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escravos deveriam querer estabelecer laços familiares e, mais do que isto,
deveriam encontrar instrumentos culturais para fazê-los.
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Pelo que pudemos depreender, os escravos de João Antônio de Morais
encontraram tais instrumentos. A comunidade estava organizada em torno de
14 famílias,
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A família mais extensa, longitudinalmente, era a de Teresa
Angola (60), mãe de Innocencia (30), casada com um liberto e cujos filhos
eram Joanna, uma crioula de 14 anos, Firmina com 8, Maria com 3 e Pedro
com 2 anos. A exemplo de Innocencia, outras duas escravas eram casadas
com libertos, quais sejam, Marmitiana, uma crioula de 42 anos, mãe de
Silvestre (20), Joaquina (18), Sebastião (15), Firmino (10) e a pequena Rosário
de quatro anos, e Anna, mulata de 30 anos, mãe de Rita (7), Cândida (5) e
Gertrudes, com um ano. Apesar da ausência de informações, podemos sugerir
que estes libertos tenham sido antigos escravos de João Antônio.
As demais famílias correspondem a arranjos nucleares envolvendo membros
do mesmo plantel. Apenas duas famílias matrifocais são mencionadas:
Laurena (30), mãe de Bernarda (11) e Páscoa (5); e Catarina (24), mãe de uma
“cabrinha” de 4 meses. Na categoria de casais sem filhos constavam os
crioulos Vicente (61) e Clara (50). Também sem filhos, estavam relacionados
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Sobre os instrumentos culturais para a realização da família escrava, cf. Florentino
& Góes, 1997, parte 3.
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Buscamos estabelecer nosso conceito de família escrava apoiados nos trabalhos de
demografia histórica que, desde a década de 1980, utilizam uma definição ampla
sobre a família escrava, pensada em termos de convívio familiar. Assim, o conceito de
família já não se referia apenas àquelas legitimamente constituídas, mas também a
mães e pais solteiros convivendo com seus filhos ou viúvos(as) com seus filhos.
Segundo Costa, Slenes e Schwartz – os primeiros estudiosos da família escrava a
trabalharem com esse conceito ampliado -, família seria “o casal (unido ou não perante
a Igreja), presentes ou não ambos os cônjuges, com seus filhos, caso houvesse; os
solteiros (homens ou mulheres) com filhos e os viúvos ou viúvas com filhos. Em
qualquer dos casos os filhos deveriam ser solteiros, sem prole e coabitar junto aos
pais” (COSTA, SLENES & SCHWARTZ, 1987, p.257). Metodologicamente
consideramos adequada a separação entre famílias nucleares e matrifocais. Há que
se ressaltar que, muitas vezes, famílias de mães solteiras não passam de arranjos
consensuais. Outras vezes, em função das condições de produção do documento,
famílias matrifocais nada mais são que famílias nucleares e legítimas sem a descrição
do chefe masculino. Citamos ainda as famílias extensas que são aquelas que vão
além do núcleo primário, sendo formada às vezes por mais de três gerações. Nesse
caso, poderiam ser formadas tanto por famílias nucleares como por aquelas de mães
solteiras.