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Universidade
Estadual de
Londrina
LUCAS VIEIRA DE ARAÚJO
OS CONTOS DE DOMINGOS PELLEGRINI (1977 a 1998):
A CONFIRMAÇÃO DO ESCRITOR
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LONDRINA
2008
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LUCAS VIEIRA DE ARAÚJO
OS CONTOS DE DOMINGOS PELLEGRINI (1977 a 1998):
A CONFIRMAÇÃO DO ESCRITOR
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Letras – Estudos Literários
da Univesidade Estadual de Londrina, como
parte dos pré-requisitos necessários à
obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Joaquim Carvalho da
Silva
LONDRINA
2008
LUCAS VIEIRA DE ARAÚJO
OS CONTOS DE DOMINGOS PELLEGRINI (1977 a 1998) :
A CONFIRMAÇÃO DO ESCRITOR
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Letras – Estudos Literários
da Univesidade Estadual de Londrina, como
parte dos pré-requisitos necessários à
obtenção do título de mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Dr. Joaquim Carvalho da Silva
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Prof. Sérgio Paulo Adolfo
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Prof. Aécio Flávio de Carvalho
Universidade Estadual de Maringá
Londrina, 22 de Abril de 2008.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, ao meu orientador, Prof. Dr. Joaquim Carvalho da
Silva, ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de
Londrina (UEL), pela confiança em me receber novamente como aluno, a minha
mulher, Lílian, e a minha família, sem os quais seria impossível a realização deste
trabalho. Agradeço também ao Centro de Documentação e Pesquisa Histórica
(CDPH) da UEL pela cessão de material, primordialmente jornalístico, indispensável
para a realiaçao dessa dissertação.
ARAÚJO, Lucas Vieira de. Os contos de Domingos Pellegrini (1977 a 1998): a
confirmação do escritor. 2008. 110 f. Dissertação (Mestrado em Letras Estudos
Literários) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO
Este trabalho tem como objeto de estudo cinco livros de contos do escritor
Domingos Pellegrini publicados de 1977 a 1998. Tal estudo se justifica pelo
destaque que o referido autor ocupa entre o público, principalmente adolescentes e
jovens, e parte da crítica, além da importância de realizar estudos acadêmicos que
aprofundem a discussão em torno das obras do autor, que apesar da visibilidade
alcançada fora da academia, foi objeto de poucos estudos, notadamente no Paraná,
seu estado natal. Além disso, é importante sistematizar informações sobre a vida e
obra de Pellegrini que, assim como ficou comprovado neste trabalho, tem profunda
influência nos livros que escreve. Sendo assim, os objetivos desse trabalho foram
organizar um conjunto de informações desconexas veiculadas em meios de
comunicação de massa sobre a infância e a juventude do autor, analisar alguns
aspectos literários à luz dos livros selecionados, e julgar, a partir de estudos teóricos,
a relação da literatura infanto-juvenil com o trabalho do autor. Também foi feito um
levantamento da posição que o autor londrinense ocupa no cânone literário nacional,
da mesma forma que uma breve discussão sobre os processos e as ferramentos
usadas para a criação do cânone. A metodologia empregada para tanto fez uso das
contribuições de teóricos brasileiros e estrangeiros de notável saber acerca dos
estudos de teoria literária, como Candido, Moisés, Coutinho, Kaiser e Lubbock, para
analisar o enquadramento dos livros de contos escolhidos nos pressupostos destes
teóricos, além da compilação de dados fornecidos pelo próprio Pellegrini para este
trabalho. Depois dessa análise incial, obteve-se como resultados que o escritor
londrinense não se distancia muito da teoria literária sobre aspectos relacionados ao
conto, e que sua participação do cânone nacional é tímida diante da proximidade
que Pellegrini tem junto ao público e parte da crítica. Também pode-se destacar a
comprovação da forte influência dos episódios vividos na infância do autor em boa
parte dos contos, principalmente os dirigidos ao público infanto-juvenil, o que ocorre
a partir da cada de 1980. No que diz respeito à ligação dos contos pellegrinianos
com a literatura infanto-juvenil, notou-se, assim como ocorreu com a teoria literária,
uma estreita ligação, porém com diferenças substanciais de estilo e temática em
comparação com outras obras do gênero. Com essas informações, a expectativa é
que este trabalho possa trazer uma certa contribuição para os estudos literários,
em especial à literatura contemporânea, e mais especificamente a vida e obra de
Domingos Pellegrini. Além disso, possibilitar que o leitor desse escritor possa
compreender um pouco mais do universo desse respeitado autor.
Palavras-chave: Literatura brasileira. Domingos Pellegrini. Contos. Literatura
infanto-juvenil.
ARAÚJO, Lucas Vieira de. Domingos Pellegrini’s short stories (1977 to 1998):
the confirmation of writer. 2008. 110 f. Dissertation (MA in Letters) State University
of Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT
This work has as its object of study five books of short stories by Domingos Pellegrini
published from 1977 to 1998. This study is justified as the author stands out in the
public’s preference, mainly among adolescents and young adults, and some critics’
preference as well, besides the importance of conducting academic studies that
deepen the discussion about the author’s work which, despite the visibility achieved
outside the academy, was the object of very few studies, primarily in Paraná, the
author’s home state. Furthermore, it is important to systematize information about
Pellegrini’s work and life, which has profound influence in the books he writes as this
work evidences. Thus, the objectives of this study were to organize a group of
disconnected information transmitted in means of mass communication about the
author’s childhood and youth, to analyze some literary aspects of literary theory in the
light of the selected books and to evaluate, from theoretical studies, the relationship
between adolescent/children literature and the author’s work. A study of the position
the author from Londrina occupies in the national literary canon was also conducted,
along with a brief discussion on the processes and tools used for the creation of the
canon. The methodology utilized included contributions from Brazilian and
international scholars with deep knowledge of literary theory such as Cândido,
Moisés, Coutinho, Kaiser and Lubbock, in order to analyze the placement of the
books of short stories chosen from those theoreticians’ perspectives, besides the
compilation of data supplied to this work by the Pellegrini himself. After this initial
analysis, the results obtained show that the writer from Londrina is not very distant
from the literary theory concerning aspects of short stories, and that his participation
in the national canon is timid in face of Pellegrini’s proximity to the public and some
critics Also, the confirmation of the strong influence of the author’s childhood
experiences in many of his short stories should be highlighted, mainly in the ones
aimed at children and adolescents, which happens from the 1980’s onwards.
Concerning the relationship between Pellegrini’s short stories and
adolescent/children literature, similarly to what happened with literary theory, a close
connection was observed, although with substantial differences in style and themes
in comparison with other works of the same kind. With such information, the
expectation is that this work may bring some contributions for literary studies, mainly
for contemporary literature and, more specifically, for Domingos Pellegrini’s life and
work. Besides, we expect to enable his readers to understand a little more about this
respected author’s universe.
Key words: Brazilian literature. Domingos Pellegrini. Short stories.
Adolescent/children literature.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................8
1 QUEM É DOMINGOS PELLEGRINI......................................................................11
1.1
B
IOGRAFIA
.............................................................................................................12
1.2
B
IBLIOGRAFIA DO AUTOR
.........................................................................................17
1.3
R
ESENHA CONTOS ESCOLHIDOS
..............................................................................19
1.3.1
O
H
OMEM VERMELHO
..........................................................................................19
1.3.2
O
S MENINOS
.......................................................................................................21
1.3.3
P
AIXÕES
.............................................................................................................22
1.3.4
T
EMPO DE MENINO
..............................................................................................23
1.3.5
M
ENINOS E MENINAS
...........................................................................................23
2 DOMINGOS PELLEGRINI NA HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA...........................25
2.1
H
ISTORIADORES
L
ITERÁRIOS
B
RASILEIROS
..............................................................28
2.2
M
EIOS DE
C
OMUNICAÇÃO E
C
ÂNONE
.......................................................................32
2.3
P
ELLEGRINI
A
USENTE
.............................................................................................34
3 CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO LITERÁRIO CONTO ....................................36
4 O PROCESSO DE CRIAÇÃO................................................................................46
5 DOMINGOS PELLEGRINI E A LITERATURA INFANTIL.....................................53
5.1
H
ISTÓRIA DA
L
ITERATURA
I
NFANTIL
.........................................................................53
5.2
A
LITERATURA
I
NFANTIL COMO
I
NSTRUMENTO
P
EDAGÓGICO
......................................55
5.3
O
P
APEL DO
F
ANTÁSTICO
.......................................................................................59
5.4
E
FABULAÇÃO
61
5.5
S
EQÜÊNCIA
N
ARRATIVA
..........................................................................................62
5.6
P
ERSONAGENS
......................................................................................................62
5.7
F
ORMA
N
ARRATIVA
:
C
ONTO
....................................................................................64
5.8
N
ARRADOR
............................................................................................................65
5.9
A
TO DE
C
ONTAR
....................................................................................................66
5.10
T
EMPO
................................................................................................................69
5.11
E
SPAÇO
..............................................................................................................70
5.12
O
N
ACIONALISMO
................................................................................................70
5.13
E
XEMPLARIDADE
.................................................................................................72
5.14
O
H
UMOR
............................................................................................................73
5.15
R
EALISMO E
V
ERDADE
..........................................................................................75
5.16
A
PELO À
V
ISIBILIDADE
..........................................................................................77
6 OS PERSONAGENS .............................................................................................80
6.1
A
S
T
ÉCNICAS
U
SADAS
P
ELOS
E
SCRITORES
.............................................................83
6.2
A
P
ESSOA E O
P
ERSONAGEM
..................................................................................89
CONCLUSÃO...........................................................................................................92
REFERÊNCIAS – DOMINGOS PELLEGRINI ..........................................................94
REFERÊNCIAS – LIVROS .......................................................................................95
REFERÊNCIAS – PERIÓDICOS ..............................................................................98
ANEXOS...................................................................................................................99
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende analisar o autor Domingos Pellegrini a
partir de alguns livros de contos publicados pelo mesmo no período que se estende
de 1977, data que marca a publicação de duas das suas principais obras do autor, O
Homem Vermelho e Os Meninos, até o fim da década de 90, quando o escritor está
mais maduro e diferente do jovem rebelde que começou a carreira literária durante a
ditadura militar.
O autor londrinense, embora esteja em plena produção literária,
lançando mais de um livro por ano nesta década, é bastante reconhecido pelo
trabalho como escritor junto à parte que talvez mais interesse a alguém que vive das
letras, o blico, e também pela crítica. Depois que passou a escrever
principalmente para um grupo infanto-juvenil, a obra de Pellegrini tornou-se leitura
obrigatória nas escolas, do ensino fundamental e médio. As editoras que lançam
livros de Pellegrini estão entre as maiores do país Ática, Record e Companhia das
Letras –, mostrando que o londrinense vende bem e que a procura pelas obras dele
são bastante visadas pelo público. A inclusão do autor na lista de vestibulares, como
na Universidade Estadual de Londrina (UEL), em 2006 e 2007, corrobora a posição
do autor no currículo das escolas e, mais ainda, coloca-o no panteão dos escritores
da literatura brasileira e portuguesa, dando um grande passo para que Pellegrini
faça parte do cânone nacional mesmo antes de morrer, algo raro até mesmo entre
os mais reconhecidos. Os dois Prêmios Jabuti que Pellegrini recebeu, em 1977 com
o primeiro livro de contos do autor, Homem Vermelho, e em 2001 com o romance O
Caso da Chácara Chão, mostram que o autor é bem visto pela crítica desde que
começou a carreira na década de 70 e continua fazendo um bom trabalho, ainda que
Pellegrini tenha deixado de trabalhar exclusivamente com contos, como o fez no
começo da carreira.
Malgrado a boa visibilidade junto ao público e o reconhecimento da
crítica, o poucos os trabalhos acadêmicos que analisam as obras e a trajetória
ascendente do autor. Por isso, busca-se neste trabalho mostrar quais são as
principais características, os assuntos, a temática, a organização dos enredos e os
personagens dos livros de contos do autor do período que vai do início da carreira,
na década de 70, ao fim da década de 90, um momento muito diverso daquele que o
9
Brasil vivera 20 anos antes e diferente também para o próprio Pellegrini pelo passar
dos anos e mudança de mentalidade. Dessa forma, acredita-se, será possível traçar
um paralelo entre o Pellegrini em início de carreira, solteiro, universitário, militante
radical de esquerda influenciado em grande parte pela ditadura militar e a censura
imposta pelo regime; e o Pellegrini maduro, pai, jornalista e escritor, que, como a
grande maioria da população, trabalha muito para sobreviver.
Para traçar esse paralelo, o trabalho recorrerá à análise de cinco
livros que retratam três momentos distintos da vida do autor o início da vida como
escritor, na década de 70; o início da mudança, na década de 80, quando Pellegrini
começa a fazer livros mais lúdicos e voltados a um público infanto-juvenil, embora
continue fazendo uma literatura mais adulta com temas político-ideológicos e de
forte sensualidade; e a fase de consolidação como um escritor menos engajado,
sem, necessariamente, chegar à alienação, porém, deixando a crítica política em
segundo plano e dando ênfase aos aspectos mais humanos. Os livros analisados
foram O Homem vermelho (1977), Os Meninos (1977), Paixões (1984), Tempo de
menino (1997) e Meninos e Meninas (1998). Não foram analisados todos os livros de
contos de Pellegrini da fase que vai da década de 1970 a 1990 pela dificuldade de
acesso a obras, como Os meninos crescem (1989), não mais vendidas pelas
editoras e indisponíveis nas bibliotecas consultadas para este trabalho, assim como
também pela necessidade de não ampliar demasiadamente o escopo deste estudo,
o que poderia comprometer a sistematização. Não foram escolhidos livros de contos
mais recentes porque poderia trazer uma certa dificuldade na análise dos dados pelo
breve distanciamento histórico, além da reduzida oferta de livros desse gênero a
partir do final da década de 1990, quando poucos livros lançados pelo autor
londrinense neste período são coletâneas de contos já publicados.
Para analisar estes aspectos da obra de Domingos Pellegrini, o
autor utiliza-se dos estudos de diversos estudiosos da literatura nacional, como
Antonio Candido, Massaud Moisés e Nelly Coelho, assim como de mestres de fora
do Brasil, como Raul Castagnino e Percy Lubbock. Além destes autores, também
são utilizados textos de periódicos que podem suprir determinadas lacunas teóricas
que possam surgir no decorrer do trabalho.
O trabalho começa com um pequeno retrospecto de quem é
Domingos Pellegini Júnior, algo importante para um autor ainda pouco estudado e
que continua produzindo literatura. No capítulo dois, situa-se Pellegrini na
10
historiografia literária brasileira para que se perceba qual a visão que os
historiadores têm do escritor paranaense, e até mesmo se o reconhecem como um
escritor “digno” de estar entre os autores memoráveis das letras brasileiras. A partir
do terceiro capítulo, coloca-se uma série de aspectos que fazem parte da teoria
literária e que servirão de base para a análise das características do autor. Tendo
por base os preceitos dos estudiosos escolhidos para este trabalho, analisam-se as
características do conto no capítulo três, o processo de criação no quatro, o
envolvimento de Pellegrini com a literatura infantil e infanto-juvenil no quinto, no qual
uma preocupação maior na discussão teórica pelo fato do autor paranaense
escrever primordialmente para crianças, e os personagens no sexto e último
capítulo.
Vale ressaltar que em cada um dos capítulos, a partir do terceiro,
discutem-se determinados aspectos que o patentes na obra de Pellegrini. No que
diz respeito, por exemplo, à ligação do trabalho do autor londrinense com a literatura
infanto-juvenil, percebe-se como existem muitos pontos em comum, mas há também
dissonâncias no que tange ao nacionalismo e a outras posturas típicas de autores
desse segmento.
11
1 QUEM É DOMINGOS PELLEGRINI
Domingos Pellegrini é um autor que dispensa apresentações para
boa parte do público por conta dos diversos livros vendidos ao longo de mais de 30
anos dedicados às artes literárias e pelo reconhecimento notório referendado pelos
inúmeros prêmios que recebeu. No entanto, algumas particularidades indicam a
necessidade de fazer um pequeno retrospecto da vida e obra do autor. A primeira
delas é a influência que determinado momento da vida pessoal do autor tem sobre
sua obra. Como a característica autobiográfica é latente em grande parte das obras
do autor, notadamente nos contos analisados neste trabalho, torna-se fundamental
saber o que ocorreu com Pellegrini em determinado momento da vida dele.
A segunda particularidade é o reduzido número de estudos
acadêmicos que conferem uma visão macro da vida e obra do autor londrinense.
Embora este não seja o objetivo do presente estudo, compreende-se a importância
de situar o leitor na trajetória de Pellegrini da infância à idade adulta, mais
especificamente, das primeiras poesias adolescentes aos livros da década de 1990.
Certamente que o recorte desse trabalho, que foca os livros de contos, não traz tudo
o que o autor viveu e escreveu ao longo de 50 anos, porém, busca-se reunir
diversas informações para criar o contexto das realizações mais importantes da vida
do autor.
Ressalta-se que todas as citações deste capítulo foram fornecidas
pelo próprio Pellegrini em correspondência eletrônica ao autor deste trabalho.
Questionado sobre os fatos mais relevantes da produção literária e da própria
trajetória de vida, o escritor optou por disponibilizar a este trabalho o texto de
diversas entrevistas que ele concedeu a meios de comunicação. Portanto, as
informações deste capítulo foram publicados em alguns meios de comunicação,
porém, não da forma sistematizada como aqui se apresentam.
12
1.1
B
IOGRAFIA
Domingos Pellegrini na verdade se chama Domingos Pellegrini
Júnior. Ele abandonou o sobrenome Júnior na década de 80, quando seus livros
começaram a ser publicadas apenas com o pré-nome e o sobrenome. Os motivos
para a mudança não são claros nas biografias e entrevistas com o autor. Nascido
em Londrina em 23 de junho de 1949, Pellegrini afirma que sua infância teve duas
fases.
Minha infância foi duas. Até os sete anos, vendo/ouvindo a Londrina
Capital do Café, onde em cada esquina havia roda de gente ouvindo
camelô. Minha mãe tocava pensão e meu pai a barbearia, locais
onde a cultura oral jorrava através de histórias, causos, anedotas e
conversas. Talvez por isso minha literatura use uma linguagem
baseada na oralidade. E a segunda infância foi dos 7 aos 14 anos,
quando meus pais se separaram e fui com minha mãe morar em
outras cidades. Eu prenunciava em minha família o que hoje
acontece na maioria das famílias, pois o IBGE divulgou que a
maioria das famílias atuais é composta, ou seja, formada por filhos e
pais de mais de um casamento... Depois, aos 16 anos, quando meus
pais voltaram a conviver em Londrina, fui expulso do colégio, indo
estudar em Marília, SP, onde a gente tinha morado e onde havia
curso Clássico. Morando em hotel, fazendo movimento estudantil e
teatro, aqueles dois anos semearam minha formação cultural e
política.
Foi na adolescência, tumultuada pela separação dos pais, que o
autor começou a escrever, o que explica mais uma vez a temática e a origem de boa
parte das obras dele.
Meu nascimento literário se deu aos 12 onze anos, quando estava no
cinema, em Marília, num sábado à tarde, e o lanterninha passou
perguntando por um Domingos. Estavam me chamando no colégio,
disse uma funcionária, coisa urgente e importante. Fui pensando
que é que eu tinha feito de errado. No dia anterior, tinha faltado ao
colégio por causa de gripe, que foi quando divulgaram os vencedores
do concurso de redação. E eu tinha ganhado não o prêmio da
minha série, mas também o prêmio geral de melhor redação de
todas! Recebi um grande aplaudo do salão lotado e o livro Pelos
Caminhos de Minha Vida, de J. Cronin, em que o famoso romancista
irlandês revela como se tornou escritor depois de ter exercido a
medicina durante décadas. Então li o livro e pensei bem, se não foi
tarde para ele, não será tarde para mim começar aos 12, e comecei
a escrever contos. Antes, aos 11 anos, já tinha começado a escrever
poemas, o primeiro depois de ver um filme de Mazzaropi, em que um
13
escravo era açoitado num pelourinho. Assim, tive dois partos
literários, o da prosa e o da poesia.
Embora tenha começado a escrever em um período no qual mudava
muito de cidade, foi a infância em Londrina que mais marcou a literatura de
Pellegrini. A cidade na cada de 50, impulsionada pela expansão da cultura
cafeeira, é o cenário mais explorado pelo escritor.
Nasci aqui, nos fundos da casa onde, na frente, meu pai tinha
barbearia, na Rua Maranhão. Defronte à barbearia, no outro lado da
rua, era a Pensão Alto Paraná, tocada por minha mãe, e onde ouvi
as primeiras histórias de camelôs, peões e mascates, que marcariam
minha literatura com oralidade e realismo.
Essa fase marca boa parte dos livros de contos da década de 90,
quando o autor volta-se para um mergulho na vida de criança. Nos dois livros
estudados neste trabalho, Tempo de menino (1997) e Meninos e meninas (1998), o
escritor reedita contos que haviam sido publicados em obras anteriores e novas
histórias que relembram aquele momento.
A infância permanece como um dos temas preferidos do autor, mas
com outra conotação. Enquanto atualmente a época de criança serve de pano de
fundo para romances que discutem política, por exemplo, naquela época a infância
bastava para uma boa estória. na adolescência, Pellegrini volta a morar em
Marília, interior de São Paulo, onde começa a ter contato com jovens partidários do
Comunismo e da ala mais radical da esquerda.
Fui marxista-leninista dos 16 anos, quando fazia o Curso Clássico
em Marília, SP, depois de ter sido expulso do colégio em Londrina,
por indisciplina. (Morei em Marília antes disso, quando minha mãe e
meu pai se separaram. Quando foi preciso achar outro colégio com
Curso Clássico fora de Londrina, escolheram Marília porque eu
tinha morado lá.) E fui doutrinado por um colega chamado
Figueiredo, que era filho de família rica, o que não é incomum entre
lideranças comunistas. Voltando a Londrina com 18 anos,
pertencia à Dissidência do Partido Comunista Brasileiro, cujo líder
maior do setor estudantil era o José Dirceu, ele mesmo. Formei
célula em Londrina e militei durante uns dois anos, até perceber que
não só a estratégica da esquerda brasileira, a luta armada, era
furada, como toda a ideologia era furada.
Após o primeiro contato com a ideologia comunista e
deslumbramento inicial, o autor londrinense, assim como muitos outros militantes,
14
desencanta-se com alguns paradigmas da corrente de esquerda e torna-se um
observador atento da vida e da sociedade.
Vi que meu humanismo, conseguido com muitas leituras, de
Whitman a Henry Miller, não podia se conformar com um regime de
ditadura, mesmo que do proletariado... nem com censura, partido
único, culto da personalidade ou ditador eventual etc. E deixei,
passando a ser anarquista, depois cristão (não religioso),
conhecendo também djanaioga, a ioga do conhecimento, que não
tem nada a ver com o corpo, com a mente, e de tudo, como diz
Drummond, ficou um pouco. Do marxismo-leninismo ficou a
convicção e a experiência de que ideologia é prisão, e não passa
para quem passa a ter interesse nela (emprego, cargo público,
militância remunerada ou simplesmente identidade e segurança
diante da perplexidade da existência)
Após as descobertas e desencontros típicos da adolescência,
Pellegrini entra para o curso de Letras na Faculdade de Filosofia de Londrina, que
depois vem a formar a Universidade Estadual de Londrina (UEL), juntamente com
outras faculdades públicas que existiam na cidade, e se forma em 1972. Logo
depois, o recém-formado faz especialização em Teoria de Literatura pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Assis, em 1974. Nesse mesmo
ano, o jovem escritor recebe pela segunda vez o Prêmio Fernando Chinaglia II, de
União Brasileira de Escritores, por livros de contos e poemas. Em 1997 ele recebe o
Prêmio para Ficção Inédita da Fundação Cultural do Distrito Federal e é agraciado
com o Prêmio Jabuti pelo livro O Homem Vermelho, publicado no mesmo ano,
portanto, um marco na vida de um escritor em formação.
Nessa fase o londrinense já é reconhecido pelo meio artístico e
crítico como um autor de vulto, com grande potencial pela frente. Também nessa
fase vem o primeiro casamento do autor e os primeiros filhos. O reconhecimento
oportunizou uma certa tranqüilidade ao escritor iniciante, que abandou o jornalismo
diário e se dedicou à publicidade.
Jornalista, como free-lance. A profissão esdesvalorizada, e
em 1975 optei por deixar o jornalismo como profissão, por tomar
muito tempo e energia que eu queria dedicar à literatura. Para
sobreviver, usei a publicidade.
Na década de 1980, com uma carreira em ascensão, a produção
literária cresce e o autor começa a diversificar o gênero literário. Após o conto e a
poesia, o autor começa a escrever novelas, se preparando para a criação de
15
romances que surgem a partir da década de 90. Também na década de 80,
Pellegrini começa a enveredar para a literatura infanto-juvenil com livros povoados
de crianças como protagonistas, que contam estórias tipicamente infantis, apesar do
autor não reconhecer esses livros como infantis ou infanto-juvenis.
na década de 1990, separado e depois de um período morando
fora de Londrina, Pellegrini assume alguns cargos políticos, como a Secretaria
Municipal de Cultura da sua cidade natal, e começa a trabalhar mais intensamente
com campanhas políticas na prestação de serviço de jornalista e publicitário.
Fiz redação nas duas campanhas de Barbosa Neto a prefeito
[atualmente Barbosa Neto é deputado federal pelo PDT], e, antes, na
primeira campanha de Cássio Taniguchi a prefeito de Curitiba
[atualmente Secretário de Estado no Distrito Federal]. Meu trabalho
era a criação de impressos, programas de rádio e televisão. E, como
disse Brecht, dar palpites.
Um trabalho gratificante e interessante na opinião do escritor.
Para viver em sociedade, o ser humano precisa de lideranças e
organização, ou seja, políticos e governos. Ainda estamos na pré-
História da política e da administração pública, aperfeiçoando
comportamentos e instituições. Os políticos são muito afetados por
vaidade, ganância de riqueza e ambição de poder, enquanto o
exemplo maior de liderança é de Jesus, que apenas serviu em vez
de se servir. Não há empreendimento humano mais bem sucedido do
que o cristianismo, e, no entanto, o seu criador não quis poder.
Também na década de 1990 Pellegrini passa a morar em uma
chácara próxima do centro de Londrina para ter mais tranqüilidade para trabalhar,
onde ele reside até hoje.
Em dezembro de 2006 completarei dez anos na chácara. Passei a
detestar barulho e movimento, que é o que mais tem no centro das
cidades. E sempre gostei de terra, fui repórter agrícola. Ao mesmo
tempo, encontrei uma atividade que muito me completa, a
jardinagem ou chacaragem. Como digo em Gaiola Aberta: Janto no
escuro, aguça o paladar / e as estrelas se acendem na janela / igual
um poncho furado de lua. / Depois descubro pouco antes do chá /
como mamão melhora com canela / e como é bom viver longe das
ruas.
16
Apesar da distância do “burburinho” da cidade, o escritor tem à
disposição os serviços de que mais precisa e ainda todas as condições para
trabalhar.
O teletrabalho (internet) permite hoje que pessoas como eu não
precisem mais morar na cidade, onde vou para uma coisa ou
outra, chego a passar meses sem ir ao centro de Londrina, mas vou
ao clube para piscina, sauna, vou ao cinema no shopping. Não virei
eremita. Mas não agüento mais centro de cidade, a não ser para
passear rapidinho. Adoro viver no meio de verde, com os cachorros
em volta, os passarinhos nas árvores, as frutas amadurecendo, o céu
aberto, o nascente à vista.
A moradia em uma chácara foi importante, inclusive, no processo de
criação do autor, que fez um romance, O Caso da Chácara Chão, que lhe rendeu o
segundo Prêmio Jabuti da carreira, desta vez na categoria romance, em 2001,
baseado na estória de um assalto que se passa em uma chácara com as mesmas
características de onde ele mora. Além disso, um dos personagens do conto é uma
cadela de cor preta, semelhante à que o escritor tem em casa.
Aliás, o livro O Caso da Chácara Chão marca uma nova fase no
trabalho do autor. Depois do ano 2000, com mais de 50 anos, Pellegrini volta a
escrever sobre fatos do cotidiano adulto com destaque para temas políticos e
sociais, algo que ele não fazia desde a década de 80. Porém, nesta fase, o enfoque
é diferente das críticas ao capitalismo do jovem comunista.
Nos últimos anos, vivendo de forma mais harmoniosa com a
natureza, as pessoas e o trabalho, Pellegrini se dedica eventualmente a serviços
voltados à comunidade, como a presidência da Comunidade de Amigos,
Trabalhadores e Apoiadores da Rádio Universidade de Londrina, (CAMTAR), um
grupo que busca recursos para a manutenção da rádio, vem trabalhando cada vez
mais intensamente na produção literária, ainda trabalha esporadicamente em
campanhas políticas e escreve uma coluna semanal, em forma de crônica, para o
Jornal de Londrina.
Quando questionado sobre um balanço da vida depois de muitas
mudanças de rumo no campo profissional e pessoal, Pellegrini é bastante otimista.
Para ele, continuar escrevendo já está ótimo.
17
Viver cada dia, estar à disposição do meu dom artístico, continuar
zelando dela a serviço da sociedade, até como forma de agradecer
por ele, e esperar pelos netos (meus filhos são muito retardados
nessa questão, nenhum neto até agora). Não faço projetos literários,
eles é que me seqüestram.
Ademais, o escritor diz que as pessoas precisam lutar por uma
sociedade mais justa e que isso, necessariamente, está vinculado à escolha de
melhores políticos e mais educação para todos.
Elejam políticos compromissados com realmente redirecionar os
governos para a Educação, principalmente a fundamental, sem o que
continuaremos patinando nesse semi-desenvolvimento. estão os
exemplos da Coréia e do Chile, na Educação, e da Itália e da Nova
Zelândia, no combate à corrupção. É possível, e vamos conseguir se
os educadores e pais formarem novas gerações com essa meta e
com os valores ancestrais da honestidade, da verdade e da
produtividade, que são a antítese dos governos atuais e passados.
1.2
B
IBLIOGRAFIA DO AUTOR
Livros publicados por Domingos Pellegrini de 1971 à 2008.
OBRAS GÊNERO DATA
Conversa clara Poesia 1971
O Homem vermelho Contos 1977
Os Meninos Contos 1977
Quatro poetas Poesia 1979
As sete pragas Contos 1979
A árvore que dava dinheiro Novela 1981
Paixões Contos 1984
Os meninos crescem Contos 1986
As batalhas do castelo Novela 1987
Tempo de menino Contos 1990
Negócios de família Novela 1993
Andando com Jesus Romance 1994
18
Meninos e meninas Contos 1995
A festa dos números Contos 1996
O dia em que Deus criou as frutas Contos 1996
A guerra do macarrão Contos 1997
A guerra de Platão Contos 1997
Tempo de guerra Contos 1997
Bicho-gente Contos 1998
Terra Vermelha Romance 1998
Questão de honra Romance 1999
O caso da Chácara Chão Romance 2000
Pensão Alto Paraná Contos e crônicas 2001
O tempero do tempo Poesia 2002
Poesiamorosa Poesia 2002
No coração das perobas Romance 2002
Ladrão que rouba ladrão Crônicas 2002
No começo de tudo Romance 2002
O dia em que choveu cinza Contos 2003
A última tropa Romance 2003
Água luminosa Contos e crônicas 2003
Conversas de amor Contos e crônicas 2004
Gaiola aberta Poesia 2005
Já não somos mais crianças Crônicas 2005
Meninos no poder Romance 2005
Não somos humanos Romance 2005
Assim é que se conta Crônicas 2006
O mestre e o herói Romance 2006
Mestres da paixão Romance 2007
Quadrondo Romance 2007
Brasigato Hai caipiras no centenário Brasil-
Japão
Poesia 2008
O livro das perguntinhas Crônicas 2008
Quadro 01 - Livros publicados por Domingos Pellegrini – 1971-2008
19
1.3
R
ESENHA CONTOS ESCOLHIDOS
Para que o leitor conheça um pouco melhor os livros de contos
escolhidos na análise deste trabalho, apresenta-se uma breve resenha de cada um
deles.
1.3.1 O Homem Vermelho
A obra tem 10 contos, sendo o primeiro um dos mais importantes: “O
encalhe dos 300”. Ele narra a saga de viajantes, peões, mascates e aventureiros
que ficam presos em um grande atoleiro numa estrada de terra no noroeste do
Paraná, mais precisamente, no Km 60 da Cianorte-Cruzeiro do Oeste, como afirma o
autor. Como é previsível num conto como este, o Regionalismo é a marca mais
contundente. Ao longo da história, o autor recria perfeitamente o ambiente inóspito
de uma estrada aberta no meio da mata, conferindo destaque a situações
tipicamente comuns a um pioneiro da colonização do Norte do Paraná. “O encalhe
dos 300” é também muito significativo porque é o único conto, dentro todos os 41
estudados por esse trabalho, que cita a cidade de Londrina, terra natal de Pellegrini.
o conto “Mãe” é mais introspectivo, pois narra a história de uma
mãe agoniada com a partida do filho. “Reportagem” reúne as características típicas
dos contos pellegrinianos quando o assunto é Regionalismo. O texto faz referências
esparsas e distantes a um cenário que lembra a cidade de Londrina em vários
aspectos, pois narra as peripécias de um repórter para obter informações sobre um
atropelamento. É importante destacar que Pellegrini exerceu a função de repórter e
redator de jornal na década de 1970, quando o conto foi escrito e publicado
abandonou o exercício do jornalismo diário ainda nesta década para se dedicar à
literatura e à publicidade.
O conto “No estalar da pipoca” início a uma história que finaliza
em “A última peroba”. No primeiro, o autor narra um conflito entre posseiros e a
polícia na cidade de Paranópolis, descrita como uma pequena cidade encravada no
meio da mata. Esta localidade é citada por Pellegrini em outros contos, e também
20
em outros livros, para descrever um lugar que se parece, na verdade, com qualquer
cidade do Norte do Paraná durante a colonização. Segundo o próprio narrador, a
história se passa antes da década de 1950, quando Paranópolis se chamava Duas
Perobas, o que torna a narrativa ainda mais “realista” porque o Norte do Paraná teve
inúmeros conflitos fundiários durante a colonização, que começou na década de
1930 na região de Londrina e se estendeu por mais de 20 anos em direção ao
Noroeste do estado, e Duas Perobas certamente é a denominação dada pela
comunidade local a determinada localidade da região, que não consta entre os
nomes oficiais.
Um dos personagens do conto é um sujeiro sem nome, de pele
avermelhada, do nome do livro. Ele é o típico forasteiro que impõe respeito nas
demais pessoas à custa da força, mas se recusa a cooperar com a polícia e acaba
sendo preso, ao contrário do parceiro que é assassinado. O conto se assemelha
muito às histórias de faroeste, nas quais homens lutam pela vida em um ambiente
inóspito e sem lei. De uma certa forma, semelhanças com o ambiente rude de
livros consagrados como Grande Sertão:Veredas, pela forma como os personagens
se relacionam e pelos desfechos trágicos.
O conto “Ay” é a história de um rapaz viajante que narra algumas
situações vividas por prostitutas. O texto é bastante introspectivo, pois o narrador
passa boa parte do tempo em monólogos acerca da comida das meretrizes. O jovem
esforça-se em mostrar-se forte e garbo para elas, que não esboçam reação
nenhuma diante dele. Em “Carlitos perdeu a graça”, a tendência de referir-se a locais
que lembram Londrina permanece, como no trecho em que o protagonista afirma ter
assistido a um filme no Cine Windsor, mas o foco é um pouco diferente. Ao contrário
de prostitutas, peões, vaqueiros e demais tipos que remontam à época da
colonização, o autor escreve um conto em primeira pessoa na qual o personagem
principal é um homem jovem, casado, que reencontra um amigo de infância. O
interessante são as diversas semelhanças do personagem com Pellegrini, como o
fato de fazer poesias e de gostar de cinema, e a visão de um homem maduro
lembrando a infância com um certo saudosismo.
“Geléia da paixão” é um conto que novamente lembra o período da
cidade de Londrina na fase de colonização. Geraldino de Paiquerê é um homem
simples que vem da zona rural tentar a vida na cidade. Com pouco dinheiro e muita
força de vontade, ele luta para ganhar a vida cantando. Para isso vai a uma
21
emissora de rádio chamada Auriverde, que muitas décadas era uma das mais
ouvidas na cidade. O cantor, depois de muitos percalços, consegue sobreviver
fazendo pequenas apresentações.
“A maior ponte do mundo” é uma exceção em O Homem Vermelho.
O conto não é ambientado na região Norte do Paraná, o tempo se passa na década
de 70, o protagonista não é um vaqueiro ou peão de derrubar matas. O narrador, em
primeira pessoa, é um eletricista convocado para trabalhar na ponte Rio-Niterói, uma
das maiores do mundo. Como se trata de um operário, ele não tem opção de
escolha, e passa semanas trabalhando praticamente sem descanso. O conto passa
a maior parte do tempo dizendo como era o trabalho na ponte e as dificuldades
enfrentadas pelo protagonista.
“O dia em que morreu Getúlio” inicia uma característica bastante
presente na literatura de Pellegrini, pelo menos nos livros de contos, que é o tom
autobiográfico. A narrativa conta a história de um menino que se assusta com a
reação dos adultos diante da morte de Getúlio Vargas.
1.3.2 Os Meninos
A obra Os meninos, também de 1977, é um paradoxo em relação a
O Homem vermelho. O Regionalismo cedeu espaço para as recordações de infância
e as memórias, uma característica que permaneceu e se tornou praticamente regra
nos livros de contos de Pellegrini durante décadas. Nesta obra, o autor se torna mais
introspectivo e o espaço perde importância. A temática sexual e os conflitos vividos
por jovens e adolescentes se tornam quase que onipresentes. A linguagem, de uma
forma geral, é bastante chula com o uso de diversos palavrões.
“A noite em que achei meu pai” é um conto de recordações tristes.
Um rapaz encontra o pai, separado da mãe, na entrada do prostíbulo e o
constrangimento de ambos se torna a tônica o texto pela raiva que o jovem nutre
pelo pai. Muito parecido é “Beppe Vicentini Encontra Seu Companheiro”. “Domingo”
é um conto totalmente diferente dos demais. Um menino narra o dia em que foi
pescar pela primeira vez com o pai, como uma das coisas mais importantes da sua
vida até aquele momento. Até a linguagem é menos agressiva com o leitor, pois o
22
autor não utiliza palavrões e os adjetivos servem para mostrar o tom dico do
acontecimento. “O Aprendiz” também é um conto mais sutil, pois trata do amor entre
um menino e uma menina.
“O herói” também traz a história de um menino que presencia a
morte de um cachorro atropelado. “O menino da Serraria Três Irmãos e Seu Cavalo
Fiel” é bastante subjetivo e introspectivo, assim como “Subterrâneos”, “O Preciso
líqüido” e “Batalha”. “Visita” é o conto mais forte de Os meninos. Pellegrini é irônico e
cáustico ao narrar as lembranças de uma pessoa ao visitar a escola na qual
estudou.
1.3.3 Paixões
Em Paixões (1984), Pellegrini volta-se um pouco mais para a região
onde nasceu, contudo, de forma discreta. No conto “Crime e Perdão”, dois
integrantes do movimento estudantil buscam adeptos para uma suposta “revolução”,
que eles pretendiam realizar em conjunto com outros revoltosos, em Paranápolis,
“uma cidade com ferrovia, casas com varanda, cachorros ainda sem medo de
trânsito e a Faculdade ainda sem muros pichados” (PELLEGRINI, 1984, p. 6).
Paranópolis, de uma certa forma, representa não Londrina, mas muitas cidades
paranaenses na fase da colonização, o que é uma característica regionalista.Os
outros contos de Paixões estão ainda mais distantes do Regionalismo, reservando-
se a menções distantes de pessoas e situações que lembram, de uma certa forma, a
história da cidade natal de Pellegrini. Um desses exemplos é o conto “Sábado à
noite”, que narra o diálogo de um operário homossexual com colegas de trabalho em
um alojamento que remete aos dormitórios usados pela Companhia de Terras Norte
do Paraná, responsável pela colonização do Norte do Paraná.
Em “Duas cervejas” e “A mulher dos sonhos”, aparece o espanto e o
medo de amantes que não se assumem. Temáticas mais adultas e distantes dos
arroubos juvenis dos personagens de Os meninos. em “Refeição em família” e
“Sapatos”, o mundo adolescente volta a povoar as páginas dos livros de Pellegrini.
Enquanto neste um garoto se debate com uma paixão obsessiva, naquele um rapaz
drogado fala sobre o vício com a família pela primeira vez.
23
Em “Fantasias de uma noite de verão”, o humor é característica
marcante num engraçada história de um marido que busca sexo com uma prostituta.
“Tempos de república” retoma a temática política ao abordar, de forma jocosa, as
aventuras de exilados políticos.
1.3.4 Tempo de Menino
Em Tempo de menino (1997), como o próprio título deixa evidente,
são as aventuras de um menino em contato com o mundo. “Visita ao zoológico”
narra o encontro com os animais na companhia do pai e “Minha estação de mar”
mostra com muito humor os desencontros de uma viagem em família para o litoral.
“O herói” e “Domingo” foram publicados no livro Os meninos. O conto “A última
janta” é de forte teor autobiográfico, pois Pellegrini narra os acontecimentos da
Pensão Alto Paraná, onde peões e viajantes faziam as refeições antes de seguirem
para o trabalho ou para o descanso. Conhecendo a história da vida do autor
londrinense, sabe-se que ele passou parte da infância vivenciando o dia-a-dia da
pensão administrada pela mãe, assim como é narrado no conto. Da mesma forma
que “Encalhe dos 300”, de O Homem Vermelho, “A última janta” é Regionalista, mas
é uma exceção dentre as outras histórias de Tempo de menino.
1.3.5 Meninos e Meninas (1998)
“Terraço” é um conto no qual pai e filho discutem o aspecto
urbanístico da cidade onde eles moram, repleta de prédios, e o pai fala do tempo em
que tudo era uma lavoura de café, lembrança da fase mais próspera de Londrina,
cidade natal de Pellegrini. “Glória” é a estória de um menino e ua menina que
gostam de brincar e um dia presenciam um assassinato. “Tatinha” mostra o
sofrimento de um menino pela morte do cachorro de estimação. Aprendendo a
pescar” e “Homem ao mar” o aventuras de crianças tentando pegar o primeiro
peixe na companhia de familiares. “Quadrondo” é um conto no qual uma menina
24
sofre com os constantes desentendimentos entre seus pais. “Volta ao mar” é uma
espécie de continuação do conto “Minha estação de mar”, de Tempo de menino,
que se passa em uma casa de praia após a chegada de uma família ao litoral.
25
2 DOMINGOS PELLEGRINI NA HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA
Domingos Pellegrini é um autor que faz parte do círculo de leitura de
muitas pessoas em todo o Brasil pelo número substancial de obras que ultrapassam
a casa de 50 edições vendidas, como A árvore que dava dinheiro, de 1982, sem
contar os livros esgotados. Isso não o torna um fenômeno de vendas, como ocorre
com determinados escritores, mas o coloca em um grupo seleto de autores que têm
o nome projetado nacionalmente e até internacionalmente existem obras de
Pellegrini publicadas em países como Estados Unidos, Itália e França (PELLEGRINI,
2006b).
Apesar dessa notoriedade entre o público e parte da crítica,
comprovada pelos prêmios e pelo grande número de edições, Pellegrini não é citado
por alguns historiadores da literatura brasileira e autores de antologias e
compilações de obras consideradas de “maior valor literário”. Além disso, é
importante avaliar qual o espaço destinado ao escritor paranaense, entre os que o
citam. Contudo, antes de analisar este aspecto, é importantes questionar como é
feita esta história literária e a partir de quais critérios são escolhidos os autores que
serão imortalizados nos livros de história literária.
Os estudos de história literária e formação do cânone buscam
delimitar o terreno dúbio e parcial do que é mais ou menos relevante para a
literatura. Um julgamento que segue determinados padrões estéticos e de conteúdo,
mas que também trabalha com valores pessoais de quem forma o cânone. Antes de
falar sobre a autoridade de quem faz o cânone, cabe ressaltar a necessidade de
fazer a revisão do cânone. Segundo Coutinho:
A questão do cânone constitui uma das instâncias mais vitais da luta
contra o eurocentrismo que vem sendo travada nos meios
acadêmicos, pois discutir o cânone nada mais é do que pôr em
xeque um sistema de valores instituído por grupos detentores do
poder, que legitimaram decisões particulares com um discurso
globalizante. Um curso sobre ‘as grandes obras’, por exemplo, tão
freqüente na Literatura Comparada, quase sempre esteve
circunscrito ao cânone da tradição ocidental. (COUTINHO, 1996, p.
70)
26
Sendo o none, segundo Coutinho, um juízo de valor exercido por
grupos de poder que detêm a hegemonia política, econômica e cultural, torna-se
necessário repensar de que forma o cânone deve ser reelaborado para que ele
traduza elementos que são realmente representativos de um povo ou de um país, e
não tão somente as preferências de grupos que estão no poder. Porém,
questionando-se os critérios usados pelos grupos que se impõem sobre os demais,
fica o questionamento então de quais seriam as formas corretas de se fazer o
cânone, e se não mais assentado sobre as premissas de poder, sobre quais pilares
deveriam assentar-se as bases do cânone mundial? Coutinho acredita que esta
pergunta inquieta estudiosos em todo o mundo, preponderantemente em países
pobres, ex-colônias, que sofreram forte influência européia na formação do cânone
nacional: “O cânone ou cânones literários dos diversos países latino-americanos
eram constituídos por critérios estipulados pelos setores dominantes da sociedade,
que reproduziam o olhar europeu, principalmente ibérico, à época da colônia e,
posteriormente, após a independência política, de outros países, mormente a
França.” (COUTINHO, 1996, p. 72)
Também segundo Coutinho (1996), uma das formas de repensar o
cânone marcado pelos valores europeus, seria a busca de uma visão multifacetada,
na qual sejam respeitadas diferenças entre religiões, povos, homens e mulheres e
todo o tipo de diferença que possa provocar alguma dicotomia.
Conscientes de que não se trata de uma simples inversão de
modelos, da substituição do que era tido como central pela sua
análise periférica, os comparatistas atuais questionam a hegemonia
das culturas colonizadoras e abandonam o paradigma dicotômico e
se lançam na exploração da pluralidade de caminhos abertos como
resultado do contato direto entre colonizador e colonizado.
(COUTINHO, 1996, p. 71)
Esta forma diferente de pensar o cânone esbarra em um problema
delicado: como produzir e criar a história, que o cânone é um decreto. Se o
cânone é uma regra, logo, baseia-se na história para ser criado, por isso surge o
questionamento das técnicas empregadas para se fazer a história, seja a literária ou
a chamada história geral. A suposta existência de dois tipos de história é outro ponto
que vem gerando debates calorosos entre pesquisadores e historiadores, que
está em jogo o conceito de história que traz tudo, ou história totalizante. O estudioso
27
alemão Hans Gumbrecht (1996, p. 225) acredita que “somente o desaparecimento
do conceito global de ‘história’, no horizonte temático da história da literatura,
possibilita a transição para a historiografia literária (não-marxista) dos culos XIX e
XX”. A partir do momento que a história deixou de ser considerada como algo que
engloba “tudo”, ou seja, todos os acontecimentos possíveis de determinada época, é
que a história da literatura pode ser “criada”, como se a literatura fosse uma espécie
de fragmento da história, sem que seja necessariamente parte do todo. Gumbrecht
exemplifica o que viria a ser esta literatura como fragmento da história, falando da
descoberta de partes de textos da literatura alemã durante a Idade Média. Após
alguns estudos, percebeu-se que aqueles textos “não eram sintomas de uma fase
de desenvolvimento histórico, mas partes de um mundo ideal glorificado na
retrospectiva, que deveria ser levado gradativamente ao presente por assim dizer
de forma ‘cumulativa’, ‘trazendo à luz o que o descaso de gerações anteriores havia
sepultado no esquecimento’” (GUMBERCHET, 1996, p. 225).
Por meio de descobertas, como a citada por Gumbercht, chegou-se
à conclusão de que a história não pode ser vista como algo linear e lógico, que
consegue mostrar absolutamente tudo o que ocorreu em determinada época. Dessa
forma, a literatura precisou também reencontra-se no tempo, que a história
“tradicional” mostrou-se ser incapaz de traduzir o todo.
Com o desaparecimento da pressuposição de uma evolução dirigida
da história, desapareceu também a concomitância, até aqui evidente,
entre a localização histórica das obras literárias e seu julgamento
estético; não havia mais nenhum princípio ou ‘lei básica’ da história
que pudesse legitimar o valor cognitivo privilegiado de ‘grande
literatura’, nenhuma hierarquia de valor entre as épocas sucessivas,
da qual se pudesse deduzir tal posição estética na escala de valores.
(GUMBRECHT, 1996, p. 227)
A visão de Gumbrecht na qual o existe uma história totalizante é
partilhada pelo professor Vander Melo Miranda da UFMG. O professor acredita que
para fazer uma história literária é preciso três fatores (MIRANDA, 1995): (a) perder a
noção de continuidade da história; (b) ter em mente que a história como curso
unitário é uma representação feita pela elite, que deixa para o passado o que é
conveniente aos grupos que detêm o poder; e (c) é preciso seguir o exemplo de
escritores, como Ricardo Puglia e Silviano Santiago, que vêem a nação como algo
que reúne diversos pontos de vista sobre os assuntos mais importantes do dia-a-dia.
28
Miranda também cita o trabalho de Homi Bhabha (BHABHA, 1990), para o qual é
preciso fazer literatura mostrando que existem outras manifestações além do
“oficial”.
Levando-se em conta, portanto, a necessidade de revisar essa
história literária, arraigada de valores que não trazem as vozes das minorias e que
ainda es presa ao conceito de uma história totalizante, volta-se à questão da
autoridade de quem cria o cânone, ou à autoridade de “quem fala”. Para CORREA:
o agente da formação de um cânone detém poderes reconhecidos
pela sociedade em que se insere. O consenso do grupo em torno de
certos valores se dá a partir da aceitação da autoridade que os
define, que está baseada no princípio da experiência, no qual o velho
ensina ao jovem. [...] A preservação do passado, conservadora por
natureza, é feita por uma comunidade cuja função é discernir entre a
autenticidade ou não de uma obra. (CORREA, 1995, p. 324).
Se cabe ao velho discernir entre o bom e o ruim, o que deve ser
deixado na história e o que deve ser relegado ao esquecimento, será através do
estudo de histórias literárias, compilações, antologias e obras do gênero que se
chegará a conclusão de quais são os escritores que fizeram, na opinião dos autores
destas historiografias literárias, obras dignas de serem registradas e guardadas na
memória da comunidade.
2.1
H
ISTORIADORES
L
ITERÁRIOS
B
RASILEIROS
Um dos autores que busca fazer uma compilação de autores e obras
importantes para a literatura brasileira é Domício Proença Filho, reconhecido
estudioso da literatura brasileira, que, entre outros, escreveu cinco edições do livro
Estilos de época na literatura, nos quais o autor se propõe a retratar a história da
literatura brasileira com características pertinentes a cada período literário e os
respectivos autores de destaque. No edição mais recente, de 1992, o último capítulo
é reservado para o pós-modernismo, período literário que, segundo o autor, começa
no fim da década de 50 e vai até os dias atuais –no caso, até 1992. Neste trecho,
Proença Filho fala da poesia concreta, da poesia práxis, e cita muitas dezenas de
29
nomes de autores que estão fazendo literatura contemporânea, segundo o próprio
Proença Filho. Ele separa estes escritores em grupos de acordo com o gênero
literário produzido, assim sendo, poesia, romance, conto e crônica. Quando chega
no conto, o autor apenas cita o nome de Domingos Pellegrini, assim como faz com
autores mais renomados como Lygia Fagundes Telles e Dalton Trevisan. Todavia,
nas edições anteriores de Estilos de época na literatura, Proença Filho não cita
Domingos Pellegrini.
Na edição de 1983 (PROENÇA FILHO, 1983), Proença filho também
faz referência a diversos autores brasileiros contemporâneos, assim como na edição
de 1992, mas não cita o autor londrinense, embora seis anos antes, em 1977,
Pellegrini Júnior tenha sido agraciado com o Prêmio Jabuti pelo livro de contos O
Homem Vermelho (PELLEGRINI, 1977a). É importante ter em vista que o Prêmio
era e continua sendo um dos mais importantes, senão o mais relevante, da literatura
nacional, e que o mesmo é de âmbito nacional, ou seja, lança os premiados no
panteão dos escritores mais representativos das letras nacionais. Assim como se
pode questionar qual a razão para a ausência de Pellegrini em uma obra de
compilação da literatura nacional datada de 1983, também é passível de dúvida
porque Proença Filho não fala do autor paranaense na obra Pós-modernismo e
literatura (PROENÇA FILHO, 1995), na qual o autor também cita diversos escritores
que, segundo ele, apresentam traços pós-modernos. O curioso é que Proença Filho
classifica Pellegrini em Estilos de época na literatura, de 1992, como sendo pós-
moderno, já que aquele afirma:
No caso do Brasil, parece repetir-se, no nosso entender, o que
aconteceu no Modernismo, em relação à modernidade: a arte literária
que se realiza no país a partir, aproximadamente, de 1955 até os
dias atuais, 1987, traz a marca da especificidade em relação aos
traços culturais predominantes na contemporaneidade dos países
desenvolvidos e só em alguns pontos concretiza dimensões pós-
modernas. (PROENÇA FILHO, 1992, p. 371)
Se a produção literária nacional tem traços pós-modernos e
Pellegrini es situado no período destacado pelo autor como pós-modernismo
mesmo tendo em vista que no Brasil o pós-modernismo tem características próprias,
assim como ocorreu com o Modernismo local em relação ao Modernismo europeu,
30
como acentua o próprio Proença Filho–, cabe um questionamento do porquê da
omissão do nome do autor paranaense.
O professor Antonio Hohlfeldt (1988) em Conto brasileiro
contemporâneo, além de citar Pellegrini Júnior também destaca qualidades do autor
paranaense. Segundo Hohlfeldt:
A bebida, o bar, um universo marcado por tipos que raramente
possuem empregos contínuos, sob o influxo das transformações
macro-estruturais provocadas pela introdução de moderna tecnologia
na área rural, compõe o pano de fundo para as ações que Domingos
Pellegrini Jr. fixa em seus contos. [...] a obra deste paranaense [...] é
um dos mais lúcidos e fortes depoimentos em torno da
marginalização rural, da migração campesina, da transformação das
mini-propriedades em latifúndios marcados pela desagregação
familiar. (HOHLFELDT, 1988, p. 74)
Hohlfeldt faz comparações entre Pellegrini e Deonísio Silva no
que diz respeito ao universo criado pela obra literária de ambos, notadamente em
relação ao ambiente familiar, e também com o mineiro Oswaldo França nior na
obra Jorge, um Brasileiro, pelo tipo de personagem criado pelos dois, que ambos
costumam povoar seus romances e contos com prostitutas, camelôs, donas de casa
e pequenos agricultores. Outro aspecto destacado pelo professor são as obras do
autor paranaense voltadas para o público infanto-juvenil, como Os Meninos, O
Primeiro canto do galo e A Árvore que dava dinheiro. Pellegrini é classificado por
Hohlfeldt na categoria de contista ciodocumental, no qual também estão inseridos
autores como Herberto Sales e Ricardo Ramos. Esta categoria seria antecessora ao
conto de 80, segundo o professor, e teria como traço forte e dominante as
características regionais.
Seguindo a linha regionalista, Marilda Binder Samways (1988,
p. 126) faz um levantamento da literatura paranaense no qual cita Pellegrini,
afirmando que a produção contística dele “volta-se, quase toda ela, para os casos
havidos no tempo pioneiro do norte do Paraná” Porém, a autora adverte que
“Pellegrini não é apenas um narrador que relata pelo simples prazer de relatar. Seus
textos envolvem a natureza humana, busca conhecer com profundidade a trama
existencial do ser colocado num universo inóspito, agressivo”.
Fábio Lucas, em O livro do seminário, de 1983, faz apenas
menção a Pellegrini, afirmando “Da cada de 60 em diante, o número de contistas
31
no Brasil tornou-se uma legião. Francamente, julgamos impossível realizar uma
enumeração exaustiva(LUCAS, 1983, p. 160). O autor afirma ser impossível citar
todos os autores, já que ele se propõe a falar sobre o conto moderno brasileiro.
O livro Histórias de um novo tempo: o novíssimo conto
brasileiro (ABREU et.al, 1977), não é uma antologia, que se denomina novíssimo.
A particularidade da obra, de autoria de seis escritores, entre eles Domingos
Pellegrini, são os contos “Mãe” e “A Maior Ponte do Mundo”, que também foram
publicados em O Homem Vermelho, lançado meses antes daquele e um dos
responsáveis pela ascensão do autor paranaense na carreira literária. O conto “A
Maior Ponte do Mundo” tem outro aspecto interessante. Ele foi escolhido para fazer
parte da antologia Os cem melhores contos do culo, organizado pelo professor
carioca Ítalo Moroconi (2001). A obra, subdividida em seis partes, que vão de 1900 a
1990, cita em torno de 50 autores, alguns, mais de uma vez, que, segundo Moriconi
(2001, p. 11), foram escolhidos “não (por) critérios acadêmicos e sim (por) critérios
de gosto e qualidade” O professor também afirma que:
como leitores ‘normais’ que simultaneamente somos, pois também
curtimos (sic) a literatura para além das polêmicas doutrinárias,
sabemos muito bem que existem o bom e o ruim, o perfeito e o
ridículo, o eterno e o anacrônico. Sabemos também que sempre é
possível separar joio do trigo. Caberá ao leitor desta coletânea julgar
como me saí na tarefa e avaliar se os contos aqui apresentados são
realmente excelentes, como acredito que são. (MORICONI, 2001, p.
11)
Lembrando a discussão em torno do cânone e da voz da autoridade
de quem fala (CORREA, 1995), é um tanto discutível pensar nos critérios de
qualidade, apontados pelo professor, e na visão do leitor, que pode discordar dele
na seleção dos textos. Este posicionamento reforça ainda mais a idéia de que o
cânone está pautado, entre outros aspectos, por critérios de gosto, que são
discutíveis na medida que representam valores individuais, como o próprio Moriconi
afirma, e na autoridade de quem está falando, ou seja, escolhendo o que deve e o
que não deve ficar para a história, no caso, o autor londrinense Domingos Pellegrini.
Se o professor não tivesse incluído Pellegrini em Os cem melhores contos do século,
o autor paranaense não seria considerado um escritor “maior”, que o próprio
Moriconi diz que os contos são excelentes e merecem ser vistos como tal.
32
2.2
M
EIOS DE
C
OMUNICAÇÃO E
C
ÂNONE
São posicionamentos como esse que reforçam a presença de
determinado autor nos meios de comunicação de massa, fortemente influenciados
por antologias e reuniões de textos tidos como “superiores”, além do prêmios
oferecidos pela academia e por órgãos reconhecidos por autoridades literárias.
Prova disso, é o grande número de reportagens sobre Pellegrini nas datas em que
ele recebeu prêmios e outras oblações.
Em 2001, quando recebeu o Jabuti pela segunda vez, na categoria
romance, por O Caso da Chácara Chão (PELLEGRINI, 2000), Pellegrini concedeu
entrevista ao Jornal de Londrina, jornal local da cidade onde o escritor nasceu, na
qual o repórter o chama de incansável e com uma “ética surpreendente em tempos
de literatura globalizada.” (LEMES, 2001, p. 1). A reportagem, além de enaltecer o
talento do escritor, fala de outros assuntos, como o comunismo refenho abandonado
por Pellegrini com o passar dos anos e da dificuldade dos escritores em sobreviver
apenas escrevendo. Já a reportagem do jornal Folha de Londrina é mais incisiva nas
colocações, classificando Pellegrini de “devastador e polêmico” ou “Tão árido como
a realidade ou simplesmente explosivo como o cinema humanista de Sam
Peckinpah” (GROTA, 2001, p. 1). O jornal Folha de São Paulo também faz
referência a Pellegrini pelo nome entre os agraciados com o Prêmio Jabuti de 2001,
porém, a reportagem diz que foi uma surpresa a indicação do nome do autor
paranaense, embora o próprio jornal faça menção ao primeiro Jabuti de Pellegrini
em 1977.
Entre os ganhadores deste ano, um nome gera certa surpresa. É o
de Domingos Pellegrini, cujo ‘O Caso da Chácara Chão’ foi escolhido
o melhor romance de 2000. Apesar de ter sido reconhecido pelo
concurso uma vez em 77, com o volume de contos ‘O Homem
Vermelho’, sua estréia literária –, o autor paranaense, 51, concorria
com Milton Hatoum e Patrícia Melo, nomes mais firmados no
mercado. (ANGIOLLILO, 2001a, p. 5)
Percebe-se nitidamente como o critério do jornal para que
determinado autor seja reconhecido pelo trabalho é o número de exemplares
vendidos, que a reportagem fala de “nomes firmados no mercado”. Por esse
33
motivo, a Folha de S. Paulo publicou outra reportagem no dia 11 de abril, portanto,
pouco mais de um mês antes da noite de entrega do Prêmio Jabuti, divulgando que
a Câmara Brasileira do Livro, que organiza o Prêmio, havia divulgado os vencedores
em cada categoria, e que a expectativa era para a escolha do Prêmio de Melhor
Livro do Ano. O jornal mencionou a lista dos vencedores em cada categoria e
colocou “os possíveis vencedores” na visão do periódico
O que é melhor? A saga familiar amazonense de "Dois Irmãos" ou o
tráfico dos morros cariocas de "Inferno"? Os contos de "Invenção e
Memória" ou os poemas de "O Rumor da Noite"? Os autores dos
livros acima respectivamente, Milton Hatoum, Patricia Melo, Lygia
Fagundes Telles e Lêdo Ivo estão entre os vencedores do Prêmio
Jabuti 2001, anunciados ontem pela Câmara Brasileira do Livro
(CBL), em São Paulo. (ANGIOLILLO, 2001b, p. 3)
O nome de Pellegrini aparece na lista dos vencedores de cada
categoria e nas palavras da escritora Patrícia Melo “Eu me sinto completamente em
boa companhia. Admiro tanto o Milton Hatoum quanto o Domingos Pellegrini. Vai ser
páreo duro” (ANGIOLILLO, 2001b, p. 3).
Na divulgação do primeiro Prêmio Jabuti, em 1977, Pellegrini foi
citado pelo jornal Folha de Londrina que afirmou:
Aos 28 anos de idade, dois livros editados e constando de diversas
antologias de contos e poesias, Domingos Pellegrini Júnior (Dinho
para os amigos), desponta no cenário nacional e inegavelmente
tem seu nome assegurado nas letras brasileiras. Seu livro O HOMEM
VERMELHO mereceu o Prêmio Jabuti (escolhido por uma comissão
julgadora de 13 críticos literários de diferentes estados e com votos
enviados por carta) e foi apontado pela revista Veja como um dos 10
melhores do ano em 1977. (BULIK, 1978, p. 3)
Percebe-se como o jornal considera Pellegrini um integrante do
cânone literário nacional, apesar da carreira ainda incipiente e do Jabuti ser o
segundo prêmio em nível nacional recebido pelo escritor paranaense, o que pode
ser aceitável na medida em que a Folha de Londrina representa os anseios e a
vontade da comunidade em ver um dos seus alçado ao seleto grupo de escritores
34
reconhecidos em todo o Brasil. Também é importante registrar que Pellegrini ainda
mantém forte vínculo com a imprensa local, produzindo colunas e artigos.
2.3
P
ELLEGRINI
A
USENTE
Entre os autores que não citam Pellegrini nior em suas obras de
compilação e formação do cânone nacional, seja na poesia, no romance, nos contos
ou na crônica, está Alfredo Bosi. Este publicou duas obras que devem ser
destacadas. O conto brasileiro contemporâneo (BOSI, 1975) e História concisa da
literatura brasileira (BOSI, 1994). No primeiro, o autor reúne alguns contos de 18
escritores brasileiros, entre eles Guimarães Rosa, Moreira Campos, Lygia Fagundes
Telles e Dalton Trevisan. Como o primeiro livro de contos de Pellegrini nior é de
1977, O homem vermelho (PELLEGRINI, 1977), portanto, não seria possível citar o
escritor paranaense. No entanto, em História concisa da literatura brasileira, Bosi cita
mais de duas centenas de nomes de autores que têm uma certa representação na
literatura nacional, mas o cita Pellegrini, em um livro de 1994, quando o escritor
londrinense já havia publicado algumas de suas melhores obras, como As sete
pragas (PELLEGRINI, 1979) e Os meninos (PELLEGRINI, 1977b), e havia ganho
prêmios de relevância nacional.
Na mesma linha de antologias, Ítalo Moriconi escreveu Como e por
que ler a poesia brasileira do século XX (MORICONI, 2002), que não vem a ser uma
reunião dos melhores textos poéticos brasileiros na opinião do autor, mas reflete a
visão do mesmo sobre os autores que se destacaram na produção poética brasileira
do século passado. Não por acaso, portanto, o professor carioca cita Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e outros
autores renomados e notadamente pertencentes ao cânone poético brasileiro. O
paranaense Paulo Leminski também foi destacado e classificado como poeta
concretista, ou nas palavras de Moriconi, “poeta trickster, mediador, (que) faz o elo
entre todas as vertentes surgidas no panorama poético pós-pop brasileiro”
(MORICONI, 2002, p. 119). Porém, Ítalo o faz menção a Pellegrini, que publica
poesias deste a década de 80 em revistas e livros, como Tempero do tempo
(PELLEGRINI, 2002), uma coletânea de poesias marcadamente líricas. Este
35
pocisionamento de Moriconi vem de encontro ao que Hohlfeldt disse no final da
década de 80 “(Pellegrini) também vem produzindo boa poesia, embora seu forte
seja a ficção curta” (HOHLFELDT, 1988, p. 191).
o autor Sílvio de Castro não faz uma antologia ou um estudo de
períodos literários como Ítalo Moriconi, Alfredo Bosi ou Domício Proença Filho.
Castro escreve Teoria e política do Modernismo brasileiro (CASTRO, 1979), no qual
afirma quais são as origens históricas do Modernismo brasileiro, teoriza as vertentes
européias que foram determinantes para a formação do período literário que deu
origem à Semana de Arte Moderna e também discute os aspectos políticos
relacionados ao Modernismo e ao momento que o Brasil passava durante a criação
do movimento literário. Certamente por ter sido escrito em 1979 e pelo fato de ser
uma obra dedicada a falar de aspectos políticos e históricos do Modernismo, ou seja,
um período literário em que Pellegrini não está inserido, Castro o cita o autor
londrinense.
36
3 CARACTERÍSTICAS DO GÊNERO LITERÁRIO CONTO
Tradicionalmente o conto é um gênero literário que se assemelha a
outras formas de literatura em prosa. Segundo Moisés, alguns críticos,
apressadamente, caracterizam o conto simplesmente a partir do número de páginas.
[Alguns críticos] preconizam que conto é sinônimo de narrativa curta,
e vice-versa, toda narrativa curta se classifica como conto. Chegam
ao requinte de firmar uma distinção numérica entre o que chamam de
‘conto-curto’ (‘short-short history’) e ‘conto longo’ (long-short story’):
aquele teria cerca de 500 palavras, o segundo, entre 500 e 15.000 a
20.000 palavras. (MOISÉS, 1994, p. 23)
Kaiser o é radical a ponto de afirmar que o tamanho do texto
indica, invariavelmente, se é conto ou não. Porém, para o estudioso o tamanho curto
é uma forte característica dele:
[o conto] indica que pode ser lido ou ouvido ‘numa sentada’, e isso
transparece, mais ou menos, através de todos os contos. Reside
nisso, pois, necessariamente, o reduzido do tamanho e a sua
limitação, em comparação com a amplitude do romance. Deste disse
um dos seus melhores teóricos ‘what the extent should not be less
than 50.000 words’ (FOSTER, 1954). Sob a designação de conto
costuma-se incluir tudo o que é mais curto. (KAISER, 1968, p. 272)
Teles (1979, p. 287) endossa a tese de Kaiser, afirmando que “o
conto sempre foi curto por ser um cômputo (grifo do autor), isto é, por ser uma
síntese de algo acontecido”. Para não incorrer em erro na análise do conto, Moisés
(1994) sugere que o critério de número de páginas seja uma dentre outras
características que devem ser observadas no texto. Além do tamanho em
quantidade de palavras, o teórico sugere a análise da ação, dos personagens, do
tempo, do espaço, da trama, da estrutura, da linguagem, do leitor, da sociedade e do
plano narrativo entro outros. Um dos aspectos mais importantes na caracterização
do conto, segundo o estudioso, trata-se da estrutura, geralmente confundida com o
romance.
Moisés diz que o conto tem uma unicidade dramática, uma célula
dramática, uma única ação que centraliza os fatos em torno da narrativa. O romance
37
tem diversos núcleos que interagem entre si, ou não, o que aumenta sensivelmente
o número de personagens, cenários e, consecutivamente, o número de páginas.
Embora seja aparentemente possível criar um romance a partir do conto, tomando
como base o núcleo narrativo, não basta apenas acrescentar diálogos, cenas e
personagens para que um conto se torne um romance, ou o inverso, para que um
romance passe a ser um conto. Como destaca Moisés:
o conto é, do prisma de sua história e de sua essência, a matriz da
novela e do romance, mais isso não significa que deva poder,
necessariamente, transformar-se neles. Como a novela e o romance,
é irreversível: jamais deixa de ser conto a narrativa como tal se
engendra, e a ele não pode ser reduzido nenhum romance ou
novela. (MOISÉS, 1994, p. 37)
Porém, o autor admite que determinados escritores utilizaram-se de
núcleos narrativos de contos para criarem romances, o que, na opinião do teórico,
descaracterizou o texto e não surtiu o efeito sugerido. Moisés dá como exemplo a
obra Civilização, transformada no romance As Cidades e as Serras pelo português
Eça de Queiroz. De acordo com Moisés, Eça apenas acrescentou fatos,
personagens, situações do cotidiano, caracterização do protagonista que trouxeram
informações adicionais à narrativa, mas que, em tese, não interferem diretamente no
contexto geral. São, em palavras simplistas, caprichos do romancista que os faz
justamente porque sabe que esse tipo de gênero literário os permite, ao contrário do
que ocorre com o conto. O romance é o palco apropriado para as digressões, os
comentários filosóficos, as reminiscências do escritor. “uma personagem de romance
jamais pode ser confinada nos limites estreitos do conto, assim como a personagem
do conto jamais pode ser alargada até as dimensões do romance sem qualquer
alteração em sua natureza”. (MORAVIA apud MOISÉS, 1994, p. 39)
Quando tomam-se por base os livros de contos do autor Domingos
Pellegrini, objeto de estudo deste trabalho, percebe-se que boa parte dos contos do
escritor vem ao encontro das proposições de Teles, Kaiser e Moisés sobre o
tamanho e a estrutura dos contos. Nas obras mais recentes, década de 1990 e nos
últimos anos, o texto do autor paranaense é mais conciso e lúdico, que os livros
são dedicados principalmente para o público infanto-juvenil. Tempo de Menino
(PELLEGRINI, 1997) é um exemplo. Repleto de histórias que lembram a infância e a
adolescência do autor, os contos da obra não ultrapassam mais que 10 páginas.
38
Contudo, os contos das duas primeiras cadas de trabalho de Pellegrini são mais
longos, chegando a mais de 20 páginas em algumas ocasiões.
Na obra Paixões (1984), de forte conteúdo erótico e ideológico, o
conto “Crime e perdão” tem de 55 páginas, o que poderia caracterizar, de uma certa
forma, uma exceção ao que se espera do conto. O que de fato acontece em
determinados momentos, que Pellegrini ocupa tempo demais com diálogos,
existem diversos personagens e os cenários mudam constantemente, características
tipicamente romanescas. “Era uma saleta com quartinho, cozinha e banheiro onde
duas pessoas não podiam se vestir ao mesmo tempo sem bater cotovelos.
Almofadas e discos pelo chão, Guevara na parede, livros pelo quatro cantos e um
vasinho com uma flor seca” (PELLEGRINI, 1984, p. 20).
Em “Crime e perdão” existem 3 personagens principais na primeira
fase da história, Zanquetti, Ernesto e Palma. Depois que mudam de cenário, mudam
também os protagonistas, que passam a ser Lena e Ernesto. Assim que existe uma
nova mudança de cenário, os protagonistas permanecem, mas a história toma outro
rumo e outros personagens secundários aparecem. Tendo em vista a unicidade
dramática que Moisés destaca e o tamanho reduzido para o que Kaiser e Teles
chamam a atenção, “Crime e perdão” seria um meio termo entre conto e romance,
muito mais próximo do romance, ou da novela, que do conto.
Segundo Teles (1979, p. 287), a comparação entre romance e conto
e a transformação de características individuais em coletivas é um erro também dos
críticos que “têm-se preocupado em compará-lo (o conto) com o romance, vendo
entre as duas formas de ficção, pelo menos no Brasil, a forma intermediária de
novela. E quando não fazem comparação, procuram ver no conto, forçosamente, os
mesmos elementos estruturais do romance”. Ainda, conforme Teles, isso se deve
principalmente a maior abrangência do romance, que pode representar melhor a
realidade e servir até mesmo a propósitos históricos na medida que retrata relações
sociais, políticas e culturais da sociedade.
Todavia, a representação da vida social não é exclusividade do
romance. Ela é também fator fundamental e diferenciador do conto, pois este tem
fortes raízes na tradição de contar o cotidiano. O estudioso alemão Kaiser (1968, p.
272) afirma que “já vimos como (o conto) contém em si muita coisa: falamos de
novelas, contos de fadas, idílios, etc, que com boas razões podem ser designados
39
como espécies de contos. Nas mãos de um contista, todas as formas simples se
podem converter em contos”.
Para Kaiser (1968, p. 272) existem dois aspectos importantes sobre
o conto: “primeiro, o de que o conto seria uma espécie de narrativa oral; o segundo,
derivado do anterior, o caráter individual do conto deriva da necessidade do autor de
falar de si próprio”. Sobre o primeiro, Teles afirma que:
Os primeiros autores de livros de conto não faziam questão de
distinguir entre os contos que pertenciam à tradição (e que estavam,
portanto, incrustados na língua) e os que pertenciam à sua própria
criação, como produtos de uma fala literária. Todos os livros de
contos a partir do século XV misturam as duas formas: os de ‘forma
simples’, ligados à tradição popular; e os de ‘forma culta’, criados
pelo escritor. (TELES, 1979, p. 288)
Moisés acrescenta:
Como ‘forma simples’, o conto entranharia no folclore, aproximando-
se da fábula e do apólogo, ou no universo das ‘histórias de proveito e
exemplo’, do mundo de fadas, da carochinha, e continuaria a ser
cultivado mesmo depois do século XVI, pela mão de La Fontaine. E
como ‘forma artística’, o conto seria o literário propriamente dito, por
apresentar autor próprio, desligado da tradição folclórica ou mítica
para colher na atualidade os temas e as formas de narrar. (MOISÉS,
1994, p. 33)
Por esses aspectos, Kaiser (1968) afirma que todas as formas
simples podem transformar-se em contos. Em Pellegrini, deduz-se que eles se
enquadram como na forma artística, apontada por Moisés e Teles, por se tratar de
uma história contemporânea e com uma forma própria de narrar. Contudo, o escritor
paranaense aproxima-se sensivelmente da “forma simples”, que ele escreve
muitas histórias em forma de fábula. No livro As Batalhas do Castelo, a contra capa
diz “nesta fábula da liberdade e da confiança, o autor mostra que, aqui e agora, ou
num castelo da Idade Média, nossos problemas, nossos fantasmas, continuam os
mesmos: amar e ser amado, lutar ou ser vencido, perdoar ou sofrer, gostar do que
se faz e fazer o que se gosta, aventurar-se ou se conformar, resistir ou se render”
(PELLEGRINI, 1987). Na obra Meninos e Meninas (1998), Pellegrini não conta
histórias da época da Idade dia com reis, príncipes e princesas, tipicamente mais
próximos do conto de fadas, mas narra histórias que poderiam facilmente fazer parte
40
do imaginário popular, como a de um pai que quase sofreu um acidente para pegar
uma pipa para o filho, ou a do menino que viu um assassinato enquanto brincava em
uma chácara.
O caráter coloquial e descompromissado dos contos infanto-juvenis
do escritor paranaense se aproxima da crônica e se distancia da “forma artística”
apontada por Moisés. Aliás, Pellegrini faz questão de manter uma grande
informalidade nos seus contos, tanto nos temas, na linguagem como também na
estrutura. Para ele, a “forma artística” provoca um distanciamento do leitor,
preponderantemente infanto-juvenil no caso de Meninos e Meninas (1998), por isso
deve ser combatido o “intelectualismo” da literatura. A ironia é que no início da
carreira de escritor a impressão é que Pellegrini pensava justamente o contrário,
que as obras tinham forte caráter político-ideológico. A obra que rendeu a primeira
premiação de destaque na vida de escritor Prêmio Jabuti em 1977 foi O Homem
Vermelho (1977), impregnada de pessimismo e indignação com a situação política e
social do Brasil.
Nesse sentido, Teles faz uma importante contribuição:
o conto literário não é simplesmente recolhido da tradição; ele é
criado ou produzido pelo escritor e, como tal, é organizado em livro,
codificado numa linguagem muito próxima da linguagem poética e
cujas “leis” o crítico, o estudioso da literatura, deve procurar e
descobrir. (TELES, 1979, p. 290)
No que diz respeito ao segundo aspecto do conto apontado por
Kaiser (1968), as concepções dele e Moisés são confluentes, já que ambos reforçam
a idéia de que o contista busca retratar acima de tudo emoções e sentimentos
próprios, dificilmente do grupo onde vivem. Enquanto Kaiser destaca o conto como
uma forma mais coloquial de narrativa, derivada historicamente de práticas primitivas
de narrativa oral, Moisés a individualidade do conto como uma expressão da
unidade narrativa. Moisés afirma que o narrador do conto deve ser bastante sintético
quando fala do passado ou do futuro, já que isto poderia distanciar o texto do conflito
central e do diálogo que norteia o conto.
Quando muito o contista apresentaria um sumário do passado, ou do
futuro, que possa lançar alguma luz sobre a situação em foco: é a
chamada síntese dramática. [...] É irrelevante o que possa acontecer
41
depois ano nosso herói
1
, seja porque anunciado nos pormenores do
conto, seja porque ele esgotara no conflito geral todas as suas
potencialidades e reservas emocionais. Regra geral, assim se
passam, as coisas no universo do conto. Se não, podemos
desconfiar que se trata, mais propriamente, de um trecho ou embrião
de romance ou novela. (MOISÉS, 1994, p. 42)
A partir desse pressuposto a individualidade deve ser não uma
característica marcante, mas a mais importante ou até mesmo imprescindível para
que o conto não perca sua identidade. Teles reforça essa tese.
O conto [...] pela sua natureza e estrutura, esteve sempre ao nível do
indivíduo; pelo seu caráter sintético, de simples corte da realidade,
nunca chegou a delinear uma imagem nítida e total da sociedade,
embora a sua origem de natureza gregária, ligada ao clã e à família.
Mas se objetivo nunca foi de apenas o de ‘retratar’ a vida inteira da
comunidade, e sim o de retratar a si mesmo, embora destacando
dessa comunidade um acontecimento, uma personagem, um traço
qualquer que podia, em pouco tempo e de forma absoluta, ser
transmitido oralmente como exemplo ou por simples gratuidade do
ato de falar/narrar. (TELES, 1979, p. 288)
Quando se tomam por base os livros de contos de Pellegrini, as
teorias de Kaiser, Teles e Moisés ligam-se perfeitamente à vida e à obra do escritor
paranaense. Nos contos deste, percebe-se nitidamente o forte caráter particular e,
no caso de Pellegrini, autobiográfico, algo que é abertamente confessado pelo autor
em entrevistas publicadas em livros do mesmo. Um dos livros no qual o aspecto
autobiográfico é mais forte é Tempo de Menino. Nesta obra Pellegrini traz à tona
diversas lembranças da época de menino e adolescente que marcaram fortemente a
vida dele e que foram registradas no livro.
Domingo também é uma historia antiga. Quando perguntaram se eu
fui esse menino que vai pescar com o pai, rio por dentro. Na verdade,
eu estava pescando com meu avô quando peguei o primeiro peixe da
vida, uma piaba no rio Sussui, perto de Assis, São Paulo. Mas as
sensações do primeiro mergulho vieram duma vez que meu pai me
levou no Lago Igapó, em Londrina. [...] A Última janta é bastante
autobiográfica. Meus pais foram donos de pensão. Lembro-me dele
fechando o salão de barbeiro, em frente à pensão, para ajudar minha
mãe a servir a janta para os peões e camelôs, de quem ouvi as
primeiras histórias. Ao escrever, saiu uma mulher sozinha, sem
1
No caso, quando Moisés cita “nosso herói” ele se refere ao protagonista do conto Missa do Galo, do livro
Páginas Recolhidas de Machado de Assis.
42
marido, e me parece que essa personagem é uma homenagem à
minha mãe, com que vivemos enquanto eles estiveram separados.
(PELLEGRINI, 1997, p. 77).
A individualidade não está presente apenas no depoimento do autor
diante das evidências autobiográficas, mas em diversas características textuais
presentes no texto. A síntese dramática, termo usado por Moisés para designar o
texto cujo núcleo dramático gira em torno do protagonista e busca ser sintético em
“explicações” sobre o passado, futuro e demais características peculiares da
narrativa, é um recurso bastante usado por Pellegrini em Tempo de Menino. Em
Domingo, por exemplo, Pellegrini narra história de um menino que foi pescar pela
primeira vez com o pai. Embora a narração seja em terceira pessoa, ao contrário da
maioria dos textos em primeira pessoa, o autor paranaense narra as sensações do
garoto ao viver uma situação nova ao lado do pai, no caso pescar. Assim como
sugere Moisés, Pellegrini é suscito ao lembrar fatos do passado e ainda assim o faz
quando julga necessário para o entendimento das circunstâncias, como percebe-se
com o momento em que fala da mãe.
Saíram de manhãzinha, o pai com a sacola e o menino com as
varas. Primeira vez que ia pescar, na mesma represa onde o pai e a
mãe pescavam antes de casar. Ela contou que ficava quieta no
barranco esperando a mordida dos lambaris pescava mais que o
pai, sempre mudando de lugar e de isca. [...] Quando o menino
sentiu o primeiro peixe da vida correndo a linha, pensou no pai e na
mãe comendo e bebendo numa mesa de bar, mas igual a mesa azul
de casa, com gaveta pros guardanapos e talheres e pra toalha de
linho que só aparece quando tem visita. (PELLEGRINI, 1997, p. 37)
Além da economia de palavras no contexto histórico, a unidade de
espaço e de tempo também são componentes da síntese dramática, segundo
Moisés. Nestes aspectos, Pellegrini também se mostra perfilado com a teoria
literária.
Da mesma forma que uma única ação, por veicular conflito, sustenta
a narrativa, um único espaço serve-lhe de teatro. Pode-se dizer,
conseqüentemente, que no conto se processa a determinação do
espaço, na medida em que os demais lugares são vazios de
dramaticidade. (MOISÉS, 1994, p. 44)
43
Em Meninos e Meninas, percebe-se a importância da caracterização
do espaço que dá nome ao conto Terraço:
Domingo o pai e o filho vão tomar sol no terraço do prédio. Cuidado,
hem, pede a vó, mas o pai fala cuidado para que, mãe, que é que
pode acontecer num terraço? Sobem no elevador até o último andar,
daí pela escada em caracol até a casa de máquinas. O pai
experimenta várias chaves do chaveiro, abre a porta e o filho diz não
sei porque falam casa de máquinas se é um quarto com uma
máquina só. [...] Várias chaves depois, o pai abre a porta, saem para
um céu quase azul, algumas nuvens ao longe. Venta mas, com o
parapeito alto do terraço, o vento chega aos cabelos deles.
(PELLEGRINI, 1998, p. 5)
Assim como o espaço do conto se circunscreve ao local que
dramaticidade à narrativa, o tempo também é reduzido, como sugere Moisés:
os acontecimentos narrados no conto podem dar-se em curto lapso
de tempo: que não interessam o passado e o futuro, o conflito se
passa em horas, ou dias. Se levam anos, de duas uma: 1) ou trata de
um embrião de romance ou novela, 2) ou o longo tempo referido
aparece na forma de síntese dramática, que envolve, habitualmente,
o passado da personagem. (MOISÉS, 1994, p. 44)
Mais uma vez reportando-se ao conto Terraço, percebe-se como
este é um tipo de exemplo de conto, segundo a teoria exposta acima. Do momento
em que o pai e o filho vão ao terraço ao momento em que o pai é carregado pelo
Corpo de Bombeiros após a tentativa de pegar o papagaio que se prendera em uma
antena, não foram mais que 4 horas de uma tarde ensolarada. o conto “Crime e
perdão”, de Paixões (PELLEGRINI, 1984), corrobora o caráter difuso, apontado por
Moisés (1994), para as histórias cujo tempo ultrapassa as horas e os dias. A
narrativa o se passa em anos, mas em semanas, meses. Algo semelhante ocorre
em um conto consagrado pela crítica, “A Maior Ponte do Mundo”, de O Homem
Vermelho. O protagonista da história passa semanas trabalhando na construção da
ponte Rio-Niterói, embora o conto tenha forte unidade dramática e não traga outras
características que podem ser atribuídas ao romance.
Pode-se suspeitar que tais pontos em comum com o romance nos
contos mais antigos são conseqüência de uma fase de afirmação e amadurecimento
do autor que está começando uma carreira literária. Exemplos de que isso não é
44
novo na literatura brasileira são fartos e abundantes. Até “medalhões”, como
Machado de Assis, tiveram fases de amadurecimento intelectual e estético enquanto
escreviam as primeiras obras, portanto, não seria por demais acreditar que Pellegrini
tenha passado por essa fase, ainda mais tendo em vista o forte caráter ideológico
das primeiras obras. Em entrevista concedida ao jornal Folha de Londrina, na
ocasião em que ganhou o Prêmio Jabuti pela primeira vez em 1977, Pellegrini
mostrou-se bastante próximo da literatura do dia-a-dia das pessoas e menos
academicista.
Penso nos leitores, sim. Inclusive mostro todo conto, em sua primeira
versão, para amigos. Para receber críticas e depois refazer o conto.
Não escrevo para satisfação própria. [...] Gosto de uma literatura
poética, sensual, cheia de imagens e de sensações, bem como de
agudeza crítica. Não gosto da literatura racional, fria que faz por
exemplo o Osman Lins. (BULIK, 1978, p. 3)
Um outro aspecto importante da síntese dramática apontada por
Moisés como elemento fundamental do conto é a unidade de tom. Moisés (1994, p.
45) afirma que “os componentes da narrativa obedecem a uma estruturação
harmoniosa, com o mesmo e único escopo, o de provocar no leitor uma
impressão, seja de pavor, piedade, ódio, simpatia, ternura, indiferença, etc, seja o
seu contrário”. Essa característica é fortemente observada em Pellegrini pelo fato
dele ser um contador de histórias, pois o autor narra boa parte das experiências da
infância e da adolescência em muitos contos que escreveu.
A narrativa criada pelo autor londrinense se assemelha às histórias
da carochinha e às fábulas, portanto, se caracterizam pela busca de uma moral, uma
lição para ser aprendida pelos ouvintes. Um fator que reforça essa tese é o fato de
os livros mais recentes serem dirigidos ao público infanto-juvenil, ou seja, àquele que
mais precisa de valores, princípios morais por estarem em um momento de
formação da personalidade. No encarte do livro Meninos e Meninas, Pellegrini fala
sobre a predileção por falar sobre e para a infância, uma época fascinante e
desafiadora para todas as pessoas.
A infância e a velhice são comuns a todos, é quando sentimos mais
ou menos as mesmas coisas, temos as mesmas descobertas e
desafios. Aprender a ser, aprender a envelhecer. Mas nunca me
voltei para a infância, ela é que continua me procurando. [...] Gosto
45
de escrever para crianças e jovens, inclusive para as crianças que
estão nos velhos. (PELLEGRINI, 1998, p. 101)
46
4 O PROCESSO DE CRIAÇÃO
Um dos aspectos mais difusos, quando se discute literatura, é a
criação de um livro ou o processo que conduz à confecção de uma determinada
obra literária. Tendo em vista que toda obra literária tem um assunto, que por sua
vez tem um motivo e uma idéia central (CASTAGNINO, 1968), resta compreender
como se a escolha do assunto, que conduz a uma idéia central, cujo resultado
pode ser o fracasso ou o sucesso de crítica e de público de um determinado livro. O
grande problema deste questionamento é compreender os mecanismos mentais que
formam essa equação desprovida de fórmulas pré-fabricadas. Aliás, se existe algo
que difere verdadeiramente os escritores é o processo criativo, que trabalha com
aspectos muito particulares.
De uma maneira geral, poder-se-ia dizer que o movimento criativo é
a convivência de mundos possíveis. O artista vai levantando
hipóteses e testando-as permanentemente. Como conseqüência, há,
em muitos momentos, diferentes possibilidades de obra habitando o
mesmo teto. Convive-se com possíveis obras: criações em
permanente processo. As considerações de uma estética presa à
noção de perfeição e acabamento enfrentam um “texto” em
permanente revisão. É a estética da continuidade, que vem dialogar
com a estética do objeto estático, guardada pela obra de arte.
(SALLES, 1998, p. 26)
Neste aspecto, Castagnino contribui afirmando que diversas ciências
têm buscado compreender o “fenômeno” da criação, sendo possível chegar a três
versões diferentes do processo.
a) as que entendem a inspiração como um estado particular em que
desaparece o criador: arrebatamento, entusiasmo, embriaguez,
êxtase, sonho, etc.;
b) as que entendem a inspiração como um impulso recebido ao
acaso pelo criador, que remove o fundo vivencial e, por sucessivas
associações, vai gestando a idéia motriz;
c) as que entendem a inspiração, simples e planamente, como um
produto alcançado por voluntária reflexão, que se desenvolve num
longo processo lógico até alcançar a forma artística definitiva.
(CASTAGNINO, 1968, p. 71)
47
Domingos Pellegrini, quando fala sobre o processo de criar, mostra-
se bastante convencido de que para escrever é preciso se sentir completamente
livre, descompromissado para que a literatura seja autêntica. “Inventem sua própria
métrica, evitem o verso de forma fixa, fujam da rima [...], regendo normas que
contrariam a própria essência da criação, que é a liberdade”. (PELLEGRINI, 2006a,
p. 2)
Para ser livre, o autor paranaense acredita que é preciso escrever os
sentimentos mais profundos, libertar-se das amarras do convencionalismo e
expressar o que realmente inquieta o autor.
A literatura de qualidade emana da visão de mundo, dos valores
morais, das miradas filosóficas, do exercício político, da relação
social, da dimensão espiritual, do, conforme Drummond, sentimento
de mundo ou, conforme e a linguagem popular, do coração. Daí o
tédio e vazio de muitos poemas (que poderiam ser prosas, na visão
deste trabalho) que parecem saídos não da vida, mas do exercício
de fazer poesia. Burocraesia: poemas feitos por poetas que sentam
para fazer poesia, com hora marcada e compromisso regular, como
um expediente poético. Nada mais incongruente. (PELLEGRINI,
2006a, p. 2)
O comentário de Pellegrini é perfeitamente coerente com a maneira
pela qual ele produz literatura, com um forte viés pessoal e autobiográfico. Uma
característica típica do texto literário para Castagnino (1968, p. 70), para o qual “as
razões de ordem psicofisiológicas não gravitam em torno do texto, mas, além do
mais, estão precisamente aludidas nele”. O teórico Antonio Candido concorda com
Castagnino. Para Candido (1980, p. 13) “se tomarmos o cuidado de considerar os
fatores sociais no seu papel de formadores da estrutura, veremos que tanto eles
quanto os psíquicos o decisivos para a análise literária”. Salles endossa a opinião
de Candido e Castagnino. Para ela:
o artista não é, sob esse ponto de vista, um ser isolado, mas alguém
inserido e afetado pelo seu tempo e seus contemporâneos. O tempo
e o espaço do objeto em criação são únicos e singulares e surgem
de características que o artista vai lhes oferecendo, porém se
alimentam do tempo e do espaço que envolvem sua produção.
(SALLES, 1998, p. 26)
Em Tempo de Menino, Pellegrini afirma em entrevista à editora que
publicou a obra, como as lembranças da infância, dos desentendimentos dos pais,
48
do lado pessoal de uma forma geral, tiveram forte influência na sua literatura (1997:
76). Em Meninos e meninas o autor confessa, em outra entrevista, como os contos,
de uma forma geral, são recriações literárias de passagens da vida dele.
Todas [as obras] têm um pouco de mim aqui ou ali, de um jeito ou de
outro. Às vezes, sou o menino, às vezes, o pai. Glória é uma menina
bem parecida com o menino que eu fui. A menina de “Quadrondo”
sofre com a separação dos pais como sofri a dos meus. o conto
“Volta ao mar” é uma espécie de continuação poética de “Estação de
mar”, conto que está no livro Tempo de menino. [...] Este livro é como
um casarão, só que reúne “contos parentes”. (PELLEGRINI, 1998, p.
101)
Aliás, uma das características mais marcantes do trabalho literário
de Pellegrini o as muitas históricas que envolvem crianças, na verdade, meninos,
adolescentes homens ou jovens no início da idade adulta. Um viés que começou
logo no início da carreira do escritor com a obra Meninos, de 1977. É importante
fazer um breve parêntese para salientar a onipresença do nome “menino” em grande
parte dos livros e/ou dos contos que o autor escreveu desde a década de 70. Logo
após Meninos (1977), temos Os meninos crescem (1988), Tempo de menino (1990)
e Meninos e meninas (1995).
Sobre a forte presença masculina infantil nos contos, Pellegrini
confessa um resgate por uma fase difícil da vida pessoal:
Meus pais se separaram quando eu ia de menino a rapazola.
Passamos por quatro cidades e meia dúzia de casas em sete anos.
Foram choques seguidos. Não é fácil você passar por tantas escolas
diferentes, ter de ir embora quando começa a ter amigos. Talvez as
histórias de meninos sejam formas de colar os pedaços dos meus
traumas, para me recompor homem. Tanto que escrevi esse tipo de
histórias até os trinta e poucos anos. Passada a crise dos 30, e
encontrada uma certa serenidade, deixei de escrever sobre meninos.
(PELLEGRINI, 1997, p. 75)
Apesar da última obra sobre meninos ter sido publicada em 1995,
quando Pellegrini tinha 46 anos, percebe-se como a temática dos contos, de fato,
mostra uma certa vontade de expurgar “fantasmas” da infância, da adolescência e
da juventude. Em Meninos (1977), o autor começa o livro com um conto contundente
“O dia em que achei meu pai”, que começa da seguinte maneira “Então eu vou te
contar, negão, a noite em que encontrei meu pai na Zona. Eu era tonto feito peru
49
novo, barba na cara mais ainda de menor” (1977b, p. 5). Logo no primeiro parágrafo,
vê-se que o tema não se trata de momentos lúdicos de uma criança ou fases alegres
de um jovem descobrindo a sexualidade. Atrelada à linguagem coloquial e carregada
de palavras de baixo calão, percebe-se um jovem no mínimo desconcertado por
encontrar o pai na entrada de um prostíbulo.
Mas ai um sábado encosta um táxi com três caras, o motorista
acende a luz de dentro, faz troco, e eu no poste com o Pedro. [...]
aí desce do táxi meu pai com mais dois caras, de cara comigo no
poste.
– Que você faz aqui?
Fiz um gesto com a mão, lembro até hoje, que ficou aquele gesto no
ar. [...]
–Queria conversar um pouco com você.
E acho que cada um ia ficar ali ensopado um na frente do outro se o
Pedro não corresse da chuva até o boteco.
(PELLEGRINI, 1977b, p. 6)
O protagonista do conto mostra-se ainda mais desconcertado
quando o pai, no prostíbulo com ele, pergunta pela ex-mulher.
E sua mãe, como vai?
– Vai indo.
– Não tem faltado nada lá?
– Que eu saiba não.
(PELLEGRINI, 1977b, p. 7)
Tendo em vista a confissão de Pellegrini de que os pais brigaram
muito durante a infância e adolescência dele e de que isso o marcou muito, pode-se
deduzir que no começo da carreira como escritor as lembranças negativas do
passado ainda pesavam muito e a literatura seria uma forma de “descarregar” as
tensões. Algo que com o passar do tempo se tornou mais sutil, certamente pelo fato
de o autor ter-se “recomposto como homem”, como ele próprio afirmara. Em Tempo
de menino (1997), um livro mais lúdico, pueril, e sem ressentimentos tão latentes,
vê-se mais claramente essa diferença.
Pai sempre falou que um dia me levava ao zoológico. Um dia, o dia
chegou – de tanto eu pedir e também porque não agüentava ficar em
casa nem mais um minuto. Era um daqueles dias em que a Mãe
levantava sem falar nada, batendo gaveta e panela e, quanto
menos falava, mais o silêncio dizia que ela estava se mordendo de
raiva. Então ele ia ficando com raiva daquilo, começando a fazer tudo
50
que ela detestava: pé na cadeira para amarrar sapato, cinza no chão,
jornal aberto na mesa. Então ela ia sumindo com os cinzeiros e as
caixas de fósforo, até ele ficar sem saber o que fazer com o cigarro
na mão. E erguia a xícara e estava a conta do armazém.
(PELLEGRINI, 1997, p. 9)
O texto mostra um embate entre o pai e a mãe do protagonista do
conto, que se identifica e muito com as situações vividas por Pellegrini, mas sem
sentimentos de raiva ou ódio explícitos. A discórdia entre o pai e a mãe, até pelo fato
de não se dar por palavras, mostra-se de uma certa forma até engraçada, o que
evidencia uma superação destes episódios por parte do contista.
Em Meninos e meninas (1998), a impressão é de que os traumas do
passado foram, definitivamente, deixados “para trás” por Pellegrini. Prova disso é o
conto “Quadrondo”, no qual uma menina se ressente das brigas e desentendimentos
dos pais e da separação iminente. No entanto, a narrativa termina com final feliz,
que os pais da garotinha se reconciliam.
Fui ficar olhando os dois na sala, as duas cabeças redondas no
mesmo travesseiro, até que minha mãe abriu os olhos e me puxou,
abraçou e perguntou se estava tudo bem. Ele acordou e perguntei da
casa com piscina, ele disse que não ia ser bom:
– Piscina é perigoso para nenê.
Perguntei se ele ia continuar em casa, disse que ia:
A mãe vai arredondar um pouco, e eu vou ser mais quadrado um
pouco, aí quem sabe dá certo.
(PELLEGRINI, 1998, p. 89)
O curioso, levando em conta a mudança na condução dos contos
com o passar dos anos e a afirmação do próprio autor de que após a “crise dos 30”
tinha superado os problemas da infância, é maneira como ele responde a uma
pergunta sobre o porquê da forte presença de temas infantis e infanto-juvenis em
suas obras.
Não sei porque me vem esse tipo de contos, sei que vem. Deve ser
porque s humanos, além de termos cérebro altamente
desenvolvido, somos os únicos no planeta a ter cultura. Os
passarinhos cantam, nós temos orquestras sinfônicas. De botões de
roupa a botões atômicos, nós temos cultura, inclusive as artes, e
cada um tem seu estilo, suas temas, enfim. Na tremenda variedade
do mundo artístico, tinha de haver alguém como eu, não?
(PELLEGRINI, 1998, p. 102).
51
Com esta resposta Pellegrini contraria uma afirmação dada por ele
próprio um ano antes e ainda a entender que a temática abordada por ele é
apenas mais uma, dentre tantas outras, que existe na literatura brasileira. Algo
passível de contestação por todas as evidências que este trabalho demonstrou e
as declarações do autor em outra entrevista.
Candido (1980, p. 20) afirma que pelo fato do artista estar inserido
na sociedade, ele, necessariamente, reproduz o ambiente em que vive, e, ao mesmo
tempo, interfere nesse contexto na medida em que age, ou, no caso do escritor, cria
uma obra literária. Neste caso, ainda segundo o estudioso, o escritor seria uma
espécie de arauto da sociedade, pois foi dada a ele a incumbência de retratar, nesta
circunstância, por meio da literatura, os anseios, os desejos e as vontades do grupo
ao qual pertence.
Pellegrini representa bem os dois tipos de situação em suas obras,
seja como mensageiro do grupo em que vive, seja como ser social encaixado em
determinada localidade. No livro Paixões, de 1984, o autor, dentre outras
circunstâncias, coloca-se como um representante do grupo dos descontentes em
relação ao contexto político e econômico brasileiro. Por meio da sátira e da ironia,
principalmente, o escritor brinca com a ideologia decadente de estudantes lutando
por um suposto golpe de Estado e exilados políticos brasileiros e estrangeiros,
tentando viver fora do Brasil. A crítica política também existe nos diversos contos
que lidam com questões polêmicas para a década de 80 e, de uma certa forma, para
os tempos atuais, como o homossexualismo e as drogas na adolescência.
Malgrado a influência da infância e dos fatores externos na
composição da obra de Pellegrini, o que mais fica latente é a necessidade que o
autor tem de escrever por uma questão pessoal, ou um dom, como o próprio escritor
diz. Como ocorre com boa parte dos escritores, o autor paranaense afirma que
começou a tomar gosto pela literatura quando ainda era adolescente e que isso
ocorreu, principalmente, por causa do isolamento gerado pelos problemas com os
pais e a busca por preencher um espaço vazio. A leitura, conseqüentemente,
conduziu Pellegrini a se aventurar pelas letras e não tardou para que ele começasse
a escrever poemas e outros gêneros literários.
Com onze anos eu fui assistir um filme do Mazzaropi em que um
negro escravo era mostrado no Pelourinho. Aquilo me comoveu... Eu
52
saí do cinema e fui escrever um poema. Aos quatorze anos, passei
para os contos. Aos vinte e um, comecei a ganhar alguns concursos
e, aos vinte e dois, o escritor João Antônio conheceu e se interessou
pelo meu trabalho. Daí, recebi uma proposta da Editora Civilização
Brasileira para publicar um livro de contos. Depois, vieram prêmios e
outros livros... (PELLEGRINI, 1997, p. 90)
Apesar do jeito brincalhão em falar de si próprio e dizer que se
emociona quando escreve, Pellegrini fala de uma suposta “herança genético-social”,
o que soa estranho para quem nunca teve nenhum parente ligado ao mundo das
letras. O pai e a mãe do escritor, como ele próprio frisa sempre nas entrevistas que
concede, eram pessoas humildes que exerceram trabalhos braçais para sobreviver,
portanto, sem nenhum vínculo com o mundo da literatura.
Mesmo que o autor estivesse se referindo às origens rurais e as
muitas histórias que ouviu quando era garoto, o que supostamente o teria conduzido
ao mundo das letras para ser um representante desse grupo, tendo em vista o ponto
de vista de Candido (1980, p. 26) de que todo grupo social precisa de um porta-voz,
os poucos personagens que interferiram de alguma forma na vida de Pellegrini eram
pessoas muito simples para produzir tal efeito na vida do autor.
Outro fator que poderia pesar neste aspecto seria a questão
geográfica e temporal, como afirma Castagnino (1968, p. 101). No entanto, a cidade
de origem do escritor, Londrina, nunca teve nenhum autor de destaque no cenário
literário nacional, ou amesmo estadual, como o próprio Pellegrini, e durante o
período no qual Pellegrini passa a infância e a adolescência, Londrina era uma
cidade em formação, com uma vida cultural bastante reduzida. Portanto, é difícil
imaginar que alguma manifestação artística do período tenha influenciado na
formação literária do escritor.
53
5 DOMINGOS PELLEGRINI E A LITERATURA INFANTIL
Tendo em vista a forte identificação entre a literatura de Domingos
Pellegrini, a literatura infanto-juvenil e o público adolescente, é importante observar
até que ponto as obras do autor londrinense se enquadram nos parâmetros
estabelecidos pela academia para a literatura infanto-juvenil, assim como as
peculiaridades das mesmas. Primeiramente é crucial destacar alguns aspectos,
como o histórico, acerca das razões que motivaram o surgimento da literatura
infantil, a relação intrínseca entre literatura infantil e pedagogia, e a terminologia que
será usada neste trabalho, para nortear as discussões a seguir.
Este trabalho fará uso do termo literatura infanto-juvenil ou infantil
para referir-se às obras dedicadas a crianças, adolescentes e jovens, não havendo
distinção de nome para as possíveis diferenças entre elas. Para tanto, parte-se do
exemplo da professora Nelly Novaes Coelho em Literatura infantil: teoria, análise e
didática.
Para facilitar a exposição das idéias, usaremos o rótulo geral
Literatura Infantil ou Infanto/Juvenil para indicar tanto os livros
infantis (destinados a crianças até 9/10 anos de idade); como os
infanto-juvenis (para a meninada entre 10/11 anos até 13/14 anos) e
os juvenis (para adolescentes a partir dos 14/15 anos). Só quando for
necessário especificar, lançaremos mão dos demais rótulos criados.
Todos que lidam com essa literatura não-adulta conhecem as
dificuldades de se encontrar um termo abrangente que não falseie a
matéria por ele nomeada. (COELHO, 1997, p.6)
5.1
H
ISTÓRIA DA
L
ITERATURA
I
NFANTIL
Sobre o surgimento da literatura infantil, Turchi afirma:
O aparecimento do que hoje se denomina literatura infantil está
ligado a um período histórico: a consolidação da burguesia como
classe social, na Europa dos séculos XVII e XVIII, valorizando as
instituições família e escola. Obras anônimas que existiam apenas na
54
tradição oral são transcritas, adaptadas, servindo de leitura para
crianças. (TURCHI, 2002, p. 24)
Outra importante contribuição para o entendimento da literatura
infantil é o livro Literatura infantil: autoritarismo e emancipação das professoras
Regina Zilberman e Lígia Cademartori Magalhães. Elas traçam um retrospecto
amplo e detalhado das razões e das motivações para o surgimento e o
estabelecimento da literatura dirigida às crianças e jovens desde a decadência da
Idade Média, passando pelo culo das Luzes, a a Revolução Industrial na
Europa. As estudiosas tiveram a mesma preocupação com o Brasil, indo muito além
das breves considerações sobre as obras de Monteiro Lobato, como
costumeiramente se vê.
Zilberman acredita que foram indispensáveis mudanças na família e
nas relações familiares para que fosse necessária a criação de uma literatura para o
púbico infantil. A professora retrocede à Idade Média para lembrar que as crianças
viviam absolutamente da mesma forma que os adultos.
Na sociedade antiga, não havia a “infância”: nenhum espaço
separado do “mundo adulto”. As crianças trabalhavam e viviam junto
com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência
(nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida
pública (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc,
tendo assim seu lugar assegurado nas tradições culturais comuns:
na narração de histórias, nos cantos, nos jogos. (RICHTER apud
ZILBERMAN, 1982a, p. 5)
Zilberman, citando agora Stone, diz que a socialização dos menores
não era amistosa por conta da forte repressão sofrida pelos mesmos. Como os
adultos tratavam-se mutuamente de forma hostil, logo a criança também sofria com
estes maus-tratos, que eram perpetuados na idade adulta, formando um ciclo vicioso
de violência e indiferença pelo outro.
A falta de uma única figura materna nos primeiros dois anos de vida,
a perda constante de parentes próximos, irmãos, pais, amas e
amigos devido a mortes prematuras, o aprisionamento físico do
infante em fraldas apertadas nos primeiros meses e a deliberada
quebra da vontade infantil, tudo isso contribuiu para um
“entorpecimento psíquico”, que criou muitos adultos, cujas respostas
55
aos outros eram, no melhor dos casos, de indiferença calculada.
(STONE apud ZILBERMAN, 1982a, p. 6)
Essa realidade começa a mudar, de acordo com Ziberman, no
século XVII, quando muda o sistema de governo passando para o Absolutismo, que,
por sua vez, necessitará da família para sua sustentação. Sendo assim, a criança e
a mulher passam a ter papéis importantes, garantindo a eles melhores condições de
vida. Nesse momento, torna-se fundamental a educação da criança, e será preciso
modificar um instrumento adequado para isso, ou seja, a escola, que passará a ser o
elo entre o infante e o mundo, que aquele agora está protegido deste no núcleo
familiar. No entanto, a escola terá responsabilidades diferentes de acordo com
classe social do garoto ou garota. Se ele ou ela pertencerem à burguesia, a escola
será uma forma de resguardá-los dos perigos do mundo exterior, pois eles precisam
dar continuidade ao negócio da família. Caso a criança não tenha a mesma sorte de
ter nascido em família rica, a escola será o instrumento apropriado para capacitar os
filhos dos proletários para um ofício, retirar as crianças do mercado de trabalho e,
conseqüentemente, evitar o aviltamento dos salários, diante da necessidade
crescente de mão-de-obra para suprir a demanda do crescimento acelerado do
capitalismo.
Portanto, a escola torna-se imprescindível na sociedade capitalista,
pois aquela fará uso da literatura infantil para difundir os princípios que a norteiam,
como afirma Zilberman:
É a psicologia infantil que assegura a teoria da formação da criança;
e sua aplicação no campo didático proveio da pedagogia. Porém,
ocorreu ainda uma ressonância no terreno artístico, através do
aparecimento da literatura infantil. [...] [Ela] tornou-se um dos
instrumentos através do qual a pedagogia almejou atingir seus
objetivos. (ZILBERMAN, 1982a, p. 11)
5.2
A
L
ITERATURA
C
OMO
I
NSTRUMENTO
P
EDAGÓGICO
Zilberman (1982a, p. 11) afirma ainda que a partir do momento,
portanto, que a escola assume o papel de educar e formar o futuro adulto, de acordo
56
com a classe social do mesmo, surge a necessidade de uma psicologia infantil a
partir da aplicação no campo didático, ou seja, pedagógico. A literatura infantil, por
sua vez, será o principal instrumento de transmissão das idéias que os adultos visam
passar ao infante, que ela reúne dois atributos indispensáveis para a
compreensão do mundo por parte da criança: uma história, que representa de forma
lúdica as situações vividas no cotidiano, e a linguagem, meio de interação entre o
pequenino e o mundo em sua volta. “O saber adquirido dá-se, assim, por meio do
domínio da realidade empírica, isto é, aquele que lhe é negada em sua atividade
escolar ou doméstica, [...] e a aquisição de linguagem, produto da recepção da
história” (ZILBERMAN, 1982a, p. 14).
Malgrado a importância e a necessidade de transmitir ensinamentos
às crianças, nota-se um paradoxo entre os diversos interesses em jogo. De um lado,
o adulto, que precisa de mão-de-obra barata e instruída para as empresas em
ascensão ou de uma pessoa capacitada para dar continuidade aos negócios da
família, e do outro a criança, que quer descobrir e conhecer o mundo ao seu redor,
mas tem tudo isso filtrado pelas percepções do mais velho.
A professora Adelaide Caramuru Kaimen realizou estudo bastante
pertinente para basear o debate em torno dessa questão. Ela pesquisou o trabalho
de três autores acerca de literatura infantil em momentos bastante distintos da
história do Brasil: Cecília Meireles, com Problemas da literatura infantil, de 1951,
Leonardo Arroyo, com Literatura infantil brasileira, de 1968, e Regina Zilberman,
presente nas discussões dessa dissertação. O estudo da professora Kaimen mostra
que Cecília Meireles, por exemplo, não acreditava em literatura infantil enquanto
produção literária criada para consumo de uma criança, pois esta é quem determina
o que é literatura infantil a partir do momento que escolhe uma determinada obra
para ler. Opinião questionada por Kaimen.
Afirmar que a literatura infantil seja um dado “a posteriori” resultante
da preferência infantil significa esquecer toda a história social da
criança que só ganhou especificidade no momento em que o adulto a
viu como ser a dominar [...]. Significa esquecer que a criança entra
sempre em contato com os livros através da mediação dos pais e
professores. [...] O texto de Cecília parece, neste aspecto,
desenraizado, pois toma a criança não como totalidade contida
nessa faixa etária, pertencente às mais diferentes classes sociais,
mas como uma minoria privilegiada. (KAIMEN, 1986, p. 18)
57
A professora Kaimen lembra que Arroyo, por sua vez, a literatura
infantil como algo feito “a priori”, portanto, criado com objetivos claros de catequese
da criança, visão compartilhada pela própria Kaimen e também por Zilberman.
Sendo, pois, os textos infantis instrumentos do adulto e também uma forma da
criança de ver o mundo por meio da linguagem escrita, a literatura feita para o
infante terá, portanto, duas facetas: a literária e a pedagógica. Essa constatação,
para Kaimen, foi o grande avanço dos estudos de Arroyo em relação à análise de
Meireles, embora aquele não tenha avançado nessa questão.
Zilberman não destaca esse aspecto em seu trabalho, como
um nome: “duplicidade congênita”, termo, inclusive, usado por Kaimen (1986, p.
172), que salienta uma “constante tensão entre deixar transparecer a presença do
adulto e como que escondê-la”. Por conta disso, todo texto para crianças teria que
escolher “entre ser predominantemente pedagógico ou predominantemente literário,
mesmo fazendo-se ambas presentes em cada uma das produções”. Zilberman
afirma que o que vai determinar a preponderância de um aspecto sobre o outro são
determinadas características textuais, que ela crê apenas no texto como forma de
interpretação da intenção do escritor. Entre esses aspectos, destacam-se o tipo de
narrador e a linguagem. Quando esta é demasiadamente pautada pela norma culta,
ocorre, na visão de Zilberman, segundo Kaimen, uma prevalência do aspecto
pedagógico.
[quando linguagem é demasiadamente formal] o que se passa é uma
tentativa, por parte da classe dominante, de impor sua norma como
válida e geral, introduzindo simultaneamente seus valores e
concepções. O ensino da língua, sobretudo da gramática, é seu
instrumento predileto, o que revela seu comprometimento com a
ideologia da classe no poder, assim como a índole manipuladora que
a linguagem pode assumir. (ZILBERMAN apud KAIMEN,1986, p.175)
Pode-se, concluir, portanto, que Pellegrini não é um arauto da
burguesia, já que ele preza, sempre, pela linguagem simples. Além disso, ele faz uso
de muitas gírias, clichês e até palavrões, principalmente nos livros de contos das
décadas de 1970 e 1980. O curioso é que o autor pensa dessa forma estar
contribuindo para uma literatura mais livre e mais próxima do público leitor. Ele se
mostra constantemente preocupado em passar um ensinamento para quem a
58
obra, uma preocupação pedagógica, logo, contrária à idéia de texto literário,
segundo a colocação de Zilberman.
Kaimen (1986) colabora nessa discussão dizendo que a
predominância do discurso indireto é típica dos textos pedagógicos, pois os
personagens falam sempre por intermédio do narrador, que filtra o que pode ser dito.
Mais uma vez, não se percebe essa característica em Pellegrini que abusa do
discurso direto e também da primeira pessoa na maioria dos contos dirigidos ao
público infantil. A professora cita Zilberman numa passagem reveladora do que leva
o leitor ao questionamento, justamente um dos aspectos destacados pelo autor
paranaense como importante em qualquer texto literário, pois para ser livre é preciso
ter condições para expressar-se sem censura.
A obra literária rompe com as expectativas de seu leitor e existe para
isso. Em outras palavras, a criação artística é uma mensagem que se
orienta necessariamente para se recebedor, reproduzindo, nesse
aspecto, o processo usual de comunicação. Mas ela se particulariza
na medida em que provoca um estranhamento, portanto, precisa ser
sempre uma mensagem original, uma criação no amplo sentido do
vocábulo, o que lhe assegura o caráter permanentemente renovador.
(ZILBERMAN apud KAIMEN, 1986, p. 247)
Essa colocação mais uma vez vem ao encontro do trabalho de
contista de Pellegrini na medida que ratifica a postura do autor de buscar
constantemente romper com os padrões vigentes ao produzir textos incitativos,
como aconteceu em larga medida nas décadas de 1970 e 1980, quando Pellegrini
pautou-se por uma literatura nitidamente contrária ao momento político-ideológico
que vigorava no Brasil e, para tanto, lançou mão de um texto que chegava a agredir
o leitor de tamanha indignação nas palavras e nas expressões.
Vale lembrar, nessa questão da pertinência ou não da literatura
produzida nos contos do autor paranaense a tendência pedagógica ou literária, que
ele sempre foi voltado à liberdade de expressão. Desde a época de adolescente,
quando participou de movimentos estudantis, até a idade adulta, na qual se engajou
em campanhas políticas e foi secretário municipal de cultura de Londrina, Pellegrini
sempre se pautou e defendeu arduamente a liberdade como condição sine qua non
para a arte e para a vida. Sendo tão apegado à condição de livre, a literatura dele
não poderia contradizê-lo, porém, é de se questionar aque ponto é libertária uma
59
literatura que busca ensinar alguém sobre algo que o autor considera importante,
ainda mais quando está em jogo uma criança em fase de aprendizado.
5.3
O
P
APEL DO
F
ANTÁSTICO
Nos textos de tendência estética, afirma Kaimen citando Zilberman,
é fundamental a existência de uma fábula para que a criança compreenda sua
presença no mundo, pois ela tem dificuldade para entender seu papel na sociedade
criada e cerceada pelos adultos. Sendo assim, o fantástico é imprescindível pois
ele pode:
-colocar as causas reais dos problemas vividos pelos personagens,
que o recurso ao maravilhoso pode superar as barreiras impostas
por sua representação naturalista do espaço e do tempo;
- fazer com que a criança colabore no desempenho do papel
transformador, desenvolvendo sua atividade criadora, devido à
identificação do leitor com a personagem que rompe com os limites
impostos pela sociedade opressora;
- adotar um ponto de vista representativo do contexto infantil.
(ZILBERMAN apud KAIMEN, 1986, p. 201)
Tendo em vista a proximidade maior dos textos de Pellegrini com a
preocupação literária e estética, em detrimento da pedagógica, seria natural
aproximar os contos do autor paranaense a essa colocação sobre a fábula. Mais
uma vez, porém, não consonância. Em nenhum dos cinco livros de contos
estudados nesse trabalho existe o fantástico como elemento mediador entre o
mundo das crianças e dos adultos. Pelo contrário, os livros são notadamente
realistas, seja por meio do tratamento de temas mais adultos, como política e sexo,
ou apenas relatando fatos comuns ao cotidiano de qualquer criança. Na verdade, o
único ponto em comum entre os livros do autor é o caráter memorialista, ou seja, a
lembrança de fatos da infância ou da juventude.
Em O Homem Vermelho e Os Meninos, ambos de 1977, destacam-
se as histórias da colonização da cidade de Londrina, fatos do dia-a-dia da cidade, a
juventude estudantil rebelde, os dias difíceis após a separação dos pais, os arroubos
de um adolescente em fase de descobertas. Paixões, de 1984, permanece
fortemente ligado às descobertas do sexo e as críticas aos sistema capitalista.
60
Meninos e Meninas, de 1998, e Tempo de Menino, de 1997, merecem uma atenção
especial. Ambos tratam, basicamente das travessuras e desventuras picas das
crianças e adolescentes, não obstante, as recordações de Pellegrini de quando era
criança e adolescente. Ele é bastante enfático ao dizer que escreve sobre o que
viveu, sejam coisas boas, como uma pescaria com o avô em um lago, em
“Domingo”, de Tempo de Menino, ou coisas ruins, como as brigas entre os pais
durante o processo de separação, em “Quadrondo”, de Meninos e Meninas.
Meninos e Meninas e Tempo de Menino são livros mais lúdicos,
líricos.Tratam de temas difíceis e marcantes até para adultos, como brigas
familiares, de uma forma aberta e sincera, sem ser apelativa, sem marcar a criança
por uma linguagem agressiva ou um texto de descrições realistas. O mérito, na
verdade, reside no foco do narrador, notadamente as próprias crianças, que tratam
daquilo sob o prisma que mais interessa ao leitor infantil, o do próprio infante
Zilberman (apud KAIMEN, 1986, p. 198), afirma que os textos de tendência estética
têm uma focalização interna, no próprio personagem, dando voz a ele e às suas
preocupações. Já o de tendência pedagógica, apresentará, invariavelmente, um
narrador externo, que subjuga os personagens sob seu comando pois não voz a
eles.
Quando Pellegrini deixa os pequenos falarem, colocando-os como
narrador de suas histórias, ele a possibilidade dos leitores infantis criarem a
identificação e compreenderem, por meio da linguagem, as complexas regras de
comportamento e de conduta do mundo dos adultos. Temas como morte, separação
e amor são tratados de uma forma talvez amais compreensível para a criança do
que se recorresse ao fantástico.
Esse ponto de vista, porém, é inadmissível para Zilberman:
O fantástico apresenta-se, segundo a estudiosa, como elemento
mediador entre o infante e a realidade que o circunda. através
dele se torna possível o reconhecimento e a identificação da situação
apresentada em seu confronto com a situação vivida pelo leitor.
Igualmente através do elemento fantástico se torna possível a
transmutação de uma realidade vivida como opressiva em realidade
emancipatória. (ZILBERMAN apud KAIMEN, 1986, p. 201)
Essa postura empedernida de Zilberman é questionável porque
considera o fantástico como uma única forma do infante compreender o mundo em
61
sua volta, como se a criança não tivesse capacidade de identificar nenhum tipo de
co-relação entre o texto literário e sua vida se não for por meio de personagens
lúdicos e histórias que fogem da realidade vivida. Como a própria estudiosa afirma,
quanto mais a literatura estiver focada na própria criança, maior será a capacidade
dela se comunicar com o leitor (KAIMEN, 1986, p. 198), que o texto de tendência
estética tem essa preocupação transformadora. Por que, portanto, retratar o dia-a-
dia infantil de forma “realista”, a partir de suas próprias preocupações e alegrias, não
traz o mesmo efeito que recorrendo ao fantástico? Por que o fantástico seria mais
adequado às crianças?
Além dos estudos de Kaimen e Zilberman sobre a literatura infantil, a
professora Nelly Novaes Coelho em Literatura infantil: teoria, análise e didática faz
outra contribuição importante acerca das características estilísticas e estruturais da
literatura infantil no Brasil atualmente, por meio da seleção de 13 peculiaridades
temáticas e formais da literatura infanto-juvenil. Para a sistematização deste
trabalho, cada aspecto salientado por Coelho servirá de ponto de apoio para uma
análise mais aprofundada das obras de contos de Pellegrini.
5.4
E
FABULAÇÃO
A professora afirma que “A efabulação tende a se iniciar de imediato,
como motivo principal ou com circunstâncias que levam diretamente à situação
problemática. Mais do que a ‘estória’ a ser contada, preocupa o autor a maneira pela
qual ele pode apresentá-la ao leitor” (COELHO, 1997, p. 135).
Reportando ao livro Tempo de menino (1997) de Pellegrini, logo no
primeiro deles, confirma-se a afirmação da professora. O conto chamado “Visita ao
Zoológico” no primeiro parágrafo mostra o que se passa na estória, assim como
as razões que levaram a ela. “Pai sempre falou que um dia me levava ao Zoológico.
Um dia, o dia chegou de tanto eu pedir e também porque não agüentava ficar em
casa nem mais um minuto”. (PELLEGRINI, 1997, p. 9).
62
5.5
S
EQÜÊNCIA
N
ARRATIVA
A segunda característica apontada por Coelho (1997, p. 135) é a
seqüência narrativa, descrita por ela como algo que “nem sempre é linear; por vezes
se fragmenta, entremeando experiências do passado com as do presente narrativo
(inclusive com o uso do retrospecto ou flashback)”. No livro Meninos e Meninas, há o
conto “Quadrondo” que nas primeiras linhas remete a um acontecimento do
passado, como é bastante comum em Pellegrini (1998, p. 74), para contar uma
estória do presente. “Essa história de Quadrondo, que eu conto para meus filhos,
quem inventou foi minha mãe, num dia que ainda lembro direitinho”.
O conto se desenvolve em torno da vida de uma menina que sofre
com os desentendimentos entre o pai e a mãe. No final, após uma separação, ocorre
a reconciliação do casal, mas não de forma idealizada como existe nos contos de
fada. Pellegrini mostra que pai e mãe voltaram a ficar juntos, apesar das diferenças,
como fica claro na fala do pai para a filha aflita, querendo saber se eles vão se
separar definitivamente “A mãe vai arredondar um pouco, e eu vou ser mais
quadrado um pouco, quem sabe dá certo” (PELLEGRINI, 1998, p. 89). Coelho
(1997, p. 135) afirma que “o desenvolvimento e a conclusão da estória procuram
muito mais por problemas ou situações a serem solucionadas de vários modos, do
que oferecer respostas ou soluções ‘fechadas’ ou absolutas”.
5.6
P
ERSONAGENS
Sobre esse aspecto, Coelho (1997, p. 135) diz: “As personagens-
tipos reaparecem (reis, rainhas, princesas, fadas, bruxas, profissionais de várias
áreas...), mas geralmente através de uma perspectiva satírica e crítica”, o que se
verifica em As batalhas do castelo, de Pellegrini, uma novela ambientada num reino
distante no qual um bobo da corte torna-se um nobre após um gesto do rei a quem
sempre serviu, o qual decidiu conceder terras, animais, servos e demais honrarias
para que o bobo pudesse ter a própria corte. Apesar do tom lúdico e do cenário
63
imaginário, o autor critica os desmandos dos reis, os abusos da corte, a inoperância
real diante da miséria marginalizada e o desinteresse pelos mais pobres. As
características de Pellegrini também coincidem com as peculiaridades apontadas por
Coelho em relação às personagens-caracteres, as quais, segundo a estudiosa:
Tendem a ser substituídas por individualidades, cada qual bem
distinta da outra. A grande novidade dessas ‘individualidades’ é que
não assumem a dimensão de superioridade, comum às personagens
individuais do Romantismo em diante. Agora, via de regra. A
personagem-individualidade se incorpora no grupo-personagem. O
que predomina é a ‘patota’, o ‘bando’, a personagem-coletiva.
(COELHO, 1997, p. 135)
Recorrendo novamente ao conto “Quadrondo” em Meninos e
Meninas, a protagonista da história divide com uma amiga, que vivia a mesma
situação, a infelicidade de ter pais em crise conjugal. Na rua, depois de vivenciar a
discussão dos pais, as duas passam o tempo matando formigas e lamentando o que
estava acontecendo. (PELLEGRINI, 1998, p. 81)
Ficamos vendo formigas carregando pedacinhos de folha, farelos,
besouro, eu adorava ver formigas carregando besouro. Ela ficava
brava com os meninos quando eles matavam formigas, mas de
repente era ela quem estava matando. [...] então perguntei por que
ela estava matando, ela matou mais umas e sentou na sarjeta.
Meu pai vai embora de casa ela contou [...] Falei que meu pai
também não ia mais morar com a gente, daí ficamos esmigalhando
as formigas mortas. (PELEGRINI, 1998, p. 81)
Também é importante observar que os personagens de Pellegrini
geralmente estão acompanhados de outras pessoas, como pais, mães, irmãos,
amigos que, por sua vez, “dividem a cena” com o(a) protagonista. Isto é, não existe
um individualismo em torno dos problemas e das aflições do protagonista por mais
difíceis e complexos que sejam as situações vividas por ele, reforçando mais uma
vez a divisão das experiências pessoais com outros. Para Coelho (1997, p. 136), “o
individualista romântico permanece nos super-homens das estórias em quadrinhos
ou seriados de televisão”, o que não faz parte do trabalho de Pellegrini.
64
5.7
F
ORMA
N
ARRATIVA
:
C
ONTO
Entre as peculiaridades destacadas pela professora, uma das que
mais se adapta à sistemática de trabalho do autor londrinense é a forma de fazer
literatura, por meio de contos. Segundo Coelho:
A forma narrativa dominante [da literatura infanto-juvenil] é a do
conto. Mas para a faixa infanto-juvenil (entre os 9/12 anos) e para a
juvenil (a partir dos 13/14), multiplicam-se as formas de romance
(principalmente policiais ou sentimentais) e de novelas, com os mais
diversos tipos de aventuras (inclusive com a crescente importância
da ficção científica, gerada pela Era Espacial que já teve início)
(COELHO, 1997, p. 136).
Os livros de contos ocupam boa parte da produção literária de
Pellegrini, principalmente nas décadas de 70 e 80, quando o autor começou a
despontar no cenário literário nacional. Logo, percebe-se a inclinação do escritor em
escrever para um público mais jovem no início da carreira, embora boa parte dos
contos tenha forte conotação erótica e política. Nesse grupo destacam-se os
primeiros livros de contos publicados no final da década de 70, O Homem Vermelho
(1977) e Os meninos, também da mesma data, assim como Paixões de 1984.
Depois desse período, o autor londrinense muda radicalmente e
passa a elaborar uma literatura mais lúdica, mudando também o gênero usado. As
batalhas do castelo, de 1987, é uma novela em forma de fábula, Os meninos
crescem, de 1990, são contos que enveredam para uma literatura mais sutil, com
temas amenos e ligados à infância. Os romances policiais ou sentimentais surgem
no trabalho de Pellegrini, a partir do ano 2000, quando são lançadas obras como O
caso da Chácara Chão (2000), obra nitidamente marcada pelo suspense típico do
enredo policial, e Terra Vermelha de 2003, romance histórico voltado à colonização
da cidade natal do autor, Londrina. Já as novelas de aventuras, citadas por Coelho e
que se fazem presentes em determinadas obras da década de 90, cedem espaço
para os romances
.
65
5.8
N
ARRADOR
Sobre o papel do narrador, salienta Coelho:
A voz narradora mostra-se cada vez mais familiar e consciente da
presença do leitor. Seja em 1
a
pessoa (narrativa confessional ou
memorialista ou testemunhal), seja em 3
a
pessoa (narrador
onisciente, perfeito conhecedor de seu universo), ou seja, ainda, a
que se dirige constantemente a um tu que permanece silencioso, a
voz-que-narra mostra-se atenta ao seu possível leitor ou destinatário,
revelando com isso que não só o desejo de comunicação (inerente a
todo ato literário ou lingüístico), mas também a consciência de que é
desse leitor/;receptor que depende, em última análise, o alcance da
linguagem. (COELHO, 1997, p. 136)
Como já foi mostrado nesse trabalho, predomina em Pellegrini o tom
confessional em boa parte das obras de contos do autor, principalmente naquelas
em que o protagonista é uma criança ou adolescente, nos quais são fortes as
identificações entre autor/narrador e personagem. Além disso, Pellegrini é um autor
bastante preocupado com a recepção da mensagem, que ele considera vital para
uma obra que ela seja bem recebida pelo leitor. Em entrevista à editora que lançou
Meninos e meninas (1998), o escritor londrinense diz: “Sinto que escrevi bem
quando uma criança pode ler fluentemente e com emoção” (PELLEGRINI, 1998, p.
99). A preocupação em comunicar-se com o leitor pode ser decorrente de alguns
fatores, como o trabalho do escritor como jornalista e publicitário, profissionais cuja
função básica é comunicar, informar, dissuadir, convencer, daí talvez a necessidade
de Pellegrini em “passar uma mensagem” para o leitor. Esta característica é
bastante reforçada nas crônicas do autor, gênero cujo narrador busca transmitir uma
moral ao leitor (CANDIDO, 1992, p. 18) e ainda julga os fatos enquanto observa
(RONCARI, 1985, p. 15).
Corroborando a afirmação de que o narrador consciente também
interfere na formação do leitor na medida que o informa, Zilberman crê que o
narrador projeta desejos em suas obras. A estudiosa dá como exemplo O Mágico de
Oz, obra do norte-americano Frank Baum.
66
Baum cria um universo imaginário de plena harmonia entre os
indivíduos, conquistada por suas ações meritórias e desinteressadas;
7esta recusa, que supõe um deslocamento especial semelhante ao
de sua heroína, do Leste para o Oeste e do Norte para o Sul,
assinala a índole utópica de seu sonho que se configura em certos
modelos políticos, indica também o desconforto com a atualidade e a
aspiração de ruptura e mudança. (ZILBERMAN, 1982b, p. 94)
5.9
A
TO DE
C
ONTAR
Coelho acredita que:
O ato de contar faz-se cada vez mais presente e consciente no corpo
da narrativa em função da crescente valorização que a nossa época
à linguagem, como fator essencial na formação da criança e dos
jovens, a literatura contemporânea tem supervalorizado o ato de
narrar compreendido como o ato de criar através da palavra. [...]
Esse novo aspecto da literatura infantil/juvenil visa levar os leitores a
descobrirem que a “invenção” literária é um processo de construção
verbal, inteiramente dependente da decisão do escritor. (COELHO,
1997, p. 136)
Zilberman avança na discussão. Para ela “a estrutura do texto é o
suporte para o funcionamento da operação de leitura e o indício de sua
originalidade” (ZILBERMAN, 1982b, p. 80). Ela complementa dizendo que “A
participação [do leitor] é uma decorrência natural da estrutura do texto, pois a
comprovação da presença das lacunas demonstra que a absoluta homogeneidade
do discurso, no caso de uma obra de ficção, é uma utopia inatingível”. Se a
participação do leitor depende exclusivamente da linguagem empregada e desta
deriva a operacionalização de leitura e até mesmo a originalidade do texto, Pellegrini
mostra-se integrado às proposições.
Embora a temática tenha mudado muito no decorrer dos anos
Pellegrini começou com uma literatura de protesto e, em seguida, passou a escrever
sobre temas familiares e problemas comuns do dia-a-dia. A linguagem do autor
sempre foi bastante simples e despreocupada com regras gramaticais, que podem
causar ruídos na comunicação, principalmente com crianças e adolescentes.
67
Em Os meninos (1977), um dos primeiros livros de contos do autor,
a primeira frase do conto “A noite em que eu achei meu pai” traz um indício do estilo
de Pellegrini “Então agora eu vou contar, negão, a noite em que encontrei meu pai
na Zona. Eu era tonto feito peru novo, barba na cara mais ainda de menor”
(PELLEGRINI, 1977b, p. 5). Os diversos erros de português, a linguagem coloquial,
as gírias, as palavras chulas fizeram parte do repertório lingüístico do autor por um
bom período, durante uma fase em que ele ainda não dirigia a sua literatura para os
mais jovens e utilizava o texto literário como mecanismo de protesto com o regime
militar instalado no Brasil. Essa fase durou toda a década de 70 e metade da de 80,
coincidindo com a redemocratização pela qual o país passou a partir das Diretas-Já
e da eleição direta para Presidente da República, em 1989.
Assim como outros escritores da época, o autor londrinense
acreditava que a literatura não deveria utilizar-se de uma linguagem erudita porque o
objetivo dela era transgredir com a ordem, com o sistema vigente, portanto, seria um
contra-senso os escritores serem polidos nas palavras. Além disso, a linguagem
próxima do falar coloquial e da fala usada nas ruas aproximava o escritor do restante
da população, ou seja, não criava o distanciamento comum aos autores da “elite”,
que faziam questão de fazer parte de um outro grupo social. Pellegrini fazia questão
de identificar-se como apenas mais um “inconformado” com a lógica social, política e
econômica do Brasil, a julgar pela barba farta e pelas palavras contundentes contra
o sistema.
Quando o Brasil mudou, a linguagem de Pellegrini também passou
por adaptações. As palavras chulas e os palavrões não eram aceitáveis em obras
dirigidas a crianças. Assim como também a forte sensualidade e a crítica social
deram lugar a temas pitorescos do cotidiano de crianças. Apesar das grandes
mudanças, o jeito simples de narrar continuou como marca registrada do escritor,
como percebe-se no conto “Glória” de Meninos e meninas:
Esses dois primos aí, dizia Tia Ana, grudam mais que o meu omelete
na frigideira. Tia Ana era a solteirona da família, morava com a e
o na chácara; e nas férias eu passava até a semana inteira lá,
pescando no açude, comendo fruta no pé, nadando e batendo mato.
Outros primos apareciam, mas chegavam de manhã e já iam embora
de noitinha. (PELLEGRINI, 1998, p. 19)
68
Figura de linguagem como “grudam mais que omelete na frigideira”;
palavras simples e coloquiais como e vô, ao invés de vovó e vovô; a ausência de
ponto final nas frases; o discurso indireto livre como forma de representar diálogos
curtos e rápidos, dando a impressão de uma conversa que transcorre normalmente
sem a presença de um narrador; as histórias do dia-a-dia transmitem a
coloquialidade necessária para que o leitor se sinta à vontade em fazer parte do
mundo narrado.
Partindo das observações de Zilberman (1982a) acerca da estrutura
do texto como pré-requisito para a participação do leitor, constata-se que o autor
londrinense interage o tempo todo com o leitor. A linguagem simples propicia a
identificação do leitor com o texto, o que cria uma empatia natural entre ambos.
Outro fator importante lembrado por Turchi é que o texto bem escrito também mexe
com o imaginário das crianças.
Se a co-existência do fictício e do imaginário marcam o jogo estético
da literatura em geral, o que vai determinar a especificidade estética
da literatura infantil é a possibilidade de alcançar “o máximo de
imaginário no mínimo de discurso” (apud CASTRO, 1994, p. 152). O
grande desafio da literatura infantil é movimentar o imaginário na sua
maior potência e, ao mesmo tempo, lidar com o limite do discurso,
próprio do infante [...] aquele que experimenta a aquisição da
linguagem. (TURCHI, 2002, p. 25)
Na medida que mexe com o imaginário, a obra permanece na
memória do leitor e ainda interfere na formação dos valores dele. Conforme Turchi:
Em textos memorialistas e autobiográficos, é comum a referência à
importância que a literatura exerceu na infância. Lobato, por
exemplo, em carta ao amigo Rangel, é enfático: “Não me lembro do
que li ontem, mas tenho bem vivo o Robinson inteirinho o meu
Robinson dos onze anos” (apud LOBATO, 1955, p. 136), referindo-se
ao inesquecível prazer que a leitura de Robinson Cruz lhe
proporcionou na infância. No caso de Fátima Mernissi, torna-se
significativa a força que as histórias contadas pela mãe exerceram no
seu imaginário, a ponto de fazer dela uma escritora e uma feminista
atuante, na luta por transformações sociais, apesar dos limites a que
foi submetida quando criança. (TURCHI, 2002, p. 25).
O próprio Pellegrini é um exemplo disso pela forte presença dos
traços memorialistas nas obras que produz. Pode-se pensar, portanto, que o ato de
69
contar valorizando a linguagem como instrumento de participação do leitor, como
afirma Coelho (1997), reforça o caráter pedagógico da obra e também contribui na
formação de valores.
5.10
T
EMPO
Para Coelho (1997, p. 136) “O tempo é variável: tanto pode ser
histórico (com índices bem claros da época em que se passa a estória), como
indeterminado ou mítico (situando os acontecimento fora do nosso tempo)”.
No caso de Domingos Pellegrini, os contos geralmente se passam
no tempo presente, que se trata, na maioria das vezes, de uma criança contando
fatos da vida dela. O passado se faz presente em determinados momentos para
relembrar fatos ocorridos que são importantes para contextualizar o leitor, como,
por exemplo, em “Aprendendo a pescar” de Meninos e meninas:
Quando aposentou, passou a semana batendo perna na cidade,
como gostava tanto; que agora não tinha mais nada a fazer além
disso, e na primeira semana enjoou, ficou feito um bicho preso
dentro de casa, beirando fogão e beliscando panela, sentando e
levantando para logo sentar de novo, até que na sexta-feira disse
que no domingo ia me ensinar a pescar. (PELLEGRINI, 1998, p. 43)
o tempo indeterminado ou mítico, a que se refere Coelho, não
está presente nas obras de contos do autor porque as aventuras e as estórias que
remontam a determinados períodos da história são narradas em novelas ou
romances como acontece com As batalhas do castelo (1987).
70
5.11
E
SPAÇO
Assim como o tempo, o espaço também é variável “aparece como
simples cenário (situando as personagens ou a efabulação); ou como participante do
dinamismo da ação” (COELHO, 1997, p. 137). Em Pellegrini, o espaço não é apenas
um simples cenário porque isso geralmente ocorre com contos no nível psicológico,
em que o personagem envolve-se em monólogos e abstrações.
Nos contos do autor londrinense, em que são narrados fatos do
cotidiano, principalmente envolvendo crianças, esse tipo de recurso não é utilizado.
Evidentemente que essas crianças também pensam e também se questionam, mas
esse aspecto aparece em meio a um determinado cenário que sugere a estado
emocional do personagem, como em “Aprendendo a pescar”: “Lembro que eu
dormia pensando no tal Rio Sussuí, que para mim era um rio de correnteza, rugindo
bravo, e largo de se ver a outra margem azulada de distância” (PELLEGRINI, 1998,
p. 43).
5.12
N
ACIONALISMO
As características do nacionalismo, apontadas por Coelho, divergem
muito dos contos de Pellegrini. Segundo a professora:
O nacionalismo apresenta um novo sentido. Mais do que entusiasmo
pelo país ou exaltação pelos valores da terra, o que agora dinamiza a
matéria literária é a profunda consciência nativista: é a busca das
raízes ou das origens, no sentido de se percorrer de novo o caminho
feito até aqui, a fim de que a brasilidade se revele em toda a sua
verdade e força. Esse repercorrer o caminho, essa busca das
origens, leva a consciência nativista a ultrapassar as fronteiras
nacionais e se identificar não com o continente sul-africano, mas
também com o húmus africano. (COELHO, 1997, p. 137)
Essa peculiaridade apontada pela professora causa estranhamento
por dois motivos. Primeiro, porque o autor londrinense não trata de assuntos
71
nacionais em seus livros de contos. Aliás, o escritor tem uma certa conotação
regionalista em diversos contos, mas um regionalismo voltado a sua terra natal,
Londrina. Ainda assim é um regionalismo contido e discreto. Em Meninos e meninas,
no conto “Terraço”, pai e filho conversam no terraço do prédio onde moram quando
começam a observar a cidade.
Ficam no parapeito olhando a cidade espetada de prédios, vendo
plantações e vilas longe entre os prédios. O pai diz que, quando tinha
a idade do filho, não havia outros prédios em volta, dali se via um
mar de café cercando a cidade.
– Um mar preto, pai?
– Verde, engraçadinho, cafezal para todo lado.
O filho pergunta que fim levou tanto cafezal, e o pai suspira com um
gemidinho, dizendo que tudo muda na vida. É verdade, o filho
suspira igual. (PELLEGRINI, 1998, p. 8)
Caso o leitor não saiba que Pellegrini nasceu em Londrina e que
esta cidade cresceu e se desenvolveu a partir da economia cafeeira, dificilmente ela
reconhecerá um traço regionalista neste conto do autor. A mesma situação ocorre
em tantas outras obras, nas quais são feitas referências sutis a Londrina e/ou ao
norte do Paraná.
Segundo, porque o autor paranaense não trata de assuntos latino-
americanos ou africanos nos contos. A não ser em alguns deles em que o assunto
são os conflitos políticos pelos quais o Brasil passava na década de 70 em
decorrência da ditadura militar, situação muito parecida com a qual viveram diversos
países africanos e latino-americanos durante as décadas de 60, 70 e 80. Por conta
disso, em “Crime e perdão” de Paixões (1984), Pellegrini narra a “cruzada” de dois
estudantes idealistas em angariar novos “combatentes” que dessem apoio a uma
revolução que daria fim ao regime totalitarista e iniciaria uma nova fase.
Para descontar o tempo perdido, convocaram urgentemente um
congresso da União Nacional dos Estudantes. Paranópolis era uma
cidade com ferrovia, casas com varanda, cachorros ainda sem medo
de trânsito e a Faculdade ainda sem muros pixados. Então desceram
na rodoviária, discutindo sem parar, uma bunduda de roupas de
homem e um loiro de barbicha e unhas pretas de tinta.
– Não fala besteira, Palma. Sem o apoio da pequena-burguesia
vocês nunca vão ter revolução neste país.
Revolução, Zanqueti, não é festa para ir todo mundo.
(PELLEGRINI, 1984, p. 6)
72
Porém, o conto é bastante irônico ao tratar do assunto. Palma e
Zanqueti são descritos como dois sonhadores, quase alucinados, rebeldes à procura
de uma causa. Não por acaso, portanto, que o único estudante arregimentado a
fazer parte da “causa”, ou melhor, o Trigésimo Congresso da União Nacional dos
Estudantes foi um estudante identificado apenas como “magrelinho” pelo autor, e
que depois foi chamado de Ernesto, em homenagem a Ernesto Che Guevara, que
estava interessado, na verdade, na “bundona” de Palma, como o próprio Pellegrini
faz questão de salientar.
5.13
E
XEMPLARIDADE
Coelho acredita que:
A exemplaridade desaparece como intenção pedagógica da
literatura. O que não impede, porém, que em toda essa nova
literatura existe, de maneira latente ou patente, uma significativa
lição-de-vida. [...] Mais do que dar exemplos ou conselhos, a
literatura inovadora propõe problemas a serem resolvidos, tende a
estimular, nas crianças e jovens, a capacidade de compreensão dos
fenômenos; a provocar idéias novas ou uma atitude receptiva em
relação às inovações que a vida cotidiana lhes propõe. (COELHO,
1997, p. 137)
Embora, como foi discutido neste trabalho, exista um viés
pedagógico, mesmo que velado, nas obras de Pellegrini, como é natural na literatura
infantil, e o autor tenha momentos de “conselheiro”, pode-se afirmar que a maior
preocupação do autor não é propriamente pedagógica, no sentido de levar uma
moral às crianças/leitoras, mas sim narrar histórias que lhe marcaram. O fato do
escritor narrar primordialmente estórias de crianças, basicamente meninos, e mudar
a temática das obras do social e político para o pessoal é um forte indício de que
Pellegrini gosta de contar histórias, o que o torna um contador de histórias, como ele
gosta de se definir. Ele também faz questão de frisar: “Só escrevo se me emociono.
73
Antes de pensar em literatura, penso em contar uma história” (PELLEGRINI, 1997,
p. 5).
5.14
O
H
UMOR
Um dos traços mais marcantes do trabalho de Pellegrini, juntamente
com a linguagem coloquial, é o humor. Seja para escarnecer o personagem, como
em “Crime e perdão” de Paixões, seja para mostrar o lado lúdico de uma criança,
como em “Minha estação de mar” de Tempo de menino, o autor lança mão desse
recurso com freqüência para encantar o leitor.
No livro Os meninos, de 1977, o humor de Pellegrini é cáustico e
ácido. O autor satiriza sem piedade, por exemplo, a escola e fatos que fazem parte
da rotina de alguns estudantes no conto “A visita”. O curioso é que o escritor elabora
um texto misto, que traz trechos em prosa e em verso, sendo este o mais crítico. Em
um desses momentos, o autor brinca com as frases e figuras escritas no muro do
colégio.
Carlos Alberto e Maria Izabel (coração)
João e Márcia (coração e flecha)
Beto e Ana
Paulo e Cristina
Neste colégio de merda
Aprendi coisa pra chuchu
Estudei muita Matemática
Comi o primeiro cu
Paulo e Maria Isabel
Dona Clara filha duma puta
Suástica
Marcos e Maria Izabel
A foice e o martelo
Aqui no nosso colégio
A inteligência é profunda
Os professores dão o rabo
As professoras dão a bunda
Escalação do time de 62 – invicto
Caralhos
74
A estrela de Israel
Bomba redonda com pavio
Revólver
Pedro e Paulo
Carlos, o solitário
(PELLEGRINI, 1977b, p. 79)
As gírias, palavrões e palavras de baixo calão que o autor usa soam
como um instrumento de revolta do homem desconhecido que narra o conto. Ele
volta à escola onde estudou e começa a rememorar fatos do passado. Como passou
por situações desagradáveis, tende a relembrá-los com um certo rancor.
Com o giz na mão, diante da lousa, não acha o que escrever. Podia
ser um palavrão, mas não tem graça. Ou podia escrever que
ninguém precisa saber raiz quadrada ou raiz cúbica, isso a vida
deixou mais que provado, ou podia escrever que reprovou em Inglês
dois anos, perdeu dois anos com o tal Inglês até que tirou o diploma
e nunca mais falou nem escreveu Inglês. Podia pedir que acabem
com as filas do pátio, fila para entrar na classe, fila da cantina, fila
para desfilar, fila na educação física. Fila até para cagar.
(PELLEGRINI, 1977b, p. 81)
Pelo tom autobiográfico dos contos de Pellegrini e pela acidez com
que trata o assunto, pode-se imaginar que o autor tenha passado por situações
parecidas durante a idade escolar e que o personagem desse conto seja um alter-
ego. O uso do verbo no presente em alternância com verbos no passado indicam
uma contradição e ao mesmo tempo uma hipótese: de que aquilo ainda está vivo na
memória do autor, reforçando novamente as suspeitas em torno da vivência do
escritor de tudo, ou pelo menos de parte do que é narrado no conto.
Aqui aprendi Inglês
Inglaterra, I love you
Aprendi a bater punheta
Aprendi a comer cu [...]
Cabral em 1.500
Viu tanta índia pelada
Que até mandou rezar missa
Pra descontar os pecados
Depois falou pra Caminha
Se peito fosse corneta
E xoxota campainha
Já pensou que barulheira?
Ao que Caminha responde
75
Vou mandar carta, Cabral
Achamos por fim as índias
E viva Portugal
(PELLEGRINI, 1977b, p. 83)
O tom debochado e satírico de Pellegrini nesse conto é
característico dos primeiros anos do trabalho dele como contista nas décadas de 70
e parte de 80, quando a impressão é de que o escritor “está se lixando” para o
mundo, usando uma expressão próxima do linguajar típico do autor. O
descontentamento com a política, a sociedade, a literatura tornam o escritor um
crítico voraz, que se utiliza de uma linguagem de baixo calão para chamar a atenção
das pessoas para sua mensagem.
Sobre o humor, Coelho (1997, p. 138) afirma: “O humor é dos
aspectos mais característicos da produção literária destes últimos anos. Inclusive a
intenção satírica é das mais encontradas na linha inovadora”, uma definição simples
diante da complexidade que se estabelece diante dos contos de Pellegrini.
5.15
R
EALISMO E
V
ERDADE
Para Coelho:
A intenção de realismo e verdade se alterna com a atração pela
fantasia, imaginário ou maravilhoso. Este último, por vezes,
apresenta uma conotação metafísica: preocupação com o Mistério da
Vida ou da Morte, – preocupação com aquilo que transcende a
aventura terrestre. [...] é de se notar que a tarefa das fadas, talismãs
ou mediadores mágicos não é, via de regra, satisfazer desejos ou
propiciar fortuna aos seus protegidos, mas sim estimulá-los a agir.
(COELHO, 1997, p. 138)
Em Pellegrini, a fantasia, o imaginário e maravilhoso dão lugar às
experiências de vida. O realismo e verdade aos quais se refere Coelho o as
aventuras, ou melhor, os fatos do cotidiano de crianças descobrindo a vida na
companhia dos pais, irmãos, amigos, parentes e demais pessoas do círculo familiar
e pessoal. O mistério da vida e da morte, também referido pela professora, encontra
76
eco nos contos do autor paranaense o de forma metafísica, por meio de uma
preocupação quase que adulta, mas, simplesmente, visualizando ou vivendo
situações que mostram aquilo à criança. Um exemplo está no conto “Tatinha” de
Meninos e meninas (1998), no qual uma criança tem a difícil tarefa de ajudar o pai a
enterrar o cachorro da família, em meio à comoção que a morte do animal causou a
todos. Logo, questões mais elaboradas envolvendo uma discussão acerca da vida e
da morte são dispensadas em nome da naturalidade com a qual um adulto expõe a
uma criança que a vida começa e termina para todos e que um dia todos irão morrer.
– Por que cachorro vive menos que gente?
– É assim, filho.
Mas por que é assim? Cachorro e gente se dão tão bem, não
deveria ser assim.
– Mas é assim.
– Mas não deveria ser.
O pai e mãe sempre trocavam olhar diante da teimosia do filho, e se
olhavam com os olhos molhados.
(PELLEGRINI, 1998, p. 40)
Em outro trecho da obra de Coelho (1997, p. 139), a professora
afirma que existem títulos representativos da literatura infanto-juvenil brasileira que
mostram a existência de diversas linhas de trabalho seguidas pelos autores. Uma
dessas linhas é o realismo cotidiano, o qual é subdividido em mais quatro sublinhas:
realismo crítico, realismo lúdico, realismo humanitário e realismo documental. Em
todas, prevalecem “situações radicadas na vida do dia-a-dia”, assim, bastante
relacionadas ao trabalho de Pellegrini. O curioso é que o autor paranaense não é
listado em nenhuma dessas sublinhas, mas sim em outra linha, a do realismo
mágico, no qual, segundo Coelho existem “situações resultantes da fusão do Real
com o Trans-Real ou Maravilhoso” (COELHO, 1997, p. 141). Ela cita o escritor
paranaense e a obra A Árvore que dava dinheiro, uma novela/romance de 1981,
que, de fato, tem traços de uma fusão da realidade com o fantasia, como o próprio
título evidencia. No entanto, quando Coelho publicou sua obra, em 1997, havia
diversas outras obras de Pellegrini, como são citadas neste trabalho, que trabalham
com outras linhas.
Aliás, como também foi explicado neste trabalho, o autor londrinense
enveredou por outras temáticas a partir da década de 90, quando começou a
escrever primordialmente para crianças, adolescentes e jovens. A Árvore que dava
77
dinheiro ainda segue uma linha de crítica e protesto, semelhante a Os meninos e O
Homem Vermelho, ambos de 1977, obras que foram de suma importância para o
autor, mas que tinham um enfoque mais adulto, conforme reportagem do jornal
Folha de Londrina de 1978, quando Pellegrini começava a despontar como um
escritor de destaque na literatura nacional e não havia qualquer referência do
trabalho do autor à literatura infanto-juvenil.
Aos 28 anos, Pellegrini Jr. Desperta também expectativas, num
momento em que nossa literatura (também ela) atravessa uma de
suas melancólicas fases. É que a atual Literatura Brasileira, também
chamada de “factual”, ressente-se na maioria das vezes de
fragilidade, esquece que entre o escritor engajado e o alienado [...]
existe o meio termo que é o escritor crítico. [...] Dinho [apelido de
Domingos Pellegrini] estaria naquela encruzilhada amadurecendo e
armando vôo em direção a uma prosa mais poética, sensual e crítica.
(BULIK, 1978, p. 3)
Um forte indicativo de que as obras de Pellegrini não eram dirigidas
ao público infantil nas cadas de 70 e 80 está no livro Literatura infantil brasileira:
histórias e histórias, de Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1984, p. 180), que
discutem a narrativa infantil de protesto realizada nas décadas de 60 e 70. Elas
citam diversos autores que publicaram livros durante esse período, porém, não citam
Pellegrini, que aparece apenas entre os escritores que publicaram livros de vulto em
1977 em uma cronologia histórico-literária feita pelas autoras. Lajolo e Zilberman
enumeram Os meninos, lançada logo depois de O Homem Vermelho.
5.16
A
PELO À
V
ISIBILIDADE
A última peculiaridade das características estilísticas/estruturais da
literatura infantil/juvenil no Brasil atual, de acordo com Coelho, são os recursos
visuais.
Multiplicam-se os recursos de apelo à visibilidade (desenhos,
ilustrações, diagramação, composição, cores, técnicas de colagem e
montagem, uso de novos materiais para impressão de livro...). O livro
78
infantil passa a ser tratado com um objeto específico da indústria
cultural. (COELHO, 1997, p. 138)
Antes de discutir a aplicação desse conceito na literatura de
Pellegrini, vale a pensa ressaltar que a opinião de Coelho acerca da inclusão da
literatura infanto-juvenil no bojo da indústria cultural por conta dos apelos visuais de
que ela se utiliza é compartilhada de forma mais genérica por Zilberman, para a
qual:
O hábito de ler, o que pode ser compreendido como industrialização
da cultura, significou igualmente socialização do conhecimento. Ao
intervir diretamente no contexto infantil, tornando-se um hábito, o
livro participa desse processo, trazendo seu beneficiário para a
realidade que o produziu – a dos adultos, com seus valores de
consumo. De modo que a leitura, efeito da convivência com a
literatura infantil sob a ótica do destinatário, incorpora a duplicidade
que caracteriza este gênero: sendo propiciadora do conhecimento,
[...] é igualmente um recurso para a integração do leitor mirim à
existência burguesa. (ZILBERMAN, 1982a, p. 21)
No entanto, as afirmações de Zilberman e Coelho são contestadas
por Turchi:
Como nem literatura, nem infância são abstrações universais, mas
construtos históricos, é preciso entender de que modo o estético se
configura na literatura infantil e juvenil brasileira, considerando as
obras da atualidade. Quanto à literatura infantil, distinguindo bem as
duas modalidades (infantil e juvenil) do gênero, é preciso ressaltar
que o estreitamente do diálogo entre o texto verbal, ilustração e
projeto gráfico tem alcançado um padrão estético muito elevado. A
qualidade artística da literatura para crianças é hoje buscada nesse
conjunto que engloba elementos textuais e pictóricos formato,
ilustração, texto, diagramação – facetas que mantém cada qual a sua
função, mas juntas formam a unidade da obra. (TURCHI, 2002, p.
26)
Malgrado Turchi fazer uma distinção clara entre literatura infantil e
juvenil, o que não é considerado por Coelho, como pode ser visto no início deste
capítulo, fica clara a opinião de Turchi de que a ilustração, o projeto gráfico como um
todo, ajuda na formação da obra e, além disso, colabora para que a obra fique
melhor esteticamente sem levar em conta aspectos textuais, contrariando opiniões
79
como de Zilberman e Coelho, discutidas neste capítulo, que defendem o texto como
pré-requisito para a participação do leitor à inclusão deste na obra literária.
Porém, Turchi vai ainda mais longe ao dizer que:
Quando mais cresce a complexidade do discurso, mais se torna
necessária a ilustração. [...] Para a criança, no percurso de aquisição
do discurso, é justamente a convergência da ilustração, do texto e do
projeto gráfico que constrói a unidade e os sentidos da obra de
literatura infantil. (TURCHI, 2002, p. 27)
No que se refere aos livros de contos de Pellegrini, grande parte
deles tem ilustrações, no entanto, não são feitas por ele, como ocorre com alguns
escritores, e tampouco ocupam grande espaço nos contos, sendo totalmente
dispensáveis as ilustrações para que se compreenda com mais clareza, ou que se
consiga compreender as obras, como defende Turchi. Tendo em vista a grande
importância que o autor ao texto, à linguagem, ao jeito de falar coloquial, pode-se
supor que a questão gráfica fique em segundo plano nos contos do autor.
80
6 OS PERSONAGENS
Uma das formas de identificar um bom escritor, segundo Percy
Lubbock, é por meio das técnicas que ele emprega para fazer ficção.
Às vezes, [o escritor] parece estar descrevendo o que ele mesmo viu,
lugares e pessoas que conheceu, conversas que tenha escutado;
não quero dizer que esteja narrando literalmente uma experiência
própria, senão que escrevesse como se fizesse. Seu propósito é
colocar a cena diante de nós, de modo que possamos compreendê-
la como uma imagem que se desenrola aos poucos. [...] Mas, logo
depois, o método volta a modificar-se. (LUBBOCK,1976, p. 47)
Nesta citação, Lubbock se refere ao processo de criação da
protagonista em Madame Bovary, obra-prima de Flaubert, para mostrar que a
criação de uma narrativa não pode apenas basear-se em experiências vividas. É
oportuno fazer essa observação por duas questões importantes. Primeiro, porque a
criação e caracterização dos personagens estão entre as tarefas mais importantes e
difíceis na obra de ficção, como atestaremos nesse capítulo. Segundo, por conta dos
livros de contos de Domingos Pellegrini serem pautados sobretudo nas experiências
de vida do autor, principalmente do período da infância. Além disso, grande parte
dos protagonistas criados pelo autor é representação do que ele era quando foi
criança. Partindo do pressuposto de que este trabalho busca sistematizar a
produção de contos do autor londrinense, à luz da teoria literária e das premissas
que norteiam as características literárias dos livros de contos, é importante avaliar o
quanto o trabalho do escritor se insere nesse bojo.
Nesse sentido, vale a pena citar mais uma vez Lubbock:
Harry Richmond é um livro profundamente denso. [...] No que
respeita à fantasia, basta que o próprio Harry apresente uma
descrição de sua experiência, de tudo o que fez; sob esse aspecto, a
história é um suceder de fatos raros, estranhos, poéticos, cheios de
personagens notáveis. Mas a intenção do livro vai muito além;
consiste em retratar Harry Richmond, e este é o verdadeiro motivo
pelo qual a história foi contada. [...] O tema é Harry Richmond, um
jovem de caráter; o tema não é o ciclo de aventuras pelas quais
passou. (LUBBOCK, p. 87)
81
De uma certa forma é possível dizer que a opinião de Lubbock se
aplica a Pellegrini no que diz respeito às narrativas que este criou e aos
personagens dessas estórias. Durante as primeiras décadas de produção literária, o
escritor londrinense alterou sensivelmente a temática de suas obras, no entanto, ele
continua sendo o pólo irradiador da trama. Em 1986 o autor londrinense diz que não
é mais o mesmo, como se constata em entrevista ao jornal Folha de Londrina.
Nessa época, Pellegrini já tinha filhos, estava separado e gozava de um certo
prestígio na literatura nacional pelos prêmios ganhos e pelas boas vendas de suas
obras, mas se ressentia de uma fase na vida em que era um “inconformado” com a
política, com a sociedade, com a vida e com a literatura, características estampadas
nas obras e nos personagens das décadas de 70 e parte de 80.
Nasci no inverno e fui um menino velho até os 27 anos. Quase não
ria, usava muito mal o corpo, era autoritário política e pessoalmente.
[...] [hoje] Estou em plena primavera. E vou colher os frutos pelos
45 anos. [...] Comecei a primavera quando passei a desistir da
política como é encarada formalmente, deixei de viver amargamente,
passei a dar mais valor às pessoas e aos fatos, a perceber melhor os
detalhes do que as estruturas. (MONTEIRO, 1986, p. 17)
A primavera à qual Pellegrini se refere ocorre a partir da segunda
metade da década de 80, quando os temas de seus livros passam a ser crianças e
as descobertas da infância. Embora, aparentemente, não haja uma ligação direta
entre o inconformismo do período anterior década de 70 e metade de 80 e a
literatura nitidamente voltada às crianças e adolescentes, que começa a partir
daquele momento, o que une esses dois momentos é o escritor utilizando-se da
literatura para expor suas idéias, seus dramas e inquietações. Certamente que isso
é natural a qualquer escritor diante do processo literário, porém, em Pellegrini esses
traços são mais evidentes pela presença de personagens criados a partir das
vivências do próprio autor. Seja pelo tom autobiográfico confidenciado pelo escritor,
pelos traços regionalistas dos contos ou ainda pelas idéias notadamente assumidas
pelo autor presentes nos personagens, existem diversos indícios de que o tema do
livro é Pellegrini e não as aventuras ou as passagens vividas pelos personagens,
parafraseando Lubbock (1976). O teórico explica melhor como se esse processo
com Harry Richmond.
82
Não se trata apenas de ver através de seus olhos, de compartilhar
sua memória, talvez até esquecê-lo um pouco, de longe em longe,
quando a cena imaginada é particularmente agradável. O
pensamento, a imaginação, a emoção de Harry Richmond
constituem o centro da peça; nossa atenção vai e vem entre eles e
os homens e mulheres que regem sue destino; entre estes a mente
que os recorda; nos, que olhamos, estamos continuamente ocupados
com o fato da consciência de Harry, com sua gradativa extensão e
esquecimento. (LUBBOCK, 1976, p. 89)
Assim, faz-se necessário retornar ao ponto inicial deste trabalho que
salienta a opinião de Lubbock sobre a impossibilidade do escritor pautar-se apenas
a partir de suas vivências para fazer determinada obra. O teórico acredita que o
autor tem um conhecimento superior importante para conduzir o leitor diante da
narrativa.
Talvez se trate de qualquer coisa no passado das pessoas que se
estiveram movimentando ou falando em cena; presume o autor que
não poderemos entender corretamente este incidente ou aquela
conversa se não soubermos o que ele agora passa a contar-nos. E,
assim, para projetar nova luz sobre o drama, rememora instâncias,
de que não nos teríamos advertido. (LUBBOCK, 1976, p. 47)
O fio condutor organizado pelo autor e referido por Lubbock é
fundamental principalmente na criação da personagem, que esta delimita
claramente o que é e o que não é ficção. Assim, o escritor destaca-se quando tem a
medida certa para criar as pessoas responsáveis por dar vida à narrativa, no caso de
Pellegrini, personagens baseadas nele mesmo “A narração, mesmo a não fictícia,
para não se tornar mera descrição ou relato, exige, portanto, que não haja ausências
demasiado prolongadas do elemento humano [...] porque o homem é o único ente
que não se situa somente ‘no’ tempo, mas que ‘é’ essencialmente tempo”
(ROSENFELD apud CANDIDO, 2005, p. 28).
Para sistematizar de forma mais clara as observações em torno dos
personagens e do papel deles em uma narrativa, tomaremos por base o esquema
utilizado por Candido e outros teóricos em A personagem de ficção, obra que
reproduz um boletim publicado pela primeira vez em 1964 a partir das atividades de
um Seminário Interdisciplinar. Acredita-se que desta forma ficará mais clara e
objetiva a explanação em torno do que representa o personagem e o papel dele nas
obras de ficção.
83
6.1
A
S
T
ÉCNICAS
U
SADAS
P
ELOS
E
SCRITORES
Existem diversas formas de fazer um personagem, sendo algumas
dessas técnicas passíveis de descoberta pelo crítico ou por um leitor mais atento.
Rosenfeld (apud CANDIDO, 2005, p. 23) cita algumas palavras que servem de
exemplo, como “sem dúvida”, “afinal”, “decerto” e “depois de amanhã”, pois estas
criariam uma certa intimidade entre leitor e narrador pelo fato de dizer
peremptoriamente determinados pensamentos, indagações que somente um
narrador onisciente teria condições de afirmar. Ainda segundo o teórico, verbos na
3
a
pessoa como “pensava”, “duvidava”, “receava”, são ainda mais reveladores disso,
que é impossível para alguém saber com exatidão o que determinada pessoa
pensa em um certo momento ou circunstância.
No conto “Homem ao mar” em Tempo de menino (1997), Pellegrini
conta a estória de pai e filho que passaram por apuros depois que o filho caiu no
mar revolto durante uma pescaria. O autor narra da seguinte forma a preocupação
do pai diante do perigo iminente.
Agora, o pai sabe que não tem tempo de explicar nada, sabe o que
deve fazer e faz. [...] pulou de ponta, sai de perto filho, que outra
onda já vem vindo atrás. Nada para frente! grita aprontando
Vamos furar a onda! o pensamento no olhar do filho: será que ele
ficou louco! (PELLEGRINI, 1997, p. 67)
Rosenfeld (apud CANDIDO, 2005, p. 25-26) cita ainda outras
técnicas de que os narradores lançam mão para criar personagens em ficção, com o
uso de advérbios de tempo e lugar, porém, em Pellegrini esses recursos não são
amplamente usados se comparados a outros, como a criação de um narrador fictício
que faz parte do mundo narrado. O teórico afirma que o pretérito é mantido, mas
sempre com a (falsa) impressão de que o fato não ocorreu há tanto tempo, trazendo
outra característica importante: narrador e personagens fazem parte do mesmo
mundo, não havendo distinção entre eles.
O narrador fictício não é sujeito real de orações, como o historiador
ou o qmico; desdobra-se imaginariamente e torna-se manipulador
da função narrativa (dramática, lírica), como o pintor manipula o
pincel e a cor; não narra pessoas (personagens), eventos e estados.
84
E isso é verdade mesmo no caso de um romance histórico.
(Rosenfeld apud CANDIDO, 2005., p. 23)
Outro recurso usado pelos escritores é a criação de personagens
lineares e esféricos, como salienta a professora Maria Alice Faria, Foster (apud
FARIA,1999, p. 30) afirma que o estudioso identificou dois tipos de personagem
presentes nas obras de ficção: esféricas e planas. Enquanto o primeiro se destaca
pela complexidade psicológica com dramas e inquietações que perturbam o leitor,
como ela própria afirma, o segundo prima pela simplicidade nos gestos de forma que
não dificuldade para compreender o que se passa com ela, uma pessoa sem
muitos questionamentos. Faria também lamenta o fato de que a maioria dos
escritores infanto-juvenis estudados por ela criem personagens lineares em suas
narrativas justamente por serem mais fáceis de compreender, tornando a literatura
um produto do consumo de massa e repleto de intenções pedagógicas. A professora
cita Umberto Eco para lembrar dos efeitos maléficos dos clichês utilizados para
tipificar personagens.
É sensata a hipótese de toda narrativa que recorra a clichês, no
plano da utilização prática não comunique senão mensagens
conservadoras... O clichê é pré-fixado e portanto espelha uma ordem
que preexiste à obra... A obra propõe unicamente modelos de vida
prática puramente exteriores, em que o leitor neles projeta apenas o
aspecto mais superficial de sua personalidade. (ECO apud FARIA,
1999, p. 31)
Em um amplo estudo sobre os hábitos de leitura de estudantes
secundaristas de escolas públicas da região de Assis, interior de São Paulo, a
professora Maria Alice e outros colegas de trabalho da Universidade Estadual
Paulista (UNESP) fizeram uma pesquisa de campo e tiveram uma triste constatação.
Poucos são os escritores para jovens que possuem o domínio
dessas técnicas [de criação de personagens] de expressão literária.
A maioria fica num meio termo denotativo, referencial, que, muitas
vezes, não quebra a verossimilhança, constrói personagens mornas,
apagadas, as quais, se fossem melhor elaboradas, poderiam dar
uma força maior à narrativa, impressionando mais profundamente o
leitor. (FARIA, 1999, p. 32)
A ausência de técnicas apropriadas na construção de personagens
se estende à apresentação destes. Faria recorre a Roland Barthes para lembrar as
85
contribuições deste teórico acerca das formas de descrever os personagens, os
quais ele chama de índices e informantes.
Índices são todos os traços que definem as personagens: seu modo
de ser, seu comportamento, suas características físicas, psicológicas
etc. [...] os informantes são mais periféricos e superficiais e são
usados para situar as pessoas no tempo e no espaço, como por
exemplo, a idade exata da personagem. Enfim, os índices são
conotativos, enquanto os informantes são denotativos. (FARIA, 1999,
p. 32)
A professora diz que boa parte dos autores citados na pesquisa, de
uma forma geral, apresenta personagens com características predominantemente
denotativas, o que não é bom pela superficialidade do texto literário. Além disso,
Faria observa que a maioria dos escritores incorre em um erro ainda mais grave: a
mistura dos dois elementos na narrativa de forma a dificultar o entendimento do leitor
(FARIA, 1999, p. 32).
Pellegrini não comete nenhum desses equívocos apontados por
Faria, pelo contrário, ele faz aquilo que a professora julga nato do bom escritor.
(FARIA, 1999, p. 33) “Os bons escritores fazem essa caracterização [do
personagem] não selecionando o que é essencial para a composição da
personagem, como distribuem os índices e informantes de maneira orgânica nas
cenas que compõem as narrativas”. Malgrado as diferenças estéticas e temáticas
que existem nas obras do autor londrinense no decorrer das décadas de 70, 80 e 90,
o estilo de Pellegrini sempre se notabilizou pelas qualidades apontadas pela
professora.
O primeiro exemplo vem de Os meninos, uma das primeiras obras
do autor. No conto “O aprendiz” um adolescente descobre a primeira paixão em uma
sala de cinema e, como qualquer outro menino de sua idade, a descoberta se
entre “amassos”, como é descrito na estória. O autor não muitos detalhes dos
dois jovens amantes, mas afirma que ela “cheirava sabonete”, que não usava
perfume nenhum por causa dos pais e da religião, e não tinha um “corpão”, como
desejava o adolescente enamorado por ela, que, por sua vez, usava loção pós-
barba, mas tinha “a cara lisa” (PELLEGRINI, 1977b, p. 66). A descrição sutil dos
personagens, com uma certa dose de ironia, como é típico do autor nessa época,
ajuda o leitor a compreender o contexto da narrativa, que mostra as inseguranças
86
e medos que norteiam um encontro entre adolescentes, distribuindo, portanto, de
forma uniforme os índices a que se refere Faria.
Em Paixões, de 1984, Pellegrini narra uma situação tragicômica
vivida por um rapaz virgem e uma prostituta. Assim como em Os meninos, o autor
não se alonga nas descrições, mas nas sensações vividas pelos personagens, ou
nos índices segundo Bathes, criando uma atmosfera de suspense em torno do
desfecho da história, que, neste caso, termina de forma cômica.
Então, a mulher perguntou por que não iam para o quarto, o coração
dele disparou. tinha raspado a penugem do bigode, já tinha
crescido o que era possível, diziam que crescia mais com uso e,
sendo assim , trocou de pé, escondeu os sapatos na sombra do
poste e tirou o dinheiro do bolso. [...] ela saiu da sombra, ele viu
uma dona gorda da idade da mãe. Ficou parado enquanto ela
cruzava a rua [...]. Entraram por uma porta rabiscada, e num colchão
cheirando a porra viu a dona tirar a blusa, na penumbra azulada duas
mamas bicudas despencaram, as coxas pregueadas tremeram
celulites. As pernas arroxeadas de pancadas. [...] Ele catou os
sapatos, quase arrancou a maçaneta:
– Pode ficar com o dinheiro. Adeus.
(PELLEGRINI, 1984, p. 96)
Em Meninos e meninas (1998), a ironia de uma certa forma perde
espaço por se tratar de um livro mais recente, no entanto, o autor londrinense
continua contido nos índices e mais centrado nos informantes. No conto “Terraço”,
pai e filho sobem ao terraço do prédio onde moram para tomar sol e o conflito de
gerações fica latente em diversas situações, inclusive em características físicas que
destoam nos dois. Enquanto o filho usa cabelo comprido, o pai tem fortes dores nas
costas. A rebeldia, transgressão do filho em usar “rabo de cavalo”, como o pai
chama as longas madeixas, vem de encontro às fortes dores nas costas, geralmente
associadas às pessoas com mais idade. Esse embate físico é apenas uma das
inúmeras diferenças que cerceiam os dois e que servem de tema principal para esse
conto. Aliás, como ocorre em boa parte dos textos de Pellegrini dirigidos a crianças e
adolescentes, será a vitória sobre esses obstáculos a mensagem principal da
estória, ou seja, existem diferenças entre pais e filhos, como fica latente até no
corpo, mas é preciso vencer essas diferenças para que os dois possam se entender.
Em Tempo de menino (1997), o conto “A última janta” faz uma
metáfora interessante mesclando elementos de índices e informantes. Para isso o
87
texto narra a estória de um menino que morava com a mãe em uma pensão onde
peões vinham jantar. A descoberta do mundo e das coisas se por meio da
mistura da comida e do processo de transformação que esta faz no corpo humano.
Em um dado momento um agenciador de nome come diante do menino que,
como qualquer outro da sua idade, faz muitas perguntas. Na medida que o
agenciador come e mistura o arroz, o feijão, a carne, o menino pergunta e descobre
novos mundos.
– Por que a gente come, Zé?
O agenciador riu; os peões da mesa riram.
Bom começou tudo o que a gente come vira alguma coisa
dentro da gente.
O menino ia abrindo a boca devagar, o queixo pendendo.
– O bife vira músculo. Deixa eu ver.
Apalpou o braço de menino.
[...] – E o arroz vira o quê?
– Arroz não é branco? Vira osso, vira dente.
[...] – E o feijão?
O feijão banhava o fundo do prato, lambuzava os pedaços de bife;
num canto ia aparecendo abobrinha picada. O arroz ia acabando,
então o agenciador despejou farinha no feijão, ficou mexendo até
virar um angu.
– Feijão é que nem óleo que a gente põe na máquina.
(PELLEGRINI, 1997, p. 21)
Outro erro grave cometido pelos autores de literatura infanto-juvenil,
segundo Faria, é a tentativa de ensinar normas da língua culta durante os diálogos
dos personagens.
o maior problema encontrado nesta amostragem de livros juvenis
[autores listados pelos alunos durante a pesquisa que ela realizou] é
a pouca naturalidade da fala das personagens, ocasionada por dois
fatores preponderantes: um deles é a própria inabilidade do escritor
em manejar a linguagem literária em termos de diálogo. Outro é o
nocivo pedagogismo de muitos autores que insistem em transformar
o texto de ficção em aulas de gramática. (FARIA, 1999, p. 34)
Mais uma vez Pellegrini (1977b, p. 79) não sofre desse mal, pelo
contrário, a linguagem simples, coloquial, muito próxima do nível da fala é uma
marca registrada do escritor, que desde o início da carreira faz questão de escrever
como se fala no dia-a-dia. O resultado é uma prosa repleta de gírias e palavrões,
geralmente ligadas ao sexo, como em “A visita” no livro Os Meninos: “Neste colégio
88
de merda/aprendi coisa pra chuchu/estudei muita Matemática/comi o primeiro cu” ou
ainda “Aqui no nosso colégio/a inteligência é profunda/os professores dão o rabo/as
professoras dão a bunda”. As palavras mais fortes foram substituídas com o passar
dos anos por orações mais sutis, que a literatura assume um caráter infanto-
juvenil.
Todavia, a linguagem continua simples e despojada, como em
“Homem ao mar” do livro Meninos e meninas: “Olhando o filho a praia, o pai diz você
parece eu com meu pai na primeira vez que vim à praia, pulava pra e pra feito
cabrito. Se tem diferença, é que naquele tempo pai o falava tanto com o filho
(PELLEGRINI, 1998, p. 63). A ausência de dois pontos e travessão para o diálogo
direto indica uma despreocupação do autor em relação às normas gramaticais,
assim como o uso de figuras de linguagem como metáforas, que são bastante
abundantes nos contos do autor londrinense.
Por todos os erros que verificou durante a análise dos autores que
leu, Faria chegou à conclusão.
Por essa rápida amostragem observamos que bem poucos autores
de narrativas para jovens chegam à criação de personagens bem
elaboradas, esféricas, vivas e profundas, não permitindo assim ao
jovem leitor ampliar seu horizonte, limitado por uma escrita primária,
superficial. (FARIA, 1999, p. 36)
Se por um lado é estranho o fato de nenhum personagem de
qualquer livro de Pellegrini ter sido elencado como os preferidos pelos alunos, por
outro é compensador o fato do autor não estar na lista porque os selecionados se
mostraram muito aquém do ideal para a formação de leitores mais críticos e
conscientes.
6.2
A
P
ESSOA E A
P
ERSONAGEM
Pela estreita ligação entre Pellegrini e seus livros, vale a pena
ressaltar a opinião de Antonio Candido sobre a formação dos personagens:
89
Em todos esses casos [de tipos de personagens], simplificados para
estabelecer, o que se dá é um trabalho criador, em que a memória, a
observação e a imaginação se combinam em graus variáveis, sob a
égide das concepções intelectuais e morais. O próprio autor seria
incapaz de determinar a proporção exata de cada elemento, pois
esse trabalho se passa em boa parte das esferas do inconsciente e
aflora à consciência sob formas que podem iludir. (CANDIDO, 2005,
p. 74)
Se o personagem de uma obra literária é fruto da mistura de
elementos sensoriais, do imaginário e da recordação, logo se percebe porque
Pellegrini cria tantos personagens crianças em cenários que lembram a infância
dele. Assim como também explica-se, de uma certa forma, porque o autor
londrinense escreve sobre jovens e adultos rebeldes com o sistema capitalista
quando ele próprio era assim, e muda a temática, passando para uma literatura mais
pueril, quando a realidade político-social muda e ele fica mais velho. Segundo
Pellegrini (1998, p. 101) “a infância e a velhice são comuns a todos, é quando
sentimos mais ou menos as mesmas coisas, temos as mesmas descobertas e
desafios”.
No entanto, é importante lembrar a opinião de Candido (2005, p. 67)
sobre a capacidade do personagem em recriar a vida “o romance é incapaz de
reproduzir a vida, seja na singularidade dos indivíduos, seja na coletividade dos
grupos”, que “na existência quotidiana nós quase nunca sabemos as causas, os
motivos profundos da ação dos seres, no romance estes nos são desvendados pelo
romancista, cuja função básica é, justamente, estabelecer e ilustrar o jogo das
causas, descendo a profundidades reveladoras do espírito” (CANDIDO, 2005, p. 66).
Portanto, por mais que os personagens de Pellegrini se pareçam com ele e os
cenários onde se passa boa parte dos contos sejam recriações da cidade natal e da
casa dos pais, jamais será possível ter certeza até que ponto aquilo foi realidade ou
não, embora saiba-se de antemão que os fatos do dia-a-dia e as ações humanas
são mais abrangentes que a ficção.
Como Candido refere-se ao personagem de romance, mais
precisamente, é importante trazer a contribuição de Massaud Moisés, que trata do
personagem do conto. Moisés (1994, p. 50) afirma que é reduzida a quantidade de
personagens no conto pela própria natureza do gênero literário, o que implica na
centralização da ação em torno de duas ou mais pessoas. Como exemplo, o teórico
cita Machado de Assis e o conto “Missa do Galo”, além de “Um ladrão” de Graciliano
90
Ramos. Em ambos, dois personagens polarizam o enredo e as tensões comuns no
conto, quando o um monólogo demonstra a atmosfera mais intimista e
introspectiva do protagonista, como ocorre diversas vezes com Clarice Lispector, um
bom exemplo segundo Moisés.
O teórico também relembra a clássica classificação de Foster (1954)
segundo a qual existem personagens esféricas e planas e acrescenta dizendo que,
ao contrário do que ocorre com um romance, o personagem do conto não progride
durante a narrativa, deixando transparecer traços de sua personagem que ainda não
haviam sido explorados. Para Moisés, o contista foca determinados aspectos do
caráter do personagem que estejam relacionados com a realidade criada por aquele
e que criem a atmosfera de tensão típica do conto. Esse processo estanque
impossibilita a transposição da literatura para a vida do leitor.
O convívio com as personagens dum conto dura o tempo da
narrativa: terminada esta, o conto se desfaz, visto que a ‘vida’ dos
protagonistas está encerrada no episódio que constituía a matriz do
conto. O intercâmbio rompe-se no desfecho pelo fato de a existência
dos personagens não apresentar mais espaço à imaginação do autor
e do leitor: com o epílogo, suspende-se o trânsito da fantasia, ou da
contemplação do instante dramático que o conto focaliza. (MOISÉS,
1994, p. 51)
Tratando da obras de Pellegrini, vê-se uma certa similaridade com
as observações de Moisés. No que diz respeito aos monólogos, o autor paranaense
é bastante comedido restringindo-se a raros e breves momentos de reflexão interior.
Quando isso acontece é para que o personagem possa exprimir sua opinião sobre
determinado assunto ou deixar de dizer algo para quem está com ele.
o número de personagens que centraliza a narrativa tem forte
correspondência com a opinião de Moisés. Em Meninos e meninas, de 1998, por
exemplo, dos sete contos do livro, cinco estão centrados em duas pessoas e dois
tem apenas um protagonista em cada um deles. È o caso de “Quadrondo” e “Volta
ao mar”, cujos protagonistas são, respectivamente, uma menina e um menino. Os
contos “Terraço”, “Glória”, “Tatinha”, “Aprendendo a pescar” e “Homem ao mar”
voltam-se para crianças e adultos, mormente pai e filho. Em todos os casos, uma
criança é protagonista. A diferença é que em alguns casos ela divide a cena com um
adulto. No livro Os meninos, de 1977, os contos também estão focados em um ou
dois personagens, mas os protagonistas não são crianças como ocorre com
91
Meninos e meninas. Pelo contrário, os temas eróticos e sensuais proíbem tal
situação.
Quanto ao foco no caráter do personagem, Pellegrini mostra,
preponderantemente, uma visão humana dos personagens quando as obras são
dirigidas para o público infanto-juvenil o que ocorre a partir da década de 90. As
crianças/protagonistas são pessoas que passam por conflitos no convívio familiar,
mas que superam esses problemas com a naturalidade típica das crianças ou com a
ajuda dos adultos, como no caso de “Quadrondo”, do livro Meninos e meninas
(PELLEGRINI, 1998), no qual os pais separados se reconciliam para a felicidade da
filha protagonista do conto. nos livros mais antigos, prevalece a ironia, o
sarcasmo e o desencanto dos personagens diante da vida e das pessoas. O foco na
personalidade reside em descrições das sensações, que levam à insatisfação. O
protagonista está sempre à procura de algo que perdeu ou que nunca obteve: o
amor, o sexo, a liberdade e tantas outras características mais que o tornam vazio.
Embora os personagens de Pellegrini não tenham a complexidade
psicológica dos melhores romances, eles não o desprovidos de emoções que os
aproximem do leitor e dos conflitos vividos pelas pessoas no cotidiano. Ao contrário
do que afirma Moisés (1994), pode-se dizer que os personagens podem dar espaço
à imaginação do leitor e do autor em alguns momentos pela complexidade de
algumas situações ou apenas pela simplicidade delas.
92
CONCLUSÃO
era previsto que sistematizar e analisar parte da produção de
contos de Domingos Pellegrini ao longo de 20 anos não seria uma tarefa das mais
tranqüilas. A ausência de referências acadêmicas sobre o trabalho do autor também
era um desafio e, ao mesmo tempo, uma vantagem pela possibilidade de tratar de
um assunto pouco explorado. Ao longo da pesquisa buscou-se reunir uma
quantidade mínima de informações e acrescentar alguma análise crítica ao trabalho
de um escritor com reconhecimento da crítica e de público. O que se viu, porém, foi
um universo bastante vasto de possibilidades a serem seguidas, das quais este
trabalho selecionou partes reduzidas para não extrapolar os limites de tempo e de
um estudo dessa natureza.
O estudo preliminar da literatura de Pellegrini mostrou uma
tendência de mudança na temática e no uso dos gêneros literários. A partir do ano
2000, o autor vem publicando cada vez menos contos e se dedicando mais aos
romances e poesias. Contudo ainda é prematuro afirmar com convicção se isso é
uma tendência ou apenas um momento de mudança diante da trajetória do escritor,
que é chamado de contista por muitos estudiosos. Aliás, um aspecto que chama a
atenção é a volta de temas políticos nos livros mais recentes do escritor londrinense,
algo que não ocorria desde a década de 80. Mais curioso ainda é notar o retorno da
temática política em um momento de efervescência do assunto com uma ampla
discussão sobre a ética na política, que envolve toda a sociedade brasileira. Sem
dúvida que o tom usado para tratar de política atualmente é muito diverso daquele
outrora empregado, porém, é um aspecto bastante importante que pode ser objeto
de estudo em um outro trabalho.
Pellegrini extrapola e muito os limites de um escritor provinciano, ou
ainda incipiente nas artes literárias, pela riqueza de temas, assuntos, abordagens e
linguagens utilizados em alguns dos seus livros de contos. À luz das opiniões dos
teóricos sobre o conto, a literatura infanto-juvenil, o processo de criação literária e
demais assuntos pertinentes ao trabalho, constatou-se que o autor londrinense não
extrapola muito os limites da teoria da literatura, porém,o se pode dizer que ele é
criterioso com os conceitos teóricos. Assim como na vida particular, o escritor
procura fazer uma literatura mais livre, liberta de preceitos e regras. Uma literatura
93
que seja, acima de tudo, prazerosa para leitor e escritor, portanto, distante de
pressupostos demasiadamente técnicos.
Pellegrini retrata em parte as características predominantes de
autores contemporâneos. Os livros da década de 70, por exemplo, são confluentes
com a literatura de protesto feita por grande parte dos autores militantes de
esquerda, combatentes ferrenhos da ditadura militar. O próprio Pellegrini também
era assim, comunista, a favor da luta armada, integrante de movimentos sociais pela
redemocratização do país. Por outro lado, existem mais diferenças que semelhanças
entre a chamada literatura s-moderna, iniciada a partir da década de 1960
segundo alguns estudiosos, e o escritor londrinense. Depois da literatura engajada
durante o regime militar, o autor seguiu outro rumo, bem diferente de boa parte dos
colegas ex-combatentes. Enquanto a literatura passou a tratar da realidade de forma
fragmentada, como um grande predomínio dos meios de comunicação, da imagem,
como representação da realidade, o londrinense enveredou para o campo da
literatura infanto-juvenil e passou a falar de infância, família, felicidade. Como o
próprio autor confidenciou, ele deixou de acreditar na ideologia e passou a ver a vida
de outra forma, o que ficou claro na literatura que produziu o que não poderia ser
diferente.
Compreender o porquê disso não foi difícil, em parte, pelas muitas
declarações de Pellegrini sobre a arte de escrever e o que isso representa para ele.
Além disso, a literatura pellegriniana prima pela simplicidade, logo, não é preciso
longas reflexões para saber onde o escritor deseja chegar. Ainda mais quando se
trata dos contos, objeto de estudo deste trabalho, e que têm uma estrutura mais
enxuta e menos complexa, pelo menos na literatura feita pelo autor londrinense. O
mais difícil do trabalho foi compilar tantas informações, observar tantas minúcias,
analisar aspectos inexplorados do texto, sistematizar um trabalho vasto e
abrangente em um tempo reduzido e com as limitações próprias de uma dissertação.
Certamente que ficaram muitas lacunas a ser preenchidas sobre os
diversos livros de contos e muito mais sobre as obras do autor, porém isso foge ao
objetivo inicial deste trabalho que busca lançar luzes sobre a literatura de um autor
não muito explorado pela academia. Serão necessários muitos outros estudos, teses
e dissertações, para apurar mais profundamente todos os caracteres que foram
apenas esboçados aqui e que podem ajudar em futuros estudos.
94
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Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo, v. 46, n. 1-4, p. 9-16, jan./dez., 1985
99
ANEXOS
100
ANEXO A
Jornal: Folha de Londrina
Editoria: FOLHA 2
Data: 18/05/2001
Autor: Rodrigo Grota
Pellegrini Premiado
Devastador e polêmico, Domingos Pellegrini é o vencedor do Prêmio Jabuti deste ano com o
romance policial ‘‘O Caso da Chácara Chão’’
Objetivo, seco e direto. Tão árido como a realidade ou simplesmente explosivo como o
cinema humanista de Sam Peckinpah (‘‘Pistoleiros do Entardecer’’, ‘‘Sob o Domínio do
Medo’’). Semi-recluso há quatro anos em sua Chácara Chão, situada na Zona Norte de
Londrina, o escritor Domingos Pellegrini recebe aos 52 anos seu segundo Jabuti. Segundo a
Folha, ele será contemplado com o primeiro lugar na categoria romance. O escritor vai
receber o prêmio amanhã, no Rio de Janeiro, durante o lançamento da 10º Bienal
Internacional do Livro. Ele encara a premiação com muita simplicidade. Sabe que é um
reconhecimento importante a uma obra fundada em variações de um mesmo tema: a guerra
implícita que se trava entre a sociedade organizada e a sua metade desorganizada - ou mal
intencionada, para os mais diretos.
Agraciado com o Jabuti em 1977, por ‘‘O Homem Vermelho’’ sua primeira obra – o
escritor guarda até hoje o primeiro prêmio desgastado pelo tempo. ‘‘Meu filho brincava
com ele’’, relembra. Ele não mistifica o Jabuti oferecido pela Câmara Brasileira do Livro
sabe de sua importância no mercado editorial nacional mas não o compararia a premiações de
outros países.
O livro que justificou o reconhecimento é ‘‘O Caso da Chácara Chão’’, um romance policial.
Mostra a história de um homem assaltado em sua prórpia chácara, e que, pelas reviravoltas do
destino, acaba sendo o principal acusado. Uma trama clássica, levada ao extremo por Alfred
Hitchcock em ‘‘O Homem Errado’’ (The Wrong Man), apesar de Pellegrini não apontar
nenhuma influência no cinema noir dos anos 50, nem na estilizada literatura policial
americana, leia-se Raymond Chandler e Dashiell Hamett. O autor confessa inspiração na
realidade, onde observa o caos emblematizado em uma polícia corrupta, despreparada, sem o
vigor moral e técnico para executar a vigilância de qualquer sociedade. Uma justiça que
privilegia o infrator, dificultando o prejudicado. Funcionários públicos que se beneficiam com
migalhas. Pessoas de bem que se tornam omissas.
Mas a culpa não se restringe a poucos grupos, garante. O comodismo, sintoma tão comum
quanto aceitável pelo brasileiro médio, resulta na maior catástrofe para um povo: o desapego a
si mesmo. Pellegrini, polêmico no dia-a-dia de sua cidade, não entende por que tantos
desgovernam órgãos públicos, enquanto outros são desgovernados sem evidenciar
preocupação. Uma síndrome de nossa época? Não, a humanidade sempre foi assim, constata.
Ao lado de sua querida cachorra Maga, personagem constante em suas crônicas dominicais
em um jornal local, o autor divide o seu cotidiano em literatura e dedicação à natureza.
Universos distintos mas que se mesclam em um ponto irreconhecível, por consequência
inclassificável. Este ponto, caótico por excelência, é organizado sob o olhar de Pellegrini,
adquirindo a estrutura lógica da literatura que tão bem dimensiona a realidade. Seria então sua
literatura um jornalismo mais aprofundado? Não, ele semelhanças nos dois discursos, mas
ressalta a distinção. A realidade inegavelmente é sua matéria-prima, por isto não estende a
reclusão aos limites de John Salinger, Raduan Nassar, José Rubem Fonseca, Dalton Trevisan
101
e demais escritores anacoretas. O rádio, a internet e a TV o conectam ao ‘‘dia após o outro’’
londrinense, mostrando a proximidade entre casos policiais e políticos cada vez menos
diferenciados, como comprova o escândalo da gestão do ex-prefeito Antônio Belinati.
Um dia na vida do escritor se inicia com a tomada das notícias e a dedicação ao escrever. Ele
requer o silêncio eloquente da natureza, atingindo o fluxo maravilhoso que o criar artístico
permite. Tece algumas linhas por cerca de três ou quatro horas e logo parte para outras
atividades, físicas, de preferência. Pellegrini não abandona seus escritos ao primeiro parto.
Reescreve seus livros por várias vezes, caso do épico ‘‘Terra Vermelha’’, finalizado em 92 e
publicado apenas em 97, após sete revisões.
Afoito pelo universo das letras desde pequeno, quando lia um pouco de tudo, Pellegrini
construiu um estilo narrativo sem influências explícitas, mas direcionadas a um modelo
iniciado pelo grande Ernest Hemingway: a morte dos adjetivos. Essa objetividade que
influenciou boa parte da literatura brasileira do século XX - Graciliano Ramos, Augusto dos
Anjos, Carlos Drummond de Andrade, Raduan Nassar e o econômico por excelência, Dalton
Trevisan, é visível na obra do autor e em sua vida.
O escritor não sabe o que esperar da literatura do século XXI. Pós-modernismo? Não acredita
em nada mais que termine em ismo: socialismo, capitalismo, islamismo. Só crê nos vocábulos
que finalizam com o sufixo ade: liberdade, verdade, honestidade.
Posicionado, sem medo de ser contestado, Pellegrini mostra em vida e obra uma incessante
indignação à falta do belo e do verdadeiro, princípios clássicos, hoje mais restritos aos poucos
espíritos nobres que sobrevivem. O nosso Peckinpah das letras é abusado e sábio como o
cineasta, inteligente e nobre. Um artista.
OS PREMIADOS
Confira os principais vencedores nas principais categorias do Prêmio Jabuti 2001
• Contos e Crônicas
‘‘Invenção e Memória’’ de Lygia Fagundes Telles - Editora Rocco
• Poesia
‘‘Fragmentos de Paixão’’ de Anderson Braga Horta - Editora Massao
• Infantil ou Juvenil
‘‘Indo não sei aonde buscar não sei o quê’’ de Angêla Lago - Editora RHJ
• Reportagem
‘‘Corações Sujos’’ de Fernando Morais - Editora Companhia das Letras
• Ilustração Infantil ou Juvenil
‘‘Um Gato Chamado Gatinho’’ de Angela Lago - Editora Salamandra
• Autor Revelação
Tiago de Melo Andrade por ‘‘A Caixa Preta’’ - Editora Vitória
102
ANEXO B
Jornal: Folha de S.Paulo
Editoria: ILUSTRADA Página: E5
Data: 19/05/2001
Autor: FRANCESCA ANGIOLILLO
Jabuti premia seus vencedores esta noite
Lygia Fagundes Telles e Fernando Morais, autores do ano no concurso, levam prêmio de
contos e reportagem
A Câmara Brasileira do Livro premia hoje, às 19h, no auditório Cecília Meireles da Bienal do
Rio, os vencedores do Prêmio Jabuti. O concurso premia três finalistas, em 16 categorias, com
uma estatueta do animal que lhe nome e, ao primeiro colocado de cada lista tríplice,
oferece R$ 1.000. Esses primeiros colocados (veja quadro ao lado) são escolhidos por
entidades do mercado livreiro. A lista de onde saem (este ano divulgada em 11 de abril),
porém, é eleita numa primeira etapa, por um júri de especialistas. Entre os ganhadores deste
ano, um nome gera certa surpresa. É o de Domingos Pellegrini, cujo "O Caso da Chácara
Chão" foi escolhido o melhor romance de 2000.
Apesar de já ter sido reconhecido pelo concurso uma vez _em 77, com o volume de contos "O
Homem Vermelho", sua estréia literária, o autor paranaense, 51, concorria com Milton
Hatoum e Patrícia Melo, nomes mais firmados no mercado. Pellegrini se divide entre a
literatura e a lida na chácara do título do livro premiado, onde realmente vive (ele ressalta que
o misto de policial e crítica social não tem nada mais de autobiográfico). Agora trabalha em
três romances, todos com temas políticos, em busca de conscientizar seus leitores. "Os
poderes públicos estão falidos por falta de vergonha e omissão do povo", disse à Folha, em
correspondência eletrônica. O autor está com a gaveta cheia. "Tenho dois livros de contos e
novelas inéditos: 'O Destino de Elvis Presley' e 'Conversas de Amor'. Posso divulgar meu e-
mail dizendo que procuro editoras?".
Lygia Fagundes Telles e Fernando Morais, que haviam sido anunciados, na quinta-feira,
vencedores do concurso paralelo de Livro do Ano (nas categorias ficção e não-ficção),
repetiram a dose na premiação por categorias. "Invenção e Memória" valeu à escritora o
primeiro lugar entre os contos e crônicas; "Corações Sujos" deu a Morais a dianteira entre os
livros-reportagem. Ao falar à Folha, Lygia Fagundes Telles _premiada pelo Jabuti duas vezes
antes_ ecoa as esperanças de Pellegrini: "Quem sabe alguém não que fui premiada e diz
'essa mulher deve ser boa?'".
Votação virtual
A votação para o Jabuti popular, promovida pelo site Submarino, se encerrou na terça, dia 15.
Os vencedores um de ficção e outro de não-ficção também serão anunciados esta noite. A
eleição virtual durou 22 dias, contabilizando quase 4.000 votos –foram cerca de 450 em 2000.
Em ordem alfabética, os finalistas do site entre os não-ficcionistas são Fernando Morais
("Corações Sujos"), Geraldo Lopes ("O Sistema"), Ronaldo Rogério de Freitas ("A
Astronomia da Época dos Descobrimentos"). Na categoria ficção, os nomes são Flora
Figueredo ("O Trem que Traz a Noite"), Luis Fernando Verissimo ("Borges e os
Orangotangos Eternos") e Patrícia Melo ("Inferno"). Carlos Heitor Cony, com "Romance sem
Palavras", e Drauzio Varella, por "Estação Carandiru", foram os escolhidos dos internautas no
ano passado.
103
ANEXO C
Jornal: Folha de S.Paulo
Editoria: ILUSTRADA Página: E5
Data: 19/05/2001
Autor: FRANCESCA ANGIOLILLO
Vencedores do Jabuti 2001
Romance
"O Caso da Chácara Chão"
Domingos Pellegrini
Contos e Crônicas
"Invenção e Memória"
Lygia Fagundes Telles
Poesia
"Fragmentos da Paixão"
Anderson Braga Horta
Infantil ou juvenil
"Indo Não Sei Aonde Buscar Não Sei o Quê"
Angela Lago
Ensaio e biografia
"A Sociedade contra o Social"
Renato Janine Ribeiro
Economia, administração, negócio e direito
"O Brasil e o Comércio Internacional"
Reinaldo Gonçalves
Ciências naturais e saúde
"Infecção Hospitalar e suas Interfaces vol. 1 e 2"
Fernandes/Vaz Fernandes/Ribeiro Filho
Ciências exatas, tecnologia e informática
"Energia Elétrica para o Desenvolvimento Sustentável"
Lineu Reis e Semida Silveira (org.)
Ciências humanas e educação
"A Crítica da Razão Indolente"
Boaventura de Sousa Santos
Religião
"Carnaval da Alma"
Leila Amaral
Livro-reportagem
104
"Corações Sujos"
Fernando Morais
Didático
"Col. Artes: Pranchas de Linguagem Visual"
Vello/Colucci/Ariane
Tradução
"Poesia" (autor: François Villon)
Sebastião Uchoa Leite
Capa
"Extinção"
Victor Burton
Produção editorial
Col. Thomas Mann
PVDI Design
Ilustração
"Um Gato Chamado Gatinho"
Angela Lago
Amigo do Livro
Fábio Lucas Gomes
Autor-revelação
Tiago de Melo Andrade
("A Caixa Preta")
105
ANEXO D
Jornal: Folha de S.Paulo
Editoria: COTIDIANO Página: C4
Data: 08/05/2001
Autor: Da Redação
Jabuti de romance seria de Pellegrini
A editora Record diz ter recebido convite para a premiação, no dia 19 de maio, na Bienal do
Livro do Rio, de Domingos Pellegrini ("O Caso da Chácara Chão") como ganhador do
primeiro lugar da categoria romance. Ele teria vencido Patrícia Melo ("Inferno") e Miltom
Hatoum ("Dois Irmãos"). A Câmara Brasileira do Livro, que organiza o Jabuti, não confirma
a informação.
106
ANEXO E
Jornal: Folha de S.Paulo
Editoria: ILUSTRADA Página: E3
Data: 11/04/2001
Autor: FRANCESCA ANGIOLILLO
CBL anuncia os ganhadores do Prêmio Jabuti 2001
Vencedores dos prêmios de Melhor Livro do Ano serão divulgados pela Câmara Brasileira do
Livro dia 19
O que é melhor? A saga familiar amazonense de "Dois Irmãos" ou o tráfico dos morros
cariocas de "Inferno"? Os contos de "Invenção e Memória" ou os poemas de "O Rumor da
Noite"? Os autores dos livros acima respectivamente, Milton Hatoum, Patricia Melo, Lygia
Fagundes Telles e Lêdo Ivo estão entre os vencedores do Prêmio Jabuti 2001, anunciados
ontem pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), em São Paulo.
Eles concorrem, com mais oito títulos, aos dois prêmios de R$ 12 mil dados aos melhores
livros do ano (ficção e não-ficção).
Cada um dos nomeados ontem (veja quadro abaixo), nas 16 categorias da premiação, é um
vencedor e levará a estatueta do jabuti em 19 de maio, durante a Bienal do Livro do Rio.
Na entrega do prêmio, a CBL dirá quais autores –um de cada lista tríplice– receberão, além
da estatueta, R$ 1.000 (para cada categoria). Ainda na ocasião, serão anunciados os
vencedores nas duas disputas de melhor livro.
Nomes consagrados como Luis Fernando Veríssimo (que era finalista entre os romancistas
por "Borges e os Orangotangos Eternos") e o do poeta Manoel de Barros (que fora indicado
por "Ensaios Fotográficos") ficaram de fora da premiação final.
A autora Patricia Melo registrou espanto. "Nunca tinha ganho um prêmio no Brasil. fui
premiada na França, na Alemanha. Eu me sinto completamente em boa companhia. Admiro
tanto o Milton Hatoum quanto o Domingos Pellegrini. Vai ser páreo duro."
E o que acharia de ganhar o prêmio máximo? "Nossa, tem esse? Nem sabia!", se admira a
autora de "Inferno".
Outros prêmios
O patrocinador do concurso, o site Submarino, promove ainda uma votação virtual para Livro
do Ano. O voto desse júri popular _que existe desde a edição passada do prêmio instituído em
1958_ não interfere, porém, na premiação principal, decidida por jurados do mercado
editorial. Para votar, os internautas devem acessar o site (www.submarino.
com.br) e escolher seus preferidos entre os listados.
Em 2000, os vencedores na categoria ficção foram o gaúcho Menalton Braff (júri da CBL),
com Sombra do Cipreste", e Carlos Heitor Cony, com "Romance sem Palavras" (entre os
votantes virtuais). Drauzio Varella levou o de não-ficção tanto na seleção tradicional como na
da internet, por "Estação Carandiru".
Além dos prêmios autorais, outros participantes do processo editorial (tradutores, capistas e
produtores gráficos) concorrem em categorias do Jabuti. No concurso, a CBL também confere
os prêmios Amigo do Livro e Autor Revelação.
107
ANEXO F
Jornal: Folha de Londrina
Editoria: CADERNO 2, p.17
Data: 20/04/1986
Autor: NILSON MONTEIRO
108
109
ANEXO G
Jornal: Folha de Londrina
Editoria: ENTREVISTA p. 3
Data: 29/01/1978
Autor: LINDA BULIK
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