Na introdução ao seu célebre "Tratado", Poncelet assinala claramente em que sentido a
geometria analítica superou a "geometria antiga":
(...) enquanto a geometria analítica oferece, pelo seu próprio caminho, meios gerais e
uniformes para proceder à resolução das questões que se colocam à busca das
propriedades das figuras; enquanto ela chega a resultados de que a generalidade é,
por assim dizer, sem limites, a outra procede ao acaso; a sua marcha depende de fato
da sagacidade daquele que a utiliza e os seus resultados são, quase sempre, reduzidos
ao estado particular da figura que se considera. Pelos esforços sucessivos dos
geômetras, as verdades particulares multiplicaram-se, incessantemente, mas
raramente aconteceu que o método e a teoria geral tivessem ganho (...) (Piaget &
Garcia, 1987, p. 91)
Poncelet explica assim as causas profundas desta situação:
Na geometria ordinária, a que se chama, muitas vezes, a síntese, os princípios são
completamente diferentes, o caminho é mais tímido ou severo; a figura é descrita ,
nunca mais se perde de vista, raciocina-se sempre sobre formas reais e existentes e
nunca se retiram conseqüências que não se possam descrever a imaginação ou a
vista mediante objetos sensíveis; paramos quando esses objetos deixam de ter uma
existência positiva e absoluta, uma existência física. O mesmo rigor é levado ao ponto
de não admitir as conseqüências de um raciocínio, estabelecido a partir de uma
determinada disposição geral dos objetos de uma figura, para uma outra disposição
igualmente geral destes objetos e que teria toda a analogia possível com a primeira;
numa palavra, nesta geometria restrita se é forçado a retomar toda a série dos
raciocínios primitivos a partir do instante em que uma linha ou ponto passaram da
direita para a esquerda de uma outra, etc.(Piaget & Garcia, 1987, p. 94)
Pelo seu lado, Chasles, na sua magnífica síntese histórica sobre o desenvolvimento da
Geometria faz um comentário semelhante:
A geometria de Descartes, para além deste caráter eminente de universalidade,
distingue-se ainda da geometria antiga sob um aspecto particular que merece ser
sublinhado; é que ela estabelece, por meio de uma única fórmula, propriedades
gerais de famílias inteiras de curvas; de modo que não seria possível descobrir por
esta via qualquer propriedade de uma curva, sem que ela faça imediatamente
conhecer propriedades semelhantes ou análogas numa infinidade de outra linhas.
Até aí só se tinham estudados propriedades particulares de algumas curvas, tomadas
uma a uma, e sempre por meios diferentes que não estabelecem qualquer ligação
entre curvas diferentes. (Piaget &, Garcia, 1987, p. 94).