se explica enquanto ferramenta distintiva para outras possibilidades? Caberia utilizar a
terminologia etnicidade ou seria mais uma denominação para conceber o não-dito? Pois, para
Foulcault (1996), o novo não está naquilo que é dito, mas no acontecimento de seu retorno. Ou
como destaca Putnam (2005), vinho novo em garrafa velha.
Vale ressaltar que etnicidade vem de etnia, palavra estreitamente relacionada à cultura.
Conforme Grym (op. cit. p. 220), a raça está para a biologia assim como a etinicidade está
para a cultura. Este estreitamento se tornou visível após a obra de Gilberto Freire que
representou uma ruptura importante com relação ao pensamento social anterior, na medida em
que a explicação biológica das diferenças raciais foi substituída por uma interpretação cultural.
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Ultrapassando o entendimento da instituição do padrão, outras leituras são possíveis
para as posturas adotadas pelos meios da comunicação que rotulam produtos e pessoas.
Lembrando Bakhtin (2004), a formação discursiva denuncia o contexto histórico-social, o
pertencimento a um grupo ou classe social. O indivíduo passa a ser impelido pelas
circunstâncias ideológicas, históricas e sociais como sujeito. Nesta ótica, portanto, a linguagem
deixa de ser vista apenas como uma marca de um grupo, para ser, simultaneamente, um
indicador da realidade social e uma forma de criar essa realidade. A linguagem, então, não
estaria na cabeça, mas no mundo. Concebida como parte da sociedade e não exterior a ela: um
processo condicionado social e historicamente.
O discurso, dessa forma, é composto de múltiplas vozes que dialogam umas com as
outras e que serve para mostrar que não existe enunciado puro. A essa interação ou confronto de
vozes – explícitas ou implícitas – no interior de um texto, grosso modo, conjunto coerente de
signos, Bakhtin ( id. ) denomina de polifonia de sentidos e dialogismo.
Nessa materialização do discurso, os estereótipos construídos acerca da cor da pele, do
tipo de cabelo e pele, através da rotulação, parecem depender de uma cadeia discursiva,
montada por atores sociais que se empoderam conforme a força de veiculação a que se submete.
As entrelinhas denotam um jogo de negociação concedida pelas forças que zelam pela
manutenção. Os enunciados não são puros, como foi visto, há sujeito enunciador bem presente
nas formações discursivas e é esta presença que denuncia marcas de uma passado que ainda
vive, mediado por vozes múltiplas formadoras de um diálogo ideologizante que busca, também,
a inversão dos papéis: a ideologia do branqueamento prega o racismo dentro da própria raça,
destacando que os negros se discriminam entre si e são, além disso, racistas. Assim, rotulações
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Não é intenção deste trabalho fazer considerações mais acuradas da obra de Gilberto Freire. Todavia, vale
destacar sua importância como divisor de águas acerca do entendimento do termo raça, a partir da grande obra
Casa Grande e Senzala. Além disso, muitas críticas foram feitas, tendo em vista a compreensão da sociedade,
em termos democráticos, a partir do processo de miscigenação biológica e cultural.