comunitárias (TOCQUEVILLE, 1987), da
democracia participativa (SANTOS, 2002; AVRITIZER, 1992) ou do capital social
(PUTNAM, 2000; PUTNAM et al, 1996), dentre outras narrativas sobre o papel da esfera
pública nas sociedades contemporâneas.
A sociedade civil e suas organizações seriam o cus central dessa ampliação da esfera
pública, da cidadania e do avanço na provisão de políticas, programas e projetos sociais
(VIEIRA, 2001). Isso se daria, a partir de uma clara alusão à perspectiva habermasiana de
estudos sobre sociedade civil, considerando-se que:
“O terceiro setor deve atuar numa perspectiva dialógica, comunicativa, na qual suas
ações devem ser implementadas por meio da intersubjetividade racional dos
diferentes sujeitos sociais a partir de esferas públicas em espaços organizados da
sociedade civil, a fim de fortalecer o exercício da cidadania deliberativa”.
(TENÓRIO, 1999, p. 18)
No entanto, cabe destacar que a esfera pública pode não abrigar apenas movimentos,
atores e organizações fundados no interesse público, como determinadas correntes de
interpretação pressupõem, notadamente a perspectiva comunitarista (JANOSKI, 1998;
SHAFIR, 1998; PÉREZ-DÍAZ, 1995), como até mesmo HABERMAS (1996) parece começar
a problematizar em suas obras mais recentes, ainda que sem a ênfase e pujança de outras
discussões que problematizam a presença de OSCs na esfera pública. Podem se inserir na
esfera pública desde movimentos avessos à democracia, como por exemplo, neonazistas e
racistas, além de organizações privadas que operem nesse campo de forma a influenciar
outras organizações típicas da esfera pública em função de seus interesses específicos
(VIEIRA, 2001; SHAFIR, 1998).
99
Para se compreender os encontros e desencontros entre atores do Estado, da sociedade
civil e do mercado em políticas e projetos sociais é preciso atentar para o fato de que essas
interações não apenas podem se processar a partir de novas bases de relacionamento entre
esses atores, mas que também, por detrás delas, podem se abrigar antigas configurações dos
próprios setores nos quais gravitam (VERNIS et al, 2007; SELSKY, PARKER, 2005;
FISCHER et al, 2003; OLIVEIRA, 2002; TENÓRIO, 1999).
Para se pautar a discussão nessa perspectiva, é preciso refletir sobre a dimensão da
esfera pública, seus vetores de mudança e continuidade imbricados nas Parcerias Tri-
Setoriais, fazendo o caminho reverso: ao invés de ir da melhora da provisão de serviços
sociais até a ampliação da esfera pública, partir das reflexões sobre a esfera pública na
contemporaneidade para entender as novas formas de configuração de políticas e projetos
sociais que se apresentam. Nesse sentido, é preciso também se descortinar aquilo que parece
ser outro equívoco relevante nas análises sobre o papel das organizações da sociedade civil na
modernização das políticas públicas em grande parte da literatura gerencial dedicada ao tema:
assumir que o simples fato de haver interações colaborativas entre Estado e sociedade civil
indicaria avanço na construção da esfera pública, na ampliação da cidadania e, portanto,
também na provisão de políticas sociais (TEODÓSIO, ALVES, 2006; TEIXEIRA, 2002).
Torna-se relevante refletir sobre qual sociedade civil se fala quando entram em
discussão as Parcerias Tri-Setoriais e de qual modelo de sociedade se aspira ao discutir as
relações entre Estado, mercado, sociedade civil e esfera da vida privada na sociedade. Nesse
espaço, a interação entre esferas da vida em sociedade e seus atores não necessariamente
levaria à sociedade idealizada, sobretudo no campo da ampliação de uma esfera pública
marcada por relações plurais e democráticas, capazes de fazer avançar a cidadania e
modernizar a provisão de políticas e a gestão de projetos sociais.
Essas são questões centrais na discussão sobre a construção de Parcerias Tri-Setoriais,
sob pena de se insular a discussão nas estratégias e ferramentas gerenciais capazes de
fomentar essas práticas colaborativas, característica de grande parte da literatura sobre
parcerias em projetos sociais (MEIRELLES, 2005), levando a uma verdadeira eugenia
analítica.
Essa perspectiva assumiria implicitamente e, em muitos casos explicitamente, que as
Parcerias Tri-Setoriais per si fazem avançar a provisão de políticas sociais e transformam
positivamente a esfera pública, através da construção de uma cultura política renovada e
capaz de fazer avançar o avanço do exercício da cidadania. Por outro lado, a discussão sobre
as promessas, embates, contradições e ambigüidades presentes na construção da esfera
100
pública e na noção de direitos e cidadania pode melhor analisar o fenômeno das Parcerias Tri-
Setoriais e permitir uma discussão para além do tecnicismo gerencial de projetos sociais. Essa
perspectiva analítica permitiria compreender se as promessas de uma sociedade e uma esfera
pública mais cidadãs avançam ou não ao compasso da melhoria (ou não) da provisão de
políticas e serviços sociais através de Parcerias Tri-Setoriais.
5.1 Parcerias Tri-Setoriais como checks and balances entre Estado, Esfera Pública e
Mercado
O modelo explicativo das esferas da sociedade, desenvolvido Janoski (1998) e
discutido por Vieira (2001), visualizado na figura abaixo, permite que se discuta com maior
propriedade as complexas relações entre esferas da sociedade por detrás das Parceriais Tri-
Setoriais. Isso se daria porque essa abordagem incorpora diferentes atores, interesses,
racionalidades e valores em interação, não incluído ou excluído determinadas organizações da
esfera pública com base em pressupostos sobre a sua contribuição ou não a ampliação da
cidadania. Ou seja, não se assume como precondição para o reconhecimento e a análise dos
atores da sociedade civil que fundamentem seus valores e ações em práticas democráticas,
participativas e vinculadas ao interesse público. Além disso, esse esquema conceitual parece
oferecer possibilidades analíticas mais consistentes sobre as sobreposições, influências
recíprocas e ampliação-retração das esferas pública, do Estado, do mercado e da privada nas
sociedades.
101
Esquema 5 - Diagrama Conceitual das Esferas Sociais segundo Janoski (1998)
Fonte: VIEIRA, 2001, p. 66.
Segundo Janoski (1998), a esfera do Estado envolveria tanto organizações do
legislativo, quanto do judiciário e executivo. Mas, na esfera do mercado, além de
organizações privadas, se encontrariam também empresas públicas engajadas na geração de
renda e riqueza através da produção de bens e serviços. a esfera privada envolveria a vida
familiar e as redes de amizades, bem como a disposição da propriedade pessoal. A presença
da dimensão privada nessa abordagem parece ser decorrente de sua compreensão da noção de
cidadania, que dá origem à concepção das esferas da vida em sociedade:
Citizenship is a passive and active membership of individuals in a nation-state with
certains universalistic rights and obligation at a specific level of equality. (p. 9) (...)
Citizenship concerns the relationship of state and the citizen (...) A theory of civil
society provides the context or “mediating institutions” between citizen and the
state. (JANOSKI, 1998, p. 12)
ESFERA ESTATAL
Executivo
Judiciário
Burocracia
Polícia
Forças Armadas
Polícia Secreta
Espionagem
Estado de
welfare
público, mídia,
educação e
P&D
Corporações de
direito público
com controle
tripartite
Partidos
políticos
Contratos de
Defesa
Regulação
ESFERA DO
MERCADO
Sindicatos
Mercados
Empresas
Federações sindicais
Associações de empregados
Associações de consumidores
ESFERA
PRIVADA
ESFERA
PÚBLICA
Famílias
Amigos e
conhecidos
Amor e afeição
Relações sexuais
Vidas privadas reveladas
na mídia e nos tribunais
Redes de empresas
Familiares e de clubes de
elite
Educação,
saúde e
mídia
privada
Movimentos
Sociais
Associações
voluntárias:
welfare,
interesse
Grupos de
auto-ajuda
102
O foco em instituições que operariam a mediação da cidadania é bastante interessante
para a discussão das Parcerias Tri-Setoriais, fenômeno que se constrói a partir de diferentes
organizações, tendo como apelo discursivo a modernização das políticas e dos serviços sociais
voltados aos cidadãos.
Conforme destaca Vieira (2001), o elemento mais relevante nesse quadro conceitual,
bem como o de maior dificuldade de identificação é justamente a esfera pública, visto que
engloba uma miríade de organizações com características diferenciadas. Janoski (1998)
detecta cinco tipos de organizações na esfera pública: - partidos políticos, que a despeito de
manterem relação com o Estado, o seriam submetidos ao ente governamental em regimes
democráticos; - grupos de interesse, cujo papel central é a influência sobre a sociedade e o
legislativo a partir dos interesses de seus respectivos agrupamentos; - associações de bem-
estar social, tais como escolas, hospitais e instituições assistenciais, que visam à promoção de
serviços de bem-estar social; - movimentos sociais, que utilizariam métodos mais informais
de influência sobre a formação de agendas públicas, tais como boicotes, protestos e
manifestações; - grupos religiosos, que se inscreveriam nos limites da esfera pública com a
privada, exceto quando tentam influenciar os processos de formação de consensos na
sociedade ou no âmbito Estado em favor de suas crenças.
Essa abordagem permite se compreender a ação social de diferentes atores, originários
do Estado, do mercado e da sociedade civil sem se conceber sua natureza e práticas como
estáticas ou definidas a priori, devido ao campo ou esfera da qual se originam. Esse modelo
compreensivo dialoga mais consistentemente com a ação dos atores, permitindo entender até
que ponto se aproximam ou se distanciam de seus campos originários e como se aproximam
ou não da esfera pública. Como destaca Vieira (2001, p. 68), mesmo as empresas privadas são
entendidas não apenas como atores de mercado, dominadas exclusivamente por uma lógica
mercantil, se voltando também para a esfera pública: organizações privadas que “pretendem
moldar a opinião pública ou influenciar a produção legislativa em função de seus interesses
(...) e ameaçam o bem-estar das comunidades ou das sociedades. (....) Evidentemente, o limite
entre as esferas privadas e pública constitui matéria contenciosa.”
Cabe destacar também que o chamado terceiro setor, conceito passível de grandes
debates e embates sobre sua significância e alcance teórico (ALVES, 2002; SOBOTTKA,
2002), se inscreveria dentro da esfera pública, muitas das vezes em espaços de sobreposições
com esfera estatal e do mercado, apresentando organizações com múltiplas configurações e,
em vários casos, de natureza híbrida, como as fundações empresariais. Cabe não confundir a
103
dimensão das esferas com a existência dos setores, terminologias presentes também na
construção teórica de Habermas (1984). Assim, caminha-se para uma compreensão relacional
e fundada na ação e racionalidade dos atores dentro de Parcerias Tri-Setoriais, visto que
organizações do setor estatal, por exemplo, podem se dirigir à esfera pública, bem como
permanecer mais orientadas para a esfera do Estado, por exemplo.
É importante destacar também que se adota a expressão organizações da sociedade
civil, no lugar de pertencentes ao terceiro setor. Essa opção terminológica, que se processa
sobretudo por sua fundamentação teórica, não deve ser entendida como incongruência
conceitual em relação à tri-setorialidade. Quando se denomina de organizações da sociedade
civil uma grande variedade de organizações que compõem o Terceiro Setor, como ONGs,
associações de ajuda mútua e filantrópicas, dentre outras, assume-se também uma série de
concepções teórico metodológicas relevantes para o entendimento das Parcerias Tri-Setoriais.
Conforme argumenta Alves (2004), a noção de sociedade civil permitiria se caminhar para
abordagens que repolitizassem as discussões sobre os três setores
Uma primeira justificativa para tal fundamenta-se na necessidade de ultrapassar
leituras restritas ao tecnicismo gerencial, que têm marcado as discussões acadêmicas e,
sobretudo, as práticas de gestão de ONGs no Brasil contemporâneo (LANDIM, 2002;
OLIVEIRA, 2002; SOBOTTKA, 2002). Para Alves (2004), a noção de sociedade civil
permitiria se trabalhar com a idéia de campo de poder, no qual se manifestariam disputas por
hegemonia entre diferentes organizações, o que implica também em se pensar na sua
autolimitação (Cohen, Arato, 1994), sob pena de que “no limite, acabem abolindo a própria
sociedade civil” (ALVES, 2004, p. 152). Além disso, a noção de organização da sociedade
civil se apresenta como uma categoria típica-ideal semelhante às concepções weberianas
sobre dominação, ou seja, “não corresponde a uma categoria pura, que pode ser encontrada
em lugares diferentes (...), funcionando exatamente da mesma forma, mas deve ser entendida
inclusive como um projeto a ser perseguido.” (p. 151) Finalmente, a terminologia sociedade
civil permitiria se conceber o espaço de suas organizações como construto dialógico,
conforme o concebe Bakhtin apud Alves (2004), no qual diferentes atores enunciam discursos
que se cruzam, complementam e/ou estabelecem disputas significantes entre si.
A perspectiva das construções comunicativas entre os atores é entendida como ponto
relevante para a análise de ações colaborativas nas discussões de Fligstein (2001), bem como
nas discussões habermasianas sobre racionalidade comunicativa, que constituiriam um dos
aspectos centrais na reflexão sobre transformações contemporâneas na esfera pública.
Conforme explica Janoski (1998), sua proposta aproxima-se da visão habermasiana da
104
sociedade na medida em que a sub-divide em quatro componentes interativos, as esferas do
Estado, do mercado, privada e pública. No entanto, Janoski (1998) concebe essas esferas não
como independentes ou isoladas, mas sim interdependentes e justapostas. Essa concepção,
contrária à perspectiva de Habermas (1984), que enxerga essas esferas operando em separado,
assume interstícios e conjunções entre o Estado, o mercado e as esferas pública e privada,
permitindo também uma visão das dinâmicas de interação entre os atores. Para Janoski (1988,
p.12), “this overlap is crucial to a theory of civil society”.
Esse quadro conceitual seria relevante não apenas para o desenvolvimento de uma
teoria sobre a sociedade civil, mas também permitiria a comparação entre diferentes
realidades. A extensão das sobreposições e o tamanho de cada esfera produzem um quadro
que permitiria a comparação da sociedade civil em diferentes realidades, sejam elas marcadas
por características pluralistas, tradicionais ou corporativas de construção das relações políticas
em cada nação (Vieira, 2001). Além disso, a abordagem envolveria uma theory of checks
and balances of the four spheres(JANOSKI, 1998, p. 16), possibilitando a visualização da
diversidade política e econômica entre sociedades em um mesmo período de tempo ou ao
longo de uma trajetória temporal.
O autor reconhece que um dos problemas das discussões sobre cidadania reside na
inexistência de abordagens que possibilitem formulações, tanto no macro, quanto no micro
níveis de análise sociopolítica, capazes de operar com as noções de direitos e deveres e de
identificar como sociedades e cidadãos constroem equilíbrios entre obrigações e direitos. Com
o desenvolvimento de uma teoria sobre cidadania, segundo Janoski (1998), seria possível
compreender aspectos relevantes da sociedade civil e as organizações que operam em seu
campo: the theory of citizenship is necessary at a more middle range to help explain several
aspects of civil society and social organizations (...) and provides a means to understand the
solidarity that holds societies together(p. 24). Como se pode perceber, essas peculiaridades
da construção teórica oferecida pelo autor são bastante oportunas para se discutir as Parcerias
Tri-Setoriais, não só porque considera e analisa a existência e a ação das organizações da
sociedade civil, mas também porque várias discussões sobre parcerias desenvolvidas por
atores do Estado e dos mercados advogam a relevância dessas esferas caminharem para
maiores e melhores interseções com a esfera pública e a sociedade civil (MEIRELLES, 2005;
FISCHER et AL, 2003).
Nesta perspectiva, além de não se assumir identidades e papéis únicos entre os atores
que compõem as esferas sociais, pode-se assumir também múltiplas racionalidades
construídas e operantes em cada campo, tendo como base a vida em sociedade. Outro aspecto
105
relevante é que se pode compreender até que ponto cada uma das esferas se amplia em
detrimento das outras, se superpõem ou se excluem mutuamente, fornecendo uma base
analítica relevante para o estudo das interações entre organizações governamentais, da
sociedade civil e empresas. Visto que essa perspectiva analítica engloba diferentes formatos
organizacionais e de movimentos sociais e não pressupõe racionalidades únicas e excludentes
entre atores de diferentes campos, fenômenos que parecem se manifestar nas Parcerias Tri-
Setoriais (VERNIS et AL, 2007; MEIRELLES, 2005; SELSKY, PARKER, 2005; FISCHER
et al, 2003; PREFONTAINE et al, 2000; COSTON, 1998), pode-se discutir com maior
propriedade ambigüidades, contradições e dilemas dos atores, dentro e fora de cada esfera ou
nas suas áreas de conexão e interseção.
Para Vieira (2001), através de uma perspectiva de “checks and balances, ou pesos e
contrapesos, entre as quatro esferas (p.69), o modelo proposto por Janoski (1998) permitiria
entender as relações de poder e controle entre organizações do Estado, da sociedade civil e do
mercado. Cabe destacar também que essa abordagem não fornece uma visão idealizada do
que seria a composição desejável das esferas da vida em sociedade, ora projetada como mais
Estado, mercado, esfera pública ou privada. Ainda assim, essa perspectiva analítica permite o
diálogo com diferentes correntes que discutem as relações entre Estado, sociedade civil e
mercado, sendo que muitas delas partem de pressupostos éticos e morais sobre a composição
e ação desejáveis para essas esferas, conforme atesta Seligman (1993).
Assim, ao abrigar diferentes grupos de atores institucionais, assumindo fronteiras
fluídas e voláteis entre as esferas, marcadas pela superposição, o modelo proposto por Janoski
(1998) permite que se descortinem processos que não necessariamente levariam a uma
ampliação dos processos democráticos e plurais a partir da interação entre organizações do
Estado, da sociedade civil e do mercado. Essa se constitui em uma preocupação relevante em
várias discussões sobre a expansão das organizações da sociedade civil nas sociedades
contemporâneas, conforme se pode perceber nas discussões de Alves (2004), Teodósio
(2003), Landim (2002), Oliveira (2002), Montaño (2002), Tenório (2002) e PÉREZ-DÍAZ
(1995). Além disso, essas preocupações se reverberam nas diferentes interações de
colaboração que se estabelecem entre os atores governamentais, da sociedade civil e do
mercado em políticas e projetos sociais (SELSKY, PARKER, 2005; TEIXEIRA, 2002;
BEBBINGTON, 2002; NAJAM, 2000; PEREIRA & GRAU, 1999; COSTON, 1998).
A perspectiva de Janoski (1998) também permite dialogar com a tradição liberal de
direitos, sem se resumir a ela ou aos seus pressupostos. Isso se daria pela presença da
dimensão da esfera privada na compreensão da lógica de configuração e reconfiguração das
106
sociedades contemporâneas. Por outro lado, o reconhecimento dessa dimensão não deve servir
para justificar o foco exagerado no papel dos agentes nas Parcerias Tri-Setoriais ou no
movimento contrário, a ênfase nas estruturas sociais, em detrimento da compreensão da ação
dos atores.
5.2 A construção de práticas colaborativas em Parcerias Tri-Setoriais
A incorporação da esfera privada nas discussões sobre as interações entre Estado,
organizações da sociedade civil e mercado pode abrir chaves-explicativas relevantes para
diferentes fenômenos que compõem o amplo leque das relações de colaboração entre esses
atores. A tradicional diferenciação dos setores socioeconômicos, que concebe várias
organizações do Estado, do mercado e da sociedade civil, mas não incorpora diretamente ao
debate a dimensão da esfera privada pode fazer com que se perca de vista importantes
fenômenos da relação entre público e privado que se manifestam na contemporaneidade.
Vários argumentos podem ser enumerados para sustentar a necessidade de se analisar também
a esfera privada, o que remete à necessidade de se trabalhar com recortes teóricos capazes de
discutir com consistência tanto o papel dos agentes, quanto da estrutura nas Parcerias Tri-
Setoriais.
Um desses argumentos diz respeito às relações que permeiam as dimensões pública e
privada na vida social, sobretudo em países com trajetória de evolução dos direitos e da
cidadania que se distanciam da proposta explicativa de Marshall (1992). Carvalho (2008)
atenta para peculiaridade da trajetória dos direitos no Brasil. Invertendo o esquema
marshalliano de ponta a cabeça, no país os direitos sociais teriam sido instaurados, de forma
paternalista e autocrática no período da ditadura de Vargas, antes mesmo que os direitos civis
estivessem consolidados e os políticos garantidos. No caso brasileiro, o trato dos assuntos e da
coisa pública historicamente teria sido marcado pela presença de lideranças com extrema
capacidade de mobilização das massas, adquirindo forte conotação carismática como
salvadores e protetores da nação, o que teve implicações relevantes para o estabelecimento de
relações paternalistas e assistencialistas entre os cidadãos e o Estado na provisão de políticas
sociais (CARVALHO, 2008; ARROYO, 2004). Além disso, os direitos instaurados na Era
Vargas não se pautavam na amplitude de alcance, concentrando-se nas classes operárias
urbanas e deixando outros grupos desprotegidos pela política social, cujo um dos maiores
107
exemplos foram os trabalhadores rurais. Assim, no contexto brasileiro conviveriam
simultaneamente tanto demandas relativas à preservação da esfera privada e dos direitos civis,
inclusive no sentido de capacidades atribuído a eles por Rawls (1998), bem como lacunas
quanto aos direitos políticos e sociais.
Alguns estudos apontam que na cultura política brasileira, as políticas públicas são
perpassadas pelo personalismo, paternalismo, patrimonialismo, assistencialismo, clientelismo
e nepotismo, tendo vários desses fenômenos sua origem e dinâmica nas relações de
indivíduos, famílias ou pequenos grupos com organizações do Estado, da sociedade civil e/ou
do mercado (CARVALHO, 2008; D´ÀVILA FILHO, 2008; OLIVEIRA, 2006; NUNES,
2003; FAORO, 2001; DINIZ, 1982).
DaMatta (1997) também destaca as práticas e posturas que levam ao primado do
privado sobre o público na realidade sociocultural brasileira, reverberadas pelos indivíduos e
seus interesses específicos na lida com a máquina estatal e os espaços públicos. A recorrente
expressão encontrada na vida cotidiana brasileira, “vo sabe com quem está falando”,
discutida pelo autor, constituiria um dos “modos de navegação social” empregados para
inverter a lógica de um espaço público fundado na igualdade de direitos e deveres, reforçando
relações desiguais na esfera pública e pautadas pela captura do público por interesses
privados. Barbosa (2005) complementa essa análise discutindo outra construção social típica
do país, o jeitinho brasileiro. Essa referência cultural carregaria as ambigüidades e paradoxos
da brasilidade, significando ora a sociedade e os indivíduos que superam condições
desfavoráveis em função da criatividade e inventividade, ora a cultura que reforça a não
universalização de leis e normas, relativizando a dimensão pública de igualdade de todos
perante o Estado.
Mesmo a solidariedade e o sentido de grupo, que se manifestariam nas interações entre
indivíduos e seus agrupamentos sociais de referência em várias situações da realidade
brasileira são assumidos por determinadas abordagens sobre a cultura política do país como
caracterizadas pelo que Banfield apud Putnam (1996) denomina de familhismo amoral:
grande solidariedade intra-grupal, em detrimento do interesse público.
No entanto, ao mesmo tempo que é necessário reconhecer as tensões que marcam a
construção de uma esfera pública mais democrática e plural no Brasil, não se pode perder de
vista que diferentes movimentos e atores sociais têm tentado fazer frente à essa realidade
(SANTOS, 2002; AVRITZER, 1992; AZEVEDO, PRATES, 1991; BOSCHI, 1991).
Imaginar que a sociedade brasileira superou práticas históricas de perversão do público pelo
privado nas políticas sociais seria tão inconsistente quanto não reconhecer que essa realidade
108
vive tensões e apresenta também tentativas e tendências de superação dessa realidade nefasta
de interação dos indivíduos com as políticas e o espaço públicos (SOARES, 2000). Como
destaca D`Ávila Filho (2007, p. 4), no Brasil “populismo e clientelismo são termos
‘guerreiros’, frequentemente utilizados para desqualificar a ação política do outro”. Muitas
vezes esse debate parece perder de vista o fato de que, conforme argumenta Reis (2000), a
emergência do clientelismo seria inerente às disputas baseadas em interesse que se dão nas
democracias, não se configurando em uma peculiaridade brasileira ou um fruto estrito do
atraso da cultura política nacional. Além disso, como destacam Oliveira (2006), Geiger e
Velho (2001), Lima (2001), Soares (2000), Barbosa (1999) e Souza (1999), antes de condenar
ou vangloriar determinadas culturas nacionais, caberia entender como seus indivíduos lidam e
constroem relações sociais diante das perspectivas de igualdade e mérito.
As tensões entre a esfera pública e a privada não seriam fenômenos particulares da
realidade brasileira. Pelo contrário, se manifestariam em diferentes países e realidades sociais.
No entanto, na contemporaneidade parece haver uma resignificação dessas dimensões
(BAUMAN, 1999). Para Sennett (2006 e 1988), a própria noção de público e privado se
transformou desde a desconstrução das sociedades de bem-estar, típicas do pós-guerra, e a
emergência da sociedade de risco (BECK, 1997). A sociabilidade contemporânea seria
marcada pelo “declínio do homem público”, fenômeno no qual a vida privada torna-se cada
vez mais publicizada, ao passo que o sentido de espaço público se resignifica e perde
centralidade. O resultado dessa tendência é a autoridade, como instituição social, ceder cada
vez mais lugar à celebridade. (SENNETT, 2006 e 1998)
Isso parece se manifestar na gestão de projetos sociais com a presença recorrente de
determinados indivíduos, que desenvolveram trajetórias consideradas de sucesso em
profissões de grande visibilidade pública, à frente de projetos e iniciativas de intervenção
social que adquirem significativo espaço na mídia de massas. A baixa institucionalização, que
seria característica de várias organizações da sociedade civil no Brasil, leva autores como
Falcão (2002) a mencionar a existência não de ONGs, mas de “INGs” (Indivíduos o-
Governamentais), em uma sociedade acostumada a conceber seus direitos não como
conquista, mas como benesses de determinadas lideranças carismáticas.
O caráter voluntarista e a importância de mudanças sociais promovidas a partir de uma
nova postura dos indivíduos que gerenciam projetos sociais também se manifesta em grande
parte da literatura e documentos produzidos por organismos internacionais e ONGs. Um
exemplo disso parece ser a emergência do conceito de Empreendedorismo Social. Parte
considerável dessa literatura desconsidera ou coloca em segundo plano variáveis estruturais
109
ligadas às realidades sociais que envolvem a emergência de empreendedores na gestão de
projetos sociais. Em paralelo, valoriza-se exageradamente o papel do indivíduo no
desenvolvimento de novas habilidades e posturas capazes de transformá-lo em um autêntico
empreendedor social (NICHOLLS, CHO, 2006; GILLIAN, WEERAWARDENA,
CARNEGIE, 2003; OGBOR, 2000).
Autores como Coston (1996) reconhecem que determinados indivíduos, inseridos em
suas organizações, são capazes de relativizar normas, procedimentos e práticas consolidadas,
permitindo a aproximação entre diferentes atores em ações colaborativas, como poderia ser
observado em algumas parcerias entre OSCs e órgãos governamentais. Algumas das
abordagens pautadas nesse pressuposto assumem que empreendedores seriam capazes de
romper amarras institucionais e promover as parcerias, desburocratizando e quebrando
posturas e práticas rotinizadas de organizações públicas, privadas e até mesmo de grandes
organizações não-governamentais. Além disso, esses indivíduos teriam capacidade de
vislumbrar arranjos e soluções sociais inovadoras e inspirar outros grupos a se engajarem em
suas iniciativas. (FLIGSTEIN, 2007; MEIRELLES, 2005; FISCHER et al, 2003; COSTON,
1996)
Grande parte da literatura sobre parcerias e processos colaborativos explora
decisivamente a perspectiva das mudanças sociais entendidas como alternativas de ação de
estrita responsabilidade da dimensão dos indivíduos, discutidas com forte fundamentação
comportamentalista (MEIRELLES, 2005; OSPINA e SAZ-CARRANZA, 2005). Implícita,
nessa perspectiva e outras, que tomam por referência a esfera privada ou do indivíduo na
contemporaneidade, parece ser a idéia de que a sociedade seja composta por um somatório de
indivíduos e que a mudança social poderia ser processada através de micro-mudanças sob a
responsabilidade estrita dos indivíduos. Margareth Tatcher, um dos ícones da política
neoliberal e da ênfase nas liberdades econômicas individuais, sintetiza essa perspectiva de
compreensão da realidade social em uma de suas mais famosas sentenças: “hoje, não mais
sociedade, apenas indivíduos”.
No âmbito do mercado, também a reverberação do primado do indivíduo faz seus
ecos. Parte significativa das discussões dentro da agenda da responsabilidade social
empresarial partilha do pressuposto de que mudanças sociais podem ser engendradas a partir
de transformações nas posturas dos indivíduos, como se pode constatar em algumas
discussões sobre estímulo das empresas à prática do voluntariado entre seus trabalhadores ou
na visão de que o compromisso da alta gerência com a ética nos negócios é o fator central
110
para a construção consistente dessas estratégias nas organizações empresariais (TEODÓSIO,
ALVES, 2006; TEODÓSIO, 2004).
Porém, o foco no indivíduo como motor das mudanças sociais, na esfera do mercado,
traz outras implicações igualmente relevantes para se pensar as esferas pública e privada nas
sociedades contemporâneas. O consumo consciente poderia ser um exemplo desse tipo de
tentativa de modernização das relações sociais. Essa dimensão parece ser um espelho
socialmente responsável da idéia de se assumir o cidadão como cliente dos serviços sociais.
Segundo Carvalho (2008), esse seria um dos mais importantes desafios e constrangimentos
contemporâneos à ampliação democrática da esfera pública e à consolidação da cidadania. Tal
fato se daria não por causa do acesso desigual ao consumo nas sociedades, inclusive a
brasileira, mas principalmente porque representaria uma capitulação da construção dos
direitos, que passariam a ser assumidos como ganhos advindos de relações de troca, típicas da
esfera mercantil (PORTILHO, 2005). Ainda assim, faz-se necessário destacar que várias
interações entre organizações da sociedade civil e empresas, que se pautam em boicotes e
represálias no campo do consumo visando a responsabilização por problemas sociais e
ambientais, podem incorrer em alguma medida na ampliação do controle social sobre os
atores de mercado (FONTENELLE, 2007; VERNIS et al, 2007; PORTILHO, 2005; KLEIN,
2002; RIECHMAN, BUEY, 1994).
Essas são questões relevantes também na análise das Parcerias Tri-Setoriais, não só
porque remetem à uma resignificação do público e do privado, mas devido ao fato de que, em
especial no Brasil das últimas décadas, uma grande quantidade de OSCs e projetos sociais
vêm sendo criados por indivíduos de grande visibilidade midiática. Quando isso não ocorre, é
muito comum se recorrer a eles para angariar apoio financeiro, social e político a
determinadas causas sociais. Negar que tais indivíduos teriam capacidade relevante de fazer
convergir para seus projetos e organizações parcerias com atores econômicos (do mercado) e
políticos (do Estado), resultaria na exclusão de variáveis relevantes na construção de parcerias
em projetos sociais. Conforme argumenta Fligstein (2001), cabe resgatar a relevância da
dimensão dos atores sociais na construção de práticas colaborativas, no entanto, sem sucumbir
ao individualismo metodológico e sem perder de foco também fenômenos ligados aos
processos sociais mais amplos.
Tudo isso justificaria a relevância de se estudar as Parcerias Tri-Setoriais resgatando a
dimensão da esfera privada nas discussões. Para tanto, é preciso analisar narrativas teóricas
que se voltem à discussão dos atores e a construção social de sua práxis em realidades
pautadas pela colaboração. Essa discussão remete a uma das discussões mais importantes por
111
detrás de diferentes correntes da teoria social: o debate entre agente e estrutura
(RODRIGUES, 2008).
Em algumas abordagens clássicas da sociologia, a reprodução e a mudança social são
analisadas fundamentalmente pela estrutura social (GIDDENS, TURNER, 1999). Como
destaca Fligstein (2007), “essa visão tem o efeito de transformar as pessoas em agentes da
estrutura que exercem pouco efeito independente sobre a constituição do seu mundo social”
(p. 62) ou em verdadeiros “incompetentes culturais” (p. 66).
Se a desconsideração de fenômenos de grande alcance que perpassam as esferas da
vida em sociedade traz sérias inconsistências para os estudos sobre Parcerias Tri-Setoriais,
conforme foi discutido anteriormente, a desconsideração do espaço de ação dos agentes
também pode incorrer em debilidades analíticas decisivas, sobretudo quando se investiga a
cooperação entre atores sociais. Antes de operar a partir de dualidades e perspectivas
excludentes, modelos teórico-conceituais capazes de operar nas duas dimensões (estrutura e
agente) simultaneamente podem aumentar a capacidade explicativa acerca da construção de
Parcerias Tri-Setoriais. Isso se justificaria porque fenômenos de ampliação, retração e
sobreposição das esferas da vida em sociedade operam a partir de atores de cada um dessas
dimensões, que por sua vez constroem sua práxis a partir de arenas de significação e
racionalidade socialmente erigidas.
Fligstein (2007), mesmo reconhecendo que não se propõe a oferecer uma teoria
completamente desenvolvida para a ação dos atores e instituições ou uma série de hipóteses
comprováveis, advoga um resgate da dimensão meso da vida social, típica das abordagens
neo-institucionalistas. O autor conjuga essa dimensão com uma outra noção que propõe, a de
habilidade social, como forma de se avançar na discussão da relação estrutura-agente.
Assumindo que todos os seres humanos detêm alguma habilidade em produzir e reproduzir a
cooperação em decorrência de sua ação em grupo, pica da vida social, o autor afirma que “a
habilidade da parte dos atores para analisar e obter essa cooperação pode ser vista
genericamente como uma habilidade social” (p. 63).
Para Fligstein, a maioria das discussões neo-institucionais apresenta uma grande
lacuna quanto a uma teoria do poder. A noção de habilidade social serviria para promover
esse diálogo do quadro conceitual neo-institucionalista com as relações de poder. Tal
perspectiva se aproxima da discussão sobre as formas de legitimação da dominação realizada
por Weber (1994), mas se afasta dela ao refutar o individualismo metodológico, característico
da visão do sociólogo alemão acerca da ação social. Com isso, tenta-se resgatar os
microfundamentos sociológicos para o entendimento de ações coletivas, mas também se
112
assume que são fenômenos centrais para a construção e reprodução de ordens sociais locais.
Essa noção recebe diferentes denominações entre vários autores que operam no marco do neo-
institucionalismo ou em variantes bastantes próximas de seus fundamentos. As ordens sociais
locais na obra de Bourdieu (1983) são tratadas como campos, nos escritos de DiMaggio e
Powell (1983) como campos organizacionais, como jogos por Axelrod (1984) e também
como arenas por uma série de outros autores. Como destaca Fligstein (2007, p. 62), parte-se
do pressuposto de que “os atores sociais são sempre importantes para a reprodução dos
campos”.
É importante destacar que a noção de campos não necessariamente se superpõe ou
pode ser assumida como equivalente à concepção de esferas da vida em sociedade
apresentada por Janoski (1998), apesar de Meyer e Scott (1983) também denominarem as
ordens sociais locais de esferas. O significado e abrangência são diferentes. Conforme destaca
Fligstein (2007, p. 67), “as instituições são regras e significados compartilhados (...) que
definem as relações sociais, ajudam a definir quem ocupa qual posição nessas relações e
orientam a interação ao proporcionar aos atores quadros cognitivos ou conjuntos de
significados para interpretar o comportamento dos outros.”
Portanto, nas esferas de Janoski (1998) podem se construir e reconstruir ordens sociais
locais, que se restringiriam ou não a uma única esfera. Por outro lado, quando envolvem
atores de diferentes esferas, se colocariam nas interseções e sobreposições entre as esferas.
Essa compreensão, quando aplicada ao estudo das parcerias entre Estado, organizações da
sociedade civil e atores de mercado permite a problematização da natureza e do alcance
socialmente construídos por essas articulações colaborativas. Sendo assim, as Parcerias Tri-
Setoriais podem ser constituídas e reconhecidas pelos atores como constituintes de um novo
campo ou resignificações de seus próprios campos. Essa parece ser uma das razões da
existência de diferentes nomenclaturas encontradas na literatura para se referir à parcerias que
são objeto de estudo deste trabalho: intersetoriais, cross-sectors e tri-setoriais, dentre outras.
Nesse sentido, é importante atentar para o fato de que:
a possibilidade de novos campos depende dos atores utilizarem entendimentos
existentes para criar novos campos. (...) A possibilidade de mudar a situação coletiva
de um grupo pode causar a invasão de um campo próximo ou a tentativa de criar um
novo. (FLIGSTEIN, 2007, p. 64)
113
O recurso aos pressupostos neo-institucionalistas seria encontrado também em
discussões importantes sobre fenômenos manifestados nas esferas da vida social de Janoski
(1998), que são vistas como centrais para a construção de Parcerias Tri-Setoriais. Arretche
(1995), discutindo as diferentes correntes que analisam a emergência e crise dos sistemas de
bem-estar social, afirma que a visão neo-institucionalista leva a “um certo deslocamento de
uma perspeciva state-centered para uma perspectiva polity-centered (p. 30). Abramovay
(2004) e Levèsque (2007) destacam a ruptura de concepções mercadocêntricas quanto à
racionalidade dos atores empresariais a partir de contribuições advindas da perspectiva neo-
institucional, que permitiriam se entender como maior propriedade a emergência de ações
cooperativas e não exclusivamente auto-interessadas na esfera do mercado. Conforme
sintetiza Fligstein (2007), a análise de atores se confrontando em arenas, de forma a produzir,
reproduzir e/ou desconstruir instituições, “são o objeto de muitos de nossos estudos empíricos
da política, movimentos sociais, empresas e mercados” (p. 63), se constituindo em importante
abordagem para se entender a formação de campos ao longo de uma variedade de realidades e
situações.
No entanto, a perspectiva de entendimento dos campos, arenas ou esferas carrega em
si debates relevantes sobre a ação social dos atores e seus papéis na construção de instituições.
O próprio campo científico do neo-institucionalismo é marcado por diferentes correntes,
algumas delas fundadas em pressupostos que se contradizem e se chocam sobretudo quanto à
natureza da ação dos atores. Uma das correntes mais relevantes, objeto de grandes debates,
fundamenta-se na perspectiva da escolha racional dos atores e nas suas variantes associadas à
teoria dos jogos, como se percebe na discussão de Olson (1999) ou mesmo em análises que
tentam destrinchar esses pressupostos e aplicá-los a situações de cooperação e defecção, tais
quais os fazem Olstron (1990) e Elster (1995). Até autores como Simon (1986), que procuram
se distanciar de concepções centrais da escolha racional, como a noção de que a racionalidade
dos atores se erige a partir da maximização de interesses, acabam por reproduzir alguns
fundamentos dessa corrente. No entanto, os pressupostos dessas abordagens, conforme
argumenta Fligstein (2007), “apresentam teorias problemáticas de poder e ação (...) a natureza
das arenas sociais e o papel dos atores em produzir, manter e assumir posições nessas arenas
não recebem um embasamento teórico suficiente.” (p. 66).
Putnam et al (1996) destaca que os pressupostos da escolha racional incorrem em
circularidades analíticas para a ação social, sobretudo quando precisam explicar não a
inexistência de cooperação entre os atores, mas justamente o seu surgimento e ampliação nas
relações sociais. Segundo Fligstein (2007), ao assumir as regras e recursos como fatores
114
exógenos e os atores como indivíduos com preferências fixas, os modelos de teoria dos jogos
não conseguem explicar a indução da cooperação, a representação das coletividades e a
construção de racionalidades que ultrapassam concepções estreitas de interesse próprio.
Ospina e Saz-Carranza (2005) argumentam que processos de coalizão são marcados
por paradoxos e não pelo cálculo linear de meios e fins, típico da ação estritamente racional,
nos quais a cooperação e a competição podem se manifestar em uma mesma realidade de
interação entre atores. Nessas situações cooperativas, os agentes não apresentariam interesses
prévia e rigidamente definidos, como pressupõem as abordagens baseadas na escolha racional,
mas os construiriam e reconstruiriam nos processos de interação social. Para Fligstein (2007),
atores com habilidade social, ou seja, com capacidade de induzir a cooperação, operariam em
realidades marcadas por múltiplas concepções de interesse e identidade, produzindo
significados para si e para os outros que não decorrem de um senso estreito de interesse
próprio. Pelo contrário, esses atores, além de não terem metas fixas, possuem grande
capacidade de se concentrar em fins coletivos e de auxiliar outros agentes a reconhecer e
resignificar seus próprios interesses e identidades, o que “faz com que os atores estratégicos
hábeis se comportem mais ou menos com motivações opostas às dos atores racionais” (p.67).
Essa visão dos fenômenos cooperativos também aparece nas abordagens sobre o
fenômeno da liderança, que a entendem como processo e uma construção social e não como
um atributo e dimensão estrita do indivíduo. A emergência da liderança se caracterizaria pela
convergência colaborativa dos atores em torno de determinadas agendas e se inscreveria em
ambientes socialmente construídos, nos quais diferentes interesses, racionalidades e papéis de
linha de frente podem ser alternados entre vários indivíduos e organizações, sem que isso
resulte em desarticulação dos processos de colaboração engendrados (OSPINA, SCHALL,
2001). Selznick (1948) destaca ainda que os processos de liderança nas organizações são
marcados simultaneamente pela cooperação e cooptação. Para Coston (1996), ao contrário de
ser uma condição oposta à cooperação, a cooptação pode se manifestar em paralelo aos
processos de parceria. Isso se daria não apenas por deficiências ou delizes na
operacionalização das práticas colaborativas, mas porque:
the concept of cooptation thus implicity sets forth the major points of the frame of
reference outlined above: it is an adaptative response of a cooperative system to a
stable need, generating transformations which reflect constraints enforced by the
recalcitrant tools of action. (SELZINICK , 1948, p. 35)
115
Para Fligstein, a partir dessa perspectiva de análise da ação social destacam-se as
relações de poder entre os atores, que operam nos fenômenos de cooperação e não
colaboração, aproximando-se da noção de habitus em Bourdieu (1984). Além disso, a noção
de bricolage, cara aos estudos de Strauss (1984), reforçaria a noção de que os atores
constroem significações e resignificações de sua práxis em processos não lineares e pré-
definidos de manifestação de interesses, construção de agendas e relações de poder. Tudo isso
reforça a idéia de que as práticas sociais nas quais se inscrevem os atores são marcadas pela
complexidade de situações ambivalentes, que levam à construção de múltiplas racionalidades
em sobreposição, concorrência e complementaridade nas esferas em que se inscrevem. Essa
fundamentação teórica se faz central para entender as interações entre atores da esfera
pública, do Estado e mercado, rompendo concepções estreitas acerca da racionalidade, práxis
e interesses dos agentes nessas esferas e em suas interseções.
Fligstein (2007) acrescenta que em situações de crise e transformação das arenas
sociais, as habilidades sociais se fariam ainda mais relevantes e evidentes na ação social.
Segundo o autor, determinados campos entram em crise por fatores externos à sua dinâmica,
mas em condições de formação ou crise, atores com habilidade social podem engendrar
sistemas completamente novos de significado.
Selsky e Parker (2005) apontam que uma das correntes que analisam a emergência de
Parcerias Tri-Setoriais considera como fator decisivo nessa dinâmica a construção social da
percepção de que turbulências ambientais geram metaproblemas, levando a riscos que
ultrapassam o simples escopo de atuação dos atores, o que os impulsionaria a buscar
colaborações com agentes de outras esferas.
Para Beck (1997), umas das transformações mais relevantes das últimas décadas seria
o papel central que a noção de risco passa a assumir na sociedade, compondo o quadro da
chamada Modernização Reflexiva. Segundo Sennett (2006) e Bauman (1999), a partir da crise
do Estado de Bem-Estar Social vão gradativamente desaparecendo não políticas públicas
no campo social, mas também discursos e formas de sociabilidade pautadas na previsibilidade
para diferentes segmentos da sociedade. Em seu lugar, estabelecem-se dinâmicas econômicas
e de interação social nas quais a incerteza e a imprevisibilidade assumem lugar central. Isso se
manifesta com destaque nas relações de trabalho, ou seja, na esfera do mercado, mas não se
circunscreve a esse espaço, atingindo diferentes esferas da vida em sociedade. Os problemas
sociais e todas as ameaças à vida em sociedade também se somam ao rol das incertezas que
116
pautariam a sociabilidade contemporânea, resultando em um mosaico complexo de uma
verdadeira sociedade de risco.
A reflexividade levaria os atores a resignificar sua práxis, com implicações para o
reconhecimento e construção de novas racionalidades, não necessariamente dominantes ou
tradicionalmente entendidas como constitutivas de sua esfera de ação. Essa perspectiva
denotaria a urgência de se romper a dicotomia entre técnica e política, economia e sociedade,
auto-interesse e altruísmo, reconhecendo os entrelaçamentos entre diferentes esferas da vida
em sociedade, assumindo maior relevância ainda quando se constata a complexidade dos
problemas contemporâneos:
O crescimento dos riscos revela os limites da racionalidade tecnocientífica e a
necessidade de uma racionalidade social e ética, se quisermos que o futuro não seja
moldado por cegos. Essa escalada dos riscos igualmente uma dimensão política a
campos considerados apolíticos até algum tempo atrás... (LÉVESQUE, 2007, p. 50)
A defesa que Dowbor (2003) faz da difusão do social como finalidade mais ampla da
sociedade entre atores de mercado, do Estado e da sociedade civil serve para exemplificar a
luta pela construção de novos significados: “o social deixa de ser apenas um setor de
atividades, para se tornar uma dimensão de todas as nossas atividades” (p. 6) e denota que
pode estar em processo a construção de um novo campo na sociabilidade contemporânea.
Para Fligstein (2007), é justamente nos momentos de resignificação dos campos ou de busca
de novos ordenamentos institucionais capazes de gerar novos campos que se manifesta de
forma mais evidente e relevante a habilidade social de alguns atores na mobilização e no
envolvimento de outros agentes em ações de colaboração.
Por detrás das discussões sobre Parcerias Tri-Setoriais parece operar uma luta por
novos significados, o que pode ser um dos fatores explicativos para uma verdadeira
polissemia quanto à nomenclatura desse tipo de articulação colaborativa. São encontradas
diferentes denominações na literatura, com destaque para Intersetorialidade (FISCHER et al,
2005), Cross-Sector Paternerships (JORGENSEN, 2006; SELSKY, PARKER, 2005), Multi-
Setorialidade (OLIVEIRA, 2002b), Parcerias Público-Privado (BRITO, 2008; LODOVICI,
BERNAREGGI, 1993) e Tri-Setorialidade (YAKOVLEVA, ALABASTER, 2003; Warhurst,
2001).
Nesse cenário, as Parcerias Tri-Setoriais aparecem para muitos como uma tentativa de
criação de um novo campo, marcado pela cooperação entre atores do Estado, da esfera
117
pública e do mercado. Em momentos de repensar de práticas e racionalidades dos atores,
aquilo que é assumido como novo, mesmo não necessariamente o sendo, é significado a partir
de diferentes práticas discursivas, que revelam disputas de poder e hegemonia, bem como
múltiplos caminhos para constituírem esse novo campo. Ao contrário de se constituírem em
apenas disputas semânticas, a análise dessas expressões e seus significados, explícitos e
implícitos, podem desvelar os sentidos que as Parcerias Tri-Setoriais carregam para os atores,
bem como os desdobramentos sobre a gestão de políticas e projetos sociais que estão em jogo
nesse reordenamento de práticas e racionalidades.
5.3 Polissemias sobre Parcerias Tri-Setoriais e seus pressupostos
Uma das perspectivas mais evidentes encontradas através da análise da literatura é o
caráter de ineditismo das práticas colaborativas, envolvendo simultaneamente atores dos três
setores ou em parcerias “um a um” (one by one). Austin et al (2005), bem como Fischer et al
(2005), empregam a expressão intersetorialidade para definir essas práticas, ainda que tenham
analisado formas de colaboração entre organizações da sociedade civil e de mercado em
projetos sociais. No entanto, a perspectiva intersetorial parece denotar que um novo campo se
constrói e se estabelece entre o Estado, mercado e esfera pública. Tanto na literatura voltada à
promoção de novas práticas na gestão de políticas públicas, quanto nas discussões
acadêmicas, pode-se observar a presença dessa perspectiva. Assumir esse pressuposto levaria
a se qualificar previamente essas práticas como novo campo, quando na verdade poderiam
carregar em si muitas das práticas típicas das parcerias operadas a partir de uma racionalidade
estabelecida, seja ela estadocêntrica ou mercadocêntrica, aspectos que a literatura também
explora e, muitas vezes, aponta como graves problemas nas parcerias construídas na gestão de
políticas e projetos sociais.
Outro aspecto relevante para se evitar essa terminologia diz respeito aos significados
bastante peculiares que assume nos estudos sobre gestão de políticas públicas. A expressão
intersetorialidade é assumida pela literatura de administração pública sob determinadas
perspectivas que não necessariamente estariam presentes na construção de Parcerias Tri-
Setoriais, podendo-se incorrer em sobreposições conceituais. Nas discussões sobre políticas
públicas, desenvolvidas no campo da gestão governamental, intersetorialidade refere-se à
conjugação de esforços de vários órgãos do Estado na provisão de políticas. Farah (2006)
118
recorre à expressão articulação intersetorial para se referir à ruptura da centralização decisória
na formulação e implementação de políticas em determinadas agências estatais. Essa noção
assume o conceito de intersetorialidade como o “envolvimento de múltiplas instituições
estatais, de diferentes níveis de governo, na promoção de programas e políticas” (p. 67). A
autora afirma que a noção de intersetorialidade sob essa perspectiva pode ainda ter o caráter
de abordagem integral, na qual vários órgãos governamentais se articulam para promover
ações conjugadas ou uma única política pública focalizadas em uma determinada
comunidade. Apesar dessas práticas terem sua relevância na gestão de projetos sociais, não
necessariamente se manifestariam nas Parcerias Tri-Setoriais.
Problemática também parece ser a expressão cross-sector cooperation, visto que além
de poder abrigar práticas colaborativas de parcerias “um a um” e não necessariamente entre
atores dos três setores, indicaria a construção de um campo que perpassaria duas ou mais
esferas. Na verdade, conforme já foi argumentado quanto ao entendimento de parcerias
intersetoriais, determinadas colaborações, mesmo envolvendo atores de diferentes campos,
podem operar dentro de racionalidades típicas de um dos campos e não necessariamente de
práticas e racionalidades de um campo superposto através dos setores, ou seja, um espaço
cross-sectors.
Apesar da expressão multisetorial a princípio não apresentar os problemas associados
às expressões anteriores, seu uso é bem menos presente na literatura, além de não indicar
claramente a presença de atores do Estado, da esfera pública e do mercado nas parcerias,
como o faz o termo tri-setorial. A noção de tri-setorialidade, pelo contrário, indicaria
claramente que atores de três setores diferentes estão articulados, mas não carregaria
implicitamente ou explicitamente tantos pressupostos quanto as demais expressões. Com ela,
pode-se reconhecer o Estado, a sociedade civil e os atores de mercado articulando-se nas
parcerias, mas deixando em aberto a análise de outros fenômenos que podem ou não se
manifestar nessas dinâmicas colaborativas, como a construção de novas racionalidades
deslocadas de seu campo original e a busca de articulação de múltiplas competências e
capacidades dos atores. Além disso, outro aspecto central das Parcerias Tri-Setoriais, a
formação ou não de um novo campo no qual operariam essas colaborações, permaneceria em
discussão. Para tanto, a análise precisaria reconhecer as práticas de poder que se manifestam
na tentativa de impor um novo campo ou de tentar, como diria o personagem Tancredi, no
romance “O Leopardo” de Giuseppe de Lampedusa, mudar tudo para que tudo siga como
está”, mantendo o arcaico dentro da pretensa novidade das Parcerias Tri-Setoriais.
119
A polissemia quanto à denominação das parcerias entre atores do Estado, da sociedade
civil e do mercado não se constitui no único indicativo dos debates e diferentes entendimentos
por detrás das parcerias envolvendo organizações do Estado, sociedade civil e mercado.
Percebe-se pela análise da literatura uma série de referências aos processos colaborativos a
partir de diferentes expressões e significados. Como atestam Fonseca, Moori e Alves (2005,
p. 3), “uma das grandes divergências repousa sobre as palavras parceria, aliança, cooperação e
colaboração, ora tratadas como sinônimos, ora entendidas como conceitos distintos por
determinados autores (...)”.
Exemplo das disputas semânticas e das divergências compreensivas se nas próprias
noções de parceria e de aliança, podendo-se encontrar em diferentes trabalhos tanto
referências às parcerias como relacionamentos de curto-prazo e pouco articulados ou
pontuais, quanto de interações de longo-prazo, fruto de deliberações estratégias claras e/ou
ultrapassando colaborações pontuais da gestão de políticas e projetos sociais. Meirelles (2005)
aponta uma sobreposição e uso intercambiável das expressões parcerias e alianças nos estudos
sobre práticas colaborativas em programas e projetos sociais. Segundo a autora, as noções
mais recorrentes sobre parcerias e/ou alianças as assumem como “uma soma de esforços de
curto e/ou longo prazo”, “intercomplementaridade de recursos e compartilhamento de crenças
e valores”, ações de natureza pontual ou permanente, convergência de identidades,
planejamento conjunto e ampliação do impacto dos projetos desenvolvidos (p. 36 e 37).
As divergências e disputas por significados parecem denotar tanto o caráter ainda
incipiente dos estudos sobre parcerias em projetos e políticas sociais, sobretudo os de natureza
tri-setorial, quanto a própria formação do chamado campo da Gestão Social, lócus de
importantes debates entre diferentes correntes compreensivas, como se pode perceber nas
discussões de Teodósio e Alves (2006), Dowbor (2005), Nogueira (2003), Tenório (2002),
Kliksberg (1997) e mesmo Mintzberg (1996), dentre outros autores.
A definição precisa do que constitui efetivamente as relações colaborativas entre
atores do Estado, da sociedade civil e do mercado em políticas e projetos sociais pode resultar
em uma verdadeira armadilha teórica e metodológica, através da qual se buscaria na realidade
elementos que justificassem a perspectiva conceitual adotada. Parece mais prudente e
adequado analisar a realidade e levantar elementos que permitam a compreensão do que os
atores compreendem por parceria e como operam a sua construção social. Caberia não discutir
exaustivamente as diferenciações entre parceria, aliança, cooperação e compartilhamento,
dentre as inúmeras alusões às práticas de colaboração em políticas e projetos sociais
encontradas na literatura, mas sim descortinar e discutir as perspectivas de fundo que se
120
colocam por detrás dessas noções. Sendo assim, a adoção da expressão parceria,
recorrentemente adotada no presente trabalho não implica em previamente se tomar como
dada qualquer outra perspectiva de qualificação dessa prática, além da referência à ação
articulada e colaborativa em si. Elementos como equilíbrio de poder nessas interações,
compartilhamento de valores e princípios, aprendizagem mútua e sustentação de longo-prazo,
encontrados na literatura sobre parcerias em projetos sociais, não seriam desta forma tomados
como elementos constitutivos prévios das Parcerias Tri-Setoriais, ainda que representem
variáveis relevantes na análise desse fenômeno social.
Meirelles (2005), através do estudo de uma série de publicações que discutem
parcerias entre empresas e organizações da sociedade civil, detectou três formas distintas de
compreensão sobre as práticas envolvendo esse tipo de colaboração em projetos sociais. Uma
primeira perspectiva apresenta esses fenômenos cooperativos como instrumentos interessantes
para a materialização da sustentabilidade das OSCs e da responsabilidade social empresarial.
Outro leque de discussões enxerga essas interações como emblema da desresponsabilização
parcial ou mesmo total dos órgãos de Estado quanto à agenda de políticas sociais. Por fim,
parte significativa dos estudos enxergam essas práticas colaborativas como “símbolos da
renegociação de um novo pacto social” (p. 12). Percebe-se nessas três dimensões que as
variáveis relevantes para investigação se diferenciam significativamente a partir dos
pressupostos assumidos em cada significado atribuído às parcerias em projetos sociais.
Sobretudo quando se considera as práticas colaborativas entre atores de diferentes
esferas sociais como instrumentos para a concretização de objetivos auto-referenciados das
organizações envolvidas, como na primeira perspectiva detectada por Meirelles (2005), os
elementos que aparecem nas análises desse fenômeno primam pela focalização nas estratégias
de gestão das parcerias. Dessa forma, são enumerados como pontos centrais para o avanço das
parcerias em políticas e projetos sociais a clareza de objetivos e interesses em jogo, definição
precisa de papéis e expectativas de ação dos parceiros, existência de mecanismos gerenciais
de monitoramento e avaliação das iniciativas empreendidas e criação de instâncias de
governança da aliança e mediação entre as partes, dentre outros atributos. Fischer et al (2007)
e Meirelles (2005) reconhecem que inexistem ferramentas específicas para a gestão de
parcerias, sobretudo quanto ao seu acompanhamento e avaliação, no entanto, esses autores,
bem como Spink e Camarotti (2000) e Dowbor (2002), apontam como um dos maiores
problemas das parcerias a sua “transformação num fim em si mesmas” (Meirelles, 2005, p.
43), desarticulando-se da população interessada e mitigando sua relevância para a sociedade.
121
É importante compreender o que diferentes autores e abordagens enumeram como
elementos centrais na dinâmica das relações de colaboração entre os atores que constroem as
parcerias em projetos sociais. No entanto, a revisão dessas discussões, ao contrário de clarear
caminhos e perspectivas analíticas, parece reproduzir uma miríade de atributos e
características referenciadas à dinâmica interna das parcerias que seriam adequadas ou
desejáveis e inadequadas ou indesejáveis na gestão dessa prática colaborativa. Além disso, em
algumas análises depreende-se claramente uma visão linear e tecnico-gerencialista das
parcerias, como se pode observar nas etapas definidas por Noleto (2000) apud Meirelles
(2005) para viabilizar a formação de parcerias; são elas: 1 – definição de estratégias e
objetivos; 2 avaliação dos parceiros potenciais; 3 análise das possibilidades e ganhos
decorrentes da colaboração; 4 detecção e avaliação de oportunidades; 5- análise do impacto
das ações conjuntas; 6 - avaliação do poder de barganha; 7 planejamento da integração; 8
implementação da parceria.
Uma constatação decorrente da análise da literatura sobre o tema diz respeito ao
caráter normativo e gerencialista de muitas das discussões, inclusive porque parte delas não é
produzida exclusivamente por instituições acadêmicas strictu sensu, mas também por
organismos e organizações voltadas à cooperação para o desenvolvimento. Destacam-se
nesses estudos o caráter idealizado das parcerias e um verdadeiro receituário visando à
melhoria da práxis, cuja relevância e contribuição efetiva são extremamente questionáveis,
sobretudo porque na maioria dos casos parecem desconsideram essa mesma práxis que
desejam aprimorar, é marcada pela complexidade, ambigüidade, não linearidade e
resignificação compartilhada na vida social.
Por outro lado, parte da literatura enumera elementos que permitem se avançar para
uma compreensão das interações socialmente construídas e resiginificadas constantemente nas
parcerias em políticas e projetos sociais. Autores como Fischer et al (2003) e Spink e
Camarotti (2000) atentam para o fato de que valores e interesses não necessariamente
precisam estar previamente identificados, explicitados e alinhados para que as ações
colaborativas se materializem. Além disso, dimensões como a racionalidade dominante em
cada uma das organizações envolvidas nas parcerias são apontadas em vários estudos como
elementos relevantes para a análise os jogos de poder e influência recíproca que se
manifestam nas práticas colaborativas. Tussie e Riggirozzi (2001) detectaram em suas
análises a inexistência de políticas fixas e universais dos atores para toda e quaisquer práticas
colaborativas, introduzindo a noção de estratégias one-by-one para os diferentes
relacionamentos cooperativos com estabelecem. Essas constatações trazem novo significado
122
para as concepções estreitas e lineares das parcerias como estratégias de troca e/ou
complementaridade de recursos e somatório de competências e capacidades.
As discussões sobre parcerias em projetos sociais apresentam uma grande variedade
de enfoques e recortes de variáveis relevantes para análise, denotando a complexidade do
fenômeno e as limitações compreensivas de determinadas perspectivas analíticas. Quando se
discutem mais especificamente um dos tipos mais raros de parcerias em projetos sociais,
aquelas de caráter tri-setorial, o volume de literatura escasseia, mas acaba por reproduzir
concepções localizadas no estudo das práticas colaborativas bi-setoriais ou mesmo intra-
setoriais.
Segundo Selsky e Parker (2005), três correntes principais podem ser enumeradas nos
estudos sobre Parcerias Tri-Setoriais. A primeira delas denominada de Ressource Dependende
Platform se refere à literatura que parte do princípio de que as colaborações se constituem
fundamentalmente na tentativa de resolução de problemas enfrentados pelas organizações.
Nessa perspectiva, as parcerias são concebidas como estratégias desenvolvidas pelas
organizações para resolver seus problemas de acesso a recursos e desenvolvimento de
competências e capacidades. Como argumentam Selsky e Parkert (2005), as parcerias nessa
plataforma, “are conceived in a narrow, instrumental, and short-term way; they are viewed as
a way to address organizacional needs with the added benefit of addressing a social need” (p.
852).
Essa primeira corrente se aproxima das abordagens da chamada Teoria da Mobilização
de Recursos (MR) sobre emergência e dinâmica dos movimentos sociais. Para Gohn (2000b),
a MR recorre basicamente a paradigmas das ciências econômicas, assumindo que as
organizações competem por recursos em mercados de barganhas e que são pautadas por uma
lógica utilitarista, nos moldes dos pressupostos da escolha racional. Mesmo a disputa política
assume o caráter de mercado de bens políticos, o que leva se conceber as organizações da
sociedade civil como grupos de interesses competindo por toda sorte de recursos, a saber,
humanos, financeiros, de infra-estrutura e comunicação, dentre outros. Nessa vertente, o
conflito é discutido a partir dos fundamentos da lógica da ação coletiva de Olson (1999),
levando à construção de tipologias, como a de Zald e McCarthy apud Gohn (2000b), que
classificam os movimentos e organizações em duas grandes categorias: de consenso e
conflito. Cohen e Arato (1994) afirmam os conceitos de organização e racionalidade são
centrais nessa abordagem. Isso parece ser um dos motivos para justificar a presença
significativa dos fundamentos de análise da MR em muitos dos estudos sobre parcerias em
projetos sociais, mesmo que não assumam conscientemente e deliberadamente a adesão da
123
perspectiva centrada em recursos. Além disso, vários desses estudos parecem oferecer pouca
contribuição para o avanço crítico do campo de conhecimento da Gestão Social (Teodósio e
Alves, 2006).
Conforme discutido anteriormente, os fundamentos que erigem a perspectiva da
Mobilização de Recursos despertam muitas críticas nos estudos sobre a natureza da ão
social e a racionalidade dos atores, sobretudo quando aplicados à discussão sobre Parcerias
Tri-Setoriais. Operar sobre outras bases explicativas, mais consistentes para analisar a
realidade da práxis dos atores em fenômenos de colaboração não implica em se desconsiderar
a relevância dos recursos como fatores presentes nessa dinâmica. Pelo contrário, recursos são
relevantes, mas tão relevantes quanto os recursos são as significações, resignificações,
instituições e jogos não lineares de poder que se constroem em realidades que envolvem
recursos.
A segunda corrente, usualmente encontrada nos estudos sobre Parceiras Tri-Setoriais,
seria a chamada Social Issues Platform. Nessa perspectiva, as colaborações entre o Estado,
organizações da esfera pública e do mercado seriam decorrentes da convergência em torno de
metaproblemas socialmente construídos e aceitos como relevantes pelos atores. Na origem
dessa dinâmica se encontrariam as lacunas entre expectativas e performances das
organizações frente a turbulências no ambiente, que seriam inesperadas, porém muito
freqüentes. Como destacam Selsky e Parker (2005), diferentemente da perspectiva da
dependência de recursos, na qual se assume que as organizações visam primariamente seus
interessantes, para posteriormente focalizarem as questões sociais, na Social Issues Platform
fundamentalmente as organizações visam o enfrentamento dos metaproblemas sociais, sendo
que as parcerias, nessa perspectiva, apareceriam e seriam desenhadas a partir dessa motivação
e perspectiva centrais.
Percebe-se nas abordagens da Social Issues Platform uma grande referência ao caráter
voluntarista nas Parcerias Tri-Setoriais. Como foi discutido anteriormente, a ação social
construída pelos atores em práticas colaborativas é permeada por noções valorativas e
interesses perpassados por ideais de transformação social, ao contrário de ser marcada
estritamente pelo auto-interesse. No entanto, quando se discutem temas relacionados à
ampliação da cidadania, democracia participativa, ética na gestão e responsabilidade social é
muito comum se encontrar discursos idealizados, que reproduzem construções sociais
pautadas no consenso em torno da importância da ampliação da ética e da democracia. Essas
idealizações discursivas podem, deliberada ou não deliberadamente, anuviar a percepção
crítica dos processos colaborativos em curso, bem como desconsiderar o mosaico de
124
interesses, valores e racionalidades que se constroem de forma não linear na ação social que
marcam as Parcerias Tri-Setoriais. Cabe portanto, não desconsiderar a relevância do
alinhamento dos atores em torno de metaproblemas, mas também ir além da circunscrição da
análise a essa dimensão, sob pena de não se avançar compreensivamente na análise dos
processos colaborativos envolvendo organizações do Estado, da sociedade civil e do mercado.
Por fim, Selsky e Parker (2005) enumeram a chamada Societal Sector Platform, que
se sustentaria na perspectiva de que os relacionamentos entre Estado, empresas e organizações
da sociedade civil operam sob novas bases e obscurecem os limites entre os três setores. Essa
sobreposição e atenuação das fronteiras se dariam sobretudo quando uma organização de uma
determinada esfera adota ou captura papéis tradicionalmente associadas à dinâmica de ação e
racionalidade de atores de outra esfera. Para os autores, fenômenos como esses levariam ao
aparecimento de verdadeiros processos de governança híbrida e a emergência de organizações
híbridas ou interorganizações. Dentre os fatores mais relevantes como propulsores das
Parcerias Tri-Setoriais pela literatura produzida por essa corrente de discussão encontram-se
referências à redução do financiamento governamental para os projetos sociais desenvolvidos
por OSCs, levando-as à captação de recursos via comercialização de produtos e serviços, o
enfraquecimento da capacidade de governança das organizações do Estado, forçando-as à
provisão compartilhada de serviços blicos através de organizações empresarias e da
sociedade civil e a pressão de grupos de interesses sobre as atividades empresariais em escala
global, levando as corporação a inserirem temáticas e práticas ligadas à cidadania em suas
políticas de gestão.
A discussão sobre as fronteiras entre as esferas pública, do Estado e do mercado, bem
como sobre os papéis e racionalidades de suas organizações permeia uma série de debates,
quer seja relacionados aos fenômenos estruturais que marcariam a contemporaneidade, quer
seja sobre os micro-fundamentos da ação social dos atores, como visto anteriormente. As
abordagens da Societal Sector Platform se inscrevem nessa dimensão e permitem que se
problematizem uma série de fenômenos relevantes que marcam as Parcerias Tri-Setoriais,
inclusive aqueles ligados à construção de referências e significados compartilhados quanto ao
surgimento ou não de um novo campo localizado nas áreas cinzentas de intercessão e
sobreposição de práticas dos atores envolvidos nas colaborações. Além disso, tal discussão
fornece vetores importantes de análise sobre os papéis tradicionais de cada ator em sua esfera
e as tensões e jogos de poder envolvendo a mudança e/ou permanência de sua práxis em
direção ao encontro ou desencontro com organizações de outras esferas, marcadas por
diferentes racionalidades e práticas.
125
No entanto, parece mais produtivo e consistente teoricamente não proceder à análise
das Parcerias Tri-Setoriais a partir de perspectivas excludentes ou dicotômicas de análise, mas
sim considerar elementos centrais das três linhas de abordagem, a saber, Resource
Dependence, Social Issues e Societal Sector. Porém, cabe lembrar que as variáveis
enumeradas por cada corrente serão consideradas e discutidas a partir dos princípios teóricos
constitutivos da noção de esferas da vida social de Janoski (1998) e as concepções sobre
práxis, racionalidade e relações de poder dos atores sociais próprias à algumas vertentes do
neo-institucionalismo sociológico, conforme já discutido e explicitado anteriormente.
5.4 Possibilidades e Riscos das Parcerias Tri-Setoriais em Políticas e Projetos Sociais
Se grande parte da literatura celebra as boas possibilidades de modernização da
provisão de políticas sociais através de parcerias tri-setoriais, vários estudos também apontam
riscos e armadilhas decorrentes do encontro entre atores da sociedade civil, Estado e mercado.
Vernis et al (2007) aponta os problemas decorrentes da existência de associaciones
ilegítimas”, ao passo que Meirelles (2005) indica os armadilhas decorrentes de assimetria de
poder nas relações estabelecidas. Muitos elementos que são enumerados como indicativo de
avanço da gestão de políticas e projetos sociais através de parcerias tri-setoriais podem se
constituir, simultânea e paradoxalmente, em barreiras contra essa própria modernização.
Exemplo disso é apontado por Najam (1996) ao analisar os esforços para ampliação do
controle social sobre órgãos governamentais e não-governamentais e discutir as implicações
decorrentes de práticas de Accountability, que podem se tornar cada vez mais referenciadas
pelo ethos da burocracia pública ou das tecnicalidades das OSCs, resultadno em um
afastamento das organizações das comunidades e públicos atendidos pelas políticas e projetos
sociais.
As possibilidades de construção de novas formas de relacionamento, em bases menos
conflitivas (ou mais cooperativas como a maioria da literatura prefere enfatizar), entre Estado,
mercado e organizações da sociedade civil, levando a formas mais avançadas de construção
da cidadania e interação com as comunidades alvo dos projetos são vistas como um dos
grandes avanços decorrentes das Parcerias Tri-Setoriais na política social (TORO, 2005;
YAKOVLEVA e ALABASTER, 2003). Outras análises sobre parcerias tri-setoriais também
apontam ganhos decorrentes do somatório e complementação de recursos e competências
126
(SELSKY e PARKER, 2005; PREFONTAINE, 2000), efetividade e ampliação de impacto
das intervenções em problemas sociais (VERNIS et al, 2007; PREFONTAINE, 2000), co-
responsabilização pela transformação social (DOWBOR, 2002; MORALES, 1999), aumento
do grau de informação e previsibilidade relacionada aos riscos sociais (VERNIS et al, 2007,
SELSKY e PARKER, 2005) e aprendizagem compartilhada (FISCHER et al, 2003; NAJAM,
2000), constituindo-se em elementos relevantes que justificariam a ampliação das
colaborações tri-setoriais.
No entanto, Selsky e Parker (2005) identificam vários estudos que apontam resultados
dúbios (mixed outcomes) e até mesmo contraprodutivos com relação às parcerias tri-setoriais,
sobretudo quando se analisam os impactos em termos de ampliação da cidadania e do
pluralismo democrático. Vernis et al (2007) reconhecem que motivações pragmáticas,
econômicas, ideológicas, comerciais e populistas podem se acobertar sob o discurso da tri-
setorialidade. Esses riscos parecem estar por detrás de um dos maiores problemas encontrados
na materialização das parcerias em projetos sociais, a desconfiança recíproca reforçando
preconceitos, rejeições e posturas defensivas entre os atores (Meirelles, 2005; Fischer et al,
2003).
Percebe-se que parte das dificuldades encontradas pelas parcerias tri-setoriais para
cumprir suas promessas, sejam em termos de melhoria da provisão de serviços sociais, sejam
quanto à construção de dinâmicas mais avançadas de convivência democrática e cidadã nas
sociedades, se deve a problemas de operacionalização ou gerenciamento dessas práticas
colaborativas. Parte substancial da literatura sobre alianças e colaborações em projetos sociais
se dedica à superação de problemas ligados a baixa transparência quanto a interesses e
objetivos implícitos em jogo, reduzida alteridade ou desconhecimento do outro parceiro,
inexistência de regras pactuadas de resolução de conflitos e precariedade dos instrumentos de
monitoramente e avaliação das intervenções sociais. (MEIRELLES, 2005)
No entanto, mais relevante do que os problemas inerentes ao bom azeitamento da
operação das práticas colaborativas, muitos deles comuns a parcerias bi e intra-setoriais,
sendo passíveis de aprimoramento pelo voluntarismo dos atores envolvidos e pelo
desenvolvimento de instrumentos de gestão, parecem ser os desafios relacionados às
dinâmicas estruturantes das relações de cooperação. Essa última dimensão remete aos dilemas
enfrentados pelos atores com relação aos jogos de cooperação e confrontação, marcados por
relações de poder e dominação na ação social, desvelando realidades que, ao contrário de
serem passíveis de superação, se fazem constituintes e estruturantes dos próprios processos de
parcerias.
127
Vários autores apontam a cooptação como um dos grandes riscos das parcerias tri-
setoriais. Najam (2000), ao analisar relações entre ONGs e governos, apresentam quatro
possibilidades de interação, que denomina de “Os Quatro Cs”, representadas na figura abaixo.
Goals
(ends)
Similar Dissimilar
Similar Cooperation Co-optation Preferred Strategies
(means)
Dissimilar Complementarity Confrontation
Quadro 5 - The Four-C’s of NGO–Government Relations
Fonte: NAJAM, 2000, p. 390.
Esse modelo cruza objetivos dos atores com estratégias de ação preferenciais. Práticas
de confrontação se manifestariam quando diferenças substanciais existissem nessas duas
dimensões. Relacionamentos caracterizados pela complementaridade apareceriam quando
objetivos se assemelham, mas as estratégias de ação se diferencim. A cooperação aconteceria
quando estratégias e objetivos são convergentes. Por fim, a cooptação se construiria quando
diferenças significativas em termos de objetivos co-existem com a convergência quanto as
formas de ação.
Para Najam (2000), a cooptação é essencialmente uma função de poder, cuja fonte
pode ser proveniente de fatores de ordem financial, political, coercive, even espistemic(p.
389). Situações de cooptação seriam, na maioria das vezes, transitórias e instáveis, apesar de
não serem insignificantes na dinâmica de interação entre atores. Pelo contrário, não apenas o
autor, mas uma série de outros, tais como Meirelles (2005), Fonseca, Moori e Alves (2005),
Fischer et al (2003), Bebbington (2002), Landim (2002), Oliveira (2002) e Teodósio e
Carvalho Neto (2003), apontam os riscos de cooptação nas parcerias em projetos sociais. É
importante atentar também para o fato de que a manipulação pode se dar em via de mão
dupla, ou pensando-se nas Parcerias Tri-Setoriais, em fluxos e refluxos entre os atores dos três
setores envolvidos, como destaca Najam (2000).
Uma das questões essenciais nessa discussão refere-se à própria natureza da formação
de processos de cooptação e cooperação. Para Selznick (1948), a dinâmica da liderança, cujo
fundamento reside na obtenção de cooperação por parte dos atores sociais, implica também na
cooptação, tal como duas faces de uma mesma moeda, visto que processos, sobretudo de
128
natureza implícita, de envolvimento e engajamento colaborativo dos atores implicariam em
trocas e concessões cooptativas para a sua sustentação.
Isso indica que é preciso se compreender os processos de cooptação como mecanismos
de acomodação de conflitos e equacionamento dos desafios da colaboração na ação social
como alternativas que podem também envolver zonas de conforto para os atores, inclusive os
cooptados e dominados nas Parcerias Tri-Setoriais. Tal tipo de perspectiva permite a
aproximação com as noções de Micro-Física do Poder de Foucault (1979) e de controle e
dominação de Pagès et al (1987), avançando-se para além de visões simplistas entre
dominados e dominadores nas colaborações em projetos sociais.
Najam (2000) reconhece as limitações de sua proposta, sobretudo por estabelecer
situações estanques e diferenciadas entre quatro situações de interação. Importante para a
análise das Parcerias Tri-Setoriais seria compreender, através da recorrência a essa construção
analítica, que situações de cooperação, confrontação, complementaridade e cooptação podem
se manifestar nas dinâmicas de interação entre os atores do Estado, sociedade civil e mercado.
A partir dessa perspectiva, pode-se incorporar à análise dessas parcerias dimensões que, antes
de revelarem uma ampla e coerente cooperação, podem encobrir jogos de confrontação e/ou
cooptação dentro de uma mesma dinâmica de ação social que os atores reconhecem como
uma ação social de parceria.
Ospina e Saz-Carranza (2005) identificaram na análise das interações entre
organizações o-governamentais e agências de governo nos Estados Unidos dinâmicas nas
quais os mesmos indivíduos e instituições ora estabelecem posições de coalização e apoio
recíproco na disputa por definições de agendas de políticas públicas, ora explicitam suas
divergências e se antagonizam em várias frentes dessas mesmas políticas. Segundo Najam
(2000), o modelo dos Four Cs de análise não assume como pré-requisito para a cooperação a
existência de simetria de poder entre os atores imbricados na parceria, mas pode ajudar a
compreender uma série de situações nas quais atores não-governamentais, sejam eles OSCs
ou empresas, se apresentam como atores relevantes de interações como o Estado. As situações
de confrontação apareceriam tanto em realidades nas quais atores não-governamentais
resistem e/ou se opõem a determinadas políticas públicas, quanto nos casos em que se
manifestam controles coercitivos por parte do Estado. Mas, como destaca o autor, dinâmicas
de confrontação need not necessarily be hostile (p. 386), o que abre espaço para se
reconhecer conflitos menos evidentes e formas de interação conflituosa não necessariamente
explícitas e declaradas nesses relacionamentos.
129
Coston (1998) identifica sete situações de interações entre governo e ONGs, tomando
como variáveis de análise o grau de aceitação do pluralismo institucional, o nível de
formalização das relações e a simetria de poder entre os atores. Em contextos de forte
assimetria de poder e resistência à pluralidade de organizações e instituições, as interações
seriam caracterizadas pela repressão, rivalidade ou mesmo competição, podendo as duas
primeiras serem de natureza formal ou informal, ao passo que as dinâmicas competitivas
assumiriam caráter informal. em realidades marcadas por uma maior aceitação do
pluralismo institucional e menor assimetria de poder, apareceriam relacionamentos
formalizados de contratação e terceira parte, informais de cooperação e novamente mais
formalizados de complementaridade e colaboração. A figura abaixo esquematiza essas
concepções.
Resistência ao Pluralismo Institucional Aceitação do Pluralismo Institucional
Repressão Rivalidade Competição Contratação “Terceira
Parte”
Cooperação Comple-
mentari-
dade
Colabo-
ração
Formal
e
Informal
Formal
e
Informal
Informal Formal Informal Formal
Assimetria
de Poder
(Vantagem
Governa-
mental)
Simetria
de
Poder
Esquema 6 – Modelo de Relacionamento entre Governo e ONG
Fonte: COSTON, 1998, p. 363, tradução nossa.
Nesse constructo teórico, expressões usualmente encontradas com múltipos
significados e referências na literatura aparecem com definições bem precisas. Nas situações
de repressão, o governo recusa-se a prover qualquer tipo de suporte às organizações não-
governamentais, ao passo que em posições de rivalidade, a política governamental desenvolve
130
regulações desfavoráveis à operação das ONGs, visando seu controle direto. Já no âmbito da
competição, podem se manifestar lutas políticas por apoio da sociedade e/ou das comunidades
e/ou econômicas, com disputas por fundos internacionais e/ou contribuições comunitárias. Na
contratação ocorre uma divisão do trabalho com base em vantagens comparativas, levando a
um desaparecimento das fronteiras entre os setores, ao passo que nas relações do tipo terceira
parte aumenta o poder discricionário do Estado sobre as ONGs, através da divisão do trabalho
baseada também em vantagens comparativas, que agora se manifestam através de diferentes e
mais precisos mecanismos de regulação da atividade das organizações não-governamentais.
Segundo Coston (1998), tanto a contratação, quanto a terceira parte carregam
potenciais conseqüências negativas para as ONGs, sobretudo ligadas ao desvirtuamento de
seus objetivos e valores e à perda de legitimidade junto à sociedade. Na esfera de maior
aceitação do pluralismo institucional, apareceriam a cooperação, marcada por uma baixa
interação entre os atores e pelo compartilhamento não formalizado de informações; a
complementaridade, na qual a partilha de conhecimento e de recursos de outra natureza seria
mais elevada, abrindo possibilidades de participação das ONGs no planejamento das políticas
públicas; e, finalmente, a colaboração, caracterizada por um elevado grau de interação entre
os atores, procedimentos formalizados para o uso comum de informações e outros recursos e a
participação das ONGs nas etapas de construção, implementação e avaliação de políticas
públicas.
Apesar do modelo de Coston (1998) discutir interações de caráter bi-setorial (Estado e
ONGs), pode-se analisar as parcerias envolvendo atores dos três setores através das categorias
apontadas pela autora. Como destacam Selsky e Parker (2005), várias dinâmicas e
características manifestadas nas parcerias entre Estado e empresas, OSCs e órgãos públicos ou
empresas e organizações da sociedade civil, também se manifestam nas Parcerias Tri-
Setoriais. Isso se deve não apenas às características próprias das colaborações envolvendo
atores desses três setores, mas também porque aspectos positivos e negativos, possibilidades e
armadilhas, sentidos de confiança (trust) e risco, visões otimistas e pessimistas, desejo de
colaboração e resistências e, também, abertura para novas aprendizagens e preconceitos são
trazidos pelos atores para as interações tri-setoriais devido às suas experiências anteriores em
articulações one-by-one. As dinâmicas que têm marcado a ação do Estado, organizações da
sociedade civil e de mercado em direção à atores de outros setores serão discutidas e
problematizadas com maior vagar nos capítulos subseqüentes.
Apesar do modelo de Coston (1998) reproduzir o mesmo problema da linearidade
evolutiva, presente nas discussões de Najam (2000), devido ao continuum entre diferentes
131
situações de interação entre os atores, essa construção analítica coloca como pano de fundo
uma maior ou menor adesão ao pluralismo institucional. Tal perspectiva permite se considerar
variáveis ligadas à trajetória sociopolítica das sociedades e suas implicações quanto ao
desdobramento das Parcerias Tri-Setoriais sobre intangible and indirect outcomes(Selsky e
Parker, 2005, pp. 863), ou seja, possibilita a discussão quanto a questões concretas de
gerenciamento dos projetos sociais, mas principalmente sobre a ampliação da cidadania, a
construção de direitos e a própria interação plural e democrática entre atores na esfera pública,
objetos centrais na presente investigação.
132
6. PESQUISA DE CAMPO
6. 1 Procedimentos Metodológicos
O presente trabalho se inscreve no âmbito da pesquisa exploratória de caráter
qualitativo, visto que procura discutir a construção de Parcerias Tri-Setoriais a partir da ação
social e o discurso construído pelos atores envolvidos nesse fenômeno colaborativo, bem
como analisar seus desdobramentos sobre a esfera pública e a construção da cidadania na
realidade brasileira (GODOY, 2006). Para tanto, foram analisadas três experiências de
articulação tri-setorial que envolvem a participação dos chamados Líderes-Parceiros da
Regional Sudeste, Distrito Federal e Goiás da Fundação AVINA no Brasil.
Presente em onze (11) países da América Latina e atuando em diferentes frentes da
intervenção socioambiental, que vão desde a consolidação da governança democrática,
passando pela promoção da equidade e do desenvolvimento sustentável até chegar à
conservação de recursos naturais, a Fundação AVINA se constitui em um exemplo de
organização internacional envolvida na construção de parcerias em projetos sociais. Sua
atuação se através dos chamados Líderes-Parceiros, fornecendo apoio financeiro e suporte
ao contato e articulação desses membros e seus projetos e organizações com outros indivíduos
e organizações consideradas importantes para as iniciativas que desenvolvem.
No âmbito da Regional Sudeste, Distrito Federal e Goiás, uma das quatro (4) divisões
dessa fundação no país, foram analisadas preliminarmente várias iniciativas de intervenção
em problemas socioambientais vinculadas ao total de seus Líderes-Parceiros, que totalizam
aproximadamente sessenta e quatro (64) indivíduos. Três (3) experiências que possuíam
efetivamente características de articulação tri-setorial foram selecionadas: os programas Um
Milhão de Cisternas (P1MC) e Além das Letras (AL) e o projeto Novas Alianças (NA), visto
que na maioria das vezes os projetos e iniciativas desenvolvidos se caracterizavam pela bi-
setorialidade, com marcada presença de articulações colaborativas entre atores da sociedade
civil e do mercado. Além de reproduzir um fenômeno detectado por outros estudos que
discutem a construção de parcerias em iniciativas de intervenção em problemas sociais, a
maior ocorrência de relações de colaboração entre atores de Estado e OSCs ou OSCs e
empresas (VERNIS et al, 2007; MEIRELLES, 2005; SELSKY e PARKER, 2005), essa
característica dos projetos desenvolvidos no âmbito da Fundação AVINA é também
influenciada pelo fato dessa organização da sociedade civil não aceitar em seus quadros de
líderes-parceiros indivíduos vinculados à órgãos de Estado.
133
O P1MC busca a ampliação e melhoria do acesso à água na região do Semi-Árido
Brasileiro, enquanto o NA volta-se à incidência e controle orçamentário por parte de
conselhos municipais nas políticas de infância e adolescência desenvolvidas em cidades do
Estado de Minas Gerais. Já o AL visa ao aprimoramento das práticas didático-pedagógicas de
produção de textos no ensino fundamental de escolas públicas.
A pesquisa que resultou na presente Tese está articulada a um programa de
investigação do Research Center for Leadership in Action (RCLA) da Wagner School of
Public Service da New York University (NYU), que discute Parcerias Tri-Setoriais em
projetos sociais na América Latina e envolve também a análise de experências da Fundação
AVINA na Colômbia. Dessa forma, realizaram-se reuniões com a equipe central de
coordenação da pesquisa, formada por membros do RCLA, pesquisadores brasileiros e das
experiências colombianas em dois momentos: uma reunião inicial em New York e outra em
Bogotá. Nessas reuniões, foram discutidos os marcos teóricos estruturantes do trabalho,
recortes epistemológicos de investigação e procedimentos metodológicos para a coleta,
tratamento e análise dos dados. Além disso, contatos constantes foram realizados a distância
para discutir e definir encaminhamentos sobre a operacionalização da pesquisa.
Dois eixos distintos de orientação metodológica e coleta e tratamento de dados foram
operacionalizados, através da divisão de papéis entre as equipes de investigação em cada
realidade nacional. Uma das estratégias de pesquisa empregada envolveu o desenvolvimento
dos chamados Círculos de Ação e Reflexão (CARs) ou Cooperative Inquiries (CIs), em sua
denominação na língua inglesa, que foram realizadas por duas pesquisadoras no Brasil, com o
apoio do Autor desta Tese. A outra opção metodológica para análise das experiências se
inscreve na perspectiva denominada por Burawoy (1998 e 1991) de Estudos de Caso
Estendidos (Case Studies Extended).
A presente Tese é fruto do desenvolvimento dos Estudos de Caso Estendidos, sendo a
pesquisa coordenada pelo autor deste documento, com o auxílio operacional de três bolsistas
de iniciação científica. As fontes principais de dados para os Estudos de Caso Estendidos
foram levantadas de forma autônoma e independente em relação aos CARs, mas em alguns
momentos recorre-se a informações obtidas através desse método de coleta de dados. No
entanto, a pesquisa que deu origem a essa Tese não se fundamenta nos pressupostos
epistemológicos e metodológicos da produção de conhecimento através dos processos de
ação-reflexão, utilizando-os como um instrumento adicional para acesso aos atores
investigados. O CI pressupõe que as fronteiras entre sujeito e objeto de investigação sejam
rompidas através da realização de reuniões periódicas e seqüenciais envolvendo os atores que
134
constroem práticas sociais (OSPINA et al, 2006; HENRON e REASON, 2001; HERON e
REASON, 1995; TRAYLEN, 1994). No caso da presente pesquisa, essas práticas e o objeto
central discutidos nos CIs estavam relacionados à construção de Parcerias Tri-Setoriais.
Nesses encontros, os participantes definem, com o apoio de uma equipe de pesquisadores que
atuam como facilitadores dos debates (OSPINA et al, 2006; HERON, 1999), perguntas que
gostariam de responder vinculadas à sua vivência da ação social analisada. Ao final de cada
encontro os participantes retornam para suas atividades cotidianas com o compromisso tentar
implementar algumas das orientações que foram discutidas e consensadas nas reuniões de
CAR e refletir sobre essas novas práticas. Tais tentativas de transformação da realidade são
objeto de discussão e problematização nas reuniões subseqüentes até se chegar à última
reunião. Como objetivo final dos encontros coloca-se a produção de algum tipo de
sistematização de conhecimento, geralmente um documento escrito, de autoria coletiva, no
qual se expressam vivências e sobretudo orientações para auxiliar outros indivíduos
envolvidos e/ou interessados na ação social desenvolvida. Nesta investigação, os participantes
optaram por redigir um documento contendo sua vivência e suas aprendizagens sobre a
construção de Parcerias Tri-Setoriais.
Os estudos de caso estendidos operam dentro de bases mais ortodoxas de investigação,
nas quais os recortes entre sujeito e objeto de pesquisa são mais precisos e a vinculação com a
práxis distancia-se do caráter normativo e pautado na intervenção na realidade social,
característico dos CARs. Cabe destacar que o Case Study Extended não equivale aos
chamados estudos de caso múltiplos, nem tampouco se resume à pesquisa de um determinado
caso ou de casos múltipos, como poderia se dar no modelo tradicional de estudos de caso
discutido por Yin (1998) ou em variações desse método (GODOI, 2006; TEODÓSIO, 2000a).
A proposta dos estudos de caso estendidos, segundo Burawoy (1998), é tentar
ultrapassar as limitações clássicas advindas dos estudos de caso, sobretudo quanto à
generalização de resultados e contribuições para as discussões mais amplas dos constructos
teóricos (GODOI, 2006; BYRMAN, 1992; BRUYNE, HERMAN, e SCHOUTHEETE, 1991;
GOODE e HATT, 1972), ou seja, procura-se contrapor justamente àquilo que para muitos
constitui a debilidade central das pesquisas através de casos. Para Eliasoph e Lichterman
(1999), os estudos de caso estendidos possibilitam a construção de teorias sociais críticas a
partir de realidades concretas da vida em sociedade. Devido a essa natureza da proposta
metodológica defendida por Burawoy (1991), faz-se necessário diferenciá-la de outras
vertentes que propõem variadas formas de dialogar com a realidade e operar contribuições
para a elaboração de narrativas teóricas. Para o autor, o Case Study Extended se insere dentre
135
as correntes metodológicas que se apresentam como respostas às críticas provenientes de
concepções positivistas acerca da produção de conhecimento científico e se inscreve no
campo da observação participante nas ciências sociais. O quadro abaixo indica alguns
posicionamentos e distinções dos estudos de caso estendidos frente a outros métodos de
investigação que procuram se distanciar dos parâmetros positivistas de investigação.
Significância da Situação Social
Particular Geral
Micro
Etnomedologia
Grounded Theory
Nível de Orientação
da Análise
Macro
Estudo de Caso
Estendido
Método de Caso
Interpretativo
Quadro 6 - Respostas às Críticas da Observação Participante
Fonte: Burawoy, 1991, p. 273, tradução nossa.
Segundo Burawoy (1998), faz-se necessário desenvolver propostas reflexivas de
ciência, capazes de romper os princípios epistemológicos positivistas e promover o diálogo
entre nós e eles, entre os cientistas sociais e as pessoas estudadas. Nessa perspectiva, a
produção de conhecimento se concretiza a partir da interação do “estoque de teoria
acadêmica” com a “teoria popular ou as narrativas endógenas” em realidades locais. Essa
dimensão considera que múltiplos diálogos e explicações sobre fenômenos empíricos entre
observador e participantes levam a um segundo diálogo entre processos locais e forças extra-
locais, que por sua vez podem ser compreendidas através de um terceiro patamar:
dialogue of theory with itself” (p. 5).
O autor estabelece distinções sobre os recortes epistemológicos e metodológicos de
investigação, classificando-os segundo o método de pesquisa, as técnicas de investigação
empírica e o modelo científico. Os estudos de caso estendidos se constituiriam em um método
de pesquisa, pautado por técnicas qualitativas de coleta de dados, tais como entrevistas e
136
observação participante e se enquadrariam dentro de um modelo científico reflexivo (em
oposição ao positivismo).
As diferenciações do Case Study Extended frente à etnometologia, aos estudos de
caso interpretativos e à Grounded Theory trariam a esse método a possibilidade de contribuir
para a revisão e construção de macro narrativas teóricas, ao mesmo tempo em que se promove
um profundo diálogo com micro-realidades locais vivenciadas pelos atores sociais. Para
Burawoy (1991), a etnometodologia assume o mundo macro não como um mundo real, mas
sim como fruto da construção dos participantes em suas realidades únicas, das quais não
haveria nenhuma objetividade e relevância em extrair meta-narrativas. os estudos de caso
interpretativos também colapsam as distinções entre macro e micro níveis ou entre as
dimensões particular e geral, mas em outra direção. As particularidades encontradas em cada
situação ou realidade específica seriam uma expressão de dimensões gerais ou do macro nível
de construção social. Por fim, na perspectiva da Grounded Theory, construções seriam
decorrentes de induções operadas a partir de dados da realidade concreta e comparações
através de contextos sociais específicos (EISENHART, 2001)
Ao contrário dos três outros métodos, o estudo de caso estendido construiria
“explicações genéticas” a partir de situações particulares, na medida em queadopts a
situational analysis but avoid the pitfalls of relativism and unversalism” (BURAWOY, 1991,
p. 276). Nesse constructo metodológico, a noção de significância adquire uma dimensão
diferente daquela entendida pela análise estatística, que se pauta na generalização a partir de
uma amostra da população. Ao contrário, busca-se uma significância societal, na medida em
que tells us about society as a whole rather than about the population of similar cases(p.
281). Em síntese, the extended case method applies reflexive science (...) in order to extract
the general from the unique, to move from the ‘micro’ to the ‘macro’, and to connect the
present to the past in anticipation of the future, all by building on preexisting theory
(BURAWOY, 1998, p. 5).
A escolha por esse método justifica-se pela própria problematização da pergunta de
investigação, que procura analisar as implicações das Parcerias Tri-Setoriais sobre a esfera
pública e a construção da cidadania (fenômenos que remetem à dimensão macro), mas que
são construídos pelos atores em suas práticas cotidianas, através de habilidades sociais que se
manifestam a partir de realidades micro-sociológicas (FLIGSTEIN, 2007). Através do estudo
de caso estendido pode-se operar a transição de realidades micro, passando por dimensões
meso, defendidas por Fligstein (2007) como centrais para o entendimento de ações de
137
cooperação entre atores, até se chegar à dimensão global das Parcerias Tri-Setoriais na esfera
pública.
6. 2 Coleta e Análise dos Dados
As estratégias para coleta de dados se pautaram em dois recortes no desenvolvimento
dos estudos de caso estendidos. O primeiro deles se concentrou nos atores articuladores das
organizações governamentais, empresariais e da sociedade civil envolvidos nas negociações
para o desenvolvimento das parcerias, denominados nessa pesquisa de articuladores globais.
No segundo corte, foram analisados casos reconhecidos e indicados por esses atores como
experiências bem sucedidas dentro do conjunto de intervenções em realidades específicas
desenvolvidas por cada uma das Parcerias Tri-Setoriais analisadas. Assim, foram visitadas
três cidades e coletados dados dentre atores de localidades nas quais operam cada um dos
projetos investigados. Na análise do programa Um Milhão de Cisternas foram visitados os
municípios de Feira de Santana e Serrinha na Bahia, ao passo que na investigação sobre o
projeto Novas Alianças foi pesquisada a cidade de Governador Valadares em Minas Gerais e,
finalmente, para discussão do programa Além das Letras foi pesquisado o município de
Petrópolis no estado do Rio de Janeiro.
A coleta de dados se processou através de ampla pesquisa a bases de dados científicas
e acesso a fontes secundárias e primárias de informações das experiências analisadas. Para a
revisão bibliográfica e mapeamento da produção sobre temas e objetos de investigação
relevantes para a Tese, sobretudo as Parcerias Tri-Setoriais em políticas e projetos sociais,
foram consultadas bases como a da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), o chamado Portal CAPES de Periódicos, J-STOR, EBSCO e Scientific
Electronic Library Online (SCIELO). Nesses levantamentos ficou evidenciado que a
produção científica sobre Parcerias Tri-Setorias ainda é relativamente reduzida e de forma
mais significativa ainda quando o foco das discussões reside em seus desdobramentos e
implicações para a construção de uma esfera pública mais democrática e avanço da cidadania.
Para levantamento de informações das experiências analisadas foram realizadas visitas
aos sítios dos programas e projeto na Internet, análise de relatórios de monitoramento e
avaliação, leitura de material de divulgação e acesso a artigos publicados sobre as
experiências analisadas, o que se constituiu nas principais estratégias de levantamento de
138
informações secundárias nessa investigação. Já a coleta de dados primários envolveu a
realização de entrevistas semi-estruturadas com os atores imbricados nas Parcerias Tri-
Setorias tanto no nível de articulação global, quanto nas localidades visitadas. Além disso, a
equipe de investigação participou dos CARs como observadora e grupo de suporte,
registrando e sistematizando falas dos atores e interagindo com os participantes da atividade.
Nas visitas de campo à localidades também surgiram oportunidades para que os
pesquisadores pudessem participar de vários processos envolvendo a operacionalização dos
projetos, alguns deles na condição de observadores e outros na posição de componente das
equipes de atividade dos projetos. Exemplos disso aconteceram no caso das visitas para
avaliação das famílias da comunidade do Canto em Serrinha, que receberam cisternas no
programa P1MC, na participação em uma audiência pública sobre o orçamento da infância e
adolescência em Governador Valadares na experiência do NA e na observação de uma
reunião de coordenadores de professores em Petrópolis na análise do programa Além das
Letras.
Procurou-se coletar os dados de forma a favorecer a interação comunicativa com os
atores pesquisados, em detrimento da rigidez e seguimento estrito do planejamento das
atividades de levantamento de informações em campo. Dessa maneira, a coleta de dados se
aproximou das práticas investigativas que Thiollent (1997) e Serva e Jaime Júnior (1995)
propõem para a pesquisa-ação e participante, de forma a promover o diálogo entre nós e eles,
conforme colocado por Burawoy (1998), e dotar as entrevistas da plasticidade necessária para
a compreensão da realidade social analisada (GODOI e MATTOS, 2006).
A equipe de investigação dos estudos de caso estendidos foi composta pelo Autor
desta Tese, na qualidade de coordenador da pesquisa, e contou com a colaboração operacional
de três bolsistas de iniciação científica, graduandos das áreas de Administração (1) e Relações
Internacionais (2) da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Cada
cidade visitada para análise das Parcerias Tri-Setoriais em sua dimensão local foi investigada
por três pesquisadores, sempre com a presença do coordenador dos trabalhos e com a
recomposição das duplas de bolsistas, de forma que todos os alunos investigaram dois casos.
Antes das visitas de campo foram feitos treinamentos, que consistiram na realização de dois
workshops com especialistas sobre pesquisa qualitativa e coleta de dados em campo e de
quatro entrevistas semi-estruturadas com participantes do projeto Novas Alianças na cidade
de Belo Horizonte em Minas Gerais, base da equipe de pesquisa. Esses treinamentos serviram
também para testar os instrumentos de coleta de dados e acabaram por gerar informações que
se fizeram úteis para a discussão da experiência do NA.
139
Entrevistas semi-estruturadas também foram realizadas em Brasília, São Paulo, Belo
Horizonte e Feira de Santana pelo coordenador da equipe de pesquisa com os chamados
articuladores globais das três experiências analisadas. Além disso, uma entrevista foi realizada
por telefone, sendo que todas as conversas foram registradas em gravador digital e transcritas
mediante recorte das falas principais sobre cada tema abordado no roteiro. As questões
levantadas junto aos entrevistados foram elaboradas a partir de um protocolo de pesquisa
construído nos encontros de todas as equipes de investigação na reunião realizada em Bogotá,
que serviu de referência para a condução da pesquisa (apêndice D). Três roteiros de
entrevistas foram desenvolvidos, respectivamente para os articuladores globais das parcerias,
para os chamados articuladores locais e para os públicos mais próximos das comunidades
atendidas (apêndices A, B e C). Os dois últimos instrumentos de coleta de dados foram
utilizados nas pesquisas junto às localidades nas quais os projetos são operacionalizados.
As entrevistas abordaram temas como a evolução da parceria, o contato e
relacionamento com os atores envolvidos, as expectativas construídas, as realizações
alcançadas e os desafios enfrentados. Essas temáticas foram discutidas de forma a fazer
emergir no discurso e na reflexão sobre a ação dos atores significados atribuídos às suas
práticas, valores, interesses, recursos e jogos de poder envolvidos nas Parcerias Tri-Setoriais,
além das suas implicações na esfera pública e para a construção da cidadania. A construção
dos roteiros de entrevista procurou gerar instrumentos de coleta de dados capazes de levar os
atores a refletir sobre sua práxis e envolvimento nas Parcerias Tri-Setoriais analisadas, de
forma a se evitar que respostas idealizadas ou que representassem mais a construção
conceitual do que a vivência dos públicos pesquisados aparecessem nas respostas. Tal
deficiência nas investigações, embora muito freqüente em vários estudos, acaba por fragilizar
a pesquisa qualitativa e reproduzir o insulamento entre a teorização e o campo da prática. A
superação desse desafio investigativo exigiu esforço analítico e reflexivo redobrado, não
apenas na coleta de dados, mas sobretudo na discussão do material obtido. (GODOI, 2006;
GODOI e MATOS, 2006; THIOLLENT, 1997)
A coleta de dados operou sem maiores problemas, ainda que diferenças significativas
de acesso aos atores sociais se manifestaram nos estudos de campo. Apenas um dos
articuladores globais do P1MC, representante de organizações empresariais envolvidas,
ofereceu resistência à realização da entrevista. Nas cidades de Feira de Santana e Serrinha,
pode-se perceber maior naturalidade e abertura dos entrevistados em colaborar com a equipe
de investigação no acesso aos dados. Fator relevante para o desenvolvimento dessa postura
parece estar ligado à intensa fiscalização dos órgãos de controle orçamentário do governo
140
federal, como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal Central da União (TCU),
que, segundo os entrevistados, realizam auditorias freqüentes na região e junto às
organizações investigadas na presente pesquisa. Por outro lado, na visita a Governador
Valadares pode-se constatar nitidamente a rivalidade entre diferentes grupos de atores que
participam do projeto Novas Alianças, resultando muitas vezes em tentativas de sedução da
equipe de pesquisa de forma a fortalecer suas posições nos embates desenvolvidos com o
grupo opositor. Atentos aos riscos de enviesamento na coleta de dados, os pesquisadores
procuraram desenvolver estratégias para eliminar ou mitigar essas influências e poder acessar
todos os atores a serem ouvidos sem maiores resistências ou potenciais riscos para a
consistência metodológica da pesquisa. Tal preocupação acompanhou todos os trabalhos da
equipe investigadora, o no levantamento de informações em campo, mas também na
discussão e análise dos dados.
Como procedimento de investigação, ao final de cada jornada diária de coleta de dados
foram realizadas reuniões, de forma a levantar e discutir impressões e informações obtidas a
partir da interação com os atores envolvidos no programa e nos projetos analisados. No total,
aconteceram cinqüenta e nove (59) entrevistas semi-estruturadas. A distribuição de entrevistas
por experiência analisada obedeceu a uma distinção entre duas dimensões, uma denominada
de global e outra de local. Na primeira instância encontram-se os representantes de
organizações governamentais, da sociedade civil e do mercado envolvidos na articulação,
planejamento e gestão das Parcerias Tri-Setoriais em seus aspectos mais estratégicos e
amplos. Já na dimensão das localidades encontram-se atores que implementam as iniciativas
nas cidades visitadas, subdividindo-se entre articuladores locais e público de base. A
referência à base compreende tanto atores beneficiários da parceria, quanto aqueles que lidam
mais diretamente esses públicos através do exercício de papéis operacionais no programa e
nos projetos analisados. No programa Um Milhão de Cisternas, o público beneficiário pela
parceria constitui-se de famílias residentes na área rural do município de Serrinha, enquanto
que no projeto Novas Alianças esse grupo de atores é formado por conselheiros de infância e
adolescência do município de Governador Valadares. Finalmente, em Petrópolis, o alvo do
projeto são professores que atuam nas ries iniciais do ensino básico da rede pública
municipal de ensino. a articulação local compreende atores de organizações que
estabelecem conexões entre a realidade local e as Parcerias Tri-Setoriais em sua dimensão
central.
No programa P1MC foram realizadas vinte e três vinte e seis (26) entrevistas, sendo
três (3) com atores da instância global e vinte e três (3) da local, ao passo que no projeto
141
Novas Alianças foram realizadas dezessete (17) entrevistas no total, sendo quatro (4) novel
global e treze (13) no local e, finalmente, no programa Além das Letras, dezesseis (16)
pessoas foram entrevistadas: duas (2) no nível global e quatorze (14) na dimensão local. Isso
se deve ao fato de se manifestam diferenças significativas entre cada experiência analisada,
ligadas desde à agenda de intervenção social, bem como à estruturação de papéis e às
estratégias de gestão e operacionalização dos programas e projeto analisados. Conforme será
elucidado mais a frente, algumas das Parcerias Tri-Setoriais analisadas envolvem várias
organizações em sua articulação global e diferentes níveis de governo (federal e municipal),
bem como integram diferentes organizações da sociedade civil na operacionalização das
iniciativas.
As experiências analisadas possuem em comum o fato de envolverem atores
governamentais, da sociedade civil e de mercado na provisão de políticas e projetos sociais.
No entanto, várias diferenças se manifestam entre os casos analisados, quer sejam devido à
natureza e os papéis compartilhados nas parcerias, quer sejam pela área programática de
atuação e abrangência territorial e social. Sendo assim, neste tópico procede-se inicialmente a
uma problematização de cada experiência pesquisada, para em seguida se analisar de forma
agregada as três Parcerias Tri-Setoriais. O entendimento da emergência e da operação atual
das iniciativas de intervenção social investigadas exige sua contextualização, de forma a
elucidar fenômenos, atores e realidades sociopolíticas que envolvem a sua emergência e sua
operação, tanto no âmbito da articulação geral da parceria, quanto da sua construção nas
realidades locais investigadas.
6.2.1 O Programa Um Milhão de Cisternas
O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) procura viabilizar o acesso à água por
parte de famílias de baixa renda residentes na zona rural na região do semi-árido brasileiro. A
iniciativa se propõe não apenas a criar condições para que os moradores dessas áreas possam
utilizar água de qualidade para o consumo humano, sobretudo nos períodos de seca mais
pronunciada, mas também a “educação cidadã” e “mobilização social e política das
comunidades” de maneira a construir novas formas de “convivência com o semi-árido”. Para
tanto, a proposta do programa é preservar, garantir o acesso regular, gerenciar e valorizar a
água como “direito essencial da vida e da cidadania”, transformando práticas e vivências no
142
sentido da “emancipação” dos cidadãos e a construção de “uma nova cultura política” na
região do semi-árido brasileiro. (ASA, 2003)
Percebe-se, portanto, que a proposta declarada pelo programa não se restringe à
melhoria da provisão de direitos básicos, no caso, o acesso à água e seus desdobramentos
sobre a qualidade de vida dos indivíduos, notadamente no campo da saúde, mas também
envolve uma tentativa de construção de novas formas de relacionamento dos indivíduos com
as políticas sociais e a própria esfera pública. A região do semi-árido brasileiro é marcada por
aquilo que se denomina comumente de Indústria da Seca. Tal fenômeno das políticas públicas
se pauta na troca de favores políticos, principalmente através do envio por parte de políticos e
órgãos públicos de caminhões-pipa com água potável para as comunidades fragilizadas pela
ausência de chuvas. (LOPES e LIMA, 2005) Tal relação política em torno da água não resulta
apenas na precarização das condições de vida, mas também no paternalismo, assistencialismo
e em condições de dependência continuada frente ao poder político por parte das comunidades
e indivíduos de baixa renda. Além dessa relação de clientelismo, característica histórica da
cultura política na região, outros fenômenos associados ao acesso à água resultam em
diferentes problemas que impactam as políticas públicas em várias agendas de ação, não
apenas na região do semi-árido brasileiro, mas também em outras áreas do país. No rol de
fenômenos gerados pelo acesso precário à água encontram-se a migração acentuada para os
centros urbanos, favelização de grandes metrópoles no sudeste do país, elevada mortalidade
infantil e dificuldade de desenvolvimento de alternativas locais de geração de emprego e
renda, dentre outros problemas socioambientais de igual monta.
A área de abrangência do programa é bastante significativa, visto que envolve onze
(11) estados brasileiros, em um total de 1133 municípios, nos quais se encontram 9.177.636
habitantes, englobando uma área de 974.752 km² (MDS, 2008). Além dos estados da região
Nordeste do país (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande
do Norte e Sergipe), o P1MC atua na parte setentrional de Minas Gerais e no norte do Espírito
Santo, dois estados da região Sudeste. São áreas marcadas por elevadas temperaturas e duas
estações bem-definidas ao longo do ano; uma marcada pela seca e outra pela ocorrência de
precipitações irregulares. No entanto, não exatamente a ausência de chuvas seria o fator
central na dificuldade de acesso à água por parte das populações rurais de baixa renda, mas
sim a sua distribuição geográfica e a dificuldade de armazenamento da água disponível
(MDS, 2008).
As famílias que convivem com essa realidade geralmente acessam a água através de
poços, cacimbas e tanques de pedra distantes de suas moradias, sendo que em inúmeros dos
143
casos encontram reservatórios contaminados e/ou impróprios para o consumo humano. No
contexto das relações sociais na região, a figura da mulher assume papel importante tanto na
busca de água, tarefa compartilhada com as crianças, mas também na sobrevivência da
família. Um traço marcante da sociabilidade na região é a presença de forte componente
machista nas interações sociais, o que resulta em sobrecarga para as mulheres, encarregadas
de todas as tarefas domésticas, inclusive o acesso à água, visto que é considerado mais uma
atribuição típica do universo feminino no contexto familiar. Somam-se a isso a ocorrência de
famílias desagregadas, caracterizadas pela ausência da figura do homem em grande parte do
ano ou mesmo em caráter definitivo, pois migra em busca de trabalho e renda. Nesse
contexto, cabe também à mulher a tarefa de assumir a responsabilidade pela sobrevivência
material da unidade familiar.
O programa tem como eixo central a construção de cisternas para armazenamento de
água proveniente das chuvas. Essa forma de intervenção tomou como referência experiências
anteriormente realizadas na região, que demonstraram a viabilidade operacional dessa forma
de coleta e armazenamento de água. A chuva que se precipita na região seria suficiente, desde
que armazenada adequadamente, para prover o consumo de água para higiene pessoal e
alimentação de uma família de até cinco (5) pessoas durante os oitos meses de seca que se
manifestam na região do semi-árido brasileiro (ANA, 2008; ASA, 2003; MDS, 2008). Os
reservatórios cilíndricos para acondicionamento das chuvas construídos pelo programa têm
capacidade de dezesseis (16) mil litros cúbicos de água, são recobertos e localizam-se semi-
enterrados juntos às moradias. Apesar da água captada através de calhas conectadas aos
telhados apresentar relativa qualidade, o papel das famílias na manutenção das cisternas e na
garantia da sua não contaminação é considerado decisivo pela gestão do P1MC, visto que
alguns procedimentos operacionais regulares são exigidos para tal (ASA, 2003).
A utilização adequada e consciente das cisternas por parte das famílias implicaria não
apenas na apropriação de saberes técnicos relativos ao entendimento da dinâmica hídrica na
região e ao uso de tecnologias de construção de reservatórios, mas também no
reconhecimento por parte das comunidades do acesso à água como um dos componentes da
cidadania e da dinâmica social no espaço público. Segundo a gestão do programa (ASA,
2008; MDS, 2008), as iniciativas de capacitação não se resumem ao repasse de informações
técnicas, fazendo-se sempre acompanhadas de uma problematização dos recursos hídricos
como direito social. Essas iniciativas envolvem a formação de mão-de-obra local como
pedreiros, a capacitação de jovens para a construção e instalação de bombas d´àgua manuais e
144
a qualificação de multiplicadores do projeto, responsáveis pela sua disseminação nas
comunidades.
O programa envolve atores da sociedade civil, representados pela Articulação no
Semi-Árido Brasileiro (ASA), do Estado brasileiro, sobretudo através do Ministério do
Desenvolvimento Social e do Combate a Fome (MDS) e da iniciativa privada, com a presença
da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN). Cabe à ASA o papel de execução do
programa nessa Parceria Tri-Setorial, enquanto o MDS e a FEBRABAN atuam como
financiadores da iniciativa. Essas diferenciações de papéis nem sempre são evidentes e,
muitas das vezes se sobrepõem e/ou duplicam, visto que diferentes funções, sejam de suporte
técnico à operacionalização do P1MC, sejam de monitoramento e fiscalização são
desenvolvidas pelos três atores, tanto internamente às suas organizações, quanto externamente
no relacionamento com as outras organizações envolvidas. Exemplos disso são o suporte
técnico fornecido para a construção de cisternas por outros órgãos governamentais, a
assessoria gerencial da FEBRABAN na criação de procedimentos de acompanhamento da
alocação de recursos financeiros e as instâncias de auto-regulação interna desenvolvidas pela
ASA para operar o P1MC.
Além desses atores principais, o P1MC envolve um grande número de OSCs e outros
órgãos de governo, seja no nível dos estados brasileiros e das localidades atendidas, seja no
âmbito federal. Diferenciações entre as organizações também se manifestam quanto ao porte e
abrangência, integrando-se em uma estrutura complexa de articulação, na qual se destacam
papéis de articulação política e execução operacional do programa, como reconhecem e
definem os próprios documentos da ASA (2008), do MDS (2008) e da FEBRABAN (2008).
Organismos internacionais e organizações da sociedade civil de alcance nacional e global se
fazem presentes na iniciativa, tais como Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), United Nations Education Science and Culture Organization (UNESCO), United
Nations Children's Fund (UNICEF), Banco Mundial, OXFAM e Catholic Relief Service
(CRS).
A parceria entre o MDS e a ASA foi formalizada em 2003, no entanto, a trajetória de
aproximação entre atores sociais, tanto no âmbito da sociedade civil, quanto do Estado, se deu
anteriormente. Segundo relatos de entrevistados, o programa foi discutido e desenhado
durante um período de tempo bastante razoável (6 meses), através de reuniões com
representantes de diferentes organizações da sociedade civil que compõem a Articulação no
Semi-Árido Brasileiro. Nesse processo, teriam sido analisados exaustivamente os detalhes
operacionais e orçamentários, bem como as metodologias centrais para abordagem e
145
envolvimento das comunidades. Elaborado o desenho do programa, caminhou-se para sua
negociação mais direta e incisiva com o Estado visando a formalização de parcerias para sua
implementação.
A Articulação no Semi-Árido Brasileiro é resultado da mobilização de diferentes
atores que atuam na região e que se preocupavam, desde a década de 70, em construir
alternativas para os problemas advindos da seca, com destaque para a Igreja Católica. Nos
anos 90, esses movimentos ganham maior força, levando à criação em 1999 da ASA.
Atualmente, a organização subdivide-se em ASAs estaduais e é composta por mais de
setecentas (700) organizações, tendo a seguinte distribuição: 59% caráter de base comunitária,
21% de natureza sindical, ligadas aos trabalhadores rurais, 11% delas vinculadas à Igreja
Católica e a movimentos evangélicos, 6% constituído por ONGs e 3% por cooperativas de
trabalho, conforme classificação da própria instituição (ASA, 2003). Percebe-se que as
organizações componentes dessa articulação têm fortes vínculos com movimentos sociais e se
encontram nos interstícios das esferas do mercado com a esfera pública, como sindicatos de
trabalhadores rurais (STR) e cooperativas de trabalho. A vinculação com partidos políticos de
esquerda, sobretudo com o Partido dos Trabalhadores (PT), do qual o atual presidente
brasileiro faz parte, é bastante evidente entre várias organizações que compõem a ASA, ainda
que atores com diferentes orientações político-partidárias possam ser encontrados em seu
interior.
O relacionamento colaborativo mais evidenciado entre a Articulação no Semi-Árido
Brasileiro e o governo federal se dá inicialmente em 2001, através da intermediação da
UNICEF, quando é firmada uma parceria entre a Diaconia, um órgão da Igreja Católica e uma
das organizações integrantes da ASA, e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a
construção de um projeto piloto de 500 cisternas. Em seguida, a Agência Nacional de Águas
(ANA) financiou a construção de 12.400 cisternas, que resultaram na construção de 12.750
delas, dado que contrapartidas fornecidas pela ASA somaram-se aos recursos recebidos do
Estado. Nesse período, lança-se a meta de construção de um milhão de cisternas, em um
período de cinco anos, que finalmente daria nome ao programa. Em 2003, com a assinatura de
um termo de parceria através do MDS, o P1MC torna-se um dos componentes do programa
Fome Zero, sendo entendido como um componente relevante da política de segurança
alimentar e nutricional do governo federal (MDS, 2003).
A participação da FEBRABAN se dá inicialmente com o financiamento de parcela das
cisternas. A vinculação de atores empresariais ao programa se processa dentro de uma
dinâmica típica da esfera privada. Informado pela esposa sobre a existência da proposta, um
146
dos assessores especiais da presidência na época, empresário com fortes vínculos com o
movimento da responsabilidade social empresarial no Brasil, estabelece contatos com a
federação, que resultam na participação da instituição no P1MC. Inicialmente, o
relacionamento da FEBRABAN com a ASA pauta-se no repasse de recursos para a
implementação de 50.000 cisternas. No entanto, durante o transcorrer da articulação,
diferentes formas de vínculo e aprendizagem o se construindo entre os atores, conforme
será melhor discutido mais a frente.
As relações entre o governo e a ASA aprofundam-se com a inclusão da ação
denominada Construção de Cisternas para Armazenamento de Água no plano plurianual do
governo federal para o período de 2004-2007. O relacionamento entre a ASA, tanto com o
Estado, quanto com a FEBRABAN, é marcado pela descentralização das decisões quanto à
alocação de cisternas nas regiões e entre as famílias. No entanto, com o repasse de verbas
governamentais, passam a fazer parte do cotidiano da Parceria Tri-Setorial a presença da
Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União, através da fiscalização das
ações desenvolvidas. A região visitada para a coleta de dados em campo (Feira de Santana e
Serrinha) constitui-se em uma das áreas regularmente visitadas pelas equipes de verificação
em loco.
Inicialmente, o P1MC se propôs atingir 1 milhão de pessoas, através da construção de
1 milhão de cisternas em cinco anos, englobando 1 milhão de famílias. Tomando-se por base
a média de 5 integrantes das famílias na região, o programa beneficiaria aproximadamente 5
milhões de pessoas. Tendo como base o ano de 2007, a iniciativa atingiu aproximadamente
um quarto da meta inicialmente colocada, conforme pode ser observado no quadro abaixo.
147
Ações até o ano de 2007 Alcance
Construção de cisternas 221.514
Cisternas em construção 0
Municípios atendidos 1.031
Famílias Mobilizadas 228.541
Famílias capacitadas em Gerenciamento de Recursos Hídricos 217.844
Pessoas capacitadas em confecção de bombas d`água manuais 4.540
Pedreiros executores capacitados 5.674
Pedreiros instrutores capacitados 174
Quadro 7 - Realizações do Programa 1 Milhão de Cisternas
Fonte: Adaptado de ASA, 2008, p. 10.
A informação de que não havia nenhuma cisterna em construção no ano de 2007 no
quadro acima se deve ao fato do programa ter sido interrompido nesse período, por causa do
término do contrato de parceria entre o governo federal e a ASA, que foi retomado em março
de 2008. A demora na renovação formal da parceria encontra como um dos problemas
centrais as barreiras legais relativas à renovação de contratos desse tipo de colaboração,
sobretudo por ter horizonte de tempo superior a cinco anos (ASA, 2007). Esse período de
paralização da relação de colaboração formal entre os atores é marcado pela incerteza e uma
série de impactos na operacionalização do programa, sobretudo quanto à desmobilização das
diferentes organizações e atores da sociedade civil envolvidos em sua execução, bem como
pelas tentativas da ASA em garantir, mesmo de que forma precária e nima, esses grupos
vinculados aos seus quadros. Reduções de salários e trabalho voluntário são algumas das
formas encontradas para minimizar o impacto da paralisação da construção de cisternas,
segundo relato dos entrevistados.
Os mecanismos de controle e transparência do programa envolvem não apenas a
indução de práticas devido às exigências de monitoramento e avaliação decorrentes da
legislação (no caso dos recursos governamentais) e da precisão quanto ao uso de recursos (no
caso dos valores repassados pelas empresas). Ao longo da implementação do P1MC, a ASA
desenvolveu uma estrutura interna de governança com diferentes níveis de articulação e
148
instâncias decisórias, que vão desde a dimensão central do programa até as localidades nas
quais atua.
Em 2001, com suporte do Banco Mundial, ANA e algumas organizações componentes
da ASA, como Comunidade Solidária, Cáritas, Pastoral da Criança, Comissão Pastoral da
Terra (CPT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e
Fundação Grupo Esquel, esse último contando com a presença de um Líder-Parceiro da
Fundação AVINA, é desenvolvido o chamado Sistema Integrado de Gestão e Auditoria
(SIGA). Através desse instrumento de gestão da informação pode-se acompanhar a execução
física e financeira do programa, bem como outras informações produzidas pelas organizações
envolvidas na operacionalização do P1MC. Dados sobre os processos de seleção de famílias,
capacitação e andamento da construção de cisternas dotaram a gestão do programa de maior
controle sobre sua implementação. Essas informações podem ser acessadas por financiadores
e as várias organizações constituintes das instâncias de gestão e operacionalização do
programa, sobretudo as Unidades Gestoras Centrais e as Unidades Gestoras Municipais. Nos
encontros periódicos envolvendo as organizações integrantes da Articulação no Semi-Árido,
os chamados EconASA, também são repassados dados sobre o andamento do programa.
Segmentos mais amplos da sociedade civil não têm acesso aos dados do SIGA, que
permanecem restritos às relações entre instâncias internas do P1MC ou dele com seus
financiadores. A prestação de contas junto às comunidades, segundo relatos dos entrevistados,
é realizada através de assembléias e reuniões, nas quais se discute a evolução da construção
de cisternas e são informadas as atividades desenvolvidas.
Essa construção dos mecanismos de gestão da sua rede de organizações se deu tanto
pela própria pressão dos parceiros governamentais e empresariais, quanto pela dificuldade em
gerenciar um programa com tamanha abrangência geográfica, montante de recursos
significativo e múltiplos tipos de organizações envolvidas. De acordo com relatos dos
entrevistados, a implantação do SIGA foi marcada por conflitos internos e dificuldades de
operar a partir de racionalidades diferentes daquelas que caracterizam o ativismo da
mobilização comunitária e a ênfase na realização de tarefas na ponta operacional dos projetos.
Nesse ponto, manifestam-se as dificuldades de OSCs com marcada trajetória de mobilização
comunitária operarem a partir de gicas e referências típicas de organizações mais
formalizadas e hierarquizadas, como os órgãos públicos e as empresas.
Segundo a ASA (2003), a estrutura de gerenciamento do Programa 1 Milhão de
Cisternas tem como princípios norteadores a gestão compartilhada, busca de parcerias,
descentralização e participação, mobilização social e fortalecimento institucional. A figura
149
abaixo sintetiza os diferentes atores envolvidos no programa e os papéis exercidos em cada
um dos níveis de governança da iniciativa.
Esquema 7 - Estrutura Operacional do Programa 1 Milhão de Cisternas
Fonte: FEBRABAN, 2008, p. 4.
Várias instâncias de articulação, gestão e controle foram criadas para
operacionalização do P1MC. Destaca-se na estrutura de gerenciamento a diferenciação entre
as chamadas unidades de gestão e execução. Na Unidade de Gestão Central (UGC) se
concentram as ações de captação de recursos, monitoramento do P1MC nos estados e
interações com os demais atores principais da Parceria Tri-Setorial (MDS e FEBRABAN). A
Associação Programa 1 Milhão de Cisternas (AP1MC) encarrega-se da coordenação da
execução dos trabalhos. Trata-se de uma OSCIP criada justamente para essa finalidade, visto
que as ASAs estaduais não podem exercer atividades de execução de projetos dentro da
estrutura do programa, cabendo às últimas um papel de natureza política na articulação das
organizações. Essa decisão parece estar relacionada ao fato de que, nas atividades iniciais do
P1MC surgiram dificuldades de controle interno sobre a alocação de recursos e
monitoramento das ações das diversas organizações envolvidas na operacionalização do
programa. A constituição de uma organização nova, com natureza jurídica diferente, foi uma
das alternativas encontradas para superar as dificuldades políticas internas de atuação dentro
de parâmetros gerenciais e operacionais mais precisos e rigorosos. Nesse ponto, destacam-se
150
os desafios de compatibilização do espírito de movimento social, marcante entre vários
membros e organizações da ASA, e a racionalidade e natureza gerencial advinda da maior
formalização e colaboração legalmente estabelecida através das Parcerias Tri-Setoriais. Além
da criação de uma nova organização, foram realizadas mudanças de gestores considerados
com perfil inadequado para as novas tarefas demandadas e treinamentos visando à formação
gerencial dos responsáveis pelas diferentes unidades de gestão do programas.
Abaixo da UGC e controlada por ela, encontram-se as Unidades Gestoras
Microrregionais (UGMs), que são responsáveis pelo acompanhamento da implantação do
programa pelas Comissões Executivas Municipais (CEMs). Essa última instância de gestão do
projeto é composta por organizações da sociedade civil com no mínimo três e no máximo
cinco instituições. Cabe às CEMs definir as comunidades prioritárias para atuação, decisão
que se pauta sobretudo em variáveis ligadas à condição de vulnerabilidade de crianças e
adolescentes, que são obtidas através de indicadores provenientes do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), base de dados do Sistema Único de Saúde (Data SUS) e
das estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Cabe destacar que o P1MC tem como base de sustentação de suas ações um forte
componente de articulação comunitária, visto que os riscos de gestão e operacionalização
da alocação de cisternas são relevantes em uma região caracterizada historicamente pela
provisão clientelística de políticas sociais. A mobilização comunitária, a discussão
transparente e mais horizontalizada de direitos e deveres no acesso às cisternas e o controle
social construído nas comunidades de base se apresentam como alicerces relevantes do
programa em sua ponta operacional. Sendo assim, a definição das comunidades atendidas
parece não se resumir a critérios de necessidade e vulnerabilidade social em si, mas envolve a
própria dinâmica de capital social das comunidades. Tal característica do programa apresenta
suas vantagens, sobretudo por promover formas mais avançadas de relacionamento dos
cidadãos com a esfera pública, mas também indica dificuldades de atuação. Sua expansão
para comunidades desprovidas de tal dinâmica sociopolítica avançada e distantes dos centros
nos quais ela se manifesta coloca limites para a ampliação do P1MC. Além disso, lógicas
excludentes daqueles que detém mais capacidade organizativa podem resultar em relegar
comunidades marcadas pela grande vulnerabilidade social e precária capacidade de
organização política a um segundo plano, reeditando os problemas indicados por Boschi
(1999) quanto às práticas participativas de gestão de políticas públicas.
Dentre as organizações integrantes da CEM, uma é escolhida para exercer o papel de
Unidade Executora Local (UEL), desde que atenda critérios de formalização (registro jurídico
151
com pelos menos dois anos de existência), competência (experiência na construção de
cisternas), legitimidade (representar produtores rurais da região) e desenvolver uma postura
apartidária (não ter políticos eleitos em seus quadros diretores). Percebe-se que o atendimento
a esses critérios resulta na exclusão de uma série de organizações ou movimentos que
possuem vínculos com as comunidades de base, mas não apresentam a formalização e
competência requeridas. O programa também atribui às CEMs o papel de construir parcerias
com prefeituras e mesmo com empresários locais, visando à obtenção de recursos para a
construção de cisternas, tendo como parâmetro ideal de colaboração a duplicação do número
de cisternas viabilizadas por recursos federais através dos parceiros.
A busca de articulações colaborativas com atores governamentais locais leva o
programa a se aproximar das lideranças políticas nos cargos de poder municipal. Mas, ao
mesmo tempo em que se busca essa aproximação, a preocupação em não desenvolver
vínculos claros e evidentes com partidos políticos se apresenta como uma tônica não apenas
nas UELs, mas em toda a estrutura de gestão do P1MC, segundo pode-se depreender dos
documentos analisados e dos relatos dos entrevistados em diferentes níveis de governança do
programa. Esse é outro desafio encontrado pela ASA na implementação do programa, visto
que seu histórico de lutas sociais no semi-árido muitas das vezes esteve associado às disputas
políticas, sobretudo no embate com atores que reproduzem práticas político-partidárias
tradicionais na região. Em vários municípios da região, são justamente os opositores políticos
de vários movimentos e organizações da sociedade civil vinculadas à ASA que se encontram
no poder, dificultando a construção de parcerias na ponta executora dos projetos, ou seja, no
contexto das relações sociopolíticas locais.
Dentre as atividades desenvolvidas pela Unidade Gestora Local, encontram-se o
cadastramento de famílias e pedreiros, a seleção dos beneficiários, a mobilização e
treinamento dos envolvidos nas atividades, o monitoramento e avaliação das ações, inclusive
quanto a compra de materiais e a prestação de contas para as instâncias superiores do P1MC e
para as comunidades. Os critérios adotados pelo programa para escolha das famílias que
receberão as cisternas envolvem a presença de chefia feminina no núcleo familiar, a
existência de crianças de zero a seis anos e em idade escolar, e a presença de pessoas com
deficiência (PCD) e de idosos nos lares. Essas são atividades passíveis de polêmica e disputas
junto às localidades, pois envolvem a inclusão e exclusão de determinados públicos. Por isso
também, a referência a não orientação partidária se faria tão incisiva e necessária.
A ação dos órgãos de fiscalização governamentais se pauta não sobre a adequação
técnica das atividades construtivas e a correção nos processos de gerenciamento de recursos
152
financeiros, mas também sobre a justa distribuição das cisternas entre as famílias. O
relacionamento com o público beneficiado, ou seja, as famílias que recebem as cisternas em
suas casas, é marcado pela tentativa de construção de instâncias participativas e de
engajamento dos cidadãos na gestão do projeto. A decisão sobre a alocação das cisternas para
determinados beneficiários é tomada nos níveis mais baixos (locais) da estrutura de
governança do P1MC. Além disso, são exigidas contrapartidas dos beneficiários na
construção das cisternas, através da escavação e fornecimento de areia e água para a
construção. Esse tipo de abordagem do público beneficiário parece se basear não apenas no
desejo de construção de uma nova cultura política, mas também de estabelecer respostas às
críticas quanto ao suposto assistencialismo de programas sociais de repasse de recursos à
famílias em situação de vulnerabilidade social implementados pelo governo federal,
encontradas com recorrência entre as classes de alta e média renda no Brasil contemporâneo.
Nos últimos anos, a mídia brasileira tem destacado uma série de inconsistências na
implementação de programas federais de distribuição de benefícios sociais, tendo como foco
maior o Bolsa Família, acusado de permitir o favorecimento de públicos não necessariamente
merecedores desse auxílio governamental. Isso serve para construir um pano de fundo nas
relações sociais em torno do P1MC, tornando o papel da UEL mais delicado e complexo de
ser exercido no nível local, visto que um grande risco do programa é sua associação à troca de
favores para determinadas famílias e a construção de visibilidade pública favorável para
determinados políticos com trajetória associada à ASA. Caso isso aconteça, se reproduziria
dentro do programa a própria cultura política clientelista que se tenta combater no acesso à
água.
No âmbito de cada comunidade atendida dentro dos municípios, constitui-se uma
comissão comunitária, também composta por três pessoas, tendo no mínimo uma mulher em
seus quadros. Essa comissão é estimulada pela P1MC a constituir um fundo solidário, gerido
de forma independente pelos seus membros e constituído em termos bastante informais, cujo
objetivo é gerar recursos para a construção de novas cisternas e melhorias nas casas das
famílias. Essa prática, quando estabelecida nas comunidades, incorre no pagamento mensal de
contribuições ao fundo. Conforme relato de vários entrevistados e observação em loco na
cidade de Serrinha na Bahia, várias famílias e membros das comunidades beneficiadas
acabam por desenvolver a visão de que estão pagando pelas cisternas, distanciando-se da
perspectiva de construção solidária de acesso a recursos financeiros entre os membros da
comunidade. Nesse ponto, manifestam-se as dificuldades de construção da participação
popular em realidades locais, sobretudo quando co-existem situações de exclusão social
153
pronunciada com uma cultura política historicamente marcada pelo clientelismo e
assistencialismo.
A região de Feira de Santana na Bahia foi indicada pelos articuladores globais da
Parceria Tri-Setorial como um dos casos nos quais o P1MC mais conseguiu avançar e tem
obtido melhores resultados. Essa área é caracterizada historicamente pela presença de grupos
partidários associados ao chamado Carlismo, designação comumente usada para referenciar à
adesão ao projeto político e ao modus operandi do ex-governador bahiano, Antônio Carlos
Magalhães, e também para presença de vários movimentos sociais vinculados à organização
de comunidades de base, sobretudo de trabalhadores rurais. Nesse cenário, convivem práticas
políticas tradicionais associadas ao Carlismo e organizações e articulações sociais que buscam
promover a inclusão política e social de grupos economicamente desfavorecidos, cujo apelo
retórico reside na promoção da participação popular e no empoderamento das comunidades
locais. Pode-se afirmar que a área de influência de Feira de Santana destaca-se em relação a
outras regiões do semi-árido brasileiro pela forte presença de capital social, nos moldes que o
problematizam Putnam et al (1996), devido à presença e atuação de longa data de associações
de mulheres trabalhadoras rurais e pequenos agricultores, sindicados e movimentos de base.
Feira de Santana é uma cidade de médio porte, que ocupa o papel de pólo econômico e
político da região e localiza-se numa área de transição entre a geografia típica da zona da
mata litorânea e o semi-árido. Nesse município, sedia-se o Movimento de Organização
Comunitária (MOC), uma OSC relevante na estrutura da ASA e que desempenha também
papel chave na operacionalização do P1MC na região. Fato que reforça essa constatação é a
presença de um dos líderes do MOC na cúpula da Articulação no Semi-Árido Brasileiro.
Além da coleta de dados em Feira de Santana, a equipe de investigação visitou a cidade de
Serrinha, na busca de maior aproximação com a ponta operacional do programa. Trata-se de
uma cidade de pequeno porte, na qual o clima e vegetação do semi-árido é mais evidente, e
que gravita na área de influência de Feira de Santana. Nessa dimensão, mais próxima das
comunidades atendidas pelo programa, foram entrevistados indivíduos vinculados
formalmente ou informalmente à Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Estado da
Bahia (APAEB) em Serrinha.
Os vínculos entre o MOC e a APAEB são bastante intensos, sobretudo porque
atuavam em articulação antes do P1MC e pelo fato da operacionalização do programa
acontecer através da descentralização de atividades para associações como essa em diferentes
cidades do semi-árido brasileiro. As duas organizações desempenham, respectivamente, os
papéis de UGM e UEL dentro da estrutura do programa. Além disso, a organização atua na
154
ponta operacional de outras iniciativas do governo federal, como por exemplo, o Programa
Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF).
Pela coleta de dados em campo, percebe que o MOC se vale de sua articulação com
organizações de menor porte, mas que são independentes juridicamente dele, as quais
recebem apoio operacional e financeiro da instituição para implementação do P1MC. Essa
estratégia garante mais flexibilidade ao MOC, evitando estruturas organizacionais mais
complexas e de grande porte, mas ao mesmo tempo impõe maiores desafios na coordenação
de atividades e manutenção de uma certa coerência de operação. Esse alinhamento parece ser
garantido pelo alinhamento ideológico e a trajetória de lutas sociais compartilhadas entre o
MOC e a APAEB de Serrinha. Conforme depoimento de entrevistados de outras cidades, o
mesmo se observa em outros municípios da região de Feira de Santana. A figura abaixo faz
uma representação das interações entre atores em torno do P1MC, tanto no âmbito de sua
articulação global, quanto na realidade local pesquisada.
155
Esquema 8 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Programa Um Milhão de Cisternas
Fonte: Elaboração própria a partir de adaptação de JANOSKI, 1998, p. 14.
Notas: As setas indicam os relacionamentos principais, no entanto, outras interações entre os
atores também se manifestam. Tomou-se por base as relações estabelecidas estruturalmente
na iniciativa e as interações locais nos municípios de Feira de Santana e Serrinha;
= Interações anteriores;
= Interações atuais.
Um fator que parece se apresentar como relevante no formato das interações
estabelecidas na parceria entre atores de Estado e OSCs no P1MC é a possibilidade de
programas públicos federais alcançarem as comunidades sem intermediação de prefeituras,
evitando os riscos de desvios que podem se manifestar nesse processo. A imprensa brasileira
tem noticiado com relativa freqüência episódios de alocação irregular de benefícios de
programas como o Bolsa Família, cujo cadastramento e repasse aos beneficiários, muitas das
vezes, é operado pelo poder público municipal. No caso do P1MC, a convergência ideológica
ESFERA ESTATAL
MDS
ESFERA DO
MERCADO
FEBRABAN
APAEL
ESFERA
PRIVADA
ESFERA
PÚBLICA
Empresário envolvido
com RSE
ASA
AVINA
Famílias
Relações Familiares
AP1MC
MOC
APAEB
TCU
CGU
ANA
MMA
Outras
OSCs
STRs
Esquel
Diaconia
156
entre várias das organizações da sociedade civil integrantes da ASA com o governo, somadas
à perspectiva de atuação histórica pela luta por direitos, pode funcionar como um vetor de
legitimidade para consolidar uma imagem de desempenho mais correto e menos sujeito a
riscos de corrupção no programa. No entanto, nem sempre essa performance é obtida ao se
trabalhar com OSCs, o apenas pelos riscos inerentes à qualquer atividade descentralizada,
mas também porque a assimilação de racionalidades formalistas e gerenciais, necessárias para
a fluidez correta das atividades, não sempre ocorre com facilidade entre organizações da
sociedade civil habituadas a outras lógicas e modos de ação.
A interação dos pesquisadores com os atores locais também permitiu se perceber que
organizações como a APAEB de Serrinha, ao implementarem as ações do P1MC, acabam
operando como representantes do Estado nas comunidades, na medida em que não apenas
checam a conservação e uso das cisternas, mas incorporam outras dimensões das políticas
sociais como pré-requisitos para o cadastramento e acompanhamento das famílias. Os
técnicos dessa OSC ao mesmo tempo em que verificam a inscrição das famílias em programas
como o Bolsa Família, levam informações e tentam ajudar os responsáveis pelo grupo
familiar a acessarem serviços de direito disponibilizados através de outras políticas públicas.
A observação de processos de verificação da situação das cisternas nas residências das
famílias, bem como de cadastramento de interessados em recebê-las na APAEB de Serrinha,
somada a entrevistas posteriores com os contemplados e pleiteantes, evidenciou que a
interação entre os empregados dessa OSC e os cidadãos opera em bases diferentes da relação
de poder característica entre técnicos do serviço público e população. Não a linguagem
mais acessível, bem como uma postura menos fiscalizadora e mais pautada no diálogo e
auxílio se fizeram presentes nos processos observados.
Pode-se constatar que esse tipo de OSC, operando dessa forma, é capaz de promover
uma intervenção pautada intersetorialidade, entendida aqui no sentido que os estudos de
gestão pública atribuem à expressão no âmbito das políticas públicas (FARAH, 2006; SPINK
e CAMAROTTI, 2000). Ao estabelecerem relações com o público beneficiário mais flexíveis
e próximas do que aquelas tradicionalmente desenvolvidas pelos órgãos públicos acabam por
aproximar o Estado das comunidades e ampliar as perspectivas de acesso a direitos.
Sobretudo em se tratando de famílias de baixa renda da área rural, caracterizadas pela baixa
escolarização e percepção limitada de seus direitos, morando em regiões de difícil acesso e
dispersas espacialmente, as interações com órgãos públicas se dão muito menos pela visita às
residências e muito mais pelo deslocamento dos indivíduos até as repartições públicas. Essa
complementaridade e funcionalidade das OSCs melhora a performance das políticas sociais,
157
não apenas daquelas inerentes ao P1MC, e indica nessa realidade a Parceria Tri-Setorial
analisada tem conseguido promover um distanciamento dos padrões auto-centrados das
políticas públicas governamentais em sua interação com as comunidades e indivíduos.
No entanto, ao mesmo tempo em que na ponta operacional do P1MC se trabalha com
dinâmicas mais flexíveis e distantes da lógica estadocêntrica de provisão de políticas públicas,
nas interações estabelecidas com os órgãos de fiscalização e controle das atividades percebe-
se que perdura uma racionalidade auto-referenciada do Estado, cujos impactos no programa
são relevantes. Não se trata de idealizar uma relação pautada em ampla flexibilidade,
assumindo-se a posição de que órgãos como o TCU e a CGU deveriam adotar posturas menos
rigorosas na fiscalização. Nem tampouco se pretende partir do pressuposto de que relações
baseadas em lógicas de mercado, referenciadas em distinção de mérito de acordo com
performance competitivas na prestação de serviços públicos, seriam mais adequadas e
deveriam assumir o lugar dos processos de controle público governamental. Os dramas e
tramas que se manifestam na interação de órgãos fiscalizadores do P1MC com as
organizações na ponta operacional do programa e as próprias famílias dizem respeito mais à
dificuldade de avaliar os impactos e transformações gerados pela intervenção para além do
cumprimento de processos gerenciais eficientes de execução física e orçamentária do
programa. Assim, constroem-se processos de fiscalização que analisam aspectos menos
relevantes do programa, ao passo que as ações decisivas da iniciativa permanecem com
avaliações menos sistematizadas, precisas e capazes de analisar os resultados em
profundidade.
Além disso, apesar dos esforços dos atores das organizações de base atuantes na
iniciativa em discutir e publicizar o programa entre as comunidades e famílias atendidas e por
atender, os relatos de entrevistados, tanto na articulação global, quanto na articulação local do
P1MC denotam uma grande preocupação com os processos de controle e prestação de contas
aos parceiros governamentais e do mercado presentes nessa articulação tri-setorial. Nesse
ponto, parece se manifestar um fenômeno detectado por Najam (1996) no estudo de parcerias
em projetos sociais. Segundo o autor, a necessidade de desenvolvimento de processos de
processos de Accountability entre as organizações parceiras acaba por dragar energias e
esforços das partes, levando-se à construção de dinâmicas nas quais o controle social e as
interações de maior transparência com as comunidades ocupam espaço menos relevante.
Um dos elementos que surge da Parceria Tri-Setorial no P1MC e que passa a balizar
as relações entre atores da sociedade civil, órgãos públicos e organizações de mercado é a
preocupação com a avaliação e a transparência das atividades. Segundo relatos dos
158
articuladores globais entrevistados, o convívio e aproximação decorrente da necessidade de
desenvolver atividades em conjunto representou grande aprendizagem, descortinando gicas,
racionalidades e ethos, que antes se faziam nebulosos no que diz respeito à representação
social de cada ator em relação ao parceiro e vice-versa. Inicialmente, as demandas por
avaliação e prestação de contas eram vistas com desconfiança e como tentativas de
imposições e ingerências dos parceiros sobre o processo. No entanto, à medida que a
comunicação e o diálogo decorrente da própria necessidade de operar em parceria vão
avançando, preconceitos e visões esteriotipadas vão sendo desconstruídas entre as partes. O
relato dos articuladores globais entrevistados denota que as resistências se reduziram
dramaticamente à medida em que as atividades da parceria exigiram contato mais regular e a
interação entre atores. No entanto, ao contrário do que a literatura gerencialista de gestão de
projetos sociais pressupõe, os processos de aprendizagem e melhoria da comunicação entre
parceiros não se processa ao largo das relações de poder envolvidas na articulação. As
capacidades e condições dos atores em estabelecer suas posições e resistir às mudanças
demandas pelos outros parceiros também devem ser consideradas, sobretudo quando se
definem papéis claros de financiadores e financiados em Parcerias Tri-Setoriais.
Na experiência do P1MC, percebe-se que a ASA é demandada a operar com
transparência e prestar contas em duas frentes diferentes de relacionamento: com o MDS e
com a FEBRABAN. Pelos relatos coletados, a experiência em ter que sistematizar dados,
abastecer um banco de dados e prestar contas das atividades à FEBRABAN, auxiliou a
construir lógicas internas necessárias à operação adequada da AP1MC e das estruturas de
gestão do programa, que agora não poderiam mais operar dentro de parâmetros típicos de
movimentos sociais. O relato dos entrevistados representantes de organizações da sociedade
civil na articulação global indicam que essa aprendizagem e transformação não se deu de
maneira natural e sem conflitos dentro das organizações quem compõem a ASA, mas também
apontam que tais exigências, ao contrário de se constituírem em imposições auto-centradas
dos financiadores, são vistas hoje como necessárias, naturais e essenciais para a continuidade
do programa. Além disso, essa assimilação teria contribuído também para o relacionamento
com os órgãos públicos, visto que as exigências de avaliação e prestação de contas da
FEBRABAN introduziram a temática no âmbito das OSCs envolvidas no P1MC. Nesse
sentido, apesar dos elos entre os atores governamentais e de mercado serem bastante frágeis
nessa articulação colaborativa, conforme será melhor discutido mais a frente, as interações,
mesmo se dando em momentos diferentes e isolados, entre a AP1MC e cada um dos outros
159
parceiros, ou seja, não envolvendo os três atores simultaneamente, foram capazes de resultar
em ganhos compartilhados para o programa e a própria Parceria Tri-Setorial em si.
Segundo relato dos representantes da FEBRABAN na articulação global da parceria, a
avaliação do programa indicou a sua importância e impacto positivo para as famílias
atendidas. Além dos resultados positivos do programa para as comunidades, constatados pela
FEBRABAN, o relato de seus representantes indica também que a instituição aprendeu a lidar
com comunidades de realidades bastante diferentes daquelas nas quais as suas organizações
estavam acostumadas a operar pelos investimentos sociais que desenvolvem. Geralmente, os
essas iniciativas empresariais focalizam temas como infância e adolescência, educação e meio
ambiente, mas não exatamente na área do semi-árido brasileiro.
Conforme o relato dos entrevistados, a atuação através da APAEL, uma consultoria
especializada na gestão de projetos, foi relevante para facilitar o relacionamento da
FEBRABAN com a ASA, na medida em que trouxe para essa interação colaborativa suas
competências, evitando que a associação de bancos necessitasse desenvolver essas
capacidades internamente. Além disso, o fato da avaliação desenvolvida ter tido caráter
quantitativo e qualitativo, recorrendo a fontes secundárias de dados e fontes primários, ou
seja, envolvendo também a visita a campo, seria resultado do contato, negociação e
aprendizagem na interação com uma organização da sociedade civil.
A participação da FEBRABAN no programa Um Milhão de Cisternas se viabilizou
através da atuação de um empresário com importante atuação em movimentos de valorização
da ética nos negócios e da responsabilidade social empresarial no Brasil. O conhecimento
sobre a tecnologia das cisternas teria se dado no âmbito de suas relações familiares, quando
sua esposa assistiu um documentário sobre essa estratégia de coleta e armazenamento de
chuvas no semi-árido brasileiro, segundo relato de entrevistados. Na época, ocupando função
no governo federal, diretamente ligada á presidência da república, esse homem de negócios,
que também é Líder-Parceiro da AVINA, negociou junto à associação de bancos a sua
participação no programa, através do financiamento de 50.000 cisternas.
Como se pode perceber dessa narrativa, a presença da FEBRABAN no P1MC foi
decorrente, sobretudo, da habilidade social desse ator individual em estabelecer articulações
de colaboração dessa organização empresarial com a ASA. Esse tipo de articulação, se por um
lado tem o mérito de viabilizar parcerias em projetos sociais, incorreu posteriormente em
fragilidade dos vínculos nessa colaboração. Atualmente, a instituição bancária conta com uma
diretoria diferente daquela inicial que estabeleceu a parceria e, conforme relato colhido em
entrevista, não considera que a experiência do P1MC seja uma Parceria Tri-Setorial. Ao
160
contrário, a visão é a de que se trata de uma parceria específica com a ASA, ou seja, uma
articulação colaborativa bi-setorial. Foram negados quaisquer vínculos com o MDS, apesar do
relato de representantes governamentais na articulação global do programa considerarem que
existe um relacionamento de colaboração entre as partes, ainda que bastante tênue e
fragilizado nos últimos tempos. Para a FEBRABAN, a parceria com a ASA no P1MC
caracteriza-se pela dimensão one-by-one, sem maiores vínculos com o governo federal,
mesmo que ele esteja presente em outra parceria com essa OSC no mesmo programa.
Diferenças em relação à orientação na gestão de projetos sociais governamentais e à natureza
do relacionamento do Estado com populações de baixa renda ficaram bastante evidentes no
relato dos entrevistados ligados ao campo empresarial, reforçando o distanciamento entre
esses atores na Parceria Tri-Setorial analisada.
Esse episódio parece evidenciar que a articulação, que se deu originalmente na esfera
da atuação individual de um ator, dotado de habilidade social relevante para construir alianças
e colaborações, não tem conseguido avançar para interações mais sistematizadas e também
com maior capacidade de sustentação no longo-prazo. Tal fenômeno, recorrente em várias
outras parcerias em projetos sociais no país, sobretudo pela tradição de se firmar parcerias
com base no voluntarismo e viabilizadas pelo acesso pessoal a indivíduos em postos
decisórios, sejam nas organizações empresariais, governamentais e/ou da sociedade civil,
acaba por assegurar recursos financeiros em um determinado momento dos projetos, mas nem
sempre garante interações mais substantivas e capazes de fortalecer a parceria em momentos
futuros dessas relações.
Parece haver uma disputa pelo projeto ou mesmo uma confusão, pois ora é
apresentado como programa governamental, ora como iniciativa da sociedade civil (ASA) em
diferentes documentos e peças publicitárias. O alinhamento político ideológico entre o atual
governo federal e várias das organizações centrais dentro da ASA favoreceu a aproximação
entre as partes. Por outro lado, essa relação mais estreita fragiliza a sustentação da parceria,
visto que uma mudança na presidência da república pode resultar na paralisação do P1MC. A
sustentação do projeto desperta dúvidas, tanto pelo fato de não parecer caminhar para se
tornar uma política pública (ou de Estado) e continuar operando mais como uma política de
governo, quanto pelo baixa disposição demonstrada pela FEBRABAN em se envolver em
Parcerias Tri-Setoriais.
Se a articulação global da Parceria Tri-Setorial no P1MC apresenta essa realidade, a
visão dos atores locais em Feira de Santana e Serrinha sobre essas práticas colaborativas
releva que a temática de aproximação entre os três setores para o desenvolvimento de projetos
161
sociais não se constitui em ponto relevante na dinâmica social e política nessas localidades. Se
entre os articuladores globais diferenças ideológicas, resistências e temores se manifestaram
no início das relações colaborativas, sobretudo porque estavam se aliando atores que durante
vários momentos da histórica política brasileira se colocaram em relação de oposição (bancos
e organizações e movimentos sociais vinculados à trabalhadores rurais), no nível local a
referência à concretude e bom funcionamento do programa parece vir em primeiro plano,
conforme relato de entrevistados. Longe de se tratarem de entrevistados com menor
sensibilidade às questões valorativas das lutas sociais, o perfil dos componentes das OSCs
pesquisadas revela indivíduos com longa trajetória de mobilização social e envolvimento em
movimentos sociais. Embora as diferenças de visão e percepção da realidade social variem de
acordo, dentre outros fatores, com o papel e a posição dos indivíduos na estrutura da Parceria
Tri-Setorial, o ponto mais relevante dessa perspectiva de análise não reside nessa constatação.
Relevante se faz reconhecer que a temática da colaboração entre atores dos três setores não é
socialmente construída como uma questão fundamental e relevante em projetos sociais nas
localidades visitadas.
Quando indagados sobre a aproximação com o poder público municipal e com
empresários da região para fortalecer a ação do P1MC, os entrevistados relataram grande
distanciamento e isolamento em relação a esses grupos. Isso parece estar ligado às disputas
ideológicas e políticas entre movimentos de base comunitária e políticos tradicionais da
região, muitos deles apoiados por empresários. Além do mais, a visão dos representantes de
OSCs investigadas na região associa a ação empresarial na esfera social a práticas
assistencialistas e filantrópicas, com o sentido pejorativo que essa expressão carrega no
contexto brasileiro. Mas, mais importante do que essas diferenças e distanciamentos é
entender, para o propósito desse estudo, que no nível local as Parcerias Tri-Setoriais se
constituem em tema estranho e exógeno. Enquanto nas regiões economicamente mais
desenvolvidas do país, empresas e organizações da sociedade civil discutem cada vez mais
formas de interação, mesmo que determinado grupo de organizações veja com muito receio e
resistência essas práticas, nas localidades investigadas essa perspectiva parece não se
constituir em alternativa de ação e muito menos ainda em questão a ser problematizada no
contexto das OSCs locais.
Quando se associa a esse quadro informações coletadas junto às comunidades e
famílias atendidas pelo programa, se percebe também junto os atores investigados grande
desconhecimento da Parceria Tri-Setorial por detrás do P1MC. Mesmo que os relatos dos
dirigentes das OSCs locais envolvidas no programa reforcem o fato de que amplas
162
informações são repassadas aos beneficiários, inclusive destacando com placas afixadas no
terreno das famílias e nas próprias cisternas a origem de cada delas, nas quais se menciona
explicitamente a FEBRABAN e o governo federal em cada caso, os beneficiários
entrevistados alegaram que essas construções “vinham do Lula”. Essa percepção, associada ao
relato de que nada poderiam fazer caso o programa se extinguisse exemplifica um cenário
dramático e complexo no qual se desenrola as políticas públicas e os projetos sociais no país.
Modernizam-se estratégias de gerenciamento de projetos e desenho de políticas públicas, cujo
em dos exemplos podem ser as Parcerias Tri-Setoriais, mas perduram velhos dramas e tramas
da mobilização comunitária e da construção de relações mais democráticas e cidadãs no
espaço público.
Um dos episódios narrados pelos entrevistados que reforçou a idéia de mobilização
social das comunidades em torno do programa foi a reunião de milhares de pessoas em um
manifesto público pela renovação do convênio e continuidade do P1MC. Esse fato, antes de
denotar um conflito um conflito entre esses atores da parceria, o governo federal, deve ser
entendido como uma ação dentro de uma cadeia intrincada de jogos e posicionamentos de
poder dos atores. O Estado é marcado pela complexidade, na qual se manifestam disputas e
divergências entre órgãos e áreas internas. O apelo público pela continuidade do programa,
reforçando no imaginário a idéia de movimento social de base e articulado (e não
necessariamente de OSCs estruturadas atuando na provisão de políticas públicas), parece não
ter tido apenas efeito mobilizador junto as comunidades, mas também ter reforçado a posição
daqueles dentro do governo federal que defendiam a renovação do contrato de parceria a
despeito das resistências de grupos mais orientados pelo apego às normas formais de operação
do Estado. Assim, mesmo atuando como executores de serviços públicos no P1MC, as OSCs
vinculadas ao programa desempenham também papel político relevante, denotando que, antes
de serem papéis incongruentes e dualistas, como algumas discussões sobre Terceiro Setor
pressupõem, podem se constituir em dimensões complementares nas Parcerias Tri-Setoriais.
A mobilização de milhares de pessoas denota, por um lado, a capacidade de
mobilização social das OSCs vinculadas ao programa e o ativismo das comunidades, mas, por
outro lado, pode encobrir as dificuldades de mobilização continuada das comunidades e
indivíduos. O P1MC combina o acesso a bens públicos de primeiro vel, que geralmente
levam a um maior engajamento das comunidades e são passíveis de negociação, com a luta
por direitos. A conquista de benefícios ligados à construção de cisternas facilita o
engajamento das comunidades, pois traz resultados concretos e no curto-prazo. Mas, novos
163
problemas aparecem quando se pensa em avançar para além da provisão das cisternas, visto
que os ganhos imateriais geram menos mobilização e sensibilização.
Nesse ponto, a trajetória intrincada da cidadania no país se reproduz na realidade das
políticas e projetos sociais. A fórmula socialmente construída de associar as conquistas de
direitos a indivíduos generosos e benfeitores ocupando cargos públicos ou em posições
empresariais e em OSCs de destaque, não se refere somente a um período passado da
trajetória da cidadania no país, mas se desvela na sociabilidade contemporânea.
Além dessa realidade, os depoimentos coletados em campo reforçam a idéia de
segmentos expressivos das populações atendidas desenvolvem, não apenas com o P1MC, mas
também com outras políticas como o PRONAF, uma postura passiva quando recursos e
possibilidades efetivas de acessá-los não estão em jogo, associados a postura mais ativa, mas
muitas vezes inspiradas por desejos clientelistas, quando as conquistas concretas podem se
materializar. Mesmo as práticas da chamada Indústria da Seca parecem se adaptar à realidade
das cisternas, que surgiram para trazer autonomia das famílias em relação aos carros-pipa
fornecidos por políticos. Em algumas comunidades essa provisão se vale agora das cisternas
disponíveis. Daí a dificuldade constatada de construir fundos solidários e compreender o
papel das doações para esses recursos comunitários não como pagamento pelas cisternas, mas
sim como exercício da solidariedade entre os membros da comunidade não contemplados pelo
programa. Ainda assim, os fundos sobrevivem e determinadas parcelas das comunidades se
organizam nesses esquemas solidários, muitas das vezes tendo a frente as mesmas lideranças
sociais que se revezam à frente das OSCs e comissões do programa.
Diante desse quadro, a proposta de construção de uma nova convivência com o semi-
árido não se consolida, nem tampouco consegue estabelecer de forma consistente e ampla
novas formas de convivência na esfera pública, de forma a democratizá-la e torná-la mais
cidadã. Apesar disso, o programa não reduz sua significância e impacto, visto que leva até as
famílias serviços públicos concretos (as cisternas e o acesso adequado à água) para segmentos
da população que carecem de direitos materiais básicos. Ainda que o propósito dessa pesquisa
não seja avaliar os programas e projetos analisados, mas sim analisar as Parcerias Tri-
Setoriais, cabe destacar que foram encontrados em campo indícios consistentes de que
desdobramentos relevantes dessa intervenção sobre a melhoria de vida material das famílias.
164
6.2.2 O projeto Novas Alianças
Uma das transformações relevantes na gestão de políticas públicas brasileiras nos
últimos anos foi a constituição de conselhos municipais em diferentes áreas programáticas. A
criação dessas instâncias de discussão e, em muitos casos, deliberação sobre políticas públicas
insere-se nos processos de descentralização operados nas últimas décadas no país. Nas áreas
de meio ambiente, saúde, educação, assistência social e, mais recentemente, segurança
pública, têm sido formados conselhos em várias cidades brasileiras, muitas dos quais
induzidos pela descentralização de políticas públicas federais. A área da infância e
adolescência, na esteira da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
neste ano completou dezoito anos de existência, também tem observado a constituição de
vários conselhos no Brasil, com duas estruturas: o Conselho Municipal dos Direitos de
Infância e Adolescência (CMDCA) e o Conselho Tutelar. Enquanto o segundo tem papel de
suporte operacional às intervenções governamentais nas questões vinculadas à infância, o
primeiro volta-se à discussão de políticas públicas e à garantia de direitos. Essas inovações na
gestão pública procuram envolver a sociedade civil em esferas de diálogo e construção de
políticas públicas, através de conselhos que contam com representantes de diferentes órgãos
governamentais no nível municipal e de segmentos da sociedade civil, que atuam na área e se
interessam pelas questões temáticas do conselho.
O projeto Novas Alianças volta-se ao fortalecimento da atuação dos conselhos de
infância e adolescência, através de processos de capacitação de seus membros para o
monitoramento e incidência nos orçamentos públicos municipais e estaduais. Por incidência
em orçamentos, o projeto entende o desenvolvimento de ações de advocacy junto ao
legislativo, sobretudo municipal e estadual, para a votação de emendas orçamentárias que
garantam a implementação de políticas, programas e projetos públicos voltados à agenda de
infância e adolescência, através da alocação adequada de recursos. Além disso, a incidência
compreende também o monitoramento da execução orçamentária através da atuação dos
membros dos conselhos estadual e municipais de infância e adolescência. O projeto atua ainda
na construção de estratégias de comunicação e mobilização de atores sociais, de forma a
sensibilizá-los para o envolvimento na agenda de direitos de infância e adolescência.
A área de abrangência do projeto circunscreve-se a Minas Gerais, visto que a iniciativa
é um desdobramento de um programa anterior, o chamado Telemig Pró-Conselhos, cujo
alcance também se limitava a essa região devido, dentre outros fatores, à própria concentração
165
da atuação da empresa que o criou nesse estado brasileiro. Esses dois projetos tiveram sua
origem em uma organização empresarial, a extinta Telemig Celular, que foi incorporada por
um grupo de telefonia multinacional. As duas iniciativas, diferentemente da maioria das
intervenções sociais de atores do mercado no cenário brasileiro, distanciam-se da provisão de
serviços vinculados a bens públicos de primeiro nível. Conforme atestam vários estudos sobre
a responsabilidade social empresarial no país (FIRJAN, 2002; FIEMG, 2000; PELIANO,
2000), existe uma concentração na oferta de serviços no entorno geográfico das empresas e na
provisão complementar ao Estado através da oferta de serviços como creches, escolas e postos
de saúde, dentre outras ações promovidas pelas empresas. Tanto o projeto Pró-Conselhos,
quanto o Novas Alianças concentram-se na garantia de direitos e não operam necessariamente
em municípios que sofrem impactos diretos das atividades da empresa.
A proposta inicial do Programa Telemig Pró-Conselhos voltava-se ao estímulo à
formação de CMDCAs, visto que, apesar da legislação prever a sua criação nos municípios,
grande parte deles não chegavam a ser constituídos. Além do estímulo à sua criação, eram
oferecidos treinamentos para os conselheiros, envolvendo temas vinculados aos direitos da
infância e adolescência, bem como relativos a ferramentas de tomada de decisão, gestão e
trabalho em grupo. O desenho do projeto Novas Alianças parece estar associado, conforme
relato dos entrevistados, à constatação de que mais avanços precisariam acontecer na
dinâmica dos conselhos. A sua simples constituição e operação o necessariamente
resultavam na efetiva implementação de políticas e projetos discutidos e deliberados pelos
conselhos, sobretudo por dificuldades de inserção dessas iniciativas nos orçamentos públicos
municipais. Nesse sentido, caberia capacitar de forma mais consistente os conselheiros,
envolver o legislativo municipal e buscar suporte nas promotorias públicas para inserir
propostas nos orçamentos e monitorar sua execução efetiva pelas prefeituras. Essa tarefa,
diferentemente da formação mais genérica oferecida pelo programa Pró-Conselhos, exigiria
formação técnica avançada, desvendando tecnicalidades que, muitas vezes, se apresentam
como verdadeiros baús misteriosos para os conselheiros, sobretudo porque muitos deles não
apresentam formação e/ou vivência nas áreas jurídica e financeira, saberes centrais nesse tipo
de atuação dos conselhos.
Em 2006, o Instituto Telemig Celular, o Instituto de Estudos Socioeconômicos
(INESC), a Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, a
Comissão de Participação Popular, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente, ambas da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, os doze Fóruns Regionais
dos Direitos da Criança e do Adolescente em Minas Gerais e o Ministério Público de Minas
166
Gerais se articularam para a criação do projeto denominado Orçamento Público, Infância e
Adolescência uma relação prioritária. Essa articulação para a construção de uma Parceria
Tri-Setorial envolveu atores com estruturas formalizadas, tanto no âmbito do Estado, quanto
da sociedade civil, como também grupos e iniciativas com caráter não formalizado. Alguns
deles com maior atuação na dimensão técnica da elaboração de propostas de intervenção
social e outros na articulação política junto à sociedade e a outras instâncias do Estado. O
mesmo movimento de incidência nos orçamentos públicos municipais tem seu espelho nos
níveis estadual e federal, com frentes e movimentos, conjugando políticos, sociedade civil e
também empresas na luta pelo efetivo cumprimento do ECA, inclusive em termos de
execução orçamentária. Essas iniciativas podem ser entendidas como desdobramentos da
promulgação de uma nova constituição brasileira em 1998, comumente referenciada como a
Constituição Cidadã, na medida em que teria inserido de forma mais consistente e avançada a
temática de direitos sociais, em várias frentes de políticas públicas. Para alguns autores, a
promulgação dessa constituição:
não foi uma medida política ofertada à sociedade brasileira por alguns parlamentares
comprometidos com a redemocratização do país. A decisão de convocação da
Assembléia respondeu a um amplo movimento social, que recolheu experiências e
iniciativas por todo o Brasil, mobilizando entidades e pessoas as mais diversas.
(VERSIANI, 2008, p. 66)
A atenção à execução orçamentária pode ser entendida, ao longo dessa trajetória,
como desdobramento das lutas iniciadas com a introdução de temas de direitos na nova
constituição, na medida em que se constata que vários dos direitos assegurados pela lei magna
não se concretizaram através das políticas públicas.
O projeto construído em 2006 contava na época com um conselho de
acompanhamento da sua gestão, que envolvia diferentes OSCs integrantes dessa frente e
outras empresas interessadas na iniciativa, dentre elas a Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD), através de sua fundação. Essa articulação mostrou-se relevante na sustentação e
continuidade da iniciativa, visto que algum tempo após a incorporação da Telemig Celular
pelo grupo multinacional, essa empresa definiu outras frentes de atuação em responsabilidade
social, através da mudança de foco de ação do Instituto Telemig Celular. Dentre as
justificativas apresentadas, conforme relato dos entrevistados, a empresa preferiu concentrar
seus investimentos sociais em áreas mais vinculadas ao seu foco de negócio, articulá-las com
167
as linhas de atuação socioambiental do grupo multinacional que a incorporou e focalizar as
iniciativas na área cultural.
A atuação no apoio a causas sociais, diferentemente da provisão de serviços sociais
concretos, traz em si, conforme discutido anteriormente, grandes possibilidades e também
riscos de para o avanço da cidadania e das interações sociais na esfera pública. Dentre os
riscos ligados à dinâmica de gestão empresarial em projetos sociais, o investimento em ações
não conectadas diretamente ao impacto sobre os stakeholders e localidades mais próximas às
unidades operacionais das empresas pode ser visto, em contextos de reestruturação
organizacional, como ão secundária e desconectada dos negócios. Além do mais, o apelo
em se deixar comunidades e grupos desprovidos de serviços concretos pode ter mais impacto
simbólico na mobilização das cúpulas diretivas das empresas do que a interrupção de apoio a
lutas por direitos e o exercício da cidadania. Soma-se a isso o fato de que, para muitas
empresas no contexto brasileiro, iniciativas que exigem a interlocução com o poder público,
como propõem os projetos Pró-Conselhos e Novas Alianças, acabam por serem consideradas
como entradas arriscadas no mundo político-partidário, característica considerada indesejável
dentro do repertório de modernização da responsabilidade social empresarial em voga
atualmente. No entanto, o resultado disso pode ser a concentração dos investimentos
empresariais em iniciativas de complementaridade ou, até mesmo, substituição do Estado na
provisão de políticas sociais, levando a sérios problemas na construção da cidadania e dos
direitos sociais na esfera pública, conforme também já discutido anteriormente.
Segundo o relato dos entrevistados, nesse momento de crise do projeto, a Fundação
Vale se mostra interessada em dar continuidade à iniciativa. Além disso, vários segmentos da
sociedade civil e conselheiros, bem como políticos interessados nas questões de infância e
adolescência, se mobilizaram tentando garantir a continuidade desses projetos voltados aos
CMDCAs. Outro aspecto central nessa fase da história do projeto parece estar vinculado às
articulações existentes no âmbito da Fundação AVINA. Não apenas um antigo diretor do
Instituto Telemig Celular, bem como o seu sucessor são Líderes-Parceiros da AVINA e se
inserem em redes nas quais gravitam diferentes atores com informações, habilidades sociais
(FLIGSTEIN, 2007) e capacidades políticas relevantes. Diferentes OSCs se articulam para
somar competências e assegurar suportes recíprocos capazes de garantir a continuidade do
projeto Novas Alianças. Novamente, nesse caso, a inserção nas articulações da Fundação
AVINA parece ter se constituído um pano de fundo relevante, visto que as organizações
participantes têm à sua frente Líderes-Parceiros. Foram elas: Ágora, INESC, Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e Oficina de Imagens. O convívio prévio e as trocas
168
de saberes entre seus representantes e o acompanhamento das iniciativas de cada uma das
organizações serviram como pano de fundo social no qual novas articulações colaborativas
puderam ser estruturadas de forma a garantir a continuidade da iniciativa. O projeto passa
então a ser operacionalizado pela Oficina de Imagens, que inclusive incorporou profissionais
que se desligaram do Instituto Telemig Celular, cabendo às outras organizações da sociedade
civil envolvidas apoiar a construção de metodologias e fornecer instrutores para os processos
de capacitação. Nessa transição, a Fundação Vale assumiu o compromisso de financiar as
atividades, o que levou à saída do INESC por incompatibilidade ideológica. Essa OSC, que
apóia um movimento pela re-estatização da Vale, não se sentiu confortável desenvolvendo
uma atividade em parceria com a empresa. Esse impasse é superado com a saída do INESC de
um dos técnicos que atuavam no projeto e que constituiu o Instituto Caliandra, através do qual
continua a dar suporte ao projeto, exercendo o papel de instrutor nos treinamentos.
A formação dos conselheiros é realizada em municípios que compõem o chamado
grupo de referência, atendendo cidades da sua região de influência. A capacitação visa
possibilitar aos conselheiros, gestores públicos e vereadores participantes atuarem como
mobilizadores e articuladores para a defesa de direitos da infância e adolescência em suas
próprias comunidades. Os participantes dos cursos são indicados pelo Fórum Regional, a
partir de critérios como ser conselheiro (não necessariamente da área de infância e
adolescência), possuir vinculação com o conselho, sobretudo por atuar em órgãos públicos
que se relacionam com essa instância e exercer mandato de vereador ou trabalhar na
assessoria legislativa.
O projeto atinge atualmente quarenta e sete cidades mineiras, escolhidas a partir dos
seguintes critérios: sediar ou participar do Fórum Regional da Criança e do Adolescente;
possuir mais de 100.000 habitantes; e/ou abrigar unidades da Companhia Vale do Rio Doce.
Esse último critério foi incorporado com a entrada da empresa na parceria no papel de
financiadora da iniciativa. Na visão dos atores vinculados às OSCs integrantes da Parceria
Tri-Setorial, essa demanda não trouxe maiores problemas para o desenvolvimento do projeto
Novas Alianças, visto que todas as cidades deveriam contar com CMDCAs atuantes e capazes
de operacionalizar com consistência a incidência e controle sobre os orçamentos públicos
destinados à agenda de infância e adolescência.
Já, na percepção de alguns dos atores entrevistados na realidade local estudada, em
Governador Valadares, a inclusão de cidades que não se constituem em pólos regionais acaba
por trazer alguns problemas de operacionalização dos projetos, sobretudo porque alguns dos
participantes dos treinamentos nesses locais nem sempre apresentam o perfil desejável em
169
termos de comprometimento e pró-atividade com a atuação do CMDCA. Alguns dos atores
locais entrevistados afirmaram também que estratégias para superação dessas adversidades
são desenvolvidas pelos participantes mais antigos dos treinamentos. Uma delas consiste na
participação de conselheiros, mais engajados e já capacitados nas oficinas de treinamento
desenvolvidas anteriormente, nos treinamentos oferecidos para públicos das cidades que não
se constituem pólo dos Fóruns Regionais. Com isso, haveria um grupo capaz de influenciar
novos conselheiros participantes, sobretudo os provenientes de municípios de pequeno porte
nas quais a Vale atua, que muitas das vezes não provêem de uma dinâmica local marcada por
envolvimento e participação mais ativa no CMDCA.
Outros fatores também são mencionados para justificar essa participação continuada,
ainda que recebendo o mesmo treinamento ocorrido, em novas turmas de capacitação do
projeto. Os problemas ligados à aprendizagem efetiva dos conteúdos, sobretudo aqueles mais
ligados às tecnicalidades orçamentárias e jurídicas, se fazem presentes. A participação no
mesmo treinamento serviria para consolidar alguns tópicos da capacitação nos quais os
conselheiros encontram mais dificuldade, bem como servem como oportunidade para manter
um contato frente a frente, e não apenas mediado pelo suporte da educação à distância, entre
instrutor e público em capacitação. A perspectiva também de evitar um esvaziamento dos
cursos, que poderia ter implicações para sua avaliação e continuidade, leva também alguns
conselheiros a participarem várias vezes do mesmo processo de capacitação.
O projeto Novas Alianças, portanto, articula duas frentes de trabalho ou dois papéis
básicos entre os atores envolvidos nessa articulação colaborativa: uma mais voltada ao campo
da ação política, com marcada presença de coletivos e grupos próximos às características de
movimentos sociais; e outra baseada no saber técnico de organizações da sociedade civil mais
estruturadas e especializadas tanto na temática de infância e adolescência, quanto nos
procedimentos para a construção de processos de controle social sobre políticas públicas e
incidência em orçamentos públicos.
De acordo com dados secundários consultados, dentre eles alguns relatórios de
avaliação do projeto, algumas das realizações da iniciativa estão ligadas à criação de frentes
parlamentares de defesa dos direitos da criança e do adolescente em várias cidades de Minas
Gerais, tais como Governador Valadares, Ouro Preto, Divinópolis e a região metropolitana do
chamado Vale do Aço. São cidades de médio porte com influencia econômica, política e
cultural relevantes, constituindo-se em pólos regionais.
Além dessas realizações, outros dados obtidos junto à OSC que coordena o projeto,
indicam que das 516 emendas foram apresentadas ao Plano Plurianual de Ação
170
Governamental (PPAG) do Estado de Minas Gerais para o período de 2008-2011, 186 delas
referindo-se diretamente aos direitos da criança e do adolescente. Isso resultou em uma
ampliação da dotação orçamentária para essa agenda de política social da ordem de
aproximadamente cinco vezes em relação à programação anterior. As organizações que
participam do projeto Novas Alianças teriam sido responsáveis pela apresentação de 45
dessas novas emendas encaminhadas à câmara legislativa estdual.
A cidade de Governador Valadares foi indicada pelos coordenadores do projeto como
uma das experiências mais bem sucedidas do projeto. Segundo relatórios analisados, o
CMDCA desse município conseguiu em 2007 uma ampliação do volume de recursos
destinados às políticas de infância e adolescência, com o apoio do prefeito da cidade, que
doou parte de seu imposto devido ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (FMDCA), bem como ajudou na mobilização de outros grupos sociais para
também realizarem tal destinação. No entanto, segundo relato dos entrevistados, um dos
elementos que leva à uma avaliação positiva da experiência nessa realidade local é o grande
ativismo e envolvimento dos conselheiros com as atividades do projeto. Fruto disso seriam,
no ano de 2007, a criação de uma comissão orçamentária dentro do CMDCA de Governador
Valadares, o estabelecimento de uma parceria com uma universidade para a elaboração de um
diagnóstico da realidade da infância e adolescência no município, a busca do envolvimento e
capacitação de contadores da cidade na mobilização de doadores para o FMDCA e, sobretudo,
o envio por parte da promotoria local de um termo de ajustamento de conduta para a
prefeitura com relação às condições de operação do Conselho Tutelar nessa cidade. A
participação ativa da promotoria no Conselho Municipal de Direitos da Infância e
Adolescência é considerada pelos atores entrevistados, tanto no nível da articulação global,
quanto na articulação local do projeto, como um dos fatores chave para as realizações do
projeto em Governador Valadares e um exemplo de postura a ser seguida pelo judiciário
brasileiro quanto à agenda de direitos de infância e adolescência.
A figura abaixo faz uma representação das interações entre atores em torno do projeto
Novas Alianças, tanto no âmbito de sua articulação global, quanto na realidade local
pesquisada.
171
Esquema 9 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Projeto Novas Alianças
Fonte: Elaboração própria a partir de JANOSKI, 1998, p. 14.
Notas: As setas indicam os relacionamentos principais, no entanto, outras interações entre os
atores também se manifestam;
Frente Mineira equivale a Frente Mineira de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente;
CPP equivale a Comissão de Participação Popular da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais;
Frente equivale a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da
Assembléia Legislativa de Minas Gerais;
Fóruns equivalem a Fóruns Regionais dos Direitos da Criança e do Adolescente em Minas
Gerais
MP equivale a Ministério Público de Minas Gerais.
= Interações anteriores;
= Interações atuais.
ESFERA ESTATAL
Prefeitura
ESFERA DO
MERCADO
CVRD
Instituto Telemig Celular
Fundação Vale
ESFERA
PRIVADA
ESFERA
PÚBLICA
Oficina de
Imagens
AVINA
CMDCA
Conselheiros
Telemig Celular
Ágora
INESC
Caliandra
Promotoria
Câmara Municipal
Frente Mineira
Outras OSCs
ANDI
CPP
Frente Parlamentar
Fóruns
M P
172
A Fundação Vale, segundo relato dos entrevistados, participava das reuniões do
conselho gestor do projeto Novas Alianças não apenas pelo fato de destinar recursos ao
chamado Fundo de Infância e Adolescência (FIA) e desenvolver outros projetos ligados à essa
agenda de políticas sociais, mas também pela necessidade e oportunidade de aprendizagem de
novas estratégias de responsabilidade social.
A trajetória histórica dessa empresa no país, que atua no setor extrativo mineral, esteve
associada a impactos diretos nas comunidades nas quais suas unidades produtivas operam. As
interações com os stakeholders comunitários, muitas das vezes em contextos marcados por
conflitos com as localidades, historicamente caracterizaram-se pela provisão de serviços
sociais no entorno geográfico das unidades de operação da empresa. Segundo relatos de
entrevistados, as interações com o poder público municipal eram, em muitos dos casos,
mediadas por demandas clientelistas das prefeituras, em embates com a empresa permeados
pelo simbolismo da disputa entre defensores da comunidade, no caso os prefeitos, e de outro
lado, os vilões da comunidade, papel associado à Vale. Mesmo nos cenários em que tais
disputas não se manifestavam, os investimentos em serviços públicos concretos eram a tônica
da responsabilidade social desenvolvida pela empresa, que muitas vezes provia esses
benefícios ao largo do poder público ou em contexto de descaso pelas políticas públicas e má
gestão do orçamento por parte do executivo municipal, reforçando-se o discurso de
distanciamento entre o campo da política e dos negócios na dinâmica dos jogos de poder entre
atores locais e empresariais. Ainda assim, interações políticas entre a empresa e governos
locais se processavam, sem contudo serem explicitadas na maioria das vezes e articuladas às
políticas sociais em operação nos municípios.
Segundo relato de entrevistados, nos últimos anos a empresa tem procurado modificar
suas estratégias de gestão dos investimentos socioambientais. Um exemplo disso, seria a
contratação para o comando da Fundação Vale de um ex-prefeito, fato inédito, que se
constituiria em uma das provas da mudança de orientação das suas ações em programas e
projetos sociais. A presença de uma figura com experiência na política nas quadros da
Fundação Vale representaria o desejo de interagir com maior propriedade na esfera política,
procurando-se, no entanto, evitar uma ação com conotação partidária, de forma a estabelecer
diálogos produtivos para a sustentabilidade dos territórios. Pelos depoimentos coletados, a
empresa tem procurado focalizar agora seus esforços na abordagem integral dos territórios em
que atua, de forma a estabelecer um planejamento de longo-prazo dos seus impactos e de sua
contribuição para o desenvolvimento sustentável dessas áreas. Nesse sentido, a participação
no conselho gestor do Novas Alianças, ainda no período em que era implementado pelo
173
Instituto Telemig Celular, permitia a aprendizagem de abordagens consideras relevantes para
as novas estratégias da Fundação Vale, sobretudo vinculadas à mobilização comunitária,
participação popular na gestão pública, construção de políticas sociais e monitoramento das
ações das prefeituras.
Dentro dessas iniciativas, a organização tem procurado mobilizar e articular prefeitos
de várias cidades de forma a apresentar-lhes o mapeamento das realidades de seus territórios,
através de análises elaboradas por técnicos da empresa e/ou por profissionais contratados para
tal. Essa perspectiva de reordenação das estratégias de responsabilidade social da Vale indica
um caminhar em direção à esfera pública e o desejo de atuar menos na provisão de bens
públicos concretos e mais na construção de processos de longo-prazo ligados a metas de
cidadania mais ampla.
No entanto, essas iniciativas carregam também armadilhas e dilemas para a própria
cidadania. Um deles reside no fatode que executivo e legislativo municipais são instâncias
eleitas através de processos democráticos para o exercício de seus papéis. Sendo assim,
trazem consigo, em maior ou menor medida, aspirações e projetos para seus territórios que
são resultado do apoio dos eleitores a seu projeto político. Caso o diálogo com a empresa
resulte em uma captura dessa dimensão, ligada aos projetos e utopias políticos legitimamente
referendados pelas eleições, por abordagens técnicas que prevêem e traçam o futuro dos
municípios, pode-se não caminhar para um fortalecimento democrático da esfera pública.
Nas entrevistas realizadas, essa preocupação aparece entre outros integrantes da
Parceria Tri-Setorial originários das OSCs, que enxergam como um dos desafios futuros da
iniciativa a articulação entre propostas técnicas e as aspirações das comunidades, reforçando a
própria natureza do papel dos conselhos nas políticas públicas. O discurso da empresa, em
muitos momentos, é perpassado pelo ensinar aos prefeitos e comunidades os desafios que
enfrentam e encontrarão no futuro. Isso não necessariamente resulta de um desejo deliberado
dos atores empresariais em serem hegemônicos em processos que exigem, pela sua natureza
democrática e proposta de fortalecimento da esfera pública, serem mais horizontalizados. A
organização empresarial, na sua condição de grande corporação, constituída por técnicos com
alta especialização, acaba incorrendo nessa perspectiva, que também perpassa os dramas e
tramas de técnicos do serviço público quando interagem com as comunidades. No entanto,
cabe lembrar que a própria idéia de sustentabilidade de territórios implica na construção de
alternativas de desenvolvimento endógenas às próprias comunidades, conforme defende
Morin (2000).
174
Por outro lado, tomando-se por base inclusive os dados coletados em campo, percebe-
se que a empresa ainda está dando os primeiros passos em direção às essas novas estratégias
de responsabilidade social, até mesmo porque não pretende cortar investimentos em outras
ações e projetos que vem realizando. A mudança organizacional, ao contrário do que parte
da literatura gerencial prega e propala, não se dá por caminhos lineares, perdurando na
inovação traços de práticas antigas. Além do mais, o relacionamento das empresas com
comunidades ou com seus stakeholders locais ainda se constitui em um tema pouco explorado
e discutido nos processos de formação de gestores, muitos deles marcados por uma visão
linear e utilitarista dessas interações. Essa aprendizagem e práxis em bases mais consistentes
e democráticas parece ainda estar por se fazer no caso brasileiro. Interferem também nesse
processo resquícios da trajetória histórica das relações de trabalho e de empresas com
comunidades, marcadas no período da ditadura por interações muito cômodas para ambas as
partes em muitos casos, nos quais paternalisticamente se atende a demandas, ao mesmo tempo
em que clientelisticamente se refreiam reivindicações para dimensões menos conflituosas.
Nesse sentido, a rearticulação das estratégias definidas na estrutura central da empresa,
ou melhor, na área que concentra suas ações sociais, a Fundação Vale, não necessariamente
pode ter o rebatimento esperado nas unidades operacionais descentralizadas. Na experiência
analisada em campo, a interação das áreas encarregadas de investimentos comunitários da
empresa, que dão inclusive suporte a projetos locais de infância e adolescência, é nima,
para não dizer inexistente, com o CMDCA de Governador Valadares. Além disso, na cidade,
uma obra pública de relativa importância havia acabado de ser construída com apoio da Vale,
mas no entanto, pelas informações obtidas através de interações com atores locais, os méritos
e créditos da iniciativa recaíram sobre a prefeitura, sob a qual pairava uma imagem
socialmente construída de tenacidade, força e arrojo em conseguir extrair da empresa esse
investimento.
Com o aprofundamento das interações entre as organizações que compõem a Parceria
Tri-Setorial no projeto Novas Alianças, a Fundação Vale tem caminhado de uma perspectiva
de financiadora das atividades em direção a papéis que implicam na construção mais
articulada das iniciativas empreendidas. Uma das demandas colocadas pela empresa diz
respeito a atender cidades nas quais tem atuação e impacto, alterando a proposta original de
focalizar os cursos e treinamentos do projeto em cidades pólo. Essa demanda não foi
considerada pelos outros atores da parceria como ação que traria maiores problemas para o
desenvolvimento do projeto, sob alegação de que a perspectiva é atender a todos os
municípios. Se essa mudança foi negociada com tranqüilidade dentro da Parceria Tri-Setorial,
175
por outro lado, a demanda de avaliação mais sistematizada tem implicado em negociações e
discussões nas quais se destacam de um lado, uma racionalidade fundada mais na perspectiva
qualitativa e de longo-prazo, e outra assentada em parâmetros mais pragmáticos de avaliação.
Essas duas gicas, representadas pelo encontro entre dimensões de ação típicas das OSCs, na
primeira referência, e das empresas, na segunda perspectiva, são um dos fenômenos que se
manifestam quando as Parcerias Tri-Setoriais avançam para interações mais articuladas e
complexas.
Os atores envolvidos pela articulação global da parceria, sobretudo aqueles vinculados
às OSCs que estruturaram a metodologia de ação do projeto, reconhecem que mudanças em
sua operação podem ser realizadas, de forma a dotá-lo de melhor performance. De acordo
com as entrevistas realizadas, avanços devem ser realizados no suporte pós-curso aos
conselheiros treinados, na utilização das ferramentas virtuais de contato entre instrutores e
conselheiros, nas próprias estratégias de ensino-aprendizagem e no estímulo à aplicação
efetiva e rotineira dos conhecimentos adquiridos, visando a apropriação mais consistente
desses saberes pelos conselheiros. Além disso, um problema recorrente, que muitas vezes
foge ao controle dos executores do projeto, parece estar relacionado ao perfil dos
participantes. Nem sempre os CMDCAs enviam para os cursos conselheiros interessados,
disponíveis e capazes de se dedicar ao controle orçamentário. Isso se manifesta também
porque a própria constituição e operação dos conselhos no país enfrenta desafios em sua
consolidação.
A sobrecarga de tarefas para determinados indivíduos mais ativos e comprometidos
com as tarefas do conselho, a participação auto-interessada de comunidades e OSCs nas
discussões dos conselhos, sobretudo em momentos de definição da alocação de verbas em
políticas públicas, e a dificuldade em atuar em instâncias que exigem maior familiaridade com
saberes jurídicos e financeiros, dentre outros fatores, acabam por constituir um pano de fundo
contra o qual o projeto Novas Alianças se coloca.
Além do mais, outra realidade observada em campo diz respeito a um certo
deslumbramento que o poder derivado na capacidade de incidência nos orçamentos pode
trazer. Se antes as tecnicalidades orçamentárias se constituíam em caixa preta para os
conselheiros, o seu desvelar pode gerar uma sedução pela técnica, relativizando a dimensão
política dos conselhos em discutir e deliberar sobre políticas e projetos para suas localidades
para além dos limites das técnicas de bom planejamento. No entanto, uma síntese virtuosa
entre essas duas dimensões é possível de ser construída pelos conselheiros, ainda que exija
para isso não apenas voluntarismo, capacidade técnica e disponibilidade, mas também
176
sensibilidade para a dimensão política do papel dos conselhos na construção de uma esfera
pública mais plural e democrática. Pelo relato dos entrevistados, preocupações dos
articuladores globais do projeto em se avançar também na formação política dos conselheiros,
e não apenas técnica em termos orçamentários, de forma a melhor potencializar o uso dessas
capacidades técnicas na construção de propostas de políticas de infância e adolescência mais
consistentes.
Na experiência analisada em campo, grandes avanços foram verificados em termos de
incidência no orçamento público municipal voltado à infância e adolescência. Conforme o
relato dos entrevistados, isso se deve tanto à capacitação fornecida pelo projeto Novas
Alianças, quanto ao comprometimento da promotoria local com a ação desse CMDCA. Em
dois momentos de coleta de dados em campo, a equipe de pesquisa teve a oportunidade de
presenciar uma reunião prévia de conselheiros e participar de uma audiência pública na
câmara legislativa municipal para cobrança da precisa execução orçamentária por parte da
prefeitura quanto às políticas de infância e adolescência. Nesses dois episódios ficou
evidenciado que o voluntarismo dos conselheiros é fator determinante para que a incidência e
o monitoramento do orçamento aconteçam, sobretudo em se tratando da promotoria de
infância e adolescência.
Apesar de ser um direito de qualquer cidadão acessar dados sobre o orçamento das
cidades, a efetiva disponibilização dessas informações opera por trâmites não lineares, nos
quais contatos pessoais e a boa vontade de determinados funcionários públicos se faz
decisiva. Tal realidade se manifesta do caso analisado em campo. As discussões sobre a
alocação de recursos para políticas de infância e adolescência realizadas pelos atores locais,
muitas das vezes, se deparavam com a necessidade de cortes em outras áreas temáticas e
programáticas do investimento público municipal. Nesses momentos, ficou evidenciada a
dificuldade desses conselheiros em entenderem a que se destinavam determinadas ações
programadas no orçamento, resultando em cortes em outras áreas de investimento, sem que,
naquele momento, houvesse informações suficientes para se avaliar se as realocações seriam
consistentes.
Um dos avanços do projeto Novas Alianças poderia se dar em sua ampliação para
vários conselhos e áreas temáticas, de modo a fortalecer o diálogo democrático e mais
horizontal não só dentro dos CMDCAs, mas também dentro de vários outros conselhos
municipais e entre essas instâncias de participação popular na provisão de políticas públicas.
Isso implicaria também no desenvolvimento de concepções e abordagens interdisciplinares e
177
intersetoriais, no sentido atribuído a eles pela análise da gestão de políticas públicas, com
importantes rebatidos sobre a ampliação democrática da esfera pública nessas localidades.
Na audiência pública realizada na câmara municipal também se pode perceber que
práticas inovadoras de exercício da participação popular nas políticas públicas convivem com
posturas e ações tradicionais, marcadas pelo populismo, assistencialismo e clientelismo. A
adesão dos vereadores à temática de infância e adolescência, um dos pontos relevantes para
avanço dessas políticas, pois cabe principalemnte a eles o encaminhamento de propostas de
emendas orçamentárias, se de forma não linear. Além disso, demandas clientelistas de
OSCs também apareceram nesse momento. Assim, os avanços advindos pela capacitação do
projeto Novas Alianças convivem com formas tradicionais e espúrias de construção de
políticas e projetos sociais.
O CMDCA da experiência analisada em campo apresenta forte atrito com o executivo
municipal, enfrentando jogos de poder nos quais indivíduos representantes de algumas OSCs
acabam por representar mais aos interesses da prefeitura do que da própria sociedade civil. O
embate entre grupos que buscam a modernização, sobretudo pela via da execução efetiva do
orçamento municipal, e grupos conservadores que pretendem mitigar essa ação são evidentes
dentro desse conselho. Nesse cenário, a figura da promotoria tem papel central em inclinar o
pêndulo de poder do conselho para o lado das forças modernizadoras. No entanto, caso não
haja essa sensibilização da promotoria, o pêndulo pode tender para a outra ponta. A
constatação da importância dessa figura e instância legal é compartilhada entre os
articuladores globais do Novas Alianças, que iniciaram diálogos com associações de
magistrados e promotores para tentar sensibilizar, de forma mais ampla, esses profissionais
sobre sua importância na fiscalização orçamentária em infância e adolescência.
Em um país marcado pelo acesso desigual ao espaço público, pela valorização
simbólica do título, do formalismo nas relações públicas e pela submissão ao poder
concentrado, cuja síntese é manifestada comumente pela expressão República dos Bacharéis,
a relevância da promotoria nos embates de poder dos conselhos é compreensível. No entanto,
isso denota também que avanços significativos precisam acontecer na operação dos
conselhos, de forma a se superar os desníveis entre detentores do poder de repressão jurídica e
cidadãos comuns.
Na experiência analisada em campo, pode-se perceber que o maior poder de controle
orçamentário do conselho é entendido como redução do poder da secretaria municipal de
assistência social, reproduzindo jogos de soma zero, nos quais o conflito e o ressentimento se
fazem presentes. Assim, enquanto no nível da articulação global dessa Parceria Tri-Setorial os
178
atores cada vez mais caminham para a construção de espaços de diálogo, negociação e
consenso, no âmbito local os conflitos em sociedade civil, seus representantes no CMDCA e
órgãos públicos municipais se intensifica. Novamente, não se trata de um efeito residual ou
indesejável do projeto Novas Alianças em si, mas sim do próprio tecido social que se
apresenta por detrás da emergência dos conselhos no país.
A constituição de conselhos muitas vezes é entendida pelo poder público municipal
como um espaço de disputa de poder, sendo portanto, objeto de tentativas de prefeiturização,
conforme já discutido anteriormente. Ainda que o consenso total e amplo nos conselhos possa
representar uma verdadeira sonolência democrática, perversa para a construção de esferas
públicas plurais, o conflito continuado e extremado também pode resultar no que se poderia
denominar de paralisação democrática, com efeitos nefastos para as próprias políticas
públicas que se pretendem garantir a execução orçamentária. Isso se daria sobretudo porque
não basta apenas garantir sua inserção e efetiva realizada através do orçamento, mas é
também preciso assegurar compromissos mínimos da máquina pública em operar com
dedicação as iniciativas que foram definidas pelo orçamento. Os embates em Governador
Valadares parecem estar vinculados também a disputas partidárias, que podem fazer dos
conselhos um espaço de construção mais plural e democrática das políticas públicas, como
também de extremo conflito de grupos em disputa política. Esse quadro parece reformar a
importância da formação técnica ser acompanhada de uma maior problematização do papel
político do conselho na construção de políticas públicas, que sejam capazes de fazer avançar a
cidadania e fortalecer uma esfera pública mais democrática.
De forma semelhante à observada na pesquisa em campo do P1MC, no projeto Novas
Alianças os atores locais demonstram estar pouco cientes e voltados à perspectiva das
Parcerias Tri-Setoriais. Em algumas entrevistas, resistências e visões críticas ao papel social
das empresas foram encontradas, ainda que muitas vezes aparecendo simultaneamente com
uma posição mais pragmática quanto ao financiamento empresarial da iniciativa. Essa posição
mais pragmática muitas vezes se faz acompanhada de um certo desinteresse ou mesmo de um
espírito de resignação, na qual se releva uma sensação de que pouco ou nada que está ao
alcance da ação desses atores locais poderia ser feito para modificar esse quadro. A
compreensão dos atores locais pesquisados com relação as discussões sobre as parcerias
estabelecidas e a transição do financiamento de uma empresa para outra pareceu ser muito
reduzido, ainda que tanto articuladores globais, quanto atores locais tenham afirmado que essa
transição foi informada nas reuniões de avaliação e planejamento do projeto envolvendo esses
atores.
179
Muitos afirmaram desconhecer, desde o início, a presença de empresas no projeto e
outros, relataram que apenas foram comunicados sobre a presença da Fundação Vale na
iniciativa. No entanto, mais importante do que entender o envolvimento desses atores locais
nas decisões de articulação global do projeto parece ser a compreensão de como a temática
das Parcerias Tri-Setoriais é socialmente construída no âmbito local. Uma das referências a
isso se deu na secretaria municipal de assistência social. Ao contrário de apresentar uma visão
positiva sobre a busca de Parcerias Tri-Setoriais, como acontece no discurso dos articuladores
globais dessas parcerias, a visão é a de que as empresas em geral desenvolvem uma postura
defensiva no relacionamento com a prefeitura quanto a seus passivos sociais e ambientais, ao
mesmo tempo em que se colocam de forma arrogante na cobrança de políticas sociais que
favoreçam suas atividades e trabalhadores. Assim como no P1MC, essa agenda e perspectiva
de articulação colaborativa tri-setorial passa ao largo das preocupações e das iniciativas dos
atores locais.
Na dinâmica de articulação global do Novas Alianças se percebe avanços e
aprendizagens mútuas, denotando a capacidade dessa Parceria Tri-Setorial enfrentar
momentos de turbulência, tanto em termos de ruptura de financiamento, quanto de
divergências ideológicas, o que permitiu se encontrar novas alternativas de sustentação
através da habilidade social de seus atores e na busca de novos envolvimentos na articulação
colaborativa. Já na dinâmica local, o projeto fundamenta-se no voluntarismo e no
envolvimento dos conselheiros, fato que traz riscos a sua sustentação. Essa realidade, ao
contrário de se constituir em uma característica intrínseca ao projeto, parece estar mais
relacionada à própria construção de uma esfera pública mais democrática e cidadã no país, na
qual os conselhos aparecem como uma grande inovação, mas carregam também as próprias
ameaças à essa transformação.
6.2.3 O Programa Além das Letras
O cenário da educação brasileira nos últimos anos é marcado pela universalização do
acesso à educação, sobretudo em seus níveis iniciais de escolarização. Paralelamente a esse
avanço no alcance das políticas educacionais, observa-se cada vez mais, tanto nos debates
acadêmicos, quanto nas discussões entre gestores da educação, uma crescente preocupação
com a qualidade do ensino. Nessa realidade, destacam-se as interpretações e discursos que
180
associam, dentre outros fatores, a baixa aprendizagem à precária qualificação docente,
sobretudo nos níveis básicos e médios de educação.
Paralelamente a esses debates, multiplicam-se iniciativas de sistematização de
indicadores para monitoramento e avaliação de políticas públicas nessa área programática,
levadas a cabo nos últimos anos, sobretudo pelo governo federal, através de instrumentos
como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), Prova Brasil e, mais recentemente, o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB). No âmbito das políticas públicas de educação do governo federal,
esses instrumentos de avaliação serviriam de referência para a alocação de recursos
disponibilizados através de mecanismos como o Fundo Nacional de Educação Básica
(FUNDEB). Nesse sentido, percebe-se a tentativa de formulação de políticas de educação a
partir de questões de mérito, ainda que condicionalidades de equidade também estejam
presentes no desenho dessas intervenções.
Essas discussões parecem ser permeadas pela constatação de que a melhoria no acesso
à educação não seria per si condição suficiente para a promoção da inclusão e equidade
sociais. Os avanços nessa dimensão são considerados, nas discussões construídas por
diferentes atores da sociedade brasileira, sejam eles da sociedade civil, do Estado ou da esfera
do mercado, como um passo essencial para avanço do país, sobretudo em termos de seus
desdobramentos positivos sobre o exercício da cidadania e a capacidade competitiva da
economia nacional.
As preocupações com a educação não mobilizam, no cenário brasileiro, apenas os
atores responsáveis pelas políticas públicas e OSCs, mas detém também forte apelo junto ao
público empresarial, constituindo-se em uma das áreas prioritárias do investimento social das
corporações no país, sobretudo na oferta de bens públicos de primeiro nível, localizados no
entorno geográfico das unidades das empresas, conforme indicam pesquisas como a de
Peliano (2000), FIEMG (2000) e FIRJAN (2002).
Essa realidade se apresenta como um pano de fundo das relações sociais que levam à
construção de Parcerias Tri-Setoriais visando a intervenção sobre os problemas educacionais
no cenário brasileiro. A agenda de educação apresenta grande atratividade junto aos atores do
mercado, do Estado e da sociedade civil, sobretudo quando contempla intervenções junto ao
público infantil, uma das grandes prioridades do investimento social empresarial brasileiro.
Percebe-se que o discurso socialmente construído por diferentes atores da realidade
brasileira é, muitas das vezes, perpassado pela constatação da queda significativa da qualidade
do ensino e por um certo saudosismo da antiga escola na qual se estudou. Para uma das
181
articuladoras globais do programa Além das Letras que foi entrevistada, esse tipo de
percepção da realidade encobre um dos grandes desafios da educação pública brasileira das
últimas décadas, a incorporação de parcela expressiva da população em vulnerabilidade
social, que anteriormente não tinha acesso às escolas. Assim, pensar a educação com bases
nessa realidade passada seria idealizar um contexto que se alterou significativamente e
exigiria dos gestores da educação e dos educadores novas ações e posturas capazes de lidar
com essa realidade de exclusão, agora dentro dos muros das escolas.
O programa Além das Letras busca atuar junto aos problemas de ensino-aprendizagem
relacionados à produção de textos no ensino fundamental em escolas públicas brasileiras,
atingindo crianças que, geralmente, encontram-se na faixa etária de 6 a 8 anos de idade, ainda
que seja comum se encontar alunos em idade mais avançada nessas séries iniciais do ensino
público brasileiro. Iniciada em 2004, a iniciativa estabelece como objetivos centrais o
domínio da leitura por parte de crianças de baixa renda, de forma que avancem nas
habilidades de interpretação e atribuição de sentidos à leitura e comunicação textual e oral que
constroem. Para tanto, segundo dados secundários coletados, o programa procura reconhecer
e estimular ações desenvolvidas por educadores inseridos na rede pública de educação dos
municípios brasileiros e oferecer suporte continuado para produção e compartilhamento de
conhecimento pedagógico sobre a produção de textos, a partir de encontros presenciais e
interações virtuais entre técnicos do Instituto Avisa e das secretarias municipais de
educação. (PORTAL ALÉM DAS LETRAS, 2008)
Essa Parceria Tri-Setorial é fruto da articulação de organizações da sociedade civil, os
institutos Avisa e Razão Social, com atores de mercado, o Grupo Gerdau e a International
Business Machines Corporation (IBM) e secretarias de educação em vários municípios
brasileiros. Além disso, conta com o apoio institucional da Fundação AVINA, Ashoka, União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), UNESCO e UNICEF.
O programa desenvolve como estratégia para mobilização e seleção de municípios
integrantes da Parceria Tri-Setorial a realização de um concurso, denominado Prêmio Além
das Letras, através do qual educadores locais sistematizam informações relativas à um
diagnóstico inicial das práticas pedagógicas voltadas à produção de textos na rede municipal
de ensino de suas localidades. Os casos selecionados recebem uma premiação, que envolve a
participação de dois representantes de cada município escolhido em curso presencial
desenvolvido pelos técnicos do Instituto Avisa Lá. Após dois anos de desenvolvimento de
atividades e monitoramento das iniciativas, faz-se uma avaliação visando conferir a esses
formadores dos municípios o chamado Selo Além das Letras, uma espécie de certificação da
182
qualidade de seu trabalho e envolvimento com o programa. (PORTAL ALÉM DAS LETRAS,
2007b)
Esse destaque, conferido aos articuladores do programa nos municípios, opera como
um estímulo para o seu maior comprometimento na operacionalização do programa, segundo
relato dos articuladores globais da Parceria Tri-Setorial. A detenção de conhecimento por
parte dos coordenadores pedagógicos das escolas, categoria funcional que geralmente é
contemplada pelos processos de capacitação docente na rede pública, não constituiria
condição suficiente para a efetiva implementação do programa, na medida em que esse saber
pode não alcançar os professores que lidam, no cotidiano da sala de aula, com a produção de
textos pelos alunos (PORTAL ALÉM DAS LETRAS, 2007a).
Os critérios para seleção das melhores práticas entre os municípios envolvem a análise
de diferentes dimensões das atividades desenvolvidas. A articulação entre teoria e prática na
fundamentação da proposta de formação dos educadores, a qualidade do material formativo
produzido através de diferentes mídias que registrem as práticas pedagógicas desenvolvidas, a
consistência dos diagnósticos iniciais e dos resultados obtidos, a inclusão dos professores na
prática social da cultura escrita, a designação de carga horária de trabalho específica à
formação docente, a produção coletiva de conhecimento e o trabalho em equipe são alguns
dos princípios que orientam a escolha das melhores experiências. Somam-se a eles a
possibilidade de produzir resultados concretos e verificáveis, tanto na prática dos professores,
quanto na aprendizagem das crianças, e de se constituir em referência para outras iniciativas.
Um dos problemas clássicos das diferentes políticas e projetos educacionais
desenvolvidos pelo Estado brasileiro voltados para a formação de professores residiria
justamente nesse aspecto, na medida em que capacitaria alguns grupos dos quadros funcionais
do ensino, sem no entanto atingir com consistência e abrangência os educadores que atuam na
ponta do sistema, ou seja, em sala de aula. Assim, se reforçaria a lacuna de qualificação entre
coordenadores pedagógicos e professores nas escolas. Conforme relato dos entrevistados, o
programa Além das Letras procura evitar essa distorção através do monitoramento constante e
da demanda sistemática de informações junto aos responsáveis para sua multiplicação nos
municípios.
No entanto, essas ações residem na adesão voluntária ao programa e no voluntarismo
dos participantes em aderirem com maior efetividade do programa. Assim, seria preciso
estimular e assegurar que os técnicos da educação municipal formados pelo programa atuem
efetivamente como multiplicadores e incentivadores da reflexão e sistematização de saberes
sobre a produção textual junto aos professores. Segundo relato dos entrevistados, essa forma
183
de interação com atores governamentais fundamenta-se no comprometimento dos
participantes com o programa, na medida em que exigem deles a construção de uma proposta
concreta de multiplicação da formação recebida para outros educadores inseridos na rede
municipal de ensino. Essa estratégia permitiria, dentre outras vantagens, que os beneficiários,
ou seja, os funcionários públicos da educação, desenvolvam uma postura pró-ativa e engajada
nessa iniciativa de intervenção. Depoimento dos atores locais reforçam essa perspectiva, na
medida em que reconhecem que as demandas para envio regular de informações
comprobatórias das atividades desenvolvidas exigem grande dedicação ao programa. Com
isso, estariam estabelecidas condições para que posturas passivas e assistencialistas, ou
mesmo, atitudes burocráticas quanto à capacitação, sejam mitigadas ou mesmo eliminadas no
Além das Letras, visto que a adesão é voluntária e a continuidade no programa fundamenta-se
no desempenho quanto às demandas e iniciativas propostas.
Ainda assim, conforme relato dos entrevistados, alguns municípios acabam por enviar
para a formação, que se dá na cidade de São Paulo, pessoas não alinhadas com o perfil
desejável para participação do programa. Baixos investimentos na formação de educadores,
somados à sobrecarga de atividades de ensino, têm tornado muito precárias as condições de
trabalho no ensino brasileiro, realidade que assume maior magnitude e intensidade nas
cidades de pequeno porte. Nesse cenário, investimentos em formação são vistos como uma
premiação e/ou, no caso de localidades distantes dos grandes centros econômicos e culturais,
como São Paulo, em oportunidade para turismo. Somam-se a isso os jogos de poder dentro
dos órgãos governamentais locais, que podem resultar na seleção de indivíduos com
características e posturas muito distantes das exigidas para a capacitação do Além das Letras.
Esses problemas seriam superados pelo programa na medida em que, além da formação
presencial com os técnicos do Avisa Lá, exigiria a implementação de uma série de atividades
junto aos outros educadores do município e a sistematização dessas experiências para
monitoramento e avaliação. Assim, a própria incapacidade de operar sistematicamente
atendendo às demandas colocadas pelos gestores globais do programa levaria ao desligamento
de determinados indivíduos e os municípios do programa.
Um dos aspectos centrais no programa, conforme os dados coletados parecem indicar,
reside na existência prévia de certa medida de capacidade institucional e também individual
para responder às demandas da iniciativa. Essas virtudes dos atores locais consistiriam não
apenas nas habilidades técnicas de aprendizagem e resposta aos estímulos do programa, mas
também na postura dos atores, fundamentada no envolvimento com o programa. Se por um
lado essa característica fortalece a iniciativa, na medida em que aumenta sua capacidade de
184
resposta aos desafios da agenda de políticas públicas educacionais, por outro torna difícil sua
expansão para municípios, escolas e quadro docentes que não apresentam as capacidades
necessárias, sobretudo em termos de engajamento, enfrentando desafios semelhantes ao
programa P1MC, conforme já discutido anteriormente.
Conforme dados secundários analisados, duas edições da premiação foram
realizadas pelo programa. Na primeira delas, 43 municípios se envolveram no programa,
distribuídos por 14 estados brasileiros, alcançando 193.383 estudantes do ensino básico. Em
2007, a segunda rodada de premiação atingiu 29 cidades de 13 estados, incorporando 157.082
alunos. As secretarias municipais de educação se habilitam a participar do programa através
do envio de uma série de informações sobre suas práticas pedagógicas na produção de textos e
de uma proposta formativa para seus educadores. Segundo relato dos entrevistados, essa
forma de cadastramento para participação no concurso acaba por levar os técnicos de
educação da gestão pública local a sistematizarem e refletirem sobre sua própria prática
pedagógica, o que em si já poderia levar a avanços nas políticas educacionais dos municípios.
Os mapas a seguir indicam os municípios participantes nas diferentes edições e fases
do programa. Percebe-se uma concentação das ações nas regiões Sudeste e Sul do país, bem
como uma dinâmica de incorporação de novas secretarias municipais de educação
participantes que denota uma certa concentração geoespacial, na medida em que não se
observa novos integrantes localizados em territórios distantes daqueles nos quais se
encontram outras cidades já pertencentes à iniciativa. Cabe lembrar que o programa Além das
Letras não desenvolve nenhuma ação pró-atividade e/ou específica visando atingir
deliberadamente determinadas áreas ou municípios, visto que usa o recurso do concurso como
estratégia para mobilização dos municípios e estabelece como critério de seleção
fundamentalmente orientações de mérito. Outra característica relevante dessa distribuição
entre municípios é que podem ser encontrados desde cidades de pequeno porte até cleos
urbanos bastante expressivos na realidade dos municípios brasileiros. Nesse ponto, reforça-se
a idéia das capacidades dos municípios em participar do programa, que incluiriam não apenas
a existência de educadores qualificados e com as posturas e habilidades necessárias para o
envolvimento na iniciativa, mas também o acesso à rede digital, visto que parte importante
das intervenções de acompanhamento dos trabalhos, desenvolvidos pelos técnicos da OSC
Avisa se dão através das plataformas digitais desenvolvidas pela empresa envolvida na
parceria, a IBM.
185
49 Municípios Participantes
4
1
1
1
1
1
1
6
1
1
1
7
Fase3
e
4
Municípios em 2004/2005
Municípios em 2005
Municípios em 2006
Municípios em 2007
M
M
U
U
N
N
I
I
C
C
Í
Í
P
P
I
I
O
O
S
S
N
N
O
O
V
V
O
O
S
S
Belém - PA
Belo Horizonte - MG
Blumenau - SC
Campina Grande - PB
Caraguatatuba - SP
Charqueadas - RS
Gov. Valadares - MG
Guará - SP
Londrina - PR
Mucuri - BA
Naviraí - MS
Nortelandia - MT
Nova Lima - MG
Novo Hamburgo - RS
Panambi - RS
Petrolina - PE
Pompéia - SP
Recife - PE
Ribeirão Corrente - SP
S. Gabriel Oeste - MS
S.Sebastião Paraíso - MG
Santos - SP
São Mateus - ES
Sto André - SP
Tianguá - CE
MUNICÍPIOS
ENTRARAM EM - 2006
Anápolis - GO
Araraquara - SP
Bituruna - PR
Campo Grande - MS
Caraúbas - RN
Ibitiara - BA
Jijoca de Jericoacara - CE
Marabá - PA
Piatã - BA
Sinop - MT
Souto Soares - BA
Sto. Ant. Pádua – RJ
Umuarama- PR
MUNICÍPIOS TUTORES
E SEUS PARCEIROS
Itupiranga- PA
- Nova Ipixuna – PA
- Rondon do Pará - PA
São Miguel D’Oeste – SC
- Dionísio Cerqueira - SC
Mogi GuaçuSP
- Espírito Sto. do Pinhal - SP
ItatibaSP
- Pedreira – SP
PetrópolisRJ
- Areal – RJ
Municípios Participantes
1
2
3
4
1
1
1
1
1
1
1
9
8
5
6
7
1
1
1
2
1
2
3
4
5
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
9
6
7
8
1. Itupiranga/PA
2. Boa Vista do Tupim/BA
3. Ribas do Rio Pardo/MS
4. Marília/SP
5. São Miguel d’Oeste/SC
6. Videira/SC
7. São Bento do Sul/SC
8. Jaraguá do Sul/SC
9. Pato Branco/PR
10. Embu/SP
11. Itatiba/SP
12. São José dos Campos/SP
13. Mogi Guaçu/SP
14. Duque de Caxias/RJ
15. Petrópolis/RJ
16. Catas Altas/MG
17. Seabra/BA
18. Alagoa Grande/PB
19. Teresina/PI
1. Amanbaí/MS
2. Anápolis/GO
3. Campo Grande/MS
4. Boninal/BA
5. Camocim/CE
6. Caraúbas/RN
7. Ibitiara/BA
8. Jijoca de Jeriquaquara/CE
9. Juazeiro/BA
10. Piatã/BA
11. Souto Soares/BA
12. Marabá/PA
13. Araraquara/SP
14. Brumadinho/MG
15. Francisco Morato/SP
16. Sinop/MT
17. Santo Antônio de Pádua/RJ
18. Bituruna/PR
19. Imbituva/PR
20. Umuarama/PR
Fase 1
Fase 2
Municípios em
2004/2005
Municípios em 2005
Municípios em 2006
Mapa 1 – Municípios participantes do Programa Além das Letras nas Fases 1 e 2
Fonte: PORTAL ALÉM DAS LETRAS, 2007b.
Mapa 2 - Municípios participantes do Programa Além das Letras de 2004 a 2006
Fonte: PORTAL ALÉM DAS LETRAS, 2007b.
186
Um dos problemas recorrentes na gestão social refere-se à realização de premiações,
que apesar de serem um estímulo à inovação e difusão de boas práticas, em muitos casos
acaba por operar, contraditoriamente, no sentido oposto. Isso se daria porque muitas das
organizações da sociedade civil e do Estado acabam percebendo os concursos como um
mecanismo para fortalecer sua reputação institucional e acessar fundos diretamente ou
indiretamente. Assim, passam a reproduzir fórmulas consagradas pelo próprio prêmio em suas
edições iniciais ou por outros mecanismos de premiação, solapando a proposta inicial de
estímulo á inovação na gestão social e construção de soluções adaptadas à realidades
específicas. Na experiência do programa Além das Letras, o aporte de recursos remetido aos
municípios selecionados é bastante reduzido e não se materializa em recursos financeiros em
si, mas em ganhos em termos de formação docente e de natureza simbólica. Segundo relatos
dos articuladores globais e locais entrevistados, o programa procura se contrapor a esse
problema oferecendo ampla liberdade e possibilidade dos educadores locais elaborarem, a
partir das peculiaridades de sua realidade local, as estratégias de produção de textos e os seus
próprios percursos formativos para trabalhar com tal proposta. No entanto, o problema em
questão parece se referir menos à flexibilidade da iniciativa em operar com metodologias
apropriadas e contextualizadas pelos próprios atores locais e mais à própria capacidade dos
profissionais das redes municipais de ensino desenvolverem propostas realmente inovadoras e
não exatamente mimetizações de outras intervenções consagradas, sobretudo quando se leva
em consideração o quadro geral de baixa qualificação formal e desenvolvimento de
habilidades docentes na educação pública brasileira.
Analisando-se a dinâmica de evolução da Parceria Tri-Setorial, percebe-se que o
programa Além das Letras é o que menos sofreu menos alterações nas interações entre os
atores envolvidos desde o seu surgimento. Se nas demais experiências analisadas houve a
entrada posterior de atores empresariais e a saída de outros, nesse caso as parcerias firmadas
desde o surgimento da iniciativa têm se mantido. O esquema a seguir representa a dinâmica
de articulação entre diferentes atores envolvidos no programa.
187
Esquema 10 - Interações da Parceria Tri-Setorial no Projeto Novas Alianças
Fonte: Elaboração própria a partir de Janoski, 1998, p. 14.
Notas: As setas indicam os relacionamentos principais, no entanto, outras interações entre os
atores também se manifestam;
= Interações atuais.
Percebe-se que no Além das Letras a OSC Avisa ocupa papel central nas
articulações, visto que é a partir dessa organização que se estabelecem interações com os
atores do Estado nos diferentes municípios participantes. Na construção do programa a OSC
aparece como depositária do saber técnico desenvolvido na área de educação, visto que
aglutina um quadro de profissionais reconhecido tanto pelos outros articuladores globais,
quanto pelos atores locais, como especialistas de referência nessa área de atuação. Dentre os
integrantes do Avisa Lá encontram-se profissionais com formação em diferentes campos de
conhecimento ligados à educação, com elevada qualificação formal, tendo vários deles
ESFERA ESTATAL
Secretarias Municipais
de Educação
ESFERA DO
MERCADO
Gerdau
Razão Social
Instituto Gerdau
ESFERA
PRIVADA
ESFERA
PÚBLICA
Família controladora
da Gerdau
Avisa Lá
AVINA
Esc
olas
Professores
IBM
UNDIME
Ashoka
188
formação na pós-graduação strictu senso e intercalando a ação em universidades com a
prática profissional na organização.
A participação dos atores empresariais na parceria se deu, conforme relato dos
entrevistados, sobretudo pelo interesse da família controladora do grupo Gerdau pelas
questões da escola brasileira. A empresa desenvolvida várias ações nessa frente de
investimento em responsabilidade social, o que se somou ao fato de alguns membros dessa
família se interessarem pela proposta do programa. Assim, percebe-se que a entrada da
Gerdau na parceria se por relações estabelecidas no âmbito da esfera privada (familiares),
detectando sinergias e campos de atuação próximos ao do Avisa Lá. Reproduzindo um papel
clássico das empresas nos investimentos sociais, a corporação inicia a articulação com os
demais atores do Além das Letras atuando como financiadora da iniciativa.
Soma-se à Gerdau, a IBM, oferecendo sua expertise na operação de plataformas
voltadas à chamada gestão do conhecimento (PORTAL DO VOLUNTÁRIO IBM, 2008).
Cabe destacar que, não apenas a IBM, mas várias empresas do campo da informação e das
novas mídias digitais m focalizado seus investimentos sociais na área de educação, em
várias partes do mundo, interessadas nos potenciais de negócios advindos das trocas de
saberes que operam nas redes sociais que se dão por caminhos virtuais. Autores como
DOWBOR (2008) têm questionado tais iniciativas, problematizando as efetivas possibilidades
de grupos sociais desfavorecidos informacional e educacionalmente de se apropriarem desses
saberes. No entanto, conforme informações coletadas pela pesquisa, a atuação da IBM na
parceria não atinge a mesma magnitude da Gerdau, não apenas do ponto de vista do dispêndio
de recursos financeiros, mas sobretudo pelo papel exercido, que na maioria das vezes se
resume ao suporte técnico para a efetiva utilização da plataforma de educação a distância do
programa Além das Letras.
Para intermediar a relação com o Avisa Lá, a Gerdau se vale de um instituto, o Razão
Social, organização do terceiro setor criada e apoiada por várias empresas, inclusive a própria
Gerdau. A participação do Instituto Gerdau no programa, fundação derivada da empresa e
criada recentemente, também é modesta, se limitando aos encontros periódicos para prestação
de contas e acompanhamento da iniciativa. O papel principal na articulação entre atores
empresariais e a OSC se dá através do Razão Social, organização composta por membros com
marcada trajetória ligada ao desenvolvimento de projetos sociais de empresas. Segundo o
relato dos entrevistados, essa forma de relacionamento oferece flexibilidade e especialização
na operação da parceria. Mas, o que se percebe é que acaba por distanciar a Gerdau em si do
189
Programa Além das Letras. Assim, perdura um papel tradicional da empresa na parceria
desenvolvida.
Conforme relato dos entrevistados, parte dessa realidade é explicada também pelo fato
do Instituto Gerdau estar dando os primeiros passos para assumir com maior propriedade as
ações de investimento social da empresa, ainda muito concentradas na atuação dos membros
da família controladora desse grupo empresarial. Também nesse instituto, reproduzindo o
padrão típico das fundações empresariais no Brasil, a maioria absoluta do corpo técnico é
formada por profissionais com trajetória ligada à atuação nas áreas típicas de negócio da
empresa. No discurso construído por esses profissionais ressoa a idéia de que as empresas têm
como principal contribuição para a gestão social o aporte de saberes e vivências técnicas de
administração, área na qual deteriam conhecimento avançado e aplicável ao gerenciamento de
projetos sociais e organizações da sociedade civil.
Outro fato que leva a uma interação não tão profunda da empresa em si com o
programa diz respeito ao fato das escolas apoiadas não necessariamente se localizarem em
cidades nas quais operam unidades industriais da Gerdau. Assim, segundo relato dos
articuladores globais entrevistados, uma das frentes de ação que a empresa deseja desenvolver
mais profundamente é o envolvimento de seus empregados como voluntários do programa.
Nesse ponto, destacam-se as dificuldades de transpor a dinâmica das ações voluntárias da
empresa, que tal qual outras iniciativas empresariais no país, concentram suas intervenções na
melhoria da oferta de infra-estrutura e/ou gestão das escolas assistidas, através de reformas de
salas, bibliotecas e prédios escolares, dentre outras ações dessa natureza. Para atuarem como
voluntários, os empregados no programa, os empregados da Gerdau precisariam desenvolver
habilidades e competências típicas da produção de textos e da discussão formativa no campo
docente, algo que encontra obstáculos tanto pela forma de intervenção dos programas de
voluntariado desenvolvidos pela empresa, quanto pela qualificação e postura exigidas.
Outra forma de ão, que denota um caráter mais usual e tradicional do
relacionamento da Gerdau com o programa Avisa Lá, diz respeito às ações que tem
desenvolvido nos últimos tempos, através do Instituto Razão Social, visando a avaliação do
programa. Essas ações se fazem acompanhadas de um discurso voltado à necessidade de uma
ampliação do aumento do número de parceiros empresariais como financiadores do programa.
Essas são duas frentes de interação dentro dessa Parceria Tri-Setorial que parecem, conforme
relato dos entrevistados, levar a disputas e conflitos dentro da articulação, não porque
lógicas avaliativas, que denotam racionalidades e mentalidades valorativas diferentes se
opõem em muitos momentos, sobretudo através do clássico debate entre as dimensões
190
quantitativa e qualitativa, mas também porque trazem ao centro das discussões a questão da
sustentação do programa no longo-prazo.
Segundo relato dos entrevistados, aprendizagens entre a empresa, através do Instituto
Razão Social, e o Avisa são visíveis ao longo da evolução do programa. Hoje, depois das
resistências iniciais, ambas as partes já teriam dado passos importantes para a compreensão da
racionalidade, dos interesses e da forma de ação do outro parceiro na iniciativa. Nesse ponto,
reforça-se a perspectiva de que, apesar da profissionalização e da experiência técnica tanto de
atores empresariais, quanto de OSCs, as Parcerias Tri-Setoriais se constroem pela práxis e,
dentro delas, se perpetuam práticas tradicionais, como aquelas que associam às empresas o
papel típico de financiador e às organizações da sociedade civil a função de oferecerem
metodologias inovadoras de intervenção nos problemas sociais. Nesse quadro, a evolução
quase que natural do papel das empresas seria em direção à indução de processos de avaliação
da iniciativa e à pulverização do financiamento das atividades entre outros atores, fenômenos
que têm se manifestado na dinâmica atual dessa Parceria Tri-Setorial analisada. Planejamento
prévio e definição de papéis dos atores em bases renovadas não compõem o quadro dessa
Parceria Tri-Setorial e denotam como podem se abrigar velhos dramas e tramas dentro da
modernização da gestão social no país.
Outra característica relevante do programa Além das Letras em sua dimensão de
articulação entre atores da sociedade civil, do Estado e de mercado diz respeito à inserção das
secretarias municipais de educação. Enquanto nas outras experiências analisadas órgãos
governamentais do âmbito federal e estadual são mobilizados, nesse programa em específico a
relação se com o poder executivo municipal. Papéis associados ao desenho do programa e
monitoramento das intervenções adquirem um caráter mais centralizado, residindo nas OSCs
implicadas e também nos atores empresariais. Às secretarias municipais de educação cabe um
papel de implementação das ações, ainda que haja flexibilidade operacional nessa
intervenção, conforme destacam relatos tanto de articuladores globais, quanto locais
entrevistados. Além disso, as interações com o público beneficiário se dão na esfera do
Estado, pois a iniciativa tem como alvo professores que atuam no ensino básico de escolas
públicas municipais.
Para a análise no nível local, o município de Petrópolis foi apontado pelos
articuladores globais da Parceria Tri-Setorial como uma das experiências mais exitosas do
programa Além das Letras. Segundo relato dos entrevistados, a iniciativa nessa cidade
destaca-se pela qualidade dos resultados alcançados, o envolvimento contínuo e de longa-data
dos articuladores locais com o programa e a própria evolução da inserção dessa secretaria de
191
educação como participante dessa experiência. Trata-se de um município de médio porte no
interior do Estado do Rio de Janeiro, com forte apelo turístico e que tem enfrentado nas
últimas décadas processos de reconfiguração dos investimentos industriais, com o fechamento
de algumas fábricas e a realocação de postos de trabalho. Ainda assim, mantém importante
posição quanto à produção têxtil, envolvendo empreendimentos de pequeno e médio portes e
relevante atividade de comercialização dessa produção através do setor comercial varejista e
atacadista na cidade, que atraem regularmente importantes fluxos de visitação à cidade de
pequenos empresários do setor de vestuário de diferentes partes do país.
No século XIX, a cidade abrigou a residência de férias do imperador brasileiro, D.
Pedro II, e também da nobreza e intelectualidade brasileira no período, apresentando ainda
hoje uma série de construções e monumentos históricos. São encontrados na cidade
equipamentos públicos e iniciativas culturais, algumas delas com sua origem nesse período,
desenvolvidas pelo Estado e também por diferentes grupos da sociedade. Liceus, liras e ligas
voltadas à cultura, escolas de ofício, teatros e coretos criam uma ambiência que denota o
envolvimento da cidade com a arte e a cultura. Nesse sentido, não parece impróprio afirmar
que a sede do município respira e inspira ares de cultura e artes, dimensões que não se fazem
de menor importância quando se discute projetos sociais na agenda da educação.
na cidade também escolas de ensino superior, tendo uma delas inclusive um curso
de mestrado em Educação. Em Petrópolis, observa-se um caso atípico em relação ao perfil
médio da realidade educacional das cidades brasileiras. A quase a totalidade dos professores
que atuam nos diferentes níveis de ensino público municipal tem curso superior completo,
perfazendo cerca de 98% do corpo docente, sendo que parte considerável possui pós-
graduação lato sensu, podendo-se também ser encontrados profissionais com a formação
strictu sensu completa. Uma das profissionais da secretaria municipal de educação, envolvida
na articulação local do Além das Letras, concluiu seu mestrado em educação analisando
justamente esse programa no município. Além disso, um centro de formação de
professores no âmbito da secretaria municipal de educação, dotado de corpo funcional e
instalações próprias. Esse núcleo oferece várias atividades de qualificação pontual e
continuada voltadas à rede municipal de educação, bem outras iniciativas desenvolvidas
autonomamente ou em parceria com instituições de ensino. As reuniões de trabalho do
programa Além das Letras são realizadas nesse espaço, no qual trabalham duas articuladoras
locais da iniciativa em Petrópolis. Tal realidade se faz muito distante daquela observada na
maioria dos municípios brasileiros, sobretudo os de pequeno porte, tanto em termos de
192
qualificação de seu corpo docente, quanto da alocação de recursos e instalações para a
operação das secretarias municipais de educação.
Ainda assim, reproduzindo um padrão típico de vários municípios brasileiros, a cidade
observa importantes discrepâncias entre a dinâmica urbana e rural de seu território, com a
presença de condições precárias e desiguais de acesso à equipamentos públicos, informação e
cultura entre moradores do núcleo urbano principal e o campo em seu entorno. Na dinâmica
intra-urbana também entre se observam desigualdades relevantes entre as áreas central e/ou de
maior concentração de vel de renda e comunidades periféricas, como ocorre na maioria
absoluta das cidades brasileiras. Tais características têm também seus rebatimentos na
realidade educacional, denotando um mosaico complexo envolvendo a construção de políticas
públicas no vel local, no qual as capacidades de resposta às demandas do programa Além
das Letras não são distribuídas de forma mais equânime dentro da própria rede municipal de
ensino.
Foram coletados dados junto a educadoras de várias escolas do município, algumas
delas inseridas em comunidades com elevados veis de vulnerabilidade social. O programa
não atinge todas as unidades escolares do muncípio. Seis escolas, de um total de dezoito em
Petrópolis, participam da iniciativa. Além disso, dentro de cada escola, nem todos os
professores da série inicial do ensino fundamental estão envolvidos no programa Além das
Letras. Segundo relato dos entrevistados, como a experiência exige contrapartidas importantes
do corpo docente em termos de trabalho adicional, postura e esforço na sua formação
continuada, as respostas são diferenciadas e a efetiva materialização do avanço da produção
de textos acaba não se processando quando tal perfil não é observado entre supervisores
pedagógicos e professores envolvidos. O papel das diretorias também tem forte impacto nesse
quadro, visto que, conforme relato dos entrevistados, caso não haja sensibilidade e apoio
efetivo da direção das escolas, o programa não consegue avançar.
Em várias das escolas visitadas, nas quais foram realizadas parte das entrevistas,
percebe-se uma dificuldade de maior envolvimento da comunidade, sobretudo dos pais dos
alunos, nas discussões escolares. O programa Além das Letras acaba não sendo percebido ou
mesmo compreendido pelos responsáveis pelos beneficiários finais da intervenção, os alunos
do ensino fundamental. Outra peculiaridade importante do município é que os processos de
eleição de diretorias das escolas foram cancelados, voltando-se à tradicional prática de
indicação do comando principal das escolas. Assim, aparecem dificuldades importantes do
programa em atingir públicos e realidades intra-municipais dotadas de pouca mobilização
193
docente e comunitária, bem como marcadas pela qualificação inadequada e por posturas
pouco sensibilizadas para trabalhar melhorias na produção textual no ensino fundamental.
Na maioria absoluta dos relatos dos entrevistados na localidade destaca-se também a
precariedade das condições de trabalho e as implicações que o programa adquire nessa
realidade. Operando em um cenário de baixos salários, infra-estruturas debilitas e
investimento não regular em formação, além da reduzida relevância socialmente atribuída ao
papel dos educadores, o programa Além das Letras ora é idealizado com uma das poucas e
raras oportunidades de se trabalhar e inovar na educação, ora como intervenção que exige
maior esforço e dedicação dentro de um quadro precário de condições de trabalho docente.
Muitos dos entrevistados relataram que preferiram permanecer na rede municipal de ensino de
Petrópolis, mesmo recebendo menores salários, do que trabalhar em cidades vizinhas,
justamente porque com o Além das Letras surgem oportunidades de se realizar um trabalho
que tenha maior sentido e valor não só para os alunos envolvidos, mas também para o próprio
docente.
Quando questionados sobre a sustentação da iniciativa no longo-prazo, para além da
própria relação com o programa Além das Letras, os relatos indicaram que, entre os docentes
que operacionalizam a iniciativa em sala de aula, as práticas continuariam,
independentemente da permanência dessa intervenção. Ainda assim, muitos demonstraram a
dificuldade de manutenção da formação continuada sem esse tipo de apoio. Cabe reconhecer
o papel central do corpo docente em qualquer prática de inovação educacional, visto que são
os responsáveis por sua operacionalização efetiva em sala de aula. Muitas das vezes, grandes
mudanças de propostas pedagógicas esbarram na continuidade de um modus operandi
tradicional e conservador da organização escolar e de seu aparato, levando essas inovações,
em um primeiro momento, a conflitarem com a estrutura e, em um segundo momento, ao
desaparecimento. As inovações propostas pelo programa Além das Letras podem ser
consideradas de baixo impacto na estrutura escolar, visto que não implicam em alterações
profundas na operação das secretarias municipais de educação e das próprias escolas. Mesmo
quando grandes propostas de transformação dos processos educacionais o levadas a cabo e
desaparecem em seguida, mudanças e inovações podem permanecer através da transformação
das posturas e das práticas docentes. Assim, cabe considera que, mesmo na hipótese de não
sustentação do programa Além das Letras em Petrópolis, algumas dessas inovações podem
perdurar. Em ambos os casos, ou seja, tanto nas grandes inovações, quanto nas
transformações pontuais, permanece central o papel do docente e seu voluntarismo em inovar
(ou não) em seu cotidiano de trabalho. Por outro lado, inovações específicas, ou seja, não
194
estruturais, podem se difundir o amplamente e homogeneamente na rede de ensino,
acirrando discrepâncias entre os veis de qualidade de ensino dentro das redes municipais de
educação.
Entre as articuladoras locais da experiência, integrantes do corpo técnico do órgão da
secretaria municipal encarregado da formação docente, a sustentação da iniciativa se deve à
sua profunda articulação com as políticas blicas, dando continuidade à intervenção
formativa que antes se desenvolvia através do chamado Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores (PROFA), de origem federal. Para essas entrevistadas, o Além
das Letras se somaria e aperfeiçoaria a formação docente iniciada com esse programa do
governo federal. Segundo relato dos articuladores globais entrevistados, o surgimento do
Além das Letras também se deve, dentre outros fatores, ao diagnóstico de algumas
fragilidades do PROFA e da necessidade de se avançar nas práticas formativas destinadas ao
corpo docente.
Para os articuladores locais entrevistados, no município de Petrópolis está se
construindo efetivamente uma política pública formativa, não como inovação passageria de
um determinado mandato à frente da prefeitura. No entanto, o mesmo discurso que informa
essa continuidade das intervenções governamentais em educação, que configurariam uma
política de Estado (e não de governo), destaca o compromisso e sensibilidade da atual
administração com a formação continuada de educadores e deixa transparecer nitidamente
que, caso outro grupo assuma o comando do poder municipal, não as experiências com o
Além das Letras, mas toda a política de formação de professores pode ser ameaçada, inclusive
em relação à existência da escola de qualificação docente que atualmente compõe o quadro
dos órgãos governamentais da educação municipal em Petrópolis.
Percebe-se que o programa Além das Letras beneficia-se da existência prévia não
apenas de um quadro docente com postura e qualificação necessárias para a sua efetiva
materialização nos municípios, mas também dos avanços advindos de políticas públicas
anteriores, como o PROFA que, apesar de talvez não terem trazido os resultados necessários,
abriram caminho para induzir a noção, dentre o corpo docente dos municípios, de que a
formação em caráter continuado se constitui em um elemento importante das políticas
educacionais.
No município pesquisado, a articulação do programa Além das Letras com a dinâmica
do conselho municipal de educação é extremamente frágil e pontual. Ao contrário de se tratar
de uma peculiaridade de Petrópolis, percebe-se que essa é uma característica do programa,
conforme relatam os próprios articuladores globais entrevistados. o há, no desenho do
195
Além das Letras, nenhum tipo de ênfase ou iniciativa voltada à interação com os conselhos
municipais de educação. Soma-se a isso, no caso da cidade analisada, a precária interação
entre comunidade, país e gestão escolar, o que faz também com que o Além das Letras não
seja de conhecimento amplo, para além dos técnicos locais que o operacionalizam. Essa
peculiaridade acaba por fazer com que o programa não seja visto como uma conquista da
educação, por parte de públicos mais amplos, não envolvidos diretamente e cotidianamente
com as discussões técnicas da docência, o que fragiliza a sua sustentação no longo-prazo ou
como intervenção educação continuada. Além disso, a experiência deixa de receber
contribuições relevantes que poderiam acontecer em processos de democratização da gestão
de políticas públicas, como por exemplo através dos conselhos municipais, permanecendo
uma prática restrita ao ethos e à dinâmica própria do técnicos em educação.
Quando indagados sobre o grau de participação dos diferentes atores que operam no
programa Além das Letras, tanto no nível local, quanto global, a maioria das respostas tendeu
a reforçar a idéia de que se trata de uma intervenção pautada no diálogo e interação horizontal
entre os participantes. No entanto, quando se analisa mais detidamente as práticas
desenvolvidas pelo programa, se percebe várias dinâmicas que se afastam de uma operação
mais horizontalizada e participativa.
No nível local, o corpo docente parece confundir participação nas atividades propostas
e programadas pela articulação local da experiência com participação no planejamento e
gestão das ações locais do Além das Letras. Parece contribuir para se ter essa percepção entre
os entrevistados, muito próxima do que Bernardo (2004) denomina de democracia totalitária
ao descrever práticas de gestão participativa nas empresas, o fato de que as dinâmicas de
reunião e trabalho envolvendo supervisores pedagógicos e docentes contém sempre elementos
lúdicos, afetivos e que também apelam para a criatividade dos indivíduos. Ao coletar os
dados, o autor desta Tese pôde observar uma dessas reuniões durante toda a sua duração, e
constatar também que o apelo ao resgate das dimensões peculiares da produção de textos de
cada aluno e também de cada docente operando a iniciativa são um dos elementos que
também reforçam a idéia entre os docentes participantes de uma democratização avançada na
operacionalização do programa Além das Letras no município. No entanto, o que parece
passar despercebido é que práticas que resgatem dimensões peculiares e próprias de que cada
indivíduo por si não se constituem em uma gestão participativa da política ou do projeto
educacional, visto que outras dimensões das atividades e das ações podem vir formatadas e
pré-definidas para os docentes, cabendo a eles apenas adaptações no como implementar tais
ações e alcançar tais metas. Não se trata de imaginar que todo o programa e todas as ações
196
seriam sempre decididas em assembléia participativa, mas sim de entender que flexibilidade
operacional não necessariamente se faz acompanhada de maior democratização da gestão e
que essas duas perspectivas não devem ser assumidas como sinômino. Assim, em uma escola
que muitas das vezes verbaliza a adesão à uma pedagogia mais pautada na autonomia e na
participação, como defendida por Freire (1969), mas encontra dificuldades em dar concretude
a essas idéias, muitas das ações podem acabar por reproduzir e dar perenidade a dinâmicas
centralizadas e mais autocráticas, tão afeitas à trajetória histórica das escolas, tanto no Brasil
quanto no restante do mundo, como destaca Arroyo (2004).
Assim como no projeto Novas Alianças, os entrevistados ligados ao programa Além
das Letras, tanto no nível da articulação global, quanto nas dinâmicas locais, afirmam que a
iniciativa é marcada pela interação plural e participativa. No entanto, quando se analisa o
discurso construído e se avança no detalhamento das práticas, levando os entrevistados a
construírem narrativas sobre a sua práxis, percebe-se que muitos dos encontros e trocas de
informações entre articuladores globais e locais do programa Além das Letras são marcados
pelo repasse de informações e não necessariamente pela tomada de decisão. No que tange à
condução das Parcerias Tri-Setoriais essa característica parece se agudizar. Assim, no nível
local, como nas outras duas experiências analisadas, pouco se sabe sobre a parceria em si,
chegando muitos dos docentes entrevistados a até desconhecerem completamente a
participação de empresas no programa. Além disso, quando indagados sobre a possibilidade
de construir articulações com empresários e OSCs locais, visando o avanço das políticas e
projetos educacionais em Petrópolis, os entrevistados demonstraram distanciamento e
resistência à essa prática, afirmando desde que não maior interesse do empresariado local
em atuar continuadamente nas escolas e que as OSCs locais focalizam suas ações em outras
agendas de intervenção nos problemas sociais. Mas, muito mais do que os problemas
enfrentados para avançar na articulação entre as esferas do Estado, de mercado e pública no
nível local, parece transparecer nas falas muito mais uma gica típica do serviço público
voltado para seus problemas e encerrado em si mesmo. Assim, como nas outras duas
experiências analisadas, o discurso e a prática das Parcerias Tri-Setoriais se constituem ainda
em uma proposta restrita ao nível da articulação global, com pouca ressonância local e, mais
incisivamente ainda, sem se constituir em um projeto assumido e apropriado pelos atores
locais.
197
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Parcerias Tri-Setoriais analisadas se iniciariam sem propostas claras de construção
e implementação das próprias interações entre os atores, havendo muito mais uma
preocupação com a gestão dos programas e projetos em si e suas metodologias de intervenção
nos problemas sociais. Os atores envolvidos na articulação global dessas iniciativas
desenvolveram métodos exaustivamente projetados e testados para a intervenção sobre a
realidade social, mas não atinaram para o desenvolvimento de estratégias e metodologias de
relacionamento nas Parcerias Tri-Setoriais. Ainda assim, houve avanços nas formas de
interação, muito mais relacionadas à própria práxis das articulações do que a ações
deliberadas e projetadas para tal, que se manifestaram à medida em que se apresentavam
demandas relacionadas à gestão dos programas e projeto analisados.
Um dos fenômenos que parece estar relacionado a isso é o fato de se relegar à
dimensão das relações interpessoais a construção de aproximações e colaborações em projetos
sociais. Nesse ponto, manifestam-se duas tendências. A primeira delas refere-se à tradição de
relacionamento com causas sociais a partir da mobilização de atores no âmbito das interações
na esfera privada, muitas vezes perpassadas por relações pessoais na sensibilização de
indivíduos para o problema social em questão. Pensar em gestão da colaboração nessa
dimensão, muitas das vezes, pode levar à construção social de concepções nas quais os
proponentes dessa perspectiva são concebidos como pouco sensibilizados com a gravidade
dos problemas sociais atacados, reforçando a idéia de que interesses não-altruístas e
concepções extremamente pragmáticas, manipulativas e/ou instrumentais guiam os
relacionamentos colaborativos. Tal perspectiva pode acabar levando à própria ruptura das
Parcerias Tri-Setoriais. Assim, a gestão da colaboração acaba sendo relegada à um patamar
secundário e residual nos projetos sociais desenvolvidos em articulação. A segunda tendência
se relaciona ao foco exagerado da literatura e das próprias ferramentas de apoio à gestão de
projetos sociais nas relações interpessoais em contextos colaborativos e parcerias. Tudo se
passa como se os problemas da articulação colaborativa se resumissem a questões de melhoria
dos canais de comunicação, abertura do indivíduo ao outro e aprendizagem interpessoal,
dentre outras variáveis de natureza comportamental que envolveriam as parcerias em projetos
sociais. Com isso, são deixadas de lado dimensões estruturais e de articulação organizacional
que impactam a construção de parcerias em projetos sociais, sobretudo os de natureza tri-
setorial.
198
No entanto, o que parece ter mais peso no fato de não se programar e desenvolver
estratégias e instâncias de relacionamento e articulação para o desenvolvimento de Parcerias
Tri-Setoriais é o fato do reconhecimento desse fenômeno ser relativamente recente, tanto na
agenda dos atores envolvidos na operacionalização de políticas e projetos sociais, quanto na
literatura dedicada ao tema. De forma análoga ao entendimento polissêmico encontrado na
literatura sobre parcerias e suas implicações para a gestão social, os atores entrevistados no
âmbito da articulação global e local das iniciativas de colaborações apresentam entendimentos
diferenciados, conceitos superpostos e/ou opostos sobre o tema e reforçam dimensões
diferentes do que vem a ser uma relação colaborativa e, sobretudo, uma Parceria Tri-Setorial,
em políticas e projetos sociais. Ainda assim, esses entendimentos, que resultam em
expectativas diferenciadas quanto às parcerias, o impedem os atores de se envolverem em
práticas colaborativas tri-setoriais.
Apesar das estratégias de colaboração não terem sido desenvolvidas previamente,
emergiram do processo mecanismos de governança dessas interações à medida em que as
Parcerias Tri-Setoriais analisadas se desenvolveram. Ao contrário de criticar a inexistência de
planejamento prévio das parcerias, posição cara a uma perspectiva analítica tecnicista do
fenômeno, parece ser relevante reconhecer que, na dinâmica da ação social, o navegar se faz
navegando, ou seja, parcerias são construídas se construindo parcerias. Isso não implica em se
desprezar os processos de governança desenvolvidos ao longo da trajetória das Parcerias Tri-
Setoriais analisadas. Pelo contrário, essas instâncias de relacionamento e equalização de
conflitos se fortalecem e ganham maior relevância justamente pela recorrência das interações
colaborativas entre os atores, como as experiências analisadas denotam. Além disso, a
evolução temporal dos relacionamentos colaborativos analisados indica que não que uma
compreensão mais precisa dos outros atores envolvidos nas Parcerias Tri-Setoriais se ao
longo do próprio processo de relacionamento, como seria de se esperar, mas que também
através dessas interações os atores desenvolvem novos olhares sobre suas próprias
organizações, principalmente acerca de suas capacidades e limitações. Ainda assim,
resistências e visões parciais sobre os outros na parceria perduram em paralelo com esses
avanços na compreensão e entendimento sobre os demais atores envolvidos na colaboração.
Apesar das parcerias em projetos sociais se apresentarem como problema de pesquisa
e fenômeno de gestão relativamente recente na literatura e nas estratégias formais das
organizações, não necessariamente a sua práxis pelos atores sociais é nova, sobretudo quando
se fundamenta a análise do fenômeno a partir da noção de habilidade social de Fligstein
(2006), segundo a qual a colaboração constitui uma das dimensões da ação social. A trajetória
199
dos entrevistados denota que as articulações colaborativas não são algo novo em sua vivência,
visto que se envolvem em parcerias para intervenções sociais algum tempo e apresentam
uma carreira madura, em sua maioria, na gestão de projetos sociais. Porém, os atores ainda
demonstram resistências e reticências quanto às parcerias em si, bem como quanto às suas
implicações e desdobramentos, inclusive sobre a esfera pública.
Nesses debates se sobressaem de um lado o desejo de construir parcerias, muitas delas
impulsionadas pela necessidade, consciente ou não, e explicita ou não, de captar recursos,
bem como a desconfiança e o temor em acabar por incorporar por demasia a racionalidade e o
ethos dos atores de outras esferas envolvidos na colaboração, descaracterizando a identidade
de suas organizaç~eos. Esse quadro parece se constituir no que se poderia denominar de uma
verdadeira esquizofrenia colaborativa, na qual se almeja e sonha com a parceria, ao mesmo
tempo em que se a teme e repudia.
Muitos argumentos dos atores envolvidos na articulação global das Parcerias Tri-
Setoriais entrevistados justificam sua emergência a partir dos pressupostos da Ressource
Dependende Plataform, conforme a classificam Selsky e Parker (2005), ou seja, destacam sua
importância em termos de complementaridade de recursos entre os atores. Além disso, dado
ao fato de se tratar de tema perpassado por idealizações e pela construção de discursos
politicamente corretos, coloca-se como pano de fundo nessas interações a sensibilização e
comprometimento dos atores em atuar no combate aos problemas sociais, remetendo aos
pressupostos da Social Issues Plataform, como também a entendem Selsky e Parker (2005).
Dessa forma, os atores sempre se remetem ao seu compromisso e trajetória de lutas nas áreas
programáticas dos programas e projetos analisados, sobretudo no caso das OSCs e do Estado,
e sua responsabilidade social, com maior destaque entre atores de mercado, para justificar a
construção das parcerias. Essas referências, antes de serem entendidas como um recurso
cínico ao universo do politicamente correto, devem ser compreendidas como derivadas da
própria inserção dos atores em realidades socialmente construídas, nas quais a racionalidade
da ação é perpassada e entrecortada simultaneamente por lógicas auto-interessadas e
altruístas, de forma não excludente e/ou dicotômica, ao contrário do que determinadas
correntes de interpretação das relações políticas e econômicas pressupõem.
Vários atores acreditam também que a gestão social opera ou deveria operar nos dias
de hoje a partir de práticas não fundadas em conflitos ideológicos, mas sim em consensos e
colaborações, reproduzindo a construção social do discurso que remete às Parcerias Tri-
setoriais o status de uma nova dimensão de relacionamento dos atores da sociedade civil,
Estado e mercado na esfera pública. Nessa perspectiva, a modernidade nas políticas e projetos
200
sociais residiria em um refundar da esfera pública em bases colaborativas, aparecendo as
Parcerias Tri-Setoriais como um dos pilares desse movimento. No entanto, embates e
disputas perduram nas Parcerias Tri-setoriais, inclusive de natureza ideológica, abrindo-se a
perspectiva para entendimentos sobre a esfera pública que não sejam pautados apenas na
colaboração e consenso ampliados, mas também em noções nos quais a convergência entre
atores se apresente entrecortada simultaneamente por conflitos e dissonâncias.
Os atores da articulação global pesquisados demonstram vivenciar a construção de um
novo campo, ora expressando temor e resistência quanto à transformação de suas próprias
organizações e práticas, ora expressando o desejo de operar a partir de novas realidades e
perspectivas de intervenção social, vistas como desejáveis para a efetiva e adequada gestão de
projetos sociais. Ao mesmo tempo em que se voltam às Parcerias Tri-Setoriais com empenho
e desejo de materialização de práticas colaborativas consistentes e duradouras, expressam
visões esteriotipadas sobre a racionalidade das organizações de outras esferas diferentes da
sua e resistências a uma possível incorporação de lógicas centradas em outras esferas. Assim,
se manifestam temores de possíveis burocratizações e rotinizações decorrentes da
transmutação de lógicas estadocêntricas de gestão social ou de um empresariamento das
intervenções em problemas sociais. Já, por sua vez, atores do Estado e de mercado reforçam
em seus discursos a dimensão de que não se constituem em organizações da sociedade civil e
não podem e nem pretendem o ser. Esse quadro precisa ser entendido também como uma
tentativa dos atores, mesmo que não consciente e deliberada, de reforçarem suas posições de
poder nas dinâmicas de colaboração das Parcerias Tri-Setoriais, de forma a operar a
viabilidade de seus interesses, demandas e posicionamentos nessas interações e na própria
esfera pública.
Entre os atores entrevistados, parece existir menos resistência a perspectivas voltadas à
convergência de esforços para fortalecimento de uma esfera pública democrática e plural,
visto que carrega em si ideais considerados politicamente corretos e adequados para a
modernização das políticas sociais, tais como a ampliação da participação popular na gestão
de projetos sociais. No entanto, surgem também críticas e, para determinados atores, auto-
críticas da própria mediação operada por suas organizações, sobretudo as da sociedade civil,
quando representam os interesses das comunidades. Tudo isso resulta em um mosaico
complexo da construção cotidiana das Parcerias Tri-Setoriais, bem distante das perspectivas
lineares e idealizadas na literatura de cunho gerencial sobre práticas colaborativas em projetos
sociais, que enumeram etapas bem delimitadas e processos seqüenciais de aprimoramento dos
processos colaborativos. Além disso, fica evidenciado que até mesmo para os atores
201
envolvidos nas Parcerias Tri-Setoriais investigadas os desdobramentos das Parcerias Tri-
Setoriais sobre a construção de uma esfera pública mais democrática são incertos, não lineares
e não previsíveis, podendo esta prática de articulação colaborativa resultar no retrocesso da
democratização da esfera pública.
No entanto, isso não significa que avanços não são perceptíveis pelos atores, sobretudo
a partir da aprendizagem dos jogos de poder e das interações entre os atores da sociedade
civil, Estado e mercado. Esses avanços são acompanhados da mencionada esquizofrenia
colaborativa, na qual se manifestam simultaneamente desejos de construção compartilhada de
ações de intervenção social e receios e temores de desvirtuamento dos próprios campos (do
Estado, da sociedade civil e do mercado) nos quais as organizações e seus atores construíram
suas trajetórias e histórias de vida. Antes de se constituir em um desvio ou equívoco
processual na construção de Parcerias Tri-Setoriais, esse fenômeno parece ser inerente à
própria dinâmica de articulação colaborativa entre atores de diferentes esferas da vida social
nos programas e projetos sociais, pois denota a tentativa de atuar conjuntamente e se voltar a
atenção aos parceiros na relação operando em paralelo com a busca da manutenção de suas
próprias especificidades, identidades e capacidades, que justificariam e tornariam relevante a
existência dessas parcerias do ponto de vista da complementaridade de capacidades entre
atores.
Apesar da convergência de discursos quanto à relevância dos problemas sociais
atacados pelos programas e projeto analisados, divergências ideológicas se manifestam no
interior das Parcerias Tri-Setoriais. Isso denota não que dinâmicas de resistência à
transmutação ou transformação no outro ator, através da incorporação de sua racionalidade e
ethos, são relevantes nesse processo, mas que também que os atores conseguem desenvolver
dinâmicas que ultrapassam essas diferenças, de forma a levar à operação as iniciativas
colaborativas. Essas divergências ideológicas parecem assumir maior relevância e impacto no
que tange à sustentação dos programas e projeto no longo-prazo, sobretudo quando se
considera a inserção de atores governamentais, passíveis de alternância política no poder, o
que pode incorrer também em mudanças nas concepções ideológicas que orientam as políticas
públicas de determinados governos.
No quadro abaixo, estão relacionadas a atratividade e o potencial de conflitos entre
organizações da sociedade e atores governamentais e de mercado nas Parcerias Tri-Setoriais
analisadas.
202
Experiências Analisadas
P1MC Novas Alianças Além das Letras
Dimensões de
Análise
Estado Mercado
Estado Mercado Estado Mercado
Apelo temático
junto a atores de
Estado e mercado
Maior
Menor
Menor
Menor
Maior
Maior
Potencial de
conflitos
ideológicos com
atores da
sociedade civil
envolvidos
Baixo
Alto
Mediano
Baixo
Baixo
Baixo
Quadro 8 - Possibilidades de aproximação e distanciamento de organizações da
sociedade civil em relação a atores de Estado e mercado nas Parcerias Tri-Setoriais
analisadas
Fonte: Elaboração própria.
No caso do P1MC, considera-se que o apelo da agenda de intervenção social junto ao
público empresarial é menor. Isso se daria não devido ao posicionamento da FEBRABAN
na parceria, mas também por causa da própria configuração que a responsabilidade social de
empresas adquire no Brasil. A associação de bancos não apresentava, antes do P1MC,
envolvimento com causas ligadas ao acesso a água no semi-árido brasileiro, bem como
demonstrou pelas entrevistas realizadas que seu foco e experiência de atuação se concentram
em outras agendas das políticas sociais. O mesmo se com a maioria das empresas
brasileiras, conforme atestam estudos de FIRJAN (2002), FIEMG (2000) e Peliano (2000),
através dos quais se constata que os investimentos sociais de atores de mercado concentram-
se em educação, infância e adolescência e ações ambientais inerentes às atividades da
empresa, tendo na maioria absoluta dos casos vinculação direta com seu entorno geográfico e
não com populações distantes da sede e das filiais empresariais, como as do semi-árido
brasileiro.
no que tange ao potencial de conflitos ideológicos entre os atores envolvidos no
Programa Um Milhão de Cisternas, percebe-se uma convergência entre organizações do
governo federal e da OSC, visto que compartilham em grande medida concepções
programáticas, trajetória de lutas sociais e mesmo ideologia partidária. Por outro lado, com o
ator de mercado envolvido nessa Parceria Tri-Setorial o potencial de conflitos ideológicos é
ampliado, visto que as orientações, em vários aspectos, situam-se no arco oposto de suas
concepções programáticas, idealizações sobre vida social e orientação política. Cabe destacar
203
que se fala aqui de potencial e não necessariamente de conflitos manifestados nas articulações
colaborativas.
No caso do projeto Novas Alianças, o potencial de conflito ideológico com atores
governamentais é considerado mediano, visto que o Ministério Público, o legislativo e o
executivo, tanto no âmbito estadual, quanto municipal, dificilmente se posicionam
contrariamente à agenda de direitos de infância e adolescência, uma das frentes de ampliação
da cidadania que mais conquistas formais obteve desde a Constituição de 1998 (VERSIANI,
2008). No entanto, nem sempre os atores do Ministério Público, executivo e legislativo
posicionam em suas agendas de ação a participação popular e o controle social como temas
prioritários e centrais, residindo essa convergência muito mais no voluntarismo e no
compartilhamento dessas crenças por parte de alguns membros dessas instituições. Isso
amplifica o potencial de conflitos ideológicos de acordo com o ator imbricado no projeto.
Conflitos ligados à operacionalização do projeto, ou seja, à incidência e monitoramento
orçamentários são mais destacados na implementação do Novas Alianças, visto que a
iniciativa implica no controle social dos atores de Estado, nem sempre afeitos e habituados a
essa dinâmica na realidade brasileira. A experiência local analisada nesse caso é rica na
manifestação de desencontros e atritos entre os atores locais.
com relação aos atores de mercado, o projeto NA apresentaria baixo potencial de
conflito ideológico. Um dos fundamentos dessa avaliação é que não no discurso dos atores
empresariais entrevistados nessa pesquisa, mas também entre vários outros, como se pode
depreender através da mídia e do cotidiano, aparece com destaque o apoio ao
desenvolvimento de formas aprimoradas de utilização dos recursos públicos, muitas das vezes
tendo como pano de fundo a construção social da noção de que atores governamentais
apresentam debilidades decisivas na gestão da coisa pública. Além disso, a área temática de
infância e adolescência também encontra amplo apoio e apelo junto a atores de mercado na
realidade brasileira, conforme apontam estudos sobre responsabilidade social no país
(FIRJAN, 2002; PELIANO, 2000; FIEMG, 2000).
Cabe destacar que, apesar de ter se manifestado uma divergência de orientação política
entre uma das OSCs participantes do projeto inicial e o novo financiador empresarial, que
resultou no desligamento da primeira da Parceria Tri-Setorial, tal fato parece se fundamentar
mais em uma situação peculiar e externa à própria natureza do projeto do que derivado de
uma característica constitutiva dessa proposta de intervenção social. No entanto, uma
tendência importante de conflito entre atores de mercado e da sociedade civil pode se relevar
nas dinâmicas locais do Novas Alianças, à medida em que os CMDCAs passem a discutir em
204
maior profundidade não as políticas blicas de infância e adolescência, mas também as
ações de outros atores do mercado e da sociedade civil. As práticas tradicionais de
investimento empresarial e das OSCs em ações pontuais de infância e adolescência, através da
oferta de serviços sociais específicos, como creches, abrigos e escolas, podem ser
questionadas quanto à sua efetiva contribuição para a transformação social dos problemas
dessa agenda temática, resultando em posições de resistência e conflito.
Por isso, considera-se que o apelo temático do projeto é menor para atores de Estado e
de mercado visto que, no primeiro caso, impõe maior controle, transparência e pressão social
sobre a gestão das políticas sociais através de mecanismos de participação popular e, no
segundo caso, foge ao padrão tradicionalmente desenvolvido por atores empresariais para
investir em causas de infância e adolescência no Brasil. Conforme já discutido anteriormente,
os investimentos de responsabilidade social empresarial no país têm se concentrado em bens
públicos de primeiro nível, cuja oferta se sobretudo no entorno geográfico das instalações
das empresas. O projeto Novas Alianças fundamenta sua atuação na esfera de ampliação das
lutas por garantias de direitos, ou seja, em ões menos conectadas diretamente à dinâmica
concreta das comunidades e de materialização em mais longo prazo. Assim, o apelo temático
seria reduzido tanto para atores governamentais, nem sempre afeitos ao diálogo democrático
com a sociedade civil ou mais sensibilizados para o atendimento de demandas pontuais e
clientelistas das comunidades, e também para os de mercado, como a própria transição de
uma empresa para empresa dentro dessa Parceria Tri-Setorial exemplifica.
Já no programa Além das Letras, o potencial de conflitos ideológicos entre os atores se
faz bastante reduzido, enquanto o apelo temático junto ao Estado e às empresas tem bastante
força. Nos últimos anos, cada vez mais atores da sociedade civil, do mercado e
governamentais constroem discursos sobre a importância não da universalização do acesso
à educação no país, mas sobretudo da melhoria da qualidade do ensino, proposta central do
AL. Além disso, os investimentos sociais empresariais elegem a educação como uma de suas
agendas prioritárias de ação no cenário brasileiro. Por fim, a própria forma de intervenção do
projeto, atuando em um ponto específico das políticas de educação dos municípios, ou seja, a
produção de textos no ensino básico, acaba por o incorrer em pressão por transformações
estruturais das políticas públicas, pelo menos no curto-prazo. Essas mudanças aconteceriam
pela ação cotidiana dos atores inseridos nas escolas e secretarias municipais de educação, com
forte ancoragem no caráter voluntarista dos envolvidos na iniciativa, o que reduziria o
potencial de embate, conflito e resistência decorrentes de inovações radicais que impactam
mais estruturalmente políticas públicas e organizações governamentais.
205
Uma das formas para se mitigar o potencial de conflitos nas Parcerias Tri-Setoriais
parece advir da tentativa de convergência dos atores em torno de aspectos menos passíveis de
questionamento e embate ideológico nos programas e projetos sociais, bem como mais
fundamentados em aspectos concretos e operacionais das iniciativas. Casarotto Filho e Pires
(1998) apud Abramovay (1999) afirmam que alguns dos aspectos centrais para o
desenvolvimento do que denominam de pacto territorial envolvem: a mobilização dos atores
em torno de uma idéia guia, capaz de sustentar o apoio desses atores tanto na execução,
quanto na elaboração da proposta de intervenção; a orientação precisa sobre a iniciativa de
desenvolvimento de um território, com recortes de tempo definidos; e a construção de uma
organização gestora do pacto que seja capaz de lidar com os conflitos e gerar unidade entre os
protagonistas da colaboração.
Nas três iniciativas analisadas aparecem elementos dessas dimensões, sobretudo no
caso do P1MC. A referência à construção de uma proposta de intervenção precisa e
delimitada quanto à sua temporalidade de concretização remete ao apelo promovido pelos
bens públicos de primeiro nível, com suas características de concretude e maleabilidade de
negociação. Isso acaba por mitigar ou colocar em segundo plano, diferenças ideológicas ou no
campo dos valores, que se levadas ao extremo poderiam inviabilizar as Parcerias Tri-
Setoriais. Ainda assim, essas divergências não desaparecem e se fazem latentes em todo o
processo de articulação e interação colaborativa entre os atores. A noção de idéia guia
assemelha-se ao que os atores globais participantes dos círculos de ação reflexão, uma das
estratégias de coleta de dados e produção de conhecimento desenvolvida nessa presente
pesquisa, denominam de tema âncora e serviria para criar dimensões de negociação e
engajamento capazes de superar diferenças, desconfianças e preconceitos recíprocos entre os
atores, constituindo-se, nos casos analisados, em um dos componentes decisivos da habilidade
social, conforme definida por Fligstein (2006).
A trajetória das três experiências analisadas denota que aconteceram processos de
evolução das instâncias de interação e governança interna das Parcerias Tri-Setoriais no
âmbito de seus atores globais. No entanto, a mesma transformação parece não ter ocorrido nas
instâncias de interação com os atores locais e públicos beneficiários das iniciativas. Essa
frente de ação pode resultar não na melhoria da performance das intervenções sociais
desenvolvidas, mas também na difusão da agenda de construção de articulações colaborativas
tri-setoriais no âmbito local. Esse processo apresenta riscos de imposição de uma agenda
externa aos grupos locais, no entanto, caso se processe de forma mais substantiva e horizontal,
pode resultar em avanços para a própria dinâmica da esfera pública no nível local.
206
Um desses riscos está relacionado ao desenvolvimento de abordagens exageradamente
centradas na construção de consensos, relegando-se o conflito social a um segundo plano ou
estabelecendo-se uma concepção de sociabilidade na qual o conflito seria visto como
indesejável, disfuncional ou mesmo um resquício de anacronismo das lutas sociais do
passado, marcadas por intensa polarização ideológica entre os grupos sociais. Ao contrário do
que uma visão vitimizadora dos públicos locais, que no fundo carrega traços de centralismo
assistencialista, pode levar a se construir como referência para a gestão social, é no âmbito da
práxis e da vida cotidiana nas localidades que as políticas e projetos sociais se materializam,
não havendo dados consistentes para se estereotipar atores locais como meros receptores e
difusores de lógicas construídas exogenamente. Nessa frente de ação, residem possibilidades e
ameaças de transformação social em direção a uma esfera pública mais democrática.
O quadro abaixo sintetiza alguns achados decorrentes da análise das Parcerias Tri-
Setoriais junto às localidades investigadas.
Experiências Analisadas Dimensões de
Análise
P1MC Novas Alianças Além das Letras
Inserção da
perspectiva
Parcerias Tri-
Setoriais na
Agenda Local
a) Parcerias Tri-
setoriais não fazem
parte da agenda local
investigada;
b) Conflitos ideológicos
relevantes entre atores
locais da parceria e o
poder público
municipal, empresários
apoiadores da
prefeitura.
a) Parcerias Tri-setoriais não
fazem parte da agenda local;
b) Atores demonstram
resistência ao envolvimento
com empresários;
c) Empresas não participam
do CMDCA, exceto micro-
empresário representando
uma OSC;
d) Vale reproduz estratégia
de investimento em bens
públicos de primeiro nível,
sem atuação no CMDCA
local.
a) Parcerias Tri-setoriais não fazem
parte da agenda local;
b) Atores governamentais locais,
responsáveis pela implementação do
AL, não demonstram se voltar a
parcerias com a sociedade civil e
empresa em projetos educacionais.
Participação do
público
beneficiário
a) Grande envolvimento
de beneficiários que são
também ativistas das
OSCs locais envolvidas
no programa;
b) Dificuldade de
ampliação do
envolvimento do
público beneficiário;
c) Maior intensidade de
participação quando há
recursos a repartir;
d) Desconhecimento
sobre a Parceria Tri-
Setorial e os atores
globais envolvidos,
principalmente os de
origem empresarial.
a) Envolvimento desigual
dos conselheiros nos
treinamentos;
b) Participação frágil na
gestão e planejamento do
projeto, ainda que ocorram
reuniões de avaliação, com
caráter mais informativo do
que deliberativo com esses
públicos;
c) Vínculos frágeis entre
conselheiros e comunidades;
a) Participação dos professores na
construção de metodologias de ensino
e aprendizagem (tarefas);
b) Baixo envolvimento dos professores
no planejamento e gestão do projeto;
c) Vínculo frágil ou inexistente do
projeto com famílias, conselho das
escolas, conselho municipal de
educação e diretoria das escolas;
207
Sobrevivência
adaptativa de
fenômenos espúrios
das políticas
públicas brasileiras
a) Clientelismo e
Paternalismo através da
Indústria da Seca;
b) Dificuldade de
ampliação da
participação popular
para além de conquistas
materiais e imediatas.
a) Clientelismo das OSCs
locais no conselho;
b) Insulamento tecnocrático;
c) Prefeiturização do
conselho;
d)Desarticulação entre poder
executivo, legislativo e
conselho;
e) Alta dependência do
voluntarismo dos
conselheiros, promotoria e
legislativo para operação
adequada do programa.
a) Precarização do trabalho docente
(baixos salários e nenhum incentivo
financeiro vinculado à performance);
b) Alta dependência do voluntarismo
docente para operação adequada do
programa.
Interação com as
Políticas Públicas
a) Grande
intersetorialidade com
políticas públicas
federais;
b) Baixa articulação
com políticas públicas
locais;
a) Processo de ampliação da
incidência em políticas
estaduais e locais de infância
e adolescência;
b) Baixo envolvimento e
diálogo intersetorial com
outras áreas programáticas de
políticas públicas impactadas
pela incidência no orçamento
de infância e adolescência.
a) Ação pontual, sem maior
entrelaçamento com outras políticas
públicas;
b) Baixa articulação com políticas
discutidas no conselho municipal de
educação.
Sustentação da
Iniciativa
a) Fragilizada pela
ameaça de
descontinuidade do
governo federal e
interação frágil com
parceiro do mercado;
b) Dependência do
nível de capital social
dos territórios, com
dificuldade de
ampliação para áreas
distantes desses pólos.
a) Elevada devido à
multiplicidade de atores
envolvidos na articulação
global;
b) Dependência do
voluntarismo dos
conselheiros, promotoria e
legislativo municipal.
a) Elevada pela aproximação entre
atores da articulação global;
b) Fragilizada pela ameaça de
descontinuidade do governo local;
c) Ameaçada pela descontinuidade das
diretorias das escolas atendidas;
d) Dependência do voluntarismo dos
atores locais envolvidos.
Quadro 9 - Comparativo das Parcerias Tri-Setoriais Analisadas
Fonte: Elaboração própria.
Se na dinâmica de articulação global das Parcerias Tri-Setoriais analisadas conflitos de
natureza ideológica são mais manifestados e reconhecidos discursivamente pelos atores, na
agenda local a construção social dessas parcerias adquire outra dimensão. Parcerias Tri-
Setoriais não se constituem em agenda dos atores locais e suas informações sobre as parcerias
analisadas são poucas e esparsas. Não se trata apenas da ausência de mecanismos estruturados
de comunicação e informação para os grupos locais, mas sim da própria energia requerida
para a parceria, levando os articuladores globais a focalizarem seus esforços mais nas relações
estruturais e menos nas realidades locais, fenômeno semelhante ao detectado por Najam
(1996) ao analisar processos de Accountability em projetos sociais desenvolvidos em parceria
entre OSCs e órgãos governamentais.
Nas experiências locais analisadas, manifestou-se muita resistência por parte de alguns
atores quanto ao envolvimento de empresas em projetos sociais. Isso se deve a diferentes
208
fatores em cada localidade analisada, destacando-se o baixo interesse do empresariado local
por intervenções sociais como a construção de cisternas e o seu não alinhamento político-
partidário com as OSCs locais no caso do P1MC, a experiência prévia desfavorável e o
desinteresse das empresas locais pelas escolas no programa Além das Letras e o
distanciamento e desinteresse dos empresários da cidade pelos conselhos no projeto Novas
Alianças. Em comum, aparece a focalização do investimento social de empresários locais em
outros tipos de projetos, na maioria das vezes com forte recorte assistencialista, pontual e/ou
descontinuado, reproduzindo uma postura recorrente quanto à responsabilidade social de
pequenas e médias empresas no Brasil.
Estudos como o de Peliano (2000) constatam o significativo volume de ações
empresarias na área socioambiental no Brasil vinculados ou originários de pequenas e médias
empresas. Ainda que muitas dessas iniciativas, ou talvez na maioria delas, se façam através de
padrões conservadores de intervenção social, com forte viés assistencialista e paternalista, a
inserção das discussões sobre consensos mínimos entre atores das esferas pública, do Estado e
do mercado pode servir para se problematizar essas intervenções. Com isso, poderiam se abrir
alternativas de modernização da ação social das empresas em bases diferentes de várias das
inovações na responsabilidade social empresarial observada na realidade brasileira
contemporânea, que segundo Beghin (2005), Garcia (2004) e Paoli (2002), resultam na
chamada neofilantropia, ou seja, em uma modernização conservadora das políticas de
investimento social das empresas.
Devido à inserção de pequenos e médios empresários no contexto das relações sociais
locais, a construção de racionalidades auto-referenciadas em concepções competitivas e auto-
interessadas de mercado pode ser balizada, ou mesmo embebida, por outras lógicas que
organizam e explicam a vida em sociedade, nas quais não se faça hegemônico o
reconhecimento do mercado como esfera cindida em relação à sociedade e com lógica
independente frente às outras relações sociais e à própria esfera pública. No entanto, essas
possibilidades não são dadas a priori e residem sobretudo na capacidade dos atores locais
construírem agendas de discussão nas quais resistências, assimetrias de poder e desinteresse
mútuo sejam superadas.
Em alguns relatos construídos pelos atores locais se manifestam resistências aos atores
globais de mercado envolvidos nas Parcerias Tri-Setoriais, reproduzindo concepções
comumente encontradas na vida cotidiana quanto ao auto-interesse dos atores empresariais,
mesmo quando desenvolvem intervenções sobre problemas sociais. No entanto, a maioria dos
atores locais entrevistados nos três casos fundam seus nexos explicativos sobre os fenômenos
209
que ocorrem nas Parcerias Tri-Setoriais em seu âmbito global menos em questões ideológicas
e valorativas e mais na complementaridade de recursos, denotando uma visão mais
pragmática das parcerias. Além disso, mesmos que as divergências ideológicas existam, uma
percepção dessas articulações de parceria como fenômeno distante de suas realidades, sobre
as quais detém pouca ou nenhuma informação e capacidade de interferência, acaba levando os
atores locais a se importarem menos com as dimensões de valores, natureza e racionalidade
dos atores envolvidos e mais com a efetiva materialização das iniciativas de intervenção na
realidade social, sobretudo ligadas ao repasse continuado de recursos para a iniciativa.
A difusão nas realidades locais da agenda das Parcerias Tri-Setoriais pode resultar em
uma ação centralizada em direção às localidades, reproduzindo problemas clássicos de várias
iniciativas públicas e privadas de ação sobre problemas socioambientais das localidades,
como também podem levar a novas formas de convívio plural e mais democrático entre atores
de Estado, mercado e sociedade civil na esfera pública. Essa última perspectiva se faz mais
ainda relevante quando se constata que, ao contrário do que concepções baseadas em visões
estruturais e auto-referenciadas na dinâmica dos grandes centros de poder político e
econômico muitas vezes constroem sobre as realidades locais, esses espaços são decisivos
para a efetividade e impacto das políticas sociais e carregam tanto o potencial de
transformação social, quanto os dilemas e armadilhas da captura das inovações por fórmulas
tradicionais e conservadoras de gestão social.
Uma característica relevante dos três casos analisados reside na forte dependência das
iniciativas em relação ao nível de engajamento e participação das comunidades e públicos
beneficiários nas atividades operacionais desenvolvidas pelas Parcerias Tri-Setoriais. Essa
perspectiva parece advir, dentre outros fatores, da tentativa de ruptura de padrões
assistencialistas e paternalistas de intervenção social. Assim, o envolvimento e o
comprometimento de atores locais nessas experiências permitiriam se avançar para novas
formas de construção das relações sociais na esfera pública e, sobretudo, entre financiadores,
organizações responsáveis pelos projetos e comunidades imbricadas nas atividades. A
participação das comunidades locais, o envolvimento dos beneficiários na implementação das
atividades e a construção de relações sociais pautadas na co-responsabilização pelas
iniciativas trariam não apenas ganhos para a operacionalização e gestão dos projetos, mas
também quanto ao exercício da cidadania e o acesso a direitos sociais, configurando formas
mais avançadas de convívio na esfera pública.
No entanto, reproduzindo o mesmo dilema que parece pautar o debate sobre políticas
públicas baseadas em maior ou menor engajamento da sociedade civil, cujo um dos exemplos
210
é a discussão de Tendler (1998), a dependência do vel de engajamento e articulação social e
política das comunidades pode se apresentar também como fragilidade nas Parcerias Tri-
Setoriais analisadas. Isso não seria decorrente apenas do fato da gestão dos programas e
projeto apresentarem aspectos nos quais a participação dos beneficiários poderia avançar, mas
também dos próprios dramas e tramas de se operar políticas e programas sociais a partir de
contextos nos quais se perpetuam vários traços nefastos da cultura política tradicional no país,
construídos a partir de trajetórias históricas de longa data. Não se trata, nesse ponto, de fazer
uma defesa de formas tecnocráticas de desenho e gestão das políticas e projetos sociais, sob o
pressuposto de que a inexistência de mecanismos de democratização mais profunda das
relações sociais em torno dessas iniciativas justificaria o retrocesso a processos centralizados
de decisão. Pelo contrário, é na discussão dessas armadilhas que também residem
possibilidades de avanços, com o mesmo sentido já discutido em parágrafos anteriores sobre a
inserção das Parcerias Tri-Setoriais nas agendas locais.
Ainda que os casos analisados procurem ampliar a participação dos beneficiários,
muitas vezes ela se a partir de verdadeiros efeitos sanfona, com um maior ativismo em
períodos de grande disponibilidade de recursos e uma desmobilização em outros momentos,
ou de um engajamento consistente sempre dos mesmos atores, com dificuldade de difusão
para públicos mais amplos, ou enfim, de um maior grau de participação em atividades
operacionais e menor no planejamento e gestão das iniciativas, mesmo se tratando de aspectos
ao alcance da ação dos atores locais. Além disso, em um mesmo cenário, atores locais que
poderiam conquistar níveis mais avançados de participação dentro das estruturas de
governança dos programas e projeto, enfrentam dificuldades semelhantes quando representam
e tentam envolver outros beneficiários e segmentos sociais mais amplos nas próprias
atividades dessas Parcerias Tri-Setoriais. Essa realidade coloca importantes constrangimentos
para a expansão dos programas e projetos analisados, sua sustentação como política pública e
sua construção social como conquistas em termos de direitos sociais por parte dos públicos
beneficiários.
Ao mesmo tempo em que perduram desafios decorrentes desse engajamento desigual
dos atores locais em torno das Parcerias Tri-Setoriais analisadas, ações socialmente
construídas por alguns desses atores tentam e, em vários casos, conseguem efetivamente fazer
frente a essas agruras da interação com os públicos beneficiários. Tudo se passa como se a
própria debilidade do capital social entre amplos segmentos das comunidades despertasse
alguns atores locais para a urgência, relevância e necessidade de operar os projetos a partir de
forte engajamento do blico beneficiário. Nesse sentido, o voluntarismo se faz presente nas
211
experiências analisadas e carrega tanto as possibilidades de transformação social a partir da
capacidade e dedicação desses atores engajados, como também os riscos de pasteurização e
captura das iniciativas por práticas pautadas na precarização do trabalho social, no
clientelismo e no insulamento tecnocrático, conforme sintetizado no quadro e discutido nos
capítulos anteriores dedicados a cada experiência analisada.
Ainda que os casos analisados dependam do voluntarismo dos atores, há pouco ou
nenhum envolvimento de trabalho voluntário, sobretudo na ponta operacional ou na realidade
local de implementação dos programas e projeto analisados. A perspectiva de recorrer ao
voluntariado aparece com maior destaque no discurso empresarial e, com menor destaque e
até mesmo resistência nos discursos de organizações da sociedade civil e do Estado. No
entanto, até o momento a presença de voluntários advindos das empresas não se materializou
nas experiências investigadas. Enquanto para os projetos de responsabilidade social
empresarial o trabalho voluntário, sobretudo dos empregados das empresas envolvidas, é
concebido como um recurso relevante para dinamizar a intervenção em problemas sociais, no
âmbito da sociedade civil e do Estado é visto como ameaça de desprofissionalização, baixa
capacidade técnica de trabalho e de fragilização das atividades em decorrência do
comprometimento desigual e precário dos possíveis voluntários.
Destacam-se também nas experiências analisadas o recorte de gênero como um
elemento relevante nas Parcerias Tri-Setoriais. Tanto na articulação global, quanto entre os
atores locais, a maioria dos protagonistas das parcerias analisadas são do sexo feminino. Tal
dimensão apresenta-se como eixo interessante de análise em estudos futuros sobre as
Parcerias Tri-Setoriais, sobretudo se essas novas pesquisas fugirem do lugar comum
comportamentalista, que concebe o universo feminino como dotado a priori de maior
sensibilidade, habilidade e competência para a colaboração na ação social. A problematização
da presença e hegemonia das mulheres em Parcerias Tri-Setoriais, a partir de dados sobre sua
condição social, política e econômica e trajetória de vida em contextos de vulnerabilidade
social e reduzido diálogo entre os atores, parece se constituir em um caminho mais frutífero
para as agendas futuras de pesquisa.
A forma como os programas e projetos analisados interagem com as políticas públicas
também se apresenta como um aspecto relevante de análise das Parcerias Tri-Setoriais, não
porque problematiza uma das possibilidades de sustentação das iniciativas no longo-prazo,
mas também porque pode implicar em uma transformação do Estado em direção à oferta de
políticas públicas menos estadocêntricas, uma das virtudes que a literatura associa às
colaborações público-privadas na gestão social. A análise das três experiências denota que
212
avanços alcançados em um caso poderiam servir de inspiração para avanços em outros. Nesse
sentido, a intersetorialidade desenvolvida na ponta operacional do P1MC pode fazer avançar a
ação dos conselheiros no Novas Alianças, de forma a adquirirem maior propriedade na
incidência orçamentária nos municípios, bem como a ação através dos conselhos do NA
poderia levar a uma consolidação do Além das Letras nas políticas de educação locais. Por
sua vez, a baixa vinculação do P1MC com políticas públicas locais poderia ser equacionada a
partir da experiência do AL em lidar com atores governamentais locais.
No que diz respeito inserção das Parcerias Tri-Setoriais analisadas nas políticas
públicas, percebe-se que a interação com as políticas federais acaba levando o P1MC a se
confundir ou se inserir no rol de programas do MDS. No entanto, tal característica não
necessariamente resulta em maior possibilidade de sustentação no longo-prazo, visto que os
riscos de se não consolidar como ação de Estado, mas de governo, são decisivos nesse caso.
uma inserção mais pontual das iniciativas, como no caso do Além das Letras, dentro das
ações desenvolvidas pelo poder público municipal, também não implica em maior capacidade
de sustentação no longo-prazo, justamente pela mesma situação quanto à consolidação como
ação de Estado. O projeto Novas Alianças também não foge desses riscos. Em comum, as
três experiências têm o fato de dependerem do voluntarismo dos atores governamentais
inseridos em variadas dimensões dos projetos, sejam nos escritórios do governo federal, sejam
nas promotorias e legislativos locais ou mesmo dentro das secretarias municipais de educação.
Além do mais, fenômenos de maior alcance, ligados à trajetória histórica da construção de
políticas públicas no país, acabam por criar um pano de fundo sociopolítico que oferece
maiores riscos de descontinuidade do que de perpetuação dessas iniciativas nas ações de
governo.
A sustentação das iniciativas pode se dar através do recurso a atores que não operam
no espaço governamental, sobretudo os de mercado. No entanto, o que parece estar em jogo
não é apenas a continuidade de financiamento das atividades, como as concepções estreitas
sobre sustentabilidade de OSCs parecem difundir com pujança nos últimos tempos. São
dimensões políticas, culturais e sociais, bem como de acesso a recursos financeiros, que estão
em jogo e dizem respeito à forma como os atores se articulam em torno das Parcerias Tri-
Setoriais.
O quadro abaixo sintetiza os papéis dos atores nas três Parcerias Tri-Setoriais
analisadas quanto à gestão de programas e projetos sociais.
213
Dimensões da Gestão de Programas e Projetos Parceria
Tri-
Setorial
Formulação Financiamento Regulação Avaliação Produção
P1MC
OSC
(ASA)
Estado e
Empresa
(MDS e
FEBRABAN)
OSC e Estado
(AP1MC e
MDS)
Estado e Empresa
(MDS e
FEBRABAN/APEL)
OSC
(AP1MC e
OSCs
integrantes de
UGC, UGMs e
UELs)
Novas
Alianças
OSCs
(Oficina de
Imagens,
Ágora,
INESC,
ANDI e
Frente
Mineira)
Empresa
(Fundação Vale)
OSCs
(Oficina de
Imagens,
Ágora e
Caliandra
OSCs
(Oficina de Imagens,
Ágora, Caliandra e Frente
Mineira)
OSCs
(Oficina de
Imagens,
Ágora e
Caliandra)
Além das
Letras
OSC
(Avisa Lá)
Empresa
(Instituto
Gerdau)
Governo Local
(Secretaria
Municipal de
Educação)
Empresa
(Instituto Gerdau/Instituto
Razão Social)
OSC e
Governo Local
(Avisa Lá e
Secretaria
Municipal de
Educação)
Quadro 10 - Papéis Principais nas Parcerias Tri-Setoriais analisadas
Fonte: Elaboração própria.
Notas: São apontados os papéis principais ou hegemônicos em cada dimensão, apesar de em
várias situações atores de outras esferas também atuarem, mas de forma secundária,
complementar e/ou parcial.
Percebe-se, pela análise das experiências, que a distribuição de papéis entre atores da
sociedade civil, Estado e mercado obedece ao padrão tradicionalmente encontrado em outras
iniciativas de intervenção em problemas sociais. O Estado e atores empresariais concentram
suas ações nas Parcerias Tri-Setoriais no financiamento de atividades, ao passo que as OSCs
se encarregam da geração de metodologias de intervenção nos problemas sociais. Mesmo no
214
caso do projeto Novas Alianças, no qual a construção das propostas de intervenção nasce no
âmbito empresarial, através do Instituto Telemig Celular, sua segunda fase, com a transição
para o suporte orçamentário da Fundação Vale, se processa a partir dos papéis tradicionais de
financiador e financiado. No caso do P1MC, a entrada de atores empresariais se com o
andamento do programa, enquanto que nas experiências do Novas Alianças e Além das
Letras, a presença de atores das três esferas da vida em sociedade é parte constituinte das
próprias propostas de intervenção social. Mas, apesar disso, as Parcerias Tri-Setoriais
parecem refletir muito mais as experiências socialmente construídas pelos atores, originando-
se em fundamentalmente em práticas recorrentes no cotidiano dos atores e menos em modelos
inovadores de articulação colaborativa.
Como o transcurso das interações entre os parceiros, transformações nos papéis vão
acontecendo, bem como começam a se manifestar embates entre racionalidades e formas de
atuação picas da sociedade civil, Estado e empresas. Em duas das experiências, essa
articulação é permeada pela presença de organizações intermediadoras das relações. No
P1MC esse papel é desempenhado pela consultoria APAEL, enquanto na experiência do
Além das Letras opera o Instituto Razão Social, uma OSCIP financiada pelas empresas
envolvidas na parceria. A presença dessas organizações intermediárias teve papel fundamental
para tocar as parcerias e operar negociações entre as partes, reduzindo os atritos advindos dos
embates entre diferentes lógicas de ação. Além disso, organizações de menor porte e
especializadas na gestão de projetos acabam servindo como canais mais diretos e cotidianos
com as empresas privadas, cujas grandes estruturas e a multiplicidade de áreas especializadas,
podem dificultar acessos mais diretos e diálogos menos verticalizados com as OSCs. Muitas
das vezes o recurso a organizações intermediárias acontece pelo fato das empresas preferirem
não atuar diretamente em áreas que não consideram seu foco de atuação, terceirizando seus
investimentos sociais para outras organizações. A presença desse tipo de organização
intermediária ou híbrida, no caso do Instituto Razão Social, pode ser um fenômeno passageiro
das Parcerias Tri-Setoriais, como pode também se configurar em uma tendência de operação
desse tipo de articulação colaborativa, merecendo atenção em estudos futuros sobre esse tipo
de parcerias.
Reproduzindo dinâmicas encontradas com certa freqüência em outras experiências de
parcerias em projetos sociais, os financiadores acabaram projetando demandas de avaliação
das Parceriais Tri-Setoriais. Assim, os métodos de avaliação nos casos estudados foram
desenhados após a operação dos programas e projetos, refletindo um fenômeno típico do
universo e racionalidade das OSCs, a focalização de esforços no desenvolvimento de
215
metodologias de intervenção social e, posteriormente, na busca de parceiros para os projetos,
sem maior ênfase no desenho prévio de métodos avaliativos.
As demandas de avaliação por parte das empresas nos três casos analisados,
reproduzindo um padrão recorrente na gestão de projetos sociais, tendem a se concentrar em
bases quantitativas e físicas e menos nas dimensões e desdobramentos na esfera pública,
difíceis de mensurar e mais passíveis de diferentes interpretações e conseqüentes
questionamentos. Esse fenômeno parece estar ligado ao fato de que os projetos iniciam-se
com uma intervenção em bens públicos de primeiro nível, ainda que declarem objetivos
vinculados à luta por direitos. Mesmo no NA, que atua no campo de garantia de direitos
sociais, a avaliação do projeto é balizada pela prestação de serviços, no caso, os cursos
ministrados. Nesse ponto, se manifestam conflitos entre OSCs e atores empresariais e de
Estado, havendo disputas para que os critérios de avaliação possam englobar também aspectos
de mais longo-prazo das intervenções, sobretudo de natureza não quantitativa e objetiva na
análise das intervenções. Nessa dinâmica de negociação, as organizações intermediárias
desempenham papel relevante, operando contatos mais freqüentes, capazes de tornar a
racionalidade das OSCs menos nebulosa para os financiadores empresariais e desconstruindo
resistências dos atores da sociedade civil quanto às demandas empresariais.
Muitos das disputas quanto à avaliação em projetos sociais são decorrentes do
encontro entre experiências e racionalidades dos atores empresariais, de Estado e das
organizações da sociedade civil. Geralmente, organizações de mercado estão mais habituadas,
pela sua própria práxis, a avaliar as dimensões de eficiência e eficácia dos projetos, dando
pouca atenção às dimensões de efetividade e impacto dessas intervenções. Por outro lado,
muitas das vezes atores governamentais e organismos internacionais preocupam-se com a
efetividade dos programas sociais, ainda que também tenham forte apelo pelos procedimentos
processuais dos projetos, sobretudo quanto à alocação de recursos. Avaliações de impacto, até
mesmo pelo elevado aporte de recursos e sistematização de dados que exigem, acabam sendo
relegadas a segundo plano na avaliação de programas e projetos sociais, quando simplesmente
não são descartadas.
Nagam (1996) observa que os esforços de controle social e Accountability das
parcerias em projetos sociais concentram-se em demandas provenientes dos financiadores, o
que acaba por levar essas iniciativas a se aproximarem mais dos atores envolvidos na
articulação colaborativa e menos das comunidades beneficiárias. Esse fenômeno parece ter se
manifestado nas Parcerias Tri-Setoriais analisadas, não porque os avanços de avaliação
concentraram-se mais nas interações entre os articuladores globais das iniciativas, mas
216
também porque o contato com os atores locais muitas das vezes é marcado pelo seu baixo
interesse no acesso a informações mais amplas, para além de suas realidades específicas, e
pela sensação de que pouco podem fazer para alterar as dinâmicas dos processos de
articulação global dessas parcerias. Assim, privilegiam-se fatores processuais na avaliação
dos programas e projetos, perdendo-se de vista elementos mais relevantes que dizem respeito
ao impacto nas comunidades. Nesse sentido, a suposta desestatização do Estado e a
socialização dos atores de mercado, que aconteceriam através das Parcerias Tri-Setoriais, se
constituem em fenômenos permeados por maior complexidade, nos quais racionalidades
burocrática e empresarial podem ocupar maior centralidade do que a lógicas sociocêntricas de
avaliação dos projetos, o que acaba por gerar desdobramentos na própria operacionalização
das iniciativas.
Quando se focaliza a análise nos papéis desempenhados pelos atores nas diferentes
dimensões desses programas e projeto, se percebe que práticas tradicionais perduram e são
reproduzidas pelas organizações da sociedade civil, do Estado e do mercado nas Parcerias Tri-
Setoriais analisadas. As OSCs aparecem, nos três casos, desempenhando o papel de gerar
metodologias inovadoras para a intervenção em problemas sociais, ao passo que as empresas
e o Estado aparecem como financiadores e indutores da avaliação das iniciativas. A
preocupação maior das OSCs se concentrou na formulação dos programas e projeto
analisados, fazendo com que a dimensão de avaliação fosse problematizada após a operação
das iniciativas. Tal característica também se manifesta em várias políticas públicas
implementadas pelo Estado e em projetos sociais de empresas, no entanto, esse fenômeno
parece ser recorrente no universo das OSCs, que em um primeiro momento projetam
propostas e focalizam a captação de recursos, para depois, ao longo da implementação da
iniciativa, estruturam com maior consistência metodologias de avaliação. Tal realidade parece
estar ligada também ao fato de que, não conseguirem antecipar de forma mais clara quais
atores serão os financiadores. Assim, uma definição mais precisa dos parâmetros de avaliação
acaba se dando após a operação das intervenções sociais. Nesse ponto, como demonstram as
experiências analisadas, conflitos e embates entre racionalidades e visões projetadas sobre a
operação ideal dos programas e projetos acabam se manifestando entre implementadores e
financiadores, sendo que, em muitos casos, a indução da avaliação se através dos
financiadores.
Todo esse quadro parece indicar que, apesar da construção de parcerias entre atores da
sociedade civil, do Estado e do mercado, a tri-setorialidade não se manifesta de forma incisiva
e claramente definida nas dimensões de construção e operação dos programas e projetos. Em
217
muitos casos, nem mesmo a presença de dois atores de esferas distintas em algumas dessas
dimensões representa bi-setorialidade, havendo a indução de dois processos de avaliação
distintos na iniciativa, como exemplifica a experiência do P1MC nessa dimensão. Pode-se
indagar se no futuro, com o avanço e a difusão das Parcerias Tri-Setoriais, o
compartilhamento de papéis será mais equilibrado desde a etapa de formulação dos programas
e projetos. No entanto, nada parece assegurar que isso ocorra, visto que a muitos dos
processos de aprendizagem operados ao longo das parcerias se dão em sua evolução e não
previamente, mesmo que haja uma aprendizagem prévia dos atores pela vivência de Parcerias
Tri-Setoriais anteriores e uma intencionalidade em operar em novas bases em novas
articulações colaborativas, recorrendo à aprendizagem prévia.
Na dimensão de regulação, o projeto Novas Alianças apresenta uma peculiaridade em
relação às outras iniciativas, visto que não se constitui, diferentemente das outras duas
experiências, em projeto que se insere no bojo ou se mistura e até mesmo se confunde com
políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, como fica mais evidente no caso do P1MC.
Assim, melhor seria dizer que a regulação produzida se confunde com a avaliação do projeto
e assume um caráter de auto-regulação das próprias OSCs.
Para Coston (1998), vários estudos sobre relações de colaboração em projetos sociais
indicam que organizações atuando em múltiplos níveis de operação, desde instâncias mais
globais de articulação até a base operacional das intervenções e apresentando diferentes
tamanhos e alcances são capazes de oferecer respostas mais consistentes do que apenas um
aparato organizacional de grande porte, atuando isolada e simultaneamente em vários desses
níveis. Essa parece ser a realidade encontrada no P1MC, na medida em que a experiência se
subdivide em diferentes níveis de articulação e envolve diferentes organizações, desde
aquelas mais características daquilo que se entende por gassroots, passando por organizações
intermediárias e mesmo instituições de grande porte e complexidade.
Nas três Parcerias Tri-Setoriais analisadas se reproduzem os papéis tradicionais das
OSCs, dos órgãos governamentais e dos atores de mercado nos projetos sociais realizados em
colaboração. Empresas e o Estado financiam as atividades, enquanto as organizações da
sociedade civil desenvolvem metodologias de intervenção em problemas sociais. Para muitos
autores, como Falconer (1999), caberia justamente às OSCs o papel de inovação das políticas
e projetos sociais, através do desenvolvimento de estratégias e instrumentos avançados de
ação. No entanto, outros autores como Vernis et al (2007), Selsky e Parker (2005) e Toro
(2005), bem como o discurso de construção compartilhada de iniciativas de atuação sobre os
problemas sociais remetem às Parcerias Tri-Setoriais não apenas o papel de proporcionar a
218
construção de formas de intervenção mais eficientes, eficazes, efetivas e geradoras de impacto
nas políticas e projetos sociais, mas associam a elas a construção de formas mais avançadas
de exercício da diálogo e da interação propositiva na esfera pública, de forma a fazer avançar
o convívio democrático na esfera pública e o próprio exercício dos direitos de cidadania. É
nesse ponto que as experiências analisadas não parecem oferecer, em seu estágio definitivo,
contribuições mais substanciais para as interações entre atores da sociedade civil, de Estado e
dos mercados na construção de políticas e projetos sociais. Isso pode se dar não apenas devido
ao fato das Parcerias Tri-Setoriais serem tema e agenda de trabalho ainda pouco difundidas e
experimentadas na realidade brasileira e mesmo global, mas também devido à própria
dinâmica das esferas pública, do Estado e do mercado nas sociedades contemporâneas, que
colocam para os atores relevantes dificuldades de construção de formas mais profundas de
interação.
A tipologia de Vernis et al (2007) quanto aos chamados argumentos para a
colaboração público-privada, anteriormente discutida, na qual se definem três perspectivas
básicas, ou seja, Estado de Bem-Estar, Pluralismo de Bem-Estar e Neoliberalismo parece não
dar conta da realidade as Parcerias Tri-Setoriais analisadas. Primeiro, porque no caso
brasileiro a trajetória da evolução de direitos, conforme a problematizam Carvalho (2008) e
Santos (1970), não levou à construção de um Estado de Bem-Estar social completo e
abrangente, perdurando situações precárias e parciais de acesso à de provisão de políticas
sociais, além de serem compartilhadas, em determinadas áreas, com atores da sociedade civil
e do mercado. Assim, dizer que as Parcerias Tri-Setoriais analisadas indicam caminhos em
direção à uma determinada perspectiva, além de parecer ser precipitado, pode não dar conta
da complexidade das interações e dos papéis compartilhados nessas colaborações para a
provisão de políticas sociais. Além disso, as experiências investigadas apresentam situações
de hibridismo nos quais se manifestam continuidades de um ethos governamental, que nunca
chegou a se firmar como bem-estar social amplo no país, com o compartilhamento de papéis
com a sociedade civil e o mercado, nuançando também as dimensões de Pluralismo de Bem-
Estar e Neoliberalismo, outras duas perspectivas também incompletas nessas experiências e,
como parece mais consistente afirmar, também no contexto das políticas públicas brasileiras.
Parcerias Tri-Setoriais têm assumido lugar central no discurso contra os problemas
sociais em diferentes partes do mundo. Na era da massificação midiática do apoio à inclusão
social, o apoio a esse tipo de parceria assume a aura de politicamente correto. No entanto,
existem abismos entre boas intenções e ações concretas capazes de gerar resultados desejados.
A compreensão desse descompasso representa não apenas um importante avanço em direção à
219
modernização da intervenção social, mas também constitui uma promissora agenda de
pesquisa no campo das políticas públicas.
Iniciativas de modernização das políticas públicas que representam aspirações de
longa data dos movimentos sociais são vistas como inerentes e umbilicalmente associadas às
parcerias em projetos sociais. Participação popular, aproximação entre o Estado e as
comunidades, responsabilização de empresas quanto aos seus impactos socioambientais e
convergência de esforços no combate aos problemas sociais em detrimento de embates
ideológico-partidários são alguns dos pressupostos que levam à idealização das parcerias
como um excelente mecanismo para aumentar a efetividade dos projetos sociais. A urgência
de efetivação e o caráter de novidade associados às Parcerias Tri-Setoriais acabam por
encobrir aspectos de suma importância para análise dessas práticas de ação social, bem como
implicitamente difunde como automáticos os ganhos advindos de qualquer prática de parceria.
Parcerias tri-setoriais acabam sendo assumidas como expressão da maturidade democrática
das sociedades em equacionar seus problemas sociais na esfera pública.
Um olhar mais detido sobre esses esforços de modernização da gestão social revela
armadilhas e paradoxos. A literatura sobre parcerias tri-setoriais, muito escassa e produzida
sobretudo por agências de fomento ao desenvolvimento, focaliza exageradamente os
mecanismos de construção de parcerias, principalmente através de abordagens centradas nas
relações interpessoais de cooperação entre representantes do Estado, da sociedade civil e do
mercado. Essas variáveis, apesar de terem sua importância nas parcerias, não são as mais
relevantes e indicam uma excessiva concentração de preocupações nas parcerias em si, em
detrimento de seus desdobramentos sobre a esfera pública e a construção da cidadania.
Apesar do apoio que as parcerias despertam, raras são as ações que efetivamente se
constroem sob essa perspectiva de cooperação. Muito comuns são as articulações entre atores
de Estado e organizações da sociedade civil ou entre empresas e OSCs. Pouquíssimas
iniciativas envolvem a ação conjunta desses três grupos de atores e na maioria delas não
equilíbrio de poder e ação, como a expressão parceria pareceria indicar. Em uma mesma
dinâmica de cooperação, podem aparecer simultaneamente embates, conflitos e estratégias de
cooptação, apontando a necessidade de se descortinar interesses, estratégias e capacidades dos
atores na promoção de suas agendas implícitas e daquelas pactuadas na parceria. Fenômenos
nefastos da construção de políticas públicas brasileiras como o assistencialismo, o
paternalismo, o nepotismo e o insulamento tecnocrático podem se perpetuar dentro das
Parceriais Tri-Setoriais, dando outra configuração aos seus esperados desdobramentos sobre a
esfera pública.
220
É justamente quando se analisa os desdobramentos das Parcerias Tri-Setoriais sobre a
construção da tão desejada sociedade igualitária, que se descortinam as armadilhas advindas
dessas práticas. Essas parcerias encontram espaço e apoio tanto nos corações e mentes que
enxergam a boa sociedade como menos Estado e mais mercado, quanto nos que acreditam em
mais sociedade civil e menos Estado e/ou mercado. Além disso, se perde de vista as
dinâmicas de conflito que operam na vida em sociedade e sua importância na transformação
social, dando-se lugar à concepção de que mercados, sociedade civil e Estado podem e devem
coexistir harmonicamente. Para além de visões simplistas e dicotômicas, o encontro entre
Estado, sociedade civil e mercado é marcado pela complexidade. A perda de relevância das
instituições políticas tradicionais e a perda de centralidade da esfera pública nas sociedades
contemporâneas são fenômenos estruturais que podem tanto levar a novos espaços de
construção da cidadania, quanto à reprodução das estruturas de exclusão sob novas roupagens,
pretensamente inovadoras.
Se cabe aos envolvidos na modernização da intervenção nos problemas sociais
avançar na construção de parcerias tri-setoriais, é urgente não se perder de vista as armadilhas
que essa perspectiva carrega. Parcerias tri-setoriais podem se perder no limbo pauterizado de
outras lutas emancipatórias, que tem feito de expressões como participação popular,
desenvolvimento local e descentralização jargões de grande efeito simbólico, mas não tanta
concretude na agenda do Estado, OSCs e empresas na construção de sociedades que
apresentem uma esfera pública marcada por interações mais democráticas e horizontalizadas.
Todo esse quadro coloca renovados desafios à pesquisa sobre gestão social, reforçando a
importância de que agendas de investigação sobre as Parcerias Tri-Setoriais avancem tanto na
produção científica brasileira, quanto internacional.
Novas pesquisas, ampliando o número de experiências analisadas, tanto em países em
desenvolvimento, quanto nas economias centrais, de forma a estabelecer comparações entre as
realidades políticas e socioeconômicas de cada país ou região, bem como levando em
consideração a evolução ao longo do tempo das experiências concretas de Parcerias Tri-
Setoriais, podem ampliar a discussão acerca dos desdobramentos dessas práticas colaborativas
sobre a esfera pública. Estudos ulteriores nessa perspectiva podem superar as limitações
inerentes à pesquisa que gerou esta Tese, ampliando e trazendo novos avanços para a
consolidação das preocupações e objetos de estudo presentes na agenda das investigações que
não se resumem a discutir a modernização das políticas e projetos sociais em si mesmos, mas
se voltam sobretudo para as suas implicações na construção de sociedades marcadas por
níveis mais avançados de democratização e exercício da cidadania na esfera pública.
221
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240
APÊNDICE A – Questionário para Articuladores Globais da Parceria
1. Fale sua experiência de vida e seu envolvimento com o projeto.
2. Como evoluiu este projeto? Quais foram os momentos mais importantes? Como você
vivenciou isso?
3. Na sua percepção, o que levou à existência desse projeto?
4. Quem são os grupos mais importantes nesse projeto? Por que? O que eles pensam em
relação ao projeto?
5. Por que foi escolhida essa forma de atuação? Como foi a sua participação e de sua
organização nessa definição? Como você avalia a forma de atuação do projeto?
6. O que você pensa sobre o papel do governo, das comunidades, das ONGs e das
empresas nos projetos sociais? E sobre as relações entre esses atores nos projetos
sociais?
7. Para você, o que é uma parceria no desenvolvimento de projetos sociais? No seu
cotidiano, você percebe iniciativas em parceria? Como isso se dá? Qual a sua
avaliação sobre isso?
8. O que é mais importante para fazer uma parceria dar certo? Quais são os maiores
desafios de se atuar em parceria?
9. Para você, existe parceria na execução deste projeto? Por que? O que levou o governo,
as ONGs e as empresas a atuarem neste projeto?
10. Como são tomadas as decisões neste projeto? Qual a sua visão e da sua organização
sobre as decisões tomadas no projeto?
11. Há conflitos na execução deste projeto? O que acontece quando aparecem conflitos?
12. Como o público beneficiado se relaciona com o projeto? Quais são os pontos
positivos? E os desafios a serem superados?
13. Na sua visão, existe paternalismo, assistencialismo, autoritarismo e clientelismo neste
projeto? Por que?
14. Como eram as coisas antes e depois do projeto? Que mudanças aconteceram? Qual a
sua visão sobre essas mudanças? Você acredita que o projeto é bem sucedido? E o
público beneficiário? E as ONGs participantes? E o governo? E as empresas (bancos)?
15. Qual a relação do projeto com as políticas públicas? O projeto consegue se sustentar
no longo-prazo? Por que?
16. Quais são suas expectativas em relação ao futuro do projeto? Quais são os desafios a
serem superados?
241
17. Descreva a sua aprendizagem ao longo do projeto. O que você aprendeu ao atuar neste
projeto?
242
APÊNDICE B – Questionário para Articuladores da Parceria no Nível Local
1) Fale sobre sua trajetória profissional e seu envolvimento com o projeto.
2) Avalie a evolução histórica do projeto. Quais são os momentos mais decisivos? Como
você vivenciou esses momentos?
3) Na sua percepção, o que levou à existência desse projeto?
4) Quem são os grupos mais importantes nesse projeto? Por que? O que eles pensam em
relação ao projeto?
5) Por que foi escolhida essa forma de atuação? Como foi a sua participação e de sua
organização nessa definição? Como você avalia a forma de atuação do projeto?
6) O que você pensa sobre o papel do governo, das comunidades, das ONGs e das empresas
nos projetos sociais? E sobre as relações entre esses atores nos projetos sociais?
7) Para você, o que é uma parceria no desenvolvimento de projetos sociais? No seu
cotidiano, você vivencia iniciativas em parceria? Como isso se dá? Qual a sua avaliação
sobre isso?
8) O que é mais importante para fazer uma parceria dar certo? Quais são os maiores desafios
de se atuar em parceria?
9) Para você, existe parceria na execução deste projeto? Por que? O que levou o governo, as
ONGs e as empresas a atuarem neste projeto?
10) Como são tomadas as decisões neste projeto? Qual a sua visão e da sua organização sobre
as decisões tomadas no projeto?
11) Há conflitos na execução do projeto? O que acontece quando aparecem conflitos?
12) Como o público beneficiado se relaciona com o projeto? Quais são os pontos positivos? E
os desafios a serem superados?
13) Na sua visão, existe paternalismo, assistencialismo, autoritarismo e clientelismo neste
projeto? Por que?
14) Com eram as coisas antes e depois do projeto? Que mudanças aconteceram? Qual a sua
visão sobre essas mudanças? Você acredita que o projeto é bem sucedido? E o público
beneficiário? E as ONGs participantes? E o governo? E as empresas (bancos)?
15) Qual a relação do projeto com as políticas públicas? O projeto consegue se sustentar no
longo-prazo? Por que?
16) Quais são suas expectativas em relação ao futuro do projeto? Quais o os desafios a
serem superados?
243
18. Descreva a sua aprendizagem ao longo do projeto. O que você aprendeu ao atuar neste
projeto?
244
APÊNDICE C – Questionário para Público de Base (beneficiários)
1. Fale sua experiência de vida e seu envolvimento com o projeto.
2. Como evoluiu este projeto em sua comunidade? Quais foram os momentos mais
importantes? Como você vivenciou isso?
3. Na sua visão, o que levou à existência desse projeto?
4. Quem são os grupos mais importantes nesse projeto? Por que? O que eles pensam em
relação ao projeto?
5. Por que foi escolhida essa forma de atuação? Como foi a sua participação e da sua
comunidade nessa definição? Como você avalia a forma de atuação do projeto?
6. O que vopensa do papel do governo, das comunidades, das ONGs e das empresas
nos projetos sociais? E das relações entre esses grupos nos projetos sociais?
7. Para você, o que é uma parceria no desenvolvimento de projetos sociais? No seu
cotidiano, você vivencia iniciativas em parceria? Como isso se dá? Qual a sua
avaliação sobre isso?
8. O que é mais importante para fazer uma parceria dar certo? Quais são os maiores
desafios de se atuar em parceria?
9. Para você, existe parceria na execução deste projeto? Por que? O que levou o governo,
as ONGs e as empresas a atuarem neste projeto?
10. Como são tomadas as decisões neste projeto? Qual a sua visão e de seus colegas sobre
as decisões tomadas no projeto?
11. Há conflitos na execução do projeto? O que acontece quando aparecem conflitos?
12. Como o público beneficiado se relaciona com o projeto? Quais são os pontos
positivos? E os desafios a serem superados?
13. Na sua visão, existe paternalismo, assistencialismo, autoristarismo e clientelismo neste
projeto? Por que?
14. Com eram as coisas antes e depois do projeto? Que mudanças aconteceram? Qual a
sua visão sobre essas mudanças? Você acredita que o projeto é bem sucedido? E o
público beneficiário? E as ONGs participantes? E o governo? E as empresas (bancos)?
15. Qual a relação do projeto com as políticas públicas? O projeto consegue se sustentar
no longo-prazo? Por que?
16. Quais são suas expectativas em relação ao futuro do projeto? Quais são os desafios a
serem superados?
245
17. Descreva a sua aprendizagem ao longo do projeto. O que você aprendeu ao atuar neste
projeto?
246
APÊNDICE D - Protocolo de Pesquisa
Dimensão
Componentes da dimensão Origem Situação
Atual
Qual é o problema que se quer atacar com o processo (nas
palabras de seus protagonistas)
1. O problema
Informação estatística relevante relativa ao problema que
se quer atacar
Objetivos formulados
2. Objetivo da
Inciativa
Cobertura territorial das ações
Atores promotores e/ou dinamizadores da iniciativa
3. Promotores da
Inciativa
Motivações dos atores promotores para se envolver no
processo
Identificação dos participantes
Motivações e interesses de cada um dos participantes
4. Participantes
Nível hierárquico na organização que participa do
processo
Mecanismos e processos de tomada de decisões
5. Modelo de
Governança da
Iniciativa
Mecanismos e processos de coordenação
Principais estratégias de ação para o alcance de objetivos
6. Práticas e
Recursos
Recursos comprometidos( em geral e por cada um dos
atores)
Informação estatística básica sobre o entorno relacionado:
- População
- Níveis de pobreza
- Atividades econômicas relevantes no entorno
- Outros
7. Contexto
Lista das principias organizações sociais e políticas
relacionadas ao processo (identificação, fortaleza,
cobertura, postura frente ao processo)
Percepção dos participantes acerca do valor agregado pela
relação:
a) ao problema atacado
b) à sociedade
c) à esfera pública
Resumo de avaliações do processo (se existentes)
8. Impactos
Informações da imprensa
247
APÊNDICE E – Protocolo de Pesquisa para o Programa Um Milhão de Cisternas
Dimensão Componentes da dimensão Origem Situação Atual
Definição do Problema Acesso precário à água por parte
de populações rurais de baixa
renda na região do semi-árido
brasileiro e cultura política
marcada pelo clientelismo e
assistencialismo na provisão de
água.
Avanços na
provisão de água
para populações
rurais em situação
de vulnerabilidade,
com avanços
parciais em termos
de cultura política
1. O problema
Dados quantitativos 9.177.636 habitantes vivendo em
áreas com baixa precipitação de
chuvas e reservatórios de água
inapropriadas para o consumo
humano e convivendo com o
semi-árido em condição de
vulnerabilidade social
Construção de
aproximadamente
¼ das cisternas
totais projetadas
pelo programa;
221.514 isternas
construídas,
atingindo em
média famílias com
5 membros, o que
equivale a
aproximadamente
1.000.000 de
pessoas
Transformação
Construção de uma nova forma
de convivência com o semi-árido
brasileiro, difundido a noção de
acesso à água como um direito
que compõe o exercício da
cidadania
Avanços não
uniformes,
convivendo com
posturas
tradicionais da
cultura política no
acesso à água
2. Objetivo da
Inciativa
Cobertura territorial das ações
1 milhão de cisternas distribuídas
em 1133 municípios de 11
estados brasileiros
221.514 cisternas
distribuídas em
1.031 municípios
de 11 estados
brasileiros
Atores promotores e/ou
dinamizadores da iniciativa
ASA, MDS e FEBRABAN ASA, MDS e
FEBRABAN
3. Promotores da
Iniciativa
Motivações dos atores
promotores para se envolver no
processo
ASA – concretização de luta
histórica por políticas públicas
avançadas na região,
assegurando a operacionalização
de projetos efetivos e modernos
de provisão de acesso à água
FEBRABAN – aprendizagem
sobre projetos sociais de grande
envergadura e exercício da RSE
MDS – implantação de políticas
públicas efetivas para a
população em situação de
vulnerabilidade social na região
ASA – sustentação
do programa no
longo-prazo,
garantia de
operação adequada
e ampliação do
programa
FEBRABAN –
baixa adesão à
parceria,
comprometendo a
possibilidade de
continuação da
articulação
colaborativa
MDS – consolidar
e ampliar política
pública na região
248
Identificação dos participantes
ASA – articulação de
aproximadamente 700 OSCs,
envolvendo desde organizações
de base até ONGs de grande
porte, representadas na parceria
pela Diaconia
FEBRABAN – indução da
participação através da ação de
indivíduo com trânsito entre o
meio empresarial e o governo
federal
Governo Federal - Projeto piloto
com o MMA e a ANA
ASA – Criação de
uma OSCIP, a
AP1MC, para
gerenciamento do
programa
FEBRABAN –
contratação de
consultoria em
projetos sociais da
APAEL, troca de
diretoria na
instituição, com os
negociadores
iniciais da parceria
tendo menor
presença na relação
com o P1MC
Governo Federal –
Programa como um
dos eixos de ação
do MDS
Motivações e interesses de cada
um dos participantes
ASA – concretização de luta
histórica por políticas públicas
avançadas na região,
assegurando a operacionalização
de projetos efetivos e modernos
de provisão de acesso à água
FEBRABAN – aprendizagem
sobre projetos sociais de grande
envergadura e exercício da RSE
Governo Federal – implantação
de políticas públicas efetivas
para a população em situação de
vulnerabilidade social na região
ASA – sustentação
do programa no
longo-prazo,
garantia de
operação adequada
e ampliação do
programa
FEBRABAN –
baixa adesão à
parceria,
comprometendo a
possibilidade de
continuação da
articulação
colaborativa
Governo Federal
através do MDS
consolidar política
pública na região
4. Participantes
Nível hierárquico na organização
que participa do processo
Diaconia – OSC integrante da
ASA
FEBRABAN – associação de
bancos, com diretoria eleita por
membros para representação de
seus interesses de grupo
Governo Federal - Projeto piloto
com o MMA e a ANA
AP1MC – OSCIP
criada para
gerenciamento do
programa, com
conselho composto
por diferentes
organizações da
ASA
FEBRABAN –
associação de
bancos, com
diretoria eleita por
membros para
representação de
seus interesses de
grupo
Governo Federal –
P1MC transforma-
se em um dos
programas do MDS
249
Mecanismos e processos de
tomada de decisões
Articulação da Parceria –
reuniões esporádicas para
negociação e repasse de
informações envolvendo os
parceiros one-by-one (sem a
presença dos três
simultaneamente)
Execução do programa -
Reuniões em diferentes
instâncias e níveis de governança
do projeto associadas a encontros
periódicos de UGC, UGM, UEL
e Comissões Locais, com
concentração de
responsabilidades decisórias
sobre temas estratégicos da
parceria nos níveis mais elevados
de governança e descentralização
de decisões operacionais,
sobretudo relativas à definição
de famílias atendidas, na base da
estrutura de governança do
programa
Articulação da
Parceria – reuniões
esporádicas para
negociação e
repasse de
informações
envolvendo os
parceiros one-by-
one (sem a
presença dos três
simultaneamente) e
intermediada pela
APAEL na relação
entre FEBRABAN
e ASA
Execução do
programa -
Reuniões em
diferentes
instâncias e níveis
de governança do
projeto associadas
a encontros
periódicos de
UGC, UGM, UEL
e Comissões
Locais, com
concentração de
responsabilidades
decisórias sobre
temas estratégicos
da parceria nos
níveis mais
elevados de
governança e
descentralização de
decisões
operacionais,
sobretudo relativas
à definição de
famílias atendidas,
na base da
estrutura de
governança do
programa
5. Modelo de
Governança da
Iniciativa
Mecanismos e processos de
coordenação
Inexistência de mecanismos de
coordenação da própria Parceria
Tri-Setorial em si;
Coordenação da execução do
programa através da Diaconia,
OSC integrante da ASA
Inexistência de
mecanismos de
coordenação da
própria Parceria
Tri-Setorial em si;
AP1MC
coordenando a
execução do
programa
UGC, UGM, UEL
e Comissões
Locais
Implantação do
SIGA para
acompanhamento
250
da execução física
e financeira do
projeto e suporte à
prestação de contas
aos parceiros
Principais estratégias de ação
para o alcance de objetivos
Mobilização comunitária,
capacitação de atores locais para
a construção de cisternas,
exigência de contrapartidas das
famílias beneficiárias,
acompanhamento periódico da
manutenção e utilização das
cisternas e estímulo a
constituição de fundos solidários
complementares
Mobilização
comunitária,
capacitação de
atores locais para a
construção de
cisternas, exigência
de contrapartidas
das famílias
beneficiárias,
acompanhamento
periódico da
manutenção e
utilização das
cisternas e estímulo
a constituição de
fundos solidários
complementares
6. Práticas e
Recursos
Recursos comprometidos (em
geral e por cada um dos atores)
ASA – competências ligadas à
capilaridade de acesso às
famílias na região, conhecimento
técnico e dos saberes locais, e
legitimidade de representação
dos interesses da sociedade civil
implicada pelo semi-árido
FEBRABAN – recursos
financeiros
Governo Federal – recursos para
projeto piloto e assessoria
técnica através do MMA e da
ANA
ASA –
competências
ligadas à
capilaridade de
acesso às famílias
na região,
conhecimento
técnico e dos
saberes locais, e
legitimidade de
representação dos
interesses da
sociedade civil
implicada no semi-
árido
FEBRABAN –
recursos
financeiros, com
tendência de operar
mais no apoio à
busca de novos
parceiros e menos
na provisão de
recursos
financeiros
Governo Federal –
recursos para a
iniciativa com o
status de programa
do MDS
7. Contexto
Local
Informação básica sobre a
experiência local analisada
Cidade de Feira de Santana se constitui em pólo
regional, no qual se insere o município de Serrinha;
Região com atividade econômica marcada pela
produção agrícola e disputas políticas entre grupos
tradicionais e movimentos sociais de trabalhadores
rurais e grande desigualdade social, sobretudo no
acesso a água.
251
Principias organizações sociais e
políticas relacionadas ao
processo
MOC, APAEB e outras OSCs de
base comunitária
Outras políticas públicas ligadas
à agricultura familiar (PRONAF)
e suporte à grupos em situação
de vulnerabilidade (Bolsa-
Família)
MOC, APAEB e
outras OSCs de
base comunitária
Outras políticas
públicas ligadas à
agricultura familiar
(PRONAF) e
suporte à grupos
em situação de
vulnerabilidade
(Bolsa-Família)
Percepção dos participantes
acerca do valor agregado pela
relação
ASA –acesso a recursos
financeiros e possibilidade de
influenciar a construção de
políticas públicas duradouras
para a região
FEBRABAN – aprendizagem
sobre programas sociais de
grande porte através do convívio
com atores da sociedade civil
diferentes de seu âmbito
tradicional de atuação
MDS – ampliação da capacidade
de provisão mais efetiva de
políticas públicas através da rede
de OSCs participantes, suporte e
complementaridade a outros
programas sociais voltados à
população em situação de
vulnerabilidade social na região
e diálogo construtivo com
segmento legítimo da sociedade
civil.
ASA –
aprendizagem de
mecanismos e
processos de
gestão, melhorando
a performance
gerencial do
P1MC, sobretudo
em termos de
transparência e
controle da
utilização de
recursos e acesso a
universo de atores
empresariais com
expectativa de
novas articulações
colaborativas no
futuro
FEBRABAN –
aprendizagem
sobre programas
sociais de grande
porte e
conhecimento mais
profundo da
sociedade civil no
país
MDS – ampliação
da capacidade de
provisão mais
efetiva de políticas
públicas através da
rede de OSCs
participantes
suporte e
complementaridade
a outros programas
sociais voltados à
população em
situação de
vulnerabilidade
social na região e
diálogo construtivo
com segmentos
legítimos da
sociedade civil.
8. Impactos
Resumo de avaliações do
processo (se existentes)
Aprendizagem e melhor compreensão das lógicas e
racionalidades dos parceiros;
252
Complementaridade de capacidades entre os atores
envolvidos na articulação global e na articulação local;
Vínculos frágeis em termos tri-setoriais, com maior
caráter bi-setorial (one-by-one);
Riscos quanto à continuidade do programa, tanto em
termos de políticas públicas, quanto de financiamento
empresarial;
Atuação de organização intermediadora da relação
entre OSC e ator empresarial facilita e agiliza relação
de parceria, mas distancia parceiros;
Programa enfrenta dificuldades para expansão em
regiões nas quais as organizações integrantes da ASA
têm pouca influência e penetração;
Melhoria do acesso à água para as famílias
beneficiadas;
Melhoria das condições de saúde de crianças ou outros
indivíduos em situação de vulnerabilidade social;
Facilitação e inserção mais consistente das famílias em
outros programas do governo federal como o Bolsa-
Família;
Dificuldades de ampliação da mobilização comunitária;
Persistência de casos de esquemas clientelistas e
assistencialistas de acesso à água, mesmo com a
presença de cisternas.
253
APÊNDICE F – Protocolo de Pesquisa para o Projeto Novas Alianças
Dimensão Componentes da dimensão Origem Situação Atual
Definição do Problema Baixa capacidade do CMDCA
em incidir no orçamento das
políticas públicas municipais
voltadas à infância e
adolescência
Avanços na
incidência
orçamentária,
convivendo com
problemas
estruturais da
atuação de
conselhos
municipais no país
1. O problema
Dados quantitativos Incidência esparsa e pontual nos
orçamentos públicos estadual e
municipal, sem a existência de
dados consolidados.
186 emendas
orçamentárias no
PPAG de 2008-
2011, 45 delas
propostas por
OSCs do projeto,
resultando em 5
vezes mais
recursos para a
agenda de infância
e adolescência nas
políticas públicas
estaduais
Conselheiros de 47
municípios
receberam
capacitação
Criação de Frentes
de Defesa em 4
regiões pólo em
Minas Gerais
Transformação
Ampliar a capacidade do
CMDCA de elaborar propostas
que resultem em sua execução
concreta, através da apropriação
pelos conselheiros dos saberes
necessários
Avanços não
uniformes,
convivendo com
problemas
tradicionais da
atuação de
conselhos no país
2. Objetivo da
Inciativa
Cobertura territorial das ações
Mais de 600 CMDCAs formados
nos municípios do Estado de
Minas Gerais, mas sem
capacitação em incidência e
monitoramento orçamentário
47 municípios com
CMDCAS
capacitados no
Estado de Minas
Gerais
Atores promotores e/ou
dinamizadores da iniciativa
Instituto Telemig Celular, Frente
Mineira de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente e
INESC
Oficina de
Imagens, Frente
Mineira de Defesa
dos Direitos da
Criança e do
Adolescente,
Fundação Vale,
Ágora e Caliandra
3. Promotores da
Iniciativa
Motivações dos atores
promotores para se envolver no
processo
Instituto Telemig Celular –
avanço nas ações já
desenvolvidas pelo programa
Pró-Conselhos
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente – efetivar a
Oficina de
Imagens – garantir
continuidade do
projeto e atuar em
articulação com
outras OSCs em
projeto legítimo e
254
incidência efetiva sobre o
orçamento público voltado à
infância e adolescência
INESC – Dar suporte à iniciativa
convergente com seu projeto de
transformação social
relevante
Frente Mineira de
Defesa dos Direitos
da Criança e do
Adolescente –
garantir
continuidade do
projeto e assegurar
sua coerência em
termos de atuação
na área de infância
e adolescência
Fundação Vale
garantir a
continuidade do
projeto,
aprendizagem
sobre atuação
através de
conselhos e novas
formas de exercício
da RSE focalizadas
na garantia de
direitos e no
desenvolvimento
sustentável de
territórios
Ágora – garantir a
continuidade do
projeto e continuar
atuando em projeto
convergente com
suas proposta como
OSC
Caliandra –
garantir a
continuidade do
projeto e continuar
atuando na
operacionalização
do projeto
4. Participantes
Identificação dos participantes
Instituto Telemig Celular – órgão
responsável pelos investimentos
sociais e culturais de uma
empresa do setor de telefonia
celular, cuja diretoria foi
ocupada por dois Líderes-
Parceiros da AVINA
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente – articulação de
OSCs interessadas nessa área
temática, contando com o apoio
de políticos
INESC – OSC cuja diretoria tem
a presença de Líder-Parceiro da
AVINA
Oficina de Imagens
– OSC vinculada à
Rede ANDI,
contando com a
presença de um
Líder-Parceiro da
AVINA em seu
conselho
Ágora – OSC cuja
diretoria tem a
presença de Líder-
Parceiro da
AVINA
Caliandra –
organização de
consultoria para
projetos sociais
criada por ex-
integrantes do
255
INESC
Fundação Vale
órgão responsável
pelos
investimentos
socioambientais de
uma grande
empresa do setor
extrativo mineral
Motivações e interesses de cada
um dos participantes
Instituto Telemig Celular –
avanço nas ações já
desenvolvidas pelo programa
Pró-Conselhos
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente – efetivar a
incidência efetiva sobre o
orçamento público voltado à
infância e adolescência
INESC – Dar suporte à iniciativa
convergente com seu projeto de
transformação social
Oficina de
Imagens – garantir
continuidade do
projeto e atuar em
articulação com
outras OSCs em
projeto legítimo e
relevante
Frente Mineira de
Defesa dos Direitos
da Criança e do
Adolescente –
garantir
continuidade do
projeto e assegurar
sua coerência em
termos de atuação
na área de infância
e adolescência
Fundação Vale
garantir a
continuidade do
projeto,
aprendizagem
sobre atuação
através de
conselhos e novas
formas de exercício
da RSE focalizadas
na garantia de
direitos e no
desenvolvimento
sustentável de
territórios
Ágora – garantir a
continuidade do
projeto e continuar
atuando em projeto
convergente com
suas proposta como
OSC
Caliandra –
garantir a
continuidade do
projeto e continuar
atuando na
operacionalização
do projeto
Nível hierárquico da organização
que participa do processo
Instituto Telemig Celular –
divisão especializada nos
investimentos sociais e culturais
Oficina de Imagens
– OSC de baixa
complexidade
256
da organização com acesso à
diretoria da empresa
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente – articulação de
OSCs com diretoria eleita pelos
membros
INESC – OSC com estrutura
interna de baixa complexidade
interna
Ágora – OSC de
baixa
complexidade
interna
Caliandra –
organização de
pequeno porte e
baixa
complexidade
interna
Frente Mineira de
Defesa dos Direitos
da Criança e do
Adolescente –
articulação de
OSCs com
diretoria eleita
pelos membros
Fundação Vale
divisão
especializada nos
investimentos
socioambientais da
empresa
Mecanismos e processos de
tomada de decisões
Reuniões periódicas da estrutura
de governança do projeto para
monitoramento e repasse de
informações sobre o andamento
do projeto, com a presença de
atores não diretamente
envolvidos na operacionalização
do projeto
Reuniões periódicas com o
público beneficiado pelo projeto
para monitoramento e repasse de
informações sobre o andamento
do projeto
Reuniões
periódicas da
estrutura de
governança do
projeto para
monitoramento e
repasse de
informações sobre
o andamento do
projeto, com a
presença de atores
não diretamente
envolvidos na
operacionalização
do projeto
Reuniões
periódicas com o
público
beneficiado pelo
projeto para
monitoramento e
repasse de
informações sobre
o andamento do
projeto
5. Modelo de
Governança da
Iniciativa
Mecanismos e processos de
coordenação
Estrutura de governança do
projeto contando com a presença
de atores não envolvidos
diretamente na execução do
projeto, como a Fundação Vale
Estrutura de
governança do
projeto contando
com a presença de
atores não
envolvidos na
execução do
projeto
6. Práticas e
Recursos
Principais estratégias de ação
para o alcance de objetivos
Detecção de cidades pólo,
sensibilização de conselheiros e
Detecção de
cidades pólo e
257
poder público para participarem
da capacitação, formação técnica
para fortalecer capacidade de
incidência em orçamentos
públicos, suporte à aplicação
prática dos conhecimentos
adquiridos pelos conselheiros
cidades indicadas
pela Fundação
Vale,
sensibilização de
conselheiros e
poder público para
participarem da
capacitação,
formação técnica
para fortalecer
capacidade de
incidência em
orçamentos
públicos, suporte à
aplicação prática
dos conhecimentos
adquiridos pelos
conselheiros
Recursos comprometidos (em
geral e por cada um dos atores)
Instituto Telemig Celular –
metodologia de intervenção e
recursos financeiros
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente – legitimidade
social, capilaridade de
mobilização de conselheiros e
conhecimento da temática de
infância e adolescência
INESC – conhecimento técnico
para controle social e incidência
sobre orçamentos públicos
Fundação Vale
financeiro do
projeto
Frente Mineira de
Defesa dos Direitos
da Criança e do
Adolescente –
legitimidade social,
capilaridade de
mobilização de
conselheiros e
conhecimento da
temática de
infância e
adolescência
Oficina de Imagens
- conhecimento da
temática de
infância e
adolescência
Ágora –
conhecimento
técnico para
controle social e
incidência sobre
orçamentos
públicos
Caliandra –
conhecimento
técnico para
controle social e
incidência sobre
orçamentos
públicos
7. Contexto
Local
Informação estatística básica
sobre a experiência local
analisada
Região caracterizada pela ocorrência de trabalho e
prostitiuição infantil, devido ao fato de se localizar em
entroncamento rodoviário e ferroviário, com política
caracterizada pelo embate entre grupos tradicionais e
movimentos sociais. Cidade de médio porte, com
importante atividade econômica ligada à agricultura e
pecuária, indústria e extração mineral
258
Principias organizações sociais e
políticas relacionadas ao
processo
Promotoria Pública, Secretaria
de Assistência Social da
Prefeitura Municipal. Câmara de
Vereadores e CMDCA
Promotoria
Pública, Secretaria
de Assistência
Social da Prefeitura
Municipal. Câmara
de Vereadores e
CMDCA
8. Impactos
Percepção dos participantes
acerca do valor agregado pela
relação
Telemig Celular – legitimidade
advinda da Frente Mineira de
Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente e
complementaridade de
competências para execução do
projeto
Frente Mineira de Defesa dos
Direitos da Criança e do
Adolescente –
complementaridade de
competências para execução do
projeto e acesso a financiamento
para projeto que efetive o
exercício da incidência
orçamentária em políticas de
infância e adolescência
INESC – acesso a recursos para
viabilização de projeto de
controle social e
complementaridade de
competências para execução da
iniciativa
Fundação Vale
aprendizagem
sobre
relacionamento
com comunidades
a partir de
estratégias de
controle social
sobre orçamentos e
oportunidade para
promoção efetiva
de
desenvolvimento
dos territórios nos
quais atua
Frente Mineira de
Defesa dos Direitos
da Criança e do
Adolescente –
complementaridade
de competências
para execução do
projeto, acesso a
financiamento para
projeto que efetive
o exercício da
incidência
orçamentária em
políticas de
infância e
adolescência e
aprendizagem com
a parceria
Ágora - acesso a
recursos para
viabilização de
projeto de controle
social,
complementaridade
de competências
para execução da
iniciativa e
aprendizagem com
a parceria
Oficina de Imagens
- acesso a recursos
para viabilização
de projeto de
controle social,
complementaridade
259
de competências
para execução da
iniciativa e
aprendizagem com
a parceria
Caliandra - acesso
a recursos para
viabilização de
projeto de controle
social,
complementaridade
de competências
para execução da
iniciativa e
aprendizagem com
a parceria
Resumo de avaliações do
processo (se existentes)
Aprendizagem entre os parceiros e apreensão das
racionalidades e lógicos dos demais atores;
Alta capacidade de sustentação da iniciativa advinda
das relações de articulação;
Estrutura de governança da parceria favoreceu
sustentação do projeto;
Complementaridade de competências consistente entre
os parceiros;
Incidência efetiva em orçamentos de infância e
adolescência;
Maior poder de atuação do CMDCA através do
domínio de técnicas orçamentárias;
Aprendizagem compartilhada entre público
beneficiário e executores do projeto;
Desenvolvimento entre os conselheiros da sensação de
maior confiança em sua própria atuação, capacidade de
trabalho e crença na possibilidade de transformação
social;
Aprendizagem desigual entre os participantes do
projeto;
Perpetuação de problemas de atuação de conselhos
como clientelismo e prefeiturização;
Aumento da polarização e conflito entre poder público
e conselho;
Dependência do voluntarismo dos indivíduos para sua
efetividade;
Permanência de relações muito desiguais de poder nos
conselhos;
Sedução da tecnicalidade orçamentária relegando a um
segundo plano a construção de políticas públicas.
260
APÊNDICE G – Protocolo de Pesquisa para o Programa Além das Letras
Dimensão Componentes da dimensão Origem Situação Atual
Definição do Problema Produção de textos precária entre
alunos de escolas públicas
municipais, combinada com
ausência de política continuada
de formação do corpo docente
Melhoria da
produção de textos
entre alunos de
escolas públicas e
ações continuadas
de formação, sem
no entanto haver
maiores garantias
de se tornar
política continuada
nos municípios
1. O problema
Dados quantitativos
Transformação
Construir novas relações entre
discentes e docentes na produção
de textos, sensibilizando para a
importância dessa atividade
pedagógica e a necessidade de
esforços continuados nessa
iniciativa
Avanços na
produção de textos
e na sensibilização
para a atividade,
mas com grande
dependência do
voluntarismo do
corpo docente
2. Objetivo da
Inciativa
Cobertura territorial das ações
Atores promotores e/ou
dinamizadores da iniciativa
Instituto Avisa Lá, Fundação
Gerdau, Instituto Razão Social e
IBM
Instituto Avisa Lá,
Fundação Gerdau,
Instituto Razão
Social e IBM
3. Promotores da
Iniciativa
Motivações dos atores
promotores para se envolver no
processo
Instituto Avisa Lá – acessar
recursos que viabilizassem
programa, socializar
competências técnicas com
educadores e aprendizagem da
gestão de projetos sociais
Fundação Gerdau – investir em
área definida como prioridade
das intervenções sociais da
empresa e aprendizagem de
metodologias de melhoria da
qualidade dos processos de
ensino-aprendizagem
Instituto Razão Social – acessar
recursos para atuação,
aprendizagem de metodologias
consideradas avançadas de
melhoria dos processos de
ensino-aprendizagem e repasse
de competências na gestão de
projetos sociais
IBM – investir em área definida
como prioridade das
intervenções sociais da empresa
e oferecer competências técnicas
para o projeto
Instituto Avisa
– acessar recursos
que viabilizassem
programa,
socializar
competências
técnicas com
educadores e
aprendizagem da
gestão de projetos
sociais
Fundação Gerdau –
investir em área
definida como
prioridade das
intervenções
sociais da empresa,
aprendizagem de
metodologias de
melhoria da
qualidade dos
processos de
ensino-
aprendizagem e
possibilidade de
envolvimento de
seus empregados
em projetos sociais
em escolas
261
Instituto Razão
Social – acessar
recursos para
atuação,
aprendizagem de
metodologias
consideradas
avançadas de
melhoria dos
processos de
ensino-
aprendizagem e
repasse de
competências na
gestão de projetos
sociais
IBM – investir em
área definida como
prioridade das
intervenções
sociais da empresa
e oferecer
competências
técnicas para o
projeto
Identificação dos participantes
Instituto Avisa Lá – OSC
formada por técnicos da área
educacional, com presença de
Líder-Parceiro da AVINA em
sua direção
Fundação Gerdau – órgão da
empresa encarregado da gestão
do investimento social da
organização
Instituto Razão Social – OSC
criada com o apoio de empresas,
inclusive a Gerdau, para dar
suporte e aprimorar a gestão de
projetos sociais
IBM – empresa do setor de
tecnologia da informação
Secretarias municipais de
educação
Instituto Avisa
– OSC formada por
técnicos da área
educacional, com
presença de Líder-
Parceiro da
AVINA em sua
direção
Fundação Gerdau –
órgão da empresa
encarregado da
gestão do
investimento social
da organização
Instituto Razão
Social – OSC
criada com o apoio
de empresas,
inclusive a Gerdau,
para dar suporte e
aprimorar a gestão
de projetos sociais
IBM – empresa do
setor de tecnologia
da informação
Secretarias
municipais de
educação
4. Participantes
Motivações e interesses de cada
um dos participantes
Instituto Avisa Lá – acessar
recursos que viabilizassem
programa, socializar
competências técnicas com
educadores e aprendizagem da
gestão de projetos sociais
Fundação Gerdau – investir em
Instituto Avisa
– acessar recursos
que viabilizassem
programa,
socializar
competências
técnicas com
262
área definida como prioridade
das intervenções sociais da
empresa e aprendizagem de
metodologias de melhoria da
qualidade dos processos de
ensino-aprendizagem
Instituto Razão Social – acessar
recursos para atuação,
aprendizagem de metodologias
consideradas avançadas de
melhoria dos processos de
ensino-aprendizagem e repasse
de competências na gestão de
projetos sociais
IBM – investir em área definida
como prioridade das
intervenções sociais da empresa
e oferecer competências técnicas
para o projeto
Secretarias Municipais de
Educação – apreender
metodologias avançadas de
ensino-aprendizagem, investir na
qualificação do corpo docente,
melhoria do nível de educação
das escolas públicas, com
reflexos nos indicadores de
avaliação dos órgãos federais de
políticas educacionais e
visibilidade das ações que
desenvolve
educadores e
aprendizagem da
gestão de projetos
sociais
Fundação Gerdau –
investir em área
definida como
prioridade das
intervenções
sociais da empresa,
aprendizagem de
metodologias de
melhoria da
qualidade dos
processos de
ensino-
aprendizagem e
possibilidade de
envolvimento de
seus empregados
em projetos sociais
em escolas
Instituto Razão
Social – acessar
recursos para
atuação,
aprendizagem de
metodologias
consideradas
avançadas de
melhoria dos
processos de
ensino-
aprendizagem e
repasse de
competências na
gestão de projetos
sociais
IBM – investir em
área definida como
prioridade das
intervenções
sociais da empresa
e oferecer
competências
técnicas para o
projeto
Secretarias
Municipais de
Educação –
apreender
metodologias
avançadas de
ensino-
aprendizagem,
investir na
qualificação do
corpo docente,
melhoria do nível
de educação das
263
escolas públicas,
com reflexos nos
indicadores de
avaliação dos
órgãos federais de
políticas
educacionais e
visibilidade das
ações que
desenvolve
Nível hierárquico da organização
que participa do processo
Instituto Avisa Lá – OSC com
estrutura de baixa complexidade
Fundação Gerdau – órgão da
empresa constituído por
empregados com formação
básica vinculada à gestão
empresarial
Instituto Razão Social – OSC
com estrutura de baixa
complexidade
IBM – empresa multinacional
com estrutura de grande
complexidade
Instituto Avisa
– OSC com
estrutura de baixa
complexidade
Fundação Gerdau –
órgão da empresa
constituído por
empregados com
formação básica
vinculada à gestão
empresarial
Instituto Razão
Social – OSC com
estrutura de baixa
complexidade
IBM – empresa
multinacional com
estrutura de grande
complexidade
Mecanismos e processos de
tomada de decisões
Reuniões periódicas entre os
Institutos Avisa Lá e Razão
Social
Reuniões periódicas entre os
Institutos Avisa Lá e Razão
Social
Intermediação do Instituto Razão
Social com parceiros
empresariais
Reuniões
periódicas entre os
Institutos Avisa
e Razão Social
Reuniões
periódicas entre os
Institutos Avisa
e Razão Social
Intermediação do
Instituto Razão
Social com
parceiros
empresariais
5. Modelo de
Governança da
Iniciativa
Mecanismos e processos de
coordenação
Reuniões e intermediações entre
os Institutos Avisa Lá e Razão
Social
Reuniões de premiação das
iniciativas desenvolvidas, com a
presença de atores locais
Reuniões e
intermediações
entre os Institutos
Avisa Lá e Razão
Social
Reuniões de
premiação das
iniciativas
desenvolvidas, com
a presença de
atores locais
6. Práticas e
Recursos
Principais estratégias de ação
para o alcance de objetivos
Mobilização de secretarias
municipais e docentes através de
premiação de melhores práticas,
formação inicial combinada com
suporte freqüente às iniciativas
desenvolvidas pelos docentes
através de ensino à distância via
Mobilização de
secretarias
municipais e
docentes através de
premiação de
melhores práticas,
formação inicial
264
ferramentas informacionais
microeletrônicas
combinada com
suporte freqüente
às iniciativas
desenvolvidas
pelos docentes
através de ensino à
distância via
ferramentas
informacionais
microeletrônicas
Recursos comprometidos (em
geral e por cada um dos atores)
Instituto Avisa Lá – competência
técnica e metodologias
avançadas de produção de textos
Fundação Gerdau –
financiamento da iniciativa
Instituto Razão Social –
competências em gestão de
projetos sociais
IBM – sistema de educação à
distância
Informação estatística básica
sobre a experiência local
analisada
Cidadã de médio porte do Estado do Rio de Janeiro,
com posição sui generis no contexto da educação
pública brasileira, visto que a quase totalidade de seu
corpo docente possui ensino superior completo. Região
enfrenta mudança da estrutura produtiva, com o
fechamento de indústrias tradicionais e mantém forte
apelo turístico. Secretaria de Municipal de Educação
também apresenta uma peculiaridade que destoa do
padrão médio da educação nas cidades brasileiras: a
existência de um centro de formação de professores
com infra-estrutura, profissionais e recursos regulares
para a atividade
7. Contexto
Local
Principias organizações sociais e
políticas relacionadas ao
processo
Secretaria Municipal de
Educação e Escolas Públicas
Secretaria
Municipal de
Educação e Escolas
Públicas
8. Impactos
Percepção dos participantes
acerca do valor agregado pela
relação
Instituto Avisa Lá – maior
conhecimento dos parceiros, suas
racionalidades e lógicas,
assimilação de princípios
gerenciais, sobretudo
relacionados à importância da
avaliação das ações
desenvolvidas pelos projetos e
acesso a recursos financeiros e
tecnológicos que viabilizam a
realização do programa
Fundação Gerdau – possibilidade
de investimento de qualidade em
área prioritária das ações sociais
da empresa com impactos
efetivos sobre a melhoria do
ensino e aprendizagem de
abordagens reconhecidas pela
qualidade técnica
Instituto Razão Social –
aprendizagem de abordagens
reconhecidas pela qualidade
técnica, acesso a recursos que
garantam a sua atividade e dos
Instituto Avisa
– maior
conhecimento dos
parceiros, suas
racionalidades e
lógicas,
assimilação de
princípios
gerenciais,
sobretudo
relacionados à
importância da
avaliação das ações
desenvolvidas
pelos projetos e
acesso a recursos
financeiros e
tecnológicos que
viabilizam a
realização do
programa
Fundação Gerdau –
possibilidade de
investimento de
265
projetos que apóia
IBM – aplicação de ferramentas
informacionais desenvolvidas
pela empresa em área de atuação
definida como prioritária para os
seus investimentos em RSE
qualidade em área
prioritária das
ações sociais da
empresa com
impactos efetivos
sobre a melhoria
do ensino,
aprendizagem de
abordagens
reconhecidas pela
qualidade técnica e
possibilidade de
envolvimento de
seus empregados
em ações
voluntárias ligadas
ao projeto
Instituto Razão
Social –
aprendizagem de
abordagens
reconhecidas pela
qualidade técnica,
acesso a recursos
que garantam a sua
atividade e dos
projetos que apóia
IBM – aplicação de
ferramentas
informacionais
desenvolvidas pela
empresa em área
de atuação definida
como prioritária
para os seus
investimentos em
SER
Resumo de avaliações do
processo (se existentes)
Programa tem impactos evidentes sobre a qualidade da
produção de textos e sobre a auto-estima docente;
Programa consegue sensibilizar os docentes sobre
importância de sua formação continuada;
Inserção do programa nas políticas públicas municipais
altamente dependente do voluntarismo de técnicos
educacionais e/ou do governo local;
Programa depende de capital social existente nas
escolas;
Programa, no nível local, não estabelece maior
interação com o conselho de educação;
Condições precárias de trabalho do corpo docente
dificultam maior envolvimento com o programa;
Baixos investimentos em educação e gestão autoritária
de escolas levam corpo docente a estabelecer postura
passiva na interação com o programa;
Definição de participantes pelos atores locais
responsáveis pela implementação da parceria levam a
indicação de participantes com perfil inadequado para o
projeto;
Envolvimento da empresa se dá basicamente pelo
financiamento de atividades, sem interações mais
articuladas com o investimento social realizado pela
266
organização em comunidades nas quais opera;
Atuação de organização intermediária de suporte à
gestão de projetos sociais favorece o diálogo e
negociação entre OSC e empresa;
Vínculos entre fundação empresarial e OSC não são
muito fortes;
Compreensão da racionalidade e dos interesses de cada
parceiro aumentou para todos os atores.
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