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CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
O IDEÁRIO GONZAGUIANO
NA OBRA
TRATADO DE DIREITO NATURAL
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO
Tese apresentada ao curso de Pós-graduação
em Letras, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção
do título de Doutora em Letras (Área de
Concentração: Estudos Literários).
Orientador: Prof. Dr. Alamir Aquino Corrêa
Londrina
2008
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ii
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO
O IDEÁRIO GONZAGUIANO
NA OBRA
TRATADO DE DIREITO NATURAL
Tese apresentada ao curso de Pós-graduação
em Letras, da Universidade Estadual de
Londrina, como requisito parcial à obtenção
do título de Doutora em Letras (Área de
Concentração: Estudos Literários).
Orientador: Prof. Dr. Alamir Aquino Corrêa
Londrina
2008
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iii
Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
F825i Franco, Sandra Aparecida Pires.
O ideário gonzaguiano na obra Tratado de Direito Natural /
Sandra Aparecida Pires Franco. – Londrina, 2008.
208f.
Orientador: Alamir Aquino Corrêa.
Tese (Doutorado em Letras) Universidade Estadual de
Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Letras, 2008.
Bibliografia: f. 200-208.
1. Gonzaga, Tomás Antônio, 1744-1810 – Crítica e
interpretação – Teses. 2. Intelectuais – Teses . 3. Literatura
iv
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO
O IDEÁRIO GONZAGUIANO
NA OBRA
TRATADO DE DIREITO NATURAL
Tese apresentada ao curso de Pós-
graduação em Letras, da Universidade
Estadual de Londrina.
COMISSÃO JULGADORA
Presidente e Orientador: Dr. ALAMIR AQUINO CORRÊA – UEL -PR
2º Examinador: Dra. VIRGÍNIA MARIA GONÇALVES – UEL -PR
3º Examinador: Dr. AYLTON BARBIERI DURÃO - UEL - PR
4º Examinador: Dr. ANDRÉ LUIZ JOANILHO - UEL - PR
5º Examinador: Dr. SÉRGIO PAULO ADOLFO – UEL - PR
Londrina, setembro de 2008.
v
Rubinho e às minhas duas pedras preciosas
Isadora e Victória.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a todos que me auxiliaram direta e indiretamente na
produção desta tese:
ao professor Dr. Alamir Aquino Corrêa, por demonstrar as trilhas que
devia seguir para a produção deste trabalho;
aos professores Dr. Sérgio Paulo Adolfo e Dr. André Luiz Joanilho, pelas
sugestões no Exame de Qualificação;
ao Instituto de Estudos Brasileiros, através da pessoa de Maria Itália, super
gentil, leitora dos meus e-mails com muita atenção e que me propiciou
entrar em contato com obras raras;
à minha família, que entendia minhas ausências em eventos e no momento
da escrita;
à Isadora, pedra preciosa, que sempre queria saber se já havia terminado;
à Victória, pedra preciosa, que chegava de mansinho e ficava ao meu lado,
para sentir o meu aconchego;
ao Rubinho, que sempre me incentivou a nunca desistir dos meus
objetivos.
vii
Fica a clareza sobre a importância de jamais
se tomar uma obra de história fora de seu
próprio tempo de produção, pois assim é
possível compreendê-la e avaliar de maneira
adequada os seus avanços e limites.
(AZEVEDO 2004: 14)
viii
FRANCO, Sandra A. P. O ideário gonzaguiano na obra Tratado de Direito
Natural. Londrina, 2008. Tese (Doutorado em Letras Área de
Concentração em Estudos Literários) – Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
O propósito é analisar como estava o pensamento e a formação dos
intelectuais no século XVIII que iam estudar na Universidade de Coimbra.
Para tanto, será contextualizada a obra Tratado de Direito Natural (1768) de
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), escritor português, cuja versão se
encontra disponível na edição crítica de Rodrigues Lapa, publicada em
1957. O Tratado de Direito Natural seanalisado como manifestação social,
por retratar o ambiente político e cultural no qual se conforma o estado
Moderno português do século XVIII. A obra Tratado de Direito Natural foi a
tese de doutorado de Tomás Antônio Gonzaga, dedicado ao Marquês de
Pombal para adquirir o almejado cargo de professor na Universidade de
Coimbra. O tratado divide-se em três partes, sendo a primeira a que trata
dos princípios gerais “necessários para o Direito Natural e Civil”, onde o
autor discorre sobre os principais autores clássicos, tratando de estabelecer
os parâmetros a partir dos quais tratará das duas últimas partes. A segunda,
que trata basicamente das sociedades eclesiástica e civil, é onde Gonzaga
aplica os valores construídos na primeira parte, a fim de estabelecer seus
juízos acerca dos poderes espiritual e temporal. Na terceira e última parte, o
autor trata especificamente da “natureza” da justiça e das leis. Nesta última
parte é onde ele transforma o arcabouço teórico estudado nas duas
primeiras partes em um discurso pragmático acerca do funcionamento do
Estado Moderno. Pretende-se deixar expresso o ideário de Gonzaga,
verificando através dele o contexto político-histórico da época, como forma
de entender as estruturas ou a história de idéias a matizar o pensamento
daqueles que lá estudaram.
Palavras-chave: Ideário; Tomás Antônio Gonzaga; Tratado de Direito
Natural; manifestação social.
ix
FRANCO, Sandra A. P. Gonzaga’s ideal in the book Tratado de Direito
Natural. Londrina, 2008. Thesis (Doctorate degree / Post-Graduation
Program in Languages (Literary Studies) of Universidade Estadual de
Londrina, Londrina. 2008.
ABSTRACT
This dissertation aims at analyzing how the 18th century thought at the
Coimbra University as well as the education of intellectuals who would
study there. To achievesuch a goal, the book Tratado de Direito Natural
(1768) by Portuguese writer Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) will be
contextualized through the version made available by Rodrigo Lapa’s
critical edition, published in 1957. The Tratado de Direito Natural will be
analyzed as a social manifestation because it portrays the political and
cultural atmosphere wherein the Modern Portuguese State lies on in the
18th century. Tratado de Direito Natural was originally Tomás Antônio
Gonzaga’s doctorate thesis, dedicated to Marquês de Pombal in order to
obtain the desirable professor position at Coimbra University. That work is
divided in three parts; the first deals with the general principles “necessary
to Natural and Civil Law” where the author debates upon the most
prominent classical authors, seeking to establish the parameters by which
the last two parts are composed. The second part discusses basically the
civil and ecclesiastics societies and, in it, Gonzaga applies the values built
on the very first part with the intention of setting his own judgment about
the temporal and spiritual powers. In the third and last part, the author
writes specifically about “nature” of justice and laws. Thus, he transforms
the theoretical background studied in the two first parts into a pragmatics
discourse about the Modern State management. Therefore, this research
aims at expressing Gonzaga’s ideal so that it is possible to verify through it
the political and historical contexts from that period in a way of
understanding either the structures or the history of ideas that colored the
mind from those who studied at Coimbra University from 1750 to 1800.
Key words: ideal; Tomás Antônio Gonzaga; Tratado de Direito Natural; social
manifestation.
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................01
CAPÍTULO I
TRATADO DE DIREITO NATURAL
: UMA
PRODUÇÃO LITERÁRIA DO SÉCULO XVIII ............................07
1.1. Os gêneros didático-ensaísticos ......................................................... 07
1.2. Tratado de Direito Natural como manifestação social ........................ 18
1.3. O Cânone Literário ............................................................................. 22
CAPÍTULO II - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA E A HISTÓRIA
INTELECTUAL PORTUGUESA ....................................................26
2.1. Gonzaga e sua participação na Universidade de Coimbra ............ 26
2.2. A História Intelectual de Portugal ..................................................... 38
CAPÍTULO III O INÍCIO DAS TRANSFORMAÇÕES
INTELECTUAIS PORTUGUESAS ................................................ 47
3.1. As Reformas Pombalinas e o Iluminismo em Portugal ................. 47
3.2. O entusiasmo dos Árcades Inconfidentes com as Reformas
Pombalinas.............................................................................................. 62
3.3. Marquês de Pombal, um homem influente ..................................... 70
CAPÍTULO IV OS ESCRITOS PREPARATÓRIOS PARA A
REFORMA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA ........................82
4.1. Indícios de uma transformação educacional ................................. 82
4.2. Verney e seus ideais para a Reforma da Universidade de
Coimbra............................................................................................... 85
4.3. A educação dada na Universidade de Coimbra ............................ 90
CAPÍTULO V - O JUSNATURALISMO PRESENTE NA
OBRA
TRATADO DE DIREITO NATURAL
..............................110
5.1. O surgimento do Direito Natural em Portugal .......................... 110
5.2. Grócio, o Jusnaturalista Fundador ................................................ 122
5.3. Pufendorf, discípulo de Grócio ...................................................... 126
5.4. Heinécio, o que crê em Deus.......................................................... 131
5.5. Tomás Cristiano, Fundador do Iluminismo Alemão .................. 132
5.6. Francisco Suarez, um jurisconsulto português e suas idéias ...... 133
5.7. A Posição Particular de Gonzaga na Universidade de Coimbra 135
xi
CAPÍTULO VI A IMPORTÂNCIA DA TRADUÇÃO PARA A
FORMAÇÃO DA INTELECTUALIDADE CONIMBRENSE ...146
6.1. A tradução literária.......................................................................... 146
6.2. O papel da Tradução ..................................................................... 152
6.3. A seleção de alguns tradutores portugueses ............................... 154
6.4. O tradutor: Cândido Lusitano ...................................................... 157
CAPÍTULO VII – O
TRATADO DE DIREITO NATURAL
E A
INFLUÊNCIA PORTUGUESA NO BRASIL
...............................164
7.1. O Tratado de Direito Natural e suas Disposições ........................... 164
7.2. As leituras de Gonzaga ................................................................... 178
7.3. A Influência das Luzes e Trevas nas Minas Gerais do Século
XVIII ................................................................................................ 179
7.4. Os árcades Inconfidentes e suas ligações políticas ...................... 181
7.5. Tomás Antônio Gonzaga, um Árcade que vivencia ou não a
Inconfidência Mineira? ................................................................... 185
CONCLUSÃO .................................................................................190
REFERÊNCIAS ..............................................................................200
INTRODUÇÃO
A presente tese busca delinear o pensamento dos intelectuais
brasileiros no século XVIII que iam estudar na Universidade de Coimbra
ou em outros países, mas nunca no Brasil. Para tanto, será
contextualizada a obra Tratado de Direito Natural (1768) de Tomás
Antônio Gonzaga (1744-1810), uma vez que esta é essencial para
entender as estruturas de pensamento ou uma história de idéias a matizar
o pensamento daqueles que estudaram. Parece ser importante ligar o
pensamento do autor do texto com o contexto social ao qual pertencia e
os fatores sociais que o cercavam, procurando relacionar fatores sociais,
políticos, culturais, econômicos, geográficos e históricos.
Esta obra de Gonzaga é percebida aqui como uma manifestação
social do século XVIII, situando-a no momento histórico em que foi
produzida e relacionando-a com as correntes literárias e o discurso
crítico da época, no âmbito da literatura portuguesa. Por isso, fazem-se
necessários os capítulos referentes à história das transformações sociais,
da Literatura Portuguesa, dos tradutores e dos jusnaturalistas.
Em função do contexto histórico e da tradição literária a que
pertencem, busca-se tratar aqui de textos escritos que de algum modo
2
influenciaram a escrita do Tratado de Direito Natural, pois segundo Chaves
(1997: 22), o século XVIII foi tido como o da Enciclopédia, constituindo
na história da literatura como o período do fim da poética clássica e ao
mesmo tempo um período de transição, preparando-se para o
Romantismo, para uma história moderna e para uma crítica profissional:
A literatura do século XVIII se enquadra no vasto conjunto
de manifestações críticas que, condenando a sociedade
existente, defendiam a reforma de aspectos fundamentais
da vida social, tais como a religião, o direito, a moral, a
educação, o governo, os costumes, na ânsia de alcançar um
estado de maior felicidade, pela obediência às leis da razão,
que só admite as verdades naturais. (CHAVES, 1997: 22).
Todas as atividades intelectuais fervilhavam na discussão de temas
reformistas a literatura, a vida acadêmica, o teatro, a imprensa.
Criticavam-se as bases do poder do clero, da nobreza e do soberano.
Através do livro Segundo Tratado Sobre o Governo (1690) de John Locke
(1632-1704), é que houve a expansão das grandes posições filosóficas
revolucionárias do século XVIII, responsáveis pelas maiores revoluções
da época e de épocas posteriores; a difusão de tais idéias dependeu do
alargamento da tradução. Criava-se o arcabouço filosófico necessário à
burguesia para opor-se às prerrogativas e privilégios da nobreza e do
clero, através das idéias de igualdade social e de direito coletivo de
liberdade e da garantia de uso e fruição da propriedade. A França
usufruiu, posteriormente, dessas transformações.
As idéias iluministas eram absorvidas rapidamente, mas Portugal,
nesse período, sentiu a luta ideológica que a burguesia movia contra as
forças feudais tardiamente. A nação portuguesa não experimentara a
transformação de sua base material. Daí porque o Iluminismo se
3
projetou muito mais como um movimento cujo fluxo veio de fora, fruto
da pregação de intelectuais que bebiam de fontes estrangeiras. O
Iluminismo português encarnou um desejo, trazido pelos estrangeirados
1
,
de modernização do reino, que era pobre e atrasado ainda na segunda
metade do século XVIII, cuja justificativa apelava sempre para o estágio
das nações européias mais ricas e evoluídas.
Os intelectuais lusitanos clamavam pela modernização do reino,
procurando suprir o seu atraso cultural. Os estrangeirados buscavam fora
do país as idéias iluministas pelas quais lutaram. Como a base material
em Portugal não era suficientemente avançada para estimular a produção
intelectual correspondente aos problemas colocados pelo novo tempo,
coube aos viajantes, aos diplomatas e aos religiosos, que se deslocavam
constantemente por outros países europeus, a constatação da imensa
defasagem econômica e cultural do reino. Entre os nomes que realizaram
esta tarefa podem ser citados: Ribeiro Sanches, D. Luís da Cunha, Luís
A. Verney e o próprio Marquês de Pombal, que serviu à diplomacia lusa
em Londres e Viena. Muitos deles registraram suas impressões e
recomendações no papel, dando margem ao surgimento de obras
fundamentais do pensamento burguês em Portugal. Contudo, pelo fato
de terem assimilado no exterior as idéias mais avançadas da época, foram
classificados pela reação feudal, no interior do país, com o nome de
estrangeirados.
1
Segundo Saraiva (1949: 117), a expressão “estrangeirados” significa: “Ficou apontada a
influência, a partir da restauração, de uma élite de diplomatas e técnicos de cultura actualizada
adquirida no estrangeiro.” Para Sérgio (1983: 121-123): “Homens de superior inteligência,
que saíram do País para a Europa culta (muitos deles por temos do Santo Ofício), tiveram
ensejo de medir os efeitos da Contra-Reforma na mentalidade e do parasitismo sobre as
colônias em toda a vida metropolitana”. (...) “A grande maioria da Nação, que estava
integrada nesse sistema, detestava esses homens de cultura superior, esses pioneiros de uma
idéia nova, a quem apostava de “estrangeirados”. (...) “os estrangeirados” influíram em D.
João V, em cujo reino se iniciou a batalha para se fazer reentrar na Europa culta.”
Os
principais estrangeirados eram: Luís Antônio Verney, Sebastião José de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, Luís da Cunha, Alexandre de Gusmão, Jacob de Castro Sarmento e Antônio
Ribeiro Sanches, entre outros estrangeirados célebres.
4
Assim, a obra Tratado de Direito Natural, que foi a tese de
doutorado de Gonzaga, dedicada ao Marquês de Pombal para adquirir o
almejado cargo de professor na Universidade de Coimbra, é um retrato
do ambiente político e cultural no qual se conforma o Estado Moderno
português do culo XVIII. Trata-se de uma versão que se encontra
disponível na edição crítica de Rodrigues Lapa, publicado em 1957. O
Tratado de Direito Natural divide-se em três partes, sendo a primeira a que
trata dos princípios gerais “necessários para o Direito Natural e Civil”,
onde o autor discorre sobre os principais autores clássicos, tratando de
estabelecer os parâmetros a partir dos quais tratará das duas últimas
partes. A segunda trata basicamente das sociedades eclesiástica e civil e é
onde Gonzaga aplica os valores construídos na primeira parte, a fim de
estabelecer seus juízos acerca dos poderes espiritual e temporal. Na
última parte, o autor trata especificamente da “natureza” da justiça e das
leis; aqui ele transforma o arcabouço teórico estudado antes em um
discurso pragmático acerca do funcionamento do Estado Moderno.
Diante desses dados, o presente estudo apresentará, no primeiro
capítulo, intitulado “Tratado de Direito Natural: uma produção literária
do século XVIII”, as diversas tipologias dos gêneros didático-ensaísticos,
buscando caracterizar esta obra de Gonzaga como texto literário. A meu
ver, o tratado é um registro da ideologia de Gonzaga frente às
manifestações sociais expostas pela Universidade de Coimbra, tomando
por base as leituras feitas pelos seus estudantes. Também exporei como a
obra de Gonzaga tem sido vista pelo cânone historiográfico.
No segundo capítulo, intitulado “Tomás Antônio Gonzaga e
História Intelectual Portuguesa”, anotações sobre a vida de Tomás
Antônio Gonzaga (1744-1810), relatando principalmente fatos ocorridos
entre 1763 a 1768, quando ele ainda era aluno da Universidade de
5
Coimbra, bem como um esboço da história intelectual de Portugal, para
melhor compreender o contexto histórico e social em que estava inserido
Gonzaga.
O terceiro capítulo, “O início das transformações intelectuais
portuguesas”, abordará as Reformas Pombalinas e o Iluminismo em
Portugal, verificando o entusiasmo dos Árcades Inconfidentes com as
Reformas Pombalinas.
Em “Os escritos preparatórios para a Reforma da Universidade de
Coimbra”, torna-se importante avaliar os indícios que levaram à Reforma
da Universidade de Coimbra, destacando alguns intelectuais famosos
como Luís António Verney com sua obra Verdadeiro Método de Estudar
(1746), e como era a educação dada naquela Universidade.
No quinto capítulo da tese, “O Jusnaturalismo presente na obra
Tratado de Direito Natural”, o estudo encaminha-se para uma análise do
jusnaturalismo presente em Portugal, principalmente por ter influenciado
muito a escrita da tese de doutorado de Gonzaga. Este capítulo versará
sobre o surgimento do Direito Natural em Portugal, relatando a vida e o
pensamento de alguns intelectuais da época, entre eles: Grócio, o
jusnaturalista fundador; Pufendórfio, o discípulo de Grócio; Heinécio, o
que crê em Deus; Tomás Cristiano; Francisco Suarez; e, finalmente, a
posição particular de Gonzaga na Universidade de Coimbra sobre o
jusnaturalismo.
“A importância da tradução para a formação da intelectualidade
conimbrense” versará sobre os avanços ocorridos através da tradução
para a criação de uma nova intelligentzia nacional, apresentado alguns
tradutores portugueses, em especial Cândido Lusitano.
No sétimo capítulo, O Tratado de Direito Natural e a influência
portuguesa no Brasil” serão tratadas as disposições gerais do tratado,
6
verificando as leituras feitas por Gonzaga. Após essa reflexão, a tese
versará sobre a possível influência das Luzes e Trevas nas Minas Gerais do
Século XVIII, buscando destacar os árcades inconfidentes e suas ligações
políticas.
CAPÍTULO I
TRATADO DE DIREITO NATURAL
:
UMA PRODUÇÃO LITERÁRIA DO SÉCULO XVIII
1.1. Os gêneros didático-ensaísticos
Para se estudar o Tratado de Direito Natural, faz-se antes necessário
apresentar as diversas tipologias dos gêneros didático-ensaísticos e a
expressão objetiva ou subjetiva utilizada pelos escritores para cada
tipologia. Para tanto, visita-se o conceito de gênero, que foi retirado da
enciclopédia ESPASA-CALPE, que o apresenta da seguinte forma: “De
los géneros literarios puede decir-se que son tantos cuantos los objetos
que trata el escritor y los modos que tratarlos” (1924: 1238).
Torna-se importante verificar também as palavras de António
García Berrio em seu texto Poética: tradição e modernidade. Geralmente, faz-
se uma delimitação didática de apenas três tipos de sistemas de gêneros
literários a épica, a lírica e a dramática; e realmente estes foram, no
Ocidente, a forma mais fixa e rígida que vigorou por largo tempo. Na
Idade Média, iniciou-se uma alteração quanto à classificação dos gêneros
literários. Tratava-se de compreender uma realidade com a existência dos
8
mais diversos temas e formas de expressão, cuja proliferação não estava
sob nenhum controle teórico.
A noção de gêneros literários se alterou então, faltando
instrumentos teóricos precisos para a regularização. Nas universidades,
observava-se ainda a concepção aristotélica da mimesis, mas a doutrina
sobre os gêneros acabava por se confundir com a teoria das modalidades
do discurso. Nesta perspectiva, os livros mais influentes foram De
inventiore e Retórica a Herennio de Cícero e Epístola de Horácio.
Percebe-se que o conceito enciclopédico, elencado acima,
possibilita entender que grande diversidade de gêneros de obras
literárias e que o fato de prevalecerem e serem aceitos, em um
determinado período, permite o surgimento de teoria acerca de novos
gêneros. Segundo García Berrio, para haver a prevalência de outro
gênero, é preciso levar em consideração a dimensão histórica da
literatura e sua evolução.
alguns gêneros em prosa, chamados pelo autor de
argumentação ensaística, caso da prosa doutrinária e da oratória. Dentro
desse gênero argumentativo literário, conforme García Berrio e Javier
Huerta Calvo em sua outra obra Los Géneros Literarios: sistema e Historia,
sob o nome de gêneros didático-ensaísticos, existem os subgêneros que
apresentam ora objetividade, ora subjetividade ou então objetividade e
subjetividade ao mesmo tempo.
Para esclarecer as nuanças dos gêneros didático-ensaísticos, os
autores expuseram um quadro, determinando a maneira de sua forma
expressiva: “es decir objetivad (épica), subjetividad (lírica) y objetividad-
subjetividad (dramática)”(GARCÍA BERRIO e HUERTA CALVO
1995: 220). Ressalte-se que García Berrio e Huerta Calvo citam Jesús
Gómez, um estudioso do diálogo, que em 1988 fez um estudo
9
monográfico acerca do diálogo renascentista, estabelecendo três
modelos: o de Platão, o de Cícero e o de Luciano. São eles:
a) El diálogo platónico presenta un carácter básicamente
filosófico: mo acceder a la verdad con o sin el método
mayéutico. El contraste dialógico es en los diálogos
platónicos españoles puramente aparente, pues por lo
general el maestro es transmisor de la verdad incuestionable
a unos discípulos-interlocutores que son sólo el pretexto
para que él hable.
b) El diálogo ciceroniano es una exposición de
conocimientos necesarios al orator ideal. El diálogo es una
oratio perpetua a cargo del maestro con apostillas del
discípulo; son ejemplos de esta modalidad El Cortesano, de
Castiglione, el Diálogo de la dignidad del hombre, de Fernán
Pérez de Oliva, y De los nombres de Cristo, de Fray Luis de
Leon.
c) El diálogo lucianesco es de los tres el que peor encaja en
este grupo genérico didáctico-ensayístico, pues son más
numerosos los elementos imaginarios que involucra que los
de carácter racionalista y discursivo. (GARCÍA BERRIO e
HUERTA CALVO 1995: 221-222)
Os gêneros didático-ensaísticos apresentados pelos autores são,
portanto, classificados em três expressões: (a) a expressão dramática: o
diálogo platônico, o lucianesco e a sátira menipéia; (b) a objetiva: o
ensaio, o artigo, o tratado, a glosa, a miscelânia (variando como
apotegma, refrão, máxima, aforismo e greguería, que é o folclore,
conforme Ramón Gómez de la Sena), a história, a biografia, o livro de
viagens, o discurso e o sermão (os dois últimos como formas mais
oratórias); (c) e a expressão subjetiva: autobiografia, confissão, diário e
memórias. Há de anotar que os gêneros didático-ensaísticos de expressão
objetiva são considerados tradicionalmente como fora do âmbito
poético, por tratar de assuntos doutrinais e não ficcionais, e a linguagem
10
usada serve para comunicar pensamentos filosóficos, religiosos, políticos,
científicos, tendo como propósito sempre um fim ideológico.
Para definir um pouco mais os gêneros didático-ensaísticos, torna-
se importante selecionar alguns conceitos relevantes sobre os subgêneros
apresentados anteriormente, através de uma síntese do texto de García
Berrio e Huerta Calvo. Falar sobre as utopias ou tratados utópicos é
falar sobre Thomas More que foi um dos primeiros a fazer um tratado
utópico e que depois se estendeu por todas as literaturas, por volta do
século XVI. García Berrio e Huerta Calvo consideram a epístola e o
sermão como subgêneros dos gêneros didático-ensaísticos. As epístolas
podem ser feitas em verso ou em forma narrativa. Em prosa pode servir
para uma expressão didática como foi o caso de Cartas Persas de
Montesquieu e Cartas Marruecas de Cadalso, no culo XVIII. No
renascimento, as epístolas foram subgêneros essenciais para a
comunicação espiritual e científica. A epístola é um subgênero poético
versificado que alcança sua perfeição quando consegue imitar a
desordem ou a ausência de um fato executado, utilizando-se do discurso
livre. A epístola mantém-se como subgênero da prosa literária nos
famosos epistolários humanísticos, chegando a constituir-se em veículo
que expressa as manifestações sociais. Percebe-se nestes escritos um
excepcional caráter de ficção situacional e seus autores como
Montesquieu, Goethe, Schiller, Joyce, Vieira e outros, estão sempre
conscientes da perpetuação e da condição pública de seus escritos.
Como documentos confidenciais, os epistolários modernos
oferecem focalização subjetiva e encaixam-se aos subgêneros das
memórias e da autobiografia. Esses escritos são opostos à objetividade
da história científica. A autobiografia e as memórias são narrações não-
ficcionais, mas usam dos recursos de atração e encadeamento do
11
interesse que são próprios da narração romanesca, que será foco de
estudo ainda neste capítulo.
Segundo a definição que aparece na enciclopédia citada, as cartas
ou as epístolas constituem também um subgênero literário: “Las cartas ó
epístolas constituyem además un género literario que ha tenido sus días
de esplendor y que, por constituir un importantísimo género literario
especial, se estudiará detenidamente en la voz Epístola” (ESPASA-
CALPE 1924: 1420).
A epístola apresenta três sentidos distintos: carta particular; escrito
em prosa destinado à publicidade, em que se trata de interesses públicos;
e composição poética sobre moral, literatura, arte ou sátira. A epístola
em prosa é destinada à publicidade de assuntos importantes, porque
permite ao escritor expor livremente a sua maneira íntima de pensar e,
também, uma grande idéia dos costumes de um país e época em que
foi escrita.
Faz-se necessário destacar o ensaio, que se apresenta como a
forma básica da expressão objetiva, como nas monografias de caráter
histórico e teórico. A temática formal deste subgênero dos gêneros
didático-ensaísticos pode ser assim caracterizada:
- como sujeto de la enunciación, el autor sostiene una
posición subjetiva.
- La temática es variada.
- En cuanto al estilo, se trata de una “prosa literária sin
estructura prefijada, que admite la exposición y
argumentación lógica, junto a las digresiones, en un escrito
breve sin intención de exhaustividad”.
- El propósito es comunicativo, reflexivo o didáctico.
(GARCÍA BERRIO e HUERTA CALVO 1995: 224)
12
Vale salientar que o texto Ensaios de Montaigne não correspondia
necessariamente a um gênero literário, mas sim a “una noción de
método, del desarrolho de un proceso intelectual” (GARCÍA BERRIO e
HUERTA CALVO 1995: 225).
Como os autores consideram a epístola e o sermão como
subgêneros dos gêneros didático-ensaísticos, o conceito de ensaio se faz
necessário, conforme proposto por György Lukács em 1911, em seu
“Sobre la esencia y la forma del ensayo”:
Hay (...) vivencias – escribe – que no podrían ser expresadas
por ningún gesto y que, sin embargo, ansían expresión (...):
la intelectualidad, la conceptualidad como vivencia
sentimental, como realidad inmediata, como principio
espontáneo de la existencia; la concepción del mundo en su
deseada pureza, como acontecimiento anímico, como
principio espontáneo de existência. (GARCÍA BERRIO e
HUERTA CALVO 1995: 225)
Nota-se assim que a concepção de ensaio era algo subjetivo e que na
prática moderna o ensaio perde a atitude da modéstia e o sentimento de
espontaneidade, características do ensaio clássico. Ligado ao subgênero
ensaio, também o artigo que se apresenta em número menor e que é
um subgênero da modernidade; geralmente sua prática esassociada à
descrição de usos e costumes de uma dada corrente estética.
É importante destacar também o subgênero discurso, que
consiste em uma:
Serie de las palabras y frases empleadas para manifestar lo
que se piensa y siente. Oración, obra de elocuencia
pronunciada en público. Escrito de no mucha extensión, ó
tratado, que contiene varias reflexiones ordenadas sobre
uma matéria, dirigidas á enseñar ó persuadir. Disertación
13
oral ó escrita, pronunciada de memoria... (ESPASA-
CALPE 1924: 1480)
O discurso indica a idéia de discorrer, pensar acerca de, dissertar ou
tratar uma matéria determinada, sendo que o uso da voz é o essencial
para pregar os ideais. Tratando-se de transmissão oral, esta pode
apresentar-se como uma literatura primitiva e simples e também como
uma crença culta e elaborada. O discurso tem caráter político e é muito
aplicado nos âmbitos filosóficos, sociais e literários. Há uma relação
entre a função de certos hábitos estabelecidos e o ouvinte, de forma a
consubstanciar o que se deseja persuadir. O discurso é outro subgênero
que não se diferencia de uma realidade extratextual, pois em ambos a
apresentação de figuras de linguagem e pensamento. Assim:
O discurso é um gênero em que predomina o esforço para
adquirir este direito de expressão, com crença total na
probabilidade de que as coisas possam ser expressas de
outra forma. E o emprego de tropos é, pois, a alma do
discurso, o mecanismo sem o qual não pode fazer o seu
trabalho ou alcançar o seu objetivo. (WHITE 1994: 15)
Deve-se deixar claro o que se entende por tropos; trata-se de uma
singularidade do discurso construída por meio da figuratividade. Com o
entendimento da palavra tropos é possível esclarecer a noção de discurso
como uma possibilidade de expressão, não havendo assim uma única
maneira para expressar um fato.
Outro subgênero que merece destaque é o sermão, um discurso
pronunciado em uma igreja aos fiéis reunidos para instruções das
verdades da religião e que trata das práticas das virtudes cristãs, ou seja, é
o sermão que expõe os dogmas cristãos e as preleções da moral
14
evangélica, havendo também alguns sermões que têm o objetivo de
explicar os textos litúrgicos. O sermão está centrado no âmbito do
discurso, que com temática religiosa-moral. O sermão, dito por um
clérigo, serve para expor um ponto de vista eclesiástico, a verdade
absoluta.
Ressalte-se, também como subgênero dos gêneros didático-
ensaísticos, o dicionário que primou pela tendência cultural totalizadora.
Importante destacar, primordialmente, o conceito de tratado,
outro subgênero e objeto de estudo nesta tese. É uma exposição didática,
que se separa da forma dialogada e da conversação como as empregadas
em livros puramente literários e poéticos:
La verdad científica puede ser expuesta empleando los
diversos recursos literarios que la Preceptiva y la Estética
señalan. La idealización poética de la verdad puede penetrar
desde la forma externa hasta el fondo mismo de la materia
escogida. Cuando el autor atiende exclusivamente, ó casi
exclusivamente, á los fines utilitarios e prácticos de la
ensenânza y el elemento poético queda reducido á su
mínimum, la obra redactada en esta forma cosntituye un
tratado. (ESPASA-CALPE 1924: 1536)
O tratado aparece na história da didática quando o pensamento e os
métodos chegam a sua maturidade. Explora-se o domínio do
conhecimento primeiramente pela fantasia e pelos sentidos, depois pela
inteligência e pela razão. O homem chega então à convicção de que
encontrou a verdade e busca um meio de conservá-la e defendê-la de
seus eternos inimigos. Nascem, então, as disciplinas científicas e os
tratados. Os conhecimentos postos formam um sistema de verdades
solidamente organizado, que constituem o que se chama de ciência.
15
O tratado pode ser usado para divulgar uma disciplina ou
problema científico e então deve moldar-se à capacidade intelectual das
pessoas a que são destinadas. Quando utilizado para fins de formação
científica ou profissional pode adotar uma das três formas seguintes:
elemental ó primaria, simple bosquejo que sirve de
iniciación técnica; fundamental ó secundatia, que es ya una
visión completa pero sin pleno desarrollo de una disciplina,
y superior ó magistral, destinado á una especialización
científica. Cada uno de estos tratados requiere condiciones
de exposición distintas, determinadas, tanto por el grado de
preparación de los que han de seguir una enseñanza como
por la índole de la materia que se expone. (ESPASA-
CALPE 1924: 1536)
O tratado é, portanto, um subgênero histórico e teórico muito flexível,
podendo-se apresentar em prosa ficcional e do tipo científico e didático.
Segundo García Berrio e Huerta Calvo, o tratado deve ser progressivo e
com muitos cuidados estilísticos. Destaca-se nesse subgênero a glosa
doutrinal que serviu, no século XVI, para a apresentação dos assuntos
místicos.
Quanto aos gêneros didático-ensaísticos de expressão subjetiva,
deve-se ressaltar que começaram a surgir quando a sociedade burguesa,
no Ocidente, adquire uma convicção histórica de sua existência, pois
antes da idéia de indivíduo não era possível falar em autobiografia.
Distinguir os subgêneros de expressão subjetiva (autobiografias,
memórias, confissões e diários, que se apresentam em primeira pessoa)
torna-se bastante difícil. As memórias são os textos que mais se
reconhecem como literária, pela liberdade imaginativa que a elas está
vinculada. Elas constituem um subgênero moderno, próprio das
sociedades avançadas, que necessitam recuperar seu passado.
16
também as memórias de caráter introspectivo que são as confissões.
Verifica-se que o diálogo, algo entre os gêneros didático-ensaísticos e o
discurso literário, é uma prática que se mantém através dos séculos,
impulsionada por motivos historicamente diversos.
A apresentação dos gêneros didático-ensaísticos indica a
necessidade de entender o que é uma atividade intelectual. Para que se
possa entender como a atividade intelectual se processa, é necessário
verificar que a realidade social não pára de se transformar. O historiador
não cessa de registrar, a vida es em constante movimento. Como a
própria vida, a história é movediça, feita de problemas misturados e que
pode encaminhar-se para diversos aspectos e, às vezes, até mesmo
contraditórios. Como abordar essa vida tão complexa?
A vida, a história do mundo, as histórias particulares são eventos
que marcam os pensamentos de todos os indivíduos. E como deixar
esses eventos concretizados na história? As realidades sociais são
representadas através da literatura, assim, para não ficar somente com o
que os historiadores registraram do passado, é preciso ter o
conhecimento das manifestações sociais para compreender como os
homens agiam. O certo é que esses homens tiveram influência de séculos
anteriores, e neste âmbito a pesquisa ou a leitura de obras nunca lidas ou
pouco lidas e arquivadas, como é o caso da obra que seanalisada nesta
tese, se faz necessário.
O que se torna importante para efetivar a compreensão das
manifestações sociais é o não rompimento com os aspectos históricos,
geográficos, sociológicos, filosóficos e literários. Segundo Candido
(1985), uma correlação entre literatura e sociedade. Os aspectos
sociais e sua presença nas obras importam para uma compreensão do
momento em que a obra foi escrita. O social importa para o autor como
17
elemento que desempenha um papel importante na estrutura, tornando-
se interno.
Verifica-se uma união entre literatura e as manifestações sociais, e
são estes aspectos que procurarei demonstrar através da obra Tratado de
Direito Natural (1768) de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), as
manifestações sociais do período em que Gonzaga a escreveu, os anos de
1763 a 1768. O escritor de um texto pode, muitas vezes, privilegiar
certos conhecimentos, valorizando uns, desvalorizando outros,
dependendo de sua intenção no momento da escrita. Essa intenção
poderá ser esclarecida no capítulo sobre sua vida e obra, em que se busca
delinear a visão de Gonzaga sobre a Universidade de Coimbra.
O que se nota é que ao lado das manifestações sociais nasceu uma
história das representações. Esta assumiu diferentes formas como:
história das concepções globais da sociedade ou história das
ideologias; história das estruturas mentais comuns a uma
categoria social, a uma sociedade, a uma época, ou história
das mentalidades; história das produções do espírito ligadas
não ao texto, à palavra, ao gesto, mas à imagem, ou história
do imaginário, que permite tratar os documentos literário e
artístico como plenamente históricos, sob condição de ser
respeitada sua especificidade; história das condutas, das
práticas, dos rituais, que remete a uma realidade oculta,
subjacente, ou histórica do simbólico, que talvez um dia
conduza a uma história psicanalítica, cujas provas de
estatuto científico não parecem ainda reunidas. Enfim, a
própria ciência histórica é colocada numa perspectiva
histórica com o desenvolvimento da historiografia, ou
história da história. (LE GOFF 2003: 11-12)
Nesse sentido, com as manifestações sociais sendo apresentadas
de diferentes formas através dos diversos gêneros didático-ensaísticos,
verifica-se que a história não se apresenta totalmente verdadeira pelos
18
escritores, pois cada um a concretiza de forma particular, segundo o seu
ponto de vista. Não há como separar as manifestações sociais do período
em que a obra foi escrita, sem essa ligação a obra enterra-se no abismo
da Antigüidade. É preciso, pois, sair da caverna, do mundo obscuro à
procura da luz, da claridade do dia, do conhecimento total como
estabeleceu Platão em sua obra A República.
1.2.
Tratado de Direito Natural
como manifestação social
O Tratado de Direito Natural foi oferecido ao Sr. Sebastião José de
Carvalho e Melo, Marquês de Pombal e inicia-se com uma dedicatória
bastante requintada:
Oferecido ao Ilmo e Exmo. Sr. Sebastião José de Carvalho
e Melo, Marquês de Pombal, do Conselho de Sua Majestade
Fidelíssima e seu Ministro de Estado, alcaide-mor de
Lamego, senhor donatário das vilas de Oeiras, Pombal,
Carvalho e Cercosa e dos Reguengos e direitos reais de
Oeiras, comendador de Santa Maria da Mata de Lôbos e de
S. Miguel das Três Minas, na Ordem de Cristo etc, por
Tomás Antônio Gonzaga, Opositor às cadeiras na
Faculdade de Leis, na Universidade de Coimbra.
(GONZAGA 1957: 9)
Gonzaga chama Pombal de o homem que estimulou aos estudos dos
Direitos Naturais e Públicos e comenta: “E sendo eu um dos que me
quis aproveitar das utilíssimas instruções de V. Ex., fora ingratidão
abominável o não lhe retribuir ao menos com os frutos delas”
(GONZAGA 1957: 11). Gonzaga suplica para que Pombal aceite o
presente livro e eleva Pombal como um homem especial, considerando-
se um criado seu:
19
Suplico pois a V. Ex.ª se digne de aceitar o presente livro, e
quando não seja porque assim o mereça o meu pequeno
trabalho e o meu grande desejo, seja ao menos porque nisso
interessa a pública utilidade, de quem V. Ex.ª se mostra o
mais amante e o mais zeloso. Quem haverá que, depois de
ver que V. Ex.ª se agrada do mal sazonado fruto da minha
aplicação, se não lance, invejoso da minha fortuna, a
compor outros de muito maior merecimento? Eu creio que
ainda os inimigos das ciências e os menos ambiciosos de
nome se esforçarão, só para mostrarem que pode neles
mais o desejo de agradarem a V. Ex.ª do que os estímulos
da própria natureza. Eu me alegrarei de ser a causa de uma
tão louvável emulação, e sempre pedirei a Deus que
conserve a V. Ex.ª dilatados anos, não porque assim o
pede a minha obrigação, mas porque assim também o
deseja o afecto com que a razão e o discurso me incita a
venerar as pessoas da utilidade de V. Exª
Beija (I) as mãos de V. Exª
O seu mais humilde criado
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
(GONZAGA 1957:12).
Trata-se de um livro em que se firmam as disposições do Direito Natural
e Civil e uma coleção das doutrinas mais úteis, na concepção de
Gonzaga. Escreve este livro por dois motivos: o primeiro porque não
havia então na nossa língua um tratado desta matéria. O segundo por
ser uma obra que poderia ser lida por principiantes para que o se
cometessem erros sobre como agir corretamente na sociedade.
Gonzaga expõe que Deus criou o mundo e precisava de um
homem inteligente para poder valorizar a si e a Deus, e ter a glória
eterna. Infundiu, então, nos homens as leis pelas quais se devia guiar.
Deu-lhes liberdade para conformar ou não com elas as suas ações. Fez
de tudo para que o homem se sentisse merecedor da glória eterna ou de
um castigo.
20
A coleção dessas leis infundidas no homem chama-se Direito
Natural ou Lei da Natureza. Elas são intimadas em nós pelo discurso e
pela razão. Mas o homem perdeu a justiça e a inocência. O remédio seria
que, se estimulasse os bons e atemorizasse aos maus, haveria concílio
entre todos – união e paz.
Gonzaga procurou expor que a natureza não deu a uns o poder de
mandarem nem pôs mais a obrigação de obedecerem. Deus teria dado
aos imperantes todo o poder. A coleção das leis é o Direito Civil, que
regula a vida da sociedade. Gonzaga expõe que os homens vivem
sujeitos às leis de um superior, logo não podem fazer todas as ações que
seriam concedidas no estado de Natureza, devendo ensinar como se
pode e deve cumprir. O Tratado de Direito Natural é uma obra que trata de
todas as instituições sociais, do governo de um Estado e de como se
deve agir perante as situações da vida, daquele período.
Para o aluno de Letras, essa qualidade da reflexão acerca das
situações da vida e sua crítica ocorre geralmente no romance. Entretanto,
no século XVIII, o romance ainda tem uma condição de pouca
importância; somente com a filosofia clássica alemã é que se iniciam as
primeiras tentativas de criação de uma teoria estética do romance. Na
segunda metade do século XIX, o romance confirmará sua ampliação e
expressa a consciência burguesa na literatura. Com características
estéticas gerais da épica, mas com modificações trazidas pela época
burguesa, o romance deixa de ser inferior. O que se percebe é que a
construção de um gênero que se põe entre o caráter poético do mundo
antigo e o caráter prosaico da civilização burguesa. Assim, é possível
perceber que por meio da obra de arte literária revelam-se as
peculiaridades essenciais de uma dada sociedade por meio da
representação dos indivíduos, de suas ações e de seus sofrimentos
21
individualizados. A literatura torna-se então uma manifestação das ações
sociais. O romance apresentou a vida privada de uma época com toda a
clareza, expondo a realidade quotidiana e as grandes contradições
motoras do desenvolvimento histórico-social na medida em que se
manifesta de maneira concreta na realidade.
A partir disso, reitera-se que o século XVIII foi o período de
alteração das bases estabelecidas, um período de transição, um dos
séculos mais importantes para a transformação da humanidade. Mas, ao
mesmo tempo em que se percebe esta transformação, observa-se nas
palavras de Gonzaga o ideal de permanecer fiel a uma pessoa, ao
poder monárquico, o que comprova uma particularidade sua, frente às
manifestações sociais que se apresentavam no cotidiano; essa
circunstância faz perceber que o tratado tem a qualidade necessária para
que se possa ver nele o que se verá depois no romance.
Importa observar que, no século XVIII, os escritores eram
políticos, diplomatas, advogados, teólogos, cientistas, médicos,
cirurgiões, atores, poetas e escritores, havendo uma heterogeneidade. Os
homens uniam-se para trocar opiniões, formar ideologias e criar
concepções para a nova sociedade. A partir disso, defende-se a tese de
verificar qual era a ideologia de Gonzaga tanto frente às manifestações
sociais expostas pela Universidade de Coimbra, quanto às leituras feitas
pelos seus estudantes. A obra por ser um tratado não impede de ser lida
como um revelador das atitudes realizadas no século XVIII, pela
comunidade em geral, logo pode e deve ser considerado um gênero
literário, uma vez que expõe através de um texto, ou melhor, de um
tratado, que é considerado não ficcional, as idéias de um escritor, sobre
um determinado período e sobre as manifestações sociais que esse
período estava vivendo. A preocupação é com a leitura do texto, sempre
22
buscando a fonte, o próprio texto, pois a literatura é um registro das
práticas individuais e sociais.
1.3. O Cânone Literário
A historiografia literária tende a consolidar modelos de
interpretação segundo interesses e critérios estabelecidos pelos críticos e
historiadores literários. Toda interpretação que postule algo diverso do
cânone, como o de uma minoria étnica, de uma periferia, de uma classe
social não-dominante, tende a ser excluída, por ser desclassificada quanto
à capacidade de formular conteúdos científicos. Por isso, é interessante –
considerando o aspecto de relativo pouco interesse sobre essa obra de
Gonzaga perceber como algumas histórias literárias apresentaram a
obra Tratado de Direito Natural de Gonzaga.
No cânone literário somente são privilegiados os considerados
clássicos, pois a literatura ignora os que não se enquadram em sua época.
Verifica-se que a história literária está diretamente ligada a um valor
estético e a uma relação das obras com o contexto histórico-social e
cultural. A sociedade conservadora ou preservadora estabelece a
autenticidade da obra e a mais jovem dificilmente consegue substituí-la,
pois o cânone é selecionado a partir de um corpus maior, por críticos que
detêm a autoridade da seleção.
As histórias literárias selecionadas foram História da Literatura
Portuguesa de Teófilo Braga (1909-1918), História da Literatura Portuguesa
de Hernani Cidade (1929), História Literária de Portugal (séculos XII –XX)
de Fidelino de Figueiredo (1944) e História da Literatura Portuguesa de
Oscar Lopes e Antônio José Saraiva (1955).
23
Entre as histórias literárias, somente a de Teófilo Braga menciona
a obra Tratado de Direito Natural, dando o enfoque de que se tratava de
uma obra escrita por Gonzaga enquanto era aluno da Universidade de
Coimbra e que nela havia a sustentação das doutrinas do regalismo, que
dedicou ao onipotente Ministro, Marquês de Pombal. Porém, a menção é
bastante rápida, dando maior importância a obra Marília de Dirceu (1799),
obra que ficou considerada o marco central de Gonzaga, assim como
também Cartas Chilenas (1783-1788).
Nos demais autores como: Hernani Cidade, Fidelino de
Figueiredo, Oscar Lopes e Antônio José Saraiva, Gonzaga é
mencionado, mas ressaltando-se somente a obra rica Marília de Dirceu e
a sátira Cartas Chilenas. O escrito feito em Portugal enquanto fora aluno
da Universidade de Coimbra não se tornou importante para menção,
segundo esses historiadores portugueses.
No Brasil, a apresentação o se fez diferente e é interessante que
Gonzaga sempre é mencionado por sua Marília de Dirceu; foram
consultadas as seguintes obras: Ensaio sobre a Literatura no Brasil de
Domingos José Gonçalves de Magalhães, Bosquejo da história da poesia
brasileira de Joaquim Norberto de Sousa e Silva (1841), Da nacionalidade da
Literatura Brasileira de Santiago Nunes Ribeiro (1843), Histoire de la
litterature bresiliene de Ferdinand Wolf (1863), Resumo da história literária de
Fernandes Pinheiro, (1872), História da Literatura Brasileira de Sílvio
Romero (1888), História da Literatura Brasileira de JoVeríssimo (1916),
Pequena História da literatura de Ronald de Carvalho (1919), História da
Literatura Brasileira de Arthur Motta (1930), Noções de história da Literatura
Brasileira de Afrânio Peixoto (1931), História da Literatura Brasileira: seus
fundamentos econômicos de Nelson Werneck Sodré (1938); A Literatura no
Brasil de Afrânio Coutinho (1955), História da Literatura Brasileira de
24
Antônio Soares Amora (1955), Formação da Literatura Brasileira de
Antonio Candido (1959), História Concisa da Literatura Brasileira de
Alfredo Bosi (1970) e História da Literatura Brasileira de Luciana Stegagno
Picchio (1997).
Dentre as obras apresentadas, somente Antonio Soares Amora e
Luciana Stegagno Picchio mencionam a obra Tratado de Direito Natural.
Da mesma forma que as histórias literárias portuguesas, as brasileiras
também se referem principalmente às obras Marília de Dirceu e Cartas
Chilenas.
Antônio Soares Amora na obra História da Literatura Brasileira
(Séculos XVI XX), menciona rapidamente as obras de Gonzaga, entre
elas Tratado de Direito Natural, dizendo que foi publicada pela primeira
vez, em São Paulo, em 1942, porém o destaca pelo lirismo. Stegagno-
Picchio diz que a obra de Gonzaga acerca do Direito Natural tem “sabor
iluminista” com dedicatória a Pombal.
Em qualquer história literária, o que prevalece como obra de
destaque de Gonzaga é Marília de Dirceu e raramente é mencionada a obra
que será analisada nesta tese. O ideal de Gonzaga registrado no início de
sua carreira é deixado de lado, pouco analisado e simplesmente excluído
das histórias literárias portuguesas e brasileiras. A produção escrita de
Gonzaga que concretizava os momentos críticos das manifestações
sociais não ficaram registrados, mas sim uma produção dentro da
tradição de literatura como algo imaginado, no caso, Marília de Dirceu.
Sobre Gonzaga, ressalta-se que este foi jurista e poeta. No jurista
está o defensor da existência de Deus, da fidelidade absoluta ao rei, da
indissolubilidade do casamento, mas também o homem preocupado com
direitos superiores a qualquer sistema positivo, o defensor da diferença
entre si e privilégio, da utilidade pública, da liberdade do Estado de
25
Direito contra as turbulências dos chefes militares e policiais. No poeta,
está o imitador da forma arcádica européia e uma elaboração da
experiência do seu tempo e meio.
Diante dos dois caminhos seguidos por Gonzaga, verifica-se,
então, que a obra que persiste no cânone e em todas as historiografias
literárias, como foi Marília de Dirceu, é aquela que interessa aos ideais de
uma época literária, com características do momento. Fora desse
contexto, a obra não tem existência. Se um autor serve às necessidades
do sistema, aos critérios estabelecidos, ele é escolhido; senão, não. Toda
a interpretação que não está no cânone tende a ser ignorada, excluída.
Infelizmente poucos são os deslocamentos para uma revisão do cânone,
a não ser as pesquisas que buscam revisitações, como é o caso da linha
de pesquisa estabelecida no Programa que estou inserida: Cânones, Idéias e
Lugares, que se preocupa com o estudo de problemas de canonização
literária, estudo das figurações de espaço e identidades, estudo das
práticas comunitárias registradas na literatura, enquanto manifestações
estético-sociais. Impossível não pensar que para cada momento histórico
um ou mais gêneros foram criados para exprimir as manifestações sociais
pelas quais os homens passaram e passam. Por outro lado, é importante
salientar que não encontrar os neros públicos nos livros de histórias
literárias deve-se especialmente ao fato de que as publicações das
primeiras histórias literárias começaram no século XIX, desconsiderando
geralmente os gêneros ensaístico-argumentativos. Nada obstante, parece-
me necessário visitar com detalhe e cuidado o tratado de Gonzaga, como
sinalizador também de manifestações sociais da sociedade portuguesa da
segunda metade do século XVIII.
CAPÍTULO II
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA E A HISTÓRIA
INTELECTUAL PORTUGUESA
2.1. Gonzaga e sua participação na Universidade de Coimbra
Embora interessem mais fatos ocorridos entre 1763 a 1768
quando ainda era aluno da Universidade de Coimbra, far-se-á aqui uma
rápida menção sobre sua vida desde o nascimento até a morte de
Gonzaga. Ele nasceu em 11 de agosto de 1744, em Miragaia, freguesia da
cidade portuguesa do Porto, filho do magistrado carioca João Bernardo
Gonzaga e da portuense Tomásia Isabel Clarque. Sua mãe morreu aos 37
anos, antes que o menino completasse um ano. Em 1752, transferido
para Recife, como Ouvidor-Geral, o pai de Tomás mudou-se para o
Brasil e enviou-o para Salvador, onde estudou no Colégio da Companhia
de Jesus.
Gonzaga retornou a Portugal em 1761 e no ano seguinte
matriculou-se na Universidade de Coimbra. Formou-se em Direito em
Coimbra em 1768. Foi nomeado Juiz de Fora em 1779 para atuar em
Beja. Retornou ao Brasil em 1782 como Ouvidor da Comarca de Vila
27
Rica, em Minas Gerais. conheceu Maria Dorotéia Joaquina de Seixas,
jovem de 17 anos, celebrada em suas liras sob o pseudônimo de Marília,
compostas em sua primeira parte durante os anos de 1783 e 1784. Neste
ano, começou o litígio entre Tomás Antônio Gonzaga e Luís da Cunha
Meneses, Governador de Vila Rica acusado pelo magistrado em queixa
enviada à rainha de Portugal, em 8 de abril. No ano seguinte, Gonzaga
foi acusado por Cunha Meneses de praticar extorsões à real Fazenda.
Em 1786, Gonzaga é nomeado Desembargador da Relação, na
Bahia, entretanto permaneceu em Vila Rica. A partir de 87, circularam
em Vila Rica as Cartas Chilenas, poemas satíricos anônimos em que um
certo Critilo escreve a Doroteu, criticando os desmandos e a
administração do Governador Fanfarrão Minésio, do Chile, cuja autoria
é indicada por estudo filológico de Rodrigues Lapa como sendo de
Gonzaga. Em 21 de maio de 1789, foi preso por ordem do novo
Governador Visconde de Barbacena, sob a suspeita de envolvimento na
Inconfidência Mineira. Foi enviado ao Rio de Janeiro e ficou aprisionado
na fortaleza da Ilha das Cobras, onde se supõe ter continuado a escrever
suas liras. Foi condenado em 1792 a dez anos de degredo em
Moçambique, onde reconstruiu sua vida e ficou até a morte. Casou-se
em 1793, com Juliana de Sousa Mascarenhas, herdeira de grande fortuna
obtida com o tráfico negreiro. Em 1806, foi nomeado procurador da
Coroa e Fazenda de Moçambique e, em 1809, foi promovido a Juiz da
Alfândega. Morreu em 1810.
Quando Gonzaga retornou a Portugal em 1761, Lisboa ainda
estava arruinada devido ao terremoto de 1755 e o Marquês de Pombal
queria erguer uma cidade moderna, sem o acordo da população. Havia
muita gente desabrigada, a cidade cercada de lama e miséria. O ministro
era conhecido por Cabeleira e não deixava nenhuma casa ser
28
reconstruída sem a sua aprovação. Viam-se então fidalgos e burgueses
desabrigados.
Em Portugal, Gonzaga ficou sem o seu escravo, pois “uma
portaria de 19 de setembro do Conde de Oeiras determinava que fossem
considerados livres todos os escravos que pisassem a terra da metrópole.
Se o ex-escravo continuou com o antigo amo como criado, é fato
irremediavelmente perdido na história” (GONÇALVES 1999: 53).
Coimbra naquela época era um foco de irrequietação e de
vanguardismo culturais. Verifica-se que, em 1760, a instrução secundária
passou por reforma, com a criação de classes de ensino de Gramática
Latina e Retórica em todas as comarcas e o ensino foi proibido a quem
não estivesse autorizado oficialmente a fazê-lo. Interessante notar que se
Gonzaga não passou pela Universidade de Coimbra durante o período
de inovações, a chamada Reforma da Universidade, algumas mudanças
pôde sentir:
A reforma só chegaria à universidade em 1772, numa época
em que Gonzaga estava longe de Mondego havia quatro
anos. Por isso, a Universidade de Coimbra que o poeta
freqüentou foi aquela que ainda se regia pelos estatutos
reformados ao tempo de dom João III, embora algumas
mudanças se fizessem sentir. Uma delas vinha de 1759,
quando a Secretaria de Estado dos Negócios do reino
baixou as famosas Instruções que, entre outras medidas,
determinavam que ninguém fosse admitido a matricular-se
na Universidade de Coimbra, em alguma das ditas
faculdades maiores” teologia, Cânones, Leis e Medicina -,
sem fazer exame de Retórica. Essas normas, porém, nem
sempre foram cumpridas. Nos exames de admissão, os
professores, geralmente, pediam aos alunos que falassem
sobre Virgílio, Horácio e outros autores da Idade de Ouro
e, não raro, exigiam períodos no idioma do Lácio, com
trechos decorados dos Diálogos, de Luís Vives. E tudo com
brevidade e perspicácia, como convinha.
29
De qualquer modo, era uma universidade mais arejada
aquela que recebeu Tomás Antônio Gonzaga por cinco
anos. Tanto que, em 1768, ano em que o poeta se despediu
do Mondego e da vida estudantil, Carvalho e Melo mandou
prender o bispo de Coimbra, dom Miguel da Anunciação,
que havia publicado uma pastoral em que condenava vários
livros de autores contemporâneos. A Real Mesa Censória,
manobrada pelo ministro, acusou o bispo de heresia e
mandou queimar publicamente a pastoral. O prelado foi
encerrado na masmorra da Junqueira e de saiu depois
da queda do ministro. (GONÇALVES 1999: 60)
Segundo Gonçalves (1999: 58), tanto Gonzaga quanto seu pai foram
maçons e a Universidade de Coimbra os influenciaram notoriamente. Se
não ocorreu a sua iniciação na maçonaria em Coimbra, foi à beira do
Mondego que ela se deu, pois leu:
Voltaire, Euclides, Cervantes, Newton, Lineu, D’Alembert,
Hobbes, Toscanelle, Cícero, Molière, Ovídio, Shakespeare,
Rabelais, Bezout, Horácio e outros. Esses livros circulavam
livremente entre alguns estudantes, embora o atraso dos
estudos superiores fosse enorme, fruto de uma mentalidade
excessivamente retrógrada: só em 1772 seriam promulgados
os novos estatutos da universidade, em substituição aos que
vinham ainda do tempo de dom João III. (GONÇALVES
1999: 56-57)
Verifica-se que Gonzaga recebia influências fora da Universidade, uma
vez que teve contato com obras proibidas por muitos professores. Vale
salientar que os maçons daquele período encontravam-se para discussões
acerca das novas idéias iluministas, o que supõe a participação de
Gonzaga nesses encontros por haver tantas menções em seu Tratado de
Direito Natural de filósofos e jusnaturalistas:
30
Os maçons naquele tempo colocavam em causa o Deus
tradicional e os dogmas da religião católica. Além disso,
distinguiam-se pela maneira de estar no mundo, em
contraste com a maioria de uma população mergulhada no
obscurantismo. Havia entre esses maçons ampla tolerância
de costumes, como ligações extramatrimoniais, recusa ao
jejum e à abstinência, leitura de livros proibidos pela Igreja
Católica e a discussão de uma nova moral. (GONÇALVES
1999: 57)
Observa-se, portanto, que não foi somente a participação na maçonaria
como também a freqüência à Universidade que levou Gonzaga a
perceber a nova questão ideológica que dominava todos os intelectuais
que eram estudantes da Universidade de Coimbra. Assim, pode-se supor
que Gonzaga participou de grêmios secretos, organizados pelos
iluministas. Os estudantes eram influenciados pelo Iluminismo católico
de Verney e outros escritores franceses e ingleses.
A Universidade em 1767 tinha quarenta e três brasileiros que a
freqüentavam. Gonzaga se tornou amigo de Domingos Caldas Barbosa,
nascido no Rio de Janeiro, poeta satírico. Ambos entraram em 1763, mas
Barbosa sai antes, depois de ter cursado Leis e Cânones. Outro
contemporâneo de Gonzaga em Coimbra foi o baiano Manuel Coelho de
Carvalho, que freqüentou a Universidade de 1764 a 1768. Quando foi
para a Universidade levava estudos de Filosofia e Teologia e era
mestre de Retórica.
Tomé Joaquim Gonzaga Neves, primo de Gonzaga, estava no
ano, quando este se graduou. Quem realmente era amigo de Gonzaga era
Silva Alvarenga que o acompanhava nas andanças por Coimbra, mas foi
embora em 3 de fevereiro de 1767.
Gonzaga fez seu ato de conclusões em maio de 1765. Em 6 de
junho do ano seguinte, foi aprovado bacharel nemine discrepante. Em
31
março de 1768, tornou-se doutor, depois de ter obtido, em 12 de
fevereiro, outra aprovação nemine discrepante. Saiu com o título de bacharel
formado, que permitiria o exercício profissional da advocacia e o acesso
à magistratura. Deixou Coimbra com 23 anos, gostava da Antigüidade e
tinha predileção por Virgílio, pois considerava a sátira uma forma de
gênero épico. Cultivava Camões e Miguel de Cervantes, leu Dom Quixote.
Em Coimbra gostou dos gêneros teatrais.
Gonzaga estava em Lisboa em 1770, quando numa fogueira,
ateada no Terreiro do Paço, foram queimadas obras de Voltaire, Bayle,
Rousseau, abade Raynal, Boulanger e La Mettrie, consideradas as mais
nefandas pela Real Mesa Censória que via em seu ateísmo e materialismo
uma ameaça à religião. Talvez esse seja o motivo de Gonzaga acalentar
em 1773 a idéia de virar professor da Universidade de Coimbra,
inscrevendo-se com a sua obra Tratado de Direito Natural, para defender
idéias que estavam consagradas nessa época. Talvez fosse perigoso
defender idéias mais recentes. Gonçalves nos diz que a época era
contraditória:
a prática ilustrada do pombalismo sempre haveria de se
mover entre avanços e recuos em relação ao antigo e ao
moderno. Não como deixar de admitir que o advogado
passou a sonhar com o prestígio que uma cátedra na
universidade lhe poderia dar porque, tempos antes,
entusiasmara-se com as intenções da Reforma Pombalina.
A rigor, os efeitos da reforma começaram em 1770, no
mesmo ano em que as chamas da intolerância ardiam livros
no Terreiro do Paço. Naquele ano, o ministro Carvalho e
Melo criou uma Junta de Providência Literária para
examinar as causas da decadência dos estudos superiores.
Em 1771, a Junta apresentou o resultado de seu trabalho e,
no ano seguinte, promulgaram-se os novos estatutos da
universidade. (1999: 72)
32
O Marquês deu um entusiasmo para os cultos que vislumbravam a
recuperação do reino, pois muitos acreditavam que os jesuítas tinham
arruinado a literatura em Portugal. Isso fez com que Gonzaga pensasse
em abandonar a sua banca em Lisboa para apresentar-se em 1773 como
candidato à cadeira de Direito pátrio como se pode ver no ANTT
3
,
Leitura de Bacharéis, letra T, maço 1, doc. 14:
Pascoal José de Melo Freire dos Reis, deputado do Santo
Ofício da Inquisição de Coimbra, desembargador da
relação do Porto, e lente substituto da cadeira de Direito
Pátrio, atesto que o Dr. Tomás Antônio Gonzaga se
matriculou no Livro respectivo dos Opositores da
Faculdade Jurídica da Nova Reforma e Fundação da
Universidade e como tal satisfez as condições que lhe eram
impostas. Lisboa, 20 de setembro de 1778. (GONÇALVES
1999: 73)
Para ser recomendado e visitador da Universidade, Gonzaga exerceu a
arte que fracassou, ao escrever o livro Direito Natural acomodado ao estado
Civil católico.
4
Gonzaga queria então ser professor na Universidade de
Coimbra, revelando-se um pombalista na sua dedicatória do seu Tratado
de Direito Natural, sustentando também o regalismo:
Oferecido ao Ilmo e Ex.mo Sr. Sebastião José de Carvalho
e Melo, Marquês do Pombal, do Conselho de sua Majestade
Fidelíssima e seu Ministro de Estado, alcaide-mor de
Lamego, senhor donatário das vilas de Oeiras, Pombal,
Carvalho e Cercosa e dos reguengos e direitos reais de
3
ANTT significa Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa).
4
BNL, CP, seção XIII, códice 29. Este é o título que Gonzaga deu ao seu trabalho, também
conhecido por Tratado de Direito Natural: Direito Natural acomodado ao estado Civil católico”.
Oferecido ao Ilmo. Sr. Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, (...) por
Tomás Antônio Gonzaga”, manuscrito em 4º de 138 fl.(GONÇALVES 1999:85).
33
Oeiras, comendador de Santa Maria da Mata de Lobos e de
S. Miguel das Três Minas, na ordem de Cristo, etc.,etc.
Por
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
Opositor às cadeiras na Faculdade de Leis, na
Universidade de Coimbra (GONZAGA 1957: 09).
Vale salientar que a dedicatória a um governante era algo tácito no
período. Gonzaga não consegue esconder o entusiasmo pela Reforma
Pombalina que o levou a escrever um soneto devido ao fato de querer
entrar para o serviço régio. O soneto, que nada acrescenta a sua obra,
está dedicado “ao ilustríssimo e excelentíssimo senhor Marquês de
Pombal, reformulando a Universidade de Coimbra” e está presente no
livro Marília de Dirceu e mais poesias de Tomás Antônio Gonzaga, 1982,
Parte 3, Lira 25:
Vós fizestes da vossa pátria e glória;
por vós hoje é feliz a humanidade:
que dignos sois de uma imortal história!
Cesse, cesse porém vossa vaidade;
Que basta a escurecer vossa memória
Um Carvalho, que adora a nossa idade.
(GONÇALVES 1999: 73-74)
Gonzaga, com 30 anos, e com as duas obras queria a vaga de professor
da Universidade de Coimbra e também ver o seu nome em letra de
imprensa. Porém, Pombal não autorizou a impressão do livro e o
candidato não teve aprovação dos doutos examinadores. O manuscrito
se conservou entre os papéis do arquivo pombalino, até a queda do
ministro em 1777: “A partir daí, o próprio Gonzaga seria o primeiro a
34
querer que o manuscrito ficasse para sempre esquecido. E, de fato, ficou
sepultado no arquivo da Universidade de Coimbra até que, no final do
século passado, Teófilo Braga o descobrisse” (GONÇALVES 1999: 74).
Interessante salientar um detalhe importante demonstrado por
Gonçalves:
Depois de citar Grócio, Heinécio e Pufendorf autores
adotados em Coimbra após a reforma dos estatutos da
Universidade por Carvalho e Melo em 1772 Gonzaga, no
Tratado, acusa Lutero e Calvino de “monstros da
impiedade”. Para ele, só a romana era a verdadeira Igreja de
Cristo, não passando as demais de “sinagogas do
Anticristo”. É um bacharel que não tomara ainda
conhecimento do Contrato Social, de Rousseau, publicado
em 1762, nem tampouco das idéias de John Locke de um
século antes, embora seja possível imaginar o contrário:
afinal, Gonzaga não seria ingênuo a ponto de argumentar
com base em autores cujos livros haviam ardido na fogueira
da Real Mesa Censória poucos anos antes. Fosse como
fosse, o Gonzaga que se percebe no tratado é um autor
contrário à tendência revolucionária que, então, germinava.
E, portanto, inimigo das liberdades individuais, um
pensador para quem o homem seria uma criatura pervertida
que precisa ser freada pelo bridão da autoridade. (1999: 74)
Em Tratado de Direito Natural, Gonzaga afirma a superioridade do Direito
Pátrio, ao lado do Direito Natural e das Gentes, primordiando a razão,
que é o exemplo das nações cultas e civilizadas:
Aparece, portanto, como defensor do Iluminismo,
principalmente quando ousa afirmar que ‘todos os homens
são iguais e têm direito a que outro não os sujeite’. Ou
quando sugere que não se deve conceder aos monarcas o
poder sobre a vida dos vassalos, ficando a tarefa de se
35
administrar a justiça aos magistrados. (GONÇALVES
1999: 75)
Há, pelos escritos de Gonçalves, uma contradição na escrita de Gonzaga:
em alguns momentos foi totalmente monárquico, em outros, iluminista.
É algo que permite lembrar das palavras de Martins (1992) que diz que
Gonzaga era um oportunista, pois não contemplava os interesses de
Pombal como tratava de colocar o rei acima de tudo. O oportunismo
fica claro também no fato de Gonzaga demonstrar novas formas de
pensamento, exatamente o que o Primeiro Ministro defendia.
Percebe-se, portanto, que Pombal não era ingênuo. Quanto à
recusa da candidatura de Gonzaga, nota-se que ele não foi sozinho:
“todos os candidatos que obedeceram ao novo regimento e
apresentaram teses para obter o acesso às nomeações de lentes
substitutos foram preteridos” (GONÇALVES 1999: 76). Alguns foram
até perseguidos pelas suas idéias. Por outro lado, talvez seja possível
explicar o fracasso de Gonzaga por outro ângulo:
Não se pode esquecer, porém, que a adoção, no estudo
jurídico, de novos livros de autores como Grócio,
Pufendorf e Heinécio “e outros hereges”, todos citados por
Gonzaga, provocou grande polêmica e muitas críticas em
Coimbra. E que, talvez, o Tratado de Direito Natural tenha
sido vítima das próprias brigas intestinas que ocorriam
entre os grupos que disputavam o poder na Universidade
de Coimbra. (GONÇALVES 1999: 76)
Segundo Gonçalves, existe a possibilidade do Tratado de Direito Natural de
Gonzaga nunca ter chegado às mãos do Marquês de Pombal, pois ele foi
encontrado em vernáculo e não em latim, língua obrigatória à época para
36
livros e teses (1999: 76). Pode-se considerar que o Tratado de Direito
Natural foi um trabalho de horas perdidas:
Não se deve imaginar que, ao consumir mais de um ano na
elaboração do Tratado de Direito Natural, Gonzaga estivesse
sempre, ao escrever, disposto a iludir a férrea vigilância do
onipotente ministro e seus áulicos. Mesmo que quisesse,
não o conseguiria. Sempre colocou muito de si em tudo o
que escreveu. Foi aquele, portanto, um trabalho inútil, de
horas perdidas. Teve mesmo de continuar como advogado
em Lisboa. De Coimbra, nunca receberia resposta.
(GONÇALVES 1999: 77)
Até 1775, Gonzaga ainda ficava esperando a resposta de Coimbra, mas
não alimentava esperanças. No Brasil, rios escritores fizeram sonetos
em comemoração a estátua de D. JoI, mas Gonzaga nada escreveu,
talvez já percebia o despotismo do velho Marquês:
Por essa época, era mesmo difícil continuar a acreditar
naquele ministro que levava ao extremo o seu gosto pela
crueldade. Pelo menos quatro mil homens de pensamento
haviam passado pelas masmorras a mando de Carvalho e
Melo. Outros tantos haviam sido eliminados de maneira
trágica. E, por aqueles dias, mais um espetáculo de
barbaridade e selvageria teria lugar na Junqueira.
Foi no dia 11 de outubro de 1775 que o pintor genovês
João Batista Pele, morador em Lisboa, teve as mãos
decepadas e o corpo esquartejado, depois de ter sido
amarrado pelos braços e pernas a quatro cavalos. Pele era
acusado de planejar a colocação de uma bomba na
carruagem que conduziu Pombal desde a Ajuda até o
Terreiro do Paço no dia da inauguração da estátua. Se o
espetáculo desagradou ao advogado Gonzaga, não se sabe...
(GONÇALVES 1999: 78)
37
Em menos de dois anos, Tomás Antônio Gonzaga havia abandonado
as idéias expostas em seu Tratado de Direito Natural e viu o Marquês em
1777 ser retirado do poder que durou 22 anos. Com a morte de D. José,
sua filha Maria I o sucedia. Foi chamada de Piedosa pelos portugueses e
de Louca pelos brasileiros. Pombal foi chamado de corrupto e nunca
explicou a origem de sua vasta fortuna. Alguns ministros de Pombal
permaneceram no poder como:
Martinho e Melo e Castro, secretário de estado dos
Negócios do Ultramar e Marinha desde 1770, e Aires de Sá
e Melo, dos negócios estrangeiros. Em março de 1777, dom
Pedro José de Noronha, Marquês de Angeja, era
designado ministro assistente do despacho e presidente do
Real Erário e Tomás Xavier de Lima Brito Nogueira Teles
da Silva, 14º Visconde de Vila Nova da Cerveira, assumia a
Ministério do Reino, que compreendia as pastas da Justiça e
da Fazenda. (GONÇALVES 1999: 79).
E à nova ordem, saíram versos bajulatórios, entre eles o que Gonzaga
escreveu: “Congratulação com o povo português na feliz aclamação da
muita alta e poderosa soberana d. Maria I, nossa senhora”. Observe-se a
citação a seguir e a mudança do comportamento de Gonzaga:
No poemeto, o admirador de Grócio, Heinécio e
Pufendorf, que exaltara a obra de cesarismo de dom José I
no Tratado de Direito Natural, agora aparecia como
entusiasta das idéias dos enciclopedistas, defensor das
liberdades civis e antimilitarista, qualidades que se
acentuariam nos anos seguintes. Gonzaga louva os
governantes que sabem impor-se por suas virtudes e pelo
respeito dos direitos dos seus súditos e defende as medidas
adotadas pela soberana no restabelecimento da justiça
interna. (GONÇALVES 1999: 79)
38
Verifica-se que Gonzaga herdou a vocação jurídica do pai e do avô e os
anos como advogado o teriam levado para a oposição às arbitrariedades
cometidas pelo antigo tirano contra o princípio do Direito:
No poemeto, transparece também um pouco da mágoa por
não ver reconhecido os seus méritos para a carreira no
magistério. E por ter sido seu pai relegado ao ostracismo na
carreira judiciária, tantos anos como desembargador na
relação do Porto, talvez vítima de intrigas.
Eu vejo que, movida da clemência,
Tomando o justo amparo da inocência,
Com suas mãos formosas, mas potentes,
Desfez masmorras e quebrou correntes.
Eu vejo que, atendendo aos justos brados
De ilustres, abatidos magistrados,
Outra vez os levanta à honra antiga,
Da qual dos despojou a infame intriga.
(GONÇALVES 1999: 80)
Só após a queda de Pombal é que Gonzaga conseguiu um lugar de Letras
e que seu pai, com 68 anos, foi promovido à casa da Suplicação de
Lisboa, em novembro de 1778.
2.2. A História Intelectual de Portugal
Transformações em toda a Europa agitaram a segunda metade do
século XVIII. No campo ideológico assinala-se como acontecimento
fundamental à instalação do pensamento enciclopédico de D’Alembert,
Diderot e Voltaire, ocorrida em 1751 que se pode dizer foi o que
culminou com a Revolução Francesa (1789). Tratava-se do Iluminismo
francês que se baseava na Razão e no culto das ciências.
39
Portugal conseguiu acompanhar esse fluxo de mudanças graças ao
apoio dado por D. João V a Luís Antônio Verney (1713-1792) que
publica a obra Verdadeiro Método de Estudar em 1746. Nesta obra, Verney
propõe a reforma geral do ensino superior em Portugal tendo por base
as idéias iluministas. Em conseqüência a Universidade transformou-se.
A partir de 1759, os jesuítas são expulsos, a escolaridade vai se
tornando laica e o grande influente foi o Marquês de Pombal (1699-
1782), ministro de D. José I que sucede a D. João V e reina até 1777.
Pombal promoveu medidas que tendem a colocar Portugal no nível da
cultura européia, especialmente à francesa e incrementa a instalação do
ideário iluminista. Em lugar de Verney coloca o pedagogo Antônio
Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782-3). A Universidade, com a
importação de professores estrangeiros, conhece uma fase de intensa
atividade científica e filosófica. O dinheiro que vinha das Minas do Brasil
possibilitou em Portugal a construção da Biblioteca da Universidade de
Coimbra, começada em 10 de maio de 1712 e terminada em 1728.
Foram compradas obras de Francisco Barreto, de Pe. Le Rue (Paris), de
João Baptista Lerzo e de Lucas Seabra da Silva, que tudo isso foi
retirado em 1772 com a Reforma e a introdução das idéias francesas.
O reinado de D. João V (1707 a 31 de julho de 1750) dividiu-se
em dois períodos: um sob a influência dos jesuítas, até 1742 e o outro
pelo domínio de Fr. Gaspar da Encarnação que afastava a interferência
jesuítica. Os jesuítas, querendo manter-se no poder, solicitaram ao rei D.
João V que mandassem vir de Itália os dois jesuítas Pe. Domingos
Cappace e o Pe. João Baptista Carbone para fundarem em Portugal o
ensino da matemática. O Pe. Carbone tornou-se mentor político do
monarca por 28 anos, impedindo que entrassem em Portugal as
doutrinas de Bacon, como revelou em carta Jacob de Castro Sarmento
40
que foi encarregado pelo rei para a tradução do Novum Organum
Scientiarum. Os jesuítas tinham um método formal e imutável, típico e
tradicional, tinham cristalizado o Ratio Studiorum de 1588.
No período do domínio jesuítico, Portugal não tinha parlamento,
o povo não tinha terra, o trabalho mecânico era considerado degradante,
a instrução pública era dada pelos jesuítas, o espírito crítico apagava-se
ante a espionagem do Santo Ofício, que o expulsava nas fogueiras dos
autos-de-fé, a realeza era respeitada pelo terror das forcas e a aristocracia
prostituía-se galantemente. Tratava-se de um povo sem opinião,
submisso a um regime que corta toda a manifestação do pensamento
acerca dos atos do governo, os espetáculos eram desviados das causas
públicas, as idéias eram consideradas como perigo social, tudo impelia
para a degradação.
A cultura humanística dos jesuítas conservava Portugal afastado
do movimento intelectual europeu, mas havia Jacob de Castro Sarmento,
em Inglaterra, Luís Antônio Verney, em Roma, Francisco Xavier de
Oliveira, na Holanda e o Doutor Ribeiro Sanches, em França que
compreenderam a necessidade de abrir-se para as correntes da civilização
moderna. Para renovar a intelectualidade portuguesa, o Conde de
Ericeira promovia junto de D. João a resolução oficial de mandar
traduzir para o português o Novum Organum Scientiarum, embora o
influente Pe. Carbone tentasse impedir.
Essa idéia de liberdade de pensamento começou-se a fortalecer no
século XVIII e surgiu uma associação de livres-pensadores chamada Club
de l’Entresol (sobreloja). Era um grupo que expunha suas opiniões sem
medo de se comprometerem, pois todos se conheciam.
Importante ressaltar que Verney (1738-1798) escrevia cartas
anônimas, assinando como Frade Barbadinho, atacando os jesuítas e
41
dando base concreta para a reforma pedagógica pombalina. Ele analisou
os livros dos seis métodos de ensino dos jesuítas. Escreveu o Verdadeiro
Método de Estudar demonstrando o atraso das escolas em Portugal, perto
do conhecimento da Europa. Verney tinha uma cultura enciclopédica, o
que dava a sua crítica um intuito de reforma. Sua obra é documento
histórico das formas do ensino jesuítico em Portugal, expondo o absurdo
de se estudar tanta gramática e latim e suas regras. Era ensinada a
gramática de Pe. Manuel Álvares e outros livrinhos. A retórica era
ensinada por cadernos manuscritos do Pe. Cipriano Soares, de Pomey e
Juglar, em exercícios de recitações pedantes.
O livro de Verney provocou extraordinária reação por parte dos
jesuítas que atacaram o Frade Barbadinho. que Pombal, nas
Instruções Régias de 1759, mandou adotar nas aulas públicas um resumo
do Novo todo. Pode-se concluir que as reformas da instrução
pública, feitas em 1770 pelo Marquês de Pombal, tomaram por base o
Verdadeiro Método de Estudar. que em 1768, Verney queixou-se a um
amigo da Congregação do Oratório da falta de reconhecimento pelo seu
trabalho.
Verney esperava então receber pelo seu trabalho, como D. José
havia prometido. Escreveu para Pombal pedindo a sua importância, mas
Pombal não lhe responde. em 1768 (13 de abril) é que foi nomeado
secretário régio para servir a corte com o ministro Almada. Foi ainda
nomeado para a Mesa da Consciência e Ordens em 11 de setembro de
1790. Faleceu em Roma, em 1792.
Também, salienta-se a obra a Arte de Furtar de Alexandre Gusmão
como o texto que critica a sociedade. Trata-se de uma obra que reflete a
corrente antijesuíta e afirmações de regalismo. Vale salientar que quanto
ao reinado, D. João V morreu em 31 de julho de 1750, Alexandre de
42
Gusmão atua a 1758 e foi considerado por Fr. Fortunato de S.
Boaventura, no seu livro Subsídios para a História Literária de Portugal,
como o melhor prosador da primeira metade do século XVIII.
Neste período, Portugal tinha livres pensadores, entre eles:
Francisco Xavier de Oliveira e Antônio da Costa, ambos escreviam
cartas que impulsionaram a emancipação mental da geração que formou
a enciclopédia. Francisco Xavier de Oliveira (1702-1783) apresentou
revolta de consciência e curiosidade de espírito, saiu então de Portugal.
Escreveu Discours Pathétique em 1756 e estudou no Colégio dos Jesuítas e
admirava o Pe. Antônio Vieira. O antagonismo entre a Companhia e a
Inquisição refletiu no seu espírito, sentindo-se incompatível com as
barbaridades monstruosas do Santo Ofício. Suas Cartas foram proibidas
em Portugal, por Frei Manoel do Rosário. Estas Cartas tinham o livre-
pensamento da Holanda. O Cavaleiro de Oliveira, como era conhecido,
teve relações com o ministro, mas algo os separava. o Cavaleiro de
Oliveira detestava e combatia a Inquisição como causa da ruína de
Portugal e era admirador dos Jesuítas. Já, Sebastião José de Carvalho
tinha essa visão invertida, pois expulsou os jesuítas e deu oficialmente o
tratamento de majestade à Inquisição. Em 1761, a Inquisição queimou
em praça pública o Pe. Gabriel Malagrida e como o Cavaleiro de Oliveira
estava na Inglaterra, seu retrato foi queimado, ou como se diz, queimado
em estátua.
Antônio da Costa inspirou Voltaire a liberdade de pensamento e a
Pope a oração Universal e escrevia com grande liberdade de amores.
Falava sempre sobre tudo que aprendia, por isso teve que sair rápido de
Portugal. Dizia claramente que os portugueses não sabiam nada de arte,
porque não a conheciam. O que o fez sair de Portugal foi o seu caráter
isento e inconciliável. Permaneceu em Roma por algum período, mas em
43
1760 teve que sair, pois Pombal forçou a saída de todos os portugueses
de Roma. Em Viena, ficou sabendo das reformas do Marquês de
Pombal.
Ao lado dessa intelectualidade portuguesa convivia a religiosidade
da Companhia de Jesus que se concentrava na instrução pública e foi
interrompida no século XVIII. Para esclarecer esse fato, é importante
observar as condições sociais em que se realizou a queda dos Jesuítas.
Salienta-se que o estabelecimento da Companhia coincide com a
decadência da monarquia portuguesa. Para a desgraça de Portugal, os
jesuítas e a influência estrangeira entraram nesta nação ao mesmo tempo.
O que se percebe é que sempre a responsabilidade dos acontecimentos
recai sobre aqueles que exercem o poder que em Portugal pertenceu aos
jesuítas da Companhia, de 1540 a 1750. O ministro culpa os jesuítas da
decadência das instituições e da nação portuguesa. No duelo com a
Companhia de Jesus, Pombal redigiu a Dedução Cronológica e analítica dos
estragos jesuíticos, para assim fundamentar perante os países europeus o
que ele praticava na nação. Para que ocorressem as mudanças, Braga
deixa registrado que:
A primeira conseqüência do grande acontecimento da
expulsão dos Jesuítas foi a necessidade imediata e inadiável
de suprir e reformar o Ensino Médio, depois de fechados
os seus colégios, e de proceder a uma reforma da instrução
superior ou universitária, tratando por último da criação de
escolas populares. Eis como surgiu o problema pedagógico
moderno. O grande ministro atacou o problema de frente;
sob os aspectos prático e teórico, urgia criar receita para
pagar aos mestres, que não podiam ser gratuitos como
ardilosamente eram os jesuítas, e determinar as disciplinas
que deviam constituir a instrução secular dos cidadãos. A
superioridade do ministro revela-se no alto interesse com
44
que acudia a todos os trabalhos pedagógicos para a reforma
integral. (BRAGA 2005: 112).
A expulsão dos jesuítas era um fator importantíssimo para a Reforma da
Instrução Pública em Portugal. Pombal incomodava-se muito com as
opiniões emitidas acerca do seu governo, criando por decreto de 17 de
agosto de 1756 um Juízo Camarário que acabou por causar a morte de
um poeta da Arcádia, Correia Garção. Mas, pior do que o Juízo
Camarário, forjaram-se leis da imprensa em Portugal feitas por ministros
liberalistas, para impedir que se desvendassem os roubos dos governos
de bacharéis.
Quanto à reforma da instrução pública, os literatos esperaram
receber do impetuoso ministro a proteção oficial para a literatura, como
se viu nas homenagens servis que lhe dirigiu a Arcádia Lusitana. O
ministro desprezou-os e serviu-se dos que podiam defendê-lo como na:
Tentativa cronológica do Pe. Antônio Pereira ou no Compêndio Histórico e
Dedução Cronológica. O Marquês de Pombal não permitia esta liberdade
mental da crítica, prendia os poetas como Garção e proibia a entrada das
obras dos enciclopedistas, pelos editais da Mesa Censória.
Pombal teve como argumento o terremoto de 1755 para poder
investir com a ditadura, tanto nas reformas políticas, econômicas,
industriais e pedagógicas, procurando identificar Portugal com as Nações
cultas do século XVIII.
Com a queda de Pombal, as perseguições políticas se encerraram,
mas as religiosas começaram, criando-se a Mesa Censória para o exame e
censura dos livros, cuja entrada estava sob a responsabilidade do
intendente da polícia Pina Manique:
45
Introduziram-se por este tempo em Portugal as obras de
João Jacques Rousseau, de Voltaire e de outros seus
sequazes, cujas opiniões arriscadas e libertinas mascaradas
com o evangelho, inoculavam a liberdade e a indifferença nas
matérias de e de religião. Doutrinas abraçadas pelos
philosophos modernos, que se denominavam Espíritos fortes
e iluminados, e que se jactam de elles saberem ser
christãos, e na verdade abomináveis, e tanto mais
perniciosos quanto disfarçados e encobertos. (BRAGA
2005: 216-217)
Vale ressaltar que a leitura dos escritores do século XVII eram proibidos
pelo poder ministerial:
Em data de 15 de Setembro de 1770, e consulta da Mesa de
Consciência, publicou-se uma extensa lista das obras
filosóficas, científicas e literárias absolutamente proibidas,
com ordem de serem apresentadas na secretaria daquela
Mesa, no período de sessenta dias. A conservação desses
livros era punida como um crime, e alguns deles foram
queimados pela mão do carrasco na Praça do Comércio;
executou-se auto em 6 de outubro de 1770, em presença de
um desembargador e do corregedor do crime do Bairro
Alto, que assinaram o termo autêntico dessa execução. O
preâmbulo do edital termina com esta justificação: “Tem
ultimamente chegado ao nosso real conhecimento a
narração de todos os horrorosos estragos, que n’este século,
mais que todos os outros, terá causado na maior parte da
Europa o espírito da Irreligião e da falsa Filosofia, o qual tem
excitado as mais vigorosas providencias procura
prescrever os funestíssimos effeitos d’esse disfarçado
veneno, parece que elle consegue augmentar-se e diffundir-se ao
mesmo tempo que uma inundação monstruosa dos mais
ímpios e detestáveis escriptos para atacar os princípios mais
sagrados da religião, para invadir os mais sólidos
fundamentos do Throno... E porquanto me constasse, que
muitos dos ímpios escriptos são abomináveis producções
da incredulidade e da libertinagem de homens temerarios e
46
soberbos, que se denominam espíritos fortes e se attribuem
o especioso título de Filósofos haviam chegado a penetrar
n’este reino por caminhos indirectos e occultos; havendo
mandado proceder com a mais exacta dilligencia ao exame
d’elles, constou pelas Censuras conterem doutrinas ímpias
próprias a estabelecer os grosseiros e deploráveis erros
do Ateísmo, Deismo e do Materialismo. (BRAGA 2005: 219)
Neste período, Pina Manique fazia caça aos livros perigosos nas
alfândegas mandando abrir caixotes e examinar o seu conteúdo. Os
livros de doutrinas políticas democráticas eram queimados pela mão do
carrasco; davam-se varejos às livrarias particulares e apreendiam-se.
Segundo Braga, o intendente Manique, em Portugal, obstava por todas as
violências para não se espalhar as notícias da Revolução Francesa.
Manique espiava com furor as propagandas dos livreiros franceses
estabelecidos em Lisboa. Todos os homens envolvidos nas arcádias e
que buscavam a modernização do reino português aderiram às novas
idéias filosóficas, principalmente as que debatiam sobre novos problemas
como a aspiração da independência moral e prestava-se a propaganda
política. Em Coimbra, os teatros particulares fizeram sucesso, que D.
Francisco de Lemos mandou fechá-los. O século findou-se com
desastres e não seria possível compreender as novas instituições
parlamentares do século XIX e muito menos possível compreender a
ação política exercida pelos literatos portugueses sob ao regime liberal e
conseqüentemente com a transformação do Romantismo.
Percebe-se, portanto que em 1768, em Portugal, ano de produção
do Tratado de Direito Natural de Gonzaga, havia expansão dos pensadores
que dirigiam suas críticas ao século, como Hobbes, Shaftesbury,
Rousseau, Voltaire e Diderot.
CAPÍTULO III
O INÍCIO DAS TRANSFORMAÇÕES INTELECTUAIS
PORTUGUESAS
3.1. As Reformas Pombalinas e o Iluminismo em Portugal
Desde a primeira metade do século XVIII existia em Portugal um
grupo de intelectuais e políticos que, tendo como exemplo as nações
onde o Iluminismo se propagara, sugeria mudanças e reformas que
poderiam alterar a situação portuguesa no contexto europeu; as
Reformas Pombalinas, neste sentido, significavam o fortalecimento desse
movimento.
No entanto, existiam tentativas anteriores de modernização que,
desde o século XVII, vinham sendo registradas por alguns economistas
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portugueses. No livro Antologia dos economistas portugueses (1974), Sérgio
citou Luís Mendes de Vasconcelos que exerceu o cargo de capitão-mor
nas armadas do oriente e o de governador do reino da Angola, que
escreveu em 1608 os Diálogos do Sítio de Lisboa, onde discutem um
filósofo, um soldado e um político. Neste texto, o autor buscou relatar o
que seria ideal para Portugal como: aperfeiçoar a agricultura;
desenvolver, por ela e pela indústria, a economia metropolitana;
nacionalizar por essa indústria o comércio do ultramar.
Outro autor que escreveu sobre a necessidade de modernização
em Portugal foi Severim de Faria (1583-1654) que escreveu Do muito que
importará a conservação e aumento da monarquia de Espanha assistir Sua majestade
com sua corte em Lisboa e dos Meios com que Portugal pode crescer em grande
número de gente, para aumento da milícia, agricultura e navegação.
Segundo Sérgio, para Faria, havia um problema em Portugal que
era a diminuição do povo. Houve essa diminuição por três causas:
devido às conquistas, o fato de não estar organizada a indústria e os
defeitos da agricultura. A solução era a introdução das artes mecânicas, o
desenvolvimento industrial.
Cumpria proibir a exportação das matérias-primas, e trazer
oficiais excelentes de outras províncias (do estrangeiro, dir-
se-ia hoje), dar-lhes salários e comodidades convenientes,
favorecer os bons engenhos e estimar as invenções e as
obras que participam do singular e do raro, e assinalar
prêmios à perfeição e excelência. o que tentamos fazer
há pouco com a criação da Junta de orientação dos estudos:
Favorecer os bons engenhos, estimular as invenções,
instruir os Portugueses nas técnicas modernas mais
urgentes, - sem lograr em S. Bento a indispensável atenção.
Cumpre insistir...). (SERGIO 1974: 147)
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Os problemas expostos por Faria sobre a agricultura e a indústria foram
retomados pelo Dr. Ribeiro de Macedo (1618-1680) no seu Discurso sobre
a Introdução das Artes no Reino (1675), onde relatava o problema da balança
comercial. Ele mesmo questionava: “Qual de nós [pergunta ele] que
traga sobre si alguma cousa feita em Portugal? Acharemos (e não ainda
todos) que o pano de linho e os sapatos são obras nossas. [...] o único
meio que para evitar este dano e impedir que o dinheiro saia do reino
é introduzir nele as artes”. (SERGIO 1974: 174).
Realmente, se os artigos de luxo de cujo uso alguns se queixavam
fosse feito no país, não seria realmente um mal. Macedo sugeriu que
fossem produzidos em Portugal os cereais, as sarjas, baelas, meias de
seda, panos e papel e os produtos industriais fáceis de manufaturar.
Segundo ele, não faltavam matérias-primas para isso e o que faltasse
poderia ser providenciado.
O que deveria ser feito, a princípio, era proibir a saída de artesãos
que pudessem desenvolver as indústrias. Observe-se o que ele diz:
Cumpria usar ao mesmo tempo, não a isenção de
direitos para os mestres que tentavam indústrias novas, mas
prêmios, também, para os que melhor fabricassem nos
vários gêneros, e facilidades para o estabelecimento nos
lugares abundantes em água e lã; atrair com grossos salários
os melhores artífices do estrangeiro; e desenvolver o ensino
público. (SÉRGIO 1974: 23)
Ele alertava também que se Portugal não tivesse manufaturas, as colônias
portuguesas iriam dar vantagem a outros povos; acreditava nisso porque
as colônias tinham muita matéria-prima.
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Deve-se observar que as iniciativas de modernização desses
economistas portugueses foram iniciativas que antecederam as propostas
iluministas representadas na Reforma Pombalina.
Assim, a partir do século XVII, aconteceram na Europa inúmeras
mudanças no modo de produção e de idéias, que se refletiram de forma
ascendente na vida dos homens. Sua disseminação atingiu a economia, a
ciência, a política, a arte, a religião e a filosofia. A transformação não
ocorreu somente na produção material, e sim em todos os aspectos da
consciência humana. Desenvolveram-se no mundo todo profundos
movimentos como: a Revolução Industrial, que se iniciou na Inglaterra; a
Revolução Francesa; a Reforma Pombalina, em Portugal; e as
Inconfidências, no Brasil. Em termos filosóficos, o iluminismo dominou
o campo das idéias. Trata-se de um momento histórico em que o
homem abandona as superstições medievais e abraça as idéias iluminadas
pela razão e pela ciência. Os homens com ideais iluministas tinham por
objetivo libertar o pensamento do domínio das idéias sobrenaturais, para
o homem conquistar a liberdade intelectual, política e religiosa, motivo
pelo qual se condenava toda forma de pensamento pautado no
absolutismo político e religioso.
Para verificar como foi a influência que os intelectuais desse
período receberam e que estudaram na Universidade de Coimbra, é
necessário entender as transformações que ocorreram por todo o
mundo, principalmente a Revolução Francesa e o Iluminismo. É
necessário verificar como repercutiram no Brasil e nas Inconfidências,
que posição tomou Gonzaga, autor de Tratado de Direito Natural em
relação ao que estava acontecendo em Portugal e quais as idéias de
reforma trouxe para o Brasil.
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É preciso para isso verificar que, nos primórdios da transformação
manufatureira, o comércio desestruturou a produção tradicional de todos
os países. As nações se modificaram. Os países onde o comércio se
desenvolveu viraram grandes potências como foi o caso da Inglaterra,
França, Holanda e Países Baixos, mas em Portugal a aristocracia se
fortaleceu, colocando rédeas nos comerciantes e se enriquecendo da
riqueza colonial, impedindo assim que a manufatura não se
desenvolvesse internamente.
No início dos tempos modernos, Portugal encontrava-se na
vanguarda das transformações. No século XVI, esse país constituía-se,
juntamente com a Espanha, na principal potência marítima do mundo
ocidental. Em busca de riquezas, os lusitanos haviam produzido a
expansão marítima e contribuído decididamente para a gestação do
comércio mundial. Refletindo esse vanguardismo, Lisboa transformou-se
numa das capitais do mundo. Voltar a este patamar sempre foi uma
questão para os portugueses.
Segundo Menezes (1998), a antiga forma social resistiu à
destruição e, neste embate, houve um equilíbrio de forças que deixa a
impressão de que os portugueses não conseguiam imprimir uma direção
à sua história, mas que também a antiga sociedade não conseguia
estancar totalmente as transformações.
Seguindo a idéia de que o Iluminismo propagava-se por todos os
países europeus e que essa propagação ocorria de forma diferente em
cada um deles é que se focaliza Portugal, local principal de muitas
discussões, mais especificamente as Reformas Pombalinas. Sebastião
José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi um homem
reconhecido por ter renovado profundamente a política econômica do
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governo português. Analisar Portugal do século XVIII sem levar em
conta a figura do Marquês de Pombal (1699-1782) é quase impossível.
Com as Reformas Pombalinas no país, toda a parte administrativa
se alterou. Criou-se a Real Mesa Censória (1771), para secularizar o
controle e as proibições que, de longa data, impediam ou dificultavam a
introdução de novas idéias no país. Desse modo, a Real Mesa Censória
substituiu a Inquisição e tornou-se o juiz do que se supunha aceitável
para o público leitor português.
Algumas transformações educacionais foram feitas nos Estatutos
do Colégio dos Nobres, criado em Lisboa a 7 de março de 1771,
anteriormente, portanto, à Reforma da Universidade de Coimbra, mas
elas não foram cumpridas. Isto levou à criação da Real Mesa Censória,
que tinha como função estabelecer medidas rigorosas para que as
reformas fossem cumpridas.
Paradoxalmente, portanto, a censura do Estado foi planejada para
fornecer os meios suscetíveis de estimular o Iluminismo, o que revela a
complexidade dos embates que davam os contornos das transformações.
A Mesa liberava livros para seus proprietários que antes haviam sido
banidos pela Inquisição entre eles as Oeuvres de Voltaire (teatro), a
Pamela, de Richardson, o Esprit de lois, de Montesquieu, e os Essays on
humam understanding, de Locke.
Deve-se citar também Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-
1783), que, antes de Pombal, em suas Cartas sobre a educação da mocidade
(1760), propôs a separação total entre a Igreja e o Estado, fazendo
algumas sugestões para a reforma da educação portuguesa, o que sem
dúvida alguma é importantíssimo para a análise de Tratado de Direito
Natural, uma vez que Sanches expõe os princípios de Direito Civil,
Político e Pátrio, áreas que também foram tratadas por Gonzaga.
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Entretanto, Sanches expõe a liberdade de consciência, criando o Colégio
dos Nobres isento da influência direta da igreja, destinado a uma
preparação para as funções do estado; Gonzaga expõe o imperante
diretamente ligado às leis divinas. Na citação transcrita a seguir, Cidade
(1968: 58-59) mostra a relação entre essas cartas e a transformação
ocorrida nos Estatutos do Colégio dos Nobres, cujas repercussões
incidem sobre a Reforma da Universidade de Coimbra.
São dois os trabalhos com que tenta reformar a educação
da mocidade portuguesa: - ‘Carta sobre a educação da
mocidade nobre’ e o ‘Método para aprender a estudar a
medicina, ilustrado com os Apontamentos para estabelecer-
se uma Universidade real, na qual deviam aprender-se as
Ciências Humanas de que necessita o estado Civil e
Político’. A elaboração do primeiro destes trabalhos
determinou a extinção, em 1759, dos colégios dos jesuítas.
Foi tal elaboração instigada pelo embaixador português em
Paris, Monsenhor Salema? Assim este o afirma. O que se
sabe é que foi em conformidade com o plano exposto
nessas cartas que o Conde de Oeiras, futuro Marquês de
Pombal, organizou em 1761 o Colégio dos Nobres. Em
verdade, nelas Ribeiro Sanches defende muitas das idéias
gratíssimas ao primeiro Ministro e por ele realizadas. Assim,
a da secularização do ensino; a transformação numa função
exclusiva do estado, porque a seu benefício era destinada,
do ensino até monopolizado pelos eclesiásticos, que
Sanches não sofre ver privilegiadíssimos, mesmo em
tempo em que as condições de vida, que poderiam explicar
tais privilégios, haviam profundamente mudado; a viva
condenação do anacrônico peripatetismo, que numa carta
para Teodoro de Almeida qualificava de parvoíce de frades;
finalmente, a adaptação do ensino à criação de valores que
pudessem integrar-se na vida do tempo – uma escola militar
para nobres, com muito exercício para o desenvolvimento
da agilidade e robustez ginástica, esgrima, dança mas
também com línguas modernas - castelhano, francês, inglês
Matemáticas elementares, geografia e História, princípios
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de Direito Civil, Político e Pátrio, além de conhecimentos
de armas, evoluções e táctica.
Outras idéias não agradariam, decerto, ao Conde de Oeiras,
como a da liberdade de consciência, a que punha limitações
longe de coincidirem com as que o ministro absolutista
julgava convenientes, como a da organização rousseauliana
do estado, por um contrato entre os povos e o soberano,
etc.
Em todo o caso, os princípios essenciais aproveitou-os o
conde na fundação do Colégio dos Nobres, que viveu,
como Sanches preceituara, isento de directa influência da
igreja, destinado à preparação para funções do estado, e de
programas animados por vivo sopro de pragmatismo.
Segundo Maxwell (1996), os escritos de Antônio Pereira de Figueiredo e
João Pereira Ramos de Azevedo Coutinho forneceram a justificativa para
as reivindicações seculares quanto a assuntos até então de domínio da
Igreja e para a captura, pelo estado, da jurisdição antes atribuída ao
domínio espiritual.
Observe-se que, o Brasil era colônia de Portugal onde não existiu
o feudalismo tal como nos termos da Europa. Talvez isto explique o
porquê de os primeiros experimentos na educação serem iniciados aqui.
Tratava-se de um local onde não existiam leis rígidas, não habitando
também homens com culturas tradicionais como os nobres e clero em
Portugal. É essa secularização que se destaca nos objetivos da reforma
educacional de 1760, a qual segundo Maxwell visava:
três objetivos principais: Trazer a educação para o controle
do Estado, secularizar a educação e padronizar o currículo,
assim como muitas das medidas de Pombal, os
experimentos iniciais ocorreram no Brasil. (...) Os diretores
deveriam ocupar os lugares dos missionários e duas escolas
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públicas deveriam ser estabelecidas em cada aldeia indígena,
uma para meninos e outra para meninas. Aos meninos se
ensinaria a ler, escrever e contar, assim como a doutrina
cristã, enquanto as meninas, em vez de contar, aprenderiam
a cuidar da casa, costurar e executar outras tarefas
“apropriadas para esse sexo”. Os diretores, diferentemente
dos missionários, deveriam impor às crianças indígenas o
uso do português e proibir o uso de sua própria língua.
(1996: 104)
Em suas reformas educacionais, Pombal inspirou-se nas recomendações
dos oratorianos, como Luís António Verney, cujo livro resumia tanto o
radicalismo como as limitações da filosofia educacional de Pombal: “era
um método destinado a ser útil para a República e a Igreja na proporção
do estilo e da necessidade de Portugal” (MAXWELL 1996: 104).
Luís António Verney, o vigoroso autor do Verdadeiro Método de
Estudar, publicado pela primeira vez, em 1746, nascido em Lisboa de pai
francês, fez os seus primeiros estudos no Colégio de Santo Antão dos
Jesuítas, em Évora. Com vinte e três anos foi estudar em Roma voltando
a formar-se em teologia e Jurisprudência. Em 1742, foi designado pelo
Papa arcediago na Catedral de Évora, havendo tomado posse em Roma.
Permaneceu na Itália até sua morte. Desenvolveu uma enorme atividade
literária compondo numerosas obras pedagógicas e filosóficas, das quais
algumas permaneceram inéditas. Insurgiu-se contra a fraca cultura dos
mestres portugueses, indicando no seu Verdadeiro Método de Estudar a
propósito de cada setor da cultura, as obras que considerava mais
eminentes e que os professores nacionais ignoravam no ensino.
Para dar execução à reforma, Pombal criou o posto de diretor de
estudos, com a finalidade de fiscalizar o estabelecimento de um sistema
nacional de educação secundária, para o qual indicou Dom Tomás de
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Almeida. Somente mais tarde é que foi criada a Junta da Providência
Literária, para preparar a reforma da educação superior. O diretor de
estudos tinha como tarefa coordenar, preparar os relatórios anuais,
inspecionar e administrar o sistema. Quanto aos professores, estes
seriam pagos pelo Estado, deveriam passar por um exame público para
obter suas posições, teriam privilégios concedidos a nobres e
residiriam nos conventos dos jesuítas expulsos. Ressalta-se que esse era o
desejo de Gonzaga, tornar-se professor só que do Ensino Superior,
talvez pelos privilégios existentes.
Em 1771, houve a substituição do diretor de estudos pela Real
Mesa Censória, ampliando o sistema educacional com a incorporação de
escolas de leitura, composição e cálculos e aumentando as aulas de latim,
grego, retórica e filosofia, estendendo-se até os territórios ultramarinos.
Destaca-se que:
a legislação de 1772 incluía um plano nacional relacionando
as escolas e os professores com a situação socioeconômica
das regiões e estabelecendo uma base financeira para o
sistema mediante a introdução de um novo imposto ou
subsídio literário para cobrir esse custo. (MAXWELL 1996:
105)
A Reforma da Universidade de Coimbra, ocorrida em 1772, foi um dos
mais importantes aspectos da reforma educacional de Pombal, pois
tiveram um resultado que se prolongou pelas demais gerações. Sua
síntese pode ser exposta nos seguintes termos:
Para preparar os novos estatutos da universidade, criou-se a
Junta da Providência Literária em dezembro de 1770. O
onipresente e maleável Dom João Cosme da Cunha era o
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presidente da Junta e Francisco de Lemos tornou-se o
reitor da reforma. Francisco de Lemos e seu irmão
compuseram os novos estatutos da universidade. João
Pereira Ramos coordenou a parte jurídica em estreita
colaboração com o Marquês de Pombal, enquanto
Francisco de Lemos concentrou-se nos novos estatutos
relacionados com as ciências naturais e a matemática. Frei
Cenáculo foi também membro da Junta da Providência
Literária. A intervenção pessoal de Pombal colocou
Cenáculo nessa comissão, onde Pombal tomou parte ativa
em discussões, tendo ele próprio presidido algumas sessões
da junta. A universidade foi fechada durante as fases finais
da reforma e Pombal supervisionou pessoalmente a
inauguração da instituição reformada durante uma estada
de 32 dias em Coimbra, de setembro a outubro de 1772. Os
indivíduos-chave que o auxiliaram foram: Jo Seabra da
Silva, co-autor da Dedução Cronológica, Frei Manuel do
Cenáculo, João Pereira Ramos, Dom Francisco de Lemos,
Pascoal José de Melo Freire, Antônio Nunes Sanchez,
Jacobo Castro Sarmento e, é claro, Verney. (MAXWELL
1996: 110)
Ou seja, a Reforma da Universidade confirma o caráter empreendedor
de Pombal. Ele visava modernizar as faculdades de teologia e de lei
canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da
faculdade de direito, atualizar a faculdade de medicina, fazendo voltar o
estudo de anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, que antes
era proibida por questões religiosas.
Dessa forma, o novo currículo e a existência de laboratórios eram
inovações excepcionais para a época. Um dos primeiros trabalhos da
Junta foi justificar a reforma, atribuindo a decadência da universidade aos
jesuítas. A declaração dos objetivos do processo da reforma da
universidade veio do próprio Francisco de Lemos:
Não se deve encarar a universidade como um corpo
isolado, preocupado apenas com seus próprios negócios,
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como sucede normalmente, mas como um corpo no
coração do Estado que, mercê de seus intelectuais, cria e
difunde a sabedoria do Iluminismo para todas as partes da
Monarquia a fim de animar e revitalizar todos os ramos da
administração pública e de promover a felicidade do
Homem. Quanto mais se analisa essa idéia, maiores
afinidades se descobrem entre a universidade e o Estado;
quanto mais se a dependência mútua desses dois corpos,
mais se percebe que a Ciência não pode florescer na
universidade sem que ao mesmo tempo floresça o Estado,
melhorando e aperfeiçoando a si mesmo. Essa
compreensão chegou muito tarde a Portugal, mas enfim
chegou, e estabelecemos sem dúvida o exemplo mais
perfeito e completo da Europa atual. (MAXWELL 1997:
232)
Pombal, da mesma forma que seus antecessores em suas reformas
econômicas, defrontou-se com a limitada capacidade empresarial de
Portugal. Na área da reforma educacional, Pombal utilizou-se dos
estrangeirados, os quais iam se revezando de instituição em instituição,
devido à não existência de indivíduos com mentalidade moderna em
Portugal. Deve-se salientar que o nome estrangeirado equivale à
concretização do iluminismo em Portugal. Pode-se adizer que é uma
forma maldosa de tratar estes homens, mas esses eram essenciais para a
implantação do Iluminismo.
No plano econômico, sua proposta enfrentava a complexa
situação externa de concorrência entre as potências européias. Ele
acreditou inicialmente que poderia manter uma política de neutralidade,
mas os franceses estendiam sua política de dominação à Península
Ibérica, cujo objetivo era impedir a entrada do comércio britânico no
continente, inclusive fechar o acesso britânico aos portos de Portugal no
Atlântico, forçando assim Portugal a entrar na disputa. Acaba, então, por
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incentivar a construção de manufaturas no Brasil, assinalando uma
inovação na política colonial portuguesa.
Sua Reforma atinge o Brasil não apenas quanto a uma nova forma
de aproveitar as riquezas coloniais, mas também quanto a racionalizar e
padronizar a administração, a organização militar e o treinamento
educacional sob a alçada do Estado. Medidas foram tomadas também
para que, onde fosse necessário, as diferenças de raça e etnia não fossem
barreiras. A língua portuguesa deveria ser utilizada como um meio de
integrar as comunidades nativas; e os casamentos de nativos com
europeus eram encorajados no interesse de aumentar a população.
Porém, essas boas intenções foram modificadas pelas circunstâncias
locais. Quando Pombal podia governar de perto, o governo agia com
eficiência, mas nem sempre isso era possível, principalmente no Brasil.
A última década do governo de Pombal foi um período de muitas
alterações no ambiente econômico de Portugal e vários setores da
economia colonial enfrentaram dificuldades; a pressão da concorrência
restringiu o acesso ao mercado do açúcar brasileiro, o que se percebeu
rapidamente nos portos portugueses. Muitos comerciantes se retiraram;
entretanto, aqueles, com grande suporte econômico, com quem Pombal
tinha contato, permaneceram. As exportações de vinho e tabaco não
foram afetadas. Somente quem estava ligado ao comércio do ouro sofreu
impacto drástico.
Entrar nos detalhes dos avanços e retrocessos da política
modernizadora de Pombal não é o meu objetivo. O que merece destaque
é o fato de que essas novas condições econômicas produziram um
ambiente favorável ao crescimento das manufaturas. Pombal viu a
competitividade dos produtos aumentada pela queda na capacidade de
importar dos portugueses. Muitas das manufaturas criadas estavam
60
ligadas aos produtos de luxo e o Estado português concedia-lhes
privilégios de monopólio, isenção de impostos e fornecimento de
matérias-primas.
Todas as mudanças ocorridas em Portugal não podem ser
atribuídas apenas a Pombal, mas a uma complicada interação das
transformações sociais e econômicas, da política internacional e das
decisões diplomáticas que fizeram gerar tantas alterações e inovações no
campo interno de Portugal e seus domínios.
Assim, segundo Maxwell (1996: 152), nota-se que Portugal nunca
se esquece de sua colônia, pois ela era quem sustentava o reino. Desta
forma, as mesmas condições que ajudaram a introdução de manufaturas
em Portugal também incentivaram a criação de manufaturas no Brasil,
especialmente em Minas Gerais, a grande produtora do ouro. O Marquês
de Lavradio percebeu que, no caso de Minas Gerais, algo de novo iria
surgir, “dada a sua vastidão e o espírito rebelde de sua população, tal
independência era uma questão momentosa e um dia talvez viesse a
produzir graves conseqüências para Portugal” (MAXWELL 1996: 152).
Quanto ao legado de Pombal, pode-se dizer que ele exerceu
amplos poderes, mas sempre dependendo do apoio do rei. Tanto era
assim que, quando D. José I sofreu um ataque apoplético em 1765, o
futuro de Pombal pareceu comprometido.
Pombal preocupava-se com a continuidade de suas reformas e
acreditava mais na reforma da Universidade de Coimbra, porque, a seu
ver, era através das reformas educacionais que se poderia dar
continuidade ao impulso modernizador, ao transformar e reformar a
mentalidade dos portugueses e brasileiros que estudassem. Assim
sendo, ao lado de tantos aspectos de sua reforma, a de Coimbra foi um
dos mais elogiados pelos poetas modernos da época.
61
Pode-se observar que a política econômica de Pombal protegia o
comércio vantajoso e aspirava desenvolver uma classe nacional de
homens de negócio, desafiando os concorrentes estrangeiros.
Para as grandes câmaras de comércio, que ajudou a criar,
ele foi um herói; para os pequenos negociantes, que
suprimiu, ele foi um tirano. Para os cultivadores de vinho
do Porto, que protegeu, ele foi um patrono; para os
proprietários de vinhedos, cujas vinhas mandou arrancar,
foi uma calamidade. Diferentemente da maioria dos
governantes esclarecidos, mais preocupados com a teoria
do que com a prática, de uma maneira geral ele alcançou
seus objetivos. Sua reforma educacional abriu as portas
para o florescimento, no final do século XVIII, da ciência e
da filosofia portuguesa. Os comerciantes que favoreceu
tornaram-se a base de uma rica e opulenta burguesia. Em
ambos os casos o papel do estado como patrono, parceiro e
protetor foi decisivo. Como sublinhava Dom Luís da
Cunha em seu Testamento Político, a liberdade de muitos
foi restringida para o benefício de poucos. Desse modo, o
Portugal do século XVIII foi o Estado que criou a
burguesia, e não, como na América britânica, a burguesia
que restringiu o Estado. (MAXWELL 1996: 170)
A história da administração de Pombal é muito importante para se ter
uma visão de que o progresso do Iluminismo no século XVIII na
Europa não foi linear e passava por ações políticas que pareciam se opor
aos seus próprios princípios. Nesse sentido, as iniciativas de Pombal
tinham seus limites. De um lado, Portugal era dominado pela igreja
portuguesa que era católica, defendida pelo Santo Ofício e pela
Companhia de Jesus e, de outro lado, sofria a pressão dos setores
produtivos que aderiam ao espírito moderno científico. Entretanto, com
seu sistema de “iluminismo português”, essencialmente reformista e
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pedagógico, com ideais progressista, nacionalista e humanista, Pombal
provocou satisfação em grande parte dos intelectuais.
3.2. O entusiasmo dos Árcades Inconfidentes com as Reformas
Pombalinas
Segundo Lúcia Helena (1996), os árcades surgiram para combater
o mau gosto que na época era o gosto espanhol dos excessos
conceptistas e cultistas do seiscentismo. Para Candido (1985: 88),
Arcadismo deve ser distinto de Neoclassicismo e Ilustração.
Neoclassicismo para Candido era a denominação através da qual
espanhóis e ingleses costumavam designar a imitação do Classicismo
francês, verificada em toda a Europa durante o século XVII e por
Ilustração, o conjunto de tendências ideológicas próprias do culo
XVIII, de fonte inglesa e francesa e que, exaltava a natureza, a
divulgação apaixonada do saber, a crença na melhoria da sociedade, a
confiança na ação governamental para promover a civilização e o bem-
estar coletivo.
o Arcadismo, segundo Candido (1985: 88), surgiu à influência
dos italianos, que reagiram contra o maneirismo das agremiações
chamadas Arcádias e teria sua teoria poética oriunda de Muratoti, e sua
prática poética devia-se a Metastásio. Essas agremiações intelectuais
originaram as Arcádias, que tiveram na Arcádia Romana, de 1690, o
primeiro modelo do gênero:
o grupo se organiza reunindo eruditos, filósofos,
pensadores livres, com programa definido e número fixo de
63
membros, com a finalidade de produzir, ler, discutir e
divulgar trabalhos no âmbito da ciência e das artes,
principalmente a literatura. Seus membros se
autodenominavam “pastores” e adotavam nomes gregos e
latinos, e tinham por patrono, num gesto de sincretismo, o
Menino Jesus. (HELENA 1996: 558)
O Arcadismo manifestava uma consciência de integração e de
ajustamento a uma nova ordem social e literária. O Arcadismo recupera
Aristóteles relido a partir da Arte Poética de Horácio e preconiza o caráter
racional da arte e da cultura. Preocupa-se em exaltar a finalidade moral
da literatura. Os árcades buscam motivos bucólicos, cristalizados em
cenários fixos, nos quais o clima ameno e campestre esmaece a
transformação urbana que se realizava no contexto político-social
circundante. O princípio retórico de base é a imitação dos antigos.
O Arcadismo penetra Portugal, onde se funda a Arcádia Lusitana
(1756). São escritos, no período, diversos tratados portugueses de arte
poética: a Nova Arte dos Conceitos, de Francisco Leitão Ferreira (1721), a
Arte Poética de Francisco José Freire, cujo nome árcade é Cândido
Lusitano (1745) e a de Paiva e Melo (1765).
Gonzaga, um árcade foi exposto por Lúcia Helena (1996: 563) que
comenta que a obra Tratado de Direito Natural louva, em teses ainda
absolutistas, o direito divino do monarca que, segundo Gonzaga, não
devia ser de modo algum subordinado ao povo e expõe: “Daquele que
louva o Monarca como ser supremo, ao intelectual que se envolveria na
Inconfidência, ainda que de forma discutível e com aspectos sombrios,
Gonzaga desenvolveu diversificada trajetória, na qual, sobretudo,
destaca-se sua faceta sem dúvida maior, a do poeta lírico-amoroso”
(HELENA 1996: 563)
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Nesse período, então, da escrita do Tratado de Direito Natural,
existia uma Inglaterra com experiência no Parlamento e contava com
dois partidos, o dos trabalhadores e o da nobreza; a França vivia o
absolutismo de Luís XVI e Portugal experimentava o despotismo
esclarecido do Marquês de Pombal. Trata-se da passagem de uma ordem
social em que conexão entre o poder secular e a para uma ordem
social em que se busca a conexão da razão com o iluminismo e com a
figura do indivíduo e da qual emerge a figura do homem empreendedor.
Assim, contradições são encontradas no Brasil, especialmente em
Minas que tinha uma elite letrada. Nos últimos quarenta anos, mineiros
ricos tinham enviado seus filhos à Universidade de Coimbra, o que lhes
possibilitara o contato com fontes intelectuais européias, apesar do clima
conservador daquele centro cultural português.
Segundo Candido (1985), os homens que escreveram no Brasil
durante todo o período colonial eram formados em Portugal ou
formados à portuguesa, como foi Gonzaga. Este era o caso dos
inconfidentes, cuja produção literária está, com maior ou menor
intensidade, ligada às Reformas Pombalinas, ou seja, no Brasil, a
Inconfidência Mineira (1789), a Inconfidência Carioca (1794), a
Inconfidência Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817) são
consideradas como expressão do iluminismo europeu e, em particular,
do português.
Segundo Paim (1997), a principal inovação no campo da
intelectualidade nacional foi resultante da expulsão dos jesuítas, em 1759,
que favoreceu a propagação do pensamento racional da ilustração. A
situação de Portugal era peculiar em relação aos países vizinhos, onde o
pensamento escolástico parecia de todo superado.
65
Em substituição à administração jesuítica, tanto em Portugal como
no Brasil, Pombal instituiu as “aulas régias”, sistema de disciplinas
isoladas. Segundo Fernando de Azevedo (1958), no Brasil, a primeira
aula gia de filosofia criou-se no Rio de Janeiro em 1774.
Posteriormente, foram sendo organizadas nas principais cidades. A
reunião desses professores de disciplinas isoladas num mesmo
estabelecimento, em 1837, no próximo século, portanto, foi o que deu
lugar à formação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro e dos Liceus
Estaduais.
As reformas econômicas como as educacionais criaram um
ambiente intelectual produtivo em Portugal e no Brasil. Esse é um dado
que contribui para a compreensão da questão, cuja abrangência requer
também uma breve reflexão sobre o que acontecia em outras nações
recentemente libertadas do sistema colonial, com a América do Norte.
Reitera-se que muitos desses homens foram influenciados pelas
novas idéias que estavam surgindo no mundo. Um fato que merece
destaque foi o que ocorreu em 1776, quando as treze colônias inglesas da
América do Norte proclamaram sua independência, constituindo um
novo país os Estados Unidos. Esse exemplo teve forte repercussão
entre os inconfidentes mineiros. Vale lembrar que as Inconfidências não
ocorreram no governo de D. José I e sim no de D. Maria I, quando
Pombal não mais governava. Entretanto, elas foram promovidas por
intelectuais da geração formada na época de Pombal e cujas idéias
inovadoras, mesmo com avanços e recuos, foram cantadas em prosa e
verso por vários poetas das gerações vindouras, como é o caso de Castro
Alves (Gonzaga e a Revolução de Minas) e, atualmente, Cecília Meireles
(Romanceiro da Inconfidência), só para citar alguns deles.
66
Deve-se destacar que os inconfidentes defendiam a independência
da colônia, o regime republicano e os princípios iluministas dos
pensadores Locke, Montesquieu, Rousseau e Adam Smith, cujas idéias
foram fundamentais para o movimento de Independência dos Estados
Unidos em 1776 e para o sucesso da Revolução Francesa de 1789.
Quando se analisam os poemas produzidos pelos inconfidentes,
percebe-se que eles destacam nas Reformas Pombalinas exatamente os
aspectos ligados aos princípios iluministas, seja relativamente ao
comércio e à produção manufatureira, seja com relação ao
empreendedorismo político e educacional. Evidentemente, não foram
apenas as idéias ilustradas que levaram à inconfidência, mas alguns fatos
circunstanciais, que ora não cabe enumerar, também tiveram um papel
predominante no desencadear desses movimentos. Merece menção
apenas o mais conhecido de todos, a grave ameaça da derrama no
governo de D. Maria I. A idéia de tornar a capitania independente de
Portugal ficava cada vez mais forte entre alguns homens importantes de
Minas Gerais. Sucediam-se freqüentes reuniões. Discutiam-se idéias e
planos para concretizar o desejo de independência. Estava nascendo a
Inconfidência de 1789.
Participaram do movimento: Joaquim José da Silva Xavier,
Francisco de Paula Freire de Andrade, Jo Álvares Maciel, Carlos
Correia de Toledo, Inácio José de Alvarenga Peixoto, José da Silva e
Oliveira Rolim e Silva Alvarenga. Os ideólogos Tomás Antônio
Gonzaga, Luís Vieira da Silva, Cláudio Manuel da Costa. Os
contratadores eram Domingos de Abreu Vieira, Joaquim Silvério dos
Reis e João Rodrigues de Macedo.
Os inconfidentes mineiros tinham vários planos que significavam
uma continuidade às Reformas Pombalinas. Segundo Anastásia (1997),
67
os mais importantes deles eram: mudança da capital para São João Del
Rei; construção de uma Universidade; constituição de fábricas de tecidos,
ferro e pólvora; organização de milícias populares para defender a nova
República; criação de uma casa da moeda; emissão de papel moeda;
aumento do valor monetário do ouro; liberação da circulação dos
diamantes. Quanto à escravidão, havia interesse em que ela fosse
mantida, pois era necessário manter o trabalho nas minas e na
agricultura.
A Inconfidência Mineira não foi um fato isolado, ela estava
relacionada com a situação social, econômica e política do Brasil daquela
época. Na própria capitania de Minas Gerais houve muitos movimentos
rebeldes. Todas essas revoltas coloniais, por sua vez, estavam
diretamente relacionadas com as transformações ocorridas na Europa;
nos Estados Unidos a ação de filósofos e políticos condenavam o
absolutismo e o colonialismo e defendiam uma sociedade mais justa,
com o fim dos privilégios e da desigualdade entre as pessoas.
Pode-se destacar que os inconfidentes pensaram ainda em
conseguir auxílio estrangeiro para garantir o sucesso de seu levante. Em
1786, o estudante José Joaquim da Maia teve um encontro, na França,
com o ministro americano Thomas Jefferson, com essa finalidade. O
estudante não chegou a retornar ao Brasil, falecendo na Europa.
A Inconfidência Carioca
7
foi um movimento diferente daquele
sufocado em Minas Gerais cinco anos antes. A Revolução Francesa foi
7
A Inconfidência Carioca foi um movimento liderado por Silva Alvarenga (1749-1814);
estudante da Universidade de Coimbra, escreveu O Desertor em que expressou seu otimismo
educacional em relação às Reformas Pombalinas. Sua primeira iniciativa no Brasil foi a
criação em 1786, sob o governo de Luís de Vasconcelos, da Sociedade Literária: “a academia
científica, fundada no Rio em 1771 por médicos, e reformada sob o nome de Sociedade
Literária em 1786, para durar intermitentemente até 1795, propagou a cultura do anil e da
cochonilla, introduziu processos industriais, promoveu estudos sobre as condições do Rio e
acabou criticando a situação da colônia, com base em Raynal e inspirações também em
68
mais explícita nos inconfidentes do Rio de Janeiro, que fundaram uma
Sociedade Literária para a divulgação de suas idéias. Denunciados, os
conjurados foram presos e acusados de fazerem críticas à religião e ao
governo, além de adotarem idéias de liberdade para a Colônia.
Entre os inconfidentes cariocas estavam o poeta Manuel Inácio da
Silva Alvarenga, Vicente Gomes e João Pereira. Durante dois anos e
meio, os implicados no movimento ficaram presos, sendo depois
libertados. Pode-se notar, assim, que o poeta Manuel Inácio da Silva
Alvarenga, embora vivesse a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro,
manteve contatos com os inconfidentes mineiros, sendo o último
representante da chamada Escola Mineira. Em suas obras, são nítidas as
repercussões da efervescência dos movimentos europeus e americanos
do culo XVIII: “Quaes serião as causas, quaes os meios / Porque
Gonçalo renuncia os livros?” (SILVA ALVARENGA 1867: 12).
Observa-se que quanto a Gonçalo renunciar aos livros, um
questionamento presente nas primeiras estrofes, fazendo com que o
leitor busque a leitura completa da obra para compreender o motivo.
Rousseau e Mably”. (Candido 1985: 97). Essa Sociedade Literária voltava-se realmente para
temas científicos, como: observação do eclipse da Lua, em 1787, determinação da longitude
da cidade, estudo sobre o calor da Terra considerado fisicamente, análise da água, método de
extrair a tinta do urucu, danos causados pelo alcoolismo e outros. A sociedade funcionou
normalmente até 1790, mas com a chegada de Resende, as reuniões se encerraram, voltando
a funcionar em 1794, prédio do Cano (Sete de Setembro), em cujo andar superior morava
Manuel Inácio da Silva Alvarenga, professor régio de retórica e que era a alma da Sociedade.
Os temas então científicos passaram a ser filosóficos e políticos, as reuniões eram realizadas
sempre em horários noturnos sem uma duração exata. No entanto, as conversações ali tidas
chegaram aos ouvidos do vice-rei, por um sócio da Sociedade, José Bernardo da Silva Frade,
o que serviu de base à devassa, como também pelo Frei Raimundo Penaforte da Anunciação.
A Sociedade foi suspensa pelo vice-rei. Mas os intelectuais continuavam a se reunir
clandestinamente. O que levou à devassa, que se realizou em dezembro de 1794. Em junho,
todos os bens e papéis de Silva Alvarenga foram juntados. Houve, também, dificuldade de
julgamento dos presos, pois sua única atitude era a de se reunirem e propagarem as
transformações que ocorriam na França. Como não tinham provas, os culpados foram
soltos.
69
Esta indagação motiva toda a narração. Silva Alvarenga também valoriza
a pátria portuguesa, quando diz na obra O Desertor:
À vós, por quem a pátria altiva enlaça
Entre as pennas vermelhas e amarellas
Honrosas palmas e sagrados louros,
Firme columna, escudo impenetrável
Aos assaltos do abuso e da ignorância.
(SILVA ALVARENGA 1867: 12)
Verifica-se que o narrador pede a proteção de seus versos “A s
pertence o proteger meus versos”(SILVA ALVARENGA 1867: 12),
para que eles cheguem a outros lugares, divulgando assim esse novo
momento histórico de Portugal para o mundo.
Cláudio Manuel da Costa em seus poemas e Basílio da Gama na
obra Uraguai e outros também valorizaram a reforma, entusiasmados
pelas mudanças ocorridas em Portugal. Na produção artística, como
mencionado, em meados do século XVIII, juntaram-se às literatura
brasileira e portuguesa influências das correntes ilustradas do momento,
especialmente a literatura clássica de inspiração francesa e do arcadismo
italiano.
A tendente confiança na razão procurou substituir ou alargar a
visão religiosa; o ponto de vista moral completou-se, principalmente nas
interpretações sociais, e, no lugar da transfiguração da natureza e dos
sentimentos, sobressaiu a fidelidade ao real.
Segundo Candido:
70
As condições econômicas eram outras, impondo-se a
libertação dos monopólios metropolitanos sobretudo o
do comércio – num país que sofrera o baque do ouro
decadente e necessitava maior desafogo para manter a sua
população. As revoluções norte-americana e francesa, o
exemplo das instituições inglesas, o nascente liberalismo
oriundo de certas tendências ilustradas, completariam o
impacto do pombalismo, formando um ambiente receptivo
para as idéias e medidas de modernização político-
econômico e cultural, logo esboçadas aqui com a presença
da Corte, a partir de 1808. No Brasil joanino conjuram-se
as tendências e as circunstâncias, tornando inevitável a
autonomia política. (1985: 96)
Assim, a Época das Luzes no Brasil tem ligação direta com o ideal
setecentista das Reformas Pombalinas exposta anteriormente.
Importante salientar que as manufaturas foram introduzidas no Brasil,
visando uma transformação na produção e conseqüentemente no campo
das idéias e o que aconteceu nesse momento teve repercussão na
Independência brasileira.
3.3. Marquês de Pombal, um homem influente
Sebastião José de Carvalho e Mello, donatário das Vilas de Oeiras,
Pombal, Carvalho e Cercosa, ministro de sua majestade fidelíssima D.
José I, foi a representação da imagem da pessoa mais poderosa abaixo de
Deus na monarquia portuguesa daquela época. A política do Marquês de
Pombal teve sempre como propósito mobilizador recuperar o atraso de
Portugal e dos seus territórios coloniais em relação aos modelos de
progresso dos países mais cultos e avançados da Europa.
71
Como mencionado anteriormente, Pombal elegeu os jesuítas
como a causa principal do atraso português e queria recuperar os tempos
áureos de Portugal no tempo de descobrimento e das grandes
navegações. Pode-se notar que o pombalismo nasceu primeiramente da
prática política do regalismo e depois é que foi haver a
fundamentação e a legitimação teórica. Para a constituir foram impostas
a doutrina antijesuítica e a teorização da política regalista da coroa.
Depois, para dar continuidade houve a incorporação do discurso
jusnaturalista, que se revelou necessário para a desfeudalização das
estruturas econômicas e sociais.
Para fundamentar a prática do absolutismo esclarecido, Pombal
dispôs de teólogos e ideólogos que lhe fizeram a instrumentação teórica
das medidas legislativas de redefinição das relações Igreja/Estado
destacando-se a figura de Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797),
canonista e teólogo, padre oratoriano que cria as bases teóricas do
regalismo pombalino, buscando combater a tendência da contra-reforma
que reforçou o poder no pontífice católico. O estilo pombalino de ação
política foi caucionado pelo Tratado Doctrina veteris Ecclesiae de suprema
regum de 1765. Esse tratado foi publicado em um período caótico da
Igreja portuguesa.
Marquês de Pombal escreveu então um Compêndio Histórico do
estado da Universidade de Coimbra e dos novos estatutos desta
Universidade. Alguns homens o ajudaram, entre eles José de Seabra da
Silva (1732-1813) e Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-1814),
que foram os redatores dessas obras emblemáticas do regalismo e do
antijesuítismo daquele período. A Reforma do Ensino Superior,
especialmente dos cursos de Cânones e Leis e de Teologia, é direcionada
72
no sentido de incorporarem nas aulas, as doutrinas regalistas e
iluministas acerca do poder e sanar as doutrinas favoráveis romanas.
João Lúcio de Azevedo (2004) fez uma abordagem bem ampla da
vida de Marquês de Pombal. Trata-se de uma tentativa de expor uma
perspectiva ampla e equilibrada, não de Pombal, mas de toda a época
decisiva na história lusa.
Sebastião Carvalho nasceu em 13 de maio de 1699, em Lisboa, de
família de fidalgotes de mediana fortuna. Aos 39 anos, dava o primeiro
passo a caminho da fama e da grandeza. Não lhe foram difíceis a
separação, nem a viuvez. Seu espírito, sequioso de novas idéias, depressa
se afez ao diverso ambiente que, para ele, saído do obscurantismo e da
rotina peninsular, era a sociedade culta, inteligente, progressiva e liberal,
onde agora se encontrava. Não assimilou os princípios de tolerância, de
respeito pelos direitos individuais, que ali eram comuns. Foi este o
período da sua existência mais fecundo para a formação da sua
individualidade de estadista.
Dos seis anos passados em Londres, Carvalho não se familiarizou
com o idioma, tendo que recorrer ao auxílio de intérpretes para entender
as Cartas Inglesas. E não conhecia também o francês. Na Inglaterra era
chamado de ministro letrado, pela cópia de citações e abuso das
fórmulas de jurisprudência, que usava introduzir nos papéis
diplomáticos. Carvalho trabalhou sempre fervorosamente. Aprendeu
muito. Estudou, nos homens e nos costumes da Inglaterra, o segredo da
extraordinária e rápida prosperidade desse país e sonhou para a sua
pátria um destino igual. Somente não enxergou que o que o reduzia era a
liberdade, por isso sua obra não frutificou.
73
Pombal acompanhava a política do mundo. Suas cartas relatavam
o seu dia-a-dia. A Corte de Lisboa era informada das sessões do
parlamento, das intrigas da diplomacia, dos movimentos de tropas, do
aparelhar das esquadras e até das anedotas correntes no paço e nas
embaixadas. O ministro elaborava extensos relatórios sobre assuntos
econômicos, como o que precedeu o projeto da Companhia Oriental, ou
a dissertação acerca das relações comerciais com a Inglaterra, compêndio
erudito e volumoso.
Carvalho colheu abundantemente cabedal de conhecimentos da
Inglaterra, mas deteve-se na aparência das coisas, que eram as leis e
regulamentos, não percebeu que o fundamento dessa grandeza nacional
era o respeito e o amor da liberdade, enraizados no ânimo dos cidadãos e
consagrados pelas leis: “Vira de perto, sem o compreender, um povo,
cioso de seus direitos, e que duas vezes, para mantê-los, expulsara os
monarcas do trono” (AZEVEDO 2004: 98).
Em Portugal tudo era ao contrário. Lei era a da vontade do
soberano e esse dado espresente na obra Tratado de Direito Natural de
Gonzaga onde impera a vontade do rei, do soberano, o que comprova a
mentalidade daquela época em oposição ao que acontecia na Inglaterra.
Em Portugal, o rei fazia e reformava o código a sua vontade. A era a
única que atingia todas as classes. O povo era fanatizado e
experimentava um sacro temor.
Azevedo (2004: 99) expõe o pensamento dos homens europeus:
A Europa, nos mesmos países do catolicismo, olhava com
pasmo o que se passava na Península, o abismo a que a
superstição e a falta de cultura mental tinham lançado estes
povos. Considerava que, enquanto nos estados do Papa os
hebreus eram livres, na Espanha e em Portugal, por frágeis
74
indícios, se votavam cristãos à fogueira. Em toda a parte as
pessoas ilustradas condenavam tão atroz situação. O
horror, o ridículo, que mais tarde, na frase de Voltaire,
caracterizou o suplício de Malagrida, acompanhava, em
terras estranhas, o nome português.
Diante dessa situação, Portugal necessitava de um ministro de
capacidade superior e acaba por escolher Sebastião José de Carvalho. Era
um homem novo na corte e não eivado dos vícios dela: “Em suas
conversações, nos trabalhos de gabinete, em aspirações que não
escondia, dava mostras de um culto espírito e de esclarecido
patriotismo” (AZEVEDO 2004: 103). Logo, à primeira entrevista, D.
José manifestou ao novo secretário de estado o intento de o ocupar em
assuntos diversos dos que particularmente lhe competiam.
Para muitos foi surpresa Alexandre de Gusmão não entrar no
Ministério e para ele foi uma desilusão. Entre os seus escritos foi
encontrado uma carta com o seguinte trecho: “O Baxá (Sebastião de
Carvalho?) conseguiu o fim do seu empenho, tais são as coisas do
mundo! O povo é quem o de sofrer, e passará a notícia aos tempos
futuros, que hão de admirar os feitos das suas largas idéias, em tudo o
que for da sua repartição, se nas outras não tiver parte” (AZEVEDO
2004: 105).
Carvalho então, em 1751, diminuiu e tornou menos dispendiosa a
formalidade dos despachos; facilitou no porto as baldeações, reduziu os
direitos da entrada e concedeu abatimento de metade aos que se
destinassem para fora do País. Com isto, estimulou o mercado e a
exportação favorecida, em breve fez desaparecer o excesso de produtos
acumulados, que trazia a ruína. Todo esse processo, Carvalho tinha
estudado na Inglaterra. Havia comentários de todos os países a respeito
75
de Carvalho, o que se via então é que crescia nele a autoridade sobre os
outros ministros e o seu ascendente no espírito do rei.
Azevedo traça o viver da corte portuguesa daquele tempo; o
teatro, a caça, a equitação eram os favoritos prazeres da família real:
Todos os dias, fizesse bom ou mau tempo, ia D. José para a
quinta de Belém, acompanhado da rainha, que o não
largava, algumas vezes das infantas suas filhas, e de um
séqüito de fidalgos e damas do Paço. Ali passavam o dia,
em exercícios no picadeiro, ou então jogando as cartas. O
pharaó, jogo de parar muito em voga, era o predileto. Das
oito para as nove horas voltava-se para o Paço da Ribeira,
indo o rei trabalhar com os ministros até à meia-noite ou
depois; mas havia quem dissesse não entrar ele para o
gabinete antes das 11 horas, limitando-se a dar as
assinaturas, que eram em grande número. (2004: 126)
D. José vivia o tempo todo envolvido na caça, jogos, concertos e
diversões, deixando a Carvalho o poder. Percebeu-se que as coisas de
Portugal se faziam com lentidão. O Marquês de Pombal queria dar conta
sozinho do mecanismo do Governo e que acabava não vencendo, apesar
da tarefa diária. Após sua administração foram encontradas em seu
gabinete mais de 10 mil cartas fechadas, o que demonstra seu trabalho e
sua preocupação em fazer tudo sozinho. No seu propósito de tudo
inquirir, reformar e prover, a cada momento assuntos novos lhe
reclamavam a atenção e o projeto do dia seguinte suplantava o da
véspera. Também os deveres sociais, recepções e visitas que não podia
faltar; o adiantar de suas ambições; o cuidar dos seus interesses
domésticos, tudo representava tempo perdido, que poderia ser
compensado na distribuição dos serviços entre adequados auxiliares,
mas, nada disso acontecia; para Carvalho, seus colegas, secretários de
76
Estado, haviam de ser meros subordinados. Carvalho não podia então
deixar de entrar em conflito com o clero.
Quanto à colônia, esta era pobre e precisava de homens para tirar
as riquezas da floresta e, além de tudo, sob o clima impiedoso. Para isso
necessitavam usar da escravidão. Os usos do reino e a tradição da
Antigüidade consentiam a escravidão. As leis diziam que o americano
seria livre, mas permitiam o transporte de negros para serem escravos no
Brasil: “A isto retorquiam, no século XVIII, os colonos: ‘Se os etíopes
podem ser cativados, por que não põem sê-lo os índios do Maranhão?’
Contra tal pugnavam os jesuítas que, para salvarem o índio, tinham feito
levar o africano ao Brasil”. (AZEVEDO 2004: 137).
Outro acontecimento que demonstrou o poder de Pombal foi o
terremoto que aconteceu no dia de novembro de 1755, em Portugal.
Dez mil casas foram destruídas, além dos edifícios públicos, igrejas,
conventos, palácio real e muitos de fidalgos. Às urgências da situação
Carvalho acudiu com a firmeza e inteligência que tornaram famoso o seu
nome. Azevedo relata:
Nas horas angustiosas, em que foi preciso proporcionar
socorros, mantimentos, abrigo, defesa; prestar consolo a
milhares de criaturas, vencidas de terror; enfim, cuidar dos
vivos e enterrar os mortos, na frase sintética que lhe é
atribuída; dos três ministros, Pedro da Mota, inválido,
Diogo de Mendonça, fugitivo, ele foi a dispor, agir e
mandar. As lebres palavras podem ser que as não
proferisse. Mas, neste caso, como em muitos outros da
história, o inexato é mais verdadeiro que a própria
realidade. O dito permaneceu na tradição como a rmula
de um caráter, e ficará para sempre vinculada ao nome de
Pombal. (2004: 154)
77
Carvalho agiu sozinho diante daquela catástrofe. Ele enterrou os mortos,
cuidou dos vivos, nivelou as ruínas, traçou ruas, desenhou as construções
e fez-se retratar, delineando a nova Lisboa que ressurgia. Carvalho esteve
à altura da situação. De fora do reino, a solidariedade humana mandava
socorros materiais.
Os jesuítas eram preocupação máxima de Carvalho, eram os
perpétuos inimigos. As aulas gratuitas dos jesuítas fecharam em 1759, até
à estrondosa Reforma da Universidade, treze anos depois (1772). O
ministro queria combater a ignorância e suprir os erros que, durante dois
séculos, a pedagogia jesuítica havia instilado na mentalidade portuguesa.
A Mesa Censória vigiava os livros e divulgava os autores condenados
pelos jesuítas. Mas, os jesuítas não foram os instigadores das
barbaridades. Em compensação haviam fornecido ao tribunal duas
vítimas famosas: Antônio Vieira, condenado um século antes por
ofensas a fé e ultimamente o visionário Malagrida.
Carvalho não satisfeito foi atacar o inimigo de outra maneira. Saiu
uma obra intitulada Dedução Cronológica, que era contra os jesuítas, com
dois volumes e o terceiro de provas, excertos e documentos em abono
do texto, com composição de estilo duro e fastidiosa leitura, abundante
em fatos:
A primeira parte ocupa-se dos jesuítas desde que entraram
em Portugal e, revendo a história pátria, fá-los intervir,
como funestos agentes, em todos os sucessos fatais ou
condenáveis que ocorreram depois, a principiar no desastre
de Alcácer Quibir e terminar no atentado contra D. José;
para isso encadeia os fatos em uma série de suscitadas
intrigas, conspirações e revoltas, por meio das quais a
Companhia tentara sempre subordinar às suas ambições e
supremo poder do estado. A segunda parte argúi os direitos
dos soberanos contra as pretensões de supremacia da Santa
78
Sé, rejeita os Índices Expurgatórios, publicados sem o régio
beneplácito, e, sempre com inovação de fatos históricos,
mais ou menos exatos, faz intervir os jesuítas em tudo o
que, desde que tiveram existência, em semelhante matéria
foi passado. Ambas as diversões constituem apenso a uma
petição do procurador da coroa contra os abusos da corte
de Roma e os manejos perniciosos dos seus protegidos.
(AZEVEDO 2004: 299)
Tudo o que se havia juntado contra estes religiosos se achava nos dois
volumes:
A tese de Carvalho é esta: a a entrada dos jesuítas,
Portugal foi culto, próspero e poderoso; em seguida, as
letras agonizavam, o comércio definha, a navegação decai, o
poder militar abate, perdem-se as virtudes cívicas e
desaparece o equilíbrio nas relações assim entre a coroa e a
Igreja como entre o rei e os vassalos. Esta obra nefasta
exercita-se por uma ação contínua. Desde o reinado de D.
João III os jesuítas conseguem introduzir-se na
Universidade e arruinavam a instrução. Educam D.
Sebastião no fanatismo e impelem-no à jornada de África.
Por morte dele, intrigam a favor de Filipe II e, quando
investido na coroa, fazem morrer cerca de dois mil
eclesiásticos e pessoas doutas, contrárias ao domínio
estranho. Na corte de D. João IV preponderam e urdem a
desgraça de Francisco de Lucena. A Afonso VI, rei sensato
e bom, fazem perder o trono, a liberdade e a consorte.
Pedro II é levado por eles a requerer ao Papa o perdão
geral dos hebreus, contra o voto das cortes e da nação;
criam assim um conflito grave da cúria com o Santo Ofício.
Reinando D. João V, instigam-no à criação dispendiosa da
patriarcal e tramam a propósito das missões do oriente e do
Brasil. Finalmente, continuam os malefícios sob o Governo
de D. José, a rematarem pela tentativa monstruosa do
regicídio. Tal é, em vagos traços, o tremendo libelo oposto
por Carvalho ao esforço impotente de Clemente XIII,
libelo inconsciente pelas próprias demasias, mas cujo
espírito domina ainda hoje os juízos sobre o debate e na
interpretação da história. (AZEVEDO 2004: 299-301)
79
Segundo Azevedo (2004), não dúvida que o autor de Dedução
Cronológica foi Carvalho; entretanto, é certo que teve colaboradores,
porque a obra apresenta um imenso material de fatos, citações e juízos.
Entre os colaboradores estão José de Seabra, o monge Cenáculo, o
teólogo Antônio Pereira, Verni e Platel. que o triunfo de Pombal não
perdurou, os jesuítas continuavam agitar-se e em todos os países
fomentavam protestos e tentavam levantar a opinião pública contra o
golpe que os aniquilava. Com a enfermidade de D. José, o poder de
Pombal também terminou. Ao final de seu Governo estava com 77 anos,
conservava a energia da juventude. A Reforma da Universidade recebia
aplauso de toda a Europa culta.
Marquês de Pombal, desde 1770, emparelhava com a mais luzida
nobreza do reino. Fora do país tinha um nome feito, e era a sua pessoa o
alvo, nas discussões dos ataques e dos louvores. Para a política
internacional, D. José não existia. Quanto à instrução pública, a reforma
obedeceu ao intuito de proclamar a nocividade pedagógica dos jesuítas e
comprovar que eles, em dois séculos, tinham arruinado a literatura em
Portugal. A Reforma da Universidade fora encarregada à junta da
Providência Literária, em que estavam encarregados o reitor D.
Francisco de Lemos, o livro de Beja, Cenáculo e o ajudante de Pombal,
José de Seabra.
Transcorridos alguns anos da queda do ministro, lamentava-se a
decadência dos estudos na Universidade, atribuindo-se à falta dele a
situação. Em setembro de 1777, o reitor da Universidade, D. Francisco
de Lemos, fazia ver ao Governo a necessidade de se restaurarem os
estudos das humanidades, que se achavam na última decadência. Com o
aprazimento de Pombal, a Mesa Censória proscrevia os filósofos
80
Spinoza, Hobbes, La Mettrie, Voltaire, Diderot e muitos outros:
“simultaneamente com as produções de fantasia literária, a Nova Heloisa,
de Rousseau, os Contos, de Lafontaine, e o licencioso Sophá, de
Crébillon...” (AZEVEDO 2004: 351).
Essa era a vida mental do século XVIII e representava o arrojo, o
saber, o requinte e a graça. Ler Locke, a quem a Mesa facultasse
licença especial. Quem vendesse livros proibidos tinham seis meses de
cadeia e se acontecesse novamente, dez anos de degredo para Angola. Só
que segundo Azevedo (2004), condenar os livros eram apontá-los para a
curiosidade ardente dos espíritos, atraídos pelo risco e proibição.
Pombal era um déspota esclarecido, que expôs uma situação nova
a Portugal, um homem autoritário que odiava a Companhia de Jesus e
era contra os nobres de empresa e se apaixonou pela coisa pública.
Vários historiadores como João Lúcio de Azevedo, citado
anteriormente, Waldemar Ferreira, Manuel Nunes Dias e Marcos
Carneiro de Mendonça apontam que Pombal preocupou-se com a
economia metropolitana e ultramarina. Portugal passava por uma crise e
precisava de um homem de mão firme, pulso forte e ação enérgica, pois
os abusos, as desonestidades, o afilhadismo, a beatice corrompida
precisavam ser vencidos. Pombal chegou a presidir a fundação da
Arcádia Lusitana em 1756, protegendo os poetas e artistas; certamente
isso fazia parte da estratégia de divulgar e criar entre os intelectuais um
ambiente favorável às suas reformas.
Pombal precisou ter a confiança de todos, não do rei. Para se
certificar de que os poetas se identificavam com seus ideais, colocou um
espião na Arcádia, o poeta José Caetano de Mesquita e Quadros. Porém,
a confiança vinha mesmo era dos poetas brasileiros que não tinham
81
raízes em Portugal e, portanto, mais fáceis de assimilar as idéias e os
valores impostos. Assim, a arte contribuiu para a unidade político-
administrativa do Estado. O Tratado de Direito Natural foi uma das obras
que confirmavam as idéias de Pombal e interpretava o ministro como
modelo de virtude civil e de ação política, ambas previstas pelo código
jusnaturalista.
CAPÍTULO IV
OS ESCRITOS PREPARATÓRIOS PARA A REFORMA DA
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
4.1. Indícios de uma transformação educacional
Para dar continuidade a verificação das transformações que
ocorreram em Portugal, torna-se importante avaliar os indícios que
levaram à Reforma da Universidade de Coimbra por ser nesta instituição
que o saber e o conhecimento se instalavam naquele período. A
elaboração da reforma contra os jesuítas recorreu a rios intelectuais e
professores antijesuíticos da Congregação de São Filipe de Nery como
António Pereira de Figueiredo, Teodoro de Almeida, Manuel Macedo,
Francisco Recreio, Joaquim Foios, José Clemente, Cândido Lusitano,
António Alves, José Morato e Manuel Monteiro, pois foram homens que
entraram em contato com idéias novas que corriam na Europa.
Manuel Monteiro, o primeiro pedagogo que abordou criticamente
uma das vertentes do ensino ministrado nos colégios da Companhia,
traduziu e publicou na Oficina tipográfica de sua Ordem uma obra de
Voltaire sob o pseudônimo de Francisco Xavier Freire de Andrade. Em
83
1746, Monteiro deu prelo ao seu Novo Método para aprender a gramática
latina ordenado para o uso das escolas da Congregação do oratório na
Casa de Nossa Senhora das Necessidades.
Salienta-se que apesar do destaque dado a Manuel Monteiro,
outros haviam feito críticas à gramática. O alemão Gaspar Schopp
(1576-1649), adversário declarado dos jesuítas tinha inaugurado uma
crítica a esta gramática, confirmando o que Francisco Sanchez em 1587 e
Nicolau Orlando Pescentti em 1609 haviam dito. A crítica alemã está
presente na obra Rudimentos Grammaticae Philosophicae de 1628, completada
nos Paradoxa Litteraria e no outro ano em Auctoriam ad Grammaticam
Philosophicam. Em Portugal, Manuel de Sousa pode ser considerado um
dos primeiros a visar à crítica nas obras Explicação das partes da oração,
Resumo para os principiantes da explicação das oito partes da oração e no Exame
de Sintaxe e reflexões sobre as suas regras, pretendendo substituir a tradicional
gramática do jesuíta Manuel Álvares (1526-1583).
Sobretudo a obra de Manuel Monteiro foi muito mal recebida,
apresentava erros. Assim em 1750, o jurista e escritor filojesuíta Manuel
José de Paiva publicou sob o pseudônimo de Silvestre Silvério da Silveira
o Antídoto gramatical, bálsamo preservativo da corrupção da ngua
Latina, ou curioso descobrimento dos principais erros, barbaridades e
incoerência do Novo Método para aprender a dita língua. Diante de tantas
mudanças, o Pe. Antônio Pereira de Figueiredo da Congregação do
Oratório estabeleceu em 1752 um novo compêndio gramatical,
fundamentado em autores de prestígio nacional e estrangeiro, o Novo
Método de gramática para uso dos escolares da Congregação do oratório na real Casa
das Necessidades, ordenado e composto pela mesma Congregação.
A escola oratoriana era a que estava em ascendência no período,
favorecida pelo Rei D. João V, que colocou esta instituição de ensino
84
pré-universitário ao lado do Colégio das Artes de Coimbra, dotando-a de
privilégios como fazer os exames de Filosofia e ter o acesso direto às
escolas maiores, ou seja, à Universidade sem ter que repetir o exame no
Colégio coimbrão da Companhia de Jesus.
Em termos de crítica mais global, não se pode deixar de citar Luís
António Verney, um ex-aluno dos jesuítas que serviu de alicerce para
uma reforma totalizante. Esta reforma ocorreu desde a revolução das
concepções e métodos pedagógicos, da substituição dos compêndios, da
revisão dos programas, da reorientação e da preparação dos mestres.
Somente pela educação é que a transformação da mentalidade cultural,
política e social portuguesa iria começar. Estaria assim Portugal próximo
do mundo iluminista, dito esclarecido.
Verney fez uma crítica ferrenha aos jesuítas, em sua obra
Verdadeiro Método de Estudar (1746). A sua obra está dividida em 16 cartas
dirigidas a um reverendo doutor de Coimbra, cujo nome não foi
identificado e o remetente é identificado como o Barbadinho da
Congregação de Itália. Verney teve contato com as obras pedagógicas de
Sciopio e Sanchez, no plano filosófico-científico com os ingleses
Newton e Locke, com Tomásio e Grócio sobre o Direito Natural. Para
Verney, a razão é quem orienta o caminho a seguir. A razão humana é a
que estabelece a verdade e assim era possível construir um homem e
uma sociedade novos, em que a vida seria ordenada por leis e princípios
sábios extraídos do trabalho da razão humana, conduzindo, assim, o
homem à felicidade. É nessa perspectiva que se estabeleceu Verney,
propondo uma mudança no universo pedagógico português.
85
4.2. Verney e seus ideais para a Reforma da Universidade de
Coimbra
O terceiro volume da obra Verdadeiro Método de Estudar de Luís
António Verney trata dos estudos filosóficos. Esse volume procura
expor o sistema cultural que Verney propunha para a Universidade.
Verney analisou três aspectos essenciais: o lingüístico, o literário e o
filosófico. Sem dúvida alguma, o filósofo acaba por comandar os demais
e encaminhar o estudo universitário. Verney inicia sua carta
mencionando que o sabe se as escolas de Filosofia deste Reino têm
método pior que as escolas baixas. Comenta que os rapazes passam no
período que estão na Universidade, de três a quatro anos, lendo textos
muito compridos e não sabem o que lêem:
Os pobres rapazes passam os seus três e quatro anos lendo
arengas mui compridas; e saem dali sem saberem o que
leram, nem o com que se divertiram. Falo do estilo das
Universidades; porque o das outras escolas é o mesmo
quanto à matéria; e ainda pouco diferente quanto à
disposição. (VERNEY 1950: 3-4)
Verney expõe que no primeiro ano lêem dois tratados: Universais e Sinais
e no segundo ano Matéria Primeira e Causas, que é a Física. No terceiro
ano, estudam Intelecções, Notícias, tópicos e questões de Metafísica. Tornam-
se então Bacharel. Ressalta-se que este era o mesmo programa que os
estatutos de 1591 (não alterados pelos de 1597 e de 1612) estabeleceram
ao Colégio de Artes. Uma alteração ocorreu somente na indicação da
leitura do texto de Aristóteles, cujos comentários feitos pelos professores
não deveriam admitir deturpação. No quarto ano, explicavam um tratado
86
intitulado Geração e Corrupção e Anima in communi e assim tinha-se o
graduado em Filosofia. Verney (1950: 7) questiona então se essa leitura
realmente auxiliava em alguma coisa:
Diga-lhe que lhe apontem em que parte da Teologia são
necessários; que dogma se explica com tal doutrina; faça-lhe
outras perguntas destas; e verá que limpamente lhe
confessam que tudo aquilo morre com a escola. Se repetir a
pergunta em outras matérias, concluirá o mesmo. E eis aqui
tem V. P. o que significa Filosofia nestes países.
Verney comenta ainda que muitos mestres confundem os autores
modernos, acusando-os de erros e condenando-os à ignorância. Alguns
valorizam Descartes e o veneram. Verney expõe com toda a certeza de
que foi Descartes quem abriu a reforma dos estudos e obviamente a
reforma das Ciências. Verney expõe também que os portugueses
desprezam os estudos estrangeiros, bem ao contrário dos ingleses,
alemães e franceses. Para desenganar esses portugueses, Verney (1950:
21) procurou expor então os prejuízos diante dos olhos desse povo. Ele
demonstra que o estudante não deve saber quando começaram, quais
foram as mais famosas, em que se distinguiam e como se propagaram,
acrescentando que:
A filosofia é o conhecimento das coisas que neste
mundo e das nossas mesmas acções e modo de as regular
para conseguir o seu fim. Em todos os Povos do mundo e
em todos os tempos, achamos homens que mais ou menos
se aplicaram a estas coisas. Mas o nosso estudante não é
necessário que suba o alto; basta que conheça os
Filósofos da Grécia. (VERNEY 1950: 21).
87
Verney expõe por fim que estes Mestres de Portugal pouco sabem sobre
Aristóteles e o condenam, por não o conhecerem. Ele comenta que o
estudante deve, primeiramente, conhecer a Filosofia para não se
envolver com as confusões da escola.
Verney continua a sua Carta, criticando a Lógica dos Escolásticos,
basta verificar se o ensinado é útil ou prejudicial para julgar e discorrer
bem; critica os Proemiais, os Universais e Sinais dizendo que são coisas
indignas de se lerem e o pior de tudo é o método que apresentam:
“Parecem a mesma confusão; e de tal sorte embrulham a mente de um
pobre principiante, que não é fácil ao depois entender bem coisa
alguma” (1950: 43). Ele afirma que o que se aprende não serve para
nenhuma parte das Ciências: “Tudo o mais que dizem dos Sinais são
arengas ridículas, que, espremidas na mão, não deitam uma gota de
doutrina” (VERNEY 1950: 44).
Para ele, tudo o que era ensinado na escolástica não convinha a
ninguém, tudo era tão inútil; os silogismos também não servem de nada,
pois não ajudam a razão, não aumenta o conhecimento:
Quando se de persuadir e discorrer bem, o primeiro e
principal ponto está em descobrir as provas; o segundo, em
dispô-las com tal ordem, que se conheça clara e facilmente
a conexão e força delas; o terceiro, em conhecer claramente
a conexão de cada parte da dedução; o quarto, em tirar uma
boa conclusão de todos. Estes diferentes graus se
conhecem muito bem em qualquer demonstração
matemática. Uma coisa é perceber a conexão de cada parte,
ao mesmo tempo que um mestre vai explicando a
demonstração; outra coisa diferente conhecer a
dependência que a conclusão tem de todas as partes da
demonstração; terceira coisa, muito diferente, conhecer por
si mesmo, clara e distintamente, uma demonstração; e,
finalmente, uma quarta coisa, totalmente diferente das três,
88
ter achado as provas de que se compõe a demonstração.
(VERNEY 1950: 55-56)
Isto o silogismo não faz, pois não ensina a buscar as provas, fica claro
que a razão não domina. Verney procura, no entanto, não negar
totalmente o silogismo, diz apenas que não é preciso aprendê-los para
poder fazer um discurso. Assim, em um discurso público, o estudante
deve ir argumentando e respondendo, argumentando com razões e não
com palavras, fugindo de sofismas, como indignos de um filósofo. Se
quiser usar de silogismos, pode, mas exporá melhor as suas razões,
usando-se de um método de diálogo curto e claro. O homem deve
discorrer bem em todas as matérias da vida civil.
Quando Verney vai expor sobre a bibliografia conveniente para se
criar um bom estudante, diz que o difícil é determinar qual das modernas
leituras possa subministrar as idéias que ele propõe. Talvez nenhuma
satisfaça. Ele expõe que leu de tudo e parece que muitos se copiaram.
Acrescenta que para os principiantes não apareceu ainda a lógica
desejada; assim, deve-se servir de algumas e ir mostrando os defeitos e
que havia um certo homem que estava escrevendo algo sobre o assunto,
o que indica poder se tratar do seu próprio método.
Na Carta Nona, do mesmo volume, Verney fez análise da
metafísica e sobre o estudo das causas comenta que se um homem
soubesse tudo sobre esse assunto seria ainda um verdadeiro ignorante de
Física, afirmando que as divisões das causas deveria ser desterrado das
escolas. Na décima carta, fez uma introdução ao estudo da física e
menciona que em Portugal não se sabe o que é Física, mesmo aqueles
que falam dela. Sugere, então, como bibliografia livros que tratam de
Geometria, Aritmética, Astronomia e Lógica, devendo estudar Galileu,
89
Cartésio, Gasendo, Hobbes, os dois Pascoais, o P. Merseno, Borelli,
Torricelli. Depois, Huygens, Montmort que promoveram a física. Em
seguida, Newton, os dois Bernouulli, Cheyne, o Marquês do Hospital
que elevaram a matemática.
Verney ainda acrescenta em seu livro que é preciso conhecer e
entender a língua francesa ou italiana porque nessas se compôs o que
de melhor em Filosofia. Poucos escreveram em latim e esse foi o defeito
desse Reino, segundo Verney; para ser douto deveria o homem poder
ler na língua original os belos modelos da Antiguidade. Porém, bem o
sabe que todos os livros da Antiguidade foram traduzidos em francês,
italiano e alguma outra língua. Os poemas épicos de Virgílio, Homero,
Lucrécio, Horácio, Terêncio foram traduzidos, assim como, as orações e
Obras Retóricas de Cícero, de Plínio, as epístolas e os históricos latinos e
gregos.
Na Carta Undécima, Verney refere-se ao estudo da ética, a parte
da Filosofia que mostra aos homens a verdadeira felicidade e regula as
ações para a conseguir. Verney expõe também sobre a ética como
propedêutica da jurisprudência e da Teologia Moral; Plutarco, Cícero,
Sêneca e outros escrevem melhor que os teólogos de profissão, pois
colocam princípios de boa razão. Para Verney, o homem deve formar o
verdadeiro conceito das coisas, deve saber sobre ética e cita quem são os
autores apreciáveis: Grócio, Pufendorf, Bacon, Muratori, Heinécio e
Vitriário, mas não recomenda Conde Tesauro, Maquiavelo, Espinosa,
Tomas Hobbes, Locke e Barbeirac.
Conclui seu terceiro volume expondo que se pode fazer Filosofia
com três anos e nos estudos particulares encurtar o tempo, pois muito
do que é ensinado, não se apreende nada.
90
4.3. A educação dada na Universidade de Coimbra
Interessante observar que na Universidade, por volta de 1722, via-
se a seguinte disciplina escolar:
Não havia n’aquelle tempo o costume de apontar-se faltas
aos estudantes; freqüentava-a quem queria; a conseqüência
necessária d’isto era, que os estudantes, depois de se
matricularem, vinham para suas casas; ahi estudavam como
e com quem lhes parecia, e voltavam no fim dos annos
para os actos; é verdade que, para remediar este
inconveniente, havia duas chamadas extraordinárias, que o
Reitor podia fazer quando lhe parecesse; e todos os
estudantes que faltassem a estas chamadas, porque duravam
três dias, perdiam o anno; mas isto não era bastante
porque sempre transpirava com antecedência o dia em que
tinha de fazer-se a chamada. (BRAGA 2005: 90)
Quanto aos livros que se deviam ler estavam: “Não lhe escape Gil Braz, o
Diabo coxo, o Bacharel de Salamanca, D. Quixote e Gusmão de Alfarrache, e
tudo o mais que faz o entretenimento dos sábios” (BRAGA 2005: 91).
Ribeiro Sanches deixou uma descrição estudantesca com tradições do
Rancho da Carqueja, que viviam da seguinte forma:
Cada estudante era o senhor de alugar casa onde achava
mais da sua conveniência, - conheci muitos que se
levantavam somente da cama para jantar, estando de boa
saúde, outros passando o dia e noite a tocar instrumentos
musicaes, a jogar as cartas e fazer versos. Quasi todos
matriculados em cânones, nunca estudaram nos primeiros
quatro annos; o primeiro estudo era a Apostilla pela qual
haviam defender Conclusões no quinto anno. Não havia
noite de inverno sem Oiteiros diante dos Collegios de S.
Pedro e de S. Paulo; rondavam armados de noite, como se
91
a Universidade estivesse sitiada pelo inimigo. (BRAGA
2005: 91)
D. Francisco de Lemos, ajudante de Pombal na reforma da Universidade
descreve-a assim:
Todo o exercício litterario se reduzia aos Actos, para os
quaes não era necessário ter estudado, mas sim que corressem os
annos do curso e chegar-se à medida de tempo n’elle
marcada; porque os Pontos e Argumentos eram sabidos e
muito vulgares, e além d’isso o estudante na mesma
occasião dos actos era instruído na meteria d’elles por um
Doutor, o que acabava de consumar a obra de negligencia
inspirando-lhe em casa e na mesma sala dos Actos o que
elle havia de responder e dizer. (BRAGA 2005: 91-92)
A nação portuguesa carecia de história literária, do dicionário da língua
portuguesa, de historiadores, viajantes, poetas, em edições acessíveis ao
público. Era preciso uma História Civil de Portugal. Os intelectuais que
estudaram na Universidade de Coimbra depois da Reforma Pombalina
de 1759 encontraram formação científica nova. Muitos foram para outras
Universidades como Edimburgo e Montpellier, alargando seus
pensamentos. Os alunos que estudavam na Universidade de Coimbra
estavam movidos por questões sociais, políticas e econômicas da época
em que viviam e refletiam essas tendências em suas atividades, em suas
falas, em sua produção. Esta foi a forma que alguns alunos tomaram e
organizaram uma nacionalidade do estado brasileiro bastante significativa
na fase colonial e a grande contribuição veio dos que estudaram na
Universidade de Coimbra.
92
Grande parte dos estudantes vinha das classes dominantes da
sociedade brasileira e foi no século XVIII que se concentrou a maior
parte de estudantes formados pela Universidade. No século XVIII eram
cerca de 1653 e no XIX caiu para 836, a diminuição, segundo Gauer,
deu-se devido à vinda da Família Real (1802) e à Independência em 1822,
período da criação dos cursos superiores no Brasil. Vale salientar qual era
a concepção de ciência embutida na Universidade de Coimbra, para se
compreender a formação e os ideais desta Universidade em que se
formou Tomás Antônio Gonzaga.
Deve-se notar que quando se pretende uma mudança, muitos
insistem em manter a ideologia antiga e muitos grupos defendiam os
códigos superados, os conteúdos arcaicos e desnecessários sem utilidade
para o mundo, em que as luzes deveriam dominar, insistindo em
permanecer em algumas disciplinas ministrada na Universidade. Muitos
mestres permaneciam nas trevas, o que é possível verificar em algumas
sátiras, escritas por estudantes brasileiros.
Segundo Gauer (2001), os estudantes da Universidade de Coimbra
desempenharam várias funções políticas, culturais, profissionais, tiveram
vários títulos eclesiásticos, assumiram cargos públicos e políticos e estes
foram os que formaram os primeiros cursos superiores, as atividades
culturais e as academias científicas. Para a autora, houve duas formas de
formação na Universidade de Coimbra, uma de 1700 a 1771 e outra de
1772 a 1820, período da Reforma da Universidade de Coimbra, imposta
por Marquês de Pombal.
Importante ressaltar que a formação doa alunos entre os anos de
1700 a 1771 é a que interessa, uma vez que Gonzaga freqüentou a
Universidade de Coimbra entre os anos de 1763 a 1768. Segundo Gauer,
entre 1700 a 1771:
93
matricularam-se em Coimbra 1296 brasileiros; desses,
registro completo sobre a formação de 523. O número
reflete que não registro completo da maioria dos alunos
matriculados. Entre 1772 a 1820 matricularam-se 788
brasileiros, dos quais 610 possuem registros completos, ou
seja, 77,41%. (...) ...é importante que se tenha presentes os
seguintes dados: Egressos que possuem um único
registro, isto significa dizer que os dados referem-se à
matrícula em uma disciplina; há os que cursaram várias
disciplinas e no entanto não existe informação sobre a
formatura; os que possuem registro de formatura sem
existirem informações sobre as disciplinas cursadas, e,
ainda, os que possuem informações completas: disciplinas
cursadas, curso de formação; data do bacharelado e/ou
licenciatura. (2001: 50)
O maior número de alunos matriculados ocorreu entre os anos de 1731 a
1760. Com a reforma, o número de matriculados caiu. Quanto à origem,
foram para Coimbra alunos da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, São
Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro. Segundo Gauer (2001), os
estudantes brasileiros em Coimbra preferiam cursos da área jurídica
como Cânones e Leis; Medicina ficou em segundo lugar, depois
Matemática.
A Universidade permitia formar-se em bacharel, licenciatura e
doutor. Para obtenção da licenciatura implicava novas provas e maiores
custos aos estudantes, enquanto o doutoramento veiculava-se a um título
honorífico e à função docente nas Universidades. O número de doutores
em Cânones é significativo para os egressos de Coimbra, uma vez que se
tornaram professores na Universidade de Coimbra. Muitos queriam o
doutoramento, pois lhe permitia um status mais elevado, as condições
econômicas para se manterem em Coimbra e cobrir os custos para a
obtenção do título e para competirem a uma vaga no magistério da
94
Universidade de Coimbra, destacando-se muitos os juristas. Neste
aspecto, cita-se:
Coimbra precisa de doutores, sobretudo legistas pela
exigência própria do magistério. E não surpreende que, no
que aos cânones diz respeito, o peso em licenciados e
doutores seja menor: a procura de lentes era muito igual em
todas as faculdades um pouco maior em leis devido as
quatro cadeiras de Instituta. A produção de formandos é
que era muito díspar, super abundante em Cânones e mais
restrita em leis. (GAUER 2001: 58)
Após a Reforma Pombalina, os estudantes brasileiros continuaram
procurando pelos Cursos de Cânones e Leis, mas houve muita procura
também pela faculdade de Filosofia e novamente destaca-se a preferência
pelos cursos jurídicos. Os juristas e magistrados, por sua vez,
destacaram-se na política da administração tanto portuguesa como
brasileira. O Direito Romano ensinado priorizava o poder dos reis e não
da Igreja.
Verifica-se que os estudantes de Coimbra tornaram-se também
professores e escritores. Entre os poetas e literatos de destaque que
freqüentaram a Universidade citam-se Cláudio Manuel da Costa,
Antônio Pereira de Souza Caldas, João Borges de Barros, Antônio José
da Silva, Tomás Antônio Gonzaga, Bartolomeu Antônio Cordovil,
Baltazar da Silva Lisboa, João Pereira da Silva, Ignácio José de Alvarenga
Peixoto, Domingos Caldas Barbosa, Joaquim Gonçalves Dias, Francisco
Muniz Barreto, José Maria de Almeida Teixeira Queiroz e Antônio
Mendes Bordalho.
95
A maioria dos literatos era formada em Cânones ou em Leis, o
que significa que os fundamentos da literatura portuguesa e brasileira
estão vinculados às disciplinas e a formação dada nesses cursos. O
ambiente de Coimbra nas últimas décadas do século XVIII refletia um
interesse pelas ciências que penetrava em todos os ambientes sociais.
Galileu (1564-1643) e Newton (1643-1727) haviam sido destacados.
Esse interesse pela transformação entrou nos mosteiros, nos seminários,
castelos, escolas e nas universidades.
Os homens envolvidos na Reforma da Universidade tinham
contato com o Iluminismo, para comprovar esse envolvimento é
verificar que D. Francisco de Lemos possuía uma biblioteca particular
com autores como Voltaire, Boerhave, Monstesquieu e Martini. Segundo
a Memória Professorum Universatatis Conimbrigensis (1772-1937), lecionavam
na Universidade de Coimbra professores da Alemanha, Bélgica, Brasil,
Cabo Verde, Espanha, França, Índia, Inglaterra, Holanda, Itália, Síria,
Suíça e Ucrânia, somando 82 professores. Havia também muita saída de
professores portugueses para outras universidades.
Em termos educacionais, é preciso salientar que Pombal expulsou
os jesuítas tanto de Portugal como do Brasil, mas se não fosse essa
educação jesuítica no Brasil-Colônia, os intelectuais brasileiros nunca
teriam acesso à universidade. Pela política pombalina, aquela educação
colocava o estudante como inimigo da ciência e da inteligência, mas
tratava-se de um ensino humanista que desenvolvia uma pedagogia
voltada para as atividades literárias, correspondendo em Portugal ao
modelo de homem culto, possibilitando aos estudantes brasileiros sua
entrada na Universidade de Coimbra. Para confirmar, vale ressaltar o que
Gauer diz:
96
Com relação ao papel dos Egressos de Coimbra no campo
científico é preciso lembrar que embora o ensino na colônia
fosse jesuítico escolástica medieval até 1759 e após esse
período a ‘continuidade jesuítica encontrara um quadro
deplorável no que se refere ao ensino das primeiras letras e
humanista, certo é que os brasileiros possuíam as condições
básicas para continuarem seus estudos universitários em
Portugal. (GAUER 2001: 99)
Mesmo estudando no Colégio dos jesuítas, os brasileiros tinham
condição de freqüentar a Universidade de Coimbra, pois havia a
preocupação, na educação, com o conhecimento científico.
Importante destacar que houve em Portugal a tentativa de
introduzir o pensamento moderno. Para tanto o Conde de Ericeira
fundou no século XVII a Academia Filosófica com D. Rafael Bluteau,
Manoel de Azevedo Forte, Manoel Serão Pimentel, Antônio de Oliveira
Azevedo e D. Manuel Caetano de Souza e em 1720 criou-se a Academia
de História, com que Jacob de Castro Sarmento atuou como tradutor das
obras de Bacon:
As influências do pensamento moderno em Portugal
ainda GUSDORF passam pelas obras de Martinho de
Mendonça de Pina e PROENÇA, Apontamentos para a
educação de um menino nobre (1734); de Luís Antônio
VERNEY, O verdadeiro método de estudar (1746) e As
Cartas sobre a educação da mocidade (1760) e de Antonio
Nunes Ribeiro SANCHES, Método para aprender a
estudar medicina (1763). Assim como BACON e
NEWTON influenciaram Castro SARMENTO,
DESCARTES inspirou Azevedo FORTES na Lógica
racional, geométrica e analítica (1744). Na visão do autor,
LOCKE foi o inspirador de Martinho de MENDONÇA e
de VERNEY. Todo este movimento constituiu-se no
primeiro momento das influências. Nesse movimento
97
encontramos a gênese da inspiração da Reforma
Pombalina. (GAUER 2001: 112)
Todas as transformações como a expulsão dos jesuítas, da extinção da
Universidade de Évora, a renovação dos professores da Universidade e a
criação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa deram-se devido ao
pensamento de Mendonça, Verney e Sanches. Um documento
importantíssimo é o Compêndio Histórico, pois é nele que estão todas as
idéias de como implantar a Reforma, os métodos, as técnicas e as linhas
teóricas a serem seguidas. O Compêndio Histórico e os Estatutos foram
obras de Frei Manuel de Cenáculo Vilasboas, o futuro reitor reformador;
e do brasileiro D. Francisco de Lemos de Faria. Trata-se de obras que
atribuem todos os erros do ensino universitário aos jesuítas.
Os compendiaristas utilizaram os autores: Pufendorf, Barbeyrac,
Wolf, Heineck, Van-Spen, Justino Febrônio e outros. O ideal seria o
deslocamento de uma sociedade civil, dando passagem do direito divino
ao direito natural. O Compêndio Histórico do Estado da Universidade de
Coimbra (1771) e os Estatutos Pombalinos (1772) são fontes históricas
valiosíssimas, pois demonstram a legitimidade do pensamento que
dominou Marquês de Pombal, como também permitem analisar como
estava a universidade antes e depois da Reforma (1772).
O início do Compêndio Histórico faz uma crítica ao ensino jesuítico
afirmando que este visava a destruição da Universidade e do Ensino:
Os estatutos jesuíticos teriam sido responsáveis pela
destruição de todos os campos de saber: as artes, as ciências
e as aulas de todo o reino. Houve segundo o
“Compêndio Histórico” a destruição do corpo da
Universidade e o sepultamento da monarquia portuguesa.
Os Prelúdios I e II objetivaram demonstrar o panorama
geral da ação jesuítica; para tanto, além do detalhamento
geral, foram anexados documentos como:
98
correspondências, alvarás, provisões e requerimentos, que
foram analisados retrospectivamente de forma a permitir
um panorama da crise do ensino superior e a crise no
Colégio Real das Artes. A montagem dos dois primeiros
prelúdios foi feita de forma esquemática; a utilização dos
documentos desdobrou-se em análises de exemplos
articulados de forma a produzir-se um texto totalmente
imbricado. Pode-se dizer que a preocupação do corpo
técnico responsável pelo documento foi o de produzir um
texto objetivo, claro e fundamentado em documentos
históricos. (GAUER 2001: 122-123)
Observa-se que, todo o trabalho jesuítico foi condenado e quando algum
responsável era um intelectual ou uma autoridade política, este era
considerado ingênuo. Pretendia-se, com toda certeza, que a
administração da Universidade deveria passar para o Estado. A Reforma
foi, portanto, uma ação política feita fora da Universidade. Houve uma
intervenção dos príncipes na administração universitária. Os mestres
ficaram impossibilitados de escolherem reitores. O estado demonstrou
que ele é quem dava a orientação do que ensinar e de como ensinar.
Assim, a gestão da Universidade após 1772 passou a ser tutela do estado
e sua legislação também. Vale ressaltar que a mudança do estado não
partiu dos literatos humanistas, mas sim do estadista Marquês de
Pombal.
Segundo Gauer (2001), o Compêndio Histórico apresenta a Parte I,
em que deixa claro as estratégias dos jesuítas para prevalecer a sua
política educacional, que acabou sendo superior ao próprio estado e
mantinha o ensino no obscurantismo. Essa linha de pensamento
universitária foi a que Gonzaga freqüentou a 1768. No Compêndio
Histórico estava registrado que se deveria ensinar o estudo da gramática,
com o retorno das línguas latinas e gregas, deveria ser ensinado
99
Quintiliano para o aprendizado da retórica. também uma crítica ao
ensino da lógica, que traduz um conhecimento moderno.
O Compêndio Histórico inicia-se com a fala de Marquês de Pombal,
enaltecendo o rei D. José e as suas conquistas. Lembra-se do rei D.
Diniz que estabeleceu a Monarquia Portuguesa e que fundou a
Universidade na cidade de Coimbra para os estudos das Artes Liberais e
das Ciências, onde as Letras de Portugal haviam tido o seu primeiro
berço, colocando os eruditos e bons mestres que progrediram
literariamente. A Universidade foi muito admirada na Europa até 1555
quando, segundo Pombal, os jesuítas a ocuparam e a arruinaram com
Estudos Menores e acabaram por destruir também todos os outros
Estudos Maiores. Pombal se coloca então neste Compêndio como o
responsável por examinar as causas da decadência dos estudos na
Universidade, como também em todas as escolas públicas, as Artes e a
Ciência, fazendo resplandecer com as luzes da razão o benefício comum;
pretende então para isto estabelecer a Junta de Providência Literária.
Pombal estabeleceu nesse Compêndio Histórico quem eram os seus
conselheiros:
Hei por bem nomear para Conselheiros, o Bispo de Béja,
presidente da real Meza Censoria, e do meu Conselho; os
Doutores Jofé Ricalde Pereira de Castro, e José de Seabra
da Silva, desembargadores do Paço, e do Meu Conselho; o
Doutor Francisco Antonio Marques Giraldes, tambem do
Meu Conselho, e Deputado da Meza da Consciencia, e
Ordens; o Doutor Francisco de Lemos de Faria, reitor da
Universidade de Coimbra; o Doutor João Pereira Ramos de
Azeredo, desembargador da mesma Casa. (COMPÊNDIO
HISTÓRICO 1772: III)
100
Pombal escolheu esses conselheiros para a Junta e determinava ordens
para conferirem a decadência, examinando todas as causas, apontando os
Cursos Científicos e os Métodos para o estabelecimento dos bons
estudos das Artes e Ciências, que segundo Pombal, achavam-se
destruídas. Na primeira parte do Compêndio, há o relato do estrago e de
todos os meios ilícitos que os Reitores e Diretores fizeram na
Universidade até o falecimento do Senhor Rei Dom Sebastião; expõe-se
também a destruição das Leis, regras e Métodos que regiam a
Universidade, colocando a Monarquia Portuguesa nas trevas da
ignorância.
Na segunda parte do Compêndio Histórico, a Junta cita os outros
estragos que se fizeram nas ciências e dos impedimentos que expunham
para que não se pudesse ressuscitar da ignorância. No Compêndio Histórico
(1772: IX, X,XI,XII) tratam-se então das destruições do ensino da
Teologia, da Jurisprudência e da Medicina. Salienta-se que haverá
somente a transcrição da destruição da Filosofia e da jurisprudência,
assuntos que interessam a esta tese:
Para a destruição da Theologia: Desterráram das Aulas de
Coimbra os estudos da escritura, da Tradição, dos
Concílios, dos Santos Padres, e da Historia Sagrada, que
nos Primeiros Onze Séculos haviam feito triunfar de todos
os Heresiarcas a Igreja de Deos. Lembraram-se dos
estragos, que nos estudos Theologicos tinham feito defde o
fim do Undécimo Século em diante a filosofia Arábico-
Aristotelica, e a Theologia escolastico-Peripatetica. Viram
que no Século Décimo Sexto se havia esta sagrada Sciencia
restituido a áquellas suas antecedentes forças, pela
necessidade de resistir com ellas ás muitas Seitas, que então
se tinham levantado. E achando restabelecidos, e florentes
na Universidade de Coimbra aquelles primitivos, e sólidos
Estudos; maquinaram contra elles muitos estatutos, com os
quaes puzeram em hum inteiro esquecimento a mesma
101
theologia primitiva; excitaram os estudos da outra ruinosa;
e deslaceráram a consistencia da mesma Universidade:
Obrigando os professores della a sustentarem contra as
verdades intrinsecas, e eternas as extravagâncias das
Opiniões: jurando defender os finco diversos Systemas; de
Pedro Lombardo; de Santo Thomaz; de João Duns Scoto;
de Durando; de Gabriel Biel: E deixando assim desde então
até agora a mesma Universidade na irreconciliável, e
contínua guerra das argúcias, e das subtilezas, com que cada
hum daquelles finco partidos forcejou para prevalecer
contra os quatro, que julgava opostos. E isto em matérias
connexas com a religião na qual a Unidade, e a
Uniformidade constituem duas das três bases fundamentaes
da Igreja.
Para a destruiçao da Jurisprudência Canônica, e Civil,
desterráram também da Universidade todas as prenoções
indispensaveis para habilitarem hum estudante canonista,
ou legista. Contrariamente lhes fuscitáram todos os
impedimentos, que podiam embaraçar os progressos destas
duas Sciencias: habilitando os estudantes para as aulas
sem algum prévio conhecimento das Línguas latina, e
Grega, da Arte da Rhetórica, e da boa, e verdadeira Lógica:
já dictando, e fazendo dictar nas escolas públicas huma
Metafysica errônea, e summamente prejudicial:
establecendo por base da Moral Christã a Ethica de
Aristoteles, Filosofo Atheista, que nenhuma crença teve em
Deos, e na Vida Eterna; que em vez de distar princípios
para a probidade interior do animo, e para a justiça natural,
foi Author de hum Systema eftodado de máximas dirigidas
a formarem hum Áulico das Cortes de Filippe, e de
Alexandre, e hum Hypocrita armado contra a innocencia
dos Crédulos com virtudes externas, e fingidas:
sustentando o mesmo ruinoso Sistema com o desprezo, em
que precipitaram o Estudo das Historias do Direito Civil
Romano, e Patrio; do Direito Canonico Universal, e
particular destes Reinos; da Historia das respectivas
Nações, Sociedades, e Póvos, para os quaes foram
promulgadas as leis, que compõem os referidos Direitos; da
Historia Literaria Geral, e Particular de hum, e outro
Direito: privado a mesma Universidade do
conhecimento da Doutrina do Methodo, que he tão
indispensavelmente necessario, e das Lições Elementares
102
dos mesmos dous Direitos: prohibindo o Methodo
Synthetico, e Compendiario; e mandando seguir o
Analytico aos Canonistas pelo textos, e Abbades
panormitanos; e aos legistas por Bartholo, e Accursio,
depois de haverem sido commummente reprovados para os
Estudos Academicos: E já em fim relaxando, e fazendo
inuteis os Estudos; estragando os costumes dos estudantes
com férias prolongadas; com Postillas cançadas, e
importunas; com matriculas perfunctorias; com liberdades
licenciosas no modo de viverem; com Privilegios, e
izençoes prejudiciaes; com exames, e Autos na maior parte
de méra, e apparente formalidade; com a falta de exercícios
Literarios nas Aulas, que estimulassem, e desembaraçassem
pela frequencia os mesmos Estudantes; e com tudo o mais,
que a malicia podia excogitar para impedir o
aproveitamento dos Alumnos. (COMPÊNDIO
HISTÓRICO 1772: IX, X, XI, XII)
A citação foi extensa mas importante para poder observar e destacar que
no Compêndio Histórico o que estava escrito nos Sextos e Sétimos
Estatutos desde 1598 continuavam da mesma forma. Ressalta-se que a
Universidade foi fundada por D. Diniz no ano de 1288, em Lisboa.
Segundo Francisco Leitão Ferreira, muitos livros se perderam e muitas
memórias da Universidade também nas suas mudanças de Lisboa para
Coimbra e de Coimbra outra vez para Lisboa.
No Compêndio Histórico pede-se que se aprenda a Língua Latina e
Grega para poder compreender os termos que aparecem na
Jurisprudência. Saber a língua mãe permite ler a história dos gregos, por
exemplo, nas suas origens. Houve a falta de instrução para a retórica, arte
necessária aos juristas e devia-se ter como critério primeiro saber usar a
lógica. Desejava-se o estudo dos escritos modernos como os de Nicole,
Malebranche, Mariotte, Thomaio, Lock, Le Clerc e Wolfio, mas o que
acontecia era o contrário, dizendo-se que esses estudos eram inúteis
principalmente para a Teologia. Não quiseram que se prosperasse a
103
metafísica e muito menos a Filosofia Moral. No Compêndio Histórico
aparece claramente a necessidade de se ter conhecimento da filosofia,
por esta determinar as regras naturais para se bem viver.
Para dirigir o mesmo homem creado por Deos à sua
semelhança, e imagem; e para facilitar-lhe a feliz posse do
Bem no estado natural; encarregou Deos à natureza
recional, de que o tinha dotado, a legislação, e o magisterio
preciso. A natureza racional desempenhou fielmente esta
Divina Commissão. Dictou leis as mais santas: E estableceo
regras as mais saudaveis, escrevendo-as todas nos corações
humanos, e lançando nelles as primeiras sementes da
virtude, e de toda a Doutrina dos costumes, para nelles
vegetarem, crescerem, e frutificarem depois com o uso da
Razão. (1772: 168)
Pode-se perceber que a filosofia da moral é que direciona os
pensamentos, as normas das ações, a disciplina dos costumes, o órgão da
razão, é a arte de viver bem e feliz. Esta disciplina foi a que regeu a Lei
natural e a consciência. Assim, a moral foi a disciplina que contribuiu em
muito para a formação dos juristas dando destaque à Ética, que foi
indispensável para a disciplina do Direito Natural.
Interessante que no Compêndio a frase que se mostra perante
toda a vantagem da Filosofia da Moral é a seguinte: “Porém o sucesso
desvaneceo a esperança” (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 176), ou
seja, verifico uma crítica ferrenha aos jesuítas que foram chamados de
inimigos da Sociedade Cristã, corruptores da Moral, perturbadores dos
tronos, amotinadores dos povos, não deixando uma cadeira para essa
indispensável disciplina. Mas, não a exterminaram de uma só vez, o
processo foi feito aos poucos, colocaram professores da Companhia e
submeteram-na aos seus fins. Para poder ensinar utilizavam-se dos livros
104
de Officiis de Santo Ambrósio e pelos trinta e cinco dos Moraes de São
Gregório Magno, compostos de propósito, para corrigir e suprir o que
faltava na Ética Gentílica. Estes livros, que por séculos, serviram de
norma para a direção dos costumes. Essas eram as circunstâncias que
estavam presentes nos estatutos do ano de 1598.
No Compêndio Histórico (1772: 239) o registro de que os
estudantes saíam da Universidade de Coimbra pouco hábeis para
exercitarem a jurisprudência, porque havia muitos estragos e
impedimentos que não permitiam aos alunos terem uma boa formação.
Os estudantes eram impossibilitados de refletir:
Entraráõ os mesmos Estudantes com os olhos fechados
neste delicado trabalho; e postos no meio da innumeravel
copia de Livros, que nas Loges dos Livreiros, não
saberiam para onde se virassem, nem para quaes deveriam
inclinar-se; nem conheceriam os mais úteis para o seu
Ministerio; ver-se-hião precisados ou a mendicar de outros
esta importante noticia com deslustre dos seus grãos, ou a
prodigalizarem o seu dinheiro sobre a fé dos Livreiros,
sempre suspeita, e pouco segura; empregando avultadas
quantias nos que elles quizerem vender-lhes, os quaes pela
maior parte não costumam ser os mais úteis para o
Ministerio, mas sim aquelles, a que não acham fácil sahida
os donos das Loges, que os vendem. (COMPÊNDIO
HISTÓRICO 1772: 239).
Infelizmente, no Compêndio Histórico, foi possível compreender que havia
ignorância da Doutrina do Método. Mesmo depois de formados, os
estudantes saíam da Universidade sem saber o método, não sabiam nem
como responder. Não havia também Lições Elementares do Direito
Canônico. Os alunos também não tinham a união entre Teoria e Prática.
105
Verifica-se através do Compêndio Histórico (1772: 267-268) que as
matérias eram antiquadas e que os professores sentiam-se cansados:
Vemos, que sobre as mesmas matérias antiquadas sé tem
disputado, e disputa com muito calor, e prolixidade, nas
ditas Lições, e nas Postillas, que para estas dictam os
Professores, e explicam nas cadeiras: Que as mesmas
desusadas matéria se agitam, e debatem com muita
repetição, e freqüência nos Actos, e Exames públicos, que
também nellas se fazem, sahindo nellas os Pontos, que
tiram para elles, humas vezes pela fraudulenta diligencia dos
candidatos, outras vezes por cahir nellas a forte da abertura
dos Corpos de Direito das respectivas faculdades: Que
sobre as Conclusões, e Doutrinas dos Pontos, ou
cautelosamente diligenciados, ou cegamente assinados na
referida fórma, se perguntam, se examinam, e devem
responder os mesmos Candidatos: E que basta darem estes
boa conta dellas para ferem logo approvados, promovidos
aos grãos Acadêmicos, e julgados hábeis para todos os
Ministerios da Jurisprudencia; posto que nenhuma prova
tenham dado, nem lhes tenha pedido da fuá boa
instrução nos artigos do Direito usados, e freqüentes no
Foro. (COMPÊNDIO HISTÓRICO 1772: 267-268)
Observa-se, então, que os jovens saíam da Universidade com uma
espécie de conhecimento ocioso e insignificante para a jurisprudência,
com falta de conhecimento que lhes seriam úteis para agir nos
ministérios. Os estudantes saíam das aulas sem saber distinguir e separar
as matérias inúteis das úteis. No Compêndio Histórico há a crítica aos livros
obrigatórios. Os estudantes eram obrigados a terem livros de Bartholo e
do Abbade, que são os dois Coriseos da Jurisprudência Bartholina em
ambas as Faculdades Jurídicas. O Compêndio Histórico (1772: 283-284)
apresenta o que os mestres das cadeiras maiores e menores deveriam
fazer:
106
Mandaram aos Lentes da Cadeiras grandes: Que
declarassem na explicação de cada texto todos os Notáveis,
que delle deduzem: Que expuzessem os principaes
entendimentos, que nelles trazem os Doutores: Que lessem
as Glossas continuativamente pela mesma ordem, com que
acham nos Títulos, com comminação das multas nelles
declaradas contra os seus trasgressores: Que na allegação
dos Doutores começassem sempre pelos Antigos, que são
havidos por Mestres em cada Sciencia: E que para fazerem
a Commum com estes Antigos, allegassem dos Modernos
dous até três dos mais graves debaixo da mesma pena.
O mesmo ordenaram também aos Lentes das
Cadeiras Pequenas, sem mais differença, que a
recommendação de serem mais breves para passarem mais
textos. Para este fim lhes mandaram, que dessem somente
em cada Texto o entendimento commum: Que o principiassem
pela Glossa, que sempre o traz: E que trabalhassem por
mostrar a verdade delle. (COMPÊNDIO HISTÓRICO
1772: 283-284).
Percebe-se, assim, que foi obrigatório o ensino em Coimbra da Escola de
Bartholo, continuar ensinando as Glossas para que essa continuasse a ser
idolatrada e preferiam-se as suas sentenças a as mais claras Leis.
Embutiam nos alunos as idéias dos antigos doutores e não permitiam
nem a citação dos Modernos, a não ser que fosse para contribuir para a
opinião comum iniciada pelos Antigos.
No Compêndio Histórico aparece claramente a declaração de que
toda essa Legislação nos estatutos não foi mais do que uma maneira de
arruinar os estudos Jurídicos e que os que os estabeleceram queriam fugir
das luzes e explicações a que tinham chegado a jurisprudência para
permanecerem os estudantes da Universidade de Coimbra nas trevas da
Ignorância.
Interessante ressaltar que ainda nos Estatutos elaborados pelos
jesuítas o item de obrigarem aos Lentes a prestarem juramento de
107
cumprirem as disposições, abdicando-se do uso da razão, o que levou a
arruinarem os escritos dos professores da Universidade de Coimbra.
No Compêndio Histórico (1772: 293-294) apresenta-se então, na
conclusão da parte II, capítulo II, a destruição do ensino da
jurisprudência, fazendo fomentar a preguiça, promover a distração,
animar a ociosidade, diminuir a massa do estudo que é o único
instrumento da aquisição das Ciências e apresenta resumidamente todos
os estragos e impedimentos para adquirir o conhecimento dentro da
Universidade de Coimbra:
Primo: O pouco tempo lectivo, e a larga interrupção
das Lições públicas das Escolas, por causa da demaziada
extensão das feria Acadêmicas.
Secundo: O máo emprego, que desse pouco tempo
lectivo fazia, consumindo-se grande parte delle na inútil
escrita das cançadas Postillas, que dictavam os lentes.
Tertio: A falta de residencia dos Estudantes na
Universidade; Por não terem provido a ella os mesmos
estatutos; e não haverem sido bastantes para obrigallos a
residir a providencia das Matriculas incertas, e outras, que
se deram depois para este necessario fim.
Quarto: A excessiva liberdade, de que abusam os
estudantes na universidade; por faltar nella a regulação de
huma boa Policia, que mais os obrigue a viverem com a
applicação, e socego, de que depende inteiramente o seu
aproveitamento nos estudos.
Quinto: A total izenção da Jurisdicção do reitor da
Universidade, que os maquinadores dos mesmos estatutos
haviam antecedentemente conseguido para as Escolas
menores; por meio da qual ficaram Elles sendo árbitros dos
exames, que nellas faziam os Estudantes para se
metricularem nas Faculdades Jurídicas; approvando-os, e
reprovando-os livremente, como Elles queriam, e sem
appellação nem aggravo.
Sexto: A demaziada, e nociva indulgência, que se
praticava nos Actos, e exames Públicos; e na Collação dos
Grãos Acadêmicos, procedida em grande parte de interesse,
108
que havia em se multiplicarem os mesmos Actos, para se
augmentarem, e crescerem os emolumentos das propinas,
que nelles se pagavam.
Septimo: A inteira falta dos Actos, e exames Públicos
nos primeiros quatro annos do Curso Jurídico; da qual
tomavam occasião os estudantes para nelles se não
applicarem ao estudo; resultando-lhes de tão longa
ociosidade adquirirem o máo habito de não estudar, que
depois lhes era muito difficultoso vencer.
Octavo: a total falta de exercícios Literários nas Aulas,
em que mais se desembaraçassem, e estimulassem os
mesmos Estudantes por meio da emulação, para serem
mais applicados, e estudiosos. (COMPÊNDIO
HISTÓRICO 1772: 293-294).
Esses são alguns dos estragos que se foi possível expor no compêndio,
que levou à decadência a jurisprudência na Universidade de Coimbra.
Esta foi então a maneira como foram governadas as faculdades Jurídicas
desde os anos de 1598 até 1772, data da Reforma Pombalina e da escrita
do Compêndio Histórico.
Assim, estão presentes no Compêndio Histórico (1772: 294-296) as
duas providências que se deve tomar para pôr fim a tão graves males.
A Primeira deve ser a total revogação, e inteira abolição dos
ditos perniciosos estatutos. Providencia tanto mais
necessaria, e tão manisfestamente exclufiva de toda a
hesitação em contrario, ainda levissima; quanto mais
evidente, e notório he a todos, os que os lerem com alguma
luz da Historia Literária, e da Doutrina do Methodo dos
estudos Jurídicos, que ainda no caso, em que as nocivas
desposições, que nelles acham escritas, não fossem
conhecido aborto da malignidade jesuitica, como
demonstrativamente temos provado haverem sido com
factos os mais constantes, os mais decisivos, e os mais
intergiversaveis: Sempre os ditos Estatutos deveriam ser da
mesma sorte revogados, e abolidos; porque sempre as suas
disposições seriam as mesmas; e como taes seriam sempre
109
igualmente nocivas, e produziriam os mesmos idênticos
Estragos. E ainda que se pudesse provar, que para ellas
havia influido a ignorância, ou a negligencia dos seus
Authores, ( o que não póde caber em juízo algum humano)
nem por isso ellas poderiam sustentar-se; porque achando-
se todo o veneno no Corpo, e na authoridade dellas; do
mesmo modo faria preciso cortar-lhe os progressos, ou
elle se propinasse com malicia, ou com ignorância.
A Segunda providencia consiste em fé formarem
novos Estatutos, nos quaes se desterre das Aulas Jurídicas a
bárbara Escol de Bartholo; assim como a sua
Jurisprudencia se acha desterrada do Foro destes Reinos.
Em lugar della se deve estabelecer, e mandar seguir a
Escola de Cujacio. Na conformidade desta se deve regular
o Curso Jurídico; não se admittindo a Mocidade a
matricular-se em Direito sem a necessaria instrução das
Letras Humanas, e Disciplinas Filosoficas; introduzindo-se
novamente no dito Curso Lições públicas das principaes
Disciplinas Subsidiarias da Jurisprudencia; reformando-se
as da Instituta de cânones; mandando-se, que destas Lições
Subsidiarias, e Elementares se passe logo às Syntheticas, e
depois às Analyticas de huma, e outra Jurisprudencia; e
ordenando-se também o ensino público do Direito pátrio
por hum Professor privativo. E deve concluir, dando-se
com muito cuidado todas as mais Providencias, que
parecerem adequadas, e próprias para estabelecer na
Universidade a boa ordem; emendar todos os vícios dos
reprovados Estatutos; e acautelar, e impedir para o futuro
todas as suas más consequencias.
Estes são os únicos meios, que podem restituir a
Jurisprudencia destes reinos ao seu nativo esplendor; fazer
florecentes os Estudos Jurídicos da Universidade de
Coimbra; e formar Jurisconfultos hábeis para servirem
dignamente à Igreja, e ao Estado. (COMPÊNDIO
HISTÓRICO 1772: 294-296).
Dito isso, assim voltaria a Universidade de Coimbra a formar
estudantes hábeis no uso da razão.
CAPÍTULO V
O JUSNATURALISMO PRESENTE NA OBRA
TRATADO DE DIREITO NATURAL
5.1. O surgimento do Direito Natural em Portugal
Para compreender a questão jusnaturalista em Portugal deve-se
observar primeiramente a importância dos estrangeirados para o avanço
intelectual português. Estrangeirado era um nome pejorativo dado em
Portugal aos intelectuais portugueses dos finais do século XVII e
particularmente no século XVIII, o século do Iluminismo, que tinham
vivido no norte da Europa ou que tinham tido contato com uma
realidade estrangeira mais “moderna”; eram desprezados por setores
influentes da sociedade portuguesa, católica, conservadora, autocrática,
que ainda menosprezava as idéias da Europa.
Em Portugal, como em outros países católicos, o Index Librorum
Prohibitorum ainda era corrente, mais de dois terços da população era
ainda analfabeta e as Universidades Portuguesas ainda ensinavam
matérias da escolástica da Idade Média. O principal aparelho repressivo
era a Inquisição, visando os inimigos de Roma e a polícia política,
111
combatendo as idéias da revolução Francesa. Os judeus continuavam a
ser perseguidos, bem como os maçons, que atacavam a Igreja com o
anti-clericalismo e com a filosofia do naturalismo, negando a existência
do sobrenatural.
Nesse contexto de um país que permanecera em estagnação
perante o norte da Europa, onde a Revolução Industrial lançava a
humanidade em nova etapa de prosperidade material, os estrangeirados
constituíam uma elite que permanecia marginal à sociedade portuguesa.
Em alguns casos foram alvos de perseguição política e religiosa. A
França, país católico e com cultura mais semelhante à nossa, com uma
língua latina e menos distante geograficamente do que outras nações
desenvolvidas, foi o principal ponto de referência para esta geração de
pensadores portugueses.
Para verificar a influência do jusnaturalismo em Gonzaga, torna-se
importante compreender, então, as idéias do iluminismo na Alemanha,
onde o direito surgiu anteriormente à filosofia e à política, segundo as
palavras de Paul (1994: 16) “O Direito precede a filosofia e a política.
[tradução minha]”
9
. Percebe-se que o direito condições para o
surgimento das luzes, pois os teóricos do direito trazem o conhecimento
e conseqüentemente a morte de Deus.
Segundo Paul (1994: 13), falar da morte de Deus na Alemanha, na
França ou em outros países implica lidar com o tradicionalismo da
religião cristã, ou encerrar, portanto, anos de crenças, milagres, orações.
A evocação das luzes trouxe um efeito transformador. As luzes e
seus seguidores tanto ingleses, alemães e italianos negam as sombras do
obscurantismo em que a igreja e a religião de Deus dominavam.
Segundo as palavras de Paul (1994: 16), o iluminismo denuncia o
9
Droit précède la philosophie et le politíque. (PAUL 1994: 13).
112
infame, a igreja e dita o que é o bem e o que é o mal.
10
Diferentemente
do que acontece em termos de guerras, muitas terminam pelas
retificações das fronteiras e, no caso do Iluminismo, o contrário vai
acontecer; trata-se do afrontamento entre as luzes e as trevas, pois os
precursores do Iluminismo vão delimitar o território de Deus,
combatendo-o de forma pacífica.
Deus era considerado pelos jusnaturalistas o criador da natureza,
mas não um interventor direto nas ações humanas. Assim, haveria a
justificativa para o terremoto de 1755, que segundo os religiosos ocorreu
por Portugal ter aceitado os ideais jusnaturalistas, surgidos na Alemanha,
principalmente pelo fato de inferir que Deus não mais interferiria na vida
humana.
D. José apelava então para a ação divina. O crédito dos jesuítas
recuperava terreno. O susto geral, alimentado pela continuação de
ligeiros tremores, dava ensejo ao recrudescimento do sentimento
religioso, que a oposição aproveitou. Carvalho, que dizia que o terremoto
era sucesso da natureza e não o explodir da cólera divina, falava como
ímpio: “Seus atos desagradavam ao eterno, e o descalabro do Governo
certamente pedia reforma, para se evitar o retorno do tremendo castigo”
(AZEVEDO 2004: 157). D. José não desprezava a “corte celestial”.
Padres fanáticos e missionários freqüentavam o paço, exploravam a fácil
crendice da família real.
D. José dava ouvidos às homilias dos missionários e à suposta
impiedade do seu ministro. Diogo de Mendonça queria então o cargo de
ministro; para isso reunia-se com os amigos, lamentava os erros da
administração, denegria o rival. que o ministro ficou sabendo e disse
que este não tinha uma prova. Diogo de Mendonça foi então exilado,
10
Elle éclaire et dénonce l’infâme, l’Èglise qui dit le Bien et lê Mal.
113
por criar desordem e inquietação. Carvalho tinha um governo despótico
e a indignação e o ódio contra ele aumentaram, após o desterro de
Mendonça.
Quanto ao terremoto, a muitos medrosos parecia castigo divino.
Malagrida veio para Portugal com a fama de santo e todos recorriam a
ele para sua cura, porque ele teria pressentido o terremoto. Azevedo,
então cita as palavras de Malagrida que escreveu então um folheto, Juízo
da Verdadeira Causa do Terremoto, com o louvor do Santo Ofício dizendo:
“Sabe, Lisboa”, exclamava o jesuíta, “que os únicos
destruidores de tantas casas e palácios, os assoladores de
tantos templos e conventos, homicidas de tantos seus
habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros
não são cometas, não são contingências ou causas naturais,
mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados”. Era
geral a impenitência e o desprezo da salvação. As almas
perdiam-se no tropel dos insanos prazeres. Não faltava
concurso às touradas, às danças, aos teatros, às diversões de
toda a espécie, e os templos ficavam desertos. Deus tinha
revelado a sua ira a uma santa freira, falecida antes do
terremoto, e também outras pessoas haviam tido
pressentimento do castigo. Após isso, “haverá”, perguntava
o inspirado, “não digo católico, mas herege, turco, ou
judeu, que possa dizer que este tão grande açoite foi puro
efeito das causas naturais, e não fulminado especialmente
por Deus, pelos nossos pecados?” (AZEVEDO 2004: 166)
Isso era demais para a tolerância do ministro. Para Carvalho, o jesuíta era
um falso vidente, embusteiro e audaz. O escrito que o Santo Ofício
aprovara era ofensivo à razão e ao Governo.
Presentes em Gonzaga, em sua obra Tratado de Direito Natural, as
idéias de alguns jusnaturalistas, como Grócio, Heinécio e Pufendórfio, só
puderam chegar até a Universidade de Coimbra por meio dos
114
estrangeirados. A busca de novos ideais fez com que Gonzaga apoiasse a
sua obra no Direito Natural, que deve ser entendido como um produto
da razão humana e não de uma razão divina. Mas Gonzaga, com base na
teoria do direito divino expõe a idéia de que o governante era o
representante de Deus aliada à idéia de monarquia como a forma política
mais natural e mais adequada à realização do bem comum. Percebe-se
que a moralidade na prática é uma questão de cumprimento às regras ou
leis e não a busca do bem comum: “aprovou Deus as sociedades
humanas, dando aos sumos imperantes todo o poder necessário para
semelhante fim” (GONZAGA 1957: 16). As primeiras manifestações
do jusnaturalismo podem ser localizadas um pouco antes de Gonzaga.
Segundo Gauer: “O jusnaturalismo parece ter aparecido em Portugal
antes de 1750 na obra do brasileiro Alexandre de GUSMÃO, que teria
lido PUFENDORF, HEINEEK e BARBEYRAC” (2001: 114). A
fundamentação histórica jurisdicista da monarquia influenciava todas as
teses dos autores que viviam nesse período; as influências eram as de
que: “A razão humana e a razão divina deram lugar à própria razão
humana como única; a vontade divina é a vontade do homem, portanto,
a razão humana. Essa nova cosmovisão foi a base do
jusnaturalismo ou, como muitos preferem, do jusracionalismo em
Portugal” (GAUER 2001: 115).
Para Gauer (2001), o pensamento escolástico colocava o homem
fora do contexto social, enquanto que o pensamento moderno,
introduzia o homem no mundo. O direito natural moderno foi um
elemento que contribuiu para a criação do individualismo. Os teóricos
desse período foram influenciados pelo estoicismo e pelo individualismo
cristão. As concepções de Molina, Grócio, Hobbes, Pufendorf e
Rousseau eram o de sociedade ideal a partir do isolamento do indivíduo
115
natural e havia a idéias do contato político. Para explicar, o que foi o
direito natural, torna-se importante verificar o pensamento imbutido no
Compêndio Histórico de 1771, conforme relata Gauer (2001: 121):
Com a clara influência de PUFENDORF e THOMASEN,
o direito natural passou a ser visto como um produto da
razão e não de revelação divina ou vontade humana
constituída em poder. Os compendiaristas utilizaram de tal
forma o direito natural com base em PUFENDORF,
WOLFF, HEINECK, BOHEMER, DARJES,
BARBEIRAC, e THOMASEN, que esses autores são
citados continuamente no “Compêndio Histórico”; parece-
nos que os reformadores fizeram uma síntese de cada autor.
Para eles, o direito natural era a regra de todo o direito; o
autor afirma que MARETINI influenciou os
compendiaristas na elaboração do “Compêndio Histórico”
e dos “Estatutos”. MARETINI condimentou a teoria de
WOLFF com elementos pedidos da escola de
PUFENDORF, seguindo as exigências específicas da
ilustração católica, sobretudo nas relações entre a Igreja e o
Estado.
Nota-se, portanto, que o Estado é o que tem a função de manter a
segurança pública. No século XVIII, houve uma substituição do
jusnaturalismo católico por um jusnaturalismo deísta, com influência de
Grócio e Pufendorf. Segundo Gauer (2001: 179):
O Marquês de Pombal, em carta enviada ao governador do
Matto Grosso comunica a filosofia moral e ética-política de
governo e comando a ser seguida no Brasil. Na carta,
solicita que o governador não consinta que haja violência
dos ricos contra os pobres, e que o governador seja o
defensor dos pobres e miseráveis, invoca o princípio cristão
de bom católico para a defesa dos menos privilegiados.
Orienta também como se deve repreender os réus com
116
moderação e que o tratamento aos súditos jamais poderá
ser feito com palavras injuriosas e de afronta, “porque os
homens, se são honrados, sentem menos os pesados
grilhões e a privação da liberdade, do que as
descomposturas de palavras ignominiosas”. O modelo de
administração que as palavras da carta sugerem retrata a
concepção moderna de administrar.
Ressalte-se que no Compêndio Histórico de 1772 estão registrados os
pensamentos do jurista holandês Hugo Grócio ou Huig de Groot (1583-
1645), que juntou todos os documentos pertencentes a disciplina de
Direito Natural. Grócio somou todas as obras e formou um sistema
amplo e completo. Seu discípulo, o jurista Samuel Von Pufendorf (1632-
1694), em várias citações, resumiu o seu sistema em um Compêndio e
levou-o para uso nas lições de escola, tornando-se o primeiro professor
de Direito Natural e das Gentes. Muitos abraçaram o estudo de
Pufendorf, como Cristiano, Tomásio, Wolff, Henrique e Samuel Cocceo
e outros.
Importante salientar que um bom jurista à época devia trazer
consigo sempre os Annaes da História e o Código das Leis Naturais,
para servir de base para a interpretação de todas as leis positivas,
Canônicas ou Civis que se conformavam com a razão natural; por isso a
história nunca deveria se desvincular do seu momento, é preciso indagar-
se a ocasião, o lugar, o tempo da lei, os costumes, o gênio, o caráter e a
forma do Governo da Nação.
Vale salientar que Aristóteles, S. Tomás, Suárez, Molina, Soto,
Mariana, Victória, Velasco e muitos outros constituíam os expoentes
máximos do pensamento filosófico-jurídico português e suas doutrinas
encontram-se desenvolvidas nas obras dos jurisconsultos e moralistas do
117
século XVIII. Segundo Moncada (2003), o conceito de direito natural e
lei natural, de lei eterna, de lei divina, de direito positivo e da sua
subordinação às anteriores, de boa razão, a distinção entre direito natural
primeiro e secundário, a idéia escolástica do bem comum, como
fundamento das leis e do estado, eram ideais dos jurisconsultos romanos
clássicos, dos Padres da Igreja e de alguns filósofos antigos e constituíam
a perspectiva filosófica da cultura jurídica portuguesa. Muitos eram os
países em que essa independência da Teologia não havia, principalmente
nos países que tardaram o rompimento com os métodos escolásticos,
adaptando a Filosofia Moderna.
Encontram-se alguns juristas e moralistas portugueses que
expõem em suas obras um material abundante para confirmar o que foi
dito. Entre eles: D. Fr. Amador Arrais (falecido em 1600) com a obra
Diálogo sobre as Condições do Bom Príncipe; Duarte Ribeiro Macedo (1618-
1680) com o seu Breve Discurso das Partes dum Juiz Perfeito; e Domingos
Antunes Portugal (século XVII) com Tract. de Donationibus Regiis (1669).
O estudo do Direito Filosófico independente da Teologia e seu ensino
oficial se introduziram em Portugal com a reforma dos estudos do
reinado de D. José, contida nos Estatutos da Universidade, de 1772.
O estudo oficial do direito filosófico nasceu em Portugal sob o
signo da Escola de Direito Natural e das Gentes, dos séculos XVII e
XVIII, cujos representantes foram Grócio, Pufendorf, Tomásio e Wolff.
Este teve larga influência, além da consagração dos Estatutos da
Universidade; também houve a adoção do livro de Martini como
compêndio para a cadeira de Direito Natural. O fato de Filosofia do
Direito passar a ser Direito Natural aconteceu também nas outras
Universidades européias. Frederico Ludovici na sua obra Delineatio Hist.
Juris Divini, Natur. et Positivi Universalis (1714), referiu-se às Universidades
118
em que havia lições públicas de Direito Natural como em Friburgo,
Innsbruck, Praga e Viena em 1754 no reinado de Maria Teresa de
Áustria.
Importante ressaltar também que, antes de 1768, havia sido
traduzido para o português os Elementos de Direito Natural de Burlamaque,
por José Caetano de Mesquita, professor do Colégio dos Nobres.
Burlamaque (1691-1748) foi também discípulo de Wolff que pretendera
conciliar as doutrinas deste com as de Grócio e Tomásio. O compêndio
de Martini, mencionado anteriormente, intitulado Positiones de lege naturali
in usum auditorum foi comentado e seguido nas aulas de Coimbra até 1843.
Martini não se desvinculou da Teologia e expõe que os direitos dos
indivíduos devem estar sempre associados às respectivas obrigações, que
resultam de algum fato humano, como conservação, apropriação,
segurança, defesa e o direito de guerra; direitos que são iguais e
conformes em todos os homens. Dessa igualdade decorre o direito de
liberdade. As idéias dos discípulos de Wolff dão a conhecer o espírito
formado no ambiente iluminista dos fins do século XVIII e não é por
acaso que a reforma de 1772 foi buscar as suas idéias para a educação
nacional em matéria de direito filosófico.
Vale lembrar que os professores de Direito Natural que regeram o
curso em Coimbra desde a publicação dos Estatutos foram: Manuel
Pedroso de Lima, Manuel Luiz Soares, Francisco Pires de Carvalho e
Albuquerque, Francisco Xavier de Oliveira Matos, Simão de Cordes
Brandão e Ataíde e Portalegre José Fernandes Álvares Fortuna. Não se
pode deixar de mencionar novamente Luís António Verney que não foi
propriamente um filósofo do direito, mas demonstrou uma concepção
filosófica partidária da existência de um direito natural como parte da
Ética, considerando uma ciência racional e independente da Teologia.
119
Assim, Gonzaga, diante dos novos ideais jusnaturalistas que
vislumbravam na Europa, escreveu Tratado de Direito Natural com o
objetivo de expor o primeiro livro em português sobre as disposições
recentes do Direito Natural, unindo-as a Teologia e demonstrando como
deve viver uma sociedade organizada:
Ainda que não haja uma causa, de que não se deduza a
existência de Deus, Epicuro, Espinosa e outros ímpios que
se compreendem no genérico nome de “ateus”, negaram
detestávelmente esta incontrovertível verdade. Este êrro é o
mais nocivo à sociedade dos homens, pois os deixa
despidos de qualquer obrigação, à semelhança dos brutos, a
quem fêz a Natureza destituídos do discurso e da razão.
(GONZAGA 1957: 18)
Em sua obra, Gonzaga comparou as concepções de Grócio e Pufendorf,
fundadores da moderna escola de Direito Natural, com as de Heinécio
que uniu as concepções de ambos com a Teologia: “Como pois a
existência de Deus é a base principal de todo o Direito, será justo que a
mostremos com razões físicas, metafísicas e morais” (GONZAGA 1957:
18). Observa-se que com a fusão das concepções de Grócio e Pufendorf,
Gonzaga vai demonstrando nos subitens do tratado toda a sua
argumentação sobre a necessidade da existência divina:
Uma demonstração física da existência de Deus é a
necessidade que temos de um Ente, em que tenham
princípio tôdas as cousas que vemos, pois, como não
podiam dar a si próprias o ser, havemos necessàriamente
confessar que um princípio incriado, causa da existência
de todas. (GONZAGA 1957: 18-19)
120
Gonzaga vai justificando no decorrer de todo o texto a afirmação da
necessidade da teologia. Nesse mesmo âmbito, destacou-se Antônio
Ribeiro dos Santos que se formou como bacharel no curso de cânones
em 1768 e foi convidado a integrar a Academia das Ciências e contribuiu
para a reforma dos estudos de Coimbra, participando da elaboração do
texto do Compêndio Histórico (1772). Ribeiro dos Santos partiu dos
mesmos princípios jusnaturalistas de Gonzaga, mas chegou a conclusões
diferentes, o que demonstra que nem todos tinham as mesmas idéias
sobre o poder dos reis, o papel do poder legislativo e outros aspectos
sociais.
Houve, então, diante das oposições , a criação dos Assentos da
Casa de Suplicação que determinava a interpretação ideal da lei. Mas,
para Ribeiro dos Santos não era o ideal, pois quem determina a lei era o
governante. Gonzaga ao escrever o Tratado de Direito Natural seguiu as
idéias vigentes na Europa e em Portugal em particular. Gonzaga iniciou
o seu texto, então, a partir do princípio teológico, construindo o seu
conceito de Direito Natural, relacionando suas idéias com os princípios
de Grócio, Pufendorf, Tomásio, Heinécio e outros formuladores da
moderna teoria do Direito Natural:
Não faltou também quem negasse a existência do Direito
Natural. Este erro não é menos nocivo à sociedade humana
que a péssima doutrina dos ateus. Que diverso efeito
podemos considerar entre o não admitirmos um Deus,
princípio de tudo, ou admiti-lo, negando a sujeição às suas
importantes leis? (GONZAGA 1957: 23)
Vale lembrar que, o único meio de impor pressão social era o de afirmar
que quem cometesse alguma irregularidade o “castigo” estava no plano
moral:
121
Por isso, para quem não existisse a possibilidade de os
homens viverem apenas seguindo “seus apetites torpes e
suas depravadas paixões”, Deus teria aprovado a criação
das sociedades humanas. Daí que, ainda que todos fossem
por natureza iguais, esta mesma natureza teria obrigado
Deus a infundir diferenças entre os homens: uns seriam
governantes, outros governados. Os governantes teriam o
direito e o papel de fazer, desta vez através de castigos
efetivos, cumprir os preceitos estipulados por Deus. Às leis
derivadas deste direito, Gonzaga chamou de Direito Civil.
(GRINBERG 1997: 3)
O direito natural ficou circunscrito à esfera de atuação do civil. Gonzaga
expõe sobre a hierarquia social, as divisões do poder, a importância da lei
e do direito, discussões sobre o caráter das ações humanas, livre-arbítrio
e a consciência. Dessa forma, Deus é quem organiza as relações sociais e
fornece um fundamento para as ações humanas. Diante disso, nota-se
constantemente por todo o Tratado de Direito Natural a presença da
escolástica. Para deixar claro esta influência, Gonzaga usa do método
silogístico, quando prova a existência de Deus, a existência do Direito
Natural, e a origem natural da sociedade.
Segundo Campos (1970: 166), o pensamento escolástico faz-se
sentir na própria doutrina versada. pelos autores citados percebe-se a
formação humanística e seu gosto pelos estudos escolásticos como:
Cícero, Sêneca, Tácito, Plínio o Jovem Suetônio, Juvenal, juntamente
com Aristóteles, São Tomás de Aquino, São Boaventura e Ricardo de
Mediávila.
Campos deu destaque e preferência às citações de Aristóteles e de
Santo Tomás autores preferidos da Escolástica Portuguesa: “Aristóteles é
citado quatro vezes, Santo Tomás dezoito (quinze citações referem-se à
Suma Teológica, uma às Sentenças, uma às questões Disputadas e uma
122
ao da Verdade)” (1970: 166). ainda partes da Sagradas Letras, ao
antigo e Novo Testamento que era a mentalidade reinante na Escolástica
Portuguesa, contra a Reforma Protestante. Mas, há também no Tratado de
Direito Natural a influência não-escolástica, que é possível notar quando
Gonzaga cita Grócio e Pufendorf.
Segundo Campos, Grócio admitiu que o direito se funda na
natureza e que procede da livre vontade de Deus: “O direito natural é,
porém, em seu entender, independente da vontade divina, enquanto que
Deus não pode querer algo contrário a ele” (1970: 168); para Grócio,
ainda que Deus não existisse, existiria direito natural. Já Pufendorf sofreu
influência de Hobbes e de Grócio, mas equipara o direito natural à
vontade divina. Neste ponto, segundo Campos (1970), Gonzaga recebe a
influência de Pufendorf naquilo que este se refere à doutrina, colocando
a vontade divina como origem do Direito Natural e à teoria da origem da
sociedade.
Convém, portanto, discorrer sobre os representantes da escola
moderna do direito natural para efetuar relações entre a obra
gonzaguiana e suas teorias. A escola do Direito Natural iniciou-se nos
Países Baixos e na Alemanha, no século XVII e teve como fundadores
Hugo Grócio e Samuel von Pufendorf. Ela se caracteriza por referir-se à
natureza do homem e da sociedade como bases para a noção de justiça.
5.2. Grócio, o Jusnaturalista Fundador
Hugo de Groot ou Grócio (1538-1645), natural de Delft, nas
Províncias Unidas, na Holanda Meridional, nasceu durante as lutas
travadas no seu país contra a Espanha de Felipe II e viveu no meio das
lutas civis e religiosas sob a casa de Nassau. Apesar de filho de mãe
123
católica, abraçou a religião do pai protestante e foi educado, desde cedo,
num ambiente fortemente humanístico. Dedicou-se à jurisprudência, à
teologia e à política e foi um dos espíritos mais eminentes da sua pátria e
da sua época. A sua obra mais importante, que o imortalizou foi do De
Jure Belli et Pacis, aparecida em Leipzig em 1623.
Estimulado por Bacon, Grócio foi o primeiro a destruir os
preceitos da doutrina escolástica e iniciou uma linha de pensamento
sobre a lei natural que prosseguiu, por meio de Pufendorf, aculminar
na obra de Locke. Grócio é estudado hoje por estudiosos de direito
internacional e historiadores do pensamento religioso e político. Ele
elaborou um sistema da lei natural que não apelava para a religião,
sofrendo muitas acusações que afirmam que ele havia se desviado da
ortodoxia protestante. Suas discussões da lei natural tanto na obra Law of
War and Peace (1625) quanto no Commmentary on the Law of Prize and Booty
(1604) fazem um uso da tese de que a criação de Deus indicadores da
sua vontade. Grócio escreveu ainda um tratado cristão, The Truth of the
Christian Religion (1627), destinado a ajudar os marinheiros a manter sua
própria e a converter os fiéis. Ele estava elaborando questões práticas,
envolvendo relações entre os estados, todos os quais se professavam
cristãos.
Quando Grócio escreveu seu livro The Truth of the Christian Religion,
fala do cristianismo e mostra que Jesus realmente teria vivido e realizado
milagres e que foi prometido aos judeus e ensinou sobre a imortalidade.
No manual, Grócio não menciona a trindade, o pecado original, o
pecado, a necessidade da redenção ou Cristo como o salvador. Grócio
comenta que é errado cometer injustiça, mas também é errado suportá-
la. Ser justo significa ter o hábito de seguir a razão honrada com respeito
aos direitos dos outros.
124
Um direito para Grócio é uma qualidade moral de uma pessoa,
possibilitando-lhe fazer algo legalmente. As leis dizem o que está ou não
está de acordo com o tipo de sociedade de seres racionais. Ser injusto é
violar os direitos. As injustiças fundamentais são tomar a propriedade de
alguém, não devolver a propriedade de alguém, não manter a própria
palavra, não punir um violador dos direitos. Esses atos propensos ao
conflito seriam o suficiente para destruir a comunidade e ficar em
desarmonia com a natureza humana. Por isso, para Grócio, a lei aponta o
bem, mas não é definida em termos do bem, mas em termos da injustiça.
A concepção de Grócio a respeito da sociedade é profundamente
moldada por sua teoria dos direitos. Eles são a parte da nossa natureza
racional e sociável que Deus respeitaria ao ordenar ou proibir alguns
tipos de conduta. O que se percebe é que as regras estão postas para o
bem do governante e cabe às pessoas suportá-las. As pessoas devem
obedecer, quer o rei governe ou não. A sugestão de Grócio é a de que o
importante é ter uma sociedade e o indivíduo deve buscar o bem.
Trabalhando com a questão do jusnaturalismo, a obra de Grócio,
traduzida por Ciro Mioranza em O Direito da Guerra e da Paz (2005),
permite fazer uma análise da estrutura de sua obra, uma vez que ele foi
muito citado no Tratado de Direito Natural de Gonzaga. Grócio foi o pai
do direito internacional público, deveu muito do seu conhecimento à São
Tomás de Aquino e à literatura ibérica da segunda escolástica como
Menchaca (1512-1569), Francisco de Vitória (1483-1546), Domingo de
Soto (1495-1560) e a Francisco Suarez (1548-1617).
Assim, é necessário verificar seus registros para poder entender o
pensamento gonzaguiano. Grócio escreveu evocando questões jurídicas
que surgiram num contexto europeu conturbado, era um período de
constantes guerras, por motivos muitas vezes fúteis. Grócio dedicou-se à
125
análise de temas ligados ao Jus gentium (Direito das Gentes). A
característica principal da obra de Grócio foi o de conduzir o contexto
internacional a um equilíbrio não conflituoso, resgatando a paz e sobre
esta organizando as relações entre os estados.
Os autores dessa fase e deste assunto esforçavam-se para explicar
a questão do instrumento técnico jurídico, como o jus gentium; a questão
da elaboração de uma teoria que apoiasse o desenvolvimento da
sociedade internacional como entidade composta por Estados e não mais
por indivíduos; a dessacralização e a condenação do princípio da guerra e
na sacralização dos tratados; a busca de meios para se manter ou
reestabelecer a paz; e a limitação da guerra às partes em conflito,
desenvolvendo a noção de neutralidade. A obra de Grócio atinge esses
objetivos múltiplos mencionados, situando-se como o marco na história
do Direito Internacional. Introduz, pois, a doutrina de valorizar a paz
como bem fundamental da sociedade internacional.
Ressalta-se que para Grócio, assim como para Tomás de Aquino,
por detrás dos acontecimentos mundiais estava a racionalidade divina.
Não era possível conhecê-la direta e integralmente, mas podia-se ler tal
racionalidade na ordem das coisas. Assim, trata-se mesmo de uma
hipótese, a de que as causas segundas poderiam se mover por si só,
iniciadas pela causa primeira. Sua obra foi a fundadora de um novo meio
de pensar o direito, embora não tão radical como o Leviathan (1660) de
Thomas Hobbes ou a Nova Methodus docendae discendaeque jurisprudentiae
(1684) de Leibniz.
A obra de Grócio (2005) apresenta uma estrutura muito
semelhante a de Gonzaga, o que permite compreender que Gonzaga em
seu Tratado de Direito Natural estabeleceu alguns itens expostos na obra de
126
Grócio.
11
Pode-se perceber, então, que a obra de Gonzaga não contém
os mesmos itens da obra de Grócio, mas segue a mesma estrutura,
levantando todos os itens necessários para o bom andamento da
sociedade.
5.3. Pufendorf, discípulo de Grócio
Samuel von Pufendorf ou Pufendórfio (1632-1694), natural de
uma aldeia da Saxônia perto de Chemniz, foi professor em Heidelberg
onde regeu a primeira cátedra de direito natural que houve na Europa e
mais tarde em Lund (Suécia). Foi autor de várias obras, entre as quais: De
statu rei publicae Germaniae (sob o pseudônimo de Severinus Monzabano),
em 1667; De jure naturae et gentium, aparecido em Londres em 1672; De
officius hominis el civis, em 1673, de que há uma tradução francesa de
Barbeirac; e Einleitung zu der Historie der vornehmsten Reiche und Staaten em
1683. Foi um notável filósofo jurista e pensador político, provindo do
humanismo e em constante discussão com a escolástica. A tendência da
época era um direito natural fundado na natureza humana. Juntamente
com Grócio e Hobbes, Pufendórfio procura deduzir o princípio único de
todo o sistema do direito natural. Este princípio é o de conservação do
11
Grócio dividiu sua obra em dois volumes. No primeiro volume destacou O que é a
guerra? O que é a Paz? E subdividiu vários itens. O segundo capítulo falou sobre: Se às vezes
a guerra pode ser justa. O terceiro capítulo, Divisão da guerra em pública e privada. O quarto
capítulo, Da guerra dos súditos contra os detentores do poder. O quinto capítulo trabalha
com Quem faz a guerra de modo legítimo. O Livro II, capítulo I, Das causas da guerra e
primeiramente da defesa de si mesmo e dos bens. O segundo capítulo deste livro fala sobre
Das coisas que pertencem aos homens em comum. O terceiro capítulo fala Da aquisição
original das coisas, onde se trata também do mar e dos rios. O quarto capítulo, Do abandono
presumido e da ocupação subseqüente que difere do uso capião e da prescrição. O quinto
capítulo trata da aquisição original do direito sobre as pessoas. Depois no Volume II do livro
de Grócio, há a continuidade do Livro II, com o capítulo vigésimo que se refere a, das penas.
No livro III, inserido no Volume II, Grócio expõe sobre:I. Regras gerais do que é permitido
na guerra, segundo o direito de natureza e na conclusão com exortações à boa-fé e à paz.
127
indivíduo, mas em pleno desenvolvimento e satisfação com a sociedade.
Importante ressaltar que os países católicos romanos não aceitavam
Pufendórfio, e, embora fosse conhecido na Inglaterra, ele não tinha
muita influência naquele país.
Pufendófio é tratado como uma figura importante nas histórias da
lei natural do século XVIII. Sua teoria exerceu influência douradora e
extensa sobre o pensamento europeu no que se refere à lei natural.
Pufendórfio escreveu sobre teoria política, história, teologia e as relações
entre a igreja e o estado e sobre a lei natural. Sobre essas questões ele foi
muito criticado. Segundo Schnnewind, “Pufendorf declara que as
entidades morais devem ser impostas quando resultarem em algum
benefício para a humanidade, mas que elas são, às vezes, constituídas
independente desses benefícios. Ele critica as entidades impostas dessa
maneira, mas não sugere que isso seja impossível” (2001: 153).
Pufendórfio não desaprova o bem natural, mas diz que ele não é o
determinante das entidades morais. O bem natural torna-se moralmente
significativo quando é prescrito pela lei e realizado por causa da lei. Mas
muitas coisas que são naturalmente boas não precisam ser moralmente
boas: “Pufendórfio defende que as leis da natureza sempre têm alguma
relação com o que ajuda ou prejudica os seres humanos, mas nem tudo
que é naturalmente bom é objeto da lei natural” (SCHNEEWIND 2001:
153-154). Pufendórfio acha que as pessoas comuns não são capazes de
descobrir por si mesmas as leis da natureza, mas sim que precisam
aprender com outras pessoas. Ela pode ser ensinada pelo poder da razão.
Para Pufendórfio, consciência é simplesmente a capacidade dos
homens para julgar as ações em termos das leis. Por isso diz ele: “se
alguém deseja atribuir ao julgamento prático ou à consciência algum
poder particular para dirigir as ações, que não emanam nem são oriundas
128
da lei, está imputando o poder das leis a qualquer idéia fantástica dos
homens, e introduzindo a maior confusão nas questões humanas”
(SCHNEEWIND 2001: 156).
Pufendórfio rejeita também a reivindicação de que se pode
investigar o conhecimento das leis da natureza, descobrindo o que
serviria ao objetivo fundamental de Deus. Ele rejeita as maneiras de
investigar as leis, a partir da consideração das conseqüências que não se
baseiam em nenhum pensamento de que o bem e o mal naturais são
irrelevantes para a moralidade. Muito pelo contrário. Pufendórfio está
convencido de que devido à sabedoria do Criador, a lei natural adaptou-
se tão bem à natureza do homem que sua observação está sempre
relacionada ao lucro e à vantagem dos homens.
Um dos objetivos admitidos por Pufendórfio é mostrar que a
moralidade, ou a lei natural, tem uma base firme que não se baseia em
declarações religiosas controvertidas. Mas, esse objetivo para ele não
requer que se descarte a religião da teoria da lei natural. Ele admite que
muito foi estabelecido, por homens de discernimento, que Deus é o
construtor e controlador deste universo e que essa crença é uma posse
comum da humanidade.
Segundo Schneewind (2001), a melhor maneira de aprender as leis
da natureza é considerar a natureza, as condições e os desejos do
homem, prestando atenção às circunstâncias e a coisas como o trabalho
para sua vantagem ou desvantagem. O ser humano pode então ser
ajudado ou prejudicado, as coisas podem ser boas ou más para ele. Os
humanos são racionais e livres e isto indica que foram projetados para
viver sob leis. Importante destacar que o ser humano tem uma
característica: o amor próprio e que amar os filhos e amigos está na
mente de cada pessoa. O ser humano tenta se proteger e conseguir o que
129
precisa para evitar que algo ameace sua vida, mas ao mesmo tempo é
malicioso, petulante e irritável; por isso não é fácil conviver um com o
outro, mas necessita-se viver um com o outro, o que demonstra que o
ser humano é muito mais frágil que os outros animais, pois sem ajuda o
ser humano não consegue o seu próprio bem. Todo homem é feito para
precisar de ajuda e para conseguir prestá-la.
Assim, verifica-se que é preciso viver socialmente em grupos de
ajuda mútua. Desse aspecto, Pufendórfio deriva a primeira lei
fundamental da natureza: “Todo homem na medida em que cuida de si,
deve cultivar e preservar com relação aos outros uma atitude sociável,
que seja o tempo todo pacífica e agradável à natureza e ao objetivo da
raça humana” (SCHNEEWIND 2001: 159). Nesse sentido, percebe-se
que o que ajuda muito à sociabilidade é tratar-se um ao outro como
iguais, a menos que se tenha concordado em considerar algumas pessoas
como superiores. Não se deve nunca querer prejudicar os outros, o que é
uma atitude sociável. Precisam-se também conferir benefícios positivos e
por isso é uma lei natural.
A elaboração paciente de leis detalhadas referentes a contratos,
casamento, transações comerciais e relações internacionais mostram que
o método de Pufendórfio não requer que se calculem as quantidades de
bem e de mal que seriam gerados pelas diferentes leis possíveis. Ele diz
que seguir as leis da natureza é conveniente, pois Deus isso; “mas ao
se dar razão a uma lei ou estimular a atitude sociável, não se está
recorrendo à vantagem dela resultante, mas à natureza comum de todos
os homens” (SCHNEEWIND 2001:159).
Percebe-se, portanto, que a diferença mais notável entre o ser
humano e os outros seres criados é que o homem é capaz de conhecer e
obedecer às leis. Logo, fazer isso é o que Deus quer que se faça. Quando
130
se obedece à lei, determina-se o caráter para a satisfação das necessidades
e compreende-se o bem complexo que Deus fez saber que é o seu
objetivo para os homens. Sempre, então, quer-se agradar a Deus.
Pufendórfio diz que o amor-próprio leva a desejar ter um tipo de caráter
que faz com que os outros queriam ajudar. Por isso, sempre se tenta
evitar ser malevolentes, pérfidos, ingratos e desumanos. Para
Pufendórfio, a lei natural está preocupada em arrumar as ações externas
dos homens e lança como a base da lei natural o amor ao próximo.
Pufendórfio tem uma mentalidade mais teórica que Grócio, seu
mestre, que aceita a distinção grotiana entre direitos e deveres perfeitos e
imperfeitos e comenta que os homens têm muitas necessidades que
precisam de ajuda, mas nem todos estão dispostos a ajudar por simples
humanidade e amor. Quanto à lei e à obrigação, Pufendórfio diz que a lei
é uma obrigação e que é fundamental para a moralidade, como por
exemplo:
Quando um superior diz a um sujeito para fazer algo e
reforça a sua ordem ameaçando punição caso não seja
obedecido, ele cria uma lei (I.vi, 4, p. 89). Assim fazendo,
impõe uma obrigação ao indivíduo. A obrigação “é o que se
requer que alguém faça pela necessidade moral de fazer, ou
admitir, ou sofrer algo.” (SCHNEEWIND 2001: 163)
Obrigar alguém é dirigir a ação do outro de uma maneira especial. É
diferente de aconselhar ou recomendar e também de ameaçar ou coagir.
Nesse sentido, o superior deve ter razões justas para poder impor a sua
vontade, obrigando as pessoas a fazer o que ele estabelece.
Pufendórfio acha que não se conhecem as razões de Deus para ter
feito o homem, de maneira que a lei da natureza tenha o conteúdo que
131
tem; não se conhece o seu objetivo ao criar os seres humanos, deve
haver alguma razão que justifique Deus requerer a obediência. Será que
não é a ação do próprio homem dominante? Esta questão leva a repensar
as ações dos homens na criação ou real existência de Deus. Será que não
foi uma invenção para viver socialmente melhor? O que se percebe é
que Pufendórfio estabelece que muitos homens não prestam atenção às
ordens de Deus, mesmo sabendo que deve ser obedecido. Observa-se
que deve haver algo a mais para fazer com que as pessoas obedeçam e
isso requer o medo que move as pessoas a obedecerem.
5.4. Heinécio, o que crê em Deus
Johann Gottlieb Heineccius Heinecke ou Heinécio (1681-1741),
jurista alemão, autor de Elementos de Filosofia Moral, é próximo de
Pufendórfio. Foi um dos mais destacados jusracionalistas, com profunda
influência no ensino do Direito em Portugal. Heinécio é conhecido no
campo do Direito Natural por ser organizado e também refutador de
certos aspectos da obra de Grócio. Ele considera o Direito Natural
como o conjunto das leis que Deus promulgou ao gênero humano por
meio da razão.
Este autor acredita que a lei é a expressão da vontade de Deus e
neste ponto afasta-se das premissas básicas de Grócio e Pufendórfio. A
lei é uma necessidade social, ditada pela consciência humana, mas esta
consciência, a razão, é determinada pelos desígnios divinos. Ela não faz
mais do que permitir o conhecimento das leis de Deus.
Seus estudos são impregnados pelo espírito do Direito Romano.
Sua obra como comentarista do Direito Natural é bem menor do que
aquela dedicada ao Direito Romano e ao Direito Alemão. Machado
132
expõe que Heinécio não poupa palavras e diz “[ Em primeiro lugar, sou
da opinião de que o ateísmo é abominável, 1. porque é uma doutrina
extremamente nociva, que tolhe toda e justiça; 2. porque é
indemonstrável, pois que é uma proposição negativa; 3. porque perturba
a mente]” (2002: 61).
5.5. Tomás Cristiano, Fundador do Iluminismo Alemão
Christian Thomasius ou Tomás Cristiano (1655-1728) é
considerado pelos intelectuais alemães como fundador do iluminismo
alemão. Ele se opôs a bruxaria e as superstições. Seu último tratado
latino, Fundamenta Juris Naturae et Gentium, ou Foundation of the Law of
Nature and of nations, datado de 1705 incorporou suas mudanças de
opinião. Tomás Cristiano trabalhou com o pensamento moral e
terapêutico centrado no amor, um fenômeno humano, não requerendo
ser explicado pela graça divina. Aceitou a problemática grotiana quando
rejeitou Pufendórfio. Como diretor da nova Universidade de Halle,
Tomás Cristiano ocupava uma posição de comando na vida intelectual
da Alemanha. O fato de desertar Pufendórfio era uma resposta altamente
significativa para a obra dominante sobre a lei natural.
Tomás Cristiano acrescenta que se pensar em Deus como um
déspota, que obriga os homens através da punição, deve-se pensar então
que nenhuma ação é honrada ou vergonhosa, independente da vontade
de Deus. Tomás Cristiano abandona a tese de que Deus impõe a sua
vontade por ameaças de punição. Para ele, Deus é um sábio e o homem
aprende quando tem uma mente pacífica e não com temores. Deus
ensina pela razão e a razão não pode mostrar que se deve pensar nele
utilizando-se de punições.
133
Para Tomás Cristiano cabe aos homens acatar ou rejeitar as
orientações de Deus. Para ele, a obediência não é uma relação primária.
Ele rompe com a doutrina do livre-arbítrio de Pufendórfio e defende que
os homens são movidos por esperanças e temores. No início dos
Fundamenta, Tomás Cristiano anuncia que em seu tratado anterior ele
cometeu um erro profundo aceitando a doutrina do livre-arbítrio.
Segundo Tomás Cristiano, um homem sábio é governado pelo
conselho e do tolo pela regra. Seu objetivo é descrever de uma nova
maneira sua relação com a moralidade. Para Tomás Cristiano, a justiça
está preocupada em evitar que uma pessoa prejudique a outra. A justiça
existe, porque existem pessoas más que perturbam a paz e devem ser
controladas. A pessoa honrada não faz nada vergonhoso. Ele acredita
que não se pode sentir na obrigação de ter amor, gratidão ou piedade,
isso deve vir naturalmente. O comportamento adequado desperta a
bondade dos outros. Ele quer estabelecer a capacidade moral do
indivíduo, um interesse em ter uma teoria da lei e da moralidade que
substitua a obediência ao outro pelo autocontrole e a autolegislação.
5.6. Francisco Suarez, um jurisconsulto português e suas idéias
Dentro da Filosofia do Direito e do Estado, um nome que merece
ser mencionado é o de Francisco Suarez (1548-1617), mesmo não sendo
mencionado por Gonzaga na sua obra Tratado de Direito Natural, mas,
sim, por ser o mais alto expoente do pensamento filosófico-político e
jurídico, do lado católico, no final do século XVI. Trata-se de um
homem que deixou ver a escola do seu tempo, a escolástica. Gonzaga foi
opositor à doutrina suareziana em seu Tratado de Direito Natural.
134
Natural de Granada, onde nasceu em 1548, exerceu a sua
atividade docente em Segóvia, Salamanca, Valladolid e Roma; doutorou-
se em Teologia em Évora, e finalmente ensinou em Coimbra, desde os
fins do século, tendo publicado em 1612 o seu célebre Tractatus de Legibus
ac de Deo legislatore. Suarez via e abraçava todas as grandes soluções desta
escola, mas como um homem do seu tempo, repensando-as com
extraordinária coerência e rigor lógico, à luz da sua contemporaneidade,
sob a pressão dos novos interesses espirituais e políticos do catolicismo.
O seu pensamento teórico assumia, como poucos na sua época, um forte
caráter existencial.
As concepções filosóficas mais gerais do professor de Coimbra
eram as da escolástica. As duas obras fundamentais de Suarez que
interessam a filosofia jurídica e política são o mencionado Tractatus de
Legibus, redigido e publicado em Coimbra, em 1612, e a Defensio fidei
catholicae et apostolicae, também editada em Coimbra em 1613. Esta última
é uma obra polêmica, redigida por solicitação do Papa Paulo V, para
responder ao rei de Inglaterra, Tiago I, por sua vez autor e promotor de
escritos sustentando o direito divino dos reis e o valor do juramento de
fidelidade dos súditos católicos com total independência de pontífice
romano.
Suarez via a essência do direito muito mais na lei do que numa
ordem universal de que a lei fosse uma manifestação. Enquanto S.
Tomás partia do direito para a lei, o filósofo-jurista da Companhia de
Jesus parte da lei para o direito. Deus é para ele, antes de tudo, um
legislador. O seu tratado é sobretudo um estudo atento dessa fonte de
direito, a lei: sua essência, suas características e requisitos, suas formas e
modalidades, desde a lei eterna até a lei humana positiva. Para Suarez, a
lei passa a ser vista no seu momento voluntário. A lei positiva é também,
135
antes de tudo, um ato voluntário do legislador em face do legislado. O
que imediatamente faz que a lei seja lei é o elemento vontade daquele
que a emite. Suarez era um teólogo e para ele a lei natural nas suas
determinações racionais era eterna e imutável, com a essência de Deus.
Suarez foi conhecido, inclusive nos países protestantes, onde por
muito tempo passou por paradigma do tipo de soluções teológico-
políticas dadas do lado católico aos problemas do direito e do estado.
Grócio, Descartes e Leibniz conheceram-no e respeitaram-no; o
primeiro, inclusive, cita-o numa larga medida. Mas, Suarez era um
escolástico-tomista e contra a escolástica tomista ia agora justamente
travar-se uma das maiores lutas dos tempos modernos.
5.7. A posição particular de Gonzaga na Universidade de Coimbra
Faz-se importante conhecer as referências sobre Grócio,
Pufendórfio e Heinécio para entender a posição de Gonzaga que foi o de
ir contra a teoria grociana, que colocava o direito natural como
independente da existência de Deus. Tratava-se, pois, de referências
errôneas, pois se percebe que, Gonzaga sabia muito bem o que estava
fazendo, pois tinha o auxílio de Cocceo, que explicava os sentidos
emprestados por Grócio à lei, ou seja, explicava o conceito de direito
natural. No livro primeiro, parte I “Dos princípios necessários para o
direito natural e Civil”, Gonzaga cita Heinécio:
Concedido que todos os entes que existem são
contingentes, havemos de confessar que eles em algum
tempo não existiram, pois que, se dissermos que não
tiveram princípio, passávamos a fazê-los, de contingente,
necessários. Isto é uma verdade que qualquer alcança.
Como poderemos dizer que um ente pode existir, ou não
136
existir, que é a natureza do contingente, sem que o
consideremos em algum tempo não existindo?
(GONZAGA 1957: 19)
Verifica-se nessa citação que Gonzaga argumenta que se os homens não
existiram é certo que hoje não poderiam existir, pois ninguém nasce do
nada, por isso se deve admitir o princípio necessário de sua existência:
Logo, se houve tempo em que êles não existiram, é bem
certo que nem hoje poderiam existir; pois que nem se
poderiam tirar a si próprios do nada, nem podemos fazer a
todos necessários, estando nós vendo o princípio e o fim de
muitos. Eles na verdade existem, logo havemos e admitir
um princípio necessário, causa da sua existência.
(GONZAGA 1957: 19)
Gonzaga cita Heinécio por este acreditar em Deus e este fala muito em
Pufendórfio, discípulo de Grócio. A primeira proposição teórica para
Heinécio é a de que Deus existe, indo contra o pensamento de
Pufendórfio. Gonzaga, no entanto, não nega a existência de Deus, apesar
das leituras que teve na sua formação, pois tem um objetivo a seguir, que
foi o de conseguir uma cadeira de professor na Universidade de
Coimbra, que era regida por questões religiosas.
Mas, assim que cita Heinécio, na quarta argumentação já cita
Grócio, expondo uma idéia mais racional: “Além de que o ente físico
pode ter princípio em outro ente que fisicamente exista. Daí vem que os
entes físicos não podem receber de si próprios o primeiro ser; pois antes
que o recebessem, inda não eram entes que o pudessem dar”
(GONZAGA 1957: 20). Entretanto, no parágrafo abaixo diz:
137
Epicuro, imaginando que a matéria não se podia tirar do
nada, a fêz eterna, e a formação do mundo procedia de um
acaso. Esta doutrina é na verdade indigna de um animal
dotado de razão. Se a matéria fosse eterna, tinha as
propriedades de Deus; e como as poderemos dar a um ente
corpóreo? Este, por sua natureza, é composto, mudável e
corruptível, propriedades que totalmente repugnam à
essência perfeitíssima de Deus. Além do que, se o acaso
não é ente algum que tenha ser, como poderia receber dele
o mundo a sua formação? (GONZAGA 1957: 20)
Nessa citação, Gonzaga recorre novamente a Heinécio e às idéias
expostas seguidas por Platão, que admitia a existência de dois princípios
eternos, um Deus e outro a matéria, independentes um do outro, pelos
estóicos que admitiam os mesmos princípios, e por Aristóteles que
seguiu o mesmo sistema dualístico. Gonzaga vai usando autores para
apoiar seus argumentos. No mesmo capítulo ainda, Gonzaga cita
Cocceo: “Ora se um corpo, a não ser animado de um princípio espiritual,
não pode mover sem que haja uma causa externa que o agite, como se
poderão mover o sol, a lua e todos os mais planetas, sem concedermos
um princípio externo, causa do movimento de todos” (GONZAGA
1957: 21)
Ele quer dar uma justificativa mais apropriada para a existência,
recorrendo então novamente a Cocceo. Assim, utiliza-se do tema
persuasão, para dizer que em todos os tempos o homem foi persuadido
pela existência de Deus: “Logo, se em todos os tempos foi constante a
persuasão que os homens tiveram da existência de Deus, não podemos
deixar de confessar que uma causa universal que assim o mostra, pois
que a devemos conceder todas as vezes que os homens convêm
geralmente em uma cousa” (GONZAGA 1957: 21-22). Assim,
138
termina o capítulo I, afirmando que a existência de Deus é certa com
base nas palavras de Heinécio:
É bem patente a todos que nós temos um princípio
espiritual, que nos anima, pois conhecemos infinitas cousas;
e êste conhecimento não pode provir da matéria, como
julgaram alguns filósofos antigos; porque, se as afeiçoes de
um corpo não podem provir senão da diversa configuração
e movimento das partes, não podemos conceber
movimento e configuração alguma, de que possa resultar a
propriedade de conhecer; logo, se temos um princípio
espiritual que nos anima, bem certo fica que este não há de
proceder senão de outro espiritual. (GONZAGA 1957: 22)
No capítulo II, Da existência do Direito Natural”, Gonzaga cita
Pufendórfio: “Ao homem de nenhuma sorte convém o viver sem lei”
(1957: 24), dizendo que deve haver uma regra certa para dirigir o
homem. Para isso, Gonzaga retoma Heinécio: “É o homem o mais feroz
de todos os animais . O seu juízo o fêz mais apto para ofender aos seus
inimigos e semelhantes” (1957: 24), afirmando que se o homem não
tivesse algo que domasse, praticaria a morte. Para aformar sobre a
superioridade de Deus, Gonzaga cita novamente Heinécio: “Se pois a
nossa conservação está totalmente dependente da vontade de Deus, é
bem certo que ele nos é superior; e que, como tal, nos pode prescrever
leis, a que tenhamos, como inferiores e dependentes, a obrigação de nos
sujeitarmos” (GONZAGA 1957: 24).
Para Gonzaga, Deus impõe as leis e os homens devem cumpri-las,
mostrando-se, pois, um homem inteligente que sabedistinguir o bem
do mal na sociedade em que vive. Para que essas idéias se conservem,
Gonzaga busca a necessidade de que o pai deve passar ao filho todas as
139
explicações divinas para que não haja conseqüências. Nesse aspecto
novamente busca Heinécio: “Daí vem que Deus quer que o pai alimente
ao filho, e temos vontade de Deus e por conseqüência lei” (GONZAGA
1957: 25). Alimentar o filho significa repassar todos os ensinamentos
corretos para se viver bem nesta sociedade.
No item número oito do segundo capítulo, Gonzaga cita Grócio:
“Grócio faz outra prova de Direito Natural, tirada do apetite que temos
de uma sociedade tranqüila.” (GONZAGA 1957: 26). Mas, para explicá-
lo busca Heinécio:
A sociedade tranqüila se compõe de uma união de
vontades. A união das vontades por um pacto; o pacto não
tem vigor, a não haver lei e direito, que exija a sua
execução; logo, os homens têm direito, pois tendo apetite
de uma sociedade tranqüila, não os havemos considerar
despidos do que é necessário para a execução da mesma
sociedade. (GONZAGA 1957: 26)
Contudo, o próprio Gonzaga explica que para se ter sociedade tranqüila
é necessário que os homens sejam sociáveis com os seus semelhantes em
qualquer parte que se encontrem.
Ainda no mesmo capítulo, Gonzaga diz: “Grócio torna a provar a
existência do Direito Natural pela condição da consciência humana”
(1957: 27). Grócio expõe sobre uma questão racional; porém, Gonzaga
utiliza-se do pensador holandês para explicar o remorso, ou seja, um
sentimento que recorre ao temor de um castigo, logo uma visão mais
religiosa do que realmente uma consciência humana lógica: “Não
pessoa que não tenha remorsos, quando executa cousa contra o dictame
da sua razão.” (1957: 27-28). Para explicar, pois, esta questão, Gonzaga
140
argumenta: “Heinécio responde que a liberdade é uma faculdade para
fazermos o que nos for nocivo” (1957: 28).
Gonzaga para explicar a existência do Direito Natural recorre aos
jusnaturalistas, mas termina pois sua exposição dizendo que Deus deu a
liberdade para agirmos, mas isso depende de cada ser humano, se ele é
ou não merecedor. O homem deve seguir a Deus, pois este quer os
homens felizes e poderia conceder a felicidade, ou seja, abraçar ao
bem e aversar o mal, criando o homem para merecer o prêmio de sua
glória.
Gonzaga cita Cocceo para explicar Grócio, depois cita Grócio; em
outros momentos cita Pufendórfio e Heinécio. Percebe-se, assim, que,
Gonzaga serve-se de autores em proveito de suas próprias intenções.
Gonzaga faz tudo residir na adequação da vontade do homem, que se
criou livre, à vontade de Deus, que se exprime em lei. Nota-se que
Gonzaga recusa as conquistas mais recentes da ciência que cultivava,
buscando uma posição que com toda clareza contrastava com a de seus
contemporâneos e predecessores imediatos. Segundo Machado (2002),
Gonzaga adota o princípio “de ser do direito natural, Deus” e o
princípio “de conhecer” o amor, o que entra em contradição com a
corrente jusnaturalista dominante e não será exagero supor que tal
contradição se faz com dupla ou tripla intenção ideológica. Em primeiro
lugar, o amor transplanta para o subjetivismo individual. Em segundo,
contradiz os traços do racionalismo no seio do direito natural, para
colocar a paixão. E por fim de que o amor é uma norma moral. Essas
três intenções vão contra a razão que era a entidade toda poderosa no
século de Gonzaga: “O Direito Natural tem dois princípios: o primeiro a
que chamamos “de ser”, o segundo, “de conhecer”. O primeiro, “de
ser”, nada é mais do que a origem da obrigação. O princípio “de
141
conhecer” é uma proposição tal que, posta ela, conheceremos quanto é
de Direito Natural” (1957: 61). Ainda cita Heinécio dizendo: “O
princípio “de ser” de qualquer lei não pode ser senão a vontade de seu
legislador, e não tendo o Direito Natural outro legislador senão Deus, é
certo que há de ser o princípio da sua obrigação a vontade do mesmo
Deus” (GONZAGA 1957: 61). Observa-se que nesta citação, Gonzaga
reafirma sua idéia de que o Direito Natural não pode ter outro princípio
senão a vontade de Deus e que as ações humanas devem ser retas, certas
e permanentes. Para comprovar a necessidade divina, Gonzaga diz:
Sendo pois o princípio do Direito Natural a vontade de
Deus, não podemos subscrever a opinião de Grócio, em
quanto afirma que, se não houvesse Deus, ou ele não
cuidasse das cousas humanas, sempre haveria Direito
Natural. Esta doutrina repugna à piedade, pois é supor que
além de Deus outro ente, a quem tenhamos obrigação
de obedecer, e com quem Deus tivesse a necessidade de se
conformar. Heinécio mostra a falsidade desta doutrina do
modo seguinte: Para haver obrigação, deve haver
antecedentemente lei. Para haver lei de haver legislador,
e não o há, tirado Deus. Logo, tirado Deus, não pode haver
lei natural; e por conseqüência, nem obrigação. (1957: 62)
Verifica-se, pois, que Gonzaga repudia o Direito Natural exposto por
Grócio e se apóia em Heinécio, para concluir a sua tese da idéia da
existência de Deus que escolhe um imperante para determinar as regras
que Deus o mandou estabelecer. Gonzaga cita ainda Burlamaque em seu
Tratado de Direito Natural, ao tratar dos autores que escreveram sobre o
Direito Natural como Grócio, Pufendórfio e Heinécio:
142
Burlamaque diz que o é perfeição do sistema do Direito
Natural o deduzir-se todo de um princípio somente; e não
julga por impossível semelhante redução, mas passa a
dizer que ainda que se possa fazer, será um trabalho inútil
do entendimento o cansar-se nisso. (1957: 63)
Gonzaga, pois, cita algo que merece atenção quando diz que Heinécio
julga que deve haver um princípio. Gonzaga, então, renega as idéias
de Burlamaque e segue Heinécio:
Como esta opinião me parece a mais acertada, não
abraçaremos a de Burlamaque, nem os seus três princípios,
aliás excelentes, quais foram: religião princípio das
obrigações que temos para com Deus; amor-próprio
princípio das que têm por objeto a nós mesmos; sociedade
princípio das que dizem respeito aos nossos semelhantes.
Vamos pois a ver se descobrimos algum, que seja claro,
certo e adequado. (GONZAGA 1957: 63)
Por meio dessa atitude, percebe-se que Gonzaga não temia enfrentar a
escola jusnaturalista do seu século, talvez queria ser uma variante.
Verificando as influências particulares, encontra-se que o regime
pombalino incrementou o cultivo do direito natural, daí o desejo de ser
consagrado pela cultura européia de seu tempo para conseguir um cargo
no âmbito universitário. Gonzaga propõe então deixar claro que Deus é
a base de todo Direito Natural, demonstrando que a existência começa
pelas razões físicas, metafísicas e morais e que as doutrinas transcritas
conciliam os princípios do direito com os postulados do catolicismo.
Gonzaga assumiu posição diferente da escola de Direito Natural
da Europa e optou pela versão dominante na Universidade de Coimbra,
143
expondo sua posição particular, preocupando-se com a situação da
tradição jusnaturalista e das concepções pombalinas para estabelecer as
linhas do sistema. Segundo Cunha (2000), Gonzaga tentou com um
servilismo talvez aparente e com um pouco de ecletismo conciliar a
tradição jusnaturalista escolástica com os iluministas imperantes,
partindo primeiro dos princípios, de Deus, pois para ter o louvor eterno,
o homem deveria se guiar na Terra por normas certas, com conduta
perfeita. O Direito Natural assume em toda a Europa nos séculos XVII e
XVIII uma função renovadora e revolucionária, mas em Portugal de fins
do século XVIII ele é utilizado por Gonzaga como elemento de
conservação do poder real.
O Iluminismo português direcionado por Marquês de Pombal
propiciou transformações políticas, sociais e pedagógicas, provocando a
satisfação nos intelectuais que adentravam na Universidade de Coimbra,
e possibilitou a Gonzaga escrever uma tese com ideais iluministas, mas
com encaminhamentos teológicos. Esse ideário, por sua vez, estava
ultrapassado em Portugal, uma vez que o próprio Primeiro Ministro era
um estrangeirado e trazia iniciativas intelectuais de outros países para
Portugal e especialmente para a Universidade de Coimbra, indo contra a
visão imposta pela Igreja até o momento.
Diante do exposto, é possível supor, então, que Gonzaga não foi
aceito como professor da Universidade de Coimbra por demonstrar em
sua tese Tratado de Direito Natural uma explicação para o Estado Moderno
português, voltado para questões divinas, perante o mundo europeu que
vislumbrava os ideários iluministas. Estava Gonzaga errado? O que se
pode observar na tese é que Gonzaga, ao mesmo tempo que expõe
questões divinas nos seus argumentos, tem como referência autores
144
consagrados como verdadeiros transformadores da situação teológica
como a única verdade universal.
Pombal, portanto, o tinha a visão teocêntrica do soberano D.
José I, principalmente a partir do terremoto de 1755; segundo alguns
jesuítas, este episódio natural foi devido ao fato de haverem entrado em
Portugal as idéias iluministas, que traziam a razão, a ciência, deixando de
lado a questão divina, representado pela expulsão da Companhia de
Jesus, comandada por Pombal.
Importante ressaltar que a nação portuguesa era conduzida em sua
maior parte pela fé. Livros que versavam contra a religião eram
queimados em praça pública pela Real Mesa Censória. Talvez resida o
caso de Gonzaga escrever o Tratado de Direito Natural e tentar uma
cadeira de professor na Universidade.
O ideário apresentado por Gonzaga em sua tese só demonstra que
ele não colocaria em seu texto as idéias de autores que foram queimados
em praça pública. Por outro lado, permite avaliar qual realmente era seu
pensamento, uma vez que as idéias iluministas estavam sendo postas e
Pombal era a favor delas.
Percebe-se, portanto, que Gonzaga se contradiz em sua tese, ora
defendendo as questões divinas, ora afirmando que o direito deve ser
igual a todos. Torna-se visível também a questão dos jusnaturalistas que
são mencionados a todo instante na tese de Gonzaga e que gerou críticas
em Coimbra. O que se percebe é que Gonzaga age de forma idêntica ao
Marquês, ou seja, Pombal recebeu a intervenção iluminista, mas vive em
um país de sistema absolutista. O mesmo fez Gonzaga alinha-se à
política pombalina, com suas transformações, mas escreve direcionando-
se para o absolutismo. Ressalte-se que Gonzaga expõe sobre o Direito
Natural vinculado a visão teológica, mesclando as idéias iluministas, pois,
145
talvez, poderia muito bem perceber que a transformação de um sistema
monárquico não seria possível.
Com todo o iluminismo aflorando nos diversos países, Pombal
não perdeu o posto de déspota esclarecido enquanto esteve no poder.
Pode-se pensar então que Gonzaga estava à frente da reforma exposta
por Pombal. Gonzaga talvez conhecesse a intenção pombalina e o rumo
que a história de Portugal tomaria.
CAPÍTULO VI
A IMPORTÂNCIA DA TRADUÇÃO PARA A FORMAÇÃO DA
INTELECTUALIDADE CONIMBRENSE
6.1. A tradução literária
Não se declara notadamente, mas o século XVIII foi o século da
possibilidade de se instaurar uma “indústria da tradução”, pois obras de
muitos intelectuais estrangeiros estavam sendo lidas, como Voltaire,
Euclides, Cervantes, Newton, D’Alembert, Cícero, Ovídio, Virgílio,
Homero, Lucrécio, Terêncio, Plínio, Horácio e outros.
Fica claro e evidente que essa “indústria de tradução” de certa
forma existia, pois como Gonzaga teria tido acesso às leituras dos
jusnaturalistas, dos filósofos gregos, dos estóicos e de Epicuro? Outra
hipótese, menos provável, é que ele teria um profundo conhecimento do
grego e de outras línguas européias, especialmente o alemão e o inglês,
além de ler em latim. Como poderia argumentar se não tivesse acesso a
esses ideais elaborados? Sem dúvida alguma, as fontes que Gonzaga
utilizou para escrever o Tratado de Direito Natural são essenciais para a sua
147
expressão ideológica, as suas argumentações, as suas reflexões, as suas
aplicações em Portugal.
Vale salientar que vários foram os tradutores portugueses e entre
eles estão os estrangeirados, que trouxeram as doutrinas de grandes
filósofos, como exemplo: Jacob de Castro Sarmento que traduziu o
Novum Organum Scientarum de Bacon. Sabe-se que existiu uma Oficina
tipográfica que traduziu algumas obras de Voltaire.
Assim, para abordar o estudo filosófico do direito e do estado,
deve-se destacar que Gonzaga precisou entrar em contato com obras
escritas pelos primeiros filósofos, mas esse contato tão largo talvez
tenha sido possível graças aos tradutores. O fato das traduções
abundantes confirma mais a existência dos estrangeirados que
percorre toda a tese. Muitos intelectuais buscaram as idéias em outros
países e traduziram para a nação portuguesa os novos acontecimentos,
fatos e ideários que estavam sendo divulgados para outras nações.
Segundo Barzotto (2007: 41), a tradução contribuiu para o
desenvolvimento de literaturas e línguas de vários países e encaminha
para uma identidade nacional, desenvolvendo e conquistando o âmbito
intelectual.
Vale salientar que a tradução literária ou não significa aumentar a
cultura de um povo, não traduzindo somente textos escritos ou ditos em
outras línguas, mas também colocando culturas em contato. Desta
forma, pode servir como uma estratégia de denúncia e de combate às
mais diversas formas de opressão, deixando vir à tona a função social e
humanizadora da literatura. A tradução é, assim, de suma importância
para a propagação do conhecimento, fazendo unir nacionalidades e
saberes.
148
Diante dessa concepção, procura-se, neste capítulo, deixar claro a
importância da tradução para os intelectuais que freqüentaram a
Universidade de Coimbra no século XVIII, pois por meio da leitura e do
conhecimento dos saberes registrados por outros países é possível
estabelecer concepções de uma nova nação. Ler os escritos consagrados
é uma possibilidade de obter ideários nacionais, concordando ou
discordando dos registros feitos pelos intelectuais de outras culturas e
nações.
Para exemplificar o que foi mencionado e expor como é
importante o papel da tradução literária, destaco o que Gonzaga em seu
Tratado de Direito Natural apresenta de leitura de registros consagrados.
Como muitos textos dessa época, Gonzaga cita Sócrates, Platão e
Aristóteles. Esses filósofos gregos deixaram um importante legado para a
teoria do conhecimento, que exerceu grande influência na construção
posterior do pensamento ocidental. Estabeleceram a diferença entre
conhecimento sensível e conhecimento intelectual, entre aparência e
essência e também entre opinião e saber; ainda, deram as regras da
lógica, ou seja, de como passar de um juízo para outro de forma coerente
e correta para se chegar à verdade.
Gonzaga cita também neca e Cícero, estóicos que postularam
que a Natureza é permeada de racionalidade: o mundo é um todo
orgânico, solidário e dirigido por uma razão universal, que é Deus. Tudo
se submete a essa ordem universal: na filosofia estóica, não lugar para
o acaso, a desordem e a imperfeição. Para os estóicos: “A racionalidade
do mundo não se funda mais num modelo estático e imutável (como a
idéia platônica, ou a substância aristotélica) que confere realidade às suas
cópias imperfeitas, mas na atividade de uma inteligência que permeia
todas as coisas” (SÊNECA 1993: 14).
149
Epicuro também é mencionado por Gonzaga, principalmente por
falar de um além vida, ou seja, de uma vida-além-da-morte eterna e feliz.
Uma vida onde não haja preocupação. Ou seja, o cristianismo foi beber
nas fontes do epicurismo com relação à consciência tranqüila para
morrer, amor ao inimigo e união de todos numa mesma classe social,
sem distinção de nenhum ser humano. Registre-se também que Epicuro
é o primeiro filósofo a falar sobre a ataraxia, o equilíbrio entre o corpo e
a alma para atingir a plenitude, o que antes em Platão, Sócrates e
Aristóteles era impossível, pois para o grego a morte era um fim.
Gonzaga cita também Espinosa cuja ética evita oferecer um
quadro de valores ou de vícios e virtudes, distanciando-se de Aristóteles
e da moral cristã, para buscar na idéia moderna de indivíduo livre o
núcleo da ação moral. Espinosa em sua obra Ética jamais fala em pecado
e em dever, mas sim em fraqueza e em força para ser, pensar e agir.
Mas, devido à visão teológica de Gonzaga, Santo Agostinho e
Tomás de Aquino não poderiam deixar de ser citados. Se os filósofos
gregos se preocuparam em resolver os problemas do ser e do não-ser, da
permanência e do movimento, da unidade da idéias e da multiplicidade
das coisas, para o pensador medieval o problema principal era a
conciliação entre e razão. Embora o cristianismo não seja uma
filosofia, ele afeta de forma profunda o pensamento filosófico da época,
uma vez que o filósofo cristão se depara com o problema da sua
realidade diante da de Deus. de se lembrar que a filosofia cristã
desenvolveu-se durante a Idade Média e seu principal objetivo era
reconciliar a fé, a verdade revelada por Deus, com a razão humana; ou
seja, a reflexão filosófica era alimentada pelos problemas teológicos. Na
linha teocêntrica, Gonzaga não deixa de citar Lutero e Calvino.
150
De toda sorte, predomina na obra Tratado de Direito Natural a
presença dos ideais de alguns filósofos. Na introdução da obra estão
Epicuro, apontado acima, e Santo Agostinho, sendo que Gonzaga os
expõe em nota de rodapé (pelo menos na edição preparada por
Rodrigues Lapa), pois está falando sobre o tema da felicidade,
questionando qual realmente é aquela verdadeira e responde dizendo que
a felicidade única é a eterna. Para tanto, lembra de Epicuro que usou
deste tema em suas cartas, também predizendo uma vida feliz após a
morte, além de mencionar Santo Agostinho, que em sua obra De Civit
Dei apresentou duzentas e oitenta e oito opiniões de filósofos antigos
acerca da verdadeira felicidade do homem.
Quando inicia seu livro primeiro sobre Da existência de Deus,
Gonzaga expõe o pensamento de Epicuro e Espinosa, que negam a
existência da verdade do soberano da verdade de Deus. Gonzaga critica
o utilitarismo normativo de Eufemo e de Epicuro, o positivismo de
Aristipo de Cirene, bem como o individualismo de Hobbes e de
Carnéades. Percebe-se que nega as opiniões de Epicuro, deixando-a
exposta em discordância com seu próprio pensamento de forma muito
clara. Cita Platão e Aristóteles como os que estabeleceram Deus como
criador, mas que admitiam o princípio eterno, um Deus e outro a
Matéria.
Quando menciona Lutero e Calvino, Gonzaga os chama de
“monstros da impiedade” pois não acreditavam na verdade universal
estabelecida pelos católicos, o que demonstra a visão católica de
Gonzaga.
Ao expor sobre São Paulo Apóstolo, lembra da questão da
consciência, pois muitos são os homens que se acostumam com um
151
sentimento e cometendo o pecado acostuma-se com ele, parecendo estar
dormindo, não usando a razão sobre as ações.
Gonzaga quando fala Da necessidade da Religião Revelada expõe o
filósofo Santo Tomás de Aquino, que direciona que além das doutrinas
filosóficas, é preciso outras, terminando por dizer que sem dúvida
alguma é necessário uma revelação divina.
Assim, Gonzaga expõe que é preciso uma sabedoria divina que
mostre os caminhos da virtude, da justiça e da verdade, verificando isso,
percebe-se que cada escola filosófica expõe suas idéias e Gonzaga cita
neste momento em seu Tratado de Direito Natural a respeito dos estóicos,
dos epicuristas e dos cristãos.
Verifica-se, portanto, que Gonzaga muito sabia acerca da filosofia
para poder argumentar tão bem como o fez, mas, ao mesmo tempo, que
tem um pensamento, cita filósofos que pensam o contrário. Mas essa
exposição acerca dos filósofos foi possível graças à tradução literária.
Sem ela não haveria a possibilidade de ter acesso à leitura e o
conhecimento estaria até hoje restrito a poucos. Nota-se que a tradução
literária exposta para os intelectuais que iam estudar na Universidade de
Coimbra possibilitou a criação de uma intelligentsia. A produção de
escritos sobre o Brasil como também no Brasil nos mais diversos
assuntos, por exemplo, foi feita com base em leituras de diferentes textos
e de diversas idéias registradas por homens da cultura ocidental, dando a
possibilidade aos brasileiros de escrever sobre suas situações sociais e
culturais.
152
6.2. O papel da tradução
Destaco, aqui, a opinião de escritor Milton (1993: 11), que diz que
“o tradutor é um cirurgião que realiza transplantes”, demonstrando
claramente o que expusemos anteriormente, ou seja, o tradutor traz para
uma outra nação o pensamento e o conhecimento de um outro povo.
Mas, o tradutor deve ter um cuidado, que está expresso nas palavras de
Cícero acerca da tradução:
O que homens como vós . . . chamam de fidelidade em
tradução os eruditos chamam de minuciosidade pestilenta .
. . é duro preservar em uma tradução o encanto de
expressões felizes em outra língua . . . Se traduzo palavra
por palavra, o resultado soará inculto, e, se forçado por
necessidade, altero algo na ordem ou nas palavras, parecerá
que eu me distanciei da função do tradutor. (MILTON
1993: 12)
Em outros termos, o papel da tradução é tão importante, ao divulgar
idéias “estrangeiras”, que devo lembrar aqui o fato ocorrido com Etienne
Dolet (1509-1546), que foi queimado devido à tradução que fez de
Platão, julgada herética, por não mencionar e aceitar a imortalidade da
alma.
A tradução em Portugal tornou-se um foco essencial para o bom
desenvolvimento iluminista do país. Quanto à tradução, lembro que não
basta que o tradutor conheça profundamente o idioma de origem; é
preciso que haja uma sensibilidade estética e cada época traduz, refaz o
trabalho de tradução anterior. É por isso que uma tradução de
Horácio do século XVI e outro no século XVIII. Destaca-se que no
Arcadismo, o gosto pela Arte Poética de Horácio, traduzido pela
Marquesa de Alorna, se sobressaia. Desta forma, várias versões surgiram
153
como as feitas por Miguel do Couto Guerreiro (Lisboa, 1772), Rita Clara
Freire de Andrade (Coimbra, 1781), Pedro José da Fonseca (Lisboa,
1790), Pe. Tomás de Aquino (Lisboa, 1793) e Joaquim José da Costa e Sá
(Lisboa, 1794). Mas, a melhor tradução deste período foi a de 1758, do
padre oratoriano Francisco José Freire, o Cândido Lusitano, e reeditada
em 1784 e 1883 e reproduzida por V. Buescu em Hespéria Antologia de
Cultura greco-Latina, Lisboa, 1964. Cândido Lusitano destacou-se e
traduziu: “as tragédias Édipo de Sófocles e Séneca; Medeia de Eurípedes e
Sêneca. De Eurípides traduziu ainda Hecúba, Fenícias, Hércules Furioso,
Ifigênia em Áulide e Ifigênia em Táuride”(COELHO 1993: 1099).
Houve no século XVIII, uma veneração pela Epístola aos Pisões,
traduzida por António José de Lima Leitão (1787-1856) e pelo
jurisconsulto António Luís de Seabra, que a incluiu nas suas Sátiras e
Epístolas de Horácio (Porto, 1864). Sobre as Odes de Horácio, Filinto
Elísio, José Agostinho de Macedo e a Marquesa de Alorna traduziram
algumas. Bocage também traduziu a quinta Bucólica de Virgílio e o
primeiro livro das Metamorfoses de Ovídio. Aparecem também o Compêndio
das Metamorfoses (1772), traduzido por José António da Silva Rego e as
Cartas chamadas Heróides (1789), por Miguel do Couto Guerreiro.
Com essas traduções dos mestres antigos, estava quase que
praticamente suprida a pouca latinidade denunciada por Verney. O
século XVIII foi o século do início das grandes traduções que
demonstrou o interesse pelos escritos italianos, franceses, ingleses e
alemães. Pode-se citar o Art Poétique de Bouleau traduzido pelo Conde da
Ericeira no fim do século XVII. Destacam-se no teatro os
comediógrafos: Goldoni, Metastasio, Francisco José Freire que põe em
vernáculo Sannazzaro, Maffei e Athalie de Racine. Tomé Joaquim
Gonzaga traduz Pastor Fido de Guarini; Filinto Elísio, versões de Racine,
154
das Lettres d’une Religieuse Portugaise de Voltaire, D’Alembert e Metastasio,
do Oberon de Wieland, de Les Martyrs de Chateaubriand. José Anastácio
da Cunha traduz e rebela a confluência entre o Classicismo e o pré-
romantismo, destacando Pope, Milton, Otway, Racine, Voltaire. A
Marquesa de Alorna interessa-se mais pelas letras anglo-germânicas
como: Pope, Thomson, Macpherson, Gray, Goldsmith, Wieland. Bocage
traduziu Tasso, La Fontaine, Le Sage, Bernardin de Saint-Pierre e outros.
Surgiram também tradutores menos influentes como: Manuel de Sousa
(o Telémaque de Fénelon, comédias de Molière) ou o Pe. José Amaro da
Silva (o Paradise Lost, de Milton).
6.3. A seleção de alguns tradutores portugueses
Vale ressaltar que os escritos sempre foram selecionados e havia
uma predileção pelos escritos de uma determinada classe intelectual.
Segundo Darnton, “até os livros portavam privilégios concedidos pelas
graças do rei” (1987: 31). Comprova-se assim que havia corporações
privilegiadas na produção cultural do fim do século XVIII na França. O
que não diverge das ações em Portugal, uma vez que os estrangeirados
portugueses foram em encontro das idéias européias, principalmente as
francesas.
Importante salientar os tradutores portugueses nesta tese, para
deixar claro que a tradução literária também se fez importante em
Portugal. Padre Francisco Manuel do Nascimento nasceu em 1727,
conhecido pelo nome árcade de Filinto Elísio, ordenou-se frade e no
sossego conventual aprendeu os clássicos, principalmente Horácio.
Filiou-se ao grupo Ribeira das naus que tinha por lema imitar os
quinhentistas e cujos participantes eram José Basílio da Gama e Silva
155
Alvarenga. Freqüentou também o Mosteiro de Chelas como professor de
latim de D. Leonor, a Marquesa de Alorna e de sua irmã, D. Maria, que
são referenciados por ele em sua poesia Alcipe e Márcia. Após a morte
de Pombal, viu-se envolvido na Inquisição, sendo acusado de heresia.
Suas Obras Completas tiveram duas edições: 1817-1819, em Paris e 1836-
1840 em Lisboa. Morreu em Paris em 25/02/1819.
Filinto Elísio defendeu a Língua Portuguesa e o apuro formal,
sendo considerado o mais horaciano dos árcades. Suas obras exprimem
os cânones neoclássicos em detrimento da liberdade de inspiração.
Abusou de hipérbatos e anacolutos e de mitologia. Dedicou-se à
tradução e imitação dos antigos e esteve atento aos contemporâneos.
Outro intelectual presente neste século e que merece destaque é a
figura feminina de Marquesa de Alorna. D. Leonor de Almeida de
Portugal Lorena e Lencastre, com o nome de Alcipe, nasceu em
31/10/1750. Aos oito anos foi para o convento de Chelas, junto com
sua mãe e irmã, de onde saiu com vinte e sete anos. Em 1779, casou-se
com o Conde Oeynhausem, ministro português de Viena, para onde o
casal segue em 1801. Ficou viúva com cinco filhos e foi exilada em
Londres (1804-1814), devido a atividades políticas antinapoleônicas.
Quando retornou a Portugal, ficou empossada no marquesado de
Alorna, abriu salões à intelectualidade portuguesa e dedicou-se a
proteção das artes. Morreu em Lisboa em 11/10/1839.
A obra de Marquesa de Alorna, reunida em seis volumes, foi
bastante fiel aos cânones neoclássicos. No convento, recebeu formação
clássica de Aristóteles, Horácio e Pope. Na Europa, seus conhecimentos
de inglês, francês e alemão abriram-lhe caminhos para a cultura moderna,
entrando em contato com Uong, Metastásio, Wieland e outros.
156
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, em
15/09/1765. Em 1783, freqüentou a escola da Marinha, entregando-se a
vida boêmia e namorando Gertrudes, a Gertrúria de sua poesia, que
infelizmente o abandona e se casa com seu irmão. Em 1790, introduz-se
na Nova Arcádia com o pseudônimo de Elmano Sadino, cultivando
hábitos desregrados. Em 1797, desentende-se com os confrades e é
denunciado sob a acusação de comportamento irregular. Libertado,
regenera-se, reconciliando-se com os amigos e vive de traduzir e poetar.
Morreu em 21/12/1805.
José Anastácio da Cunha nasceu em Lisboa em 11/05/1744,
mesmo ano de Gonzaga. Estudou humanidades na Congregação do
Oratório, além de Física e Matemática. Pombal, devido a sua vasta
cultura científica o nomeia em 1773 (mesmo ano que Gonzaga tenta ser
professor), lente de Geometria da Universidade de Coimbra. Foi
denunciado à Inquisição por ler Hobbes e Voltaire, acabando em
reclusão no convento oratoriano das Necessidades. Em 1781, conseguiu
ser professor da real Casa Pia do Castelo de São Jorge, em Lisboa.
Faleceu em 1/1/1787. Fez a tradução do Mafoma de Mr. de Voltaire, na
Oficina da Academia Real das Ciências em 1785.
15
Joaquim José da Costa e Sá, natural de Lisboa, nasceu em 1740 ou
pouco depois. Dedicou-se ao magistério, foi professor régio de gramática
e Língua latina em que teve por professor o P. Antônio Pereira de
Figueiredo. Dirigiu um colégio de educação, de onde caíram muitos
alunos. Nos últimos anos de sua vida, por volta de 1798, foi nomeado
Oficial da Secretaria do Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar.
Morreu em 1803. Seu filho Manuel José Maria da Costa e apresentou
15
A obra não traz o seu nome, mas supõe-se que foi ele pelo prólogo , em 1774 ou 1775, e
que então se representou em um teatro particular.
157
à Academia Real das Ciências em 1814 um catálogo com todas as
publicações de seu falecido pai, destinado a servir de esclarecimento à
informação que a mesma Academia tinha de prestar ao governo, sendo
mandada ouvir acerca de um requerimento em que as filhas de Costa e
pediam como remuneração dos serviços prestados pelo seu
progenitor, uma pensão que foi conferida. Costa e como acadêmico
demonstrou algumas memórias sobre as antiguidades romanas e outros
assuntos pertencentes à história e literatura portuguesa; como escritor,
deixou edições de clássicos latinos, que publicou para uso das escolas:
Traducção em portuguez dos tractados de Cícero sobre a
Amisade, Catão maior, paradoxos, etc. . . . Traducção
portugueza de uma elegia latina, feita por um italiano à
morte da Princeza de Carignan, escrita em 1797. . .
traducção em verso de um drama composto em italiano, ao
nascimento do sr. D. Antonio, príncipe da Beira. Com
uma dedicatória em latim ao príncipe Regente. . . .
Traducção de dous logares importantes extrahidos do tomo
XIII das Obras do chanceller D’Aguesseau, offerecida ao
príncipe Regente . . . traducção latina das Constituições dos
Padres Carmelitas descalços, depois que esta congregação
se separou da província de Hespanha.- Consta que sahira
impressa com o original latino (sic) em 1784, gr. (SILVA
1859: 101-102)
Joaquim José da Costa e além destas traduções escreveu outras obras,
mas que não foram traduções.
6.4. O tradutor Cândido Lusitano
Um homem que merece maior destaque por suas produções e por
ter dado muita importância para a tradução literária, provavelmente
influenciando muitos intelectuais conimbrenses, é Francisco José Freire,
158
o Cândido Lusitano. Ele possibilitou a muitos intelectuais brasileiros o
acesso aos registros consagrados e clássicos enquanto estudavam fora do
país, mais precisamente como alunos da Universidade de Coimbra.
Cândido Lusitano ficou conhecido por suas eruditas produções. Entre
elas, aponte-se a tradução da obra Arte Poética de Horácio (publicada em
1758), considerada o código da razão para todas as outras Artes. Cândido
Lusitano quis mostrar, aos jovens intelectuais, teólogos, historiadores
portugueses, os sólidos e verdadeiros preceitos que Horácio expõe sobre
as qualidades dos escritos tanto em prosa como em verso, com ordem,
gosto e método e as razões de sua utilidade.
Segundo Mons De la Motte, em seu livro Discurso sobre a Poesia em
geral, Horácio teve um grande espírito, nasceu para a sátira e para o
elogio, era exato e rico em suas descrições. Quanto à moral, instruiu de
maneira suave, censurou os vícios dos Romanos e era extremamente
criativo, sabia tratar de qualquer assunto. Tanto foi correto em seus
preceitos que Cândido Lusitano em seu discurso preliminar do tradutor
menciona que quem praticar todos os escritos de Horácio será poeta.
Segundo Cândido Lusitano, infelizmente muitos intérpretes desfiguraram
o escrito de Horácio, muitos traduziram Horácio no sentido mais
gramatical, mitológico e histórico do que poético. E não foi só Horácio o
prejudicado por intérpretes antigos. Cândido procurou então não usar de
prolixidade.
Segundo Cândido Lusitano (1758), vários foram os tradutores de
Horácio entre eles: Pedro Nanio Alcmariano, Pedro Gualter Chabot,
Dionyfio Lambino, Guilherme Xilandro, Jacob Cruquio Meffenio,
Francifco Luifino, Jafon de Nores, Jacob Grifolo, Chriftovão Landino,
Henrique Glareano, Theodoro Marfilio, Achilles Eftaço, Thomé Correa,
André Dacier, Ricardo Bentlei, P. Juveney da Companhia de Jefus,
159
Monf. Du-Hamel, Luiz Defpreaux, Francifco Sanches Brocenfe. O mais
utilizado para a leitura de Cândido Lusitano foi André Dacier, por ser
segundo ele, o de maior juízo, com erudição na poética.
Cândido Lusitano expõe que uma tradução para ser boa precisa
conservar com fidelidade todo o caráter e índole do texto:
Nós por fidelidade não entendemos o traduzir literalmente;
mas fim o exprimir (quanto for possivel) sentença por
sentença, e figura por figura, não accrescentando cousa, que
não se lêa no original, e não menos tirando, ou mudando
cousas que nelle estejão. Este requisito se acha em hum
grande numero de Traducçoens. (LUSITANO 1758: XX)
O caráter e a índole consistem em saber conservar na tradução a mesma
gala, o mesmo ar e nobreza com que se exprimiu o texto. Assim,
percebe-se que para haver fidelidade é preciso ciência e eloqüência. A
esses requisitos, Cândido Lusitano (1758: XXI) buscou os fazer:
Parece-nos que exprimimos à Portugueza todo o sentido de
Horacio, e por aquelle modo, que he proprio do seu estylo,
exceptuando aquella precisão, e brevidade, com que elle se
costuma explicar; porque isto em qualquer das linguas vivas
julgamolo por impossivel, traduzindo-se em verso.
(LUSITANO 1758: XXI)
Cândido Lusitano (1758: XXIV) utilizou-se de toda a sua habilidade para
traduzir os pensamentos de Horácio com clareza e para isso usou do
verso solto, mostrando como a rima foi perniciosa à liberdade da poesia,
principalmente quanto às traduções.
Que se a rima he tão fatal à liberdade do Poeta, quando
inventa, muito mais o he, quando traduz; porque está ligado
160
a penfamentos, e exprefoens alheas. Por iffo todas as
traducçoens, que correm com credito no mundo dos
Sabios, fe fão de poetas, fão em verfo folto, como bem
prova hum infinito numero delles, que há, efpecialmente
em Italia, e Inglaterra.(LUSITANO 1758: XXIV).
Somente com a libertação da rima é que Cândido Lusitano poderia
exprimir os pensamentos de Horácio com termos fiéis. Cândido
Lusitano expõe em seu discurso preliminar que procurou acrescentar
suas idéias acerca dos comentários já existentes.
A tradução literária feita por Cândido Lusitano apresenta notas
explicativas que deram indícios para entender o que realmente Horácio
tentou relatar em sua Arte Poética. Expôs que Horácio sem preâmbulo
entra em seu assunto, falando da boa poesia e que esta deve ter
simplicidade, unidade no assunto, disposição, ornato e estilo e comenta
que se Horácio pudesse ler sua tradução, certamente encontraria todos
esses requisitos. Verifica-se, devido à possibilidade da tradução literária,
que Horácio escreveu sua Arte Poética para os necessitados de instrução.
Cândido Lusitano afirma que Horácio disse que os poetas
principalmente fazem as suas descrições como se fosse um ensaio,
comparando com os pintores que fazem a descrição de uma árvore. Na
obra Arte Poética, Horácio aponta a razão geral dos defeitos, dizendo que
nas obras de arte costuma-se haver engano, mostrando o mau com
aparência de bom. E isto, segundo Cândido Lusitano, é um perigo, pois
quando não se quer encontrá-lo depara-se com outro: “Co’ apparencia
do bom nos enganamos” (LUSITANO 1758: 15).
Horácio recomenda clareza e palavras úteis, sem termos ociosos e
exuberantes, mas somente os mais precisos. São exemplos desse
segmento: César, Cícero e Virgílio e a esse modo de escrever muitos os
seguiram:
161
A estes mestres seguiraõ na prosa, e no verso o nosso
Jacinto Freire, e Fr. Bernardo de Brito; Vieira nas Cartas,
quanto soffre a materia: Fr. Luiz de Sousa na prosa, e sobre
todos Diogo Bernardes em suas Poesias, e Duarte Ribeiro
na Vida da Imperatriz Theodora, obra neste genero de
summo merecimento. (LUSITANO 1758: 16-17)
Segundo Cândido Lusitano, Horácio após falar da locução conveniente
passa a falar das partes do Poema e que estas devem se unir, formando
um todo perfeito. Cândido Lusitano explica que Horácio faz a
comparação com o rosto de uma pessoa (1758: 23). Não adianta os olhos
serem lindos, se não houver uma bela composição do todo. O mesmo
acontece com o poema, é preciso, por mais belas que sejam suas partes,
uma proporção perfeita.
Sei de escultor, que explica bem no bronze
Leves cabellos, delicadas unhas,
Mas a estatua no todo naõ val nada.
Se eu cuidara em compor, tanto quizera
Parecer-me com elle, quanto ousara
Jactar-me de cabellos, e olhos negros,
Se a cara me affeasse hum nariz torpe.(CANDIDO 1758:
23).
Acrescenta ainda que cada um pode escrever sobre o assunto que
tiver talento e estudo: “Vos outros, que escreveis, buscais matéria / Igual
a vossas forças: longo tempo” (LUSITANO 1758: 23-24).
Cândido Lusitano (1758: 25) continua explicando e salienta que
nos versos: “Que não soffrem demora em referir-se”, Horácio descobre
o maior segredo da poesia, ou seja, que a ordem do poeta épico para
expor seus argumentos deve ser diversa da do historiador. Percebe-se
162
que o historiador geralmente se utiliza da cronologia direta e o poeta
inicia sua história muitas vezes pelo meio ou pelo fim, invertendo falas,
apresentando ações que deveriam ter sido ditas no início, para melhor
compreensão, mas que não interferem no entendimento da leitura da
obra. Na Arte Poética de Horácio a explicação dos conceitos de
Comédia, Tragédia, Écloga, Teatro, expondo que todas as poesias são
imitações das ações humanas e devem ser belas e agradáveis, não usando
demais a eloqüência.
Salienta-se que Cândido Lusitano comenta que, na Arte Poética de
Horácio, o melhor é o indivíduo não tratar de um assunto de forma mal,
para depois não ficar pedindo desculpas pelos erros. Há também na obra
o comentário acerca do uso da razão. Esta é buscada nos discursos pelos
mais velhos. Percebe-se que na obra Arte Poética, Horácio conceitos
em geral, depois vai detalhando. Cândido Lusitano, juntamente com a
Arte Poética de Horácio, expôs as Regras da Versificação Portugueza, para que
os jovens intelectuais de Portugal encontrem no mesmo livro ambas e
escrevessem melhor e com mais harmonia.
Cândido Lusitano participou da Arcádia Lusitana, fundada em
1756, que contava com a participação de Pedro Antônio Correia Garção,
Domingos dos Reis Quita e outros, que tinham por objetivo renascer o
cultivo das doutrinas literárias clássicas. Importante ressaltar que
Cândido Lusitano, principal teorizador do movimento, deixou obras que
tratam da defesa da língua nacional e ainda as doutrinas de pensadores
como Longino, Horácio, Quintiliano, Boileau, Mutatori, Castelvetro,
Pope e outros. As obras foram Arte Poética, 1748; Dicionário poético, 1765;
Reflexões sobre a língua portuguesa, 1842.
Segundo Cândido Lusitano, a excelência da obra literária está na
dependência direta da universalidade dos conhecimentos do autor. Pode-
163
se verificar que a finalidade da poesia arcádica era a de moralizar, baseada
nos pressupostos horacianos de divertir, mas ao mesmo tempo instruir.
E esse dado não se difere da poesia satírica tão praticada pelos árcades,
pois acabam divertindo e instruindo ao mesmo tempo, através de sua
crítica. Essa poesia acusa a consciência do movimento, o atraso das
instituições e a necessidade de mudança, além de zombar dos homens e
de suas vaidades.
Esse aspecto será demonstrado no final desta tese, ou seja, na
repercussão dos aprendizados obtidos na Universidade de Coimbra e
depois escritos por intelectuais brasileiros. Seus escritos foram e são a
hoje muito importante para a propagação de conhecimentos e
possibilidade de criação e estabelecimento de conceitos, o que confirma,
sem dúvida, que a tradução literária é de suma importância para os
escritos dos intelectuais conimbrenses.
164
CAPÍTULO VII
O
TRATADO DE DIREITO NATURAL
E A INFLUÊNCIA
PORTUGUESA NO BRASIL
7.1. O
Tratado de Direito Natural
e suas disposições
A obra Tratado de Direito Natural foi publicada pela primeira vez
em 1942, em uma edição organizada e prefaciada por Rodrigues Lapa.
16
O texto estava presente, até aquele momento, na Seção Pombalina da
Biblioteca Nacional de Lisboa. O manuscrito foi copiado pelo pai de
Gonzaga, o desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa, João
Bernardo Gonzaga e assinado pelo próprio autor.
Segundo Campos: “O jovem opositor fazia nele a política do
poderoso Ministro, punha o poder real acima do eclesiástico, defendia o
cesarismo, a tirania ilustrada” (1970: 162). O próprio pai apresentou ao
Marquês a tese do filho: “Aquelle herói, que amante da verdadeira
sciencia”. (MAXWELL 2005: 117).
16
Salienta-se que a obra em análise é a Edição crítica de M. Rodrigues Lapa, do Ministério
da Educação e Cultura, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro de 1957.
165
O objetivo do Tratado de Direito Natural é o bem e o melhoramento
da sociedade humana e a felicidade de todos os vassalos. Para que a ação
política fosse eficaz e a harmonia da comunidade dos súditos fosse
garantida, era preciso que a Igreja fosse submetida às leis dos monarcas
temporais.
Gonzaga afirma, na introdução de seu Tratado de Direito Natural,
que a verdadeira felicidade do homem está na sua felicidade eterna,
colocando no homem as leis pelas quais se deve guiar na vida para
merecer tal felicidade:
1. Para conduzir o homem a este fim, infundiu no seu
coração as leis pelas quais se devia guiar. Deu-lhe a
liberdade, para conformar ou não com elas as suas acções.
Enfim, fez tudo o que era necessário para que o homem se
fizesse merecedor de uma glória eterna ou de um eterno
castigo. (GONZAGA 1957: 15-16)
Se as ações humanas fossem boas, o homem mereceria a glória; se más,
um castigo eterno. Gonzaga abre seus argumentos sobre como viver
bem e em decência, buscando uma vida eterna, expondo sobre as leis
divinas que são um Direito Natural e que são impostas pelo uso do
discurso e da razão. Para ele, Deus impôs então, nessa sociedade
humana, um imperante, um rei, dando-lhe todo poder necessário, regido
pelo que chamamos modernamente de Direito Civil.
Segundo Campos, o Tratado de Direito Natural apresenta em sua
introdução a noção de Direito Natural, que é a coleção de leis, “que
Deus infundiu no homem para o conduzir ao fim que se propôs na sua
criação”, leis estas “naturalmente intimadas ao homem, por meio do
discurso e da razão (1970: 163). Acerca do Direito Natural, Gonzaga
166
pergunta que pessoa em si não recorre naturalmente a Deus nos
momentos de perigo (1957: 23). Alguns chegam a julgar se Deus existe
ou não, mas isso os levaria à destruição, à morte:
Se ainda hoje não basta a certeza e o temor da pena para
desterrar a execução dos insultos, que fariam os homens, se
se considerassem livres de semelhante jugo? Os poderosos,
os iracundos, se armariam de ferro; tingiriam a todo o
instante a terra com sangue dos inocentes e fracos; os
pactos não teriam vigor; os estupros e os adultérios seriam
contínuos; enfim, não se regeriam os homens senão pelos
estímulos dos apetites do ódio e da ambição. (GONZAGA
1957: 23)
Vale ressaltar as palavras de São João quando diz que: “Porque todo
aquele que faz o mal, aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de
que não sejam argüidas as suas obras” e acrescenta a essa atitude má,
uma contradição “mas aquele que pratica a verdade, chega-se para a luz,
a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas segundo
Deus.” (SÃO JOÃO 3, 20 e 21). Quanto ao Direito Civil, Gonzaga
descreve, pois, que todo homem deve viver com lei: “1. Ao homem de
nenhûa sorte convém o viver sem lei. [...] e a não ter um jugo que o
domasse, praticaria com eles à maneira dos peixes no mar, donde o
maior devora as mais pequeno” (1957: 24).
Gonzaga escreveu este livro por dois motivos: o primeiro foi o de
ver que não havia na nossa língua um só tratado desta matéria. O
segundo, por ser uma obra que poderia ser lida por principiantes, sem
que bebessem os erros dos naturalistas, como os que diziam que
casamento não é matrimônio. Principiantes que lerem esses erros,
dificilmente conseguem deixá-los, pelo menos esse é o seu objetivo que
167
deixa claro na introdução do Tratado de Direito Natural. Gonzaga discute
que Deus criou o mundo e precisava de um homem inteligente para
poder valorizar a si, a Deus e ter a glória eterna. Infundiu, então, nos
homens as leis pelas quais se devia guiar. Deu-lhe liberdade para
conformar ou não com elas as suas ações. Fez de tudo para que o
homem se sentisse merecedor da glória eterna ou de um castigo.
A coleção dessas leis que infundiu no homem chama-se Direito
Natural ou Lei da Natureza. Elas são intimadas no ser humano pelo
discurso e pela razão. Mas, o homem perdeu a justiça e a inocência. O
remédio seria que se estimulassem os bons e atemorizasse aos maus,
haveria, então, um concílio entre todos, uma união e paz: “A colecção
pois destas leis, que Deus infundiu no homem par o conduzir ao fim que
se propôs as sua criação, é ao que vulgarmente se chama Direito Natural,
ou Lei da Natureza, porque elas nos são naturalmente intimadas por
meio do discurso e da razão” (GONZAGA 1957: 16).
Procurou discutir que a natureza não deu a uns o poder de
mandarem. Deus deu aos imperantes todo o poder. A coleção das leis é
o Direito Civil, que o provêm da Natureza, mas da sociedade:
“aprovou Deus as sociedades humanas, dando aos sumos imperantes
todo o poder necessário pra semelhante fim” (GONZAGA 1957: 16).
Para ele, os homens vivem sujeitos às leis de um superior, logo não
podem fazer todas as ações que seriam concedidas no estado de
Natureza. Deve-se ensinar como se pode e se deve cumprir.
No primeiro livro, Parte I, Dos princípios necessários para o Direito
Natural e Civil, Primeiro Capítulo, Da existência de Deus, Gonzaga cita
Epicuro, Espinosa e outros que negaram a verdade da existência de
Deus: “Ainda que haja uma causa, de que não se deduza a existência
de Deus, Epicuro, Espinosa e outros ímpios que se compreendam no
168
genérico nome de ‘ateus’, negaram detestávelmente esta incontrovertível
verdade” (GONZAGA 1957: 18).
Esse erro deixa os homens sem qualquer obrigação, à semelhança
dos que não têm razão. a necessidade, para a honestidade da vida, da
presença de um juiz, caso contrário, seria uma confusão e desordem.
Imaginar fazer o que o homem tem vontade, seria terrível. Assim,
para Gonzaga a existência de Deus é a base de todo o Direito, o que
contraria os precursores jusnaturalistas que disseram que o Direito
precede a filosofia e a política, logo é a pura razão. O autor demonstrará,
então, as razões físicas, metafísicas e morais: “Como pois a existência de
Deus é a base principal de todo o Direito, sejusto que a mostremos
com razões físicas, metafísicas e morais” (GONZAGA 1957: 18).
A Física seria a necessidade de um Ente, em que tenham princípio
todas as coisas que são vistas. Os entes existem e deve-se admitir um
princípio necessário, causa da sua existência. Nenhum ente pode ser
causa de sua própria existência. Um ente físico pode existir se houver
um outro ente físico. Os entes físicos não podem receber de si próprios
o primeiro ser, pois antes que o recebesse, ainda não eram entes que
pudessem dar.
Epicuro acreditava que a formação do mundo procedia do acaso.
Essa doutrina é indigna de um animal dotado de razão. Se um relógio é
observado, vê-se que alguém o fabricou, isso não é por acaso. O mundo
foi criado em tempo. Quanto aos princípios da cidade, origens das
ciências e das artes, como não verificar a verdade:
Se admitimos um princípio necessário, confessamos a
Deus; se dizemos que todos são contingentes, então
havemos conceder que eles puderam em algum tempo não
existir. E que absurdo se segue de semelhante
169
conseqüência! Nada menos se segue do que pormos todos
os entes que actualmente existem impossíveis de existirem.
Façamos palpável esta verdade. (GONZAGA 1957: 19)
Para Gonzaga a persuasão da existência de Deus sempre foi importante.
A pessoa nos momentos de perigos recorre a Deus. Para ele, todos têm
um princípio espiritual: “Quem haverá que nos perigos não recorra
naturalmente a Deus?” (GONZAGA 1957: 22).
No segundo capítulo, Da existência do Direito Natural, Gonzaga
(1957: 25) relata que nenhum homem pode viver sem lei. O homem tem
a paixão por riquezas onde o maior devora ao menor. Se não houver lei,
ou os homens são perfeitos ou suas ações não diferenciam das ações dos
brutos. Deve-se admitir que um Deus, logo, deve-se reconhecer a
obediência às suas disposições. “Depois de admitirmos o princípio certo
de que um Deus, autor de todas as cousas, havemos reconhecer uma
total obediência às suas disposições” (GONZAGA 1957: 24). Devem-se
cumprir as leis, pois Deus não quer que os homens concorram para a sua
própria infelicidade. Deus quer que o homem concorra para a sua
conservação: “Daí vem que Deus quer que o pai alimente ao filho, e
temos vontade de Deus e por conseqüência lei” (GONZAGA 1957: 25).
Gonzaga confirma que Deus quis que o homem se juntasse a uma
mulher e não a outro homem, porque ele criou um sexo diferente. Toda
vez que o ser humano usar o sexo para outro fim, que não seja a
propagação, estará indo contra a vontade de Deus: “Criou Deus ao
homem e à mulher. Daqui se segue que Deus quis que eles se
ajuntassem; e que não quis que ele se ajuntasse com outro homem,
porque lhe criou companheiro de diverso sexo” (GONZAGA 1957: 26).
Discute também que os homens têm direito a uma sociedade
tranqüila. Todo animal apetitoso deseja tudo para ser feliz. Se não o tem,
170
não é feliz. O homem não pode viver feliz sem a sociedade de seus
semelhantes, essa é a prova da fragilidade da sua natureza. O homem é o
mais fraco de todos os animais; não tem armas naturais, como as feras,
para destas se defender. Sabendo que o homem não viveria fora da
sociedade, deve-se observar que é necessário então o reconhecimento da
lei:
Deus quer que eu viva sociável com o meu semelhante,
para poder ser feliz; de também querer que o meu
semelhante me faça feliz. Vivo com os homens, para fugir
às iras de uma fera, que me ofende, sem me conhecer o
meu direito; e os homens que eu busco para defesa há de
quebrá-lo, quando têm dele um perfeito conhecimento?
(GONZAGA 1957: 27)
Deus quer tudo o que for necessário para a felicidade humana. Deus
quer que os homens vivam sociáveis com o semelhante e o semelhante
deve fazer o outro feliz. Deus não quer que se ofendam uns com os
outros, para viverem temerosos nessa sociedade. Deus não quer que os
homens se ofendam, mas sim que se ajudem.
Quando Gonzaga fala de Grócio, ele menciona que este torna a
provar a existência do Direito Natural pela condição da consciência
humana. Não há pessoa que não tenha remorso quando executa algo que
vai contra a sua razão. Remorso seria o temor de um castigo. A mesma
natureza que ensina a temer, ensina que há lei, por cuja transgressão
julgam merecedores do castigo: “A mesma natureza que nos ensina a
temer, nos ensina que lei, por cuja transgressão nos julgamos
merecedores do castigo” (GONZAGA 1957: 28). Gonzaga diz que Deus
deu a liberdade e não sujeitou o homem à lei. Já Heinécio responde que a
171
liberdade é uma faculdade para fazer o que for conveniente e não para
fazer o que é nocivo. Deus deu liberdade para que o homem possa ser
merecedor ou desmerecedor: “Nós diremos que Deus não nos deu
liberdade para podermos obrar tudo de jure, mas sim de facto, para
podermos assim merecer ou desmerecer, como se verá do contexto do
seguinte capítulo” (GONZAGA 1957: 28).
No terceiro capítulo, Do livre arbítrio, Gonzaga afirma que Deus
não havia de imputar ao pecador em culpa o que ele fizesse forçado.
Como, pois, todo Direito Natural e Civil se firma na certeza do livre
arbítrio: “Sendo Deus um ente sumamente justo, não havia de imputar
ao pecador em culpa o que ele fizesse forçado; nem julgar por justo a
quem não se pudesse desviar do caminho da rectidão. Por este mesmo
princípio ficariam as sociedades civis totalmente inúteis” (GONZAGA
1957: 29).
No quarto capítulo, Das ações Humanas, Gonzaga discute que
existem ações boas e s. As boas são as que seguem a lei e as más as
que divergem do caminho da lei e que toda ação é decorrência de um
princípio interno que o anime, ou de um externo que o violente.
Algumas coisas são feitas no corpo humano, sem que o homem seja
sabedor delas como a circulação do sangue, o movimento do coração e
outras como andar e falar. As primeiras são ações físicas e naturais.
Andar e falar são livres ou morais. As livres são humanas e as físicas não
humanas: “Pois não as faz como homem, isto é, como animal dotado de
liberdade e de razão” (GONZAGA 1957: 35). As ações humanas
dividem-se em internas e externas. Internas são as que a alma faz (amar,
sentir) e externas a que a alma faz e passam a exercitarem-se pelas forças
do corpo, como são andar e ferir. Quais seriam então a bondade e a
maldade dessas ações?
172
No quinto capítulo, Da imputação das ações, o autor procura explicar
o que é imputação. Imputar é julgar que o agente dela está nos termos de
receber o prêmio, ou de suportar o castigo, pela lei destinado contra os
executores de semelhante ação. Para fazer a imputação é preciso que a
pessoa tenha claro conhecimento de todas as circunstâncias da ação e da
lei com que se deve confrontar semelhante ação: “Posto que é regra geral
que todas as acções que se executam ou contra a consciência ou contra
alei, são em si más, não é contudo regra universal que todas as acções
más senos podem imputar; porque muitas, das quais posto que
fisicamente as fazemos, não somos moralmente autores” (GONZAGA
1957: 54).
No sexto capítulo, Do princípio do Direito Natural, Gonzaga afirma
que Direito Natural tem dois princípios, o de ser e o de conhecer. De ser
é a origem da obrigação. De conhecer é uma proposição tal que, posta
ela, o homem conhecerá quanto é de Direito Natural. Direito de ser,
então, é a vontade de Deus. De ser é a vontade de seu legislador. De ser
é a norma das ações. A norma deve ser reta, certa e permanente. Dentro
do homem ela não está, porque o entendimento, a consciência e a
vontade é que estão dentro do ser humano: “Se o princípio “de ser” não
é outra cousa mais do que a origem da obrigação , quem poderá duvidar
que o Direito Natural não pode ter outro princípio senão a vontade de
Deus?” (GONZAGA 1957: 61).
Logo, a norma vem junto com a obrigação externa. O princípio
do Direito Natural é a vontade de Deus. Para ter obrigação, deve haver
lei. Para haver lei, de haver legislador, e não o tirado Deus. Assim,
tirado Deus, não pode haver lei natural, e, por conseqüência, nem
obrigação. Faltando Deus, falta sim a execução do direito, mas não a
obrigação. O princípio de conhecer é uma regra, logo se pode conhecer
173
o que é proibido ou mandado por direito da Natureza. O princípio do
conhecer do Direito Natural deve ser certo, claro e adequado.
Na segunda parte, Dos princípios para os direitos que provêm da sociedade
cristã e civil, Gonzaga trata dos princípios em que se deve instruir quem
quiser aprender as que constituem os santos direitos que provêm da
sociedade. O autor diz que escreve entre um povo que vive numa
sociedade civil, mas no meio de uma sociedade cristã: “Eu escrevo entre
um povo, que não só vive entre ua sociedade civil, mas nomeio de uma
sociedade cristã” (GONZAGA 1957: 67).
No primeiro capítulo, Da necessidade da religião revelada, Gonzaga
expõe que é uma doutrina totalmente errônea. São Tomás diz que para
se conhecer as verdades que são naturais e sobrenaturais é preciso que se
tenha conhecimento de umas e outras e que é totalmente necessário à luz
de uma revelação divina e que esta mostre o que não se pode alcançar
naturalmente, como também que guie nos seres humanos os passos pelo
caminho da virtude, da justiça e da verdade.
Ele pergunta se além das doutrinas filosóficas nos são
necessárias outras, para podermos conhecer por meio delas
não as verdades que fogem da nossa compreensão, mas
também as que cabem nos limites dela. Para responder a
esta pergunta, distingue duas qualidades de verdades: umas
que contêm cousas naturais, e outras as sobrenaturais;
concluindo que, para têrmos um perfeito conhecimento de
umas e outras, nos é totalmente necessária a luz de uma
revelação divina. (GONZAGA 1957: 68)
No segundo capítulo, Da verdade da Religião Cristã, Gonzaga argumenta
que a única religião verdadeira é a que Jesus Cristo ensinou à
humanidade. Primeiramente, o autor pretende demonstrar quem foi este
homem denominado Jesus Cristo. O autor solicita que se olhe para todo
174
o mundo onde se segue o cristianismo para ver como foi propagado:
“Para conseguirmos pois êste fim que nos propomos, devemos
primeiramente mostrar que houve este homem Deus, a quem
denominamos Jesus Cristo” (GONZAGA 1957: 70).
No terceiro capítulo, Da Igreja Cristã e das suas propriedades, o autor
estabelece que se deve ter uma sociedade religiosa, ou uma igreja, onde
se possa propagar a religião cristã: “Esta igreja se pode definir: ua
congregação de fiéis, que seguem a religião de Cristo, debaixo do
regímen do seu legítimo pastor” (GONZAGA 1957: 78). No quarto
capítulo, Do poder da Igreja, Gonzaga menciona que todos os fiéis
reconhecem obediência e sujeição à igreja cristã. na igreja um
imperante sumo, que dirige essa sociedade ao fim da felicidade eterna.
Depois de admitirmos ua igreja ou sociedade cristã, não
podemos deixar de confessar que nela precisão de um
imperante sumo, a quem todos fiéis reconheçam uma total
obediência e sujeição; pois assim como na sociedade civil
deve haver uma cabeça, que dirija as partes dela ao fim da
felicidade temporal, assim também na república cristã, há de
haver um imperante sumo, que dirija as partes dela ao fim
da felicidade eterna. (GONZAGA 1957: 80)
No quinto capítulo, Do que é cidade ou sociedade civil. Da causa eficiente e
necessidade dela, Gonzaga questiona quais são os princípios necessários
para se estabelecerem os que nascem da sociedade civil: “No estado da
sociedade civil que os homens constituíram, eles se vêm despojados da
natural igualdade, expostos às iras de um rei tirano, sujeitos a pesados
tributos, a castigos injustos, aos perigos e outras infinitas calamidades”
(GONZAGA 1957: 92).
No sexto capítulo, Das divisões das cidades, do modo porque se formam e
de qual seja a melhor forma delas, Gonzaga relata que as cidades se dividem
175
em regulares e irregulares. Regulares são as governadas por uma só
pessoa. As irregulares são governadas por diversos sujeitos. Gonzaga
deixa claro que ninguém duvidará que a democracia é a pior de todas as
formas de cidade e a monarquia é a melhor forma de governo: “Creio
que ninguém duvidará que a Democracia é a pior de todas”
(GONZAGA 1957: 99).
No sétimo capítulo, Do poder civil e das propriedades do Sumo Império,
Gonzaga (1957: 101) verificará donde provém o poder civil e das
propriedades do supremo poder e império. Será que todo o poder dos
monarcas vem de Deus? “Uns dizem que eles o recebem imediatamente
de Deus e imediatamente do povo” (GONZAGA 1957: 101). O povo só
tem a faculdade da eleição. Deus dá o poder a quem pode exercitar.
No oitavo capítulo, Das divisões do Império dos Modos por que ele se
adquire, Gonzaga diz que Império “ou é absoluto ou é limitado”
(GONZAGA 1957: 107). Absoluto, quando os direitos da majestade
estão todos unidos. Limitado, quando a pessoa que o tem não pode
exercitar todos os direitos da majestade. No nono capítulo, Dos direitos do
Sumo Imperante, Gonzaga diz que são os direitos que conservam a
felicidade para a sociedade: “Os direitos do sumo imperante é tudo o que
é necessário para se conservar a felicidade assim interna como externa da
sociedade” (GONZAGA 1957: 113).
Na terceira parte, Do direito, da justiça e das leis, no primeiro capítulo,
Do Direito e da Justiça, Gonzaga demonstra que Direito é a faculdade
natural que cada um tem em obrar ou não. Também significa uma
coleção de leis homogêneas. Direito Natural é a que provém da natureza
civil. Nesse item, Gonzaga define o que Direito Natural:
Nós não nos cansamos com tão inúteis e tão supérfluas
divisões. Todo o direito ou é natural ou é positivo. O
176
direito, como produz obrigação, de provir de um
superior. As gentes são todas iguais, e o que umas
constituíram não pode fazer direito para as outras. Daqui
deduzo que ou o que as gentes seguem é conforme à
natureza racional e exigido pelas necessidades humanas, e
então é direito da Natureza, ou que são disposições
arbitrárias dos primeiros homens, e então não são outra
cousa mais do que um direito civil, seguido e abraçado
igualmente por diversos povos. (GONZAGA 1957: 121).
No segundo capítulo, Das Leis em geral, Gonzaga refere-se ao conceito de
lei de Heinécio como uma das melhores, não descartando a de
Pufendórfio. Heinécio diz: “a lei é uma regra dos actos morais prescrita
pelo superior aos súbditos para os obrigar a comporem conforme ela as
suas acções” (GONZAGA 1957: 129). No terceiro capítulo, Das leis em
particular, Gonzaga expõe que a lei eterna é a razão com que Deus
governa tudo:
Lei eterna, tomada no sentido lato, é a suma razão com que
deus governa tudo; tomada no seu sentido estrito, é uma
ordenação da vontade de Deus, pela qual ele ab aeterno
determinou que haviam obrar as criaturas racionais as
cousas necessárias para viverem conforme a natureza
racional. (GONZAGA 1957: 135)
No quarto capítulo, Da interpretação das leis, deve-se entender a lei,
conforme o costume recebido. Heinécio diz que a interpretação deve ser
feita mais a favor de quem sente o dano do que a favor de quem recebe
o lucro, a não ser que “as palavras da lei devem-se impropriar todas as
vêzes que, de se entenderem no seu significado próprio, se seguir
absurdo, injustiça ou inutilidade da mesma lei. ( GONZAGA 1957: 145).
No quinto capítulo, Do privilégio e do Costume, o privilégio é algo
feito pelo monarca para além da lei: “é uma faculdade constante
177
concedida pelo monarca para se fazer alguma cousa contra, além da
lei.”(GONZAGA 1957: 148). No sexto capítulo, Da dispensa, ab-rogação e
revogação da lei, Gonzaga fala que nem nas leis naturais nem nas leis
divinas pode-se dispensar pessoa alguma: “A dispensa é ua relaxação da
lei para certo caso. Esta pode ser dada por aquêle que tiver poder
ordinário, como é o mesmo que teve o poder de a pôr, ou por aquêle
que o tiver delegado, que é o que recebe dêle a necessária jurisdição”
(GONZAGA 1957: 150).
Com essa seqüência, o Tratado de Direito Natural é essencial para
entender as estruturas de pensamentos ou uma história de idéias a
matizar, pelo menos em tese, o pensamento brasileiro, isto é, dos
intelectuais que estudaram na Universidade de Coimbra. A obra
apresenta acerca de outras instituições políticas como a família, a cidade,
uma vez que este Tratado de Direito Natural expõe como deveria agir o
homem do século XVIII com suas regras e limites para o bem-estar de
toda a comunidade. Gonzaga demonstra em sua obra quais os princípios
necessários para o Direito Natural e Civil; quais os princípios para os
direitos que provêm da sociedade cristã e civil; e do direito, da justiça e
das leis que imperavam no século XVIII. Vale salientar que o Tratado de
Direito Natural foi escrito em 1768, quando Gonzaga tinha 24 anos e que
naquela época era a sua tese universitária, para ocupar a tão almejada
cadeira de professor na Universidade de Coimbra. Foi uma obra
dedicada ao Marquês de Pombal, que expõe muito sobre Direito Natural,
dando destaque aos jusnaturalistas do século XVIII, como Grócio,
Pufendórfio, Heinécio e Cocceo, apresentando um enfoque escolástico,
como pudemos verificar no capítulo mencionado anteriormente sobre os
jusnaturalistas.
178
7.2. As leituras de Gonzaga
Tomás Antônio Gonzaga estudou nos colégios jesuítas e estes
estabelecimentos seguiam normas padronizadas, que vieram a ser
sistematizadas na Ratio Studiorum, promulgada em 1599. Apesar de ter
estudado na Companhia de Jesus e de ter freqüentado a Universidade de
Coimbra antes da Reforma feita por Pombal, a formação de Gonzaga foi
iluminista:
Gonzaga foi um típico produto daquela época em que as
instituições culturais portuguesas (a Universidade de
Coimbra no centro) formavam um caldeirão inquieto de
idéias revolucionárias, políticas, sociais e culturais. Tivera
como mestres em Coimbra dos mais notáveis expoentes do
Iluminismo europeu, tais como Vandelli (provável
iniciador da Maçonaria em Portugal), o mesmo que
influenciaria tão diretamente a José Álvares Maciel.
(JARDIM 1989: 96)
Deve-se observar que o Tratado de Direito Natural de Gonzaga reflete o
espírito culto, adaptado às idéias inovadoras da época, demonstrando
com bastante habilidade a destinação intelectual, como poeta de gênio
universal e como político, que não se preocupava em expor suas idéias.
O julgamento das atitudes de Gonzaga em sua época não deve ser feito
com o olhar do presente, pois o poeta no momento que escreve
demonstra o período em que viveu e expõe as idéias conforme o seu
pensamento perante a sociedade e suas leis estabelecidas. Pode-se
comprovar por meio da obra Tratado de Direito Natural que Gonzaga leu:
Grócio, Pufendórfio, Heinécio, Cocceo, Tomás Cristiano, Epicuro,
Sêneca, Cícero, Santo Agostinho, Burlamaque, Platão, Aristóteles,
Espinosa, Sócrates, Eufemo, Aristipo Cirenaico, Tomás Obésio,
179
Carnéado, Zenon, Lutero, Calvino, Demócrito, Bajo, Bucero, Jansênio,
Zoroastro, Apóstolo Paulo, S. Gregório Nazianzeno, S. João
Crisóstomo, Tício, Vasques, Salas, Bodino, Seldeno, Boehmero, Santo
Tomás, Suetônio, Celso, Juliano, Constantino, São Pedro, S. Marcos, S.
Lucas, Duarendo, Pedro de Marcha, Felipe Fermoso e Guálter. Todos
esses homens influenciaram o pensamento gonzaguiano que vinculou
todas as leituras para a defesa dos ideais teológicos.
7.3. A influência das Luzes e Trevas nas Minas Gerais do Século
XVIII
O Iluminismo foi um movimento cultural e intelectual cujo centro
irradiador desse movimento foi a França, embora tenha nascido na
Inglaterra. Havia neste período o desprezo pelas instituições humanas
existentes, consideradas como produto da ignorância e barbárie e crença
de que a razão poderia reformulá-las. Todas as atividades intelectuais
discutiam temas reformistas, como a literatura, a vida acadêmica, o
teatro, a imprensa. Havia a crítica violenta aos poderes do clero, da
nobreza e do soberano.
Minas Gerais também não evitava essas manifestações trazidas
pelos intelectuais que iam estudar na Universidade de Coimbra. Estes
estudantes entraram em contato com obras consideradas pecaminosas e
que iam contra a ideologia do poder dominante da época. Os estudantes
da Universidade de Coimbra tinham acesso a Locke, escritor que
destruiu as idéias filosóficas que sustentavam a teoria do Direito Divino
dos Reis, demolindo a teoria de que o direito dos monarcas à autoridade
absoluta deriva de um poder além dos limites do homem.
180
As idéias de Locke foram o arcabouço de todas as teses
revolucionárias do século XVIII. A obra de Locke estava presente na
estante do inconfidente Luís Vieira da Silva (1735-1809) e na mente de
todos os outros revolucionários mineiros. As idéias iluministas de Locke
vinham de confronto às idéias fundamentais da teoria do Absolutismo.
A Igreja também participava desse momento intelectual e a
Universidade de Coimbra tinha importância decisiva na divulgação
dessas idéias e os intelectuais mineiros em Coimbra participaram do
movimento revolucionário de 1789.
Entre 1772 e 1785, trezentos estudantes brasileiros haviam-
se matriculado ali; parte deles estudara também na França,
em Montpellier, onde havia quinze brasileiros entre 1767 e
1793. Em 1786, em Montpellier estavam três estudantes
diretamente envolvidos na Inconfidência: Domingos Vidal
de Barbosa Laje, José Mariano Leal (do Rio de Janeiro) e
José Joaquim da Maia e Barbalho (do Rio de Janeiro).
(JARDIM 1989: 43)
Ressalta-se que os estudantes brasileiros que absorveram as reformas
iluministas da Universidade de Coimbra, promovidas pelo Marquês de
Pombal, foram os mesmos que participaram do movimento inconfidente
de 1789. Para tanto, faz-se necessário observar que muitos aspectos
influenciaram o pensamento desses homens, principalmente, as idéias de
Tomás Antônio Gonzaga. Um outro item que se considera importante
demonstrar é o de que houve outras influências como o livro de Thomas
Guillaume François (1713-1796), conhecido como Abade Raynal:
Influência decisiva no movimento mineiro de 1789 teve
também o livro do francês Thomas Guillaume François
(1713-1796), conhecido como Abade Raynal: Historie
philosophique et politique des établissements e du commerce des
181
Européens dans lês deux Indes”, de 1770 (Amsterdam). É o
mais citado nos Autos da Devassa. Seu livro era uma
denúncia dos crimes do colonialismo europeu; denunciava
o Tratado de Methuen e a dependência de Portugal à
Inglaterra, o tráfico negreiro, a política fiscal abusiva e os
excessos do clero. Dedicava 136 páginas ao Brasil, para o
qual defendia a liberdade de comércio. Fora, praticamente,
o único livro com grandes informações de ordem
econômica, demográfica e político-administrativo sobre o
Brasil do século XVIII a que tiveram acesso os estudantes
brasileiros; o livro de Antonil (“Cultura e Opulência do
Brasil por suas drogas e minas”) tinha sido recolhido após
sua impressão, em 1711. Não obstante a influência de
Mably e Rousseau, Raynal punha em questão o próprio
direito de colonizar; seu livro cristalizava todas as linhas de
pensamento iluminista que visavam a revolta dos
colonizadores; aparece nos Autos da Devassa como o
“motor da ação revolucionária”. Domingos Vidal de
Barbosa Laje sabia de cor várias de sua passagens.
(JARDIM 1989: 43-44)
Verifica-se, então, que as idéias iluministas eram absorvidas em
Minas Gerais de forma rápida, pois existiam pessoas aptas a receberem-
na como: doutores, filósofos, artistas, poetas, historiadores, padres
esclarecidos.
7.4. Os Árcades Inconfidentes e suas Ligações Políticas
Muitos inconfidentes tiveram contato com as novas idéias que
estavam se propagando em toda a Europa. Diante de todo esse novo
contexto, encontram-se rios letrados receptivos às idéias e medidas de
modernidade político-econômicas e cultural das Reformas Pombalinas,
da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos. Pode-se
observar que estava surgindo uma nova tendência, uma nova forma de
182
ver o mundo e os homens começaram a perceber isto. Vários letrados
aderiram às novas mudanças. Entre eles, pode-se citar Basílio da Gama,
que não participou da Inconfidência, mas expressou um ambiente
receptivo às transformações das Reformas. Gama escreveu O Uraguai,
emitindo uma crítica aos jesuítas e uma exaltação ao governador.
Percebe-se no poeta os ideais da nova sociedade que estava surgindo,
modernos, iluministas. Muitos autores escreveram obras que
expressavam as idéias do período. Quase todos os inconfidentes
exaltaram as Reformas Pombalinas por dinamizar o comércio e a
produção manufatureira e, de através da ciência, transformar as relações
do homem com a natureza, incentivando uma nova forma de trabalho.
Resta, então, conhecer a vida de alguns inconfidentes e das obras
que produziram, para que seja possível analisar como foi a repercussão
dessas novas idéias no Brasil. Entre eles destaca-se: Cláudio Manuel da
Costa, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga.
Cláudio Manuel da Costa (1726-1789), filho de portugueses
ligados à mineração. Estudou com os jesuítas do Rio de Janeiro e cursou
Direito em Coimbra. Voltando para Vila Rica, exerceu a advocacia e
geriu os bens fundiários que herdou. Era ardente pombalino e
certamente foi lateral o seu papel na Inconfidência: preso e interrogado
uma vez, foi encontrado morto no cárcere, o que não se atribui a
suicídio. Foi o primeiro e mais acabado poeta neoclássico, assumia o
pseudônimo árcade de Glauceste Satúrnio. Tinha uma sobriedade de
caráter, a sólida cultura humanística, a formação literária portuguesa e
italiana e o talento de versejar. Conheceu Coimbra ainda quando era
adolescente e partiu para Minas, em 1753, antes da fundação da Arcádia
Lusitana.
183
Interessante ressaltar que, segundo Bosi (1997: 68), datam desse
período o Minúsculo Métrico, romance heróico, o Epicédio em memória de
Frei Gaspar da Encarnação, o Labirinto do Amor, o Culto Métrico e os
Números harmônicos, todos escritos entre 1751 e 1753.
Cláudio Manuel da Costa elaborou suas obras em Coimbra,
escreveu poesias narrativas como a Fábula do Ribeirão do Carmo e o
poemeto épico Vila Rica; ambos retratam a oscilação em que vivia o
escritor entre prestigiar a Arcádia e as suas montanhas mineiras, algo
presente no prólogo de suas obras, apresentado por Bosi: “Não são estas
as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas inspirava a
harmonia dos versos. Turva e feia a corrente destes ribeiros primeiro que
arrebate as idéias de um Poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de
minerar a terra que lhes tem pervertido as cores” (1997: 71). Cláudio
Manuel da Costa era bastante admirador das idéias pombalinas e dentre
os poetas mineiros era aquele que mais preso ficou às emoções e valores
da terra.
Basílio da Gama (1740-1795) foi outro poeta mineiro, estudante
jesuíta quando o decreto da expulsão dos padres o atingiu. Viajou para a
Itália e Portugal, buscando obter a proteção do Marquês de Pombal.
Pode-se verificar em O Uraguai (1769), um poemeto épico, que Basílio da
Gama tentou conciliar a louvação de Pombal e o heroísmo do indígena.
Com versos decassílabos brancos, parecendo mais um lírico-narrativo do
que épico, não nos lembrando em nada da estrutura épica tradicional,
demonstra o moderno e os motivos mais importantes da época como o
antijesuitísmo, a ação de Pombal, os litígios de fronteiras, a altivez
guerreira do índio entre outros fatos. no O Uraguai de Basílio da
Gama, um episódio que vai ao encontro do mesmo tema exposto por
Silva Alvarenga em O Desertor. Trata-se do episódio em que, após a
184
morte de Cacambo, a índia Lindóia procura a morte, mas, antes disso,
uma feiticeira conduz a jovem Lindóia a uma gruta, permitindo-lhe ter
uma visão de Lisboa, reconstruída pelo Marquês de Pombal, mostrando-
lhe as grandes reformas por ele produzidas. Neste caso, a expulsão dos
jesuítas é apresentada como um evento através do qual Lindóia sentir-se-
ia vingada pela morte de Cacambo, seu amado: “vê destruída / a
república infame e bem vingada / a morte de Cacambo” (GAMA 1769).
Basílio da Gama em O Uraguai foi quem deixou marcas arcádicas que
valem retomar para poder estudar os árcades. Ele foi o motor que deu
força a outros poetas. O sentimento mediado pelo bucólico e rococó foi
comum a todos, como também todos estão de acordo com o
Iluminismo.
Alvarenga Peixoto (1744-1793) também se doutorou na
Universidade de Coimbra em 1767. Comprou lavras no sul de Minas e
como proprietário descontente com a derrama, participou na
Inconfidência. Também foi um poeta que começou a escrever com um
sincero entusiasmo a Pombal. Ao Marquês dedicou uma trabalhada ode:
Grande Marquês, os Sátiros saltando
Por entre verdes parra,
Defendidas por ti de estranhas garras;
Os trigos ondeando
Nas fecundas searas;
Os incensos fumando sobre as aras,
À nascente a verdadeira heroicidade. (BOSI 1997: 84)
Segundo Bosi, ao quadro da guerra, o horror, o estrago, o surto, o poeta
contrapõe o universo do labor e da ordem, tendo como fundo a
paisagem arcádica.
185
7.5. Tomás Antônio Gonzaga, um árcade que vivencia ou não a
Inconfidência Mineira?
Será que um homem que se dedicou tão abertamente à monarquia,
que exaltou Pombal traz uma ideologia em si de alguém que buscou uma
transformação social? Diante dessa indagação, faz-se necessário analisar
como estava o contexto social mineiro no século XVIII. Segundo
Maxwell (2005), havia um conflito em Minas que era o resultado das
divergências sócio-econômicas entre Minas Gerais e Portugal e da
clássica contradição de grupos de interesses coloniais e metropolitanos.
O episódio foi crítico, pois deu um impacto sobre a elite no Brasil e na
política imperial do governo metropolitano. O tema leva a considerar
que ocorriam reuniões secretas, relatórios confidenciais de encontros
furtivos, interrogatórios, traições e assassinato.
É possível perceber que a Inglaterra exercia um controle sobre
Portugal, não em função das dificuldades econômicas e sociais de sua
pátria como pelo rápido progresso da economia britânica. O ouro
brasileiro para a Inglaterra proporcionava meios para criar as indústrias.
Percebeu-se que a Inglaterra estava interessada era na situação de
Portugal. A prosperidade de Portugal metropolitano, em meados do
século XVIII, dependia da economia colonial. Porém, essa situação
estava chegando aos limites. Os homens que estavam no Brasil e que
tinham conhecimento do contexto colonial, não mais suportavam
querendo a tão almejada Independência. Para se implantar a revolução
recorreram, então, a Thomas Jefferson.
Vendek era José Joaquim Maia e Barbalho, natural do Rio de
Janeiro e estudante em 1783 da Universidade de Coimbra. Maia e outros
estudantes brasileiros estavam dispostos a independência de sua terra
186
natal, por isso precisavam de ajuda internacional. que os Estados
Unidos queriam cultivar a amizade com Portugal, com quem mantinham
lucrativo comércio.
Maia e Vidal Barbosa não eram os únicos entusiasmados pela
política. Entre 1772 e 1785, trezentos estudantes brasileiros tinham-se
matriculados na Universidade de Coimbra. O grupo de Vila Rica não era
o único, em São João d’El Rei reuniam-se homens inteligentes e de
pensamentos afins para discutir poesia, filosofia e acontecimentos da
Europa e das Américas.
Quanto aos diamantes, o próprio Gonzaga tinha em sua casa uma
provisão de pedras preciosas. Gonzaga em seu Tratado sobre a lei
natural acusava a democracia de ser o pior sistema de governo e elogiava
a monarquia que se constitui de um Rei como mandatário, daí o fato de
ir contra ao mandante Cunha Meneses que ditava as leis por sua vontade.
Assim, verifica-se que Gonzaga considerava o representante de Minas
Gerais um homem que ignorava o bem-estar do povo e as leis. Por esse
fato teria escrito as Cartas Chilenas entre 1786 e 1787, atacando o
governador.
Quanto à devassa, tudo indica que Gonzaga era um deles, pois
tinha íntimas relações com Alvarenga Peixoto e Carlos Correia. Freire de
Andrade se refere a Gonzaga como o homem que elaborava as leis e a
constituição do novo estado, articulando a justificativa ideológica do
rompimento com Portugal. Era homem bem informado e tinha boa
biblioteca, assim como Cláudio Manuel da Costa e o Cônego Luís Vieira.
Vale ressaltar que as bibliotecas desses intelectuais traziam livros que
demonstravam como se devia seguir um país com suas próprias leis.
A biblioteca do Cônego Vieira contava com a Histoire de
l’Amérique de Robertson, a Encyclopédie e as obras de
187
Bielfeld, Voltaire e Condillac. Cláudio Manuel da Costa era
tido por tradutor da Riqueza das Nações de Adam Smith.
Entre os inconfidentes ciruclava o Recueil de Loix
Constitutives dês États-Unis de l’Amérique, publicado em
Filadélfia, em 1778, e que incluía os artigos da
Confederação e das constituições de Pensilvânia, Nova
Jersey, Delaware, Maryland, Virgínia, Carolinas e
Massachusetts. Continham, também, os comentários à
constituição, de Raynal e Mably e a ampla discussão de
Raynal sobre a história do Brasil em sua Histoire
philosophique et politique era muito apreciada. (MAXWELL
2005: 147)
Pode-se notar que há muito Gonzaga se interessava por jurisprudência,
desde o seu tratado sobre a lei natural. Segundo Maxwell (2005: 148),
quanto aos planos, previstos pelos inconfidentes, Gonzaga iria governar
durante os primeiros três anos, depois haveria eleições anuais.
Os inconfidentes também faziam surgir um sentimento nativista:
“O sentimento indianista era mais um reflexo da emoção literária e
nacionalista do que de qualquer pretensão a tipo de grandiosa sociedade
miscigenada, como a antevista por Pombal e pelo Duque Silva-Tarouca
25 anos antes” (MAXWELL 2005: 153). Queriam os inconfidentes uma
total revogação das leis e regulamentos anteriores. Queriam chegar a uma
constituição escrita. Pelo meio da década de 1790, tornou-se claro que
dentro e fora do governo português, as relações entre a colônia e
metrópole haviam chegado a um impasse. A Inconfidência Mineira foi
um desastre, mas a política de Portugal para as colônias também tinham
sido. Ambas foram influenciadas pelas coações econômica e social locais.
Destaca-se que com Alvarenga Peixoto, em 1776, para ouvidor na
Comarca do Rio das Mortes e com a chegada de Tomás Antônio
Gonzaga a Vila Rica, como ouvidor, em 1782, constituiu-se em Minas o
grupo que viria a realizar no Brasil o que de mais expressivo se criou
188
dentro do lirismo arcádico e que testemunha a mudança política da
época. Observa-se, então, que Gonzaga assim como qualquer outro
indivíduo daquela ou dessa época sempre tomará partido sobre um
assunto, dependendo da situação em que se vê incluso.
Gonzaga teve atitudes divergentes em diferentes fases de sua vida,
é claro que seguiu caminhos que para ele eram os melhores. Escreveu o
Tratado de Direito Natural por um objetivo, valorizou a monarquia,
pensando no seu futuro. Foi um homem inteligente, que sabia muito
bem como agir, era crítico, político, mas ficou apenas registrado pelas
historiografias literárias como o homem de quarenta anos que se
apaixonou por uma menina de dezesseis, escrevendo o poema lírico mais
conhecido Marília de Dirceu.
Verifica-se que Gonzaga com sua obra Tratado de Direito Natural
pode expressar com toda certeza um ideário português que veiculava
pelos corredores da Universidade de Coimbra. Ideário que poderia
incriminar alguém, absolver outros, castigar alguns e punir com rigidez
quem não seguisse o que o imperante determinava como correto, certo e
eficiente. Os ideais de bem viver e da boa sociedade civil, enquanto
síntese do pensamento jusnaturalista daquele momento, ficaram
expostos com toda clareza nesta obra de Gonzaga, buscando ressaltar
uma vertente monárquica.
Isso leva a pensar que não registro definitivo do envolvimento
de Gonzaga na Inconfidência Mineira. Quanto ao seu ideário enquanto
aluno da Universidade de Coimbra e o fato de dedicar sua tese de
doutorado ao Marquês, tudo isso deixa claro que Gonzaga jamais
discordaria da posição do Primeiro Ministro; na verdade alia-se à política
pombalina, mas essa inclusão não foi bem vista em Coimbra, pelo modo
de expor seu ideário. A tese de Gonzaga, que num âmbito geral, se
189
apresenta teológica, demonstra nas entrelinhas que a questão do direito
é o foco principal da Reforma da Universidade de Coimbra, como se
pôde ver nos escritos preparatórios para a Reforma da Universidade no
texto de Verney.
Gonzaga, portanto, tinha uma visão do que deveria ser a tônica da
nova reforma: o direito, que dominaria toda a sociedade portuguesa,
podendo-se então questionar se o próprio Gonzaga não estaria à frente
da reforma.
CONCLUSÃO
Tornou-se necessário verificar nesta tese a existência de um
ideário dos estudantes da Universidade de Coimbra da segunda metade
do século XVIII, cujos textos escritos tinham uma influência da literatura
do Classicismo de inspiração francesa e do Arcadismo Italiano. Surgia a
época das Luzes, marcada pelo despotismo de Pombal, onde
importantes obras como Uraguai de Basílio da Gama, justificando a luta
contra os jesuítas; O Desertor de Silva Alvarenga, celebrando a Reforma
da Universidade de Coimbra; O Reino da Estupidez, de Francisco de Melo
Franco, atacando a reação do tempo de D. Maria I; e os poemas de
Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto louvando o governante
Pombal, Gomes Freire de Andrade e Luís Diogo Lobo da Silva. Naquele
período, a vida intelectual relacionava-se com as preocupações político-
sociais, o que pode ser visto no poema herói-cômico O Desertor de Silva
Alvarenga que apoiou a Reforma da Universidade de Coimbra:
Já o invicto Márquez com regia pompa
Da risonha cidade avista os muros.
Já toca a larga ponte em áureo coche.
Alli junta a brilhante infantria;
Ao rouco som de música guerreira
191
Troveja por espaços:? A justiça
Fecunda mãi da paz e da abundancia
Vem a seu lado: as filhas da memória
Digna immortal coroa lhe offerecem,
Premio de seus trabalhos: as sciencias
Tornão com elle aos ares do Mondego;
E a verdade entre júbilos e o aclama
Restaurador do seu império antigo.
Brilhante luz, paterna liberdade,
Vós, que fostes n’um dia sepultadas
Co’o bravo rei nos campos de Marrocos,
Quando traidoras, ímpias mãos o armarão
Victima ilustre de ambição alhea,
Tomae, tornae a nós. Da regia stirpe
Resnace o vingador da antiga affronta
Assim o novo Scipião crescia
Para terror da bárbara Carthago
Possão meus olhos ver o ismaelita
Nadar em sangue, e pálido de susto
Fugir da morte e mendigar cadeas;
E amontoadno luas sobre alfanges
Formar degraos ao throno lusitano.
(SILVA ALVARENGA 1867: 13)
A narração de O Desertor inicia-se no Canto I, com a figura do “invisto
márquez”, o ilustríssimo e excelentíssimo senhor Marquês de Pombal
que entrou em Coimbra no lugar tenente de sua Majestade Fidelíssima
para a criação da Universidade em 22 de setembro de 1772. Marquês de
Pombal junta a infantaria e impõe a justiça, que é a mãe da paz e da
abundância, todos a ele se juntam, a coroa lhe é dada pelo prêmio de
seus trabalhos. A ciência é estabelecida, restaurando todo o império,
principalmente, após o terremoto em Portugal, não no aspecto físico
como também intelectual, buscando novamente a autonomia portuguesa
vivida no período governado pelo senhor rei D. Sebastião.
Depois do período helenístico clássico e do Cristianismo do
Renascimento do século XVI, nenhum outro período na história do
192
espírito europeu foi, até hoje, mais agitado de idéias, mais rico de
tendências contrárias e mais revolucionário do que o século XVIII.
Geralmente, dão-se-lhe também os nomes de Iluminismo, de século das
Luzes, de época da Ilustração, ou, na forte expressão dos historiadores
alemães o de Aufklärung (iluminação). Esse século definiu também uma
nova fórmula do Direito Natural e do Estado. Até então, o Direito
Natural consistia numa ordem universal, de fundamentação mais ou
menos metafísica e religiosa, dentro da qual as coisas eram o que eram,
sem que os homens ousassem reclamar contra elas. O novo edifício do
Direito Natural passa a levantar-se sobre a base dos direitos originários e
naturais do indivíduo. O individualismo mais extremo é o que passa,
então, a dar o tom àquelas teorias. A idéia do estado e da liberdade
individual fundem-se uma na outra e esta fusão opera-se justamente
dentro de uma nova idéia de lei e de direito. Tal idéia, bem como a idéia
de estado, exigem e postulam, precisamente, como reivindicação
máxima, a liberdade do indivíduo, assim se atingindo a verdadeira
expressão do clássico conceito do Direito Natural. Outra convicção do
século é a de que não é o rei que está acima da lei, mas sim está acima
de todos, reis e súditos, como expressão da verdadeira soberania da
razão e como mais alta função do estado e do poder político, nascendo
assim a clássica e célebre teoria dos chamados direitos individuais
naturais e originários.
Nota-se essa explicação facilmente em Gonzaga quando diz:
Os direitos do sumo imperante é tudo o que é necessário se
conservar a felicidade assim interna como externa da
sociedade. Tomamos a felicidade interna por todo aquêle
bem que deve gozar a sociedade provindo da união e
harmonia dela. Chamamos felicidade externa à isenção de
193
todo o mal que lhe possa maquinar qualquer potência
estranha. (1957: 113)
Essa transformação nas concepções do Direito Natural deu-se devido a
fatos ideológicos e políticos. Ao ideológico, pertence o espírito
individualista da recente tradição jusnaturalista que se vinha
desenrolando desde o Renascimento e o barroco. À política, estava o
sentimento de liberdade de consciência; a Revolução Inglesa de 1688; a
expulsão dos Stuarts e também as causas econômicas como a Revolução
Industrial e o desenvolvimento do capitalismo moderno.
Deve-se dar atenção para o tipo de construção literária que surgiu
após esse período da época das luzes, pois não existe época obscura que
não haja alguém para denunciá-la. A sátira começou a ficar presente para
denunciar a estupidez ou a ignorância de uma época. Estupidez na tira
O Reino da Estupidez e a ignorância em O Desertor de Silva Alvarenga.
Verifica-se que após Gonzaga, tudo que se pretendeu fazer em termos de
literatura utilizou-se da sátira. Para explicar melhor observe o conceito de
sátira exposto por Hansen:
Como o sátiro, em que duas naturezas formam o terceiro,
ela não tem a unidade prescrita de outros gêneros: é mista,
como mescla de alto e baixo, grave e livre, trágico e cômico,
sério e burlesco. Basicamente inclusiva –“dependente” ou
“polifônica” a sátira mistura tópicas variadas da invenção
retórico-poética, amplificando formas e procedimentos de
elocução. Ressalta, na sua voz fantástica, o hibridismo, na
medida mesmo em que é construída de citações eruditas, de
sentenças irônicas, de descrições hiperbólicas, de agudezas
e vilezas de estilo baixo e sórdido, de paródias dos gêneros
elevados etc. . . . pode assumir qualquer forma. (1989: 226)
194
Pode-se citar a tira O Reino da Estupidez que aborda um período
significativo da história do pensamento em Portugal, por tratar-se de um
momento no qual velhos princípios norteadores da atividade intelectual
passam a enfrentar o embate das propostas de uma racionalidade e um
racionalismo moderno, cujas vicissitudes se estendem até o presente
momento. Evidenciou-se o choque entre dois sistemas simbólicos que
foram tomados como mutuamente excludentes. Obviamente, uma
situação como a descrita presta-se ao tratamento literário satírico, por
tratar-se de uma situação e de um processo no qual a ambigüidade
constitui-se em um aspecto central. Assim, para além do tema da
racionalidade, impõe-se o discurso moralista e a crítica dos costumes,
uma crítica mordaz à sociedade portuguesa do século XVIII. Esta sátira
revela um profundo conhecimento da Ciência Ocidental de sua época,
quando apresenta uma noção de tempo influenciada pelo determinismo
da física newtoniana. Verifica-se no poema uma preocupação com o
ensino jurídico. No texto de O Reino da estupidez está: “os intelectuais
enfarinhados unicamente em quatro petas de Direito Romano, não
sabem nem Direito Pátrio, nem Público, nem o das Gentes, nem
Política, nem Comércio, finalmente, nada de útil”(GAUER 2006: 9-10).
Nessa sátira, verifica-se dois termos muito unidos, o tradicional e o
moderno.
No Brasil, houve o desenvolvimento das Academias, entre elas:
Academia dos Felizes (1736), Academia dos Seletos (1752), Sociedade
Literária (1772). Houve na Bahia, a tentativa de fundar a Academia
Acadêmicos Renascidos e a Arcádia Ultramarina fundada no Rio de
Janeiro pelos poetas Silva Alvarenga e Jo Basílio da Gama, ambos
formados em Coimbra.
195
Na Arcádia Ultramarina reuniram-se outros acadêmicos de
Coimbra, como Bartolomeu Antônio Cordovil, Domingos Vidal
Barbosa, João Pereira da Silva, Baltazar da Silva Lisboa, Inácio de
Andrade Souto Maior Redon, Manuel de Arruda Câmara, José Pereira
Cardoso, José Mariano da Conceição Veloso e Domingos Caldas
Barbosa. Em Minas Gerais, juntaram-se para participar da Academia
Ultramarina José Santa Rita Durão, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga
Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga. Essas academias serviam como
encontros para resolver problemas políticos, sociais, econômicos e
ideológicos.
São todos escritores que se fundamentaram na ideologia da
Universidade de Coimbra no século XVIII. Os intelectuais desta
universidade difundiram o pensamento iluminista, através de suas
poesias satíricas. Cita-se como exemplo O Desertor (1774) de Silva
Alvarenga, mencionado anteriormente, e Cartas Chilenas (1788-1789) de
Gonzaga. Percebe-se que o que se tinha era uma confiança nas idéias
iluministas, no valor humano do ensino. Esses escritos demonstram a
ligação que os brasileiros tiveram com a Reforma da Universidade em
1772. Essa tese demonstrou as idéias iluministas em Coimbra nas últimas
décadas do século XVIII no Compêndio Histórico do Estado da Universidade
de Coimbra, de 1771, em que Pombal argumenta sua crítica à Universidade
indicando autores iluministas.
Importante ressaltar os que participaram da comissão de
elaboração das obras do iluminismo, como D. Francisco de Lemos que
tinha em sua biblioteca particular autores como Voltaire, Boerhaeve,
Monstequieu e Martini. Outro item que se observa é o de que as sátiras
não eram apenas uma crítica à Universidade, mas sim, à sociedade como
um todo e não à sociedade portuguesa, como à francesa, à inglesa e
196
muitas outras. Cita-se, assim, um belo exemplo de como a sátira criticava
o ensino dado na Universidade:
os canonistas saem daqui com o cérebro entumecido com
tanto Direito de Graciano, sem crítica, sem método,
engolindo, com alguns verdadeiros, imensos Cânones
apócrifos, dando ao papa, a torto e a direito, poderes que
lhe não competem por título nenhum e desbulhando os
Reis dos que por Direito da Monarquia lhes são devidos.
Com estes não te abras mais, e acrescenta eu é melhor
morar em uma casa vazia do que em uma cheia de trastes
velhos e desconcertados, onde reina a desordem, a
confusão e a imundície.
Deves porém confessar que a reforma trouxe à
Universidade as Ciências Naturais, que na verdade tiveram
e têm ainda alguns mestres dignos de tal nome, mas que
estes ficam tão submergidos pela materialidade dos
companheiros, que fazem a maior porção, que para os
distinguir é preciso ter vista bem perspicaz. Tanto reina
ainda aqui mesmo a Estupidez. (FRANCO 1995:49)
Esse trecho pertence à sátira Reino da Estupidez. Para o autor, os reis
estavam impregnados de uma concepção de direito que refletia a forma
medieval de pensar o estado e a igreja. Na visão de quem escreveu
deveria haver a separação entre razão e fé. A sátira demonstra também
que quando o velho é combatido, convivem sempre juntos o novo e o
velho, pois a reforma não elimina por completo as estruturas antigas.
O autor de Reino da Estupidez, Francisco de Melo Franco,
freqüentava como homem de letras os melhores meios, convivendo
então com Tomás Antônio Gonzaga, Manuel Maria Barbosa du Bocage
e outros representantes do iluminismo luso-brasileiro, como Basílio da
Gama, Cruz e Silva, Santa Rita Durão e Souza Caldas. Outros poemas
herói-cômicos, foram escritos neste período como O Foguetário publicado
por Mendes dos Remédios, Agostinheida, de cujo autor não se encontram
197
referências e o mais conhecido O Hissope, de Cruz e Silva, companheiro
de Francisco de Melo Franco. Nota-se, portanto, que a sátira é um texto
que se opõe à escolástica, como se esse ensino não garantisse a entrada
de alunos da Companhia na Universidade de Coimbra. Não eram as
sátiras que criticavam as deficiências do Estado, os documentos oficiais
também o faziam, como o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra
(1771) e Estatutos da Universidade de Coimbra (1772); que nesses
documentos não havia crítica pois eram documentos encomendados
pelo Rei.
Para analisar esse período, julga-se nada mais indicador que
chamar atenção para a pessoa de Cabral de Moncada, citado por Gauer,
que demonstrou muito o caráter nacional português:
Em Portugal, com efeito, muito mais do que se passa com
outros países, as idéias filosóficas e particularmente as
filosófico-jurídicas, em lugar de comandarem e dirigirem a
realidade, foram, as mais das vezes, quase sempre, ditadas
pelas necessidades de acção, impostas pela vida e pelas
exigências da emoção sobretudo religiosa. Nós os
portugueses, em geral, de preferência a amarmos as idéias
na sua pureza, amamos sempre primeiro a vida e
utilizamos as idéias como instrumento para uma posterior
acção sobre ela. Nunca somos, por via de regra, puros
intelectuais, mas homens de mais forte instinto realista que
manobramos as idéias com mais ou menos facilidade, ao
sabor da conveniência de outros fins espirituais ou
materiais que temos em vista.
Além disso, nunca abraçamos, geralmente, as idéias
até ao fim e sem reservas, mesmo quando nos deixamos
apaixonar por elas. Um sólido sentido de equilíbrio e de
espírito conservador (poderia dizer, tradicionalista) faz que
sejamos sempre sistematicamente desconfiados, por
temperamento, perante todas as idéias novas, salvo talvez o
caso de certas ideologias políticas. Daí o caráter fortemente
eclético, sempre mais facilmente inclinado a compromissos,
que tem tido até hoje todas as manifestações do nosso
198
espírito filosófico e que entre nós, espirituosamente, se
costuma definir por... ‘escola da filosofia intermédia’.
(GAUER 2006: 81)
Diante desse relato, pode-se perceber o caráter de Gonzaga, ou seja, um
homem que não abraça uma única causa, que sempre tem suas reservas,
mesmo apaixonado. Um homem desconfiado das idéias novas, mas
muito envolvido com a ideologia política. Um homem com influência
filosófica, jusnaturalista, considerado talvez eclético, porém que sabia
muito bem o deveria fazer.
Pode-se concluir, então, que a literatura do século XVIII
reelaborou o conceito de mimese à luz do espírito moderno, destacando
a razão, a natureza e o verossímil. Isso foi comprovado na obra Tratado
de Direito Natural, em que o autor estabeleceu nexos entre a literatura e as
manifestações sociais, apresentando como deveria ser uma sociedade
justa. Quanto a Pombal, o que se percebe foi que este homem atacou
tudo o que significava ameaça ao poder absolutista, seja o Santo Ofício,
seja a Companhia de Jesus. Não houve predileções ou preferências; o
que interessava era o fortalecimento do estado, tanto que, ao estilo
maquiavélico, Pombal pretendeu acabar com tudo e todos, colocando
fim a contra-reforma em seu país.
Deve-se salientar que a imposição das autoridades por todo o
território era tanta que não obedeciam nem mais às ordens do próprio
ouvidor geral e corregedor da comarca de Vila Rica que na época da
Inconfidência era Gonzaga. Sua tese em Coimbra apoiava o poder
absoluto do Estado e o princípio do direito divino dos monarcas. Com
24 anos expôs um raciocínio anteposto pela Teologia e demonstrou uma
personalidade avançada que introduz idéias, que se podem considerar
subversivas, pois apóia o direito do monarca, mas admite que o sistema
199
de governo deve ser o que indicar a pluralidade dos votos, decorrendo
total obediência dos que se estabeleciam, o mesmo princípio
estabelecido por Locke e Rousseau, chegando a conclusão de que a
monarquia era a melhor forma de governo. Locke (1632-1704) em sua
obra Segundo Tratado sobre o Governo (1690), havia destruído as idéias
filosóficas que substanciavam a teoria do Direito divino dos reis,
demolindo a teoria de que o direito dos monarcas à autoridade absoluta,
deriva de um poder além dos limites do homem, o que permite verificar
que as idéias de Locke estavam presentes nas teses revolucionárias do
século XVIII.
Essa pesquisa permitiu tocar em uma riqueza de documentos,
procurando manter a acuidade e a consistência nas interpretações,
gerando, a partir da sua leitura inúmeras reflexões. No momento de
finalizar, voltam à mente inúmeras inquietações, ainda que se
estabeleçam considerações conclusivas, como aquelas em relação aos
poemas herói-cômicos.
O propósito dessa tese, portanto, foi o de verificar por meio da
vida de Tomás Antônio Gonzaga, sua formação intelectual e, pela obra
Tratado de Direito Natural, levantar a sua provável influência nas ações de
outros homens intelectuais que viveram no Brasil naquele período,
formados pela Universidade de Coimbra.
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