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Padre Cícero (Claret, 1988, p. 16-17), o padre declara sua vontade, recebida como ordem
suprema pelos fiéis, sobre a importância de perpetuar os seus atos e ensinamentos:
(...) Estou certo de que, quando se fizer a verdadeira luz sobre esses fatos,
meu nome realçará limpo, como sempre foi. Faço estas declarações para
que os que me sobreviverem fiquem cientes (porque perante Deus tenho a
minha consciência tranqüila) de que a minha vida, quer como homem quer
como sacerdote, nunca graças a Deus, cometi um ato de desonestidade (...)
Aproveito o ensejo para pedir a todos os moradores desta nossa terra, o
Juazeiro, muito espacialmente aos romeiros, que depois da minha morte não
se retirem daqui nem a abandonem;
Insistindo, peço, como sempre aconselhei, que sejam bons e honestos,
trabalhadores e crentes, amigos uns dos outros e obedientes e respeitadores
às leis e autoridades civis e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, no
seio da qual, tão somente, pode haver felicidade e salvação (...)
É possível observar que, através da linguagem de pregação religiosa, há uma tentativa
de dominação do outro, de impor a verdade, neste caso, a verdade da Igreja Católica, para
controlar os fiéis e as pessoas daquela comunidade. Quando afirmamos que os benditeiros
resistem, estamos falando da resistência à idéia de “santo impostor”, posto que o milagre
atribuído a ele não foi acredito pelo Igreja Católica até hoje.
As crianças, ou seus discursos, resistem às verdades de descrença em relação ao Padre,
para tal obedecem aos seus ensinamentos, às suas vontades e aos atos de fé. Buscam resgatar,
historicamente, dia a dia, a figura religiosa do Padre, desta vez manifestando as suas vontades
de verdade, isto porque, como já foi dito a verdade não é absoluta, é histórica e social, por
isso Foucault a denomina como vontade. Dessa forma, é que chamamos de resistência o
discurso desses benditeiros.
Esses sujeitos, narradores históricos, inseridos numa formação discursiva, são
interpelados pela ideologia, que de acordo com Althusser “representa a relação imaginária de
indivíduos com suas reais condições de existência” (apud Brandão, 1997, p. 24). Para ele, a
existência da ideologia é material porque se concretiza nas práticas e rituais, nos atos
concretos, operando a transformação dos indivíduos em sujeitos.
Neste caso, os benditos se materializam enquanto ideologia e cultura, passadas através
do ritual que é cantar os benditos, desde a aprendizagem, a abordagem ao espectador, até o
reconhecimento social de prática religiosa e cultural.
Vista dessa forma “a ideologia faz parte, ou melhor, é a condição para a constituição
do sujeito e dos sentidos” (Orlandi, 2003, p. 46). Para pensarmos nos benditeiros nessa
perspectiva, pensamos, igualmente, que estes sujeitos, determinados ideologicamente,