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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARCELLO AUGUSTO RANGEL SCHEVANO
PARANGOLÉ DE IMAGENS E SONS:
Formas e Metaformas do Terrir de Ivan Cardoso
SÃO PAULO
2008
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MARCELLO AUGUSTO RANGEL SCHEVANO
PARANGOLÉ DE IMAGENS E SONS:
Formas e Metaformas do Terrir de Ivan Cardoso
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre do Programa de Mestrado em
Comunicação, área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob
a orientação da Profa. Dra. Bernadette Lyra.
SÃO PAULO
2008
MARCELLO AUGUSTO RANGEL SCHEVANO
PARANGOLÉ DE IMAGENS E SONS:
Formas e Metaformas do Terrir de Ivan Cardoso
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre do Programa de Mestrado em
Comunicação, área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob
a orientação da Profa. Dra. Bernadette Lyra.
Aprovado em ----/-----/-----
Profa Dra. Bernadette Lyra
Prof. Dr. Rogério Ferraraz
Profa. Dr. Zuleika de Paula Bueno
RESUMO
A pesquisa intitulada Parangolé de Imagens: Formas e Metaformas do Terrir
de Ivan Cardoso, pretende entender o processo geral e específico de criação do
gênero cinematográfico terrir, suas formas e metaformas. As apropriações e
colagens fílmicas contidas na obra de Ivan Cardoso forneceram combustível para
que novos objetivos fossem traçados ao longo da jornada investigativa, e assim
novas formas de abordagem foram necessárias para que a magnitude do objeto se
transformasse de um simples texto para uma obra. Logo, perpassei e apoiei-me
sobre as questões das exterioridades de Michel Focault em “A arqueologia do
saber”, questões sobre o campo não-hermenêutico de Hans Ulrich Gumbrecht em
“Corpo e Forma”, estudos de cultura contemporânea de Nestor Garcia Canclini em
“Culturas Híbridas” e ainda a noção ampliada de obra de Paul Zumthor em “A letra e
a voz” para alicerçar meu enfoque metodológico sobre a obra do cineasta Ivan
Cardoso. Além de trabalhar com uma filmografia específica do gênero (O segredo da
múmia de 1982, As sete vampiras de 1986, O escorpião escarlate de 1990, Um
lobisomem na amazônia de 2005, e O sarcófago macabro de 2006) e
conseqüentemente a desconstrução fílmica desta filmografia, prezei as histórias
subjulgadas por trás de outras histórias para que o processo de análise fosse
ampliado e aprofundado, resultando assim em uma análise operística da obra do
criador do gênero terrir, Ivan Cardoso.
.
Palavras-chave: Terrir. Cinema de bordas. Exterioridade. Forma. Obra.
ABSTRACT
The research entitled Parangolé of images: Forms and Metaforms of Terrir by
Ivan Cardoso, intends to understand the general and specific creation process of this
cinematographic style the “terrir”, its forms and metaforms. The filmic appropriation
and pasting included in Ivan Cardoso work supplied me with the fuel so that new
goals could be outlined in the course of the instigative journey resulting in new ways
to approach having to be used in order to transform the magnitude of the object into
a plain masterpiece. Thus, I passed by and backed myself on the exteriorities issues
by Michel Focault, on the issues about the non-hermeneutic field by Hans Ulrich
Gumbrecht, on studies of contemporary culture by Nestor Garcia Canclini and also
on the amplified notion of masterpiece of Paul Zumthor in order to consolidate my
metodologic focus about the work of the moviemaker Ivan Cardoso. Besides working
with the genre specific filmography (O segredo da múmia from 1982, As sete
vampiras from 1986, O escorpião escarlate from 1990, Um lobisomem na amazônia
from 2005 and O sarcófago macabro from 2006) and consequently the filmic
desconstruction of this filmography, I attributed more importance to the subjugated
histories behind the other histories so that the analytical process could be amplified
and deepened, resulting in an operatic analysis of the work of the terrir creator, Ivan
Cardoso.
Key-words: terrir, cinema of boundary, exteriority, shape, masterpiece
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………….………..8
1. CAPÍTULO 1 – As exterioridades do discurso cinematográfico e o cinema
de gênero.......................................................................................................10
1.1 – A gênese da abordagem do objeto............................................10
1.2 – O império das formas e das metaformas...................................13
2. CAPÍTULO 2 – O terrir de Ivan Cardoso...................................................17
2.1 – A produção.................................................................................17
2.2 – O gênero-autor...........................................................................29
3. CAPÍTULO 3 – Análises de imagens e sons.............................................36
3.1 – Análise de imagens e sons em O segredo da múmia................36
3.2 – Análise de imagens e sons em As sete vampiras......................47
3.3 – Análise de imagens e sons em O escorpião escarlate..............56
3.4 – Análise de imagens e sons em Um lobisomem na amazônia...64
3.5 – Análise de imagens e sons em O sarcófago macabro...............72
CONCLUSÃO.................................................................................................80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................82
ANEXOS.........................................................................................................86
8
INTRODUÇÃO
A gênese de meu interesse pelo objeto abordado nesta pesquisa, o
gênero cinematográfico brasileiro terrir, criado pelo cineasta Ivan Cardoso,
surgiu a partir do gosto estético pregresso sobre assuntos que envolvem o
humor, o pornô, e o terror, elementos estes presentes no objeto estudado. Esta
preferência estética pelas dissonâncias tanto da imagem quanto do som, foi
unida a objetividade da pesquisa científica, criando assim uma receita para que
a análise do terrir se tornasse um exercício prazeroso. O terrir, somado ao
repertório pregresso deste pesquisador, também somado a vida acadêmica,
criou um ambiente propício para que o desenvolvimento da pesquisa
procurasse novas questões sobre o assunto.
Além destas justificativas de caráter pessoal, foi somada outra. Tanto o
gênero cinematográfico abordado na pesquisa, quanto seu criador Ivan
Cardoso, são comumente marginalizados pela crítica e pela pesquisa cientifica
por serem ambos considerados provenientes de um cinema de menor
expressão, assim merecendo menor atenção. Esta premissa marginal que
envolve os gêneros cinematográficos considerados menores por sua
característica de entretenimento trivial, ou característica de criar reações físicas
nos espectadores, entra diretamente em confronto com a realidade de sua
grande audiência, ou seja, um filme considerado marginal, no caso estudado, é
um possível candidato a uma grande bilheteria. Logo este estudo está
relacionado diretamente ao estudo de bordas.
A estrutura desta dissertação foi desenvolvida em três capítulos: O
primeiro capítulo, intitulado As exterioridades do discurso cinematográfico e o
9
cinema de gênero, subdivido em A gênese da abordagem do objeto e O
império das formas e metaformas, pretendeu discutir os pressupostos teóricos
envolvidos no processo de análise posterior. Estes pressupostos visaram
abranger e alicerçar a abordagem em que o objeto foi tratado. Diversas
vertentes teóricas foram misturadas afim de se auto completarem. Paul
Zumthor, Nestor Garcia Canclini, Hans Ulrich Gumbrecht e Michel Focault
conviveram juntos para que a noção de obra fosse ampliada. O segundo
capítulo intitulado O terrir de Ivan Cardoso, subdivido em A produção e O
gênero-autor, contém boa parte do desenvolvimento da pesquisa. Visei aqui
tratar o objeto utilizando os pressupostos teóricos para a obtenção de novas
questões pertinentes ao assunto. O terceiro e último capítulo intitulado Análises
de imagens e sons foi subdividido conforme a filmografia selecionada do terrir.
São portanto cinco análises fílmicas dos respectivos filmes: O segredo da
múmia, As sete vampiras, O escorpião escarlate, Um lobisomem na Amazônia,
e O sarcófago macabro. Vale a pena lembrar aqui que estas análises são
separadas apenas por subdivisões práticas, pois seu conteúdo visa a análise
de um todo, ou seja, da obra do terrir de Ivan Cardoso.
A pesquisa pretendeu e pretende, que o repertório do pesquisador,
novas informações sobre o objeto, e novos ponto de vista não cessam,
alcançar os objetivos e mais ainda, pretendeu desenvolver questões ainda não
discutidas sobre o assunto.
10
CAPÍTULO 1 As exterioridades do discurso cinematográfico e o cinema
de gênero
1.1 – A gênese da abordagem do objeto
Para analisar qualquer discurso cinematográfico, seja de maior ou menor
complexidade estrutural, de caráter autoral ou de gênero, é preciso que não se
ignore sua exterioridade no processo de construção, tanto humana quanto
tecnológica. Esse processo não abandona seus genes e nem suas marcas ao
longo do discurso, os quais podem ser recuperados com uma espécie de
arqueologia das formas dos produtos fílmicos dele resultantes.
Por exterioridade se refere a um nível material que antecede a qualquer
articulação de sentidos.
As exterioridades, sem dúvida, não remetem somente ao objeto aqui em
estudo, no caso o terrir, constituído como gênero cinematográfico, nem apenas
a suas adjacências teóricas ou práticas. Elas também são filtradas e fazem
parte do repertório do emissor.
A relação estreita entre o pesquisador e seu objeto de estudo é também
fato determinante. Por toda a vida, seja ela acadêmica ou não, marcas no
processo de arquivamento no repertório imagético e sonoro são grifadas por
momentos cotidianos e acabam por revelar-se no confronto com os produtos
estudados. A formação do gosto estético por um determinado mero de
objetos é um processo em contínuo andamento e tem relação proporcional ao
estudo de determinado objeto acadêmico, ou seja, o filtro do repertório do
pesquisador é sempre renovado a cada dia de pesquisa sobre o objeto de
11
pesquisa. Esta eterna troca é fato enriquecedor da pesquisa e aqui não será
deixada de lado.
então um processo criativo de troca de informações do cotidiano do
pesquisador e do objeto em estudo, servindo tanto para delimitar cada vez
mais o assunto quanto para libertar a criatividade investigativa.
Este processo de criação, de escrita e de pesquisa permite que surjam
novas questões sobre determinado objeto pelo intermédio de uma “descrição
densa”
1
do objeto pesquisado, e permite também o surgimento de questões
híbridas, uma espécie de etnografia
2
de eventos cruzados.
É possível então unir diversas formas de abordagem da pesquisa
acadêmica no sentido de completar as lacunas teóricas, apresentadas por
determinada vertente, com outra teoria, criando assim o embasamento
necessário. Essa união de idéias, conceitos e teorias é o que pretendo fazer
nesta dissertação.
Devemos frisar, no entanto, que essa não é uma questão de
métodos... Mas não essas coisas, as técnicas e os processos
determinados que definem o empreendimento. O que define é
o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco
elaborado para um ‘descrição densa’. (GEERTZ, 1989, p. 4)
É possível observar que, no cinema de gênero, objeto de estudo geral
dentro desta dissertação, seus realizadores deixam marcas no processo de
criação. Tais marcas como por exemplo, as manifestações físicas geradas por
seus espectadores dentro da sala de cinema, modificam a maneira de como o
1
A noção de “descrição densa", expressão usada pelo antropólogo Clifford Geertz, consiste na
interpretação do fato descrito, procurando suas motivações e seus objetivos, seus significados
e não apenas uma descrição minuciosa, mas uma leitura, uma interpretação que não deve ser
confundida com a hermenêutica, que está sendo usada de acordo com as questões das
exterioridades.
2
Segundo Geertz (1989, p.4), a prática da etnografia é: “Estabelecer relações, selecionar
informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e
assim por diante”
12
objeto de estudo pode ser visto pelo pesquisador, que o observa de fora. A
pesquisa por sua vez vem unir todas essas exterioridades e genes do objeto
pesquisado, com o pesquisador.
Por essa razão, esta dissertação engloba o pensamento de
pesquisadores e teóricos, que se mostrem relevantes do ponto de vista
científico desejado, bem como dados biográficos do realizador do terrir.
Apoio-me, sobretudo, nesta forma descritiva do fazer científico por
acreditar nas histórias subjugadas por trás de outras histórias, fazendo assim
vir à tona uma verdade paralela que reinvente o próprio enunciado.
Empreender a história do que foi dito é refazer, em outro
sentido, o trabalho da expressão: retomar enunciados
conservados ao longo do tempo e dispersos no espaço, em
direção ao segredo interior que os precedeu, neles se
depositou e se encontra (em todos os sentidos do termo)
traído. (FOUCAULT, 2007, p. 137)
Minha pesquisa se pretende inserida nos estudos sobre as
materialidades na comunicação. Um tempo dela foi e continua sendo dedicado
a buscar e investigar as fontes bibliográficas condizentes com os pressupostos
que se constroem em torno dessa teoria. Sobretudo os estudos de Hans Ulrich
Gumbrecht sobre as materialidades na comunicação e os estudos de Michel
Foucault sobre o discurso enquanto “um espaço de exterioridade em que se
desenvolve uma rede de lugares distintos” (FOUCAULT, 2007).
13
1.2 – O império das formas e das metaformas
Neste segmento, tratarei de descrever teoricamente o que sejam formas
e metaformas. Por formas entendo que são expressões materiais das imagens
e sons presentes nos filmes utilizados na pesquisa e apoio-me em referências
teóricas de Gumbrecht que detalham o pensamento das formas pelo intermédio
de seus estudos sobre o campo não-hermenêutico e a materialidade da
comunicação.
Uma hipótese imediata ‘profetizaria’ a importância crescente
que o problema filosófico da forma assumirá nos próximos
anos. A partir da perspectiva aberta pela teoria sistêmica,
proponho a seguinte definição: forma é a unidade da diferença
entre referência externa e interna. Com essa definição assinalo
que todo objeto a que se atribui como qualidade uma forma,
deve ter, simultaneamente, tanto uma referência interna quanto
uma externa; pois, sem esta, aquela seria impossível.
(GUMBRECHT, 1998, p.148)
Por metaformas entendo que são expressões e formas observadas a
partir da desconstrução fílmica e exterioridades referentes ao autor e obra em
questão, constituídas a partir de novas idéias e formas geradas fora das
expressões materiais fílmicas, mas de importância significativa para a análise
do objeto observado.
Porém ainda outra noção mais ampliada capaz de englobar os
conceitos de formas e metaformas empregadas na pesquisa. Esta é a noção
de obra. Assim as camadas que compõem o objeto, o terrir de Ivan Cardoso,
vivem dentro deste campo substancial.
Acredito que dentro deste campo, ou seja, obra, se incluam além das
formas e metaformas, as noções teóricas que serviram de alicerce para as
formas e metaformas e as novas noções teóricas desenvolvidas a partir do
14
objeto pesquisado. A obra em forma de debate aberto permite a exploração de
novos conceitos e hibridismos. Abordarei a obra como se faz no entendimento
da totalidade e complexidade envolvida no gênero musical ópera, que, a
palavra ópera é derivada do latim opus, que significa obra, resumindo em uma
palavra o envolvimento combinativo entre diferentes artes como: canto coral,
solo, recitativo, balé e teatro. Segundo Paul Zumthor (1993, p.251) o conceito
de obra se opões naturalmente ao texto, pois enquanto o texto é ligado a um
espaço definido que equivale ao enunciado, a obra envolve diferentes
conjugações que ampliam o texto, sendo assim a obra se torna uma
manifestação viva de um enunciado.
No uso desta noção de obra confluem várias teorias que se
complementam para melhor alicerçar as idéias de formas e metaformas.
Para apoiar o conceito de metaformas, perpasso pelos estudos de
Nestor Garcia Canclini em seu livro “Culturas Híbridas”, além dos estudos de
Hans Ulrich Gumbrecht em “Corpo e forma” e as exterioridades de Foucault em
“A arqueologia do saber”. Todos estes pressupostos se tornam aqui de certa
maneira, complementares.
Canclini propõe a noção de descolecionar para explicar o hibridismo
dinâmico na formação das culturas contemporâneas. A idéia por ele descrita
de descolecionar nesse sentido de hibridismo pode ser apreciada com o
exemplo descrito no livro em questão sobre as diversas situações da
descoleção sob o prisma do veículo videoclipe.
Intergênero: mescla música, imagem e texto. Transtemporal:
reúne melodias e imagens de várias épocas, cita
despreocupadamente fatos fora do contexto; retomam o que
haviam feito Magritte e Duchamp, mas para públicos massivos.
(CANCLINI, 2008, p.305)
15
Ora, o ato de descolecionar é diretamente aplicável ao sistema de
colagens que é usado no terrir de Ivan Cardoso. Explico mais adiante a
importância da tríade que une o gênero terrir, horror, humor, e pornô, passando
por Canclini e sua descoleção como uma espécie de modelo teórico. O
hibridismo contido no gênero terrir pode ser transferido e logo explicado pelo
uso desta visão de cultura popular contemporânea. Continuando a defender a
confluência entre os pressupostos teóricos usados aqui cito também
Gumbrecht com seu conceito de destemporalização que de certa forma vêm
para complementar o conceito de descoleção apresentado por Canclini:
A situação contemporânea evoca um futuro bloqueado. Em
lugar da percepção moderna de um futuro cujas opções
permanecem em aberto, passamos a temer este futuro: não
mais o vemos como um resultado do presente, antes o
presente parece tornar-se onipresente. Ao mesmo tempo, as
possibilidades técnicas de reprodução de ambientes e
condições do passado se aperfeiçoaram a tal ponto que,
constantemente, o presente parece invadido por passados
artificiais. Deste modo, as condições de destemporalização
insinuam não um tempo que progride, mas um presente que
cada vez mais domina o cenário contemporâneo.
(GUMBRECHT, 1998, p. 138)
Dentro deste debate aberto a obra pode ser considerada também uma
substância anterior às preocupações do significado, que permite que a
metaforma, aqui descrita, seja uma espécie de fluido amorfo que pode ser vista
dentro deste campo não-hermenêutico.
A noção de campo não-hermenêutico é explicada por Gumbrecht:
O campo não-hermenêutico caracteriza-se pela convergência
no que diz respeito à problematização do ato interpretativo.
Convergência capaz de associar pontos de vista sem dúvida
distintos.No contexto contemporâneo, oque mais importa é a
absoluta ausência de uma teoria hegemônica. (GUMBRECHT,
1998, p. 144)
16
Para Gumbrecht (1998, p. 144), a hermenêutica, antigo ramo da filosofia
que debate a compreensão humana e sua interpretação de textos escritos, não
cabe em um estudo que utiliza pressupostos de exterioridades, por sua sede
de objetividade interpretativa. O campo o-hermenêutico, usado por
Gumbrecht e citado nesta dissertação, gera possibilidades e cruzamentos de
informações das mais variadas e não convencionais, porém sempre incluindo
as exterioridades culturais, sociais e históricas. A noção de obra, dentro do
campo não-hermenêutico, engloba, tanto substâncias sólidas e providas de
forma, como substâncias fluidas e amorfas (metaformas), no entanto todas
circulando e cruzando entre si gerando novos conhecimentos sobre o assunto.
Além disso, dentro deste turbilhão chamado obra, podem residir os estudos de
análise fílmica, entrecortados por todas estas teorias e referências do objeto
pesquisado, pesquisador, formas, metaformas e hibridismos. No caso desta
dissertação, a análise fílmica, apesar de ser híbrida sob o ponto de vista
imagético e sonoro, ao passar pelo repertório deste pesquisador se torna um
ponto de vista pendente para as nuances sonoras , pois a minha experiência
como músico, compositor e produtor fonográfico tende a ver pelos ouvidos.
17
CAPÍTULO 2 – O terrir de Ivan Cardoso
2.1 – A produção
A criação do terrir teve um longo caminho antes de sua concepção. Seu
desenvolvimento teve início junto à carreira de seu criador, Ivan Cardoso, e de
todas suas experiências cinematográficas tanto na produção de filmes, como
espectador de filmes e televisão.
Falar do realizador, aqui, não significa um determinismo autoral, mas sim
“um deslizamento teórico em direção à noção de ‘obra’ em lugar de ‘texto’”
(LYRA, 2007, p.145). Assim como descreve Zumthor (1993, p. 251), a obra é
uma superfície composta pela superposição de formas de apresentação que
não são imediatamente acessíveis através da interpretação.
A obra é uma superposição de camadas que interagem e dão
consistência ao objeto. Assim, os dados referentes a Ivan Cardoso tornam-se
parte da organização externa de sua “obra” cinematográfica.
Dentro do arcabouço de uma história da recepção descritiva,
eu gostaria de recomendar a utilização do significado
pretendido pelo autor como o fundo contra o qual outros
significados podem ser compreendidos.
(GUMBRECHT, 1998, p. 27)
Antes de iniciar sua carreira como fotógrafo e cineasta, Ivan Cardoso
alicerçou seu repertório com matinês no cinema e seriados televisivos. Esse
repertório de sons e imagens viria a ter grande repercussão, mais tarde, em
seus filmes que são realizados como um tecido de fragmentos
cinematográficos vistos, colando retalhos de cenas, composições e
18
enquadramentos que, por si só, remetem àquele “conhecimento” alicerçado
sobre filmes B de horror, séries detetivescas, revistas em quadrinhos etc.
Na zona sul do Rio de Janeiro cursou o segundo grau, no Colégio São
Fernando, onde editava um jornal escolar que levava artistas como Hélio
Oiticica e Carlos Vergara. Aqui abro um parêntesis para sublinhar a parceria
entre lio Oiticica e Ivan Cardoso, a qual serve como um dos vetores do
presente trabalho. Como podemos ver ao longo de sua trajetória fílmica a
relação entre esses dois artistas começou bem cedo, e continuou ad
perpetuam. Em 1979, Ivan Cardoso filma o curta-metragem experimental H.O.
homenageando o artista plástico e, mais tarde, em 2004, filma Heliorama,
documentário que explora o mesmo tema.
Assim, pode-se dizer que Hélio Oiticica também faz parte do terrir, ou
pelo menos ele partilha de todo um espírito de época que preparou e facilitou o
aparecimento desse gênero fílmico.
Hélio Oiticica era pintor, escultor, artista plástico, performático brasileiro
e fundador do Grupo Neo-concreto. Criou na década de 1960, o Parangolé,
que chamava de "antiarte por excelência".
O Parangolé, considerado uma escultura móvel, é uma espécie de capa
(ou bandeira, estandarte ou tenda) que só mostra plenamente seus tons, cores,
formas, texturas e grafismos, e os materiais com que é executado (tecido,
borracha, tinta, papel, vidro, cola, plástico, corda, palha) a partir dos
movimentos e alguém que o vista.
A colagem contida nesta espécie de escultura móvel se apropria de
diferentes materiais precários e cotidianos e os junta como uma colcha de
19
retalhos, e quem o veste lhe dá movimento, e lhe dando movimento lhe
vida.
Essa estética fragmentária era uma das estratégias de que se valiam os
artistas e realizadores da década de sessenta para reafirmar atitudes de
rebeldia e rompimento com o estatuto da produção artística tradicional.
O terrir também é de certa forma, uma colcha de retalhos que
igualmente se apropria de diferentes materiais imagéticos e sonoros, sejam
eles fotografias, séries de tevê, história em quadrinhos, músicas, trilhas
sonoras de filmes alheios, ou diversos gêneros cinematográficos, sendo muitas
vezes considerado lixo cinematográfico. Esta colagem de imagens juntadas
propositadamente em rolo de filme e colocadas em um projetor na sala de
cinema, permite que a percepção dos espectadores assuma o seu movimento
caótico, como se estes vestissem o filme como quem veste um parangolé.
Dessa maneira, em função de analogia, pode-se considerar o terrir um
parangolé imagético e sonoro. Nele se cruzam formações do cinema e das
artes plásticas, e exterioridades de Ivan Cardoso e Hélio Oiticica.
Figura 1 – Imagem do parangolé de Hélio Oiticica
20
No texto de Hélio Oiticica intitulado Nosferato, o artista revela ligações
entre o parangolé e o filmete Nosferato no Brasil:
relação entre NOSFERATO e meu PARANGOLÉ: os personagens
não são personagens à procura de um ator
como as capas não são objetos d’arte: são simultaneidade-protótipos
q anulam o conceito de estilo.
Acabou a época da criação de tipos fixos definidos no cinema
...hoje também no cinema, a relação espectador obra percebida
sofre uma mudança: espectador teveizado absorve por mosaicos:
participante no preencher lacunas estruturais que visam esse fim
...hoje no subterrâneo NOSFERATO super 8 a linguagem cinema
é instrumento aberto livre de quaisquer exigências narrativas logo
desnecessita de artifícios HOLLYWOOD: não é diluição NOVELLE-
VAGUE HOLLYNOVOREALISMO nem UNDERGROUND
AMERICANO como querem insinuar:
O sentido de humor paródia grotesco das situações-episódios
são unicamente brasileiras: longe de preocupações subjetivas: longe
da busca de significados característica dos americanos (salvo
alguns) ou dos europeus
MARSHALL McLUHAN = A parody is new vision.
3
(OITICICA, 1990, pp. 39-42)
Tal cruzamento não é incomum e muitos outros artistas foram
influenciados por outras artes que não a sua para melhor criar ou desenvolver
sua própria área de atuação. Dessa maneira, Jack Kerouac, por exemplo,
apropriou-se do esquizofrênico e longo ataque do saxofone do jazz Bebop,
para desenvolver sua escrita sem pontuação e direta, e para não se desviar da
linha de raciocínio inconsciente, obtendo o mesmo efeito de miscigenação que
Ivan Cardoso conseguiu em seus filmes.
No prefácio de “Os subterrâneos” de Jack Kerouac, Henry Miller explica
este cruzamento de idéias interdisciplinares:
3
Foi mantida a formatação original do texto do autor Hélio Oiticica, publicado no livro
Ivampirismo: O cinema emnico.
21
O bom poeta, no caso, o poeta bop espontâneo, está sempre
ligado nos idiomatismos de seu tempo o balanço, o
compasso, o ritmo metafórico disjuntivo que vem tão depressa,
tão furioso, tão embolado, tão incrivelmente ainda que
deliciosamente louco que, quando transportado para o papel,
ninguém o reconhece. (KEROUAC, 2006, p.1)
Ao transferir o ritmo, a sincope, a respiração, o ataque forte
inconseqüente, a falta de pausas e codas
4
, à sintaxe, gramática, as
convenções narrativas, Kerouac cria sua própria prosa, ou prosódia bop
delírica. O jornalista Rodrigo Garcia Lopes cita na matéria “O inventor da
prosódia bop espontâneapublicada no Caderno 2 do jornal O Estado de São
Paulo, trecho em que Jack Kerouac explica a conexão entre o Jazz e o estilo
literário criado por ele mesmo:
Jazz e bop, no sentido de um saxofonista tomando fôlego e
soprando uma frase em seu sax, até ficar sem ar novamente e,
quando isso acontece, sua frase, sua declaração foi feita... É
assim que separo minhas frases, como separações respirantes
da mente. (LOPES, 23 de outubro de 1999, Caderno 2, Jornal
O Estado de São Paulo)
No curta-metragem experimental H.O., de 1979, a voz em off do próprio
artista Hélio Oiticica explica a prática do invencionismo contido em sua obra a
partir de imagens do parangolé sendo vestido: “...eu passo a me conhecer
através do que eu faço, na realidade eu não sei o que eu sou...”. Esta
introdução, ou prólogo, é feito de colagens de sons, voz off, músicas de
Caetano Veloso, e de imagens coladas experimentadas e permeadas por
imagens de parangolés. Uma colagem imagética mostrando e explicando as
colagens plásticas, gerando, assim, uma metalinguagem.
4
Coda é uma notação teórica apresentada em partituras, que define a seção com que se
termina uma música.
22
Logo no começo do filme, Hélio Oiticica explica o parangolé em voz off:
O parangolé não era assim como uma coisa para ser posta no
corpo e pra ser exibida, a experiência da pessoa que veste, da
pessoa que está fora e está vendo a outra vestir e outras que
vestem simultaneamente a coisa, são experiências
simultâneas, são multi-experiências. Não se trata assim do
corpo como suporte da obra, pelo contrário é total
incorporação; a incorporação do corpo na obra e da obra no
corpo, eu chamo ´in-corporação´. (Filme H.O.)
A “in-coporação” é perfeitamente aplicável em teorias psicanalíticas da
história do cinema, as quais envolvem diferentes níveis de imersão, como se vê
no trabalho teórico do psicólogo, sociólogo e cineasta Edgar Morin que,
segundo Robert Stam, explica a experiência cinematográfica como uma
vivência de intensidade neurótica (cf. STAM, 2003, pg.182). No entanto, prefiro
ater-me aos movimentos e reações físicas que o parangolé exige a partir da
multi-experiência, para considerar as relações desse artefato artístico com as
reações físicas geradas pela tríade de gêneros cinematográficos, horror, humor
e pornô, presentes no terrir. A multi-experiência pode ser algo aproveitado em
diversas formas de arte, porém tanto no parangolé, quanto no terrir, a reação
experimental é causada pela omissão e revelação, a um tempo, de imagens
e cores, de colagens de imagens e sons, e em especial no caso do terrir, pela
junção de gêneros cinematográficos.
Ao longo do filme, Hélio comenta sobre a morte da pintura e da
escultura, dizendo que uma volta ou retomada a este tipo tradicional de arte
plástica é impossível, e termina seu depoimento dizendo que a reação que
gera uma invenção é outra invenção. Isso se aplica à possibilidade de
considerar o terrir como parangolé de imagens, uma vez que não se pode
23
esquecer que Ivan Cardoso faz parte de toda uma geração que postulava o
cinema como invenção e como experimento.
Nesse sentido, o realizador conserva os traços dos cineastas marginais
que contestavam as realizações do Cinema Novo, atribuindo a esse movimento
características pequeno- burguesas e falsamente “populares”.
É claro que tais idéias “marginais” estavam pautadas nas novidades
políticas e sociais da época, sobretudo do uso das drogas, e tamm nas
modificações sofridas pelo surto de vanguarda artística nos Estados Unidos e
na Europa.
Em 2004, Ivan Cardoso, volta a retomar o tema em Heliorama, também
um curta-metragem experimental feito a partir de colagens de imagens de Hélio
Oiticica. Como no filme H.O., Heliorama é também permeado de depoimentos
de lio Oiticica, que abre o filme dizendo: “A interpretação a tentativa de
buscar significado, todas estas coisas, são coisas superadas, na realidade o
que resta é a grande invenção”. Porém como o filme se trata de uma colagem
de homenagem póstuma ao artista plástico, várias imagens são repetidas do
primeiro filme H.O., em uma seqüência logicamente diferente, afim de que se
transforme em novo filme. Alguns depoimentos são inéditos e, como acontece
em H.O., o texto narrado é de Haroldo de Campos, ora narrado pelo próprio
Haroldo, em H.O., ora narrado por Fausto Fawcett em Heliorama.
Nesses contratos de Ivan Cardoso com a arte experimental, vale a pena
citar também o documentário sobre Augusto de Campos, Hi-Fi, de 1999, que
usa colagens para transformar em imagem a poesia concreta.
Nestes três documentários experimentais, Ivan, conta com o
concretismo, já que Haroldo de Campos, junto a seu irmão Augusto de Campos
24
e ainda Décio Pignatari, aparecem nos filmes o como personagens, mas
também na expressividade de seus textos poéticos.
Toda essa época voltada para a experimentação foi resultado, inclusive,
da invenção de novas tecnologias que desde o fim do renascimento alavancou
o processo criativo em busca da invenção, em detrimento da busca de
significados, pondo a prova a criatividade dos novos artistas, colocou a
tecnologia a sua disposição e pondo-os a deriva das novas possibilidades.
Antes de se tornar efetivamente cineasta e fotógrafo, Ivan Cardoso
participou como assistente do diretor Rogério Sganzerla em Sem essa Aranha
(1970). Mais tarde, trabalhou tamm com Julio Bressane, outro nome
importante do cinema marginal.
Com estas duas participações consolidadas, Ivan quase naturalmente
avesso ao Cinema Novo, colaborou com Torquato Neto na campanha contra
aquele movimento cinematográfico autoral, escrevendo na coluna “Geléia
Geral”, que era publicada no jornal Última Hora.
Indo mais além no objetivo de analisar a história teórica do cinema
brasileiro desta época, ou época do cinema de invenção, fica praticamente
impossível não esbarrar nos textos glauberianos e no cinema novo. A proposta
glauberiana do manifesto “A estética da fome” de 1963 de usar o cinema para
revelar a feiúra e a tristeza do subdesenvolvimento tanto como tema, quanto a
precariedade dos meios de sua produção cinematográfica, levariam mais tarde
em meados de 1969 o roteirista e cineasta cubano Julio Garcia Espinosa
escrever o ensaio “For an imperfect cinema”.
Espinosa por sua vez explicou o objetivo do cinema do terceiro mundo
5
5
Cinema do terceiro mundo é um termo cunhado no final dos anos 60 e usado para designar
produções cinematográficas com uma espécie de subnutrição.
25
emergente e recentemente reconhecido, como de natureza político-ativista.
Entendeu que a imperfeição do cinema latino-americano, era fruto da
mistura entre um diálogo criativo com o cinema hollywoodiano e a falta de
pretensões com ideais artísticos europeus.
Apesar de afirmar a existência do significado político, e a busca de um
significado para o cinema, Espinosa, nos deixa aqui uma importante questão.
esta época também surgiu o udigrudi
6
e outras vertentes cinematográficas e a
questão interessante mora na imperfeição latino-americana, ou a
despreocupação com a perfeição.
Tanto a busca de significado, quanto a busca pelo entretenimento latino
americano, corroboram com a imperfeição como característica fundamental e
não uma subnutrição no feitio cinematográfico. Não há uma preocupação com
o perfeito ou com o estético.
Aqui o terrir se encaixa de maneira interessante. Como diálogo criativo e
amigável com informações européias, pois o cineasta ídolo de Ivan Cardoso é
Godard, e o cinema industrial americano.
O que diferencia o terrir do cinema novo, sob este ponto de vista, é o
entreter e o significar, deixando os outros aspectos como suas produções
subnutridas corroborarem.
Mesmo assim posso citar uma frase de Ivan Cardoso, contida na
entrevista para a Revista de Cinema, que pode confundir o entreter e o
significar: o entendo por que pararam de produzir comédias populares no
6
Udigrudi é uma corruptela de “underground” pejorativamente cunhada por Glauber Rocha com
objetivo de satirizar o movimento cinematográfico marginal de baixo custo que utilizava
câmeras Super-8 em seus filmes.
26
Brasil. É o gênero que mais tem a ver com o país. Afinal, isso aqui é uma
comédia.” (CARDOSO, 2006)
realmente por trás das mascaras, das capas de vampiro, das
ataduras das múmias um porquê? Uma necessidade de mostrar, debochar a
caretice da cultura brasileira, e demonstrar que o cinema de bordas
7
é parte
integrante desta cultura, queiram os glauberianos ou não.
Aqui chego a um ponto de retorno à coluna Geléia Geral do Jornal
Ultima Hora e ao seu idealizador Torquato Neto. uma natural influência de
Torquato Neto na obra de Helio Oiticica e por conseqüência na de Ivan Cardoso,
em prol da contracultura e do invencionismo.
Apesar de ter sido assistente de Glauber Rocha no filme Barravento
(1960), Torquato Neto e sua trupe da coluna Geléia Geral, faziam diversas
criticas ao cinema novo e usando do mesmo artifício, como manifestos e afins,
deram origem ao parangolé, o terrir, o tropicalismo, e diversas outras
manifestações contra culturais.
Posso definir então, que por trás do terrir existe uma necessidade
político-ativista?
O terrir é Ivan Cardoso escrevendo na coluna Geléia Geral?
Obviamente que os objetivos político-ativistas mudam. As preocupações
em 1970 são diferentes de 2008, porém a comédia, o deboche ainda pode ser
achado atrás das camadas pornochanchadescas.
O criador do terrir iniciou sua carreira como cineasta, começando com o
udigrudi, sendo seguidor do cinema de invenção de Sganzerla.
7
Segundo os organizadores do livro Cinema de Bordas, Bernadette Lyra e Gelson Santana,
cinema de bordas é uma idéia que engloba questões pertinentes a filmes situados na
trivialidade do entretenimento cinematográfico, levando como características a valoração da
experiência cinematográfica sentidas pelos espectadores.
27
A partir de 1970, começou a produzir vários filmetes, como a série
Quotidianas Kodak, na qual faz paródias dos formatos de uma sessão
tradicional de cinema. Toda a série foi realizada com o mesmo grupo de atores,
denominado Ivanps. O invencionismo contido nas obras, ou junção propositada
e inédita de gêneros, e a oposição aos filmes “cabeça” cinemanovistas,
delineavam a obra que vinha a seguir.
Neste caldeirão de possibilidades também viriam a se tornar
ingredientes sua vivência como fotógrafo, a admiração pelos gêneros do horror
hollywoodianos, filmes B e quadrinhos de super-heróis. Aqui é importante abrir
outro parêntesis para ressaltar outra parceria de extrema relevância para o
desenvolvimento do terrir, Rubens F. Luchetti. O quadrinista Rubens F. Luchetti
roteirizou diversos filmes de Ivan Cardoso e também emprestou a Ivan algumas
histórias que renderam filmes, como O escorpião escarlate (1990). Luchetti
também roteirizou o longa de Ivan Cardoso, Um lobisomem na Amazônia
(2005). Estas intensas parcerias definem uma equipe que comumente são
notadas em filmografias de diretores autorais.
Ao longo dos anos e mesmo antes de se tornar cineasta, Ivan vinha
recrutando o seu crew, ou seja, a sua equipe, o que também ajuda a reforçar
as marcas que o vinculam ao terrir. lio Oiticica, José Mojica Marins, Rubens
F. Luchetti, o maestro Júlio Medaglia, atores caricatos como Wilson Grey, Nuno
Leal Maia, Felipe Falcão, Evandro Mesquita, Ivon Cury, Tião Macae outros,
formam o time Ivampírico.
Em 1982, ele realiza O Segredo da Múmia. O filme conta com Wilson
Grey colocado pela primeira vez como protagonista de um filme como o
cientista Expedito Vitus. Com grandes resultados de bilheteria a obra obtém
28
grande sucesso de público no Brasil e no exterior, e recebe mais de 20
prêmios, inclusive o de melhor filme no Festival de Cinema Fantástico de
Madri. Em 1986 realiza seu segundo longa-metragem, As sete vampiras, outro
sucesso de público que atinge mais de um milhão de espectadores. Em 1990,
vem o filme O escorpião escarlate, que é seguido de Um Lobisomem na
Amazônia, de 2005 e o último filme, de 2006, O sarcófago macabro. Estes
cinco longas são essencialmente a filmografia do terrir. Porém vale a pena citar
outros curtas e documentários que povoam a filmografia geral de Ivan Cardoso.
Além dos filmetes da séria Quotidianas Kodak e dos três documentários H.O.,
Heliorama, e Hi-Fi, citados existem: Nosferatu no Brasil (1970), Branco tu és
meu (1970), Piratas do sexo voltam a atacar (1970), Programa Nosferatu no
Brasil (1971), Onde Freud não Explica (1971), Sentença de Deus (1972), After
Midnight (1972), A múmia volta a atacar (1972), Programa Chuva de brotos
Elvira Pagã (1972), Alô, Alô Cinédia (1973), Moreira da Silva (1973), O conde
gostou da coisa (1973), Museu Goeldi (1974), Teasearama (1975), História dos
Mares do Sul (1975), Ruínas de Murucutu (1976), O universo de Mojica Marins
(1978), Dr. Dyonélio (1978), Domingo de Ramos (1981), Os bons tempos
voltaram: Vamos gozar outra vez (1985), A história de um olho (1986), À meia-
noite com Glauber Rocha (1997), Sexo, drogas e Rock´n´ Roll (1999) e A
marca do Terrir (2005).
29
2.2 O gênero-autor
A idéia de agrupar seres e objetos com características comuns parece
permear a história humana. O uso de sistemas de categorizações nos produtos
e processos culturais é antigo e sempre funcionou de acordo com a crítica e o
público de cada época. No cinema não foi ou é diferente. Existe uma espécie
de convenção entre a indústria e produção cinematográfica, sua audiência e o
texto científico ou crítico que gera as diversas formas e também as
metamorfoses do gênero, ou seja, um contrato entre as partes envolvidas na
cadeia que vai da produção à recepção cinematográfica.
Esta convenção genérica no discurso cinematográfico está diretamente
ligada à história da grande indústria hollywoodiana do começo do cinema.
Podemos enxergar o conceito de gênero cinematográfico pelo menos de duas
maneiras diferentes, conforme a história das teorias cinematográficas nos
propõe. Segundo a semiologia as análises científicas sobre o gênero
cinematográfico são um derivado natural de um teoria do código, um sistema
de convenções de verossimilhança cinematográficas, consagradas por
Christian Metz em Langage et cinema.
A obra de um cineasta não é única unidade textual-sistemática
maior que o filme. também o que se chama ‘gênero
cinematográfico’: burlesco, ´filme negro, comédia musical, etc.
Referimos-nos anteriormente á possibilidade de detectar, num
corpus formado por vários westerns, cujo número e escolha
dependem da exata orientação de cada análise, os traços
constitutivos da ´westernidade´; são eles que fazem com que
um western seja um western, e que – mesmo que isso não seja
explicitado no filme nem nos filmes-anúncio do seu lançamento
publicitário seja inevitavelmente reconhecido como tal para
um público possuidor da correspondente informação sócio-
estética, isto é, capaz de reconhecer, mais ou menos, o
sistema western (METZ, 1972, p.93)
30
A outra maneira de entender os gêneros cinematográficos reside no
enfoque da historicidade do gênero, que envolve questões pertinentes à sua
forma, diferenciando-se aqui da teoria anterior que enfocava o conteúdo. Nesse
sentido, para Tom Gunning (cf. GUNNING, 1984, p.105) a definição dos
gêneros cinematográficos depende da articulação entre os planos em relação
ao espaço e o tempo, e se explica pela existência de quatro diferentes gêneros
primitivos. O primeiro se refere a narrativas executadas em um plano, o
segundo sobre narrativas de não-continuidade, em que a quebra entre planos
projeta uma quebra na narrativa, o terceiro sobre narrativas de continuidade em
que a quebra entre planos preserva a continuidade narrativa e o quarto, que se
refere a descontinuidade narrativa em que a montagem desfaz o caráter de
continuidade narrativa.
Grandes estúdios se especializaram em “gêneros”, que por sua vez
atendiam a audiência aspirante de novas obras daquele código pré-
estabelecido. Alguns consideram gênero como uma fórmula cinematográfica,
uma estrutura de enredo, roteiro, grandes astros, que configuram tal vertente
cinematográfica.
No interesse deste trabalho, pode-se considerar que a palavra “gênero”,
quando aplicada ao cinema, divide seu significado em pelo menos dois
sentidos. O primeiro é usado para agrupar todos aqueles filmes que são
participantes daquele determinado modo genérico de apresentação. O outro
sentido inclui a grande indústria de produção de filmes e traz em si conceitos
de perojatividade, ou seja, nele se encaixam certas produções de baixo
orçamento ou filmes da categoria B.
31
Mas, se os filmes B são ligados à categoria trash, por sua relação de
baixo orçamento, posso também considerar uma transformação nesta
categorização, pois tanto os filmes considerados B, quanto os considerados
trash, são hoje vistos para além de tais conceituações orçamentárias,
especialmente por um nicho, um público que consome e se identifica com a
precariedade da produção. Hoje podemos pensar em filmes trash que apenas
aparentam ser de baixo custo. Este nicho colocado de forma geral abre
caminho ao conceito de paracinema .
8
É bem verdade que alguns “gêneros” foram designados pela critica após
a própria criação dos filmes. Um exemplo são os filmes noir da década de 40,
que tiveram a categorização cunhada em forma de retrospectiva histórica.
Durante a história da teoria do cinema, o “gênero” foi abordado de
diversas maneiras, teve altos e baixos, e voltou as ginas dos textos teóricos.
A escola de Frankfurt tratou o gênero como um sintoma de produção em série
massificada.
Esta categorização pela suposta qualidade nociva do meio massivo foi
substituída por novos embates e revigorada por diferentes teóricos
influenciados por métodos estruturalistas, como Thomaz Schatz, ou semânticos
como Rick Altman.
8
Apresentado, em 2008, no GT de “Cinema, fotografia e vídeo” da Compós, Bernadette Lyra
estabelece as ligações estéticas do paracinema com toda uma subprodução cultural: A meu
ver, a nocão de paracinema se na esfera de uma estética afetada pelas chamadas
subculturas. Dessa forma o universo do paracinema pode ser visto enquanto lugar de abrigo de
certas produções capazes de provocar uma sensibilidade esteticamente determinada e que
tem em seu fundamento nas noções das bordas, margens, trash e outras”. (LYRA &
SANTANA, 2008)
32
A par dessas considerações sobre gênero, é preciso também elucidar
aqui a importância do autorismo, como vertente teórica, para que possamos
mais tarde entender o cinema criado por Ivan Cardoso, o terrir.
O autorismo, criado no final dos anos 50 e princípio dos anos 60, veio
para dar voz aos autores-cineastas, e se opor naturalmente ao gênero.
Truffaut, um dos responsáveis da disseminação do autorismo, pelo intermédio
da revista especializada “Cahiers du Cinéma”, defendia que o novo cinema era
aquele que impregna o filme com a personalidade de seu diretor.
A valorização autoral em detrimento dos gêneros é aceita por boa parte
de críticos e historiadores cinematográficos. A esse respeito, Buscombe diz
tratar-se de uma forma de “sobrecompensação” produzida pela crítica, em
reação ao cinema americano produzido em massa, “graças a uma fórmula (...)
das indústrias de Hollywood” (BUSCOMBE: 2005, p.312).
Estas duas vertentes teóricas, autor e gênero, permeiam até hoje os
textos científicos sobre o cinema e servem de pauta ao levantamento de
questões pertinentes ao estudo do terrir.
O terrir é um gênero. Mas o terrir é Ivan Cardoso. Parece-me aqui que é
necessário cruzar duas linhas teóricas para achar o hibridismo encontrado
neste gênero-autoral.
Podemos aplicar ao terrir tanto a definição da antiga escola de Frankfurt
(sintoma de produção em série massificada), ou mesmo aquilo que diz Thomas
Schatz, citado por Stam (2003): “O gênero exerce função de ritual cultural, para
a promoção da integração social”, quanto a noção de autorismo de “Cahiers du
Cinéma”.
Portanto, as especificidades do terrir vão muito além de unir três
33
diferentes elementos cinematográficos, no caso o humor, horror, e o pornô.
Sendo híbrido por natureza, esse tipo de filme também pode unir duas
vertentes teóricas criando uma terceira, que estou chamando de gênero-autor.
Se pensarmos na época em que o terrir foi criado e nos “parceiros” que
Ivan Cardoso tinha, dentro do cinema marginal da época, não é difícil entender
o processo de criação de um gênero de um autor só.
Além disso defendo a idéia de ineditismo para com o gênero-autoral
terrir, devido a precariedade de espaço e produção no cinema brasileiro.
Naturalmente que se compararmos a indústria americana de cinema com a
indústria nacional acharemos um abismo, e devido a este abismo que envolve
produção cinematográfica nacional consistente, espectadores interessados a
experimentar o cinema nacional, uma distribuição mais abrangente seja em
cópias para cinema ou mídias de entretenimento doméstico, e salas de cinema
dispostas a exibir a produção, o terrir é e continuará sendo um nero de um
autor só.
Esse procedimento ocorre em outros filmes de outros realizadores. É
possível, por exemplo, comparar o terrir de Ivan Cardoso, com algumas obras
de Mel Brooks, como O Jovem Frankenstein de 1974 e Alta Ansiedade de
1977. Estes filmes são exemplos reais de mistura de gêneros e apropriações
explícitas de outras obras já consagradas do cinema americano.
Em O Jovem Frankenstein podemos identificar claramente a
configuração do gênero de horror pelo mote do roteiro, o monstro criado pelo
Dr. Frankenstein, e o humor contido no desenvolvimento da história e dos
personagens.
34
Em Alta Ansiedade identificamos uma apropriação clara do mote do
filme de 1958, Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock. Este clima de suspense
é unido ao humor ácido característico de Mel Brooks. Porém nenhum destes
dois filmes tem o apelo pornochanchadesco necessário para que os configure
terrir. O que faz a diferença do terrir é a influência da pornochanchada, com
todas as suas circunstâncias de expressividade e precariedade.
A substância que lhe forma na pornochanchada é o
precário; mais propriamente a precariedade. O precário é a
instância primordial, ele é resultado de uma espécie de
subnutrição tecnológica. E é exatamente esta espécie de
subnutrição que inventa ou conforma o gênero no cinema
brasileiro. (SANTANA, 2005, pag. 326)
Assim, a fórmula do terrir parece ser uma exclusividade tupiniquim, em
que se sobressai a herança da chanchada dos tempos da Atlântida, do
burlesco, do humor ingênuo, misturado à malícia do erotismo exagerado.
O terrir explica sua existência não só pelos fatores determinantes ligados
ao contextual de sua época, ou ligada ao repertório e idealismo do autor que a
criou, mas também, pela pura descrição da junção de três elementos que
sempre fizeram as delícias do cinema de grande público.
9
Um dos motivos pelo qual a tríade de elementos genéricos que compõe o
terrir funcionou de maneira eficaz junto ao público está no fato de que
apresenta em comum o fator físico da experiência cinematográfica,
demonstrada na reação da audiência. Em decorrência dessa experiência o
9
O terrir sobrevive hoje e também faz pequenos aparecimentos em forma de homenagem ao
seu mestre em diversos festivais de cinema independente como a Mostra Trash de cinema
independente de Goiânia, que teve a participação de Ivan Cardoso fazendo workshops em sua
terceira edição, talvez por ser um gênero que não se limita a orçamentos e sim a colagens de
idéias, nas quais se unem humor, horror e sexo.
35
espectador do terrir reage aos filmes com manifestações corporais, pois o terrir
joga no colo do espectador uma bomba de sentimentos, ora concomitantes, ora
dissonantes, que fazem com que ele responda diretamente a estes estímulos,
podendo, assim, ser considerado um verdadeiro “cinema de bordas”, (cf. LYRA
e SANTANA, 2006).
O cinema de bordas estuda filmes de gêneros que se caracterizam pela
trivialidade, fugindo da subjetividade cognitiva, e criando relações diretas com o
espectador, os quais se manifestam em reações corporais geradas pela
recepção da imagem e som.
A tríade de elementos genéricos do terrir, e o próprio terrir como um
todo, se caracterizam por esta trivialidade, “situados às bordas do ´sério´.”
(LYRA e SANTANA, 2006, pag.12). Estes filmes são e serão considerados por
muitos de natureza “banal”, se comparados aos de natureza “séria”. Mas,
abaixo do rótulo de cinema banal ou de entretenimento, o terrir apresenta
construção, exclusividade, alcance e poder de comunicar e apropriar-se de
elementos imagéticos alheios, que fazem desse gênero exclusivo uma história
de mapa do tesouro para os apaixonados por cinema, além de uma borda
massiva a ser explorada.
36
CAPÍTULO 3 – Análises de imagens e sons
3.1 – Análise de imagens e sons de O segredo da múmia
Figura 2 - Cartaz do filme O segredo da Múmia
Para analisar o primeiro filme da filmografia do terrir de Ivan Cardoso,
dentro do conceito de obra aqui utilizado, precisamos antes traçar alguns
paralelos históricos que situarão melhor as questões que propiciaram a criação
não só de um filme, mas de um gênero único.
Dentro da história diretamente ligada à criação deste filme, procurei a
fagulha que originou a idéia de se fazer um filme sobre uma múmia brasileira.
Uma série de eventos e fatores levaram Ivan Cardoso a criar O segredo da
múmia (1982). Primeiro ponto a ser analisado é a filmografia anterior ao filme,
ou seja, o que Ivan Cardoso se dedicava alguns anos antes de ter a idéia do
filme. O primeiro flerte com o terrir se deu em 1971 com o curta Nosferato no
Brasil, parte integrante do Programa Quotidianas Kodak junto aos outros
37
filmetes Sentença de Deus, After midnight e Dominó negro, programa que criou
o elenco denominado de Ivamps. Tratava-se de mais de uma série de
experimentos cinematográficos alimentados pelo udigrudi. Em Nosferato no
Brasil, o poeta Torquato Neto, antigo parceiro de Ivan Cardoso na coluna
Geléia Geral, encarna a pele do próprio vampiro.
Figura 3 - Torquato Neto em Nosferato no Brasil
Ambientado na praia o vampiro perambula pelas areias vestido como o
personagem emblemático do terror tendo como fundo o mar e o sol a pino. O
filme inteiro se passa de dia e no cartaz da produção podia-se ler “Onde se
dia, veja-se noite”. O caráter experimental do filmete pode ser resumido pelo
texto de Hélio Oiticica:
Nosferato é cinema sem drama anarrativo... Nostorquato não é
performer é Nostorquato... Nosferato não se procura ajustar a
relato-drama: está mais próximo da linguagem poética:
instâncias atemporais do presente: dia é noite, Rio é
Budapeste. (OITICICA, 1990, p. 41).
38
Sendo um embrião do que viria ser o terrir, o filme une um mote de terror
exaustivamente usado (vampiro, nosferatu) e situa-o em um ambiente
tipicamente brasileiro, ou melhor, tipicamente carioca. Um ano depois Ivan cria
o curta A múmia volta a atacar (1972), inteiramente filmado em super 8,
novamente contando com Torquato Neto e Português interpretando a
múmia, que também interpretou o personagem no longa O segredo da múmia
10 anos mais tarde.
Figura 4 - Zé Português como a múmia em A múmia volta a atacar
Segundo o próprio Ivan Cardoso, as filmagens de A Múmia volta a
atacar “foram interrompidas devido ao alto custo das bandagens que vestiam a
Múmia.” (CARDOSO & LUCHETTI).
Estes dois filmetes podem ser considerados embriões do que viria a ser
o terrir, porém o mote, o roteiro do primeiro filme da filmografia do terrir nasceu
mais tarde. Após a desistência das filmagens de A múmia volta a atacar,
nasceu a idéia de um filme que viria a se chamar O lago maldito. Ivan filma
alguns fragmentos sem um roteiro definido e resolve transformá-lo em seriado.
Com a intenção de definir melhor o roteiro dos episódios Ivan procura Rubens
39
Luchetti, roteirista indicado pelo amigo e também cineasta JoMojica Marins
para trabalhar na idéia, porém Luchetti surpreende Ivan dando a ele o roteiro
de O segredo da múmia.
Algumas idéias do seriado O lago maldito permaneceram no filme assim
como a amizade e trabalhos pregressos de Mojica e Luchetti também
corroboraram para idéias encontradas no roteiro original de O segredo da
múmia. A casa do personagem principal, o cientista Expedito Vitus (Wilson
Grey), tem uma lagoa nas imediações. Em várias cenas o lago aparece, e é
citado pela polícia quando os crimes e desaparecimentos começam a
acontecer. Logo ao fim do filme a cena que revela o mote do que era o seriado
é quando a múmia afunda no lago já que a quarta parte e última do roteiro se
chama O lago maldito. No roteiro um texto em off não aproveitado explicaria
ainda melhor o tal lago:
E até hoje, dizem que em noites de luar a múmia aparece e
perambula pelas margens do lago, na esperança de encontrar
sua amada. Mas a superstição do povo apelidou-o de O lago
maldito, não compreendendo a beleza e a força que o amor
contém. (CARDOSO & LUCHETTI, 1990, p. 175)
Outro trecho importante do roteiro que também foi deixado de fora é
pura influência dos trabalhos pregressos de Luchetti com Mojica. Luchetti
escreveu diversos roteiros para Mojica, entre eles O estranho mundo de do
Caixão. Neste filme, mais especificamente no episódio denominado A
ideologia, o professor Oxiac Odez enfrenta um rival e tenta provar que o
instinto prevalece sobre a razão, com fortes doses de canibalismo e
sadomasoquismo. No roteiro original de O segredo da múmia o cientista
Expedito Vitus explica ao seu colega Rodolfo, personagem interpretado por
40
Júlio Medaglia, que seus experimentos sobre o mistério da mente humana
fazem parte de um projeto de continuar os estudos do professor Oxiac Odez.
Vitus – O prof. Oxiac Odez realizou interessantes experiências nesse
absorvente terreno.
Ele aciona o projetor automático com algumas cenas do filme “O
estranho mundo dedo Caixão” (episódio “a Ideologia).
Vitus – Ele provou que o instinto supera a razão.
10
(CARDOSO & LUCHETTI 1990, p. 142).
Esta parte faltante no filme explica melhor porque o ajudante do cientista
Expedito Vitus, Igor, personagem interpretado por Felipe Falcão, rapta diversas
pessoas com a ajuda da múmia e as joga em uma masmorra transformando-as
em animais puramente instintivos, canibalizando a eles mesmos.
Estabelecendo mais relações externas com o roteiro e logo com o filme
propriamente dito é impossível não citar A múmia (1932) de Karl Freund, filme
que Boris Karloff estrela como a múmia e o pncipe epcio Adarth Bey
(anagrama em inglês para ‘Death by Ra’).
Figura 5 - Boris Karloff como Adarth Bey Figura 6 - Anselmo Vasconcelos como Runamb
10
Foi mantida a diagramação original do roteiro do filme O segredo da múmia
41
As histórias dos dois filmes sem dúvida dialogam, que trata-se de
múmias voltando à vida a procura de suas amadas. Este mote foi explorado
diversas vezes por outros monstros expressionistas. Nosferatu (1922) de
Murnau apresenta a mesma idéia uma vez que o monstro busca reavivar seu
antigo e perdido amor, assim também em Dracula (1931), também de Karl
Freund, tudo é repetido, porém desta vez o personagem é interpretado por
Bela Lugosi. Tudo isso nos leva também ao famoso Frankenstein (1931) de
James Whale, tamm interpretado por Boris Karloff, que talvez tenha conexão
com uma das mais importantes apropriações de O segredo da múmia, o
personagem Igor.
Figura 7 - Fritz em Frankenstein (1931) Figura 8 - Igor em O segredo da múmia
Igor, interpretado por Felipe Falcão, é o ajudante, o fiel escudeiro de
Expedito Vitus assim como também é o personagem Fritz (Dwight Frye) no
filme Frankesntein de 1931. A grande diferença entre os dois é o terrir de Ivan
Cardoso. O personagem Igor interpretado no filme tupiniquim está envolvido
em diversas cenas de sexo com a empregada Regina (Regina Casé). A
pornochanchada está presente e encarnada neste personagem, coroando o
filme a um novo gênero, o terrir. ainda uma semelhança deste Igor com o
42
Igor (pronuncia-se ironicamente Aigor no filme) do filme O jovem Frankenstein
(1977) de Mel Brooks, porém este participa somente das cenas de comédia do
filme. Um dado interessante sobre a relação de O segredo da múmia e A
múmia é a cena em que o cientista Expedito Vitus adormece sobre um livro de
Boris Karloff.
Figura 9 - Expedito Vitus e a citação de Boris Karloff
O roteiro de O segredo da múmia é recheado de miscigenações de
personagens famosos da história do terror. O cientista Expedito Vitus, é uma
mistura clara de arqueólogo em busca da múmia, uma espécie de Dr.
Frankestein, que ele ressuscita a múmia a partir de sua criação, o elixir da
vida, e ainda um discípulo de Oxiac Odez, fazendo referência direta ao cinema
de horror nacional. Esse pastiche criou um novo personagem a partir da
apropriação e mistura de outros. Na cena em que a múmia volta a vida,
Expedito Vitus ordena para que Igor acione os eletrodos. É clara a mistura
entre múmia, uma poção mágica e eletricidade.
Outra citação imagética é a personagem Gilda, interpretada por Clarice
Piovesan. Gilda é esposa do cientista Expedito Vitus que o trai com Rodolfo
43
(Júlio Medaglia). Em outras análises como a do Prof. Dr. João Luiz Vieira
(VIEIRA, 1983), a personagem é analisada como uma espécie de Marylin
Monroe, encarnando o estereótipo de “loura burra”, porém para mim existe algo
mais que isso. Em minha análise penso que o nome da personagem Gilda não
é mera coincidência. No filme Gilda (1946), a personagem homônima que é
interpretada por Rita Hayworth se envolve em um triângulo amoroso. Gilda trai
o marido com um antigo amante. Existe também uma trama paralela
envolvendo Gilda de O segredo da múmia com Rodolfo, amigo de seu marido,
o cientista Expedito Vitus. Além disso a semelhança física entre as duas é
clara.
Figura 10 - Rita Hayworth como Gilda Figura 11 - Clarice Piovesan como Gilda
Seguindo com a análise passo agora a discutir aspectos pertinentes à
mlinguagem sonora. Algumas sonoridades, instrumentos, e escalas foram se
caracterizando o seu uso, ao longo da história do cinema, para determinado
gênero cinematográfico. A gaita, por exemplo, tornou-se bastante usada na
forma de solo ou acompanhada por orquestra no gênero western, pela
influência da trilha sonora de Ennio Morricone em Era uma vez no oeste (1968)
44
de Sergio Leone. O personagem principal estrelado por Charles Bronson
chama-se Harmonica, e tem como característica avisar seus inimigos de sua
chegada pelo som de sua gaita. No horror não é diferente e no terrir menos
ainda.
As escalas e sonoridades do horror quase sempre utilizam temas
dissonantes e cromáticos. Para explicar as dissonâncias passarei a uma breve
explicação das consonâncias. As consonâncias são intervalos de notas,
acordes, ou harmonias consideradas estáveis, ou seja, pelo intermédio do
cérebro nós entendemos a consonância como uma combinação de sons
agradáveis e exatos. As dissonâncias, por outro lado, são combinações de
notas ou intervalos instáveis, ou seja, sonoridades que nosso cérebro espera
que sejam resolvida, causando uma certa sensação de ansiedade.
A ansiedade sonora causada por uma cena de suspense é um
dispositivo perfeito para o horror. No filme O segredo da múmia este dispositivo
é bastante usado em cenas de suspense como nos assassinatos causados por
Igor no começo do filme e posteriormente os raptos logrados pela múmia. A
idéia de suspender algo é quase a mesma de formar um acorde instável para
que seja resolvido. Ao mesmo tempo em que se espera que a cena se resolva,
no caso o assassinato, espera-se também que o acorde dissonante se
transforme em um acorde consonante. diversos momentos em que a trilha
lembra algumas obras do compositor russo Modest Mussorgsky como Quadros
de uma exposição, em outros momentos o compositor alemão Carl Off é
facilmente lembrado pelas passagens em cantatas
11
densas que se sucedem
no filme. Os cromatismos também são bem explorados seguindo o que
11
Cantata é um tipo de composição vocal, para uma ou mais vozes, com acompanhamento
instrumental ou não.
45
naturalmente o gênero de horror pede. Os cromatismos são composições que
se utilizam da escala cromática, ou seja, composições que passeiam de uma
forma ou de outra pelos 12 semitons
12
da escala ocidental. Este efeito tende a
desembocar no que pode ser chamado de música atonal, ou seja, uma
composição em que não existe um tom predominante, não “resolvendo” a
música e de novo causando inquietação. No filme o cromatismo é bastante
usado. Na cena em que Joel Barcelos é morto, o ator sobe uma escadaria e
com ele sobe também a escala cromática causando a tensão necessária para
que no instante seguinte ele a desça morto. Um dado curioso sobre esta cena
é que antes de chegar ao local do crime o assassino uma lista contendo o
nome e o endereço das vítimas que guardam os pedaços do mapa da múmia
de Runamb, é possível ler: “Comendador Joel Barcelos, Rua do Catete, 215”.
Ainda discutindo a parte sonora sinfônica é possível observar a presença
de uma tema da amada de Runamb, Nadja. Usando escalas árabes como a
harmônica menor, a trilha causa o efeito de transferir o espectador para outra
região do mundo, o Cairo, uma vez que este tema está relacionado com
flashbacks da múmia e Nadja, ou quando o cientista Expedito Vitus,
finalmente o papiro em que se encontra a história de amor de Runamb e Nadja.
Em outros momentos do filme, momentos em que prevalece a
descontração e o humor, são usados elementos clichê do jazz, como o som do
chimbal
13
sincopado. Também pode-se ouvir canções como Crazy Love
interpretada por Frank Sinatra na cena em que Gilda trai seu marido, Expedito
Vitus, com Rogério.
12
Semitom é o menor intervalo utilizado na escala diatônica.
13
O chimbal consiste em dois pratos montados face-a-face em um pedestal, equipado com
dispositivo de pedal.
46
Mas o que caracteriza o som do terrir? É possível encontrar um
elemento sonoro na maioria da filmografia do terrir, que não se remete ao
terror, nem da comédia, e este elemento é o uso de músicas no melhor estilo
da jovem guarda. Renato e seus Blue Caps marcam presença no filme com a
canção Menina Linda, versão em português do clássico dos Beatles I should
have know better. Este uso se revelará comum ao gênero no desenrolar das
próximas análises fílmicas.
É importante também ressaltar a importância das colagens que
acontecem em O segredo da múmia. A expedição do cientista até o Cairo é de
extrema relevância que as imagens são mescladas entre dunas filmadas em
alguma praia nacional e imagens das pirâmides do Egito. Outras colagens são
feitas afim de situar melhor o espectador quanto à época e local onde se passa
o filme, como a cena em que o Rerter Esso a notícia sobre os estranhos
assassinatos que estão acontecendo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Outra
colagem utilizada é da miss Marta Rocha recebendo o título de Miss Brasil
diretamente das mãos de Manoel Bandeira. Veremos que o uso deste tipo de
colagem de situação será bastante usado também nos outros filmes que fazem
parte da filmografia do terrir, tendo um destaque especial pelo uso do rádio.
47
3.2 – Análise de imagens e sons de As sete vampiras
Figura 12 - Cartaz do filme As sete vampiras
Parece que logo no segundo filme da filmografia do terrir, Ivan
Cardoso havia estabelecido alguns padrões do novo gênero. Em 1986
Ivan filma As sete vampiras, tratando de preencher uma lacuna na
filmografia do terrir com um filme sobre vampiros.
O roteiro e o mote envolvem, uma planta carnívora que transforma
suas vítimas em vampiros que logicamente efetuam diversos assassinatos
afim de saciar sua sede de sangue. Em A pequena loja dos horrores (1960)
de Roger Corman, o roteiro contém idéias concomitantes para ambos os
filmes. A idéia principal que rodeia os dois filmes é o fato de existir uma
planta carnívora que se alimenta de sangue, dando motivo para que existam
assassinatos. Assim pelo mote do filme as apropiações se iniciam no campo
48
que circunda o roteiro cinematográfico abrindo espaço para que as colagens
e apropriações imagéticas e sonoras surjam com naturalidade.
A introdução do mote no próprio filme é estrelada por ninguém menos
que Alfred Hitchcock. Em colagem feita a partir de imagens do programa
Alfred Hitchcock Presents, o próprio introduz com a seguinte fala:
A história desta noite se chama As sete vampiras, é um
excelente filme de terror daqueles que não se esquece e vocês
sabem que eu não brinco em serviço. Contudo os próximos
minutos serão difíceis de segurar, mas tenham coragem.
(Alfred Hitchcock no filme As sete vampiras de Ivan Cardoso)
Figura 13 - Alfred Hitchcock em As sete vampiras
Além disso, a música que pode ser ouvida ao fim da fala de Hitchcock é
um dos temas de Psicose (1960). As apropriações de temas e imagens
clássicas da filmografia do diretor Alfred Hitchcock são praticamente uma
marca do terrir, como vimos em O segredo da múmia e mais tarde veremos em
outros filmes do diretor.
O poder imagético de Psicose de Alfred Hitchcock se tornou forte como
modelo, tanto de enquadramento em determinadas cenas, quanto do melhor
uso do suspense, e em As sete vampiras, Psicose entra como colagem e
49
apropriação imagética e sonora algumas vezes. A cena clássica em que Marion
(Janet Leigh) dirige o carro em fuga para a inesperada parada no motel Bates,
é reproduzida em As sete vampiras de Ivan Cardoso.
Figura 14 – Nicole Puzzi em As sete vampiras Figura 15 - Janet Leigh em Psicose
Junto à apropriação imagética desta cena em particular existem mais
dois outros elementos sonoros que compõem a cena e completam a colagem
de Psicose. Silvia Rossi, personagem interpretado por Nicole Puzzi, ouve
vozes em off de seu marido, o botânico Frederico Rossi, lembrando-a de falas
anteriores recentes, como uma espécie de flashback sonoro: “É uma flor que
não assusta ninguém; não se preocupe que ela não vai me comer”, diz o
botânico no filme As sete vampiras. O flashback sonoro que também acontece
no filme original Psicose é acompanhado nos dois casos pela mesma música
original ou score
14
composta por Bernard Herrmann. O tema utilizado é The
Rainstorm, titulo original do soundtrack
15
. Seguindo com a relação de colagem
entre Hitchcock e Ivan Cardoso, temos mais uma intervenção pertinente. A
14
Música original ou no inglês score é a música especialmente composta para o filme. A
função da música original é dar o clima necessário para uma cena, corroborando ou criando
conflito com a imagem; neste caso, a música é, na maioria das vezes, instrumental. No caso de
musicais ou músicas cantadas envolvendo temas para personagens é apresentada a idéia de
canção original do filme
15
De acordo com Berchmans (1996), o dispositivo sonoro de um filme é composto pelo que
pode ser chamado de “trilha sonora” ou “banda sonora”. A trilha sonora provém do inglês
soundtrack e representa todo o conteúdo sonoro de um filme.
50
cena clássica de Psicose da morte de Marion no chuveiro, recebendo facadas,
é reinventada de forma peculiar. A dançarina do Ballet Transilvânia, Ivete
(Simone Carvalho), grupo este que encena o mero de dança As sete
vampiras na boate Quitandinha no filme, toma banho tranquilamente e é
enquadrada pela mera de forma parecida com o enquadramento original de
Psicose.
Figura 16 - Simone Carvalho em As sete vampiras
Figura 17 - Janet Leigh em Psicose
Porém em As sete vampiras a vítima do assassinato é Rogério,
personagem de John Hebert que é dono da boate Quitandinha, e espera Ivete
no quarto. Além disso, a preocupação de Hitchcock de não mostrar ao
espectador a nudez de Janet Leigh é obviamente esquecida em As sete
vampiras. Há também importante ressalva a se fazer à parte sonora desta cena
em particular. É usada a canção The lady is a tramp, interpretada por Frank
Sinatra como fundo para a cena. Ivete é amante de Rogério, portanto trata-se
da preparação para o consumo de uma traição. Coincidência ou não no filme O
segredo da múmia, a esposa de Expedito Vitus, Gilda, o trai com o
personagem também intitulado Rogério (Júlio Medaglia), também ao som de
Frank Sinatra, porém desta vez com outra canção chamada Crazy Love. A
última citação de Hitchcock neste filme é o uso do tema The murder também
da trilha sonora original de Psicose. Em Psicose trata-se da música em que
51
Marion é assassinada no chuveiro com a orquestra em staccato
16
prevendo a
ação da faca sobre o corpo da vítima. Em As sete vampiras é usado o mesmo
staccato, porém desta vez não o original de Psicose e sim uma recriação do
tema, em uma outra cena de assassinato. É preciso ressaltar aqui que este tipo
de intervenção imagética e sonora nos filmes de Ivan Cardoso, sob o meu
ponto de vista, não tem caráter de homenagem, e sim uma apropriação do
repertório imagético e sonoro conhecido do grande público, ou seja, as
apropriações têm caráter massivo.
Outras apropriações sonoras são usadas como som ambiente para
diálogos nas cenas, na forma de música diegética, como a cena em que Silvia
Rossi (Nicole Puzzi) se transforma em vampira ao som de Moonlight Serenade
de Glenn Miller e o uso freqüente de personagens enquadrados no arquétipo
de roqueiros dos anos dourados (geralmente personagens interpretados por
Leo Jaime, como Bob Rider em As sete vampiras e Jarbas em O escorpião
escarlate) ao som de músicas da jovem guarda como Broto Legal, interpretada
por Celly Campelo, além disso, o conjunto de Bob Rider, este que canta a
música tema do filme e sucesso de Léo Jaime e os Miquinhos Amestrados, As
sete vampiras, é denominado Bob Rider e seus Cometas, apropriando-se do
nome de um dos grupos precursores do rock ´n´ roll, Bill Halley and The
comets.
Nesta linha de pensamento entra também a participação de Wilson Grey
no filme na pele do personagem Fu Manchu. Trata-se também de uma
apropriação massiva do personagem televisivo Fu Manchu guardando
logicamente as devidas proporções que o personagem da tevê era
16
O staccato designa um tipo de fraseio ou de articulação no qual as notas e os motivos das
frase musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando as notas com curta
duração.
52
enquadrado sobre o arquétipo de gênio do crime, enquanto que no filme As
sete vampiras o personagem é reduzido a uma atração da boate Quitandinha
com apenas um show de mágica.
Figura 18 - Wilson Grey como Fu Manchu em As sete vampiras
Em As sete vampiras existe também uma importante preocupação com
os sound effects, porém para isso abrirei um parêntese para explicar a
estrutura que compõe o sound design.
Segundo Berchmans (1996) sound design é a criação, manipulação e
organização de elementos sonoros. Devido à complexidade e a alta tecnologia
envolvendo o sound design, podemos dividi-lo em quatro partes: o foley é uma
técnica desenvolvida pelo editor de som Jack Foley, da Universal Studios, que
consiste na gravação de sons naturais gerados pela atividade física dos
personagens tais como passos, gestos e atitudes; os efeitos sonoros ou sound
effects consistem na criação de sons para destacar movimentos e ações;
Dependendo do tamanho da produção, esta área é dividida em efeitos
editoriais, que são eventos de menor complexidade como campainhas e
batidas de portas, e efeitos principais que envolvem um trabalho mais
complexo de pesquisa, como sons de lasers, naves, dinossauros etc; a terceira
parte é a ambiência ou background, que tem a função de ditar o clima da cena,
53
como sons de vento, folhas, interiores de shopping etc; a última parte é a
música ambiente ou música diegética, que consiste na música cuja a origem
pode ser identificada em uma cena. Em As sete vampiras um som
específico que se encaixa na definição de sound effects e na subdivisão de
efeitos principais , trata-se do som da planta carnívora assinado por Antonio
Cesar sob a função denominada ruídos. Este som merece destaque que não
havia até então a preocupação ou as ferramentas necessárias para a execução
de tal função na filmografia do terrir.
Uma interessante observação sobre o aspecto sonoro de As sete
vampiras é uso de sintetizadores para executar escalas em seqüências de
tensão e suspense. O sintetizador usado tem caráter monofônico
17
e isso indica
que provavelmente seja um sintetizador Moog
18
. Porém indo mais fundo na
análise do uso deste sintetizador monofônico na verdade trata-se de uma
adaptação da sonoridade do Theremim
19
, instrumento embrião dos
sintetizadores que ainda é muito difundido nas trilhas sonoras do gênero de
ficção cientifica e horror por seu timbre ter sido considerado e rotulado como
eerie sound
20
. O uso do Theremim no cinema teve início em 1931 com a trilha
sonora do russo Dmitri Shostakovich no filme Odna de Grigori Kozintsev e
Leonid Trauberg. Logo o som misterioso do Theremim foi difundido em
diversos outros filmes como Spellbound (1945) de Alfred Hitchcock e trilha de
17
Instrumento que executa apenas uma nota por vez.
18
O instrumento denominado Moog surgiu durante os anos 60 e foi inventado pelo americano
Robert Moog. Seus estudos com osciladores de freqüência foram uma continuação dos
estudos realizados por Léon Theremim resultando no instrumento Moog que tratava-se de um
teclado acoplado a um imenso monolito de opções de timbragem via cabos que mixavam os
osciladores.
19
Theremim é instrumento musical criado pelo russo Léon Theremim, que era tocado sem o
contato das mãos, permitindo que os tons, volume e vibrato fossem controlados através das
mãos flutuantes no ar pelo intermédio de um campo magnético gerado por duas antenas.
20
A denominação eerie sound vem do inglês som misterioso e descreve adjetivamente o timbre
do Theremim.
54
Miklós Rózsa e ainda The Day the Earth Stood Still (1951) de Robert Wise e
trilha sonora de Bernard Herrmann.
Os gêneros de ficção científica e horror sempre se dividiram no uso
misterioso do Theremim e no terrir ele não foi deixado de lado apesar de estar
adaptado em forma de sintetizador Moog.
Outro trecho musical do filme As sete vampiras que pode ser
considerado já uma formatação do gênero terrir pela sua recorrência, é a
intervenção em algum momento de alguma ópera. Em O segredo da múmia,
Igor (Felipe Falcão), ajudante do cientista Expedito Vitus, canta (na verdade
trata-se de uma dublagem) um trecho da ópera Il Pagliacci, de Rugero
Leoncavallo, em As sete vampiras, Silas (também Felipe Falcão), ouve em seu
rádio, enquanto alimenta seu gato preto com fatias de salame, a canção La
donne è móbile do compositor Verdi, canção que faz parte da ópera Rigoletto.
Mais tarde em O escorpião escarlate, o cantor de rádio Guido Falcone (Nuno
Leal Maia), canta no rádio também o mesmo trecho de Il Pagliacci.
Uma importante observação é sobre o personagem Raimundo Marlou
(Nuno Leal Maia) e sua secretária Maria (Andréa Beltrão). Segundo a análise
do Prof. Dr. João Luiz Vieira (VIEIRA, 1990) o nome do personagem é: “uma
corruptela e combinação dos originais e eficientes autor e personagem
emblemáticos das histórias de detetive, Raymond Chandler e Philip Marlowe”
(VIEIRA, 1986), porém o que é observado é algo que envolve a obra de Ivan
Cardoso.
Raimundo Marlou é flagrado em três momentos lendo revistas policiais
dos anos 50. No primeiro momento Raimundo a revista policial X-9, episódio
O arsenal da morte, datado de fevereiro de 1952, logo à frente um exemplar
55
da revista Detective e ainda um exemplar da revista Sherlock Holmes, esta
apresentada na tela em forma de quadrinhos. Esta última intervenção de
leitura, com a aparição de quadrinhos é suportada pelo som do rádio que
anuncia a rádio novela Jerônimo - O herói do sertão com a entrada de Maria na
finalização da cena. A revista X-9 remete ao roteirista Rubens F. Luchetti, que
roteirizou a maioria dos filmes de Ivan Cardoso, bem como a revistas policial X-
9, que juntamente ao rádio trazem a lembrança da rádio novela As aventuras
do Anjo. Esta combinação de elementos pode ser considerada um embrião do
que seria o próximo filme da filmografia do terrir O escorpião escarlate.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio temos a personagem Dora Valdes no
filme As sete vampiras. Dora é uma stripper argentina e uma das atrações da
boate Quitandinha, anunciada estranhamente como boate Night Love em uma
intervenção no filme. Em O escorpião escarlate o mesmo tipo de atração faz
parte da programação da boate Night and Day e sua estrela stripper é Brigitte,
personagem interpretado por Roberta Close.
56
3.3 – Análise de imagens e sons de O escorpião escarlate
Figura 19 - Cartaz do filme O escorpíão escarlate
Como vimos no capítulo anterior, diversas variáveis compõem a
estrutura do terrir. Assim analisando a filmografia de Ivan Cardoso com mais
profundidade, nos deparamos com algo não tão fácilmente rotulável como
terrir, nos deparamos com o “O escorpião escarlate”.
Neste filme o terrir não é, pelo menos em uma primeira impressão,
explícito, como os outros quatro filmes selecionados para esta análise de
imagem e som. Porém as variáveis que compõem o terrir estão presentes e
vibrantes a partir de uma segunda leitura mais aprofundada.
Talvez a mais importante destas variáveis para este filme em particular
seja a apropriação e as colagens de seriados detetivescos. As aventuras do
anjo criação de Álvaro Aguiar para a rádio Nacional é o ponto chave. Álvaro
Aguiar não é somente um personagem do filme O escorpião escarlate, ele é o
57
real criador da rádio novela “As aventuras do anjo”, transmitida na época. Sua
voz também era emprestada para atuar como o personagem Anjo na rádio. No
filme este papel fica a cargo de Herson Capri, que na pele do criador do Anjo,
escreve o roteiro da rádio novela e também atua como o próprio. Dentro desta
análise inicial sobre os personagens e sua relação com a realidade nos
deparamos com um surpreendente dado relacionado ao motorista Jarbas,
interpretado pelo reincidente na filmografia do terrir, Leo Jaime, uma éspecie
de menino prodígio, o braço direito do herói Anjo. Os espectadores mais
desatentos podem deixar passar este dado importante despercebido porém por
de trás da voz do personagem o mundo das apropriações e colagens do terrir
se abre.
A voz do personagem Jarbas não é a reconhecida voz do cantor pop
Leo Jaime, trata-se de uma dublagem feita pelo dublador Rodney Gomes.
Mas quem é Rodney Gomes?
Na história da rádio novela “As aventuras do anjo”, Álvaro Aguiar era o
roteirista e voz do personagem Anjo. Seu parceiro, Jarbas, era interpretado na
rádio Nacional pelo próprio Rodney Gomes. Sua voz foi emprestada na
dublagem de Jarbas no filme deixando o ator Leo Jaime apenas como imagem.
Mas as “coincidências”, ou melhor truques do filme, não acabam aqui.
Rodney Gomes começou sua carreira em 1959 e logo adquiriu o posto de rádio
ator na rádio novela “As aventuras do anjo”. Alguns anos mais tarde e depois
da disseminação da tevê pelo país, Rodney passou a ser dublador. Um dos
grandes personagens interpretados por Rodney na sua carreira como dublador
é Robin no seriado televisivo dos anos sessenta “Batman”.
58
O próprio ator dublador conta sua participação como Robin e Jarbas em
entrevista para o fã-site, Batmania:
O Robin representava a juventude da época. Aliás, sempre, em
todos os seriados aparecia um símbolo da juventude. Quando
fiz na rádio o Jarbas, ele era parceiro do Anjo, quem pilotava os
aviões era ele, pois o Anjo era o ‘quarentão’ rico.
(GOMES, entrevista para o site Batmania)
Logo podemos estabelecer relações reais com diversas informações de
seriados detetivescos dos anos sessenta, ou seja, numa ordem histórica
regressiva, o filme O escorpião escarlate, Batman (o seriado sessentista), a
rádio novela As aventuras do Anjo, ou ainda, Leo Jaime, Burt Ward (ator que
interpreta o menino prodígio Robin no seriado Batman) e Rodney Gomes.
O filme O escorpião escarlate, ainda pode ser analisado sob o prisma e
influência das histórias em quadrinhos. A série de sucesso na rádio As
aventuras do Anjo foram desenhadas e transformadas em quadrinhos por
Flávio Colin em 1959. Colin fora chamado para tal empreendimento por ter
feito ilustrações para casos verídicos da revista policial X-9. Mais tarde em
1977, depois de alguns anos afastado das quadrinizações, Colin cria algumas
histórias eróticas e finalmente nos anos oitenta produz quadrinhos de terror
para as revistas Spektro (Editora Vecchi), Inter (Editora Nacional), Mestres do
Terror e Calafrio (Editora D-Arte) e ainda Mundo do terror da editora Press.
59
Figura 20 - Exemplar da revista Spektro Figura 21 - Exemplar da revista Aventuras do Anjo
Assim as interligações do terrir seguem. Rubens Francisco Luchetti,
parceiro de Ivan Cardoso, roteirizou O escorpião escarlate, entre outros filmes
da filmografia do terrir. Luchetti é também quadrinista, dsurge a idéia inicial
de se roteirizar para o cinema uma história do Anjo. assumido de rádio
novelas policias, Luchetti, naquela época, ouvia as novelas na rádio e
foleava revistas policiais ilustradas por Colin.
Eu adorava ouvir seriados de rádio. O seriado radiofônico foi
meu grande hit na infancia e na juventude. Muito mais que o
seriado cinematográfico, uma vez que era eu quem compunha
as imagens. (LUCHETTI, 1991, em entrevista concedida a Ivan
Cardoso)
Porém, Luchetti é um dos maiores quadrinistas de revistas pulp
21
que
existem no Brasil, diferenciando-se de Colin. Esta proposta trash o levou à
marca de mais ou menos 1500 publicações usando diversos pseudonimos e
talvez, junto a outros elementos como o gosto pelo sombrio, o aproximou de
21
Os pulps são revistas em quadrinhos produzidas com papel de baixa qualidade.
60
cineastas como Ivan Cardoso e José Mojica Marins, com quem também
trabalhou.
Além disso a famosa tríade que envolve a produção do terrir, sexo,
humor, horror, parece perseguir até quem faz parte da obra indiretamente,
como Colin, que quadrinizou erotismo e terror.
Esta reflexão que faço agora, iniciada na adaptação da rádio novela As
aventuras do anjo, depois quadrinizada por Flávio Colin e então roteirizada por
Rubens Luchetti, serve para analisar a trajetória que o terrir desenvolve e as
exterioridades envolvidas no processo. Os traços de ambos vão se refletir nas
imagens do fime O escorpião escarlate, principalmete em cenas que remetem
a flashbacks e perseguições virtuais entre o mocinho e o vilão dentro da
imaginação da personagem Glória Campos, uma vez que são em preto e
branco. Um exemplo é o enquadramento e a ausência de cor contida na
imaginação da ouvinte que interpreta o som do rádio em sua mente, como
Luchetti fazia ao ouvir as histórias na rádio e depois as quadrinizava, assim
como Colin o fez.
Seguindo adiante irei pontuar diversas situações de caráter sonoro que
acho relevante ao ponto de vista do terrir. O estilo adotado para a composição
da banda sonora de O escorpião escarlate é situado em sua maioria em
sonoridades dos anos cinquenta e sessenta. A sica tema do Anjo,
interpretada pela banda Miquinhos Amestrados é puro surf music. A surf music
foi criada no final dos anos cinqüenta, começo dos anos sessenta com o
objetivo de agradar os ouvidos dos surfistas e reproduzir sons e gírias
específicas do surf. Um dos sons mais característicos da surf music é o
61
reverb
22
exagerado na guitarra. Este uso característico de reverberação no som
da guitarra surf serve para “molhar” o som deixá-lo com a uma impressão de
ambiência em grandes salas. Uma das lendas que giram em torno do efeito em
relação a surf music é de que este som é uma espécie de imitação do som
conseguido pelo surfista ao atravessar um tubo
23
. Um dos criadores da surf
music é o guitarrista Dick Dale, que teve sua carreira reerguida pelo cinema, ao
emprestar a música Miserlou à trilha sonora de Pulp Ficition de Quentin
Tarantino.
A banda “Miquinhos Amestrados” é uma banda de surf music, é teve
em sua formação o cantor Leo Jaime, além de durante um tempo ter sido
banda de apoio para o compositor e cantor Eduardo Dusek. Porém aqui
podemos analisá-la e, por conseguinte analisar sua música no filme em
questão pela intenção sessentista carioca dada ao filme. O clima carioca e
sessentista dado ao filme logo no seu início é de extrema importância para
situar o espectador. Logo a dio novela se torna naturalmente ambientada
pela introdução musical com o tema do Anjo.
Outro ponto sonoro importante é a inserção de cenas de foley durante as
apresentações da rádio novela. A câmera focaliza os sonoplastas em ação
durante a rádio novela reforçando assim a desacusmatização do som. Segundo
Michel Chion o som fílmico acusmático é aquele apresentado ao espectador
separadamente da imagem, intermediado por alto-falantes escondidos atrás ou
ao lado da tela (CHION 2004), como voz off e a música não diegética, sendo
assim desacusmatizar é revelar ao espectador sua fonte sonora.
22
Reverb é um efeito usado no processamento de áudio que simula o espaço acústico no qual
o som é produzido, ou seja, o efeito visa simular o comportamento acústico de um espaço real.
23
O tubo é a principal manobra do surf. O surfista tenta ficar dentro da onda, o maior tempo
possível.
62
Tales son los poderes del acumaser. Por supuesto, basta con
que se deje de ver, con que La persona que introduzca su
cuerpo en El encuadre, en El campo visual, para que pierda s
fuerza, su omnisapiencia y, naturalmente, su ubicuidad. A eso
podríamos llamar desacusmatizacíon espécie de acto
simbólico, encarnacíon de la voz. (CHION, 2004, p. 39)
A desacusmatização da sonoplastia remete, como acontece na música
tema do Anjo, a época e situa melhor o espectador.
Voltando a linha de raciocínio no âmbito das apropriações e colagens,
surgem os temas e músicas incidentais durante o filme, como por exemplo o
clichê usado ao início e final de cenas de sonho imaginado e flashback, com o
som de uma escala tocada rapidamente em uma harpa. Outros temas
interessantes surgem e remetem novamente aos seriados detetivescos dos
anos sessenta e setenta, como os temas dissonantes nas aparições do
personagem Sapo Coxo (Felipe Falcão), uma espécie de ajudante do vilão
Escorpião Escarlate, como Igor e Dr. Frankenstein, novamente apropriando-se
da temática do horror e aplicando-a aos moldes nacionais.
Um dado importante no filme para a caracterização do terrir é uma cena
em que Alváro Aguiar (Herson Capri), está datilografando em sua máquina de
escrever mais um episódio das aventuras do Anjo. Sua imaginação é
representada na tela em preto e branco e sua voz descreve as cenas em off.
Ao voltar de sua imaginação o escritor, amassando as folhas de papel em que
havia acabado de escrever o episódio, diz: “Cena boa, mas a censura não
deixaria”. Esta frase é uma das únicas na filmografia do terrir que toma partido
politicamente, como crítica à censura ao poder estabelecido na época.
63
Uma outra importante colagem é a clássica cena em que a mocinha fica
entre a vida e a morte deitada em uma bancada esperando a serra elétrica que
se aproxima lentamente para cortá-la ao meio.
Esta cena é um clássico nos seriados de televisão sessentistas; a série
Batman, entre outras usaram esta cena de suspense e tensão. Ela pode ser
considerada uma derivação de outra cena clássica do gênero western, a cena
da mocinha amarrada ao trilho da ferrovia esperando o trem se aproximar.
Posso pensar em derivação ou recorrências entre os dois gêneros já que este
tipo de cena tem o caráter massivo, ou seja, movimenta o espectador. No
caso específico deste filme o toque dado para caracterizar o terrir nesta cena
é a personagem Rita Mara (Suzana Mattos) estar seminua, um toque
pornochanchadesco ao clichê, transformando-o em uma cena única do terrir.
Concluindo, podemos ver aqui, ao contrário do que pensamos no
começo da análise, que o filme O escorpião escarlate está recheado de
indícios que nos levam ao gênero criado por Ivan Cardoso, o terrir.
64
3.4 – Análise de imanges e sons de Um lobisomem na amazônia
Figura 22 – Cartaz do filme Um lobisomem na amazônia
Uma mia, vampiros e lobisomens. Na filmografia do terrir os três
filmes que sustentam a estrutura do gênero com certeza são O segredo da
múmia, As sete vampiras e Um lobisomem na amâzonia. Diversas situações
recorrentes podem ser identificadas no filme de 2005 Um lobisomem na
amazônia, e pretendo aqui enumerá-las de forma a entendermos melhor as
estruturas genéricas do terrir.
Nos três filmes podemos identificar a presença do mote envolvendo
um cientista e suas estranhas experiências. No primeiro filme de 1982, O
segredo da múmia, Wilson Grey é Expedito Vitus, em As sete vampiras
(1986) Ariel Coelho é o botânico Frederico Rossi e em 2005 chega a vez de
Paul Naschy encarnar o médico cientista Dr. Moreau. Existe uma citação
65
clara no filme sobre a conexão entre Dr. Moreau e o cientista Expedio Vitus
na cena em que o Dr. mostra um diário que ele mesmo roubou em
Bratislava, local onde ficavam os campos de concentração sob o domínio do
Terceiro Reich, que contém informações sobre como dominar a genética
humana, estudos e experiências do Dr. Menguele, e uma inesperada foto de
Vitus.
Figura 23 - Díario nazista usado em Um lobisomem na amazônia
Além desta citação existem outros elementos imagéticos que irão
remeter Moreau a Vitus, como o enquadramento da câmera focalizando a
lupa do cientista e também do médico.
Figura 24 - Dr. Moreau em Um lobisomem na Amazônia Figura 25 - Expedito Vitus em O segredo da múmia
66
As masmorras também são usadas com frequência no terrir. Vitus
usava as masmorras para aplicar os estudos de Oxiac Odez, cientista que
estudava o instinto humano no filme O estranho mundo de do caixão, no
episódio A ideologia. Em Um lobisomem na amazônia, Dr. Moreau mantém
nas masmorras seus experimentos com a genética humana, tratam-se de
meio homens, meio bichos, porém também mantém uma cela com mulheres
canibais, fazendo assim menção a Vitus e consequentemente a Odez.
Seguindo esta linha posso também inserir um comentário sobre o exército
feminino capiteneado pela Rainha Pentesiléia no filme Um lobisomem na
amazônia, que não deixa de ser uma recriação do Ballet das sete vampiras.
No filme As sete vampiras a vítima do grupo é Pedro (Pedro Cardoso), na
encenação da boate Quitandinha, em Um lobisomem na amazônia a vítima
é Júlio Medaglia, no papel de um anônimo que é sacrificado.
Figura 26 - Mulheres canibais em Um lobisomem na amazônia
Paul Naschy, ou Jacinto Molina, ou ainda Paul Mackey, no papel de
médico e monstro parece ser uma redundância. O ator espanhol
encarnava o papel de médico e lobisomem desde 1968 na filmografia de
terror espanhola como Las noches del hombra lobo (1968), La marca del
67
hombre lobo (1968), La fúria del Hombre lobo (1972), El retorno del hombre
lobo (1981), Licantropo: El asesino de la luna llena (1996), entre outros. Seu
alterego como médico monstro mais famoso é Waldemar Daninsky, porém
em Um lobisomem na Amazônia, Paul encarna mais que um personagem
uma apropriação do terrir, o personagem Dr. Moreau.
A ilha do Dr. Moreau, livro de H.G. Wells de 1896, conta a história do
cientista obcecado pela idéia de transformar animais em homens através de
cirurgias e hipnose, em seu covil localizado em uma ilha tropical. A chamada
vivissecção é o crime de que Moreau é acusado ao fazer suas experiências
dolorosas em animais.
A primeira adaptação do romance para o cinema
aconteceu em 1977 e o papel do dico ficou a cargo de Burt Lancaster,
quase vinte anos depois o cargo foi para Marlon Brando e em 2005 temos
Moreau na Amazônia com Paul Naschy.
Essa é primeira apropriação clara no filme Um lobisomem na
Amazônia, que segue mostrando outras surpresas. Zoltan (Gua
Rodrigues)
24
ajudante de Dr. Moreau, uma espécie de Igor como Felipe
Falcão em O segredo da múmia, e também a figura do personagem Sapo
Coxo (o mesmo Felipe Falcão) ajudante do Escorpião Escarlate, tem
algumas conexões com a filmografia pregressa do terror B americano. O
personagem é resultado de algumas experiências realizadas por Moreau
em sua antiga ilha, e o resultado é o homem-cão, que se conecta com o
filme de 1978, Zoltan O o vampiro de Drácula, de Albert Band.
24
Falecido em 2006, Guará Rodrigues ou Guaracy Rodrigues, atuou não só com Ivan
Cardoso, mas também participou ativamente da filmografia de outros diretores marginais como
Júlio Bressane em Matou a família e foi ao cinema de 1969 e Memórias de um estrangulador
de loiras de 1971, entre outros, Neville d’Almeida em Os sete gatinhos de 1977, entre outros, e
ainda com Rogério Sganzerla em Signo do caos em 2003. Um lobisomem na Amazônia foi o
último filme em que Guará Rodrigues atuou.
68
Apropriação ou não, existe uma recorrência no tema, assim vale aqui
ressaltar a importância do personagem na filmografia de terror e também do
terrir.
Outra característica recorrente nos filmes do terrir é a apropriação
imagética e sonora de Alfred Hitchcock. Em O segredo da múmia é
apresentado um trecho de Suspeita (1941), em As sete vampiras são
apresentados trechos de Alfred Hitchcock Presents e recriações imagéticas
de Psicose, e em Um lobisomem na Amazônia, podemos ver também a
mesma recriação imagética de Psicose.
Figura 27 - Simone Carvalho em As sete vampiras Figura 28 - Daniele winits em Um lobisomem na amazônia
A diferença entre as duas cenas se encontra no som e no desfecho de
cada uma delas. A primeira (As sete vampiras) tem o background sonoro de
Frank Sintatra e o desfecho é o assassinato do personagem Rogério (John
Hebert) no interior do quarto, já na segunda o som introduz um clima de tensão
e a inserção de ataques de violino fazendo menção à sica original de
Psicose, seguido de um longo delay e o desfecho com uma cena de sexo entre
Natasha (Daniele Winits) e Samantha (Karina Bacchi), ainda sobrando espaço
para um comentário sobre o filme apropriado na diálogo de Samantha com
Natasha: “Eu não sou Norman Bates, nem você Janet Leigh, você pode
69
sofrer da síndrome de Psicose”. Apropriação que se mostra parte da estrutura
do terrir.
Outra importante característica do terrir é a recorrência, em todos os
filmes desta filmografia escolhida, do uso do rádio como meio de comunicação
informativo. Em todos os filmes podemos ouvir as notícias de assassinatos,
pelo intermédio do veículo rádio, tanto na região da casa do cientista Expedito
Vitus, quanto na região de Cerro Dourado na Amazônia, ou ainda nas ações do
Escorpião Escarlate no Rio de Janeiro e São Paulo, e ainda sobre vampiros na
boate Quitandinha. Em alguns casos como em O segredo da múmia e O
escorpião escarlate podemos encaixar este uso como uma referência histórica
da época, porém nos outros dois filmes a intervenção do rádio é fator de
recorrência estrutural genérica do terrir, pois o momento histórico envolvido no
filme é contemporâneo, tempo em que o rádio é menos usado. Outras
referências históricas também se transformaram em marcas do terrir como o
uso de carros antigos e músicas da época da Jovem Guarda. Em Um
lobisomem na Amazônia a trama se passa no século XXI, porém o carro de
polícia dirigido pelo delegado Barreto (Tony Tornado) é um Itamaraty,
automóvel lançado em 1966. A temática jovial da Jovem Guarda também é
mantida em todos os filmes e é usada em cenas que envolvem jovens de
preferência prestes a serem assassinados. Em Um lobisomem na amazônia,
apesar de existir roupagens mais modernas como a inserção da música Instinto
Selvagem da banda Capital Inicial, outras inserções em forma de vinhetas de
ligação para cenas não abandonam o rock básico e a timbragem de órgão
característica da Jovem Guarda.
70
Seguindo, devo analisar a personagem de Tony Tornado, o delegado
Barreto, mais profundamente. Tornado, na verdade parece estar substituindo o
papel de CoSantana nos outros filmes da filmografia do terrir. Colé Santana
em As sete vampiras, é o inspetor Pacheco, também irreverente como
delegado Barreto sendo uma continuação dentro de uma longa obra fílmica que
envolve a filmografia do terrir em sua totalidade.
O elenco envolvido no filme Um lobisomem na Amazônia merece certo
destaque pelo poder massivo que impõe à produção. Recheado de artistas da
televisão de alta audiência, Ivan potencializa o terrir em seu alcance midiático.
Sidney Magal, na pele de um sacerdote inca, potencializa o poder midiático e
ainda cita outro filme do próprio gênero, enquanto canta uma espécie de salsa
intitulada Mistério da Floresta, de autoria de Mú Caravalho, que também assina
a trilha sonora do filme. No livro cinema de bordas explica melhor a
participação do cantor: “O cantor Sidney Magal aparece na figura de um ser
rebolativo e misterioso, mistura de índio amazonense com príncipe inca de
história em quadrinhos” (SANTANA & LYRA, pag.51)
Existe, sob o meu ponto de vista, uma ligação fílmica em forma de
recorrência estrutural do terrir, entre o sacerdote Inca e o príncipe egípcio
Runamb, pois o sacerdote aparece em uma espécie de flashback ou viagem de
Natasha sob efeito de Santo Daime e Runamb aparece também em forma de
flashback em O segredo da múmia. Os dois seres são deslocados do tempo
real dos filmes (Um lobisomem na Amazônia e O segredo da múmia) e têm
missões diretamente envolvidas com o enredo no tempo real dos filmes.
Runamb tem que recuperar o amor de sua amada Nadja e o sacerdote traz
para Natasha a incumbência de ser a nova rainha das Amazonas, ser Selene.
71
Figura 29 - Anselmo Vasconcelos como Runamb Figura 30 - Sidney Magal como Sacerdote Inca
Aqui podemos entender que após 23 anos de terrir, as apropriações do
próprio terrir começam a se confundir com as apropriações dos gêneros que o
terrir trabalha: pornô, humor e terror. Na análise seguinte poderemos concluir
essa afirmação e dizer que o terrir pode ser imageticamente e sonoramente
auto-suficiente.
72
3.5 – Análise de imagens e sons de O Sarcófago Macabro
O sarcófago macabro é uma homenagem aos inesquecíveis seriados
de tv americanos”. A introdução do último registro fílmico do terrir é simples
e direta. A influência de seriados televisivos norte-americanos são claros na
estrutura genérica do terrir porém nunca colocadas tão explicitamente como
em O sarcófago macabro. Porém o fato de homenagear os seriados
televisivos, vem explicar diversas outros pontos importantes nesta
empreitada cinematográfica, ou seria televisiva? O projeto O sarcófago
macabro nasceu para compor um piloto, do que viria a ser um seriado de
tevê. Ao longo do telefilme isso vai ficando cada vez mais claro pela sua
divisão em partes (são quatro partes e um epílogo), gerando uma estrutura
televisiva, que de certa forma prevê os possíveis intervalos comerciais.
Outrora o narrador conhecido do terrir Roberto Maya, afirma tratar-se de um
seriado e ao fim do telefilme um teaser anuncia o segundo episódio,
fazendo entender que a exibição deste novo episódio seria feita em um
programa de tevê fictício denominado Madrugada Udigrudi.
Roberto Maya, narrador deste piloto, é conhecido do público do
terrir e dos espectadores de tevê em geral. Apesar do telefilme ser dedicado
aos seriados de tevê norte-americanos, aqui me refiro aos seriados
detetivescos e policiais, incluindo os novos seriados como Arquivo X, C.S.I
e etc, vejo a influência de programas da tevê brasileira pelo intermédio da
apresentação de Roberto Maya. O programa de tevê Documento especial:
73
Televisão verdade, exibido de 1989 a 1991 na extinta emissora Rede
Manchete, apresentado pelo ator Roberto Maya, e dirigido pelo jornalista,
diretor de televisão, crítico de cinema e documentarista Nelson Hoineff,
pode ser considerado uma grande influência para o filme O sarcófago
macabro, que uma certa semelhança na estrutura de ambos,
obviamente diferenciando-se no conteúudo e na veracidade dos fatos
apresentados.
Passando desta introdução reveladora é hora de cair nas tramas das
colagens do terrir. Este telefilme pode ser considerado estruturalmente o
mais complexo dentro das comuns apropriações e colagens do terrir, por
ser o único auto-canibalista. A complexidade na trama de O sarcófago
macabro nasce em Um lobisomem na Amazônia. O interesse de Ivan
Cardoso e de Rubens Luchetti em assuntos relacionados com o terceiro
Reich, a segunda grande guerra mundial, Adolf Hitler e Josef Mengele,
começam na Amazônia, no laboratório do cientista-lobisomem Dr. Moreau.
Durante Um lobisomem na Amazônia, Dr. Moreau (Paul Nashy ou Jacinto
Molina), descreve entre outras coisas seu interesse pelos experimentos do
médico nazista Josef Mengele, folheando um diário que ele mesmo diz ter
roubado em Bratislava. Este diário é exatamente o mesmo usado no
telefilme O sarcófago macabro, pelo agente do F.B.I., Ed Stone,
interpretado por Carlo Mossy.
74
Figura 31 - Diário nazista usado em O Sarcófago macabro
Figura 32 - Diário nazista usado em Um lobisomem na amazônia
A mesma página que é mostrada em Um lobisomem na amazônia é
também propositadamente exibida em O sarcófago macabro, inclusive a
página com a foto do cientista Expedito Vitus (Wilson Grey). As cenas
coladas, reaproveitadas ou apropriadas são muitas e tentarei dividi-las em
duas partes: imagens relacionadas ao repertório imagético e sonoro do
terrir, e imagens relacionadas a outros assuntos como, trechos de filmes
sobre o terceiro Reich.
O auto-canibalismo contido no filme é facilmente detectado. Trata-se
de uma série aparentemente interminável de sobras de filmagens de outros
filmes da filmografia selecionada nesta pesquisa do terrir e também do curta
da época do udigrudi A múmia volta a atacar. O filme O segredo da múmia
é usado por diversas vezes que o protagonista da história fantástica
75
envolvendo a fuga de Hitler para Buenos Aires dentro de sarcófagos, o
plano intitulado: A terceira via para o novo mundo, é Expedito Vitus. Vitus é
incorporado à trama, de forma que todos seus conhecidos no filme O
segredo da múmia assumem novas identidades. Júlio Medaglia, antes
Rodolfo, amigo de Expedito Vitus, se torna um sanguinário Coronel do
exercito da SS; Felipe Falcão, antes Igor, também se torna um assassino
ligado a SS de nome Otto, personagem de tal importância que merece uma
explicação mais específica na narração detetivesca de Roberto Maya: O
careca Otto, que parece ter saído das sombras do cinema expressionista...”.
As imediações da casa de Expedito Vitus, no filme O segredo da múmia,
revelam a existência de um lago que na verdade foi o que originou o roteiro
do próprio filme. O lago maldito, atualizado para a realidade do terceiro
Reich em O sarcófago macabro é localizado na região alemã da Floresta
Negra.
Cenas importantes cortadas de O segredo da múmia são
esclarecedoras sob o ponto de vista do roteiro do próprio filme. Em diversas
cenas exibidas em O sarcófago macabro, Expedito Vitus se encontra em
seu calabouço onde realiza e continua os estudos sobre o instinto humano
do Prof. Oxiac Odez, (protagonista do filme O estranho mundo de Zé do
Caixão, episódio A ideologia). São cenas que imprimem in loco a natureza
maligna de Expedito na filmografia do terrir, pois revela tomadas de
canibalismo praticadas pelo próprio cientista
25
. Além destas cenas O
sarcófago macabro revela melhor o nascimento da múmia, com uma
25
A referência sobre a conexão entre Expedito Vitus e Prof. Oxiac Vadez aparece somente no
roteiro original de O segredo da múmia
76
tomada mais longa mostrando a participação de Júlio Medaglia e Felipe
Falcão, inexistentes na versão da ressureição da múmia no filme O segredo
da múmia, além de definir finalmente em imagens o uso de eletrodos
confluindo finalmente Frankenstein e a Múmia. No início de O segredo da
múmia, para juntar as partes do mapa onde está escondida a múmia de
Runamb, são realizados diversos assassinatos. Paulo Cesar Pereio morre
envenenado em algum calçadão ensolarado do Rio de Janeiro, em O
sarcófago macabro ele é o agente do F.B.I. assassinado pelo Reich, Ronny
Porrada. O mesmo acontece com agente John Ways, que tem sua garganta
cortada pelos alemães. Porém trata-se de Rodolfo (John Hebert) no filme As
sete vampiras que é assassinado pelo vampiro.
Outra identidade visual marcante do terrir é a presença do estereótipo
das mulheres louras, tomando emprestado o poder imagético de divas da
histórias do cinema americano, como Marilyn Monroe ou Rita Hayworth. Em
O sarcófago macabro, a solução para o preenchimento deste item
característico é a inclusão da esposa do Fuhrer, Eva Braun, como uma
espécie de loura burra alemã, que trai Hilter com soldados da SS. Há outras
aparições imagéticas do terrir, como o clássico close em Expedito Vitus
munido de sua lupa e o uso do mesmo vertigo, usado em O segredo da
múmia. Orlando Drummond aparece também de forma terrística.
Interpretando um espírito de algum sacerdote egípcio que aparece nos
pesadelos do agente secreto Ed Stone, Drummond acaba reapropriando-se
da imagem e flashbacks de Runamb, interpretado por Anselmo Vasconcelos
em O segredo da múmia, assim como o personagem de Sidney Magal em
77
Um lobisomem na amazônia auto-canibalizando o próprio gênero
cinematográfico.
Figura 33 - Orlando Drummond em O sarcófago macabro
Figura 34 - Sidney Magal em Um lobisomem na amania
Figura 35 - Anselmo Vasconcelos em O segredo da múmia
O último elemento de extrema importância para o enredo de O
sarcófago macabro, envolve outro personagem de O segredo da múmia.
Logo que Expedito Vitus, volta ao Brasil em posse da múmia de Runamb, é
recepcionado por um ministro brasileiro, em O sarcófago macabro, é este
ministro quem está ajudando o exercito alemão a lograr a fuga de Hitler
para Buenos Aires, usando o nome ora de Governador Leopoldo Assuncion,
78
ora de Martin Bormann, este último personagem real da história do terceiro
Reich como secretário pessoal de Adolf Hitler. Vale a pena comentar a
participação de Luiza Mariani, que parece ser uma assistente do agente Ed
Stone, uma vez que nada é explicado no telefilme. Mesmo assim analiso-a
como uma continuação dos personagens: a jornalista Miriam interpretada
por Tania Bôscoli em O segredo da mia; a ajudante do detetive
Raimundo Marlou (Nuno Leal Maia), Maria interpretada por Andréa Beltrão
em As sete vampiras e ainda a personagem Glória Campos (também
Andréa Beltrão) em O escorpião escarlate.
Figura 36 - Luiza Mariani em O sarcófago macabro
Figura 37 - Andréa Beltrão em O escorpião escarlate
Seguindo esta linha ainda destaco a presença de outra figura
emblematica do terrir, Tony Tornado, interpretando o Comandante Gordon
(apropriação direta do comissário Gordon, personagem da historia em
quadrinhos Batman), que outrora foi o delegado Barreto em Um lobisomem
79
na amazônia, e é uma variação dos personagens interpretados por Colé
Santana em outros filmes desta filmografia.
As apropriações não auto-canibalistas contidas no filme ficam a cargo
de diversas imagens de filme relacionados ao terceiro Reich e
consequentemente Leni Riefenstahl e outras diversas imagens de arquivo
relacionadas ao presidente Bush, à Casa Branca e o Pentágono.
Tratando-se de uma telefilme nos formatos de programas policiais de
tevê a parte sonora e consequentemente a parte musical apenas faz
aparições coadjuvantes servindo como um background para a narração de
Roberto Maya.
80
CONCLUSÃO
Como vimos ao longo desta jornada imersa sob a atmosfera do terrir de
Ivan Cardoso, a obra é o ponto chave para a análise sensível do objeto em
questão. O terrir é indefinível apenas sob o ponto de vista da filmografia
selecionada, ou seja, de cada filme separadamente analisado. O terrir é a obra,
são as exterioridades, as histórias subjulgadas por trás de outras histórias, as
formas, as metaformas, uma substância vista de fora perpassada pela minha
visão e audição particular. O terrir definível perpassa o parangolé de Hélio
Oiticica, rádio novelas, seriados detetivescos, generalidades da forma e do
conteúdo, particularidades estruturais, Torquato Neto, Ivan Cardoso, Rubens
Luchetti, e tantas outras maneiras e ângulos com que podemos e tentamos
enxergá-lo nesta pesquisa.
A jornada iniciou-se com a discussão dos pressupostos teóricos
envolvendo diversos autores como Gumbrecht, Canclini, Focault, Zumthor e
tantos outros para que fosse encontrada a melhor maneira possível para
entender e desconstruir o objeto. Os cinco filmes escolhidos, O segredo da
múmia, As sete vampiras, O escorpião escarlate, Um lobisomem na Amazônia
e O sarcófago macabro, foram devidamente analisados e desconstruídos, e
adicionados de diversos novos ponto de vista e novas analogias imagéticas e
sonoras. Logicamente que a minha experiência pessoal como produtor
fonográfico e músico prático delinearam alguns momentos das análises
tornando-as um exercício de desconstrução diferenciado.
Uma das hipóteses principais, como a idéia de analisar a filmografia do
terrir sob o ponto de vista das apropriações e colagens, foi superada. As
81
conexões entre o parangolé de Hélio Oiticica e o terrir de Ivan Cardoso, se
tornaram claras desde o começo da pesquisa e se revelaram ainda mais claras
nas alises fílmicas. A união das teorias de gênero cinematográfico e do
autorismo no cinema, veio em forma de desafio. O gênero-autor se tornou
então uma novidade para as análises anteriores sobre o tema e alavancaram e
alicerçaram uma nova visão fílmica geral ampliada do objeto, ou seja, o
gênero-autor, é um dos frutos gerados pela abordagem sob o ponto de vista de
obra aplicada ao terrir de Ivan Cardoso.
É importante também ressaltar a existência de um objetivo oculto
subjulgado por de trás do objeto pesquisado. Este objetivo abranje algo maior
que é a pesquisa sobre o cinema brasileiro, neste caso, o cinema brasileiro
marginal, ou ainda cinema de bordas, ou localizado no nicho do paracinema.
Acho desafiante e importante os estudos referentes a esta categorização
cinematográfica, por serem academicamente considerados nichos de menor
expressão. o fato da pesquisa existir, torna-a um objetivo alcançado.
Espero então que novas questões sobre o terrir sejam levantadas a partir desta
pesquisa para que este exercício de bordas se torne uma moto- perpétuo.
A noção de obra tornou possível que o terrir de Ivan Cardoso, se
tornasse algo maior e ampliado, se tornasse uma descoleção detemporalizada
de fragmentos de gênero, se tornasse um parangolé de imagens e sons.
82
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Acesso em: 13 de agosto de 2008, 10:25:00
86
ANEXOS:
Sinopse de O segredo da múmia
No primeiro longa metragem da filmografia do terrir de Ivan Cardoso,
O segredo da múmia (1982), o cientista Expedito Vitus (Wilson Grey em seu
primeiro papel principal), ridicularizado por seus colegas, tenta provar que
sua maior descoberta, o "elixir da vida", realmente funciona. Para isso, ele
decide ressuscitar uma recém descoberta múmia egípcia.
87
Ficha Técnica de O segredo da múmia
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Rubens Francisco Luchetti
Trilha Sonora: Júlio Medaglia / Gilberto Santeiro
Fotografia: Cesar Elias / João Carlos Horta / Renato Laclete
Desenho de produção: Oscar Ramos
Direção de arte: Oscar Ramos
Edição: Gilberto Santeiro / Ricardo Miranda / Cris Altan
Elenco:
Wilson Grey – Expedito Vitus
Anselmo Vasconcelos – Runamb
Clarice Piovesan – Gilda
Evandro Mesquita – Everton Soares
Regina Casé – Regina
Felipe Falcão – Igor
Tânia Boscoli – Nadja / Miriam
Júlio Medaglia – Rodolfo
Jardel Filho – Almir Gomes
88
Sinopse de As sete vampiras
No clássico As sete vampiras (1986) o botânico Frederico Rossi (Ariel
Coelho) perde controle sobre planta carnívora de origem africana que
transforma suas vitimas em vampiros. Sua namorada, a dançarina Silvia
Rossi (Nicole Puzzi) isola-se de todos em sua casa de campo após ter sido
mordida pela planta, mas acaba abandonando seu retiro quando um velho
amigo, Rogério (John Hebert) a convida para trabalhar numa boate, e
prontifica-se a montar um balé intitulado "As Sete Vampiras". Porém o
sucesso do espetáculo é interrompido por estranhos assassinatos, que
estão sendo investigados pelo detetive Raimundo Marlou (Nuno Leal Maia).
89
Ficha Técnica de As sete vampiras
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Rubens Francisco Luchetti
Trilha Sonora: Léo Jaime / Bene Nunes
Fotografia: Carlos Egberto
Desenho de produção: Oscar Ramos
Direção de arte: Oscar Ramos
Edição: Gilberto Santeiro
Elenco:
Nicole Puzzi – Silvia Rossi
Nuno Leal Maia – Raimundo Marlou
Andréa Beltrão – Maria
Suzana Mattos – Clarice
John Hebert – Rogério
Lucélia Santos – Elisa Machado
Colé Santana – Inspetor Pacheco
Ariel Coelho – Ferederico Rossi
Simone Carvalho – Ivete
Ivon Cury – Barão de Von Pal
Wilson Grey – Fu Manchu
Pedro Cardoso – Pedro
Leo Jaime – Bob Rider
Zezé Macedo – Rina
Bebé Nunes – Chefe de polícia
90
Carlo Mossy – Luis Terra
Alvamar Taddei – Vampirete Jane
91
Sinopse de O escorpião escarlate
Baseado em antigas estórias da rádio novela “O anjo”, o filme O
escorpião escarlate (1990) se desenrola misturando a realidade vivida por
Glória Campos (Andréa Beltrão), ouvinte do programa de rádio “O anjo” com
a trama desenrolada na própria rádio novela. Glória se aproxima de Álvaro
Aguiar (Herson Capri), escritor da radio novela e voz que interpreta o héroi
Anjo e começa a vivenciar na realidade as tramas que envolvem o héroi
Anjo e seu arqui-inimigo, o Escorpião Escarlate.
92
Ficha Técnica de O escorpião escarlate
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Rubens Francisco Luchetti
Trilha Sonora: Júlio Medaglia / Gilberto Santeiro
Fotografia: Carlos Egberto / Renato Lacletti / José Tadeu
Desenho de produção: Oscar Ramos
Direção de arte: Oscar Ramos
Edição: Gilberto Santeiro
Elenco:
Andréa Beltrão – Glória Campos
Herson Capri – Álvaro Aguiar / Anjo
Nuno Leal Maia – Guido Falcone
Monique Evans – Madame Ming
Susana Matos – Rita Mara
Mário Gomes – Airton Carmona
Isadora – Ribeiro – Paula
Leo Jaime – Jarbas
Roberta Close – Brigitte
Ivon Cury – Ele mesmo
Consuelo Leandro – Mãe
Tião Macalé – Doorman
Zezé Macedo – Maiden
Wilson Grey - repórter
93
Sinopse de Um lobisomem na amazônia
No quarto filme da filmografia do terrir de Ivan Cardoso, Um lobisomem
na Amazônia (2005), Natasha (Danielle Winits) é uma jovem que, juntamente
com dois casais amigos, decide entrar na Amazônia para participar da
cerimônia do Santo Daime, em uma aldeia da região. Eles contratam o
experiente Beto Careca para guiá-los, mas em seu lugar aparece Jean Pierre
(Evandro Mesquita), que alega ser amigo de Beto e diz estar substituindo-o
devido a um acidente. No caminho todos estão entusiasmados, mesmo com a
notícia de que estranhos assassinatos têm ocorrido na região. Os crimes vêm
sendo investigados pelo delegado Barreto (Tony Tornado) e pelo professor
Corman (Nuno Leal Maia), zoólogo que acredita que um animal feroz matou as
pessoas. O que eles não sabem é que no interior da floresta vive o Dr. Moreau
(Paul Naschy), um médico nazista que está escondido e realiza experimentos
bizarros, que estão diretamente relacionados com os assassinatos.
94
Ficha técnica de Um lobisomem na Amazônia
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Gastão Cruls / Rubens Francisco Luchetti
Trilha Sonora: Mú Carvalho
Fotografia: José Guerra
Desenho de produção: Ann Schlee
Direção de arte: Paulo Flacksman
Edição: João Paulo Carvalho / Aruanã Cavalleiro / Sérgio Marini /
Fernando Vidor
Elenco:
Paul Naschy – Dr. Moreau / Lobisomem
Evandro Mesquita – Jean Pierre
Danielle Winits – Natasha
Toni Tornado – Delegado Barreto
Nuno Leal Maia – Professor Scott Corman
Pedro Neschling – Bruno
Karina Bacchi – Samantha
Bruno de Luca – Raul
Sidney Magal – Sacerdote Inca
Júlio Medaglia – Hartman
Joana Medeiros – Rainha Pentesiléia
Charles Paraventi - Borges
95
Sinopse de O sarcófago macabro
No último longa metragem lançado por Ivan Cardoso, Sarcófago
Macabro (2006), o agente da C.I.A Ed Stone (Carlos Mossy), ao classificar os
arquivos secretos da Segunda Guerra Mundial encontra um estranho dossiê
relacionando uma múmia egípcia e um cientista louco brasileiro. Stone
descobre uma bem articulada rede de espiões nazistas, responsável pela
tranqüila fuga para a América Latina de vários carrascos do Terceiro Reich:
eles viajavam fantasiados de múmias a bordo de confortáveis sarcófagos.
96
Ficha técnica de O sarcófago macabro
Direção: Ivan Cardoso
Roteiro: Ivan Cardoso
Trilha Sonora: Mú Carvalho
Fotografia: Jaques Cheviche / João Carlos Horta / Carlos Egberto
Edição: Francisco Sérgio Carvalho
Elenco:
Carlo Mossy – Ed Stone
Tony Tornado – Delegado Barreto
Wilson Grey – Expedito Vitus
Júlio Medaglia – Coronel da SS
Roberto Maya – Apresentador
Orlando Drumond - Sacerdote
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