97
leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita
cartas para que um alfabetizado as escreva(...) se pede a alguém que lhe leia avisos ou
indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz
uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita (SOARES, 1998, p. 24
apud BRASIL, 2000, p. 4).
A professora Leda Tfouni, em perspectiva semelhante, destaca que:
O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita.
Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando
adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber
quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas”em sociedades ágrafas
(TFOUNI, 1995, p. 9–10 apud BRASIL, 2000, p. 4).
Segundo o Parecer, sendo a leitura e a escrita bens de relevância tanto no
aspecto prático como em seu valor simbólico, o não acesso a “graus elevados de
letramento é particularmente danoso para se conquistar uma cidadania plena.”
(BRASIL, 2000, p.4). Observa-se a necessidade de se “conquistar” a cidadania, e
não obtê-la como um direito, ou seja, a dificuldade que é a obtenção de plena
cidadania para alguns grupos. Esta dificuldade está ligada intimamente às raízes
histórico-sociais de nosso país. Sabe-se que, segmentos sociais como os negros,
índios, caboclos migrantes, trabalhadores braçais entre outros, recebiam das elites
dirigentes apenas a discriminação e total desinteresse pela educação escolar, de
maneira a reforçar o caráter subalterno desses grupos. Por essa razão, os
descendentes desses mesmos grupos sofrem até hoje as conseqüências dessas
desigualdades históricas.
Por esse motivo, é neste tópico que aparece a primeira das três funções da
EJA, a função reparadora. De acordo com o texto, a reparação à qual a função da
educação de jovens e adultos se refere é de uma “dívida inscrita” em nossa
sociedade e na vida de tantos indivíduos, reconhecendo o princípio da igualdade de
direitos, e não confundindo essa noção de reparação com a de suprimento, dada a
limitação do conceito deste último que pode simplesmente significar um “remediar,
diminuir”, ou “preencher de maneira imediata algo que falta”
52
, e não a consideração
de um “direito negado” que deve obrigatoriamente ser reparado.
Na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Jovens e Adultos, de
1997, uma das bases desse Parecer, percebe-se o discurso do “mundo em
transformação” no qual a alfabetização é apenas um início necessário para a
52
Significados atribuídos ao termo “suprimento”, encontrados em: SUPRIR. In: HOLANDA
FERREIRA, Aurélio B. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira. p. 1340.