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infância ou idade escolar. Na maior parte das produções psicanalíticas até Lacan, as etapas do
desenvolvimento libidinal (oral, anal, fálica, latência e genital) foram tomadas da obra
freudiana numa cronologia e, ao mesmo tempo, vinculadas ao amadurecimento ou ao
desenvolvimento de estruturas biológicas. A partir de Lacan estas concepções se modificam,
em função de duas proposições. A primeira diz respeito ao tempo, que no campo psíquico não
é o tempo cronológico, mas o tempo lógico. Isto significa que os desdobramentos temporais
não são ordenados pela cronologia, mas pela significância
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. A segunda, diretamente vinculada
à primeira, seria a compreensão de que não é o orgânico que comanda o processo de
constituição do sujeito, e sim a demanda do Outro
4
.
Se a constituição psíquica se dá a partir dos significantes que o sujeito encontra no
campo do Outro, então, no tempo de latência, que recobre os primeiros anos de escolarização
formal da criança, serão a escola e seus representantes que ocuparão, por excelência, o lugar
do Outro. Assim, podemos considerar a hipótese de que o processo de escolarização contribui
para que a latência, enquanto uma particular posição subjetiva, possa se estabelecer, na
medida em que se revela importante para a aquisição das aprendizagens escolares. Ao mesmo
tempo, como a outra face da moeda, consideramos viável levantar ainda uma outra hipótese: a
de que as rupturas que possam vir a ocorrer nesta posição subjetiva tendem a resultar em
formações clínicas que emergem no espaço escolar. Destacamos aqui as fobias escolares e a
inibição intelectual.
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Os conceitos signo, significante, significado, significação, significância, tomados da lingüística para o campo
da psicanálise, remetem à concepção lacaniana de que o inconsciente não é apenas a sede das pulsões, mas que aí
se encontra toda a estrutura da linguagem. A linguagem, com sua estrutura, pré-existe ao sujeito, que é servo de
um discurso no qual seu lugar já está inscrito em seu nascimento. Este discurso é o que ordena as estruturas
elementares de uma cultura. Lacan sustenta este pensamento baseado nos avanços da lingüística que tornaram
possível um novo ordenamento das ciências do homem. Toma de Saussure a idéia da arbitrariedade do signo
lingüístico e sua distinção entre significante e significado. Segundo esta concepção, não existe uma
correspondência biunívoca entre a palavra e a coisa. A significação ou significado só se sustenta pela remissão a
outra significação. Por isso, o sentido só se encontra na cadeia significante, e nenhum de seus elementos o
contém em particular. Isto leva à noção de um deslizamento constante do significado sob o significante. Lacan
destaca a primazia do significante sobre o significado e nomeia ponto de estofo os momentos em que este
deslizamento se detém, abrindo para um sentido, sempre retroativamente (LACAN, 1998, p. 498-506). Quando,
segundo a psicanálise lacaniana, se concebe o tempo como sendo ordenado pela significância, isto remete
justamente ao anteriormente exposto, ou seja, que do ponto de vista psíquico o sentido não é produzido pelo
significado ou significação, mas diretamente pela própria imagem acústica da palavra naquilo que ela evoca ao
sujeito. Para Lacan o significante representa e determina o sujeito, donde o conhecido aforisma “um significante
é aquilo que representa um sujeito para um outro significante.” (CHEMAMA, 1995, p. 198).
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O termo “Outro” escrito com “O” maiúsculo é utilizado em psicanálise para representar o conjunto de aspectos
anteriores e exteriores ao sujeito que de alguma forma o determinam (CHEMAMA, 1995, p. 156). “O Outro é a
Lei, as normas e, em última instância, a estrutura da linguagem. O sujeito enquanto o é, não existe mais do que
no e pelo discurso do Outro.” (BLEICHMAR; BLEICHMAR, 1992, p. 148).