Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só
o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da
luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito.
Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. (...) E a terrível conclusão: não
haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... des-
almado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a
persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia
passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na
impermanência se define? (ROSA, 2005, p. 118-119).
Curiosamente, a busca pelo substrato essencial depara-se com o nada. Aquilo que
constituiria o núcleo substancial da personalidade, sede de uma consciência autárquica,
uma essência visível e, por isso, cognoscível, revela-se como um radical não-ser. Supondo
existir um fundamento estruturante de seu ser, cerne espiritual imaculado pelas influências
não-essenciais vindas do exterior, o narrador é confrontado com o abismo da ausência
desse fundamento. O “eu por detrás de mim” – a “vera forma” – revela-se o “ficto”, isto é,
o simulado, o ilusório, o inventado; a unidade da alma desmantela-se, revela-se artifício; a
existência central des-centraliza-se, estilhaçando-se em instintos, heranças, paixões e
influências, a fixidez verte em “impermanência” instintual. Isto é: o que se supunha uno,
imóvel e indivisível revela-se multiplicidade provisória e cambiante. A busca por um
centro de fixidez e estabilidade é frustrada – a existência surge, ela mesma, como fábula,
ficção, máscara, ilusão – em última instância, arte, compreendida como capacidade
estética, sempre renovada, de transmutar a potência fluídica do vir-a-ser em compostos
dotados de uma inteligibilidade que é sempre relativa, sempre perspectiva.
Em termos nietzcheanos, a crença na unidade estável do eu é vestígio do atomismo
materialista de raízes pré-socráticas que insiste na presença de um fundamento material
subjacente à realidade física. Trata-se do “atomismo da alma”, necessidade metafísica da
“crença que vê a alma como algo indestrutível, eterno, indivisível, como uma mônada, um
atomon”. Em “O espelho” é justamente tal crença que parece ser posta à prova. Superada,
tal crença abre espaços para “novas versões e refinamentos da hipótese da alma: (...) ‘alma
mortal’, ‘alma como pluralidade do sujeito’, ‘alma como estrutura social dos impulsos e
afetos’” (NIETZSCHE, 1992b, p. 19). Para Finazzi-Agrò,
nas Primeiras Estórias, como já em Grande sertão, o Absoluto que habita (n)o
centro revela-se apenas no vazio duvidoso da sua indefinição e da sua nulidade:
o homem que, diante do espelho, vai à procura da sua “vera forma”, encontra,
afinal, a “total desfigura”, o “brilhante e polido nada” (...) A procura narcisista
de um Eu original, central e absoluto revela-se uma queda no abismo do nada;