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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A Saúde pelo Progresso: Médicos e Saúde Pública em
Minas Gerais
Dissertação apresentados ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal
de Juiz de Fora, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Maria Ribeiro
Viscardi
Juiz de Fora
2008
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Keila Auxiliadora Carvalho
A Saúde pelo Progresso: Médicos e Saúde Pública em
Minas Gerais
Dissertação apresentados ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal
de Juiz de Fora, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em História.
Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Maria Ribeiro
Viscardi
Juiz de Fora
2008
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Banca Examinadora
Dissertação defendida e aprovada em 17 de março de 2008, pela banca constituída
por:
___________________________________________________
Prof. Dr. Ignacio José Godinho Delgado – UFJF
(Suplente da Professora Drª. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi)
___________________________________________________
Profª Drª. Anny Jacqueline Torres Silveira - UFMG
____________________________________________________
Profª. Drª. Andréa Casa Nova Maia - UFJF
4
Para Alessandro, companheiro de todas as horas,
amor eterno.
5
Agradecimentos
Ao finalizar este trabalho, quero expressar meus agradecimentos a
todos que contribuíram para a sua execução e me ajudaram ao longo do curso de mestrado.
Primeiramente, gostaria de agradecer a Universidade Federal de Juiz de Fora e ao Programa
de Pós-Graduação em História a concessão da bolsa de estudos que viabilizou a realização da
pesquisa. Agradeço especialmente a minha orientadora, professora Cláudia Maria Ribeiro
Viscardi, que mesmo afastada de suas atividades docentes se empenhou em me orientar na
conclusão deste trabalho. Agradeço-a por ter acreditado em minha proposta de trabalho e pela
confiança que depositou em mim, ao dar-me liberdade para conduzir esta pesquisa.
Agradeço aos professores Andréa Casa Nova Maia, Anny Jacqueline
Torres Silveira e Ignácio José Godinho Delgado que compõem a banca de minha defesa. Aos
dois últimos agradeço também terem participado da banca do exame de qualificação, pela
leitura atenta e as preciosas sugestões que foram incorporadas ao texto final da dissertação. A
professora Anny Jacqueline ainda agradeço a atenção que me dispensou, enviando-me textos
e respondendo prontamente aos meus emails.
Agradeço a professora Rita de Cássia Marques da UFMG a
disponibilidade em me ajudar a reunir fontes para esta pesquisa, e a historiadora Fabiana Melo
da Fundação Ezequiel Dias, a atenção e presteza sempre que precisei realizar pesquisas na
biblioteca histórica da instituição.
Aos colegas do mestrado, Alex, Cristiano, Fábio, Fernando e Isis
agradeço a companhia agradável e os bons momentos que partilhamos durante o ano de 2006.
Agradeço também a uma amiga muito querida que o mestrado me trouxe, Alexandra Pereira,
a paciência, o companheirismo e a amizade que sempre demonstra.
Agradeço também aos meus amigos e amigas que sempre estiveram
presentes com incentivos e apoio. De modo especial ao meu amigo Weder Ferreira que me
hospedou em sua casa para que eu pudesse fazer minhas pesquisas, e por sempre se mostrar
disposto a me ajudar em tudo! Receba meu agradecimento sincero. A Cláudia Chaves eterna
mestra e amiga agradeço o incentivo para que eu iniciasse este mestrado.
Minha família eu agradeço o apoio, por aceitarem minhas ausências e
minhas oscilações de humor, mesmo sem compreender o por quê. A minha mãe agradeço por
não ter duvidado de mim desde o início desta caminhada, e ter por dado “tudo” de si para que
6
eu pudesse concluir minha graduação. Mãe, é para você, e é também por você! Ao meu pai eu
agradeço por se orgulhar de cada passo que eu consigo dar. Aos meus irmãos eu agradeço
pelo amor e por serem meus companheiros sempre. Ao sr. José Alves e a dona Nilza eu
agradeço por terem estado sempre por perto ajudando no que fosse preciso.
Restam aqui dois agradecimentos especiais, o primeiro vai para minha
amiga Janaína Cordeiro. Jana e eu escrevemos juntas nossas dissertações, pude dividir com
ela cada momento, e foram muitos. Do outro lado do computador eu sabia que podia contar
com uma amiga, uma leitora e uma grande incentivadora. É difícil escolher as palavras certas
para agradecer a alguém que me ajudou tanto! Jana me ajudou a manter o equilíbrio nos
momentos mais difíceis, devo agradecê-la principalmente por não ter “desistido de mim”,
mesmo quando eu mesma queria desistir, e além disto, por ter me dado a certeza de que tudo
“daria certo”!
Finalmente um agradecimento muito especial ao Alessandro, pelo apoio
incondicional, mesmo que isto significasse acordar no meio da madrugada para me buscar, ou
abdicar de minha presença em alguns momentos. A compreensão, a paciência, o carinho,
enfim, por ser a pessoa para quem eu posso voltar sempre! Sem ele eu não conseguiria
concluir este trabalho.
7
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Artigo 196º da Constituição Brasileira de 1988.
8
Sumário:
Introdução:
Médicos Sanitaristas no Estado Fundador da Nacionalidade.................................................10
Capítulo I:
Relações Históricas: Medicina e Saúde Pública no Brasil.......................................................25
1.1 - Saúde Pública e Medicina como Objetos de estudo da História......................................26
1.2 - A “Coletivização do Bem-Estar”: A Saúde como Responsabilidade do Poder Público..32
1.3 – Combatentes em Tempos de Paz: Médicos Sanitaristas da Primeira República.............37
1.4- Revolução de 1930 e Políticas Públicas em Saúde: Rupturas e Continuidades................47
Capítulo II:
Saúde Pública e Profissionalização Médica no Alvorecer da Segunda República..................60
2.1 – A Organização do Trabalho Médico no Brasil: a Sindicalização como Alternativa.......60
2.2 – Profissão, Especialidade e Ocupação: Médico, Sanitarista e Funcionário Público.........72
2.3 - Saúde Pública: Uma Estratégia de Inserção Política dos Sanitaristas no Pós -1930........84
Capítulo III:
O Sanitarismo como Instrumento de Organização da Sociedade Brasileira...........................104
3.1– De Pequenino é que se Torce o Pepino: O Ensino de Higiene nas Escolas Primárias...106
3.2 - Educar e Controlar: Sanitaristas e a Formação do “Typo Racial Brasileiro”...............115
3.3 – Sanitaristas em Ação: O Combate à Lepra em Minas Gerais........................................122
Conclusão................................................................................................................................134
Anexos....................................................................................................................................138
Fontes......................................................................................................................................154
Bibliografia.............................................................................................................................156
9
Resumo
Esta dissertação propõem analisar alguns aspectos relativos a transformação da saúde em um
“bem público” no Brasil, assim como ao processo de profissionalização da categoria médica,
ambos em curso na década de 1930. Particularmente analisamos um grupo de médicos de
Minas Gerais que discutiam suas ideias nos periódicos: REVISTA MEDICA DE MINAS e
REVISTA MINAS MEDICA. O discurso destes médicos constitui-se em espaço privilegiado
para compreendermos como as transformações decorrentes da “revolução de 1930” refletiram
na área da saúde, e em que medida se deram as rupturas e as continuidades. E ainda, como os
médicos sanitaristas se posicionaram dentro da nova burocracia estatal procurando, por um
lado firmar de uma vez por todas a responsabilidade do Estado para com a saúde da
população, e por outro concluir o processo de profissionalização de sua categoria.
Abstract:
This dissertation proposes to examine some aspects concerning the transformation of health in
a "public good" in Brazil, as well as the professionalization process of the doctors, as a
category, both ongoing in the years of 1930s. We will give special attention to a group of
doctors from the state of Minas Gerais whose ideas had been discussed in two different
journals, REVISTA MEDICA DE MINAS and REVISTA MINAS MEDICA, both analyzed
in this research. These physicians' speech constitutes a pivotal tenet to understand how things
shifted as a result of the "1930 Revolution" and how these changes reflected over Brazilian
health system, by giving special attention to continuities and disruptions. Besides that, it is
important to know how the sanitary doctors obtained positions on the new state bureaucracy
as a way to enhance the State responsibility towards the population's health, at the same time
they were concluding the professionalization process of its own category.
10
INTRODUÇÃO:
OS MÉDICOS SANITARISTAS DO ESTADO “FUNDADOR DA
NACIONALIDADE
*
O progresso e a civilização das grandes nações, caminham pari-passu com a
exibição de veleidades imperialistas, em qualquer das suas formas. Os povos
fracos, como nós, não têm direito a imperialismos, são suas vítimas indefesas.(...).
Para nos libertarmos da opressão dêstes imperialismos estrangeiros que nos
confiseam as oportunidades de progresso e com alas a ante-determinação dos
nossos destinos, cumpre sejamos patriotas na nossa profissão, colaborando com
denodo científico na obra construtiva de um novo Brasil.
Dr. José Baeta Viana, 1939.
Nesta dissertação discutimos aspectos importantes acerca da transformação da
saúde em responsabilidade do poder público, destacando a participação de alguns médicos
neste processo. De modo específico estudamos o caso de Minas Gerais ao longo dos anos
1930 e início dos anos 1940. Sendo assim, é nossa preocupação apresentar ao leitor nossos
principais atores, quais sejam os médicos sanitaristas que atuavam em instituições de saúde
pública e na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UMG), pois
acreditamos que isto facilitará a compreensão da perspectiva teórica que escolhemos seguir.
Cabe destacarmos, que nosso estudo não pretende dar conta de analisar toda a “categoria
médica” atuante em Minas Gerais, nosso foco é um grupo específico de médicos, quais sejam,
os sanitaristas
1
. Como em todas as categorias profissionais, a medicina não pressupõe
*
Esse título faz referência a um trecho de um discurso do médico mineiro José Baeta Viana, quando o mesmo
chamava atenção de seus pares para o fato de que o Estado Fundador da Nacionalidade Brasileira”- Minas
Gerais - estava em franca decadência no que se referia à Saúde Pública, posto que, as endemias e epidemias
tomavam conta do povo mineiro, sobretudo, daqueles que viviam no meio rural. Sendo assim, era tarefa dos
médicos recuperar o prestígio do estado, que se degradava em meio às doenças. Cf.: Discurso pronunciado
pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em 1931, no ato da colação
de grau. p.10. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, MG.
1
Ao adotarmos o termo “sanitarista” para caracterizar ou nos referir a alguns médicos mineiros, não era nossa
pretensão fechá-los dentro de um conceito rígido de sanitarismo. O que intencionamos foi mostrar como
estes atores estiveram envolvidos no processo de constituição da saúde como bem público. Sendo assim,
reconhecemos como prática sanitária “a forma pela qual a sociedade estrutura e organiza as respostas aos
problemas de saúde”, e particularmente no período que analisamos, os médicos “sanitaristas” eram os
principais atores envolvidos neste processo de organização e geração derespostas” para a questão da saúde
coletiva. Cf.: SANTOS, Jair Lício Ferreira & WESTPHAL, Marcia Faria. Práticas emergentes de um novo
paradigma de saúde: o papel da universidade. Estud. av. [online]. 1999, vol. 13, no. 35. Endereço eletrônico:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141999000100007&script=sci_arttext&tlng = , Acesso
11
nenhuma homogeneidade de idéias, práticas e interesses entre seus membros, muito pelo
contrário, existiram e ainda existem muitas contradições internas. André Pereira Neto, em
estudo sobre o processo de formação profissional dos médicos brasileiros no início do século
XX, destacou a existência de pelo menos, três tipos de prática médica: generalista,
especialista e higienista ou sanitarista.
Segundo o autor, para o médico de perfil generalista, “a ação do médico seria
como um sacerdócio, a medicina se transformaria em uma arte. Mais importante que curar,
que aliviar a dor, seria 'consolar'”
2
. Os generalistas possuíam uma concepção de medicina
ligada à padrões tradicionais, na qual as características individuais do profissional eram mais
importantes do que os elementos propiciados pelo trabalho em equipe e “submetido a
procedimentos racionais ou burocráticos”
3
. A perspectiva deste grupo era preservar a figura
do médico “amigo da família”, que prestava consolo ao doente em seu leito e à família que
sofria junto com ele. A medicina que defendiam era carregada de subjetividade, por isto
rejeitavam o racionalismo que estava sendo introduzido na profissão, sobretudo, através das
novas técnicas e tecnologias no ato clínico.
para os médicos do perfil especialista, a concepção de medicina ganhava
outras conotações, as idéias presentes nesta identidade pressupunham “divisão do trabalho
em especialidades, precisão no diagnóstico e no tratamento e a autodenominação de
científica”
4
. Os defensores deste perfil pregavam a soberania da técnica e da racionalidade
científica na prática médica e entendiam-na como uma atividade que deveria ser desenvolvida
em equipe. Sendo assim, cada profissional, de acordo com sua especialidade, cumpriria sua
parcela da responsabilidade no processo de cura, ao contrário do perfil generalista, no qual um
único profissional se ocupava de todas as etapas.
O terceiro e último tipo de prática médica elencado por André Pereira Neto foi
a que se referia ao perfil sanitarista ou higienista, que “pode ser analisado como uma das
especialidades possíveis no processo de especialização do conhecimento médico”
5
. Porém,
existiam elementos que eram peculiares a este perfil, como por exemplo, a maneira como
estes sanitaristas apresentavam sua identidade profissional, a qual, de acordo com o autor, se
fazia de três maneiras distintas, “a primeira impregnada de um cunho normatizador de
realizado em 10/12/2007.
2
NETO, André de Faria Pereira. Ser Médico no Brasil: o presente no passado. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
p. 43-44.
3
Ibid. p. 45.
4
Ibid. p. 48.
5
Ibid. p. 49.
12
hábitos e costumes. A segunda assumia um caráter preventivista. A terceira, finalmente, era
orientada por uma lógica eugenista”
6
. Outra particularidade dos médicos deste perfil, estava
no fato de que a grande maioria, senão todos, atuavam profissionalmente em alguma instância
de poder público vinculada à gestão de de serviços de profilaxia, educação ou ação higiênica.
Tais características foram encontradas nos médicos sanitaristas mineiros
7
, e nosso objetivo foi
compreender as complexas relações destes médicos com poder público em Minas Gerais.
Importante se torna atentarmos para o conceito de “elite”, pois, ao longo de
nosso trabalho, nós o empregamos em diversos momentos para caracterizar - ou mesmo para
nos referir - aos sanitaristas mineiros. Adotamos como referencial para esta discussão as
reflexões elaboradas por Flávio M. Heinz, de acordo com este autor,
A noção de elite, pouco clara e seguidamente criticada por sua
imprecisão, diz respeito acima de tudo à percepção social que
os diferentes atores têm acerca das condições desiguais dadas
aos indivíduos no desempenho de seus papéis sociais e
políticos
8
.
Por conseguinte, para que o historiador trabalhe de modo adequado com esse
tema é necessário que admita a influência da sociologia em sua disciplina. São alguns
cientistas sociais que definiram com maior clareza o sentido desse termo, na medida em que
buscaram como base teórica entre inúmeras outras, a perspectiva weberiana para o
entendimento do sistema de estratificação de uma sociedade. Max Weber formulou os
conceitos de riqueza, prestígio e poder que muitos sociólogos empregam como critérios para
definir a localização dos indivíduos no sistema de estratificação social. De acordo com Max
Weber, a ordem econômica determina a distribuição da riqueza, ou seja, “a forma pela qual
bens e serviços econômicos são distribuídos e utilizados”
9
, ao passo que, a ordem social se
6
Ibid. p. 50.
7
Elencaremos alguns dos médicos com perfil sanitarista que atuavam no serviço público em Minas Gerais,
entre os anos de 1930 e início de 1940, os quais se constituem como objetos desta pesquisa. Devemos
esclarecer, entretanto, que nos concentramos nos médicos que colaboravam com o periódico REVISTA
MEDICA DE MINAS, a saber: Ernani Agrícola (Diretor de Saúde Pública -1933), Mario Mendes Campos
(médico da Inspetoria de Demografia e Educação Sanitária), Lincoln Continentino (Inspetor de Engenharia
Sanitária da Diretoria de Saúde Pública), Paulo Cerqueira R. Pereira (Diretor do Instituto de Pesquisa Gaspar
Viana e Bacteriologista da Colônia Santa Izabel), J. Castilho Júnior (Inspetor de Higiene Escolar), Orestes
Diniz (Diretor da Colônia Santa Izabel), Mario Alvares da Silva Campos (Diretor de Saúde Pública 1934),
Olyntho Orsini (Professor do Curso de Leprologia da UMG), Nagib Saliba (médico do Centro de Estudos de
Profilaxia da Lepra do Estado de Minas Gerais e da Colônia Santa Izabel), David Rabelo (catedrático de
Higiene da UMG). Lembrando que outros nomes não mencionados aqui, aparecerem neste trabalho.
8
HEINZ, Flávio M. Para uma outra História das Elites. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 7.
9
WEBER, Max. Classe, “status', partido. In: VELHO, Otávio Guilherme C. A.; PALMEIRA, Moacir G. S.;
BERTELLI, Antônio R. (orgs.). Estruturas de Classe e Estratificação Social. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
13
refere “a maneira pela qual a honra se distribui numa comunidade entre grupos
participantes dessa distribuição”
10
. Podemos entender honra como um mecanismo de
distinção social. Desse modo, o que faz com que um indivíduo, ou um grupo, se posicione em
um lugar superior dentro da escala de estratificação e, por isso, seja identificado como elite,
pode ser tanto sua maior participação na distribuição desigual da riqueza, quanto na
distribuição, também desigual, do prestígio e, por sua vez, ambos conduzem a alguma forma
de poder. Lembrando que Max Weber define poder como toda probabilidade de impor a
própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento
desta probabilidade
11
.
Através dessas reflexões pode-se melhor compreender o sentido no qual
empregamos o termo “elite” para caracterizar alguns membros da categoria profissional
médica em Minas Gerais. Os médicos, para além de se constituírem como elite econômica, ou
seja, participarem efetivamente da distribuição de riquezas, participavam muito mais da
distribuição da honra. Desse modo, obtinha um determinado prestígio, que se configurava na
obtenção de saberes científicos capazes de tornar distinto qualquer indivíduo. Veremos que o
processo de reconhecimento da medicina como necessária e dos médicos como indivíduos
que gozam de certo prestígio social foi gradativo, entretanto, foi coroado de êxito à medida
em que tais indivíduos passaram a se destacar como elite intelectual, portadora de um saber
que os diferenciava dos demais atores sociais.
Sendo assim, partilhamos com Flávio Heinz da perspectiva de adotar uma
concepção mais pragmática do conceito de “elite”, apesar de não descartarmos
obrigatoriamente as análises em termos de classe, mas a idéia é manter o valor heurístico
dessa forma de apreender os meios superiores”
12
, que nesse caso específico, são
representados pelos médicos sanitaristas mineiros.
Deste modo, é mister que analisemos, em primeiro lugar, como se formou esta
“elite intelectual médico-sanitária” no estado. É importante entendermos que sua formação
esteve estritamente relacionada à mudança da capital mineira e à criação de Belo Horizonte,
uma vez que, estes eventos causaram grande desconforto entre os grupos políticos regionais
em confronto na fase inicial do período republicano. A cauda do desconforto residia nas
1974. p. 62.
10
Ibid. p. 62.
11
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução: Regis Barbosa e
Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1991. v. 1, p. 33.
12
HEINZ, Flávio M. op. Cit. p. 22.
14
disputas pelo poder político do estado. A idéia de mudar a capital de lugar era, para alguns
representantes políticos, o mesmo que transplantar o “coração” de Minas Gerais. Os ânimos
somente se acalmaram quando foram convencidos de que modernizar o estado era questão de
interesse geral, e a nova capital iria se constituir como um novo centro econômico, capaz de
unificar disputas locais e responder como pólo industrial da região. De acordo com Helena
Bomeny,
Belo Horizonte nasce com dupla função: constituir-se no centro
político unificador de um Estado marcado no século XIX, pelo
separatismo e, simultaneamente, ser o centro irradiador, como
Capital, do caldo cultural, destinado a ser síntese de toda uma
região
13
.
Mas, para representar todo este progresso para a região, a cidade que abrigaria
a capital deveria ser idealizada e planejada por indivíduos capacitados, para isto foram
contratados engenheiros e sanitaristas. Os primeiros para dar a forma estrutural e concreta à
cidade, os últimos para avaliar o padrão de salubridade e higidez sob o qual estava sendo
assentada a nova capital. Portanto, pode-se dizer que Belo Horizonte foi construída no início
do século XX sob a égide do processo modernizador, marcado pela primeira fase do
movimento sanitarista, a cidade se enaltecia pela particularidade de ser a primeira capital
brasileira obra que louvou a engenharia e a higiene, cujo projeto havia sido traçado sobre a
proteção da autoridade da ciência
14
. Com padrões urbanísticos modernos - avenidas largas e
grandes praças - a capital mineira parecia irradiar progresso. A aura de modernidade que
envolvia Belo Horizonte não se limitava à construção de seu espaço urbano, mas era também
acompanhada pelo seu desenvolvimento cultural. em 1892 criou-se uma escola de Direito,
e em 1911 foram criadas também as Faculdades de Medicina e Engenharia.
Esta perspectiva de modernizar Minas Gerais tomava grande proporção entre
as elites - político-econômicas - mineiras nesse momento. Como acentuou Otávio Soares
Dulci, a consciência do atraso se manifestava desde a fase final do Império, quando o
discurso do “progresso”, não raro associado à perspectiva de adoção da República, se
incorporou ao senso comum das elites da província”
15
. A idéia de que o Estado “fundador da
nacionalidade” se encontrava à margem do processo de modernização do país causava
13
BOMENY, Helena. Os Guardiães da Razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Tempo
Brasileiro, 1994. p. 41
14
Ibid. p. 45.
15
DULCI, Otávio Soares. Elites Políticas de Desenvolvimento em Minas Gerais. In: Ciências Sociais Hoje.
ANPOCS: Rio Fundo Editora, 1992.p. 139-159. p. 144
15
profunda inquietação. Entretanto, para modernizar o estado, tornando-o economicamente
forte, fazia-se necessário equacionar os problemas considerados responsáveis pelo seu atraso.
Belisário Pena comparou Minas Gerais a uma “fazenda mal administrada”,
Comparando grosseiramente, essa é a situação do E de Minas,
fazenda de optimas terras, de sólo riquissimo, mas
pessimamente administrada, com pessoal de trabalho doente e
mal tratado, porque os administradores e sub-administradores
da fazenda não se preoccupam com a sua saude, deixam-n'os e
d'elles exigem prompto pagamento de pezadas contribuições
pelas terras, pelos casebres e pelos productos, para que possam
transpor as divisas da fazenda, serem dados a consumo
16
.
O sanitarista, conhecido por ter percorrido o interior do Brasil, apontando os
problemas sanitários do mesmo, resolveu escrever sobre “seu estado de nascimento” e criticou
seus governantes por deixá-lo descuidado e imerso no atraso. Para ele, Minas era um dos
estados mais ricos do país, sobretudo por suas terras produtivas, todavia era muito mal
administrado, os governantes mineiros não se atentavam para o fato de que precisavam
conservar o homem do campo, mantê-lo forte e produtivo, ao contrário deixavam-no
ignorante, definhando-se nas doenças. Este era, de fato, mais um dos apelos que clamavam
pela modernização do estado.
Como ressaltou Otávio Dulci, sob a óptica político-econômica houve dois
momentos nos quais estiveram em evidência projetos distintos de modernização. No primeiro,
compreendido entre os anos de 1903 a 1930, predominou o projeto de uma economia
diferenciada, com uma agropecuária forte capaz de estabelecer as bases de uma indústria
dinâmica. No segundo momento, o pós-1930, ganhou saliência a especialização produtiva.
Tais projetos, afirmou Otávio Dulci, apesar de distintos não excluem um ao outro por
completo”
17
.
Este primeiro projeto de modernização do Estado, interessa-nos particularmente
em virtude de seu contexto se relacionar diretamente com os rumos que levaram a categoria
médica a se configurar como uma nova elite para o Estado. Pois, foi no bojo de tal projeto que
ganhou vigor a idéia de modernização do estado, a mudança da capital de Ouro Preto para
Belo Horizonte, havia acenado para a necessidade de erigir um novo centro político cuja
finalidade era simbolizar e incentivar o desenvolvimento regional. Uma capital totalmente
16
PENA, Belisário. Minas e Rio Grande do Sul. Estado da doença, Estado da saúde. Rio de Janeiro: Tipografia
Revista dos Tribunais, 1918. p. 58.
17
Ibid. p. 145.
16
nova e projetada tecnicamente, capaz de contribuir no processo de recuperação econômica,
como destacamos, através de uma maior integração das diversas regiões do estado. Sendo
assim, o referido projeto ganhou expressão a partir do Congresso Agrícola, Industrial e
Comercial realizado em 1903, e em linhas gerais, seu maior objetivo era modernizar a
atividade rural. Desse modo, o modelo de restauração econômica desse projeto enfatizava a
questão da educação, principalmente o ensino técnico para a população do campo como
forma de aprimorar a produção agrícola. Esse “pressuposto iluminista de superar o atraso
pelo saber”
18
acabou por colocar em cena novos atores, os técnicos remanescentes dos
quadros da Escola de Minas de Ouro Preto. Essa intelligentsia modernizante ganhou espaço
no cenário político e contribuiu para que outros atores se incorporassem ao processo, na
medida em que acreditavam no poder da técnica e da ciência na superação dos problemas
enfrentados por Minas Gerais.
Neste momento, foi consolidada a presença política nos quadros modernizantes
deste novo segmento da elite mineira, os engenheiros. E a mentalidade predominante tornou-
se a de implementação de um governo “técnico” cujo foco, no que se referia a questão do
campo, estava centrado na modernização da agricultura, a qual envolvia a dimensão
tecnológica aliada ao desenvolvimento do meio rural e a assistência aos seus habitantes. A
intenção era modernizar o Estado através da “expansão articulada da agricultura e da
indústria visando o equilíbrio entre o campo e a cidade
19
, para que o primeiro pudesse
expandir sua produtividade através da racionalização das técnicas de cultivo, gerando grandes
benefícios para a economia do país, ainda eminentemente agrária. Essa lógica tecnicista de
modernização, adotada pelas elites político-econômicas, foi inspirada em modelos
internacionais e, em última análise, tinha como princípio fundamental o desenvolvimento
econômico, sendo assim, os outros fatores envolvidos no processo estavam subordinados a
esse princípio maior.
Podemos considerar como um destes fatores a implantação de uma instituição
de ensino médico no Estado. Fernando Correia Dias, em estudo acerca do processo de criação
da Universidade Federal de Minas Gerais, afirmou que a idéia de implantação do ensino
médico em Minas Gerais remetia à terceira década do século XIX. Todavia, no Império este
projeto não foi concretizado. No início do período republicano houve duas tentativas de
criação de uma instituição médica, a primeira foi iniciativa do deputado Severino de Rezende,
18
Ibid. p. 147
19
Ibid. p. 152.
17
de São João Del Rey, o qual propôs a instalação de uma Faculdade de Medicina em sua
cidade. Este projeto, apresentado no dia 10 de julho de 1891, não obteve aprovação. O
segundo projeto foi elaborado pelo Senador Virgílio Martins de Melo Franco, em 1893. De
acordo com Fernando Correia Dias, “esta proposição era bem mais complexa que a anterior,
prevendo a instituição dos seguintes cursos: Ciências Médicas e Cirúrgicas, Farmácia,
Bacharelado em Ciências Naturais e Farmacêuticas, Obstetrícia e Odontologia
20
.
Entretanto, apesar de ter sido aprovado em primeira discussão, esse projeto também não se
concretizou.
Quando Afonso Pena e Silviano Brandão foram, respectivamente, Secretário
do Interior e Presidente de Minas, voltaram a tratar da questão do ensino médico no Estado.
Pois,
além da busca do progresso regional, havia outra motivação no
pensamento dos dirigentes estaduais e das famílias mineiras.
Era o afã de fazer com que os jovens estudantes escapassem das
más condições sanitárias e climáticas do Rio de Janeiro, para
onde muitos deles se dirigiam em demanda desse curso.(...)
Muitos alunos mineiros vieram a morrer nas epidemias
21
.
Foi justamente um dos jovens que mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar
medicina - Aurélio Pires
22
- mas não conseguiu completar o curso lá, que voltou à Minas
Gerais depois de longa trajetória e implementou uma “luta propagandista” a favor da
implantação de uma instituição de ensino médico no estado, principalmente por meio da
imprensa. Em seus discursos, Aurélio Pires sempre ressaltava as boas condições climáticas e
sanitárias do estado mineiro, em detrimento das más condições do Rio de Janeiro, e portanto,
quão oportuno seria a implantação de uma Faculdade de Medicina na região. De maneira
geral, a argumentação de Aurélio Pires bem como de outros propagandistas do ensino médico
em Minas Gerais era de que sua implantação fecharia o círculo da chamada emancipação
intelectual de Minas”
23
.
Mas somente por volta de 1910 que a situação começou a se modificar, pois
estava em funcionamento em Belo Horizonte a Santa Casa de Misericórdia, hospital moderno
que atenderia às necessidades do ensino médico prático. Além disso, havia se transferido para
20
DIAS, Fernando Correia. Universidade Federal de Minas Gerais: Projeto Intelectual e Político. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 1997. p. 56-57.
21
Ibid. p. 57.
22
É reconhecido como um dos responsáveis pela criação da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte.
23
DIAS, Fernando Correia. op. Cit. p. 59.
18
a capital mineira médicos de grande competência científica, como relatou Simon
Schwartzman: Belo Horizonte atraía os cariocas por uma razão aparentemente pouco
plausível: o tratamento da tuberculose
24
. Marques Lisboa, Borges da Costa, Hugo Werneck,
Ezequiel Dias e Zoroastro Alvarenga foram alguns dos médicos que, contagiados pela doença,
vieram se tratar no clima saudável das montanhas de Minas Gerais. Muitos desses médicos
foram treinados no famoso Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos, considerado
no período, o centro brasileiro de medicina sanitária, cuja influência intelectual era
predominantemente européia. A propósito, em 1906 foi implantada uma filial de Manguinhos
em Belo Horizonte, dirigida pelo médico Ezequiel Dias, fator que, em última instância,
acabou dando mais respaldo à discursiva que visava o desenvolvimento científico do meio
médico em Minas Gerais.
Fernando Correia Dias segue com a análise do processo de implantação da
Faculdade de Medicina, explicando que, após ter sido criada uma Associação Médico-
Cirúrgica em Belo Horizonte, a abertura de uma instituição de ensino médico na cidade
tornou-se inevitável. Em 1910 formou-se uma comissão constituída pelos médicos Cornélio
Vaz de Melo, Hugo Werneck e Zoroastro Alvarenga, que deram parecer positivo à proposta
de criação da Faculdade de Medicina. Com o aporte político e jurídico do Senador Virgílio de
Melo Franco, a instituição foi criada oficialmente em 1911. Em 25 de junho deste mesmo ano
os primeiros professores da Faculdade foram empossados em suas respectivas cadeiras
25
.
Segundo o autor, enquanto em Minas Gerais a notícia da fundação da nova instituição de
ensino médico trazia grande entusiasmo, de outros estados, principalmente do Rio de Janeiro,
surgiram muitas críticas, publicadas em órgãos de imprensa como o Jornal do Comércio.
Alberto Torres foi uma das vozes que denunciou à imprensa “a fábrica e o excesso de
doutores no Brasil”
26
.
Embora tenha sido criticada, era fato concreto a fundação da Faculdade de
Medicina, e com o auxílio do governo do estado as obras de construção do prédio que a
24
SCHWARTZMAN, Simon. Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1979. p.116.
25
São doze professores designados inicialmente: Alfredo Balena (1ª Cadeira de Clínica Médica); Cornélio Vaz
de Melo (Anatomia Médico-Cirúrgica, Operações e Aparelhos); Cícero Ribeiro Ferreira (Medicina Legal);
Eduardo Borges da Costa (Clínica Cirúrgica); Hugo Furquim Werneck (Clínica Ginecológica e obstetrícia);
Zoroastro Rodrigues Alvarenga (Higiene); Otávio Machado (Clínica Pediátrica Médica e Cirúrgica,
Ortopedia Infantil); Samuel Libâneo (2ª Cadeira de Clínica Médica); Antônio Aleixo (Clínica Dermatológica
e Sifilográfica); Ezequiel Caetano Dias (Microbiologia); Honorato Deodato dos Reis Meireles
(Farmacologia). Sendo que, em seguida se integraram a esse quadro: Aurélio Pires, Henrique Marques
Lisboa e Francisco Magalhães Gomes. Cf.: DIAS, Fernando Correia. op. Cit. p. 61.
26
Cf.: DIAS, Fernando Correia. op. Cit. p. 61.
19
abrigaria foram concluídas em 1912. Em 1918 o curso de Medicina foi reconhecido e
comparado às escolas oficiais, e nesse mesmo ano colou grau a primeira turma dedicos da
Faculdade. Em 1927 foi formada a Universidade de Minas Gerais (UMG). Nesta época
compunha o corpo docente da instituição: trinta catedráticos no Curso Médico, seis no Curso
Farmacêutico, dois professores substitutos e nove livres-docentes. Notemos que houve um
crescimento considerável no número de docentes do curso de medicina em menos de duas
décadas de sua existência.
Do ponto de vista estritamente acadêmico, a orientação do curriculum da
recém-inaugurada faculdade era predominantemente européia
27
, haja vista, o fato de que a
maioria de seus médicos eram provenientes dos quadros de ensino e pesquisa médico-
científica do Rio de Janeiro, principalmente de Manguinhos, dentre os quais podemos
ressaltar: Marques Lisboa, Borges da Costa, Roberto de Almeida Cunha, Hugo Werneck e
Ezequiel Dias.
Com o passar dos anos, ao perfil curricular da Faculdade de Medicina da UMG
foram sendo incorporadas outras perspectivas médico-científicas, como por exemplo, a norte-
americana. Tal influência se deu, sobretudo, em virtude da atuação da Fundação Rockefeller
28
,
instituição que realizava campanhas de saneamento em alguns estados brasileiros, - e
especificamente em Minas Gerais nas primeiras cadas do século XX - além disso, ofertava
bolsas de estudo à professores e também aos alunos de destaque da Faculdade de Medicina.
Por exemplo, o médico José Baeta Viana, um dos principais interlocutores de seu grupo
profissional dentro da Faculdade quando o assunto em questão era saúde pública, em 1924 foi
contemplado com uma bolsa da Fundação para realizar um estágio nos Estados Unidos nas
27
Como ressaltamos anteriormente, grande parte dos médicos eram provenientes do Instituto de Patologia
Experimental de Manguinhos. Simon Schwartzman, destaca que a instituição era dirigida por Oswaldo Cruz
desde 1902, originalmente tinha como função produzir soro e vacinas, mas se expandiu rapidamente e
transformou-se em um centro de pesquisa bacteriológica e de treinamento de pessoal, “assim como em um
centro da nova geração de médicos sintonizados com a revolução introduzida na Medicina pelo cientista
francês Louis Pasteur: Miguel Couto, Carlos Chagas, Eduardo Rabelo, Marques Lisboa, Cardoso Fontes,
Ezequiel Dias e Artur Neiva. Sob a orientação de Oswaldo Cruz, esses cientistas alcançaram excelentes
resultados nos campos de hematologia, malária, profilaxia, zoologia dica, contaminação por insetos e
verminoses”. Cf.: SCHWARTZMAN, Simon. op. cit. p. 112.
28
A Fundação Rockefeller promoveu nas primeiras décadas do século XX uma campanha sanitária em escala
mundial, no Brasil teve participação efetiva nas campanhas de combate à ancilostomose, e depois à febre
amarela entre os anos de 1915 e 1930. Segundo Gilberto Hochman, “a atuação da Fundação no Sul dos
Estados Unidos revela uma preocupação com a representação popular muito próxima da que encontramos
no Brasil, frequentemente associando à precariedade física e à improdutividade dessas populações a
verminose causada pelo germe da preguiça”. Além disso, sempre chamava a atenção para as problemáticas
que a existência de uma vasta população indolente e improdutiva causava na constituição de uma identidade
nacional americana. Cf.: HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. p.
75.
20
Universidades de Harward e Yale. Este estágio lhe rendeu preciosas experiências. Em
Harward trabalhou com Otto Folin, conhecido bioquímico que inventou o método clássico de
dosar glicose. Na Universidade de Yale teve a chance de trabalhar com L. B. Mendel, nesse
período, especialista em química dos processos fisiológicos.
Desse estágio resultou a criação da Bioquímica em Minas
Gerais e no Brasil. Baeta Viana abriu os horizontes da nossa
Faculdade de Medicina para a literatura internacional, refletindo
no processo de formação do médico não somente em Minas
Gerais mas também em todo o Brasil através de seus
discípulos
29
.
Sendo assim, além dos conhecimentos relativos à bioquímica, Baeta Viana
trouxera dos Estados Unidos uma grande expectativa quanto à aplicação de seus
conhecimentos na resolução dos problemas do país. A sociedade norte-americana o
impressionou muito. A maneira racional com que os estadunidenses utilizavam a ciência e a
técnica na superação de seus problemas suscitou no médico a esperança de que, seguindo
aquele exemplo, a nação brasileira poderia trilhar os caminhos do progresso e da civilização,
alcançados pelos vizinhos do norte. A Fundação Rokefeller foi sua fonte de inspiração no
projeto de “regenerar” a nação. Nestas primeiras décadas do século XX, a Fundação atuava
no sul dos Estados Unidos, promovendo campanhas sanitárias entres as populações vitimadas
por endemias. De acordo com Gilberto Hochman, a Fundação Rokefeller agia no sentido de
superar “a polêmica e o desconforto causados pelo encontro da América urbana com seus
estranhos compatriotas, quase estrangeiros, do sul rural”
30
. Encantado por estas ações
médico-sanitárias, Baeta Viana voltou para Minas Gerais trazendo com ele idéias inovadoras
acerca da modernização que a ciência e a técnica poderiam promover no Brasil. Em 1931
divulgou o resultado de um estudo pioneiro sobre o bócio endêmico, e daí por diante, o
médico se dedicou inteiramente a promover na faculdade e nos círculos médicos a
conscientização sobre o “sentido cívico que a medicina deveria possuir no Brasil”
31
.
Junto a este médico, estiveram vários outros dispostos a contribuir na
transformação do país, e de modo particular do estado mineiro, todos em dia com a
perspectiva sanitarista. Mesmo que não fossem sanitaristas por formação, eles o eram,
29
Annaes da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 35(2/3): 246-
250, maio/dez. 1986. p. 246.
30
HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. p. 75.
31
Tema do discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da
UMG em 1939, no ato da colação de grau.
21
digamos, por “afinidade” com o perfil, e tinham em comum a preocupação em sanear o país,
livrando-o das grandes endemias que o condenava ao atraso. Tais médicos, atuavam nos
diversos órgãos e instituições de saúde existentes em Minas Gerais, todos ligados ao serviço
público. Dentre estes estavam: Inspetoria de Demografia e Educação Sanitária, Diretoria de
Saúde Pública, Inspetoria de Higiene Escolar, Serviço de Profilaxia da Lepra, Centro de
Estudos e Profilaxia da Lepra, Leprosários, entre outros. O foco do nosso trabalho são os
sanitaristas que publicavam matérias na REVISTA MEDICA DE MINAS, as quais referiam-se
às discussões acerca dos rumos que deveria tomar o processo de “saneamento” do estado, e de
maneira mais ampla, do país, bem como, apesentavam os projetos e ações no campo da saúde
pública.
A partir deste foco central, buscamos compreender o processo de
profissionalização da categoria médica e, neste sentido, perceber a particularidade dos
médicos sanitaristas, os quais tentavam realizar este processo através de uma “parceria” com
o poder público. Isto ocorria muito em virtude da posição que passaram a ocupar dentro do
Estado burocratizado do pós-1930. Como dirigentes dos órgãos de saúde pública
funcionários públicos os sanitaristas eram parte da burocracia estatal, e por isto precisavam
ser mais cautelosos na relação com o governo, do qual eram “representantes”. Mas, ao mesmo
tempo, estavam presentes interesses ideológicos, profissionais e pessoais, havendo, pois, a
necessidade de elaborar estratégias a fim de garantir a autonomia profissional para atuar de
forma mais eficaz na “medicalização” da sociedade.
Esta particularidade será percebida através da análise da diferença entre as
discursivas presentes em dois periódicos médicos de Minas Gerais, quais sejam, a REVISTA
MEDICA DE MINAS e a REVISTA MINAS MEDICA. A diferença básica entre os dois reside
no fato de que, o primeiro era uma publicação mais voltada para as questões referentes à
saúde pública, enquanto o segundo, era um órgão da Associação Médico Cirúrgica de Minas
Gerais. Portanto, a REVISTA MINAS MEDICA possuía um perfil mais técnico e seus
colaboradores eram médicos de perfil especialista, ou seja, de outras áreas que não o
sanitarismo.
O primeiro número da REVISTA MEDICA DE MINAS, foi lançado em 15 de
outubro de 1933. Na nota introdutória à edição foram expostos os objetivos de tal iniciativa:
A “Revista Medica de Minas” vem preencher um claro nas
relações médicas da capital do Estado de Minas Gerais.
22
A falta de publicação, em um centro de aplicação e de
intensificação cada vez mais crescentes das atividades que
concernem à evolução da medicina, onde militam profissionais
de tôdas as órbitas deste ramo do conhecimento humano...
Entre nós militam profissionais da medicina que honrarão a
qualquer meio culto nacional ou estrangeiro.
32
Além do objetivo de divulgar o conhecimento de profissionais especializados,
os editores explicaram que a revista permitiria aos médicos mineiros uma espécie de
“emancipação” intelectual, pois os estudos feitos em Minas Gerais, por nenhum modo
inferiores aos de qualquer centro médico”
33
, eram enviados para as revistas do Rio de
Janeiro, o que “deprimia a tendência crêadora”
34
do meio médico mineiro, em virtude de não
haver um veículo de debate e discussão imediatos. O conselho científico da revista era
formado por trinta e três médicos. A estrutura desse periódico é bastante significativa, no
sentido de nos indicar as questões que eram caras aos profissionais da medicina naquele
momento. Sendo assim, o era uma publicação que divulgava exclusivamente trabalhos
médico-científicos, ao contrário, tratava-se de um periódico que abordava uma gama variada
de assuntos, os quais, em sua grande maioria, diziam respeito à questões referentes à saúde
pública. Contendo cerca de 90 páginas, era recorrente no periódico a ênfase na importância do
médico para superação dos problemas brasileiros
35
.
O segundo periódico que surgiu como iniciativa da comunidade médico-
científica de Minas Gerais, foi a REVISTA MINAS MEDICA. Seu primeiro número fora
lançado em abril de 1934, à princípio, com edição mensal, mas a partir de seu segundo ano
passou a ser bimensal. Este periódico também possuía um conteúdo variado, porém não
tratava de saúde pública, mas de assuntos que diziam respeito, especificamente à prática
médica como: resultado de pesquisas, novas terapêuticas de doenças, técnica cirúrgicas, etc.
No entanto, diferente da REVISTA MEDICA DE MINAS, neste periódico havia uma maior
ênfase nas questões que se referiam aos profissionais médicos como “categoria profissional”.
Discutiam-se decisões sindicais, posicionamentos do governo em relação à medicina enquanto
profissão na maioria das vezes em tom crítico pelo “descaso” do governo para com os
32
REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno I, Belo Horizonte, Outubro de 1933. p. 1-2. Biblioteca Histórica da
Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG.
33
Ibid. p.1.
34
Ibid. p.2.
35
Duas seções são particularmente interessantes para nosso trabalho: Médico-pedagógicas e Arquivos de Saúde
Pública, elas aparecem em praticamente todos os exemplares publicados a 1940. Essas matérias, todas
elaboradas por médicos sanitaristas, tratavam dos mais variados assuntos relacionados à saúde pública, tais
como educação higiênica nas escolas, a divulgação das condições sanitárias do estado, medidas profiláticas,
endemias, dentre outras.
23
médicos -, a necessidade de maior coesão entre essa categoria de profissionais e outras
questões que diziam respeito à profissão médica. O próprio roteiro de apresentação do
periódico enfatizava claramente quais seriam seus pontos de discussão:
Surgindo hoje à luz da publicidade, “Minas Medica”(...)
Revista feita pela classe e para a classe, procurando
essencialmente tornar-se um órgão de ão científica e de
utilidade prática, no versar as questões do dia em artigos
originais firmados pelos nomes mais respeitáveis do nosso meio
científico, no registro selecionado das observações clínicas
hospitalares, na condensação minuciosa dos trabalhos da
imprensa médica, no noticiário farto do movimento médico,
farmacêutico e odontológico, completaremos o nosso programa
com uma secção de interesses profissionais, destinada ao
movimento sindicalista médico e às questões referentes a nossa
atividade em face da situação econômica e social.
36
Os editores conclamavam a categoria médica do Estado, bem como a de todo o
país, a participar dos projetos que implementavam, de acordo com eles, visando a cooperação,
posto que notavam uma ausência de união entre os profissionais da medicina. Portanto, a
REVISTA MINAS MEDICA foi criada com a pretensão de ser um órgão de difusão do
conhecimento médico-científico e de notícias, bem como debates, que eram de interesse dos
médicos enquanto categoria profissional, dentre as quais, questões sindicais e de natureza
sócio-econômica. No decorrer desse trabalho será feita uma análise mais acurada dos temas
tratados nesses dois periódicos produzidos no meio médico de Minas Gerais, a partir da
década de 1930.
Esta pesquisa, portanto, propôs observar as questões acima explicitadas,
discutindo-as com o vagar necessário no decorrer de três capítulos, os quais serão sintetizados
rapidamente nas próximas linhas.
No primeiro capítulo fazemos um panorama geral da historiografia que trata de
temas relativos à medicina e saúde pública. Em seguida, delimitamos o momento em que a
saúde foi introduzida como questão de interesse público, neste sentido, apresentamos os
precursores deste processo no Brasil, quais sejam, os sanitaristas da Primeira República. Por
último, procuramos mostrar as rupturas e continuidades no pós-1930 do processo de
constituição da saúde como questão pública.
No segundo capítulo nosso foco é o processo de profissionalização da categoria
36
REVISTA MINAS MEDICA, Ano I, Belo Horizonte, Abril de 1934 1. p. 2. Biblioteca Histórica da
Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG.
24
médica, e de modo especial dos médicos sanitaristas mineiros. Desta forma, apresentamos as
diferenças entre os discursos de profissionalização elaborados por médicos de outras
especialidades, no periódico REVISTA MINAS MEDICA, e o discurso sanitarista presente na
REVISTA MEDICA DE MINAS. Deste modo procuramos delimitar as diferentes estratégias
implementadas pelos médicos visando a organização profissional, e de maneira particular
aquelas desenvolvidas pelos sanitaristas. Os quais eram parte da burocracia estatal, pois
atuavam como funcionários públicos, e por isto tinham que desenvolver algumas estratégias
de inserção política, bem como de obtenção de autonomia para colocar em prática seus
projetos de saúde pública.
No terceiro capítulo são apresentadas algumas das ações de “transformação
social” propostas pelos sanitaristas . Normatizando hábitos e condutas, eles tentavam fazer
com que a população incorporasse ao seu universo cultural uma gama de comportamentos que
concorreriam para a uma vida saudável, e para que a sociedade brasileira alcançasse o
patamar da “civilização”. Sendo assim, se propunham a ensinar educação higiênica nas
escolas primárias, e em diversos meios difusores de informação. Também tinham propostas
ousadas de “melhoramento da raça” como as teorias eugenistas, que apesar de não terem sido
amplamente aplicadas, tiveram grande influência na formação do conceito de “saúde” pública.
E, por último, veremos um pouco das ações de combate à lepra em Minas Gerais, um dos
principais e mais exitosos campos de atuação do sanitarismo no estado.
Esperamos, então, que este trabalho preste uma contribuição a mais na
tentativa de se compreender as questões que propiciaram a estruturação de um sistema público
de saúde no século XX, de modo particular em Minas Gerais, e de maneira mais ampla no
Brasil. E ainda, sobre a participação dos profissionais da medicina neste processo.
25
CAPÍTULO I:
RELAÇÕES HISTÓRICAS: MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA NO
BRASIL
Ao longo da história humana, os maiores problemas de saúde que os homens
enfrentaram sempre estiveram relacionados com a natureza da vida em
comunidade. Por exemplo, o controle das doenças transmissíveis, o controle e a
melhoria do ambiente físico (saneamento), a provisão de água e comida puras, em
volume suficiente, a assistência médica, e o alívio da incapacidade e do desamparo.
A ênfase sobre cada um desses problemas variou no tempo. E de sua inter-relação
se originou a Saúde Pública como a conhecemos hoje.
George Rosen, Uma História da Saúde Pública, 1958.
O objetivo deste capítulo é apresentar ao leitor alguns aspectos gerais do
quadro da saúde pública no Brasil no período anterior a 1930, marco cronológico inicial da
pesquisa. Pretendemos abordar aspectos importantes no que se refere à transformação da
saúde em interesse público, sobretudo no que tange ao papel desempenhado pelos médicos
neste processo.
Desta forma, primeiramente faremos uma breve incursão pela produção
historiográfica que tem a saúde pública e a medicina como temas de pesquisa. Nossa intenção
é mostrar como essas temáticas têm sido tratadas pela historiografia brasileira. Em seguida, a
atenção recairá sobre o processo que denominamos “coletivização do bem estar”, ou seja,
analisaremos como a saúde se torna questão de interesse dos governos. Logo após, nos
voltaremos para o contexto nacional da Primeira República, quando o nacionalismo se tornou
uma tendência mundial, e os médicos sanitaristas emergiram como “patriotas combatentes” de
uma luta travada pelo higienismo contra pestes e endemias, as quais propiciavam o atraso e se
constituíam como entraves à civilização nacional.
Por último, pretendemos evidenciar que, embora os médicos inseridos no
período privilegiado por esta pesquisa se apropriassem do discurso do Estado no pós-1930, e
com isso, procurassem estabelecer a Revolução de 1930 como um “divisor de águas” no que
se referia à implementação de uma estrutura de Saúde Pública no Brasil, o que podemos
identificar, de fato, é uma dinâmica que envolve tanto rupturas quanto continuidades, visto
que, este foi um processo que se iniciou ainda na Primeira República. O discurso
26
“mudancista” desses médicos, em nossa perspectiva, se configurava como uma estratégia de
inserção política desses atores nos novos quadros político-administrativos do país.
Inserção, de nosso ponto de vista, não dizia respeito exclusivamente à
ocupação de cargos políticos, mas sim, a uma maior participação no mundo público de
maneira geral. Devemos ressaltar que os médicos brasileiros no período em que estudamos,
ainda estavam no processo de construção de sua identidade, como homens da ciência, mas de
uma ciência ligada a uma prática que visava o desenvolvimento social. Se impor dessa
maneira era questão premente, por isso, o discurso de construção de uma nova república, e
conseqüentemente da saúde pública como um dos problemas a serem equacionados para esse
fim, fornecia-lhes argumentos para se firmarem nessa identidade, a qual requeria que se
integrassem mais efetivamente na esfera política.
1.1 – Saúde Pública e Medicina como Objetos de estudo da História
A medicina e a saúde se tornaram temas de análise histórica, no contexto em
que a história se abria a “novos problemas, novas abordagens e novos objetos”
37
. Desde a
década de 1950 vertentes historiográficas internacionais começaram a enfocar os campos da
medicina e da saúde pública sob um ponto de vista histórico. Dentre tais vertentes podemos
elencar como principais: a vertente heróica, a perspectiva “anti-heróica” ou foucaultiana e a
abordagem ecológica. A perspectiva heróica teve como principal representante George
Rosen
38
, o qual possuía uma visão progressista do desenvolvimento da ciência médica. Michel
Foucault
39
foi o grande expoente da visão anti-heróica, suas análises se voltavam para o
processo de medicalização da sociedade, enfatizando sempre a funcionalidade do saber
médico para a disciplinalização dos indivíduos. William McNeill e Alfred Crosby
40
foram os
principais nomes da abordagem ecológica. Estes autores trabalhavam com as interações entre
a história e a biologia, permitindo aos historiadores pensar a história das doenças dentro do
37
Para uma discussão sobre a abertura da história a novas temáticas cf.: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre.
(Orgs.). História. Novos problemas, novas abordagens, novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 3 vs.,
1976, edição original de 1974.
38
Cf.:ROSEN, George. Da Polícia Médica à Medicina Social. Rio de Janeiro, Graal, 1980; ROSEN,
George.Uma História da Saúde Pública. São Paulo, Unesp/Abrasco, 1994.
39
Cf.: FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1984; FOUCAULT, Michel.
História da Sexualidade. Rio de Janeiro, Graal, 1977.
40
Cf.: MCNEILL, William. Plagues and Peoples, New York, Anchor Books Edition, 1989; CROSBY, Alfred.
The Columbian Exchange: biological and cultural consequences of 1492. Westport, Connecticut, Greenwood
Press, 1973; CROSBY, Alfred. Imperialismo Ecológico: A Expansão biológica da Europa, 900-1900. São
Paulo, Cia das Letras, 1993.
27
contexto das ciências naturais.
No Brasil, o campo de investigação em História da Saúde Pública, bem como
em História da Medicina vem sofrendo uma expansão nos últimos anos, principalmente
devido ao aumento dos Programas de Pós-graduação. Os estudos pioneiros acerca desses
temas foram produzidos a partir da década de 1970, e tiveram como base teórica a perspectiva
“anti-heróica” de Michel Foucault
41
. Mas, como enfatizou Fábio Henrique Lopes - em
trabalho que visava justamente mapear as diferentes correntes historiográficas que se
formaram no estudo da história da medicina outras duas perspectivas de análise podem ser
elencadas, para o caso específico do Brasil, dentre as quais,
[aquela que] problematiza a influência da medicina na
Constituição do Estado Nacional, sendo dele o discurso e a
estratégia política dominantes; e outra que é construída pelos
historiadores sociais, a qual procura reconstituir as experiências
dos habitantes, dos sujeitos sociais concretos
42
.
Sendo assim, podemos detectar, pelo menos, três orientações na historiografia
que tem como objeto de pesquisa a medicina e a saúde pública no Brasil, quais sejam a
vertente pessimista ou foucaultiana, a perspectiva marxista e a tendência dos anos de 1990,
que abriu este campo a novas variáveis. Os trabalhos de orientação foucaultiana, como
enfatizado, tratavam do processo de medicalização da sociedade. Enquanto os estudos de
influência marxista analisavam a medicina e a constituição do Estado Nacional, os autores
procuravam evidenciar a relação entre a medicina, o sistema capitalista de produção e o poder
estatal que pretendia estabelecer formas de controle social por meio dos serviços de saúde. A
partir da década de 1990 houve uma incorporação de novas variáveis a este campo histórico,
desse modo, os historiadores passaram a pensar outras relações na historicidade da saúde e
medicina, como por exemplo, a visão dos pacientes, os nacionalismos, o colonialismo, as
relações internacionais, a questão de gênero, as doenças, etc. Não obstante, em todas elas,
devemos ressaltar que a relação estabelecida entre medicina e saúde pública posiciona os
atores envolvidos como “sujeitos e objetos”. O médico, no caso, é o sujeito da ação, aquele
41
O trabalho dirigido por Roberto Machado que trata da medicina e a constituição da psiquiatria no Brasil foi
um dos primeiros a utilizar o arcabouço conceitual foucaultiano. Cf.: MACHADO, Roberto et al. Danação
da Norma: a Medicina Social e a Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978; Outro
trabalho que também adotou a perspectiva foucaultiana foi o de Jurandir Freire Costa, nele o autor aponta que
a higiene criou o ideal de família burguesa citadina. Cf.: COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma
familiar. Rio de Janeiro, Graal, 1989.
42
LOPES, Fábio Henrique. Análise Historiográfica da Medicina Brasileira. In: Locus: Revista de História. Juiz
de Fora. Volume 9, Número 2, 2003. p. 100.
28
profissional especializado em combater as doenças, enquanto a saúde é o seu objeto, bem
como seu grande instrumento de ascensão política e social. Uma vez que a validade de sua
profissão era medida com base em sua atuação frente aos problemas na área de saúde.
Os trabalhos que seguem uma orientação teórica foucaultiana vêem a sociedade
como o local privilegiado de exercício do saber médico. A idéia é de que a medicina passa a
exercer controle sobre a saúde da população, desta forma define o que é prejudicial à sua
saúde, e tenta imprimir novos hábitos, mais saudáveis, ao universo cultural, principalmente,
das classes populares. Sob tal perspectiva, o saber médico é interpretado como um
instrumento de poder. Roberto Machado é um dos autores que adotaram esse tipo de análise,
desse modo, enfatizou que a medicina, a partir do século XIX, passou a se colocar como um
instrumento científico a serviço do Estado, definindo as perversões que deveriam ser
identificadas e erradicadas do meio social, para assim gerar e garantir uma vida ordenada,
medicalizada e civilizada”
43
. Este tipo de medicina, que colocava em questão a saúde do povo
e procurava intervir na sociedade foi denominada medicina social.
Os historiadores desta vertente teórica estudam temas como: as teorias de
melhoramento da raça, ou teorias eugênicas - postuladas por alguns médicos brasileiros nas
primeiras décadas do século XX -, as campanhas de vacinação, as campanhas higienistas, etc.,
sempre partindo do pressuposto de que havia uma relação de troca entre médicos e Estado. Ou
seja, o Estado utilizava os médicos e a questão da saúde pública como instrumentos de
“imposição de poder”, e os médicos, por sua vez, usavam o Estado como meio de exercer o
poder que a ciência médica lhes conferia. A idéia era desvendar uma verdadeira engenharia de
controle social, que pretendia constituir sujeitos cidadãos afinados com os símbolos daqueles
novos tempos: a indústria, a cidade, o progresso, a tecnologia e a ciência. Então, para esses
historiadores, travava-se nos emergentes centros urbano-industriais do início do século XX
uma espécie de cruzada civilizatória, tendo como principais atores os médicos. Estes
precisavam se impor na medida em se colocavam diante deles grandes obstáculos,
característicos de uma sociedade etnicamente miscigenada. A medicina é vista como uma
estratégia para viabilizar e justificar o controle social sobre os excluídos, uma vez que ela
seria a responsável por definir o comportamento adequado e desviante, tanto do ponto de vista
higienista como de uma conduta moral.
Margareth Rago pode ser citada como outro exemplo dentre os autores que
43
MACHADO, Roberto et al. Danação da Norma: a Medicina Social e a Constituição da Psiquiatria no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 75.
29
produziram trabalhos de forte influência foucaultiana. Para ela, os médicos higienistas
tomavam para si a tarefa de delimitar os espaços e as ocupações viáveis na incipiente vida
urbana das primeiras décadas do século XX no Brasil. Sendo assim, classificavam o espaço
dos “cortiços como lugares de fácil contágio, perigosos, sujos, devassos e indisciplinados, e
as vilas operárias, por outro lado, como o lugar da ordem, da civilização e da higiene”
44
. De
acordo com a autora, este tipo de ação marcava a passagem para novas formas disciplinares
que se iniciavam no padrão de habitabilidade, estendendo-se para a fábrica, para o lazer, bem
como para o cotidiano da classe trabalhadora com o objetivo de conformá-la como seres
produtivos e submissos.
A autora Liana Maria Bertucci também adotou esta mesma perspectiva de
análise, de acordo com ela, “o tratamento dado à saúde na ordem burguesa é fundamental
para todos os agentes sociais: controlá-la significa tanto direcionar a existência de homens
imprescindíveis para a produção de riquezas, quanto delinear os rumos tomados pela
própria sociedade”
45
. À medicina, detentora de um “poder científico”, coube a função de
contribuir para a disciplinalização das classes populares, a fim de se adequarem ao ideário
burguês de sociedade moderna. Buscando estabelecer controle sobre os indivíduos, os
médicos procuraram definir a constituição das famílias; os modos de viver e trabalhar; as
formas de educar os filhos; a sexualidade normal e as condutas desviantes; os imigrantes que
o país suportaria; enfim os meios de existir, para atingir o progresso biológico e então
desfrutar do progresso social.
Portanto, este tipo de análise focalizou a saúde sob a perspectiva da questão
disciplinar, visto que evidenciava o exercício de poder sobre as classes populares, um poder
disciplinador que pretendia enquadrar a população ao novo modelo de organização da
sociedade, isto é, o modelo urbano-industrial. Esses estudos de inspiração foucaultiana,
segundo Flávio Coelho Edler, “tiveram um papel decisivo na redefinição dos problemas e dos
aportes conceituais sobre a história da medicina
46
; pois provocaram uma ampliação nas
fontes e nas temáticas relativas a essa área do conhecimento histórico.
A proposta de análise que trabalha a relação entre a medicina e a constituição
do Estado Nacional teve como principal expoente, de acordo com Fábio Henrique Lopes, a
44
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: a utopia da cidade disciplinar. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1985.
p.22.
45
BERTUCCI, Liane Maria. Saúde: arma revolucionária. São Paulo. 1891/ 1925. Campinas: Área de
Publicação CMU/ UNICAMP, 1997. p. 21
46
EDLER, Flávio Coelho. A Medicina Brasileira no Século XIX: um balanço historiográfico. Asclépio
Revista de Historia de La Medicina Y de La Ciência. Vol.2, p. 169-186. 1998, Madrid.
30
obra de Madel Terezinha Luz, publicada em 1982. Para esta autora, as instituições médicas
tomaram o Estado como interlocutor a fim de intervirem na sociedade, e com isso, fazerem
parte da “hegemonia dominante”. Dessa forma,
[a medicina] tomando como interlocutor privilegiado o Estado,
estava respondendo a duas realidades básicas da sociedade
brasileira: a das condições objetivas de saúde da população, e
aos movimentos sociais gerados nessas condições.
Nesse movimento, contribuía de maneira fundamental para
instituir no país a ordem política centralista e socialmente
excludente – dita autoritária – que a caracteriza até hoje
47
.
Era inquietante para Madel Terezinha Luz, o fato de os discursos da saúde
construídos pelos médicos propondo planos e campanhas de “salvação nacional”, ignorarem
as condições estruturais, que ao fim e ao cabo, eram as verdadeiras geradoras dos problemas.
Aos dicos, sob está óptica, o que interessava era se associar ao Estado para obter o poder
de intervir politicamente no corpo social. Dessa maneira, a autora enfatizou as relações
históricas entre a medicina e a constituição do Estado Nacional brasileiro, relações que, em
sua perspectiva, eram em linhas gerais, de cumplicidade e colaboração, visto que cuidar da
saúde do povo significava também delimitar-lhe o seu lugar na sociedade, bem como
legitimar o discurso do Estado em seu meio: discurso que apregoava a modernidade, a
industrialização, a urbanização e, portanto, fazia referência à ordem necessária ao progresso
do país.
Em contraponto a esse modelo de análise, os historiadores sociais,
principalmente, a partir da década de 1990, propuseram uma interpretação da história da
medicina que levava em conta as experiências das classes populares. De acordo com Flávio
Henrique Lopes, os historiadores sociais tentam buscar o ator social concreto, tentando
transcender os limites da corporação
48
. Esta vertente historiográfica desferiu várias críticas
às demais vertentes, acusando os autores de serem apriorísticos quando tratavam da
funcionalidade política do saber médico e reprovavam o tratamento dado à medicina, que de
acordo com eles, era entendida como uma instituição homogênea. Como contra argumento, os
historiadores sociais se colocaram como aqueles que “ao estudar as práticas e saberes
médicos, procuram reconstituir as experiências dos habitantes, dos sujeitos sociais concretos
47
LUZ, Madel Terezinha. Medicina e Ordem Política Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1982. p. 17.
48
LOPES, Fábio Henrique. op. cit. p. 111.
31
(de carne e osso, como gostam de dizer)”
49
.
Flávio Henrique Lopes afirma que houve uma certa tendência na historiografia
social em relativizar e minimizar o papel e a influência dos médicos na sociedade brasileira.
No entanto, devemos relativizar esta crítica, pois, o que as perspectivas históricas mais
recentes procuram, é ultrapassar as interpretações que entendem a medicina de uma forma
laudatória. A intenção tem sido fazer uma história sociocultural da doença que discute a
medicina como um terreno incerto no qual a dimensão biomédica está penetrada tanto pela
subjetividade humana como pelos fatos objetivos. Tais estudos,
têm forte influência da antropologia e dos estudos culturais,
investiga os processos de profissionalização e burocratização;
as relações entre medicina, conhecimentos e poder; as
dimensões culturais e sociais da doença em sentido amplo, suas
representações e metáforas sociais; as condições de vida e seus
efeitos na morbidade e mortalidade; as respostas estatais e
sociais às epidemias; o higienismo como ciência e a higiene
como cultura, as práticas e os praticantes de curas e “outras
medicinas”; as instituições e os instrumentos de controle social;
as influências externas e os intercâmbios internacionais no
desenvolvimento médico-sanitário nacional e local; as políticas
de saúde, as ideologias e os processos mais amplos de
construção dos Estados nacionais
50
.
Para nós, retomar esse debate é importante na medida em que nos aponta as
diversas possibilidades de lidar com temas tão complexos como a história da medicina e da
saúde pública no Brasil. Apesar de percebermos as eventuais lacunas e limitações presentes
nos estudos anteriores a esta “nova tendência”, como as perspectivas heróica de George
Rosen e “anti-heróica” de Foucault, devemos destacar, que tais estudos são importantes,
principalmente, por terem “inaugurado” este novo campo de investigação histórica. todo
um exercício de análise e interpretação realizados pelos autores. Entendemos que tais análises
são, tão somente, maneiras diferentes de abordar um mesmo tema, afinal, aprendemos que a
história é um conhecimento em permanente construção e, por isso mesmo, se transforma o
tempo todo, cabendo ao historiador perseguir sempre a evidência, pois é ela que nos indica o
caminho a ser seguido
51
.
49
Ibid. p. 113.
50
HOCHMAN, Gilberto; SANTOS, Paula Xavier dos & PIRES-ALVES, Fernando. “História, saúde e
recursos humanos: análises e perspectivas”. In:Observatório de Recursos Humanos em Saúde no Brasil.
Estudos e Análises – Volume 2. p. 43. [online] sitio:
http://www.coc.fiocruz.br/observatoriohistoria/opas/producao/arquivos/hsrh.pdf, acesso em 14/12/2007.
51
Eric J. Hobsbawm diferencia a produção histórica da produção literária (ficção) justamente pela primeira
basear-se fundamentalmente na evidência. Segundo o autor, “é essencial que os historiadores defendam o
32
Sendo assim, nossa abordagem considera que a história da saúde pública no
Brasil, sobretudo a partir dos anos 30, está intrinsecamente relacionada a uma história de lutas
e embates da categoria profissional médica, sobretudo dos sanitaristas, bem como às
dinâmicas de transformação no plano social e cultural, a interesses políticos, à questões
internacionais, e a todo um amplo processo de constituição nacional. Os médicos e
especificamente os sanitaristas - são os profissionais que, primeiro, convocaram o Estado a
tomar providências diante dos problemas relacionados à saúde da população. Mais que uma
questão meramente filantrópica chamar o poder público às falas constituiu-se como
estratégia para garantir seu espaço profissional e político. Transformando a saúde em
problema social, os médicos sanitaristas se mostram úteis ao Estado, como cientistas
especializados e capacitados para “assumir juntamente com ele as responsabilidades
advindas dessa questão.
1.2 - A “Coletivização do Bem-Estar”: A Saúde como Responsabilidade
do Poder Público
A saúde somente passou a ser tratada como responsabilidade do poder público
no Brasil, quando este tomou consciência da interdependência social revelada pelas doenças
contagiosas. Despertou-se para o fato de que um indivíduo doente seria uma ameaça aos seus
semelhantes, e a partir daí, facilmente se chegou à conclusão de que as condições de saúde de
uma pessoa não era um problema privado, individual, pelo contrário, era um problema do
mundo público. Os responsáveis por estas conclusões foram os médicos higienistas e, foram
eles também, que expuseram ao Estado as principais demandas relacionadas à saúde da
população. Isso ocorreu em virtude de não pertencerem ao universo cultural do povo
brasileiro, até meados do século XX, noções sobre o cuidado preventivo com a saúde, bem
como, por não haver ainda uma familiaridade com a idéia de que os “curadores” - para
prescrever medicamentos e terapias para as enfermidades - deveriam ser profissionais
habilitados pela ciência. A população tinha uma percepção diversa do que se constituía saúde
e doença, muitas vezes, associando-as à espiritualidade, à magia, e a uma infinidade de
fundamento de sua disciplina: a supremacia da evidência. Se os seus textos são de ficção, como o são em
certo sentido, constituindo-se de composições literárias, a matéria-prima dessas ficções são os fatos
verificáveis.” Portanto, explorar as diversas fontes de conhecimento histórico, implica em abordar um mesmo
tema de uma gama variada de maneiras, sem ter que se preocupar em aplicar às evidencias nossos conceitos
teóricos formulados a priori. Cf: HOBSBAWM, Eric. Sobre História: Ensaios. Tradução de Cid Knipel
Moreira. São Paulo: Compainha das Letras, 1998. p. 286.
33
sentimentos, sem muita relação com os aspecto biológicos ou sanitários. Por isto, era comum
recorrerem a curadores que exerciam as mais variadas práticas como: o curandeirismo, as
dietas, terapias e chás caseiros, e tantas outras, que não estavam relacionadas à chamada
ciência médica.
Sob essa perspectiva, a luta travada pelos médicos higienistas se dava em duas
“frentes de batalha”. De um lado convocar o poder público a tomar providências, de outro,
incutir na população uma gama de valores relativos à sua própria saúde, e ao cuidado
preventivo com a mesma. Assim, os médicos procuravam o reconhecimento por parte da
população de que, eram eles os “verdadeiros” profissionais especializados para oferecer-lhes
os cuidados necessários a uma vida saudável. Era preciso convencer e educar o homem
comum com comportamentos individuais e coletivos fundados no conhecimento médico, o
que na maioria das vezes, significava interferir sobre suas práticas e hábitos sociais
arraigados. Os hábitos alimentares, o consumo do álcool, o destino do lixo, a utilização de
latrinas, e tantos outros comportamentos, hoje corriqueiros, eram estranhos à maioria da
população naquele período. A tentativa sistemática de modificar tal panorama ganhou vigor
no Brasil a partir do início do século XX com as campanhas implementadas pelos médicos
sanitaristas. Desse modo, fundar um argumento sólido tornava-se necessário, tanto para
convencer o povo e o poder público da importância em se tratar de modo preventivo a saúde,
quanto para que o dico adquirisse prestígio e confiança frente à população e às classes
dirigentes. O argumento principal seria justamente o que conferia credibilidade à medicina,
isto é, seu fundamento científico, o qual lhe garantiria eficácia inquestionável.
Os próprios médicos sanitaristas criaram uma retórica que delineava a imagem
da medicina como uma ciência poderosa, e conseqüentemente, se posicionaram como os
grandes “mestres” desse conhecimento. Entretanto, o poder que possuíam estava restrito à
detenção desse conhecimento médico-científico, e para ampliá-lo, criaram um novo discurso
atribuindo importância à classe médica no processo de superação dos principais problemas
geradores do atraso da nação. Cabe destacarmos que esta retórica que apontava a medicina
como redentora do país, foi utilizada por um grupo de médicos específico, qual seja os
sanitaristas. Foram eles que, a partir do argumento da prevenção, dialogaram com o Estado na
tentativa de obter espaço para colocar em prática seus projetos de saúde pública. É o que se
pode observar neste discurso do médico José Baeta Viana de 1931:
34
A vossa missão social neste pais é maior do que a que vos
podiam ditar o compendio e o professor a de não vos
poderdes alheiar dos grandes problemas nacionais, sobretudo no
que afeta a vida dos nossos compatriotas, porque o teorema
fundamental do problema brasileiro é sanitário.
52
Esta era a fala de um professor de um médico experiente - aos seus
discípulos, que naquele momento se tornavam seus pares na profissão. Em suas palavras
deixava explícito o tipo de “identidade” profissional que a categoria médica se preocupava em
criar entre seus membros. Uma identidade baseada no argumento da importância do médico
dentro da sociedade brasileira como elemento indispensável à superação do atraso do país.
Embora esta fosse uma retórica discursiva criada pelos próprios profissionais da medicina,
podemos dizer que, em certa medida, ela conseguiu alcançar êxito em alguns de seus
objetivos, haja vista o prestígio social adquirido pelos dicos ao longo do século XX no
Brasil. Também do ponto de vista político, esses profissionais acabaram se inserindo na
burocracia estatal e ocupando cargos de destaque
53
.
A incorporação desse discurso do “mérito” foi tão forte, que grande parte dos
médicos quando se propõem a escrever sobre as memórias de sua profissão acabam revelando
“uma certa reverência aos médicos que construíram e participaram da história da medicina
no Brasil, constituindo uma descrição pouco analítica e crítica e na maioria das vezes muito
elogiosa”
54
. Além disso, tendem ainda a perceber a história da medicina como uma sucessão
de avanços, sem considerar as descontinuidades. Portanto, cabe aos historiadores do campo da
História das ciências da saúde estar atentos a essas perspectivas unilaterais de interpretação.
Como destacou o historiador britânico Roy Porter, a história da medicina
está longe de ser uma narrativa simples de um progresso triunfante”
55
, a guerra travada entre
médicos e doenças é infindável. E de acordo com o autor, o próprio significado da profissão
médica sofreu grandes modificações ao longo dos tempos. Roy Porter explicou que, até o
século XIX, a figura do clínico, segundo os preceitos da medicina hipocrática, era a do
médico “amigo da família”, que acumulava conhecimentos através da leitura de manuais. E
52
Discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em
1931, no ato da colação de grau. p. 2. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
53
Além dos cargos que ocupavam nos órgãos de Saúde Pública (Secretarias, Diretorias, Inspetorias, etc.),
sobretudo no pós-1930, havia médicos que se elegeram (ou foram nomeados) a diversos cargos no poder
legislativo.
54
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Reflexões sobre os Caminhos da História da Medicina no Brasil. In:
CONDÉ, Mauro Lúcio L. & FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves (org.). Ciência, História e Teoria. Belo
Horizonte: Argumentum, 2005.p. 153.
55
PORTER, Roy. Das Tripas Coração: uma breve história da medicina. São Paulo: Record, 2005. p. 15.
35
sua prática profissional limitava-se a visitar o paciente e dar-lhe um certo “apoio”, uma vez
que exames ou um contato mais efetivo com o corpo do paciente quase não ocorria, sendo
mulher então, a chance disto acontecer era praticamente nula. Numa hierarquia ainda inferior
a dos clínicos, encontravam-se os barbeiros ou cirurgiões, os quais realizavam as tarefas
“menos qualificadas” no ramo da ciência médica. Mesmo porque, até a descoberta da
anestesia e das práticas anti-sépticas, as cirurgias se restringiam a amputações e a uma ou
outra operação simples, um processo no qual, se o paciente resistisse à dor, dificilmente
sobrevivia às infecções do pós-operatório. O autor chama atenção para o fato de que, os
discriminados barbeiros serem os únicos que tinham contato com o corpo do paciente, o que
refletia o tipo de ensino que os médicos recebiam antes do século XX, quando a medicina era
aprendida em “manuais e biografias de grandes médicos”
56
, cujos conhecimentos se
acumulavam apenas no plano teórico.
Este quadro se modificou na medida em que a fisiologia humana foi sendo
descoberta, e desse ponto de vista, enfatizou Roy Porter, os avanços tecnológicos que
propiciaram o surgimento do laboratório com todo seu aparelhamento, foram fundamentais
nessa descoberta do corpo humano e suas funções. Foi neste momento que surgiu a “medicina
científica”, que também seria auxiliada pela ampliação da farmacologia, com a descoberta de
drogas eficazes no tratamento de certas doenças e, com isso, a assistência médica, bem como
o profissional médico, ganharia maior credibilidade. Este processo foi bastante lento, posto
que contou com avanços e retrocessos. No Brasil, bem como em outros países da América
Latina e Caribe, a questão teve uma dimensão ainda mais complexa do que em países
desenvolvidos. O médico chegou ao século XX lutando para se posicionar na arena política e
social. A saúde pública foi sua grande aliada nesse processo de se legitimar como profissional
essencial no processo de construção de uma nação forte. Isto, pois, “o processo saúde-doença
diz respeito não apenas à salubridade ou à insalubridade de nossos países, mas é revelador,
constituinte e formador de aspectos cruciais da modernidade e da história social, política,
intelectual e cultural latino-americana”
57
. Mas tal processo não se constituiu como um evento
isolado, ocorrido apenas em nosso continente, ao contrário, foi uma tendência mundial, como
destacou Roy Porter,
No século XX, reconheceu-se que o funcionamento eficiente
56
Ibid. p. 53.
57
HOCHMAN, Gilberto; SANTOS, Paula Xavier dos & PIRES-ALVES, Fernando. op. Cit. p.45.
36
das economias industrializadas e extremante complexas, na paz
e na guerra, exigia uma população não menos saudável do que
alfabetizada e cumpridora da lei.(...) A doença passou a ser
conceituada como um fenômeno tanto social quanto biológico,
a ser entendido em termos estatísticos, sociológicos,
psicológicos e políticos
58
.
Desta maneira, o contexto histórico do século XX, sobretudo o do pós-Primeira
Guerra Mundial, forneceu bases mais sólidas para que os médicos constituíssem uma
identidade profissional mais forte. A preocupação do Estado brasileiro com a saúde da
população, mais que um reflexo das demandas médicas, também pode ser entendida como o
acompanhamento de uma tendência mundial de tomada de consciência do quão relevante era
para uma nação possuir um povo saudável, processo já em fase avançada em países
economicamente mais desenvolvidos. Com isto, ocorreu um processo dialógico de troca de
benefícios, os médicos se colocavam como os instrumentos indispensáveis ao combate às
doenças e endemias, e então, delimitavam seu espaço de atuação profissional. O Estado, por
sua vez, se utilizava do saber médico para promover e cuidar dos aspectos relativos à saúde da
população.
Uma questão interessante para analisarmos, a partir desta perspectiva, é como a
atividade científica, especificamente a medicina, se processa a partir da relação com a
sociedade e como condicionantes históricos desempenham um papel importante na formação
das idéias. Entendendo que, embora os médicos se utilizassem exaustivamente do argumento
científico como aspecto mais tangível de sua imparcialidade, procurando se mostrar, antes de
tudo, como patriotas e missionários na construção de uma nação progressista, essa percepção
de ciência não foi adotada, de fato. O que podemos identificar é uma ciência médica, que ao
ser estruturada dentro de uma conjuntura histórica específica, não conseguia se desvincular da
mesma, sendo por isso, influenciada por elementos políticos, culturais e econômicos.
Stephen Jay Gould analisando essa relação que se estabelece entre ciência e
sociedade, afirma que, por diversas vezes, a ciência é utilizada para justificar posições
políticas, e que alguns cientistas “tendem a comportar-se de modo conservador ao
proporcionar ‘objetividade’ àquilo que a sociedade em geral deseja escutar
59
. Pois, os
cientistas, como todos os seres humanos, refletem inconscientemente em suas teorias as
restrições políticas e sociais de sua época. Compreendemos que é justamente essa “ligação”
da ciência com a conjuntura histórica que pode explicar o envolvimento de muitos médicos
58
Ibid. p. 189-191.
59
GOULD, Stephen Jay. Darwin e os Grandes Enigmas da Vida. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1999. p. 213.
37
com a questão da saúde pública na primeira metade do século XX, isto é, a medicina assume
um sentido cívico no Brasil”
60
quando o movimento modernizador de caráter nacionalista
encontrava-se na ordem do dia.
Eu sinto, de longa data, que a medicina, no Brasil, adquiriu para
os médicos um sentido novo além do social e humano que todos
lhe reconhecemos – o sentido cívico.
(...) Não tenho dúvida, o médico será, em futuro próximo, o
principal artífice do brasileiro digno de uma pátria melhor
elaborada dentro de um Brasil maior.
61
O médico se apropria de questões que eram caras à sociedade, e para, além
disso, se posicionavam no campo político, utilizando-se, sobretudo, do “estatuto de verdade”
atribuído à cientificidade” de seu conhecimento, para propor soluções aos problemas
nacionais que se configuravam dentro do campo da saúde. Fazendo isto, ele se afirmava como
profissional capacitado para lidar com tais questões.
Por isto, em nossa análise, a ciência médica é apreendida como produto da
conjuntura histórica na qual está inserida. E os médicos são percebidos como atores sociais e
políticos afinados com as questões de seu tempo. Sendo assim, buscamos sempre identificar
os elos que justificam suas posições políticas, uma vez que, na interpretação que
empreendemos, observamos como os médicos sanitaristas de Minas Gerais se apegavam a
problemáticas que estavam em voga em seu contexto histórico e as incorporava ao seu
discurso científico, procurando, com isso, construir seu espaço no mundo público.
1.3 – Combatentes em Tempos de Paz: Médicos Sanitaristas da Primeira
República
A concepção de ciência como none da modernidade é recorrente no Brasil
desde o fim do século XIX e o discurso científico forneceu as bases para diversas ideologias
modernizadoras do país. A ciência médica, segundo Simon Schwartzman, assumiu a partir
da primeira década da República uma função preventiva e social, em detrimento do papel
predominantemente curativo que desempenhava anteriormente”
62
, e, por isso mesmo,
60
Título do discurso pronunciado pelo médico José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina de
1939 da Universidade de Minas Gerais. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
UFMG.
61
Ibid. p. 4 .
62
SCHWARTZMAN, Simon. Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo: Campainha Editora
38
também se apresentou como um instrumento de modernização.
Era o momento no qual se pretendia romper com as teorias baseadas no
determinismo biológico, as quais vislumbram um futuro fracassado para o Brasil em virtude
de sua heterogeneidade racial, e em seu lugar adotava-se um novo argumento mais otimista,
segundo o qual seria higienizando o país e educando seu povo que se corrigiria a natureza e se
aperfeiçoaria o homem, permitindo a nação se modernizar definitivamente. De acordo com
Lilia Moritz Schwarcz, “é como se de repente fosse preciso acreditar no país, transformar em
certezas dúvidas e inquietações
63
.
Desse ponto de vista, os médicos sanitaristas se apresentaram como os grandes
responsáveis pela tarefa de modernizar o Brasil, e sua prática profissional ganhou novas
conotações. Pois, ao abandonar o indivíduo para tratar da comunidade, o médico passou a
cuidar de problemas relativos ao conjunto da nação, e daí propor medidas diretas de
intervenção na realidade social. Posto que, a preocupação nos primeiros anos da República
recaía sobre o desequilíbrio entre o desenvolvimento de alguns centros urbanos e o mundo
rural, o qual compunha grande parte do território brasileiro. Segundo Luciana Murari, o
cronista Matheus de Albuquerque em seu balanço da primeira década republicana,
definia a situação brasileira a partir do contraste entre duas
realidades que se mostravam cada vez mais distanciadas no
conjunto da vida nacional: o movimento ruidoso de atualização
dos incipientes centros urbanos, principalmente da Capital da
República, contrapunha-se ao imenso deserto que ainda se
estendia por grande parte do território e que não havia sido
tocado pelas mãos da civilização
64
.
O termo “civilização” tinha diversos significados naquele momento, mas
especificamente para a medicina sanitarista, queria dizer levar preceitos de higiene e combater
as endemias e epidemias que assolavam o interior brasileiro fazendo com que seu povo
vegetasse na indolência. Quadro que precisava ser revertido para que a nação alcançasse o
progresso. Como enfatizou Edmundo Campos Coelho, nas duas primeiras décadas do
século XX, o Brasil foi descoberto pelo higienismo”
65
, foi a fase em que se iniciaram as
Nacional, 1979. p. 91-107.
63
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-
1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 217.
64
MURARI, Luciana. Tudo O Mais É Paisagem: Representações da Natureza na Cultura Brasileira. Tese
(Doutorado). São Paulo. Universidade de São Paulo, 2002. p. 9.
65
COELHO, Edmundo Campos. As Profissões Imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro
de 1822-1930. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 144.
39
grandes campanhas de saneamento por todo o território brasileiro. A criação do Instituto de
Patologia Experimental de Manguinhos para a pesquisa biomédica, no Rio de Janeiro em
1900, marcou essa nova fase da medicina no país. Inicialmente, os esforços do Instituto se
voltaram para o combate da epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro em 1903, quando o
prefeito Rodrigues Alves nomeou Oswaldo Cruz Diretor Geral de Saúde Pública. Do ponto de
vista científico, essa foi uma fase muito positiva para a consolidação da medicina sanitária no
Brasil, pois,
Oswaldo Cruz tornou-se de certo modo uma figura mítica. A
população se impressionava com o fato de que um sanitarista
brasileiro, dirigindo uma equipe de brasileiros, tivesse
conseguido controlar uma doença que era considerada um
obstáculo importante ao progresso da nação
66
.
A luta dos médicos do Instituto Oswaldo Cruz travou-se, a partir daí, no
sentido de desacreditar o ponto de vista de que a natureza tropical do Brasil o condenava ao
fracasso. Desse modo, saíram pelo interior do país fazendo diagnósticos das condições de
saúde da população e promovendo campanhas sanitárias
67
. Os médicos Belisário Pena e Artur
Neiva, chefiaram uma expedição promovida pelo Instituto de Manguinhos no ano de 1912. A
divulgação do resultado dessa expedição se deu entre os anos de 1916-1917 sob a forma de
artigos publicados na imprensa do Rio de Janeiro
68
, causando grande repercussão nacional. Os
dois médicos revelaram “um país com uma população desconhecida, atrasada, doente,
improdutiva e abandonada e sem nenhuma identificação com a pátria
69
.
Segundo Nísia Trindade Lima, as diversas excursões de intelectuais ao interior
do Brasil, entre a segunda metade do século XIX e as três primeiras décadas do século XX -
dentre as quais se destacou a de Artur Neiva e Belisário Pena - foram significativas para a
tentativa de construção de uma identidade para os habitantes do interior e, conseqüentemente,
66
SCHWARTZMAN, Simon. op. cit. p. 113-114.
67
As expedições científicas realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz nas duas primeiras décadas do século XX
promoveram a produção de conhecimentos acerca da incidência de doenças, fomentando o debate dos
problemas nacionais. “Estiveram intimamente associadas à construção de ferrovias, às avaliações da
viabilidade de utilização de potencial econômico de rios, como o de São Francisco, e os trabalhos da
Inspetoria de Obras contra as Secas”. Cf.: HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Editora
Hucitec, 1998. p. 66.
68
Esses artigos foram reunidos na obra: NEIVA, Artur & PENA, Belisário. O Saneamento no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora dos Tribunais, 1923.
69
PENNA, Belisário. & NEIVA, Artur. Viagem Científica pelo Norte da Bahia, Sudoeste de Pernambuco. Sul
do Piauí e de Norte a Sul de Goiás. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 1916, vol. 8, 30, p.74-224.
Citado em: HOCHMAN, Gilberto. op. cit. p. 64.
40
uma identidade para a própria nação
70
. Esta imagem identitária oscilava entre avaliações
positivas e negativas ou otimistas e desesperançadas, o personagem principal, o homem do
interior, recebeu nomeações diferentes, quais sejam sertanejo, caboclo, caipira, mas todas elas
dizendo respeito a um indivíduo que se matinha à margem do processo civilizatório pelo qual
passava o país. Do ponto de vista da constituição geográfica, o sertanejo vivia em porções
territoriais igualmente esquecidas pelo poder público, daí a resultou a divisão do território em
litoral e sertão. Para os intelectuais, o litoral estava em dia com o processo de modernização,
por outro lado, o sertão brasileiro estava tomado pelo arcaísmo e pela ignorância, tudo graças
ao abandono que vivenciava. Para o caso específico dos sanitaristas, a perspectiva era
incorporar o sertão ao movimento progressista, para isto, eles identificaram e mapearam as
doenças curáveis da nacionalidade. Sendo assim, Nísia Trindade Lima mostra como a
participação do discurso higienista na construção de interpretações do Brasil
71
pode ser
atestada nas opiniões de vários intelectuais, revelando entusiasmo com o projeto de
saneamento dos sertões. Nesse contexto, idéias sobre sertão e litoral articularam teorias do
Brasil inspiradas na semiologia médica e conduziram a ações profiláticas interessadas em
salvar os valores morais essenciais encontrados naqueles sertões em agonia.
Desta forma, Pena e Neiva também denunciam o descaso do Governo federal
para com os sertanejos, acusando-o de os reconhecerem como cidadãos quando o assunto
era a cobrança de impostos.
Vivem eles abandonados de toda e qualquer assistência (...) sem
proteção de espécie alguma, sabendo de governos porque se
lhes cobram impostos de bezerros, de bois, de cavalos e
burros
72
.
O atraso do país não seria mais atribuído às suas condições raciais e
climáticas, mas, antes, ao abandono vivenciado pela população. Um exemplo dessa mudança
de perspectiva pode ser observado através a imagem do caipira Jeca-Tatu criado por Monteiro
Lobato. Em 1914 o Jeca foi apresentado pelo escritor como um indivíduo naturalmente
preguiçoso e inadaptável à civilização por ser racialmente inferior. A campanha sanitarista fez
com que Lobato voltasse atrás, e em 1918 ele escreveu: O Jeca não é assim, está assim
73
, e
70
Cf.: LIMA, Nísia Trindade. Um Sertão chamado Brasil: intelectuais e a representação geográfica da
identidade nacional. Rio de Janeiro: Revan, IUPERJ, Ucam, 1999
71
Cf.: Ibid. Especialmente o quarto capítulo: "O Sertão como Patologia, Abandono e Essência da Vida
Nacional".
72
Ibid. p. 199.
73
LOBATO, J. B. Monteiro. Mr. Slang e o Brasil e o Problema Vital. São Paulo: Brasiliense, 1956 (1ª Ed.
41
dessa maneira, colocou a saúde desempenhando um papel crucial na “ressurreição do Jeca”,
que de caipira indolente, pobre, doente e atrasado transformou-se em homem saudável,
fazendeiro empreendedor e moderno, tudo porque passou a acreditar na medicina e seguir
suas prescrições.
Quando o sanitarismo adotou a perspectiva de que a nação carecia de uma
população forte, capaz de levá-la a progredir, estava em sintonia com as tendências gerais das
correntes nacionalistas. Para recuperar esse povo era necessário que se fizesse uma aliança
entre médicos e poder público, sobretudo no que tocava às ações de higiene e saneamento. Foi
com tal discurso que a campanha pelo saneamento rural ganhou força e passou a tratar a
doença como um assunto que dizia respeito, não apenas ao mundo privado, mas, sobretudo,
ao mundo público. Como afirma Hochman,
A consciência da interdependência social, a consciência de que
um indivíduo doente poderia causar danos aos demais,
significava a percepção de que as condições de saúde de um
indivíduo doente poderia causar danos aos demais, significava a
percepção de que as condições de saúde de um indivíduo não
eram um assunto privado, muito menos um direito natural,
como a liberdade individual. O Estado deveria intervir sobre a
liberdade do indivíduo e sua propriedade para proteger a
comunidade.
74
Reivindicava-se, nesse momento, uma legislação, um código sanitário, para
que fossem estabelecidas leis gerais para todo o território brasileiro, regulando todas as
atividades que representassem ameaça à saúde do povo. Essa luta dos sanitaristas foi muito
árdua, porque o federalismo se mostrava como uma barreira às suas pretensões de unificação
de um programa de saúde pública para o Brasil. O governo federal tendia a delegar a
responsabilidade com a saúde às unidades federativas, e estas se mostravam pouco dispostas a
se unirem para curar e prevenir suas populações das doenças. Mesmo diante de tais impasses
a campanha pelo saneamento rural não desvaneceu.
O argumento de que a saúde pública, bem como as condições sanitárias, se
constituíam em grandes entraves ao progresso do país, tornou-se a base das demandas
médicas junto ao poder público. Diagnosticar a população brasileira como doente, nesse caso,
não significava condená-la ao atraso, mas antes, admitir que era possível recuperá-la mediante
ações de higiene e saneamento fundadas no conhecimento médico. De acordo com Gilberto
1918). p. 329-400. Citado por: HOCHMAN, Gilberto. op. cit. p. 68.[grifos nossos]
74
HOCHMAN, Gilberto. op. cit. p. 85.
42
Hochman, “a ciência, em especial a medicina, propiciaria um alívio para intelectuais que,
até então, não enxergavam alternativas para um país que parecia condenado, dada sua
posição racial”
75
. As observações dos médicos Belisário Penna e Artur Neiva, segundo o
autor, fizeram com que a saúde começasse a se tornar questão nacional a partir de 1916.
Nesse sentido, elementos políticos foram incorporados aos discursos de médicos e intelectuais
que advogavam pela causa da saúde no Brasil. Tais personagens criticavam a República e seu
principal traço, o federalismo, o qual promovia a desintegração da nação, fazendo com que
grande parte do povo ficasse à mercê de tiranos locais, que não se interessavam pela unidade e
progresso do país, mas ao contrário, queriam apenas resguardar seus próprios interesses.
O abandono da população rural e do interior seria consequência
do descaso gerado por políticas promotoras de uma “indústria
artificial” e, principalmente, do formato político adotado pela
constituição de 1891, o federalismo
76
.
O pensamento político do período mostra como alguns importantes intelectuais
estiveram envolvidos com esta idéia de encontrar meios para que o país superasse o atraso em
que se encontrava. Alberto Torres, um dos ideólogos do nacionalismo, escreveu em 1914
sobre aqueles que julgava serem os principais problemas brasileiros, apontando possíveis
mecanismos de reversão do quadro de desorganização em que o país se encontrava. Um dos
pontos através dos quais esse autor acabava fornecendo as bases para a argumentação médica,
no que tangia à “regeneração” do povo brasileiro, era quando condenava as teorias raciais e
apostava nas boas tendências humanas desse povo, muito embora, o autor admitisse que
esse era um problema decorrente da “desorganização social” em termos gerais, e sendo assim,
não indicava a medicina como principal “redentora” nesse processo. Pois, para Alberto Torres
o homem moderno resulta, muito mais diretamente, do meio que habita e, principalmente,
da sociedade que o cerca, que dos impulsos congênitos de sua estirpe”
77
. Por isto, a
regeneração da população brasileira seria, em sua perspectiva, uma obra a ser edificada pelos
representantes políticos, que deveriam imprimir na população uma consciência dos interesses
nacionais. Haja vista que na acepção do autor “a recuperação do país se daria a partir da
formação de uma consciência nacional”
78
.
75
Ibid. p. 69.
76
Ibid. p. 73.
77
TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro. (4ª ed.) Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
1982. (1ª edição 1914). p. 30.
78
Ibid. p. 47.
43
Seguindo essa mesma perspectiva, Oliveira Vianna também procurou
evidenciar os principais problemas enfrentados pela nação e propor possíveis alternativas para
a crise político-social que a mesmo enfrentava. Dessa maneira, também condenava as
instituições políticas, o liberalismo político e o federalismo implantados com o regime
republicano e afirmava que “no Brasil a ruralidade é o traço fundador do caráter nacional
79
.
Por isso, a importância de levar a todo povo brasileiro preceitos de civilização.
Esses intelectuais, juntamente com médicos, educadores, engenheiros, entre
outros
80
, estavam envolvidos por um sentimento nacionalista característico da segunda década
do século XX. Como enfatizou Lucia Lippi Oliveira, o nacionalismo em voga nas décadas de
1920 e 1930 possuía um significado diferente de períodos anteriores. Essa mudança no
significado do conceito ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, quando a questão nacional
foi trazida à ordem do dia e as bandeiras nacionalistas começaram a propor um programa de
luta, cujo objetivo era organizar movimentos de salvação do país. Pautado na busca por uma
nova identidade e na recusa de modelos biológicos que embasam o pensamento racista, o
novo nacionalismo tinha como finalidade “curar” o país de seus males. Sendo assim eram
dois os elementos que faziam parte da receita para a cura dos males brasileiros: saúde e
educação
81
.
A idéia de que saúde e educação compunha a receita para a cura dos males
brasileiros estava profundamente arraigada na questão da formação de uma unidade nacional
necessária para que o país adentrasse a modernidade. A perspectiva era de re-civilizar o povo
brasileiro, sobretudo aqueles que viviam isolados no arcaico e ignorante mundo rural. Neste
intento, a saúde e a educação se mostravam como preceitos fundamentais, pois seriam capazes
de proporcionar uma “cura” tanto “física” quanto “intelectual para a população brasileira.
Certamente os centros urbanos e industriais continuavam sendo alvo de preocupação das
elites nacionalistas, não obstante, para modernizar, de fato, o país tornava-se necessário a
reorganização da vida nacional em profundidade. A nação era formada por todo o vasto
território brasileiro e não apenas pelos incipientes centros urbanos, em dia com os hábitos
da vida moderna. Havia, obviamente, setores dessas elites mais voltados para as questões da
79
VIANNA, Oliveira. Populações Meridionais do Brasil: história - organização psicologia. 5 ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1952, v. 1. 1ª ed. 1920. P.180-185.
80
Como destaca Lucia Lippi Oliveira, “os intelectuais, independente da sua origem de classe, da sua formação
bacharelesca ou especializada, mantiveram-se ocupados em “pensar” o Brasil e em propor caminhos para
a salvação nacional”. Cf.: OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo:
Brasiliense, 1990. p.187.
81
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 145-
146.
44
industrialização e da organização da vida urbana. Porém, havia que se considerar que levar a
modernização até o campo era importante tanto no sentido de composição da “nação
imaginária”, quanto do ponto de vista econômico, pois era o mundo rural que gerava as
principais divisas para o país. As campanhas sanitárias implementadas nesse período tiveram
o objetivo de tornar a população do campo tanto mais higienizada e saudável, quanto mais
produtiva. Pode-se afirmar que este foi um período no qual todos, a despeito da diversidade
de perspectivas e projetos, pensaram o Brasil moderno.
Amantes do campo ou da cidade advogam o monopólio do
entendimento do país, industrialistas ou ruralistas, acreditam
encarnar o espírito do século XX; conservadores ou
vanguardistas, julgam ser os porta-vozes exclusivos da
modernidade pós-guerra
82
.
Para esses nacionalistas, que se consideravam os porta-vozes da modernidade,
o Brasil precisava encontrar o caminho que o levasse a compor o coro das nações modernas.
Embora discordassem sobre os reais motivos do descompasso do país com a modernidade,
divergindo em torno dos caminhos que deveriam conduzir até ela, esses agentes pareciam
concordar em uma questão: modernizar o país era colocá-lo lado a lado com as “nações
ocidentais civilizadas”. Para os médicos sanitaristas a questão sanitária constituía-se como o
baluarte do projeto modernizador da sociedade brasileira, pois colocava em evidência a
gravidade dos problemas relativos à saúde da população. Sendo assim, todas as outras
questões que precisavam ser equacionadas para colocar a nação no caminho do progresso, na
perspectiva desses médicos, advinham dessa problemática fundamental.
E ainda, o amplo programa de reforma social proposto pelos médicos
preocupados com o destino da nação deve ser observado, não apenas do ponto de vista de
políticas institucionalizadas, antes, porém, deve-se considerar a influência de seus discursos
na formação de ideologias sociais. Como assinala Castro Santos o movimento pela reforma
da saúde pública nas primeiras décadas do século XX foi um dos elementos mais importantes
no processo de construção de uma ideologia da nacionalidade brasileira
83
. A idéia era
colocar a saúde na pauta do poder público, chamando atenção para a importância em tratar da
doença como questão do mundo público, tendo em vista o entrave que um povo doente
82
MOTTA, Marly Silva da. A Nação faz 100 anos. A Questão Nacional no Centenário da Independência. Rio
de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas – CPDOC, 1992. p. 6.
83
CASTRO SANTOS, L. A. O Pensamento Sanitarista na Primeira República: Uma Ideologia da Construção
da Nacionalidade. In: Dados-Revista de Ciências Sociais. Vol. 28, nº 2, 1985. p. 193-210.
45
significava ao progresso da nação. Como acentuou Gilberto Hochman “o apoio a políticas de
saneamento podia também ser crucial para o alargamento da presença do Estado na
sociedade e no território brasileiros”
84
. Dessa maneira, o autor conceituou essa fase -
compreendida entre 1910 e 1930 - na qual a reforma sanitária se apresentou como um
caminho para a construção da nação de “era do saneamento”. Para Gilberto Hochman,
Trata-se de um período de crescimento de uma consciência
entre as elites em relação aos graves problemas sanitários do
país e de um sentimento geral de que o Estado nacional deveria
assumir mais as responsabilidades pela saúde da população e
salubridade do território. Isso significava aumentar as suas
atribuições, restritas até então ao Distrito Federal e à defesa
sanitária marítima
85
.
As lutas travadas pelos médicos sanitaristas, ou seja, a formação de uma
retórica com argumentos convincentes sobre a necessidade de o poder público zelar pela
saúde do povo brasileiro, contribuiu em muito no processo de transformação da saúde em
“bem público”. Devemos destacar que, neste contexto, os médicos sanitaristas iniciaram
demandas que levaram mais de uma década para serem concretizadas, e uma das principais
foi a centralização das políticas de saúde pública pelo governo federal. Uma solução difícil de
ser adotada, como destacamos, principalmente, devido ao federalismo. Entretanto, segundo
Gilberto Hochman, uma política centralizada de saúde pública era o ideal dos médicos
sanitaristas brasileiros, porque solucionaria os impasses da interdependência sanitária, e ainda,
“seria uma solução racional para os Estados, na sua grande maioria privados de recursos e
imersos em problemas”
86
.
Não obstante, houve avanços significativos no que se refere ao tratamento que
era dispensado pelo Estado à saúde da população. Foram criados instituições e movimentos
que objetivavam, justamente, promover uma maior conscientização nesse sentido. Dentre eles
podemos destacar a Liga Pró-Saneamento do Brasil fundada em 1918, tendo à frente, como
seu principal líder, o médico Belisário Penna. Esse movimento queria chamar atenção para a
necessidade de promover o saneamento em porções territoriais esquecidas pelo Estado. Desta
maneira, passou a abordar as doenças, não apenas como problema biológico ou sanitário, mas
para, além disso, como problema político. A Liga Pró-saneamento acenava para a
84
HOCHMAN, Gilberto. op. cit. p. 13.
85
Ibid. p. 40.
86
Ibid. p. 44.
46
viabilidade de estruturação de um serviço de saúde centralizado, capaz de atender às
demandas nacionais. Por isso apontava para a necessidade da criação de um Ministério da
Higiene e Saúde Pública e um Departamento Nacional de Saúde Pública
87
.
O ano de 1920 tornou-se um marco importante dentro desse contexto, porque
foi o ano em que criou-se o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) tendo à frente,
como diretor, Carlos Chagas. A criação do DNSP pode ser pensada como uma resposta do
poder público à mobilização dos sanitaristas e seus aliados. Para Nilson do Rosário Costa,o
surgimento do DNSP, foi um esforço, bem-sucedido, de trazer para o interior do aparelho do
Estado toda uma geração de jovens sanitaristas”
88
. A partir de então, os sanitaristas se
encontraram mais próximos das classes dirigentes do país, o que, conseqüentemente, abriu-
lhes algumas brechas para equacionarem suas questões. De fato, e existe um certo consenso
na historiografia sobre o tema, o Departamento Nacional de Saúde Pública inaugurou uma
nova etapa nas políticas de saúde pública e saneamento no Brasil. Nesta nova fase, o Estado
assumiu maiores responsabilidades no que se referia à saúde da população, justamente porque
o DNSP institucionalizou definitivamente as práticas sanitárias no interior do Estado da
Primeira República. E o movimento que, anteriormente, se voltava para a problemática do
mundo rural se ampliou e alcançou também os problemas de saúde pública presentes nas
cidades. A questão da saúde pública foi inserida na legislação de 1920 e o governo federal
firmou convênio com a Fundação Rockfeller para promoção da profilaxia rural. E ainda,
passou a arbitrar sobre aspectos que envolviam a existência humana saudável nas cidades:
moradia, alimentação, condições de trabalho
89
.
A propósito do trabalho desempenhado pelo médico Carlos Chagas à frente do
Departamento Nacional de Saúde Pública, também é importante evidenciar sua tendência a
investir na qualificação de pessoal especializado para atuar nos campos da saúde pública.
Assim sendo, ainda em sua gestão, no ano de 1922, criou a primeira instituição de ensino na
área de saúde destinada à formação de mulheres, a Escola de Enfermagem Ana Nery no Rio
de Janeiro; e no ano de 1925, também criou o Curso de Higiene e Saúde Pública na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro.
Igualmente podemos dizer que o incipiente processo de industrialização, bem
87
LIMA, Ana Luce Girão Soares de. & PINTO, Maria Marta Saavedra. Fontes para a História dos 50 anos do
Ministério da Saúde. História-Ciência-Saúde-Manguinhos, 2003. vol.10, nº3. p.1037-1051. Nesse artigo as
autoras fazem um retrospecto de todo o período que antecede a criação do Ministério da Saúde, com base em
documentos do acervo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
88
COSTA, Nilson do Rosário. Lutas Urbanas e Controle Sanitário. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. p. 99.
89
Ibid. p. 101.
47
como, a crescente urbanização nas primeiras décadas do século XX, foram fatores que
influenciaram sobremaneira, a discussão acerca da primazia da saúde pública para uma
sociedade em franco processo de desenvolvimento. A questão da saúde foi ganhando novos
contornos, à medida que começava a ser entendida como um problema capaz de gerar danos
ao mundo público, pois afetava a qualidade da mão-de-obra, a produtividade e uma infinidade
de relações que se estabeleciam tanto no mundo rural, como naquela nova forma de organizar
a sociedade brasileira, qual seja, a vida urbana.
A institucionalização da saúde como “bem” público, ou seja, a coletivização do
bem-estar foi um processo, que como qualquer outro foi marcado por continuidades e
descontinuidades. Na Primeira República, identificamos seu início, com conquistas modestas,
porém significativas. Os desdobramentos deste processo com o advento da chamada
“Segunda República” iniciada em 1930 e, principalmente, suas continuidades, são os temas da
discussão seguinte.
1.4- Revolução de 1930 e Políticas Públicas em Saúde: Rupturas e
Continuidades
O contexto que tem como marco inicial a chamada “Revolução de 1930” e
como fim o ano de 1945, quando Getúlio Vargas deixou o Governo Federal, é reconhecido
como um dos períodos na História do Brasil cujos desdobramentos são dos mais marcantes
para a sociedade, por isso mesmo, provoca intensos debates na historiografia brasileira.
Repleto de ambivalências, explicações maniqueístas e simplistas não dão conta de elaborar,
de fato, uma compreensão desse contexto, sendo assim, as interpretações mais lúcidas
apontam para a necessidade de trabalhar os quinze anos de governo de Getúlio Vargas sob
uma perspectiva que aponte para as continuidades e descontinuidades que envolveram o
período.
Nesta dinâmica marcada por rupturas e continuidades, tivemos uma série de
eventos com profundas implicações no campo da saúde, bem como na configuração do espaço
de atuação dos médicos higienistas. Do ponto de vista das continuidades, notamos que a saúde
pública esteve envolvida pelo projeto de “formação do brasileiro” e da constituição de uma
identidade para a nação. No que se refere às rupturas, houve a marcante burocratização do
Estado e a crescente centralização política. Tais acontecimentos refletiram diretamente na
48
estrutura de saúde pública, pois, inauguraram um modelo centralizador, verticalizado e
setorizado. No que tange à prática médica higienista, formou-se uma burocracia pública
fortemente profissionalizada em contraste com os médicos sanitaristas das décadas de 1910
e 1920, que tinham uma perspectiva campanhista, voluntarista, politizada, romântica
90
. De
acordo com André Luiz Vieira de Campos “no processo de construção das estruturas
estatais, os sanitaristas foram incorporados por meio da profissionalização, como um dos
elementos constituintes do processo de burocratização do Estado”
91
. Ou seja, as estruturas
organizacionais e os médicos sanitaristas vinculados ao Estado que emergiram deste processo
eram diversos daqueles do período anterior. Estes sanitaristas eram de outra geração, criada e
orientada para o serviço público, e receberam treinamento em cursos de saúde pública tanto
no Brasil quanto no exterior, principalmente, nos Estados Unidos. Contudo, embora
existissem estas diferenças, do ponto de vista ideológico, a perspectiva “reformadora” desses
médicos permaneceu basicamente a mesma, a idéia de utilizar a medicina higienista na
formação do brasileiro “conveniente” a uma nacionalidade forte e progressista não se
modificou. Como acentua André Luiz Vieira de Campos, “há uma dimensão de continuidade,
que reside no fato de que, em meio ao processo, lento, de construção do Estado-nação, a
saúde pública prossegue desempenhando um papel essencial”
92
. São, pois, estes aspectos que
abordaremos a partir daqui.
Uma das primeiras questões que devemos enfatizar é a discussão em torno da
periodização. A historiadora Ângela de Castro Gomes critica as análises que tratam o período
que vai de 1930 a 1945 como um bloco coeso, e para, além disso, situam o Estado Novo
como a consagração dos ideais da Revolução de 1930
93
. De acordo com ela, essa
abordagem tem origem no pós-1930, quando as elites criaram um discurso cujo objetivo era
se distanciar, numa perspectiva opositora, da “República Velha”, então, a idéia era de que a
Revolução de 1930 assinalara um novo momento na história do país, através da ruptura com
os “desacertos” da Primeira República. Esse discurso, sem dúvida, se popularizou e passou a
90
Como já destacado, este modelo difundiu-se no Brasil quando Oswaldo Cruz, como diretor do Departamento
Nacional de Saúde Pública entre 1903-1909, empreendeu as campanhas contra a febre amarela e a varíola no
Rio de Janeiro.
91
CAMPOS, André Luiz Vieira de. Políticas Internacionais de Saúde na Era Vargas: o Serviço Especial de
Saúde Pública, 1942-1960. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p. 25.
92
Ibid. p. 54.
93
GOMES, Ângela de Castro. Estado Novo: ambigüidades e heranças do autoritarismo no Brasil. In:
ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha Viz. (orgs.). A construção social dos regimes
autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX. Vol1: Brasil e América Latina. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, no prelo [2008]. p. 2.
49
ser adotado por diversos segmentos da elite naquele período. Não obstante, o grande
problema, é que parte da historiografia passou a considerar tal discurso como um ponto de
partida nas suas interpretações, tratando o período, efetivamente, como um único bloco.
Nesse tipo de interpretação, o ano de 1930 é reconhecido por “inaugurar” uma
“nova era”, cujo coroamento de seus projetos teria ocorrido em 1937, com o Estado Novo, e
seu encerramento em 1945. Ângela de Castro é bastante clara, ao apontar os problemas
desencadeados por uma tal perspectiva de análise:
Essa periodização, ao esquecer as marchas e contramarchas do
período, apaga da memória histórica a marca da incerteza
política que o domina, minimizando parte do sentido de fatos
cruciais, como: a Revolução Constitucionalista de 1932, a
experiência da Constituinte de 1934, a movimentação política
da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da Ação Integralista
Brasileira (AIB), por exemplo.
94
Com isso, minimiza-se uma série de eventos importantes da vida política do
país, sobretudo no que tange aos esforços de mobilização da sociedade. As distinções deste
período podem ser observadas no próprio processo de governabilidade: de 1930-1934
governo provisório; de 1934-1937 governo constitucional e de 1937-1945 o Estado Novo.
Esta distinção traduziu-se numa certa instabilidade que podia ser observada também no plano
da estruturação da saúde pública, pois o Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) foi
criado em 1930, e durante seus quatro primeiros anos de existência estiveram à sua frente três
ministros diferentes, a saber, Francisco Campos (1930-1931); Belisário Pena (setembro a
dezembro de 1931); Francisco Campos (janeiro a setembro de 1932); Washington Pires
(1932-1934) e por fim, Gustavo Capanema (1934-1945).
É neste ponto da discussão que podemos situar nossa perspectiva de
interpretação das políticas públicas em saúde, bem como da mobilização política de alguns
médicos, dentro do contexto que envolveu os anos de 1930 e início de 1940. Fazendo isso,
estamos justamente corroborando para a argumentação que trabalha com a idéia de que o
período foi, antes de tudo, marcado por uma dinâmica de continuidade/descontinuidade. Pois,
como destacamos, o debate que envolveu a questão das reformas na saúde pública não foi
“inaugurado” no pós-1930, pelo contrário, iniciou-se na década de 1910, e ganhou força na
década seguinte com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), ainda
dentro do contexto da “velha” república. Nossa intenção, ao trabalhar com o período
94
Ibid. p. 3.
50
posterior, isto é, a partir de 1930, foi compreender como essa questão das políticas públicas
em saúde foi redimensionada e conduzida dentro de uma política estatal de forte caráter
nacionalista, centralizador e corporativista e, para, além disso, como passou a ser tratada,
dentro desse novo cenário, marcado pela criação do Ministério da Educação e Saúde Pública.
É importante ressaltar esses aspectos relativos à periodização, justamente
porque os médicos sanitaristas envolvidos com as questões relativas à saúde no Brasil
tomaram para si esse discurso que pretendia distanciar a “nova” república da “velha”. Sendo
assim, afirmavam que a Revolução de 1930” havia inaugurado um novo momento para
saúde pública, bem como para todos os aspectos essenciais ao progresso do país, trataram da
questão como se esse fosse o ponto inicial, e não a continuidade de um movimento
empreendido desde o início do século. Vale destacar que esta separação em “antes” e “depois”
de 1930 foi promovida pelo próprio Estado, que procurou popularizá-la para os diversos
segmentos sociais. Em artigo publicado na seção “Arquivos de Saúde Pública da Revista
Medica de Minas, o médico Paulo Cerqueira R. Pereira, discutiu o problema da lepra,
deixando explícita a idéia de que vivia-se um tempo novo no Brasil, e por isso mesmo
oportuno para equacionar tão grave questão:
Na hora tremulante que passa, dentro da qual tem podido
crescer e vingar tantas das idéias de progresso que quarenta
anos de marasmo relegaram ao esquecimento, precisamos
convocar o senso da nacionalidade para a solução imediata
desta equação, uma das que compõem o sistema tão intrincado e
cheio de incognitas do problema da lepra
95
.
O médico fazia alusão aos quarenta anos passados desde 1889. A idéia era
enfatizar a ruptura em relação à Primeira República, período que passou a ser caracterizado no
pós-1930 como tendo sido marcado pelo atraso, pela apatia em relação aos problemas do país,
nesse caso, também em relação ao campo da saúde pública. A contraposição com o passado
era uma constante na discursiva dos médicos sanitaristas mineiros, a qual se manifestava
através das críticas à desatenção dada à saúde da população até aquele momento, colocando-
se numa posição de quem acreditava e esperava por iniciativas vindas do poder público no
advento da república “nova”. Mas isto também podia ser observado na discursiva de médicos
sanitaristas de outros Estados do país, observemos este trecho do discurso do médico
paranaense Jorge Lacerda, publicado na Revista Medica do Paraná:
95
REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano I, Belo Horizonte, Dezembro de 1933 – Nº 4. p. 57.
51
O Brasil está exigindo, colegas, uma legião de sanitaristas. Os
medicos não poderão alienar as suas responsabilidades. Cabe-
lhes, em colaboração com um Estado verdadeiramente forte,
que solucione as questões vitais da Patria, promover a
libertação sanitaria do brasileiro (...)
96
.
A fala do médico mineiro assemelhava-se à do paranaense, apesar de afastados
em termos temporais e territoriais, ambos eram sanitaristas e, portanto, estiveram envolvidos
com a perspectiva de “curar” o Brasil ao longo de todo este período. Para isto, eles se
colocavam como “colaboradores” do Estado, que neste momento havia tornado-se forte,
porque tinha à frente um governo sério, comprometido com o progresso da nação. Estes
médicos chamavam sobre si a responsabilidade de contribuir nesta obra, “convocam o senso
da nacionalidade” dos demais colegas a fim de que pudessem promover a libertação
sanitária do brasileiro”, que de acordo com Jorge Lacerda, era uma das “questões vitais da
Pátria”. O argumento baseava-se na idéia de que a hora de resolver os problemas sanitários
do país finalmente chegara, pois vivia-se um tempo de profundas transformações, e estas
também se davam no campo da saúde pública.
que se considerar que, no pós-1930 foram realizadas modificações
significativas no que se referia à questão da saúde, mas estas não podem ser pensadas, senão,
numa perspectiva que estabeleça suas conexões com os “primeiros passos” do movimento
pró- institucionalização da saúde pública no país que, como vimos, se iniciou na Primeira
República. Mesmo porque, apesar de o Estado ter tomado para si algumas responsabilidades
no que dizia respeito ao saneamento de algumas áreas do país e ao controle de algumas
endemias, ele não assumiu completamente o papel de “zelar” pela saúde, ao contrário, os
embates continuavam, às vezes velados, outras vezes nem tanto, variação que ocorria em
virtude da implantação de um regime ditatorial no país. Como enfatiza Hochman, a era do
saneamento não significou a solução de todos os complexos problemas de saúde pública, mas
legou uma infra-estrutura estatal, com a autoridade sanitária presente em grande parte do
território brasileiro
97
.
Assim, temos em 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde, a
concretização de um projeto que vinha se constituindo ao longo de, pelo menos, duas décadas.
O discurso criado em torno do ato, consoante ao discurso da “revolução”, foi de pioneirismo e
96
LACERDA, Jorge. Discurso. In: REVISTA MEDICA DO PARANÁ, Curitiba, Junho de 1938. v.7, nº.6. p.
313.
97
HOCHMAN, Gilberto. op. Cit. p. 40.
52
inovação, como salientou Ângela de Castro Gomes ao fazer uma análise de algumas
correspondências do ministro Gustavo Capanema, especificamente de cartas trocadas entre ele
e o arquiteto Lúcio Costa, um dos responsáveis pela obra do edifício que abrigaria o
Ministério da Saúde e Educação do Brasil: “o edifício devia demonstrar, com sua
monumentalidade arquitetônica, a própria razão de ser de um ministério inaugurado para
“educar e curar” o Brasil, livrando-o de seus grandes males e propiciando-lhe um futuro
promissor e moderno”
98
. A retórica, o se distanciava muito daquela postulada inicialmente
pelos sanitaristas e intelectuais da Primeira República, o que alterou foi o lugar onde se
produziu o discurso, isto é, no interior do aparelho do Estado. Porque, se anteriormente, a
perspectiva era “convocar” o poder público a assumir seu papel de gerenciador da saúde e
educação públicas, agora a tendência era justamente explorar a idéia de que a “nova
república” tinha à frente um governo consciente, que sabia que era seu dever zelar pelos seus
compatriotas, um discurso que evocava relações de colaboração entre os médicos sanitaristas
e o Estado.
Devemos voltar a destacar que estamos tratando de um grupo específico dentro
da categoria médica, os sanitaristas e, desta forma não podemos nos esquecer de que “os
médicos deste perfil, todos, sem exceção, atuavam profissionalmente, ou passaram a atuar,
em alguma instância do poder público vinculada à gestão dos serviços de profilaxia,
educação ou ação higiênica”
99
. Isto significava que eles precisavam estar mais “afinados”
com o discurso do Estado, pois se não eram, queriam ser funcionários públicos, se inserir na
burocracia estatal, para que assim pudessem colocar em prática seus projetos de saúde
coletiva. Esta era uma relação que envolvia reciprocidade, uma vez que, o poder público se
utilizava, muitas vezes, do sanitarismo para se fazer presente na sociedade, e os sanitaristas,
por outro lado, se utilizavam daquele para obter maior autonomia para atuar, bem como para
colocar em prática suas propostas no campo da saúde pública.
O problema sanitário representado pela lepra constitui-se um claro exemplo da
importância de se “cativar” o poder público
100
. Um dos maiores leprosários do país, e o maior
de Minas Gerais, a Colônia Santa Izabel em Betim, carecia de grande investimento para
manter-se em funcionamento, investimento que nem sempre vinha a contento, os leprólogos
98
GOMES. (org.) Capanema: O Ministro e seu Ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 13.
99
NETO, André de Faria Pereira. Ser Médico no Brasil: o presente no passado. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
p. 50.
100
Trataremos mais detidamente sobre como a lepra representa um exemplo das estratégias de posicionamento
dos sanitaristas junto ao poder público no Capítulo III.
53
da Colônia tinham que, diversas vezes, apelar para a filantropia. Entretanto, mesmo
considerando a lepra como um flagelo, como um problema sanitário que exigia a total atenção
dos governos, o apelo era feito de uma maneira interessante, primeiro elogiava-se o governo,
de preferência em público, numa tentativa de convencer o governo a investir no projeto e,
obviamente, não criar querelas com o mesmo. O médico Nagib Saliba do Centro de Estudos e
Prophylaxia da Lepra no Estado de Minas Gerais, em palestra realizada na Radio
Inconfidência de Minas, fez longo relato acerca da gravidade do problema representado pela
lepra, alertando a população para a necessidade de contribuir para a erradicação da mesma,
fosse através da adoção de hábitos higiênicos, de contribuição aos leprosários ou, até mesmo,
informando às autoridades sanitárias sobre supostos portadores do mal. Mas, além disso, não
deixou de enfatizar:
Volveis os olhos para a Colônia Santa Izabel (...). encontreis
a assistência carinhosa do governo mineiro, a cuja frente surge a
figura generosa do Governador Benedicto Valadares, a bondade
de Mario Campos, que na Saude Publica retempera a sua fibra
de mineiro no combate à leprose em nossa terra
101
.
É interessante como os sanitaristas sempre apelavam para este discurso
personalista, que ressaltava as características pessoais dos governantes, esta tendência a
construir imagens políticas calcadas na retidão de caráter, na justiça, na honestidade,
generosidade, entre outras, era um traço muito marcante da administração de Getúlio
Vargas
102
. Momento no qual ampliou-se a atuação do Estado, sobretudo, a partir da criação
de um aparato burocrático, entretanto, preservou-se e até mesmo estimulou-se este
reconhecimento pessoal do governante. Para os sanitaristas mineiros especificamente, recorrer
a este aspecto pessoal se configurava como uma estratégia para obter a atenção e,
principalmente, o investimento do governo em seus empreendimentos.
Na REVISTA MEDICA DE MINAS é muito freqüente este apelo personalista
aos governantes, sempre assinalando o contexto do pós-1930 como um “tempo de mudanças”
101
SALIBA, Nagib. “O problema da Lepra seu contágio”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno V,
Belo Horizonte, Abril de 1938. Nº 56. p. 12.
102
Esta auto-imagem do governo, como destaca Jorge Ferreira, o pode ser pensada, unicamente, como
resultado de propagandas e da repressão política. Deve-se considerar a questão de maneira muito mais ampla,
ou seja, “o Estado teceu sua auto-imagem, induzindo os trabalhadores a identificarem-no como o guardião
de seus interesses materiais e simbólico”. Para o caso do médicos sanitaristas, particularmente, esta troca de
interesses materiais e simbólicos ocorria o tempo todo, os elogios aos governantes, e não somente a figura
mais destacada do presidente, foi uma estratégia de obter ganhos dos mesmos. Cf.: FERREIRA, Jorge.
Trabalhadores do Brasil: O Imaginário Popular. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 22.
54
rumo ao progresso. No exemplar de julho de 1934 foi publicada uma entrevista concedida
pelo médico Carlos Chagas à imprensa do Rio de Janeiro, quando este retornava de uma visita
à Belo Horizonte. A entrevista foi introduzida da seguinte maneira: “De retorno de Belo
Horizonte, o ilustre scientista, professor Carlos Chagas, fala sobre o aperfeiçoamento
techinico attingido pelo grande Estado Mediterraneo nos diversos ramos da medicina
preventiva”
103
. A isto se seguiu um texto no qual o sanitarista parabenizava o Estado pela
iniciativa da criação de uma “escola de enfermeiras profissionais”, a exemplo da Escola de
Enfermagem Ana Nery criada por ele no Rio de Janeiro quando esteve à frente do
Departamento Nacional de Saúde Pública. Em seguida, o médico começou a falar sobre a
questão da lepra, “um dos maiores problemas da medicina preventiva no Brasil”
104
, e relatou
sua visita ao leprosário de Santa Izabel, elogiando suas instalações, no dizia respeito as
técnicas de tratamento e ao padrão de conforto para os internos, que chegavam naquele
momento à aproximadamente mil pacientes. Sendo assim, Carlos Chagas enfatizava “cumpre
assignalar que, ha alguns annos, nada existia em Minas Gerais referente á luta contra a
Lepra e á assistencia médica aos leprosos”
105
. E com isto, elogiava o governo mineiro por ter
considerado com grande zelo e “perseverantes esforços” o problema representado pela lepra.
Mas neste ponto introduz a questão principal de sua discursiva, que era a criação do Centro
Internacional de Leprologia um centro de investigação científica e de propaganda e
orientação contra a doença - que envolveria a cooperação entre o Centro de Leprologia do Rio
de Janeiro e outros Centros da América do Sul, um território reconhecido como grande foco
de lepra. Mas apenas criar centros de estudo e propaganda contra a lepra não seria suficiente,
era necessário contar com a conscientização dos governos, pois estes poderiam investir na
erradicação efetiva da doença. Então suaviza,
No que diz respeito a Minas Gerias, eu me permito deixar
largos encomios á orientação de seu ilustre interventor, sr.
Benedicto Valladares e de seu secretário de Saude Publica, sr.
Noraldino de Lima, pela firmeza com que encaram, naquella
região do paiz, os problemas de defesa sanitaria, e pela decisão
em que se encontram de levar por deante, sem esmorecimento e
apesar das dificuldades financeiras actuais, a campanha contra a
lepra
106
.
103
CHAGAS, Carlos. O Combate á Lepra em Minas Gerais. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano I, Belo
Horizonte, Julho de 1934. Nº 11. p. 73.
104
Ibid. p. 74.
105
Ibid. 77.
106
Ibid. p. 79.
55
Este entusiasmo em “levar adiante sem esmorecimento” a campanha contra a
lepra era muito mais dos sanitaristas do que do governo propriamente, e estas palavras se
configuravam muito mais como um apelo, do que como ação efetiva, haja vista que, logo em
seguida, Carlos Chagas ressaltou novamente, agora utilizando um termo mais significativo, o
“acreditamos”:
Acreditamos que, apesar das deficiencias financeiras actuais,
não serão abandonadas diretrizes de tanto acêrto e também que
sobrará sabedoria ao governo de Minas Gerais para considerar
de um ponto de vista muito alto, o problema da saúde,
procurando resolve-lo com decisão, embora de modo
progressivo
107
.
Sendo assim, ele e os demais sanitaristas envolvidos com a preservação da
saúde pública, “acreditavam” que o governo de Minas Gerais não desistiria de investir nesta
área. Era quase um apelo para que o governo não deixasse de destinar recursos para a saúde e,
de modo específico, para combater a lepra, tal ação deveria continuar, mesmo sendo de
maneira “progressiva”, ou seja deficiente. Era esta idéia de “deficiência” que Carlos Chagas
deixou transparecer quando encerrou a entrevista da seguinte maneira:
Eu me permito referir aqui que no Uruguay, paiz de um milhão
e setecentos mil habitantes apenas, as verbas destinadas aos
serviços de saude e de assistencia attingem 16.000.000 de pesos
ou seja algum tanto mais de 100.000 contos de réis. Nem tanto
quanto lá, mas nem tão pouco quanto aqui
108
!
As palavra finais do sanitarista mostraram o descontentamento com o
investimento que a saúde pública recebia no Brasil ao compará-lo ao Uruguai, país de
extensão territorial e população bem menores, mas que investia muito mais na saúde da
população. E ainda, enfatizou, com certa ironia, que não precisava ser tanto quanto , mas
também não poderia ser “tão pouco quanto aqui”. O que podemos entender a partir disto é que
apesar de toda a discursiva anterior, tecendo grandes elogios ao interventor de Minas Gerais
quanto à sua disponibilidade em contribuir para a obra da saúde pública no Estado, isto não
acontecia de modo satisfatório. O “progressivo”, pode ser compreendido como insuficiente. E
esta discursiva não era exclusiva do sanitarista Carlos Chagas, ao contrário, esteve constante
107
Ibid. p. 79. [Grifos Nossos]
108
Ibid. p. 79. [Grifos Nossos]
56
presente entre os sanitaristas de Minas Gerais também. E ainda, o problema com a falta de
investimento na saúde pública denotava uma continuidade com o período anterior, quando os
sanitaristas implementaram campanhas de conscientização sobre os problemas sanitários
brasileiros. Conscientização, em primeiro lugar, que visava a coletivização do bem-estar ou
seja, fazer com que o poder público assumisse suas responsabilidades para com a saúde da
população.
Deste modo, apesar do discurso dos sanitaristas que procurava demonstrar uma
“ruptura”, também no campo da saúde, com o período pré-1930, sempre tentando caracterizar
os governantes que ocuparam o poder após a “revolução” como conscientes e esclarecidos
quanto aos problemas do país, o que se pode notar, de fato, são continuidades, quando o
assunto em questão era o investimento na saúde pública. Compreendemos que esta retórica,
em última instância, se configurava como uma estratégia destes dicos a fim de
conseguirem do poder público uma maior autonomia, bem como um maior “apoio”,
sobretudo, financeiro para dar cabo a seus projetos no campo da saúde. E podemos dizer
ainda, que além deste aspecto estratégico, estamos lidando com profissionais que estavam
inseridos na burocracia estatal como funcionários públicos. Foram os sanitaristas que
passaram a ocupar todos os cargos relativos ao sistema de saúde pública, deste modo, também
podemos entender essa “reverência” para com o Estado como uma forma de levar adiante seu
processo de profissionalização. Por isto, eles adotaram a retórica dominante, a qual realçava a
ruptura com a “velha” república. Não descartamos nenhuma das possibilidades, por um lado,
a luta pela consolidação do sistema de saúde pública brasileiro, a figura do médico sanitarista
“missionário do progresso”, mas por outro lado, também devemos reconhecer a importância
que representa “adotar” o discurso do governo para a trajetória profissional destes indivíduos.
Esta ambigüidade esteve presente no discurso de posse do médico Castilho Junior como
Diretor de Saúde Pública em Minas Gerais, no ano de 1938:
Quando, surpreso, recebi do eminente sr. Governador Benedicto
Valladares o convite com que me distinguiu, para ter a honra,
tão acima de meus meritos pessoaes, de collaborar num campo
mais vasto com o seu governo honesto, patriótico e sempre e
voltado para o bem público, devo dizer-vos que procurei conter
a minha emoção e tive a compreensão immediata de que
estamos vivendo a hora por que ansiavamos todos quanto
desejavamos ver esse pais trilhando novos rumos
109
.
109
CASTILHO JUNIOR, J. Tomou posse o novo diretor de Saúde Pública do Estado”. In: REVISTA
MEDICA DE MINAS, Ano V, Belo Horizonte, Dezembro de 1938, nº 64. p. 27. [Grifos Nossos]
57
No discurso é claro o entusiasmo do médico com o novo cargo, assim como,
também sabemos que tecer elogios aos governantes se constitui atitude recorrente em
solenidades desta natureza. Embora, não possamos deixar de pensar na duplicidade da posição
ocupada por ele, um sanitarista que já havia desempenhado outra função pública em 1934,
fora “Inspetor de Higiene Escolar” em Minas Gerais. Sendo assim, certamente sabia dos
problemas que existiam na área de saúde pública no estado, e sabia também da postura que o
governo assumia diante deles, nem sempre satisfatória. Mas o fato era que o governo de
Minas Gerais fora “nomeado” como interventor por Getúlio Vargas dentro de um sistema
político autoritário, portanto, não cabia a estes médicos, para além de qualquer interesse
pessoal entrar em confronto direto com o governo. Assumir o discurso como estratégia
política era uma maneira de obter algumas trocas simbólicas”, isto é, maior autonomia para
desenvolver seus projetos de saúde pública, em troca de reconhecimento e legitimação do
regime político estabelecido
110
.
Portanto, em que pese à existência de continuidades nas relações entre Estado e
saúde pública – e/ou médicos sanitaristas - podemos notar uma mudança na maneira pela qual
foram conduzidas as discussões e os embates em torno da questão das políticas públicas em
saúde no Brasil. Entendemos que tal mudança se deu, sobretudo, em função da crescente
centralização do poder político do Governo Federal no pós-1930, bem como pela crescente
burocratização do Estado, que abriu campos de atuação no poder público para estes
sanitaristas. Nossas atenções estão mais voltadas para o caso específico de Minas Gerais, onde
os sanitaristas agiram consoante a profissionais com este mesmo perfil de outros estados do
país, os quais, igualmente, forjaram estratégias de posicionamento junto ao poder público.
Nossas fontes nos indicam que este posicionamento “estratégico” era
característico dos sanitaristas, pois os médicos de outras especialidades tinham, muitas vezes,
uma atitude mais crítica em relação ao Estado. Os sanitaristas eram menos categóricos em
suas reivindicações, adotavam uma postura menos exigente e mais solícita em relação aos
governos. Sugerimos duas explicações para isso, a primeira é a mencionada adoção do
discurso oficial de instauração de uma “nova” república e, conseqüentemente, de uma nova
forma de dimensionar os problemas enfrentados pelo país como estratégia de inserção
política. A segunda define-se muito em função da tese de Otávio Soares Dulci, que afirma ter
havido uma grande politização no processo de desenvolvimento mineiro entre as décadas de
110
No próximo capítulo analisaremos mais detidamente estas questões .
58
1930 e 1950. Ou seja, tendo perdido a autonomia que lhe conferia o federalismo, Minas
Gerais tratou de criar alternativas para não perder seu destaque no cenário nacional, sendo
assim, ao invés de entrar em confronto com o poder central, o governo estadual entendeu que
poderia “tirar partido de sua convergência com o centro para promover interesses regionais
compatíveis com a linha-mestra do regime
111
.
Começou a existir uma ampliação dos papéis políticos do estado, que de
acordo com Otávio Dulci, procurava se situar como cliente privilegiado, tendo em vista o
seu peso político e o prestígio de suas lideranças”
112
. Neste processo, as elites mineiras, tanto
as tradicionais quanto as emergentes
113
, procuraram conduzir o processo de desenvolvimento
do Estado, adaptando-se ao novo contexto, marcado pela centralização política. Os dicos
sanitaristas mineiros, como representantes dessa elite emergente, integraram este processo.
Nesse sentido, é significativo analisarmos como a própria maneira com que eles chamavam a
atenção do poder público para as questões relativas à saúde era sintomática desta “adaptação”,
como evidenciamos incorporavam o discurso de legitimação do governo quando iam tratar
de suas demandas junto a ele. Vejamos um trecho do discurso proferido pelo médico Mario
Alves da Silva Campos, na solenidade de abertura do “Curso de Leprologia” na Faculdade de
Medicina da Universidade de Minas Gerais, publicado na REVISTA MEDICA DE MINAS
no ano de 1934:
Nenhum momento mais propício do que êste para lançar as
iniciativas da ordem desta que hoje se torna realidade, momento
em que se encontra à frente do Govêrno de Minas Gerais um
homem como o sr. Benedicto Valladares, que, como todos
aqueles que consumaram a formação da sua personalidade ao
contacto da natureza hostil e àspera do nosso sertão e no trato
com as populações sofredoras do interior, tem a alma
impregnada do sentimento da nossa realidade, e, lúcido e
enérgico, possue visão necessária para pôr em equação os
problemas que constituem essa realidade e virtude de
enfrentá-los com o animo de dar-lhes solução adequada.
114
111
DULCI, Otávio Soares. Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999. p.71.
112
Ibid. p. 129.
113
Para que o processo de modernização fosse concretizado, era preciso fazer uma parceria entre as forças
entenda-se: elites - tradicionais com os novos atores. Esses últimos eram provenientes dos quadros do ensino
superior, e compunham a “nova” elite formal que se destacava com o surgimento de uma burocracia
gerencial a partir do Estado Novo. A idéia era delinear o Estado como um aparelho burocrático racional, livre
dos interesses de classe. Entre esta elite emergente encontravam-se, principalmente, médicos e engenheiros.
114
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Maio de 1934 – Nº 9. p. 74. [Grifos nossos]
59
A perspectiva era chamar a atenção dos governantes em relação aos problemas
enfrentados pelo país. Neste discurso do médico Mario Alves da Silva Campos, havia um tom
de reivindicação, porém, a crítica não era direta, pelo contrário, ressaltavam-se as qualidades
do interventor de Minas Gerais, que: “tem a alma impregnada do sentimento da nossa
realidade, e, é lúcido e enérgico”, por isso saberia resolver todos as questões enfrentadas
naquele momento. É significativo compreendermos, que esse foi um discurso proferido dentro
de uma instituição pública de ensino, e que o próprio curso de leprologia, que se inaugurava,
era fruto de uma demanda travada pelos médicos daquela instituição com o governo, visto que
a lepra se apresentava como um dos principais problemas sanitários a serem equacionados em
Minas Gerais nesse período.
Temos, com isto, um típico exemplo de como os sanitaristas, enquanto
integrantes da elite do estado “participavam do jogo do governo” sustentando-o, ao tomar
para si o discurso da honestidade, da retidão de caráter e da justiça que orientavam a política
no pós-1930. Esta era uma discursiva adotado para definir a figura de Getúlio Vargas, mas no
caso de Minas Gerais, Benedito Valadares era a pessoa escolhida por Vargas para gerenciar os
conflitos internos e garantir o apoio do Estado ao seu governo. Por isso, tecer elogios a
Valadares significava dizer que sua escolha para ser interventor de Minas Gerais, era mais um
dos acertos do Presidente da República. E a adoção desse discurso era, em última instância,
uma maneira que esses médicos tinham de continuarem demandando do Estado soluções para
os problemas da saúde pública.
60
CAPÍTULO II
SAÚDE PÚBLICA E PROFISSIONALIZAÇÃO MÉDICA NO
ALVORECER DA SEGUNDA REPÚBLICA
Às vezes eu penso, disse ele que a profissão médica bem compreendida tem uma
função muito mais importante do que em geral se julga. Já que em sua maioria os
homens são doentes psíquicos, acho que cabe aos médicos fazer alguma coisa pela
humanidade. Os pequenos e os grandes médicos, cada qual no seu setor.
Érico Veríssimo, Olhai os lírios do Campo, 1938.
Neste capítulo, nossa atenção recairá sobre o processo de profissionalização da
categoria médica, o qual estava em curso nos anos trinta. Procuraremos entender de que
maneira a saúde pública se tornou instrumento de profissionalização para os médicos
sanitaristas, e como estes médicos procuraram delimitar seu espaço dentro da nova estrutura
burocrática estatal. As estratégias para marcar este campo de atuação foram as mais variadas:
combate ao charlatanismo, críticas à criação desordenada de novos cursos de medicina,
sindicalização, normatização e organização do trabalho médico, utilização do argumento
científico, entre outras.
Analisaremos também como a saúde entrou na agenda do poder público a partir
da chamada “Revolução de 1930”, e de que maneira o discurso oficial que apregoava a
“renovação” do país influenciou os médicos, profissionais diretamente envolvidos com o
processo de estruturação de um sistema de saúde no Brasil. E ainda, como esses profissionais
utilizaram a saúde pública - em sua retórica discursiva - como forma de se inserir na obra de
modernização do país.
2.1 A Organização do Trabalho Médico no Brasil: a Sindicalização como
Alternativa
No início do século XX a organização do trabalho médico no Brasil passou por
um processo de inflexão, visto que até o final do século XIX os médicos brasileiros eram
necessariamente profissionais liberais. Como destaca André Pereira Neto,
61
No Brasil, no início do século XX, o mercado de trabalho e o
conhecimento médico passaram a sofrer lentas e profundas
transformações. O movimento de especialização do
conhecimento e de tecnificação das atividades do mundo do
trabalho, evidentes em outras áreas produtivas e de serviços
começaram progressivamente a invadir a prática médica
115
.
Isto ocorreu quando o Estado começou a assumir uma postura de gestor e
promotor de variados ramos da produção e dos serviços, dentre os quais se destacava a saúde
pública. Do ponto de vista da profissão dica, ocorreram alterações tanto no conhecimento
quanto no mercado de trabalho, as diferenciações na maneira de exercer a profissão, bem
como as diferentes formas de “ser médico” podiam ser identificadas nos perfis profissionais
que se delineavam.
As revistas que utilizamos como fontes se constituíram importantes
instrumentos de profissionalização para a categoria médica mineira. Nelas, encontramos
perspectivas controversas acerca do significado de ser médico no Brasil. Sendo assim, o que
se percebe é que não havia uma homogeneidade na categoria profissional, que os interesses
se diferenciavam de acordo com os perfis profissionais. Como evidenciamos anteriormente,
havia pelo menos três perfis diferentes: o de generalista, de especialista e de higienista ou
sanitarista. Daremos especial destaque ao último perfil, entretanto, também procuraremos
analisar os interesses que são comuns a todo o grupo.
O desenvolvimento científico e tecnológico, ocorrido no campo da medicina a
partir do início do século XX, provocou modificações significativas na prática médica. A
primeira foi o processo de “compartimentalização”, criando as especialidades para tratar de
cada parte do corpo, bem como de doenças específicas. Nesse sentido, o próprio currículo se
modificou, na medida em que o trabalho médico se tornou mais fragmentado e
interdependente, exigindo, por diversas vezes, a intervenção de mais de um profissional.
Outra modificação pode ser identificada a partir do aprimoramento tecnológico, o qual
proporcionou o surgimento de equipamentos que tornaram os diagnósticos e os tratamentos
mais precisos, todavia, aumentaram os custos destes mesmos serviços. Desta forma,
determinar o preço deste trabalho tornava-se cada vez mais difícil, uma vez que os médicos
não estavam mais lidando apenas com a intuição, a subjetividade e a individualização do
paciente como faziam outrora, pois haviam se tornado mais racionalistas, os diagnósticos
tinham maior base científica e tudo isto elevava o valor de seu trabalho.
115
NETO, André de Faria Pereira. op. Cit. p. 22.
62
Nesta nova fase, o paciente não pagaria mais apenas pelos cuidados médicos,
mas pela ciência médica, cujo detentor era obviamente o profissional do campo da medicina.
Desta maneira, fazia-se necessário que o médico cobrasse o preço justo pelo seu trabalho.
Como qualquer outro trabalhador, o médico passou a lutar pelo assalariamento, bem como por
todas as prerrogativas advindas do processo de transformação de uma medicina - ofício
humanístico - para uma medicina “profissão” científica e racional. De acordo com André
Pereira Neto, a definição conceitual de profissão envolve três aspectos diferentes que se
combinam e se completam: “o domínio de um certo conhecimento, o monopólio do mercado
de trabalho e a formalização de normas de conduta”
116
.
Este conhecimento profissional deve possuir determinadas características que o
torne especial e acessível a poucos indivíduos, sendo assim, deve ser: “complexo, inatingível
e incompreensível por um leigo; sistematizado e institucionalizado em estabelecimentos de
ensino; aplicável, contendo altos índices de resolutibilidade dos problemas relevantes para a
sociedade”
117
. Todo este conhecimento deve ser acumulado através de longo treinamento e
orientado por um currículo padronizado que pressupõem diversas etapas e exigências para sua
conclusão. A intenção é criar um conhecimento sólido, sistemático e, portanto, inatingível
para os leigos, pois assim o profissional pode reivindicar o monopólio exclusivo sobre o
mercado.
Desta forma, o mercado de trabalho profissional é delimitado e exclusivo, para
isto, “o profissional se organiza em instituições de representação de interesses para
pressionar o Estado”
118
. Esta ação deve ser coletiva e requer, portanto, que os profissionais
dediquem esforços, tempo e recursos para o grupo. Com isto, eles podem conquistar a
autonomia econômica e técnica da profissão no mercado. “A autonomia econômica permite
que o profissional tenha liberdade de se auto-regular e atuar em sua esfera de
competência”
119
, e, é consolidada quando ele é capaz de decidir as necessidades de seu
cliente, ou seja, decidir o que é melhor para o outro. a autonomia técnica define que
somente ele é capacitado “para julgar a si e aos procedimentos de seus pares”
120
. Deste
modo, ele pode invalidar o serviço do leigo, fazendo com que a sociedade distingua seu
trabalho daquele desempenhado por um indivíduo experiente, mas sem formação profissional.
116
Ibid. p. 37.
117
Ibid. p. 37.
118
Ibid. p. 37.
119
Ibid. p. 38.
120
Ibid. p. 38.
63
Porque o Estado deixa nas mãos da profissão, constantemente, o controle sobre o aspecto
técnico de seu trabalho. O que muda, segundo variem as relações com o Estado, é o controle
sobre a organização social e econômica do trabalho”
121
. Ou seja, cabe aos profissionais
demandarem junto ao Estado a regulamentação dos aspectos organizacionais e econômicos da
atividade que executam.
Para além destas questões, é necessário que se estabeleça a auto-regulação do
trabalho, pois toda profissão precisa de um código formal para regular as atividades e
padronizar sua conduta. A maneira como o profissional deve estabelecer as relações com seus
clientes e com seus concorrentes é fundamental para que a profissão conquiste prestígio diante
da sociedade. Para Paul Starr, “o consenso interno, firmado com esta normatização, facilita
a articulação do interesse comum e a mobilização do grupo”
122
. Mas nem sempre é fácil
promover esta normatização, no caso específico da medicina, sua configuração como
profissão ocorreu a partir do século XX, quando os médicos brasileiros iniciaram uma luta
para terem a exclusividade no exercício desta atividade. Este processo, que chamamos
profissionalização, deu-se em meio a grandes embates, de modo particular, no período pós-
1930, especialmente no contexto do Estado Novo, marcado pela política trabalhista de Getúlio
Vargas.
“Proteção do Trabalho do Médico Brasileiro”
Exmo. Sr.
Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
O Sindicato Médico Brasileiro, no uso de sua atribuição
privativa que aos sindicatos confere o art. 138 da Constituição
da República, em nome da classe médica, vem pedir-vos a
criação de CONDIÇÕES FAVORÁVEIS E OS MEIOS DE
DEFESA para o trabalho dos médicos do Brasil, prometidos no
art.136 da referida Carta.
A profissão médica atravessa a mais grave crise econômica de
que notícia na história das profissões liberais, como provam
queixas angustiosas, cheias de amargor e desespêro vindas de
todos os pontos do país, e os inquéritos promovidos por alguns
sindicatos médicos. As determinantes da crise estão
exhaustivamente estudadas e apuradas, como estudadas e
indicadas se acham as medidas capazes de debelá-la, com
presteza e segurança.
No documento anexo, que se integra na presente petição,
encontrareis síntese suficiente dêsses estudos e conclusões.
Em face do exposto, com a devida vênia, o S. M. B. Vos sugere
a instituição de uma comissão para elaborar um projeto de lei de
121
Ibid. p. 38.
122
STARR, P. The Social Transformation of american Medicine. Nova Iorque: Basic Books, 1982. p. 18.
64
proteção do trabalho dos médicos do Brasil, à semelhança do
que tens resolvido quanto ao de outros trabalhadores.
Os profissionais da medicina confiam na elevada cultura de
estadista e sociólogo, que exorta vossa personalidade e, nas
vossas mãos, entregam confiantes a sua causa.
De V. Excia.
a) Dr. Tavares de Souza
Presidente
123
Esta petição, bem como o documento anexo a que faz referência, foram
divulgados integramente na REVISTA MEDICA DE MINAS, ocupando nove páginas da
mesma. A intenção era justamente divulgar os problemas enfrentados pela categoria
profissional e angariar simpatizantes para a causa. Artigos desta natureza, visando
conscientizar os médicos acerca da “realidade” vivenciada pela profissão, eram recorrentes na
revista. No anexo encontram-se descritas as “condições favoráveis e os meios de defesa para
o trabalho dos médicos do Brasil”
124
, mas estas condições somente foram apresentadas após
a descrição minuciosa das “condições desfavoráveis e da ausência de meios de defesa” que
acometia a profissão médica. Segundo o redator do documento Dr. Abelardo Marinho - a
crise enfrentada pela profissão se configurava pelos seguintes fatores: não trabalho para
a generalidade dos médicos, praticamente desapareceu a clientela e não se pagam
honorários médicos, senão excepcionalmente”
125
. As causas determinantes para tal situação
foram elencadas em nove tópicos, nos quais condenavam: as mutualidades de saúde que
compreendem serviços médicos das caixas de aposentadorias e pensões; o falseamento da
assistência médica gratuita; a assistência clínica gratuita prestada pelas repartições de higiene
e saúde pública; os anúncios-receitas de produtos e especialidades farmacêuticas,
profundamente divulgados pela imprensa e pelas estações de rádio; a venda a varejo -
independente da receita médica - de medicamentos, remédios e especialidades farmacêuticas;
a improvisação e o funcionamento de escolas de medicina, sem aparelhamento satisfatório,
quanto a material e pessoal docente, e a decadência do ensino médico; o exercício ilegal da
medicina, o espiritismo, o curandeirismo, etc.; a inexistência de leis que assegurassem,
efetivamente, o pagamento dos honorários médicos, e que regulassem a remuneração mínima
123
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Outubro de 1939 – Nº 74. p. 67.
124
Os médicos faziam referência ao artigo 136 da Constituição da República, no qual estava explícito que: “O
trabalho é um dever social. O trabalho intelectual, técnico e manual tem direito à proteção e à solicitude
especiais do Estado. A todos é garantido o direito de subsistir, mediante o seu trabalho honesto, e êste, como
meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem, que é dever do Estado proteger, assegurando-lhes
condições favoráveis e meios de defesa”.
125
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Outubro de 1939 – Nº 74. p. 68.
65
do médico empregado; e, por último, a falta de um organismo profissional, órgão dotado de
meios que lhes permitissem promover a defesa eficiente do trabalho do médico, enfatizando
que, “este era um bem que o próprio Estado se comprometeu a proteger”.
A partir da exposição destes problemas, o médico Abelardo Marinho passou a
expor os motivos pelos quais estas ações levavam à degradação da profissão médica. Quanto
às mutualidades, argumentava que forneciam toda a assistência médica, cirúrgica e
especializada aos associados mediante uma contribuição extremamente módica. Sendo assim,
criticava o apenas a constituição destas mutualidades, como também os médicos que se
submetiam a trabalhar para as mesmas, posto que, com tal atitude corroboravam para a
desvalorização do trabalho de toda a categoria profissional. Pois, “o preço vil do trabalho do
médico, constitui o grande chamariz de clientes para os consultórios das mutualidades, a que
aflue, em massa, toda uma população cuja situação financeira bem lhe permitiria remunerar
os médicos, menos avaramente”
126
. Alegava também que os médicos que prestavam serviços
para estas mutualidades atendiam a um número excessivo de pessoas, chegando a vinte
pacientes por hora, com isto ele acabava por ocupar e conseqüentemente, trabalhar em lugar
de, pelo menos, três profissionais. Isto comprometia também a qualidade da assistência
prestada, que apesar de barata era muito inferior.
Mas a discussão não focalizava a qualidade dos serviços prestados, mas sim, a
desvalorização profissional em curso, pois nas mutualidades os médicos trabalhavam
excessivamente, eram mal remunerados, e além disto, “roubavam” toda a clientela. Muitos
destes médicos, afirma o redator, se submetiam a tal situação porque nas mutualidades tinham
um ordenado fixo e certo, entretanto, não se atentavam para o fato de que seu ordenado “não
tem qualquer proporcionalidade com o vulto de seu trabalho”
127
. Estes dicos eram
explorados de maneira vil, viviam na pobreza e, muitas vezes, acabavam morrendo na
miséria, enquanto isto, “a prestação de serviço médico constitui prodigiosa fonte de renda
para as mutualidades”
128
. Sendo assim, o Sindicato Médico Brasileiro, por meio de seu
redator, exigia que o governo tomasse providências a fim de corrigir tais “injustiças”,
primeiro distribuindo de maneira mais equitativa o trabalho do médico, em seguida, pagando
o preço justo pelos serviços prestados. A proposta era de que isto fosse feito “mediante o
estabelecimento para os médicos empregados das mutualidades, do salário profissional ou
126
Ibid. p. 69.
127
Ibid. p. 69.
128
Ibid. p. 69.
66
da remuneração mínima; da limitação das horas de trabalho e do número de pacientes a
atender; de razoável participação dos médicos, nos lucros das mutualidades, oriundos dos
respectivos serviços clínicos
129
. Medidas que, de acordo com o Sindicato, visavam promover
o respeito profissional para os médicos brasileiros, trabalhadores como quaisquer outros.
O Sindicato Médico Brasileiro identificou a assistência médica gratuita como
uma outra causa geradora da crise na profissão. O médico Abelardo Marinho destacou que,
pela própria natureza, o serviço gratuito somente deveria ser propiciado aos indigentes, aos
comprovadamente pobres. No entanto, nas instituições destinadas a este tipo de assistência
eram atendidos todos os que se apresentavam alegando pobreza e necessidade, não havia
qualquer mecanismo de controle, a partir do qual poder-se-ia avaliar a veracidade da alegação
do paciente. Com isto, desviavam-se dos consultórios médicos milhares de clientes. E ainda,
os “impostores”, aqueles que se passavam por necessitados, acabavam tomando o lugar dos
que realmente necessitavam desta assistência. Mas, a preocupação não residia na falta de
atendimento para o pobre, mas sim, no “prejuízo” que causava à categoria médica. Pois
alegavam que no caso das mutualidades, salvo, toda exploração, ainda havia empregos para
alguns pouco e mal-remunerados médicos, mas no caso da assistência gratuita a situação era
muito pior, “salvo na que era prestada pelo Estado, associava-se o médico à distribuição de
caridade, sem outra recompensa, além do prazer de bem fazer
130
. Como forma de reparar
esta “outra injustiça” de que eram timas os médicos, o Sindicato Médico Brasileiro,
propunha que o governo regulamentasse a assistência médica gratuita. Isto é, “dever-se-à
adotar a instituição do cadastro de indigente, articulado com um serviço de sindicância de
caráter social; a fiscalização dos serviços clínicos, oficiais e privados pelos sindicatos
médicos, órgãos de defesa da profissão; e a aplicação de sanções, aos que falsearem ou
burlarem as leis relativas à matéria”
131
. Tais medidas, segundo Abelardo Marinho, evitariam
que os médicos sofressem com a ausência de clientela, e consequentemente, com a falta de
dinheiro para promover sua subsistência e de sua família.
Interessante neste sentido é o apelo que se fazia para que fosse “resolvido um
problema” referente, também, ao campo interno da categoria médica, qual seja, estabelecer
limites para as práticas dos higienistas que se ocupavam da saúde pública. De acordo com o
redator, nos serviços de higiene e saúde pública, mantidos pelo poder público e, portanto, que
129
Ibid. p. 69.
130
Ibid. p. 70.
131
Ibid. p. 70.
67
prestavam assistência gratuita, os problemas eram os mesmos, porém, “neste agrava-se o
caso porque, na espécie, não se pode compreender que repartições destinadas à prevenção e
à profilaxia das doenças, invada a seara da clínica e aproprie-se do trabalho a que os
médicos têm direito e de que precisam, para viver”
132
. Como medida para corrigir tal
problema, o Sindicato Médico Brasileiro intercedia para que fosse dado aos sindicatos
médicos o direito de fiscalizar estas instituições de higiene e saúde pública, assegurando que
as autoridades dos serviços públicos observassem rigorosamente as leis do código sanitário, e
assim, não se ocupassem de tarefas que não lhes diziam respeito. Ou seja, os médicos
higienistas deveriam se ocupar unicamente da prevenção, deixando que a medicação e o
tratamento fossem tarefas exclusivas dos clínicos.
A propaganda de produtos e especialidades farmacêuticos foi apontada como
mais uma das causas da crise da profissão médica. Segundo Abelardo Marinho, esta prática
constituía-se como verdadeiro exercício ilegal da medicina, uma vez que, pelas colunas dos
jornais e páginas de revistas receitava-se, abertamente, para todas as doenças e sintomas. “O
abuso já atingiu a ponto de dizer-se, sem rebuços: “evite o médico tomando...” êste ou
aquele remédio!”
133
. O médico avaliava tal atitude como perigosa para a saúde do indivíduo,
posto que nem o clínico podia receitar para doente sem antes tê-lo examinado, quanto mais
leigos, indivíduos sem nenhuma formação na área médica. Mas de fato, a preocupação recaía
novamente sobre a profissão, pois questionavam “quanta gente deixa de procurar o médico,
sugestionado por tais anúncios? Em virtude disso, quantos clientes são tirados aos
médicos?
134
A proposta do Sindicato Médico Brasileiro para resolver a questão consistia no
controle destas propagandas, as quais “só devem ser permitidas quando feitas junto aos
médicos, pelos agentes de produtos, mediante bulas, e pelas revistas médicas e
farmacêuticas. Nem mesmo nos rótulos de preparados, deveriam vir declarados sua
composição e posologia, ou as doenças para que servem”
135
. Evitar-se-ia desta maneira, a
auto-medicação e, consequentemente, a desvalorização do conhecimento médico.
Da mesma maneira, “a venda a varejo, no balcão de drogarias e farmácias,
independente de receitas, contitue outro motivo de evasão do trabalho próprio dos
médicos”
136
. O redator do documento afirmava que, toda sorte de medicamentos era vendida
132
Ibid. p. 70.
133
Ibid. p. 70.
134
Ibid. p. 73.
135
Ibid. p. 73.
136
Ibid. p. 73.
68
no balcão da farmácia indiscriminadamente, substâncias venenosas, remédios cuja
administração exigia cuidados especiais e acompanhamento médico, tudo era fornecido a
quem quer que desejasse e pudesse pagar. Esta prática, igualmente, promovia a degradação da
profissão médica, pois muitos doentes preferiam recorrer à auto-medicação do que frequentar
os consultórios médicos. Na acepção do Sindicato Médico Brasileiro, acabar-se-ia com essa
situação “restringindo a livre venda de medicamentos, pela exigência da receita médica, o
Estado cumpriria o dever de proteger a saúde e a vida do povo, e nisso teria,
automaticamente um colaborador em cada médico
137
. Esta iniciativa aumentaria as
possibilidades de trabalho para os profissionais da medicina e, em contraponto, o governo
teria a “colaboração” da classe médica, ou seja, a proposta era de interesse recíproco.
Outro ponto causador da crise profissional explicitado pelo Sindicato Médico
Brasileiro, foi o “aparecimento de escolas de medicina, insuficientemente aparelhadas, em
material e pessoal, contribuindo-se assim para a progressiva decadência do ensino
médico”
138
. De acordo com Abelardo Marinho, a abertura desordenada de escolas de
medicina, provocava um “inchaço” no mercado de trabalho, fazendo com que dia-a-dia
crescesse a massa de médicos poucos capazes, “que menosprezam a responsabilidade e
concorrem para desprestigiar a profissão, e agravar a crise econômica que assoberba a
classe, porque mercadejam seus serviços, oferecendo-os aos mais baixos preços”
139
. Desta
forma, cumpria que o governo fosse mais rigoroso no que tangia à formação de instituições de
ensino médico, e ainda, “era indispensável dar aos sindicatos médicos, a prerrogativa de
fiscalizar o ensino da medicina”
140
. O que o Sindicato Médico Brasileiro requeria do Estado,
em última instância e durante todo o tempo era esta autonomia para deliberar e, também, zelar
pelos interesses profissionais da categoria, muito embora, os interesses não fossem os mesmos
para todo o grupo, haja vista que os médicos não formavam uma categoria homogênea e,
muitas vezes, possuíam interesses divergentes que levavam à disputas internas. Entretanto,
existiam interesses comuns, sobretudo no que se referia à profissionalização, e muitos dos que
foram descritos até agora se constituem exemplo disto.
O exercício ilegal da medicina, o espiritismo e o curandeirismo, também eram
práticas condenadas pelo Sindicato Médico Brasileiro no documento analisado. De acordo
com Abelardo Marinho, seria desnecessário mostrar como tais práticas subtraíam grande parte
137
Ibid. p. 73. [Grifos nossos]
138
Ibid. p. 73.
139
Ibid. p. 73.
140
Ibid. p. 73.
69
da clientela dos dicos. Segundo o redator, apesar de o Estado ter seus órgãos de repressão
ao exercício ilegal da medicina, eles se mostravam rudimentares e insuficientes. A solução
para a questão seria simples, “entregando-se aos sindicatos médicos, a fiscalização
subsidiária e a repressão convincente do exercício ilegal da medicina, a questão estará
praticamente resolvida”
141
. Desta forma, os próprios profissionais se ocupariam de proteger
seu campo de atuação.
Ainda dentro das causas da crise pela qual passava os profissionais da
medicina, estava o fato de “o pagamento de honorários médicos e a remuneração do médico
empregado não terem a necessária proteção das leis do país”
142
. Abelardo Marinho destacou
que da grande massa de doentes, pequena parte ficava para o médico que exercia a profissão
como liberal, e destes, poucos pagavam os honorários médicos de maneira justa. E, isto
ocorria, porque existia um preconceito de que aliviar a dor e o sofrimento era simples dever
humanitário, assim como, o médico “tinha escrúpulo de observar normas comerciais em sua
relação com os clientes”
143
. Assim, ao contrário dos demais profissionais que declaravam o
valor de seus serviços quando terminavam de realizá-lo, o médico não procedia desta forma, o
que acarretava grandes prejuízos ao mesmo, pois sua profissão era um meio de vida para ele
como qualquer outra. Não é lícito o médico trabalhar de graça, e viver miseravelmente”
144
.
Portanto, o Sindicato Médico Brasileiro, demandava do governo providências no sentido de
regulamentar o processo de cobrança dos honorários médicos. O que poderia ser feito a partir
da dispensa da necessidade de advogado para recorrer judicialmente, pois as despesas com o
mesmo eram onerosas, bem como, aumentando o prazo de prescrição da dívida de um ano
para cinco anos. “É preciso restituir-se ao relatório do médico, a presunção de verdade que
teve. Com isso, a ação passará a ser executiva, iniciar-se-á com a penhora dos bens do
réu”
145
.
Todas estas medidas, afirmou o redator do documento, não seriam capazes de
retirar a profissão médica da profunda crise pela qual passava se, juntamente com elas, não
fosse instituído um órgão dotado de meios eficientes de defesa do trabalho médico. O que
pretendiam, em última análise, era promover a sindicalização em massa dos profissionais
médicos ou, ao menos, criar uma lei que obrigasse a todos prestarem contribuição às caixas
141
Ibid. p. 74.
142
Ibid. p. 74.
143
Ibid. p. 74.
144
Ibid. p. 74.
145
Ibid. p. 75.
70
dos sindicatos, pois, como alegava o Sindicato Médico Brasileiro, os benefícios conseguidos
pela luta sindical se estenderiam à toda categoria. “Não se pode impor a quem não o queira,
ser membro do Sindicato (...). Mas, da mesma forma que se fôrça o funcionário público a
concorrer para o montepio, bem se poderia tornar obrigatória a todos os profissionais,
sindicalizados ou não, a contribuição para os cofres dos sindicatos respectivos”
146
. Isto daria
ao sindicatos maior autonomia econômica e, por conseguinte, maiores chances de obterem
melhorias para a profissão. E ainda, evitaria-se um fato muito corriqueiro, a exclusão dos
sindicalizados pelos empregadores que, “discreta e silenciosamente”, preferiam os não-
sindicalizados nas admissões e nas promoções dentro das empresas. Portanto, caberia ao
Estado acabar com tal injustiça, invertendo a situação, ou seja, deixando claro na constituição
que “o sindicalizado tem absoluta preferência sôbre o não sindicalizado. Isto para todo o
emprêgo, mesmo nos de emprêsas ligadas ao govêrno por contratos, subvenções, etc”
147
.
Abelardo Marinho sintetizou afirmando que “mediante a preferência absoluta e a
contribuição universal, o sindicalismo daria ao Brasil todos os benefícios que dêle é lícito
esperar”
148
.
Sugeriu-se com isto, que o governo contribuísse no processo de formação de
uma consciência de classe” entre os profissionais da medicina, o argumento era de que,
fazendo isto, o governo poderia contar com os “benefícios que era lícito esperar” de tais
órgãos. Quais seriam tais benefícios? No documento havia menção à vantagem que o
Estado teria em contribuir para superação da crise profissional médica, ou seja, o Estado teria
em cada médico “um colaborador”. Esta era a lógica da reciprocidade que esteve presente na
política governamental do Estado Novo, isto é, o governo “concedia” benefícios em troca da
“fidelidade” por parte da classe trabalhadora. Neste sentido, é notável como - ao longo de
todo o documento elaborado pelo Sindicato Médico Brasileiro - foi feita uma comparação
entre os médicos e os demais trabalhadores, os primeiros, apesar de serem profissionais
qualificados, requeriam proteção. Muito embora, ao contrário de outros trabalhadores, os
médicos buscassem também autonomia para equacionarem suas questões. Queriam que o
governo desse poderes aos sindicatos médicos para atuarem no controle e defesa de seu
campo profissional.
Toda a argumentação do Sindicato Médico Brasileiro se deu no sentido de
146
Ibid. p. 75.
147
Ibid. p. 75.
148
Ibid. p. 75.
71
sensibilizar o poder público com suas questões e, por diversas vezes, deixar claro que os
médicos podiam resolver suas questões por eles mesmos, bastando que o Estado lhes
concedesse o amparo necessário, criando leis que assegurassem aos sindicatos autonomia para
deliberarem sobre determinadas questões. Como por exemplo, quem poderia ouo exercer a
medicina, a fim de combater o exercício ilegal da mesma; quais e quantos estabelecimentos de
ensino médico poderiam ser criados, evitando o inchaço no mercado de trabalho e a
desqualificação profissional; como e onde deveriam ser feitas as propagandas de
medicamentos, a fim de acabar com a auto-medicação, e etc. O Estado somente era acionado
como órgão deliberador quando se tratava da criação de um arcabouço legislativo, como nos
casos da fixação de um salário base para o médico e da obrigatoriedade das empresas em
contratar os profissionais sindicalizados. Salvo estes casos específicos, que requeriam a
imposição da “autoridade” governamental, o que os membros do Sindicato Médico Brasileiro
desejavam era o aval do Estado para consolidarem seu padrão profissional, ou seja, queriam
ser “delegados” a serviço do Estado.
E desta forma, a REVISTA MEDICA DE MINAS pode ser pensada como
importante instrumento de profissionalização, posto que, era através dela que os médicos de
Minas Gerais, tanto da capital quanto do interior, tomavam conhecimento das demandas de
sua categoria representada pelo Sindicato Médico Brasileiro - junto ao Estado. Além de
informarem acerca destas questões, os redatores do periódico também convidavam e
exortavam seus pares a se organizarem como classe, a se unirem na defesa de seus direitos.
Para o Dr. Hilton Rocha, membro do Sindicato Médico de Belo Horizonte, os médicos no
Brasil estavam desamparados, passando por um momento de crise e a culpa disto é da
própria classe”
149
que não se organizava e não se preocupava com as questões que eram de
interesse geral. Este tipo de afirmativa, atribuindo os problemas da categoria profissional ao
desinteresse de seus membros é comum no periódico. Notamos que havia uma tentativa de
conscientizar e ganhar o apoio dos leitores da revista. Sobre a questão trabalhista observamos
que em 1939 havia um grande volume de matérias que discutiam a questão, isto pois, foi o
ano de promulgação da lei que organizava a justiça do trabalho. Os médicos aproveitaram este
contexto para se posicionarem diante do governo como trabalhadores. E utilizaram o
periódico mineiro para divulgarem internamente para sua categoria profissional as
transformações que estavam ocorrendo no mundo do trabalho e quais as implicações das
149
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Fevereiro de 1940 – Nº 78. p. 45.
72
mesmas para a sua profissão. Assim, por exemplo, esta lei organizadora da justiça do
trabalho, aprovada pelo presidente como parte das comemorações do de maio de 1939, foi
publicada ainda na edição de novembro de 1939
150
.
Portanto, as demandas que descrevemos até aqui eram de caráter bastante
genérico, ou seja, constituíam interesse do grupo como um todo. Era a luta pela
profissionalização médica que estava em curso. Não obstante, havia também estratégias mais
particularizadas que diziam respeito apenas a certos setores dentro da categoria médica. Como
discutimos, existiam perfis profissionais variados e os médicos tendiam a se agrupar por
especialidades e também por interesses comuns a cada uma destas especialidades. O caso dos
sanitaristas é clássico. Estes profissionais se posicionaram na arena política e profissional com
o objetivo de delimitar seu espaço de atuação. E, fizeram isto de forma muito peculiar,
tentando manter uma estreita relação com o Estado e, mais, se mostrando úteis à obra de
modernização do país.
2.2 – Profissão, Especialidade e Ocupação: Médico, Sanitarista e Funcionário
Público
O processo de profissionalização dos médicos de perfil sanitarista, em curso no
pós-1930, se diferenciava das demais especialidades, por uma questão em particular: o fato de
serem incorporados à burocracia estatal como funcionários públicos. Sendo assim, para estes
médicos, de forma especial, o momento era muito propício para consolidarem seu campo de
atuação profissional. Como evidenciamos no primeiro capítulo, o movimento sanitarista
das primeiras décadas do século XX colocava tais profissionais em evidência, na medida em
que eram apresentados como os “redentores” da nação. Sendo assim, na década de 1930 foi
incorporado este elemento a mais no processo, qual seja, o de formação de uma burocracia
estatal que abria espaço para que tais profissionais atuassem no serviço público de maneira
mais ampla.
André Pereira Neto afirma que os médicos sanitaristas, “todos, sem exceção,
atuavam profissionalmente, ou passaram a atuar em alguma instância do poder público
vinculado à gestão dos serviços de profilaxia, educação ou ação higiênica”
151
. Atuar no
serviço público no campo da saúde, para além de ser uma alternativa profissional, era também
150
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Novembro de 1939 – Nº 75. p. 51.
151
NETO, André de Faria Pereira. op. Cit. p. 50.
73
uma das maneiras possíveis de angariar prestígio e reconhecimento diante da sociedade e, ao
mesmo tempo do governo. Pois, a crescente intervenção do Estado na sociedade civil,
ocorrida a partir das primeiras décadas do século XX no Brasil se expressou sensivelmente
em alguns campos, sobretudo na saúde do povo. Os médicos sanitaristas aproveitaram este
contexto para efetivarem seu processo de profissionalização. E, fizeram isto através da
composição de uma identidade profissional marcada por três características principais:“a
primeira, impregnada por um cunho normatizador de hábitos e costumes. A segunda,
assumia um caráter preventivista. A terceira, finalmente, era orientada por uma lógica
eugenista”.
152
A perspectiva sanitarista, neste sentido, era a de imprimir um certo controle
sobre os comportamentos e hábitos que estavam relacionados com a saúde dos indivíduos, a
fim de proporcionar-lhes uma existência saudável e higiênica. O Estado também tinha
interesses na promoção da saúde destes indivíduos, uma vez que estamos falando de um
momento no qual predominava a ideologia nacionalista de caráter modernizador. A idéia era
de que não haveria como construir uma nação moderna com habitantes doentes e “poucos
afeitos” à hábitos da “vida civilizada”, como por exemplo, os de higiene. Desta forma, os
médicos sanitaristas se apresentavam ao Estado brasileiro como profissionais capacitados para
colaborar com ele na empreitada da modernização e faziam isto por meio de uma retórica que
envolvia o nacionalismo, a ciência dica e o colaboracionismo. O Estado, por sua vez,
criava espaço para a atuação profissional destes médicos no âmbito da organização nacional
que estava sendo gestada, e seus desdobramentos como a expansão dos serviços higiênicos,
preventivos e assistenciais.
Entretanto, para os médicos sanitaristas, a simples inserção dos mesmos nestes
“postos de trabalho” o seria suficiente, queriam, para além disto, reconhecimento
profissional, prestígio e autonomia para atuarem livremente no seu campo. Mas isto não se
dava automaticamente, pelo contrário, a atenção que o Estado pretendia dar à saúde pública
era deficitária, sob a ótica sanitarista. Não obstante, como integrantes da máquina do poder
público, tais médicos estavam submetidos à lógica burocrática, deste modo, precisavam
elaborar estratégias para convencer o poder público da importância de investir mais
amplamente na saúde. Pois, além dos benefícios gerados para a nação e seu povo, tal
investimento corresponderia também à obtenção de prestígio profissional pelos médicos
152
Ibid. p. 50.
74
sanitaristas, na medida em que criava condições para que eles implantassem seus projetos.
Sendo assim, a maneira como desenvolviam seu processo de profissionalização
compreendia aspectos diferentes em relação aos demais perfis médicos. Percebemos estas
diferenças ao analisarmos a composição das duas revistas com as quais trabalhamos. A
REVISTA MEDICA DE MINAS voltava-se mais para as questões relativas à saúde pública e
por isto tinha os sanitaristas como seus principais colaboradores. Cerca de 80% das matérias
publicadas, entre 1931 e 1942, eram referentes a esta temática. Por outro lado, a REVISTA
MINAS MEDICA tinha um perfil bastante técnico por ser um órgão da Associação Médico
Cirúrgica de Minas Gerais, por isto, a maioria de suas matérias referiam-se a temáticas
científicas como, resultado de pesquisas, considerações sobre doenças e seus respectivos
tratamentos, técnicas cirúrgicas, etc. Além disto, o periódico trazia também um intenso debate
que envolvia a profissionalização da categoria médica. Em todos os exemplares que
analisamos, entre os anos de 1934 e 1939 aparecia, pelo menos, uma matéria referente à
questões profissionais. Os redatores do periódico, assim como seus colaboradores
apresentavam suas questões de maneira mais direta, reivindicavam e faziam críticas ao
governo sem fazerem rodeios. Procedimento totalmente contrário ao dos sanitaristas que
publicavam na REVISTA MEDICA DE MINAS.
Em nossa perspectiva, esta diferença na maneira de defender os interesses
profissionais, era decorrente do perfil de médicos que coordenavam e colaboravam em cada
periódico. Enquanto a REVISTA MEDICA DE MINAS contava com um corpo editorial, bem
como com colaboradores em sua grande maioria sanitaristas, envolvidos com questões
referentes à saúde pública e vinculados ao Estado por meio dos serviços públicos. A
REVISTA MINAS MEDICA, por outro lado, era coordenada por médicos especialistas de
variadas áreas como cirurgia, clínica, pediatria, traumatologia, ortopedia, etc. Estes não
possuíam vínculo direto com o Estado e, a maior parte deles exerciam a profissão como
liberais.
Na REVISTA MINAS MEDICA a tônica presente nas matérias que diziam
respeito à investimentos na área médica era extremamente crítica. Na matéria publicada na
seção “Comentário”, este tom crítico ao governo ficou evidenciado, quando foi relatado como
o governo estadual preparava a cidade para receber personalidades estrangeiras que iam
participar de Congressos Médicos em Belo Horizonte. De acordo com o comentário, os
visitantes eram “apresentados à 'linda urbs' de Belo Horizonte, às cidades históricas que a
75
rodeia, às industriais, etc.”
153
, entretanto, deveriam apresentá-los ao que era principal, ou
seja, às instalações hospitalares, às organizações médicas, aos institutos científicos. Mas,
argumentavam, não havia o que mostrar neste sentido, pois o que existia “é o fruto do esforço
titanico de nossa classe, se outr'ora foi moderno e eficiente, já hoje deixa muito a desejar”
154
.
Então, era preciso criar, melhorar e ampliar muitas coisas, e para isso é necessária a
iniciativa do governo estadual. Não basta que este limite a sua ação a melhoramentos
urbanísticos e a 'toilettes' de ultima hora para dar impressão aos forasteiros ilustres”
155
.
Prosseguiam afirmando que os profissionais estrangeiros deveriam encontrar aqui
organizações médicas e hospitalares tão modernas e amplas quanto as que tinham em seus
países, pois isto era mais importante do que qualquer mudança nos aspectos urbanos. E ainda,
“está nas mãos do governo melhorar este estado de coisas”
156
, para que “nossos visitantes
não fiquem na admiração de nos ver produzir com tão deficiente material. Mas que levem
a certeza de que a administração publica olhará para esses problemas vitais resolvendo-os
decentemente
157
. A cobrança que os editores da revista
158
faziam ao governo estadual para
que investisse nos meios de desenvolver a ciência médica era veemente, criticavam seu
comportamento “superficial” ao fazer reparos “de última hora” e se preocupar com coisas
poucos relevantes para a medicina.
Em outro “Comentário” os editores da REVISTA MINAS MEDICA
parabenizaram a iniciativa do médico e deputado Eliseu Laborne Valle, por ter elaborado a
proposta de que fosse incluída na Constituinte Mineira “a percentagem mínima com que o
Estado e o Município devem contribuir de suas rendas para serviços de saúde pública”
159
. De
acordo com o comentário, foi uma nobre iniciativa do parlamentar esta tentativa de
determinar o valor a ser investido na saúde, uma vez que competia a administração do estado
zelar pela resolução dos graves problemas que vivenciavam nesta área. Argumentaram,
portanto, que “a sua emenda, tão palpitante de realidade, não pode deixar de ser
incorporada á nossa Magna Carta em elaboração, porque visualiza e procura solucionar de
forma precisa uma situação dolorosa”
160
. Tal situação era classificada como dolorosa porque,
153
REVISTA MINAS MEDICA, Belo Horizonte, Maio/ Junho de 1939 – nº 34. p. 105.
154
Ibid. p. 105.
155
Ibid. p. 105.
156
Ibid. p. 106.
157
Ibid. p. 106.
158
Atribuímos aos editores da revista a autoria do comentário uma vez que, como ocorria sempre, matérias desta
natureza não eram assinadas.
159
REVISTA MINAS MEDICA, Anno 2, Belo Horizonte, Junho/ Julho de 1935 – Nº 6 e 7. p. s/n.
160
Ibid. p. s/n.
76
segundo os editores da revista, envolvia o bem estar do povo, bem como o progresso de
Minas Gerais.
Por esta emenda, que estabelece o Conselho Mineiro de Saúde
Pública, ficarão os municípios obrigados a contribuir com 5%
de suas rendas para a creação e manutenção de leprosários,
sanatorios de tuberculose e postos de hygiene, e o Estado a
empregar, no mínimo, 15% da mesma verba, para o custeio dos
serviços de Saúde Pública, e mais 1% exclusivamente destinado
ao amparo á infância e á maternidade
161
.
Para os editores da REVISTA MINAS MEDICA , a única crítica que poderia ser
feita a esta disposição constitucional, referia-se ao valor da quota percentual não ser um pouco
maior, de modo especial, a que se destinava à infância e à maternidade, “que deveria ser, 2%,
pois este é realmente, o nosso mais generalizado e fundamental problema de saúde”
162
.
Lembremos que podia ser muito relativa a opinião acerca de qual área da saúde mereceria
maiores investimentos, pois relacionava-se diretamente à especialidade dos médicos que
emitiam o parecer, neste caso, estamos tratando de clínicos, pediatras e outros especialistas
que não, sanitaristas. Estes últimos, muito provavelmente, concordariam com a divisão
privilegiando os campos mais envolvidos com as práticas profiláticas.
Mas a observação sobre a divisão das verbas foi seguida pelo seguinte desabafo
“quem conhece, porém, o descaso e o plano secundário em que as nossas leis e
administrações têm collocado sempre as questões de saúde pública; quem sabe que a mais
larga dotação destinada por governo mineiro para os serviços sanitários do Estado
representava 2%, apenas!!!
163
. Ou seja, quem tinha conhecimento de quanto o investimento
na saúde era pequeno, na certa, julgaria os novos percentuais “quasi astronômico e, portanto,
capazes de melhorar consideravelmente as humilhantes e desanimadoras condições de saúde
de nosso povo”
164
. No entanto, este poderia ser reconhecido apenas como um incentivo para
que os médicos continuassem desempenhando seu trabalho de forma mais digna, e para a
população como uma pequena melhoria na atenção que o governo lhe dispensava. Como se
vê, este comentário era também um clamor para que a opinião pública e, particularmente, a
categoria dica conhecedora dos problemas da saúde prestigiasse a iniciativa do
deputado e pressionasse o governo a incorporar a emenda de Eliseu Laborne Valle ao texto da
161
Ibid. p. s/n.
162
Ibid. p. s/n.
163
Ibid. p. s/n.
164
Ibid. p. s/n.
77
Constituição. Isto seria “como uma medida quasi de salvação pública, e como prova de
nossa cultura politica e do nitido conhecimento da realidade brasileira”
165
.
Estes médicos ambicionavam expandir sua representatividade nos quadros da
administração pública, posto que o pequeno número de médicos ocupando cargos políticos
gerava uma dificuldade em se aprovar leis beneficiando a categoria e o desenvolvimento da
profissão. Segundo matéria publicada na REVISTA MINAS MEDICA,
Nenhuma outra classe como a dos médicos precisa tanto
organizar a sua resistência. No Brasil, principalmente, onde os
seus serviços são explorados contumazmente, quer no exercício
da actividade clinica privada e hospitalar, quer no de cargos
technicos, como funccionarios públicos pagos irrisoriamente
pelos governos.
Em Minas, tanto peor que nos outros Estados. [..] está reunida a
nossa Constituinte Estadoal. No seu seio innumeros e
brilhantes médicos: nenhum porém, como tal, mas como
políticos e partidários
166
.
Sendo assim, na perspectiva dos redatores da matéria, cumpria aos médicos de
Minas Gerais se agremiarem como classe poderosa e indispensável à dinâmica social”
167
, a
fim de poderem escolher colegas que pudessem representá-los. E assim, fazerem com que o
governo sentisse as aspirações profissionais da categoria, e mais do que isto, “de um ponto de
vista brasileiro, imponham a solução devida no texto constitucional aos múltiplos problemas
médicos-sociaes de que dependem o bem estar e o progresso do nosso povo”
168
. Os redatores
do periódico também se indignavam com o comodismo e a indiferença da categoria médica
em relação a questões de seu interesse, por isto alertavam-nos de que precisavam agir,
defender os interesses coletivos. Por isto divulgava amplamente temas desta natureza.
Em uma das edições, discutia-se a viabilidade da criação de um Instituto de
Aposentadoria e Pensões para os médicos. O Dr. Alberto Cavalcanti autor da matéria, iniciou
a discussão indagando se era ou não viável a criação do Instituto, e imediatamente respondeu
que, obviamente, sim. Pois, apesar de o médico ser um profissional reconhecido como “rico”
pela sociedade, poucos conseguiam reunir algum pecúlio, uma vez que as despesas com
consultório, anúncios, impostos e a própria subsistência e dos familiares consumiam todas as
suas economias. Somando-se a isto, era corriqueira a prática do atendimento gratuito aos
165
Ibid. p. s/n.
166
REVISTA MINAS MEDICA, Anno 2, Belo Horizonte, Maio de 1935 – Nº 5. p. s/n.
167
Ibid. p. s/n.
168
Ibid. p. s/n.
78
pacientes que não podiam pagar, e o médico, comovendo-se com a situação, acabava por
fornecer os medicamentos também, sentindo no seu íntimo uma alegria imensa por vêr que
com isso a saúde pode voltar a um seu semelhante”
169
. E assim, quando vinham a falecer
deixavam suas famílias desamparadas.
No geral porém, acredita-se que o médico cobra caro e ganha
muito. Daí talvez a incompreensão por parte de alguns governos
taxando com pesados impostos os médicos, cujos ganhos são
avaliados arbitrariamente[...]
O governo federal, criando um Instituto de Aposentadoria e
Pensões, deveria também legislar sobre o imposto de industria e
profissão do médico. [...]
O Instituto, um único nacional, com ramificações em todos os
estados e seus municípios virá, no entanto, suprir a grande falta
que a classe médica sofre
170
.
Alberto Cavalcanti mencionou ainda o fato de que, quando os médicos
adoeciam e eram incapacitados de trabalharem, por serem profissionais liberais, não tinham
nenhum apoio. Quando era possível, recorriam a algum parente, mas caso não houvesse
alguém da família que pudesse ajudar, ficavam na miséria. O mesmo acontecia aos médicos
em idade avançada, sem forças para continuar trabalhando. O médico explicou toda a
vulnerabilidade da profissão para pedir que o governo se posicionasse, obviamente, criando
mecanismos de proteção para sua categoria profissional. Neste caso específico, a proteção se
daria através da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões para os médicos brasileiros.
Devemos lembrar que em 1938 a política trabalhista do governo de Getúlio Vargas estava a
pleno vapor, e os médicos também queriam participar do processo, isto é, regulamentar sua
profissão a fim de terem assegurados todos os seus direitos de trabalhadores. Como salientou
Maria Celina D' Araujo, “a Revolução de 1930 marcou o início da intervenção direta do
Estado nas questões vinculadas ao mundo do trabalho”
171
, por isto, alguns membros da
categoria médica mostravam-se tão dispostos a se organizar, uma vez que, as políticas
trabalhistas se realizavam por intermédio dos sindicatos.
O Sindicato Médico de Minas Gerais foi fundado no 24 de fevereiro de 1934, a
edição de abril da REVISTA MINAS MEDICA trouxe uma matéria cobrindo o evento. Foram
169
CAVALCANTI, Alberto. “O Médico, o Instituto de Aposentadoria e Pensões e as Profissões liberais”. In:
REVISTA MINAS MEDICA, Anno IV, Belo Horizonte, Janeiro/ Fevereiro de 1938 – Nº 26. p. 269.
170
Ibid. p. 270.
171
D' ARAUJO, Maria Celina. “Estado, classe trabalhadora e políticas sociais”. In: FERREIRA, Jorge &
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo do nacional - estatismo: do
início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 223.
79
publicados os discursos dos médicos Dr. Austregésilo Filho e Dr. Lineu Silva,
respectivamente representante do Sindicato Médico Brasileiro e recém-empossado presidente
do Sindicato Médico de Minas Gerais. O Dr. Austregésilo Filho iniciou o discurso
parabenizando a iniciativa dos médicos mineiros, os quais mostraram que o “ambiente de
Minas Gerais exigia um sindicato médico em Belo Horizonte”
172
. De acordo com o médico, se
agremiar em sindicatos era importante, pois, era por meio destes órgãos que o grupo médico
poderia se defender, garantir-se e reivindicar. “Os Sindicatos são órgãos de defesa de seus
associados e de combate [...]. Cuida quase exclusivamente do interesse material dos
médicos”
173
. Interesses materiais queria dizer trabalhistas, e para obtê-los os únicos caminhos
eram o “cooperativismo e o sindicalismo”, como salientou o Dr. Austregésilo Filho, estas
“eram as únicas formas de resistência e de coesão da vida profissional no ambiente
sociológico em que vivemos”
174
. A fala do médico revela-nos que ele estava consciente do
contexto em que vivia, pois conforme afirma Maria Celina D' Araujo, a partir de 1930 o o
movimento sindical perdeu sua autonomia, passando a haver uma vinculação sistemática
dos sindicatos ao governo através do Ministério do Trabalho, aliás, criado, ainda em
novembro de 1930, com essa preocupação”
175
. Deste modo, para demandarem melhorias
junto ao governo, era preciso que estivessem organizados em sindicatos, e estes, por sua vez,
estavam subordinados ao Poder Executivo, que tomou para si a formulação e execução de
uma política trabalhista. Além da regulação do Estado, os sindicatos também deveriam ser
politicamente neutros, ter autonomia limitada e unicidade sindical, ou seja, cada categoria
profissional poderia ter somente um órgão representativo.
Apesar da autonomia limitada, os médicos sabiam que o sindicato era o
principal canal que garantiria o cumprimento do processo de profissionalização de sua
categoria. Posto que era através dele que conseguiriam levar ao governo suas demandas. Para
o presidente do Sindicato Médico de Minas Gerais, o “proletariado” médico precisava se
associar,
Para se manterem em consonância com o meio e para,
sobretudo, preservar-se das degradações humilhantes ou de
práticas reprováveis, oriundas da luta pela vida cada vez mais
áspera e torturante.
Nenhuma outra profissão liberal precisa mais dessa inter-
cooperação, desse espírito de classe, da coesão sindical, do que
172
REVISTA MINAS MEDICA, Ano I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 1. p. 17.
173
Ibid. p. 18.
174
Ibid. p. 20.
175
D' ARAUJO, Maria Celina. op. Cit. p. 223.
80
esta dos médicos, contra cujo equilíbrio, prestígio e nobreza
tantos fatores nocivos se congregam
176
.
Vários “fatores nocivos” para a profissão foram apontados pelo médico, como
por exemplo, remuneração, a ausência de um sistema previdenciário que desse segurança
aos profissionais, o exercício ilegal da medicina, o charlatanismo e o excesso de escolas de
medicina no país. Este último foi um tema bastante debatido na REVISTA MINAS MEDICA,
em março de 1936, foi publicada uma matéria cujo tema era reorganização do sistema de
ensino secundário e superior que o Ministro da Educação e Saúde Pública Gustavo Capanema
pretendia realizar. Na seção “Comentário”, os editores do periódico externaram suas opiniões
acerca da questão. De acordo com eles, o ensino no país apresentava-se de maneira caótica,
“dahi desejar que S. Excia., acertadamente, comece pela base, equacionando o vasto
problema da Educação Nacional, num inquerito prévio, em que são ouvidas e consultadas
pessoas e instituições que se preocupam com o problema do ensino
177
. Os médicos queriam
opinar sobre a questão do ensino superior, especificamente sobre a abertura “desregrada” de
Faculdades de Medicina. Todavia, eles não obtiveram êxito nesta questão, pois na edição de
junho/julho de 1937, após a reforma ter sido realizada, publicaram um “Comentário”
criticando “as reformas no ensino que deixam as congregações dos institutos de ensino de
fora, não os deixavam opinar”
178
. Criticaram o ministro por não ter ouvido as pessoas que
lidavam diretamente com o ensino, dentro das instituições, mas ao contrário, ouvir seus
auxiliares de gabinete.
Novamente e até quando? - está de novo o Ministério da
Educação a braços com outras reformas de ensino. É a segunda
ou terceira após a Revolução de 30.
Na gestão desta nova obra prima da nossa incurável mania
reformista em materia de ensino, toma parte toda a nossa
technocracia de ensino: [...] tudo em suma, é ouvido, cheirado e
opinião, - menos as congregações dos institutos de ensino.
[...]
No novo surto reformengo vae como é natural, de roldão, o
desgraçado, o infeliz, o malsinado ensino médico
179
.
Havia um tom de indignação na matéria, isto mostra que a centralização
realizada por Capanema à frente do Ministério da Educação e Saúde, não agradava a todos, e
176
REVISTA MINAS MEDICA, Ano I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 1. p. 20.
177
REVISTA MINAS MEDICA, Ano III, Belo Horizonte, Março de 1936 – Nº 13. p. s/n. [Grifos nossos]
178
REVISTA MINAS MEDICA, Ano IV, Belo Horizonte, Junho /Julho de 1937 – Nº 23. p. s/n.
179
Ibid. p. s/n.
81
os editores da REVISTA MINAS MEDICA não disfarçavam sua insatisfação. De acordo com
eles a nova reforma tinha voltado à cena com antigas práticas que outras reformas haviam
abolido, como por exemplo, o aumento do número de “cátedras”, cujo objetivo não era
aprimorar o ensino, mas antes, abrir espaço para contratação de “notáveis”. Assim,
ironizavam, “há notáveis de mais, compadres e amigos, que anceiam por cathedras, onde se
exhibam e se coloquem honradamente”
180
. Então se sobravam os “notáveis” e faltavam as
“cátedras”, explicavam os editores, a reforma resolveu o problema desdobrando as cadeiras,
multiplicando as disciplinas, inventando matérias de ensino: “clinica andrologica,
tysiologica, endocrinologica, hepatologica, esplenologica, ophtalmologica do olho direito,
idem do olho esquerdo, otologica do ouvido direito, idem do ouvido esquerdo, e mais ouvidos
e olhos houvera”
181
. Os médicos responsáveis pela matéria condenavam a excessiva
compartimentalização do ensino da medicina provocada pela reforma, o que em suas
perspectivas, não contribuía em nada para o avanço do mesmo, simplesmente provocava uma
maior “empregabilidade”. Posto que a conclusão do curso médico permanecia sendo ao final
dos mesmos seis anos, as instalações continuavam as mesmas e os hospitais continuavam
pouco aparelhados, sendo assim, questionavam, “o que importa? Aos nossos “reformalhos”
não preoccupa o aprender. O ensinar é que é tudo. Faltem instalações. Mas cathedraticos é
que não”
182
.
O grande incômodo que a reforma provocou nos médicos, se deu sobretudo,
em função de não terem sido consultados acerca do que julgavam melhor para o ensino de sua
ciência, princialmente entre os editores da REVISTA MINAS MEDICA que eram quase todos
professores na Faculdade de Medicina da UMG. Para estes médicos, outros interesses
estiveram envolvidos na reforma que não a melhoria do ensino, pois se assim o fosse, teriam
sido consultados, uma vez que eram eles que lidavam diretamente com a realidade das
instituições de ensino e, portanto também eram eles que tinham experiência para opinar sobre
o assunto. Esta discussão em torno da reforma do ensino, nos remete a uma questão
importante, o processo de profissionalização da categoria médica, em curso neste momento.
Compreendemos que o fato de terem sido “colocados de fora” da reforma do
ensino contrariou os médicos profundamente, porque este era um assunto de extremo
interesse para eles. E ainda foram feridos em um princípio que julgavam fundamental, qual
180
Ibid. p. s/n.
181
Ibid. p. s/n.
182
Ibid. p. s/n.
82
seja a autonomia para atuarem em seu campo. Do governo queriam apenas que assegurasse
“seus direitos” como o fazia com todas as outras classes” trabalhadoras. Portanto, quando
esta autonomia foi-lhes tirada pelo Ministro da Educação e Saúde, eles reagiram prontamente,
mostrando-se críticos e descontentes, não apenas com o resultado da reforma, mas também,
com os supostos motivos que motivaram-na.
Este posicionamento contrário às deliberações do poder público eram comuns
no periódico da Associação Médico-Cirúrgica, eles sempre apareciam na seção
“Comentários” que, na verdade, era um espaço no qual os redatores discutiam assuntos de
“interesse da categoria” . Deste modo, outro caso interessante apresentado na edição de
novembro/dezembro de 1937, foi o questionamento a um decreto que proibia a acumulação de
cargos públicos com outros cargos remunerados, ou seja, que exigia a exclusividade para o
serviço público. Segundo os editores da revista era uma lei totalmente descabida, sobretudo,
para profissionais que eram tão mal remunerados quanto o eram os médicos. De acordo com
os médicos mineiros, no novo Estatuto Constitucional de 10 de novembro, o havia
“subterfúgios nem tangentes. Os dispositivos a respeito eram radicais e incisivos”
183
. Porém,
com ele suscitava-se um grave problema que precisava ser solucionado no Brasil, o das baixas
remunerações nas funções públicas.
Dos vencimentos attribuidos a funcções profissionaes, vão dos
menores, e, quasi sempre, verdadeiramente ridiculos, os que se
consignam no Brasil, aos cargos medicos, quer de natureza
publica quer de natureza particular.
Por isso a necessidade accumulações entre os profissionaes
medicos, que vão ser dos mais attingidos pela nova lei
184
.
Deste modo, caberia, em primeiro lugar, solucionar o problema constituído
pela questão salarial, cortando os excessos nos salários de alguns funcionários públicos,
principalmente do magistrado, e elevando as baixas remunerações - da grande maioria - para
que se tornassem compatíveis com a função que exerciam e assim, poderem suprir suas
necessidades de subsistência. Os médicos afirmavam, que somente depois de equacionada tal
questão “seria justo impedir-se as accumulações”
185
. Os redatores do periódico julgavam a lei
injusta, e por isto questionavam sua aplicabilidade diante da situação econômica vivenciada
pelos médicos brasileiros e, desta forma, convidavam seus pares a também se posicionarem,
183
REVISTA MINAS MEDICA, Ano IV, Belo Horizonte, Novembro/Dezembro de 1937 – Nº 25. p. 173.
184
Ibid. p. 173.
185
Ibid. p. 174.
83
pois “surgia, para os médicos, no Estado Novo, outro aspecto sério do seu problema
economico, que urgia resolver com decisão”
186
.
Críticas do teor das que se faziam no periódico da Associação Médico-
Cirúrgica, não são encontradas na REVISTA MEDICA DE MINAS, pelo contrário, todas as
vezes que os médicos sanitaristas reivindicavam algo do governo o faziam em tom de
solicitação. A retórica presente nestes casos era basicamente a mesma, e consistia em primeiro
elogiar longamente as autoridades públicas e somente depois fazer sua reivindicação. Em
matéria publicada na REVISTA MEDICA DE MINAS em 1940, os médicos pediam que o
governador reduzisse os impostos cobrados dos mesmos, mas antes de concluírem a
exposição do pedido salientavam que “somente tomou a deliberação de dirigir á V. Excia. o
presente material porque tem ciência do espírito de justiça que orienta os atos do govêrno de
V. Excia”
187
. Reportar-se às “virtudes” que marcavam o caráter do governo era uma constante
quando os médicos colaboradores do periódico médico-sanitário recorriam ao mesmo, mas
sobretudo, quando estavam demandando junto a ele.
Entendemos que esta postura diante do governo justifica-se por dois motivos: o
primeiro refere-se a uma certa subserviência diante do Estado, que ao fim e ao cabo, era o
“empregador” dos médicos sanitaristas; o segundo diz respeito ao fato de que, como parte da
máquina governamental, estes médicos estavam integrados ao sistema e realmente podiam
acreditar na eficiência do mesmo. O que nos é claro é a forma como estes profissionais se
apropriavam do discurso do governo e o reconfiguravam dentro de seu universo de atuação,
objetivando obter “vantagens” junto a ele. Tais vantagens não diziam respeito exclusivamente
à questão da ascensão profissional, ao contrário, estavam muito mais voltadas para a
delimitação do espaço comum, ou seja, do espaço de atuação da categoria médica. Os
sanitaristas queriam o tempo todo provar para os governantes que eram imprescindíveis para
que a gestão social fosse realizada de maneira devida. Quando faziam isto, tentavam marcar
seu campo e obter prestígio, elementos que toda profissão precisa: um campo de atuação e o
reconhecimento por parte da sociedade. Porém, eles também pretendiam empreender uma
“reforma social”, obviamente, por meio da saúde pública.
Saúde pública, para estes médicos tinha pelo menos duas funções. Em primeiro
lugar, ela era a grande estratégia utilizada por eles para se “mostrarem” ao governo, e,
portanto, consolidarem seu processo de profissionalização, posto que, com o devido
186
Ibid. p. 174.
187
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Maio de 1940 – Nº 81. p. 71.
84
reconhecimento do poder público, obter prestígio junto à sociedade tornava-se quase que uma
conseqüência natural do processo. Em segundo lugar, na perspectiva destes médicos, a
medicina era o principal instrumento de modernização do país, pois somente com a
implantação de um sistema de saúde pública eficiente o Brasil poderia progredir e se
“civilizar”. Era uma crença veemente dos médicos sanitaristas que um país que não investisse
no bem-estar de seu povo não conseguiria compor o coro das nações modernas, pois “a
educação e a saúde constituem o problema fundamental das nacionalidades”
188
. Era,
portanto, com este argumento que os sanitaristas procuravam convencer o poder público a
investir na saúde, dando autonomia para que eles - “profissionais especializados” – definissem
quais as medidas que deveriam ser tomadas a fim de equacionar tão grave problema.
2.3 - Saúde Pública: Uma Estratégia de Inserção Política dos Sanitaristas no Pós
-1930
Nossa perspectiva de análise, como explicitado anteriormente, não se propõe a
tratar o período compreendido entre 1930 e início de 1940 como um bloco coeso, marcado
pela ausência de conflitos internos, que tem em 1930 a ruptura definitiva com a “República
Velha” e o Golpe de 1937 como desencadeamento natural dos fatos. Ao contrário, e
consoante com as algumas tendências da historiografia sobre o período, buscamos
compreender a complexidade dos fatos que marcaram este contexto histórico.
Desse modo, é importante pensar o papel desempenhado por Getúlio Vargas
em 1930, e para isso, recorremos à historiadora Ângela de Castro Gomes, a qual afirma que,
em 1930, Getúlio era apenas um entre os homens que fizeram a Revolução
189
. Tal condição
começou a se modificar somente quando ele passou a chefiar o Governo Provisório. Porque
mesmo sendo eleito, entre 1935 e 1937, Vargas continua enfrentando dificuldades para
impor sua liderança, e o acompanhamento do processo golpista não indica que, como chefe
de um novo Estado de força, ele fosse a única solução possível.”
190
Assim, não estava
188
JUNIOR, J. Castilho. “O Ensino de Higiene em Escolar Primárias”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS,
Anno I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 8. p. 13.
189
GOMES, Ângela de Castro. Estado Novo: ambigüidades e heranças do autoritarismo no Brasil. In:
ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha Viz. (orgs.). A construção social dos regimes
autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX. Vol1: Brasil e América Latina. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, no prelo [2008]. p.19.
190
Ibid. p. 20.
85
determinado ainda, se seria implantada uma ditadura civil ou militar, e conseqüentemente
quem ocuparia a posição de chefe máximo. Getúlio Vargas somente passou a ser “o homem
forte” da política nacional, quando obteve o apoio do Exército, das lideranças civis e ganhou
visibilidade na sociedade civil.
Mencionar estas questões é relevante, na medida em que elas nos fazem analisar
os fundamentos do regime autoritário implantado em 1937. De acordo com Evaldo Vieira,
entre os adeptos do nacionalismo no Brasil entre as décadas de 1910 e 1930, havia uma
questão fundamental, a de que existiam dois “Brasis”, um legal e outro real. Estes estavam
totalmente distantes um do outro, e a causa disso era a existência de uma organização
jurídico-política predestinada ao fracasso. Diversos intelectuais se puseram, então, a pensar os
problemas do “país real”. As elites técnico-científicas, dentre as quais se destacavam os
médicos e os engenheiros, aderiram ao nacionalismo e dentro desta perspectiva procuraram
implementar propostas visando a superação do atraso no qual estava imerso o Brasil real. O
médico mineiro José Baeta Viana, em discurso aos formandos da Faculdade de Medicina da
Universidade de Minas Gerais, no ano de 1937, expunha a questão da seguinte maneira:
Se aqueles que apregoam a resistência física do brasileiro, as
qualidades superiores da sua inteligência, a firmeza do seu
caráter, desertassem do ar confinado dos gabinetes, em que
elaboram as suas fantasias literárias, para os sítios populosos do
interior do país, onde se movimenta a onda humana anônima,
doentia e inculta, estranhariam a realidade pungente de uma
antítese a todas as afirmações imaginárias e levianas(...)
Mas de que Brasil estamos falando?
Do Brasil do centro(...)
Do Brasil cortical, litorâneo, a franja da nacionalidade(...)
191
O médico apresentava aos formandos o país “real”, onde se encontrava um
povo doente e inculto que carecia de cuidados. Nesse sentido, afirmava ser missão do médico,
enquanto “classe esclarecida”, intervir nessa questão, ou seja, levar a cura aos doentes e
ensiná-los a se prevenirem contra os males que afetavam a saúde, instruindo-lhes sobre
medidas básicas de higiene e sanitarismo, as quais, até aquele momento, eram desconhecidas
pelo povo que habitava o interior brasileiro. Notemos que o discurso é muito parecido com o
dos médicos sanitaristas da Primeira República. Tanto em 1937 quanto na primeira década do
século XX, a perspectiva era a mesma, qual seja a de regenerar” o Brasil através da cura de
191
Discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em
1937, no ato da colação de grau. p. 22-23. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
86
seu povo. Mas um novo componente foi incorporado, qual seja, a idéia de que o momento
havia chegado finalmente. O sentimento nacionalista voltou a aflorar, mas dessa vez mais
carregado de um sentimento patriótico. O conceito de “pátria”, como veremos mais adiante,
se intensificou de maneira demasiada, fazendo com que o regime autoritário instaurado fosse
reconhecido e legitimado como a via mais sensata, tendo em vista as necessidades da nação.
Era como se estivessem vivendo a concretização de uma idéia que vinha amadurecendo ao
longo das duas décadas anteriores. Sobretudo a partir dos anos vinte, no contexto de
emergência do autoritarismo do entre-guerras, quando o Brasil realizou uma leitura específica
desta mudança mundial e internamente fez uma crítica sobre seu modelo político. A
comemoração do primeiro centenário da nação em 1922 também instigou estas reflexões
acerca da estrutura política do país, procurou-se identificar quais eram os desacertos que
vinham sendo cometidos até aquele momento, e a conclusão tendia a responsabilizar a
“excessiva” descentralização na política brasileira. A geração que emergiu deste contexto,
com representantes nos diversos segmentos políticos e intelectuais da sociedade, mostrava-se
comprometida com um projeto nacional mais centralizador. A idéia de centralização surgiu
como uma alternativa à fragmentação causada pelas disputas políticas no regime republicano.
De acordo com Pedro Dutra Fonseca, Getúlio Vargas ao assumir o poder procurou difundir,
o “espírito revolucionário”, o qual propugnava pelo
esquecimento do passado e a construção de um novo país (...)
Começou a usar o termo “oligarquias” para caracterizar o
governo anterior; criticou o “caciquismo político”, a “violência
governamental” e o desrespeito ao voto
192
.
A crítica a esse quadro se fazia no sentido de que, além de promover a
instabilidade política do regime, as disputas entre estes grupos acabavam provocando um
alheamento do Estado em relação às grandes questões nacionais. Dessa forma, implementar
um projeto centralizador era a alternativa reconhecida como a mais viável. Entre os tenentes,
por exemplo, o envolvimento com esse projeto pôde ser observado na medida em que
reivindicavam a correção dos excessos do federalismo e uma maior concentração de poder no
executivo federal. Entre os médicos a orientação centralizadora foi evidenciada em suas
propostas de caráter autoritário. A própria reforma constitucional de 1926 refletiu esta
perspectiva, quando diminuiu a autonomia dos estados. Evaldo Vieira define claramente os
192
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: O Capitalismo em Construção. São Paulo: Editora Brasiliense,
1989. p. 132 - 133.
87
anseios das elites deste período:
O nacionalismo manifesta-se vivo, gerando indagações sobre as
possíveis alternativas para a crise político-social do Brasil. Das
soluções apontadas, ressurge sempre a idéia de um Estado forte,
vinculando o real e o legal através das corporações, como meio
de superação da liberal-democracia.
193
Entretanto, embora fosse uma constante essa idéia de instituir um Estado
autoritário que utilizasse as corporações para organizar a nação e para representá-la, Evaldo
Vieira ressaltou que não existia entre os nacionalistas autoritários uma doutrina corporativa de
fato. Estes se utilizavam de fragmentos do corporativismo a fim de fundamentar seus
argumentos de construção de um Estado Nacional que substituiria o Estado Liberal.”
194
O
antiliberalismo no Brasil não foi um fenômeno isolado, pelo contrário, os intelectuais
brasileiros acompanhavam uma tendência internacional, pois no período pós Primeira
Guerra, houve um fortalecimento das correntes antiliberais no cenário mundial. Como
assinalou Hobsbawm, entre o fim da Primeira e da Segunda Grande Guerra, o número de
governos constitucionais sofreu um drástico recuo em todo o mundo”
195
. Portanto, a
intelectualidade brasileira se inseriu nesse quadro de aversão ao liberalismo, chamando
atenção para a necessidade de se criar novas instituições e práticas políticas do Estado, que
promovessem a modernização do país.
Sendo assim, esses nacionalistas defensores do “Estado Forte” somente se
dirigiram para a doutrina corporativa como uma alternativa ao liberalismo. As idéias liberais
foram rejeitadas no Brasil por serem reconhecidas como “avessas” à realidade brasileira, pois
haviam sido transplantadas da Europa sem levar em conta as peculiaridades de nossa
formação. Com tal crítica chegava-se à questão central, qual seja, o reconhecimento da
Primeira República como um período de desorganização total do país, posto que sua base, o
liberalismo político, não se adaptava à realidade dessa terra. Observemos um trecho do
discurso do médico José Baeta Viana no ano de 1931:
Embriagados por ideologias exoticas, como de uma
morfinomania incuravel, os responsaveis intelectuais pela
republica de 89 (1889), recusaram-lhe a paternidade, sob
193
VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e Corporativismo no Brasil. São Paulo: Editora Cortez, 1981. p. 94.
194
Ibid. p. 97.
195
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Campainha das
Letras, 1995. p. 115.
88
pretexto de que, não a identificaram com a miragem que
contemplaram em sonhos.
Com uma mentalidade de automatos e uma atuação de
sonambulos, estes sociologos de gabinete, desconhecendo as
realidades da nação brasileira, não previram a extensão do
desastre que seria o de uma transplantação servil das leis de um
povo para outro, de formação etnica, política, social e moral
completamente diversa.
Assim se fez a republica velha (...)
196
A argumentação tinha o claro sentido de estigmatizar a Primeira República
pelos seus “erros”, principalmente no que se referia à implantação do Estado Liberal.
Observemos ainda, que a crítica era direcionada aos “sociólogos de gabinete”, ou seja,
aqueles que não tinham consciência de como era, efetivamente, o Brasil “real”
197
. A idéia era
de que sob uma base política mais centralizada os problemas enfrentados pelo país poderiam
ser melhor equacionados, visto que, um Estado forte e nacionalista voltaria seus olhares para
“dentro” da nação. Podemos perceber como o projeto centralizador, que se tornou nacional a
partir dos anos de 1920, refletiu-se também na saúde através de seus membros mais
proeminentes.
Não podemos deixar de enfatizar que o nacionalismo autoritário também
ganhou adeptos entre as elites econômicas, que diante do discurso da fragilidade do Estado
Liberal, se sentiram acuadas e reconheceram no Estado centralizador um meio de assegurar
seus interesses. Apelava-se para o Estado como árbitro e o corporativismo como forma de
organização, sendo assim, substituir-se-ia o princípio da liberdade pelo princípio da
autoridade”
198
. Esta idéia foi aceita e ganhou adeptos, porque grande parte da
intelectualidade brasileira, bem como de sua elite econômica, concordava que o chefe de
Estado deveria arbitrar a sociedade, a fim de mantê-la em ordem - tanto do ponto de vista
social quanto econômico – e portanto, figurar como símbolo de unidade.
Essa ideologia nacionalista de caráter autoritário, que vinha se intensificando
desde a década de 1920, justificava o apoio que a Revolução de 1930 recebeu de parte das
196
Discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em
1931, no ato da colação de grau. p. 8-9. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
197
Entendemos que, ultrapassando os limites de uma crítica, este era um argumento utilizado pelos médicos para
demarcarem sua atuação, e mais que isso, sua necessidade de se posicionarem na arena política brasileira, até
aquele momento dominada, principalmente, pelos bacharéis em direito, os grandes idealizadores da
República. Esta era a intenção das novas elites técnico-científicas. Cf.:: SCHWARTZMAN, Simon.
Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo: Campainha Editora Nacional, 1979. p. 91-107.
198
Este era o modelo de Estado Corporativo de Oliveira Vianna, que em última instância, era um modelo de
Estado Autoritário.
89
elites brasileiras. E posteriormente, quando se acenou para a possibilidade de centralizar o
poder, sob os auspícios de uma ditadura em 1937, a elite viu se configurar na prática seus
anseios políticos. Além do anti-liberalismo, outros argumentos foram muito difundidos pelos
segmentos políticos do país - tanto esquerdas, sobretudo pelo PCB, quanto direitas - como
base para implementação de um regime autoritário, sendo que podemos destacar como o
principal deles a “ameaça externa”.
Para Eliana Dutra, a ausência de uma noção de liberdade enquanto autonomia
foi o que caracterizou, à direita e à esquerda, essas manifestações patrióticas presentes na cena
política brasileira entre 1935 e 1937
199
. A autora explica que, a “ausência de liberdade
enquanto autonomia ocorre quando o homem abre mão do usufruto da liberdade e passa a
obedecer. Então, em lugar do desejo de liberdade surge a vontade de servir e o seu correlato, a
vontade de poder, e o poder de “Um”. Desta forma, o Estado Novo pode ser pensado como o
resultado da “vontade de servir” de segmentos sociais e políticos da população brasileira. Na
verdade, servir pode ser considerada apenas um dos desdobramentos da intenção que, de fato,
era a implantação de um poder “executivo forte”, o qual julgava-se como necessário à
preservação da pátria nesse momento.
Em de janeiro de 1938, cinqüenta dias após a instauração do Estado Novo,
Getúlio Vargas fez um discurso para aclamar o ano que se iniciava na Rede Nacional do
Departamento de Propaganda. Nesta fala, o governante expôs os mais diversos argumentos
que cumpriam a função de legitimar o regime recém-instaurado. As idéias do atraso e da
desorganização causadas por facções sem compromisso com a grandeza do país, permearam
toda a sua discursiva. Na acepção do presidente, a Constituição de 10 de novembro não era
obra que louvava modismos jurídicos, mas antes, adapta-se concretamente aos problemas
atuais da vida brasileira, considerada nas suas fontes de formação, definindo ao mesmo
tempo, os rumos do seu progresso e engrandecimento
200
. Por isso, o momento inaugurado
por essa constituinte requeria de todos os brasileiros uma postura verdadeiramente patriótica
para que pudessem aderir incondicionalmente ao propósito de elevação do país à condição de
progressista. Tal patriotismo se mede pelos sacrifícios e os direitos dos indivíduos de
subordinar-se aos deveres para com a Nação
201
.
199
DUTRA, Eliana de Freitas. O Ardil Totalitário: imaginário político no Brasil dos anos 30. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1997. p. 149.
200
“Falando ao povo brasileiro: o discurso do Presidente Getúlio Vargas à Primeira hora de 1938”. MINAS
GERAIS Terça-feira, 04 de janeiro de 1938. p. 4. Arquivo: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais,
Belo Horizonte.
201
Ibid. p. 4.
90
E, como afirma Eliana Dutra, os sentimentos que apelavam ao patriotismo eram
muito fortes, poisprestavam à diluição das diferenças entre o público e o privado, enquanto
manipulavam a insegurança dos sujeitos individuais
202
. Tais sujeitos procuravam proteção e
segurança numa pátria, que como no âmbito privado era mãe, era lar. A autora enfatiza que a
noção de pátria possuía uma potencialidade estratégica, que fazia com que ela se tornasse
neste contexto - um dos pilares para construir um edifício social de estrutura autoritária. A
insegurança reinante, atenta a autora, era objeto de forte investimento político-ideológico,
disseminado tanto através do discurso anticomunista, quanto através do discurso da
revolução, pois, no primeiro caso, os inimigos seriam os intelectuais comunistas e os
agitadores, enquanto do ponto de vista dos comunistas, os inimigos eram o imperialismo e o
fascismo, ou seja, os integralistas, e o próprio presidente Vargas e seus colaboradores. Então,
fosse figurado no comunismo, no fascismo ou no imperialismo, o perigo externo era o grande
temor da nação. Esse discurso foi acolhido pelas elites intelectuais que também contribuíram
para a sua divulgação. Observemos as palavras do médico mineiro José Baeta Viana em 1931:
Em tempo algum sentiu o país maior necessidade de uma
tutela ditatorial, profundamente honesta, implacavelmente
justa, irrestritamente nacionalista e sabiamente reformadora.
País receptivo a toda sorte de infecção por ideologias
dissolventes, em vez de prevenir-se profilaticamente,
assistimos á contaminação livre das suas camadas sociais
incultas pelo germen da dissolução comunista, importado sob
a nossa proteção aduaneira, das nações em que o trabalho
operario é arduo, multiforme, secular e intenso.
203
O Estado ditatorial presente nesta perspectiva se legitimava a partir de um
discurso que pregava a viabilidade de um governo forte e, sendo assim, capaz de enfrentar o
“perigo”, garantindo a integridade, a moral e a ordem da mãe pátria. Associar a idéia de
pátria à família era recorrente nos discursos de Getúlio Vargas, o qual se referia aos
brasileiros como “parentes”, visto que, todos faziam parte da grande “família” que era a
pátria. Nesse sentido, todas as atitudes do presidente deveriam ser consideradas reflexos de
sua preocupação com a família brasileira. Vargas seria uma espécie de guardião da nação.
Esse foi um traço marcante do discurso nacionalista-autoritário que, como salientou Eliana
202
DUTRA, Eliana de Freitas. op. cit. p.150.
203
Discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em
1931, no ato da colação de grau. p. 10. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. [Grifos nossos]
91
Dutra, esteve assentado sobre o tripé família, pátria e religião”
204
. O nacionalismo acabou
por ultrapassar a questão meramente “defensiva contra o perigo externo”, tornando-se uma
espécie de profissão de fé, o que pode ser observado quando temos em vista sua proposição
teórica de voltar-se para a realidade do país, identificar seus verdadeiros problemas e propor
soluções.
Essa retórica patriótica que postulava a aceitação da realidade para logo em
seguida gerar soluções foi incorporada ao discurso da “Revolução de 1930”, que passou a ser
vista como um marco, a partir do qual não se queria mais “ocultar” os problemas, ao
contrário, o que se pretendia era colocá-los “à mostra” e combatê-los. A partir disso,
procurou-se consolidar a “necessidade histórica” do governo forte, interessado em resolver as
principais questões que impediam o país de progredir. Para Ângela de Castro Gomes,
A proposta de fundação de um novo Estado, 'verdadeiramente
nacional e humano' é a grande tônica do discurso político dos
anos do pós-37. A importância e a grandeza desta proposta lhe
conferiam, na ótica de seus defensores, o estatuto de um novo
começo na história do país. A fundação de uma ordem política
consentânea com as reais potencialidades, necessidades e
aspirações do povo brasileiro significava um autêntico
redescobrimento do Brasil
205
. (Grifos nossos)
Este era um discurso elaborado pelo próprio Estado, o qual servia claramente
para legitimar o golpe político-militar que culminou no Estado Novo. Devemos enfatizar,
seguindo as prerrogativas de Castro Gomes, que apesar da eficiência do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP) na construção e divulgação do projeto político estado-novista,
não se pode pensar a adesão a essa ideologia apenas como resultado de submissão ou
imposição pura e simples. Como analisamos, do ponto de vista de alguns segmentos das
elites, a adesão ao novo regime foi claramente justificada pela defesa dos “interesses da
nação”, marcada pela desorganização e pelo atraso. Os supostos interesses nacionais eram
reconhecidos, sobretudo, numa economia que demonstrava fragilidade e, portanto, tornava as
elites econômicas do país vulneráveis. Inverter este quadro era uma preocupação que se
encontrava na ordem do dia para os membros dessa elite.
para a grande massa o regime instaurado também ganhou sentido e foi
204
DUTRA, Eliana de Freitas. op. cit. p.148.
205
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV (3ª edição), 2005. p.
191.[Grifos nossos]
92
aceito, acima de tudo, em função das políticas sociais. Cabe destacarmos que, por algum
tempo, houve uma certa resistência da historiografia em admitir que o Estado Novo fosse
marcado por uma conjunção entre autoritarismo político e avanços sociais
206
. Enfatizava-se
muito o aspecto da manipulação e imposição, pois dizer que ocorria uma “livre aceitação” do
regime autoritário de Vargas poderia soar, principalmente nos anos 1970/80, como uma
espécie de “apologia” ao autoritarismo vivenciado naquele momento com o Regime Militar.
Consideramos que essa é uma preocupação que não se sustenta do ponto de vista da
construção do conhecimento histórico
207
, contudo não podemos deixar de considerar que o
historiador deixa refletir em seus trabalhos, mesmo que inconscientemente, seus anseios do
presente
208
. Sendo assim, apesar de compreendermos a importância dessa historiografia, até
mesmo em função do momento em que foi produzida, destacamos em nossa análise um outro
tipo de interpretação, que entende a relação entre o Estado - sobretudo na figura de Vargas
com as classes populares sob outra perspectiva, qual seja, a do trabalhismo
209
.
Importante evidenciar que, embora não desconsidere o caráter autoritário e
reconheça a importância dos órgãos de repressão e propaganda no que concerne à formação
do consenso em torno da figura de Getúlio e do Estado Novo, essa historiografia trabalha com
a hipótese de que, se considerarmos somente a lógica da manipulação/opressão não
poderemos entender a complexidade das relações entre Estado e classe trabalhadora. Mais que
isso, ao tratar o operariado como massa de manobra, perde-se de vista a experiência de classe
destes segmentos sociais, a qual foi sendo construída historicamente
210
. Nesse tipo de
interpretação enfatizava-se principalmente a adesão em torno da figura de Vargas, levando-se
em consideração elementos importantes da cultura política e do imaginário das classes
206
Tais interpretações datam, principalmente, das décadas de 1970/1980, quando, politicamente era fundamental
atacar o regime militar através da ditadura Vargas. Portanto, desconsiderar os “avanços” sociais nesse
período, tornava-se quase que necessário. Cf.: IANNI, Octavio. O Colapso do Populismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira (3ª edição), 1975.
207
Como afirma Hobsbawm a história se define na sua relação com a evidência, portanto é construída pelo
documento. E a objetividade é alcançada a partir da limitação metodológica que lhe é imposta.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História: Ensaios. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
208
Cf.: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (orgs). História: novas abordagens. Tradução de Henrique
Mesquita. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1995.
209
Como representantes dessa corrente historiográfica temos os autores: Ângela de Castro Gomes, Jorge
Ferreira, Maria Helena Rolim Capelato, Dulce Chaves Pandolfi, Maria Celina D'Araújo, dentre outros. Cf.:
FERREIRA, Jorge. O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001.
210
A noção de experiência de classe, tomada dos trabalhos de E. P. Thompson, são fundamentais para essas
formulações críticas à idéia de populismo. O próprio título do trabalho de Ângela de Castro Gomes, ao aludir
à “invenção do trabalhismo” e este visto como um pacto construído entre atores sociais, bem a medida da
importância em se compreender a experiência da classe trabalhadora como um processo histórico.
93
populares.
211
Ângela de Castro Gomes argumenta que, no que se referia à classe trabalhadora,
tornou-se comum afirmar que ela se submeteu cegamente ao Estado, através dos sindicatos
corporativos, em função de alguns benefícios materiais como as leis trabalhistas, contudo,
Esta lógica material, essencial para a construção de um pacto
social, na realidade começou a produzir os significativos
resultados a ela imputados no pós-40. A partir daí ela
combinou-se com a lógica simbólica do discurso trabalhista,
que, ressignificando a “palavra operária” construída ao longo da
Primeira República, apresentava os benefícios sociais não como
uma conquista ou reparação, mas como um ato de generosidade
que envolvia reciprocidade
212
.
Dessa maneira, podemos dizer que a classe trabalhadora “obedecia” se
entendermos obediência política como reconhecimento de interesses e necessidade de
retribuição. Utilizando o conceito de reciprocidade do antropólogo Marshall Sahlins, Ângela
de Castro Gomes explica como a classe trabalhadora, antes de ser submissa, era detentora da
lógica da retribuição. Não houve perda da identidade de classe, antes, porém, houve pacto, ou
seja, “uma troca orientada por uma lógica que combinava os ganhos materiais com os
ganhos simbólicos da reciprocidade, sendo que era esta segunda dimensão que funcionava
como instrumento integrador de todo o pacto”
213
. Getúlio Vargas se posicionou como o “pai
dos pobres”, aquele que de maneira dadivosa “concedia” benefícios à classe trabalhadora. Em
seus discursos era claro esse apelo a sentimentos nobres, como a solidariedade e a
generosidade, obviamente, utilizados para caracterizar seu próprio governo. Em 1938, quando
cumprimentava os compatriotas pela passagem do ano, relatou os avanços obtidos no campo
das políticas sociais, introduzindo a questão da seguinte maneira:
O sentimento de solidariedade humana é uma das mais nobres e
altas manifestações do espírito cristão. Quando o Estado toma a
iniciativa das obras de assistência econômica e ampara o
esfôrço do trabalhador é para atender a um imperativo de justiça
social, dando exemplo a ser observado por todos sem
necessidade de coação
214
.
A intenção era criar uma identidade para o governo baseada na justiça, quase
211
O trabalho pioneiro e que melhor aponta para estas questões é o de Ângela de Castro Gomes, cuja primeira
edição data de 1988. Cf.: GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora
FGV (3ª edição), 2005.
212
Ibid. p. 180.
213
Ibid. p. 180.
214
MINAS GERAIS – Terça-feira, 04 de janeiro de 1938. op. Cit. p. 4.
94
transcendental, porque era principalmente uma justiça nos moldes cristãos, e acima de tudo,
uma identidade que serviria de exemplo a todos os cidadãos brasileiros, pois “coagir” com
exemplos era a via mais eficaz. Toda essa retórica foi utilizada para que Getúlio Vargas
apresentasse à sociedade as realizações ocorridas em seu governo, sendo assim, elencou: a
implantação de uma educação mais técnica, cujo objetivo era preparar o indivíduo para o
mercado de trabalho, a criação de uma legislação trabalhista e o desenvolvimento de um plano
de assistência sanitária, o qual, segundo ele, pretendia sanear as áreas insalubres do país,
concorrendo para que todos os brasileiros pudessem habitar em lares confortáveis e
higiênicos”
215
.
E, de fato tais realizações se refletiam objetivamente na vida desses indivíduos,
pois, realmente os trabalhadores tiveram, em parte, sua vida transformada a partir da
elaboração das leis trabalhistas, que regulamentaram o descanso semanal, a jornada de
trabalho, as férias remuneradas, entre outros direitos que lhes foram assegurados. Além disso,
houve também, outras transformações que ocorreram em virtude das demais iniciativas no
campo das políticas sociais, como: a universalização do ensino primário gratuito, a atenção à
saúde, principalmente das crianças, e até mesmo a criação da Secretaria da Presidência da
República, um órgão específico para que a população enviasse suas demandas, através de
cartas ao presidente. Tudo isso teve profundo significado no imaginário das classes populares.
Tendo em vista esses fatores, tais indivíduos não podem ser pensados como meros joguetes.
Partindo do princípio de que estavam em defesa de seus interesses, podemos considerá-los
sujeitos na ação, isto é, como atores agindo conscientemente em favor do que lhes era
conveniente.
Dentro desta mesma perspectiva, o historiador Jorge Ferreira procurou mostrar
como a política pública “trabalhista” implementada pelo Estado, durante os quinze anos do
primeiro governo de Getúlio Vargas, repercutiu entre os trabalhadores e que resposta deles se
obteve. Esta análise foi feita a partir de documentos que compreendiam cartas de populares ao
presidente Getúlio Vargas. Segundo o autor, apesar dessas cartas serem textos produzidos
individualmente, o conjunto da correspondência apresenta uma homogeneidade nos
enunciados, sugerindo a presença de um mesmo padrão cultural
216
. Basicamente todas as
pessoas se apresentavam como trabalhadores, pais de família, dignos, honestos e ordeiros.
Para Jorge Ferreira, ao assumir esse “discurso dominante”, a pessoa o interpreta de acordo
215
Ibid. p. 4.
216
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 24.
95
com seus interesses e o reelabora em proveito próprio”
217
. Havia uma certa seleção dos
elementos que convinham aos interesses daqueles que escreviam ao presidente.
Dessa maneira, a aceitação dos preceitos estado-novistas acabava sendo uma
estratégia de vida. É muito significativo pensar também, do ponto de vista do governo, quão
estratégico era este canal aberto para “falar com o presidente”. Na verdade, as cartas eram
enviadas a um órgão chamado Secretaria da Presidência da República, e eram todas
respondidas, fosse concedendo ou negando o benefício pedido. As respostas eram formais, em
linguagem técnica e científica, visto que naquele momento a idéia era justamente promover a
expansão da burocratização do Estado, e com isso, transmitir aos trabalhadores a imagem de
um modelo político neutro, justo e acima de qualquer interesse de classe. Pode-se dizer que
esta era uma estratégia eficaz, na medida em que contribuiu para a legitimação do governo, e
mais, da imagem benevolente do mesmo, de seu interesse pelos pobres.
As cartas são evidências de que o povo, principalmente o trabalhador, se
posicionava diante das iniciativas governamentais, pois era comum a menção ao regime
político anterior, definido como “dominação política e social”, materializada em
arbitrariedades e interesses pessoais e, em contraponto, situava-se o governo de Getúlio
Vargas como “pertencente a todo o povo”. Para Jorge Ferreira,
Os depoimentos dão sinais de que os trabalhadores não estavam
alheios aos acontecimentos políticos, bem como de que tinham
capacidade de perceber a prática política como efetivo da
dominação social. (...) O governo chefiado por Vargas
representou, por fim, o coroamento de todo um processo
(momento anterior a 1930) e a conseqüente realização da justiça
para os pobres e os trabalhadores
218
.
Estas noções do que era justo ou injusto presentes na cultura política popular
brasileira, como ressaltou Jorge Ferreira, remetem ao impacto que a promulgação da
legislação social e do projeto de valorização política do trabalho causaram entre os
trabalhadores
219
. E como já assinalamos, o significado destas políticas públicas não pode ser
minimizado quando se pensa nas vivências e experiências dos trabalhadores brasileiros desse
momento. Como destacou Ângela de Castro Gomes, o Estado não era apenas um produtor de
bens materiais, era também formulador de um discurso que tomava componentes simbólicos
217
Ibid. p. 27.
218
Ibid. p. 39-40.
219
Ibid. p. 41
96
da identidade construída pelos operários no momento anterior a 1930, com isso, “articula
demandas, valores e tradições da classe e os apresentava como seus além de ressaltar os
benefícios sociais como uma atitude generosa que exige reconhecimento e,
fundamentalmente, reciprocidade”
220
.
Portanto, analisados sob esta ótica, os trabalhadores não são reconhecidos
simplesmente como “vítimas” da repressão e doutrina estatal, nem como massa de manobra
das lideranças políticas. A idéia é tratar a questão com base nas evidências, e dessa forma,
apreender toda a complexidade que envolveu a relação trabalhador/Estado. Nesse sentido, é
interessante pensarmos como essa lógica da “dádiva”, de um governo bom e justo foi
incorporada pelas classes trabalhadores, e até mesmo por segmentos mais intelectualizados.
Os sanitaristas mineiros nos fornecem o exemplo de quão importante foi a adoção deste
discurso oficial, pois quando era necessário defender questões relativas às políticas públicas
em saúde tais dicos se impunham como elite intelectual imprescindível ao progresso da
nação. Mas, quando estavam em jogo seus interesses de grupo, se posicionavam como
trabalhadores brasileiros, e como qualquer outro segmento profissional, apelavam para a
justiça do governo. Em ofício ao governador, o Sindicato Médico de Minas Gerais pedia a
redução dos elevados impostos cobrados aos médicos mineiros, segundo a argumentação,
muito mais altos de que os de São Paulo e Rio de Janeiro, observemos como isso foi feito:
Trata-se, Exmo. sr. Governador, do imposto de indústria e
profissões que onera atualmente os médicos de Minas Gerais,
quando do exercício da clínica.
E o Sindicato Médico somente tomou a deliberação de dirigir a
V. Excia. o presente material porque tem ciência do espírito de
justiça que orienta os atos do govêrno de V. Excia. e na boa
vontade com que ausculta e decide problemas de tal ordem e
relevância.
(...)
Com este ato, V. Excia. além de praticar mais um entre tantos
atos de justiça que caracterizam seu govêrno, virá beneficiar
centenas de profissionais que labutam no árduo mister da
medicina.(...)
(...) o Sindicato Medico de Belo Horizonte, que es tranqüilo
quanto à consideração que merecerá de V. Excia. o presente
memorial, aguardando de seu alto tirocínio mais uma decisão
justa dentre tantas que marcam a trajetória de seu
govêrno.
221
220
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. op. cit. p. 22.
221
REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno VII, Belo Horizonte, Maio de 1940 – Nº81. [Grifos nossos]
97
Em um ofício de uma página e meia, o redator do sindicato médico repetiu a
palavra justiça, para caracterizar o governo, por três vezes, sempre enfatizando que, em
função desta característica, o governo não havia de negar o que solicitavam. O apelo ao
sentimento de justiça do governo, era, em última instância, a apropriação, de maneira
estratégica, do discurso criado pelo próprio Estado como forma de persuadi-lo a resolver a
questão em favor da categoria médica de Belo Horizonte. O sindicato médico da capital
mineira, como vários outros sindicatos que se formaram neste período, o pretendia entrar
em conflito ideológico com o governo, ao contrário, acreditava que o governo deveria
formular as diretrizes necessárias à harmonia da nação, portanto, lhe caberia contribuir
nesse mister. Apelava-se para o Estado na medida em que o reconhecia como órgão de
coordenação e direção de diversos setores da sociedade.
Para estes médicos, posicionar-se como trabalhadores sindicalizados era uma
maneira de se colocarem diante do governo como cidadãos, o que significava a demarcação
tanto de seus deveres, como também de seus direitos. Direitos, por sua vez, que seriam
“defendidos” por um governo que tinha suas bases assentadas na justiça, e que por isso
mesmo, não poderia negligenciar-se diante das vozes de cidadãos trabalhadores. A
organização sindical era apenas uma maneira de a categoria profissional explicitar suas
demandas ao governo, que ao fim e ao cabo, era o órgão competente para arbitrar sobre todas
as questões envolvendo relações de cidadania e trabalho. O primeiro presidente do sindicato
médico de Minas Gerais, o sanitarista Dr. Melo Teixeira, por ocasião de sua posse, deixou
claro os limites entre a função do órgão sindical e o campo de atuação do poder estatal:
Maior mérito e mais dignidade haverá em que nós, voluntária e
deliberadamente, tracemos as nossas próprias leis, as nossas
próprias limitações morais e materiais, na nossa profissão e que
depois venham as condições legais emanadas dos poderes
competentes, apenas como mera ratificação e
reconhecimento de atos partidos originalmente de nós
próprios
222
.
É interessante notar que, apesar de se posicionarem como trabalhadores, os
médicos também se situavam como categoria intelectualizada, capaz de formular suas
próprias leis e de apontar ela própria suas limitações. Tais limitações diziam respeito àquilo
que era necessário para que desenvolvessem com êxito seu trabalho. A importância do Estado
não deixava de ser enfatizada, como provedor das condições legais para execução das
222
REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno II, Belo Horizonte, Julho de 1935 – Nº 23. p. 37. [Grifos nossos]
98
necessidades expostas pela categoria médica, mas ao mesmo tempo, era delimitado o seu
campo de ação, pois caberia a ele apenas ratificar e reconhecer os atos partidos dos
próprios profissionais da medicina”. Notemos que, em última análise, a intenção destes
médicos era “marcar seu lugar” no cenário do poder público, para isso, eles se impunham,
através de seus discursos, como imprescindível à superação do atraso no qual estava imerso o
país. E, nesse caso, profissionais “tão importantes” não deveriam deixar que outros fizessem
leis regulando sua profissão.
Os sanitaristas mineiros, como elite intelectual do Estado, procuravam lidar da
melhor forma possível com o regime político centralizador. Como ressaltamos anteriormente,
fazer frente ao regime não era a opção escolhida por eles, porque não era a mais viável. A
estratégia era procurar se destacar como categoria esclarecida, consciente dos problemas
enfrentados pela nação e capacitada a propor a eles soluções adequadas e oportunas. De
acordo com o médico José Baeta Viana, o grupo médico se inscreveu no “voluntariado
cívico” para corroborar na redenção do país sob seus aspectos biológicos e sanitários, os quais
configuravam-se como seus problemas mais graves.
A obra de reerguimento nacional em todas as suas formas não
poderá ser empreendida exclusivamente pela ação dos
governos.
A fragilidade de sua capacidade realizadora, aliada a uma
situação financeira indefinidamente precaria, constitui por si
uma imposição patriótica a todos os brasileiros cultos e
especialmente à classe medica para uma colaboração
desinteressada na obra do saneamento nacional
223
.
O discurso acima, proferido em 1931, nos fornece alguns elementos para
pensarmos sobre a disposição dos sanitaristas de Minas Gerais em se colocarem como aliados
do governo na obra de “redenção nacional”. As características que o médico atribuiu ao
governo são intrigantes, “fragilidade na sua capacidade realizadora, aliada a uma situação
financeira precária”, quer dizer, o governo, por si mesmo, seria incapaz de levar adiante uma
obra tão grandiosa. A fragilidade possivelmente estava relacionada à idéia de que a
“revolução de 1930” teria inaugurado um tempo novo, rompendo com o período da república
“velha” quando o governo era frágil política e economicamente, por isto mesmo, faltava-lhe
223
Discurso pronunciado pelo professor José Baeta Viana, paraninfo dos formandos em medicina da UMG em
1931, no ato da colação de grau. p. 15. Arquivo do Centro de Memória da Faculdade de Medicina da
Universidade de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
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força para impor ações efetivas no campo da saúde. Mas, para além disto, temos delineados
neste discurso os predicados que eram “exclusivos” dos profissionais da medicina que, por
isso mesmo, seriam verdadeiramente os brasileiros detentores de uma cultura fundamental no
equacionamento das questões que caracterizavam o atraso do país. Observemos como era um
discurso exagerado, que tinha a intenção de convencer sobre a importância do médico para
nação e, portanto, delimitar um espaço de relevância para o mesmo dentro do cenário político
brasileiro.
Os sanitaristas incorporaram o nacionalismo bem como o discurso do governo
como forma de fazerem com que sua categoria profissional tomasse parte no novo modelo
administrativo. Nesse sentido, criticava-se o modelo político implementado na Primeira
República e atacava-se constantemente seus maiores símbolos: o coronelismo e o federalismo.
Entendia-se que as oligarquias locais promoveram um regionalismo exacerbado,
comprometendo a unidade nacional. Discutia-se, então, a viabilidade de se tratar questões
fundamentais, como as que se relacionam à saúde e à educação da população brasileira, sob
uma perspectiva global, ou seja, rompendo com o “estadualismo”.
Pode-se afirmar que este era um discurso tomado de empréstimo do Estado,
justamente porque foi esta a postura adotada pela burocracia estatal do pós-1930, e dentro dos
quadros da saúde pública, também houve uma gradativa centralização das decisões a partir da
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Este centralismo se configurou melhor na
gestão do ministro Gustavo Capanema, que teve início no ano de 1934 e se encerrou somente
em 1945
224
. Como destacam Gilberto Hochman e Cristina Fonseca, Capanema assumiu o
ministério tendo consciência de que precisava reorganizar os serviços nessas áreas. Desse
modo, deu início a uma reforma administrativa nos serviços federais de saúde, tendo em vista
a perspectiva da política varguista de formar uma nova nação e consolidar a unidade nacional.
Para Capanema, o Ministério da Educação e Saúde Pública precisava ser reformado, “no
sentido de dar-lhe um formato mais coordenado, uniformizado e harmônico, buscando a
centralização como solução”
225
. De acordo com Hochman e Fonseca, com essa reforma se
iniciou o processo de consolidação de uma nova estrutura administrativa para a saúde pública
224
Gustavo Capanema era mineiro de Pitangui, reconhecido como um dos intelectuais da “rua da Bahia”, junto à
Carlos Drummond, Pedro Aleixo, Milton Campos, entre outros. Cf: SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY,
Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. edição, Fundação Getúlio
Vargas e Editora Paz e Terra, 2000.
225
HOCHMAN, Gilberto & FONSECA, Cristina. A I Conferência Nacional de Saúde: reformas, políticas e
saúde pública em debate no Estado Novo. In: GOMES. (org.) Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 176.
100
que se manteve até 1953, quando foi criado o Ministério da Saúde. Capanema promoveu a
racionalização do funcionamento do ministério, fazendo com que se tornasse o órgão
responsável pela coordenação e uniformização das ações de saúde e saneamento em todo o
território brasileiro.
A Reforma Capanema foi aprovada em 13 de janeiro de 1937 pela lei nº 378. A
partir de então, o território nacional foi dividido, para efeitos administrativos, em oito regiões.
Cada região possuía uma Delegacia Federal de Saúde, que tinha como “função supervisionar
as atividades necessárias à colaboração da União com os serviços locais de saúde pública e
assistência médico-social, além da inspeção dos serviços federais de saúde
226
. Com tal
iniciativa, o governo federal tornou sua presença mais efetiva, mesmo nas mais distantes
regiões do país.
A pretensão do governo era justamente centralizar e nacionalizar a política de
saúde pública no Brasil, para tanto, a reforma criou três estruturas que foram fundamentais
para o cumprimento desse objetivo: o Fundo Nacional de Saúde, o Instituto Nacional de
Saúde e as Conferências Nacionais de Saúde. Hochman e Fonseca explicam que, o Fundo
Nacional de Saúde se constituía de recursos especiais para os serviços de saúde pública e
assistência médico-social e se destinava a suprir as demandas da área de saúde, posto que as
administrações locais eram deficitárias. Enquanto o Instituto Nacional de Saúde Pública foi
criado como um órgão cuja função era nacional, devendo, pois, realizar pesquisas sistemáticas
e permanentes sobre todos os problemas sanitários do país. E as Conferências Nacionais de
Saúde se configuraram como o espaço no qual se dava a articulação entre o governo federal e
os estados, tornando viável a sistematização de normas técnicas e administrativas para a área
de saúde em todo o Brasil. Nestas Conferências se reuniam representantes dos órgãos federais
e estaduais de saúde pública, com o objetivo de discutirem e deliberarem sobre questões
administrativas. Capanema, obviamente, acompanhava de perto todo o processo.
Hochman e Fonseca ainda destacam que, em 1941 Capanema propõe nova
alteração na estrutura do Ministério da Educação e Saúde, procurando tornar mais
centralizada a atuação dos órgãos federais de saúde nos Estados, criando para tanto os
serviços nacionais de saúde”
227
. Com isso, procurava intensificar a tendência centralizadora
da administração federal, que exercia forte coordenação e supervisão sobre os serviços de
saúde espalhados pelo país. Na apresentação da proposta ao presidente, Capanema
226
Ibid. p. 178.
227
Ibid. p. 180.
101
argumentou que:
A reforma proposta em 1935 buscou, a este respeito,
nacionalizar o Ministério, mercê da firme decisão assentada por
V. Exª. no sentido de ampliar a atuação federal, quanto aos
problemas de saúde, de modo que ela deixasse de considerar
preferentemente o Distrito Federal para abranger, de maneira
sistemática, todo o território nacional. (...) O projeto ora
proposto procura assentar as bases de solidificação dos
trabalhos desenvolvidos, dando ao Departamento Nacional de
Saúde um sistema de órgãos adequados não a manter mas
ainda a desenvolver os empreendimentos de caráter nacional
iniciados. Representa, como se vê, o projeto de decreto-lei
menos um traçado de perspectivas novas, menos de promessa
de novas realizações do que uma consolidação da experiência já
realizada e uma sistematização dos esforços já empreendidos.
228
A perspectiva de Gustavo Capanema, com a criação do Departamento Nacional
de Saúde (D. N. S.), foi consolidar a orientação centralizadora que vinha se formando desde
que assumira o ministério. Como o próprio ministro afirmou, ele estava seguindo as
prerrogativas do governo Vargas, que, ao desejar ampliar a atuação federal no território
brasileiro, usava a saúde pública como um instrumento propício para tal fim. Precisamos
enfatizar que a idéia de promover uma maior integração entre os serviços de saúde do país
havia aparecido como uma demanda dos médicos sanitaristas nos anos de 1920, porém, a
criação de um sistema de saúde nacional era inviabilizada, sobretudo, em função do
federalismo, alvo de constantes críticas desses médicos. Sendo assim, a centralização política
do governo de Getúlio Vargas corroborou para a concretização de um modelo de saúde
pública muito auspiciado pela categoria médica, isto é, um sistema não fragmentado,
integrador. Muito embora, como vimos no item anterior, a “excessiva” centralização também
poderia gerar, em alguns casos, um certa insatisfação em parte da categoria médica, sobretudo
quando estavam em jogo sua autonomia profissional.
O relatório apresentado ao ministro Capanema pelo diretor geral do
Departamento Nacional de Saúde, João de Barros Barreto, no ano de 1942, nos dá a dimensão
do quanto o novo departamento correspondia às expectativas de coordenação das atividades
de saúde pública em todo o país. Esse relatório, intitulado As Realizações em 1941 do
228
Apresentação da proposta de reorganização do Departamento Nacional de Saúde ao presidente Vargas em
24/03/1941. Arquivo Gustavo Capanema, CPDOC/FGV, GC 35.02.19. Citado por: HOCHMAN, Gilberto &
FONSECA, Cristina. A I Conferência Nacional de Saúde: reformas, políticas e saúde pública em debate no
Estado Novo. In: GOMES. (org.) Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
pp. 172-193. p. 180. [Grifos nossos]
102
Departamento Nacional de Saúde
229
possui trezentas páginas, nas quais foram descritas, com
riqueza de detalhes, as atividades desempenhadas em todos os estados brasileiros, pelos
diversos serviços e órgãos de saúde que estavam sob a coordenação do Departamento
Nacional de Saúde. A maior parte das informações, foi obtida, como ressaltou o diretor geral
João de Barros Barreto, através de um questionário respondido pelos governos dos estados,
por ocasião que antecedeu a 1ª Conferência Nacional de Saúde, a qual aconteceu entre os dias
10 e 15 de novembro de 1941. Os tópicos deste questionário se referiam aos principais
problemas de saúde, bem como a organização e administração dos serviços incumbidos de
atendê-los e solucioná-los em cada estado. A intenção era fazer com que o ministro tivesse
ciência de tudo o que acontecia dentro da esfera da saúde pública.
Foram essas, Sr. Ministro, em súmula, as principais atividades
dos órgãos do D. N. S., que V. Excia. fez reorganizar dentro das
diretrizes mandadas seguir pelo Sr. Presidente da República. A
benevolência de S. Excia, e do seu preclaro Ministro da
Educação e Saude devo a honra de ter retornado a antigas
funções, que procuro continuar a desempenhar com o mesmo
devotamento e entusiasmo de anos atrás, no decidido propósito
de contribuir, com um modesto esforço, para a realização, na
esfera da saude, do grande programa do governo GETULIO
VARGAS.
230
Com essas palavras o diretor geral do D. N. S. encerrou o relatório
agradecendo pela oportunidade de estar à frente do serviço e reiterando sua disposição em
contribuir com o programa de governo de Vargas. O projeto de reforma ministerial de
Gustavo Capanema foi implementado e obteve êxito, no que dizia respeito à centralização e
sistematização dos serviços de saúde pública no Brasil. Aos médicos sanitaristas caberia então
se adaptarem a essa realidade para que pudessem se inserir naquele novo cenário
administrativo. Para isso, utilizavam as mais diversas estratégias, mas sempre fazendo da
saúde pública seu principal argumento. Pois, como parte do “grande programa de governo”
do presidente Getúlio Vargas, a questão da saúde dava “visibilidade” a estes dicos,
enquanto profissionais deste campo. E, o enfoque dado por esses profissionais à importância
da saúde pública no projeto de reorganização da nação brasileira, foi permeado por uma
discursiva que pretendia apresentar-lhes como elementos essenciais ao processo, visto que,
229
As Realizações em 1941 do Departamento Nacional de Saúde. Exposição apresentada ao Sr. Ministro
Gustavo Capanema pelo diretor Geral do D. N. S. João de Barros Barreto. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1942. Biblioteca Histórica da Fundação Ezequiel Dias, Belo Horizonte, MG.
230
Ibid. p. 300.
103
colocava-os como indivíduos qualificados para equacionar os problemas derivados da questão
sanitária. Sendo assim, reafirmamos a perspectiva de que tal posicionamento constituía-se
estratégia de inserção nos quadros do poder público. Embora reiteremos que tal inserção não
estava relacionada unicamente ao desejo de ocupação de cargos políticos, mas principalmente,
a um posicionamento estratégico dentro de um cenário político-administrativo marcado pela
centralização e pelo autoritarismo. Se inserir, nesse caso, poderia significar ter a possibilidade
de criar demandas nesse contexto. Demandas que poderiam se referir: ao exercício da
profissão, à melhor forma de executar o trabalho, à obtenção de verbas junto ao governo,
enfim, a uma série de fatores que pressupunham uma certa autonomia profissional para uma
categoria que queria se distinguir pelo seu perfil profissional e intelectual.
104
CAPÍTULO III
O SANITARISMO COMO INSTRUMENTO DE ORGANIZAÇÃO
DA SOCIEDADE BRASILEIRA
“(...) A lei do Progresso impõe ao homem o dever de lutar sempre – lutar pelo
Direito e pela Justiça, lutar pela Razão, lutar pela Saúde, lutar pela Civilização, até
que amanheçam definitivamente, para a Humanidade os dias de gala e luz.(...) Aos
médicos vale lutar pela Saúde, lutar pela profilaxia e pela higiene, e o fazendo,
lutam pelo Direito, pela Civilização e pela Justiça.”
Dr. Olegário Moura, 15 de janeiro de 1918
Os médicos sanitaristas e a perspectiva normatizadora de suas ações serão
nosso foco de análise neste capítulo. Nossa intenção é mostrar quais eram os principais
projetos de saúde desenvolvidos e aplicados por eles, neste sentido, procuramos dar
sustentação ao argumento de que estes médicos precisavam do poder público para colocar em
prática suas ações. Esta “dependência em relação ao governo se dava por dois motivos
básicos, o primeiro era pelo investimento, não havia como “cuidar” da saúde dos indivíduos
sem que houvesse significativa contribuição financeira destinada a este fim. Em segundo
lugar, os projetos de saúde pública dos sanitaristas pressupunham a implantação de hábitos e
regras normatizadoras para a sociedade, sendo assim, em um contexto marcado pelo
centralismo político, havia necessidade de que o governo concedesse “permissão” para que
ações desta natureza fossem realizadas. E, além disto, o aval do Estado também era uma
maneira de legitimar o poder dos sanitaristas diante da população.
Na retórica destes médicos, era a própria nação brasileira através de seus
representantes políticos que delegava a eles o poder e o dever de sanear o corpo social,
“tornando-o saudável à medida em que eliminava destes todos os corpos individuais
indesejáveis à formação da raça ideal”
231
. Este tipo ideal de ser humano teria em si a saúde
desdobrada em outras qualidades como a firmeza de caráter e a disposição para o trabalho.
Tudo isto, desenvolvido pela categoria médico-sanitarista, a qual pretendia fazer esta
“seleção” por meio da educação higiênica e da eugenia. Esta última promoveria práticas
visando o melhoramento da raça como, por exemplo, a esterilização dos “inaptos” para a
231
SIGOLO, Renata Palandri. Saúde em Frascos: Concepções de Saúde, Doença e Cura – Curitiba 1930 -1945.
Curitiba: Editora Aos Quatro Ventos, 1998. p. 24.
105
procriação. Conforme destacou Renata Sigolo, “uma vez cumprida a tarefa eugênica de
seleção do homem 'normal', era preciso que este 'produto' mantivesse sua 'qualidade', sua
saúde”
232
. Fatores como: endemias, alcoolismo, lepra, verminoses e a ignorância acerca dos
hábitos de higiene foram elencados pelos sanitaristas como passíveis de serem combatidos por
meio das campanhas de educação sanitária.“Novamente caberia à categoria médica orientar
a população, através do ensino escolar e da educação popular, sobre as normas de higiene
que permitiam manter seus corpos saudáveis
233
.
Neste capítulo veremos então, como os médicos sanitaristas de Minas Gerais, em dia
com esta perspectiva de ação profissional, tentaram tornar concretas estas idéias de
transformação social. Em primeiro lugar, analisaremos as propostas de implantação da
educação higiênica nas escolas primárias do estado, veremos que este foi um tema muito
debatido na REVISTA MEDICA DE MINAS. O periódico publicou matérias relativas aos
eventos ocorridos no país que tratavam do assunto, dando principal destaque às propostas
elaboradas pelos sanitaristas mineiros, e será sobre estas propostas que recairá nossa atenção.
Em seguida trataremos de aspectos relativos ao envolvimento dos sanitaristas com a
formação de indivíduos prontos a contribuir para o progresso da nação. A formação do “tipo
racial brasileiro” ou do tipo “conveniente ao Brasil”, se daria através da normatização de
hábitos saudáveis, e estes seriam difundidos através das propagandas e campanhas higiênicas.
Importante para nós será pensar como os médicos empreendiam estas campanhas, e ainda
como tinham que recorrer ao governos para poderem legitimar e executar suas propostas.
Por último, analisaremos a questão da lepra como um caso exemplar da atuação dos
sanitaristas no estado. Minas Gerais possuía uma estrutura de controle da doença que era
modelo no país, abrigava uma das maiores e mais bem montadas instituições de segregação de
leprosos, a Colônia Santa Izabel, além de também contar com outras espalhadas pelo estado.
Veremos que manter este sistema requeria uma constante “negociação” dos sanitaristas com o
poder público, numa relação marcada pela lógica da reciprocidade. Outro aspecto que
procuramos destacar a partir da análise da estrutura da Colônia Santa Izabel, é como a
perspectiva médico-sanitarista foi marcada pela imposição de seus preceitos sobre os
indivíduos. Ou seja, todas as ações que objetivassem manter a sociedade sã” seriam
justificáveis, uma vez que manter a saúde era garantia de progresso.
232
Ibid. p. 24.
233
Ibid. p. 24.
106
3.1 – “De Pequenino é que se Torce o Pepino”: O Ensino de Higiene nas Escolas
Primárias
A educação proposta pelos médicos sanitaristas objetivava a formação de uma
consciência sanitária coletiva, sem a qual não seria possível obter sucesso nas campanhas de
higiene. A escola primária era o alvo principal, pois acreditavam que nesta fase pueril,
internalizar os preceitos de uma vida higiênica e, portanto, saudável era muito mais fácil. A
questão não se resolveria simplesmente com a criação de leis e obrigações a serem respeitadas
pelo povo, era necessário criar uma “cultura higiênica”, segundo o Dr. Almerindo Lessa, a
adoção da higiene como prática comum na vida das pessoas poderia ser entendida a partir dos
seguintes versos de Sá de Miranda,
“Não valem leis sem costumes
Valem costumes sem leis”
234
.
Para este médico a eficácia da higiene seria maior, na medida em que fosse
menos coercitiva. Sendo assim, era necessário estabelecer uma familiaridade entre o indivíduo
e as regras de higiene e isto se daria mais facilmente na infância, no período escolar, fase em
que a aprendizagem de padrões de comportamento ocorria naturalmente. Ele definiu
higienismo como “artes e technicas applicadas na propaganda e na realização dos
prinicpios scientificos da hygiene”
235
. Propaganda que consistia basicamente em conscientizar
as populações de que a higiene tinha larga participação na promoção do seu bem estar,
conforto e alegria, e desta forma, “a verdadeira política sanitária se deveria entender como
um corpo de doutrinas medicas e prophylaticas destinado a elevar o máximo o poder de vida
e criação do homem”
236
. A educação sanitária desenvolvida na escola, objetivava atingir
também a mãe e o professor, isto seria feito a partir da atuação do médico escolar, cujo papel
neste campo era inquestionável e sua presença junto à escola e à família não poderia ser
evitada, tão pouco substituída.
De acordo com Renata Sigolo, “ao médico escolar cabia não somente orientar
os professores para que estivessem preparados a ensinar aos alunos preceitos de higiene,
como interferir, eles próprios na educação higiênica das crianças”
237
. Em Minas Gerais os
médicos sanitaristas procuravam implementar de maneira ampla o projeto de educação
234
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno V, Belo Horizonte, Abril de 1938 – Nº 56. p. 56.
235
Ibid. p. 49.
236
Ibid. p. 49.
237
SIGOLO, Renata Palandri. op. Cit. p. 25.
107
higiênica nas escolas primárias. Na REVISTA MEDICA DE MINAS encontramos várias
referências a este projeto, umas das mais amplas foi apresentada pelo médico Dr. J. Castilho
Junior, inspetor de higiene escolar em Minas Gerias, na VI Conferência Nacional de
Educação, ocorrida em Fortaleza no ano de 1934. Este médico defendeu com firmeza a
necessidade de educar as crianças também nos aspectos higiênicos, para ele, “a educação e a
saúde constituíam o problema fundamental das nacionalidades e, sendo o fim da educação
dotar o indivíduo de aptidão ao trabalho eficiente, não se compreende fosse tal objetivo
colimado se se descuidasse da educação sanitária”
238
. O trabalho eficiente era de extrema
importância para as economias capitalistas contemporâneas, em virtude disto, o argumento do
médico ganhava ainda mais força à medida em que complementava “um homem analfabeto,
doente, miserável, é um ente físico, mas não é uma unidade política, social e econômica”
239
.
Desse modo, para formar uma nação política, social e economicamente forte, se fazia
necessário, em primeiro lugar, criar indivíduos aptos para compô-la e, para além disso,
preparados para colaborar em sua formação.
Daí a importância da educação higiênica nas escolas primárias,
ponto de convergência de indivíduos das mais variadas
condições e procedências, postos em situação idêntica para
atingirem o mesmo fim e ambiente sem dúvida o mais propicio,
não apenas por se encontrarem nelas boa porcentagem da
população total, sempre renovada, mas ainda por ser a idade
escolar a mais suceptivel á adaptação a hábitos higiênicos e á
correção de defeitos e anomalias
240
.
O médico justificava a importância do processo de educação higiênica nas
escolas tendo em vista o fato de a mesma ser frequentada por indivíduos de lugares e classes
sociais diferenciadas. Neste sentido, os sanitaristas teriam nas crianças sadias e bem
informadas verdadeiros auxiliares na tarefa de formação da consciência sanitária, que estas
possuíam a personalidade ainda em desenvolvimento se mostrando perfeitamente “adaptável”
aos ensinamentos higienistas. Juntamente com os professores, estas crianças tomariam parte
no exército que, tendo os médicos sanitaristas como “generais”, participariam da batalha
saneadora proposta para restaurar o país. A criança, vista sob a perspectiva de “futuro” da
nação, era o principal foco de atenção dos médicos, além disto, acreditavam também que
238
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 8. p. 13.
239
Ibid. p. 13.
240
Ibid. p. 13.
108
seriam intermediários a levar os preceitos higiênicos aos adultos de sua família.
Entretanto, advertia o Dr. Castilho Júnior, a educação higiênica deveria fazer
parte do universo real da criança, desta forma, não caberia aplicar um ensino teórico e
abstrato. Pois, “A noção de doença que a criança tem é incompleta; a de saúde, mais
abstrata, tem-na mais falha ainda”
241
. O médico propunha uma educação visando incutir nas
crianças, de maneira natural, as noções elementares de higiene, sendo assim, “o ensino de
higiene nas escolas deve ser precedido da educação higiênica, em que o escolar atue quasi
que automaticamente, executando atos úteis, sem lhes penetrar, embora as finalidades reais
senão apenas aquelas mais elementares, correlatas e ao alcance de sua compreensão”
242
. Ou
seja, seria um ensino baseado na realização de hábitos salutares à saúde. A perspectiva era de
que tais hábitos fossem incorporados à conduta dos indivíduos. O material didático para o
ensino da higiene seria o próprio ambiente do aluno, “o edifício escolar com as suas
dependências, mobiliário, instalações e material em geral; a vida de cada um, na escola, no
lar e na sociedade a vida associativa ou coletiva”
243
. Caberia ao sanitarista, auxiliado pela
professora, mostrar como ações corriqueiras poderiam ser realizadas mediante a observância
de princípios higiênicos.
Para o médico Castilho Júnior eram três os objetivos gerais da educação
higiênica nas escolas:
Profilaxia das moléstias, incômodos, anomalias, defeitos e
acidentes mais ou menos evitáveis.
2º – Correção, tão completa quanto possível, do que de anormal
se encontre, e
Conservação, e, se possível, melhoria do que se apresentar
normal
244
.
Estes pontos básicos resumiam o plano para ser implantado pela Inspetoria de
Higiene Escolar de Minas Gerais. De acordo com ele, as práticas profiláticas seriam
transmitidas para as crianças como algo natural, não cabendo prescrever- lhes o que não
deveria ser feito, mas sim o que cumpria fazer a fim de evitar certos males como doenças
infecto-contagiosas, virais, etc. Por exemplo, poderia ser-lhes ensinado que era mais saudável
“a vida ao ar livre, a exposição racional aos raios solares, a permanência em lugares
arejados, limpos e secos; o asseio corporal e do vestuário próprio; o exercício sem fadiga; o
241
Ibid. p. 14.
242
Ibid. p. 14.
243
Ibid. p. 15.
244
Ibid. p. 17.
109
sono suficiente em quartos arejados; o afastamento das pessoas que tossem e escarram
frequentemente, e dos doentes em geral”
245
. A intenção era fazer com que as crianças
internalizassem tais preceitos e os difundissem por onde fossem. Para isso, em primeiro lugar,
caberia à escola dar o exemplo, sendo assim, o asseio ao preparar a merenda, bem como seu
adequado cozimento, tudo proporcionaria ao escolar uma familiaridade com os hábitos
higiênicos. Velhas práticas deveriam ser substituídas por outras mais convenientes a uma vida
saudável, como “as mãos serem lavadas antes das refeições, que estas sejam tomadas a
horas convenientes e constem de alimentos apropriados à condição do escolar”
246
.
As atitudes posturais, os acidentes no recreio, a composição do prédio escolar,
tudo seria aproveitado como campo de aprendizagem. Os alunos deveriam ser incentivados a
sentarem com postura adequada evitando desvios e problemas na coluna cervical, também
teriam na ginástica uma aliada para manter o corpo saudável. Além disto, aprenderiam a
evitar acidentes nas brincadeiras das quais participavam no recreio. A perspectiva era criar
indivíduos portadores de um certo padrão de “civilidade”. Quanto ao prédio escolar, deveria
irradiar aprendizagem. Deste modo,
Ali a criança deve encontrar o que lhe convém: salas arejadas e
claras, assoalhos lisos e limpos, paredes limpas, mobiliário
adequado, água abundante e de boa qualidade, instalações
sanitárias perfeitas, em bom funcionamento e em número
suficiente; lavatórios, pátios amplos, planos sem poeira nem
depressões ou saliências, que recebam sol e tenham árvores
247
.
Para o Dr. Castilho Júnior, neste ambiente adequado a aprendizagem dos
padrões de higiene se daria muito mais facilmente do que através de qualquer livro que
dissertasse sobre o assunto. Além de reconhecerem como era agradável a vida em um
ambiente daquela natureza, a criança o associaria à idéia de saúde e iria querer reproduzí-lo
em sua casa, no convívio fora da escola. O objetivo dos sanitaristas era justamente
estabelecer, através de seus padrões, normas de higiene a serem seguidas pela população. A
limpeza dos ambientes, o cuidado com a alimentação, a utilização de latrinas, a vivência em
ambiente arejado, a utilização de água potável, tudo isto, deveria ser feito pela população em
massa. Desta forma, eles acreditavam, que a escola primária era um local estratégico para
difundir estas noções de higiene.
245
Ibid. p. 18.
246
Ibid. p. 18.
247
Ibid. p. 18.
110
Para os sanitaristas, de um modo geral, a conscientização era o primeiro passo
da campanha sanitária. Era preciso educar e convencer os indivíduos da importância em se
adotar hábitos simples, mas cujo resultado se reverteria em melhorias para suas condições de
saúde. Tinham o claro objetivo de estabelecer regras” para a população, todavia, também
acreditavam que o adiantaria simplesmente impor leis, sem que estas fossem inseridas no
universo cultural do povo brasileiro. Sendo assim, nas campanhas que promoviam, fossem na
escola ou mesmo junto à população em geral, através do dio ou de cartazes e folhetos
explicativos, eram muito didáticos e procuravam informar de maneira que todos entendessem
suas mensagens. Partiam sempre de uma “situação real” para estabelecer a “situação ideal”,
por exemplo, o entendimento da utilidade de uma simples janela para manutenção da saúde da
população era um desafio para estes médicos. o obstante, criavam didaticamente uma
maneira de explicar a função das janelas:
As casas terão janelas como temos olhos para os mesmos fins?
Servirão apenas para que aqueles que lhes estão por detraz
vejam o que se passa na rua ou na vizinhança? Serão simples
motivo de adôrno ou de estética? E, se fechada, para impedir
que o vizinho espione a nossa casa?
248
Após estas indagações, explicavam que não era para desempenhar tais funções
que as janelas foram feitas, mas sim para que o ar exterior se comunicasse com o ar interior da
casa, tornando o ar fresco e agradável à respiração. Também serviam para deixar a luz solar
entrar, aquecer, e combater a umidade. Tudo isto proporcionando aos moradores do ambiente
uma vida mais saudável, evitando-se o risco de contrair doenças respiratórias. Sem mencionar
o padrão de “civilidade” que era adotado com uma simples observância da disposição das
janelas nas residências.
A correção de anomalias foi elencada pelo médico Castilho Júnior como o segundo
objetivo da educação higiênica. De acordo com ele, as anormalidades, desde que passíveis de
correção e sem causas exclusivamente patológicas, poderiam ser alvos da educação higiênica.
“Corrigir é instruir e educar e cada um desses casos constituirá uma lição individual,
levando á criança a convicção das vantagens das práticas corretivas”
249
. Faziam parte destas
“anormalidades” a gagueira, os problemas posturais, o canhotismo, entre outros. Para os
sanitaristas tudo isto poderia ser “corrigido” mediante ações ligadas à educação higiênica. A
248
Ibid. p. 19.
249
Ibid. p. 20.
111
idéia do “normal ou anormal” estava muito ligada à perspectiva eugênica de criar indivíduos
perfeitos física e intelectualmente.
A conservação da saúde era o terceiro e último dos objetivos destacados pelo
Dr. Castilho Júnior, segundo ele, “se desde primeiros anos o escolar vem sendo trabalhado
no sentido da fixação de hábitos higiênicos e salutares, de maneira compatível com as suas
possibilidades, nos dois últimos anos, principalmente no último já será possível empregarem-
se meios mais amplos e rígidos”
250
. A perspectiva era conservar os hábitos adquiridos pelos
alunos, bem como ampliá-los e prolongá-los. Para isso, o médico propunha que os alunos
fossem constantemente incentivados a praticar hábitos saudáveis, pois “a fixação dos hábitos
só se obtêm pela repetição, pela continuação”
251
. A fim de promover esta fixação dos hábitos,
o Dr. Castilho Júnior indicava a utilização de cartões para avaliação diária do aluno, no que se
referia aos hábitos de higiene. Estes cartões, que reproduzimos a seguir, serviriam de
referência para que o médico escolar e a professora avaliassem o progresso do aluno, bem
como reforçassem os pontos de maior dificuldade para os mesmos. Observemos que o cartão
continha regras comportamentais para as crianças. A higiene, neste caso, pode ser vista como
“parte de uma conduta desejável” para os indivíduos, uma conduta estabelecida pelos
sanitaristas, com base nos preceitos higiênicos.
250
Ibid. p. 21.
251
Ibid. p. 21.
112
Quadro Nº1 - Cartão Individual dos Pelotões
252
Pelotão de saúde Cartão de alistamento n.
Nome Idade
Peso e altura ao se alistar Escola
Localidade Dia do mês de de 19
Deveres a cumprir
diários
1 2 3 4
.....
28 29 30 31
1- Lavei o rosto ao
acordar....
2- Escovei os dentes.......
3- Tomei banho com
água e sabão.....
4- Fiz ginástica....
5- Lavei as mãos ao
sair da latrina....
6- Lavei as mãos antes
de comer.....
7- Bebi mais de 3 copos
d'água.....
8- Só bebi água no meu
copo.......
9- Mastiguei de
vagar........
10- Só li e escrevi em
boa posição.....
11- Dormi com as
janelas abertas......
12- Não entrei em
quartos de doentes...
13- Não cuspi nem
escarrei no chão.....
14- Não menti nem
brincando........
Todos os dias, antes do aluno sair da escola, o aluno marcará com uma cruz no
quadrinho correspondente, os deveres que tiver cumprido, e com um zero os não
praticados, dizendo sempre a verdade. O cartão fica sob a guarda da professora ou enfermeira.
252
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 8. p. 22.
113
QUADRO Nº 2
253
Escola........................................ Classe do..............................................Ano ............ .
A cargo da professora ..............................................Localidade.......................................
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
1- F. F.( nome do aluno)...
2- N. N. .......................
3- F. F. ........................
4- N. N. ......................
5- F. F. .........................
O quadro 1, corresponde ao cartão que deveria ser entregue para ser
preenchido pelo aluno. Sendo assim, ele próprio se auto-avaliaria, ou seja, mesmo se não
cumprisse o que estava explicitado, ele teria consciência de que estava fazendo algo “errado”.
Chamar atenção para os erros de conduta era um dos principais objetivos estabelecidos por
esta proposta do sanitarista. Então, para o aluno, o preenchimento da ficha era realizado
diariamente antes de sair da escola, para a professora ou para o médico escolar, a avaliação
era feita uma vez por mês, quando analisavam os cartões e transferiam os pontos obtidos por
cada aluno para o cartão dos educadores (quadro 2), o qual possuía espaço para que
anotassem a pontuação obtida pelo aluno em cada item. Mas a pontuação seria alcançada
se ele tivesse cumprido a tarefa ao longo de todo o mês. Com tais cartões, pretendia-se além
de incutir estes hábitos saudáveis nos alunos, também realizar periodicamente um
levantamento acerca das questões que mereceriam maior atenção por parte dos educadores.
Observemos que os “deveres diários” a serem cumpridos pelo aluno
compreendiam uma série de comportamentos que pretendiam tornar o indivíduo apto a viver
em sociedade, tanto no que se referia à preservação da saúde, quanto à adoção de boas
maneiras”. Sabe-se que a crítica a comportamentos “não civilizados” como “cuspir no chão”
era feita desde o início do século, quando a Capital Federal havia sido reformada sob os
preceitos do sanitarismo, e a população continuava com seus hábitos “selvagens”.
Transformar regras de higiene em costume não era tarefa fácil, por isto, a necessidade de que
o aluno avaliasse todos os dias seu comportamento, ou seja, se “lavou o rosto e escovou os
dentes ao acordar”, se tomou banho “com água e sabão”, se lavou as mãos após utilizar a
latrina e antes de comer” - atualmente tais atitudes nos parece tão corriqueiras - mas naquele
253
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 8. p. 23.
114
momento não faziam parte do universo cultural da maioria da população brasileira.
Outras atitudes como “não mentir nem brincando”, não estavam,
necessariamente, ligadas à saúde do indivíduo, mas como a saúde, na perspectiva sanitarista
envolvia tanto aspectos físicos quanto psicológicos, era importante que o indivíduo
aprendesse que a sinceridade também estava ligada a uma vivência saudável. A famosa
máxima greco-latina “mens sanae em corporae sanae” ou “mente em corpo são”, foi
amplamente adotada pela medicina na primeira metade do século XX, para os médicos - e de
maneira especial os sanitaristas - educação e saúde compunham a receita de um Brasil
moderno. A intenção era promover o “aperfeiçoamento da raça” brasileira, por meio da
educação e saúde
254
. Este binômio era reconhecido como fundamental para que o país entrasse
nos trilhos do progresso. Na primeira edição da REVISTA MEDICA DE MINAS foi publicado
um discurso do médico carioca Miguel Couto, no qual deixava bastante clara a importância da
educação a qual, de acordo com ele, era um assunto correlato à medicina.
Assuntos sociais correlatos com a medicina, aquele que mais
tem me ocupado, como médico, é a ignorância. Considero-a não
doença, senão a peor de todas (...) quando se instala
endemicamente, como na nossa terra, assoma às proporções de
verdadeira calamidade! É éla que reduz o homem a meio-
homem...éla, e só éla é a responsável pelo relativo atrazo da
nossa Pátria que não pode sofrer o confronto com outras, a cujo
lado deveria formar em de igualdade e eréta. Não se aponta
no mundo uma só nação de ignorantes
255
.
A opinião do médico era consensual entre a maioria dos membros de sua
categoria profissional. De um modo particular os sanitaristas adotavam este discurso para
compor sua retórica de “cruzada civilizatória”. Por isso mesmo, relacionavam a educação à
medicina e a própria idéia de uma “educação higiênica”. Educar significava: instruir, civilizar
e, para além disto, formar homens e mulheres saudáveis e dispostos a contribuir para o
desenvolvimento do país. O Dr. Miguel Couto fez esta afirmação, utilizando uma história da
Grécia antiga:
254
Como destacado esta perspectiva passou a ser defendida pelos sanitaristas, após as primeiras campanhas
sanitárias ocorridas pelo interior do Brasil no inicio do século XX, quando pretendia-se superar os
determinismos biológico e geográfico que imperava acerca do homem e da natureza brasileira.
255
COUTO, Miguel. “O A B C na Academia Nacional de Medicina”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS,
Anno I, Belo Horizonte, Outubro de 1933 – Nº 1. p. 66.
115
Conta Plutarcho, na vida de Péricles, que indo o grande
ateniênse, ao Olímpio, dissuadir Anaxágoras de se deixar
morrer de fôme, porque precisava ainda dos seus conselhos, êle
replicou: “quem quer a lampada acêsa, deita-lhe óleo”.
É o que compéte ao govêrno, porque o Brasil não é o dia de
hoje, é o amanhã de nossos filhos, e se a Patria os quer fortes
para defendê-la e cultos para elevá-la, cumpre não esquecer um
momento. Agora ou nunca mais
256
.
A educação higiênica observava justamente estes princípios, quais sejam, a
formação de indivíduos “fortes e cultos”. Ser forte implicava em ser saudável, assim como,
ser “culto” significava se desvencilhar da ignorância, desprender-se do senso comum. O
desprendimento do senso comum tinha um significado especial para os sanitaristas, posto que
permitiria que a população internalizasse condutas baseadas no conhecimento médico-
científico. E ao mesmo tempo, também legitimaria o espaço de atuação médica, uma vez que
a ciência era a base de todo o seu saber, e isto tornava o médico um personagem cujas
palavras deveriam ser acatadas incondicionalmente. Ao governo cabia criar condições para
que este importante profissional desempenhasse seu papel de “redentor” do país. Esta
redenção se daria por meio das práticas que envolviam a educação e o condicionamento do
povo para a adoção de comportamentos saudáveis e a educação higiênica nas escolas se
configurava como um dos maiores exemplos disto.
Esta perspectiva de “saúde pelo progresso” esteve presente em todos os relatos
de iniciativas voltadas para a implantação de projetos na área de saúde pública pelos
sanitaristas mineiros. Até aqui, tratamos especificamente da educação higiênica nas escolas
primárias, entretanto, a educação sanitária não se limitava às escolas. Outras ações eram
discutidas e implementadas para este fim, a saber, palestras nas rádios, campanhas
promovidas por meio de folhetos, cartazes, entre outras. A seguir, analisaremos algumas
delas.
3.2 - Educar e Controlar: Sanitaristas e a Formação do “Typo Racial
Brasileiro”
257
O Dr. Mario Mendes Campos, médico da Inspetoria de Demografia e Educação
Sanitária de Minas Gerais, afirmava que “nos países civilizados, um dos principais escôpos
256
Ibid. p. 67
257
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II, Belo Horizonte, Janeiro de 1935 – Nº 17. p. 64.
116
da administração sanitária visa a educação do povo, afim de que êste, bem orientado a
respeito das exigências da Saúde Pública, se possa constituir um precioso colaborador das
medidas higiênicas exigidas pela medicina preventiva”
258
. Para o médico, a melhor
organização de técnica sanitária, mesmo sendo dirigida pelos melhores e mais competentes
profissionais, não poderia produzir efeitos satisfatórios, se o povo não tivesse sido educado e
iniciado em certos preceitos elementares de higiene. Tal como no caso das crianças, os
adultos também eram alvos dos sanitaristas, posto que, como destacado por eles, era urgente
que se despertasse no povo a “consciência sanitária, tomada de certo modo como um
imperativo da moral coletiva”
259
. Mais que meramente consciência, era necessário tornar os
preceitos sanitários parte da moral do povo brasileiro, fazer com que todas as pessoas de todas
as idades e classes sociais compreendessem o valor de uma vida hígida.
O médico ainda enfatizou a importância de que o público entendesse o alcance
das vantagens das medidas higiênicas, pois a “execução obrigatória não poderá ter eficiência
satisfatória e duradoura”
260
. Sendo assim, a educação sanitária deveria se dar de maneira
acessível à compreensão popular, precisando haver uma ligação entre os regulamentos que
prescreviam normas higiênicas e o público, obrigado a cumprí-las. Por isto, a propaganda de
higiene se tornou uma necessidade social, devendo basear-se numa “campanha intensiva de
propaganda, por todos os meios modernos de divulgação: conferências, artigos de imprensa,
folhetos, cartazes, filmes cinematográficos, rádio, etc”
261
. Em todos os meios de divulgação
possíveis deveriam ser realizadas campanhas educativas, com o objetivo de criar nos
indivíduos hábitos de higiene pessoal.
A utilização de propagandas era um traço característico do governo de Getúlio
Vargas, que utilizavam-nas como instrumentos de difusão dos “ideais revolucionários”. Em
1934 foi criado o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), que era
responsável pelos assuntos do cinema, e pela edição de filmes de propaganda do governo. Em
1939 o órgão foi transformado no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Podemos
afirmar que os médicos sanitaristas também incorporaram a propaganda como mecanismo de
divulgação, bem como de “conscientização” dos preceitos higiênicos. Segundo Carlos
Roberto de Souza, a política cultural para Getúlio Vargas “associando o cinema ao rádio e
258
CAMPOS, Mario Mendes. “Educação Sanitária”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo
Horizonte, Novembro de 1933 – Nº 2. p. 31.
259
Ibid. p. 31.
260
Ibid. p. 32.
261
Ibid. p. 32.
117
ao culto racional dos esportes, completaria um sistema articulado de educação mental,
moral e higiênica, dotando o Brasil dos instrumentos imprescindíveis à preservação de uma
raça empreendedora, resistente e varonil”
262
. Deste modo, é impossível não perceber a
semelhança entre os objetivos das propagandas de educação higiênica promovida pelos
sanitaristas e a propaganda desenvolvida pelo governo no mesmo período, em ambas esteve
presente a visão do povo como alvo de um projeto pedagógico indispensável ao progresso da
nação. O Dr. Mario Mendes Campos conclamou toda a categoria médica, bem como outros
grupos intelectuais a contribuírem na campanha de educação higiênica:
Naturalmente a função capital da educação higiênica compete
aos médicos sanitários, mas esta grande tarefa terá de ser
exercida por todos os médicos e profissionais dos ramos da
medicina, e, de um modo geral, por todas as classes intelectuais,
que deverão trazer o seu concurso em benefício da
coletividade
263
.
Nesta discursiva percebemos uma certa tônica nacionalista e, de fato, os
argumentos dos sanitaristas apelavam muito para o sentimento de compromisso com a nação.
Sempre enfatizavam que para conquistar a civilização e o progresso era necessário que fosse
resolvido o problema fundamental brasileiro, definido como o problema sanitário, o qual se
desdobrava na ausência de uma “cultura” higiênica e de um sistema de saúde pública
realmente eficaz. Com esta retórica os médicos se posicionavam no cenário político e
intelectual brasileiro, sempre deixando claro que a responsabilidade da educação higiênica
competia a eles, entretanto, este médicos precisavam do “voluntariado” de outros segmentos
intelectuais. Como destacamos neste trabalho, este voluntariado nacionalista, muitas vezes,
se configurava como uma estratégia de inserção política. A análise das ações destes
sanitaristas reforça ainda mais nossa perspectiva, posto que a partir delas podemos notar o
alcance de seus projetos e a necessidade de que o governo investisse nos mesmos. No caso da
educação higiênica nas escolas primárias, por exemplo, era preciso que o governo concedesse
autonomia para que os médicos “interferissem” no processo educativo das crianças, além
disto, nenhuma atividade de tal natureza e abrangência poderia ser feita sem que fossem
contratados profissionais especializados e dispostos a dar cabo da mesma. Com isto, o corpo
de sanitaristas - funcionários públicos - se dilatava. Havia ainda a necessidade de legitimação
262
SOUZA, Carlos Roberto de. Cinema em tempos de Capanema. In: BOMENY, Helena (org.). Constelação
Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / EDSC, 2001. p. 158.
263
CAMPOS, Mario Mendes. op. cit. p. 32.
118
da autoridade destes profissionais que “ditavam regras de conduta” para as pessoas. E como
se dava tal legitimação? Em primeira instância, se dava muito em função do argumento
científico, e logo após, pelo argumento nacionalista, que propunha a elevação do país ao
patamar do “progresso e da civilização” a partir da resolução dos problemas de saúde pública.
Na REVISTA MEDICA DE MINAS acompanhamos muito desta trajetória. Os
sanitaristas mineiros convocavam o poder público a contribuir na patriótica obra de “redenção
nacional”. E, era com base neste argumento que procuravam justificar todos as suas ações de
“intervenção social”. Eram eles que queriam decidir quais seriam os indivíduos aptos para ter
filhos e como as pessoas deveriam se comportar na vivência em sociedade, a fim de que
reproduzissem uma vida saudável. Deste modo, condenavam comportamentos que se
desviavam deste ideal, como por exemplo, o alcoolismo, o casamento e a procriação de
pessoas portadoras de doenças graves, como tuberculose, lepra, sífilis, etc.
A maneira como os sanitaristas se expressavam denotava uma certa autoridade
para impor as regras para uma vida saudável. Em artigo relatando o problema de saúde
pública que o alcoolismo constituía, o médico David Rabelo foi categórico ao afirmar que o
álcool é um veneno mortal; é necessario supprimir integral e definitivamente o seu uso”
264
.
As campanhas higienistas combatiam ferozmente o consumo do álcool, pois na perspectiva
sanitarista, o álcool era responsável pela degradação social e econômica de muitas famílias
brasileiras, sendo pois imperativo proibir seu consumo. De acordo com eles as bebidas
alcoólicas eram grandes inimigas de uma vida saudável, principalmente por se fazerem
presente tanto na mesa dos ricos, quanto na dos pobres. Porém, nos lares dos pobres a bebida
causava ainda mais devastação, porque estes afogavam suas mágoas e tentavam esquecer suas
misérias cotidianas através de seu consumo. E, isto, era como “entregar a alma ao diabo”
265
,
pois os efeitos do álcool eram devastadores na vida dos indivíduos, levando-os à degradação
moral, ao abandono de todos os hábitos de respeito social, bem como, de si mesmo. De
acordo com o Dr. David Rabelo,
A embriaguez devasta os lares em que penetra, dissolve os laços
de afecto familiar, atirando os maiores amigos uns contra os
outros. É nos acessos de embriaguez mais ou menos accentuada
que marido e esposa atiram um contra o outro, palavras
irremediaveis, injurias crueis e expresões de desprezo que
264
DAVID, Rabelo. “O Alcoolismo como Factor de Depressão Social e Economica”. In: REVISTA MEDICA
DE MINAS, Anno VI, Belo Horizonte, Maio de 1939 – Nº 69. p. 19.
265
Ibid. p. 21.
119
cavam abysmos intransponiveis
266
.
Para o médico, proibir o consumo do álcool poderia contribuir para a promoção
da harmonia social e familiar, uma vez que as pessoas alcoolizadas perdiam a noção de
civilidade, se tornando “selvagens” e indiferentes à idéia de respeito mútuo. Sendo assim, a
perspectiva de reforma social proposta pelos sanitaristas tinha uma abrangência que
ultrapassava os limites do mundo público. A intenção era modificar hábitos condenáveis pelos
preceitos higiênicos, mesmo que estes dissessem respeito à vida particular do cidadão. Havia
sido descoberto que a saúde, bem como a doença, não eram assuntos do mundo privado, ao
contrário, elas criavam grande interdependência entre os indivíduos. Portanto, criar uma
cultura calcada em padrões higiênicos e, consequentemente, mantenedora de uma vida
saudável, deveria se uma ação realizada em massa. Por isto, a necessidade da concordância e
cooperação do governo, de toda a categoria profissional médica e das demais “classes
intelectualizadas” do país.
Era com esta intenção que os médicos apelavam para os mais diversos
argumentos, no caso do álcool, por exemplo, se os de cunho moral não fossem suficientes,
recorriam aos de cunho econômico, sendo assim, destacavam os prejuízos que uma massa de
trabalhadores indisciplinados e guiados pelo cio do alcoolismo poderia provocar em uma
economia carente de braços fortes e dispostos a contribuir para seu progresso. Como destacou
o médico David Rabelo, “na França, as mais ousadas e bem orientadas campanhas anti-
alcoolicas, guiadas pelos phylanthropos e sociologos mostram á evidencia a diminuição da
capacidade economica das massas proletarias devido ás devastações do alcool”
267
. Desta
forma, fazer campanhas para combater o alcoolismo e pressionar o governo a criar leis que
proibissem seu consumo, para além de ser uma forma de concorrer para a harmonia social e
familiar, bem como para promoção da saúde dos indivíduos, era também uma maneira de
preservar a economia do país. E os sanitaristas mineiros se empenhavam nesta empreitada,
realizavam diversas campanhas educativas contra o álcool, e alguns relatórios eram
publicados na REVISTA MEDICA DE MINAS.
Na edição de janeiro de 1935, publicou-se uma matéria relatando os resultados
positivos da Semana Anti-alcoólica empreendida pela Liga Brasileira de Higiene Mental em
Minas Gerais. Nela destacavam o sucesso da semana, a qual contou com a presença dos
266
Ibid. p. 21.
267
Ibid. p. 22.
120
professores do ensino primário e secundário do estado. A participação se deu de forma
prática, pois todos os professores fizeram referencias, citações, trabalhos e conferencias
allusivas ao alcoolismo e ás desgraças humanas que a terrivel toxicose arrasta em sua faina
esmagadora”
268
. A matéria seguia tecendo elogios ao médico Samuel Libâneo que dirigiu a
campanha, a qual, para os editores da revista, deveria se repetir pelo menos uma vez por ano,
dada a importância de combater o alcoolismo em Minas Gerais.
A educação sanitária, enquanto mecanismo de instrução para os indivíduos se
precaverem de doenças e adotar hábitos instigados pelo higienismo, também voltava-se para a
“preservação da estirpe humana”. Sendo assim, se ocupava da perpetuação de indivíduos
saudáveis em uma sociedade que, de acordo com o médico Garcia de Lima, “é um organismo
em constante evolução”
269
, então, tal qual a sociedade, para o médico os seres humanos
também evoluíam, ou seja, se aperfeiçoavam. Este discurso dos sanitaristas estava em dia com
as teorias eugênicas ou teorias de melhoramento da raça
270
. Para eles, este aperfeiçoamento se
daria a partir do momento em que o povo se familiarizasse com os preceitos higiênicos,
entretanto, em alguns casos, haveria como evitar adegradação da raça” adotando práticas de
cunho “preventivo”, como por exemplo, a esterilização de indivíduos “incapazes” de
perpetuar a espécie. Mas quem era os incapazes? Consideravam-se incapazes todos aqueles
indivíduos que não podiam contribuir para o crescimento da nação, ou seja, os portadores de
doenças graves, os doentes mentais, entre outros. Então, as medidas a serem tomadas a fim de
formar o cidadão “conveniente” à nação deveriam se basear em dois fatores fundamentais, a
educação higiênica – que vimos até agora – e o controle da hereditariedade.
O homem, considerado como valor social, é, essencialmente,
producto da hereditariedade e da educação.
Infere-se portanto, que para a moldagem de caracteres e de
individualidades afeiçoados ás presentes condições de vida, a
collectividade deve agir decididamente, na medida do possível,
sobre esses dois factores primordiaes, modificando-os e
melhorando-os no sentido do seu maximo interesse
271
.
Modificar através da educação higiênica e melhorar através das práticas
268
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II, Belo Horizonte, Janeiro de 1935 – Nº 17. p. 57.
269
Ibid. p. 59.
270
No Brasil, durante a primeira metade do século XX o principal divulgador das idéias eugênicas foi o médico
Renato Kehl, o qual fundou em 1918 a Sociedade Eugênica de São Paulo. Estas teorias ganharam muitos
simpatizantes no país, principalmente entre os sanitaristas. Renato Kehl definiu a eugenia como a sciencia
do aperfeiçoamento moral e phyfisico da especie humana”. Cf.: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II,
Belo Horizonte, Janeiro de 1935 – Nº 17. p. 64.
271
Ibid. p. 63.
121
eugênicas. A difusão destas últimas, “é, contudo, necessidade premente nessa pátria
admirável de cujo seio fecundo de surgir um dia o typo racial brasileiro”
272
. Era
necessário, pois, além de cuidar da educação, zelar também pelo melhoramento racial do povo
brasileiro, e como medida precípua, o médico Garcia de Lima afirmou que é “indispensável
que o Estado exija para a realização do casamento civil legal a apresentação da folha
corrida sanitaria dos noivos ou o attestado medico pré-nupcial”
273
. Os sanitaristas/eugenistas
pediam o auxílio do Estado, posto que, somente ele poderia formular leis que impedissem o
casamento de pessoas inaptas para contribuir no processo de formação do “tipo racial
brasileiro”. Não bastava que fossem feitas campanhas de conscientização, era preciso utilizar
maior rigor. “Pois só assim evitariam os cruzamentos pathologicos, desastrosos,
incovenientes e immoraes, que constituem um grave attentado contra os dictames da razão e
os direitos da collectividade”
274
. Apelava-se para a “defesa da coletividade”, pois na
perspectiva destes médicos, a sociedade corria o risco de se degenerar, tanto em termos
biológicos quanto em termos morais.
Para evitar este mal maior, além do controle realizado através dos exames pré-
nupciais, alguns sanitaristas propunham a esterilização, pois de acordo com eles, em alguns
países “está sendo ensaiada com êxito a esterilização desses indivíduos indesejáveis para a
comunidade”
275
. Eles conclamavam o governo a incluir na legislação um artigo determinando
que fossem impedidos de terem filhos todas as pessoas portadoras de algum tipo de doença ou
“degeneração” que promovessem alguma desordem na sociedade. “Ao Estado compete
também evitar formalmente a reprodução dos debeis mentais, degenerados, criminosos e
loucos pela reclusão hospitalar ou penitenciária que os segrega do seio da comunidade e os
impede de propagar suas taras”
276
. Notemos que a preocupação ultrapassava os limites
meramente biológicos, sob o ponto de vista de tais médicos. A hereditariedade não se
processava somente através da transmissão de características biológicas, mas também das de
caráter moral. Sendo assim, tanto os portadores de doenças graves quanto os criminosos eram
alvos das práticas de “saneamento social”. O objetivo dos médicos, pelo menos da perspectiva
retórica, era tornar a sociedade brasileira hígida, civilizada e, consequentemente, moderna.
Portanto, normatizar hábitos e contribuir para a “formação” de indivíduos saudáveis, era a
272
Ibid. p. 64.
273
Ibid. p. 68.
274
Ibid. p. 68.
275
Ibid. p. 68.
276
Ibid. p. 68.
122
função dos sanitaristas, deste modo, não cabia somente educar, também era preciso “evitar o
mal”, daí a proposição de práticas eugenistas. Cabe destacarmos, entretanto, que estas teorias
não foram aplicadas amplamente, como foi o caso da educação sanitária. Mas, em certa
medida, ações tão “invasivas” foram colocadas em prática, como por exemplo, a segregação
dos portadores do mal de hansen ou “leprosos”, medida muito discutida pelos sanitaristas na
REVISTA MEDICA DE MINAS. No item a seguir discutiremos um pouco sobre como estas
ações de combate à lepra - uma das principais endemias que assolavam o estado - foram
efetivadas em Minas Gerais.
3.3 – Sanitaristas em Ação: O Combate à Lepra em Minas Gerais
A lepra sempre foi reconhecida como uma doença carregada de aspectos
estigmatizantes, sendo assim, sua grande incidência no estado gerava muita preocupação entre
os médicos, particularmente, leprólogos/sanitaristas. Diversas iniciativas de controle e
combate à doença foram elaboradas, dentre as quais, as principais eram a educação sanitária e
a segregação do doente em instituições de reclusão. Minas Gerais possuía uma estrutura de
controle da lepra modelar e os sanitaristas mineiros se orgulhavam disto, uma vez que eram
eles os responsáveis pela operacionalização deste sistema. A doença era temática importante
na REVISTA MEDICA DE MINAS, ela aparece em cerca de 95% das edições que analisamos.
As discussões consistiam em métodos de tratamento, estatísticas da doença no estado,
educação sanitária a fim de evitá-la e, principalmente, sobre aquele que se constituía como o
caro-chefe do controle da doença, qual seja, a estruturação e manutenção dos asilos-colônia
ou “leprosários”. E, este é um ponto crucial, no qual mais uma vez damos sustentação ao
nosso argumento de que os sanitaristas “precisavam” do apoio do Estado no que se referia
tanto à legitimação de seus atos, quanto à “disponibilidade” do governo em arcar com o ônus
causado pela construção mas, para além disto, com a manutenção dos leprosários. O caso da
Colônia Santa Izabel é bastante significativo para percebermos isto - uma das maiores
instituições desta natureza do país - mantê-la requeria uma luta constante por parte dos
sanitaristas mineiros.
A lepra se tornou questão de saúde pública no Brasil quase que
concomitantemente ao processo da própria constituição da saúde como um “bem público” no
país, pois esta doença figurava entre as grandes “endemias nacionais” descobertas pelos
123
sanitaristas no início do século XX. Desse modo, as medidas de controle e combate à doença
foram institucionalizadas a partir da criação, em janeiro de 1920 com o decreto 3987, do
Departamento Nacional de Saúde Pública e suas várias inspetorias de profilaxia de doenças,
inclusive da lepra
277
. A Inspetoria de Profilaxia da Lepra teve como seu primeiro diretor o
dermato-sifilógrafo Eduardo Rabello, a ele coube a responsabilidade de elaborar as diretrizes
que regulamentariam a inspetoria. Dentre estas destacou-se o isolamento como uma medida a
ser adotada oficialmente como prática profilática em relação a doença. A partir deste
momento, houve diversas reformulações nos quadros da saúde pública no Brasil, todas elas
interferindo diretamente na organização das ações de combate a lepra. Uma das mais
significativas reformulações, para o caso específico desta doença, ocorreu com o decreto-lei
3171, de 2 de abril de 1941, que implantou a reforma no Ministério da Educação e Saúde,
criando o Serviço Nacional de Lepra (SNL). De acordo com Laurinda Rosa Maciel, as
atividades de combate à lepra no contexto nacional se fortaleceram com a criação do SNL,
(...) um órgão fiscalizador e regulador da política de profilaxia apoiada no modelo tripé com
todas as suas especificidades.”
278
Apesar de 1941 ser o marco nacional do fortalecimento das ações de combate à
lepra, no caso específico de Minas Gerais e junto a este estado encontrava-se também em
situação similar o estado de São Paulo estas práticas vinham se intensificando desde os
anos de 1920. Minas Gerais possuía um número considerável de leprologistas – se comparado
a outros estados tendo sido pioneiro na criação dos dispensários itinerantes que visitavam
localidades do interior a fim de realizar ações de combate à doença. O estado também contava
com um Centro de Estudos contra a Lepra e um Serviço de Profilaxia da Lepra, criados em
1937. Quanto às instituições de isolamento, o estado também se destacava, que em 1933
contava com quatro grandes leprosários: Santa em Três Corações, Padre Damião em Ubá,
São Francisco de Assis em Bambuí e em Betim a Colônia Santa Izabel.
A criação da Colônia Santa Izabel foi aprovada pela Lei nº801 de 2 de
setembro de 1921, quando o governo do estado desapropriou a título de utilidade pública um
terreno próximo ao Rio Paraopeba, a uma distância de aproximadamente 42 Km de Belo
Horizonte. No dia 24 de dezembro de 1931 foi inaugurada oficialmente a instituição, com a
presença das autoridades: Dr. Olegário Maciel Dias, presidente do Estado, Dr. Noraldino
277
Sobre a criação do DNSP, Cf.: HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Editora Hucitec,
1998.
278
MACIEL, Laurinda Rosa. op. Cit. p. 112.
124
Lima, Secretário de Educação e Saúde Pública e Dr. Ernani Agrícola, Diretor de Saúde
Pública. Neste período a principal via de acesso ao lugar eram as estradas de ferro Central do
Brasil e Rede Mineira de Viação. Os portadores de lepra eram desembarcados na estação
Carlos Chagas no município de Mário Campos próximo ao portão principal de entrada da
colônia. A rede ferroviária dispunha de um vagão exclusivo para transportar os “passageiros
com doenças contagiosas”.
Esta instituição pode ser pensada como um locus representativo da
aplicabilidade das práticas empreendidas no controle desta doença no Brasil e em vários
outros países
279
. A perspectiva médico-sanitária, ao adotar o isolamento como medida
profilática, era, antes de tudo, de resguardar a integridade dos “sãos”
280
, posto que não se
conhecia um tratamento que, de fato, fosse eficaz no combate à doença. Nos diversos
congressos cujo tema era a lepra discutia-se métodos de tratamento da doença e novas
experiências
281
, mas a discussão sempre chegava ao consenso do isolamento como a melhor
solução. Somente a partir de meados da década de 1940 no contexto do chamado “otimismo
sanitário”
282
, após a descoberta de medicações químicas como sulfas e antibióticos, é que se
passou a questionar nos congressos internacionais a verdadeira eficácia do isolamento, tanto
quanto apontar seus problemas, como por exemplo, os prejuízos emocionais e psicológicos
que causavam aos doentes e os altos custos com a manutenção dos leprosários. Todavia, nossa
intenção é justamente ressaltar a prática segregacionista, importante ação desempenhada pelos
sanitaristas mineiros. Esta idéia de segregar o leproso estava profundamente arraigada ao
estigma que a doença carregava. O conceito de estigma apresenta poucas variações,
geralmente é definido como:
279
Como enfatiza Laurinda Rosa Maciel, o Brasil participava ativamente dos congressos nacionais e
internacionais sobre lepra e, como a maioria dos países participantes, acatava as deliberações finais dos
mesmos como balizas para implementar suas ações de combate e controle da doença. Cf.: MACIEL,
Laurinda Rosa. 'Em proveito dos sãos perde o lázaro a liberdade': uma história das políticas públicas de
combate à lepra no Brasil (1941-1962). Tese de Doutorado em História, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2007. Principalmente o Capítulo 3: Os congressos de lepra e o isolamento da crítica humanitária à
científica.
280
Segundo Luciano Marcos Curi, “As práticas médicas de confinamento causaram uma falsa impressão de
segurança, de que o mal estava no cerco das colônias, vigiados e guardados dia e noite, “sã e salva”
encontrava-se a população”. Cf.: CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e
isolamento no Brasil 1935-1976. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Uberlândia,
2002. p. 32.
281
O tratamento da lepra era feito através do uso do óleo de chaulmoogra, planta nativa da Índia. Como o custo
da importação era bastante alto, os centros de pesquisas concentravam suas atenções em encontrar na flora
brasileira um substituto para a chaulmoogra.
282
Sobre otimismo sanitário, Cf.: GARRETT, Laurie. A Próxima Peste As novas doenças de um mundo em
desequilíbrio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, sobretudo o cap. 2: ‘Transição da saúde A era do
otimismo: vamos erradicar a doença’.
125
“(...) a propriedade que possuem certas categorias, culturais ou
sociais de funcionarem como sinal desencadeador de uma
emoção que se manisfesta numa conduta de afastamento
imediato. As categorias, sociais ou culturais, adquirem tal
propriedade quando representam uma negação de um ou mais
valores básicos ou preponderantes”
283
.
Quando o autor refere-se ao estigmatizado como aquele que nega valores
preponderantes, podemos pensar como o acometido pela lepra se enquadra nesta definição.
Luciano Marcos Curi, em estudo retrospectivo acerca da construção do estigma do leproso,
afirma que “historicamente a doença esteve relacionada com as noções de pecado e
corrupção”
284
, pois era vinculada às idéias de sujeira, promiscuidade, enfim, da miséria
humana. O leproso era então, aquele indivíduo com o qual não se desejava relacionar, não se
recomendava seu relacionamento nem com seu próprio filho, era em um genuíno
“indesejável” na sociedade. O bacteriologista da Colônia Santa Izabel, Dr. Paulo Cerqueira
Pereira, apresentou um trabalho na Conferência de Uniformização da Campanha Contra a
Lepra, em 1933, defendendo a esterilização dos leprosos. Publicado integralmente na
REVISTA MEDICA DE MINAS, o trabalho postulava que a concepção da necessidade de
esterilizar o homem estava sendo usada e solicitada em diversas instituições, sendo assim,
Apreciemos os argumentos que nos induzem a preconizá-la, no
caso da leprose, como forma eficiente de diminuir, em parte, a
expansão do mal, e, por consequência, como colaboradôra
eficaz na campanha que tão de perto interessa á vida nacional.
Pois o seria mais lógico, mais prático, mais humanos e
econômico, evitar, para logo, o nascimento desses infelizes?
285
Os leprosos despertavam sentimentos de medo e repulsão nas pessoas ao seu
redor, e o estigma atingia não apenas a eles, mas também a sua descendência. Seus filhos
tinham a vida marcada pela “infelicidade” de serem “filhos de leprosos”. E com isto, os
próprios familiares - tios, avós, etc.- muitas vezes se negavam a educar aquelas crianças cuja
existência desde cedo havia sido marcada pelo terrível mal. Tendo em vista este aspecto
283
GANDRA JUNIOR, Domingos da Silva. A lepra: uma introdução ao estudo do fenômeno social da
estigmatização. Tese de Doutorado em Antropologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 1970. p. 126.
284
CURI, Luciano Marcos. op. Cit. p. 57
285
PEREIRA, Paulo Cerqueira. “Da Esterilização dos Leprosos”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I,
Belo Horizonte, Dezembro de 1933 – Nº 4. p. 44-45.
126
estigmatizante, as medidas profiláticas em relação à lepra foram estruturadas sob o chamado
“modelo tripé”, o qual sustentava-se através da união de três instituições: os asilos-colônias
para os leprosos, os dispensários para os comunicantes e os preventórios para os filhos
indenes dos doentes. De acordo com Luciano Marcos Curi, a idéia era corresponder a três
princípios básicos: “isolar, vigiar e orfanar”
286
. O apoio aos “órfãos de pais vivos”, bem
como às mulheres de maridos acometidos pela doença era uma perspectiva que se pretendia
humanitária para com esses indivíduos. Apelava-se muito ao princípio da caridade cristã, da
qual derivaram muitas das atividades filantrópicas praticadas pelas damas da sociedade
287
,
numa tentativa de “amenizar” o sofrimento causado pelo isolamento.
Mas esta estrutura institucional gerava grande despesa para os cofres públicos,
uma vez que os filantropos contribuíam de maneira modesta. Por isto, a proposta de
esterilização do médico Paulo Cerqueira Pereira, apesar de justificada como um ato de
“humanidade”, evitando o nascimento de “infelizes”, pode ser pensada, antes de tudo, como
de caráter extremamente prático e racional. Com a esterilização dos leprosos evitaria-se uma
série de “problemas”, tanto para o governo, quanto para os sanitaristas. O governo
economizaria e os sanitaristas teriam menos “empecilhos” em sua obra de saneamento do
país. Embora a esterilização não tenha sido adotada, os portadores da lepra sofreram outras
consequências das políticas de saúde pública propostas pela perspectiva médico-sanitária.
Pois, além de separá-los da sociedade, tarefa fundamental para promover a integridade dos
“sãos”, também o faziam com os seus descendentes, que igualmente carregavam consigo o
estigma. O convívio com um parente de um leproso era considerado tão pernicioso quanto
conviver com ele próprio, sendo assim, em alguns casos, resolvia-se o problema isolando a
todos, doentes e familiares.
A ação de combate à lepra com base neste modelo tripé, apesar de justificada
pelo sanitarismo, precisava de um grande esquema de legitimação, uma vez que, como
salienta Michel Foucault, instituições de reclusão “reúnem características propícias para o
exercício de poder pleno, uma vez que os indivíduos ali colocados foram expatriados de seus
direitos no momento em que ingressam nestes estabelecimentos voluntariamente ou não.”
288
Deste modo, procurava-se legitimar o isolamento a partir da própria base estrutural e
286
CURI, Luciano Marcos. op. Cit. p. 112.
287
Em Minas Gerais a senhora Eunice de Souza Gabbi Weaver era uma das principais figuras ligadas à
filantropia e ao assistencialismo moderno que cercava a lepra, ela sucedeu Alice Tibiriçá na direção da
“Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”.
288
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 15ª edição, 2000. p. 74.
127
arquitetônica dos asilos-colônias, que eram criados como se fossem cidades em miniatura,
cuja estrutura era permeada por uma complexa rede de relações que envolviam hierarquia,
disciplina, trabalho e moralidade.
Podemos dizer que Minas Gerais possuía uma infra-estrutura modelar no que
concernia ao tratamento da lepra. E toda a infra-estrutura refletia na organização de seus
leprosários e, sobretudo, o de Santa Izabel, o maior do estado e um dos maiores do país. É
curioso analisar a estruturação do asilo-colônia tendo em vista diversos aspectos, o primeiro
deles, o espaço geográfico escolhido para a implantação do mesmo. Um lugar relativamente
próximo à Belo Horizonte - porque era o pólo onde se encontravam os sanitaristas e
leprologistas, os quais, em sua maioria, atuavam como professores da Faculdade de Medicina
da capital ou desempenhavam alguma outra atividade no serviço público - mas de difícil
acesso, corroborando para o isolamento dos “indesejáveis”. Outra questão referia-se à
estrutura física da mini-cidade, Santa Izabel possuía teatro, igreja, atividades recreativas,
esportivas e laborais. A intenção era criar um clima de estabilidade entre os internos.
Pretendia-se ainda, a criação de certo padrão de conforto, que poderia variar conforme a
situação financeira do indivíduo isolado. Observemos um trecho do trabalho apresentado na
mesma Conferência para a Uniformização da Campanha Contra a Lepra no Rio de Janeiro em
setembro de 1933, pelo diretor da Colônia Santa Izabel, Dr. Orestes Diniz:
“A Colônia Santa Izabel, contando algumas dezenas de casas
para os doentes, tem podido receber pessôas de tratamento que
se internam com relativo conforto. Assim é que em 1932,
verificou-se uma renda de 11:200$000, proveniente de
pensionistas doentes. Mais elevada deve ser esta renda no
corrente ano, e incomparavelmente maior seria se dispuzesse a
Colônia de instalações mais adequadas, de quartos confortaveis
e de apartamentos e, mesmo porque não dizer de um pouco de
luxo”
289
.
É interessante pensar como as autoridades sanitárias, envolvidas com a prática
do isolamento, tentavam reproduzir dentro dos leprosários o modelo de sociedade do qual se
retirava o doente, chegando mesmo a querer implantar um sistema de estratificação social
dentro das colônias. Cabe pensarmos como os indivíduos doentes se posicionavam diante
disto, porque ao fim e ao cabo, indiferente do estrato social que ocupavam antes da doença,
289
DINIZ, Orestes. Do Isolamento na Lepra (algumas considerações para sua eficiência). Trabalho Apresentado
a Conferência para Uniformização da Campanha Contra a Lepra no Rio de Janeiro de 25 a 30 de setembro de
1933. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1933. p. 18. Memorial da Colônia Santa Izabel, Betim-MG.
128
eles se tornariam “indesejáveis” dentro desta sociedade, e então, do ponto de vista
estritamente profilático, todas as pessoas portadoras do “terrível mal” se igualariam ao
despertar um sentimento de repulsão nos indivíduos “sãos”. Mas certamente, e em alguma
medida, este mecanismo de diferenciação social acabava funcionando. O que de certa forma,
provocava um prolongamento das relações do indivíduo interno com o mundo exterior, ou
seja, não havia uma ruptura total, como pretendiam as autoridades médico-sanitárias. Todavia,
rompia-se com outros laços que poderiam ser muito mais importantes para o ser humano,
como por exemplo, os laços familiares. A lepra, neste caso, para além de seus sintomas
biológicos, constituía-se como uma “enfermidade sócio-cultural”.
Julgava-se, portanto, que aprisionar esta enfermidade em espaços limitados e
controlados era a solução mais viável. Apresentar os leprosários como lugares “bons para se
viver” era uma constante nas campanhas antilepróticas, entretanto, historicamente é possível
compreender que ninguém se apresentava com entusiasmo para isolar-se. Os indivíduos que
ingressavam nestas instituições sem terem sido coagidos violentamente, ou seja, que se
apresentavam de forma “espontânea”, o faziam por outros motivos como, por exemplo,
estigmatização por parte da sociedade, fome, miséria, complicações no quadro de saúde
devido ao contágio de outras doenças, entre outros.
Diante de tão bem caracterizadas epidemias familiares, urge
estender-se mais a vigilância entre os parentes dos doentes
internados, pois, devem existir entre eles outros casos,
incipientes ou não, os quaes precisam ser isolados para
completa destruição dos focos
290
.
A espontaneidade em se internar, na grande maioria das vezes, ocorria em
virtude da ausência de outras opções para uma pessoa que via sua vida se desestruturar por
causa de uma enfermidade que todos temiam. Algumas vezes, a vigilância sanitária sobre o
indivíduo doente era tão intensa, que ele acabava se rendendo às “armadilhas do destino”, isto
é, se isolando. Entretanto, havia resistência a esta alternativa e esta pode ser percebida através
dos relatos de fuga dos asilo-colônias, bem como das precauções que a administração dos
mesmos tomava a fim de evitar que o doente fugisse. Observemos o relato do diretor da
Colônia Santa Izabel Dr. Orestes Diniz sobre uma estratégia adotada por ele, muito eficaz
para evitar fugas:
290
DINIZ, Orestes. “Nota sobre a Epidemiologia da Lepra Familiar em Minas Gerais”. In: REVISTA MEDICA
DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Julho de 1934 – Nº 11. p. 43.
129
A arma mais poderosa de que costumam lançar mão os
internados para fuga ou para as fraudes, é sem dúvida, o
dinheiro. Nos leprosários modernos de que Santa Izabel é
padrão, a liberdade dos doentes atinge vastos limites.(...)
A vigilância é quasi impossível de ser feita eficientemente.
Necessitar-se-ia de uma legião de guardas, o que viria de certa
fórma quebrar a doçura do isolamento, constrangendo a grande
maioria dos doentes, daquêles que se isolam trazidos pela
esperança na terapêutica e pelo desejo de não serem nocivos á
família e á sociedade.(...)
Em Santa Izabel procuramos resolver o momentoso problema,
mandando imprimir vales privativos á circulação interna, indo
esses valores de $200 a 5$000, tendo circulação forçada na
Colônia. Recebido qualquer importancia destinada aos doentes,
a Administração procede ao cambio: deposita em cofre o
dinheiro bom e emite vales no valor correspondente.(...)
291
O diretor da Colônia se enaltecia pela iniciativa e a recomendava aos demais
leprosários. É interessante como procurava destacar que a fuga era uma prática de uma
pequena minoria, pois a “grande maioria queria se curar”, não para se reintegrarem ao mundo
social, mas para não serem “nocivos” à família e à sociedade. O indivíduo era convencido de
que carregava o mal em si, e por isto, tinha que se manter afastado. Outro aspecto mencionado
era a “doçura” do isolamento, ao longo de todo o período em que esta foi uma prática
profilática defendida tanto pelo campo médico-sanitário quanto pelo filantrópico
292
. O
discurso de legitimação do isolamento se estruturou sobre a idéia de que os leprosários não
eram instituições de reclusão, no mesmo sentido das prisões por exemplo, mesmo sabendo
que grande parte das pessoas eram levadas para os primeiros sob coação, tal como no caso das
prisões. A idéia de “doçura” estava ligada estritamente à manutenção da harmonia no
ambiente do leprosário, práticas agressivas como separar os doentes de suas respectivas
famílias não eram analisadas como comprometedoras para a desarticulação deste ambiente
“dócil”. Isto, justamente porque, o leproso representava perigo para a própria família, daí
derivava a justificativa para a ação médico-sanitária de segregá-lo. A pessoa doente não era o
principal alvo de preocupação, mas sim os “sãos”. Era como se os leprosos estivessem
fadados à uma existência sofrida que inexoravelmente os conduziria a um fim. Era a
291
DINIZ, Orestes. op. Cit. Nota 56. p. 26-28.
292
Sobre a perspectiva filantrópica, Cf.: TIBIRIÇÁ, Alice. Como eu vejo o problema da lepra: e como oem
os que o querem “manter”. São Paulo, Editado pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a
Lepra, 1934.
130
desumanização do estigmatizado, conforme explica Erving Goffman, “por definição, é claro,
acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso,
fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem
pensar, reduzimos suas chances de vida”
293
.
Para os sanitaristas a humanidade residia em “defender” a sociedade da terrível
doença. A intenção era combater um mal que causava danos à Pátria, como destacou o médico
Paulo Cerqueira, quando defendia a esterilização dos leprosos, tal medida “não era só de
salvaguarda do interesse geral da raça, como de benefício á pátria e á família”
294
. Estes
médicos estavam em dia com o discurso nacionalista que preconizava a constituição de uma
perspectiva de nação forte, hígida, progressista em voga na primeira metade do século
XX, sobretudo, no contexto do pós-1930. Para eles, tomar parte neste processo também era
importante, na medida em que lhes era proporcionado relevância profissional, ou seja, com a
retórica da “reforma social” eles se apresentavam como os grandes “missionários” da
civilização e do progresso.
Em matéria publicada na primeira edição da REVISTA MEDICA DE MINAS, a
idéia de associar o combate à lepra no estado à civilização foi evidenciado, “está prática e
eficientemente iniciada em Minas Gerais a campanha mais diretamente expressiva do índice
de civilização de um povo, que é a campanha contra o flagelo da lepra”
295
. Neste momento,
a campanha de combate à lepra estava ganhando forças no estado, sobretudo, com a
inauguração da Colônia Santa Izabel e os higienistas conclamavam a todos os mineiros para
que contribuíssem na conclusão da instituição. “Apela-se para a filantropia do povo mineiro
para se construir o Preventório São Tarcisio para completar a função assistencial da
Colônia, dando asilo aos filhos dos leprosos recolhidos”
296
à instituição.
Apelos desta natureza eram constantes no periódico, muito embora, o principal
interlocutor dos sanitaristas, quando se tratava de investimento nas políticas de controle e
combate à lepra, eram os governos, tanto estadual quanto federal. Mas a maneira como
apelavam para o poder público era bastante peculiar, pois, como evidenciamos, os
sanitaristas não criticavam diretamente o governo por “investir menos que o necessário” na
saúde pública, ao contrário, se mostravam compreensivos, sempre procurando destacar os
293
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro, Editora
Guanabara, 4ª edição, 2000. P. 14-15.
294
PEREIRA, Paulo Cerqueira. op. Cit. Nota 52. p. 47.
295
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Outubro de 1933 – Nº 1. p. 83.
296
Ibid. p. 84.
131
progressos obtidos neste campo.
O problema da lepra no Brasil esteve durante seculos ao
abandono. Os governos, com rarissimas e honrosissimas
exceções, sempre preocupados com a lepra da política,
esqueciam-se da lepra hanseniana, que tranquilamente estendia,
pouco a pouco, a sua actividade a todos os recantos do paiz. (...)
Graças a Deus os ultimos governos vão se convencendo da
necessidade inadiavel de se debellar o mal e hoje a lepra no
Brasil não é mais o que era hontem. A situação já
melhorou
297
.
Esta fala foi realizada na inauguração do Curso de Leprologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de Minas Gerais, o professor Olyntho Orsini estava explicando aos
alunos a dimensão do problema da lepra no Brasil e especialmente naquele estado. Ele
precisava tornar os alunos conscientes de que combater a lepra era questão fundamental para
o desenvolvimento social e econômico do país, precisava também dizer-lhes que não havia
grande interesse por parte do governo, por isto, cabia a eles, médicos, lutar pela causa. O
próprio curso, que estavam inaugurando era tardio, pois desde o início da cada de1920 os
sanitaristas mineiros demandavam junto ao governo a criação de cursos “condizentes com a
realidade do estado”, e dentre estes, principalmente o de saneamento rural e o de leprologia. O
Serviço de Prophylaxia da Lepra foi criado no estado em 1921, e até aquela data, 1935, não
havia na Faculdade da capital uma cadeira específica para estudar a doença. Entretanto, não
havia questionamentos a este respeito, pelo contrário, procurava-se cumprimentar o governo
pela “nobre” iniciativa. A perspectiva era de perceber tais iniciativas do poder público como
“dádivas”, e portanto, serem agradecidos, mas nem por isto deixar de pedir mais. A
contradição deste discurso de gratidão pôde ser encontrada em outras matérias publicadas na
REVISTA MEDICA DE MINAS. Apesar de sutis, os higienistas deixavam transparecer o
descontentamento que sentiam em relação à atenção que o governo dava à suas causas.
Observemos a matéria publicada no mesmo ano de 1935, quando o médico Nagib Saliba
298
regressava de uma visita a São Paulo,
Ao regressar de S. Paulo, onde estive durante 15 dias, achei de
interessante trazer-lhes as impressões que colhi, visitando o
serviço de lepra do grande Estado Brasileiro.
297
ORSINI, Olyntho. “A Lepra no Brasil”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno III, Belo Horizonte,
Novembro de 1935 – Nº 27. p. 3.
298
Nagib Saliba era Professor da Faculdade de Medicina da UMG e médico do Centro de Estudo e Prophylaxia
da Lepra em Minas Gerais.
132
Posso adeantar-lhes que alli a solução do problema da lepra é
a preocupação do governo e do povo.
Oitenta medicos, technicos de nomeada, emprestam hoje, o seu
concurso á solução desse grave problema.
De outro lado, o governo dispende a verba, não muito pequena,
de 8.000 contos annuaes
299
.
A partir disto o médico descreveu com minúcias toda a organização do serviço
de lepra no estado paulista, a Inspetoria, as colônias, os hospitais, os dispensários e, ainda,
como se dava o funcionamento interno de cada um. Detalhes como: a maneira de fichar os
doentes e comunicantes, a forma como se dava a remoção dos doentes, as inspeções
domiciliares, a biblioteca, os laboratórios, os vencimentos médicos - nesta parte foi destacado
que, “os medicos residentes (nos leprosários), além dos vencimentos, tem optima casa e
alimentação”
300
-, e outras informações de ordem organizacional foram elencadas pelo médico
mineiro. A matéria ocupou dezesseis páginas da revista e foi encerrada com longos elogios ao
governo e ao povo paulista por ambos estarem obtendo resultados brilhantes no combate à
lepra. Todavia, para não parecer “ingrato” com o governo mineiro, e obviamente, para dar o
seu recado, o médico encerrou da seguinte maneira:
Minas Gerais, á frente de cujo governo está a figura brilhante
do Interventor dr. Benedicto Valladares, que conta, na direção
da Saude Publica, com a capacidade realizadora do Dr. Mario
Alves da Silva Campos (...), póde e deve seguir o exemplo do
grande Estado bandeirante, procurando quanto possível,
extinguir tão promptamente esse mal que muito depõe contra os
fóros de um paiz civilizado como o nosso
301
.
São Paulo servia como o grande exemplo quando o assunto era a profilaxia da
lepra, pois o governo dispensava grande atenção ao problema e investia fortemente na
estruturação do serviço de combate à doença. De acordo com o médico, Minas Gerais, no que
se referia ao “brilhantismo” do governo do estado, não deixava a desejar, uma vez que
Benedito Valadares era referendado como uma figura ilustrada, consciente dos problemas
pelos quais a saúde pública passava. No entanto, notamos que, em termos práticos, os
investimentos eram vistos como insatisfatórios. Haja vista a insistência em apontar São Paulo
como modelo a ser seguido. Mas, como a perspectiva dos sanitaristas era contribuir na obra de
299
SALIBA, Nagib. “O Serviço de Lepra em São Paulo”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II, Belo
Horizonte, Maio de 1935 – Nº 21. p. 53. [grifos nossos]
300
Ibid. p. 57.
301
Ibid. p. 68-69.
133
formação de um país forte e progressista, restava-lhes se unir ao poder público “num
voluntariado cívico”
302
.Como declarou o médico José Baeta Viana, era necessário que o
governo fornecesse condições “de modo a permitir que os nossos médicos, forrados de um
grande patriótismo, se empenhassem com os poderes públicos na obra misericordiosa de
redenção humana que equivaleria ao da salvação nacional”
303
. Cabia então ao poder público
dar uma base de sustentação através do apoio financeiro e da atribuição de poder” para
agirem da forma que julgassem conveniente - para que estes médicos “revestidos de
patriotismo” pudessem contribuir na luta pela salvação do país.
Sendo assim, o êxito desta estratégia muitas vezes, passiva e subserviente dos
sanitaristas frente ao poder público, pode ser observado no sucesso que obtiveram na
implantação de alguns de seus projetos. A educação higiênica, difundida entre o povo mineiro
pode ser considerada uma delas. Assim como a segregação dos leprosos que demandou do
poder público grande investimento, e foi sustentada até a década de 1960, sendo abolida por
diversos fatores que não necessariamente econômicos apesar de ser este um deles. Porém,
pesou muito mais o questionamento da eficácia de segregar o doente, e a critica que
“exclusão” social alimentada pela manutenção dos leprosários passou a sofrer. Ou seja,
queremos chamar atenção para o fato de que analisamos aaqui um contexto no qual a idéia
de “saúde como um bem público” era vista com grande desconfiança e pouco compromisso
por parte dos governos. E os personagens que mostramos, isto é, os sanitaristas, foram os
precursores nesta obra de formação do conceito de “vida saudável” para a população
brasileira. Diferente de outros membros da categoria dica, os sanitaristas se envolveram
com questões de cunho coletivo e, ao fazerem isto, estavam correspondendo ao perfil
profissional que escolheram e elaborando maneiras de tornarem-se “reconhecidos e
respeitados” social e profissionalmente. Não obstante, estavam atuando como atores sociais e
políticos que historicamente despertavam no poder público brasileiro a responsabilidade pela
“coletivização do bem-estar dos cidadãos”. De forma autoritária, corporativa e determinista
delimitaram seu espaço no cenário público, em meio a grandes conflitos e embates, avanços e
retrocessos, característicos de que qualquer movimento histórico.
302
VIANA, José Baeta. Discurso na Solenidade de Formatura da Faculdade de Medicina da Universidade de
Minas Gerais em 1931. p.11.
303
VIANA, José Baeta. “O sentido cívico da medicina no Brasil”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano
VII, Belo Horizonte, Janeiro de 1940 – Nº 77. p. 11.
134
CONCLUSÃO
Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por
testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e
minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele
que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar
meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles
tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito;
fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os
de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão,
porém, só a estes.
Juramento de Hipócrates, século V a.c.
Dadas as discussões empreendidas neste texto, principalmente em seu último
capítulo, cabem aqui algumas considerações finais. Em primeiro lugar a respeito dos
contornos assumidos pela organização profissional dos médicos no país. Apesar de termos
nos focado nos sanitaristas, entendemos que de maneiras diferentes os médicos - independente
do tipo de prática médica que exerciam estiveram preocupados em delimitar o espaço
profissional de sua categoria. Fosse propondo uma integração da classe por meio do apelo
sindical, como o faziam os especialistas, ou procurando estreitar laços com o poder público,
como os sanitaristas, o que todos almejavam era a delimitação definitiva de seu campo de
atuação, isto é, a concretização do processo de profissionalização da medicina no Brasil.
Estamos em plena época do 'associacionismo', do classismo e,
portanto, do cooperativismo, do sindicalismo.
O 'individualismo' é uma concepção falha, vazia de sentido,
hoje, como tantas outras.
O cooperativismo, o sindicalismo são as unicas formas de
resistencia e de coesão da vida profissional no ambiente
sociológico que vivemos.
Essa necessidade de cooperação agora as classes intelectuais
estão sentindo, primeiro se aperceberam dela as massas
operárias...
Toca a vez agora dos 'proletários intelectuais' que precisam
também associar-se, sindicalizar-se para guardar o seu logar ao
sol
304
.
A intenção dos médicos neste momento, era terem os seus direitos profissionais
assegurados por lei, queriam que o Estado arbitrasse sobre sua profissão, garantido-lhes maior
“segurança”. Precisavam se agrupar enquanto categoria a fim de “guardarem seu lugar ao
304
TEIXEIRA, Melo. Sindicato Médico de Minas Gerais”. In: REVISTA MINAS MEDICA, Ano I, Belo
Horizonte, Abril de 1934 – Nº 1. p. 17-18.
135
sol”. Esta postura era sintomática do período pós-1930, quando ocorreu a formação de uma
tecnocracia para auxiliar o Estado em suas políticas, e dentro desta encontravam-se os
médicos, particularmente os sanitaristas. Sendo assim, como deixou claro o médico Melo
Teixeira, as classes operárias haviam iniciado o seu processo de organização profissional
desde os final do século XIX, faltava portanto, que os “proletários intelectuais” também se
ocupassem disto. A união faria com que ficassem mais fortes para defender seus interesses,
sobretudo, frente ao governo.
Os sanitaristas, apesar de se utilizarem de outros argumentos, também estavam
empenhados em delinear seu espaço de atuação profissional, entretanto, como parte da
burocracia estatal, precisavam elaborar estratégias diferenciadas para lidar com os governos,
que não os ataques diretos”. Nesse sentindo, procuravam se aproximar do poder público,
mostrando-se úteis, e acima de tudo, como peças importantes da engrenagem burocrática que
se formou no Brasil a partir dos anos de 1930. A principal estratégia consistia em se
apresentarem como os missionários do progresso.
Devemos encarar a nossa realidade com a resolução de quem
medio a sua responsabilidade e se decidiu vencer, pouco
importando as objeções levantadas pelos temperamentos
contemplativos, místicos, poéticos, fatalistas e outros.
O Brasil da Vitória terá de surgir por um ato de criação,
consciente do Brasil negligente em que vivemos.
O médico será o principal artífice do homem que convém ao
Brasil do futuro e, neste objetivo define-se o sentido cívico que
a medicina adquiriu, para os médicos deste país
305
.
Este discurso, esteve o tempo todo presente na REVISTA MEDICA DE MINAS
no período em que a analisamos. Deste modo, o que concluímos é que estes atores sociais se
apropriaram do “discurso do progresso” produzido pelo governo Vargas, e o “ressignificou”
de acordo com suas necessidades, tanto no que dizia respeito aos interesses da “categoria
profissional”, quanto no que se referia à implementação de seus projetos de saúde pública.
Um dado interessante, que pudemos identificar, foi a extrema dependência dos médicos em
relação ao governo estadual, apesar da crescente centralização do sistema de saúde pública,
ocorrido a partir da gestão Capanema no Ministério da Educação e Saúde. O governador de
Minas Gerais continuava sendo o grande interlocutor dos sanitaristas mineiros. Era a ele que
305
VIANA, José Baeta. “O Sentido Cívico da Medicina no Brasil”. In: REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno
VII, Belo Horizonte, Janeiro de 1940 – Nº 77. p. 9.
136
recorriam quando precisavam ampliar as divisas a serem investidas na saúde, isto, pois o
centralismo de Gustavo Capanema abrangia, principalmente, as questões relativas ao campo
técnico-cientifico, ou seja, a maneira como era organizado o sistema de saúde brasileiro.
Todavia, continuava cabendo aos governos estaduais administrarem financeiramente todo o
processo, bem como aprovarem as leis de organização dos serviços de saúde pública do
estado
306
.
Em segundo lugar, como se pretendeu reconstruir, o debate intenso entre os
médicos mineiros de perfil sanitarista no período aqui recortado, demonstrou a preocupação
gradativamente ampliada por uma definição clara sobre qual o papel do Estado no que dizia
respeito ao processo de transformação da saúde em “bem público”, principalmente, a
premência, ao menos originalmente, de um discurso nacionalista em sua base. Por decorrência
das transformações provenientes da “revolução de 1930”, os médicos sanitaristas se
posicionaram na arena pública com o objetivo de obter apoio para dar cabo ao processo de
consolidação da saúde como direito público subjetivo, ou seja, firmar de uma vez por todas a
responsabilidade do Estado para com a saúde da população. Processo, que como discutimos
neste trabalho, teve início na Primeira República com o movimento “campanhista” dos
sanitaristas brasileiros.
Quisemos ainda, mostrar a importância da perspectiva sanitarista adotada por
alguns médicos neste processo. A qual, não pode ser vista sob uma perspectiva meramente
evolutiva, ao contrário, existiram continuidades e rupturas que a marcaram. A própria
perspectiva “profissionalizante” dos sanitaristas pode ser pensada como um ponto de extrema
tensão neste movimento. Pois ao mesmo tempo em que eles possuíam uma visão própria do
conhecimento médico, expressão de uma ideologia “medicalizadora” da sociedade, julgando-
se como os “portadores” do que era viável ao país. Estes sanitaristas também precisavam lidar
com o autoritarismo e o centralismo exacerbado do Estado, sobretudo no pós-1937 com a
implantação do Estado Novo. Deste modo, os enxergamos como estrategistas, principalmente
porque souberam se posicionar dentro deste quadro, numa posição que lhes permitia continuar
demandando do poder público e, ainda, obtendo respostas positivas, na maioria das vezes.
Como enfatizamos, o caso da manutenção de uma estrutura bem montada de controle da lepra
em Minas Gerias era exemplo disto. Este estado, ao lado de São Paulo, era reconhecido como
modelo no país, porém, os médicos mineiros ainda assim lutavam pelo aperfeiçoamento do
306
Conferir anexo: DECRETO-LEI 69, de 20 de janeiro de 1938. Publicado no Minas Gerais sexta-feira,
21 de janeiro de 1938. p .5 - 6.
137
sistema, faziam isto de maneira sutil, mas permeada por um discurso muito “apelativo” para o
Estado brasileiro naquele momento, qual seja, o do nacionalismo modernizador. Era a
apropriação de elementos essenciais da discursiva construída em torno do governo de Getúlio
Vargas, a saber, o progresso, a justiça, a retidão de caráter, a dádiva, entre outros.
Finalmente, ainda precisamos destacar que não foi objetivo deste trabalho
contribuir com a discussão que envolve a participação da sociedade no processo de
constituição da saúde pública no Brasil. Sabemos da relevância da mesma, mas de certa
maneira, ela representa um objeto ao qual este estudo não se dedicou. O que salientamos,
portanto, é que este foi um caminho que escolhemos percorrer, ao recortar o objeto da
presente pesquisa. Supomos, entretanto, que a posição dianteira tomada pelos sanitaristas no
processo de desenvolvimento da saúde pública em Minas Gerias pode ter sido mitigada com o
passar de alguns anos e, principalmente, após terem concluído seu processo de
profissionalização. Porém, o que não se pode desconsiderar é o fato de que a atuação destes
atores foi, porque o dizer, vital para que o poder público em Minas Gerias assumisse
definitivamente sua responsabilidade com a saúde da população deste estado. E ainda, tenha
contribuído de maneira proeminente para delinear os rumos nacionais assumidos neste campo
após este período. Uma vez que, como enfatizamos diversas vezes, os sanitaristas mineiros
não eram vozes dissonantes, pelo contrário, acompanhavam uma tendência característica dos
médicos que se dedicavam a este tipo de prática profissional em todo país.
138
ANEXOS
Lázaros - Olavo Bilac
307
De todas as enfermidades, de todas as podridões que abatem e roem esta
miserável máquina do corpo humano, nenhuma excita em mais alto grau a minha piedade do
que a morféia.
Só!... No meio da agitação da vida, só, entre os que amam, entre os que
riem, entre os que choram, entre todos, insulado pela sua hedionda moléstia, o lázaro
vive mais abandonado em plena comunhão social do que se estivesse no ermo absoluto do
mais inexplorado areal africano. A repugnância de todos, forma, em torno do seu corpo
maldito, um como cordão sanitário inviolável. Não poder dar um passo sem propagar em
torno o mesmo sentimento de nojo, o mesmo involuntário arrepio geral, o mesmo movimento
de recuo! E caminhar pela vida como uma lesma, deixando no chão um rastro viscoso de
lodo, - ignóbil massa de cousas ascosas, decomposição ambulante, morto-vivo que passa...
quatro anos convivi por espaço de 15 dias com um lázaro, na comunhão de
bordo, fechado com ele dentro de um navio, em mar alto. Ainda hoje quando reavivo a
recordação desses 15 dias, uma angústia sem nome me esmaga o coração.
Vejo-o ainda... Alto, magro, sempre bem vestido. Sob a deformação das linhas
da face, engrossadas pela moléstia, percebia-se-lhe certa distinção. É o que havia de mais
triste para mim, na piedade que ele me inspirava, era ver que a deformidade não tornava
repulsiva a sua fisionomia. Tornava-a cômica, de um cômico macabro, diabólico, horrível.
Era a fisionomia de um ébrio triste, de um bêbado melancólico.
Alargava-se-lhe o nariz, cujos rebordos inchados e úmidos se reviravam
extravagantemente. As maçãs do rosto tingiam-se de um vermelho sujo. Os beiços,
medonhamente grossos, uniam-se mal, movendo-se a custo, quase paralisados, entre-abertos
sempre, como os de um cadáver, num rictus perpétuo: dentes brancos e perfeitos, fulgurando,
entre essas duas postas de carne túrgida,
aumentavam ainda a sinistra expressão dessa máscara. Quase nada de sobrancelhas e
de pestanas, já. Os olhos pareciam assim maiores, sempre molhados, sempre tristes. E era uma
verdadeira scara de carnaval, meio rindo, meio chorando, numa mistura indefinível de
sarcasmo e de dor.
307
BILAC, Olavo. “Lázaros”, in Boletim da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra.
São Paulo: Ano I, nº 3, 30 de junho de 1929, pp. 7-9.
139
O lázaro, com a consciência do asco que inspirava, andava mal, acanhado,
tropeçando, não sabendo o que fazer das mãos, que, quase sempre, lhe pendiam inertes ao
longo dos quadris, - mãos enormes, de dedos intumescidos, nós violáceos de articulações
perras, unhas que começavam a desapegar-se da carne.
No primeiro dia de viagem, não aparecera. Havia a bordo uma centena de
passageiros de primeira classe, gente de toda a espécie, mocinhas trêfegas cujas risadas
enchiam a vastidão do mar largo, toilettes claras esplendendo ao sol; americanos ricos, em
roupas de flanela branca, faixas largas de seda rubra à cinta, gorros extravagantes à cabeça,
grossos brilhantes ao dedo, e um grande ar de rastaquaouerismo em toda a pessoa magestática
e presumida; matronas que começavam a enjoar, sentadas à tolda em largas cadeiras de
vime e lona, mulheres de vida airada que regressavam à Europa, a gozar do dinheiro que lhe
rendera, no Rio ou em Buenos Aires, a venda do corpo, ou, em viagem de comércio, a
contratar nos mercados europeus noviças inexperientes para as suas casas de pensão; militares
que deixavam, por chic, de usar a farda, mas que davam sempre a impressão de quem vive a
arrastar esporas e espadas, caixeiros viajantes, cujas graçolas pesadas animavam todo o navio;
uma população heterogênea, misturada ao acaso, travando em um momento relações que
pareciam logo, pela intimidade datar de anos, homens de toda a categoria,
agitando-se, rindo, preparando-se para, do melhor modo, ver correr os 15 dias longos
de viagem encetada, - longe de terra e da possibilidade de socorro e ajuda, com a necessidade
absoluta de considerar amigos inseparáveis pessoas que nunca tinham visto e nunca mais
veriam talvez ao cabo dessa quinzena de convivência forçada.
Ao segundo dia, quando todos os viajantes se conheciam, quando o
acanhamento das primeiras horas se havia dissipado, foi que o lázaro apareceu, na tolda, às
duas da tarde, à hora em que os beliches ficam desertos, em que o calor convida à sonolência
deliciosa nas chaises-longues de lona, com um livro que se o às mãos, e o olhar perdido
ao longe, no infinito azul do
mar e do céu, ou à palestra viva, em grupos espaçados, com a flirtation acompanhada
de jogos de prendas, de maledicências inofensivas, de anedotas picantes, de controvérsias
fúteis.
Subiu a escada e caiu em plena tolda, de repente. Parou um pouco. Fez um
cumprimento às pessoas que achou mais próximas, à entrada. Uma comoção sacudiu todos os
grupos. Um medo, pânico, cobarde e cruel, torceu todas as faces. E todas as cadeiras se
140
afastaram um momento. Foi como se a própria morte houvesse aparecido...
Ele, compreendendo, hesitou. Esteve um momento a pensar se desceria ou
continuaria a passeio, dando volta ao navio. Por fim, decidiu-se a prosseguir. E, de cabeça
baixa, humilhado, olhando o chão, adiantou-se no meio de um silêncio de morte. Quando
passou por mim, vi-lhe os olhos mais úmidos que de costume, a face mais triste, na sua
dolorosa hediondez de máscara ridícula. Quando o pobre desapareceu, descendo a escada
oposta, os comentários correram, indignados, a toda.
Levantavam-se protestos contra a Companhia, que permitia a entrada daquilo
nos navios. A quando e quando, uma senhora intervinha, comovida, em favor o desgraçado,
lastimando-o. Mas, a sua piedade era talvez mais cruel que o rancor dos homens, tal era a
expressão de nojo com que a face acompanhava as frases de dó.
Desde esse dia em diante, começou o verdadeiro exílio do pobre homem, a
bordo. Tornou-se absoluta a sua solidão. Exílio negro e tremendo, numa aglomeração de mais
de 100 pessoas... Naquele navio, a cuja sorte estavam tantas vidas confiadas, e dentro de cujo
perímetro a sensação do perigo, o medo do naufrágio, o instinto de conservação uniam todas
as almas, todos os interesses, dos defeitos e todas as virtudes num mesmo laço apertado de
solidariedade completa, o lázaro sentiu crescer a animosidade de todos, pouco a pouco, até se
transformar em ódio franco, em franca hostilidade agressiva expandindo-se à larga, em gestos
evidentes de asco, em frases claras de
maldição.
Passou a comer embaixo, no beliche, por cuja porta ninguém passava sem
precauções extraordinárias, evitando o contato da aldraba que as suas mãos contaminavam.
E ninguém pronunciava o seu nome: também ninguém o sabia. Dizia-se aquilo,
aquela coisa, aquela chaga, aquela podridão... O lázaro não saía mais do camarote. E, livre da
sua presença, a indignação geral se foi abrandando. Afinal, 6 ou 7 dias passados, ninguém
pensava nele. Foi como se tivesse aparecido a bordo um doente, que morto e atirado ao mar,
não houvesse deixado o mínimo vestígio da sua aborrecida demora no meio daquela gente que
se divertia, que corria à Europa a ganhar dinheiro ou a gastá-lo, com a alma livre de cuidados
e o corpo livre de doenças, tonificado pelo ar puro do mar largo, robustecido pela alimentação
farta, repousado pela ausência completa de preocupação e de paixões.
Hoje um concerto, amanhã uma quermesse, e os dias corriam. E eu, às
vezes, pensava no mísero exilado que se via só, no meio do mar, entre as quatro paredes de
141
um beliche negro, cheirando a graxa e azeite, roendo consigo mesmo o seu tédio, a sua
melancolia, o seu abandono, o seu desespero...
Uma noite, o lázaro reapareceu. Foi a última vez que o vi.
O navio saíra de Dakar. E uma tempestade fortíssima rebentou. Ao anoitecer,
era impossível estar na tolda: o vento soprava ríspido, impetuoso, arrastando tudo consigo.
Trovões estalavam, com um eco infinito. E tudo negro. Adivinhava-se, pelo ouvido apenas,
que o mar estava ali, temeroso e agitado. Ao relampejar, avistavam-se montanhas altíssimas
de água, que desabavam com fragor, retorcendo espumaradas bravias. Todas as senhoras se
haviam recolhido aos camarotes. Dos homens, meteramo-nos uns vinte na sala de jogos e,
entre o fumo dos charutos e o aroma do punch, organizávamos uma roda de lansquenet.
O jogo animou-se. Já ninguém prestava atenção ao barulho da tormenta lá fora.
No entanto, todo o navio tremia, sacudido, vibrando a cada choque de onda
irritada.
As vidraças do fumoir, abaixadas, tiniam de minuto a minuto. E sucediamse os
trovões, os relâmpagos. Era preciso que o mar estivesse pavorosamente agitado, para que
aquele colossal transatlântico em que estávamos, desse os saltos que dava, obrigando-nos a
segurar os luizes de outros das paradas e as cartas que dançavam sobre o pano verde da mesa.
Repentinamente, não sei porque, entre duas sortes felizes, lembrei-me do
lázaro.
E, levantando os olhos não pude conter um movimento brusco, de sobressalto,
vendo-o à porta da saleta de jogo, olhando para nós com uma fixidez ansiosa de olhar, que
nunca mais esquecerei...
Li nesse olhar indefinível tamanho desespero, tão sobre-humana angústia, tão
aterradora amargura, que fiquei a olhá-lo, carinhosamente, com um sorriso à boca, sem falar,
para não chamar a atenção dos outros. Todos entregues à comoção do jogo, estavam
incapazes de reparar em coisa alguma. Fiquei imóvel, sorrindo para o pobre condenado. E a
fisionomia dele me dizia tudo: o terror de se ver sozinho, naquela noite de espanto e de
mistério, o cansaço da alma fraca demais para suportar o peso formidável da solidão, e um
agradecimento claro à minha piedade, ao meu dó, à minha carícia de irmão, toda a sua vida
aos meus pés, para me pagar o consolo do sorriso que eu lhe concedera...
Chegara a minha vez de dar cartas. Abaixei os olhos para a mesa. Sentiame
feliz, sabendo-o perto e consolado. Não nos falava, mas ouvia-nos, via-nos, estava junto de
142
homens, e não era repelido... E esse momentode convivência por incompleta e enganadora
que ela fosse, apagava-lhe todos os vestígios da incompreendida agonia dos dias passados.
Quando levantei de novo o olhar, vi que ele se aproximara de uma mesa de
jogo vazia, do lado oposto ao nosso.
E, distraidamente, certo sem pensar no que fazia, pôs-se a revolver nas mãos
inchadas e vermelhas um baralho de cartas. Mas, justamente nesse instante, um dos parceiros
o avistou. Com o grito de contrariedade que deu, voltaram-se todos. Oh!Pegar em cartas de
que todos usavam!...
Um murmúrio de indignação cresceu entre os jogadores, subiu, mudou-se em
saraivada de doestos, e exclamações injuriosas.
Recolheram-se as paradas. As moedas de ouro retiniram, embolsadas à pressa.
Ele, por um momento, parou. Fugiu depois, correndo para o beliche...
De longe, vi-lhe ainda por algum tempo as costas sacudidas por soluços.
Desde esse dia o lansquenet se fez a bordo com baralhos novos em folha.
Mas, também, desde esse dia o lázaro não saiu do camarote.
Procurei vê-lo várias vezes, em vão. Insisti, bati-lhe à porta. A porta só se abria
par ao criado que lhe levava a comida. E cheguei a Lisboa, sem que uma palavra do meu amor
e da minha piedade pudesse dar algum alívio, ao seu desespero...
Anos depois, em Ouro Preto, encontrei outro morfético, em circunstâncias
igualmente enternecedoras.
Era fora da cidade, numa estrada larga que margeia um morro antigamente
explorado pelos mineiros.
Quase noite. Já tudo desaparecia, confusamente na escuridão. De espaço a
espaço, eu via abrir-se mais negra, na no negro flanco do morro, a boca de uma mina
abandonada. E, nessas escavações se sucediam regularmente, atupidas de trevas.
Mas de uma delas jorrou de repente uma claridade fraca. Parei, espantado de
que entes humanos vivessem na umidade e no horror daquela furna.
Com efeito, vozes abafadas conversavam dentro. E estava a indagar de mim
mesmo que miséria imensa forçaria homens a buscar a abrigo em covas de que até mesmo
lobos fugiriam, quando senti que alguém se aproximava.
Era uma menina, miseravelmente vestida. Vinha de cima, do morro; e, sobre o
fundo rubro-pálido do céu, a sua figurinha se destacava tristemente, saiote esburacado, pés
143
nus, cabelo louro despenteado. Passou perto de mim, tão perto, que pude ver que levava às
mãos dois pratos em que fumegava comida. Chegou. Desapareceu no covil habitado.
Aproximando-me, examinei o interior da mina. Ardia no chão um fogo escasso
de gravetos, alumiando vagamente as paredes negras, que suavam umidade. Ao fundo, havia
uma cama feita de molhos de capim mirrado. Roupa lavada secava, estendida em cordas.
E, recebendo o jantar que lhe levava a menina, vi o habitante da sinistra casa,
vestido de uma sorte de comprida camisola de pano grosso.
Era um lázaro. Era um homem a quem a enfermidade hedionda impunha a
dolorosa obrigação de poupar ao resto dos homens o contato do seu corpo apodrecido, e
forçava a transformar-se num selvagem, habitando, como Caliban da epopéia shakespereana,
uma caverna rude, no seio da Natureza piedosa.
Ah! Felizmente para aqueles que têm a carne infiltrada de sânie, as plantas
verdes ligam menos importância do que os homens à matéria miserável, que é a mesma nos
lábios da mulher que beijamos e na corolla da rosa que cheiramos! E, mais indiferentes à
podridão humana e mais generosa do que nós, as árvores não escorraçam da sua convivência
os leprosos, com medo de que o contágio da lepra lhes manche com placas de gangrena as
túnicas triunfais de que se cobrem, e lhes intoxiquem a seiva de que se alimentam...
******************************
DECRETO-LEI Nº 69, de 20 de janeiro de 1938
308
Faz modificações no quadro do pessoal da Diretoria de Saúde Pública e sua
dependências, e reorganiza serviços de Saúde Publica do Estado.
O Governador do Estado de Minas Gerais, usando das atribuições que lhe
confere o artigo 181 da Constituição da República e considerando a necessidade de dar maior
eficiência aos serviços de saúde pública do Estado, aparelhando-se convenientemente e
provendo-lhes os cargos com pessoal técnico habilitado;
Considerando que a grande variedade de tipos dos serviços existentes no
interior, muitos dêles constituidos de acôrdo com baixos padrões de organização sanitária,
308
Publicado no Minas Gerais – sexta-feira, 21 de janeiro de 1938. p .5 - 6.
144
dificulta a ação do govêrno, dentro de uma orientação uniforme e em obediência ás
necessidades reais do Estado;
Considerando que a distribuição geográfica das unidades sanitárias não atende
aos reclamos das regiões a que são destinadas a servir;
Considerando que cumpre dar maior amplitude ao trabalho de formação da
consciência sanitária pela propaganda educativa, mediante todos os meios modernos de
divulgação;
Considerando que os serviços dos Centros de Saúde de Belo Horizonte e de
Juiz de Fora dispõem de moderna organização sanitária e cumpre, apenas, ampliar-lhes a
orbita de atividade, decreta:
Art.1º Com exceção do Centro de Saúde de Juiz de Fora, ficam extintos todos os
serviços de Saúde publica do interior do Estado, subordinados á Inspetoria dos Centros de
Saúde, Epidemiologia e Profilaxia constituidos de oito Centros de Saúde, dezoito Postos de
Higiene, quinze Sub-Postos de Higiene, quatro Postos ambulantes e oito Postos Itinerantes de
Combate á Framboesia, bem como o Centro de Estudos e Profilaxia da Malária, na Capital e
suas dependências no interior e quatorze Serviços Itinerantes de Lepra, criados êstes últimos
pela lei 209 de 28 de outubro de 1937.
Art. 2º – Fica extinto o Hospital Regional de Viçosa.
Art. Fica o Estado dividido em vinte e seis circunscrições sanitárias que
abrangerão todos os municípios.
Art. 4º – Ficam criados no interior do Estado e subordinados á Inspetoria dos Centros
de Saúde, Epidemiologia e Profilaxia vinte e quatro Centros de Saúde, classificados em tipo I
e Tipo II, sendo dezesseis do primeiro e oito do segundo, os quais serão localizados nas sedes
das circunscrições sanitárias a que se refere o artigo 3º dêste decreto.
§ O Centro de Saúde tipo I, compor-se-á do seguinte pessoal: 1chefe, 1 médico
epidemiologista, 1 escrevente microscopista, 1 enfermeira visitadora diplomada, 1 auxiliar de
dispensário, 2 guardas sanitários e 1 servente, com vencimentos anuais, respectivamente, de
15:600$000, 7:200$000, 4:200$000, 4:200$000, 2:400$000, 3:000$000 e 1:800$000.
145
§ O Centro de Saúde tipo II, compor-se-á do seguinte pessoal: 1 chefe, 1
escrevente microscopista, 1 enfermeira visitadora diplomada, 1 auxiliar de dispensário, 2
guardas sanitários e 1 servente, com vencimentos anuais, respectivamente, de 14:400$,
4:200$, 4:200$, 2:400$, 3:000$ e 1:800$.
Art. 5º – São considerados Centros de Saúde tipo I, os de Ubá, Varginha, Barbacena,
Guaxupé, Itajubá, Uberaba, Ponte Nova, Figueira, S. João del Rei, Pará de Minas, Montes
claros, Leopoldina, Teófilo Otoni, Divinópolis, Pirapóra e Uberlandia.
Art. São considerados Centros de Saúde tipo II, os de Salinas, Poços de Caldas,
Carangola, Curvêlo, Diamantina, Caxambu e Guanhães.
Parágrafo único: - Por conveniência do serviço, poderá o Governador do Estado
modificar a classificação dos Centros de Saúde a que se referem o presente artigo e o anterior,
bem como transferir as suas respectivas sedes.
Art. Aos Chefes dos Centros de Saúde e seus subordinados incumbe cumprir e
fazer cumprir as instruções emanadas das autoridades superiores e, além das atribuições
existentes nêste decreto-lei, as que, não colidindo com êle, se encontram discriminadas no
decreto n.8.116, de 31 de dezembro de 1927.
Art. Os Centros de Saúde ficam obrigados a enviar pontualmente ao
Departamento de Estatística Geral todos os registros de estatística vital das respectivas
circunscrições.
Art. Compete igualmente aos Centros de Saúde, para fins de subvenções,
fiscalizar os Hospitais e Casas de Saúde das respectivas circunscrições, remetendo á
Inspetoria de Assistência Hospitalar, por intermédio da Inspetoria dos Centros de Saúde,
Epidemiologia e Profilaxia, informações acêrca do funcionamento daqueles estabelecimentos
e de acôrdo com o Regulamento daquela Inspetoria, atualmente em vigor.
Art. 10º Ficam criados quatro Serviços de Combate á Framboesia que terão por
sede localidades oportunamente indicadas pela Diretoria de Saúde Pública e compôr-se-á,
146
cada serviço, do seguinte pessoal: 1 chefe de, 1 escrevente microscopista, 1 guarda e 1
servente, com as dotações anuais, respectivamente, de 14:400$000, 4:200$000, 3:360$000, e
1:800$000.
§ O Serviço de Framboesia será diretamente subordinado á Inspetoria dos
Centros de Saúde, Epidemiologia e Profilaxia que orientará todos os serviços a serem
executados, ficando, entretanto, sob o controle do Centro de Saúde mais próximo.
§ Para preenchimento dos cargos a que se refere o presente artigo, serão
aproveitados os funcionários do quadro do Serviço de Framboesia, extinto pelo artigo 1º e que
revelaram assiduidade e eficiência.
Art. 11º É criado junto á Diretoria de Saúde Pública e a ela subordinado, o Serviço
de Profilaxia da Malária, com o seguinte pessoal: 1 chefe de serviço, 1 assistente do chefe de
serviço, 1 topógrafo, 1 1 escrevente microscopista, 1 guarda geral e 1 servente, cargos a serem
preenchidos por funcionários do extinto Centro de Estudos e Profilaxia da Malária, com os
vencimentos anuais, respectivamente, de 18:000$000, 15:600$000, 6:240$000, 4:200$000,
6:000$000 e 1:800$000.
Parágrafo único Ao Serviço de Profilaxia da Malária compete a orientação técnica
dos trabalhos de combate ao impaludismo em todo o Estado.
Art. 12º Ficam criados quatro cargos de Ajudantes Técnicos de Malária, junto aos
Centros de Saúde, que forem designados pelo Diretor de Saúde Pública, de acôrdo com as
conveniências do serviço.
Parágrafo único Nesses cargos serão aproveitados os chefes de zonas e ajudantes
técnicos de malária do extinto Centro de Estudos e Profilaxia da Malária, com os vencimentos
anuais de 15:000$000.
Art. 13º Ficam criados três Serviços Itinerantes de Lepra, independentes dos
Centros de Saúde e diretamente subordinados ao Serviço de Profilaxia de Lepra.
§ Esses serviços, passíveis oportunamente de serem transferidos de sede, de
acôrdo com as conveniências do serviço, serão localizados nas 5ª, 10ª e 13ª circunscrições,
mas com as seguintes sedes: Ubá, Três Corações e Bambuí e que atenderão, respectivamente,
ás zonas da Mata, Sul, Oéste e Triangulo.
147
§ O serviço de profilaxia de Lepra da zona centro ficará a cargo do pessoal do
Dispensário Central da Capital.
Art. 14º Cada Serviço Itinerante de Lepra compor-se-á do seguinte pessoal: 1
chefe, 1 auxiliar de dispensário, 1 auxiliar de laboratório e 1 servente, com os vencimentos
anuais, respectivamente de: 15:000$000, 3:600$000, 4:200$000 e 2:400$000.
Art. 15º O Centro de Saúde superintenderá todas as atividades sanitárias de sua
respectiva circunscrição, sendo-lhes incorporados os serviços de malária do interior do
Estado.
Art. 16º Nos cargos a que se referem os artigos e parágrafos anteriores poderão ser
aproveitados os atuais serventuários dos serviços extintos que tiveram demonstrado melhor
eficiência no exercício de suas funções.
Art. 17º Os funcionários que contarem mais de dez anos de exercício e que em
virtude de dispositivo legal, tenham garantia de estabilidade nos cargos que não tenham sido
aproveitados nos termos do presente decreto, ficarão em disponibilidade remunerada, sendo
dispensados aqueles que não preencham as condições acima estabelecidas, que poderão ser
aproveitados quando houver vagas.
Art. 18º Todo o pessoal será nomeado interinamente e será efetivado depois de
dois anos de efetivo exercício, si apuradas, pelos órgãos competentes da Secretária da
Educação e Saúde Pública, sua capacidade técnica e dedicação ao serviço.
Parágrafo único Será aberto concurso para os cargos que não forem preenchidos
pela forma prevista por este artigo.
Art. 19º Até 31 de janeiro corrente, chefes dos serviços que foram suprimidos por
este decreto-lei, deverão depositar, mediante inventário passado em três vias, nas respectivas
Prefeituras Municipais, todo o material pertencente ao Estado, que fará logo após, a sua
arrecadação.
148
Art. 20º Os atuais funcionários, chefe, guarda sanitário e servente do Carro Posto
Ambulante da Central do Brasil ficam adidos, com os mesmos vencimentos, ao Centro de
Saúde da Capital e os do Carro Posto Ambulante da Rêde Mineira de Viação ficam adidos,
também com os mesmos vencimentos, ao Centro de Saúde de Divinópolis.
Art. 21º Os funcionários postos em disponibilidade em virtude dêste decreto-lei
terão ainda os seus vencimentos integrais correspondentes ao corrente mês, bem como aqueles
que forem dispensados.
Art. 22º – Todos os funcionários do Centro de Saúde poderão ser transferidos de uma
circunscrição para outra, por conveniência do serviço e a juízo do Govêrno.
Art. 23º O Govêrno do Estado poderá criar, mediante acôrdo com os municípios,
Serviços de Higiêne Municipal, com o seguinte pessoal: 1 médico, 1 guarda e 1 servente,
custeados pela Prefeitura local.
§ O Estado cooperará na manutenção de tais serviços, estabelecendo em cada
caso a sua quota de auxílio.
§ Esses serviços ficarão imediatamente sob contrôle dos Centros de Saúde das
respectivas circunscrições.
Art. 24º O Governador do Estado poderá extinguir os Serviços de Higiêne
Municipal custeados pelas Prefeituras, desde que, a juizo da Diretoria de Saúde Pública, não
demonstrem a necessária eficiência.
Art. 25º Serão baixadas instrumentações pelo Diretor de Saúde Pública, regulando
as relações entre os Centros de Saúde e os Serviços de Profilaxia da Malária.
Art. 26º Os chefes e demais funcionários dos Centros de Saúde não poderão
ausentar-se das respectivas circunscrições, sem expressa autorização do Diretor de Saúde
Pública.
Parágrafo único – A inobservância dêste artigo acarreta ao funcionário faltoso a pena
de multa de 200$000 a 500$000; a reincidência, a de suspensão, e, afinal a de demissão,
149
observadas as formalidades legais.
Art. 27º Os chefes de serviços, deverão dar conhecimento ao Inspetor dos Centros
de Saúde, Epidemiologia e Profilaxia todas as vezes que, por motivo de serviço, tiverem de
ausentar-se da sede da circunscrição.
Art. 28º – Ficam criados:
a) – no Serviço Sanitário do Matadouro, um cargo de guarda sanitário;
b) no Centro de Saúde da Capital, dois cargos de médicos epidemiologistas
auxiliares; um de radiologista; um de ajudante de radiologista e um de servente, para o serviço
anti-tuberculoso; um de arquivista, três de enfermeiros-homens, um de auxiliar de
dispensário, um de porteiro, dois auxiliar de porteiro, um de servente e de servente de
dispensário, com os vencimentos anuais, respectivamente, de 7:200$000, 6:000$000,
3:000$000, 2:160$000, 4:200$000, 4:200$000, 2:400$000, 3:600$000, 2:400$000, 2:585$000
e 1:800$000;
c) no Centro de Saúde de Juiz de Fora, dois lugares de enfermeira visitadora
diplomada, com vencimentos anuais de 4:200$000, cada um, sendo fixados em 4:200$000
anuais os vencimentos do microscopista.
Art. 29º Ficam suprimidos no Centro de Saúde da Capital três lugares de auxiliar
acadêmico, o cargo de encarregada do serviço da portaria e o cargo de auxiliar da encarregada
do serviço de portaria.
Art. 30º A Inspetoria de Demografia e Educação Sanitária da Diretoria de Saúde
Pública passa a denominar-se Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária, com um
inspetor, que terá os vencimentos anuais de 18:000$000.
Parágrafo único O Serviço de Demografia Sanitária, com o pessoal existente,
continua a ser executado pela Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária, a que seja
incorporado ao Departamento Geral de Estatística.
Art. 31º A' Inspetoria de Propaganda e Educação Sanitária incumbe promover a
educação sanitária do povo, por todos os meios modernos de divulgação: imprensa, palestras,
150
folhetos, cartazes, exposições, filmes, radiofonia, entrando em entendimento com o órgão
técnico competente da Secretaria da Educação e Saúde Pública para organização de cursos de
educação sanitária para professoras públicas, bem como as demais atribuições constantes do
decreto n. 8.116, de 1927, no tocante á propaganda sanitária.
Art. 32º Os serviços dos Centros de saúde serão gratuitos para as pessoas
reconhecidamente pobres.
Parágrafo único Os que não estiverem nas condições dêste artigo, serão atendidos
mediante pagamento de taxa fixada em tabela, pela Diretoria de Saúde Pública.
Art. 33º Revogam-se as disposições em contrário, entrando êste decreto em vigor
na data de sua publicação.
Palácio da Liberdade, Belo Horizonte, 20 de janeiro de 1938.
BENEDICTO VALLADARES RIBEIRO
Cristiano Monteiro Machado
Ovidio Xavier de Abreu
151
Capa da REVISTA MEDICA DE MINAS
Fonte: Acervo da Biblioteca Histórica da Fundação Ezequiel Dias (FUNED)
152
Capa da REVISTA MINAS MEDICA
Fonte: Acervo da Biblioteca Histórica da Fundação Ezequiel Dias (FUNED).
153
Portão de Entrada da Colônia Santa Izabel em Betim, Minas Gerais
Fonte: Arquivo do Memorial da Colônia.
154
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Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
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REVISTA MEDICA DO PARANÁ, Curitiba, Junho de 1938, v.7, n.6.
REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno I, Belo Horizonte, Outubro de 1933 - Nº1.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Novembro de 1933 – Nº 2.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Dezembro de 1933 – Nº 4.
REVISTA MINAS MEDICA, Ano I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 1.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Abril de 1934 – Nº 8.
155
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno I, Belo Horizonte, Maio de 1934 – Nº 9.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano I, Belo Horizonte, julho de 1934 – Nº 11.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II, Belo Horizonte, Janeiro de 1935 – Nº 17.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno II, Belo Horizonte, Maio de 1935 – Nº 21.
REVISTA MINAS MEDICA, Anno 2, Belo Horizonte, Maio de 1935 – Nº 5.
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REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno II, Belo Horizonte, Julho de 1935 – Nº 23.
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REVISTA MINAS MEDICA, Ano III, Belo Horizonte, Março de 1936 – Nº 13.
REVISTA MINAS MEDICA, Ano IV, Belo Horizonte, Junho /Julho de 1937 – Nº 23.
REVISTA MINAS MEDICA, Ano IV, Belo Horizonte, Novembro/Dezembro de 1937–Nº 25.
REVISTA MINAS MEDICA, Anno IV, Belo Horizonte, Janeiro/ Fevereiro de 1938 – Nº 26.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno V, Belo Horizonte, Abril de 1938 - Nº 56.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano V, Belo Horizonte, dezembro de 1938 - Nº 64.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VI, Belo Horizonte, Maio de 1939 – Nº 69.
REVISTA MINAS MEDICA, Belo Horizonte, Maio/ Junho de 1939 – Nº 34.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Outubro de 1939 – Nº 74.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Novembro de 1939 – Nº 75.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Ano VII, Belo Horizonte, Janeiro de 1940 – Nº 77.
REVISTA MEDICA DE MINAS, Anno VII, Belo Horizonte, Fevereiro de 1940 – Nº 78.
REVISTA MEDICA DE MINAS – Anno VII, Belo Horizonte, Maio de 1940 – Nº81.
-Falando ao povo brasileiro: o discurso do Presidente Getúlio Vargas à Primeira hora de 1938.
MINAS GERAIS Terça-feira, 04 de janeiro de 1938. Arquivo da Imprensa Oficial do Estado
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