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Paranapiacaba
A arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
Thais Fátima dos Santos Cruz
Dissertação apresentada à Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para
obtenção dotulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área: Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade
São Carlos, setembro de 2007.
Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR
QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE
QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP
Cruz, Thais Fátima dos Santos
C957p Paranapiacaba : a arquitetura e o urbanismo de uma
Vila Ferroviária / Thais Fátima dos Santos Cruz ;
orientador Carlos Roberto Monteiro de Andrade. –- São
Carlos, 2007.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo e Área de Concentrão em Teoria
e Hisria da Arquitetura e do Urbanismo -- Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo.
1. Paranapiacaba. 2. Ferrovia. 3. São Paulo Railway.
4. Vila ferroviária. 5. Arquitetura. 6. Traçado urbano.
I. Título.
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Sumário
Agradecimentos
Epígrafe
Resumo
Abstract
Lista das ilustrações
Introdução
1. A presença britânica no Brasil na segunda
metade do século XIX e na primeira do
século XX.
1.1 Aspectos políticos,econômicos e sociais
1.2 Tecnologia ferroviária
2. Economia cafeeira e ferrovia
2.1 Os caminhos do café
2.2 A industrialização em São Paulo
2.3 A ferrovia no estado de São Paulo
3. O Urbanismo da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba
3.1 Origem da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
3.2 Os traçados urbanos
3.2.1 A Vila Velha
3.2.2 Parte Alta ou Morro
3.2.3 Vila Nova ou Vila Martin Smith
I
III
IV
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4. A arquitetura da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba
4.1 A moradia operária do século XIX
4.2 As tipologias residenciais da Vila Martin Smith
4.2.1 Tipologia ‘A’
4.2.2 Tipologia ‘B’
4.2.3 Tipologia ‘C’
4.2.4 Tipologia ‘D’
4.2.5 Tipologia ‘E’
4.2.6 Residências isoladas
4.2.7 Alojamento para solteiros
4.3 Técnica e detalhes construtivos
4.3.1 Equipamentos urbanos
4.4 Arquitetura ferrovria
4.4.1 A estação ‘Alto da Serra(1898)
4.4.2 tio ferroviário (1899-1901)
4.4.3
O mercado (1899)
4.4.4
O Clube União Lira Serrano (1907)
4.4.5
Escola primária (1911-1938)
4.4.6
O Hospital (1862)
Considerações Finais
Referências
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AGRADECIMENTOS
Quero agradecer
Independente de crenças ou religiões, em primeiro lugar, a Deus pela capacidade com que fui dotada;
Aos meus pais, Creuza e Clístenis da Cruz, pelos valores e apoio sempre incondicional de minhas escolhas, na realização de meus sonhos, anseios,
desejos e projetos; a meu pai, companheiro de tantas idas e vindas a Paranapiacaba, a quem eu também devo o gosto pela leitura;
Aos meus padrinhos, Alice e Azor Figueiredo, pelo incentivo e carinho de sempre;
Aos professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, principalmente ao meu orientador,
Professor Dr. Carlos Roberto Monteiro de Andrade, pela oportunidade e confiança que depositou tanto na pesquisa quanto na pesquisadora;
Aos professores e membros da Banca de Qualificão e Defesa da Dissertação, Drª Telma de Barros Correia e Drª Cristina Meneguello, pelos
comentários, sugestões e contribuições valiosas para este trabalho;
Ao grupo de pesquisa Urbis pelas nossas reunes e discussões que auxiliaram a me tornar uma pesquisadora mais atenta e crítica;
À Professora Drª Maria Ângela P.C.S. Bortolucci pela oportunidade de realizar outros trabalhos no campo da preservação e restauro;
Aos funcionários do Departamento de Arquitetura e Urbanismo: Benê, Caio, Fátima, Geraldo, Lucinda, Marcelinho e Oswaldo e da Biblioteca Central,
Eleninha e Maria Lúcia;
À Dª Maria José Camargo, que me recebeu e me acolheu nos primeiros meses em São Carlos e a Luciana Mascaro, nos últimos;
Aos meus novos amigos de todos os cantos do Brasil, com quem convivi em São Carlos, e que, entre as dores e as delícias de um mestrado se
fizeram presentes em todos os momentos, principalmente Mayara Dias, Ingrid Wanderley, Carol Rossetti, Rosana Folz, Clarissa Ribeiro, Cecília Almeida,
Anna Rachel, Luiz Eduardo, aos ‘menininhos’ Marcus e Fúlvio e, em especial, ao amigo e vizinho Sales pela leitura atenta, criteriosa e pelos
comentários pertinentes ao meu trabalho de qualificação;
A todos os demais amigos da Pós e da Graduão, especialmente Preta, Liló, Lygia e Bis;
À amiga Iolanda Silva Santos, da UniABC, pelo apoio logístico nos momentos de sufoco;
Às amigas Elizabeth H. Corá e Glauce Cruz, da Prefeitura Municipal de Santo André, pela rica contribuição que me foi concedida através das
plantas cadastrais e topográficas da Vila de Paranapiacaba;
À amiga Rose Chaves que colaborou fornecendo suas fotos da Vila para este trabalho;
Ao Professor pesquisador Dr. Gilson Lameira de Lima, do Centro Universitário Fundação Santo André, pelo acesso ao estudo, ainda que
preliminar, de sua pesquisa, fornecendo informações e material precioso para esta dissertação;
A Dª Zélia Paralego e seu esposo Pedro, moradores de Paranapiacaba, amigos sempre dispostos a me auxiliar nas pesquisas e nas causas em prol da
Vila;
À amiga-irmã Mônica Virgínia de Souza, de modo especial, pois, se não fosse pela sua doce influência e ‘chata’ insistência, eu não teria conseguido
chegar até aqui;
E ao CNPq pelo apoio financeiro.
Se cheguei mais longe
é porque me apoiei em
ombros de gigantes.
Isaac Newton
Imagem: Crepúsculo no alto da Serra do Mar. Paranapiacaba.
Fonte: www.jeepx.net/images.
Resumo
CRUZ, T.F.S. (2007). Paranapiacaba: a Arquitetura e o Urbanismo de
uma Vila Ferroviária. São Carlos, Dissertação de Mestrado. Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba, pertencente ao município
de Santo And (SP), tem seu núcleo urbano localizado no topo da
Serra do Mar, recebendo originalmente a denominação de Alto da
Serra. Sua origem deveu-se à construção da primeira ferrovia
paulista, a São Paulo Railway Company Ltd (SPR), empresa
constituída em Londres, responsável também pela implantação e
administração das Vilas Velha e Martin Smith.
O trabalho realizou o levantamento, análise e discussão das
transformações da Vila Ferroviária de Paranapiacaba, em especial
de sua arquitetura e dos traçados dos três núcleos urbanos
existentes, a Parte Alta, a Vila Velha e a Vila Martin Smith, cujas
implantações se deram em momentos distintos e de formas
diferentes.
Constatamos que no período de 1860 a 1946, em que a SPR esteve
sob controle inglês, foi instalada em Paranapiacaba uma moderna
infra-estrutura urbanística para a realidade brasileira daquela época,
representando um exemplo pioneiro e único de cidade empresarial
projetada, construída e administrada pela SPR, que ainda preserva
parte significativa de suas características arquitetônicas e urbanísticas
originais.
Palavras chave: Paranapiacaba. Ferrovia. São Paulo Railway. Vila
ferrovria. Arquitetura. Traçado urbano.
Abstract
CRUZ, T.F.S. (2007). Paranapiacaba: The Architecture and the Urbanism
of a Railway Village. Mastership essay. Engineering College of the
University ofo Paulo.
The Railway Paranapiacaba Village, which belongs to the city of
Santo André (SP), has its urban nucleus located at the top of a
mountain range called Serra do Mar, and it was previously called
“Alto da Serra”. Its origin comes from the building of the first
railway in the state, the São Paulo Railway Company Ltd (SPR),
the British Company was also responsible for the planning,
construction and administration of Vila Velha and Martin Smith
Village.
This work has made a data collecting, analysis and discussion of the
changing of Railway Paranapiacaba Village, especially its
architecture and the town planning in three different nuclei Parte
Alta, Vila Velha and Martin Smith Village, whose settlement
happened in distinct moments and in different ways.
During the years 1860 and 1946, when SPR was under British
control, was built a modern urban substructure for the time in
Brazil, representing a pioneer and the only example of an
enterprising city which was projected, built and administrated by
SPR, that till today has still kept most of its original architecture
and urban characteristics.
Key-words: Paranapiacaba. Railway. São Paulo Railway. Railway
Village. Architecture. Urban fabric.
VI
Lista das ilustrações, quadros, mapas, plantas e fotos
Introdução
M.01. Região Metropolitana de São Paulo e Baixada Santista.
Destaque para o município de Santo André.
M.02.
Mapa de Santo André seus distritos e municípios vizinhos.
F.01.
Com a neblina fica difícil ver o final da passarela.
F.02. Paisagem que se altera com a presença da neblina.
XII
XIII
XIX
XIX
Capítulo 1
Il.01. Viaduto da Grota Funda, 1898.
Il.02.
Componentes montados da ponte do rio Piaçagüera.
Inglaterra, 1936.
Il.03. Vista interna da oficina de ajustagem de eixos e rodas, Lapa.
F.01. Passarela da Estação de Campo Grande.
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Capítulo 2
Il.01. Cargueiro transportando café 1881-1886. Marc Ferrez.
Il.02. Esquema das trilhas na Serra do Mar.
Il.03. A sinuosa Calçada do Lorena, com mais de 180 curvas,
transformou-se na principal via de transporte do século XIX.
Il.04. Certificado de compra de ações da São Paulo Railway.
Il.05. Esquema dos planos inclinados.
Il.06. Cruzamento da linha férrea.
Il.07. Casa de máquinas com roldanas subterrâneas.
Il.08. Igreja e Convento de Santo Antônio do Valongo.
Il.09. Esquema dos novos planos inclinados com cinco patamares
Il.10. Túnel e vista parcial dos Novos Planos Inclinados da Serra e
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casa de máquinas do 3º patamar dos Antigos Planos Inclinados.
Il.11. Chave de sinais.
Il.12. Terceira casa de máquina implantada na serra.
Il.13. Diagrama das estradas de ferro na então Província de São
Paulo.
QUADROS
Quadro 1. Quadro evolutivo da prodão cafeeira
Quadro 2. Movimento migratório pelo porto de Santos-SP de 1908 a
1936.
Quadro 3. Quadro comparativo entre os dois sistemas funiculares.
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Capítulo 3
Il.01. Início das obras dos antigos planos inclinados na Serra do
Mar, c.1861.
Il.02. Acampamento no alto da serra. 1860.
Il.03. Acampamento temporário dos operários da ferrovia na raiz
da serra. 1860.
Il.04. Vista aérea.
Il.05. Vista aérea da Vila Ferroviária de Paranapiacaba. Vila Martin
Smith e Pátio Ferroviário.
Il.06. Engenheiro Ernest Sidney Pyles à frente no trole.
Il.07. Interior do clube, década de 40.
Il.08. Corte esquetico.
Il.09. Vista aérea da Vila Ferroviária de Paranapiacaba.
FOTOS
F.01. Casas geminadas com recuos frontais e jardins.
F.02. Vila Velha. Caminho do Hospital.
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VII
F.03. Rua Direita vista a partir da Parte Alta.
F.04. Alojamento para solteiros, próximo a Rua Direita.
F.05. Primeiros exemplares de casas geminadas.
F.06. Conjunto de casas da década de 1930
F.07. Antiga pensão em ruínas
F.08. Rua Direita
F.09. Alojamento
de solteiros no Caminho do Hospital.
F.10. Primeiras moradias operárias
F.11. Local da primeira estação
F.12. Galpões e oficinas
F.13. Residência do médico
F.14. Complexo de enfermarias
F.15. Aglomeração urbana da Parte Alta.
F.16 e F.17. Parte Alta. Sobrados de uso misto e viela com moradias
no alinhamento.
F.18. Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba.
F.19. Cemitério dos católicos.
F.20. Residência isolada.
F.21. Tipo B. Grupo de duas residências.
F.22.Tipo C. Residência maior, o ‘Castelinho’.
F.23. Tipo E2. Grupo de quatro residências, ao lado viela sanitária.
F.24 e 25. Detalhe da guia e sarjeta em pedra e reservatório de água
da SPR de 1898.
F.26. Caminho da Estação, ‘Pau da Missa’.
F.27. O ‘Castelinho’ envolto pela neblina.
MAPAS
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M.01. Região da Serra do Mar.
M.02. Mapa da ocupação inicial do Alto da Serra.
PLANTAS
Pl.01. Planta cadastral. Vila Velha e principais pontos referenciais.
Pl.02. Parte Alta. Planta cadastral.
Pl.03. Planta com curvas de nível, Parte Alta.
Pl.04. Vila Martin Smith, 1896.
Pl.05. Vila Martin Smith. Localização das tipologias e
equipamentos.
Pl.06. Planta da Vila Nova do Alto da Serra. Vila Martin Smith,
Paranapiacaba.
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102
Capítulo 4
Il.01. Fileiras de casas.
Il.02. Vista de New Lanark.
Il.03. Vista da fábrica de Saltaire.
Il.04. Vista parcial das casas tendo ao fundo a fábrica.
Il.05. Esquema de fundação.
Il.06. Beiral e mão francesa.
Il.07. Fundações.
Il.08. Maquete construtiva.
Il.09. Moradias inglesas divididas por categoria de trabalhador
Il.10. Semelhante volumetria adotada em Paranapiacaba.
Il.11. Preparação do terreno para implantação da estação.
Il.12. Estação na década de 40.
Il.13. Projeto padrão para as estações do Alto e Raiz da Serra, 1896.
Il.14. Plataforma com pilares em ferro c. 1968.
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VIII
Il.15. Estação de Paranapiacaba e parte do pátio ferroviário, 1968.
Il.16. Incêndio na Estação, 1981.
Il.17. Cabo e polia do funicular.
FOTOS
F.01. Conjunto de residências do tipo A localizadas na Avenida
Fox.
F.02. Tipo B. Elevação lateral.
F.03. Hall de entrada e corredor central.
F.04. Fachada lateral e volume da chaminé.
F.05. Fachada principal.
F.06. Tipo D.
F.07, 08, 09 e 10. Casas isoladas destinadas aos engenheiros e altos
funcionários.
F.11 e 12. Diferentes tipos de mão-francesa.
F.13 e 14. Esquadrias padronizadas.
F.15,16,17 e 18. Detalhes construtivos.
F.19. Tesoura da cobertura.
F.20. Detalhe da parede dupla.
F.21, 22, 23 e 24. Detalhes construtivos. Calhas, lambrequim,
embasamento e parede hidráulica.
F.25. Placa de registro dágua apoiada sobre trilhos.
F.26.Trilhos de trem como poste de iluminação pública.
F. 27 e 28. Placas de identificação.
F.29. Pátio ferroviário. Plataforma e torre do relógio.
F.30. Casa de máquina. 2º sistema funicular.
F.31. Casa de máquina.Fachada lateral.
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F.32. Material rodante. Locobreque.
F.33. Equipamento ferroviário. Roda da inércia.
F.34. Oficinas em madeira. Vila Velha.
F.35. Virador e depósito de locomotiva.
F.36. Galpão ferroviário.
F.37. Casa de máquina. 2º sistema funicular.
F.38. Pátio ferroviário. Ao fundo, casas de máquinas.
F.39. Mercado.
Pilares de tijolos, painéis em madeira e óculo central.
F.40. Interior do edifício. Estrutura de cobertura.
F.41. Edifício sede do Clube União Lira Serrano.
F.42 e 43. Camarotes, grande salão e palco.
F.44 e 45. Bilheteria e sala de jogos.
F.46. Fachada posterior
.
F.47. Campo de futebol; ao fundo, as arquibancadas.
F.48. 2º grupo escolar construído na Vila Martin Smith.
F.49 e 50. Enfermarias e detalhe da cruz na janela.
F.51 e 52. Hospital e detalhe da iluminação zenital.
F.53. Casa do médico residente.
F.54. Interior da casa, lareira de uma das salas.
F.55 e 56. Saleta do médico e iluminação zenital.
MAPAS
M.01. Discriminação das avenidas da Vila Martin Smith no Alto da
Serra. SP: SPR, 1900.
QUADROS
Quadro 1. Resumo das tipologias residenciais da Vila Martin Smith
PLANTAS
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IX
Pl.01. Tipo A. Planta baixa.
Pl.02. Tipo A. Elevação frontal.
Pl.03. Tipo A. Elevação lateral.
Pl.04. Tipo B. Elevação frontal.
Pl.05. Tipo B. Planta Baixa.
Pl.06. Planta Térreo, 1897.
Pl.07. Pavimento superior, 1897.
Pl.08. Fachada principal, 1897.
Pl.09. Fachada lateral, 1897.
Pl.10. Tipo E2. Planta baixa.
Pl.11. Tipo E2. Elevação frontal.
Pl.12. Tipo E2. Elevação lateral.
Pl.13. Tipo E. Esquema de geminação.
Pl.14. Casa de engenheiro 01.
Pl.15. Casa de engenheiro 02.
Pl.16. Casa de engenheiro 04.
Pl.17. Barracão para solteiros da Vila Martin Smith.
Pl.18
. Planta de localização do complexo hospitalar.
Pl.19. Curvas de nível. Localização do platô.
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Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
X
Introdução
Nasci em Santo André e, aos vinte dias de nascida já estava
respirando a maresia, foi meu primeiro contato com o mar, talvez
este fato possa explicar minha verdadeira fascinação e paixão pelo
reino de ‘Poseidon’ e coincidência ou não, o significado de outra
grande paio é justamente, “lugar de onde se avista o mar”:
Paranapiacaba
1
. Nome indígena, palavra comprida, que nos enrola a
língua, cidade antiga, vila velha, vila nova, lembrança viva de um
passado recente. Já dizia Tristão de Athaíde:
“Nada mais difícil de conhecermos do que o passado
recente. Ainda não é história e já não é vida... já foi
esquecido e ainda não foi registrado”.
O desafio foi lançado. Esse foi meu maior estímulo, buscar
os registros dessa história ...
1
O nome era designativo do caminho entre Piratinim e o porto próximo à foz do rio
Mogy. Paranapiacaba, corruptela de -rá-ñáî-piâ-quâb-a, “passagem do caminho do
porto de mar”. De Pê, “superfície”, , “encrespada”, quâb, “passar”, que com
acréscimo de ‘a’ (breve), forma o infinitivo, o qual, não tendo caso, significa a ação do
verbo em geral, “passagem. “Lugar de onde se vê o mar” ou “miramar”, sendo a
palavra decomposta nos seguintes vocábulos: parná “mar”; apiac “ver”; caba “sítio”.
MENDES, J. (1902). Diccionario geographico da província deo Paulo.o
Paulo:Typ. a vap. Espindola, Siqueira, p.187.
Essa dissertação é o resultado de um trabalho de pesquisa
que venho desenvolvendo desde 2002 quando iniciei o Curso de
Especialização em Patrimônio Arquitetônico na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUCCamp). Dando prosseguimento posteriormente no
programa de Mestrado da Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo (EESC-USP), decidida e estimulada a
desdobrar o tema ligado a Paranapiacaba, enfocando questões
urbanas e arquitetônicas dessa vila ferroviária.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba oferece ao pesquisador
um amplo e variado leque de opções tão fascinantes quanto
qualquer outro tema abordado, mas que mereceria ser estudada com
mais profundidade cada uma dessas nuances e possibilidades de que
a Vila dispõe. De modo geral, a Vila é tratada como um conjunto
homogêneo no meio ambiente e no contexto da ferrovia, quando na
realidade é muito mais do que isso, é um objeto de estudo de
enorme importância, entre outros aspectos, sob o ponto de vista
social, econômico, tecnológico etc. São poucos os trabalhos de
fôlego sobre a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, cada qual
estudando-a sob um enfoque diferente, seja ele pelo ponto de vista
da codificação visual (Minami, 1983); do patrimônio histórico
(Castilho, 1998); de propostas de revitalizão (Oliveira, 2001)
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XI
estudos arqueológicos (Plens, 2002); do desenvolvimento
sustentável (Meyer, 1999) ou através dos trilhos da São Paulo
Railway (Petratti, 1977) entre outros.
O trabalho de Minami enfoca a comunicação visual urbana
que envolve aspectos do significado da paisagem aliada à ação do
homem. Da cidade que é paisagem mais população, com sítio
natural e todos os seus componentes e com as intervenções feitas
pelo homem como as vias de circulação, as edificações e todas as
outras que representam a cultura da sociedade.
Já Castilho aborda questões referentes às dinâmicas de
preservação dos lugares considerados patrimônio cultural,
discutindo conceitos, teorias e práticas de preservação adotadas no
Brasil. Versa sobre a origem e evolução histórica da Vila de
Paranapiacaba sua morfologia e estrutura física e aponta propostas
de projeto de intervenção na vila assim como elementos para a
discussão da condução dos processos de transformação nos lugares
historicamente determinados. Sendo também esta a temática
desenvolvida por Oliveira em sua proposta de revitalização para a
Vila de Paranapiacaba.
O plano elaborado por Meyer e sua equipe abarca esses e
outros aspectos, além de desenvolver uma proposta para um
turismo sustentável na vila. A pesquisa arqueológica desenvolvida
por Plens, que denomina Paranapiacaba como sendo uma vila
operária, buscou compreender como a mudança no sistema de
trabalho afetou o comportamento de um segmento de classe
trabalhadora brasileira no segundo quartel do século XIX,
impulsionada pela construção da ferrovia inglesa. Para tanto teve
como objeto de estudos as casas da vila ferroviária onde as
intervenções arqueológicas nas áreas residenciais identificaram
diferentes características que remetem à discussão sobre o
comportamento entre as classes hierárquicas desde a escravidão até
o início do século XX.
Sendo assim, esta dissertação é, a parte de um todo no
âmbito dessas pesquisas e busca suprimir uma lacuna da
historiografia urbana e arquitetônica da Vila de Paranapiacaba, am
de contribuir para trabalhos de revitalização e restauro, tem ainda
uma dimensão aplicativa, buscando abrir outras possibilidades de
estudos e discussões. Mas por outro lado, o trabalho não tem a
pretensão de ser um ponto final sobre o assunto.
O estudo de caso específico da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba teve por finalidade descrever a importância de todo o
complexo ferroviário e sua influência no processo de formação
econômica e urbana desse aglomerado, além de registrar a
arquitetura da Vila dentro da configuração urbana e, de uma certa
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XII
medida, contribuir para a preservação da memória dessa produção
arquitetônica construída toda ela na segunda metade do século
XIX, pela companhia inglesa São Paulo Railway (SPR). O período
estudado está compreendido entre os anos de 1856 a 1946, que
corresponde aos noventa anos de concessão que os ingleses tiveram
para operar a linha férrea que ligava a cidade de Jundiaí, no planalto
paulista, à cidade de Santos, no litoral.
A idéia geral que instigou esta pesquisa foi o interesse
despertado ainda na adolescência, durante uma visita ocasional de
fim de semana, na época em que a vila estava em pleno processo de
decadência e abandono. E, mesmo estando aparentemente em
ruínas, conservava ainda um aspecto encantador e misterioso que
me chamou a atenção e aflorou um sentimento de pertencimento,
carinho e zelo. Desde então a Vila Ferroviária de Paranapiacaba,
vem sendo um tema recorrente em minha trajetória acadêmica.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba está localizada ao sul do
município de Santo André, a trinta e três quilômetros do centro da
cidade e a cinqüenta e um da capital, São Paulo (M.01).
M.01.Região Metropolitana de São Paulo e baixada santista. Destaque para
o município de Santo André. Fonte:
Meyer, 2004.
A Vila faz divisa com os municípios de Rio Grande da
Serra, Suzano, Mogi das Cruzes, Santos e Cubatão (M.02).
Paranapiacaba está inserida na Área de Proteção dos Mananciais da
Região Metropolitana de São Paulo
2
e integra a Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica e do Cinturão Verde do estado de São Paulo.
Junto a esse cenário natural, a Vila Ferrovria de Paranapiacaba
forma uma paisagem única no país, composta pela estrada de ferro e
2
Tornou-se área de proteção pelas Leis Estaduais nº 898/75 e 1.172/76. Sumário de
Dados de Paranapiacaba e Parque Andreense, 2005. Prefeitura Municipal de Santo
André.
N
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XIII
por um aglomerado urbano, ocupado atualmente por ex-
ferroviários, outros trabalhadores que não são mais os da ferrovia e
por pessoas habituais de modo geral. Isso porque, até 1946, só era
permitido morar na vila quem trabalhasse na estrada de ferro.
M.02 Mapa de Santo André seus distritos e municípios vizinhos. Fonte:
PMSA, 1992.
Estudar a Vila Ferroviária de Paranapiacaba nos faz
regressar à história de São Paulo de meados do século XIX,
permitindo-nos refletir sobre a importância dela dentro do contexto
histórico, econômico, social, arquitetônico, urbanístico e cultural do
estado paulista. A trajetória histórica dessa vila, bem como outros
fatores, levaram a investigação sobre o que a fez ser tão peculiar em
relação ao seu conjunto arquitetônico e traçado urbano. Muito
embora tenha sido a primeira vila ferroviária de São Paulo, não
serviu como modelo arquitetônico e urbanístico para as demais
vilas, que surgiram posteriormente em todo o estado com as outras
companhias de estradas de ferro.
O escopo que se propõe esta pesquisa, é tanto um registro
cartográfico, iconográfico, que inclui fotos e peças gráficas, quanto
o histórico da vila como um todo. Constitui-se como foco dessa
dissertação estudar a trajetória histórica dessa vila, dentro do
contexto internacional do imperialismo inglês do culo XIX e o
surgimento das ferrovias em solo paulista. O objetivo principal
desse trabalho é traçar um quadro panorâmico da história da forma
urbana dessa vila ferroviária, estudando a dimensão social e
enfatizando a dimensão física, destacando os diferentes traçados
urbanos e a arquitetura implantada na Vila Martin Smith mais
especificamente.
Os levantamentos necessários para o desenvolvimento do
trabalho consistiram em pesquisas realizadas, em sua quase
totalidade, em fontes bibliográficas e iconográficas secundárias,
existente sobre a SPR e a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, uma
vez que foi praticamente impossível a esta pesquisadora acessar
dados ou documentos originais, exceto os relatórios e manuscritos
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XIV
dos engenheiros fiscais da SPR, que se encontram no Arquivo do
Estado de São Paulo, disponíveis e aberto ao público em geral.
As negativas aos pedidos solicitados de consulta a
documentação primária e de acesso direto aos arquivos foram
muitas, tanto por parte da Prefeitura municipal de Santo André
(PMSA), que alega não possuir informações e documentos antigos;
quanto pela Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), em liquidação,
que não disponibiliza seu acervo para consultas, alegando falta de
pessoal e organização. As informações evasivas e desencontradas
foram uma constante durante todo o processo de desenvolvimento
da pesquisa. Curiosamente, nesse mesmo período, foram lançadas
duas novas publicações (2005), sobre a SPR, tendo como autores
funcionários da Rede, daí ambas as publicações estarem alicerçadas
na documentação primária. Mais curioso ainda, é que em uma delas,
cita que toda a documentação que faz parte do livro, pertence a
RFFSA, mais adiante a autora menciona o “direito básico da
cidadania que é o acesso a informação” e que o “momento é
oportuno para propor mudanças na maneira de tratar a memória da
ferrovia (...) envolvendo a qualidade de ensino, o desenvolvimento
da pesquisa, a prestação de conta à sociedade(...)”(grifos meus).
Mas na prática esse discurso não corresponde à realidade que me foi
apresentada pela própria autora que, mais uma vez, negou o acesso
aos arquivos da Rede. Desconheço a aura de mistérios e meandros
que envolvem os arquivos da Rede, nunca disponíveis para
consultas desde as primeiras tentativas. Seria extremamente
necessário se ter outra postura nesses casos.
A pesquisadora consultou ainda a biblioteca da RFFSA na
cidade do Rio de Janeiro, visando localizar as posveis fontes
iconográficas, documentais e bibliográficas originais. Em vão. Todas
as respostas às consultas foram negativas e sem indicação sobre
outros locais onde recorrer.
Mas, apesar dos percalços, a fundamentação para a
realização da pesquisa foi elaborada a partir de levantamentos e
análise das fontes secundárias. Constituindo, de qualquer forma, um
material abundante e de grande importância, tanto iconográfica,
quanto documental.
Definido os objetivos da pesquisa produzimos a presente
dissertação dividida em quatro capítulos.
No capítulo um pesquisamos a influência inglesa levando em
consideração os principais aspectos das relações entre Portugal e
Inglaterra com a colônia portuguesa na América, ainda no início do
século XIX.
A historiografia que trata a presença inglesa no Brasil não é
muito farta e, quando enfocada especificamente para o estado de
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XV
o Paulo, as referências são mais escassas ainda. Excetuando
alguns relatos deixados pelos viajantes que passaram por São Paulo
no início do século XIX, dentre eles destacamos Saint-Hilaire, John
Mawe e Henry Bates. Outros viajantes
3
passaram pelo Brasil e
percorreram as principais cidades daquele período, como Salvador,
Recife e Rio de Janeiro, ou então se aventuraram pelas Minas Gerais
e pelo sul do país. Em São Paulo, essa presença é pontuada por
passagens significativas sobre o assunto, principalmente nas
melhorias urbanas da cidade, já em fins do século XIX.
Para a elaboração desse capítulo, nos apoiamos, entre outros
autores, nas obras de referência mais relevantes sobre esse assunto,
especificamente Gilberto Freyre, Alan Manchester e Richard
Graham. Embora o título indique a segunda metade do dezenove,
foi inevitável recuarmos um pouco na linha temporal, para
esclarecer como e quando essa relação Brasil e Inglaterra se
estabeleceu. Os principais pontos dessa influência que foram
levantados são: os aspectos políticos, econômicos e sociais. Os
fatores políticos mais importantes foram apontados a partir da
transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, os tratados
3
Dentre esses viajantes do século XIX citamos: John Barrow; Thomas Lindley; John
Luccock; Thomas Ewbank; Maria Graham; George Gardner, Richard Burton e Charles
Ribeyrolles.
estabelecidos entre as duas nações, os privilégios concedidos aos
ingleses e as negociações que giravam em torno da extinção do
tráfico negreiro. Sob o ponto de vista econômico, foram abordados:
a abertura dos portos, o livre comércio inglês, os investimentos e
empreendimentos britânicos e a importação e exportação de
matéria-prima, produtos manufaturados e industrializados, nem
sempre em condições igualitárias para a então colônia de Portugal.
Sob os aspectos sociais, as maiores transformações culturais
foram percebidas a partir das mudanças nos hábitos de comer, vestir
e morar, alterações que se estenderam também para o ambiente
urbano, com a melhoria das cidades feitas através dos
empreendimentos ingleses no abastecimento de água, nas redes de
esgotos, iluminação pública e principalmente nos transportes com
os bondes e ferrovias. Um dos pontos em comum nesses três
aspectos era a condição do negro, que foi uma questão
freqüentemente presente tanto política quanto econômica e social.
Um outro aspecto de grande relevância, o qual não
podemos olvidar, uma vez que o assunto está diretamente ligado ao
objeto dessa pesquisa, foi tratado também nesse capítulo, a
influência da tecnologia ferroviária desenvolvida na Inglaterra a
partir dos novos inventos, no contexto da Revolução Industrial e
que teve seus reflexos também no Brasil, com a construção das
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XVI
primeiras ferrovias sob a égide, capital e tecnologia britânicos. A
primeira companhia inglesa a fixar trilhos no país foi a Recife and São
Francisco Railway, em 1858, num trecho de 31,5 quilômetros ligando
as cidades de Cinco Pontas e Cabo, em Pernambuco. Depois desta,
outras companhias também obtiveram vantajosas concessões e se
estabeleceram pelo país. A quinta maior ferrovia desse período e,
sem dúvida, a mais lucrativa de todas, foi a linha da São Paulo
Railway, inaugurada em 1867 com 139 quilômetros, e que manteve
o monolio até 1938.
No capítulo dois traçamos um panorama da economia
cafeeira e sua relação com a ferrovia e a industrialização do estado
de São Paulo. Os pontos considerados importantes foram
abordados abrangendo uma linha temporal com os principais fatos
como a chegada do café ao Brasil, sua trajetória do Belém do Pará
até o Rio de Janeiro e São Paulo, destacando as principais áreas
produtoras como a região fluminense, no Rio de Janeiro, Vale do
Paraíba e oeste paulista. Aqui, mais uma vez, a questão do negro se
fez presente. Desta vez destacamos o regime de trabalho escravo e a
transição destao-de-obra, que passou de escrava para o
trabalhador imigrante livre em sistema de parceria e colonato e
finalmente passando para o trabalho assalariado.
Outro enfoque dado neste capítulo foi a busca por terras
para o plantio dos cafezais e suas conseqüências (para o bem ou
para o mal), pois, não foi deixado de lado a importante questão do
desmatamento, ocasionado pelo avanço do café, o empobrecimento
do solo, o abandono das áreas de cultivo e das cidades próximas a
ela, procurando mostrar com isso que o café não foi só riqueza e
opulência, mas também um caminho que deixou um rastro de
destruição, que marca a história do café e, como defendia Taunay, o
café foi o grande impulsionador do surgimento de novas cidades,
tendo aqui em São Paulo um meio de ocupação do território.
O vínculo entre o café e a ferrovia, se dá porque ambos
desempenharam papel fundamental para essa ocupação territorial,
relacionados com o desenvolvimento da cafeicultura, da própria
ferrovia, das cidades pré-existentes, das novas, do aumento
populacional juntamente com a chegada dos imigrantes e a
industrialização, promovendo também um processo de urbanização
na cidade de São Paulo e nas cidades ao longo da linha da SPR que
também cresceram e se desenvolveram acompanhando esse surto de
crescimento e, muito desse desenvolvimento entrou no país pelo
porto de Santos.
Um panorama histórico sobre o desenvolvimento da
ferrovia no estado de São Paulo também foi traçado neste capítulo,
abrangendo desde a formação da companhia inglesa SPR, em
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XVII
Londres, as dificuldades de transpor o grande desnível a ser
vencido, os primeiros estudos para a implantação da linha férrea na
Serra do Mar até o sistema tecnológico desenvolvido em patamares
para essa estrada de ferro, adotando o sistema de cabos e polias,
denominado funicular.
O capítulo três estudou o histórico da Vila Ferrovria de
Paranapiacaba e de seu traçado urbano. Como a Vila se originou,
como foi seu crescimento e desenvolvimento e as etapas históricas
pelas quais passou durante esse processo. Descreve o sítio onde
foram instalados, primeiramente os equipamentos da ferrovia, o
que, de uma certa forma, já estabelece o porquê de sua localização
neste ponto, ou seja, a proximidade de fontes de energia hidráulica,
com a presença de água em abundância e energia combustível, a
madeira, além de o local ser o último platô da Serra do Mar com
terreno apresentando uma topografia mais favorável do que no
restante da serra.
Durante a construção da ferrovia no trecho de serra consta,
segundo os relatórios dos engenheiros fiscais do governo, que
milhares de homens trabalharam nas obras da estrada de ferro: em
1860, eram 1.050; em 1862, somavam 2.400 e, em maio de 1865, o
número médio chegava a um total de 2.363 trabalhadores
distribuídos em três sessões diárias. No pico da construção chegou a
contar com quase cinco mil homens. A questão do negro esteve
presente em todos os momentos dessa trajetória, ou seja, no início
com os interesses ingleses na extinção do tráfico; depois o braço
escravo comparece como mão-de-obra necessária para o cultivo do
café e aqui fora rejeitada como força de trabalho, uma vez que a
companhia inglesa SPR não permitia que se contratassem escravos
para a construção de sua ferrovia. Assim sendo, muitos imigrantes
trabalharam nesta obra e também na montagem das primeiras casas
que se estabeleceram no topo da serra.
Os traçados urbanos que se apresentam nos três núcleos da
Vila Ferroviária de Paranapiacaba, Parte Alta, Vila Velha e Vila
Martin Smith, são estudados nos momentos em que foram criados e
nas suas particularidades, porque embora tenham se originados em
períodos próximos e, sob o mesmo contexto da ferrovia, cada qual
apresenta características distintas entre si e o trabalho busca
exatamente destacar a conexão entre eles.
As relações sociais, questões sanitárias, disciplinares, de
vigilância, de manutenção, tanto do maquinário quanto da própria
Vila, as tipologias arquitetônicas, e os equipamentos urbanos
também foram descritos neste capítulo.
Para finalizar, o capítulo quatro apresenta a arquitetura da
Vila Ferrovria de Paranapiacaba. Mas, antes mesmo de entrar no
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XVIII
tema propriamente dito, contextualizamos, brevemente, as
condições de moradia da classe operária do século XIX na
Inglaterra, o ambiente urbano e social dessa população.
Exemplificando com as experiências realizadas por alguns
industriais que visavam proporcionar um aprimoramento moral e
disciplinar de seus trabalhadores, através da oferta de moradia
salubre para os mesmos, acompanhado de uma infra-estrutura
urbana. Para isso, destacamos as experiências de Robert Owen com
New Lanark (1799), Sir Titus Salt, com Saltaire (1854) e William
Lever com Portsunlight (1887).
A escolha desses três exemplos, se deu pelo fato de serem
experiências inglesas de vilas operárias que, abarcaram todo o século
XIX, e tinham em comum a oferta de casas geminadas ou em
blocos que atendiam aos padrões de higiene, equipamentos sociais
de uso comum como, escolas, centro médico, e áreas de lazer etc,
com toda infra-estrutura urbana, pois acreditavam seus
idealizadores que dessa forma pudessem colaborar para o
melhoramento do indivíduo, afastando-o das grandes cidades. Esses
industriais também fixaram suas fábricas e vilas, geralmente
próximas a alguma fonte de energia e em local isolado.
Esse percurso entre as experiências inglesas foi para
demonstrar que a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, por ter sido
obra de uma companhia britânica, também agregou muito desses
conceitos dos quais se valiam os industriais ingleses desde o início
até o fim do século XIX. Porém, a filantropia, muitas vezes presente
em tais empreendimentos, aqui não fazia parte dos propósitos da
SPR.
A arquitetura residencial da Vila Martin Smith seguiu uma
classificação pré-estabelecida pelos ingleses, em tipos, que variam de
‘A’ a ‘E’. Essas diferentes tipologias residenciais são apresentadas
devidamente separadas e identificadas dentro do traçado urbano
planejado para esta parte da Vila. Pois a SPR controlava
praticamente todos os aspectos, inclusive as decisões do plano da
Vila e suas construções.
As plantas, mapas e fotos foram peças fundamentais para o
desenvolvimento da pesquisa. O levantamento das peças gráficas
das residências e principais edifícios, o levantamento cartográfico da
Vila em diversos momentos, juntamente com o levantamento
fotográfico foram de grande auxílio para essa leitura. Estes foram
instrumentos de pesquisa indispensáveis e extremamente úteis que
permitiram perceber o processo de transformação da Vila
Ferroviária de Paranapiacaba como um todo.
A arquitetura ferroviária comparece neste capítulo, com os
edifícios públicos como o mercado, a escola, o clube etc e, com as
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
XIX
instalações da antiga estação, do pátio, das oficinas entre outros
imóveis significativos da Vila.
Dentre as características peculiares que a Vila possui, uma
que lhe é inerente e marca a paisagem em qualquer dia ou época do
ano é a neblina (F.01 e 02). Um espetáculo belíssimo que a natureza
nos oferece. Ela chega de mansinho vinda da baixada santista pelo
funil da Serra do Mar e aos poucos vai envolvendo e ‘abraçando’ a
Vila toda num ‘balé’ de névoas finas, quando menos se espera, já
não é possível enxergar a mais curta distância e do mesmo modo
que chegou, recua em direção a Serra do Mar.
Por fim, destacamos o caráter original e peculiar da Vila sob
os aspectos arquitetônicos, urbanísticos e tecnológicos mencionados
ao longo dos capítulos dois, três e quatro.
F.01 Com a neblina fica difícil ver o final da passarela. Foto: da autora, 2007.
F.02 Paisagem que se altera com a presença da neblina. Foto: da autora, 2007.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
1
A Revolução Industrial, o brusco aumento da produção
levado a cabo durante o século XVIII, por meio da introdução do
sistema fabril e da máquina, alterou completamente os rumos dos
países envolvidos nesse processo (GIEDION, 2004). Foi uma
verdadeira revolução, as mudanças foram rápidas, rompendo
estruturas econômicas, sociais e políticas. A história dessa
metamorfose é, em grande parte, a história do século XIX. Richard
Burton
1
afirmava que “a glória especial do século XIX é que ele
resgatou o ensino, a instrução, a ilustração dosbios profissionais e
da elite e lançou-os, como um evangelho, à humanidade. E isso
caracterizará para sempre a nossa era” (SILVA, 2003).
A idade do ouro da máquina e da produção ilimitada já era
anunciada, no século XVIII, e o estopim foi o rápido processo de
industrialização na Inglaterra, a partir de 1760, o qual associou a
invenção das máquinas, o nascimento das fábricas e o controle do
trabalho. Essas mudanças tiveram como base o avanço da ciência,
da metalurgia, da utilização do carvão e da energia a vapor.
1
Nasceu em Torquay em 1821. Escritor, poliglota, tradutor e viajante inglês, visitou o
Orientedio, a Índia, a África e os Estados Unidos, antes de entrar para o Serviço
Consular inglês, em 1861. Estabeleceu-se em Santos, Damasco e Trieste. Permaneceu
no Brasil de 1865 a 1868. Percorreu Minas Gerais, o rio São Francisco e parte do sul do
país. Deixou registrado: ‘Viagens aos planaltos do Brasil’ (1868) e as ‘Cartas dos
campos de batalha do Paraguai’, obras publicadas na Inglaterra em 1872. Encontrava-se
no Rio de Janeiro, na ocasião do enforcamento de José Joaquim da Silva Xavier, o
Tiradentes. Morreu em 1872 em Trieste.
De FIORE, E.; De FIORE, O. (1987). A presença
Britânica no Brasil (1808-1914). São Paulo: Paubrasil.
Configurou-se um momento de amplas transformações, que marcou
a substituição do modo de produção doméstico pelo sistema fabril,
do trabalho artesanal pelo assalariado e de uma sociedade rural para
uma sociedade urbana.
Esse fenômeno industrial começou a se verificar,
acentuando-se depois e passando para o continente europeu e, com
o tempo, espalhando-se para os demais continentes (IGLESIAS,
1987). No Brasil, o ‘século inglês por excelência’, na denominação de
Pantaleão (1985), é destacado por Gilberto Freyre, em sua obra
“Ingleses no Brasil”, quando o autor nos faz ver que a cultura
inglesa, em nosso país, não se restringiu apenas aos aspectos
político-econômicos e que não foi somente a cultura francesa que
permaneceu soberana. Esta influência inglesa se fez presente na
cultura e nos modos de vida do brasileiro. De uma certa forma,
deixamos de dormir em redes, de sentar sobre baús e de comer em
cabaças com as mãos, para adquirir um refinamento nas maneiras de
comer, fazendo uso de talheres; modificamos a maneira de vestir, os
hábitos de morar e a mobília da casa.
Essas transformações se processaram durante um longo
período, que será apresentado a seguir, dentro de um panorama
geral, atras dos novos inventos (máquina a vapor), dos novos
materiais (ferro, aço e vidro) e dos empreendimentos ferroviários.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
2
1.1 Aspectos políticos, econômicos e sociais.
“Pois, assim sendo, é o próprio destino que une a sorte do Leão
britânico à Cruz de Malta portuguesa. Os árabes barbarescos, os
espanhóis, os franceses e os holandeses ameaçam tanto as posses e os
territórios da Coroa portuguesa como os da Coroa inglesa. E não
há amizade mais sólida que aquela que se baseia na existência de
inimigos comuns.”
2
Os acordos político-comerciais entre a então colônia
portuguesa na América do Sul e a Inglaterra começaram muito antes
da vinda da família real para o Brasil e da abertura dos portos em
1808. As relações entre ambas remontam ao século XII e
fortificaram-se em 1661, por ocaso do casamento da Infanta
portuguesa D. Catarina com Carlos II da Inglaterra. Razões de
Estado prevaleceram na decisão dessa união, onde interesses
comerciais comuns presidiam o contrato nupcial. Com essa união
oficial, os comerciantes britânicos estabelecidos em Portugal
poderiam negociar diretamente com os portos do Brasil (MARTINS,
2001).
A principal aliança formada entre os dois países se deu em
1703, com o Tratado de Methuen, dando início à dominação inglesa
2
Carta do Capitão Joseph May a Dom Nuno de Arraiga, 1673. In: De FIORE.
op.cit.p.12.
sobre seu aliado, iniciando também os proveitos lucrativos que a
Inglaterra tirou das relações com Portugal. Contudo, as sementes
foram lançadas nos tratados anteriores de 1642, 1654 e 1661, com
resultados rendosos durante meio século
3
(MANCHESTER, 1973).
Em 1807, quando do avanço napoleônico sobre a Europa, a
decisão da transferência da Corte para o Brasil foi consumada sob
escolta britânica. O isolamento até então vivido pela colônia estava
prestes a romper-se e a tutela britânica à família real deixava clara
sua intenção de participar dos negócios do Reino, sobretudo no
Brasil. O estabelecimento aqui da sede da monarquia colocava o
Brasil sob influência inglesa.
Porém, antes mesmo de D. João chegar ao fim da viagem,
começaram os preparativos para o envio de mercadorias da
Inglaterra para o Brasil. Foram tomadas medidas de comum acordo
entre o governo inglês e o embaixador português Sousa Coutinho,
para se controlar a saída dos navios. Um sistema de liceas de
comércio foi instituído, onde os navios deveriam estar munidos de
duas licenças, uma concedida pelo Privy Council, outra pelo
embaixador português. Os navios deviam dirigir-se à Ilha de Santa
3
Para maiores esclarecimentos sobre o conteúdo dos referidos tratados consultar:
MANCHESTER, A. K. (1973). A preeminência inglesa no Brasil. São Paulo: Brasiliense.
Mais especificamente o Capítulo I. As bases da supremacia no comércio português.
Sobre o tratado de Methuen consultar:
De FIORE. op.cit.p. 20.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
3
Catarina. Esse sistema incômodo funcionou até divulgar-se a notícia
da abertura dos portos brasileiros.
Assim que a Corte se estabeleceu no Brasil, foram iniciadas
imediatamente negociações para um tratado de assistência e
comércio entre Grã-Bretanha e o governo português. Pelo decreto
de 28 de janeiro de 1808, D. João abria os portos do Brasil às
nações amigas de Portugal. A abertura ao comércio mundial
significava na realidade que, em relação à Europa, os portos estavam
abertos apenas à Inglaterra, que nos dois anos subseqüentes exerceu
forte pressão sobre a Corte para assegurar, na América portuguesa,
os direitos preferenciais de que desfrutara em Portugal, durante
séculos.
Dentre os muitos privilégios que foram concedidos aos
ingleses, segundo Manchester (1973), estavam o corte de madeira
das florestas brasileiras para a construção de navios de guerra;
acesso desses navios em qualquer porto dos domínios portugueses,
privilégio que foi expressamente proibido aos navios de qualquer
outra nação; taxas alfandegárias correspondentes a 15% contra 24%
para as demais nações que desejassem comercializar seus produtos;
tolerância religiosa com direito de culto em suas casas ou nas igrejas
e capelas a serem construídas por eles, desde que essas construções
se assemelhassem a domicílios particulares e não se tocassem sinos
para anunciar o culto público. Ainda de acordo com o autor,
ninguém seria perseguido por causa de sua crença.
Pelos Tratados de Aliança, Comércio e Navegação, os
protestantes impunham uma derrota definitiva à sua arquiinimiga, a
inquisição católica, que ficava proibida de agir no Brasil. Sendo
assim, cristãos novos, judeus e livres-pensadores puderam dormir
em paz (De FIORE, 1987). Por esses tratados, ainda, os súditos de sua
Majestade Britânica passaram a gozar de privilégios, no Brasil,
negados aos próprios nativos residentes na colônia.
Os privilégios econômicos desfrutados pela Inglaterra, em
Portugal, transferiram-se para a América portuguesa, e a entrada do
capital financeiro britânico no país tornava legítima a afirmação de
que os seus escritórios eram mais poderosos que suas esquadras
(MARTINS, 2001). Mas a frota de guerra britânica era apenas a face
militar de um imenso poderio econômico e diplomático criado com
a Revolução Industrial e pelo prestígio das mercadoriasmade in
England para as classes médias latino americanas e européias (De
FIORE, 1987).
A imigração foi estimulada pelo príncipe regente que emitiu
um decreto, em 1º de abril de 1808, concedendo a qualquer
estrangeiro que se estabelecesse no Brasil, independente de religião,
dotes de terra por sesmarias, nos mesmos moldes em que eram
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
4
conferidos aos portugueses e brasileiros, além de dar permiso para
estabelecerem fábricas de manufaturas de qualquer tipo com isenção
de impostos de importão para matérias primas.
Embora a imigração em massa de ingleses não tenha se
materializado no Brasil, em parte devido ao clima, ao baixo padrão
de vida e ao trabalho escravo, houve uma imigração em número
reduzido se comparado aos demais estrangeiros, tendo sido
principalmente de técnicos com certa habilitação, uma vez que o
trabalhador comum inglês nunca se estabeleceu de fato. Não
obstante decreto do príncipe regente favorecendo ou estimulando a
imigrão britânica para o Brasil, a mesma foi sempre pequena em
número, embora importante do ponto de vista técnico e econômico.
É que nesse pequeno número estavam mecânicos, banqueiros,
negociantes, médicos, técnicos e engenheiros (FREYRE, 1977).
Porém, o comércio inglês com o país ganhou novo impulso
depois de 1808. Em junho deste mesmo ano, cento e treze
negociantes de Londres tornaram-se membros de uma associação
organizada a partir de uma publicação
4
feita nos jornais pelo
ministro de Portugal, cuja finalidade era promover o comércio da
Grã-Bretanha com o Brasil. Este grupo de comerciantes, com sua
4
Trata-se do Correio Braziliense, jornal fundado em 1808 e redigido por Hypolito Jo
da Costa Pereira, em Londres.
organização efetiva, tornou-se um fator importante nas relações
comerciais anglo-brasileiras.
Muitos comerciantes saíram da Inglaterra e vieram
estabelecer-se no Brasil. Vinham uns como representantes de firmas
inglesas, abrindo aqui filiais. Segundo Pantaleão (1985), ao lado
desses comerciantes respeitáveis também vieram muitos
aventureiros e especuladores que atrapalharam o comércio, estes
porém não se demoraram em voltar para sua terra natal. As firmas
sérias se estabeleceram em diferentes pontos do Brasil, e o nome de
alguns desses comerciantes ficaram conhecidos, tais como Robert
Kirwan & Cia, Valentin Chaplin & Cia, Burke & Marcher, Dyson, irmãos
& Finne, todos no Rio de Janeiro; Thomas Stuart, Samuel Acton, George
Thomas Michel, Samuel Preston e Johnston & Cia, no Recife; Guilherme
Murray na Bahia e William Wora, no Cea (FREYRE, 1977).
A Inglaterra exportava para o Brasil toda a sorte de produtos
manufaturados que iam desde roupas finas, chapéus de pano, meias
de seda e de algodão, vestidos da moda para as mulheres, botas e
sapatos; gêneros alimentícios como queijos, vinhos, manteiga,
presuntos, óleo, cerveja preta engarrafada e outras mercadorias
folheadas a ouro e prata, latas, bronze, chumbo, pólvora
(MANCHESTER, 1973). Ferragens em geral eram também importadas
da Grã-Bretanha e, dentro deste item, encontramos de enxadas de
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
5
ferro, fechaduras de caixas e portas, pás, canivetes com saca-rolhas,
navalhas, plainas de ferro para carpinteiros, freios, esporas,
cadeados, limas, pregos, bigornas, tornos, espoletas, pistolas a
alfinetes (GRAHAM, 1973). Mercadorias bizarras para um país
tropical também eram introduzidas, como patins para patinar no
gelo, cobertores, espartilhos para senhoras, de uso desconhecido
por aqui, carteiras e porta-notas, num país onde não existia papel
moeda e onde os homens nem sequer carregavam dinheiro
(PANTALEÃO, 1985). Gilberto Freyre (1977) afirma que, em 1821, o
país absorvia mais produtos ingleses do que a Ásia e 4/5 de todas as
mercadorias vendidas à América Latina.
Em troca desses artigos embarcados para o Brasil, os
comerciantes britânicos traziam, de volta à Inglaterra, ouro,
diamantes e pedras preciosas; açúcar, algodão bruto, couros, tabaco,
aguardente, cera e madeiras. O Brasil foi daí em diante um
importante mercado para as manufaturas inglesas, mas uma fonte
secundária para a importação britânica. De acordo com Manchester
(1973), até 1914, o capital britânico, a empresa britânica, a
navegação britânica e as mercadorias britânicas predominaram na
vida econômica do Brasil, fato esse observado já em 1854, pelo
então ministro brasileiro em Londres, Sérgio Teixeira de Macedo,
que notou:
“o comércio entre os dois países é movimentado com capital
inglês, em navios ingleses e por firmas inglesas. Os lucros,...
os juros sobre o capital,... o pagamento de prêmios de seguros
e os dividendos provindos das operações financeiras, tudo é
carreado para o bolso dos ingleses”
(GRAHAM, 1973).
A interrupção do tráfico de escravos a partir de 1850 e a
difusão de novos processos econômicos contribuíram para o
progresso material do país e permitiram o surgimento de várias
iniciativas, especialmente no setor de serviços e transportes.
Uma importante determinação da política inglesa, em 1810,
em relação ao Brasil foi a extinção do tráfico negreiro. Havia, no
Reino Unido, um interesse pela abolição do tráfico. Na luta contra a
escravidão defendida pelos ingleses, havia também importantes
interesses econômicos em questão. A conservação desta prática pelo
Brasil permitiria aos produtos agrícolas brasileiros terem preços
mais baixos e isso poderia dar-lhes mais vantagens no mercado
europeu. Como nas possessões inglesas havia se extinguido o
tráfico, previa-se uma diminuição da mão-de-obra e um
encarecimento da produção. Sendo assim, a Inglaterra estaria em
condições desiguais no mercado (PANTALEÃO, 1985).
Essa postura de somente trabalhar com mão-de-obra livre
foi uma conduta permanente por parte dos ingleses, em
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
6
empreendimentos realizados no Brasil, não sendo diferente com a
Companhia São Paulo Railway que, cinqüenta anos mais tarde se
utilizaria dessa premissa na contratação de mão-de-obra para a
construção da linha férrea que cortaria a serra do mar em São Paulo.
Uma das cláusulas contratuais da companhia inglesa de estrada de
ferro era de não contratar escravos para os trabalhos na ferrovia.
O governo inglês vinha se interessando pela abolição total
do tráfico desde a abertura dos portos, tornando-se norma de sua
política externa lutar pela extinção geral desta conduta. Portugal, por
sua vez, havia conseguido uma concessão parcial, em 1815, qual
seja, a abolição ao norte da linha do Equador e a sua continuação
apenas nos territórios afro-portugueses do sul do Equador e no
Brasil, uma vez que este não estava em condições de abolir o tráfico
imediatamente. Isto fez com que Portugal fosse a única nação
européia a manter tal atividade
5
.
Porém nenhuma medida surtiu o efeito desejado, a completa
abolição, mesmo depois de proclamada a independência do Brasil
6
.
5
A Dinamarca aboliu o tráfico em 1804, Holanda, em 1815; Espanha, em 1814 e suas
colônias, em 1820; nas colônias inglesas, em 1807 e a escravidão de fato em 1833.
6
A respeito dos acordos, tratados, convenções e negociações para a extinção total do
tráfico e seus principais personagens envolvidos, consultar:
GRAHAN, R. Grã-Bretanha
e o início da modernização no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973. Cap. 6 Comércio de
escravos e escravatura.
MANCHESTER, A.K. op. cit.p.144, especialmente o capítulo VII:
As tentativas da Inglaterra para abolir o tráfico escravo português 1808-1822; e
De acordo com dados fornecidos por Manchester (1973), entraram
mais escravos no país em 1821, chegando um total de 20.854
somente no Rio de Janeiro, contra 5.000 em 1808.
Acostumados sempre com o trabalho escravo, não viam os
donos de engenho e grandes fazendeiros, possibilidade de dispensá-
los. O tráfico aparecia-lhes como um comércio que deveria
continuar enquanto necessário e lucrativo.
De acordo com Freyre (2004), as maiores fortunas móveis
do império se achavam em mãos de traficantes de escravos e estes
só as aplicavam em escravos. Somente com a abolição do tráfico é
que o emprego dos mesmos capitais se reverteria para os
melhoramentos materiais do país, especialmente na corte do Rio de
Janeiro. Tal como ocorreria anos mais tarde com as grandes
fortunas cafeeiras, o excedente seria investido por alguns
fazendeiros em melhoria nas cidades.
A cessação do tráfico deslocou avultados capitais, até então
empregados nas feitorias das costas da África e no aparelhamento
das expedições para a captura de negros. Esse dinheiro, refluindo
para o Brasil, mudou completamente a face dos três setores
fundamentais: a agricultura, o comércio e a indústria (VIANA, 1926).
PANTALEÃO, O. Mediação inglesa, o item: A abolição do tráfico de africanos. In:
HOLANDA, S.B. (1985). História da civilização brasileira. v.1. São Paulo: Difel.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
7
Os capitais foram tomando, assim, outros rumos. Deixando de
concentrar-se no comércio de escravos, tornaram-se disponíveis
para os melhoramentos mecânicos, para a compra de máquinas, de
animais de tração ou para a construção de grandes sobrados.
Essa transferência de capitais concentrados antes em
escravos, agora em máquinas, animais e prédios urbanos, afetou a
sociedade em costumes e estilos de vida, não apenas a economia
brasileira, tanto que, com a abolição da escravatura, a ‘máquina
brasileira de morar’, a casa antiga, foi aos poucos deixando de
funcionar, tornando-se mesmo inabitável devido ao desconforto. É
que ela dependia essencialmente da presença do escravo para os
serviços domésticos.
Reis Filho (2004) aponta que a produção e o uso da casa se
baseavam no trabalho escravo, daí o nível tecnológico ser tão
precário. A ausência de equipamentos adequados nos centros
urbanos, quer para o fornecimento de água, quer para o serviço de
esgoto, e mesmo a deficiência de abastecimento eram situações que
pressupunham a existência de escravo no meio doméstico. Para
Freyre (2004), o trabalho escravo só se tornaria obsoleto com o
desenvolvimento da máquina, espécie de sublimação realizada entre
nós, principalmente pelos ingleses, da energia animal em energia
mecânica movida a vapor.
Com a decadência da economia escravista acentuou-se a
importância do europeu que aqui viesse, não como simples
negociante, como os ingleses desde os tempos coloniais, mas como
operário, construtor, pedreiro, marceneiro, carpinteiro, artífice, que
substituísse o negro e a indústria dostica e, ao mesmo tempo,
viesse satisfazer a ânsia de europeização dos estilos de casa, de
cozinha, de móvel, de transporte (FREYRE, 2004). Foi exatamente
em 1850, com a supressão do tráfico de escravos, que algumas das
principais transformações começaram a aflorar.
Os negociantes ingleses influenciaram, no Brasil, não só nos
hábitos de vestuário e da vida burguesa, mas também nas
transformações das casas de taipa ou de barro revestidas de gelosias
ou urupemas. A ordem era a completa remoção de tais aparatos
construtivos em substituão por janelas de vidro e varandas de
ferro. Tal mudança foi percebida com certo assombro pelo viajante
inglês, Henry Koster, que, em sua segunda visita ao Brasil, notou
que tudo se modificara, “as fachadas das casas perdiam
características melancólicas, adquirindo gra, mobiliários novos,
vidros, janelas, balcões de ferro gradeados” (De FIORE, 1987).
Mas, por outro lado, com a retirada desses elementos e na
falta de algo que preservasse seu interior, as casas ficaram expostas
revelando a pobreza em seu interior pela escassez de mobiliário.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
8
Caixas, baús, canastras, arcas e bancos simples de madeira eram as
peças mais comuns (MARINS, 2004). Abrigando o mínimo
indispensável de móveis, essa realidade surpreendeu a jovem inglesa
Alice Hurford, que chegou ao país em 1840 e declarou: “as casas
certamente nãoo o que os ingleses chamariam de lar, pois não
existem lareiras, muito raramente alguns tapetes e o mínimo de
mobiliário!” (De FIORE, 1987). É interessante perceber como o inglês
associa o conceito de lar, ligado ao mobiliário e equipamentos
domésticos, com o conforto da casa que traz bem-estar. O interior
do lar brasileiro era vazio e austero, com tetos altos e soalho de
tábuas largas. O único lugar confortável, de acordo com (GRAHAM,
1973), era a rede. O conforto inexistia, isto se tornou claro quando
aumentou a presença britânica no Brasil, com comerciantes ingleses
que vieram morar com suas famílias nas grandes cidades litorâneas.
Deve-se a ela o início do processo de modernização da casa, com a
incorporação de vários itens de conforto da vida moderna (FREYRE,
1977).
Um novo mercado se abria para a Inglaterra, e o Brasil
comaria a importar grande quantidade de materiais de construção
como vidros e ferro e também de mobílias. A essa importação, em
grandes quantidades, não poderia deixar de corresponder alteração
profunda na paisagem brasileira, até então pouco marcada tanto por
um como pelo outro material.
As janelas passaram a ser necessariamente envidraçadas, de
guilhotina, tais como as empregadas nas casas da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba, com desenhos caprichosos nos seus pinázios
7
valorizados por vidros coloridos; novas ferragens, aldravas e
fechaduras passaram a fazer parte do repertório construtivo
(LEMOS, 1999a). Agora tudo o que era português foi ficando de
“mau gosto”; tudo o que era inglês, francês ou italiano foi ficando
de “bom gosto” (FREYRE, 2004).
A corrente de imigrão européia, iniciada após a extinção
do tráfico, influenciaria ainda a transformação na paisagem urbana e
nas formas de construir e habitar. A arquitetura da segunda metade
do século XIX correspondeu, em geral, a um aperfeiçoamento
técnico dos edifícios e a um esforço para a incorporação dos
benefícios mais recentes da sociedade industrial (REIS FILHO, 2004).
As paredes, que antes eram construídas em grossas taipas, passaram
a ser erguidas com alvenaria de tijolos de barro e cal, com largura
uniforme, o que permitia a produção mecanizada de portas e
janelas.
Todo tipo de material de construção era importado pelo
7
Pinázios são pedaços de madeira estreitos e longos que, nos caixilhos das portas e
janelas, segura e separa os vidros. As aldravas equivalem à tranqueta de metal com que
se fecha a porta, com aro por fora para abrir e fechar, usada também para bater na porta.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
9
Brasil, desde a abertura dos portos até fins do século XIX, vindos
principalmente da Inglaterra: vidros, segundo Freyre (1977), de
rias espécies, ordinários, finos, de mesa, lapidados ou fosqueados,
cristais bisoté, vidros para portas e janelas, vidros da “Bohemia”;
pinho-de-riga em profusão, não só nas estruturas dos telhados, mas
também nas esquadrias, normalmente nas portas engradadas; papéis
de parede, ornamentos em cimento moldado, além de vasos,
ânforas, estátuas de cerâmica ou louça para arrematar as platibandas,
telhas francesas, tubulação, conjuntos sanitários completos,
elementos de ferro forjado e fundido, etc (LEMOS,1999b).
Para Reis Filho (2004), uma importante transformação foi o
uso dos equipamentos destinados aos serviços domésticos. A
implantação de redes de água e esgotos nas cidades permitiu a
instalação de serviços domiciliares, que conduziam as formas mais
evoluídas de funcionamento das habitações, liberando-as de uma
dependência mais estreita dao-de-obra escrava. Dos banhos de
bacia, das jarras de quarto, dos urinóis de alcova, serviços que se
sobrepunham aos dormitórios mas sujeitos às dificuldades do
transporte manual, chegava-se a uma definição técnica e funcional
com a inclusão dos banheiros como ambientes das residências.
Peças de louça e ferro esmaltados, banheiras gigantescas, com pés
de leão, chuveiros de balancim, pias decoradas, bidês e vasos
sanitários também de louça colorida e caixas de descargas eram
empregadas, a princípio, pela camada mais abastada da sociedade.
“As banheiras de porcelana esmaltada” dizia um anúncio de
determinado fabricante,
“são internacionalmente reconhecidas como do mais alto
grau de qualidade, constituindo o produto final do
desenvolvimento tanto do nosso processo de esmaltagem em
porcelana, quanto dos nossos ferros fundidos limpos, macios
e
regulares” (COSTA, 2001).
Existia uma rede de circunstâncias envolvendo a criação e
difusão desses produtos, desenvolvidos a partir da ciência e
tecnologia européias, voltados para as questões de higiene. A
limpeza foi uma das considerações mais importantes do século XIX,
onde essas instalações sanitárias tinham sido propagadas,
financiadas e universalmente instaladas, tendo sido a Grã-Bretanha e
Estados Unidos os líderes nesse campo (MUTHESIUS, 1982). Havia
também a conseqüente necessidade de encontrar mercados
consumidores para seus produtos, o que não foi difícil com a
expansão colonial e das áreas de influência dos europeus.
Para imitar e buscar se aproximar do modo de vida do velho
mundo, a sociedade brasileira do século XIX adquiriu novos hábitos
e correspondeu, na medida do possível, aos apelos dos comerciantes
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
10
europeus que visavam atingir, principalmente, a camada média da
população, em franca expansão e ávida do consumo que imaginava
ser das classes altas da Europa (COSTA, 2001).
A forma de habitação mais comum dessa camada, na
segunda metade do século XIX e começo do XX, era a residência
com entrada lateral, à qual em geral estava associado um jardim.
Novas soluções arquitetônicas e construtivas foram difundidas e,
como uma conseqüência dessas transformações, podemos destacar
o chalé. Geralmente isoladas no centro dos terrenos, essas casas
tinham telhados de duas águas, dispostos no sentido oposto ao da
tradição luso-brasileira, ou seja, as empenas voltadas para a frente e
as águas para as laterais. Essa disposição já pressupunha um
afastamento do prédio em relação aos limites, pois os beirais,
características importante do chalé, avançam sobre as paredes cerca
de meio metro, impedindo assim o contato entre as paredes
exteriores de vizinhos, como ocorria nas residências coloniais; as
águas apresentam grandes inclinações retilíneas, sem a suave
curvatura dos telhados tradicionais. O ponto mais visado era a
empena voltada para a rua, onde se formava, geralmente, uma
espécie de frontão, ao qual se associava um óculo central. A
composição apoiada nos arremates dos beirais formava um
triângulo em cada extremidade e um outro no vértice, junto à
cumeeira, arrematada em geral por um mastro torneado.
Sob a influência dos hábitos britânicos de conforto e de
higiene dostica, o que se alterou no Brasil foi principalmente a
localização das casas burguesas, passando os ingleses a preferir as
residências isoladas entre arvoredos, perto dos rios ou ainda à beira-
mar, aos sobrados geminados. Velhos casarões isolados, antigas
chácaras e até casas-grandes foram por eles adaptados aos seus
gostos. A essas casas os ingleses acrescentaram pelo menos duas
instituições britânicas que se incorporaram à arquitetura doméstica
dos brasileiros: o hall e o water-closet (wc) (FREYRE, 1977).
O hall surgiu como elemento de separação e diferenciação
entre os cômodos, servindo como uma de espécie ambiente que
organizava o espaço interno, distribuindo os vários cômodos em
função do uso de cada um deles, criando ele próprio um novo tipo
de espaço doméstico (MUTHESIUS, 1982). Já a inserção do wc ao
corpo principal da casa só foi possível quando esta já contava com
água encanada. Geralmente o wc era contíguo à cozinha, por causa
da economia da tubulação que ainda era importada. Chuveiro,
latrina e bidê, equipamentos destinados à higiene, acomodavam-se
num mesmo espaço, diferente do costume francês, que isolava a
latrina em um cômodo separado (LEMOS, 1999b).
Uma vez instalados em chácaras e sítios, os ingleses
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
11
tratavam de anglicizar tudo o que era possível. Procuravam dar ao
capim um aspecto de gramado e estendiam seus jardins. Com o
tempo, essas casas se tornaram verdadeiros modelos para os
brasileiros ricos e elegantes, que foram aprendendo a admirar nos
ingleses não só a ciência da casa, como a do jardim, a do sítio, a do
gramado; não só o arranjo dos móveis nas salas, como a
modernização e a higienização da cozinha, do wc , do quintal etc.
Os ingleses concorreram para a melhor higiene e maior comodidade
da habitação entre a burguesia e também entre a aristocracia do
Brasil.
Para Freyre (1977), esta foi sem dúvida uma das revoluções
mais significativas causadas ou operadas pelos britânicos nos
hábitos do país: o deslocamento das residências mais nobres de
habitantes das cidades, de sobrados situados no centro, para
subúrbios que passaram a ser elegantes, tornando-se deselegante
para o burguês fino e rico residir no centro comercial, ou seja, o
exemplo inglês foi prontamente imitado por brasileiros.
Essa influência não se limitaria apenas à introdução do gosto
pela residência isolada por jardins bem cuidados, e longe do centro
da cidade. Como já vimos, a presença inglesa foi uma constante na
vida brasileira, nos empreendimentos, no comércio, na sociedade,
na importação e exportação, na adoção de novos hábitos
comportamentais que começaram a alterar o cotidiano das classes
altas a partir de meados do século XIX. Iniciativas como a
implantação de ferrovias por quase todo o país, companhias de
água, luz e gás, companhias de mineração e a criação da Western
Telegraph, a navegação ao longo da costa brasileira fazendo a ligação
com a Europa, enfim, essa presença impressionante de atividades,
em particular, na segunda metade do século do XIX e início do XX,
revela-nos que foram os ingleses que prepararam o Brasil moderno
a partir da infra-estrutura urbana que comava a ser implantada por
suas companhias (AMARAL e MOURA, 2001).
Em 1855, o médico Lima Santos nos seus ‘conselhos
hygienicos’, “(...) lamenta que o sistema de encanamento esteja ainda
no maior atraso possível, quando dele dependeria a higiene das
cidades” (FREYRE, 2004). A despeito da má orientação das ruas e
das insuficientes valas de esgoto no centro das mesmas, a capital do
país e as capitais das províncias mais abastadas passaram a ser mais
higiênicas do que muitas cidades do interior. O alargamento,
regularização e limpeza das ruas tornaram-se um dos principais
objetivos dos reformadores sanitários, considerando importante
também, além da limpeza, a pavimentação, a iluminação e o
policiamento.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
12
Essas transformações devem ser atribuídas, principalmente,
a alterações de técnicas sanitárias e de sistema de abastecimento
8
de
água e rede de esgotos introduzidos aqui pelos ingleses e franceses
com seus capitais, seus aparelhos, suas máquinas, seus canos de água
e esgoto em ferro fundido, seus novos processos de pavimentação e
iluminação de ruas e casas. Os capitais ingleses, particularmente,
desempenharam papel importante nessas alterações de sentido
urbano por que passaram a vida, a paisagem e a cultura brasileiras
(FREYRE, 2004).
De 1835 a 1850, melhoramentos ou inovações notáveis de
técnica sanitária e de transporte, de iluminação e de arborização de
ruas foram aparecendo nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife, entre outras. As ruas passaram a contar também com
passeios para pedestres e as cidades, com jardins, mas os traçados
urbanísticos, como aponta Reis Filho (2004), conservaram o mesmo
caráter elementar, tanto para o esquema viário, como para o
parcelamento do solo.
O saneamento das cidades, a iluminação a gás, quase tudo
obra de engenheiro inglês e de operários também, o operário
8
Os dejetos que antes iam se acumulando no interior das casas, dentro de barris
denominados ‘tigres’ e eram transportados pelo braço escravo, passaram a ser coletados
atras dos encanamentos sanirios, assim como o abastecimento de água encanada nas
casas que, antes desse fornecimento, se fazia em grande parte através de chafarizes
públicos.
europeu, o artífice branco, o técnico estrangeiro se tornaram tão
necessários como o próprio ar à organização mais industrial e à
estrutura mais burguesa, mais urbana, mais mecanizada, da vida
brasileira.
Em 1876 havia companhias de gás de propriedade de
ingleses no Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Salvador, Fortaleza,
Belém e Rio Grande do Sul (GRAHAM, 1973). Com o
desenvolvimento das cidades, a necessidade de companhias de
transporte urbano tornou-se imperativa. No princípio, os bondes
eram a tração animal, depois foram eletrificados pelas companhias
proprietárias das linhas.
Em 1912 havia, na cidade de São Paulo nove, companhias
de transporte urbano pertencentes aos ingleses. Contando todos os
tipos de companhias de utilidade pública, os britânicos estavam
intimamente ligados a doze delas. Em 1927, havia trinta e três destas
companhias.
Os ingleses também estiveram envolvidos na urbanização de
cidades. Em São Paulo, a Companhia City introduziu um conceito
absolutamente novo a partir da segunda década do século XX. O
primeiro bairro-jardim projetado pelo arquiteto Barry Parker, com
uma nova concepção de moradia, conferiu um cunho especial à
capital paulistana, com a criação de bairros como o Pacaembu,
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
13
Jardim América, Alto da Lapa e Alto de Pinheiros (ANDRADE,
1998).
Os trabalhos de urbanização não se limitaram a esses
bairros. Além de projetos de bairros-jardins na cidade de São Paulo
e em outras cidades brasileiras, a partir de 1924 um grupo britânico
vai ser responsável pela urbanização de todo o norte do Paraná, às
margens do Rio Paranapanema, organizando a Companhia de
Terras do Norte do Paraná, com estatutos registrados no ano
seguinte, constituindo-se no maior plano de colonização até então
realizado por uma empresa privada no Brasil. Os britânicos
estiveram envolvidos ainda com dois loteamentos na estância
turística de Campos do Jordão, que hoje são os bairros Abernéssia e
Vila Inglesa (MARTINS, 2001).
Como vimos, a penetração inglesa marcou definitivamente o
Brasil do século XIX. Os ingleses predominaram em nosso mercado
trazendo mercadorias de toda espécie e levando matérias-primas,
produtos agrícolas e derivados da pecuária, além de investirem
grandes capitais em companhias mineradoras, títulos de
empréstimos do governo e, especialmente, no setor de serviços e
transportes que visavam a criação de ferrovias (PANTALEÃO, 1985).
E foi nesta área tecnológica que sua presença se fez mais forte.
Já no século XVII, as minas inglesas empregavam trilhos
para transporte de carvão. Em 1804, Richard Trevithick criou a
primeira locomotiva a vapor que, vinte e seis anos depois,
Stephenson adaptaria ao transporte comercial. A superioridade
tecnogica dos ingleses foi o principal tro de sua cultura que
trouxeram ao Brasil. Em artigo publicado no periódico
“Engineering”, esse saber é exaltado nas palavras do editor:
“A base da mais moderna forma de transporte é a
engenharia; e especialmente são as ferrovias grandemente
dependentes da habilidade dos engenheiros. Sem eles as
ferrovias poderiam nunca ter sido construídas, e não
poderiam continuar a existir, muito menos a se
desenvolver”
9
Sem dúvida, os engenheiros ferroviários juntamente com os
operários foram peças fundamentais na construção não só de
ferrovias, mas também dos edifícios a ela relacionados, tais como as
estações, galpões, oficinas, casas de máquinas e de locomotivas. As
necessidades de integração e, de certa forma, de constituição do
território acompanharam a saga ferroviária no Brasil, sempre
associada à possibilidade de desenvolvimento diretamente
relacionado à implantação dos trilhos.
As cidades emergiram como marcos que consolidaram a
9
“The past and future of British railways”. (1940). Engineering. London, v.149, p. 361,
Jan/june.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
14
ocupação, ou povoaram, ou aglutinaram e estimularam o
desenvolvimento da produção, seja ela voltada para o mercado
interno ou para exportação. Com a chegada da ferrovia, foi possível
transportar uma quantidade maior de produtos a um custo menor,
com mais eficiência e rapidez.
Não há como negar o papel fundamental que as ferrovias
tiveram no crescimento e formação das cidades, ampliando a
demanda por serviços e comércio, encurtando disncias, alterando
a noção de tempo e espaço, introduzindo a velocidade como dado
permanente nos modos de vida.
1.2 Aspectos da tecnologia ferroviária
Nos primeiros anos do século XIX, viveu-se na Europa
Ocidental uma grande transformão econômica. A principal causa
destas mudanças foi a Revolução Industrial que se iniciou na Grã-
Bretanha, na segunda metade do século XVIII, cuja base residia na
aplicação de uma nova força mecânica para a produção e, mais
tarde, para o transporte: a máquina a vapor.
Entre os fatores que contribuíram para a aparição desse
fenômeno industrial, podemos apontar os avanços técnicos no
terreno da mecânica, hidráulica e metalurgia, a existência de capitais
disponíveis para serem investidos na indústria, a maior demanda de
mercadorias, a provio suficiente de matéria-prima para operar em
grande escala, os meios de transportes para distribuição dos
produtos em diferentes mercados e a existência de mão-de-obra
disposta a trabalhar por um salário, adaptando-se ao novo modo de
produção.
Esses fatores atuaram em conjunto, dinamizando a
economia, e as vantagens oferecidas pela produção mecanizada se
expandiram para outras partes do mundo ocidental. Durante o
século XVIII, as fábricas utilizavam fundamentalmente a energia
produzida pela água, embora a foa animal tenha sido também um
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
15
dos elementos muito utilizados na produção de energia. Mas foi a
utilização do vapor que deu à indústria uma nova dimensão.
A Revolução Industrial inglesa, como elemento catalisador
de um processo histórico, econômico e social de vulto, teve como
resultado a criação de um sólido sistema monetário que, por sua
vez, ensejou o surgimento de um mercado consumidor que
modificou totalmente a sociedade agrária de então. Assim, onde a
principal força motriz era o homem, a nova ordem implantou o
reinado da máquina, surgindo novos inventos, entre os quais o de
James Watt que, a partir de 1763, prevaleceu sobre os demais, uma
vez que possibilitou o aperfeiçoamento da máquina a vapor
inventada por Thomas Newcomen
10
.
A utilização da máquina a vapor aprimorada por Watt foi
plenamente aplicada na indústria inglesa, produzindo mais trabalho
em um mesmo espaço de tempo, aumentando consideravelmente a
produtividade do trabalho humano. Este e outros avanços, como o
fiador mecânico de James Hargreaves, criado por volta de 1764, e a
máquina de tear mecânica de Edmund Cartwright, em 1785,
revolucionaram os processos de produção (IGLESIAS, 1987).
10
Newcomen, mecânico inglês, criou em 1712 uma máquina capaz de drenar a água
acumulada nas minas de caro. Comportava caldeira, cilindros e pistões, entretanto, a
condensação era realizada através de injeção de água fria no interior do cilindro,o que
tornava o funcionamento pouco econômico.
DUCASSÉ, P. (1999). História das técnicas.
Lisboa: Europa-América.
Com o surgimento da máquina a vapor em 1825, teve início
o reinado da locomotiva, criada por George Stephenson, que
propiciou ao homem a condição de percorrer maiores extensões
através dos trilhos de ferro, primeiro na Inglaterra, depois Bélgica,
Alemanha, França, Estados Unidos e América Latina.
Foi o capital inglês que deu impulso inicial às ferrovias no
continente europeu. Junto com o desenvolvimento das estradas de
ferro se puseram em marcha notáveis avanços na construção de
túneis e pontes. Existiam poucos túneis antes do século XIX.
Quanto às pontes, as que haviam sido construídas até então eram
utilizadas fundamentalmente para passagem de pedestres e
pequenos veículos de tração animal. A partir do funcionamento das
primeiras ferrovias é que se começou a construir obras de
engenharia de grande vulto, de maior expressividade e que traziam
consigo essa força plástica. Geralmente eram obras de grandes
extensões, mais visíveis no território e que marcaram
significativamente a paisagem.
No Brasil, essa engenharia se fez presente em alguns pontos
do país, como nos lembra bem Gilberto Freyre (1977), ao observar
que uma das maiores marcas dos caminhos de ferro sobre a
paisagem brasileira, além dos trilhos, foi a das pontes,
principalmente as de ferro, e que a construção de estradas de ferro
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
16
se assinalou por notáveis vitórias da técnica sobre a natureza, haja
vista o exemplo da estrada de ferro de Santos a São Paulo, obra da
engenharia inglesa e uma das maravilhas técnicas do Brasil.
A maravilha à qual se refere o autor é, sem dúvida, o viaduto
da Grota Funda (Il.01), que cruzava a Serra do Mar, em São Paulo,
com seus 705 pés ingleses ou 215 metros de extensão; tinha então
dezos de sessenta e seis pés e um outro de quarenta e cinco entre
as cabeceiras de cantaria, aproximadamente vinte e quatorze metros,
assentados sobre colunatas de ferro treliçado e sobre pegão
11
. A
mais elevada colunata, contando a base de pedras, tinha 185 pés,
cinqüenta e seis a cinqüenta e sete metros
12
. A inclinação era de dez
por cento ou pouco menos (WALKER, 2001). Júlio Ribeiro (2002)
descreve assim a sensação da travessia:
“Imagine um algar vasto; mais que um algar vasto, uma
barroca enorme; mais que uma barroca enorme, um abismo
pavoroso, atravessado de parte a parte, que parece aérea,
apoiada em colunas altíssimas, tão esguias, tão finas, que,
vistas em distância, semelham arames.
Ao contemplar-se do meio da ponte essa vacuidade
11
Grande pilar ou suporte; maciço em que se apóiam os arcos das pontes.
12
A descrição completa desta e demais obras da Serra do Mar foi apresentada para a
“Institution of Civil Engineers” por Daniel Fox sob o título: “Description of the line and
works of The San Paulo Railway in the Emperor of Brazil”. Para conhecer o contdo,
consultar: Revista Engineering. 11 de março de 1870. p.356. v. 9.
assombrosa, os ouvidos zunem, a cabeça atordoa-se, a
vertigem chega, vem a nostalgia do aniquilamento, o
antegosto do nirvana, o derio das alturas...”.
Il.01. Viaduto da Grota Funda, 1898. Fonte: Mazzoco, 2006.
É possível verificarmos que as primeiras estradas de ferro
foram construídas por empreiteiros britânicos, usando locomotivas,
trilhos, pessoal técnico e capital provenientes da Grã-Bretanha
(HOBSBAWN, 1979). A primeira fase da industrialização britânica,
baseada na indústria têxtil, chegara ao fim. A nova fase
proporcionaria alicerces muito mais firmes para o crescimento
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
17
econômico, apoiado nas indústrias de bens de capital, no carvão, no
ferro e no aço. Iniciava-se a era da construção ferroviária. Em
nenhuma outra época, anterior ou posterior, a taxa de crescimento
das exportações britânicas aumentou tanto como entre 1840 e 1860,
e a venda de produtos no exterior cresceu a uma taxa de 7,3% ao
ano. Nesses vinte anos as exportações de carvão passaram de
750.000 libras para mais de três milhões; as de ferro e aço
aumentaram de três milhões para mais de treze milhões
(HOBSBAWN, 1979).
Ferro, aço e carvão eram a base do engrandecimento
econômico e a Grã-Bretanha se esmerou na produção dos três.
Aperfeiçoamentos tecnológicos também se mostraram
conseqüências marcantes nos meios de transporte. Em 1850,
somente vinte e cinco anos após a construção da primeira estrada de
ferro britânica, de Darlington a Stockton, cinco mil milhas de linha
férrea se estendiam através da pequena nação (GRAHAM, 1973). O
volume de exportações cresceu consideravelmente, principalmente
no que correspondia ao material ferroviário, o que representava aos
cofres britânicos um aumento de aproximadamente 140 % em um
período de apenas dez anos.
Em menos de cinqüenta anos, a Grã-Bretanha tornava-se a
nação mais industrializada da Europa e do mundo e colocava-se à
frente das outras nações européias na expansão colonial,
consolidando-se com o mais avançado sistema financeiro do mundo
e a mais poderosa frota naval, abrindo mercados por todos os
continentes para exportar seus produtos industrializados e importar
as matérias-primas necessárias a sua produção(CYRINO, 2000).
A revolução operada nos transportes pela estrada de ferro e
pela navegação a vapor, importantes mercados para as exportações
britânicas de ferro, carvão e aço, deu ainda, na opinião de
Hobsbawn (1979), outro impulso à abertura de novos mercados e à
expansão dos antigos.
A Grã-Bretanha era, de longe, o maior exportador de
produtos industrializados, o maior exportador de capital, de serviços
de transportes, de serviços financeiros e comerciais, além de ser
também o maior mercado comprador das exportações de produtos
primários do mundo (HOBSBAWN, 1988). Os anos seguintes a 1850
foram de rápida expansão econômica e, devido ao acúmulo de
capital, este freqüentemente era desviado para investimentos no
exterior.
Parte desses investimentos acabaram sendo aplicados no
modelo ferroviário que foi implantado e incorporado no Brasil e
estava baseado, em primeiro lugar, nas concessões com garantias de
juros. Depois viria a injeção de capitais estrangeiros; a aplicação da
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
18
tecnologia e mão-de-obra especializada (técnicos e engenheiros
ferroviários); o fornecimento de material pesado (ferro, trilhos,
maquinaria e material rodante) e a administração da estrada de ferro
pelo tempo determinado em contrato. Tal modelo consistia, ainda,
de uma série de providências: a participação nos processos de
implantação das estradas de ferro, incluindo-se nestes a constituição
das companhias e sua exploração; a preparação dos projetos, a
execução e o acompanhamento das obras por um corpo técnico
especializado de engenheiros, bem como a construção de pontes,
estações, galpões e oficinas necessários ao bom funcionamento dos
sistemas ferroviários. Modelo este que foi implantado por conta da
primeira linha férrea no estado de São Paulo, inaugurada em 1867.
Além de todo o conjunto dessas providências, também foi
elaborada e administrada não só a companhia, a São Paulo Railway
(SPR), mas também uma vila residencial construída no alto da Serra
do Mar para abrigar os funcionários do sistema.
Para Grahan, (1973), o Brasil começou a aproximar-se do
mundo moderno durante o período de 1850 até a Primeira Guerra
Mundial. O pioneirismo da Grã-Bretanha na Revolão Industrial
levou-os a transportar seus engenhos para todos os cantos do
mundo. No Brasil, o transplante foi quase imediato. Economia,
engenharia, comunicações, arquitetura, urbanismo e práticas sociais
passaram a ter outra visibilidade apoiados no conhecimento
britânico (MARTINS, 2001).
Enquanto nos países industrializados, como a Grã-Bretanha,
os Estados Unidos e países da Europa Centro Ocidental, a
expansão ferroviária se associava ao desenvolvimento da
industrialização e da consolidação de uma política de liberalismo
econômico, nos demais países tal expansão vinculou-se a outras
formas de exploração econômicas como, por exemplo, a produção
de matérias-primas e alimentos destinados justamente às regiões
industrializadas, das quais recebiam produtos manufaturados, bens
de capital ou investimentos de capital (ROCHA Fº, 1981).
A maior participação da Grã-Bretanha, no setor ferroviário,
foi no campo da tecnologia, já que este país foi, durante muito
tempo, o maior fornecedor de locomotivas, carros, vagões,
maquinários e, principalmente, de ferro, material utilizado nas
construções e obras de arte como pontes, viadutos e passarelas
(F.01).
O capital britânico não veio para cá apenas para financiar o
governo, mas também para realizar investimentos privados. Entre
estes se destacavam as ferrovias. Os britânicos não apenas
financiavam estradas construídas por iniciativa nacional, como, por
exemplo, a Estrada de Ferro D. Pedro II e a São Paulo – Rio, mas
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
19
construíram muitas por sua conta, em geral contando com garantia
de juros por parte do governo brasileiro (SINGER, 1985).
F.01. Passarela da Estação de Campo Grande. Foto: da autora, 2007.
Desde o início da operação da primeira linha no país, em
1854
13
, os britânicos estiveram envolvidos no setor, financiando e
fornecendo tecnologia e também incorporando empresas,
especialmente quando o transporte da zona produtora até o porto
exportador se mostrava lucrativo. Assim, podemos encontrar suas
13
Pelo decreto 987, de 12 de junho de 1852, o governo geral aprovou o ato do governo
provincial do Rio de Janeiro concedendo ao comendador Irineu Evangelista de Souza
(Barão de Mauá) a construção da primeira linha férrea em solo brasileiro. Os trilhos
partiam de um ponto próximo da praia de Estrela, no fundo da Baía de Guanabara, com
destino à Raiz da Serra de Petrópolis. Foram construídos 14,5 km até a parada Fragoso.
A inauguração desse trecho se deu em 30 de abril de 1854.
SCHOPPA, R. F. (2004). 150
anos do trem no Brasil. São Paulo: Vianapole Design.
principais companhias ferrovrias junto às regiões cafeeiras e
açucareiras.
Nos anos finais do Império o número de ferrovias
controladas por grupos britânicos atingiu seu ápice em 1880. Dentre
elas destacam-se a The Recife and São Francisco Railway, The Bahia and
São Francisco Railway, The New Hamburger Railway Company, The Tereza
Cristina Railway Company, The Perus-Pirapora Railway Company, The São
Paulo (Brazilian) Railway, The Minas and Rio Railway Company, Imperial
Brazilian Coleries Company, e The Rio Claro-São Paulo Railway Company.
Apesar do entusiasmo inicial, já no começo da Primeira
República ocorreu uma forte crise no setor ferroviário,
conseência da falta de um plano que normatizasse seu
funcionamento. Em algumas regiões, o tráfego encontrava-se quase
paralisado, devido ao fato de boa parte das linhas possrem
sistemas operacionais diferentes, incompatíveis entre si. Para
solucionar esses problemas, o governo encampou diversas
companhias e promoveu alterações visando a unificação das bitolas
(distância entre os dois trilhos de uma via) e do material rodante
(vagões, carros e locomotivas) e o fechamento ou reunião de
trechos de pequena extensão. Posteriormente às mudanças, as
companhias foram repassadas a grupos privados.
Empresários britânicos assumiram duas delas, a The Great
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
20
Western Railway Company (1882), rede que atuava em Pernambuco e
que passou a operar também na Paraíba, Rio Grande do Norte e
Alagoas e a The Leopoldina Railway Company (1897) que, ao reunir
trinta e oito pequenas linhas, tornou-se a maior empresa ferroviária
do Brasil, com mais de ts mil quilômetros de trilhos espalhados
pelos estados de Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo
(SOUKEF JR, 2001).
Em 1880, havia onze companhias ferrovrias inglesas no
Brasil, número que subiu a vinte e cinco em 1890, representando
50% dos investimentos britânicos no país (De FIORE, 1987). Cabe
lembrar que os ingleses construíram e exploraram durante noventa
anos a São Paulo Railway (SPR), famosa pela sua elevada
lucratividade, que escoava o café vindo do interior paulista para o
porto de Santos; administraram a Estrada de Ferro Leopoldina e
construíram grandemero de ferrovias no nordeste e em outras
áreas do país. Como faziam nos demais países de economia colonial,
os ingleses também dominaram por longo período o comércio
exterior brasileiro. Eram britânicos os principais exportadores de
café e os mais importantes importadores de produtos
manufaturados, assim com eram britânicos os bancos que
financiavam suas atividades (SINGER,1985).
O controle do mercado exportador foi o contato mais
imediato que os ingleses tiveram com a economia exportadora. As
maiores firmas exportadoras britânicas, e mais solidamente
estabelecidas, eram aquelas sediadas no nordeste, sendo a maior casa
exportadora a Saunders Brothers do Recife. Outra grande casa
exportadora era a Phipps Brothers & Co no Rio de Janeiro. A segunda
mais importante era a firma de E. Johnston & Co, do Rio de Janeiro,
que possuía também filial em Santos-SP. Em 1924, esta firma foi
descrita pela Câmara do Comércio como a maior firma britânica de
exportação no país (GRAHAM, 1973).
Os investimentos diretos da Grã-Bretanha no Brasil
abrangiam ainda outras áreas: diversas tecelagens; o Moinho Inglês,
fundado em 1886; a Companhia Clark de sapatos; a Companhia de
Linhas para coser, fundada em 1906 e a Alpargatas fundada em
1907 (SINGER, 1985). Fazendas de café eram também adquiridas
diretamente por alguns britânicos, especialmente depois que muitos
agricultores brasileiros ficaram arruinados pela crise cafeeira de
1897. Graham (1973) assinala ainda que, em 1909, uma companhia
britânica administrava a segunda maior fazenda do Brasil, com
quase cinco milhões de pés de café. Mas isto não era comum e o
controle britânico dos negócios cafeeiros, na maior parte das vezes,
se limitava às atividades dos agentes compradores itinerantes.
A Grã-Bretanha dominou nosso corcio exterior até pelo
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
21
menos 1874. Este quadro mudou no começo do século XX, quando
a participão britânica nas exportações brasileiras caiu, mas mesmo
assim continuava desempenhando papel estratégico em nosso
comércio exterior. As principais firmas de exportação eram inglesas,
bem como as estradas de ferro e as companhias de navegação.
A implantação de uma política de exportão pelo modelo
ferroviário britânico determinava, porém, que fossem empreitadas
por firmas inglesas e usassem equipamentos ‘made in Britain’. Na
construção de ferrovias, uma parte considerável do financiamento
fora levantado na Grã-Bretanha e figuras famosas de sua engenharia
se destacaram como, por exemplo, os nomes de James Brunlees
14
e
Daniel M. Fox que construíram e administraram diversas estradas
14
James Brunlees, nascido em Kelso, próximo ao condado de Roxburghshire, aos 5 de
janeiro de 1816. Completou seus estudos na Edinburgh University. Sua primeira
experiência foi como agrimensor sob a supervisão de Mr. Alex Adie, iniciando
posteriormente sua carreira como engenheiro ferroviário aos vinte e dois anos,
tornando-se assistente de Mr. Adie na Bolton and Preston Railway. Sua firma de
engenharia em Londres foi contratada pelo Barão de Mauá para preparar e detalhar os
planos e orçamentos de construção da linha férrea da SPR. Em reconhecimento de seus
serviços recebeu do Imperador a Ordem da Rosa. Morreu em Argyle Lodge,
Wimbledon, em 2 de junho de 1892. “The late Sir James Brunlees”. (1892).
Engineering, London, v. 53, p.729, jan/june.
Daniel Mackinson Fox,
nasceu em 11 de janeiro de 1830. Iniciou seu aprendizado como
aluno de Sir James Brunlees, no escritório de Engenharia da Estrada de Ferro
Lancashire & Yorkshire, na cidade de Manchester, entre 1846 e 1849. Trabalhou na
construção das estradas de ferro West Riding Union e Manchester-Southport. Em 1856,
presta serviços na Espanha, Irlanda e Brasil. Foi responsável pela direção dos trabalhos
de construção da ferrovia que ligava França à Espanha através dos Pirineus. Foi
encarregado por Brunlees a proceder aos levantamentos topográficos para implantação
da SPR. Em 1859,era engenheiro-chefe residente da companhia.
SCHOPPA. op. cit.
de ferro em diferentes países, ultrapassando enormes barreiras
naturais, como foi o caso da Serra do Mar, em São Paulo.
As concessões de ferrovias freqüentemente eram cedidas a
empresários e políticos locais, apoiadas por financiamentos e perícia
técnica vindos de fora, sobretudo da Inglaterra, e foi dessa maneira
que se realizou grande parte do envolvimento econômico britânico.
Depois de instaladas as linhas férreas, vinham os edifícios da estação
e peças arquitetônicas (pilares e mãos-francesas em ferro, caixas
d’água metálicas), bem como o maquinário necessário para seu
funcionamento e todo tipo de utensílios que chegavam praticamente
prontos da Europa (Il.02) e, dessa forma, criavam um mercado
disponível e contínuo para reposição de material, equipamentos e
tecnologia para operação e administração das empresas (COSTA,
2001). Tal prática permaneceu até pelo menos a década de 1940,
como registrado no artigo do periódico “Engineering
15
, apontando
que o comércio exterior continuava a prosperar e que as últimas
negociações em fins de novembro de 1941 mostravam um aumento
contínuo, se comparado ao ano anterior, do valor importado em
geradores, motores e outras máquinas elétricas, maquinaria diversa,
ferramentas, veículos a motor, acesrios etc.
As companhias britânicas, além de desempenhar um papel
15
“Notes from South America”. (1942). Engineering. 20 de fevereiro, v. 53.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
22
central no financiamento e construção das ferrovias, em alguns
casos permaneceram como proprietárias das companhias de estrada
de ferro, a exemplo do que aconteceu no estado de São Paulo com a
Estrada de Ferro Santos–Jundiaí, que teve seu financiamento, sua
construção e administração a cargo da empresa inglesa The São Paulo
Railway.
A presença de técnicos ingleses muitas vezes serviu para
formar mão-de-obra especializada, permitindo que em pouco tempo
as oficinas das ferrovias passassem a fabricar localmente algumas
peças. Em São Paulo as oficinas estavam localizadas nos bairros da
Moóca, Brás e Lapa, onde era feita a completa manutenção e
reparação das locomotivas, carros e vagões. Os serviços estavam
subdivididos em fundição, ferraria, caldeiraria, usinagem, carpintaria
e pintura, além do almoxarifado e dependências administrativas.
Estas oficinas (Il.03) foram fundamentais para consolidar o
progresso da SPR e ali se desenvolveram trabalhos importantes para
a estrada, desde simples revisões até complexas alterações de
rodagem (adequar o eixo à bitola) e reformas completas de
locomotivas, além da fabricação de carros e vagões (LAVANDER, 2005).
A chamada arquitetura do ferro, embora não tenha sido
empregada somente nas ferrovias, é até hoje associada a ela, tendo
sido difundida em várias partes do país, através da construção de
estações, armazéns e oficinas. Possuindo forma inovadora, esses
edifícios contribuíram para o processo de renovação da linguagem
arquitetônica e dos métodos construtivos empregados até então.
Il 02. Componentes montados da ponte do rio Piaçagüera. Inglaterra, 1936.
Fonte: Mazzoco, 2005.
A arquitetura do ferro de proveniência britânica marcava a
paisagem urbana brasileira, desde meados doculo XIX,
juntamente com a rede ferroviária que ia se alastrando pelo país. A
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
23
conceituada firma Mac Farlane
16
decorava com vários elementos em
ferro a estação da Luz de São Paulo e outras tantas edificações do
país (MARTINS, 2001).
Il.03. Vista interna da oficina de ajustagem de eixos e rodas, Lapa.
Fonte: Lavander, 2005.
Com toda essa expansão ferroviária, começaram a surgir
também algumas escolas de engenharia civil, no estado de São
16
A firma Mac Farlane, com sede em Londres, se fez presente no Brasil através de seus
catálogos, no período compreendido entre meados do século XIX e icio do XX,
quando houve no país uma grande importação de edifícios e complementos
arquitetônicos de ferro. Dentre esses edifícios podemos destacar os pavilhões do
Mercado de Manaus, Mercado São José no Recife, Pavilhão de carne em Belém, Teatro
José de Alencar em Fortaleza, Pórtico e armazéns do Porto em Porto Alegre e o Palácio
de Cristal em Petrópolis no RJ.
COSTA, C.T. (2001). O sonho e a técnica: a arquitetura
do ferro no Brasil. São Paulo:
EDUSP.
Paulo, no Rio de Janeiro, com a Politécnica, e em Minas Gerais
17
.
Nos campos cultural e social, a ferrovia, ao unir locais até
então isolados, levando progresso e sendo o veículo que
possibilitava o deslocamento, deu, nas palavras de Gilberto Freyre
(1977), ao engenheiro inglês uma aura quase mística,
transformando-o em mágico capaz de dominar o ferro e o aço, o
cobre e o vidro, realizando milagres da técnica como a locomotiva.
O estrangeiro, no Brasil, essencialmente o inglês, na primeira
metade do século XIX, era sempre sinônimo de indivíduo dotado
de conhecimento, eficiência e capacidade empreendedora incomuns
(SILVA, 1988). As obras e serviços públicos que se implantaram
tinham sempre a participão estrangeira. Assim, as ferrovias,
transportes urbanos, saneamento, incineração de lixo, iluminação a
s e comunicações eram explorados pelos ingleses. Havia tantos
engenheiros ingleses no Brasil, que a imagem que o brasileiro fazia
de um inglês era que ele fosse sempre engenheiro (GRAHAM, 1973).
Isto ocorreu pelo menos até o final da segunda Grande
Guerra, quando o transporte sobre trilhos, por várias razões, entrou
em progressiva decadência. Porém, na lembrança daqueles que
17
Escola Central, criada em 1858, cuja denominação foi mudada para Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, em 1874. A Escola de Engenharia de Minas Gerais criada
em Ouro Preto, em 1870. Havia ainda a Escola de Engenharia de São Paulo
(Politécnica) inaugurada em 1893 e o Instituto Mackenzie que começou a diplomar seus
engenheiros em 1896.
GRAHAN,R. op.cit.
A presença Britânica no Brasil na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.
24
viajaram de trem, o período que conta é o do apogeu das ferrovias
marcado pela eficiência, comodidade e beleza e onde os espaços
amplos e suntuosos das estações se misturavam à fumaça e ao apito
das locomotivas.
Em suma, como podemos perceber, o Brasil ficou com o
papel de fornecedor de matéria-prima e comprador de
manufaturados, o que não impediu que uma crescente classe média
urbana, assim como os grandes proprietários rurais e integrantes do
setor mercantil, cultivassem o consumismo e imitassem os países
europeus que produziam as próprias manufaturas. Esses produtos,
resultantes da técnica desenvolvida no processo da Revolução
Industrial, começaram a ser introduzidos em grande escala no
Brasil, desde a abertura dos portos e sobretudo depois de 1850.
Dirigiam-se, principalmente aos setores de serviços urbanos e
estradas de ferro. Por outro lado, Prado Jr (1965) nos alerta que é
preciso reconhecer que o desenvolvimento da lavoura cafeeira, que
se deu nessa época, não teria sido possível sem os capitais de
créditos fornecidos pelas finanças internacionais, sendo que parte
substancial dos fundos necessários ao estabelecimento e custeio da
lavoura do café veio de bancos ingleses. Ao mesmo tempo, a
implementação das vias férreas era necessária para o escoamento
dos produtos agrícolas até os portos, de onde eram enviados para o
exterior.
E é nesse contexto histórico de avanços, invenções,
desenvolvimento tecnológico, arranjos comerciais, exploração
colonial, meandros políticos, café e ferrovias, que se insere o objeto
deste estudo: A Vila Ferroviária de Paranapiacaba, fruto direto desse
processo de desenvolvimento que se deu em meados do século XIX
e início do século XX.
A seguir se apresentado como essa tecnologia ferroviária
se fez presente no Brasil, seus desdobramentos na economia
cafeeira e no processo de industrialização, enfatizando mais
especificamente o estado de São Paulo, com a linha férrea projetada
e construída pela companhia inglesa São Paulo Railway para escoar a
produção de café do interior paulista para o porto na baixada
santista.
Economia cafeeira e ferrovia
25
2.1 Os caminhos do café
“Coffea Brasiliae Fulcrum
1
O café chegou ao Brasil, via Guiana, pelas mãos do então
sargento-mor da tropa do Estado do Maranhão, Francisco de Melo
Palheta
2
, que, em suas viagens pelas fronteiras do Brasil, ao visitar a
colônia vizinha em 1727, conheceu o café e conseguiu algumas
mudas e grãos que trouxe e plantou em Belém.
A principal modificação determinada pelo café, no Brasil, foi
o deslocamento dos centros de maior importância econômica e do
eixo demográfico, até então localizados no nordeste e leste, para o
sudeste do país (MATOS, 1990).
O café chegou ao Rio de Janeiro pelas mãos do chanceler
João Alberto Castelo Branco em 1760, em mudas procedentes do
Pará (TAUNAY, 1939). Espalhou-se em pequenostios pela Tijuca,
Andaraí e Jacarepaguá (MOURA, 2000). Quando a Família Real
1
“Café, esteio do Brasil”.Lema criado por Afonso de Taunay para a grande exposição
comemorativa do bicentenário da introdução do café no Brasil, realizado em São Paulo
em 1927
(TAUNAY, 1939. v. 1).
2
Sargento-mor das tropas portuguesas, filho de militar, herdeiro de nome ilustre em
Portugal e casado em família de alta posição. Para maiores detalhes sobre esse
importante personagem da história do café, consultar
MAGALHÃES, B. (1939). O ca
na história, no folclore e nas Belas Artes. Rio de Janeiro: Companhia Nacional.
chegou ao Rio, havia pequenos cafezais ou plantas nos quintais
das cidades. Dom João VI também recebeu sementes de
Moçambique, distribuídas entre os proprietários de terras, que
foram ensinados como deveriam plantar em viveiros
(TARASANTCHI, 2000). Das vizinhanças da corte (RJ), onde se
iniciou, provavelmente no período de 1760 a 1768, a nova cultura
teria começado a se expandir para algumas regiões fluminenses e
depois mineiras e paulistas (BRUNO, 2000).
O plantio das primeiras mudas de café se deu por volta de
1790, na localidade de Areias, distrito da Vila de Lorena, por onde
entrou o café no Vale do Paraíba, em sua vertente paulista. Essas
mudas vieram do curato de Campo Alegre (atual Rezende), na então
capitania do Rio de Janeiro. Em sua trajetória por São Paulo, o ca
espalhou-se pelo Vale do Paraíba, ao longo do qual surgiram cidades
como Lorena, Queluz, São João do Barreiro, Bananal, entre outras,
tendo essa região terras e clima favoráveis ao cultivo de café. As
vantajosas condições do mercado internacional do produto
propiciaram a ocupação do território, principalmente a partir do
final do século XVIII (MARTINS, 1991).
Do Vale do Paraíba seguiu para a região da Cantareira, em
direção ao sul de Minas Gerais, via Atibaia, evitando-se a Linha do
Trópico, abaixo da qual o clima não favorece seu cultivo.
Economia cafeeira e ferrovia
26
No século XIX, com o advento do café, cresceu o número
de fazendas em toda província de São Paulo e sua capital se
desenvolveu. Na expansão do café para o Oeste, coube a Campinas
o papel decisivo. De 1835 a 1840, alguns fazendeiros começaram a
substituir suas lavouras de cana pelas de café e, em 1842/43, já
fizeram colheitas importantes.
Número de
Fazendas de café
Ano
Quantidade
produzida
09
89
177
189
1836
1852
1854
1860
800 arrobas
3
200 mil arrobas
335 mil arrobas
700 mil arrobas
Quadro 1. Quadro evolutivo da prodão cafeeira.
Fonte: Quadro elaborado a partir de dados fornecidos por Bruno, 2000 para Campinas.
É ao norte de Campinas, em Limeira, Araras, Rio Claro,
Leme, até Pirassununga que o café predominou incontestavelmente.
Já há muito os fazendeiros estavam aproveitando os afloramentos
de terra roxa e a importância do café na região denominada
depreso periférica (MONBEIG, 1984).
Em 1836 o Vale do Paraíba já respondia por 88% da
produção, Jundiaí e Campinas, por 12% segundo Milliet (1941). Foi
3
Uma arroba equivale a 15 kg.
rápida a marcha do café em São Paulo, porém,o foi cultivado na
capital, pois as condições do solo não eram favoráveis ao cultivo. O
café desenvolve-se melhor em terras roxas e foi no encalço deste
solo que o roteiro do café prosseguiu. Em sua narrativa de viagem à
cidade, Saint Hilaire mencionou o cultivo do café nos arredores da
capital, justamente em sítios e chácaras, ou seja, ainda não havia
preocupação econômica em relação ao cultivo do café na capital.
No entanto, de acordo com Cardoso (2005), o espaço
geográfico do Vale do Paraíba era limitado para o cultivo do grão
em grande escala. Devido ao terreno acidentado, marcado por áreas
com declive acentuado, o plantio na região era descontínuo,
realizado nas encostas dos montes. As terras onde os pomares de
café se desenvolviam começara a sofrer o processo de erosão com o
avanço do plantio. Como na época não havia técnicas de
conservação de solo, tampouco preocupação com isso, em 1870 o
café do Vale do Paraíba começou a entrar em declínio e foi neste
período, que, segundo Garcia (1999), Campinas surgiu no cenário
econômico brasileiro como grande centro cafeicultor, abrangendo
as cidades de Itu, Jundiaí, Sorocaba etc, transformando a zona
campineira na mais importante área cafeeira paulista. Depois o
plantio se estendeu pela rego de São Carlos, Descalvado e
Economia cafeeira e ferrovia
27
Araraquara. A consolidação da cafeicultura no Oeste correspondeu
ao começo de sua decadência no Vale do Paraíba (BRUNO, 2000).
Pom, para mobilizar a força de trabalho para derrubada
das matas, preparo do solo, cultivo e colheita do café, a solução que
se apresentava era recorrer à mão-de-obra escrava. Sem o braço
negro, o café não teria entrado em território paulista e se espalhado
por todo o interior e outras regiões. Em meados do século XIX,
acreditava-se que apenas o cativo era capaz de fazer a colheita de
mil pés de café. Em um depoimento registrado por Saint Hilaire, em
1822, já se dizia que não se podia colher café senão com negro.
(MARTINS,1991). Nesse mesmo período, o trabalho escravo
predominava no campo e na cidade. O desenvolvimento das
plantações de café reforçou a dependência de certos setores da
sociedade brasileira em relação ao sistema escravista. As fazendas
povoavam-se de cativos.
À medida que o café ia se tornando o centro da economia, o
tráfico negreiro se intensificava. A expansão do cultivo, porém,
coincidiu com o início da campanha abolicionista, que causava
grande preocupação aos fazendeiros. Prevalecia a idéia de que um
escravo era uma riqueza, possuí-los era sinal de abastança, conferia a
seu proprietário prestígio social e que a abolição da escravatura
acarretaria o empobrecimento do setor da população responsável
pela criação de riquezas no país (FURTADO, 1987).
Mesmo com a pressão inglesa para a interrupção do tráfico
internacional, as compras de negros africanos, por parte dos barões
do café, continuavam ocorrendo no Brasil.
Os africanos forneciam os braços para a lavoura e também
para outros trabalhos. A cessação do fornecimento dessa mão-de-
obra prejudicaria a produção, podendo mesmo haver um colapso.
Somente depois de obter outros braços, através da imigração, é que
se poderia pensar em interromper o fornecimento de escravos
africanos.
Com a extinção do tráfico negreiro, em 1850, pela Lei
Eusébio de Queirós, os fazendeiros voltaram-se para outras fontes
de mão-de-obra. O nordeste brasileiro passou então a ser o grande
fornecedor de escravos, sendo os engenhos de açúcar decadentes
que contribuíram consideravelmente para esse fornecimento. Um
intenso tráfico se estabeleceu entre o norte e o sul do país e, nesse
sentido, a Bahia e o Maranhão substituíram o Congo e Angola. O
preço de escravos, que vinha em alta desde o início do século sofreu
um aumento considerável, de acordo com Costa, (1966). Os valores
alcançavam um conto a dois e meio, chegando até mesmo a três
contos de réis, no período que vai de 1855 a 1875. A compra de
escravos tornou-se cada vez mais onerosa, cada vez menos rendosa
Economia cafeeira e ferrovia
28
e, com a cessação do tráfico, tornou-se difícil a renovação da
população escrava. Porém, esta demanda de mão-de-obra
impulsionou a busca de novas solões para o problema que se
apresentava.
A ameaça de desorganização de suas fazendas, motivada
pelas fugas de escravos, foi um dos fatores que levou o cafeicultor
da região oeste de São Paulo a trocar mais rapidamente o trabalho
escravo pelo assalariado. Esta transição do trabalho escravo para o
livre ocorreu de maneira diferente de região para rego.
A primeira experiência do novo sistema de trabalho,
conhecido como colônia de parceria, deu-se em 1847, um pouco
antes da extinção total do tráfico, sendo realizado com imigrantes
europeus. Nesse sistema, os custos do transporte e despesas iniciais
ficavam por conta do fazendeiro, os imigrantes, por sua vez,
pagariam com o trabalho realizado nas lavouras. Porém, estes
colonos sentiam-se explorados por um sistema de trabalho que os
escravizava pela dívida e, com o fracasso do sistema de parceria,
optou-se pela remuneração do colono.
Os fazendeiros de áreas mais prósperas começavam a
encarar o trabalho livre como sendo mais vantajoso que o escravo e
se empenhavam em promover a imigração. O regime de trabalho
estabelecido, então, pelos fazendeiros aos imigrantes era feito por
tarefa, chamada de empreitada e, de acordo com Petrone, (1985),
cada família recebia um pagamento proporcional ao número de pés
de café entregues pelo fazendeiro para serem cuidados. A diferença
do sistema de parceria é que, pelo regime de colonato, o trabalho de
preparo, cultivo e beneficiamento eram pagos diretamente em
dinheiro, ou seja, o imigrante recebia um valor fixo pelo trato do
cafezal, obtendo maior segurança. A autora aponta ainda a vantagem
do sistema assalariado sobre o de parceria, uma vez que as
condições eram mais claras e positivas, diminuindo portanto as
possibilidades de atrito entre fazendeiros e colonos
4
.
O rápido crescimento da produção cafeeira nas décadas de
1870 / 80 é acompanhado também de um deslocamento geográfico
das plantações. Este deslocamento em busca de solos mais férteis,
propícios à plantação de café, acarretou também sérios danos no
que diz respeito à devastação de matas nativas, mais especificamente
a Mata Atlântica. Acreditava-se que o café tinha de ser plantado em
solo coberto por floresta virgem. A escolha do terreno onde plantar,
4
Para saber mais a respeito do trabalho escravo, imigração e trabalho assalariado,
consultar:
GOULART, M. (1985) O problema da mão de obra: O escravo africano. In:
HOLANDA, S.B. História Geral da Civilização Brasileira. v. 2, tomo 1.o Paulo:
Difel.;
IANNI,O. O progresso econômico e o trabalhador livre. In: idem. v. 5, tomo 2;
BEIGUELMAN, P. O encaminhamento do problema da escravidão no Império. In: idem;
PETRONE, M.T.S. Imigração. In: idem. v. 9, tomo 3; DEAN, W. (1977). Rio Claro: um
sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra;
SILVA, S.
(1976). Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega.
Economia cafeeira e ferrovia
29
enquanto ainda existisse floresta primária, era uma questão de mero
empirismo (DEAN, 1996).
O processo de ocupação consistia na derrubada da
vegetação no período mais seco do ano, que era deixada a secar e
queimada totalmente. Na maioria dos casos nada era aproveitado da
vegetação original, diferentemente do que ocorreu durante a
construção da linha férrea, no trecho de Mata Atlântica, na Serra do
Mar em São Paulo, onde a madeira retirada da floresta foi, em
grande parte, reutilizada nos abrigos provisórios e para uso como
lenha.
Conforme explica Costa (2005), com a queimada, os
nutrientes da biomassa da floresta caíam sobre a terra na forma de
cinzas, as chuvas drenavam parte dos nutrientes para o interior do
solo, neutralizando-o e fertilizando-o ao mesmo tempo. Procedia-se
então ao plantio realizado pelos escravos. A floresta, que nunca
havia sido queimada, transformava-se em solo fértil que, nos
primeiros anos, estava livre das sementes de plantas invasoras e,
dessa forma, pouca capina manual era necessária. As antigas
plantaçõeso eram replantadas, mas abandonadas, e novas faixas
de floresta primária eram então limpas para manter a produção. O
café avançou, portanto, pelas terras altas que, com a retirada da
vegetação, passava a sofrer intensos processos de erosão e,
conseentemente, degradação de seu potencial produtivo.
Enquanto se acreditasse que os solos de floresta primária
eram os mais adequados ao café, os especuladores avançariam
implacavelmente para os limites extremos do oeste e sudeste da
Mata Atlântica, até que o restante dela fosse queimado e desmatado.
Para Coelho Neto, a história do Brasil está escrita com tinta
de café (TARASANTCHI, 2000). Já Euclides da Cunha chamava os
fazendeiros de ‘fazedores de desertos’, por acabarem com as
florestas em Minas, norte paulista e terras fluminenses. Taunay, em
seu livro, defende os fazendeiros desmatadores, pois, segundo ele,
sem o café não teriam surgido novas cidades (TAUNAY,1939). E não
podemos negar que os três tinham razão.
Mas se as plantações, na busca por terras virgens, tendiam a
se interiorizar, o preço do transporte do produto aumentava a ponto
de tornar o empreendimento antieconômico
5
.
Em meados do século XIX, os cafeicultores não se
arriscavam a abrir fazendas que se distanciassem mais de 240 km do
porto de Santos. Assim, a região de Rio Claro, segundo Dean (1977),
5
Sobre os custos de transporte do café consultar DINIZ,D.M.F.L. (1975). Ferrovia e
expansão cafeeira: estudo da modernização dos meios de transporte. Revista de
História, São Paulo, ano 26, n. 104, p. 825-852.
Economia cafeeira e ferrovia
30
constituía-se no último limite para o cultivo rendoso da planta. Não
compensava plantar café, por melhores que fossem as terras
(TAUNAY, 1939), se a área cultivada estivesse além dessa região, pois
o custo do transporte até o porto representava uma parcela grande
demais do preço da venda e, por maior que fosse a produtividade, o
lucro acabaria consumido no pagamento desse transporte, sem
mencionar as perdas decorrentes das péssimas condões das
estradas e das chuvas a que estavam sujeitas as tropas (WALKER,
2001).
Tal limitação só seria resolvida com a construção de estradas
de ferro. As linhas férreas, segundo Dean (1977), eram essenciais
para a expansão da lavoura cafeeira. O uso de mulas não era apenas
custoso, mas impraticável.
As ferrovias tiveram profundo impacto na economia
cafeeira. As comunicações tornaram-se rápidas e eficientes, as
despesas com transporte diminuíram sensivelmente. As terras
próximas aos trilhos valorizaram-se, e a própria construção dos
caminhos de ferro apresentou-se como um campo de investimentos
para os ricos fazendeiros, que tinham a oportunidade de aplicarem
seus capitais em atividades não-agrícolas.
A primeira dessas ferrovias, ligando Santos a Jundiaí e
passando pela capital da província, estava totalmente concluída em
1867 e foi obra da companhia inglesa São Paulo Railway (SPR),
sobre a qual retomaremos mais adiante.
A partir de 1872,rias estradas cortaram o interior paulista
e seus trilhos desempenharam papel fundamental para a ocupação
do território, sendo que diferentes regiões ficaram conhecidas pelo
nome das companhias que as cortavam, como, por exemplo, zona
da Paulista, que abarcava Limeira, Rio Claro, Porto Ferreira, Araras,
Leme, Pirassununga, São Carlos, Araraquara e Jaboticabal; zona da
Mogiana, com Mogi-Mirim, Casa Branca, Amparo, São Simão,
Ribeirão Preto e Franca; zona da Sorocabana, fazendo parte a
própria cidade de Sorocaba, Botucatu e Lençóis; a Noroeste, que
abrangia Presidente Alves, Cafelândia, Lins, Promissão,
Avanhandava, Penápolis, Bauru, Araçatuba, entre outras (LUCA,
2000).
Mais do que as regiões geográficas supracitadas, os trilhos
dessas companhias tornaram-se pontos efetivos de referência. As
lavouras de café estiveram, em várias áreas, à frente das ferrovias e
acabavam determinando o sentido das linhas. Podemos afirmar,
portanto, a estreita correlação entre desenvolvimento da
cafeicultura, ferrovias, fundação de novas cidades ou o crescimento
de antigos povoados, am do incremento populacional, a partir da
década de 1880, com a chegada de grandes levas de imigrantes.
Economia cafeeira e ferrovia
31
O rápido processo de expansão da cafeicultura deslocou
continuamente a área considerada como ‘boca de sertão’. Assim,
quando houve a construção da estrada de Ferro Noroeste, em 1905,
coube a Bauru esta denominação, ser a ponta de trilhos, bem como
Espírito Santo do Pinhal da Mogiana, Rio Claro da Paulista e São
Pedro da Ituana. Todos foram, a seu tempo, essa boca de sertão, o
ponto final, a ponta de trilhos de suas respectivas companhias.
A via férrea progredia aos saltos, tendo por ponto terminal,
durante três ou quatro anos, um centro importante, uma boca de
sertão. Durante esse período, formava-se mais adiante um novo
foco de densidade, nascia e se desenvolvia uma pequena cidade
pioneira e para lá se dirigiam os trilhos. Como de um só golpe, os
terrenos valorizavam-se, desenvolvia-se o comércio e todos os dias
chegavam novos desbravadores. A antiga ponta de trilhos, ao
contrário, perdia sua atividade, tornava-se centro administrativo e
escolar, apareciam algumas fábricas, a estação desdobrava-se em
oficina de conserto, pois a boca de sertão agora estava mais adiante
(MONBEIG, 1940).
Não nos restam dúvidas quanto à importância do binômio
café-ferrovia para o processo de urbanizão paulista: muitas
cidades nasceram ou cresceram com o café e os trilhos. Algumas
estações foram germens de novas cidades ou o trem foi fator de
desenvolvimento de pequenos núcleos que se transformaram em
importantes entroncamentos ferroviários e entrepostos comerciais
(COSTA, 2001).
O município de Santo André é um desses exemplos de
cidades que se desenvolveram com a passagem da estrada de ferro,
não por ter sido produtora de café, mas porque por ela passou toda
a produção cafeeira vinda do interior paulista. Santo André da
Borda do Campo era anterior ao advento da ferrovia, mas com ela
viu seu núcleo urbano crescer e se desenvolver a partir dos trilhos
da São Paulo Railway
6
.
A chegada do trem invariavelmente se tornava um marco
fundamental tanto para cidades antigas quanto para povoados
recém-fundados nos pólos avançados da fronteira agrícola. Algumas
ganharam destaque pela sua própria função ferroviária, caso de
Bauru, importante entroncamento de linhas. Com a estrada de ferro,
veio todo o aparelhamento que ela exigia, especialmente quando a
6
Para maiores informações sobre a relação do município de Santo André com a
ferrovia, consultar:
ANDRADA, R. (1944). A cidade de Santo André e a sua função
industrial. In: Congresso Brasileiro de Geografia, 9. Rio de Janeiro: Conselho Nacional
de Geografia;
MONTEIRO, A.A. (1995). Santo André: dos primórdios à industrialização;
um estudo sobre os imigrantes ao longo da São Paulo Railway. Tese (Doutorado). São
Paulo:
FFLCH USP; PASSARELLI, S.H. (2003). Vitrines da cidade. Santo André:
crônicas sobre a cidade, relação histórica entre a cidade e o transporte ferroviário. ____.
(1995). O diálogo entre o trem e a cidade: o caso de Santo André. Dissertação
(Mestrado).o Paulo:
FAU USP. ____. (1990). Notas sobre a evolução urbana da
Borda do Campo. São Paulo:
FAU USP. Monografia.
Economia cafeeira e ferrovia
32
cidade, por alguma razão, era escolhida para sede de qualquer
atividade especial da estrada, abrigando armazéns, oficinas,
escritórios, ou sendo ponto de cruzamento de trens ou local de
baldeação. Tudo isso refletia sobre a vida da cidade, pois constituía
mercado de trabalho de certa atração e estimulava numerosas
atividades correlatas (MATOS, 1990).
Em muitos casos, a malha urbana organizou-se em função
da estação ferroviária e de seu largo. Essa área demandava facilidade
de acesso e uma infra-estrutura de depósitos, escritórios, lojas,
restaurantes e hotéis. Por vezes, em cidades pré-existentes, o antigo
traçado urbano e seu eixo principal, normalmente localizado em
torno da praça da matriz, eram deslocados em prol dos trilhos.
Naquelas cidades que surgiram junto com as ferrovias, o ponto de
partida para seu traçado eram as esplanadas definidas pelos trilhos.
As florescentes cidades do café foram sendo embelezadas:
ruas eram calçadas, arborizadas e iluminadas; praças e parques
inaugurados; monumentos e chafarizes erguidos; as mais prósperas
tinham seu próprio teatro. As escolas e os jornais multiplicavam-se.
Os centros dessas cidades passaram a concentrar funções
administrativas, comerciais e culturais, inaugurando novos modos
de vida e de sociabilidade (LUCA, 2000).
A implantação da rede ferroviária na região Oeste de São
Paulo participou da expansão da fronteira agrícola, incrementando a
produção e exportação do café e criando novas possibilidades de
investimentos do capital, seja na construção da rede ferroviária, seja
em outros investimentos de caráter eminentemente urbanos. Neste
processo de interiorização da produção e ocupação do território,
formou-se, sobretudo no estado de São Paulo, uma expressiva
malha urbana. A comunicação com o porto de Santos, maior
exportador de café, a partir de 1894, e praticamente monopolizador
do movimento de mercadoria e mão-de-obra, passou a ser feito
num eixo que sendo único no sentido porto-capital, espalhava-se, a
partir dela, em vários caminhos que consolidaram a forma de
ocupação do território e a centralidade da capital (LANNA, 2002).
A partir de 1886, a economia cafeeira iniciava um novo
ciclo, caracterizado em seus primeiros anos pela grande ascensão
dos preços. A procura no mercado externo crescera ao mesmo
tempo em que a oferta seguia um ritmo irregular, devido às
condições do ciclo produtivo da planta, pois um ano de grande
produção trazia, como conseqüência temporária, o esgotamento da
mesma (FAUSTO, 1985). Um cafezal que produzira 4,5 libras por
em um ano, no ano seguinte não dava mais de meia libra (COSTA,
1985). Graças à oscilação da oferta e expansão da procura, os preços
internacionais duplicaram entre 1885/90.
Economia cafeeira e ferrovia
33
Nos dois anos subseqüentes, 1890/91, a cafeicultura seria
beneficiada essencialmente por dois fatores: a abundância de
créditos, a relação entre a taxa cambial e a evolução dos preços
internacionais do café. A conjuntura interna favorável gerou uma
enorme expansão das plantações de café em São Paulo. A área
cultivada do estado aumentou consideravelmente, produzindo as
suas terras um número altíssimo de sacas. O comércio do produto
dependia exclusivamente da oferta e da procura, de seus jogos, da
retração dos mercados consumidores, das propostas que se lhe
seguiam. Entre o fazendeiro e o importador colocavam-se os
comissários, os bancos financiadores, as filiais das casas estrangeiras
que negociavam o produto, impondo, dessa maneira, uma série de
operações que, nem sempre, eram vantajosas para o produtor. Uma
série de medidas de contenção começou a ser tomada a partir de
1894, para tentar contornar a crise que se desenhava. Estas medidas
coincidiram com a ascensão ao poder de Prudente de Morais, que
procurou orientar a política econômica para a redução dos déficits
orçamentários e controle da oferta de moeda e, em fins de 1886,
cassou o privilégio de emissão dos bancos.
A crise não aparentou ser de especial gravidade até os
últimos anos do século. Os preços internacionais do café caíram
consideravelmente, mas, como a desvalorização cambial prosseguiu
até 1899, os efeitos da queda em moeda nacional foram mais
limitados. Em 1896, na mensagem presidencial ao Congresso, o
presidente Prudente de Morais já afirmava:
“Impressionados com a considerável expansão que tem
tido a cultura do café, que constitui grande riqueza do
país, sem um aumento correspondente do consumo, os
governadores dos Estados de São Paulo e do Espírito
Santo dirigiram uma circular aos dos principais Estados
produtores daquele gênero, convidando-os para uma
conferência, que teria por fim a organização de uma
propaganda sistemática e contínua, para a conquista de
novos mercados consumidores” (
ANDRADE
7
, 1950 apud
SCANTIMBURGO, 1980. p.94).
Somente a propaganda não seria bastante para atenuar a
crise que perturbava a economia cafeeira. Seus efeitos seriam
demorados sobre os consumidores estrangeiros, enquanto a situação
do cafeicultor se mostrava premente, no Brasil. O descompasso
entre oferta e procura levou o governo a delimitar o plantio, a fim
de estabelecer o equilíbrio estatístico do produto. O fazendeiro não
queria ficar ao acaso, ele plantava, colhia e queria vender.
7
ANDRADE, A. (1950).Contribuição à História administrativa do Brasil. Rio de
Janeiro: José Olímpio. apud
SCANTIMBURGO, J. (1980). O café e o desenvolvimento do
Brasil.o Paulo: Melhoramentos.
Economia cafeeira e ferrovia
34
O plantio de cafezais continuou a crescer. Em 1901 havia,
no estado de São Paulo, 525 milhões de pés de café com mais de
quatro anos e 135 milhões com menos (FAUSTO, 1985). O cultivo de
novos cafezais deve-se à pressão exercida pelos colonos que se
interessavam, sobretudo por contrato de formação
8
:os fazendeiros
seriam obrigados a atendê-los para manter a força de trabalho nas
fazendas e os empresários, por sua vez, aceitaram a preso porque
ainda era compensador manter e expandir as lavouras. Porém, um
duro golpe para os colonos
9
se deu através de um dispositivo da Lei
Orçamentária paulista para o ano de 1903, votado em dezembro de
1902, quando foi lançado um imposto proibitivo, no sentido de
deter a expansão de novos cafeeiros pelo período de dez anos. Esta
proibição afetou as zonas pioneiras do café e sua expansão se deteve
até 1910, o que trouxe reflexos político-administrativos, uma vez
que não houve nenhuma crião de novos municípios em todo
8
Sobre as relações de trabalho vigentes na fazenda de café paulista consultar:
HOLLOWAY, T. (1972).Condições de mercado e organização do trabalho nas plantações
e na economia cafeeira de São Paulo, 1885-1915.In: Estudos econômicos, São Paulo,
n. 6.
9
Os colonos sairiam prejudicados porque para eles só interessava trabalhar se fosse no
plantio de novos cafezais (contrato de formação) e não nas plantações já estabelecidas e
mais antigas, além disso, haveria também um imposto proibitivo de dois contos de réis,
por 2,42 ares ou fração superior a 1,21 ares de terras novas ocupadas por novas
plantações e com isto os salários que permaneciam constantes foram reduzidos.
FAUSTO, B. (1985).Expansão do café e política cafeeira. In: HOLANDA, S. B. História
Geral da Civilização Brasileira. v. 8, tomo 3, p.209. São Paulo: Difel.
Estado de São Paulo entre 1900-1910.
A expansão das lavouras cafeeiras provocou o desequilíbrio
entre a oferta e a procura da bebida, dando origem à primeira
grande crise econômica do produto.Tão logo surgiram os sinais de
crise, foram surgindo propostas de intervenção governamental, no
sentido de reduzir seus efeitos.
Uma das propostas aventadas para obter capitais e proceder
às retiradas de café necessárias para reduzir os imensos estoques,
que tanto angustiavam os produtores e pesavam sobre o mercado
brasileiro, fora acordada em 1905 pelos três principais estados
produtores, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Principiado
por Jorge Tibiriçá, então presidente paulista, o plano fora exposto
na Sociedade Paulista de Agricultura e ficou conhecido como
projeto Siciliano, o qual procurava meios para restabelecer o
equilíbrio entre o suprimento e a procura. O plano apresentava
ainda as bases de um contrato entre o governo e um sindicato de
capitalistas para garantir um preço mínimo em ouro para o café, por
meio de operações que seriam garantidas pela criação de novo
imposto adicional aos impostos de exportação em vigor. O projeto
Siciliano serviu de esboço inicial para os demais processos sugeridos
com a mesma finalidade.
Neste período, alinharam-se também planos pretendendo o
Economia cafeeira e ferrovia
35
monopólio do comércio de exportação pelo Estado, a concessão de
empréstimos aos cafeicultores, a fixação de preços mínimos e a
destruição de parte da produção. As principais iniciativas em favor
da intervenção partiram de São Paulo, onde a crise atingira com
maior intensidade os fazendeiros paulistas em conseência das
relações de produção predominantes na rego.
E, exatamente nessa etapa em que se fazia impraticável
apelar para o mecanismo cambial, a fim de defender a rentabilidade
do setor cafeeiro, configurou-se o problema da superprodução. Os
estoques de café, que se avolumavam ano a ano, pesavam sobre os
preços, provocando uma perda permanente para os produtores e
para o país (FURTADO,1987). Neste contexto celebrou-se o
‘Convênio de Taubaté’
10
, em fevereiro de 1906, onde se definiram as
bases do que viria a se chamar política de valorização do produto.
Em sua essência, essa política consistia nas seguintes questões: O
governo interviria no mercado para comprar os excedentes, a fim de
restabelecer o equilíbrio entre oferta e procura de café. Com
empréstimos estrangeiros se faria o financiamento dessas compras;
o serviço desses empréstimos seria coberto com um novo imposto
10
Maiores detalhes sobre o Convênio de Taubaté ver: SCANTIMBURGO, J. op. cit.;
FAUSTO, B. op.cit.; FURTADO, C. (1987). Formação econômica do Brasil. São Paulo:
Nacional.
cobrado em ouro, sobre cada saca de café exportado, e os governos
dos estados produtores deveriam desencorajar a expansão das
plantações a fim de solucionar o problema em longo prazo.
A política de valorização, segundo Furtado (1987), constituiu
uma clara indicação das transformações que na época se operavam
na estrutura político-social do país. A descentralização republicana
havia reforçado o poder dos plantadores de café ao nível regional. O
esquema de valorização teve de ser posto em prática pelos estados
cafeicultores liderados por São Paulo. O plano de defesa elaborado
pelos cafeicultores foi bem concebido. A primeira operação
valorizadora, em 1906, foi um bom exemplo de como em
determinadas circunstâncias, era indispensável a colaboração da
União para atender aos interesses regionais dominantes, não
obstante a grande autonomia conferida aos estados (FAUSTO, 1985).
A safra de 1906/07 chegou a mais de 20 milhões de sacas, a
maior colheita até então realizada no Brasil. Em 1909 os preços
internacionais do café começaram a subir e se mantiveram em alta
até 1912, gras à retração da oferta e à diminuição do volume das
safras. A primeira valorização do café e as medidas financeiras a ela
associadas contribuíram para o surto de crescimento que se
verificou entre 1908/1913. A reativação econômica vinha sendo
gestada desde 1903, a partir do programa de investimentos públicos
Economia cafeeira e ferrovia
36
realizado pelo governo Rodrigues Alves, dirigido sobretudo a
reaparelhar os portos e a estender e equipar a rede ferrovria.
A reforma e ampliação dos serviços portuários significariam,
necessariamente, uma interferência no espaço da cidade. Reformar o
porto incla alterar o sistema de transportes e a rede de serviços a
ele associada, as moradias e a ocupação urbana. A sua demanda por
trabalhadores colaborou para o adensamento e precariedade das
habitações. Também se esperava que as transformações no cais
interferissem na melhoria das condições da cidade a ele
subordinada. Portanto, se o porto se fechava fisicamente para a
cidade, excluindo parte dos comerciantes locais de sua exploração,
ele se integrava e estimulava as transformações radicais que estavam
ocorrendo no quadro urbano mais global, transformações que
incluíam uma política de saneamento da cidade e de desobstrução e
ampliação de espaços (LANNA, 1996).
Definia-se, assim, no início do século XX, o perfil da cidade
de Santos como pólo portuário e comercial, onde as atividades
ligadas à exportação do café, com a expansão de armazéns, casas
comissárias e bancos, dominavam as relações econômicas, políticas
e sociais.
Mas, se a ferrovia conquistava o sertão e integrava o
território foi também ela que nos introduziu nas cidades, pois pelos
trilhos circulavam não apenas mercadorias e pessoas, mas idéias,
valores e comportamentos. As ferrovias foram, para São Paulo,
importantes ao viabilizar a expansão da cultura cafeeira, ao facilitar
o trânsito de trabalhadores e elites, ao participar do crescimento e
diversificação das cidades. Estimularam o incremento das atividades
econômicas e da população, que teve uma taxa de crescimento de
268% no decênio de 1890/1900. Foram ainda parte importante das
transformações ocorridas em finais do século XIX e que
introduziram, segundo Lanna (2002), o Brasil na modernidade.
De acordo com Possas (2001), ferrovia e urbanização são
fenômenos indissociáveis, pois expressam uma forma de ocupação
mais ‘tecnologizada’ e rápida, de aproximação das espacialidades (...)
como agentes modernizadores e semeadores de urbanização,
configurando a ideologia do progresso; os trilhos foram capazes de
marcar o alargamento das fronteiras, o pioneirismo de homens
destemidos, introduzindo a civilização. À ferrovia será ainda
atribuída a imagem de instrumento da civilização industrial e urbana
(LESSA, 1993).
Assim, café, ferrovia, urbanização e imigração são processos
inter-relacionados que, na sua interão complexa, determinaram a
ocupação e a transformação da paisagem do estado de São Paulo.
Economia cafeeira e ferrovia
37
Como pudemos observar, a cultura cafeeira, introduzida no
Brasil em 1727, começou a se expandir no Vale do Paraíba, durante
os últimos decênios do século XVIII, e está na raiz de importantes
transformações verificadas na vida política, social e econômica do
Brasil até o início do século XX. Em pouco tempo, o grão tornou-
se o principal item da pauta de exportações do país. Com o
esgotamento dos solos do Vale, o café seguiu para o oeste paulista,
onde gerou as riquezas que deram proeminência econômica ao
estado e impulsionaram a industrialização. A cafeicultura foi
responsável pela abertura de estradas de ferro que ajudaram a
promover a ocupação territorial e o desenvolvimento do estado.
A mão-de-obra empregada nos cafezais, composta
sucessivamente por escravos, imigrantes e bóias-frias, sintetizou a
história do trabalho agrícola no Brasil. Do outro lado da escala
social, os ‘barões do café’ controlaram a política na República Velha
e atuaram como mecenas da incipiente produção cultural paulista,
até serem vitimados pela crise de 1929. Aos poucos, a cultura do
grão atingiu outras regiões, como o norte do Paraná, o oeste de
Minas Gerais, o centro-oeste do país e o oeste baiano, consolidando
o Brasil como um dos maiores produtores de café.
Como parte dessa trajetória cafeeira, a industrialização do
estado de São Paulo se desenvolveu e seguiu o ritmo acelerado das
ferrovias. A Vila Ferrovria de Paranapiacaba é parte integrante
desse processo de transformação e desenvolvimento econômico da
cidade de São Paulo, pois foi, através dos trilhos da SPR, que a
produção de café escoou em direção ao porto de Santos, rumo ao
mercado europeu, e foi por esse mesmo porto que entrou em São
Paulo toda a sorte de manufaturas, produtos e mercadorias advindas
do velho mundo. E foi graças a esse complexo cafeeiro que se teve
base e sustentação para o crescimento e desenvolvimento industrial
no estado de São Paulo.
Alguns autores sustentam essa mesma relação entre café,
ferrovia e industrialização, afirmando que “a construção de estradas
de ferro proveio toda ela da expansão do café (DEAN, 1971), ou
ainda “seria a partir, principalmente, das fortunas feitas com o café
que se iniciaria o grande surto industrial moderno brasileiro, tendo
o Paulo na posição de líder” (MATOS, 1990), e também “os
capitais advindos do café não só impulsionaram a indústria em seu
começo como fizeram crescer vertiginosamente o número de
construções” (LEMOS, 2001). Para Silva (1976), o conhecimento da
industrialização deve estar, explícita ou implicitamente, apoiado na
análise das relações entre o café e a indústria. Benedito Lima de
Toledo (2004) relata que a partir do momento em que a ferrovia
chegou às novas terras produtoras de café, a cidade de São Paulo
Economia cafeeira e ferrovia
38
conheceu um crescimento incontrolado. Com os imigrantes vieram
novas técnicas de construir e a cidade foi reconstruída
integralmente, disso resultando uma nova imagem: a metrópole do
café.
Baseados em tais argumentações é que nos apoiamos nessa
tríade explicativa de café, ferrovia e industrialização.
2.2 A industrialização emo Paulo
O Brasil participou muito cedo do processo de
industrialização negociando matérias primas e neros alimentícios
por artigos manufaturados importados. Com o advento da abolição,
o país se viu repentinamente libertado também dos obstáculos ao
desenvolvimento da industrialização capitalista. A implantão de
uma economia de sarios em dinheiro ocorreu dentro do contexto
do triunfo do sistema de exportação do café. Tal circunstância
influiu sobremaneira na forma e no rumo da industrialização
brasileira (DEAN, 1985).
No final do século XIX, o Brasil era um país eminentemente
rural constituído de economias regionais com escassas relações
mercantis entre si. Com o fim do tráfico negreiro, os preços dos
escravos haviam atingido níveis insuportáveis, sendo necessário
resolver a questão da mão-de-obra. A solução encontrada foi a
imigrão européia. Antes mesmo da abolição formal da
escravatura, e contribuindo para ela, a nova cafeicultura de São
Paulo já estava constituindo a base do trabalho assalariado (NEGRI,
1996).
Com o advento da economia cafeeira assalariada em São
Economia cafeeira e ferrovia
39
Paulo, estabilizou-se o capitalismo brasileiro
11
. O trabalho
assalariado é o indicativo de transformações que incluem as estradas
de ferro, os bancos, o grande comércio de exportação e importação
e, inclusive, uma certa mecanização nas operações de
beneficiamento da produção. São essas transformações que fazem,
da economia cafeeira, o centro de uma rápida acumulação de capital
baseada no trabalho assalariado. E é como parte integrante dessa
acumulação de capital que nasce a indústria (SILVA, 1976).
O café exigiu a montagem de uma rede urbana no estado,
compreendendo sistema de transportes e uma rede de comércio e
de serviços para uma escala crescente de trabalhadores. Entre as
melhorias existentes na cidade de São Paulo, em 1890, podemos
citar a iluminação pública a gás, em 1872; a instalão de serviço
municipal de águas e esgotos, da Companhia Melhoramentos, em
1877; o serviço de bondes com tração animal, em 1872 (MORSE,
1970).
O sistema comercial foi-se tornando mais eficiente e mais
amplo à medida que se estendiam cabos submarinos
intercontinentais, que se fundavam as casas importadoras e se
iniciavam as operações bancárias. São Paulo passou a experimentar
11
Isto significa dizer que, havia nesse momento, a circulação de dinheiro, um mercado
interno movimentado agora também pelo trabalhador assalariado.
uma euforia de prosperidade. Café, agricultura, transportes,
indústria, comércio e finanças cresciam, ampliando
consideravelmente o potencial do complexo paulista. Dessa forma,
a economia contou com amplas condições para seu
desenvolvimento (CANO, 1977). A expansão industrial de São Paulo
se deu por uma série de fatores que se constituíram pelo seu próprio
dinamismo econômico.
O desenvolvimento da província e da cidade de São Paulo
esteve intimamente ligado à evolução da cultura cafeeira e à
expansão do transporte ferroviário. Os cafeicultores de São Paulo
investiram em estradas de ferro, docas, bancos e sociedades
comerciais necessárias à expansão dos seus negócios. O processo de
industrialização foi também eminentemente influenciado pela onda
de imigração européia, pois a grande maioria desses imigrantes
trouxe habilidades manuais ecnicas raras no Brasil (DEAN, 1985).
A industrialização de São Paulo dependeu, desde o
princípio, da procura provocada pelo crescente mercado estrangeiro
do café. O produto era a base do crescimento industrial nacional.
O café trouxe grandes modificações na economia do Estado
e também no próprio país, principalmente para o Rio de Janeiro e
o Paulo, cidades que conheceram enorme desenvolvimento. O
café tornou-se, a partir de meados do século XIX, o principal
Economia cafeeira e ferrovia
40
produto comercial de exportação do Brasil. Os interesses do café
tiveram enorme influência política no fim do Império e sobretudo
na Primeira República. A riqueza gerada pelo café foi também,
segundo Kühl (1998), a principal responsável pelo início da
industrialização do país, liderada por São Paulo.
A província de São Paulo aproveitou-se do deslocamento do
café rumo às terras paulistas de forma bastante acentuada. Dentre
os fatores que definiram sua capital como o centro econômico –
financeiro dos negócios do café, podemos destacar que a cidade de
o Paulo era a sede da administração estadual, o centro das
principais vias de acesso, desde a época colonial. Esta condição foi
reforçada pelo surgimento do transporte ferroviário que, como fator
isolado, privilegiou São Paulo como zona industrial, assegurando
acesso a uma área onde se concentrava boa parte do mercado
interno brasileiro, o interior do estado, unindo as regiões produtoras
ao porto de Santos. São Paulo era também a catalisadora e
distribuidora dos imigrantes europeus que aqui começaram a chegar
em grande número, após o fim da escravidão, e, por último, aqui se
concentrou uma grande parcela do sistema bancário (EMPLASA,
2001).
Um outro fator que, de acordo com Singer (1968), pode ter
desempenhado um certo papel no desenvolvimento industrial de
o Paulo foi a descentralização política advinda da proclamação da
República e consolidada pela constituição de 1891. Durante o
império, havia forte centralização política e administrativa com
completa dependência dos governos provinciais, do poder central.
Esta situação conferia à ação deste último, no campo econômico,
um destaque muito maior que a atividade dos governos provinciais,
o que favorecia o desenvolvimento industrial da capital, na medida
em que este desenvolvimento dependia de favores governamentais,
como contratos, concessões e créditos, e de economias externas
proporcionadas pelos serviços públicos.
Com a República, os estados adquiriram maior autonomia, o
que vai favorecer os mais ricos, em detrimento dos mais pobres, que
continuam não podendo prescindir dos auxílios da União. São
Paulo, nesta altura, já se configurava entre os estados mais ricos.
A cidade de São Paulo e sua circunvizinhança constituíam
um local potencialmente favorável ao início do processo de
industrialização nacional. Uma das condições que lhe atribuía
relativa vantagem para a industrialização era a formação de um
incipiente mercado interno, onde a economia cafeeira assalariada
passou a apresentar um novo perfil distributivo da renda obtida pelo
setor. A parcela que constituía a renda dos assalariados, que na
época escravista era praticamente nula, começou a adquirir
Economia cafeeira e ferrovia
41
importância crescente. Essa nova camada da população ampliou as
margens de gastos de consumo, incentivando a renda de pequenos
produtores e comerciantes que, por sua vez, utilizavam seus
rendimentos para novos gastos de consumo, gerando, portanto, um
efeito multiplicador interno na economia, femeno que inexistia
anteriormente. O primeiro efeito dessa expansão cafeeira sobre São
Paulo foi a ampliação de sua função de entreposto comercial, ou
seja, o comércio do café não gerou apenas o incentivo para a
produção industrial; custeou também grande parte das despesas
gerais, econômicas e sociais, necessárias a tornar proveitosa a
manufatura nacional.
Segundo indica Dean (1971), a primeirabrica que se
instalou em São Paulo foi uma usina siderúrgica em Ipanema,
fundada em 1810. No ano seguinte se construiu a primeira fiação de
algodão, na capital, que empregava energia hidráulica. Em 1836, a
primeira usina a utilizar o vapor como força motriz foi uma refinaria
de açúcar. Um relatório oficial do presidente da província, em 1852,
menciona a existência de cinco fábricas, sendo uma fiação de
algodão localizada em Sorocaba, uma usina de potassa em Bananal,
uma fundição, uma fábrica de velas e uma de vidro. Na década de
1870 surgiram novas fiações e umas poucas serrarias. Em 1885, já
havia treze fiações de algodão e uma de lã, pelo menos quatro
fundições, uma fábrica de fósforo e um número desconhecido de
serrarias. Um outro relatório datado de 1895 e que incla apenas a
capital do estado, fazia a menção de 121 firmas que utilizavam
energia mecânica; destas apenas cinqüenta e duas eram consideradas
firmas industriais, pois contavam com um número superior a cem
operários.
As primeirasbricas eram acionadas por motores a vapor,
alimentados por carvão de lenha ou carvão importado. A
importação deste produto, segundo Graham (1973), cresceu
vertiginosamente devido ao aumento do parque industrial brasileiro,
mas a produção subseqüente das máquinas dependia da instalação
de energia hidrelétrica. Um serviço público de conseqüências
particularmente importantes para a industrialização e cuja origem
pode ser considerada como resultado indireto do surto cafeeiro foi
o da energia elétrica. As usinas que proporcionavam a maior cota de
energia, as de São Paulo e Sorocaba, foram construídas por
empresas européias e norte-americanas, e sua esperança de lucro se
fundava, pelo menos indiretamente, no café, isto é, no crescimento
urbano funcionalmente dependente do comércio do café.
A primeira usina de certo significado foi instalada, em 1900,
para suprir as necessidades dos bondes elétricos, que passaram a
substituir os de tração animal. Em 1901, inaugurou-se a primeira
Economia cafeeira e ferrovia
42
usina hidrelétrica, a de Parnaíba, com capacidade instalada de 2.000
kw, numa época em que a demanda de força por parte das
indústrias ainda era insignificante (SINGER, 1968).
Dean (1971) assinala que, nesta fase inicial, o setor industrial
era totalmente marginal dentro de uma economia orientada para a
exportação e que a indústria continuava sendo uma empresa
arriscada e especulativa, pois tanto os industriais quanto os
fazendeiros dependiam dos preços do café para cobrir seus custos
de produção.
Cano (1977) nos lembra que, dentro desse processo de
formação industrial, aqui não se deu a cssica e gradativa
transformação de uma produção manufatureira ou artesanal para
uma produção mecanizada. Contudo esse implante precário de
algumas fábricas mecanizadas vai ocorrendo à medida que surgem
condições mais favoráveis quanto à formação de capitais de maior
vulto e quanto à formação de mercados mais extensos.
Ao longo de seu processo de implantação, a indústria
continuava sendo alimentada e subordinada pelo capital do café,
entendido aqui como sendo o capital excedente das atividades
cafeeiras que acaba se subdividindo, para outras atividades da
economia cafeeira – comércio, ferrovias e banco. Em alguns casos,
como aponta Ianni (1985), o próprio fazendeiro que se interessou
pela indústria de tecidos ou outro empreendimento tratava de
garantir o capital privado das flutuações impreviveis da
cafeicultura. Muitos cafeicultores paulistas investiram parte de seus
lucros em fábricas de máquinas de beneficiamento do café, bem
como de indústrias de sacaria de juta.
Mesmo depois de 1907, quando o café produzia larga
margem de lucros, graças à política de valorização, ainda estando
seu plantio limitado, havia o perigo da recorrência da crise. Muitos
daqueles lucros foram aplicados na indústria que, efetivamente,
depois de 1910, se desenvolveu com rapidez (PRADO Jr, 1970). Mas
qualquer processo de industrialização demanda concentração de
capital. O café, por sua vez, contribuiu mediante investimentos
fabris realizados pelos próprios cafeicultores e por meio da
circulação e da multiplicação de renda na sociedade, gerando e
concentrando divisas para a compra de máquinas e de matérias
primas essenciais para as fábricas (LOUREIRO, 2005).
A subordinação da indústria nascente ao café manifestou-se
de diferentes formas. Esteve presente na incipiente produção de
bens de capital; na incipiência do mercado urbano e no mercado de
mão-de-obra para essa indústria, que também se formou com a
imigração em massa patrocinada pela economia cafeeira. As
exportações crescentes de café levaram à capitalização de recursos
Economia cafeeira e ferrovia
43
que permitiram a formação das primeiras indústrias de São Paulo,
também favorecidas com o excesso de mão-de-obra imigrante
disponível. Porém, para a implantação de um sistema industrial, era
necessária a transferência da técnica dos países industrializados,
principalmente em forma de máquinas e de pessoal capacitado para
operá-las. Sendo assim, as habilidades necesrias acompanhavam o
afluxo de imigrantes, alguns dos quais eram profissionais
contratados para instalar e operar esse maquinário (DEAN, 1985).
As linhas férreas, que tinham dependido dos ingleses, pelos
seus conhecimentos técnicos, empréstimos de capital e
investimentos diretos, deram às nascentes industrias brasileiras os
meios de transporte essenciais para sua existência (GRAHAM, 1973).
Na virada do século, a cidade acumulou rapidamente
capitais e atraiu um intenso fluxo imigratório europeu. De acordo
com Negri (1996), somente na década de 1920 entraram, em São
Paulo, 688 mil imigrantes e, ao final da década, começou a ampliar-
se a participação de imigrantes nacionais que, a partir daí,
assumiriam o papel de principal fator de crescimento da força de
trabalho paulista.
O quadro 2 apresenta uma amostra da quantidade de
imigrantes que entraram no país, via porto de Santos, num período
de vinte e oito anos.
Nacionalidades Entradas Saídas Famílias Avulsos Casados Solteiros Viúvos
Portugueses
275.257 160.920 35.044 147.020 117.704 151.412 6.141
Espanhóis
209.282 107.179 33.955 38.434 77.557 126.141 5.584
Italianos
202.749 176.991 28.374 85.802 84.616 112.174 5.959
Japoneses
176.775 12.615 31.412 8.974 74.730 99.161 2.884
Brasileiros
125.826 95.845 11.525 79.809 40.385 82.926 2.515
Alees 43.989 34.816 6.718 19.687 17.925 25.206 858
Turcos
26.321 12.364 3.054 16.543 8.587 17.452 282
Romenos
23.756 7.126 4.033 2.066 8.797 14.502 457
Iugoslavos
21.209 5.134 3.719 1.363 8.221 12.660 328
Lituanos
20.918 3.373 3.147 4.965 7.350 13.111 457
Sírios
17.275 7.587 2.583 8.390 6.423 10.483 369
Poloneses
15.220 6.612 2.356 6.601 6.072 8.917 231
Austríacos
15.041 7.180 2.325 5.059 5.724 9.050 267
Outras
47.664 29.338 6.683 21.644 17.893 28.702 1.069
Total
1.221.282 667.080 174.928 446.357 481.984 711.897 27.401
Quadro 2. Movimento migratório pelo porto de Santos-SP de 1908 a 1936.
Fonte: Boletim do serviço de imigração e colonização. Acervo: Memorial do Imigrante. São
Paulo, 2005.
Nesse momento de intenso fluxo imigratório, São Paulo
viveu seu primeiro surto industrial, baseado principalmente nas
indústrias têxteis e alimentícias que ocuparam as várzeas por onde
passavam as ferrovias, constituindo-se em regiões operárias de São
Paulo, criando um novo perfil urbano e econômico da cidade,
acelerando seu crescimento e ampliando a infra-estrutura de
Economia cafeeira e ferrovia
44
transportes e energia.
Esse surto industrial provocou um aumento populacional e
uma gradual modificação na paisagem urbana em São Paulo, onde,
de acordo com Pasquale Petrone (1955), não se formaram áreas
tipicamente industriais, exclusivamente ocupadas porbricas.
Sendo o parque industrial paulistano caracterizado pelo predomínio
de fábricas de tamanho médio e pequeno, destinadas principalmente
à transformação, o que se presenciou foi a intercalação de
estabelecimentos fabris no meio de residências proletárias e,
conseentemente, o aparecimento de verdadeiros bairros mistos,
industriais e residenciais a um só tempo.
No mesmo período e seguindo os mesmos eixos
ferroviários, teve início o primeiro surto industrial da região de
Osasco, a oeste, e da região conhecida hoje como grande ABC, a
sudoeste do município de São Paulo, (ROLNIK, 2003).
Segundo Langenbuch (1971), a faixa que vai de São Caetano
a Santo André foi a única porção dos arredores paulistanos a se
transformar em verdadeira ‘zona industrial suburbana’, durante os
anos 1915-1940. A mesma se destaca pelo grande número de
indústrias que ali se estabeleceram, pelo tamanho das mesmas e pela
diversidade. Em 1938, São Caetano contava com sessenta e nove
bricas, somando um total de 8127 operários. Santo André tinha
respectivamente setenta e duas fábricas, com 7661. O transporte de
carga dos estabelecimentos industriais se fazia predominantemente
através de desvios ferroviários. Neste sentido, o trecho São Caetano
- Santo André se estruturava como prolongamento funcional e
morfológico da faixa industrial de beira de linha.
A indústria brasileira teve expressivo crescimento nos anos
de 1907 a 1919, principalmente no setor produtor de bens de
consumo leve. Neste mesmo período, segundo Cano (1977), a
economia paulista entrou em franca expansão, sendo a região que
passou a apresentarveis mais elevados de concentração industrial.
Negri (1996), aponta que a indústria alimentar ampliou sua
participação no valor da produção industrial de São Paulo de 19,4%
para 30,7%, muito embora a instria têxtil tenha reduzido sua
participação na indústria paulista e aumentado no restante do país.
Juntos, esses dois setores ampliaram suas participações no total da
indústria de São Paulo e do Brasil, por conta de sua diversidade,
pelo aumento do consumo de bens tipicamente urbanos e porque,
de fato, ocorreu um processo de substituição de importação de
produtos de consumo leve. Esse processo iniciou-se, pois, dentro de
um quadro de amplo domínio paulista.
A I Guerra Mundial deu por sua vez, um grande impulso à
indústria brasileira. Não somente a importação dos países em
Economia cafeeira e ferrovia
45
conflito, que eram nossos habituais fornecedores de manufaturas,
declinou e mesmo se interrompeu, mas a forte queda do câmbio
reduziu também consideravelmente a concorrência estrangeira. As
necessidades de consumo, impossibilitado de se abastecer nos
únicos mercados fornecedores de então, estimularam o nascimento
de uma multiplicidade de pequenas indústrias, que se desenvolveram
principalmente em São Paulo.
Em seguida, a grave depressão econômica mundial fez com
que as relações de troca, entre a economia brasileira e a
internacional, se deteriorassem violentamente em decorrência do
aviltamento dos preços e da grande quantidade dos produtos
primários exportados pelo Brasil. A brutal retração dos negócios
com o exterior obrigava a nação a tentar produzir, internamente,
uma variedade de produtos que até então eram importados.
Assim, durante a guerra, surgiram 5.936 estabelecimentos
industriais, num total de 13.336 registrados em 1920 (SIMONSEN,
1973). A maior evolução industrial se daria, porém, nos últimos
dezoito anos, o que se verificou também em São Paulo, quando os
altos níveis de concentração da indústria paulista passaram a ter uma
maior expressividade (CANO, 1977).
A partir d a indústria paulista consolidou sua posão no
mercado nacional, através da instalação de um ainda incipiente setor
produtor de bens de produção. Cimento, aço, metalurgia mais
complexa e indústria química já despontavam operando, então, em
escala nacional. Neste período, a concentração paulista deixou de
ser ‘aparente’ para se transformar em ‘efetiva’. À medida que evoluía
e concentrava maiores parcelas da produção industrial do país, a
indústria paulista alcançava melhores resultados do que a instria
do restante do Brasil. Ao contrário das demais regiões do país, São
Paulo formou um setor industrial eficientemente estruturado, com
alta produtividade, o que lhe conferia melhores condições de
competitividade. Cabe lembrar que, se a indústria de São Paulo não
apresentasse elevada lucratividade, não atrairia capitais de outros
ramos da economia.
Em suma, podemos destacar alguns fatores preponderantes
que colaboraram para a industrialização de São Paulo: a nova
política de fomento a várias indústrias; a prosperidade da cultura
cafeeira; o fornecimento de energia elétrica abundante, a disposição
a partir de 1901 a preços relativamente baixos; a situação geográfica
da capital, já então constituída em centro ferroviário; o fluxo intenso
e crescente de imigrantes europeus fornecendo quadros técnicos,
artífices industriais e operários qualificados para os estabelecimentos
industriais nascentes, e a existência de capitais acumulados à procura
de investimentos lucrativos.
Economia cafeeira e ferrovia
46
Se por um lado a crise mundial de 1929 abalou a economia
brasileira, voltada até então exclusivamente para as exportações de
produtos primários, por outro contribuiu para estimular a expansão
industrial, dado que a depressão gerada pela queda dos preços e a
quantidade das exportações obrigaram o país a produzir os bens
reclamados pelo consumo interno.
A indústria de São Paulo continuou a se expandir à frente
dos demais estados, durante a década de 1920, e persistiu ao longo
da década seguinte. A diversificação foi mais acentuada na produção
de bens intermediários, principalmente nos setores químico, de
minerais não-metálicos e metalurgia.
Após 1939, a indústria paulista seguiria ampliando-se num
ritmo superior ao do resto do país. Com a II Guerra (1939/45), um
novo e decisivo impulso foi dado na marcha da evolução da
indústria paulista caracterizada, então, pela extraordinária
diversificação de gêneros. Na década de 1940, São Paulo respondia
com cerca de 28% dos novos estabelecimentos industriais,
consolidando, assim, sua liderança no país (EMPLASA, 2001).
Podemos afirmar, portanto, que o café foi um dos principais
responsáveis pelo processo de industrialização, centrado a princípio
no Rio de Janeiro e, posteriormente, em São Paulo. Basta
lembrarmos que a própria produção cafeeira demandou uma certa
indústria. Melhorias técnicas foram introduzidas no cultivo e no
preparo dos grãos de café, a partir da década de 1870, feitas por
meio da importação de despolpadores, ensacadores e balanças
automáticas.
A renda gerada pela exploração da cultura cafeeira e a
necessidade de incrementá-la, ainda mais, viabilizaram,
paralelamente, investimentos na indústria de máquinas, peças e
implementos agrícolas em São Paulo. Posteriormente, a partir de
1880, a implacável evolução urbana do setor secundário consolidou-
se com a instalação da indústria de bens de consumo, que se
destinava ao suprimento da emergente classe média urbana, surgida
em razão do desenvolvimento de empresas prestadoras de serviços
à cafeicultura (FERRÃO, 2004).
A lavoura cafeeira, segundo Loureiro (2005), permitiu uma
monetarização crescente da economia do centro-sul, ajudando, com
a elevação da renda, o fornecimento do mercado consumidor
interno. O café propiciou um gigantesco desenvolvimento em infra-
estrutura. Em São Paulo, por exemplo, toda a malha ferrovria foi
criada como decorrência do seu desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, tornou-se essencial para o escoamento da produção fabril do
estado, além de permitir às indústrias paulistas um abastecimento
seguro de matérias primas. Além disso, podemos citar também as
Economia cafeeira e ferrovia
47
reformas realizadas no porto de Santos, no final do século XIX,
feitas para aumentar sua capacidade para um maior escoamento das
exportões de café. A reforma permitiu importar em maior
quantidade e regularmente as máquinas e os bens intermediários
necesrios àsbricas.
Por fim, lembremos ainda da construção das hidrelétricas no
estado, ao término do século XIX, que foram edificadas em
decorrência do crescente processo de urbanização paulista. Nas
palavras de Martins (2005), foram as fortunas cafeeiras que
moveram as engrenagens do comércio, da indústria e dos
investimentos financeiros. E dentre esses investimentos podemos
considerar as ferrovias, como sendo o de maior expressão para o
desenvolvimento e ocupação do território do estado de São Paulo.
A seguir discorreremos sobre a primeira estrada de ferro
construída em solo paulista, a São Paulo Railway, cuja história es
intrinsecamente ligada à Vila Ferroviária de Paranapiacaba.
2.3 A ferrovia no Estado de São Paulo
A construção de ferrovias difundiu-se rapidamente por todo
o continente europeu. A inauguração da primeira ferrovia na
Inglaterra se deu no ano de 1825 e estabelecia a ligação entre
Stockton e Darlington, sendo a primeira ferrovia pública com tração
a vapor, projetada por George Stephenson e administrada por seu
filho Robert Stephenson. Nos Estados Unidos, a construção de
ferrovias começou entre 1827 e 1830. No final do século XIX, a
Inglaterra, França e Alemanha construíram ferrovias em suas
colônias africanas e asiáticas.
A ferrovia que surgiu na Europa, no auge da Revolução
Industrial, chegou ao Brasil em um contexto completamente
distinto, gerando um processo de implantação das linhas férreas
com algumas particularidades. Devido à inexistência de indústrias
ou tecnologia ferroviária no país, a participação de companhias
estrangeiras na construção das linhas férreas brasileiras foi uma
constante, a meados doculo XX.
O início da constrão das ferrovias no Brasil, em meados
do século XIX, representou muito mais que a introdução de um
novo meio de transporte que facilitaria o escoamento do café, pois
constituiu um marco divisor na vida das cidades sob várias formas.
Economia cafeeira e ferrovia
48
A estrada de ferro mudou a face das cidades, introduziu os
diferentes aspectos da vida moderna e chegou a transformar as
noções de tempo, de pressa, de pontualidade, de hora certa e valor
comercial do tempo (COSTA, 2001). O café e as ferrovias fizeram
parte de outras transformações que mudaram a maneira de viver no
Brasil do fim do século XIX e começo do XX. As ferrovias
integraram regiões e cidades, conquistaram o sertão. As estações
foram os pontos de contato dessa vasta rede de trocas, lugares de
passagem para os viajantes e transeuntes, para produtos e
mercadorias, mas também de passagem entre o urbano e o rural,
entre estar dentro e fora da cidade (LANNA, 2005). No Brasil, a
primeira linha férrea só foi inaugurada em 1854, ligando um trecho
de 14 km entre Mauá e Fragoso, no Rio de Janeiro.
No decorrer do segundo quartel do século XIX, os efeitos
da Revolução Industrial começaram a se fazer presentes no Brasil. A
intensificação das exportações de produtos agrícolas e a importação
de manufaturados despertaram o interesse dos países
industrializados em investir grandes somas de capital em países
pouco desenvolvidos, como era o caso do então Império do Brasil.
(CYRINO, 2000).
A Grã-Bretanha desempenhou importante papel no
processo de modernização do país, principalmente no período
compreendido entre 1808 e 1889. Os ingleses, principais
beneficiários da Lei de Abertura dos Portos, sancionada por D. João
VI, em 1808, participaram como principais empreendedores e
financiadores de grande parte das estradas de ferro da região de
Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
A expectativa de enriquecimento comercial criada pelo
ferroviarismo incentivou tanto os governos, quanto os
empreendedores. Devido à euforia dos primeiros tempos, má
planificação, prevalência dos interesses políticos, ausência de
planejamento e de estudos de viabilidade, diversas linhas e ramais
ferroviários não obtiveram resultados positivos, atuando sempre
deficitários. Porém, segundo Cano (1977), ao contrário do que
ocorreu com a maioria das ferrovias nas demais regiões do Brasil, as
implantadas em São Paulo tiveram um padrão de eficiência,
contribuindo poderosamente para a expansão do complexo
cafeeiro. À medida que a fronteira agrícola do café se distanciava em
direção ao interior paulista, surgia também um freio natural
representado pelos altos custos de transporte do produto, entre as
zonas produtoras e o porto de embarque. O problema dos
transportes, realizado em tropas de mulas por estradas sem
condições, arruinava parte considerável do café transportado. As
estradas que levavam para o litoral não passavam de estreitas
Economia cafeeira e ferrovia
49
veredas, com no máximo dois metros de largura. As mulas eram a
única alternativa de transporte para o café do oeste paulista, levando
até dez dias para chegar ao porto de Santos (Il.01). A superação
desses obstáculos se daria pela implantação do sistema ferroviário.
Il.01. Cargueiro transportando café 1881-1886. Marc Ferrez.
Fonte: O Café.São Paulo:Hamburg Donnelley, 2000.
Em São Paulo, com as dificuldades de transporte entre as
diversas regiões com a capital e o litoral, as discussões sobre a
implantação de ferrovias eram uma constante. A viagem entre o
planalto paulista e o litoral ocorria em três fases distintas, a primeira
e a última valendo-se dos caminhos fluviais existentes tanto na
região de planalto como na planície litorânea, mas a travessia da
Serra do Mar era o grande obstáculo a ser superado. Além das
perigosas trilhas por escarpas íngremes, a região tem um índice
pluviométrico relativamente alto, o que transformava cada viagem
em uma autêntica aventura de alto risco. Esta dificuldade de
transposição da Serra do Mar pode ser constatada já no século
XVII, de acordo com o relato a seguir:
“Não é andando que a pessoa faz a maior parte da viagem e
sim de gatinhas, com os pés e mãos no chão, agarrando-se às
raízes das arvores, em meio a rochas pontiagudas e terríveis
precicios. A profundeza do abismo é absolutamente
assustadora e a profuo de montanhas que vão surgindo
sucessivamente parece nos deixar sem nenhuma esperança de
chegar ao final. Quando acreditamos ter alcançado o cume de
uma delas, vemos que nos achamos apenas no sopé de uma
outra de igual altura.
É bem verdade, porém, que de vez em quando somos
recompensados das fadigas da subida. Quando me sentava
sobre o penhasco e olhava para baixo, parecia-me estar
situado no alto do firmamento e que tinha o mundo a meus
s. Uma vista admirável a terra, o mar, as planícies, as matas,
as cadeias de montanhas, tudo variava ao infinito, e era mais
belo do que é possível imaginar
( SAINT-HILAIRE,1940).
Economia cafeeira e ferrovia
50
Para vencer as escarpas da Serra do Mar em direção a
Santos, os índios da região costumavam seguir o caminho deixado
pela carreira de antas. Os colonos, por sua vez, valiam-se da
dificílima trilha indígena, conforme testemunha o jesuíta Fernão
Cardim, no ano de 1585: “o caminho é tão íngreme que às vezes
íamos pegando com as mãos(CARDIM, 1980).
Lamenta-se também o jesuíta Simão de Vasconcelos das
dificuldades encontradas no mesmo itinerário:
“O mais do espaço não é caminhar, é trepar de pés e
mãos, aferrados às raízes das árvores, e por entre
quebradas tais, e tais despenhadeiros, que confesso de
mim que a primeira vez que passei por aqui, me
tremeram as carnes, olhando para baixo”
(VASCONCELOS,1977).
A ligação entre São Vicente e Piaçagüera
12
, na época
possivelmente um porto fluvial ao pé da serra, era um percurso feito
pela água através dos inúmeros canais da região que tinham outra
configuração, sendo alterada pelo tempo devido àão das chuvas e
12
Piaçagoéra:Antiga passagem do caminho”, é o significado de Pe-haçá-guêra: de
pê, “caminho”, haçá,passagem, por ser infinitivo sem caso, guêra, o mesmo que
cuêra, verbal de pretérito, significando “o que foi, o que existiu”.
MENDES, J. (1902).
Diccionario Geographico da Província de S. Paulo. São Paulo: Typ. a vap. Espindola,
Siqueira.
enxurradas. De Piaçagüera, a trilha seguia pelo vale do rio Mogi,
escalando paredões até os altos da serra, obedecendo a um
delineamento que mais tarde seria a base do traçado da São Paulo
Railway nesse trecho.
A trilha tupiniquim, também chamada de “Caminho de
Piaçagüera”, foi durante muito tempo a única ligação entre o
planalto e o litoral, aproximadamente do século XVI ao XVIII,
quando da construção da Calçada do Lorena. Todavia, os viajantes
corriam grandes riscos ao percorrê-la. Uma nova ligação em área
mais ocidental, partindo próximo a Cubatão, foi proposta, seguindo
o delineamento do rio Perequê, onde foi construído um pequeno
porto fluvial, e prosseguindo até atingir, no planalto, as cabeceiras
do rio das Pedras e a rego conhecida como Zanzalá. Deu-se a este
caminho o nome de “trilha do Padre José”, em alusão ao Padre José
de Anchieta, sendo concebida em função da escolha do ponto
menos desfavorável à travessia da serra, mas ainda vinculado às
redes de circulação fluviais e terrestres existentes tanto na baixada
como no planalto (IL.02).
A trilha do Padre José, segundo Lavander (2005), não era
muito melhor que a antiga trilha Tupiniquim e padecia com a falta
de conservação. Precipícios e desmoronamentos restringiam o
transporte de cargas e animais, impedindo o desenvolvimento da
Economia cafeeira e ferrovia
51
região. Isto fez com que se procurassem novas alternativas do
traçado e melhorias dos caminhos existentes.
Il. 02. Esquema das trilhas na Serra do Mar. Fonte: Castilho, 1998.
A construção, no fim do século XVIII, de um aterrado para
o caminho entre Cubatão e a serra e a escalada pela margem
esquerda do rio das Pedras, foi a solução encontrada pelo então
governador da Capitania, Morgado de Mateus, e tornou-se mais
uma opção de trajeto. Contudo, o novo caminho para Cubatão
também estava sujeito às enchentes deste rio.
Em 1792, foi aberto um novo caminho que se fazia valer da
vertente do rio das Pedras. Grandes árvores foram derrubadas,
construíram-se canais de drenagem e muros de arrimo para que
fossem evitados atoleiros em locais de ascensão. O traçado era um
verdadeiro zigue-zague e o calçamento em perfil “v” para drenagem
mais eficiente. Ficou conhecido como “Calçada do Lorena” e
tornou-se a principal ligação com a baixada, permitindo que o
trajeto fosse cumprido em apenas três horas (Il.03).
O trajeto repetiu, na prática, um sistema de circulação entre
os principais elementos: o porto marítimo (Santos), o porto do pé
da serra (Cubatão) e o porto fluvial (São Paulo), tendo, como elo de
relação, o caminho através da Serra do Mar. Este era
essencialmente, a princípio, um caminho para pedestres, mas a
transformação na estrutura econômica do planalto, com incremento
de lavouras, e os respectivos cuidados necessários para a
conservação e transporte para a exportação da produção agrícola
exigiram a presença de tropas no Caminho do Mar. Estas eram
compostas por, geralmente, 100 a 300 muares, subdivididos em
grupos de quarenta a oitenta, guiados por cada tropeiro.
Legenda:
Trilha Tupiniquim
Caminho do Padre Jo
Calçada do Lorena ou Caminho
do Mar
Economia cafeeira e ferrovia
52
Il. 03. A sinuosa Calçada do Lorena, com mais de 180 curvas, transformou-se
na principal via de transporte do século XIX. Fonte: Walker, 2001.
Alguns anos mais tarde, a Calçada do Lorena também já não
apresentava mais as mesmas condições, devido à falta de
conservação. Além disto, o grande ângulo de ascensão na serra era
uma forte restrição à passagem de vculos, tornando-se um novo
empecilho ao desenvolvimento econômico em pleno processo de
expansão.
Foram feitos diversos estudos para a construção de uma outra
estrada que permitisse a passagem de carros e as novas obras foram
iniciadas em 1841. Esta estrada foi inaugurada em 1846, na presença
do próprio imperador, e ficou conhecida como a “Estrada da
Maioridade”, porém a inauguração da obra não significou, em um
primeiro momento, que tivessem sido alcançadas plenas condições
de trânsito, pois, enquanto corriam as obras, esta estrada passou a
ser a opção preferida pelos tropeiros e seus animais. Este uso, aliado
à deficiente conservação, levou-a praticamente a ser interditada
apenas dois anos após ter sido inaugurada (LAVANDER, 2005).
Como já foi citado anteriormente, o café chegou ao Brasil
em Bem do Pará, em 1727, pelas mãos de Mello Palheta. Com o
surto de desenvolvimento propiciado pela Revolução Industrial, na
Europa, difundiu-se e estimulou-se seu consumo, tornando-se um
hábito social. Isto propiciou também o acentuado desenvolvimento
econômico nas regiões onde havia seu cultivo.
A partir de meados do século XIX, o café passou a ser o
principal produto de exportação e começou gradativamente a
substituir a cultura canavieira, de menor rentabilidade.
A expansão cafeeira em território paulista ocorria em direção
contrária ao porto do Rio de Janeiro, tornando-o cada vez mais
distante, o que dificultava o escoamento do produto. Foram criadas
várias trilhas entre o Vale do Paraíba e o litoral, através de São Luiz
do Paraitinga e Paraibuna, que chegavam até o porto de São
Economia cafeeira e ferrovia
53
Sebastião. Enquanto isso, a ligação com o porto de Santos era
precária e restringia a cultura cafeeira até a localidade de São João do
Rio Claro, pois o custo do frete se tornava tão caro que inviabilizava
qualquer atividade além desta cidade. Tornava-se imperioso o
estabelecimento de uma via de comunicação eficiente para este fim,
uma estrada de ferro.
Após ser instalada a Assembléia Legislativa Provincial de
o Paulo, em 1835, no ano seguinte, foi apresentada a esta uma
proposta formulada por uma casa comercial de Santos e seu
associado, pleiteando autorização para construir uma ferrovia, na
província. Os proponentes eram Aguiar, Viúva, Filhos &
Companhia Platt e Reid
13
, que se dispunham a construir uma
ferrovia que, partindo de Santos, penetrasse o planalto, passando
pela capital e seguindo até Itu. O governo de São Paulo concedeu o
privilégio a esta Companhia, através da Lei Provincial número 51 de
março de 1836. Esta concessão, porém, foi revogada e substituída
pela Lei Provincial número 115 de 30 de março de 1838, sendo
autorizada a abertura desta companhia de acordo com os termos
que seguem:
13
O estabelecimento de Aguiar, Viúva, Filhos e Cia era constituído pela esposa e pelos
filhos do Tenente Coronel João Xavier da Costa Aguiar.
DEBES, C (1968). A caminho
do Oeste; subsídios para a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e das ferrovias
de São Paulo. São Paulo: Bentivegna.
Art.1º Fica autorizado o Presidente da Província a conceder
carta de privilégio exclusivo à companhia de Aguiar,Viúva,
Filhos & Comp., Platt e Reid, para a factura de uma estrada
de ferro, com as seguintes condições: a companhia fará
estradas de ferro, ou outras de mais moderna e perfeita
invenção, ou canaes ou uma e outra cousa, apropriados ao
transito de carros de vapor, ou sem vapor, puchados porém
por barcos de vapor, para o transporte dosneros e
viajantes desde a villa de Santos até às de São Carlos,
Constituição, Ytu ou Porto Feliz, ou para todas estas, como
também desde a villa de Santos até a de Mogy das Cruzes,
podendo juntar o rio Parahyba ao Tietê no primeiro ponto
mais perto d’esta villa, a cidade de S.Paulo, e a villa de
santos, começando as respectivas obras, dentro do prazo de
três annos, e n’este mesmo declarando ao Governo da
Província qual a direcção total das obras da empresa; estes
três annos se contarão da data da lei da Assembléia Geral,
que sancionar as disposições d’esta, que dependerem da sua
aprovação
(Lei provincial nº115
14
(1838).apud. CYRINO, 2000,
p.52).
Este empreendimento despertou o interesse e entusiasmo
daqueles que viam nele uma obra imprescindível para alavancar o
14
BRASIL (1838). Lei provincial número 115 de 30 de março de 1838.
Economia cafeeira e ferrovia
54
desenvolvimento de São Paulo que, naquela época, estava limitado
pelas precárias condições de conservação da Estrada do Mar.
Frederico Fomm
15
, sócio gerente da Casa Aguiar, Viúva, Filhos,
encomendou estudos topográficos da Serra do Mar aos irmãos De
Mornay – Alfred e Edward
16
. Feitos os levantamentos topográficos,
foi proposta a construção da ferrovia a partir das encostas da serra,
em Cubatão. Desta forma, a ligação entre Santos e Cubatão seria
por barcas a vapor e, no trecho de serra atras de planos
inclinados, conhecidos também por sistema funicular. Para a região
do planalto seria adotada a linha comum de simples aderência usada
atualmente.
A iniciativa dos santistas, antevendo o potencial agrícola de
o Paulo e o papel que o porto poderia desempenhar na ligão
com a Europa, não conseguiu superar a fase de estudos técnicos
iniciais do trecho da Serra do Mar. Frederico Fomm, na tentativa de
obter o capital necessário ao empreendimento, foi à falência, vindo
15
Não existe um consenso entre os autores estudados quanto à nacionalidade deste
engenheiro: se alemão, austríaco, belga, franco-prussiano ou inglês. Tratava-se de um
cidadão europeu estabelecido em Santos e casado com Dª Bárbara da Costa Aguiar,
filha de João Xavier da Costa Aguiar.
16
Alfred e seu irmão gêmeo Edward, engenheiros ingleses, conseguiram a concessão
em 1852 para a construção da segunda estrada de ferro do Brasil a “Recife and São
Francisco Company”, por possuírem o conhecimento do sistema de máquinas a vapor
fixas que tracionavam vagonetas de caro em linha de grandes rampas na Inglaterra.
Apesar de possivelmente ambos serem engenheiros, apenas Alfred era reconhecido
como tal.
a falecer em 1847. Sua viúva, Dª Bárbara, guardou os estudos e mais
tarde cedeu-os ao Marquês de Monte Alegre, presidente da
província de São Paulo. Apesar de ter obtido a concessão ferroviária
entre Santos e São João do Rio Claro, não conseguiu suficiente
arrecadação de capital para levar adiante tal empreitada. O Marquês
de Monte Alegre, de posse dos estudos feitos por De Mornay,
cedeu-os ao então Visconde de Mauá. Este, por sua vez, visto a
grandiosidade do empreendimento, encomendou novos estudos
mais detalhados ao engenheiro inglês Robert Milligan, com quem
tinha trabalhado na primeira ferrovia brasileira entre 1852 e 1854.
A concessão definitiva para a transposição da Serra do Mar
e conseqüente ligação do porto de Santos, com as regiões
produtoras agrícolas do interior de São Paulo, foi dada em 1856, ao
Barão de Mauá, ao Marquês de Monte Alegre, que pertencera ao
Governo Imperial durante o governo do gabinete de ministros de
1849, e a José Antonio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente,
que era conselheiro jurídico do próprio Imperador e um dos
principais políticos paulistas na corte. Esta concessão se deu através
do decreto Imperial número 1759, de 26 de abril de 1856, com o
seguinte conteúdo:
“Autoriza a incorporação de huma
Companhia para construção de huma Estrada de ferro
Economia cafeeira e ferrovia
55
entre a Cidade de Santos a a Villa de Jundiahy, na
Província de S. Paulo.
Tendo em attenção o que Me representam o
Márquez de Mont’Alegre, o Conselheiro José Antonio
Pimenta Bueno, e o Bao de Mauá: Hei por bem
determinar o seguinte:
Art.1º - Fio autorizados os referidos
Cidaos para incorporarem huma Companhia fora do
Paiz, a qual se encarregue de construir, usar e costear,
mediante as condições a que se refere o Artigo seguinte,
huma Estrada de ferro, que, partindo das vizinhanças da
Cidade de Santos, onde for mais conveniente, se
approxime da de S. Paulo e se dirija à Villa de Jundiahy
na respectiva Província.
Art.2º - A sobredita Companhia, se for
incorporada na conformidade do Decreto Nº 838 de 17
de setembro de 1855
17
, e das condições que com este
baixão, assignadas pelo Ministro e Secretario d’Estado
dos Negócios do Império, serão concedidos os
privilégios e favores constantes das mesmas condições.
17
Decreto Imperial número 838: “Autoriza o Governo a conceder favores à Companhia
que no intervalo das seções do Corpo Legislativo tomar por empreza uma estrada de
ferro entre a cidade de Santos a São João do Rio Claro, na Província de São Paulo
(apud:
CYRINO, 2000, p.67).
Luiz Pedreira do Couto Ferraz, do Meu Conselho,
Ministro e Secretario d’Estado dos Negócios do Império
assim a tenha e faça executar.
Pacio do Rio de Janeiro em vinte e seis de Abril de mil
oitocentos cincoenta e seis, trigésimo quinto da Independência e
do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador, Luiz Pedreira do
Couto Ferraz” (Decreto Imperial nº1.759
18
(1856).apud:
LAVANDER, 2005, p. 16).
A conceso, com prazo de noventa anos, previa também
uma zona de privilégio de cinco léguas, equivalente a 30 km
19
, para
cada lado da via, isenção de impostos na importação de materiais
necesrios à implantação da linha férrea, desapropriação de
terrenos necessários à construção, exploração de minas que
estivessem dentro da zona de privilégio e principalmente juros de
7% sobre o capital investido.
O privilégio outorgado a Ma e a seus associados impunha-
lhes a obrigação de incorporarem a companhia destinada a construir
a estrada dentro de dois anos, prazo esse que veio a ser acrescido,
18
BRASIL (1856). Decreto Imperial número 1.759 de 26 de abril de 1856. São Paulo.
19
Na bibliografia consultada este número, embora elevado, varia entre 30 e 33km, não
sendo feitas referências menores que cinco léguas. Uma légua equivale a 6,6 km.
Economia cafeeira e ferrovia
56
posteriormente, de mais dois anos
20
. As obras deveriam ser iniciadas
num máximo de dois anos a contar da aprovação dos estatutos da
sociedade e estar concluídas ao fim de doze, da data da concessão.
Dentre as vantagens conferidas, constava o privilégio de, em
igualdade de condição, prolongar suas linhas de Jundiahy até Rio
Claro, ou outro ponto, ou construir outras linhas de ferro em
seguimento da estrada contratada, ou pontos dela.
Il.04. Certificado de compra de ações da São Paulo Railway. Fonte: Terra
(2002).
20
O Decreto nº 2124 de 13 de março de 1858 prorrogou por dois anoso prazo para a
formação da companhia da Estrada de ferro de Santos a Jundiahy na Província de S.
Paulo” (apud.
DEBES, op. cit. p. 35).
De posse da concessão para a estrada de ferro e das
vantagens oferecidas pelos governos (Imperial e Provincial), o Barão
de Ma buscou, em Londres, levantar o capital necessário à
concretização da idéia. Os novos estudos da Serra do Mar, que
Mauá encomendara, foram levados à Inglaterra pelo seu sócio e
representante financeiro em Londres, João Henrique Reynell de
Castro, encarregado de angariar os fundos para a construção da
estrada. Foram submetidos à apreciação do engenheiro James
Brunlees, presidente do Instituto de Engenharia Civil da Grã-
Bretanha, para a realização de orçamentos e o projeto conclusivo. O
especialista britânico, por sua vez, designou o engenheiro Daniel M.
Fox para realizar o levantamento completo da estrada.
Daniel Mackinson Fox (1830-1918) materializou o sonho de
Irineu Evangelista de Souza, estabelecendo a ligação ferroviária
entre o litoral e o planalto paulista. Fox chegara ao Brasil em 1856,
encarregado de proceder aos levantamentos para a implantação da
“The São Paulo Railway Company”, tendo em conta, inclusive, os
estudos antes efetuados por Alfred de Mornay, que esboçara o
projeto pioneiro da ligação, através da Serra de Paranapiacaba. Fox
deveria proceder não só à escolha, como determinar o trajeto e
projetar a construção, vencendo a Serra do Mar. Indicou o melhor
sistema para que as composições ultrapassassem os obstáculos
Economia cafeeira e ferrovia
57
naturais da serra, imaginando um mecanismo de ‘cabos de aço’ que,
segundo Schoppa (2004), após cem anos de contínuo e perfeito
trabalho, permaneceu em uso com um relevante índice de
segurança. Este seu esquema, muito combatido a princípio,
prevaleceu e provou sua eficiência. Em 1858, voltou à Inglaterra,
retornando ao Brasil no ano seguinte para chefiar as obras de
construção da estrada, já na qualidade de engenheiro chefe
residente.
Em 06 de junho de 1860, o governo Imperial aprovara os
artigos da Associação da Companhia da Estrada de Ferro de Santos
a Jundiahy, elaborados na cidade de Londres, pelos organizadores
da mesma, com o nome oficial de The San Paulo (Brazilian) Railway
Company Ltd
21
. Os estatutos da Companhia totalizaram vinte e
nove capítulos e 264 artigos, sendo seu primeiro presidente Mr.
Robert A. Heath e tendo, como principais acionistas: Richard
Carruthers, com 300 ações; João Henrique Reynell de Castro, 4390 e
Alexander Donald Mac Gregor, 10500. Figuravam ainda nesta lista,
21
Para saber mais a respeito desta Empresa, consultar: CYRINO,F. (2000) Café,
Ferrovia e Argila:a história da implantação e consolidação da empresa The San Paulo
(Brazilian) Railway Company Ltd. São Paulo,
FAUUSP; GUNN, P. (1989). A São Paulo
Railway: As formas de concessão e encampação. In: Encontro Nacional da
ANPUR, 3,
Águas de São Pedro;
PETRATTI, P. (2000). A Instituição da São Paulo Railway. São
Paulo: Kids Produções Gráficas; Revista Engineering, 11 de março de 1870, v. 9. p.
156 e Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30 e 31 de março de 1900.
porém como sócios minoritários: George Peabody e Sir Isaac
Goldsmid, ambos com 100 ações; Henri Louis Bischoffsheim, 200;
Ansell Mayer, 348; William Gladstone, 400; Benjamim Cohen,1000
e o Barão Lionel de Rothschild, a princípio também com 1000
ações. (CALDEIRA, 1995). O custo de cada ação fora de vinte libras,
no início da Companhia (Il.04). Os compradores de ações, na época
de sua fundação, não obtiveram somente grandes retornos de
capital, todo ano pelos dividendos, mas tinham também grandes
lucros com a revenda de suas ações. Os lucros do segundo semestre
de 1867 alcançaram a soma de 29.000 libras (GRAHAM, 1973).
Além destes, havia outros nobres e cavalheiros, e também
comerciantes ingleses, que negociavam com o Brasil. Ao todo, 483
nomes, que tomaram todas as ações no momento do lançamento. O
próprio Barão de Mauá não era acionista, por ser concessionário da
estrada, por isso ele não deveria ter papéis em seu nome.
Depois de estabelecida a SPR, iniciaram-se as obras daquela
que seria a primeira ferrovia paulista. O trecho mais difícil a ser
vencido era a escarpa da Serra do Mar, com 800 metros de desnível,
o que exigiu grandes movimentações de terras, em uma distância de
aproximadamente oito km.
A solução encontrada pelos engenheiros britânicos foi a
criação de quatro planos inclinados (Il.05), onde os trens eram
Economia cafeeira e ferrovia
58
puxados por um sistema de cabos de aço conhecido por “tail-end”,
tracionados por máquinas a vapor fixas, com carga máxima de 60
toneladas numa extremidade e 30 toneladas na outra, em direção ao
litoral. Os cabos de aço, por sua vez, eram presos a um carro-breque
denominado “serra-breque” ou “locobreque”, dotado de freio tipo
tenazes que ‘mordiam’ os trilhos em caso de emergência.
P
i
assaguera
h
=
0
.
0
0
Alto da serra h= 800
1
º
p
l
a
n
o
1º patamar
2
º
p
l
a
n
o
3
º
p
l
a
n
o
4
º
p
l
a
n
o
2º patamar
3º patamar
4º patamar
1
9
4
8
1
0
8
0
2
6
9
7
2
1
4
0
Inclina
ç
ão 10%
Il. 05. Esquema dos planos inclinados. Croqui elaborado pela autora.
Este carro “serra-breque” era acoplado às composições por
meio de um dispositivo engatado em uma das extremidades do
cabo. Na outra extremidade havia outra composição, mas em
patamar diferente. Enquanto uma composição iniciava a subida pelo
recolhimento do cabo esticado, outra começava a descer fazendo a
operação inversa, ambas no mesmo plano inclinado. Exatamente na
metade do plano, a via férrea bifurcava-se para permitir o
cruzamento dos trens (Il.06). A operação do sistema funicular
começava então com a sincronia de posicionamento dos trens nos
patamares inferior (Piaçagüera) e superior (Alto da Serra, atual
Paranapiacaba).
O movimento era dado aos trens por meio de quatro
máquinas fixas implantadas na serra. Essas máquinas são da fábrica
William Fairbairn & Sons, de Manchester.
Il. 06. Cruzamento da linha férrea. Fonte:Lavander, 2005.
Por meios de roldanas, subterraneamente colocadas (Il.07),
passavam os cabos da casa de máquinas para os planos, onde se
desenrolavam por sobre polias, 4800 no total, com dmetro de
0,225m nas curvas e 0,304m nas tangentes (
PICANÇO, 1884).
Economia cafeeira e ferrovia
59
O tempo necessário para a subida ou descida de cada um
dos patamares era de aproximadamente dez minutos, sendo o
percurso de serra cumprido em 50 minutos, incluindo-se paradas,
manobras e mudança de pessoal do serrabreque.
Os trabalhos para a implantação deste sistema funicular
começaram simultaneamente nas três secções de que se compunha a
estrada, a primeira de Santos à Raiz da Serra; a segunda da Raiz da
Serra à Capital e a terceira da Capital a Jundiaí. O marco zero foi
estabelecido na primeira secção, onde estava localizado o convento
de Santo Antônio, no Bairro do Valongo, em Santos (Il.08).
Il. 07. Casa de máquinas com roldanas subterrâneas. Fonte:Lavander, 2005.
As chuvas permanentes no trecho de serra e os constantes
desmoronamentos dificultaram e atrasaram o cronograma previsto
para a obra, fazendo com que os investidores ingleses
considerassem exagerados os recursos solicitados pela empreiteira
contratada - Robert Sharp & Sons.
O problema das chuvas foi uma constante, tanto durante as
obras da ferrovia, quanto depois de concluídas. O alto índice
pluviométrico na serra (média anual de 3000 mm), continuou a
provocar danos e atrasos. O engenheiro chefe já havia declarado
que, na construção da São Paulo Railway, as obras de terraplanagem
estavam sujeitas a extensos e repentinos desmoronamentos e
aterramento durante a construção.
Il.08. Igreja e Convento de Santo Antônio do Valongo.Fonte:Lavander,2005.
Em 1868, apenas um ano após a inauguração, violentas
chuvas tinham impedido seriamente a complementação de
pequenos serviços. No ano seguinte, a linha ficou interditada ao
tráfego, durante vinte e três dias, devido ao deslizamento de terra;
Economia cafeeira e ferrovia
60
dez anos mais tarde, súbitas inundações destruíram completamente
um plano inclinado (GRAHAM,1973). Todos esses acontecimentos
eram narrados em relatórios e encaminhados ao Presidente da
Província.
Comunicado de Daniel Fox para o engenheiro fiscal
Eduardo J. Moraes, via telegrama, relatava ao Presidente da
Província o seguinte acontecimento:
“ Estrada de Ferro Santos a Jundiahy
3 São Paulo, 7 de Janeiro de 1880
Houve dez pequenos desmoronamentos de taludes na
serra, achando-se somente desempedido o 1°Plano; a partir
da Raiz. Na 1ª secção, de Santos a’ Raiz da Serra, as agoas
levao o lastro debaixo dos trilhos em diversos lugares. O
seu Superintendente Fox espera poder abrir amanhã o
trafego para os trens de passageiros, ainda que não tenha
certeza d’isso, o que só poderá affirmar mais tarde.
Segundo a sua communicação a chuva cahida foi de
dez polegadas inglezas ou 0,m25,
(sic) em seis horas
22
.
(AESP. Caixa 1, ocios diversos).
Um mês após esta ocorrência, outro relatório foi
apresentado dando conta dos estragos causados, no quarto plano
22
Este e outros comunicados, manuscritos e relatórios encontram-se no Arquivo do
Estado de São Paulo, (
AESP). Estrada de Ferro Santos-Jundiaí 1865-1890.
inclinado, entre o viaduto da Grota Funda e o Alto da Serra, onde
foram “(...) levados pelas agoas dois grandes aterros e
desmoronados dois grandes taludes (...)”
Em 28 de julho de 1864, com a presença do Barão Homem
de Melo, presidente da Província, foi inaugurado o 1° plano
inclinado. A inaugurão oficial do trecho entreo Paulo e Santos
ocorreu em 06 de setembro de 1865, marcada também pelo
primeiro acidente na história ferroviária paulista, um
descarrilamento de vagões, próximo ao Rio Tamanduateí.
Mas a inauguração oficial e solene, de abertura ao tráfego
entre os dois trechos – Santos ao Paulo e daí a Jundi – se deu
de fato em 16 de fevereiro de 1867. No dia 14, o presidente da
província, Conselheiro José Tavares Bastos, acompanhado de seu
ajudante de ordens, do chefe de polícia, do secretário do governo,
do primeiro superintendente da estrada Sr. James J. Aubertin, do
engenheiro fiscal Francisco Pereira Passos
23
, do engenheiro chefe da
construção, do engenheiro de linhas Daniel M. Fox, do cônsul
inglês Mr Burton e muitas outras personalidades partiram de São
23
Em ofício enviado em 23 de dezembro de 1865 ao Presidente da Província, Sr Dr
João da Silva Gama, foi comunicado que, a partir do dia seis do corrente, Francisco
Pereira Passos passa a exercer o cargo de engenheiro fiscal da Estrada de Ferro de
Santos a Jundiahy. (
AESP). Caixa vinte e sete, ofícios diversos. Pereira Passos, foi
membro da “Institution of Civil Engineers” de Londres, e anos depois realizaria as
reformas urbanas no Rio de Janeiro. Revista Engineering. v. 3. 1867.
Economia cafeeira e ferrovia
61
Paulo no trem inaugural, sentido a Jundiaí, gastando no percurso 2
horas e 30 minutos. A comitiva, porém, retornou à capital no
mesmo dia, para, no seguinte, empreender a viagem até Santos, o
que levou 5 horas, devido às importantes paradas na serra.
A efetivação dessa via que rompeu o isolamento do planalto,
em relação ao litoral, foi um fator de grande relevância pelo elevado
desenvolvimento que se verificaria, a partir de então, na produção
agrícola no interior da província de São Paulo e também do próprio
porto de Santos que, com o impulso da cultura cafeeira, passaria a
ser um dos mais destacados na América Latina (KÜHL, 1998).
Diante do crescimento da economia paulista e das
exportações pelo porto de Santos, a SPR empreendeu a duplicação
de toda a sua linha tronco, na serra e no planalto, entre 1896 e 1901,
e construiu um novo sistema funicular de maior capacidade. As
obras foram feitas em ritmo acelerado em todas as suas frentes,
tendo sido concluídas, por volta de 1900, e inauguradas no ano
seguinte. O novo sistema funicular da serra, a partir de então
conhecido como “Serra Nova”, era considerado uma maravilha
tecnológica. Graham denomina a construção dessa estrada como
sendo um monumento da engenharia do século XIX. Relatos de
engenheiros e viajantes da época proclamavam as maravilhas da
engenharia britânica.
Il. 09. Esquema dos novos planos inclinados com cinco patamares.Croqui
elaborado pela autora.
Nesse curto trecho de linha, apenas dez quilômetros,
contam-se não menos do que setenta e nove bueiros e pontilhões,
com 14.154 m³ de alvenaria, cinqüenta e oito muralhas de arrimo
(Il.10) medindo, na extensão total, 2.755 metros lineares e 82.906 m³
de alvenaria, dezoito pontes e viadutos com comprimento total de
1.477m, pesando o ferro 3.947 toneladas, treze túneis com
comprimento total de 1.350 m (PINTO, 1977).
Ribeiro (2002), descreve a estrada de ferro inglesa como um
‘monumento grandioso da indústria moderna’, onde:
P
i
assaguera
h
=
0
.
0
0
Alto da serra h= 800
1º patamar
1
4
5
2
,
5
2º patamar
3º patamar
patamar
1
9
3
0
2
0
4
0
2
0
4
5
2
0
2
3
,
5
Inclinação 8
%
5º patamar
130
130
154
130
130
2060
2170
2175
2153,5
1606,5
Economia cafeeira e ferrovia
62
“Na serra de Santos a obra do homem es em harmonia
com a terra em que assenta; a pujança previdente da arte
mostra-se digna da magnitude ameaçadora da natureza”.
Il.10. Túnel e vista parcial dos Novos Planos Inclinados da Serra e da casa
de máquinas do 3º patamar dos Antigos Planos Inclinados. Onde se vê a
grande muralha de arrimo, logo abaixo as canaletas coletoras e dois túneis.
Fonte: Mazzoco, 2005.
E denomina o Viaduto da Grota Funda como ‘simplesmente uma
maravilha, a vitória do atrevimento sobre a enormidade, do ferro
sobre o vazio, da célula cerebral sobre a natureza bruta’.
Os trens trafegavam por cinco planos inclinados (Il.09) entre
Paranapiacaba e Piaçagüera, rebocados por locomotivas a vapor
especiais chamadas “loco-breques”. A linha duplicada construída
desenvolvia-se em aproximadamente dez quilômetros, vencendo o
desnível com cinco planos inclinados de cerca de dois quilômetros
cada um, com uma declividade de oito por cento, havendo
patamares intermedrios, onde se encontravam instaladas as
máquinas fixas de tração do funicular (Il.12); o raio mínimo das
curvas na serra era de 600 m. As cinco inclinações, cada uma com
casa de máquinas e caldeiras, trabalhavam simultaneamente. Deste
modo, a tração era realizada através das máquinas fixas a vapor,
sendo cada uma colocada, subterraneamente, em cada patamar.
Il. 11. Chave de sinais. Imagem: Gláucia Homna, 1999.
No final do ano de 1899, a totalidade das obras de
duplicação da linha, de Santos até a Raiz da Serra e do Alto da Serra
até Jundiaí, haviam sido completadas; os novos planos inclinados
somente seriam abertos ao tráfego no ano seguinte, em 1900. Ao
Economia cafeeira e ferrovia
63
duplicar a sua linha tronco, a SPR instalou o mais extenso sistema
de sinalização mecânica do Brasil, na época, dotando todas as
estações de cabines de chaves e sinais (Il.11).
A partir do início da operação da nova linha da SPR, durante
a superintendência de William Speers, foram mantidos dois turnos
de serviço na Serra Nova e um turno na Serra Velha, empregando-
se 1400 homens e gastando 28.000 toneladas de caro por ano,
neste trecho. A Serra Velha continuou operando apenas para carga
(MAZZOCO, 2005).
A comparação entre os dois sistemas, batizados de Serra
Velha e Serra Nova, pode ser melhor compreendida através do
quadro 3.
Serra Velha ou Sistema
funicular
Serra Nova ou Sistema
funicular
Inauguração: 1867
Extensão: 8Km
Declividade: rampas de 10% e
declive de 762 metros
Sistema: cabos simples, 4
máquinas fixas a vapor, 1 no alto
de cada plano inclinado.
Viagens: média diária de 48,7
Transporte: média diária de 2432
ton. acima e 1857 ton. abaixo
Tempo: 50 minutos, incluindo
paradas, manobras e mudança de
pessoal.
Inauguração: 1901
Extensão: 10Km
Declividade: rampas de 8% e
declive de 796 metros
Sistema: cabos sem fim, 5
máquinas fixas a vapor, 1 no alto
de cada plano inclinado.
Viagens: média diária de 114,6
Transporte: média diária de
11.747 ton. acima e 9521 ton.
abaixo
Tempo: 35 minutos, incluindo
paradas, manobras e mudança de
pessoal.
Quadro 3. Quadro comparativo entre os dois sistemas funiculares.
Fonte: Organizado a partir de dados fornecidos por Mazzoco, 2005.
A SPR foi, até 1930, a única ligação ferroviária de São Paulo
com Santos, constituindo assim um gargalo obrigatório de passagem
de quase tudo quanto entrava ou saía pelo porto de Santos.
Economia cafeeira e ferrovia
64
Il. 12. Terceira casa de máquina implantada na serra. Fonte: Lavander, 2005.
Durante as primeiras décadas do século XX, a SPR
procurou manter seu bom desempenho, tornando-se uma referência
em termos de eficiência dentre as ferrovias brasileiras. Sua
administração e operação eram tipicamente inglesas, refletidas no
estilo impecável de suas estações e locomotivas e na aparência de
seus funcionários. A operação era pontual, como nas melhores
ferrovias britânicas.
A inauguração da linha da SPR, ligando Santos a Jundiaí, foi
um marco efetivo do início de um sistema ferroviário que, em
pouco tempo, se estendeu por grande parte da então província de
o Paulo.
A extensão começou na cidade de Campinas quando esta
passou a representar o ponto chave do transporte do café. A idéia
inicial era que os trilhos da SPR deveriam ultrapassar Jundiaí e
chegar até Campinas. A própria Companhia Inglesa tinha a
preferência para construir esse prolongamento, mas não
demonstrava interesse em fazê-lo, uma vez que era a grande
monopolizadora do transporte para o movimentado porto de
Santos. Não sendo mais posvel esperar qualquer iniciativa desta
companhia, coube a fazendeiros e capitalistas de São Paulo levar os
trilhos adiante para as áreas que, na época, já vinham sendo
dominadas pelos cafezais.
A Companhia Paulista de Estrada de Ferro de Jundiaí a
Campinas surgiu da iniciativa empreendida por Saldanha Marinho,
então presidente da província de São Paulo. Em seu discurso na
Assembléia Legislativa que se instalou em 02 de fevereiro de 1868,
declarou:
“É o primeiro exemplo desta ordem, no país. É a
primeira companhia brasileira que, em pontoo elevado,
abstrai de capitais estranhos e se liberta do jugo comercial
Economia cafeeira e ferrovia
65
estrangeiro. É de fato um alcance enorme para o futuro”
(DEBES, 1968).
A Paulista, como ficou conhecida esta Companhia, nasceu
principalmente dos interesses de fazendeiros
24
do centro oeste e do
oeste do estado, vinculados ao café, sendo a primeira estrada de
ferro paulista onde o capital era nacional e originário, em sua grande
parte, da riqueza gerada pelo café, em São Paulo.
Em maio de 1869, foi firmado o contrato entre o governo
provincial e a Companhia Paulista e, em agosto do mesmo ano, uma
resolução legislativa autorizava o governo Imperial a conceder à Cia
Paulista favores e isenções nos mesmos moldes do contrato da SPR.
As obras da via, também de bitola larga, de 1,60m, foram iniciadas
em março de 1870 e sua inauguração se deu em 11 de agosto de
1872.
A malha ferroviária de São Paulo foi se constituindo à
medida das conveniências e aspirações das localidades
imediatamente interessadas, que se movimentaram para a realização
desuas estradas de ferro, de acordo com as proporções de seus
meios de ação. Neste sentido três companhias se organizaram, com
24
Alguns nomes associados à Cia Paulista: Os Barões de Itapetininga, de Limeira, de
Piracicaba, de Cascalho, de Tietê, de Atibaia, de Souza Queiroz, de São João do Rio
Claro, de Antonina e de Itatiba; Conde do Pinhal; os Viscondes de Vergueiro e de
Indaiatuba, Martinho Prado, Luiz Antônio de Souza Barros, os irmãos Souza Aranha,
Antônio Pompeu de Camargo, Floriano de Camargo Penteado.
pequeno intervalo de tempo. É o caso da Ituana (1873), ligando Itu
a Jundiaí; Mogiana (1875), ligando Campinas – Jaguariúna – Mogi
Mirim; e a Sorocabana (1875), ligando São Paulo a Sorocaba.
Tal como ocorrera anteriormente, entendia-se que não
convinha à ferrovia se deter em Jundi e naquele momento julgava-
se que ela também não deveria deter-se em Campinas.
De todas as companhias que se constituíram em São Paulo,
na segunda fase do desenvolvimento ferrovrio, foi a Mogiana a
que construiu a maior extensão de linhas férreas no território
paulista, sendo a primeira a atingir as divisas de São Paulo.
O monopólio da SPR seria quebrado na década de 30, com a
construção da linha Mairinque a Santos, por um ramal da
Sorocabana, com bitola de 1,00m, que veio tirar a economia paulista
da dependência absoluta dos planos inclinados da Serra do Mar,
antes mesmo de vencida a concessão inglesa.
Esta quebra de monopólio talvez já estivesse sendo
articulada muito tempo antes, uma vez que o superintendente
William Speers se manifestou contrário a todo e qualquer tipo de
empreendimento neste sentido e encaminhou um relatório, em 19
de abril de 1890, ao engenheiro fiscal da estrada de ferro, na pessoa
do Sr. Dr.zimo Barroso, para que este tomasse ciência da
posição da companhia.
Economia cafeeira e ferrovia
66
Embora não tendo conhecimento algum official de
planos de estrada de ferro para Santos, a partirem da
linha Mogyana, da linha Paulista, da Linha Ituana, ou da
linha Sorocabana, ou mesmo sem ligação alguma com
aquellas linhas, sou forçado a renovar os protestos que
tenho feito, para salvaguardar os interesses da estrada de
ferro de Santos a’ Jundiahy, a fim de que não se entenda
que esta Companhia aceita taes planos de estradas de
ferro. (...) esta superintendência declarou protestar
contra quaesquer concessões de estradas de ferro para o
porto de Santos, para haver perdas e damnos que do
facto da conceso resultarem a’ Companhia.
Apresso-me hoje a rememorar aquelle e outros protestos
ulteriores; e a accrescentar que vou dar communicação
deste novo protesto a’ Directoria em Londres para agir,
pelo modo que julgar mais útil, na defesa de seus
interesses.(...)”.
25
O desenvolvimento das estradas de ferro em São Paulo não
obedeceu a um plano previamente delineado; as malhas da grande
rede de viação foram sendo concebidas dia a dia, atendendo a
interesses particulares sem nenhuma preocupação de conjunto, nem
25
Manuscrito, fonte: Arquivo do Estado de São Paulo. Estrada de Ferro Santos-Jundiaí
1865-1890. Caixa vinte e sete. Ofícios diversos.
sistema de coordenação de partes. Havia variação de bitolas: a SPR
e o tronco principal da Paulista tinham bitola larga (1,60m) e, as
demais linhas, bitola estreita (0,60 ou 1,00m). Eram verdadeiras
estradas ‘cata-café’ na denominação de MATOS (1990), servindo aos
interesses das fazendas de uma determinada região.
Outras linhas e ramais foram surgindo concomitantemente:
“Estrada de Ferro Araraquarense”, “Estrada de Ferro São Paulo –
Minas”, “Estrada de Ferro Noroeste do Brasil”, entre outras.
26
A
elaboração dos traçados nem sempre levava em conta as condões
geográficas dos sítios, obedecendo sim, na maior parte das vezes,
aos interesses de políticos e das companhias que obtivessem a
concessão, que incluía terrenos e operação (MAZZOCO, 2005).
26
Para maiores informações sobre as estradas de ferro de São Paulo consultar: DEBES,
op.
cit.; GHIRARDELLO, N. (1999) À beira da linha: formações urbanas da Noroeste
Paulista. São Paulo:
UNESP; MATOS, O. (1990). Café e ferrovias: a evolução ferroviária
de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas: Pontes;
PASCOALICK, R. (1941). Uma ferrovia paulista, a Sorocabana. Revista do Arquivo
Municipal, São Paulo;
SAES, F.A.M. (1981). As ferrovias de São Paulo: 1870-1940. São
Paulo: Hucitec;
SHOPPA, R. (2004). 150 anos do trem no Brasil. São Paulo:Vianapole
Design.
Economia cafeeira e ferrovia
67
Il. 13. Diagrama das estradas de ferro na então Província de São Paulo. Fonte:Lavander, 2005.
Economia cafeeira e ferrovia
68
Essa profusão de ferrovias (Il.13), segundo Kühl (1998), foi a
responsável pela integração de grande parte do território paulista ao
surto de desenvolvimento econômico que tornou o estado de São
Paulo o principal centro produtor e exportador de café.
Anteriormente, muitas cidades estavam isoladas da dinâmica da
economia, devido ao excessivo custo do transporte de mercadorias
por muares.
A construção dao Paulo Railway levou vida nova ao
planalto paulista. A facilidade e a velocidade dadas ao transporte de
carga e passageiro modificaram a paisagem do interior e deram
incentivos ao desenvolvimento econômico do estado. A produção
agrícola se estendeu por todo o interior e as estações da linha férrea
passaram a ser pontos de convergência de produtos e pessoas das
áreas circunvizinhas, alterando o traçado original dos caminhos
(FERREIRA, 1988).
Isto conferia ao local das estações a oportunidade de
assumir uma modesta função regional. Pequenos povoados, às vezes
quase insignificantes, surgiram em torno das estações, entre fins do
século XIX e início do XX. Affonso Freitas cita, entre outros, como
‘povoações’ São Caetano (atual São Caetano do Sul), Estação São
Bernardo (Santo André), Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Alto
da Serra (Paranapiacaba). Freitas
27
(1906), apud LANGENBUCH,
1971, p.105. Novas ferrovias, como dito anteriormente, foram
construídas pelo interior do estado, tendo, como origem, a SPR,
transformando esta via no principal corredor de circulação de toda a
demanda de exportação e importação de São Paulo.
No final do século XIX e início do XX, os ‘povoados-
estações’ passaram a ser ocupados por pequenas indústrias. Na
região do ABC paulista, as indústrias que se estabeleceram ao longo
da linha férrea foram: a General Motors, em São Caetano do Sul;
Moinhos São Jorge, Valisère Têxtil, Rhodia Química, Philips
Iluminação, Pirelli Pneus, em Santo André; Cofap e Isan, no distrito
de Capuava; TRW e Porcelanas Schmidt, em Mauá.
Desses povoados que se formaram ao longo dos trilhos,
todos se tornaram grandes cidades que se conurbaram e fazem parte
da Região Metropolitana de São Paulo. Porém, o mais singular
deles é, sem dúvida, a vila construída pela companhia inglesa “The
o Paulo Railway Co”, para abrigar parte de seus funcionários. Esta
vila localiza-se ao sul do município de Santo André, distante da
capital São Paulo 51 km e é, a respeito dela que trataremos a seguir
27
FREITAS, A.A. Geographia do Estado de São Paulo. apud LANGENBUCH, J.R. A
estruturação da Grande São Paulo. Estudo de geografia urbana. Rio de Janeiro: Instituto
Brasileiro de geografia, 1971.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
69
3.1 Origem da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
A origem da Vila de Paranapiacaba está intrinsecamente
ligada à construção daquela que seria a primeira companhia
ferroviária a fixar trilhos no Estado de São Paulo, a inglesa São
Paulo Railway (SPR). Esta construiu uma linha férrea que, cortando
a Serra do Mar, desbravou a Mata Atlântica e encurtou distâncias.
Sua principal finalidade foi o transporte do café a partir da cidade de
Jundiaí para o porto de Santos. Para tanto, sua construção no trecho
de serra foi a mais difícil de ser executada e demandou a mão-de-
obra de muitos trabalhadores, tornando-se necessária a constituição
de acampamentos próximos às obras para abrigo dos mesmos. O
local escolhido pela companhia inglesa São Paulo Railway para a
instalação do pessoal técnico operacional e administrativo do
sistema ferroviário foi um vale circundado por morros e recebeu o
nome de Alto da Serra
1
.
Segundo o geógrafo Aziz Ab’Saber (1985), uma
consideração importante do Alto da Serra é a sua posição em um
alvéolo colinoso entre um colar de pequenas serranias seguida pelo
1
No dia 15 de junho de 1945, a estação do Alto da Serra passou a denominar-se
Paranapiacaba, de acordo com o que deliberou o Departamento de Estradas de
Rodagem e o Conselho Nacional de Geografia (
GAIARSA, 1968.p.10).
paredão da Serra do Mar com seus esporões, onde a serra se
apresenta como se fosse num compartimento especial do Planalto
Atlântico, muito próximo dos esporões da serra e de suas escarpas.
Assim sendo, o local onde foi inserida a vila ferroviária controla três
regiões: a Serra e seus respectivos esporões, o Planalto Atlântico e
sua região serrana florestal. Em função desta situação, no bordo
assimétrico do planalto e muito próximo de uma escarpa tropical, a
vila recebe o impacto quase constante de nevoeiros.
“Às vezes despertava dentro inteirinha das nuvens.
Demorava desembaraçar-se dos véus. Havia porém dias
claros, logo cheios de chuva, ou mesmo de sol e de
chuva. Outros, eram meias jornadas límpidas de azul,
nunca entretanto 24 horas estáveis” (
FERRAZ, 1975).
A escolha desse local pela SPR também se deu pelo fato de
ser ali o último platô da Serra do Mar a apresentar uma topografia
menos acidentada em relação às escarpas da serra, configurando-se
num terreno plano nas proximidades de onde seria implantada a
futura estrada de ferro, elevando-se de forma mais acentuada à
medida que se aproxima da encosta da serra e por oferecer
condições básicas de existência com abundância de fontes de
energia como a madeira nativa para carvão combustível, água para
abastecimento e posteriormente fácil acesso ao porto e à capital pela
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
70
linha férrea.
Paranapiacaba possui um rico sistema hídrico, dividido em
três sub-bacias hidrográficas pertencentes aos rios Grande, Pequeno
e Mogi. A bacia do rio Mogi está voltada para a vertente marítima
da Serra do Mar, cujas nascentes se encontram próximas à vila. O
rio Grande, um dos principais contribuintes da represa Billings, tem
suas nascentes nas matas do entorno da Vila de Paranapiacaba, nos
contrafortes da Serra do Mar, em cotas acima de 800m; suas águas
escoam para o oceano Atlântico. O rio Pequeno também apresenta
suas nascentes em cotas superiores aos 800m, porém, elas não se
aproximam das vertentes da Serra do Mar. É também um dos
braços formadores da represa Billings
2
. A Vila de Paranapiacaba
abrange uma área de cerca de 32,6 ha. (COSTA Fº, 2005).
Escolhido o sítio e iniciadas as obras (Il.01), os relatórios dos
engenheiros fiscais do governo informam sobre cerca de cinco mil
homens livres
3
que participaram da construção da ferrovia. O
engenheiro Daniel Fox, ao analisar as dificuldades em conseguir
mão-de-obra livre para a construção da ferrovia em São Paulo,
2
Sumário de dados: Paranapiacaba e Parque Andreense ano base 2004. Prefeitura
Municipal de Santo André, 2005.
3
Segundo as cláusulas contratuais da SPR, constante do Decreto Imperial nº 1759, de
26 de abril de 1852, a Companhia se obrigava “a não possuir escravos, a não empregar
no serviço da construção da estrada de ferro senão pessoas livres”. Revista Ferrovia, Nº
340, São Paulo, julho de 1964.
assinalou a sua escassez e o fato de ser constituída de trabalhadores
de origem portuguesa. Prosseguiu dizendo que os únicos artesãos
com quem poderia contar, pela qualidade do trabalho, seriam os
estrangeiros, imigrantes portugueses, italianos, espanhóis e alemães,
sendo indispensável contratar especialistas ingleses para os assuntos
técnicos da ferrovia (MAZZOCO, 2005). Esses imigrantes foram
contratados para derrubar as matas e movimentar terras, bem como
para construir o sistema funicular com os planos inclinados e seus
respectivos patamares.
Durante os trabalhos de preparação do leito e implantação
da linha férrea no topo da Serra do Mar, os trabalhadores ficaram
acampados em abrigos de pau-a-pique. Alto da Serra surgiu em
meio à construção desta primeira ferrovia paulista, como canteiro de
obras para a implantação da ferrovia no trecho da serra, instalado
em 1861, reunindo equipamentos e depósitos ferroviários e as
habitações provisórias dos operários.
Embora pensada como um acampamento temporário, o
funcionamento do maquinário do sistema funicular e os trabalhos
de manutenção do trecho da Serra do Mar acabaram por determinar
a permanência de um grande contingente de operários no Alto da
Serra, e a SPR, ao inaugurar o tráfego de trens entre São Paulo e
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
71
Santos, em 1867, se viu obrigada a manter no local esses
trabalhadores que, até então, continuavam acampados.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba começou a ser
implantada a partir da década de 1860, em decorrência da
construção da ferrovia. A constituição e expansão do núcleo urbano
de Paranapiacaba se processaram concomitantemente à
implementação da estrada de ferro que ligava as áreas produtoras do
interior do estado, ao porto de Santos. Sua implantação se deu em
momentos distintos e de forma diferente em cada núcleo, sendo
eles, Varanda Velha ou Vila Velha, Parte Alta ou Morro e Vila Nova
ou Vila Martin Smith. A implantação desses núcleos urbanos pode
ser dividida em duas fases: o primeiro período, compreendido entre
1860 e 1899, corresponde à construção do primeiro sistema
funicular; o segundo abrange de 1900 a 1946, com a duplicação da
linha férrea em toda a sua extensão até o fim da concessão inglesa
para operação do sistema ferroviário neste trecho.
Il. 01. Início das obras dos antigos planos inclinados na Serra do Mar,
c.1861. Mazzoco
, 2005.
Para transpor os quase 800 metros de escarpa que
separavam o planalto da baixada, foi necessária a adoção de um
sistema baseado em quatro planos inclinados interligados por
patamares, onde foram instaladas as máquinas fixas que acionavam
os cabos de aço que sustentavam a locomotiva e as composições na
subida e descida da serra. Esse sistema foi denominado funicular e
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
72
seu funcionamento exigiu que um número expressivo de operários
se estabelecesse no primeiro núcleo de povoamento.
Segundo Lemos (1986), na fase inicial da construção houve a
ocupação dos locais hoje correspondentes à Vila Velha, a partir da
Parte Alta, por um acampamento de operários (Il.02). Não foi
implantado um modelo de arruamento para esta área
correspondente à primeira ocupação inglesa, apenas fora
determinado um eixo principal que dava acesso aos depósitos e
oficinas, distribuindo-se desordenadamente em torno desta rua as
construções dos operários.
A segunda fase 1900/1946 é, de acordo com Minami (1994),
a fase de investimentos e melhoramentos caracterizada pela
duplicação da linha férrea, pela construção da estação ferroviária, de
armazéns, do mercado, do clube recreativo, da escola, do depósito
de locomotivas e marcada pela construção da Vila Nova ou Vila
Martin Smith. O projeto de implantação urbanístico e das
edificações deste novo núcleo, como extensão da Vila Velha, foi
elaborado na Inglaterra e contava com passeios, ruas principais e
secundárias e vielas sanitárias, de forma a facilitar a manutenção das
instalações e conservar a higiene do local. Assim era possível efetuar
qualquer reparo sem prejuízo das ruas principais.
Il. 02. Acampamento no alto da serra. 1860. Fonte: Museu de Santo André.
As residências para os funcionários da ferrovia foram
construídas com tipologias padronizadas e hierarquizadas de acordo
com o cargo e a função desempenhados na ferrovia. Dentro desse
planejamento, a SPR desenvolveu também um programa com
diversas atividades sociais e de lazer, conjugado com uma infra-
estrutura urbana adequada, plano de ocupação e uso do solo, além
de possuir condições sanitárias satisfatórias, uma vez que as
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
73
moradias possuíam banheiros externos ao corpo principal das casas.
As casas construídas em madeira, geralmente o pinho-de-
riga, foram recuadas em relação ao alinhamento da rua para a
formação de jardins (F.01) e, mesmo aquelas dispostas em grupo,
geminadas, possuem seus espaços frontais destinados para esse fim,
o que, segundo Dixon (1978), “é um ideal peculiarmente inglês” que
provavelmente remonta ao período da Inglaterra vitoriana onde a
casa suburbana ou de campo se tornou popular devido à
prosperidade da classe média que buscava nesse tipo de moradia-
sem opulência- um refúgio onde pudesse manter contato com a
natureza e usufruir seu próprio jardim, longe da cidade industrial
poluída e, ao que parece, esse ideal se refletiu na Vila Martin Smith.
Esses recuos, de acordo com Castilho (1998), não eram
comuns no início do século, nem mesmo na capital. Na cidade de
São Paulo, somente as chácaras possuíam jardins. As habitações, em
geral, alinhavam-se junto ao arruamento que, por sua vez, era
definido pelas casas. Para Reis Filho (1970), não havia meio-termo,
as casas eram urbanas ou rurais, não se concebendo casas urbanas
recuadas e com jardins, pois que a arquitetura residencial urbana
estava baseada em um tipo de lote com características bastante
definidas, os terrenos eram de pouca frente, forçando o
alongamento das construções. Durante muito tempo não houve
qualquer modificação na maneira de implantação da casa no terreno,
mesmo porque, em certos casos, tal padronização era fixada nas
Cartas Régias ou em posturas municipais, pelo menos até a segunda
metade do século XIX, quando começaram a sofrer pequenas
alterações para um novo tipo de implantação, o recuo lateral.
F. 01. Casas geminadas com recuos frontais e jardins. Foto: da autora, 2004.
Observamos, com isso, um fato peculiar de uma Companhia
particular construindo uma nova lógica urbana, um novo padrão de
morar, que foi o próprio urbanismo importado da Inglaterra e
implantado na Vila Martin Smith, em Paranapiacaba, pela SPR, com
suas próprias regras e normas urbanísticas o que levanta a hipótese
de que, por ser um empreendimento privado, não sofreu qualquer
interferência da legislação vigente, tanto municipal quanto estadual.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
74
O projeto, implantação e administração da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba fora um ato independente da SPR.
O programa de manutenção de todo o empreendimento
urbano realizado pela empresa cuidou muito bem da aparência das
edificações e de seus arredores, implantando serviços de reparos e
melhoramentos periódicos, mantendo ruas e jardins bem cuidados,
além das fachadas dos edifícios que recebiam freqüentes pinturas.
“(...) todos cuidavam para que tudo na vila permanecesse
limpo e em ordem. Com os equipamentos e maquinários
da ferrovia, os cuidados eram redobrados: tudo era limpo
e não havia graxa ou óleo no chão próximo das máquinas
fixas. Os metais eram, constantemente polidos. Tudo
brilhava”. (Depoimento de Joaquim Pereira RITO, apud
PASSARELLI, 1989.p.15).
O cuidado era tanto que a SPR mantinha uma equipe
especial de manutenção da vila e de suas casas, que tratava até
mesmo das roseiras na frente de cada casa, bem como da
manutenção das habitações, sujeitando os moradores a uma
constante inspeção e invasão de privacidade (MORAIS, 2002). As
casas eram geralmente muito bem cuidadas. Nas horas de folga
faziam-se pequenos serviços de conservação. Refugos da estrada de
ferro, pedaços de trilhos e de cabo de funicular eram matéria-prima
para todo tipo de reparos.
Quando era preciso trocar o vidro de uma janela, construir
algo, fazer um concerto na parte elétrica ou no encanamento, era
preciso fazer uma requisição para ser logo atendido pela repartição
denominada engenharia (FERREIRA, 1988). Assim, a vila estava
sempre limpa e bem cuidada, com suas ruas arborizadas e calçadas
com os restos de carvão, depois de queimados pelas fornalhas, e as
casas eram sempre mantidas com a pintura nova.
A Vila de Paranapiacaba era como uma extensão da ferrovia,
tanto na aparência, como em sua administração. As casas eram
alugadas aos operários e nada podia ser modificado sem permissão
(SANTOS, 1981). A manutenção era feita por funcionários da
empresa e havia diversas normas para o habitar ferroviário na vila,
que, se desobedecidas, resultava em punições e até demissões.
Como não poderia deixar de ser, havia normas e
regulamentos para os trabalhos na ferrovia, estabelecidos numa
espécie de ‘cartilha’. Todo ferroviário possuía a sua. Um dos artigos
desse regulamento deveria ser seguido por maquinistas, foguistas,
brequistas e outros empregados dos planos inclinados e ditava a
seguinte norma:
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
75
“Os feitores dos patamares devem comparecer
nas suas cabinas, de manhã, meia hora antes do tempo
marcado pelo tráfego para correr as viagens.
Ao feitor do Alto da Serra compete marcar a sua
chegada no relógio registrador collocado na própria
cabina; logo depois pôr-se-á em communicação com os
demais feitores nos outros patamares, verificando assim a
presença delles em suas respectivas cabinas; e em seguida
experimentará os aparelhos eléctricos, fazendo a
respectiva observação no relatório diário.
Fica entendido que o feitor do Alto da Serra é
responsável pelo fiel cumprimento deste regulamento, e
qualquer irregularidade que houver será por elle
immediatamente levada ao conhecimento do
administrador da Serra.” (Additamento ao artigo 72 dos
Regulamentos para o serviço das serras. Fonte: acervo
pessoal Adalberto Almeida).
Quem assinava tal regulamento é o engenheiro inglês e
superintendente William Speers, em dezembro de 1909.
O pagamento dos funcionários era feito em latas numeradas
para cada indivíduo e vinha com recompensas ou descontos, devido
às suas preocupações e ao zelo para com o maquinário da empresa
(MORAIS, 2002). As locomotivas primavam pela limpeza, havendo
uma equipe especialmente para fazer tal tipo de trabalho. Os
materiais não-ferrosos, como bronze, cobre e alumínio, estavam
sempre brilhando e os próprios funcionários (maquinistas e
foguistas) que operavam exigiam limpeza, assim como também
procuravam colaborar, mantendo-as sempre limpas (FERREIRA,
1988).
Nem mesmo as crianças, filhos dos funcionários da ferrovia,
escapavam a esse controle, uma vez que os boletins escolares eram
entregues primeiramente ao superintendente da ferrovia e só depois
aos pais.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
76
3.2 Os traçados urbanos
A história da forma urbana da Vila Ferroviária de
Paranapiacaba, que enfatiza a dimensão física, pode ser registrada
em dois tempos: implantação e consolidação e, mais tarde,
duplicação e expansão. Como citado anteriormente, o primeiro
período corresponde aos primórdios da construção da estrada de
ferro propriamente dito, quando os operários dessa empreitada
ficavam abrigados nos acampamentos temporários que se
estabeleceram tanto no alto quanto na raiz da serra (Il.03).
Il. 03. Acampamento temporário dos operários da ferrovia na raiz da serra.
1860.
Fonte: Museu de Santo André.
O segundo período ocorreu anos mais tarde, quando a
produção cafeeira atingiu níveis vertiginosos, sendo necessária a
duplicação da linha para dar vazão à exportação do excedente. Essa
duplicação fez parte de um conjunto de medidas implementadas
pela SPR e abrangia não só o Alto da Serra, bem como toda a
extensão da linha que ia de Santos até a cidade de Jundiaí.
Para nossa análise, dividimos a Vila Ferroviária de
Paranapiacaba em três setores (Il.04) ou núcleos urbanos (Parte Alta
ou Morro, Vila Velha ou Varanda Velha e Vila Martin Smith ou Vila
Nova), de acordo com sua data provável de implantação e
apoiando-se nos dados históricos obtidos através da bibliografia
consultada. O Trabalho começará a partir de dois assentamentos
urbanos com características distintas que foram implantados no
Alto da Serra por ocasião da construção da primeira fase da ferrovia:
a Vila Velha e a Parte Alta.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
77
Na imagem ao lado está representada toda a
Vila Ferroviária de Paranapiacaba,
circundada pela Serra do Mar e dividida
pelos três núcleos urbanos.
Vila Martin Smith
Pátio Ferroviário
Parte Alta
Vila Velha
Il. 04. Vista aérea. Fonte: Plano de desenvolvimento sustentável da Vila de Paranapiacaba, 1997. CDRom.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
78
3.2.1 A Vila Velha
Na década de 1860, como já mencionado anteriormente, o
Alto da Serra teve apenas a função de alojamento dos trabalhadores
responsáveis pela instalação da primeira ligação entre o planalto e a
Baixada Santista efetuada pelo primeiro sistema funicular, ou Serra
Velha como ficou sendo chamado, após a duplicação da linha.
Em 1864, estava pronto o primeiro trecho ligando Santos a
São Paulo. Três anos mais tarde o sistema foi inaugurado em caráter
provisório, com duas viagens diárias. No término destas obras,
ficaram apenas os funcionários necessários para a manutenção dos
serviços de conservação da ferrovia, do maquinário e das operações
de tráfego, dando origem ao vilarejo denominado Varanda Velha ou
Vila Velha (F.02), organizado nos arredores da ferrovia. A Vila
Velha, como é mais conhecida atualmente, é um conjunto que
representa as edificações mais antigas e o local que ofereceu infra-
estrutura básica à construção da ferrovia, principalmente em relação
à assistência médica, através do Hospital do Alto da Serra.
A implantação é totalmente irregular quanto a lotes e ruas,
tendo algumas de suas edificações construídas em torno do
chamado Caminho do Hospital Velho e daquele que seria o
primeiro e único eixo viário de fato. Aberto pelos operários
imigrantes, provavelmente sob alguma orientação inglesa, de onde
se poderia abrir o eixo estruturador e qual seria o melhor local,
porém este núcleo não possuiu um planejamento prévio, um
traçado urbano definido. Sua implantação deu-se de maneira fortuita
a partir desse eixo principal e ao longo dos caminhos criados no
entorno.
F. 02. Vila Velha. Caminho do Hospital. Foto: da autora, 2004.
Em muitos casos, como por exemplo, nas cidades de
Mairinque e Carapicuíba, as empresas ferroviárias concentravam
parte das casas próximas à esplanada da estação, geralmente do lado
oposto ao seu acesso. Na Vila Velha esse modelo de implantação
não se aplicou, pois a distribuição dessas primeiras moradias se fez
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
79
perpendicular à linha férrea e elas se estabeleceram muito perto dos
galpões, oficinas e depósitos, facilitando dessa maneira o acesso dos
trabalhadores aos seus locais de trabalho, diminuindo o percurso e
mantendo uma inter-relação de ambiente, trabalho e moradia.
A Vila Velha foi pensada a princípio apenas como um lugar
para os equipamentos ferroviários e de alojamento dos operadores
do sistema funicular e, portanto, não haveria a necessidade de um
controle urbano maior por parte dos ingleses que, nesse momento,
não se estabeleceram na vila como uma presença marcante,
residindo em São Paulo, na vila dos ingleses próxima à estação da
Luz. A companhia tinha suas construções: uma pequena estação
provisória, as oficinas e os depósitos construídos em tijolo e pedra e
cobertos, no primeiro momento, com folhas de ferro galvanizadas
onduladas (LEMOS,1986).
Na Vila Velha está localizada a Rua Direita, considerada a
primeira rua construída na vila, local onde se estabeleceu um
pequeno comércio, como farmácia e padaria, e prestação de serviço,
como cooperativa e pensão. A denominação ‘Rua Direita’ nos
remete à cidade colonial. Toda cidade de certa importância tinha
então a sua ‘Rua Direita’, geralmente em relação à igreja principal.
Uma das hipóteses levantadas então para essa nomenclatura pode
ser encontrada nos primeiros moradores dessa vila, ou seja, a grande
maioria deles eram imigrantes portugueses. Acredita-se que, muito
provavelmente, possa ter surgido dessa influência tal denominação.
A Rua Direita (F.03) foi e continua sendo o eixo estruturador da Vila
Velha.
F. 03. Rua Direita vista a partir da Parte Alta. Foto: da autora, 2004.
Aproveitando-se deste primeiro eixo, as casas foram
construídas de maneira aleatória no sítio, sem acompanhar o eixo
principal existente, dando essa característica de assentamento
espontâneo. Também não houve preocupação em se definir os
demais eixos viários obedecendo a uma regularidade no traçado. O
que encontramos hoje são os mesmos caminhos que foram
estabelecidos desde a primeira ocupação da Vila Velha,
permanecendo ainda como tais. As demais construções também
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
80
foram se estabelecendo ao longo desses caminhos, como ocorreu
com a casa do médico residente, situada ao final do Caminho do
Hospital e, portanto, próximo ao complexo de enfermarias e do
próprio edifício hospitalar.
O alojamento para solteiros também é um exemplo desse
tipo de ocupação espontânea. Na foto (F.04), o edifício está
localizado à direita do eixo principal de quem vem da estação, não
mantendo com a rua nenhuma relação de paralelismo, tampouco
com o caminho que se estabeleceu ao seu redor, o Caminho da Bela
Vista. Este não é o único conjunto existente na Vila Velha destinado
para esse fim. No Caminho do Antigo Hospital, há dois outros
edifícios apresentando as mesmas características de simples
conjugado de porta e janela sem alpendre frontal.
F.04. Alojamento para solteiros, próximo a Rua Direita. Foto da autora, 2004.
É na Vila Velha que também encontramos os primeiros
exemplares de moradia geminada (F.05). A adequação do traçado
urbano e das edificações no terreno podem ser entendidas como
uma solução que foi adotada pelos ingleses para intervir o mínimo
possível no local. Duas hipóteses, não excludentes, pelo contrário,
podem ser aventadas: ou essa postura foi adotada como forma de
agilizar a construção ou, por ser o solo de geologia frágil, evitaram-
se grandes movimentos de terra no núcleo urbano que se
estabeleceria, construindo-se assim os alicerces em alvenaria sobre o
terreno inclinado, sem a realização de cortes e aterros nos lotes,
garantindo dessa maneira uma melhor estabilidade do solo. Essa
adequação à topografia do terreno, criando platôs, foi uma solução
muito utilizada na arquitetura do movimento ‘Arts & Crafts’.
F.05. Primeiros exemplares de casas geminadas. Foto: da autora, 2004.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
81
A opção pela estratégia de elevação do plano de piso em
madeira está associada a requisito de durabilidade para este
elemento do edifício que, ao ser elevado, distancia-se da umidade do
solo, nociva à integridade física da madeira. Ademais a pedra atenua
significativamente, em contraste com o tijolo de barro, a umidade
ascendente do solo por processo de capilaridade.
Do lugar os ingleses utilizaram apenas as pedras que
serviram de embasamento para as edificações; o restante do material
foi importado. A dificuldade de se encontrar material para
construção é relatada por Fox:
“(...) os únicos materiais disponíveis na província são
madeira, pedra, tijolos, cal e brita. Apesar de haver uma
abundância de boas madeiras nas florestas (...) é
aconselhável o pinho de riga, que pode ser obtido de
qualquer comprimento e é muito mais fácil de ser
trabalhado do que a dura madeira do Brasil. (...) No
interior há escassez de pedras apropriadas para a
construção”(
MAZZOCO, 2005).
O ferro na forma de componentes industrializados pré-
moldados, importados da Inglaterra para serem montados no local e
devidamente tratados para enfrentar as condições ambientais
brasileiras, passou a ser uma alternativa largamente empregada nas
estruturas e fundações. A primeira estação construída tinha sua
plataforma acabando no largo dos padeiros
4
, onde se inicia a Rua
Direita que, por sua vez, dá acesso aos caminhos que se
estabeleceram de maneira aleatória. Os galpões e casas de máquinas
foram distribuídos ao longo da linha férrea e, na rua da Estação,
estão situadas as oficinas. A cabine de comando do quarto patamar
está situada no início da descida da serra.
A implantação da Vila Velha transcorreu por dois
momentos distintos. O primeiro, já relatado, passou de
acampamento para as primeiras moradias próximas aos
equipamentos ferroviários, como a estação, oficinas e depósitos. O
segundo momento, ou de expansão, se deu na década de 1930,
quando foram construídas novas casas geminadas ao fim da Rua
Direita e também na Rua Rodrigues Alves (esta ligando a Vila Velha
com Vila Martin Smith); as casas foram locadas em lotes pré-
estabelecidos, mantendo o alinhamento e recuos em relação ao
traçado existente (Pl.01). Podemos afirmar que neste momento e
neste trecho da Vila Velha houve certa preocupação em se seguir o
padrão urbano adotado na vizinha Vila Martin Smith.
4
Antes da construção de uma padaria na Vila Velha, a aquisição desse gênero
alimentício se dava neste espaço.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
82
Na planta ao lado podemos fazer uma leitura dos
principais elementos urbanos e arquitetônicos da Vila
Velha.
Edificações:
1) Conjunto de casas da década de 1930 (F.06)
2) Local da antiga pensão
(hoje em ruínas) (F.07)
3) Local da antiga padaria
(hoje em ruínas)
4) Alojamento para solteiros (
F.09)
5) Primeiras moradias operárias (
F.10)
6) Local da 1ª Estação
(provisória) (F.11)
7) Galpões, oficinas e depósitos
(F.12)
8) Residência do médico
(1863) (F.13)
9) Complexo de enfermarias e hospital
(1862) (F.14)
Largos, ruas e caminhos
A) Eixo estruturador. Rua Direita (F.08)
B) Caminho do Mendes
C) Caminho da Bela Vista
D) Caminho do Hospital
E) Caminho da Estação
F) Largo dos padeiros
G) Trilhas
H) Passarela metálica (1899)
Pl. 01. Planta cadastral. Vila Velha e principais pontos referenciais. Fonte: Prefeitura Municipal de Santo André, 1990. (PMSA).
1
1
1
3
2
5
4
4
5
5
6
7
7
7
8
9
A
A
B
C
E
D
F
G
Limite entre a Vila
Velha e Martin Smith
H D
7
N
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
83
Imagens das principais edificações da Vila Velha
F.06. Conjunto de casas da década de 1930 F.07. Antiga pensão em ruínas F.08. Rua Direita
F.09. Alojamento de solteiros no Cam. do Hospital F.10. Primeiras moradias operárias F. 11. Local da primeira estação
F.12. Galpões e oficinas F.13. Residência do médico F.14. Complexo de enfermarias
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
84
3.2.2 Parte Alta ou Morro
Paralelamente à formação da Vila Velha, outro aglomerado
urbano foi surgindo do lado oposto ao pátio ferroviário, em um
terreno que apresenta uma topografia bastante acidentada: foi a
gleba concedida então a Bento José Rodrigues da Silva. A notícia da
construção de uma ferrovia chamou a atenção deste proprietário de
terras em Mogi das Cruzes, que foi um dos primeiros moradores da
Parte Alta. Empreendeu a abertura de um caminho que ligava Mogi
até a vereda onde os ingleses estavam construindo a estrada de
ferro.
“Bento José, tendo chegado ao sítio, construiu um
ranchinho de pau a pique no morro, junto à rua que hoje
se denomina Rodrigues Quaresma. Requereu do governo
uma porção do território. Foi lhe concedida uma gleba de
quarenta alqueires que foram doados aos que desejavam
construir suas moradias no local. Também foi doação o
terreno da igreja e cemitério” (
GAIARSA, 1968).
Em contraste com a Vila Martin Smith implantada pelos
ingleses na segunda fase da ferrovia, aqui ocorreu uma implantação
condicionada à topografia acidentada na encosta do morro e voltada
para o pátio ferroviário. A Parte Alta pode-se dizer que recebeu uma
ocupação marcada pela herança portuguesa, pois em ruas estreitas
foram erguidas unidades de pequena frente, edificadas nas divisas e
junto ao alinhamento, o que acabou por definir o arruamento de
acordo com a inclinação do terreno, sendo para isso necessária a
execução de muitos cortes no local.
M. 01. Região da Serra do Mar. Fonte: Castilho, 1998.
O mapa (M.01) ilustra um trecho da topografia da Serra do Mar onde
foi então implantada a Vila Ferroviária de Paranapiacaba.
Área urbanizada
Pátio ferroviário
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
85
Segmentando a vila em parte alta e baixa, está o pátio
ferroviário que, por sua vez, contorna o morro numa
semicircunferência.
O pontilhado verde delimita a crista da serra. O pátio
ferroviário, representado aqui pela cor laranja, foi instalado
praticamente no único local que apresenta uma topografia plana. A
área amarela abrange os núcleos urbanos da Vila de Paranapiacaba,
respectivamente Parte Alta do lado esquerdo da linha férrea e as
vilas, Velha e Martin Smith, à direita.
M. 02. Mapa da ocupação inicial do Alto da Serra, s/d.(PASSARELLI, 1989).
O mapa (M.02) ao lado mostra como era a configuração
espacial no início da ocupação do Alto da Serra nos primórdios da
ferrovia, quando havia apenas uma única linha férrea do primeiro
sistema funicular. Do lado esquerdo do mapa está a Parte Alta numa
colina íngreme e escarpada, não dando margem à criação de ruas
largas, apenas pequenas e estreitas passagens. A Parte Alta neste
momento contava somente com a Rua Rodrigues Quaresma, que
deu o pontapé inicial para o surgimento das demais ruas.
A indicação da igreja no mapa corresponde ao local onde
esta seria construída e não ao edifício propriamente dito, uma vez
que este só seria erguido em 1889, quando a Parte Alta já contava
com um grande número de edificações. A ligação da Parte Alta com
a Vila Velha, na parte baixa, provavelmente era efetuada através da
linha férrea, pois a construção da passarela metálica ocorreu em
1899, como parte dos melhoramentos da SPR quando foi duplicada
a linha.
Ao se observar o lado direito do mapa, verifica-se que a Rua
Direita, na Vila Velha, já se configura como principal eixo viário e
para ela convergem os caminhos que também já se estabeleceriam
neste primeiro momento de ocupação do território. Dos quatro
caminhos existentes desde a época da primeira povoação da Vila
Velha, apenas o Caminho da Estação passou a ter denominação de
1) Caminho da Estação
2) Caminho do Hospital
3) Caminho da Bela Vista
4) Caminho do Mendes
Vila Velha
Parte Alta
1
2 3
4
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
86
rua depois da implantação da Vila Martin Smith. Normalmente era
chamada dessa forma porque estava na linha de frente da primeira
estação, construída em 1874. A segunda estação, inaugurada em
1900, apesar de se localizar no meio do pátio ferroviário, também
estava próxima e paralela a essa rua. Os demais continuam com a
denominação de caminhos até hoje.
F.15. Aglomeração urbana da Parte Alta. Foto da autora, 2007.
A Parte Alta (F.15) formou uma área concentradora das
atividades comerciais de abastecimento da população local.
Funcionavam lá os estabelecimentos comerciais e de prestação de
serviços. Havia na Parte Alta dentistas, alfaiates, sapateiros,
barbeiros, armazéns de secos e molhados, farmácia, hotéis e pensões
que recebiam possíveis ferroviários a caminho de uma contratação
pela SPR. Além dos vários estabelecimentos, havia também uma
associação cultural, o Clube Recreativo Flor da Serra, que promovia
bailes e sessão de cinema (FERREIRA, 1988).
As construções, em geral de uso misto (F.16), foram
justapostas umas às outras apresentando fachadas coloridas,
compondo uma parte contínua junto à rua, com suas aberturas
principais fazendo frente, de preferência, para o pátio ferroviário.
Comum a todo aglomerado, estava o uso da madeira na construção.
Era farta a quantidade de pinho-de-riga, madeira importada da
Europa, utilizada como lastro dos navios que retornavam para novo
carregamento de café (PASSARELLI, 1989).
F.16 e F.17. Parte Alta. Sobrados de uso misto e viela com moradias no
alinhamento.
Fotos: da autora, 2005.
Enquanto a Parte Alta era parcelada e ocupada por
comerciantes, compondo um núcleo de serviços para os operários
da SPR, a parte baixa na Vila Velha abrigava os equipamentos,
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
87
materiais ferroviários e as moradias dos operários assentados ao
longo da Rua Direita.
A Parte Alta também era considerada com sendo a ‘cidade
livre’, pois estava fora do controle da companhia ferroviária, daí o
uso de cores no casario, contrapondo com a austeridade da Vila
Velha. A historiografia urbana que trata das vilas operárias relata, na
maioria das vezes, a presença de uma cidade livre nas proximidades
dos núcleos fabris controlados. A exemplo disso podemos citar os
núcleos de Delmiro Gouveia em Alagoas, Rio Tinto na Paraíba e
Paulista em Pernambuco.
A cidade livre se constitui no reverso e, ao mesmo tempo,
complemento do núcleo operário, sendo uma presença constante
nas proximidades daqueles regidos por um controle rígido exercido
pela empresa (GUNN e CORREIA, 2002). É a cidade que é livre do
controle, das regras, da vigilância, é aquela que escapa ao sistema
disciplinado das empresas. Neste caso, a SPR era a empresa que
impunha um controle sobre a moradia, o consumo, o lazer, o
ensino, a saúde e também sobre o espaço. A Parte Alta
desempenhou então esse papel de ‘válvula de escape’, com eventos
que iam desde quermesses, festas juninas, bailes a exibição de filmes.
Mas ao mesmo tempo ela complementou, do ponto de vista
funcional, a vila implantada pelos ingleses, pois tinha um comércio
que atendia a toda a população da vila de um modo geral.
Posteriormente a Parte Alta passou ainda a ser chamada
também de ‘Vila dos Aposentados’, pois era para lá que se dirigia a
maioria dos trabalhadores que eram dispensados da SPR. Este fato
gerou outra relação, pois, enquanto produtivo, o trabalhador
permanecia na Vila planejada com todos os benefícios que ela
oferecia; depois, quando se tornava improdutivo, deslocava-se para
o outro lado da linha. Tem-se aí a questão dos laços ferroviários: o
pai se aposentava, mas o filho continuava na ferrovia, e o vínculo
familiar levava o indivíduo a permanecer ali na Parte Alta. Era muito
comum a contratação de parentes, assim como a profissão passar de
pai para filho, formando gerações de trabalhadores que seguiam
carreira na empresa ferroviária (CUNHA, 2001).
Ao observarmos a planta cadastral da Parte Alta (Pl.02), fica
claro o apinhamento das casas. As primeiras construções localizadas
na Rua Rodrigues Quaresma possuem ainda as características dos
lotes coloniais: testada estreita e fundo extenso. Todas as demais
construções da Parte Alta também acompanham a topografia do
terreno, sendo construídas tanto no alinhamento frontal quanto nas
divisas laterais do lote.
As condições topográficas podem ser melhor observadas a
partir da planta com as curvas de nível apresentada adiante (Pl.03).
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
88
Pl. 02. Parte Alta. Planta cadastral. Fonte: PMSA, 1990.
Cemitério
Primeiras moradias da
Rua Rodrigues Quaresma
Igreja
Passarela metálica
Clube Flor da Serra
Escadaria
Largo
N
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
89
Pl. 03. Planta com curvas de nível, Parte Alta. Fonte: PMSA, 1990.
N
90
Numa relação simétrica com a Vila Velha, cuja divisão foi
feita pelo leito ferroviário, foi erigida a primeira capela (F.18), vizinha
ao cemitério, no topo de uma encosta da Parte Alta. Provavelmente,
foi somente após a fixação definitiva deste aglomerado urbano, em
torno da estação, que se deu a construção da “(...) igrejinha rústica e
desgraciosa(...)”. Construída pelos moradores do local, trabalhadores
ou não da estrada de ferro, “(...) a Capela de Bom Jesus, erecta no
Alto da Serra, districto de São Bernardo” recebeu a sua primeira
licença para a celebração do Santo Sacrifício da Missa em 08 de
agosto de 1884. (Livro de Registros de Provisões da Cúria Metropolitana
de São Paulo, 1884-1885:25.
In: PASSARELLI, 1989).
Ainda de acordo com Passarelli a população local começou a
se organizar e, em 1889, foi fundada a “Irmandade do Senhor do
Bom Jesus”, associação religiosa de leigos que teve como sede a
capela de mesmo nome, recebendo sobre seu frontão triangular a
inscrição desta data. Esta entidade, como muitas outras irmandades
leigas existentes no Brasil, realizava a administração da igreja e de
seus cultos e, principalmente, organizava as festas e procissões
religiosas.
F.18. Igreja Bom Jesus de Paranapiacaba. Foto: da autora, 2005.
A construção da capela marcou também o primeiro
momento de segregação entre a comunidade que estava se
constituindo no Alto da Serra: de um lado, os ingleses protestantes
e, de outro, os católicos. Essa apropriação espacial por parte desses
dois grupos distintos foi relatada pelo bispo de São Paulo da época,
em sua autorização para a construção do cemitério (F.19).
“(...) seja o cemitério dos catholicos inteiramente
separado dos protestantes a fim de poder ser bento e
assim prestar-se ao enterramento sem profanação dos
fiéis catholicos” (São Paulo. Estado. apud
CASTILHO,
1998.p.45).
91
F.19. Cemitério dos católicos. Foto da autora, 2006.
Exceto o fato relatado acima, não há outros dados que
comprovem qualquer tipo de atrito religioso entre os funcionários
católicos da SPR e seus dirigentes ingleses protestantes. Essa
questão religiosa referente aos ingleses em nenhum momento foi
vista como um empecilho, imposição ou fator determinante para a
contratação de trabalhadores na SPR por conta de sua crença, haja
vista que a grande parte desses trabalhadores era constituída de
imigrantes europeus, na maioria portugueses católicos e poucos
brasileiros.
Pode-se dizer que os ingleses, no momento da construção e
implantação tanto da estrada de ferro quanto da vila ferroviária, não
estavam preocupados com essa questão. Acreditamos que deve ter
havido uma certa segregação por parte dos ingleses como, por
exemplo, não ter sido criado um local específico para o culto
protestante, tampouco um cemitério fora construído para
sepultamento dos ingleses em Paranapiacaba, mesmo porque, a
quantidade de ingleses moradores na vila, talvez não justificasse a
construção de tais equipamentos, já existentes nas cidades de São
Paulo e Santos, com rápido acesso pelo trem. Mas, até onde se sabe,
isso não causou maiores transtornos na convivência cotidiana da
vila. Base de ordem social de muitos núcleos fabris, aqui foi de
pouca importância a religião como instrumento de controle social.
Na virada do século, a pequena capela datada de 1889 sofreu
alterações. Em 1909, o pároco de São Bernardo enviou o
Reverendo Padre Luís Capra para residir no Alto da Serra e, logo
que chegou, realizou reformas na Capela do Bom Jesus. Onde antes
só havia paredes com o telhado, sem capela-mor, foram construídos
o forro, a capela-mor, quatro janelas grandes com vitrais, uma torre
lateral para o sino, e providenciou ainda, imagens sacras, tapetes e
outros acessórios. (Livro do Tombo da Paróquia de Ribeirão Pires,
1911. In: PASSARELLI, 1989.p.14).
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
92
3.2.3 Vila Nova ou Vila Martin Smith
A prática de construção de habitação operária junto aos
espaços produtivos das empresas foi uma ação que se apresentou
tanto nos países industrializados quanto nos de industrialização
tardia, como no caso do Brasil. Tais assentamentos localizavam-se
geralmente afastados de cidades consolidadas, podendo apresentar
equipamentos de uso comunitário e áreas de lazer, mas sempre
controlados pelas empresas. O contrário também ocorria, com
instalações fabris próximas à cidade e fazendo uso de seus
equipamentos urbanos.
As transformações decorrentes dessa industrialização
provocaram mudanças substanciais nas cidades. A velha estrutura
manufatureira com o trabalho em domicílio agregado à atividade
agrícola foi substituída pela concentração do trabalho na fábrica,
transformando o artesão em proletário assalariado (CALABI, 2000) e
levando-o a confrontar os valores de desenvolvimento tecnológico e
do ‘progresso’ com a condição miserável de trabalho, higiene e
moradia dos operários.
Entre aqueles que propuseram intervenção no espaço físico
estão Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier, em sua maioria
com um viés socialista. Estes acreditavam na possibilidade de
transformação do homem e da sociedade por intermédio do
desenvolvimento tecnológico. Para eles, à nova sociedade deveria
corresponder uma nova cidade. Algumas experiências foram
realizadas nesse sentido.
De acordo com Benevolo (1981), as cidades ideais, propostas
pelos utópicos do século XIX, procuraram resolver de forma
racional a questão do trabalho e da moradia, ao mesmo tempo em
que previam a instalação dos serviços coletivos necessários, como
escolas, creches, mercados etc. Sugeriam uma organização espacial
onde houvesse muito verde, ar e luz. Para o problema da habitação,
foram propostos tanto conjuntos coletivos, como o falanstério de
Fourier, quanto residências individuais. Estas propostas buscavam
proporcionar melhor qualidade de vida, tentando solucionar
racionalmente a questão do trabalho e da habitação.
Ao longo do século XIX e início do XX, a moradia do
trabalhador passou a ser construída por higienistas, filantropos,
industriais, empresários, engenheiros e arquitetos. Baseados em
noções de higiene e disciplina e em idéias de racionalidade e
economia, passaram a converter a habitação em base para a
construção de um novo modelo de trabalhador e de família
proletária, onde a casa funciona como instrumento de atração e
fixação (PERROT, 1991), sendo aos poucos incorporados valores do
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
93
habitat higienizado e disciplinado, concomitantemente à introdução
de serviços e equipamentos (saúde, educação e lazer) que costumam
ser associados ao bem estar, disciplina e saúde. Tais instalações e
serviços coletivos “servem, antes de tudo, para dirigir a vida social”
(FOURQUET e MURARD, 1978).
Dentre esses equipamentos compreendem os de ordem
sanitária, como a provisão de água potável, evacuação dos dejetos e
organização da assistência médica; os de ordem econômica, como
transporte público, mercado e outros negócios; por fim, os de
ordem social, como escolas e instalações destinadas às atividades
recreativas.
Na parte baixa da Vila Ferroviária de Paranapiacaba, que
compreende a Vila Velha e Martin Smith, o empreendimento da São
Paulo Railway responsável pela construção, administração e
manutenção destas vilas, todas estas questões foram amplamente
difundidas e aplicadas. Sob vários aspectos, Paranapiacaba, em
especial a Vila Martin Smith, em muito se assemelhava ao sistema
fabril implantado nas cidades industriais da Inglaterra em meados e
fim do século XIX. Por exemplo, esses núcleos fabris, embora
isolados, mantinham muitas vezes uma relação de proximidade com
um grande centro urbano, o mesmo acontecendo com
Paranapiacaba que, apesar do isolamento em meio à Mata Atlântica,
também estava próxima aos dois principais centros urbanos da
época - Santos e São Paulo - e a distância a ser percorrida entre um
e outro, pela própria ferrovia, não era tão longa.
Mesmo assim, a permanência dos trabalhadores na vila se
fazia através de um sistema também já visto nas cidades fabris: o de
equipar o local com toda infra-estrutura para que não fosse
necessário o deslocamento do trabalhador para fora do núcleo,
evitando assim contatos externos. Os ingleses já viviam greves na
Inglaterra, nesse período, e, quando estavam implantando a vila, eles
já tinham experiência do que era uma greve trabalhista. Sendo assim,
pode-se cogitar que tiveram um raciocínio de que uma das medidas
a serem tomadas era evitar o contato com outros operários. Não
temos informações precisas para se afirmar ou mesmo comprovar
isso, mas há uma grande chance de que essas idéias lhes tenham
ocorrido.
Esse isolamento imposto pelos ingleses era expresso numa
grande diversidade de serviços voltados para a cidade. Quando o
novo núcleo urbano, Vila Martin Smith, foi projetado, já contava
com toda infra-estrutura de água, esgoto, sistema de combate a
incêndios, além das novas moradias dos ferroviários. Outros
equipamentos urbanos também foram instalados, como mercado,
escola, clube, sala de projeção, campo de futebol, quadra de tênis e
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
94
playground.
O local escolhido para a expansão do novo núcleo foi uma
gleba ao lado da Vila Velha, por apresentar uma topografia
favorável, com um ligeiro declive, condição propícia para garantir
uma boa drenagem das águas pluviais, abastecimento de água e
esgotamento sanitário (Pl. 04).
Um ano antes do início das obras de ampliação das vias e
instalações da SPR, o engenheiro chefe dos estudos da duplicação,
James C. Madeley, assinalou os melhoramentos e construções que
deveriam ser efetuados, trecho a trecho dos 139km da linha
existente (MAZZOCO, 2005). Para o Alto da Serra, estava prevista a
construção de casas de máquinas, caixas d’água, carvoeiras (lugar
próprio para guardar carvão), novos pátios e desvios para melhoria
das condições operacionais, uma nova estação com plataformas de
160m ligadas por ponte metálica de passagem superior, um virador
5
,
armazéns de cargas, além de quarenta e seis casas que serviriam para
moradia do pessoal que trabalhou na obra de construção da segunda
linha férrea na serra, que, quando finalizada, passariam a ser
ocupadas pelos empregados operadores dos novos planos
inclinados (LAVANDER, 2005).
5
O virador constituía-se num equipamento cujo comprimento era um pouco maior que
o da locomotiva, que posicionada sobre os trilhos girava a 180º, deixando a locomotiva
que tinha entrado de frente, ficar na posição oposta.
O mesmo engenheiro previa ainda que:
(as) “habitações serão construídas com as necessárias
acomodações higiênicas, dotadas de canalizações de água
potável e de esgotos e serão dispostas ao longo de ruas
arborizadas, com alinhamentos regulares, formando um
núcleo de uma pequena povoação no futuro (...) sendo
igualmente necessário adquirir área precisa para os
futuros aumentos e para assegurar a captação das águas
indispensáveis”. (
KUNIYOSHI, 1986).
Este novo núcleo urbano teve, para sua implantação, um
controle mais rígido e planejado, sendo ele projetado, construído e
administrado pela SPR, diferentemente do que ocorreu no início da
implantação da Vila Velha. Para a Vila Martin Smith foi adotado um
traçado em xadrez definido a partir do eixo leste-oeste, o que, de
acordo com Minami (1994), tinha a função de proteger as fachadas
das edificações da ação dos ventos predominantes, identificados,
por Ab’Saber (1985), como sendo de leste, sudeste e sul, que vêm do
mar.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
95
Pl. 04. Vila Martin Smith, 1896. Fonte: Lavander, 2005.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
96
Na Vila Martin Smith, o traçado viário forma uma grelha
organizada mediante uma aglomeração de casas dispostas
hierarquicamente e conforme as tipologias das habitações. Da
mesma forma que existia uma hierarquia profissional dentro da
empresa ferroviária, existia também uma hierarquia espacial no
traçado urbano. Na configuração da vila, isto ocorria da seguinte
forma: as construções tiraram partido das curvas de nível e
estabeleceram a hierarquia de ocupação, ou seja, nos lugares mais
elevados estavam as casas destinadas a chefes de setores como
oficinas, manutenção etc, ou maquinistas. Muito embora fossem
edifícios geminados, geralmente em grupo de duas unidades, estes
funcionários especificamente ocupavam as casas voltadas para as
esquinas e raramente aquelas localizadas no meio da quadra.
Dos engenheiros aos ajudantes, o trabalho exigia formação e
treinamento constante. Uma série de diferentes funções surgiu nas
oficinas, tais como caldeireiros, ajustadores, torneiros, plainadores.
Nas estações os cargos existentes eram de chefe, telegrafista,
sinalizadores e guardas; na operação dos trens, maquinistas,
foguistas, cabineiros, manobradores etc (CUNHA, 2001). Assim, o
projeto das moradias foi feito de acordo com a qualificação da mão-
de-obra operária, seu estado civil e o cargo que ocupava dentro da
empresa ferroviária.
O tipo de traçado do loteamento, a implantação da casa no
lote, a utilização da mesma técnica construtiva em todas as
residências, a similaridade de fachadas, dão à Vila Martin Smith a
impressão de ter uma unidade devido ao material, à cor e caixilharia
utilizada, mas do ponto de vista paisagístico arquitetônico não é
monótono. Essa unidade das edificações escondia uma extrema
hierarquia na forma de habitar que se expressava no tamanho da
casa e do lote, na localização do banheiro, dentro ou fora do corpo
da casa, definindo assim, para cada padrão de edifício, uma categoria
diferente de funcionário. Deste modo, engenheiros, maquinistas,
foguistas e ajudantes conviviam em um único espaço urbano,
residindo, porém, em casas de projetos diferenciados. A rua
Rodrigues Alves, por exemplo, também conhecida popularmente
como rua dos ingleses, era onde moravam os altos funcionários da
companhia (Pl. 05).
O que havia em comum entre grupos de pessoas
freqüentemente tão diferentes em termos de meio, origem social,
formação, situação econômica ou mesmo línguas e costumes?
Todos estavam realmente unidos por um sentido de trabalho e, de
forma crescente, pelo destino comum de viverem do salário. A SPR
mantinha o assentamento. Diferentes moradores conviviam e
usufruíam os mesmos espaços públicos e equipamentos comuns,
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
97
como o mercado, o clube e áreas de lazer. A parte baixa de
Paranapiacaba era uma vila que se aproximava de uma cidade
tradicional, no sentido do convívio de classes sociais distintas, e
atípica pela ordem e controle estabelecidos pela SPR e sua
hierarquização.
O conjunto de edificações habitacionais em madeira
presente na Vila Martin Smith é constituído por um elenco de
tipologias baseadas em uma matriz construtiva que apresenta
variações decorrentes principalmente de sua implantação.
É possível verificar cinco diferentes categorias de habitação
pré-classificadas pelos ingleses em Tipos
6
A,B,C,D, E1 e E2. Além
destas, há ainda as que não possuem uma denominação própria,
como é o caso das residências isoladas destinadas aos funcionários
do alto escalão da ferrovia, e do barracão de solteiros. Todos eles
serão estudados no próximo capítulo. O exemplar que corresponde
à unidade isolada no lote, na realidade é uma variação do tipo B
(geminada) que teve seu programa interno alterado passando a ser
uma única unidade. Sua área é maior de que nas demais tipologias e
construída com a finalidade de atender funcionários
6
Para assuntos envolvendo tipo e tipologia, consultar: ROSSI, A. Arquitetura da cidade.
Mais precisamente, o capítulo I, Estruturas dos fatos urbanos, seu item 2. Questões
tipológicas, p.24 e seguintes.
hierarquicamente superiores da ferrovia como técnicos e
engenheiros, geralmente ingleses (F.20).
Desta tipologia, apenas quatro
7
exemplares foram
construídos, todos eles situados à mesma rua (Rodrigues Alves),
guardando um certo distanciamento das demais casas operárias. São
também as que possuem os maiores terrenos, variando entre 2.040 e
1.512 m². Muito próximo a estas residências, estava localizada a
quadra de tênis dos ingleses.
F.20. Residência isolada. Foto: da autora, 2004.
7
Dos quatro exemplares que foram construídos, um se perdeu num incêndio provocado
pelo próprio morador, em dezembro de 2005. Trata-se da terceira casa da Rua
Rodrigues Alves.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
98
Pl. 05. Vila Martin Smith. Localização das tipologias e equipamentos. PMSA, 1990.
Av. Ford
Av. Antonio Olintho
Av. Campos Sales
Av. Rodrigues Alves
Av. Alfredo Maia
Av. Paula Sousa
Av. Schnoor
Av. Rymkievicz
Av. Fox
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
99
As tipologias A e B (F.21) correspondem ao conjunto de
duas casas geminadas. A diferença entre elas está no programa,
tamanho e volumetria de cada unidade. O tipo A, que era, destinado
a acomodar famílias pequenas, é mais simples e menor que o tipo B.
De todas as tipologias, estas são as mais encontradas, contando com
mais de trinta exemplares distribuídos, em sua maioria, nas cinco
quadras ao redor de onde a princípio seria a praça, marcando o
ponto central da Vila Martin Smith.
F.21. Tipo B. Grupo de duas residências. Foto: da autora, 2004.
A unidade C (F.22), embora esteja incluída numa classificação
tipológica, é única e exclusiva do engenheiro chefe da ferrovia,
sendo o maior exemplar encontrado em toda a Vila de
Paranapiacaba e a única a possuir dois pavimentos.
Sua localização no alto de uma colina permite visualizar os
três núcleos urbanos da Vila Ferroviária de Paranapiacaba, a Parte
Alta, o pátio de manobras, a estação à sua frente, a Vila Velha e as
instalações das máquinas fixas do último patamar à direita e a Vila
Martin Smith à sua esquerda. Isto sugere que, ao menos
teoricamente, seria um meio de controle visual por parte do
engenheiro chefe da ferrovia sobre tudo o que se passava nas vilas.
F.22.Tipo C. Residência maior, o ‘Castelinho’. Foto: da autora, 2005.
O tipo D corresponde à unidade geminada de duas e, pelo
levantamento realizado, existe um único caso, situado na esquina da
Av.Fox, porém teve suas características bastante alteradas, quando
foi construído um corpo adicional para funcionar como cinema.
Originalmente havia a previsão de duas destas unidades, uma
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
100
voltada para Avenida Rymkievicz e outra para Avenida Schnoor.
Existem na Vila Martin Smith duas modalidades de casa tipo
E. A primeira, de tipo E1, ocorre em apenas uma situação, qual seja,
conjugada a casas tipo E2, em grupamento de edifícios geminados
de oito domicílios.
Da tipologia E foram construídos conjuntos agregando de
quatro a oito unidades que podem ser encontradas como E1 ou E2,
dependendo do número de cômodos. Há dois grupamentos de
casas de tipo E1 que ocupam a metade de duas quadras entre as
Avenidas Rymkievicz, Paula Souza e Antônio Olyntho. Todo o
conjunto faz frente para Av. Campos Sales, próximo à praça do
mercado. A parte posterior faz fundos para a viela sanitária. O tipo
E1 equivale às moradias de dois cômodos. E2 corresponde ao
grupo de quatro casas geminadas, cada qual contando com quatro
cômodos.
Destes exemplares E2 (F.23), encontramos dez conjuntos
distribuídos ao longo das avenidas Alfredo Maia e Antonio Olyntho.
As duas casas do conjunto que estão no miolo da quadra possuem
apenas os recuos frontais e de fundos. As de esquinas têm seus
recuos laterais ora para a avenida, ora para a viela sanitária. Isto
também era um fator que definia a sua ocupação por determinado
operário da ferrovia. O alojamento para solteiros da Vila Martin
Smith foi situado na cota mais baixa do sítio, na Avenida Schnoor,
próximo onde seria instalado o edifício da padaria.
F.23. Tipo E2. Grupo de quatro residências, ao lado viela sanitária.
Foto: da autora, 2004.
Dentro do conjunto de edificações, temos ainda exemplares
de construções comerciais, como o antigo mercado e a padaria;
edificações sociais como o primeiro cinema e o Clube Lira Serrano.
No triângulo formado pelas avenidas Campos Sales, Antonio
Olyntho e Rua Rodrigues Alves, encontramos a praça onde está o
mercado. Construído na primeira década do século XX, seu projeto
original previa a instalação de uma escola primária. No entanto, a
necessidade de aquisição de gêneros de consumo imediato do
grande número de novos moradores da vila forçou sua adaptação
para se tornar o principal edifício comercial da parte baixa.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
101
Outros pontos comerciais foram construídos na década de
1920, para o comércio diário na vila ferroviária: um na Rua Direita
esquina com o Caminho do Mendes, onde se instalou a padaria e a
farmácia; o outro situou-se na Avenida Schnoor, com duas casas
comerciais, sendo uma delas outra padaria (PASSARELLI, 1989).
Como podemos perceber, o traçado urbano é uma malha
ortogonal, formando quadras de 60m x 65m que, retalhadas por
vielas sanitárias e ruas de pedestre com cinco metros de largura,
originam quatro quadras menores, de 27.50 x 30 m e duas outras
quadras respectivamente com 30 x 60 m. Foram pensadas dessa
forma para que se evitasse, em caso de incêndio, que o mesmo se
alastrasse pela quadra toda. De acordo com essa disposição, haveria
tempo hábil para controle do fogo, uma vez que, em cada viela
sanitária, corria um duto de água com registro para prevenção e
utilização em caso desse tipo de sinistro.
Um tipo de zoneamento define sub-áreas dentro da vila:
casas de engenheiros, casas de operários, áreas de comércio, áreas de
lazer etc. E foi dentro deste traçado que se ergueram as casas de
madeira que possuíam um conceito de ocupação no lote bastante
diferenciado do que o legado pela colonização portuguesa, com suas
casas de pouca frente na testada do terreno e grandes fundos.
As construções tiraram partido das curvas de nível e
estabeleceram essa hierarquia de ocupação. As ruas e avenidas
possuíam calçadas com guias e sarjetas em pedra (F.24) e o leito
carroçável era, muitas vezes, recoberto de carvão pisoteado que
havia sido queimado nas fornalhas.
Os ingleses aproveitaram a abundância de água pura na
região e construíram dois sistemas de captação para a parte baixa da
Vila Ferroviária de Paranapiacaba, através de canos de ferro e
canaletas de pedra, utilizando a própria força da gravidade para
transportar a água da serra para os reservatórios próximos a vila.
F.24 e 25. Detalhe da guia e sarjeta em pedra e reservatório de água da SPR
de 1898.
Fotos: da autora, 2005.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
102
Pl. 06. Planta da Vila Nova do Alto da Serra. Vila Martin Smith, Paranapiacaba.
Projeto para implantação do sistema de águas e
esgoto, assinado pelo engº chefe William Sheldon.
Fonte:Mazzoco, 2005.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
103
Já o sistema de esgotamento sanitário que foi adotado é o
chamado “tout-à-l’égout”, ou seja, um sistema unitário onde os
esgotos domésticos, água servida e as águas pluviais são coletados e
conduzidos por uma rede única de canalizações (PL. 06), exemplo do
que ocorre em Paris e também na cidade de Londres (COSTA Fº,
2005). Quanto ao sistema de coleta dos resíduos sólidos, o lixo, não
foram encontradas informações a respeito de como era efetuado e
qual a sua destinação final.
Áreas de lazer estão presentes no playground, quadras de
esporte, cancha de bocha e campo de futebol. Foram feitas pelos
ingleses de forma planejada. Nas primeiras plantas cadastrais da Vila
Martin Smith, estava demarcada uma praça no centro da vila, o
campo de futebol paralelo ao que seria a última avenida, a Avenida
Barker, e a quadra de tênis perpendicular à Avenida Campos Sales,
formalizando assim o lazer.
A sede do Clube Lira Serrano foi situada onde a princípio
seria a praça central da Vila Martin Smith, no quarteirão formado
pelas avenidas Fox, Paula Souza, Ford e Antonio Olyntho. Nesta
mesma quadra estão a escola e o playground, espaço destinado às
brincadeiras dos filhos dos ferroviários.
No século XIX, uma nova lógica de salubridade se impôs.
As idéias implícitas na organização salubre da casa e de seu entorno
eram simples: drenar a água estagnada responsável pela umidade das
habitações; distribuir água pura a domicílio; organizar a evacuação
das águas servidas; tornar eficazes os métodos de limpeza de ruas e
coleta de lixo, garantindo uma circulação tão livre quanto possível
do ar e da luz. Foi desenvolvendo concepções cada vez mais
próximas deste modelo que os engenheiros ingleses precisaram as
modalidades de aplicação do sistema sanitário (BEGUIN, 1991). Em
meados do mesmo século, havia a exigência de adequação de
desenvolvimento urbano à lógica destes elementos – o ar e a luz – e
dos condutores de água e esgoto, além de se pensar também no
fluxo de pessoas. É o que Beguin denomina de ‘o conforto
civilizado’, quando se refere à importância da água como um fator
de boas maneiras e civilidade.
Em 1882, Émile Trélat, fundador da Escola Especial de
Arquitetura, declarou à sociedade de Medicina Pública que:
“O cidadão deve ser estritamente isolado de suas
excreções assim que estas são produzidas; um sistema
hermético deve abrir instantânea e momentaneamente
um conduto de saída, e elas devem ser violentamente
arrastadas por uma possante carga de água até fora da
habitação” (
GUERRAND, 1991).
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
104
Um dos pontos sobre os quais mais insistem os engenheiros
ingleses refere-se aos dados topográficos em todos os trabalhos
ligados à instalação do sistema sanitário. O conhecimento das
curvas de nível e das principais linhas de drenagem natural
(declividade do terreno) deve permitir organizar, com maior
eficiência e maior economia, a drenagem artificial (canalizações),
esta complementando a primeira.
Na Vila Martin Smith, dois sistemas de captação de água
foram construídos, um para o abastecimento das casas e sistema de
combate a incêndio, ambos de 1898, e outro implantado para
fornecer água para as máquinas a vapor. A distribuição para os
moradores e para a ferrovia era feita da mesma maneira. Todo o
processo ocorria pela força da gravidade, como já citado
anteriormente, e, conforme relata Negrelli, funcionava da seguinte
maneira:
“O escoamento das águas servidas era feito de maneira
muito simples, havia dois valetões, um na frente e outro
nos fundos das casas, ambos de mais de um metro de
largura por igual medida de fundo. Água sempre
corrente, no fundo das casas, sobre ele estavam os
tanques (...). No da frente, a água era primeiramente
represada formando uma pequena piscina, de lá,
encanada, a água era levada para uma caixa de madeira
que automaticamente e apenas em razão do peso do
líquido e da forma trapezoidal da caixa virava despejando
o seu conteúdo em grande volume, limpando assim o
valetão. Voltava depois a sua posição natural, enchia de
novo e virava a cada dez minutos, não gastava energia
nem combustível algum, processo hidráulico, somente
isso” (
NEGRELLI, 1986).
O resultado deste planejamento que inclui ruas principais,
secundárias e vielas sanitárias, formando quarteirões com as
moradias próximas umas das outras, facilitava a visualização e, por
conseqüência, a fiscalização. Este tipo de organização espacial das
quadras facilitava também a localização imediata de qualquer
funcionário, que deveria estar pronto a atender seus superiores ao
primeiro chamado.
“É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de
distribuição dos indivíduos
em relação mútua, de organização
hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de
controle, de definição de seus instrumentos e de modos de
intervenção...” (
FOUCAULT, 1977).
Na modulação quadricular da distribuição espacial da Vila
Martin Smith, o controle visual era mútuo e recíproco entre os
trabalhadores: todos se conheciam e se observavam, se espiavam e
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
105
se controlavam
8
. É a arquitetura da vigilância. Em suas memórias,
Negrelli (1986) relata que “nos grupos de casas geminadas, quintal e
área de frente eram de uso comum, não havia cercas nem, muros e
onde todos sabiam tudo o que se passava com os vizinhos, não
havia segredos por mais íntimos que fossem, ouvia-se tudo através
das paredes de madeira”.
Cada um se justifica independente do outro. Que o olho
veja, sem ser visto, aí está o ardil do panóptico. Se o olho está
escondido, ele me olha, ainda quando não me veja (Miller, J. In:
BENTHAM, 2000).
Na ilustração (Il. 05), podemos observar o traçado urbano
da Vila Martin Smith cortada longitudinalmente por três avenidas:
da esquerda para a direita, a Avenida Ford (A), Avenida Fox (B) e
Campos Sales (C); transversalmente, de cima para baixo, as
Avenidas Alfredo Maia (próxima ao campo de futebol [1]), Avenida
Antonio Olyntho, Paula Souza e Rymkievicz (G). Contornando a
pequena colina onde se localiza a residência do engenheiro-chefe, o
castelinho [7], está a Rua da Estação (H).
8
Esse controle também era possível do interior das próprias casas geminadas entre si,
onde havia uma verdadeira ‘rede informal de informações’ que passavam por entre as
paredes simples das casas. Muito se sabia uns dos outros, a privacidade era
praticamente nula, uma vez que a acústica dessas moradias deixa a desejar.
Ocupando toda a cota mais baixa da Vila Martin Smith,
encontram-se os depósitos, galpões ferroviários[2] o virador[3] e o
pátio Ferroviário[4] que avança por toda extensão da vila até a Vila
Velha, de onde é possível localizar no canto esquerdo da imagem,
seu eixo principal, a Rua Direita (I).
No centro do pátio ferroviário, que durante a duplicação
ganhou mais 5500 m de desvios, está a plataforma da antiga estação
com a torre do relógio [5] e, cruzando o pátio, a passarela
Il. 05. Vista aérea da Vila Ferroviária de Paranapiacaba. Vila Martin Smith e Pátio
Ferroviário.
Foto: Fernando Ferreira, 1991. Acervo Museu de Santo André.
B
C
G
1
2
3
6
I
H
8
A
4
2
5
7
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
106
metálica[6], fazendo a ligação entre a Parte Alta e as vilas Velha e
Martin Smith, na parte baixa. O relógio foi um elemento muito
importante não só como um marco na paisagem urbana, mas
também pela função de controle do tempo e da disciplina. De
acordo com Ferreira (1988), os operários guiavam-se por ele para
coordenar suas entradas e saídas do trabalho, as donas-de-casa
também, a fim de estar com o almoço e jantar prontos para quando
seus maridos e filhos chegassem; as crianças tomavam-no como
base para seus horários escolares, além de controlar a chegada e
saída dos trens. Em dias de neblina muito forte as pessoas se
guiavam pelas suas batidas de sonoridade perfeita.
Além dos ‘caminhos’ existentes na Vila Velha, havia um
outro: a partir da Vila Martin Smith, para se chegar à estação ou
atravessar a passarela, era preciso passar por um velho eucalipto
conhecido como “pau da missa” [8], que possuía uma forte
conotação simbólica. Como se tratava de uma árvore que se
encontrava em local de passagem obrigatória, tornou-se receptáculo
de recados e avisos, a princípio notas da igreja, pois este foi o meio
encontrado pelo padre local para comunicar aos moradores da parte
baixa sobre batismos, casamentos, funerais etc, e também um meio
de convidar os fiéis a participarem das missas e eventos promovidos
pela paróquia. A partir dessa iniciativa, o ‘pau da missa’ (F.26) passou
a ser o veículo de comunicação, a ‘página dos classificados’,
prestando-se a todo tipo de anúncio e informação entre os
moradores da vila.
F.26. Caminho da Estação, ‘Pau da Missa’. Foto: da autora, 2004.
Outro aspecto que nos chama a atenção é a posição da casa
do engenheiro-chefe da ferrovia, mais distante e mais elevada, numa
posição privilegiada de controle, fiscalização e vigilância. Havia
intenção da implantação também ter um caráter simbólico
destacando o “Castelinho”, marcando o local como sendo a maior
casa, a única a possuir dois pavimentos, o símbolo principal da
hierarquia ferroviária, representada pelo engenheiro-chefe. Sua
construção no alto de uma colina possibilitou um ângulo de visão de
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
107
360º, e isto representava uma aproximação com o modelo inglês de
uma disposição panóptica, aqui mais uma vez presente na
arquitetura da vigilância.
Sua implantação não foi apenas simbólica, mas teve também
um caráter funcional. Mesmo impossibilitado pela neblina de se ter
uma visão em detalhe, era ainda assim uma posição privilegiada e
que, não estando com neblina, dava muito bem para o engenheiro-
chefe ver o que acontecia no seu entorno imediato. O ‘Castelinho’
cumpriu em parte essa função de panóptico, porém não é a questão
fundamental, esta é mais simbólica mesmo, pois lá residia o
engenheiro-chefe, sua casa era destacada na paisagem urbana, sua
dimensão arquitetônica marcava a presença do chefe, menos para
vigiar e controlar, mas mais para marcar presença, diferente do
panóptico que tem uma dimensão maior e mais constante de
vigilância.
O filósofo Jeramy Bentham descreve o panóptico no projeto
de uma construção carcerária que se fundamentaria no ‘princípio da
inspeção’. Segundo esse princípio, o bom comportamento dos
presos seria garantido se eles se sentissem continuamente
observados. A melhor maneira de obter essa vigilância seria pela
arquitetura, onde o controle se faz por meio da visibilidade total e
permanente das pessoas a serem controladas (BENTHAM, 2000).
Os dois princípios da construção panóptica são a posição
central da vigília e sua invisibilidade. Os ingleses, apoiando-se nas
teorias e estudos de Bentham, conseguiram resolver a questão de
permitir, a um só olhar, vigiar e controlar o comportamento de
muitos, fazendo com que a própria idéia de um olhar atento e
vigilante ininterrupto fosse internalizada pelas pessoas sobre as
quais recaísse de fato ou não.
Mas sobre esse aspecto, pelo menos duas hipóteses podem
ser levantadas. A primeira delas é da improbabilidade do morador
do ‘Castelinho’ ficar de prontidão no interior de sua residência a
vigiar os moradores, mesmo porque a neblina que recai sobre a vila
impossibilitaria toda e qualquer tentativa nesse sentido (F.27). A
segunda seria sobre a rotina de trabalho do engenheiro-chefe como
representante máximo da SPR. O engenheiro-chefe era quem ditava
as regras a serem seguidas pelos demais, quem comandava a ‘tropa’
de ferroviários e moradores na Vila Velha e Martin Smith, quem
descia a serra de trole
9
para coordenar e fiscalizar os trabalhos na
ferrovia (Il.06), ele era a lei e a ordem, pois não havia, na vila,
governador, prefeito ou igreja no comando. “Toda cidade é um
equipamento coletivo de fixação territorial. Este tipo de cidade não
9
Trole: pequeno carro descoberto, montado sobre trilhos das estradas de ferro e movido
pelos operários por meio de varas ou paus ferrados. Adaptado do inglês ‘trolley’.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
108
está sob o controle do Estado, e sim de uma companhia privada”
(FOURQUET e MURARD, 1976).
A Vila funcionava sob a égide da SPR, por intermédio da
maior autoridade presente: o engenheiro-chefe. Sendo assim, seria
um tanto quanto fantasioso afirmar que lhe cabia a única função de
vigiar; entre outras, sim, porém não a principal. Mas, de qualquer
forma, a intenção do esquema implantado deu resultado.
Il. 06. Engenheiro Ernest Sidney Pyles à frente no trole. Foto: acervo pessoal
da família Fernandes. Paranapiacaba. Década de 1940.
A ferrovia trouxe para Paranapiacaba a dominação da
natureza e dos seres humanos pelas novas tecnologias e
maquinismos, a organização do espaço e do tempo pelo ‘sistema de
fábrica’, assim como relações sociais e de trabalho marcadas pela
hierarquia, disciplina, vigilância e controle. Formou-se um rígido
sistema social e de trabalho no qual o patrão, a SPR, o senhorio aqui
representado pelo engenheiro-chefe, e o Estado confundiam-se.
F.27. O ‘Castelinho’ envolto pela neblina. Foto: da autora, 2002.
Construir um núcleo independente, que funcionasse para
abrigar engenheiros, técnicos, operários, chefes de diferentes setores
e demais funcionários da companhia, era a finalidade da SPR na Vila
Martin Smith. No processo de urbanização brasileiro, é
provavelmente o primeiro exemplo desse tipo de empreendimento
apresentando idéias do urbanismo europeu do século XIX,
conciliando princípios estéticos do desenho da cidade, já fazendo
uso de regras sanitárias. Comparando a São Paulo neste mesmo
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
109
período, último quartel do século, a cidade guardava ainda sua
feição colonial, pois até o advento da ferrovia, São Paulo era uma
cidade de barro, “a mud city”, como chamou um viajante inglês. De
barro eram ‘as altas torres’, as casas térreas, os sobrados e... a cadeia.
De terra, as ruas sem calçamento e de ‘barro pisado’, o piso do
Largo do Palácio (TOLEDO, 2004).
Contrapondo a moradia dos ferroviários da Vila de
Paranapiacaba com a dos imigrantes operários da cidade de São
Paulo, estes se estabeleceram em loteamentos populares que se
localizavam distantes do centro, em terrenos acidentados ou
várzeas. Foi assim que nasceram os bairros operários como Brás,
Moóca, Ipiranga. Os moradores desses bairros não só viviam em
casas de pau-a-pique, como também em cortiços. Um cortiço típico
ocupava o interior de um quarteirão, onde o terreno era geralmente
baixo e úmido. Este era formado por uma série de pequenas
moradias em torno de um pátio ao qual vinha ter, da rua, um
corredor longo e estreito. A moradia média abrigava de quatro a seis
pessoas, embora suas dimensões raramente excedessem 3 X 5 ou 6
metros. Os móveis existentes ocupavam um terço do espaço. O
cubículo de dormir não tinha luz nem ventilação; superlotado, à
noite era hermeticamente fechado (MORSE, 1970). (Grifos nossos).
Analisando sob esse aspecto, a Vila Martin Smith é um
exemplo de infra-estrutura urbana com eficiente sistema sanitário
totalmente planejado, com suas construções erguidas sob a mesma
técnica construtiva, adotando tipologias diferenciadas entre si e
onde a SPR desenvolveu um programa que abrigava atividades
sociais e de lazer. Dentre essas atividades, consideradas pela
empresa como momentos de lazer sadio, destacamos as sessões de
cinema mudo, no Clube União Lira Serrano (Il.07), muitas vezes
acompanhada pela Banda de música e os bailes mensais, sempre
animados com diversos ritmos musicais como o bolero, samba,
valsa e choro. Ao contrário do que se possa imaginar, vinham
pessoas de Santo André, São Paulo, Santos e de outros lugares e não
só os residentes da vila eram seus freqüentadores (FERREIRA, 1988).
Dentro da programação do clube, o baile mais aguardado,
ainda segundo Ferreira, era o baile de carnaval, onde não se admitia
que alguém o freqüentasse sem fantasia. O baile começava entre 21
e 22 horas e a última seleção musical terminava exatamente cinco
minutos antes da meia noite. Tal procedimento era seguido
religiosamente.
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
110
Il. 07. Interior do clube, década de 40. Fonte: Santos, 1981.
Nos esportes destacou-se o futebol, esporte bretão
implantado pelo pioneirismo de Charles Miller
10
que, em 1894,
trouxe da Inglaterra duas bolas e organizou um time com seus
companheiros do ‘São Paulo Athletic Club’ com partidas disputadas
pelo time local, o ‘Serrano Football Club’, naquele considerado o
primeiro campo oficial da cidade de São Paulo. A primeira partida
10
Charles William Miller, nascido brasileiro no bairro do Brás, em São Paulo, em 24 de
novembro de 1874, filho de pais ingleses, morreu em 30 de junho de 1953. É
considerado o "pai" do futebol no Brasil. No ano de 1894, retornando de seus estudos
na Inglaterra, foi trabalhar na SPR, tornando-se também correspondente da Coroa
Britânica e vice-cônsul inglês, em 1904.
MILLS, J.R. (2005). Charles Miller: o pai do
futebol brasileiro. São Paulo: Panda Books.
no Brasil aconteceu entre as equipes dos funcionários da
Companhia de Gás versus os da São Paulo Railway, ambas
formadas por ingleses radicados em São Paulo, em 14 ou 15 de abril
de 1895 (a data não é precisa). O placar final ficou 4x2 para a equipe
da SPR (www.futebolnarede.com/espec/hist.php).
O clima de prosperidade vivido no Alto da Serra fez com
que, em 05 de novembro de 1907, a Lei Estadual nº 1098 criasse o
Distrito de Paz de Paranapiacaba, sendo então o terceiro distrito do
município de São Bernardo (atual Santo André), que possuía apenas
o distrito sede, instalado em 1837, e o de Ribeirão Pires, de 1897
(PASSARELLI, 1989).
O novo distrito de paz passou a atender a uma população de
aproximadamente 2000 habitantes, sendo 157 eleitores,
correspondendo ao maior eleitorado do município, que possuía um
total de 564 eleitores. Também a arrecadação desta freguesia se
destacava das demais: em 1910, a vila contava com quarenta e dois
estabelecimentos comerciais e de serviços, e recolhia mais imposto
sobre profissões que São Caetano e Mauá (MÉDICI, Diário do Grande
ABC, 1988).
As vilas Martin Smith, Velha e a Parte Alta se assemelham
entre si no material empregado nas suas construções,
predominantemente a madeira, na mão-de-obra imigrante para a
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
111
construção e consolidação dos três núcleos, tendo como fator
principal e agregador a ferrovia.
As diferenças entre parte baixa e alta se concentram
principalmente nos aspectos da infra-estrutura adotada em cada uma
delas. Enquanto as ruas e avenidas da parte baixa possuíam calçadas
com guias e sarjetas e o leito carroçável era pavimentado, na Parte
Alta era preciso, nas palavras de Negrelli (1986), “(...) ter coragem
para enfrentar o lamaçal (...)”. Contrastando com a vila dos ingleses,
a Parte Alta sofria de total falta de infra-estrutura. Somente a capela
e o Clube Flor da Serra possuíam luz elétrica, enquanto o restante
vivia às escuras. A instalação das redes de água, esgoto, luz e
calçamento só foi feita muito tempo depois, em 1956, pela
Prefeitura do Município de Santo André.
No vale que separa a Parte Alta da parte baixa, onde estão a
Vila Velha e a Vila Martin Smith, está situado o corredor ferroviário
onde se encontram as antigas casas de máquinas 4 e 5,
respectivamente dos sistemas funiculares de 1867 e 1901, o depósito
das locomotivas, as instalações do segundo funicular, o grande pátio
de triagem de vagões e a atual plataforma da estação. É ao longo
desse vale que se espalham as demais construções da vila (Il. 08). A
passarela metálica construída em 1899 sobre o corredor ferroviário,
onde estão localizados a estação, o pátio e todos os equipamentos,
estabeleceu-se como a única ligação entre os dois núcleos urbanos
da vila: a Parte Alta e baixa.
Il. 08. Corte esquemático. Desenho elaborado por Carla Oliveira, 2002.
Como vimos neste capítulo, as relações antagônicas entre a
Parte Alta, incrustada numa encosta íngreme, e as vilas dos ingleses
do outro lado da linha férrea possuem características distintas, tanto
funcionais, arquitetônicas e urbanísticas, quanto morfológicas em
seu processo de formação e das estruturas de vida social. De um
lado do vale, está a ‘cidade livre’, a Parte Alta, com implantação
sujeita à topografia acidentada e com construções coloridas de uso
misto, agregando comércio no piso térreo e moradia no pavimento
superior, definido como o núcleo de prestação de serviços, não para
a empresa ferroviária, a SPR, mas para seus funcionários e
moradores da parte baixa; do outro lado, a vila dos ingleses, voltada
para as atividades ferroviárias com uma topografia mais favorável
tanto para instalação da ferrovia quanto para a implantação das
Vilas: Velha e Martin Smith
(Il.09).
Mogi
Parte baixa
Pátio ferroviário
Parte Alta
São Paulo
O urbanismo da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
112
Teve uma ocupação a princípio aleatória e, num segundo
momento, planejada, sendo ambas administradas pela São Paulo
Railway.
Embora os três núcleos urbanos possuam tais diferenças,
são partes integrantes de um mesmo espaço urbano denominado
Vila Ferroviária de Paranapiacaba ou simplesmente Paranapiacaba.
A seguir será apresentado um breve contexto histórico
relativo às condições de moradia operária na Inglaterra do século
XIX, exemplificado com algumas experiências de vilas industriais,
para, posteriormente, serem mostradas algumas edificações de
significativo valor arquitetônico da Vila, em especial alguns
exemplares da Vila Martin Smith.
Il. 09. Vista aérea da Vila Ferroviária de Paranapiacaba. Fonte: Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (SEMASA). s/d.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
113
4.1 A moradia operária no século XIX.
Em meados do século XIX, a Inglaterra já se constituía de
uma sociedade urbana industrial. Nesta sociedade, a classe
trabalhadora era em muitos aspectos diferente da que existia na
sociedade pré-industrial. Em primeiro lugar era formada, na grande
maioria, por proletários que não possuíam qualquer fonte de renda
além do salário em dinheiro, que recebiam por seu trabalho. Em
segundo, o trabalho industrial impunha uma regularidade, uma
rotina e uma monotonia. A indústria trazia consigo a tirania do
relógio, a máquina que regulava o tempo, não mais mensurado pelas
estações climáticas, nem mesmo em semanas e dias, mas em minutos
e, acima de tudo, uma regularidade mecanizada do processo de
trabalho.
Na era industrializada o trabalho passou a ser realizado, cada
vez mais, no ambiente da grande cidade. Já em 1851, mais da metade
da população vivia nela e, segundo Hobsbawm (1979), quase um
terço vivia em cidades com mais de 50.000 habitantes. Este
desenvolvimento industrial provocou um fluxo migratório das zonas
rurais em direção às cidades onde estavam concentradas as novas
indústrias. Logicamente, o crescimento urbano trouxe consigo um
aumento notável da indústria da construção civil, que teve de oferecer
alojamento para um número elevado de pessoas que chegavam às
cidades. Grande parte deste crescimento era devido à indústria têxtil e
à construção e extensão ferroviária.
A Inglaterra, devido ao seu desenvolvimento industrial,
contava com numerosas cidades que tiveram seu crescimento e
desenvolvimento muito acelerado, porém todo esse acentuado
crescimento causou uma superpopulação e, como corolário, trouxe
uma série de problemas relativos às questões de moradia, salubridade
e urbanidade. A questão da moradia talvez seja o principal problema
encontrado nas cidades industriais, pois os lugares destinados à
moradia das classes trabalhadoras eram, muitas vezes, situados dentro
de espaços que sobravam entre fábricas, galpões e pátios ferroviários.
Nas cidades industriais que cresceram com base em fundações
antigas, os trabalhadores foram inicialmente acomodados pela
transformação das velhas casas familiares em alojamentos de aluguel.
Nessas casas reconstruídas, cada quarto passava a abrigar toda uma
família. O interior de uma moradia coletiva foi descrito por Andrew
Mearns em um panfleto intitulado “O grito amargo do lado oculto de
Londres” e narrava a seguinte situação:
Cada quarto, nessas podres e fétidas moradias coletivas,
aloja uma família, muitas vezes duas. Um fiscal sanitário
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
114
registra em seu relatório haver encontrado, num porão, o
pai, a mãe, três crianças e quatro porcos! Noutro, um
missionário encontrou um homem com varíola, a mulher
na convalescença de seu oitavo parto, e as crianças
zanzando de um lado para o outro, seminuas e cobertas
de imundície. Aqui estão sete pessoas morando numa
cozinha no subsolo, e ali mesmo, morta, jaz uma
criancinha morta há treze dias. Pouco antes, o marido, um
cocheiro, se havia suicidado” (
HALL, 2000).
Outro tipo de moradia oferecida à classe trabalhadora era,
essencialmente, uma padronização dessas condições degradadas,
erigidas com materiais de baixa qualidade (MUMFORD, 1998).
Quando não estavam trabalhando, passavam a vida em filas de
casebres ou casas de cômodos (IL.01), em estalagens improvisadas e
baratas (HOBSBAWM, 1979).
Para o trabalhador, o período foi de crescente exploração e,
com relação às suas acomodações, de crescente decadência e
redução do espaço. As moradias erguidas por George E. Peabody,
em Londres, na segunda metade do século XIX, tinham um mínimo
de luz, ar e condições sanitárias: não mais porém que o mínimo,
pois, em vez de terem dois ou três pavimentos, como a moradia
típica de Londres, nas partes mais pobres da cidade, aquelas
habitações-modelo tinham quatro e cinco pavimentos. Diante destes
fatos, a cidade industrial tornava-se cada vez mais insalubre, fétida e a
constante fumaça expelida pelas chaminés das fábricas tornava o ar
pestilento e irrespirável.
Il. 01. Fileiras de casas. Fonte: Hall, 2002.
As experiências realizadas visando a moradia salubre para o
operário tiveram início na Inglaterra do século XIX e uma das
primeiras tentativas de oferecer ao trabalhador melhoria na qualidade
da moradia e no aperfeiçoamento moral veio da iniciativa de Robert
Owen. Este, tendo sido casado com a filha de David Dale, o
fundador de New Lanark, após trabalhar para ele como administrador,
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
115
comprou a fábrica e as moradias operárias, em 1799 (MENEGUELLO,
2001). Nesta comunidade havia disponíveis, além das moradias,
refeitórios, escola, biblioteca, gabinetes de leitura, local para cultos,
enfermarias, entre outros equipamentos urbanos (IL.02). Segundo
Owen, as habitações eram bastante espaçosas para receber um
homem, sua mulher e dois filhos.
Il. 02. Vista de New Lanark. Fonte: www.newlanark.org
No ano de 1854 foi iniciado o núcleo fabril de Saltaire (Il.03),
construído próximo à cidade de Bradford, na Inglaterra, de
propriedade do industrial Titus Salt. Este empreendimento contava
com 820 casas, escolas, igreja, hospital, banhos públicos, clube e um
amplo parque público. Saltaire tornou-se uma unidade econômica e
social que oferecia aos seus operários, trabalho, educação, saúde,
instruções de moral, provisões para atividades de lazer e boas casas.
As habitações eram conjugadas ou dispostas em blocos,
seguiam vários projetos e tamanhos, expressando a hierarquia do
trabalho. Tinham no mínimo dois dormitórios, sala, cozinha, sanitário
e quintais com acesso pelas vielas sanitárias, sendo abastecidas por
água e gás. As casas maiores possuíam jardins.
Il. 03. Vista da fábrica de Saltaire. Fonte: www.saltsmill.org.uk
Um outro industrial que empreendeu esforços nesse sentido
foi William Hesket Lever. Aterrorizado pelas condições dos cortiços
onde viviam a maioria de seus trabalhadores, decidiu, apoiado em
seus ideais filantrópicos, construir um lugar para sua fábrica com
moradias decentes para seus operários. Construiu vinte e oito
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
116
“cottages”
1
seguidos de moradias maiores, lojas, edifícios públicos,
escolas, teatro, correio, serviço médico, biblioteca, ginásio, entre
outros equipamentos urbanos. Ao fim de oito anos, já havia
construído 278 moradias. O programa básico dessas moradias
compreendia dois ou três dormitórios, sala de visitas, copa, cozinha
e despensa. As casas estavam arranjadas geralmente em blocos que
variavam de duas a dezoito, sendo a maioria entre três e dez.
Il. 04. Vista parcial das casas tendo ao fundo a fábrica.
Fonte: www. Portsunlight.org.uk
Esses não foram os únicos empreendimentos na Inglaterra
vitoriana, outros núcleos ligados a uma empresa surgiram com as
1
Mantemos aqui o termo em inglês nos referindo às habitações populares oriundas do
cottage rural inglês. São pequenas construções, geralmente utilizando a madeira como
principal material do sistema construtivo.
mesmas características. Podemos citar, como exemplo, a fábrica de
velas Price’s Patent Candle Company, em Brombourough Pool, em
1853; a fábrica de chocolates Cadbury, em Bournville, de 1879, e mais
tarde, em 1902, a fábrica de chocolates Rowntree em New Earswick,
com a participação intensa dos arquitetos Barry Parker e Raymond
Unwin.
Todos esses núcleos tinham em comum, dentre outros
objetivos, proporcionar aos trabalhadores um ambiente de vida que
influenciaria definitivamente em seu caráter, oferecendo moradia que
privilegiava a habitação integrada a modernos padrões de higiene e
salubridade, juntamente com uma proposta paralela de educação,
saúde e lazer, com a presença de espaços verdes.
Essas cidades ligadas a uma companhia funcionaram como
aglomerações isoladas que surgiram como um lugar singular onde
todos os operários eram inteiramente submetidos à direção da
empresa, que organizava o espaço, ditava as regras de funcionamento,
que incluíam o trajeto fixo trabalho-casa, e incorporavam
equipamentos em seu interior, como comércio, lazer, cuidados com o
corpo e onde todos os agentes de controle social eram funcionários
da própria companhia (CORREIA, 1998).
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba não foge à regra, pois
acabou incorporando muito desses preceitos do século XIX, e não
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
117
poderia ser de maneira diferente, pois a companhia a ela relacionada,
a inglesa São Paulo Railway, transplantou para os trópicos algumas
idéias correntes na Inglaterra. É possível que o maior diferencial
entre as vilas industriais inglesas e a Vila Ferroviária de
Paranapiacaba esteja focado em dois aspectos principais. O primeiro
estaria relacionado com certos princípios que permearam essas vilas
inglesas, como, por exemplo, a fuga da cidade industrial poluída, a
formação do caráter do operariado, o encontro ou retorno à
natureza, a busca pelo pitoresco com espaços verdes isolando a
indústria. Tais fatores não estiveram presentes na implantação da
vila inglesa em Paranapiacaba.
O panorama que se apresentava para os engenheiros
ingleses, em relação ao sítio (Serra do Mar/ Mata Atlântica) onde
seriam locadas as instalações da ferrovia e de uma vila residencial,
era o verdadeiro ambiente selvagem, o ‘wilderness
2
, ou seja, não havia
nada de pitoresco. Os ingleses tinham seus interesses voltados para a
construção de uma linha férrea. Eles tiveram de enfrentar um
ambiente estranho, completamente desconhecido. Portanto o foco
não estaria voltado para as condições de vida e moradia dos
trabalhadores neste momento.
2
Selvatiqueza é a melhor tradução do termo, referindo-se ao ambiente de mata virgem
inexplorada, como algo que ainda não foi domado ou domesticado.
E, em segundo lugar, a maior diferença observada estaria
principalmente nesse “modelo” de arquitetura que foi construído na
Vila Ferroviária de Paranapiacaba, onde toda uma vila se fez tendo
como principal elemento construtivo a madeira. Talvez seja
justamente sob este aspecto que a Vila se destaca por sua
peculiaridade, tanto em relação às contemporâneas vilas industriais
inglesas, quanto às demais vilas ferroviárias que surgiram
posteriormente no Brasil.
Aparentemente e na bibliografia consultada nesta pesquisa,
não foram encontradas vilas semelhantes no território inglês
3
.
Giedion (2004) aponta para o fato de que tábuas de madeira haviam
sido empregadas na Inglaterra, porém somente em despretensiosas
casas rurais. Este conhecimento da estrutura de madeira, muito mais
do que a de alvenaria, foi amplamente empregado nos Estados
Unidos onde, na maior parte do país, a madeira tem sido mais
utilizada por ser um material de fácil manuseio e pela tradição de uso
tanto pelo artífice carpinteiro quanto pelo construtor amador
(SCULLY, 1955). Acreditamos ser pouco provável a hipótese de que
esse sistema construtivo em madeira, com inúmeros elementos pré-
3
Na região das minas no norte da Inglaterra e Irlanda são encontradas casas isoladas em
madeira que não chegam a se configurar como uma vila. De acordo com Minami (1994),
na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, havia núcleos residenciais fabris
construídos em madeira, por ser este material abundante naquele local.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
118
fabricados, tenha sido uma exclusividade criada para ser implantada
em solo brasileiro, pelos ingleses.
A seguir, serão apresentados alguns exemplares dessa
‘arquitetura importada’ introduzida na parte baixa da Vila Ferroviária
de Paranapiacaba, dando maior ênfase ao conjunto arquitetônico da
Vila Martin Smith.
A Vila Martin Smith é um marco, o reflexo do
empreendimento ferroviário, e foi construída em paralelo à
duplicação da estrada de ferro. Uma das características marcantes é
dada pela simetria de seu traçado e pelas casas construídas em
madeira e hierarquicamente distribuídas pelas ruas planejadas.
Neste núcleo encontramos ainda outros edifícios com
características peculiares, como é o caso da sede social do Clube
União Lira Serrano, um edifício de dois pavimentos, também em
madeira, e que chama a atenção principalmente pela sua volumetria.
O antigo mercado, construído para abrigar um empório de secos e
molhados, também é um desses edifícios em destaque na Vila Martin
Smith. Outro marco arquitetônico na paisagem, a torre do relógio,
localizada no pátio ferroviário, foi uma referência tanto visual
quanto sonora, pois, em dias de neblina muito densa, suas batidas
ditavam o ritmo das atividades.
4.2 As tipologias residenciais da Vila Martin Smith
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba é a primeira e única vila
ferroviária a ser implantada no Estado de São Paulo com
características arquitetônicas, bastante peculiares, que serão descritas
ao longo do texto. É também, possivelmente, a única no Brasil que,
apesar de todas as perdas significativas que já sofreu ao longo de sua
existência, guarda ainda preservada grande parte de seu patrimônio
arquitetônico e urbano em condições satisfatórias de habitabilidade.
Todas as demais vilas, sejam elas ferroviárias ou operárias,
construídas posteriormente em São Paulo, seguiram praticamente
esse mesmo padrão de hierarquização nas moradias destinadas aos
trabalhadores, qual seja, habitações unifamiliares, conjugadas ou em
blocos, com pequena ou nenhuma alteração no programa de
necessidades, contando, na maioria das vezes, com alojamento para
solteiros e outros equipamentos urbanos de serviços. Porém, em
nenhuma delas se repetiu a experiência de se construir em madeira
toda uma vila. Segundo levantamento de vilas ferroviárias realizado
por Morais (2002), apenas trinta e três casas foram construídas com
esse material em São Vicente, litoral sul do estado de São Paulo.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
119
O Relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras
Públicas
4
, órgão responsável pela fiscalização da implantação e
operação da via férrea, aponta a implantação de casas padronizadas
ao indicar a presença de casas de diferentes “typos” na vila no Alto
da Serra. No ano seguinte, o relatório registra que, junto das estações
Raiz da Serra e Alto da Serra e nos patamares da serra, foram
construídas casas dos tipos ‘A’, ‘B’, e ‘D’.
A classificação das tipologias das habitações aparece nas
primeiras plantas de implantação da vila ferroviária, elaboradas pela
São Paulo Railway, onde se pode observar a adoção das seguintes
tipologias, todas elas geminadas:
- Casas de ‘typo A’;
- Casas de ‘typo B’;
- Casas do ‘typo D’;
- Casas do ‘typo E’,implantadas em grupo de quatro a oito unidades.
Durante a implantação da Vila Martin Smith foram
construídas, também: a unidade de ‘typo C’, única residência
4
Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo
Ministro de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, senhor Severino
dos Santos Vieira, no ano de 1889- décimo primeiro da República. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1899. Relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas.
In:
LIMA, G.L (Coord.); AZEVEDO, M.M; PASSARELLI, S.H. (2004). Diretrizes e
procedimentos para recuperação de patrimônio habitacional em madeira da Vila
Ferroviária de Paranapiacaba. Relatório científico Fase I. Santo André, p.64.
assobradada e isolada das demais, conhecida como ‘Castelinho’, e
que serviu para abrigar o engenheiro inglês responsável pela operação
do sistema de tração da serra; duas unidades para solteiro- barracão
de madeira que abrigava dez cômodos para a moradia desses
trabalhadores- e casas isoladas na Rua Rodrigues Alves.
Além de se identificar a localização das primeiras moradias
operárias da Vila Martin Smith no mapa da página seguinte (M.01), é
possível também verificar que o plano original para as avenidas não
corresponde inteiramente ao encontrado hoje, pois cinco avenidas
deixaram de ser implantadas: Av. Barker (6), Av. Speers (7), Av Fidélis
(9), Av. Sheldon (10) e Av. Januário de Oliveira (14). O
prolongamento da Av. Alfredo Maia (5) até a Av. Rodrigues Alves (8)
também inexiste atualmente. Desconhecemos os motivos pelos quais
tal implantação não obedeceu ao projeto original (ver mapa atual p.98
cap.3
).
A seguir será apresentado o mapa com a localização das
primeiras tipologias implantadas e o quadro 1 com o resumo das
mesmas.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
120
M.01. Discriminação das avenidas da Vila Martin Smith no Alto da Serra. SP: SPR, 1900. Já com a disposição de cada tipologia. Fonte:Santos, 1981.
Denominação das avenidas:
1) Avenida Schnoor
2) Avenida Rymkiewcz
3) Avenida Paula Sousa
4) Avenida Antonio Olyntho
5) Avenida Alfredo Maia
6) Avenida Barker
7) Avenida Speers
8) Avenida Rodrigues Alves
9) Avenida Fidélis
10) Avenida Sheldon
11) Avenida Campos Sales
12) Avenida Fox
13) Avenida Ford
14) Avenida Januário de Oliveira
Quanto às tipologias:
Tipo A
Tipo B
Tipo D
T
i
p
o E
1
2
3
4
5
6
7
8 9 10 11 12 13 14
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
121
Quadro 1. Resumo das tipologias residenciais da Vila Martin Smith
Tipos Localização Características Imagens
A
Geminada com duas residências.
Possuem quatro cômodos e
banheiros externos. Este exemplar, a
“Casa Fox”, atualmente está aberta à
visitação pública. Desta tipologia são
encontradas dezenove grupos com
duas unidades.
B
No total há 24 exemplares desta
tipologia distribuídos pelas ruas da
Vila. Abriga em seu interior seis
cômodos, também com banheiros
externos.
C
Tipologia única. Assobradada, abriga
no total 22 cômodos, mais um sótão
e adega sob piso da sala de jantar.
Elevada e isolada das demais casas
da vila, pertencia ao engenheiro
chefe da ferrovia.
D
Primeira sede do Clube União Lira
Serrano. Atualmente seu estado é
precário.
Av. Fox ,Av. Rymkievicz e R. Schnoor
Av. Fox
Caminho do Mendes
Av. Fox esquina com Av. Rymkievicz
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
122
E1
Geminação abrigando oito unidades.
São residências extremamente
simples compostas por apenas dois
cômodos. Formam a quadra das
Avenidas Rymkievicz, Paula Sousa e
Campos Sales.
E2
Este conjunto é formado por quatro
unidades geminadas possuindo
quatro cômodos cada uma. Desta
tipologia há dez grupos distribuídos
pela Vila.
Isolada
Conhecidas também por ‘duplo B’,
não possuem geminação. Maiores
que as demais casas operárias, foram
destinadas aos funcionários do alto
escalão da SPR.
Alojamento
Construído sob pequenos pilotis de
alvenaria. Possui entrada frontal
acessando diretamente ao corredor
central que leva aos quartos. Ao
fundo encontram-se a cozinha e
banheiros coletivos.
Observações: As setas pretas indicam a posição aproximada de onde foram tomadas as fotos, as vermelhas indicam as ruas. Como
características principais, estas edificações geralmente apresentam semelhança quanto ao material construtivo empregado, a madeira.
Av. Alfredo Maia
R. Rodrigues Alves
R. Schnoor
Av. Campos Sales
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
123
4.2.1 Tipologia ‘A’
Esta tipologia é encontrada nas Avenidas Ford, Fox e um
exemplar dando frente para Avenida Campos Sales, fazendo esquina
com o campo de futebol. São casas de aproximadamente 50 m²,
geminadas, com planta simples abrigando três cômodos pequenos
em madeira e uma cozinha com parte das paredes em alvenaria e
piso cimentado, alpendre coberto e banheiro externo (Pl.01).
A planta ao lado já corresponde ao programa alterado pelas
necessidades atuais, com acréscimos ao lado da cozinha, formando
uma área de serviço, abrigando também um banheiro.É possível
observar que o fogão a lenha, equipamento presente em todas as
residências operárias, também não mais existe. Esta tipologia estava
destinada a uma família pequena, cabendo ao morador a destinação
de cada cômodo, uma vez que, em planta, com exceção da cozinha,
os demais compartimentos recebem a mesma denominação de sala.
Os telhados dessa tipologia são em seis águas, com cumeeira
principal paralela à rua. Originalmente sua cobertura era feita com
telhas francesas de Marseille, com beiral largo sustentado por mão
francesa de madeira em meio arco, tendo a ornamentação
arrematada por lambrequins também em madeira.
Possui base de alvenaria e vedos em réguas de madeira
(pinho-de-riga) de 20cm de largura, dispostas horizontalmente. A
fachada apresenta um conjunto de portas e janelas que
correspondem respectivamente um para cada casa (Pl.02).
Pl. 01. Tipo A. Planta baixa.
5
*
5
Todas as plantas e desenhos assinalados com * aqui apresentados fazem parte do
estudo preliminar da pesquisa “Diretrizes e procedimentos para recuperação de
patrimônio habitacional em madeira na Vila Ferroviária de Paranapiacaba, Santo André,
Acréscimo
Sala 3
Sala 2
Sala 1
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
124
As esquadrias são emolduradas e mesmo protegidas pelo
beiral; as janelas possuem pingadeiras, são do tipo guilhotina com
vidro e folha dupla, sendo metade veneziana e a outra metade folha
cega. A porta principal, em madeira, geralmente apresenta folha
dupla com verga reta e bandeira com vidro; as demais são folhas
simples, com largura de 0,80 m. No guarda-corpo dos alpendres era
costume utilizar trilhos usados, sendo possível ainda encontrá-los
presentes em algumas casas.
O contrapiso é elevado em relação ao nível da rua. Sobre
esse há o piso de assoalho, com réguas de pinho-de-riga com 20cm
de largura, assentados sobre barrotes, nas salas e dormitórios. Na
cozinha, o piso era cimentado e, de acordo com Cecília Santos
(1981), assentado sobre uma estrutura de trilhos e abobadilhas de
meio tijolo e, às vezes, recebia pigmentação do tipo vermelhão. A
estrutura das paredes é uma malha de esteios onde são encaixadas
(encaixe macho-fêmea) as tábuas umas nas outras, ficando
internamente aparente a trama da estrutura. De maneira geral, essas
paredes de madeira são simples, sendo duplas apenas aquelas
centrais que fazem divisão entre as casas e de alvenaria somente as
paredes divisórias da cozinha de ambas as casas, onde
SP”. Sob a coordenação do Professor Dr Gilson Lameira de Lima do Centro
Universitário Fundação Santo André. (
FSA). Desenhos de Sandra Malvese, 2005.
compartilhavam a chaminé dos fogões a lenha.
PL.02. Tipo A. Elevação frontal.* Porta e janela.
Interiormente as salas e quartos possuem forros tipo saia-
camisa; na cozinha o forro era um tramado de ripas de madeira, um
facilitador de dispersão da fumaça advinda do fogão a lenha. Com a
eliminação desse equipamento doméstico, várias cozinhas já foram
alteradas ganhando novos acabamentos e principalmente acessórios.
Atualmente é possível encontrar, no interior dessas cozinhas,
paredes azulejadas, pias com tampos em granito, torneiras elétricas e
fogões com exaustores.
Notar ainda, todas as dependências com iluminação direta,
inexistência de corredores internos e os cômodos se comunicando
diretamente; as salas 1 e 2 com acessos independentes.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
125
Pl. 03. Tipo A. Elevação lateral.*
F.01. Conjunto de residências do tipo A localizadas na Avenida Fox. Vista
das fachadas lateral e posterior. Foto Rose Chaves, 2004.
4.2.2 Tipologia ‘B
A tipologia B, embora também possua duas unidades
geminadas, assim como a do tipo A, apresenta características
distintas, pois incorpora à planta baixa mais dois ambientes
construídos em madeira. Na denominação geral, possui cinco salas,
duas delas voltada para a frente do lote e a outra para a lateral, que
se encontram circundadas pelo alpendre coberto e forrado, sendo o
beiral bem mais largo e por isso também com mão francesa maior.
Sua fachada apresenta, para cada uma das casas, um conjunto de
duas janelas intercaladas pela porta. O jogo de coberturas conta com
um total de dez águas, também com a cumeeira principal paralela à
rua. Ao ser rebatida essa tipologia acaba gerando um pátio com área
livre ao fundo da construção.
Estes exemplares contam com uma área de
aproximadamente 70m². O programa variava de acordo com cada
morador. Os montantes das paredes poderiam ser deslocados ou
removidos para obter maior espaço ou mesmo criar um hall.
Originalmente não havia área de serviço e banheiro ao lado
da cozinha, como na planta apresentada (Pl.05). Na elevação, a
diferença consiste na disposição das réguas de vedação, que, neste
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
126
exemplar da Rua Antonio Olyntho, se encontram na vertical (Pl.04).
As demais características se repetem, sejam elas na cobertura, nos
baldrames, nas envasaduras etc. Em edifícios desta tipologia,
destinados a funcionários de hierarquia superior, as paredes são
duplas tanto interna quanto externamente.
Pl. 04. Tipo B.
Elevação frontal.*
Uma porta e duas janelas.
Pl.05. Tipo B. Planta Baixa.*
Acréscimo
F.02. Tipo B.
Elevação lateral.
Foto: da autora, 2006.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
127
4.2.3 Tipologia ‘C’. O Castelinho
Um dos edifícios que marcam a paisagem urbana da Vila
Ferroviária de Paranapiacaba é a residência do engenheiro chefe,
mais conhecida por ‘Castelinho’. Este edifício é também um
importante exemplar da arquitetura residencial da vila.
Construído em 1897, pertenceu ao engenheiro chefe da
SPR, tendo sido um de seus moradores o engenheiro inglês Daniel
Mackinson Fox. Sua localização no alto de uma colina permite
visualizar todos os núcleos urbanos da vila, o pátio de manobras, a
estação e as instalações das máquinas fixas do último patamar. Seu
projeto original foi concebido, dentro do conjunto de tipologias das
casas da Vila Martin Smith, como sendo o único exemplar
importado da Inglaterra do ‘Tipo C’.
Reis Filho (1970) aponta que a importação era completa,
pois compreendia estruturas, vedações, coberturas, escadas e peças
de acabamento, que eram aqui montadas, conforme as instruções e
desenhos que as acompanhavam. Algumas eram de ferro, porém a
grande maioria dos edifícios importados era de madeira, comumente
pinho-de-riga. Completa dizendo que “as peças numeradas
facilitavam a montagem, tornando-se mais rápida e não necessitava
mão-de-obra especializada no local”. As obras eram acompanhadas
pelos engenheiros ingleses pois as plantas, cotadas em pés e
polegadas, eram escritas na língua inglesa.
A edificação conta com mais de vinte cômodos distribuídos
em dois pavimentos, mais um sótão. Em seu interior existem seis
lareiras, fogão a lenha, banheira de água quente, dependências para
empregados, adega e escritório. Originalmente havia também
armários embutidos, uma modernidade para a época.
Pl.06. Planta Térreo, 1897. Fonte: Arquivo pessoal Zélia Paralego.
É característica dessa arquitetura a organização em torno de
esquemas distributivos determinados pela divisão tripartida, que
busca organizar a planta em setores independentes destinados às
Copa
Cozinha
Criados A.S
Sala Quarto
Armário
Sala de
Jantar
Escritório
Entrada
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
128
áreas de uso social, íntimo e de serviço. A origem da planta do
‘Castelinho’ pode estar associada com a casa burguesa. De acordo
com a classificação de Brunskill (1970), pode-se encontrar na
arquitetura residencial vernacular inglesa quatro categorias sub-
divididas pelo tamanho e tipo, sendo elas a “Great House” que
equivale à mansão ou palacete; a “Large House”, a casa grande ou
ampla; a “Small House”, a casa pequena e o“cottage”. Sendo assim,
podemos inserir o ‘Castelinho’ nesta classificação como sendo uma
“Large House”, com área de 500 m², mais um anexo de quase 50 m².
A casa é organizada em torno de um hall com seus espaços
domésticos específicos, social, íntimo e serviço, agregando-se e
adicionando-se distintos até mesmo em sua volumetria, que
comparece em proporção menor na parte posterior do edifício, o
setor de serviços. Nesta ala, além da cozinha e da copa, esta com
ligação direta com a sala de jantar na ala social, estão a despensa e os
aposentos para criados, ao lado da lavanderia com acesso pelo fim
do corredor central. Dessa forma, as atividades domésticas
tornaram-se distintas e separadas (Pl.06).
O hall, corredor e caixa da escada atuam de forma a
direcionar os fluxos entre as áreas da casa, com independência de
cada setor. Assim, pode-se ir da sala à cozinha, ou da sala ao quarto,
ou do quarto à cozinha, sem transitar necessariamente por outra
zona da casa. O hall serve não somente como uma área de
circulação horizontal e vertical, mas também como uma abertura
informal da principal área de vivência, a sala. A função específica de
separar sala de estar e jantar é assinalada por esse espaço. Assim, o
hall torna-se o coração da casa e expressa a função de expansão do
espaço em combinação com os elementos arquitetônicos e
funcionais essenciais, que são a entrada e a escada (SCULLY, 1955).
As escadas, segundo Kerr (1865), começaram a aparecer sob a
influência Renascentista, quando mais cômodos privados foram
adicionados. Em tal esquema, o hall tornou-se então ambas as
coisas, living e centro de circulação.
F.03. Hall de entrada e corredor
central.
Foto: da autora, 2005.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
129
O banheiro está localizado próximo à cozinha, onde o fogão
a lenha fornecia água quente pelo sistema de serpentinas. Há
também o que hoje denominamos de “closet”, que era o cômodo
destinado a armários, situado ao lado do quarto inferior, com acesso
direto pelo próprio quarto ou pelo corredor central.
Neste edifício o alpendre circunda toda a área social. A
varanda sombreada sugere a idéia de conforto, a propósito,
sugestiva. Pela mesma razão a “Bay- window” ou “Oriel-window”, os
balcões e os terraços aumentam sua influência na casa não só pela
beleza de sua forma, mas pelo seu significado, mais particularmente
aquele relacionado ao deleite e desfrute do lugar (SCULLY, 1955).
No térreo, a sala à esquerda do hall de entrada era
provavelmente a sala da família, a “place house” inglesa, pois é onde
também se encontra uma das seis lareiras da casa. Como lembra
Muthesius, (1982), a lareira era a peça mais importante da arquitetura
de interiores e o cômodo de maior prestígio era claramente a sala de
estar. Uma das janelas desta sala é do tipo “bay-window”. A saliência
envidraçada que se projeta do alinhamento do cômodo é um
elemento característico da arquitetura inglesa, que traz mais luz e
possibilidades visuais para a sala, também chamada de “drawing
room”.
Os cômodos principais, no piso térreo, comunicam-se entre
si; apenas a cozinha e dependências de serviço estão instaladas numa
área à parte. A distribuição dos espaços segue o padrão de
zoneamento que separa as áreas públicas das privadas. Os setores
foram localizados de modo que se caracterizasse a área frontal como
a que tinha maior contato com a esfera pública.
A qualidade que marca esta residência consiste no espaço e
na privacidade adquiridos em cada cômodo, cujo uso já estava
determinado na casa. O escritório do engenheiro, por exemplo, está
situado à direita do hall de entrada, local onde poderia receber
qualquer funcionário da ferrovia sem que este tivesse maior acesso
aos demais cômodos da casa.
O conforto era fundamental. A casa apresenta uma
planimetria articulada com uma perfeita adaptação às irregularidades
do terreno, além de uma cuidadosa organização interna. No
pavimento superior está a ala privativa da casa, também seguindo a
distribuição ao redor de um hall central. Dos quatro dormitórios,
três deles contam com lareira e dois com armários embutidos. A
mesma janela lateral do piso térreo, do tipo bay-window, repete se no
pavimento superior em um dos quartos (Pl.07).
O tipo de arquitetura empregada nos parece ter saído das
concepções arquitetônicas do Movimento ‘Arts & Crafts’, com seus
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
130
telhados inclinados, volumes sóbrios, simplicidade e honestidade no
desenho construtivo e adequação estrutural, presença de bay-window,
melhor aproveitamento dos cantos da casa com utilização de
assentos e armários, presença do ‘inglenook’ - o espaço ao redor do
qual se reúne a família, geralmente próximo à lareira - (CALABI,
1982) volume das chaminés em tijolo aparente projetando para o
exterior. Todo elemento supérfluo foi eliminado.
Pl. 07. Pavimento superior, 1897. Fonte: Arquivo pessoal Zélia Paralego.
A fachada principal está voltada para o pátio ferroviário e
para a Parte Alta. Possui simetria na disposição de suas esquadrias,
contando com duas janelas e uma porta principal, no térreo, e três
janelas simetricamente dispostas, no pavimento superior, todas elas
emolduradas e com venezianas de madeira e caixilhos com vidro.
Pl. 08. Fachada principal, 1897. Fonte: Arquivo pessoal Zélia Paralego.
A bay window é o volume à esquerda (Pl.08), possuindo
somente a caixilharia em vidro, sem veneziana. Norman Shaw foi o
responsável por popularizar o tipo inglês de bay-window : profunda,
com vidros por toda a volta, as faixas contínuas de pequenas janelas,
sem a interrupção de montantes verticais (MUTHESIUS, 1987).
A porta principal possui moldura larga e frisada, duas folhas
com almofadas e caixilho de vidro, contando ainda com bandeira
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
131
em arco pleno e motivos decorativos em ferro. Nas fachadas
laterais, as esquadrias que atualmente lá se encontram não seguem
mais o desenho original.
Pl. 09. Fachada lateral, 1897. Fonte: Arquivo pessoal Zélia Paralego.
Nesta fachada (Pl.09), o volume maior corresponde à ala
social no térreo e íntima no superior. Na área de serviços há uma
clara distinção dos usos representada pelo desenho das próprias
esquadrias. As áreas nobres possuíam janelas com venezianas em
meia-folha cega, com caixilhos em vidro quadriculado; a sala de
jantar ainda tem a caixilharia peculiar, com abertura tripla e vão
central mais largo e o escritório do engenheiro era iluminado por
um vitral. Já na despensa e nos quartos dos criados, as janelas eram
ripadas, do tipo ‘mexicano’, e a área de serviço era caracterizada
como um prolongamento do térreo nem chegando a ser
representada na fachada (F.04), porém constando em planta.
F. 04. Fachada lateral e volume da chaminé. Foto: Rose Chaves, 2005.
F. 05. Fachada principal. Foto: Rose Chaves, 2005.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
132
4.2.4 tipologia ‘D’
Para esta tipologia estava prevista a construção de dois
exemplares localizados entre a Rua Schnoor e a Avenida
Rymkievicz, esquinas com a Avenida Fox, o que é verificável pela
planta cadastral de 1900, porém apenas um edifício foi construído e,
ao longo do tempo, teve seu projeto alterado para receber as
instalações da Sociedade Lyra da Serra, um clube musical, em 1899,
juntamente com o primeiro cinema da vila.
F.06. Tipo D. Foto da autora, 2006.
Tendo a função alterada, o edifício guarda uma volumetria
com jogos de telhados, anexos em alvenaria destacados com
variações na altura, alpendre entalado na fachada frontal e corrido
na lateral, ambos sustentados por mão-francesa reta (F.06). Nos
pilares, bem como no guarda-corpo, foram utilizados trilhos. O
prédio possui os mesmos elementos arquitetônicos das demais
residências, quais sejam, vedos em réguas horizontais, janelas em
guilhotina com meia folha cega e meia folha veneziana, lambrequins.
Pelo perímetro externo fica impossível reconhecer a
tipologia original. O edifício está fechado, abandonado e o ingresso
em seu interior fica dificultado pelas próprias condições em que se
encontra o imóvel e porque há pessoas habitando em seus anexos,
mesmo em estado deplorável.
4.2.5 Tipologia ‘E’
As casas do tipo E foram implantadas em grupos, variando
de quatro a oito unidades, e podem ser encontradas como E1 e E2.
A primeira, geralmente destinada a casais sem filhos, apresenta
planta extremamente simples, contando apenas com dois cômodos
em madeira: sala e dormitório. A cozinha e o banheiro estão
situados externamente. Essas tipologias aparecem em dois
agrupamentos de casas geminadas, tendo cada grupo oito casas, e
estão próximas ao mercado. O eixo divisor (linha vermelha) da planta
(
Pl. 10), corresponde ao exemplar E1.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
133
A segunda tipologia, E2, possui quatro cômodos: dois
dormitórios e duas salas. Nesta unidade, a cozinha e o banheiro
também estão localizados fora do corpo principal da casa.
Pl. 10. Tipo E2. Planta baixa.*
Pl. 11. Tipo E2. Elevação frontal.*
No grupo de casas geminadas E2, cada módulo é composto
de quatro residências, todas de planta única, compartilhando de uma
mesma cobertura de duas águas com cumeeira paralela a rua (Pl.11).
Ora o telhamento se faz com telhas francesas ora em ardósia Esta
cobertura se prolonga para além do alpendre frontal, com mão
francesa acompanhando esse prolongamento. Também há grupos
de casas onde o lambrequim foi retirado para a utilização de calhas
para escoamento das águas pluviais.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
134
O esquema de geminação se repete nos dez conjuntos dessa
tipologia que foram implantados na vila. Corresponde a três blocos
construtivos (Pl.13), respectivamente: primeiro bloco, a moradia;
segundo bloco, cozinha e, por último, o banheiro, ambos
construídos em alvenaria. Porém a grande maioria já passou por
algum processo de intervenção e por isso não mais se apresentam
nas plantas cadastrais como no plano original.
De maneira geral, as características arquitetônicas aqui
também se repetem, tais como a construção elevada do solo, porão
com respiro, embasamento em alvenaria de tijolos ou pedra, as
mesmas envasaduras e vedos.
Pl.12. Tipo E2. Elevação lateral.*
Pl.13. Tipo E. Esquema de geminação. *
A tipologia E é bastante interessante pela sua vasta utilização
em toda a Vila Martin Smith, pois o eixo 2,3 de A a C corresponde
ao tipo E1 que, por sua vez, forma o grupo de oito casas geminadas
e, exatamente nesse grupo e somente nesse, as casas E2 possuem
originalmente a cozinha em alvenaria posicionada junto ao corpo de
madeira. Em todos os outros casos, a casa tipo E2 se apresenta em
grupamentos de quatro casas geminadas (Pl.13), onde a cozinha,
também em alvenaria, é separada do corpo principal da casa de
madeira. Os eixos de 1 a 3 e de A a C corresponde ao tipo E2.
Corpo principal
Cozinhas
banheiros
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
135
4.2.6 Residências isoladas
As casas de engenheiros localizadas na Rua Rodrigues Alves
(também chamada de rua dos ingleses) é, na realidade, uma variação
duplicada do tipo B com alteração do programa interno, daí não
constituírem um tipo específico.
As fotos (F.07 a F.10) representam a tipologia isolada. Como
já foi explicitado no capítulo anterior, atualmente não existe mais o
terceiro exemplar (F.09).
O que estas tipologias têm em comum são as mesmas
esquadrias regularmente dispostas, elementos em destaque como o
volume das chaminés das lareiras, lambrequins e cobertura em
várias águas. A primeira e a segunda casa tinham originalmente o
telhado em ardósia; após sofrerem uma reforma na década de 1950,
receberam as placas quadriculadas de cimento amianto, que hoje se
encontram nas coberturas dessas casas e de outras na Vila. A quarta
e última casa da rua é coberta com telha francesa. O que difere
nelas, além da distribuição interna, onde cada qual seguiu um
programa, são alguns elementos arquitetônicos como: a volumetria;
o alpendre avançado e a ornamentação em madeira abaixo do
lambrequim, na primeira casa; o alpendre corrido e a presença de
uma bay-window na segunda casa; a inexistência de mão-francesa, e o
alpendre entalado no último exemplar. As réguas dos vedos ora
estão na horizontal (primeira e última casa) ora na vertical, porém
muito dessas réguas em pinho-de-riga já foram substituídas por
outros tipos de madeiras.
Os terrenos onde foram construídos esses exemplares
também são bem maiores que os demais da Vila Martin Smith,
variando entre 20 X 40m a 34 X 60m. As casas estão centralizadas
no lote, garantindo recuos nas quatro divisas e visão perfeita para
todos os lados. Nos fundos desses lotes há edículas, que seguem as
mesmas características arquitetônicas das casas da frente, quanto ao
material utilizado, com envasaduras e cobertura, neste caso, em duas
águas, seguindo o respectivo entelhamento da casa principal.
As mudanças, em termos de programa de uso e de
articulação dos espaços, podem não ter sido tantas: basicamente se
mantiveram os mesmos ambientes nos quais se vinham
acomodando as diversas funções das residências, de acordo com o
que estabelecia cada morador.
São exemplares com áreas que variam de 212 a 288 m²
aproximadamente, com amplas dependências de quartos e salas;
cozinha geralmente ligada a despensa (
Pl.14 e 16); instalações
sanitárias com banheira de louça
(Pl.14), armários embutidos; hall de
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
136
circulação, embora a comunicação também se faça por entre os
cômodos; e, pátio. Todas são providas de lareira e fogão-a-lenha,
em apenas uma casa (Pl.15), esse equipamento foi removido. No
geral são moradias muito bem arejadas e iluminadas, cercadas por
alpendres voltados para o jardim. Como estas casas eram para os
altos funcionários ingleses, geralmente eram ocupadas por duas
pessoas, pois quando havia filhos, eles ficavam em Londres para
estudarem.
As plantas desses exemplares apresentadas aqui são parte do
levantamento realizado pela autora e correspondem às distribuições
internas de cada casa de engenheiro, porém seu levantamento
métrico é aproximado, partiu de medições efetuadas no perímetro
de cada uma delas e baseado na planta cadastral da Prefeitura de
Santo André de 1990. O esforço se faz necessário para melhor
exemplificar o programa de necessidades de cada morador. Mas há
de se fazer algumas ressalvas, pois que essas casas são bastante
flexíveis quanto à distribuição de suas paredes internas e há de se
pensar também que, depois das reformas ocorridas nos anos 1950,
pode ter sido alterado o projeto original em todas elas. Portanto, o
que será apresentado aqui, configura o estado atual desses edifícios.
Quanto aos usos, também sofreram alterações, pois
nenhuma delas atualmente é utilizada como moradia. A primeira
casa é um antiquário, a segunda funciona como pousada, a terceira
não existe mais e a quarta casa é um centro de visitantes da Sub-
prefeitura de Paranapiacaba.
F.07, 08, 09 e 10. Casas isoladas destinadas aos engenheiros e altos funcionários.
Fotos: da autora, 2004/2005.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
137
Pl. 14. Casa de engenheiro 01. Croqui elaborado pela autora, 2007.
Nessas residências, segue os princípios da arquitetura
doméstica, com uniformidade no desenho, harmonia entre as partes,
o projeto abrange além do edifício, também o jardim e mobiliário
embutido. Com interiores confortáveis, simples, protegidos e
seguros.
Pl.15. Casa de engenheiro 02. Croqui elaborado pela autora, 2007.
Dormitório
Dormitório Dormitório
Hall
central
Sala de
jantar
Sala de
estar
Despensa
Cozinha
Banheiro
Alpendre
Cozinha
Sala de
estar
Banheiro
Pátio
interno
descoberto
Pátio
interno
descoberto
Dormitório
Dormitório
Dormitório
Dormitório
Alpendre
A. serv.
Dep.
Corredor de circulação interna
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
138
Pl.16. Casa de engenheiro 04. Croqui elaborado pela autora, 2007.
4.2.7 Alojamento para solteiros
A tipologia destinada para solteiros que foi implantada na
Vila Martin Smith difere da existente na Vila Velha, pois, enquanto
nesta apresenta característica de porta e janela, com acesso
independente em cada cômodo, na outra o acesso é único e
centralizado por um corredor onde se distribuem os dez cômodos
destinados ao abrigo desses trabalhadores. A cozinha e o banheiro
coletivos formam um bloco à parte (Pl.17).
A construção é bastante simples, com cobertura em duas
águas, com cumeeira central e fachada principal homogênea,
constando apenas as janelas em guilhotina, sem venezianas.
Pl.17. Barracão para solteiros da Vila Martin Smith. Fonte: Santos, 1981.
Acesso ao corredor centra
l
Quarto
Banheiro
Cozinha
Cozinha
Dormitório
Despensa
Hall central
Banheiro
Depósito
Dormitório
Sala de jantar
Sala de estar
Dormitório
alpendre
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
139
4.3 Técnicas e detalhes construtivos
A técnica construtiva utilizada é, em aspectos gerais, híbrida,
associando o uso intensivo de madeira serrada com alvenaria. A
madeira é empregada, em termos construtivos, para solução da
plataforma de piso em ambientes de permanência prolongada, como
salas e dormitórios, estrutura portante, vedos e vãos e estrutura de
cobertura. A alvenaria é utilizada predominantemente para solução
da infra-estrutura do edifício, pavimentos em áreas sujeitas à
umidade continuada, como, por exemplo, a cozinha, e divisórias
verticais, paredes.
O sistema de fundações (Il.05) nos edifícios habitacionais é
resolvido por meio de alvenaria de pedras, possivelmente coletadas
nas formações de matacão, abundantes no local, encimada por
alvenaria de barro cozido que, através de pequena altura, estabelece
o nível do respaldo, onde se irá apoiar a plataforma de piso. Quando
utilizada livre do contato com o solo, a alvenaria de tijolos de barro
propicia, por sua vez, melhores condições para nivelamento do
respaldo das fundações e execução dos fundamentos básicos de
uma construção, tais como: nível, prumo e alinhamentos. A
plataforma de piso é constituída por vigamentos e tábuas do soalho.
Il.05. Esquema de fundação. Fonte: Centro Universitário Fundação Santo André
(
FSA).
A lógica de montagem do edifício em madeira considera a
utilização de montantes-mestres com seção quadrada, tendo por
função primordial marcar os cantos e encontros de paredes,
definindo com isso um sistema de gabaritos dimensionais e
alinhamentos de faces exteriores de paredes, e garantir amparo
estrutural para os apoios de beiral, a mão-francesa (Il.06), (F.11 e 12).
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
140
Il. 06. Beiral e mão francesa. Fonte: (FSA).
Um dos elementos arquitetônicos significativos do edifício é
o beiral, que projeta, para além das paredes, um balanço de um
metro nas tipologias mais simples. A intenção é clara: a proteção das
paredes em madeira da incidência do sol e da chuva. A estruturação
desse sistema é feita através da distribuição dos esforços da
extremidade dos telhados para viga coletora associada à tabeira, que
transfere esses esforços para as mãos francesas, conduzindo-os, por
sua vez, para os montantes-mestres que definem os cruzamentos
dos eixos estruturais do edifício.
Diferentes tipos de mão-francesa.
Em arco, acima (F.11) e reta (F.12) ao lado.
Fotos: da autora, 2003, 2006.
Todas as casas da vila, independente de serem para
operários, técnicos ou engenheiros, possuem os mesmos materiais e
técnicas construtivas. Outro elemento padrão para todas as
residências são as esquadrias de portas e janelas que seguem
exatamente o mesmo desenho (F.13 e 14).
O alojamento é constituído por dois barracões que abrigam
dez quartos, banheiro e cozinha coletivos. O telhado com telha de
Marseille’ são forrados somente nos quartos. O piso, assim como
toda a vedação e estrutura são, originalmente, pinho-de-riga, com
v
iga
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
141
tábuas de vinte centímetros de largura e encaixes em macho-fêmea.
O banheiro e a cozinha são em alvenaria de tijolos.
F.13 e 14. Esquadrias padronizadas. Foto: da autora, 2006.
As casas térreas têm porão de arejamento fechado com
gradil de ferro, com a marca da SPR gravada (F.15), com elevação
que varia de acordo com a declividade do terreno (F.16). As
fundações ora são em pedra bruta ora em alvenaria de tijolos. Uma
pequena escada dá acesso a um alpendre coberto e forrado, possui
ainda um guarda-corpo de trilhos de trem (F.17) que se estende por
toda a fachada principal onde se distribuem, com regularidade, as
portas de duas folhas e bandeira em vidro e janelas em pinho de riga
com metade da folha com réguas de veneziana e outra metade cega,
caixilho tipo guilhotina com vidros. As ferragens das janelas
apresentam, por vezes, detalhes como as pequenas cabeças em ferro
do tipo carranca (F.18) para impedir o fechamento das folhas
venezianas, quando estas se encontram abertas.
F.15
F.16
F.17
F.18
F. 15,16,17e 18. Detalhes construtivos. Fotos da autora, 2006 e 2003.
O programa dessas edificações segue um esquema básico,
um espaço grande em madeira dividido em dois, três ou quatro
partes de acordo com o tamanho da casa. Esses cômodos têm o
piso de tábuas de vinte centímetros de largura, geralmente o pinho-
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
142
de-riga, assentados sobre barrotes (Il.07).
Il. 07. Fundações. Fonte: (FSA).
As estruturas das paredes são feitas por esteios ou
montantes. As vedações dos edifícios são revestidas,
predominantemente, por tabuado de madeira em face simples, nas
divisórias externas e internas, dispostas ora na vertical ora na
horizontal. Permanecendo com estrutura aparente no interior da
maioria das casas operárias. Há paredes duplas nas casas isoladas e
no Castelinho.
As salas, quartos e alpendre são forrados; os forros das
cozinhas são treliçados, e as paredes deste ambiente são em
alvenaria de tijolos ingleses, também com a inscrição da SPR. Em
muitos casos ainda há um outro cômodo em madeira, na seqüência.
Esse cômodo tinha diferentes funções que lhe eram dadas de
acordo com a necessidade da família que ocupava o imóvel,
podendo servir de quarto ou despensa, mas, na maioria das vezes,
era utilizado como sala de banho.
Os banheiros quase sempre eram fora da casa, no quintal,
em pequenas construções com piso cimentado, algumas vezes com
paredes em alvenaria, outras em folhas de ferro galvanizado que
também eram utilizadas para a cobertura. Quando anexos ao corpo
principal da casa, localizavam-se próximo da cozinha.
A esse respeito Muthesius, (1982), informa que, no início da
década de 1890 (mesmo ano da implantação da Vila Martin Smith),
em Londres, havia regulamentos construtivos que fizeram uma
curiosa distinção entre a moradia da classe trabalhadora e as demais,
no que diz respeito à localização dos banheiros. No primeiro caso,
poderia ser locado no jardim. O que esta regulamentação realmente
indicava era que as classes mais abastadas contavam com banheiros
internos. Exatamente como ocorre na vila inglesa: casas de
operários, banheiros externos; casas de chefes, técnicos e
engenheiros, banheiros internos.
Pilarete de tijolo
Viga principal
Viga
Soalho
Sistema de fundações: pilarete e plataform
a
de piso
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
143
Il. 08. Maquete construtiva. Detalhe do forro treliçado da cozinha. Fonte: FSA.
As coberturas dessas casas variam muito, de acordo com a
planta que estas apresentam, indo de duas a dez águas. A estrutura
da cobertura é constituída por vigamentos, caibros e ripas (Il.08),
(F.19)
. Em algumas tipologias, o sistema estrutural de cobertura não
utiliza tesoura, mas montantes que transmitem os esforços das
terças para a linha de frechais que se desenvolvem apoiados na
extremidade superior dos montantes. No madeiramento da tesoura
é encontrado o pinho-de-riga, peroba rosa e jatobá; as telhas da
cobertura são de ardósia ou telhas francesas com a inscrição
Arnaud et EtienneMarseille * St Henry.’
F.19. Tesoura da cobertura. Foto da autora, 2003.
As casas possuem beirais forrados que avançam cobrindo
todo o alpendre, sustentados por mãos-francesas de madeira e
arrematados ora por calhas de ferro, ora pelos lambrequins de
madeira. A pintura de todo o conjunto era feita com tinta a óleo nas
cores padrão, amarelo-ocre ou marrom, sendo esta a cor
predominante na maioria das casas; por dentro, as cores variavam
entre o verde-claro, azul-claro e o creme.
Em recentes pesquisas realizadas pelo Centro Universitário
Fundação Santo André (FSA), em um exemplar da Rua Rodrigues
Alves, foram localizados diversos tipos de madeira nos diferentes
componentes da casa, tais como a peroba-rosa, no montante mestre
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
144
e vigamento de piso, juntamente com o ipê; cumaru, na soleira, no
montante das janelas e na estrutura do forro, feito em pinho do
Paraná; nas folhas das venezianas das portas e na mão-francesa, o
pinho-de-riga.
A técnica construtiva utilizada na parte baixa da vila está
implícita em toda a racionalização do sistema, tanto na padronização
da construção quanto no sistema de implantação. Algumas casas
mais importantes foram feitas com paredes duplas (tipo sanduíche),
tendo duas faces de madeira: uma externa, em tábua corrida, e outra
do tipo forro paulista, mantendo a estrutura entre elas, o que, além
de propiciar maior rigidez à parede, estabelece um colchão de ar que
protege o interior da casa do clima frio da região (F.20).
F.20. Detalhe da parede dupla.
Foto: da autora, 2004.
São dois os materiais que compõem a vedação das residências
e demais edifícios da vila: a madeira e o tijolo de barro. Este material
aparece, neste caso, com a função de higiene e segurança, pois é
utilizado nas paredes externas da cozinha e do banheiro. As
instalações hidráulicas nos dois ambientes são aparentes. Os
materiais de construção usados na ferrovia, como tijolos, ferro,
madeiras e os trilhos também foram utilizados nas residências.
Verificam-se, além disso, diversos detalhes, na arquitetura para aqui
transplantada, que demonstram um certo requinte de solução, tais
como: beirais protegidos com calhas para escoamento das águas
pluviais, decorações em lambrequins dando um ar romântico à
solução plástica produzida, desenho dos caixilhos de portas e janelas
que resguardam a parte interna da ação do vento e da água das
chuvas e o tipo de ferragens utilizadas.
O uso da madeira era uma constante. Além dos pisos e
forros, portas e janelas, surgiam também no arremate dos telhados,
com peças de acabamento decorativo, serradas ou torneadas. Alguns
telhados e alpendres eram assim enfeitados com peças de madeira
recortada, além da presença de mão-francesa.
Outro detalhe construtivo é o aproveitamento de um
equipamento doméstico, o fogão-a-lenha, existente em todas as
unidades habitacionais destinadas às famílias dos funcionários mais
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
145
simples e que fazia às vezes da lareira, aquecendo todo o interior da
casa, quando em funcionamento, o que proporcionava um certo
conforto térmico para o clima frio e úmido, além de manter a casa
desumidificada.
Nas residências maiores e no Castelinho, além do fogão-a-
lenha que possibilitava ter água quente nos banheiros, havia também
as lareiras como fonte de calor no interior dessas casas.
F.21, 22, 23 e 24. Detalhes construtivos. Calhas, lambrequim, embasamento
e parede hidráulica.
Fotos: da autora, 2005/2006/2003.
Já no quesito conforto acústico, o mesmo não ocorre nas
moradias dos funcionários. Edifícios em madeira têm baixa inércia
acústica e as tipologias geminadas têm, como agravante, o piso
contínuo, paredes simples e o forro treliçado das cozinhas, ou seja,
o som passa de uma casa para outra.
Este é o tipo de encaixe mais
comum encontrado nas construções da
Vila para a solução de parede simples,
conhecido também como encaixe macho
–fêmea: geralmente tábuas sobrepostas,
fixadas numa estrutura de madeira e
formando externamente uma parede
(BRUNSKILL, 1970).
Esta técnica parece, segundo o mesmo autor, não ter sido
muito popular na arquitetura doméstica, até ser adotada nas
construções do sudoeste inglês, em fins do século XVIII. Até então,
o uso estava confinado para “cottages” e algumas pequenas casas.
Ainda assim a técnica era popular para estrutura em madeira de
edifícios rurais e comerciais.
Método construtivo muito semelhante foi utilizado em larga
escala nos Estados Unidos. O edifício dotado de estrutura tipo
balão (Balloon Frame), com seu esqueleto formado por delgados
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
146
montantes, revestidos por pranchas de madeira, teve origem nas
casas de fazenda dos primeiros colonizadores no século XVII. Esse
tipo de estrutura manteve sua vitalidade por todo um século e ainda
é largamente utilizado, por ser uma estrutura simples e eficiente
(GIEDION, 2004).
A parede de madeira foi dominada, pelas tradições
americanas do século XVIII, num grau mais elevado do que a de
tijolo. A parede simples de tábua de madeira permaneceu como
elemento construtivo por três séculos, desde a época dos primeiros
colonizadores.
4.3.1 Equipamentos urbanos
A Vila Martin Smith quando de sua implantação já contava
com um sistema interessante de identificação de ruas feita através de
placas em ferro fundido. Pevsner (1980) relata que as obras dos
engenheiros do século XIX baseavam-se amplamente no emprego
desse material, primeiro fundido, depois batido e, finalmente, como
aço.
Essas placas, cujos caracteres e molduras eram estampados
em relevo, também se valeram de materiais ferroviários, como cabos
e trilhos. Com esse material foram feitos os postes de iluminação
(F.26) e os suportes para as placas de denominação de ruas, saída,
localização de válvulas de incêndio, registro de água etc.
F.25. Placa de registro d’água apoiada sobre trilhos. Foto: da autora, 2005.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
147
Essas placas (F.25, 27 e 28) de sinalização eram fixadas por
meio de trilho, cravado no solo, que possuía um sistema de encaixe
no próprio suporte composto por duas alças, dispensando, assim, o
uso de parafusos. Esse sistema de sinalização, relacionando e
ordenando a nomenclatura de vias, conferia, de acordo com Minami
(1994), individualidade e personalidade à Vila Martin Smith, uma vez
que possuía uma linguagem própria, a da ferrovia.
F.26.Trilhos de trem como poste de iluminação pública. Foto: da autora 2006.
É possível percebermos ainda o contraste de cores
existentes nas placas, por exemplo, as de fundo amarelo e letras
pretas para indicação de ruas, e as de fundo vermelho escritas em
branco para indicação das válvulas de incêndio. Estas definições de
cores seguiam os padrões ingleses de sinalização, tanto viária quanto
ferroviária.
F. 27 e 28. Placas de identificação. Fotos: da autora, 2004.
Para que tudo permanecesse na mais perfeita ordem, a SPR
dispunha de um pessoal exclusivo para a manutenção destes e de
outros equipamentos. Conforme nos relata Ferreira (1988), havia o
setor de pintura, carpintaria, pedreiros, encanadores, eletricistas,
enfim, todo pessoal necessário para a manutenção e correção tanto
da estrada de ferro, como viadutos, valetas, caixas d’água etc. Assim
a Vila permanecia sempre limpa e bem cuidada.
A Vila com seus equipamentos, tornara-se uma extensão da
ferrovia. A SPR já se valia do conceito de reciclagem com o
reaproveitamento de trilhos, cabos e cascalhos para uso urbano.
Originalmente, também os bancos das praças eram os mesmos
utilizados na estação ‘Alto da Serra’.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
148
Por tudo isso é que a influência inglesa do século XIX
figurava não só nos conjuntos de casas com chaminés, coluna de
ferro, mãos-francesas, calhas e venezianas, mas também porque a
arquitetura que foi implantada em Paranapiacaba guarda uma
relação muito próxima, se não na típica arquitetura inglesa, nem nos
materiais construtivos empregados nela, ao menos na distribuição
interna com aparente semelhança na quantidade de cômodos, na sua
volumetria e nos conceitos adotados para as casas operárias
construídas na Inglaterra, neste mesmo período.
Tomando como exemplo as moradias para artesãos de Noel
Park, construídas por uma companhia com propósitos filantrópicos,
no norte de Londres (MUTHESIUS, 1982), muito embora estas
correspondam a tipologias assobradadas construídas em alvenaria, a
geminação, a volumetria, o número de cômodos, a racionalidade dos
espaços são muito similares aos esquemas encontrados na Vila
Ferroviária de Paranapiacaba, inclusive em sua distinção hierárquica
que, para as moradias operárias inglesas, era dividida por categorias
que iam de 1ª a 5ªclasse. Como nos mostra a figura ao lado, na Vila
essa divisão era feita por tipologias de A a E .
O que pretendemos indicar é exatamente essa aproximação
hierárquica e conceitual que abrange questões de higiene e
salubridade no habitat do trabalhador, existente entre as vilas fabris
inglesas e a Vila ferroviária de Paranapiacaba, pois, é neste
momento, que as relações de similaridade aparecem em ambas as
situações.
Il. 09. Moradias inglesas divididas por categoria de trabalhador
Il. 10.
Semelhante volumetria adotada em Paranapiacaba.
A arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
149
Um dos fatores, dentre tantos outros, que levaram à criação
de cidades e vilas fabris, não só na Inglaterra, mas em outros países
europeus (França, Itália, Alemanha, só para citar alguns), foram as
questões referentes às doenças que atingiam a classe trabalhadora,
muitas vezes associadas a sua condição de moradia e pobreza.
A doença importunando a saúde, freqüentes abscessos, a
apatia e a sonolência induzidas pela dieta pobre, a desesperança
trazida pelas constantes mortes de crianças, o pânico causado por
rumores de epidemias fatais, acrescente-se a isto a pobreza. Além do
mais. A morte prematura de homens treinados e capacitados gerava
gastos de tempo para treinar e capacitar outra equipe de trabalho
(GAULDIE, 1974). Essas questões fizeram com que alguns industriais
tomassem ciência da situação de seus trabalhadores e o medo de
espalhar doenças os persuadiu a providenciar um padrão melhor de
moradia.
A idéia sanitária surgiu nesse contexto, acoplada à questão
urbana, procurando definir uma sociedade sã: sem doenças, mas
também sem crimes e sem revoltas. Inspirada, pois, na idéia
sanitária, a redefinição das cidades fez-se a partir da teoria dos
fluidos. Isso significava ampliar redes de esgotos e água e
estabelecer o recorte ordenado de ruas e avenidas, com o objetivo
de propiciar a circulação do ar, da luz, das mercadorias e das pessoas
(BARREIRO, 2002).
Convém salientar que a implantação, construção e
administração das Vilas Velha e Martin Smith também estiveram
ligadas a todas estas questões, porém não foram empreendimento
de uma única pessoa, como foi o caso de New Lanark com Owen,
Port Sunlight com Lever e Saltaire com Titus Salt, que tomamos como
exemplos
6
. Sem desconsiderar o mérito desses idealizadores, a Vila
foi obra de uma empresa ferroviária, a São Paulo Railway Co, que
não se apoiou em aspectos filosóficos, filantrópicos ou caritativos,
como ocorreu em algumas dessas vilas fabris inglesas do século
XIX.
Sua implantação se deu pela necessidade de abrigar um
maior número de trabalhadores a partir da duplicação de sua linha
férrea e, como a questão da moradia salubre e higiênica estava muito
presente na Inglaterra, neste período, a preocupação da SPR se
voltou para estabelecer ali, no alto da serra, uma vila ferroviária com
moradias dignas para seus trabalhadores, baseadas, sim, em padrões
de conforto, com boas condições sanitárias de ar, luz e ventilação.
6
Exemplos ingleses, considerando a localização de New Lanark na Escócia, que faz
parte da Grã-Bretanha que por sua vez abrange a Inglaterra e País de Gales.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
150
4.4 Arquitetura Ferroviária
Os prédios ferroviários são classificados de acordo com suas
funções e estão incluídos basicamente nas seguintes categorias:
estações, armazéns, oficinas, prédios administrativos, cabines de
sinalização, casas de turma
7
, casas para funcionários, casas de
máquina e força. Cada categoria possui uma tipologia própria, de
acordo com sua função. Dentro de uma mesma categoria, o prédio
pode ter soluções diversas, que variam de acordo com o material
empregado na construção, com a solução estrutural e concepção
formal adotados. Estas variações estão também diretamente ligadas
ao programa da edificação (MORAIS,1991).
Nesta classificação de arquitetura ferroviária, incluímos todas
as outras construções da Vila Martin Smith que não se destinam à
moradia operária. São elas: a estação ‘Alto da Serra’ no pátio
ferroviário, a sede do Clube União Lira Serrano, o mercado, a escola
e alguns exemplares dos galpões ferroviários. Da Vila Velha o
exemplar destacado é o antigo Hospital ou o que restou dele.
7
Casas de turma são construções ao longo da linha férrea que servem de apoio aos
trabalhadores responsáveis pela manutenção da via permanente. Em Paranapiacaba essas
casas estavam localizadas ao longo dos patamares da Serra do Mar.
Dessa arquitetura, os exemplares que foram construídos em
madeira são a antiga estação, o mercado, a sede do clube e o
hospital, sendo o restante erguido com alvenaria de tijolos de barro.
Durante a construção da Vila Ferroviária pela São Paulo
Railway, alguns edifícios receberam maior atenção e se destacam na
paisagem urbana. Dentro desse conjunto de construções da Vila de
Paranapiacaba que teve grande importância arquitetônica e
urbanística e função fundamental, está a antiga estação denominada
primordialmente de Alto da Serra.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
151
4.4.1 A Estação “Alto da Serra” (1898)
“A arquitetura de um monumento deve revelar sua destinação
Auguste Perdonnet
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba já contou com três
estações. A primeira, provisória e muito simples, estava situada em
frente ao largo dos padeiros e fazia parte do primeiro sistema
funicular, sendo inaugurada em 1874. A segunda, localizada no
centro do pátio ferroviário, ficou conhecida como antiga estação; era
de 1898 e fez parte dos planos de melhorias ao longo de toda
extensão da linha da SPR. Tanto a primeira quanto a segunda
estação não existem mais. A terceira é a que existe atualmente,
contando apenas com a plataforma e a torre do relógio, que sofreu
algumas alterações quanto a sua localização e altura.
Se, por um lado, elogiava-se a engenharia britânica, por outro
se criticava a precariedade e desconforto das estações e paragens.
Em relatório do Ministério da Agricultura de 1865, assinalava-se que
eram péssimas as estações de passageiros e mercadorias em Santos
(...) e também a estação de São Bernardo (atual Santo André) era tão
mal feita que só poderia ser considerada provisória (MAZZOCO,
2005).
Durante os planos de melhorias e duplicação da linha, a SPR
construiu algumas estações visando substituir paradas provisórias
que prestavam atendimento às vilas que se formavam ao redor da
estrada de ferro. Promoveu também algumas reformas das estações
primitivas. Dentre as estações que foram construídas no período de
1879 a 1900, estão o Alto da Serra, Campo Grande, Ribeirão Pires,
Pilar (atual Mauá), São Caetano, Ipiranga, Barra Funda, Pirituba,
Taipas, Caieiras, Juqueri, Campo Limpo e Várzea.
O terreno (Il.11) para implantação da nova estação na vila foi
aberto pelos ingleses para servir como pátio de operação do sistema
funicular, local de manobras dos trens que subiam e desciam a serra.
Il.11. Preparação do terreno para implantação da estação. Foto: Marc Ferrez
s/d. Fonte: Arquivo pessoal Adalberto Almeida.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
152
O engenheiro James Madeley apresentou um relatório ao
engenheiro Daniel Fox em que constavam todas as ações dos planos
de duplicação das linhas e melhorias, além de prever a construção de
diversas edificações, principalmente novas estações. Junto a esse
relatório estavam também os orçamentos, havendo a intenção de
adotar um padrão estético de instalação e dimensões das estações
(LAVANDER, 2005).
Essas remodelações marcam os diferentes estágios de
desenvolvimento da estrada de ferro: das colunas feitas com trilhos,
em um modesto galpão, passou-se às estações maiores com espaços
hierarquizados, salas de espera para senhoras, sanitários, escritórios,
plataformas cobertas e acabamentos rendados (COSTA, 2001).
Para o Alto da Serra foi idealizada a construção de uma nova
estação (IL.12 e 13), toda em madeira, ferro e telhas francesas, vindas
da Inglaterra. Seu projeto foi elaborado por engenheiros britânicos,
sendo que suas medidas foram escritas em inglês com cotas em pés e
polegadas, foram previstas também plataformas com 160m de
comprimento ligadas por pontes metálicas, de passagem superior,
além de armazéns de carga.
A estação ferroviária veio toda ela desmontada e numerada
peça a peça, o que facilitava a montagem, tornando-a mais rápida e
não necessitando de mão-de-obra especializada. Nela utilizou-se
grande quantidade de peças pré-fabricadas na Grã-Bretanha. Os
equipamentos, em sua maioria importados, eram de alta qualidade e
grande unidade de estilo. Por sua localização no meio do caminho
da serra, mereceu tratamento diferenciado com uma torre para o
relógio e ampla plataforma coberta (COSTA, 2001).
Il.12. Estação na década de 40. Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br
O alpendre dessa estação (Il.14), ainda de acordo com Costa
(2001), era semelhante aos apresentados nos catálogos de Walter
MacFarlane e, possivelmente, de sua fabricação. Já as coberturas de
plataforma eram todas de colunas, consolos e complementos
ornamentais em ferro fundido, coberto por telhas do tipo francesa.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
153
Il. 13. Projeto padrão para as estações do Alto e Raiz da Serra, 1896. Planta, corte e elevação. Fonte: Lavander, 2005.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
154
Em um eixo imaginário simétrico em relação à passarela
metálica, o corpo principal abrigava o vestíbulo como uma grande
sala de espera, o setor de bagagens e encomendas, uma área
destinada para o posto telegráfico e outras dependências. Na ala à
esquerda desse eixo, estavam as dependências do bar-café e
sanitários e, no outro extremo, a ala destinada ao chefe da estação.
Todo esse grande edifício encontrava-se paralelo às linhas férreas.
As estações ferroviárias eram de fato templos da nova
tecnologia e seus espaços se multiplicavam pela criação de serviços
utilizados por indivíduos de todos os níveis sociais (SILVA, 1988).
Segundo recomenda Auguste Perdonnet em seu tratado sobre
estradas de ferro, a arquitetura das estações intermediárias
localizadas em grandes cidades deveria ser produto daqueles
edifícios, ou seja, contemplar as características predominantes de
uma cidade. Isso ocorreu em Paranapiacaba, onde o prédio da
estação seguiu o padrão construtivo e os mesmos materiais foram
utilizados não só nos principais edifícios da vila, como em todo seu
conjunto urbano.
De relevante interesse é distinguir a diferenciação entre
parada e estação. A parada é um simples ponto estabelecido para
acessar uma localidade pouco freqüentada pelos passageiros, com
instalações simples. Já as estações comportam um ponto de chegada
com vias de garagem, geralmente classificadas em terminais ou
intermediárias (de passagem). Na maioria das vezes as estações
intermediárias estavam divididas em três classes, variando de acordo
com o tamanho e importância da localidade que serviam (Cloquet,
1900).
Il.14. Plataforma com pilares em ferro c. 1968. Foto: Octaviano Gaiarsa. Acervo:
Museu de Santo André (MSA).
A planta do edifício seguiu o projeto enviado pelos ingleses,
porém sua implantação foi dada exatamente no meio do pátio
ferroviário, ficando a estação entre as duas linhas férreas: de um
lado partiam os trens sentido São Paulo e, do outro, para Santos.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
155
A Estação ‘Alto da Serra’ estava incluída na categoria de
estação de passageiros, entre São Paulo e Santos, classificada como
sendo ‘especial de segunda classe’. Era um edifício monumental
pelas suas dimensões e de fundamental importância no contexto
urbano da Vila Ferroviária de Paranapiacaba.
Il.15. Estação de Paranapiacaba e parte do pátio ferroviário, 1968.
Foto: Carlos Haukal. Acervo: MSA.
A respeito dessa estação um jornal da época registrou o
seguinte comentário:
A estação do Alto da Serra é um vasto edifício luxuoso
de requintado gosto artístico, elegante e construído em
parte em madeira, toda envernizada. A sua collocação e o
estylo architectonico a torna um edifício imponente,
gracioso e pittoresco no meio daquella serra, cercada de
altas montanhas de verde escuro, pujante na grandeza da
natureza brazileira, deslumbrante pelo panorama cheio de
sorprezas que desenrolão-se aos olhos dos visitantes(...)
Na estação existem vastas dependências com todas as
commodidades e conforto para os passageiros, salas
especiaes para famílias, armazéns, asseiadas e bem
collocadas reservadas, e um excellente botequim sob a
intelligente direcção do Sr. Henriques Reeve. Todo o
edifício da estação e suas proximidades são illuminadas a
luz electrica”(
Jornal do Commercio, 30 de março de 1900).
A estação (Il.15) era o ponto focal de encontro da população
da vila que se reunia em suas plataformas para tratar de negócios,
para comentar futebol, política ou qualquer outro assunto. Em seus
relatos João Ferreira destaca que:
“As noites de sábado e domingo eram os dias de glória da
estação. Durante o dia, o movimento já aumentava, mas à
noite era impressionante o movimento nas suas
dependências; plataformas bastante largas ofereciam
espaço para um grandemero de pessoas. (...)
Caminhava-se pelas plataformas em dois sentidos, um ao
contrario do outro. Dessa forma obrigatoriamente,
depois de duas ou três voltas todos viam-se (...)
encontravam-se além de namorados, casais com seus
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
156
filhos e pessoas de todas as idades”.
Na estação erguia-se a torre do relógio. Este fazia parte do
corpo do edifício, sendo também a torre em madeira. Ela media
14,40 m de altura até a base da cúpula, reservando 5,40 m para
acomodar o relógio de quatro faces, da empresa Johnny Walker
Benson, de 1888, encimado por uma cúpula circundada por pequenas
aberturas -óculum- arrematadas e ornamentadas por grades de ferro.
Esta estação foi desativada em 1977. Em 1981 pegou fogo e,
da antiga estação, restou apenas a plataforma. O mecanismo de
funcionamento do relógio foi recuperado e instalado numa nova
torre reconstruída em alvenaria, sendo a cúpula ornamentada com
grades, possivelmente originais, porém sem as aberturas do óculum.
Il. 16. Incêndio na Estação, 1981.
Fonte: www.vfco.com.br
4.4.2 Pátio ferroviário
(1899-1901)
O pátio ferroviário (F.29) também entra como um elemento
marcante na paisagem urbana do local, pois é ele quem separa a
Parte Alta dos outros dois núcleos urbanos localizados na parte
baixa da Vila Ferroviária de Paranapiacaba (Vila Velha e Martin
Smith) e representa, de uma certa forma, uma separação física,
funcional e também social entre a ‘cidade livre’, onde a mão inglesa
não alcançava, e a cidade ferroviária, vigiada e disciplinada.
F.29. Pátio ferroviário. Plataforma e torre do relógio. Foto: da autora, 2004.
A arquitetura ferroviária se faz presente em Paranapiacaba
com edifícios e equipamentos como o relógio da estação, o virador
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
157
com 18,30 m de diâmetro, galpões, depósitos e as casas de
máquinas, incluindo os remanescentes dos planos inclinados. Desse
equipamento férreo existente na Vila, resta a 4ª máquina fixa
fabricada pela William Fairbain & Sons, de Manchester. No trecho
correspondente ao último plano inclinado, ou seja, o 4º e 5º
patamares, estão as 4ª e 5ª máquinas fixas e respectivos edifícios
(F.30), a casa das caldeiras e seus equipamentos, o trecho da via
permanente, incluindo o sistema de cabos e polias, o sistema de
comunicação e sinalização, de iluminação e força.
remanescentes dos
cabos funiculares com
respectivas polias, que, quando
em operação, contavam com
4800 polias distribuídas ao
longo da Serra do Mar.
Il.17. Cabo e polia do funicular.
Fonte: Meyer, 1999.
Dentre os veículos ferroviários há três locobreques
fabricados pela Kerr & Stuart Ltd. de 1900; quatro fabricados pela
Robert Stephenson & Co em 1901, 1903 e 1921; equipamentos
rodantes utilizadas pela SPR como a locomotiva a vapor nº 15,
fabricada pela Sharp, Stewart & Co Ltd, em 1862; outra locomotiva a
vapor produzida pela Kerr & Stuart Co de London / Stoke em 1907;
o carro de Dom Pedro II, fabricado pela SPR em 1879; o vagão
fúnebre nº 16, em 1907 e dois vagões de passageiros da 2ª classe, nº
188 e 451, ambos da SPR.
F.30. Casa de máquina. 2º sistema funicular. Foto: Ingrid Wanderley, 2005.
Algumas oficinas da SPR foram instaladas ao longo de sua
via como é o caso das oficinas da Moóca, com área útil de 12.700m²
mais 1.600 m² para instalação do almoxarifado central, e as oficinas
da Lapa, por ter uma maior área plana e pela proximidade com o rio
Tietê, fonte de água para o acionamento dos equipamentos a vapor.
Em Paranapiacaba, eram feitas as intervenções de
manutenção de maior vulto nos equipamentos específicos das serras
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
158
funiculares, como os locobreques e as máquinas fixas. A arquitetura
desses galpões obedecia a um padrão típico da arquitetura industrial
britânica manchesteriana. Neste padrão aparecia a fachada típica de
tijolinhos vermelhos, a estrutura sóbria e pesada, simetria de planos.
Aqui mais uma vez a arquitetura da vigilância se faz
presente, uma vez que o sistema de máquinas exige a observação, a
continuidade da vigilância que o estilo das construções procurava
reforçar, com suas paredes elevadas e janelas abertas no alto,
impedindo a visão exterior (FAUSTO, 1976).
F.31. Casa de máquina.Fachada lateral. Foto: Ingrid Wanderley, 2005.
Estes edifícios são construídos com alvenaria de tijolos
aparentes sobre embasamento de pedra (F.31) e, embora apresentem
certa austeridade, possuem uma perceptível beleza no ritmo de suas
aberturas e nos detalhes de acabamento dos vãos e cimalhas.
F.32.Material rodante. Locobreque.
Foto: Ingrid Wanderley, 2005.
F.33. Equipamento ferroviário.
Roda da inércia.
Foto: da autora, 2001.
Contrapondo com outras construções ferroviárias, as
primeiras oficinas localizadas na Vila Velha, no Caminho da
Estação, foram construídas em madeira sobre embasamento de
alvenaria (F.34). A cobertura provavelmente também era de telhas de
barro do tipo francesa, porém atualmente são cobertas por telhas de
fibrocimento. Entre estes edifícios ainda há o desvio com os trilhos
do trem. Posteriormente, com o fim da concessão inglesa, nesses
prédios passou a funcionar a escola Senai, atualmente desativada.
A (F.35) mostra o depósito das locomotivas e o virador, onde
as mesmas operavam para tomar o caminho de volta a São Paulo,
assim que desengatavam dos vagões que desceriam a serra.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
159
F.34. Oficinas em madeira. Vila Velha. Foto: da autora, 2004.
F.35. Virador e depósito de locomotiva. Foto: da autora, 2005.
F.36. Galpão ferroviário. Foto: da autora, 2005.
Todas as demais construções ferroviárias seguem o mesmo
padrão construtivo, qual seja, embasamento em pedra e paredes em
alvenaria de tijolos de barro vermelho. O galpão (F.36), embora em
estado de abandono, faz parte do acervo arquitetônico ferroviário e
está localizado na Vila Martin Smith e servia também de abrigo para
as locomotivas. O prédio tem medidas aproximadas de 18 metros
de largura por 64 de comprimento, apresenta a cobertura com telhas
de fibrocimento seccionada por um lanternim que abrange toda a
sua extensão. Possui um ritmo nas aberturas das janelas que são
encimadas por arcos plenos e, pela sua altura, conferem
homogeneidade e leveza à fachada.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
160
F.37. Casa de máquina. 2º sistema funicular. Foto: da autora, 2005.
F.38. Pátio ferroviário. Ao fundo, casas de máquinas.
Foto: Ingrid Wanderley, 2005.
4.4.3 O Mercado (1899)
Os mercados figuram entre as grandes obras civis e, desde a
Antigüidade, constituem centros da vida urbana, não importando a
dimensão das instalações, que tanto podem ser extraordinários
monumentos arquitetônicos quanto precárias estruturas de caráter
temporário ou feiras permanentes (COSTA, 2001). Segundo
Mumford (1961), a importância do mercado não é diretamente
determinada pelo tamanho das edificações principais nem pelo
tamanho da cidade, antes, ele é adaptado para as operações
comerciais.
Uma outra edificação que mereceu atenção especial dos
ingleses em seu projeto de 1899, foi o mercado construído na
primeira década do século XX, seu projeto original previa a
instalação de uma escola primária. No entanto, a necessidade de
aquisição de gêneros alimentícios de consumo imediato forçou sua
adaptação para se tornar o principal edifício comercial da vila. Pela
finalidade a que se destinava e por se tratar de um edifício não-
residencial e de uso comercial, comportava detalhes construtivos
ligados a cuidados higiênicos e sanitaristas, tais como um sistema de
ventilação cruzada por meio de óculo na entrada e de venezianas
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
161
nas laterais, uma vez que, na Inglaterra, em 1847, já estavam
definidas as normas para a construção e higiene desses edifícios no
The Market and Fair Clauses Act (DIXON e MUTHESIUS, 1978), o que
nos leva a crer que os engenheiros britânicos se fizeram valer dessas
normas ao projetar este edifício.
O mercado está localizado
na bifurcação da Avenida
Campos Sales (A) com Rua
Rodrigues Alves (B),
fazendo fundos para a
Avenida Antonio Olyntho
(C), na Vila Martin Smith.
O edifício de planta simples e retangular tem 12 metros de
largura por 26 de comprimento (F.39). Seu sistema construtivo é
basicamente alvenaria e madeira: as paredes se constituem de
metade em alvenaria e a outra metade em painéis de madeira
vazados, intercalados por pilares de tijolos que seguem até a altura
do beiral. Os painéis contam ainda, cada um deles, com uma janela
do tipo guilhotina e folhas cegas. Essa técnica de ventilação além de
possibilitar a boa circulação do ar, empresta ao edifício a graça
característica dos rendilhados.
O teto não possui forro, sua estrutura de cobertura fica
aparente e coberta por telhas de barro do tipo francesa, sustentada
por seis tesouras que se apóiam sobre os pilares menores
distribuídos pelo interior do edifício e nos pilares de alvenaria das
paredes periféricas. A cobertura é simples, composta de duas águas,
não possui calhas nem condutores.
F. 39. Mercado. Pilares de tijolos, painéis em madeira e óculo central.
Foto: da autora, 2004.
Em seu interior havia compartimentos em boxes que foram
agrupados em torno dos espaços laterais, o que permitia a fácil
circulação de pessoas e mercadorias pelo corredor central (F.40).
Praticamente a distância de um pilar a outro era o que definia o
tamanho de cada box. Nesses espaços, de acordo com o que foi
A
B
C
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
162
apurado, funcionavam açougue, bar, empório de secos e molhados,
bazar, quitanda, torrefação de café e agência de correio. Os víveres
eram comercializados nos finais de semana, quando os chacareiros
da região de Mogi das Cruzes traziam seus produtos e os vendiam
na praça em frente ao mercado.
F.40. Interior do edifício. Estrutura de cobertura. Foto: Rose Chaves, 2005.
4.4.4 Clube União Lira Serrano
(1907)
“Lira Serrano
Clube nobre
Clube inglês
Chá das 5
Lorde chegando
Leides entrando
Só inglês chegando
Eu do lado de fora olhando
Todos falam atrapalhado
Não entendo
Mas quero ouvir
Todos estão falando
Eu escutando
Mister está tomando chá
O sarau vai começar
O charuto cubano vai esfumaçar
E da Inglaterra eles vão falar”
8
.
O clube, construído em 1907 e ampliado, posteriormente,
em 1938, teve sempre grande prestígio junto à comunidade local.
Foi sede, inicialmente, de duas associações de ferroviários: a
“Associação Musical Lyra da Serra”, fundada em primeiro de
outubro de 1900, e o clube esportivo “Serrano Atlético Club”,
fundado em 1903. Em 15 de outubro de 1936, as duas entidades se
fundiram numa única fazendo nascer o União Lira Serrano (ULS),
que recebeu, em 1938, o edifício (F.41) com novas e amplas
8
Francisca Araújo, poetisa, moradora da Vila Ferroviária de Paranapiacaba.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
163
instalações, permitindo a realização de bailes, jogos de salão,
competições esportivas e exibição de filmes, peças teatrais e da
banda de música Lyra da Serra.
O edifício também é bastante peculiar, pois mantém, em
relação ao conjunto da Vila, as mesmas características originais das
outras edificações, mas com soluções espaciais bem diversificadas,
como, por exemplo, a transformação do salão principal em sala de
cinema, em quadra de esportes ou salão de baile. Possui ainda outras
salas para jogos de bilhar, tênis de mesa, sala de reuniões e outra
para os troféus.
F.41. Edifício sede do Clube União Lira Serrano. Foto: da autora, 2005.
O Lira, como é popularmente chamado, contava ainda com
campo de futebol, cancha de bocha e uma quadra de tênis, sendo
que este equipamento esportivo era de uso exclusivo dos ingleses. O
futebol e a música eram levados tão a sério que se dava preferência a
novos funcionários jogadores ou músicos, que logo passariam a
fazer parte da Sociedade Lyra Serrana cujo lema era: “Boa de música
e de bola”.
O clube era polarizador da cultura local, principalmente em
relação à música e à cinematografia. Além da capacitação musical,
organizava cursos de aprendizado para uso dos instrumentos e os
membros do clube se apresentavam no palco existente. Os músicos
associados executavam trilhas sonoras durante as sessões de cinema
mudo.
A sede reunia artistas que faziam espetáculos, resultando
disto, além do grupo musical Lyra da Serra, a banda de jazz
feminina e o grupo de cordas que se apresentavam tanto na vila
quanto nas cidades próximas como Santos, São Paulo e municípios
vizinhos do ABC.
A fase em que a sede do ULS mostrava toda a sua força era
mesmo nos bailes de carnaval, onde de acordo, com Ferreira (1988),
a hierarquia profissional era posta de lado e todos eram iguais. Os
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
164
ingleses começavam a se descontrair, a princípio em seus camarotes
(F.42), depois desciam para o salão, misturavam-se com os demais e
traziam grandes sacos de confetes que eram distribuídos entre os
foliões que começavam a guerra, uns jogando nos outros.
O edifício e todos seus principais componentes, tais como
estrutura vertical (vigas mestras e montantes), paredes de vedação,
esquadrias e escadaria, são todos em madeira, em sua grande maioria
o pinho-de-riga. Seguindo a mesma técnica construtiva utilizada nas
casas da Vila, a construção teve sua adaptação ao desnível do
terreno, sendo toda ela erguida sobre pilaretes de pedra e alvenaria
distribuídos por todo subsolo do prédio e, sobre estes, barrotes de
madeira que sustentam o soalho de piso.
O edifício é composto por três alas principais: hall de
entrada (F.44), o grande salão (F.43) e as salas do segundo pavimento,
sendo esses elementos que dão volumetria ao prédio e possibilitam
o jogo de telhados.
No piso térreo encontramos, à esquerda do hall, a sala de
jogos (F.45) que, por sua vez, tem acesso direto ao palco. O grande
salão está numa cota inferior em relação ao hall de entrada.
F.42 e 43. Camarotes, grande salão e palco.
Fotos: da autora e Ingrid Wanderley, 2005.
F.44 e 45. Bilheteria e sala de jogos. Fotos: da autora, 2005.
A fachada principal guarda um padrão simétrico na
disposição das aberturas. As janelas esguias são do tipo guilhotina e
apenas as que estão na fachada posterior é que possuem folhas de
fechamento almofadadas. Há duas entradas principais, com portas
de folhas duplas encimadas por bandeiras envidraçadas e uma saída
de emergência, pela parte posterior do edifício. O grande salão
conta também com janelas superiores do tipo basculante, com
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
165
acionamento de abertura e fechamento feito por meio de tirantes.
F.46. Fachada posterior. Foto: da autora, 2005.
A volumetria do edifício só é percebida pela fachada
posterior que quebra um pouco a rigidez simétrica do prédio e nos
revela o jogo de telhados, que, a primeira vista, parece fazer parte de
um bloco único (F.46). Acompanhando a cobertura, os beirais, todos
forrados e apoiados sobre mãos-francesas, tendo em todo o
perímetro da cobertura, calhas e tubos de queda estrategicamente
distribuídos ao redor do edifício.
A SPR mantinha ativo o setor esportivo, pois oferecia
emprego juntamente com o posto de jogador pelo Serrano. Havia
também times juvenis e infantis, que usufruíam o mesmo campo de
futebol.
F.47. Campo de futebol; ao fundo, as arquibancadas. Foto: da autora, 2005.
Um fato curioso e interessante ocorria nas partidas
disputadas pelo time local que tinha, a seu favor, a neblina. Talvez
pelo fato de os jogadores estarem acostumados com ela, tocavam a
bola como se não houvesse neblina, enquanto os adversários
simplesmente não a enxergavam (FERREIRA, 1988).
J
anelas
superiores
Saída de
emergência
Volume do
palco
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
166
4.4.5 A escola primária (1911 / 1938)
A administração inglesa construiu também o edifício de
madeira onde se instalou o primeiro grupo escolar, construído pelo
empreiteiro geral das obras do segundo sistema funicular, no fim da
Avenida Antonio Olyntho, que iniciou suas atividades em 1911.
Porém, desse edifício pouco se sabe. Temos somente a referência
citada no Jornal do Comércio com os seguintes dizeres:
“O empreiteiro geral das obras, Sr. B. Rymkiewcz é um
cavalheiro de esmeradíssima educação, de uma nobreza de
sentimentos fidalgos, de uma affabilidade de trato tão especial
que se impõe ao respeito e à estima de todos. Para se avaliar
da generosidade de seus sentimentos, basta dizer que
procurou sempre crear para seus empregados diversões licitas
e hygiênicas e, o que é mais de louvar ainda, acaba de fundar
no Alto da Serra uma escola primária para educação de 200
crianças, filhos de seus operários, promovendo às suas custas
a escola de tudo que é necessário, além da construção do
edifício, que passará a ser patrimônio de todos os
empregados”. (
Jornal do Commercio, 30 de março de 1900).
Em 1938 começou a construção de um novo prédio para o
grupo escolar, desta vez empregando o tijolo de barro como
principal material construtivo. Segundo Ferreira (1988), o edifício era
bem dividido, com salas de aula bem arejadas, salas da diretoria e
um pátio externo com play-ground para as horas de recreio. Em
1939 foi inaugurado o novo prédio escolar construído na Avenida
Paula Souza, oferecendo aos alunos melhores acomodações.
F.48. 2º grupo escolar construído na Vila Martin Smith. Foto: da autora, 2006.
Este edifício foi um dos últimos elaborados pela SPR e
ainda mantém suas características originais sem alteração,
iluminação com clarabóia e portas com vidraças.
O novo edifício está localizado onde inicialmente seria a
praça central da Vila Martin Smith, dividindo a mesma quadra com
a sede do Clube Lira Serrano e o play-ground. O prédio tem formas
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
167
geométricas no mais puro estilo Art Déco (F.48), com extremidades
abauladas e linhas retas na fachada. As esquadrias são do tipo
basculante metálica, dispostas simetricamente, acompanhando o
ritmo de cheios e vazios. Seu interior é formado por um corredor
central que atravessa longitudinalmente todo o edifício e, em seus
extremos, localizam-se as instalações sanitárias divididas em
masculino e feminino. Ao longo desse corredor distribuem-se as
salas de aulas e salas administrativas.
Quanto ao tipo de acabamento empregado podemos citar
que no piso do hall de entrada e no corredor é de cerâmica
vermelha sextavada; o mesmo ocorre nos sanitários que têm, em
suas paredes, azulejos brancos a meia altura; todas as salas possuem
tacos de madeira e a técnica utilizada para todo o forro foi o
estuque. As telhas utilizadas na cobertura são do tipo francesa.
O edifício passou também por outros usos. Deixou de ser
escola para abrigar os escritórios da Rede Ferroviária Federal,
quando esta assumiu a Vila e todos seus equipamentos, com o fim
da concessão da SPR. Atualmente abriga a sede da Sub-prefeitura de
Paranapiacaba e Parque Andreense.
Hoje a Vila conta com outro prédio escolar, localizado na
Avenida Ford, para atender aos alunos do ensino fundamental.
4.4.6 O Hospital do Alto da Serra (1862)
Embora o conjunto de edificações do complexo hospitalar
não esteja localizado na Vila Martin Smith, e sim na Vila Velha, não
poderíamos deixar de lado esse importante conjunto arquitetônico
que faz parte da Vila Ferroviária e foi de vital importância durante o
processo de construção da estrada de ferro, especialmente no trecho
da Serra do Mar e na implantação da Vila como um todo.
Consideramos como parte desse complexo o conjunto de
edificações formado pelas (1) enfermarias, de 1855, (2) pelo hospital
de 1862 e (3) pela casa do médico residente, de 1863 (Pl.18). Todos
estão localizados ao fim do Caminho do Hospital, já na encosta do
morro, abrigados, portanto dos ventos vindos da Serra do Mar, num
platô isolado e completamente afastado dos núcleos urbanos da
Parte Alta, Vila Velha e Vila Martin Smith (Pl.19). A posição assim
definida pelos ingleses evitaria, em caso de alguma epidemia ou
doença infecto-contagiosa que elas se espalhassem pelo restante da
Vila.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
168
Pl.18. Planta de localização do complexo hospitalar. Fonte: PMSA, 1990.
Pl.19. Curvas de nível. Localização do platô. Fonte: PMSA, 1990.
O hospital era formado por um conjunto de construções em
madeira que traziam alguns referenciais visuais bastante fortes, que
denotam o uso específico de local de atendimento médico, como a
marca de uma cruz vazada nas janelas dos edifícios (F.50), ou em
detalhes construtivos, como no eficiente sistema de iluminação
natural conseguido por clarabóia superior na sala de operações
(F.52), ou, ainda, nas dependências anexas onde se situava a
enfermaria (F.49), para isolamento de doenças contagiosas. A esse
propósito o mesmo jornal do comércio publicou a seguinte nota:
“O serviço médico para os trabalhadores foi organizado
pela Companhia de modo o mais completo possível em
taes circunstancias, empreiteiros e trabalhadores
contribuindo para a sua manutenção. Para o serviço
estabeleceu ella dous hospitais, um pequeno na Raiz da
Serra e outro maior no Alto da Serra. (...) o hospital do
Alto da Serra, estabelecido em um dos pontos mais
elevados, compõe-se de quatro grandes enfermarias de 12
leitos cada uma, e uma enfermaria para isolamento de
moléstias infecto-contagiosas. Tem além disso dous
quartos especiaes destinados ao pessoal superior. Além
das enfermarias, que são construídas segundo as regras de
hygiene, tem o hospital toda as dependências annexas,
como sala para consultório, pharmacia, sala de operações,
1
2
3
822.5
Caminho do
Hospital
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
169
cozinha, lavanderia, rouparia e acomodações para
empregados. Este hospital está suprido de todos os
instrumentos cirúrgicos, bem como a pharmacia dispõe
do que é necessário”. (
Jornal do Commercio, 1900).
F.49 e 50. Enfermarias e detalhe da cruz na janela. Fotos: da autora, 2006.
F.51 e 52. Hospital e detalhe da iluminação zenital. Fotos: da autora, 2006.
O corpo médico era formado pelo Dr. William London
Strain, residente em São Paulo e pelo Dr. Ovídio de Farias Lemos,
médico residente em Paranapiacaba e diretor do hospital. Além
destes havia dois enfermeiros, quatro serventes, cozinheiro e
funcionários para o serviço de lavanderia.
Durante os trabalhos de duplicação da linha, havia relatórios
mensais elaborados pelo engenheiro chefe responsável dando conta
de tudo o quanto se passava nas obras, desde Santos até São Paulo.
Nesses relatórios estavam incluídos também os atendimentos no
hospital. Por exemplo, no mês de janeiro de 1900, para o serviço
médico fora registrado:
“50 pacientes tratados no mês dos quais 20 eram
remanescentes do mês anterior, 30 deram entrada neste
mês, 30 foram curados, 02 estão em recuperação e 01
morreu”
(CYRINO, 2000).
No mês seguinte o relatório se repetia alterando-se o
número de entradas e saídas de pacientes, a quantidade em
recuperação e o total de mortos.
Todo o conjunto arquitetônico foi construído de acordo
com a técnica padrão utilizada na Vila Ferroviária, base de alvenaria,
madeira encaixada para a solução de paredes, telhas de barro tipo
francesa etc; um dos edifícios da enfermaria guarda ainda
lambrequim recortado no beiral, porém as edificações destinadas
para tal fim, hoje estão subutilizadas, sendo transformadas em
moradias coletivas.
O hospital atualmente está abandonado, seu prédio se
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
170
encontra bastante deteriorado, as fachadas originais estão
descaracterizadas com a retirada de algumas esquadrias e abertura de
outras, os vidros que compunham a iluminação zenital foram
completamente depredados e o próprio edifício já sofreu
acréscimos. Atualmente serve de depósito de materiais imprestáveis.
A residência do médico, dentro da hierarquia patronal da
SPR, segue os padrões das moradias destinadas aos mais altos
cargos, pois é uma casa de maiores dimensões, comparada àquelas
de engenheiros, com todo conforto disponível para a época, luz,
água, paredes duplas do tipo sanduíche, fogão-a-lenha, lareiras (F.54)
e banheiro interno.
Ocupando toda a extensão da casa, um amplo alpendre
coberto (F.53). A casa possui salas, quartos, cozinha e área de serviço
interligados, um estreito e pequeno quintal ao fundo. Este edifício
também segue a mesma técnica construtiva. Interiormente é
assoalhada nas salas e quartos e cimentado nas áreas molhadas,
todos os ambientes possuem forro tipo saia e camisa, sendo
treliçado na cozinha.
O que a difere de todas as demais casas é que nesta havia
uma saleta para atendimento médico e um corredor com iluminação
feita através de uma clarabóia, assim como a que havia no hospital.
Uma particularidade desfrutada provavelmente somente
pelo médico residente é a existência de um pequeno riacho que vem
da serra, desce em sentido às casas de máquinas e passa muito
próximo a esta moradia, o que o torna parte do quintal desta.
F.53. Casa do médico residente. Foto: da autora, 2006.
F.54. Interior da casa, lareira de uma das salas. Foto: da autora, 2006.
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
171
Atualmente a casa abriga uma pousada esotérica, não
sofrendo aparentemente grandes alterações, uma vez que a saleta de
atendimento, que possui acesso independente, e a clarabóia foram
mantidas.
F.55 e 56. Saleta do médico e iluminação zenital. Foto: da autora, 2006.
No total, abarcando ambos os conjuntos arquitetônicos
residencial e ferroviário, surge a seguinte questão: que arquitetura é
essa? Pré-fabricada, modular, arquitetura da Revolução Industrial?
Fabril ou ferroviária? Em qual estilo se encaixa? Arts & Crafts,
Vernacular, Vitoriano (1837-1901), Eduardiano (1901-1910)?
(WEST, 1979); Domestic Revival (1860-1900)? (PEVSNER, 1980). É um
mix de todas e nenhuma ao mesmo tempo...(?).
Para entender a arquitetura do século XIX é preciso
perceber o contexto arquitetônico do período e examinar suas
propostas para uma nova arquitetura doméstica. Havia uma
confusão generalizada no cenário arquitetônico inglês na virada do
século, com sua profusão de estilos. Segundo Pevsner (1982), “o
século XIX perdeu a leveza e o romantismo, mas instituiu a
variedade de estilos”. Para Costa (2001), foi o momento por
excelência do ecletismo e do historicismo, compreendendo por isso
o uso de diferentes estilos, cada um por sua vez ou ao mesmo
tempo, em algum arranjo determinado. A arquitetura inglesa tinha
necessidade de ser organizada. Era construída com plantas
simétricas e seguindo eixos. A mudança veio durante a década de
1860, com projetos mais livres, preocupados com a utilidade, com o
material e outras considerações mais práticas (MUTHESIUS, 1987).
A ordem do espaço interior, portanto, vem encabeçada pelo
arranjo mais conveniente de cada cômodo de acordo com cada
família, e o aspecto social deve ser levado em consideração para
uma acomodação doméstica ideal. Esta preocupação se fez presente
em todas as casas da Vila Ferroviária de Paranapiacaba, onde o
espaço foi pensado não como um volume total, mas como uma
série de cômodos que se desenvolvem de acordo com a função
Arquitetura da Vila Ferroviária de Paranapiacaba
172
particular de cada família. Esta é uma atitude racionalista e
utilitarista para o projeto arquitetônico, um esforço para a máxima
economia e eficiência no arranjo doméstico.
Sendo assim podemos dizer, a título de especulação, que,
muito embora haja indícios característicos de alguns estilos como,
por exemplo, a composição assimétrica com telhados de baixa
inclinação da era Vitoriana, referências decorativas italianas
presentes nos lambrequins dos telhados e do movimento Arts &
Crafts, com o melhor aproveitamento de cada cômodo, uso de
janelas e chaminés salientes, adaptação às condições do sítio etc, a
arquitetura que encontramos nas Vilas Velha e Martin Smith como
um todo, faz parte desse momento eclético apontado por Costa
(2001).
Podemos afirmar, por conta de todos os indícios que já
foram encontrados, que certamente a Vila faz parte de um projeto
muito bem pensado e planejado, que deve refletir as proposições e
inquietações da época. A partir da leitura e descrição dos vários
tipos de edifícios nos permitem verificar uma forte presença inglesa
e elementos com tradições arquitetônicas diversas, porém
Paranapiacaba tem um caráter híbrido, mesclado, ou seja, tem
referências anteriores e, mesmo assim, é única. Em grande medida a
Vila é original, senão pelo seu traçado, importante pela sua
implantação, mas por essa arquitetura em madeira que aproveita
elementos construtivos da ferrovia tornando-se uma extensão da
mesma, e nesse sentido é muito original mesmo em relação as
demais vilas ferroviárias que surgiram posteriormente no estado de
São Paulo e no Brasil.
O que pretendemos deixar claro é que, muito embora a Vila
Ferroviária de Paranapiacaba tenha sido conceituada nos moldes de
outras vilas fabris inglesas do século XIX, ela adquiriu uma
personalidade própria que a tornou única no gênero, pois seu
modelo não se repetiu, inaugurando no Brasil esse sistema
construtivo até então inédito, senão no país, pelo menos no estado.
Sendo assim, podemos afirmar que a parte baixa da Vila
Ferroviária de Paranapiacaba é uma manifestação direta desse ‘Know-
how’ britânico instalado no alto da Serra do Mar, em São Paulo em
fins do século XIX, e que agrega experiências técnicas, uma
diversidade arquitetônica, equipamentos ferroviários e soluções
urbanas de grande relevância histórica e tecnológica, em grande
parte, ainda, preservados.
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
173
Considerações Finais
Os impactos causados pela ferrovia são muitos, porém,
distintos nas várias cidades por onde passou a linha férrea. Criam e
articulam novos eixos de crescimento entre as cidades e no seu
interior, além de também marcarem a paisagem urbana e rural com
seus edifícios e equipamentos de infra-estrutura. Há uma tendência
recorrente da ferrovia cruzar e seccionar a cidade em duas partes.
Isto também ocorre no trecho da linha Santos-Jundiaí, na rego do
ABC
1
,sentido Santos, que corta os munipios de São Caetano do
Sul, Santo André, Ma, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e a
Vila Ferroviária de Paranapiacaba. Há sempre as ‘duas cidades’, a do
lado de cá e de lá da linha. Nessas cidades divididas pela linha do
trem, as duas partes exercem praticamente as mesmas funções de
comércio, de serviços, de lazer, de saúde, de moradia etc, possuem
na maioria das vezes, as mesmas características urbanas e de infra-
estrutura, pouco se diferenciam entre si, crescem, se desenvolvem e
expandem seu território próximo à linha férrea e cultivam quase
sempre as mesmas atividades em ambos os lados da cidade.
1
Entende-se aqui o ABC, como sendo os municípios de Santo André, São Bernardo do
Campo e São Caetano do Sul. Atualmente a região conhecida pelo Grande ABC
compreende mais quatro munipios: Diadema, Ma, Ribeirão Pires e Rio Grande da
Serra.
Se observarmos ao longo da linha férrea, neste mesmo
sentido, o que se vê é a conurbação urbana entre os municípios
vizinhos, não sendo mais posvel identificar onde termina um e
inicia o outro. A paisagem urbana é contínua, o cenário só começa a
se alterar a partir da saída de Ribeirão Pires em direção a Rio
Grande da Serra e Paranapiacaba, que já pertence à área de proteção
aos mananciais.
E é sobre estes aspectos que chamamos a atenção, e onde
está uma das características que marca e diferencia a Vila
Ferroviária de Paranapiacaba, pois, na maioria das vezes as vilas
ferroviárias estavam isoladas da malha urbana e com o tempo a
cidade passou a se desenvolver ao redor da estação, ‘abraçando’ aos
poucos os trilhos e as vilas para dentro de si (MORAIS,2002).
Contrariamente ao que aconteceu, a Vila Ferroviária de
Paranapiacaba, mesmo tendo sido implantada num sítio isolado e
afastado das principais cidades daquela época (Santos, Pilar, hoje
Mauá, São Bernardo, atual Santo And
2
e São Paulo), permaneceu
2
A criação do município de São Bernardo, a 12 de março de 1889, e a sua implantação,
a 11 de maio de 1890, vieram encontrar Santo André na condição de simples núcleo
junto à estação. Era a estação de São Bernardo. O nome Santo André, foi dado com a
criação do Distrito de Santo André, em 1910. O Distrito seria elevado à condição de
sede do município em 1938. Neste ano, o antigo município de São Bernardo passou a se
chamar Santo André, abrangendo a área hoje pertencente ao Grande ABC. Estes
municípios só conseguiram sua emancipação a partir da década de 1940. Os sete
municípios que formam a região são uma subdivisão do antigo município de São
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
174
assim até os dias atuais, num isolamento relativo, pois o acesso
atualmente se dá pela estrada vicinal, uma vez que a linha férrea hoje
se presta unicamente ao transporte de cargas.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba se distingue das demais
vilas e cidades cortadas pela linha férrea, porque, embora tamm
esteja dividida em duas partes, a infra-estrutura delas tinham suas
nuances bastante acentuadas. Se de um lado, na Parte Alta, a rede de
água, esgoto e pavimentação não existiam; do outro, na parte baixa
(Vila Velha e Martin Smith) tudo isso já havia sido implantado. As
funções de ambas eram bem específicas, na Parte Alta era bastante
forte a presença de prestadores de serviços e na parte baixa era
destinada, basicamente à moradia dos ferroviários. Essa divisão do
modo de organizar as funções e atividades só seria alterada com a
compra das duas vilas da parte baixa, pela Prefeitura Municipal de
Santo André, em 2002
3
.
Mesmo após essa transação, a Vila Ferroviária de
Paranapiacaba, permaneceu praticamente intacta desde o término da
Bernardo, que em sua origem era uma fazenda no século XVIII e ganha conotação de
freguesia no início do século XIX (
MÉDICI, 1992).
3
Em janeiro de 2002, o valor pago foi de 2,1 milhões de Reais e a compra incluiu, além
das casas, os terrenos do entorno, prédios de uso público e galpões. No total, a
PMSA
adquiriu 4,26 milhões de metros quadrados de terrenos, incluindo parte da Mata
Atlântica que circunda a Vila e vai até a divisa com Mogi das Cruzes e 335,9 mil
metros quadrados de área construída.
SANTO ANDRÉ (Prefeitura). Paranapiacaba. 2002.
concessão inglesa em 1946, pois não houve expansão de seu
território, não houve conurbação urbana, tampouco mudanças
drásticas ou irreversíveis em suas características arquitetônicas, não
houve mudanças no traçado urbano, pois não se abriram novas ruas
ou caminhos, não se construiu novas edificações, pelo contrário,
houve perdas significativas de seu patrimônio arquitetônico. Se
houve mudanças, foi no campo da preservação, pois, em pouco
mais de meio século, tivemos a perda continuada de edifícios,
objetos, equipamentos e maquinários da ferrovia.
A Vila pouco cresceu durante o século XX, mantendo uma
população de aproximadamente 2000 habitantes, o que lhe garante
uma característica toda especial se comparada aos outros núcleos
urbanos surgidos junto às estações e vilas ferroviárias.
O estudo sobre a Vila Ferroviária de Paranapiacaba,
levantou vários aspectos que apontamos como significativos: a
importância da Parte Alta, pelo fato de ter sido constituída
paralelamente as Vilas Velha e Martin Smith, com características de
cidade livre mas que mantém essa relação contínua com a parte
baixa, por que ela foi o contraponto entre uma vila planejada e outra
de ocupação espontânea. Uma de propriedade privada, a outra
pertencente ao município de Santo André. E ambas usando o
mesmo material, a madeira, porém com sistema construtivo diverso.
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
175
O motivo de se estudar os três assentamentos urbanos, foi ter uma
leitura de duas formas de ocupação e de construção, de como era
pensada, naquela época a execução do habitat. E a contraposição
dos traçados urbanos também, porque na parte baixa, na Vila
Martin Smith, ressalta-se o traçado planejado hipodâmico, a
implantação das casas nos lotes deixando recuos nas laterais, na
frente e nos fundos, todas elas dando para vielas sanitárias, que
atendiam ao mesmo tempo dois lances de casas. Por outro lado, na
Parte Alta, é a ocupação com ruelas estreitas, que vão de acordo
com a sinuosidade do terreno, com as casas encarapitadas, que
lembram em muito algumas cidades coloniais.
A arquitetura encontrada na Vila Ferroviária de
Paranapiacaba é rica em diversidade e nos detalhes. Na Vila Martin
Smith respeita uma hierarquizão subdividida em sua implantação
em diversas escalas arquitetônicas e cria tipologias utilizadas pelos
funcionários de acordo com sua situação trabalhista dentro da
empresa ferroviária. Todas as tipologias apresentadas são resultado
de projetos bem elaborados, tendo como principal material de
construção a madeira pinho-de-riga, telhas francesas para a
cobertura, além do ferro e os próprios trilhos dos trens também
utilizados como elemento construtivo.
Apesar de as florestas serem muito abundantes na região e
muitos desmatamentos terem sido feitos na instalação da ferrovia,
não se conheciam as qualidades construtivas das madeiras nacionais.
Em vista disso, entende-se por que os ingleses, que comumente
utilizavam a madeira como um dos elementos mais importante de
seus projetos, preferissem madeiras de origem conhecida, d
utilizarem grande quantidade de pinho-de-riga.
O programa dessas residências, evidentemente variava de
acordo com cada tipologia, mas entre os exemplares maiores,
guardava uma certa unidade com grandes dormitórios e salas,
sempre rodeada por alpendres e cômodos que se abrem para outros
compartimentos da casa. A cozinha sempre em uma das alas nos
fundos. Os banheiros nestas residências são espaçosos, contendo
banheira e box para chuveiro. Em comum entre todas elas é o
material e o sistema construtivo.
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba reúne um dos mais
expressivos patrimônios tecnológicos, culturais e naturais do estado
de São Paulo. A Vila oferece não só seu exuberante cenário da Serra
do Mar, um clima agradável, boa água vinda diretamente da serra,
oferece também um pouco da história da técnica e da engenharia,
tanto nas obras de arte da Serra do Mar, quanto nos maquinários do
sistema funicular com suas gigantescas rodas de inércia e os diversos
exemplares arquitetônicos que a Vila possui como um todo.
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
176
Como pudemos observar ao longo de toda a pesquisa, a Vila
Ferroviária de Paranapiacaba é fruto do trabalho dos operários da
ferrovia, de uma companhia inglesa que se estabeleceu no Brasil
trazendo consigo uma nova tecnologia, recusando um modo de
trabalho (escravo) e impondo outra maneira de trabalho para nossos
padrões, é fruto também da situação geográfica e topográfica
excepcional que se tem no meio da Serra do Mar e a beira de uma
encosta acentuadíssima.
A história de Paranapiacaba é a história do trem, pois a Vila
surge por conta da ferrovia, cresce e se desenvolve, chega ao apogeu
por causa da ferrovia, declina e entra em estagnação por conta da
política adotada em relação ao transporte ferroviário. Desde a
inauguração da SPR, em 1867, até o final da II Guerra Mundial, a
economia paulista dependia das ferrovias. A malha de trilhos, que se
expandiu do porto de Santos ao interior do estado, funcionou
durante todo esse tempo como um meio rápido e eficiente de
transporte, tornando-se um dos principais fatores de
desenvolvimento, tanto da agricultura, da indústria, como da
urbanização.
“Governar é construir estradas”, esse era o lema das
administrações de Washington Luís, no governo de São Paulo
(1920-1924) e também na presidência da República (1926-1930). A
década de 1930 foi marcada por firmes passos rumo à
industrialização do país, fazendo com que a cultura cafeeira perdesse
seu vigor. Associadas a esses fatores, a implementação de rodovias e
a falta de investimentos fizeram com que as ferrovias entrassem em
declínio.
Em 13 de outubro de 1946 o decreto lei da encampação foi
publicado. O dia sete de novembro estava marcado como a data do
encampamento da concessão, findava o prazo de noventa anos da
companhia inglesa. A parte baixa da Vila, mais o trecho de Santos a
Jundiaí, passavam para a União. Mesmo após ser encampada, a SPR
continuou existindo formalmente como empresa estabelecida em
Londres até fins do século XX (LAVANDER, 2005).
Na Vila Ferroviária de Paranapiacaba começa, a partir daí,
uma outra e nova história.
Paranapiacaba: a arquitetura e o urbanismo de uma Vila Ferroviária.
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PROGRAMAS E PROJETOS para a Vila de Paranapiacaba
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Sumário de dados: Paranapiacaba e Parque Andreense ano base 2004. Santo André.
Manuscritos
Estrada de Ferro – Santos Jundiaí (Relatórios)
Caixa 1. Ordem 5578; Caixa 13. Ordem 933
Caixa 19. Ordem 5597;
Caixa 20. Ordem 5598;
Caixa 27. Ordem 5604.
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