AS FOTOGRAFIAS DE MILITÃO DE AZEVEDO
(AINDA NO SÉCULO XIX)
Num dos álbuns de fotografias pertencentes à “Coleção
Militão Augusto de Azevedo” da Seção de Documentação do Museu
Paulista da USP, o “Museu do Ipiranga”, encontram-se três retratos
50
feitos pelo fotógrafo carioca, radicado em São Paulo, Militão de
Azevedo (1837-1905). Essas imagens são, no universo das fotografias
reunidas nesse trabalho, os primeiros registros encontrados no Brasil
que retratam o tema da aparição de um “espírito” numa chapa
fotográfica. As três imagens são emblemáticas e, ao mesmo tempo,
reveladoras de sua natureza, uma vez que o modelo fotografado é
retratado num estúdio ao lado de um grupo de objetos de valor
simbólico, como um vaso de motivo egípcio, duas pistolas cruzadas
sobre um livro, uma ampulheta, um livro deixado no chão. Todos
elementos encontrados na produção de retratos, característico da
época
51
.
Sentado numa cadeira entalhada o modelo posa de frente
para a câmera, enquanto que detrás de sua figura surge uma
aparição coberta por um véu branco e sem rosto. Em cada uma das
fotografias o “espírito” aparece numa pose diferente, tanto quanto o
retratado, que ora vemos com uma bengala, ora sem ela. Numa
dessas fotografias o “espírito” segura uma guirlanda de flores sobre
a cabeça do modelo, o que pode ser interpretado como uma forma de
“glorificação” do personagem ou ainda uma paródia ao retrato da
viúva de Allan Kardec
52
, tirado no estúdio parisiense do fotógrafo
Buguet
5
3
, que Militão deveria conhecer.
Numa segunda fotografia a
aparição
surge apenas como um
vulto esbranquiçado, uma mancha luminosa amorfa, enquanto o
modelo balança sua perna direita, deixando com isso o rastro de um
“duplo” de seu pé na imagem. A terceira fotografia é, sem dúvida, a
que melhor se resolve neste universo temático. O modelo e o
“
e
spírit
o” assumem uma pose serena para o retrato e os contornos
dessa aparição fantasmática é vaporoso, quase insubstancial, muito
mais próximo da imagem que t
emo
s de um
fantasma
e da de
s
crição
desses fenômenos, feita por Kardec.
Nessas fotografias, Militão revela todos os recursos
tr
adicionalmen
t
e empregados na produção dos retratos: o fundo é
uma “p
aisagem de estúdio”, uma pintura sobre lona com traços
realistas; os requisitos da cena referem-se simbolicamente à
passagem do tempo, à eternidade e à morte; das mesma forma que
os três variantes de um mesmo assunto representam “estudos sobre
o tema”. Interessante ainda é ressaltar que Militão de Azevedo, à
époc
a trabalhava também como ator, o que, segundo Marcelo
L
eite
,
teria influenciado de maneira decisiva o seu trabalho de fotógrafo
54
.
Além do
s únic
o
s e
x
emplar
e
s c
om fantasmas da coleção de
Militão de Azevedo, desses três retratos apenas dois foram
58
50. As fotografias estão no
álbum, datadas entre 1879-1885
e registradas sob os números
16544-1734, 16544-1725, 16544-
1724 (vol 6, o último e mais
volumoso de todos os álbuns da
coleção. Ele é uma espécie de
“álbum de sobras”, onde pode-
mos encontrar retratos tam-
bém presentes em outros
volumes) Estes três retratos
foram identificadas por Militão
como sendo o do poeta Martins
Guimarães, sobre quem não
encontramos qualquer outra
referência.
51. Sobre estes requisitos de
cena, Annateresa Fabris escre-
veu que na fotografia de
estúdio “[...] o homem não era
completo se estivesse disso-
ciado do âmbito de sua vida
cotidiana, o que motiva o apa-
recimento de um fundo anima-
do por imagens naturais exteri-
ores ou por representações de
interiores. Estes elementos não
são mais importantes que a
presença do sujeito: o entorno
integra-se com os demais atri-
butos que caracterizam a
personalidade do modelo, sem
chegar a ter uma existência in-
dependente”. (
Apud
Annate-
resa Fabris. “Identidades virtu-
ais. Uma leitura do retrato fo-
tográfico”. Belo Horizonte: Edi-
tora UFMG, 2004: 26).
52. Um depoimento da Senhora
Kardec, publicado originalmen-
t
e na “R
e
vue Spirite” atesta
que “na terça-feira, 12 de maio
de 1874, fui à casa do Sr. Buguet
em companhia da Sra. Bosc e
do Sr. Leymarie e a ninguém
revelei quem eu desejava
e
v
ocar [o espírito para uma
aparição na foto]. O Sr. Buguet,
a de
speito de e
s
t
ar doen
te [...]
compareceu à sala de tomadas
fotográficas [...] Obtive, na
me
sma chapa, duas pr
o
v
as,
sobre as quais, atrás de mim,
meu bem-amado companheiro
de trabalho, Allan Kardec, era
vis
t
o nas seguin
tes posições: na
primeira prova ele sustenta
uma coroa sobre minha cabeça
[...]”.
Revue Spirite, junho de
1874, pg. [...]. [grifos meus]. A
p
ala
vr
a em latim p
ar
a “guir-
landa” é “corona” e seu uso