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Saúde e salvação são termos co-originários, ou melhor, nasceram de um
mesmo conceito e partilharam por muito tempo a mesma sorte e um mesmo
significado geral, que acabou cindindo-se bem mais tarde. Trata-se do
significado sânscrito de svastha (= bem estar, plenitude), que depois
assumiu a forma do nórdico heill e, mais recentemente, Heil, whole, hall nas
línguas anglo-saxônicas, que indicam “integridade”, “plenitude”. A mesma
coisa acontece com o termo soteria na língua grega, segundo a qual
justamente Asclépio é considerado soter: aquele que cura e que é ao mesmo
tempo o “salvador”. Na língua latina é emblemático o significado de salus,
termo capaz de incorporar, mesmo em época recente, tanto o significado de
“saúde” como de “salvação”. É preciso, porém, lembrar que também em
outras línguas acontece a mesma combinação. Lembro, entre outras, o termo
hebraico shalom (= paz, bem-estar, prosperidade) e a fórmula egípcia snb,
que também indica bem-estar físico, vida, saúde, integridade física e
espiritual; todos estes termos expressam a salvação
como “integridade da
existência”, como “totalidade de situações positivas”, não tocadas pelo mal,
pela doença, pelo sofrimento, pela desordem. Sob esse ponto de vista,
outrora era impossível distinguir entre salvação e felicidade, pois uma
confluía na outra e o aspecto teológico que hoje se atribui ao primeiro termo
dentro de um contexto exclusivamente religioso estava nivelado e não era
separado do aspecto antropológico que assumia o mesmo termo em
contextos menos religiosos.
A busca de um estado de libertação da carência, da insuficiência e da
infelicidade, ou, em outros termos, a fome de plenitude, é o cerne das soteriologias
arquitetadas, pelas religiões e escolas de sabedoria, no correr da história. Nas palavras
de Terrin (1998, p. 155), “as religiões têm de ‘salvar’ o homem em sua totalidade física,
psicológica e espiritual”. Embora cada tradição religiosa tenha seu próprio ensinamento
acerca da finalidade última da vida, todas devem, de fato, enfrentar esta questão
fundamental, qual seja a necessidade, própria do ser humano, de superar um estado
profundamente insatisfatório, permeado pela carência e o sofrimento, para alcançar um
outro, de integridade, beatitude e saciedade (HICK, 2005, p. 144-145).
Entretanto, as sendas salvíficas, das diversas tradições espirituais, tendem a
oscilar entre dois pólos, quais sejam, o da hétero-redenção, ou seja, da salvação que vem
de fora do ser humano (pela graça ou pela atuação de um redentor divino), e a auto-
redenção, isto é, da salvação dependente, tão só, dos esforços humanos daquele que a
busca. A sustentar estes dois pólos estão, de um lado, a predestinação (tudo é fatalidade,
destino) e, de outro, a liberdade (cada qual forja o seu próprio destino). Observam