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obrigatoriamente ser traduzido em um quadro para que ele possa ser compreendido,
por exemplo. Na realidade, a tradução intersemiótica, nesse caso, se firma como
uma forma de expressão artística na sua forma mais pura. É a criação desprovida de
qualquer necessidade senão a própria necessidade humana de criar e, por que não
dizer, também de descobrir. Sobre a questão se o processo artístico é uma criação
ou descoberta, devemos considerar que
...há os que, romanticamente, afirmam que a obra é resultado de uma criação absoluta do
artista, o qual, semelhante a deus, cava por si próprio a sua substância e realidade, devedor
exclusivamente do prometeico ímpeto de seu gênio. De outra parte, há os que sustentam que,
no fundo, a obra já existe, e o artista não tem outra coisa a fazer senão procurar descobri-la:
ela é uma realidade escondida, que o artista tem o privilégio de saber encontrar e desvelar.
Não é o caso de remontar a fontes platônicas para encontrar exemplos desta concepção,
nem de recordar a idéia de Michelangelo de que a estátua está presente no bloco de
mármore de onde o artista subtrai, retirando-lhe o excedente: Proust sustentou que a obra de
arte ‘preexiste a nós’, e que ‘nós devemos descobri-la, porque ela é ao mesmo tempo
necessária e escondida, como faremos para uma lei natural’, e mais recentemente, Benn
declarou que ‘o poema está já acabado, belo e pronto, antes ainda de ter sido iniciado, só que
o poeta ainda não conhece o seu texto’” (Pareyson, 2001, p. 189-190).
Sob o ponto de vista da poética, uma tradução intersemiótica de cunho
artístico tem a capacidade de iluminar as características e os processos constitutivos
de uma obra através do diálogo entre poéticas em meios diversos. Octávio Paz
(apud Plaza, 1985) afirma que “o diálogo não é mais do que uma das formas, talvez
a mais elevada, da simpatia cósmica”. O tradutor, nesse seu empreendimento de
recriação, necessita conhecer a essência da obra de arte e ser capaz de realizar
uma leitura analítica que pressupõe a obra em sua formação e, sobretudo, a obra
enquanto proposta poética. Além disso, vale ressaltar que, ao mesmo tempo em que
se realiza, a tradução intersemiótica firma-se ela mesma como um método de
criação pautado na busca da equivalência em um sistema signo distinto. Segundo
Monica Tavares (1998, p. 115), a tradução intersemiótica
...é um caso específico do método da recodificação, onde, a partir do pensamento
intersemiótico, procura ‘penetrar pelas entranhas dos diferentes signos’, de modo a clarificar
as relações estruturais no intuito de alcançar a transmutação de formas, ou seja, é a relação
associativa de vários códigos ou meios para constituir uma mensagem. Este tipo de tradução
resulta em um poderoso método de criação a partir de outros signos e provoca o
aparecimento dos fenômenos de transcriação (produção de significados sob forma de
qualidades entre tradução e o original), da transposição (produção de significados pela
transferência de um signo de um meio para o outro meio) e da transcodificação (produção de
significados a partir de uma regra ou símbolo).