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ocidentais
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e conformam o contrato à luz das idéias expostas
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(identificando-o à
noção de liberdade, propriedade e vontade individual), consolidando desse modo as
pretensões burguesas. HESPANHA ressalta justamente que o conceitualismo
pandectista
traduz, do ponto de vista histórico-cultural, uma posição, por um lado, individualista, e, por outro,
relativista. Individualista, na medida em que os seus dogmas (princípio da existência e primado dos
direitos subjectivos, da autonomia da vontade, a ilimitação da propriedade, etc.) decorrem
logicamente do princípio – retomado do jus-racionalimo individualista – de que a sociedade resulta
de uma combinatória de actos de vontade de indivíduos livres e titulares de um direito originários a
essa liberdade (direitos do indivíduo e do cidadão na esfera do direito público; direitos subjectivos,
sobretudo na esfera do direito privado). Relativista e formalista porque, depois do fracasso dos
grandes sistemas ético-políticos de base religiosa ou racionalista, a pandectística se limita a atribuir
ao poder a função de estabelecer uma forma de organização política que melhor possa garantir a
liberdade individual (liberalismo). Desistindo de lhe formular um conteúdo axiológico, ou seja, de
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Não é objeto deste trabalho analisar as fases da ciência jurídica alemã – as denominadas
“Jurisprudências dos conceitos, dos interesses e das valorações” – mas tão-somente delas ressaltar
aspectos fundamentais utilizados na construção e afirmação da concepção tradicional do contrato.
Nesse sentido, a concepção de sistema por Savigny – especialmente a sua oposição entre a
dimensão histórica e a dimensão sistemático-filosófica, de matriz kantiana - representou
contribuição fundamental para a abstração que presidiu a interpretação e compreensão do contrato.
Como salienta NEVES, “se a escola queria impor à Rechtwissenschaft uma base histórica, nem por
isso lhe queria excluir a natureza dogmática. Pelo que, com a dimensão histórica, no sentido atrás
indicado, devia concorrer uma dimensão ‘sistemático-filosófica’ (v. SAVIGNY, Juristiche
Methodolehre, p.p.; G. WESENBURG, 17, 31, ss., 35, ss.) – a dimensão verdadeiramente científica
que a dogmática jurídica haveria de realizar, já que pela sistematicidade definia também a escola
histórica a cientificidade. O que viria a traduzir-se em um resultado paradoxal. É que o modo como
esse elemento sistemático-filosófico ou científico-sistemático foi compreendido – num sentido
epistemologicamente kantiano -, associado à função produtiva do Juristenrecht ou do ‘direito
científico’, não podia deixar de determinar, como determinou na verdade, a recuperação de um
sistemático racionalismo normativo, e em termos justamente de se ter já reconhecido na escola
histórica uma indesmentível ‘herança jusnaturalística – ‘simultaneamente vencedora do ‘direito
natural’ e sua herdeira’ (assim, por todos, WIEACKER, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, 2ª ed.,
372, s.; afr. FIKENTSCHER, Methoden dês Rechts, III, 40, s.) – que sacrificava e acabou mesmo
por expulsar a ‘dimensão histórica’”. (CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta: escritos acerca
do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros, v. 2. Coimbra, p. 211).
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Apesar das diferenças entre as sistemáticas francesa e alemã, elas derivam da mesma ideologia:
“Inobstante a diferença dos modelos, a Escola da Exegese, pandectística e o formalismo positivista,
no século XIX, plasmarão aí o sistema fechado, cujo axioma de base será constituído pela validade
dos enunciados normativos promulgados pela autoridade histórica ou estatal e cujo programa
incluiu uma dupla pretensão – a da exclusividade das normas promanadas por tais fontes e a da
plenitude lógica de seus elementos, arrumados em um específico corpus, o Código.” Enfim, “se põe
a mais completa tradução da idéia de sistema fechado” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no
direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 179). A questão da sistematização
fechada e, portanto, distanciada da realidade, constituirá uma das principais causas para a não
aceitação pelas codificações francesa e alemã da cláusula rebus sic stantibus. No entanto, as
particularidades de cada uma das sistemáticas permitirá desenvolvimentos diferençados em torno
da problemática da revisão contratual (sobre essa questão, v. cap. 3, itens 3.1 e 3.2).