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Renato Lima Barbosa
O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO E A EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 45 DE 2004
Curso de Doutorado em Direito das Relações Sociais
Curitiba
2006
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Renato Lima Barbosa
O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO E A EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 45 DE 2004
Curso de Doutorado em Direito das Relações Sociais
Tese apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de doutor em Direito
das Relações Sociais: Programa de Pós-
graduação em Direito, do Setor de
Ciências Jurídicas e Sociais da
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Professor Doutor Wilson
Ramos Filho
Curitiba
2006
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Renato Lima Barbosa
O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO E A EMENDA
CONSTITUCIONAL N. 45 DE 2004
Curso de Doutorado em Direito das Relações Sociais
Tese apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de doutor em Direito
das Relações Sociais: Programa de Pós-
graduação em Direito, do Setor de
Ciências Jurídicas e Sociais da
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Professor Doutor Wilson
Ramos Filho
Orientador: ______________________________________
Professor Doutor Wilson Ramos Filho
______________________________________
Professor Doutor Pedro Vidal Neto
______________________________________
Professor Doutor Célio Horst Waldraff
______________________________________
Professor Doutor Alessandro Valler Zenni
______________________________________
Professor Doutor Sérgio Ferraz de Lima
Curitiba
2006
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................7
1 ORGANIZAÇÃO SINDICAL ..............................................................................10
1.1 Os primeiros momentos do sindicalismo brasileiro......................................10
1.2 A ideologia de um modelo importado: o corporativismo italiano ..................15
1.3 A estrutura da organização sindical na década de 1930: bases da atual
organização sindical brasileira.....................................................................17
1.4 A CLT e o sindicalismo em décadas de controle e intervencionismo nos
regimes políticos que se sucederam............................................................24
1.5 A Constituição de 1988 e a herança corporativista: a contradição da
autonomia. ...................................................................................................31
1.5.1 A unicidade sindical .............................................................................35
1.5.2 A sindicalização por categoria e a representatividade na estrutura
organizacional: artificialismo no sistema de representação. ................42
1.5.3 O financiamento pelo Estado: a contribuição sindical compulsória e
outras receitas sindicais.......................................................................53
2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA .................................................................................62
2.1 Origem histórica e noções fundamentais.....................................................62
2.2 Princípios da negociação coletiva................................................................69
2.3 A negociação coletiva e a OIT. ....................................................................70
2.4 A negociação coletiva no direito brasileiro...................................................76
2.5 O problema da não-incorporação definitiva das cláusulas do ajuste coletivo
aos contratos individuais de trabalho...........................................................81
2.6 Outras debilidades do sistema brasileiro que inibem as negociações
coletivas.......................................................................................................87
2.7 A negociação coletiva como instrumento de precarização dos direitos
trabalhistas...................................................................................................94
3 CONFLITOS COLETIVOS DE TRABAHO E FORMAS DE SOLUÇÃO..........100
3.1 Conflitos coletivos de trabalho ...................................................................100
3.2 Formas de solução dos conflitos coletivos de trabalho..............................104
3.3 A autocomposição dos conflitos coletivos de trabalho...............................106
3.4 A arbitragem ..............................................................................................109
3.5 A solução jurisdicional: o controvertido Poder Normativo dos tribunais
trabalhistas.................................................................................................117
3.6 A evolução do Poder Normativo da Justiça do Trabalho no Brasil ............124
3.7 O Poder Normativo na Constituição de 1988.............................................127
4 O PODER NORMATIVO DIANTE DA REFORMA DO JUDICIÁRIO...............135
4.1 A Reforma do Judiciário.............................................................................135
4.2 A necessidade de “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio coletivo
de natureza econômica..............................................................................138
4.2.1 Constitucionalidade da exigência do “comum acordo”...............................140
4.3 O dissídio coletivo de greve.......................................................................144
4.4 O dissídio coletivo de natureza jurídica .....................................................147
4.5 A Irrecorribilidade da decisão no dissídio coletivo de natureza econômica149
4.6 Respeito às disposições convencionadas anteriormente:
ultratividade................................................................................................152
4.7 A Emenda Constitucional 45/2004 como um passo para fortalecer
o sindicato e a autonomia privada coletiva: transição inacabada ..............155
CONCLUSÃO..........................................................................................................161
REFERÊNCIAS.......................................................................................................165
BARBOSA. Renato Lima. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho e a Emenda
Constitucional n. 45 de 2004. Tese apresentada como requisito parcial à obtenção
do grau de doutor em Direito das Relações Sociais pelo Programa de s-
graduação em Direito, do Setor de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade
Federal do Paraná, 2006.
RESUMO
A maior crítica que se faz ao poder normativo da Justiça do Trabalho é no sentido de
inibir o desenvolvimento da negociação coletiva, ferindo o princípio da autonomia
coletiva privada, que prega a solução autônoma dos conflitos coletivos de trabalho.
A Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, aprovada em dezembro de
2004, modificou o texto da Constituição para condicionar o ajuizamento do dissídio
coletivo à vontade de ambas as partes, ou seja, o Judiciário Trabalhista somente
poderá solucionar o conflito e criar normas para as partes se estas, em comum
acordo, o provocarem. Com tal modificação o dissídio coletivo de natureza
econômica transforma-se em verdadeira arbitragem pública. Como conseqüência, a
Justiça do Trabalho não mais detém o Poder Normativo, o qual foi devolvido às
partes, que podem, querendo, delegá-lo à terceiro. Esse terceiro pode ser um árbitro
privado ou público, que no caso seria o Judiciário Trabalhista.
BARBOSA. Renato Lima. The Normative Power of the Labor and the
Constitutional Amendment n. 45 of 2004. Thesis presented as a parcial requisite
to obtain the degree of Doctor in Social Relations Law through the Law Pós-
graduation Program, of the Juridic and Social Siences Sector Federal University of
Paraná, 2006.
ABSTRACT
The crucial criticism directed to the Normative Power of the Labor Justice is in its
capacity to inhibit the development of the collective autonomy, which predicate an
autonomous solution of the collective work conflicts. The Constitutional Amendment
of the Judiciary Reformation, approved in December 2004, modified the text of the
Constitution to condition the instauration of the collective action according to both
parts, that is, the Labor Judiciary Power can only decide the conflict creating rules to
the parts, if these, in common accordance, provoke. With such an alteration, the
collective action of economic nature transforms itself in a truly public arbitration. As a
consequence the Labor Justice does not detain the Normative Power any more,
which was returned to the due parts. These parts can, if they want, to transfer to a
third person. This person may be a private arbitrate or a public arbitrate, in this case,
the Labor Justice.
7
INTRODUÇÃO
O Poder Normativo, assim como a unicidade sindical e a contribuição sindical
compulsória, é ponto muito polêmico e delicado quando se discute o direito sindical
brasileiro. É sempre um desafio tomar posição sobre o assunto.
O tema proposto tem sua justificativa na recente alteração
constitucional, imposta pela Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, que
alterou o modelo de solução dos conflitos coletivos de trabalho no Brasil e que tanta
polêmica trouxe para os estudiosos do Direito Coletivo do Trabalho.
Contudo, não seria possível analisar o impacto dessa alteração sem
analisar o sistema de relações coletivas de trabalho no Brasil. Isso porque a
alteração do modelo de solução de conflitos coletivos de trabalho gera impacto em
grande parte da organização sindical e especificamente na autonomia negocial
coletiva. Pode-se dizer que o impacto em qualquer dos eixos do direito sindical gera
conseqüências nos demais. São, na verdade, interdependentes. E também pode-se
afirmar que qualquer mudança no Direito Coletivo do Trabalho conduz a
conseqüências no plano do Direito Individual do Trabalho. Afinal, aquele existe em
razão deste.
É corriqueira a afirmação da classe patronal brasileira de que o
nosso Direito do Trabalho prejudica o desenvolvimento econômico da nação.
Também é voz corrente que é preciso substituir as rígidas normas trabalhistas por
normas negociadas diretamente pelas partes, ao que se tem chamado de superação
do legislado pelo negociado. O negociado, entretanto, não se dá no plano individual,
mas passa necessariamente pela autonomia privada coletiva.
A autonomia coletiva precisa ser estimulada. Mas para isso é preciso
redimensionar a interferência estatal tanto no âmbito da organização sindical como
na esfera da solução dos conflitos coletivos de trabalho. E voltamos ao ponto de
partida, como num processo de retroalimentação.
8
O plano desse trabalho foi estruturado em um tripé que envolve a
organização sindical, a negociação coletiva de trabalho e as formas de solução dos
conflitos coletivos de trabalho, para, a partir daí, apreender o objeto específico, qual
seja, as conseqüências da Reforma do Judiciário no sistema de relações coletivas
de trabalho como um todo.
O primeiro capítulo deste trabalho terá por objetivo demonstrar a
inadequação do nosso modelo de organização sindical. Será destacado de que
forma o sindicalismo brasileiro, em seu nascedouro livre, passou a ser controlado
pelo Estado a partir da década de 1930. Também se explicará como todas as peças
do sistema que se implantava tinham perfeita harmonia para os objetivos do Estado
à época. Será por fim analisado de que forma alguns desses pilares foram mantidos
mesmo após a redemocratização do Estado - Constituição de 1988 e como eles
afetam o desenvolvimento do sindicalismo brasileiro.
No segundo capítulo, com base no que tiver sido extraído do
primeiro, analisaremos o sistema de negociação coletiva no Brasil, procurando
demonstrar as suas deficiências, especialmente no que tange à interferência estatal
no processo de negociação, já sinalizando para a inadequação do sistema de
solução dos conflitos coletivos de trabalho no Brasil.
No terceiro capítulo apresentaremos as formas de solução de
conflitos coletivos de trabalho existentes no sistema brasileiro, destacando a
importância dos meios autocompositivos de solução dos conflitos e dando enfoque
especial nos meios heterocompositivos. Serão demonstradas as razões da pouca
utilização da arbitragem e a necessidade de estimulá-la. Será abordada a solução
jurisdicional do conflito coletivo de trabalho no Brasil, destacando a controvérsia
gerada desde seu surgimento, pontuando as críticas que tem recebido e analisando
sua aplicação prática, especialmente quanto à posição dos Tribunais na
interpretação da amplitude de que se reveste o Poder Normativo.
Após abordados os três eixos em que repousa o direito sindical,
realçada a interdependência entre eles e apreendida a importância da não-
interferência estatal em detrimento da autonomia sindical, faremos a análise da
Emenda Constitucional da Reforma do Judiciário, à luz de princípios constitucionais
9
e gerais de direito, com o fim de tentar levar o leitor a concluir que o Poder
Normativo compulsório da Justiça do Trabalho não mais subsiste em nosso
ordenamento jurídico e que esse é um passo importante, ao lado de outros que
necessariamente terão que ser dados, para fortalecer o sindicato e
consequentemente a negociação coletiva.
10
1 ORGANIZAÇÃO SINDICAL
1.1 Os primeiros momentos do sindicalismo brasileiro
Nosso atual sistema de relações coletivas de trabalho é herdado do
modelo corporativista implantado por Getúlio Vargas na década de 1930. Trata-se
de modelo intervencionista, em que o sindicato nasce e morre no Estado, não
havendo liberdade de organização sindical.
As características desse modelo serão necessariamente analisadas
mais adiante, porquanto a organização sindical delineada àquela época permanece
até hoje praticamente intacta, mesmo após o advento da Constituição Federal de
1988, que apenas vedou ao Estado a interferência direta na organização sindical.
Com esses marcos - regime corporativo imposto na década de 1930
e relativa autonomia sindical apregoada pela Constituição de 1988 - se torna
possível identificar três fases do direito sindical brasileiro: a fase pré-corporativista
(até 1930), a fase corporativista (que se aperfeiçoa na Constituição de 1937 e se
estende até mesmo no regime mais aberto da Constituição de 1946 e no regime
militar na égide da Constituição de 1967 e Emenda Constitucional de 1969) e a fase
pós-Constituição de 1988 (em que, embora atenuados, os traços corporativistas
ainda se mantêm firmes).
Considerando que o sindicalismo antes de 1930 era incipiente e que
o modelo corporativista de organização sindical não foi extirpado com a Constituição
de 1988, podemos até concluir que nunca vivenciamos outro sindicalismo senão o
do tipo corporativista.
Todavia, antes de analisar o modelo corporativista, cumpre fazer
breve menção ao peodo pré-corporativista, mais especificamente aos primeiros
regramentos do sindicalismo brasileiro, apenas para situar o leitor no contexto
11
histórico e registrar que antes do modelo imposto por Getúlio, embora num
sindicalismo apenas em seu nascedouro, tivemos momentos de liberdade sindical
plena, com pluralidade sindical e autonomia frente ao Estado.
A fase pré-corporativista se inicia em 1888 com o fim do trabalho
escravo, mas as primeiras leis dispondo sobre sindicalismo somente surgiram no
início do século XX, num momento em que prevaleciam idéias do liberalismo,
contrárias à intervenção do Estado nas relações de trabalho
1
.
A primeira legislação dispondo sobre organização sindical no Brasil
foi o Decreto 979 de 1903, dirigido especificamente aos trabalhadores e empresas
agrícolas, já que, à época, a economia brasileira era fortemente voltada para a
agricultura
2
.
O Decreto 979/1903 permitiu a reunião dos profissionais da
agricultura e de indústrias rurais, tanto pequenos produtores como empregados e
empregadores, com a finalidade de estudo, custeio e defesa dos seus interesses.
Era expressamente permitido aos sindicatos a formação de uniões ou sindicatos
centrais com personalidade jurídica separada e com a atribuição de reunir sindicatos
de diversas circunscrições territoriais.
Otávio Bueno Magano
3
realça o sentido cooperativista dessa
legislação, o que resta claro em seu artigo 9º ao atribuir ao sindicato a função de
intermediário de crédito a favor dos sócios, adquirindo para eles o que fosse
necessário para o exercício da profissão e vendendo por conta deles os produtos de
sua exploração.
De fato, as funções do sindicato previstas no Decreto 979/1903 em
muito se distanciam das funções do sindicato que hoje concebemos. Mas merecem
destaques alguns aspectos de liberdade sindical nele assegurados. Como acentua
1
A Constituição de 1891, primeira Constituição Republicana, tinha espírito liberal e individualista.
Embora nada tenha disposto sobre o sindicalismo, o §8º do seu artigo 72 dizia que: “a todos é lícito
associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas, não podendo intervir a polícia senão para
manter a ordem pública”.
2
MARTINS, Milton. Sindicalismo e Relações Trabalhistas, LTr. 4 ed., revista e ampliada, 1995, p.
35.
3
MAGANO, Otávio Bueno. Manual de direito do trabalho. São Paulo, LTr. 1986. v. III, p. 44.
12
Amauri Mascaro Nascimento
4
, havia “liberdade de escolha das formas de
representação”, a aquisição de personalidade jurídica não dependia de autorização
estatal e “respeitou-se o direito de cada indivíduo de ingressar ou não e de sair de
um sindicato
5
”.
Uma regulamentação mais ampla de organização sindical e
sindicalização, incluindo todos os trabalhadores (inclusive profissionais liberais),
sobreveio em 1907 com o Decreto 1637, o qual consagrava a pluralidade sindical,
garantindo aos trabalhadores a formação de entidades sem qualquer intervenção
estatal
6
.
Diferentemente do que ocorreu com os principais países da Europa,
aqui as raízes do sindicato surgiram dos trabalhadores rurais, sendo que somente
em 1907 foi autorizado o sindicalismo urbano
7
. A partir daqui os sindicatos puderam
contratar em nome de seus representados.
O Decreto 1637/1907 tinha uma moldura mais próxima de uma lei
sindical, pois regulava os sindicatos tendo como base a profissão, fundamentando-
se em critérios de similaridade e de conexidade (aqui o embrião da sindicalização
por categoria)
8
. Na mesma linha do Decreto 979/1903, o Decreto 1637/1907
preserva a liberdade de constituição dos sindicados (bastando para tanto o simples
depósito de cópia dos estatutos na repartição competente).
Um grande trunfo dessa legislação foi prever a Criação de
Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem para dirimir controvérsias
4
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. São Paulo. LTr. 2005, 4 ed., p. 80-
81.
5
Assim eram as disposições dos artigos e do Decreto 979/1903. Art. A organização desses
syndicatos é livre de quaesquer restricções ou onus, bastando, para obterem os favores da lei,
depositar no cartorio do Registro de hypothecas do districto respectivo, com a assignatura e
responsabilidade dos administradores, dous exemplares dos estatutos, da acta da installação e da
lista dos socios, devendo o escrivão do Registro enviar duplicatas á Associação Commercial do
Estado em que se organisarem os syndicatos. Art. A todos os socios será livre a retirada em
qualquer tempo, perdendo, porém, todos os direitos, concessões e vantagens inherentes ao
syndicato, em favor deste, sem direito a reclamação alguma e sem prejuizo das responsabilidades
que tiverem contrahido até liquidação das mesmas.
6
MARTINS. Milton. Obra citada, p. 35.
7
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Evolução histórica do sindicalismo. In ROMITA, Arion Sayão
(coord.). Sindicalismo. São Paulo. LTr. 1986. p.10.
8
Artigo 1º do Decreto 1637/1907. E' facultado aos profissionaes de profissões similares ou
connexas, inclusive as profissões liberaes, organizarem entre si syndicatos, tendo por fim o estudo, a
defesa e o desenvolvimento dos interesses geraes da profissão e dos interesses profissionaes de
seus membros”.
13
entre capital e trabalho
9
. Como destaca Magano
10
, “demonstrava grande visão,
porque atinava com o melhor processo para a solução de tais controvérsias: a
conciliação e a arbitragem, através de mecanismos mantidos pelos próprios
interessados”.
Embora de índole liberal, os Decretos 979/1903 e 1637/1907 não
impulsionaram um verdadeiro sindicalismo. Ressalta Segadas Vianna
11
que as
organizações sindicais que surgiram apenas possuíam o rótulo, especialmente as de
trabalhadores rurais, pois não existia, nesses trabalhadores, base intelectual que
lhes assegurasse capacidade de se organizar. Além disso, estavam
economicamente subjugados aos patrões, não tinham direitos assegurados por lei e
não tinha coragem de reclamar qualquer medida em seu benefício com receio de
perder o emprego. A situação dos trabalhadores urbanos não era muito diferente.
Outro aspecto interessante do Decreto 1637/1907 era que somente
brasileiros poderiam fazer parte dos corpos de direção do sindicato
12
. Isso
demonstrava a preocupação do governo com o anarco-sindicalismo, que, segundo
ensina Nascimento
13
, trata-se de doutrina sindical e política, propagada por
imigrantes europeus, que influenciou o sindicalismo revolucionário presente no Brasil
nas duas primeiras décadas do século XX.
Os trabalhadores europeus vindos para o Brasil sobrepunham-se
aos nacionais pela condição técnica e politização superior, o que era fator
preponderante na organização do movimento operário para a luta por melhores
condições de trabalho.
O anarquismo sindical baseava-se numa crítica à ordem jurídica,
social e política, com idéias de combate ao capitalismo, combate ao governo e à
autoridade, desnecessidade de leis para governar a sociedade e a ação direta como
9
Artigo do Decreto 1637/1907. Os syndicatos que se constituirem com o espirito de harmonia
entre patrões e operarios, como sejam os ligados por conselhos permanentes de conciliação e
arbitragem, destinados a dirimir as divergencias e contestações entre o capital e o trabalho, serão
considerado como representantes legaes da classe integral dos homens do trabalho e, como taes,
poderão ser consultados em todos os assumptos da profissão”.
10
MAGANO, Otávio Bueno. Obra citada, p. 12.
11
VIANNA, Segadas. Et alli. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo. LTr. 1991. v. 2 . 12 ed.,
p. 963.
12
Disposição semelhante ainda existe no art. 515, “e” da CLT.
13
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 81.
14
meio de luta. Tratava-se de um sindicalismo apolítico que pregava como ferramentas
de luta da classe trabalhadora a sabotagem e a greve
14
.
Seus ideais influenciaram a ação sindical e a prática de greves à
época. O declínio do anarco-sindicalismo é marcado por conflitos étnicos e expulsão
de estrangeiros ocorrida entre 1906 e 1921
15
.
A década de 1920 é marcada pela regulamentação de alguns
direitos aos trabalhadores (como a lei 4982/1925, dispondo sobre férias) e pela
redução no número de movimentos grevistas. Brito Filho
16
aponta uma relação direta
entre uma coisa e outra, com o movimento sindical diminuindo à medida que o
Estado contempla os trabalhadores com alguns dos direitos reivindicados.
A Revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas ao poder
marcam uma nova etapa no movimento sindical brasileiro. A preocupação com o
movimento operário era grande, que influenciado por trabalhadores estrangeiros,
em especial o anarco-sindicalista, socialista ou comunista, de ação sindical intensa,
muitas vezes desviando a reivindicação trabalhista para o plano político.
As filosofias políticas de direita, dentre elas o fascismo florescente
na Itália, surgiam como resposta. Passou-se a defender um governo forte, com
medidas enérgicas, pautado na ideologia da integração das classes trabalhistas e
empresariais, tal qual era preconizado no modelo corporativista italiano. As idéias
desse corporativismo pautavam-se no inconformismo com o liberalismo e na
resistência ao socialismo.
14
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 82.
15
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Idem, p. 82-83.
16
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Direito Sindical: análise do modelo brasileiro de relações
coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT: proposta de inserção da
comissão de empresa. São Paulo. LTr. 2000, 72.
15
1.2 A ideologia de um modelo importado: o corporativismo italiano
Como destacado, nossa organização sindical tem sua origem na
concepção corporativista da sociedade na década de 1930. Nosso modelo sofreu
forte influência do modelo delineado pela “Carta del Lavoro” do regime fascista de
Benito Mussolini na Itália. Embora com mudanças periféricas, seus pilares ainda
permanecem. Portanto, para entender melhor a nossa organização sindical, é
necessário conhecer as bases desse regime e, considerando a influência fascista,
começaremos por entender o que é Fascismo:
Em geral, se entende por Fascismo um sistema autoritário de
dominação que é caracterizado: pela mobilização da representação
política por parte de um partido único de massa, hierarquicamente
organizado; por uma ideologia fundada no culto do chefe, na
exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do
individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em
oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um
sistema de tipo corporativo; por objetivos de expansão imperialista, a
alcançar em nome da luta das nações pobres contra as potências
plutocráticas; pela mobilização das massas e pelo seu
enquadramento em organizações tendente a uma socialização
política planificada, funcional ao regime; pelo aniquilamento das
oposições, mediante o uso da violência e do terror; por um aparelho
de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de
comunicação de massa; por um crescente dirigismo estatal no
âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de
tipo privado, pela tentativa de integrar nas estruturas de controle do
partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a
totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais
17
.
A Carta del Lavoro, aprovada pelo Gran Consiglio fascista em 1927
na Itália, é um ato sui generes. Embora não se trate de lei, ela declara todos os
princípios inspiradores da legislação, inclusive os princípios em cujas bases se
formou a constituição do Estado
18
. Trata-se de documento básico do Estado fascista
italiano, composto de 30 declarações que resultou de um pacto entre governo,
representantes de trabalhadores e representantes de empregadores
19
.
17
SACCOMANI , Edda, apud ROMITA, Arion Sayão. O Fascismo no direito do trabalho brasileiro.
São Paulo. LTr. 2001, p. 18.
18
ROMITA, Arion Sayão. O Fascismo no direito do trabalho brasileiro. São Paulo. LTr. 2001, p. 23/24.
19
COUTINHO, Aldacy Rachid. A Reforma Trabalhista ‘Gattopardesca’. In MACHADO, Sidney,
GUNTHER, Luiz Eduardo (orgs) Reforma Trabalhista e sindical: o Direito do Trabalho em
Perspectivas Homenagem a Edésio Franco Passos. São Paulo. LTr. 2005, p. 31. Informa a autora
16
A principal aspiração do Estado corporativo é restabelecer o
equilíbrio entre as classes sociais, colocando-se acima delas, como regulador e
organizador e absorvendo por completo toda a atividade. É o Estado onipresente,
totalitário, como enunciado por Mussolini
20
: “Tudo no Estado; nada contra o Estado,
nada fora do Estado”.
O ordenamento corporativo previsto na Carta del Lavoro submete os
interesses particulares ao interesse geral valendo-se de dois meios: a organização
das forças produtivas e a intervenção do Estado. A organização das forças
produtivas se faz através dos sindicatos. O ordenamento corporativo se apóia na
organização sindical das categorias produtivas e propicia ao Estado a coordenação
das atividades sindicais. A organização sindical é pressuposto sico inicial para a
concretização da ordem corporativa e o sindicato se constitui meio para isso. Assim
dispunha a declaração III da Carta del Lavoro quanto à organização sindical
21
:
A organização sindical ou profissional é livre. Mas o sindicato
legalmente reconhecido submetido ao controle do Estado tem o
direito de representar legalmente toda a categoria de empregadores
ou de trabalhadores para o qual é constituído; de defender os
interesses dessa categoria perante o Estado e as outras associações
profissionais; de celebrar contratos coletivos de trabalho obrigatórios
para todos os integrantes da categoria, impor contribuições e
exercer, relativamente a eles, funções delegadas de interesse
público.
O sindicalismo fascista tinha como característica a negação da luta
de classes. Os órgãos de classe são submetidos ao interesse do Estado, que
pregava a colaboração entre as classes para a realização dos supremos interesses
da produção nacional. Neste sentido foi o pronunciamento de Mussolini no Gran
Consiglio Nazionale del Fascimo poucos anos antes da aprovação da Carta del
Lavoro:
que a Carta del Lavoro foi reconhecida como norma jurídica pelo Código Civil Italiano promulgado
em 1942, mas que foi ab-rogada logo depois, em 1944.
20
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada, 2001. p. 24.
21
A influência exercida pela Carta del Lavoro sobre a organização sindical brasileira é tão nítida que
o artigo 138 da Constituição brasileira de 1937 praticamente reproduz o texto da declaração III da
Carta del Lavoro, senão vejamos: “CF/37 - Art. 138. A associação profissional é livre. Somente,
porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos
que participem da categoria de produção para o qual foi constituído, e de defender-lhes o direito
perante o Estado e outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho
obrigatórios para todos os associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções
delegadas de poder público”.
17
O Sindicalismo fascista se distingue do tradicional porque apresenta
características próprias e originais: os operários, os empregadores e
os técnicos constituem um conjunto harmônico com um objetivo:
alcançar o máximo de produção e de bem-estar, contudo,
subordinando os interesses particulares aos supremos interesses da
Pátria
22
.
Essas idéias do fascismo eram de tal forma difundidas no Brasil no
início da década de 1930 que o pronunciamento de Mussolini acima descrito muito
se assemelha ao discurso de Lindolfo Collor, Ministro do Trabalho de Getúlio
Vargas, proferido em dezembro de 1930:
Tanto o capital como o trabalho merecem e terão o amparo e
proteção do Governo. As forças reacionárias do capital e as
tendências subversivas do operariado são igualmente nocivas à
Pátria e não podem contar com o beneplácito dos poderes públicos.
Capital e trabalho, no Brasil, têm uma função brasileira a cumprir [...].
A regularização jurídica das relações entre o capital e o trabalho
obedecerá, pois, entre nós, ao conceito fundamental de colaboração
de classes. Não nenhuma classe, seja proletária, seja capitalista,
que possa pretender que os seus interesses valham mais do que os
interesses da comunhão social. O Brasil primeiro, depois os
interesses de classes
23
.
A experiência bem sucedida do corporativismo italiano à época
inspirou o governo brasileiro e acabou por influenciar toda a legislação sobre
organização sindical.
1.3 A estrutura da organização sindical na cada de 1930: bases da atual
organização sindical brasileira
No mesmo ano em que Getúlio Vargas chega ao poder, em 1930, foi
criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, posto aos cuidados do então
Ministro Lindolfo Collor. No ano seguinte foi editado o importante Decreto 19.770,
22
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada. 2001, p. 52.
23
ROMITA, Arion Sayão. Idem, p. 53
18
criando-se as bases de um tipo corporativista de organização sindical que, no
essencial, ainda perdura até hoje
24
.
O referido decreto, fiel à ideologia que se propunha, tem caráter
marcadamente intervencionista, de um sindicato apolítico e voltado para a
integração das classes produtoras. Através do decreto 19.770 houve o agrupamento
oficial de profissões idênticas, similares e conexas em bases territoriais
preponderantemente municipais. Vedou-se a filiação dos sindicatos a entidades
internacionais sem autorização do Ministério do Trabalho e proibiu-se qualquer
propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso. Deu-se
ao sindicato funções assistenciais, possibilitou-se a atribuição de efeito erga omnes
às convenções coletivas de trabalho e permitiu-se a instituição de associações
sindicais de grau superior.
A característica mais marcante dessa legislação era atribuir ao
sindicato a função de órgão de colaboração do governo e, para tanto, exigia-se o
reconhecimento estatal do sindicato. Neste sentido, seu artigo 5º expressamente
previa: “[...] os sindicatos que forem reconhecidos pelo Ministério do Trabalho [...],
serão considerados, pela colaboração dos seus representantes [...], órgãos
consultivos e técnicos no estudo e solução, pelo Governo Federal, dos problemas
que, econômica e socialmente, se relacionarem com os seus interesses de classe”.
O artigo 6º reforçava essa função ao dizer: “Ainda como órgãos de colaboração com
o Poder Público, [...].” O artigo 2º exigia que os sindicatos, “para serem reconhecidos
pelo Ministério do Trabalho [...], e [...] adquirirem, assim, personalidade jurídica,
tenham aprovados pelo Ministério os seus estatutos”. O §1º do art. estabelecia o
que deveria expressamente constar dos estatutos e o Ministério do Trabalho viria
logo após a instituir o “Estatuto-Padrão”, padronizando os estatutos também como
forma de facilitar o trabalho de controle burocrático
25
.
Acrescente-se, também, que, segundo o artigo 15 do decreto, o
Ministério do Trabalho teria, junto aos sindicatos delegados com a faculdade de
assistirem às assembléias gerais e com a obrigação de, trimestralmente,
24
VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa.Evolução Histórica do Sindicalismo Brasileiro. In PRADO, Ney
(coord). Direito Sindical Brasileiro. São Paulo. LTr, 1998.
25
O Estatuto-Padrão limitava o conteúdo das normas estatutárias. Era dividido em capítulos que
praticamente reproduziam as imposições legais de forma mais organizada e pormenorizada.
19
examinarem a situação financeira dessas organizações, comunicando ao Ministério
do Trabalho, para os devidos fins, quaisquer irregularidades ou infrações ao
presente decreto.
Verifica-se, portanto, não a necessidade de reconhecimento do
sindicato pelo Estado, mas um controle total deste sobre a organização sindical,
transformando um órgão de classe num instrumento do Estado.
Vários outros aspectos dessa legislação contribuem para o controle,
pelo Estado, das entidades sindicais, todos como peças importantes da ideologia do
Estado corporativo que se implantava.
Procuraremos a seguir destacar alguns desses aspectos, lembrando
que boa parte deles foi mantida nas legislações que sucederam o Decreto
19.770/1931 (Decreto 24.964/1934, Decreto-lei 1.402/1939 e CLT), alguns ainda
impregnados atualmente em nossa organização sindical mesmo após a autonomia
sindical apregoada na Constituição Federal de 1998.
Na mesma linha do Decreto 1637/1907, a base da estrutura no
Decreto 19.770/1931 é a da classe profissional, constituída por indivíduos com
profissões idênticas, similares e conexas. Era prevalecente a organização dos
trabalhadores pelo critério horizontal das profissões, o que foi alterado em 1939
pelo Decreto-lei 1402, quando passa a dominar o critério vertical de classificação por
indústria ou ramos de atividade
26
.
O grupo profissional já não tinha mais a liberdade de se organizar do
modo que entendesse mais conveniente. O Decreto 19.770/1931 impunha o
sindicato único para cada profissão, o que se infere da redação do artigo ao
prever que “cindida uma classe e associada em dois ou mais sindicatos, será
reconhecido o que reunir dois terços da mesma classe, e, se isto não se verificar, o
que reunir maior número de associados”.
26
Conforme esclarece Arion Sayão Romita (in FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Curso
de Direito Coletivo do Trabalho: Estudos em Homenagem ao Ministro Orlando Teixeira Costa. São
Paulo. LTr. 1998. p. 188/189. “sindicatos horizontais são os que agrupam trabalhadores que exercem
o mesmo ofício ou profissão, independentemente da empresa em que trabalhem ou do ramo de
produção em que estas desenvolvem sua atividade [...] Os sindicatos verticais prescindem do ofício
ou da profissão dos trabalhadores, para considerar apenas o ramo ou setor da produção em que a
empresa desempenha sua atividade”.
20
Conforme estatuía o art. do decreto, era facultado aos sindicatos
formarem, no respectivo estado, federações, e estas formarem a respectiva
confederação na capital da República. E o § 1º do mesmo artigo deixava claro que a
faculdade para formar Federações de classe era atribuída “aos sindicatos de
profissões idênticas, similares ou conexas”. Como observa Magano
27
, a integração
do sindicato com outras entidades obedecia a regra do “paralelismo hierárquico”,
pois não poderia ser formada Federação por sindicatos de profissões não conexas e
os grupos de trabalhadores deveriam organizar-se paralelamente com os grupos de
empregadores.
As Federações e Confederações deveriam, da mesma forma que os
sindicatos, terem seus estatutos aprovados pelo Ministério do Trabalho e todos
esses entes sindicais deveriam enviar anualmente ao Ministério do Trabalho um
relatório minucioso dos acontecimentos sociais. o era permitida a filiação a
sindicatos internacionais sem antes ser ouvido o Ministério do Trabalho.
A Constituição de 1934 colocaria fim a esse modelo, ao estabelecer
no parágrafo primeiro do artigo 120 que “a lei assegurará a pluralidade sindical e a
completa autonomia dos sindicatos”. Entretanto, poucos dias antes da promulgação
da referida constituição, havia sido editado o Decreto 24.694, o qual mantinha, em
linhas gerais, os mesmos princípios da legislação de 1931.
Embora o Decreto 24.694/1934 continuasse caracterizando o
sindicato como órgão de colaboração do Estado, condicionando a vigência de seus
estatutos à aprovação do Ministério do Trabalho, exigindo-lhes a apresentação de
relatórios periódicos às autoridades administrativas, dentre outros ataques frontais à
autonomia sindical, o STF não declarou a inconstitucionalidade do decreto quando
provocado
28
.
O que parecia novidade no Decreto 24.694/1934 era a suposta
pluralidade sindical por ele instituída. Segundo o artigo 5º, II, “a”, deveria haver, para
a constituição e reconhecimento dos sindicatos de empregados, “a reunião de
associados, de um e outro sexo e maiores de 14 anos, que representam, no mínimo,
um terço dos empregados que exerçam a mesma profissão na respectiva
27
MAGANO, Otávio Bueno. Obra citada, p. 47/48.
28
MAGANO, Otávio Bueno. Idem, p. 49.
21
localidade”. Ora, com esse mínimo de “um terço” se poderia chegar ao máximo a
três sindicatos, ou mesmo dois, que para três sindicatos seria necessário que
todos tivessem o mesmo número de associados, o que seria praticamente
impossível.
De toda sorte, a aparente pluralidade sindical prevista no Decreto
24.694/1934 praticamente não teve aplicabilidade, não pela dificuldade técnica,
mas também porque na Constituição Federal de 1937 restabeleceu-se a unicidade.
A Constituição de 1937 instituiu definitivamente a organização
corporativa aspirada desde a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Com efeito, seu
artigo 140 dispunha o seguinte: “a economia de produção será organizada em
corporações e estas, como entidades representativas das forças do trabalho
nacional, colocadas sob a assistência e proteção do Estado, são órgãos e exercem
funções delegadas de poder público”.
Outros dispositivos da Carta de 1937 põem em relevo o sistema
corporativo que se instalava. O artigo 58 instituía o Conselho de Economia Nacional,
cujas funções eram promover a organização corporativa da economia nacional,
estabelecer normas relativas à assistência prestada pelos sindicatos, editar normas
reguladoras dos contratos coletivos de trabalho, emitir parecer sobre a organização
e reconhecimento dos sindicatos. O artigo 138, cópia fiel da declaração III da Carta
del Lavoro, colocava o sindicato como órgão de colaboração do Estado, sujeito ao
seu reconhecimento e exercendo funções por ele delegadas. O artigo 139, ao
mesmo tempo que institui a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Executivo
para dirimir os conflitos trabalhistas, proíbe expressamente a greve.
Como destacado por Wolkmer
29
, “a Constituição de 1937, inspirada
no Fascismo europeu, instituiu o autoritarismo corporativista do Estado Novo e
implantou uma ditadura do Executivo”. O presidente da República, através de
decretos-leis, usurpando competência do Congresso Nacional, legislava intervindo
como bem quisesse nas organizações sociais, partidárias e representativas.
A fim de adequar a organização sindical à Constituição Federal foi
baixado o Decreto-lei nº. 1.402 de 1939. O projeto dessa legislação foi confiado a
29
WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro, Forense. 1998, p. 110.
22
uma comissão formada por Oliveira Viana e outros que, na exposição de motivos do
referido projeto, diziam: “Como se depreende claramente de várias das suas
cláusulas e dispositivos, a Constituição de 1937, instituindo a organização
corporativa da nossa ordem econômica, vinculou-a à organização sindical
30
.”
O Decreto-lei nº. 1.402 de 1939 estabelecia a exigência de
sindicatos exclusivos, únicos e autorizados pelo governo, determinava quais
associações podiam tornar-se sindicatos e instituía o quadro de profissões, além da
intervenção do Ministério do Trabalho.
A estrutura da organização sindical continuou a corresponder ao
binômio categoria profissional e base territorial. Todavia a categoria passa a ser
dimensionada por critérios não técnicos, mas também políticos. Isso porque o
decreto-lei previa em seu artigo 54 que o Ministério do Trabalho organizaria o
“quadro das atividades e profissões”, que veio a ser regulamentado no ano seguinte
pelo Decreto nº. 2.381, o qual previa a constituição de sindicatos normalmente por
categorias econômicas ou profissionais homogêneas previamente especificadas no
referido quadro e, excepcionalmente, pelo critério de categorias similares ou
conexas, havendo neste caso discricionariedade da autoridade administrativa para o
enquadramento. Dessa forma, é comum o profissional ficar inserido numa categoria
que não corresponde à sua profissão. Nesse contexto, deixa de prevalecer a
organização dos trabalhadores pelo critério horizontal das profissões, passando a
prevalecer o critério vertical de classificação por indústria ou ramos de atividade.
O quadro de atividades e profissões passa a ser pressuposto da
organização sindical, restringindo a liberdade sindical à medida que impede o livre
impulso associativo.
A base territorial, também delimitada pelo Ministério do Trabalho na
carta de reconhecimento do sindicato, poderia ser, a exemplo da legislação anterior,
distrital, municipal, intermunicipal, estadual, interestadual e excepcionalmente
30
VIANA, Francisco José de Oliveira. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro. Max Limonad.
1943, p. 203. Dizia ainda a exposição de motivos que como instituições precorporativas que são,
num regime de corporações de tipo estatal (pois que é a própria Constituição que estatui que as
corporações são ‘órgãos do Estado’), é claro que as associações profissionais têm que sofrer, na sua
vida interna, como na sua vida de relação, as limitações e as intervenções que o Estado julgar mais
convenientes para o pleno funcionamento da superestrutura corporativa, por ele mesmo instituída
como forma suprema de organização da ordem econômica”.
23
nacional. Na prática prevaleceu o critério político de atribuir ao sindicato base
territorial correspondente a um município. Da conjugação dos elementos, categoria
profissional e base territorial resultam o sindicato único, no que foi explícito o
decreto-lei ao dispor que “não será reconhecido mais de um sindicato para cada
profissão”.
Diferentemente da legislação anterior, que condicionava a filiação
dos sindicatos a entidades internacionais à prévia autorização do Ministério do
Trabalho, a nova legislação proíbe expressamente os entes sindicais reconhecidos
pelo Estado de fazer parte de organizações internacionais.
A interferência do Estado na vida do sindicato foi de tal forma
acentuada que o Ministério do Trabalho, verificando a existência de dissídio ou
circunstância que perturbasse o funcionamento do sindicado, poderia nele intervir
através de delegado do trabalho com atribuições de administrar-lhe e propor
medidas que entendesse necessárias. As penalidades pelo descumprimento da lei
iam desde multa, suspensão e destituição de diretores a fechamento do sindicato e
cassação da carta de reconhecimento. Entre as hipóteses de cassação estava a
desobediência às “normas emanadas das autoridades corporativas competentes ou
às diretrizes da política econômica ditadas pelo Presidente da República”.
Outra novidade significativa do decreto-lei foi o poder atribuído aos
sindicatos de “impor contribuições a todos aqueles que participam das profissões ou
categorias representadas”, relegando a regulamentação para posterior regulamento
especial, o que veio pelo Decreto-lei 2.377 em 1940. É marcado o início da
contribuição sindical época chamado de imposto sindical) obrigatória, ainda hoje
presente em nosso sistema, para alguns causa das mais graves distorções do
sindicalismo brasileiro
31
.
Ainda na década de trinta, por meio do Decreto-lei 1237/1939, foi
organizada a Justiça do Trabalho, de composição paritária e poderes para dirimir
conflitos coletivos de trabalho de natureza econômica, criando normas que se
estenderiam à totalidade das categorias envolvidas no dissídio.
31
MAGANO, Otávio Bueno. Obra Citada, p. 63.
24
Como assevera Nascimento
32
, “é possível que esse conjunto de
normas jurídicas atingisse o epílogo de um processo de dirigismo estatal sobre a
organização sindical”. As regras estabelecidas aentão, com pequenas alterações,
permaneceram praticamente intactas até a redemocratização do país em 1988.
Passou-se quase meia cada de forte intervencionismo que muito dificultou o
desenvolvimento do sindicalismo.
1.4 A CLT e o sindicalismo em décadas de controle e intervencionismo nos
regimes políticos que se sucederam.
Em 1942 o ministro do trabalho Alexandre Marcondes Filho nomeia
comissão formada por ilustres juristas da época, dentre eles Arnaldo Sussekind,
Segadas Viana e Dorval Lacerda, para elaborar um anteprojeto de Consolidação das
Leis do Trabalho e da Previdência Social. A referida Comissão não tinha em mira
introduzir alterações na legislação trabalhista e sindical até então vigentes, tanto que
no relatório do anteprojeto exaltava a orientação imprimida por Getúlio Vargas e
expressamente consignava que “foi cil à comissão discernir a linha mestra que,
prodigiosamente, vem imprimindo unidade à nossa legislação social, durante os dois
anos de sua contínua promulgação
33
”.
Com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em
1943, através do Decreto-lei 5.452, além de outras leis trabalhistas, incorporaram-se
num único texto legislativo o Decreto-lei 1.402/39 sobre organização sindical, o
Decreto-lei 2.381/40 sobre o enquadramento sindical e o Decreto-lei 2.377/40 sobre
contribuição sindical e mantiveram-se as regras até então existentes
34
.
32
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 93.
33
AROUCA, José Carlos. O sindicato em um mundo globalizado. São Paulo, LTr. 2003., p. 160-161.
34
Categoria predefinida em lei, verticalidade e sistema confederativo, base territorial outorgada pelo
Ministério do Trabalho, sindicato único, rígido controle estatal e ausência de autonomia e contribuição
compulsória.
25
Nota-se que praticamente houve a reunião dos textos de lei
existentes, com poucas novidades, o que manteve o ideário corporativista
influenciado pelo modelo italiano
35
. O Título V da CLT tratou da organização sindical
e manteve praticamente intacto o figurino da legislação de 1939.
Conforme observa Arouca
36
, o sindicato continuava com as mesmas
prerrogativas e deveres, tinha seu reconhecimento subordinado ao Ministério do
Trabalho, o qual tinha poderes de disciplinar e dirigir o processo eleitoral e de
aprovar previsões orçamentárias, balanços e relatórios de atividades e de julgar atos
da diretoria, do conselho fiscal e da assembléia. Os estatutos deveriam obedecer a
modelos padronizados, um para cada tipo de organização, associação profissional,
sindicato, federação e confederação.
A organização sindical estabelecida na CLT não sofre alterações nas
décadas que se sucederam. Como veremos mais adiante, somente com a
Constituição de 1988 é que este quadro se altera, porquanto muitos dispositivos da
CLT foram revogados a partir da expressa vedação constitucional de interferência e
intervenção na organização sindical pelo Estado.
Não obstante, embora o ordenamento jurídico anterior à Constituição
de 1988 possibilitasse o controle total das organizações sindicais pelo Estado, este
não foi capaz de aniquilar totalmente o movimento sindical e as manifestações
contrárias à organização sindical. Apesar do fato de que todas as manifestações do
cotidiano sindical passassem pelo crivo da autoridade do Estado, a depender dos
governos ou regimes políticos que se sucediam, o movimento sindical desafiava a
estrutura vigente, sendo na maioria das vezes reprimido, mas noutras vezes
tolerado, como veremos adiante
37
.
35
Observa Aldacy Rachid Coutinho que, no que tange ao contrato coletivo de trabalho, a CLT, em
seu texto original, não sofre influência da do modelo italiano. De fato, pelas declarações III e IX da
Carta del Lavoro o ajuste coletivo teria efeito sobre toda a categoria, enquanto que pelo art. 612 da
CLT se restringiria apenas aos associados, embora o Ministério do Trabalho pudesse estende-lo aos
demais membros da categoria. (A Reforma Trabalhista ‘Gattopardesca’. In MACHADO, Sidney,
GUNTHER, Luiz Eduardo (orgs) Reforma Trabalhista e sindical: o Direito do Trabalho em
Perspectivas – Homenagem a Edésio Franco Passos. São Paulo. LTr. 2005. p. 33).
36
AROUCA, José Carlos. Obra citada, p. 162.
37
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores no local
de trabalho, 2000. p. 339.
26
O fim da segunda guerra mundial e as derrocadas do fascismo e do
nazismo levaram também ao fim a ditadura de Getúlio Vargas. Em 1945 o cenário
político passa a ser outro. Vargas assina a Lei Complementar nº. 9 que prevê as
eleições diretas, assina decreto-lei que anistia os presos políticos e convoca as
eleições para o mesmo ano. Surgem partidos políticos novos e até o Partido
Comunista volta à legalidade. No entanto vence as eleições o candidato apoiado por
Getúlio, Eurico Gaspar Dutra, que governa o país a partir de 1946.
O período que os autores costumam chamar de Terceira República
(1946/1964) foi marcado por críticas à perpetuação do sindicato único, porém pouco
foi alterado.
A Constituição de 1946 restabeleceu o direito de greve
38
, negado
pela Constituição de 1937, mas não permitiu nenhuma mudança na organização
sindical e não alterou a concepção corporativista de sindicato. Em seu art. 159
estabeleceu a liberdade de associação sindical
39
, mas condicionada à lei.
Era no mínimo curioso, como acentuou Evaristo Moraes Filho, a
sobrevivência de uma lei, promulgada para um regime corporativo fascistizante, em
pleno quadro democrático de uma nação
40
”. Mas, ao condicionar a liberdade sindical
à lei ordinária, a Carta de 1946 abriu brecha para que o modelo corporativo fosse
mantido, o que ocorreu pela vontade do presidente Dutra e seus assessores
41
.
A seqüência de governos até o golpe militar de 1964 (Dutra, Vargas,
Kubitschek, Quadros e Goulart) manteve a estrutura da organização sindical
herdada do Estado Novo
42
. Todavia o movimento sindical nesses anos passa por
alguns avanços e retrocessos.
Em razão da redemocratização apontada pela Constituição de 1946,
o primeiro ano do governo de Dutra experimenta o renascimento do sindicalismo de
38
A Lei de greve foi aprovada pelo Decreto-lei 9.070 poucos dias antes da vigência da Constituição
1946.
39
Art. 159 da CF/1946. “É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma
de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de
funções delegadas pelo poder público”.
40
MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil: seus fundamentos
sociológicos. 2ª ed., São Paulo. Alfa-Omega, 1978. p. 275.
41
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Obra citada. p. 75.
42
VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa. Obra citada. p.133/135.
27
resistência, desatrelado do Estado. Em 1946 surgiu o Movimento de Unificação dos
Trabalhadores MUT, uma central que teve forte influência dos comunistas e que
defendia a soberania nas assembléias sindicais, sem a presença de representantes
do Ministério do Trabalho, a eleição e posse de diretores sem a prévia aprovação do
Ministério do Trabalho e a autonomia administrativa, com a eliminação do controle
do Estado sobre a aplicação dos fundos sindicais. Porém o movimento teve vida
curta e o governo de Dutra foi marcado por uma relativa estagnação do movimento
sindical, fruto de perseguições políticas e intervenções nos sindicatos (em 1949
foram 234 intervenções)
43
.
Em 1951 Getúlio Vargas retorna ao poder e permanece até 1954,
quando se suicida e assume em seu lugar Café Filho. Em seu governo, em 1953, a
estrutura sindical oficial foi novamente enfrentada com a criação de um organismo
horizontal, o Pacto da Unidade Intersindical PUI que liderou greves e os
movimentos sindicais mais importantes até 1958.
Outras organizações horizontais surgiram nos primeiros anos da
década de sessenta, como o Pacto de Unidade de Ação (PUA) em 1960, a
Comissão Permanente das Organizações Sindicais do Estado da Guanabara
(CPOS) no mesmo ano, o Fórum Nacional de Debates (FDS) em 1963 e a União
Sindical dos Trabalhadores (UST), esta criada para contrapor-se ao Comando Geral
dos Trabalhadores (CGT), que surgiu como uma espécie de central sindical em 1962
e foi reconhecido como tal no governo de João Goulart em 1963
44
.
O CGT, da mesma forma que as organizações horizontais,
constituíam um desafio ao modelo oficial de sindicalismo. Dentre as reivindicações
dessas organizações, estava a reforma do sistema sindical, para garantir um sistema
pleno de liberdade e autonomia sindicais, sem qualquer interferência governamental.
Registre-se, entretanto, que essas organizações tinham lideranças comunistas e,
portanto, além de reivindicações trabalhistas, tinham orientações políticas,
levantando bandeiras como a da agrária, da limitação do capital estrangeiro, da
maior participação do Estado na economia etc
45
.
43
AROUCA, José Carlos. Obra citada, 2003. p. 192-193.
44
AROUCA, José Carlos. Idem, p. 195-201.
45
AROUCA, José Carlos. Idem, ibidem, p. 195-201.
28
Os comunistas tiveram forte presença no movimento sindical durante
o governo de João Goulart (7.9.61 à 31.3.64)
46
, pois o partido de Jango tinha
alianças com o partido comunista (PCB) e este havia alcançado posição
proeminente na organização sindical, controlando quatro das principais
confederações de trabalhadores, além de deter o controle a organização
intersindical PUA e participar ativamente da criação do CGT
47
.
A posição dos comunistas quanto ao sindicalismo social era
ambígua, pois, ao mesmo tempo que reivindicavam maior autonomia para as
entidades classistas, não questionavam a estrutura sindical vigente e as
manifestações de seus dirigentes eram no sentido de manter a vinculação dos
sindicatos com o Ministério do Trabalho, preservando a aliança com o Governo
48
.
O CGT deu ao movimento sindical uma dimensão até hoje não
reconquistada. Teve participação decisiva em todos os importantes acontecimentos
que antecederam e deram causa ao golpe militar de 1964, quando teve sua sede
invadida e a prisão de vários de seus dirigentes.
Durante o período militar (1964/1985), principalmente no seu início,
houve diversas atuações do governo para repreender e intervir nos sindicatos, além
de cassar o mandato dos representantes sindicais. Almir Pazzianotto Pinto
49
registra
que, nos dias que se seguiram ao golpe, 409 sindicatos, 43 federações e 4
confederações sofreram intervenções. Foi intensificado o controle sobre as
entidades sindicais através de instrumentos que já existiam.
O Decreto-lei nº. 3, de 1966, autoriza a intervenção nos sindicatos
por motivo de segurança nacional. Durante os anos seguintes pouca ou nenhuma
abertura foi dada aos movimentos sindicalistas, assim como a todos os outros
movimentos democráticos da sociedade brasileira
50
.
46
Registra José Carlos Arouca (O sindicato em um mundo globalizado, p. 173) que “para alguns, por
ingenuidade ou assumida má-fé, Jango não passava de um fantoche dos comunistas, mais
propriamente dos sindicalistas ligados ao PCB”.
47
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Obra citada, p. 246-247.
48
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Idem Ibidem.
49
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Idem Ibidem.
50
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Obra citada. 2001. p. 10.
29
Sindicatos até então combativos, capazes de mobilizações de
massa e greves, perdem a expressão e passam a atuar burocraticamente,
recorrendo aos processos de dissídios coletivos nos Tribunais como única forma de
reivindicações para as respectivas categorias. Também colaboram com o
esvaziamento das lutas sindicais as leis de política salarial, que passam a regular os
reajustes salariais a partir de 1965, e a nova lei de greve, Lei 4.330/64, bastante
restritiva
51
.
A intenção dos governos militares, porém, era controlar o movimento
sindical e não destruí-lo, o que permitiu, mais tarde, no período de transição
democrática, o surgimento de lideranças sindicais autênticas. Até o final de década
de setenta, a atividade sindical foi bastante reduzida, voltada ao assistencialismo
característico dos sindicatos corporativistas.
A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº. 1 de 1969
52
significaram um retrocesso em termos de organização sindical, estendendo os
poderes delegados pelo Estado ao sindicato como representativos de toda a
categoria (não associados), consagrando expressamente a cobrança da
contribuição sindical e mantendo em vigor toda a organização vertical.
Um novo sindicalismo surge a partir do final da década de setenta,
originário da aglutinação dos trabalhadores em indústrias de ponta como a
automobilística. Os metalúrgicos da região do ABC paulista (Santo André, o
Bernardo e São Caetano) são os pioneiros desse novo sindicalismo. Em 1970 dão
os primeiros passos para se libertarem do controle das Federações estaduais e,
depois de acumularem experiência e forças durante algum tempo, paralisam a Saab-
Scânia no Brasil em 1978, espalhando-se a greve, em seguida, para outras
indústrias da região
53
. O Governo segue com intervenções, destituição de dirigentes
e prisões, mas não é capaz de impedir a continuidade dos movimentos grevistas.
51
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Obra citada, p. 247.
52
Art. 159 da CF/67, de igual teor do Art. 165 da EC 1/69. É livre a associação profissional ou
sindical, a sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o
exercício de funções delegadas de poder público serão regulados em lei. §1º. Entre as funções
delegadas a que se refere este artigo, compreende-se a de arrecadar, na forma da lei, contribuições
para o custeio da atividade dos órgãos sindicais e profissionais e para a execução de programas de
interesse das categorias por eles representadas. §2º É obrigatório o voto nas eleições sindicais”.
53
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Obra citada, p. 247.
30
Paralelamente, acirravam-se as discussões acerca da estrutura
sindical brasileira em vários congressos sindicais acontecidos nos anos de 1978 e
1979
54
. Os sindicatos não demonstravam tanto temor pela repressão e em 1981
ocorre a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora –CONCLAT (inspirada na
conferência da classe produtora ocorrida no ano anterior), com uma extraordinária
mobilização de trabalhadores (com participação de 864 sindicatos e 50 federações),
em que foi aprovada a criação de uma central única e também, por maioria, a
unicidade sindical. Dadas as naturais divergências, dois grupos se dividiam na
criação da central
55
.
Enquanto um grupo defendia a unidade com a estrutura oficial, que
significava a instrumentalização do modelo vigente, outro grupo defendia a criação
de uma estrutura paralela, concorrendo com o sindicalismo oficial.
A partir de 1983 surgem as centrais sindicais que, embora fora da
estrutura oficial, se tornaram organismos de coordenação dos sindicatos, ocupando
o espaço das confederações
56
. Em agosto de 1983 é fundada a Central Única dos
Trabalhadores, quem vem a defender a pluralidade sindical, a extinção das
contribuições compulsórias e o fim do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Ainda no mesmo ano, em novembro, as confederações da estrutura
oficial criam a Coordenação Nacional da Classe Trabalhadora CONCLAT
(aproveitando a sigla do evento de 1981) que se transforma posteriormente noutra
central, a Confederação Nacional dos Trabalhadores – CGT (também aproveitando a
sigla do histórico CGT da época de Jango), que, em linha oposta à CUT, defende a
unicidade sindical, as contribuições compulsórias e o Poder Normativo
57
.
54
Segundo José Carlos Arouca (O sindicato em um mundo globalizado, p. 229-250, os mais
importantes, foi o V Congresso Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias (julho de 1978), Congresso
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (outubro de 1978), Congresso Estadual dos
Metalúrgicos de Lins (janeiro de 1979), Congresso Nacional dos Metalúrgicos de Poços de Caldas
(julho de 1979), Encontro Nacional dos Dirigentes Sindicais de Gragoatá (agosto de 1979).
55
AROUCA, José Carlos. Obra citada p. 672-674.
56
José Francisco Siqueira Neto (in. “Liberdade sindical e representação dos trabalhadores no local de
trabalho”, p. 92) realça dois importantes aspectos das centrais sindicais que surgiam: “primeiro, que
as centrais organizavam-se como verdadeiras confederações por ramo de atividade e inter-ramos de
atividade, ou seja, de forma vertical e horizontal; segundo, que apesar das centrais se constituírem
além do sistema confederativo, todas elas têm como filiadas as entidades vinculadas ao sistema
confederativo (que vivem na estrutura confederativa), o que torna ao menos relativa à independência
das centrais em relação ao ordenamento jurídico de influência corporativista”.
57
Várias outras centrais surgiram nos anos seguintes, dentre as de maior relevo, a Força Sindical
que, ao lado das outras duas já citadas, são atualmente as três maiores centrais sindicais no Brasil.
31
Também contribuía para esse quadro de mudanças no sindicalismo,
numa relação de causa-efeito, o afrouxamento da ditadura militar, iniciada no
governo de Ernesto Geisel no final da década de setenta. No governo subseqüente,
de João Batista Figueiredo, que representou o esgotamento do regime militar, os
sindicatos participaram ativamente do movimento pelas eleições diretas e pela
assembléia nacional constituinte.
Com o fim do período militar (1995) e o início da “Quarta República”,
inicia-se um período de maior liberdade sindical. Logo de início o governo promove a
reabilitação dos sindicalistas punidos. Foram expedidas as portarias de nº.s 3.100/85
e 3.117/85, a primeira revogando portaria anterior que proibia centrais sindicais e a
segunda disciplinando eleições sindicais. Abolia-se, enfim, o “Estatuto-Padrão”
58
.
Abria-se um clima para implantar um regime de plena liberdade sindical através da
nova ordem constitucional que estaria por vir.
1.5 A Constituição de 1988 e a herança corporativista: a contradição da
autonomia.
Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte foram marcados
por divergências no tocante à organização sindical. As mobilizações dos sindicalistas
eram intensas no sentido de influenciar os congressistas responsáveis pela
elaboração da nova constituição. Enquanto uns propunham uma reestruturação
completa na organização sindical, defendendo um regime de completa liberdade
sindical, outros defendiam bandeiras como a da unicidade sindical e contribuição
compulsória.
O resultado veio disposto no artigo da Constituição, cujo caput se
contradiz com os seus vários incisos, em especial os incisos II e IV
59
. Proclamou a
58
Através de portaria o Ministério do Trabalho impunha, desde a década de trinta, regras obrigatórias
para padronizar os estatutos sindicais. A última portaria foi a de nº. 126 em 1958.
59
Art. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir
autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente,
32
liberdade de associação profissional, abolindo a autorização estatal para sua
instalação, bem como vedou a interferência e a intervenção do Poder Público na
organização sindical. Contudo manteve-se o regime anterior de organização sindical
por categoria profissional ou econômica, vedando a criação de mais de um sindicato
de determinada categoria em uma mesma base territorial, mantendo também a
contribuição sindical compulsória fixada por lei.
Conquanto o texto constitucional expressamente vede a interferência
e a intervenção do Poder Público na organização sindical, com a manutenção da
unicidade sindical, essa vedação não passa de retórica, pois o intervencionismo e a
interferência ficam implícitos na regra da unicidade
60
.
Não como poupar críticas quanto à ambigüidade do artigo da
Constituição. Como ressalta Evaristo de Moraes Filho
61
, “as alíneas II e IV como que
desmentem a afirmativa do caput do artigo que considera livre a associação
profissional ou sindical”. Combinar liberdade sindical com unicidade sindical imposta
por lei e contribuição compulsória é de fato contraditório.
A nova Constituição aponta para mudança e continuidade quanto à
organização sindical. Avança democraticamente ao afastar expressa e
estruturalmente a possibilidade de intervenção do Estado, rompendo com o controle
político-administrativo do Estado sobre os sindicatos desde a cada de 1930.
Também avança quando incentiva o processo negocial coletivo autônomo em vários
dispositivos (art. 7º, VI, XIII, XIV, XXVI e art. 8º, VI), mas, por outro lado, preserva a
vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a
criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria
profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou
empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe
a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de
categoria profissional, se descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da
representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém
será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos
sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser
votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do
registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente,
até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
60
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 295.
61
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Org.). Obra citada, p. 73.
33
estrutura sindical corporativista, mantendo inclusive o Poder Normativo da Justiça do
Trabalho (art. 114, §2º)
62
.
Outra crítica que se faz à organização sindical prevista na
Constituição é a manutenção do sistema vertical de sindicalização previsto na CLT,
impossibilitando o reconhecimento das centrais sindicais como entidades sindicais.
Em linhas gerais, conquistou-se mais liberdade de criação e
funcionamento dos sindicatos, mas foram mantidos institutos com origem fascista
como a unicidade sindical (e com ela a necessária noção de categoria), a
contribuição sindical compulsória e o Poder Normativo, todos herdados do regime
corporativista da década de 1930.
Como destaca Brito Filho
63
, com a Constituição de 1988, o
panorama do sindicalismo muda, mas muda pouco, já que são mantidas as bases do
sistema corporativista (acima indicadas), as quais, juntas, ele denomina de “tripé da
incompetência” ou “tripé da farsa”, por sustentarem um sindicalismo sem
compromisso com suas bases, além de outras restrições dissonantes de um regime
de liberdade sindical”.
É por todas essas contradições que Maurício Godinho Delgado
64
afirma que a Constituição de 1988 apenas inaugura uma transição democrática, a
qual
[...] somente seria completa com a adoção de medidas harmônicas e
combinadas no sistema constitucional e legal do país: de um lado, o
afastamento dos traços corporativistas e autoritários do velho
modelo trabalhista; de outro lado porém, ao mesmo tempo e na
mesma intensidade o implemento de medidas eficazes de
proteção e reforço à estruturação e atuação democráticas do
sindicalismo na sociedade brasileira.
De fato, não harmonia entre o caput do artigo 8º da CF e os seus
incisos II e IV, assim como não harmonia do sistema de organização sindical ali
62
DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo. LTr. 2003, 2 ed., p. 114-
117. O autor acrescenta que “Esses mecanismos autoritários preservados pela Carta de 1988 atuam
frontalmente sobre a estrutura e dinâmica sindicais, inviabilizando a construção de um padrão
democrático de gestão social e trabalhista no Brasil. Na verdade, o acoplamento de figuras jurídicas
corporativistas a um universo de regras e princípios democráticos tem produzido efeitos perversos no
mundo sindical do país”.
63
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Obra citada. p. 78.
64
DELGADO, Maurício Godinho. Idem. p. 119.
34
imposto e o artigo da Constituição, onde se prega a democracia e, como
fundamento desta, o “pluralismo político”
65
, com o que não combina a unicidade
sindical. De harmônico, o que se na Constituição em termos de organização
sindical é só a relação intrínseca existente entre os pilares do tripé a que alude Brito
Filho (a unicidade sindical, a contribuição compulsória e o Poder Normativo). São
eles harmônicos entre si, mas não com os princípios e o espírito da atual Carta
Magna.
A harmonia entre eles e com o sistema político se dava à égide
da Constituição corporativista de 1937. Neste aspecto, Arion Romita
66
bem destaca
a coerência e harmonia que essas peças guardavam entre si. O sindicato único e
criado por categoria era forma de mantê-lo obediente ao Estado, pois era esse quem
definia as categorias. Ao sindicato não caberia reivindicar porque a luta de classes
era vistas como prática comunista. Era preciso negar ou ocultar o conflito em prol da
necessária colaboração entre capital e trabalho com fins de atingir os interesses
superiores da nação, a produção. O sindicato deveria colaborar com o Estado e para
tanto deveria submeter-se a seu controle, sujeito até mesmo à intervenção do
Ministério do Trabalho. Em contrapartida o Estado criava a contribuição sindical por
lei e cuidava de sua arrecadação, o que reforçava a submissão do sindicato. Sendo
vedada a função reivindicativa ao sindicato, inclusive com proibição de greve,
porque nociva aos interesses superiores da produção, necessário foi dotar a Justiça
do Trabalho de Poder Normativo.
Trataremos adiante desta herança corporativista, fazendo
inicialmente uma análise da unicidade sindical, da conseqüente sindicalização por
categoria e da necessária contribuição compulsória para manter este sistema. Do
Poder Normativo trataremos no terceiro capítulo, após analisar o sistema de
negociação coletiva em capítulo próprio.
65
BASTOS, Celso Ribeiro. In Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo. Saraiva. v. 1. 1988. p.
426.” assim nos traz a dimensão do princípio do pluralismo político: “A democracia impõe formas
plurais de organização da sociedade. Por pluralismo político não se deve entender tão somente a
multiplicidade de partidos políticos. Há de se entender também o pluralismo dos sindicatos, das
igrejas, das escolas e das universidades, das empresas, das organizações culturais e, enfim, de
todas aquelas organizações que podem ser sempre de interesses específicos dentro do Estado e
conseqüentemente servir para opor-se-lhe e controlá-lo.” (grifo nosso)
66
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada, 2001. p. 104/105.
35
1.5.1 A unicidade sindical
O sindicato pode ser único por espontânea vontade dos
trabalhadores ou por imposição do Estado, ao que se chama de unicidade sindical.
As origens dos sistemas de unicidade sindical remontam ao início do
século XX, primeiramente no comunismo da União Soviética e logo em seguida nos
regimes corporativistas do sul da Europa (Itália de Mussolini, Espanha de Franco e
Portugal de Salazar). A nossa organização sindical, como dito anteriormente,
buscou inspiração no fascismo italiano, onde a unicidade sindical, embora não
estivesse expressamente prevista na Carta del Lavoro, era imposta por lei ordinária.
O nosso modelo da unicidade sindical é ainda predominante em
grande parte dos países marginais e emergentes, submetidos ao poder de governos
ainda totalitários, enquanto que o sistema da pluralidade sindical é acatado em
países pós-industriais e democráticos
67
.
No nosso ordenamento jurídico, afora dois períodos de liberdade e
pluralidade sindical (o primeiro de 1906 a 1931, quando se faziam exigências
mínimas para a organização de um sindicato e, o segundo, de 1934 a 1937,
regulado constitucionalmente, mas que na prática não ocorreu), prevaleceu o
sistema legal do sindicato único obrigatório, ou seja, o da unicidade sindical,
previsto, atualmente, na lei ordinária (art. 516 da CLT
68
) e na Constituição.
Difícil é a avaliação dos anos de liberdade e pluralidade sindical no
Brasil, pois, ao fato de não ter produzido muitos frutos para o sindicalismo brasileiro,
deve-se considerar que tanto a industrialização como o movimento sindical, à época,
eram incipientes no País e que mal havíamos nos libertado do regime do trabalho
escravo, o que não possibilitava o surgimento de autênticos deres trabalhistas, ao
67
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito Sindical. São Paulo, Saraiva. 1991, 2 ed., p.130-131.
68
CLT, art. 516 - “Não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria
econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial”.
36
mesmo tempo atuantes, esclarecidos e realistas, egressos da própria classe
trabalhadora
69
.
Verifica-se, de outro lado, que no Brasil, em mais de 60 anos de
regime de unicidade sindical, não se desenvolveu um sindicalismo forte e autêntico,
pois, salvo poucas e honrosas exceções, os dirigentes sindicais pouco ou nada
fazem pela verdadeira promoção da classe trabalhadora, preocupados que estão
com seus projetos pessoais.
As tentativas de quebrar o sistema da unicidade sindical e implantar
um regime de plena liberdade sindical, tal como preconizado na Convenção 87 da
OIT, não foram poucas. Mas infelizmente parece não haver vontade política nem
interesse na maioria dos sindicalistas.
Registra José Carlos Arouca
70
que na Assembléia Nacional
Constituinte de 1988 a questão foi intensamente debatida, culminando numa
votação final de 269 constituintes a favor da unicidade contra 78 favoráveis a
pluralidade sindical.
Afirma Otávio Bueno Magano
71
que a regra da unicidade na CF/88
“foi adotada com base no argumento de que seria necessário evitar a atomização
das entidades sindicais. É possível que estivessem encobertos os interesses das
cúpulas sindicais dominantes de conservarem o monopólio do poder nas fortalezas
em que muitas delas se encastelam”.
Entre os dirigentes de sindicatos, federações e confederações, a
maioria é favorável à unicidade sindical. No âmbito das centrais sindicais, vê-se
atualmente a Central Única dos Trabalhadores defendendo a pluralidade sindical, a
Força Sindical sugerindo a unicidade na base e pluralidade nas instâncias
69
SILVA, José Ajuricaba da Costa. Unidade e Pluralidade Sindical. In PRADO, Ney. (coord.) Direito
sindical brasileiro: Estudos em homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita.São Paulo, LTr. 1998
Revista LTr. São Paulo. LTr. v. 52 jan. 1988. p. 20.
70
AROUCA, José Carlos. Repensando o sindicato. São Paulo, LTr. 1998, p. 113.
71
MAGANO, Otávio Bueno. A organização sindical na nova Constituição. Rev. Synthesis 9/89, p. 206.
apud. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho - Estudos em Memória de Célio
Goyatá. São Paulo, LTr. 1994. v.2, 2 ed. p. 564.
37
superiores e a Confederação Geral dos Trabalhadores defendendo a manutenção
da unicidade sindical
72
.
Segundo Arouca
73
, com base em pesquisa realizada pelo Centro de
Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) em 1984, 87,5% dos trabalhadores
manifestaram-se a favor do sindicato único por categoria, contra 8,3% favoráveis à
pluralidade. Todavia, sem menosprezar a credibilidade desse centro de pesquisas,
sabe-se que a maioria dos trabalhadores brasileiros, até pela pouca participação nos
movimentos sindicais, não tem conhecimentos suficientes para saber o que
representa a unicidade sindical e sua relação com outros aspectos, tais como a
imposição de representatividade e contribuições.
Na doutrina especializada em direito trabalhista e sindical também
encontramos grande divergência quanto ao melhor sistema (unicidade ou
pluralidade sindical), mas não com o equilíbrio que se via décadas atrás. Verifica-
se que a contribuição doutrinária mais recente, em especial da nova safra de autores
que se dedicam ao tema, é no sentido da defesa da pluralidade sindical. Até mesmo
entre os da “velha guarda” encontram-se autores que antes defendiam a unicidade e
hoje defendem a pluralidade. A explicação parece simples: os tempos mudaram e a
conjuntura econômica, política e social é outra, muito diferente daquela do
corporativismo do Estado Novo de Getúlio Vargas ou do regime militar entre as
décadas de sessenta e setenta.
Dentre os tradicionais defensores da unicidade sindical,
encontramos (ou encontrávamos, pois alguns já são falecidos) grandes nomes como
os de Segadas Viana
74
, Evaristo de Moraes Filho
75
, José Martins Catharino
76
,
Orlando Gomes e Elson Gotschalk
77
e Cezarino Jr.
78
.
72
AROUCA, José Carlos. Obra citada, 1998. p. 111.
73
AROUCA, José Carlos. Obra citada, 1998. p. 113.
74
VIANNA, Segadas. Obra citada, p. 996.
75
MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil. Rio de Janeiro. ed. A Noite.
1952. p. 166.
76
CATHARINO, José Martins. Tratado elementar do direito sindical. São Paulo. LTr. 2 ed, 1982. p.
106.
77
GOMES, Orlando; e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro. Forense,
1997. p. 538.
78
CESARINO JUNIOR, Antônio Ferreira. Direito social. São Paulo. LTr: ed. da Universidade de o
Paulo, 1980, p. 514.
38
Dentre os defensores da pluralidade sindical no Brasil, filiam-se,
dentre muitos outros, nomes como os de Arion Sayão Romita
79
, Mozart Vitor
Russomano
80
, João Regis Fassbender Teixeira
81
, Eduardo Gabriel Saad
82
, oberto
Barreto Prado
83
e Arnaldo Sussekind
84
(este, antes defensor da unicidade), Sérgio
Pinto Martins
85
, Antônio Álvares da Silva
86
, Floriano Correa Vaz da Silva
87
,
Georgenor de Souza Franco
88
, Cristiani Rozicki
89
, José Eymard Loguercio
90
, Rodolfo
Pamplona Filho
91
.
Procuraremos adiante demonstrar os principais argumentos dessas
duas correntes, iniciando pelos defensores do monismo. Estes sustentam, em geral,
que o sindicato nasceu da proximidade dos indivíduos e não representa apenas os
seus associados, mas toda uma coletividade profissional, cujos interesses são
semelhantes e, em conseqüência, os objetivos são os mesmos, impondo-se a
unidade de representação. Assevera-se que as lutas advindas de sindicatos
múltiplos os enfraquecem, reduzindo-lhes a capacidade de reivindicar, tornando
mais vulnerável a ação destruidora pelos Estados totalitários.
Argumentam que a unicidade provoca, estimula e atende a desejada
união entre os que trabalham em uma mesma profissão, possibilitando a coesão dos
trabalhadores na apresentação de suas reivindicações.
79
ROMITA, Arion Sayão. Sindicalismo, economia, estado democrático. São Paulo. LTr. 1993. p. 13.
80
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das leis do trabalho. Rio de Janeiro.
Forense. 1997. v. 2, 17 ed., p. 20.
81
TEIXEIRA, João Regis Fassbender. Introdução ao Direito Sindical. São Paulo. Revista dos
Tribunais. 1979. p. 144.
82
SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do trabalho: comentada. São Paulo. LTr. 1996. 26
ed. p. 398.
83
PRADO, Roberto Barreto. Curso de direito sindical. São Paulo. LTr. 1985. 2 ed. p.140.
84
SUSSEKIND Arnaldo; MARANHÃO, Délio; e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho.
14. ed. São Paulo. LTr, v. 1. 1993. p. 994.
85
MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuição confederativa. São Paulo, LTr. 1996, p. 192.
86
PRADO, Ney. (coord.) Direito sindical brasileiro. Estudos em homenagem ao Prof. Arion Sayão
Romita. São Paulo, LTr. 1998, p. 69.
87
VAZ DA SILVA, Floriano Corrêa. Evolução Histórica do Sindicalismo Brasileiro. In PRADO, Ney
(coord). Direito Sindical Brasileiro. São Paulo. LTr, 1998.
88
Idem, ibidem, p. 152.
89
ROZICKI, Cristiane. Aspectos da liberdade sindical. São Paulo, LTr. 1996, p. 71.
90
LOGUERCIO, José Eymard. Pluralidade sindical: da legalidade à legitimidade no sistema sindical
brasileiro. São Paulo, LTr. 2000, p. 121.
91
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Pluralidade sindical e democracia. São Paulo, LTr. 1997, p. 83.
39
Defendendo a unicidade, Segadas Viana
92
acentuava que “o
pensamento da classe nada tem a ver com o status profissional do trabalhador, pois
se sobrepõe, em muitos pontos, aos interesses e pontos de vista pessoais de cada
trabalhador”. Para corroborar seu ponto de vista, o referido autor cita George
Scelle
93
:
uma contradição fundamental entre o fato de dar ao sindicato a
faculdade de representar e defender o interesse profissional, e a
liberdade concedida aos membros de uma profissão de organizar
sindicatos antagônicos, para cada um deles defender,
individualmente, seu interesse profissional. O interesse profissional é
único e é um interesse coletivo que não se confunde com a soma
dos interesses de cada um dos membros da profissão. Pode ser que
um sindicato único se engane na apreciação desse interesse, mas se
existem vários sindicatos revelando orientações divergentes, como
saber qual deles interpreta fielmente esse interesse? Na
representação dos interesses coletivos, o direito público consagra,
logicamente, a unidade de interpretação. Cada um dos interesses de
“comuna”, do “departamento”, da Nação, é confiado a uma
administração única. Por esse motivo, a pluralidade seria a anarquia.
Não pode deixar de acontecer a mesma coisa com os interesses da
“profissão”: o sindicato para administrá-los deve monopolizá-los.
O próprio Arnaldo Sussekind
94
, que hoje é pluralista, em várias
ocasiões defendeu a unicidade sindical, sob o argumento de que haveria de se
“evitar o fraccionamento dos sindicatos e o conseqüente enfraquecimento das
respectivas representações, numa época em que a falta do espírito sindical
dificultava a formação de organismos sindicais e a filiação de trabalhadores aos
mesmos”.
Orlando Gomes e Elson Gotschalk
95
, fieis defensores da unicidade
sindical, assim se manifestam:
Os defensores do plurissindicalismo vêem nele a melhor forma de
defesa das liberdades individuais; dos que preconizam o sindicato
único argumentam que o sistema encerra em si uma contradição,
qual seja, a de supor que os interesses profissionais são uma soma
de interesses individuais, e não uma síntese. A representação
coletiva dos interesses da profissão inteira, por um sindicato,
seria conseqüência lógica de indivisibilidade desses interesses. Não
se compreenderia muitos sindicatos representando uma
92
VIANNA, Segadas. Obra citada, p. 996.
93
VIANNA, Segadas. Idem, ibidem.
94
SUSSEKIND Arnaldo. MARANHÃO, Délio; e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho.
Obra citada. p. 994.
95
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Obra citada. p. 538.
40
profissão, até porque a evolução histórica do fenômeno demonstra
que toda vez que a formação profissional se fez representar por
vários organismos, as lutas decorrentes dessa situação acabaram
por enfraquecer e fragmentar o sindicalismo. Ademais, surge o
problema da representação para os efeitos da negociação coletiva.
Sendo vários os grupos profissionais organizados dentro de uma
única profissão, qual deles deve representá-la quando houver de
celebrar a convenção coletiva?
Depois de demonstrarem os vários sistemas preconizados para
resolver os impasses criados pelo sistema da pluralidade, assim concluem
96
:
Tais problemas, específicos do regime do plurissindicalismo, não
ocorrem no sistema da unicidade sindical. Neste, o sindicato único
representa toda a categoria, por determinação legal ou pela força
social do sindicato. Pode, assim, em nome dela representar os
interesses coletivos perante o empregador e os órgãos da
Administração Publica.
Em contraposição ao monismo, defensores do pluralismo sustentam
que essa posição dos monistas, além de incorreta, se afigura historicamente
superada. Roberto Barreto Prado
97
assevera que a organização unitária se atrita
com a espontânea formação dos sindicatos e que a eficiência da associação
profissional repousa em sua adequação às necessidades que brotam da dinâmica
da vida em sociedade. Não vê, por conseguinte, razão bastante para que se impeça
a livre concorrência, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador, entre dois ou
mais sindicatos de categoria profissional, ainda que se situem dentro de uma mesma
área territorial.
As principais críticas que se tecem à unicidade sindical consistem no
fato de ela representar violação aos princípios democráticos e, mais
especificamente, à liberdade sindical, impedindo aos componentes de determinada
categoria a livre escolha do sindicato para se filiarem. Sublinha-se a importância
saudável de competição entre as entidades, evitando acomodação de lideranças
sindicais, advinda da exclusividade da representação classista. Ressalta-se que os
países em que as reivindicações são mais expressivas adotam a pluralidade, a qual
não deverá ser obrigatória, mas facultativa, podendo, se pretenderem, reunirem-se
em representações unitárias quando então se chega ao ideal da unidade na
pluralidade.
96
Idem, ibidem, p. 540.
97
PRADO, Roberto Barreto. Obra citada. 1985. p.140.
41
Russomano
98
, após relacionar desvantagens quer da unicidade
99
,
quer da pluralidade
100
, conclui que, embora não sejam pequenos os riscos da
pluralidade sindical, ela “efetivamente garante melhor a liberdade dos sindicatos”.
Para ele o sindicato único deve nascer da pluralidade, ou seja, possibilidade
espontaneamente abandonada de formação de sindicatos dissidentes. Mas adverte
que a pluralidade pressupõe também um sistema econômico desenvolvido e
consolidado, compreensão e solidariedade por parte dos trabalhadores, tradição
sindicalista e estrutura operária rija para resistir ao embate das dissidências.
De fato, os argumentos tanto de uma como outra corrente são muito
fortes e consistentes. Mas os argumentos contra a pluralidade vão ficando
superados
101
. O ideal seria mesmo a unidade espontânea dos trabalhadores e não
imposta, ou seja, a unidade sindical dentro de um sistema de pluralidade sindical, ou
98
RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. Rio de Janeiro. Forense. 2 ed.
1998. p. 89-91.
99
Seriam desvantagens da unicidade sindical: a) limita a liberdade sindical; b) o sindicato único e
oficializado é produto artificial da lei, deixando de ser fruto de um movimento cheio de
espontaneidade e palpitações; c) torna-se presa fácil da voracidade intervencionista do estado, que
tende a fortalecer seus órgãos executivos; d) estimula a profissionalização dos dirigentes sindicais; e)
cria desconfianças no espírito do trabalhador quanto à independência, à altivez e a serenidade de
suas resoluções.
100
Seriam desvantagens da pluralidade sindical: a) ela quebra a unidade da classe operária; b)
estimula a luta entre os sindicatos e, por extensão, entre seus dirigentes e associados; c) a vaidade
ou a ambição de seus líderes, quando feridas, levam à formação de sindicatos dissidentes numerosos
e desnecessários; d) todos esses fatores enfraquecem a luta operária e o próprio sindicato; e)
possibilidade de divisão da categoria, em detrimento uns dos outros, levando alguns sindicatos ao
abandono.
101
Antônio Álvares da Silva [in PRADO, Ney. (coord.) Direito sindical brasileiro. Estudos em
homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita. São Paulo, LTr. 1998, p. 68 rebate ponto à ponto os
argumentos dos defensores da unicidade (aqueles sintetizados por Russomano transcritos em nota
anterior): “Estas objeções são facilmente respondíveis. Argumento sub a) a pluralidade sindical não
quebra a unidade sindical da classe operária porque, havendo liberdade sindical, os sindicatos podem
se unir a qualquer momento, constituindo uma unidade para efeito de declaração de greve ou
negociação coletiva. Argumento sub b) pelas mesmas razões, só haverá lutas se os sindicatos
concorrerem entre si, o que é saudável para seus associados e para a própria democracia. Se
entenderem que a luta é fraticida, podem livremente unificar-se. Argumento sub c) a formação de
dissidências não é um capricho dos líderes. Dependem dos filiados que aderirão ai sindicato se
houver planos de ação e de prestação de serviços. A dissidência, por si mesma, não carregará
filiação. Argumento sub d) não há na pluralidade qualquer enfraquecimento da luta operária. Pelo
contrário, virá fortalecê-la. Se os sindicatos concorrerem é por que se esmeram na prestação de
serviços aos filiados, a fim de se tornarem predominantes. Aqui a disputa significa concorrência, o
que sempre é salutar no regime democrático. Se a concorrência se torna predatória, então resta o
caminho da união. Caso contrário, ambos se destruirão. É claro que os sindicatos saberão distinguir
entre concorrência sadia e autodestruição. Argumento sub e) se houver abandono do sindicato mais
fraco e concentração de filiados no sindicato mais forte, isto significa que ele é melhor. Porém esta
condição é obtida, não por um favor do legislador mas pela efetividade dos serviços prestados. Neste
caso, ele é único por merecimento, não por imposição do legislador”.
42
mesmo, como apregoa Amauri Mascaro Nascimento
102
, a pluralidade orgânica e a
unidade de ação.
E neste sentido reforça Otávio Bueno Magano
103
, asseverando que
permitir a pluralidade sindical não significa, contudo, que os trabalhadores e os
empregadores de um determinado país não possam preferir a unidade. Segundo o
autor, o que há de se evitar é que seja imposta por intervenção estatal. A situação
em que se negue ao indivíduo toda possibilidade de escolha entre distintas
organizações, porque a legislação permite a existência de uma única, no mesmo
ramo profissional em que o interessado exerce sua atividade, é indubitavelmente
incompatível com o princípio da liberdade sindical.
E como visto, em mais de meio século de unicidade sindical, o
sindicalismo brasileiro não se desenvolveu. Portanto, é hora de arriscar mudanças.
1.5.2 A sindicalização por categoria e a representatividade na estrutura
organizacional: artificialismo no sistema de representação.
A organização sindical, enquanto mecanismo de representação de
interesses de trabalhadores mostra-se complexa e diversificada, variando conforme
transformações políticas, sociais, econômicas e culturais subjacentes à evolução do
capitalismo
104
.
Os padrões de organização dos distintos sistemas sindicais do
mundo ocidental podem ser apreendidos com a evolução do sindicalismo
105
.
102
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 240. Para o autor, distingue a doutrina, o
pluralismo orgânico e a unidade de ação, como também, a unicidade orgânica da pluralidade de
ação. Orgânico é o pluralismo na sua acepção maior. É a possibilidade, no sistema sindical, da
coexistência de mais de um sindicato representativo e concorrente. Se os diversos sindicatos se
unem numa atuação conjunta, dá-se a unidade de ação”.
103
MAGANO, Otávio Bueno. Obra citada, p. 39-40.
104
POCHMANN, Márcio. Relações de trabalho e padrões de organização sindical no Brasil. São
Paulo. LTr. 2003. p. 59.
105
DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do trabalho. São Paulo. LTr. 2003. p. 64.
43
O sindicalismo, concebido como uma formação espontânea tem
configuração dependente da realidade social de cada país em determinado
momento histórico. É possível vincular os sistemas de organização sindical à própria
evolução do capitalismo, considerando as transformações da configuração da classe
trabalhadora. Neste sentido, pode-se distinguir três formas de organização sindical:
a sindicalização por ofício, por indústria e por empresa, cada uma delas
correspondente a determinada fase da evolução econômica. A sindicalização por
ofício corresponde à primeira fase da evolução tecnológica e impõe à classe
operária suas características voltadas à organização profissional. A sindicalização
por indústria surge a partir da idéia de exploração da classe trabalhadora e da
coalizão manifestada nas greves. A sindicalização por empresa sobrevém com o
surgimento da tecnologia da automação que transforma a natureza do trabalho e
conduz a política de integração, na qual a reivindicação dos trabalhadores orienta-se
para a organização interior da empresa
106
.
Essa ordem, entretanto, não é absoluta ou acabada, nem pode ser
vista de forma estanque. De fato, a sindicalização por ofício ou profissão foi mais
prestigiada nos primeiros momentos do sindicalismo. No Brasil, embora não de
forma dominante, ainda se agregam trabalhadores com vistas à sua profissão, como
ocorre no caso das “categorias diferenciadas”. Qualifica-se esse tipo de associação
como modelo horizontal de organização dos trabalhadores porque se estende em
meio a várias e distintas empresas abrangendo apenas certos trabalhadores delas,
especificamente os que exercem a mesma profissão, raramente abrangendo todos
os trabalhadores de uma mesma empresa ou estabelecimento.
A forma de organização dominante no Brasil é ainda a da categoria
profissional, que se identifica, em regra, não pela atividade ou profissão do
trabalhador, mas vinculada ao tipo de empreendimento do empregador. Aqui pouco
importa se o trabalhador é faxineiro, vigia ou mecânico, pois, não se enquadrando
no conceito de “categoria diferenciada”, será sempre representado pelo sindicado da
categoria profissional definida de acordo com a atividade preponderante do
empregador. Esse tipo de associação é qualificado como modelo vertical, pois
abrange quase todos os trabalhadores de várias empresas de atividades afins numa
106
ROMITA, Arion Sayão. O Conceito de categoria. In FRANCO FILHO, Georgenor de Souza (coord).
Curso de direito coletivo do trabalho. São Paulo. LTr. 1998. p. 189/190.
44
determinada base territorial. Por ser o modelo ainda dominante no Brasil, trataremos
dele detalhadamente mais adiante, logo após demonstrar as outras formas possíveis
de organização.
A organização por empresa, experimentada no sistema norte
americano, tem a vantagem de diferenciar realidades distintas de trabalhadores de
diferentes empresas, possibilitando, assim, negociações mais vantajosas a um grupo
específico, quando isso é possível diante de um empregador economicamente mais
forte. Se na negociação estivessem também envolvidos trabalhadores e
empregadores de empresas economicamente mais fracas, a negociação poderia ser
concluída em níveis mais baixos. Mas isso pode ser contestado porque mesmo num
sistema onde a organização dos trabalhadores não se por empresa, é possível
uma negociação específica para trabalhadores de determinada empresa, como
ocorre no Brasil através do acordo coletivo de trabalho. No Brasil, em razão da
adoção legal do critério de categoria profissional e da base territorial mínima, não é
possível a sindicalização por empresa.
No sistema de organização por empresa, a possível vantagem de
melhor negociação, envolvendo apenas trabalhadores de determinada empresa,
viria em detrimento da possibilidade dessas mesmas vantagens se estenderem num
maior âmbito econômico-profissional. Esse sistema aponta ainda como
inconvenientes uma maior possibilidade de cooptação empresarial, a diminuição da
solidariedade entre trabalhadores de empresas distintas e a acentuação do
individualismo e das diferenças sociais
107
.
Considerando que o capitalismo evolui na mesma proporção em que
se aumentam as diferenças sociais, sem vida o critério de sindicalização por
empresa corresponderia à atual fase da evolução econômica.
Mas mesmo num sistema de economia capitalista outras formas
de agregação dos trabalhadores que podem se mostrar menos prejudiciais ao
sindicalismo operário. É o caso do sindicalismo por ramo ou segmento empresarial
de atividades, em que é possível um único sindicato representando todos os
trabalhadores do mesmo segmento, como, por exemplo, sindicato dos trabalhadores
107
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 68/69.
45
no ramo industrial, ou no ramo financeiro, ou comercial etc. Isso propiciaria a
formação de grandes sindicatos com forte poder de barganha, estimulando a
solidariedade necessária entre trabalhadores de empresas distintas, atenuando
perspectivas individualistas de atuação sindical. Sistema semelhante é
experimentado atualmente na Alemanha com bons resultados. existem poucos
grandes sindicatos nacionais, com grande poder de representação e bons resultados
nas negociações coletivas
108
.
No Brasil, como dito alhures, o critério de organização dos
trabalhadores é ainda a categoria. Trata-se de sistema implantado na década de
1930 por força do regime político (corporativo) idealizado à época.
No regime corporativo, tal como foi concebida nossa organização
sindical, a representação por sindicato único de uma categoria de trabalhadores pré-
definida pelo Estado facilitava o controle sobre as organizações sindicais. Por isso a
nossa Constituição de 1937 previa que somente o sindicato reconhecido pelo Estado
teria o direito de representação da categoria
109
. O sistema brasileiro implantado pela
Constituição de 1937, sem dúvida de origem corporativo-fascista, ainda perdura em
sua essência.
Os interesses que determinam a formação da categoria no Estado
corporativo não são os dos indivíduos que formam espontaneamente um grupo, mas
sim os interesses do Estado. A lei estabelece como base da organização sindical a
unicidade e institucionaliza a representação legal de toda a categoria num único
sindicato. A idéia do Estado era negar a luta de classes, com vistas à superação do
conflito e supressão da greve, pois deveria haver colaboração entre os fatores de
produção.
108
DELGADO, Maurício Godinho. Idem, p. 69.
109
Cumpre aqui relembrar o que dispunha o artigo 138 da Constituição de 1937 (fiel cópia da
declaração III da Carta del Lavoro): “A associação profissional é livre. Somente, porém, o sindicato
regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participem da
categoria de produção para o qual foi constituído, e de defender-lhes o direito perante o Estado e
outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os
associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de poder
público”
46
A noção de categoria nesse sistema deixa de ter correspondência
com a noção de classe. Classe, conforme diz Thompson
110
, não deve ser vista como
uma estrutura ou categoria, mas como algo que ocorre efetivamente nas relações
humanas. Ela ocorre como resultado de experiências comuns dos homens que
sentem e articulam a identidade de interesses entre si e contra outros grupos cujos
interesses se diferem dos seus.
Como destaca Romita
111
, no regime corporativo as categorias
constituem as associações reconhecidas em caráter monopolístico e unitária para a
obtenção dos fins de interesse geral e, neste sentido, é inútil a figura da classe, que
pressupõe interesses particulares. O sindicato instituído sob o regime corporativo é
um sindicato órgão do Estado, exercendo funções dele delegadas. Assim, não seria
possível a defesa da classe, o que pressupõe um sindicato de tipo heterogêneo.
A categoria vem a representar uma série indefinida de indivíduos
que desempenham certa atividade produtiva e, portanto, seus integrantes podem ser
desconhecidos uns dos outros. Este agrupamento forçado e artificial dos indivíduos
em categoria tem por finalidade substituir as classes sociais
112
.
No regime corporativo o sindicato não goza da faculdade de
autodeterminação do âmbito profissional da organização. Conforme esclarece Gino
Giugni, na doutrina que se desenvolveu sob tal regime os grupos sociais se
apresentam como fato ontologicamente definido. Desta forma, o ordenamento
corporativo teria efetuado um reconhecimento da realidade social das categorias.
Essa doutrina “respondia aos imperativos ideológicos, como justificação a posteriori
de um sistema jurídico inspirado em determinadas escolhas políticas
113
”.
A concepção ontológica se contrapõe à concepção voluntarista de
categoria, na qual é o próprio grupo quem determina o campo de atuação dos
sindicatos, ou seja, é o sindicato que fixa a categoria e não o contrário. na
concepção ontológica, a categoria é um dado a priori ao qual a organização deve
110
TOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo. Paz e Terra, 1978, p. 9-10.
111
ROMITA, Arion Sayão. O Conceito de categoria. In FRANCO FILHO, Georgenor de Souza (coord).
Curso de direito coletivo do trabalho. São Paulo. LTr. 1998. p. 197.
112
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada, 1998. p. 205.
113
GIUGNI, Gino. Direito sindical. (trad. Eiko Lúcia Itioka) São Paulo. LTr, 1991. p. 60.
47
adequar-se e, como conseqüência, a lei pode fixar o âmbito profissional da entidade
sindical.
Bem observa Romita
114
que a concepção ontológica de categoria do
regime corporativo de organização sindical
[...] funciona como um meio eficaz de reduzir o sindicato à
impotência, sem que se torne preciso proibir sua existência” e
“configura um sindicalismo integrado por sindicatos fantoches, a
serviço do Estado; o sindicato subsiste nominalmente, por ficção de
tolerância e por utilidade política.
De fato, essa concepção de categoria era de utilidade política.
Quando o Brasil implantou o sistema de organização sindical baseado no modelo
corporativo italiano, o que se tinha em mente era suavizar os conflitos entre
trabalhadores e empregadores mediante uma política de integração. Não se poderia
conceber um regime de pluralidade porque poderia ensejar concorrência e
desordem de tal forma que o Estado perderia o controle sobre o sindicato. Se o
sindicato exercia funções delegadas do poder público, não seria conveniente que
essa delegação fosse distribuída a vários sindicatos representantes de uma mesma
categoria. O sindicato deveria ser único e representar toda a categoria.
Foi então delineada uma estrutura que previa, de um lado,
categorias econômicas e, de outro, paralelamente, categorias profissionais
correspondentes, sempre sob a vigilância do Estado, o qual estabeleceu um plano
de enquadramento sindical.
Desse plano, mediante o enquadramento, determinava-se a
representação profissional e, consequentemente, o âmbito de abrangência das
normas coletivas e também os destinatários da contribuição sindical compulsória.
O enquadramento se segundo a atividade preponderante da
empresa, mas não se leva em conta apenas a identidade da atividade ou profissão
para a formação de categorias específicas, pois isso não seria viável em localidades
onde a quantidade de ocupantes de atividades ou profissões específicas fosse
reduzida.
114
ROMITA, Arion Sayão. 1998. p. 207/208.
48
Conforme expresso nos parágrafos do artigo 511 da CLT
115
, aos
conceitos de categoria profissional e categoria econômica foi necessário acrescentar
conceitos de similaridade, conexidade, solidariedade e categoria profissional
diferenciada. Pelo dispositivo, a categoria econômica é definida pelo “vínculo social
básico” que se constitui através da “solidariedade de interesses econômicos dos que
empreendem atividades idênticas, similares ou conexas”. a categoria profissional
é definida pela “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em
comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades
econômicas similares ou conexas”.
Assim, a categoria não é formada apenas por pessoas que ocupam
a mesma atividade, mas também por pessoas ocupadas em atividades similares ou
conexas. Por sua vez, o fator aglutinante dos trabalhadores não é o da profissão
exercida, mas sim o da atividade desenvolvida pelo empregador.
A exceção é a previsão de categoria diferenciada, mas que também
não quebra o princípio da unicidade, porquanto apenas um sindicato de categoria
diferenciada poderá existir na base territorial. A categoria é diferenciada somente
para os trabalhadores e em relação à atividade preponderante do empregador.
Conforme dispõe o §3º do artigo 511, ela “se forma dos empregados que exerçam
profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em
conseqüência de condições de vida singulares”.
O artigo 570 da CLT
116
, corroborando o conceito de categoria fixado
no artigo 511, trata do enquadramento sindical, mantendo o já mencionado “quadro
115
CLT, art. 511. §1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades
idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria
econômica. § A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em
situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou
conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional. § 3º
Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou
funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em conseqüência de condições
de vida singulares. § Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões
dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural.
116
Art. 570. Os sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou profissionais,
específicas, na conformidade da discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere
o art. 577.
Parágrafo único. Quando os exercentes de quaisquer atividades ou profissões se constituírem, seja
pelo número reduzido, seja pela natureza mesma dessas atividades ou profissões, seja pelas
afinidades existentes entre elas, em condições tais que não se possam sindicalizar eficientemente
pelo critério de especificidade de categoria, é lhes permitido sindicalizar-se pelo critério de categorias
49
de atividades e profissões” previsto no artigo 54 do Decreto-lei . 1.402 de 1939 e
estabelecido pelo Decreto-lei 2381/1940
117
.
O enquadramento sindical, por sua vez, pode ser individual ou
coletivo. Coletivo quando se constitui um sindicato em conformidade com o referido
quadro de atividades. Individual quando se identifica a categoria a que pertence uma
pessoa depois de individualizada a categoria por força do enquadramento
coletivo
118
. O trabalhador ou o empregador não tem qualquer liberdade na escolha
do sindicato que irá lhe representar ou do qual queira participar.
O quadro de atividades de profissões é traçado de modo paralelo e
simétrico, o que enseja uma correspondência entre a categoria econômica e a
categoria profissional. Isso significa, por exemplo, que, concebida uma categoria de
determinadas indústrias, existirá uma categoria dos trabalhadores nas mesmas
indústrias.
As categorias são reunidas em grupos e os diversos grupos são
reunidos em ramos de atividade, para os quais foram criadas as respectivas
Confederações. Para cada categoria de empregadores uma correspondente
categoria de empregados e o mesmo ocorre com relação aos grupos e aos ramos de
atividade (confederações).
Foram criadas quatorze confederações, sendo sete de categorias
econômicas e sete de categorias profissionais (indústria, comércio, transportes
marítimos e aéreos, transportes terrestres, comunicações e publicidade, crédito,
educação e cultura). Logo cada confederação abrange vários grupos e cada grupo
abrange várias categorias. O agrupamento dos sindicatos em Federações, conforme
disposto no artigo 573 da CLT, obedecerá às mesmas regras
119
.
A estrutura organizada é do tipo piramidal, ou seja, o sindicato na
base, a federação no meio e a confederação na pula. O sindicato é único dentro
similares ou conexas, entendendo-se como tais as que se acham compreendidas nos limites de cada
grupo constante do quadro de atividades e profissões.
117
O Decreto-lei 2381/1940 foi incorporado praticamente em sua integra à CLT, correspondendo ao
Capítulo II (“Do enquadramento sindical”) do Título V (“Da organização sindical”).
118
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada, 1998. p. 202/203.
119
Este paralelismo não ocorre em relação às categorias diferenciadas, pois esta é uma
exclusividade dos trabalhadores. Os representados exercem necessariamente um tipo de profissão e
não há um agrupamento paralelo correspondente porque uma empresa não é um profissional.
50
de uma base territorial que não pode ser inferior a um município. As federações se
formam com pelo menos cinco sindicatos e são necessárias pelo menos três
federações para a constituição de uma nova confederação (artigos 537 e 535 da
CLT).
Neste modelo corporativista não espaço para as centrais
sindicais
120
. Embora sejam elas líderes do movimento sindical e atuem de forma a
influir em toda essa pirâmide acima descrita, unificando, pela cúpula, a atuação das
entidades sindicais, a lei nem a jurisprudência lhes reconhecem poderes de
representação para participação, do ponto de vista formal, das negociações
coletivas
121
.
São elas, as centrais, organismos de coordenação de entidades
sindicais que não integram a hierarquia das associações sindicais reconhecidas por
lei. Diferentemente destas, por não fazerem parte da estrutura oficial vertical, nem
haver regulamentação legal a seu respeito, as centrais podem ser criadas e
multiplicar-se com ampla liberdade.
Como abordado em tópico anterior, as primeiras centrais sindicais
foram constituídas em afronta às disposições legais vigentes à época. A Portaria
Ministerial 3.337/1978, que expressamente as proibia, foi revogada em 1985,
quando se iniciou a abertura política no final do regime militar.
Embora as centrais se constituam além do sistema confederativo,
ficam de certa forma a ele atreladas uma vez que as entidades que a elas se
associam o vinculadas ao sistema confederativo. Portanto sua independência em
relação ao ordenamento jurídico é apenas relativa.
Mesmo após a Constituição de 1988, com a manutenção expressa
da unicidade sindical e do sistema confederativo, as centrais continuam proibidas de
representar qualquer categoria profissional ou patronal. Consequentemente, além de
120
Embora a legislação ainda as centrais sindicais como entes sindicais, têm elas a prerrogativa legal
de indicar representantes de trabalhadores em vários órgãos públicos (O Conselho Deliberativo do
Fundo de Amparo ao Trabalhador - Lei 7.998/90, O Conselho Curador do FGTS - Lei 8.036/90 e o
Conselho Nacional de Previdência Social – Lei 8.213/91).
121
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 76/77.
51
não poderem celebrar acordos ou convenções coletivas, também não podem
decretar greves ou ajuizar dissídio coletivo.
A representação da categoria continua sendo exclusividade dos
sindicatos, mas estes, em sua maioria, não possuem representatividade. Como
esclarece Amauri Mascaro Nascimento
122
, a representação é uma questão de
legalidade, enquanto a representatividade é uma questão de legitimidade. Num
sistema de unicidade sindical, é comum que um sindicato tenha a representação
legal, mas não a real e efetiva, ou seja, lhe faltará representatividade embora tenha
poderes legais para atuar em nome dos representados
123
.
O artigo 513, “a”, da CLT, atribui ao sindicato a prerrogativa de
representar os interesses gerais da categoria
124
. Quando celebra a convenção
coletiva ou quando ajuíza o dissídio coletivo, embora por deliberação apenas dos
associados em assembléia sindical, estará representando toda a categoria.
Logo possui a titularidade do interesse coletivo, um interesse
abstrato, em contraposição ao interesse concreto de cada trabalhador, e
indeterminado, visto que a categoria se compõe de uma série de indivíduos que não
pode ser quantificada.
Quando o trabalhador se integra a determinada categoria
profissional, automaticamente passa a ser representado pelo sindicato único
daquela categoria. Como não opção do trabalhador em relação ao sindicato que
irá representá-lo, esta representação se dá de forma artificial e, portanto, faltará uma
legítima representatividade à entidade sindical.
Essa representatividade poderia ser mais autêntica num sistema de
pluralidade sindical, onde os trabalhadores teriam liberdade para escolher qual
sindicato os representaria.
122
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 188/189.
123
Como bem coloca Wilson Ramos Filho “o problema da representatividade, pois, é material e não
mais apenas formal”. Representativo é quem os trabalhadores reconhecerem como tal, estando a
entidade registrada ou não no MTb, no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas ou outro órgão
governamental (RAMOS FILHO, Wilson). Sindicalismo, práxis social e direito alternativo. In Lições de
Direito Alternativo Do Trabalho, ARRUDA JÚNIOR, Eduardo Lima (organizador), São Paulo.
Acadêmica: 1993, p. 38.
124
Em caso de ausência ou inércia do sindicato, essa capacidade de representação é atribuída à
Federação e, sucessivamente, à Confederação, conforme dispõem o §2º do artigo 611, o §1º do
artigo 617 e o parágrafo único do artigo 857, todos da CLT.
52
Todavia, tendo em vista que no sistema pluralista é possível que
existam vários sindicatos idênticos numa mesma base territorial, resta saber como
se daria a representação dos trabalhadores numa negociação coletiva. Não seria
viável que todos os sindicatos sentassem à mesa de negociações com propostas
variadas e independentes, pois dificilmente se obteria êxito na negociação.
Russomano
125
aponta algumas soluções possíveis. Poderia, em
princípio, organizar uma comissão mista observando-se o critério de
proporcionalidade, que poderia ser em razão do número de associados de cada
sindicato ou do número de sindicatos existentes, o que seria um primeiro um
dilema.
Outro dilema poderia advir de naturais divergências entre os
delegados representantes de cada sindicato que dificultasse uma posição harmônica
e unânime de toda a categoria.
O ideal, segundo Russomano
126
, é que apenas um dos sindicatos, o
mais representativo, fale em nome dos demais. A dificuldade, porém, é saber qual o
sindicato mais representativo. À primeira vista poderia se reconhecer o sindicato
mais representativo pelo critério da quantidade de associados. Entretanto esse
elemento objetivo considerado individualmente nem sempre apontará para o
sindicato mais hábil, mais forte e mais combativo. Outros elementos poderiam ser
considerados supletivamente, tais como os recursos econômicos (volume de
arrecadação), a experiência e antiguidade, a independência frente ao empregador
ou ao Estado etc.
No Brasil, como ainda vige um sistema de unicidade sindical
imposta, não nos defrontamos com o problema de eleger o sindicato mais
representativo. O problema é mesmo a falta de representatividade, que vem se
agravando com a dissociação de categorias ocorrida após a Constituição de 1988.
Com o fim do controle administrativo por parte Estado, houve um contínuo processo
de pulverização das entidades sindicais. O que vemos na prática é uma unicidade
de direito e uma pluralidade de fato. Hoje, aliado ao problema da baixa
125
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p.86.
126
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p.86/88.
53
representatividade decorrente da unicidade legal, assistimos a um enfraquecimento
do movimento sindical decorrente da fragmentação das categorias.
A unicidade e a sindicalização por categoria, como preconizado no
modelo corporativo, mostram-se incompatíveis com a real representatividade do
sindicato e contrárias à prática da negociação coletiva. A Constituição de 1988 é
contraditória ao valorizar a negociação coletiva em vários de seus dispositivos e ao
mesmo tempo manter a unicidade e a noção de categoria. Neste sentido, urge uma
reforma na Constituição e “um redimensionamento do sistema sindical brasileiro,
prezando pela efetiva representatividade das organizações sindicais, sejam elas de
trabalhadores ou de empregadores, sob pena de manter-se entes jurídicos sem
qualquer função social”
127
.
1.5.3 O financiamento pelo Estado: a contribuição sindical compulsória e
outras receitas sindicais
As contribuições ao sindicato são conquistas obtidas pelos
trabalhadores. Somente com essas rendas é possível aos sindicatos manterem suas
estruturas e atividades, principalmente tendo em vista a melhoria das condições de
trabalho.
O modelo atual de contribuições permitiu, porém, que surgissem
falhas no sistema sindical. sindicatos que não representam adequadamente a
classe, como sindicatos “fantasmas”, com nenhuma estrutura física e que nem
mesmo exigem a realização de convenções coletivas, assim como sindicatos
“pelegos”, que traem os interesses dos empregados em prol dos empregadores.
127
BORTOLOTTO, Rudimar Roberto. Os aspectos da representatividade no atual direito sindical
brasileiro. São Paulo. LTr. 2001, p.104.
54
O nosso sistema sindical permite atualmente aos sindicatos quatro
fontes de custeio: a contribuição sindical, a contribuição confederativa, a
contribuição associativa e a mensalidade sindical.
A contribuição sindical é o antigo “imposto sindical”, ao qual nos
referimos neste trabalho e frisamos que se trata de herança do Estado
Corporativista, juntamente com a unicidade sindical, a noção de categoria e o Poder
Normativo. Já destacamos também a harmonia que essas peças guardavam entre si
(sindicato único, sem função reivindicatória e obediente ao Estado, que em
contrapartida lhe garantia o imposto sindical e lhe solucionava eventuais conflitos
coletivos).
A Constituição Federal de 1988 não foi capaz de eliminá-la
128
.
Encontra-se inteiramente regulamentada pela CLT, em capítulo próprio (III do Título
V), no qual praticamente se incorporou o mencionado Decreto-lei 2.377/40, com
modificações trazidas pela da Lei nº. 6.386/76.
É devida por todos que participem da categoria, tanto pelos
empregadores como pelos empregados, associados ou não, cobrada anualmente
pelos respectivos sindicatos, sendo que para os empregados corresponde à
remuneração de um dia de trabalho e, para os empregadores, uma importância
proporcional ao seu capital social. Dos valores arrecadados se beneficiam todos os
entes do sistema confederativo (Sindicato, Federação, Confederação). Os
empregadores são obrigados a descontar referida contribuição de todos os seus
empregados e efetuar o recolhimento.
Quanto à natureza jurídica da contribuição sindical, enquanto uns
defendem tratar-se de taxa
129
, outros entendem ser a contribuição sindical uma
128
O inciso IV, do art. 8º, da CF/88 lhe faz expressa previsão, ao lado da contribuição confederativa:
“a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será
descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva,
independentemente da contribuição prevista em lei” (grifo nosso). Essa última é a contribuição
sindical.
129
PRADO, Roberto Barretto. Curso de direito coletivo do trabalho. 2.ed., rev. e atual. São Paulo. LTr.
1991., p.320. Para o autor, a entidade paraestatal é de direito privado. (...) Assume a entidade
paraestatal a responsabilidade plena pelo cumprimento de suas obrigações, consideradas pelo
legislador como de interesse público”.
55
contribuição social
130
. Independentemente de sua natureza, o que mais nos interessa
é que a contribuição sindical é a única que, indiscutivelmente, abrange todos os
participantes de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma
profissão liberal. Não há qualquer diferença entre trabalhadores associados ou não
associados ao sindicato. É exatamente por seu aspecto arbitrário que a contribuição
sindical gera os maiores debates entre os juristas.
O ponto polêmico reside na incongruência entre a liberdade sindical,
de um lado, e o sistema de unicidade sindical e a contribuição sindical compulsória,
de outro, todos previstos na Constituição Federal.
As controvérsias existentes são doutrinárias, não jurisprudenciais,
visto que todos os Tribunais brasileiros entendem devida esta contribuição. Aliás,
não se verificam ações questionando seu recolhimento.
Ignorando a Constituição como um sistema, sem querer enxergar
nela antinomias existentes, Wilson de Souza Campos Batalha assim se manifesta:
Quanto à alegada inconstitucionalidade, não vemos em que a
contribuição sindical infrinja preceitos constitucionais pertinentes à
liberdade dos Sindicatos. Aliás, a própria Constituição, no art.8º, IV,
alude a uma contribuição para custeio do sistema confederativo de
representação, “independentemente da contribuição prevista em lei”.
Essa “contribuição prevista em lei” pode ser a contribuição
sindical, posto que outra inexiste
131
.
Ora, não verdadeira liberdade sindical quando os trabalhadores
de uma mesma base territorial o representados por um único sindicato e são
obrigados a recolher uma contribuição a este sindicato. E neste sentido são as
palavras de Sérgio Pinto Martins:
A contribuição sindical compulsória, imposta por lei, viola, contudo, o
princípio da liberdade sindical tratado na Convenção nº. 87 da OIT,
pois se a pessoa não é filiada ao Sindicato, não pode estar obrigada
130
MARTINS, Sérgio Pinto. Contribuição confederativa. São Paulo. LTr. 1996., p.130. Diz o autor:
“Não se assemelha a contribuição sindical à taxa (art.77 do CTN), pois esta não decorre de serviços
específicos e divisíveis prestados ou postos à disposição do contribuinte, sendo que, no caso, não
serviços prestados pelo Estado ou postos à disposição pelo último ao contribuinte, mas pelo
Sindicato.(...) Tem, portanto, natureza de contribuição, da espécie contribuição social de interesse
das categorias profissionais ou econômicas, enquadrada no artigo 149 da Constituição.
131
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Sindicatos, sindicalismo. 2. ed, rev. e ampl. São Paulo. LTr,
1994. p. 132.
56
a pagar ao último uma contribuição para o custeio de suas atividades
132
.
Na mesma linha, Dirceu Galdino destaca a incompatibilidade da
contribuição sindical com os princípios que regem nossa constituição:
[...] a contribuição sindical é incompatível com a CF/88, sob os
ângulos do direito social e do direito tributário: ao primeiro, porque
afastou-se a interferência e a intervenção do Estado na organização
sindical, enfim o Sindicato ficou revestido de ampla autonomia
privada. Ora, não uma ilogicidade o Estado afastar-se de interferir
no Sindicato, e entretanto ficar como agente arrecadador desta
entidade, quanto à contribuição sindical?
133
Mas infelizmente, como dito anteriormente, o Brasil não acolheu
em seu sistema legal a Convenção 87 da OIT, pois não quer que a liberdade sindical
exista na prática, preferindo mantê-la apenas como letra morta na Constituição
Federal.
Como mencionado a pouco por Campos Batalha, a CF/88 (art. ,
inc. IV) prevê uma segunda contribuição, destinada especificamente ao custeio do
sistema confederativo, independentemente da contribuição sindical. Trata-se da
contribuição confederativa.
A contribuição confederativa foi alvo de questionamentos jurídicos.
As opiniões divergiam quanto à sua natureza jurídica, auto-aplicabilidade,
abrangência e compulsoriedade.
Os Tribunais brasileiros, notadamente o Supremo Tribunal Federal e
o Tribunal Superior do Trabalho, possuíam, dentro de suas próprias Turmas,
posicionamentos contrastantes sobre a compulsoriedade e abrangência desta
contribuição.
Existem duas correntes que explicam a natureza jurídica da
contribuição confederativa: considerando-a tributária ou considerando-a não
tributária. Diferenciam-se quanto à interferência ou o do Estado sobre esta forma
132
MARTINS, Sérgio Pinto. Obra citada, p.131
133
GALDINO, Dirceu. Contribuição confederativa: natureza jurídica – espécies de contribuições.
Revista LTr. São Paulo, v.62, n.08, Ago. 1998. p.1046.
57
de custeio do sindicato. A corrente aceita pelo Tribunal Superior do Trabalho é a de
natureza não tributária, uma vez que ainda não se encontra prevista em lei.
A previsão da contribuição confederativa depende de Assembléia
Geral do Sindicato, que se no exercício pleno da autonomia do Sindicato. A
natureza privada da contribuição confederativa faculta sua utilização como fonte de
custeio das entidades sindicais, cabendo a estas decidir se irão utilizá-la ou não.
A contribuição confederativa, nos termos em que se encontra na
Constituição Federal, é muito ampla, deixando de fixar pontos necessários à sua
aplicabilidade. No entanto, por se tratar de norma constitucional, deve-se considerar
que desde seu nascimento ela possui eficácia, mas limitada à edição de uma lei
regulamentadora.
A princípio, tendo em vista o sentido que a Constituição Federal quis
aferir à contribuição confederativa, esta teria sua abrangência geral, ou seja, para
todos os trabalhadores da categoria profissional que o Sindicato representa.
Ocorre que, diante da natureza jurídica não tributária da contribuição
confederativa, da necessidade de lei ordinária regulamentadora e da impossibilidade
dos não-filiados aos sindicatos manifestarem-se na Assembléia que estipula os
valores a serem recolhidos, a compulsoriedade da contribuição confederativa estaria
restrita aos filiados aos sindicatos.
Foi essa a linha de pensamento que norteou o Supremo Tribunal
Federal em Outubro de 2003, quando editou suas novas Súmulas, dentre elas a
Súmula nº. 666
134
, que considera ser a contribuição confederativa devida apenas aos
associados do sindicato.
Tem-se como terceira fonte de custeio do sindicato a contribuição
assistencial, também denominada contribuição de solidariedade, taxa assistencial ou
taxa de reversão. Sua sustentação legal é o artigo 513, e” da CLT, que assim
dispõe: “são prerrogativas dos sindicatos: e) impor contribuições a todos aqueles
que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais
134
Súmula 666 do STF: “A Contribuição Confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, é
exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.
58
representadas”. Todavia, a contribuição que se impõe a todos os participantes da
categoria, é a contribuição sindical, conforme expressa o artigo 578, da CLT.
O principal objetivo dessa contribuição é a cobertura de serviços
assistenciais prestados pelo sindicato, embora seja justificada também nas
vantagens advindas da negociação coletiva ou do dissídio coletivo. Mas nisso se
confunde com os destinos da própria contribuição sindical (art. 592, da CLT),
diferenciando-se apenas nos sentido de que não é repartida com os outros entes do
sistema confederativo.
Da mesma forma que acontece com a contribuição confederativa,
divergência doutrinária e jurisprudencial no sentido de ser devida por todos os
integrantes da categoria ou se apenas pelos associados ao respectivo sindicato.
No entanto, de uns tempos para cá, os Tribunais pátrios têm
sedimentado entendimento de que é devida pelos associados ao sindicato. E
nessa linha encontram-se a Orientação Jurisprudencial 17 da SDC do TST e
igualmente o Precedente Normativo nº 119, também do TST:
Orientação Jurisprudencial17 da SDC do TST: Contribuições para
entidades sindicais. Inconstitucionalidade de sua extensão a não
associados. As cláusulas coletivas que estabelecem contribuição em
favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores
não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e
sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas,
sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores
eventualmente descontados.
Precedente Normativo nº119 do TST: A Constituição da República,
em seus arts.5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e
sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula
constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa
estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de
taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial,
revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie,
obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as
estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de
devolução os valores irregularmente descontados.
A última fonte de custeio é a mensalidade sindical, prevista no artigo
548, “b” da CLT. É estipulada de forma voluntária e pode estar prevista tanto nos
estatutos como se originar das deliberações das assembléias gerais, sendo, nesse
caso, devida apenas pelos associados que desejarem filiar-se ao sindicato.
59
A referida espécie de contribuição ao sindicato pode ser comparada
a uma mensalidade de um clube recreativo, bastando para seu pagamento que o
trabalhador seja filiado e que a norma estatutária preveja a mensalidade. A
mensalidade associativa é devida apenas pelos associados, não sendo possível
cobrá-la de trabalhadores não associados.
Na realidade, a mensalidade do filiado é o meio autêntico e
verdadeiro de o sindicato obter recursos financeiros. Não qualquer afronta a
princípios constitucionais, havendo plena liberdade em todas as dimensões.
Incentiva o espírito de associação, atraindo o filiado ao sindicato quando este presta
bons serviços e mostra-se combativo na luta por melhores condições de trabalho. A
mensalidade sindical, por ser voluntária, é indicativa de representatividade do
sindicato e proporciona o amadurecimento e o fortalecimento do verdadeiro
movimento sindical.
Neste sentido, a mensalidade está em posição diametralmente
oposta em relação à contribuição sindical compulsória. O imposto sindical, como era
ela antes denominada, prejudica a representatividade e consequentemente
enfraquece o sindicato. Como bem frisou Magano
135
, “o imposto sindical, desde que
foi implantado, tem sido a causa das mais graves distorções do sindicalismo
brasileiro”.
E desta forma, sempre foi muito criticada por grandes juristas e
poucas não foram as tentativas de aboli-la. No anteprojeto de Código de Trabalho
elaborado a pedido do governo federal, apresentado em junho de 1964, o imposto
sindical era banido. E assim disseram Evaristo de Moraes Filho, Mozart Victor
Russomano e José Martins Catharino, que compunham a comissão revisora, ao
justificar sua apresentação no relatório que o acompanhava:
O imposto sindical é considerado inconstitucional, por ponderável
corrente doutrinária, por ferir a liberdade sindical, atritar-se com o
texto e o espírito da Constituição democrática de 1946. [...]
Além desse ponto de vista, é o imposto sindical altamente
inconveniente e nocivo. Altera inteiramente a verdadeira vida
associativa, permitindo a formação de falsos líderes, dando aos
sindicatos uma aparência de grandeza e de vida próspera, mas
puramente material. Com ele, o sindicato acumula patrimônio e não
135
MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. v III. São Paulo. LTr. 1986, p.63.
60
pessoas. Tem o cofre cheio, e a assembléia vazia. Nenhuma das
decisões sindicais é verdadeiramente representativa, porque o
sindicato não tem associados. As campanhas de sindicalização em
massa morrem ao nascer, pois falta animação de ambos os lados:
dos dirigentes sindicais, que não precisam de novos associados para
lhes perturbar a sua administração; e dos integrantes da categoria,
que descontam o imposto para o sindicato contra a sua vontade ou a
despeito dela. O imposto sindical é o óleo canforado, a tenda de
oxigênio do sindicalismo brasileiro
136
.
Se à época recebia a pecha de inconstitucional
137
, hoje, mais
motivos existem para tal crítica, como mencionados no início deste tópico. Se ao
longo dessas décadas a contribuição sindical foi causa de distorção do sindicalismo,
não podemos nos esquecer que ela é apenas uma das peças que emperra a
evolução do sindicalismo.
Foi visto ao longo deste capítulo que a unicidade e a sindicalização
por categoria são também outras heranças do corporativismo responsáveis pelo
atraso do movimento sindical brasileiro. Todas elas dependem fundamentalmente
uma da outra. O sindicato único, representativo de toda a categoria, não consegue
subsistir sem a contribuição compulsória.
O agrupamento forçado e artificial dos trabalhadores, sem a
possibilidade de autodeterminação do âmbito profissional da organização, retira-lhes
a possibilidade de florescer o espírito de classe operária e consequentemente de
luta.
A par disso, sindicato, embora com a representação legal dos
trabalhadores, não detém representatividade real (legitimidade na representação).
Ou seja, a unicidade sindical, a sindicalização por categoria e a contribuição sindical
não permitem uma real representatividade dos trabalhadores. E sem
representatividade real, o sindicato não tem força capaz para cumprir a contento sua
função primordial, a negociação coletiva.
136
MORAES FILHO, Evaristo de. Et alli. Código do Trabalho: Anteprojeto de Evaristo de Moraes
Filho. Legislação do trabalho, São Paulo, LTr. v. 28, p. 463-649, set-out. 1964, pág. 480.
137
Art. 159 da CF/1946. “É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma
de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de
funções delegadas pelo poder público”.
61
A negociação coletiva é, sem dúvida, um dos objetivos mais
importantes das organizações sindicais. E no Brasil, muito em razão dessa arcaica
organização sindical, a prática da negociação coletiva não se desenvolveu.
Mas as razões do baixo desenvolvimento da negociação coletiva no
Brasil o se devem apenas ao sindicato único, representante de toda categoria e
vivendo à custa do Estado. Outras medidas devem ser adotadas pelo Estado para
estimular e fomentar a negociação coletiva, especialmente quanto aos métodos de
solução dos conflitos coletivos de trabalho, de forma que o Estado o interfira nas
negociações, nem substitua a vontade das partes em conflito para,
compulsoriamente, ditar as normas que vão reger suas relações.
Analisaremos, então, no próximo capítulo, a negociação coletiva e
os principais problemas que ela tem encontrado no sistema brasileiro, para, num
capítulo posterior, analisar o sistema de solução dos conflitos coletivos de trabalho
no Brasil, também como forma inibidora do desenvolvimento da negociação coletiva,
especialmente quando o Estado usurpa das partes o Poder Normativo que
originalmente lhes pertence.
62
2 NEGOCIAÇÃO COLETIVA
2.1 Origem histórica e noções fundamentais.
A história atribui aos movimentos operários do final do século XIX e
início do século XX a autoria das negociações coletivas
138
. Como forma de solução
de conflito é uma via de o dupla que requer o a pressão por parte dos
operários organizados coletivamente no sentido de buscar melhores condições de
trabalho, mas também disposição por parte dos empregadores em abrir o diálogo
para a negociação ou mesmo aceitar as reivindicações dos trabalhadores.
Otto Kahn-Freund
139
nos mostra que as legítimas expectativas de
trabalhadores e empresários pertencem à classe das que inevitavelmente entram em
conflito. Como exemplo, os empresários podem legitimamente aspirar a encontrar
força de trabalho a um preço que lhes permita uma razoável margem de lucro. Os
trabalhadores, do mesmo modo, podem legitimamente aspirar que seus níveis reais
de salários não permaneçam estancados, mas que se incrementem
progressivamente. Tantos outros exemplos o trazidos pelo autor para demonstrar
a óbvia confrontação de expectativas e interesses que o direito do trabalho tem que
regular, mas assevera que tais expectativas e interesses podem ser temporalmente
ajustados mediante concessões mútuas, pelas próprias partes, por meio da
negociação coletiva.
Os objetivos das associações sindicais o se limitavam a
conquistas de melhores condições tendo como contraparte o empregador. Muitas
138
É da própria razão de existir dos movimentos operários obterem dos empregadores melhores
condições de trabalho. Neste sentido destaca Gino Giugni que a “luta dos trabalhadores assalariados
e de suas organizações foi dirigida para a obtenção de regulamentação das relações de trabalho que
assegurassem salários mais justos e uma série de outras garantias normativas” (GIUGNI, Gino.
Direito sindical. (trad. Eiko Lúcia Itioka) São Paulo. LTr, 1991. p 97.
139
KAHN-FREUND, Otto. Trabajo y Derecho. Madri: Ministério de Trabajo y Seguridad Social, 1987. p
112/116.
63
das ações políticas dessas associações buscavam no próprio Estado uma proteção
maior para os trabalhadores, especialmente em matéria de legislação social.
Frente ao empregador, as associações sindicais perseguiam
melhores condições de trabalho mediante contratação ou mesmo mediante formas
de determinação unilateral das condições de trabalho, isto é, sem nada contratar
com a contraparte, o grupo organizado de trabalhadores condicionava a assunção
do trabalho somente mediante determinadas condições. A coalizão dos
trabalhadores era determinante para impor as condições de trabalho frente ao
empregador. Essa forma de conquista dos trabalhadores foi experimentada na
França mesmo antes da segunda guerra mundial e também na Inglaterra
140
.
A determinação das condições de trabalho mediante contratação
com o empregador foi ao longo da história evoluindo
141
, adquirindo novos conteúdos
e maior ampliação de níveis, não mais limitados a salários e em nível de empresa,
até que fosse reconhecida e sancionada pela ordem jurídica e adquirisse os
contornos que hoje tem o contrato coletivo.
A história da negociação coletiva e do contrato coletivo como
resultado prático da negociação tem íntima conexão com a própria história do
sindicalismo. Antônio Álvares da Silva
142
bem esclarece essa relação:
A história da convenção coletiva se acha intimamente entrelaçada
com a história do sindicalismo. Colocam-se na relação de
condicionante condicionado, numa estreita vinculação de causa e
efeito. Como a liberdade de coalizão é uma conquista recente da
vida social, a convenção coletiva assumiu relevância graças à
força do sindicalismo moderno, e sua maturidade plena se
verificou no século XX, nos dias contemporâneos, através do
tratamento legislativo que recebeu nos povos civilizados, bem como
pela importância de sua missão e das inúmeras obras que se
escreveram modernamente sobre o tema em todo o mundo, inclusive
nos países socialistas e comunistas.
140
GIUGNI, Gino. Direito sindical. São Paulo. LTr. 1991. p 97.
141
OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. Convenção coletiva de trabalho no direito brasileiro. São
Paulo. LTr. 1996, p.15 destaca que à época do liberalismo do século XIX a coalizão dos
trabalhadores com vistas a buscar melhores condições de trabalho era tipificada como crime na
França.
142
SILVA, Antônio Alvares. Direito coletivo do trabalho. Rio de Janeiro. Forense, 1979. p 71.
64
Ambos passaram concomitantemente por fases de proibição e
tolerância até seu reconhecimento como forma de atender aos interesses de
trabalhadores e empregadores.
As primeiras convenções, ainda no século XIX e sem
reconhecimento na ordem jurídica, surgiram como acordos espontâneos entre
operários e patrões para r fim às greves mediante algumas conquistas de
melhores condições de trabalho. Não foi, portanto, a convenção coletiva criada pelo
jurista, mas sim espontânea manifestação da vida social. Os primeiros países a
regulamentar legalmente as convenções coletivas foram a Holanda (1919) e a Suíça
(1921)
143
.
Ruprecht acentua as principais qualidades da negociação coletiva.
Para o autor, “sua flexibilidade e adaptação são inquestionáveis e seus métodos e
procedimentos não refletem unicamente os interesses vitais das partes
intervenientes, pois, além disso, protegem os interesses primordiais da coletividade
na qual se realizam“
144
.
Não é por outra razão que a própria Organização Internacional do
Trabalho tanta importância à negociação coletiva e, atualmente, as legislações
dos países caminham no sentido de estimulá-la.
Otávio Silva Pinto destaca o papel do Estado nas negociações
coletivas. Segundo o autor, “à luz dessas normas internacionais se percebe a
responsabilidade do Estado pela sustentação da atividade negocial: a ele cabe não
somente permitir, mas também, se necessário, incentivar e promover o pleno
desenvolvimento da negociação coletiva”
145
.
143
OLIVEIRA, Paulo Eduardo Vieira de. Convenção coletiva de trabalho no direito brasileiro. São
Paulo. LTr. 1996, p.17/18.
144
RUPRECHT, Alfredo J. Relações Coletivas de Trabalho. (Trad. Edílson Alkmin Cunha). São Paulo.
LTr, 1995. p.261. Acentua Ruprecht que o resultado prático positivo da negociação coletiva - as
convenções coletivas - “constituem um meio extraordinário de unificar vontades e chegar a um
entendimento entre as partes. Apresenta uma série de vantagens e, por isso, tem-se imposto de uma
maneira extraordinária. Por seu intermédio regulam-se as condições de trabalho e estas estão mais
de acordo com a realidade do que quando são produto da atividade do legislador. É mais flexível do
que a lei e permite que as exigências da produção e as cambiantes condições sociáveis se reflitam
indiretamente na prática” (p. 275)
145
SILVA, Otávio Pinto e. A contratação coletiva como fonte do direito do trabalho. São Paulo. LTr.
1998. p. 93.
65
O destaque atribuído às negociações é tamanho que em alguns
países se pode afirmar possuir a função de complementar a legislação vigente. Isso
porque o resultado de uma negociação coletiva, quando soluciona alguma
controvérsia ou estabelece novas condições de trabalho, acaba por influenciar o
conteúdo das leis. Nesse sentido, esclarece Ruprecht
146
que em muitas ocasiões
servem elas de base para futuras normas legais e que, de acordo com o alcance que
lhes é atribuído, acabam se transformando também em verdadeiras leis
regulamentares.
Segundo a OIT, por negociação coletiva se entende não só as
discussões que culminam num contrato coletivo, conforme o define e regulamenta a
lei, mas, além disso, todas as formas de tratamento entre empregadores e
trabalhadores ou entre seus respectivos representantes, sempre e quando
suponham uma negociação no sentido corrente da palavra
147
.
Conforme aduz Pedro Paulo Teixeira Manus
148
:
a negociação coletiva destina-se à celebração do instrumento
normativo que irá regular os contratos de trabalho de todos
trabalhadores e empregadores submetidos aos limites da
representação das partes convenentes ou acordantes.
Para Ruprecht, “negociação coletiva é a que se celebra entre
empregadores e trabalhadores ou seus respectivos representantes, de forma
individual ou coletiva, com ou sem intervenção do Estado, para procurar definir
condições de trabalho ou regulamentar as relações laborais entre as partes
149
”.
Observa-se que Ruprecht inclui em seu conceito a possibilidade de
intervenção estatal, referindo-se a países que permitem a participação de Conselhos
Econômicos e Sociais na negociação, ou mesmo nos casos em que é necessária a
homologação do resultado obtido.
146
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada, p. 263.
147
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada, p. 264.
148
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Negociação coletiva e contrato individual no direito do trabalho
brasileiro. in Relações de direito coletivo Brasil-Itália. São Paulo, LTR. P.65.
149
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada, p.265.
66
Não é essa a orientação do Comitê de Liberdade Sindical, que
desaconselha a intervenção do Estado na negociação coletiva. Para o referido
Comitê,
as autoridades públicas deveriam abster-se de intervir de qualquer
forma que possa cercear esse direito ou dificultar seu legítimo
exercício: semelhante intromissão violaria o princípio de que as
organizações de trabalhadores e de empregadores devem ter o
direito de organizar suas atividades e formular seu programa de ação
com total liberdade
150
.
A negociação tem por objetivo maior a viabilização do diálogo entre
os litigantes, aproximando-se o máximo possível da satisfação dos interesses e, se
possível, pondo fim ao conflito. Esse é, indubitavelmente, o principal objetivo da
autocomposição dos conflitos trabalhistas: um processo de diálogo permanente
entre as partes.
Cada uma das partes expõe e defende seu ponto de vista. Conforme
destaca Ruprecht, “o importante é que houve conversações, entendimento entre as
partes, comunicação entre elas que possibilitem a melhor relação em todos os
aspectos trabalhistas e humanos. Discrepâncias ou não, as partes tratam de um
tema, não importa em que nível ou grau; houve intercâmbio e isso constitui a
negociação coletiva
151
”.
Trata-se de um meio para se obter o que os autores denominam de
“paz laboral”. Através da negociação coletiva, “procura-se encontrar o bem comum,
uma justiça social que leve o binômio capital-trabalho à desejada convivência
pacífica”
152
.
Não se pretende defender a utópica idéia de que a negociação será
o único mecanismo eficaz para a concretização de uma paz social deveras
almejada. Pode-se, entretanto, admitir que é uma das engrenagens de um
mecanismo complexo que envolve diversos setores da sociedade (economia,
finanças, política, etc.), capaz de contribuir em parte para essa paz social.
150
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. A Liberdade Sindical. Trad. Edílson Alkmim.
São Paulo. LTr. 1994, p. 96.
151
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada. p.272.
152
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada. p.266.
67
Havendo certa tranqüilidade na esfera laboral, isso irá refletir nos
demais aspectos da sociedade, até mesmo porque toda sociedade movimenta-se
em razão do trabalho. Em complemento a essa idéia, Otávio Pinto e Silva observa
que “há um deslocamento do trabalho não como categoria sociológica
fundamental, mas também como o centro dos conflitos sociais”
153
.
A negociação coletiva conta com a característica da flexibilidade
para propiciar o diálogo entre os litigantes. Não critérios rígidos para sua
realização, como ocorre com outras formas de solução dos conflitos de trabalho (e.g.
a solução jurisdicional), podendo-se adaptar às condições das partes envolvidas,
tanto no tempo quanto no espaço.
Outro fim da negociação é a democratização da relação trabalhista.
Hoje em dia é mais raro que um empregador decida sozinho o futuro de uma gama
de trabalhadores, havendo um maior diálogo entre as partes, até porque quanto
maior o grau de participação, menor o conflito
154
.
Ruprecht considera haver democratização em patamares superiores
à simples fixação das condições de trabalho. Segundo o autor, “a negociação
coletiva, em sentido amplo, permite ao trabalhador participar em todos os níveis de
decisão da empresa; participar não só na fixação dos salários, condições de trabalho
similares, mas também na gestão e direção da empresa”
155
.
Caso não se verifique a disponibilidade dos empregadores de
negociar por meio da autocomposição (conciliação, mediação ou arbitragem
voluntária
156
), resta aos trabalhadores a opção de valerem-se de meios de pressão,
a autodefesa, a greve.
No caso brasileiro, entretanto, até o advento da Emenda
Constitucional de nº. 45 (Reforma do Judiciário), tinham os trabalhadores a opção de
recorrer ao Judiciário para que este fixasse as novas condições de trabalho. Tratava-
153
SILVA, Otávio Pinto e. obra citada. p. 87.
154
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O conceito moderno de negociação coletiva. In Direito
Sindical Brasileiro. São Paulo. LTr. 1998. p. 247.
155
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada. p. 269.
156
Embora a maioria dos autores prefira classificar a arbitragem voluntária como forma de
heterocomposição, optamos, somente aqui, por agrupá-la ao lado das formas autocompositivas
porquanto só se instaura em razão de acordo dos interessados.
68
se do Poder Normativo da Justiça do Trabalho que, através da sentença normativa,
oriunda do dissídio coletivo, criava norma aplicável às categorias envolvidas no
litígio. Sobre o Poder Normativo trataremos nos dois últimos capítulos deste
trabalho.
Quanto à natureza jurídica dos ajustes entabulados na negociação
coletiva, a doutrina divide-se entre tratar-se de um contrato, um conjunto de normas,
ou ambos. Marcos Abílio Domingues
157
prefere esta terceira hipótese: “os
instrumentos coletivos em geral m natureza mista, pois estabelecem normas
imperativas como resultado da autonomia contratual”.
Maria Cristina Haddad de
158
partilha de mesma opinião ao dizer
que:
a teoria que parece melhor explicar a natureza jurídica da
negociação coletiva é aquela que considera o seu caráter contratual
e normativo. Contratual, pela livre manifestação de vontade das
partes, e normativo, uma vez que as cláusulas inseridas naquele
contrato fazem lei entre as partes, sendo, portanto, aplicadas a toda
a categoria
.
No mesmo sentido, Brito Filho
159
assim explica:
Os contratos coletivos são, sim, sui generis, e pelas suas
características: 1) de serem contrato, firmados por pessoas jurídicas
capazes e com a observância de requisitos, o que os inclui na
categoria dos negócios jurídicos e 2) de possuírem efeitos
normativos, regulamentando, por força de lei, relações individuais de
pessoas representadas à revelia delas, no caso dos não
associados pelos que contratam, não se podem enquadrar dentro
de nenhuma das concepções, afastam-se dos extremos, podendo
ser explicados dentro de um meio-termo, que para nós representa a
teoria que os considera como de natureza mista.
Mascaro Nascimento
160
, após relembrar a célebre frase de Carnelutti
de que o contrato coletivo é um híbrido, com corpo de contrato e alma de lei,
assevera que, “independentemente da natureza contratual ou regulamentar, a
convenção coletiva é uma norma, desde que se dissocie o conceito de norma do
conceito de lei ou ato estatal”.
157
DOMINGUES, Marcos Abílio. Introdução ao Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo. LTr, 2000. p.
72.
158
SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo. LTr. p.42.
159
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical. Obra citada. p. 203.
160
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 317
69
2.2 Princípios da negociação coletiva.
Toda negociação coletiva deve pautar-se nos princípios gerais do
direito e, em específico, nos regentes das relações entre os seres coletivos
trabalhistas. Dentre esses, Maurício Godinho Delgado
161
aponta o da “interveniência
sindical na normatização coletiva”, o da “equivalência dos contratantes coletivos” e o
da “lealdade e transparência na negociação coletiva”. O primeiro propõe que a
validade do processo de negociação se submeta à participação do ente sindical
representante dos trabalhadores, como previsto nos incisos II e VI da CF/88, ou seja,
os poderes da autonomia privada coletiva passam necessariamente pelas entidades
sindicais obreiras.
O da equivalência dos contratantes coletivos ressalta, além do
aspecto coletivo das partes (mesmo o empregador agindo isoladamente é
considerado aqui um ser coletivo), também os instrumentos colocados à disposição
dos entes sindicais dos trabalhadores (garantias de emprego, direito de
mobilizações, greve etc.) que visam atenuar a disparidade que os separa do
empresário.
O princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva afeta
igualmente as duas partes envolvidas. Neste sentido, pela lealdade e boa-fé, não
seria válida uma greve enquanto vigente um diploma coletivo negociado (salvo
mudança substantiva nas condições fáticas que possam fazer valer da exceção da
cláusula rebus sic stantibus)
162
. É necessário que as partes tragam de forma clara e
transparente (e dêem o mais largo acesso às informações
163
) as condições
subjetivas e objetivas envolvidas na negociação. A publicidade e a transparência
permitem às partes conhecer as verdadeiras condições e interesses do outro pólo da
161
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 52-56.
162
TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Et alli. Instituições de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo. LTr.
1993, v. 2, p. 1047, Filho prefere tratar este aspecto da lealdade separadamente, como “princípio da
paz social”, o qual “consiste na trégua implicitamente assumida pelas partes ao assinarem o
instrumento normativo” e que deve ser mantida até o seu termo final, exceto “quando o cenário
econômico sofre modificação superveniente, imprevisível e substancial, geradora de desequilíbrio das
prestações pactuadas”.
163
TEIXEIRA FILHO, João de Lima . Obra citada. No que tange ao “direito de informação”, o autor faz
importante ressalva no sentido de que “não é possível que informações estratégicas da empresa
possam ser colocadas em risco a pretexto de terem a ver com o processo negocial”.
70
negociação. A transparência aqui assume maior relevo do que nos negócios
jurídicos individuais, pois envolve uma comunidade de pessoas.
Juarez Rogério Felix
164
indica algumas hipóteses como condutas de
má-fé nas negociações coletivas, tais como: impor ou interferir em comissões de
negociação (impor comissões de negociação com membros estranhos às
respectivas categorias ou tentativa de interferência na comissão da outra parte);
recusa injustificada à negociação; omissão de dados pela empresa; negativa de
apresentar contraproposta convergente; introdução de novas reivindicações no
curso da negociação objetivando criar impasses; atitudes contrárias à negociação ou
mediação; recusa ao laudo arbitral; uso de greve precipitadamente, antes de
esgotada a negociação; ameaça de dispensa de empregados como forma de
coação.
Outros princípios podem ser ainda indicados, como o princípio do
contraditório (a necessária contradição de pretensões que se busca harmonizar), o
da cooperação (disposição para solucionar o conflito) e o da razoabilidade (nas
pretensões)
165
.
2.3 A negociação coletiva e a OIT.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) atribui fundamental
importância à negociação coletiva. Com efeito, dispõe o inciso III da “Declaração
referente aos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho” (Declaração
de Filadélfia, 1944) que “a Organização Internacional do Trabalho tem a obrigação
de auxiliar as Nações do Mundo na execução de programas que visem: [...]
assegurar o direito de ajustes coletivos [...]”.
164
FELIX, Juarez Rogério. Boa fé nas negociações coletivas. In Direito Coletivo do Trabalho em uma
Sociedade Pós-industrial: estudos em homenagem ao Ministro Antônio José de Barros Levenhagen.
VIDOTTI, Tárcio José e GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto (coords). São Paulo. LTr,
2003. p. 207/211.
165
PINTO, José Augusto Rodrigues. Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. São Paulo. LTr. 1998,
p.172/174.
71
Várias o as suas Convenções e Recomendações
166
que cuidam
do tema, dentre elas a Convenção de nº. 98, que dispõe sobre o direito de
sindicalização e negociação coletiva, e a Convenção de nº. 154, que dispõe sobre o
fomento à negociação coletiva, ambas ratificadas pelo Brasil. De forma indireta,
tantas outras convenções lhe dão suporte, em especial as relativas à liberdade
sindical, porque que esta não se limita à organização, mas compreende também a
ação sindical, cujo exercício se faz especialmente pela via da negociação coletiva.
Reveste-se de grande importância também a Recomendação nº. 91, sobre os
contratos coletivos, e a Recomendação nº. 163, sobre a negociação coletiva.
A negociação coletiva é incentivada pela OIT como forma
democrática de solução de conflitos coletivos de trabalho, de maneira que os
próprios interlocutores cheguem a bom entendimento acerca de suas divergências,
acordando de forma livre e sem interferência do Estado. Não prega a OIT uma regra
única e rígida para as negociações coletivas nos diversos países, preferindo
recomendar que cada país encontre a melhor fórmula de acordo com suas próprias
características e necessidades.
Neste sentido, o artigo 4º da Convenção nº. 98 dispõe que
deverão ser tomadas, se necessário, medidas apropriadas às
condições nacionais, para fomentar e promover o pleno
desenvolvimento e utilização dos meios de negociação voluntária
entre empregadores ou organizações de empregadores e
organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, por meio
de convenções, os termos e condições de emprego.
Como bem observado por Jo Francisco Siqueira Neto
167
, a
Convenção 98 “visa a estabelecer critérios genéricos e efetivos de garantia ao
Direito de Organização e estímulo à Negociação Coletiva de Trabalho”. Em seu texto
é destacada a importância da “organização de trabalhadores” para o exercício da
166
Distinguindo as convenções das recomendações, esclarece Arnaldo Süssekind que as primeiras,
uma vez ratificadas, constituem fontes formais de direito, gerando direitos subjetivos individuais, nos
países onde vigora a teoria do monismo jurídico e desde que não se trate de diploma meramente
promocional ou norma que necessita de leis nacionais ou outras medidas para se tornarem
aplicáveis. Já as recomendações e as convenções não ratificadas constituem fonte material de
direito, porquanto servem de inspiração e modelo para a atividade legislativa nacional, os atos
administrativos de natureza regulamentar, os instrumentos de negociação coletiva e os laudos da
arbitragem voluntária ou compulsória dos conflitos coletivos de interesse. Neste último caso,
compreendidas as decisões dos tribunais do trabalho dotados de poder normativo. (SÜSSEKIND,
Arnaldo. Convenções da OIT: São Paulo, LTr. 1998, 2 ed., p. 28).
167
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato Coletivo do Trabalho: São Paulo. LTr. 1991, p. 39-40.
72
negociação coletiva, o que não implica necessariamente que essa organização seja
o sindicato. Também merece destaque a expressão “meios de negociação
voluntária” contida no texto da Convenção, o que é de extrema importância, mas que
em nosso sistema não é bem observado (pelo menos enquanto existente a solução
jurisdicional compulsória a partir da provocação de uma das partes).
A Convenção 154, também com contornos genéricos, atém-se à
negociação coletiva. Dispõe a Convenção que o termo negociação coletiva nela
contido
[...] compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de
uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma
organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra
parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de:
fixar condições de trabalho e emprego, ou; regular as relações entre
empregadores e trabalhadores, ou; regular as relações entre os
empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações
de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma
vez
168
.
O que a Convenção exige é que os trabalhadores ajam de forma
organizada. Não chega à minúcia de dispor de que forma se reconheça essa
organização, abrindo possibilidade de negociação por comissão de trabalhadores
até por centrais sindicais, desde que reconhecidas como tais, ou seja, com
legitimidade de representação coletiva. Analisando a extensão de “organização de
trabalhadores”, Siqueira Neto
169
entende que estas podem ser “representações
consolidadas em muitas legislações, como comissões de fábrica, representantes de
pessoal, comitês de higiene e segurança, entre outros equivalentes, dependendo
evidentemente dos poderes e das formas de exercício dos mesmos, a serem
oferecidos e outorgados pelas respectivas legislações nacionais”.
A negociação pode dar-se, seja em nível de empresa ou em âmbito
nacional, em indústrias distintas ou para todas as indústrias. O conceito é aberto,
permitindo expressamente a Convenção que a lei ou a prática nacional podem
168
A recomendação de 91 da OIT define Contrato Coletivo como “todo acuerdo escrito relativo a
las condiciones de trabajo y de empleo, celebrado entre un empleador, un grupo de empleadores o
una o varias organizaciones de empleadores, por una parte, y, por otra, una o varias organizaciones
representativas de trabajadores o, en ausencia de tales organizaciones, representantes de los
trabajadores interesados, debidamente elegidos y autorizados por estos últimos, de acuerdo con la
legislación nacional.”
169
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 42.
73
determinar o alcance da expressão negociação coletiva
170
. Também não impede a
Convenção que empregadores e trabalhadores, por acordo prévio ou por lei,
reconheçam o papel de conciliadores ou árbitros independentes
171
.
O que é condição indispensável para uma adequada negociação
coletiva é que os trabalhadores tenham o direito de formar organizações e a elas se
associarem por livre escolha, sem interferência de empregadores ou do governo, tal
como preconiza a Convenção 87 sobre liberdade sindical, repita-se, não ratificada
pelo Brasil. Neste aspecto, a unicidade sindical se apresenta como entrave e
obstáculo para um bom desenvolvimento da negociação coletiva.
O alcance da negociação estabelecido na Convenção 154 é amplo,
não se limitando a salário e jornada de trabalho, podendo abranger o trabalho
extraordinário e penoso, intervalos de descanso, isonomia salarial, normas de
segurança e saúde (condições e meio ambiente de trabalho), procedimentos para
solução de reclamações, planos suplementares de seguridade social ou até mesmo
a participação dos trabalhadores nas decisões da empresa. Nada impede que a lei
do país estabeleça o que necessariamente seja negociado.
As normas da OIT não impõem aos países o estabelecimento de
regras quanto ao registro e reconhecimento das organizações sindicais para fins de
negociação coletiva. O que viola as convenções da OIT é a exigência de autorização
prévia para se formar um sindicato e não o mero registro. Este facilita a identificação
do sindicato pelos empregadores, trabalhadores e governo e mostra aos
interessados que o sindicato está devidamente organizado. Pode-se até permitir que
o Estado, em algumas circunstâncias especiais, indefira a solicitação de registro ou
o cancele, mas é essencial que se possibilite ao sindicato interessado interpor
recurso a um órgão independente.
O registro equivale ao reconhecimento perante o Estado e mostra-se
de fundamental importância frente ao empregador, uma vez que terá mais
segurança para iniciar as negociações. A lei poderá até exigir que o sindicato seja
170
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Negociações Coletivas. Trad. Sandra Valle.
São Paulo. LTr; Brasília: OIT, 1994, p. 15/16.
171
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Idem, ibidem.
74
registrado para ter o direito de negociar e também pode por lei garantir certas
imunidades contra atitudes anti-sindicais por parte dos empregadores.
Ao reconhecer um sindicato, um empregador está se
comprometendo a aceitá-lo como parceiro na negociação coletiva, exclusivamente
ou com outros sindicatos. Em geral, o que leva um empregador a reconhecer um
sindicato é o receio de que da recusa poderiam advir maiores problemas. A decisão
de um empregador em reconhecer um sindicato está muito ligada à situação
econômica geral, pois esta em desvantagem o sindicato de trabalhadores, se a
situação na região for de muito desemprego e o empregador tiver facilidade em
substituir os trabalhadores em conflito.
Por outro lado, o reconhecimento de um sindicato de trabalhadores
pelo empregador poderia hostilizar outros sindicatos em competição com a
representatividade. Havendo sindicatos rivais, o empregador pode ter que decidir
qual deles reconhecer ou se deve reconhecer todas as organizações e tentar a
negociação com uma comissão que represente todas elas.
Nada impede, entretanto, que a legislação nacional regulamente a
concessão do reconhecimento, estabelecendo, por exemplo, que o empregador
deve reconhecer o sindicato se este provar que realmente representa certo
percentual de trabalhadores ou da unidade de negociação. O que a legislação deve
levar em conta, ao estabelecer este percentual, é o nível geral de sindicalização dos
trabalhadores.
Também não faz qualquer sentido a liberdade sindical, como
liberdade de organizar sindicato, sem que o empregador esteja disposto a
reconhecer o sindicato ou, mesmo reconhecendo, não esteja disposto a negociar. A
Recomendação 163 da OIT se preocupa em fomentar a negociação coletiva,
declarando que o direito de negociação dever ser amplo, assegurado a todas as
organizações e em qualquer nível, seja de empresa, estabelecimento, ramo de
indústria e em nível regional ou nacional, coordenados esses níveis entre si. A
recomendação também sugere a adoção de medidas adequadas às condições
nacionais para que as partes disponham de informações necessárias para poder
negociar com conhecimento de causa. Sugere ainda a adoção de procedimentos de
75
solução de conflitos que ajudem as partes a encontrarem por si mesmas uma
solução, o que não impede a adoção da mediação ou da arbitragem.
O que na visão da OIT é essencial para a negociação coletiva é a
existência de uma organização de trabalhadores que possa legitimamente pretender
representar seus interesses e, por outro lado, a disposição por parte do empregador
em reconhecer essa organização para fins de negociação e, se não o estímulo do
governo, pelo menos a ausência de sua interferência.
É fundamental que trabalhadores e empregadores estejam dispostos
a se ouvirem e negociar honestamente, ou seja, a negociar de boa-fé. Não a
exigência, por parte da OIT, de que a legislação venha a regulamentar a negociação
coletiva, pois dessa regulamentação pode advir tanto vantagens como
desvantagens. A regulamentação pode ser mais interessante onde os sindicatos
sejam relativamente fracos e seus dirigentes pouco experientes, sendo interessante
a lei protegê-los. Por outro lado, muitas vezes a regulamentação legal vem em
detrimento dos trabalhadores, com proibições de aumentos de salários (temendo
inflação) ou impondo limites aos mecanismos de pressão (como a greve).
172
O que a OIT propõe é que os Estados tomem medidas apropriadas
às condições nacionais, se necessário, para estimular e promover a negociação
voluntária entre empregadores e trabalhadores (Convenção 98) e que a negociação
não seja obstaculizada pela ausência de regras sobre procedimentos a serem
seguidos ou pela inadequação ou impropriedade dessas regras (Convenção 154). É
importante que seja criada pelas autoridades públicas uma estrutura na qual teriam
lugar as negociações coletivas, mas que o processo de negociação seja livre. A
criação, por lei, de uma estrutura institucional e regimental para a negociação
coletiva não deve permitir a interferência do Estado no mérito da negociação.
172
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Negociações Coletivas. Obra citada, p.
34/35.
76
2.4 A negociação coletiva no direito brasileiro
A negociação coletiva passa a ter reconhecimento jurídico no Brasil
na década de 1930. Através do decreto 19.770/31 atribuiu-se ao sindicato, ao lado
das funções assistenciais, a função de representação para fins de celebrar
convenções coletivas de trabalho, desde que ratificadas pelo Ministério do Trabalho.
O Decreto nº. 21.761/32 vem regulamentar a convenção coletiva.
Cumpre destacar que o decreto 19.770/31
173
não atribui ao contrato
coletivo efeito erga omnes, ou seja, à toda categoria. Da mesma forma, o Decreto
nº. 21.761/32, em princípio também não atribui ao contrato coletivo tal efeito, embora
houvesse previsão para se estender, por ato do Ministro do Trabalho aos demais
empregados ou empregadores do mesmo ramo de atividade, desde que cumpridas
certas exigências e formalidades
174
.
A negociação coletiva ganha status constitucional com a Carta de
1934, que dispõe que “a legislação do trabalho observará” o “’reconhecimento das
convenções coletivas de trabalho” (art. 121, §1º, “j”). A Constituição de 1937 dispõe
173
Art. Como pessoas jurídicas, assiste aos sindicatos a faculdade de firmarem ou sancionarem
convenções ou contratos de trabalho dos seus associados, com outros sindicatos profissionais, com
empresas e patrões, nos termos da legislação, que, a respeito, for decretada.
Art. 10. Além do que dispõe o art. 7º, é facultado aos sindicatos de patrões, de empregados e de
operários celebrar, entre si, acordos e convenções para defesa e garantia do interesses recíprocos,
devendo ser tais acordos e convenções, antes de sua execução, ratificados pelo Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio.
174
Art. Desde que preencham as formalidades exigidas pelos artigos anteriores, as convenções
coletivas obrigam tanto aos sindicatos ou agrupamentos que as ajustarem ou que vierem a aderir,
como aos seus componentes, os quais não ficarão exonerados das obrigações assumidas pelo fato
de retirarem a sua adesão ou deixarem de fazer parte dos sindicatos ou agrupamentos. § Todo
empregador e sindicato, ou agrupamento de empregadores ou empregados de uma mesma região e
do mesmo ramo de atividade profissional, poderá em qualquer tempo, aderir à convenção coletiva
celebrada, desde que consintam as partes convenentes, e, neste caso, a adesão só se tornará
operante quando feito o registro e arquivamento no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, nos
termos do art. 2º, deste decreto. § 2º O componente de um sindicato ou de qualquer outra associação
que não haja concordado em ratificar uma convenção coletiva, quer tenha votado contra ela, quer não
tenha comparecido à assembléia ratificadora, poderá exonerar-se de qualquer compromisso,
demitindo-se, por escrito, do sindicato ou associação no prazo de 10 dias, contados da data em que
tiver realizado a referida assembléia.
Art. 11. Quando uma convenção coletiva houver sido celebrada em um ou mais Estados ou
Municípios por três quartos de empregadores ou empregados do mesmo ramo de atividade
profissional, poderá o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, ouvida a competente Comissão de
Conciliação, tornar o cumprimento da Convenção obrigatório, naqueles Estados ou Municípios, para
os demais empregadores e empregados do mesmo ramo de atividade profissional e em equivalência
de condições, se assim o requerer um dos convenentes.
77
em seu artigo 138 que “o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o
direito de representação legal dos que participem da categoria” e de “estipular
contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os associados”
175
. A
Constituição de 1946 e a Emenda Constitucional de 1969 também reconhecem as
convenções coletivas de trabalho. A Constituição de 1988 muito avança em matéria
de negociação coletiva. Manteve o reconhecimento das convenções coletivas em
seu artigo , XXVI, acrescentando neste dispositivo também a figura dos acordos
coletivos, além de incentivar a negociação coletiva em vários dispositivos (art. 7º, VI,
XIII, XIV, art. 8º, VI e art. 114, §§ 1º e 2º).
Na legislação infraconstitucional, dedica a CLT um título próprio às
convenções coletivas de trabalho (artigos 611 à 625), conceituando acordo e
convenção coletiva de trabalho, estabelecendo requisitos de validade, vigência,
forma de negociação, limites e conteúdo
176
.
Conforme previsão do artigo 611 da CLT, os instrumentos coletivos
de autocomposição são o acordo e a convenção coletiva de trabalho, diferenciando-
os apenas no que tange à abrangência dos trabalhadores abrangidos. Os conceitos
de tais instrumentos encontram-se no caput e no §1º do referido artigo
177
. A
Convenção Coletiva abrange todos os que integram uma categoria econômica e
profissional, representados pelos seus respectivos sindicatos, enquanto que o
Acordo Coletivo tem aplicação restrita à empresa e seus empregados,
representados pelo sindicato de trabalhadores, o qual celebra o acordo diretamente
com a empresa.
175
Embora o art. 138 se referisse a contrato coletivo obrigatório “aos associados”, o entendimento foi
de que seus efeitos se estendiam à todos os integrantes da categoria, especialmente porque o artigo
137 dispunha que tais contratos obrigaria “todos os que participassem da categoria”.
176
A redação original desse título da CLT foi alterada pelo Decreto-lei 229/67. Originalmente do artigo
612 previa que o contrato coletivo seria aplicado somente aos associados, embora admitida a
extensão dos efeitos à toda categoria por ato do Ministro do Trabalho. Assim dispunha o artigo: “O
contrato coletivo, celebrado nos termos do presente capítulo, aplica-se aos associados dos sindicatos
convenentes, podendo tornar-se extensivo a todos os membros das respectivas categorias, mediante
decisão do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio”.
177
CLT, art. 611. “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou
mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”.
§1º. “É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos
Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem
condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas
relações de trabalho”.
78
Desde logo cumpre esclarecer que a negociação coletiva não pode
ser confundida com o seu resultado. Ela é um meio para se tentar buscar uma
composição, mas não é uma modalidade de composição em si. Os acordos e
convenções coletivas o resultantes da negociação coletiva entre empregadores e
empregados, estes necessariamente representados pelos seus organismos sindicais
e aqueles podendo negociar diretamente, querendo.
Os Acordos Coletivos podem envolver, de um lado, uma ou mais
empresas e, de outro, um ou mais sindicatos, que representa seus empregados.
Como observa Luiz Carlos Amorim Robortella, “nesse tipo de negociação
descentralizada, por empresa, é natural que as partes preocupem-se menos com os
efeitos do acordo sobre a economia global, eis que normalmente se voltam para
seus interesses imediatos, microeconômicos”
178
.
o contrato coletivo é figura ainda indefinida pela legislação
brasileira. quem o considere capaz de reformar todo o modelo de relações de
trabalho vigente, permitindo uma sobreposição da vontade das partes até sobre a lei
179
. Outros o consideram parecido com o acordo e com a convenção coletiva, mas
possuem diferenças marcantes como não se limitarem à representação por
entidades sindicais, incluindo as Centrais Sindicais
180
. Todavia, enquanto não
houver uma norma específica sobre esses contratos, melhor considerá-los sem
qualquer eficácia
181
.
A lei atribui aos sindicatos o monopólio da representação, abrindo
exceção apenas no caso de categorias não organizadas em sindicatos ou na
hipótese de o sindicato não assumir a representação, quando instado pelos
trabalhadores. Nestes casos, serão legitimadas as Federações e, sucessivamente
as Confederações, sendo que no segundo caso, na inércia também da Federação
178
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Obra citada. p.243.
179
DOMINGUES, Marcos Abílio. Obra citada. p.75.
180
AZEVEDO, Gelson de. Contrato coletivo de trabalho. In Curso de Direito Coletivo do Trabalho. São
Paulo, LTr. 1998. p.323/324.
181
Desde que regulamentadas, as negociações coletivas poderiam se dar em níveis superiores
através de contatos coletivos de âmbito nacional, com cláusulas que definissem direitos mínimos para
todos os trabalhadores de determinada categoria ou ramo, de forma que as negociações de níveis
inferiores poderiam negociar condições mais favoráveis, mas não abririam mão desses direitos
mínimos.
79
ou Confederação, poderão os trabalhadores prosseguir diretamente na negociação
até o final (§1º do art. 611 e art. 617 da CLT)
182
.
A iniciativa da negociação pode partir dos trabalhadores ou dos
empregadores, que deverão manifestar interesse primeiramente somente perante
seus respectivos sindicatos ou, no caso dos empregadores, pode dar-se por
iniciativa de uma empresa. Tal exigência privilegiou os sindicatos, além de colocar
os interesses do grupo acima dos individuais
183
.
O art. 612 da CLT prevê que a celebração da negociação coletiva
deve ser autorizada pela assembléia geral do sindicato, com presença de no mínimo
2/3 dos interessados na primeira convocação ou 1/3 na segunda convocação (a
menos que o quadro associativo supere 5.000 associados, hipótese em que o
quórum será de 1/8). A nosso ver, essa exigência legal de quórum se atrita com o
princípio da autonomia sindical previsto no art. da CF/88, devendo prevalecer o
quórum dos estatutos sindicais
184
.
Quanto ao conteúdo das cláusulas, aspectos formais e materiais
que devem constar do documento produzido pela negociação coletiva. Os aspectos
formais seriam a identificação dos sindicatos signatários; o prazo de vigência; a
delimitação do grupo de pessoas que serão atingidas pelos seus efeitos, as
hipóteses de prorrogação e a penalidades para quem descumprir suas cláusulas.
os aspectos materiais se constituiriam nas condições das relações de trabalho,
mecanismos para resolver eventuais divergências quanto a sua aplicabilidade e
eventual criação de comissões consultivas entre as partes
185
. Esses aspectos
equivalem basicamente ao conteúdo obrigatório previsto no art. 613 da CLT
186
.
182
Em nosso sistema legal as centrais sindicais não são partes legítimas para a negociação coletiva.
183
DE LUCA, Carlos Moreira. Convenção Coletiva do Trabalho: um estudo comparativo. São Paulo.
LTR. 1991, p.111.
184
José Carlos Arouca (in Repensando o sindicato. São Paulo. LTr. p.255) condena a imposição
desses quoruns, devendo haver liberdade para que cada sindicato estipule-os. Diz o autor que “o
quórum estabelecido no art. 612 da CLT, como antes mencionado, sem dúvida é autoritário, imposto
por decreto-lei do tempo da ditadura militar com nítido propósito de inviabilizar a atuação dos
sindicatos, especialmente nas negociações coletivas”.
185
DOMINGUES, Marcos Abílio. Obra citada, p.71.
186
Art. 613 - As Convenções e os Acordos deverão conter obrigatoriamente: I - Designação dos
Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e empresas acordantes; II - Prazo de vigência; III -
Categorias ou classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos; IV - Condições
ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência; V - Normas para a
conciliação das divergências sugeridas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus
dispositivos; VI - Disposições sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de
80
José Carlos Arouca
187
ressalta que
[...] o conteúdo pode ser amplíssimo, dependendo da vontade das
partes, envolvendo salários, seu reajustamento, pisos salariais,
normas de regência dos contratos individuais, benefícios sociais,
condições de higiene e segurança do trabalho, relações sindicais,
penalidades, constituição de comissões para a solução de litígios
individuais e de conflitos, respeitantes, inclusive a interpretação das
cláusulas ajustadas e até complementação do reforço de
disposições legais.
Os termos da negociação devem ser reduzidos a um documento
escrito e devem ser feitas cópias para todas as partes envolvidas. Uma cópia deverá
ser enviada ao Ministério do Trabalho para que haja publicidade das matérias
avençadas.
Dispõe o §3º do art. 614 que os acordos ou convenções coletivas de
trabalho não poderão ter duração superior a dois anos. No entanto a praxe no Brasil
é que as partes fixem duração de um ano. Nada impede que as partes estabeleçam
efeito retroativo para a norma, o que é comum acontecer.
As condições estabelecidas nos acordos ou convenções coletivas
prevalecem sobre eventuais convenções menos benéficas previstas em contratos
individuais de trabalho daqueles grupos abrangidos pelas suas normas. Como
enfatiza Jo Carlos Arouca
188
, “a convenção completa o contrato individual” de
modo que “nenhuma disposição deste pode sobrepor-se ao que for convencionado,
sob pena de nulidade absoluta (CLT, art.619)”. Da mesma forma, “as condições
estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as
estipuladas em acordo” (CLT, art.620).
seus dispositivos; VII - Direitos e deveres dos empregados e empresas; VIII - Penalidades para os
Sindicatos convenentes, os empregados e as empresas em caso de violação de seus dispositivos.
187
AROUCA, José Carlos. Obra citada, p.263.
188
AROUCA, José Carlos. Obra citada, p.259.
81
2.5 O problema da não-incorporação definitiva das cláusulas do ajuste
coletivo aos contratos individuais de trabalho.
A doutrina divide-se quanto à possibilidade ou não de incorporação
definitiva aos contratos individuais de trabalho das condições mais favoráveis aos
trabalhadores obtidas por acordos ou convenções coletivas (ultratividade das
cláusulas normativas).
Para a corrente doutrinária que defende a incorporação dessas
condições, o art.5º, XXXVI da CF/88 atribui-lhes caráter de direito adquirido, tendo
em vista haver o empregado exercido as prerrogativas favoráveis por um período de
tempo. Outro argumento é a inalterabilidade das condições de trabalho sem a
anuência do trabalhador, quando a alteração lhe for prejudicial, conforme disposição
do art. 468, da CLT
189
. Em síntese, todos esses argumentos buscam fundamentação
no princípio básico do direito do trabalho, o princípio protetor, mas especificamente o
princípio da condição mais benéfica, como desdobramento daquele
190
.
A corrente contrária sustenta que a incorporação indiscriminada das
condições de trabalho previstas nas negociações anteriores desestimularia a
negociação de novas vantagens aos trabalhadores, já que não interessaria aos
empregadores concordar com novas vantagens, se não houvesse possibilidade, no
futuro, de que essas vantagens deixassem de integrar os contratos individuais após
o prazo de vigência do instrumento coletivo
191
.
Para essa corrente, “a expiração do prazo da convenção coletiva
tem efeito extintivo da vigência das condições de trabalho no mesmo previstas,
manifesta que é a vontade das partes estipulantes de pactuar os direitos coletivos
189
CLT, Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente,
prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
190
Alguns autores, como RODRIGUES, Américo Plá, Princípios de Direito do Trabalho. (trad. Wagner
D. Giglio) São Paulo. LTr, 1993. p. 24/27 entende que tais princípios se aplicam não só ao direito
individual, mas também ao direito coletivo do trabalho. Em sentido contrário SILVA, Antônio Álvares
da. Antônio Álvares da Silva. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr,
2005. p. 338.
191
DOMINGUES, Marcos Abílio. Introdução ao Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo. LTr. 2000,
p.74.
82
por um prazo que é o previsto para a vigência da convenção coletiva”. O suporte
deste entendimento é o princípio do pacta sunt servanda
192
.
Brito Filho
193
defende “a não incorporação aos contratos individuais
de trabalho, considerando o próprio espírito da contratação coletiva, que é
estabelecer, de forma temporária, condições aplicáveis aos contratos individuais de
trabalho”.
A mesma tese é defendida por João Regis Teixeira Junior
194
, para
quem é da essência de tais instrumentos normativos a adaptabilidade às situações
no momento de sua celebração, de forma que determinadas vantagens negociadas
pelas partes em um período possam não ser renovadas no subseqüente.
João Regis Teixeira Filho
195
ressalta ainda a distinção entre o direito
individual e o direito coletivo do trabalho, asseverando que neste desaparece o
fundamento da proteção existente naquele, ao passo que por vezes é o empresário
que se apresenta hipossuficiente diante do poder econômico e organizacional de
algumas organizações sindicais. Desta forma, conclui que o preceito da CLT (art.
468) que veda a alteração contratual prejudicial ao empregado não se aplica ao
direito coletivo. Não vê, por outro lado, possibilidade de uLTratividade dos
instrumentos normativos quando as partes, em cumprimento da lei (art. 614, §3º, da
CLT) estabelecem um termo final de validade para o acordado. Esse ajuste teria
eficácia plena diante do equilíbrio das partes e da liberdade contratual.
Mascaro Nascimento
196
, distinguindo cláusulas obrigacionais
(obrigando os sujeitos estipulantes, ou seja, sindicatos e empresas) de cláusulas
normativas (normas jurídicas sobre as relações individuais de trabalho), entende que
as primeiras não se incorporam, até mesmo porque não têm esta finalidade. Quanto
às cláusulas normativas, entende ser “necessário distinguir, em razão do prazo
estabelecido e da natureza da cláusula, aquelas que sobrevivem e as que
desaparecem”. Exemplifica que um adicional por tempo de serviço é algo que se
192
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p.355.
193
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical. Obra citada. p. 241.
194
TEIXEIRA FILHO, João Regis. Convenção coletiva de trabalho. São Paulo. LTr. 1994, p.74.
195
TEIXEIRA FILHO, João Regis. Idem, p.75. O autor faz uma análise da questão no direito
estrangeiro concluindo que na maioria dos casos ocorre a ultratividade das cláusulas até que sejam
substituídas por outro instrumento normativo (pgs. 84/90)
196
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Idem, p.357
83
insere nos contratos de trabalho se as partes não estabeleceram condições ou
limitações à sua vigência. Em sentido oposto, um adicional de horas extras seria
obrigação que, por sua natureza, vigoraria tão somente pelo prazo da convenção
coletiva. Deste modo, a incorporação das cláusulas normativas dependeria da
verificação, em concreto, de cada cláusula.
Russomano
197
entende ser mais coerente e adequada ao espírito do
Direito do Trabalho a tese da incorporação definitiva das garantias das convenções
coletivas ao contrato de trabalho. Partindo-se do pressuposto de que a lei trabalhista
estabelece um mínimo de garantias e prerrogativas, acima das quais se exerce
livremente a autonomia da vontade, as convenções coletivas somente poderiam
estipular melhores condições de trabalho. Daí se conclui que o trabalhador adquiriu
determinados direitos, seja em virtude da convenção coletiva anterior, seja em
virtude do próprio contrato individual, pois a ele se incorporaram as vantagens da
convenção coletiva. Desta forma, a convenção coletiva posterior não poderia
restringir ou reduzir aqueles direitos. Ressalva o autor a hipótese de que a nova
convenção modifique in pejus determinada cláusula, mas assevera que “o novo
convênio não pode ser menos favorável, em confronto com a soma dos direitos
adquiridos pelos trabalhadores”
198
. Outra ressalva feita pelo autor é no sentido de
que os direitos garantidos por regras anteriores favorecem apenas os trabalhadores
que eram favorecidos por tais regras, ou seja, os direitos são garantidos como
vantagens pessoais e, portanto, não podem ser estendidos aos novos trabalhadores
mediante ações de equiparação salarial.
Discordando em parte de Russomano, José Francisco Siqueira
Neto
199
entende que as vantagens obtidas na negociação coletiva não são
conquistas dos trabalhadores individualmente considerados, mas sim da categoria
como um todo. Para ele, “o contrato coletivo de trabalho é o resultado da atuação
concreta do interesse coletivo, que não se trata de mero ajuntamento de vontades
individuais”. Ademais, “a tese restritiva é impossível juridicamente, porquanto
discriminatória, inclusive de difícil aplicação por parte das empresas”. O ponto de
197
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p.189/190.
198
Até aqui a opinião de Russomano não se distingue da de Otávio Bueno Magano. In Manual de
Direito do Trabalho, v3. São Paulo. LTr. 1986, p. 157.
199
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato Coletivo do Trabalho. São Paulo. LTr. 1991, p. 144.
84
vista de Siqueira Neto se mostra mais acertado
200
. Não é difícil imaginar quantos
problemas adviriam em aplicar a norma coletiva a apenas um determinado grupo de
trabalhadores dentro de uma mesma empresa.
Maurício Godinho Delgado
201
entende que o melhor sistema é
aquele no qual “os dispositivos dos diplomas negociados vigoram até que novo
diploma negocial os revogue”. Assevera que esse critério, o da “aderência limitada
por revogação”, “instaura natural incentivo à negociação coletiva”.
Arnaldo Süssekind
202
e Orlando Teixeira Costa
203
compartilham do
mesmo entendimento e fundamentam seus pontos de vista na própria Constituição,
que ao prever o julgamento dos dissídios coletivos pela Justiça do Trabalho,
determina que sejam respeitadas as disposições convencionais. Assim se manifesta
Süssekind:
Ora, o processo de dissídio coletivo pode ser instaurado quando
houver fracassado a negociação coletiva para a prorrogação ou
revisão da convenção ou do acordo coletivo. Por conseguinte, em
regra quase absoluta, não haverá “disposições convencionais” em
vigor no momento da sentença normativa que julgar o dissídio. O que
significa, por lógica dedução, que a Carta Magna mandou respeitar
as normas da convenção ou do acordo coletivo que sobrevierem, no
plano das relações individuais de trabalho, porque, até que suas
cláusulas normativas sejam revogadas ou alteradas por novo acordo
ou convenção, elas integrarão os contratos individuais dos
respectivos destinatários.
Entretanto, como observa o próprio Russomano
204
, predomina em
nosso sistema a teoria “segundo a qual a convenção coletiva superveniente não fica
adstrita aos favores e faculdades que tenham sido concedidos pela convenção
anterior. Tais faculdades e favores estariam, sempre, condicionados, no tempo, à
vigência efetiva do convênio que os instituiu”.
200
O mesmo ponto de vista tem José Augusto Rodrigues Pinto (Direito Sindical e Coletivo do
Trabalho, São Paulo. LTr. 1998 p. 219).
201
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada p. 157.
202
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro. Renovar, 1999, p. 423.
203
COSTA, Orlando Teixeira da. Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econômica. São Paulo. LTr.
1991, p. 167.
204
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p.190.
85
De fato, prevalece no Brasil a tese da não-incorporação dos
benefícios conquistados anteriormente
205
. E a justificativa é o caráter temporário dos
resultados obtidos em uma negociação coletiva. O próprio Tribunal Superior do
Trabalho já se manifestou nesse sentido, por meio da súmula nº. 277, editada
poucos meses antes da Constituição de 1988
206
.
Súmula 277/TST: “As condições de trabalho alcançadas por força de
sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de
forma definitiva os contratos”.
antes da Carta de 1988, quando da edição da súmula época
“enunciado”) 277 do TST, manifestou Délio Maranhão
207
total repúdio à tese da não-
incorporação definitiva das cláusulas coletivamente negociadas aos contratos de
trabalho. Para o autor havia contradição entre essa súmula e a de nº 51
208
. Não fazia
sentido diferenciar. Sustentava Délio que “o princípio é um só, seja a vantagem
resultante de regulamento, seja de acordo ou convenção coletiva, seja de sentença
normativa”.
A Constituição que sobreveio em 1988 foi claramente contrária a tal
súmula e muitas vozes se levantaram no sentido da sua revogação. José Alberto
Couto Maciel
209
, poucos meses após a promulgação da Constituição, disse que o
§2º do artigo 114 “revogou o Enunciado n. 277 do Tribunal Superior do Trabalho,
inserindo nos contratos individuais dos trabalhadores as normas de convenções ou
acordos” e que “as normas derivadas das convenções, não podem ser alteradas
pelo dissídio, que deve respeitá-las como integrantes do contrato individual”.
205
A Lei 8542/92, art. 1, §1º dispôs que as “cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos
de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou
suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho”. Entretanto referido
parágrafo foi revogado por Medida Provisória.
206
Súmula 277/TST: As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram
no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva os contratos”.
207
MARANHÃO, Délio. A propósito do enunciado n. 277 do Egrégio TST. Revista LTr vol. 52, 7, jul
de 1988, p. 775.
208
Súmula 51/TST: “As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas
anteriormente, atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do
regulamento”.
209
MACIEL José Alberto Couto A nova Constituição e a possibilidade de redução de direitos na
convenção e no acordo coletivo. Revista LTr vol. 53, nº 1, jan de 1989, p.69.
86
Também Orlando Teixeira Costa
210
disse á época que “as normas
coletivas, em princípio, incorporam-se aos contratos individuais de trabalho,
sobrevivendo ao término da eficácia dos instrumentos coletivos que as instituíram”.
E reforçando o coro pela revogação da súmula 277, Cláudio
Armando Couce de Menezes, após aprofundado estudo do direito comparado,
demonstrando que na quase unanimidade os países adotam a tese da incorporação,
e também apontando a opinião dos grandes juristas brasileiros à época (Catharino,
Magano, Mascaro Nascimento, Pontes de Miranda e outros), todos também
favoráveis à tese da incorporação, assim conclui:
As condições conseqüentes da sentença normativa, acordo ou
convenção coletiva aderem aos contratos individuais de emprego,
passando a ser inalteráveis. Portanto, insubsistente é a celeuma
anterior à Carta de 1988, referente ao tema em foco, estando
superado o Enunciado 277, que precisa ser revisto.
Em que pese a clareza da norma e tantas vozes que se levantaram
contra, a súmula permaneceu vigente e o STF adotou jurisprudência no seu sentido,
o que significou grande prejuízo aos trabalhadores e aos sindicatos, pois em cada
nova negociação haveria de começar do zero.
O ideal é que houvesse uma negociação constante entre as partes,
de forma que nunca ocorresse a redução dos direitos anteriormente assegurados.
Não se está falando aqui de incorporação indiscriminada ou perpétua, porém é
melhor haver a prevalência de normas anteriores do que a supressão de algum
direito ou mesmo ausência temporária de norma.
210
COSTA, Orlando Teixeira da. Sobrevivência das normas coletivas após a expiração do prazo
convencional. Revista LTr vol. 54, nº 2, fev de 1990, p.156.
87
2.6 Outras debilidades do sistema brasileiro que inibem as negociações
coletivas.
Para um sistema pleno de autonomia privada coletiva que se quer
alcançar no Brasil, é preciso abandonar de vez a política intervencionista que
influenciou a elaboração da CLT.
Paralelamente às críticas à unicidade sindical, ao Poder Normativo,
à limitação nos níveis de negociação, à inexistência de previsão legal de contrato
coletivo de trabalho nacionalmente articulado, à inexistência de representação dos
trabalhadores nos locais de trabalho, nota-se que os sindicatos no Brasil, em sua
maioria, ainda não o verdadeiramente representativos, apresentando sérias
deficiências para lograr êxito em uma negociação.
A inexistência de sindicatos fortes e representativos é um dos
maiores obstáculos para uma adequada negociação coletiva. Como destaca
Ruprecht
211
,
[...] nos países em que não existem sindicatos fortes e responsáveis,
a negociação coletiva não pode ter grande relevo, posto que um
sindicalismo fraco, sem maiores raízes, não pode conduzir com êxito
e independência negociações coletivas, tanto as que fixam
condições de trabalho como as que resolvem conflitos coletivos.
José Carlos Arouca
212
assevera que no Brasil não são as origens do
direito do trabalho as únicas responsáveis por falhas nas negociações coletivas.
Segundo o autor,
[...] a prática maior ou menor das negociações coletivas tem a ver
com a repressão do Estado e os mecanismos montados para atrelar
os sindicatos, impondo sua política de controle de salários. E nem
se pode atribuir o fenômeno ao regime corporativista de Vargas ou à
ditadura militar, pois persistiu nos governos de José Sarney,
Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
Nossa experiência organizativa tem apontado para o crescente
fenômeno da “carência ou ineficiência de representação”. O sistema corporativo da
211
RUPRECHT, Alfredo J. Obra citada. p.930.
212
AROUCA, José Carlos. Obra citada. p.264.
88
unicidade sindical provocou um estrangulamento organizativo. A monopolização da
representação impede o aparecimento de novos quadros representativos. Mantêm-
se representações artificiais e acomodadas e conseqüente despreparo técnico,
organizativo e político dos dirigentes.
A deficiência do sistema brasileiro, que impõe a representação dos
trabalhadores na negociação coletiva apenas dentro do sistema confederativo, tem
feito com que, na prática, por vezes, uma comissão de fábrica negocie diretamente
com o empregador e posteriormente pressione o sindicato a homologar o acordo.
Neste caso, o sindicato faz apenas “o papel de biombo na negociação, ou seja,
apenas empresta às tratativas a legalidade decorrente de sua personalidade jurídica,
isto é, as negociações se processam apesar dos sindicatos detentores do monopólio
de representação e da personalidade jurídica formal”
213
.
Dorotthee Susanne Rüdiger
214
também ressalta essa deficiência:
Ocorre que os sindicatos monopolistas, muitas vezes, não têm a
representatividade real (isto é, militância, disposição para o conflito,
independência) que as organizações paralegais possuem e fazem
valor através da negociação coletiva de documentos contratuais “fora
da lei”, observados e respaldados pela autonomia privada coletiva.
Daí a importância de incluir no rol de sujeitos da contratação coletiva:
centrais sindicais, associações de trabalhadores e comissões de
fábrica, socialmente representativos e atuantes como partes nos
contratos coletivos.
Situações como as acima expostas, aliadas a outros fatores, como
a ausência de mecanismos eficientes de controle dos abusos cometidos por
empregadores, reforçam a debilidade da autonomia das representações de
trabalhadores.
Como assinalado anteriormente, as Convenções da OIT de n
os
98 e
154, ratificadas pelo Brasil, dão ênfase à negociação coletiva voluntária e à garantia
de exercício de organizações legítimas. Contudo, como observa Siqueira Neto,
nosso sistema jurídico não integra totalmente os princípios dessas convenções, pois
não como fomentar e promover o pleno desenvolvimento e utilização dos meios
de negociação voluntária com o nosso modelo estrutural organizacional vigente,
213
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 42/43.
214
RÜDIGER, Dorothee Susane. O Contrato Coletivo no Direito Privado. São Paulo. LTr. 1999, p.
115/116.
89
mormente devido à falta de garantias efetivas à representação, em especial, no
tocante ao limite estrutural nos locais de trabalho. Para o referido autor, “o legislador
pátrio interviu onde o devia (na estrutura organizacional dos sindicatos) e omitiu-
se onde deveria se posicionar (na efetivação das garantias representativas em todos
os níveis: de emprego e de organização)”, o que tem obstruído o desenvolvimento
da negociação coletiva
215
.
Mesmo após a Constituição de 1988 ter afastado a interferência do
Poder Público na organização sindical e valorizado em vários de seus dispositivos a
negociação coletiva, esta não se desenvolveu a contento. Observou-se um aumento
na quantidade de acordos e convenções coletivas e uma queda nos julgamentos de
dissídios coletivos. Porém esses números são artificiais, pois o aumento foi apenas
quantitativo e não qualitativo. O que de fato elevou o número de acordos ou
convenções coletivas foi a possibilidade de recolhimento da contribuição
confederativa pelos sindicatos.
Observou-se, de outra parte, uma dispersão da negociação coletiva,
ou seja, uma progressiva descentralização para as empresas, mas que igualmente
não trouxe ganhos substanciais aos trabalhadores, mas tão somente uma
pulverização sindical.
O processo de negociação coletiva continuou restrito ao momento
da data-base e limitado em sua abrangência e níveis de articulação. No Brasil o
diálogo acontece às vésperas do termo final da convenção coletiva, ou seja,
geralmente uma vez por ano e com negociações iniciadas com um mês de
antecedência do término da vigência do ajuste anterior. Isso em decorrência do
princípio da anuidade contratual, caracterizado como “data-base”. Poucos são os
sindicatos no Brasil que conseguem contratar fora do prazo (data-base) algum
benefício para os trabalhadores.
Como assevera Siqueira Neto
216
,
[...] uma sistemática de periodização rígida e inflexível compromete
a qualidade e o envolvimento das partes com o contratado, além de
desestimular a prática crescente e permanente de tratamentos
215
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 45.
216
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 116/117.
90
coletivos. A organização do sistema de contratação quanto ao
tempo pode ser diversa, dependendo do contratado e da
profundidade das soluções pretendidas.
Exemplifica o autor no que diz respeito aos índices de correções
salariais e à forma de sua correção, enfatizando que, numa política econômica e
salarial estável, uma negociação anual seria suficiente. Todavia, se a negociação
coletiva diz respeito a um sistema interno de representação de trabalhadores, o
tempo de contratação não poderia ser rígido e inflexível, porquanto a complexidade
do assunto pode exigir exames mais detalhados das partes, além de ampla consulta
aos representados.
Desta forma, a duração do ajuste, a forma de retomada das
tratativas e os encaminhamentos deveriam ter tratamento condizente com o objeto
de cada cláusula, devendo ser permitida a fixação de prazo para a convenção
coletiva como um todo ou só para algumas de suas cláusulas.
Sem uma estrutura de contratação flexível quanto aos prazos e sem
garantias aos trabalhadores, especialmente com relação ao seu maior instrumento
de pressão (a greve), dificilmente os empregadores estarão predispostos a conceder
vantagens aos trabalhadores em negociação coletiva.
O direito de greve, em sua essência, deve trazer consigo o potencial
de efetivamente causar prejuízo aos empregadores
217
. Atualmente, no Brasil, a
greve não alcança a potencialidade de pressão que deveria, especialmente porque
muitas vezes o empregador ajuíza o dissídio coletivo de greve com vistas a obter do
Tribunal a declaração de abusividade do movimento
218
. Essa legitimação para o
217
quem entenda que a greve é uma negação do direito por tratar-se de arma coercitiva. Contra
tal argumento, Carlos López-Monís (in O Direito de Greve: experiências internacionais e doutrina da
OIT: São Paulo, LTr. 1986, p. 14) assim responde: “De fato, a greve é coercitiva, porque coercitiva é a
situação do trabalhador. A diferença está entre uma coercitividade concreta e aparente a da greve
dos trabalhadores e uma coercitividade latente ou encoberta a que o sistema capitalista
proporciona aos empresários em relação aos trabalhadores”
218
A jurisprudência do TST em nada contribui neste sentido. Segundo a Orientação Jurisprudencial
de nº. 10 da SDC/TST a Greve abusiva não gera efeitos. É incompatível com a declaração de
abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus
partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo”. a
Orientação Jurisprudencial de nº. 12 da SDC/TST dispõe: “Greve. Qualificação jurídica. Ilegitimidade
ad causam do sindicato profissional que deflagra o movimento. Não se legitima o sindicato
profissional a requerer judicialmente a qualificação legal do movimento paredista que ele próprio
fomentou”
91
ajuizamento do dissídio por parte do empregador é altamente prejudicial aos
trabalhadores e enfraquece o processo de negociação coletiva
219
.
Embora seja o direito de greve a principal arma dos trabalhadores,
como instrumento de melhoria social, a OIT não lhe deu ainda a importância devida,
pois não editou nenhuma convenção específica a respeito. Algumas convenções da
OIT indiretamente favorecem a greve, como a de 87, sobre a liberdade sindical,
embora essa, como já dito, não tenha sido ratificada pelo Brasil.
A liberdade sindical se configura também pela autonomia de ação, a
qual implica na liberdade de exercício das atividades sindicais destinadas a atingir os
fins para os quais a organização foi constituída, sem que esta sofra qualquer
ingerência ou intervenção das autoridades que dificulte tal exercício, salvo quando
fugirem ao padrão da licitude.
A Constituição de 1988 significou grande progresso ao garantir a
autonomia sindical no caput do artigo , embora a tenha restringido nos mesmos
incisos do referido artigo (unicidade sindical, por exemplo). O direito de greve é sem
dúvida ampliado com a disposição do artigo : “É assegurado o direito de greve,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender”.
É fundamental para o processo de negociação coletiva que a greve
tenha uma regulamentação adequada para servir como efetivo instrumento de
pressão dos trabalhadores. A Lei 7783/89
220
, que regula o direito de greve
assegurado na Constituição, é vista por alguns autores como restritiva ao exercício
do direito de greve
221
.
219
Atualmente, com o advento da Emenda Constitucional de nº. 45/2004, essa legitimidade parece ter
acabado, conforme será analisado no último capítulo deste trabalho.
220
Vários são os aspectos de que cuida a lei, dentre eles: a obrigatoriedade de prévia tentativa de
negociação; deliberação de deflagração por assembléia geral; aviso prévio ao empregador;
manutenção de serviços indispensáveis (relacionando os serviços ou atividades essenciais) ou cuja
de cuja paralisação possa trazer prejuízos irreparáveis; assegura alguns direitos aos grevistas, tais
como a vedação ao empregador de constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho ou
frustrar a divulgação do movimento; assegura a manutenção dos contratos de trabalho durante a
greve.
221
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Liberdade Sindical e Direito de Greve no Direito
Comparado São Paulo. LTr. 1992, p. 118.
92
De fato, muitos aspectos poderiam ser melhorados na legislação,
tais como uma regulamentação mais específica e restrita dos serviços e atividades
essenciais para fins do exercício do direito de greve
222
/
223
; uma maior limitação da
intervenção do judiciário como meio de solução da greve
224
, especialmente quanto
ao julgamento do objeto e mérito da greve e; uma melhor regulamentação de
práticas anti-sindicais. A legislação brasileira não assegura aos trabalhadores
garantias após o encerramento da greve. O ideal seria que a proibição de demissões
não se limitasse ao período de greve, mas se estendesse por um período de tempo
posterior
225
.
A limitação ou restrição ao direito de greve não é, todavia, problema
exclusivo da legislação específica sobre greve, mas sim de toda a legislação que diz
respeito a organização sindical, negociação coletiva e formas de solução de conflitos
coletivos. Neste sentido observa Oscar Ermida Uriarte
226
, em alusão ao direito do
trabalho latino-americano:
[...] a maioria das legislações trabalhistas da região regulamenta
detalhadamente a ação sindical e limita a extensão e profundidade
da negociação coletiva e a greve. Por isso, enquanto a intervenção
legislativa nas relações coletivas de trabalho deve ser de promoção,
sustentação ou apoio à autotutela e à autonomia coletiva, nos países
latino-americanos o certo é que a legislação é geralmente restritiva.
Desta forma, a legislação trabalhista latino-americana mostra, em
geral, uma estrutura composta de duas partes: protetora dos direitos
individuais do trabalhador e limitadora ou restritiva do exercício dos
direitos coletivos.
Outro entrave para o desenvolvimento da negociação coletiva no
Brasil é a baixa eficácia dos instrumentos normativos. Os direitos conquistados pelos
trabalhadores nos contratos coletivos não o observados pelos empregadores. Os
222
DUARTE NETO, Bento Herculano. Direito de Greve aspectos genéricos e legislação brasileira.
São Paulo, LTr. 1993, p. 144.
223
BRESCIANI, Luís Paulo; BENITES FILHO, Flávio Antonello. Negociações Tripartites na Itália e no
Brasil. São Paulo. LTr, 1995. p. 178. Os autores também criticam a falta de reciprocidade da Lei
7.783/89 ao prever em seu artigo 14 que a manutenção da greve após a decisão da Justiça do
Trabalho constitui abuso, mas sem prever qualquer penalidade ao empregador que não cumprir a
decisão judicial. Criticam da mesma forma a exigência de notificação prévia à empresa para deflagrar
a greve, sem que seja exigido, em contrapartida, por parte do empregador, notificação prévia ao
ajuizamento do dissídio coletivo de greve.
224
LAIMER, Adriano Guedes. O novo papel dos sindicatos. São Paulo, LTr. 2003, p. 74.
225
DEL CASTILLO, Santiago Perez (trad. Maria Stella Penteado G. de Abreu). O Direito de Greve:
São Paulo, LTr. 1994, p. 283.
226
URIARTE, Oscar Ermida (trad. Edilson Alkmin). A flexibilização da greve. São Paulo. LTr, 2000. p.
16.
93
motivos da inobservância das normas coletivas decorrem principalmente da
deficiência da organização sindical e do próprio sistema de negociação coletiva,
embora também influencie a cultura do empresariado brasileiro de descumprir
normas trabalhistas sob o pretexto de que os custos da legalização são elevados e
inviabilizam a competitividade das empresas. Os trabalhadores, com receio de
retaliações, não ousam reclamar judicialmente enquanto vigente seus contratos de
trabalho e, mesmo quando encerrado o contrato, temem as listas negras. O que lhes
resta é a iniciativa do sindicado atuando com substituto processual através de ação
de cumprimento, mas que muitas vezes não tem sucesso devido ao entendimento
restritivo que os Tribunais dão às hipóteses de substituição processual
227
.
Também contribuiu para inibir a negociação coletiva a competência
que era atribuída à Justiça Comum para apreciar lides sindicais sobre representação
e também as que envolviam o exercício do direito de greve (reintegrações de posse,
interditos proibitórios etc.). A Justiça Comum geralmente solucionava os casos
aplicando princípios do direito civil em detrimento dos do direito do trabalho e
sindical. Diz-se “solucionava”, porque com a Emenda Constitucional de nº. 45/04
(Reforma do Judiciário) essa competência foi expressamente atribuída à Justiça do
Trabalho.
Outro fator inibidor da negociação coletiva que sofre transformações
com a Emenda da Reforma do Judiciário diz respeito às formas de solução dos
conflitos coletivos. O sistema anterior impunha a solução jurisdicional obrigatória
caso houvesse provocação de qualquer das partes, independentemente da vontade
da outra, transformando a contratação num processo judicial, o que também
favorece quem não quer contratar, porquanto tem o álibi de que a pendência estaria
sub judice. A solução acaba sendo imposta por terceiro (no caso o Estado) que
dificilmente conhece com profundidade as vicissitudes nas relações das partes
envolvidas. O julgamento se pela gica formal, em detrimento da dinâmica das
relações coletivas
228
. Como anunciado, uma análise mais pormenorizada do
Poder Normativo será ainda objeto deste estudo.
227
Com o cancelamento da súmula 310 do TST em 2003, a qual restringia a substituição processual
trabalhista, a tendência da jurisprudência é no sentido de ampliar as hipóteses de seu cabimento.
228
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 176/177.
94
Um último entrave para a negociação coletiva que merece referência
é a legislação concorrente. Alguns autores criticam a abusiva tutela da lei brasileira,
que não acompanha as mudanças das necessidades sociais e ocupa o espaço onde
poderia desabrochar a negociação coletiva
229
. Para suprimir esse obstáculo seria
então preciso desregulamentar a legislação trabalhista ou mesmo permitir que esta
seja flexibilizada através da negociação coletiva, o que na prática não vem
apresentando bons resultados.
2.7 A negociação coletiva como instrumento de precarização dos direitos
trabalhistas.
A negociação coletiva cumpre função precípua de geração de
normas trabalhistas e pacificação dos conflitos coletivos de trabalho. A negociação
coletiva, como instrumento do direito coletivo do trabalho e, conseqüentemente,
também do direito individual do trabalho, deve observar o caráter finalístico e
teleológico desse ramo do direito, qual seja, a melhoria das condições de trabalho.
No entanto muitas vezes os acordos e convenções coletivas têm
sido utilizados não para conquista de melhores condições de trabalho, mas sim para
flexibilização e precarização de direitos legalmente assegurados, com base na
premissa de que a negociação coletiva pode flexibilizar direitos trabalhistas.
Nos últimos anos, várias foram as investidas do Governo Federal
neste sentido. Como exemplo, citamos o “contrato por prazo determinado” (tempo
parcial), figura de contratação anômala criada pela Lei 9.601 de 1998. Essa lei prevê
que as “convenções e os acordos coletivos poderão instituir contrato de trabalho por
prazo determinado” nos quais haveria redução de alíquotas de contribuição para o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e, “as partes”, também através da
229
PICARELLI, Márcia Flávia Santini. A Convenção Coletiva de Trabalho: São Paulo. LTr. 1986, p.
150.
95
negociação coletiva, estabeleceriam, a seus critérios, indenizações para hipóteses
de rescisão antecipada de contrato diferente daquelas previstas na CLT.
A mesma legislação (Lei 9.601/98) também cria o “banco de horas”,
modificando o §2º do art. 59 da CLT, que passa a prever a possibilidade de
compensação anual de jornada, o que seguramente mostra-se inconstitucional
porquanto nenhuma vantagem traz ao trabalhador
230
.
A jurisprudência tem admitido que o acordo ou a convenção
flexibilize alguns direitos legalmente assegurados, como é o caso acima citado de
compensação de jornada de 12h de trabalho por 36h de descanso ou redução de
intervalos de jornadas de trabalho legalmente assegurados, ou ainda para atribuir
natureza indenizatória a utilidades ou benefícios concedidos pelo empregador
231
.
Esse fenômeno é explicado por Maurício Godinho Delgado
232
através do princípio da “adequação setorial negociada”, segundo o qual:
[...] as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem
sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer
sobre o padrão geral heterônomo juslaboralista desde que
respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses
critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas
implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral
oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas
autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas
justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa.
Por outro lado, a jurisprudência, inclusive do TST, muitas vezes tem
admitido validade de negociações coletivas, flexibilizando, sem amparo no princípio
acima aludido, direitos trabalhistas com assento constitucional. Exemplo disso é a
230
Diferentemente da compensação semanal, possibilitada expressamente na Constituição, ou
mesmo da compensação mensal jornada 12 x 36 -, que embora afronte norma da CLT quanto ao
limite máximo da jornada diária, mostra-se benéfica ao trabalhador.
231
Notícia na página do Ministério Público do Trabalho na internet (www.pgt.mpt.gov.br) em 25/01/06
informa liminar em ação civil blica que suspendia a eficácia de várias cláusulas da convenção
coletiva 2005/2006 firmada entre o Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos Comerciais de
Roraima (SINTECO/RR) e a Federação do Comércio do Estado de Roraima (FECOMÉRCIO). As
cláusulas previam os seguintes “direitos” aos trabalhadores: a) retiravam-lhe o direito à indenização
adicional prevista na Lei 7238/84; aumentariam a jornada mínima semanal dos técnicos em radiologia
prevista na Lei 7394/85; c) impunham “desconto assistencial” aos não associados, sem autorização
expressa, em afronta ao art.545, da CLT.
232
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada, p. 159/160.
96
recente decisão no processo ROAA 242/2002-000-08-00.0, na qual o TST admitiu a
flexibilização, via negociação coletiva, de multa do FGTS e aviso prévio
233
.
Como explica Luiz Carlos Amorim Robortella
234
: “desde que
presentes certos pressupostos, reconhece-se à negociação coletiva a aptidão de
modificar as condições contratuais, inclusive reduzindo determinados direitos,
mediante negociação coletiva”. Para o autor, esta prerrogativa decorre do dinamismo
do mercado de trabalho, que não mais convive com normas rígidas e intocáveis.
Mas não podemos nos esquecer de que são justamente as rígidas
leis trabalhistas tão criticadas que garantem um mínimo de proteção e impedem que
os trabalhadores brasileiros cheguem à precariedade de condições de vida
alcançadas em alguns países asiáticos (jornadas de 12 horas, sem descanso
semanal ou anual e baixa remuneração).
A filosofia da flexibilização através da negociação coletiva é de
integrar o Brasil numa economia globalizada, incrementando a competitividade de
nossas empresas. Não obstante esses fundamentos pressupõem algumas
premissas necessárias, geralmente ocultas nos discursos dos defensores da
flexibilização, quais sejam: a) para melhorar a condição de vida do país, é preciso
aumentar a competitividade de nossos produtos; b) para tornar nossa produção mais
competitiva, é preciso baratear seu custo; c) para baratear o custo, é preciso diminuir
as despesas com mão-de-obra; d) nossas leis trabalhistas acarretam muita despesa
com os trabalhadores; e) para cortar despesas, é preciso eliminar ou, pelo menos,
afastar a aplicação das leis trabalhistas; f) para atenuar as despesas com aplicação
das leis trabalhistas, é preciso substituí-las por normas contratuais; g) como as leis
são de aplicação obrigatória e sua revogação encontra obstáculo insuperável, é
233
Notícia publicada em 31 de Outubro de 2005 no site do TST (www.tst.gov.br):
TST admite flexibilização da multa do FGTS e aviso prévio:
A Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho assegurou a validade de
cláusula de convenção coletiva que previu a dispensa do aviso prévio e o pagamento proporcional da
multa de 40% do FGTS (demissão sem justa causa). A possibilidade de flexibilização e seu respaldo
constitucional levou a SDC a deferir recurso ordinário em ação anulatória ao Sindicato das Empresas
de Vigilância, Transporte de Valores, Curso de Formação e Segurança Privada do Estado do Pará
(Sindesp/PA). (ROAA 242/2002-000-08-00.0)
234
ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Obra citada. p.241.
97
preciso criar a alternativa de regular as relações entre empregados e patrões por
meio de acordos entre as partes
235
.
Todavia o acordo entre as partes, dentro de um ambiente de
autonomia coletiva privada, deve servir o somente para elevar a qualidade de vida
dos trabalhadores.
A globalização acarreta mudanças nas condições técnicas de
organização do trabalho e na forma de contratação que fragmentaram o operário,
minando sua identidade ocupacional e enfraquecendo-o politicamente
236
.
Os exemplos de desregulamentação e flexibilização
experimentados são indicativos das práticas neoliberais demolidoras do poder do
Estado, erodindo sua soberania e esvaziando seu espaço político
237
.
Cumpre registrar que não se podem admitir outras hipóteses de
flexibilização, via negociação coletiva, dos direitos trabalhistas assegurados no artigo
da constituição brasileira de 1988, além das três contidas nos incisos VI, XIII e
XIV (irredutibilidade de salário, duração normal do trabalho e jornada para trabalho
em turnos ininterruptos de revezamento).
Há, entretanto, entendimentos contrários a este sob o argumento de
que, se a Constituição autoriza a flexibilização em matéria de salário, estaria
implicitamente autorizando quanto às demais, pois o salário é o direito alimentar
maior do empregado e, por isso, não faria sentido negar o menos e autorizar o mais.
Mas se fizermos uma apreciação sistemática, ainda que limitada ao
artigo da constituição, poderíamos concluir de outra forma. Se o referido artigo
possibilitou a redução de direitos apenas nas hipóteses daqueles três incisos,
evidenciou que não admitiu nos demais ali constantes.
É justamente no caput do art. da Constituição Federal que reside
o princípio basilar do direito do trabalho, o princípio protetor, que agasalha o
235
GIGLIO, Wagner D. A prevalência do ajustado sobre a legislação, p. 403. Revista LTr. São Paulo.
LTr. v. 66, n. 4, abril, 2002.
236
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada.. São Paulo. Malheiros, 2002, p. 232.
237
LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica Política e Direito. Porto Alegre. Sergio
Antônio Fabris Editor, 2002, p. 342.
98
princípio da norma mais favorável. Reza o dispositivo: São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”.
Como bem observa José Afonso Dallegrave Neto
238
, a partir da
redação do caput do art. da Constituição, todos os direitos dos trabalhadores
deverão ser sempre vistos como um patrimônio mínimo, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social.
Portanto também o inciso XXVI do artigo da Constituição, que
dispõe sobre o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”,
deve ser visto de forma a garantir que pela da negociação coletiva somente seja
possível elevar a condição social do trabalhador e não precarizar ainda mais seus
direitos. Os instrumentos normativos jamais podem ser utilizados contra a
manutenção de normas mínimas de proteção ao trabalho.
Flexibilizar a legislação trabalhista através da negociação coletiva
como forma de aumentar a competitividade das empresas, num cenário de
globalização da economia, tornando precárias as mínimas condições legais de
trabalho existentes, não é a melhor saída para a crise que se vive. Submeter os
trabalhadores aos desígnios da economia globalizada e subordinar o Direito do
Trabalho (como direito fundamental social) à lógica do capital “é a mesma doutrina
que prega a desnecessidade do Direito do Trabalho como instrumento de coesão
social e de prevenção de conflitos”
239
.
Não se nega a necessidade de ampliar o espaço para a autonomia
coletiva. E a Constituição de 1988, de certa forma, deu os primeiros passos para que
isso aconteça. Estimulou a negociação coletiva, até mesmo permitindo a
flexibilização de alguns direitos em determinadas condições, o que vai ao caminho
de fortalecer o sindicato.
238
DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Inovações na legislação trabalhista: reforma trabalhista ponto
a ponto. São Paulo. LTr. 2002, p. 44.
239
RAMOS FILHO, Wilson. Direito, Economia, Democracia e o seqüestro da subjetividade dos
juslaboralistas. Revista do Tribunal do Trabalho da 9ª Região. Curitiba. ano 26, 46, jun/dezm 2001,
p. 157.
99
Todavia, como nota José Augusto Rodrigues Pinto
240
, “o sindicato
brasileiro, em seu aspecto geral, ainda não se encontra idealmente preparado para
assumir o papel que a flexibilização lhe reserva”, o que somente poderá ocorrer num
ambiente de plena liberdade sindical, eliminando-se resquícios do autoritarismo
ainda presentes na Constituição, tais como a unicidade sindical e a contribuição
obrigatória. Enquanto isso o ocorrer, todo cuidado é pouco para “impedir que a
negociação coletiva se transforme em instrumento opressor do economicamente
mais fraco”.
Tem razão Rodrigues Pinto ao apontar a necessidade de remoção
dos resquícios do autoritarismo ainda presentes na Constituição. Como visto no
primeiro capítulo, nossa organização sindical é ainda aquela preparada para um
Estado absolutista, totalitarista e intervencionista, que queria o sindicato como órgão
de colaboração do Estado, exigindo seu reconhecimento e nele intervindo. A
ideologia, à época, era negar a luta de classes, coibindo a greve como forma de
pressão dos trabalhadores em suas reivindicações e colocando nas mãos do Estado
a superação do conflito.
E foi observado no decorrer desse capítulo que esse sistema de
organização sindical, somado à outras incongruências próprias do nosso sistema de
negociações coletivas, não permitiu que estas se desenvolvessem.
Mas como também anunciado, outro fator inibidor da prática
das negociações coletivas, que inviabiliza o diálogo necessário (diga-se aqui, à
exaustão) com vistas ao estabelecimento de normas pelas próprias partes. Trata-se
do sistema de soluções de conflitos adotado na legislação brasileira, que permite (ou
permitia, como será analisado no último capítulo) ao Estado interferir no conflito de
forma compulsória, ditando normas que a rigor deveriam ser elaboradas
exclusivamente pelas partes. Desse assunto trataremos no próximo capítulo.
240
PINTO, José Augusto Rodrigues. O sindicato e a flexibilização do direito do trabalho. Revista da
Academia Nacional de Direito do Trabalho, v. 4, ano 4, São Paulo. LTr. 1996. p.122/125.
100
3 CONFLITOS COLETIVOS DE TRABAHO E FORMAS DE SOLUÇÃO
3.1 Conflitos coletivos de trabalho
O vocábulo conflito, do latim conflictus, significa combater, lutar e
designa posições antagônicas
241
. O conflito de interesse está presente desde as
primeiras aglomerações e comunidades. O homem manifesta sua vontade, que,
invariavelmente, colide com a vontade dos demais componentes do conjunto. O
conflito de trabalho é um conflito de interesse em sentido lato e acompanha o
homem desde o momento em que passou a existir trabalho por conta alheia
242
.
Como observa Ari Possidonio Beltran
243
, talvez não exista campo
mais propício para a análise dos conflitos do que o das relações do trabalho. O
conflito é inerente ao relacionamento humano e é fato típico nas relações de
trabalho. De fato, a contradição de interesses é o traço mais acentuado das relações
trabalhistas. O aumento de um direito quer significar a diminuição de alguma
vantagem da outra parte.
Apoiando-se nas lições de Donald Pierson, Beltran
244
aponta a
diferença entre conflito e competição. Esta, ainda que de forma inconsciente, é uma
constante na luta pela existência. Quando se tem consciência de que se está
competindo com alguém ou com certo grupo por algo que existe em quantidade
limitada a competição se transforma em conflito.
No mesmo sentido Amauri Mascaro Nascimento
245
adverte que o
conflito não é apenas a insatisfação com as condições de trabalho, mas também a
exteriorização dessa insatisfação, que pode ser evidenciada de forma branda, como
241
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 289
242
Com a evolução da civilização, os homens passaram a depender cada vez mais uns dos outros,
na medida em que o desenvolvimento das tarefas fez com que cada homem realizasse apenas parte
de suas necessidades, buscando no trabalho alheio a satisfação das outras necessidades. Os
conflitos de trabalho aumentam consideravelmente com o advento da revolução industrial e a doutrina
do liberalismo que pregava a não intervenção do Estado na economia e nos meios de produção.
243
BELTRAN, Ari Posidônio. Autotutela nas Relações do Trabalho. São Paulo. LTr. 1996, p.37.
244
BELTRAN, Ari Posidônio. Idem, p. 38.
245
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada. 2001. p. 290
101
no pleito de novas condições de trabalho visando uma negociação, ou, de forma
extrema, como na greve.
A doutrina normalmente faz distinção no que tange aos vocábulos
conflito, controvérsia e dissídio. José Cláudio Monteiro de Brito Filho
246
bem ilustra
essa diferenciação, em geral, posta nos seguintes termos: o conflito seria o primeiro
momento em que se observa a tensão entre as partes, cada qual pretendendo um
interesse sobre um mesmo bem; a controvérsia seria o conflito em fase de
procedimento, judicial ou não, de solução; já dissídio seria o procedimento judicial de
solução do conflito perante a jurisdição. Para Otávio Bueno Magano
247
, conquanto
possa ter sentido essa diferenciação, o termo “conflito” é palavra genérica que pode
abranger todas essas situações.
Russomano
248
define o conflito de trabalho como “litígio entre
trabalhadores e empresários ou entidades representativas de suas categorias sobre
determinada pretensão jurídica de natureza trabalhista, com fundamento em norma
jurídica vigente ou tendo por finalidade a estipulação de novas condições de
trabalho”.
Observa-se pela definição acima que, em sentido amplo, um conflito
de trabalho pode englobar tanto os conflitos individuais como os coletivos de
trabalho e pode ter fundamento tanto na aplicação de regras existentes como na
criação de novas regras sobre condições de trabalho. Daí se extraem as duas
principais formas de classificação dos conflitos
249
:
1) Conflitos individuais e conflitos coletivos
2) Conflitos de direito e conflitos de interesses.
Quanto à primeira forma, os conflitos individuais se relacionam com
os interesses particulares de trabalhadores e empresários determinados, enquanto
os coletivos envolvem determinados grupos, de categoria econômica ou profissional,
246
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Obra citada, p. 259.
247
MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.160.
248
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p. 226.
249
RODRIGUES, Américo Plá. Estudo preliminar. In DE BUEN, Nestor (coord). A solução dos
conflitos trabalhistas. (trad Wagner D. Giglio). São Paulo. LTr, 1986. p. 10.
102
normalmente envolvendo interesses gerais e abstratos da categoria, cuja quantidade
de pessoas não se pode determinar com precisão.
Quanto à segunda forma, os conflitos de direito (também chamados
de jurídicos) versam sobre a interpretação e aplicação de um direito adquirido e
atual, preexistente, seja do contrato de trabalho, da convenção coletiva ou da lei. Os
conflitos de interesses (também chamados econômicos) se fundam na reivindicação
tendente a modificar um direito existente, ou a criar novo direito.
Amauri Marcaro Nascimento
250
nos mostra de forma clara a
diferenciação dessas espécies:
Pode, no entanto, entender por individuais os conflitos entre um
trabalhador ou diversos trabalhadores, individualmente
considerados, e o empregador. São conflitos sobre o contrato
individual de cada um. O Conflito coletivo, ao contrário, é mais
amplo. Não surge de um contrato de trabalho, individualmente
considerado, nem é destinado a superar controvérsias em torno
dele. Alcança um grupo de trabalhadores e um ou vários
empregadores e se refere a interesses gerais do grupo, ainda que
possa surgir questões sobre os contratos individuais de trabalho.
[...]Econômicos, ou de interesses, são os conflitos nos quais os
trabalhadores reivindicam novas e melhores condições de trabalho.
Jurídicos, ou de direito, são os conflitos em que a divergência reside
na aplicação ou interpretação de uma norma jurídica. A diferença
entre os dois conflitos está na finalidade de um e de outro.
Observa Américo Plá Rodrigues
251
que as duas classificações são,
no entanto, independentes e harmonizáveis, de forma que combinadas resultem em
quatro tipos de conflito: os individuais de direito, os individuais de interesses, os
coletivos de direito e os coletivos de interesse. Esse ponto de vista também é
compartilhado por Russomano
252
.
Wagner D. Gigio
253
, divergindo, entende que “os litígios individuais
visam a aplicação de norma jurídica preexistente ao caso concreto, enquanto os
250
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 291
251
RODRIGUES, Américo Plá. Obra citada p.10.
252
Russomano critica a relação clássica, a seu ver não mais aplicável, entre os critérios objetivo e
subjetivo de conflitos de interesses, segundo a qual: (a) os conflitos individuais são, sempre, conflitos
de natureza jurídica; (b) os conflitos coletivos podem ser, indistintamente, de natureza jurídica e de
natureza econômica. Para ele é possível criar novas condições de trabalho ou mesmo modificar
aquelas existentes em casos individuais e concretos. (RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada.
p.231/232.)
253
GIGLIO, Wagner Giglio. A solução dos conflitos trabalhistas no Brasil. In DE BUEN, Nestor (coord)
A solução dos conflitos trabalhistas. São Paulo. LTr, 1986. p. 55.
103
coletivos buscam a criação de norma jurídica (litígios de natureza econômica) ou sua
interpretação em tese (natureza jurídica)”.
A classificação se mostra importante porque modos específicos
de solucionar os conflitos econômicos e os conflitos jurídicos. A maioria dos
sistemas jurídicos aceita a solução jurisdicional para dissídios coletivos de
natureza jurídica. No Brasil se adota a solução jurisdicional para ambos os tipos.
Uma definição específica da espécie que aqui nos interessa, o
“conflito coletivo de trabalho”, é bem elaborada por Ari Possidonio Beltran. Para ele,
seria:
[...] todo movimento que gere perturbação da atividade, provocado
por um grupo de trabalhadores, assistido por entidade legalmente
representativa ab initio ou no curso do movimento, contra
empregador ou grupo de empregadores, tendo por objetivo
reivindicações, relacionadas com o contrato de trabalho,
perseguindo interesses abstratos da coletividade
254
.
O autor põe em relevo a necessidade da representação se dar por
entidade sindical, em sentido lato. No Brasil, no sistema ainda vigente, os
trabalhadores devem estar assistidos ou representados por sindicato, federação ou
confederação. Também se destaca o interesse abstrato do grupo nas suas
reivindicações. O objetivo é criar normas aplicáveis a todos os componentes do
grupo.
O objetivo natural é a criação de normas pelas próprias partes.
Excepcionalmente, esse poder normativo das partes é entregue a terceiro, até
mesmo de forma compulsória, conforme a forma dê solução do conflito, o que
veremos adiante.
254
BELTRAN, Ari Posidônio. Obra citada, p. 64.
104
3.2 Formas de solução dos conflitos coletivos de trabalho
Cumpre inicialmente observar que nem sempre se chega a uma
solução para o conflito, visto este em sentido estrito. O seu desfecho, por
negociação entre as partes ou por imposição de terceiro, pode significar apenas a
conquista de alguns, ou eventualmente nenhum, dos interesses de uma ou de outra
parte.
Para Russomano
255
, as formas de solução dos conflitos classificam-
se em direta (negociação coletiva, greve e lockout) e indireta (mediação, conciliação,
arbitragem e jurisdição).
Na opinião de Magano
256
, dividem-se os modos de solução em tutela
(solução jurisdicional), autocomposição (conciliação, mediação e arbitragem) e
autodefesa (greve e lockout).
Segundo Maurício Godinho Delgado
257
, os métodos de solução se
encaixam também em três grupos: a autotutela (greve e lockout), a autocomposição
(a renúncia, a aceitação, a transação - a negociação coletiva) e a heterocomposição
(a jurisdição, a arbitragem, a conciliação e a mediação). Justifica o autor não incluir a
conciliação e a mediação nos meios de autocomposição porque nelas não se
entregaria ao terceiro o poder de decidir o litígio.
Como observou Pedro Vidal Neto
258
, embora muitos sejam os
estudos dos meios de solução dos conflitos coletivos de trabalho, seguem eles, mais
ou menos, o mesmo esquema, elencando-se formas de autodefesa, autocomposição
e heterocomposição. Como meios de autodefesa, geralmente estão relacionados a
greve e o lockout, como formas autocompositivas, a negociação coletiva, a
conciliação e a mediação e, como formas de heterocomposição, o arbitramento e a
jurisdição.
255
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada.
256
MAGANO, Octavio Bueno. Oba citada, p.183.
257
DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 2 ed. São Paulo. LTr. 2003, p.
202/204.
258
VIDAL NETO, Pedro. Do Poder Normativo da Justiça do Trabalho. São Paulo, LTr, 1983.
105
Observa-se também uma tendência dos autores em dividir as formas
de solução de conflitos a partir da constatação da intervenção ou não de terceiros,
em apenas dois grandes grupos: a autocomposição e a heterocomposição. Neste
sentido é a posição de Amauri Mascaro Nascimento
259
, que assim esclarece:
autocomposição quando as próprias partes, diretamente, o
solucionam. Haverá heterocomposição quando, não sendo
resolvidos pelas partes, os conflitos são solucionados por um órgão
ou pessoa suprapartes. Forma autocompositiva é, principalmente, a
negociação coletiva para os conflitos coletivos e o acordo ou a
conciliação para os conflitos individuais, acompanhados ou não de
mediação. A aproximação das partes, por um terceiro que tem a
incumbência não de decidir mas de ajudar o acordo, é mediação.
São técnicas heterocompositivas a arbitragem e a jurisdição do
Estado. Acompanhando essas formas, podem as partes, quando
autorizadas ou não proibidas pela legislação, pôr em prática
técnicas de autodefesa: a greve e o locaute.
De fato, podemos considerar apenas os dois grupos, tendo em vista
que a greve e o lockout são meios de forçar a solução do conflito, mas não atingem
a solução por si próprios
260
.
E quanto ao conteúdo desses grupos, preferimos entender que
dentro da autocomposição incluem-se apenas a conciliação, a mediação e a
negociação coletiva. Na autocomposição transação ou renúncia a direitos,
sempre com a interlocução direta dos interessados. Já na heterocomposição, onde a
solução provém de uma pessoa estranha ao conflito, situam-se a arbitragem e a
solução jurisdicional.
Como regra geral, a prática negocial segue os seguintes passos: o
diálogo direto, a mediação, a arbitragem e, sempre por derradeiro, o dissídio
coletivo. Evidentemente não se trata de uma regra seqüencial rígida e as partes
podem eleger a via mais adequada à espécie do conflito, com exceção do dissídio
coletivo, que a legislação brasileira impõe como etapa prévia necessária à tentativa
de negociação coletiva direta. A eleição do mecanismo pode ser de forma
259
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 293.
260
Neste sentido, Wagner Giglio assim esclarece: “Greve e lockout são manifestações, violentas sem
dúvida, dos empregados e dos empregadores, mas não solucionam suas divergências, sendo
utilizadas como meios ou armas no conflito; solução só se dará, a exemplo do que ocorre nas
guerras, com os tratados de paz: por meio de conciliação, de um laudo arbitral ou de uma decisão
judicial, ou ainda, mais raramente, da desistência (capitulação) de um dos contentores” (GIGLIO,
Wagner Giglio. Obra citada. p. 56).
106
consensual ou unilateral, sendo certo que o consenso assegura maior eficácia do
resultado
261
. No dissídio coletivo, pelo menos até o advento da Emenda
Constitucional 45, apenas a vontade de uma das partes era o que bastava. Com
essa mudança, de que trataremos mais adiante, será necessário o consenso das
partes para a adoção de quaisquer das formas de solução permitidas.
O que especialmente nos interessa aqui é a análise da intervenção
de terceiros na decisão do conflito e de que forma isso acontece. Portanto, faremos
breve análise das formas autocompositivas para em seguida, de forma mais
pormenorizada, analisar a arbitragem e o dissídio coletivo.
3.3 A autocomposição dos conflitos coletivos de trabalho
A principal forma autocompositiva de solução dos conflitos é sem
dúvida a negociação coletiva direta entre as partes. Nela, os litigantes agem
diretamente para pôr fim às suas controvérsias, não havendo participação de
nenhum intermediário.
A negociação coletiva é a forma incentivada pela OIT (objeto de sua
recomendação de nº. 92) e vista de forma pacífica pela doutrina como ideal para a
solução dos conflitos de trabalho. Não é, todavia, a negociação em si que soluciona
o conflito, mas somente o seu resultado positivo
262
.
Tamanha importância dada à negociação coletiva justifica-se porque
as partes são mais conhecedoras das peculiaridades do conflito, sendo igualmente
as mais indicadas para deliberarem sobre as suas pretensões.
261
TEIXEIRA FILHO, João de Lima. A arbitragem e a solução dos conflitos coletivos de trabalho. In
Curso de Direito Coletivo do Trabalho (FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. Contribuições
sindicais e liberdade sindical In PRADO, Ney (coord). Direito Sindical Brasileiro: Estudos em
Homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita. São Paulo. LTr, 1998. p. 330.)
262
GIGLIO, Wagner. Obra citada. p. 57.
107
Nada impede, contudo, que as partes empreguem procedimentos
formais ou informais de conciliação e de mediação para que a negociação coletiva
chegue a bom termo. Embora indiretamente um terceiro venha a contribuir para que
as partes cheguem a uma solução do conflito, esta não deixará de ser ditada pelas
próprias partes. Assim, tanto o sucesso numa conciliação como o êxito de uma
mediação redundarão numa negociação.
Como destaca Russomano
263
, a conciliação surge como a primeira
forma de solução indireta dos conflitos de trabalho, tendo em vista ser tão tênue a
intervenção do terceiro conciliador e ainda tão forte a importância da livre vontade
dos litigantes na composição do conflito. O conciliador é terceiro que não decide,
nem sequer propõe. Ele apenas ouve as alegações e pretensões das partes,
coordenando-as e ajudando-as na tentativa de chegar a um acordo.
Na conciliação grande valorização da informalidade, não se
exigindo padrões ou normas rígidas. Os litigantes podem negociar com maior
liberdade, respeitando os direitos mínimos garantidos aos trabalhadores, sendo o
resultado positivo a transação.
A conciliação pode ser facultativa e obrigatória. Na verdade, apenas
sua tentativa pode ser obrigatória. A lei pode exigir trâmites conciliatórios sempre
que as partes queiram seguir outros caminhos para a solução do conflito, mas
sempre será facultada às partes a recusa de acordo, ou seja, sempre prevalecerá a
livre vontade das partes no momento de concluir ou não o acordo. A obrigatoriedade
de sujeição à tentativa de conciliação é prevista na legislação brasileira tanto para o
ajuizamento do dissídio coletivo (§2º do art. 114 da CF) quanto para a deflagração
da greve (art. da Lei 7789/89). Também nos dissídios individuais, quando
existentes Comissões de Conciliação Prévia, torna-se obrigatória a tentativa de
conciliação através delas antes do ajuizamento da reclamação (art. 625-D, da CLT).
A rigor, a conciliação pode ocorrer tanto judicial quanto
extrajudicialmente, pois nada impede que, instaurado o dissídio coletivo, as partes
se conciliem no seu curso, em qualquer momento antes da decisão final. Aliás, a
263
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada. p.238/239.
108
tentativa de conciliação judicial é obrigatória tanto para os dissídios individuais (arts.
846 e 850 da CLT) quanto para os dissídios coletivos (arts. 860 e 862 da CLT).
A conciliação extrajudicial ganha mais relevância na medida em que
contribui para atenuar a cultura brasileira de solucionar conflitos em juízo e desafoga
o judiciário. Mesmo em juízo, o conciliador, na figura do juiz, deve-se portar como
um mero orientador das partes e não pode impor uma solução enquanto
desempenha o papel de conciliador, devendo limitar-se a estimular para que o
acordo aconteça.
Semelhante à conciliação, a mediação é a intervenção destinada a
produzir um acordo. Surge como uma intervenção autocompositiva e apresenta às
partes a possibilidade de resolver a disputa de acordo com suas necessidades
objetivas.
Enquanto segunda forma de solução autocompositiva, a mediação
desenvolve-se com a participação de um mediador, eleito pelos litigantes, que
possui as mesmas tarefas de um conciliador, além de outras maiores: pode propor
soluções para os conflitos. Aqui também prepondera a vontade das partes, sendo
que a proposta do mediador não tem força coercitiva.
Na realidade, as figuras da conciliação e da mediação aproximam-se
em alguns pontos, mas afastam-se em outros. Assim destaca Nascimento
264
:
[...] o conciliador não tem as mesmas possibilidades e iniciativas do
mediador. A extensão dessas possibilidades não é bem delineada
pela doutrina. A diferença entre as duas figuras está menos na sua
função e perspectivas de atuação do agente e mais no âmbito em
que é exercida. A mediação é basicamente extrajudicial e a
conciliação é judicial e extrajudicial.
A mediação é um instituto privado, não a intervenção do Estado.
Quando houver um litígio judicial, ou o magistrado atuará como conciliador, ou dará
uma solução definitiva. Não cabe a ele o papel de mediador.
A mediação igualmente pode ser facultativa ou obrigatória. No Brasil
só existe a forma facultativa, realizada por iniciativa comum das partes envolvidas no
conflito. A mediação nos conflitos coletivos no Brasil é geralmente realizada nas
264
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p.261.
109
Delegacias Regionais do Trabalho (previsão no art. 616, da CLT
265
) quando uma
das partes a ela reclama e a outra é convidada a comparecer na delegacia para uma
“mesa redonda”, presidida pelo delegado ou outro funcionário que realiza a função
de mediador. Todavia, não coerção para a parte comparecer. Embora as
mediações comumente ocorram no âmbito do Ministério do Trabalho, e é dirigida por
agente deste, nada impede que as partes optem por outro profissional qualquer,
estranho a qualquer órgão público. Com bom preparo e sem qualquer impedimento,
os membros do Ministério Público do Trabalho também têm atuado satisfatoriamente
como mediadores na solução de conflitos coletivos de trabalho.
A mediação acaba sendo um modo de solução intermediário entre a
conciliação e a arbitragem. O conciliador apenas coordena os argumentos e as
reivindicações das partes. o mediador vai além, interferindo diretamente no
conflito, recomendando a solução justa, inclusive avaliando as pretensões dos
litigantes. o pode o mediador, entretanto, adotar determinada solução e impô-la
às partes, pois esse papel cabe ao árbitro
266
.
3.4 A arbitragem
Dentro da opção classificatória que fizemos, levando em conta se a
solução do conflito é ditada por terceiro ou pelas próprias partes, a arbitragem surge
naturalmente como primeira dentre as formas de heterocomposição dos conflitos
coletivos de trabalho. Diferentemente das formas autocompositivas, em que um
terceiro intervém para auxiliar na solução do conflito (conciliação ou mediação), aqui
a intervenção deste terceiro é particularizada pelo poder de decisão que é atribuído
ao árbitro.
265
Os §§ e 2º, do art. 616, da CLT, prevêem a convocação compulsória das partes com vistas à
mediação. Todavia, a Constituição de 1988 (art. 8, I) não recepcionou tal imposição. A mediação
nesses órgãos continua sendo possível, mas em caráter de obrigatoriedade.
266
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada. p.240.
110
O ideal, sem dúvida, seria que a solução do conflito, no sentido de
decisão, viesse das próprias partes, ainda que contassem com o auxílio de
conciliadores ou mediadores. A solução pela arbitragem deve sobrevir como uma
alternativa última das partes que, em virtude das dificuldades de consenso e o
desinteresse em manter o conflito aberto, voluntariamente optem por tal forma de
composição.
Segundo Otávio Bueno Magano
267
, “a arbitragem é a decisão de um
conflito levado a efeito por pessoa ou pessoas escolhidas pelas partes nele
envolvidas, nos termos de compromisso entre elas firmado”.
A definição trazida por Magano, embora singela, põe em destaque o
poder decisório do conflito delegado pelas partes ao terceiro. Todavia a arbitragem
não é decisão, mas sim forma de solução, constituída por um procedimento
específico, cuja decisão se consubstanciará num laudo. Neste sentido, parece mais
acertado o conceito trazido por Pedro Paulo Teixeira Manus
268
, para quem a
arbitragem “é a forma de solução do conflito do trabalho, por uma pessoa ou grupo
de pessoas alheias ao conflito, por escolha das partes, por meio de um compromisso
celebrado”.
A arbitragem pode ser obrigatória (ou compulsória) ou voluntária (ou
facultativa). Esta tem caráter contratual, pois as partes previamente combinam para
utilizá-la. a arbitragem compulsória obriga que as partes valham-se dela quando
fracassarem as demais tentativas de solucionar o conflito. Na arbitragem obrigatória
as partes a ela recorrem por imposição legal, o que de certa forma a aproxima da
solução jurisdicional do conflito. Adverte Russomano
269
que, dependendo do sistema
do Direito positivo local, a arbitragem pode constituir forma de solução judicial dos
conflitos coletivos de trabalho. Algo semelhante parece ter ocorrido no Brasil após a
Emenda Constitucional 45, como veremos posteriormente.
267
MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.191. Sustenta o autor que é justamente o fato de ela ser
fruto de “compromisso” que permite diferenciá-la da jurisdição, que se constitui em imposição legal. A
seu ver, o compromisso é negócio jurídico, geralmente apresentado na forma de contrato,
constituindo-se em acordo de vontades. Sob esse prisma, prefere inserir a arbitragem no campo da
autocomposição.
268
MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Obra citada. p. 56.
269
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada. p. 242.
111
A distinção entre arbitragem voluntária e obrigatória leva em conta a
liberdade das partes em escolher ou o esta via para a solução de seus conflitos.
Assim, mesmo que esta forma de solução seja imposta por lei, as partes
continuariam com liberdade para escolher o árbitro. Neste sentido, a proximidade da
arbitragem obrigatória com a solução jurisdicional diz respeito apenas à coerção
para a utilização do meio de solução, posto que, mesmo na arbitragem obrigatória,
são as partes que, conjuntamente, irão designar o árbitro ou o órgão arbitral, que,
dependendo do sistema legal, poderá ser público ou privado.
A arbitragem obrigatória, como condição prévia ou mesmo
excludente da via judicial, sofre críticas da doutrina no sentido de estar vedando o
acesso ao judiciário. No sistema brasileiro, sustentam alguns autores que sua
adoção implicaria em vício de inconstitucionalidade, seja por ferir o princípio do juiz
natural, ou mesmo o direito de greve, na medida em que o restringiria
270
.
O que mais se aproxima da solução jurisdicional é a arbitragem
“pública” obrigatória, especialmente quando o árbitro ou o órgão arbitral seja
necessariamente o juiz ou o tribunal e as regras e procedimentos da arbitragem
sejam pré-definidas por lei e não no compromisso firmado diretamente entre as
partes. Neste caso, pouca diferença haverá entre a arbitragem e o tradicional
dissídio coletivo do direito brasileiro que poderia ser instaurado por iniciativa isolada
de qualquer das partes, mesmo contra a vontade da parte adversa
271
.
Maurício Godinho Delgado
272
, comparando a arbitragem com Poder
Normativo no sistema brasileiro (antes da Emenda Constitucional 45/2004),
assevera que a diferença residiria no caráter compulsório do dissídio coletivo (de
iniciativa isolada de uma das partes) em contraposição ao caráter voluntário da
arbitragem (concorrência de vontade das partes na eleição do método) e também
porque “ao dissídio coletivo é inerente o exercício da coerção pelo Poder Judiciário,
no curso do processo e, depois, no cumprimento de sua decisão (por meio de ação
específica, é claro: art. 872, CLT)”, o que não ocorreria no caso da arbitragem.
270
BELTRAN, Ari Possidonio. Obra citada, p. 279.
271
Atualmente, pela nova redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004 ao §2º do art. 114 da
CF/88, o dissídio coletivo somente poderá ser ajuizado pelas partes de “comum acordo”.
272
DELGADO, Mauricio Godinho. Obra citada, p. 215/216.
112
De fato, como atesta Russomano
273
, o árbitro não tem os mesmos
poderes do juiz, pois, embora a decisão do árbitro valha como sentença e, pelo
compromisso das partes, seja imutável como coisa julgada, os seus poderes são
derivados do contrato. Assim, “não obstante existam meios indiretos de compelir as
partes ao cumprimento do laudo arbitral, na verdade, o árbitro não tem força coativa
capaz de impor suas decisões”.
Cumpre observar que, em nosso sistema, a diferença apontada por
Delgado e Russomano, quanto à coerção do árbitro (ou do laudo arbitral) em relação
à coerção do juiz (ou sentença normativa), no que se refere ao cumprimento da
decisão, pouca relevância tem. A nosso ver, a decisão do árbitro será equivalente a
um acordo ou convenção coletiva e, tal como a sentença normativa, se não
observada pelas partes, deverá ser objeto da ação de cumprimento prevista no art.
872, da CLT. Neste sentido, esclarece João de Lima Teixeira Filho
274
:
A normatividade é imanente ao laudo arbitral expedido em conflito
coletivo de trabalho. Encartada a arbitragem entre a negociação
coletiva e o dissídio coletivo e resolvendo, como eles, conflito de
igual natureza, carece de lógica jurídica supor que o laudo tenha
atributos distintos dos que são dotados o acordo, a convenção
coletiva e a sentença normativa.
A arbitragem pode ainda ser de dois tipos: de direito ou de eqüidade.
A arbitragem de direito tem por objetivo interpretar regra, princípio jurídico ou
cláusula aplicável às partes em conflito. Já a arbitragem de eqüidade tem por
objetivo interesses materiais, de cunho econômico, ou seja, reivindicações das
partes no sentido de criar norma. Essas modalidades de arbitragem assemelham-se,
respectivamente, ao dissídio coletivo de natureza jurídica e ao dissídio coletivo de
natureza econômica
275
.
A arbitragem tem como elementos característicos a cláusula
compromissória, o compromisso e o laudo arbitral. A cláusula compromissória (ou
cláusula arbitral) é o ajuste pelo qual as partes se comprometem a submeter
273
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada, p.241.
274
TEIXEIRA FILHO, João de Lima. A arbitragem e a solução dos conflitos coletivos de trabalho. In
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza (coord). Curso de Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo.
LTr, 1998.
A arbitragem e a solução dos conflitos coletivos de trabalho. In Curso de Direito Coletivo do Trabalho
(FRANCO FILHO, Georgenor de Souza - coord). São Paulo. LTr. 1998, p.344.
275
DELGADO, Mauricio Godinho. Obra citada, p.211/212.
113
eventuais futuros litígios à arbitragem, renunciando desde logo à via jurisdicional de
solução do conflito ainda inexistente. Geralmente ela é estabelecida no contrato,
mas nada impede que seja posteriormente.
o compromisso ocorre após eclodir o conflito. Nele as partes,
previamente obrigadas pela cláusula compromissória a solucionar o conflito pela
arbitragem, definirão o objeto espefico da arbitragem, o(s) árbitro(s) (ou órgão
arbitral) e seus os limites de atuação (se a arbitragem será de direito ou de
eqüidade), as regras de procedimento, o pagamento de honorários dos árbitros,
peritos e demais despesas da arbitragem, o prazo para o laudo arbitral ser proferido,
a condição de este laudo ser executado etc. Evidentemente, nada impede que as
partes, diante da existência concreta do conflito, optem pela arbitragem e firmem o
compromisso independentemente de prévia cláusula compromissória. O
compromisso direto, assim como a cláusula compromissória, implica renúncia à
solução jurisdicional.
O laudo arbitral é a decisão, em regra irrecorrível, pela qual o árbitro
resolve o conflito. Assemelha-se a uma sentença num processo judicial. Ele conterá
a identificação das partes, o objeto do litígio, o relatório, os fundamentos da decisão
(inclusive se foi dada por eqüidade) e parte dispositiva.
Esses elementos, procedimentos e efeitos da decisão poderão variar
dependendo da regulamentação que cada país der à regulamentação da arbitragem.
No sistema brasileiro, por exemplo, muita coisa foi alterada com o advento da lei de
arbitragem (Lei 9.307/96).
Tendo em vista a escassa prática da arbitragem no Brasil, torna-se
difícil uma análise mais pormenorizada de suas vantagens ou desvantagens.
Diferentemente de outros países, como nos Estados Unidos, onde a arbitragem
assume maiores dimensões práticas, no Brasil ela ainda não conseguiu a mesma
aceitação
276
.
Parece tratar-se mais de uma rejeição com fulcro cultural do que um
relapso legislativo. A arbitragem obteve diversas previsões e regulamentações
276
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 295.
114
esparsas na legislação brasileira
277
até que se promulgasse a Lei nº. 9.307/97 que
disciplina especificamente o procedimento da arbitragem.
A referida lei transpôs vários obstáculos existentes na legislação,
revogando dispositivos do código civil à época vigente e também do código de
processo civil (arts. 101 e 1.072 a 1.102) e parecia ser um marco para a difusão da
prática da arbitragem. Contudo o logrou tal êxito, sequer nas relações jurídicas de
natureza cível, para as quais a lei nitidamente se voltou
278
e o terreno é mais fértil.
Dentre os obstáculos superados em relação à legislação anterior,
Wilson Ramos Filho
279
destaca dois dos principais: a inexistência de diferenciação
entre “compromisso” e “cláusula compromissória” no Código de Processo Civil e a
necessidade de homologação do laudo arbitral pelo Juiz Estatal para que se
tornasse exigível o laudo.
A lei anterior não previa o afastamento da Jurisdição em face de
cláusula compromissória, sendo esta entendida apenas como promessa de
contratar, cujo descumprimento geraria, no máximo, indenização por perdas e danos
à parte resistente. a necessidade de homologação do laudo arbitral acarretava
demora (habitual morosidade do Judiciário) e gastos (custas judiciais sobre o valor
da causa), além de tornar público o conteúdo da controvérsia em situações que
porventura as partes gostariam de manter sigilo
280
.
A nova lei foi também alvo de ataques com vistas à sua
constitucionalidade. Mesmo não se referindo à arbitragem obrigatória, houve quem
277
Já a Constituição do Império (1824) previa que “nas causas cíveis e nas penais civilmente
intentadas” as partes poderiam nomear “juízes árbitros” e que as decisões seriam executadas sem
recurso de as partes assim convencionassem. Também era prevista a arbitragem obrigatória nas
causas entre estrangeiros e brasileiros. Houve previsão de arbitragem também no digo Comercial
de 1850, no Código Civil de 1916 e no Código de Processo Civil de 1939. Muitas outras leis
trataram da arbitragem, inclusive na área trabalhista, como o decreto 1637/1907, que regulamentava
a criação de sindicatos e previa a existência de “conselhos permanentes de conciliação e arbitragem,
destinados a dirimir as divergências e contestações entre o capital e o trabalho”. Atualmente, além
dos vigentes códigos Civil, Comercial e de Processo Civil, diversas outras legislações esparsas
prevêem a arbitragem.
278
TEIXEIRA FILHO. João de Lima. Obra citada, p. 334. Informa que o senador autor da proposta
legislativa deu a nica da nova lei quando, em artigo à época publicado no jornal “Correio
Brasiliense” assim se manifestou: Cria-se, pela nova lei, um foro adequado a causas envolvendo
questões de Direito Comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade, para as
quais o Poder Judiciário não está aparelhado.”
279
RAMOS FILHO, Wilson. O fim do Poder Normativo e a Arbitragem. São Paulo. LTr. 1999. p. 203.
280
RAMOS FILHO, Wilson. Idem, p. 204.
115
dissesse que estaria ferindo o princípio do acesso ao judiciário (CF, art. 5º, XXV), o
que não ocorre porquanto não se trata de imposição, mas de alternativa às partes,
facultando-lhes a via judicial se pela arbitragem não optarem. Outros alegaram ferir o
princípio do juiz natural (CF, art. 5º, XXVII e LIII) sob o argumento de que a
competência originária para a solução do conflito estaria sendo modificada em
detrimento de um juiz imparcial, previamente conhecido desde antes de surgir a
controvérsia. Este argumento foi refutado porque também na arbitragem o árbitro
pode ser conhecido por antecipação e de comum acordo entre as partes. Houve
ainda quem equivocadamente sugerisse estar havendo ofensa ao princípio do duplo
grau de jurisdição, mas não há qualquer garantia neste sentido na Constituição
281
.
Em que pese expressa previsão constitucional para o uso da
arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho (§§1º e do art. 114)
282
, nenhuma
referência ou ênfase lhe deu a lei de arbitragem.
Registre-se que a intenção do legislador na Constituição de 1998
(primeira constituição a prever a arbitragem privada nas relações coletivas de
trabalho) era clara em privilegiar a arbitragem em detrimento do dissídio coletivo,
confinando-o como última modalidade na solução do conflito coletivo. Se por um
lado era importante promover a arbitragem como forma de solução extrajudicial,
descongestionando o judiciário, por outro lado o Poder Normativo sofria severas
críticas e muitos queriam restringi-lo ou mesmo eliminá-lo
283
.
Diante da expressa previsão constitucional, não resta dúvida de que
a Lei 9.307/96 aplica-se aos conflitos coletivos de trabalho. O fato de não haver
previsão expressa na lei não desautoriza sua aplicação, até porque ao direito do
trabalho se aplica de forma subsidiária o direito comum, naquilo que com suas
normas e princípios não for incompatível (CLT, parágrafo único do art. 8º e art. 769).
281
RAMOS FILHO, Wilson. Obra citada. 1999. p. 205.
282
À época a redação desses parágrafos era a seguinte: §1º. Frustrada a negociação coletiva, as
partes poderão eleger árbitros. §2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem,
é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho
estabelecer normas, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao
trabalho. (A EC 45/04 parece ter privilegiado ainda mais a arbitragem ao dar nova redação ao §2º:
“Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas,
de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho
decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as
convencionadas anteriormente”).
283
TEIXEIRA FILHO. João de Lima. Obra citada, p.333.
116
Não obstante, seria de boa medida a edição de uma lei específica
regulando a arbitragem nas relações coletivas de trabalho, atentando para as
peculiaridades e características específicas desses conflitos
284
.
A arbitragem nos conflitos coletivos deve ser ainda mais incentivada
no Brasil, seguindo a trilha da Constituição de 1988 e da lei de arbitragem, de forma
que efetivamente conquiste o espaço hoje ocupado pela solução jurisdicional
(dissídio coletivo).
Na opinião da maioria dos autores, inúmeras são as vantagens da
arbitragem em relação ao dissídio coletivo. João de Lima Teixeira Filho
285
nos
aponta algumas delas:
[...] a arbitragem resulta de um tríplice consenso das partes. Em
primeiro lugar, que se concordar com a eleição da via arbitral;
segundo, com a pessoa do árbitro; e terceiro, com as regras
procedimentais da litigiosidade onde deveria imperar o
desarmamento de espíritos e a busca do consenso. Por sua vez, a
sentença normativa também deixa de realizar o objetivo de compor
eficazmente o conflito. Suas cláusulas não encerram um balanço de
concessões capazes de satisfazer ambas as partes e assegurar ao
decisum, globalmente considerado, o necessário equilíbrio estável
para reger satisfatoriamente as relações de trabalho durante o seu
período de vigência. Múltiplas razões embasam essa conclusão
descabe aqui analisá-las. Basta, contudo, uma breve referência à
deficiente instrução processual para a importância dos interesses em
jogo, cujo equacionamento judicial se postula, e a falta de sintonia
com a realidade das concessões prejulgadas linearmente em
‘precedentes normativos’. Isso faz do dissídio coletivo a ferramenta
auxiliar de solução do conflito com o menor grau de
comprometimento das partes.
Se a arbitragem ainda não tem sido utilizada na prática para a
solução dos conflitos coletivos, o problema não é cultural. Na medida em que a
organização sindical é deficiente e a solução jurisdicional é facilitada às partes,
haverá natural acomodação e pouco empenho de empregados, empregadores e
seus sindicatos na solução autônoma dos conflitos.
284
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho. São
Paulo. LTr. 1997, p.23.
285
TEIXEIRA FILHO. João de Lima. Obra citada, p.333.
117
3.5 A solução jurisdicional: o controvertido Poder Normativo dos tribunais
trabalhistas.
Como já visto, no Brasil, no início do século passado, o Estado
trouxe para si a função de proteger os direitos mínimos dos trabalhadores e, de igual
forma, incumbiu-se da tarefa de solucionar os conflitos laborais, quer individuais,
quer coletivos, por meio de órgão específico, a Justiça do Trabalho
286
, inicialmente
atrelada à estrutura do Poder Executivo
287
.
Pelo Decreto-lei 1.237/39 organiza-se a Justiça do Trabalho,
conferindo-lhe o Poder Normativo. Esse poder consiste na possibilidade dos
Tribunais do Trabalho elaborarem normas para a composição de conflitos coletivos
de trabalho de natureza econômica, através de sentença normativa, cujos efeitos se
estendem a todos os integrantes das categorias envolvidas (profissional e
econômica) no litígio, aplicando-se suas disposições aos contratos individuais de
trabalho celebrados entre os integrantes das respectivas categorias
288
.
Sua origem parte de concepção corporativista da sociedade no início
do século XX, quando se pressupunha a colaboração da sociedade para garantir a
produção, à época crescente. Haveria necessidade de evitar a luta de classes e,
para tanto, o Estado deveria intervir no sentido de solucionar os conflitos.
O modelo brasileiro foi inspirado na Carta del Lavoro do regime
fascista italiano
289
, na qual era conferido à magistratura do trabalho o poder de
dirimir os conflitos de trabalho com fixação de novas condições de trabalho
290
.
286
ACKER, Ana Brito da Rocha. Poder Normativo e regime democrático. São Paulo. LTr, 1986. p 25.
Criada para dirimir divergências entre empregados e empregadores, a Justiça do Trabalho devia ter,
a juízo dos que a conceberam, tarefa mais importante a desempenhar que a mera composição de
conflitos individuais, de resto em tudo assimiláveis às ações comuns. Urgia dotá-la de instrumentos
que lhe permitissem dirimir também os conflitos coletivos, sobretudo de natureza econômica, dotá-la
de poder normativo, portanto.
287
A Constituição de 1937 (artigo 139) instituiu a Justiça do Trabalho como órgão do Poder
Executivo.
288
VIDAL NETO, Pedro. Do Poder Normativo da Justiça do Trabalho. São Paulo, LTr. 1982, p. 126.
289
O modelo no qual se inspirou o poder normativo da Justiça do Trabalho brasileira foi logo abolido
na Itália e atualmente são poucos os sistemas jurídicos no mundo que contemplam o poder normativo
como forma de dirimir conflitos coletivos de trabalho. Ao que se tem notícia, além do Brasil, só
existem modelos similares na Austrália, Nova Zelândia e México (LOPES, Otávio Brito. O Poder
118
O Poder Normativo no Brasil foi legado de um modelo político
intervencionista, próprio do governo populista, que se queria protecionista, na época
do presidente Getúlio Vargas.
Entre três modelos possíveis de comportamento das relações de
trabalho, o Brasil optou pelo modelo do intervencionismo estatal. Era preciso soterrar
o modelo individualista que se baseia no princípio da autonomia da vontade
porquanto esse pressupõe a coincidência da igualdade formal e igualdade material
entre os sujeitos da relação, o que ainda é utopia. O terceiro modelo, da autonomia
coletiva, pressupõe, como realidade preexistente, organizações sindicais livres,
independentes e representativas, representatividade autêntica e não imposta pelo
próprio estado. A opção pelo modelo intervencionista levou em conta as
características culturais, sociais, econômicas e políticas da época. Vivíamos um
período de autoritarismo corporativista muito distante de um Estado Democrático de
Direito consagrado hoje pela constituição de 1988
291
.
Partindo do pressuposto de que as relações coletivas eram
manifestações de luta de classe e que essas lutas poderiam afetar o conjunto da
sociedade e a paz social, o modelo intervencionista regula minuciosamente as
condições de trabalho de forma a tornar desnecessária a ação sindical e condiciona
os interessados a buscar no Estado a solução de seus conflitos
292
.
Com abundante legislação reguladora das condições de trabalho se
impõe, como corolário do modelo que se instituía, o sindicato único e sujeito à
intervenção do Estado, a contribuição sindical compulsória garantida por lei também
como forma de submissão dos sindicatos ao Estado e o Poder Normativo dos
Tribunais do Trabalho como forma de evitar o entendimento direto entre os grupos
interessados.
Normativo da Justiça do Trabalho após a emenda constitucional nº. 45”. Revista LTr. São Paulo. LTr.
v 69, n. 2, fevereiro, 2005, p. 166.
290
HINZ, Henrique Macedo. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho. São Paulo, LTr. 2000, p. 50.
291
ROMITA, Arion Sayão. O Sindicalismo, economia, estado democrático. São Paulo. LTr. 1993, p.
16/18.
292
RAMOS FILHO, Wilson. Obra citada, 1999. p. 51. Destaca o autor que o modelo intervencionista
foi bem engendrado no Brasil, com características diversas dos regimes da Europa Continental,
sufocando todas as vozes discordantes à época.
119
Arion Romita bem destaca a coerência e harmonia que essas peças
guardavam entre si. O sindicato único e criado por categoria era forma de mantê-lo
obediente ao Estado, pois era esse quem definia as categorias. Ao sindicato não
caberia reivindicar porque a luta de classes era vista como prática comunista. Era
preciso negar ou ocultar o conflito em prol da necessária colaboração entre capital e
trabalho com fins de atingir os interesses superiores da nação, a produção. O
sindicato deveria colaborar com o Estado e para tanto deveria submeter-se a seu
controle, sujeito até mesmo à intervenção do Ministério do Trabalho. Em
contrapartida o Estado criava a contribuição sindical por lei e cuidava de sua
arrecadação, o que reforçava a submissão do sindicato. Sendo vedada a função
reivindicativa ao sindicato, inclusive com proibição de greve, porque nociva aos
interesses superiores da produção, necessário foi dotar a Justiça do Trabalho de
Poder Normativo
293
.
O que causou espanto aos juristas mais ortodoxos da época foi a
competência que estava sendo atribuída à Justiça do Trabalho pelo Decreto-lei
1237/1939 para dirimir conflitos coletivos de trabalho de natureza econômica, ou
seja, atendendo reivindicações e criando normas que se estenderiam à totalidade
das categorias envolvidas no dissídio
294
.
As críticas remontam à discussão travada na elaboração do
anteprojeto da organização da Justiça do Trabalho encaminhado ao Congresso
Nacional em 1935, marcadas pela divergência de posições doutrinárias entre
Oliveira Viana (relator do anteprojeto) e Waldemar Ferreira (presidente da Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados). Para Ferreira, os poderes
normativos que seriam conferidos aos Tribunais do Trabalho contrariavam o regime
político vigente, os princípios de Direito Judiciário e Processual assentes e, em
especial, o princípio da separação dos poderes
295
.
As acerbadas críticas de Ferreira foram à época prontamente
rebatidas por Viana, que chegou a publicar a obra “Problemas do Direito
293
ROMITA, Arion Sayão. Obra citada. 2001, p. 104/105.
294
Com efeito, dispunha o decreto-lei 1237/39 que competia aos Conselhos Regionais “julgar os
dissídios coletivos” (art. 28) e que “em caso de dissídio coletivo que tenha por motivo novas
condições de trabalho” (art.65) a decisão poderia ser “estendida a toda categoria” (art. 66).
295
SUSSEKIND, Arnaldo. A Justiça do Trabalho 55 anos depois. Revista LTr. São Paulo. LTr. v 60, n.
07, julho, 1996, p. 875.
120
Corporativo” com um capítulo próprio tratando do “problema da delegação de
poderes.” Para Viana, a delegação de poderes era uma exigência da realidade
moderna
296
.
Neste sentido, afirma Anna Acker que a teoria da separação dos
poderes não poderia ser concebida com tanta rigidez como prenunciava seu
precursor Montesquieu. As exigências do Estado contemporâneo demonstram que
não se pode limitá-lo a uma estrutura estática de poderes estanques. A separação
deles deve ser concebida mais como distribuição de funções, de forma a permitir,
com o afrouxamento de fronteiras e gradual e cautelosa transferência de atividades
de um poder para o outro, uma maior dinâmica no cumprimento dessas mesmas
funções
297
.
Com o advento do Estado Novo imposto pela Constituição de 1937 e
o fechamento do Congresso, parecia se colocar “panos quentes” sobre a polêmica.
O Poder Normativo passou a ser visto por muitos como típica atividade de inspiração
fascista enquanto outros ainda tentavam lhe emprestar um significado de prática
alternativa salutar e necessária à negociação coletiva frustrada.
Contudo a idéia de se conferir legitimidade a um órgão sindical para
representar judicialmente não apenas seus associados, mas toda a categoria,
buscando uma sentença normativa que substitui uma negociação coletiva frustrada
e gerando direitos e obrigações a quem não era membro da entidade sindical não foi
facilmente absorvida.
Muitos a contestaram a natureza jurisdicional da sentença
normativa. Isto porque, numa concepção clássica, jurisdição “é função através da
qual o Estado se substitui aos titulares dos interesses em conflito, para,
imparcialmente, solucioná-lo, atuando a vontade do direito objetivo”
298
. A Jurisdição,
então, implica em atuação do direito objetivo, preexistente, ou seja, a existência do
direito constitui antecedente necessário da atuação jurisdicional. Assim, não há
dúvida quanto à natureza jurisdicional quando o dissídio coletivo tem em mira a
296
VIANA, Francisco José de Oliveira. Problemas de direito corporativo. Rio de Janeiro. José Olimpio.
1938, p. 36/37.
297
ACKER, Ana Brito da Rocha. Poder normativo e regime democrático. São Paulo. LTr. 1986, p.
19/20.
298
MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.196.
121
aplicação ou interpretação de norma preexistente, ao que se chama de dissídio
coletivo de natureza jurídica. Já no caso do dissídio coletivo de natureza econômica,
onde a sentença cria novas condições de trabalho, o aplicação de direito
objetivo, preexistente.
Russomano
299
, admitindo a dificuldade de consenso quanto à
natureza jurídica da sentença normativa, lembra que, numa concepção clássica, a
sentença é comando concreto e determinado e que, portanto, em tese, poderia se
sustentar que a sentença normativa do dissídio coletivo de natureza econômica, por
produzir comando geral e abstrato, atingindo um grupo indeterminado de pessoas,
não poderia ser identificada totalmente como ato jurisdicional.
Para Couture
300
, a sentença normativa tem um duplo aspecto. É
verdadeira sentença, um ato jurisdicional, para as partes que intervierem. Para os
que atinge empresários e trabalhadores – e tenham sido terceiros no litígio, é pura
atividade legislativa.
Sob este ângulo, entendendo-a como de natureza híbrida, com
características de ato jurisdicional e de ato legislativo, com “corpo de sentença e
espírito de lei” (na celebre e difundida expressão de Carnelutti
301
), parece uma
anomalia jurídica.
Não é, todavia, a ótica de Pedro Vidal Neto
302
, para quem trata-se de
atividade mesmo do juiz, que “revela normas latentes ou implícitas no ordenamento
jurídico”, assim como ocorre no julgamento dos dissídios individuais, “por
procedimentos comuns de integração e interpretação do direito”.
De qualquer sorte, seja qual for sua natureza, as críticas devem ser
voltadas aos seus resultados e às suas conseqüências. Os atores sociais e a
doutrina debatem confrontando vantagens e desvantagens da solução jurisdicional.
Amauri Mascaro Nascimento
303
aponta-as de forma resumida:
299
RUSSOMANO, Mozart Victor. Obra citada p.289.
300
COUTURE apud RUPRECHT. Obra citada. p.980
301
VIDAL NETO, Pedro. Obra citada, p. 126
302
VIDAL NETO, Pedro. Idem, p. 151
303
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 296.
122
As vantagens da solução jurisdicional dos conflitos são: a)
segurança das decisões proferidas pelos magistrados acostumados
a decidir e que tem qualificação para distribuir justiça; b) eqüidade
dos julgamentos, proferidos com base na soma de todos os
interesses em discussão, dentre os quais não os próprios
interessados como também o do Poder Público; c) a imparcialidade
no julgamento; d) a institucionalização das decisões, que são
emanadas de um órgão integrante da estrutura do Estado, portando
dispondo de toda a força do Estado para substituir a vontade
conflitante dos particulares; e) a facilidade da execução da decisão,
pois o próprio órgão jurisdicional dispõe de meios coercitivos para
fazer cumprir as regras que fixar.
As desvantagens são: a) eventual discrepância entre os critérios do
órgão jurisdicional e o programa econômico traçado pelo Estado,
prevalecendo as decisões segundo um critério de justiça e não de
conveniência; b) a dificuldade dos juízes em conhecer detalhes
técnicos de problemas econômicos na profundidade necessária para
que o pronunciamento, em conflitos coletivos salariais, não
prejudique interesses maiores gerais.
No pensamento de Otávio Bueno Magano
304
a maior desvantagem
do Poder Normativo é que ele interfere no natural processo de negociação coletiva,
impedindo que o conflito seja resolvido pelas partes. Corroborando esse ponto de
vista, Wilson Ramos Filho
305
acrescenta que o Poder Normativo acomoda as partes,
as quais, num discurso conveniente e prático, preferem reconhecer que não são
capazes de solucionar por si mesmas o conflito. Para Ramos Filho, as divergências
deveriam ser resolvidas na correlação de forças entre as partes, e o Poder
Normativo acaba por impedir que as mesmas esgotem-nas no sentido de resolver o
conflito. Assevera, ainda, que a prática do dissídio coletivo tem demonstrado que as
decisões normativas têm beneficiado mais as empresas do que os trabalhadores.
304
MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.198.
305
RAMOS FILHO, Wilson. Obra citada, p. 221. Segundo o autor, “à medida que o trabalhador
recorre ao Judiciário para que este dite a norma coletiva aplicável, estaria se reconhecendo como
incompetente para alcançar a solução do conflito por outra via (pressão sobre o empregador, greve,
etc.), recorrendo ao Estado-pai para que este lhe dite a norma. Da mesma forma o empregador,
quando requer a instauração de dissídio, termina por admitir que seu discurso neoliberal, que reclama
contra a interferência do Estado na Economia, tem um limite em sua própria incapacidade de conviver
com o conflito gerado pelas próprias condições de produção capitalistas, recorrendo ao Estado-pai
para que este ponha fim a um conflito de interesses entre capital e trabalho. Por fim, quando o próprio
Estado/Poder Executivo instaura o dissídio coletivo e empregados e empregadores acatam a decisão
do Tribunal, ambos estão reconhecendo sua incapacidade de negociação e a classe trabalhadora
admitindo que sua prática sindical não suplantou ainda os marcos da concepção burguesa de
liberdade.”
123
Também na mesma linha Ives Gandra Martins Filho
306
entende que
o Poder Normativo faz com que as partes deixem de exercitar a capacidade de
autocomposição dos conflitos diante da menor dificuldade de entendimento direto.
Francisco Siqueira Neto
307
, como mencionado anteriormente,
também aponta como crítica ao Poder Normativo o fato de ele ser um escudo para
quem não quer contratar.
Inúmeras outras críticas ao Poder Normativo poderiam ser aqui
arroladas, principalmente por ser ele instituto prejudicial aos trabalhadores. Mas, de
toda sorte, tais críticas negativas poderiam ser amenizadas dependendo de como os
Tribunais dele se utilizassem. Desta forma, as vantagens e desvantagens do Poder
Normativo dependem, sobremaneira, da forma como ele tem sido concebido e da
amplitude com que ele tem sido aplicado pelos Tribunais, e, neste sentido, cumpre
analisar a evolução do Poder Normativo no sistema brasileiro durante as décadas
que se passaram desde sua criação.
306
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo Coletivo do Trabalho: 3 ed., ver e ampl. São Paulo. LTr.
2003, p. 35/37. Com respaldo na contribuição de outros autores, Martins Filho indica as seguintes
desvantagens do Poder Normativo: a) enfraquecimento da liberdade negocial a existência de cortes
laborais com poder de impor normas e condições de trabalho quando surjam dissídios coletivos entre
patrões e empregados faz com que estes recorram facilmente ao Estado, diante da menor dificuldade
na negociação coletiva direta, deixando de se exercitar a capacidade de autocomposição do conflito;
b) desconhecimento real das condições do setor não obstante a representação classista na Justiça
do Trabalho [à época da publicação da obra ainda existente na Justiça do Trabalho], o que se verifica
na prática é o despreparo dos magistrados laborais para resolverem satisfatoriamente os dissídios
coletivos que lhes são apresentados (falta de vivência do setor específico; carência de assessoria
econômica; instrução deficiente do processo quanto aos elementos fáticos concernentes à categoria);
c) demora nas decisões – estímulo ao recurso a Judiciário Trabalhista decorrente da existência dessa
via judicial de composição de conflitos coletivos tem levado ao abarrotamento das Cortes Laborais
com dissídios coletivos, que acabam por ser julgados depois de passada a data-base da categoria,
sendo, ainda, submetidos a revisão recursal que estabelece definitivamente as novas normas quando
já findou o seu próprio prazo de vigência, ocasionando incerteza às partes (o dinamismo das relações
de trabalho não se compatibiliza com o vagar no processo decisório judicial); d) generalização das
condições de trabalho o desconhecimento específico do setor e a pressão do elevado número de
processos a julgar leva o Judiciário Laboral a criar e aplicar a todas as categorias precedentes
genéricos, mais semelhantes a leis gerais abrangentes de toda a massa trabalhadora do que normas
específicas de trabalho numa determinada atividade econômica (o Judiciário passa a atuar com a
mesma lentidão e generalidade que o legislativo); e) incompatibilidade com a democracia pluralista e
representativa o modelo corporativista de intervenção estatal na solução dos conflitos coletivos é
próprio dos Estados totalitários e não democráticos, de vez que atenta contra a liberdade negocial,
adota solução impositiva e impede o desenvolvimento de uma atividade sindical autêntica e livre; e f)
maior índice de descumprimento da norma coletiva não sendo fruto da vontade e consentimento
das partes, mas imposição estatal muitas vezes distanciada da realidade financeira das empresas,
provoca seu descumprimento, gerando maior índice de dissídios individuais para vê-la observada.
307
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Obra citada, p. 176/177.
124
3.6 A evolução do Poder Normativo da Justiça do Trabalho no Brasil
Os parâmetros desse Poder Normativo, tal como foi concebido, eram
o mínimo legal e o interesse público calcado também na sobrevivência empresarial.
Era limitado no tempo (vigência da sentença normativa), no espaço (base territorial
das partes em conflito) e quanto às pessoas (aos integrantes da categoria).
O Regime ditatorial imposto, com o controle estatal dos sindicatos,
proibição de greves e a outorga abundante e demagógica de leis “protetivas” aos
trabalhadores como forma de compensar o direito de reivindicação que lhes foi
usurpado, contribuiu para a velada indignação das massas até que sobreviesse a
Constituição de 1946.
A discussão sobre a constitucionalidade desse poder levou o
constituinte de 1946 a prevê-lo expressamente no texto constitucional
308
. Todavia a
polêmica não acabou e era necessário definir melhor os contornos e limites nos
quais esse Poder Normativo poderia ser exercido.
O § 2º, do art. 123 da Constituição de 1946, dispunha que “a lei
especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão
estabelecer normas e condições de trabalho”.
A polêmica inicialmente travada quanto ao alcance desse Poder
Normativo era se o texto constitucional prescindia ou não de regulamentação ao
dispor que “a lei especificará”. Embora os sindicatos patronais sustentassem a
inconstitucionalidade do exercício amplo do Poder Normativo enquanto não
sobreviesse lei especificando seus limites, a corrente vitoriosa foi no sentido de que
o texto constitucional não estava excluindo os casos especificados em lei. A
jurisprudência se firmou pacífica no sentido de uma ampla competência normativa
dos Tribunais, até onde a lei não proibisse.
Até o início da década de sessenta, os dissídios coletivos eram em
sua quase totalidade sobre a fixação de salários normativos, os quais eram
308
A Constituição de 1946 também incluiu a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário.
125
estabelecidos, em função da eqüidade, limitados apenas ao parâmetro da lei
ordinária (salário justo e justa retribuição do capital, conforme disposição do art. 766,
da CLT
309
). Os sindicatos se acomodaram e nada fizeram para conquistas de outros
direitos para os trabalhadores além daqueles previstos na legislação. Nenhuma
luta havia, por exemplo, para limitação de jornada extraordinária ou manutenção dos
postos de trabalho, tolerando o pagamento de indenização pela dispensa imotivada,
até mesmo daqueles que obtinham estabilidade. Em síntese, as negociações diretas
não se proliferaram, a mesmo em razão do desestímulo que o sistema jurídico
delineava, e os dissídios coletivos eram pobres porquanto não se discutiam direitos
outros senão os salários normativos.
Porém, com o golpe militar e o regime instalado em 1964, esse
quadro sofreu drásticas mudanças. Ocorreram centenas de intervenções em
sindicatos e destituições de dirigentes sindicais, os quais eram substituídos por
adversários ou funcionários do Ministério do Trabalho. Além disso, o novo governo
investiu fortemente contra a negociação coletiva e o Poder Normativo, subordinando-
os a um disciplinamento econômico. Com este intuito surgem leis regulamentando o
direito de greve (Lei 4.430/64) e disciplinando o dissídio coletivo (Lei 4.725/65).
Através de Decretos-lei (n
os
15 e 16/66), o governo fixa regras e critérios de
reajustes salariais
310
.
No exercício do Poder Normativo, os Tribunais não poderiam
conceder reajustes salariais superiores aos índices oficialmente autorizados pelo
governo, muitas vezes maquiados em detrimento da classe trabalhadora.
Os sindicatos tentavam então obter nos Tribunais vantagens por
meio de outras cláusulas que refletissem melhores condições de trabalho, fugindo,
então, daquele quadro estagnado do uso do Poder Normativo. Mas o momento
político era outro e o Supremo Tribunal Federal não tardou em rever suas posições
quanto aos recursos patronais relativos à inconstitucionalidade (sustentando que o
texto constitucional necessitaria de regulamentação), que passaram a ter acolhida.
309
CLT, art. 766. Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que,
assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas.
310
PINTO, Almir Pazzianotto. Justiça do Trabalho e Poder Normativo. Revista LTr. São Paulo. LTr. v.
62, n. 08, agosto, 1998, p. 1021.
126
Outros problemas passaram a abalar o Poder Normativo e o
colocaram em descrédito, como o efeito suspensivo que era possível ser concedido
pela presidência do TST nos recursos em dissídios para aquele tribunal e a demora
nos julgamentos que permitia até mesmo estarem simultaneamente em curso dois
ou mais dissídios envolvendo as mesmas categorias.
Sobreveio o Decreto-lei 229/67 que reformulou o Título VI da CLT,
regulamentando as Convenções Coletivas de Trabalho, valorizando as negociações
coletivas ao impor certas condições para a instauração do dissídio coletivo, como
quórum em assembléias do sindicato (art. 612 da CLT) e esgotamento de medidas
com vistas à negociação direta (art. 616 da CLT).
Esse quadro não se alterou nos anos que se seguiram, tendo a
Constituição promulgada em 1967 (art. 134, §1º) e sua Emenda Constitucional em
1969 (art. 142, §1º) mantido o texto da Constituição de 1946 quanto ao Poder
Normativo da Justiça do Trabalho, igualmente remetendo à lei ordinária a
especificação de seu modo de exercício. Assim dispunham tanto a Carta de 67 como
a Emenda de 69: “A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios
coletivos poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.
A norma regulamentadora prevista CF/67 e na Ementa de 69 (assim
como aquela anteriormente prevista no § 2º do art. 123 da CF/46) nunca foi editada.
Esclarece Ives Gandra Martins Filho
311
que de início o TST curvou-se ao
entendimento do STF
312
, mas que posteriormente reviu sua posição. Embora se
tratasse de norma de eficácia limitada (não auto-aplicável) que condicionaria o Poder
Normativo às hipóteses que a lei viesse especificar, preferiu o TST entendê-la como
se fosse norma de eficácia contida, de aplicação imediata e sujeita a restrições
posteriores.
A década de 70, e os primeiros anos da década de 80, foi um
período marcado por certo enriquecimento nas decisões normativas. A partir de
1970 algumas daquelas vantagens que eram paulatinamente inseridas nas pautas
311
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Obra citada, p. 40/42.
312
Jurisprudência da STF: Não é possível o estabelecimento de cláusula, em dissídio coletivo do
trabalho, sem lei em que possa apoiar-se” (RE 101.124-6, Rel. Min. Aldir Passarino, DJU de 19.4.85,
pág. 5457).
127
de negociações, como forma de compensar as inviáveis cláusulas de reajustes
salariais, passaram a ser aceitas pelo TST. Exemplo disso foi a estabilidade
provisória da empregada gestante deferida pelo TST em 1970. Por outro lado, se
essa evolução no conteúdo das decisões normativas valorizavam os dissídios
coletivos, acabavam por reduzir a importância das negociações diretas.
3.7 O Poder Normativo na Constituição de 1988
Muito se discutiu na elaboração da Constituição de 1988 sobre
temas ligados ao direito sindical. Estávamos prestes a iniciar um período novo, em
que se almejava uma democracia plena, alterando-se paradigmas até então
vigentes.
A estrutura sindical existente era ainda praticamente aquela herdada
de mais de meio século de uma concepção unitária da soberania, própria dos
governos totalitários e autoritários. Aos rumos democráticos que o país vinha
trilhando, isso se mostrava desajustado.
Embora a maioria dos autores concordasse que organização sindical
vigente era incompatível com um regime democrático e que o Poder Normativo era
de certa forma um desestímulo à negociação direta, muitos entendiam que o País
ainda não estava amadurecido em sua plenitude para uma prática de negociação
direta em matéria de conflitos coletivos de trabalho e, portanto, não se podia abrir
mão do Poder Normativo como forma de solução desses conflitos. Anna Acker
313
,
em livro publicado pouco antes da Constituição de 88, intitulado “Poder Normativo e
Regime Democrático”, asseverava que “há atividades em que, por sua pequena
expressão numérica e qualitativa, os empregados não dispõem de qualquer poder
de barganha, nem mesmo se houver possibilidade de se chegar à greve, dada a
fraca repercussão social que teria o movimento”.
313
ACKER, Ana Brito da Rocha. Obra citada, p. 68.
128
Um dos maiores argumentos daqueles que sustentam a manutenção
do Poder Normativo reside mesmo no fato de os trabalhadores, em sua maioria, não
estarem organizados a ponto de enfrentar os patrões em pé de igualdade.
Tarso Genro
314
, por exemplo, destaca a extrema desigualdade do
movimento operário brasileiro ao estimar que 90% da classe trabalhadora é
inorgânica e sem capacidade de barganha. A seu ver, suprimir o Poder Normativo
seria retirar do Estado sua “função de promover novas condições para o exercício da
liberdade, da igualdade e da participação social”.
Argumentava-se que os sindicatos fortes e com capacidade para
negociar em equilíbrio de forças com as empresas eram poucos, localizados
especialmente em regiões industriais de grandes concentrações operárias e bom
desenvolvimento econômico, como os metalúrgicos do ABC paulista. A capacidade
de negociação de um sindicato de cortadores de cana de uma região do nordeste
não era a mesma.
A par disso, sustentava-se ser pressuposto para um sistema de
negociação coletiva direta, sem a interferência estatal para a solução dos conflitos
através do Poder Normativo, a existência de um sindicalismo combativo, diferente do
que se via na grande maioria dos sindicatos existentes à época. E não se poderia
imaginar a existência de um sindicalismo combativo num ambiente que não fosse de
liberdade sindical plena, o que também não existia no Brasil.
As discussões que permearam a Assembléia Nacional Constituinte
de 1988, quanto ao modelo de estrutura sindical que se deveria implantar,
esbarravam em pontos chaves, todos necessários para a ruptura do sistema
anterior: a manutenção ou não da unicidade sindical, da contribuição sindical e do
Poder Normativo.
Os resultados obtidos com a Constituição de 1988 foram de certa
forma analisados no primeiro capítulo deste trabalho. Não foi possível remover a
unicidade sindical, nem a contribuição sindical, nem tampouco o Poder Normativo.
314
GENRO, Tarso. Em defesa do Poder Normativo e da Reforma do Estado. Revista LTr. São Paulo.
LTr. v. 56, n. 04, abril, 1992, p. 414.
129
Afastou-se apenas a interferência e intervenção do Estado na organização sindical,
mas o na solução dos conflitos coletivos de trabalho. Valorizou-se a negociação
coletiva em vários dispositivos, mas manteve-se a possibilidade da interferência
estatal através do Poder Normativo.
Ao tratar do Poder Normativo, manteve-o praticamente intacto,
alterando-se apenas a redação de sua previsão no texto constitucional. O teor do
§2º do art. 114 passava a ser a seguinte: “Recusando-se qualquer das partes à
negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar
dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições,
respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao
trabalho”.
A grande novidade era que o novo texto explicitava que o Poder
Normativo não mais dependia de especificação legal infraconstitucional e seus
limites eram fixados pela própria Constituição que exigia apenas o respeito às
“disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
Outro aspecto importante se poderia extrair da redação daquele
dispositivo. Se por um lado o Poder Normativo parecia ter sido ampliado, o legislador
constituinte apontava uma inclinação para o seu fim ao indicar expressamente no
texto constitucional, como condição do ajuizamento do dissídio, a tentativa da
negociação direta. Com isso, estava-se privilegiando a negociação coletiva em
detrimento do Poder Normativo.
Para Otávio Brito Lopes
315
, “o texto constitucional deixava claro que
o Poder Normativo, até mesmo por sua excepcionalidade, não poderia ser utilizado
indiscriminadamente como sucedâneo da negociação coletiva exercida diretamente
pelos atores sociais”.
O STF, embora reconhecendo que a competência normativa dos
tribunais trabalhistas teria sido alargada pela Constituição de 88, impunha limites ao
conteúdo da nova disposição constitucional, asseverando que, no contexto do
regime político que a Carta Magna pregava, o Poder Normativo jamais poderia ser
315
LOPES, Otávio Brito. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº.
45 Revista LTr vol. 69, nº 2, fev de 2005, p. 166.
130
alçado ao grau de um poder irrestrito de legislar. O Poder Normativo poderia ser
exercido no vazio da lei e quando sobre o tema a constituição o adotasse o
princípio da reserva legal.
Sob o velho argumento de que por intermédio do Poder Normativo o
Judiciário estaria invadindo a esfera de competência do Legislativo, criando o direito,
a jurisprudência do STF passou a distinguir matéria de lei e matéria de dissídio
coletivo, asseverando que, havendo lei, não poderia a Justiça do Trabalho fixar
normas e condições de trabalho em desacordo com seus dispositivos. Ou seja,
segundo jurisprudência do STF (RE 19.7911-9-PE, j. 24.9.96, Rel. Min. Octávio
Galloti), o Poder Normativo previsto no art. 114 da Constituição permite aos
Tribunais do Trabalho criar normas através do dissídio coletivo “desde que atue no
vazio deixado pelo legislador e não se sobreponha ou contrarie a legislação em
vigor, sendo-lhe vedado estabelecer normas e condições vedadas pela Constituição
ou dispor sobre matéria cuja disciplina seja reservada pela Constituição ao domínio
da lei formal”
316
.
No TST a jurisprudência também caminhou neste sentido
317
, embora
não seja esta a opinião de todos os seus membros. Ives Gandra Martins Filho
318
,
enquanto ministro daquela corte, ao tratar da amplitude do Poder Normativo previsto
no texto constitucional de 1988, assevera que o patamar é formado pela
Constituição e demais normas legais e convencionais, que tem como teto a “justa
retribuição ao capital” (CLT, art. 766) e que o magistrado poderá decidir como
legislador, sem apoiar-se em norma jurídica, mas criando-a, utilizando como critérios
a eqüidade e o bom senso.
316
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Obra citada, 2001. p. 297.
317
Jurisprudência do TST: DISSÍDIO COLETIVO. “No julgamento de dissídio coletivo de natureza
econômica, poderá a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, conforme dispõe o artigo
114, §2º, da Constituição da República. Todavia, o estabelecimento de normas e condições
pressupõe a inexistência destas, ou serem elas de conteúdo mínimo. Se a legislação disciplina
matéria e não sendo a norma legal de conteúdo mínimo, não que se falar na incidência da
competência normativa. Por outro lado, a competência normativa não é uma imposição, mas uma
faculdade, que deve ser exercida levando em conta o equilíbrio das relações entre o trabalho e o
capital, sem uma interferência minuciosa no poder de comando da empresa, pois isto não contribui
para o fortalecimento da negociação coletiva direta, que deve premiar sobre o sistema jurisdicional de
criação da norma. Recurso parcialmente proviso” (TST-RO-DC 180.734/95-2, Rel. Min. Indalécio
Gomes Neto, DJU de 7.12.95, p. 42).
318
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Obra citada, p. 43.
131
A atuação do Judiciário no exercício do Poder Normativo tem se
mostrado tímida e as razões disso são apontadas por Marcelo Lamego Pertence
319
:
a) entenderem que a atribuição daquele poder, embora legal, tenha
algo de ilegítima, tendo em vista sua origem; b) pela influência das
afirmações da necessidade de autoregulamentação pelas próprias
partes envolvidas no conflito; c) pelo que podemos chamar de caldo
de cultura quanto à preservação da empresa como forma de
preservar os empregos; d) pela necessidade de redução de custos
ou, pelo menos, de seu não crescimento; e) pelas diferenças
existentes até mesmo entre empresas de uma mesma categoria
econômica; e f) pelas severas críticas de que é alvo o Poder
Normativo da Justiça do Trabalho.
Também contribuiram para um estrangulamento do dissídio coletivo
os posicionamentos adotados no sentido de somente examinar o mérito dos
dissídios coletivos após exaustivamente comprovado que as partes efetivamente
empregaram todos os meios no sentido de buscar uma composição para o conflito.
Para o ajuizamento do dissídio, passou-se também a exigir o cumprimento de
diversos aspectos formais, os quais foram especificados na Instrução Normativa .
4 do TST, expedida em 8.8.93, cancelada dez anos depois, em 20.3.03.
O TST adotou também a política de aprovar Precedentes
Normativos com intuito de uniformizar suas decisões em dissídios coletivos. Tais
precedentes não contribuíram para estimular a negociação coletiva direta, na medida
em que impõem limites às decisões e as partes sabem com antecedência o
posicionamento a ser adotado na decisão. Outra crítica que se faz a tais
precedentes é que eles planificam as decisões, desconsiderando as realidades
distintas das várias categorias que recorrem ao Judiciário
320
.
O que se tem observado é que o Poder Judiciário não mais defere
aos trabalhadores, como nos anos 80, direitos inexistentes em instrumentos
normativos anteriores, tendo se restringido ou à oferta patronal ou, no máximo,
respeitando as disposições convencionais anteriores, em obediência à norma do §2º
do art.114, da CF/88, embora muitas vezes negue-se até mesmo a isso, sob o
319
PERTENCE, Marcelo Lamego. O exercício do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
(dissertação de mestrado – PUC de Minas Gerais). Belo Horizonte, 2003. p. 48.
320
PINTO JUNIOR, Dirceu Buys. O apogeu e o declínio do Poder Normativo. (dissertação de
mestrado – UFPR). Curitiba, 2005. p. 34.
132
argumento de que as cláusulas anteriormente pactuadas não aderem aos contratos
de trabalho (súmula nº. 277 do TST
321
).
Constatou-se, nos anos que se passaram após a promulgação da
Constituição de 88 que as poucas alterações por ela impostas não foram suficientes
para desenvolver um sindicalismo forte e autêntico de forma a impulsionar a
negociação coletiva em detrimento do dissídio coletivo.
A vedação de interferência e intervenção estatal na organização
sindical e os dispositivos que valorizam a negociação coletiva até fizeram com que
com essa ganhasse alguma força. Mas, infelizmente, a via jurisdicional ainda é
corriqueiramente escolhida para se solucionar os conflitos coletivos do trabalho,
notadamente nos conflitos de natureza econômica. E isso se deve, em grande parte,
não apenas à cultura dos brasileiros por depositarem confiança no Poder Judiciário,
mas especialmente por outras vantagens específicas que vêem as partes na solução
jurisdicional, quer no sentido de suprir-lhes a incapacidade e inabilidade para
negociar (boa parte dos sindicatos de trabalhadores), quer mesmo no sentido de
inviabilizar a negociação e a concessão de vantagens à outra parte (boa parte das
empresas e seus sindicatos).
Concordamos com Magano
322
quando ele afirma que o Poder
Normativo interfere no natural processo de negociação coletiva, impedindo que o
conflito seja resolvido pelas partes. De fato, o Poder Normativo inibe a negociação
coletiva, mas, como se viu em capítulo anterior, não é ele, por si só, o único
obstáculo do necessário diálogo entre as partes. Se torna-se necessário afastá-lo,
também devem ser afastados vários outros obstáculos existentes em nosso sistema
de organização sindical, pois ela está intimamente entrelaçada com o sistema de
negociações coletivas, na qual projeta seus defeitos.
Por isso muitos sustentam que, apesar desse mal, ele ainda se
mostra necessário dado ao baixo grau de representatividade e poder de barganha
dos sindicatos no Brasil.
321
Súmula 277/TST: As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram
no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva os contratos”.
322
MAGANO, Octavio Bueno. Obra citada, p.198.
133
O que restava evidente era que a Constituição de 88 contém
antinomias que prejudicam o desenvolvimento da negociação coletiva direta entre as
partes. Como destacou Romita, temos uma situação híbrida inexplicável em que
as normas constitucionais brigam entre si, sem uma opção ideológica no conjunto da
Constituição
323
. E isso ocorre notadamente com relação ao monopólio sindical e o
Poder Normativo em relação ao pluralismo pregado como fundamento da
democracia que se queria implantar.
A manutenção da unicidade sindical e do Poder Normativo da
Justiça do Trabalho continuou a preocupar boa parte dos que se envolviam
diretamente com o direito sindical no Brasil. Até mesmo a OIT pressionava o
governo brasileiro, solicitando medidas:
“con miras a la modificación de la legislación con objeto de que el
sometimiento de los conflictos colectivos de intereses a las
autoridades judiciales solo sea posible de común acuerdo entre las
partes o bien en el caso de servicios esenciales en el sentido
estricto del término (aquellos cuya interrupción podría poner en
peligro la vida, la seguridad o la salud de la persona en toda o parte
de la población)
324
.
A independência das partes na negociação coletiva, sem
intervenção das autoridades públicas na elaboração e conclusão dos contratos
coletivos, já é apregoada pela OIT desde a Convenção 98 de 1949. O Brasil, embora
tenha ratificado tal instrumento em novembro de 1952, não deu conta de que a
intervenção estatal é contrária ao critério em que se inspira o artigo quarto da
referida convenção
325
/
326
.
O que se põe em relevo nas modificações cobradas pela OIT é
justamente a não-intervenção do judiciário na solução dos conflitos coletivos de
interesse, salvo quando esta intervenção for solicitada de comum acordo entre as
323
ROMITA, Arion Sayão. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho: antinomias constitucionais.
Revista LTr. São Paulo. LTr. v. 65, n. 03, março, 2001, p. 265.
324
MAGANO, Otávio Bueno. Modelo Político e atividade sindical. In PRADO, Ney, organizador da
obra “Direito Sindical Brasileiro Estudos em Homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita”. São Paulo.
LTr. 1998, p. 287.
325
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Obra citada, p. 101.
326
Convenção nº. 98 da OIT, sobre direito sindical e negociação coletiva. Art. 4º “Deverão ser
adotadas, quando necessário, medidas adequadas às condições nacionais, para estimular e
fomentar, entre os empregadores e as organizações de empregadores, de uma parte, e as
organizações de trabalhadores, de outra, o pleno desenvolvimento e uso de procedimentos de
negociação voluntária, com o objetivo de regulamentar, por meio de contratos coletivos, as condições
de emprego”.
134
partes ou quando o conflito colocar em risco a manutenção de serviços essenciais à
população. Ou seja, o poder judiciário somente poderia atuar na solução dos
conflitos quando, de comum acordo, as partes a ele recorressem como forma de
arbitragem pública voluntária ou nos casos de greve com paralisação de serviços
essenciais que colocassem em risco o interesse público.
Neste sentido parece ter sinalizado a Reforma do Poder Judiciário
ditada pela Emenda Constitucional 45 de 2004. A referida reforma trouxe profundas
alterações no Poder Normativo da Justiça do Trabalho, sustentando algumas
vozes, até mesmo a sua extinção. Cuidaremos, então, no próximo capítulo, das
modificações impostas por essa reforma e as conseqüências que isso acarretará no
plano das futuras relações coletivas de trabalho.
135
4 O PODER NORMATIVO DIANTE DA REFORMA DO JUDICIÁRIO
4.1 A Reforma do Judiciário
Como pudemos verificar no capítulo anterior, não são poucas as
críticas que tem sofrido o poder normativo da Justiça do Trabalho, desde seu
nascedouro.
O legislador constituinte de 1988 poderia tê-lo extinguido, mas
preferiu dar-lhe sobrevida, valorizando timidamente a negociação coletiva e a
arbitragem, talvez supondo que com o tempo essas formas de solução de conflitos
coletivos de trabalho substituiriam a solução estatal.
Ledo engano, pois, mantendo também a unicidade sindical e a
contribuição sindical obrigatória, os sindicatos não precisariam lutar pela
representatividade necessária para enfrentar a negociação coletiva e, naturalmente,
preferiram continuar entregando ao Estado sua principal tarefa.
Mas o Judiciário, embora o texto do art. 114 da Constituição de 1988
lhe permitisse, não optou por aplicar o Poder Normativo em sua plenitude. A
responsabilidade seria muito grande, pois a utilização indiscriminada desse poder
contrariava princípios da Constituição, como o da separação de poderes e o da
autonomia sindical.
A par disso, as concessões aos trabalhadores via dissídio coletivo
eram mínimas, quase insignificantes. Quando se tratasse de pedidos que
efetivamente implicassem em melhoria da condição social do trabalhador,
geralmente os Tribunais sustentavam que isso implicaria em ônus para as empresas
e que só poderiam ser obtidos por via do ajuste direto entre as partes.
136
Com o passar dos anos, o que temos presenciado é, de um lado, o
Judiciário restringindo sua aplicação e, de outro, os sindicatos de trabalhadores
pouco recorrendo ao dissídio coletivo, que os resultados não têm sido
compensadores.
Por outro lado, o afastamento do Estado nas relações coletivas de
trabalho, além de tendência mundial, apregoada pela OIT como pressuposto da
liberdade sindical, também era reclamado no Brasil, não pelas empresas, mas
também pelos próprios trabalhadores.
Já há algum tempo, boa parte do movimento sindical brasileiro prega
uma alteração no sistema de solução dos conflitos coletivos de interesse que
limitasse a intervenção do Judiciário aos casos de greve com risco na manutenção
de serviços essenciais ou quando as partes, de comum acordo, solicitassem sua
intervenção como árbitro.
Neste sentido, em 1995, defendendo um modelo transitório de
modificação do sistema das relações de trabalho no Brasil, a Central Única dos
Trabalhadores (CUT) indicava como medida a transformação do Poder Normativo
da Justiça do Trabalho em arbitragem pública voluntária, que somente poderia ser
acionada mediante comum acordo entre as partes
327
.
As pressões cobrando mudanças no sistema de soluções dos
conflitos coletivos de trabalho são muitas e advindas de todos os setores. O governo
brasileiro, por sua vez, também algum tempo promete uma reforma trabalhista
e sindical. Vários projetos de emenda à Constituição foram encaminhados ao
Congresso Nacional com o intuito de modificar o artigo e o art. 114 da
Constituição, acabando com a unicidade sindical e com o poder normativo da Justiça
do Trabalho.
Como exemplo, em 1998 foi encaminhado ao congresso a PEC
623/98, de autoria do Poder Executivo, que, embora não eliminasse o poder
327
RAMOS FILHO, Wilson. O Fórum Nacional do Trabalho e o Sistema Sindical Brasileiro: Algumas
Críticas sobre o Modelo de Soluções de Conflitos Coletivos. In MACHADO, Sidnei; e GUNTHER, Luiz
Eduardo, (coords). Reforma Trabalhista e Sindical: O Direito do Trabalho em Perspectivas. São
Paulo. LTr, 2005. p. 303.
137
normativo da Justiça do Trabalho, restringia-o, prevendo que o dissídio coletivo
deveria ser ajuizado de comum acordo, embora admitindo o ajuizamento unilateral
quando, a juízo da Justiça do Trabalho, houvesse possibilidade de lesão ao
interesse público
328
. A proposta não vingou e, após muitos debates, foi arquivada.
Mas paralelamente, outra Proposta de Emenda à Constituição
tramitava no congresso desde 1992 (originalmente, PEC 96/92, de autoria do
deputado Hélio Bicudo). Ela tratava da Reforma do Judiciário e também previa
alteração do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Após mais de uma década de tramitação e com debates intensos,
finalmente, em 31 de dezembro de 2004, foi publicada no Diário Oficial da União a
Emenda Constitucional de nº. 45/2004 (Reforma do Poder Judiciário), alterando o
artigo 114 da Constituição de 1988, cujos §§ 2º e passaram a ter a seguinte
redação:
§2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar
dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do
Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas
legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente.
§3º. Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de
lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá
ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho, decidir o
conflito.
A nova redação dada ao art. 114 da Constituição pelos seus §§ e
alterou profundamente o sistema de solução dos conflitos coletivos de trabalho no
Brasil. Cuidaremos adiante de destacar alguns dos pontos mais expressivos dessas
mudanças.
328
Pela PEC 623/98, assim ficaria a redação dos §§ e do art. 114 da CF: § Recusando-se
qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos, em
comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho, em
caráter excepcional, estabelecer normas e condições, conforme dispuser a lei, respeitadas as
disposições convencionais e legai mínimas de proteção ao trabalho; § O ajuizamento do dissídio
coletivo poderá se dar unilateralmente, ou pelo Ministério Público do Trabalho, quando, a juízo da
Justiça do Trabalho, houver possibilidade de lesão ao interesse público.
138
4.2 A necessidade de “comum acordo” para o ajuizamento do dissídio
coletivo de natureza econômica
O novo texto, da mesma forma que o anterior, impõe, como primeira
condição primeira para o ajuizamento do dissídio, a recusa das partes à negociação
ou à arbitragem (privada certamente)
A novidade é que agora o dissídio coletivo de natureza econômica
poderá ser ajuizado quando as partes, “de comum acordo”, desejarem, ou seja,
não será mais possível que uma das partes, sem a anuência da outra, promova-o.
Mesmo com a clara expressão do texto legal ao exigir o “comum
acordo” das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo, quem sustente que
nada impede que qualquer das partes possa, unilateralmente, ajuizar o dissídio. Ou
seja, dar-se-ia à expressão “comum acordo”, outra interpretação. Neste sentido
afirma Alexandre Augusto Campana Pinheiro
329
:
Entendemos que o §2º do art. 114 da Magna Carta da República, na
verdade, veio a explicitar nova oportunidade às partes para
solucionar os seus conflitos; para tanto, façamos uma detida análise.
Dispõe a norma que, faculta-se às partes, após recusa à negociação
coletiva ou à arbitragem, e fazemos questão de ressaltar o caráter
facultativo, ajuizar dissídio coletivo de comum acordo. Com isso, não
quis dizer a norma que somente por comum acordo as partes
poderão provocar, ou eleger, a Justiça do Trabalho, para decidir o
seus conflitos, mas sim, mais uma faculdade, ou seja, se a solução
não for possível via negociação direta entre as partes, ou por meio
de arbitragem, poderão vir, de comum acordo, à Justiça do Trabalho
ajuizar o dissídio coletivo de natureza econômica.
Obviamente que se uma das partes, recusadas a negociação e a
arbitragem, se negar até mesmo a ajuizar dissídio coletivo para
solucionar o conflito, a parte continuará com a faculdade de ajuizar o
dissídio coletivo ‘individualmente’, hipótese que o outro ente coletivo
não poderá se recusar a vir negociar junto à Justiça do Trabalho e
se submeter à decisão imposta. [...]
A despeito da opinião de muitos e renomados juristas do Direito do
Trabalho, entendemos que o Poder Normativo não sofreu qualquer
restrição, ou mesmo foi extinto. Longe disso.
329
BESSA, Leonardo Rodrigues Itacaramby. O §2º do artigo 114 da Carta Magna de 1988: avanço ou
retrocesso. In PINHEIRO, Alexandre Augusto Campana (coord). Competência da Justiça do Trabalho,
aspectos materiais e processuas: de acordo com a EC n. 45/2004. São Paulo. LTr, 2005. p. 180 e
183.
139
No mesmo sentido é a opinião de Márcio Ribeiro Valle
330
ao
interpretar a nova redação dos §§ 1º e 2º do art. 114 da Constituição:
O que está escrito, na mais real verdade, é que, recusando-se
qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é que
será possível e viável o exercício da faculdade (não obrigação, não
imposição) do comum acordo no ajuizamento. Mas em não sendo
assim, quando as partes tentarem, por exemplo, entre si ou
intermediadas pelo Ministério do Trabalho, a conciliação e não
chegarem a bom termo, aí, nitidamente, não teremos hipóteses de
recusa à tentativa conciliatória, mas sim malogro da conciliação
tentada, o que é diferente. Logo, respeitosamente, quer nos parecer
que nessa hipótese em que se busca a conciliação, mas não se
consegue, certificado isso, é possível o ajuizamento, sem o comum
acordo, do dissídio coletivo de natureza econômica, pena, aliás, de
eliminar o direito constitucional de ação previsto, como norma
pétrea, no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.
Ora, não nos parece acertada tal afirmação. Como assevera Antônio
Álvares da Silva
331
, se o legislador não quisesse mudar, não teria acrescentado a
expressão “de comum acordo”. Para reforçar seu ponto de vista, o autor cita trechos
dos depoimentos (debates) dos parlamentares
332
na discussão específica acerca da
manutenção ou não da expressão “de comum acordo” e com isso demonstra que
todos tinham exatamente a noção do que isso significaria, ou seja, “com a exigência
do ‘comum acordo’ o pronunciamento do judiciário seria possível mediante
pretensão conjunta”. A votação foi concluída com 334 votos pela manutenção e 53
pela exclusão.
Independentemente de qualquer tomada de posição nesse
momento, quanto ao acerto ou não da alteração constitucional, o que resta evidente
é que a intenção do legislador foi de forçar ainda mais o entendimento direto entre
330
VALLE, Márcio Ribeiro. Dissídio Coletivo – EC 45/04 – Inexistência de óbice ao exercício do direito
de ação Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. vol 71 – nº 1 – jan/abr.
2005. p. 103-105.
331
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr.
2005, p. 360 e 364-372.
332
Apenas para exemplificar, vejamos o depoimento do Deputado Ricardo Berzoini (PT-SP): “...quero
esclarecer que uma das teses mais caras ao Partido dos Trabalhadores é a luta contra o poder
normativo da Justiça do Trabalho. Acreditamos que a negociação coletiva se constrói pela vontade
das partes. Ou seja, se não tivermos no processo de negociação a garantia da exaustão dos
argumentos, da busca do conflito e da sua negociação, vai acontecer o que vemos em muitos
movimentos hoje, particularmente em São Paulo, como o recente caso dos metroviários, em que a
empresa recorre ao poder normativo antes de esgotada a capacidade de negociação. Portanto, na
nossa avaliação, manter a expressão ‘de comum acordo’ é uma forma de garantir que haja exaustão
do processo de negociação coletiva. O Partido dos Trabalhadores vota pela manutenção da
expressão, combatendo o poder normativo da Justiça do Trabalho, que hoje é um elemento de
obstáculo à livre negociação coletiva”.
140
as partes, impondo a estas a busca de outras formas de solução, sem a interferência
do Estado, tal como preconizado pela OIT.
Outra conseqüência que se pode extrair da necessidade de comum
acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo é que o consenso das partes em
utilizá-lo, transforma-o numa verdadeira arbitragem pública. As partes, na verdade,
terão a opção da arbitragem publica ou da arbitragem privada. A diferença entre elas
residirá no fato de que na opção pela arbitragem publica os limites da decisão
encontram-se na própria constituição (“disposições mínimas legais de proteção ao
trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”) enquanto que na arbitragem
privada as próprias partes fixarão esses limites através de compromisso arbitral.
4.2.1 Constitucionalidade da exigência do “comum acordo”
Desde a publicação da Emenda 45/04, muitos m sustentado que a
inovação do §2º do art. 114, no que diz respeito à exigência do “comum acordo” para
o ajuizamento do dissídio coletivo, afigura-se inconstitucional. Para essa corrente, a
alteração estaria ferindo o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à
justiça, previsto no art. 5º, XXXV
333
, o qual deveria ser salvaguardado por tratar-se
de cláusula pétrea conforme dispõe o §4º do art. 60
334
.
Com esses argumentos, várias Confederações de trabalhadores
(setor de alimentação, comércio, indústria, empresas de crédito, turismo, saúde,
transporte marítimo e terrestre) atacaram o dispositivo legal com Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 3423/2005). Também a Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), a Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura
(CNTEEC) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
333
CF/88, art. 5º, XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
334
CF/88, art. 60, §4º. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir .... IV
– os direitos e garantias individuais”.
141
Ensino (CONFENEN) ajuizaram ações semelhantes (ADI 3431, ADI 3432 e ADI
3520)
335
.
Nessas ações são atacados tanto o §2º como o §3º do art. 114. Com
relação ao §3º o questionamento é no sentido de atribuir exclusivamente ao
Ministério Público do Trabalho a legitimidade para ajuizar o dissídio coletivo no caso
de greve em atividade essencial, "excluindo os legítimos representantes dos
trabalhadores, principais interessados em ver o deslinde do impasse provocador da
paralização”
336
.
Segundo o advogado das confederações na ADI 3423/2005, Sid
Riedel, tal dispositivo da reforma do Judiciário (§2º do art. 114) é inconstitucional,
pois contraria cláusulas pétreas da Constituição, que asseguram o direito a qualquer
pessoa ao acesso a Justiça. Enaltecendo sua indignação, o advogado faz a seguinte
comparação: "Imagine uma pessoa que me deve R$ 5.000. Tento resolver o
problema negociando, mas a pessoa não me paga. quero entrar na Justiça, mas
só posso recorrer ao Judiciário se essa pessoa estiver de acordo"
337
.
Referida comparação pode ser confrontada como o seguinte
questionamento de Antônio Álvares da Silva
338
: “Acaso no Direito Privado, quando
um contrato não se realiza, por desacordo das partes, pode uma delas entrar em
juízo e pedir ao juiz que, compulsoriamente, substitua ambas as vontades e decida
sobre o mérito da obrigação pretendida?
Segundo Antônio Álvares da Silva
339
, com quem concordamos neste
aspecto, não qualquer inconstitucionalidade quanto à exigência do “comum
acordo”. O autor parte da premissa de que o Direito Coletivo do Trabalho tem
princípios próprios (que não se confundem sequer com os princípios do Direito
Individual do Trabalho), dentre eles o da “não interferência do Estado”, cuja base
está na autonomia sindical (Convenção 87 da OIT e art. da CF/88). O autor ainda
assevera que “o dissídio coletivo é instituto inexistente no direito comparado porque
335
Matérias publicadas no site do STF nos dias 7 e 11.3.2005 (www.stf.gov.br)
336
Matérias publicadas no site do STF nos dias 7 e 11.3.2005 (www.stf.gov.br)
337
Matéria publicada no site do TRT da 6ª Região em 7.3.2005 (www.trt6.gov.br)
338
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. Tr,
2005, p. 346.
339
SILVA, Antônio Álvares da. Idem p. 345-349.
142
aniquila a liberdade sindical e a negociação coletiva” e restringe também o direito de
greve. Portanto a condição imposta pela EC 45/04 apenas removeu a contradição
existente na Constituição, compatibilizando o dissídio coletivo com a liberdade
sindical.
Deve-se distinguir a ação de dissídio coletivo da ação comum. Nesta
existe um direito subjetivo derivado da lei. No dissídio coletivo, o
reconhecimento de um direito, mas sim criação de um direito por atividade anômala
do Poder Judiciário. O princípio do acesso ao judiciário se aplica em relação a um
direito positivo, concreto, existente na lei
340
.
Como destaca Otávio Brito Lopes
341
, tal qual previsto antes da EC
45/2004, o Poder Normativo exercido pela Justiça do Trabalho no dissídio coletivo só
tinha forma de jurisdição, pois na essência tratava-se de verdadeiro poder
legiferante. Logo, se não tinha natureza jurisdicional, com sua retirada não se pode
falar em ofensa ao princípio do acesso à jurisdição.
E o como equiparar a possibilidade do ajuizamento unilateral
do dissídio coletivo (prevista na antiga redação do art. 114/CF) com o direito de ação
(acesso ao Judiciário) previsto no art. 5º, XXXV da CF. Esse, assim como a
liberdade sindical (art. 8º/CF), a negociação coletiva (art. 7º, XXVI/CF) e o direito de
greve (art. 9º/CF) são efetivamente direitos fundamentais (positivados no catálogo
próprio da CF) e não podem ser extirpados porquanto protegidos como cláusulas
pétreas. Mas aquele - dissídio coletivo - não se trata de direito fundamental e o
tem a mesma proteção.
Ainda que se entendesse o dissídio coletivo como extensão do
direito fundamental de ação, nada obstaria que ele fosse restringido, como de fato o
foi, porquanto não atingido o seu núcleo fundamental. Conforme esclarece Ingo
Wolfgang Sarlet
342
:
340
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr.
2005, p. 350.
341
LOPES, Otávio Brito. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.
45 Revista LTr vol. 69, nº 2, fev de 2005, p. 168.
342
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre. Livraria do
Advogado, 2001. p 359-362
143
De concreto, resta, contudo, a pertinente preocupação com a
petrificação da ordem constitucional, justificando a elaboração de
propostas de cunho conciliatório, sustentando que as ‘cláusulas
pétreas’ não podem ser compreendidas como limites absolutos à
reforma da Constituição, que é necessário alcançar-se certo
equilíbrio entre a indispensável estabilidade constitucional e a
necessária adaptabilidade da Constituição à realidade, não sendo
exigível que as gerações futuras fiquem eternamente vinculadas a
determinados princípios e valores consagrados pelo Constituinte em
determinado momento histórico [...].
Além disso, entendemos que a necessária adaptabilidade da
Constituição pode ser suficientemente assegurada por meio de uma
adequada exegese do alcance das ‘cláusulas pétreas’ [...].
A garantia das cláusulas pétreas assegura esses conteúdos apenas
na sua essência, o se opondo a desenvolvimentos ou
modificações que preservem os princípios naqueles contidos. [...]
Assim, as cláusulas pétreas não objetivam a proteção dos
dispositivos constitucionais em si, mas sim os princípios neles
plasmados, não podendo estes ser esvaziados por uma reforma
constitucional.
[...] Mera modificação no enunciado do dispositivo não conduz
necessariamente a uma inconstitucionalidade, desde que
preservado o sentido do preceito e não afetada a essência do
princípio objeto da proteção. [...] a proteção imprimida por tais
cláusulas não implica absoluta intangibilidade do bem constitucional
protegido. O núcleo do bem constitucional protegido é constituído
pela essência do princípio ou direito. [...]
Por núcleo essencial dos direitos e dos princípios fundamentais
estruturantes poderá considerar os elementos que constituem a
própria substância, os fundamentos, os elementos ou componentes
deles inseparáveis, isto é, os elementos essenciais e não
meramente acidentais. O grau de proteção de cada direito
fundamental irá depender, em última análise, da adequada
delimitação de seu núcleo essencial.
Como assevera Juarez Freitas
343
, o sistema jurídico deve ser visto
como
“uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos,
de norma e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou
superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos
fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se
encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na
Constituição”.
Não podemos deixar de lembrar que, quanto aos princípios
fundamentais pregados no artigo da Constituição Federal, dispõe o seu parágrafo
único que o povo exerce seu poder por meio de seus representantes “legitimamente
343
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo. Malheiros, 1995, p. 41.
144
eleitos”. Não são os juízes. Estes, através do dissídio coletivo, agridem o princípio da
autonomia coletiva e da liberdade sindical como um todo.
As antinomias do Poder Normativo da Justiça do Trabalho com tais
princípios são gritantes dentro da Constituição. Portanto, a Reforma do Judiciário
nada mais fez do que remover obstáculo ao pleno desenvolvimento da negociação
coletiva direta entre as partes, porquanto, esta sim, se trata de princípio
fundamental.
4.3 O dissídio coletivo de greve
Observa-se pela redação do §3º do artigo 114 que o Ministério
Público do Trabalho poderá ajuizar o dissídio coletivo “em caso de greve em
atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público”.
Não qualquer possibilidade de o Ministério Público ajuizar o
dissídio coletivo quando não se tratar de greve nos moldes da previsão
constitucional, ou seja, deve-se tratar de paralisação de “atividade essencial” e “com
possibilidade de lesão do interesse público”, não bastando a ocorrência de apenas
uma dessas hipóteses.
Embora o §3º do art. 114 utilize a mesma locução do §2º, no sentido
de competir à Justiça do Trabalho “decidir o conflito”, no caso do dissídio de greve,
não se vislumbra a possibilidade de essa decisão criar direitos para as partes. A
decisão deve apenas se limitar a declarar ou não a abusividade da greve,
requerendo providências para assegurar a prestação dos serviços indispensáveis,
nos termos do art. 12 da Lei de Greve
344
, sem entrar no mérito das reivindicações
dos trabalhadores, pois o conflito deverá permanecer aberto. Essa é a lógica.
344
Lei 7.783/89, art. 12. “No caso da inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público,
assegurará a prestação dos serviços indispensáveis”.
145
Os interesses perseguidos são os da sociedade, de cujo
atendimento básico depende. Só neste conflito é que o Estado deve intervir, ou seja,
no conflito entre as necessidades da sociedade (não do patrão ou dos empregados)
e os efeitos que a greve lhe causa.
As redações dos §§ e do art. 114, comparadas, não deixam
dúvida. Na primeira hipótese se fala em “ajuizar dissídio coletivo de natureza
econômica”, enquanto na segunda não essa qualificação (econômico). Também
na primeira hipótese se fala em decisão do conflito respeitando disposições mínimas
de trabalho, enquanto na segunda se fala apenas em decisão do conflito. Normando
Rodrigues
345
bem nos esclarece:
Portanto, o conflito de que trata o § é procedimental do
movimento paredista, e não o conflito coletivo de trabalho, tratado
no parágrafo anterior. Interpretação diversa, calcada na duplicação
da materialidade do § 2º,rebatendo-a para o §3º, desafia a
sistemática do art. 114. No segundo, é clara a intenção de se
possibilitar ao Judiciário Trabalhista a solução das diferenças entre
as partes, desde que por estas legitimado. No terceiro, visa-se não à
composição das diferenças, mas à garantia das necessidades
inadiáveis da população. [...] Garantidas as necessidades da
população, pela regulação heterônoma da Greve, as partes poderão
prosseguir em conflito até futuro consenso, dissolução ou
esgotamento de forças, ou ainda recurso consensual ao mesmo
judiciário, que então, e então, estaria legitimado a tratar das
diferenças entre elas.
Mas quem discorde desse entendimento. Para Otávio Brito
Lopes
346
, não são esses os limites de atuação do Ministério Público nem da decisão
judicial. Assim se manifesta o autor:
O que justifica a intervenção do Estado-Juiz para dirimir o conflito e
impor a solução às partes envolvidas é o interesse da sociedade
prejudicada. Neste caso, o Ministério Público age em nome da
sociedade com o objetivo claro de preservar seus direitos,
restabelecendo os serviços essenciais, pondo fim ao movimento,
mediante a imposição de uma solução.
345
RODRIGUES, Normando. A Greve após a EC 45/04: decisão do conflito sem Poder Normativo. In
RAMOS FILHO, Wilson (coord) Direito Coletivo do Trabalho depois da ED 45/04. Curitiba. Genesis
Editora, 2005, p. 237.
346
LOPES, Otávio Brito. A Emenda Constitucional n. 45 e o Ministério Público do Trabalho Revista do
Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. Vol 71 – nº 1 – jan/abr 2005, p. 186.
146
Da mesma forma entende Cássio Mesquita Barros
347
que, ao
comentar o dispositivo constitucional, disse que o dissídio coletivo econômico
suscitado pelo Ministério Público “pode estabelecer condições de trabalho”.
Ora, da forma como pensam Brito Lopes e Mesquita Barros, o direito
de greve fica prejudicado. Não se deve impor solução às partes. As partes devem se
entender diretamente, sob pena de esvaziar por completo o direito de greve
assegurado constitucionalmente como direito fundamental dos trabalhadores, aliás,
sua principal arma, senão única. A greve não deve mesmo afetar a sociedade em
suas necessidades básicas mínimas, mas tem que cumprir seu objetivo de afetar ao
máximo o empregador.
Neste sentido é a opinião de Raimundo Simão de Melo
348
:
[...] A instauração de disdio coletivo, embora autorizado em lei, não
nos parece ser o meio mais adequado, devendo ser utilizado apenas
em casos gravíssimos e excepcionais, visto que, como é induvidoso,
a melhor forma para a solução dos conflitos de trabalho é a
negociada e não aquelas impostas pelo Estado-juiz (a Justiça do
Trabalho) ou por um terceiro (árbitro). Ora, se as partes envolvidas
no conflito não querem a solução heterônima, até porque muitas
vezes, mesmo durante a greve, continuam negociando, não é
aconselhável que o Ministério Público do Trabalho ajuíze o dissídio,
exatamente para não “abortar” o exercício constitucional do direito
de greve e o desenvolvimento da negociação coletiva, como
postulados básicos da democracia trabalhista, como temos
afirmado.
Na mesma linha se manifesta Cássio Casagrande
349
:
Por derradeiro, quando o Ministério Público do Trabalho optar por
ajuizar o dissídio coletivo de greve em atividades essenciais, parece
claro que a atuação deve se limitar à declaração da abusividade do
movimento de paralisação, não sendo razoável presumir que a
legitimação, na hipótese, inclua a possibilidade do o parquet
requerer o exercício integral do poder normativo, com a apreciação
sobre o conteúdo das reivindicações grevistas, pois quanto a este
interesse a legitimação é exlcusiva das entidades sindicais.
347
BARROS, Cássio Mesquita. A Reforma Judiciária da Emenda Constitucional n. 45. Revista LTr vol.
69, nº 2, fev de 2005, p. 186.
348
MELO, Raimundo Simão. Dissídio Coletivo de Trabalho. São Paulo. LTr. 2002, p. 108.
349
CASAGRANDE, Cássio. O Direito de Greve e a nova competência material e hierárquica da
Justiça do Trabalho. Atribuições do Ministério Público do Trabalho. In RAMOS FILHO, Wilson (coord).
Direito Coletivo do Trabalho depois da ED 45/04. Curitiba. Genesis Editora, 2005. p. 221.
147
Além do mais, não se pode esquecer que o conflito econômico entre
as partes é interesse disponível, o que extrapola a incumbência reservada ao
Ministério Público pelo art. 127 da Constituição (defesa dos “interesses sociais e
individuais indisponíveis“).
O texto constitucional deixa claro que desaparece a possibilidade de
o empregador ajuizar o dissídio coletivo para ver declarada a abusividade da greve.
Somente o Ministério Público terá legitimidade para tanto.
Arnaldo Süssekind
350
, no entanto, entende que o direito de ação é
“facultado a qualquer das partes envolvidas no conflito coletivo, quando o
procedimento da greve estiver lesando ou ameaçando violar legítimo direito da
categoria representada”. Não concordamos com isso. Se as partes quiserem, nada
as impedirá, quando deflagrado o movimento, que ajuízem o dissídio coletivo de
natureza econômica, mas de comum acordo, nos termos do §2º do art. 114 da CF.
O que resta enfatizar é que o dissídio de greve instaurado por
iniciativa do Ministério Público é dissídio coletivo de natureza jurídica, não
econômica. Não haverá criação de norma, mas apenas a aplicação do direito
regulado pela lei de greve. Logo, não que se falar em Poder Normativo neste
caso. O poder é apenas jurisdicional, de aplicar a lei ao caso concreto.
4.4 O dissídio coletivo de natureza jurídica
O dissídio coletivo de natureza jurídica, como anteriormente visto
neste trabalho, destina-se à interpretação de norma.
O texto da Constituição de 1988, antes da EC 45/04, falava apenas
em dissídio coletivo para estabelecer normas, o que conseqüentemente nos leva a
350
SÜSSEKIND Arnaldo. As relações individuais e coletivas de trabalho na Reforma do Poder
Judiciário. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. Vol 71 1 jan/abr
2005, p. 28.
148
entender que tratava-se do dissídio coletivo de natureza econômica, onde revelava-
se o poder normativo.
Também não havia qualquer legislação infraconstitucional admitindo-
o expressamente. Todavia a doutrina e a jurisprudência passaram a admiti-lo, o que
levou mais tarde à sua menção na lei 7.701/88, que trata da especialização de
Turmas nos Tribunais do Trabalho em processos coletivos.
A Emenda Constitucional 45/2004 também não previu
expressamente o dissídio coletivo de natureza jurídica, fazendo-o apenas ao de
natureza econômica.
A par disso, muitos autores têm sustentado que o dissídio coletivo
de natureza jurídica não mais subsiste. Neste sentido já se manifestaram Luiz
Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga
351
:
Assim, a melhor interpretação da norma constitucional é a de que,
ao mencionar apenas os dissídios coletivos de natureza econômica,
pretendeu-se a extinção dos de natureza jurídica, reconhecendo-se
sua incongruência com a nova sistemática adotada pela reforma
constitucional.
Antônio Álvares da Silva
352
também tem o mesmo ponto de vista.
Sua utilização destinava-se a interpretar lei, acordos e convenções coletivas e
sentenças normativas. Para o autor, não faz o menor sentido a atividade
interpretativa prévia de lei, o que, aliás, não existe no direito comparado. Por
segundo, a interpretação da própria sentença normativa deve se dar através de
embargos declaratórios. Quanto aos acordos ou convenções coletivas, ninguém
melhor do que as próprias partes estariam qualificadas para interpretar o que elas
mesmas acordaram. Assim, deveriam as partes, através da própria negociação,
interpretar a norma, o que valoriza o princípio da autonomia coletiva e liberdade
sindical. Por isso, conclui o autor:
Mesmo que não constasse expressamente da redação anterior da
Constituição nem fosse previsto no texto da CLT, o dissídio coletivo
de natureza jurídica era uma prática constante dos Tribunais. Como
351
VARGAS, Luiz Alberto; FRAGA, Ricardo Carvalho. Relações Coletivas e Sindicais nova
competência após a EC n. 45. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves (coord),
Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo, LTr. 2005, p. 343.
352
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr.
2005, p. 332.
149
agora a Constituição previu o de natureza econômica, presume-
se que o primeiro foi cortado do Direito Coletivo do Trabalho.
Concordamos em parte com Álvares da Silva, pois, diante de tais
argumentos, o dissídio coletivo de natureza jurídica o faz mesmo muito sentido.
Entretanto não se pode daí concluir que com a EC 45/04 tal instituto tenha
desaparecido de nosso sistema jurídico. Não foi essa a intenção do legislador. Se
assim quisesse, teria feito de forma expressa. Se o legislador fez menção ao
dissídio de natureza econômica é porque lhe interessava restringi-lo (ou mesmo
eliminá-lo), porquanto se tratava de poder criador de normas, o qual naturalmente
pertence às partes.
O dissídio coletivo de natureza jurídica é atividade jurisdicional típica
e, portanto, não fere o princípio da autonomia coletiva privada. O que se deve evitar,
em nome da autonomia das partes, é que o Estado (Justiça do Trabalho) crie,
compulsoriamente, novas condições de trabalho.
Por não ter como objetivo a criação de normas, também não se
aplica ao dissídio coletivo de natureza jurídica a condição de concordância de
ambas as partes para seu ajuizamento, pois esta condição é exclusiva do dissídio
coletivo de natureza econômica.
Desta forma, pensamos que continua a subsistir o dissídio coletivo
de natureza jurídica nos moldes como anteriormente praticado.
4.5 A Irrecorribilidade da decisão no dissídio coletivo de natureza
econômica
Um aspecto que vários autores têm posto em relevo é que, optando
as partes pelo ajuizamento em conjunto do dissídio coletivo, nos moldes da nova
redação do §2º do art. 114 da CF/88, a forma de solução do conflito estará se
aproximando em muito à da arbitragem pública.
150
Neste sentido Marcos Neves Fava
353
já se manifestou:
A alteração em comento mostra-se substancial e revolucionária, na
medida em que afasta depois de mais de seis décadas de
aplicação do modelo acolhido pela Constituição Federal de 1988 o
Estado como meio obrigatório de solução dos conflitos coletivos,
para que funcione como uma espécie de arbitragem pública, eleito
por ambos os envolvidos no litígio.
Na mesma linha Ives Gandra Martins Filho
354
entende que a
imposição de comum acordo “faz das Cortes Trabalhistas verdadeiras Cortes de
Arbitragem, pois a característica própria da arbitragem é a livre eleição das partes,
mas, uma vez eleito o árbitro, o procedimento para a composição do litígio é o
judicial e legalmente estabelecido, devendo sua decisão ser respeitada pelas
partes”.
Também José Luciano de Castilho
355
afirma que, diante da nova
exigência constitucional de pedido conjunto das partes para a instauração do
dissídio, “estamos mais próximos de uma arbitragem pública do que de um dissídio
judicial típico”.
Wilson Ramos Filho
356
, por sua vez, afirma categoricamente que
doravante, diante do impasse nas negociações, querendo as partes que terceiro
decida o conflito, haverá o caminho da arbitragem, que poderá ser privada ou
353
FAVA, Marcos Neves, O Esmorecimento do Poder Normativo – análise de um aspecto restritivo na
ampliação da competência da Justiça do Trabalho, in COUTINHO & FAVA, obra citada, p.285.
354
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A Reforma do Poder Judiciário e seus desdobramentos
na Justiça do Trabalho. Revista LTr vol. 69, nº 1, jan de 2005, p. 36.
355
CASTILHO, José Luciano de. A Reforma do Poder Judiciário o Dissídio Coletivo e o Dieito de
Greve. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. Vol 71 – nº 1 – jan/ abr
2005. p. 38.
356
RAMOS FILHO, Wilson. Direito Coletivo e Sindical na Reforma do Judiciário. In RAMOS FILHO,
Wilson (coord) Direito Coletivo do Trabalho depois da ED 45/04. Curitiba. Genesis Editora, 2005, p.
237. Afirma o autor textualmente: Na sistemática originária o constituinte atribuía aos Tribunais do
Trabalho o poder de criar direitos (estabelecer normas e condições) para determinada categoria
profissional ou parcela desta além dos estabelecidos pela legislação aos demais trabalhadores. O
constituinte derivado-reformador retirou esse poder da Justiça do Trabalho reencaminhando-o aos
interessados. Verdadeiramente somente as próprias partes, doravante, serão detentoras do Poder
Normativo [...], podendo delegar esse poder aos Tribunais Trabalhistas em compromisso arbitral.
Esse poder de criar normas e condições foi devolvido às partes, sendo que estas mesmas partes,
diante de um impasse nas negociações poderão, poderão recorrer a um árbitro para decidir o conflito,
delegando ao árbitro, em comum acordo, o poder normativo que detém. Caso optem pela arbitragem,
como meio heterocompositivo de solução de controvérsias, as partes escolherão entre a arbitragem
privada ou a arbitragem pública. [...].Caso optem pela arbitragem pública, em comum acordo, poderão
ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, nos termos do § 2º do art. 114 reformado pela
Emenda 45/04 [...].
151
pública. Se por esta optarem, poderão ajuizar o dissídio coletivo de natureza
econômica.
A nosso ver, não resta dúvida que o dissídio coletivo de natureza
econômica foi efetivamente transformado em arbitragem pública facultativa. E como
tal, não devem as partes respeitar a decisão, como dela o poderão recorrer.
Isso porque é princípio da arbitragem a irrecorribilidade das decisões proferidas.
E esse princípio já foi reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro
através da Lei de Arbitragem (Lei 9.307 de 1996), cujo artigo 18 assim dispõe: “O
árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso
ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
A sentença normativa, a bem da verdade, nunca teve características
próprias de sentença, o que foi demais enfatizado no capítulo anterior. E se é ela
veículo para criar norma e não para interpretar e aplicar direito pré-existente, nunca
deveria ser tratada como sentença.
A lei brasileira deu-lhe apenas roupagem de sentença, porquanto
aproximou o processo de dissídio coletivo ao de uma ação comum.
Doravante, com a alteração procedida pela Emenda Constitucional
da Reforma do Judiciário, no sentido de se exigir o comum acordo para o
ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, não fará qualquer sentido
sustentar que ainda subsiste a possibilidade de recurso da decisão.
Ora, se agora a via do dissídio coletivo de natureza econômica é
consensual, ao optarem as partes por ela, de “comum acordo”, optam também a
submeterem-se à decisão, sem possibilidade de recurso quanto ao seu rito, mas
apenas quanto à eventual nulidade
357
.
Concluímos, portanto, que o velho processo de dissídio coletivo de
natureza econômica foi efetivamente convertido em arbitragem pública, razão pela
qual se impõe a irrecorribilidade da decisão.
357
Aplicar-se-ia, no que não forem incompatíveis, as disposições dos artigos 32 e 33 da lei 9.307/96
quanto à nulidade da sentença arbitral.
152
4.6 Respeito às disposições convencionadas anteriormente: ultratividade
Aspecto que igualmente tem gerado debate no que tange à nova
redação do §2º do artigo 114 da CF é a questão da manutenção, na decisão do
dissídio coletivo de natureza econômica, das cláusulas dos instrumentos normativos
anteriores.
A redação original do §2º do artigo 114 da CF/88 dizia que a decisão
respeitaria “as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”,
enquanto que a atual redação determina o respeito às “disposições mínimas legais
de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Na verdade, trata-se de discussão antiga, acirrada quando da
promulgação da Constituição de 1998 - como já foi visto no item 2.5 deste trabalho -
agora ressurgida com a promulgação da Emenda Constitucional 45.
À época da Carta de 1988, mesmo com o nítido comando do §2º do
artigo 114, prevaleceu o entendimento da súmula 277 do TST que havia sido recém
editada.
Mas o respeito às “disposições convencionais e legais mínimas de
proteção ao trabalho tal como previsto no texto anterior parecia também inócuo,
pois se à época do dissídio não existia convenção vigente, não haveria disposição
convencional a respeitar. Doravante, qualquer disposição em instrumento normativo
anterior (ainda que não seja o último) deve servir como mínimo a ser respeitado.
E o que se espera agora com a nova redação do dispositivo
constitucional? A maioria dos autores está sustentando que doravante o texto
constitucional não deixa dúvidas, ou seja, serão respeitadas as cláusulas anteriores.
Será? A bem da verdade o texto atual apenas trocou as palavras para dar mais
ênfase ao que já estava dito na redação anterior.
153
Temos receio, portanto, de que nada se altere, o que seria
lamentável.
Vários autores se manifestaram contrários à nova redação do §2º
do art. 114 no que determina o respeito às “disposições mínimas legais de proteção
ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Ricardo Sampaio
358
, mesmo antes da aprovação da EC 45/04, ao
comentar o seu texto (tal como foi aprovado) dizia que haveria um “obstáculo a
desestimular o ajuizamento de dissídio de os dadas”, que a nova redação
determina “a obediência às clausulas convencionadas anteriores”. Entende o autor
que “ao contrário de proteger a categoria dos trabalhadores, a menção expressa à
estratificação das condições pretéritas pode contribuir para a relutância patronal ao
do dissídio, digamos ‘amigável’”.
Antônio Álvares da Silva
359
também faz lamentação no mesmo
sentido, questionando “qual o empregador vai querer negociar direitos se sabe que
está entrando numa via sem retorno?
Por mais paradoxal que pareça, o problema da não-incorporação
definitiva das vantagens obtidas na negociação coletiva aos contratos de trabalho se
agrava com o fim do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, anunciado pela
Emenda Constitucional 45/2004 (Reforma do Judiciário).
Com efeito, embora o Poder Normativo da Justiça do Trabalho não
tenha contribuído para um bom desenvolvimento na prática das negociações
coletivas, os sindicatos de trabalhadores poderiam usufruir da vantagem de
assegurar, por lei (CLT, artigos 616, §3º e 867, parágrafo único), que uma sentença
normativa retroagisse seus efeitos ao termo final da norma coletiva anterior. Haveria
neste caso a substituição do instrumento anterior, necessariamente, por uma
sentença normativa proferida em dissídio coletivo, devendo as partes iniciar a
negociação com antecedência razoável para que haja tempo suficiente para a
358
SAMPAIO, Ricardo. As ações coletivas e a Reforma do Judiciário – o Poder Normativo e o dissídio
econômico de ambas as partes. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Porto Alegre. Síntese. Vol
66 – nº 3 – jul-set 2000. p. 27.
359
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, São Paulo. LTr.
2005, p. 343.
154
instauração do dissídio coletivo antes de sessenta dias do término da vigência da
norma anterior
360
.
Doravante, não podendo mais os sindicatos recorrer ao Judiciário,
senão de “comum acordo”, o sindicato dos trabalhadores pode ficar refém do
sindicato patronal caso este se negue a negociar ou concluir o acordo.
Ou seja, havendo impasse na negociação, as partes podem ficar
sem qualquer norma enquanto outra não vier em substituição ao instrumento
normativo anterior. Neste sentido, dever-se assegurar pelo menos a ultrratividade da
norma coletiva enquanto as partes não cheguem a um novo acordo, especialmente
quando houver recusa na negociação por parte do empregador. Seria a aplicação do
princípio da “aderência limitada por revogação”.
Entende Maurício Godinho Delgado
361
, que o melhor sistema é
aquele nos quais “os dispositivos dos diplomas negociados vigoram a que novo
diploma negocial os revogue”, isto é, pela aplicação do princípio da “aderência
limitada por revogação”, que “instaura natural incentivo à negociação coletiva”.
Márcio Túlio Viana
362
, após avaliar os prós e os contras, opta pela
tese da “incorporação definitiva das cláusulas aos contratos individuais, salvo
havendo uma troca pelo menos igual”. A seu ver, o fato de ter que recomeçar do
zero a negociação inviabiliza ou dificulta novas conquistas, “especialmente num
contexto desfavorável ao sindicato”.
A nosso ver, a ultratividade se mostra necessária exatamente como
forma de estimular o empregador a negociar, especialmente quando se está diante
de uma categoria profissional pouco organizada e sem condições de pressionar por
meio de greve.
Assim, no atual contexto da EC 45/2004, que acaba com o dissídio
coletivo econômico unilateral, enquanto os trabalhadores brasileiros não estiverem
bem representados por seus sindicatos (o que hoje é minoria) não se pode dar à
360
DE LUCA, Carlos Moreira. Obra citada, p.159.
361
DELGADO, Maurício Godinho. Obra citada p. 157.
362
VIANA, Márcio Túlio. A Reforma Sindical, entre o Bem e o Mal (análise dos pontos críticos do
último anteprojeto). Revista LTr vol. 68, nº 12, dez de 2004, p. 1429.
155
nova redação do §2º do art 114 a mesma interpretação que se deu quando da
promulgação da Constituição de 1988.
A melhor interpretação que se pode dar ao novo texto é no sentido
de garantir a ultratividade da norma anteriormente convencionada seja convenção
ou acordo coletivo, ou mesmo sentença normativa até que outra norma coletiva
sobrevenha, estando, portanto, desta vez, revogada a súmula 277 do TST.
4.7 A Emenda Constitucional 45/2004 como um passo para fortalecer o
sindicato e a autonomia privada coletiva: transição inacabada
Não temos dúvida, a par do que foi visto ao longo deste capítulo,
de que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho exercitará quando provocado
pelas em conjunto. Não existe mais a possibilidade de ajuizamento do dissídio
coletivo de natureza jurídica por apenas uma das partes.
Dos que negam isso, por traz dos argumentos da
inconstitucionalidade da alteração legislativa, os quais foram refutados, seguem
alegações essa imposição acabaria com os sindicatos. Sustentam que a exigência
do comum acordo é paradoxal, na medida em que o mais comum é que, se as
partes não chegaram a acordo em negociação direta, possivelmente também não
haverá acordo para o ajuizamento em conjunto do dissídio e o conflito permanecerá
aberto.
Se o sindicato dos trabalhadores tiver força pode utilizar-se da
greve como mecanismo de pressão para a conquista de suas reivindicações. Se, por
outro lado, tratar-se de um sindicato de pouca força e representatividade, a
negociação se dará em patamares baixos para os trabalhadores.
156
Seguramente, no atual quadro do sindicalismo brasileiro, poucos são
os sindicatos que se mostram fortes e com capacidade de negociar com equilíbrio de
forças com as empresas.
Como destaca Leôncio Martins Rodrigues
363
“as empresas estão
numa posição confortável para enfrentar as organizações sindicais”. E estas têm
dificuldades em mudar essa situação porque existem questões que estão fora de
seus controles, como a evolução da tecnologia e os “imperativos do mercado”.
Também é certo que muito contribuiu para esse quadro a
interferência do Estado na organização sindical e na solução dos conflitos coletivos
de trabalho ao longo das últimas décadas. Contribuiu para inibir o surgimento de um
sindicalismo autêntico e forte porque desestimulou a prática saudável da negociação
direta entre as partes.
É evidente que, para a transição de um modelo de intervencionismo
estatal para um modelo de autonomia privada coletiva, o que parece ideal, seria
necessário fortalecer os sindicatos para dar-lhes capacidade de negociação.
Mas, como adverte Giglio
364
, o fortalecimento dos sindicatos
somente poderá acontecer numa economia em expansão e não numa época de
recessão e desemprego como a que vivemos.
De fato, para o avigoramento dos sindicatos, é imprescindível
mudanças também na economia, de forma a incrementar a produção e gerar mais
empregos, diminuindo, desta forma, o exército de reserva (desempregados) que
também muito contribui para o enfraquecimento da luta operária.
Por sua vez, as mudanças na economia não é tarefa fácil diante do
fenômeno da globalização econômica, onde o Estado e a política perdem espaço
diante da força do capital. Todavia deve-se tomar cuidado para não submeter
363
RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo, São Paulo. Edusp Editora da
Universidade de o Paulo. 2002. p 290. O autor ainda observa que estando os sindicatos
“enfraquecidos, suas ações são antes reações defensivas no sentido de manutenção do status quo
do que de ações em direção a novas conquistas”.
364
GIGLIO, Wagner D. A prevalência do ajustado sobre a legislação, Revista LTr. São Paulo. LTr. v.
66, n. 4, abril, 2002. p. 403.
157
também a organização sindical aos desígnios da economia globalizada e com isso
subordinar a ação do sindicato à lógica capitalista.
Contudo, as dificuldades na esfera econômica não podem nem
devem impedir que se tente de outras formas fomentar um verdadeiro sindicalismo
capaz de representar efetivamente a classe trabalhadora. Como dito, o
sindicalismo no Brasil encontra-se debilitado e, de modo geral, incapaz de contribuir
para a elevação das condições sociais dos trabalhadores. A forma mais autêntica de
promover esta elevação é, sem dúvida, a negociação direta, sem a interferência do
Estado.
A negociação direta deve ser fomentada e estimulada e, neste
sentido, parecem válidas as alterações promovidas pela reforma do judiciário.
É claro que com tais mudanças não se tem a intenção de apresentar
uma solução acabada. A reforma recém-aprovada foi um primeiro passo e deve
conter imperfeições que deverão ser corrigidas através do que se extrair da praxe.
A eliminação do Poder Normativo apresenta-se apenas como um
dos itens de um conjunto de mudanças que deverão ser implementadas. Para rumar
em direção a um verdadeiro modelo de autonomia coletiva privada será mesmo
preciso fortalecer os sindicatos e, para tanto, é necessário acabar com a unicidade
sindical e com as contribuições compulsórias ao sindicato.
Como dizia Almir Pazzianotto
365
Pinto em matéria publicada no
Correio Braziliense em 16/9/93,
[...] a retirada do poder normativo, como medida isolada e
desacompanhada de outras mudanças no sistema jurídico-
trabalhista, poderá se revelar, a curtíssimo prazo, grave complicador
das relações entre trabalhadores e patrões, neste Brasil imenso e
desigual, que tem nas contradições entre as várias regiões
socioeconômicas uma das maiores dificuldades.
Também advertia Raimundo Simão de Melo
366
que não basta,
simplesmente, “acabar com o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, sem uma
365
PINTO, Almir Pazzianotto. A velha questão sindical e outros temas. São Paulo: LTr, 1995, p.
101/102.
366
MELO, Raimundo Simão. Dissídio Coletivo de Trabalho. São Paulo. LTr, 2002, p. 161.
158
ampla, necessária e urgente reforma sindical e das relações de trabalho”. Diz ainda
o autor:
[...] Extinguir simplesmente essa forma de solução dos conflitos
coletivos e manter intacto o sistema de relações de trabalho
escudado na unicidade sindical imposta, na organização por
categoria, nas contribuições sindicais obrigatórias e no efeito erga
omnes (geral) das normas coletivas para sócios e não sócios dos
sindicatos, significa maiores prejuízos aos trabalhadores,
principalmente nas regiões onde não qualquer organização dos
setores profissionais ou estas são absolutamente inexpressivas,
como ocorre na maior parte do país, dividido por realidades
totalmente destoantes.
não concordamos com Melo que essa mudança significará
maiores prejuízos aos trabalhadores, mas não há dúvidas de que a alteração isolada
não responde satisfatoriamente.
apontamos nos capítulos anteriores o quanto a “unicidade
sindical”, a “organização por categorias”, as “contribuições sindicais obrigatórias” e o
“efeito erga omnes das negociações coletivas” têm prejudicado o fortalecimento do
sindicato.
Também constatamos que o Poder Normativo da Justiça do
Trabalho, da forma como era aplicado, se não prejudicava o sindicato, também não
lhe trazia vantagens. Sua eliminação foi concretizada pela Emenda Constitucional
45 e temos que encarar isso como um passo à frente, do qual não se deve pensar
em recuar, mas sim dar outros passos no caminho de fortalecer o sindicato.
Enfim, será necessária uma reforma ampla, o que deve ser feito com
muita cautela.
alguns anos que se vem discutindo nova alteração da
Constituição Brasileira com o fim de reformular o sistema de relações coletivas de
trabalho, especialmente no que toca à unicidade sindical e à contribuição sindical
compulsória. Em julho de 2003, o Governo Federal, almejando uma ampla
discussão da reforma trabalhista e sindical, criou o Fórum Nacional do Trabalho
159
(FNT
367
), o qual culminou na PEC 369/2005 que, acompanhada de “anteprojeto de
lei de relações sindicais”, com 238 artigos, foi encaminhada ao congresso em março
de 2005.
Não caberá aqui analisar com profundidade o referido projeto.
Cumpre apenas destacar que ele contém muitos avanços, como o reconhecimento
das centrais sindicais, a representação sindical em nível de empresa, uma boa
disciplina das ações coletivas e das ações de prevenção e repressão à conduta anti-
sindical. Mas em termos de organização sindical ainda deixou muito a desejar. A
contribuição compulsória não foi extinta, mas apenas substituída pela “taxa de
negociação coletiva”, também cobrada compulsoriamente, havendo ou não
negociação coletiva. A unicidade sindical também não foi banida, pois se permite ao
sindicato, em determinadas condições, a exclusividade de representação numa base
territorial. Prevê a criação de um “Conselho Nacional do Trabalho” com atribuições
semelhantes à do Ministério do Trabalho ao tempo do regime autoritário, com
poderes inclusive de cassar o registro sindical.
Quanto ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, o projeto
mantém a diretriz da Emenda Constitucional 45/2004, pois a solução jurisdicional
com criação de normas para as partes seria possível quando de “comum
acordo”
368
.
Muitas críticas ou elogios podem ser feitos a esse projeto, mas,
como acima dito, fugiria ao objetivo deste trabalho. Embora o projeto seja fruto de
muitos consensos obtidos no FNT, sua tramitação no congresso encontrará
obstáculos, principalmente nos pontos em que não houve acordo no FNT.
367
O Fórum Nacional do Trablaho constituiu-se num espaço de diálogo e negociação para promover
a reforma sindical e trabalhista, Teve composição tripartite e paritária e seus resultados subsidiaram a
elaboração dos projetos legislativos posteriormente encaminhados ao Congresso Nacional.
368
Pelo que dispõe a PEC 369/05 assim seria a redação dos §§ 2º e 3º do artigo 114 da Constituição:
§2º. “Recusando-se qualquer das partes à arbitragem voluntária, faculta-se a elas, de comum acordo,
na forma da lei, ajuizar ação normativa, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas
as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente”.
§3º. “Em caso de greve em atividade essencial, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade pra
ajuizamento de ação coletiva quando não forem assegurados os serviços mínimos à comunidade ou
assim exigir o interesse público ou a defesa da ordem pública”.
160
Se esse projeto será capaz de fazer surgir um sindicalismo
espontâneo e forte - diferente do que existe no modelo atual - só com a sua
aprovação e aplicação prática é que saberemos.
161
CONCLUSÃO
A partir da análise feita no último capítulo deste trabalho, com
relação às mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional da Reforma do
Judiciário, pode-se sustentar a tese de que o Poder Normativo não mais subsiste,
pelo menos de forma a interferir na autonomia sindical. O Poder normativo foi enfim
devolvido às partes, que, se quiserem, de comum acordo, poderão delegá-lo a um
árbitro privado ou público, neste caso o Judiciário Trabalhista. O Poder Normativo
também não subsiste mais no dissídio de greve.
Para analisar o impacto que a referida Emenda Constitucional trouxe
para o sistema de relações coletivas de trabalho no Brasil, analisou-se, no primeiro
capítulo, também a organização sindical como um todo, que a autonomia sindical
reclamada no Brasil depende da organização sindical e do sistema de solução dos
conflitos coletivos de trabalho.
Quando se tratou da organização sindical, foi destacado que nosso
regime é ainda basicamente aquele implantado na década de 30 do século passado,
sob forte influência do fascismo italiano, que tinha como característica a negação da
luta de classes e para o qual os sindicatos eram órgãos colaboradores do Estado,
submissos ao seu interesse. O Estado pregava a colaboração entre as classes para
a realização dos supremos interesses da produção nacional.
Para que o regime que se implantava funcionasse, foram tomadas,
dentre outras, as seguintes medidas políticas: sindicato único, representando
compulsoriamente toda a categoria, sem função reivindicatória e obediente ao
Estado; este, em contrapartida, garantia-lhe o imposto sindical e solucionava
eventuais conflitos coletivos através do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
Eram várias peças absolutamente necessárias para que esse sistema funcionasse
em harmonia.
Esse sistema implantado num regime autoritarista permaneceu
praticamente intacto por cadas, subsistindo, inclusive, a duas Constituições
162
democráticas, intermediadas por uma ditadura militar. O resultado foi um
sindicalismo apático, de pouca expressão e baixa representatividade.
O sindicalismo brasileiro ficou tão dependente do Estado a ponto de
sustentarem alguns que sem a contribuição sindical e sem o Poder Normativo da
Justiça do Trabalho ele morreria. Entende-se ter demonstrado que esses foram
justamente alguns dos grandes males que o atrofiaram.
A autonomia sindical deu pequenos passos na Constituição de 1988,
mas, em certa contradição com os princípios fundamentais que a Carta Magna
pregava, foram mantidos, como herança do regime autoritário, o sindicato único,
representante necessário de toda a categoria, o imposto sindical e o Poder
Normativo da Justiça do Trabalho,
Verificou-se no capítulo segundo que o motivo do pouco
desenvolvimento da negociação coletiva reside não na arcaica organização
sindical, mas também por outras tantas debilidades do sistema brasileiro.
Essas deficiências todas levaram alguns sindicatos à ilusão de que
melhores condições de trabalho somente poderiam ser alcançadas nas mãos do
Estado, através do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
E diante do menor impasse na negociação coletiva, alguns
sindicatos optavam pela solução jurisdicional do conflito. A busca da solução estatal
pelos sindicatos de trabalhadores ocorria para suprir-lhes a incapacidade e
inabilidade para negociar. Por sua vez, a solução jurisdicional desestimulava-os da
negociação direta.
Outras formas de solução dos conflitos, tal como a arbitragem, não
tinham ambiente para se desenvolver. E os motivos para a pouca prática da
arbitragem, como visto no terceiro capítulo, não eram apenas culturais. Não existia
uma legislação adequada e a solução jurisdicional roubava-lhe o espaço. A Lei de
Arbitragem surge em 1996, mas o obstáculo do dissídio coletivo permanece.
Pôde-se ainda observar no decorrer do terceiro capítulo que o poder
normativo não foi aplicado na dimensão que a Constituição lhe assegurava. A
jurisprudência do STF o restringiu severamente, postura essa que foi seguida
163
também pelos Tribunais Trabalhistas. Os resultados dos dissídios coletivos para os
trabalhadores se mostraram pífios. A bem da verdade, o dissídio coletivo se
mostrava bem mais interessante para os empregadores, especialmente nos
dissídios coletivos de greve. O Poder Normativo da Justiça do Trabalho, em muitas
vezes, efetivamente mostrou-se desastroso para os trabalhadores.
E esses sinais levavam parte da doutrina a questioná-lo ainda mais,
até que em dezembro de 2004 sobreveio a Emenda Constitucional de 45 que,
tratando da Reforma do Poder Judiciário, impôs profundas alterações na
competência da Justiça do Trabalho no que tange ao Poder Normativo, o que levou
a crer que ele não mais subsistia.
Isto porque, nos termos da redação do §2º do art. 114 da
Constituição, dada pela Emenda Constitucional, o dissídio coletivo de natureza
econômica poderá ser ajuizado quando as partes, “de comum acordo”,
desejarem, não sendo mais possível que uma das partes, sem a anuência da outra,
promova-o. Essa condição foi por alguns autores interpretada como inexistente e por
outros tantos acusada de inconstitucional, fazendo-os sustentar que o dissídio
coletivo de natureza econômica ainda poderia ser instaurado unilateralmente. Como
demonstrado no capítulo quarto, a intenção do legislador foi clara e não qualquer
vício de inconstitucionalidade, seja porque o se trata de direito de ação
propriamente dito, seja porque estava em choque com outros princípios
constitucionais de maior significância.
Alguns atores sustentaram remanescer o Poder Normativo no
dissídio coletivo de greve, quer no sentido de poder ele ser ajuizado pelas partes,
quer no sentido de existir competência normativa para criar normas para as partes
em conflito. Tais argumentos não prosperam, pois, através de uma clara
interpretação do texto do §2º do art. 114 da Constituição, demonstrou-se que apenas
o Ministério Público do Trabalho pode instaurar o dissídio coletivo de greve e a
Justiça do Trabalho decidirá o conflito, não para criar normas e r fim ao
movimento paredista, mas apenas para, no interesse da sociedade, garantir
atendimento mínimo de atividades essenciais.
164
Também sustentou-se a tese de que ao se exigir como condição o
comum acordo para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica, este
assumiu características de arbitragem pública e, portanto, segundo princípios desta,
não haveria mais possibilidade de atacar a decisão mediante recurso, salvo no caso
de nulidade.
Por fim, quanto à exigência de a decisão respeitar as cláusulas
convencionadas anteriormente, como expresso no texto do §2º do art. 114,
sustentou-se que a mula 277 do TST encontra-se revogada e, conseqüentemente,
deve prevalecer a validade da cláusula de qualquer instrumento normativo até que
outro o revogue.
Portando, espera-se ter demonstrado de forma satisfatória que o
Poder Normativo compulsório da Justiça do Trabalho não mais existe, pois as
partes, em conjunto, podem exercê-lo ou delegá-lo.
Essa mudança, contudo, não será suficiente, por si só, para
fortalecer o sindicato a ponto de inseri-lo num ambiente de plena autonomia privada
coletiva. Ela apenas faz parte de uma transição paradigmática em andamento, pois
outras amarras do nosso modelo de organização sindical deverão ser desatadas
para que se construa um novo padrão jurídico-institucional de relações coletivas de
trabalho no Brasil.
165
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