35
quanto às perspectivas que a participação popular oferece para a provisão de políticas sociais
se depara com realidades mais complexas, nas quais a incorporação de grupos sociais,
comunidades e indivíduos não necessariamente resulta em aprofundamento e aprimoramento
dos processos democráticos, minando os próprios processos de reconfiguração do aparelho do
Estado e ampliação da cidadania (PARAÍSO, 2005; GUIVANT, 2003; BOSCHI, 1999;
SOARES, GONDIM, 1998
;
LÉLÉ, 1991).
Longe de se tratar de um tema agregador e isento de controvérsias, a ampliação da
democracia, sobretudo nos marcos da participação popular, é também fonte de grandes
debates e controvérsias. Alguns posicionamentos consideram a participação como um entrave,
ainda que necessário, ao funcionamento ótimo dos sistemas econômicos (SEN, 2000) ou do
próprio processo político (BENEVIDES, 1998). Ribeiro (2000, p. 20) destataca que “a
democracia sobressai-se na legitimidade, e falha no funcionamento.” Outras correntes, por
outro lado, parecem instrumentalizar a idéia de participação, transformando virtudes cívicas
como a solidariedade e o sentido de participação, características que se espera encontrar em
comunidades locais, em elementos geradores de eficiência econômica, como pretendem os
defensores da idéia de clusters (STORPER, 1994).
Assim, pode-se perder de vista as intrincadas e complexas relações que se estabelecem
entre efetividade na provisão de políticas sociais, padrões de sociabilidade e democracia,
manifestadas de modo privilegiado na construção de projetos sociais, sobretudo quando são
resultado da articulação entre atores do Estado e não-governamentais. Nesse sentido, torna-se
imperativo aprofundar essa discussão, analisando as perspectivas, dilemas e armadilhas que se
apresentam, sem perder de vista que a democracia não se resume à distribuição de bens, nem
tão pouco prescinde desta, reduzindo-se à gestão do poder:
... a democracia tem no seu cerne o anseio da massa por ter mais, o seu desejo de
igualar-se aos que possuem mais bens do que ela, e portanto é um regime do desejo
(. ...) talvez a grande dificuldade do pensamento democrático tenha estado, por
muito tempo, em articular a sua temática do desejo – no caso, o desejo das massas
por ter mais – com a necessidade de que elas não se limitem a tomar os bens, de que
se sentem privadas e, com isso, injustiçadas, mas também se proponham a
conquistar o poder. (...) A democracia para existir necessita da república. (...)
Significa que para haver o acesso de todos aos bens, para se satisfazer o desejo de
ter, é preciso tomar o poder – e isso implica refrear o desejar de mandar (e com ele o
de ter), compreender que, quando todos mandam, todos igualmente obedecem, e por
conseguinte devem saber cumprir a lei que emana de sua própria vontade. (...) A
dificuldade de uma democratização dos afetos e da sociabilização, ou seja, da vida
afetiva e das relações de trabalho, está exatamente nessa exigência de autonomia,
que nem sempre é entendida como essencial, porque se deseja da democracia a
distribuição dos bens, e não a gestão do poder. (RIBEIRO, 2000, p. 18, 22 e 23)