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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
ANDRÉ RENATO DE BARROS NAVARRO
A IM AGEM D O I MPO SSÍ V EL:
ANALISE DE UM FENÔMENO RELIGIOSO EM CÁSSIA - MG
São Paulo
2007
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ANDRÉ RENATO DE BARROS NAVARRO
A IM AGEM DO IM POS SÍ VEL:
ANALISE DE UM FENÔMENO RELIGIOSO EM CÁSSIA - MG
Dissertação de Mestrado stricto sensu
apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como um dos requisitos para
obtenção do grau de mestre no curso de pós-
graduação em Ciências da Religião.
Orientador: Profª. Drª. Márcia Mello Costa De Liberal
São Paulo
2007
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ANDRÉ RENATO DE BARROS NAVARRO
A IM AGEM DO IM POS SÍ VEL:
ANALISE DE UM FENÔMENO RELIGIOSO EM CÁSSIA - MG
Dissertação de Mestrado stricto sensu
apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como um dos requisitos para
obtenção do grau de mestre no curso de pós-
graduação em Ciências da Religião.
Aprovado em _____ de _____________ de _____
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof. Dra. Márcia Mello Costa De Liberal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto de Camargo
Pontifícia da Universidade Católica de São Paulo
Toda a glória de sua família dependerá dele:
sua prole e seus descendentes - todos os seus
utensílios menores, das bacias aos jarros.
Isaias 22.24
As meninas boazinhas vão ao céu,
as outras vão à luta.
Autor anônimo
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Deus que tem mantido acesa a
minha lâmpada e que tem transformado em luz
minhas trevas. Salmo 18.28 (NVI).
O discípulo não está acima do seu mestre, mas
todo aquele que for bem preparado será como
o seu mestre. Lucas 6.40 (NVI).
À minha orientadora Dra. Márcia Mello Costa
De Liberal. Os conselhos são importantes para
quem quiser fazer planos, e quem sai à guerra
precisa de orientação. Provérbios 20.18 (NVI).
Ao Tácito, amigo mais apegado que um irmão.
Provérbios 18.24 (NVI).
Aos personagens que se fizeram presentes
neste trabalho.
Ao MACKPESQUISA pelo apoio dado a este
trabalho.
RESUMO
O presente trabalho busca compreender como a identidade da mulher moderna foi
sendo construída e apropriada socialmente pela religião medieval, a partir da história
de Santa Rita de Cássia. Em sua trajetória de vida, seu corpo e seu desejo nunca
lhe pertenceram, uma vez que, desejando entrar para a vida religiosa, seus pais
optaram por lhe darem em casamento. Casada, se sujeitou aos caprichos de seu
marido por causa dos filhos. Viúva, não conseguiu conter o ímpeto de vingança que
brotava no coração dos filhos, preferindo vê-los mortos a serem vingadores. Abraçou
a vida religiosa numa clara demonstração que, atormentada pelo desejo, precisava
lutar contra o demônio que se apresentava na forma de um homem a ser desejado.
O desejo de sua existência lhe foi negado pelos pais, pelo marido, pela família e na
clausura pois, ali travou uma de suas lutas mais ferrenhas, numa busca evidente
de ser o objeto de desejo do seu Deus. Sem tal compreensão não seria possível
mergulhar numa cidade do interior de Minas Gerais, Cássia, no sudoeste mineiro,
para compreender o fenômeno sobre o qual a pesquisa se detém. Nesta cidade
alguns personagens masculinos e, em sua grande maioria, personagens femininas,
sendo todos devotos de Santa Rita. Todos estes trazem inscritas em sua trajetória
de vida uma seqüência de fatos e ocorrências tal qual o descrito naquela história
medieval: uma vida de aceitação e sujeição à fatalidade do divino. O existir é
calcado na crença e no milagre, elementos que atenuam essa sujeição e facilitam
sua aceitação.
Palavras-chave:
Identidade. Religião. Idade Média. Mulher. Religiosidade.
ABSTRACT
The present work aims to comprehend, based on Santa Rita de Cássia’s life and
trajectory, how the modern women identity has been built and socially appropriated
by the medieval religion. During Santa Rita de Cassia’s life, her body and desires
never belonged to her since she wished to be a nun but her parents obliged her to
get married. Once married, she subjected to her husband because of her children. As
a widow, she preferred to see her own children dead than see them seek revenge.
She committed herself to a religious life demonstrating clearly that, tormented by
flesh desire, needed to fight against the devil that presented himself as a desired
man. The desire of her existence was denied by her parents, her husband, her family
and in the Coventry, where her toughest struggle happened, her search to become a
acceptable woman for God. This research is committed to understanding a
phenomenon that happens in the countryside of Minas Gerais in a city called Cassia.
In this city there are people devoted to the saint, mostly females, and all of them live
a life that is a sequence of facts related to the history of Santa Rita de Cassia: a life
of acceptance and subjection to the fatality of the Holy. Their main reason of
existence is the belief and the miracles, elements that facilitate both the acceptance
and the subjection of the life they have.
Keywords
: Identity/ Religion/ Medieval Age/ Woman/ Religiosity
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1. Santa Rita em Roccaporena - Cássia. Bronze de Venanzo Crocetti. 36
Figura 2. Pacificação entre cassianos. Retábulo de Gaspare e Camilo Angelucci, 1547. Igreja
Colegiada de Santa Maria em Cascia - Itália. 38
Figura 3. Antonio Mancini e Amata Ferri com a infante Marguerita 39
Figura 4. Desejando abraçar a vida religiosa, Rita se vê obrigada pais a contrair matrimônio 41
Figura 5. O casamento. Fonte: Santuário de Cássia – MG 42
Figura 6. Demonstração do amor incondicional pelo marido 43
Figura 7. Marido assassinado numa tocaia, deixando-a viúva com dois filhos. 45
Figura 8. Oferecimento dos filhos a Deus, herdeiros do temperamento paterno. 46
Figura 9. Sem marido e sem filhos, busca conforto vida religiosa, encontrando impedimento. 47
Figura 10. Acompanhada pelos santos de sua devoção é levada para o mosteiro. 48
Figura 11. Roccaporena e o "Scoglio" de Santa Rita – o local de onde Santa Rita foi transportada para
o interior do convento. 49
Figura 12. Cidade de Cascia – na Úmbria. 50
Figura 13. Encontrada pelas irmãs dentro da Igreja do convento ao se dirigirem para as primeiras
orações do dia. 51
Figura 14. Sua primeira penitência no mosteiro: molhar uma vara seca. 52
Figura 15. Rita, jovem viúva, participa de uma pacificação, talvez a dos assassinos do marido, em um
afresco parcialmente apagado, do final do séc. 15 ao início do 16. Cascia – Ig. S. Francisco. 54
Figura 16. Rita recebe um espinho do crucifixo sobre a fronte. 56
Figura 17. Santa Rita recebe a dádiva do espinho. Sacristia do santuário de Roccaporena. Tela de
pintor desconhecido do século 17. 57
Figura18. Rita, em uma rara representação sem a ferida do espinho, retratada junto a outros santos
por pintor umbro do século 15 - Eremitério de Collegiacone. 58
ii
Figura 19. Peregrinação a Roma. Fonte: Santuário de Cássia – MG. 58
Figura 20. A glorificação de Santa Rita nos Céus. Pintura encontrada na abóboda do Santuário de
Cássia – MG. 59
Figura 21. Rita é recebida nos céus logo após a sua morte. 60
Figura 22. O "verdadeiro rosto" no sono da morte - detalhe do sarcófago. 61
Figura 23. Urna de cristal e prata onde se encontra exposto o corpo incorrupto de Santa Rita de
Cascia. 62
Figura 24. Vista da cidade de Cássia – MG, com destaque para o santuário de Santa Rita de Cássia.
Figura 25. Início da Colina de Santa Rita. 64
Figura 26. Bancos durante a subida do caminho de Santa Rita, detalhando o nome da família
ofertante. 65
Figura 27. Durante o trajeto da escadaria da colina de Santa Rita, flor símbolo dessa devoção. 66
Figura 28. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 66
Figura 29. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 67
Figura 30. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 67
Figura 31. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 67
Figura 32. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 68
Figura 33. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 68
Figura 34. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. 68
Figura 35. Frente do oratório no topo da colina. 69
Figura 36. Capela de Santa Rita no topo da colina. 69
Figura 37. Detalhe da capela na colina. 70
Figura 38. Detalhes da escadaria da colina - com a cidade ao fundo. 70
Figura 39. Placa alusiva a construção da escadaria da colina, detalhes para os nomes de devotos que
contribuíram para tal empreitada. 71
Figura 40. Pintura. S. Rita recebendo espinho sobre fronte. Fachada do Centro Comunitário. 71
Figura 41. Detalhe de um e-mail postado por Renzo Emili aos cidadãos de Cássia. 89
Figura 42. Projeto inicial da placa que será colocada sobre o relicário no santuário em dezembro de
2007. 90
Figura 43. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia. 91
iii
Figura 44. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia. 92
Figura 45. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia. 93
Figura 46. Decreto do prefeito de Cássia – MG, declarando Cascia – Úmbria, cidade irmã. 94
Figura 47. Documento da Prefeitura de Cascia - Província de Perugia, traduzido. 95
Figura 48. Documento da Prefeitura de Cascia - Província de Perugia, traduzido. 96
Figura 49. Kit vendido para os romeiros e devotos, com medalha, oração e pétalas de rosa para
confecção do chá. 97
Figura 50. Primeira página do Livro do Tombo da Paróquia de Santa Rita - Cássia/MG - de 1889 a
1925. 98
Figura 51. Primeira pagina do Livro do Tombo da Paróquia de Santa Rita – Cássia – MG, de 1943 a
1952. 98
QUADROS
Quadro 1. Prática das penitências e exercícios diários. 53
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
...............................................................................
13
1. A CONSTRUÇÃO DO IMPOSSÍVEL
20
1.1. A MULHER MEDIEVAL 24
1.2 A COSMOVISÃO MEDIEVAL 29
1.3 A INFLUÊNCIA DA PATRÍSTICA 32
2. A REVELAÇÃO DO IMPOSSÍVEL
35
2.1
DA CENA DO BEBÊ NO CAMPO À VIUVEZ 38
2.2
A SUA INTRODUÇÃO NO CONVENTO 46
2.3
OS VOTOS 51
2.4
A CENA DO SURGIMENTO DA CHAGA SOBRE A TESTA 55
2.5
A CENA DE SUA MORTE 59
2.6
AS HONRAS FÚNEBRES 61
3. A REPRESENTAÇÃO DO IMPOSSÍVEL
63
CONCLUSÃO
............................................................................................... 80
REFERÊNCIAS
........................................................................................... 83
ANEXO A – E-MAIL AOS CIDADÃOS DE CÁSSIA - MG
...............
89
ANEXO B – PROJETO DE PLACA PARA O SANTUÁRIO
............
90
ANEXO C – DELIBERAZIONE DEL COMUNE DI CASCIA
............
91
ANEXO D – DELIBERAZIONE DEL COMUNE DI CASCIA
............
92
ANEXO E – DELIBERAZIONE DEL COMUNE DI CASCIA
............
93
ANEXO F – DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA
.................
94
ANEXO G – DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA
.................
95
ANEXO H – DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA
.................
96
ANEXO I – KIT VENDIDO AOS ROMEIROS
................................
97
ANEXO J – LIVRO DO TOMBO DA PAQUIA
..........................
98
INTRODUÇÃO
A presente dissertação de Mestrado em Ciências da Religião tem a finalidade de
contribuir para a produção científica e atingir o grau de aprofundamento acadêmico
que se espera para um curso de tal nível de excelência. A dissertação inspira-se
numa tentativa de avaliar e propor um olhar acadêmico sobre a área em que atua o
pesquisador: a imagem do impossível análise de um fenômeno religioso em
Cássia - MG, tendo como finalidade a compreensão deste fenômeno local e,
conseqüentemente, contribuir cientificamente para as ciências da religião.
DELIMITAÇÃO DO TEMA
O presente trabalho se organizou em torno de três capítulos. O primeiro capítulo
apresenta a construção do impossível, um resgate teórico de como a mulher
moderna foi sendo construída e apropriada socialmente pela religião medieval. No
segundo capítulo, se fez necessário considerar a forma dada pelo imaginário
religioso medieval à revelação do impossível, ou seja, a construção da historiografia
de Santa Rita de Cássia. O capítulo final analisa como se deu a representação do
impossível na cidade mineira de Cássia, por meio da devoção a Santa Rita. Os
dados levantados no presente trabalho se estenderam desde o início do mestrado
até o presente momento, na elaboração final da dissertação.
JUSTIFICATIVAS
PARA A PESQUISA
O tema se impõe não apenas devido ao interesse pessoal do pesquisador, mas pela
recorrência das discussões sobre a maneira como o papel social feminino foi trazido
da periferia religiosa medieval para o centro da discussão na modernidade. E isso
14
também teve a contribuição de Santa Rita de Cássia, mais conhecida como a santa
do impossível. No Brasil atual, ainda é possível observar essa ambivalência na qual
a religião popular faz a manutenção desse papel, aceitando a devoção feminina,
mas limitando a sua atuação.
A religião tem se apropriado de fenômenos religiosos locais, numa tentativa de
homogeneizar a fé por meio de sua atuação nos cinco continentes. Toda religião tem
seu corpo de elite, homens e mulheres leigos que se destacam dentro do modelo
proposto, e isto vem a servir de referência para outros fiéis no qual poderão se
espelhar. A corrente migratória e imigratória tem se encarregado de disseminar as
vocações locais bem sucedidas para outras regiões, no sentido de servirem de
modelo didático para novos fiéis. A o culo 20 encontram-se entre os santos
venerados pela igreja apenas 20% de mulheres. a partir do século 20 até os dias
atuais o número de mulheres canonizadas foi multiplicado cinco vezes
(WOODWARD, 1992, p. 114). Isto reforça a idéia de que a religião vem fazendo uso
da história de mulheres que venceram suas dificuldades com seus maridos e filhos,
por meio da fé, servindo como exemplo para as demais mulheres.
A relevância social da pesquisa se mostra pelo fato de que o presente trabalho
permitirá auxiliar na resposta a uma pergunta básica: o que está por trás desta
devoção, que Santa Rita de Cássia está em quinto lugar no ranking nacional de
devoção? (VEJA, 28 fev. 2007, p. 70-71). Como, efetivamente, se perpetua tal
devoção? Quais as conseqüências sociais de tal devoção? Como, afinal, se constrói,
se revela e se representa a imagem do impossível no imaginário brasileiro?
O interesse pessoal do pesquisador por este tema se deu através de sua prática
profissional como psicólogo e como teólogo. O estudioso deve ir além do óbvio, deve
buscar compreender, no não dito, o que se põe nas entrelinhas, nem sempre
acessível, mas sem dúvida latente. Onde há movimento, vida e o que move a
vida religiosa deve ser o objeto de pesquisa de quem milita em ciências da religião.
O que tornou viável a pesquisa foram as fontes disponíveis, ainda que escassas, e a
própria experiência in loco, ao visitar a cidade mineira de Cássia e proceder às
entrevistas e ao garimpo de informações e dados acerca do objeto da dissertação.
15
REFERENCIAL TEÓRICO
Foi de grande utilidade para esta pesquisa a obra O dossel sagrado, de Peter L.
Berger, a qual fornece subsídios sociológicos para a compreensão do fenômeno
religioso. Para Berger o homem mantém uma luta constante por se manter em
harmonia consigo mesmo e com o mundo que o circunda. Em sua tentativa, lhe
resta fazer escolhas que o identifiquem e o façam pertencer. A grande dificuldade é
manter a coerência entre essas duas forças e a religião. É a sustentação desta
coerência. E a religião tem ajudado o homem a dar significância e a manutenção ao
mundo por ele criado. Quando a angústia humana é superada pela experiência
religiosa, isso aos indivíduos um sentimento de pertença a um mundo por ele
legitimado. O comportamento místico é a comprovação de que a insignificância
pessoal foi absorvida pelo sagrado. É dessa maneira que a experiência religiosa é
relativizada.
Outro referencial foi Jacques Le Goff e seu texto O homem medieval, para o qual o
homem podia ser definido pela teologia que dava sustentação à sua crença. O dever
desse homem era continuar onde Deus o tinha assentado. Para este, o indivíduo se
torna pessoa ao interiorizar a cultura, os valores e a visão de mundo que lhe
circunda. Tanto o homem como a mulher passam a existir a partir da religião e fora
dela voltam à sua insignificância.
Acerca da historiografia de Santa Rita de Cássia alguns autores importantes.
Elena Begadano apresenta uma Rita de Cássia que encontra no Cristo crucificado
coragem para ser uma mulher que busca equilíbrio e paz em todas as situações
.
Seu texto foi escrito em 2001, com sete capítulos, e trazendo a seguinte
contribuição: Rita foi uma mulher igual às outras mulheres, com seus sonhos,
dissabores e a consciência de que o porvir seria melhor. Sua existência possibilita a
convergência de todos aqueles que procuram agradar a Deus com sua história de
vida. Na sua pratica de fé, Rita descobriu uma coragem que a fez transpor todos os
obstáculos que encontrou em sua vida.
Em sua obra Rita de Cássia a santa dos casos impossíveis, Franco Cuomo busca,
por meio de elementos históricos e não deixando de lado as lendas e questões
16
mitológicas, a reconstrução dessa devoção em suas raízes. Faz isso porque para os
hagiógrafos e as autoridades religiosas havia dúvidas acerca da existência da Santa
Rita de Cássia
. Ele busca, de forma documental, provas históricas que dêem
coerência a essa existência. Para Cuomo, Rita não foi vítima e sim dona de seu
destino, sabendo desde o início onde gostaria de estar na intimidade da vida
religiosa. Para ele, Santa Rita representa uma santidade atemporal que extrapola
seu tempo – cuja importância se faz necessária ainda hoje.
Yves Chieron traz, em sua narrativa, uma investigação histórica que busca mostrar
uma Rita pouco conhecida de seus devotos, na qual o mito e a lenda abrem
caminho para uma mulher de carne e osso, com seus defeitos e virtudes. Na visão
de Chieron muito do que foi atribuído à historiografia ritiana foi acréscimo popular
que carece de fundamentação histórica. Não nega suas virtudes, mas a apresenta
como uma mulher que é fruto do seu tempo e que conseguiu vencer seus
obstáculos, sem a nobreza que a tradição popular foi lhe atribuindo durante os
séculos. Para ele, a Rita descrita pelos hagiógrafos apresenta uma imagem incorreta
e desfigurada da santa do impossível. Para isso, Chieron tenta reconstruir o
arcabouço histórico e religioso daquele período medieval.
A obra de Juan Arias em Santa Rita uma mulher acima de tudo humana, que
soube acatar o desígnio divino sobre sua vida. Para Arias, Santa Rita é quem
origem a um modelo de mulher que compreende o caráter humano e estende o
perdão a todos que o necessitam. Para Santa Rita a existência humana tem
carência de amor e não de animosidade. Sem deixar nenhum escrito, Rita
demonstrou ao mundo, por meio de sua prática de fé, a possibilidade de transformar
a animosidade em graça – isso a torna muito atual.
Por outro lado, Carlos Ros focaliza o reconhecimento dado pela igreja a Rita, em sua
santificação, como modelo de vida e de mulher cristã. Ela foi a primeira mulher a ser
alçada à condição de santa nos primórdios do século 20. Ros, neste caso, baseia a
sua pesquisa na biografia de Santa Rita escrita por Cavalluci de Foligno no século
16
1
.
Jean-Pierre Vernant é autor francês e em 2001 elaborou o texto Entre mythe et
1
Esta obra também serviu de referência para os demais autores destacados neste trabalho.
17
politique. Seu texto leva a pessoa a pensar de que maneira pode encontrar ou estar
no outro, ou mesmo pensar a forma como o outro passa a existir nela. Isso não
exclui a experiência religiosa, sendo que a mitologia pode ajudar a compreender de
que maneira a pessoa constrói no outro, ou por meio dos outros, as suas
identificações, pois isso se dá por meio de construções simbólicas. Para Vernant não
como compreender o homem contemporâneo se não se buscar a sua origem na
forma como se deu a construção do homem grego. A religião, assim como o mito e a
política são os elementos que o teceram. Para os gregos não havia a concepção de
religião tal qual instituída pelo monoteísmo cristão. A sua percepção religiosa não
era elaborada, mas sim vivida. Com isso se pode afirmar que não havia uma religião
grega, mas os cultos, o servir aos deuses, o render-lhes as homenagens devidas,
não sendo necessário crer.
Para os gregos, a concepção de religião em nada se parece com as religiões
monoteístas, pois em sua essência traz muitas possibilidades - por ser politeísta.
Para o homem grego não há dissociação entre a existência social e a forma da
experiência religiosa. Os deuses e todo o seu aparato estão à sua disposição. Eles
se relacionam com os homens, mas vivem em mundos e posições distintas. O
homem buscando a si mesmo se encontra no outro. Os elementos que constituem o
sistema religioso grego são: os rituais prática; a figuração dos deuses
simbolismo; e os mitos - narrativas. A partir da experiência religiosa se passa pelas
narrativas construídas por meio do significado do mito, passando pela representação
simbólica dos deuses. O ritual é a manutenção de vida desse ciclo que tem
acompanhado o homem em sua trajetória através da história.
É em seu próprio corpo que o homem, por meio do símbolo, agrega valor e se
expressa socialmente, demarcando seus limites, traçando uma linha entre o interno
e o externo, lutando com as forças que, vez por outra, se encontra dentro ou fora. O
ideário religioso, com seus símbolos e ritos, exerce influência sobre o homem, pois
sempre tem uma forma de trazê-lo para o centro, re-significando seu mundo. O mito
satisfaz a uma coerência própria que lhe pertence, mas que parece ser ambígua. O
mito se abre para todas as possibilidades que tem diante de si, assegurando seu
código de existência. A identidade do individuo não está dissociada de sua honra, de
seus valores, de como seus pares o percebem – pois tem o olhar do outro sobre si.
18
As pessoas vivem e se constroem a partir do referencial do outro. Para os gregos
não havia distinção do que eu faço” daquilo que “nos fazemos”. O homem passa a
existir a partir de sua prática e daquilo que o une ao outro . Para os gregos, no existir
humano tudo é extinguível e passageiro. O que permanece é a representação
daquilo que a pessoa foi e a sua manutenção no imaginário do grupo social ao qual
pertence. Para o homem grego, o desejo de representar por meio de formas vivas e
animadas trazia embutida a necessidade de demonstrar a distância que separava os
deuses de sua representação neste mundo. Diferentemente, os primeiros cristãos
trouxeram a representação do divino para o seu próprio corpo, através dos estigmas,
cortes, chagas, por meio dos quais era possível fazer leituras atualizadas do corpo
sofredor de seu deus sobre o seu próprio corpo.
Somando à exploração bibliográfica destes referenciais levantados, para
compreender o estado da arte em que encontra a pesquisa acerca do objeto em
foco, foi realizada também uma pesquisa de campo entre os dias 13 a 15 de
novembro de 2007, na cidade mineira de Cássia. Neste local foi possível ouvir in
loco personagens com experiências significativas a partir de sua devoção à Santa
Rita, a senhora do impossível. Cada um desses personagens traz em sua percepção
uma face do impossível. Também foi permitido ao pesquisador o acesso ao Livro
Tombo da paróquia de Santa Rita, contendo registros desde 1889 até 1952. Ainda
que do material coletado não seja possível utilizar todos os dados para este trabalho
com as dimensões de uma dissertação de mestrado, espera-se aproveitar o seu
excedente posteriormente, em projetos futuros. No entanto, o material foi aqui
explorado em sua totalidade aplicável ao objetivo da pesquisa.
PROBLEMA - HIPÓTESE
A pesquisa se organizou a partir de um problema central: como, a partir de um
levantamento a respeito da história medieval vivenciada por Santa Rita, na cidade
italiana de Cascia, tal hagiografia influenciou o surgimento da comunidade e das
19
relações estabelecidas na cidade irmã de Cássia, no interior de Minas Gerais?
Com base em argumentos históricos, teológicos, psicológicos e práticos, a hipótese
que se buscou demonstrar foi: esta influência trouxe implicações e desdobramentos
no imaginário popular dos devotos de Santa Rita na cidade de Cássia, reproduzindo
ali, na contemporaneidade, pontos de convergência entre as duas realidades, a
medieval e a moderna. Com isso, se constrói, se revela e se representa esta
imagem do impossível.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho é trazer subsídios, contribuindo com a discussão sobre como
a religião popular tem fornecido as molduras para a apropriação de uma identidade e
identificação popular, por meio de elementos religiosos, e de que maneiras esses
papéis são assimiláveis e passados, de geração a geração, na manutenção desta
cosmovisão.
Entre os riscos que pesquisador corre há o de trabalhar no domínio fluido da
interdisciplinaridade, colocando-se logo sob o crivo dos estudiosos de cada uma
destas áreas. Apresentar elementos psíquicos somados aos fatores religiosos e
amalgamá-los numa tentativa de compreensão do fenômeno é mesmo tarefa árdua.
Mais difícil ainda, pela própria natureza da pesquisa, é a obtenção de respostas
satisfatórias. Consciente destas dificuldades, o pesquisador realizou a dissertação
na expectativa de que as suas lacunas poderão, depois de percebidas, serem
devidamente preenchidas por pesquisas posteriores a partir do direcionamento da
banca examinadora.
CATULO 1
A CONSTRUÇÃO DO IMPOSSÍVEL
A construção da identidade feminina e do local onde as mulheres poderiam
desempenhar seu papel se deu por meio do viés teológico e da experiência religiosa
mística medieval. A história de santa Rita de Cássia serve de modelo para a
compreensão deste fenômeno, pois foi uma mulher que passou pelo papel de
virgem, mãe, viúva e religiosa, o que era incomum naqueles dias.
Este capítulo inicial não se detém na história de santa Rita, pois o focaliza os
subsídios que contribuíram para a construção desse modelo, que servirão de base
para a construção de sua história. O que, então, chama a atenção para o não dito
das divindades locais, daquilo que une o tecido de relações que se estabelecem
através dos tempos e é percebido, aprendido e reverenciado em favor do lugar
comum, da convivência humana? É a utilização da religião como um elemento
aglutinador e criador por trás da existência e experiência comunitária o registro de
suas histórias. Para Vernant (2006, p. 41):
Toda cidade tem sua ou suas divindades políades cuja função é
cimentar o corpo dos cidadãos para fazer dele uma comunidade
autêntica, unir num todo único o conjunto do espaço cívico, com seu
centro urbano e sua chôra, sua zona rural, velar, enfim, pela
integridade do Estado – homens e território – diante das outras
cidades.
Com este viés houve a retomada de um tema recorrente, anos. Mesmo instado a
abandoná-lo, ou em ocasiões em que o pesquisador pensou que em nada resultaria,
a cada momento em seu tempo surgia uma luz indicando um novo caminho. A
fascinação por um assunto é que faz ir em direção do seu desvendamento. Quando
se olha de fora, percebe-se algo que não se faz acessível aos personagens, que se
não justifica. Isso traz luz ao uso que os homens fazem da religião e dos seus
deuses. A pesquisa inicial deste assunto trouxe rios desdobramentos impossíveis
21
de serem trabalhados num projeto como este de mestrado em Ciências da Religião.
Emergiu então a necessidade de delimitar o seu campo da pesquisa.
De acordo com Carlos Ros, em livro acerca de Rita de Cássia, “quanto maior for a
devoção popular por um santo, mais difícil é distinguir entre fatos históricos e lendas”
(2005, p. 6) - o que não faltou nos apontamentos pesquisados. divergências
também entre os autores, acerca da apresentação da personagem em foco, do
desempenho dos papéis e da maneira como estes enfrentaram as situações
cotidianas. O único ponto de coesão entre estes hagiógrafos é acerca do virtuosismo
religioso de Marguerita
2
, natural de Roccaporena, local onde viveu o período que
antecedeu sua entrada para o convento na cidade vizinha de Cássia, localizada na
região da Úmbria, na Itália, um território pontifício entre os séculos 13 e 14. A
reputação dos seus feitos foi reconhecida já em vida pelos moradores desta região a
partir da qual viveu se espalhando por vários países, antes mesmo de ser
reconhecida como santa pela igreja
3
.
Não demorou muito para que sua fama atingisse outros países e as colônias
espanholas e portuguesas. No Brasil o registro do surgimento da devoção a
Santa Rita de Cássia na cidade do Rio de Janeiro no dia 17 de setembro de 1725,
quando o papa Benedito XIII tornou cito o culto à beata, autorizando o
funcionamento de uma igreja naquela localidade. No ano de 1728 foi construída na
cidade de Itu, interior paulista, uma capela à sua devoção e preservada até o
presente (REVISTA REGIONAL, Maio 2007, ano 5, n. 49). Pelo Brasil afora o culto a
Santa Rita se tornou popular, sendo comum encontrar municípios que se originaram
em torno desta devoção decorrente da colonização portuguesa. Para Yves Chieron
(2003), o culto a santa Rita de Cássia acabou tendo várias representações para o
povo latino-americano:
Santa Rita representa justamente la condición de la mujer que se
rescata, se autoemancipa y es glorificada por la nueva religión
católica: figura de la mujer “total”, que no renuncia a la maternidad y
que conoce el recorrido completo de la experiencia femenina [virgen,
esposa, madre, viuda, religiosa, santa] y, finalmente, con una
glorificación particular en la experiencia mística y en lo extraordinario,
3
Rita é o diminutivo do nome de Marguerita.
3
O processo de canonização demorou aproximadamente 453 anos. “Os conflitos entre católicos e protestantes e
a caça às bruxas, efetivadas pelos Tribunais da Inquisição durante séculos, protelaram sua canonização em 22 de
maio de 1900” (REVISTA CAMPO & CIDADE, n. 30, Abr./Maio 2004, p. 6).
22
que está mas allá de las possibilidades humanas. (CHIERON, 2003,
p. 177).
Rita de Cássia conheceu a sua beatificação em 16 de junho de 1628, pelo papa
Urbano VIII, na Igreja de Santo Agostinho em Roma (ROS, 2005, p. 21), sendo
alçada ao panteão dos santos em 24 de maio de 1900 pelo papa Leão XIII, por
cultivar uma existência compatível com a católica. Na cerimônia de canonização,
o papa fez a leitura de um resumo da vida de Rita de Cássia, deixando claro a que
objetivos serviu sua existência. Em 20 de maio de 2000 o papa João Paulo II, por
ocasião do Jubileu dos devotos de Santa Rita de Cássia e dos Cavaleiros do
Trabalho, proferiu um discurso com destaque para os seguintes pontos:
Os restos mortais de santa Rita, que hoje aqui veneramos,
constituem um testemunho significativo da obra que o Senhor realiza
na historia, quando encontra corações humildes e disponíveis a seu
amor. Nós vemos o corpo frágil de uma mulher pequena de estatura,
mas grande na santidade, que viveu na humildade e agora é
conhecida no mundo inteiro por sua heróica existência cristã de
esposa, mãe, viúva e monja. Profundamente arraigada no amor a
Cristo. Rita encontrou em sua inabalável a força para ser mulher
de paz em todas as circunstâncias. Em seu exemplo de total
abandono em Deus, em sua transparente simplicidade e em sua
adesão granítica ao Evangelho, é possível também para nós
encontrar as indicações oportunas para sermos cristãos autênticos
neste alvorecer do terceiro milênio.
Mas qual é a mensagem que esta santa nos transmite? E uma
mensagem que emerge de sua vida: humildade e obediência foram
os trilhos sobre os quais Rita caminhou para uma assimilação
sempre mais perfeita do Crucificado. O estigma que brilha em sua
fronte é a autenticação de sua maturidade cristã. Sobre a cruz com
Jesus, de certo modo ela se laureou naquele amor, que havia
conhecido e expresso de modo heróico entre os muros de casa e na
participação nos acontecimentos de sua cidade. Seguindo a
espiritualidade de santo Agostinho, fez-se discípula do Crucificado e,
“experimentada no sofrer”, aprendeu a compreender as penas do
coração humano. Rita tornou-se assim advogada dos pobres e dos
desesperados, obtendo para quem a invocou nas mais diversas
situações inumeráveis graças de consolo e de conforto. Rita de
Cássia foi à primeira mulher a ser canonizada no grande Jubileu do
século XX, em 24 de maio de 1900. Ao decretar sua santidade, meu
predecessor Leão XIll observou que ela agradou a Cristo, tanto que
ele a quis condecorar com o selo de sua caridade e de sua paixão.
Semelhante privilégio foi-lhe deferido por sua humildade singular,
pelo desprendimento interior das cobiças terrenas e pelo admirável
espírito de penitência que acompanharam todos os momentos de
sua vida [cf. carta apostólica Úmbria gloriosa sanctorum parens].
23
Apraz-me hoje, a cem anos de sua canonização, repropô-la como
sinal de esperança, especialmente para as famílias. Caras famílias
cristãs, que saibais também vós, imitando seu exemplo, encontrar na
adesão a Cristo a força para levar a termo vossa missão a serviço da
civilização do amor! Se perguntarmos a Rita qual é o segredo para
essa extraordinária obra de renovação social e espiritual, ela nos
responderá: a fidelidade ao Amor crucificado. Rita, com Cristo e
como Cristo, chegou à cruz sempre e por amor. Como ela, então,
voltemos o olhar e o coração a Jesus morto na cruz e ressuscitado
pela nossa salvação. E ele, o nosso Redentor, que torna possível,
como fez para esta querida santa, a missão de unidade e de
fidelidade que é própria da família, também nos momentos de crises
e de dificuldades. É ainda ele que torna concreto o empenho dos
cristãos no construir a paz, ajudando-os a superar os conflitos e as
tensões, infelizmente tão freqüentes na vida cotidiana.
A santa de Cássia pertence às grandes fileiras das mulheres cristãs
que ''tiveram significativa incidência sobre a vida da Igreja, como
também sobre a da sociedade'' [Carta apostólica Mulieris dignitatem,
27]. Rita interpretou bem o “gênio feminino'': viveu-o intensamente,
quer na maternidade física, quer na espiritual. Recordava, no sexto
centenário de seu nascimento, que sua lição “se concentra nestes
elementos típicos de espiritualidade: a oferta do perdão e a aceitação
do sofrimento, não já por uma forma de resignação passiva [...], mas
pela força daquele amor por Cristo que sofreu justamente no
episódio da coroação, com as outras humilhações, uma atroz parodia
de sua realeza”. Caríssimos irmãos e irmãs, a devoção a santa Rita,
no mundo, é simbolizada pela rosa. E de esperar que também a vida
de todos os seus devotos seja como a rosa recolhida no jardim de
Roccaporena, no inverno que precedeu a morte da santa. Isto é, que
seja uma vida sustentada pelo amor apaixonado pelo Senhor Jesus;
uma existência capaz de responder ao sofrimento e aos espinhos
com o perdão e o dom total de si, para difundir por toda a parte o
bom perfume de Cristo [2 Cor. 2,15], mediante o anúncio coerente e
vívido do Evangelho. A cada um de vós, caros devotos e peregrinos,
Rita entrega novamente a sua rosa; recebendo-a espiritualmente,
empenhai-vos em viver como testemunhas de uma esperança que
não frustra e missionários da vida que vence a morte.
(BERGADANO, 2003, p. 110-112).
Em decorrência disso, se faz necessário ir à busca de subsídios, para compreender
como se deu a construção desta identidade, a partir da Idade Média, e levantar a
correspondência entre identidade e experiência religiosa, sua influência na
construção e apropriação do feminino. O pano de fundo do relato-mito de Santa Rita
de Cássia são os séculos 13 e 14 e o mundo moderno.
24
1.1 A MULHER MEDIEVAL
Num primeiro momento encontra-se a necessidade de situar quem era a mulher
medieval, sua religião e a sua inserção no mundo medieval. Isso posto, se pode
compreender de que maneira tal figura influenciou na criação de um modelo de
identidade com reflexos na modernidade. A partir deste ponto se podem
compreender os relatos acerca de Santa Rita de Cássia que têm chegado aos dias
atuais. Na falta de documentos consistentes, que são raríssimos os documentos
que provam sua existência, há a preocupação com a criação do mito, do que foi
sendo construído através dos séculos. Não se pode esquecer que Santa Rita foi
reconhecida pela Igreja como santa aproximadamente quatro séculos após sua
morte
4
. É, portanto, uma santa que surge na modernidade, no início do século 20,
como uma resposta daquilo que o catolicismo romano esperava da mulher na
sociedade daqueles dias. Disso decorre a importância de seu estudo. O
conhecimento que se tem da existência deste modelo de personagem está
associado a um conjunto de cenas registradas por um pintor anônimo daqueles dias
em sua urna mortuária
5
. A iconografia tratou de dar vida a essas cenas de maneira
que houvesse coerência entre elas.
A história da mulher medieval não pode ser descolada da história do homem
medieval, que para a mulher sua existência foi possível a partir da existência
masculina, transitando sempre à sombra dele, tendo seu lugar sempre na periferia,
no cuidado da casa e de sua família, reconhecida socialmente como esposa, viúva
ou virgem. Para Le Goff (1989), uma das maiores autoridades em história medieval a
mulher na Idade Média foi vista
como:
[...] um ser falso e tentador, o melhor aliado do demônio, uma eterna
Eva mal resgatada por Maria, um ser escabroso para quem o vigia,
um mal necessário para a existência e o funcionamento da família,
para a procriação e para o controlo da sexualidade, que é o principal
perigo para o homem cristão. (LE GOFF, 1989, p. 10).
4
A Canonização de Santa Rita de Cássia se deu no dia 24 de Maio 1990.
5
o seis cenas descrevendo a vida de Rita de seu nascimento até sua: 1) Das abelhas sobre o bebê no campo; 2)
Os padroeiros conduzindo-a ao Convento; 3) Os votos; 4) Do espinho que caiu da coroa do Cristo crucificado; 5)
A cena de sua morte e 6) Honras fúnebres. (CUOMO, 2000, p. 360).
25
Para este autor a mulher medieval é “[...] muito jovem, [...] casa com um homem que
se aproxima dos trinta anos” (LE GOFF, 1989, p. 22). “[...] é um ventre, vitima de
uma elevada fecundidade que a faz passar grávida metade de sua vida antes dos
quarentas anos” (Ibid.) e se encontra:
[...] sujeita aos seus deveres de esposa, obrigada a ser fiel ao marido
e a sua autoridade, só encontra compensações – limitadas – no amor
pelos filhos, que na maioria dos casos, são entregues às amas, logo
nos primeiros anos, e sucumbem vitimas da terrível mortalidade
infantil. (Ibid.).
E ainda: “as mulheres continuam a ser uma engrenagem subordinada à reprodução
familiar” (Id., p. 10). O homem, na Idade Média, passa a ser determinado pela
medida de seu envolvimento religioso, tendo como parâmetro a teologia (Ibid.),
vivendo na tensão entre corpo e alma, encontrando na religião a valorização de sua
alma em desprezo de seu corpo. A ascensão social masculina proveniente de uma
classe social inferior somente podia acontecer por meio de casamento com uma
mulher que o pudesse projetar socialmente, cabendo a ela permanecer na sua
insignificância.
A parte do corpo humano valorizada pela religião medieval era aquela representada
pela extremidade superior; do pescoço para baixo deveria ficar sob controle rígido,
pois ali estavam hospedadas as mais variadas perversões. A disciplina rigorosa
acerca do uso do corpo na vida religiosa era uma forma de colocar a alma no
“caminho da salvação” (SCHMITT, 2002, v. 1, p. 262).
Não basta dar lugar ao corpo, é preciso dominá-lo - isto implica na re-simbolização
do corpo, dela decorrendo a importância do ritual para doutriná-lo surgindo, assim,
o mito. O corpo precisa ser dominado/subjugado. Portanto, a igreja reforçou a idéia
paulina de Cristo como o cabeça da igreja
6
conseqüentemente a igreja sendo
representante de Cristo na terra era quem normatizava e controlava o uso e destino
do corpo humano.
Durante a Idade Média os papéis masculinos e femininos passaram a ser
construídos e determinados pela religião (LE GOFF, 1989, p. 25). E era a Igreja
quem informava e cobrava o que era esperado de cada um. O desenho dos papéis
6
Conforme a primeira carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 11.
26
masculino e feminino nesta época foi feito a partir dos fragmentos tomados de outros
indivíduos (GOUREVITCH, 2002, v. 1, p. 622). Torna-se humano quando se
interioriza a cultura, o sistema de valores, a visão de mundo que são próprios de
uma sociedade ou de um grupo social – vigentes em seu tempo.
“A originalidade da personalidade [medieval] afirmava-se por sua negação” (Id., p.
623, grifo nosso). O caráter centrífugo (Ibid.), da personalidade medieval foi
construído pelas individuações morfológicas
7
. o caráter centrípeto dos tempos
modernos, foi construído por meio da individuação orgânica (Ibid.). A religião
fornecia molduras nas quais os indivíduos se encaixavam (Id., p. 629), ou melhor,
passavam a assumir papéis designados pelo contexto religioso. Patológicos ou não,
os comportamentos individuais no mundo medieval, refletiam mais a cultura e o meio
circundante do que elementos psíquicos estes são as manifestações da
humanidade.
“A noção do corpo é a soma de varias idéias, produto da própria história da
humanidade” (SCHMITT, 2002, v. 1, p. 254). Para Agostinho “a alma é uma
substância racional criada para reger um corpo” (apud SCHMITT, Ibid.). O que leva a
refletir acerca da racionalização absorvida pelo pensamento religioso medieval: o
que se salva do corpo é a alma, a não ser que esse corpo possa ser santificado, isto
poderá ocorrer de várias maneiras por meio de penitências, estigmas, cilícios,
jejuns e outras formas de exercer o controle da carne
8
.
A Igreja medieval, oficialmente afirmava que o corpo promovido ao status de “santo”
permanecia intacto, “suas tumbas exalavam odor de santidade’” (Id., p. 254). Não
obstante, qualquer objeto pertencente ao sujeito também expressa a virtude de sua
experiência religiosa. Todo santo reconhecido pela igreja “tem uma missão histórica
a cumprir, missão essa que consiste em acolher e dominar certas exigências de sua
época, sob o ponto de vista da eternidade, e através da sua vivência de Cristo” (Id.,
p. 227). E “[...] no fim da Idade Média, o culto dos santos se tinha integrado tão
profundamente na vida social que tinha passado a ser um dos elementos essenciais,
correndo o risco de se vulgarizar” (Id., 229).
7
As manifestações decisivas da personalidade referem-se às representações e as formas preestabelecidas que lhe
parecem exteriores – papéis a serem desempenhados.
8
as “tradições muito antigas convidam a situar a sede da alma ou na cabeça ou no coração (LE GOFF;
SCHMITT, 2002, v. 1, p. 259).
27
O surgimento de um modelo de santidade medieval possibilitou “[...] antropomorfizar
o universo e submeter o homem ao mundo da natureza” (VAUCHEZ, 1989, p. 212),
absorvendo vários elementos simbólicos do paganismo, “destruindo os bosques
sagrados e substituindo o culto das fontes e das nascentes pelo culto dos santos”
(Ibid.). O corpo feminino continuava ainda subjugado pela religião. A igreja medieval
não foi a criadora do culto aos santos (Ibid.), mas ele é a soma de vários elementos
como: culto dos mártires
9
e o ascetismo
10
- a Igreja se apropriou destes elementos
na confecção destes modelos, aperfeiçoando-os para o seu propósito:
A nova mentalidade, pelo contrário, põe a tônica na necessidade de
um empenho pessoal do individuo [...] a santificação transforma-se
numa aventura pessoal e numa necessidade interior, sentida de
forma diferente de acordo com as pessoas e os lugares, mas que em
todos os casos obedece a um impulso amoroso. (SCHMITT, 2002, v.
1, p. 218-219).
A Igreja medieval diante de sua ambivalência corpo-alma empreende uma
reabilitação do corpo, subjugado agora pela alma, o prepara para estar diante de
seu Deus, além, é claro, de servir de modelo para que outros aspirassem ao mesmo
patamar. O reconhecimento da virtude cristã é algo que vai impactar a Igreja
medieval, possibilitando inclusive a ascensão da mulher no papel social à mulher
medieval restava a resignação de viver na periferia de um relacionamento ou
sublimar seu papel social via religião. Como o casamento não é acessível a todas as
mulheres, a religião se torna a saída para aqueles que abraçavam a vida religiosa.
A mulher que se dedicava à vida religiosa via aumentar sua chance de vida e de
ascensão, não só social como o resgate de seu lugar na criação de divina
11
. A ela
não restava outro papel. Entre os elementos que visavam a reforçar o ideal de
perfeição produzido pelos santos estão: penitência, privação, sofrimento, sujeição
voluntária, pobreza e renúncia (SCHMITT, 2002, v. 1, p. 220).
9
“Numa sociedade ameaçada de desintegração, onde os indivíduos viviam angustiados pela idéia de perderem a
sua identidade e a sua liberdade, os santos vinham a propósito para restituir a confiança e oferecer perspectivas
de salvação ao nível da vida de todos os dias” (Vauchez apud LE GOFF, 1989, p. 212).
10
“[...] o ideal do homem de Deus (vir Dei) que recusa os valores dominantes da sua época (poder, riqueza,
dinheiro, vida citadina) para se refugiar na solidão e levar uma vida totalmente religiosa, isto é, consagrada a
penitencia e a mortificação. (Vauchez apud LE GOFF, 1989, p. 213).
11
É a mulher (Eva) quem leva seu companheiro (Adão) a conhecer o pecado, pois ambos perceberam que
estavam nus, conscientes de sua condição carnal, necessitando de reabilitação. Por isso a religião se tornou o
canal desse processo.
28
As mulheres, na segunda metade da Idade Média, sentindo-se “excluídas do
ministério da palavra no seio da Igreja, apoderaram-se dele, alegando uma eleição
divina” (Ibid.). Várias mulheres conseguiram se projetar
12
sem terem, no entanto, o
reconhecimento oficial do prelado religioso, vivendo na periferia da esfera religiosa,
com aprovação popular e toleradas pelas autoridades religiosas, não alcançando,
portanto, o reconhecimento oficial da igreja, ou seja, não foram canonizadas
(SCHMITT, 2002, v. 1, p. 221).
“[...] o corpo (do indivíduo reconhecido como santo), depois da morte, readquire
uma misteriosa integridade, sinal da eleição divina” (Id., p. 223). O fato de corpos
serem encontrados preservados e com cheiro agradável após a sua morte atribui ao
indivíduo morto o reconhecimento de Deus pelo seu empenho religioso em deter o
poder da carne (corpo) sobre sua alma. Decorre daí que:
[...] a posse de um corpo santo e, se possível, de vários era uma
necessidade vital para as coletividades, leigas ou eclesiásticas. Os
próprios santos tinham consciência disso e, muitas vezes, escolhiam
para morrer ou o local onde tinham nascido ou o local onde
pensavam que seus restos pudessem exercer uma influencia
benéfica. (Id., p. 223-224).
A preservação da identidade feminina era uma forma de fazer significativa sua
existência. Atualmente o deparar com o culto aos santos se porque as gerações
posteriores “[...] reconheceram que os seus antecessores tinham posto nesta (sua)
devoção o melhor de si mesmos, aplicando nela os seus sucessivos conceitos de
perfeição humana. (Id., p. 230). O ideal de santidade passou por várias
transformações durante a vigência da Idade Média. Vale ressaltar que a religião se
aproveita disto para reforçar modelos comportamentais e para subjugar uma massa
que nunca poderia ascender socialmente, entre eles os pobres, os marginais, as
mulheres e as crianças.
A influência do neoplatonismo nos pais da Igreja julgava a “união carnal, pelo seu
caráter irracional, rebaixando o homem à condição de animal” (DELUMEAU, 2003, v.
1, p. 31). Isto influenciou a forma como o casamento, o corpo, os papéis masculinos
e femininos foram visto pela Igreja medieval. Na Idade Média, mais precisamente
nos mosteiros e conventos, surgiu o pensamento que norteou todo esse período
12
“Os casos mais antigos de santidade visionaria são os de Margarida de Cortona (morta em 1297), de Clara de
Montefalco (morta em 1308) e de Ângela de Foligno (morta em 1309)” (SCHMITT, 2002, v. 1, p. 221).
29
histórico. O corpo deveria ser odiado e negado, pois trazia estampado em si a
evidência do pecado e a necessidade de se retirar do mundo para um local de
contemplação, como negação da finitude presente no corpo e no mundo, como
conseqüência do pecado original (Id., p. 34). O corpo feminino foi rechaçado pelo
pensamento antifeminista da cultura eclesiástica medieval (Id., p. 50-51).
A Reforma Protestante rompeu com este esquema neoplatônico
13
que via o corpo e
a alma dentro de um “esquema dualista” (Id., p. 51). Alma e corpo não o mais
adversários, devem caminhar juntos, pois o corpo atual é uma representação do
corpo por vir, glorificado. A piedade passou a ser um incentivador e controlador de
impulsos humanos, surgindo a representação dos sete pecados capitais. Como
ajudar a mulher a vencer estes desafios? Proibindo-a de encará-los ou ajudando-a a
vencer seus próprios demônios: sua luta interna. A religião com seu formalismo
produziu um indivíduo que deveria se sujeitar mais ao seu discurso e prática como
forma de dominação e sujeição.
1.2 A COSMOVISÃO MEDIEVAL
Para Peter Berger (1985, p. 7), a religião ”[...] fornece ferramentas para perceber e
se estabelecer no mundo, isso quando não nos fornece a moldura”. E ainda afirma:
“[...] o homem não produz um mundo como também se produz a si mesmo. Mais
precisamente, ele se produz a si mesmo num mundo” (Id., p. 19). A sustentação e
manutenção do “mundo” conforme este afirma, vem do diálogo mantido com a
cultura e seus pares, ou seja, o processo de “socialização”. A construção é sempre
coletiva e a sua manutenção também, desde que haja interesse na sua continuação
13
Escola filosófica Alexandrina surgida no século II e em expansão até o século V, que interpreta o platonismo
de forma mística e espiritualista, supondo a transcendência de um Deus que, por emanação, cria a realidade
profana, e a possibilidade de que o ser humano, em um movimento de interiorização contemplativa e retorno às
suas origens, restabeleça a união com a divindade. Seu principal representante é o filósofo egípcio Plotino (205-
270). (DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS, verbete).
30
perdas ou mudança de rumo podem levar a uma re-significação deste universo
que cria elementos para a manutenção deste novo mundo.
O mundo social, para Berger, não é absorvido pelo indivíduo, e sim apropriado
ativamente por ele” (1985, p. 31). O mundo é uma junção daquilo que é produzido
coletivamente, ou seja, “viver uma vida ordenada e significativa” (Id., p. 34). Do
encontro com o sagrado surge a possibilidade de compreender e apreender um
mundo que extrapola o horizonte humano, mas no qual está inserido. A criação de
mitos é uma forma de dar sentido ao que não está dito. Berger afirma: “[...] a religião
é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente
significativo” (Id., p. 41). Aquilo que legitima o mundo necessita de constante
recordação e manutenção para que a cosmovisão não perca sua sustentação.
Surge daí a necessidade de criação e manutenção de ritos e das tradições. Berger
na manutenção do mundo elementos que dêem sustentação a “várias gerações”
(Id., p. 59-60), da concepção de mundo criado pelo cristianismo, de tal maneira que
esta concepção responda aos seus anseios e inquietações tornando admissível a
sua existência real. Surge, portanto, a criação de elementos que ajudarão na
manutenção dos papéis requeridos para a manutenção desta ordem neste mundo. O
mundo da religião não se explica pela observação da realidade devido à sua
precariedade. Quanto mais absurdo for o fato relatado maior será o alcance e a
sustentação da religião na sociedade. Berger afirma que o vigor, talvez o sucesso da
religião, esteja na maneira como a mesma apresenta ou comercializa a solução ou a
proteção contra o poder da morte (Id., p. 64).
Isto remete ao relato acerca de Santa Rita de Cássia, uma das santas mais
populares entre o povo. A popularização deste culto interessava à religião, a qual
absorvera elementos do paganismo medieval que reforçavam o papel de submissão
feminina escrito nas entrelinhas deste mito. O corpo de Santa Rita passava a ser
parâmetro para muitas mulheres daqueles dias, pois ela, melhor do que ninguém,
ela soube desde seu nascimento que seu corpo nunca lhe pertenceria. Foi isso o
que deflagrou a sua luta incessante por sua consagração. Ela trazia em seu corpo
as marcas do sofrimento do próprio Cristo
14
uma luta contra o desejo -
14
O sacrifício vicário de Cristo trouxe para a vida religiosa medieval práticas que visavam a conter o avanço do
pecado sobre a alma subjugando o próprio corpo. Trazer no próprio corpo as marcas do sofrimento do Cristo era
31
representação do mal - materializado no corpo. Marguerita, ou apenas Rita, era
seguidora da regra agostiniana, uma ordem que valorizava a pobreza, jejuns e
castigos corporais como forma de resistir às tentações.
Para Santa Rita de ssia e seus devotos, os estigmas eram sinais da graça divina
diante de sua autoflagelação e penitência o prêmio por sua devoção e
perseverança diante do mal tentações - que a atormentavam. A transcendência
não só tornava suportável o sofrimento como a desafiava a ir adiante em seu
propósito. A preservação intacta do corpo de Santa Rita vem confirmar a aprovação
de sua conduta não somente em vida como na morte, o que vem confirmar sua
popularidade. Esse sofrimento está disponível a todos mas será que todos
poderão contemplá-lo? Não, mas somente aqueles que se esforçarem por alcançar
a virtuosidade.
Os mundos que o homem constrói estão permanentemente
ameaçados pelas forças do caos e, finalmente, pela realidade
inevitável da morte. A não ser que a anomia
15
, o caos e a morte
possam ser integrados no nomos da vida humana, esse nomos será
incapaz de prevalecer nas exigências da historia coletiva e da
biografia individual. Repetindo, qualquer ordem humana é uma
comunidade em face da morte. A Teodicéia é uma tentativa de se
fazer um pacto com a morte. Qualquer que seja o destino de uma
dada religião histórica, e ou o da religião como tal, podemos estar
certos de que a necessidade dessa tentativa persistirá enquanto os
homens morrerem e tiverem que compreender este fato. (BERGER,
1985, p. 92).
Desta forma, para Berger “[...] a religião mostra em profundidade, na história
humana, a urgência e a intensidade da busca do homem por um significado“ (Id., p.
112). A identidade feminina foi sendo influenciada e reforçada pela religião medieval,
que, para Berger, à religião–instituição “[...] incorporam-se a experiência do
individuo por meio dos papeis” (Id., p. 103). É na modernidade que o corpo começa
a sofrer influência da cultura e da moral, as quais não deixam de ser influenciadas
pela religião.
A identidade feminina ou o papel social desempenhado pela mulher é um legado
medieval. A religião cristã concedeu à mulher a possibilidade de deslocamento do
uma demonstração de quão próximos as pessoas estavam de atingir seus objetivos valorizando o investimento
realizado. A Igreja não incentivou esta prática, mas se apropriou do impacto popular da mesma.
15
Para Berger, anomia é a separação radical do mundo social. Quando o homem perde seus referenciais -
identidade e realidade - se tornando anômico ou despossuído do seu mundo. (BERGER, 1989, p. 34).
32
cenário social para as comunidades religiosas indicando um caminho ou lugar
existência - a ser ocupado pelas mulheres. Santa Rita de Cássia é um exemplo
desse modelo, de uma mulher que transitou por vários papéis secundários
virtuosos - até ser promovida a um lugar de destaque: o rol dos humanos
exemplares.
1.3 A INFLUÊNCIA DA PATRÍSTICA
O mundo masculino é muito bem delineado e demarcado, ficando os seus papéis
bem estabelecidos. Mas, quando se trata do mundo feminino, não lhe restam muitas
opções a não ser viver à margem da história do homem, do poder ou da religião. O
que se vê é um modelo híbrido de mulher.
Uma das demandas da Idade Média foi esta subjugação do corpo pela religião
cristã, pois o corpo transitava entre pólos opostos. O interesse da religião pelo corpo
era redimi-lo para que a alma contida ali pudesse encontrar sua redenção.
Independente de ser homem ou mulher, a luta era a mesma, tanto para o homem
como para a mulher. A diferença residia em que a mulher se encontrava em plena
desvantagem por ser vista mais como mercadoria, agregada de valores como
herança e dotes a serem reunidos aos bens de seu senhor. A mulher ideal estava
simbolizada na Virgem Maria, uma figura humano-divina que concebeu sem nunca
ter tido uma relação sexual, mantendo-se pura, sujeita aos desígnios de Deus e
reconhecida como sua colaboradora. Diferentemente de Eva, mulher que não soube
conservar sua posição na ordem estabelecida pelo Criador, se rebelando, desejando
ser o que não poderia, um entrave à ordem estabelecida até então.
Para o apóstolo Paulo e para grande parte da patrística, era melhor casar-se do que
viver excitado (I Coríntios 7.9), “[...] pois, quando os seus desejos sensuais superam
a sua dedicação a Cristo, querem se casar” (I Timóteo 5.11). No contexto paulino, a
mulher é tida como representação da serpente que levou o homem a conhecer o
33
pecado e, como conseqüência, a expulsão do paraíso. A mulher é tida como a
desencadeadora deste imaginário e que precisa ser dominada como parte fraca. Em
decorrência disso a teologia medieval lhe negou a preservação de sua memória e de
seu desejo. Na visão de Paulo o casamento é algo a ser tolerado, pois o solteiro
pode usar melhor seu tempo e energia em agradar a Deus, “[...] que os casados
preocupam-se com as coisas deste mundo, em como agradar sua mulher, e está
dividido” (I Coríntios 7.32-34).
A instrução também atinge a mulher solteira-virgem, a qual deve se preocupar mais
com as coisas do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito. Mas, a casada
preocupa-se com as coisas deste mundo, em como agradar seu marido. Isso ecoa
na Idade Média. As ordens religiosas, a partir do século 11, eram essencialmente
masculinas. Passaram a servir de modelo de refúgio para o excedente de mulheres
que não tinham outra expectativa de vida além de serem procriadoras desapossadas
de memória. Os conventos aparentavam refúgios que as mantinham longe da
sociedade e suas conseqüências, num mundo à parte. As mulheres ganharam
sobrevida quando abraçaram a vida religiosa, passaram a viver mais e com
qualidade, já que a vida na periferia limitava em muito sua existência.
A vida religiosa oferecia à mulher medieval um lugar de proteção e importância
pois era dentro da religião que passavam a existir. As ordens religiosas garantiram
às mulheres exercitarem no seu microcosmo valores presentes no macrocosmo
masculino. Isto, no entanto, não trouxe libertação do jugo masculino, mas uma
subjugação das ordens religiosas, as quais continuavam sujeitas às autoridades
hierárquicas constituídas. A existência feminina passava a ser tolerada, desde que
seu corpo, desejo e excitação estivessem debaixo do domínio e interesse da
religião, representados pelo elemento masculino. O corpo como sede da alma
precisava de controle e subjugação.
Na história de Santa Rita de Cássia, seu corpo e desejo nunca lhe pertenceram,
que, desejando entrar para a vida religiosa, seus pais optaram por lhe darem em
casamento. Casada, se sujeitou aos caprichos de seu marido por causa dos filhos.
Viúva, não conseguiu conter o ímpeto de vingança que brotava no coração dos
filhos, preferindo vê-los morto a serem vingadores. Abraçou a vida religiosa numa
clara demonstração que, atormentada pelo desejo, precisa lutar contra o demônio
34
que se apresentava na forma de um homem a ser desejado. O desejo de sua
existência lhe foi negado pelos pais, pelo marido, pela família e na clausura – pois ali
travou uma de suas lutas mais ferrenhas, numa busca evidente de ser o objeto de
desejo do seu Deus. Na sua experiência religiosa viveu situações de negação total
do eu. Na visão de Peter Berger “[...] o sofrimento infligido pelas forças sagradas ou
seus representantes humanos pode ser acolhido como prova empírica de que se
participa do esquema das coisas a que significado” (1985, p. 75). A trajetória
desta santa aponta pra isso.
Sem tal compreensão não seria possível mergulhar numa cidade do interior do
sudoeste de Minas Gerais, Cássia, para compreender o fenômeno sobre o qual a
pesquisa se detém. Nesta cidade alguns personagens masculinos e, em sua
grande maioria, personagens femininas, sendo todos devotos de Santa Rita. Todos
estes personagens trazem inscritos em sua trajetória de vida uma seqüência de
fatos e ocorrências, tal qual o descrito em sua história: uma vida de aceitação e
sujeição à fatalidade do divino. O existir é calcado na crença e no milagre, elementos
que atenuam essa sujeição e sua aceitação.
Para Woodward: “Entre os letrados, as vidas de santos eram os Best-sellers da
Idade dia. Equivaliam aos romances modernos. Para os iletrados, havia as
imagens, as estampas, toda uma rica iconografia” (1992, p. 73). Isto permite
perceber como elementos da identidade religiosa medieval ainda se fazem
presentes por meio desta devoção. As informações ali colhidas permitem vislumbrar
as facetas da imagem do impossível pelo viés religioso. Na junção das informações,
os elementos desta devoção são amarrados, servindo de base para a construção de
novas pontes, trazendo novas contribuições e possibilidades para a compreensão de
como o lugar que a mulher foi ocupando foi determinado pela religião viver fora
desse padrão seria um não existir - este lugar a mulher não queria mais pra si.
Capítulo 2
A REVELAÇÃO DO IMPOSSÍVEL
Um homem conta [recorta] suas histórias
muitas vezes que se misturam a elas; e
suas [seus recortes] histórias sobrevivem
a eles. E é desse jeito que os homens se
tornam [recortando, remontando ou
reescrevendo suas historias] imortais.
(BIG FISH, 2003).
Foi a imortalidade desejada pelos homens que o fizeram de alguma projetar sobre
as gerações futuras elementos que acabaram por se misturar às histórias de outros
indivíduos. A história de Santa Rita de Cássia, toda calcada em elementos
medievais e costurada com elementos mitológicos, pagãos, políticos, religiosos e de
dominação, comunicando à mulher contemporânea um papel a ser desempenhado
socialmente. Não se pode esquecer que sendo fruto de uma época, de uma fração
da história, Rita de Cássia foi canonizada no dia 24 de maio de 1900. A igreja
resolveu fazer uso desse recurso no desfraldar do século 20, quando havia uma
tensão religiosa agitando a passagem do século 19 para o 20, época em que o
catolicismo se deparava com as ameaças do modernismo. Segundo Woodward
(1992, p. 17-18):
Para fazer um santo ou para comungar com santos reconhecidos,
que saber primeiro a historia deles. Na verdade, não seria
exagero dizer que os santos são as suas historias. Desse ponto de
vista, fazer santos é um processo pelo qual uma vida é transformada
em um texto.
Não seria possível compreender sua importância na modernidade, se não fosse
possível olhar pra sua história. Dentre os santos mais populares na devoção
brasileira encontra-se Santa Rita de Cássia, conhecida como a santa das causas
impossíveis (VEJA, 28 fev. 2007, p 70-71). Sua reputação de santa foi reconhecida
ainda em vida, nas vielas de Roccaporena e arredores da cidade de Cássia,
localizada a uma distância de cento e dez quilômetros de Roma na Itália. Rita de
36
Cássia fora marcada por vários signos: menina virtuosa, virgem, mãe, viúva e santa -
o que ajudou a compor o arcabouço que deu sustentação ao culto criado em torno
do seu nome. Abaixo estátua em sua homenagem na cidade onde viveu:
Figura 1. Santa Rita em Roccaporena - Cássia. Bronze de Venanzo Crocetti.
Fonte: (BERGADANO, 2003, p. 119).
37
Seus pais, Antonio Lotti e Amata Ferri, proprietários de terras nos arredores de
Cássia, numa corruptela conhecida como Roccaporena. Ali a menina passou seus
primeiros anos, numa propriedade
16
onde havia um bosque conhecido como “lo vado
della cama(CHIERON, 2003, p.35). A posse de um pedaço de terra apontava que
seus pais possuíam uma boa situação social
17
e uma vida economicamente
confortável. Eram conhecidos na comunidade como pacieri
18
. Segundo as leis que
regiam a convivência comunitária na cidade de Cássia, os pacificadores eram
homens com projeção social, com recursos para que não fossem acusados de
legislar em causa alheia, agindo fora dos tribunais, de maneira que as pendências
entre famílias ou indivíduos não evoluíssem para a vingança.
O exercício desta função, além de ser reconhecido socialmente, acabava por ser
legitimado pela autoridade religiosa, validando os pactos formalizados através de
documentos registrados pelo notário local. As audiências de conciliação eram
realizadas publicamente, acompanhadas de gestos que selavam e confirmavam o
acordo entre as partes, sempre acompanhadas de sinais externos como ósculos,
saudações e abraços. Quando não muito, poderia surgir o ressarcimento financeiro
por uma das partes.
A finalidade da pacificação era evitar uma pendência jurídica, gerar a paz e prevenir
a revanche entre as famílias do local, uma forma de manutenção dos vínculos e de
interesses familiares. O perdão em si poderia ser considerado o cerne da pratica
religiosa. Fazê-lo publicamente era uma maneira de legitimar e reforçar os valores
religiosos, revalidando os ensinamentos da igreja. Havia interesse da religião para
que em seu território não houvesse disputa ou conflito interno, o que poderia vir a
fragilizar e comprometer a manutenção do poder local.
16
As comunidades medievais poderiam ser consideradas comunidades urbanas, que elas deveriam produzir os
meios para sua subsistência, como alimentos bem diferentes da permuta regular de bens e serviços das
comunidades urbanas. A igreja como proprietária de grandes faixas de terra precisava garantir a sobrevivência
garantindo assim um grande fluxo de mercadorias - trocas. As cidades dependiam da zona rural para obtenção da
maior parte de seu alimento e para a imigração. A urbanização das comunidades comprovava sua posição de
autonomia ou subordinação. Isto gerava uma tensão entre os grupos representados ali como os artesãos, nobres e
burgueses. Foi à troca das mercadorias que asseguraram as comunidades uma autonomia e independência. Daí a
necessidade de se enaltecer a existência dos fatos históricos celebrados na tradição mitológica. (DICIONÁRIO
DA IDADE MÉDIA, 1997, verbete).
17
Burgueses: na Idade Média eram os naturais ou habitantes livres de um burgo, que gozavam de certos
privilégios (HOUAISS dicionário eletrônico, 2007, verbete).
18
Os que buscam a paz, ou seja, os pacificadores, apaziguadores.
38
A seguir há uma ilustração deste exercício comunitário:
Figura 2. Pacificação entre cassianos. Retábulo de Gaspare e Camilo Angelucci, 1547. Igreja
Colegiada de Santa Maria em Cascia - Itália. Fonte: (CUOMO, 2000, fig. 7, p. 409).
2.1 DA CENA DO BEBÊ NO CAMPO À VIUVEZ
Antonio e Amata formavam um casal que se encontravam em idade bem
avançada, por volta dos 60 anos, quando Amata veio a engravidar de Marguerita.
Isso não fora surpresa para o casal, que Amata vinha tendo sonhos recorrentes,
nos quais um anjo lhe comunicava o advento o nascimento de “uma menina
resplandecente como o sol” (CUOMO, 2000, p. 17). Assim, Amata se encontrou
39
grávida, recebendo uma graça divina, vindo a sua filha a nascer em junho do ano de
1381, no início do tempo da colheita. Para Cuomo: “o anjo não se limita a anunciar o
iminente nascimento da menina, mas diz a Amata que nome dar-lhe para satisfazer
a vontade de Deus” (Id., p. 19). A seguir inicia-se a série de ilustrações constantes
de vitrais do Santuário de Cássia, na cidade mineira, conforme suas legendas
explicam:
Figura 3. Antonio Mancini e Amata Ferri com a infante Marguerita. Fonte: Santuário de Cássia – MG.
40
Alguns dias após o seu nascimento, seus pais indo ao campo, levaram a pequena
menina, deixando-a acomodada à sombra de uma árvore, à sua vista enquanto
lavravam a terra. Um homem, que também trabalhava por ali, veio a se ferir com um
corte na mão. Ao ir à busca de ajuda, este lavrador se aproximou da menina e
percebeu que havia algumas abelhas brancas que entravam pela sua boca e saíam
pelas narinas sem, contudo, feri-la (CUOMO, 2000, p. 35 et seq.). Ao tentar espantar
as abelhas, percebeu que o seu corte na mão milagrosamente havia cicatrizado.
Encontra-se aqui um prenúncio do que ainda haveria de vir a acontecer na vida
desta garotinha.
Quanto tempo ainda restaria de vida pra esse casal criar e educar esta sua única
filha? Nasceu a preocupação de seus genitores quanto ao seu futuro, levando Rita a
casar-se muito cedo, entre treze ou quatorze anos, mesmo contra a sua vontade,
que a menina possuía desejo de abraçar a vida religiosa. Desde o seu nascimento
estava envolta em vários acontecimentos que certificavam o anúncio feito pelo anjo
à sua mãe.
Para Cuomo (2000, p. 66), a menina Rita recebeu influências sticas oriundas de
uma cosmovisão milagrosa presente na Úmbria
19
medieval, uma adolescência
“imersa em êxtase” (Ibid.), que desemboca num casamento arranjado por seus pais.
Na Itália medieval encontravam-se espalhados pelo seu território vários grupos de
eremitas que procuravam viver segundo a regra de Santo Agostinho de Hipona.
Possuíam eles uma série de condutas para a vida religiosa conhecida como regra de
Santo Agostinho e adotada por vários grupos. Nestes pequenos mosteiros não se
aglutinavam mais do que doze pessoas lideradas por um prior. No ano de 1256 o
papa Alexandre IV os reuniu num único movimento denominado a ordem dos
eremitas agostinianos. Para se ter uma idéia da expressão religiosa na cidade de
Cássia, nos dias de Rita havia ali três conventos de linha Agostiniana, dois para
mulheres e um para homens.
O casamento tão idealizado, com Paolo de Ferdinando di Mancino, membro de uma
família burguesa local, preenchia os requisitos dos pais de Rita para o matrimônio. O
19
Francisco Cuomo, em seu livro acerca de Santa Rita, faz um apanhado dos antecedentes místicos nos arredores
de ssia, como as videntes dos bosques, os curandeiros, os praticantes de bruxaria, além de santos eremitas
(2000, p. 58-59) com representantes de varias tendências e influências que convergiam para o cristianismo
medieval.
41
casamento no início não correspondeu às expectativas da jovem Rita, pois veio a
conhecer o outro lado de seu companheiro até então desconhecido– um homem
rude, de convicções religiosas divergentes das de sua família
20
.
Figura 4. Desejando abraçar a vida religiosa, Rita se vê obrigada pelos pais a contrair
matrimônio. Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Isso marcou o surgimento de uma tensão que influenciará o futuro religioso da jovem
senhora Mancino. O casamento não foi uma experiência vã, pois Rita soube
aproveitar cada situação para dela tirar proveito, fortalecendo a sua religiosidade.
20
A maioria das biografias fazendo uso do processo de beatificação de Rita retrata o esposo como um homem
violento, descrente, libertino, chegado ao vinho.
42
Desta união surgem dois filhos a quem a tradição reconheceu como Gian Giacomo e
Paolo Maria (CHIERON, 2003, p. 57). As dificuldades encontradas na convivência
familiar fortaleceram as convicções acerca do chamado para a vida religiosa que
abandonara para se casar. A religião forneceu para Rita o suporte pra atravessar
esse seu calvário.
Figura 5. O casamento. Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Seu marido era descendente de uma família burguesa, proprietária de moinhos e
terras em Roccaporena. O casal veio a residir na parte superior do moinho
43
administrado pelos Mancini. O conflito vivenciado pelo casal é oriundo de uma
disputa política que extrapolava os limites locais, mas, remontando a uma disputa
surgida séculos antes entre famílias nobres alemães. Isto refletia o poder e a
influencia de Roma sobre a nobreza européia.
Figura 6. Demonstração do amor incondicional pelo marido.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Os termos gibelino
21
e guelfo
22
surgiram no cenário político Italiano no tempo de
Frederico II (1220-1250), quando grupos rivais apoiavam o imperador ou ao papa.
21
Aquele que, nos últimos séculos da Idade Média, na Itália, era a favor da supremacia dos imperadores
germânicos, então em luta contra o poder papal (HOUAISS eletrônico, verbete).
44
Os simpatizantes do papado eram os guelfos e seus adversários os gibelinos. No
século 13 estes termos tinham esvaziado o seu sentido original, representando
apenas a rivalidade entre facções locais.
No princípio do século 14, a Itália estava tomada pela polêmica dos Estados
pontifícios e a equiparação política no interior das comunas, assim como nas
disputas entre elas, era resquício da disputa local entre guelfos e gibelinos. A família
de Rita estava ligada aos guelfos e a família de seu marido aos gibelinos, oponentes
papais. Os Estados pontifícios formavam extensões territoriais sob a autoridade do
papa, também conhecidos como patrimonium de São Pedro. A posse dessas terras
acabou por gerar disputas nos limites fronteiriços além de levantes feudais. Roma
estava cercada por essas terras, formando sinais de sua riqueza entre elas a região
conhecida como Úmbria, onde se localizava Roccaporena e Espoleto.
Após um longo período de conflitos
23
no relacionamento
24
com seu esposo, este de
uma forma milagrosa reconhece as virtudes religiosas de sua companheira,
acabando por se tornar um defensor da religião, ou seja, se tornou um pacificador.
Seu marido foi assassinado, tarde da noite quando voltava pra casa na porta do
moinho. Rita estava deitada quando ouviu os disparos que mataram seu marido.
Quando chegou à porta encontrou seu companheiro ensangüentado e morto. A
única coisa que lhe passou pela cabeça naquele momento, era impedir que seus
filhos vissem aquela cena - uma maneira de impedir o surgimento do sentimento de
vingança em seus filhos.
Para algumas pessoas Paolo de Ferdinando di Mancino fora um traidor se
bandeando para o outro lado, inclusive fornecendo informações importantes. Para
outros pode ter sido uma simples vingança pessoal, já que Paolo fora conhecido e
apresentado como um homem brigão e encrenqueiro. A causa de sua morte nunca
veio a ser esclarecida. A família Mancini, desejosa da vingança da morte de um de
seus membros, passou a incentivar os filhos do casal a se vingarem da morte de seu
22
Aquele que, na Itália, nos últimos séculos da Idade Média, era partidário da supremacia do papa sobre o
imperador germânico e de um regime democrático para as cidades italianas (HOUAISS eletrônico, verbete).
23
Para Ives Chieron (2003, p. 60): “El drama va a aparecer en la vida de Rita después de catorce - o dieciocho
anos de matrimonio. De modo paradójico, esse drama le va a permitir realizar, por fin, sua vocación”.
24
“Por que não exemplo de santos bem casados?” (WOODWARD, 1992, p. 325). Respondendo a esta
questão, o autor fornece subsídios interessantes acerca de como a igreja tratou santidade e sexualidade na
questão dos santos.
45
pai. Rita, como filha de pacificadores, o consentiu na vingança desta morte, pois
lutava bravamente por forjar o caráter pacifista de seus filhos. A viúva Rita em suas
orações pediu que Deus a ajudasse para que isso não acontecesse, nem que para
isso fosse necessário levá-los dessa vida. O que foi prontamente atendido por Deus.
Dentro de um ano seus dois filhos vieram a falecer, vítimas de uma moléstia
ignorada.
Figura 7. Marido assassinado numa tocaia, deixando-a viúva com dois filhos.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
46
2.2 A SUA INTRODUÇÃO NO CONVENTO
Viúva e sem seus dois filhos, Rita viu diante de si uma oportunidade única de
retomar um sonho de sua infância dedicar-se a vida religiosa de forma intensa.
Roccaporena, lugar onde nasceu e criou-se, casou-se, teve filhos e ficou viúva, foi
ficando para trás e não havia mais nada que a prendesse ali.
Figura 8. Oferecimento dos filhos a Deus, herdeiros do temperamento paterno.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
47
O futuro que despontava ainda lhe reservava alguns obstáculos a serem
enfrentados. Não havia possibilidade de se alcançar o céu medieval fora das ordens
religiosas locais.
Figura 9. Sem marido e sem os filhos, busca conforto na vida religiosa, encontrando impedimento.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Dentre as ordens religiosas existentes em Cássia, Rita não se encaixava no perfil
das noviças ou meninas virgens. Fez três tentativas, todas elas infrutíferas, quando
resolveu apelar para seus santos padroeiros
25
, conforme ilustra o próximo vitral:
25
São João Batista, Santo Agostinho e São Nicolau de Tolentino.
48
Figura 10. Acompanhada pelos santos de sua devoção é levada para o mosteiro.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Um dos motivos desta recusa
26
devia-se a que uma das religiosas ali residentes era
irmã do marido de Rita. Não se conformando com o fato de Rita ocultar o nome do
responsável pela morte de seu irmão, aquela religiosa fez uso do seu direito,
impedindo assim a entrada de Rita no noviciado (CHIERON, 2003, p. 89).
Uma noite, enquanto dormia, Rita foi acordada por São João Batista, o qual pediu
que ela se vestisse e o acompanhasse a um terreno elevado, ou Rocca, nos
26
Para Juan Arias em seu livro acerca de Santa Rita, o que impedia Rita de abraçar a vida religiosa era o fato de
ter acontecido um crime de sangue. (ano?, p. 100)
49
arredores de Roccaporena, onde ela costuma se retirar para orar. Neste local os
aguardavam Santo Agostinho e São Nicolau de Tolentino. Abaixo a foto deste local:
Figura 11. Roccaporena e o "Scoglio" de Santa Rita – o local de onde Santa Rita foi transportada para
o interior do convento. Fonte: (BERGADANO, 2003, p. 119).
Do monte,
em Roccaporena
o interior do convento em Cássia, deixando
Na manhã seguinte,
monjas, encontrando Rita no claustro, sem saber como nele
houvesse entrado durante a noite e com as portas fechadas. Mas,
tendo ouvido dela simplesmente e com muita ingenuidade o que lhe
havia acontecido, reunindo
unidas, aceitaram
Figura 12.
Cidade de Cascia
27
Conforme Cuomo (2000, p. 197)
:
de altura e percorreu pelo menos 2 quilômet
seus santos padroeiros”.
28
Conforme Franco Cuomo (
2000,
para Cuomo (2000, p. 194-
195) o vôo
queima-
se Matteuccia di Francesco, acusada de voar durante o sábado de aleluia. Também Matteuccia, como
Titã, tinha fama de operar curas [
...
sonhado ter voado, centenas de mulheres em toda a Europa”.
em Roccaporena
27
,
foram voando com seus protetores onde alcançaram
o interior do convento em Cássia, deixando
-a ali
28
.
Na manhã seguinte,
grandes foram os rumores que agitaram as
monjas, encontrando Rita no claustro, sem saber como nele
houvesse entrado durante a noite e com as portas fechadas. Mas,
tendo ouvido dela simplesmente e com muita ingenuidade o que lhe
havia acontecido, reunindo
-
se em Capitulo e, por disposição divina,
unidas, aceitaram
-na como monja. (BERGARDANO,
2003
Cidade de Cascia
– na Úmbria. Fonte: (BERGADANO,
2003, p. 200)
:
“Rita, de acordo com seus hagiógrafos, decolou de um pico de 120 metros
de altura e percorreu pelo menos 2 quilômet
ros no ar antes de aterrissar no convento. Rita voou acompanhada de
2000,
p. 189): “[...] voar não é levitar [...]
os santos levitam, as bruxas voam”.
195) o vôo
[...]
era coisa de bruxa. Enquanto, em Cássia, se beatifica Rita, em Todi
se Matteuccia di Francesco, acusada de voar durante o sábado de aleluia. Também Matteuccia, como
...
] Acabaram na fogueira, na primeira metade do s
éculo XVII, por haverem
sonhado ter voado, centenas de mulheres em toda a Europa”.
50
foram voando com seus protetores onde alcançaram
grandes foram os rumores que agitaram as
monjas, encontrando Rita no claustro, sem saber como nele
houvesse entrado durante a noite e com as portas fechadas. Mas,
tendo ouvido dela simplesmente e com muita ingenuidade o que lhe
se em Capitulo e, por disposição divina,
2003
, p. 72).
2003, p. 200)
“Rita, de acordo com seus hagiógrafos, decolou de um pico de 120 metros
ros no ar antes de aterrissar no convento. Rita voou acompanhada de
os santos levitam, as bruxas voam”.
era coisa de bruxa. Enquanto, em Cássia, se beatifica Rita, em Todi
se Matteuccia di Francesco, acusada de voar durante o bado de aleluia. Também Matteuccia, como
éculo XVII, por haverem
51
2.3 OS VOTOS
O inicio de sua vida religiosa no convento de Cássia, e durante o tempo que ali
viveu, coincidiu com outros incidentes pelos quais passavam o papado
29
e
conseqüentemente toda a religião. Passou pelo noviciado e posteriormente pelos
votos religiosos. De seu intenso desejo de unir-se a Deus, era necessário se
desfazer de seus bens materiais, o que fez de pronto, doando uma parte aos pobres
e o restante como dote pela sua entrada no mosteiro. A clausura tal qual se conhece
hoje somente foi instituída após o Concilio de Trento. Isso não impediu Rita de
atingir seus objetivos, exercitando e realizando as obras de misericórdia corporais e
espirituais para com o próximo nas ruas de Cássia.
Figura 13. Encontrada pelas irmãs dentro da Igreja do convento ao se dirigirem para as primeiras
orações do dia. Fonte: Santuário de Cássia – MG.
29
Cisma do Ocidente
52
A vida religiosa era composta de elementos ordinários a todos os seus membros e
os elementos extraordinários eram as manifestações da graça divina na vida
daqueles com vocação à santidade. E estes elementos se fizeram presentes em sua
vida religiosa durante os quarenta anos em que permaneceu ali.
Figura 14. Sua primeira penitência no mosteiro: molhar uma vara seca.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
53
Conforme ilustra o vitral na página anterior, era esperada de alguém que abraçasse
a vida religiosa uma demonstração de humildade e obediência. Portanto, uma das
primeiras tarefas dada a Rita quando de sua entrada no mosteiro, foi regar
diariamente um ramo de videira seca no jardim. Embora reconhecidamente uma
atividade inútil, Rita não encontrou nenhuma dificuldade nesta tarefa, vindo a
cumprir esta incumbência diariamente, por aproximadamente um ano, fazendo com
que o ramo seco viesse a brotar, tornando-se uma parreira viçosa (CUOMO, 2000,
p. 207).
Pode-se dizer que logo após ser aceita como noviça Rita passou a interagir com a
dinâmica diária
30
da vida religiosa, que consistia nas primeiras orações do dia,
penitências, jejuns, açoites, recolhimentos para orações pessoais e o uso regular de
cilícios
31
. O ambiente interno do mosteiro contribuía e favorecia estas práticas. Rita
impunha a si mesma uma observância mais rígida das que eram praticadas pelas
outras religiosas, triplicando a execução dos exercícios diários. Conforme Cuomo
(2000, p. 219) a disciplina destes exercícios se davam da seguinte maneira:
Horário
Instrumento utilizado
Motivo
Das 03h00min as 08h00min
Corrente de ferro
Por todos os mortos
As 12h00min
Chicote de couro
Pelos seus benfeitores
Ao cair da noite
Açoite de cordas finas
Pelos pecadores
Quadro 1. Prática das penitências e exercícios diários.
Fonte: Cuomo, Franco (2000, p. 219).
30
Rotinas internas como: cuidar do espaço comunitário, alimentação, jardins, horta, pomar e do entorno interno
do mosteiro.
31
“Rita confeccionara para si mesma, com as próprias mãos, um cilício doloroso e repulsivo, de cerdas de porco
pungentes como ferroes. Portava-o ininterruptamente na cintura sobre a pele nua, sob a túnica de bruta, no
avesso da qual havia costurado espinhos de sarça” (CUOMO, 2000, p. 219).
54
A prática destas disciplinas era um desejo e um esforço de se alcançar um estado
de êxtase, identificando-se com o sacrifício vicário de Cristo. Era uma forma de
experimentar em seu corpo as dores e o calvário passado por Cristo nos dias que
antecederam a sua morte e os desdobramentos da cruz. Aliado a isto havia um
empenho em controlar um desejo de vencer um demônio que a atormentava
diariamente em sua cela. Cuomo (op. cit., p. 224) o descreve da seguinte maneira:
[...] belíssimo, como convém aos príncipes das tentações, aparecia-
lhes nas vestes de um jovem sensual, arrogante, seguro do
irresistível fascínio que tinha capacidade de exercer sobre qualquer
alma desorientada. Calha perguntar que semblante poderia assumir
ao soprar-lhe no pescoço um hálito de desejo. Talvez o de Paolo,
que, em sua memória, sobrevivia como relíquia de uma dilacerada
felicidade mundana.
Alem dos serviços internos do mosteiro, Rita cuidava dos pobres e necessitados que
batiam à porta do convento ou transitavam pelas ruelas de Cássia
32
.
Figura 15. Rita, jovem viúva, participa de uma pacificação, talvez a dos assassinos do
marido, em um afresco parcialmente apagado, do final do século 15 ao início do 16. Cascia - Igreja de
São Francisco. Fonte: (CUOMO, 2000, fig. 5, p. 409).
32
Leprosos, viúvas e mendicantes que viviam da caridade religiosa na periferia das cidades e povoados.
55
Para Cuomo (2000, p. 221):
As conseqüências naturais das lesões que buscava para si, de fato,
e as feridas que custavam a cicatrizar, ao sangue que perdia, se
sobrepunha à debilidade provocada pelo jejum, que sem quebrar
jamais totalmente as forças, lhe secava a vitalidade. Rita se
alimentava durante meses a pão e água, jejuava em todas as vigílias,
cumprira três quaresmas por ano. A hóstia da comunhão, ingerida
com poucas gotas d’água, representava seu único alimento diário por
semanas inteiras.
Tudo isso contrapõe a um dos ensinamentos da regra da ordem de Santo Agostinho,
de “[...] que se impunha o respeito e o amor para com o corpo, dando ênfase à
obrigação de conservar-lhe a integridade visando à ressurreição” (Id., p. 229).
para o catolicismo medieval o sofrimento corporal era aceito como instrumento de
redenção (Id., p. 225).
2.4 A CENA DO SURGIMENTO DA CHAGA SOBRE A TESTA
Houve momentos, não poucos, em que Rita fora encontrada em profundo estado de
êxtase em sua cela, como resultados dos açoites
33
recebidos em sua luta pra vencer
a tentação do demônio
34
, por suas companheiras de vida religiosa ao sentirem sua
falta nas obrigações comunitárias. Nos últimos quinze anos de sua vida no mosteiro,
teve um acontecimento que impactara a vida de Rita trazendo uma de suas marcas
pessoais mais visíveis – o estigma na fronte. O culto da cruz, nos dias que antecedia
a Sexta-feira da Paixão, consistia em serviços religiosos disputadíssimos na região
da Úmbria. Veio pregar na Igreja de Santa Maria do Povo um franciscano ilustre,
conhecido como Giacomo della Marca, e proferiu sermão acerca “do martírio final de
Jesus, comentando as sete palavras por ele proferidas antes de exalar o último
33
Era comum encontrar na Itália Medieval, peregrinos flagelantes, penitentes que se açoitavam até sangrarem.
(BERGARDANO, 2003, p. 82).
34
Cuomo (2000), em sua obra sobre a vida de santa Rita, traz em uma nota de rodapé um comentário acerca de
uma literatura medieval acerca da literatura demonológica diz o seguinte: “Remy explica que o suplicio está no
próprio interesse das [mulheres] possessas, pois se trata do único modo de escaparem das os do diabo” (p.
238, nota).
56
suspiro” (CUOMO, 2000, p. 261). Seu discurso impactou a todos os presentes, de
maneira que todos ao saírem da igreja retornaram para suas casas, e Rita para sua
cela no convento. Cuomo (Id., p. 263) narra que Rita “[...] ajoelhada em oração
diante de um crucifixo, recebeu, no ápice de um êxtase, o sinal pedido. Um espinho
da coroa, colocada por escárnio na cabeça de Jesus, escapou da imagem - pintada
na parede
35
- e se alojou em sua testa”.
Figura 16. Rita recebe um espinho do crucifixo sobre a fronte.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
35
Na maioria dos relatos acerca deste incidente na vida de Santa Rita, os autores afirmam que o espinho
despendido da coroa de Cristo é de uma estátua. Da maneira como Cuomo relata, o espinho escapa da pintura
representada na parede e torna o momento de grande impacto: “[...] o afresco diante do qual teria acontecido o
prodígio – o condicional se refere ao afresco, não ao prodígio – está ainda hoje conservado e visível no convento
de ssia. Não se tem certeza histórica de que se trata efetivamente daquele crucifixo, embora havendo boas
possibilidades de que o seja, mas é significativo que, por tradição, apareça indicado um Cristo ‘pintado na
muralha’, e não uma estátua com cravos e espinhos de material sólido e pungente” (CUOMO, 2000, p. 265).
57
A partir deste momento a vida da religiosa sofreu um impacto que a levou a um
período de isolamento e recolhimento em sua cela.
Uma vez que, além da dor excessiva que lhe causava a chaga, às
vezes criava bichos e se tornava tão fétida que, para não provocar
náusea nas monjas, suas companheiras, vivia em contínua solidão,
conversando apenas consigo mesma e com Deus. E ali, recolhida
em si mesma e plenamente submetida a uma generosa mortificação,
encontrava nos favores celestes novo motivo de humilhação e de
humildade. (BERGARDANO, 2003, p. 84).
O estigma
36
na fronte de Rita, além de causar repulsa e um estranho odor, fez as
pessoas que viviam ao seu redor dela se afastarem, vivendo ela os momentos de
recolhimento em seu mundo particular, segundo Cuomo (2000, p. 266-267).
Figura 17. Santa Rita recebe a dádiva do espinho. Sacristia do santuário de Roccaporena. Tela de
pintor desconhecido do século 17. Fonte: (BERGADANO, 2003, p. 221).
Por mais que isto denunciasse um isolamento, o estigma na fronte representava sua
aliança mística, uma demonstração de sua união com o Cristo. Quando do ano do
jubileu - 1446, suas companheiras de convento se organizavam para irem a Roma.
Assim como os peregrinos de várias partes da Europa, iriam sem a companhia de
Rita, quando misteriosamente a chaga desapareceu (CHIERON, 2003, p. 141),
permitindo a sua ida para as comemorações do ano do jubileu. Quando de seu
retorno a Cássia, a chaga na fronte se restabeleceu até a época de sua morte.
36
Permaneceu com ele por volta de 15 anos aproximadamente.
58
Figura18. Rita, em uma rara representação sem a ferida do espinho, retratada junto a outros santos
por pintor umbro do século 15 - Eremitério de Collegiacone. Fonte: (CUOMO, 2000, fig. 9, p. 409).
No vitral abaixo a representação de sua peregrinação a Roma, sem o estigma:
Figura 19. Peregrinação a Roma. Fonte: Santuário de Cássia – MG.
59
2.5 A CENA DE SUA MORTE
Nos últimos dias de Rita, ao receber a visita de uma parenta, esta lhe confidenciou o
grande desejo de receber rosas e figos de uma horta que se encontrava na velha
casa de Roccaporena. Segundo Cuomo:
O figo é fruto iniciático, alimento de eremitas. Comê-lo leva ao
conhecimento religioso e a imortalidade. A rosa é a flor da
transformação mística, inigualável por sua perfumada beleza. Seus
espinhos evocam lembranças cruentas que, na iconografia cristã,
evocam o derramamento do santo sangue. As pétalas representam o
cálice que o recolheu. (2000, p. 306).
A seguir as cenas de sua morte e recebimento nos céus.
Figura 20. A glorificação de Santa Rita nos Céus. Pintura encontrada na abóboda do Santuário de
Cássia – MG. Foto do autor.
60
Figura 21. Rita é recebida nos céus logo após a sua morte.
Fonte: Santuário de Cássia – MG.
Quando de seu retorno no dia seguinte, aquela sua prima visitante estranhara tal
desejo, que aquele período era de um inverno rigoroso, em que a neve recobria
parte das plantações (CHIERON, 2003, p. 145). Antes de retornar para visitá-la no
dia seguinte, aproveitou para passar no local, para desencargo de consciência.
Quando ali chegou encontrou uma roseira com uma bela flor, além dos figos na
61
figueira. Aproveitou para pegar uns exemplares para levar, na manseguinte, na
visita à prima debilitada
37
. Abaixo há uma cena de sua glorificação, após a morte.
2.6 AS HONRAS FÚNEBRES
Passados alguns dias, o Senhor Jesus
38
com a sua mãe vieram-lhe buscar no leito
de enfermidade, quando os sinos das igrejas locais desembestaram a tocar sem
nenhum motivo aparente. A população logo compreendeu que Rita havia deixado
este mundo. Logo após a sua passagem, sua cela foi tomada de um perfume
agradável, enquanto o seu estigma refletia uma luz.
Figura 22. O "verdadeiro rosto" no sono da morte - detalhe do sarcófago.
Fonte: (CUOMO, 2000, fig. 2, p. 409).
37
Segundo Chieron (2003, p. 150): “[...] su corpo tan débil estaba desgastado por los ayunos y penitencias”.
38
“[...] veio visitá-la o esposo mítico, ainda uma vez, para dizer-lhe que muito tinham esperado e já era tempo de
se encontrarem na casa comum” (CUOMO, 2000, p. 308).
62
Segundo Cuomo (p. 311):
Um enxame de abelhas negras apareceu rodopiando no pátio do
convento. Como se as brancas da infância, tomando a cor do luto,
tivessem sido impelidas para ali a fim de saudar, por instinto
sobrenatural, a sua menina. Eram de uma espécie rara, chamadas
de pedreiras pela disposição de se insidiarem pelas frestas do
cimento. Alojaram-se em alguns pequenos buracos do muro, a 3 ou 4
metros da videira milagrosa.
Na história de Rita ainda haverá outras abelhas, que aparecerão novamente durante
o período de sua beatificação, conforme encontradas no brasão de Urbano VII:
abelhas douradas em campo azul (Id., p. 352).
Figura 23. Urna de cristal e prata onde se encontra exposto o corpo incorrupto de Santa Rita de
Cascia. Fonte: (REVISTA CAMPO E CIDADE, abr./maio de 2004, p. 6).
Deste modo se deu a revelação do impossível: uma simples mulher, criada num
Estado pontifício, nos limites da Itália medieval, o concordando com a sua
insignificância, transforma o seu existir por meio de uma experiência religiosa
mística, tornando-se um modelo para as futuras gerações. Foi por meio da conquista
de sua imortalidade que sua vida tem sido referendada na vida de seus devotos.
63
Capítulo 3
A REPRESENTAÇÃO DO IMPOSSÍVEL
A história de Rita esteve sempre tecida de
sonhos e símbolos e para poder decifrá-los não
bastam às leis da razão, necessitam-se também
as do coração. (ARIAS, 2005,
p. ?)
Procedendo à pesquisa de campo na cidade interiorana mineira, Cássia, foi
realizada a visita ao santuário, na esperança de encontrar histórias de pessoas
devotas da Santa. O objetivo era compreender de que maneira elas se encontravam
com a figura desta Santa e o que tinham em comum entre si. Foram encontrados
devotos que se preparavam para o serviço religioso daquela noite de 14 de
novembro de 2007. Contatos foram feitos e números de telefones, endereços e
nomes foram anotados. Os caminhos foram sendo traçados, traçando-se um
itinerário a ser cumprido. Um caminho sempre leva ao outro e assim sucessivamente
novos horizontes se descortinam para o estudo.
A indicação de um morador que trabalhava do outro lado da praça do santuário, um
dentista, Dr. José Armando Cardoso, acabou por fornecer mais outras indicações.
Pronto em ajudar, pediu ao entrevistador que lesse um trabalho de uma professora
de geografia daquela cidade e que voltasse no dia seguinte para a entrevista. A
tarefa daquela noite foi colocar em ordem as informações fornecidas e dar início à
leitura da monografia de Neiva Maria Alvarenga, acerca da história de sua terra:
Cássia Minas Gerais. Este foi seu trabalho de conclusão do curso de do curso de
especialização em Geografia, pela Universidade de Franca, cidade do interior
paulista.
Os seus dados apontam para uma pequena cidade que cresceu em torno da sua
Igreja e da devoção a Santa Rita. As questões levantadas para a pesquisa se
64
colocaram: qual foi o impacto que essa devoção trouxe a vida de seus moradores?
Quais personagens locais trazem em sua história de vida a representação do
impossível? Para responder a estas questões, se fez necessário conhecer alguns
deles.
Após a análise da monografia que Neiva Maria Alvarenga, várias perguntas
surgiram, tornando-se necessário encontrar as respostas durante esta pesquisa de
campo. O itinerário iniciou-se pelo Alto do Taquaral, logradouro distante 500 metros
do centro da cidade, onde se encontra o Oratório de Santa Rita. Também conhecido
como a capelinha de Santa Rita, foi construído no alto de um morro, sendo uma
réplica da casa onde Marguerita morou em Rocca Porena.
Deste local pode se apreciar bela vista da cidade, principalmente do santuário, como
se constata na fotografia abaixo:
Figura 24. Vista da cidade de Cássia – MG, com destaque para o santuário de Santa Rita de Cássia.
Arquivo pessoal do autor.
Para se chegar ao oratório
um arco de primaveras.
Foto abaixo:
Figura 25. I
cio da Colina de Santa Rita. Arquivo pessoal do autor.
O caminho é permeado de
locais, devotas
e com graças alcançadas. roseiras no caminho em clara alusão à
Santa. Também os cartazes ou tabuletas ressaltando as suas virtudes, como se
observa nas fotografi
as seqüenciadas abaixo:
Os bancos:
Para se chegar ao oratório
é
faz necessário subir uma ladeira de escadas, logo após
Foto abaixo:
cio da Colina de Santa Rita. Arquivo pessoal do autor.
O caminho é permeado de
bancos que trazem
registrados os nomes das famílias
e com graças alcançadas. roseiras no caminho em clara alusão à
Santa. Também os cartazes ou tabuletas ressaltando as suas virtudes, como se
as seqüenciadas abaixo:
65
faz necessário subir uma ladeira de escadas, logo após
cio da Colina de Santa Rita. Arquivo pessoal do autor.
registrados os nomes das famílias
e com graças alcançadas. roseiras no caminho em clara alusão à
Santa. Também os cartazes ou tabuletas ressaltando as suas virtudes, como se
66
Figura 26. Bancos durante a subida do caminho de Santa Rita, detalhando o nome da família
ofertante. Arquivo pessoal do autor.
As roseiras:
Figura 27. Durante o trajeto da escadaria da colina de Santa Rita, a flor símbolo dessa devoção.
Arquivo pessoal do autor.
As frases ressaltando as virtudes da santa:
Figura 28. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
67
Figura 29. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 30. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 31. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
68
Figura 32. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 33. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 34. Dizeres colocados ao longo da escadaria da colina. Arquivo pessoal do autor.
69
A capela de Santa Rita ou Oratório:
Figura 35. Frente do oratório no topo da colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 36. Capela de Santa Rita no topo da colina. Arquivo pessoal do autor.
70
Figura 37. Detalhe da capela na colina. Arquivo pessoal do autor.
Figura 38. Detalhes da escadaria da colina - com a cidade ao fundo. Arquivo pessoal do autor.
71
Figura 39. Placa alusiva a construção da escadaria da colina, detalhes para os nomes de devotos que
contribuíram para tal empreitada. Arquivo pessoal do autor.
Figura 40. Pintura. Santa Rita recebendo o espinho sobre a fronte. Fachada do Centro Comunitário.
Arquivo pessoal do autor.
No Centro Comunitário da cidade foi encontrado um grupo de mulheres, aguardando
uma reunião que aconteceria naquele, local. Naquele local foram entrevistadas
acerca de sua devoção à santa e conseqüências disso em sua prática diária. Cada
uma delas tinha uma vivência peculiar com a santa.
72
O primeiro contato já ocorrera com Maria Tereza Teixeira Pires, no santuário, na
noite anterior. Ela pediu para ser entrevistada na manhã seguinte. Diante de sua
simpatia e prontidão, Maria Tereza procurou sempre ter uma resposta às questões
levantadas pelo pesquisador. A história da Santa lhe trazia à mente a questão da
paciência, da aceitação e do cumprimento da vontade de Deus, portanto ela mesma
tem buscado estas coisas em sua existência. Relatou a cura espontânea de uma
fratura, que havia solicitado à Santa. Como o médico iria fazer-lhe duas necessárias
cirurgias, ela se recusou. Pediu que o médico a imobilizasse com gesso e que
cumpriria o período de repouso prescrito, afirmando que a Santa lhe daria essa
graça. Do tempo decorrido, voltou ao médico que ficou espantado com as
radiografias. Para ela não havia mistério algum ali, pois havia rogado à sua Santa
essa graça. Questionada sobre se a oferta do doce de figo estava relacionada a um
dos últimos pedidos da santa, Maria Tereza não soube me responder. Porém,
querendo ajudar, ligou para o pároco local para que também ele fosse entrevistado.
Mas, descobriu que o pároco havia ido ao enterro da mãe do Bispo da diocese e não
obteve informações sobre o retorno deste padre.
Na secretaria do santuário foram obtidas mais algumas informações, literatura e
material religioso. Acerca de dez quarteirões dali reside Inês Divina Pereira Silva. Da
entrevista também participou uma vizinha sua, devota da Santa. A entrevista segue
transcrita abaixo:
Seu nome?
o
Júlia Gonçalves de Carvalho Pimenta, 44 anos.
Você é natural de Cássia?
o
Sim, meus pais vieram de fora, mas eu e meus irmãos somos
todos nascidos aqui.
O que a história a de Santa Rita tem a ver com a sua?
o
Fui criada numa família católica. Fui criada sendo obrigada a ir
à missa, sendo levada à Igreja e acreditando na padroeira. Quando
me casei, eu me lembro direitinho. No dia do meu casamento, ali na
hora da consagração, da bênção, eu pedi pra Santa Rita de Cássia
abençoar e proteger meu casamento. Que gente esteja [sic.] unida
até o fim da vida – isto eu pedi na hora lá [sic.]. Logo após o
nascimento de minha filha, aos seis meses surgiu uma infecção
urinária de causa desconhecida que não cedia, regredia. Após
peregrinar por vários médicos, descobriu-se através de exames que
a menina tinha refluxo. A urina voltava para a bexiga, sendo caso de
cirurgia. Decidi não realizar a cirurgia, quando fui encaminhada para
Ribeirão Preto, onde o diagnóstico foi confirmado. O médico disse
que o canal estava muito inflamado e necessitava de uma
intervenção cirúrgica para raspar o canal. Mas, vamos tentar um
73
tratamento alternativo. Se durante o período de um ano não houver
nova infecção a cirurgia será descartada. Uma colega do meu marido
fez uma promessa pra Santa Rita. Pediu e ia rezar um terço no dia e
eu também fiz uma promessa de levá-la até os 7 anos, todo dia 22, e
eu faria isso até o resto da vida. Fiz o tratamento certinho, foram
muitas injeções, e ela nunca mais teve nada. Foi uma graça, pois era
um problema muito sério e nós conseguimos isso também.
No que sua vida se parece com a vida da santa Rita?
o
O amor de Jesus. Eu tenho muita em Jesus. Eu o amo de
paixão. Tenho minhas fraquezas e eu procuro viver e seguir.
O que você sabe sobre a vida dela?
o
Sei tudo. Eu li um livro sobre ela. Ela nasceu abençoada, de
bebê. Tem uma passagem dela, dos pais trabalhando. As abelhas
juntaram nela não acontecendo nada. Desde bebê ela já tem essa
graça. E o sofrimento dela com o marido, com os filhos [...] Aquela
devoção e aquela fé. Ela tentando entrar no convento [...] e
conseguiu, com muito sacrifico [...]
O que você sabe da entrada dela no convento?
o
Ela tentou, elas não deixavam por ter sido casada, não podia.
E ela aparecia dentro. De repente ela aparecia dentro do
convento. Ninguém sabia como, porque era tudo fechado. E ela
aparecia lá, dentro do convento. De muita insistência dela, elas
deixaram ela entrar. Porque viram que ela era, tinha uma coisa
diferente. Porque ela aparecia dentro do lugar que elas faziam
adoração. Depois dela lá, [sic.] ela pediu pra Jesus mandar uma
parte do sofrimento que ele teve e ele mandou um espinho da coroa
na testa dela. Ela ficou o resto da vida com esse ferimento, até o fim
da vida. Tanto que houve um evento que ela queria ir e elas não
deixavam, porque aquilo tinha mau cheiro. E ela pediu pra Jesus [...]
aquilo tampou, cicatrizou [...] ela foi e quando voltou o ferimento
voltou novamente. Ela ficou o resto da vida com esse sofrimento,
ferimento.
Você encontra na história de Santa Rita conforto para o seu
sofrimento?
o
Encontro. Meu sofrimento não se compara com o dela. Não
tenho, nem ouso comparar. Mas, diante dos problemas e situação
[...] que eu passo, eu penso: “ela teve força, ela venceu, eu também
vou vencer”.
Seu marido é devoto de Santa Rita?
o
Ele vai na igreja. A gente vai junto. Mas, mas assim devoto, ele
não é. De oração [...] essa coisa assim como a gente é [...] Ele
acredita, tem fé, inclusive essa minha menina ela vai até [...] hoje. Eu
entreguei assim até os 7 anos. Era minha obrigação. Depois se ela
quisesse [...] e ela continua [...] Eu falei pra ela, tudo direitinho, e ela
vai todo dia 22 à missa.
Qual é o seu nome?
o
Ana Carolina.
Você não quis colocar Rita de Cássia nela?
o
Não, pois tinha colocado. As três meninas minha [sic.] são
Ana.
Aqui tem muitas mulheres chamadas Rita?
o
Tem: Ana Rita, Maria Rita, Rita de Cássia [...] Tem muito [...] e
nas redondezas também.
Tem mais alguma coisa que gostaria de relatar?
74
o
uns 2, 3 três anos atrás eu dei um depoimento na igreja.
Um testemunho acerca do meu irmão – João - que foi estudar e tinha
se formado em Belo Horizonte. Vinha encontrando muita dificuldade
de trabalhar, de conseguir um trabalho. E a gente sempre pedindo
pra Deus. E eu pedindo pra Santa Rita e ele passando muita
dificuldade, a ponto de vir embora. Quando numa missa de Santa
Rita eu disse pra ela: “Santa Rita! O mês que vem eu venho aqui
agradecer a Senhora. Eu vou dar esse testemunho. Eu quero estar
aqui testemunhando acerca do emprego do meu irmão”. Depois de
uns dias meu irmão ligou dizendo que já estava trabalhando. “Nossa!
Não acredito! Então você vai rezar e agradecer pra Santa Rita”. Ele
falou: “Já ‘tou [sic.] rezando. Pode agradecer que foi ela”. No outro
mês eu fui lá e dei meu testemunho. E assim a gente tem conseguido
muita graça.
Fiquei sabendo que um dos doces preferidos aqui é o de
figo. Você sabia que este foi um dos últimos pedidos de
Santa Rita?
o
Não sabia. Já assisti o filme, li alguns livros. Sabia só da
história da rosa. Mas, do figo não. Acho que gostar de doce de figo é
coisa de mineiro. Nunca tinha ouvido falar sobre isso.
Que inspiração a história dela te traz?
o
A em Jesus, sua devoção, a aceitação do sofrimento. Às
vezes a gente fica querendo questionar o sofrimento, entender. Aí eu
tento buscar um pouco disso, aprender aceitar mais o sofrimento
sem questionamento.
A seguir a entrevista dada por Inês Divina Pereira Silva:
No que a sua história de vida se parece com a história de
Santa Rita?
o
No meu sofrimento. Nos primeiros anos de vida de casada.
Como foi isso?
o
Eu sofri, brigava. Namorei meu marido durante 6 anos e casei
com ele sem saber que bebia.
Como lidou com isso?
o
Sempre fui de ir pra igreja todo dia. Sofria, sofria [...] Chegava
lá, olhava pra ela [a Santa] e pensava: “Se ela venceu, eu também ia
vencer”. Eu tinha paura de bebida.
Seu pai bebia?
o
O meu pai bebia. Quando eu tinha uns 8 anos, nem entendia
muita coisa da vida, vi ele chegando bêbado. Me aproximei e cheguei
perto dele e perguntei se estava bêbado. A partir daquele dia, nunca
mais vi meu pai bêbado.
Daí você pedia pra Santa te ajudar?
o
Primeiro eu pedia pra tirar, pra ele [pausa]
Pra ele morrer?
o
Não!
Pra ele parar de beber!
o
Pra parar de beber. Morrer eu nunca pedi não. Mas, ele não
parou. Não sei. Pedi pra ela, pra Jesus, pra nossa senhora [...] Pedi
pra todos os santos,. Não consegui esse milagre. Não consegui.
Mas, eu creio que era coisa que eu precisava de passar. Eu preciso
passar porque, daí, eu tenho um filho que chega no final de semana
[...] gosta de beber no final de semana. A outra filha que é solteira,
75
que mora aqui, também gosta de beber. Porque hoje infelizmente [...]
e Cássia não tem opção nenhuma [...] é baile [...] então, eu acho
que nasci predestinada. Mas, não aceito. Até agora não aceitei não.
Pode ser que venha aceitar. eu fui aceitando assim. Parei de
brigar e de pedir pra ele parar de beber. Daí chegava e falava pra
Santa Rita: “[...] está entregue este sofrimento!”. Ela passou
sofrimento também. Entreguei muito pra Jesus. Entrego este
sofrimento porque não tem como eu sofrer. Eu não aceito e ele não
para. Eu sofro. Sempre pedi. Me espelhei nela, no sofrimento que ela
teve. Sofri muito pra amar esses filhos [...] chegava Santa Rita [...]
Seu marido faleceu logo?
o
Faz um ano e sete meses que ele faleceu. Mas, eu consegui
formar três filhos sozinha. Ganhando dinheiro minguado. Quantas
vezes meu filho tava em Bauru [...] ele estudou na UNESP [...]
engenheiro mecânico [...]. Às vezes, quatro horas da tarde, ele me
ligava: “Mãe! Põe dez reais aí pra mim [sic.] que eu estou sem
almoço”. E eu não tinha os dez reais. Ficava loca [sic.] e dizia: “Santa
Rita, me ajuda! Me ajuda![...] e ficava louquinha. O caixa do banco
ficava aberto aquatro e meia da tarde, porque ele sabia que eu ia
levar os dez reais todo dia. Então foi muito difícil, muito sacrifício.
Fale um pouco do seu marido.
o
Meu marido era filho de um pai declaradamente ateu
39
e não
permitia que a mãe levasse seus filhos a igreja. Depois de casado é
que ele passou a ter uma religião, ser devoto de Santa Rita. Nas
crises de edema pulmonar, acariciava a cabeça da Santa até passar
a crise. Pedia que Santa Rita não o deixasse sofrer. Nos dias da
padroeira saia distribuindo medalhinha. Pra onde ia falava dela.
Em seguida, a entrevista realizada na casa de Neiva Maria Alvarenga, de quem
foi lida a monografia. Mas, mas antes se faz necessário um resgate histórico deste
lugar e depois descrever a entrevista.
O surgimento de Cássia, no sudoeste mineiro, remonta à segunda metade do século
17. De uma parada para descanso e pouso de tropeiros, entre os povoados de Bom
Jesus de Passos Passos e Dores do Aterrado - Ibiraci, num areal formado pela
junção de dois córregos. Estes homens transportando mercadorias de um lugar para
outro construíram palhoças que lhes serviram de abrigo temporário, atendendo
assim às suas necessidades. A descoberta de ouro, no início do século 18, atraiu
para a região garimpeiros, fazendo com que uma cadeia produtiva fosse sendo
criada, movendo, dessa forma, todo um tecido social que foi permeado pela religião,
pela devoção à Beata e posteriormente Santa Rita de Cássia. Desta ocasião surgiu
esta devoção. A origem do culto à Beata se deu por causa da devoção de um
39
Trata-se de Herculano Cesário, que produziu uma pesquisa consistente acerca da existência do município. A
maior parte deste material está nas mãos de várias pessoas, sem nunca ter sido publicado. Apesar de ser
declaradamente ateu, realizou estudos consistentes acerca da influência religiosa na história da cidade. Para sua
nora, esta postura de Herculano se devia a um protesto seu, pois a santa não havia atendido a um pedido seu.
76
tropeiro que se fixou naquele local. Ele tinha origem italiana e era conhecedor da
fama desta Santa.
O culto a Santa Rita de Cássia foi um dos elementos que contribuiu na ordenação
do espaço urbano e social. Para Neiva Alvarenga, contribuiu para:
[...] a ascensão dos grandes proprietários de terras, a classe social
dominante. Essa classe ao dirigir a ordenação do espaço urbano e
se apropriar do espaço central, utiliza-se da religião e da Igreja
enquanto espaço para consagrar e legitimar a sua escolha. A antiga
capela situada no alto da colina foi inicialmente construída voltada
para a praia”, núcleo e centro do pequeno povoado que se formava.
Acompanhando, porém, o desenvolvimento urbano e social da
cidade, esta capela foi também virando as costas para o antigo
núcleo da cidade. Através de sucessivas reformas financiadas pelos
coronéis da cidade, transforma-se em principal símbolo da nova
ordem social. (ALVARENGA, 1994, p. 47).
O centro da pequena cidade aos poucos foi se metamorfoseando, se reposicionando
fisicamente com alterações em seu acesso principal. A cada ciclo de prosperidade
pelo qual passou, Cássia acabou por atrair fazendeiros que se tornaram grandes
latifundiários e que acabaram por ditar a lei e o destino do lugar. O comércio de
gado existente no município:
[...] atraía indivíduos de todos os pontos do sertão bravio e rude. Foi
na virada do século XIX que a cidade viveu uma tensão social. A
cidade se compunha de coronéis, capangas, aventureiros, bandidos
e bordéis, enfrentando uma onda de crimes, assaltos e barbaridades
o que lhe deu deprimente fama. (ALVARENGA, 1994, p. 49).
A vida social era demarcada pelas festas e festejos nos quais a beleza feminina se
destacava e os homens andavam armados para se defenderem de possíveis
emboscadas (Id., p. 51). Os coronéis, não tendo muita opção de mão de obra para
os trabalhos nas fazendas, não viam outro caminho senão contratar ex-escravos.
Outros trabalhadores também foram atraídos para o lugar, além da população
flutuante ligada aos negócios da safra e do transporte, compra e venda de gado
40
.
Para Alvarenga (Id., p. 54), no ano de 1905, uma pequena nota no jornal local
escrita por Antonio Celestino deu origem a dois grupos políticos rivais: “grilos” e
“gafanhotos”. A disputa se por meio da imprensa local com os seus jornais, fazendo
com que vários núcleos familiares fossem atingidos por essa disputa de poder,
40
Os sertanejos goianos e mato-grossenses, segundo Alvarenga (1994, p. 39).
77
gerando inimizade e trazendo divisões nos núcleos familiares. Isso levou a cidade
viver numa “verdadeira balburdia”. Segue, então, a entrevista com a autora da
monografia de pós-graduação
lato sensu
apresentada à Universidade de Franca
SP.
Quais foram os fatores que colaboraram para a aglutinação
do povoado?
o
Com certeza foi a devoção.
O que a transformação da matriz em santuário trouxe de
ganho concreto para o município?
o
Trouxe uma leva de romeiros e, conseqüentemente, pessoas
de vários lugares.
Quais as conseqüências da decadência econômica no
início do século passado?
o
Estas terras foram confluência de tropeiros que vinham de um
lugar pra outro. Jagunços eram atraídos pelo volume de dinheiro que
por aqui circulava. Os coronéis tinham suas leis. Questões políticas
por trás de interesses econômicos. Isso gerou inimizades e conflitos
diversos.
A devoção a Santa Rita e sua história de pacificadora
contribuiu pra amenizar essas tensões?
o
Sim.
Prosseguindo, foi a vez da entrevista com o dentista José Armando. Foi-lhe
perguntado de que maneira a história de Santa Rita tinha influenciado a vida das
mulheres dali. Para este dentista Santa Rita influenciou por ter sido um exemplo de
mãe, de esposa e de religiosa. Um exemplo para as mulheres e para o matrimônio.
O próprio dentista indicou outro entrevistado, alterando o roteiro inicialmente traçado.
Foi a vez de entrevistar o senhor Heitor Geraldo Magella Combat.
Heitor trabalha junto a uma escola de música. Seu primeiro nome é pagão, o
segundo de um santo redentorista do século 18 e o sobrenome provém do norte da
Europa. Formado pela Congregação dos Irmãos Maristas, Heitor passou por vários
colégios da ordem até se aposentar, vindo a residir em Cássia. Ele foi o criador do
Coral dos Pequenos Cantores
, filiado à
Federação Internacional de Pueri Cantores,
com sede em Roma, e também à Federação Nacional, da qual Heitor foi
presidente. Os meninos se apresentam dominicalmente na missa do santuário e em
outros lugares, quando convidados. Heitor já foi três vezes a Cascia, na Itália, de
onde trouxe uma relíquia guardada no santuário: uma partícula óssea do dedo de
Rita de Cássia.
78
Também foi Heitor Combat quem lutou para que as duas cidades fossem irmãs:
Cascia, da Itália, e Cássia, de Minas Gerais - Brasil. Do alto dos seus 95 anos,
depara-se com uma pessoa que, acolhida pela cidade, retribui com sua devoção e
sua inspiração musical. Heitor pediu para que os pequenos cantores brindassem ao
pesquisador com uma canção. De fato, foi inspirador esse momento.
Outra entrevistada uma senhora de 68 anos, Rita Zecchim, a qual tinha quatro anos
quando o santuário da cidade fora inaugurado. Por duas vezes ela quase abraçou a
vida religiosa e o impedimento se deu por questões familiares. Aos poucos ela foi
aprendendo que o chamado vocacional pode ser exercido de outras maneiras e,
assim, tem encontrado seu lugar na vida religiosa. Para Rita Zecchim o culto a Santa
Rita de Cássia, tal qual se conhece hoje, tomou forma e se propagou a partir da
inauguração do santuário. E foi a devoção popular que construiu a fama do lugar.
Para ela, a história de Santa Rita traz embutida a idéia de santidade e devoção,
podendo ser evocada a todo o momento. A representação desta para as mulheres
locais é de obediência e fidelidade a Deus, superioridade nas humilhações e modelo
de vida feminina para quem abraçou a religião como vocação. Portanto, na cidade
de Cássia mesmo muitas Ritas: Rita de Cássia, Rita, Rita Maria, Ana Rita e
Cássia – todas elas em homenagem a este modelo de mulher.
O encontro com o pároco local proporcionou uma compreensão dos fatos vistos a
partir daquele que é representante do santuário, o líder espiritual da comunidade. A
ênfase do seu sacerdócio tem sido a retomada e fortalecimento da idéia de que tem,
ali em Cássia, um santuário. Também compreende que o turismo religioso deva ser
fortalecido com a criação de ações práticas no acolhimento do romeiro que ali
chega. É preciso resgatar a identidade da cidade que está ligada à história de Santa
Rita, isto é, reforçar a devoção e evangelizar. Para a visão do pároco isto equivale a
investir na formação das pessoas, para comunicar a mensagem da padroeira que
tem na cidade um santuário, além de uma relíquia e também por ser irmã da cidade
de Cascia, cenário da história de Santa Rita.
O pároco tem Santa Rita por modelo de coragem, de saber encarar e enfrentar seus
desafios. É dessa maneira que tem enxergado as devotas locais: mulheres fortes
para vencer os desafios e frágeis na manutenção de sua condição de mulher -
feminina. Para ele, Santa Rita foi um ser humano que alcançou sua santidade
79
passando pelos papéis de guerreira, rebelde, revoltada, até se render convertida.
Pois, a santidade passa pela sua humanidade sua humanização a leva a viver
humilde e simplesmente e pela sua história aquilo que constrói aqui - e que a
acompanha na vida após a morte.
Depois de um dia escutando essas pessoas tive a comprovação de que a tradição
oral, passada de geração a geração, tem permitido aos moradores de Cássia MG
a manutenção desta história.
CONCLUSÃO
Criar santos, portanto é um ato de imaginação
religiosa. O santo imagina o que seria ele viver
como Cristo viveu, em total obediência ao Pai, e
faz em seguida justamente isso. A comunidade
vê o santo e conta sua historia. Isso também
constitui um ato de imaginação religiosa.
(WOODWARD, 1992, p. 384).
A religião instituída se faz presente nos agrupamentos humanos e é a sua
percepção que acaba por produzir uma religiosidade local, que nada mais é do que
a maneira como o sujeito se vê, aprende e compreende o conteúdo religioso.
Na revelação do impossível, através de relatos simbólicos quase míticos do registro
iconográfico
41
presente no sarcófago, pode-se notar o quanto a religião foi
determinante no posicionamento de Rita diante dos obstáculos vividos. Não restava
outra opção à personagem senão aceitar o seu destino, que o existir fora ou de
outra forma dentro do seu limite geográfico circunscrito lhe era impossível. É a
religião e na religião que a mulher medieval encontra a possibilidade de vir a ser. O
matrimônio, assim como os filhos somente protelaram um sonho: o do casamento
mítico com Cristo crucificado, consumado quando recebe de seu Senhor um dos
espinhos de sua coroa. As escolhas de Rita se deram pelo fornecimento de
molduras onde a mulher escolhia papéis marcados pelo contexto religioso de uma
época que pode parecer patológica ou não, mas, o comportamento individual no
mundo medieval reproduzia mais a imagem da cultura e do meio circundante do que
elementos psíquicos – manifestações próprias da humanidade.
As mulheres ganharam sobrevida quando abraçaram a vida religiosa,
passaram a viver mais e com qualidade, que a vida na periferia limitava em
muito sua existência. A vida religiosa oferecia à mulher medieval um lugar de
proteção e importância pois era dentro da religião que passavam a existir.
41
A cena das abelhas sobre o bebe no campo; A cena dos padroeiros conduzindo-a ao convento; Os votos; A
cena do espinho que caindo da coroa do Cristo, lhe atinge a testa, dando inicio a chaga que será uma de suas
marcas; A cena de sua morte e As honras fúnebres.
81
As ordens religiosas garantiram às mulheres exercitarem, no seu microcosmo,
valores presentes no macrocosmo masculino.
A devoção a Santa Rita de Cássia atualmente é uma tentativa de manutenção e de
comunicação a gerações futuras deste culto, para a preservação dessa cosmovisão.
Com isso emerge a necessidade de atualização do mito na vida ordinária. Sempre
que se fizer necessário, a chama deverá ser ajustada, numa tentativa de manter os
corações piedosos aquecidos. Neste trabalho observou-se que isto é feito da
seguinte maneira:
A coesão na construção do impossível:
De que maneira se pode fazer presente no diferente, ou de que maneira o diferente
pode existir nas pessoas? Parece ser essa a nica encontrada na construção do
impossível, quando são construídos os símbolos para acolher, mediar e re-significar
a existência. A religião foi um dos elementos que contribuíram para a construção dos
papéis masculinos e femininos e, para tal, lançou mão do uso de rituais, símbolos e
mitos. O corpo humano é o parâmetro da experiência religiosa, pois é a partir da
reabilitação deste corpo que o indivíduo vislumbra seu sentimento de pertença. É o
ideário religioso que constrói e mantém a cosmovisão em que o homem habitará.
Nisto, a devoção a Santa Rita contribuiu com modelos poderosos de papéis para o
homem e principalmente para a mulher. A existência feminina somente foi permitida
a partir do existir masculino, numa relação de submissão e aceitação sem
questionamentos. Ainda isto é esperado da mulher religiosa.
O resultado da revelação do impossível:
Quem não se sentiria feliz se soubesse que seu existir foi desejado e de que esse
desejo fora homologado pelos deuses? Isto seria perfeito se num dado momento a
garota não fizesse uma escolha que colocasse em risco o acordo realizado.
Marguerita abandonou sua infância mística quando se viu obrigada a casar,
atendendo a um desejo de seus pais. Não teve vontade e nem desejo, pois
aceitando viver no diferente não conseguiu ver o diferente vivendo em si. De um
casamento arrenegado e filhos insubmissos, não encontrou o que buscava. A
valorização da mulher naqueles dias se dava na vida religiosa intramuros e isto lhe
82
tinha sido negado por todos os vínculos estabelecidos até ali. Foi a sua busca
incessante e incansável que não a deixou desistir do seu sonho - o casamento com
o crucificado um reencontro consigo mesma. Foi pela religião e na religião que
encontrou o que buscava e a sua felicidade. Por mais fantasiosa que a história de
Santa Rita possa parecer, é nela que muitas pessoas têm encontrado consolo e
conforto para os seus infortúnios. Esse modelo encontrou eco nos anseios
medievais, sendo projetado aqui, na modernidade, uma vez que o reconhecimento
oficial desta vida se deu no início do século passado. Outras mulheres existiram e
também tiveram suas histórias utilizadas para o mesmo propósito, mas nenhuma
delas teve a abrangência da história desta santa. Sua sorte estava escrita por
Deus a ela cabia o realizar do seu desígnio. Neste pormenor não coube o
questionar, somente o aceitar.
A visibilidade da representação do impossível:
Não como passar pela cidade de Cássia, em Minas Gerais, e não ser impactado
pela representação do impossível. A mesmo existe ali uma partícula óssea da
santa do impossível. A identificação dos moradores, dos romeiros e dos visitantes
com a tradição, criada em torno desta personagem, impede uma conscientização
imediata de que seus atos e suas formas de comunicação estejam impregnados
deste fervor. Mas no desenrolar das histórias pessoais, aqui e acolá se encontram
elementos que têm fortalecido a manutenção desses elementos que justificam sua
existência, a partir e por meio desta devoção. Não como negar este fato. A força
do mito reside na manutenção da aparência ou da existência de um fenômeno
coletivo oriundo de tradições primitivas. A religião é uma maneira de se construir e
de se legitimar um mundo em que o homem mortal possa a transitar ou a atenuar o
perigo.
A imagem do possível o pode ser esgotada num trabalho desta envergadura.
Portanto, outros desdobramentos dessa manifestação e devoção religiosa deverão
ser apontados em novos trabalhos
.
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Cássia, minha terra
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O eros redimido:
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Cláudia Ziller Faria. Niterói: Textus, 2004.
89
ANEXO A
E-MAIL AOS CIDADÃOS DE CÁSSIA – MG
Figura 41. Detalhe de um e-mail postado por Renzo Emili aos cidadãos de Cássia.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
90
ANEXO B
PROJETO DE PLACA PARA O SANTUÁRIO
Figura 42. Projeto inicial da placa que será colocada sobre o relicário no santuário em dezembro de
2007. Arquivo pessoal do autor.
91
ANEXO C
DELIBERIAZONE DEL COMUNE DI CASCIA
Figura 43. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia.
Arquivo pessoal do autor.
92
ANEXO D
DELIBERIAZONE DEL COMUNE DI CASCIA
Figura 44. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia.
Arquivo pessoal do autor.
93
ANEXO E
DELIBERIAZONE DEL COMUNE DI CASCIA
Figura 45. Cópia di deliberazione del consiglio comunale de Cascia - Provincia di Perugia.
Arquivo pessoal do autor.
94
ANEXO F
DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA - MG
Figura 46. Decreto do prefeito de Cássia – MG, declarando Cascia – Úmbria, cidade irmã.
Arquivo pessoal do autor.
95
ANEXO G
DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA - MG
Figura 47. Documento da Prefeitura de Cascia - Província de Perugia, traduzido.
Arquivo pessoal do autor.
96
ANEXO H
DECRETO DA PREFEITURA DE CÁSSIA - MG
Figura 48. Documento da Prefeitura de Cascia - Província de Perugia, traduzido.
Arquivo pessoal do autor.
97
ANEXO I
KIT VENDIDO AOS ROMEIROS
Figura 49. Kit vendido para os romeiros e devotos, com medalha, oração e pétalas de rosa para
confecção do chá. Arquivo pessoal do autor.
98
ANEXO J
LIVRO DO TOMBO DA PARÓQUIA DE SANTA RITA
Figura 50. Primeira página do Livro do Tombo da Paróquia de Santa Rita - Cássia/MG - de 1889 a
1925. Arquivo pessoal do autor.
Figura 51. Primeira pagina do Livro do Tombo da Paróquia de Santa Rita – Cássia – MG, de 1943 a
1952. Arquivo pessoal do autor.
99
Copyright © 2007 André Renato Navarro
Elaboração
André Renato de Barros Navarro
Dados para catalogação
N322i Navarro, André Renato de Barros.
A imagem do impossível: analise de um fenômeno religioso em Cássia – MG.
São Paulo: Mackenzie, 2007.
99 p.: il., 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Atualizada de acordo com as Normas da
ABNT: NBR 6023:2003, NBR 6024:2003, NBR 6028:2003, NBR 10520:2002, NBR
14724:2002.
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
Bibliografia p. 83-88.
1. Identidade 2. Religião 3. Idade Média 4. Mulher 5. Religiosidade. I.Título.
1. Trabalhos acadêmicos – normalização. I. Título.
2. Trabalho de Conclusão de Curso.
3. Monografia para pós-graduação
stricto sensu
.
LC HQ1394
CDD 248.4
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Milhares de Livros para Download:
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