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BEATRIZ BITTENCOURT COLLERE HANFF
A REPROVAÇÃO E A INTERRUPÇÃO ESCOLAR NAS QUINTAS SÉRIES DO
ENSINO FUNDAMENTAL:
O DIFÍCIL PERCURSO PARA A CONTINUIDADE DOS ESTUDOS
FLORIANÓPOLIS – SC
2007
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BEATRIZ BITTENCOURT COLLERE HANFF
A REPROVAÇÃO E A INTERRUPÇÃO ESCOLAR NAS QUINTAS SÉRIES DO
ENSINO FUNDAMENTAL:
O DIFÍCIL PERCURSO PARA A CONTINUIDADE DOS ESTUDOS
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Educação, Centro de Ciências da Educação, Universidade
Federal de Santa Catarina para obtenção do título de
Doutorado em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Nadir Zago.
FLORIANÓPOLIS – SC
2007
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Catalogação na fonte por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
H238r Hanff, Beatriz Bittencourt Collere
A reprovação e a interrupção escolar nas quintas séries do ensino
fundamental : o difícil percurso para a continuidade dos estudos / Beatriz
Bittencourt Collere Hanff; orientadora Nadir Zago. – Florianópolis, 2007.
250f. : il. ; grafs. , tabs.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Programa de Pós-Graduação em Educação, 2007.
Inclui bibliografia
1. Fracasso escolar – Avaliação. 2. Análise de interação na educação.
3. Ensino fundamental – Florianópolis (SC) – Aspectos sociais. 4. Reprovação
escolar. I. Zago, Nadir. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa
de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU:37
DEDICATÓRIA
A meus pais, um operário e uma dona de casa,
que não conseguiram avançar da primeira série
do ginásio (quinta do Ensino Fundamental) e
contrariando os prognósticos deterministas
conseguiram, com muito esforço, possibilitar
acesso ao Ensino Superior aos três filhos.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não teria sido concluído sem a
colaboração de muitas pessoas: os alunos que
prestativamente participaram com seus
depoimentos; equipes pedagógicas das
escolas que disponibilizaram documentos,
informações e tempo; a orientadora pela
dedicação, paciência e insistência nos
percursos; aos amigos; colegas de trabalho.
Aos familiares pela compreensão e ajuda.
RESUMO
Este estudo teve a intenção de compreender as relações que os alunos que vivenciaram
situações de reprovação e interrupção escolar desenvolveram com a escola, e a forma como
percebem a realidade escolar. Para compreender essas relações foi importante considerar as
dimensões Macro, Meso e Micro nos quais tais processos se produziram e reproduziram. A
escolha desse objeto de estudo impôs a necessidade de buscar informações que permitissem a
articulação entre as pesquisas quantitativas e as qualitativas. Essa busca possibilitou o
surgimento de pistas e a ampliação do foco de análise para entendimento das situações
escolares vividas pelos alunos. A crítica às estatísticas, em nível nacional e local, e os limites
impostos por esses dados impuseram um trabalho de garimpagem nos relatórios produzidos
nas escolas e o deslocamento do olhar para outras informações singulares. Assim, procurou-se
analisar projetos, ações educativas, e as formas de organização das redes de ensino e da
avaliação do rendimento escolar, especificamente nas onze escolas estaduais e municipais
selecionadas para o estudo, em Florianópolis. Foram escolhidas escolas que apresentavam
indicadores de reprovação e interrupção escolar acima das médias estaduais e municipais.
Como foco principal foram reconstruídas histórias escolares de treze alunos que vivenciaram
situações múltiplas de reprovação e de interrupção escolar nas quintas series do Ensino
Fundamental, no sentido de entender como configurações familiares e social semelhantes
engendravam níveis de adaptação escolar tão diferentes. Tratou-se, da construção de Perfis de
Configurações Social baseados na constatação de que a reprovação e a interrupção escolar não
tinham causa única, e que além de ocorrerem em razão de uma multiplicidade e conjugação
de fatores, também dependiam do tipo de relações estabelecidas entre os diferentes sujeitos e
as inter-relações entre família-escola-trabalho. Para elaboração dos perfis tomou-se como
ponto de partida a metodologia desenvolvida por Lahire ao utilizar a antropologia da
interdependência, a sociologia que pensa as relações sociais sem determinismos imobilizantes
e por considerar tanto as singularidades como as generalidades como partes de uma rede de
relações de interdependência humana (LAHIRE, 1997, p. 40). 0 estudo permitiu concluir que
as situações de reprovação e interrupção escolar são conseqüência da combinação de uma
multiplicidade de fatores. Esse entrelaçamento de situações sinalizou condições mais ou
menos favoráveis as relações escolares que esses estudantes vinham desenvolvendo e as
possibilidades de continuidade dos estudos. Também, estabeleceu forte correlação entre a
reprovação e a interrupção escolar, tornando ainda mais irregular as trajetórias escolares
desses alunos.
Palavras-Chave: Reprovação escolar, Interrupção escolar, Fracasso escolar.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Indicadores de reprovação escolar nas 1ª e 5ª séries do
Ensino Fundamental, nas escolas estaduais e municipais em Santa
Catarina 2000-2002
245
Tabela 2 - Indicadores de reprovação escolar nas 1ª e 5ª séries do
Ensino Fundamental, nas escolas estaduais e municipais em
Florianópolis 1997-2002
245
Tabela 3 - Números relativos e absolutos das reprovações nas quintas
séries em escolas municipais de Florianópolis 1997-2002
246
Tabela 4 – Números relativos e absolutos da reprovação nas quintas séries em
escolas estaduais do município de Florianópolis 1997-2002
246
Tabela 5 – Números relativos e absolutos da interrupção escolar nas
primeiras e quintas séries do Ensino Fundamental em Santa Catarina e
no Município de Florianópolis 1997-2002
247
Tabela 6 - Perfil da interrupção escolar em escolas estaduais e
municipais do Município de Florianópolis 1997-2002
247
Tabela 7 - Reprovações escolares nas quintas séries em escolas
estaduais e municipais em Florianópolis – 1997 –2002 (em percentuais)
84
Tabela 8 - Situação em 2004 de alunos reprovados na quinta série em
escolas estaduais e municipais 2000 a 2003
248
Tabela 9 - Períodos de expedição de transferência da Escola 6M no
Município de Florianópolis 2000-2002
249
Tabela 10 - Número de alunos que interromperam seus estudos na
quinta série nas escolas estaduais em Florianópolis – 2000-2004
106
Tabela 11 - Número de alunos que interromperam seus estudos na
quinta série nas escolas municipais em Florianópolis – 2000-2004
107
Tabela 12 - Índice das reprovações de alunos recebidos por transferência
na Escola municipal 6M em Florianópolis – 2002
111
Tabela 13–Indicadores das reprovações por disciplina nas quintas séries
das escolas municipais 1M/2M/5M/6M em Florianópolis – 2000-2003
88
Tabela 14 - Número de reprovações dos alunos nas quintas séries de
escolas estaduais e municipais em Florianópolis – 2000-2003
92
Tabela 15 – Escolas estaduais e municipais com índice de reprovação
escolar superior aos índices médios nas quintas séries do Ensino
Fundamental em Florianópolis
26
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Índices comparativos das reprovações escolares entre
escolas estaduais e municipais de ensino em Santa Catarina – 2000-
2002
81
Gráfico 2 - Índices comparativos das reprovações escolares entre as
escolas estaduais e municipais de ensino em Florianópolis – 1997-2002
82
Gráfico 3 Perfil da interrupção escolar nas primeiras e quintas séries
nas escolas estaduais e municipais em Florianópolis – 1997-2002
97
Gráfico 4 - Perfil das reprovações escolares nas 5ª séries em escolas
estaduais em Florianópolis – 1997-2002
83
Gráfico 5 - Perfil das reprovações nas 5ª séries em escolas municipais
em Florianópolis – 1997 – 2002
83
Gráfico 6 – Perfil da interrupção escolar nas 5ª séries nas escolas
estaduais em Florianópolis – 1997 – 2002
98
Gráfico 7 Perfil de interrupção escolar nas 5ª séries nas escolas
municipais em Florianópolis – 1997 - 2002
99
Gráfico 8 - Situação em 2004 dos alunos reprovados nas quintas séries
nas escolas estaduais em Florianópolis – 2000 - 2004.
101
Gráfico 9 - Situação em 2004 de alunos reprovados nas quintas séries
nas escolas municipais em Florianópolis – 2000 – 2004.
102
Gráfico 10- Número de alunos transferidos e que interromperam seus
estudos nas quintas séries nas escolas estaduais em Florianópolis
104
Gráfico 11 - Número de alunos transferidos e que interromperam seus
estudos nas quintas séries nas escolas municipais em Florianópolis –
2000-2004
105
Gráfico 12 - Movimentação de alunos por meio das transferências
expedidas e recebidas na Escola municipal 6M em Florianópolis – 2000-
2002
108
Gráfico 13 - Número de reprovações em alunos aceitos por transferência
na Escola municipal 6M em Florianópolis– 2002
110
LISTA DE QUADROS
Quadro I – Classificação por série – Brasil - 2001-2002
79
Quadro II – Alunos com duas reprovações na quinta série, por disciplina
na Escola municipal 2M em Florianópolis – 2000 – 2001
93
Quadro III Alunos com três reprovações na quinta série, por disciplina,
na Escola municipal 3M em Florianópolis- 2001 – 2003
95
Quadro IV - Situação escolar dos alunos no momento da realização das
entrevistas -2005
114
Quadro V - Características individuais e escolares dos entrevistados
115
Quadro VI - Características das famílias dos entrevistados
118
VII – Quadro de Configurações Sociais e Escolares
32
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
12
1 - A BUSCA DE INDÍCIOS PARA O ESTUDO DAS REPROVAÇÕES,
REPETÊNCIAS E INTERRUPÇÕES ESCOLARES
36
1.1. Os processos de democratização do ensino: diretrizes e
limites
36
1.2. Os processos de organização escolar e avaliação do
rendimento em escolas estaduais e municipais de Ensino
Fundamental em Florianópolis
46
1.2.1. Avaliação do rendimento escolar
53
1.2.2. Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas
escolas municipais em Florianópolis
54
1.2.3. Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas
escolas estaduais em Florianópolis
60
1.2.4. Os Conselhos de Classe
65
1.3. Reprovação, Repetência e Interrupção escolar.
67
2 - A ABORDAGEM QUANTIDATIVA NO ESTUDO DAS
REPROVAÇÕES E INTERRUPÇÕES ESCOLARES
78
2.1. Os números da reprovação escolar: quando a média oculta
a realidade
78
2.2. Buscando indícios nos dados estatísticos produzidos pelas
escolas: nada era o que parecia ser
84
2.2.1. O peso das disciplinas escolares na reprovação escolar 86
2.2.2. Os multirrepetentes e as dificuldades de permanência nas
escolas
91
2.2.3. Os caminhos da interrupção escolar
96
2.2.4. Outros indícios nos registros escolares
108
3 – HISTÓRIAS DE ALUNOS ENVOLVIDOS EM SITUAÇÕES DE
REPROVAÇÃO E INTERRUPÇÃO ESCOLAR.
112
3.1. Caracterização dos entrevistados e de suas famílias
112
3.2. Os Perfis de Configurações Escolares: uma aproximação
dos casos singulares
120
3.2.1. Agrupamento 1: Uma relação de distância com a escola –
situações anunciadas
120
3.2.2. Agrupamento 2: Uma relação escolar instável
141
3.2.3. Agrupamento 3: As possibilidades de continuidade escolar
173
4- AS DIFERENTES DIMENSÕES DAS REPROVAÇÕES E NTERRUPÇÕES
ESCOLARES
189
4.1. Os princípios articuladores nos perfis de configurações
escolares: para além das singularidades
189
4.1.1. O contexto das reprovações, interrupções e retornos à escola.
189
4.2. Os condicionantes das situações de reprovação,
interrupção e retorno à escola na percepção dos alunos:
explicações e reações às situações limites.
198
4.2.1. A transição das séries iniciais para as finais do Ensino
Fundamental: a especificidade das quintas séries.
198
4.2.2. O sentido da escola (ou a falta de)
204
4.2.3. As relações com os conhecimentos escolares: dificuldades
acumuladas nas séries anteriores ou específicas da quinta série
206
4.2.4. A avaliação do rendimento escolar: padrões e critérios de
aprovação
216
4.2.5. As mudanças de cidade e de escola: as dificuldades nos
processos de adaptação
224
4.2.6. Relações de proximidade com o trabalho e com outras
modalidades de ensino: o distanciamento da escolaridade regular
227
CONSIDERAÇÕES FINAIS
232
REFERÊNCIAS
237
ANEXOS
245
INTRODUÇÃO
Historicamente a democratização do ensino no Brasil se fez pelo avanço das
idéias burguesas por uma ordem social e política que foi sendo estruturada com base
nas elites econômicas e nos diversos movimentos de luta desenvolvidos pela
sociedade organizada com vistas à expansão da escolaridade, à responsabilidade do
Estado e à gratuidade. Entretanto, os avanços na ampliação das oportunidades
escolares, principalmente dos sujeitos oriundos dos meios populares, foram sendo
dificultados tanto no acesso como na permanência.
Para Ferraro (2004a), a década de 1990, particularmente o Governo Fernando
Henrique Cardoso defendeu a tese de que a universalização do ensino no Brasil havia
sido efetivada, referendada por estudos de pesquisadores como Fletcher e Ribeiro
Além de se contrapor à tese apresentada, Ferraro aponta a qualidade dos registros
escolares como fator que ajudou a camuflar as informações sobre o alcance da
escolaridade. Considerava que
a universalização do acesso à escola era apenas a condição
necessária, mas não suficiente para assegurar o direito à educação. A
solução do problema da exclusão escolar passa necessariamente pela
transformação da escola, pela superação da lógica da exclusão.
(FERRARO, 2004a, p. 63).
Para esse autor, no que tange à democratização, não basta considerar a
abertura de vagas de acesso, é necessário analisar as condições de permanência,
qualificação e continuidade escolar.
Ferraro (2002, 2004a), ao contrapor-se à divulgação da idéia de
universalização do Ensino Fundamental, instituiu duas categorias fundamentais para
o entendimento das relações escolares: a exclusão na escola e da escola. Para ele, os
excluídos na escola são alunos que, devido a reprovações e interrupções escolares,
apresentam defasagem na série esperada em relação à sua idade cronológica. Aqueles
que interrompem seus estudos e não mais retornam são os excluídos da escola.
Contraditoriamente, a década de 1990 se fundou, de um lado, no alargamento
das idéias sobre os processos de ensino e aprendizagem, currículo, conhecimento,
avaliação, gênero, diversidade, produzindo inúmeros avanços pedagógicos que
13
refletiram sobre as formas de organização escolar, as relações com o conhecimento e
os processos inclusivos. De outro, a educação passou a ser vista como custo e,
portanto passível de medidas políticas de otimização dos recursos financeiros. Nessa
lógica a reprovação e a repetência escolar foram consideradas geradoras de gastos e
um peso desnecessário aos sistemas de ensino.
Projetos foram implantados no sentido de conter a reprovação escolar e
melhorar os indicadores escolares. Constituiu-se em projetos nacionais, regionais e
locais, de iniciativa de órgãos públicos e fundações, em diferentes instâncias
administrativas que, na maioria dos casos, respondiam a pressões de cunho político e
econômico. Baseados em políticas compensatórias conseguiram apenas maquiar pelo
período de implantação o número de reprovações. Apesar dessas experiências, nos
últimos dez anos, as primeiras e quintas séries continuaram a apresentar o maior
número de reprovações e interrupções escolares. Na região sul do Brasil a quinta
série se destacou, desde 2000, nas duas situações.
Mesmo nos períodos de maior democratização da escola, a reprovação e a
interrupção escolar continuaram sendo uma constante nas relações desenvolvidas
dentro dos sistemas de ensino, reflexo da permanência de formas excludentes, em
que qualidade e seletividade ganharam significados semelhantes. A democratização
de acesso ao saber escolar ficou restrita à disponibilidade de vagas para o Ensino
Fundamental e as relações de exclusão na e da escola não conseguiram ser superadas
em função das contradições e de um processo de naturalização das relações escolares.
O interesse em estudar os processos de reprovação e interrupção escolar foi
resultado da inserção de muitos anos no cotidiano de escolas públicas estaduais e
municipais em Santa Catarina e em outros estados pelos quais havia transitado.
Questionava-se a perpetuação dessas situações, apesar dos avanços sobre currículo
escolar e as idéias disseminadas sobre a produção do conhecimento. Levantamentos
estatísticos, realizados em escolas estaduais, desvelaram parte da problemática da
reprovação. Foi necessário explorar outras informações e olhar de modo mais
aprofundado a forma de organização dos dados escolares, a variedade das relações
desenvolvidas no cotidiano escolar dos sujeitos que reprovaram ou interromperam
seus estudos. Repensar os resultados das pesquisas e das intervenções realizadas nas
escolas contribuiu para a organização de questões que se constituíram na
14
problemática a ser investigada com maior profundidade no âmbito do curso de
doutorado.
Como, num contexto de expansão das vagas, de implantação de políticas de
universalização do Ensino Fundamental, o número de reprovações e interrupções
cresceu de forma mais significativa do que a ampliação das vagas de acesso? Quais
os impactos dessas situações na vida escolar e cotidiana desses estudantes?
Para responder essas questões dois eixos nortearam as leituras neste trabalho.
A busca de elementos históricos e políticos que pudessem explicitar os processos de
democratização do Ensino Fundamental e as relações com a reprovação e interrupção
escolar; e a compreensão a respeito das relações estabelecidas pelos alunos com a
escola, mais especificamente, com os resultados escolares aproximando com outros
elementos teórico-metodológicos que pudessem auxiliar nessa compreensão.
Os trabalhos de Sodré (1973), Ribeiro (1991,1993), Ghiraldelli (1986), Horta
(1998), Carvalho (1998), Shiroma et al (2000), Silva e Hasenbalg (2000), Cunha
(2001), Coutinho (2002) e Valle (2003, 2004), parte do primeiro eixo, foram
importantes para analisar o contexto de desenvolvimento das políticas de expansão
da escolaridade no Brasil, especificamente os que se referiam ao ensino destinado às
classes populares. Com base nesses estudos constatou-se que a democratização da
educação foi impulsionada por movimentos sociais de luta pelo acesso à educação e
pela responsabilização do Estado como provedor de políticas educacionais. A forma
de ampliação das oportunidades educacionais foi fruto da organização da sociedade
brasileira e refletia, no cotidiano, as exclusões vividas pela maioria da população.
Revelava também os diferentes embates travados na década de 1990 entre grupos
ligados aos movimentos de defesa da escola pública, e os defensores dos processos
de privatização do ensino na definição das políticas educacionais.
Ainda foram significativos os trabalhos de André Petitat (1994), Sirota (1994),
e a coletânea, ‘Disciplinas e integração curricular: história e políticas’, organizada
por Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (LOPES, 2002). Esta última
focalizava, sob perspectiva histórica, o conhecimento escolar e a organização das
políticas educacionais e na sala de aula. Nesta coletânea, ainda destacaram-se Juliá
(2002) e Faria Filho (2002) na relação com as histórias das disciplinas escolares,
culturas e práticas escolares.
15
Os textos de Ferraro (1975, 1999, 2002, 2004a, 2004b) trouxeram três
contribuições especiais: o uso das categorias exclusão da e na escola; a crítica da
subestimação dos dados de evasão que possibilitou, direta ou indiretamente, junto ao
INEP, a modificação na organização dos dados estatísticos oficiais com a
especificação da categoria não está na escola em dois eixos: nunca esteve e
esteve; e a desmistificação das afirmativas sobre a conclusão da universalização do
Ensino Fundamental, apontada anteriormente.
Ainda na linha de análise dos sistemas escolares destacaram-se dois trabalhos:
‘Os estudos sobre a escola: problemas e perspectivas’ (CANÁRIO, 1996) e ‘Escola e
exclusão social’ (CANÁRIO; ALVES; ROLO, 2001). Ao analisar os sistemas
educativos na contemporaneidade, Rui Canário et al (2001, p. 14) afirmavam que “a
escola passou de um contexto de certezas, para um contexto de promessas, inserindo-
se, actualmente, num contexto de incertezas.” Assinalavam que, mesmo com a
expansão dos níveis de escolaridade, acentuava-se, cada vez mais, a desigualdade
social, cuja raiz se encontrava nas mudanças verificadas no mundo do trabalho.
Nessa mesma direção, Gabriel Langouêt (2002), no texto ‘A escola francesa se
democratiza, mas a inserção social torna-se cada vez mais difícil’, analisou os
avanços e limites da democratização da educação na França e estabeleceu o conceito,
de demografização, caracterizado pela massificação do ensino, onde a expansão do
acesso à escola foi acompanhada do aumento de formas do fracasso escolar. Com
isso, reconhecia o avanço, embora lento, no âmbito da democratização do ensino, no
entanto, sem que com isso tenha havido inserção sócio-profissional. Em direção
similar Antonio Cabral Neto (1996), no estudo da política educacional do estado do
Rio Grande do Norte, nos anos de 1980, concluiu que a ampliação das oportunidades
escolares (expansão quantitativa) não veio acompanhada da melhoria do fluxo
escolar e qualidade do ensino.
Vanilda Paiva et al (1998, p. 52), ao analisarem os dilemas decorrentes do
processo de democratização da escolarização, em escolas do Rio de Janeiro,
assinalaram que a Escola Tradicional foi ‘se desintegrando com a universalização
das oportunidades e se transformando numa massificada Escola Popular’, na qual a
reprovação e repetência constituíram-se dois dos principais problemas. Também, ao
16
estabelecerem uma retrospectiva de estudos em outros países mostraram que esses
fenômenos vêm atingindo muitos países, principalmente os mais pobres.
O artigo de Marília Pinto de Carvalho (2001), ‘Estatísticas de desempenho
escolar: o lado avesso’, contribuiu para a percepção de que as políticas públicas para
educação no Brasil estavam centradas na correção do fluxo escolar, quer
incentivando a diminuição dos índices de evasão e repetência, ou na implantação de
práticas de aceleração da aprendizagem. Para essa autora, o exacerbado culto aos
números, característica das políticas educacionais da década de 1990, serviu como
forma de pressão, junto às escolas, para rebaixar os índices de reprovação escolar
sem melhoria da qualidade do ensino, já que democratização de acesso à escola não
significa democratização do saber.
Recentemente, a reprovação e a interrupção escolar também foram estudadas
com base na problemática do fracasso numa coletânea de artigos presentes na obra
‘Fracasso escolar: uma perspectiva multicultural’ (MARCHESI; GIL, 2004),
originalmente publicada em Madrid (2003). Os artigos ali incluídos redimensionaram
e aprofundaram a problemática do fracasso escolar, produto de palestras produzidas
durante cinco anos em jornadas patrocinadas pela Fundação Modernização de
Espanha. Na primeira parte, autores como Marchesi (2004), Rosa Torres (2004),
Karen Kovacs (2004) e Alceu Ferraro (2004a), salvaguardadas as suas
especificidades, aprofundaram as origens do fracasso escolar. Na segunda, Lahire
(2004), Grisay (2004) e Marquesi e Lucena (2004) contribuíram para o entendimento
do fracasso escolar como fenômeno social.
Outras leituras se mostraram necessárias para o entendimento das relações
internas à escola, como o eixo do processo ensino-aprendizagem, da avaliação do
rendimento escolar, e especificamente sobre reprovação e interrupção escolar.
Em relação ao processo ensino-aprendizagem destacou-se a pesquisa de Maria
das Mercês Sampaio (1998, p.78). Para ela que analisou recursos sobre reprovações
interpostos por pais e alunos, as relações curriculares mostravam-se centrais na
argumentação de professores, no que se referia à existência de pré-requisitos para a
continuidade dos estudos.
Dos estudos sobre reprovação e repetência foram utilizados os de Alceu
Ferraro (1975, 1999, 2002, 2004a, 2004b), Vitor Henrique Paro (2001), Carmen A.
17
D. da Silva et al (2002) e Anete Abramowicz (2002). Cada um desses autores
contribuiu para o entendimento de aspectos como currículo, relação professor-aluno,
organização do ensino, planejamento, avaliação, e igualmente os determinantes
sociais no processo de escolarização. Especificamente sobre reprovação e interrupção
nas quintas séries destacaram-se os trabalhos de Ranzani (1976), Chagas (1977),
Domingues (1985), Almeida (1986) e Leite (1993), e mais recentemente, a pesquisa
de Maria Helena Dias-da-Silva (1997).
Luckesi (1988) e Paro (2001) foram alguns dos autores que indicaram a
relação existente entre reprovação, interrupção e avaliação do rendimento escolar e o
peso que essa avaliação vinha produzindo nas relações com o saber escolar. A
releitura das produções de Luckesi (1995), que marcou a década de 1990 pelas
críticas dirigidas à forma e ao caráter excludente da avaliação do rendimento escolar,
foi importante no sentido de analisar historicamente os diferentes processos de
avaliação no Brasil. Ana Maria Saul (1991) elaborou uma fecunda reflexão sobre a
função da avaliação no rendimento escolar e o comprometimento com uma ação
educativa democrática. Importante também a coletânea de textos organizada por
Clarilza Prado de Sousa (1995), ‘Avaliação do rendimento escolar’, com destaque
para seus próprios textos nos quais estabeleceu reflexões sobre como recuperar um
conhecimento avaliativo compromissado com uma educação transformadora.
Finalmente, as produções de Maria Teresa Esteban (2000, 2001, 2003) e das
publicações por ela organizadas, apontavam para perspectivas no processo de
avaliação que deveriam estar vinculadas às questões curriculares e comprometidas
com o movimento de reflexão sobre a democratização das práticas escolares
articuladas à emancipação social. Para ela, os processos de avaliação se caracterizam
pela teia de relações que liga estudantes, professores, família, escolas e contexto
social.
Dos trabalhos citados até aqui todos mantiveram um eixo em comum: o da
discussão dos limites da pretensa democratização do ensino, o que Bourdieu e
Champagne (2002, p. 223) chamam de aparências da democratização, na qual “o
sistema de ensino, amplamente aberto a todos (era), no entanto, estritamente
reservado a alguns.”
18
O segundo eixo de leituras foi concentrado nos estudos sobre a relação com a
escola sob o ponto de vista dos alunos, e outras questões teórico-metodológicas da
sociologia, discutidas mais recentemente no Brasil, destacando-se Charlot (1996,
2000a, 2000b, 2001), Lahire (1997, 2002) e Zago (2000, 2006). Foram esses autores
que nortearam a elaboração deste trabalho.
De Charlot (2000b) veio a contribuição de que o aprender se faz em um
processo relacional, não individualizado ou isolado. Para ele, o homem ao nascer
encontra um mundo já organizado em sua forma humana e social, do qual era preciso
apropriar-se. Essa apropriação se dá nas relações sociais consideradas sob o ponto de
vista do aprender. Aprender prescinde do estabelecimento de relações com o mundo,
com os outros e consigo mesmo. Portanto, entender por que os alunos reprovavam e
interrompiam seus estudos aludia compreender as relações que se desenvolviam na
escola e fora dela. A indicação de que não havia saber que não fosse produto das
relações levou à necessidade de investigar os processos que se desenvolvem com a
escolaridade. Também foi seguida a indicação do autor quanto à necessidade de
estabelecer uma postura epistemológica que recusa a análise derivada de
determinismos imobilizadores e as leituras negativas da realidade social e escolar
Como afirma Charlot (2000b, p. 30),é necessário praticar uma leitura ‘positiva do
que às pessoas fazem, conseguem, têm e são, e não somente fundada nas faltas,nas
carências das famílias e dos alunos’.
Os trabalhos de Lahire (1997, 2002) orientaram o caminho teórico-
metodológico. Para ele, as relações desenvolvidas entre a escola e a família são
produtos de uma multiplicidade de fatores, configurações de fatores, que se inter-
relacionam e não podem ser consideradas como variáveis independentes. Portanto,
não há uma relação estabelecida de causa-efeito. Fatores que contribuíram
diretamente para o afastamento de um aluno das relações escolares, para outro,
pareciam não afetá-lo. Isso acontece, segundo Lahire (1997, p. 17), porque a criança
constrói seus esquemas comportamentais, cognitivos e de avaliação através das
formas que assumem as relações de interdependência com as pessoas que a cercam
com mais freqüência – a família e a escola. Suas ações são apoiadas direta ou
indiretamente nas ações dos adultos que com ela se relacionavam e eram produto da
forma como vinham sendo estabelecidas as relações sociais.
19
As pesquisas de Zago (2000, 2006) colaboraram em dois aspectos. Ao mostrar
no estudo das trajetórias escolares de alunos oriundos das classes populares que os
projetos de vida, as estratégias construídas e os processos que demarcavam
escolaridades interrompidas não podiam ser analisados pelas relações do
determinismo sócio-cultural. Também, no estabelecimento da categoria interrupção
escolar para designar as diversas movimentações que os alunos estabelecem entre a
continuidade ou não do estudo, mostrando que não há um tempo determinado de
permanência na escola e nem uma saída definitiva.
Essas diretrizes foram fundamentais na compreensão dos processos de
reprovação e interrupção escolar, e nas relações estabelecidas pelos alunos que
viveram tais situações entre os espaços da família, escola, trabalho e convivência
social, por meio da análise do que Lahire aponta como: esquemas de percepção, de
julgamento, de avaliação, dos desempenhos e dos comportamentos nas relações
cotidianas (LAHIRE, 1997, p. 19).
Objetivos da pesquisa
Com base no traçado das problemáticas e das escolhas feitas nos eixos de
leitura, foi possível definir o lugar do qual se fala: reprovação, repetência e
interrupção escolar como parte dos sistemas organizados do ensino e produzidos nas
relações que iam se estabelecendo entre os diferentes sujeitos que participavam
direta e indiretamente no processo escolar. Assim, o objetivo geral deste estudo
constituiu-se em compreender as diferentes dimensões que envolviam os processos
de reprovação, repetência e interrupção escolar nos contextos Macro, Meso e Micro,
em que tais processos se produziram e reproduziram, de forma a:
1. analisar os limites dos relatórios estatísticos sobre reprovação, interrupção e
retorno escolar produzidos em nível nacional e local, especificamente nas
escolas selecionadas;
2. compreender como se construíram as relações com a escola, a família, o
trabalho à luz dos processos de democratização do ensino, dos projetos e ações
educativas implantadas nos sistemas de ensino e das formas de avaliação do
rendimento escolar, em nível nacional e local, e especificamente nas escolas
estaduais e municipais em Florianópolis; e
20
3. reconstruir as histórias singulares de escolaridade dos alunos que vivenciaram
situações de reprovação, repetência e de interrupção escolar nas quintas séries
do Ensino Fundamental.
A perspectiva com a qual se trabalhou era a de compreender os processos
escolares nas inter-relações estabelecidas entre as dimensões macro, meso e micro.
Tratou-se, de certa forma, de uma reconstrução da história das reprovações e
interrupções escolares refletidas nas políticas de organização dos sistemas de ensino
e nas relações que os sujeitos que viveram tais situações foram produzindo. Sujeitos
que viviam em relação uns com os outros, que mudaram com o movimento da
história, que eram sociais na sua essência e, portanto, tinham possibilidade de
transformar as suas condições de existência – serem produtores da história. Mas,
como sujeitos, produziam e reproduziam o mundo onde viviam, estavam sujeitos às
regras e as formas de organização do sistema escolar também como produto das
relações que estabeleciam.
A delimitação do estudo nas quintas séries do Ensino Fundamental adveio de
duas pesquisas realizadas em 1995 e 1999, em escolas do município de Florianópolis,
e que serviram de estudos exploratórios do fenômeno das reprovações, sem que tenha
sido essa a intenção (HANFF et al, 1995, 1999). Também, da observação nas
mudanças ocorridas, a partir de 2000, dos indicadores estatísticos por série, que veio
decrescendo nas séries iniciais e ampliando sua abrangência nas séries finais do
Fundamental, com especial destaque para as quintas séries.
Hipóteses de trabalho
Com base nos eixos assinalados foram traçadas hipóteses de trabalho que não
serviram somente para estabelecer nexos de conclusão, mas, também, traçar
diretrizes de análise.
A primeira, já destacada anteriormente, aponta que as situações de reprovação
e interrupção escolar não tinham causa única indicados nos trabalhos de Lahire
(1997). Também, que as questões escolares não se mostraram suficientes para
explicar os fatores que aproximavam ou afastavam da escola. Os movimentos de
saída da escola estavam relacionados a fatores externos como o trabalho, as
dificuldades econômicas e de moradia, e as migrações. Também eram utilizados pelos
21
alunos e pais como uma forma estratégica de evitar a repetência, procurando escolas
que possibilitassem a dependência nas disciplinas em que foram reprovados.
Um grande conjunto de estudos mostrou que a escola encontra-se desvinculada
dos interesses e do cotidiano dos alunos. Para Freitas (1998, p. 213), era por essa
razão que ‘as propostas de participação nas decisões escolares não os entusiasmam.
A escola está distante de suas vidas – de seu cotidiano, de suas aspirações, alegrias e
angústias, não se sentem parte integrante da escola. ’
Outro aspecto a ser destacado vem dos estudos desenvolvidos por Dubet
(1998, p. 31) para quem existiam alunos,
com freqüência os mais favorecidos, (que) se socializam e se subjetivam
na escola. [...] mas existem também aqueles que não podem jamais
construir sua experiência escolar; que aderem com freqüência aos
julgamentos escolares que os invalidam e os conduzem a se perceber como
incapazes.
Assim, pressupôs-se que as relações estabelecidas com a escola tinham por
base as necessidades imediatas, o presente: a prova, o trabalho, a tarefa a ser
cumprida, as exigências de memorização, enquanto a escola estabelecia essa relação
com base na necessidade subjetiva futura, numa escala de importância diferente da
do adulto. Portanto, os alunos internalizavam o processo de seletividade e mérito
proposto pela escola dando maior importância às formas e regras do que ao processo
de aquisição dos saberes. No entanto, consideravam a escola como locus de
aprendizagem, de construção de conhecimentos. Reconheciam inclusive as diferenças
existentes nas relações com a escolarização e as oportunidades oferecidas por alguns
professores. A reprovação transformava o aluno em alvo de críticas e humilhações
por parte da família, dos colegas e de professores. Por isso, as percepções que
construíam de si mesmos tinham por base as teorias da carência cultural, da falta, da
incapacidade e cultivavam o sentimento de falta de inteligência ou habilidade,
introjetadas por meio das formas de relação que estabeleciam na escola e que
produziam efeitos negativos na auto-imagem. (capacidade, interesse, inteligência).
Observada nas pesquisas desenvolvidas em escolas públicas, a reprovação
mantinha relação direta com a interrupção escolar. Elas também se mostraram
associadas a uma escolaridade irregular e ao encurtamento do tempo na escola. A
22
interrupção escolar tornou-se o caminho natural adotado pelo aluno em muitas
disciplinas, acreditando-se incapaz e inferior aos que ficaram. A reprovação escolar
também impunha a perda de seu grupo de referência e de sua identidade frente à
escola (HANFF et al, 1995, 1999).
Considerada uma das principais causas da reprovação, a avaliação do
rendimento escolar, estudada, entre outros, por Luckesi (1995), Esteban (2003),
Perrenoud (1999), funciona como reguladora das aprendizagens e como
selecionadora e classificadora das desigualdades. Essa perspectiva nos levou a
pressupor que as alterações no sistema de avaliação escolar possibilitaram a
ampliação ou redução no número de reprovados e dos que interromperam seus
estudos, sem que com isto houvesse alteração no processo ensino-aprendizagem. Por
outro lado, a avaliação, além de ser um instrumento de controle das práticas
pedagógicas, ocupava lugar central nas políticas públicas desenvolvidas na década de
1990. Elas instituíram formas de controle sobre o processo de trabalho do professor e
do aluno e regulavam a função de exclusão da escola. O afrouxamento dos critérios
de avaliação realizados mediante ações ou regulamentações pelos sistemas de ensino
criaram mecanismos de ajuste por parte da escola e professores, das aprovações.
Questões metodológicas
A escolha de um objeto de estudo muito explorado impôs a necessidade de
buscar informações que possibilitassem a articulação entre as pesquisas quantitativas
e as qualitativas. Essa busca possibilitou o surgimento de pistas e a ampliação do
foco de análise para entendimento das situações escolares vividas pelos alunos. Os
limites das informações estatísticas impuseram um trabalho de garimpagem de dados
e o deslocamento do olhar para informações singulares com o intuito de fazer crescer
a visão sobre o objeto de pesquisa: os alunos reprovados e os que interromperam
estudos. As análises estatísticas trouxeram à tona outros elementos e auxiliaram na
construção do estudo. Também foi importante considerar as pesquisas qualitativas,
não somente produtoras de singularidades, mas também de regularidades. Se a
utilização de categorias macrossociológicas, por um lado, dificultou a compreensão
de situações que fugiam às regularidades e que, muitas vezes, eram descartadas por
serem consideradas dispersões estatísticas, por outro lado, a dificuldade estava em
23
agrupar situações de reprovação e interrupção escolar sem perder de vista a riqueza
das singularidades.
O estudo das situações de reprovação e interrupção escolar, bem como de
outros aspectos escolares foi realizado sob diversas perspectivas já que envolvia
múltiplas relações cotidianas. Para isso foi preciso, entre outras dimensões da
realidade social, compreender como as relações estabelecidas na escola repercutiam
na família e vice-versa. Também, interrogar como se constituía a relação com os
professores, colegas e consigo mesmo. Buscar explicações nas formas de organização
doméstica e nas disposições familiares para com a escola, a necessidade de
sobrevivência familiar, as mudanças de moradia e de trabalho, sair do estritamente
escolar para o contexto familiar foi importante para compreensão, entre outras
mediações, do impacto causado nas relações escolares.
Metodologicamente procurou-se estudar as situações de reprovação e
interrupção escolar levando em conta os níveis macro, meso e micro; com base em
três fontes articuladas entre si: as estatísticas educacionais; as relações pedagógicas
produzidas nos sistemas de ensino
1
e no cotidiano das escolas; e as histórias
escolares vividas pelos estudantes do Ensino Fundamental.
1. As estatísticas educacionais
Teve a finalidade de caracterizar os dados, nacionais e locais, de aprovação,
reprovação, interrupção escolar, defasagem idade-série no Ensino Fundamental;
produzir outras informações complementares; e auxiliar na identificação e seleção
dos alunos nas escolas estudadas. Segundo Marília de Carvalho (2001, p. 233), a
produção de estatísticas oficiais tem servido como ‘arma em disputas de poder,
privilégios e prestígio e promovido confusão entre índices e ‘realidade’, acarretando
conseqüências profundas sobre os usos e interpretações que se dá a elas. ’
2. As relações pedagógicas nos sistemas de ensino e nas escolas estudadas
Nas escolas do sistema municipal foram coletados documentos como os que
seguem: Projeto Político-Pedagógico, Plano de Metas de 2000 a 2004 e projetos
específicos de atendimento a alunos com dificuldades de aprendizagem, com ênfase
em projetos para as quintas séries, bem como as Atas de Conselho de Classe e
documentos de indicação das formas de organização da avaliação do rendimento
1
Os sistemas de ensino se constituem em instâncias organizativas das redes de ensino nos níveis municipal,
estadual e federal.
24
escolar. Nas escolas pertencentes ao sistema estadual de ensino nem sempre os
projetos estavam documentados. Nesse caso, foram coletados registros existentes de
projetos, Conselhos de Classe, Projetos Político-Pedagógicos e registros de mudança
no sistema de avaliação. Documentos de ações político-educacionais desenvolvidos
nas escolas pesquisadas, voltadas ao atendimento às dificuldades de aprendizagem e
aos alunos reprovados; legislações específicas e regulamentações/indicações sobre
avaliação do rendimento escolar e Atas de Conselho de Classe; projetos de
organização escolar como: o político-pedagógico escolar e outros específicos.
A convivência com os sistemas de ensino e as escolas e a necessidade de
entender os processos de reprovação e interrupção escolar sob diversos ângulos,
levou ao questionamento se as intervenções dos sistemas de ensino sobre as escolas,
por meio de projetos, ações educativas e formas de organização pedagógica serviram
para alterar essas situações. Ao analisar as políticas nacionais e locais observou-se
que elas estavam assentadas em três aspectos: minimização de custos, culpabilização
dos sujeitos pelos seus destinos e maximização das estratégias de controle e
avaliação dos sistemas públicos de ensino. Esses projetos apresentavam caráter
compensatório, alimentados por uma visão economicista, e visava, na maior parte, a
redução dos índices de reprovação escolar como forma de democratização da
escolaridade. Entretanto, foram responsáveis por construírem uma aparente
democratização ao manterem no sistema escolar alunos potencialmente excluídos,
fator apontado por Bourdieu e Champagne (2002) também na França.
3. As histórias escolares
Construir as histórias de escolaridade com base na experiência dos alunos nas
quintas séries do Ensino Fundamental significou ouvir quem permanecia, quem
interrompeu, quem migrou para outras escolas, quem interrompeu e retomou aos
estudos ou tentava retomar. Portanto, os alunos reprovados nas quintas séries do
Ensino Fundamental, em escolas do município de Florianópolis, eram sujeitos que se
relacionavam com o mundo de diferentes formas, que resistiam, que tinham desejos e
propósitos, que tinham orgulho e vergonha. Como sujeitos apropriavam-se do mundo
de uma forma específica, singular, dependendo de suas oportunidades, seus interesses
e das formas de relacionamento com as normas e os papéis que lhes eram propostos
ou impostos. Entender as relações escolares que esses sujeitos desenvolveram não
25
podia estar dissociado da ‘relação consigo mesmo, relação com os outros
(professores e colegas) e relação com o saber’ (CHARLOT, 2000b, p. 47).
Para isso foi importante considerar: Que alunos eram esses que reprovavam?
Como percebiam e elaboravam a experiência com a reprovação escolar? Que sentido
tinha a reprovação e a interrupção escolar para eles? Que estratégias desenvolveram
para continuidade dos estudos na escola? Existia relação entre os processos de
avaliação e a reprovação escolar? A reprovação concorria para a troca de escola? A
interrupção escolar estava relacionada à reprovação escolar? Os alunos em situação
de reprovação sentiam-se constrangidos em continuar estudando? Como eram
percebidas pelos reprovados as ações políticas implantadas nas escolas no sentido de
reduzir o número de reprovações? Por que os alunos, mesmo enfrentando inúmeras
reprovações e adversidades, insistiam em permanecer na escola? Quais estratégias de
permanência desenvolveram? Qual a função da escola para eles?
Por esse trabalho de cruzamento entre as informações estatísticas, pedagógicas
e as histórias dos alunos que vivenciaram situações de reprovação escolar foi
necessário vencer um verdadeiro desafio sociológico - o de compreender as
singularidades articulando-as às perspectivas macro e microssociológicas, conforme
afirmações de Lahire (1997, p. 14). Tanto os relatórios estatísticos produzidos, como
as histórias singulares não davam conta de, por si mesmos, explicar como os alunos
de classe popular reprovam ou interrompem seus estudos. Tal desafio foi resolvido
num processo de articulação de informações e na perspectiva de uma elaboração
teórica que pressupunha a existência de uma rede de fatores interligados produzidos
social e singularmente.
A primeira dificuldade metodológica surgiu com a necessidade de identificar e
localizar os alunos que haviam passado na sua vida escolar por essas situações. As
referências de localização foram as escolas públicas, estaduais e municipais de
Ensino Fundamental, em Florianópolis que mantinham quintas séries. Foram
identificadas 34 escolas estaduais, 23 municipais, uma federal.
Foram elaboradas planilhas e gráficos com os dados de reprovação escolar,
entre 1997 e 2002
2
, para cada uma das escolas e estabeleceu-se um ranking daquelas
que apresentavam indicadores de reprovação acima dos índices médios nos sistema
22
O critério de corte de tempo do estudo foi estabelecido com base na possibilidade de contar com dados
estatísticos mais confiáveis e disponíveis, com base no Censo Escolar de 1997 a 2002 concentrados na Gerência
de Informações Educacionais da SEC/SC.
26
de ensino estadual e no municipal. Os dados estatísticos coletados se referiam à
aprovação, reprovação, matrícula inicial e final e interrupção escolar
(abandono/evasão
3
), por dependência administrativa, instituição escolar e série.
Os índices médios de reprovação encontrados nas quintas séries, nos seis anos
referidos, foram de 21,6% nas escolas estaduais, e de 21,9%
4
nas escolas municipais.
No sistema de ensino estadual encontraram-se quinze escolas cujos indicadores
variaram entre 45,8% a 21,6%. No municipal nove escolas apresentaram índices com
variações entre 35,7% a 22,2%. (Tabela 15).
Tabela 15 – Escolas estaduais e municipais com índice de reprovação escolar
superior aos índices médios nas quintas séries do Ensino Fundamental em
Florianópólis.
(*) -
Escolas selecionadas para o estudo
3
Termos utilizados oficialmente pelos sistemas de ensino.
4
Se considerarmos os números absolutos da reprovação escolar, somente nas quintas séries do Ensino
Fundamental foram reprovados cerca de 1.400 alunos média/ano (900 alunos média/ano nas escolas estaduais e
500 alunos/média ano nas escolas municipais), o que representou uma média de 40 turmas/ano reprovadas com
cerca de 35 alunos em cada uma delas, somente em Florianópolis.
Escolas
Média % de reprovação
Escolas Estaduais
Escola 1 (1E)* 45,8
Escola 2 37,0
Escola 3 (2E)* 36,1
Escola 4 31,6
Escola 5 29,2
Escola 6 27,8
Escola 7 26,3
Escola 8 26,0
Escola 9 (3E)* 25,7
Escola 10 25,6
Escola 11 (5E)* 24,8
Escola 12 24,2
Escola 13 22,2
Escola 14 22,2
Escola 15 (5E)* 21,5
Escolas Municipais
Escola 1 (1M)* 35,7
Escola 2 (2M)* 29,8
Escola 26,7
Escola 4 26,1
Escola 5 (3M)* 25,8
Escola 6 (4M)* 24,8
Escola 7 22,3
Escola 8 (5M)* 22,3
Escola 9 22,1
27
Depois de estabelecida a relação de escolas que se encontravam com índices
de reprovação acima dos indicadores médio estadual e municipal, procedeu-se uma
segunda seleção. Tomou-se 44,0% das escolas estaduais e 39,0% das escolas
municipais
5
selecionadas inicialmente. Consideraram-se, ainda, escolas que
apresentaram bruscas alterações nos indicadores entre os anos estudados. Também,
em função da grande movimentação nas escolas situadas na região norte do
município, optou-se por acrescentar mais uma escola municipal (6M) à relação das
selecionadas. Desta forma, todas as escolas na região citada estariam incluídas no
estudo e poderiam ser acompanhadas
6
. Passou-se, assim, a analisar os indicadores de
onze escolas, cinco estaduais e seis municipais.
O ponto de partida para localização e seleção desses estudantes foram os
relatórios finais existentes nas escolas públicas, estaduais e municipais, por turma e
série
7
do Ensino Fundamental, entre 2000 e 2004, que concentravam índices de
reprovação e interrupção escolar acima dos índices médios oficialmente registrados.
Produziu-se, assim, um trabalho de garimpagem, procedimento que levou à
organização de listagens nominais.
O acompanhamento dos relatórios e o registro da trajetória dos alunos
selecionados permitiram a inclusão na pesquisa daqueles que interromperam seus
estudos sem terem reprovado na quinta série. Pelos resultados escolares observados
no histórico de notas dos alunos, durante o período letivo, muitos apresentavam notas
insuficientes. Na elaboração das listagens encontraram-se especificidades maiores do
que os dados quantitativos oficiais indicavam. O trabalho de registro cuidadoso de
algumas secretárias escolares favoreceu o acompanhamento do movimento ocorrido,
por turma, nas quintas séries e a identificação da extrema movimentação existente
durante o ano letivo.
Na listagem da escola 6M, as cinco turmas de quinta série chegaram a
apresentar uma média de sessenta alunos/ano, contabilizados os que permaneceram
na escola, transferiram, interromperam seus estudos e os admitidos de outras
5
O critério de 44,0% para escolha das escolas estaduais e de 39,0% para as escolas municipais seguiu a
proporcionalidade do número de escolas que superaram os níveis médios de reprovação – 44,1% no sistema
estadual de ensino e 39,1% no sistema municipal de ensino.
6
A escola municipal (5M) incluída na relação das escolas selecionadas para o estudo possui uma média de
reprovação, nas quintas séries, de 18,5%.
7
A escolha da quinta série se deveu ao fato desta série concentrar o maior número de interrupções escolares e
reprovações em nível nacional e em Santa Catarina.
28
instituições, desde a matrícula inicial até a matrícula final. Essa alta movimentação
escolar instigou outros questionamentos importantes como: Quais os condicionantes
dessa movimentação? Havia relação entre o movimento de transferências e
interrupções e a tentativa de alcançar a aprovação escolar? Com que intenções
esses alunos trocavam de escola constantemente? Essa movimentação se dava entre
escolas próximas?
Dois instrumentos foram aplicados aos alunos que haviam reprovado ou
interrompido seus estudos e continuavam na escola entre 2000 e 2004. O primeiro
consistiu num questionário a todos os alunos identificados independentemente da
série em que se encontravam. Esse questionário viabilizou traçar o perfil dos alunos
que permaneciam na escola ou a ela haviam retornado para caracterizar suas
expectativas e relações desenvolvidas na escola. Foram aplicados questionários aos
que permaneciam na escola e aos que haviam interrompido seus estudos e foram
localizados. O questionário possibilitou traçar o perfil desses estudantes e permitiu
escolher os que seriam entrevistados. Os dados coletados em oitenta e cinco
questionários possibilitaram realizar as primeiras escolhas dos que seriam
entrevistados sem que se houvesse definido um número limite de entrevistas.
O segundo constou de uma entrevista com treze alunos que reprovaram e/ou
interromperam seus estudos, de forma a aprofundar as informações sobre as questões
da pesquisa e a relação escolaridade-reprovação. Também foi aplicado o questionário
nos dois alunos que interromperam seus estudos e, até o momento da entrevista, não
haviam retornado.
Na categoria dos reprovados deveriam ser incluídos estudantes que:
reprovaram uma ou mais vezes e continuavam na escola; reprovaram e
interromperam seus estudos; reprovaram e solicitaram transferência da escola. Nesta
categoria ainda encontravam-se aqueles que reprovaram em outras escolas e foram
transferidos para uma das escolas pesquisadas. Na categoria, interrupções da
escolaridade encontravam-se: estudantes que interromperam seus estudos retornaram
e continuavam na escola; aqueles que interromperam os estudos e mais tarde
solicitaram transferência para outras escolas e os que, tendo interrompido seus
estudos, não haviam retornado até 2004 para a escola de referência.
29
Entretanto, um mesmo aluno poderia ter sido reprovado, interrompido seus
estudos, retornado e solicitado mudança de escola o que dificultou a elaboração das
listagens e a separação dos alunos entre as categorias definidas. Portanto, não haviam
situações isoladas, mas combinações variadas de situações. Dessa forma procurou-se
selecionar os que apresentassem variadas trajetórias escolares.
Experiências anteriores de pesquisa mostraram que as entrevistas
possibilitaram maior variedade e aprofundamento das informações. A construção da
história escolar de cada entrevistado se fez por depoimentos intervindo apenas com
pequenas indicações. No entanto, o aprofundamento das leituras mostrou que era
necessário garantir o levantamento de informações que pudessem responder à
questões prévias da pesquisa e trabalhar com maior profundidade. Desta forma, foi
elaborado um roteiro que possibilitou aos entrevistados relatar aspectos por eles
considerados importantes, como também provocar o diálogo sem perder a dinâmica
do depoimento. Como afirma Nadir Zago (2003, p. 296), não se trata de usar
camisas-de-força que dominam o pesquisador e impedem descobertas
de novos caminhos e nem de estender a entrevista a todas as
direções. O interesse é acrescentar questões que a situação sugere
quando estas têm relação com a problemática da pesquisa
.
As entrevistas com os alunos, realizadas com base nas histórias de reprovação
e interrupção escolar, obedeceram a um roteiro de orientação que possibilitassem
levantar informações: pessoais e familiares; relações que estabeleciam com a escola,
formas de organização na escola: normas, regras, horários, notas, avaliação,
organização dos conteúdos, hierarquia das disciplinas, pré-requisitos, relações com
professores e os saberes escolares; o cotidiano do trabalho, amigos, família; impacto
da reprovação e da interrupção escolar: na vida pessoal, na família, com os amigos,
na vida profissional; expectativas de escolaridade e de vida futura; participação e
percepção sobre políticas de intervenção na reprovação: classes de aceleração,
recuperação paralela, monitoria etc. As entrevistas foram gravadas, transcritas,
categorizadas e analisadas. A gravação dos depoimentos foi imprescindível para o
registro dos diálogos. Como afirma Kassar (2003, p. 419), ‘este procedimento
possibilitou contato mais lento e cuidadoso com diferentes dizeres e impediam que as
falas pudessem perder-se na memória ou, mesmo, ser modificadas por ela.’
30
As relações estabelecidas pelos estudantes nas diferentes situações escolares,
na família, no trabalho e nas situações cotidianas, possibilitaram a compreensão de
como esses sujeitos se apropriavam do mundo dependendo de suas oportunidades,
seus interesses e das formas de relacionamento com as normas e os papéis que lhes
foram propostos ou impostos, e a identificação, por meio dos históricos escolares, de
cada um e das turmas.
A elaboração dos perfis de configurações
O desafio, ao analisar as histórias sobre escolaridade, era o de ir além das
falas dos estudantes e compreender não somente as relações que eles desenvolviam
com a escolaridade nos diferentes espaços sociais, mas também entender como
configurações familiares e sociais semelhantes engendravam níveis de adaptação
escolares tão diferentes. O que poderia explicar porque parte deles tenderiam avançar
nos estudos mesmo em condições adversas, e outros, que reuniam melhores
condições sociais, tendiam a repetir situações de reprovação e interrupção escolar.
Para elaboração dos perfis tomou-se como ponto de partida a metodologia
desenvolvida por Lahire (1997, p. 14), na qual o pesquisador optou por um ‘quadro
de uma antropologia da interdependência, por estudar explicitamente uma série de
questões (singularidade /generalidade; visão etnográfica/visão estatística;
microssociologia/macrossociologia; estruturas cognitivas individuais/estruturas
objetivas...) a respeito de um objeto singular e limitado’ e as possibilidades
metodológicas no sentido de ‘assar da linguagem das variáveis à descrição
sociologicamente construída das configurações sociais compreendidas como o
conjunto dos elos que constituem uma parte da realidade social concebida como uma
rede de relações de interdependência humana. ’ (LAHIRE, 1997, p. 40).
Assim, os perfis foram elaborados baseados na afirmação de que a reprovação
e a interrupção escolar não tinham causa única e ocorreram em razão de uma
multiplicidade de fatores que dependiam do tipo de relações estabelecidas entre os
diferentes sujeitos e as inter-relações entre famílias-escolas-estudantes. Por mais que
fossem considerados instrumentos reguladores utilizados oficialmente pelas escolas,
os fatores que incidiram sobre as situações de reprovação e interrupção nem sempre
estavam relacionados à escola, como já havia sido apontado por Lahire em suas
pesquisas (1997). Eram fatores sociais, econômicos e políticos que, juntamente com
31
as questões escolares, levaram muitos estudantes a situações de êxito ou fracasso
escolar.
As histórias se formaram numa intrincada relação entre a instituição escolar,
os estudantes, os grupos de referência e outros espaços sociais, como o trabalho e
expressavam formas diferenciadas de pensamento e ações produzidas, muitas vezes,
contraditórias; estudantes que reagiam de diferentes maneiras às experiências vividas
na escola; que se mobilizavam para as atividades escolares ou não escolares ou se
submetiam a elas ou, mesmo, para os que reagiam ignorando-as.
Essas reações tiveram como questão fundamental a existência de sentido para
o trabalho escolar, que nem sempre estava presente nas relações desenvolvidas pelos
estudantes com o estudo. Para construir os perfis foi importante situar as
características mais gerais dos estudantes e suas famílias, de modo que, com base em
pontos comuns, se organizasse o que era geral. Para isso, foram identificados
aspectos que nortearam a elaboração dos perfis e permitiram o estabelecimento de
princípios articuladores para a identificação das singularidades e os traços gerais que
pudessem dar unidade às análises. Esses princípios possibilitaram a construção das
configurações e de temáticas destacadas no conjunto das entrevistas, e que estavam
diretamente ligadas às situações escolares vividas pelos estudantes.
O Quadro de Configurações Sociais e Escolares (descrito a seguir) foi
construído com base em variáveis que apresentavam regularidades: 1) Facilidades
com a escolaridade; 2) Mobilização pela escola e por outras atividades; 3) Imagem de
si frente à escolarização; 4) Fatores de mobilização familiar: auxílio nas tarefas e
investimento na educação e cultura; 5) Existência e/ou participação em projetos de
atendimento proporcionados pela escola; 6) Mudanças de escola.
32
VII – Quadro de Configurações Sociais e Escolares:
Legenda: = Nível alto; = Nível médio; = Nível baixo; ↓↑= Com variações
Esses fatores foram selecionados nas histórias dos estudantes e considerados
segundo o grau de mobilização de cada um dos entrevistados. Assim, quanto mais
elevado o grau das relações estabelecidas, maior eram as indicações de proximidade
com a escola. Quanto menor o nível de envolvimento, maior se mostrou a perspectiva
de repetirem-se as situações de reprovação e interrupção escolar. Quanto maior o
número de transferências de escola, mais os estudantes tendiam a apresentar
dificuldades. Esse entrelaçamento de situações sinalizou condições mais ou menos
favoráveis às relações escolares que esses estudantes vinham desenvolvendo e às
possibilidades de continuidade dos estudos.
Esse Quadro de Configurações possibilitou o estabelecimento de três
agrupamentos dos treze perfis traçados, baseados na construção de resumos analíticos
Nome
dos
alunos
Facilidade
Mobilização
Imagem
si
Fatores familiares Fatores
escolares
Mudança
escola
Escola Outras Auxilio
tarefas
Investi
mento
Projetos
Atendi/
Thiago
Æ Æ
↓↑ ↓↑
S2
Letícia
S4
Estevan
Æ Æ
↓↑ ↓↑
S3 EJA
Gustavo
Æ Æ
↓↑
--
Camila
Æ
↓↑ ↓↑
↓↑ ↓↑
S3
Vanessa
Æ
S3
Marlon
S3
Maria L.
Æ Æ Æ Æ
↓↑ ↓↑
S2
Tatiana
Æ
Æ
S3
Augusto
--
Jackson
Æ Æ Æ
--
Tatiane
S2
Vinicius
S3
33
das temáticas estudadas, da análise das relações que os entrevistados produziram em
cada uma delas e das inter-relações entre as diferentes temáticas. São eles:
Agrupamento 1: Uma relação de distância com a escola – situações anunciadas
(4 perfis);
Agrupamento 2:- Uma relação escolar instável (6 perfis);
Agrupamento 3:- As possibilidades de continuidade escolar (3 perfis).
Esses agrupamentos permitiram categorizar as relações que esses estudantes
mantinham com a escola e os possíveis impactos que as reprovações e interrupções
escolares vinham produzindo em seus cotidianos. Ademais, possibilitou a
compreensão de como esses estudantes tendiam a repetir situações semelhantes,
tornando ainda mais irregular suas trajetórias escolares, ou afastarem-se delas com
maior probabilidade de continuidade dos estudos.
Ao analisarem-se as singularidades que compuseram cada história dos
estudantes, foi possível identificar também os aspectos comuns nela inseridos. Foi
assim que, ao ler e reler as entrevistas, elegeu-se oito temáticas que, por estarem
interligados, serviram, também, de eixo condutor para a elaboração dos perfis. Esses
temas, academicamente relacionados a seguir, permitiram verificar como os
estudantes reagiam de diferentes formas a situações familiares e escolares similares.
Destacaram-se neste estudo:
a) A transição das séries iniciais para as finais do Ensino Fundamental: a
especificidade das quintas séries.
b) O sentido da escola (ou a falta de)
c) As relações com os conhecimentos escolares: dificuldades acumuladas nas séries
anteriores ou específicas da quinta série
d) A avaliação do rendimento escolar: padrões e critérios de aprovação
e) As mudanças de cidade e de escola: as dificuldades nos processos de adaptação
f) Relações de proximidade com o trabalho e com outras modalidades de ensino: o
distanciamento da escolaridade regular.
Entretanto, era preciso ter clareza, como já destacado anteriormente, que não
representaram fatores isolados, causas únicas às situações de reprovação e
34
interrupção escolar. Esses fatores estavam inter-relacionados nas vidas dos sujeitos
estudados e ganharam maior ou menor importância dependendo da forma como
compunham o cotidiano dos alunos, das famílias, comunidades e escolas.
Este estudo foi organizado em quatro capítulos. O Capítulo I - A busca de indícios
para o estudo das reprovações, repetências e interrupções escolares, foi dividido em três
partes. Na primeira procurou-se discutir os limites dos processos de democratização da
escolarização, em uma perspectiva histórica sobre a expansão das oportunidades escolares,
principalmente para as classes populares. Na segunda expuseram-se as formas de organização
dos sistemas de ensino no cotidiano escolar das escolas estaduais e municipais em
Florianópolis, formas essas que têm afetado as relações desenvolvidas pelos alunos com a
escolaridade. Compreendeu a análise dos planos, projetos, formas de organização do ensino,
regulamentações dos sistemas de avaliação do rendimento escolar e da função dos Conselhos
de Classe. A terceira parte concentrou reflexões, com base nas referências bibliográficas,
sobre os processos de reprovação, repetência e interrupção em escolas públicas brasileiras, de
maneira peculiar, nas quintas séries do Ensino Fundamental.
O Capítulo II - A abordagem quantitativa no estudos das reprovações e
interrupções escolares foi dividido em duas partes. Na primeira foram expostas e analisadas
as referências estatísticas nacionais e locais sobre as reprovações e interrupções escolares.
Procurou-se mostrar a importância do uso dessas informações, os limites e as possibilidades
que proporcionaram. Na segunda parte, a necessidade de buscar nas informações escolares o
detalhamento que pudesse explicar as diversas situações escolares, as possibilidades de
utilização de dados quantitativos, suas incongruências e a necessidade de sua depuração.
Pistas buscadas na produção dos dados estatísticos e nas formas de organização das escolas,
quase sempre secundarizadas nos levantamentos oficiais, como os multirrepetentes, as
movimentações da interrupção escolar e o peso das disciplinas escolares nas avaliações.
O Capítulo IIIHistórias de alunos envolvidos em situações de
reprovação e interrupção escolar procurou-se evidenciar o uso da pesquisa
qualitativa e a necessidade de buscar nas singularidades das histórias de alunos em
situações de reprovação e interrupção escolar, o sentido de ampliação do
entendimento das relações desenvolvidas na escola. A caracterização dos
entrevistados e de suas famílias e a construção dos Perfis de Configurações Sociais
35
possibilitaram compreender as relações entre os diferentes sujeitos que participavam
da ação escolar. Foram elaborados treze perfis agrupados em três categorias.
No Capítulo IV As diferentes dimensões das reprovações e
interrupções escolares estabeleceram-se, mediante as singularidades e
regularidades, identificadas nas várias leituras dos perfis de configurações,
princípios articuladores, seis temáticas dos condicionantes das situações de
reprovação, interrupção e retorno à escola na percepção dos alunos. A elaboração dos
perfis e os agrupamentos em três categorias permitiram estabelecer uma dinâmica
sem estabelecer uma quebra para análise de cada temática analisada. Eles foram
surgindo no desenrolar da história de cada um, dependendo do grau de influência e
impacto que cada um dos fatores arrolados nas histórias vivenciadas foi indicando
maior ou menor aproximação com as relações escolares.
CAPÍTULO I
A BUSCA DE INDÍCIOS PARA O ESTUDO DAS REPROVAÇÕES,
REPETÊNCIAS E INTERRUPÇÕES ESCOLARES.
1.1. Os processos de democratização do ensino: diretrizes e limites
O direito à educação no Brasil sempre foi um processo marcado por embates
sociais e orientações político-partidárias. Embora tenham ocorrido avanços na
ampliação das oportunidades escolares nos quatro níveis de ensino, Educação
Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior, essa melhoria foi
realizada em limites bastante estreitos, demarcados pelo alto grau de seletividade e
poucas oportunidades econômicas, sociais e políticas, principalmente nos meios
populares. As dificuldades de acesso e permanência nos sistemas de ensino
encontravam-se assentadas no próprio processo de organização da sociedade
brasileira, fundada em bases desiguais, sob princípios de exploração colonialista e de
mão-de-obra escrava.
Segundo Horta (1998, p.10), o direito à educação esteve estreitamente
vinculado à obrigatoriedade escolar. Para ele, o dever de educar, por parte do Estado,
correspondeu à “obrigatoriedade escolar como imposição ao indivíduo”. Somente na
Constituição Federal de 1988 o Ensino Fundamental foi considerado direito público
subjetivo
1
e obrigação do Estado no que se referiram à sua oferta.
No Brasil, a idéia republicana de escolarizar a população emergiu da discussão
política da democracia, entendida como necessidade para a ampliação do número de
votantes e das idéias de formação de uma classe operária no início do século XX
(SOUZA, 1998, p. 65). O princípio de democracia chegou pelo avanço das idéias
burguesas e os primórdios republicanos, por meio de uma ordem social e política
voltada à valorização dos produtos agrícola e concentradora dos lucros nas mãos de
uma burguesia agrário-exportadora (CARVALHO, 1998, p. 45).
1
Segundo Horta (1998, p.8), direito público subjetivo era o poder de ação que a pessoa possuía de proteger ou
defender um bem considerado inalienável e ao mesmo tempo legalmente reconhecido.
37
O isolamento em que vivia a população rural dificultava as manifestações de
descontentamento dos trabalhadores. Com o aumento dos movimentos imigratórios e
a rápida expansão urbana se intensificaram os embates com o operariado em
formação e foram obtidos certos avanços na luta pelos direitos políticos e sociais. A
expansão da escolaridade básica para a população trouxe, de forma explícita, o ideal
de preparação de mão-de-obra para servir ao capital, ficando em segundo plano a
expansão dos direitos à cidadania.
As lutas pela expansão da escolaridade se fizeram presentes no Brasil de
forma incisiva com o aparecimento de grupos sociais compostos por trabalhadores
urbanos ligados aos ideais socialistas, anarquistas e comunistas, que contribuíram de
forma significativa, na difusão de princípios culturais e educativos.
Esses movimentos que defendiam o ensino obrigatório, gratuito e a criação e
manutenção de escolas públicas, colaboraram na abertura de escolas operárias e
bibliotecas populares. Os ideais comunistas, em 1920, influenciaram os trabalhadores
urbanos a retomarem algumas das reivindicações socialistas pela ampliação da escola
pública, obrigatória, gratuita e leiga; ajuda econômica às crianças pobres; aumento
das escolas profissionais, entre outras. A escola atendia a poucos e consolidava e
defendia os valores da classe dominante (GHIRALDELLI, 1986).
Para Coutinho (2002, p. 20) o período de 1910 a 1930 caracterizou-se como o
de expansão do ensino no Brasil, em ´uma versão minimalista de democracia, pois
excluía a idéia da soberania popular`. Nos anos de 1930, os efeitos da primeira
Guerra Mundial levaram a uma política de desenvolvimento capitalista nacional,
provocando transformações na estrutura social brasileira (proprietários urbanos,
funcionários públicos, intelectuais, militares, pequenos e médios consumidores e
comerciantes) que pressionaram por maiores oportunidades educacionais.
Somente na Constituição de 1934, artigo 149, pela primeira vez, a educação
foi considerada direito de todos a ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos (Ribeiro, 1982). O período, considerado renovador e fecundo pelos debates
abertos em congressos e conferências foi impulsionado por educadores
escolanovistas como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Almeida
Júnior e outros que defendiam a laicidade, a gratuidade e a responsabilidade do
Estado sobre a educação.
38
Nesse período houve ampliação de unidades escolares, de matrículas,
crescimento no número de professores, mas ainda não suficientes. Com a expansão
do número de matriculados aumentou também o número de reprovados no ensino
elementar de 40,0% para 42,0%, e no Ensino Médio
2
de 72,0% para 79,0%
(RIBEIRO, 1982, p. 111). O ensino profissional foi valorizado. No entanto, manteve
a contradição entre trabalho manual e intelectual, o primeiro destinado aos operários.
Em 1937, período getulista, segundo Ghiraldelli (1986), o Estado se
desobrigou da expansão do ensino público gratuito e instituiu o ensino público pago,
tornando obrigatório o trabalho manual em todas as escolas e estabelecendo regime
de cooperação entre indústria e Estado (COUTINHO, 2002, p. 18). A reorganização
das forças liberais foi feita de forma a ‘colocá-los a serviço da perpetuação da ordem
capitalista. ’
Em 1942, a reforma Capanema uniformizou o currículo e a organização do
ensino. O ensino secundário, composto de cinco e dois anos, passou a ser de quatro e
três anos. Os primeiros quatro anos correspondiam ao Curso Ginasial, (5ª a 8ª séries
do atual Ensino Fundamental) e os outros três anos ao Ensino Colegial, organização
similar a atual (GHIRALDELLI, 1986).
Apesar dos avanços no número de matrículas, ao final de 1940, ainda havia
muitas crianças fora da escola. A taxa de escolarização do ensino elementar atingiu
apenas 20,0%, agravada por altos índices de reprovação e interrupção escolar.
Segundo relatório estatístico do MEC, apenas 15,0% dos ingressantes, em 1945,
conseguiu concluir o ensino primário (ROMANELLI, 1980, p. 64).
Ao final da Segunda Guerra Mundial reascenderam os ideais democráticos
mundiais. A Constituição de 1946, de tendência democrática no Governo de Gaspar
Dutra, afirmava a obrigação do Estado na expansão do ensino público, a gratuidade
do ensino primário, mas restringia o direito de acesso gratuito aos demais graus de
ensino (RIBEIRO, 1982, p. 123). Mesmo assim, o ideal mínimo de quatro anos de
escolaridade para todos não se tornou realidade (RIBEIRO, 1982, p. 110). A cada
100 crianças que conseguiram entrar na primeira série do ensino elementar, apenas
13, em 1935, ou 21, em 1955, concluíram a quarta série (XAVIER, 1994, p. 161).
2
O Ensino Médio era composto por dois níveis, correspondendo o nível ginasial às atuais séries finais do Ensino
Fundamental (5ª à 8ª séries).
39
Até os anos de 1960 foram inúmeras as reformas feitas no sistema de ensino
brasileiro. Elas representaram, para Romanelli (1980), um mecanismo de controle da
classe dominante sobre a expansão da rede escolar e criação de uma rígida estrutura
de avaliação que dificultou o prosseguimento dos estudos para as classes populares.
Desta forma, a dificuldade de acesso a outros níveis de ensino vinha sendo
historicamente mantida na estruturação da educação no Brasil tornando-a elitista,
discriminatória e seletiva. Segundo Ribeiro, de 1935 a 1945 não houve alteração nos
índices de conclusão do curso primário, 14,8% e 16,5% respectivamente (1982,
p.131).
A instituição de exames de admissão ao ensino ginasial (5ª a 8ª. séries), ao
secundário e ao superior, determinou uma dualidade no acesso. Esses exames
conferiram o passaporte de continuidade dos estudos ao ginásio para poucos alunos.
Para a maioria da população era preciso transpor não só as barreiras para aprovação
em cada série, como as impostas pelos testes seletivos em cada nível de ensino.
Somente ao final dos anos 1950 ganhou consistência a idéia de ampliação das
oportunidades educacionais para a população. Entretanto, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei n. 4.024, aprovada em 1961, ainda apresentava
características liberais e uma democracia restrita dirigida por uma elite sócio-
econômica (SAVIANI, 1988). Com a instituição dessa lei o ensino foi dividido em
três níveis: primário, médio (ginásio e colegial) e superior. Segundo Valle (2003, p.
28), mesmo tendo o ensino primário se tornado obrigatório a partir dos 7 anos, a lei
“não levava em conta as dificuldades de acesso à escola primária para numerosas
camadas sociais.”.
Com a manutenção dos princípios de seletividade e exclusão surgiram diversos
movimentos de educação popular voltados para a alfabetização de adultos. Esses
movimentos se constituíram em experiências vividas, segundo Paiva (1998), pelos
profissionais da educação, setores progressistas da Igreja Católica, intelectuais,
artistas e estudantes que promoveram projetos visando à escolarização das classes
populares.
Os sindicatos também exerceram, no período, papel fundamental na
organização de escolas primárias e técnicas de nível ginasial, cursos de alfabetização
noturnos, de preparação ao exame de admissão ao ginásio, curso para formação
profissional, especialmente nas áreas de contabilidade bancária, corte e costura e
40
culinária, tentando melhorar o acesso à escolarização de trabalhadores (MUSEU DA
TV BRASILEIRA, 2003). Era a forma pela qual a organização operária respondia à
precariedade de acesso à escolaridade no Brasil desde 1950.
Para Cunha os embates sociais pressionavam, também, no sentido de eliminar
as barreiras de acesso a outros níveis de ensino. Para ele, na década de 1960, “havia
realmente um gargalo muito estreito entre primário e ginásio” e segundo dados de
escolarização, no Estado de São Paulo, em 1963, “para um contingente de 100 alunos
na escola de 1ª a 4ª série, havia 14 em 5ª a 8ª.” (1979, p.128) Em 1967, com a
regulamentação para unificação dos exames de admissão ao ensino colegial em cada
estado, ocorreu uma melhora desses índices: “a cada 100 alunos concluintes da 4
ª
série, 21 conseguiram acesso ao ginásio.” Porém, a eliminação do exame de admissão
alterou esses números ainda mais: “dos 100 concluintes, 65 entraram na 1
ª
série do
ginásio” (CUNHA, 1979, p. 130).
Após o golpe militar, em 1964, o governo adotou um modelo educacional que
ia de encontro ao modelo econômico e social internacionalizado. Esse projeto foi
estruturado na Lei 5.692 de 1971 que estendeu a obrigatoriedade e gratuidade de
quatro para oito anos. Essa expansão proporcionou a entrada para as escolas
públicas de uma população que até então não tivera acesso a ela. Segundo Cláudio
Nogueira e Maria Alice Nogueira (2002), esse maior acesso à escola, principalmente
para uma população que, até então, não tivera tal oportunidade, tinha por base uma
visão socioeconômica mundial, difundida nos anos de 1960, de superação do atraso
econômico pela expansão da escolaridade a toda população, principalmente entre o
operariado. Supunha-se que, por meio do acesso à escola pública e gratuita, seria
garantida a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos; contribuição
fundamental para a construção de uma “nova sociedade, justa (meritocrática),
moderna (centrada na razão e nos conhecimentos científicos) e democrática (fundada
na autonomia individual)” (2002 p.16-17). Instituiu também as bases do ensino
profissionalizante, reafirmando o dualismo entre a escola de preparação do operário e
a escola da elite – chamando-o de Ensino de 2
º
Grau, antes composto pelo ensino
ginasial e colegial
3
(VALLE, 2003, p. 29).
3
Segundo Zenir Maria KOCH, ‘Uma leitura da questão do fracasso escolar na escola pública catarinense’.
Florianópolis: UFSC, 1989, p. 47. [Dissertação de Mestrado], o ensino médio foi valorizado a partir da década
de 1940 e com a aprovação das leis 4.024/61 e 5.692/71.
41
Redefinida a política escolar nacional, a democratização do ensino ampliou
não somente o número de vagas em todas as séries, principalmente as iniciais, como
provocou um efeito cascata que gerou um aumento do número de escolas e
conseqüentemente do número de alunos, professores, funcionários, turnos, custos e
materiais. Nas grandes capitais brasileiras o número de escolas quadruplicou num
prazo inferior a 10 anos, não ocorrendo o mesmo com o orçamento destinado às redes
públicas de ensino. Para Paiva (1998, p. 45), no Brasil, essa expansão correspondeu à
“multiplicação dos prédios escolares, que passaram de 28.000 em 1946 para cerca de
200.000 em 1996. O número de funções docentes se elevou, chegando a 248.000 em
1960 e atingindo 1.377.665 em 1994, segundo dados do MEC”. Em Santa Catarina,
como na maioria dos Estados brasileiros, a expansão inicial ocorreu no sistema
estadual de ensino com a criação de novas escolas e a ampliação de outras.
Se a década de 1970 foi marcada pela política de ingresso à escola das
crianças de 7 a 14 anos, ampliando o número de vagas em todas as regiões
brasileiras, observou-se que, de fato, deu-se acesso às séries iniciais do ensino, sem
perspectiva de conclusão das oito séries, em princípio, obrigatórias. Em 1975, de
cada 100 alunos matriculados no Ensino Fundamental 71 encontravam-se nas 1
ª
à 4
ª
séries, 29 estavam nas 5
ª
à 8
ª
séries. Dez anos mais tarde, mesmo com o aumento
significativo de matrículas, os dados não haviam se alterado. “Correspondiam a 70
nas séries iniciais e 30 de 5
ª
a 8
ª
séries, a cada 100 alunos”. (PEREZ, 1999, p. 69).
O processo de exclusão a que foram submetidos os alunos oriundos das classes
populares reacendeu as idéias de defesa de uma escola pública para todos e culminou
com greves operárias nacionais, na intensificação do movimento pela anistia, em
defesa do magistério em vários estados e pela criação de duas importantes entidades:
a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, ANPED, e o
Centro de Estudos Educação e Sociedade, CEDES. Em 1979, professores e
especialistas fundaram em São Paulo a Associação Nacional de Educação – ANDE
com o objetivo de buscar uma educação identificada com os princípios da democracia
e justiça social. Estes três órgãos organizaram, durante a década de 1980, as
Conferências Brasileiras de Educação, eventos fundamentais para o fomento das
idéias que iriam embasar a organização da Constituição de 1988 (CUNHA, 2001).
Foram instituídos grupos da sociedade civil e institucional que estabeleceram as
42
bases da Carta Constitucional de 1988, e também participaram na elaboração de
projeto de lei para regulamentação da educação nacional.
O estabelecimento de diretrizes voltadas ao capital financeiro, à adoção de
modelos econômicos ditados pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional –
FMI, o corte dos benefícios sociais conquistados pelos movimentos grevistas de
1985
4
, a definição do modelo de Estado denominado mínimo e a adoção de políticas
educativas intervencionistas marcaram a década de 1990. As conseqüências, para a
educação, da vitória do plano defendido pelo governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso foram funestas. O projeto que propunha escolarização pública e
gratuita para todos, em todos os níveis de ensino, e que finalmente instituía a
Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio) laica, obrigatória
e gratuita (BRASIL, 1996) foi obrigado a ceder passagem para um outro, que
afirmava ser unicamente o Ensino Fundamental obrigatório e gratuito – tal como na
Lei instituída em 1971 (BRASIL, 1971). O cerceamento do ensino público em alguns
dos níveis de ensino delegou às escolas particulares o atendimento àqueles que
pudessem pagar, direta ou indiretamente, pelos serviços, tanto na Educação Infantil,
como no Ensino Médio e Superior.
A mudança de perspectiva, predominante nos anos de 1970 e 1980, de que
educação era investimento para a perspectiva de que a educação era cara, alterava
os pressupostos que determinaram, ao final dos anos de 1990, as diretrizes da política
educacional. Os reprovados e repetentes que permaneceram na escola em defasagem
idade-série tornaram-se os responsáveis pelo aumento dos gastos (desnecessários)
com a educação. Desse modo, a política de alargamento de oportunidades educativas
não se efetivou. O Brasil chegou à década de 1990 sem conseguir estender, nem
mesmo, a escolaridade básica universal, obrigatória e gratuita, conforme rezava a
Constituição de 1934. Para Cabral Neto (1996, p. 43), “a universalização não se
resolve apenas com o aumento de vagas. Ela implica, também, a redução das taxas de
abandono e de repetência, para consecução do fluxo escolar.”
5
4
No Brasil a luta pela expansão dos direitos sociais antecedeu os movimentos da década de 80 do século XX e
foi marcada pelas greves de 1910, 1917 e 1920, quando operários reivindicavam direitos sociais, nos quais
estavam incluídos os educacionais.
5
Vinte anos depois, verificou-se avanços no fluxo escolar de primeira à quarta séries, mas não na qualidade e
nem na terminalidade do ensino obrigatório. (PAIVA, 1998, p. 78)
43
De 1996 a 2002, a universalização do Ensino Fundamental, muitas vezes
tomada como equivalente à Educação Básica, passou a ser prioridade nos discursos
governamentais e nas propagandas veiculadas nos meios de comunicação. As
estratégias utilizadas para universalizar o Ensino Fundamental nas duas gestões do
governo Fernando Henrique Cardoso compreenderam a municipalização do ensino; a
política de reorganização do fluxo escolar por meio de projetos que possibilitassem a
aceleração dos estudos de alunos com atraso; a política de avaliação dos sistemas de
ensino com base na aprovação e reprovação escolar; a criação do FUNDEF (Fundo
Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental)
6
; o controle curricular e o
fornecimento de livros didáticos.
A transferência da responsabilidade sobre o Ensino Fundamental para as
instâncias municipais desencadeou a expansão de vagas nesse nível de ensino. Essa
alteração delineou-se mediante as críticas ao centralismo e autoritarismo do Estado,
emergentes nos movimentos contestatórios da década de 1980, que levaram à
promulgação da Constituição Federal em 1988. O investimento na descentralização,
de um lado, respeitava os reclamos de maior autonomia por parte dos municípios; de
outro, a intenção do Estado em delegar não somente a gerência da Educação Infantil
e do Ensino Fundamental à esfera municipal, mas também na redução da
responsabilidade financeira (VALLE, 2004, p. 191).
O processo de municipalização se efetivou legalmente com a aprovação da
LDBEN n. 9.394 em 1996, que atribuíram aos estados e municípios a
responsabilidade sobre a Educação Básica. Passíveis de ação judicial, no caso de não
conseguirem prover vagas para o Ensino Fundamental a todos os alunos, em idade
regular ou não, as prefeituras se viram obrigadas a ampliar e construir novas escolas.
Mansano Filho, Oliveira e Camargo (1999), ao estudarem as tendências de matrícula
do Ensino Fundamental no Brasil, de 1975 até 1999, mostraram que os municípios
foram gradativamente incorporando a responsabilidade sobre a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental.
6
O FUNDEF, criado em 1996, consistiu num fundo contábil, reunindo 15,0% de alguns impostos, repartidos
entre os governos estaduais e municipais com base no número de alunos matriculados nas escolas. Foi
substituído pelo FUNDEB em 2006, um fundo de caráter permanente que além do Ensino Fundamental também
passou a contemplar a Educação Infantil e o Ensino Médio. Mais informações ver SOUZA, Donaldo Bello de;
FARIA, Lia Ciomar Macedo de. Desafios da educação municipal. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
44
A intervenção dos organismos internacionais foi feito por meio da adoção de
projetos como estratégias para o cumprimento de metas. Os Estados também criaram
suas alternativas, em parte, pressionados pelos organismos oficiais nacionais. No Rio
de Janeiro o ´Projeto Nova Escola` (FRIGOTTO, 2002, p. 61) estabeleceu parceria
com a Fundação Cesgranrio com a finalidade de instituir um ranking das escolas com
base nas reprovações e possibilitou o recebimento de prêmios financeiros quanto
menor fosse o número de reprovações escolares. Em São Paulo, o CENPEC (Centro
de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) iniciou, em 1996,
o Projeto Classes de Aceleração. Em 1997, o Instituto Ayrton Senna em parceria
com o governo de São Paulo desenvolveu e implantou o ´Programa Acelera Brasil`
em mais de 20 municípios do Estado de São Paulo, com a finalidade de regularizar o
fluxo escolar e possibilitar a conclusão do Ensino Fundamental para os alunos com
dificuldade de aprendizagem (HANFF, BARBOSA, KOCH, 1999).
Contraditório em sua essência, o projeto foi um bálsamo para a maioria dos
alunos atendidos em escolas que fizeram parte da pesquisa sobre Classes de
Aceleração. Fadados à exclusão, rejeitados nas classes regulares, puderam estabelecer
outras relações com a escolaridade. A possibilidade de avançar para uma série
posterior àquela em que se encontravam nas turmas regulares consistiu no objetivo
principal dos alunos. Como redutor de gastos com educação mostrou-se ineficiente já
que os dados analisados mostravam a extensão do tempo de permanência na escola
dos alunos incluídos nas Classes de Aceleração. Poucos foram os alunos que
avançaram direto para outros níveis de ensino. Como redutor do número de
reprovações, repetências e interrupções escolares não se mostraram efetivos porque
atuavam com base em políticas compensatórias, não havendo preocupação em
estabelecer estratégias de ação que pudessem, de fato, intervir nas relações que
produziam reprovados. Em trabalho anterior, foi possível demonstrar “que as
políticas nacionais como a das Classes de Aceleração tem tratado os problemas
educacionais como endemias, cujas medidas paliativas têm o intuito de eliminar ‘a
doença’ da evasão e da reprovação, e desvelar as contradições existentes no ensino
brasileiro”. (HANFF, 2002, p. 12).
A possibilidade de experimentar emoções positivas de êxito e avanço nos
estudos, de ter outra chance, mostrou-se gratificante para os alunos, mas não ilusório.
Estes tinham consciência de que havia diferenças de qualificação entre as turmas
45
regulares e as de aceleração. O ensino oferecido era aligeirado e dificultava a
continuidade nos estudos. O sentimento de impotência frente às reprovações foi
amenizado enquanto permaneciam nas Classes de Aceleração. Mesmo obtendo
avanço nas relações com o saber escolar, esses alunos ao almejarem a continuidade
dos estudos, acabavam obrigatoriamente retornando às classes regulares sendo
submetido às mesmas regras que os fizeram fracassar anteriormente (HANFF, 2002).
Efetivamente, as idéias de regularização do fluxo escolar perpassaram todos os
projetos implantados. A pressão exercida pela gerência dos sistemas de ensino sobre
as escolas forçou professores à aprovação dos alunos. Paralelamente às medidas do
governo federal, muitos municípios organizaram o ensino por ciclos e estabeleceram
um processo de reestruturação curricular como nos casos de Porto Alegre, Santos,
Campinas, Blumenau, São Paulo, Recife, entre outros. No Brasil, a implantação do
sistema de ciclos e do sistema de promoção automática trouxe à superfície a
discussão do processo seletivo, hierárquico e excludente do sistema escolar
brasileiro.
Os debates que afloraram nesse processo serviram para disseminar idéias de
reestruturação da educação nacional. Novas formas de organização curricular, de
atendimento aos alunos e de avaliação entraram em circulação, intermediadas por
debates acadêmicos e colaboraram para novas estruturações da educação. As séries
iniciais do Ensino Fundamental foram as mais incisivamente atingidas o que promoveu
mudanças na forma escolar, na estruturação curricular e no sistema de avaliação. Essas
medidas surgiram com a criação dos sistemas municipais e possibilitou a cada
organização de forma autônoma em relação aos estados.
Para Mansano Filho (1999), a regularização do fluxo escolar nas quatro
primeiras séries do Ensino Fundamental estava vinculada à pressão pela
escolarização das classes populares, a superação das reprovações com o
melhoramento das condições de ensino, e contraditoriamente, a promoção de alunos
com pouca qualificação. Sem dúvida, nos últimos 20 anos, houve avanços na
disponibilidade de vagas no Ensino Fundamental. Entretanto, esse fato não
representou uma forma de democratização de acesso ao saber escolar. Os alunos das
classes populares, apesar de terem conseguido avançar no acesso à escola,
encontraram ainda um ensino com baixa qualificação e pouca estrutura material. A
46
reprovação e a interrupção apresentavam-se ainda sedimentadas na segunda etapa do
Fundamental.
As diferentes tentativas de universalização da educação no Brasil esbarraram
no caráter elitista e seletivo da sociedade brasileira e na forma como o Estado e os
representantes da elite política, social e econômica viam a maioria da população
composta pelas classes populares. O processo de democratização se mostrou
contrário aos interesses da minoria. A possibilidade de acesso para todos os diversos
níveis de ensino feria interesses da classe dominante.
O processo de democratização da educação no Brasil tem sido resultado de
muitos embates entre grupos com interesses diferenciados. Os avanços alcançados
não se constituíram em produto de benesse política, mas em movimentos de luta pelo
alcance de uma escola pública de qualidade. O Estado não vinha representando o
interesse das classes populares, razão pela qual ainda havia restrições à
escolarização, inclusive ao Ensino Fundamental. A reprovação cresceu à medida que
as classes populares entraram para a escola e revigoravam a exclusão praticada em
diversos momentos históricos. Mesmo nos períodos de adoção das políticas de
promoção automática
7
, os sistemas reguladores funcionaram clandestinamente. Por
outro lado, à medida que o fluxo escolar foi sendo regularizado os sistemas de
seletividade avançaram para as séries seguintes. Desta forma, enquanto o fluxo
escolar nas séries iniciais apresentou maior regularização, o gargalo da exclusão na e
da escola vinha se intensificando de quinta a oitava séries do Fundamental.
1.2. Os processos de organização escolar e avaliação do rendimento em
escolas estaduais e municipais de Ensino Fundamental em Florianópolis
Analisar a organização do ensino e as manifestações do ideal de
democratização em escolas dos sistemas estaduais e municipais de ensino em
Florianópolis implicou na investigação das manifestações ocorridas nos processos de
exclusão da e na escola; significou analisar os impactos que a forma escolar
produzia, direta ou indiretamente, entre os alunos e suas famílias e como as idéias
professadas povoavam o imaginário dos professores, pais, alunos, dirigentes.
7
O Sistema de promoção automática consistiu na promoção de alunos independente dos resultados da avaliação
do rendimento escolar.
47
Como já destacado anteriormente, as informações foram organizadas com base
na leitura de relatórios das diferentes gestões nas Secretarias de Educação, estaduais
e municipais, e de documentos existentes nas unidades escolares, como: Projetos
Político-Pedagógicos – PPP, Planos Estratégicos Situacionais – PES, documentos de
análise dos indicadores educacionais, resoluções legais, análise das propostas de
alteração dos sistemas de avaliação, atas de reuniões de Conselhos de Classe de cada
bimestre e finais.
Os movimentos educacionais destacados no início deste capítulo,
principalmente os ocorridos nas décadas de 1970 e 1980, contribuíram para
revitalizar as idéias de construção da escola pública de qualidade para todos e
pareciam caracterizar os ideais professados e defendidos pelos sistemas estaduais e
municipais de ensino.
As mudanças ocorridas nos sistemas estaduais e municipais em Florianópolis
afetaram direta e indiretamente os processos de organização do ensino e refletiam as
diretrizes políticas e pedagógicas que foram sendo efetivadas nas últimas décadas.
Com a criação do Conselho Municipal de Educação, em 1990, e o
estabelecimento de um Sistema de educação, o município passou a ter autonomia,
frente ao Estado, no sentido de regulamentar, organizar e avaliar suas próprias
escolas, definir políticas educativas e facilitar o recebimento de verbas específicas,
até então dependentes do Sistema estadual de ensino. Possibilitou, ademais, exercer
maior controle administrativo e pedagógico sobre suas escolas e, entre outras
deliberações, regulamentar calendário escolar próprio, definir escolhas curriculares e
padrões avaliativos do rendimento escolar.
Essa autonomia permitiu que a Secretaria Municipal de Educação, tivesse
implantado, de 1992 até 1996, uma ação educacional construída com a sociedade
civil na forma de decisões colegiadas
8
. A reestruturação enfocou as mudanças
curriculares por meio da elaboração de Projetos Político-Pedagógicos surgidos das
idéias de organização democrática e envolveram, num trabalho coletivo, professores,
equipes pedagógicas, alunos, pais e funcionários.
8
O mesmo havia ocorrido em outros municípios brasileiros dos quais destacamos Recife, São Paulo, Santos,
Campinas. Em Santa Catarina isso ocorreu em Lages e Blumenau.
48
Pensar um projeto democrático levou às discussões sobre a finalidade da
escola e dos meios necessários para qualificá-la, estabelecendo novos princípios de
organização do processo ensino-aprendizagem. As escolas passaram a ter autonomia
quanto à organização curricular, em especial sobre formas e instrumentos de
avaliação, direcionados para uma postura diagnóstica e na busca de um ensino
visando à qualidade.
Foi possível estabelecer maior proximidade com a comunidade e obter
informações sobre interesses e expectativas de alunos e suas famílias. Todas as
escolas estudadas passaram por diferentes processos de elaboração do PPP e no
momento da pesquisa ainda observavam-se reflexos desse trabalho. Das escolas
pesquisadas duas, 4M e 6M, tinham fixado na memória institucional histórias de
desenvolvimento de ações coletivas que possibilitaram repensar suas dificuldades e
estabelecer estratégias de trabalho diferenciadas. As demais, embora também
possuíssem histórias de organização do PPP, referiram a descontinuidade dessa
forma de planejamento ao afastamento de professores e equipe pedagógica que
participaram da elaboração do projeto inicial.
As mudanças políticas ocorridas depois de 1996 na gestão do município
imprimiram novas diretrizes e formas de supervisão e controle, retirando-lhes a
autonomia conquistada. Indicadores quantitativos tornaram-se centrais na
organização do trabalho administrativo e pedagógico, definidores de prioridades e
indicadores de metas de ação desenvolvidas pelas escolas. No entanto, a base
instituída anteriormente por meio de princípios de organização coletiva permitiu,
para muitas escolas, a garantia de certa autonomia frente aos órgãos de controle do
sistema municipal de ensino, resultando na capacidade de apresentar projetos
específicos de organização do ensino e dos sistemas de avaliação. No entanto, onde o
processo de organização coletiva ainda não havia sido sedimentado ocorreram muitas
dificuldades para a manutenção de um trabalho institucional coeso. Inúmeras escolas
apresentaram impasses nas formas de organização e na continuidade de um trabalho,
como no caso das escolas 1M, 2M e 3M.
O controle e acompanhamento por setores da Secretaria Municipal de Ensino
deram certa homogeneidade às escolas e garantiram a continuidade das indicações
emitidas por meio de uma assessoria pedagógica periódica para solução de
determinados problemas. Os resultados das avaliações do rendimento escolar de cada
49
turma e aluno, nos diferentes períodos, determinaram formas de organização e a
correlação de forças definia o destino de cada um. Indicadores estatísticos de
reprovação e interrupção escolar passaram a ser centrais na organização do trabalho
administrativo e pedagógico por meio de procedimentos padronizados. As reuniões
mensais da administração municipal com diretores, supervisores e orientadores
tinham por objetivo o estabelecimento de diretrizes, ao contrário do ocorrido na
gestão anterior, onde predominavam os debates e a procura de soluções para as
dificuldades de cada unidade escolar.
Análise dos indicadores quantitativos das interrupções, reprovações e
multirrepetências apareceram em relatórios específicos, de 1998 a 2000,
encaminhados pela Coordenadoria de Articulação Pedagógica da Secretaria
Municipal de Educação a todas as escolas com a finalidade apontar ações no PES a
serem desenvolvidas. Os relatórios produzidos nesse período apresentavam
similaridades nas temáticas discutidas e evidenciavam a preocupação dos
coordenadores técnicos na redução do número de reprovações. Formas diretas de
acompanhamento mantinham as escolas constantemente mobilizadas no sentido de
melhorar esses índices (FLORIANÓPOLIS, 1998b).
Nesses relatórios foi possível identificar fatores indicados pelas escolas como
causas da reprovação e da interrupção escolar. A maior parte deles estava associada
aos alunos e suas famílias como: dificuldades econômicas e sociais; pouco valor
atribuído à educação; migrações; escolaridade insuficiente dos pais; desestruturação
familiar; baixa freqüência à escola e comportamentos considerados inadequados, que
ocasionavam situações de violência e indisciplina; o desinteresse para com a
escolaridade; a idade avançada de alguns alunos e; a descontinuidade escolar.
Também eram arroladas como explicativas questões de ordem pedagógica
como: mudanças no sistema de avaliação do rendimento escolar; falta de estrutura
material e profissional; dificuldades de domínio dos conceitos básicos para cada
série; atritos produzidos nas relações entre professores e alunos e; rotatividade e falta
de compromisso profissional de alguns professores. As possíveis causas
constituíram-se temas de discussões nos cursos de formação de professores.
Ademais, ora a família era responsabilizada pela irregularidade escolar, ora a própria
escola.
50
No caso das multirreprovações as causas estavam centradas, quase
exclusivamente, no aluno e sua família, e as soluções propostas relacionadas à
medida que visavam atender às carências individuais e a demanda por profissionais
especializados no atendimento psico-pedagógico. A necessidade de encaminhamento
para serviços de atendimento na Educação Especial e a inexistência de ações
específicas para reforço escolar foram ressaltadas. Reconhecia-se, também, a
dificuldade que a escola e os pais tinham ao lidar com a questão.
Os encaminhamentos para exames médicos e diagnose das deficiências
mentais, motoras ou psíquicas eram comumente encontrados nos registros escolares,
principalmente daqueles alunos que passaram por Classes de Aceleração. No caso das
quintas séries poucos encaminhamentos encontravam-se registrados, até porque eram
raros os casos de continuidade escolar de alunos portadores de necessidades
especiais.
A exigência da produção de listagens nominais de alunos que apresentavam
dificuldades no rendimento escolar explicitava a preocupação com os indicadores da
exclusão escolar por parte da Secretaria Municipal de Educação. Esses registros
foram identificados de 1998 até 2002. As listagens e o número de reprovados nas
quatro séries iniciais do Ensino Fundamental serviram de argumento para a
necessidade da adesão ao Programa Classes de Aceleração, financiado pelo Governo
Federal. Os mesmos indicadores foram utilizados quando da extensão das Classes de
Aceleração para alunos retidos nas séries finais do Ensino Fundamental.
A dinamização dos Projetos Político-Pedagógicos foi estabelecida por meio
dos Projetos Estratégicos Situacionais (PES) criados no período da gestão da Frente
Popular, com a intenção de estabelecer formas de dinamização e estabelecimento de
metas de curto e médio prazo. Ações de contenção das reprovações escolares
encontravam-se registradas com destaque e de modo geral apresentavam medidas de
caráter individualizado como o reforço escolar e a criação de grupos de estudo. Os
que contemplavam um trabalho com professores e equipe pedagógica, como a
organização de oficinas pedagógicas e assessoria nas áreas de avaliação, fracasso
escolar, educação inclusiva e organização de planejamento integrado por série,
disciplina e área de conhecimento, restringiram-se a um menor número de escolas.
Nos PES organizados entre 1998 e 2002 todas as escolas estudadas relacionaram
como meta prioritária, a diminuição dos índices de reprovação e até a sua eliminação.
51
No entanto, somente em uma escola municipal, 5M, havia registro de ações
específicas para prevenção da retenção nas quintas séries.
Nas escolas do sistema estadual de ensino, sob a coordenação política do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, após 1995, documentos
apresentavam o desenvolvimento de ações para “ampliação e reforma de espaços
escolares, reestruturação curricular e estabelecimento de parcerias com o Ministério
da Educação para garantir a infra-estrutura tecnológica [...] e um amplo programa de
formação e capacitação de professores.” (SANTA CATARINA, 1998a).
Paralelamente, foi elaborada Proposta Curricular para Santa Catarina,
organizada por Grupo Multidisciplinar composto por professores de várias regiões do
Estado. Essa elaboração, balizada pelas idéias de democratização do conhecimento
para alunos das classes populares, tinha ampla participação de professores, equipes
pedagógicas e consultores especificamente contratados para esse fim. Sua
elaboração, por cerca de dois anos teve por base as concepções histórico-crítica e
sócio-interacionista. Discussões sobre a reorganização curricular, avaliação do
rendimento escolar e formação para professores por área de conhecimento,
principalmente daqueles que atuavam de quinta a oitava série representaram
momentos ricos entre os professores e coordenadores do sistema estadual. Os
processos que marcaram as reprovações e interrupções escolares eram amplamente
discutidos. (SANTA CATARINA, 1998a).
Contraditoriamente, no mesmo período, as Coordenadorias Regionais
responsáveis pela assessoria pedagógica e a supervisão sobre as escolas sofreram
mudanças e foram transformadas em órgãos de acompanhamento burocrático-
administrativo, estabelecendo um afastamento entre essas coordenadorias e as
escolas. As unidades de ensino, resguardadas as diretrizes gerais da Proposta
Curricular e a legislação em vigência, organizavam-se individualmente. A falta de
encontros coletivos, tão vivenciados nos períodos de elaboração da Proposta
Curricular, manteve cada escola isolada com seus problemas.
Após 1998, as escolas estaduais entraram num período de poucos
investimentos materiais e humanos, greves mal sucedidas, salários em atraso e
defasados, poucas diretrizes político-pedagógicas e os concursos públicos para
admissão de professores efetivos foram substituídos pela contratação de professores
52
em caráter temporário acarretando inúmeras dificuldades na organização
administrativa e pedagógica das escolas.
Nesse ano, depois de discussões polêmicas entre o Governo Federal e a equipe
que comandava a Secretaria Estadual de Educação (PMDB), professores, equipes
pedagógicas, algumas escolas estaduais aceitaram implantar o Programa de Classes
de Aceleração (SANTA CATARINA, 1998c). Destinado para alunos das séries
iniciais que se encontrava em situação de reprovação com mais de dois anos de
defasagem série-idade, foi estendido em 1999 aqueles que apresentavam múltiplas
reprovações nas quintas e sextas séries do Ensino Fundamental. Organizadas
diferentemente das classes regulares, tinham a intenção de proporcionar a
aprendizagem e promover alunos para séries mais avançadas. Fruto da necessidade
das escolas em possibilitar outras oportunidades para alunos em situação de atraso
escolar e de políticas compensatórias adotadas durante o Governo Fernando Henrique
Cardoso (1994-2002), receberam muitas críticas por terem sido consideradas medidas
direcionadas apenas à contenção de custos, abertura das vagas ocupadas pelos
reprovados e oferecimento aos alunos um ensino de menor qualificação. De caráter
contraditório foi uma das poucas alternativas oferecidas aos alunos que se
encontravam excluídos na escola.
Na gestão Esperidião Amim, 1999-2002, houve tentativa por parte da
Secretaria de Educação de resgatar as discussões sobre reprovação e interrupção
escolar, no sentido de dar solução às dificuldades vivenciadas nas escolas por meio
da construção de Projetos Político-Pedagógicos e das experiências positivas
vivenciadas pelas escolas municipais. Entretanto, se nas escolas municipais houve
uma ação intencional de desenvolvimento do PPP envolvendo todas as escolas, no
Estado, sua elaboração cumpria apenas uma exigência burocrática, instituída pela
gestão central, acompanhando os modismos pedagógicos que vez por outra afetavam
as políticas educacionais. Para cumprir a exigência, algumas escolas contrataram
pessoas para a sua elaboração. Aquelas que possuíam um grau de organização
coletiva tentaram fazê-lo. Muitas tiveram seus projetos devolvidos para reescrita:
para alguns professores, ele representou a oportunidade de reorganização da escola,
entretanto, para a maioria apenas o cumprimento de uma tarefa que não representava,
naquele momento, sentido e estratégia de trabalho.
53
Somente uma das escolas estaduais em Florianópolis, 4E, conseguiu dinamizar
e integrar parte dos professores e equipe pedagógica; as demais não pareciam tê-lo
como referência de trabalho.
1.2.1. Avaliação do rendimento escolar
Até a década de 1970 a avaliação estava voltada para o rendimento escolar de
alunos e os instrumentos utilizados expressavam a seletividade existente nas escolas,
resultado da forma como a sociedade brasileira estava estruturada. Com o
revigoramento dos movimentos em defesa da escola pública,na década de 1980,
despontaram concepções diferenciadas de educação, escola e sociedade, de forma a
pensar a realidade brasileira em consonância com os princípios de transformação
social. Como ação destacou-se a avaliação do rendimento escolar.
Contribuíram para isso os estudos de Luckesi (1988) que denunciavam o caráter
excludente, seletivo e classificatório das avaliações. Para ele, a avaliação concentrava
a relação seletiva e meritocrática da escolaridade. Para isso, foi necessário transformá-
la em instrumento auxiliar da aprendizagem. O autor remetia o leitor para o debate
entre quantidade e qualidade, vinculado às discussões sobre democratização do ensino.
Qualidade entendida como conjunto de medidas que abrangia o contexto escolar e não
só a avaliação, produto das inter-relações desenvolvidas na produção dos
conhecimentos.
Essa nova concepção de avaliação chegava aos cursos de formação de
professores e nos sistemas de ensino em consonância com as concepções críticas de
currículo
9
, que embasaram mudanças nas formas de organização escolar de seriação
para ciclagem
10
. Foram transformações importantes que interferiram na concepção da
avaliação, de eminentemente técnica para componente do processo curricular e,
portanto, expressão das relações sociais, políticas e econômicas produzidas na escola
e na sociedade.
Na década de 1990 dois fatores aparentemente opostos influenciaram as
mudanças operadas no sistema de avaliação. O primeiro originou-se nas discussões
sobre política curricular e a organização por ciclos de formação, fundamentais para a
9
O estudo do currículo teve por base a Nova Sociologia, que iria fornecer subsídios sobre a produção do conhecimento. Nacionalmente,
autores como Silva (1992, 1993, 1994, 1995), Moreira (1994), Garcia (1994) foram os responsáveis pela disseminação das idéias de Forquin
(1992, 1993), Giroux (1986, 1993), Apple (2000), Sacristán (1999), entre outros.
10
A organização por ciclos de formação foi implantada na década de 1990 em São Paulo e Porto Alegre, tendo em vista a alteração das
formas de organização escolar.
54
alteração nas formas de avaliação quantitativa para a qualitativa, com prioridade aos
relatórios descritivos. As alterações aprovadas em 1996 na Lei 9394/96 (BRASIL,
1996) permitiram maior autonomia aos municípios e veio reforçar e regulamentar a
necessidade de tornar a avaliação predominantemente qualitativa. O segundo
promoveu a mudança do papel do Estado de provedor para avaliador, refletindo na
pressão exercida sobre as escolas para controle da aprovação e reprovação escolar. A
sistematização de mecanismos de avaliação interna e externa revigorou a utilização
de indicadores classificatórios.
Em síntese, as regulamentações nacionais do sistema de avaliação do ensino
passaram por dois momentos. O período em que as avaliações eram essencialmente
quantitativas; e aquele de transição entre avaliação essencialmente quantitativa para
outra qualitativa, que coincidiu com o período de adequação à Lei 9394/96 (BRASIL,
1996).
Em Santa Catarina nas escolas municipais a situação se aproximava do quadro
nacional. Já nas escolas estaduais a implantação da avaliação progressiva, de 1970
até 1980 demarcou formas de relação com a avaliação e mesmo após a implantação
da LDB de 1996 eram sentidas reações a processos que pudessem parecer similares
(SANTA CATARINA, 1969).
1.2.2. Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas escolas
municipais em Florianópolis
As indicações de avaliação do rendimento escolar para as escolas municipais
de Florianópolis passaram por inúmeras discussões e culminaram no estabelecimento
de resoluções que se coadunavam com os princípios de reestruturação curricular
elaborados durante a gestão da Frente Popular no comando da Prefeitura.
A primeira dessas resoluções, 005/97 (FLORIANÓPOLIS, 1997), foi
elaborada pela Coordenação do Ensino da Secretaria de Educação e aprovada pelo
CME – Conselho Municipal de Educação. O Conselho por meio da Comissão
Especial Ampliada de Avaliação enviou às escolas ofício circular, 001/98
(FLORIANÓPOLIS, 1998b), no qual apresentava a Resolução 005/97 que
normatizava o processo de avaliação das escolas de Ensino Fundamental. O
documento assinalava que a principal função da avaliação era a de
deslocar a qualidade para o plano primeiro de nossas discussões e
compromissos [...] e enquanto educador fica-nos o compromisso
55
inalienável de possibilitar a transmissão, a apropriação e a produção
de conhecimentos para os educandos. [...]. Sob essa ótica,
entendemos que a avaliação configura-se em uma reflexão sobre a
práxis educativa (FLORIANÓPOLIS, 1998b, sp.).
No documento a Comissão também justificava a impossibilidade de terem sido
feitas consultas aos profissionais da rede escolar, solicitando, antecipadamente, a
participação de representantes das escolas com propostas de diretrizes para o ano de
1999. Essa ressalva feita pelo CME demonstrava a insatisfação manifesta dos
conselheiros diante da forma de encaminhamento da resolução, sem consulta à
Comissão Especial de Avaliação. A resolução cumpria parte das indicações feitas na
Lei 9394/96 e exprimia a necessidade de organização e controle das escolas por meio
de diretrizes de avaliação homogêneas para todas as escolas do sistema de ensino
(FLORIANÓPOLIS, 1998b).
Dessa forma no Art. 1º. Parágrafo único, o texto incorporava o Artigo 25:
A verificação do rendimento escolar obedecerá aos seguintes
critérios: avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno;
possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso
escolar; possibilidades de avanço nos cursos e nas séries mediante
verificação de aprendizagem; aproveitamento de estudos concluídos
com êxito e, obrigatoriedade de estudos de recuperação, paralelos ao
período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar
(FLORIANÓPOLIS, 1997).
No entanto, foram deixados à margem fatores referentes à predominância dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos e da avaliação processual sobre os
exames finais, fato compreensível já que a resolução apresentava princípios
eminentemente quantitativos ao instituir, no artigo 2º, que o aluno seria considerado
aprovado desde que tivesse alcançado média cinco ao final dos quatro bimestres do
ano letivo. Caso contrário haveria possibilidade de “recuperar submetendo-se a nova
avaliação em até quatro disciplinas”. (FLORIANÓPOLIS, 1997).
Sua aprovação, ao final de 1997, rendeu inúmeros encontros entre a
Coordenação da Secretaria Municipal de Educação e as equipes responsáveis pelas
escolas municipais insatisfeitos com as modificações realizadas na fórmula de
cálculo das notas. Grupos de orientadores, supervisores e diretores mostravam-se
contrários à resolução porque acreditavam que a redução da média sete (7,0) para
cinco (5,0) acarretaria um afrouxamento da qualidade de ensino e que muitos alunos
56
não veriam mais finalidade em esforçar-se para alcançar a média de aprovação em
até dois pontos. Outros previam que as modificações impostas gerariam aumento no
número de reprovações, posto que os alunos despendessem menor esforço, dada a
ilusão de que a média para aprovação teria baixado
11
.
Em 1998 e 1999 foi produzido documento (FLORIANÓPOLIS, 1999b) sobre o
papel da avaliação na construção do processo ensino-aprendizagem e encaminhado às
escolas para a promoção de debates. Os resultados das discussões, em forma de
relatório, foram enviados à Secretaria. Os registros mostravam o ideário sobre
avaliação de cada instituição de ensino e as representações produzidas sobre as
reprovações e interrupções, por escola, dos professores e das equipes pedagógicas.
Ademais indicavam quanto as decisões coletivas contribuíram para engendrar
posicionamentos favoráveis às mudanças na concepção de educação, da garantia do
uso de práticas democráticas no ato de ensinar-aprender e na defesa de uma avaliação
descritiva. No entanto observou-se um distanciamento entre as idéias professadas
sobre avaliação e os resultados alcançados pelos alunos, já que, no período,
cresceram o número de reprovações, principalmente nas quintas séries.
Nestes documentos, algumas escolas consideravam que a avaliação “não
estava dissociada das relações ensino-aprendizagem, e consistia num instrumento de
poder, que reproduzia a desigualdade social.” Apontando-se as contradições
existentes no interior das escolas reconhecia-se que ela fazia parte de uma sociedade
competitiva e seletiva: “Mudamos nas unidades escolares e quando nossos alunos
saem desta unidade vão disputar na ‘sociedade lá fora’, onde encontram a tão falada
‘nota’.”(FLORIANÓPOLIS, 1999b).
Este período, rico em discussões sobre os indicadores de avaliação favoreceu
o surgimento de novos instrumentos que se coadunassem com práticas qualitativas. A
observação e o diagnóstico surgiram como novidade que poderia oferecer elementos
para subsidiar a avaliação do rendimento escolar dos alunos. A produção de
relatórios descritivos despontou como possibilidade de rompimento da fragmentação
produzida pela nota e pelos processos classificatórios e seletivos. A maioria das
escolas iniciou a transposição de uma avaliação realizada com base em provas e
11
Importante destacar que, em anos anteriores, a média para aprovação em última instância na escola sempre
fora cinco. No entanto, facultava-se ao aluno que apresentasse rendimento igual ou superior à média sete, por
disciplina, a aprovação sem necessidade de submissão a exames finais.
57
testes para outra que valorizava a observação e a análise dos trabalhos e exercícios
desenvolvidos cotidianamente. Esse movimento levou não somente à busca de
modificações no sistema avaliativo, mas a uma mudança de postura em relação às
formas de ensinar e aprender.
As novas diretrizes da avaliação, embora tivessem sido construídas
coletivamente encontraram resistências. Nas séries iniciais o medo das mudanças, a
falta de clareza sobre a utilização dos relatórios descritivos e o dispêndio de mais
tempo na produção dos relatórios de cada aluno eram alegados como impeditivos de
implantação do processo de avaliação. De 5
ª
a 8
ª
séries uma das justificativas estava
direcionada pelos professores ao grande número de turmas e alunos, o que dificultava
a produção de relatórios individuais. Se a utilização da avaliação qualitativa com
base em relatórios descritivos teve grande receptividade nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, o mesmo não ocorreu de 5ª. a 8ª. séries e contribuiu para a
permanência de uma avaliação quantitativa. Os professores dessas séries mostravam-
se resistentes às mudanças que exigiam reestruturação nas formas de organização do
ensino.
As indicações feitas pelas escolas à Comissão de Avaliação do Conselho
Municipal de Educação contribuíram para a elaboração da Resolução 009/98
(FLORIANÓPOLIS, 1998a). Ao contrário da resolução anterior esta refletiu avanços
ao possibilitar a escolha entre duas formas de avaliação do rendimento escolar: a
diagnóstica descritiva e a quantitativa expressa em indicadores numéricos (notas). O
retorno da média 7,0, como critério de aprovação sem exames finais colocou um
ponto final nas discussões sobre o afrouxamento dos critérios de aprovação.
Até ao final de 2002 as discussões nas unidades escolares giravam em torno da
avaliação diagnóstica descritiva, implantada em quase todas as escolas nas séries
iniciais do Ensino Fundamental. A organização dos relatórios descritivos possibilitou
a discussão dos currículos de 1ª a 4ª série, também sob a influência da divulgação
dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Das escolas estudadas, duas realizaram
tentativas de estender a avaliação diagnóstica descritiva até a oitava série, mas,
esbarraram na resistência dos professores sobre o excessivo número de registros a
elaborar, já que cada um tinha, no mínimo, quatro turmas com cerca de 30 a 35
alunos. No caso das disciplinas de Educação Física e Educação Artística o número de
relatórios por professor aumentava de forma significativa.
58
Nas séries iniciais, novos pressupostos teóricos e a adoção da avaliação
diagnóstica produziram a redução do número de reprovações. Ao contrário, de 5
ª
a 8
ª
séries, a permanência de parâmetros quantitativos nas avaliações mantiveram e até
ampliaram esses números. A resistência dos professores à adoção de mudanças na
avaliação também era reflexo da dificuldade de produzir transformações nas formas
teórico-metodológicas.
No entanto, não foi possível saber se a mudança de uma avaliação quantitativa
para outra de cunho mais qualitativo alteraria os níveis de reprovação escolar de
quinta até a oitava série, pois nenhuma das escolas municipais conseguiu implantar
esse tipo de avaliação diagnóstico-descritiva. Todas adotavam o sistema de avaliação
por notas. Esse tipo de avaliação por princípio classificava porque utilizava uma
escala de avaliação de 0 a 10; fragmentava porque as avaliações eram feitas por
disciplina; hierarquizava porque estabelecia graduações entre os alunos; segregava
porque separava os alunos que teriam maior probabilidade de aprovação daqueles que
não teriam.
A obrigatoriedade da recuperação paralela prevista pela Lei 9394/96 foi
adotada pelas escolas na forma de substituição das notas obtidas durante o bimestre
nas quais os alunos não tivessem alcançado a média mínima necessária para a
aprovação. Essa substituição provocou polêmicas nas escolas.
A queixa dos professores também era dirigida aos alunos que faltavam às
avaliações marcadas, pois a lei lhes garantia uma segunda chance: a da recuperação
das notas. Essa prática valorizava os resultados finais em detrimento das atividades
realizadas durante o bimestre. Ao se confundir a possibilidade de recuperar os
conhecimentos não apreendidos com reposição de notas, perdeu-se o princípio de
valorização do processo. Nem o professor, nem as atividades realizadas durante o
bimestre tinham valor educativo. A obtenção da nota tornou-se a motivação principal
para o aluno e assumiu lugar de importância maior do que o da construção dos
conhecimentos.
As mudanças instauram duas práticas contraditórias: a aplicação dos mesmos
instrumentos de avaliação bimestrais nos momentos de recuperação, e a de
estabelecimento de maior grau de dificuldade às avaliações de recuperação no intuito
de forçar os alunos a cumprirem todas as etapas exigidas. A utilização de
mecanismos de facilitação ou de punição criou novos patamares nas relações entre
59
professores e alunos estabelecendo critérios mais ou menos rígidos na atribuição das
notas. Essas regularizações internas, feitas de acordo com os interesses dos
professores, dos alunos e das mudanças nas normativas de avaliação, estabeleceram
correlação de forças de acordo com o peso que cada disciplina ou professor tivesse
na instituição e que a equipe pedagógica e direção conseguissem estabelecer.
As decisões sobre aprovação ou reprovação apresentavam contradições, pois
envolviam diferentes valores ou critérios. Nas justificativas registradas nas escolas
os argumentos demonstravam as formas de pensar a avaliação e a reprovação escolar.
É preciso conscientizar os educadores que a reprovação pode estar
associada a uma prática de avaliação antidemocrática, o que não
significa aprovar todos, [...] é preciso ficar claro que uma avaliação
compromissada com a qualidade, não se caracteriza pelo
autoritarismo e nem pela frouxidão em relação aos alunos, mas por
uma prática construída interativamente (FLORIANÓPOLIS, 1999a,
Escola 6M).
Para professores e equipe pedagógica era difícil repensar valores e clarificar
conceitos que vinham sendo utilizados de formas ambíguas. De um lado, os adeptos
da reprovação eram caracterizados como não democráticos, do outro lado, ficavam os
que eram responsabilizados pela baixa qualidade do ensino e perda do valor
educativo das escolas públicas. Outro argumento indicava que a eliminação dos
processos de reprovação desqualificaria a instituição escola frente a uma sociedade
que se pautava por critérios de mérito e seletividade, inclusive do trabalho dos
professores.
Em 2000, a resolução elaborada pela Direção do Ensino Fundamental, junto à
Secretaria Municipal de Educação, retirou o caráter de avaliação quantitativa
compensatória da recuperação paralela. A recuperação passou a ser extensiva a todos
os alunos e continha o conjunto das avaliações realizadas pelo professor. Atribuiu-se,
formalmente, à Secretaria de Educação e ao Conselho Municipal a tarefa de oferecer
“capacitação referente à avaliação descritiva, recuperação paralela, processo de
aprovação” na tentativa de avançar-se nos princípios de regulação dos sistemas de
ensino (FLORIANÓPOLIS, 2000b).
Com a aprovação da resolução 03/2002 (FLORIANÓPOLIS, 2002), inclui-se o
princípio da “prevalência dos aspectos qualitativos do conhecimento, sobre os
quantitativos, constantes da Lei 9394/96, art.24 V (BRASIL, 1996). Essas
mudanças possibilitaram às escolas optarem entre uma avaliação diagnóstica com
60
predomínio qualitativo e uma avaliação quantitativa baseada em um sistema de notas
com valores de zero a dez. A avaliação quantitativa proposta fora baseada em
experiência desenvolvida por uma das escolas da rede municipal e transformada em
critério geral para todas aquelas que por ela optassem. Ela valorizava o processo já
que eliminava os exames finais, definia um patamar mínimo de aprovação,
estabelecia uma regra de compensação entre as diferentes disciplinas e instituía a
possibilidade de cumprimento de dependência, no caso de reprovação, em até duas
disciplinas. As mudanças, ainda que bem intencionadas, apenas aperfeiçoaram um
sistema que por princípio já era seletivo.
O critério para aprovação no sistema quantitativo numérico pressupunha uma
freqüência anual de no mínimo 75% e a obtenção de média geral igual ou superior a
seis, desde que a média final, por disciplina, não fosse inferior a cinco. Já no sistema
diagnóstico descritivo o aluno deveria apresentar avanços nas diversas áreas do
conhecimento, em relação à diagnose realizada no início do período letivo, em
acordo com os conceitos fundamentais relacionados para a série/ciclo e mais o
critério de freqüência citado (FLORIANÓPOLIS, 2002).
1.2.3. Regulamentações da avaliação do rendimento escolar nas escolas
estaduais em Florianópolis
A história do estabelecimento de sistemas de avaliação nas escolas estaduais
difere substancialmente da vivida pelas escolas do sistema municipal de ensino.
Em 1969 o PLAMEG – Plano de Metas do Governo de Santa Catarina, com o
objetivo de inserir o Estado no projeto nacional-desenvolvimentista
12
, tinha como
meta promover a modernização do sistema educacional catarinense de modo a
adequá-lo ao modelo de desenvolvimento nacional (AURAS, 1995, p. 13).
Antecipando-se à Lei 5692/71 e fortemente influenciado pelas idéias da Escola
Nova propunha a ampliação da escolaridade mínima obrigatória de quatro para oito
anos; a democratização do ensino pela expansão de vagas; a abolição de exame de
admissão; e a instituição de um sistema de avaliação por Avanços Progressivos, que
concorreu para promover automaticamente os alunos, contribuindo para a
12
Importante lembrar que o processo de implantação ocorreu durante o período do regime militar
quando não eram permitidas contestações das decisões tomadas, o que dificultou a rejeição
declarada dos professores às medidas em pauta.
61
desqualificação e barateamento do ensino público. A proposta “substituía o sistema
de avaliação por aprovação/reprovação através da regularização do fluxo de saída dos
alunos da escola elementar.” (AURAS, 1995, p.17).
Oliveira (1984), que pesquisou a implantação do Avanço Progressivo nas
escolas estaduais concluiu que a diretriz de avaliação implantada - que deveria
considerar o desenvolvimento contínuo do aluno obedecendo ao ritmo de cada um e
suas potencialidades – contraditoriamente, organizava o ensino pela seriação,
estabelecia objetivos mínimos em cada série, e mantinha os programas de ensino
homogêneos e controlados por meio de exames aplicados nas escolas. Entretanto, a
medida priorizou apenas as questões administrativas em detrimento das pedagógicas.
A adoção de uma política de aprovação visava regularizar o fluxo escolar nos três
primeiros anos da implantação.
Segundo Valle,
(...) o sistema preservava sua fachada democrática, pois transferia
para as crianças a responsabilidade de seu próprio percurso -
aprovação ou fracasso [...], e mascarou os efeitos perversos da
política educativa, destacando o aumento das oportunidades de
acesso à escola (VALLE, 2003, p. 47).
Esta forma de avaliação, empregada entre 1969 e 1980, contribuiu para a
desvalorização do ensino público, desqualificação dos alunos, baixo incentivo para
os estudos. O uso de estratégias para burlar a proibição de reprovar alunos marcou o
período. Os professores desenvolveram acordos paralelos entre pais e escola
atribuindo faltas aos alunos com dificuldade, de forma que estes não poderiam
avançar para a série subseqüente e alcançar o mínimo exigido (OLIVEIRA, 1984).
Por outro lado, nos anos subseqüentes qualquer possibilidade de retorno desse tipo de
avaliação foi rejeitada por professores, pais e alunos.
De 1980 até 1996, as resoluções que regulamentavam as avaliações nas
escolas estaduais permaneceram centradas em princípios quantitativos. Entretanto, no
início da década de 1990, período de elaboração da proposta curricular estadual
houve tentativas de compatibilizar os princípios teóricos professados na proposta
curricular com uma avaliação participativa, por meio da criação dos Conselhos de
Classe nas escolas.
Até 1990 a estratégia proposta para superação das dificuldades do aluno era a
repetência. Nesse período os debates sobre a avaliação incluíram a recuperação
62
paralela como possibilidade de melhorar as condições de aprendizagem. Incluída nos
períodos finais de cada bimestre e intensiva ao final do ano, tinha por finalidade
oferecer novas oportunidades para a aprendizagem. Acabou confundida com
recuperação de notas mediante acréscimo de uma ou mais provas. Mudanças
posteriores aboliram a atribuição de notas exclusivas à recuperação.
De 1990 a 1995 encontraram-se correlações entre as mudanças ocorridas nas
diretrizes de avaliação escolar e o aumento das reprovações nas 5
as
. séries. Dos 26
alunos que realizaram provas de segunda época em 1990 somente 38,4% foram
aprovados. De 1991 a 1994 a média de aprovação em provas de segunda época
aumentou para 84,4% em razão da alteração feita no critério de seleção, já que o
aluno com média inferior a cinco, em três disciplinas ou mais, estava
automaticamente reprovado. Somente os que possuíam nota abaixo de 5,0 em até
duas disciplinas poderiam submeter-se às provas de segunda época. Por outro lado,
ao serem cruzadas as notas obtidas nas provas de segunda época e as que os alunos
precisavam alcançar em cada disciplina, observou-se que todos obtiveram exatamente
a pontuação necessária, mesmo aqueles que nunca haviam conseguido tais notas
durante todo o ano letivo (HANFF et al, 1995).
De 1997 até 2002 as escolas estaduais passaram por apenas duas
regulamentações sobre avaliação (SANTA CATARINA, 1998b, 2000a). Entretanto,
uma delas concentrou a atenção de professores e alunos pelas polêmicas instauradas.
A primeira, na forma de lei, aprovada pelo Conselho Estadual de Educação,
estabelecia a intenção de coadunar as mudanças legislativas, aprovadas na Lei
9394/96, com as diretrizes que vinham sendo praticadas pelo sistema estadual de
ensino. Foram mantidos os princípios quantitativos, com valores que variavam de
zero (0,0) a dez (10,0) e padrão de aprovação com média final cinco (5,0). A
conservação da maior parte dos critérios utilizados até aquele período na rede
estadual de ensino não provocou, como no caso do sistema municipal, grandes
discussões, pois as mudanças vinham sendo gestadas desde o período de elaboração
da Proposta Curricular de Santa Catarina. As idéias de estabelecimento de uma
avaliação formativa, baseada em diagnósticos e na superação de notas faziam parte
das discussões e dos documentos da Proposta (SANTA CATARINA, 1998b).
A diretriz de avaliação, Lei Complementar 170/98-SEE, deu destaque aos
princípios que se encontravam em consonância com a proposta curricular implantada.
63
Assim, considerados os valores numéricos de 1 a 10, “para os alunos que não
lograrem aprovação, a escola deveria oferecer novas oportunidades de avaliação. A
recuperação paralela” foi instituída, inclusive com atribuição de notas. Ou seja, as
notas em cada disciplina nas quais os alunos não conseguiram atingir a média
necessária poderiam ser substituídas pelas de recuperação. O registro seguia o
critério da ordem crescente, ou seja, o registro tinha por base conceitos que
poderiam variar de 10% a 100% durante o ano letivo, mas não poderiam ser
inferiores às notas obtidas em semestres ou meses anteriores, “uma vez que ninguém
desaprende o que já foi apropriado e nem se suprime o que já foi ensinado” (SANTA
CATARINA, 1998b, sp.).
No ano de 2000 a Secretaria Estadual de Educação, sob o comando político do
Partido Popular – PP, oposição declarada ao governo anterior (PMDB), enviou ao
Conselho Estadual a Resolução 023/2000, que suscitou entendimentos diferenciados
quanto a sua aplicação. Em função das inúmeras dúvidas que provocou, a Secretaria
elaborou as ´Diretrizes para organização da prática escolar na Educação Básica`
contendo documento explicativo sobre o processo da avaliação e suas especificidades
(SANTA CATARINA, 2000b).
As diretrizes emitidas mostraram-se congruentes com as discussões mais
recentes sobre aprendizagem e avaliação escolar, relacionadas ao caráter cumulativo
do processo de conhecimento, às críticas à avaliação quantitativa e ao registro de
notas. Falava-se de socialização do conhecimento, ação educativa, democratização do
conhecimento e reconhecia que a avaliação “não era neutra, [...] tem intencionalidade
[...] significado [...] e não pode ser usada como mecanismo de poder para aprovar ou
reprovar” (SANTA CATARINA, 2000b, sp.). Entretanto, o documento elaborado que
deveria contribuir para o esclarecimento suscitou polêmicas e interpretações
variadas. Parte do texto aqui destacado exemplificava as dificuldades na
compreensão das normativas de avaliação.
Considerando que o aluno não desaprende, o registro terá como base
a apropriação dos conceitos que pode variar de 10% a 100% dos
conceitos trabalhados no ano letivo. Exemplificando: se o registro da
nota no 1
º
bimestre for cinco, consideramos que no 2
º
bimestre este
registro só poderá ser igual ou superior a nota cinco. Conclui-se
assim que não é possível atribuir notas inferiores às obtidas em
bimestres anteriores, uma vez que ninguém desaprende o que já foi
apropriado e nem suprime o que já foi ensinado (SANTA
CATARINA, 2000b, sp.).
64
O documento, com intenção de esclarecer, confundia. Grande parte dos
professores não sabia o que e nem como registrar. Falava-se de conceitos, mas as
escolas trabalhavam por conteúdos disciplinares; confundia-se nível de conhecimento
com notas e percentuais; e a equipe técnica responsável por sua elaboração, na SEC,
pressupunha que existia nas escolas estaduais um ensino processual, cumulativo e
não fragmentado.
Nas escolas estudadas encontraram-se diferentes formas de entendimento
dessa resolução e dos registros adotados. Algumas utilizavam registros de notas
bimestrais e cálculo de médias finais com média de aprovação igual ou superior a
cinco. Outras apresentavam percentuais cumulativos, e havia ainda as que
desconsideravam a resolução aprovada utilizando critérios anteriores.
Exemplo dessas ambigüidades, com grande repercussão nas trajetórias dos
alunos e na produção das estatísticas educacionais, foi observado na escola 2E, entre
2000 e 2001, ao atribuírem notas finais a todos os alunos considerando a média de
aprovação igual ou superior a sete (7,0). Ao utilizar esse parâmetro para aprovar ou
reprovar, a escola desconsiderou o artigo 6
º
Inciso II, Resolução 23/2000 (SANTA
CATARINA, 2000a).
II – os alunos com aproveitamento inferior previsto no inciso
anterior e que submetidos à avaliação final, se for adotada pela
Unidade de Ensino, alcançar 50% (cinqüenta por cento) em cada
disciplina.
Desta forma, a maior parte dos alunos considerados reprovados em 2001 e
2002 poderia ter sido aprovada. No documento sobre avaliação, desenvolvido pela
Secretaria de Educação, de que não era possível “atribuir notas inferiores às obtidas
em bimestres anteriores, uma vez que ninguém desaprende, levaram professores da
escola 4E a reduzirem, nos primeiros bimestres do ano letivo, as notas dos alunos
com receio de uma aprovação massiva na escola (SANTA CATARINA, 2000b, sp.).
A aprovação dessa regulamentação e o documento de esclarecimento das
diretrizes chegaram às escolas em um período de desestímulo frente a greves mal
sucedidas, salário com valores menores no país e em atraso, divididos em prestações,
professores endividados. As escolas não contavam com o acompanhamento dos
responsáveis pela Secretaria de Educação e cada uma organizava-se de acordo com as
possibilidades existentes.
65
Observou-se que os entendimentos diferenciados quanto aos critérios de
avaliação e as discordâncias dos professores interferiram diretamente nos índices de
aprovação por meio de mecanismos de ajuste, estratégia bastante utilizada pelos
sistemas de ensino.
No período após 2000, o sistema estadual de ensino havia passado por poucas,
mas conturbadas, modificações no sistema de avaliação, produto de mudanças
políticas ocorridas no Governo de Estado.
Nas escolas estaduais as idéias subjacentes às novas diretrizes apresentavam
coerência teórica (pressupostos histórico-críticos) com os princípios estabelecidos na
Proposta Curricular desde 1998, mas vieram isoladas e desconectadas de uma efetiva
mudança nas escolas. Seria o mesmo que tentar informatizar o sistema de transporte
de uma cidade ainda realizado em carroças com tração animal. Ignorava-se o
processo histórico vivido até então pelas escolas, considerando que atos legislativos
pudessem revolucionar o sistema escolar.
1.2.4. Os Conselhos de Classe
Embora os primeiros indícios do surgimento dos Conselhos de Classe
nacionais datassem da década de 1970, foi a partir de 1980, por meio de discussões
sobre gestão democrática que estes foram instituídos como órgãos colegiados, uma
instância avaliativa do processo de ensino e aprendizagem. (DALBEN, 2004)
Na década de 1990, os Conselhos tornaram-se atividade de destaque nos
Projetos Político-Pedagógicos, cuja finalidade era a de estabelecer trabalho de
caráter coletivo e atender às exigências pedagógicas com base nas relações entre os
diferentes sujeitos escolares – professores, coordenadores, alunos, pais. Como
pressuposto ligavam-se à necessidade de interação, mas funcionavam também como
instrumento para traçar o perfil do aluno e das turmas. (SANT` ANNA, 1995, p. 87)
O controle de indicadores estatísticos, a vinculação da reprovação à
incapacidade da escola resolver seus problemas e do professor ensinar, acabaram
promovendo movimento de aprovação, semelhante ao da Promoção automática, via
Conselhos de Classe. As pressões sociais forçaram a inclusão de representantes dos
alunos nas reuniões. O papel desempenhado, muitas vezes por esses alunos, era de
delator, dedo-duro. (FLORIANÓPOLIS, 1999b).
66
Os vinte anos que se seguiram à implantação dos Conselhos de Classe nas
escolas públicas foram fundamentais para modificar processos de ensino e de
avaliação. Muitas das escolas estudadas registraram a participação de pais e alunos
nas discussões inerentes às questões educacionais. No entanto, independente da
postura que as escolas adotassem, os Conselhos mantinham relação direta com os
processos de aprovação e reprovação escolar.
Sousa, ao acompanhar a realização desses Conselhos em pesquisa
desenvolvida em duas escolas de São Paulo, concluiu que neles se dava o veredicto
final para aprovação ou não, decisão que se estruturava desde os pré-conselhos. A
decisão pela aprovação nem sempre fora consensual, já que havia confronto de
valores. A aprovação estava na dependência de alguém que defendesse ou de um fato
que amenizasse a culpa do aluno. O esforço e o bom comportamento, muitas vezes,
minimizaram o desempenho insatisfatório e colaboraram para a aprovação de alguns
alunos. Ao tomar depoimentos de professores e alunos identificou que estudantes que
não apresentavam comportamento compatível com o desejado passavam por processo
de negociação que condicionava a aprovação à transferência para outra escola, uma
forma encontrada para livrar-se dos alunos indesejáveis (SOUSA, 1995, p. 90).
O envolvimento de professores, pais, especialistas e alunos no processo de
aprendizagem acarretaram modificações nas formas de organização, principalmente,
dos sistemas de avaliação. Muitas foram modificações parciais, mas que serviram
para, pelo menos, expor as contradições existentes. Várias foram pensadas e
implantadas nas escolas da rede municipal e estadual em Florianópolis. Essas
mudanças alternavam-se na escolha de critérios mais ou menos quantitativos,
dependendo das séries e das propostas curriculares implantadas. Também
representavam espaços de decisão sobre as aprovações escolares e eram destinados à
discussão das questões curriculares e de avaliação, principalmente no que se referia a
identificação dos alunos que apresentavam dificuldades.
Inicialmente, a participação exclusiva de professores e coordenadores
pedagógicos, sob a coordenação do orientador educacional, acabou por referendar
decisões e justificativas para ações de exclusão na e da escola. Funcionavam como
tribunais inquisitórios e tornaram-se, por um longo período em espaço coletivo de
legitimação das decisões tomadas individualmente pelos professores. A inclusão de
pais e alunos inibiu, em parte, o caráter de exclusão desses Conselhos.
67
Em duas escolas municipais estudadas, 4M e 6M, a participação dos alunos
nos Conselhos de Classe se dava de forma integrada. Nas demais, por meio de pré-
conselhos, realizados por série e turma, sob a coordenação da equipe pedagógica.
Nesses pré-conselhos, dependendo da escola, a participação incluía também a
presença de professores.
O Conselho de Classe final apresentava característica diversa dos realizados
durante o ano letivo. A preocupação estava voltada para as decisões de aprovação e
retratavam a dinâmica que se desenvolviam nas reuniões, os critérios estabelecidos e
os argumentos utilizados. Eram momentos de embate entre professores das diferentes
disciplinas, e destes com a equipe pedagógica. Os resultados refletiam as correlações
de força estabelecidas e o peso que cada professor ou disciplina mantinha nesses
espaços. As atas que deveriam conter os registros desses Conselhos, em geral,
restringiam-se a listagens nominais dos alunos e as decisões tomadas. Nas escolas
estaduais, muito raramente havia anotações sobre os critérios utilizados e
encaminhamentos para o próximo ano letivo. Essa foi uma das dificuldades ao
verificar os padrões utilizados. Nas escolas municipais havia maior número de
registros, alguns melhor detalhados. Os critérios que puderam ser identificados
variavam por escola, entre séries e dependiam das relações estabelecidas entre
professores, equipe pedagógica, alunos e pais.
1.3. Reprovação, Repetência e Interrupção escolar.
O estudo sobre reprovações, repetências e interrupções escolares mostrou a
existência de uma variedade de conceitos e definições que se confundiam entre si
pela forma como essas situações estavam inter-relacionadas. Academicamente
vinham sendo discutidas dentro da categoria fracasso escolar, que acabou abarcando
questões relacionadas às dificuldades com escolarização vivenciadas por alunos.
A palavra fracasso escolar tem envolvido múltiplos significados, objetivos e
subjetivos, que dificultaram as formas de estudo e as análises. Para Charlot,
constitui-se em uma grande categoria e não num objeto de estudo. Desta forma, “o
fracasso escolar não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de
fracasso, histórias escolares que terminam mal” (CHARLOT, 2000b, p. 13). Por isso
68
foi importante especificar que procurou-se estudar aqui as situações de reprovação e
interrupção escolar.
As definições e conceitos sobre reprovação, repetência e interrupção embora
pudessem parecer similares, apresentavam variações e combinações muito
específicas que guardavam relação com a diversidade dos estudos realizados e dos
parâmetros utilizados. Conquanto não se possa negar o caráter elitista e excludente
com que foram fundadas as bases da sociedade brasileira, era importante considerar a
escola como um espaço de estabelecimento de relações entre diferentes sujeitos e
destes com o saber, não podendo reduzi-la a condição de reprodutora das relações
sociais e nem mero receptáculo de cultura da sociedade. Sua forma não linear
possuía, ao mesmo tempo, uma história universal e singular. Desta forma, foi
importante reafirmar neste trabalho seu caráter heterogêneo o que caracteriza, a
priori, a existência de uma hierarquia de escolas. Por isso, era necessário percebê-las
enquanto detentoras de identidade e especificidades que as diferenciavam e as
assemelhavam.
Dados da UNESCO
13
sobre reprovação escolar mostravam que, em 1990, havia
oficialmente 35,6 milhões de repetentes no ensino básico em 84 países. Destes,
metade concentravam-se em quatro países – China, Brasil, Índia e México (TORRES,
2004, p. 34).
A reprovação e a interrupção escolar foram se intensificando pela forma como
a democratização de acesso à escola de alunos de classe popular foi se efetivando.
Reprovar tinha por base o não aprovar, rejeitar, recusar, não aceitar e sempre veio
associado a questões pedagógicas inerentes ao cotidiano escolar.
Segundo Vitor Paro (2001, p. 68),
A reprovação resulta, assim, como síntese das reprovações que se
fazem pelo Brasil afora primeiro, como salvaguarda para a
sociedade, para que não se tenha na quinta série um aluno que não
tenha competência para aí estar; segundo, como justiça feita ao aluno
que não quis estudar; e, finalmente, como garantia de qualidade para
a escola que não terá na próxima série um aluno que não consiga
acompanhá-la.
13
Os dados da UNESCO eram criticados em função das formas comparativas entre realidades muito diferentes.
Entretanto, eram muito utilizados por pesquisadores brasileiros.
69
Constituiu-se em mecanismo regulador dos sistemas educativos sobre a
produção ou reprodução dos conhecimentos, numa ordem dinâmica dos sujeitos e dos
grupos, reproduzindo um sistema escolar classificatório e seletivo que vinha sendo
controlado, com menor ou maior intensidade, pelos professores, coordenadores e por
responsáveis pela gerência dos sistemas de ensino, mediante critérios de avaliação.
Nos dados do Censo Escolar, coletados e organizados pelo INEP desde 1997,
encontra-se o número de reprovações/ano de cada sistema de ensino estadual e
municipal, por região e por estabelecimento escolar. No entanto, é ainda impossível,
pela forma de coleta realizada nas escolas, distinguir entre o fenômeno da reprovação
escolar como conseqüência da não aprendizagem do fenômeno da antecipação da
reprovação pela desistência do aluno em determinado período escolar. Conclui-se,
pois, que os processos de reprovação e interrupção escolar encontram-se imbricados
(BRASIL, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002).
Já a repetência era a norma escolar imposta para todos os que reprovavam na
escola e a garantia, por parte do sistema de ensino, do cumprimento dos critérios de
reprovação. Semanticamente a repetência se constituiu no ato ou efeito de repetir-se;
tornar a fazer e conseqüência da reprovação. Era o movimento (do estudante) de
“volta à mesma série no ano seguinte, por qualquer razão” (TORRES, 2004, p. 34).
A repetência baseou-se em uma série de premissas erradas: “que o estudante
não aprendeu, ou não aprendeu o suficiente, [...] que nada foi aprendido ao longo do
processo e, que, portanto, é necessário começar tudo de novo desde o início.”
Seguindo essa lógica de pensamento a aprendizagem funcionava em uma “dimensão
linear, com rotas fixas e resultado do exercício repetitivo” (TORRES, 2004, p. 39).
Para a autora, toda relação de aprendizagem que parte de processos de memorização
pela repetição contínua tinha por base teorias do campo da psicogenética. Considerar
que um aluno que não aprendeu, ou aprendeu pouco, de acordo com os padrões pré-
estabelecidos, necessitava metodologicamente passar pela mesma experiência (por
uma, duas ou mais vezes) até aprender, significava ignorar os avanços da psicologia
(TORRES, 2004). Por outro lado, os critérios da repetência se aplicavam quando os
sistemas de ensino utilizavam da seriação como forma de organização escolar.
Rosa Torres (2004, p. 34) vinha afirmando que a repetência era a “´solução`
interna que o sistema escolar encontrou para lidar com o problema da não
aprendizagem ou da má qualidade do ensino. Estes fenômenos eram partes orgânicas
70
da escola com a finalidade de lidar com fatores que inibiam a aprendizagem e
mantinham correlação direta com a interrupção dos estudos. O ato de reprovar ou
instituir a regra da repetência expressava “a intencionalidade e exigência burocrática
e periódica” (FREITAS, 2003, p. 75), cujo objetivo era o de selecionar e classificar
os alunos, conforme padrões esperados.
Mais do que uma exigência meramente burocrática, a reprovação e a
repetência faziam parte do sistema escolar, eram consideradas inerentes à sua
natureza e associadas à idéia de manutenção da qualidade do ensino, reflexo de
seriedade e competência escolar do professor. A qualidade e a competência estavam
ligadas às formas como os conteúdos das disciplinas que compunham o currículo
escolar estavam organizados: verticalmente entre as diversas séries, e
horizontalmente, dentro de cada série e/ou de cada área ou disciplina.
Sampaio (1998), ao analisar recursos de revisão da reprovação impetrados por
pais e alunos, identificou que a transmissão de conhecimentos destacava-se como
questão central. Da 1
ª
à 4
ª
série, os conteúdos organizados nas disciplinas e
”desenvolvidos no sentido de preparar as etapas subseqüentes, com predominância de
Português e Matemática.” De 5
ª
a 8
ª
séries acentuava-se “a exigência de conteúdos
específicos (...) uma operação de fragmentão, [...] que recorta o período letivo nos
vários momentos em que ocorre a seqüência das aulas das diferentes disciplinas, a
cargo de diferentes professores.” (SAMPAIO, 1998, p. 78).
Uma das justificativas mais freqüentes para as respostas negativas dos
professores aos recursos interpostos era o da falta de pré-requisitos – considerados
conteúdos necessários para o acesso às aquisições subseqüentes, mas que nem sempre
correspondiam à prática adotada na escola (SAMPAIO, 1998,
Nesse processo o aluno não pula etapas, e conteúdos mal assimilados
dentro de cada uma delas não são recuperados na seqüência; as
aprendizagens posteriores não incorporam ou corrigem as
aprendizagens anteriores, mas supõem um patamar anterior, do qual
partem para novos desdobramentos. Uma coisa vem depois da outra,
em seqüência, do mais fácil para o mais difícil, do mais simples para
o mais complexo; cada etapa introduz a seguinte que fica sempre
comprometida com a anterior (SAMPAIO, 1998, p. 91).
Os pré-requisitos eram utilizados como justificativa para que o aluno não
pudesse avançar para a série seguinte sob o risco de não acompanhar os conteúdos de
cada disciplina. No entanto, constatava-se que repetir uma série não significava,
71
necessariamente, retomar a série ou o momento em que se originaram as lacunas e
dificuldades. Esta era a prática dominante quanto à avaliação, promoção e retenção
dos alunos (SAMPAIO, 1998, p. 91, 106).
Assim, o currículo estava marcado pelo caráter externo e acabado dos
conteúdos, articulados a um modelo de ensino coerente, baseado na “transmissão e
fixação memorística”. A “ritualística organização escolar: ritmo que foi imposto
pelo professor, à seleção dos conteúdos, as prioridades estabelecidas predominavam
àfixação de conteúdos pelos alunos” (SAMPAIO, 1998, p. 82).
O aspecto mais dramático da reprovação e da interrupção escolar encontrava-
se na “internalização da exclusão” – quando o sujeito não só concordava com o fator
de exclusão, mas lhe dava legitimidade (ROSÁRIO, 2002, p. 86). No entanto, a
incorporação da cultura da reprovação não estava presente apenas nos alunos. Os pais
também apresentavam comportamentos que demonstravam a internalização do “ponto
de vista escolar e aceitavam os diagnósticos e as predições dos professores a respeito
da capacidade de aprendizagem de seus filhos” (TORRES, 2004, p. 38). Essas
predições faziam parte do imaginário dos professores, que acreditavam que a melhor
solução para as dificuldades de aprendizagem estava na repetência escolar.
A dificuldade com a escolaridade adveio da idéia, surgida na década de 1930,
sobre a incapacidade para a aprendizagem por parte do próprio aluno, e corroborou,
por meio de testes de aptidões e habilidades, na classificação das crianças. Também
ajudou a reforçar a afirmativa de que os alunos que apresentavam dificuldade para a
aprendizagem possuíam problemas gerados na família e viviam em meio social
precário. Embora muito criticadas academicamente as teorias com base nas carências
culturais, continuavam a povoar o imaginário dos professores e a vinculavam as
causas da reprovação, repetência e interrupção dos estudos às condições familiares e
a precariedade de recursos financeiros, externos à escola, gerados na família e pelo
próprio estudante (TORRES, 2004, p. 38).
Para os professores, as atitudes tomadas pelos alunos em sala de aula como:
ser indisciplinado, desinteressado, não cumprir as tarefas, chegar atrasado e,
principalmente, ser faltoso referendavam posições voltadas à culpabilização do
aluno. Tanto Sampaio (1998) como Paro (2001) relacionaram estes fatores as
justificativas para a não promoção dos alunos. Paro (2001, p.118) destacava que a
“reprovação não é apenas uma constatação de que alguém não aprendeu, é sempre
72
uma acusação de que alguém não estudou. Para Sampaio (1998, p. 94), tal premissa
indicava que o ensino era atribuição do professor e a aprendizagem tarefa do aluno.
O papel do professor era o de explicar, treinar e avaliar; o do aluno o de ouvir,
repetir e devolver. Desta forma, o ensino poderia transcorrer independente de o aluno
aprender ou não.
A ameaça da reprovação também era utilizada como forma de controle
disciplinar que exigia comportamentos adequados e receptores passivos. As
atividades sempre dependiam do professor que “prepara a aula e entrega a
informação em uma bandeja de prata(VALENTE, 2001, p. 10). Para Torres (2004,
p.39) “em muitos casos, a repetência opera como um mecanismo aberto ou velado de
advertência ou castigo”.
As reprovações e as interrupções escolares produziram as distorções série-
idade entre os alunos. Elas desvelavam o abismo existente entre a escolarização e as
camadas mais pobres da população. Segundo Ferraro, em 1982, 76,2% da população
escolar brasileira encontrava-se com atraso em relação à série cursada. Em 1991
achavam-se nessa situação 64,1% dos alunos e, em 1996, 47,0% (FERRARO, 1999,
p. 37).
Para esse autor (FERRARO, 1999, p. 37), “apesar dos avanços havidos na
escolarização, o padrão esperado de relação série-idade continua fazendo parte do
reino da fantasia.” Os dados mostravam que embora tivesse havido um declínio nas
taxas de defasagem de três anos, entre as crianças de nove e 12 anos, as taxas
aumentaram tanto entre as crianças de oito anos como entre os adolescentes de 14,
15, 16 e 17 anos (FERRARO, 2004a, p. 56). Tal fato indicou que as políticas de
simples inclusão ou de universalização do acesso à escola vinham sendo
acompanhadas do agravamento das taxas de exclusão praticadas dentro da escola
mediante revigoramento dos mecanismos de reprovação e repetência, principalmente,
nas séries finais do Fundamental.
No Brasil, segundo Arroyo (2002), há uma cultura da repetência que é
responsável pelo número de estudantes que apresentavam distorção série-idade maior
do que dois anos de defasagem. As estatísticas do INEP registraram, em 1990, no
Ensino Fundamental, cinco milhões de repetentes. Nesse nível de ensino a repetência
se iniciava nas primeiras séries, apresentava alta concentração nas quintas séries e se
estendia ao longo das séries finais. Em dezembro de 2001, o resultado do Programa
73
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) colocou o Brasil em último lugar entre
os 32 países avaliados e o “Ministério da Educação divulgou que os estudantes
brasileiros ficaram em último lugar nas provas de leitura, matemática e ciências”
(FOLHA DE S. PAULO, 2002). Embora, na última década, o número de matrículas
tivesse apresentado uma ligeira melhora, a evolução dos índices educacionais no
Ensino Fundamental, apontada no documento ´Geografia da Educação Brasileira
2001`, do INEP, mostrava que esses indicadores encontravam-se abaixo das taxas
desejáveis: “41% dos estudantes não concluíram este nível de escolaridade e 21,7%
não progrediram de série, em 2000” (BRASIL, 2001, p. 22).
Ferraro, ao analisar os dados estatísticos oficiais assinalou que
cerca de 171 mil crianças de 8 anos ainda estavam na pré-escola,
quando já deviam estar na 2
ª
série; [...] dentre as crianças de 11 anos,
que deveriam estar cursando a 5
ª
série do ensino fundamental tinham
33 mil ainda na pré-escola; 280 mil na 1
ª
série, 398 mil na 2
ª
série e
539 mil na 3
ª
série, todas elas, em número superior a 1,2 milhões,
acumulando duas ou mais séries de atraso na relação série-idade; os
adolescentes de 14 anos, que deveriam estar cursando a 8
ª
série do 1
º
graus, estão dispersos por todas as oito séries do 1
º
grau.
(FERRARO, 1999, p. 37)
No Brasil, os “excluídos na escola” formavam umagrande hecatombe
escolar, considerada como o “triângulo dos náufragos escolares”, aqueles
fortemente defasados nos estudos, por vezes em até dez anos de diferença série-idade
(FERRARO, 1999, p. 38).
Para as quintas séries do Ensino Fundamental, as tabelas elaboradas por
Ferraro indicam que em 1996 somente 28,7% dos adolescentes de 11 anos estavam
cursando essa série. Esses valores foram sendo reduzidos para 20,6% aos 12 anos,
16,2% aos 13 anos e 12,7% aos 14 anos. Enquanto 28,7% dos alunos com idade de 11
anos encontravam-se regularmente freqüentando a 5
ª
série, 47,8% estavam
distribuídos entre as 2
ª
e as 4ª séries do Fundamental, o que significava de um a três
anos de atraso na relação série-idade. Aqueles que se achavam com dois ou mais
anos de defasagem, perfaziam um total de 36,9%, isto é, 1,2 milhões de adolescentes
na idade de 11 anos. Enquanto isso, na mesma série, o índice de não freqüência à
escola representava 7,1% para o grupo de 11 anos de idade, 8,7% para os de 12 anos,
11,8% para os de 13 anos e 16,9% para os de 14 anos (FERRARO, 1999, p. 37).
Em Santa Catarina a realidade mostrou-se similar. Os dados da pesquisa de
campo e os relatórios oficiais revelaram que havia, no Ensino Fundamental público,
74
um enorme contingente de estudantes repetentes ou multirrepetentes, e comprovava
que os ganhos esperados com as novas políticas públicas na melhoria da
aprendizagem não foram obtidos. As escolas pesquisadas apresentavam um índice de
defasagem série-idade entre 25,0% e 55,0%, e reafirmavam o peso que a reprovação
e, principalmente, as inúmeras interrupções escolares tinham sobre esses indicadores.
(SANTA CATARINA, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002)
Os poucos estudos sobre as histórias singulares dos alunos e a precariedade
daqueles voltados para uma análise mais aprofundada do cotidiano escolar,
contribuíram para que continuassem a ser adotadas políticas educativas com base em
modelos idealizados e de cunho universalista. Os resultados obtidos convergiam para
a necessidade de aprofundar estudos do cotidiano escolar que possibilitassem o
desenvolvimento de políticas públicas educativas que levassem à inserção social, ao
respeito e à dignidade – ao direito de poder pertencer ao mundo escolar.
Pesquisas, realizadas em 1995 e 1999 (HANFF et al, 1995, HANFF et al,
1999), em escolas do município de Florianópolis, reforçaram as afirmações de
Ferraro (2004ª) indicando que as políticas de inclusão ou de universalização do
acesso à escola, historicamente, vinham sendo acompanhadas do agravamento das
taxas de exclusão praticadas dentro da escola por meio dos mecanismos de
reprovação e repetência (2004a, p. 57). Essas pesquisas forneceram indicadores
importantes sobre reprovações e multireprovações ocorridas nas 5
a
. séries do
Fundamental. Na primeira pesquisa, referente aos anos 1990 e 1994, os índices de
reprovação e interrupção escolar observados variaram de 27% a 37% e eram menores
do que os índices médios para o Estado de Santa Catarina. Entretanto, Hanff ao
acompanhar o destino, nos três primeiros meses do ano letivo de 1995, dos 24 alunos
reprovados em 1994, constatou que apenas 37,5% continuavam freqüentando a
mesma escola, provocando um acréscimo de 10% no número de interrupções
escolares. Desta forma, os desistentes e reprovados registrados oficialmente ao final
de 1994, saltaram de 28,4% para 41% demonstrando que os dados, intencionalmente
ou não, foram subestimados (HANFF et al, 1995).
Na segunda pesquisa foram analisados os índices de reprovação e interrupção
escolar nas 5
as
. séries, de 1995 a 1998. Em 1995 constatou-se a reprovação e
interrupção escolar de 38,5% dos alunos; em 1996 alcançou-se o mais alto indicador
entre os quatro anos estudados, chegando a 69,1%. Em 1997, 45,8% dos alunos
75
encontravam-se em situação de reprovação e interrupção da escolaridade; no entanto,
em 1998, reduziram-se para 29,3% os reprovados (HANFF et al, 1999).
O decréscimo do percentual de alunos reprovados não adveio de trabalho
sistematizado com vistas à redução da reprovação, mas sim de uma espécie de
promoção automática promovida pela escola na impossibilidade de justificar a
reprovação de todos os alunos de uma turma que havia ficado sem professor por um
período de seis meses na disciplina de matemática. Ao final do ano letivo indicou-se
no Conselho de Classe a promoção automática de todos os alunos para a série
seguinte já que a responsabilidade pela falta de professor não poderia, neste caso, ser
imputada aos alunos. (HANFF et al, 1999)
Aparentemente ter ou não apreendido ´estes` e não `aqueles` conteúdos e
habilidades apresentou um maior peso nos indicadores que definiam a aprovação, no
entanto, o receio da ocorrência futura de contestações por parte dos pais e até de
professores, estabeleceu um afrouxamento nos critérios estabelecidos. A essência da
decisão pela aprovação automática de todos os alunos foi tomada para não colocar
em risco a credibilidade da escola, o que modificou em parte a premissa para
aprovação usada até então: se não estudou não pode ser aprovado; no entanto, se
ninguém estudou porque não havia professor, ninguém pode reprovar.
A experiência de criar espaços de discussão dos indicadores da reprovação e
da interrupção escolar destacada na pesquisa citada anteriormente mostrou que
professores ficavam atônitos frente aos dados socializados. Num primeiro momento
pareciam desconhecer a realidade na qual trabalhavam, muitos dos quais com mais de
cinco anos na mesma escola. Em seguida, comentavam e forneciam informações
complementares que auxiliavam as reflexões. Essas lembranças ajudaram a entender
melhor o que acontecia no cotidiano escolar e possibilitaram a busca de
encaminhamentos para os problemas.
Entretanto, a reprovação não se constituía isoladamente. Pesquisas realizadas
por Perez (1999) e Ribeiro (1991) demonstraram a existência de relação entre os
processos de reprovação e repetência e os de interrupção escolar. Aletta Grisay
(2004), com base em estudos de Grissom e Shepard (1990), afirma que alunos que
em seu passado escolar repetiram um ano tendiam a abandonar a escola mais do que
outros que nunca reprovaram. Para ela, a relação entre reprovação e interrupção
escolar, nem sempre estava relacionada às dificuldades enfrentadas na vida cotidiana
76
(GRISAY, 2004, p. 96). Resultados similares foram encontrados por Paro ao realizar
estudo etnográfico sobre os processos da reprovação escolar e a resistência dos
professores pela sua eliminação (PARO, 2001, p. 68).
Zago, ao estudar os percursos escolares dos filhos de 16 famílias de um bairro
popular identificou que as interrupções se constituem num “processo de eliminação
que acontece de forma contínua, e ao longo de toda vida escolar”, e acabava
aumentando o tempo de defasagem série-idade. Essas interrupções não significavam
necessariamente desistência da escola, uma vez que muitos retornavam aos estudos,
entretanto, comprometiam a adesão à escola (ZAGO, 2000, p. 25).
Também, nas onze escolas selecionadas para acompanhamento dos dados de
reprovação e interrupção escolar observou-se que os alunos tendiam a interromper
seus estudos após a reprovação, retornando várias vezes por curtos períodos.
Encontrar-se em situação de reprovação e/ou interrupção escolar estava associado a
uma passagem mais curta pela escola. Uma série de fatores combinados parecia
indicar os motivos da interrupção escolar: mudanças constantes, sazonalidade,
incompatibilidade entre trabalho e escolaridade e multirreprovações. O retorno à
escola, após breves ou longos períodos de interrupção escolar, estava condicionado à
obediência a determinados critérios: período de matrícula, número mínimo de faltas,
boa vontade administrativa etc. Muitas vezes, a oportunidade de retorno do aluno não
coincidia com as exigências administrativas e nem com o período mais apropriado –
quando a escola assim o permitia. Era preciso muitas vezes aguardar o início do novo
período letivo para reintegrar-se. Grande parte dos alunos que reprovaram e
interromperam seus estudos desenvolviam atividades remuneradas. Aqueles que
freqüentavam o ensino noturno ou outras modalidades de ensino exerciam atividades
remuneradas em período integral. Maiores indicações sobre a condição do estudante-
trabalhador foi desenvolvido no último capítulo deste trabalho.
A pesquisa desenvolvida por Maria Laura Brenner de Morais, destacada por
Ferraro, revelou fatos importantes sobre a situação dos alunos-trabalhadores e as
taxas de defasagem série-idade. A pesquisadora identificou nos registros escolares do
ano 2000, que 69,0% dos alunos repetentes eram trabalhadores. “Entre os alunos não
trabalhadores, essa taxa era de apenas 9,3%”. Para ele, os dados da pesquisadora
indicaram a existência de trabalho infantil, concomitante ou não à escola, e
77
indicações para o desenvolvimento de estudos sobre trabalho e reprovação escolar
(FERRARO, 2004a, p. 60).
78
CAPÍTULO II
A ABORDAGEM QUANTIDATIVA NO ESTUDO DAS REPROVAÇÕES E
INTERRUPÇÕES ESCOLARES
2.1. Os números da reprovação escolar: quando a média oculta a
realidade
A expansão do número de vagas necessárias à inclusão de alunos na Educação
Infantil e Ensino Fundamental, ocorrida na década de 1990, foi realizada, quase que
exclusivamente, em nível municipal. Segundo Davies (2003, p. 447), essa evolução
se deveu ao processo de municipalização do ensino ocorrido nacionalmente.
O aumento das matrículas nas redes municipais de ensino em Santa Catarina,
nos últimos dez anos, mostrou essa tendência. Em 1992, estavam matriculados no
Ensino Fundamental, em Santa Catarina, 584 mil alunos no sistema estadual e 208
mil nos municipais. Em 2002, eram 480 mil matriculados em escolas estaduais e 407
mil em escolas municipais. O maior número de matrículas no Fundamental
encontrava-se nas primeiras e quintas séries. Entretanto o número de matriculados
nas quintas séries era maior do que o das primeiras séries. Representavam cerca de
140 mil alunos, enquanto nas primeiras foram matriculados 135 mil alunos (SANTA
CATARINA, 2002). Essas modificações exigiram reestruturação física e humana dos
sistemas de ensino municipais. Todas as escolas estudadas passaram, nos últimos
cinco anos, por ampliações, algumas inclusive dobrando sua capacidade de vagas.
Em Florianópolis, o acréscimo no número de matrículas nas escolas
municipais, no Ensino Fundamental, desde 1997, foi de cerca de 5,0%/ano,
desconsiderando a Educação Infantil e a EJA (portadores dos maiores acréscimos de
matrículas municipais) (SANTA CATARINA, 2002).
No Brasil, em 2001 e 2002, as primeiras e segundas séries apresentaram os
maiores índices, em números absolutos, de aprovações, reprovações e transferências.
As quintas séries também assumiram lugar de destaque nas matriculas (2º lugar), nas
79
reprovações (3º lugar), interrupções (1º lugar) e transferências escolares (4º lugar),
conforme mostra o quadro a seguir.
Quadro I – Demonstrativo da situação escolar por série – Brasil - 2001-2002
Classificação Matriculados Aprovados Reprovados Evadidos Transferidos
1º Lugar
1ª série
1ª série 1ª série 5ª série 1ª série
2º Lugar 5ª série 2ª série 2ª série 1ª série 2ª série
3º Lugar 2ª série 3ª série 5ª série 6ª série 3ª série
4º Lugar 3ª série 4ª série 3ª série 7ª série 5ª série
Fonte: MEC/INEP/SEEC, 2001, 2002.
O número de reprovações escolares em 2001 no Brasil, de primeira a oitava
série apresentou uma média de 12,0%. No entanto, era necessário olhar com reserva a
divulgação de indicadores percentuais (números relativos) já que, os percentuais
agregavam, muitas vezes, números absolutos expressivos. Segundo Sposati (2000, p.
24), o número relativo “esconde vidas humanas e camufla a extensão dos números
absolutos”, por isso era preciso ter clareza dos limites analíticos que continham. No
caso citado anterior, os 12,0% de reprovações significavam, em números absolutos,
cerca de três milhões e novecentos mil alunos. Esses quase quatro milhões de alunos
reprovados, em termos absolutos, excederam o de todos os alunos matriculados, em
2002, na Educação Básica na maioria dos estados brasileiros. Só foi
comparativamente menor ao número de matriculados nos estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais. Representavam à somatória de matrículas na Educação
Básica de todos os estados da região centro-oeste (BRASIL, 2002).
Nacionalmente, de 1997 a 2001, a média das reprovações na 1ª série
representaram 15% (900 mil alunos), e na quinta série 10% (500 mil alunos),
enquanto a taxa de interrupção escolar representou cerca de 12% (600 mil alunos)
(BRASIL, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001).
O número de reprovações consideradas por região e série apresentava
diferenças. As primeiras e segundas séries do Ensino Fundamental destacaram-se nas
regiões do Norte e Nordeste e as quintas séries ocupavam o terceiro e quarto lugares
em números absolutos. Nas regiões sul, sudeste e centro-oeste o maior número de
80
alunos reprovados no Ensino Fundamental estava nas quintas séries. Essa
concentração supunha uma maior disponibilidade de acesso às escolas de quinta a
oitava séries, ocorrida após a década de 1980. A maior oferta de vagas possibilitou o
acesso à escola de crianças de classes populares mais suscetíveis à exclusão escolar,
entretanto não conseguiu garantir-lhes a permanência. A reprovação e a interrupção,
como reguladores dos processos de avaliação, constituíram-se num dos elementos
que dificultou a permanência dos alunos na escola. Os números expressivos da
interrupção escolar nas quintas séries, mostrados no quadro I, corroboraram com esta
hipótese. Por isso as primeiras e quintas séries apresentaram um fluxo de alunos
irregular e acumulado. (BRASIL, 2002).
Essa situação escolar nacional mantinha certa similaridade a ocorrida em
Santa Catarina, entretanto, mostrou especificidades. Em 2001, no Estado de Santa
Catarina as quintas séries ocupavam o 5º lugar em número de aprovados e a 2ª
posição em número de reprovados (com uma diferença de um mil e duzentos alunos
em relação às primeiras séries). Em 2002, o número de reprovações nas quintas séries
ocupava o 1º lugar nas escolas municipais e estaduais no estado (BRASIL, 2001,
2002).
Entretanto, de 2000 até 2002 (Gráfico 1) os dados mostraram tendência de
decréscimo nos índices de reprovação nas primeiras séries e aumento nas quintas
séries, tanto nas escolas estaduais, como nas municipais. Representavam cerca de
vinte mil reprovados/ano no sistema público de ensino em Santa Catarina (Tabela 1,
em anexo). Era como se todos os alunos das 45 escolas estaduais situadas em
Florianópolis fossem considerados reprovados. Essa tendência indicou que as quatro
primeiras séries haviam atingido regularidade no fluxo de entrada e saída de alunos,
enquanto o gargalo, antes situado nas primeiras séries, deu lugar às quintas séries
com a maior retenção de alunos, por reprovações ou por interrupções escolares. O
contingente de alunos que ficaram retidos na quinta série aumentou o número de
matrículas no ano subseqüente.
81
Gráfico 1 - Índices comparativos das reprovações escolares entre escolas
estaduais e municipais de Ensino Fundamental em Santa Catarina – 2000-2002
Fonte: Base de Dados do Censo Escolar/SEE/SC - 2000-2002.
No município de Florianópolis a tendência de redução nos números de
reprovações e interrupções nas escolas estaduais e municipais no Estado foi a mesma
verificada para o Estado de Santa Catarina, conforme a Tabela 2, em anexo. Nas
primeiras séries ocorreram quedas acentuadas nos índices da reprovação escolar de
1997-2002, contrário ao movimento observado nas quintas séries onde esse número
se elevou superando os observados na 1ª série depois de 2000. Nas escolas
municipais, desde 1998, o número de reprovações nas quintas séries foi
comparativamente maior do que os encontrados nas primeiras séries (Ver Tabela 2,
em anexo, e o Gráfico 2).
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
2000 2001 2002
Esc. Est aduais de S.
Catarina 1ª série
Esc. Municipais S.
Catarina 1ª série
Esc. Est aduais de S.
Catarina 5ª série
Esc. Municipais S.
Catarina 5ª série
82
Gráfico 2 - Índices comparativos das reprovações escolares entre as
escolas estaduais e municipais em Florianópolis – 1997-2002
Fonte: Base de dados do Censo Escolar/SEE/SC - 1997-2002.
O perfil da reprovação escolar nas escolas estaduais e municipais apontou
dados significativos e indicaram diferenças nas duas redes de ensino, em
Florianópolis. Nas escolas públicas estaduais, especificamente nas quintas séries do
Fundamental, entre 1997 e 2002, observou-se que cerca de 40,0% dessas instituições
de ensino mantinham reprovações superiores à média nacional e à média estadual.
Também, mostrou-se significativo o percentual de escolas que vinham desde 1997
mantendo índices de até 60,0% de reprovações nas quintas séries. Uma das escolas
estaduais reprovou mais de 80,0% de seus alunos nas quintas séries. Em 2000 três
escolas estaduais apresentaram índices acima de 40,0% . Já em 2002 cinco escolas
apresentaram a mesma tendência. Foi possível observar, no Gráfico 4, mudanças no
perfil das escolas que indicaram redução no número de reprovações nas quintas
séries. No entanto, algumas escolas ainda apresentavam índices elevados (acima de
40,0%), números inexistentes em 2001.
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Esc.Estaduais 1ª série
Esc.Municipais 1ª série
Esc.Estaduais 5ª série
Esc.Municipais 5ª séri
e
83
Gráfico 4 -Perfil das reprovações escolares nas 5ª séries em escolas
estaduais em Florianópolis – 1997-2002
Fonte: Base de Dados do Censo Escolar/SEE/SC - 1997-2002.
Nas escolas municipais os índices de reprovações em relação ao das estaduais
eram menores e apresentaram maior regularidade. De 1997 até 2002 o número de
escolas que indicaram índices de reprovações acima de 20,0% oscilou entre nove e
doze. As com índices entre 40,0% e 60,0% eram em menor número se comparadas
com as escolas estaduais. Em 2000 duas escolas apresentaram índices maiores de
40,0%, e, em 2002 somente uma manteve esse índice de reprovação (Gráfico 5).
Esses números não indicavam regularidade e oscilavam a cada ano demonstrando que
as escolas apresentavam caráter singular. Essa irregularidade sugeria a inexistência
de ações para redução dos indicadores de reprovação escolar e alteração dos perfis
das escolas.
Gráfico 5 - Perfil das reprovações nas séries em escolas municipais em
Florianópolis – 1997 – 2002
Fonte: Base de Dados do Censo Escolar/SEE/SC - 1997-2002
0 10203040
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Número de escolas
0,0 - 20,0
21,0 - 40,0
41,0 - 60,0
61,0 - 80,0
81,0 -100,0
0 5 10 15 2 0 2 5
1997
1998
1999
2000
2001
2002
mero de escolas
0,0 - 20,0
21,0 - 40,0
41,0 - 60,0
61,0 - 80,0
81,0 -100,0
84
As oscilações dos dados explicitados anteriormente podem ser melhor
explicadas com base numa análise das singularidades de cada história escolar dos
alunos, melhor explicitadas no capítulo III.
2.2. Buscando indícios nos dados estatísticos produzidos pelas escolas:
nada era o que parecia ser
Conforme já destacado anteriormente (Questões metodológicas) foram
selecionadas foram selecionadas cinco escolas estaduais e seis municipais para a
pesquisa. Cada escola selecionada revelou informações importantes para a
compreensão dos processos de reprovação e movimentação escolar dos alunos, além
dos dados oficiais. Ter ido direto à fonte dos dados permitiu obter informações que
ficaram diluídas nos relatórios estatísticos, especificidades que ajudaram a definir
hipóteses e apontaram caminhos para o aprofundamento da investigação.
O número de reprovações nas quintas séries, em Santa Catarina, de 2000 até
2002, variou de 12,0% a 18,0%. Isso representou apenas a ponta de um iceberg
que o número das reprovações escolares observadas em cada escola revelou outros
valores que os cálculos dos índices medianos ocultavam, conforme tabela a seguir.
Tabela 7 - Reprovações escolares nas quintas séries em escolas estaduais e
municipais em Florianópolis – 1997 –2002 (em percentuais)
Escolas Estaduais
1997 1998 1999 2000 2001 2002
1E 81,8 41,0 19,5 55,2 36,1 20,4
2E (*) 42,1 48,3 24,1 31,4 40,3
3E 26,7 7,29 25,0 21,8 32,7 37,0
4E 26,0 34,0 22,9 3,26 22,9 42,6
5E 28,2 16,7 18,6 7,7 20,0 21,4
Escolas Municipais
1M 31,7 43,5 50,5 15,5 33,3 40,5
2M 30,7 38,5 23,5 31,3 26,0 31,4
3M 37,9 36,8 13,2 32,0 18,8 23,8
4M 21,9 16,5 40,2 16,3 26,8 26,7
5M 17,7 19,3 37,0 12,4 20,9 27,9
6M 11,4 17,7 16,0 29,0 30,6 7,1
Fonte: Base de Dados do Censo Escolar/SEE/SC – 1997-2002.
(*) Número não informado
Conforma tabela anterior, entre 1998 e 2002, as escolas apresentaram
indicadores de reprovação escolar significativos. Em 1998, seis das onze escolas
estudadas apresentaram índices superiores a 30,0%. Em 2001 e 2002, cinco escolas
85
apresentavam as mesmas tendências no perfil de reprovações. Em 2002, três
atingiram mais de 40,0% de reprovações nas quintas séries.
Durante três anos, no período observado, as escolas estaduais, 1E e 2E
apresentavam indicadores superiores a 40,0%. Especificamente na 1E, o número de
reprovações atingiu 81,8% (66 alunos) em 1997 e 55,2% (54 alunos) em 2000, uma
redução pouco significativa considerando o número de alunos que reprovaram e o
índice mediano de reprovações nas escolas estaduais em Florianópolis, 16,79%. Em
sentido oposto, as escolas 4E e 5E reduziram, em 2000, o percentual de reprovações
de 22,9% para 3,3% e de 18,6% para 7,7%, respectivamente (Tabela 7). Na escola
estadual 2E foram reprovados, de 1997 até 2002, duzentos e sessenta alunos nas
quintas séries, uma média de 44 alunos para cada ano letivo (Ver Tabela 1, em
anexo).
As escolas municipais selecionadas também se destacaram pelo significativo
número de reprovações. A escola municipal 1M, apresentou de 1997 até 2002, cinco
índices acima de 30,0% de reprovações, sendo três superiores a 40,0. Já na escola
2M, quatro valores percentuais de reprovação eram superiores a 30,0% (Tabela 7).
Os resultados das reprovações quando analisados com base nos números
absolutos impressionam. Na tabela 1, em anexo, o número absoluto de reprovados,
em 2000 e 2002, nas escolas estaduais de Santa Catarina, representava quase o dobro
do número encontrado nos sistemas municipais de ensino. Em Florianópolis (Tabela
2) foram reprovados, na quinta série, em 2002, setecentos e sessenta e oito (768)
alunos originários das escolas estaduais e, quatrocentos e sete (407) nas municipais.
Somados representavam cerca de mil cento e setenta e cinco (1.175) alunos
reprovados no ano de 2002. No período estudado, 1997 – 2002 quase 10 mil alunos
foram reprovados nas quintas séries nas escolas dos dois sistemas de ensino.
Mais do que o número de reprovações, as onze escolas apresentaram variações
expressivas nos seis anos observados (1997 – 2002). Na 1M o percentual de
reprovações, em 1999, chegou a 50,5%. No ano seguinte baixou para 15,5 %. Na
escola 6M a variação entre os anos 2001(30,6%) e 2002 (7,1%) foi de 23,5%. A
escola estadual 1E apresentou em três anos consecutivos (1997 – 1999) decréscimo
no número de reprovados: 81,8%; 41,0% e 19,5%. Já a escola municipal 4E
apresentou movimento contrário: 3,3% em 2000; 22,9% em 2001; e 42,6% em 2002
(TABELA 7).
86
Algumas hipóteses iniciais foram levantadas para que pudessem explicar as
variações observadas. Na primeira, pressupôs-se que não havia políticas de
intervenção a longo ou médio prazo em nível de sistemas de ensino.
Especificamente, em cada escola os projetos caso existentes não duravam mais do
que um ano letivo. A segunda referiu-se a multiplicidade de regulamentações
adotadas no período estudado, que atingiu alunos, professores e as formas de
organização das avaliações nas escolas. A hipótese era que tais mudanças
dificultaram a compreensão das informações tanto por professores quanto por alunos,
promoveram insegurança, dúvidas, alterações nas formas de registro e nos
parâmetros avaliativos.
2.2.1. O peso das disciplinas escolares na reprovação escolar
Historicamente as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática têm sido
responsabilizadas pelo elevado número de reprovações no Ensino Fundamental. No entanto,
os relatórios sobre os resultados das avaliações por disciplina apresentaram outros indícios
importantes para compreensão das reprovações nas quintas séries.
A diversidade de disciplinas, conteúdos e professores foram apontados como
algumas das dificuldades que os alunos, que entram na quinta série do Ensino
Fundamental, apresentavam. Compreender e corresponder às metodologias e critérios
de avaliação de cada professor, entre sete e dez disciplinas, não se constituiu em
tarefa fácil para os alunos. Estes precisavam estar atentos aos critérios e julgamentos,
as formas metodológicas, as exigências e características de cada professor. Pelas
informações coletadas não havia uma lógica linear, pré-estabelecida, que
determinasse e regulasse as aprovações por disciplina. Observaram-se variações
quanto às disciplinas responsáveis pelas reprovações em cada escola ou turma.
Essas disciplinas vinham mantendo nas escolas graus de importância
diferenciados, hierarquias historicamente instituídas nos currículos das séries finais
do Fundamental, demonstrado na carga horária, na organização dos conteúdos, nos
processos de avaliação de cada disciplina. As consideradas mais importantes
apresentavam carga horária maior. Mesmo assim os resultados finais de aprovação ou
não, variaram de acordo com cada escola, professor ou aluno.
Os resultados finais de avaliação dos alunos, entre 2000 e 2003, em quatro das
escolas municipais pesquisadas foram sistematizados (Tabela 13) e ajudaram a
87
demonstrar que várias disciplinas se revezavam como as responsáveis pelo maior
número de reprovações, em contraposição ao consenso instituído que considerava a
disciplina de Matemática a culpada pelas reprovações nas escolas. Em lado oposto
figuravam as disciplinas de Educação Física e Educação Artística com menor peso
nas reprovações. Entretanto, ao deixarem-se de lado as generalizações, observou-se
que haviam singularidades nas escolas pesquisadas.
88
Tabela 13 – Indicadores das reprovações por disciplina nas quintas séries
das escolas municipais 1M/2M/5M/6M em Florianópolis– 2000-2003
Escola 1M
Escola 2M
Port. E. Art. Matem. Geograf História Ed. Fís. Lg. Est. Ciências Nº de Reprovados
2000 96,0 37,5 85,7 87,5 76,7 48,2 67,8 66,0 56
2001 87,5 31,2 91,6 81,2 60,4 20,8 20,8 70,8 48
2002 71,4 53,0 93,8 75,5 83,6 67,3 30,6 71,4 49
2003 82,9 34,04 63,8 76,5 57,4 10,6 36,1 44,6 47
Escola 5M
L. Port. Ed. Art.. Matem. Geog. História Ed. Fís. Lg. Est. Ciências Nº de Reprovados
2000
60,0 26,6 73,3 73.3 73,3 6,6 73.3 60,0 15
2001
75,8 65,5 89,6 48,2 58,6 0,0 13,7 68,9 29
2002
75,0 41,6 83.3 75,0 80,5 13,8 66,6 86,1 36
2003
57,8 26,3 78,9 57,8 78,9 0,0 63,1 36,8 19
Escola 6M
Port. E. Art. Matem. Geog. História Ed. Fís. Lg. Est. Ciências Nº de Reprovados
2000
65,7 30,0 88,5 70,0 55,7 37,1 54,2 47,1 70
2001
45,9 8,1 81,9 67,2 55,7 13,1 68,8 36,0 61
2002
23,3 16,6 26,6 43,3 36,6 0,0 43,3 36,6 30
2003
80,0 30,0 100,0 60,0 70,0 35,0 95,0 60,0 20
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1M/2M/5M/6M- Florianópolis-2003- 2005
De 2000 a 2002, na Escola 1M, as disciplinas de Matemática, Geografia e
História mostraram-se similares no número de reprovações. A disciplina de Língua
L. Port. Ed. Art. Matem. Geog. História Ed. Fís. Lg. Est. Ciências Nº de Reprovados
2000 8,3 0,0 41,6 41,6 50,0 0,0 16,6 25,0 12
2001 19,0 0,0 33,3 33,3 33,3 0,0 4,7 33,3 21
2002 29,0 0,0 35,4 29,0 38,7 0,0 0,0 38,7 31
2003 88,8 33,3 100,0 66,6 77,7 38,8 100,0 66,6 18
89
Portuguesa, juntamente com Língua Estrangeira - Inglês
14
, por três anos consecutivos
(2000 a 2002), apresentou um perfil com baixos indicadores de reprovações. Em
Educação Física e Educação Artística, nesses mesmos períodos, nenhum aluno
reprovou. Entretanto, em 2003, a escola apresentou indicadores elevados de
reprovação em quase todas as disciplinas, inclusive seis alunos em Educação
Artística e sete em Educação Física foram reprovados. Dos dezoito alunos que
reprovaram na quinta série, todos o foram nas disciplinas de Matemática e Língua
Estrangeira – Inglês. Verificou-se que os critérios estabelecidos nesse ano escolar
levaram os alunos a reprovar em quase todas as disciplinas, como se houvesse um
acordo estabelecido para isso.
Na escola 2M, em 2000, reprovaram na quinta série cinqüenta e seis alunos.
Mais de 60,0% em seis das oito disciplinas. 96,0% dos alunos reprovados o foram na
disciplina de Língua Portuguesa, seguidos pelas disciplinas de Geografia,
Matemática, História, Língua Estrangeira e Ciências, respectivamente. Em 2001 e
2002, Matemática ocupou as primeiras posições em número de reprovados,
acompanhada das disciplinas de Língua Portuguesa, Geografia, Ciências e História.
O ano de 2002 mostrou-se significativo no número de reprovações alcançadas em
grande parte das disciplinas. Dos quarenta e nove reprovados 50,0% o foi nas
disciplinas de Educação Física e Educação Artística, índice elevado se considerar
serem disciplinas que não possuem tradição em reprovação escolar.
Na Escola 5M ocorreram alterações a cada ano letivo. Em 2000, Matemática,
Geografia, História e Língua Estrangeira - Inglês reprovaram em igual proporção,
73,3% dos 15 alunos. Em 2003, as reprovações na quinta série mostraram-se
inferiores aos dois anos anteriores. Mesmo assim, 78,9% dos 19 alunos reprovados o
foram em Matemática e História. Somente a disciplina de Educação Física não
apresentou naquele ano nenhum aluno reprovado.
Na Escola 6M, em 2000 e 2001, dos 131 alunos reprovados mais de 80,0% o
foram em Matemática. Entretanto, mais de 50,0% reprovaram também em Geografia,
História, Língua Estrangeira – Inglês e Língua Portuguesa. Em 2002 e 2003,
numericamente houve redução no número de reprovados em relação aos demais anos
14
Embora a lei 9394/96 determinasse que na disciplina de Educação Física a reprovação somente seria possível
pela não freqüência às aulas, tornou-se fato comum encontrarmos casos de realização de exames finais (passíveis
de reprovação).
90
analisados: trinta alunos em 2002; e vinte em 2003; em comparação aos sessenta e
um em 2001; e setenta em 2000. Entretanto, proporcionalmente, em 2003, os alunos
foram reprovados em um maior número de disciplinas, inclusive em Educação
Artística e Educação Física. Matemática, Língua Estrangeira - Inglês e Língua
Portuguesa continuaram liderando as reprovações com 100,0%; 95,0% e 80,0%,
respectivamente. Já em 2002 a redução se deu no número de disciplinas que cada
aluno reprovou, mesmo assim Língua Estrangeira – Inglês e Geografia reprovaram
43,3% dos alunos.
Em três das quatro escolas municipais, destacadas na Tabela 13, a disciplina
de Língua Estrangeira – Inglês ganhou destaque no número de reprovações efetuadas.
Se essa disciplina não possuía um histórico ligado às reprovações, nas escolas 2M,
5M e 6M o perfil mostrou-se diferenciado. Na escola 6M, tabela 13, em 2001, 68,8%
dos sessenta e um alunos que reprovaram na quinta série o foram em Inglês. Em 2003
foram 95,5% dos vinte alunos reprovados. Já na Escola 5M, por três anos, 2000,
2002, e 2003, Inglês ganhou destaque com mais de 60,0% de reprovações.
A hipótese de que as reprovações estavam vinculadas ao mesmo professor foi
confirmada em alguns casos e descartada em outros. Na disciplina de Língua
Estrangeira - Inglês, a liderança nos índices de reprovação em duas das escolas
municipais, 5M e 6M, corresponderam exatamente à passagem por elas de uma
mesma professora. Concluiu-se que essas aprovações e, conseqüentemente as
reprovações, dependiam mais das relações que os alunos mantinham com a mesma
professora do que com os pré-requisitos ou conteúdos básicos. Ao que os dados
indicam, a decisão sobre aprovação ou não dos alunos dependeu diretamente dos
pressupostos de quem dirigia a disciplina, independente da escola ou do grupo de
alunos.
Os estudos de Paro (2001) e Sampaio (1998) já detectavam haver correlação
entre os conteúdos de cada disciplina e os níveis de reprovação, e também apontavam
o papel que cada professor exercia nos processos de avaliação e nas decisões sobre
que conteúdos seriam priorizados.
As escolas estaduais também apresentaram especificidades. Em 2001, das seis
turmas de quinta série da Escola estadual 2E, na disciplina de Matemática, duas
apresentaram o maior número de reprovações; duas tiveram apenas duas reprovações
91
por turma, e nas demais o número de reprovações foi equivalente. Três professores
diferentes atuaram nestas turmas.
Sem dúvida, havia reconhecimento do peso hierárquico das disciplinas e
conteúdos em algumas áreas específicas do conhecimento. No caso das escolas
estudadas, muitas vezes, uma única disciplina definia a aprovação. A disciplina de
Matemática e Língua Portuguesa mantinham nível simbólico construído
historicamente pela sociedade cabendo aos professores sua manutenção. E, mesmo,
nem sempre terem se apresentado como concentradoras dos indicadores de
reprovação, os projetos de atendimento às dificuldades dos alunos centravam-se
exclusivamente nessas disciplinas, não sendo dada prioridade às demais disciplinas.
As informações estatísticas apontaram fatores importantes a serem considerados a
respeito das reprovações por disciplina, mas não suficientes para explicar os fatores
que as desencadearam. As histórias singulares dos alunos, tratadas Capítulo III,
colaboraram muito para o entendimento das relações estabelecidas com cada
professor e disciplina.
2.2.2. Os multirrepetentes e as dificuldades de permanência nas escolas
Os multirrepetentes eram caracterizados como alunos especiais cujas causas
das inúmeras reprovações estavam ligadas às suas condições singulares de relação
com a escolaridade. O esforço para permanecer na escola, apesar das reprovações,
mostrou alunos persistentes que se mantinham presentes mesmo em condições
adversas. Viviam de avanços e retrocessos, muitas vezes acumulando mais de uma
reprovação na mesma série.
O acompanhamento dos resultados finais de avaliação de 2000 a 2003
propiciou informações sobre as reprovações escolares sistematizadas na tabela 14
15
, a
seguir.
15
Somente foram computados os alunos que completaram o ano letivo na escola. Os que
interromperam antes de concluir o ano não foram incluídos na tabela.
92
Tabela 14 - Número de reprovações dos alunos nas quintas séries de
escolas estaduais e municipais em Florianópolis – 2000-2003
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais das escolas estaduais e municipais -
Florianópolis- 2000-2003
Esse acompanhamento dos relatórios finais de avaliação do rendimento escolar
comprovou que havia um grupo de alunos, 197, 18,3% que reprovou múltiplas vezes
na quinta série (Tabela 14). 81,7% dos alunos reprovaram uma vez. Esses dados
reforçaram as afirmações de autores, como Ferraro (2004a), que questiona a
universalização do Ensino Fundamental, apregoada pelos governos oficiais, e
confirma os indicadores de defasagem série-idade em até dois anos.
Esses mesmos dados (Tabela 14) indicaram que os alunos se mostravam
persistentes na permanência na escola e procuravam avançar nos estudos. Sem
dúvida, manterem-se por três anos na mesma série, com os mesmos conteúdos e
quem sabe os mesmos professores não tem sido uma estratégia escolar efetiva que
garanta a continuidade dos estudos para tais alunos. O número de alunos que
apresentou duas reprovações na quinta série representava cento e quarenta e oito
alunos, seguido de quarenta e nove alunos que tiveram três reprovações, valores
significativos em quatro anos de acompanhamento, que, independente das condições
apresentadas, tentavam permanecer na escola.
Escolas Estaduais
1 Reprovação 2 Reprovações 3 Reprovações Total de Reprovados
1E
33 9 3 45
2E
48 12 5 65
3E
215 37 8 260
4E
101 14 5 120
5E
19 3 1 23
Sub-total:estaduais
416 75 22 513
Escolas Municipais
1M
124 29 5 158
2M
55 10 4 69
3M
36 7 4 47
4M
54 7 3 64
5M
67 10 4 81
6M
126 10 7 143
Sub-total: municipais
462 73 27 562
Total Geral
878
(81,7%)
148
(13,8%)
49
(4,5%)
1075
(100,0%)
93
Para todos os alunos que reprovaram, independente do número de vezes e em
quais disciplinas, a condição para manter-se na escola era a de repetir todas as
disciplinas durante mais um ano letivo. Desconsiderava-se o esforço despendido, a
perda dos grupos de referência ou mesmo a identificação que o aluno tivesse ou não
com os professores que o reprovaram. A indicação da repetência era de refazer o
mesmo caminho quantas vezes a escola e seus professores considerassem necessário.
1075 alunos, em quatro anos, permaneceram na mesma série por todo um ano letivo,
independente do tipo de dificuldade que apresentasse e o tempo necessário para
superação.
Para entender melhor a situação dos alunos que foram reprovados por duas
vezes na quinta série, destacaram-se informações, a título de exemplo, dos históricos
escolares de cinco alunos da Escola municipal 2M, descritos no quadro a seguir:
Quadro II – Alunos com duas reprovações na quinta série, por disciplina na
Escola municipal 2M em Florianópolis – 2000 - 2001.
Alunos
ngua.
Portuguesa
Educão
Artística
Mate-
tica
Geografia História Ed.Física Língua
Estrangeira
Ciências
Af
2000
2001
R
R
A
A
R
R
R
R
R
R
R
R
A
R
R
R
Cm
2000
2001
R
R
R
R
R
R
R
R
R
A
R
A
R
A
R
A
Tm
2000
2001
R
Acc
R
A
R
A
R
A
R
A
A
A
R
A
R
A
Gm
2000
2001
R
R
R
R
R
R
R
R
R
R
R
A
R
R
R
R
Jm
2000
2001
R
R
A
R
R
R
A
R
R
R
A
R
A
R
A
R
A = Aprovado R = Reprovado Acc = Aprovado em Conselho de Classe.
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escola2M- Florianópolis-2003-2005
No primeiro caso, o aluno Af, em 2000, foi reprovado em quase todas as
disciplinas, com exceção em Educação Artística e Língua Estrangeira - Inglês. Em
2001, após um ano letivo de estudos e trabalho, apresentou pior rendimento do que
no ano anterior: reprovou em Inglês, disciplina na qual havia atingido pontuação
mínima para aprovação em ano anterior.
94
No caso do aluno Cm, após ter reprovado em 2000 em todas as disciplinas,
conseguiu aprovação, no ano seguinte, nas disciplinas de História, Educação Física,
Língua Estrangeira - Inglês e Ciências. Entretanto essas aprovações não o
autorizaram a seguir para a sexta série, pois fora reprovado em Língua Portuguesa,
Matemática, Educação Artística e Geografia. Mesmo que na opinião dos professores
das primeiras disciplinas ele pudesse avançar, teria que repetir todas as demais se
quisesse permanecer na escola.
Para o aluno Tm, a situação apresentou-se melhor. Se em 2000 havia
reprovado em quase todas as disciplinas, exceção em Educação Física, a permanência
da dificuldade em Língua Portuguesa pareceu sensibilizar professores que o
aprovaram pelo Conselho de Classe em 2001. Caso contrário teria que repetir todas
as disciplinas nas quais havia sido aprovado.
O caso de Jm mostrou situação oposta. Em 2000 havia sido aprovado em cinco
das oito disciplinas exigidas no Ensino Fundamental: Educação Artística, Geografia,
Educação Física, Língua Estrangeira - Inglês e Ciências. Em 2001, não conseguiu
demonstrar aos professores porque havia sido aprovado nas disciplinas citadas e
acabou reprovando em todas elas. Em caso de permanência na escola precisaria
passar novamente pelas atividades e avaliações das oito disciplinas.
Estatisticamente eram poucos os alunos com mais de três reprovações que
continuavam na escola. No estudo realizado identificaram-se alguns fatores
importantes a serem destacados e analisados. Primeiro não havia relação entre os
resultados de um ano escolar e outro, mesmo que uma disciplina fosse ministrada
pelo mesmo professor. Segundo, adotou-se nas escolas o princípio da tabula rasa,
desconsiderando-se os avanços que os alunos pudessem ter alcançado no ano letivo
anterior e o esforço despendido para conseguir aprovação. Finalmente, como terceiro
fator, considerou-se que os alunos mostraram-se persistentes em manterem-se na
escola, embora não conseguissem a promoção para a série seguinte retornavam e
conseguiam avançar em algumas disciplinas. Entretanto, frente às regras escolares, o
avanço parcial não era considerado. A insistência de retornar à escola, depois de
múltiplas reprovações ou interrupções, demonstrava o propósito em concluir uma
etapa escolar, mesmo com dificuldades. Parte desses alunos foram reprovados nas
mesmas disciplinas por várias vezes e refaziam aquelas nas quais haviam sido
considerados aprovados. Alguns desistiram na segunda tentativa para conseguir a
95
aprovação e reprovavam em todas as disciplinas. Havia ainda aqueles que, tendo
reprovado uma única vez, conseguiam apresentar avanços ao repetir a série.
Além do acompanhamento dos alunos que reprovaram em até duas vezes na
quinta série, tomou-se, como exemplo, os casos de dois alunos reprovados por três
vezes consecutivas, na Escola municipal 6M.
Quadro III Alunos com três reprovações na quinta série, por disciplina,
na Escola municipal 3M em Florianópolis- 2001 - 2003.
Alunos
ngua
Portuguesa
Educão
Artística
Matemática Geografia História Educação
sica
Língua
Estrangeira
Ciências
ASf 2001
2002
2003
A
A
R
A
A
R
R
A
R
R
R
R
A
R
R
A
A
R
R
R
R
R
R
R
JCm 2000
2001
2002
R
R
R
R
R
A
R
R
R
R
R
R
R
R
R
R
A
A
R
R
R
R
R
A
A = Aprovado R = Reprovado Acc = Aprovado em Conselho de Classe.
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escola 6M - Florianópolis-2003-2005.
A aluna ASf foi aprovada em 2001 em quatro disciplinas: Língua Portuguesa, História,
Educação Artística e Educação Física. Em 2002 avançou e foi aprovada também na disciplina
de Matemática, porém, foi reprovada na disciplina de História. O esforço despendido
transformou-se em desistência da escola em 2003, tendo sido reprovada por falta de
freqüência às aulas. Passou da categoria descrita por Ferraro (2004a) como excluídos na
escola para a de excluídos da escola.
O aluno JCm em 2000 concluiu o ano letivo reprovado em todas as disciplinas.
Em 2001 foi aprovado em Educação Física. Em 2002, avançou conseguindo
aprovação em Educação Artística e Ciências. Em 2004 o aluno permanecia
freqüentando a mesma série pelo quarto ano consecutivo.
Essas situações que envolviam multirrepetentes foram significativas para a
reflexão sobre as condições de aprendizagem e as oportunidades oferecidas para que
as situações não se repetissem. Esses alunos passaram pela escola, mas não se
encontravam inseridos, não se constituíam parte dela. A persistência pela
permanência apontava em sentido contrário aos prognósticos escolares pela
interrupção. Por outro lado, constituir-se como multirrepetente não garantia
96
atendimento específico, acompanhamento, e o resguardo do direito público subjetivo
de reivindicar a permanência na escola. Nem mesmo conseguiam obter prioridade
para aprovação via Conselho de Classe. Foram raros os casos observados de
aprovação em Conselho desse tipo de aluno. Somente 12 alunos dos cento e noventa
e sete multirrepetentes, conseguiram avançar por meio do Conselho de Classe nas
quintas séries, entre 2000 e 2004.
Na escola municipal 1M, dos 34 alunos multirrepetentes identificados nas
quintas séries que permaneceram na escola, um foi aprovado por Conselho de Classe.
Mesmo assim, no momento do Conselho faltavam apenas dois décimos para
conseguir a média necessária para aprovação.
2.2.3. Os caminhos da interrupção escolar
A categoria interrupção escolar mostrou-se bastante complexa para a análise
proposta porque nela estavam incluídas inúmeras variáveis: os alunos que
reprovaram e interromperam; os que interromperam uma ou mais vezes; os que
interromperam e retornaram. Além disso, os dados de interrupção nem sempre foram
registrados adequadamente. Era o caso dos alunos que não haviam retornado à escola
no ano seguinte para repetir a série em que foram reprovados. Havia casos em que
um aluno aparecia, ao mesmo tempo, em duas categorias: como aluno que já havia
passado pela escola e interrompeu os estudos e como aluno com matrícula nova.
No Brasil, os percentuais da interrupção escolar em 2001, de primeira a oitava
série do Fundamental, somavam uma média de 8,9%. Em números absolutos
representavam quase dois milhões e novecentos mil alunos. No caso das diferenças
regionais, as interrupções escolares nas regiões Norte e Nordeste ocorriam com
maior incidência nas primeiras séries, seguidas das quintas séries. A quinta série
também concentrava o maior número de interrupções escolares entre todas as séries
do Fundamental, com uma diferença de um mil e seiscentos alunos. Nas regiões Sul,
Sudeste e Centro-oeste as interrupções escolares apresentavam indicadores maiores
de quinta a oitava série. De primeira a quarta os números apresentavam-se menos
significativos (BRASIL, 2002)
Em Santa Catarina, de 1997 a 2002, os indicadores da interrupção escolar nas
primeiras séries variaram de 10,0% a 6,5%. Nas quintas, para o mesmo período,
variaram de 10,0% a 17,2% (Tabela 5, em anexo).
97
Gráfico 3 – Perfil da interrupção escolar nas 1º e 5º séries nas escolas estaduais e
municipais em Florianópolis – 1997-2002
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
14,00
1997 1998 1999 2000 2001 2002
1a. Série Esc. Estadual
1a. Série Esc. Municipal
5a. Série Esc. Estadual
5a. Série Esc. Municipal
Fonte: Base de Dados do Censo Escolar/ SEE/SC – 19997 -2002
Em Florianópolis o índice de interrupção escolar vinha decrescendo nas duas
séries. Nas escolas estaduais o percentual de alunos que interromperam seus estudos
na primeira série caiu de 8,4% em 1997 para 2,2% em 2002. Nas quintas séries esses
indicadores apresentaram-se mais elevados, 12,4% em 1997 e 5,2% em 2002; e
continuavam em queda (Gráfico 3 e Tabela 5, em anexo).
Nas escolas municipais, em Florianópolis, o número de interrupções nas
primeiras séries era de 4,5%, em 1997 e 0,6% em 2002. Nas quintas, no mesmo
período, reduziu de 6,4% para 2,0%, contrariamente ao que aconteceu com as
reprovações escolares. No entanto, era preciso cuidado na análise dos dados que
mostravam a redução desses índices, tanto nas escolas estaduais como nas
municipais. O número de interrupções escolares registradas oficialmente,
principalmente nas quintas séries, mostrou-se subestimado porque não foram
contabilizadas as movimentações que ocorreram ao final do ano letivo até o início de
outro ano escolar. Essa perda mostrou-se significativa
16
(Tabela 5, em anexo).
16
Há indicação por parte do INEP/MEC quanto à correção dessas informações. Entretanto, nem todos os
sistemas a adotaram.
98
Gráfico 6 – Perfil da interrupção escolar nas 5ª séries nas escolas
estaduais em Florianópolis – 1997 – 2002
0 10203040
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Número de escolas
0,0 - 20,0
21,0 -100,0
Fonte: BasededadosdoCensoEscolar/SEE/SC‐Florianópolis‐1997‐2002
Em Florianópolis, a interrupção escolar, segundo dados oficiais, apresenta-se
reduzida quando comparada aos dados de reprovação escolar. Nas escolas estaduais, as
interrupções apresentaram índices decrescentes e alteraram o perfil das escolas
(Gráfico 6). Até 2000, havia número significativo de escolas, principalmente estaduais,
com índices de evasão escolar acima de 40,0%. Em 2001 e 2002, eram poucas as que
apresentaram índices de interrupção acima de 20,0% (Gráfico 6).
99
Gráfico 7 Perfil de interrupção escolar nas 5ª séries nas escolas
municipais em Florianópolis – 1997 - 2002
Fonte: Base de dados do Censo Escolar/ SEE/SC1997 -2002
Nas escolas municipais que fizeram parte do estudo os índices de interrupção
se mostraram ainda menores do que nas estaduais. Em 1997 e 1998 algumas escolas
municipais apresentaram índices de interrupção escolar entre 20,0% e 30,0%, um
registro de movimentação significativa. Em 2000 apenas uma escola teve índice
acima de 10,0%. E em 2001 e 2002 o número de interrupções escolares ficou abaixo
de 10,0% (Gráfico 7).
A identificação de alguns indícios de subestimação dos dados da interrupção
escolar mostrou que era necessário estabelecer um acompanhamento da
movimentação, transferências e retornos escolares dos alunos nas quintas séries. Com
base nesses registros percebeu-se a complexidade da interrupção escolar, não visíveis
nos relatórios estatísticos. O acompanhamento feito em uma das onze escolas
estudadas, em Florianópolis, mostrou que um mesmo aluno podia ser transferido para
outra escola, retornado e interrompido sem ter concluído o ano letivo ou mesmo
mudado de rede de ensino. Essa movimentação mostrou-se mais comum do que o
previsto
17
. Desse modo, o acompanhamento da vida escolar de cada aluno que
interrompeu seus estudos ou transferiu-se de escola, de 2000 até 2004, serviu para
traçar um perfil diferente dos dados oficiais.
17
A observação desse fenômeno só foi detectada pelo preciosismo com que a secretária de uma das escolas
pesquisadas realizava o registro de fluxo escolar dos alunos.
0 5 10 15 20 25
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Número de escolas
0,0 - 10,0
11,0 - 20,0
21,0 - 30,0
100
Foram elaboradas listagens nominais especificando a situação de cada aluno
que interrompeu seus estudos na quinta série. Alguns alunos desapareceram das
listagens das escolas de um ano para o outro, sem ter-se clareza do que havia
ocorrido. Foi necessário recorrer aos livros de transferências expedidas no intuito de
verificar quais haviam solicitado mudanças de escola. Mesmo assim, os que não
constavam dessas listas eram considerados evadidos ou haviam mudado de escola
sem levar a documentação necessária. Muitos retornaram após um período variável,
outros não foram obtidas notícias. O cruzamento do nome de alunos entre as escolas
de uma mesma região ajudou a identificar alguns casos.
O acompanhamento dos percursos dos alunos reprovados que interromperam
seus estudos ou se transferiram, nas onze escolas estudadas, entre 2000 e 2004,
chamou a atenção para vários fenômenos. Primeiramente, mostrou que evasão e
abandono não eram termos adequados para tratar as movimentações dos alunos
ocorridas durante ou entre os anos letivos, porque desconsideravam as possibilidades
de retornos dos alunos às escolas. Segundo, apresentou significativo número de
alunos que interromperam seus estudos antes de efetivada a reprovação. Terceiro,
relacionava-se ao fato de que não haviam regras estabelecidas na escola para os
retornos e interrupções escolares. Quarto, havia evidências de que alunos que
interromperam seus estudos eram registrados como alunos novos na escola quando do
retorno, o que superestimava o número de matrículas. Em quinto, o aluno podia
constar como reprovado em uma escola, aprovado em outra e até desistente numa
terceira escola, triplicando o número de registros oficiais.
Esse mesmo tipo de
acompanhamento feito por
Ferraro (2000) no Rio Grande do Sul mostrou que lá também
havia duplicidade de registro de alunos entre as escolas.
A singularidade das informações sobre as interrupções escolares apresentada
em cada escola estadual estudada pode ser observada no Gráfico 8, a seguir.
101
Gráfico 8 - Situação em 2004 dos alunos reprovados nas quintas séries nas
escolas estaduais em Florianópolis – 2000 - 2004.
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1E/2E/3E/4E/5E- Florianópolis-2000-
2004
Conforme Gráfico anterior, nas escolas estaduais 1E, 2E e 4E
proporcionalmente havia equivalência entre os dados da interrupção escolar entre os
alunos reprovados. Para cada aluno que permanecia na escola havia outro que
interrompia os estudos. Assim, na Escola 2E, dos cento e dezoito alunos que
permaneceram havia cento e nove que saíram. Na 4E a cada 25 alunos que
continuavam na escola, vinte e quatro saíram. Nas escolas 3E e 5E para cada dois
alunos que continuavam um interrompeu seus estudos. Além disso, foi significativo o
número de alunos que solicitaram transferência oficial de escola (Gráfico 8).
Já nas escolas municipais as características das interrupções escolares diferem
em parte do ocorrido nas escolas estaduais, como se pode observar no Gráfico 9.
20
118
52
25
11
18
109
25
24
6
7
32
43
16
6
0% 20% 40% 60% 80% 100%
1E
2E
3E
4E
5E
Continua na
escola
Interrompeu os
estudos
transferiu da
escola
102
Gráfico 9 - Situação em 2004 de alunos reprovados nas quintas séries nas
escolas municipais em Florianópolis – 2000 – 2004.
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/Escolas 1M/2M/3M/4M/5M/6M – Florianópolis
- 2000-2004.
Somente uma escola, 4M, apresentou equilíbrio entre o número de alunos que
permaneciam na escola e dos que interrompiam. Para cada 25 alunos que
permaneceram 24 saíram. Nas outras cinco escolas, 1M, 2M, 3M, 5M e 6M, a cada
três alunos que continuavam na escola, cerca de dois haviam interrompido seus
estudos. Em todas as escolas a movimentação escolar, como nas estaduais, mostrou-
se elevada independente da área onde as escolas estavam situadas, próximas ou não
das praias, com demanda de emprego sazonal em função do turismo (Gráfico 9).
Os dados mostraram significativa movimentação durante o período observado.
Essa movimentação em escolas com organização seriada ocasionou para os alunos
dificuldade no processo de ensino e para os professores a falta de domínio do espaço
da sala de aula no acompanhamento dos alunos, e a necessidade de estabelecimento
de novas formas de organização do ano letivo, dos conteúdos e dos períodos de
avaliação.
A busca pelo ensino noturno foi registrada nas movimentações efetuadas pelos
alunos e geralmente estava ligada a tentativa de compatibilizar trabalho e estudo ou
na busca de outras formas facilitadas de continuidade escolar. Entretanto,
contraditoriamente, foram nesses espaços que ocorreram o maior número de
interrupções escolares. Foram encontradas diferenças significativas no ensino
33
52
24
26
34
58
26
39
16
25
27
48
10
67
7
13
20
37
0% 20% 40% 60% 80% 100%
1M
2M
3M
4M
5M
6M
Cont inua na escola
Int errompeu os
estudos
Transf eriu da escola
103
noturno entre o número de matrículas iniciais e finais nas quintas séries. As
interrupções chegaram a atingir cerca de 70,0% dos alunos. Dos quarenta e três (43)
alunos que interromperam seus estudos, 77% eram alunos do ensino noturno. Na
escola estadual 2E, dos cento e nove (109) alunos que interromperam seus estudos
pós-reprovação, pelo menos um terço deles transferiram-se para o ensino noturno
antes da interrupção. Dos quatorze alunos que reprovaram na quinta série no ensino
diurno e transferiram-se para o noturno seis reprovaram também no ensino noturno
antes de interromper seus estudos. Sem dúvida, a exclusão por reprovação teve maior
impacto no ensino noturno, até porque muitos desses alunos já haviam sido
reprovados no diurno.
Entretanto, não pareceu que essa escolha tenha impedido o afastamento da
escola. Foi preciso investigar melhor o que levava os alunos a procurar outras
modalidades de ensino como a EJA ou o ensino noturno, assunto abordado no
terceiro e quarto capítulos.
Para Zago (2000, p. 27), as alternativas de retorno à escola, principalmente
para alunos que reprovaram ou interromperam, “podem dar apenas prosseguimento a
uma escolaridade com rupturas”. Mesmo assim, a perspectiva de retorno e da
conciliação da escola com o trabalho esteve sempre presente nos alunos estudados
por ela. Essa movimentação entre diversas reprovações, interrupções e trocas de
escola evidenciavam uma “trajetória de descompassos” na tentativa de concluir a
escolaridade que almejavam e melhorar sua condição futura.
Nas escolas estaduais por nós estudadas havia registros de alunos que
interromperam seus estudos ou que se transferiram de escola antes do final do ano
letivo, como evidenciado no Gráfico 10.
104
Gráfico 10- Número de alunos transferidos e que interromperam seus
estudos nas quintas séries nas escolas estaduais em Florianópolis
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1E/2E/3E/4E/5E - Florianópolis-2000-
2004
A escola 2E apresentou um número de transferências expedidas para outras
escolas na ordem de cento e cinqüenta e seis alunos, uma média de trinta e nove
transferências/ano. Num primeiro momento a escola, situada em bairro periférico, em
meio a bairros com demanda turística era um ponto de afluência de muitos migrantes
em busca de trabalho e melhores condições de vida. Os quarenta e três alunos que
interromperam seus estudos antes de concluir o ano letivo tinham poucas
possibilidades de aprovação. Nos relatórios de avaliação dos alunos observou-se que
cerca de 50,0% vinham apresentando notas abaixo da média exigida para aprovação.
6
43
44
50
5
7
15 6
30
4
20
0 50 100 150 200
1E
2E
3E
4E
5E
Transferiu sem
reprovar
Interrompeu se
m
reprovar
105
Já nas escolas municipais há grande variação entre as escolas estudadas, como
observado no Gráfico 11.
Gráfico 11 - Número de alunos transferidos e que interromperam seus
estudos nas quintas séries nas escolas municipais em Florianópolis – 2000-
2004
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1M/2M/3M/4M/5M/6M- Florianópolis-
2000-2004
Duas escolas municipais, 2M e 6M, destacaram-se pelo número de
transferências expedidas para outras escolas. Na escola 6M a condição de
proximidade a área favorecida pelo turismo, sugestionava explicar o motivo das
transferências. Entretanto, a segunda escola, 2M, ao contrário da citada
anteriormente, não possuía aparentemente nenhum atrativo. Situada em morro de
difícil acesso, com casas precárias, uma população considerada de baixa renda, e
acumulo de dificuldades, não pareceu ser fator explicativo para as mudanças. Muitos
eram originários do interior do Estado e vinham em busca de melhores condições de
vida e tratamento de saúde.
A movimentação dos alunos entre 2000 e 2004 poder ser observada em função
do levantamento individual dos históricos escolares dos alunos das redes estaduais e
municipais de ensino, como nas tabelas 10 e 11.
Isoladamente as questões da necessidade de migração podiam justificar, mas
não foram suficientes para explicar os fatores que colaboravam com as interrupções
escolares. Sem dúvida, o acompanhamento dos relatórios de avaliação final apontou
que os dados da interrupção encontravam-se bastante subestimados e desvelaram uma
problemática escolar que vinha sendo naturalizada, porque estava interligada a
4
18
8
5
26
12
77
5
10
6
122
17
0 20 40 60 80 100 120 140
1M
2M
3M
4M
5M
6M
Transferiu sem
reprovar
Interrompeu sem
reprovar
106
problemas sociais e não aos estritamente escolares. Sem dúvida revelou-se a ponta de
um iceberg pouco estudado.
Tabela 10 – Interrupções escolares nas quintas série nas escolas estaduais
em Florianópolis – 2000-2004
Interrompeu com
reprovação
Interrompeu
sem reprovação
Total de
interrupções
1E
18
(75,0)
6
(25,0)
24
(100)
2E
109
(71,7)
43
(28,3)
152
(100)
3E
25
(36,2)
44
(63,8)
69
(100)
4E
24
(32,4)
50
(67,6)
74
(100)
5E
6
(54,5)
5
(45,5)
11
(100)
Total
182 148 330
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1E/2E/3E/4E/5E- Florianópolis-2000-
2004
Em duas escolas estaduais, 1E e 2E, havia indicações que as reprovações
levaram as interrupções escolares. Mais de 70,0% dos alunos haviam reprovado antes
da interrupção. Entretanto, em outras duas, 3E e 4E, essa explicação não se
confirmou. Cerca de 65,0% de alunos dessas escolas interromperam sem reprovações.
Entretanto, esse fato não indica qual a condição de aproveitamento que esses alunos
apresentavam na escola antes de interromper. Já na escola 5E a proporção era a
mesma entre os alunos que interromperam com ou sem reprovação.
107
Tabela 11 – Interrupções escolares nas quintas série nas escolas
municipais em Florianópolis – 2000-2004
Interrompeu com
reprovação
Interrompeu
sem reprovação
Total de
interrupções
1M
26
(86,7)
4
(13,3)
30
(100,0)
2M
39
(68,4)
18
(31,6)
57
(100,0)
3M
16
(66,7)
8
(33,3)
24
(100)
4M
25
(83,3)
5
(16,7)
30
(100)
5M
27
(50,9)
26
(49,1)
53
(100)
6M
48
(73,8)
17
(26,2)
65
(100)
Total
181 78 259
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escolas 1M/2M/3M/4M/5M/6M -
Florianópolis-2000-2004
Nas escolas municipais, cinco em seis das escolas estudadas (1M, 2M, 3M,
4M e 6M), apresentaram relação direta entre reprovação e interrupção escolar. Quase
80,0% dos alunos nas escolas citadas interromperam seus estudos após terem
vivenciado situações de reprovação escolar. Somente em uma delas, 5M, havia
equilíbrio entre o número dos que interromperam com ou sem reprovação.
Na escola municipal 5M, cinco dos vinte e seis alunos que interromperam,
retornaram e continuaram no ensino regular. Entre os vinte e sete que reprovaram e
interromperam, um retornou e outros nem sequer permaneceram por todo o ano
letivo. Era uma das escolas que apresentava grande movimentação escolar. Na escola
1M, dois dos quatro alunos que interromperam antes da reprovação retornaram e
permaneciam na escola. No momento da pesquisa dos que reprovaram e
interromperam somente um havia retornado e permanecia na escola.
A grande movimentação escolar gerou um caminho de idas e vindas, passando
por multirreprovações, transferências, retornos que antecederam novas interrupções.
108
2.2.4. Outros indícios nos registros escolares
Nem sempre foi possível detalhar, durante a pesquisa, os registros escolares
porque era necessário contar com o preciosismo das anotações que algumas
secretárias realizavam. Os registros feitos pela secretária da escola 6M possibilitaram
analisar algumas das movimentações de transferência e coletar informações que
auxiliaram na compreensão das mudanças entre escolas e suas conseqüências no
rendimento escolar dos alunos das quintas séries, e na elaboração do Gráfico 12. Nas
outras escolas não foi possível fazer o mesmo acompanhamento porque não havia
informações detalhadas
18
.
Gráfico 12 Movimentação de alunos por meio das transferências expedidas
e recebidas na Escola municipal 6M em Florianópolis – 2000-2002
0
10
20
30
40
50
60
jan-fev mar-abr mai-jun jul-ago set-out nov-dez
transferências
expedidas
transferências
recebidas
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escola 6M - Florianópolis-2000-2002
Observou-se que a maioria das transferências expedidas na Escola 6M ocorreu
entre os meses de março e abril. Uma das suposições levantadas estava ligada ao
período da temporada turística. Com o término da temporada as famílias retornariam
aos seus lugares de origem ou, o que é mais provável, migrariam para outras regiões
que pudessem oferecer trabalho. Entretanto, as transferências recebidas ocorreram ao
longo do ano letivo e se apresentaram em menor número do que as expedidas. Essa
diferença entre as transferências recebidas e expedidas não era suficiente para
explicar a importância do fator migração (Gráfico 12).
18
Foram implantadas, em 2004, mudanças no sistema de coleta de informações nas escolas, que
poderão facilitar a análise dos dados da interrupção escolar.
109
As escolas estaduais 2E e 3E, e as municipais, 2M e 6M, foram as que
apresentaram maior número de transferências entre estabelecimento de ensino. Eram
também as que mais sofreram o impacto causado por essas mudanças. Na escola 6M,
onde foi possível acompanhar as transferências e interrupções escolares durante o
ano letivo, as quintas séries, chegaram a apresentar uma média de setenta alunos/ano
por sala. Essa movimentação permitiu afirmar que o perfil de cada turma que iniciou
o semestre letivo não era o mesmo que concluía a série. Não foram observadas ações
nas escolas de preparação para o enfrentamento dessas situações, ao contrário,
persistiam atitudes de naturalização dessas relações nas escolas, dificultando os
processos de adaptação e o trabalho dos professores. As formas de organização dos
conteúdos, de distribuição das aulas e de avaliações dificultavam àqueles que
necessitaram movimentar-se entre escolas durante o período letivo. A organização
dos conteúdos e das áreas de conhecimento não obedecia à mesma seqüência e nem
aos mesmos conteúdos. A organização seriada também dificultava a recepção dos
alunos que chegavam à escola.
Ao serem comparados os períodos das transferências recebidas e as
reprovações escolares constatou-se que parte dos alunos transferidos tendiam a
reprovar, como pode ser observado no gráfico 13.
110
Gráfico 13 - Número de reprovações em alunos aceitos por transferência na
Escola municipal 6M em Florianópolis– 2002
jan - fev
mar - abr
mai - jun
jul - ago
set - out
0
10
20
30
40
50
60
Reprovados
Transferências
recebidas
Fonte: Base de dados dos Relatórios Finais/ Escola 6M - Florianópolis-2002
Cruzando as informações, entre o período das transferências e as reprovações
ocorridas, verificou-se que mesmo os alunos que se transferiram de escola no início
do ano letivo estavam sujeitos à reprovação na quinta série. As mudanças
provavelmente provocavam dificuldade de adaptação e de aceitação na escola.
Esses dados indicaram que alguns alunos tendiam a reprovar após terem
mudado de escola nas quintas séries. As interrupções aconteceram por antecipação à
reprovação, por afastamento temporário e, até, por falta de estímulo para
continuidade na escola ou procura por outras modalidades de ensino ou trabalho.
111
Tabela 12 - Reprovões de alunos recebidos por transferência na Escola
municipal 6M em Florianópolis – 2002
Fonte:
Base de dados dos Relatórios Finais da Escola Municipal 6M – Florianópolis - 2002
Proporcionalmente, o maior número de reprovados encontrava-se entre os que
foram recebidos na escola nos meses de julho e agosto, no meio do semestre.
Entretanto, não foi possível compreender com base nos dados quantitativos a relação
entre os períodos de transferências e as reprovações. Por outro lado, quaisquer que
fossem os motivos aventados as reprovações e as interrupções escolares condenavam
grande parte dos alunos que deveriam ter acesso e permanência na escola à exclusão
não só escolar, mas também social e de trabalho. A coleta de informações estatísticas
diretamente nas escolas mostrou-se importante para o aprofundamento das questões
sobre reprovação, interrupção e retornos escolares. Foi necessário buscar o
aprofundamento de outros dados, principalmente os qualitativos para compreensão
dos quantitativos.
Período de recebimento de
transferências
Número de
Transferências
Porcentagem de
reprovação
Janeiro-Fevereiro
15 26,6
Março-Abril
53 24,5
Maio-Junho
135 28,6
Julho-Agosto
26 50,0
Setembro-Outubro
15 26,7
Novembro-Dezembro
5 0,0
CAPÍTULO III
AS HISTÓRIAS DE ALUNOS ENVOLVIDOS EM SITUAÇÕES DE
REPROVAÇÃO E INTERRUPÇÃO ESCOLAR.
Analisar as histórias de alunos em situações de reprovação e interrupção
escolar significou ir além das estatísticas traçadas no Capítulo II deste estudo.
Procurou-se, como afirma Lahire (1997, p. 31), “passar da linguagem das variáveis à
descrição sociologicamente construída das configurações sociais.” Configurações
compreendidas como “o conjunto dos elos que constituem uma parte da realidade
social concebida como uma rede de relações de interdependência humana.”
(LAHIRE, 1997, p. 40).
3.1. Caracterização dos entrevistados e de suas famílias
Conforme já explicitado na metodologia, foram selecionados treze alunos com
base nas seguintes caracterizações: 1) reprovaram e continuavam na escola sem
interrupção; 2) interromperam seus estudos e retornaram à escola após interrupção;
3) reprovaram ou interromperam seus estudos e estavam cursando outras
modalidades de ensino e 4) se encontravam em situação de interrupção escolar até o
momento da entrevista. Além destes ainda foram incluídos os que, em razão de
situações de reprovação ou interrupção escolar, apresentavam dificuldade frente à
escolarização e outros para os quais a reprovação e/ou a interrupção foi uma etapa
superada. As respostas a três das questões elaboradas no questionário também
serviram de base para a seleção dos entrevistados: motivo pelo qual reprovaram;
identificação de dificuldades escolares; sentimento em relação à reprovação.
Os alunos selecionados estabeleciam relações com outros sujeitos em
situações escolares ou não e eram, ao mesmo tempo, produtores e produtos de
relações históricas e sociais e por isso possuíam diferentes visões de mundo, valores,
emoções, sentimentos e comportamentos singulares. Eram sujeitos que construíram
suas identidades pelo modo como estabeleceram suas “relações consigo mesmo, com
os outros e com o mundo” (CHARLOT, 2000b, p. 47) o que implicava dizer que não
113
eram seres passivos, porque foram construídos, mas também construíram, na medida
das possibilidades, suas histórias de vidas. Uma vida permeada por condições sócio-
econômicas nem sempre favoráveis, com histórias escolares acidentadas, dificuldades
de superação dos conteúdos escolares e adaptação a um sistema de normas e tempos
escolares muito diversos do seu universo social. Finalmente, com freqüência
subjetivavam isoladamente a culpa pelos problemas de aprendizagem enfrentados.
No entanto, foi importante destacar que ao mesmo tempo em que incorporavam
determinados valores e pré-conceitos, participavam de experiências de vida escolar,
de trabalho, de sociabilidade e apresentavam múltiplas possibilidades do ser sujeito,
do ser aluno.
Entre os treze alunos entrevistados sete eram do sexo masculino e seis do sexo
feminino. No grupo masculino, quatro declararam-se etnicamente brancos; dois
pardos e um negro, este último interrompeu seus estudos e não havia retornado até o
dia da entrevista. Das seis alunas, cinco consideravam-se brancas e uma parda. As
idades se estendiam dos 11 aos 18 anos (Quadro IV), faixa bastante abrangente que
envolvia alunos em diferentes etapas de crescimento biológico, emocional, social e
escolar. Das seis alunas entrevistadas, cinco se encontravam na faixa etária de 11 a
14 anos de idade e uma com 17 anos. Dos sete alunos, dois possuíam 13 e 14 anos de
idade. Os cinco restantes encontravam-se na faixa etária de 16 a 18 anos. Dos treze
entrevistados, somente um tinha idade compatível a série em que estava inserido.
Sete apresentavam defasagem série-idade de um até dois anos; três de três a quatro
anos e dois alunos com cinco ou mais anos de defasagem.
Analisando a questão de gênero, no Quadro IV, verificou-se que os meninos
eram mais atingidos pelos incidentes escolares e, portanto, apresentavam uma
defasagem idade-série maior do que a das meninas. Essa distribuição de faixas
etárias em que os alunos se apresentavam mais velhos na série do que as meninas
confirmaram, mais uma vez, estudos sobre gênero que indicavam serem os meninos
os mais afetados pela exclusão escolar. Os estudos de Marilia de Carvalho (2004) e
Carmen Duarte Silva e outros pesquisadores (2002) apontaram que os meninos
apresentavam uma escolaridade acidentada e menor desempenho escolar do que o
sexo feminino. Do mesmo modo Ferraro (2004b), ao estudar o processo de
alfabetização, escolarização e letramento em relação à classe social, gênero e raça em
Santa Catarina e Alagoas, concluiu que as mulheres apresentavam nível de
114
escolaridade mais elevado do que o dos homens, e que a maioria deles sequer havia
concluído o Ensino Fundamental.
Dos alunos que permaneciam na escola regular, no momento das entrevistas
(Quadro IV), três cursavam a quinta série, três estavam na sexta série, dois na sétima
série (um no ensino noturno) e um havia concluído a oitava série. Dois cursavam
outras modalidades de ensino: a EJA e a etapa final do supletivo noturno.
Permaneciam fora da escola dois alunos.
Quadro IV - Situação escolar dos alunos no momento da realização das
entrevistas -2005
Turno
Série freqüentada no momento da Entrevista
Não
freqüentam
a Escola
Total
5ª 6ª 7ª 8ª EJA/
Supletivo
Diurno
3 3 1 1 - - 8
Noturno
- - 1 - 2 - 3
Não se
aplica
- - - - - 2 2
Total
3 3 2 1 2 2 13
Fonte: Base de dados das entrevistas realizadas entre agosto e dezembro de 2005.
115
No quadro apresentado a seguir constam outras características dos alunos
entrevistados.
Quadro V - Características individuais e escolares dos entrevistados
Nome
Sexo
Idade
Reprovações e
interrupções
por série
Situação
escolar na
entrevista
Defasagem
série-idade
Trabalho
Número
de
mudanças
de escola
Thiago
M 13 ( R4ª) (R5ª) 5ª. 1 Sim 2
Jackson
M 16 (CA) (R5ª) Concluiu 8ª 2 Não 0
Marlon
M 18 (R3ª)(2X5ª)(R6ª) Supletivo 4 Sim 3
Estevan
M 17 (R5ª) (R6ª) EJA 5 Sim 4
Augusto
M 14 (R4ª)(CC5ª)(R6ª) 2 Não 0
Gustavo
M 17 (R1ª)(R4ª)(I2X5ª) Interrompeu 6 Sim 0
Vinicius
M 17 (R5ª) (I8ª) Interrompeu 3 Sim 3
Letícia
F 11 (R5ª) 0 Não 4
Vanessa
F 14 (R1ª) (R5ª) 6ª 2 Não 3
Tatiana
F 17 (R4ª)(R2X5ª) Noturno 4 Não 3
Tatiane
F 14 (I5ª) 1 Sim 2
M.Lucia
F 13 (I5ª) 1
trabalhou
2
Camila
F 14 (I5ª) (R6ª) 2
trabalhou
4
Fonte: Base de dados dos questionários aplicados em ago./set. 2004 e entrevistas realizadas em
2005.
LEGENDA:
R = Reprovação escolar
I = Interrupção escolar
i = Série incompleta
CA = Classe de Aceleração CC = Aprovação por Conselho de
Classe
116
A maioria das famílias dos entrevistados (11/13) residia em bairros populares
e os pais trabalhavam como operários ou empregados não qualificados na prestação
de serviços. Só uma minoria pertencia a famílias com maior qualificação escolar e de
trabalho. Entre as treze, quatro pagavam aluguel. Das nove que possuíam casa
própria três apresentavam melhores condições estruturais e de valor econômico, as
outras seis residiam em casas simples de baixo valor comercial, pois estavam
situadas em morros e propriedades coletivas.
Em relação à organização familiar, onze eram nucleares, compostas de pai,
mãe e filhos; uma monoparental, (mãe e filha) e outra recomposta. O número de
filhos variava: uma das alunas era filha única, enquanto outro aluno era o oitavo de
uma família de nove filhos. As outras onze tinham uma média de três filhos. A
migração era outra característica marcante nas famílias. Quatro eram originárias de
Florianópolis, seis de outros estados e duas do interior de Santa Catarina (alguns pais
migraram enquanto jovens e outros depois de ter a família constituída) e uma era
composta pelo pai, um migrante do interior do estado, e pela mãe, originária da
cidade, que mudaram para um bairro litorâneo à procura de melhores condições de
vida.
As condições de origem demarcavam também a qualificação profissional de
pais e mães dos entrevistados. Quatro pais desenvolviam atividades que exigiam
maior qualificação ou mais recursos: dois eram corretores de imóveis, um
almoxarife, e o quarto, proprietário de uma pequena mercearia. Os demais eram
empregados ou prestadores de serviços com baixa-qualificação, um deles aposentado
por invalidez. A maioria das mulheres trabalhava e uma se diferenciava em
qualificação pela sua formação em medicina. Das três que não trabalhavam duas
cuidavam da casa e uma estava desempregada por motivo de doença. Nove exerciam
profissões que não exigiam qualificação diferenciada: sete eram empregadas
domésticas e faxineiras, uma auxiliava na cozinha e outra fazia pães e tortas caseiras
para venda.
O perfil escolar dos pais dos entrevistados indicava que a maior parte deles
não se beneficiou da extensão do ensino obrigatório, implantado no Brasil nos
últimos trinta e cinco anos, e que a fragilidade escolar apresentada por muitos dos
seus filhos mostrou a manutenção dessas desigualdades. O acesso à escola pela
maioria dos pais e mães dos alunos entrevistados foi marcado pela interrupção, antes
117
mesmo de completar a Educação Básica. Somente uma das mães concluiu a oitava
série do Ensino Fundamental e outra tinha o nível superior completo. Entre os pais
um está cursando o Ensino Superior e três possuíam o Ensino Médio, um deles
incompleto. Dos demais (20 pais e mães – 77,0%), doze chegaram à quarta série,
alguns sem concluí-la; seis cursaram a quinta série e três interromperam os estudos
entre a sexta e oitava série. Assim, a relação vivida pelos estudantes com a
interrupção escolar tinha uma história que atravessava também a geração dos pais.
Os irmãos dos entrevistados já haviam vivenciado situações de reprovação e
interrupção escolar. Em seis famílias, pelo menos um dos irmãos apresentava
situações de reprovação ou interrupção escolar; em três delas, todos os irmãos
haviam reprovado e interrompido seus estudos. Somente em quatro famílias não
havia registro de casos de reprovação e interrupção, no entanto, era importante
destacar que em duas delas somente havia irmãs menores de cinco anos de idade.
Desta forma, em nove foram registradas situações de reprovação e/ou interrupção
escolares em mais de um filho.
O quadro a seguir apresenta algumas características das famílias dos alunos
entrevistados, analisadas com maior profundidade na segunda parte deste capítulo.
118
Quadro VI - Características das famílias dos entrevistados
Nome
Esco-
laridad
e
do pai
Esco-
laridad
e da
mãe
Profissão
do pai
Profissão
da mãe
Origem
da família
Mudança
domicílio
de
ir-
os
Irmãos dos entrevistados
Idade
irmãos
Freqüenta
Escola
Histórias
reprovação
interrupção
Até
14
+
14
Rep. Int.
Thiago
4ª 6ª
Fornecedor
Faxineira
Fpolis Não
3 3 0 3
EF
Sim Não
Jackson
EMc 8ªi
Corretor de
imóveis
Do lar
Fpolis Não
1 0 1 1
EM
Não Não
Marlon
5ªi 4ªi
Eletricista Empregad
Doméstica
Fpolis Sim
3 0 3 1 EMn
Sim Sim
Estevan
5ªi 5ªi
Pedreiro/
jardineiro
Auxiliar
cozinha
Outro
Estad
Sim
3 2 1 3
EF
APAE
Não Sim
Augusto
Supi Supc
Corretor de
imóveis
Médica
Outro
Estad
Não
8 1 7 6
EF EM
Sup
Não Sim
Gustavo
5ªi 5ªi
Vigia de
obras
Empregad
doméstica
Outro
Estad
Sim
6/
2
1 1 2
EF
Sim Não
Viniciu
s
4ª 4ª
Agricultor
Aposentado
Produção
salgados
Outro
Estad
Sim
3 2 1 3
EM
Não Sim
Letícia
EMc*
** 5ª
4ªi
*Sargento
**M. Obras
Faxineira
Outro
Estad
Sim
1 1 0
Não
Não Não
Vanessa
4ª 4ª
Pescador
Faxineira
Fpolis Não
2 1 1 1
EF
Sim Sim
Tatiana
EMi 7ª
Almoxarife
Do lar
Interior
Sim
1 0 1 1
EM
Sim Não
Tatiane
4ª 4ª
Comerciante
Serv. gerais
Empregad
doméstica
Fpolis
Interior
Sim
1 1 0 1
Creche
Não Não
Maria
Lucia
4ªi 5ª
Construção
civil
Empregad
doméstica
Interior Sim
1 0 1 1
EM
Não Não
Camila
4ªi 4ª
Pedreiro Faxineira
Outro
Estad
Sim
6/
2
1 1 0
Sim Sim
Fonte: Base de dados dos questionários aplicados ago./set. 2004 e das entrevistas 2005.
LEGENDA:
Repr = Reprovação escolar
EF = Ensino Fundamental
EMc =Ensino Médio completo
EMi = Ensino Médio incompleto
EMn = Ensino Médio noturno
Supc = Ensino Superior completo
Supi = Ensino Superior incompleto
i = Interrupção escolar
(*) = Escolaridade e profissão do pai
(**) = Escolaridade e profissão do padrasto
119
Os traços e características apresentados se constituíram em um exercício de
identificação de aspectos comuns ao grupo de entrevistados. Com base nos seis
condicionantes das reprovações e interrupções escolares foram construídos os treze
perfis de configurações escolares, num trabalho metódico que possibilitou a reescrita
das entrevistas, procurando interpretar teoricamente as diferentes situações vividas
pelos alunos, mas tomando o cuidado de questionar sistematicamente, evitando as
explicações rápidas ou conclusões deterministas. Para isso foram cruzadas
informações dos alunos entrevistados com os relatórios existentes em cada escola e
os resultados alcançados nas avaliações com o intuito de tornar mais claras as
situações dos resultados escolares alcançados pelos alunos.
120
3.2. Os Perfis de Configurações Escolares: uma aproximação dos casos
singulares
O agrupamento em três categorias dos Perfis permitiu mostrar como os fatores
vivenciados pelos alunos indicavam maior ou menor aproximação das relações
escolares e a tendência ou não de se repetirem as situações de reprovação e
interrupção escolar.
3.2.1. Agrupamento 1: Uma relação de distância com a escola – situações
anunciadas
Nos quatro perfis aqui reunidos a relação estabelecida com a escola por esses
alunos mostrou momentos de fragilidade e a escola pareceu não fazer parte dos seus
objetivos principais de vida. As dificuldades com os conteúdos escolares antecediam
a quinta série, assim como, a reprovação e a interrupção escolar. Apresentavam
dificuldades em várias disciplinas escolares e principalmente naquelas consideradas
básicas nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Todos apresentavam
dificuldades acentuadas na produção escrita e na leitura. A mobilização escolar ou
por outras atividades se mostrou um ponto frágil na relação cotidiana que
desenvolviam com os estudos, agravada por uma imagem negativa de si mesmo e na
relação com a escola, que os desqualificava enquanto alunos. Não contavam com
auxílio ou apoio efetivo em casa e pareciam aproveitar pouco as oportunidades de
apoio extra-classe oferecidas pela escola. A relação entre família e escola mostrou-se
distanciada e as prioridades da família pareciam estar voltadas às condições de
sobrevivência econômica. A pouca disposição para com os estudos dificultava a
relação com a escola.
Perfil 1 – Falta de mobilização para as atividades escolares
Thiago, 13 anos, branco, nascido em Florianópolis, um ano de atraso escolar, foi
reprovado na quarta e na quinta séries do Ensino Fundamental. Era morador de
bairro no sul da ilha, na Costeira do Pirajubaé, e trabalhava meio período como
lavador de carros
1
.
1
Foram realizadas duas entrevistas com o aluno. A primeira em setembro de 2005 quando relatou as
dificuldades de acompanhamento da quinta série e o início de trabalho em meio período. A segunda, no dia em
que foi confirmada à reprovação do aluno, dezembro de 2005.
121
O pai e a mãe de Thiago tinham origem em cidade do interior do Estado.
Vieram para Florianópolis quando jovens acompanhando a migração familiar.
Casaram e construíram residência no mesmo terreno dos avós de Thiago, local onde
existiam quatro moradias: dos avós, dos pais e de dois tios e tias. O pai era
fornecedor de produtos para mercados e tinha escolaridade até a quarta série. Na
maior parte do tempo atendia vários mercados de diferentes bairros. Muitas vezes
chegava tarde em casa porque algumas lanchonetes só funcionavam à noite. A mãe
possuía nível escolar maior que o do pai, mas também não havia conseguido concluir
a oitava série. No momento da entrevista trabalhava como faxineira alguns dias da
semana num condomínio. Além de Thiago, os pais possuíam mais três filhos menores
de 14 anos. Todos estudavam na mesma escola.
Thiago havia estudado em duas escolas e foi reprovado na quarta e na quinta
série do Ensino Fundamental. Da primeira à terceira série freqüentou uma escola
municipal com atendimento às séries iniciais do Ensino Fundamental, situada
também no sul da ilha. A mudança de escola e do grupo de amigos de terceira para a
quarta série do Fundamental não parece ter causado problemas de adaptação escolar.
Considerou que a reprovação na quarta série foi conseqüência de
comportamentos inadequados em sala de aula: conversa paralela com colegas e
convivência com colega bagunceiro. Para ele, o maior obstáculo era o de conseguir
trabalhar em grupo sem envolver-se com colegas que gostavam de conversar. Essas
conversas provocaram, na maior parte das vezes, retiradas de pontos nas notas pela
professora de classe, uma forma de controlar o comportamento de alunos e manter a
atenção centrada no trabalho. Para ele, a retirada sucessiva de pontos na avaliação o
levou à reprovação, já que ao final do trimestre não sobrava muita nota.
Questionado sobre os empecilhos que encontrou nos estudos afirmou que na
quarta era tudo fácil. Foi na quinta série que surgiram as primeiras complicações nas
disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa, cujos conteúdos eram mais difíceis.
Na disciplina de Matemática os conteúdos estavam relacionados às operações
básicas: mais, vezes, e às vezes tinha que dividir. Na quinta série as operações com
números envolviam maior complexidade nos cálculos: dividir com três números na
chave, com quatro, às vezes dividir com bastante número, como também realizar
exercícios com conteúdos novos como raiz quadrada.
122
Embora o aluno afirmasse que na quarta série a reprovação tinha sido fruto de
bagunça e conversas, as notas obtidas ao final do ano, constantes no histórico escolar
(Escola 2M, 2005), mostraram que ele apresentava dificuldades em quase todas as
disciplinas escolares, principalmente em Língua Portuguesa. O próprio ao relatar sua
situação referiu-se às dificuldades na realização de cálculos básicos e ao processo de
leitura porque quando a professora de português dá livro pra nós lê, e quando tô
lendo, ás vezes dá dor de cabeça e eu não consigo ler. E é nisso que eu fico ruim.
Esses conteúdos faziam parte daqueles inerentes às séries iniciais do Ensino
Fundamental, pois o aluno vinha acumulando dificuldades durante o ano letivo desde
a quarta série. Na disciplina de Língua Estrangeira – Inglês as dificuldades
começaram a surgir com a mudança de professora. Outros colegas de sala também
enfrentavam problemas na disciplina, principalmente pela forma metodológica como
a professora vinha desenvolvendo o trabalho. Muitos foram reprovados ao final do
ano letivo. Para Thiago a primeira professora utilizava o método da conversação e da
repetição e não passava lições no quadro. Ela falava inglês e mandava nós falá pra
nós aprendê e também ensinava com música. Já a segunda utilizava exercícios na
lousa em inglês, não ensinava o que estava escrito, não repetia as perguntas e nem
dava tempo suficiente para a realização das tarefas: não diz pra nós o que está
escrito. Não manda nós falá. Se ela ficasse repetindo pra nós entendê, bem, bem, aí
nós conseguia. Quando tinha dificuldade para realizar as atividades pegava com
colegas, com a guria que senta do lado. Na tradução de textos o trabalho era
individual, não podendo requerer a ajuda da professora ou de um colega. A primeira
professora atendia aos alunos de forma individualizada, indo de carteira em carteira,
falando, explicando.
Analisando os relatórios finais das quatro turmas de quinta série; observou-se
que dos vinte e três alunos (57,5%) reprovados, dezoito o foram na disciplina de
Inglês. Já na turma onde Thiago estava incluído havia trinta e um alunos. Destes,
dezessete foram aprovados de forma direta e nove pelo Conselho de Classe. Dos
aprovados por Conselho de Classe sete apresentavam notas abaixo da média na
referida disciplina. Dos cinco considerados realmente reprovados todos também o
foram em Inglês. Nenhum dos aprovados em tal disciplina ultrapassou a média sete,
o que fundamenta a queixa do aluno (ESCOLA 2M, 2000-2004a).
123
Ao referir-se às formas de avaliação, afirmou que cada professor tinha uma
característica específica. Alguns professores utilizavam provas no processo de
avaliação, como os de Matemática, Ciências, Geografia e Inglês. Outros como os de
História e Educação Artística os trabalhos serviam de base para a avaliação. Dos que
empregavam provas, a maioria permitia a consulta e até a realização em duplas. Para
ele, esse tipo de prova facilitava a aprendizagem e já era utilizada por diversos
professores. Somente a professora de Ciências não permitia a prova em duplas
Segundo Tiago, a gente fica sem sabê e tira nota baixa. Entretanto, as notas mais
baixas que o aluno apresentou durante o ano letivo não foram as de Ciências
(ESCOLA 2M, 2000-2004a).
A recuperação, considerada uma necessidade legal e pedagógica
2
nos sistemas
de ensino municipal e estadual, acontecia também de formas diversas. Alguns
professores, segundo o aluno, realizavam a recuperação de forma imediata, outros
demoravam algumas aulas para fazê-lo. O professor de Matemática o fazia de
imediato, ele era rápido. No mesmo dia, uma aula era destinada à aplicação da prova,
a outra à correção e recuperação por meio de exercícios aos alunos que não haviam
obtido a nota mínima necessária. Já outros, como a professora de Geografia,
informou que essa levava quase duas semanas para entregar os resultados e realizar a
recuperação.
Pelas informações prestadas pelo aluno, foi possível verificar o predomínio da
prática da recuperação das notas para aqueles que não alcançaram nas avaliações
realizadas a média necessária. Tal prática se efetivava por princípios compensatórios,
como complementação do que faltava para alcançar a nota mínima. Esse participou
de dois projetos especiais
3
organizados pela escola e realizados fora do período
regular de aulas, cuja finalidade era atender alunos nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática. O desenvolvimento desses projetos de curta duração nem
sempre acompanhados pela escola e estavam diretamente relacionados ao
envolvimento individual de cada professor. Por isso, não havia uma história
institucional de continuidade dos projetos.
2
Tanto a LDB 9394/96 98 (BRASIL, 1996), como as Resoluções em vigência sobre avaliação do Sistema
Municipal do Ensino de Florianópolis (FLORIANÓPOLIS, 1997, 1998, 2000,2002) e do Sistema Estadual de
Santa Catarina (SANTA CATARINA, 1998, 2000), indicavam a obrigatoriedade das formas de recuperação, de
preferência paralelas.
3
Os projetos foram referenciados no Projeto Político-Pedagógico da escola como: Projetos de apoio escolar as
turmas de 5ª série nas disciplinas de Português e Matemática.
124
Dos dois projetos de que participou apenas o de Língua Portuguesa foi
concluído (ESCOLA 2M, 2004). Como na disciplina de Matemática não houve o
comparecimento esperado pelo professor o projeto foi encerrado, embora dois alunos,
um deles Thiago, ainda estivessem freqüentando as aulas – exatamente dois dos
cinco que foram reprovados ao final do ano letivo. Segundo o aluno, o professor
afirmou que não adiantava mais dar continuidade às aulas. O investimento docente
parecia estar direcionado a alunos que apresentavam problemas.
Embora no projeto de Língua Portuguesa Thiago afirmasse que redigia
comentários de filmes e resumos de artigos de revistas, e as atividades desenvolvidas
o ajudassem bastante, não conseguiu evitar sua reprovação na quinta série, tendo
conseguido médias finais muito abaixo da média exigida, exceção feita às disciplinas
de Educação Artística e Educação Física, indicadas como de sua preferência.
Indagado sobre as notas obtidas na quinta série lembrava apenas as recebidas no
primeiro trimestre, já que, segundo ele, a mãe fora buscar o boletim escolar no
segundo trimestre. O aluno não parecia deter o controle sobre o seu processo de
escolaridade e nem sobre as notas.
Quando entrevistado pela primeira vez, havia começado a trabalhar de
segunda a sexta-feira, no período da manhã, num estabelecimento de lavação de
carros. Nos finais de semana trabalhava em período integral. Anteriormente ficava
em casa, arrumando, lavando louça e vendo televisão. O trabalho pareceu constituir-
se num caminho previamente traçado, uma contingência da vida cotidiana, uma
obrigação e também uma necessidade, dado que, com a morte do avô, os pais
assumiram o cuidado da avó. Na empresa não mantinha vínculo empregatício,
inclusive porque não possuía idade regular para isso. Recebia um pouco mais da
metade do salário mínimo porque atuava em meio período. Computando as horas
trabalhadas nos finais de semana o aluno dedicava quase 40 horas semanais ao
trabalho.
Mesmo assim, referia-se ao empregador como alguém que lhe dera chance de
mostrar que possuía capacidade de trabalho e a oportunidade de continuar na escola.
Segundo o aluno, a família também via como positiva a sua relação com o trabalho.
No começo retornava muito cansado, mas estava ficando acostumado. Tomava
banho, almoçava e ia para a escola. Admitiu que às vezes precisava esforçar-se para
não dormir e prestar atenção em sala de aula.
125
Antes de trabalhar dedicava mais tempo aos estudos, mas reconhecia somente
estudar quando tinha tarefas, trabalhos ou provas. A freqüência das tarefas era quase
diária na quarta série. Entretanto, na quinta série os trabalhos variavam conforme o
professor e o período do ano letivo. No princípio do ano as tarefas eram mais
freqüentes, tornando-se mais escassas após o terceiro trimestre. O professor de
Ciências foi o que mais determinou a realização de atividades para casa; o de Artes
não o fazia. Com a diminuição do volume das tarefas e trabalhos a serem realizados
em casa, o aluno reduziu o pouco tempo que destinava aos estudos, condicionado
apenas ao período que antecedia às provas. Afirmou que às vezes acordava muito
cedo, entre 5:00h e 5:30h da manhã, para cumprir as atividades previstas ou revisar
determinados conteúdos antes de ir para o trabalho. No entanto, reconheceu que isso
ocorrera apenas uma vez desde que começara a trabalhar. Conquanto pudesse haver
desejo de estudo, não possuía hábito de estudo, parecendo dedicar-se pouco a ele.
Mesmo assim, cansado após o trabalho, comparecia a todas as aulas. Foi
possível observar que mantinha bom relacionamento com os colegas tanto em sala
como nos intervalos das aulas. Talvez fosse esse o fator que o mantinha na escola.
Embora, não tenha conseguido alcançar boas notas participou de todas as
atividades propostas, principalmente as que envolviam a pesquisa na sala
informatizada, espaço valorizado e também ocupado para navegar na internet. Agora
a gente começou um projeto de Geografia sobre o planeta terra. Antes foi o de
História e o de Matemática.
Quanto às atividades solicitadas pelos professores procurava cumpri-las,
entretanto, não parecia estar mobilizado para isso. Não houve um real envolvimento
com a escola e nem parecia incluir-se como sujeito participante, ainda que a
relacionasse sempre a aspectos positivos: os professores, a quadra de esportes, a sala
de informática. Parecia manter um distanciamento entre o discurso que produzia
sobre a escola e o que realmente acontecia com ele; um narrador e não um sujeito a
ela integrado. Intérprete do cotidiano, não conseguia dele participar. Segundo ele, as
notas eram atribuídas pela escola e não conseqüência das atividades realizadas ou
não.
Nas disciplinas preferidas procurava fazer tudo direitinho e nas outras fazer
para não ficar sem nota. O investimento que despendia com as atividades escolares
não atingia a expectativa dos professores. Ao observarem-se as notas acumuladas na
126
quinta série durante o ano letivo, com exceção das disciplinas de Educação Física e
Educação Artística, no segundo e terceiro trimestres todas se encontravam abaixo da
média necessária para a aprovação (ESCOLA 2M, 2004a). As notas registradas no
primeiro trimestre ultrapassavam a média necessária para a aprovação. Seu parâmetro
de avaliação estava situado no limite entre a aprovação e reprovação, o momento em
que a escola “informa os que foram aprovados ou não”.
Duas atividades o mobilizavam na escola: o futebol e estar com os amigos.
Entretanto, tais atividades foram pouco valorizadas pela escola: Eu gosto de jogar
futebol, Educação Física é só jogar futebol. Tal fato levou-o a envolver-se em aulas
de futsal, num projeto desenvolvido como atividade extra-classe nas dependências da
escola, com profissionais ligados a uma instituição de ensino superior que financiava
e promovia a identificação de jovens que se destacavam em atividades esportivas
como vôlei, futsal e ginástica olímpica (ESCOLA 2M, 2003). Entretanto, só
participou enquanto o projeto foi desenvolvido gratuitamente na escola com a
intermediação do antigo diretor. Com a ampliação do projeto e a cobrança de taxa
mensal sua participação ficou inviabilizada.
Embora tivesse afirmado que a mãe o ajudava nas tarefas realizadas em casa,
não era feito de forma sistemática: às vezes ela olha as tarefas. Da mesma forma foi
a mãe que, convocada pela escola, tomou ciência das notas ao final do segundo
trimestre. Pouco se conseguiu saber sobre o investimento familiar para a
escolarização; tudo indicava não haver um campo propício para esse
desenvolvimento. Durante as entrevistas fez poucas referências à família.
Perfil 2 – A necessidade de aceitação
Letícia, 11 anos, branca, nascida no Rio de Janeiro, idade compatível com a série
que estava freqüentando, pois entrou na escola com seis anos de idade, foi
reprovado na quinta série. Mora em bairro do sul da ilha, no Saco dos Limões.
4
Os pais de Letícia estavam separados há mais de cinco anos. O pai era
sargento da Polícia Militar do Paraná com o Ensino Médio completo, morava em
Curitiba e tinha outra família. A mãe vivia em Florianópolis, não concluiu a 4ª. série,
era casada com um mestre de obras (padrasto), trabalhava como diarista durante a
temporada turística e tinha uma filha com quatro anos de idade.
4
Entrevista realizada em agosto de 2005.
127
Letícia começou a estudar em uma escola pública na cidade de Urubici,
interior do Estado de Santa Catarina. Segundo a aluna, a mãe matriculou-a em uma
escola particular, procurando uma educação melhor. Depois de três meses transferiu-
a para uma escola pública por não conseguir pagar as mensalidades escolares. Ao
final do ano mudaram para Florianópolis em razão da conclusão da construção pela
qual o padrasto estava responsável.
Em Florianópolis foi matriculada na segunda série em uma escola municipal
do sul da ilha. Segundo o histórico escolar da aluna, suas notas, nas séries iniciais,
correspondiam a de uma aluna mediana e apresentava notas inferiores a seis nas
disciplinas de Matemática, Geografia e História, séries, que para ela não
apresentaram muitas dificuldades.
Na quinta série a aluna foi reprovada com notas abaixo da média em Língua
Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Ciências e Inglês (ESCOLA 2M,
2004a). Para ela, a passagem da quarta para quinta série foi difícil de ser superada.
Havia muitos professores, diferentes conteúdos e foi como se tivesse que iniciar uma
nova etapa. A gente sai do primário para o ginásio e sai da quarta série não
sabendo nada, é como se a gente tivesse na 1ª Série.
Embora tivesse reconhecido ter problemas nos conteúdos das disciplinas de
Língua Portuguesa e Matemática, imputou sua reprovação à ação de terceiros:
colegas, professores e até mesmo, indiretamente, à mãe por não lhe ter providenciado
óculos necessários. A tendência de responsabilizar terceiros por seus atos pareceu
continuar presente ao referir-se à escola. Sentia-se perseguida por colegas que a
tratavam mal e por professores que não a aprovavam. É porque a minha sala de aula
tinha um monte de gente que matava aula e se você não fosse junto elas diziam que
iam me bater. E eu ficava com medo e matava aula. E também porque eu tinha de
usar óculos e os professores me botaram no fundo e eu não conseguia enxergar e na
maioria das vezes eu ficava com dor de cabeça.
Não desenvolvia uma boa relação com a escola e nem sabia informar um
motivo: não sabe dizer por que, mas não gosta da escola. No entanto quando
solicitada a responder do que menos gostava na escola respondeu ser a chantagem a
situação que mais a incomodava na escola. Sentia-se chantageada pelos professores
para estudar e pelos colegas para gazear aulas. Fora da escola ressentia-se das
128
ameaças constantes da mãe em mandá-la para a casa do pai caso fosse reprovada
novamente.
Durante a entrevista mostrou-se insegura e apresentava uma necessidade
constante em ser aceita pelo grupo de colegas e sentia-se rejeitada porque sempre
havia alguém tentando agredi-la. Indagada sobre o que desejaria mudar na escola,
referiu-se a mudanças de ordem pessoal como ser aprovada e ser mais obediente.
No momento da entrevista repetia a quinta série com grande risco de
reprovação na disciplina de Matemática. Ao final do ano só conseguiu superar a
situação ao ser aprovada por Conselho de Classe na disciplina de Língua Portuguesa,
com a nota 4,5 (ESCOLA 2M, 2000-2004a). Segundo a aluna, a professora de Língua
Portuguesa alertou-a sobre a possibilidade de reprovação afirmando que a aprovação
estava condicionada à modificação de conduta. No entanto, segundo ela, a aprovação
foi uma decisão tomada pelos professores em Conselho de Classe.
Durante a entrevista relacionou poucos pontos positivos à escola. Amigos e
satisfação ela encontrava fora da escola nas brincadeiras com amigos e com a irmã,
quando escutava música, ia à catequese ou assistia à televisão. O apoio para as
tarefas escolares em casa e para tirar dúvidas procurava nos amigos e pessoas mais
velhas que moravam perto de sua casa.
Provavelmente por esse motivo não conseguia destacar aspectos positivos da
escola. O pouco esforço destinado aos estudos pareceu retirar-lhe a credibilidade
tanto na escola como em casa. Situações como as queixas, relatadas pelos alunos e
registradas nas atas de pré-Conselho de Classe, direcionadas contra a forma de
trabalho da professora de Inglês levaram a mãe de Letícia a escola. Retornou
contrariada, pois a professora rebateu a reclamação afirmando que a aluna não fazia
as tarefas em sala de aula. Esse fato rendeu-lhe castigo porque a mãe sentiu-se
humilhada e sem argumentos para manter a reclamação. A posição acadêmica que
cada aluno ocupava na escola lhes dava direitos diferenciados. Assim, as reclamações
contra professores só tinham credibilidade, mesmo fundamentadas, quando eram
feitas por alunos que se destacavam na escola ou que se mobilizavam para ela.
Letícia,
ao reclamar para a mãe pareceu querer justificar seu pouco aproveitamento
na disciplina e não se deu conta que a professora poderia utilizar-se da mesma
estratégia para invalidar suas reclamação sobre a forma de trabalhar em sala de aula.
129
Na disciplina de Língua Portuguesa, suas dificuldades estavam relacionadas às
questões ortográficas, particularmente o uso das acentuações. Quando indagada como
escrevia textos e que obstáculos encontrava respondeu que não conseguia escrever
muito bem, já que não lia muito livro, acrescidos de um , como se solicitasse a
concordância sobre sua afirmação. Questionada afirmou ser essa a opinião da
professora, mas realmente não sabia afirmar se para escrever bem era preciso ler. A
assertiva sobre a leitura pareceu indicar a necessidade da aluna sentir-se avalizada.
Perguntada sobre o tempo de dedicação ao estudo e a realização das tarefas
domiciliares, indicou a existência de uma rotina de dedicação ao estudo diária, de
quatro horas e meia, 8:00h às 11:30h, lendo textos, olhando os cadernos. Afirmou
ainda ocupar-se com o cuidado com a casa e a irmã mais nova. Entretanto, havia
claramente um distanciamento entre o declarado e o efetivado.
A escola para ela tinha a função de promover-lhe um futuro melhor e boa
formação profissional. Afirmava que sem escola não dava pra trabalhar nem como
faxineira e imputou à escola a finalidade de ensinar-lhe aspectos práticos no
exercício do trabalho como pôr preços nas coisas e trabalhar com uma mercadoria.
Fora da escola, encontrou na igreja com a atividade de catequese o espaço
para aprendizagem das questões sociais como a prevenção à violência, e
comportamentais, como ser educado e obediente; situações contrárias às que
vivenciava na escola, pelo menos no plano dos desejos.
A escola parecia distante para ela. Quando indagada, apresentou poucos
detalhamentos sobre suas formas de organização e avaliação. Foi lacônica nas
respostas e parecia necessitar de aprovação a cada resposta dada. Chorou muito e
ficou com vontade de parar de estudar quando foi reprovada. As atitudes de
insegurança pareciam uma constante tanto em sala de aula como nos horários de
intervalo. Queixava-se de dor de cabeça e pedia constantemente para voltar para
casa. Mesmo assim afirmou que tinha problemas apenas com algumas colegas.
Segundo a aluna, com os demais mantinha um bom relacionamento.
Perfil 3 – A sujeição consentida: a escola como meta secundária
Estevan, 17 anos, pardo, nascido em Pato Branco, no estado do Paraná, cinco
anos de atraso na escolaridade, aprovado pelo Conselho de Classe na quarta série,
foi reprovado na quinta e na sexta série, interrompeu os estudos no início do ano
130
letivo seguinte, na sexta série, e estava cursando a Educação de Jovens e Adultos
– EJA. Morava no bairro do Abraão na grande Florianópolis e trabalhava com o
pai em serviços de jardinagem.
5
Os pais eram originários do norte do Paraná, posteriormente mudaram para
Curitiba por causa da doença do filho de 10 anos. Mais tarde migraram para
Florianópolis por indicação de um amigo. Moraram em vários locais de Florianópolis
e no município de Palhoça. Até o momento da entrevista residiam em um bairro da
grande Florianópolis. O pai exercia no Paraná a profissão de pedreiro, entretanto por
não conseguir trabalho comprou uma máquina de cortar grama e começou a trabalhar
como jardineiro. Segundo o aluno, aceitava fazer qualquer tipo de trabalho. A mãe
era auxiliar de cozinha de um restaurante. Ambos pararam de estudar na quinta série
do Ensino Fundamental. Além de Estevan, possuíam mais três filhos, de 15, 10 e sete
anos, sendo duas mulheres e dois homens. Com exceção da mais nova e do de 10
anos, portador de paralisia cerebral, todos estavam na escola. A irmã de 15 anos
estava cursando a oitava série e Estevan na EJA. Com as sucessivas mudanças da
família os dois mais velhos se encontravam em atraso escolar.
Até a terceira série Estevan estudou em uma escola municipal no Paraná e,
segundo ele, até então não apresentava muitas dificuldades. Em função das mudanças
sucessivas e períodos de interrupção atrasou-se na escola. Quando chegou a
Florianópolis tinha 14 anos e começou a estudar na quarta série de uma escola
estadual. Após três meses a família mudou novamente para uma rua acessível ao
ônibus da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, pois haviam
conseguido uma vaga para o irmão de 10 anos. A mudança levou Estevan para outra
escola estadual.
As dificuldades escolares eram muitas. Segundo o aluno, havia muita
defasagem entre os conteúdos de terceira e quarta série, não conseguia acompanhar
os outros alunos, demorava a entender o que a professora explicava e se achava
deslocado numa turma de crianças. A escola lhe proporcionou atendimento especial
por meio de uma auxiliar de ensino duas vezes na semana. Mesmo com o
atendimento precisou ser aprovado pelo Conselho de Classe ao final do ano.
Apresentava problemas na produção de textos e em alguns conteúdos específicos de
Matemática. Do relatório da reunião do Conselho (ESCOLA 5E, 2000-2004b)
5
Entrevista realizada em outubro de 2005.
131
constava observação indicando que o aluno estava em idade avançada para
permanecer na quarta série. Desta forma, sua aprovação foi condicionada à idade e
não ao mérito da promoção.
Incluído na quinta série com muita defasagem de conteúdos, não conseguiu
aproveitamento mínimo. As dificuldades de escrita eram acentuadas, não dominava
as operações de multiplicação e divisão e nem compreendia os textos mais
complexos
6
. O sotaque interiorano e carregado, característico de migrantes do
Paraná, acentuou preconceitos e chacotas.
Desenvolveu estratégia de isolamento depois de inúmeras trocas de escola.
Não se envolvia com grupos e nem tomava atitudes de oposição a outros alunos.
Além de tímido, envergonhava-se por se encontrar atrasado na escola, situações que
não facilitavam a aproximação de outros alunos ou professores. Mantinha-se retraído,
aguardando a aproximação de alguém para conversar. Aos poucos as amizades foram
surgindo principalmente entre os que vivenciavam situações similares.
Segundo informou muitos professores recusavam-se a atendê-lo, alegando que
deveria voltar para a quarta série. Para ele foi um ano perdido. Nas aulas de Inglês
não conseguia entender nada. Foi reprovado em quase todas as disciplinas com notas
muito abaixo da média considerada necessária para aprovação. Em Matemática,
Língua Portuguesa e Língua Estrangeira - Inglês não conseguiu atingir mais do que
três pontos de média. Em História e Geografia ficou com médias um pouco abaixo de
cinco. Só conseguiu ser aprovado em Educação Artística e Educação Física com
notas pouco acima da necessária para a aprovação.
No ano seguinte foi incluído numa turma de alunos mais velhos, repetentes ou
que estavam retornando à escola após um período de interrupção escolar. Alguns
professores lhes propiciaram formas diferenciadas de atendimento. Tratavam-lhes
como adultos e não mais como crianças. Dava exercícios, andava de cadeira em
cadeira, explicava até entendê. No entanto, outros professores queixavam-se da
turma, classificavam-na de bagunceira e em reunião de Conselho de Classe do
primeiro bimestre reivindicaram a distribuição dos alunos entre as demais turmas
existentes. A maioria dos professores mostrou-se contrária afirmando que estavam
conseguindo progressivos avanços e que era necessário tratá-los como adultos, sem
6
Cf. Ata do Conselho de Classe. Livro de Atas da Escola Estadual 5E, maio. 2002. (ESCOLA 5E, 2002)
132
infantilizá-los. No relatório do Conselho de Classe do segundo bimestre consta
observação semelhante de alguns professores (ESCOLA 5E, 2000-2004b).
Os professores de Matemática, Ciências e Geografia organizavam os alunos
em grupos para a realização de exercícios, esclarecimento de dúvidas, e
possibilitavam auxílio constante do professor para elucidação das dificuldades. As
professoras de História e de Educação Artística organizavam trabalhos em grupo que
eram apresentados e discutidos; já em Língua Portuguesa a produção de textos era
realizada em duplas
7
.
Estevan obteve melhoras significativas: conseguiu produzir textos mais
elaborados e errava menos nos cálculos matemáticos. Somente na disciplina de Inglês
apresentava um rendimento muito ruim. Não conseguia compreender a lógica de
outra língua e a professora não facilitava a vida de ninguém. Ao final do ano letivo
mais da metade dos alunos foi reprovada em Inglês. Entretanto, o Conselho de Classe
final, mesmo com a oposição da professora, aprovou a maioria deles.
Segundo o aluno, a sexta série, ao contrário do ano anterior, foi um desastre,
disse o aluno. Apesar dos relatos positivos de alguns professores sobre os avanços
alcançados ao final da quinta série, a turma foi distribuída entre as sextas séries
existentes. As dificuldades acumuladas trazidas da quinta série somaram-se às muitas
identificadas na sexta série. Não conseguia acompanhar os conteúdos de Matemática,
Língua Portuguesa e Inglesa. A professora de Português riscava suas provas e
recusava-se a corrigir as redações – não ia perder tempo e nem ficar adivinhando.
Outros professores também reclamavam da sua letra, mas corrigiram todos os
trabalhos e provas. Acumulou notas baixas e desinteressou-se pela escola.
Segundo ele, a sistemática de avaliação dos professores, na sexta série, era
variada. Alguns professores revisavam conteúdos antes da realização das provas.
Quando os alunos não alcançavam a média necessária, era possível fazer recuperação
por meio de exercícios, trabalhos e outras provas. Outros não faziam recuperação. A
média das notas recebidas nas provas era registrada no final de cada bimestre. Tirava
nota boa que bem, e se tirasse nota ruim ficava com nota baixa. Não tinha chance
nenhuma.
7
Não havia registros na escola de um projeto sistematizado para a recuperação dos alunos reprovados. Nas atas
de Conselho de Classe apareciam poucas informações a respeito (ESCOLA 5E, 2000-2004b). As formas
como os professores agiam metodologicamente foi relatada pelo aluno.
133
As tarefas a serem realizadas em casa nem sempre eram corrigidas pelo
professor. Em Português a gente fazia o texto e entregava. Ela dava a nota, mas não
devolvia o texto. Em Matemática o professor ia corrigindo no quadro. História e
Geografia era mais trabalho. Eles devolviam com a nota. Os outro não lembro.
Durante um período que ficaram sem um dos professores os alunos eram
dispensados mais cedo. Havia dias que nem valia a pena ir, pois logo retornava.
Faltava às aulas ou ficava na rua conversando com amigos. Pensou por diversas
vezes em parar de estudar, mas tinha medo de falar para o pai. Nas férias de julho o
pai começou a levá-lo junto para trabalhar; não queria que ele ficasse pela rua em
más companhias.
Quando as aulas recomeçaram viu que iria reprovar porque as notas estavam
mais baixas do que as obtidas no primeiro bimestre. Interrompeu os estudos e passou
a acompanhar o pai todos os dias. Trabalhando juntos melhoraram a condição da
renda familiar porque podiam atender um maior número de clientes. O pai dava-lhe
algum dinheiro e com esse valor podia comprar coisas para si e para os irmãos.
Incentivado por alguns amigos da escola, que também haviam desistido ou
reprovado, resolveu procurar a EJA existente em uma escola próxima de sua casa. A
grande vantagem foi ter conseguido se livrar das aulas de Inglês, considerada por ele
a disciplina responsável pelos seus maiores problemas e sua reprovação. Embora não
apresentasse facilidade em outras disciplinas, conseguia fazer exercícios, provas e
tarefas. Em Inglês não conseguia entender nada, era muito difícil. Começou a
estudar Espanhol, uma língua mais fácil de entendê porque é mais parecido com
Português.
A metodologia utilizada na EJA e a maior atenção dada pelos professores
animaram-no a continuar na escola.
A gente tem aula de matemática e de português normal. Nas
outra os professores dão pesquisa. A gente escolhe um tema e
vai trabalhando. Os professores orienta, discute com a gente.
Tem professor de Geografia, História, Ciência. Nóis vai
escrevendo e eles vão corrigindo. Aí volta pra gente escrevê
mais. No final a gente apresenta pra turma toda, pros
professores e pros pai.
A maior contribuição dos professores era a de estar à disposição para tirar
dúvidas e ajudar a organizar a pesquisa e os trabalhos. Na EJA era diferente, eles
134
prestavam atenção, te escutam, conversa. A gente também prestava atenção e
escutava o professor. A compreensão de que o processo de construção do saber se
estabelecia por meio de trocas e que não havia aprendizagem sem o estabelecimento
de relações, parece ter sido captado e valorizado pelo aluno.
Para ele, a escola regular não proporcionava o estabelecimento de relações:
Você tem aula e não pode conversá. Quando procura o professor ele te explica o
exercício e passa pro outro aluno, não perguntava se entendeu ou se qué pergunta
outra coisa. Quando via a aula já cabô. A dinâmica da organização por disciplina
fragmentava o tempo de aulas e isolava os professores, não facilitando o processo de
aprendizagem para alunos que necessitem maior atenção.
A presença de alunos com a mesma idade ou até mais velhos proporcionou-lhe
a sensação de conforto e de inclusão, situação ilusória dado que estava ali pela
impossibilidade de dar continuidade aos estudos regularmente. Na outra escola,
somente quando estudava com alunos reprovados conseguia sentir-se incluído. Na
sala sentia-se deslocado por ser muito mais velho e fisicamente diferente dos outros
alunos, situação que provocava comentários de professores e piadas de outros alunos.
Como era tímido, preferia se afastar. Já outros alunos em situação similar partiam
pra violência. Tinha muita briga na hora do recreio e até em sala. A violência
parece ter se tornado freqüente na escola e de difícil controle. De vez em quando
queriam pegá alguém. [...] Teve colega meu que não podia aparecer mais na escola.
Na EJA, o sistema de avaliação diferenciado proporcionou menor preocupação
com notas e reprovação. Segundo ele, os alunos iam sendo avaliados a cada etapa do
trabalho e tinham a possibilidade de refazer textos, exercícios e trabalhos. Não havia
ansiedade em torno da avaliação final. Só os faltosos e os que não participavam
regularmente estavam sujeitos a permanecer na fase em que se encontravam.
Os professores de Matemática e Língua Portuguesa trabalhavam por disciplina
e consideravam toda a produção do aluno para a avaliação, inclusive provas e
trabalhos de pesquisa realizados com a orientação de todos os professores. Os outros
emitiam uma nota pelo produto da pesquisa realizada. Em Conselho de Classe os
trabalhos realizados no semestre eram socializados, juntamente com a avaliação que
cada aluno fazia de si e das atividades cumpridas. Ao final, alunos, professores e
coordenadores puderam opinar sobre a avaliação. Com base nesse processo
indicaram-se os alunos concluintes que deveriam permanecer ou avançar. Não havia
135
reprovação, já que não existia uma padronização do trabalho a ser realizado. As
tarefas para casa ficavam limitadas à procura de material de pesquisa, produção
escrita e leitura porque a maioria dos alunos trabalhava. Eram atividades
complementares que podiam ser feitas na escola. Em Matemática e Língua
Portuguesa as atividades tinham acompanhamento em sala de aula.
Em casa a vida familiar girava em torno da criança de 10 anos que possuía
limitações na locomoção e comunicação. A necessidade de cirurgia e atendimento
médico especial levou a família a se deslocar para muitas cidades. Essa migração
desencadeou uma vida escolar acidentada para os mais velhos. No âmbito familiar, a
escolaridade ocupava lugar secundário. Os responsáveis exerciam controle moral
sobre os filhos e adotavam um ritmo de trabalho que não os permitia ficarem na rua.
Preferiam mantê-los sob a vigilância familiar e procuravam ocupá-los com tarefas ou
preparação para assumir trabalhos futuros.
Todos auxiliavam nos trabalhos domésticos independentemente do sexo. Havia
uma relação de solidariedade e colaboração. Ajudavam à mãe no banho e na
alimentação do irmão e para isso revezavam o turno escolar – era preciso ter sempre
alguém em casa pra atendê o irmão. Como o irmão conseguira vaga na APAE, no
horário vespertino, a irmã pode iniciar um curso de cozinha industrial na associação.
Estevan fazia as tarefas e quando precisava pedia ajuda à irmã que estava
cursando a oitava série do Ensino Fundamental. Nas vésperas de prova preparava-se
um pouco, mas não adotava nenhuma sistemática regular de estudo. Os pais não
cobravam as tarefas, mas pediam que ele estudasse. A possibilidade de continuidade
escolar estava ligada ao interesse de cada um. Considerava que a irmã tinha um
desempenho escolar melhor porque gostava de ler e se dedicava mais aos estudos e.
Perfil 4 – A difícil relação com a escola: coerção e insubordinação
Gustavo, 17 anos, negro, nascido em Florianópolis, seis anos de atraso na
escolaridade, foi reprovado na primeira e na quarta série e interrompeu duas
vezes na quinta série antes de abandonar a escola. Morava em um dos morros
centrais da capital, no Morro do Mocotó, na Prainha e trabalhava como feirante.
8
8
Entrevista realizada em setembro de 2005
136
O pai, nascido no estado da Paraíba, migrou ainda criança para São Paulo onde
conheceu a mãe. Moradores da periferia vieram para Florianópolis por indicação de
amigos e parentes com o objetivo de melhorar as condições de vida e fugir da
violência urbana. Os pais tinham uma história de escolaridade marcada por
reprovações e interrupções, não conseguiram concluir a quinta série e apresentavam
dificuldade para ler e escrever.
A mãe trabalhava como empregada doméstica havia mais de quinze anos na
mesma família. O pai, um trabalhador da construção civil, funcionário antigo e de
confiança na empresa, atuava como vigilante das obras. Possuíam cinco filhos, três
deles morando ainda em casa. Dois já haviam constituído família e viviam em outro
domicílio. Dos que ainda residiam em casa dois eram homens, Gustavo, de 17 anos,
seu irmão, de 12 anos. A irmã possuía 15 anos.
Gustavo tinha um filho de um ano de idade que morava com a mãe e os pais
dela. A gravidez acontecida durante um processo de namoro de adolescentes não
serviu para estabelecer uma relação estável. Segundo ele, já haviam tentado morar
juntos, mas brigam muito. Ele vinha contribuindo financeiramente para a manutenção
do filho e assumiu o encargo de buscá-lo na creche ao final de cada dia. A avó
responsabilizava-se pelo menino até que a mãe viesse buscá-lo.
Gustavo estudou desde a primeira série em uma escola estadual situada na
região central do Município. Foi reprovado na primeira e na quarta série do Ensino
Fundamental. Na quinta interrompeu por dois anos seguidos, e permanece fora da
escola havia mais de dois anos. Sua escolaridade foi marcada por reprovações,
interrupções e muita dificuldade na leitura e escrita, fato que também lhe acarretou
problemas nas disciplinas de Geografia e História. Na primeira série, quando da
alfabetização, a professora informou à mãe que não poderia ser aprovado porque não
conseguia ler e escrever. Repetiu a primeira série, entretanto, foi na segunda que uma
professora conseguiu alfabetizá-lo, ainda com restrições.
A relação desenvolvida com a escola foi marcada por atritos. Eu era moleque
terrível desde pequeno, vivia aprontando na escola e em casa. As professora não
agüentava comigo. Até a quarta viviam chamando minha mãe na escola. Ela me
batia, me punha de castigo, mas eu era muito moleque. A primeira reprovação foi
marcada por xingamentos dirigidos à professora e nenhuma subordinação. Afirmou
nunca ter gostado da escola, vinha mais por obrigação e imposição dos pais.
137
Conhecido como aluno bagunceiro e indisciplinado arrependeu-se dos
comportamentos inadequados na escola.
Da primeira até a quarta série os professores exerceram controle mais direto
sobre ele, mas a entrega dos boletins era marcada por reclamações. A mãe
acostumou-se às constantes reclamações e o mantinha por algum tempo de castigo.
Com o afrouxamento do controle ele voltava a soltar pipas no morro.
O acompanhamento das tarefas escolares era feito pela mãe quando chegava a
casa. As reclamações dos professores lhe rendiam castigos, por isso não entregava a
maioria dos bilhetes mandados pela escola. Normalmente mentia, escondendo as
tarefas e trabalhos. Nas aulas em que os professores cobravam a execução das tarefas
copiava de um colega. Não estudava e vivia perdendo livros e cadernos.
Na quarta série os obstáculos com a escrita e o cálculo foram maiores e foi
reprovado. Quando repetiu a quarta série a professora responsável saiu de licença
gestação outro professor assumiu a função. Gustavo identificou-se com ele. Foi um
período estabelecido com a escola de melhor relacionamento e maior aprendizagem.
A gente era terrível, mas com ele a gente estudava porque ele fazia coisas diferentes.
Havia passeios fora da escola, torneio de bola de gude, jogos integrados com os
conteúdos desenvolvidos. O professor fazia atendimento individualizado, fora do
período regular das aulas, aos alunos com maior dificuldade. Eram momentos
lembrados como prazerosos e nos quais aprendeu muita coisa que sabe hoje. Passou
a ler com maior fluência e avançou nos cálculos matemáticos – o professor o
estimulou a fazer cálculos mentais. Gostava de ir para a escola e cumpria a maior
parte das tarefas.
Ao ser promovido para a quinta série, voltou a ter atrito com professores e a
envolver-se em brigas e brincadeiras na escola. Para ele, na quinta série o controle
dos alunos não era efetivo. Havia muita falta de professores e constantemente eram
mandados mais cedo para casa. Outras vezes permanecia na escola atrapalhando a
aula das outras turmas. Segundo ele, os professores davam aulas, passavam
exercícios, corrigiam, mas não se interessavam se o aluno aprendia ou não. Alguns
até tentavam fazer atividades diferentes, mas não conseguiam por causa da bagunça.
Enfrentava dificuldades em quase todas as disciplinas e chegou à metade do ano
quase reprovado. Reconheceu que a fama de aluno indisciplinado, muitas vezes, era
verdadeira porque a gente aprontava muito. Entretanto também ocorriam situações
138
nas quais era envolvido injustamente: Quando tinha briga no pátio ou na sala eu era
levado pra direção junto com todo mundo. Eu não era santo, mas às vezes só tava ali
olhando.
As tarefas domiciliares não eram freqüentes. Somente o professor de
matemática as indicava. Nas outras disciplinas não eram regulares e nem havia
efetiva cobrança, como nas séries iniciais. Ao final do ano, quando cursava pela
primeira vez a quinta série, não prestou atenção, não fez os exercícios, nem copiou
tarefas porque já estava reprovado. O professor de Língua Portuguesa havia
comentado que dificilmente ele conseguiria ser aprovado. Parou de comparecer às
aulas nas disciplinas que apresentava baixo rendimento escolar e interrompeu os
estudos. Considerava que a maioria dos professores deu graças a Deus por ele ter
interrompido. Também não houve nenhum contato com a família ou o aluno, por
parte da escola, em razão da interrupção. No seu registro escolar constava reprovação
por freqüência insuficiente. (ESCOLA 1E, 2000-2004a).
A relação com os professores estava diretamente ligada ao grau de afinidade
estabelecido com os professores. Os mais autoritários ou os mais condescendentes
não conseguiram impor-se frente ao aluno. Algumas professoras classificadas, por
ele, como grossas ou bananas não obtiveram êxito. A referência de bom professor
adveio das relações estabelecidas com o da quarta série. Quando retornou para fazer
à quinta série as situações se repetiram: notas baixas, pouco envolvimento com os
estudos, nenhum estímulo para aprender, envolvimento em brigas. Já se destacava
fisicamente dos outros alunos em sala e sentia vergonha por ainda estar na quinta
série. Durante muito tempo vinha para a escola, mas não entrava. Mais tarde desistiu
em comparecer a escola.. Via esse espaço como local de encontro dos amigos e de
azaração
9
.
Embora reconhecesse o peso que a escolaridade tinha na disputa pelo trabalho
afirmava que nunca gostava de estudar e que a escola era o local de aproximação dos
amigos. Gostava de participar das aulas de Educação Física, da sala de informática,
do ginásio de esportes, atividades pouco valorizadas pela escola.
O professor de Educação Física conseguiu encaminhá-lo para uma escolinha
de futebol, experiência que parece ter se constituído numa boa referência pessoal.
9
Gíria utilizada para designar o interesse pelas meninas, os pequenos namoros, o ficar.
139
Entretanto, o sonho de tornar-se jogador profissional foi abandonado depois de
algumas tentativas frustradas nos testes seletivos. O seu envolvimento com as
atividades escolares e mesmo com a escola de futebol juvenil mostrou-se fraco. Não
houve um investimento nas atividades e o seu cotidiano foi marcado por uma rotina
com poucas expectativas. No entanto, não se caracterizava como apático ou
frustrado. Alegre, ria com facilidade, contava piadas e ao encontrá-lo na feira, seu
local de trabalho, mostrou-se comunicativo. Conversava com colegas, falava alto,
brincava com clientes.
Logo que deixou de comparecer à escola regular estudou por pouco tempo no
Serviço de Educação de Jovens e Adultos – SEJA existente na mesma escola no
período noturno, acompanhando o movimento dos amigos que buscavam outras
formas de ensino e encurtamento da trajetória escolar. Com a gravidez da namorada,
o pai o obrigou a procurar trabalho. Trabalhou como lavador de carros, entregador de
compras num mercadinho próximo a sua residência. No momento das entrevistas
atuava a mais de um ano como feirante no centro da cidade. Começou a trabalhar de
madrugada carregando caixas de mercadorias e montando a barraca. Afirmou gostar
do que fazia porque podia manter contato com muitas pessoas. Nos finais de semana
jogava bola, assistia futebol, encontrava com os amigos e namorava.
Referiu-se pouco à família, mas afirmava manter boa relação com o pai,
embora o encontrasse pouco em casa em função do trabalho. Segundo ele, a irmã
cursava a oitava série e gostava de estudar. Entretanto alegou saber pouco sobre sua
vida escolar. Outro irmão morava e trabalhava com um tio numa oficina de bicicletas
em outro município. O pai mandou-o para lá porque havia começado a envolver-se
com grupos que realizavam pequenos furtos e utilizavam drogas.
A escolaridade não parece ter tido um significado na sua vida e nem fazia
parte dos planos futuros. Referia-se de forma genérica à escola mesmo quando
questionado sobre conteúdos, provas, exercícios. Afirmou não lembrar de suas notas,
dos conteúdos ou mesmo das dificuldades enfrentadas em cada disciplina. Havia um
distanciamento entre as atividades escolares e as de ordem familiar, social ou de
trabalho. Tinha consciência de que o estudo poderia ter lhe rendido melhores
condições de vida, entretanto não fazia planos para voltar a estudar. Alegava não ter
tempo e nem vontade. A maioria dos seus amigos interrompeu seus estudos ou
140
concluiu até a oitava série. Alguns com quem jogava futebol nos finais de semana
estudavam à noite.
Não parecia ressentir-se da pouca escolaridade, mas relatou uma tentativa
frustrada em conseguir trabalho em grande supermercado em função da precária
escolaridade. Para ele, as restrições na escrita e o fato e não estar mais na escola
atrapalhou seu acesso ao trabalho. Mais tarde, conversando com amigos, descobriu
que os supermercados davam preferência a jovens que ainda estudavam ou
concluíram o Ensino Médio.
Quando eu fui fazê ficha num supermercado eles deram uma
folha pra preenchê. Perguntava o nome, o endereço, onde tinha
trabalhado e no final pedia pra escrevê porque você queria
trabalhá no supermercado. Eles nunca me chamaram. Acho que
é porque eu não escrevo muito bem. Depois lá fora o pessoal
tava falando que eles preferem quem tá estudando, e eu não
tava, né.
Gustavo não tinha o hábito de leitura e utilizava pouco o processo de escrita.
Considerava que o pouco conhecimento adquirido na escola bastava para o
cumprimento das atividades de trabalho. Desenvolveu na prática rapidez em cálculos
mentais, iniciada pelo professor na quarta série; uma habilidade necessária ao
exercício do trabalho como feirante. Vangloriava-se de não necessitar redigir listas,
recados ou anotações porque tinha boa memória. Para ele, os pedidos de clientes não
propiciavam dificuldade, eram coisas simples. Não tinha o hábito da leitura.
Segundo ele, às vezes pegava um jornal ou uma revista pra olhar.
141
3.2.2. Agrupamento 2: Uma relação escolar instável
Eram seis os perfis de alunos aqui agrupados que apresentavam variações de
classe social e reafirmavam a mobilização pela escola e auxílio em casa.
Apresentavam dificuldades específicas em alguns conteúdos escolares das séries
iniciais ou manifestos depois de concluída a quarta série. Língua Portuguesa e
Matemática eram disciplinas nas quais os alunos acumulavam dificuldades, seguidas
das disciplinas de Língua Estrangeira - Inglês e Geografia. Aqueles cujas
dificuldades eram maiores ou apresentavam baixa estima mostravam-se obstinados na
procura de estratégias de apoio e nas formas de organização dos estudos. Os que
apresentavam pouca mobilização pelo estudo recebiam apoio escolar de um dos
membros da família ou eram controlados de forma mais rígida nas atividades e na
freqüência escolar. As famílias em sua maioria davam valor a esses dois fatores. No
entanto, os alunos aqui reunidos apresentavam oscilações no rendimento escolar e
eram suscetíveis às alterações de ordem familiar e escolar. Mantinham
comportamentos que variavam entre a proximidade e o afastamento das relações
escolares. Algumas vezes foram envolvidos em situações de reprovação e interrupção
escolar
Perfil 5 – Entre a autonomia e a dependência: o medo às mudanças
Camila, 14 anos, branca, nascida na cidade de Palmas no Paraná, dois anos de
atraso na escolaridade, interrompeu os estudos depois de concluir a quinta série e
foi reprovada na sexta série. Morava no bairro Monte Verde, situado entre o
centro e a zona norte da ilha.
10
A mãe e o pai eram originários do interior do Paraná, onde residiam em uma
área periférica considerada pela aluna como uma favela, já que não havia recursos e
nem parecia ser uma cidade, bem diferente das condições nas quais viviam no
momento da entrevista. A mãe veio para Florianópolis motivada por melhores
condições de trabalho e moradia e foi incentivada por uma parente, moradora da ilha,
que afirmou obter facilidades como casa boa e emprego fácil. No Paraná trabalhava
como faxineira em uma escola de ensino superior. Tinha pouca escolaridade e
10
Entrevista realizada em novembro de 2005.
142
conseguiu concluir a quarta série. O pai que também não parava em casa onde a
gente morava ficou no Paraná. Trabalhava como pedreiro e não chegou a concluir a
quarta série do Ensino Fundamental. Mais tarde tentou instalar-se em Florianópolis,
mas a falta de trabalho e os problemas conjugais o fizeram retornar.
Camila tinha mais seis irmãos, quase todos morando no interior do Paraná.
Somente os mais novos acompanharam a mãe na mudança; ela, um irmão de 15 anos
e uma irmã de seis anos. Os problemas financeiros da família iniciaram quando a
mãe ficou doente e teve que abandonar o trabalho. Com câncer, ficou impossibilitada
de andar e dependia de terceiros. O irmão abandonou a escola e começou a trabalhar.
A pouca renda conseguida e a ajuda de outras pessoas mantiveram o sustento da
família.
Até o momento da entrevista a aluna havia estado em quatro escolas, três no
Paraná. Cursou de primeira até a quarta série na escola Nossa Senhora de Fátima em
Palmas, no Paraná, e para dar continuidade aos estudos precisou transferir-se.
Interrompeu por algumas semanas por motivo de mudança de residência e mudou
para outra escola onde recomeçou a estudar.
Ainda no Paraná, ao final da quinta série, foi informada que havia reprovado
na disciplina de Língua Portuguesa, fato questionado junto à escola pela irmã mais
velha
11
, que contestou a decisão da escola já que até aquela data a aluna havia
entregue todos os trabalhos e apresentava boas notas em todas as provas realizadas.
Corrigido o erro, solicitaram a transferência de escola. Duas semanas depois
mudaram para Florianópolis. Camila alegou não conhecer ninguém na região e
resolveu parar de estudar. A mãe, mesmo não concordando, permitiu a interrupção. A
aluna ficou afastada da escola por um ano. Segundo ela, ao retornar para a sexta
série, sob influência de amigo, foi reprovada. Conversas, saídas freqüentes, bagunça,
falta de atenção às aulas foram fatores fundamentais para a não aprovação. Segundo
ela, dificuldades com conteúdos específicos estavam relacionados apenas à disciplina
de Matemática.
Ao final do ano, faltando pouco mais de três meses para concluir o ano letivo,
abandonou a escola porque a mãe fora submetida a cirurgia e estava impossibilitada
de locomover-se ou cuidar da filha de seis anos de idade. Decorridos quase trinta
11
No Paraná era acompanhada nos estudos pelas irmãs. A que foi à escola para contestar a reprovação. Sete anos
mais velha que Camila, era casada e estudou até a oitava série do Ensino Fundamental.
143
dias, a irmã mais velha veio do Paraná para revezar nos cuidados da mãe e organizar
a vida da família. Como primeira medida acompanhou Camila até a escola para
inteirar-se da situação escolar e verificar a possibilidade de continuidade. Atendida
pela orientadora educacional, Camila pode retomar os estudos com a garantia que
não seria reprovada por freqüência insuficiente.. Contudo, como vinha acumulando
muitas notas baixas, não conseguiu ser aprovada ao final do ano letivo.
A doença da mãe ocorreu no momento em que a aluna já mantinha com a
escola uma relação de distanciamento. O afastamento, o desinteresse pelas atividades
escolares e as dificuldades acumuladas na disciplina de matemática foram inevitáveis
à reprovação – em primeiro lugar foi a bagunça, eu não me preocupava em estudar e
vi que iria reprovar, mas também tinha coisa que eu não entendia.
Pela intervenção da orientadora educacional o professor de Matemática
aventou a possibilidade de dar um trabalho para ajudar, hipótese não confirmada.
Foi reprovada em três disciplinas, uma delas a de Matemática. Segundo ela, já tinha
perdido a esperança, sabia que ia reprovar.
Para a aluna havia no processo de escolarização diferença entre conseguir ser
aprovada e estudar. Os dois fatores estavam relacionados, mas podiam ser
considerados independentes. Segundo ela, um aluno pode conseguir estabelecer
estratégias para ser aprovado sem envolver-se com os estudos. Era possível
memorizar temporariamente um conteúdo, colar, conseguir que o professor lhes
indicasse trabalhos para recuperar a nota. A maior expectativa dos alunos era com a
aprovação e nem sempre estava relacionada ao desenvolvimento de uma sistemática
de estudo.
Entretanto, o envolvimento com a doença da mãe e o acumulo de atividades ao
final do ano letivo impossibilitaram a busca de alguma estratégia para aprovação.
Para ela, quando a mãe ficou doente eu fiquei preocupada e não pensava em estudo.
Eu pensava em passar, mas não em estudar.
As conversas com a mãe eram freqüentes e aventou-se a possibilidade de
cursar o ensino supletivo noturno. Como não tinha a idade mínima permitida
manteve-se na escola regular. Embora tivesse clareza da diferença existente entre a
qualidade do ensino regular e a do supletivo considerava que poderia ter sido uma
144
solução, pois ficaria com tempo disponível já que a mãe estava impossibilitada de
trabalhar.
A irmã mais velha destacou-se como elemento fundamental no
restabelecimento do equilíbrio familiar assumindo a coordenação da casa, o cuidado
com a mãe e com os irmãos e a reintegração de Camila na escola, e num trabalho em
tempo parcial. Durante duas semanas trabalhou como empregada doméstica na casa
de uma família. Ia para o colégio pela manhã, vinha pra casa rápido, trocava de
roupa, comia alguma coisa e saia rápido pra trabalhar. A pessoa para quem ela
trabalhava reclamava constantemente das chegadas tardias. Camila reclamava do
horário de saída, às vinte horas, em função de sentir-se cansada e da necessidade em
levantar cedo para ir à escola. Para manter-se no trabalho precisava ficar quieta, sem
responder ou reclamar, atitude impossível de ser cumprida por ela. No momento da
entrevista, aguardava o início do período de temporada turística porque as
oportunidades de trabalho aumentavam.
Cursando a sexta série, apresentava algumas dificuldades, principalmente na
disciplina de Matemática. Com a mudança no sistema de avaliação estava com medo
de não ser aprovada. Destacou que as mudanças no processo de avaliação de um
Estado para outro trouxeram incerteza e insegurança nos resultados da aprovação.
Lá em Palmas elas davam chance, se você reprovar em uma
matéria ainda tem chance de recuperar, mas aqui não tem
recuperação. Lá se você alcança uma média tá passada direto e
não precisa fazer as provas finais. Lá os professores diziam
pode sair da sala que você já passou. Só ficava na sala quem ia
pra prova final. Aqui são três notas e deu. Por isso tô com
medo de não passar. [...] Eu não sei na realidade se vou
passar. Não tá claro pra mim. Na verdade eu fico com medo de
saber a resposta.
Esse sentimento estava diretamente relacionado a uma pontuação bastante
elevada a ser atingida no terceiro trimestre letivo.
Eu tô precisando de 9,5 em Língua Portuguesa, 9,0 em
Matemática, só que em Matemática acho que consegui
recuperar. Eu já fiz umas provas, uns trabalhos [...] Geografia
7,0, História 7,0, Inglês 3,0. Acho que eu vou conseguir
recuperar. Eu tô achando que sim. Só que se reprovar em uma
matéria reprova em todas.
Ao contrário do ano anterior, a aluna se mobilizou para ser aprovada. Obteve
notas um pouco acima da média necessária nas disciplinas de Língua Portuguesa,
145
Matemática, Geografia e História. Em Inglês e Ciências atingiu notas bem mais
elevadas. Na disciplina de Educação Artística destacou-se frente a outros alunos –
seu espaço de trabalho preferido, o que podia ser confirmado em seu comentário: eu
gosto mesmo é da sala de artes. Nem da sala de informática eu gosto tanto quanto a
sala de arte.
Para ela, estudar era um fator decisivo para o desenvolvimento escolar e
envolvia dedicação e gosto.
Eu gosto de estudar. Tem muita gente que diz que não gosta de
estudar, mas eu gosto de estudar. Mas tem vezes que a gente
não tá com cabeça. Os professores explicam bem e os alunos só
não pegam a matéria porque não querem. Todo mundo diz que
a escola do centro da cidade é mais reforçada. Mas acho que
em todo lugar os professores querem ensinar, mas é preciso
que o aluno queira aprender.
A aluna tinha consciência da relação necessária a ser estabelecida entre
professores e alunos para que ocorresse o processo de aprendizagem. Uma relação
destacada por Charlot (2000b) ao estudar depoimentos de alunos das escolas
regulares na França. O processo das relações com o saber fazia parte das relações
entre os sujeitos. Tinha clareza que não havia saber sem o estabelecimento dessas
relações. Era preciso que a troca se estabelecesse para produzir o saber. Para Camila,
era necessário que o aluno mostrasse interesse e quisesse aprender. Dessa forma,
retirava do professor a responsabilidade do ensinar e a colocava no sujeito-aluno, no
aprender. Para ela, os alunos eram responsáveis pelo processo de não aprendizagem.
Não havia nessa indicação uma acusação, mas uma constatação. O processo de
aprendizagem, para ela, independia da escola onde o aluno estava inserido. A
qualidade da escola dependia diretamente das relações que o aluno iria conseguir
desenvolver. Essa clareza parecia fruto das experiências escolares vividas pelas
irmãs mais velhas e do hábito de debater em família diferentes situações e de vida e
escolaridade.
Em casa, após a repetência na sexta série, apresentou um comportamento
voltado para a escola. Revisava as matérias, fazia as tarefas e trabalhos. A presença
constante da mãe, mesmo não conseguindo auxiliar especificamente nos conteúdos
escolares, reafirmava a integração familiar e a cumplicidade: eu pergunto pra minha
mãe, não porque eu tenha dificuldade, mas eu gosto que a minha mãe fique me
ajudando. Eu ajudando ela e ela me ajudando.
146
A família para a aluna era uma referência forte e ponto de apoio efetivo na
resolução de problemas econômicos, de doença e de escolaridade. Enquanto morava
em outro Estado, as irmãs acompanhavam-na nas tarefas escolares, na interlocução
com professores e nos cuidados com a casa. Com a mudança tornou-se ponto de
referência. Durante a entrevista foram vários os momentos em que a aluna referiu-se
a mãe como fonte de orientação. As conversas tornaram-se mais freqüentes com a
presença da mãe em período integral. Os assuntos eram variados e versavam sobre a
interrupção dos estudos, o encaminhamento para uma escola considerada de melhor
qualidade, a solidariedade nas horas de enfretamento da reprovação, os atritos com
colegas de sala.
Para ela, o impacto causado pela reprovação na sexta série foi mais forte por
ter atingido a mãe. Eu adoro a minha mãe e eu fiquei triste porque a minha mãe
ficou triste. Minha mãe ficou triste porque eu nunca reprovei. A minha mãe chorou.
Segundo a aluna, passou a demonstrar maior maturidade e ocorreu uma
inversão dos papéis entre mãe e filha. Eu parei pra conversar com a minha mãe, mas
ela também estava preocupada com o que estava acontecendo com ela. Minha mãe
dependia o tempo todo de outras pessoas, que tivessem carro e pudessem levar e ir
buscar ela. Esse período de transição foi sendo estabelecido gradativamente durante
os três meses que a irmã mais velha esteve presente e principalmente no momento em
que ela retornou à cidade de origem. Camila, nesse momento, assumiu a
responsabilidade pelas atividades domésticas e reafirmou o compromisso com a
continuidade escolar.
A perspectiva de futuro estava presente de forma objetiva. Considerava que
tomou a decisão incorreta ao interromper os estudos por um ano e não pensava em
parar novamente: Eu me senti, como diz o ditado, como peixe fora d´água. Foi um
período descompromissado com o estudo e com a família. Ficou um ano procurando
entrosar-se com as pessoas, mas sem estabelecer compromissos. Retornou à escola
mais para estender as relações de amizade do que para estudar. Os professores
chamavam sua atenção constantemente. Os atritos eram freqüentes. Eu fazia bagunça
e principalmente a professora de Artes pegava no meu pé. E eu não gostava, não
gostava, não gostava dela.
Os problemas vivenciados pela aluna ocasionaram o estabelecimento de limite
entre as relações vividas na escola e com professores. A expectativa em dar
147
continuidade aos estudos, chegando ao superior, levou a mãe a indicar que Camila
freqüentasse uma escola de melhor qualidade, uma escola do centro e que todo
mundo diz que é mais esforçada. A opinião da mãe refletia juízo comum na
comunidade.
A aluna não pensava em mudar já que considerava que a escola possuía bons
recursos e professores e que a aprendizagem dependia de esforço e vontade de
estudar, e não da escola onde estivesse inserida. Talvez o medo da necessidade de
nova adaptação a manteve na mesma escola.
Demonstrou clareza sobre as dificuldades que teria para chegar ao ensino
superior e afirmava pensar grande, querer acessar uma faculdade de direito.
Reconhecia que para isso seria necessário passar por processos seletivos e eram
poucos os que conseguiam alcançar tal objetivo.
Não demonstrava sentimentos de inferioridade ou submissão e tinha atitudes
de determinação. Falava como adulto e parecia ter aprendido a se posicionar frente
aos professores, colegas ou patrões. Mesmo em casa apresentava opiniões próprias
nas conversas com a irmã e a mãe. Entretanto, essas atitudes não foram suficientes
para que se saísse bem na escola.
Perfil 6 – As más condições da herança: a busca da superação
Vanessa, 14 anos, branca, nascida em Florianópolis, dois anos de atraso na
escolaridade, foi reprovada na primeira e na quinta série. Morava no Santinho,
bairro do norte da ilha
12
.
O pai e a mãe eram originários do norte da ilha, considerados típicos
manezinhos, nativos tradicionais. Residiam em área compartilhada onde existiam
várias residências da mesma família, construídas ao longo de várias gerações.
O pai era pescador e trabalhava na época da temporada turística em hotéis e no
comércio. A renda familiar média era de 1.500,00 reais. A mãe trabalhava como
faxineira e era responsável por cuidar de algumas residências ocupadas durante a
temporada. Os pais, embora tenham cursado até a quarta série do Ensino
Fundamental, sabiam ler pouco e não dominavam a escrita. Na residência da família
moravam dois irmãos, de 18 e de 12 anos. O mais velho também foi reprovado na
12
Entrevistas realizadas em agosto e dezembro de 2005.
148
quinta série e parou de estudar antes de completar o Ensino Fundamental. No
momento da entrevista, trabalhava em um restaurante e não dependia do dinheiro dos
pais. O mais novo foi reprovado na primeira série e apresentava na quinta série
alguns problemas porque não gosta de estudá e brinca muito na escola.
A aluna havia passado por três escolas situadas em bairros do norte da ilha, e
estava cursando a sexta série do Ensino Fundamental. Da primeira até a terceira série
estudou em escola estadual, próxima ao local de trabalho da mãe. Na quarta série
mudou para uma escola municipal no mesmo bairro da residência familiar, que
atendia somente as séries iniciais do Ensino Fundamental. Ao ter concluído a quarta
série, precisou mudar para uma escola onde houvesse turmas de quinta série. A
escolha recaiu sobre uma escola municipal, de maior porte, próxima da residência
familiar. Observou-se que a transferência é uma prática comum utilizada pelas
famílias motivada pela mudança de moradia, ou manter os filhos mais próximos dos
locais de trabalho.
Vanessa foi reprovada na primeira série porque não conseguia ler e escrever.
Já a reprovação na quinta série, segundo ela, foi conseqüência das dificuldades na
disciplina de Matemática, iniciadas depois da terceira série. Na quinta série elas se
acentuaram porque os conteúdos eram mais difíceis de entender. Para ela, o esforço
despendido no estudo dos conteúdos matemáticos não ajudou a superação dos
problemas acumulados desde a terceira série e dificultou o avanço nos conteúdos
mais específicos.
As dificuldades acumuladas constituíram-se em fatores que provocaram a
reprovação escolar na quinta série. A complexidade dos novos conteúdos foi forte
elemento para isso. Segundo a aluna, as operações de cálculo tornaram-se mais
difíceis e os conteúdos na disciplina de Matemática eram diferentes dos apresentados
até então. Os exercícios ficaram mais abstratos, como raiz quadrada e potenciação, e
exigiram cálculos com maior nível de complexidade.
Sem dúvida, observando o histórico escolar (ESCOLA 4M, 2000-2004a) da
aluna, a nota final obtida na disciplina de Matemática (2,1) evidenciava o grande
limite na compreensão dos conteúdos. Nas outras disciplinas apresentava avaliações
acima de 6,0. Tal situação foi agravada com a mudança de uma escola para outra
maior onde desconhecia as exigências, critérios e formas de avaliação de cada
professor e não podia contar com a solidariedade do grupo de colegas.
149
Segundo a aluna, na escola havia períodos de adaptação às mudanças e
aceitação pelo grupo de colegas de sala de aula. Os grupos já se encontravam
organizados e não aceitava facilmente a inserção de novos elementos, como também
não permitiam a intervenção dos professores quando em favor dos alunos novos.
Você chega de outra escola e não conhece ninguém, não tem
com quem conversá e nem quem te empresta um caderno ou
estuda junto. Quando tem trabalho em grupo você fica de fora.
Se você tem dificuldade é pior, ficam te olhando com aquela
cara quando você pergunta. Eles ficavam reclamando do
professor de matemática voltar as coisas pra explicá pra mim.
Tinha vez que eu nem perguntava e ficava com dificuldade pra
não cria caso.
O tamanho da escola também parecia interferir no processo de adaptação. A
primeira vez que mudou de escola Vanessa não lembrava se havia passado por
períodos de adaptação porque fora estudar em uma escola pequena, com apenas três
salas de aula, poucos alunos e professores que atendiam apenas às séries iniciais do
Fundamental. Na mudança da quarta para quinta série, precisou inserir-se em uma
escola de maior porte, com cerca de quatrocentos alunos por turno e quatro turmas de
quintas séries. As dificuldades com os conteúdos específicos da Matemática
somaram-se aos problemas de relacionamento com alunos e professores.
A necessidade de aceitação e de parceria por parte do grupo de alunos e dos
professores pareceu fundamental para a aluna. Contar com ajuda dos amigos e o
atendimento do professor da disciplina em horário paralelo às aulas na escola,
constituiu-se na formula para evitar os processos de reprovação escolar. Não
recordava ter sido chamada para participar de atividades que servissem de estratégias
de recuperação de conteúdos, em horário contrário o das aulas, por professores ou
projetos específicos destinados a esse fim. Já na segunda vez que cursou a quinta
série lembrava que a professora atendia individualmente e em grupo os alunos na
disciplina de Matemática. Esses momentos pareciam aproximar professores e alunos
e mostrou-se como tática efetiva para avançar nos estudos e nas séries.
Durante a sexta série a aluna participou de projetos específicos desenvolvidos
por alguns professores, principalmente os de Matemática, (ESCOLA 4M, 2000-
2004a) abertos a todos os alunos. No entanto, os que estavam com notas abaixo da
média eram obrigados a comparecer. O envolvimento direto nesses atendimentos, a
150
proximidade com os professores e o esforço pessoal contribuíram, sem dúvida, para a
aprovação pelo Conselho de Classe (ESCOLA 4M, 2000-2004b).
O cotidiano da sala de aula mostrou-se dinâmico. A aluna se referia aos
momentos de concentração, trabalho e nas estratégias que os professores utilizavam
para manter os alunos atentos. Poder conversar com os colegas parecia fazer parte de
um quadro de negociação utilizado entre professores e alunos. A tentativa de
manutenção da concentração e aprendizagem, em troca de uma liberdade controlada,
pareceu funcionar com muitos professores.
Na de Matemática a gente pode conversá baixinho, perguntá
pro colega, só não pode bagunçá. O professor de Ciências já
faz diferente. Ele diz que quando ele explica não qué vê
ninguém sem prestá atenção. Ele briga mesmo, mas de fazê
trabalho em grupo pode conversá baixinho. A professora de
História, às vezes no final da aula deixa a gente conversá um
pouco.
Outros professores utilizaram o encaminhamento para a direção ou equipe
pedagógica, ou a exclusão da sala de aula de alunos por comportamentos
considerados inadequados. Para ela, esses momentos de perda de controle pelo
professor também estavam diretamente relacionados à dificuldade de compreensão
dos conteúdos e à forma como o professor organizava as aulas.
A professora não deixô entrar na sala um monte de aluno que
voltou atrasado da aula de Educação Física. Aí deu a maior
confusão. Aí a diretora abriu a porta da sala, conversô com a
professora e mandô nós entrá. Ela ficou uma fera. Ela falô um
monte. [...] Ela até que tem razão porque na aula de inglês os
alunos faz bagunça. É que como ninguém entende fica
perguntando baixinho, mas dali a pouco tá um barulhão.
Apesar de pertencer a uma turma classificada como de bagunceiros
13
,
apresentava comportamentos aceitos pelos professores mesmo que muitas vezes esse
comportamento a desqualificasse frente aos colegas. Por isso, não se envolvia nas
brincadeiras e tinha parceria com poucos colegas. Essas atitudes facilitaram-lhe, às
vezes, o percurso na escola. A aprovação na disciplina de Inglês, sem necessidade de
exames finais, enquanto a maioria dos alunos ia mal, reforçou suas atitudes com os
professores.
13
Quando indagada em que se constituiu a bagunça afirmou que eram comportamentos que envolviam o falá
alto, levantá da carteira, provocá os colega, ficá sem fazê as atividade de sala.
151
Afirmou gostar da escola que freqüentava, principalmente dos professores,
com os quais desenvolveu uma relação mais afetiva e de colaboração. A professora
da disciplina na qual possuía muita dificuldade era o foco de sua atenção. Ela a
incentivava a continuar estudando e embora fosse braba, tinha muita paciência,
qualidades que, segundo ela, eram necessárias para o atendimento de alunos que,
como ela, era dependente.
Dependendo da tarefa a ser realizada em casa, a aluna levava cerca de uma
hora preparando exercícios e revisando a matéria, principalmente de Matemática. Os
trabalhos, geralmente, eram feitos em grupo na biblioteca da escola; fora do período
regular das aulas. Às vezes a gente fica lá a tarde toda. Nos dias que antecediam as
provas dedicava-se mais aos estudos e recorria aos colegas para tirar dúvidas um
pouco antes da realização das provas.
Na escola a sistemática de avaliação foi alterada. Três notas compunham a
avaliação do ano letivo e não havia provas finais e de recuperação. Somando-se as
notas do último trimestre as duas anteriores definiam quem fora aprovado ou não.
Para a aluna, essa mudança trouxe mais ansiedade e insegurança. Eu tô com nota,
mas e se no último trimestre eu não conseguir alcançá a nota, aí você reprova.
Anteriormente, segundo a aluna, havia quatro notas, uma para cada bimestre e a
possibilidade de fazer exames finais – uma chance pra quem não alcançou a nota
que precisava. A preocupação constante com a avaliação indicava que a aluna estava
sempre inteirada das mudanças realizadas nas formas de organização escolar que
pudessem dificultar a sua relação com a escola. Quando da reprovação na quinta
série afirmou:
Eu morria de vergonha, porque ficava chamando o professor o
tempo todo. Eu não conseguia fazer nada sozinha. Quando
alguém ajudava eu acertava. Só que depois na prova eu não
sabia mais nada. Parece que eu não tinha estudado nada. Eu
fazia os mesmo erro. Eu morria de vergonha quando o
professor me chamava no quadro. Aí era pior, parecia que dava
um branco e eu não sabia mais nada.
Apesar disso, mostrava-se obstinada e desenvolveu um esforço contínuo de
superação bastante valorizado pelos professores. Sempre recebia elogios pelo esforço e a
forma de envolvimento nas atividades escolares. Muitas vezes o reforço dado
estigmatizava-a mais frente aos colegas, que costumavam vê-la como chata e puxa saco.
152
Classificava-se como uma aluna atrapalhada, envergonhada, dependente do
auxílio dos professores e que possuía dificuldade na execução das tarefas e provas
sem auxílio. Por isso destacava, quase sempre, a boa vontade dos professores e
também as atividades e avaliações que pudessem ser desenvolvidas com o apoio de
outros alunos, como as provas com consulta e as realizadas em duplas. A gente faz os
exercícios junto. Um tira dúvida do outro e se a gente não sabe chama o professor.
As dificuldades surgiam nos momentos de realização das tarefas escolares e
tentativas frustradas de realização dos exercícios. A aluna se queixava desse fato,
apesar de dispor de tempo e vontade para o estudo. Todos os dias eu pegava nos
caderno e tentava fazer tudo, só que quando ia fazer as tarefa em casa eu esquecia
como se faz. Às vezes eu tentava tanto que me dava dor de cabeça. Para ela o fato de
estudar sozinha, de não contar com apoio em casa para realização das tarefas
escolares e nem formas de atendimento individualizado auxiliou a acentuar os
obstáculos encontrados na escola.
Embora contasse com o apoio constante da mãe, esse pareceu se constituir
num apoio moral já que a mãe não sabia quase nada de Matemática e disse que tinha
cabeça dura pra escola e que eu preciso me esforçá pra não ficar como ela. Essa
visão fatalista das relações escolares funcionava com base na experiência vivida
pelos pais e na história escolar de cada filho, marcada por reprovações e interrupções
escolares. As relações que a mãe vivenciou na escola pareciam se repetir com
Vanessa, as angústias, a vergonha, a submissão. Para Lahire (1997, p. 256), a
transmissão cultural de uma geração para a outra era também a transmissão da forma
como as relações iam sendo construídas no universo escolar. Para a aluna, a mãe se
sentia impossibilitada de ajudá-la.
As relações de gênero
14
pareciam também estar presentes. Mãe e filha
encontravam-se na família em posições similares quanto à escolaridade – muito
esforço e pouca rentabilidade. Os obstáculos vividos pelos irmãos na escola estavam
relacionados à falta de interesse no estudo. O irmão mais novo constantemente a
desqualificava com afirmações pejorativas: mesmo sem estuda tirava notas melhores
do que ela. Não havia colaboração entre os irmãos, que assumiam a divisão de papéis
sexuais em casa. Ela assumia as tarefas domésticas arrumava a mesa, esquentava o
14
Silva (2002) e Carvalho (2004) apontaram em seus estudos que as mulheres possuíam nível de escolaridade
maior do que o dos homens, acidentada e marcada por reprovações e interrupções escolares.
153
almoço para o pai e o irmão, lavava a louça, varria, colocava coisas em ordem, uma
auxiliar ou substituta da mãe e ainda realizava as atividades escolares. Somente
quando precisava retornar à escola o tempo dedicado às tarefas domésticas era
encurtado. Fazia tudo rapidinho e ia à escola. O irmão mais novo ficava
constantemente com o pai ou na rua brincando com amigos.
Em casa ocupava-se também com a preparação de um caderno de poesias e
pensamentos que ia coletando em livros emprestados da biblioteca escolar, de
colegas que desenvolviam o mesmo tipo de interesse e de revistas populares de
grande circulação. O tipo de leitura preferida parecia ser o de leituras rápidas em
revistas populares e pequenas histórias. À noite via televisão com a mãe, dando
preferência às novelas.
A expectativa que a aluna apresentava, em relação à escola, mostrou-se ligada
a momentos imediatos do cotidiano escolar e ao compromisso moral firmado com a
mãe. Agora, o mais importante para mim é passar de ano para ir pra frente, e por aí,
passar no vestibular, faculdade, pra no futuro poder ajudar minha mãe a pagar
contas e realizar seus sonhos.
Falava de forma genérica do futuro e embora apontasse o ensino superior
como uma possibilidade indicava faltar só dois anos pra terminá o Ensino
Fundamental. Mais do que fazer faculdade almejava conseguir um bom emprego que
possibilitasse sair do circulo vicioso imposto à mãe, que atuava como faxineira. Ela
quer que a gente estude pra não precisar trabalhar de faxineira. Esse compromisso
estava diretamente relacionado à necessidade de afirmação, à tentativa de romper
com o mesmo destino da mãe, tão presente em sua realidade social e escolar. Sentia-
se culpada, pois via na escola a oportunidade de trabalho melhor, frente ao esforço
realizado pela mãe. Eu quero continuar, porque eu fiquei muito envergonhada
quando eu reprovei porque a minha mãe chegava cansada de tanto trabalhar e eu
ficava em casa só estudando.
A reprovação significou um distanciamento de seus objetivos de vida e estava
constantemente articulada à sua escolaridade. Incluía-se entre os alunos que, durante
o período de escolarização, estavam suscetíveis a reprovação.
154
Perfil 7 – A relação com as formas de organização escolar: o uso de estratégias
para driblar a reprovação e recuperar o tempo perdido
Marlon, 18 anos, pardo, nascido na cidade de Florianópolis, quatro anos de atraso
na escolaridade, foi reprovado na terceira série, duas vezes na quinta série, uma
vez na sexta série e transferiu-se da oitava série regular para o ensino supletivo
noturno. Morava na Prainha, bairro popular no centro de Florianópolis e estudava
em escola próxima à sua residência.
15
No período da realização da entrevista estava cursando a oitava série do
ensino supletivo noturno, na mesma escola em que havia reprovado na terceira,
quinta e sexta séries do ensino regular diurno. Sua família, originária de
Florianópolis, cidade onde também nasceu, era moradora do Morro do Horácio. O
pai, trabalhador urbano, era eletricista, cuja formação profissional foi adquirida na
prática, pela atividade cotidiana; freqüentou a escola pública até a quinta série, mas
não conseguiu concluir porque precisava trabalhar. A mãe trabalhava como
empregada doméstica desde que parou de estudar, na quarta série. O casal tinha mais
três filhos (15, 20 e 22 anos) que trabalham na prestação de serviços urbanos:
atendente de supermercado, atendente de lanchonete e vigia. Um concluiu o Ensino
Fundamental; o segundo estava cursando o Ensino Médio noturno e outro
interrompeu no Fundamental. A renda familiar restringia-se aos salários do pai e da
mãe; os demais contribuíam sem uma quantidade pré-definida.
Marlon estudou pelo menos em três escolas estaduais de Florianópolis. A
primeira mudança de escola, realizada na terceira série, foi motivada pela compra de
moradia e mudança de domicílio. Essa mudança, segundo ele, acarretou dificuldades
no processo de leitura e escrita, preponderante na primeira reprovação durante a
terceira série do Ensino Fundamental.
A passagem de quarta para quinta série também foi marcada por muitas
dificuldades como o aumento no número de matérias e a necessidade de despender
maior esforço para o estudo. A sensação de liberdade causada pela diluição de
autoridade entre vários professores e a falta de supervisão direta nos períodos de
intervalo entre as aulas o levou a bagunçar e ficar conversando na aula. Também, a
falta de maturidade fez com que deixasse de prestar atenção nos professores, cumprir
as tarefas solicitadas, entregar trabalhos o que, conseqüentemente, o levou a
15
Entrevista realizada em novembro de 2005.
155
acumular notas baixas, ao desânimo e à reprovação. Para ele, o principal fator que o
levou à reprovação foi à falta de responsabilidade com os estudos, manifesto nas
conversas paralelas na aula, e a bagunça.
Na quinta série foi reprovado pela primeira vez nas disciplinas de Língua
Portuguesa, Matemática e Inglês. No seu histórico escolar as notas nas três
disciplinas, ao final do ano letivo, encontravam-se pouco abaixo da média exigida
para a aprovação (ESCOLA 1E, 2000-2004a). Entretanto, ao analisarem-se as notas
de sete alunos que se encontrava em situação similar a de Marlon, com notas pouco
abaixo da média em até três disciplinas, cinco foram aprovados por Conselho de
Classe (ESCOLA 1E, 2000-2004b). Dos dez alunos que estavam com notas abaixo da
média em quatro ou até oito disciplinas, dois foram aprovados por Conselho de
Classe (ESCOLA 1E, 2000-2004b). As observações nas atas do Conselho de Classe
(ESCOLA 1E, 2000-2004b) mostravam que o comportamento inadequado em sala de
aula, como conversas e falta de atenção, somadas às dificuldades no estudo, pesou
na decisão pela reprovação.
Os critérios para a aprovação de alunos que não haviam obtido notas
suficientes para atingir a média exigida mostraram-se insuficientes, pois levavam em
conta aspectos subjetivos (ESCOLA 1E, 2000-2004a). Não havia regularidade no uso
de critérios para aprovação no Conselho de Classe nas escolas analisadas. Desta
forma, o aluno Marlon repetiu a quinta série mesmo quando outros alunos que
apresentavam notas inferiores e pendência em maior número de disciplinas foram
aprovados (ESCOLA 1E, 2000-2004a).
Na escola os comportamentos considerados inadequados pesavam para a
reprovação do aluno. A relação entre indisciplina e problemas de aprendizagem
tornou-se uma via de mão única, isto é, considerou-se que todo aluno que apresenta
problemas de comportamento não queria aprender. A possibilidade de inverter tal
lógica e considerar que um aluno poderia apresentar comportamentos inadequados
porque apresenta dificuldade nos processos de aprendizagem não foi levada em
consideração.
Segundo o aluno, na segunda vez que cursava a quinta série tinha esperança de
ser aprovado, pois faltava pouco pra passar, o que foi comprovado pela verificação
das notas registradas no seu histórico escolar (ESCOLA 1E, 2000-2004a). Nove
décimos o separavam da média de aprovação em 2000. Entretanto, nesse ano nenhum
156
aluno foi aprovado pelo Conselho de Classe, o que evidenciava a ausência de
critérios para essas aprovações. As decisões dependiam, em grande parte, do
encaminhamento que cada professor realizava e da correlação de forças entre a
equipe pedagógica, os professores, e o órgão de gerência central. Marlon foi
novamente reprovado.
No ano seguinte, cursando pela terceira vez a quinta série, não conseguiu
alcançar a média necessária para aprovação na disciplina de Língua Portuguesa e foi
aprovado pelo Conselho de Classe. A decisão foi informada pela professora da
disciplina, que considerou a aprovação uma chance dada. Para ele, o Conselho de
Classe se constituiu em uma reunião de professores destinada a analisar os casos de
reprovação em uma matéria ou quando faltava pouco ponto para ser aprovado. No
seu caso, conseguiu ser aprovado porque os professores consideraram que esforçou-
se bastante durante o ano letivo, um atenuante aos comportamentos anteriormente
demonstrados.
Na sexta série foi reprovado novamente. Conseguiu superar as dificuldades
nas disciplinas de Língua Portuguesa e Inglês, mas não em Geografia e Ciências,
além de Matemática. Em Geografia não conseguia compreender o conteúdo do livro
didático e as explicações que o professor dava não eram suficientes. Em Ciências a
forma de avaliação dos conteúdos da disciplina o levou a acumular notas
insuficientes para a sua aprovação. As respostas às questões propostas pelo professor
deveriam ser feitas por meio da reprodução de partes dos textos trabalhados que,
segundo ele, não conseguia decorar. O processo relativo à leitura de textos, que
vinha se dando de forma cumulativa, acarretou problemas no processo de avaliação
em outras áreas.
Ao reprovar na sexta série, optou por transferir-se para uma escola estadual
que possibilitasse a realização de dependência na disciplina de Geografia, na qual
fora reprovado na sexta série, e concomitantemente cursar a sétima série; uma forma
de recuperar o tempo perdido com as reprovações e não ser obrigado a repetir as
disciplinas nas quais tivesse sido aprovado. Seu histórico escolar (ESCOLA 1E,
2000-2004a) demonstrava que foi aprovado nas disciplinas cursadas na sétima série e
na disciplina de Geografia, cursada na forma de dependência. Segundo ele, a
dependência constou da distribuição de textos e atribuição de trabalhos, três durante
157
o ano letivo. Os poucos encontros havidos com o professor tiveram a finalidade de
esclarecer como os trabalhos deveriam ser feitos.
Após a aprovação na sétima série, retornou para a escola de origem por ser
mais próxima de sua casa tendo em vista concluir a oitava série do Ensino
Fundamental. No entanto, começou a ter dificuldades nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Geografia. Segundo ele, cada escola e cada professor têm uma forma de
organizar as atividades e avaliar. Havia uma variação muito grande na relação que o
professor estabelecia com os alunos e as formas de envolvimento com o processo de
apoio aos alunos.
A variedade de critérios para acompanhamento e avaliação estava diretamente
relacionada às normas estabelecidas na escola e também à identidade do professor.
Esse caráter de individualidade levava o professor a estabelecer critérios particulares
e muitas vezes subjetivos. Por isso, manter-se próximo e em comunicação com os
professores foi uma estratégia utilizada pelo aluno para dar continuidade e conseguir
concluir o Ensino Fundamental. Essa estratégia garantiu-lhe, na quinta série, junto à
professora de Língua Portuguesa, crédito para aprovação via Conselho de Classe
(ESCOLA 1E, 2000-2004b). Contudo, segundo seu relato, a mesma estratégia, com
outro professor na oitava série, foi considerada trapaça, desafio à autoridade e à
decisão do professor em tê-lo reprovado na sexta série. A estratégia – buscar uma
escola que possibilitasse cursar na forma de dependência as disciplinas em que havia
sido reprovado – foi encarada pela professora como violação às regras e
insubordinação às relações de poder que se desenvolviam entre professor e aluno. Tal
poder estava diretamente ligado às relações com o saber daqueles que detinham o
conhecimento e as formas de avaliação.
Questionado sobre as similaridades e diferenças de comportamentos e
orientações escolares que os professores apresentavam afirmou haver uma variação
grande, que dependia mais do perfil de cada professor do que de um critério geral da
escola. Havia professores legais que ajudam, conversam, facilitam a vida dos alunos.
Tinha também aqueles que exigiam, faziam você prestar atenção e fazer os
exercícios e os que não se envolviam com os alunos e nem com a escola, vêm dão
aula e vão embora. Outros te humilham, reafirmando a perda de tempo com a gente,
falam mal de tudo e de todo mundo e só reclamam. Havia os que enrolavam e faziam
de conta que dão aula, mas são legais porque conversam bastante com a gente. Para
158
ele, o tipo de relação desenvolvida com os professores mostrou-se determinante na
decisão de interromper o processo de escolarização e na busca de alternativas.
A impossibilidade de romper o processo hierárquico e de poder que definia o
perfil de cada professor fazia com que abandonasse a idéia de concluir o Ensino
Fundamental regular, transferindo-se para um curso supletivo noturno. Para o aluno,
esse tipo de ensino possibilitou, de um lado, a aceleração dos estudos e a
recuperação de um tempo perdido e, por outro, menos matéria pra estudar e menos
conteúdo, mas lhe impôs uma escolarização com menor qualificação. No entanto,
segundo ele, os alunos apresentavam-se mais interessados, comportavam-se melhor
em sala de aula. A maior liberdade de circulação possibilitava que os alunos que não
estivessem envolvidos com as atividades desenvolvidas em sala de aula pudessem
manter-se espontaneamente fora dela.
O apoio às dificuldades escolares dava-se por meio de exercícios em sala de
aula sob a forma de recuperação de notas. Para ele, quando um aluno não conseguia
alcançar a média considerada necessária para a aprovação, o professor lhes dava
nova chance, mediante trabalhos, exercícios e provas. No caso de alcançar uma nota
maior do que a anterior, a nota final era alterada. Em caso contrário permanecia a
primeira nota conseguida. Às vezes, trabalhos e exercícios executados poderiam
acrescer pontos nas notas bimestrais. Essas atividades apresentavam caráter de
cumprimento da formalidade avaliativa do que uma preocupação com o atendimento
aos óbices enfrentados pelo aluno.
Embora tivesse consciência de que as reprovações acarretaram atraso na sua
vida escolar, sonhava com o diploma de conclusão no Ensino Médio e uma melhor
colocação profissional. Apesar dos entraves e das inúmeras reprovações, a meta de
continuidade nos estudos, em nível de Ensino Médio, impulsionou a vida do aluno
tanto na escola, como no mundo do trabalho. A relação com o trabalho regular foi
iniciada em um mercadinho de propriedade de parente próximo. Era entregador de
compras, repositor de produtos, marcador de preços, um faz tudo. O trabalho era
desenvolvido concomitantemente com a escola e ocupava os turnos da tarde e noite.
Sobrava pouco tempo para fazer as tarefas e para estudar, por isso, aproveitava o
intervalo das aulas e o recreio para tirar dúvidas e fazer tarefas com ajuda de amigos.
O salário variava, porque estava na função de aprendiz – um favor concedido ao pai
para que ele não ficasse na rua. Do que ganhava, uma parte era trocada por produtos
159
alimentícios que levava para casa e a outra utilizada para comprar as coisas que
queria: um tênis, uma roupa ou gastar no final de semana.
Quando foi estudar à noite, no ensino supletivo, foi indicado por um amigo
para trabalhar como office boy em empresa no centro da cidade. Saiu da condição de
trabalhador informal para formal: carteira assinada, férias remuneradas, 13º salário e
direito ao fundo de garantia. No entanto, afirmou que no final o salário até diminuiu
já que recebia muitas gorjetas nas entregas que fazia no mercado. Na empresa
começou a trabalhar como entregador de documentos entre diferentes empresas,
realizando pagamentos e recebimentos junto a bancos, um trabalho de rua. Para ele o
trabalho de boy não era difícil, mas sim de responsabilidade. No início conseguia
localizar os endereços com dificuldade e nem tinha a destreza necessária – tudo
precisava ser feito de forma rápida. O mais importante era conferir se os documentos
haviam sido entregues, os pagamentos feitos e se não havia nada pendente ou feito de
forma incorreta. Pensar rápido e ser funcionário de confiança era o perfil desejado
pela empresa, já que manuseava documentos e recursos financeiros da empresa,
funções que parecia estar desenvolvendo a contento.
Seu objetivo, no momento da entrevista, era o de tirar a habilitação para
pilotar motocicleta, melhorar seu status profissional na empresa e conseguir um
salário mais elevado. Já conseguira o pagamento da auto-escola que seria descontado
de forma parcelada do seu salário. Uma bondade do patrão que gostava do seu
trabalho e que sabia que podia contar com ele, mesmo que precisasse passar do
horário. Muitas vezes chegava atrasado nas aulas em função disso. Sentia cansaço,
faltava aula e não se alimentava já que ia direto do trabalho à escola. Essa era a cota
de sacrifício para manter-se em equilíbrio entre o estudo, a conversa com os amigos e
o trabalho.
Perfil 8 - Vigilância e coerção moral: um futuro incerto
Maria Lúcia, 13 anos, branca, nascida em Florianópolis, um ano de atraso na
escolaridade, interrompeu os estudos na quinta série e retornou no ano seguinte.
Morava em Capoeiras, bairro situado na Grande Florianópolis. Às vezes auxiliava
a mãe no trabalho de faxina.
16
16
Entrevista realizada em outubro de 2005.
160
Os pais eram originários do oeste catarinense e vieram para Florianópolis
quando jovens acompanhando a família. Migraram em busca de trabalho,
atendimento de saúde e melhores condições de vida. Estudaram em escolas de
Florianópolis, mas não concluíram o Ensino Fundamental. A relação com a escola foi
marcada por reprovações e interrupção. O pai não chegou a concluir a quarta série e
a mãe estudou até a quinta do Ensino Fundamental. O pai trabalhava na construção
civil, mas quando precisava fazia todo tipo de serviço: jardineiro, encanador. Esteve
um período desempregado. A mãe era empregada doméstica e trabalhava na casa de
duas famílias, revezando-se entre elas. Atendia também às solicitações de trabalho
como faxineira após o horário de trabalho e aos sábados. Possuíam uma pequena casa
num bairro popular. O filho mais velho, com 15 anos, estudava na primeira série do
Ensino Médio e morava com os avós.
Lúcia, como era chamada, estudou da primeira à quarta série na mesma escola.
Não apresentava muitos problemas. Segundo ela, não se considerava uma aluna nota
10 – era mediana – mas, sempre fazia as atividades solicitadas pela escola. A mãe
acompanhava seu rendimento através das reuniões escolares e nas entregas de
boletim. Na quarta série ficou para recuperação em Matemática por apresentar
dificuldade com as operações de cálculo com frações e números decimais. Segundo
ela, nas outras matérias ia bem.
Da quarta para quinta série as mudanças foram significativas. As turmas de
primeira à quarta série, segundo a aluna, funcionavam separadamente das de quinta à
oitava série. Nas séries iniciais as salas eram conservadas, os professores estavam
sempre em sala de aula e havia uma orientadora para atender os alunos. Na quinta
série os professores faltavam constantemente, não havia reuniões com os pais, nas
salas haviam cadeiras quebradas, sujeira e parecia estar em outra escola.
Na quarta se você faltava, se não fazia tarefa, a professora
mandava chamar o pai e a mãe pra conversar. Na quinta era
diferente. Se você não fazia o trabalho ou a tarefa você perdia
nota, mas ninguém chamava o pai ou a mãe. Também tinha
muita falta de professor e os outros professores adiantavam as
aula e a gente era mandado pra casa mais cedo.
As formas de organização nas séries iniciais e finais eram significativamente
diferentes. De quinta até a oitava série não havia controle das atividades e cada
professor se organizava individualmente. Conversando com a direção, soube-se que a
escola havia apresentado muitos problemas no período estudado. A maioria dos
161
professores não era efetiva, ninguém ocupava a função de orientador ou coordenador
de ensino para aquelas séries e a diretora havia sido substituída por outra indicada
pelo governo estadual. Foi um período de transição que atingiu principalmente as
séries finais do Ensino Fundamental.
A falta constante de professores permitia saídas antecipadas e alunos
circulando pela escola sem nenhuma ocupação.
No começo a gente não ia embora, ficava lá no colégio
conversando. Depois de um tempo a gente ia ver as lojas e
ficava passeando por aí. Daí a gente começou a ir também ao
horário de aula. A gente matava aula pra sair.
As gazetas iniciais motivadas pela curiosidade cederam espaço às intencionais
para encobrir a falta de cumprimento das atividades. A gente matava uma aula e na
outra a gente descobria que tinha prova ou trabalho pra entregá. Aí a gente gazeava
de novo. O circulo vicioso criado a impulsionou gazear aulas com freqüência.
Segundo a aluna, havia disciplinas em que o professor estabelecia um controle. As
saídas constantes agravaram sua condição em algumas disciplinas e ampliaram os
problemas em outras áreas de conhecimento.
No segundo bimestre as notas apresentavam-se quase todas abaixo da média
necessária para aprovação. As disciplinas de Matemática e Inglês concentravam as
dificuldades. A primeira porque vinha acumulando dificuldades desde a quarta série;
A segunda por ter sido uma disciplina com a qual não tivera vivência.
A mãe descobriu que Lucia faltava à escola por meio de informações
fornecidas pela patroa que a viu circulando pela rua em horário de aula. Indo à escola
ficou ciente das faltas, das notas baixas e do risco da reprovação. A mãe sentiu-se
constrangida ao ser questionada e responsabilizada pelo comportamento da aluna. O
pai decidiu tirá-la da escola e colocá-la para trabalhar como empregada doméstica.
Iniciou a atividade na casa de uma família conhecida da sua avó. Ajudava no serviço
da casa e cuidava de uma menina de dois anos. Era responsável por buscá-la na
escola, dar banho, alimentá-la e brincar com ela. Dormia no trabalho e permanecia lá
em alguns finais de semana.
A liberdade de estar na escola e conversar com amigos foram substituídos por
uma forma de isolamento, um castigo por não respeitar as normas familiares. O
espaço de circulação tornou-se restrito, dado que a escola onde buscava a menina
162
ficava próxima da moradia. No máximo podia ficar no parque infantil existente no
prédio. À noite a patroa não permitia que ela ficasse na frente do prédio por ser
muito perigoso – uma recomendação da mãe. Podia ver televisão e escutar música.
Às vezes saía para almoçar em restaurantes, mas quase sempre estava cuidando da
menina. A patroa era uma pessoa legal e ela gostava do que fazia. Entretanto, nos
três meses em que trabalhou sentia falta da escola, dos amigos e principalmente da
mãe.
Foi substituída no trabalho por uma prima. No entanto, passou a acompanhar a
mãe ao trabalho. Ajudava na limpeza das casas e fazia serviços encomendados como
pagamentos e pequenas compras. Para isso recebia algum dinheiro, roupas e livros.
Incentivada à leitura descobriu gosto em fazê-las. A patroa da mãe emprestava-lhe
muitos livros e revistas.
Ao final do ano conseguiu, com a permissão dos pais, matricular-se
novamente na escola. Foi com alegria que retornou. Fez novos amigos e reencontrou
antigos colegas. Segundo ela, a nova escola possuía maior rigidez e organização.
Havia controle das entradas e saídas e no caso de falta de professores os alunos
ficavam com um auxiliar de ensino. Foi difícil conseguir vaga porque o acesso à
escola era concorrido.
Os problemas na disciplina de Matemática foram resolvidos com a ajuda de
monitores em atividades desenvolvidas para grupo de alunos. Nas demais disciplinas
ela prestava atenção às aulas e mantinha os exercícios em dia. A patroa da mãe
ensinou-a a organizar-se para estudar. Revisava as matérias, fazia resumos, refazia
exercícios e procurava ler bastante. Quando tinha dificuldade, tirava dúvidas com os
professores ou com os colegas.
Para ela, havia uma variação não só entre as escolas, mas também entre os
professores no que se relacionava a paciência, disponibilidade e capacidade de
ensino. Metodologicamente também havia diferenças. Uns davam prioridade aos
trabalhos, outros às provas. Alguns corrigiam as tarefas em sala, outros não
passavam tarefas ou, quando passavam, não davam importância a elas. Para
conseguir acompanhar o ritmo escolar considerava importante saber o que cada
professor valorizava e como avaliava. Como não se considerava uma aluna brilhante
precisava esforçar-se para tirar boas notas. Embora tivesse melhorado, às vezes
apresentava dificuldade nas provas de Matemática, compensadas por novas
163
oportunidades dadas pelo professor como a atribuição de pontos pelas provas
refeitas. Nas disciplinas de Língua Portuguesa, Geografia e História melhorou o
rendimento. Os professores também costumavam dar trabalhos para ajudar os alunos
que queriam aumentar as suas notas.
Na escola que freqüentava no momento da entrevista havia uma biblioteca
onde podiam ser feitos os trabalhos de pesquisa. A bibliotecária separava o material e
ajudava nos trabalhos. Era possível emprestar livros e levá-los para casa. Havia
também uma sala de informática subutilizada pelos professores.
Embora o pai dissesse que mulher não precisava estudar, esforçou-se pela
continuidade. Exemplo disso foi a oportunidade de estudar como bolsista em uma
escola particular, conseguida nos contatos da patroa da sua mãe, entretanto, o pai não
permitiu porque não era escola para ela e também porque, segundo a aluna, ele
poderia perder o controle sobre ela. Considerava que filha deveria ficar próxima aos
pais. Foi com a intervenção da mãe que conseguiu convencer o pai a deixá-la retornar
aos estudos. Passou a esforçar-se por medo que ele decidisse retirá-la da escola.
Anteriormente a gazeta lhe era permitido ficar conversando, entretanto, após o
retorno à escola precisava voltar imediatamente para casa e passou a ter seus horários
e compromissos controlados. A rigidez com que o pai controlava as questões
familiares permitiu compreender as mentiras e estratégias utilizadas pela aluna para
andar com liberdade por lojas e ruas. A pressão exercida sobre ela possibilitou
questionar se havia uma interiorização das normas familiares e escolares, ou se,
havendo um afrouxamento da vigilância e novas oportunidades, a aluna voltaria a
repetir o comportamento anterior frente à escolarização.
Depois do horário escolar cumpria a rotina dos serviços domésticos para que a
mãe, ao retornar do trabalho, pudesse descansar. Muitas vezes, ainda acompanhava a
mãe no trabalho de limpeza de residências e apartamentos. O trabalho realizado em
conjunto, algumas vezes na semana, possibilitou que assumissem mais locais de
trabalho e aumentassem a renda. Com isso conseguiu ter seu próprio dinheiro para o
consumo, uma roupa, um sapato, um esmalte.
A mãe às vezes permitia que ela saísse pelas imediações antes que o pai
retornasse para casa. Reconhecia que anteriormente tinha mais liberdade e que foi
164
responsável pelo cerceamento estabelecido pelos pais. A mãe dava-lhe apoio e
mediava as relações entre ela e o pai.
A reprovação era vista pela aluna como um risco permanente de interrupção
dos estudos. Sabia que um descuido poderia representar o rompimento com a escola.
A escola representava para ela mais do que oportunidade de aprendizagem, liberdade
de ação, manutenção da relação com amigos e, apesar do controle dos pais, certa
autonomia. Parecia estudar mais por medo de perder a oportunidade de estar na
escola do que pela aprendizagem.
Desenvolveu o gosto por livros de aventuras e por revistas que lhe permitia
vivenciar lugares diferentes. Sonhava cursar turismo, em nível superior, para
conhecer lugares diferentes.
Perfil 9 – Sentimento de inferioridade: os rótulos cognitivos
Tatiana, 17 anos, branca, nascida em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, quatro
anos de defasagem na escolaridade, foi reprovado uma vez na primeira e outra na
quarta série, duas vezes na quinta, foi aprovada pelo Conselho de Classe na sexta
série e estava cursando a sétima no ensino regular noturno. Morava em Ingleses,
bairro situado na zona norte da ilha.
17
A família veio para Florianópolis há dez anos em função da mudança da
empresa de materiais de construção em que o pai trabalhava, pois o empregador
precisava de alguém de confiança para organizar e controlar o almoxarifado. O pai
estudou até a primeira série do Ensino Médio e a mãe até a sétima série, quando
casou e passou a trabalhar somente em casa. Além de Tatiana possuíam outro filho
com 19 anos que estudava na terceira série do Ensino Médio.
Tatiana estudou em três escolas. Iniciou na primeira série em uma escola
estadual em São Miguel do Oeste. Lembrou que chorava quase todos os dias porque
tinha dificuldade para ler. Estudou até a terceira série na mesma escola.
Quando mudaram para Florianópolis, foi estudar numa escola estadual e
repetiu a quarta série. A professora era exigente e a aluna não conseguia produzir
textos e ler com fluência. Contudo, segundo ela, foram os problemas apresentados
nas resoluções de operações de multiplicação e divisão os responsáveis pela sua
17
Entrevistas realizadas em agosto e dezembro de 2005.
165
reprovação. Apenas na segunda vez que cursou a quarta série conseguiu avançar nas
leituras e escrever de forma mais compreensível. Contava com o apoio de uma
professora com aulas particulares. Mesmo assim os problemas com Matemática se
mantiveram e só conseguiu ser aprovada com muito esforço.
Quando entrou na quinta série já tinha 13 anos e era obrigada a sentar nas
carteiras mais afastadas por causa da sua altura, o lugar preferido pelos alunos que
não querem estudar e gostavam de bagunçar. A dificuldade em concentrar-se
naquele espaço, os conteúdos específicos de Matemática e a falta de um apoio mais
efetivo em sala de aula foram apontados pela aluna como causadores da sua
reprovação.
Quando eu passei da quarta pra quinta ficou mais difícil. Na
quarta tinha uma professora. Ela pegava no pé, mas tava ali.
Ela explicava, brigava, ficava comigo na hora do recreio me
ajudando. Na quinta era tudo diferente. Tinha um monte de
professor, um monte de matéria, você tinha que copiar do
quadro rápido senão o professor apagava.
Enfrentou obstáculos na passagem de quarta para quinta série por ser muito
dependente da ajuda dos professores. Não tinha autonomia e iniciativa. Considerava-
se lenta, não conseguiu adaptar-se às mudanças e sentia-se rejeitada pelo grupo. A
reprovação para ela marcava a pessoa e estimula o estigma. Todo mundo acha que
você é burra que não sabe nada, principalmente se você é maior (mais velha) que os
outros alunos. O medo de se expor fazia com que não solicitasse ajuda dos
professores e procurava manter-se imperceptível em sala.
As piores situações foram ocasionadas quando um professor de Matemática
resolveu fazer piadinhas e comentários sarcásticos como: gênio pensando e tartaruga
touchê. O incidente levou o pai a registrar queixa contra o professor na Secretaria de
Educação. Os pais optaram por transferi-la para uma escola municipal. Como só
faltavam três meses para o encerramento do ano letivo e não havia condições
cognitivas e nem emocionais para uma recuperação a aluna desistiu reprovando.
Para ela, a escola municipal onde cursou pela segunda vez a quinta série era
melhor do que a escola estadual. A professora de Matemática era enérgica, mas
também atenciosa e dava atendimento aos alunos fora do período das aulas.
Gradativamente foi adquirindo mais confiança e saiu-se melhor. Entretanto o apoio
obtido não foi suficiente para evitar a segunda reprovação na quinta série, nas
166
disciplinas de Matemática e Inglês, com notas pouco abaixo da média necessária
para a aprovação. Nas demais disciplinas apresentava notas superiores a 6,0,
destacando-se em História, Geografia, Ciências e Educação Artística.
A segunda reprovação, para ela, foi pior do que a primeira. Achava que iria
ser aprovada porque tinha estudado muito. Para ela foi um momento de angústia, deu
um nó na garganta e eu chorei um montão. Como tinha estudado achava que ia
conseguir. Os pais também tinham esperança que ela fosse aprovada porque a escola
era melhor e os professores atenciosos.
Para ela, as situações de reprovação se constituíram em momentos de
desânimo e não conseguia compreender como muitos alunos que não estudavam e
nem cumpriam as atividades exigidas eram aprovados. Muitos colavam e outros
levavam os professores na conversa. O pior era a situação de expectativa vivida até
sair o resultado. É que você nunca sabe se vai passar. A gente sempre fica na dúvida,
certeza mesmo só quando sai o resultado.
Havia diferenças metodológicas entre as escolas que freqüentou. Na escola
estadual as formas de avaliação eram diferentes. Não era permitido marcar data para
as provas
18
.
Você chegava e o professor falava: hoje tem prova e a gente
ficava tudo alvoroçado. Tinha professor que dava a dica e dizia
pra ver a matéria tal e tal. Aí já sabia: na outra aula ia ter
prova. Eles diziam que era pros alunos estudá sempre.
Na municipal as provas eram realizadas em datas marcadas, mas cada
professor possuía autonomia para realizá-las. Os critérios utilizados eram variados e
exigiam atenção por parte dos alunos. Para ela as formas de avaliação também
ajudavam no processo de reprovação.
Tem uns que explicava, dizia quanto a prova valia: 10 e o
trabalho 5,0 e as tarefas mais 5,0, assim. Mas tinha outro que
dizia a tua nota foi tal e não se sabia da onde saiu a nota.
Assim: você tirava 5,0 na prova, fez os exercício e ficou com
nota 7,0. Quando alguém perguntava ele dizia que era por
participação em sala. Tem uma professora que tirava nota pelo
comportamento, você perdia ponto se conversava, se não fazia
tarefa, no final tinha aluno que ficava até devendo nota pra ela.
18
Esse procedimento foi utilizado por algumas escolas estaduais e gerou muita polêmica entre os professores e
os pais dos alunos.
167
Na sexta série considerou que obteve uma melhora na disciplina de Língua
Portuguesa, lia e escrevia mais. A professora instituiu o grupo de leitores, que
consistia em socializações orais dos livros lidos e produção das histórias com
modificações. Já em Matemática, conquanto as dificuldades estivessem sendo
superadas, precisou ser aprovada pelo Conselho de Classe.
Ao final da sexta série estava com quase 17 anos e não queria mais estudar em
turmas com alunos mais novos que ela. Sentia-se deslocada, envergonhada e decidiu
transferir-se para uma escola regular noturna. O ensino noturno constituiu-se num
local diferente da escola de ensino diurno. O prédio era mal conservado e os
banheiros sujos. Não havia organização como na escola municipal diurna.
Professores e alunos faltavam com freqüência, a biblioteca e a sala de informática
não funcionavam à noite e nem sempre havia orientadores educacionais.
Os alunos ficavam circulando pela escola e muitas vezes não chegavam a
entrar na sala de aula. A vantagem, segundo ela, é que havia um menor número de
alunos em sala e os professores eram bastante atenciosos. Tiravam dúvidas, atendiam
aos chamados na carteira, explicavam diversas vezes. Além disso, havia facilitação
nas avaliações e um menor número de atividades e trabalhos. A maioria dos
professores utilizava provas nas avaliações e possibilitavam a recuperação de notas
por meio de exercícios ou aplicação de novas avaliações.
Não havia uma cobrança direta, cada aluno tinha autonomia para participar das
atividades. Fez vai lá e entrega, se não fez o professor não pergunta se vai fazê. Os
alunos que ficavam em sala também se mostravam mais solidários. Havia mais
colaboração e costumavam ajudarem-se mutuamente nos exercícios e provas. O
número de interrupções escolares no período noturno era maior do que no diurno. Da
turma que freqüentava, na data da entrevista, restavam doze alunos. Para ela a
probabilidade de interromper os estudos mostrava-se remota porque tinha tirado boas
notas e não corre o risco de reprovar. Gostaria de estudar numa escola mais
organizada e com melhor aspecto. O retorno para casa à noite era um problema em
função da violência urbana e o percurso a ser feito. O pai às vezes ia encontrá-la no
meio do caminho. Em casa, nem sempre encontrava apoio do irmão nas tarefas
escolares já que ele trabalhava e estudava à noite. Era o pai que a incentivava a
estudar e proporcionava ajuda naquilo que lembrava como fazer.
168
A perspectiva futura se dirigia à conclusão da oitava série e à continuidade
nos estudos no Ensino Médio. Afirmou desejar cursar o ensino superior e que o
irmão estava próximo de realizar essa etapa.
Segundo ela, mostrava-se mais segura com as questões escolares.
Anteriormente chorava muito quando tinha dificuldade. Era nervosa, insegura, não
tinha confiança em si mesmo, e muitas vezes, quando realizava provas, esquecia o
que havia estudado. No momento da entrevista, já conseguia apresentar trabalhos
oralmente em sala, ler textos em voz alta e discutir com colegas e professores.
Conseguia ler mais e ampliara grupo de contatos. Nos finais de semana tinha
companhia para sair e divertir-se.
Perfil 10 – As contradições da herança: motivação, dependência e atitudes
instáveis.
Augusto, 14 anos, branco, nascido em Florianópolis, dois anos de atraso na
escolaridade, foi reprovado na quarta série, aprovado na quinta série pelo
Conselho de Classe e reprovado na sexta série. Era morador de Canasvieiras,
bairro no norte da ilha.
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A mãe era originária de Curitiba e veio para Florianópolis cursar Medicina na
universidade. O pai nasceu em São Paulo e conheceu a mãe de Augusto no período
de férias em Curitiba. Instalaram-se definitivamente em Florianópolis, ela
trabalhando em clínicas e hospitais e ele como corretor de imóveis. A casa foi sendo
ampliada à medida que foram nascendo os filhos, nove ao todo. Um padrão
diferenciado para pais com instrução superior que, segundo o IBGE (BRASIL, 2000),
tem em média dois filhos.
Havia dois anos o pai começou a cursar Direito em uma faculdade particular.
Possuíam renda familiar significativa, mas não apresentaram padrão de vida
compatível em função do elevado número de filhos. Duas irmãs de Augusto estavam
na universidade e dois irmãos completaram o Ensino Médio. Três ainda estavam
cursando o Ensino Médio e a mais nova das irmãs encontrava-se na segunda série do
Ensino Fundamental. A casa era grande e nela também residiam à avó, uma tia de
19
Foram três encontros marcados para conseguir a entrevista com o aluno. Os colegas de sala, nas duas
primeiras vezes, comentaram que ele devia estar na praia. No terceiro, em novembro de 2005, mostrou-se
desconfiado e pouco à vontade para falar sobre a escola e a sua vida. No final da entrevista falava entusiasmado
da praia e dos campeonatos de surfe.
169
Augusto e o sobrinho, filho de uma das irmãs mais velhas. Possuíam dois carros
populares, um mais antigo usado pela mãe.
Augusto sempre estudou na escola pública municipal, assim como todos os
irmãos e irmãs. Era o mais novo dos homens; uma irmã de oito anos era mais nova
do que ele. Foi reprovado na quarta série, aprovado pelo Conselho de Classe na
quinta e reprovado novamente na sexta série. Ao contrário das irmãs não conseguiu
desenvolver uma boa relação com a escola. Na primeira série chorava constantemente
e não queria ficar na escola. A irmã muitas vezes veio buscá-lo antes do término das
aulas.
A segunda e terceira séries foram normais, para ele. Tinha amigos, os
professores não eram tão rígidos e gostava muito das aulas de Educação Física.
Segundo ele, nunca gostou de estudar e as irmãs se encarregavam de controlar as
tarefas, as provas e os horários de entrada e saída da escola.
Em seu histórico escolar (ESCOLA 6M, 2000-2004a) as notas mais baixas
estavam relacionadas à disciplina de Língua Portuguesa. Na primeira série foi
aprovado com 5,2, na segunda série com 5,5 e na terceira com 6,6, a segunda maior
nota atingida em Língua Portuguesa nos sete anos de escolaridade. Na quarta série
foi reprovado em Língua Portuguesa (4,6), Geografia (4,0), História (4,3) e
Matemática (4,2).
A sua primeira reprovação foi marcada por medo, vergonha e raiva. Segundo
ele, uma decepção para os pais e uma pegação de pé por parte das irmãs. As
dificuldades começaram com a produção de textos e a leitura, acumuladas desde a
primeira série. A essas se somaram os problemas com Matemática, Geografia e
História. Mesmo com acompanhamento familiar não conseguiu ser aprovado.
A praia e o surfe ocupavam espaço mais significativo em sua vida. Com a
atividade sentia-se seguro, não dependia de ninguém e havia conquistado o respeito
de muitos amigos.
Repetir a quarta série representou mais insegurança – tinha muito medo de
reprovar novamente. O acompanhamento direto dado pela irmã em horários de
estudo, atividades extras e acompanhamento das tarefas, e outro realizado pela
professora da sala com estímulo e credibilidade mediante pesquisas sobre os esportes
aquáticos, pareciam ter sido importantes para o melhoramento das relações com a
170
escola. O resultado alcançado estava demonstrado nas avaliações finais registradas
no seu histórico escolar (ESCOLA 6M, 2000-2004a), já que 7,0 fora a menor nota
obtida ao final do ano letivo. Todas as outras estavam acima desse valor, primeiro
ano em que não sentiu medo de reprovar.
Na passagem de quarta para quinta série Augusto sentiu muitas dificuldades.
A diferença na forma de organização das disciplinas por diversos professores foi a
principal.
Na quinta série é preciso ter mais atenção. Na terceira, na
quarta série você tem um professor que cuida de você. Na
quinta é o contrário, ninguém cuida de você. Ninguém te diz
faça assim. É um monte de tarefa, de prova, horário, livro.
Ninguém te diz o horário e vai descobrindo quando o professor
entra na sala. A minha irmã disse pra dividi um caderno
grande pra todas as matérias. Aí você descobre que tem
professor que quase não usa caderno, só livro. Tem aquele que
só usa caderno e dali a pouco não tem mais folha pra por mais
matéria. Ai você põe no lugar de outra matéria. Aí o outro
professor passa alguma coisa e fica tudo misturado. Fica uma
confusão.
Essas diferenças acentuaram os problemas que se acumulavam principalmente
para alunos como Augusto, que apresentavam maior dependência organizativa e de
conhecimento escolar. Situações simples como a divisão de um caderno podiam ser
transformados em verdadeiros desafios para alunos que não tinham vivência familiar
com a escola, o que não parecia ser o caso do aluno.
O que chamava atenção no caso de Augusto era que existia na família uma
história escolar acumulada de pelo menos sete irmãos que o antecederam na escola.
A própria irmã tentava auxiliá-lo para que conseguisse uma forma de organização
própria. A hipótese era a de que Augusto dependia das irmãs e era protegido por elas.
Contrariamente, não obtinha atenção direta dos professores. Em sala precisou
aprender a organizar-se sozinho, sem a ajuda de terceiros. Por outro lado, o fato de
depender das irmãs e dos professores o colocava em situação de comparação com a
trajetória escolar das irmãs, fato que parecia incomodá-lo. Essas comparações
dificultaram a aquisição de confiança em si próprio. Sentia-se inseguro quando lhe
davam autonomia e vergonha por ainda estar sendo orientado pelas irmãs.
Para Lahire (1997, p. 154), o que se “transmite de uma geração a outra é muito
mais que um capital cultural. É um conjunto feito de relações com a escola e a
171
escrita, de angústias e de vergonhas, de reticências e rejeições [...].” No caso aqui
analisado ficaram evidentes as relações contraditórias que o aluno estabeleceu com a
escola; não sabia afirmar se gostava dela ou não. Assim definiu sua relação:
Ah, eu não sei se eu gosto da escola. Eu gosto de vir encontrar
meus amigos, ir na sala de informática, mas eu não me animo a
estudar. Todo ano eu digo pra mim mesmo que vai ser
diferente, que eu vou estudar, mas eu não me animo.
Augusto apresentou, desde a quinta série, resistências às disciplinas de
Geografia e História, além dos problemas em Língua Portuguesa, que o
acompanhavam desde o início da sua escolaridade. Na sexta série as dificuldades que
já possuía foram acrescidas das de Inglês. Foi reprovado na referida disciplina com
notas significativamente mais baixas do que as que haviam alcançado no ano
anterior. A maior dificuldade na disciplina de Língua Estrangeira se deveu à
professora e à forma metodológica utilizada. Muitas reclamões, segundo ele, foram
feitas durante o Conselho de Classe sobre a professora. Ao final do ano vários alunos
da mesma turma de Augusto foram reprovados.
Não poder contar com a ajuda da irmã que o acompanhava nas tarefas e
trabalhos colaborou para a sua reprovação. No início considerou que a gravidez e a
chegada de um sobrinho havia sido um presente dos céus, pois a irmã, que mantinha
sobre ele um controle mais rigoroso, agora estaria ocupada com outras atividades e o
deixaria em paz. Entretanto, quando foi reprovado, enfrentar a todos e informar a sua
situação não foi nada legal. Sentiu vergonha, pois todos acreditavam que, como
estava mais velho, não precisava mais de acompanhamento. O pior foi ter que
enfrentar críticas e comentários a respeito da reprovação na escola, na família e na
rua. Tais situações provocavam desvalorização, críticas e desestimulavam a
continuidade de estudos. Só permaneceu na escola porque, em caso de interrupção
dos estudos, a sua situação em casa iria ficar maus e o pai provavelmente lhe
retiraria a sua razão de viver – a prancha de surfe.
Quando não estava na escola, estava na praia. Para ele, os programas de
esporte aquáticos e a prancha de surfe eram objetos de prazer. Participava de
campeonatos locais e sonhava viajar e participar de campeonatos nacionais e
internacionais. Não perdia nenhum dos eventos locais que envolviam o surfe. O
maior problema era quando esses campeonatos aconteciam durante o período de aulas
ou provas. Esse era o principal motivo dos atritos com a irmã.
172
Na escola gostava das aulas de Educação Física. Na sala de informática se
interessava por projetos que permitissem visitar sites de países onde os esportes
aquáticos eram desenvolvidos. A professora de Geografia pareceu ter conseguido sua
atenção quando trabalhou com a ocorrência de tsunamis e as conseqüências do
derretimento das camadas de gelo no mundo. Os temas eram interessantes e muito
diferentes dos que costumava estudar em sala de aula.
Perguntado sobre a necessidade de dominar alguns idiomas e informações para
conseguir realizar seu sonho, contestou que os conhecimentos adquiridos na escola
não lhe possibilitavam a vivência necessária para viajar pelo mundo e nem fluência
em línguas estrangeiras. Na escola não se aprende inglês, só faz exercícios e tem
nota. Não via finalidade prática na escola. Se você for à praia vai ter garoto falando
inglês bem pra caramba e não aprendeu na escola. Espanhol era a mesma coisa.
Permanecer na escola, tão próximo à praia era, segundo ele, atormentante. Eu
prometo pra mim mesmo que vou estudar, aí eu começo e dali a pouco eu tô
pensando nas ondas e aí eu vou longe pensando. Aí dá vontade e eu pego a prancha
e vou pra praia. No entanto, era este o objetivo que o mantinha estimulado. A
pressão exercida pela família para mantê-lo na escola não se encontrava nos castigos
ou nos controles, mas também, no efeito moral que o sucesso alcançado pelos irmãos
provocava. Por isso, não gostava das comparações entre ele e os irmãos feitas na
escola pelos professores e em casa. As conversas com a mãe sobre o futuro e a
necessidade de estudar pareciam fazer efeito momentâneo. O fato de os irmãos
estarem mais avançados na escola o relegava a um plano secundário de atenção do
pai e da mãe. A casa sempre muito movimentada dificultava o estabelecimento de
conversas com os pais. Quando surgiam assuntos, todo mundo falava ao mesmo
tempo.
173
3.2.3. Agrupamento 3: As possibilidades de continuidade escolar
Os perfis aqui agrupados eram casos de alunos que, apesar de terem vivido
situações de reprovação ou interrupção escolar mobilizavam-se pela escola e
encontravam na família condições morais e emocionais que favoreciam a
continuidade escolar. Eles reuniam uma série de fatores que combinados
possibilitaram o resgate de um percurso regular em relação à escola. Eram alunos que
conseguiram superar dificuldades e dar destaque as formas valorizadas pela escola.
Apresentavam grande mobilização pelos estudos e por outras atividades da vida
cotidiana que permitissem avanços sociais. As dificuldades de conteúdo escolar
pareciam superadas e conseguiam reagir rapidamente às situações escolares adversas.
Por outro lado, contavam com apoio familiar, mesmo nas atividades ligadas à
questões não escolares ou àquilo que as escolas valorizavam. A família reforçava
valores e acrescia objetivos à vida cotidiana desses alunos.
Perfil 11 A reprovação como perda de um tempo importante: o
acompanhamento escolar e familiar
Jackson, 16 anos, branco, nascido em Florianópolis, dois anos de atraso na
escolaridade, passou por Classe de Aceleração na quarta série, foi reprovado na
quinta série e concluiu a oitava série do Ensino Fundamental. Morava no bairro
do Rio Vermelho, no norte da ilha.
20
Os pais eram originários da cidade de Florianópolis e residiam no norte da
Ilha. O pai completou o Ensino Médio e a mãe interrompeu os estudos antes de
concluir a oitava série. O pai era corretor de imóveis e embora a renda não fosse fixa,
pois trabalha por comissão, apresentavam uma condição financeira que os mantinham
em boas condições de vida. Possuía casa própria com confortáveis instalações,
automóvel, eletrodomésticos e computador ligado à rede internet. A mãe cuidava
exclusivamente da manutenção da casa. O irmão, com 18 anos de idade, cursava o
último ano do Ensino Médio e se sai bem, sendo referência para o aluno na resolução
das tarefas de casa.
20
Entrevista realizada em agosto de 2005.
174
Sempre estudou na mesma escola, nunca parou de estudar e foi reprovado uma
vez na quinta série. Ia para a escola de bicicleta e percorria quatro km para isso.
Quando não estava na escola, estudava, assistia televisão e mexia no computador.
Seus problemas escolares iniciaram na quinta série, quando foi reprovado. O
histórico escolar mostrou que, durante a quarta série, freqüentou Classe de
Aceleração de nível II (ESCOLA 4M, 2000-2004a). Segundo relatório escolar foi
encaminhado porque apresentava dificuldades incompatíveis no nível das turmas de
quarta série, no processo de produção escrita e nas operações matemáticas básicas
(ESCOLA 4M, 2000b). No primeiro bimestre não conseguia acompanhar aos demais
alunos. Inquirido sobre esse tema, afirmou que entre a primeira e a quarta série tudo
foi normal, foi legal, eu aprendi bastante coisa. Ter estado numa classe de
aceleração não pareceu um fato marcante ou uma forma de tratamento especial. Após
seis meses de trabalho na classe de aceleração foi integrado
21
na quinta série, em que
fora reprovado.
As dificuldades surgiram na quinta série, provavelmente, porque a reprovação
constituiu-se no momento da ruptura com a escola. Até então elas eram encaradas
como parte do cotidiano escolar, parte de um percurso de acertos e erros. Por isso,
encarava a reprovação como desestimulante – um atraso e perda de um tempo
importante para sua vida – porque ao ser obrigado a repetir tudo de novo teve a
sensação de que o ano que passou foi perdido. Por outro lado, atribuiu a si mesmo a
maior responsabilidade por ter sido reprovado - a de ter que saber mais que os outros
já que estava fazendo novamente a matéria.
A pouca pontuação necessária para aprovação, apenas 0,8 décimos, o fez
atribuir à professora de Inglês a responsabilidade pela reprovação. Este fato
confirmou a forma como o aluno se via na escola. Durante o percurso escolar, nas
séries iniciais, apesar dos problemas, conseguia alcançar os pontos necessários para
sua aprovação; o mesmo não ocorreu ao final da quinta série.
Embora alegasse que as dificuldades e os conteúdos mais complexos estavam
centrados nas disciplinas de Inglês e Matemática, no seu histórico escolar constava
reprovação nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História e
21
Pelo relatório de acompanhamento da Classe de Aceleração o aluno necessitava de acompanhamento
individualizado, mas não de continuidade na C.A. porque produzia textos, interpretava, operava com cálculos
mentais, demonstrava ter iniciativa e autonomia. Tinha condições de acompanhar uma classe regular de quinta
série (ESCOLA 4M, 2000-2004c).
175
Inglês, com médias que foram decrescendo a cada trimestre do ano letivo, obtendo,
ao final, notas inferiores a mínima exigida para aprovação (ESCOLA 4M, 2000-
2004a).
A reprovação não foi surpresa para os pais que vinham acompanhando o
rendimento do aluno. A atitude tomada por eles pareceu ter sido de compreensão e
apoio. Coube ao irmão mais velho, depois da reprovação, assumir o acompanhamento
das tarefas escolares, já que o pai não dispunha de horários regulares, nem mesmo
nos finais de semana. Segundo o aluno, o irmão era bom aluno e sabia ensinar um
pouco de tudo [...] Dava exercícios para fazer e conferia. Em inglês ele também
ajudava. A mãe costumava acompanhar seu desempenho escolar. Até a quarta série o
contato era direto com professores, da quinta série em diante ela comparecia na
entrega dos resultados das avaliações trimestrais e finais, mas a conversa era feita
com os orientadores educacionais.
O afastamento dos colegas da turma onde fora reprovado pareceu não afetá-lo
diretamente porque pode continuar mantendo o contato via internet, até porque,
segundo o aluno, surgiram novos grupos, novos amigos. Esse não pareceu constituir
elemento importante para ele.
Na segunda vez que cursou a quinta série foi aprovado com notas que se
aproximavam das mínimas necessárias para aprovação nas disciplinas de Língua
Portuguesa, Matemática, História e Geografia. Da sexta até a oitava série suas notas
aumentaram de forma significativa e somente nas disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática mantiveram-se próximas à média de aprovação. Para ele foi um período
bom na escola (ESCOLA 4M, 2000-2004a).
Na data da entrevista mantinha em casa uma sistemática de estudo
individualizado e quando necessitava era acompanhado pelo irmão. Durante três dias
da semana, um dia sim, um dia não, estudava revisando as matérias. Recebia auxílio
para realização das atividades; quando tinha trabalhos ou provas realizava um estudo
mais sistemático: tirava dúvidas, refazia exercícios.
Quando tem prova e trabalho eu estudo bastante. Quando não
tem prova e trabalho eu só dou uma olhadinha na matéria. Eu
pego a matéria daquele dia que foi dada, dô uma olhada, tiro
dúvidas, tento fazer. Mas eu estudo mesmo quando tem tarefa.
176
Segundo Jackson, havia professores que estabeleciam tarefas rotineiramente a
serem realizadas em casa. Língua Portuguesa e Matemática eram as disciplinas que
atribuíam mais exercícios para resolver em casa. Na disciplina de Ciências o
professor indicava exercícios que envolviam os conhecimentos de química e física.
Nesta última eram difíceis de resolver por causa do uso da tabela periódica. Já nas
disciplinas de História e Geografia os professores atribuíam mais trabalhos do que
tarefas diárias e provas. O irmão realizava um acompanhamento sistemático nas
disciplinas mais difíceis e o preparava para a realização das provas. Este
investimento pedagógico familiar pareceu ter se mostrado efetivo para o
melhoramento das condições de aprendizagem. Os atritos entre Jackson e o irmão
não eram freqüentes e pareciam acontecer somente na divisão do tempo de uso do
computador e da internet em casa.
A mãe lhe impôs um controle de horários e rotinas a serem cumpridas: horário
para levantar, estudar, assistir televisão, de retornar para casa e, principalmente,
utilizar a internet. O irmão mais velho tinha um horário mais livre, menos controlado
para o uso da internet e o horário de retorno à noite.
Não possuía o hábito da leitura, embora em casa existissem muitos livros. A
mãe e o irmão liam bastante. Dava preferência ao uso da internet, nos espaços de
bate papo com amigos. Comparecia às atividades de reforço nas disciplinas de
Matemática e Ciências fora do período das aulas, mesmo quando não era chamado.
Os professores agendavam, com antecedência, tempo para atendimento e ficavam à
disposição dos alunos. Os que apresentavam mais dificuldade eram chamados, mas o
atendimento era aberto à participação de todos. Era um apoio constante. Jackson
utilizava esses horários, principalmente nos dias que antecediam as provas. Tinha a
finalidade de tirar dúvidas por meia horinha, uma hora, o tempo necessário. Com
isso demonstrava ter desenvolvido uma estratégia de aproveitamento de todas as
oportunidades oferecidas de apoio, quer fossem realizadas em casa ou na escola, uma
forma também de inteirar-se dos aspectos considerados importantes pelos professores
na avaliação.
No processo de avaliação as provas e trabalhos predominavam. Jackson dava
preferência aos trabalhos porque podia consultar livros e internet. Já as provas,
preferidas pelos professores de Matemática, eram na maioria, realizadas sem a
possibilidade de consulta, um obstáculo porque o aluno tinha de usar só a cabeça e,
177
não podia contar com nenhum apoio ou esclarecimento. Alguns professores realizam
as provas com consulta a livros, cadernos e outros materiais. Esses momentos de
avaliação, segundo o aluno, eram mais efetivos para ele.
A disciplina que, no momento da entrevista, na oitava série, ainda lhe causava
apreensão era Inglês: porque a matéria é difícil, é uma matéria chatinha. Ao final do
ano concluiu o Ensino Fundamental e estava tentando matrícula na escola estadual
Integrada de Ensino Médio, próxima da escola onde cursou o Fundamental. Gostava
da escola e dos professores e tinha boas referências aos espaços da quadra de esporte,
do ginásio e da sala de arte.
Nos finais de semana ia à praia e não era freqüentador de festas. Falava pouco
e parecia tímido. Preferia estar na internet conversando com amigos e participando
de grupos de bate-papo. O computador também era utilizado para fazer trabalhos
escolares. Para isso também contava com os livros de pesquisa que possuía em casa.
Não tinha o hábito de sair do bairro e poucas vezes fora ao centro da cidade. Gostava
mesmo de ficar nas imediações da casa, da praia e dos amigos. No final de semana
dormia até mais tarde porque a mãe o deixava ficar mais tempo no computador.
Gostava também de jogos eletrônicos na internet. A família não tinha o hábito de
saírem juntos por causa do trabalho do pai. Como a praia ficava perto de casa, cada
um ia no horário que desejasse.
Considerava importante estudar e conseguir completar pelo menos o Ensino
Médio, já que sem escola ia ter dificuldade [...] e parar na oitava fica complicado.
Pretendia continuar estudando até a universidade, mas ainda não sabia em qual área.
Perfil 12 – Comportamentos competitivos: a busca de destaque escolar
Tatiane, 14 anos, parda, nascida na própria cidade de Florianópolis, um ano de
atraso na escolaridade, interrompeu seus estudos na metade do período letivo da
quinta série. Morava em Canasvieiras, bairro praiano e turístico do norte da ilha.
Trabalhava em meio período na mercearia do pai.
22
O pai era originário do interior do Estado e a mãe da cidade de Florianópolis.
Ambos concluíram a quarta série do Ensino Fundamental. Residiam anteriormente
em um morro da capital, onde possuíam um pequeno comércio. Na tentativa de
22
Entrevista realizada em novembro de 2005.
178
melhorar as condições de vida venderam a casa e o pequeno comércio e mudaram
para uma das praias de maior circulação turística. Adquiriram uma casa que servisse
para comércio e moradia e se instalaram. A mãe continuou a trabalhar como
empregada doméstica e o pai a fazer serviços gerais para garantirem uma renda
familiar média de R$1.500,00 até que a mercearia estivesse estabilizada.
Tinha uma irmã com quatro anos de idade que freqüentava a educação infantil.
Estudou da primeira à quarta série na escola municipal no bairro onde morava
anteriormente. Segundo ela, até então nunca havia apresentado dificuldade: Eu ia
bem, era até CDF
23
. Apenas uma vez não conseguiu ser aprovada de forma direta e
fez recuperação na disciplina de História, um descuido. Chorou muito, já que ficar
em recuperação tinha um significado de desqualificação junto a colegas e
professores.
No momento da entrevista encontrava-se cursando a sétima série do Ensino
Fundamental. No início fez questão de destacar que nunca havia reprovado, mas
interrompido seus estudos na quinta série, por seis meses, para ajudar os pais no
mercado. Segundo ela no começo ficou meio puxado e os dois trabalhavam e eu fui
para cuidar do mercado. Ao ser questionada confirmou que a decisão da interrupção
se deu porque iria reprovar e também por saber que se não falasse ao pai sobre a
reprovação ele iria brigar muito. Avisando, ela poderia colaborar na mercearia, não
perder o ano todo e conseguir amenizar a situação com o pai em casa. A interrupção
dos estudos foi decidida no âmbito familiar pelo pai com base nas informações que a
aluna forneceu. Não ocorreu por parte da família nenhum contato com a escola para
solicitar informações ou comunicar sobre a decisão de interrupção dos estudos. Por
parte da escola também não houve contato para inteirar-se sobre as faltas registradas,
já que legalmente a família não pode decidir pela interrupção, já que o Ensino
Fundamental tem caráter obrigatório. Desta forma, nem a família e nem a escola
cumpriram suas funções. A cobrança veio pelos amigos, inconformados com a sua
desistência.
No começo achou que era uma maravilha ficar sem estudar, mas logo
descobriu que sair da escola representava estar exclusivamente envolvida com o
mundo do trabalho e dos horários fixos, não poder participar de atividades escolares
23
Designação usada para os alunos que se destacam nos estudos, mantinham atitudes de concordância com as
regras escolares e por isso, eram criticados por outros alunos.
179
e ainda perder o contato com o grupo de amigos. Eu ficava das oito da manhã, aí eu
fechava meio-dia, abria uma e meia, duas horas e ficava até meus pais chegarem. Lá
pelas seis horas. A rotina diária enfrentada na mercearia e a cobrança dos amigos
pela interrupção nos estudos foram fatores que contribuíram para a decisão pelo
retorno no ano seguinte. O retorno à escola foi feito como aluno com matrícula nova
já que com a desistência havia perdido a vaga na quinta série. Foi preciso aguardar o
processo de rematrícula de todos os alunos e verificar se haveria sobra de vagas.
Indagada sobre os problemas sentidos na quinta série, antes de decidir pela
interrupção escolar, considerou que estavam relacionadas às disciplinas de Ciências e
Geografia. Entretanto, para ela, o fator fundamental foi a dificuldade de adaptação a
nova escola. Com a mudança, teve problemas de aceitação pelo grupo de alunos,
ganhou apelidos e não conseguia prestar atenção às aulas. O fato de usar óculos
(quatro olho) a tornava alvo de chacotas. Sentia dores de cabeça e chorava
constantemente. Na escola em que cursou da primeira até a quarta série tinha amigos
e inclusive uma era presença constante nos estudos.
No ano seguinte, após a interrupção, havia conseguido ampliar o número de
amigos na escola e formar um grupo de referência, fator fundamental para a
continuidade escolar. Alguns colegas, que haviam reprovado, permaneciam juntos na
mesma turma.
A experiência de adaptação à escola pareceu ter desenvolvido na aluna
estratégias de aproximação e estabelecimento de relações de estudo e de amizade.
Comunicativa, alegre, chegou para a entrevista cercada de amigos, exatamente o
oposto da sua relação inicial com a escola. Fez-se conhecer pelos professores e
mantinha grupos de interlocução, servindo inclusive como articuladora entre colegas
que se desentendiam. Para ela, as brigas eram constantes em sala, em função de
ciúmes por causa dos guri, chegando à agressões físicas. Manter-se como
articuladora era uma das formas de exercer liderança sobre os colegas.
De qualquer modo, o contato direto com os amigos, principalmente na hora do
recreio, era valorizado pela aluna. A falta desses contatos pelo período em que se
manteve fora da escola foi fundamental para que ela almejasse retornar e continuar
estudando até onde for necessário. Já pensou em ser arquiteta, veterinária, advogada.
Embora não tivesse definido que curso gostaria de realizar, pretendia seguir
estudando até a universidade.
180
Ao final da quinta série os resultados escolares mostraram que a aluna poderia
ser aprovada, embora nas disciplinas de Geografia e Ciências apresentasse notas mais
baixas que as demais. Durante a sexta série não apresentou dificuldades; já na sétima
obteve notas inferiores à média necessária para aprovação em Geografia e Ciências.
No seu histórico escolar (ESCOLA 6M, 2000-2004a), foi possível comprovar suas
afirmações. Para a aluna, eram áreas que não a mobilizavam e por isso não atribuía o
mesmo grau de importância que para Língua Portuguesa e Matemática. Isso fez com
que ela se descuidasse, deixasse de entregar trabalhos e estudar. Por outro lado, ao
afirmar É que eu relaxei mesmo. É que no primeiro trimestre eu tirei 6,0 e achei que
no segundo eu também ia tirar um seis, mas tirei 3,5. Eu relaxei demais e fui fazendo
o que não devia, pareceu indicar que ter alcançado a nota mínima para a aprovação
era suficiente. Entretanto, sabia que era preciso manter-se alerta e intervir para não
correr o risco de reprovar. Segundo ela, no terceiro trimestre (último) estou
entregando todos os trabalhos e já tirei bastante nota boa nas provas, mas agora
vamos ver... A mudança de atitude durante o andamento do ano letivo possibilitou
sua aprovação, mesmo que com notas pouco acima da média exigida nas duas
disciplinas.
As disciplinas não parecem ter o mesmo grau de importância e investimento
para Tatiane. Enquanto a média mínima necessária para a aprovação nas disciplinas
de Geografia e Ciências pareceu ser considerada um padrão satisfatório, seu
investimento escolar estava dirigido às disciplinas de Matemática e Língua
Portuguesa. Eu gosto da escola, eu adoro vir à escola. E o que eu mais gosto de
fazer é prova de Matemática. Eu adoro Matemática e Língua Portuguesa e presto
muita atenção nas aulas. Quando interrompeu seus estudos na quinta série suas notas
estavam abaixo da média necessária para a aprovação, exceção às disciplinas de
Matemática e Língua Portuguesa, um pouco acima da média. É que, para ela, ir mal
em Matemática se constituía em barreira para a inclusão na escola.
É assim, quem vai mal em Matemática é aluno que tem
problemas, tem dificuldade. É difícil para quem tem dificuldade
conseguir recuperar em Matemática. Nas outras matérias se
você vai mal é porque não estudou, não entregou os trabalhos,
relaxou, e é mais fácil conseguir. Em Matemática não, se você
vai mal, sempre tá com problema. Se você vai bem todo mundo
te acha inteligente, te respeita mais.
181
No retorno à escola, mostrar que estava interessada pelas duas disciplinas
consideradas mais importantes foi à forma encontrada para sentir-se respeitada e
reconhecida por professores e colegas. Para ela, as disciplinas apresentavam valores
diferenciados na escola, relacionados à complexidade dos conteúdos, às
metodologias de trabalho. As disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa eram
consideradas as primeiras classificadas na hierarquia existente entre as disciplinas,
seguidas de Ciências, Geografia e História. Ocupavam a última posição as disciplinas
de Educação Física e Educação Artística. Por isso, investia diferentemente em cada
uma delas.
Em casa estudava sozinha, mas quando sentia dificuldade recorria aos colegas
de sala ou ao professor. Não tinha uma organização sistemática, pois estudava
somente quando tinha trabalho ou tarefa. Entretanto, como assinalado, deixou de
entregar trabalhos nas disciplinas de Geografia e Ciências que pouco a mobilizavam.
Por dividir o período diurno entre a escola e o trabalho na mercearia, quando tinha
provas estudava durante a noite ou chegava mais cedo na escola para estudar com
colegas num sistema de ajuda mútua, principalmente na disciplina de Matemática. A
atenção dada às disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática durante as aulas
pareceu contribuir no rendimento e nas avaliações realizadas.
Considerava, no entanto, que sua maior dificuldade estava centrada em
conseguir fazer uma leitura fluida e se expor na frente do grupo de colegas e do
professor. Isso acontecia principalmente quando a professora solicitava a
apresentação leitura. Considerava que os processos de leitura escrita se constituíam
em atividades separadas e relacionava a disciplina de Língua Portuguesa à produção
escrita. Afirmou ser boa para escrever, mesmo quando o processo de produção era
utilizado em outras disciplinas.
A professora de Ciências pediu para escrever sobre o que eu
achei do ano de 2005. E eu escrevi duas folhas. Eu disse o que
eu achei, mas eu falei mais coisa pessoal minha, eu não falei
muito das aulas. Eu escrevi que gostei das aulas dela. De
coisas mais pessoais, do corpo humano. Ah, eu escrevi a nota
que precisava tirar, que era 6,5 ou 7,0. Eu escrevi que não
poderia tirar dez porque eu converso e tem vezes que a
professora até briga comigo porque eu não tô prestando
atenção direito. Escrevi também que no começo do ano, no
primeiro trimestre, eu prestei atenção porque estava
empolgada. No segundo foi a Geografia, que eu tava indo meio
182
mal, e agora no terceiro eu estou me esforçando um monte pra
aprovar.
Realmente, nas notas emitidas ao final da sétima série destacavam-se as notas
na disciplina de Língua Portuguesa e de Matemática, ambas com médias acima de 8,0
(ESCOLA 6M, 2000-2004a).
A mobilização para estudar pareceu ocorrer em diferentes níveis. A
empolgação inicial com as disciplinas cedeu lugar a conversas com colegas e o
desvio da atenção nas aulas. Essa empolgação estava relacionada às disciplinas
preferidas, as boas relações estabelecidas com professores ou com a vontade ou
necessidade de sair-se bem na escola. Foi possível observar que na escola outras
formas de mobilização estavam envolvidas e nem relacionadas com os conteúdos
ensinados ou as disciplinas escolares. O intervalo das aulas e o recreio eram espaços
onde ocorriam as conversas, as fofocas, os namoros. Concentravam a atenção
especial dos alunos e eram realizados inclusive durante as aulas que menos a
mobilizam. As atividades de Educação Física e de Educação Artística também eram
valorizadas e aguardadas por se constituírem em espaço lúdico, com maior liberdade
de ação, diferente das formas escolares mais rígidas e do trabalho da mercearia. Das
atividades proporcionadas pela escola com o intuito de auxiliar nas dificuldades
escolares, recordou apenas que o professor de Matemática vinha de manhã e quem
quisesse vim pra fazer reforço podia vim. Ele não escolhia as pessoas. Esse
atendimento era realizado fora do período regular das aulas. Não sabia como era feito
porque nunca participou.
A possibilidade de interromper novamente seus estudos não fazia parte dos
seus planos futuros. Se dependesse de vontade, não pararia de estudar nunca.
Entretanto, para o pai essa era uma possibilidade caso a aluna corresse o risco de
reprovação. Os pais exerciam controle sobre o comparecimento à escola e não
admitem faltas.
A relação com o trabalho foi sendo desenvolvida gradativamente. De co-
responsável pelo comércio familiar não remunerado, a aluna passou, devido a
desentendimentos com o pai, a trabalhar para terceiros em um comércio destinado a
atender, durante a temporada, ao movimento de turistas. Trabalhava das dez horas da
manhã às duas horas da madrugada. Considerou gratificante poder ser remunerada
pelo trabalho e dispor de dinheiro para si. Foi massa porque aí eu conseguia
183
comprar as coisas com o meu dinheiro. Daí depois eu já fiz as pazes com o meu pai e
comprei coisas pra ele, pra minha irmãzinha. Os desentendimentos com o pai
ocorreram em função do controle da mercearia, principalmente nas anotações das
compras realizadas por clientes que mantinham contas para pagamento mensal. O
esquecimento em marcar produtos levados por clientes provocou muitas discussões.
Embora o pai mantivesse atitudes aparentemente inflexíveis, transmitia para
ela valores sociais e econômicos baseados no investimento individual. Instituiu uma
forma de responsabilizá-la, delegando-lhe autoridade e autonomia, tanto no trabalho
como na escola; no entanto, a punia com a exclusão caso não cumprisse suas
designações. Transmitia-lhe uma cultura competitiva que a impulsionava a refazer
caminhos e entrar no processo de seletividade social e de trabalho. Por isso,
construía comportamentos de competitividade e dava atenção às disciplinas e
atividades que podiam destacá-la dos demais. Foi a necessidade de mostrar-se
produtiva que a levou à procura de outro trabalho
Voltou a trabalhar no comércio familiar de forma remunerada, dado que a
mercearia ganhou estabilidade financeira. Ao lado, funcionava o bar, espaço no qual
o pai não gostava que ela ou a mãe atendessem. A experiência de atender turistas
rendeu-lhe a promessa do pai de colocar, na próxima temporada, uma barraquinha na
praia para vender roupas ou artesanato.
Conseguiu equilibrar escolaridade e trabalho, mantinha um bom grupo de
relacionamento com amigos e professores e era valorizada por eles. Tinha clareza
que as chances dadas podiam ser retiradas incondicionalmente pelo pai.
Perfil 13 A interrupção de uma escolaridade ascendente: as relações com
trabalho e escola
Vinícius, 17 anos, branco, nascido em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, três
anos de atraso na escolaridade, foi reprovado na quinta série e interrompeu os
estudos antes de concluir a oitava, freqüentou a EJA, mas interrompeu. Mora
entre os bairros do Estreito e Capoeiras e trabalha em um hotel no Costão do
Santinho, no norte da ilha.
24
O pai e a mãe completaram a quarta série do Ensino Fundamental pela falta de
oportunidade para continuar os estudos na área rural. O pai contou-lhe que no campo
24
Entrevistas realizadas em setembro e dezembro de 2005.
184
as oportunidades para estudar eram limitadas e quem quisesse continuar tinha que se
tornar padre e sair da roça. A família veio do interior do Rio Grande do Sul à
procura de melhores condições de vida. Todos trabalhavam no campo. Os problemas
com a estiagem, a falta de recursos para o plantio, o pouco retorno financeiro da
atividade agrícola e a falta de oportunidade escolar para os filhos os impulsionaram
para a migração. Antes de se instalarem em Florianópolis passaram por outra cidade
do interior do Rio Grande do Sul e por indicação de parentes seguiram até
Florianópolis. Com a venda da área rural conseguiram comprar um terreno e
construir uma moradia.
Vinícius tinha três irmãos de 18, 13 e 11 anos de idade. O mais velho cursava,
no momento da entrevista, a primeira série do Ensino Médio noturno e trabalhava
como caixa de um supermercado. Os outros dois estavam na sétima e na quinta série
do Fundamental.
Da primeira à quarta série Vinícius estudou em uma escola rural de séries
iniciais. Ele e o irmão trabalhavam na roça pela manhã e a tarde iam de ônibus para a
escola. Nos dias de chuva o ônibus não conseguia chegar até as áreas mais afastadas.
A escola possuía duas salas de aula e uma pequena cozinha onde as professoras
preparavam a merenda escolar. Alguns alunos auxiliavam na preparação e na
limpeza. Pela manhã funcionava a primeira e segunda série e à tarde a terceira e
quarta série. Não lembrava de ter passado dificuldades até a quarta série. Fazia-se
ditado, contas de multiplicá, dividi e escrevia bastante. Tinha aula de leitura, de
História, Geografia.
Chegando a Florianópolis o pai foi à escola e os matriculou: dois na quinta
série e um na primeira série do Ensino Fundamental. Para Vinícius havia muita
diferença entre a escola de meio rural e a escola estadual urbana. As relações de
respeito e obediência entre professores e alunos na área rural eram maiores; na região
urbana havia maior número de alunos por sala, muitas turmas de uma mesma série, as
aulas eram desenvolvidas por disciplinas por um número maior de professores para
uma mesma sala de aula.
No início encontrou problemas para se acostumar ao ritmo e à forma de
organização da escola de quinta a oitava série. Aos poucos foi aprendendo a se
organizar. Em algumas disciplinas os conteúdos eram difíceis. Considerado bom
aluno até a quarta série, não conseguiu manter as notas elevadas. Nas disciplinas de
185
Inglês, Geografia e Ciências não alcançou notas mínimas para ser aprovado. Ao final
do ano letivo foi reprovado em Inglês. Para ele, foi um susto porque faltava pouco
para atingir a média, fato, segundo ele, confirmado pelo professor. As avaliações
alcançadas pelo aluno demonstravam que, embora apresentasse notas finais nas
disciplinas de História, Geografia e Ciências pouco acima da média necessária, 5,9,
5,5 e 5,8 respectivamente, foi reprovado em Inglês com a média de 4,2, faltando
apenas oito décimos para aprovação (ESCOLA 4E, 2000-2004a). O irmão que
estudava também na quinta série foi aprovado.
Afirmou ter se sentido péssimo com a notícia, não conseguia acreditar porque
havia alunos piores do que ele, que nunca entregavam tarefas e tinham notas mais
baixas, e foram aprovados. A pior situação enfrentada foi a de contar aos pais sobre a
reprovação e explicar o motivo. Eu não sabia o que dizer, não sabia por que tinha
reprovado. A reação dos pais foi de decepção e tristeza. No entanto, não ficaram
zangados e o aconselharam a estudar mais. Segundo ele, os pais acreditavam que as
mudanças de escola e de cidade o prejudicaram.
Repetiu a quinta série e, para ele, os dois anos cursados apresentaram muitas
diferenças. Muitos professores eram diferentes dos primeiros, assim como os
conteúdos trabalhados. Descobriu que cada um seguia um ritmo próprio e dava
prioridade a conteúdos diferentes. A repetência não se caracterizava por conteúdos e
atividades similares. Apenas na disciplina de Matemática os conteúdos eram os
mesmos do ano anterior. Nas demais, muitos conteúdos eram novos e foram tratados
de forma distinta do ano anterior. Muitas das formas de avaliação utilizadas pelos
professores também eram diferentes. As médias finais obtidas pelo aluno em todas as
disciplinas foram maiores do que 7,0 (ESCOLA 4E, 2000-2004a).
A sexta e a sétima série não foram difíceis. Conhecia os professores e fez
vários amigos. O irmão mais velho concluiu a oitava série e foi estudar em uma
escola de grande porte no centro de Florianópolis. O pai manteve-os direcionados à
escola. Todo material necessário era providenciado, conversava muito sobre as
possibilidades de futuro, incentivava a busca de cursos e outras atividades que a
escola ou outras instituições oferecessem. Nesse período, o irmão mais novo
começou a fazer ginástica de solo. Vinícius e o irmão mais velho participavam de
aulas de computação no SESC. O outro irmão, de treze anos foi autorizado pelo pai a
186
freqüentar a escolinha de futebol, condicionada à obtenção de boas notas, pois vinha
relaxando na escola.
Durante o ano em que estava cursando a oitava série o pai sofreu um acidente
grave de trabalho. O tempo de hospitalização foi longo e surgiram problemas
financeiros. Apenas parte do salário ganho pelo pai era registrado. Com o acidente
recebia somente o que estava especificado na carteira de trabalho, não sendo
suficiente para manter as despesas familiares e aquelas inerentes aos cuidados de
saúde. Afirmou ter sido um ano difícil e de muitas mudanças.
Juntamente com o irmão mais velho começou a procurar trabalho para
compensar a perda salarial do pai. Inicialmente procuravam por trabalhos de meio
período na tentativa de manterem-se na escola. Vinícius conseguiu, por meio da
indicação do professor de computação, trabalho em uma lan house. Não tinha carteira
assinada, o salário era baixo e não recebia benefícios como vale alimentação, 13º.
salário ou férias. Apenas recebia ajuda para o transporte e tinha a possibilidade de
redução do valor da passagem com o passe escolar. O irmão foi trabalhar como
empacotador em um supermercado e obtinha algumas vantagens. Era registrado e
recebia uma cesta básica mensal. Vinicius não conseguiu os mesmos benefícios
porque a rede de supermercados não empregava irmãos.
Faltando três meses para o final do ano o pai foi submetido a várias cirurgias e
aposentado por invalidez. Foi um período difícil para toda a família. O pai dependia
de ajuda até pra tomar banho, as despesas eram grandes e a condição econômica
tornou-se precária. Mesmo contra a opinião do pai, Vinícius interrompeu os estudos
na escola e foi buscar trabalho em período integral.
Preencheu muitas fichas até que foi chamado para trabalhar num hotel em
bairro praiano com alta circulação de turistas. O problema estava na distância a ser
percorrida e no fato de ser um trabalho com uma carga extensiva por atender a
demanda turística
25
. No começo era um faz tudo. Limpava, carregava coisas, fazia a
manutenção da piscina, colocava guarda sol e cadeira na praia, fazia entregas e
tudo mais que fosse necessário. O salário era melhor e recebia alguns benefícios.
Mais tarde o gerente ofertou-lhe a função de auxiliar de cozinha. A nova atividade
representou aumento de salário e ganho com horas extras no período da temporada,
25
O irmão mais velho atuava como caixa no mesmo supermercado para o qual havia trabalhado de empacotador.
187
mas também mudança de horário de trabalho – 10:30h às 20:00h. Durante o período
de maior movimento dormia no alojamento de funcionários. Com isso o sonho de
retorno à escola foi adiado.
Na chamada baixa temporada
26
conseguiu modificação de horário e começou a
freqüentar a EJA em uma escola situada no norte da ilha. A indicação veio de colegas
de trabalho que estavam freqüentando esse tipo de ensino. A forma escolar, segundo
ele, era muito diferente da que tinha realizado até então. Trabalhavam-se temas de
pesquisa com a orientação dos professores. Muitas vezes a pesquisa se tornava
enfadonha por falta de material. Depois de um período houve mudanças e passou-se a
trabalhar por disciplinas. Segundo ele, alguns professores mantiveram as pesquisas
como trabalho principal em sala. Outros davam aulas normais com conteúdos,
provas, exercícios. Para ele, que ao sair da escola estava ao final da oitava série, o
ensino era muito fraco, não havia aulas de Física, Química, Biologia. Na mesma sala
havia alunos que não sabiam dividir ou calcular juros e outros mais adiantados. Um
dos professores indicou que procurasse o CES – Centro de Ensino Supletivo, onde
poderia prestar provas e obter o certificado de conclusão do Ensino Fundamental com
maior rapidez. Quando da realização da entrevista, faltavam apenas as provas da
disciplina de Ciências Biológicas para concluir a escolarização até a oitava série.
Para Vinícius a situação econômica familiar encontrava-se, no momento da
entrevista, melhor do que antes. A mãe, depois do acidente do pai, havia começado a
fazer pães, tortas e salgados para vender, tinha boa clientela e muitas encomendas. O
pai comprou um fusquinha, fazia entregas e distribuía os produtos em pequenos
mercados. Ele e o irmão já podiam contar com boa parte do salário para si.
O sonho era o de terminar os estudos, fazer cursinho e o vestibular. Pensou
em fazer curso de computação, de letras porque gosta muito de ler, de gastronomia,
mas ainda não se definira.
Para ele, o pai era uma referência familiar forte e positiva no sentido de lutar e
alcançar objetivos. Embora tivesse pouca escolaridade, o pai os mantinha voltados
para os estudos. Antes do acidente havia comprado uma coleção de livros para os
filhos e lhes trazia revistas em quadrinhos e de formação geral para ler. Segundo
Vinícius, no período que o pai ficou em casa sem trabalho conseguia no hotel
26
Período que se estendeu de maio a outubro, com pequena presença de clientes. Segundo o aluno, muitos dos
funcionários contratados temporariamente eram dispensados no período.
188
revistas e jornais para ele se distrair. Um dos irmãos, o de 13 anos, não gostava
muito de estudar e o pai precisava controlá-lo, vê se tem lição, trabalho, olha as
notas, vai à escola conversá com os professores. Segundo Vinícius, esse controle
nunca precisou ser feito com ele ou o irmão mais velho porque ninguém precisava
mandar estudar e fazer tarefa, arrumar o quarto, capinar o quintal, cortar a grama,
era obrigação. Ninguém nem pensava em não fazer senão apanhava quando o pai
chegasse a casa. Com os irmãos mais novos o pai se tornou mais liberal, deixava ver
televisão e brincar um pouco, colocar música alta. Com a gente não podia.
As mudanças nas relações entre o pai e os filhos pareceram caracterizar as
diferenças de uma vida no campo, centrada nas obrigações escolares e de trabalho,
para uma vida urbana. As reclamações dos irmãos mais novos, da necessidade de
maior liberdade e participação em outros segmentos da vida social, faziam eco.
Entretanto, mesmo tendo se tornado mais liberal o pai mantinha o controle direto
sobre a escolaridade dos filhos, procurando transmitir a eles valores e hábitos e uma
vigilância sobre os amigos e os locais de circulação. As conversas na família eram
mais freqüentes e ocorriam à noite, na hora do jantar.
Na família havia também uma diretiva religiosa. Costumavam freqüentar a
igreja aos domingos e participar de encontros para orações. No momento da
entrevista, o pai, a mãe e o irmão mais novo iam com freqüência à igreja. Vinicius e
o irmão mais velho participavam pouco, uma modificação nos costumes em função
do trabalho. Às vezes saía com colegas de trabalho.
189
CAPÍTULO IV
AS DIFERENTES DIMENSÕES DAS REPROVAÇÕES E INTERRUPÇÕES
ESCOLARES
4.1. Os princípios articuladores nos perfis de configurações escolares:
para além das singularidades
Após a elaboração dos perfis de configurações, para a qual se considerou a
história de cada aluno entrevistado, iniciou-se um exercício de releituras levando em
consideração à articulação entre as singularidades e regularidades dos diferentes
perfis e as hipóteses de trabalho. Essas leituras foram fundamentais para evidenciar
as relações que tais alunos vinham desenvolvendo com as escolas, seus professores,
famílias, outros espaços sociais e de trabalho. As relações vividas e percebidas
desvelaram aspectos importantes para compreensão dos fatores, princípios
articuladores, que afastavam ou aproximavam os alunos das situações de reprovação,
interrupção e retorno à escola.
4.1.1. O contexto das reprovações, interrupções e retornos à escola.
A convicção de que havia tendência de redução do número de reprovados nas
primeiras séries e aumento nas quintas do Ensino Fundamental confirmou-se tanto
nas informações estatísticas apresentadas no Capítulo II como nas histórias de
reprovação de cada um dos entrevistados. Esse acirramento da reprovação nas
quintas séries ocasionou atrasos de até quatro anos de escolaridade (defasagem
idade-série). Realmente, no caso dos entrevistados, sete dos treze alunos reprovaram
a primeira vez na quinta série. Somente Gustavo e Vanessa foram reprovados
também na primeira série do Ensino Fundamental. Dos treze entrevistados, nove
reprovaram na quinta série pelo menos uma vez. Dos quatro restantes, dois ao
interromperem seus estudos não apresentavam notas suficientes para serem
aprovados.
190
Conforme os perfis apresentados, sete alunos tiveram múltiplas reprovações.
Destes três reprovaram exclusivamente na quinta série. Quatro alunos interromperam
seus estudos antes da reprovação.
Se considerados o número de reprovações ocorridas somente na quinta série
do Ensino Fundamental, seis alunos reprovaram uma vez e três tiveram duas
reprovações. Contabilizando-se todas as reprovações, independente da série, três
alunos reprovaram apenas uma vez durante o período escolar, sete tiveram duas
reprovações, um foi reprovado em três séries e dois reprovaram quatro vezes.
Concluiu-se que dez alunos apresentaram duas ou mais reprovações nas suas
trajetórias escolares.
As histórias narradas, os levantamentos estatísticos e as formas de organização
escolar mostraram como a reprovação tornou-se uma marca, um rótulo. Desvelaram-
se as dificuldades dos alunos em vivenciar situações escolares adversas; alunos que
nem sempre se viam respeitados quanto à idade, sexo e etapas do desenvolvimento
cognitivo e psicológico. No caso dos entrevistados, a reprovação atingiu também
suas famílias de formas diferenciadas. As histórias de reprovações foram também
vivenciadas por pais e irmãos, e por isso, naturalizadas e consideradas resultado de
fatores hereditários, um problema de cabeça dura herdado da mãe, como afirmou a
aluna Vanessa. Confirmou-se que ainda se faziam presentes nas escolas, entre
professores e alunos, uma tendência em analisar essas situações escolares com base
nas teorias socioculturais apoiadas na privação cultural, que interpretavam a
realidade social em termos de carência, das faltas, apontada nos estudos realizados
por Torres (2004) e Paro (2001). Situações consideradas inevitáveis e que tornavam
os alunos vulneráveis aos determinismos escolares e sociais.
Segundo Canário (2001) e Lahire (1997), não havia como negar que as
crianças que conviviam em ambientes culturalmente desprovidos de vivência escolar
e cultural apresentavam dificuldades escolares. Entretanto, principalmente os estudos
desenvolvidos por Lahire (1997) mostraram que as teorias deterministas não eram
suficientes para explicar as situações de fracasso e de sucesso escolar. Pertencer à
classe popular não era condição para o fracasso escolar. Muitos dos casos analisados
por ele indicaram situações diversas. Esta assertiva também se aplicou a este estudo.
Entre os entrevistados surgiram situações que se mostravam contrárias aos
prognósticos que indicavam ao sucesso ou fracasso. O aluno Vinícius, oriundo de
191
família com baixa qualificação profissional e pouca escolaridade, apresentava grande
probabilidade de dar continuidade aos estudos. No entanto, Augusto, que convivia
com pais e irmãos com histórias escolares do que se pode chamar de sucesso escolar,
munidos de capital cultural
27
, boa qualificação econômica, profissional e
escolaridade em nível superior foi reprovado na quarta e na sexta série. Necessitou
ser aprovado pelo Conselho de Classe na quinta série e não demonstrava nenhum
interesse pelos estudos escolares.
No caso desta pesquisa, os alunos apresentavam tendência em culpabilizarem-
se pelas reprovações escolares, também já identificadas por Paro (2001, p.68). As
afirmações dos entrevistados sobre as causas da reprovação reproduziam os discursos
pedagógicos professados nas escolas, incorporavam rótulos e consideravam-se
incompetentes sociais e escolares, razão pela qual não gostavam de serem
identificados como tal. Essa condição atingiu ainda mais aqueles que interromperam
seus estudos. Destacavam-se os alunos Tatiane e Gustavo, que negavam terem sido
reprovados, afirmando que haviam parado de estudar na quinta série, o que não
caracterizava a reprovação.
As situações de reprovação suscitaram diferentes formas de reação tanto no
que se referia às relações com as pessoas quanto com o conhecimento escolar. Para
Tatiana, a possibilidade de ocorrerem outros incidentes de reprovação a tornou
insegura, dependente e estigmatizada frente ao grupo de colegas e professores. No
entanto, adotou postura obstinada, estudando, procurando alternativas junto a
professores e à família, não concordando com os prognósticos escolares e buscando
manter-se na escola. Vanessa, que viveu condições similares a de Tatiana, também
nutria sentimentos de desqualificação e insegurança, no entanto, manteve estratégia
de isolamento dos colegas e respeito às regras escolares. Era persistente, mas não se
expunha frente ao grupo. Tinha medo de vivenciar novas situações de reprovação,
sentimento que a mantinha sempre alerta sobre mudanças nas formas de organização
da escola. Já Maria Lúcia passou a dedicar-se mais aos estudos após o retorno à
escola. Via nesse investimento a possibilidade de melhorar suas condições futuras e
retardar a entrada no trabalho. Os alunos Tatiane, Vinícius, Marlon e Jackson, apesar
das reprovações reagiram com positividade às relações com a escola.
27
Cf. Lahire (1997) e Bourdieu (2002).
192
Nos casos de Gustavo e Augusto as reações apresentaram-se na forma de
negação à escola. Os períodos de vivência escolar marcados por rejeições se
constituíram no feitio, segundo Dubet (2003, p. 42), de protestar, de construir sua
dignidade e honra - uma forma consciente de rejeitar quem os rejeitou.
As interrupções, transferências expedidas e recebidas apresentaram-se
significativas nas escolas estudadas não somente nas que mantinham proximidade
com áreas de desenvolvimento turístico, no norte da ilha, como nas existentes ao sul
de Florianópolis.
As situações que indicavam reprovação levaram alunos a decidir pela
interrupção dos estudos. Ela não adveio, como simplesmente poder-se-ia supor, da
vontade e da decisão individual dos alunos. Como no caso das reprovações
colaboravam para isso diversos fatores: escolaridade com múltiplas reprovações;
relação estabelecida com a família; intervenções escolares e familiares, entre tantos
outros, que interligados os aproximavam ou afastavam dos estudos.
A interrupção, nos casos de Tatiane, Maria Lúcia e Gustavo mostraram relação
com a reprovação escolar. A alegação de que a interrupção estava ligada à
necessidade de ajuda aos pais, segundo Tatiane, não se sustentou. Os resultados
escolares indicavam que a interrupção foi decidida com base na opinião que o pai
havia construído sobre a ocupação do tempo escolar e de trabalho, já que para ele a
continuidade escolar sob risco de reprovação significaria deixar de produzir, perder o
ano todo. No período que passou fora da escola foi inserida no trabalho, recebeu
reprimendas do pai e ganhou seu reconhecimento quando se mostrou uma boa
aprendiz das relações do capital. Munida da premissa da competitividade e produção,
encontrou as condições para sua reinserção na escola ao mostrar-se produtiva e
competitiva elegendo a disciplina de Matemática como foco principal de atenção.
Comparando os dados nas onze escolas estudadas, chegou-se à conclusão de
que também as multirreprovações ocorridas na quinta série levaram alunos à
interrupção dos estudos. Cerca de 80,0% dos alunos que reprovaram apenas uma vez,
15,0% dos que reprovaram duas e somente 5,0% dos que reprovaram três vezes
permaneciam nas escolas no período da pesquisa. Condição similar se manteve entre
os entrevistados. Seis dos entrevistados que reprovaram uma vez na quinta série
permaneciam na escola, enquanto que dos três que apresentavam duas reprovações
193
um interrompeu, outro estava cursando o supletivo noturno e o terceiro transferiu-se
para o ensino noturno regular.
Conforme apontado no Capítulo II, os multirreprovados não eram
considerados prioritários quanto ao atendimento em sala de aula, nas atividades de
reforço escolar ou nos Conselhos de Classe. A aprovação dos alunos com mais de
duas reprovações se mostrou remota. Ao que parece, os alunos que apresentavam
maiores dificuldades precisariam despender maior esforço do que os que reprovaram
uma vez. Os casos das alunas Vanessa e Tatiana foram bons exemplos do nível de
barreiras que precisaram romper e das dificuldades a serem superadas para concluir o
Ensino Fundamental ou continuar seus estudos além desse nível de ensino. Thiago,
mesmo comparecendo às aulas de reforço em Matemática recebeu do professor a
justificativa de que tais aulas seriam suspensas dado que somente dois alunos
continuavam comparecendo, exatamente aqueles pelos quais não valeria a pena
investir.
As reprovações, juntamente com as interrupções escolares, foram fatores que
colaboraram para a defasagem idade-série dos entrevistados. Essa discrepância
apresentou-se mais elevada para o sexo masculino. Dos cinco alunos que
continuavam freqüentando a escola, quatro acumulavam mais de dois anos de
defasagem idade-série e permaneciam na escola, dois interromperam seus estudos e
ainda não haviam retornado à escola até o encerramento deste estudo.
Caracterizavam-se, segundo Ferraro (2004a), nos excluídos na escola e excluídos da
escola. Sem dúvida, um grupo particularmente vulnerável às situações de reprovação
que se tornaram repetitivas, precoces e decisivas na construção de trajetórias
marcadas pela irregularidade. A relação com a reprovação escolar e a instabilidade
de muitos alunos frente aos resultados escolares levou-os a viver permanentemente
sob a incerteza da aprovação e a possibilidade de conseguir ou não dar continuidade
aos estudos. Desta forma, a reprovação constituiu-se, para alguns alunos
entrevistados, na passagem do mundo da regularidade escolar para o da instabilidade
– a possibilidade de sofrer novas reprovações. Um fenômeno que dificultou a
continuidade dos estudos e possibilitou a permanência de alunos em condições de
desigualdade e menor qualificação escolar.
Comparativamente, os dados oficiais sobre as interrupções dos estudos
apresentavam-se pouco significativos quando comparados aos da reprovação escolar.
194
Em 1997, nas escolas estaduais era de 12,4% e em 2001 de 6,3% os indicadores da
interrupção escolar. Nas escolas municipais, nos mesmos anos, representavam 6,4% e
2,8%, mostrando um decréscimo. Entretanto, como já discutido no Capítulo II, esses
dados encontravam-se subestimados e emaranhados aos da reprovação escolar. O
número de interrupções escolares ocorridas entre o término do ano letivo e o início
de outro não eram computados nos relatórios estatísticos. Da mesma forma as
interrupções de curto prazo nem sempre eram registradas e por isso não constavam
dos relatos oficiais. Outro fato que ajudou na subestimação dos dados foi o da
retirada das listagens, de um ano para o outro, daqueles alunos que deixaram de
realizar as avaliações finais e para os quais não havia mais informações a respeito.
No caso de Camila a interrupção de três semanas não apareceu nos relatórios
oficiais. No caso de Tatiane e Maria Lúcia a interrupção confundia-se aos registros
de reprovação por falta, e o retorno não foi computado porque a matrícula foi
realizada como aluno novo, o que também colaborou nos baixos índices sobre as
interrupções escolares.
Ao considerar o acompanhamento dos resultados das avaliações finais nas
escolas estudadas, o número das interrupções elevaram de forma significativa.
Assim, nas escolas municipais a maior parte das interrupções registradas entre 2000 e
2004 aconteceu pós-reprovação na quinta série, num índice que variou de 51,0% a
86,0%. Nas escolas estaduais em três das cinco escolas estudadas a maioria dos
alunos interrompeu após a reprovação. Entretanto, em duas escolas a maioria das
interrupções (entre 54,0% e 71,0%) ocorreu antes do término do ano letivo. Em
números absolutos, entre 2000 e 2004 foram contabilizadas 589 interrupções
escolares nas onze escolas estudadas.(Ver Tabelas 10 e 11)
Dos treze entrevistados seis nunca haviam interrompido seus estudos, cinco
interromperam uma vez, um duas vezes e outro três vezes. Gustavo interrompeu três
vezes seus estudos. Nas duas primeiras vezes o fez, por mais de seis meses durante a
quinta série do Ensino Fundamental. Na terceira vez não retornou mais. Camila na
primeira vez ficou um ano letivo afastada após ter mudado de cidade. Já na segunda
vez afastou-se por cerca de um mês da escola.
Considerando os cinco entrevistados que interromperam seus estudos uma vez,
um permanecia fora da escola há um ano e meio, enquanto os demais retornaram.
Destes, três interromperam seus estudos por um período de seis meses e um por dois
195
meses. Dos 13 alunos entrevistados dois interromperam seus estudos e não
retornaram à escola até a data da entrevista: um apresentava seis anos de defasagem
idade-série e outro três anos, ambos do sexo masculino. Dos que interromperam, mas
haviam retornado, cinco eram do sexo feminino e se encontravam em defasagem
idade-série de até dois anos; somente uma possui quatro anos de atraso escolar em
relação à idade esperada. Uma variedade de fatores tem permitido o retorno à escola:
a vontade de estar no mundo social escolar, a pressão dos colegas e da família, a
possibilidade de manter-se em contato com outros alunos, a vontade de aprender, a
probabilidade de melhoria profissional e salarial. Dos estudantes entrevistados que
interromperam por algum período seus estudos, com exceção de Gustavo, todos
buscaram ou estavam buscando a continuidade dos estudos.
No caso dos dois alunos que ainda permaneciam ausentes da escola quando da
conclusão da pesquisa de campo, Vinicius reunia condições para retorno a escola e
vinha se mobilizando para isso. O pouco tempo que restava para concluir o Ensino
Fundamental, a mobilização para continuar estudando, a recuperação do pai e o apoio
do irmão eram fatores que impulsionavam à volta. Somente o horário de trabalho
ainda se mantinha como fator inibidor. No último encontro com Vinícius, ele vinha
realizando provas supletivas para completar o Ensino Fundamental e ingressar no
Ensino Médio.
Para alguns alunos a reintegração representou a possibilidade de conviver com
outras pessoas, estar envolvida em atividades de integração social com maior
liberdade sobre o tempo, condição que nem sempre a atividade profissional
proporcionava. Para outros, significou a redescoberta de um espaço de aprendizagem
e de formação de grupos.
Como já foi destacado em parágrafo anterior, o retorno não dependia apenas
do interesse do aluno em voltar à escola. Seria necessário que a instituição também
os aceitasse. Essa possibilidade quase sempre vinha sendo limitada pela inexistência
de vagas, calendário, disponibilidade dos professores, sistema de avaliação e número
permitido de faltas. As diferentes movimentações escolares, por transferências ou
interrupções, não se coadunavam com a forma pelas quais as escolas se organizavam.
Também, não foram observadas ações escolares que incentivassem os retornos.
Talvez por isso nenhum dos alunos que interrompeu seus estudos, temporariamente
196
ou não, havia sido procurado no sentido de dissuadi-los da desistência ou, pelo
menos, indagar sobre os fatores que geraram tal situação.
Também, aqueles que retornaram não recebiam orientações que pudessem lhes
facilitar a inclusão. Quase sempre a mediação entre escola e estudantes era feita
pelos colegas. Tanto a saída como os retornos transformavam-se em atos
burocráticos. Não se indagava por que interromperam e nem se retornariam. As
secretárias responsáveis pelo processo de matrícula, na maior parte das vezes,
conheciam suas histórias, entretanto estavam distantes dos processos pedagógicos.
Como já destacado em capítulo anterior observou-se, nas escolas, postura de
naturalização das reprovações e interrupções escolares. Em parte essa forma de
relação vinha sendo motivada pela entrada na escola de alunos originários de classe
social que vivem na corda bamba, entre a necessidade de reunir recursos para a
sobrevivência e as possibilidades de continuidade escolar. Um único fator ou acaso
poderia causar desequilíbrio nas condições de vida dessas famílias. No caso de
Vinícius um acidente com o pai levou-o, e a seu irmão, à procura de trabalho e
consequentemente à saída da escola.
Chamou atenção neste estudo, a capacidade dos alunos em adaptarem-se às
novas situações cotidianas na busca da sobrevivência e continuidade dos estudos. No
caso de Marlon, as mudanças de escola e a troca no tipo de ensino forama
alternativas encontradas para não interromper os estudos. O que possibilitou a
Tatiana a continuidade foi o apoio de professores e familiares nas atividades e a
forma obstinada de dedicação aos estudos. Mesmo no caso de Gustavo que
interrompeu e não retornou mais à escola, o abandono só se deu após muitas
tentativas de permanecer e chamar atenção dos professores sobre si. Talvez, tais
estratégias não foram valorizadas pela escola porque não eram reconhecidas como
tal.
Junto as escolas as informações sobre retorno escolar foram utilizadas para
ilustrar e justificar casos individuais durante os Conselhos de Classe. Em nenhuma
delas identificaram-se ações voltadas ao incentivo pelo reingresso ou processos de
readaptação à escola.
Se em um primeiro momento os alunos tendiam a atribuir a reprovação e a
interrupção escolar a um único fator, durante o desenvolvimento das entrevistas
197
múltiplos fatores surgiram. Thiago, Letícia, Camila, Marlon, Maria Lúcia e Gustavo,
quando indagados sobre os motivos que os levaram à reprovação na quinta série,
afirmaram terem adotado comportamentos não compatíveis à sala de aula (bagunças,
conversas e falta de atenção). Entretanto outros fatores como insegurança,
dificuldades específicas nos conteúdos de algumas disciplinas, questões familiares,
trabalho, as formas de organização e de avaliação das atividades foram sendo
identificados nas suas histórias escolares.
As configurações escolares e sociais que, para alguns alunos, levavam as
situações de reprovação escolar, para outros pareceu não afetá-los. Desta forma, se
para Tatiane a dificuldade de integração com colegas de sala impossibilitou que
prestasse atenção nas aulas e se mantivesse na escola, para Thiago essas mudanças
não o afetaram. Para Camila o objetivo quase exclusivo de contatos com amigos
desviou sua atenção das atividades escolares. As mudanças para alguns alunos
tinham o prenúncio de dificuldades futuras, de reprovações e novas interrupções
escolares. Para outros se constituíram em fatos pontuais que produziram impacto no
momento em que ocorreram, mas foram superados.
Os resultados escolares obtidos durante as séries iniciais mostraram correlação
com os alcançados nas quintas séries. Dos seis alunos que reprovaram pelo menos em
uma das séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª à 4ª série) todos também
reprovaram na quinta série e apresentavam dificuldade em pelo menos uma área
curricular. A defasagem de uma série a outra se mostrou cumulativa e apontaram as
quintas séries como ponto de estagnação ou maior permanência. As dificuldades nos
chamados conteúdos básicos, juntamente com outros fatores, pareceu ser uma
fórmula fatal para esses alunos.
Esse acúmulo de dificuldades advindas de outras séries e a impossibilidade de
conseguir superá-las durante o ano letivo impulsionou alunos à interrupção. Mesmo
para os mais persistentes e até obstinados a intenção de superação se colocava como
única possibilidade de resguardar-se frente aos amigos e a família. Em alguns casos,
tal processo era lento, desgastante e pouco mobilizador.
Como no caso da reprovação, a interrupção e o retorno à escola também
ocorreram por uma conjunção de fatores, de condições individuais e sociais. A
reprovação ou a eminência de reprovar, já destacado anteriormente, pesou na decisão
pela interrupção escolar. Esse fator, no caso dos entrevistados estava interligado às
198
dificuldades com o conhecimento escolar que vinham sendo acumuladas desde as
séries iniciais, ou a problemas específicos em alguma das disciplinas depois da
quinta série.
4.2. Os condicionantes das situações de reprovação, interrupção e
retorno à escola na percepção dos alunos: explicações e reações às
situações limites.
Seis princípios ganharam destaque entre os perfis analisados e se constituíram
numa rede de fatores interligados, a saber: a existência de ruptura na passagem entre
as séries iniciais e as finais no Ensino Fundamental; o sentido que a escola encerrava
para os alunos; as relações estabelecidas com os conhecimentos escolares, com as
dificuldades acumuladas ou superadas ao longo das séries e dentro de cada área de
conhecimento, e o papel atribuído pelos alunos às tarefas escolares; os processos de
avaliação do rendimento escolar e os Conselhos de Classe; as mudanças e processos
de adaptação à escola; a proximidade com o trabalho e a tendência de distanciamento
da escolaridade regular.
4.2.1. A transição das séries iniciais para as finais do Ensino
Fundamental: a especificidade das quintas séries.
O primeiro princípio articulador conduziu ao entendimento de que havia uma
ruptura entre a passagem da quarta para a quinta série, nem sempre realizada de
forma tranqüila ou superada como etapa de transição. Desta forma, concluiu-se pela
especificidade da quinta série que marcou o início de uma etapa diferente das quatro
primeiras séries do Ensino Fundamental, com repercussões no desempenho escolar.
As séries iniciais (1ª a 4ª série) e as finais (5ª a 8ª série) do Ensino
Fundamental representavam para os alunos etapas diferenciadas de escolaridade. A
segunda etapa nesse nível de ensino foi marcada pela variedade de disciplinas, de
professores e por uma forma escolar que, algumas vezes facilitou e em outras
dificultou a possibilidade de tornar o aluno com menor dependência dos professores.
Essa passagem, difícil de ser superada, muitas vezes, culminou em situações de
reprovação e/ou interrupção escolar.
Para os alunos que fizeram parte desta pesquisa a transição entre a quarta e a
quinta série acarretou dificuldades. A maioria percebeu essa etapa como fase
transitória, de passagem, ou espaço preparatório para o acesso a níveis mais elevados
199
do conhecimento. Configuraram-se em etapas distintas não só na forma de
organização, mas na relação com o conhecimento. Imagens de insegurança,
dificuldade, e em alguns casos, de superação se constituíram em expressões
atribuídas pelos alunos a essa passagem.
Os estudantes descreveram a diferença existente entre as séries iniciais e finais
do Ensino Fundamental na forma como os professores e estudantes se relacionavam e
se organizavam. Somente em duas escolas foi possível identificar a existência de
articulação entre as séries iniciais e as finais do Ensino Fundamental. Em outras o
contato entre professores e estudantes variou em função da maior ou menor
proximidade desses grupos. Individualmente, existiam professores que se integraram
com maior facilidade e estabeleciam projetos em comum.
Para os entrevistados especialmente a quinta série expressava essas mudanças.
Compreendida como uma etapa da escolaridade aonde os alunos precisavam
demonstrar maior seriedade, esforço, competência, qualificação e aprendizagem,
também era reconhecida pelo risco da reprovação, sobretudo para aqueles que
vinham apresentando, desde as séries iniciais, dificuldades com os conteúdos
escolares. Construída com base na relação formal com a aprendizagem e num modelo
naturalizado de escola, para ter qualidade precisava apresentar dificuldade e se
mostrar seletiva.
Esse sentimento em relação à quinta série constou do depoimento de Letícia e
expressava insegurança: É que a quinta série é mais difícil. As matérias. Porque a
gente sai do primário para o ginásio e sai da quarta série não sabendo nada, é como
se a gente tivesse começando na 1ª série. Para Vanessa, significou mudanças na
forma de organização. A quinta série é onde tudo começa, conhecer matérias novas,
ter professores para cada matéria.
A referência de um só professor que administrava o período escolar
organizando os conteúdos, as tarefas, as avaliações, sem que houvesse superposição
de atividades foi alterada para uma variabilidade de contatos entre professores e
alunos, cada um requerendo atenção para a sua disciplina entre as nove existentes.
Todos e ninguém eram responsáveis diretos pelos estudantes. A forma de
organização curricular por disciplina, na quinta série, diversa da realizada nas quatro
primeiras séries do Ensino Fundamental, se apresentava fragmentada e dificultava a
integração tanto entre os conteúdos como na relação professor-aluno.
200
A fragmentação das atividades, o tempo de ler, de ouvir, de escrever, nem
sempre obedeciam a uma lógica de desenvolvimento das relações com o saber. Cada
fração das aulas, de 45 ou de 90 minutos, era destinada à assimilação dos conteúdos e
às avaliações de cada disciplina. Por isso, o tempo de desenvolvimento das relações
pessoais, das conversas, das fofocas passou a ocupar outros espaços. Havia um tempo
para a realização das atividades em sala de aula e outro, fortuito, dos intervalos para
os contatos com os colegas. O tempo mais bem distribuído para todas as atividades
foi substituído por outro, fragmentado e demarcado por sinetas e troca de
professores. Com isso, outros parâmetros de organização como: rapidez, autonomia,
capacidade de adaptação, responsabilidade foram exigidos como requisitos mínimos
de inserção nas quintas séries.
Da dimensão do tempo controlado durante todo o período escolar, vivenciado
nas séries iniciais, passou-se há um tempo dividido entre aprendizagem e contatos
pessoais, mas que também exigiu do estudante uma gama maior de habilidades para
organizar-se e conseguir vencer a diversidade de formas metodológicas propostas
pelos professores, e ainda as de avaliação. Eram cinco professores por dia, com
formas de organização e avaliação diferenciadas, trocas constantes que estabeleciam
aos estudantes ritmos variados. A autoridade professoral foi sendo diluída entre os
vários professores e a equipe pedagógica. A referência para os pais não estava mais
centrada na figura do professor (a turma da professora X), mas num coletivo sem
sujeitos (turma 51, turma 52...).
Essa referência caracterizou a impessoalidade e fez-se representar pela
mudança de perspectiva do aluno de sujeito singular para a de sujeito coletivo, cuja
referência se dava pelo grupo, pela turma. A almejada escola para as massas
consolidou-se na escola de massa
28
, produto das relações capitalistas de controle de
tempo e de produção.
A representação dos alunos pela escola e seus professores aludiam atributos
para cada grupo que compunha uma sala de aula e que podia variar da melhor para a
pior turma, da turma dos reprovados para a dos CDFs. As reclamações freqüentes e
as reprimendas eram dirigidas às turmas como um todo e não mais a cada sujeito. O
horário fragmentado, o excessivo número de alunos/turma e o distanciamento
família-escola contribuíram para isso.
28
Termo utilizado por Vanilda PAIVA (1988).
201
O revezamento de professores nos horários e disciplinas entrava em
contradição com o discurso recorrente, em educação, do atendimento às necessidades
individuais e do respeito às individualidades. A idéia de que cada estudante possuía
um tempo específico para a aprendizagem e que deveriam ser respeitadas as
necessidades de cada um entrava em contradição com a forma escolar utilizada
depois da quinta série. Cada estudante dispunha apenas de horários pré-fixados,
independente do tempo que cada um precisava para aprender e realizar suas
atividades. Todos dispunham de aulas de 45 minutos ou, no máximo, aulas
geminadas, de 90 minutos, para a aprendizagem dos conteúdos, realização das
atividades propostas pelo professor e a superação das dificuldades. O não
cumprimento acarretava atrasos, acúmulo de atividades, perda de informações
importantes e avaliações negativas.
Na prática havia fragmentação nas relações estabelecidas com os saberes
escolares. Essas relações se mostravam multifacetadas, cruzavam diferentes sujeitos,
em diferentes atividades, com múltiplas intenções, e carregavam emoções e desejos,
contradições, alienação e dissimulação. A quinta só se constituía na série da
continuidade, da possibilidade de avanço nos estudos desde que o estudante
conseguisse dominar as relações formais de ensino, tempo e conteúdos.
Alunos que vinham acumulando muitas dificuldades desde as séries iniciais
ressentiram-se na mudança de quarta para quinta série e com as formas de
organização escolar. Se a ajuda de terceiros e proximidade dos professores das séries
iniciais anteriormente representava apoio e segurança (Ela pegava no pé, mas tava
ali. - aluna Tatiana), ao contrário, na quinta série, a relação com os professores
caracterizou-se pelo distanciamento e negatividade (lenta e problemática – aluna
Tatiana). Segundo Canário (2001, p. 141), uma visão profundamente negativa e ultra
desvalorizada dos públicos escolares que considera o aluno como um problema.
Estar na escola, realizar as atividades, participar não foi suficiente para que cada
estudante pesquisado fosse considerado parte do mundo escolar. Seria preciso
corresponder às expectativas dos professores e do padrão escolar. A valoração pelo
mérito estava impregnada no imaginário escolar e ganhava um peso maior quando o
estudante necessitava mudar de escola, outro aspecto a ser discutido à frente.
Se nas séries iniciais a bagunça era encarada como coisa de criança, da quinta
série em diante se tornou um comportamento considerado reprovável e quase sempre
202
alegado pelos estudantes como justificativa para as reprovações. Bagunçar e gazear
aula eram criticados por professores que solicitavam mudanças de atitude, autonomia
e maior responsabilidade, já que se constituíam em comportamentos pouco aceitáveis
para alunos de quintas séries.
Nessas situações, muitas vezes, verificou-se a reprodução do discurso
proferido pela escola. O estudante incorporava o discurso e o disseminava no intuito
de agradar ou se contrapor a expectativa do outro. O próprio estudante se referia a
sua sala de aula como algo genérico, essas quintas séries, na qual se colocava na
posição de mero expectador e não como sujeito da ação. Alguns estudantes se
posicionavam dessa forma em relação à escola. Procuravam reproduzir
comportamentos, normas, enfim, correspondiam aos requisitos exigidos por
professores e escola. Muitas vezes era apenas uma forma discursiva de dissimulação
na tentativa de amenizar as investidas dos professores com punições e atribuições de
notas baixas. Outras vezes, como no caso de Gustavo, provocavam reações de
agressão e rejeição à escola. Esse processo de contraposição às normas refletia-se nas
relações com o saber, principalmente afetando estudantes que se encontravam em
iminente situação de reprovação ou interrupção.
Os alunos estavam sob a responsabilidade dos professores apenas no período
em que se encontram dentro das salas de aula. Os breves intervalos entre uma aula e
outra, os períodos do recreio, as saídas, os espaços vagos eram gerenciados, em
grande parte, pelos próprios estudantes. Para Gustavo era o tempo destinado à
contestação da autoridade dos professores e estabelecimento de uma identidade,
quase sempre aludida a aspectos negativos, do aluno problema. Esses
comportamentos considerados inadequados eram classificados como indisciplina e
constavam dos registros dos Conselhos de Classe na maioria das escolas estudadas.
Quase sempre o que acontecia nos horários de troca de professores em sala, da
entrada e da saída era encargo do diretor ou da equipe pedagógica escolar. Alguns
dos que exerciam essas funções chamavam para si essa responsabilidade, mas sem
condições de exercê-la adequadamente pelo distanciamento e número de alunos para
atendimento.
Por outro lado, a grande distância da quinta série com níveis de ensino que
visavam à formação profissional e terminalidade escolar fazia com que a escola ainda
não tivesse um sentido futuro, uma utilidade cotidiana para esses alunos. A
203
socialização, a relação com os amigos, ainda se mostrava prioritária, como ficou
evidente em vários perfis apresentados.
Muitas vezes essa falta de sentido somava-se à inadequação nas formas de
organização da escola e a mobilização para outras atividades externas a escolaridade
levando à situações de gazetas. O controle das atividades e dos alunos variou entre as
escolas estudadas. No caso das escolas municipais existia a figura do professor
regente de classe, que assumia a responsabilidade sobre a turma. Entretanto, o nível
de envolvimento de cada regente divergia de um estabelecimento para outro e de um
professor para outro dentro da mesma escola.
A contradição nas formas de organização e controle entre as séries iniciais e
finais no Ensino Fundamental, a primeira direta sob a autoridade de um professor, e
outra de controle indireto ocasionou, para alguns alunos, a sensação de abandono;
para outros, acostumados a serem controlados de forma mais rígida, a perda dos
limites.
Na escola estadual para a qual Maria Lúcia foi transferida, depois de um
período marcado por faltas, gazetas e reprovação, o controle era função do inspetor
escolar com a finalidade de fiscalizar o uniforme, o comparecimento dos alunos
através das cadernetas, os intervalos de aula, os horários de recreio e as liberações de
alunos. Esse domínio, segundo a aluna, foi decisivo para que os pais permitissem seu
retorno à escola. Na escola anterior, a passagem da quarta, com um controle direto,
para a quinta série, em que não haviam formas de organização definidas, facilitou as
saídas da aluna. Nem mesmo havia, naquela escola, momentos de maior contato
como a entrega de boletins, onde as faltas registradas poderiam ter funcionado como
alerta.
Na escola onde Augusto estudava dois funcionários, um de serviços gerais e
outro da portaria, assumiram a função de controlarem entradas e saídas dos
estudantes, principalmente no caso de liberações. Esse controle dificultava as saídas
antecipadas dos alunos que, como ele, não pretendiam permanecer na escola.
Entretanto, essas medidas nem sempre se mostraram eficientes para garantir as
participações dos alunos em sala de aula ou a permanência na escola.
204
4.2.2. O sentido da escola (ou a falta de)
Este estudo possibilitou observar que a escola ocupava um lugar diferenciado
na vida dos alunos e apresentava sentidos diversos especialmente para aqueles que
vivenciaram situações de reprovação, interrupção e retorno escolares. Essa
diversidade desvelou a variabilidade das trajetórias escolares, as características
familiares e as condições objetivas de vida vividas por eles, e as formas de
mobilização para com as atividades, já que os alunos iam construindo a imagem de si
próprios ligados aos processos sociais que os engendravam. Desta forma, as relações
com o mundo, os colegas, os professores, a família, estavam vinculadas às
possibilidades objetivas e subjetivas de relacionarem-se.
Conforme visto na descrição dos perfis de configurações apresentados
anteriormente, parte dos alunos que foram incluídos no primeiro agrupamento não
pareciam mobilizados para as atividades escolares. A relação com a escola era de
distanciamento. Desse grupo podemos destacar Letícia e Gustavo, para os quais a
escola se apresentava como um espaço indesejado, rejeitado, uma imposição cercada
de experiências negativas e de insucesso.
Não conseguiam manter boas relações com professores já que os consideravam
representantes de um espaço ao qual não queriam pertencer. Desta forma, também
eram rejeitados pela escola. As reações negativas às normas escolares e seus
representantes se constituíram em formas de estabelecer uma identidade e um
posicionamento político. Só conseguiam envolver-se em momentos pontuais nas
atividades escolares. Gustavo via a escola como forma de castigo e Letícia como
chantagem. Estar na escola significava a necessidade de cumprir normas por eles
nem sempre reconhecidas. Não havia um desejo efetivo de permanecer nela, não
gostavam de estudar e o nível de mobilização para com as atividades escolares era
bastante fraco. O ambiente escolar não lhes era favorável e nem desejável, pois,
contraditoriamente, consistia em um espaço de socialização e de rejeição. Zago
encontrou também em sua pesquisa alunos que estabeleciam uma relação de negação
com o mundo da escola (2000, p. 33). Essa pouca mobilização os aproximava dos
processos de reprovação e interrupção escolar.
Em sentido oposto se encontravam os alunos Jackson, Tatiane e Vinícius. Para
eles a escola representava oportunidade, continuidade escolar, acesso ao ensino
superior, melhoramento das condições de trabalho e espaço de produção das relações
205
sociais. Esses alunos possuíam em comum mais do que o desejo de continuidade dos
estudos, conseguiam reunir condições para superar as dificuldades e alcançar os
objetivos almejados. Viam na escola e no trabalho novas oportunidades de progredir
socialmente. Para Jackson a escola apresentava-se como instrumento de ascensão
social e de oportunidade para participar do mundo do trabalho de forma competitiva.
Outro grupo embora apresentasse mobilização para as atividades escolares,
nem sempre era suficiente para que superasse as dificuldades e avançasse na
escolaridade sem outras reprovações e interrupções escolares. As dificuldades
acumuladas, a falta de um apoio específico, já que esse tipo de atividade quase
sempre visava atingir alunos que apresentassem poucas dificuldades, levaram muitos
deles a buscar na interrupção, o desvio para outras atividades mais prazerosas, como
as conversas com amigos, as saídas fortuitas, o investimento no trabalho. Para muitos
alunos a mobilização, a vontade de estudar e permanecer na escola, nem sempre foi
reconhecida pelos professores. Eram as próprias dificuldades enfrentadas que os
levavam a momentos de superação e envolvimento com a escola. Vanessa, Marlon e
Tatiana, mesmo com a intensificação das dificuldades e a probabilidade de
ocorrência de novas reprovações, buscavam táticas que os fizessem superar as
dificuldades. O reconhecimento dos professores, apoio nos recursos da dependência
ou, ainda, a troca de escola representaram estratégias utilizadas para alcançar a
aprovação e à continuidade dos estudos, mesmo que essa continuidade fosse
realizada fora do ensino regular. Marlon dividia a busca da escolaridade com o
melhoramento das condições de trabalho e conquista de salário maior. Dividido, às
vezes, tendia dar preferência à segunda opção.
Maria Lucia e Augusto faziam parte do grupo onde a fraca mobilização era
compensada pelo apoio familiar ou formas rígidas de controle das atividades e
freqüência escolar. O caso de Augusto se enquadrava na falta de sintonia com a
escola. Ele, cujos pais possuíam nível de escolaridade superior, admitia que a escola
não o mobilizava porque os conhecimentos ali ensinados não tinham utilidade futura.
O castigo e a pressão foram formas familiares desenvolvidas para mantê-lo na escola.
206
4.2.3. As relações com os conhecimentos escolares: dificuldades
acumuladas nas séries anteriores ou específicas da quinta série
O terceiro princípio facilitador das reprovações e interrupções escolares estava
vinculado às relações estabelecidas pelos alunos com os conhecimentos escolares e o
acumulo das dificuldades ao longo das séries e dentro de cada área de conhecimento.
A sistematização desse conhecimento escolar nas séries finais do Ensino
Fundamental caracterizou-se pela individuação e fragmentação além de não ter sido
oportunizado pela escola de forma igualitária para todos os alunos e nem produzido
de forma neutra (PARO, 2001), fato esse confirmado por Silva (1996, p. 83) ao
analisar os conteúdos que compunham o currículo escolar. O que foi considerado
importante para a produção do conhecimento e dos instrumentos de avaliação
dependia da relação que cada professor iria desenvolver na sua área de
conhecimento, com os currículos oficiais e da pressão exercida sobre as escolas pelos
sistemas de ensino.
A hierarquia expressa no currículo escolar na quinta série ultrapassava o ler,
escrever e contar, identificados como conhecimento escolar das séries iniciais. Na
quinta série as referências feitas pelos alunos, com relação às dificuldades, quase
sempre estavam relacionadas a uma disciplina curricular.
A distribuição desigual de carga horária entre as disciplinas demonstrou a
existência de uma hierarquia entre os campos de conhecimento. Matemática e Língua
Portuguesa possuíam a maior carga horária, seguidas pelas disciplinas de História,
Geografia e Ciências. Em último lugar encontravam-se as disciplinas de Educação
Artística, Educação Física e Língua Estrangeira. Essa hierarquia correspondia, de
alguma forma, às representações simbólicas entre as disciplinas e foram incorporadas
pelos alunos e professores. A Matemática pareceu ser aquela que apresentava maior
força simbólica junto aos alunos e vinha sendo responsável por grande parte das
reprovações e das dificuldades enfrentadas. As disciplinas de Geografia e História
também concentraram significativo número de reprovações.
A força simbólica da Matemática serviu para que Tatiane conseguisse se
destacar junto a professores e colegas após um período de afastamento da escola.
Estudar Matemática, segundo ela, era a atividade que mais gostava de fazer na
escola. Para isso, organizava-se em grupos de estudo que tinha em comum o gosto
207
pela Matemática. Identificar-se com essa disciplina lhe proporcionou respeito e
favoreceu sua integração na escola. Para ela
quem vai mal em Matemática é aluno que tem problemas, tem
dificuldade é difícil para quem tem dificuldade conseguir
recuperar em Matemática. Nas outras matérias se você vai mal
é porque não estudou, não entregou os trabalhos, relaxou, e é
mais fácil conseguir. Em Matemática não, se você vai mal,
sempre tá com problema. Se você vai bem todo mundo te acha
inteligente, te respeita mais.
O domínio da linguagem escrita e da linguagem matemática encerrava grande
parte da norma culta difundida nas escolas. O acesso a essas linguagens não se deu
de forma homogênea. Não havia programas padronizados e a formação dos
professores era bastante diferenciada. A escola e cada professor estabeleceram
conteúdos a serem trabalhados em cada série.
As dificuldades com os saberes escolares, definidas pela nomeação das
disciplinas, apresentavam-se de duas ordens: 1) as acumuladas desde as primeiras
séries do Ensino Fundamental e que estavam relacionadas às duas formas de
linguagem: oral, escrita e matemática; 2) aquelas, de ordem específica, relacionadas
a alguma área do conhecimento e identificadas na quinta série. Ambas possibilitaram
situações de reprovação e interrupção escolar.
Sete entrevistados apresentaram dificuldades relacionadas aos conteúdos
considerados básicos nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa. A
referência foi feita de forma genérica como no caso de Tatiana: eu tenho dificuldade
em Matemática, eu sempre tive. Em português eu tenho dificuldade pra lê. Além
dela, Letícia, Thiago, Estevan, Gustavo, Vanessa e Augusto vinham acumulando,
desde o início de suas escolarizações, tropeços nos processos de leitura, escrita e
cálculo, ocasionando reprovações e a intensificação de problemas nos conteúdos
específicos da quinta série. Essas dificuldades também afetaram o rendimento em
outras disciplinas. Alunos como Thiago, Letícia e Gustavo, ao final do ano letivo,
apresentaram notas insuficientes para a aprovação em quase todas as disciplinas.
Nos casos de Vinicius, Tatiane, Jackson, Maria Lúcia e Marlon as dificuldades
apresentavam-se pontuais e relacionadas a conteúdos e disciplinas específicas.
Alguns alunos conseguiram explicitar as dificuldades citando conteúdos específicos
como raiz quadrada e operações de divisão (Thiago).
208
Um dos principais argumentos utilizados por professores, para negar os
pedidos de revisão das reprovações escolares de alunos nas escolas de Ensino
Fundamental e Médio em São Paulo, identificado por Sampaio (2004), foi o da falta
de pré-requisitos.
Da mesma forma, na pesquisa desenvolvida nas onze escolas e nas entrevistas
com os alunos, esse encadeamento de conteúdos de um bimestre para outro, ou de
uma série a outra, era visto de modo mais ou menos rígido dependendo da área de
conhecimento e do professor. Nas disciplinas como História, Geografia e Ciências
havia maior frouxidão, quando comparadas a de Matemática, em relação à forma das
atividades e das avaliações desenvolvidas. Os alunos entrevistados destacaram que o
grau de dificuldade nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa eram maiores,
demandavam mais tempo de dedicação e se mostravam menos suscetíveis a
recuperações de curto prazo. Já nas áreas de conhecimento relacionadas aos
conteúdos de História, Geografia e Ciências os trabalhos e exercícios atribuídos aos
alunos, no intuito de recuperar conteúdos e notas, eram comuns. Essa diversidade
indicava bases de conhecimento diferenciadas entre as disciplinas curriculares e o
uso de metodologias específicas. No entanto, nem sempre era isso que ocorria nas
escolas. A falta de pré-requisitos foi a principal justificativa da professora de
Geografia que manteve Marlon reprovado na oitava série. Tatiane ao contrário de
Marlon, contou com a ajuda de um professor dando trabalhos que facilitaram a
recuperação e complementaram a média necessária para aprovação. É que eu relaxei
mesmo. É que no primeiro trimestre eu tirei 6,0 e achei que no segundo eu também ia
tirar um seis. Eu relaxei demais e fazendo o que não devia. E eu não entregava os
trabalhos.
Ao contrário dos resultados observados por Sampaio (2004) onde a
interferência da disciplina de Inglês nas reprovações escolares era pequena,
surpreendentemente essa disciplina destacou-se em relação ao número de
reprovações em pelo menos três das escolas pesquisadas. Nos depoimentos dos
alunos ganhou destaque como causadora de dificuldades e motivo de reprovações e
interrupções escolares. A disciplina de Língua Estrangeira – Inglês foi incluída nos
currículos escolares como obrigatória a partir da década de 1960 e nos anos de 1990
foi considerada fundamental para a inclusão dos alunos no mundo globalizado. Ela
deveria compor a formação do indivíduo voltada à aquisição de conhecimentos e
209
formas de pensar e ver o mundo – tem valor social (BRASIL, 1996). Contudo, se
tornou, juntamente com outras áreas do conhecimento, instrumento de exclusão
escolar. Vinha produzindo situações de reprovação e interrupção escolar entre alunos
da classe popular mais do que os inclui socialmente. Dez, dos treze alunos
entrevistados, foram reprovados pelo menos uma vez nessa disciplina. Desses, nove
referiram-se a problemas relacionados às questões metodológicas e ao
relacionamento com professores, registrados nas atas dos Conselhos de Classe.
Já as disciplinas de Educação Artística e Educação Física possuíam,
tradicionalmente, importância secundária na escola quando comparadas com as
demais disciplinas. Apresentavam maior proximidade aos interesses dos alunos pelo
caráter prático e prazeroso. Conseguiram, no caso dos entrevistados, congregar o
interesse e a aprovação de todos. O próprio professor da disciplina de Educação
Física que trabalhava inicialmente com a seleção de atletas para participação em
competições, condenava esse tipo de trabalho realizado e procurava atuar em
atividades de caráter coletivo. As atividades realizadas na sala de informática
também estavam relacionadas à vida cotidiana dos estudantes e sofreram menor
influência dos fatores de seletividade e mérito.
Foi observado que a identificação dos alunos com alguma das disciplinas
facilitou a continuidade escolar. No entanto, tal identificação mantinha relação com a
imagem do professor responsável pela disciplina eleita. Ou melhor, essa relação, em
alguns casos, estava diretamente ligada à forma de trabalho que cada professor vinha
desenvolvendo, caracterizando maior ou menor proximidade dos estudantes com o
campo de conhecimento.
As atividades de leitura e produção escrita mostraram-se, juntamente com a
Matemática, fator desencadeador de reprovações. Identificaram-se, entre os alunos
entrevistados, relações diferenciadas com essas atividades: 1) negativa e de recusa;
2) positiva, de busca de conhecimento, desenvolvida além das atividades escolares e
3) estritamente escolar, relacionada apenas ao cumprimento dos exercícios e
trabalhos solicitados pelos professores.
Para Letícia e Gustavo a relação com a produção escrita e a leitura não era
efetiva e suficiente para produzir textos adequados. Letícia, que repetia a quinta série
pela segunda vez, pareceu incorporar o discurso escolar de que para realizar uma
produção escrita competente era preciso fazer muitas leituras. Segundo ela, Texto eu
210
não escrevo muito bem. É que eu não leio muito livro. Quando questionada sobre a
afirmação feita, mostrou-se surpresa e respondeu não saber. Esse fato indicou que a
simples incorporação de um discurso professado pelos docentes não era suficiente
para explicar os problemas com a leitura e a escrita apresentados pela aluna.
Também, para Gustavo a difícil relação com a escrita originou-se desde as primeiras
séries e expressava a história das precárias relações escolares vividas. Eu não gosto
de lê e nem de escrevê. Até hoje se tem que escrevê eu caio fora.
Três dos alunos entrevistados afirmaram ler habitualmente e de forma
desvinculada das atividades obrigatórias escolares. No caso de Vinicius a leitura
consistiu em atividade cotidiana e prazerosa desenvolvida no período de interrupção
escolar e que o ajudou a manter vínculo com a escolaridade. Ler, para ele, tinha o
significado de aprender, de ampliar conhecimentos e de especializar-se. A busca
desse conhecimento lhe proporcionou o estabelecimento de outras relações e a
ampliação de novas oportunidades. Eu leio bastante, eu aprendo lendo. [...] revista,
um livro, mas eu gosto mesmo de ler sobre computação. Na quarta sai muita coisa de
computador no jornal e o gerente do hotel sempre me dá pra levá pra casa.
A descoberta da leitura como produtora de conhecimento pareceu ter sido
desencadeada com o retorno de Maria Lúcia à escola, produzindo maior
envolvimento com a escolaridade. Entretanto, esse incentivo adveio externamente à
escola. Já para Augusto a leitura representava oportunidade voltada para as leituras
informativas que envolviam as atividades esportivas nas quais tinha interesse
pessoal.
A maioria dos entrevistados se encontrava no grupo onde a prática da leitura e
da escrita estava diretamente vinculada às atividades escolares obrigatórias. Thiago,
Marlon, Vanessa, Tatiana, Tatiane, Jackson, Camila e Estevan encontravam-se neste
caso. Não havia hábitos de leitura estabelecidos. Em grande parte elas encontravam-
se restritas a fragmentos de textos literários incluídos nos livros didáticos e em
interpretações destituídas de discussão coletiva, concentradas nas respostas
individuais e corrigidas com base nas respostas padronizadas do livro do professor.
Para Thiago uma obrigação nem sempre bem recebida porque o esforço despendido
na atividade lhe ocasionava dores de cabeça.
Por outro lado, a leitura utilizada como estratégia no ensino, principalmente
nas disciplinas de História, Geografia e Ciências, vinha também causando
211
dificuldade para a aquisição dos conhecimentos nos casos de alunos que não
mantinham boa relação com a leitura e a produção escrita e aqueles que
apresentavam dificuldades acumuladas desde as séries iniciais.
A aproximação ao processo da leitura, em alguns casos, se iniciou após
mudanças de escola ou períodos de afastamento das atividades escolares. Estevan
embora tivesse desenvolvido uma postura próxima do processo de leitura - Agora se
eu pego uma revista eu leio antes eu só olhava – o fez com objetivos exclusivamente
escolares, já que as leituras realizadas tinham a finalidade de atender aos requisitos
de trabalhos de pesquisa. Mostrava-se arredio à literatura – livro mesmo eu não leio
, provavelmente resquício da relação negativa e mecânica no desenvolvimento da
atividade. A leitura para Tatiana alimentava o sonho de estudar, terminar a oitava
série e continuar a estudá. O gostar de ler pareceu compensar as dificuldades
acumuladas em Matemática que a levaram a reprovar, mais de uma vez, e ter
procurado o ensino noturno. Agora to lendo mais. Eu gosto de ler revista, livro, tudo
que cai na minha mão, até revista de artista de televisão.
Lahire (1997) aponta que, embora o distanciamento dos processos de leitura
tivesse correlação com a ausência de um ambiente familiar letrado, não era
suficiente para explicar os casos de alunos que apresentavam condições familiares
desfavoráveis e, no entanto, desenvolviam uma relação positiva com a leitura e
escrita, ou inversamente (LAHIRE, 2002, p. 182). No caso de Jackson e Augusto,
havia no ambiente familiar possibilidade de convivência diária com livros e leitores,
entretanto esse contato não foi suficiente para motivá-los para a prática da leitura.
Com relação à produção escrita a maioria dos alunos entrevistados não
mantinha relação positiva com a atividade, até porque na quinta série o escrever
estava ligado à obrigação de produzir um texto de forma quantitativa, quase sempre
associada a número mínimo de linhas ou páginas que deveriam ser produzidas. A
preocupação voltava-se ao quanto seria necessário produzir para atingir as metas
estipuladas por professores. No entanto, essa produção estava vinculada às atividades
escolares. Para Tatiane escrever significava atender aos requisitos propostos na
escola, mesmo que fosse apenas por suposição sua e não uma condição objetivada
pela professora - Hoje a professora de ciências pediu para escrevê (...) e eu escrevi
duas folhas. Eu disse o que eu achei, mas eu falei mais coisa pessoal minha, eu não
falei muito das aulas.
212
Os alunos compreendiam as atividades de leitura e escrita como processos
distintos, provavelmente pela forma como a disciplina de Língua Portuguesa vinha
sendo estruturada nas escolas - uma função da leitura, uma da escrita e outra das
regras gramaticais. Tatiane, que estava cursando a sétima série do Ensino
Fundamental, reconhecia que para ser boa na disciplina de Língua Portuguesa era
preciso dominar as técnicas de escrita, mas não obrigatoriamente as de leitura. A
realização de exercícios, provas e trabalhos estavam voltados mais ao cumprimento
de conteúdos curriculares do que à busca da produção do conhecimento.
Tatiane e Thiago, além do enfrentamento as dificuldades na produção escrita e
leitura, temiam a exposição frente ao grupo de colegas. A primeira, não aparentando
grandes dificuldades, ficava inibida. O outro sentia dor de cabeça ao ser solicitado a
ler para a classe. O medo de se expor, principalmente naqueles alunos que haviam
vivenciado situações limites de escolaridade, foi também destacado por Lahire
(1997) em suas pesquisas.
Finalmente, cada aluno tem reagido de forma diferenciada aos modelos
instituídos formalmente ou subjetivamente, dependendo das condições de cada
estabelecimento e de cada estudante. As normas e requisitos, gradativamente
interiorizados pelos estudantes, agiam como elementos facilitadores nas relações
escolares, mas não retiravam a capacidade de construir suas próprias experiências.
Metodologicamente cada campo de conhecimento tinha sua forma de organização
articulada com os sujeitos que nela atuavam. Assim, em Matemática a realização da
lista de exercícios apresentava uma característica própria na disciplina e era, quase
sempre, precedida de explanações orais sobre os conteúdos e resolução de modelos
frente aos alunos. Nas disciplinas de História, Geografia e Ciências, contrariamente
ao apresentado na situação anterior, havia preponderância de atividades de leitura de
textos e trabalhos escritos que se estendiam para a disciplina de Língua Portuguesa.
Em Inglês, a repetição de exercícios baseados em modelos e a tradução de pequenos
textos marcaram as atividades desenvolvidas. Já em Educação Física e Educação
Artística predominavam as atividades práticas e lúdicas.
As dinâmicas de trabalho, quase exclusivamente, eram realizadas em sala de
aula, com preferência para as atividades coletivas o que mostrava um reconhecimento
por parte dos professores que o ensino era fruto de atividades essencialmente
relacionais. Mesmo na disciplina de Matemática, em que havia um predomínio pelo
213
uso de atividades individualizadas, o exercício realizado em duplas já contava com a
anuência dos professores para satisfação dos alunos.
Além das atividades realizadas em sala de aula as tarefas escolares, quando
existentes, contribuíam para o desenvolvimento da relação com os estudos. Mesmo
incipientes, as tarefas vinham representando um elo entre a escola e as famílias - um
dos poucos momentos de dedicação e reflexão sobre determinados conteúdos que os
alunos realizavam fora do ambiente escolar. Só estudo quando tem tarefa ou prova
era a afirmação mais freqüente entre os entrevistados. Desta forma, dez dos treze
entrevistados consideravam que estudar produzia um significado específico – o de
fazer tarefas domiciliares - diretamente relacionadas às atividades que envolviam
atribuição de conceitos e notas. Assim havia, para a maioria dos entrevistados,
relação direta entre tarefa domiciliar e espaço de estudo.
Três atividades estavam diretamente ligadas às tarefas domiciliares: a
realização de exercícios de fixação dos conteúdos, a revisão de exercícios e
conteúdos no dia que antecediam as provas e os trabalhos de pesquisa. Em relação à
primeira, somente dois alunos afirmaram adotar uma sistemática para rever os
conteúdos escolares mesmo que não houvesse trabalhos agendados por professores.
Duas alunas passaram a considerá-las como formas de estudo após terem sido
reprovadas. Entretanto, nove dos treze alunos entrevistados afirmaram estudar
somente quando lhes eram atribuídos exercícios escolares para executar em casa.
Como a periodicidade dessas atividades domiciliares não obedecia a uma
regularidade, muitos alunos encaravam a falta delas como a não necessidade de
estudo em casa. A maioria dos alunos se mostrava disposta a estudar somente quando
lhes eram atribuídos exercícios domiciliares. O tempo de estudo em casa quase
inexistia. Finalmente, a grande maioria também estudava no período que antecedia a
realização das provas. Thiago, que estava trabalhando em meio período, estudava
somente quando havia prova agendada e reconheceu que despendia pouco tempo para
essas atividades.
No caso desta pesquisa, ocorreram contatos sistemáticos dos pais e irmãos
com as tarefas domiciliares, segundo os alunos entrevistados. Entretanto para muitos
pais a pouca escolaridade não lhes possibilitava dar apoio efetivo às tarefas e
trabalhos escolares. Canário (2001, p. 91), ao estudar casos de alunos que
apresentavam dificuldades, afirma que as tarefas remetidas para a esfera doméstica
214
constituíam-se, em muitos casos, em elementos que reforçavam situações de
desigualdade. Nesse sentido Dubet também considera que as mudanças no
funcionamento da escola vinham aprofundando as desigualdades com a requisição
por parte da escola da mobilização dos pais para o auxílio nas tarefas escolares
(2003, p. 36). No caso de Vanessa e Camila o apoio dispensado pelas famílias se
colocava mais como apoio moral, troca de relações pessoais e de experiência de vida.
Em parte das instituições escolares por nós pesquisadas havia tendência à
desqualificação da participação das famílias das classes populares na escolarização
dos filhos e uma cobrança sistemática alegando não haver interesse deles em
participar das atividades desenvolvidas pelas escolas. No caso dos entrevistados não
foi muito diferente. Todas as escolas pesquisadas reclamavam sistematicamente da
não participação dos pais nas atividades dos filhos e do pouco interesse pela
escolarização. Poucos eram os pais que se enquadravam da forma descrita pela
escola. Talvez haja, sim, distância entre a expectativa dos professores e da escola e
dos pais.
A expectativa, por parte da escola, era de que os pais, na impossibilidade de
auxiliarem na resolução dos exercícios domiciliares, impusessem aos filhos horários
para estudo. Efetivamente isso acontecia com pouca freqüência e de forma irregular.
Os pais não costumavam impor horários para a realização das tarefas domiciliares ou
estudo; apenas duas famílias controlavam horários e o cumprimento das tarefas
escolares. A maioria não exercia de forma mais rígida o controle da freqüência
escolar e dos estudos. No entanto, isso não significava falta de apoio à escolaridade
dos filhos.
Muitos alunos apresentavam independência na execução das tarefas escolares
e não pareciam necessitar do apoio familiar. Alguns preferiam contar com a ajuda de
colegas da escola ante a dificuldade que muitos pais apresentavam em relação aos
conteúdos escolares. Muitas vezes a cobrança realizada pelos pais não se mostrou
efetiva, pois o cumprimento das tarefas também dependia da vontade do aluno em
realizá-las. Era o caso de Gustavo.
Não havia padrões pré-estabelecidos nos comportamentos que os alunos
apresentavam na execução dos trabalhos domiciliares. Muitos tomavam atitudes
divergentes, ora executando todas as atividades previstas, ora recusando-se a realizá-
las.
215
Mesmo assim, a grande maioria dos pais verificava, na medida de suas
possibilidades, as atividades desenvolvidas e reforçava direta e indiretamente a
relação dos filhos com a escola. Mesmo os que se mantinham mais distantes
recebiam os registros das notas, iam à escola quando chamados buscavam
explicações sobre o trabalho escolar, acatavam as queixas de professores atribuindo-
lhes castigos ou reprimendas. Os que não compareciam à escola procuravam impor
padrões de comportamento para melhorar o desempenho do filho na escola. Quando o
nível de escolaridade dos familiares era mais elevado à ajuda se mostrou mais efetiva
e sistemática. Nos casos de não auxílio por parte dos pais os alunos acabavam
contando com outras pessoas como vizinhos e colegas de escola no acompanhamento
das atividades.
O apoio nas tarefas domiciliares estava relacionado à existência de melhores
níveis de escolaridade. A mobilização dos irmãos ou pais ocorreu em maior número
nas famílias que apresentavam maior escolaridade e adoção de estratégias de estudo.
No entanto, havia aqueles que contavam com apoio efetivo; os que o apoio se
constituiu mais em intenção do que na prática, e aqueles que realizavam as atividades
sozinhos.
O ritmo de atribuição de tarefas escolares não era o mesmo durante o ano
letivo. Sua intensificação acontecia no início das aulas e ia sendo reduzida à medida
que o ano letivo ia sendo concluído. Também a freqüência dependia dos professores,
da característica de cada disciplina e da prática adotada na escola, embora não
houvesse uma regra instituída para isso. Nas disciplinas de Matemática e Língua
Portuguesa, essas, na maior parte das escolas estudadas, eram regulares, e quase
sempre, devolvidas aos alunos para revisão ou corrigidas coletivamente em sala de
aula. Entretanto, não havia uma regra para o recebimento e correção, por parte dos
professores. Alguns corrigiam, outros exerciam um controle rígido e de comunicação
com os pais dos alunos que não as realizavam, e ainda os que mantinham uma relação
descompromissada quanto ao controle de execução das atividades.
Na disciplina de Ciências aplicavam-se exercícios em menor número quando
comparadas às tarefas de Matemática. Em História e Geografia, na maioria dos casos,
se constituíam em trabalhos escritos e relatórios esporádicos e pontuais. Muitos dos
professores utilizavam a biblioteca para a realização de pesquisas e os livros
didáticos como fonte de informação. No entanto, mesmo que as áreas de
216
conhecimento mostrassem tendência a maior ou menor relação com as atividades
domiciliares, não havia uma regra instituída pelas escolas. O número e tipo de
exercícios domiciliares dependiam da forma de trabalho de cada professor, eram eles
que definiam a freqüência e a quantidade de tarefas a serem realizadas.
Sem dúvida, o reduzido número e o pouco estímulo na adoção de estratégias
de estudo e práticas de revisão dos conteúdos escolares pareceu entrar em
contradição com as queixas freqüentes de professores em relação ao não
cumprimento desse tipo de atividade. No caso da existência de atividades
domiciliares, provas e trabalhos, os alunos mantinham uma rotina. Aqueles que
estudavam no período da manhã organizam-se para o cumprimento das tarefas após
os compromissos caseiros e até mesmo, após ter realizado outras atividades. Já os
que estudavam no período da tarde, geralmente utilizavam o período noturno para
isso.
Os alunos que trabalhavam em período integral tinham pouco tempo para
dedicação as tarefas domiciliares, limitando-as exclusivamente ao período de
permanência na escola. Muitas das escolas que desenvolviam atividades no período
noturno não mantinham uma relação estreita com essas atividades. Os exercícios,
revisão de conteúdos e trabalhos de pesquisa eram realizados somente durante as
aulas.
4.2.4. A avaliação do rendimento escolar: padrões e critérios de
aprovação
Como os alunos vivenciaram os processos de avaliação do rendimento escolar
e como esse aspecto afetou, direta ou indiretamente, o rendimento escolar dos alunos
constituiu o terceiro princípio. Sem dúvida, as inúmeras mudanças nas
regulamentações da avaliação do rendimento escolar, pelos sistemas estaduais e
municipais, refletiram na relação que os alunos desenvolveram com a escola, gerando
dúvidas, insegurança e mesmo surpresa nos processos de reprovação escolar.
Os processos de avaliação do rendimento escolar ocupavam posição de
destaque nas escolas estudadas. A função de verificação da aprendizagem dos
conteúdos escolares colocava os processos de ensino-aprendizagem em um plano
217
secundário. Essa contradição vinha promovendo embates e dificuldades para o
estabelecimento das regulamentações da avaliação para os sistemas de ensino.
Mesmo tendo ocorrido avanços significativos nas idéias sobre currículo e
avaliação, estes não foram suficientes para superar o caráter dicotômico e dualista
existente no processo de construção do conhecimento e, conseqüentemente, da
avaliação – caráter este que se refletia na forma de organização do conhecimento em
disciplinas e áreas. Ainda havia predomínio das idéias positivistas que implicavam
em medir o objeto, classificá-lo e hierarquizá-lo. Tal padrão tinha por base valores e
competências dos programas de ensino e o poder hierárquico exercido pelos
professores. Essas idéias não eram exclusivas do processo de avaliação, pois também
se encontravam imbricadas nas relações pedagógicas.
Para Esteban (2004, p. 19), a perspectiva classificatória na avaliação atuava
numa “relação intersubjetiva” baseada na classificação e que “transformava o
outro em objeto”. A avaliação não só classificava, mas selecionava e categorizava os
alunos em aprovados e reprovados. Essa condição determinava o lugar a ser ocupado
pelos alunos no ano subseqüente. A avaliação se apresentava como medida de
seleção, de filtro para a continuidade escolar. Por meio dela, ou não, os alunos
refaziam caminhos já percorridos, cumpriam as regras impostas para aqueles
considerados não aptos a prosseguir na escolaridade.
Entre os treze alunos entrevistados, onze afirmaram haver diferenças nos
critérios e regulamentações adotados entre os estados e entre os sistemas estaduais e
municipais, dentro de uma mesma escola; entre o ensino regular e outras
modalidades de ensino, e pelos professores em cada disciplina. Para os alunos que
por mudanças de um estado para outro da federação, e entre escolas queixavam-se da
dificuldade em entender as diferenças e divergências estabelecidas nos critérios,
médias necessárias, e nas formas de recuperação e registro.
Também as transferências ocorridas entre escolas do sistema estadual e
municipal de ensino suscitavam dúvidas, insegurança e dificultavam o entendimento
dos critérios adotados. Provavelmente por esse motivo muitos alunos estivessem
atentos ao acompanhamento das mudanças realizadas de um ano para outro. Eles
mostravam-se preocupados com as condições que pudessem interferir nas condições
de aprovação. Entretanto, na maior parte das vezes, essa preocupação não foi
suficiente para evitar a reprovação.
218
As exigências curriculares e as condições nas quais se realizavam o ensino e o
controle dos resultados dificultaram a recondução dos alunos ao percurso regular de
ensino. Segundo Sampaio (1998, p. 105-107), a continuidade desse processo “gerava
novas lacunas e dificuldades, resultando em uma ou mais reprovações no percurso de
sua vida escolar”.
Nas atas de Conselho de Classe, eram comuns as referências sobre o esforço
que alguns alunos demonstravam e que contribuíram para as decisões de aprovação
além de terem reprovado em apenas uma disciplina,
demonstraram esforço e crescimento durante o ano; aluna esforçada,
capaz, porém precisava de reforço em Matemática; Excesso de faltas,
não veio fazer as provas finais, mesmo assim foi muito bem em
alguma disciplina, tinha condições para aprovação. (ESCOLA 1M,
2000 – 2004b),
Para os alunos havia expectativa de que seus esforços fossem reconhecidos na
avaliação. No entanto, nem sempre o esforço despendido era considerado como
requisito para aprovação. Vanessa, reprovada duas vezes na quinta série, não
conseguia compreender como muitos alunos que não estudavam, não se esforçavam e
nem cumpriam as atividades na escola eram aprovados. A sua obstinação em estudar
nem sempre foi reconhecida e segundo ela, os alunos que vinham apresentando,
durante o ano letivo, dificuldades nos conteúdos escolares, e que apresentavam
notas próximas ao limite mínimo necessário para aprovação também foram
reprovados.
Os relatos dos entrevistados levaram a concluir que, mais do que o esforço
individual, o que ajudava a definir a promoção era a posição em que cada aluno se
encontrava em relação a outros alunos. Como não havia padrões de homogeneidade,
um aluno que em comparação com outro fosse considerado reprovado, em outra sala
e escola poderia ser aprovado. Somente essa relativização seria suficiente para tornar
insustentável à defesa pela reprovação escolar. Havia casos nos quais os elementos
para comparação se encontravam na própria família. No caso de Vinicius a alegação
para a reprovação, segundo ele, estava na comparação entre os resultados alcançados
pelo irmão que estudava na mesma sala. Já para Augusto as observações dos
professores centravam-se na comparação entre o rendimento escolar dele e os obtidos
pelas irmãs em anos anteriores.
219
Por outro lado, a finalidade da verificação escolar, geralmente, se apresentava
distante no estabelecido nos diagnósticos para a correção dos rumos e permanecia
regida por critérios de seletividade. Corrigir rumos não era uma meta considerada
pela maioria das escolas, já que as concepções sobre carência cultural e familiar
permaneciam vivas, impingindo ao aluno e à família a responsabilidade exclusiva
pela reprovação.
Para os alunos às diferenças apresentadas entre as disciplinas e os critérios
utilizados pelos professores para avaliar eram fatores de preocupação constante. Os
alunos se referiram a existência de variadas formas e critérios que os professores
utilizavam para aprovar ou reprovar um aluno. Cada professor adotava critérios que
se somavam à especificidade metodológica de cada disciplina. Essa fórmula, em
interseção com a regulamentação oficial adotada, estabelecia os critérios finais para
aprovação, nem sempre declarados ou conscientemente utilizados. As características
específicas das avaliações adotadas em cada disciplina se confundiam com os
instrumentos utilizados pelos professores. Os alunos relatavam que havia
especificidade de instrumentos de avaliação em cada disciplina. Em Matemática e
Ciências, os professores freqüentemente lançavam mão de provas. Esse tipo de
avaliação induzia alguns alunos a se prepararem, revisando matérias, refazendo
exercícios, olhando os cadernos e tirando dúvidas com colegas.
Em Educação Física e Educação Artística a participação nas atividades servia
de parâmetro, não havia momentos especiais para se avaliar. Já em História e
Geografia os trabalhos escritos marcavam as formas utilizadas, embora as provas
objetivas e subjetivas também fossem utilizadas.
Os pais consideravam que a prova era sinônimo de avaliação e, portanto, não
podia estar dissociada do ensino. Nas escolas onde esse tipo de instrumento fora
abolido questionava-se como os alunos podiam aprender se não faziam provas. Era
também uma forma de questionamento para possíveis reprovações
29
. As provas e
trabalhos eram sinônimos de avaliação e concentravam os argumentos de que os
professores os utilizavam para referendar as aprovações ou reprovações escolares.
Todos os entrevistados foram submetidos, em suas trajetórias escolares, a
avaliações quantitativas baseadas em valores numéricos. Nos históricos escolares de
29
Em Florianópolis uma das escolas estaduais aboliu as provas em datas específicas, de 1996 até 1998.
220
alguns desses alunos foi possível observar mudanças nos valores utilizados que
variavam de cinco até sete pontos. Essas diferenças se tornaram mais significativas
dependendo de como cada professor valorava as diferenças numéricas entre a média
necessária para a aprovação. A falta de décimos levou à reprovação alguns dos
alunos entrevistados. Esse tipo de prática, que parecia abolida das escolas constava
dos históricos escolares de três alunos. Para outros professores essa diferença não era
definidora para a reprovação e constituíam-se em chances que os professores davam
aos alunos. Letícia, Estevan e Augusto puderam contar com a boa vontade dos
professores para serem aprovados. Já Marlon e Tatiana tiveram uma segunda chance
somente depois de multireprovações.
Por outro lado, as condições objetivas do trabalho de cada professor,
condicionadas pelo número de alunos, carga horária, número de escolas,
determinavam a forma de trabalho de cada um. Alguns adotavam estratégias que
pudessem facilitar o andamento das atividades de sala de aula e desenvolver suas
práticas. O professor de Matemática de Thiago conseguia, no mesmo dia, aplicar
provas, corrigir e recuperar conteúdos não superados pelos alunos, enquanto outros
levavam mais de duas semanas para fazê-lo. Essa forma de trabalho só lhe
possibilitava a utilização das provas como instrumento avaliativo.
A inclusão da recuperação paralela, como condição obrigatória a todos os
alunos do Ensino Fundamental, surgiu em 1996, com a aprovação da Lei 9394/96. Os
sistemas de ensino e seus respectivos professores tiveram de se adequar às medidas
instituídas. Foi por isso que todos os alunos entrevistados destacaram as formas que
os professores utilizam para cumprir a determinação legal como possibilidade de
melhorar as condições de aprendizagem.
Havia diferenças significativas na realização da recuperação entre professores
e escolas. No entanto, pelos depoimentos observou-se que a recuperação de
conteúdos não assimilados em cada disciplina se confundia com a recuperação de
notas, que consistia em alcançar uma média numérica para sair da condição de
reprovado.
Avanços nos processos de avaliação puderam ser observados. As inúmeras
discussões em prol de princípios qualitativos resultaram na alteração de alguns
procedimentos. Passaram a ser valorizadas atividades avaliativas realizadas
coletivamente. Provas com consultas demonstraram que mudanças vinham sendo
221
gestadas no sentido de retirar o caráter exclusivamente individual para pensar na
produção do conhecimento como produto das relações entre os sujeitos. Entretanto,
se ocorreu valorização desses procedimentos os resultados finais das avaliações
ainda se mostravam individualizados e seguiam padrões que buscavam a mensuração
do conhecimento, possibilitando a comparação e a classificação dos estudantes.
Para Esteban ( 2003) que vem estudando o processo avaliativo escolar ele
ainda se constitui em
tarefa solitária, de responsabilidade exclusiva do professor que
propunha os instrumentos a serem usados, elaborava-os, aplicava-os
e analisava-os, acompanhada de pressão constante decorrente das
repercussões do resultado da avaliação na vida do aluno ou da aluna.
(ESTEBAN, 2003, p. 14).
Para os entrevistados que vivenciaram outras formas de acompanhamento,
principalmente na EJA, existiam diferenças significativas. Nesse tipo de ensino, ao
contrário do ensino regular, não havia preocupação com reprovação, seletividade e
classificação dos alunos e os critérios eram consensuados.
Sem dúvida, a EJA buscou mudanças no sentido de não excluir os alunos. Não
se pode desconsiderar a existência de contradições pelas quais professores e escolas
passaram nas questões de avaliação. Muitos utilizavam estratégias de atendimento
individualizado e de orientações em grupo na tentativa de atender alunos com
maiores dificuldades. Essas estratégias puderam possibilitar avanços, mas também
não foram suficientes para melhorar as condições de aprendizagem dos alunos.
Os Conselhos de Classe inseridos com a finalidade de instituir discussões
coletivas sobre os processos de construção do conhecimento e de acompanhamento
avaliativo das condições de ensino serviu, em parte, para modificação dos
procedimentos avaliativos nas escolas.
No entanto as modificações realizadas não foram suficientes para alterar a
correlação de forças entre professores, e entre professores e alunos, no sentido de
tornar a avaliação participativa em todo o seu processo. Nos Conselhos de Classe
finais em nenhuma das escolas onde foram realizadas entrevistas permitiu-se a
participação dos alunos. As decisões finais de aprovação ou reprovação foram
tomadas pelo grupo de professores e equipe pedagógica e registradas em atas de
222
Conselho de Classe
30
. Os alunos eram comunicados da decisão final. As condições
variavam dependendo dos professores, das relações com as áreas de conhecimento,
do comportamento dos alunos, do período de análise e da correlação de forças que se
estabeleceram em cada escola. Embora se constituíssem em decisões tomadas
coletivamente refletiam mais momentos de embate do que de consensos em torno das
questões de aprendizagem.
Embora não declarado, foi observada a existência de um critério de aprovação
no Conselho de Classe das escolas municipais – ter reprovado em apenas uma
disciplina. Essa regra construída subjetivamente não era explicitada diretamente nos
Conselhos. Como os critérios de aprovação dependiam das relações estabelecidas às
decisões podiam variar dependendo do aluno, da disciplina e do professor envolvido.
As justificativas apontadas em Conselho de Classe revelaram os critérios
utilizados. Foram referendadas as decisões em reprovar quatro alunos e aprovar com
dependência três. Dos quatro alunos reprovados a justificativa foi que dois
brincaram muito e não apresentaram maturidade suficiente para seguir à próxima
série, um apresentou dificuldade para aprender, e outro não conseguiu atingir o
mínimo dos objetivos propostos. Dos aprovados em Conselho de Classe, com
dependência, um demonstrou esforço e crescimento durante o ano, além de ter
reprovado em apenas uma disciplina, os demais necessitavam de reforço na
disciplina em que reprovaram (Matemática e Geografia). Em outra turma, na mesma
escola, os dois alunos aprovados em Conselho de Classe demonstraram crescimento
e reprovaram em apenas uma disciplina. Já numa terceira turma o aluno brincou
muito durante o ano, não levou a escola a sério, porém por ter reprovado em apenas
uma disciplina, foi aprovado com dependência (Escola 1M, 2000-2004) (Grifo
nosso).
Nas escolas estaduais as decisões pela aprovação ou não, via Conselho de
Classe, não obedeciam a nenhum critério que pudesse ter sido identificado na
documentação analisada. Como não havia registros nos livros de atas das discussões
para a tomada de decisão as inferências foram feitas pela observação dos históricos
escolares dos alunos. Havia aprovações, numa mesma turma, de alunos com
pendência por nota em três disciplinas e reprovação do aluno em apenas uma
30
Somente na EJA os Conselhos de Classe contavam com a participação dos alunos.
223
disciplina. Esse grau de flexibilidade, ao que pareceu, dependia do grupo de
professores, da equipe pedagógica e do aluno em discussão.
As notas não eram utilizadas como fator absoluto nas decisões. Observaram-
se, nas escolas estaduais estudadas, alunos com notas abaixo do mínimo necessário
para aprovação, faltando 0,2 ou 0,5 décimos e não foram aprovados, enquanto outros
que necessitavam 1,0 e até mais de 2,5 em várias disciplinas foram aprovados em
Conselho de Classe. Por isso alunos quando indagados sobre as perspectivas de
aprovação não sabiam afirmar se teriam chances ou não de serem aprovados.
Pelo que inferimos não havia padrões de organização e nem critérios
estabelecidos. Em muitos casos, a participação mais efetiva de algum professor podia
favorecer ou não os alunos em situação de reprovação escolar. Para o estudante
Estevan, que participou de um projeto organizado em 2002 por professores, no
intuito de atender a alunos reprovados nas quintas séries, os embates e diferenças de
opinião entre os professores deu por encerrada a experiência após um ano de avanços
significativos (ESCOLA 5E, 2002). Nos casos de Tatiana e Vanessa, a espera por
uma intervenção do Conselho de Classe, no sentido de avançar mais rápido entre as
séries, foi longa e infrutífera.
Para os alunos os Conselhos de Classe eram vistos como espaços onde
ocorriam as decisões sobre aprovação escolar. Os alunos não tinham clareza de como
funcionavam, quais os critérios utilizados e nem que poderiam, teoricamente,
participar do processo. Não era dada oportunidade de questionamento das decisões
tomadas porque não havia nenhum esclarecimento das possibilidades de recurso
contra as decisões tomadas e nem critérios que orientassem as decisões de aprovação
ou reprovação ao final do ano letivo.
Sem dúvida, mostrar-se interessado, esforçar-se, era fator considerado nos
Conselhos de Classe. Eram comuns as observações que justificavam as aprovações
“demonstraram esforço e crescimento durante o ano; aluna esforçada, capaz, porém
precisa de reforço em Matemática”.(ESCOLA 1M, 2000) Por outro lado, a
incorporação da culpa pela reprovação, já anteriormente apontado neste trabalho,
surgiu de forma significativa na fala dos alunos ao referirem-se as avaliações. Os
alunos pós-reprovações assumiram a culpa por terem brincado demais, não estudado
e nem comparecido as aulas. Quase todas as observações que justificavam as
224
reprovações nas decisões de Conselho de Classe reuniam as duas condições
essenciais: falta de capacidade e de vontade.
Por outro lado, os Conselhos também representavam também momentos de
facilitação, de afrouxamento dos critérios de avaliação. Essa condição, identificada
de forma mais explícita em uma das escolas municipais resultou em acordos internos
pela não divulgação das decisões tomadas sobre os resultados finais na escola
(ESCOLA.4M, 2000-2004b)
Segundo a equipe pedagógica, isso evitava constrangimentos quando algum
professor utilizava o fato como estratégia de intimidação aos alunos e também para
que a aprovação não fosse vista como concessão ou benesse. Segundo a equipe, as
facilitações geravam pouco valor às aprovações e havia reclamações por parte de
alunos que responsabilizavam a escola por ter-lhes aprovado sem condições de
acompanhar outra série. Nos registros dos livros de Ata dos Conselhos de Classe,
dessa escola, o código para identificar a aprovação por Conselho Final era a
indicação para a necessidade de acompanhamento especial ao aluno no ano seguinte.
4.2.5. As mudanças de cidade e de escola: as dificuldades nos
processos de adaptação
A mudança de escola vinha causando impacto na continuidade da escolaridade
de forma mais significativa do que se havia suposto e causou problemas de adaptação
nos processos de integração dos alunos na escola. Tais mudanças estavam
relacionadas a fatores econômico-sociais responsáveis pelas migrações inter e intra-
estaduais e por fatores escolares. Afetaram não só a relação que os alunos
desenvolviam com outros alunos e professores, como também guardavam relação
com as situações de reprovação e interrupção escolar, dificultando as relações com o
conhecimento escolar.
A busca de melhores oportunidades de trabalho e acesso aos serviços sociais
ocasionaram mudanças das famílias das regiões rurais para as urbanas e entre
cidades. A cidade de Florianópolis, como área turística, tem sido objeto dessas
movimentações que se acirraram da metade do século XX em diante. Pela análise da
movimentação de alunos nos registros escolares e de conversas com duas equipes
pedagógicas de escolas situadas em região turística, havia famílias que permaneciam
225
por três a quatro meses na região urbana. Mudavam frequentemente motivados pela
possibilidade de melhoria econômica e oportunidade social.
Dez dos treze alunos entrevistados passaram por mudanças de escola: cinco
devido a fatores sócio-familiares; quatro a fatores escolares e uma gerada pelos dois
fatores. Sete estudantes entrevistados que mudaram pelo menos uma vez, relataram
dificuldade de adaptação à escola decorrente de problemas no relacionamento com
colegas, com professores, com os conhecimentos escolares, com as normas e formas
de organização de cada escola. Essas mudanças e transferências interferiram nas
relações desenvolvidas entre os alunos. Os fatores que incidiam sobre essas
mudanças estavam relacionados a necessidade de mudança de residência, busca de
melhores condições de trabalho, atendimento médico ou fatores propriamente
escolares.
A escola, em função da transformação dos espaços públicos em privados,
constituiu-se em um dos únicos espaços de encontro, de estabelecimento de relações
entre grupos, troca de idéias, espaço de socialização e de aprendizagem. Por isso,
estar na escola significava, mesmo que perifericamente, poder pertencer a um grupo.
Estabelecer relações positivas com colegas fizeram parte do processo de
aprendizagem, e ajudaram a manter os alunos no sistema de ensino.
As transferências de escola realizadas por alunos que enfrentavam dificuldade
com os conteúdos escolares, produziam, com freqüência, condições de difícil
superação. Os alunos que mudaram de escola apresentavam dificuldade em serem
aceitos por parte dos grupos de alunos e de estabelecer novos relacionamentos. Não
ser aceito implicava em estar isolado na execução das atividades, dos trabalhos,
como também passar por situações de constrangimento que iam desde a atribuição de
apelidos até as expressões de rejeição (torcer o nariz, fazer careta ou cara feia).
Os apelidos atribuídos também produziram muitas lágrimas e vontade de
deixar a escola, fato que realmente aconteceu com uma delas. Em alguns casos,
novas mudanças foram necessárias para que ocorresse à adaptação. Tatiana que
enfrentou muitas dificuldades no relacionamento com colegas, recebia apelidos e
sentia-se excluída do grupo.
A escola, na sociedade contemporânea, constituiu-se num espaço de
sociabilidade. Sendo um lugar reconhecido socialmente e mais livre do que o do
226
trabalho, mostrou-se o locus preferencial de integração para o estudante que se
identificava com a forma escolar, para aquele que se distanciava aceitando as regras,
para o que se distanciava recusando intimamente as regras. Na escola, os corredores,
as escadarias, os espaços coletivos como refeitório e biblioteca eram utilizados para
a sociabilidade.
No entanto, o estabelecimento de relações pessoais nem sempre garantia
integração positiva com a escolaridade. Nos casos de Camila e Maria Lúcia, a relação
com colegas causou o afastamento dos objetivos de escolarização e da escola.
Era evidente que adaptar-se, sentir-se aceita pelos colegas, constituiu-se em
requisito necessário à continuidade dos estudos. Conseguir estabelecer uma rede de
relações entre alunos facilitava a integração. Esse processo passava, não raro, pela
organização de novos grupos. No caso de Tatiane e Maria Lúcia o estabelecimento de
novas relações pessoais e de formação de grupos de estudos constituiu formas
alternativas de apoio mútuo e convivência cotidiana. Para elas, foi importante
sentirem-se integradas, construírem identidades e terem estabelecido relações de
pertencimento.
As mudanças interferiram, também, favoravelmente nas relações dos alunos
com os professores. Esse tipo de relação foi determinante para a continuidade da
escolarização dos alunos que apresentavam dificuldades e fundamental na busca de
alternativas que iam do atendimento individualizado, facilitação no fechamento das
notas, até a aprovação em Conselhos de Classe. Como a aprovação comportava
também critérios subjetivos, era importante manter-se bem relacionado com os
professores. Muitos alunos que mudaram de escola procuravam construir essas
relações. Para aqueles que, antes das mudanças, apresentavam uma trajetória escolar
acidentada à adaptação foi penosa e de difícil execução.
A proximidade dos professores possibilitou estabelecer trocas e apoio nas
dificuldades, mesmo que essa atitude os afastasse momentaneamente dos grupos de
alunos. Vencer as dificuldades nas disciplinas significava utilizar o apoio oferecido
pelos professores. No entanto, essa proximidade e apoio nem sempre foram
suficientes para aprovação. O distanciamento também se constituiu em estratégia
utilizada pelos alunos e forma encontrada para preservar-se de observações jocosas
por parte de professores e outros alunos.
227
As equipes pedagógicas, formadas por supervisores, orientadores e diretores,
tinham como função articular as relações entre os alunos e a escola. Apesar do
esforço demonstrado por algumas dessas equipes, nem sempre conseguiram resolver
o problema de distanciamento entre professores e estudantes, eivado de restrição de
horários de aula em cada turma, de tempo que cada professor dispunha para
atendimento dos alunos. Nas escolas onde havia maior proximidade entre a equipe
pedagógica e os estudantes as articulações eram facilitadas.
O tamanho das escolas também interferiu nos processos de integração dos
alunos com colegas e professores. Nas escolas aonde era elevado o número de alunos
havia maior dificuldade no estabelecimento dos relacionamentos entre professores e
alunos. Os professores também enfrentavam dificuldades na obtenção de informações
sobre os estudantes.
Quando a integração entre alunos e a escola era abalada ou não se
materializava de forma satisfatória, a articulação com o saber era igualmente afetada.
A precariedade das relações desenvolvidas entre os alunos e destes com professores,
acrescidas das transferências de escolas, eram elementos que favoreciam tanto as
reprovações, quanto as interrupções escolares. Dos dez alunos que mudaram de
escola, seis foram reprovados nos anos das transferências.
Vários indicadores mostraram que as mudanças escolares afetam a maioria das
relações escolares desenvolvidas pelos alunos. As mudanças somadas a outros
fatores, apresentaram-se significativas no desencadeamento de situações de
reprovação e interrupção escolar. Entretanto, não foi possível concluir que todos os
alunos que se mantiveram vinculados à mesma escola, sem mudanças, apresentaram
bom rendimento escolar.
4.2.6 Relações de proximidade com o trabalho e com outras
modalidades de ensino: o distanciamento da escolaridade regular
Finalmente, como quinto aspecto, verificou-se que a proximidade com o
trabalho colaborou no distanciamento da escolaridade regular, com a procura de
outras modalidades de ensino, quase sempre no período noturno. A perspectiva de
retorno e compatibilização entre escola e trabalho faziam parte dos objetivos desses
alunos, mas nem sempre encontravam condições para sua efetivação.
228
A facilidade de contratação de menores de idade, por parte de pequenas
empresas, tem facilitado a entrada no mercado de trabalho de jovens que ainda
mantém vínculo escolar. Para os empregadores é a garantia de garantir funcionários
com baixa remuneração, nenhum direito trabalhista e pouca possibilidade de
denúncia. O trabalho funciona como um bico nessa faixa de idade e estabelece uma
relação de cumplicidade. Os jovens sentem-se privilegiados e consideram os
empregadores como benfeitores.. Tal fato gera controle com dedicação exclusiva ao
trabalho e à escola, pouco tempo restando para outras atividades. Ademais, ao treinar
seus próprios funcionários, jovens ainda ligados à escola, possibilita o
estabelecimento de relações de dependência.
O trabalho remunerado dos entrevistados mostrou-se essencial para a
manutenção das condições de vida das famílias e como recurso complementar. Oito
alunos começaram a trabalhar precocemente, com 13 ou 14 anos de idade, antes
mesmo da conclusão do Ensino Fundamental ou de idade considerada adequada para
isso. Todos, independentemente da idade, assumiram muito cedo a posição de
trabalhadores em contraposição a de estudantes. Foram iniciados, quase sempre com
anuência dos pais ou parentes próximos em pequenos serviços, paralelos à escola.
Irmãos também trabalhavam e contribuíam para a renda familiar. Alguns não eram
remunerados e recebiam presentes em troca.
As alunas Tatiana e Maria Lúcia realizavam desde pequenas tarefas
domésticas e acompanhavam suas respectivas mães nas faxinas realizadas. Estevan
colaborava com pai nos serviços de jardinagem. Mais da metade dos alunos
entrevistados também colaborava nas tarefas domésticas, independente do sexo.
Dos oito estudantes que já haviam trabalhado, sete iniciaram suas atividades
em meio período, paralelamente à escolarização. Procuravam equilibrar as duas
atividades e permanecer na escola. Entretanto, a fragilidade das condições sociais e
econômicas em que viviam a maioria das famílias os tornava suscetíveis à
interrupção dos estudos. No momento da realização das entrevistas três alunos
trabalhavam meio período e freqüentavam a escola; um permanecia na escola e não
estava trabalhando; quatro trabalhavam em período integral, dois deles não mais
freqüentavam a escola.
A procura do trabalho, em geral, devia-se às condições econômicas das
famílias. A necessidade de contribuir com a renda familiar e a existência de doença
229
familiar. Entretanto havia casos em que o trabalho tinha função pedagógica
disciplinar, uma forma de punição imposta pelos pais no intuito de levar a maior
valorização do espaço escolar e familiar.
Para os que atuavam profissionalmente em período integral restava pouco
tempo para a conclusão dos estudos. A atividade laboral ocupava grande parte do
tempo e muitas vezes relegavam a escolaridade a um plano secundário. Marlon que
exercia a função de Office boy e estudava no supletivo noturno chegava
constantemente cansado e atrasado à aula. A dupla jornada dificultava a inserção
social. Assim, a escola era fonte não só de conhecimento, mas espaço de relações
sociais, de conversa com colegas – de fofocas, de confidências – espaços raros nas
relações da atividade profissional. A grande maioria transitava e dividia o tempo
entre o trabalho e a escola; o lazer inseria-se nesse ambiente. Saíam poucas vezes.
Sem dúvida, a atividade laboral concorria com a escola e era empecilho para o
desenvolvimento de condições ideais de estudo. Era com dificuldade que procuravam
administrar o tempo entre as tarefas escolares e os estudos. Esses alunos não
conseguiam participar de projetos ou atendimentos específicos de apoio às
dificuldades pedagógicas, realizadas quase sempre no contra-turno escolar.
A maioria das alunas que exerciam, alguma atividade remunerada, ou já o
haviam feito, desenvolviam atividades de empregada doméstica, situação nem sempre
consideradas agradável pelos jovens. Por isso, para Maria Lúcia, estar integrada à
escola era a forma que a mantinha afastada do trabalho em período integral. Para
Camila, que começou em função da doença da mãe, o trabalho não representava seu
objetivo. O irmão de 17 anos era quem sustentava a casa. As tarefas são feitas na
medida das possibilidades, geralmente a noite, já que o tempo de estudo se tornava
restrito e geralmente antecedia o período de provas. Para os que trabalhavam em
período integral e estudavam à noite, as tarefas e atividades escolares eram
realizadas exclusivamente na escola. Mesmo o trabalho realizado em meio período,
paralelo à escola, dificultava a continuidade dos estudos porque não oferecia
condições de apoio suficiente. As relações com a atividade laboral interferiam nos
estudos, principalmente daqueles que precisavam de maior tempo de dedicação e
apoio da escola ou da família. As dificuldades escolares e a possibilidade de reprovar
impulsionavam os alunos a procurarem trabalho e, muitas vezes, os mantinha
afastados da escola.
230
Dos treze entrevistados, dez apresentaram, durante suas trajetórias,
dificuldades em se manterem na escola, conseqüentemente apresentavam uma
escolaridade bastante acidentada. Três já haviam se deslocado para outras
modalidades de ensino, consideradas mais fracas e acessíveis a alunos com histórias
de dificuldade, inclusive no ensino noturno. Eram impelidos para uma escolaridade
alternativa, que não lhes proporcionava o mesmo valor da escolarização formal, mas
era a única possibilidade de conseguir concluir, pelo menos, o Ensino Fundamental.
Era via obrigatória para alunos que não haviam obtido sucesso na escola, os
repetentes, os excluídos, que encontravam no mercado de trabalho a forma de
demonstrar que eram produtivos e precisavam ser valorizados.
Outras modalidades de ensino vinham se tornando o caminho da continuidade
dos estudos para alunos com histórico de dificuldades, reprovações, interrupções e
defasagem série-idade. A EJA
31
constituiu-se na alternativa mais procurada para
acelerar os estudos. Também, a existência de cursos noturnos, próximos ou no
interior das escolas de origem facilitou as transferências. Situavam-se nessa condição
quatro entre os treze entrevistados. Para eles era a forma que possibilitou conciliar
trabalho e escola, fugir da estigmatização e superar as multirreprovações vividas no
ensino regular.
A diferença entre a escola regular e ensino supletivo encontrava-se nas
relações dos alunos com os professores, nas orientações dadas e principalmente na
disponibilidade de tempo para atendimento às dificuldades escolares. Os
freqüentadores dessas modalidades de ensino, na sua maioria, representavam os
excluídos da escola regular. Eram portadores de histórias de vida social e escolar
interrompidas. Apresentavam sentimentos como à vergonha por sentirem-se velhos
demais para a escola regular. A mudança para a EJA ou o supletivo permitiram a
superação de algumas dificuldades relacionadas à pesquisa e a produção escrita.
Formas menos rígidas de controle também foram citadas pelos alunos como diferença
entre os dois tipos de ensino.
Nos aspectos relacionados à forma e ao relacionamento professor-aluno havia
diferenças entre o ensino regular em algumas escolas e o ensino supletivo noturno.
31
Durante o período de identificação dos reprovados e dos que interromperam seus estudos nas escolas
pesquisadas foi possível observar um número significativo dos que constavam ou já haviam constado das listas
de alunos da EJA.
231
Nesses espaços escolares era possível contar com a maior ou menor disponibilidade
do professor. As diferenças se mostraram substanciais entre as escolas regulares de
Ensino Fundamental e a EJA. Na última as formas de organização da grade curricular
tinham como eixo principal a pesquisa com enfoque temático interdisciplinar. Os
trabalhos eram realizados coletivamente e as orientações dadas por grupo de
professores representantes das diversas áreas de ensino. A pesquisa possibilitava um
conhecimento mais amplo que o ensino por disciplinas, dependendo do tema
escolhido e dos recursos materiais disponíveis como livros, jornais e revistas. A
presença dos professores em sala para orientações era constante.
Por outro lado, reconheciam que o ensino supletivo e a EJA eram considerados
formas de ensino mais fraco, e geravam insegurança para aqueles que almejavam
continuar os estudos, principalmente no Ensino Superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do cotidiano escolar considerado por meio das relações que os estudantes,
envolvidos em situações limites na escola, como as reprovações e interrupções escolares,
exigiu a utilização de metodologias que se articulassem entre diferentes áreas do
conhecimento como a sociologia, a antropologia e a educação, nos níveis macro, meso e
micro.
O caminho teórico-metodológico percorrido possibilitou estabelecer processos de
entrecruzamento entre as informações quantitativas e qualitativas e desvelou elementos
significativos para o entendimento das diferentes dimensões que envolviam os processos que
levavam alunos das classes populares a permanecer ou a afastar-se da escola. A escolha pela
elaboração dos perfis de configurações (LAHIRE, 1997) permitiu apresentar a dinâmica
dessas aproximações e afastamentos. Implicou ainda considerar uma multiplicidade de fatores
que agiam de forma articulada, dependendo de cada sujeito e das relações que estes
desenvolveram com a escola. Também mostrou que não somente os fatores escolares são
responsáveis pelos processos de exclusão. Entender essas relações foi importante para a
compreensão de como esses elementos produziram impactos diferentes em cada estudante e
suas famílias.
Essa constatação possibilitou entender melhor a realidade escolar dos estudantes e
permitiu captar a dinâmica das relações escolares, considerando que os fatores que incidem
sobre a continuidade ou não dos estudos não podem ser pensados como dependentes de um
único elemento ou de responsabilidade exclusiva dos estudantes, ou das suas condições
socioeconômicas e familiares.
Por outro lado, a questão da democratização e da universalização do Ensino
Fundamental, discutida na última década, tem mostrado que o acesso à escola não pode ser
pensado como fator de inclusão escolar desvinculado dos processos de aprendizagem,
permanência e conclusão dos estudos de forma qualificada. As reprovações e interrupções
escolares causaram impacto na maioria das histórias escolares de alunos que viveram tais
situações. A superação dessas dificuldades tem se constituído para a maioria dos estudantes
num processo de busca de estabelecimento de relações com colegas, professores num modelo
escolar que individualiza e premia pelo mérito.
233
Embora nos sistemas de ensino e nas escolas estudadas fossem observadas mudanças
de postura e discursos voltados à inclusão, as histórias desses alunos mostraram que existe um
processo de naturalização das relações de exclusão, principalmente nas situações de
reprovação e interrupção escolar. De todos os investigados que interromperam seus estudos,
nenhum havia sido procurado diretamente, pelas escolas nas quais haviam estudado, para
tentar dissuadi-los da decisão de interrupção ou pelo menos indagar sobre os fatores que os
aproximavam das relações com a escola e quais os afastavam dela. Esse processo, já
identificado por Bourdieu e Champagne (2002), em suas pesquisas, reafirmava as formas que
têm marcado a escolaridade de muitos alunos. São formas, quase sempre balizadas pela
subjetividade.
Durante o desenvolvimento da pesquisa não foram observadas políticas que
incentivassem a permanência dos alunos que apresentavam maior dificuldade nas escolas
estudadas. As poucas iniciativas nesse sentido têm representado projetos pontuais voltados à
regularização dos fluxos escolares e a redução dos gastos com educação, quase sempre,
marcadas pelo caráter temporário e descontínuo das ações e, em grande parte, guardam
relação com a necessidade de reduzir gastos e facilitar a entrada e a saída de alunos na escola,
independente da qualificação alcançada.
Nas escolas as ações desenvolvidas estavam voltadas em maior número para
atividades que privilegiavam a recuperação de conteúdos exclusivamente em duas
disciplinas: Língua Portuguesa e Matemática, nem sempre prioritárias para aqueles que
apresentavam dificuldades acumuladas nas diversas séries cursadas ou os multirrepetentes. Já
nas redes de ensino, na década de 1990 e 2000, Também, encontravam-se direcionadas
prioritariamente para as regulamentações dos processos de avaliação do rendimento escolar.
Muitas das discussões e alterações foram propostas visando à sistematização de um processo
inclusivo de avaliação e que possibilitasse o estabelecimento de diagnósticos e correção de
rumos. Entretanto, essas diretrizes não têm conseguido efetivar na prática os princípios
propostos. As práticas de organização das escolas não diferiam e eram definidas por diretrizes
centrais com maior ou menor supervisão e controle, dependendo dos que grupos responsáveis
pela gerência das secretarias de educação. No entanto, as indicações que possibilitavam
avançar nos processos de avaliação nem sempre eram aceitos pelas escolas. As séries iniciais
se mostravam mais permeáveis à absorção de novos elementos de organização curricular e de
avaliação. Os grupos de professores e equipes pedagógicas de quinta a oitava séries se
mostraram mais arraigados à permanência de modelos de organização do trabalho por
234
disciplina e em avaliações quantitativas. Entretanto, as trajetórias escolares cotidianas dos
alunos têm apresentado algumas mudanças. Muitos professores vêm possibilitando a
realização de avaliações em grupo e posturas que privilegiam o processo de aquisição do
conhecimento.
No entanto, essas alterações não tem sido suficientes para a mudança nas formas das
relações pedagógicas desenvolvidas nas escolas e têm contribuído para a ampliação do
número de reprovações e interrupções escolares, principalmente nas séries finais do Ensino
Fundamental.
Para os alunos havia diferenças significativas entre as formas de organização e
avaliação e as atividades desenvolvidas pelos professores nas diferentes disciplinas.
Enquanto, tradicionalmente, as disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa eram
consideradas maiores responsáveis pelas reprovações, nos levantamentos realizados foram
observadas variações significativas para ocupação desse espaço. As disciplinas de Geografia e
História mostraram-se definidoras nas reprovações de alunos nas quintas séries. Também, a
disciplina de Língua Estrangeira – Inglês destacou-se no número de reprovações em cinco das
escolas pesquisadas e em três escolas municipais guardavam relação com o mesmo professor.
A questão das dificuldades acumuladas desde as séries iniciais também se mostraram
como facilitadoras da ocorrência de novas reprovações. Muitos dos alunos estudados, que
reprovaram ou interromperam seus estudos na quinta série, também apresentaram reprovações
nas duas primeiras séries do Fundamental. Essas dificuldades mostravam-se mais acentuadas
durante o processo de transição das séries iniciais para as finais. Muitos alunos destacaram em
seus relatos as dificuldades desse período de transição demarcadas por um maior número de
professores e novas formas de organização do conhecimento.
Não somente as mudanças entre essas duas etapas de ensino foram relacionadas. A
mudança de escola foi um dos fatores destacados pelos alunos entrevistados. Dez dos treze
alunos passaram por mudanças de escola: cinco devido a fatores sócio-familiares;
quatro a fatores escolares e uma gerada pelos dois fatores. Sete deles as relacionaram
à dificuldade de adaptação à escola decorrente de problemas no relacionamento com
colegas, com professores, com os conhecimentos escolares, com as normas e formas
de organização de cada escola. Alguns justificaram a interrupção dos estudos a partir
da dificuldade de adaptação.
235
Essas mudanças não somente interferiram na escolaridade dos alunos, mas
também nas relações familiares. A caracterização das famílias dos entrevistados
mostrou que pais e irmãos também apresentavam uma escolaridade marcada por
interrupções, reprovações, retornos e dificuldade na continuidade dos estudos.
Mesmo que este estudo aponte que não havia determinismos nas relações entre
escolaridade e continuidade dos estudos, sem dúvida, são as classes populares as
mais atingidas pela exclusão escolar.
A produção dos dados referentes à reprovação escolar e à interrupção dos
estudos destacou a quinta série como a que, no Ensino Fundamental, apresentou
maior incidência de casos de exclusão. Mesmo assim, foi importante destacar que os
dados de interrupção se mostravam subestimados. A forma de organização das
informações dificultava o acompanhamento das movimentações de alunos nas escolas
e deixava de registrar as interrupções ocorridas entre os anos letivos e considerava
como aluno reprovado por falta aqueles que haviam deixado a escola. O trabalho
cuidadoso de uma secretaria possibilitou o acompanhamento dessas informações e
apontou que o número de interrupções foi significativamente maior do que os dados
oficiais apresentavam. As movimentações de ida e volta à sala de aula durante o ano
letivo também não foi registrado, o que poderia ser útil na definição de ações
preventivas nas escolas.
A produção de informações a partir dos relatórios finais por turma e por alunos
nas escolas pesquisadas também possibilitou inferir que existia relação direta entre
reprovação e interrupção escolar. A ocorrência de múltiplas reprovações e a
organização por série nos sistemas de ensino estudados impossibilitava aos alunos
repetir apenas nas disciplinas nas quais havia reprovado. No acompanhamento das
trajetórias dos alunos foi possível observar que os alunos tendiam a reprovar
naquelas disciplinas nas quais haviam sido aprovados no ano anterior. Muitas vezes
mostravam avanços após a reprovação conseguindo aprovação em muitas disciplinas,
mas nem sempre em todas, o que os levavam novamente à reprovação. Alguns, após
várias tentativas, interrompiam os estudos.
Por outro lado, apesar de as condições sociais, culturais e escolares
mostrarem-se facilitadoras para as interrupções, os alunos apresentavam
comportamentos persistentes tanto na permanência como nos retornos à escola. A ida
para os cursos noturnos e para outras modalidades de ensino mostraram-se como
236
alternativas para a continuidade escolar, embora muitos argumentassem que não
havia a mesma qualificação neste tipo de ensino em relação à escolaridade regular.
Na maior parte dos casos o trabalho era o principal concorrente à reprovação e
interrupção escolar. Todos os entrevistados apresentaram vinculação com as relações
de trabalho e iniciaram suas atividades de forma concomitante e em idade precoce,
geralmente a partir dos onze anos de idade, geralmente com o conhecimento e
aprovação dos pais. Entretanto, eram os alunos que apresentavam maior dificuldade e
situações de reprovação os que tendiam a ocupar-se cada vez mais com as atividades
profissionais, principalmente após o acirramento das dificuldades escolares.
 Atentar para as singularidades das histórias de reprovação e interrupção escolar
dos alunos estudados permitiu refletir sobre as regularidades combinadas que os perfis
de configurações possibilitaram vislumbrar. Sem dúvida a escola para esses alunos
nem sempre se mostrou significativa e nem apresentava sentido pela forma como
estava organizada. Em grande parte dos casos de alunos que haviam passado por
situações de reprovação e interrupçã, as condições de exclusão da escola mostraram-se
muito presentes. Entretanto, foi possível vislumbrar como a escolarização, o contato
com o conhecimento socialmente produzido altera as condições sociais e familiares
dos estudantes. Por isso, torna-se tão importante pensar que é necessária a constituição
de políticas de permanência sem cair em modelos homogeneizantes ou deterministas.
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Fundamental. Livro de Atas 2000-2004b
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ESCOLA 2M. Relatórios Finais de Avaliação do rendimento escolar de alunos das quintas séries
do Ensino Fundamental. Secretaria Municipal de Educação. 2000-2004a
ESCOLA 3M. Atas de Conselho de Classe bimestrais e finais das quintas séries do Ensino
Fundamental. Livro de Atas 2000-2004b
ESCOLA 3M. Relatórios Finais de Avaliação do rendimento escolar de alunos das quintas séries
do Ensino Fundamental. Secretaria Municipal de Educação. 2000-2004a
ESCOLA 4E. Atas de Conselho de Classe bimestrais e finais das quintas séries do Ensino
Fundamental. Livro de Atas 2000-2004b
ESCOLA 4E. Relatórios Finais de Avaliação do rendimento escolar de alunos das quintas séries
do Ensino Fundamental. SED. 2000-2004a
ESCOLA 4M. Atas de Conselho de Classe bimestrais e finais das quintas séries do Ensino
Fundamental. Livro de Atas 2000-2004b
ESCOLA 4M. PPP (Projeto Político Pedagógico) e PES (Plano Estratégico Situacional) 2000-2004a.
ESCOLA 4M. Projeto de Desenvolvimento de Atividades de FUTSAL. Convênio com a UNISUL,
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Fundamental. Livro de Atas 2000-2004b
ESCOLA 5E. Relatórios Finais de Avaliação do rendimento escolar de alunos das quintas séries
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240
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245
A N E X O
Tabela 1 - Indicadores de reprovação escolar nas 1ª e 5ª séries do
Ensino Fundamental, nas escolas estaduais e municipais em Santa
Catarina 2000-2002
Série
2000 2001 2002
Repr. % Repr. % Repr. %
Esc. Estaduais de
S. Catarina
1
ª
série
9.100 18,4 8.681 17,2 8.070 16,9
Esc. Municipais S.
Catarina
1
ª
série
9.894 14,3 10.009 13,6 9.888 13,2
Esc. Estaduais de
S. Catarina
5
ª
série
11.093 14,2 12.613 16,0 13.462 17,2
Esc. Municipais S.
Catarina
5
ª
série
4.391 11,9 4876 12,3 5.302 12,4
Fonte: Censos Escolares 1997-2002 INEP/MEC/ Brasil.
Tabela 2 - Indicadores de reprovação escolar nas 1ª e 5ª séries do
Ensino Fundamental, nas escolas estaduais e municipais
em Florianópolis 1997-2002
Séries
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Repr. % Repr
.
% Repr
.
% Repr
.
% Repr
.
% Repr
.
%
Esc.Estadual
1
ª
1.142 32,0 1.05
9
29,7 977 29,2 971 29,3 889 23,7 801 21,3
Esc.Municip
1
ª
267 20,2 359 23,4 252 17,7 315 17,2 343 17,8 279 13,7
Esc.Estadual
5
ª
3.453 23,5 726 20,6 811 22,7 645 18,9 718 20,7 768 22,7
Esc.Municip
5
ª
439 23,5 395 21,7 440 23,1 401 21,7 455 22,0 407 19,3
Fonte: Censos Escolares 1997-2002 INEP/MEC/ Brasil.
246
Tabela 3 - Números relativos e absolutos das reprovações nas
quintas séries em escolas municipais de Florianópolis 1997-2002
% de
reprovações
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Escolas
Munic.
Escolas
Munic.
Escolas
Munic.
Escolas
Munic.
Escolas
Munic.
Escolas
Munic.
0,0 – 20,0
9
(42,8)
13
(59,1)
11
(50,0)
12
(54,5)
10
(45,5)
12
(52,2)
20,0 – 40,0
11
(52,4)
8
(36,4)
9
(40,9)
8
(36,4)
11
(50,0)
10
(43,5)
40,0 – 60,0
1
(4,8)
1
(4,5)
2
(9,1)
2
(9,1)
1
(4,5)
1
(4,3)
60,0 – 80,0
- - - - - -
80,0–100,0
- - - - - -
21
(100,0)
22
(100,0)
22
(100,0)
22
(100,0)
22
(100,0)
23
(100,0)
Fonte: Elaborada com Base de Dados do Censo Escolar/ SEE/SC – 1997-2002.
Tabela 4 – Números relativos e absolutos da reprovação nas quintas
séries em escolas estaduais do município de Florianópolis 1997-2002
1997 1998 1999 2000 2001 2002
% de
reprovações
Escolas
Estad.
Escolas
Estad.
Escolas
Estad.
Escolas
Estad.
Escolas
Estad.
Escolas
Estad.
0,0 – 20,0
10
(31,3)
19
(55,9)
17
(50,0)
20
(55,6)
16
(47,1)
17
(51,5)
20,0 – 40,0 20
(62,5)
12
(35,3)
14
(41,2)
13
(36,1)
18
(52,9)
11
(33,3)
40,0 – 60,0 1
(3,1)
3
(8,8)
3
(8,8)
3
(8,3)
- 5
(15,2)
60,0 – 80,0 -
- - - - -
80,0 – 100,0 1
(3,1)
- - - - -
32
(100,0)
34
(100,0)
34
(100,0)
36
(100,0)
34
(100,0)
33
(100,0)
Fonte: Elaborada com Base de Dados do Censo Escolar/ SEE/SC – 1997-2002.
247
Tabela 5 – Números relativos e absolutos da interrupção escolar nas primeiras e
quintas séries do Ensino Fundamental em Santa Catarina e no Município de
Florianópolis 1997-2002
Série
s
1997 1998 1999 2000 2001 2002
Aban
d
% Aban
d
% Aban
d
% Aba
nd
% Aban
d
% Aban
d
%
Sta
Catar.
1
ª
3178 10,6 2627 10,6 1985 8,7 2052 9,3 1095 9,2 467 6,4
Fpolis 1
ª
399 8,4 356 7,6 252 6,8 302 7,3 215 5,3 85 2,2
Sist.Esta
d.
5
ª
567 12,4 414 9,5 330 7,7 318 7,7 245 6,3 193 5,2
Fpolis 5 84 4,5 74 3,7 52 2,7 29 1,5 32 1,6 13 0,6
Sist.Mun
ic
5
ª
133 6,4 160 8,4 101 5,0 74 3,7 63 2,8 45 2,0
Fonte: Projeto série/SEE/SC 1997-2002
Tabela 6 - Perfil da interrupção escolar em escolas estaduais e municipais
do Município de Florianópolis 1997-2002
% Aband. 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
Esc.
Estad.
Esc.
Munic
0,0 – 10,0 19
(54,2)
14
(63,7)
23
(62,2)
14
(73,7)
16
(53,4)
19
(82,6)
24
(70,5)
19
(95,0)
19
(70,4)
22
(100,0)
21
(75,0)
20
(100,0)
10,0 –
20,0
4
(11,4)
6
(27,3)
7
(18,9)
4
(21,0)
7
(23,4)
4
(17,4)
4
(11,8)
1
(5,0)
6
(22,2)
5
(17,9)
20,0 –
30,0
7
(20,0)
1
(4,5)
2
(5,4)
1
(5,3)
4
(13,3)
2
(5,9)
1
(3,7)
2
(7,1)
30,0 –
40,0
2
(5,4)
2
(5,9)
40,0 –
50,0
2
(5,7)
1
(2,7)
1
(3,3)
2
(5,9)
50,0 –
60,0
1
(2,9)
1
(2,7)
1
(3,3)
60,0 –
70,0
1
(2,9)
1
(2,7)
1
(3,3)
70,0 –
80,0
1
(3,7)
80,0 –
90,0
90,0 –
100,0
1
(2,9)
1
(4,5)
Total
35
(100,0)
22
(100,0)
37
(100,0)
19
(100,0)
30
(100,0)
23
(100,0)
34
(100,0)
20
(100,0)
27
(100,0)
22
(100,0)
28
(100,0)
20
(100,0)
Fonte: Elaborada com base de Dados do Censo Escolar/SEE/SC – 1997-2002.
248
Tabela 8 - Situação em 2004 de alunos reprovados na quinta série em
escolas estaduais e municipais 2000 a 2003
Escolas
Estaduais
Continua na
escola
Interrompeu Transferiu
de escola
Total de
Reprovados
1E 20
(44,4)*
18
(40,0)
7
(15,5)
45
(100,0)
2E 118
(45,3)
109
(41,9)
32
(12,3)
260
(100,0)
3E 52
(43,3)
25
(20,8)
43
(35,8)
120
(100,0)
4E 25
(38,5)
24
(36,9)
16
(24,6)
65
(100,0)
5E 11
(47,8)
6
(26,0)
6
(26,0)
23
(100,0)
Escolas
Municipais
2M 33
(47,8)
26
(35.7)
10
(14,5)
69
(100,0)
1M 52
(32.9)
39
(24,7)
67
(42,4)
158
(100,0)
3M 24 16 7 47
4M 26
(40,6)
25
(39,1)
13
(20,3)
64
(100,0)
5M 34
(41,9)
27
(33,3)
20
(24,3)
81
(100,0)
6M 58
(40,5)
48
(33,5)
37
(25,9)
143
(100,0)
Fonte: Elaborada com Base nos Dados Coletados nos Relatórios Finais de
Aproveitamento /SEE/SC – 2000-2004.
* Os números entre parênteses indicam o percentual correspondente.
249
Tabela 9 - Períodos de expedição de transferência da Escola 6M no
Município de Florianópolis 2000-2002
Período de expedição de
transferências
Número de
Transferências
%
Janeiro-Fevereiro 15 10,1
Março-Abril 53 35,5
Maio-Junho 35 23,5
Julho-Agosto 26 17,4
Setembro-Outubro 15 10,1
Novembro-Dezembro 5 3,4
Total 149 100,0
Fonte: Elaborada com Base nos Dados Coletados nos Relatórios
Finais de Aproveitamento/SEE/SC – 2000-2004.
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