Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
– PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –
CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A SEPARAÇÃO COM CAUSA CULPOSA: Uma leitura à luz da Her-
menêutica Constitucional
HENRY GOY PETRY JUNIOR
Itajaí, junho de 2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
– PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA –
CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A SEPARAÇÃO COM CAUSA CULPOSA: Uma leitura à luz da Her-
menêutica Constitucional
HENRY GOY PETRY JUNIOR
Dissertação submetida à Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, para obtenção do grau de
Mestre em Ciência Jurídica.
Orientador: Professor Doutor Paulo de Tarso Brandão
Itajaí [SC], junho de 2005
ads:
iii
PÁGINA DE APROVAÇÃO
SERÁ FORNECIDADA PELO CPCJ
iv
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando
a Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, a Coordenação do Curso de Pós-
Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI], a Banca
Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do
mesmo.
Itajaí, junho de 2005
Henry Goy Petry Junior
Mestrando
v
Dedico este trabalho aos meus filhos Neto,
Maria Laura e Gabriela, razão e norte da mi-
nha vida, e à minha esposa Izabel, cujo apoio
incondicional, com visível prejuízo próprio,
permitiu-me alcançar a tranqüilidade possível.
vi
Agradeço:
A todos aqueles que me incentivaram e/ou de alguma
forma me auxiliaram durante a elaboração do presente trabalho e, em
especial:
- Aos meus colegas de Magistratura Alexandre Morais
da Rosa, Brigitte Remor de Souza May, Gerson Cherem II, Jaime
Ramos, Jorge Henrique Schaefer Martins, Leandro Passig Mendes,
Marcelo Carlin, Ricardo Orofino da Luz Fontes, Sérgio Roberto
Baasch Luz, Silvio José Franco, Stephan Klaus Radloff, Victor José
Sebem Ferreira e Vilson Fontana, pelo apoio desinteressado e estímulo
constante;
- Aos meus colegas de Mestrado Andréa Morgado
Dietrich, Flaviano Vetter Tauscheck, Luiza Valente Cademartori, Luiz
Fernando Flores, Marta Neves e Tullo Cavallazzi Filho, pela ajuda,
compreensão e carinho;
- Ao meu Orientador Professor Doutor Paulo de Tarso
Brandão, paradigma de promotor de Justiça e de professor, brilhante e
atencioso orientador, que me permitiu seguir por caminhos seguros;
- À Associação dos Magistrados Catarinenses pelo
apoio efetivo.
vii
“Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar
Tem gente que vai prá nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida.“
Encontros e Despedidas, de MILTON
NASCIMENTO e FERNANDO BRANT
“O que gostaria de conservar da família,
no terceiro milênio, são seus aspectos
positivos: a solidariedade, a fraternidade, a
ajuda mútua, os laços de afeto e o amor.
Belo sonho.“
MICHELE PERROT
viii
RESUMO
Esta Dissertação tem como objeto a separação com causa
culposa no direito brasileiro e como objetivo a interpretação desse instituto e de
seu requisito Culpa à luz da Hermenêutica Constitucional. A Pesquisa procurou
contextualizar a família, o Casamento, o surgimento da separação e o da separa-
ção com causa culposa no direito positivo brasileiro. Concluiu-se que a exigência
da Culpa para a caracterização dessa espécie de separação (também chamada
de separação-sanção ou separação culposa), ainda constante no Código Civil
Brasileiro, apresenta-se em conflito com a concepção contemporânea do direito
de família, da família, do Casamento e das relações conjugais, fundadas essenci-
almente no Afeto. Estabeleceu-se que as possíveis conseqüências decorrentes
da Culpa devem ser resolvidas noutro âmbito, bem assim que os efeitos dessa
discussão são danosos aos cônjuges e aos filhos, especialmente se menores. Por
fim, viu-se que o paradigma da Culpa não encontra respaldo na Constituição da
República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 CRFB/88. Quanto à
metodologia, utilizou-se na Investigação, o Método Indutivo; no Tratamento de
Dados, o Método Cartesiano e, no Relatório dos Resultados, a base lógica é a
Indutiva, com o apoio das Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Ope-
racional e da Pesquisa Bibliográfica.
Categorias/palavras-chave: Afeto, Casamento, Culpa, Dignidade Humana,
Hermenêutica Constitucional.
ix
PETRY JUNIOR, Henry Goy. A separação com causa culposa: Uma leitura à luz
da Hermenêutica Constitucional. 2005. 151f. Dissertação (Mestrado em Ciência
Jurídica) Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Universi-
dade do Vale do Itajaí, Itajaí.
ABSTRACT
This dissertation has as its object the separation with Guilty
cause in the Brazilian law; it has as its objective the interpretation of this institute
and its requirement the Guilt - in the light of Constitutional Hermeneutics. The
research aimed at contextualizing family, Marriage and the arise of the separation
of spouses, and the separation with Guilty cause in the Brazilian positive law. It
was concluded that the requirement of Guilt for the characterization of this kind of
separation, still part of the Brazilian Civil Code, presents itself in conflict with family
law contemporary conception relative to family, Marriage and affective relations,
which is essencially based on Affection. It was also concluded that possible con-
sequences originated from Guilt should be solved under other framework - the
effects of this discussion can be harmful to spouses and children, specially if very
young. Finally, It was observed that the Guilt paradigm does not find any backing
in the Brazilian Constituition dated from October 5
th
,1988 – CRFB/88. In relation to
the research methodology, the folloiwng was applied: (1) inductive method to the
Investigation; (2) Cartesian Method to Data Analisys; (3) Inductive method to the
Results report with support of those Techniques of the Refered object, Category,
Operational Concept and Bibliographical Research.
Categories/key words: Affection, Marriage, Guilt, Dignity Human, Constitu-
tional Hermeneutics.
x
SUMÁRIO
RESUMO ....................................................................................................................... viii
ABSTRACT ..................................................................................................................... ix
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1..................................................................................................................... 4
A SEPARAÇÃO E A CULPA............................................................................................4
1.1
REGISTROS
HISTÓRICOS
DA
SEPARAÇÃO
NO
DIREITO
BRASILEIRO................ 4
1.1.1 Na legislação .......................................................................................................... 5
1.1.2 Na doutrina ........................................................................................................... 12
1.2
PRINCÍPIO
DA
RATIO,
ESPÉCIES
DE
SEPARAÇÃO
E
CARACTERÍSTICAS
ATUAIS
DA
SEPARAÇÃO
COM
CAUSA
CULPOSA
(SEPARAÇÃO-SANÇÃO)........... 29
1.2.1 Princípio da ratio das relações afetivas.............................................................. 29
1.2.2 Espécies de separação........................................................................................ 33
1.2.2.1 Separação por mútuo consentimento....................................................... 34
1.2.2.2 Separação-falência.................................................................................. 37
1.2.2.3 Separação-remédio ................................................................................. 38
1.2.3 Características atuais da separação com causa culposa ................................. 40
1.3
A
ORIGEM
DA
CULPA
E
A
CULPA
COMO
REQUISITO
DA
SEPARAÇÃO............. 42
1.3.1 A origem da Culpa................................................................................................ 42
1.3.2 A Culpa como requisito da separação................................................................ 45
1.3.2.1 A grave violação dos deveres do Casamento .......................................... 46
1.3.2.1.1 Fidelidade recíproca.......................................................................... 46
1.3.2.1.2 Vida em comum, no domicílio conjugal ............................................. 48
1.3.2.1.3 Mútua assistência ............................................................................. 49
1.3.2.1.4 Sustento, guarda e educação dos filhos............................................ 51
1.3.2.1.5 Respeito e consideração mútuos ...................................................... 52
1.3.2.2 O artigo 1.573 do CCB/02........................................................................ 53
1.3.2.3 Insuportabilidade da vida em comum....................................................... 57
CAPÍTULO 2................................................................................................................... 60
A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: PRINCÍPIO, DIREITO E GARANTIAS.......... 60
2.1
A
HERMENÊUTICA
CONSTITUCIONAL.................................................................. 60
2.1.1 A Hermenêutica Constitucional: visão evolutiva ............................................... 61
2.1.2 A supremacia da Constituição ............................................................................ 65
xi
2.1.3 Controle de constitucionalidade: por via de exceção e por via de ação.......... 68
2.1.4 Princípios e regras ............................................................................................... 72
2.2
O
PRINCÍPIO
DA
DIGNIDADE
DA
PESSOA
HUMANA
E
O
DIREITO
FUNDAMENTAL
À
INVIOLABILIDADE
DA
INTIMIDADE
E
DA
VIDA
PRIVADA............ 77
2.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana..................................................... 78
2.2.2 O direito fundamental à inviolabilidade da intimidade e da vida privada......... 83
2.3
AS
GARANTIAS
INSTITUCIONAIS
DA
FAMÍLIA
E
DA
PRESERVAÇÃO
DA
CRIANÇA
E
DO
ADOLESCENTE................................................................................... 91
2.3.1 A garantia institucional da especial proteção à família..................................... 92
2.3.2 A garantia institucional da preservação da criança e do adolescente............. 95
CAPÍTULO 3................................................................................................................. 101
A SEPARAÇÃO COM CAUSA CULPOSA À LUZ DA HERMENÊUTICA
CONSTITUCIONAL ...................................................................................................... 101
3.1
A
CULPA:
DIFICULDADES
NA
IDENTIFICAÇÃO
E
SUAS
(IN)CONSEQÜÊNCIAS
...................................................................................................................................... 101
3.1.1 As dificuldades para a identificação da Culpa ................................................. 101
3.1.2 As (in)conseqüências decorrentes da prova da Culpa.................................... 106
3.2
A
(IN)CONSTITUCIONALIDADE
DA
CULPA
NA
SEPARAÇÃO ............................ 115
3.2.1 A Culpa em colisão com o princípio da Dignidade Humana ........................... 116
3.2.2 A Culpa em colisão com o direito fundamental à preservação da intimidade e
da vida privada............................................................................................................ 121
3.2.3 A Culpa em colisão com as garantias institucionais da família e da criança e
adolescente ................................................................................................................. 125
3.2.4 Considerações comuns às questões precedentes.......................................... 129
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 135
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .................................................................... 139
1
INTRODUÇÃO
A presente Dissertação tem como objeto
1
a separação com
causa culposa no direito brasileiro.
O seu objetivo institucional é a obtenção do Título de Mestre
em Ciência Jurídica pelo Programa de Mestrado em Ciência Jurídica do Curso de
Pós Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica- CPCJ/UNIVALI.
O seu objetivo geral é a interpretação da separação com
causa culposa à luz da Hermenêutica Constitucional.
Para tanto, principia-se, no primeiro capítulo, com registros
históricos da família, do Casamento e da separação no direito brasileiro, no âmbi-
to da legislação e da doutrina. Abordam-se as espécies de separação e as carac-
terísticas atuais da separação com causa culposa. Encerra-se o momento inicial
da presente de Pesquisa com destaque à Culpa, a partir da sua origem e, após,
de sua posição como requisito dessa espécie de separação.
O segundo capítulo cuida da Hermenêutica Constitucional,
iniciando-se com uma breve visão evolutiva e depois analisando-se a supremacia
da Constituição. Segue-se com o estudo do controle de constitucionalidade, por
via de exceção e de ação, e das diferenças entre princípios e regras. Aborda-se o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à
preservação da intimidade e da vida privada, e ainda as garantias institucionais da
família e da criança e do adolescente.
1
Nessa Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica:
idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8. ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora,
2003, p.170-181.
2
O terceiro capítulo apresenta as dificuldades na identificação
da Culpa e as (in)conseqüências decorrentes de sua demonstração. A seguir, ve-
rifica-se se a Culpa perdura frente ao princípio constitucional da Dignidade Huma-
na, ao direito fundamental à inviolabilidade da intimidade e da vida privada e ain-
da às garantias institucionais da família e do público infanto-juvenil, a fim de iden-
tificar se o paradigma da Culpa encontra respaldo ou não na Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 - CRFB/88.
A presente Pesquisa se encerra com as Considerações Fi-
nais, nas quais são apresentados seus pontos relevantes, seguidos da estimula-
ção à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a separação com causa
culposa.
Para tanto, levantaram-se as seguintes hipóteses: a) A famí-
lia se constituía por meio do Casamento, indissolúvel, e a separação somente
era possível nas hipóteses taxativas estabelecidas pela legislação. A discussão
da Culpa (considerada reminiscência do direito canônico) na separação era uma
forma de punir o cônjuge infrator, considerado um pecador; b) A CRFB/88 ratificou
o divórcio, assentou princípios, direitos fundamentais e garantias institucionais
que alteraram substancialmente a estrutura legal da família e do direito de família
brasileiros. O Afeto, nesse cenário, torna-se o alicerce básico e fundamental da
família; c) Não há, então, como discutir a Culpa como causa da dissolução da re-
lação afetiva após a CRFB/88, pois esse paradigma não foi por ela recepcionado.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase
de Investigação, foi utilizado o Método Indutivo; na Fase de Tratamento de Dados,
o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados expresso na presente Disser-
tação é composto na base lógica Indutiva.
2
2
Sobre os todos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar
Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: p. 97-125.
3
Nas diversas fases da Pesquisa foram acionadas as Técni-
cas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográ-
fica.
3
Enfim, convém ressaltar que seguindo as diretrizes metodo-
lógicas do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica
CPCJ/UNIVALI, no presente trabalho as categorias fundamentais são grafadas,
sempre, com a letra inicial maiúscula e seus Conceitos Operacionais apresenta-
das ao longo do texto, nos momentos oportunos.
3
Quanto às Técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica:
p.59-71, 29-42 e 97-125, nessa ordem.
4
CAPÍTULO 1
A SEPARAÇÃO E A CULPA
1.1 REGISTROS HISTÓRICOS DA SEPARAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
O propósito deste item é resgatar, ainda que brevemente, os
aspectos mais relevantes da família
4
e, sobretudo, do Casamento
5
civil e da
separação judicial
6
7
, na legislação e doutrina brasileiras, desde sua inserção
inicial no ordenamento jurídico brasileiro, até o seu formato atual, em ordem
cronológica. Para isso, é importante a recuperação do ciclo de vida
(surgimento/evolução) do instituto a fim de que seja compreensível, com maior
consistência, a dimensão contemporânea da separação, especialmente aquela de
origem culposa.
4
“O vocábulo família não tem significação unívoca [...] Designa a palavra família mais estritamente
ainda o grupo composto pelos cônjuges e filhos menores.GOMES, Orlando. Direito de família.
8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 30. Hoje, também é considerada entidade familiar a união
estável e a família formada por um dos pais e seus filhos (família monoparental), diante da dicção
do art. 226, § § e 4º, da CRFB/88, e pode ser compreendida, em sintonia com a presente
Pesquisa, como o “núcleo descentralizado, igualitário, democrático e não necessariamente
heterossexual. Trata-se de entidade de afeto e entre-ajuda, fundada em relações de índole
pessoal, voltadas para o desenvolvimento da pessoa humana, que tem como diploma legal
regulamentador a Constituição da República de 1988.”, conforme FARIAS, Cristiano Chaves de.
Direito constitucional à família (ou famílias sociológicas versus famílias reconhecidas pelo direito:
um bosquejo para uma aproximação conceitual à luz da legalidade constitucional). Revista
brasileira de direito de família. Porto Alegre, n. 23, p. 9, abr-maio 2004 (destaque do original).
5
Hodiernamente, o instituto pode ser conceituado como “[...] o vínculo jurídico entre homem e
mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração
fisiopsíquica e a constituição de uma família”. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito
de família. v. 5. 17 ed. atual, de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-02). São
Paulo: Editora Saraiva, p. 39.
6
“A separação judicial não rompe o vínculo matrimonial, mas dissolve a sociedade conjugal.
Consiste na separação dos cônjuges quoad thorum at habitationem’, permanecendo intacto o
vínculo conjugal -, o que impede novo casamento do separado.” GOMES, Orlando. Direito de
família. p. 204 (destaque do original).
7
Outrora a legislação utilizou, com o mesmo sentido, as expressões divórcio e desquite, como
será possível ver ao longo desta Pesquisa.
5
Na legislação
A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março
de 1824, outorgada por D. Pedro I, primeira e única do Império, o registrou
previsão específica acerca do Casamento civil
8
e da separação judicial, ou
instituto equivalente. Limitou-se a fixar algumas diretrizes sobre a família imperial
(arts. 105-115).
Coube ao Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, instituir
o Casamento civil no Brasil, e fazer inserção inédita até então. , em seu artigo
88, constava: O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a
separação indefinida de corpos e faz cessar o regime de bens, como se o
casamento fosse dissolvido.
9
Em nível constitucional, foi a Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891, que inseriu a primeira
previsão positiva no direito constitucional brasileiro sobre o Casamento. Lá, na
Seção II, intitulada Declaração de Direitos, em seu artigo 72, §
10
, consta que a
República reconhecia a existência do Casamento civil e que sua celebração
seria gratuita. Ignorou-se, então, a existência do Casamento religioso. Não houve,
naquele texto, nenhuma referência à família.
A Lei n. 3.071, de de janeiro de 1916, que instituiu o
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil CCB/16, usou, pioneiramente, a
expressão desquite no direito brasileiro. Era possível então pôr termo à sociedade
conjugal
11
por essa via, mantendo-se intacto, entretanto, o vínculo matrimonial
12
.
8
O art. 120 dispunha sobre o Casamento da princesa herdeira.
9
Legislação do império.
10
“Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos
termos seguintes: [...] § ) A República reconhece o casamento civil, cuja celebração será
gratuita.” BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em: Home Page
do Senado Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/BasesHist. Acesso em: 19/09/2004.
11
Hoje compreendida, segundo DINIZ, como “A sociedade conjugal, embora contida no
matrimônio, é um instituto jurídico menor do que o casamento, regendo, apenas, o regime
matrimonial de bens dos cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes
ou de cada um deles.” DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 216.
12
“Art. 315. A sociedade conjugal termina:
6
As hipóteses autorizadoras do desquite judicial foram estabelecidas
expressamente e consistiam em adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria
grave e abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos ininterruptos,
conforme o teor do artigo 317 daquele diploma
13
. Este o primeiro registro
legislativo, portanto, que estabeleceu a Culpa
14
como alternativa para pôr termo à
sociedade conjugal.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
de 16 de julho de 1934, no cotejo com as anteriores, foi a que mais dispôs sobre o
Casamento. No Título V, Capítulo I, chamado Da Família, ratificou a gratuidade do
Casamento e, diferentemente da Constituição que lhe antecedeu, admitiu
expressamente o Casamento religioso, no artigo 146
15
, inserindo, também de
I.[...]
III. Pelo desquite, amigável ou judicial.
Parágrafo único. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe
aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10, segunda parte.” BRASIL. Lei n. 3.071,
de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial, Rio de Janeiro,
5 de janeiro de 1916. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-. Acesso em: 23/09/2004.
13
“Art. 317. A ação de desquite só pode se fundar em algum dos seguintes motivos:
I - Adultério.
II -Tentativa de morte.
III - Sevícia, ou injúria grave.
IV - Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.” BRASIL. Lei n. 3.071,
de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial, Rio de Janeiro.
Disponível em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/. Acesso em:
23/09/2004.
14
Para os fins deste trabalho a Culpa configura-se quando um dos cônjuges imputa ao outro a
prática de conduta desonrosa (DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 253) ou dá-se
grave violação dos deveres do Casamento (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de
família. v. 6. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2003, p. 234), previstos respectivamente nos
arts. 1.573 e 1.572, caput, combinado com o art. 1.566, todos do Código Civil Brasileiro de 2002
CCB/02.
15
“Art. 146 – O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de
qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes,
produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade
civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição,
sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será
gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais
atinentes à celebração do casamento.
Parágrafo único. ---.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
Disponível em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/. Acesso em:
19/09/2004.
7
forma inédita à época, a indissolubilidade do Casamento, conforme expressa
disposição do artigo 144
16
. O parágrafo único desse mesmo artigo 144
estabeleceu, pela vez primeira no nosso direito constitucional positivo, a
possibilidade de desquite
17
aliás, a expressão desquite foi inserida no direito
brasileiro no Código Civil de 1916 e sua substituição pelo vocábulo separação,
ocorrida com a edição da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, mereceu forte
repúdio de RODRIGUES
18
.
Não seguiu caminho muito diferente a Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937, no item Da
Família, pois manteve a indissolubilidade do Casamento e não mais contemplou
expressamente a possibilidade de desquite
19
.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de
setembro de 1946 não trouxe novidades, no particular, na medida em que, no
Título VI, Capítulo I, Da Família, renovou os termos da Constituição anterior, ao
menos no que diz com o Casamento
20
. O matrimônio religioso também mereceu
atenção, restando reconhecida sua existência e prevista a possibilidade de
16
“Art. 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do
Estado.
§ único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo
sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.” BRASIL. Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: Home Page Senado Federal
htttp://wwwt.senado.gov.br/netacgi/. Acesso em: 19/09/2004.
17
Instituto que deu origem a atual separação.
18
‘Tanto a emenda constitucional como a nova lei divorcista desprezaram a palavra desquite”,
que representava uma conquista da linguagem jurídica nacional, para substituí-la pela expressão
“separação judicial”, colhida na legislação estrangeira [...] Este livro, como já foi anteriormente dito,
utilizará a expressão “desquite” como sinônima de “separação judicial”, e seu autor reitera aqui os
votos formulados em sua monografia sobre o divórcio, em que lança um apelo ao legislador no
sentido de modificar o texto vigente, para restabelecer na lei o vocábulo “desquite”, que, repete-se,
é nosso, bem nosso, e merece ser conservado.’ RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de
família. 27. ed. atual. por Francisco José Cahali, com anotações ao novo digo Civil (Lei n,
10.406, de 10-1-02). São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 228-229 (destaques do original).
19
“Art. 124 A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do
Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos.”
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Home Page Senado
Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em: 22/09/2004.
20
Art. 163 – A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à
proteção especial do Estado.” BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946.
Disponível em: Home Page Senado Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/.
Acesso em: 22/09/2004.
8
inserção no registro público competente
21
.
Sem diferenças essenciais, a Constituição do Brasil de 24 de
janeiro de 1967 manteve-se na mesma trajetória, ou seja, no Título IV, artigo 167
e § 1º, previu que a família é constituída pelo Casamento e que o matrimônio é
indissolúvel
22
. O Casamento continuou civil e gratuita a sua celebração, podendo
o religioso conter efeitos civis, nos termos estabelecidos nos parágrafos segundo
e terceiro
23
do mesmo artigo 167.
A Emenda Constitucional n. 1 (promulgada em 17 de
outubro de 1969 e com vigência a partir de 30 de outubro de 1969) à Constituição
de 1967, renovou sem novidades o conteúdo da Constituição em vigor. Houve
apenas pequenas alterações formais. Diante disso, o Casamento continuava
indissolúvel
24
.
A realidade, todavia, estava prestes a sofrer alteração
21
“Art. 163 – [---].
§ 1º) O casamento será civil, e gratuita sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao
civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou
qualquer interessado, contando que seja o ato inscrito no registro público.
§ 2º) O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se,
a requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a
autoridade competente.” BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível
em: Home Page Senado Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist Acesso em:
22/09/2004.
22
“Art. 167 – A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos.
§ O casamento é indissolúvel. [...]”. BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível
em: Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em:
22/09/2004.
23
“Art. 167 – [---].
§ O casamento será civil e gratuita sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao
civil se observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou
qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no registro público.
§ – O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a
requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a
autoridade competente.” BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em: 22/09/2004.
24
“Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos poderes públicos.
§ 1º O casamento é indissolúvel. [...]”. BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível em:
Home Page Senado Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em:
22/09/2004.
9
expressiva. Com minoria no Congresso Nacional, o governo militar vigente no
País a partir de 31 de março de 1964, conseguiu aprovar a Emenda
Constitucional n. 8, de 14 de abril de 1977, que passou a admitir a alteração da
Constituição por maioria absoluta (e não mais por 2/3), visando com isso a
maiores facilidades de aprovação junto ao poder legislativo federal. Essa
modificação da Constituição, porém, possibilitou o surgimento e aprovação de
emenda constitucional que acabaria por permitir a introdução do divórcio no
Brasil, o que certamente não era propósito do governo de então.
Com a exigência desse quorum, foi proposta a Emenda
Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977
25
, que visava a dar nova redação ao §
do artigo 175 da Constituição de 1967. Essa emenda suprimia o princípio
26
da
indissolubilidade do Casamento e fixava os parâmetros para sua dissolução,
devendo a regulamentação ocorrer por meio de lei ordinária. A Emenda
Constitucional n. 9/77, que viria a alterar substancialmente a família e o direito de
família
27
brasileiros, foi promulgada
28
e sua regulamentação deu-se através da Lei
n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977
29
, que ficou conhecida como Lei do
Divórcio, embora também dispusesse sobre as hipóteses de separação. Esse
25
Por iniciativa dos Senadores ACIOLI FILHO, do Paraná, e NELSON CARNEIRO, do Rio de
Janeiro.
26
BONAVIDES menciona o seguinte conceito de Princípio: “Outro conceito de princípio é aquele
formulado pela Corte Constitucional italiana, numa de suas primeiras sentenças, de 1956, vazada
nos seguintes termos: ‘Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do
ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que
se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das
normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do
ordenamento jurídico.’”
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. o Paulo:
Malheiros Editores, 2003, p. 256 e 257 (destaque do original).
27
Direito de família é o conjunto de regras aplicáveis às relações entre pessoas ligadas pelo
casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adoção.”, conforme GOMES, Orlando. Direito
de família. p. 1. Hoje, esse conceito compreende os que vivem em união estável e a família
monoparental.
28
O § 1º do art. 175 passou a ter a seguinte redação “O casamento somente poderá ser
dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três
anos.” BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em: 22/09/2004.
29
Esse diploma sofreu alterações, que não atingiram sua essência, conforme previsão das Leis n.
8.408, de 13 de fevereiro de 1992 (alterou a redação do § 1º do art. 5, e do art. 25, parágrafo único
e incisos), e n. 7.841, de 17 de outubro de 1989 (alterou o inciso I do parágrafo único do art. 36;
revogou o art. 38, excluindo a limitação a um único divórcio, e o § do art. 40). Sua revogação,
na parte material, ocorreu com a vigência do CCB/02.
10
diploma legal revogou o conteúdo dos artigos 315 a 328 do CCB/16.
O avanço representado pela Emenda Constitucional n. 9/77
não encontrou retrocesso na CRFB/88, a chamada Constituição Cidadã. No Título
VIII, Capítulo VII Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso, a especial
proteção da família foi, mais uma vez, exaltada; o Casamento continua sendo civil
e sem ônus materiais a sua celebração, e o matrimônio religioso pode ter efeitos
civis, nos termos da lei
30
. Tocante ao divórcio o artigo 226, § , dispôs que o
casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial
por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de
fato por mais de dois anos, consagrando, na essência, no texto primitivo da
Constituição, a inovação representada pela Emenda Constitucional n. 9/77 mas
com menor prazo de separação de fato do que esta.
O Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei n. 10.406, de 10 de
janeiro de 2002) – CCB/02, que revogou as disposições da Lei n. 6.515/77 na sua
parte material, previu no artigo 1.580, caput
31
, e §
32
, as duas espécies
possíveis de divórcio no direito brasileiro, quais sejam, o divórcio indireto ou por
conversão (caput) e o divórcio direto (§ 2º). E os artigos 1.572
33
, 1.573
34
e 1.574
35
30
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita sua celebração.
§ O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. [...]” BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page Senado Federal
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/09/2004.
31
Art. 1.580. Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a
separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,
qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.” BRASIL. Constituição do Brasil
de 1967. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
32
Art. 1.580. ----.
§ 1º ----.
§ O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de
comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro
de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de
janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
33
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao
outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a
vida em comum. [...]” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível
11
estabelecem as hipóteses de separação, nas suas diferentes formas.
Destaque-se o conteúdo dos artigos 1.572 e 1.573, que
constituem o objeto central dessa Pesquisa, sem prejuízo da Hermenêutica
Constitucional, porque: [a] o primeiro contempla, expressamente, a possibilidade
da separação dar-se por meio da discussão da Culpa (separação de causa
culposa, portanto); e [b] o segundo estende as situações de causas culposas, na
medida em que elenca as situações de impossibilidade da vida em comum,
autorizando, no parágrafo único, que o juiz considere outros fatos que possam
tornar evidente a impossibilidade da vida em comum.
Esse é o cenário percorrido, sob o ângulo da legislação, pela
família e, principalmente, pelo Casamento e pela separação no direito positivo
brasileiro, em breve reconstrução, mas que permite contextualizar os institutos no
Brasil. A visão da doutrina a respeito dessas disposições legislativas é alvo do
que segue.
em: Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso
em: 23/09/2004.
34
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum
dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III - sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante 1 (um) ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade
da vida em comum.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em:
Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em:
23/09/2004.
35
Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem
casados por mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada a convenção.
Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se
apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos
cônjuges.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
12
Na doutrina
A família, como se viu, praticamente não integrou o
conteúdo das duas primeiras Constituições brasileiras, preocupadas, à época,
com a formação e com organização do Estado. A Constituição de 1824, Imperial,
notabilizou-se pela organização do Império, pois de seu Título I, tratou do
IMPÉRIO DO BRASIL, SEU TERRITÓRIO, GOVERNO, DINASTIA E
RELIGIÃO
36
, e com a Constituição de 1891 não foi muito diferente, pois, também
no Título I, versou sobre a ORGANIZAÇÃO DEFERAL
37
. O destaque inicial às
questões de Estado mostra que a preocupação maior não era com o ser humano.
Mas na Constituição de 1891
38
, a primeira Republicana,
constou enunciado segundo a qual A República reconhece o casamento civil,
cuja celebração será gratuita (art. 72, § 4º), constituindo-se essa iniciativa no
primeiro destaque constitucional que o instituto do Casamento civil mereceu no
direito positivo pátrio. No particular, nada mais constou dessas Constituições.
OLIVEIRA observa:
O assunto família no Brasil praticamente passou despercebido pe-
los responsáveis pela elaboração das duas primeiras Constitui-
ções nacionais, pois a primeira, de 1824, nenhuma referência fa-
zia à família em particular e a segunda apenas passou a reconhe-
cer o casamento civil como o único ato jurídico capaz de constituir
a família, determinando que sua celebração fosse gratuita. Nada
mais disse sobre a constituição da família.
39
E mais adiante aduziu (referindo-se ao art. 72 da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
36
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em Home Page Senado
Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/BasesHist/asp/detalheDocumento.asp. Acesso
em: 19/09/2004.
37
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em Home
Page do Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/BasesHist/asp/detalheDocumento.asp. Acesso em:
19/09/2004.
38
Inspirada, segundo OLIVEIRA, “em seus princípios fundamentais, pela constituição norte-
americana.” OLIVEIRA, JoSebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 33.
39
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 25.
13
Constituição de 1891):
O conteúdo de tal dispositivo foi uma forma de continuar
marcando posição firme e definitiva diante do direito canônico,
retirando da Igreja Católica o direito ao controle do ato jurídico
válido do casamento e continuando a dar clara conotação de
ilegalidade à cerimônia religiosa do casamento celebrada perante
o credo religioso, até então considerado como religião oficial pelo
direito constitucional imperial. Por ser pomposa a cerimônia do
casamento, ela constituía um dos mais fortes instrumentos de
influência do credo católico sobre a vida privada dos brasileiros.
Tal posicionamento constitucional já havia sido antecedido de
igual procedimento no direito comum, via decreto 181, de 24 de
janeiro de 1890, que instaurou o casamento civil e o preceituou
como o único reconhecido pelo Estado e que devia preceder a
celebração religiosa. O Decreto 521, de 26 de junho daquele
mesmo ano, determinou que o casamento civil precedesse
sempre às cerimônias religiosas, sob pena de seis meses de
prisão e multa, para o celebrante do ato religioso.
40
Como se viu, ainda antes da Constituição de 1891, deu-se a
proclamação da República em 1889 e com ela a separação entre Estado e Igreja.
Sobreveio então o Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890
41
, que, reitera-se,
estabeleceu o Casamento civil no Brasil, em mais um ato dessa multissecular
relação que envolve o Estado e a Igreja sobre o matrimônio.
RODRIGUES assevera:
É vetusto o conflito entre a Igreja e o Estado em matéria de direito
matrimonial, e, por muito tempo, todo o assunto de celebração do
casamento e suas nulidades vinha disciplinado pelo direito
canônico.
Em Portugal e no Brasil-Império, o casamento entre católicos foi
sempre celebrado por sacerdotes dessa religião. Somente lei de
1861 é que regulou o casamento dos não católicos.
Com a proclamação da República, em 1889, deu-se a separação
entre a Igreja e o Estado, vindo o Decreto n. 181, de 24 de janeiro
de 1890, estabelecer o casamento civil neste país [...]
.
42
40
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 35.
41
De autoria de Ruy Barbosa, segundo BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Do casamento
religioso com efeitos civis e o novo código civil. Disponível em: Home Page Jus Navigandi
http://www1.jus.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=2662. Acesso em: 15/10/2004.
42
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: p. 23.
14
VENOSA não destoa:
Apenas no período republicano é introduzido o casamento civil o-
brigatório, pelo Decreto nº.181, de 24-1-1891, como conseqüência
da separação da Igreja do Estado, situação consolidada pela
promulgação do Código Civil. Houve dificuldade de assimilação do
sistema pelo clero e pela população de maioria católica na época.
Com isso, generalizou-se no país o costume do duplo casamento,
civil e religioso, que persiste até hoje.
43
Este mesmo Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890,
realizou a primeira previsão legal que, pode-se dizer, constituiu-se no embrião do
que hoje se chama de separação judicial (ou dissolução da sociedade conjugal).
Seu artigo 88
44
introduziu no direito brasileiro o divórcio, instituto até então
desconhecido. O divórcio, todavia, naquele formato, não era mais do que uma
autorização legal para os njuges permanecerem fisicamente separados
(separação de corpos), sem semelhança de fundo, portanto, com o que se
compreende hoje como divórcio. Não autorizava, aquele divórcio, novas núpcias,
pois o vínculo matrimonial permanecia hígido.
RIZZARDO esclarece:
Pela segunda metade do século passado, algumas regulamenta-
ções foram surgindo, primeiramente tratando do casamento de
pessoas pertencentes a religiões diferentes da católica, e depois
secularizando o casamento, com possibilidades de separação, o
que foi se firmando através dos Decretos nºs 119-A e 181.
É de salientar que o termo `divórcio`, que aparece em
diplomas antigos e no direito canônico (divortium quoad thorum et mensam, ou
divortium quod thorum et cohabitationem divórcio de cama e mesa), não tinha o
sentido de dissolver o vínculo e permitir novas pcias. O significado equivalia ao
de separação, ou mais precisamente à separação de corpos. Algumas obrigações
conjugais desapareciam, como a de coabitação (daí as palavras thorum e
mensam). Liberavam-se os cônjuges de dormirem no mesmo leito, ou de fazerem
43
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 44.
44
Registre-se novamente seu teor: Art. 88. O divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas
autoriza a separação indefinida de corpos e faz cessar o regime de bens, como se o casamento
fosse dissolvido.”, Legislação do Império.
15
as refeições na mesma mesa.
45
Consta que, depois da edição do Decreto n. 181, de 24 de
janeiro de 1890, e da Constituição de 1891, deu-se iniciativa individual na
tentativa de inserir no direito brasileiro o instituto do divórcio (com rompimento do
vínculo matrimonial). Diz-se que em 1900 o senador GARCÊS, na tribuna do
Senado Federal, teria realizado firme defesa do divórcio com rompimento de
vínculo
46
, forma - segundo ele - de dar autonomia e tranqüilidade aos cônjuges e
evitar uniões à margem do Casamento.
Registra GARCEZ FILHO, descendente do senador
GARCÊS, que do discurso colhe-se o seguinte trecho: restitui a liberdade e
tranqüilidade dos cônjuges, os quaes podem contrahir novas núpcias; diminue o
perigo social das uniões ilegítimas e dos nascimentos clandestinos
47
. (redação
original).
A rejeição do divórcio retrata com fidelidade o momento de
então, pois a família constitua-se exclusivamente pelo conjunto de pessoas
ligadas entre si pelo casamento e pela filiação
48
(destaque do original). A
manutenção do Casamento, e portanto da família, era fundamental para a
manutenção do próprio Estado porque, afinal, Se o Estado não passa de um
agregado de famílias, a estabilidade destas interessa à estabilidade daquele
49
. A
conservação da espécie era outra razão para a indissolubilidade do Casamento.
Nas palavras de CARVALHO: A tendência à conservação da espécie leva
naturalmente à união dos sexos que, para acudir aos longos anos de fraqueza e
de inexperiência daquelas que dela vão nascer, precisa ser duradoura
50
51
.
45
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 233.
46
Ao contrário da previsão do Decreto n. 181/90, cujo divórcio, registre-se uma vez mais,
possibilitava somente a separação de corpos e a cessação dos efeitos do regime de bens,
remanescendo o vínculo matrimonial.
47
Segundo GARCEZ FILHO, Martinho. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco
Filho Editor, 1932. v. II, p. 4.
48
CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. 3. ed., rev. e aum. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 1980, p. 362.
49
CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. p. 363.
50
CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. p. 363.
16
Com o CCB/16 o direito brasileiro ganhou um novo instituto
e uma nova expressão: o desquite (arts. 315 a 324). Passou a ser possível, então,
o término da sociedade conjugal por meio do desquite, que poderia ser amigável
ou judicial (art. 315, III), mantido o vínculo matrimonial. O teor do artigo 317
52
daquele diploma, assemelhado à atual separação com causa culposa
53
(ou
sanção), previa as hipóteses autorizadoras do desquite judicial.
MIRANDA, acerca do artigo 317 do CCB/16, sustentava:
O Código somente reconhecia como pressupostos para a ação de
desquite, qualquer deles necessário e suficiente, os que o art. 317
apontava. Fora daí só existia o desquite por mútuo consentimento
dos cônjuges, nos estritos termos do art. 318.
54
55
(
destaque do
original
).
Em outras palavras, dizia-se que qualquer dos pressupostos
desse artigo 317 do CCB/16 era necessário porque sem a presença de qualquer
deles o juiz não podia decretar o desquite
56
e também suficiente, porquanto
bastava provar a existência de um deles para que o juiz decretasse o desquite
57
.
Também sobre a postulação causal no CCB/16 menciona
MADALENO:
51
CARVALHO registra, em nota de rodapé, a insatisfação existente à época com o então projeto
de Código Civil, que viria a transformar-se, décadas após, no Código Civil em vigor. Diz ele que o
Desembargador Hamilton Morais e Barros, em 1964, impressionado com o favorecimento ao con-
cubinato, teria mencionado: ”’Tenho uma filha casadoira. Não sei agora se a dou em casamento
ou em concubinato!’”, CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. p. 363.
52
Veja-se que as quatro hipóteses previstas no art. 317 do CCB/16 constam, na mesma ordem, do
art. 1.573 do CCB/02.
53
Que “Dá-se pela vontade unilateral de um dos cônjuges, que imputa ao outro conduta
desonrosa ou violação dos deveres do casamento” SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. v.
5. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 235. A insuportabilidade da vida em comum,
pressuposto também dessa espécie de separação, deve estar caracterizada, constando rol
exemplificativo no art. 1.573 do CCB/02.
54
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves.
Campinas: Bookseller, 2001, v. I, p. 451.
55
“Art. 318. Dar-se-á também o desquite por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem
casados por mais de dois anos, manifesto perante o juiz e devidamente homologado.” BRASIL.
Lei n. 3.071, de de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial,
Rio de Janeiro, de 5 de janeiro de 1916. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi. Acesso em: 23/09/2004.
56
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: p. 248.
57
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: p. 248.
17
A violação dos deveres do casamento traduz-se no compromisso
da recíproca fidelidade, da vida em comum sob a mesma vivenda,
a mútua assistência, o sustento, a guarda e a educação dos filhos,
situações que vão tipificadas no art. 231 do Código Civil de 1916.
Presente a infração a pelo menos um desses deveres, tem o côn-
juge presumivelmente prejudicado acesso ao processo culposo de
separação judicial, obrigatoriamente evidenciando haver se torna-
do insuportável a sua vida conjugal.
58
A imposição da Culpa, como única forma de dissolver a
sociedade conjugal, afora o desquite amigável, estava, então, consolidada no
direito positivo brasileiro. E estava de maneira absolutamente impositiva, pois não
restava outra alternativa aos cônjuges. Aliás, não outra razão para a utilização
do vocábulo no caput desse artigo 317. Ou seja, se não houvesse acordo que
possibilitasse o desquite amigável estavam os cônjuges compelidos ou a manter a
união indesejada ou a imputar Culpa inexistente ao outro.
Acerca do rigor das disposições específicas do CCB/16
sustenta TEPEDINO:
Não se pode esquecer, ainda, que no sistema originário do Códi-
go Civil de 1916, a separação dos cônjuges se vinculava ao rígido
sistema da culpa, não se admitindo o desquite senão por causas
taxativamente previstas (numerus clausus).
59
Idêntica posição externam OLIVEIRA e MUNIZ:
O desquite litigioso era possível com base numa das causas enu-
meradas no art. 317: adultério (I), tentativa de morte (II), sevícia
ou injúria grave (III) e abandono voluntário do lar conjugal, por
dois anos contínuos (IV). Tal enumeração era considerada taxati-
va, entendendo-se, porém, a noção de injúria grave, ao contrário
das outras figuras, como verdadeiro conceito jurídico indetermina-
do.
60
O CCB/16 estava em sintonia com a realidade de então.
BEVILÁQUA, considerado o autor intelectual daquele diploma, não aceitava, por
exemplo, o divórcio por considerá-lo prejudicial aos interesses da família. Assim:
58
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasileira de direito
de família, Porto Alegre, n. 11, p. 149-150, out./dez 2001.
59
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 399.
60
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa, e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de
família. 4. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2001, p. 427-428.
18
E quanto ao Brasil, parece-me que são especiais as condições de
nosso meio, não querendo afirmar, entretanto, que outros não
existam nas mesmas condições. A respeitabilidade, com que é
cercada a família brasileira, a honestidade de nossas patrícias, os
costumes de nosso povo, enfim, não somente dispensam o meio
extremo do divórcio, como o tornariam sobremodo nefasto.
Além disso, não é talvez inexato afirmar que indivíduos
predestinados ao divórcio como os para o crime; e que outros,
passando por sucessivas dissoluções, adquirem a
incorrigibilidade. Para uns tais, permissão de novos casamentos
seria lamentavel imprevidência.
61
(redação original)
Mais adiante, em nota de rodapé, consigna de forma
insofismável a sua repulda à dissolubilidade do matrimônio. Nestes termos:
E apraz-me recomendar aos leitores um livro, que mereceu o
epíteto de “impressionante“, El cancer de la sociedade, do escritor
argentino ARTURO BAS, que combate o divórcio com argumentos
de ordem filosófica, histórica, estatística, política e moral
.
62
Já a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
de 1934 contemplou os avanços experimentados por outros países nas primeiras
décadas do século XX
63
, notadamente nos aspectos político, econômico e social.
O mesmo ocorreu, pode-se dizer, em relação à família e ao Casamento, ao
menos no aspecto formal, na medida em que mereceu maior atenção dos
redatores do capítulo da Família daquela Constituição, pois aquela “ganhou“ um
capítulo específico (Capítulo I do Título V) e este três disposições expressas
sobre sua disciplina (arts. 144-146) todavia, a preocupação dos autores da
Constituição não foi com a substância (ou essência) desses institutos. Não houve
previsão sobre a separação e afastou, essa Constituição, o divórcio
(compreendido como instituto que e termo ao vínculo matrimonial), ao destacar
a indissolubilidade do Casamento.
Lembra OLIVEIRA:
61
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 287.
62
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. p. 287
63
“A doutrina pátria é quase uníssona ao sustentar que essa Constituição albergou em seu texto
toda a evolução mundial constitucional ocorrida nas três primeiras décadas do início do século XX,
em especial a representada pelas Constituições da República de Weimar, alemã, e da Espanha de
1931, concernente à intervenção do Estado na economia e na proteção dos direitos sociais.”
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 43.
19
Assim, na referida Constituição, percebe-se que o poder constitu-
inte não se interessou em apresentar um conceito substancial do
que seria uma família, limitando-se a somente especificar o ato
pelo qual ela se constituía e que o ato jurídico do casamento era
indissolúvel, o que, vale dizer, não admitira o divórcio a vínculo.
64
Os artigos 144
65
, 145
66
, 146
67
e 147
68
dispunham sobre a
família e o Casamento, demonstrando a importância que esses institutos
começavam a despertar. Também relevante a inserção, de forma inédita no
direito constitucional pátrio, segundo a qual a família está sob a especial proteção
do Estado (teor que se manteve nas Constituições subseqüentes, inclusive na
vigente, art. 226, caput
69
), destaque típico do Estado social, e que o Casamento é
indissolúvel (art. 144).
Essa Constituição também estabeleceu regras para o
Casamento (arts. 145 e 146) e atinentes ao reconhecimento de filhos (art. 147).
64
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 48.
65
“Art. 144 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do
Estado.
§ único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo
sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo.” BRASIL. Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nphbrs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
66
“Art. 145. O casamento regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e
mental, tendo em atenção as condições regionais do país.” BRASIL. Constituição da República
dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nphbrs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
67
“Art. 146 – O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de
qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes,
produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade
civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição,
sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será
gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais
atinentes à celebração do casamento.
§ único. Será também gratuita a habilitação para o casamento, inclusive os documentos
necessários, quando o requisitarem os juízes criminais ou de menores, nos casos de sua
competência, em favor de pessoas necessitadas.” BRASIL. Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nphbrs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
68
“Art. 147 - O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou
emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a impostos iguais aos que recaiam sobre
a dos filhos legítimos.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
Disponível em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nphbrs.exe=.
Acesso em: 19/09/2004.
69
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page Senado
Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/09/2004.
20
Esse dispositivo representou inegável avanço, pois permitiu o reconhecimento de
filhos naturais (não adulterinos), como sua redação permite concluir.
A Constituição de 1937
70
(conhecida como “A Polaca“, pois
foi influenciada pela Constituição da Polônia) não trouxe novidades, seja porque
tenha sido editada pouco mais de três anos daquela que lhe antecedeu (a
Constituição de 1934), seja porque outorgada pela mesma pessoa
71
que presidia
o governo provisório por ocasião da Constituição de 1934, fato é que não se
constatou progresso significativo. Essa Constituição tratou da família e do
Casamento nos seus artigos 124
72
, 125
73
, 126
74
e 127
75
, e deixou a disciplina
deste, que poderia ser ou civil ou religioso, para a legislação infraconstitucional
76
.
O mais relevante está no destaque destinado à educação,
elevada à condição de direito/dever dos pais, figurando o Estado como
responsável pelo encargo, direta ou subsidiariamente; na igualdade entre os filhos
“legítimos“ e os naturais no tocante ao dever dos pais, e ainda a especial proteção
70
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 51.
71
Presidente Getúlio Dornelles Vargas.
72
“Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção do Estado. Às
famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus encargos.” BRASIL.
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Home Page
Senado Federal. - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
73
“Art. 125. A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado
não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a
sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular.” BRASIL. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Home Page Senado Federal.
-http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
74
“Art. 126. Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com
os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbam aos
pais.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em:
Home Page Senado Federal. - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em:
19/09/2004.
75
Art. 127. A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte
do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais
de vida sã e de harmonioso desenvolvimento de suas faculdades.
O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos
responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos
cuidados indispensáveis à preservação física e moral.
Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a
subsistência e educação da sua prole.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil de 1937. Disponível em: Home Page Senado Federal. -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
21
à infância e à juventude, com a finalidade de proporcionar-lhe desenvolvimento
sadio.
OLIVEIRA observa:
No título “Da Família”, houve algumas alterações em relação à
Constituição anterior, pois procurou-se tratar da necessidade da
educação da prole com a promessa da colaboração estatal de
forma principal ou subsidiária; a questão da igualdade dos direitos
dos filhos naturais em relação aos legítimos no que diz respeito à
incumbência dos pais e ainda firmou posicionamento de que de-
veria ser objeto de cuidados a garantias especiais a infância e ju-
ventude, com o objetivo de que fosse assegurada às crianças e
adolescentes uma vida digna, proporcionando-lhes desenvolvi-
mento harmonioso das suas faculdades.
77
Não trouxe novidades expressivas a quarta Constituição
republicana, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de
1946 (considerada fruto da 2ª Guerra Mundial). Essa Carta tratou da família e do
Casamento nos artigos 163
78
, 164
79
e 165
80
. O matrimônio continuou sendo meio
único de constituir família, que estava sob a proteção do Estado, e permaneceu o
matrimônio indissolúvel.
81
Tornou o texto constitucional a prever o Casamento
76
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 94.
77
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 53-54.
78
“Art. 163 A família é constituída pelo casamento de nculo indissolúvel e terá direito à
proteção especial do Estado.
§ 1º) O casamento será civil, e gratuita sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao
civil se, observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou
qualquer interessado, contando que seja o ato inscrito no registro público.
§ 2º) O casamento religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis, se,
a requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a
autoridade competente.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de
1937. Disponível em: Home Page Senado Federal. - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-
brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
79
“Art. 164 É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e
à adolescência. A lei instituirá o amparo das famílias de prole numerosa.” BRASIL. Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Home Page Senado Federal.
- http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
80
Art. 165 A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será regulada
pela lei brasileira e em benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que lhes o seja
mais favorável a lei nacional do de cujus.” BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Home Page Senado Federal. -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
81
“O vínculo matrimonial, em nosso direito, só se dissolve pela morte. É preceito constitucional
que se constitui a família pelo casamento indissolúvel.” ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito
civil brasileiro. Atualizado por Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2001, p. 459.
22
religioso. As novidades resumiram-se às disposições acerca da proteção à
maternidade (art. 164) e do direito sucessório (art.165).
O instituto jurídico da família foi reduzido a um artigo e
quatro parágrafos (art. 167
82
) na Constituição de 1967 (para muitos a Constituição
do terror
83
), que não realizou, portanto, inovações ou avanços. Na verdade,
reproduziu o que constava da Constituição de 1946
84
, limitando-se a ratificar
que a família originava-se do Casamento e que este é indissolúvel 1º).
Declarou a gratuidade do matrimônio, que o Casamento religioso poderia ter
efeitos civis e, por fim, exortou a assistência à maternidade, à infância e à
adolescência (§ 4º).
Com a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de
1969 (que alterou substancialmente a Constituição de 1967), no tocante à família,
porém, nada de essencial mudou – ao menos na redação primitiva. A Constituição
continuou a dedicar um artigo (175) e quatro parágrafos à família, renovando, em
conteúdo, quase nas mesmas palavras, a redação do artigo 167 da Constituição
em vigor (de 1967). Houve, como dito, pequenas alterações de forma e o de
fundo.
85
a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977,
finalmente, introduziu no País o divórcio a vínculo (divórcio que põe termo ao
Casamento), não sem amplo debate pela sociedade brasileira, tenaz resistência
82
“Art. 167 – A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos.
§ 1º – O casamento é indissolúvel.
§ O casamento será civil e gratuita sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao
civil se observados os impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou
qualquer interessado, contanto que seja o ato inscrito no registro público.
§ – O casamento religioso celebrado sem as formalidades deste artigo terá efeitos civis se, a
requerimento do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a
autoridade competente.
§ 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.” BRASIL.
Constituição do Brasil de 1967. Disponível em Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
83
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 68.
84
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 67.
85
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 69.
23
da Igreja Católica
86
e árdua luta legislativa.
87
O § 1º do art. 175 da Constituição de
1967 passou a ter a seguinte redação: O casamento somente poderá ser
dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial
por mais de três anos.
88
Observa OLIVEIRA:
Houve um grande debate nacional acerca da tramitação de referi-
da emenda constitucional, tendo recebido ferrenha oposição do
clero nacional, que chegou a apregoar pela imprensa escrita, fala-
da e televisiva que seria o fim da família brasileira, caso aquela
emenda fosse aprovada, como também contou com o apoio de
alguns juristas nacionais conservadores que fizeram coro com a
Igreja Católica. Mas mesmo assim prevaleceu o bom senso e a
emenda acabou sendo aprovada, sendo que a família brasileira
nenhum abalou veio a sofrer em função da sua aprovação, pelo
que se sabe até hoje.
89
Com isso, o Brasil passou a fazer parte do grupo de países
divorcistas, rompendo assim com uma tradição de vários séculos.
Anteriormente, o Brasil admitia o chamado divórcio a `thoro et
mensa`, o divórcio do Direito Canônico [...].
90
91
A iniciativa legislativa foi saudada na medida em que
representou expressivo avanço legislativo e alternativa que solucionava inúmeras
situações de fato. assim aqueles homens e mulheres que não podiam
desfazer o matrimônio anterior e obrigavam-se ou a viver isoladamente ou a
manter a nova união à margem da lei, passaram a ter apoio legal que lhes
permitisse a reconstrução afetiva.
86
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 70.
87
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 29.
88
BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível em: Home Page Senado Federal
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp/detalheDocumento.asp?codBase=2&codDo
cumento=2464&sgBase=CONS&q=casamento. Acesso em: 22/09/2004.
O art. da EC n. 9/77, estipulava o prazo de 5 (cinco) anos de separação de fato para o
divórcio direto, se iniciada antes da vigência da emenda. Eis sua redação: “Art. 2º A separação, de
que trata o § do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em
Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda.” BRASIL. Constituição do
Brasil de 1967. Disponível em: Home Page Senado Federal
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist. Acesso em: 29/09/2004.
89
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 70.
90
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 52.
24
RODRIGUES lembra:
A admissão do divórcio no Brasil, embora tardia, representou um
grande progresso e veio remediar uma situação de fato de inegá-
vel existência e considerável importância. foi apontado anteri-
ormente (v. n. 3, supra) que a inexistência do divórcio a vínculo
constituiu uma das principais causas da difusão do concubinato
neste país.
92
O § do artigo 175 da Constituição de 1967 foi
regulamentado pela Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977
93
, que passou a
disciplinar os casos de dissolução da sociedade conjugal
94
e do Casamento, seus
efeitos e respectivos processos e determinou outras providências
95
. Porém, as
hipóteses eram restritas, pois era possível o divórcio em uma oportunidade,
somente. Mantinha-se, assim, a natural firmeza
96
do Casamento.
Desse diploma destaca-se, porque pertinente com a
presente Pesquisa, o conteúdo dos artigos 25
97
e 40
98
. Esses artigos acabaram
91
A expressão thoro et mensa significa cama e mesa. Ou seja, no sentido jurídico, representava
apenas a separação de corpos.
92
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 228.
93
Sob a denominação de separação judicial, a Lei 6.515, de 26/12/76, passou, desde a sua
publicação, a reger o desquite, como dantes se chamava.
Além de lhe ter mudado o nome sem razão, introduziu modificações radicais. Em síntese
apertada, as alterações mais importantes foram:
1ª) a mudança de concepção da separação, ponte para o divórcio;
2ª) o abandono da culpa de um dos cônjuges como condição necessária para a pronúncia da
separação litigiosa;
3ª) o relevo atribuído à impossibilidade de continuação da vida em comum para justificação da
referida pronúncia, isto é, a relativização de todas as causas de separação;
4ª) a substituição do critério de enunciação taxativa de causas típicas de separação litigiosa
pelo de indicação de causas sem especificação.” GOMES, Orlando. Direito de família. p. 202
(destaque do original).
94
Sociedade Conjugal, no dizer de MIRANDA, é ”o fato da vida em comum no domicílio conjugal.”
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 404 (destaque do original). Compreende a
relação entre marido e mulher e envolve os deveres de fidelidade recíproca, coabitação e regime
de bens (art. 1.576 do CCB/02).
95
“Pelo art. desse diploma legal, a dissolução do casamento ou a cessação de seus efeitos
civis, de que trata a Emenda Constitucional 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e
segundo a forma que a mesma lei regula.” MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito
civil: p. 202.
96
CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. p. 365.
97
Redação original do art. 25 tinha o seguinte teor: “Art. 25 - A conversão em divórcio da
separação judicial dos cônjuges, existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou da
que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada por sentença, da qual
25
sofrendo alterações posteriores que facilitaram a concretização das hipóteses de
divórcio, pois aquele passou a autorizá-lo após um ano (conforme Lei n. 8.408/92)
de separação judicial e este, depois de dois anos de separação de fato (nos
termos da Lei n. 7.841/89). Na Lei n. 6.515/77, todavia, o divórcio indireto (ou por
conversão) era a regra, aquele mais freqüente, e que, na maior parte das vezes,
iria concretizar-se somente após prévia separação; já o divórcio direto, previsto no
art. 40, se constituía em exceção e, portanto, deveria ocorrer com mais raridade
99
.
Estavam, enfim, regulamentados no Brasil a separação e
especialmente o divórcio, este precedido ou não por separação.
A CRFB/88 dispôs sobre a família e o Casamento nos
artigos 226-230. A família continua merecendo proteção especial do Estado e foi
alçada à condição de base da sociedade (art. 226
100
). O Casamento permanece
civil e sem ônus a sua concretização; o religioso, pode ter efeito civil, nos termos
da lei (art. 226, §§ e
101
). Reconheceu-se a união estável como entidade
familiar e a família monoparental (art. 226, §§ 3º e
102
); da mesma forma
não constará referência à causa que a determinou.” BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de
1977 - Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e
respectivos processos, e outras providências Diário Oficial da União. Brasília, DF,
27/12/1977, p. 17.953. Disponível em: http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em:
22/09/2004.
98
A redação original do art. 40 era esta:
“Art. 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que
completados 5 (cinco) anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o
decurso do tempo da separação e a sua causa.
§ - O divórcio, com base neste artigo, poderá ser fundado nas mesmas causas previstas
nos artigos e e seus parágrafos. [...]” BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977 -
Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos
processos, e dá outras providências Diário Oficial da União. Brasília, DF, 27/12/1977, p. 17.953.
Disponível em: http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 22/09/2004.
99
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 211.
100
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...]”. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page Senado
Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/09/2004.
101
Art. 226. [...]
§ 1º O casamento é civil e gratuita sua celebração.
§ O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. [...]”. BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page Senado Federal
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/09/2004..
102
Art. 226. [...].
26
estabeleceu-se a igualdade entre homem e mulher também como integrantes da
sociedade conjugal (art. 226, § 5º
103
), pontos destacados para os fins desse
trabalho.
o divórcio mereceu a seguinte asserção nessa Carta
Constitucional: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia
separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos
104
(art. 226, § 6º), registre-
se novamente.
Com essa redação o divórcio indireto, no Brasil, deixou de
ser a regra, nascida a partir da Lei n. 6.515/77, que regulamentou a Emenda
Constitucional n. 9/77, na medida em que divórcio direto passou a exigir somente
dois anos de separação de fato, o que, sem dúvida facilitou sua realização.
105
CAHALI doutrina:
1
º) O divórcio conversão deixou de ser a regra, não mais se
qualificando o divórcio direto como excepcional ou extraordinário
[...
]
Com a inovação legal assim possibilitada, aliás, o instituto da se-
paração judicial perde muito da sua dignidade e relevância, na
medida em que deixaria de ser a antecâmara, o prelúdio necessá-
rio para a sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto
possível revela-se natural para os cônjuges desavindos, inclusive
§ Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
§ Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais
e seus descendentes.”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: Home Page Senado Federal http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.
Acesso em: 22/09/2004..
103
Art. 226. [...].
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: Home Page Senado Federal http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.
Acesso em: 22/09/2004..
104
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 22/09/2004.
105
TAVARES elogia a previsão acerca do divórcio direto, suplantando a “figura canhestra do
divórcio indireto”. TAVARES, José de Farias. O código civil e a nova constituição. Rio de
Janeiro: Forense, 1990, p. 56.
27
sob o aspecto econômico, na medida em que lhes resolve em de-
finitivo a sociedade conjugal desfeita de fato.
106
(destaque do ori-
ginal).
O CCB/02 não seguiu outra orientação, trilhando, como
diferente não poderia ser, o caminho aberto pela CRFB/88. O divórcio está
previsto nos artigos 1.580, caput (direito indireto), e § 2º (divórcio direto). E os
artigos 1.572
107
, 1.573
108
e 1.574
109
estabelecem as hipóteses de separação, nas
suas diversas formas.
Tocante à separação com causa culposa, é de se registrar,
inicialmente, que o caput do artigo 1.572 do CCB/02, que quase repetiu os termos
do artigo da Lei n. 6.515/77
110
(a expressão conduta desonrosa passou para o
106
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 54-55.
107
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ão de separação judicial, imputando ao
outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a
vida em comum. [...] “.BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível
em: Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso
em: 23/09/2004.
108
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum
dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III - sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante 1 (um) ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade
da vida em comum.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em:
Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em:
23/09/2004.
109
Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem
casados por mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada a convenção.
Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se
apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos
cônjuges.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
110
Art. 5.º A separação judicial pode ser pedida por um só dos njuges quando imputar ao outro
conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e
torne insuportável a vida em comum.” BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula
os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos
28
inc. VI do art. 1.573), deve ser interpretado à vista do artigo 1.566
111
do mesmo
diploma. Até mantinha-se a linha da Lei do Divórcio, pois permanecia a
generalidade da expressão conduta desonrosa.
Todavia, com o conteúdo do artigo 1.573 e seu parágrafo
único, o CCB/02 fez com que se voltasse, quase na plenitude, ao sistema vigente
por ocasião do CCB/16, à proporção que aquele dispositivo reproduz, na mesma
ordem inclusive, as situações estipuladas no artigo 317 do CCB/16, revogado pela
Lei n. 6.515/77.
Ignorou-se o que GOMES chamou de o abandono da culpa
de um dos cônjuges como condição necessária para a pronúncia da separação
litigiosa
112
e, mais, estendeu-se o rol das causas culposas com o acréscimo dos
incisos V (condenação por crime infamante) e VI (conduta desonrosa) ao artigo
1.573. Esse alargamento ocorreu de forma abrangente, pois o parágrafo único do
mesmo dispositivo permite ao juiz considerar outros fatos que tornem evidente a
insuportabilidade da vida em comum, restando possível até mesmo a inclusão de
qualquer outra situação tida como culposa.
Dessa forma, o CCB/02, ao manter a Culpa e aumentar as
hipóteses de sua invocação, desperdiçou notável oportunidade de superá-la, tal
qual fez com divórcio
113
, e com isso reconhecer e exaltar que o Casamento é
essencialmente relação de Afeto
114
115
, cujo término não deve se dar sob o viés
processos, e outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27/12/1977. Disponível
em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em:
23/09/2004.
111
Que prevê os deveres recíprocos do casamento, quais sejam: fidelidade recíproca; vida em
comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; e
respeito e consideração mútuos.
112
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 202.
113
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A separação judicial e o divórcio no novo código civil brasileiro.
Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, Síntese, n. 12, p.147, jan./mar 2002.
114
GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. Anais do II congresso
brasileiro de direito de família. A família na travessia do terceiro milênio. Rodrigo da Cunha
Pereira (coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 454.
115
A expressão Afeto vem do latim afeto (ad, igual a para, e fectum, igual a feito) e é
compreendida, para os efeitos deste trabalho, no sentido emprestado por BARROS, ou seja,
“’feito um para o outro.’” BARROS, Sérgio Rezende de. A ideologia do afeto. Revista brasileira de
direito de família, Porto Alegre, Síntese, 14, p. 7, jul./set. 2002.
29
da Culpa.
Assim colocado o caminho percorrido pela família e,
sobretudo, pelo Casamento e pela separação na legislação e doutrina brasileiras,
ao menos nos seus aspectos mais relevantes para os fins desta Pesquisa, é
momento de averiguar, com maior precisão, o contorno atual das diferentes
espécies de separação e, especialmente, a separação com causa culposa.
1.2 PRINCÍPIO DA RATIO, ESPÉCIES DE SEPARAÇÃO E CARACTERÍSTI-
CAS ATUAIS DA SEPARAÇÃO COM CAUSA CULPOSA (SEPARAÇÃO-
SANÇÃO)
1.2.1Princípio da ratio
116
das relações afetivas
Como este é um princípio que informa tanto o matrimônio
quanto a união estável, institutos aqui representados na expressão relações
afetivas, consigna-se que a razão para sua inserção neste ponto da Pesquisa de-
corre da necessidade de se destacar que a separação, se e quando ocorrer, ori-
ginou-se de uma relação afetiva, norteada, portanto, por esse caráter. Logo,
mesmo na dissolução, deve-se recordar a essencialidade da relação que está por
findar.
Feito o registro de justificação, sabe-se que o direito de
família é informado por diversos princípios
117
, destacando-se para os fins deste
trabalho o princípio da dignidade da pessoa humana
118
e o da ratio das relações
afetivas.
Quanto ao da ratio, vê-se que a família e o Casamento, ao
116
Significa fundamento.
117
Da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, da igualdade jurídica de todos os
filhos, do pluralismo familiar, da consagração do poder familiar, da liberdade, da dignidade da
pessoa humana e o da ratio das relações afetivas, segundo DINIZ, Maria Helena. Direito civil
brasileiro: p. 17-25.
30
longo dos tempos, sofreram inúmeras transformações
119
, inclusive
comportamentais
120
. A evolução da família, de início hierarquizada, patriarcal
121
,
patrimonializada, impessoal e heterossexual
122
chegou à concepção atual, voltada
para a afetividade
123
e fundada na solidariedade
124
, decorrência de sua
repersonalização
125
. Abandonou-se a antiga noção de que a família servia para a
perpetuação da espécie ou mesmo para reunir melhores condições de
sobrevivência, e atingiu-se a contemporaneidade, na qual as uniões tem base na
afetividade e na necessidade de realização pessoal
126
.
Segundo OLIVEIRA uma das maiores características da
família atual é o Afeto, traduzido no respeito de cada um por si e por todos os
membros a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e
118
Será objeto de considerações no item 2.2.1 desta Pesquisa.
119
Não era possível, no passado, pensar-se em bebê de proveta (BRASIL. Bebê de proveta
comemora o primeiro ano de vida. Jornal A Notícia, de 23.8.2004, p. A8); em células-tronco
(BRASIL. Células da esperança. Revista Veja, de 24.3.2004, p. 85-91, e BRASIL. Coletadas
células-tronco de bebê em Criciúma. Jornal A Notícia, de 17.8.2004, p. B15); em clones humanos
(BRASIL. Promessa de vida. Revista Isto É, de 18.2.2004, p. 68-69); ou na escolha do sexo dos
filhos (BRASIL. Você já pode escolher. Revista Veja, de 22/09/2004, p. 100-107).
120
Outrora, seria impensável falar-se em união de pessoas do mesmo sexo (BRASIL. Aque a
lei os separe. Revista Veja, de 25.2.2004, p. 58-59). Atualmente, é cada vez maior o número de
filhos que após a separação fica com os pais (homens) (BRASIL. Um novo arranjo familiar.
Revista Veja, de 5/09/2001, p. 108-109), que se responsabilizam, por vezes, exclusivamente pela
formação dos filhos (BRASIL. Os superpais. Revista Isto É, de 11/02/2004, p. 52-53); ou que
buscam a guarda unilateral ou compartilhada (BRASIL. Entre dois amores. Revista Isto É, de
6/02/2002, p. 52-58); e de pais que enfrentam a antes inexistente resistência dos filhos (BRASIL. A
tirania dos adolescentes. Revista Veja, de 18/02/2004, p. 70-77).
121
CAENEGEM diz que o próprio direito de família era assim. Ao comentar o contexto do século
XIX, sustenta: “[...] seu direito de família é patriarcal (o marido é o chefe de família, inclusive de
sua esposa, e é o único responsável pela administração das propriedades da família).”
CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos E.
Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 222. Título original: Introduction historique au droit
privé.
122
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito constitucional à família (ou famílias sociológicas versus
famílias reconhecidas pelo direito: um bosquejo para uma aproximação conceitual à luz da
legalidade constitucional). Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre, n. 23, p. 9, abr-
maio 2004 (destaque do original).
123
BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista brasileira de direito de família,
p. 10.
124
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Repersonalização das Famílias. Revista brasileira de direito de
família, Porto Alegre, n. 24, p. 139, jun. jul. 2004.
125
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Repersonalização das Famílias. Revista brasileira de direito de
família. p. 136-156.
31
honorabilidade perante o corpo social.
127
Nesse contexto, ganha expressão o princípio da ratio das re-
lações afetivas, na medida em que se harmoniza com a finalidade atual dessas
relações. Significa que os cônjuges, ao concretizarem a união, estão formando
verdadeiro consórcio afetivo e plena comunhão de vida. Noutras palavras, a ratio,
que se consubstancia no congresso mencionado (Afeto mais comunhão de vida),
transforma-se na essência da relação, confunde-se com seus próprios fins
128
. Es-
ses fins estão materializados, sobretudo, nas obrigações de fidelidade recíproca e
mútua assistência.
GOMES destaca:
O primeiro e mais importante princípio do novo Direito de Família
é o que põe a ratio, o fundamento básico, do matrimônio e da vida
conjugal na afeição entre os cônjuges e “a necessidade de que
perdure completa comunhão de vida“. Não se confunde, entretan-
to, com a affectio maritalis dos romanos, nem com a sua causa ou
função social. São os fins do casamento, considerado in abstrato,
que a constituem [...]
A “ratio“ é, porém, o suporte do casamento e a razão por que
essas finalidades se cumprem. O que de novo é a tendência
para fazer da affectio a “ratioúnica de casamento, com tamanha
força que a dissolução do vínculo matrimonial passou a ser
admitida em algumas legislações como um efeito do
desaparecimento dessa “ratio“, toda vez que tenha fracassado e
não possa ser reconstruído.
129
(destaque do original)
130
131
DINIZ não destoa dessa compreensão. Destaca, até, indo
além da lição de GOMES por ela mencionado, que a ausência de afeição, tal a
126
Segundo LÔBO a “realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de
convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época.” LÔBO, Paulo Luiz
Netto. Repersonalização das Famílias. Revista brasileira de direito de família. p. 155
127
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 233.
128
SILVA menciona outro conceito de Afeto: é o “elemento fundamental da intenção volitiva para a
convolação do matrimônio.” SILVA, Paulo Lins e. A interação do afeto nas relações de família. Del
Rey Revista Jurídica, Belo Horizonte, n. 8, maio 2002, p. 19.
129
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 23.
130
Affectio maritalis significa “Vontade conjugal; vontade de viver como marido e mulher”.
FONTANELLA, Patrícia, e FONTANELLA, Fabiana. Dicionário cnico jurídico e latim forense.
2 ed. ver. atual. e ampl. Florianópolis: Habitus Editora, 2003, p. 138.
131
In abstrato significa “Em abstrato. Subjetivamente.” CALDAS, Gilberto. Novo dicionário de
latim forense. 4. ed. São Paulo: Editora Jalovi Ltda., 1990, p. 111.
32
importância com que é compreendida atualmente, é bastante para a dissolução
da sociedade conjugal. Nestes termos:
[...] o fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do
companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a
necessidade de que perdure completa comunhão de vida, sendo a
ruptura da união estável, separação judicial e o divórcio (CF, art.
226, § 6º; CC, arts. 1.511 e 1.571 a 1.582) uma decorrência da
extinção da affectio, uma vez que a comunhão espiritual e
material de vida entre marido e mulher, ou entre os conviventes
não pode ser mantida ou reconstruída [...]
132
(destaque do
original)
.
Para BARROS o Afeto é a base da família. Nas suas
palavras:
Da família, o lar é o teto, cuja base é o afeto. O lar sem o afeto
desmorona e nele a família se decompõe. Por isso, o direito ao
afeto constitui na escala da fundamentalidade o primeiro dos
direitos humanos operacionais da família [...].
133
(destaque do
original)
.
O vigor é tal desse fundamento da vida conjugal que ele
deve ser observado, tanto quanto possível, inclusive após a dissolução da
relação. Ou seja, seus efeitos não se limitam à manutenção do Casamento ou da
união estável, estendem-se também para o período que sucede o ocaso da
convivência. LEAL menciona que a entidade familiar se define em princípios de
uma eticidade comprometida com a perenização do afeto entre parceiros, ainda
que dissolvidos os vínculos de casamento ou união estável
134
(destaque do
original).
A exaltação do Afeto, e portanto do princípio da ratio das
relações afetivas, não passou despercebida da sociedade
135
. Seu estágio atual de
132
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 18-19.
133
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família: dos direitos fundamentais aos
operacionais. Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. Afeto, ética, família e o
novo código civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 613.
134
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e eticidade familiar constitucionalizada. Anais do IV
congresso brasileiro de direito de família. p. 601.
135
Segundo BOFF ”O núcleo utópico e imutável da família é o amor, o afeto, o cuidado de um
para com o outro e a vontade de estar junto [...] Todos vivem da vontade de encontrar e viver o
amor, sonham em poder realizar-se a dois e ser minimamente felizes. Sem esse motor, a vida
33
princípio básico das relações afetivas, e mesmo do envolvimento materno-filial ou
paterno-filial, tem ensejado, inclusive, apesar das controvérsias
136
, condenações
por abandono afetivo, conforme decisão assim ementada:
INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS RELAÇÃO PATERNO-
FILIAL PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o
privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíqui-
co, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da
pessoa humana.
137
Apesar das divergências acerca da adequação ou não da
imposição de indenização por abandono afetivo, como já mencionado, o registro é
pertinente porque permite a visualização da dimensão que o Afeto alcançou no
direito de família contemporâneo. E esse contexto deve ser considerado também
quando da perquirição da Culpa, que seobjeto de análise logo em seguida, a
partir de sua origem. Antes, porém, necessárias breves considerações distintivas
e caracterizadoras das diferentes espécies de separação
.
1.2.2 Espécies de separação
Duas são as espécies de separação, ou dissolução da
sociedade conjugal: por mútuo consentimento (ou amigável ou ainda consensual)
ou litigiosa (ou judicial), ambas produzindo os mesmos efeitos. A primeira está
prevista no mencionado artigo 1.574
138
e a segunda, nos também transcritos
artigos 1.572, §§ 1º, e 3º, e 1.573, incisos I a VI e parágrafo único
139
, todos do
CCB/02.
A litigiosa contém três formas: falência (ou ruptura), inserta
humana perderia sentido, não obstante todas as dificuldades, deformações e frustrações.” BOFF,
Leonardo. Família: utopia e realidade. BRASIL. Jornal A Notícia, de 14.8.2004, p. A3.
136
BRASIL. Síntese Jornal, Porto Alegre, n. 5, p. 27, fev. 2002.
137
Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, n. 24, p. 110, jun. jul. 2004
138
Estava contemplada no art. 4º da Lei n. 6.516/77.
139
Estava prevista nos arts. 5º, §§ 1º, 2º e 3º, e 6º, da Lei n. 6.516/77.
34
no § do artigo 1.572; remédio, constante do §§ e do mesmo dispositivo; e
com causa culposa (ou sanção), estampada nos artigos 1.572, caput, e 1.573,
incisos e parágrafo, todos do CCB/02. É pressuposto comum a todas as formas
litigiosas a inviabilidade da manutenção da união, ou sob o rótulo da
insuportabilidade (art. 1.572, caput) ou da impossibilidade (arts. 1.572, § § 1º e 2º,
e 1.573) da mantença da sociedade conjugal.
1.2.2.1Separação por mútuo consentimento
A
separação por mútuo consentimento é aquela espécie do
gênero separação que pressupõe, em seu formato atual, a existência de Casa-
mento entre os separandos por no mínimo um ano
140
. Nela, segundo VENOSA
141
,
deverão os cônjuges estar de acordo acerca do conteúdo dos artigos 1.120 a
1.124
142
da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Pro-
140
O art. 4º da Lei n. 6.515/77 exigia o prazo mínimo de 2 (dois) anos de casamento.
141
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 220.
142
Art. 1.120. A separação consensual será requerida em petição assinada por ambos os
cônjuges.
§ Se os cônjuges não puderem ou não souberem escrever, é lícito que outrem assine a
petição a rogo deles.
§ 2º As assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão reconhecidas por
tabelião.
Art. 1.121. A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato antenupcial se
houver, conterá:
I – a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha;
II – o acordo relativo à guarda dos filhos menores;
III – o valor da contribuição para criar e educar os filhos;
IV – a pensão do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes para se manter.
Parágrafo único. Se os cônjuges o acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta,
depois de homologada a separação consensual, na forma estabelecida neste Livro, Título I,
Capítulo IX.
Art. 1.122. Apresentada a petição ao juiz, este verificará se ela preenche os requisitos exigidos
nos dois artigos antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges sobre os motivos da separação
consensual, esclarecendo-lhes as conseqüências da manifestação de vontade.
§ Convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e sem hesitações, desejam a separação
consensual, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir o Ministério Público no
prazo de 5 (cinco) dias, a homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15
(quinze) a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem, a fim de ratificar o pedido de separação
consensual.
§ 2º Se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar o
pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo.
35
cesso Civil CPCB/73
143
. Esses dispositivos, atualmente, devem ser compreen-
didos a partir da CRFB/88, notadamente a igualdade entre homem e mulher
144
, e
o princípio do melhor interesse dos filhos
145
.
Consenso também deve haver acerca do [a] nome que cada
qual passará a usar após a separação (se continuarão a usar o sobrenome ado-
tado por ocasião do Casamento ou se voltarão a usar o nome de origem)
146
e [b]
das visitas do pai ou mãe não-guardião
147
, se for o caso.
Abre a legislação, porém, uma exceção: poderão os
cônjuges consumar a separação mesmo que não alcancem consenso acerca dos
bens comuns (art. 1.121, § único, CPCB/73), com o que estarão os separandos
relegando para o juízo sucessivo essa deliberação, permanecendo os bens em
comunhão
148
. Essa diretriz foi seguida pelo CCB/02, pois distingue
Art. 1.123. É lícito às partes, a qualquer tempo, no curso da separação judicial, lhe requererem
a conversão em separação consensual; caso em que será observado o disposto no art. 1.121 e
primeira parte do § 1º do artigo antecedente.
Art. 1.124.Homologada a separação consensual, averbar-se-á a sentença no registro civil e,
havendo bens imóveis, na circunscrição onde se acham registrados.” BRASIL. Lei n. 5.869, de 11
de janeiro de 1973. Institui o digo de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF.
Disponível em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe.
Acesso em: 23/09/2004.
143
A Lei n. 11.112, de 13 de maio de 2005, deu a seguinte redação ao inciso II desse art. 1.121: “o
acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas.” Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 27/05/2005.
144
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos obrigações, nos termos desta Constituição; [...]” e
Art. 226. [...].
§ 5º O direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher [...]”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: Home Page Senado Federal http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.
Acesso em: 22/09/2004.
145
Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo
quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
[...]” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
146
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 223.
147
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 228.
148
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 221.
36
completamente as questões de direito pessoal (disciplinas no Título I do Livro IV
do CCB/02) daquelas de ordem patrimonial (previstas no Título II do Livro IV do
CCB/02), admitindo até mesmo o divórcio, em qualquer de suas formas, sem a
prévia partilha dos bens (art. 1.581)
149
.
Devem os requerentes, ainda, firmar o pedido de dissolução
(ou alguém por eles, conforme previsão do art. 34, § da Lei n. 6.515/77
150
,
ainda em vigor na sua parte procedimental), que também deve ser subscrito pelos
advogados ou advogado comum aos dois postulantes. Caberá ao juiz, e ao
membro do Ministério blico, a fiscalização dos termos do consenso, voltada
para a ausência de prejuízo a qualquer dos cônjuges e especialmente aos filhos,
se ainda incapazes. Ao magistrado restará ou a homologação e conseqüente
decreto de dissolução da sociedade conjugal ou a não homologação
151
, o lhe
tocando outra alternativa.
Trata-se, pois, de procedimento simples, sem complexidade
e que, na verdade, exige muito mais dos cônjuges na busca de consenso acerca
de cada um dos itens mencionados do que dos operadores jurídicos, que deverão
atuar muito mais como orientadores
152
153
.
DINIZ assevera:
O procedimento judicial da separação consensual é muito simples,
bastando a observância do disposto no Código de Processo Civil,
149
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.” BRASIL. Lei
n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
150
“Art. 34. ---. [...] § 3º Se os cônjuges não puderem ou não souberem assinar, é lícito que outrem
o faça a rogo deles.” BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de
dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27/12/1977. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 23/09/2004.
151
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 222.
152
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 221.
153
Essa atuação diferenciada dos profissionais do direito deve ocorrer em todas as questões
referentes ao Direito de Família. Sustenta VENOSA: O juiz e os tribunais de família devem
possuir um perfil absolutamente diverso do das cortes destinadas a dirimir conflitos patrimoniais
[...] O tradicional papel do advogado litigante cede lugar ao do advogado negociador, que
juntamente com o juiz conciliador aponta ao interessado o modo mais conveniente para obter a
solução do conflito que o aflige.” VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 26.
37
arts. 1.120 a 1.124, sob pena de nulidade [...]“
Os consortes devem requerê-la em petição assinada por ambos,
por seus advogados ou por advogado escolhido de comum acordo
(Lei n. 6.515/77, art. 34, § ), comunicando a deliberação de pôr
termo à sociedade conjugal, sem a necessidade de expor os
motivos (RT, 434:89), convencionando as cláusulas e condições
em que o fazem
.
154
Essa espécie de separação, por fim, não permite, natural-
mente, a discussão da Culpa
155
.
1.2.2.2Separação-falência
A separação-falência tem como pressupostos a [a]
separação de fato entre os cônjuges, ou, na expressão da lei, a ruptura da vida
em comum mais de 1 (ano)
156
, e [b] a impossibilidade da retomada da vida em
comum, ou, como consta do § do art. 1.572 do CCB/02, a impossibilidade de
sua reconstituição.
Assim, a separação-falência prevista no CCB/02 tem o
mesmo formato que lhe deu o artigo 5º, § 1º da Lei n. 6.515/77
157
.
VENOSA leciona:
O § do art. 1.572, repetindo norma da Lei do Divórcio, dispõe
que o cônjuge também pode pedir a separação se provada a rup-
tura da vida em comum mais de um ano consecutivo e a im-
possibilidade de sua reconstituição.
158
WALD, ao discorrer sobre o conteúdo dessa separação na
Lei n. 6.515/77, comenta:
154
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 247.
155
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa, e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de
família. p. 429.
156
Art. 1.572, § 1º, do CCB/02.
157
“Art. 5.º [...] § 1º A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a
ruptura da vida em comum mais de 1 (um) ano consecutivo, e a impossibilidade de sua
reconstituição.” BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução
da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27/12/1977. Disponível em: Home Page Senado
Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 23/09/2004.
158
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 233.
38
O § do art. da lei cuida da primeira hipótese da separação
sem culpa, também chamada de “divórcio falência”. É a ruptura da
vida em comum por mais de um ano (redação dada ao art. 25 da
Lei n. 6.515, de 26-12-1977, pela Lei n. 8.408, de 13-2-1992), en-
sejando a impossibilidade de sua reconstituição, que justifica a
separação judicial.
159
A separação-falência, portanto, é aquela que exige, além da
impossibilidade de reatamento entre os cônjuges, a ocorrência de separação de
fato por, no mínimo, um ano ininterrupto
160
, não importando a razão da ruptura,
sendo, ainda, irrelevante saber qual dos consortes foi culpado pela separação.
161
Embora no artigo 1.572, § do CCB/02, não figure a
expressão consecutivo (como consta do § do art. da Lei n. 6.515/77), ou
outra similar, a compreensão é que a dissolução da sociedade conjugal nessa via
é possível se não houver reconciliação do casal durante esse lapso
temporal
162
, no mínimo.
1.2.2.3Separação-remédio
A separação-remédio ocorre quando um dos cônjuges, após
o enlace, manifestar doença mental grave que perdure por no mínimo dois anos e
se mostre de cura pouco provável, tornando impossível a continuidade da vida em
comum (art. 1.572, § 2º, CCB/02)
163
.
Deve o cônjuge-autor, nessa separação, embora a
crueldade que aí possa existir
164
165
, demonstrar a insanidade mental do outro (e a
159
WALD, Arnoldo. O novo direito de família: com remissões ao novo código civil (Lei n. 10.406,
de 10-1-2002). 14. ed., rev., atual. e ampl. pelo autor. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 160-
161.
160
O que não significa “de modo absoluto, a vida sob tetos separados. Pode ocorrer
excepcionalmente que os cônjuges vivam sob o mesmo teto, estando contudo separados de fato,
de tal sorte que suas vidas decorram sem nenhum traço em comum [...]”, conforme OLIVEIRA,
José Lamartine Corrêa, e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. p. 443.
161
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 258.
162
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 256.
163
O correspondente a essa disposição na Lei n. 6.515/77 é o art. 5º, § 2º, que exigia a
manutenção da doença mental por no mínimo 5 (cinco) anos.
164
Ao comentar o § 2º do art.da Lei 6.515/77, MONTEIRO consigna: “Sem dúvida, descaridoso
é o dispositivo legal. Autorizar a separação em virtude de grave doença mental é clara revelação
de hedonismo ou egoísmo.” MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 213.
39
cura improvável)
166
, por meio de médico competente, e a impossibilidade de
retomada da vida em comum. Não está mais prevista a possibilidade de afastar-
se, em defesa ou como fundamento da decisão, a pretensão sob o argumento
que o estado de saúde do cônjuge adoentado pode se agravar com a separação,
conforme previa o artigo 6º da Lei n. 6.515/77
167
.
DINIZ observa:
Cabe ao requerente a prova da insanidade mental; o psiquiatra
fará o diagnóstico. No direito anterior o juiz tirava suas conclusões
podendo até negar a separação se esta constituísse causa para
agravar a doença do outro cônjuge ou determinar conseqüências
de excepcional gravidade para os filhos menores (Lei n. 6.515/77,
art. 6º). Tratava-se da cláusula restritiva ou de dureza, que foi
abolida pelo novo Código Civil, pois se o casamento está falido,
não havendo como reconstituir a comunhão de vida, maiores da-
nos advirão aos consortes e à prole em face de uma manutenção
forçada e não desejada, ao menos para um deles, colocando a
família numa situação constrangedora, ferindo os princípios do
respeito da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à
criança e ao adolescente.
168
Registre-se, ainda, que nesta espécie de separação
litigiosa também o se discute Culpa
169
e, por fim, que se a doença mental se
manifestou antes do matrimônio o decreto de separação não deve ser lançado
170
,
ao menos sob esse fundamento.
Também constitui espécie do gênero separação litigiosa (ou
judicial) a separação com causa culposa, que é objeto do item que segue.
165
WALD discorda da posição de MONTEIRO: “As críticas, no entanto, não procedem. O
fundamento como dito, é dos mais antigos no direito, sendo conhecido dos romanos com o
divortium bona gratia. O próprio direito canônico tem como fundamento para a separação temporal
a doença mental que constitua perigo para o outro cônjuge.” WALD, Arnoldo. O novo direito de
família: p. 163.
166
WALD, Arnoldo. O novo direito de família, p. 163.
167
“Art. 6.º Nos casos dos §§ 1º e 2º do artigo anterior, a separação judicial poderá ser negada, se
constituir, respectivamente, causa de agravamento das condições pessoais ou da doença do outro
cônjuge [...]”BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da
sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 de dezembro de 1977. Disponível em: Home
Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 23/09/2004.
168
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 259.
169
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 231.
170
WALD, Arnoldo. O novo direito de família: p. 163.
40
1.2.3 Características atuais da separação com causa culposa
A separação com causa culposa, é aquela espécie de
separação judicial que mais suscita discussão porque encerra maior
complexidade jurídica, ao exigir a presença e comprovação da Culpa, ao menos
em grande parte.
171
Também exige a insuportabilidade da vida em comum,
conforme estipula o mencionado artigo 1.572, caput, do CCB/02 na mesma
esteira do revogado artigo 5º da Lei 6.515/77, já transcrito.
É importante recordar, de início, que essa separação está
prevista no artigo 1.572 do CCB/02 que tem a seguinte redação:
Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de sepa-
ração judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave
violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida
em comum.
172
E o artigo 1.573 do CCB/02, que também a integra, está
redigido nestes termos:
Art. 1.573. Podem possibilitar a impossibilidade da comunhão de
vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III - sevícia ou injúria grave;
IV abandono voluntário do lar conjugal, durante 1 (um) ano con-
tínuo;
V – condenação por crime infamante;
171
Diz-se em grande parte porque o parágrafo único do art. 1.573 do CCB/02, embora autorize
sua invocação para a inclusão de outras situações tidas como culposas, também permite, por
constituir-se em tipo aberto (DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 257), a presença de
realidade não-culposa, como incompatibilidade de gênios, conforme OLIVEIRA, Euclides Benedito
de. Direito de Família no Novo digo Civil. Revista brasileira de direito de família, Porto
Alegre, n. 18, p. 14, jun./jul. 2003, ou desamor, segundo REZENDE, Renata Flavia Maimone.
Desamor como causa de separação judicial. Disponível em Home Page Jus Navigandi -
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4238. Acesso em: 20/09/2004.
172
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
41
VI – conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tor-
nem evidente a impossibilidade da vida em comum.
173
Diante dessa conformação legal, vê-se que a separação
com causa culposa exige a presença, para sua concretização, dos seguintes
pressupostos: [a] a grave violação de qualquer dos deveres do Casamento (pre-
vistos no art. 1.566 do CCB/O2
174
); e [b] a impossibilidade da manutenção da vida
em comum, conforme o teor do artigo 1.573 do CCB/02 (já mencionados).
Nas palavras de DINIZ:
Separação litigiosa como sanção, que se quando um dos côn-
juges imputar ao outro qualquer ato que importe em grave viola-
ção dos deveres matrimoniais e torne insuportável a vida em co-
mum (CC, arts. 1.572 e 1573, I a VI).
175
(destaque do original)
.
Logo, como dito, a presença da Culpa não foi mantida no
CCB/02 como suas hipóteses restaram ampliadas, diga-se, perigosamente
ampliadas
176
, na medida em que permite incluir outros fatos não alinhados como
culposos para a caracterização da Culpa, o que será alvo de maiores indagações
no item que segue.
173
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
174
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
II – vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
175
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 253.
176
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 257-258.
42
1.3 A ORIGEM DA CULPA E A CULPA COMO REQUISITO DA SEPARA-
ÇÃO
1.3.1 A origem da Culpa
A Culpa remonta às origens do direito de família e do Casa-
mento
177
e por isso, ainda hoje, integra essa espécie de separação. Aquele,
porque A Igreja sempre pregou princípios morais para a Família, contrapondo-se
ao aborto, ao Concubinato, ao adultério [...] a concupiscência, este último, preo-
cupação sempre marcante da Igreja Católica;
178
este, porquanto era algo divino,
puro, imaculado
179
, era sagrado
180
enfim. Exemplo eloqüente desta dimensão é
mencionado por MONTEIRO, citando LESSING, segundo o qual o Casamento é a
grande escola fundada pelo próprio Deus para a educação do gênero humano.
181
O Casamento para ser dissolvido, então, mediante a
presença da Culpa. Era uma espécie de pecado, que precisava ser expiado.
TEPEDINO, analisando a Culpa na tradição ética judaico-cristã, faz o seguinte
registro:
Deriva do pecado original, metaforicamente representado pela
maçã mordida no paraíso, a expressão da tentação humana
dirigida a tomar o lugar de Deus, com a cumplicidade da serpente,
a suscitar a pronta e enérgica ira divina
.
182
E mais adiante transcreve passagem, que chama de
177
Para COULANGES “a primeira instituição estabelecida pela religião doméstica foi o
casamento.” COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as
instituições da Grécia e de Roma. 12. ed. Tradução de Jonas Camargo Lei e de Eduardo Fonseca.
São Paulo: Hemus, 1975, p. 35. Título original: La cité antique Étude sur le culte, le droit, les
institucions de la Grece et de Rome (1864).
178
SILVA, Carlos Alberto da. Uma abordagem histórica e jurídica da família brasileira. 2002.
163f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002, p. 27.
179
Logo, o término do Casamento só podia ocorrer em situações extremadas, nas quais algum
“culpado” era encontrado. CAENEGEM menciona, por exemplo, que em meados do século XIX,
na Inglaterra, o divórcio era possível “em caso de adultério, abandono ou crueldade”.
CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. p. 233.
180
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: p. 36.
181
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 11.
182
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 417.
43
impressionante
183
, do Gênesis
184
, Capítulo 3
185
, versículos 14 a 17, cujo teor é o
seguinte:
14 Então o Senhor Deus disse à serpente: `Porque fizeste isso,
serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; - anda-
rás de rastos sobre o teu ventre e comerás o todos os dias de
tua vida. 15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua des-
cendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o cal-
canhar.` 16 Disse também à mulher: ‘Multiplicarei os sofrimentos
de teu parto; darás à luz com dores, teus desejos te impelirão pa-
ra o teu marido e tu estarás sob o seu domínio.’ 17 E disse em
seguida ao homem: ‘Porque ouviste a voz de tua mulher e comes-
te do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja
a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu
sustento todos os dias de tua vida.
186
Não é de outro sentido o conteúdo dos versículos 18 e 19
:
“18 Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da
terra. 19 Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que vol-
tes à terra de que foste tirado; porque és pó, e em te hás de
tornar.” (
redação original
)
A história registra relatos curiosos acerca do elemento aní-
mico que poderia ensejar a separação. Nas palavras de FARIAS
:
No Código de Manu, a mulher que se mostrasse estéril, depois de
oito anos de casada, era repudiável, bem como aquelas que, du-
rante 11 anos, somente geram filhas. No direito mosaico, a disso-
lução submetia-se simplesmente à vontade do marido. Entretanto,
provado o adultério da mulher, o repúdio tornava-se dever jurídico
e religioso, sendo constrangido o marido a defender a sua digni-
dade. no Código de Justiniano, a mulher adúltera era açoitada
e encerrada num mosteiro, aguardando o prazo de dois anos para
que o marido a reclamasse. o o fazendo no referido lapso tem-
poral, aplicava-se-lhe uma surra pública, devolvendo-a à socieda-
183
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 418.
184
Livro “das origens (é a palavra final pela qual começa o texto sacro), contém tradições da mais
remota Antigüidade.” BÍBLIA SAGRADA. 12. ed. Tradução dos originais hebraico, aramaico e
grego, mediante a versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica) pelo Centro
Bíblico de São Paulo. São Paulo: Editora Ave Maria Ltda, 1968, p. 19. Título do original: sem
menção no exemplar utilizado.
185
Versa sobre a Culpa original.
186
BÍBLIA SAGRADA. 12. ed. Tradução dos originais hebraico, aramaico e grego, mediante a
versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico de São
Paulo, p. 55.
44
de.
187
RIZZARDO menciona outras hipóteses também autorizado-
ras de providência assemelhada à atual separação: nos povos hebreus, gregos e
babilônicos, era possível o repúdio da mulher se ela se apresentasse estéril, fosse
flagrada em adultério, tivesse havido defloramento ou portasse doença contagio-
sa
188
.
Enfim, a dissolução, colocada nesses termos, era quase im-
possível. Nas palavras de COULANGES
:
Compreende-se mesmo que tal união se conservasse indissolúvel
e tornasse o divórcio quase impossível [...] a dissolução do casa-
mento religioso foi sempre muito difícil. Para esta interrupção ne-
cessitava-se de nova cerimônia religiosa, porque a religião po-
dia desligar aquilo que ela mesma ligara.
189
No Brasil não foi diferente. Até a instituição do Casamento
civil por meio do Decreto n. 181/1890, o matrimônio era regulado pelo direito ca-
nônico
190
e pela Igreja Católica, com diretrizes estabelecidas pelo Concílio de
Trento e pela Constituição do Arcebispado da Bahia, no Brasil. Nesse contexto,
admitia-se somente o chamado divórcio de cama e mesa (divortium quoad thorum
et mensam) que não permitia novas núpcias
191
.
Mesmo após a introdução do Casamento civil a influência do
direito canônico e da Igreja continuou muito grande, pois a lei civil, ainda hoje,
reproduz muitas regras daquele direito (tais como: os impedimentos matrimoniais,
187
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
109.
188
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 233.
189
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: p. 39.
190
Entende-se por Direito Canônico o conjunto de normas jurídicas, de origem divina ou humana,
reconhecidas ou promulgadas pela autoridade competente da Igreja Católica, que determinam a
organização e atuação da própria Igreja e de seus fiéis, em relação aos fins que lhe são próprios.
Regulamentando a sociedade externa formada por homens que vivem uma mesma fé acerca do
Deus que seguem os mesmos critérios morais para atingirem o seu último fim”, conforme SILVA,
Carlos Alberto da. Uma abordagem histórica e jurídica da família brasileira. 2002. 163f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002, p. 19.
191
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 233.
45
requisitos da celebração e a invalidade do Casamento). Esse contexto mostra que
não o Casamento ainda guarda aspectos oriundos do direito canônico, mas
que o próprio direito de família é um direito de fontes religiosas [...].
192
193
A monogamia
194
e a indissolubilidade do vínculo
195
são
decorrência dessa concepção do Casamento. E a Culpa para a dissolução
também, ao passo que sua exigência era uma maneira de manter o Casamento
intacto e indissolúvel.
No dizer de WELTER:
Em decorrência desse Direito Eclesiástico, surge o chamado prin-
cípio da culpa, como forma de manter edificado o casamento, que
somente poderia ser desfeito mediante a comprovação de um cul-
pado, que deveria ser punido.
196
Assim, vê-se que a Culpa no direito positivo é resquício da
influência do direito canônico, muito embora a laicização dos Estados
197
. Ou seja,
não obstante a separação do Estado da Igreja e do fato de que o Estado é laico
(leigo ou sem religião oficial), cabendo-lhe disciplinar o Casamento e sua dissolu-
ção, a Culpa perdura, como se o direito canônico ainda reinasse
198
.
1.3.2 A Culpa como requisito da separação
Como já mencionado, o CCB/02, em seus artigos 1.572,
caput, 1.566, incisos, e 1.573, incisos e parágrafo, manteve a possibilidade da
192
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 10.
193
GOMES ainda menciona as fontes morais (GOMES, Orlando. Direito de família. p. 10) e
MIRANDA, os elementos ético e costumeiro no direito de família (MIRANDA, Pontes. Tratado de
direito de família. p. 81-82).
194
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 442.
195
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família., v. I, p. 95.
196
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 24/09/2004.
197
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 24/09/2004.
198
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 24/09/2004.
46
separação dar-se através da discussão da Culpa, que pode se apresentar de
diversas formas, como aqueles dispositivos deixam ver.
Precedida pelo Casamento, que impõe aos cônjuges
diversas obrigações (art. 1.566, CCB/02), a separação com causa culposa ocorre
na hipótese de descumprimento de quaisquer desses deveres, gerando a
possibilidade do cônjuge ”inocente”
199
pleiteá-la com apoio no caput do artigo
1.572 do CCB/02, demonstrada a impossibilidade de reconciliação na forma do
artigo 1.573 do CCB/02.
1.3.2.1A grave violação dos deveres do Casamento
A grave violação dos deveres do Casamento se caracteriza
pela inobservância das imposições decorrentes do matrimônio (previstas no art.
1.566, CCB/02), que são: [a] fidelidade recíproca; [b] vida em comum, no domicílio
conjugal; [c] mútua assistência; [d] sustento, guarda e educação dos filhos; [e]
respeito e consideração mútuos. A violação de qualquer uma dessas obrigações,
ou cumulativamente verificadas, permite essa separação, desde que o outro não
tenha concorrido
200
. Com exceção da última previsão (respeito e consideração
mútuos), as demais já constavam do CCB/16, artigo 231 e seus IV incisos,
inclusive na mesma ordem das disposições em vigor.
A análise dessas situações, que formam os chamados
deveres recíprocos
201
, é uma necessidade.
1.3.2.1.1Fidelidade recíproca
Prevista no inciso I do artigo 1.566 do CCB/02, essa
exigência é considerada uma das mais importantes na vida a dois
202
, sobretudo
199
Vocábulo aqui utilizado em oposição à expressão cônjuge infrator ou culpado.
200
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 254.
201
São aqueles previstos no art. 1.566 do CCB/02. Segundo WALD são aqueles existentes “[...]
entre os cônjuges os de fidelidade, de vida em comum no domicílio conjugal e de mútua
assistência, importando sua violação em causa para a separação judicial litigiosa.” WALD,
Arnoldo. O novo direito de família: p. 89; não diverge CAHALI, que registra o acréscimo do inc.
V do art. 1.566 no CCB em vigor. CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 59.
202
Ou a mais importante. Nas palavras de CAHALI: Adultério A violação do dever de fidelidade
representa a mais grave das infrações dos deveres conjugais, dentro dos padrões convencionais
47
nos sistemas monogâmicos como o brasileiro. Diz com a própria honra dos
cônjuges e o consórcio, físico e espiritual, que o matrimônio representa.
Segundo RIZZARDO:
Esta imposição é uma das mais importantes, pelo menos nos
sistemas tradicionais do casamento. Ninguém admite uma vida
conjugal dupla, ou de infidelidade.
Relaciona-se à própria honra da pessoa e, dentre todas as
vulnerações dos deveres matrimoniais, é a que mais traz
suscetibilidades. Corresponde ao mútuo comprometimento
pessoal, íntimo e externo, de um cônjuge para com o outro. É a
comunhão física e espiritual de dois seres humanos. No sentido
jurídico, compreende mais o relacionamento sexual exclusivo com
a pessoa do outro cônjuge.
203
A violação dessa obrigação do Casamento ocorre, via de
regra, com o cometimento de adultério (previsto no inc. I do art. 1.573 do
CCB/02). Mesmo com a descriminalização do adultério
204
, a prática continuará
ensejando a infidelidade, por certo. O adultério constitui-se em infração ao dever
de fidelidade e exige, para sua configuração, a voluntariedade do njuge que o
pratica e o efetivo congresso carnal.
DINIZ sustenta que o adultério é a infração ao dever
recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade de ação e consumação da
cópula carnal propriamente dita.
205
E MIRANDA aduz que ele pressupõe o ato
consumado, a violação material do dever de fidelidade.
206
Mas a infidelidade não se apresenta só sob a forma de
adultério. WALD sustenta que as intimidades com pessoa de outro sexo, os
namoros, podem constituir atos de infidelidade e ser sancionados pelo
da sociedade moderna, estruturada à base do casamento monogâmico [...]. CAHALI, Yussef Said.
Divórcio e separação. p. 324.
203
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 282.
204
Conforme Lei 11.106, de 28 de março de 2005, que revogou o art. 240 do Código Penal.
Disponível em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe.
Acesso em: 27/05/2005.
205
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 254.
206
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 473.
48
dispositivo
207
. Não é diferente, claro, se essas intimidades ocorrerem com pessoa
do mesmo sexo.
A infidelidade pode se consumar, ainda, mesmo sem contato
físico, pessoal e direto entre os envolvidos. É o que ocorre na chamada
infidelidade virtual, praticada via internet
208
. Haverá a infidelidade virtual quando
pela rede mundial de computadores um dos cônjuges manifestar o propósito de
relacionamento íntimo com outra pessoa
209
. O traço distintivo entre o adultério e a
infidelidade virtual está na existência ou não de congresso carnal: havendo
relações íntimas, haverá adultério; não havendo, estará caracterizada a
infidelidade virtual.
Eis a visão de GUIMARÃES a respeito:
A infidelidade virtual é um relacionamento erótico-afetivo mantido
através da Internet. Se este relacionamento levar a relações se-
xuais, consuma-se o adultério. Qualquer uma das hipóteses inte-
ressa ao Direito porque pode causar a dissolução do casamento
ou da união estável.
210
Portanto, a infidelidade pode se apresentar de diversas
maneiras, e sua configuração constitui violação dos deveres do Casamento (art.
1.566, CCB/02), desde que não haja perdão
211
, pois sua ocorrência significa que
não houve impossibilidade da manutenção da vida em comum.
1.3.2.1.2 Vida em comum, no domicílio conjugal
Também chamada de dever de coabitação (art. 1.566, II
CCB/02), essa imposição decorrente do matrimônio se caracteriza pela obrigação
dos cônjuges de manterem vida afetiva, mas não necessariamente sob o mesmo
207
WALD, Arnoldo. O novo direito de família: p. 159.
208
BEMBOM, Marta Vinagre. Infidelidade virtual e culpa. Revista brasileira de direito de família,
Porto Alegre, n. 5, p. 29-35, abr./jun. 2000.
209
GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. Anais do II congresso
brasileiro de direito de família. p. 445.
210
GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. Anais do II congresso
brasileiro de direito de família. p. 444.
211
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 231.
49
teto
212
213
, situação que normalmente ocorre em função das peculiaridades de
determinadas profissões.
O abandono (o inc. IV do art. 1.573 do CCB/02 exige o prazo
de 1 ano contínuo) caracteriza violação desse dever. O abandono ocorre quando
qualquer dos njuges, voluntária e injustamente (ou seja, sem a concorrência do
outro), afasta-se do domicílio comum
214
, mesmo que por lapso inferior a 1 (um)
ano (se irremediável a situação
215
). Se for resultado de consenso, não ficará
caracterizado o abandono
216
.
De outro lado, o abandono não exige, necessária e
obrigatoriamente, o afastamento físico do cônjuge do lar comum, pois o abandono
afetivo pode ocorrer mesmo na permanência sob o mesmo teto, quando então se
apresenta sob a forma de ausência moral.
DINIZ relata:
Deveras, pode haver abandono com a permanência do cônjuge
no lar, mas de modo irregular com ausências maiores ou meno-
res, com a recusa a coabitar, com o inadimplemento do debitum
conjugale, com o fato de deixar o outro cônjuge e os filhos de-
samparados materialmente e moralmente; com situações vexató-
rias que traduzem indiferença ou desprezo. Abandono é ausência
física ou moral.
217
(
destaque do original
)
Enfim, como o casal tem o dever de coabitar
218
, o
descumprimento dessa obrigação constitui infração ao disposto no artigo 1.566,
inciso II, do CCB/02.
1.3.2.1.3Mútua assistência
Consiste esse dever, previsto no inciso III do artigo 1.566 do
212
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 479.
213
WALD, Arnoldo. O novo direito de família; p. 159.
214
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 255.
215
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 234.
216
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. v. I, p. 480.
217
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 255.
218
WALD, Arnoldo. O novo direito de família: p. 159.
50
CCB/02, na ajuda recíproca entre os consortes, de modo que, permanentemente,
possam ser mutuamente assistidos, tanto no campo material quanto moral. É
conseqüência da comunhão de vida estabelecida pelo matrimônio - exemplos
dessa solidariedade estão no conteúdo do artigo 1.568 do CCB/02
219
e na
obrigação alimentar existente entre os consortes
220
(dentre outros, como o art.
1.511).
RIZZARDO elucida:
Temos aí um dos principais deveres do casamento, que, se vulne-
rado, enseja a separação. É o dever de ajuda recíproca de um
cônjuge para com o outro, ou o mutuum adjutorium, que mais se
faz necessário não apenas em momentos de carência e de difi-
culdades, mas no quotidiano da vida. [...]
O dever de assistência é uma decorrência da comunhão de vida,
em que o marido e a mulher, dentro das funções que lhes são
próprias e de acordo com a profissão exercida, não devem tratar
dos interesses econômicos individualmente, mas segundo os
interesses do grupo familiar.
A mútua assistência extrapola o mero âmbito econômico ou moral.
Abrange aspectos morais, afetivos e psicológicos
.
221
O dever de mútua assistência implica, então, a
solidariedade, a entrega de um para com o outro e a prestação mútua de
colaboração.
Nas palavras de MONTEIRO:
Com essas palavras quis o Código dizer que os cônjuges recipro-
camente se obrigam à prestação de socorro material e moral.
Umas das finalidades do matrimônio é precisamente o mutuum
adjutorium nos momentos felizes, como nos instantes de infortúnio
[...]
Por mais grave que seja a moléstia de um dos cônjuges, por mais
219
Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos
rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o
regime patrimonial.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em:
Home Page Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em:
23/09/2004.
220
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 122.
221
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 288.
51
prolongado que se mostre seu mal, cabe ao outro, por dever de
solidariedade ou por sublimação, prestar-lhe toda a assistência de
que for capaz.
222
Compreendendo ajuda e cuidados
223
, a obrigação de mútua
assistência confunde-se com a própria essência do Casamento, considerado por
MONTEIRO como uma comunidade de amor.
224
Logo, sua inobservância autoriza
o cônjuge desamparado a buscar a separação com causa culposa sob esse
fundamento, ou seja, por violação do conteúdo do artigo 1.566, inciso III do
CCB/02.
1.3.2.1.4Sustento, guarda e educação dos filhos
Essa obrigação (inserta no art. 1.566, IV, CCB/02) significa
que os pais estão obrigados a dar aos filhos sustento, guarda e educação. Como
sustento, deve-se compreender que os genitores, ambos, devem prestar aos
filhos o indispensável à existência, ou seja, devem oferecer a eles alimentação,
roupas e assistência dica necessária; como guarda, a oferta de local físico
para que habitem, com apoio e fiscalização dos pais; e como educação, a
obrigação de oferecer instrução escolar e orientação de vida.
Nas palavras de MIRANDA:
Infringe-se o dever de sustento se não se com suficiência ali-
mento, roupa e, quando necessário, recursos médicos e terapêu-
ticos. Viola-se o dever de guarda quando não se acolhe em casa,
sob vigilância e amparo. Não se cumpre o dever de educação ao
não se instruir, dirigir, moralizar, aconselhar.
225
(
destaque do ori-
ginal
).
É verdade que a ausência de prole não descaracteriza,
atualmente, o Casamento, mas mesmo assim essa obrigação é relevante porque,
na prática, havendo filhos, a formação desses acaba por se mostrar fundamental.
Eis a posição de VENOSA:
222
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 121-122.
223
GOMES, Orlando. Direito de família. p. 128
224
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 211.
225
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 483.
52
O sustento, guarda e educação dos filhos é outro aspecto funda-
mental do casamento. Embora a existência de prole não seja es-
sencial, trata-se de elemento fundamental da existência conjugal.
Incumbe a ambos os pais o sustento material e moral dos filhos. A
orientação educacional é fundamental não no lar, como tam-
bém na escola, sendo ambas, em última análise, obrigação legal
dos pais.
226
(
destaque do original
).
O descuramento no cumprimento dessa obrigação pode
ensejar até mesmo a responsabilização criminal
227
, além, como visto, de
possibilitar ao cônjuge “inocente” o ingresso da separação com causa culposa
(com fundamento legal no art. 1.566, IV, do CCB/02).
1.3.2.1.5Respeito e consideração mútuos
Os itens até aqui abordados, como dito, já figuravam no
artigo 231 do CCB/16, constituindo-se o estatuído no inciso V do art. 1.566 do
CCB/02, onde consta essa obrigação, em novidade no direito codificado.
constava essa imposição, nos mesmos termos, no artigo 2º, inciso I da Lei n.
9.278, de 10 de maio de 1996, que regulamentou a união estável.
O respeito e consideração mútuos constituem-se em alicerce
para toda a vida do casal, serve de estrutura fundamental para o consórcio, para
o estado matrimonial que o Casamento encerra. Integra a esfera de direitos
individuais (e da personalidade) dos cônjuges.
VENOSA explica:
No novo Código acrescentou mais um item a esse rol de deveres
recíprocos, qual seja, o “respeito e consideração mútuos (art.
1.569, V), que fora elencado pela lei que regulamentou a união
estável, Lei 9.276/96, art. 2º, I, base para toda a vida em co-
mum (
destaque do original
).
E continua:
Quando desaparecem esses requisitos, é evidente que periclita a
união conjugal. Na apreciação desses aspectos, devem ser leva-
dos em conta, sem dúvida, as circunstâncias, as condições e o
ambiente em que vive o casal. Dentro da isonomia de poderes e
deveres da nova sociedade conjugal, não que se admitir pode-
226
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 159.
227
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 139.
53
res discricionários de qualquer um dos cônjuges que impliquem
violação dos direitos da personalidade ou de direitos individuais.
228
A violação dessa obrigação, das mais caras ao indivíduo
casado como foi possível sinalizar, permite ao cônjuge-vítima valer-se da
separação com causa culposa, com fundamento no descumprimento do disposto
no artigo 1.566, inciso V do CCB/02.
1.3.2.2 O artigo 1.573 do CCB/02
Embora mencionado, é o seguinte o texto dessa
disposição:
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de
vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III - sevícia ou injúria grave;
IV abandono voluntário do lar conjugal, durante 1 (um) ano con-
tínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tor-
nem evidente a impossibilidade da vida em comum.
229
Esse conteúdo constitui-se em novidade no texto codificado
apesar de já ter figurado (em parte) no direito positivo pátrio. É que o CCB/16, em
seu artigo 317, autorizava o desquite quando da verificação, exatamente, das
quatro primeiras hipóteses do atual artigo 1.573 (adultério, tentativa de morte,
sevícia ou injúria grave e abandono), com uma diferença: o abandono deveria
ocorrer por no mínimo dois anos consecutivos. No mais, alterou-se só a redação.
O artigo 1.573, em seus incisos, elenca,
228
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 159.
229
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 04/10/2004.
54
exemplificativamente
230
, as situações que podem identificar a impossibilidade da
manutenção da união, o que, combinado com o caput do artigo 1.572, leva à
separação com causa culposa.
O adultério caracteriza-se pelo congresso carnal entre
alguém casado com outra pessoa
231
(sobre o tema vide item 1.3.2.1.1); a tentativa
de morte, pelo começo de execução de crime, que não se consuma, por fatos
alheios à vontade do agente, sendo desnecessária, para a decretação da
separação judicial, sua condenação penal;
232
as sevícias, pelas agressões físicas
e pelo que representam - o tapa, a bofetada, o pontapé e outras modalidades de
agressões mais ofendem pelo que representam; a humilhação, o vexame, o
escândalo, o ridículo [...]
233
, e injúria grave, em conceito muito próximo ao de
sevícia, consiste também em ofensa a honra, a dignidade, a boa fama, a
honestidade e a própria personalidade do cônjuge,
234
considerado o nível social e
cultural do casal.
235
o abandono, como mencionado, mostra-se pela ausência
física ou afetiva
236
, pelo prazo de 1 (um) ano ou menos, dependendo da
irremediabilidade da situação;
237
condenação por crime infamante, pela revelação
do caráter do consorte e de sua má conduta social;
238
e conduta desonrosa, que
se caracteriza, por sua generalidade, pelo alcoolismo, a prática de crime, a recusa
em pagar os bitos da família, o uso de xicos, o namoro do cônjuge com
230
OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de Família no Novo Código Civil. Revista brasileira
de direito de família. p. 13.
231
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 337.
232
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 256.
233
CARVALHO NETO, Inácio de. Reparação civil na separação litigiosa culposa. Temas atuais
de direito e processo de família: primeira série. FARIAS, Cristiano Chaves (coord.). Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 264.
234
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 298.
235
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 234.
236
DINIZ, , Maria Helena. Direito civil brasileiro:, p. 255.
237
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 234.
238
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 257.
55
estranhos [...].
239
O artigo 1.573 do CCB/02 tem recebido inúmeras críticas da
doutrina, quer porque representou um retrocesso, porquanto se retornou a uma
situação própria do início do século XX, tal qual fez o CCB/16 em seu artigo 317,
quer porque, ao contrário de se superar a Culpa, ampliaram-se as hipóteses de
sua ocorrência.
VENOSA destaca que, surpreendemente, o art. 1.573 volta
aos idos do início do século
240
e, mais adiante, que a disposição mostra-se
inútil,
241
na totalidade.
RODRIGUES recorda que qualquer das situações dos
incisos I a V se caracteriza ou como violação a um dever conjugal (p. ex.,
fidelidade recíproca), ou como conduta desonrosa.
242
Também criticável a
hipótese do inciso IV, na medida em que muito mais fácil e cômoda a utilização da
separação-falência, prevista no § do artigo 1.572, que não exige a
demonstração da voluntariedade do abandono
243
.
Nas palavras de OLIVEIRA:
Na verdade, preferível seria que o legislador abandonasse o crité-
rio de perquirição de culpa para o decreto de dissolução da socie-
dade conjugal, que significa uma indesejável intromissão do Esta-
do-Juiz na privacidade das relações domésticas.
244
SANTOS não destoa:
Além de manter a figura da separação judicial, o NCCB ainda pre-
servou o princípio da culpa como um de seus fundamentos, quan-
do, a exemplo do que já ocorre com o divórcio, poderia ter se limi-
tado a amparar o pleito separatório apenas na circunstância fática
239
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 248.
240
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 232.
241
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 233.
242
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 251.
243
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 251.
244
OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de família no novo código civil. Revista brasileira de
direito de família. p. 14.
56
da ruptura da convivência (princípio da ruptura).
245
Assim, o conteúdo do artigo 1.573 do CCB/02 significa um
retorno ao CCB/16 (art. 317), que parecia superado com a vigência da Lei n.
6.515/77, na medida em que esta, registra-se novamente, abandonou o princípio
da elencação das hipóteses culposas ao inserir genericamente a expressão a
conduta desonrosa em seu artigo 5º. Consigna-se, porém, que o rol atual é
exemplificativo enquanto que o do CCB/16 era taxativo
246
.
De outro ângulo, o parágrafo único desse dispositivo permite
ao juiz, ainda, considerar outros fatos que possam tornar evidente a
impossibilidade de reconciliação o que significa que a impossibilidade da vida
em comum não precisa decorrer obrigatoriamente da grave violação do deveres
do casamento (art. 1.566), por conseqüência lógica. Essa disposição deve ser
interpretada em sintonia com o caput do artigo 1.572 do mesmo diploma.
Com os termos desse parágrafo, alargam-se as
possibilidades de separação litigiosa
247
; faz o legislador um apelo à
discricionariedade judicial e à invocação, pelo juiz, de critérios axiológicos
consagrados na ordem jurídica, interprete a norma em relação com a situação
fática que deve solucionar [...]
248
; e abre-se, perigosamente, a possibilidade de
excessos.
Eis a advertência de DINIZ:
Não seria isso uma porta aberta para uma perigosa “ciranda de
separações judiciais”? Esse abandono do critério analítico e da
enumeração taxativa dos motivos conducentes à separação judi-
cial, ao adotar o regime de causas específicas, embora o titulo
exemplificativo, e ao admitir causas indeterminadas, segundo a
esteira das modernas legislações européias, não seria uma mola
para a arbitrariedade judicial?
249
245
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A separação judicial e o divórcio no novo código civil brasileiro.
Revista brasileira de direito de família. p.147.
246
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. p. 451.
247
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 233.
248
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 257.
249
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 257-258.
57
Embora a ampla dicção desse parágrafo único possa
embasar pedidos de separação que não tenham causa culposa (como
mencionado), não se pode esquecer a possibilidade de exageros, fundados
justamente nessa disposição legal.
As mencionadas hipóteses, todas, são caracterizadoras de
insuportabilidade da vida em comum (art. 1.573, caput), objeto da apreciação
seguinte.
1.3.2.3Insuportabilidade da vida em comum
250
Como se viu, a insuportabilidade da vida em comum está re-
lacionada com a ocorrência de grave violação dos deveres do Casamento e de
alguma das hipóteses do artigo 1.573 do CCB/02. Ou seja, deve ser conseqüên-
cia, a insuportabilidade, de infração de uma ou mais das obrigações do artigo
1.566, ou qualquer outra situação que, embora não se ajuste às hipóteses dos
incisos do artigo 1.573, torne de igual impossível a reconciliação
251
. E conseqüên-
cia grave, de forma a afastar fatos que não tenham esta dimensão. Exige-se, pois,
juízo de razoabilidade
252
.
Outrora, porém, entendia-se que a insuportabilidade deveria
ser provada pelo cônjuge “inocente“, de modo que poderia o cônjuge “culpado“
demonstrar que apesar da violação das suas obrigações isso não tornou
insuportável a vida em comum
253
; ausente essa prova, a separação, nessa via,
não era possível. Ao discorrer sobre a insuportabilidade caracterizadora do
250
A doutrina refere-se à existência de dois critérios para a aferição da insuportabilidade: o
subjetivo, pelo qual basta que o cônjuge declare este estado, ou seja, o que vale é a sua condição
anímica; e o objetivo, consistente na avaliação objetiva dos fatos e circunstâncias específicas do
caso concreto, desconsiderando-se a subjetividade do cônjuge autor do pedido de separação,
conforme CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 402.
251
Como registrado entende-se, em função dos termos do parágrafo único do art. 1.573, que é
possível essa espécie de separação por incompatibilidade de gênios (conforme OLIVEIRA,
Euclides Benedito de. Direito de Família no Novo Código Civil. Revista brasileira de direito de
família. p. 14) ou desamor (conforme REZENDE, Renata Flavia Maimone. Desamor como causa
de separação judicial. Disponível em Home Page Jus Navigandi -
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4238. Acesso em: 20/09/2004).
252
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa, e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de
família. p. 439.
253
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: p. 249.
58
Casamento anulável, no CCB/16 (art. 219, I), MONTEIRO sustentava que o é a
sensibilidade de cada cônjuge que decide, mas o superior critério do
magistrado.
254
Ou seja, preponderava o critério objetivo.
Evoluiu-se para uma utilização de ambos os critérios, de
forma que passou a ser possível considerar tanto o aspecto subjetivo do cônjuge
postulante da separação quanto às condições que objetivamente circundam a
dissolução. É o registro de VENOSA, ao dizer que a insuportabilidade da vida em
comum deve ser comprovada em cada caso.
255
Essa realidade se alterou. É nítido que o critério subjetivo
ganha corpo. No dizer de CAHALI o juiz deve desvincular-se de preconceitos,
imaginar-se na situação dos cônjuges, de forma a
levar em conta as perspectivas especiais em que se acham colo-
cados marido e mulher, um em frente ao outro, no seio da família,
com aferição valorativa da impossibilidade, para o cônjuge ofendi-
do, de restaurar ou manter a vida em comum com o infrator.
256
Entende-se, então, que a insuportabilidade ocorre quando a
instabilidade real da vida em comum recomenda a separação
257
, até porque
Nenhum princípio ético ou moral, e mesmo legal, pode impor que
se mantenha uma união onde desaparecerem o respeito, a com-
preensão, a amizade, o companheirismo. Seria formar uma união
puramente externa, estando separados os cônjuges nos senti-
mentos, no amor, nos ideais e na afeição.
258
Essa é a compreensão atual da insuportabilidade da vida em
comum, prevista no caput do artigo 1.572 e no artigo 1.573, incisos e parágrafo,
do CCB/02
259
.
254
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: p. 97.
255
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 233.
256
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 403
257
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 293.
258
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 293.
259
PERLINGIERI, ao comentar o art. 151, § do Código Civil Italiano, menciona que a intolera-
bilidade da vida em comum pode ser bastante para a separação. Nestes termos: “a separação
pode ser pedida quando se verificam, mesmo independentemente da vontade de um ou de ambos
os cônjuges, fatos tais que tornem intolerável o prosseguimento da convivência ou que possam
59
Assim colocados os institutos da família, do Casamento e
sobretudo da separação no direito brasileiro, necessária a análise de tópicos
próprios da Hermenêutica Constitucional, especialmente aqueles que ostentam
fina sintonia com o objeto dessa Pesquisa. Sobre essa temática versará o capítulo
seguinte.
causar grave prejuízo à educação da prole.” PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdu-
ção ao direito civil constitucional. 2. ed. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Re-
60
CAPÍTULO 2
A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: PRINCÍPIO, DIREITO E
GARANTIAS
2.1
A HERMENÊUTICA
260
CONSTITUCIONAL
A doutrina diverge acerca do conceito de hermenêutica
jurídica. Ora é compreendida com sentido sinônimo ao de interpretação
261
, ora
conglobando interpretação e aplicação do direito
262
263
, e ainda como teoria
científica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos
aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.
264
265
Na linha da compreensão de MAXIMILIANO, o conceito
adotado para Hermenêutica Constitucional, nesta Pesquisa, é o de DINIZ.
Segundo o autor, Hermenêutica Constitucional é a técnica jurídica voltada à
elaboração de regras para a compreensão do conteúdo e do significado das
novar, 2002. 359p. Título do original: sem menção no exemplar utilizado. p. 261.
260
Não é propósito deste Capítulo discorrer acerca de todos os métodos de interpretação, mas
sim pontuar as principais diferenças entre a interpretação de outrora e a atualmente praticada.
261
REALE se refere a hermenêutica ou interpretação do direito. REALE, Miguel. Lições
preliminares de direito. 24. ed., 2. tir. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 279-296.
262
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 21. ed., rev., com alt. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, p. 203.
263
A aplicação do direito consiste em “submeter o fato concreto à norma que o regule”, conforme
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito luz de uma perspectiva axiológica,
fenomenológica e sociológico-política). 3. ed., rev., ampl. e atualizada. Rio de Janeiro: Forense,
1994, p. 5, transformando a norma geral em norma particular. Logo, a aplicação do direito não
integra o conceito de hermenêutica.
264
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2003, p. 1.
265
Também não compõe o conceito de hermenêutica a chamada integração do direito, que ocorre
quando, não havendo norma específica para o caso, “o aplicador preenche a lacuna”.
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito. p. 5.
61
normas constitucionais [...].
266
2.1.1 A Hermenêutica Constitucional: visão evolutiva
Outrora, os princípios gerais constantes das constituições
eram considerados meras regras programáticas. Eram disposições sem força
determinada e que, muitas vezes, por essa condição, restavam sem eficácia
267
.
Quando possível, observava-se a Constituição. No mais das vezes as disposições
codificadas acabavam preponderando, mesmo quando em conflito com a Lei
Fundamental.
BONAVIDES destaca a ausência de eficácia da vetusta
hermenêutica e vaticina que, na verdade, foi a carência de normatividade o
entendimento a que abraçava a Velha Hermenêutica constitucional, doravante a
caminho de uma ab-rogação doutrinária irremediável
268
. Isso porque, como dito, a
ausência de força normativa da Constituição redundava na preponderância da
legislação infraconstitucional, especialmente a codificada.
A passagem para o que BONAVIDES chama de nova
hermenêutica ocorre com a dimensão que passou a ser atribuída aos princípios
constitucionais De princípios gerais se transformaram, em princípios
constitucionais
269
- e da necessidade de dar efetivo sentido aos direitos
fundamentais
270
271
. Nesse novo cenário, os princípios ganham enorme
266
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. 2. ed.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 231.
267
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259.
268
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259.
269
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259.
270
BREGA FILHO, conceituando direitos fundamentais, assevera: “[...] seriam os interesses
jurídicos previstos na Constituição que o Estado deve respeitar e proporcionar a todas as pessoas.
É o mínimo necessário para a existência da vida humana [...] são os interesses jurídicos previstos
na Constituição que o Estado deve respeitar e proporcionar às pessoas a fim de que elas tenham
uma vida digna. Em relação ao seu conteúdo, vimos no histórico dos direitos fundamentais que
eles são compostos de uma série de direitos os quais foram sendo construídos paulatinamente.
Existem os direitos de primeira geração, segunda, terceira e, segundo alguns, de quarta geração.
Todos eles, não vida, compõem o conteúdo dos direitos fundamentais.” BREGA FILHO,
Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 66-67.
62
importância, de modo que toda a norma deve observá-los, bem assim todas as
questões jurídicas.
Acrescenta BONAVIDES:
Todo discurso normativo tem que colocar, portanto, em seu raio
de abrangência os princípios, aos quais as regras se vinculam. Os
princípios espargem claridade sobre o entendimento das questões
jurídicas, por mais complicadas que sejam no interior de um sis-
tema de normas.
272
DINIZ refere-se à hermenêutica superada como clássica e a
atual, como concretista. Na clássica
273
, da qual foi precursor SAVIGNY, a
interpretação da lei deveria ocorrer da mesma forma com que se interpreta
qualquer texto escrito ou tal qual se interpreta outro pensamento que se expressa
por meio da linguagem.
274
Sobre o mesmo tema o autor menciona ainda as posições
de VIEHWEG
275
(método tópico, segundo qual a atividade do intérprete deve dar-
se no problema concretizado, chegando-se à solução a partir dele próprio e de
pontos comuns revelados pela experiência)
276
, MÜLLER (idealizador da
racionalização método-lógica, pelo qual a interpretação deve ser estruturada e
organizada a fim de concretizar, sem dispersão, o conteúdo da regra
constitucional)
277
, HÄBERLE
278
(defensor da sociedade aberta, segundo o qual
271
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 592.
272
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 259.
273
Segundo BARROSO são métodos considerados clássicos de interpretação: gramatical,
histórico, sistemático e teleológico. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. rev. atual. e
ampl.. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 127-145.
274
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 244.
275
Mais sobre o VIEHWEG em ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do
direito: tópica, discurso, racionalidade. Florianópolis: Momento Atual, 2004. 226p.
276
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 249-
250.
277
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 252.
278
Mais sobre o pensamento do autor em HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a
sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
“procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Anto-
nio Fabris Editor, 1997. 55p. Título original: Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten.
Ein Beitrag zur pluralistischen und “prozessualen” Verfassungsinterpretation.
63
todos os cidadãos são intérpretes da Constituição, democratizando o processo
interpretativo)
279
, e HESSE (criador da força normativa da Constituição, pelo qual
deve dar-se concretude ao seu conteúdo)
280
. E depois, sobre a concretista,
conclui DINIZ:
[...] hermenêutica é cultura e, portanto, obra humana. O intérprete,
apesar de dever respeitar a estrutura daquilo que se lhe apresenta
como objeto no caso, a norma jurídica não está adstrito à
intenção do autor, porque ela se fez história, ingressou no mundo
da tradição e dele recebeu toda a bagagem cultural que lhe
antecede. É, ao mesmo tempo, o objeto, o produto e parte da
história. Ele cria, porque re-presenta (faz novamente presente) o
objeto, recria as suas conexões de sentido com a realidade no
momento concreto em que sobre ele se dedica. Aliás, esse é o
motivo pelo qual uma norma pode, num determinado momento,
receber um determinado sentido mas, posteriormente, em face de
determinadas circunstâncias, adquirir um sentido diferente. O que
não se admite, no entanto, é que ela seja desnaturada (perca a
sua natureza por ato de outrem) ou deformada (perca a sua
conformação)
.
281
A nova interpretação constitucional, expressão preferida por
BARROSO
282
, é aquela que empresta normatividade aos princípios, realiza
ponderação de valores
283
, considera a teoria da argumentação, mas ao mesmo
tempo não ignora o conhecimento convencional, a importância das regras ou a
valia das resoluções subsuntivas
284
. Mais adiante, consigna que a nova
interpretação constitucional é fruto de evolução seletiva, que conserva muitos dos
conceitos tradicionais, aos quais, todavia, agrega idéias que anunciam novos
279
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 256.
280
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 260.
281
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 268.
282
BARROSO, Luís Roberto, e BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. BARROSO, Luís Roberto
(org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações
privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 330.
283
Ponderação é uma técnica utilizada para a solução dos casos mais intrincados e que está
estruturada em três etapas: a] identificação das normas relevantes ou das normas relevantes em
conflito; b] exame das circunstâncias do caso concreto e suas repercussões junto às normas
selecionadas; e c] fase da decisão, na qual avaliam-se os itens das duas primeiras fases e
ponderam-se os pesos (distribuição de pesos) em conflito, elegendo-se aquele com maior
relevância, conforme BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 57-58.
284
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 332.
64
tempos e acodem a novas demandas.
285
STRECK menciona a necessidade, no campo hermenêutico
constitucional, do estabelecimento de um novo paradigma, superando-se a
dogmática estrita que leva a uma “baixa constitucionalidade
286
(destaque do
original). No Estado Democrático de Direito o cumprimento da função social do
direito
287
ocorrerá não com este ou aquele método de interpretação, mas sim a
condição-de-ser-no-mundo que vai determinar o sentido do texto.
288
Daí conclui o autor que a norma infraconstitucional se
válida
se estiver em conformidade com a Constituição, a aferição dessa
conformidade exige uma pré-compreensão (pré-juízos) acerca do
sentido de (e da) Constituição (que é o fundamento que será
utilizado pelo intérprete para atribuir a norma àquele texto). Não
se interpreta, assim, um texto jurídico (um dispositivio, uma lei,
etc) desvinculada da antecipação de sentido representado pelo
sentido que o intérprete tem da Constituição
.
289
Essa nova hermenêutica não é um fenômeno nacional,
como se viu. CANOTILHO e MOREIRA enfatizam a força normativa da
Constituição, na linha de HESSE, e são taxativos na necessidade de que as
normas jurídicas sejam comprendidas à luz da Constituição. Nestes termos:
A principal manifestação de preeminência normativa da
Constituição consiste em toda a ordem jurídica deve ser lida à luz
dela e passada pelo seu crivo, de modo a eliminar as normas que
não se conformem com ela. São três as componentes principais
desta preeminência normativa da Constituição: (a) todas as
normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido
mais concordante com a Constituição (princípio da interpretação
conforme a constituição); (b) as normas de direito ordinário
desconformes com a Constituição são inválidas, não podendo ser
285
BARROSO, Luís Roberto, e BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. BARROSO, Luís Roberto
(org.). A nova interpretação constitucional: p. 332-333.
286
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: perspectivas e possibilidades
de Concretização dos direitos fundamentais-sociais no Brasil. Novos estudos jurídicos v. 8, n.
2, p. 285, maio/ago. 2003.
287
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: p. 285.
288
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: p. 286.
289
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: p. 287.
65
aplicadas pelos tribunais e devendo ser anuladas pelo Tribunal
Constitucional; (c) salvo quando não exeqüíveis por si mesmas, as
normas constitucionais aplicam-se diretamente, mesmo sem lei
intermediária, ou contra ela e no lugar dela
.
290
(
detaque do
original
).
A leitura da legislação infraconstitucional sempre a partir da
Constituição
291
e permanentemente à luz dela, é componente, como visto, da
nova interpretação constitucional, como quer BARROSO, ou da nova
hermenêutica, como prefere BONAVIDES. Essa nova concepção é consentânea
com os tempos que correm e, assim, se possível viabilizar as exigências
contemporâneas e não só no direito de família
292
- como se verá ao longo desta
Pesquisa, sobretudo no terceiro capítulo.
Esse cenário exige que se situe a posição da Constituição
no contexto das leis do País, análise que constará do item seguinte.
2.1.2 A supremacia da Constituição
A supremacia da Constituição, ou garantia da superioridade
da Constituição, como prefere SCHÄFER
293
, tem seu fundamento central
associado à distinção entre poder constituinte originário e derivado e ainda entre
constituições flexíveis e rígidas
294
295
.
290
CANOTILHO, J. J. Gomes, e MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra:
Coimbra, 1991, p. 45-46.
291
SCHIER utiliza a expressão filtragem constitucional, que seria a “idéia de um processo em que
toda a ordem jurídica, sob a perspectiva formal e material, e assim os seus procedimentos e
valores, devem passar sempre e necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição Federal,
impondo, a cada momento de aplicação do Direito, uma releitura e atualização de suas normas”.
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática penal. Porto
Alegre: Sergio Fabris Editor, 1999, p. 104.
292
A efetividade dos chamados novos direitos, via ações constitucionais ou não, é um exemplo
sintomático dessa nova visão. A respeito, vide BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações
constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. Florianópolis: Habitus Editora, 2001,
especialmente p. 178-192.
293
SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2001, p. 48.
294
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 162.
66
Brevemente, pode-se dizer que o poder constituinte
originário é o destinado a instaurar o Estado e inaugurar a ordem jurídica da
Sociedade politicamente organizada
296
(nas democracias ocorre por meio de
assembléia nacional constituinte), e o derivado, pressupõe uma Constituição
em vigor, que lhe dá os limites e lhe impõe os modos de atuação.
297
as constituições rígidas, como a do Brasil e da grande
maioria dos Estados modernos, são aquelas que não podem ser modificadas da
mesma maneira que as leis ordinárias. Demandam um processo de reforma mais
complicado e solene
298
, e as flexíveis, são aquelas que não exigem requisito
especial de reforma. Podem, por conseguinte, ser emendadas ou revistas pelo
mesmo processo que se emprega para fazer ou revogar a lei ordinária
.
.
299
Esse quadro, sobretudo nas constituições rígidas, coloca
naturalmente a Constituição no ápice do ordenamento jurídico, quer porque sua
alteração tem exigências superiores, quer porque, como visto, a legislação deve
seguir suas diretrizes.
BARROSO sustenta:
Sistematizando, então, as idéias pertinentes, vai-se ver que a su-
premacia da Constituição é tributária da idéia de superioridade do
poder constituinte sobre as instituições jurídicas vigentes. Isso faz
com que o produto do seu exercício, a Constituição, esteja situado
no topo do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de vali-
dade de todas as demais normas [...].
300
A supremacia da Constituição, portanto, traduz-se em
superlegalidade formal e material. Formal, porque é fonte primária da produção
295
FERRARI sustenta a supremacia da Constituição a partir do raciocínio de que ela está no topo
do ordenamento. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de
inconstitucionalidade. 2. ed., ampl. e atual. de acordo com a Constituição Federal de 1988. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 10-11.
296
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá Editora, 2002.
p. 62.
297
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 62.
298
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 83.
299
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 83.
300
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 163.
67
normativa, estabelecendo competências e procedimentos para a feitura da
legislação infraconstitucional, e material, porquanto submete o conteúdo de toda a
atividade normativa do Estado aos seus termos
301
.
Decorrência inexorável disso é a submissão dos atos do
Estado, por todos os seus órgãos, aos ditames constitucionais. Segundo CRUZ:
Os poderes do Estado e suas ações têm sua legitimidade derivada da
Constituição, que é a norma base que os habilita para atuar.
302
E mais adiante
acrescenta: caso um poder público atue fora dos limites fixados pela Constituição,
sua atuação não pode ser considerada legítima – nem constitucional -, pois
carecerá de base ou justificação legal.
303
De outro lado, os particulares também estão submetidos à
Constituição, porque por força da supremacia constitucional nenhum ato jurídico,
nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validade se for incompatível
com a Lei Fundamental.
304
Por fim, não obstante a compreensão externada acerca da
supremacia da Constituição e seus efeitos inegáveis, atos dos poderes públicos e
práticas entre particulares suscitam dúvidas sobre a observação ou não dos
termos da Lei Maior. Logo, a supremacia constitucional será alcançável
eficazmente se o próprio ordenamento jurídico consagrar, na prática, meios
destinados a sancionar as infrações à Constituição, independentemente de sua
hierarquia no plano lógico-jurídico.
305
Daí resulta que a supremacia é pressuposto
do controle da constitucionalidade das leis
306
, questão sobre a qual versará o item
que segue.
301
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 164.
302
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 79.
303
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 79.
304
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 161.
305
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 104.
306
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 298.
68
2.1.3 Controle de constitucionalidade: por via de exceção e por via de
ação
307
A supremacia da Constituição impõe sua observação por
todos, inclusive pelos poderes públicos
308
, como dito. A efetiva superioridade da
Lei Maior é possível com a existência de mecanismos que a preservem,
chamados de controle de constitucionalidade. São meios que possibilitam a
ineficácia ou mesmo a extirpação do ordenamento jurídico-legal daqueles atos,
oriundos do Estado ou de particulares, que a maculem.
Esse controle de constitucionalidade pode ocorrer por meio
da atuação de um órgão político ou jurisdicional. O órgão político é normalmente
distinto dos poderes blicos e se justifica, segundo seus defensores, porque
desse controle decorrem muitos efeitos políticos, razão por que mais apropriado
seria deslocá-lo para órgão (conselho ou comitê) estranho aos poderes
Legislativo, Executivo ou Judiciário. Esse sistema nasceu na França, a partir do
jurista Sieyès.
309
310
no controle jurisdicional, modelo adotado pelo Brasil, essa
análise cabe aos juízes e tribunais
311
. O controle judicial pode ser: por via de
exceção (ou controle concreto ou difuso ou ainda incidental) e/ou por via de ação
(ou controle abstrato ou concentrado ou ainda principal).
307
CRUZ prefere a expressão defesa da Constituição. Sustenta que as agressões às constituições
podem ocorrer ou em situações de risco ao próprio Estado Constitucional de Direito ou em
situações de normalidade: a primeira exige defesa extraordinária da Constituição e a segunda,
defesa ordinária. A defesa extraordinária ocorre via concessão de poderes extraordinários aos
órgãos do Estado, forma de combater os inimigos internos e externos, e a defesa ordinária, por
meio dos controles de constitucionalidade. CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito
constitucional. p. 231-232. No mesmo sentido BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo
constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 135.
308
“Com certeza, o Poder Legislativo não está sujeito à lei, mas está sujeito à Constituição.”
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 234.
309
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. o Paulo: Malheiros Editores,
2003, p. 299.
310
Emmanuel Joseph Sieyès era um abade que “publicou uma brochura intitulada ‘O que é o
terceiro Estado’, um verdadeiro manifesto das reivindicações da burguesia, ou seja, do povo,
contra os privilégios e o absolutismo. Afirmava o abade que o povo francês era politicamente
consciente e poderia decidir sobre a forma de Estado. Poderia ser, assim, o Poder Constituinte.”
(destaque do original). FONTANA, Vilson. Fundamentos históricos e jurídicos do controle da
constitucionalidade no Brasil: uma discussão com base no direito estrangeiro. 2004. 106f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2004
311
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. p. 301.
69
O controle por via de exceção é originário dos Estados
Unidos da América, e depois se estendeu para outros países
312
. Lá, a
consolidação desse sistema aconteceu em três etapas: [a] a declaração de
independência do País; [b] a iniciação do controle da constitucionalidade, mas
ainda sem a idéia de supremacia da Constituição; e [c] a célebre decisão do juiz
MARSHALL, então presidente da Suprema Corte Americana, no caso Marbury
versus Madison, em 1803
313
, na qual assentou-se a garantia da revisão judicial
dos atos dos poderes públicos e a supremacia da Constituição
314
.
Assim assentaram-se as raízes do controle por via de
exceção, que ostentava, portanto, as seguintes características: [a] qualquer juiz
pode reconhecer a “inconstitucionalidade de uma lei“
315
; [b] a competência dos
juízes está limitada ao caso concreto; e [c] o juízes se pronunciam exclusivamente
no caso específico
316
.
Nos países que o adotam, o controle por via de exceção
ainda mantém esse formato.
o controle por via de ação é seguido em vários países da
Europa (Suíça, Áustria, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal)
317
e por isso
considerado o modelo europeu de justiça constitucional.
318
Concretiza-se via ação
de inconstitucionalidade em face de uma norma in abstracto (por entrar em vigor)
ou já em vigor
319
. É dirigida a um tribunal ordinário (Suíça) ou constitucional
312
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 236.
313
Discutia-se uma contradição entre uma lei e a Constituição,
314
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p.
118/111-113.
315
Conforme DINIZ, lembrando KELSEN, falar-se em lei inconstitucional é um contradição que
“uma lei pode ser válida se tiver fundamento na Constituição.” DINIZ, Márcio Augusto
Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucional. p. 147.
316
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 237-238.
317
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 309.
318
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 236.
319
A maior parte dos países europeus exige a entrada em vigor da lei para o exercício do controle
da constitucionalidade (chamado controle repressivo); na França existe o controle preventivo
(ou seja, é possível antes de entrar em vigor a lei); a Itália e a Espanha admitem os controles
preventivo e o repressivo, conforme CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito
constitucional. p. 244.
70
(Áustria, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal), inclusive por iniciativa de juiz
ordinário que suscitar inconstitucionalidade
320
. Declarada, a lei é extirpada do
ordenamento, produzindo a decisão, efeitos contra todos
321
.
Essa espécie de controle sofre críticas por sua incisividade
na medida em que basta uma demanda judicial para atingir a lei em sua
totalidade, retirando-a do ordenamento jurídico. Caracteriza-se esse processo por
seu teor sumamente enérgico, pela sua agressividade e radicalismo, pela
natureza fulminante da ação direta.
322
O controle jurisdicional, tanto na via de ação quanto de
exceção, também é alvo de outra crítica: poucos são os legitimados ativos para
sua argüição
323
. Vale dizer, estão excluídos dessa possibilidade os cidadãos, ao
menos diretamente.
O Brasil, como mencionado, adota o sistema de controle
jurisdicional, que pode ocorrer tanto por via de ação quando de exceção
324
. A via
de exceção, já tradicional em nosso meio, integra o ordenamento jurídico nacional
desde a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891, republicana e
federativa. Inicialmente era alcançável por meio de recurso extraordinário e após
também por mandado de segurança, servindo à salvaguarda dos direitos
individuais. Atualmente, é possível mediante suscitação na própria demanda
judicial, sendo desnecessária demanda específica para esse fim.
BONAVIDES comenta:
320
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. p. 245.
321
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 307-308.
322
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 307.
323
Segundo o art. 103 da CRFB/88 estão legitimados a propor a ação direta: Presidente da
República; Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas
ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado ou do Distrito Federal;
Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido
político com representação no Congresso Nacional; e confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional (redação de acordo com a EC 45/2004.
324
também, no nosso sistema, a inconstitucionalidade por omissão (CRFB/88, art. 103, § 2º) e
a ação declaratória de constitucionalidade (EC n. 3/93), que aqui não foram minudenciadas em
função de seu distanciamento com o presente relatório.
71
O controle por via de exceção, aplicado às inconstitucionalidades
legislativas, ocorre unicamente dentro das seguintes circunstân-
cias: quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes le-
vanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalida-
de da lei que se lhe quer aplicar.
Sem o caso concreto (a lide) e sem a provocação de uma das
partes, não haverá intervenção judicial, cujo julgamento só se
estende às partes em juízo. A sentença que liquida a controvérsia
constitucional não conduz à anulação da lei, mas tão-somente à
sua não-aplicação ao caso particular, objeto da demanda
.
325
Portanto, trata-se de meio democrático que permite a defesa
do cidadão contra os atos dos poderes públicos
326
e sua utilização como defesa
em ação judicial que envolve particulares. Nesse caso, o juiz reconhece
327
a
inconstitucionalidade, limitando-se às partes litigantes os efeitos da decisão.
Deverá também o magistrado reconhecer a insconstitucionalidade mesmo sem a
argüição das partes ou do Ministério Público, conclusão que se extrai do próprio
sistema adotado pelo Brasil, pois os juízes estão vinculados à Constituição
328
.
Ademais, segundo STRECK, qualquer pronunciamento
judicial é ato de jurisdição constitucional. O juiz sempre faz jurisdição
constitucional. É dever do magistrado examinar, antes de qualquer coisa, a
compatibilidade do texto normativo infranconstitucional com a Constituição.
329
Portanto, não óbice no reconhecimento da inconstitucionalidade pelo
magistrado, mesmo sem a provocação de qualquer dos litigantes ou do Ministério
Público.
Mas o controle por via de ação, nos moldes atuais, é
relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro. Até a CRFB/88 a ação de
inconstitucionalidade era de iniciativa exclusiva do Procurador-Geral da
República, cuja argüição deveria se dar perante o Supremo Tribunal Federal -
325
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 302.
326
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 325.
327
No sistema europeu o juiz a declara. CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito
constitucional, p. 246.
328
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed., rev., atual e ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 361.
329
Conforme STRECK, Lenio Luiz. Disponível em:
http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/ExecPenLLS. Acesso em 16/11/2004.
72
STF.
330
Com a Constituição Cidadã esse rol se estendeu, salutarmente,
permitindo que os mecanismos de defesa da Carta possam ser exercidos não
pelo Procurador-Geral da República, mas também, como mencionado, por outros
órgãos e instituições.
331
Declarada a inconstitucionalidade pelo STF, por via de
exceção, a lei inquinada é suspensa, deixando portanto de produzir efeitos, e não
anulada
332
, ou eliminada do ordenamentro jurídico-legal. Sua ineficácia surge
somente depois do pronunciamento do Senado Federal, quando suspende a
execução da lei ou ato normativo, no todo ou em parte, declarada em sentença
definitiva pelo Supremo Tribunal Federal.
333
no controle por via de ação ocorre
diferentemente, pois basta o pronunciamento do STF, dispensando providência
do Senado da República.
No exercício do controle de constitucionalidade, dentre
outras situações, pode ocorrer o conflito entre princípios e entre princípio e
regra
334
, tensão a ser abordada no item que segue.
2.1.4 Princípios e regras
335
A distinção entre princípios e regras é resultado da
superação do positivismo
336
e do reconhecimento da normatividade dos
princípios
337
. Enfim, da mudança de paradigma: é superada a concepção segundo
330
Art. 114, inc. I, alínea l, da Constituição do Brasil de 1967.
331
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 332.
332
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 328.
333
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. p.
117.
334
É possível também o conflito entre regras. Todavia, esse conflito não será objeto de análise
nessa Pesquisa.
335
Não é propósito deste pico relatar os diferentes tipos de princípios ou de regras, mas sim
estabelecer as diferenças essenciais entre aqueles e estas e as soluções possíveis na ocorrência
de colisão.
336
E do ingresso no pós-positivismo, segundo BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. p. 281.
337
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 281.
73
a qual os princípios são dispositivos destituídos de sanção e qualificados como
meras exortações, preceitos de ordem moral ou política, mas o verdadeiros
comandos de Direito,
338
e as constituições deixam de ser textos recheados de
normas programáticas (muito deles sem eficácia, como visto) e passam a ostentar
status de sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos
suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel central.
339
Atualmente, princípios e regras são considerados espécies
do gênero normas jurídicas
340
341
342
, cuja diferença estrutural, segundo
BARROSO, foi desenvolvida em boa parte por DWORKIN e ALEXY
343
. ATIENZA
e MANERO mencionam que a discussão teve início em um conhecido artigo
escrito por DWORKIN, em 1967, com título interrogativo: É o direito um sistema
de regras?
344
Esse estudo permitiu a posterior identificação de diversos
critérios distintivos entre princípios e regras. Eis alguns deles: [a] quanto à abstra-
ção (ou distinção formal ou ainda generalidade); [b] quanto à fundamentalidade no
sistema das fontes do direito (ou natureza); [c] quanto à proximidade da idéia de
direito; e [d] quanto à natureza normogenética
345
.
338
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1999, p. 13.
339
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 338.
340
Porque ambos “se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como
mandamento, permissão e proibição.”, conforme BONAVIDES, Paulo. Curso de direito
constitucional. p. 277.
341
COELHO utiliza as expressões normas-regras e normas-princípios. COELHO, Inocêncio Márti-
res et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 2. tir. Brasília: Brasília Jurídi-
ca, 2002, p. 44-52.
342
HART era defensor da existência de regras primárias e regras secundárias. HART, H. L. A. O
conceito de direito com um pós-escrito editado por Penélope A. Bulloch e Joseph Raz. Tradu-
ção de A. Ribeiro Mendes 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 89-109. Título
original: The concept of law.
343
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 75.
344
ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan Ruiz. Las piezas del derecho: teoría de los enunciados
jurídicos. Barcelona: Ariel, 1996, p. XVII.
345
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.,
p. 51-52.
74
Tocante à [a] abstração, registre-se que os princípios são
dotados de elevado grau de abstração. Constituem-se em verdadeiras cláusulas
abertas que permitem ao intérprete uma maior maleabilidade ao atuar, possibili-
tando-se que a Constituição seja adequada a outros momentos, evitando que a
todo o tempo tenha que ser modificada
346
; a regra regula uma situação especí-
fica e delimitada em seu corpo
347
; [b] à fundamentalidade, porque os princípios
exercem uma importância superior à das regras, haja vista são considerados su-
periores às demais normas, surgindo a primeira razão de uma hierarquia, a qual
determinará que os princípios tenham maior peso, maior influência, maior impor-
tância, na interpretação das normas constitucionais
348
; [c] à proximidade da idéia
de direito, os princípios estão voltados para a noção de justiça e as regras, para a
segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade
349
; e [d] à natureza normogenéti-
ca, os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na ba-
se ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma fun-
ção normogenética fundamentante.
350
(destaque do original).
A estrutura diferente dessas normas jurídicas também ense-
ja a existência de antinomias
351
(entre princípios, entre regras e entre princípios e
regras), com o que o direito, enquanto ordenamento, não pode conviver
352
. A so-
lução de um e outro conflito também é diversa. Na colisão entre princípios, eles
346
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: p. 52.
347
SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais:, p. 36-37.
348
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: p. 51.
349
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 78-79.
350
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais..
p. 52.
351
Antinomia, segundo MELO, é a “Contradição entre normas ou entre princípios dentro de um
sistema jurídico. A solução desse tipo de conflito implica uma ação político-jurídica que significa,
no caso de contradição entre princípios, na aplicação daquele mais consentâneo com a eqüidade
e, entre normas, se inaplicáveis os critérios fixados pela Dogmática Jurídica, na revogação ou
derrogação daquela menos benéfica à Sociedade.” MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de
política jurídica. Florianópolis: OAB-SC Editora, 2000, p. 11.
352
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
p. 45.
75
poderão ser compatibilizados entre si, harmonizados, de forma que coexistam,
permitindo-se eficácia máxima possível a cada qual deles
353
.
GUERRA FILHO sustenta:
com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois eles,
na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica es-
pecífica, considerados da forma abstrata como se apresentam pa-
ra nós, no texto constitucional, não entram em choque diretamen-
te, são compatíveis (ou “compatibilizáveis”) uns com os outros.
E conclui:
Contudo, ao procurarmos solucionar um caso concreto, que não é
resolvido de modo satisfatório aplicando-se as regras pertinentes
ao mesmo, inquirindo dos princípios envolvidos no caso, logo se
percebe que esses princípios se acham em um estado de tensão
conflitiva, ou mesmo, em rota de colisão. A decisão tomada, em
tais casos, sempre irá privilegiar um (ou alguns) dos princípios, em
detrimento de outro(s), embora todos eles se mantenham íntegros
em sua validade e apenas diminuídos, circunstancial e
pontualmente, em sua eficácia
.
354
Noutras palavras, a colisão entre princípios (dois ou mais) é
superada mediante a atribuição de peso aos princípios em litígio, prevalecendo
aquele que tiver maior relevo ou valor (critério axiológico), mas sem retirar a vali-
dade do(s) outro(s) princípio(s)
355
, considerado(s) na hipótese concreta de menor
relevo ou valor. Ou seja, a solução se dá no plano axiológico.
o conflito entre regras deve ser resolvido no plano da va-
lidade
356
. Vale dizer, como as regras o proposições voltadas para fins específi-
cos, determinados, eventual colisão entre duas regras deve ser resolvida geral-
353
A expressão eficácia ótima é utilizada por HESSE para, no conflito entre direitos fundamentais,
permitir que mesmo na colisão aquele princípio inferiorizado no caso concreto permaneça em vi-
gor com o máximo alcance. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República
Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1995, p. 262. Título original: Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland.
354
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 3. ed.
São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2003, p. 55.
355
SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: p. 38-39.
356
BOHN, Claudia Fernanda Rivera. A teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. A
constituição no mundo globalizado. DOBROWOLSKI, Silvio (org.). Florianópolis: Editora
Diploma Legal, 2000, p. 140.
76
mente mediante subsunção
357
: valerá uma ou outra e a preterida será afastada
porque incompatível
358
. Também é possível a solução desse conflito através de
uma cláusula de exceção, consistente em uma regra que serviria justamente para
remover a colisão
359
.
BARROSO expõe
:
Regras são proposições normativas aplicáveis sob a forma de tu-
do ou nada (“all or nothing”). Se os fatos nela previstos ocorrerem,
a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo
seus efeitos. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipó-
tese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais
específica ou se não estiver em vigor. Sua aplicação se , pre-
dominantemente, mediante subsunção.
360
(
destaques do origi-
nal
).
Pode haver ainda o conflito entre princípio e regra.
Ocorrendo a colisão entre princípio e regra deve preponderar a regra, diz
BARROSO, mais de uma vez
361
. Todavia, o mesmo autor reconhece que os
princípios, ao menos na sua essência ou núcleo substancial, têm caráter de regra.
Ele descreve os princípios como se fossem dois círculos, um menor (área
nuclear) e outro maior (área não nuclear), que envolve o primeiro. O círculo
menor, por constituir-se na essência do princípio, passa a ser determinado e por
isso com natureza de regra
362
, devendo portanto ser preservado.
Logo, para o autor o conflito entre regra e área não nuclear
de princípio deve ser resolvido em favor daquela, mas a colisão entre regra e
parte nuclear de um princípio deve ser solvida em favor deste
363
.
357
COELHO menciona a possibilidade de resolução desse conflito com a utilização dos critérios
cronológico, hierárquico e da especialidade. COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais. p. 46.
358
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
p. 45.
359
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 279.
360
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 342.
361
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 70 e 77
362
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 74-75.
363
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 82 e 341.
77
Por fim, mesmo que se considere que a natureza das regras
e dos princípios está a determinar que, no conflito, estes cedam espaço àquelas,
não se pode ignorar a existência do princípio da dignidade da pessoa humana, de
dimensão tal a suplantar o conteúdo das regras que não o observem, ao menos
na essência.
Ao comentar a necessária ponderação de valores quando do
conflito entre princípios constitucionais, além de exaltar o princípio da dignidade,
diz COELHO:
Porque se trata de um método de ponderação de bens no caso
concreto, é intuitivo que, pelo menos sob esse prisma, não exista
uma hierarquia fixa, abstrata e apriorística, entre os diversos
valores e/ou princípios constitucionais, ressalvada porque
axiologicamente fora de cotejo a dignidade da pessoa humana
como valor-fonte de todos os valores, valor fundante da
experiência ética ou, se preferirmos, como princípio e fim de toda
a ordem jurídica.
364
(
destaque do original
).
Feitos esses breves registros distintivos entre princípios e
regras é momento de tecer maiores considerações acerca do princípio e do direito
fundamental que são de maior relevância para os fins desta Pesquisa.
2.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO
FUNDAMENTAL À INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE E DA VIDA
PRIVADA
Vários são os princípios constitucionais que informam o
direito de família e os direitos fundamentais a ele aplicáveis. Segundo OLIVEIRA,
além dos implícitos (como os da afetividade, respeito, igualdade entre os
membros de todas as espécies de família, da liberdade), os demais princípios são
os seguintes:
proteção de todas as espécies de família (art. 226, caput, CF); re-
conhecimento expresso de outras formas de constituição familiar
364
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
p. 49.
78
ao lado do casamento, como as uniões estáveis e as famílias mo-
noparentais (art. 226, §§ 3º e 4º, CF); igualdade entre os cônjuges
(art. 5º, caput, I, e art. 226, 5º, CF); dissolubilidade do vínculo con-
jugal e do matrimônio (art. 226, § 6º, CF); dignidade da pessoa
humana e paternidade responsável (art. 226, § 5º, CF); assistên-
cia do Estado a todas as espécies de família (art. 226, § 8º, CF);
dever de a família, a sociedade e o Estado garantirem à criança e
ao adolescente direitos inerentes à sua personalidade (art. 227,
§§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 7º, CF); igualdade entre os filhos havidos ou
não do casamento, ou por adoção (art. 227, § , CF); respeito re-
cíproco entre pais e filhos: enquanto menores é dever daqueles
assisti-los, criá-los e educá-los, e destes o de ampararem os pais
na velhice, carência ou enfermidade (art. 229, CF); dever da famí-
lia, sociedade e Estado, em conjunto, ampararem as pessoas ido-
sas, velando para que tenham uma velhice digna e integrada à
comunidade (art. 230, CF).
365
Desses princípios avulta de importância para este relatório o
princípio da dignidade da pessoa humana.
2.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana
366
A dignidade da pessoa humana é fato histórico recente
367
.
Inicialmente, a partir de KANT
368
, era compreendida como algo inato e próprio do
homem edo homem, ou seja, de alguém dotado de razão e vontade (chamada
concepção insular); nos tempos que correm, sustenta ainda AZEVEDO, essa
concepção está superada por outra, que chama de própria de uma nova ética. Em
visão aproximada ao direito de família, diz que essa concepção se expressa na
capacidade do ser humano de sair de si e de reconhecer no outro um igual, de
365
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 273.
366
Não é propósito deste tópico analisar se, na CRFB/88, a dignidade da pessoa humana é princí-
pio ou regra e, sendo princípio, se é absoluto ou não (vide a respeito SARLET, Ingo Wolfgang.
Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2.
ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, especialmente p. 73-79), mas sim dimen-
sionar a importância da dignidade na Lei Fundamental e no direito brasileiros. Adotou-se, porém, a
posição majoritária segundo a qual a dignidade da pessoa humana é Princípio, como se verá ao
longo da Pesquisa.
367
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Réquiem para uma certa dignidade da pessoa humana. Anais
do III congresso brasileiro de direito de família: Família e cidadania o novo CCB e a vacatio
legis. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 329.
368
ALVES relata que “Com Kant, o sujeito moderno, cognoscente, torna-se inexoravelmente um
sujeito moral.” ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. A
reconstrução do direito privado. MARTINS-COSTA, Judith (org.). São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002, p. 220-223.
79
usar a linguagem, dialogar, e, ainda, principalmente, na sua vocação para o amor,
como entrega espiritual a outrem.
369
Independentemente da concepção a ser seguida, relevante
apontar que no Brasil a questão da Dignidade Humana também é recente,
fenômeno que se verifica da análise das Constituições brasileiras. Outrora, como
dito, elas se caracterizavam principalmente pela importância que atribuíam ao
Estado, sua estruturação e organização
370
, relegando a pessoa humana - e até
mesmo a família como se viu - a plano secundário
371
. Com isso, o ser humano,
de certa forma, apresentava-se como instrumento (meio) de realização do poder
estatal.
Seguindo linha adotada pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas - ONU (de 1948), que em
seu artigo prescreve: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com
os outros em espírito e fraternidade,
372
373
a CRFB/88 inverte essa realidade
374
375
369
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Réquiem para uma certa dignidade da pessoa humana. Anais
do III congresso brasileiro de direito de família: p. 331.
370
Veja-se que, com exceção da CRFB/88, todas as demais Constituições brasileiras dedicaram-
se inicialmente à estruturação do Estado: do Império (a Constituição de 1834) ou da Organização
Federal ou Nacional (as Constituições de 1891, de 1934, de 1937, de 1946 e de 1967), conforme
se vê dos arts. 1º e seguintes dessas Constituições.
371
O primeiro destaque acerca da dignidade no direito positivo brasileiro consta da Constituição de
1934, no Título da Ordem Econômica, art. 115, cujo teor era este: art. “Art. 115 – A ordem
econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a
liberdade econômica.
Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias
regiões do País.” BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.
Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp/consulta.asp. Acesso em: 7/10/2004.
372
PORTUGAL. Disponível em: Home Page Centro de Informação da ONU em Portugal -
http://www.onuportugal.pt/. Acesso em 9/10/2004.
373
O primeiro item do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem tem o seguinte
teor: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e
da paz no mundo”. PORTUGAL. Disponível em: Home Page Centro de Informação da ONU em
Portugal - http://www.onuportugal.pt/. Acesso em 9/10/2004.
374
Pois com a CRFB/88 a “pessoa humana passa a ser concebida como centro do universo
jurídico e prioridade justificante do Direito”, conforme MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati.
Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá Editora,
2003, p. 72.
80
ao inserir a Dignidade Humana
376
como um de seus princípios fundamentais
377
-
ou fundamento da República.
378
Merece destaque seu conteúdo na Lei Fundamental:
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união in-
dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, consti-
tui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamen-
tos:
[...].
III – a dignidade da pessoa humana;
379
Convém esclarecer que a inserção do vocábulo pessoa (e
não de Dignidade Humana) decorre do propósito do Constituinte de 1988 em
consagrar o valor do homem concreto, apesar de, para nós, neste, está
subentendido o valor do homem abstrato.
380
É possível identificar, já daí, a
intenção efetiva de que a dignidade não restasse sem observação.
Não é possível negar, então, que o destaque à dignidade da
pessoa humana é da maior relevância
381
. Não figurou como direito e garantia
individual (previstos nos artigos 5º-17) justamente porque pretendeu o
Constituinte consignar que a dignidade é princípio (valor)
382
fundamental da
375
No mesmo sentido SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988. p. 68.
376
A referência à dignidade da pessoa humana parece conglobar em si todos aqueles direitos
fundamentais, quer sejam os individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social.
Em última análise, a dignidade tem uma dimensão também moral [...] Portanto, o que ele está a
indicar é que é um dos fins do Estado propiciar as condições para que as pessoas se tornem
dignas.”, conforme BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à
Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 1. São Paulo: Editora Saraiva,
1988, p. 425.
377
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 68.
378
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 372.
379
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 12/10/2004.
380
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 153.
381
A dignidade também é exaltada nos artigos 170, 226, § 6º e 227, caput, da CRFB/88.
382
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 70.
81
República, fundante do Estado
383
, servindo como norma a impulsionar e iluminar
toda a ordem constitucional
384
e, por conseqüência, todo o ordenamento jurídico.
Nas palavras de SARLET:
[...] o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca
a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualida-
de de normas embasadoras e informativas de toda a ordem cons-
titucional, inclusive (e especialmente)
das normas definidoras de
direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram (jun-
tamente com os princípios fundamentais) aquilo que se pode e
neste ponto parece haver consenso denominar de núcleo es-
sencial da nossa Constituição formal e material.
385
No mesmo sentido ALVES:
No Brasil, por sua vez, a Constituição de 1988 (art. 1º, III) asseve-
ra que a dignidade da pessoa humana é fundamento da Repúbli-
ca. Essa condição de fundamento lhe assegura uma posição to-
pográfica ambivalente: ela se mantém no topo do ordenamento,
fundamentando, mas se esparge por todo o texto constitucional
e, via de conseqüência, por todo o ordenamento jurídico.
386
387
Não diverge MARTINS:
[...] a idéia de valor fonte do sistema constitucional remete a
dignidade da pessoa humana a um papel especial: o de ser
elemento que confere unidade axiológico-normativa ao sistema
constitucional [...]
E dentre estes valores, ao menos na Constituição brasileira,
sobressai o da dignidade da pessoa humana, dotado de
proeminência axiológica sobre os demais. Assim, o expresso
reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio
fundamental traduz, em parte, a pretensão constitucional de
transformá-lo em um parâmetro objetivo de harmonização dos
diversos dispositivos constitucionais (e de todo o sistema jurídico),
383
Como mencionado nesta Pesquisa (COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais. p. 49).
384
BONAVIDES diz que a teoria dos princípios é hoje o coração das constituições. BONAVIDES,
Paulo. Curso de direito constitucional. p. 281-283.
385
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 64.
386
ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. A reconstrução do
direito privado. MARTINS-COSTA, Judith (org.). p. 226.
387
MAGALHÃES FILHO diz que a dignidade humana “é a fonte ética dos direitos fundamentais,
não sendo estes senão emanações do valor básico mencionado.” MAGALHÃES FILHO, Glauco
Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. p. 136.
82
obrigando o intérprete a buscar uma concordância prática entre
eles, no qual o valor acolhido no princípio, sem desprezar os
demais valores constitucionais, seja efetivamente preservado. Por
óbvio que a dignidade não será o único parâmetro, mas, sem
dúvida alguma, por força de sua proeminência axiológica, será o
principal
.
388
A condição de princípio, como visto, não lhe retira a eficácia.
A Dignidade Humana, no direito brasileiro, é norma jurídico-positiva, em sua
plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente
carregado de eficácia
389
(destaque do original).
E mais adiante conclui SARLET:
Importa considerar, neste contexto, que, na sua qualidade de
princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui
valor-guia não apenas dos direitos fundamentais mas de toda a
ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), razão pela
qual, para muitos, se justifica plenamente sua caracterização co-
mo princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-
valorativa [...].
390
391
Não diverge MARTINS, que destaca a efetiva intenção do
Constituinte de 1988 em dar eficácia ao princípio da Dignidade Humana: [...]
buscou acima de tudo estruturar a dignidade da pessoa humana de forma a lhe
atribuir plena normatividade, projetando-a por todo sistema político, jurídico e
social instituído.
392
E depois conclui que não é por acaso que atribuiu ao princípio
a função de base, alicerce, fundamento mesmo da República e do Estado
Democrático de Direito em que ela se constitui: um princípio fundamental.
393
Assim colocado esse princípio no direito brasileiro, é
388
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 63.
389
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 74.
390
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 74.
391
Sustenta BARCELLOS que no exercício da ponderação constitucional terá preferência aquela
decisão que prestigiar a dignidade. BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos
para a ponderação constitucional. BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação
constitucional: p. 107-116.
392
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: p. 51
393
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: p. 51.
83
momento de consignar, além do já mencionado acerca da temática, em que
consiste a dignidade. É o elemento que qualifica o ser humano como tal e dele
não pode ser destacado
394
ou, como prefere GIORGIS, é
um valor supremo que acompanha o homem aa sua morte, por
ser da essência da natureza humana; a dignidade não admite dis-
criminação alguma e não estará assegurada se o indivíduo é hu-
milhado, perseguido ou depreciado, sendo norma que subjaz à
concepção de pessoa como um ser ético-espiritual que aspira a
determinar-se e a desenvolver-se em liberdade.
395
Por fim, a dignidade é princípio que, por sua dimensão e
importância, alcança todas as pessoas (mesmo o maior dos criminosos
396
),
independentemente das dificuldades concretamente colocadas
397
nas situações
da vida, pois, afinal, como se viu, todos são iguais também em dignidade. E ainda
em preservação da intimidade e da vida privada, direito a ser analisado a seguir.
2.2.2 O direito fundamental à inviolabilidade da intimidade e da vida pri-
vada
Embora com contornos diferentes, a inviolabilidade mereceu
previsão nas Constituições brasileiras ao longo dos tempos. A Constituição
Imperial de 1824, a previa em seu artigo 179, caput; as Constituições da
República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 e de 1934, nos artigos 72, caput,
e 113, caput, nesta ordem; as Constituições da República Federativa dos Estados
Unidos do Brasil de 1937 e de 1946, nos artigos 122, caput, e 141, caput,
respectivamente; a Constituição do Brasil de 1967, no artigo 150, caput, e, após a
Emenda Constitucional n. 1/69, no artigo 153, caput.
Com variações mínimas, essas disposições tinham o
394
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 40.
395
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens. Revista brasileira
de direito de família, n. 9, p. 151, abr/jun 2001.
396
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 43.
397
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 43.
84
propósito de preservar os direitos à liberdade, à segurança individual e à
propriedade. A Constituição de 1934 acrescentou o direito à subsistência, não
prevista na Constituição de 1937, nem nas subseqüentes, e a Lei Fundamental de
1946 adicionou a proteção à vida, mantendo-se a redação até a promulgação da
CRFB/88 (esses direitos, todos, constam no caput do art. 5º, da CRFB/88,
transcrito abaixo).
O direito fundamental à preservação da intimidade e da vida
privada (ou privacidade) na CRFB/88 está previsto no artigo 5º, inciso X, que tem
a seguinte redação:
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a ima-
gem das pessoas, assegurado o direito a indenização por dano
material ou moral decorrente de sua violação;
398
Segundo COSTA a definição da proteção à privacidade é
uma preocupação da modernidade
399
. BASTOS lembra que esta é uma
inquietação oriunda do século XIX, mais precisamente da França, por ocasião de
publicação indiscreta de fotos de artistas célebres,
400
e hoje está intensificada
principalmente em razão do avanço tecnológico, que possibilita atingir a vida
íntima das pessoas, mesmo a longas distâncias.
401
A doutrina diverge acerca do conteúdo dos fenômenos
jurídicos da intimidade e da vida privada, ora considerando-os como institutos
398
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 12/10/2004.
399
modernamente se impôs à conceituação dos homens o princípio da privacidade.COSTA,
Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais na
Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1992, p. 177.
400
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2, p. 62
401
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2. p. 61-62.
85
distintos, ora como único
402
403
. COSTA sustenta que a intimidade é corolário da
vida privada. tem intimidade, para a reserva constitucional, quem tem vida
privada.
404
E mais adiante conclui que a “intimidade” é uma resultante da “vida
privada”.
405
(destaque do original).
CASTRO discorda da posição de COSTA. Sustenta que,
atualmente, não como prevalecer, entre s, a identidade no conteúdo dos
dois direitos enfocados,
406
especialmente em função da redação da Lei
Fundamental. Destaque-se que, efetivamente, a CRFB/88 tratou os institutos
como distintos na medida em que o Constituinte de 1988 utilizou as duas
expressões (intimidade e vida privada) e, ainda, separadas por vírgula.
Inegavelmente são direitos diferentes e o que os distingue consta adiante.
A vida privada
407
é o contrário da vida pública: enquanto a
primeira está inteiramente fora das cogitações ou especulações alheias, com
essa, diversamente, podem ocupar-se a curiosidade e a preocupação alheias.
408
SILVA adiciona que o Constituinte deu destaque a esse direito, de tal forma que o
cidadão possa viver sua própria vida [...] a pessoa tenha ampla liberdade de
402
CASTRO explica que a origem dessa discussão está na França porque o art. 9º do Código Civil
daquele país usa as expressões Intimidade e vida privada como sinônimas. CASTRO, Mônica
Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros
direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 32.
403
Na Itália os conceitos se confundem, como se pode ver da seguinte passagem de
PERLINGIERI: “intimidade da vida privada [...] assume uma característica precípua em relação ao
lugar-comunidade dos afetos [...] A tutela da intimidade é ligada à pessoa não como tal, mas como
componente do núcleo familiar. Cada um tem o direito, em relação aos parentes próximos, a que
fatos e comportamentos de natureza existencial, relativos a ele e à sua família em sentido lato,
não sejam divulgados ao externo.’’ PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: p. 183.
404
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais
na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1992, p. 178.
405
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais
na Constituição de 1988. p. 178.
406
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em
colisão com outros direitos. p. 34.
407
A intangibilidade da vida privada é reforçada pelo CCB/02, que em seu art. 21 dispõe: Art. 21.
A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” BRASIL. Lei n.
10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 9/11/2004.
408
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais
na Constituição de 1988. p. 179.
86
realizar sua vida privada, sem perturbação de terceiros.
409
Congloba as
derivações biológicas e sociais que constituem o ser humano. Ou seja, são
aqueles atributos oriundos da descendência, os caracteres físicos de cada um, as
paixões e os sentimentos, as escolhas derivadas do convívio social ou não,
conjunto que forma o patrimônio do ser humano, que pode mantê-lo à distância
dos outros.
Sustenta CASTRO:
Pode o direito à vida privada ser apreendido como sendo a facul-
dade atribuída às pessoas físicas de excluir do conhecimento dos
outros, além da família e amigos íntimos, sentimentos, emoções,
pensamentos, orientação sexual, valores espirituais próprios que
revelem sua personalidade psíquica.
410
E mais adiante acrescenta:
A privacidade é plasmada pelo conjunto de fatores, hereditários
ou socialmente adquiridos, que formam a personalidade psíquica
do homem e que ele permite seja dividido entre seus familiares e
amigos íntimos.
Entre esses elementos, é de ser considerada a orientação sexual,
as preferências, os apelidos usados somente no seio familiar,
especialmente quando revelem certa faceta do indivíduo não
conhecida do público.
É mister esclarecer que a família aqui referida é aquela que
convive com o titular do direito, ou seja, a que está apta a
conhecer informações pessoais do indivíduo
.
411
Esse direito fundamental
consagra direito que diz com a dignidade pessoal, valor persona-
líssimo, insuscetível de ser objeto de leilão, por interesses de ou-
trem ou do próprio Estado. A norma constitucional veda o controle
do modo de ser do cidadão, do indivíduo, a publicação do seu jei-
409
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed., rev. e atual. nos
termos da reforma constitucional (até a emenda constitucional n. 39, de 19.12.2002). São Paulo:
Malheiros Editores, 2003, p. 207.
410
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em
colisão com outros direitos. p. 36.
411
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em
colisão com outros direitos. p. 36-37.
87
to de ser.
412
SILVA menciona ainda que são duas as grandes maneiras
de atentar contra à vida privada: a divulgação, consistente em levar ao
conhecimento de número relevante de pessoas de fatos importantes da vida
pessoal e familiar; e a investigação, isto é, a pesquisa de acontecimentos
referentes à vida pessoal e familiar.
413
o direito à intimidade tem extensão menor, pois diz
respeito aos atributos mais íntimos do ser humano, que vai partilhá-los com
quem e quando quiser. É o seu núcleo mais íntimo. Menciona CASTRO que a
intimidade constitui-se, talvez, no mais exclusivo direito da personalidade e, por
isso, é aquele que comporta maior área de exclusão no cotejo com o direito à
vida privada. Assim:
A reserva da intimidade consiste no bem mais restrito, no sentido
de maior amplitude da exclusão do outro.
É, por certo, o que mais dificilmente pode ser violado, posto que o
conhecimento dos dados que o integram é detido pela própria
pessoa e pelos poucos com quem o titular do direito consente em
partilhar
.
414
A intimidade diz respeito às questões que pertencem aos
recônditos mais profundos do ser humano, que estão no seu âmago, que só a ele
e a ninguém mais pertencem ou guardam relação, salvo aqueles com os quais o
próprio titular queira compartilhar. estão situadas os contornos do corpo (como
sua formação anatômica, por exemplo) e da alma, mas também algo mais
objetivo, como o segredo profissional
415
.
BASTOS se refere a esses direitos (intimidade e vida
privada) nestas palavras:
412
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AgRg no MS 590.019.0998 - C. Des.
Lio Cezar Schmitt, j. 17/4/1990, RJ 157/101.
413
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed., p. 207.
414
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em
colisão com outros direitos. p. 44.
415
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em
colisão com outros direitos. p. 47.
88
O inciso oferece guarida ao direito à reserva da intimidade assim
como ao da vida privada. Consiste na faculdade que tem cada in-
divíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada
e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações
sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam di-
vulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial
do ser humano.
416
De outro ângulo, necessário discorrer sobre as
circunstâncias nas quais esses direitos podem ser invocados. COSTA sustenta
que a inviolabilidade (tanto da intimidade quanto da vida privada) é derivativo do
ser e do estar. Portanto, não pode ser concebida, a inviolabilidade, fora do
contexto da casa ou domicílio do homem
417
. Sem domicílio, não pode haver vida
íntima,
418
diz mais adiante.
BASTOS reconhece a dificuldade em delimitar o campo
protegido pelo inciso X do artigo 5º da CRFB/88, mas, diferentemente de COSTA,
assevera que restringi-lo às casas particulares seria torná-lo muito fraco.
419
Reconhece que a freqüência a certos lugares (casas noturnas, hotéis, motéis)
pressupõe renúncia à reserva, mas isso não significa chamar para si os holofotes
da publicidade.
420
Menciona ainda que a extensão dessa reserva constitucional
pode variar: É preciso notar que cada época lugar a um tipo específico de
privacidade.
421
Logo, a situação concreta, os valores em conflito e suas
repercussões é que haverão de determinar, na prática, a abrangência desse
direito.
Por fim, os direitos à inviolabilidade da intimidade e da vida
416
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2, p. 63.
417
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais
na Constituição de 1988. p. 177.
418
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias fundamentais
na Constituição de 1988. p. 178.
419
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2, p. 64.
420
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2. , p. 64.
421
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: v.
2. p. 63.
89
privada não são absolutos
422
e, portanto, podem sofrer restrições ou limitações no
(ou a partir do) âmbito constitucional. Se colidirem com a parte nuclear de
princípio, como visto
423
, o teor desse deve preponderar; se conflitarem com
superior interesse público, este deve prevalecer.
É que o se extrai da decisão que segue:
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias
que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de re-
levante interesse público ou exigência derivada do princípio de
convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmen-
te, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas
das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados
os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto
constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídi-
co a que estão sujeitas e considerado o substrato ético que as
informa permite que sobre elas incidam limitações de ordem ju-
rídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do inte-
resse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa
das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido
em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e
garantias de terceiros [...].
O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que
incide sobre os dados/registros telefônicos e que não se identifica
com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) ainda que
representem projeções específicas do direito à intimidade,
fundado no art. 5º, X, da Carta Política não se revelam
oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões
Parlamentares de Inquérito [...].
424
425
Veja-se que nessa decisão do STF (bem assim naquela
emanada do Superior Tribunal de Justiça - STJ) preponderou o superior interesse
público no esclarecimento dos fatos e conseqüente busca da verdade real.
Restringiu-se a abrangência daquele direito e possibilitou-se a quebra de sigilo
(bancário, fiscal e telefônico) no primeiro caso, e, no segundo, a utilização de
422
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Inq. 187-DF rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, j. em 21/08/1996, DJU 16/09/1996, p. 33.651.
423
BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: p. 82.
424
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 23452-RJ - rel. Min. Celso de
Mello, DJU 12/5/2000, p. 20.
425
Mitigando os efeitos do direito fundamental à intimidade, o STF considerou lícita gravação na
qual um dos interlocutores desconhecia que estava praticando um crime. Habeas Corpus 74678-
SP – Min. Moreira Alves, j. 10/6/1997, DOU 15/8/1997, p. 37.036; no mesmo sentido STJ, Recurso
Ordinário em Habeas Corpus 7216-SP – Min. Edson Vidigal, j. 28/4/1998, DOU 25/5/1998, p. 125.
90
conversa telefônica não autorizada por um dos interlocutores. Atribuiu-se, na
linguagem de BARROSO, maior peso à busca da verdade real.
Entretanto, o mesmo não ocorre no campo das relações
particulares, cenário no qual esse direito à intimidade surge com mais vigor.
Eloqüente a decisão que segue, também do STF. Em ação de investigação de
paternidade, discutia-se a adequação de decisão judicial que determinou a
condução coercitiva de réu que se negava a fornecer material genético para o
exame de impressão digital do DNA.
Decidiu a Suprema Corte:
Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas
e explícitas preservação da dignidade humana, da intimidade,
da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexe-
cução específica e direta de obrigação de fazer provimento judi-
cial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique
determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório,
“debaixo de vara”, para coleta do material indispensável à feitura
do exame do DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-
instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurispru-
dência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova
dos fatos.
426
O registro é relevante porque estavam em conflito, em ação
judicial própria do direito de família, de um lado o princípio e os direitos
constitucionais mencionados, a amparar o réu, e de outro, a sustentar a decisão
que viria a ser reformada, o direito ao reconhecimento da origem genética e da
ancestralidade. Prevaleceu a primeira posição, como se viu, razão bastante para,
embora a reserva da intimidade não estivesse sozinha, reconhecer o relevo deste
direito fundamental nas relações entre particulares
427
.
426
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 71373-RS Min. Francisco Rezek, j.
10/11/1994, DOU 22/11/1996, p. 45.686.
427
Outros exemplos de preponderância dos direitos fundamentais nas relações particulares
podem ser extraídos da jurisprudência do STF: Cooperativa Exclusão de associado Caráter
punitivo Devido processo legal. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta
contrária aos estatutos, impõe a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício
amplo da defesa [...]” (Recurso Extraordinário 158.215-4 Min. Marco Aurélio, DOU 7/6/1996), e
“[...] – Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para empresa francesa, no Brasil,
não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados de
nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade (C. F. 1967. art. 153, § 1º, C. F., 1988,
art. 5º, caput [...]” (Ag 110.846-PR – Min. Célio Borja, RTJ 119/465).
91
Assim fixada a dimensão do direito fundamental à
preservação da intimidade e da vida privada, importante a compreensão das
garantias institucionais do direito de família, sobre o que versará o item seguinte.
2.3 AS GARANTIAS INSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA E DA PRESERVAÇÃO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
428
As constituições estabelecem garantias
429
especiais ou
destacadas a algumas instituições, com o objetivo de mantê-las imunes a
eventuais tentativas de enfraquecimento, desvirtuamento de seu conteúdo ou
mesmo de diminuição de sua importância. As garantias institucionais estão
voltadas também para a realização dos direitos fundamentais nelas previstos.
Nas palavras de BONAVIDES:
A garantia constitucional não pode deixar de ser a proteção que a
Constituição confere a algumas instituições, cuja importância re-
conhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direi-
tos fundamentais providos de um componente institucional que os
caracteriza.
430
E mais adiante, após sustentar que a tendência no Brasil é
de subsumir as garantias institucionais no largo conceito de garantia
constitucional, complementa:
Chegamos, portanto, à seguinte conclusão: a garantia constitucio-
nal é uma garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos
fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequa-
428
Não é propósito deste item tratar de todas as garantias institucionais dedicadas à Família e à
criança e adolescente pela Lei Fundamental, nem mesmo aquelas constantes dos parágrafos e
incisos dos arts. 226 e 227, mas sim o que emana do teor do caput dessas normas
constitucionais. Colhe-se de NASCIMENTO que a importância do conteúdo dos parágrafos e
incisos era maior à época da promulgação da Constituição porque ainda em vigor o CCB/16,
conforme NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem social e a nova Constituição:
Arts. 193 a 232. Rio de Janeiro Aide Editora, 1991, p. 168-180.
429
Não se dedicará este tópico do relatório sobre a divergência acerca da natureza dos arts. 226 e
227 da CRFB, ou seja, se seriam princípios, como entende OLIVEIRA (OLIVEIRA, José Sebastião
de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 273) ou garantia institucional,
posição adotada e que consta ao longo da Pesquisa.
430
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 537.
92
da, nos limites da Constituição, o funcionamento de todas as insti-
tuições existentes no Estado.
431
(
destaque do original
).
A família, de outro lado, está incluída na proteção
constitucional, como se fácil do Título VIII, Capítulo VII, da CRFB/88
432
, com
ênfase, para os fins desta Pesquisa, para os artigos 226 e 227, ambos em seu
caput.
2.3.1
A garantia institucional da especial proteção à família
A norma da especial proteção à família não se constitui em
novidade no direito constitucional brasileiro. Como mencionado, os artigos 144
(da Constituição de 1934), 124 (da Constituição de 1937), 163 (da Constituição de
1946), 167 (da Constituição de 1967) e 175 (após a EC 1/69), trataram da
proteção à família, mas com ênfase diferenciada. Nas três primeiras, o destaque
vinha expresso no vocábulo especial, o que não ocorreu na Constituição de 1967-
1969; nas três primeiras, esta proteção cabia ao Estado; na última, utilizou-se a
expressão poderes públicos, mas visivelmente com o mesmo sentido. No mais,
não havia diferenciação substancial, ao menos até a promulgação da CRFB/88.
Porém, ainda antes da Constituição do Brasil de 1967, foi
divulgada a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU (de 1948), que
apontou para a necessidade de proteção da família, inclusive pelo Estado. Eis os
seus termos, no particular:
Artigo 16.º
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de ca-
sar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, naciona-
lidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua disso-
lução, ambos têm direitos iguais.
2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno con-
sentimento dos futuros esposos.
431
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 537.
432
Para BARROS muitos dizem que o Capítulo que congloba os arts. 226 a 230 da CRFB/88
“revolucionou o direito de família.” BARROS, Sérgio Rezende. Direitos humanos da família: Dos
fundamentais aos operacionais. Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p. 615.
93
3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e
tem direito à protecção desta e do Estado.
433
(
redação original
).
A CRFB/88 seguiu a mesma linha. A importância da família,
quer para o desenvolvimento do ser humano, quer para o do próprio Estado, foi
alvo de preocupação do Constituinte de 1988, que foi absolutamente sensível a
essa relevância, como se pode perceber do caput do seu artigo 226, cuja
transcrição (novamente) se impõe:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
434
A leitura dessa norma constitucional, por si, mostra a efetiva
intenção do Constituinte de proteger a família e realçar, mais uma vez
435
, a sua
importância. Não outra razão visível para a elevação da família à condição de
base da sociedade e, ainda, da utilização do vocábulo especial. Aliás, esse o mo-
tivo para a inclusão, no Capítulo da família, de normas que não precisariam estar,
necessariamente, no corpo da Lei Fundamental
436
.
A especial proteção da família, de certa forma, é a
expressão, até mesmo, do constitucionalismo atual. É que no passado a principal
preocupação das constituições, como se viu, era com a estruturação e
organização do Estado, transformando-se o ser humano em instrumento da
realização estatal. Hodiernamente, o centro e o fim do Estado é o indivíduo,
devendo aquele proporcionar o desenvolvimento e bem-estar deste, a partir da
Dignidade Humana, norte a ser sempre observado, que o ser humano vive na
família.
A relação ser humano e família é destacada por TEPEDINO:
433
PORTUGAL. Disponível em: Home Page Centro de Informação da ONU em Portugal -
http://www.onuportugal.pt/. Acesso em 14/10/2004.
434
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 14/10/2004.
435
Diz-se mais uma vez porque no art. 203, incs. I e II, a CRFB/88 já dimensiona esta importância,
ao assegurar a assistência social à Família, à maternidade, à infância, à adolescência e às
crianças e adolescentes carentes.
436
SILVA, Carlos Alberto da. Uma abordagem histórica e jurídica da família brasileira. 2002.
163f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2002, p. 118.
94
Pode-se afirmar, em propósito, que a dignidade da pessoa huma-
na, alçada pelo art. 1º, III, da Constituição Federal, a fundamento
da República, conteúdo à proteção da família atribuída ao Es-
tado pelo art. 226 do mesmo texto maior: é a pessoa humana, o
desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da
proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as
normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o
direito de família, regulando as relações mais íntimas e mais in-
tensas do indivíduo no social. De se abandonar, portanto, todas
as posições doutrinárias que, no passado, vislumbraram em insti-
tutos do direito de família uma proteção supra-individual, seja em
favor de objetivos políticos, atendendo a ideologias autoritárias,
seja por inspiração religiosa.
437
E mais adiante acrescenta:
À família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção
especial na medida em que a Constituição entrevê o seu
importante papel na promoção da dignidade humana. Sua tutela
privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta
mesma função. Por isso mesmo, o exame da disciplina jurídica
das entidades familiares depende da concreta verificação do
entendimento desse pressuposto finalístico: merecerá tutela
jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que
efetivamente promova a dignidade e a realização da
personalidade de seus componentes
.
438
Todas as famílias estão ao abrigo dessa proteção
constitucional, sejam elas oriundas do Casamento, da união estável e a família
monoparental, como mostra a própria norma (art. 226) em seus § § 1º, e 4º.
Das palavras de TEPEDINO (acima) colhe-se que esse leque protetivo não se
limita a essas entidades familiares, mas se estende também àquele núcleo
voltado para a exaltação da dignidade e formação da personalidade do ser
humano
439
.
BARROS não se posiciona diferentemente:
De pronto, no art. 226, a preocupação do Constituinte se voltou
para a proteção constitucional das entidades familiares, não do
casamento, como também daquelas que em virtude da própria
dinâmica da evolução social irromperam ao lado do casamento,
437
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 372.
438
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 372-373.
439
FACHIN inclui neste conceito a união de pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva).
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.
93-102.
95
no ímpeto de superar muitas das exclusões de que secularmente
é portador o “bom e corretoconceito de família: hierarquizado e
patriarcal, senhorial e patrimonial e, certamente, crivado de ma-
chismo, antifeminismo e outros preconceitos.
440
A garantia institucional da especial proteção à família, se
não a mantém inteira e efetivamente a salvo, o que sabidamente não é possível,
ao menos proporciona a todos seus integrantes, inclusive os idosos
441
, meios de
defesa contra os mais diferentes atos, venham eles de outros membros da
família, dos pais
442
ou mesmo dos poderes públicos, como se da ementa que
segue:
[...] 1. Gozando a família de especial proteção do Estado, que de-
ve evitar sua desagregação, assiste ao policial federal direito à
remoção somente para local cujos recursos médicos sejam com-
patíveis com o estado de saúde do seu dependente
.
(Constituição
Federal, art. 226 [...].
443
Nesse amplo cenário protetivo da família surge,
naturalmente, a necessidade curial de se abrigar também os filhos da família, ou
seja, a criança e o adolescente.
2.3.2 A garantia institucional da preservação da criança e do adolescen-
te
444
As Constituições Imperial de 1824 e Republicana de 1891
silenciaram acerca do público infanto-juvenil. a Constituição de 1934 (art. 121,
§ 1º, d) proibiu o trabalho para os jovens menores de 14 anos, e a de 1937 (art.
440
BARROS, Sérgio Rezende. Direitos humanos da família: Dos fundamentais aos operacionais.
Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p. 615.
441
A proteção dos idosos, aliás, deve ser colocada, em nível de importância, ao lado daquela des-
tinada à população infanto-juvenil.
442
A suspensão e a destituição do poder familiar são exemplos eloqüentes (arts. 1.637 e 1.638 do
CCB/02), dos inúmeros existentes na legislação.
443
BRASIL. Tribunal Regional Federal da R. AMS 92.01.24600-5-DF Juiz Catão Alves, DOU
24/6/1996. No mesmo sentido: Tribunal Regional Federal da R. AMS 1.729-CE Juiz José
Delgado, DOU 13/8/1990.
444
Não é objetivo deste tópico minudenciar todos os direitos outorgados às crianças e aos
adolescentes pelo art. 227, caput, da CRFB/88, mas sim mensurar a importância atribuída pelo
Constituinte a eles, especialmente a partir da preservação da dignidade, da convivência familiar e
da não-violência.
96
137, k), ampliou a esfera de proteção à criança desde a infância, ficando ao
encargo do estado assisti-la nos casos de carência.
445
A obrigação de garantia dos direitos das crianças e
adolescentes mereceu também destaque nas Constituições da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1946, no artigo 164, e na Constituição do Brasil de
1967, inicialmente no artigo 167, § 4º, e, depois da Emenda Constitucional n.
1/69, no artigo 175, § 4º. Sem a amplitude do caput do artigo 227 da CRFB/88,
essas disposições exortavam à necessidade de prestar assistência, em todo o
território nacional, à maternidade, à infância e à adolescência, ora com este
enunciado (art. 164 da Constituição de 1946), ora com destaque segundo o qual a
lei instituiria essa assistência (art. 167, § 4º, da Constituição de 1967). Após a
Emenda Constitucional n. 1/69, acresceu-se que lei especial disporia ainda sobre
a assistência à educação de excepcionais (art. 175, § 4º).
O destaque à população infanto-juvenil ganha efetivo
impulso com a Constituição Cidadã, bastando para tanto a leitura do art. 227,
caput,
446
cujos termos são os seguintes:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-
lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi-
vência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, cruel-
dade e opressão.
447
O conteúdo do artigo 227, em seu caput, está sintonizado
com os termos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU
(de 1989), cujo teor foi ratificado e aprovado pelo Brasil através do Decreto n.
99.710, de 21 de novembro de 1990, integrando, portanto, o direito pátrio, por
445
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo:
LTr, 1997, p. 11.
446
Segundo MOARES, essa norma não é meramente programática. MORAES, Alexandre de.
Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas
S. A., 2003, p. 2055.
447
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Home Page
Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 19/10/2004.
97
força do artigo 5º, § 2º da CRFB/88
448
. Essa Convenção, que adotou a doutrina da
proteção integral, em seu Artigo 3.1, dispõe: Todas as ações relativas às crianças,
levadas a efeitos por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem
considerar, primordialmente, o interesse maior (ou melhor) da criança.
449
(o
parênteses é meu). Está em sintonia, ainda, com a Declaração Universal dos
Direitos da Criança da ONU (de 1959), da Carta de Genebra sobre Direitos das
Crianças (de 1924) e das Regras de Beijing (Resolução 40.33 da Assembléia
Geral da ONU de 29.11.1985), segundo ISQUIERDO
450
.
De outro lado, a análise dessa garantia institucional deixa
inequívoco que o Constituinte de 1988 pretendia destacar, com a máxima
exaltação possível, a necessidade, maior e imperiosa, de proteger crianças e
adolescentes
451
. assim parece ser possível compreender a dimensão dessa
garantia constitucional, colocada em termos absolutamente amplos (12 direitos
estão contemplados). E tudo isso com absoluta prioridade, o que parece dissipar
quaisquer dúvidas acerca do que pretendia efetivamente o Constituinte de 1988.
O conteúdo do artigo 227, caput, pode até, segundo alguns,
ser considerado irreal, impossível ou fantasioso. Segundo MARTINS tornaria o
Brasil uma pátria de homens santos e generosos, superior à ilha da Utopia,
idealizada por Thomas More
452
e, para SILVA, chega a ser redundante
453
ao
garantir às crianças e adolescentes o que está assegurado a todos em geral.
Todavia, sob outro enfoque, é induvidoso que, com exageros ou não, a CRFB/88
448
Art. [...] § Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
449
BRASIL. Disponível em: Home Page Senado Federal
http://wwwt.senado.gov.br/servlets/NJUR. Acesso em: 16/8/2004.
450
ISQUIERDO, Renato Scalco. A tutela da criança e do adolescente como projeção dos princí-
pios da dignidade humana, da solidariedade e da autonomia: uma abordagem pela doutrina da
proteção integral. MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Pau-
lo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 531.
451
Aliás, como dito, essa preocupação consta do artigo 203 quando, após mencionar que a
assistência social irá proteger à família, à infância e à adolescência (inc. I), aduziu, no inciso II,
que essa proteção estende-se às crianças e adolescentes carentes.
452
MARTINS, Ives Gandra, e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: v.
8. p. 972.
453
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 823.
98
pretendeu sim abrigar e proteger ao máximo as crianças e adolescentes. E é
assim que essa determinação constitucional deve ser compreendida e aplicada,
pois diversamente não se estará cumprindo a mencionada garantia
institucional.
454
Também, segundo MARTINS, o Constituinte de 1988
pretendeu contemplar esse segmento especial da sociedade com a realização,
tanto quanto possível, dos direitos naturais fundamentais
455
, pois são direitos de
particular importância para a realização plena do cidadão
456
.
A respeito, sustenta SILVA:
A família é afirmada como base da sociedade e tem especial pro-
teção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos
que a integram e criação de mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações.
457
(
destaque original
).
ISQUIERDO, ao comentar o conjunto de direitos que assiste
ao público infanto-juvenil, a partir da CRFB/88, sustenta:
Com isso, a população infanto-juvenil passou a ter um status jurí-
dico diferenciado, especial, saindo da obscura situação anterior,
para claramente considerá-los sujeitos de direitos. Além disso, em
face da sua situação especial de pessoa em desenvolvimento,
que supõe a sua incapacidade de assegurar os direitos que lhes
são inerentes, a Carta Constitucional estabelece como responsá-
veis por assegurar a efetividade dos referidos direitos a família, o
próprio Estado, bem como a sociedade [...].
458
O objetivo, enfim, é manter a criança e o adolescente, tanto
quanto possível, repita-se, a salvo de quaisquer efeitos nefastos à sua formação e
desenvolvimento. Eis apenas alguns exemplos que dimensionam a importância e
454
A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente
ECA, inspirada na doutrina da proteção integral, é uma tentativa de realização dos direitos
assegurados no art. 227, caput, da CRFB/88.
455
MARTINS, Ives Gandra, e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: v.
8, p. 972.
456
MARTINS, Ives Gandra, e BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: v.
8, p. 972.
457
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 822.
458
ISQUIERDO, Renato Scalco. A tutela da criança e do adolescente como projeção dos princí-
pios da dignidade humana, da solidariedade e da autonomia: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A
reconstrução do direito privado. p. 548.
99
abrangência dessa garantia constitucional: [a] segundo BARROSO, é
conseqüência dessa reserva a obrigação alimentar dos avós e a prevalência de
vontade dos filhos por ocasião da separação dos pais
459
; [b] com base nesse
conteúdo, possibilitou-se a investigação de paternidade biológica de filho adotivo,
minimizando-se a intangibilidade da adoção
460
; [c] impediu-se a exibição de filme
prejudicial à formação das crianças e adolescentes
461
; e [d] assentou-se que no
conflito entre a liberdade de imprensa e o art. 227 da CRFB/88, este deve
preponderar
462
.
Para os fins deste relatório, merecem destaque desse rol de
direitos previstos no artigo 227, caput, da CRFB/88, aqueles voltados à
preservação da dignidade, da convivência familiar e da não-violência.
Tocante à dignidade, registre-se que sua inserção ocorreu
diante do inequívoco desejo do Constituinte de 1988 de assegurar às crianças e
adolescentes uma existência compatível com sua condição de ser humano em
formação e desenvolvimento. Não era necessário que a Constituição assegurasse
essa garantia especialmente a eles, pois, afinal, certamente estavam incluídos
na compreensão do conceito quando o Estado brasileiro elegeu, como visto, a
Dignidade Humana em fundamento da República (art. 1º, inc. III). Todavia, o fez
justamente para elevá-la ao máximo, bem como para assegurar às crianças e
adolescentes uma existência digna.
Também da maior importância a proteção à convivência
familiar. Dever de todos (família, sociedade e Estado), significa que crianças e
adolescentes, além do mero convívio familiar, devem ter convívio familiar
saudável, de maneira que possam se desenvolver. Ora, se a família hoje é o
espaço próprio para a formação da personalidade e também para a realização
individual de cada um de seus integrantes, com afeto e assistências mútuas,
459
BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil anotada. p. 836.
460
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC 595.118.787 - C.
– Des. Eliseu Gomes Torres, j. 9/11/1995.
461
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. AI 16.507-0 CE – Des. Sabino Neto, j.
11/11/1993.
100
como se viu, parece inevitável dizer que essa convivência deve ser minimamente
harmoniosa, carinhosa e de trocas. Junto aos pais, enquanto casados e vivendo
na companhia dos filhos, devem estes ser preservados ao máximo, de sorte que a
convivência familiar seja sadia e profícua. A necessidade de boa convivência
familiar não se altera com a separação e não pode ser prejudicada por seus
efeitos.
Proteger crianças e adolescentes da violência também foi
uma preocupação do Constituinte de 1988. O que se almeja aqui é assegurar que
não se submetam a qualquer espécie de violência, seja ela de que ordem for e
provenha de quem quer que seja
463
. O propósito é evitar que eles convivam com
qualquer espécie de agressão, física ou psicológica, oriunda dos próprios pais,
parentes, estranhos ou mesmo do Estado. Sua condição de ser humano em
formação e desenvolvimento está, por si, a exigir que essa garantia constitucional
seja cumprida, permitindo-se alcancem a idade adulta ao menos sem as seqüelas
da violência.
Analisados os tópicos acima, considerados os mais
importantes para os fins desta Pesquisa, é necessário avaliar, no capítulo
subsequente, se a separação com causa culposa encontra ou não paradigma na
CRFB/88.
462
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. MS 13.176-0/2 – SP – Des. Dino Garcia,
j. 8/8/1991.
463
SILVA, ao comentar o art. 227 da CRFB/88, sustenta que essa disposição “Postula punição
severa ao abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente.” SILVA, José Afonso
da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. p. 823.
101
CAPÍTULO 3
A SEPARAÇÃO COM CAUSA CULPOSA À LUZ DA HERMENÊU-
TICA CONSTITUCIONAL
3.1 A CULPA: DIFICULDADES NA IDENTIFICAÇÃO E SUAS
(IN)CONSEQÜÊNCIAS
O propósito deste tópico da Pesquisa é demonstrar que a
exigência da Culpa na separação, conforme consta do CCB/02, constitui-se
efetivamente em um problema desnecessário. Problema porque sua
comprovação é muito difícil e, quase sempre, não é de um dos partícipes da
relação afetiva. Acrescente-se que a Culpa, muitas vezes, é sintoma de uma
relação falida (ou prestes a sê-lo) e não propriamente causa; desnecessário, uma
vez que as possíveis conseqüências (alimentos, nome e indenização) advindas
da prova da Culpa são mínimas, em muitos casos inexistentes, e podem ser
alcançadas em outro âmbito, como se verá a seguir.
3.1.1 As dificuldades para a identificação da Culpa
Como já se viu, a separação com causa culposa ocorre
quando um dos cônjuges imputa ao outro grave violação dos deveres do
Casamento, violação que deve tornar insuportável a vida em comum. É o que se
extrai dos artigos 1.572, caput, 1.566 e 1.573, todos do CCB/02. Registre-se que
o caput do artigo 1.572 utiliza a conjunção aditiva e, valendo dizer que, em
princípio, a parte autora dessa demanda deverá comprovar
464
a presença
464
O ônus da prova cabe ao autor da ação judicial, aplicando-se a regra do art. 333 do CPC,
conforme CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 613.
102
simultânea dos dois requisitos: [a] a grave violação; e [b] que essa grave violação
redundou na insuportabilidade da vida em comum, contexto que, se considerado
adequado, torna ainda mais problemática a avaliação da Culpa.
Basta superficial olhar por sobre as hipóteses dos artigos
1.566 (que estabelece os deveres recíprocos) e 1.573 (que prevê as situações de
insuportabilidade) do CCB/02 para antever a dificuldade
465
, muita dificuldade
466
ou
mesmo a impossibilidade
467
de se aferir a Culpa real na dissolução da sociedade
conjugal. Mesmo que se considere possível atingi-la, raramente isso ocorrerá,
por exemplo, no tocante ao dever de fidelidade recíproca, pois a infidelidade, em
qualquer de suas formas, normalmente não é praticada à vista de testemunhas
468
.
Não é diferente com as demais hipóteses previstas no artigo 1.566, embora as
dificuldades não se mostrem com a mesma intensidade.
Para PEREIRA a investigação da Culpa
[...] é adentrar em uma das questões mais inquietantes do ser
humano. É pensar na angústia existencial e na eterna luta entre o
bem e o mal que em cada um de nós. Deus criou o mundo e
logo colocou o dilema do bem e do mal, se se pode ou não mor-
der o fruto proibido e ao mesmo tempo desejado. Sendo o desejo
mais forte que a proibição, instalou-se o pecado original. A queda
de Adão tornou-o culpado por um crime, juntamente com Eva, fa-
zendo todos homens nascerem com a marca da culpa pelo seu
delito, transformado em pecado original.
469
E mais adiante acrescenta:
No caso específico da culpa pela dissolução do casamento, não é
diferente da idéia de vingança ou crueldade. Entretanto, o impera-
tivo ético não deveria ser este. Aquele que rompeu deveres do
casamento, sendo infiel, por exemplo, talvez seja o traído e não o
465
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 7ª C. Ap. cível
70005834916 – rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos.
466
OLIVEIRA, Euclides Benedito. Direito de família no novo código civil. Revista brasileira de
direito de família. p. 14.
467
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. cível 70002286912
– rel. Des. Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, j. 27/6/2001.
468
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 645.
469
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A culpa no desenlace conjugal. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de
família: Aspectos constitucionais, civis e processuais. v. 4. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1999, p. 328.
103
traidor. Precisamos repensar ria e profundamente a questão da
culpa na conjugalidade. Talvez devêssemos começar substituin-
do-a pela noção de responsabilidade, considerando que aquela
paralisa e esta constrói.
470
(
destaque do original
).
E essa vingança ou crueldade decorre, já, dos meios
probatórios existentes à disposição do cônjuge “inocente“. Sim, pois, embora
possível aqueles previstos na legislação específica, e moralmente legítimos, o
fato de a Culpa não se mostrar, normalmente, à vista de terceiros, faz com que as
provas corriqueiramente produzidas no processo civil (testemunhal, documental e
pericial) nem sempre se prestem, aqui, para os fins almejados. E justamente por
isso é que o excesso ocorre.
Então, em face das características particulares dessa
demanda judicial, admite-se, dentre outros, a prova por meio: [a] do depoimento
de parentes
471
; [b] dos esclarecimentos dos filhos do casal
472
; inclusive de tenra
idade
473
; [c] do depoimento do cúmplice do cônjuge infrator,
474
que naturalmente
poderá se escusar; [d] do testemunho dos empregados domésticos
475
; [e] da
apresentação de cartas (há quem admita até mesmo a utilização de missiva que
envolva terceiro ou foi obtida ilegalmente)
476
; [f] de gravações diversas
477
; [g] de
prova fotográfica
478
; e [h] até mesmo do que é de conhecimento pessoal do
470
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A culpa no desenlace conjugal. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de
família: p. 328.
471
BRASIL. Revista dos Tribunais 285/315 (TJSP, Ap. cível n. 90.924 Capital, rel. Des. Edgar
Moura Bittencourt, j. 9/12/1958) e 291/190 (TJSP, Emb. Infringentes n. 84.912 Ribeirão Preto,
rel. Des. Raphael de Barros Monteiro, j. 5/5/1959).
472
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap. 1.642-1, j. 3/6/1980.
473
BRASIL.. Santa Catarina. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Jurisprudência Catarinense
48/303, AI n. 2.886 - São Francisco do Sul, rel. Des. Nelson Konrad, j. 5/5/1985. Nesta decisão
houve revogação de decisão de juiz singular que, em ação de separação judicial, havia
determinado o comparecimento da filha dos litigantes, de apenas seis anos de idade.
474
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 641.
475
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 642
476
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 650.
477
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 654.
478
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. C. RJTJRS 153/288
– Des. Clarindo Favretto, j. 28.11.1991.
104
juiz
479
.
Esse é o palco possível em ações de separação com causa
culposa. Alcançar essas provas significa martirizar parentes e filhos, realizar
devassa no passado, invadir a intimidade do outro (e até mesmo de terceiro) e
reconstruir um cenário violador, tal qual se estivesse apurando crime de monta. O
quadro não é próprio nem mesmo para o ocaso de uma relação que iniciou e,
enquanto perdurou, tinha como fundamento central o Afeto - mas talvez o seja
para a identificação do autor de uma infração penal.
Importante lembrar as palavras de DIAS:
O lar não pode tornar-se um campo de batalha, palco de peque-
nez e vinganças, que acaba se traduzindo em violência física ou
psicológica, manifestada por demonstrações de desprezo e me-
nosprezo, e onde brigas e desavenças chega em muitos casos à
morte.
480
Registre-se, por hipótese, que o cônjuge “inocente“ consiga
demonstrar que o cônjuge “culpado“ efetivamente violou gravemente dever
imposto pelo artigo 1.566 do CCB/02; logre, enfim, deixar incontestável a Culpa
de seu cônjuge, seja na sua forma mais infamante, o adultério
481
, seja em
qualquer das outras hipóteses previstas naquele dispositivo. Resta a indagação:
estar-se-á diante da prova da causa ou do sintoma (efeito/conseqüência) do fim?
A doutrina cada vez mais discute essa questão
482
que
existe, diga-se, em razão da manutenção da Culpa. OLIVEIRA, após mencionar
as dificuldades para a identificação da verdade real, sustenta que
479
BRASIL. Revista do STJ 89/199. T - Min. Nilson Naves, j. 12/3/1996. Neste caso, antes do
julgamento de apelação em ação de alimentos, o desembargador-relator telefonou para o
consultório do alimentante e, dizendo-se interessado em marcar uma consulta, indagou o valor da
mesma, com e sem recibo para efeito de imposto de renda, e ainda o número de consultas, para
daí concluir a percepção do alimentante, um médico. O procedimento foi considerado inaceitável.
480
DIAS, Maria Berenice. Lar: Lugar de afeto e respeito. Jornal Zero Hora, Rio Grande do Sul,
6/3/1999, p. 15.
481
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasileira de direito
de família, p. 152-153.
482
Que ainda é tímida nos tribunais (vide BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. Ap. cível 70002286912 Des. Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, j.
27/6/2001).
105
[...] os desentendimentos se circunscrevem ao ambiente interno
do lar, só aparecendo no processo a “ponta do iceberg“, enquanto
a maior parte do bloco de gelo se afunda no oceano das angústias
e desencontros do amor desfeito ou da paixão mal conduzida.
483
Para STOCKINGER é manifestamente impossível definir
quem seja o verdadeiro culpado pelo término do relacionamento, uma vez que a
aparente causa pode ser em verdade apenas uma conseqüência [...].
484
Segundo
FACHIN, Objetivamente é possível inferir certas condutas, não raros atribuídas,
de modo preconceituoso, mais à mulher que ao homem. A conduta, porém, pode
ser apenas sintoma do fim.
485
Enfim, saber se a conduta violadora das obrigações
decorrentes do Casamento é causa da dissolução ou efeito/conseqüência de
outra causa é tarefa inalcançável ao ser humano, pois, como dito, o infiel, por
exemplo, talvez seja o traído e não o traidor.
486
487
Eis as palavras de VILLELA:
Dizer quem é o culpado e quem não o é, quando se trata de um
relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo co-
mo é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse
sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas
vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malo-
gro, quase sempre envolta da obscuridade que, em maior ou me-
nor grau, impregna todas as ações humanas.
488
483
OLIVEIRA, Euclides Benedito. Direito de família no novo código civil. Revista brasileira de
direito de família. p. 14.
484
STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. Família constitucional, separação litigiosa e culpa.
PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências constitucionais no direito de
família: Estudos em homenagem ao professor José Carlos Teixeira Giorgis. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2003, p. 124.
485
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. p. 179.
486
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A culpa no desenlace conjugal. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de
família: p. 328.
487
DWORKIN, ao discorrer sobre a interpretação, criou a figura de um super-juiz, dotado de
poderes extraordinários, utilizados para solucionar os casos difíceis. A esse, talvez, fosse possível
verdadeira e precisamente identificar o culpado. DWORKIN, Ronald. O império do direito.
Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, especialmente p. 404-
415. Título do original: Law’s Empire.
488
VILLELA, João Baptista. Separação, divórcio e concubinato. Arquivos do Ministério da
Justiça. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1979, p. 189.
106
Provada formalmente a Culpa, é de se consignar quais as
possíveis conseqüências daí decorrentes. Sobre essa questão versará o tópico
que segue.
3.1.2 As (in)conseqüências decorrentes da prova da Culpa
489
A Culpa, hodiernamente, não exerce qualquer influência no
que diz com a guarda dos filhos e visitas nem mesmo na questão patrimonial. A
guarda e as visitas, se for o caso, serão determinadas de acordo com o princípio
do melhor interesse da criança/adolescente (arts. 1.583 a 1.590, CCB/02)
490
.
Noutras palavras, em face da independência entre a Culpa e as deliberações
acerca dos filhos, mesmo o considerado culpado pela falência da sociedade
conjugal poderá vir a ser, entretanto, o guardião
491
. E, com relação ao patrimônio,
aplicam-se as regras pertinentes ao regime matrimonial de bens
492
.
Todavia, além de autorizar a separação na forma culposa, a
demonstração da Culpa nessa separação se justicaria, à primeira vista, pelas
possíveis conseqüências daí decorrentes. Essas conseqüências seriam as
seguintes: [a] quanto aos alimentos (entre os cônjuges ou ex-cônjuges), por força
do artigo 1.704, caput e parágrafo único, do CCB/02
493
; [b] quanto ao nome, em
489
O propósito deste tópico é analisar as (in)conseqüências da Culpa na Separação-sanção,
somente, e não, por exemplo, a reversão prevista no § 3º do art. 1.572 do CCB/02.
490
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 427.
491
Diversamente ocorria na Lei n. 6.515/77, que estabelecia, em seu art. 10, que a guarda seria
deferida a quem não houvesse dado causa à separação culposa.
492
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. C. Cível. Corpo da
Apelação cível n. 70005834916, Porto Alegre, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em
2/04/2003.
493
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o
outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado
culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver
parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado
a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10
de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 21/10/2004.
107
razão do teor do artigo 1.578, do mesmo diploma
494
; e [c] quanto à eventual
indenização por grave descumprimento de dever conjugal
495
496
. Essas questões,
todavia, não devem ser analisadas por meio do viés da Culpa, como se verá
adiante.
Tocante aos alimentos entre os cônjuges, registre-se,
inicialmente, que o conteúdo do caput do artigo 1.704
497
, por sua redação, pode
ser invocado pelo inocente somente após a separação (amigável ou litigiosa). Por
isso a expressão Se um dos cônjuges separados judicialmente. Logo, a
disposição pressupõe separação e que o pedido seja realizado pelo inocente. Se,
todavia, na separação, houve renúncia à verba, não será possível posterior
pedido de pensão na medida em que o instituto atinge o mérito do direito, não
podendo, portanto, tornar ao mundo jurídico
498
499
. Mas, se na separação houve
494
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar
o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a
alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial;
[...]”. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page
Senado Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 21/10/2004.
495
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Débito conjugal. Anais do IV congresso brasileiro de
direito de família. p. 536-537.
496
Invoca-se, ainda, como conseqüência da Culpa, o teor do art. 1.830 do CCB/02, com a
seguinte redação: Art. 1.830. Somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge
sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem
separados de fato mais de 2 (dois) anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se
tornara impossível sem a culpa do sobrevivente.” Não é propósito analisar neste relatório referida
disposição, integrante do direito das sucessões, porque se superada no âmbito do direito de
família a Culpa não poderá ser invocada por ocasião da abertura da sucessão de qualquer dos
cônjuges.
497
Os arts. 1.694, § 2º, e 1.702, ambos do CCB/02, também fazem referência à Culpa. Todavia, a
análise individualizada nesses dispositivos não é necessária porque a boa interpretação do art.
1.704, e seu parágrafo único, é suficiente para precisar eventual efeito da Culpa na fixação dos
alimentos.
498
Essa realidade se mantém mesmo após a vigência do CCB/02, que em seu art. 1.707 assenta
a irrenunciabilidade, porque os alimentos entre cônjuges ou ex-cônjuges decorrem do vínculo
afetivo desfeito por ocasião da separação ou do divórcio. Diferentemente se quando a verba é
conseqüência do poder familiar ou da relação de parentesco. Sustenta DINIZ que extingue-se o
dever de prestar alimentos quando o cônjuge “renunciar ao exercício do direito a alimentos”.
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 268.
499
O enunciado 379, de 3/4/1964, da Súmula do STF, porém, tem o seguinte teor: “No acordo de
desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente,
108
dispensa (ou desistência) ou inexistiu deliberação a respeito, não óbice que,
no futuro, pleito de alimentos seja formulado.
Noutras palavras, o caput desse dispositivo poderá ter
incidência caso o inocente tenha somente dispensado a verba (e não renunciado
a ela) ou se, eventualmente, na separação litigiosa não houve pedido de
alimentos
500
. O dispositivo autoriza, então, nessas condições, o pedido dos
chamados alimentos civis (ou côngruos)
501
, que são aqueles que conglobam
todas as necessidades do alimentando.
o parágrafo único prevê outra situação, pois possibilita
que mesmo o culpado obtenha alimentos. Pressupõe-se, aqui também, a
existência de separação julgada. Daí a razão para a expressão Se o cônjuge
declarado culpado. Exige a lei, ainda, que o culpado não tenha parentes
502
em
condições de prestar a verba nem aptidão para o trabalho. Esse parágrafo
autoriza os alimentos naturais (ou necessários)
503
, que são aqueles
indispensáveis à sobrevivência.
No entanto, a discussão da Culpa para fins de alimentos não
se justifica porque: [a] a verba pode ser postulada com base em seus
pressupostos necessidades e possibilidades (art. 1.694, § 1º, do CCB/02), como
decorrência do dever de mútua assistência
504
, o que na prática vai acabar
verificados os pressupostos legais.” BRASIL. Disponível em: Home Page do STF -
http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp. Acesso em: 9/11/2004.
500
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. C. AC 597252436
Des. Breno Moreira Mussi.
501
1. Civis ou côngruos são aqueles destinados não somente ao estritamente necessário, mas,
também, à manutenção do padrão e qualidade de vida. ‘Nem de pão vive o homem’”, conforme
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Novo código civil da família anotado e legislação correlata em
vigor. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 159 (destaque do original).
502
Deve-se compreender o vocábulo parentes, para fins de alimentos, nos termos do art. 1.697 do
CCB/02 (ascendentes, descendentes e irmãos, germanos ou unilaterais).
503
“2. Necessários ou naturais são aqueles destinados somente ao estritamente necessário para o
sustento e subsistência e esvinculado à idéia de culpa.” PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Novo
código civil da família anotado e legislação correlata em vigor. p. 159.
504
Conforme DIAS, Maria Berenice. Alimentos sem culpa. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em:4/11/2004.
109
acontecendo
505
, independentemente da investigação de Culpa; [b] no caso do
caput, só seria possível o pedido de alimentos civis na ocorrência de dispensa por
ocasião da separação ou de ausência de deliberação a respeito; [c] na situação
do parágrafo único, o culpado só terá direito a alimentos naturais na rara hipótese
de não ter parentes em condições de prestá-los e ele próprio não ter condições de
trabalhar; [d] a concessão somente de alimentos naturais seria como punir o
culpado duplamente: em primeiro, porque violou os deveres do Casamento, e, em
segundo, porque receberá somente essa espécie de alimentos, impondo-lhe
humilhação;
506
e [e] se mesmo o culpado pode perceber a verba, embora em
valor menor
507
, a discussão da Culpa para este fim seria como montar um
palco bélico para atingir fim alcançável sem este cenário.
Por outro lado, não é demais lembrar que entendimento
que aproxima a extensão dos alimentos naturais dos civis. Segundo CHINELATO,
os naturais devem abranger o necessarium vitae, no qual se incluem: a
alimentação, a cura, o vestuário e a habitação.
508
(destaque do original). A
diferença entre eles, portanto, estaria restrita ao lazer e à formação intelectual,
que integram os civis e não fazem parte dos naturais.
STOCKINGER sustenta que, salvo situações excepcionais,
é de todo descabido aplicar a um dos cônjuges a pena estabelecida no artigo
1.704, parágrafo único, do atual Código Civil,
509
sobretudo, diz, pela
impossibilidade de se provar a Culpa. CHINELATO, ao comentar a mesma
505
FARIAS, a respeito, sustenta que “quem milita diariamente no foro sabe que a distinção
estabelecida pela teoria jurídica não produz qualquer conseqüência prática. No final das contas, o
que vai determinar o valor dos alimentos será sempre a pesquisa do binômio necessidade-
capacidade.” FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do
casamento (casar e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de
direito de família. p. 122.
506
CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de família.
São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 448.
507
PEREIRA, Sérgio Gischkow. O direito de família e o novo código civil: alguns aspectos
polêmicos ou inovadores. Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, n. 18, p. 161,
jun-jul 2003.
508
CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao código civil. p. 449.
509
STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. Família constitucional, separação litigiosa e culpa.
PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências constitucionais no direito de
família: p. 124.
110
disposição, assevera a necessidade de se observar os pressupostos
necessidades-possibilidades e desvinculação da Culpa, pois esta é elemento
estranho ao binômio e ao fundamento primordial dos alimentos entre ex-cônjuges
e ex-companheiros: a solidariedade.
510
Não é diferente em relação ao nome. Registre-se, de início,
que a adoção do sobrenome do outro é faculdade outorgada aos cônjuges por
ocasião do matrimônio, podendo o homem incorporar o nome da família da
mulher, esta o nome de família do homem ou mesmo ambos adotarem o
sobrenome do outro
511
. Conseqüência disso é que a incorporação é havida e
consentida quando do Casamento.
De outro lado, o artigo 1.578, no caput, estabeleceu que o
cônjuge culpado pela separação perderá o direito de usar o sobrenome adotado
se o outro expressamente o requerer, salvo na ocorrência das exceções
elencadas no três incisos. A extensão desses incisos é tal, todavia, que na prática
a retirada do nome vai se concretizar se assim desejar o culpado, de regra,
como se verá adiante.
O evidente prejuízo na identificação (art. 1.578, inc. I)
512
pretende evitar que o njuge que adotou o sobrenome do outro perca a própria
identificação ao não mais ostentar o apelido que incorporara. Ora, ao adotar o
sobrenome do outro por ocasião do casamento o cônjuge pode passar a ser
conhecido e reconhecido com o nome que agregou. Logo, a perda poderia
redundar em prejuízo, inclusive de ordem profissional, pois esse prejuízo significa
510
CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao código civil. p. 494.
511
Art. 1.565. pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família.
§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.”
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado
Federal - http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 9/11/2004.
512
Os três incisos do art. 1.578 do CCB/02 têm a mesma redação dos três incisos do parágrafo
único do revogado art. 25 da Lei. 6.515/77, na redação da Lei n. 8.408, de 13 de fevereiro de
1992.
111
inclusive identificação profissional;
513
a manifesta distinção com o nome dos filhos
da união (art. 1.578, inc. II) deve ser compreendida da seguinte forma: a retirada
do sobrenome do outro pode afastar a identificação nominal existente com o
nome do filho comum. Extirpá-lo, nesse caso, seria punir não o culpado, mas
principalmente a própria prole
514
; e o dano grave reconhecido em decisão judicial
(art. 1.578, inc. III), constitui-se em expressão mais genérica que permite ao juiz
um certo arbítrio na análise do caso concreto
515
. Ou seja, não se ajustando a
situação concreta a nenhum dos incisos precedentes, poderá o juiz, mesmo
assim, admitir a presença de dano grave e autorizar que o consorte permaneça
com o nome que adotou, mesmo sendo considerado culpado pelo desenlace.
A esse quadro favorável à manutenção do sobrenome, deve
ser acrescido o teor do artigo 16
516
do CCB/02, previsto no Capítulo II Dos
Direitos da Personalidade, que está assim redigido: Art. 16. Toda pessoa tem
direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Embora se refira à hipótese do inciso II, do parágrafo único,
do artigo 25 da Lei n. 6.515/77 (atual inc. II do art. 1.578), o conteúdo da decisão
que segue pode ser invocado para as outras hipóteses, especialmente após a
vigência do CCB/02, em razão do conteúdo de seu artigo 16. Eis os seus termos:
Divórcio direto. Uso do nome de casada. Distinção entre o nome
da mulher e o dos filhos. Lei nº 8.408/92 e art. 25, parágrafo único,
da Lei 6.515/77. Inteligência. Direito da personalidade. Sendo
direito da mulher acrescer ao seu nome o do marido, constituindo-
se ele um direito de personalidade, como bem da vida, não pode a
mulher dele ser privada sem o devido processo legal. Se, ao ser
retirado da mulher o nome de família do ex-marido, houver mani-
festa distinção entre o seu nome e o de seus filhos, justifica-se a
manutenção do nome, nos termos do art. 25, parágrafo único, da
Lei 6.515/77. Passados longos anos de separação fática, perí-
odo em que a mulher sempre usou o nome adotado, este passa a
integrar a sua personalidade, incorporando-se a seu patrimônio ju-
rídico, nada justificando sua exclusão pura e simples, depois de
tantos anos, especialmente quando o marido não aponta razões a
513
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Novo código civil da família anotado e legislação correlata
em vigor. p. 72.
514
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 1297.
515
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. p. 1301-1302.
516
Sem correspondente no CCB/16.
112
amparar sua pretensão de não permitir o uso do nome.
517
Assim, quer pela abrangência dos incisos, quer por integrar
direito da personalidade
518
(e patrimônio pessoal) do njuge que o adotou, a
manutenção ou não do nome resulta muito mais de escolha do cônjuge do que de
imposição legal
519
. Ademais, eliminá-lo na separação ou no divórcio significaria
dizer que o nome não passou a ser do adotante propriamente, mas sim que
apenas o havia tomado emprestado pelo período do enlace.
Quanto à eventual indenização (moral e material) por grave
descumprimento de dever conjugal
520
, é de se dizer, de início, que o tema é novo
no âmbito da dissolução da sociedade conjugal. E encerra divergência na
doutrina: a possibilidade da reparação é defendida por SILVA
521
522
, mas encontra
resistência em WELTER
523
e em MORAES
524
.
Sustentam os defensores da primeira posição que se, de um
lado, o Casamento não pode significar uma amarra, também não pode, de outro,
tornar-se hermético a ponto de que os atos graves praticados em função dele não
517
BRASIL. Minas Gerais. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. C. AC 142.484-5 Des. Hugo
Bengtsson, j. 17/6/1999, JM 149/222.
518
TEPEDINO menciona que a extirpação do nome “viola o direito à identidade pessoal da
mulher. Afinal, com o casamento, o nome de família integra-se à personalidade da mulher, não
mais podendo ser considerado como nome apenas do marido.” (destaque do original) TEPEDINO,
Gustavo. Temas de direito civil, p. 426-427. O raciocínio aplica-se, à evidência, ao homem diante
dos termos arts. 5º, caput, inc. I, e 226, § 5º, da CRFB/88, e do art. 1.565, § 1º, do CCB/02.
519
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família: p.
122.
520
Diferente é eventual indenização decorrente da relação paterno-filial, como consta na parte
final do item 1.2.1 deste relatório.
521
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Débito conjugal. Anais do IV congresso brasileiro de
direito de família. especialmente p. 536-540.
522
O STJ, no REsp. 37051, da 3. T., rel. Min. Nilson Naves, j. em 14/4/2001, in DJU 25/6/2001,
admitiu o pleito de danos morais cumulativamente com a separação e no divórcio. Assim: “[...] 2. O
sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral.
Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável
exclusivo pela separação [...]”.
523
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 22/10/2004.
524
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. Anais do IV congresso
brasileiro de direito de família. p. 399-415.
113
possam ser enquadrados no artigo 186 do CCB/02
525
. Acrescentam que assim
será possível proteger o mais fraco, em homenagem ao princípio da Dignidade
Humana
526
, e apontam as situações caracterizadoras de indenização (adultério,
injúria grave, abandono injusto do lar, recusa ao ato sexual, ato sexual anormal,
transmissão de doenças, sevícias, atentado à vida, ofensas à honra, maliciosa
demanda de interdição, simulação de gravidez, maus-tratos aos filhos)
527
.
Já os que sustentam posição contrária à indenização no
âmbito da separação, sobretudo WELTER, dizem que, em primeiro lugar, de
se considerar que a Culpa não mais integra o nosso direito de família. WELTER é
enfático:
[...] o Estado de Direito laicizou, tornou leigo, secularizou, descris-
tianizou, profanou, desconsagrou, degredou, dessacralizou, des-
dramatizou, enfim, extinguiu o princípio da culpa, pelo que, em um
Estado Constitucional, deve-se compreender que a Constituição
(ainda) constitui, não se podendo admitir a discussão da culpa do
Direito Canônico no âmbito do Direito de Família.
528
529
Quanto às situações que poderiam levar ao ressarcimento,
sustenta que são caracterizadoras, quase todas, de ilícito penal e, por isso,
podem ensejar algum tipo de indenização, mas não porque se concretizaram
durante o Casamento ou mesmo a união estável e sim porque constituem infração
penal. Vale dizer, o ato suscitaria indenização mesmo que ocorresse noutro
âmbito. Logo, a ressarcibilidade guarda relação com o ato praticado e não com a
525
Art. 186. Aquele que, por ão ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” BRASIL. Lei
n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 22/10/2004.
526
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Débito conjugal. Anais do IV congresso brasileiro de
direito de família. especialmente p. 537/540.
527
CARVALHO NETO, Inácio de. Reparação civil na Separação Judicial Culposa. Temas atuais
de direito e processo de família: primeira série. FARIAS, Cristiano Chaves (coord.). Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004, p. 257-271.
528
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br.. Acesso em: 22/10/2004.
529
SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS. CULPA [...]
Embora o sistema jurídico não seja avesso à possibilidade de reparação por danos morais na se-
paração e no divórcio, a pretensão encontra óbice quando se expurga a discussão da culpa pelo
dissídio [...]”. BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. cível
70005834916. 7ª C. C., rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 2.4.2003.
114
relação afetiva em si.
Nas suas palavras:
Porém, isso não significa que o dano moral deve ser afastado do
Direito de Família, porquanto, se os consortes, na constância do
casamento e da união estável, praticarem, entre si, ilícito penal,
esse dano deve ser indenizado, não porque o fato ocorreu durante
a entidade familiar, e sim devido ao delito penal que, em tese, de-
ve ser indenizado.
530
MORAES menciona que a dor e o sofrimento que podem
justificar o dano moral o, de certa forma, próprios também da relação afetiva,
ora feliz, exitosa e recheada de encontros, ora triste, frustrada e permeada de
desentendimentos. Diz ainda que o raciocínio simplista segundo o qual o
descumprimento de dever do casamento leva à indenização, representa apenas
uma visão estreita de logicidade entre causa e conseqüência, e a
interpretação literal da concepção de que quem sofre um dano,
acontecimento ensejador de tristeza e humilhação, de vexame e
outras dores, terá direito à uma compensação pecuniária
.
531
Outros argumentos contrários à indenização podem ser
aduzidos. O CCB/02, adequadamente, distinguiu as questões de direito pessoal
(disciplinadas no Título I) daquelas de direito patrimonial (previstas no Título II,
ambos do Livro IV), autorizando até mesmo o divórcio indireto sem prévia partilha
de bens (art. 1.581), o que não era admissível antes de sua vigência. Possibilitar
a indenização, então, de certa forma, seria reunir o que a lei pretendeu separar.
De outro lado, como o pedido indenizatório pode ser
cumulado com o de separação
532
, poder-se-ia ter novamente, o só as questões
pessoais e materiais na mesma seara, mas também um palco cujos lances não
são próprios para o término de uma relação afetiva. Os efeitos dessa discussão
podem atingir os filhos, tisnando direito de quem nenhum interesse tem na
questão material discutida. Ademais, nada impede que o direito indenizatório seja
530
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família. Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br.. Acesso em: 22/10/2004.
531
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. Anais do IV congresso
brasileiro de direito de família. p. 412.
532
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 268.
115
perseguido com base no direito comum, em ação autônoma, mantendo
incólumes, tanto quanto possível, os demais envolvidos no litígio familiar. Assim,
restringe-se também o campo de atritos na ação de dissolução, evitando que a
questão reparatória transborde.
Por fim, adequado lembrar que o ordenamento brasileiro
adotou a concepção institucionalista sobre a natureza jurídica do Casamento.
Segundo essa doutrina o Casamento, por sua importância e fins que encerra,
eleva-se ao status de instituição social, alçando os cônjuges à condição de
integrantes de um verdadeiro estado matrimonial
533
. Constitui-se em união físico-
espiritual voltada para a realização afetiva do ser humano, no campo individual e
no núcleo familiar. A concepção institucionalista não se harmoniza com
indenização por Culpa, ao contrário do que parece ocorrer com a concepção
contratualista. Nesta, originária do direito canônico, o matrimônio é um contrato
civil, regido pelas normas comuns aos contratos, e, por isso, tem como uma das
suas características a Culpa, mais compatível com a noção de inadimplemento.
Logo, a indenização seria mais adequada se o Brasil tivesse adotado a
concepção contratualista.
3.2
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA CULPA NA SEPARAÇÃO
A Culpa na separação, como visto, caracteriza-se pela
prática de ato que implique grave violação de um ou mais dos deveres recíprocos
do Casamento. O ato praticado deverá inobservar as obrigações previstas e
impostas pelos incisos do artigo 1.566 do CCB/02, valendo dizer que haverá
grave violação desses deveres na ocorrência de infidelidade (virtual ou real),
ausência de vida em comum, desassistência material e moral entre os cônjuges
ou dos filhos e ausência de respeito e consideração. Some-se a isto, para a
configuração da separação com causa culposa, a insuportabilidade da vida em
comum.
533
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: p. 43.
116
De outro lado, consta desta Pesquisa a enorme dificuldade,
quiçá impossibilidade, de se provar a Culpa em ação de dissolução de sociedade
conjugal, demanda que fim à relação que é essencialmente afetiva.
Consignou-se que a investigação da Culpa pelo fim do Afeto é tarefa sobre-
humana, pois nem mesmo os partícipes da relação a identificam precisamente.
Estabeleceu-se, ainda, que a Culpa tem origem no direito
canônico, quando o culpado era um pecador. Foi possível ver que o Casamento,
antes tido como indispensável à procriação
534
535
e conseqüente perpetuação da
espécie, hoje é compreendido como uma entidade familiar baseada na
solidariedade, na dignidade de todos e está voltada para a realização pessoal e
afetiva dos cônjuges, individualmente e no núcleo familiar. Ficou registrado
também que, no passado, o mais importante era o papel do Estado pelo Estado, e
daí a razão para a primazia que se dava aos poderes públicos, e, hoje, o Estado
existe em função do ser humano, para protegê-lo, para ampará-lo, para assisti-lo,
para possibilitar, enfim, que viva com dignidade.
O propósito deste tópico, então, é realizar uma análise da
Culpa na separação, consideradas as peculiaridades referidas, à vista do princípio
da Dignidade Humana, do direito fundamental à preservação da intimidade e da
vida privada, e das garantias institucionais protetivas da família e das crianças e
adolescentes
536
. Noutras palavras, se a perquirição de Culpa observa ou não
esses ditames constitucionais.
3.2.1 A Culpa em colisão com o princípio da Dignidade Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana retrata, de
alguma maneira, uma nova concepção do direito (não constitucional) na
534
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os
fins verdadeiros do governo civil. 3. ed. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa.
Petrópolis: Editora Vozes, 2001, p. 128. Título original: sem menção no exemplar consultado.
535
ROUDINESCO, Elisabeth. A família do futuro. Boletim do IBDFam Instituto Brasileiro de
Direito de Família, ano 4, n. 28, p. 3, set./out., 2004.
536
Registre-se, mais uma vez, que essa proteção à família se estende aos idosos.
117
medida em que o ser humano, e não o ente público, é que se constitui no
centro/alvo da atividade estatal. A razão de ser do Estado é o ser humano, titular
da dignidade, e não o inverso, registre-se uma vez mais. A Culpa, a seu turno,
apresenta-se como negação dessa realidade incontestável. Isso porque, ao
permitir a legislação sua investigação, é como se o Estado estivesse se voltando
contra a sua razão de existir: o mesmo ser humano, em antítese da noção de
dignidade
537
.
De outro lado, é o princípio da dignidade da pessoa humana,
como dito, fundante do Estado brasileiro, sendo seu titular o ser humano, o que o
coloca no ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de
alicerce da ordem jurídica.
538
Decorrência dessa compreensão é que o ser
humano está protegido de quaisquer humilhações ou desrespeito à sua
integridade não só física, mas também psíquica.
A dignidade, então, encontra terreno fértil no direito de
família, especialmente nas relações afetivas. Ora, se aquela é qualidade
intrínseca e única do ser humano, a família é o porto seguro para sua formação e
realização, para a busca da felicidade. A família, forjada na dignidade da pessoa
humana, passa a atender uma necessidade vital: ser feliz.
539
(destaque do
original).
Diz FARIAS:
Ora, o reconhecimento da fundamentalidade da dignidade da pes-
soa humana impõe uma nova postura aos civilistas modernos (es-
pecialmente aqueles que laboram com o Direito de Família), de-
vendo, na interpretação e aplicação de normas e conceitos jurídi-
cos, assegurar a vida humana de forma integral e prioritária.
540
537
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. p. 61.
538
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
112.
539
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
113.
540
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
112.
118
O registro é necessário porque o que envolve a discussão
da Culpa, palco das piores cenas, não é compatível com a dignidade da pessoa
humana. Angústias, frustrações, sonhos desfeitos, amor não correspondido, não
podem se transformar em munição para atingir o outro, porque não há mais a
correspondência esperada. Possibilitar-se essa investigação faz com que, de
certa forma, retorne-se ao estado de guerra de LOCKE
541
e esqueça-se que,
afinal, a relação é afetiva.
Mesmo na seara do direito privado e ainda que no âmbito
das relações particulares, o princípio previsto no inciso III do artigo 1º da CRFB/88
tem espaço e deve ser observado. Não ilhas que possam escapar aos seus
efeitos, ao menos na sua parte essencial. Não é possível manter-se à margem de
seus raios. o se pode, em nome de direitos outros, tisnar-se o conteúdo de
regra (parte nuclear, na expressão de BARROSO) do princípio da Dignidade
Humana. Agredir sua essência é incorrer em inconstitucionalidade.
É o que se pode extrair de TEPEDINO:
Ao eleger a dignidade humana como valor máximo do sistema
normativo, o constituinte exclui a existência de redutos particula-
res que, como expressão de liberdades fundamentais inatas, des-
considerem a realização plena da pessoa.
542
A exigência da Culpa, na separação, coloca-se a serviço de
quem busca um responsável pela derrocada conjugal. Segundo MADALENO o
conflito judicial é posto a serviço desta estranha e insistente tarefa de encontrar o
vencedor do litígio, muito embora, o propósito da separação [...].
543
Postam-se
então os protagonistas da cena judiciária (advogados, Ministério Público e juiz) na
busca incessante e impossível do “culpado“, como se fossem verdadeiros
541
Descrito como uma condição de permanente tensão conflitiva, de inimizade, de destruição e de
poderes absolutos de uns sobre os outros, ensejando o surgimento da sociedade justamente para
evitar essa condição. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: p. 91-94.
542
TEPEDINO, Gustavo. O direito civil e a legalidade constitucional. Del Rey Jurídica, Belo
Horizonte, n. 13, p. 23, 2004.
543
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasileira de direito
de família, p. 157.
119
’investigadores do desamor’’
544
(destaque do original). E tudo isso o para
reconstruir o matrimônio, mas encontrar o responsável pela derrocada
conjugal, muito mais, como visto, por vingança ou motivo egoístico
545
do que por
outra razão.
Diz MADALENO que se afigura cada vez mais sem sentido
valer-se do Judiciário para atestar a culpa de um cônjuge e a provável inocência
do outro, atestando, publicamente, a quebra de seus acordos conjugais.
546
E mais
adiante, após destacar a impropriedade do indeferimento de pedido de separação
por falta de provas, conclui, incisivamente:
Não se faz possível aceitar qualquer forma de gradação da
dignidade, princípio supremo, ponto de partida da existência
humana e, como direito natural do cidadão, o aceita qualquer
espécie de transigência.
Sendo absoluta a dignidade humana, não podem existir conflitos
de dignidade, sugerindo que eventual responsabilidade pelo fim
do casamento pudesse gerar, em nome do interesse do Estado
em preservar um matrimônio, ato judicial que mantivesse união
rota pela vontade unilateral. Pouco importa que a causa tenha
sido a mais infamante, entre as várias razões de separação que
sempre cuidaram de relativizar no sistema separatório brasileiro, o
sagrado princípio da dignidade, única causa que na atualidade
deve autorizar a separação
.
547
A exigência de Culpa, segundo DIAS, possibilita um cenário
que chama de A farsa.
548
Não havendo condições para a separação por mútuo
consentimento e ocorrendo interpretação restritiva do parágrafo único do artigo
544
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
120.
545
A discussão da Culpa “não leva a objetivo algum, senão a satisfação pessoal, e quem sabe
egoísta, de erigir-se como inocente na estrutura do casamento, uma vitimização que não afeta
nem a partilha, nem a guarda de filhos e nem, até, o provimento de pensão alimentícia, hoje
também reconhecida ao njuge culpado, segundo o novo Código Civil.” BRASIL. Rio Grande do
Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. C. Cível. Corpo da Apelação cível n.
70005834916, Porto Alegre, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 2/04/2003.
546
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasileira de direito
de família, p. 157.
547
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasileira de direito
de família, p. 158-159.
548
DIAS, Maria Berenice. O fim do fim sem fim. Diretos fundamentais do direito de família.
WELTER, Belmiro Pedro, e MADALENO, Rolf Hanssen (coord.). Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2004, p. 241-242.
120
1.573 do CCB/02, ficam os cônjuges compelidos a criar litigiosidade inexistente, a
inventar motivo para a separação, pois de outra maneira não poderiam dissolver a
relação. É, ainda de acordo com a mesma autora, forjar litigiosidade tão-só para
obter a separação revela postura desleal e inconcebível, é usar o Poder Judiciário
para protagonizar essa verdadeira fraude.
549
Segundo FARIAS:
Nada é mais importante do que a proteção da dignidade do ser
humano e a preservação de sua felicidade. Daí que, atentando
contra a dignidade humana a discussão da culpa, sobreleva sua
repulsa com fundamentos constitucionais.
Por isso, de lege ferenda, deve o ordenamento jurídico, seguindo
as linhas avançadas propostas pela melhor doutrina e
jurisprudência, extirpar do direito positivo a culpa como elemento
da dissolução do casamento, adequando a norma
infraconstitucional (arts. 1.572 e 1.573, nCC) aos novos
paradigmas principiológicos constitucionais, atendendo à
preservação da dignidade humana, para submeter a extinção
matrimonial a um único fundamento: a vontade do cônjuge
.
550
(
destaque do original
).
Deixar de enaltecer o princípio da dignidade da pessoa
humana, tal qual pretendeu o Constituinte de 1988, é retirar-lhe a condição de
princípio estruturante do Estado brasileiro e ignorar que se constitui em valor-
fonte ou valor-guia a orientar e impulsionar as relações, notadamente entre
particulares. Na família, a dignidade ganha dimensão ainda maior na medida em
que nela o indivíduo nasce e forma-se, transformando-se em cidadão. Esta a
razão para o Constituinte de 1988, após garantir genericamente a dignidade no
artigo 1º, inciso III, tornar a destacá-la no art. 227, caput.
Adequado lembrar, por fim, que a Dignidade Humana serve
de orientação maior para a aplicação de todos os institutos do Direito de
Família.
551
O seu largo espectro inclui o direito de descasar
552
e descasar da
549
DIAS, Maria Berenice. O fim do fim sem fim. Diretos fundamentais do direito de família. p.
241.
550
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
123-124.
551
SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 7.
121
maneira menos traumática possível, remanescendo, na dissolução, apenas e
somente as feridas íntimas, próprias e inevitáveis do fim, além das conseqüências
econômicas. A busca da felicidade e da realização pessoal nem sempre andam
juntas com o Casamento, mas encontram alicerce sólido no princípio da dignidade
da pessoa humana, com o que não se harmoniza a Culpa e sua investigação.
3.2.2 A Culpa em colisão com o direito fundamental à preservação da in-
timidade e da vida privada
A infração aos deveres do matrimônio, como registrado,
normalmente não é praticada na presença e à vista de testemunhas. Quando
ocorre, geralmente se concretiza fora do alcance de quem possa, depois, atestar
sua existência. A demonstração judicial, por isso, é muito difícil e por vezes
impossível, mesmo que se considere apenas o aspecto formal da prova produzida
em juízo. Essa dificuldade, somada à busca da prova da existência de qualquer
das hipóteses previstas nos incisos do artigo 1.566 do CCB/02, faz surgir moldura
que, muitas vezes, atinge o direito fundamental à inviolabilidade da intimidade e
da privacidade (CRFB/88, art. 5º, inc. X).
A inobservância desse direito fundamental existe, na
espécie, em função da possibilidade de o Estado-juiz reconhecer e declarar um
culpado pelo ocaso do enlace. Submeter os escombros de uma relação falida à
apreciação de terceiros (advogados, Ministério Público, juiz), tão-somente com a
expectiva de, a final, ver o outro cônjuge ser declarado culpado, não se harmoniza
com o matrimônio, refúgio de Afeto, de carinho, de solidariedade, de cooperação.
Ou, nas palavras de LEITE, espaço para a realização e troca de afeto e amor.
553
Se assim deve ser compreendido o matrimônio, e não
divergência sobre isto, não se deve admitir que, depois, na separação, busque-se
552
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
114-117.
553
LEITE, Gisele. A culpa conjugal e ruptura. Disponível em:
http://:www.direito.com.br/Destaques.asp. Acesso em: 4/11/2004.
122
um culpado pelo fim do Afeto. LEITE, em seguida, conclui que na dissolução
não cabe mais a perquirição da culpa e nem o desnudamento da
vida íntima do casal posto que esta traz traumas irreversíveis [...]
a manutenção da sociedade conjugal é possível com a persis-
tência do elo afetivo entre os cônjuges, do affectio maritalis.
554
(
destaque do original
).
Mesmo que se ignore esta concepção contemporânea do
matrimônio (apenas para argumentar), não é possível, de igual, a devassa da
intimidade ou da privacidade de qualquer dos cônjuges. Fosse a devassa para a
tentativa de preservar o Casamento ou mesmo de fazer com que o outro cumpra
as obrigações dele decorrentes, talvez até ela se apresentasse mais apropriada.
Mas não, ela ocorre com o fito de obter prova do fim do Afeto. Os sofrimentos, as
angústias, as frustrações, as queixas, as insatisfações, os sonhos, as fantasias,
enfim, tudo que compõe o núcleo mais íntimo do casal, transformam-se em
instrumento de vindita e arma contra o outro.
Sustenta DIAS que
Ainda que preveja a lei direitos e imponha deveres aos cônjuges,
a serem cumpridos durante a vigência da sociedade conjugal - e
agora dentro da própria união estável -, o adimplemento de tais
deveres não é buscado na Justiça. Somente quando o vínculo
afetivo se desfaz é que partícipes batem às portas dos tribunais. A
busca, porém, não é o reconhecimento da existência de direitos
que foram violados nem o cumprimento coacto dos deveres não
adimplidos durante o peodo da vida em comum.
As denúncias e queixas não visam à recomposição da entidade
familiar. A postura é nitidamente vingativa, quem se sente lesado
pelas omissões do outro busca uma compensação. A própria dis-
puta pela guarda dos filhos, aliás, muitas vezes é usada como ob-
jeto de vingança. O processo de separação, que deveria servir
tão-só para solver as questões econômicas subjacentes ao fim da
união, transforma-se em um palco de retaliações e queixas.
555
E depois conclui:
554
LEITE, Gisele. A culpa conjugal e ruptura. Disponível em:
http://:www.direito.com.br/Destaques.asp. Acesso em: 4/11/2004.
555
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e psicanálise. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em: 4/11/2004.
123
Toda separação traz um sentimento de desamparo, a perda do
par, da pessoa em quem se depositou todos os projetos de felici-
dade “até que a morte os separe”. Por isso, cada parte procura
provar a sua verdade, atribuindo ao outro a culpa pela perda do
objeto amoroso, pelo fim do sonho do amor sem fim. Busca cada
um sua absolvição, pois quer que o juiz proclame ser ele inocente
e que reconheça a responsabilidade do outro pelo fim da relação
e se lhe imponha uma pena. Daí o grande interesse na identifica-
ção de um culpado.
outro lado, igualmente dolorido e doloroso. As demandas que
envolvem os vínculos afetivos invadem a privacidade individual do
par. As pessoas desnudam-se, tornam públicas as experiências
íntimas do casal. Acabam sendo revelados os pactos conjugais
que mantinham a estrutura do relacionamento.
556
(
destaque do
original
).
Os protagonistas da cena judiciária, sobretudo, não podem
ignorar essa realidade. É conhecido o jargão segundo o qual no processo
vidas.
557
Nada mais próprio para um pedido de separação, no qual há mais do
que vida física. Diante disso tudo, devem atuar como mediadores, conciliadores,
conselheiros. VENOSA diz que o advogado litigante deve dar lugar ao advogado
negociador
558
, recorde-se uma vez mais. E depois assevera que a cautela deve
ser observada por todos os operadores: Deve sempre ser lembrado pelo juiz e
pelo advogado, bem como pelo membro do Ministério Público, que toda sentença
decorrente de um conflito de família é parte de trágico trama.
559
Não diverge DIAS:
Nessas ações não são trazidos aos operadores do Direito fatos
concretos, pois estes chegam encharcados de subjetividade. Nem
sempre a realidade acaba transparecendo, pois vem plena de
emotividade. As partes apresentam versões, não verdades, e os
juízes acabam julgando não um real conflito de interesses - uma
lide, no conceito de Carnelutti -, em que identifica o direito de um
e o dever de outro.
[...]
556
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e psicanálise. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em: 4/11/2004.
557
DWORKIN sustenta que em todo o processo judicial estão presentes “três diferentes tipos de
questões: questões de fato, questões de direito e as questões interligadas de moralidade, política
e fidelidade.” DWORKIN, Ronald. O império do direito. p. 5-6.
558
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 26.
559
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 26.
124
As partes, no fundo, ainda que de forma inconsciente, buscam,
nos lidadores do Direito de Família, que eles, por meio de uma
forma mágica, solvam os conflitos, remendem e refaçam o nculo
conjugal, enfim, restabeleçam o elo de afetividade rompido.
[...]
Indispensável que todos que trabalham com o Direito de Família,
considerado o mais humano de todos os direitos, não busquem
somente as regras jurídicas que serão aplicadas. São muito mais
os regramentos comportamentais que auxiliam na hora de solver
não as seqüelas econômicas do fim do relacionamento, mas
também suas conseqüências em regra muito mais significativas
-, que são os conflitos da alma.
560
Para FARIAS a discussão da Culpa ofende várias garantias
constitucionais:
Trilhando o caminho assinalado, fácil perceber que a discussão
sobre a culpa é inadequada, insensata e atentatória aos direitos
humanos.
Admitir esta possibilidade significa permitir que os valores mais
fundamentais da ordem constitucional vigente, como a dignidade
da pessoa humana, o direito à vida privada e à intimidade, o direi-
to à solidariedade social e à igualdade substancial, pudessem ser
vilipendiados por força de norma infraconstitucional.
Perquirir a culpa, após a promulgação da Magna Carta de 1988,
se tornou um exercício indevido e descabido, ainda que tenha o-
corrido violação de deveres matrimoniais por um dos cônjuges,
por ferir frontalmente as garantias constitucionais da pessoa hu-
mana.
561
(
destaque do original
)
Mais adiante, assenta expressamente a
inconstitucionalidade da investigação da Culpa após a promulgação da
Constituição Cidadã. Sua discussão viola, segundo ele, tanto o princípio da
Dignidade Humana quanto o direito fundamental à preservação da intimidade.
Assim:
Incisivamente afirme-se: a intromissão da culpa nas dissoluções
matrimoniais contraria a dignidade humana e a guerra judicial
gera a perda da intimidade, sacrificando valores de ordem
560
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e psicanálise. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em: 4/11/2004.
561
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
120.
125
pessoal, que merecem preservação por força de imperativo
constitucional.
Nesse diapasão, é tranqüilo constatar a flagrante
inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação brasileira que
não só permitem a discussão da culpa nas ações de dissolução
da sociedade conjugal, como também, ainda que residualmente,
pretendem atribuir conseqüências diferenciadas em razão de sua
declaração
.
562
Por tudo, deve-se evitar a intromissão judicial na vida
privada dos cônjuges, numa época em que se procura preservar a intimidade a
qualquer custo
563
. Essa invasão é absolutamente
564
indevida. Ademais, o Estado
não pode intervir para proporcionar a exclusão ou fomentar o litígio, e sim
somente para incluir
565
, realizando os valores existenciais assegurados na
Constituição
566
.
3.2.3 A Culpa em colisão com as garantias institucionais da família e da
criança e do adolescente
Na análise dos restos de um consórcio amoroso, pelo
Judiciário,
567
sobressai, muitas vezes, como que emergindo das profundezas da
vida afetiva, as questões mais íntimas, que dizem respeito e são do conhecimento
daqueles que integram a família. Afloram atos e fatos que, em situação de
normalidade, jamais chegariam ao conhecimento de terceiros. Transbordam os
mais reservados segredos, confissões e sonhos, permanecendo tudo que era
562
FARIAS, Cristiano Chaves de. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar
e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso brasileiro de direito de família. p.
120-121.
563
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: p. 209.
564
DIAS, Maria Berenice. Da separação e do divórcio. Direito de família e o novo código civil. 3.
ed. 2 tir., ver., atual. e ampl. DIAS, Maria Berenice, e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Belo
Horizonte: Del Rey – IBDFAM, 2004, p. 85.
565
ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti. Famílias simultâneas e concubinato adulterino.
Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp. Acesso em: 4/11/2004.
566
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O direito de família no projeto do código civil. WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e
doutrina sobre direito de família: p. 229.
567
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. C. Cível. Apelação
cível n. 70005834916, Porto Alegre, rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 2/04/2003.
126
comum e do casal à disposição de qualquer deles para se transformar em
meio de prova da Culpa do outro.
Esse contexto não se presta para a preservação, tanto
quanto possível, das crianças e dos adolescentes, filhos de uma união cuja ruína
formal se avizinha. O que a separação põe termo é à sociedade conjugal,
consigne-se uma vez mais, e não à parentalidade, que perdura e é eterna
enquanto vida houver. Parece que assim, poupando-os, é que será possível
dar eficácia às garantias dos artigos 226 e 227 da CRFB/88, pois, do contrário,
restariam vítimas dos próprios pais e ainda do Estado.
A discussão da Culpa traz prejuízos conhecidos e
reconhecidos não no campo do direito. BRITO, psicóloga que elaborou estudo
sobre a atuação deste profissional em unidades jurisdicionais de família, relata a
impropriedade de transmitir aos filhos a idéia de que a relação terminou por erros
de um ou de ambos os pais até porque, sustenta, as dificuldades têm origens
bilaterais derivadas da condição pessoal de cada um dos consortes.
568
As crianças não podem ser esquecidas
569
durante o longo e
doído processo de amadurecimento até o término do pedido judicial de
separação. Devem os filhos permanecer com espaço que lhes permita externar
suas tristezas, sentimentos e preocupações próprias de quem que os pais não
mais viverão como marido e mulher.
Destaca a mesma profissional da psicologia que nesse
momento é importante que os pais tenham consciência da relevância de seus
atos e o impacto que causam em seus filhos, bem como considerar as
necessidades dos mesmos em terem acesso a ambos como uma forma de
sentirem que continuam sendo amados e queridos.
570
E mais adiante, após
568
BRITO, Leila Maria Torraca de. Separando: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas varas
de família. Rio de Janeiro: Relume-Dumará - UERJ, 1993, p. 79.
569
ROCHA, Sandra Mônica de Siqueira. E os filhos de pais separados? Psicologia, serviço
social e direito: uma interface produtiva. FERNANDES, Helena Maria Ribeiro (coord.). Recife:
Editora Universitária da UFPE, 2001, p. 64.
570
ROCHA, Sandra Mônica de Siqueira. E os filhos de pais separados? Psicologia, serviço
social e direito: p. 65.
127
destacar a necessidade da manutenção do bom referencial masculino e feminino,
diz que os filhos têm o direito de não escutarem os pais falando mal um do
outro
571
, o que, ainda segundo a mesma, diminui a carga negativa sobre os
mesmos.
RIZZARDO destaca que mesmo sem atrito entre os pais os
danos para os filhos são de monta o que dizer então quando eles são tragados
pelo conflito! Nessas palavras:
De outro lado, não resta a menor dúvida quanto aos efeitos
nefastos que traz a separação dos pais perante os filihos. Por
mais que se procure incutir neles uma idéia de aceitação, e
mesmo que não convivam com os atritos dos pais, não se pode
evitar a série de mutilações emocionais, psíquicas e mesmo
físicas que possam sofrer
.
572
MOTTA, também psicóloga e psicanalista, não discorda da
existência de prejuízos aos filhos. Destaca que, na separação, sobretudo na
culposa, é por demais frustrante constatar que as armas mais poderosas e quase
sempre à mão são os filhos, bem maior do casal e única razão que o obrigará a
conviver no mínimo decentemente até o resto de seus dias.
573
Essa percepção não pode escapar aos profissionais do
direito. PELUSO, ainda na vigência da Lei n. 6.515/77, mas com conteúdo atual,
destaca que, na separação, as conseqüências para os filhos podem ser de tal
monta que servem, até mesmo, como impedimento à concessão da dissolução ou
restrição do seu campo de atuação
574
. Sustenta que, muitas vezes, as
conseqüências de uma ruidosa separação são tantas que é difícil precisá-las, mas
certamente aí estariam incluídas as seqüelas psicológicas.
Nessas palavras:
571
ROCHA, Sandra Mônica de Siqueira. E os filhos de pais separados? Psicologia, serviço
social e direito: p. 65.
572
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. p. 232.
573
MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Além dos fatos e dos relatos: uma visão psicanalítica do
direito de família. Anais do II congresso brasileiro de direito de família. p. 49.
574
PELUSO, Antonio Cezar. O menor na separação. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e LEITE,
Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família:
p. 20-23.
128
As crianças, nas separações, defrontam-se com dois problemas
graves: o trauma e a carência conseqüentes. Trata-se de funestas
repercussões no desenvolvimento de suas personalidades, a
quem ninguém recusaria a qualificação de gravidade excepcio-
nal.
575
Essa situação está a exigir, também por essas razões,
postura especial e diferenciada dos profissionais do direito. É verdade que o
contexto traumatizante e gerador de seqüelas nem sempre ocorrerá. Todavia, a
existência potencial dessa possibilidade, ao alcance a todo tempo de qualquer
dos cônjuges, não deve perdurar.
MOTTA lembra a importância dessa intervenção
especializada, pois, afinal, esses traumas as ações judiciais não resolvem, ao
revés, aprofundam cada vez mais o fosso da incompreensão e da discórdia.
576
Assevera a relevância do advogado psicólogo e do psicólogo advogado para a
substituição do paradigma bélico (resolução do conflito através de batalhas das
quais um sairá vencedor e o outro, vencido) pelo paradigma da conciliação, por
meio da trégua,
577
o que permitirá que os próprios cônjuges atuem pela solução
menos traumática, até porque não encontrarão apoio nos profissionais que os
representam para o confronto.
PELUSO recorda a importância de meditar-se sobre a
extrema gravidade que a desorganização psicológica da carência afetiva,
produzida de separações judiciais, representa, em termos de conseqüências
morais, para os filhos menores [...].
578
579
Não resta dúvida, então, que as perdas
575
PELUSO, Antonio Cezar. O menor na separação. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e LEITE,
Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família:
p. 21.
576
MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Além dos fatos e dos relatos: uma visão psicanalítica do
direito de família. Anais do II congresso brasileiro de direito de família. p. 49.
577
MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Além dos fatos e dos relatos: uma visão psicanalítica do
direito de família. Anais do II congresso brasileiro de direito de família. p. 51.
578
PELUSO, Antonio Cezar. O menor na separação. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e LEITE,
Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família:
p. 21.
579
O autor conclui dizendo que essas conseqüências prejudiciais aos filhos se constituem em
empeço à separação, devendo restar hígida a união. O autor deste relatório não concorda com a
conclusão, embora aquiesça com as razões invocadas, somente para os fins de eliminação da
Culpa. É que a união forçada pode ser ainda mais prejudicial à formação dos filhos. Sua
perenização imposta não se harmoniza com a atual concepção do Casamento e muito menos da
129
e as feridas, naturais em um processo de separação, podem se gravar com a
investigação e discussão da Culpa, tornando-as, quiçá, irreversíveis para os
filhos, especialmente se menores.
A eliminação ou superação da Culpa mostra-se como
caminho mais sintonizado com o direito de família contemporâneo, preservando-
se os filhos do Casamento. Afinal, o direito de família é e deve continuar sendo o
mais humano dos direitos
580
ou, se não, ao menos aquele ramo que preserva, a
mais não poder, os interesses preponderantes da população infanto-juvenil. É
alternativa que eficácia às garantias institucionais dos artigos 226 e 227 da
Constituição Cidadã, eis que
Pela formação cada vez humanista do Direito, não cabe
mais se preocupar com a culpa conjugal e, sim com o bem-estar da família, com a
primazia da tutela jurídica dos interesses e direitos dos menores da prole.
581
Assim será possível praticar a especial proteção do Estado à
família (art. 226, caput) e assegurar, com absoluta prioridade, os direitos inerentes
às crianças e adolescentes (art. 227, caput, ambos da CRFB/88). Ao revés, não
se estará preservando a célula central da sociedade, a família, base e fonte
irradiadora da Dignidade Humana
582
.
3.2.4 Considerações comuns às questões precedentes
A preponderância da Culpa, como visto, significa [a] negar
por via oblíqua a supremacia constitucional; [b] violar a unidade da Constituição;
Família. Necessária a extirpação da Culpa e, ausente o afeto, a separação sem traumas, com
acompanhamento especializado, se possível, em relação aos filhos e muitas vezes aos próprios
cônjuges.
580
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família. Anais do IV congresso brasileiro
de direito de família. p. 607.
581
LEITE, Gisele. A culpa conjugal e ruptura. Disponível em:
http://:www.direito.com.br/Destaques.asp. Acesso em: 4/11/2004.
582
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, p. 372.
130
[c] retornar, de certa forma, à escola da exegese
583
; [d] esquecer que o intérprete
deve estar sintonizado com a realidade social existente; [e] manter vigente no
Estado Democrático de Direito um braço do direito canônico, por meio da Culpa;
[f] ignorar o sentido e compreensão atual do Casamento; e [g] estar em
desarmonia com a concepção atual do direito de família.
A supremacia da Constituição significa que, na prática e em
todas as atividades jurídicas, a Lei Maior deve ser sempre o paradigma a ser
seguido, a iluminar e orientar os atos praticados, entre particulares ou mesmo
pelos poderes. A legislação infraconstitucional deve seguir sempre no facho de
luz que emana da Constituição, com o que restará preservado o princípio
segundo o qual a Constituição esno topo de todo o ordenamento jurídico-legal.
E de lá, reitere-se, orienta e ilumina o que a ela se segue. A Culpa conjugal o
encontra espaço diante dos termos da CRFB/88.
De outro lado, o princípio da unidade da Constituição é
aquele segundo o qual a ordem jurídica, embora complexa e contendo normas
voltadas para diversos fins, é um sistema que se estrutura a partir da Lei
Fundamental. A idéia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da
Constituição e sobre ela também se projeta.
584
Decorrência disso, prossegue
BARROSO, é que o intérprete deverá atuar guiado pela grande bússola da
interpretação constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais
inscritos ou decorrentes da Lei Maior,
585
harmonizando tensões e conflitos.
Noutras palavras, é necessário que os valores constitucionais sejam realizados,
efetivados. A Culpa, por tudo, não se harmoniza com os valores emanados da Lei
Fundamental, sobretudo com o princípio da Dignidade Humana, o direito
fundamental à Intimidade e à privacidade e às garantias institucionados
constantes desta Pesquisa.
583
Escola de origem francesa que nasceu sob a influência do digo de Napoleão de 1804 e que
estava “identificada com o fetichismo da lei e culto ao código promulgado pelo imperador” (ou seja,
do próprio Napoleão), conforme COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das
leis. 2. ed., rev. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 226.
584
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 196.
585
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: p. 196.
131
Ademais, manter-se a Culpa, embora sem maiores
conseqüências jurídico-legais, com seus sabidos e nefastos efeitos, é privilegiar-
se o princípio da legalidade em detrimento da constitucionalidade, o que o é
tolerável aos operadores do direito e ao Poder Judiciário. Subjugar a Constituição
à lei não é possível. Eis as palavras de SARLET a respeito:
Por outro lado, a condição peculiar do Poder Judiciário, na medida
em que, sendo simultaneamente vinculado à Constituição (e aos
direitos fundamentais) e às leis, possui o poder-dever de não apli-
car as normas inconstitucionais, revela que eventual conflito entre
os princípios da legalidade e da constitucionalidade (isto é, entre
lei e Constituição) acaba por resolver-se em favor do último.
586
A perenização da Culpa seria como que retornar à linha no
passado defendida pela escola da exegese e sua conhecida interpretação
dogmática
587
. Isso porque, lá, havia a obediência intransigente da legislação
infranconstitucional, especialmente dos códigos (a partir da vigência do Código
Civil Francês de 1804, como dito), concretizada via interpretação meramente
gramatical
588
. Seria esquecer que o pós-positivismo, como demonstrado, é
caracterizado justamente pela normatividade dos princípios, pela realização dos
valores neles impregnados.
A Culpa despreza que na interpretação e crítica do direito o
intérprete deve considerar o presente e valer-se do saber teórico acumulado, não
para dogmatizá-lo em seus postulados, mas para superá-lo na medida em que se
evidencia necessário para a reconstrução do homem e da sociedade;
589
ignora
que as normas destinam-se às necessidades sociais
590
e, portanto, os juristas
devem reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais;
591
esquece que a visão deve ser crítico-construtiva a fim de que se desnude o
586
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 361.
587
Aquela, segundo BOBBIO, que se “limitava a uma interpretação passiva e mecânica do Códi-
go”. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio
Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 78. Título original: La teo-
ria delle forme di governo nella storio del pensiero político: anno accademico 1975-1976.
588
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito: p. 10.
589
COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. p. 336.
590
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: p. 184.
591
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: p. 186.
132
descompasso da lei com a realidade social. Deve-se optar por extrair da
Constituição os elementos fundamentais compatíveis com as relações pessoais e
familiares que tutela.
592
WELTER identifica inconstitucionalidade porque Culpa é
uma reminiscência do direito canônico no direito estatal, além de afrontar diversos
princípios constitucionais e direitos fundamentais, com ênfase especial, para os
fins desta Pesquisa, para o destaque que faz para o Afeto como valor jurídico e
para o princípio da dignidade da pessoa humana. Nestes termos:
É inconstitucional a discussão da doutrina canônica dentro do Es-
tado Democrático de Direito, que é laicizado, leigo, descristianiza-
do, profanado, desconsagrado, degredado, dessacralizado, des-
dramatizado, secularizado. Em decorrência, a culpa deve ser afas-
tada do Direito de família, visto que o mundo moderno seculari-
zado-democrático-globalizado – deixou de comportar as estruturas
do Direito Divino, não sendo mais o Pai do Céu (Deus) quem diz o
Direito estatal, e sim o Estado Democrático de Direito, que não é
mais um Estado confessional, atemporal ou espiritual, desapare-
cendo, com isso, a idéia de pecado. A culpa, perquirida como
forma de impor sanção ao cônjuge que tenha sido julgado culpa-
do, não condiz com o Direito de Família atual, que se fundamenta
na Constituição Federal de 1988, que, por sua vez, acolheu os
princípios da cidadania, da igualdade de direitos e deveres entre
homens e mulheres, da igualdade jurídica entre casamento e uni-
ão estável, da proibição de discriminação dos filhos, do afeto co-
mo valor jurídico, acolhendo os mesmos direitos e deveres entre
famílias biológica e socioafetiva, elevando a dignidade da pessoa
humana a fundamento da República Federativa do Brasil e do Es-
tado Democrático de Direito.
593
(
destaque do original
).
Atualmente, o Casamento não serve mais à procriação, à
manutenção da espécie, como visto, ou para melhor assistência material dos
partícipes do enlace, mas sim como centro de realização pessoal e afetiva dos
consortes, não se justificando, diante desse formato, a discussão da Culpa. Eis as
palavras de PEREIRA a respeito:
No momento em que o casamento perde sua preponderância de
núcleo econômico e de reprodução, para ser o espaço de
592
LÔBO, Paulo Luiz Netto. O ensino do direito de família no Brasil. WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre
direito de família: p. 317.
593
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização do direito de família. Temas atuais de direito e
processo de família: primeira série. FARIAS, Cristiano Chaves (coord.). p. 223.
133
realização e troca de afeto e amor, não faz mais sentido encontrar
um culpado pelo seu termo final
.
594
A manutenção da Culpa passa ao largo da real intenção do
Constituinte de 1988, especialmente do que pretende ao assentar o princípio da
dignidade da pessoa humana, o direito fundamental à inviolabilidade da
Intimidade e da vida privada, e ainda as garantias institucionais da família e da
infância e juventude. E isso porque esses direitos visam a permitir que o cidadão
seja respeitado, valorizado, e se possível feliz. Não se quer o conflito, o litígio, o
embate, a desavença, mas sim a compreensão, a aceitação da alteridade, a
tolerância, a justiça.
Aliás, KELSEN, ao discorrer sobre o que seria a justiça, em
17 de maio de 1952, em Berkeley, Estados Unidos da América, na sua última
palestra na academia, afirmou:
Abri este ensaio com a pergunta `o que é a justiça?`. Agora, che-
gando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única
desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria
sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito
onde falharam os pensadores mais ilustres. Por conseguinte, não
sei, nem posso dizer, o que é a justiça, a justiça absoluta que a
humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça
relativa e posso dizer o que é a justiça para mim. Uma vez que
a ciência é a minha profissão e, portanto, a coisa mais importante
da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja
proteção pode prosperar a busca da verdade. A `minha` justiça,
portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em
suma, a justiça da tolerância.
595
Observar-se-á a linha de tolerância exaltada por KELSEN
se, além de o mais humano dos direitos, o direito de família se tornar, também,
nas palavras de BARROS, o mais humano dos direitos humanos.
596
Por tudo, a investigação da Culpa não está em harmonia
com a família atual, com a concepção vigente do Casamento e da compreensão
594
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A culpa no desenlace conjugal. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim,
e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de
família: p. 338.
595
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. XXXI.
596
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família. Anais do IV congresso brasileiro
de direito de família. p. 620.
134
contemporânea do direito de família, e tampouco encontra apoio na CRFB/88,
notadamente em seus artigos 1º, inciso III, 5º, inciso X, 226, caput, e 227, caput.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de considerações finais, realizando-se uma avaliação
final das compreensões expressas na presente Pesquisa, pode-se destacar
alguns de seus fundamentos e conclusões, como segue:
1. Outrora, a família e o Casamento confundiam-se, sendo
que aquela existia legalmente e era reconhecida como tal quando formada a
partir do matrimônio. Integravam a família somente as pessoas ligadas por laços
sangüíneos, tendo como finalidade principal a perpetuação da espécie por meio
da procriação. Tratava-se de grupo sob a liderança do homem (patriarcal), voltado
para a aquisição de patrimônio (patrimonializada) e heterossexual (só era
admissível a família constituída por homem e mulher por meio do Casamento).
2. A unidade da família e a indissolubilidade do matrimônio
era importante para a manutenção do próprio Estado. O Casamento era algo
divino, intocado e imaculado. A separação era possível em situações
específicas (por consenso ou via Culpa) e o nculo matrimonial jamais de
dissolvia. O Estado pretendia a manutenção do enlace.
3. A Culpa, nesse quadro, surge como forma de manter a
união, apresentando-se o cônjuge culpado como um pecador. Pecador porque,
como se viu, a Culpa tem origem no direito canônico, a partir, principalmente, do
pecado cometido pelo homem que comeu o fruto proibido, em função do desejo e
em detrimento da orientação divina.
4. A família, hodiernamente, caracteriza-se pela diversidade
de entidades familiares, igualdade de seus integrantes e entre os filhos dos
diferentes leitos, pela realização físico-espiritual-afetiva dos partícipes, pela busca
incessante de realização pessoal individual e no núcleo familiar. A família, serve
como lugar de Afeto e de trocas, mostrando-se como instrumento de felicidade,
enfim. O Casamento, nesse passo, torna-se dissolúvel, o havendo mais
interesse e motivo para a indissolubilidade, e a separação é facilitada, pois.
136
5. A separação, que no CCB/16 só era possível ou por
mútuo consentimento ou pelo viés da Culpa, passou a ser alcançável também por
outros meios: separação-falência e separação-remédio, já na Lei n. 6.515/77
(arts. 5º, § § e 2º), realidade que se manteve no CCB/02 (art. 1.572, § § e
2º). A Culpa, no entanto, com a vigência da CCB/02, não foi mantida a sua
exigência (art. 1.572, caput), como alargou-se o seu espectro de incidência, nos
termos do art. 1.573 e parágrafo único.
6. Porém, a Culpa conjugal não é passível de identificação
precisa, ou seja, não é atingível pelo ser humano mensurá-la ou apontar seus
contornos com exatidão. O ato tido como culposo pode ser apenas sintoma do fim
afetivo, uma maneira de exteriorizar o que não mais perdurava. Impossível
avaliar, então, o que é causa e o que é efeito/conseqüência. Afinal, os
cônjuges conhecem a objetividade da relação, mas não precisamente o que se
passa na alma de cada um, estado que, muitas vezes, mesmo seu portador
desconhece.
7. A Culpa se revela instrumento de vindita ou egoísta do
cônjuge inocente“ contra o considerado “culpado“. As frustrações, as decepções,
os fracassos, tudo enfim que é resultado de insucesso comum, vira meio de
atingir o outro, de forma a que o “inocente“ seja absolvido pela sociedade e o
“culpado“, assim reconhecido pelo Estado e também pela sociedade.
8. Mesmo que seja objetivamente demonstrada a Culpa, tal
qual prevista no art. 1.572, caput, e 1.573, do CCB/02, ela não enseja
conseqüências específicas que a justifiquem. Os alimentos serão arbitrados, na
prática, na avaliação do binômio possibilidades-necessidades; o nome, como
direito da personalidade (art. 16, CCB/02) e à vista da extensa abrangência dos
incisos I, II, e III do artigo 1.578 daquele diploma; e a infração conjugal geradora
de indenização, de duvidosa adequação para a atual concepção do direito de
família, pode ser perseguido com base no direito comum (art. 186, CCB/02) e em
ação específica e autônoma para esse fim.
9. A CRFB/88, de outro lado, é responsável pelo que se
chama revolução do direito de família e da própria família, sobretudo pelas
137
garantias institucionais constantes dos artigos 226, e parágrafos; e 227, por seus
parágrafos e incisos, que são os alicerces específicos da nova família. O
destaque para o indivíduo, todavia, a elevação do princípio da Dignidade Humana
à condição de estruturante da República brasileira, e os direitos fundamentais
elencados nos artigos 5 a 17, também fornecem suporte para a atual concepção
da família.
10. O constitucionalismo atual, compreendido como aquele
que valoriza o ser humano e o eleva à condição de destinatário principal da
atividade estatal, é fundamento importante nesse novo cenário. A normatização e
conseqüente eficácia dos princípios, a obrigatória observação da Lei Fundamental
pelos poderes públicos e pelos particulares, com a conseqüente realização dos
valores constitucionais, são características que afastam, de vez, o tempo no qual
as constituições eram normas genéricas e de seguimento quando possível.
11. Nessa nova moldura, o princípio da ratio do Casamento
e da vida afetiva, aquele que revela a essência da união, também está a expungir
a Culpa. O Afeto, fundamento do matrimônio, deve permear toda a união e, até,
permanecer após sua dissolução, tanto quanto possível (embora aqui tenha outro
feitio). A Culpa não convive com o Afeto e, por isso, deve ser afastada.
12. O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o
qual o cidadão é o centro e o fim da atividade estatal, não coexiste com a Culpa.
Esse princípio afasta toda e qualquer ação que implique humilhação ou
constrangimento a qualquer ser humano, praticada pelo Estado ou particulares.
Destaque-se que a separação pode ser alcançada sem a investigação da Culpa,
o que possibilita a aplicação desse princípio ainda com mais vigor.
13. A investigação da Culpa, ademais, implica violação do
direito fundamental da preservação da intimidade e da vida privada. Isso ocorre
porque, normalmente, o descumprimento dos deveres do Casamento não
acontece na presença de testemunhas, dificultanto a sua demonstração. Diante
disso, a busca por meios que auxiliem a caracterização da infração leva à
devassa na intimidade e privacidade do outro e à exteriorização de atos e fatos
que só dizem respeitos aos consortes. A investigação da vida privada, como visto,
138
é justamente uma das formas de violar esse direito fundamental.
14. A garantia institucional da preservação da família (art.
226, caput, da CRFB/88) mostra a sua importância para o Estado e para a
sociedade, relevância expressa, de maneira inequívoca, na especial proteção que
o Estado a ela deve dedicar. Essa proteção significa, no mínimo, mantê-la a
salvo do que possa ensejar desagregação. O quadro constitucional, assim, não
permite que a pesquisa da Culpa, sua exteriorização e imputação a um ou a
ambos os consortes, sirva de instrumento para a fissura ou a quebra dos vínculos
estabelecidos por ocasião da união, alguns perenes.
15. A garantia institucional da preservação infanto-juvenil
(art. 227, caput, da CRFB/88), por sua larga dicção, está a impor a todos - Estado,
sociedade e aos próprios integrantes do núcleo familiar - que a protejam de ações
que possam prejudicar crianças e adolescentes. A dignidade, a boa convivência
familiar e a não-violência, direitos destacados para os fins dessa Pesquisa, devem
ser protegidos, ao máximo, o que é possível sem a discussão da Culpa. Essa
investigação, aliás, em nada atinge os filhos, salvo para prejudicá-los. Na
dissolução da sociedade conjugal, esta é a maneira de efetivar os direitos
assegurados, e fazê-lo com absoluta prioridade.
16. A atual configuração da família, do Casamento, as
conseqüências da discussão da Culpa na separação, sobretudo para os filhos, a
possibilidade de atingir-se por meios menos traumáticos aquelas que seriam as
conseqüências da Culpa (alimentos, nome e indenização) e os valores expressos
na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro
de 1988, estão a exigir que prossigam os estudos acerca da separação com
causa culposa no direito brasileiro com o fim de eliminá-la do ordenamento
jurídico nacional.
139
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti. Famílias simultâneas e concubina-
to adulterino. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp. Acesso
em: 4/11/2004.
ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. A re-
construção do direito privado. MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstru-
ção do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 213-
229.
ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan Ruiz. Las piezas del derecho: teoría de los
enunciados jurídicos. Barcelona: Ariel, 1996. 207p.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 1984. 408p.
BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação
constitucional. BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitu-
cional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 49-118.
BARROS, Sérgio Rezende de. A ideologia do afeto. Revista brasileira de direito
de família, Porto Alegre, Síntese, 14, p. 7, jul./set. 2002.
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da família: dos direitos
fundamentais aos operacionais. Anais do IV congresso brasileiro de direito de
família. Afeto, ética, família e o novo código civil brasileiro. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 613.
BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: pondera-
ção, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
424p.
_______________________. Interpretação e aplicação da Constituição: fun-
damentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. rev. atual. e
ampl.. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. 379p.
_______________________. Constituição da República Federativa do Brasil
anotada. 4. ed.. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. 1155p.
BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição
do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 1. São Paulo: Editora Sarai-
va, 1988. 466p.
________________________________________. Comentários à Constituição
do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 2. São Paulo: Editora Sarai-
va, 1989. 620p.
140
________________________________________. Comentários à Constituição
do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 8. São Paulo: Editora Sarai-
va, 1998. 1072p.
BEMBOM, Marta Vinagre. Infidelidade virtual e culpa. Revista brasileira de
direito de família, Porto Alegre, n. 5, p. 29-35, abr./jun. 2000.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. 469p.
BÍBLIA SAGRADA. 12. ed. Tradução dos originais hebraico, aramaico e grego,
mediante a versão francesa dos Monges Beneditinos de Maredsous (Bélgica) pelo
Centro Bíblico de o Paulo. São Paulo: Editora Ave Maria Ltda, 1968. 1602p.
Título do original: sem menção no exemplar utilizado.
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradu-
ção de Márcio Pugliese, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone,
1995. 239p. Título original: La teoria delle forme di governo nella storio del pensie-
ro político: anno accademico 1975-1976.
BOFF, Leonardo. Família: utopia e realidade. Jornal A Notícia, Santa Catarina,
14.ago.2004, p. A3.
BOHN, Claudia Fernanda Rivera. A teoria dos direitos fundamentais de Robert
Alexy. A constituição no mundo globalizado. DOBROWOLSKI, Silvio (org.).
Florianópolis: Editora Diploma Legal, 2000. 316p.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. o Paulo: Ma-
lheiros Editores, 2003. 859p.
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Do casamento religioso com efeitos civis e
o novo código civil. Disponível em: Home Page Jus Navigandi
http://www1.jus.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=2662. Acesso em: 15/10/2004.
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: novos direitos e acesso à
justiça. Florianópolis: Habitus Editora, 2001. 277p.
BRASIL. Anais dos congressos brasileiros de direito de família Belo Hori-
zonte: IBDFAM/Del Rey - periódicos
BRASIL. Até que a lei os separe. Revista Veja, de 25.2.2004, p. 58-59.
BRASIL. A tirania dos adolescentes. Revista Veja, de 18/02/2004, p. 70-77.
BRASIL. Bebê de proveta comemora o primeiro ano de vida. Jornal A Notícia, de
23.8.2004, p. A8.
BRASIL. Boletim do IBDFam Instituto Brasileiro de Direito de Família Belo
Horizonte: IBDFam – Síntese - periódicos
BRASIL. Brasília. Tribunal Regional Federal da R. AMS 92.01.24600-5-DF
Juiz Catão Alves, DOU 24/6/1996
141
BRASIL. Células da esperança. Revista Veja, de 24.3.2004, p. 85-91.
BRASIL. Coletadas lulas-tronco de bebê em Criciúma. Jornal A Notícia, de
17.8.2004, p. B15.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
Home Page Senado Federal http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.
Acesso em: 22/09/2004.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em: Ho-
me Page do Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/BasesHist/asp/detalheDocumento.asp.
Acesso em: 19/09/2004.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Dis-
ponível em: Home Page Senado Federal -
http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nphbrs.exe. Acesso em: 19/09/2004.
BRASIL. Constituição do Brasil de 1967. Disponível em: Home Page Senado Fe-
deral -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp/detalheDocumento.asp.
Acesso em: 22/09/2004.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: Ho-
me Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp/detalheDocumento.asp.
Acesso em: 22/09/2004.
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: Ho-
me Page Senado Federal -http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/basesHist/asp.
Acesso em: 22/09/2004.
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em Home
Page Senado Federal – http://www2.senado.gov.br/sf/legislacao/BasesHist/asp.
Acesso em: 19/09/2004.
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário
Oficial da União, Rio de Janeiro, de 31 de dezembro de 1940, p. 23.911. Disponí-
vel em: Home Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-
brs.exe. Acesso em: 27/09/2004.
BRASIL. Del Rey Revista Jurídica, Belo Horizonte, n. 8, maio 2002, p. 19.
BRASIL. Entre dois amores. Revista Isto É, de 6/02/2002, p. 52-58.
BRASIL. Lei n. 3.071, de de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos
do Brasil. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1916. Disponível em: Ho-
me Page Senado Federal - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Aces-
so em: 23/09/2004.
BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Ci-
142
vil. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: Home Page Senado Fede-
ral - http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso em: 23/09/2004.
BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977 - Regula os casos de dissolu-
ção da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos proces-
sos, e outras providências Diário Oficial da União. Brasília, DF, 27/12/1977,
p. 17.953. Disponível em: http://wwwt.senado.gov.br/netacgi/nph-brs.exe. Acesso
em: 22/09/2004.
BRASIL. Lei n. 7.841, de 17 de outubro de 1989, que Revoga o art. 358 da Lei
3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e altera dispositivos da Lei nº 6.515,
de 26 de dezembro de 1977, publicada no DOU de 18.10.89, p. 19721
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente, e outras providências, publicada no DOU de
16.7.1990, p. 13563, e retificada em 27.9.1990, p. 18551.
BRASIL. Lei n. 8.408, de 13 de fevereiro 1992, nova redação aos dispositivos
da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, publicada no DOU de 14.2.92, p.
1821;
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
Disponível em: Home Page Senado Federal -
http://www2.senado.gov.br/sf/pesquisas/pesqExec.asp. Acesso em: 23/09/2004.
BRASIL. Minas Gerais. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 5ª C. AC 142.484-5 –
Des. Hugo Bengtsson, j. em 17/6/1999, JM 149/222.
BRASIL. Novos estudos jurídicos Revista quadrimestral do Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Univali Itajaí Univali - perió-
dicos
BRASIL. Os superpais. Revista Isto É, de 11/02/2004, p. 52-53.
BRASIL. Promessa de vida. Revista Isto É, de 18.2.04, p. 68-69.
BRASIL. Revista brasileira de direito de família Porto Alegre: Síntese, IBD-
Fam - periódicos
BRASIL. Revista dos Tribunais 285/315. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap.
cível 90.924, rel. Des. Edgard de Moura Bittencourt, j. em 9.12.1958.
BRASIL. Revista dos Tribunais 291/190. Tribunal d3e Justiça de São Paulo. Em-
bargos 84.912, rel. Raphael de Barros Monteiro, j. em 5.5.1959.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC
595.118.787 - 8ª C. – Des. Eliseu Gomes Torres, j. em 9/11/1995.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC
597252436 – 8ª C. - Des. Breno Moreira Mussi.
143
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AgRg no
MS 590.019.0998 - 5ª C. – Des. Lio Cezar Schmitt, j. em 17/4/1990, RJ 157/101.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. cível
70005834916 – 7ª C. - rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. cível
70002286912 – rel. Des. Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, j. em 27/6/2001.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Corpo da
Apelação vel n. 70005834916 - C. Porto Alegre, rel. Des. JoCarlos Teixei-
ra Giorgis, j. em 2/04/2003.
BRASIL. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. RJTJRS
153/288 – 8ª C. - Des. Clarindo Favretto, j. em 28.11.1991.
BRASIL, Sandra. Você pode escolher. Revista Veja, de 22/09/2004, p. 100-
107.
BRASIL. Santa Catarina. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. JC 48/303. AI
2886 – rel. Des. Nelson Konrad, j. em 5/5/1985.
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. AI 16.507-0 CE Des.
Sabino Neto, em j. em 11/11/1993.
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ap. 1.642-1, j. em
3/6/1980.
BRASIL. São Paulo. Tribunal de Justiça de São Paulo. MS 13.176-0/2 SP
Des. Dino Garcia, j. 8/8/1991.
BRASIL. Síntese Jornal, Porto Alegre, n. 5, p. 27, fev. 2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Inq. 187-DF rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. em 21/08/1996, DJU 16/09/1996, p. 33.651.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus
7216-SP – Min. Edson Vidigal, j. 28/4/1998, DOU 25/5/1998, p. 125.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 37051, da 3. T. - rel. Min. Nilson Na-
ves, j. em 14/4/2001, DJU 25/6/2001.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rev. 89/199, 3. T. - rel. Min. Nilson Naves,
j. em 12/3/1996.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 71373-RS Min. Francisco
Rezek, j. em 10/11/1994, DOU 22/11/1996, p. 45.686.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 74678-SP Min. Moreira
Alves, j. em 10/6/1997, DOU 15/8/1997, p. 37.036.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 23452-RJ - rel. Min.
Celso de Mello, DJU 12/5/2000, p. 20.
144
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 158.215-4 – Min.
Marco Aurélio, DOU 7/6/1996.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ 119/465. Ag 110.846-PR Min. Célio
Borja.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 379. Disponível em: Home Page do
STF - http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp. Acesso em: 9/11/2004.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª R. AMS 92.01.24600-5-DF Juiz Catão
Alves, DOU 24/6/1996. No mesmo sentido: Tribunal Regional Federal da R.
AMS 1.729-CE – Juiz José Delgado, DOU 13/8/1990.
BRASIL. Um novo arranjo familiar. Revista Veja, de 5/09/2001, p. 108-109.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: con-
teúdo jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. 136p.
BRITO, Leila Maria Torraca de. Separando: um estudo sobre a atuação do psicó-
logo nas varas de família. Rio de Janeiro: Relume-Dumará - UERJ, 1993. 120p.
CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução
de Carlos E. Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 288p. Título original:
Introduction historique au droit privé.
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Edi-
tora Revista dos Tribunais, 2000. 1392p.
CANOTILHO, J. J. Gomes, e MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição.
Coimbra: Coimbra, 1991. 310p.
CALDAS, Gilberto. Novo dicionário de latim forense. 4. ed. São Paulo: Editora
Jalovi Ltda., 1990. 407p.
CARVALHO, Afrânio. Instituições de direito privado. 3. ed., rev. e aum. Rio de
Janeiro: Forense, 1980. 442p.
CARVALHO NETO, Inácio de. Reparação civil na separação litigiosa culposa.
Temas atuais de direito e processo de família: primeira série. FARIAS, Cristia-
no Chaves (org.). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. p. 229-276.
CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e inti-
midade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 158p.
CHINELATO, Silmara Juny. Comentários ao código civil: parte especial: do di-
reito de família. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. 565p.
COELHO, Inocêncio Mártires et alli. Hermenêutica constitucional e direitos
fundamentais. 1. ed. 2. tir. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. 322p.
COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2. ed., rev.
145
Rio de Janeiro: Forense, 1981. 359p.
CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O direito de família no projeto do código civil.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertó-
rio de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucio-
nais, civis e processuais. v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.
222-243.
COSTA, Célio Silva. A interpretação constitucional e os direitos e garantias
fundamentais na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1992. 807p.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito, as
instituições da Grécia e de Roma. 12. ed. Tradução de Jonas Camargo Lei e de
Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975. 310p. Título original: La cité antique
Étude sur le culte, le droit, les institucions de la Grece et de Rome (1864).
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá
Editora, 2002. 274p.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos sem culpa. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em:
4/11/2004.
______________________. Direito de família e psicanálise. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/site/frames.php?idioma=pt. Acesso em:
4/11/2004.
______________________, e PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (orgs). Direito de
família e o novo código civil. 3. ed. 2 tir., ver., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del
Rey – IBDFAM, 2004. 340p.
______________________. Lar: Lugar de afeto e respeito. Jornal Zero Hora,
Rio Grande do Sul, 6/3/1999. p. 15.
______________________. Da separação e do divórcio. Direito de família e o
novo código civil. 3. ed. 2 tir., ver., atual. e ampl. DIAS, Maria Berenice, e
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Belo Horizonte: Del Rey – IBDFAM, 2004, p. 73-99.
______________________. O fim do fim sem fim. Diretos fundamentais do di-
reito de família. WELTER, Belmiro Pedro, e MADALENO, Rolf Hanssen (coord.).
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 235-253.
DINIZ, Márcio Augusto Vasconcelos. Constituição e hermenêutica constitucio-
nal. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 294p.
DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 17 ed. atual,
de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-02). São Paulo: Editora
Saraiva, 2002. 562p.
DOBROWOLSKI, Silvio (org.). A constituição no mundo globalizado. Florianó-
polis: Editora Diploma Legal, 2000, p. 140.
146
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo.
São Paulo: Martins Fontes, 2003. 513p. Título do original: Law’s Empire.
ESPÍNOLA, Eduardo. A família no direito civil brasileiro. Atualizado por Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2001. 646p.
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999. 346p.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito constitucional à família (ou famílias socioló-
gicas versus famílias reconhecidas pelo direito: um bosquejo para uma aproxima-
ção conceitual à luz da legalidade constitucional). Revista brasileira de direito
de família. Porto Alegre, n. 23, p. 9, abr-maio 2004
________________________ (coord.). Temas atuais de direito e processo de
família: primeira série. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. 646p.
________________________. Redesenhando os contornos da dissolução do ca-
samento (casar e permanecer casado: eis a questão). Anais do IV congresso
brasileiro de direito de família. Afeto, ética, família e o novo código civil brasilei-
ro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, 685p.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucio-
nalidade. 2. ed., ampl. e atual. de acordo com a Constituição Federal de 1988.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. 190p.
FONTANA, Vilson. Fundamentos históricos e jurídicos do controle da consti-
tucionalidade no Brasil: uma discussão com base no direito estrangeiro. 2004.
106f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2004.
FONTANELLA, Patrícia, e FONTANELLA, Fabiana. Dicionário técnico jurídico e
latim forense. ed. ver. atual. e ampl. Florianópolis: Habitus Editora, 2003.
208p.
GARCEZ FILHO, Martinho. Direito de família. 2. ed. Rio de Janeiro: A. Coelho
Branco Filho Editor, 1932. v. II.
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de bens.
Revista brasileira de direito de família, n. 9, p. 151, abr/jun 2001.
GOMES, Orlando. Direito de família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. 455p.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos funda-
mentais. 3. ed.. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional, 2003. 174p.
GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. Anais do II
congresso brasileiro de direito de família. A família na travessia do terceiro
milênio. Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.
439-454.
147
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 21. ed., rev., com
alt. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 433p.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intér-
pretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimen-
tal” da constituição Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1997. 55p. Título original: Die offene Gesellschaft der Ver-
fassungsinterpreten. Ein Beitrag zur pluralistischen und “prozessualen” Verfas-
sungsinterpretation.
HART, H. L. A. O conceito de direito com um pós-escrito editado por Penélope
A. Bulloch e Joseph Raz. Tradução de A. Ribeiro Mendes 2. ed. Lisboa: Funda-
ção Calouste Gulbenkian, 1994. 348p. Título original: The concept of law.
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da
Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 1995. 576p. Título original: Grundzüge des Verfassungsrechts der Bun-
desrepublik Deutschland.
HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito luz de uma perspectiva
axiológica, fenomenológica e sociológico-política). 3. ed., rev., ampl. e atualizada.
Rio de Janeiro: Forense, 1994. 179p.
ISQUIERDO, Renato Scalco. A tutela da criança e do adolescente como projeção
dos princípios da dignidade humana, da solidariedade e da autonomia: uma abor-
dagem pela doutrina da proteção integral. MARTINS-COSTA, Judith (org.). A re-
construção do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
p. 518-550.
KELSEN, Hans. O problema da justiça. 3. ed. Tradução de João Baptista Ma-
chado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 149p. Título original: Das problem der
gerechtigkeit.
LEAL, Rosemiro Pereira. Processo e eticidade familiar constitucionalizada. Anais
do IV congresso brasileiro de direito de família. p. 601.
LEITE, Eduardo de Oliveira, e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Repertó-
rio de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucio-
nais, civis e processuais. v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
448p.
LEITE, Gisele. A culpa conjugal e ruptura. Disponível em:
http://:www.direito.com.br/Destaques.asp. Acesso em: 4/11/2004.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Repersonalização das Famílias. Revista brasileira de
direito de família, Porto Alegre, n. 24, p. 139, jun. jul. 2004.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem,
os limites e os fins verdadeiros do governo civil. 3. ed. Tradução de Magda Lopes
e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, 318p. Título original:
sem menção no exemplar consultado.
148
MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. Revista brasilei-
ra de direito de família, Porto Alegre, n. 11, p. 149-150, out./dez 2001.
______________, e WELTER, Belmiro Pedro (coord.). Direitos fundamentais do
direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. 438p.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da
Constituição. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 248p.
MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. 861p.
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio
constitucional fundamental. Curitiba: Juruá Editora, 2003. 141p.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2003. 342p.
MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de política jurídica. Florianópolis: OAB-
SC Editora, 2000. 104p.
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. Atualizado por Vilson Rodri-
gues Alves. Campinas: Bookseller, 2001. v. I. 589p.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2003, p. 2055.
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos morais e relações de família. Anais do IV
congresso brasileiro de direito de família. p. 399-415.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. São
Paulo: Editora Saraiva, 2001. 350p.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação
constitucional. 3. ed.. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2003. 2984p.
MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Além dos fatos e dos relatos: uma visão
psicanalítica do direito de família. Anais do II congresso brasileiro de direito de
família. p. 49.
NASCIMENTO, TupinamMiguel Castro do. A ordem social e a nova Consti-
tuição: Arts. 193 a 232. Rio de Janeiro Aide Editora, 1991. 260p.
OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito de Família no Novo Código Civil.
Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, n. 18, p. 14, jun./jul. 2003
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa, e MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de
direito de família. 4. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2001. 480p.
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de fa-
mília. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 384p.
149
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica idéias e ferramentas úteis
para o pesquisador do direito. 8. ed. rev. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003.
243p.
PELUSO, Antonio Cezar. O menor na separação. WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudência e
doutrina sobre direito de família: p. 20-23
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A culpa no desenlace conjugal. WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertório de jurisprudên-
cia e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e proces-
suais. v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 322-340.
_______________________. Novo código civil da família anotado e legisla-
ção correlata em vigor. Porto Alegre: Síntese, 2003. 622p.
_______________________ , e DIAS, Maria Berenice (orgs). Direito de família e
o novo código civil. 3. ed. 2 tir., ver., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey
IBDFAM, 2004. 340p.
PEREIRA, Sérgio Gischkow. O direito de família e o novo código civil: alguns
aspectos polêmicos ou inovadores. Revista brasileira de direito de família,
Porto Alegre, n. 18, p. 161, jun-jul 2003.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitu-
cional. 2. ed. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. 359p. Título do original: sem menção no exemplar utilizado.
PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências constitucionais
no direito de família: Estudos em homenagem ao professor José Carlos Teixeira
Giorgis. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. 224p.
PORTUGAL. Disponível em: Home Page Centro de Informação da ONU em Por-
tugal - http://www.onuportugal.pt/. Acesso em 9/10/2004.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed., 2. tir. São Paulo: Editora
Saraiva, 1999. 393p.
REZENDE, Renata Flavia Maimone. Desamor como causa de separação judi-
cial. Disponível em Home Page Jus Navigandi -
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4238. Acesso em: 20/09/2004.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2004. 1032p.
ROCHA, Sandra Mônica de Siqueira. E os filhos de pais separados? Psicologia,
serviço social e direito: Uma interface produtiva. FERNANDES, Helena Maria
Ribeiro (coord.). Recife: Editora Universitária da UFPE, 2001. 170p.
ROESLER, Claudia Rosane. Theodor Viehweg e a ciência do direito: tópica,
discurso, racionalidade. Florianópolis: Momento Atual, 2004. 226p.
150
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27. ed. atual. por Francisco
José Cahali, com anotações ao novo Código Civil (Lei n, 10.406, de 10-1-02). São
Paulo: Saraiva, 2002. 476p.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Ser-
gio Antonio Fabris Editor, 1999. 88p.
ROUDINESCO, Elisabeth. A família do futuro. Boletim do IBDFam Instituto
Brasileiro de Direito de Família, ano 4, n. 28, p. 3, set./out., 2004.
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A separação judicial e o divórcio no novo código civil
brasileiro. Revista brasileira de direito de família, Porto Alegre, Síntese, n. 12,
p.147, jan./mar 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed., rev., a-
tual e ampl.. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. 453p.
____________________. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamen-
tais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002. 157p.
SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. 152p.
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dog-
mática penal. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1999, 160p.
SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. Belo Horizonte: Del Rey,
2004. 218p.
SILVA, Carlos Alberto da. Uma abordagem histórica e jurídica da família brasi-
leira. 2002. 163f. Dissertação (Mestrado) Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí,
2002.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. v. 5. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1993. 267p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed., rev.
e atual. nos termos da reforma constitucional (até a emenda constitucional n. 39,
de 19.12.2002). São Paulo: Malheiros Editores, 2003. 878p.
SILVA, Paulo Lins e. A interação do afeto nas relações de família. Del Rey
Revista Jurídica, Belo Horizonte, n. 8, maio 2002, p. 19.
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Débito conjugal. Anais do IV congresso
brasileiro de direito de família. p. 536-537.
STOCKINGER, Francisco Tiago Duarte. Família constitucional, separação litigiosa
e culpa. PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel (org.). Tendências consti-
tucionais no direito de família: Estudos em homenagem ao professor José Car-
los Teixeira Giorgis. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 117-126.
151
STRECK, Lenio Luiz. Disponível em:
http://www.mp.rs.gov.br/hmpage/homepage2.nsf/pages/ExecPenLLS. Acesso em
16/11/2004
_______________________________. Jurisdição constitucional e hermenêutica:
perspectivas e possibilidades de Concretização dos direitos fundamentais-sociais
no Brasil. Novos estudos jurídicos – v. 8, n. 2, p. 257-301, maio/ago. 2003
TAVARES, José de Farias. O código civil e a nova constituição. Rio de Janei-
ro: Forense, 1990. 186p.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. 590p.
_________________. O direito civil e a legalidade constitucional. Del Rey Jurídi-
ca, Belo Horizonte, n. 13, p. 23, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3. ed.. v. 6. São Paulo:
Editora Atlas S. A., 2003. 473p.
VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criança e do adolescen-
te. São Paulo: LTr, 1997. 126.
VILLELA, João Baptista. Separação, divórcio e concubinato. Arquivos do Minis-
tério da Justiça. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, p. 189.
WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 14. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor,
de acordo com a jurisprudência e com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-
02). São Paulo: Editora Saraiva, 2002. 712p.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Repertó-
rio de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucio-
nais, civis e processuais. v. 4. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
448p.
WELTER, Belmiro Pedro. A secularização da culpa no direito de família.
Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em: 24/09/2004.
_____________________, e MADALENO, Rolf Hanssen (coord.). Direitos fun-
damentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
438p.