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aceito, acima de tudo, em função das políticas sociais. Cabe destacarmos que, por algum
tempo, houve uma certa resistência da historiografia em admitir que o Estado Novo fosse
marcado por uma conjunção entre autoritarismo político e avanços sociais
206
. Enfatizava-se
muito o aspecto da manipulação e imposição, pois dizer que ocorria uma “livre aceitação” do
regime autoritário de Vargas poderia soar, principalmente nos anos 1970/80, como uma
espécie de “apologia” ao autoritarismo vivenciado naquele momento com o Regime Militar.
Consideramos que essa é uma preocupação que não se sustenta do ponto de vista da
construção do conhecimento histórico
207
, contudo não podemos deixar de considerar que o
historiador deixa refletir em seus trabalhos, mesmo que inconscientemente, seus anseios do
presente
208
. Sendo assim, apesar de compreendermos a importância dessa historiografia, até
mesmo em função do momento em que foi produzida, destacamos em nossa análise um outro
tipo de interpretação, que entende a relação entre o Estado - sobretudo na figura de Vargas –
com as classes populares sob outra perspectiva, qual seja, a do trabalhismo
209
.
Importante evidenciar que, embora não desconsidere o caráter autoritário e
reconheça a importância dos órgãos de repressão e propaganda no que concerne à formação
do consenso em torno da figura de Getúlio e do Estado Novo, essa historiografia trabalha com
a hipótese de que, se considerarmos somente a lógica da manipulação/opressão não
poderemos entender a complexidade das relações entre Estado e classe trabalhadora. Mais que
isso, ao tratar o operariado como massa de manobra, perde-se de vista a experiência de classe
destes segmentos sociais, a qual foi sendo construída historicamente
210
. Nesse tipo de
interpretação enfatizava-se principalmente a adesão em torno da figura de Vargas, levando-se
em consideração elementos importantes da cultura política e do imaginário das classes
206
Tais interpretações datam, principalmente, das décadas de 1970/1980, quando, politicamente era fundamental
atacar o regime militar através da ditadura Vargas. Portanto, desconsiderar os “avanços” sociais nesse
período, tornava-se quase que necessário. Cf.: IANNI, Octavio. O Colapso do Populismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira (3ª edição), 1975.
207
Como afirma Hobsbawm a história se define na sua relação com a evidência, portanto é construída pelo
documento. E a objetividade é alcançada a partir da limitação metodológica que lhe é imposta.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História: Ensaios. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
208
Cf.: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (orgs). História: novas abordagens. Tradução de Henrique
Mesquita. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1995.
209
Como representantes dessa corrente historiográfica temos os autores: Ângela de Castro Gomes, Jorge
Ferreira, Maria Helena Rolim Capelato, Dulce Chaves Pandolfi, Maria Celina D'Araújo, dentre outros. Cf.:
FERREIRA, Jorge. O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001.
210
A noção de experiência de classe, tomada dos trabalhos de E. P. Thompson, são fundamentais para essas
formulações críticas à idéia de populismo. O próprio título do trabalho de Ângela de Castro Gomes, ao aludir
à “invenção do trabalhismo” e este visto como um pacto construído entre atores sociais, dá bem a medida da
importância em se compreender a experiência da classe trabalhadora como um processo histórico.