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acima, [...] o pato bravo, que deve ter vindo de longe, [...] o marrequinho de
gravata é muito gentil, [...] os frangos-d’água eu sei de onde vêm, [...] as
narcejas há tempo que vieram, e se foram, [...] os paturis estão para chegar, [...] e
aquele? Ah, é o joão-grande. Não o tinha visto, contemplativo, ao modo em que
eu aqui estou, [...] as saúvas, que vão sob as folhas secas, [...] as formigas pretas
caçadoras amarimbondadas, que dão ferroadas de doer três gritos. (1984, p. 258-
260)
O tempo fora passando; a paz imperava, e chegou um momento em que João/José,
sonolento, encostou-se na coraleira e acomodou-se para dormir. Durante o estágio de semi-
consciência que antecede o sono, ainda surgiu em seu pensamento “uma borboleta de
páginas ilustradas, oscilando no vôo puladinho e entrecortado das borboletas; mas sumiu,
logo, na orla das tarumãs prosternantes” (1984, p. 260). Foi nesse instante que,
repentinamente, João/José perdeu a visão. Ele não conseguiu comparar aquela experiência a
qualquer outra sensação, de fato, conhecida, a não ser às impressões de estar “preso no
compacto de uma montanha”, de ser atacado por uma “muralha de fuligem”, ou de
ingressar no “último salão de gruta, com os archotes mortos” (1984, p. 261). O viajante
exasperava-se: “Estaria eu... Cego?... Assim de súbito, sem dor, sem causa, sem prévios
sinais?...”. João/José tateava o chão ao redor, esperançoso de que a escuridão durasse
apenas alguns segundos, mas logo concluiu que estava, mesmo, cego; compreendeu que a
tragédia era um fato, e que, ironicamente, no meio de tantos olhos – os de todas as espécies
da natureza, algumas das quais pareciam observá-lo, e/ou os dos demais seres humanos que
habitam o universo –, somente os dele haviam cegado: “pois, só para mim as coisas
estavam pretas. Horror!...”. (1984, p. 262)
A movimentação da mata parecia haver crescido, na mesma medida em que
aumentavam as perturbações mentais do desafortunado. Os trilos dos pássaros que se
debulham, as pombas cinzentas que soluçam, o araçari que ensaia e reensaia seu discurso,
as formigas aturdidas pelo “rataplã” do pica-pau-chanchã, sugerem que o estado de espírito
– o sofrimento, o desespero, o atordoamento – e as atitudes do protagonista – o tatear, o
alvoroço, o bramido –, assemelham-se à movimentação dos elementos da natureza:
a debulha de trilos dos pássaros; o patativo, contando clássico na borda da mata;
mais longe, as pombas cinzentas, guaiando soluços; e, aqui ao lado, um araçari,
que não musica: ensaia e reensaia discursos irônicos, que vai taquigrafando com
esmero, de ponta de bico na casca da árvore, o pica-pau-chanchã. E esse eu
estava adivinhando: rubro-verde, vertical, topetudo, grimpando pelo tronco da
imbaúba, escorando-se na ponta do rabo também. Taquigrafa, sim, mas, para